Passeio Final de Carlos e Ega

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  • O passeio O passeio de Carlos e Ega pela baixa lisboeta no episdio final mais do que o eplogo do romance, uma viagem atravs do tempo, feita a partir de vrios elementos simblicos que marcam o percurso desse passeio. O roteiro simblico desse passeio paradoxalmente mostra-nos os efeitos do passar do tempo e como, por si s, o tempo foi inoperante, porque no transformou, nada mudou.

  • A esttua de Cames

    Estavam no Loreto; e Carlos parara, olhando, reentrando na intimidade daquele velho corao da capital. Nada mudara. A mesma sentinela sonolenta rondava em torno da esttua triste de Cames. (pg. 697) Cames um dos smbolos da identidade nacional, testemunha do brilho de Portugal e do brio portugus. A tristeza da esttua simboliza a amarga nostalgia desse passado, ao qual tristemente se sobrepe a pobreza ideolgica e cultural de um tempo presente, estrangeirado e esquecido dos autnticos valores nacionais. A repetio do determinante demonstrativo mesmo acentua a ideia de estagnao, de no evoluo da cidade e, por extenso, do pas.

    Imobilismo total. Nada mudara.

  • Dmaso e os lisboetas

    E Carlos reconhecia encostados s mesmas portas, sujeitos que l deixara havia dez anos, j assim encostados, j assim melanclicos. Tinham rugas, tinham brancas. Mas l estacionavam ainda, apagados e murchos, rente das mesmas ombreiras, com colarinhos moda. (pg. 697) Tal como estes sujeitos, tambm o Dmaso representa os acomodados na vida, ignorantes e felizes, grotescamente simbolizando a sociedade ociosa e ridcula, incapaz de compreender o valor da autenticidade. Dmaso concentra em si a simbologia do trao dominante da sociedade lisboeta, que a nsia cega do acesso civilizao, apenas pelo deslumbramento do luxo, do que chic a valer ou simplesmente podre de chic. Uma simbologia semelhante est presente na mocidade plida que passeia na avenida, nova gerao de importadores e consumidores de modelos de colarinhos, de calas, botas, costumes, ideias, sem um nico rasgo de originalidade ou autenticidade. (...) este desgraado Portugal decidira arranjar-se moderna: mas sem originalidade, sem fora, sem carcter para criar um feitio seu, um feitio prprio, manda vir modelos do estrangeiro - (pg. 703)

  • O antigo consultrio de Carlos Era o consultrio, o antigo de Carlos - onde agora, pela tabuleta, parecia existir um pequeno atelier de modista. Ento bruscamente os dois amigos recaram nas recordaes do passado. (pg. 700) O antigo consultrio de Carlos serve de pretexto para recordar um tempo em que Carlos ainda acreditava no dinamismo, nos projectos, tal como Ega, que apaixonadamente queria transformar Portugal. Simbolicamente, o escritrio representa a efemeridade de um tempo perdido em que ainda havia esperana, se acreditava no esforo e no dinamismo do trabalho como foras motrizes da mudana: a autntica civilizao. Desoladamente, Ega confessa que no nasceram para fazer civilizao.

  • o Ramalhete

    Mas deviam atravessar ainda a memria triste, o escritrio de Afonso da Maia. (pg. 708) O Ramalhete, casa representativa da estabilidade e respeitabilidade dos Maias, antiga famlia da Beira, testemunhou, ao longo dos anos, momentos tristes e difceis da histria da famlia; presenciou o sofrimento de Afonso e, por isso, mostra agora a sua face austera, como um grande mausolu onde ficam enterradas todas as memrias trgicas dos seus habitantes. Por toda a casa os objetos parecem lembrar esse passado, restos de recordaes que simbolizam a degenerao da famlia Maia. Apenas o escritrio de Afonso se mantm inacessvel, nico espao inclume mesquinhez da degradao moral. Mas a degradao dos Maias representa mais do que os infortnios de uma famlia, a sua simbologia abrange a decadncia escala nacional, ao esprito derrotista e acomodado, estagnada na moda, na poltica e na cultura. O pas, tal como a famlia, mostra-se em plena crise decadentista.

  • Falhmos a vida, menino! Creio que sim ... Mas todo o mundo mais ou menos a falha. Isto , falha-se sempre na realidade aquela vida que se planeou com imaginao. (pg. 713-714) No fim da ao os dois amigos assentam nos princpios da teoria da existncia que expressa a mundiviso que sempre assumiram ao longo da vida: No valia a pena dar um passo para alcanar coisa alguma na Terra porque tudo se resolve, como o velho sbio do Eclesiastes, em desiluso e poeira. Carlos considera que impossvel evitar o falhano, faa-se o que se fizer, no se pode fugir desiluso, porque a vida nunca resulta naquilo que espervamos dela. A verdadeira revelao deste inconformismo manifesta-se na corrida dos dois amigos para alcanar o americano, cujo simbolismo est expresso na palavra esperana. E pela primeira vez em toda a obra, Carlos e Ega no projectam, mas agem, dizem no valer a pena dar um passo, mas correm: A lanterna vermelha do "americano", ao longe no escuro, parara. E foi em Carlos e em Ega uma esperana, outro esforo: Ainda o apanhamos! Ainda o apanhamos! (pg. 716)