PASTOR, Américo RECEPÇÃO AUDIOVISUAL NA EDUCAÇÃO … · leituras de um vídeo educativo de...
Transcript of PASTOR, Américo RECEPÇÃO AUDIOVISUAL NA EDUCAÇÃO … · leituras de um vídeo educativo de...
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE
AMÉRICO DE ARAUJO PASTOR JUNIOR
RECEPÇÃO AUDIOVISUAL NA EDUCAÇÃO MÉDICA:
leituras de um vídeo educativo de Psicologia Médica
RIO DE JANEIRO
2012
Américo de Araujo Pastor Junior
RECEPÇÃO AUDIOVISUAL NA EDUCAÇÃO MÉDICA:
leituras de um vídeo educativo de Psicologia Médica
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação Educação em
Ciências e Saúde do Núcleo de Tecnologia
Educacional para a Saúde da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em
Educação em Ciências e Saúde .
Orientador: Prof. Dr. Luiz Augusto Coimbra de Rezende Filho
Rio de Janeiro
2012
Pastor, Américo de Araujo. Recepção audiovisual na educação médica: leituras de um vídeo
educativo de psicologia médica / Américo de Araujo Pastor Junior.– 2012.
186 f. : il. ; 30 cm. Orientador: Luiz Augusto Coimbra de Rezende Filho.
Dissertação (mestrado) -- Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, 2012.
Bibliografia: f. 168-173. 1. Educação médica. 2. Gravação de vídeo - produção e direção. 3. Videoteipes na educação. I. Rezende Filho, Luiz Augusto Coimbra de. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Nutes, Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde. III. Título.
Américo de Araujo Pastor Junior
RECEPÇÃO AUDIOVISUAL NA EDUCAÇÃO MÉDICA:
leituras de um vídeo educativo de Psicologia Médica
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Educação em Ciências e Saúde do Núcleo de
Tecnologia Educacional para a Saúde da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em Educação em Ciências e
Saúde .
Aprovada em 29 de fevereiro de 2012
____________________________________________________
Luiz Augusto de Coimbra Rezende Filho, Doutor, NUTES/UFRJ
_____________________________________________________
Adriana Mabel Fresquet, Doutora, FE/UFRJ
____________________________________________________
Taís Rabetti Giannella, Doutora, NUTES/UFRJ
Rio de Janeiro
2012
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais, irmãos, família e amigos que
por serem as condições de existência desse meu
caminho, à equipe do Laboratório de Limnologia por me
iniciar no mundo da pesquisa, aos colegas e professores
e demais funcionários da pós-graduação do NUTES por
tantos saberes compartilhados, ao meu orientador Prof.
Luiz Rezende por todos ensinamentos, incentivos e
paciência com meu ritmo de desenvolvimento, à Alicia
Navarro por todo empenho, ao amigo Ricardo Queiroz
(e seus aliados) pela grande ajuda com os trâmites
burocráticos necessários para a conclusão deste
trabalho, à Graça Soares por todo o suporte,
ao meu sobrinho Miguel por me proporcionar minutos
de paze alegria que se transforam em fôlego nessa longa
corrida, ao meu irmão Alexandre Lopes por todas as
horas de risos e sempre me ajudar a me levantar, a
minha namorada Luciana por sempre ver o melhor de
mim, me fazer buscar ser mais do que sou e lutar comigo
por todos meus sonhos, e a Deus por ser essa dúvida
primeira que aliementa e atiça fogo na alma de todo
pesquisador, e a incerteza que me faz agir.
De nuestros miedos nacen nuestros corajes
y en nuestras dudas viven nuestras certezas.
Los sueños anuncian otra realidad posible
y los delirios otra razón. En los extravios
nos esperan hallazgos, porque es preciso perderse para volver a encontrarse.
(EDUARDO GALEANO)
"Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff,
levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia,
depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor,
que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
- Me ajuda a olhar!"
(EDUARDO GALEANO)
PASTOR, Américo. RECEPÇÃO AUDIOVISUAL NA EDUCAÇÃO MÉDICA: leituras de um vídeo de Psicologia Médica. Rio de Janeiro, 2012. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Saúde). Núcleo de Tecnologia Educacional para Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
RESUMO
Neste trabalho, analisamos a produção e a recepção do vídeo educativo Lição de Anatomia, a
fim de compreender que sentidos são produzidos por professores e alunos da disciplina
Psicologia Médica, espectadores do vídeo, e correlacioná-las com as intenções e expectativas
dos seus produtores. Para a realização deste estudo, buscamos analisar conjuntamente a
produção do vídeo e as leituras produzidas pelos espectadores. Para isso, analisamos o vídeo,
entrevistamos seus produtores e fizemos duas exibições experimentais seguidas de um grupo
de discussão com professores e alunos de Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de
Universidade Federal do Rio de Janeiro. O estudo da produção mostrou que o vídeo foi
endereçado principalmente para estudantes de medicina. Esperava-se provocar discussão e
chamar atenção para a formação médica como produtora de traumas e angústias. O estudo da
recepção do vídeo mostrou que os dois grupos espectadores assistiram o vídeo com
expectativas distintas, procederam com leituras convergentes às intenções dos produtores,
mas mantiveram distanciamento critico e resistiram aos aspectos formais do vídeo. Além
disso, adotaram um posicionamento ideológico negociado.
Palavras – chave: Estudos de Recepção de Mídia, Vídeo Educativo, Psicologia Médica,
Educação Médica.
PASTOR, Américo. RECEPÇÃO AUDIOVISUAL NA EDUCAÇÃO MÉDICA: leituras de um vídeo de Psicologia Médica. Rio de Janeiro, 2012. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Saúde). Núcleo de Tecnologia Educacional para Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
ABSTRACT
This article analyzes the production and the reception of an educational video called Anatomy
Lesson. We intend to understand which meanings are produced by two groups of audience,
teachers and students, seeking to make correlations with the intentions and expectations of the
producers. The video was analyzed, the producers were interviewed and two experimental
exhibition followed by discussion group with Medical Psychology teachers and students
made. The study of the production showed that the video was mainly addressed to medical
school students. It was expected to provoke discussion and attention to medical school as a
space of production of trauma and distress. The video reception study revealed that the two
spectators groups watched the video under different expectative. The both groups were aware
of the aesthetic audiovisual resources manipulation, they produced readings that converges to
the intensions of the producers, but they kept aware of the aesthetic audiovisual resources
manipulation, and resists to them. Furthermore, they adopted a negotiated ideological
position.
Keywords: Media Reception Studies, Educational Video, Medical Psychology, Medical
Education.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Diagrama representativo da comunicação tracidional. 29
Figura 2 Diagrama de comunicação de massa baseado no modelo Codificação/Decodificação. 31
Figura 3 Diagrama de comunicação de massa baseado no modelo Codificação/Decodificação e acrescido da dimensão cultural. 39
Figura 4 Diagrama de comunicação de massa construído a partir dos modelo Codificação/Decodificação e Modelo Multidimensional. 48
Figura 5 Diagrama representativo das dimensões da Análise Crítica do Discurso. 49
Figura 6 Diagrama de comunicação de massa circular, bidirecional, muldimensional. 51
Figura 7 Diagrama de surgimento de temas na primeira sequencia de discussão entre professores 120
Figura 8 Figura 8 - Diagrama de surgimento de temas na segunda sequencia de discussão entre professores 125
Figura 9 Diagrama de surgimento de temas na terceira sequencia de discussão entre professores 128
Figura 10 Diagrama de surgimento de temas na quarta sequencia de discussão entre professores 131
Figura 11 Diagrama de surgimento de temas na quinta sequência de discussão entre professores 134
Figura 12 Diagrama de surgimento de temas na primeira sequência de discussão entre estudantes 142
Figura 13 Diagrama de surgimento de temas na segunda sequência de discussão entre estudantes 145
Figura 14 Diagrama de surgimento de temas na terceira sequência de discussão entre estudantes 149
Figura 15 Diagrama de surgimento de temas na quinta sequência de discussão entre estudantes 154
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 Tempo de docência na Psicologia Médica 111
Gráfico 2 Frequência de acesso aos meios de comunicação de massa por professores 112
Gráfico 3 Temas de interesse dos professores 112
Gráfico 4 Nível de informação dos professores por tema 113
Gráfico 5 Filmes assistidos recentemente por professores 114
Gráfico 6 Filmes marcantes para os professores 114
Gráfico 7 Filmes utilizados em sala de aula 116
Gráfico 8 Número de vídeos utilizados em sala de aula por tema 116
Gráfico 9 Religião dos participantes 138
Gráfico 10 Frequência de acesso aos meios de comunicação de massa por estudantes 138
Gráfico 11 Temas de Interesse de estudantes 139
Gráfico 12 Gêneros Filmicos assistidos recentemente por estudantes 139
Gráfico 13 Gêneros Filmicos mais marcantes para os estudantes 140
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Títulos e autores dos trabalhos encontrados 62
Quadro 2 Trabalhos e tipos de pesquisa apresentadas 63
Quadro 3 Caracterizações da inserção da Psicologia Médica no currículo médico. 66
Quadro 4 Papéis atribuídos a Psicologia Médica. 66
Quadro 5 Vídeos utilizados na disciplina Psicologia Médica por ano letivo. 69
Quadro 6 Contagem da utilização de cada título por semestre 72
Quadro 7 Vídeos e temas de utilização nas aulas de Psicologia Médica 72
Quadro 8 Títulos dos vídeos da modalidade sensibilização da série temática Psicologia Médica 75
Quadro 9 Temas identificados na primeira sequência da discussão entre Professores. 119
Quadro 10 Temas identificados na segunda sequência da discussão entre Professores. 124
Quadro 11 Temas identificados na terceira sequência da discussão entre Professores. 127
Quadro 12 Temas identificados na quarta sequência da discussão entre Professores. 131
Quadro 13 Temas identificados na quinta sequência da discussão entre Professores. 134
Quadro 14 Temas identificados na primeira sequência da discussão entre Estudantes. 142
Quadro 15 Temas identificados na segunda sequência da discussão entre Estudantes. 144
Quadro 16 Temas identificados na terceira sequência da discussão entre Estudantes. 148
Quadro 17 Temas identificados na quarta sequência da discussão entre Estudantes. 152
Quadro 18 Temas identificados na quinta sequência da discussão entre Estudantes. 153
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
LVE Laboratório de vídeo educativo
NUTES Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
RGB Red, Green and Blue (vermelho, verde e azul - modelo de cores utilizadas nas TVs à cores)
VHS Video home sistem (sistema de vídeo doméstico)
DVDs Digital Versatile Disc (disco digital versátil)
TLCE Termo de livre consentimento esclarecido
RMP Relação Médico Paciente
FM Faculdade de Medicina
CEP Comitê de Ética em Pesquisa
IESC Instituto de Estudos em Saúde Coletiva
DCN Diretrizes Curriculares Nacionais
RBEM Revista Brasileira de Educação Médica
UFF Universidade Federal Fluminense
SUMÁRIO
1 PROBLEMATIZAÇÃO ............................................................................................. 15
2 PRODUÇÃO E RECEPÇÃO AUDIOVISUAL ....................................................... 26
2.1 MODELO CODIFICAÇÃO / DECODIFICAÇÃO ................................................. 29
2.2 COLOCANDO O MODELO CODIFICAÇÃO/DECODIFICAÇÃO EM PRÁTICA: A PESQUISA DE DAVID MORLEY .................................................. 36
2.3 DESTINAÇÃO E ENDEREÇAMENTO ................................................................. 40
2.4 MODELO MULTIDIMENSIONAL ......................................................................... 42
2.5 REFERENCIAL TEÓRICO DA PESQUISA ............................................................ 52
3 A PSICOLOGIA MÉDICA ........................................................................................ 54
3.1 AS TRANSFORMAÇÕES NA FORMAÇÃO MÉDICA ......................................... 54
3.1.1 A formação médica tradicional ............................................................................ 54
3.1.2 A mudança de paradigmas na formação médica ............................................... 56
3.1.3 A humanização de relação médico-paciente ....................................................... 58
3.2 O PAPEL DA PSICOLOGIA MÉDICA NA FORMAÇÃO MÉDICA .................... 59
3.2.1 As origens .............................................................................................................. 59
3.2.2 A Psicologia Médica na formação médica .......................................................... 61
3.2.3 O papel da Psicologia Médica nas graduações em medicina ........................... 62
3.3 CARACTERIZAÇÃO HISTÓRICA DA DISCIPLINA PSICOLOGIA MÉDICA NA UFRJ E DOS VÍDEOS UTILIZADOS NESSA DISCIPLINA ......................... 67
4 MATERIAIS E MÉTODOS ....................................................................................... 75
4.1 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO ............................................................................... 75
4.2 JUSTIFICATIVA ..................................................................................................... 77
4.3 OBJETIVOS ............................................................................................................... 79
4.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................................................... 80
4.4.1 Estudo da Produção .............................................................................................. 80
4.4.2 Estudo da Recepção .............................................................................................. 82
4.4.3 Quadro de Procedimentos Metodológicos .......................................................... 85
5 ANÁLISE DOS DADOS ............................................................................................ 86
5.1 ANÁLISE DA PRODUÇÃO .................................................................................... 86
5.1.1 Análise fílmica ...................................................................................................... 86
5.1.2 Análise documental ............................................................................................. 91
5.1.3 Entrevista com os produtores ............................................................................ 100
5.1.4 Significado preferencial ...................................................................................... 106
5.1.5 Endereçamento...................................................................................................... 108
5.2 ANÁLISE DA RECEPÇÃO ...................................................................................... 110
5.2.1 Análise da recepção dos professores ..................................................................... 111
5.2.1.1 Hábitos de consumo de mídia .............................................................................. 111
5.2.1.2 A recepção do vídeo ............................................................................................. 117
5.2.2 Análise da recepção dos estudantes ...................................................................... 137
5.2.2.1 Hábitos de consumo de mídia ................................................................................ 137
5.2.2.2 A recepção do vídeo ................................................................................................ 141
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS - Uma tentativa de diálogo Produção e Recepção sob a ótica do modelo multidimensional ...................................................................... 158
REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 168
APÊNDICES 174
APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO APLICADO AOS PROFESSORES...................... 175
APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO APLICADO AOS ESTUDANTES ....................... 179
APÊNDICE D – ROTEIRO DO GRUPO DE DISCUSSÃO FEITO COM PROFESSORES ...............................................................................................................
182
APÊNDICE E – ROTEIRO DO GRUPO DE DISCUSSÃO FEITO COM ESTUDANTES ................................................................................................................ 183
ANEXOS 184
ANEXO A - PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA .............................................................. 185
ANEXO B - TERMO DE LIVRE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO..................... 186
15
1 PROBLEMATIZAÇÃO
Apesar de completamente imerso nesse "admirável mundo novo" da Internet, venho de
outra época. Minha infância e boa parte de minha juventude se passaram sobre o pano de
fundo das projeções RGB da televisão. Passei a maior parte de minha infância dentro de
apartamentos, salas de aulas e pátios de escola, e a TV, a imagem audiovisual, se constituía de
certa forma como um dos principais instrumentos de exploração de uma "realidade" que se
estendia para além dos poucos metros quadrados que eu poderia considerar meu território.
Não assisti apenas à TV, há que se fazer justiça. Pude correr por playgrounds e até me
aventurar como "pseudo-escoteiro" por algumas matas, mas nada com tanta frequência e
intensidade como aquelas com que fui um espectador audiovisual.
Para as aventuras no playground havia dias de chuva. Para a escola, havia aulas
"matadas", feriados "enforcados" e finais de semana. Para a TV, não havia impedimento ou
pausa. Neste sentido, ia de encontro a Jamenson (2007), e o fluxo contínuo de imagens nunca
era interrompido. Rezava inevitavelmente o ritual cotidiano da massa infantil de assistir
animações pela manhã, telenovelas e telejornais pela noite e eventuais filmes ao chegar da
madrugada. A aventura ocorria pela manhã - fui herói, fui anti-herói, e segui acreditando na
vitória ao longo da dura tarefa de virar adulto. À noite eu seguia pouco a pouco mergulhando
no drama da vida adulta, amores quase impossíveis e busca por poder. Já no início da
madrugada a vida parecia mesmo estar retocada pelos tons oníricos do cinema, tudo era
possível, tudo parecia ser mais real. Mas o que vale destacar é que, para mim, a imagem
audiovisual foi um território cotidiano de experiências, e consequentemente aprendizado,
talvez maior que o ocorrido por meio da escola. Se à escola eram destinadas quatro horas do
meu dia (cinco dias na semana), a atividade de espectador audiovisual chegava, em algumas
ocasiões, a tomar doze horas do meu dia (sete dias por semana). Não questiono a eficiência
nem a eficácia desses dois modos de aprendizados, qual foi melhor ou qual foi mais relevante,
nada poderá ser dito com segurança. Entretanto posso afirmar que ao menos um deles
predominava sobre meu tempo de aprendizado, ganhava mais completamente meu interesse.
Assim, entre os infortúnios do ingênuo Chaves, os superpoderes e boa moral do
He-man na luta pelo bem contra a figura da morte, as travessuras do Pica-pau, a perspicácia
do cearense Didi, toda força estereotipante de vidas e amores dos melodramas, além de tantos
outros variados universos possíveis do cinema, se constituíram como estâncias educadoras em
minha vida.
Na juventude, as animações foram perdendo espaço para os filmes, e os audiovisuais
persistiram como importante espaço de aprendizado. Durante a adolescência, certamente mais
16
amores nos filmes que nos pátios e portões da escola. Tenho quase certeza que eu (e todos os
meus colegas de rua) demos o primeiro beijo naquela linda loirinha do seriado Anos Incríveis.
E a cada novo VHS, uma nova vida.
A vida foi seguindo. Durante a graduação na universidade a vida fora da tela passou a
ter maior predomínio. Morar fora de casa, em outra cidade, um mundo novo. Talvez fosse a
hora de colocar em uso não só todo o conhecimento aprendido no espaço formal da escola,
mas também (e talvez principalmente) colocar à prova todo o aprendizado das experiências
vividas por meio do audiovisual. É, na vida real não havia edição de melhores momentos, eu
não era nenhum galã, não tinha dupla identidade, não era fotogênico, o final nem sempre era
feliz (na verdade, raramente o era), muito menos havia aquelas intermináveis canções-tema de
cada história (apesar de minha facilidade em associar uma música a cada história de minha
vida). Como era de se esperar, naquele momento a vida se tornou decepção. A vida era muito
mais complexa e imprevisível do que TV e cinema haviam me apresentado. Diante disso me
restou aprender com a vida. No entanto, este aprendizado começou a ser acompanhado e
complementado pelo consumo de filmes (agora já eram DVDs), filmes estes que tratavam
dessa realidade complexa que eu buscava desvelar. Neste meu drama real, o refúgio era o
drama ficcional da tela em salas escuras. Se na infância a vida tinha as cores vivas dos
desenhos animados, na juventude estas cores esmaeceram, chegando quase a serem "preto &
branco" em sua faceta mais dramática. A vida não era mais uma aventura, mas sim um drama.
A recusa pela cena final alternativa de Efeito Borboleta deixa isso mais claro em minha
memória. O final principal era bastante próximo de minha realidade para ser substituído por
aquela outra cena final que mais parecia um comercial de margarina. Não só a vida passa a ser
um drama, como passa a ser também um drama social.
Minhas produções na universidade (no curso de Comunicação Visual) começaram a
espelhar este mundo esmaecido. Na disciplina Fotografia 1 meus olhos retrataram uma
natureza morta, em preto & branco, de copas de eucaliptos que conseguiam quase escurecer
completamente o céu, e que de tão altos tornavam o fotógrafo cada vez menor. O mundo era
opressivo. Em Fotografia 2 houve uma tentativa de superação desse quadro. Mas este esforço
esbarrou na falta de criatividade. Foi exatamente a falta de criatividade o tema de meu ensaio
nessa disciplina. Birutas, pipas e asas-deltas sem vento, a espera do vento para o voo, foram
impressas (ainda em preto & branco) em fichas pautadas de arquivos, entre palavras e versos
que pareciam vasculhar a memória em busca destes ventos da criatividade. Na disciplina
Produção Audiovisual (na verdade o nome da disciplina era outro, que não lembro, mas que
deixava o currículo com uma cara muito mais moderna e mercadológica), as vertigens da
17
contemporaneidade tomaram as formas de um vídeo poético que "contava" a história de um
aluno do alojamento (onde eu residia) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que
enlouqueceu de tanto estudar (e talvez, por ter de viver em local tão hostil a uma vida
saudável). Câmera subjetiva correndo pelos corredores do alojamento, enquadrando as
paisagens caóticas do local, estas sublinhadas por músicas “pra lá” de psicodélicas. O vídeo,
inicialmente poético, ganhou destaque entre os espectadores como crítica social. E assim
começava minha "carreira" política, quase sem querer. Viajei para alguns poucos lugares do
Brasil exibindo o vídeo em congressos e encontros de estudantes moradores de alojamentos (e
repúblicas) que sofriam do mesmo descaso político-educacional que nós, "cariocas". Sempre
atabalhoado em oratórias, descobri meu melhor discurso com as imagens, mesmo tendo
consciência de que minha poesia houvera sido atualizada pelos espectadores como uma crítica
social. Mas ainda assim, obtive mais sucesso que se fizesse uso da fala. E no fim de tudo,
mesmo que eu não houvesse pensado inicialmente sobre isto, a loucura daquele estudante
tema do vídeo também era fruto do descaso com os estudantes residentes naquele prédio (para
não dizer espelunca), e essa loucura também era um pouco minha.
Com essa descoberta de minha "voz" (recheada de polissemias), continuei buscando
retratar esse mundo complexo (ao menos se mostrava bastante complexo aos meus olhos).
Voltei-me a estudar esta estética esmaecida do mundo contemporâneo (para não dizer aquela
palavra em eterna disputa - pós-moderno). Foram algumas tantas leituras de Bauman,
Jamenson e Baudrillard. Somado a isso, me debrucei sobre as reflexões estético-psicologicas
de Gaston Bachelard, (estudei devaneios, onirismos e outros tantos temas) e as conceituações
sobre a comunicação de Rolland Barthes. Mas nenhum deles me ensinou tanto sobre o
esmaecimento da vida quanto alguns dramas familiares pelos quais passei. Este mundo sem
cores ainda foi reforçado por um relacionamento com uma pessoa altamente depressiva. Eu
mesmo começava a me ver perdido, sem encontrar saídas desse labirinto. Comecei a buscar os
fios que pudessem me levar até a Ariadne dessa vida pós-moderna/contemporânea que caíra
sobre minha cabeça. Esse labirinto, cenário dos mitos Ariadne, Teseu, Minotauro e Ícaro, foi
minha metáfora (e em certa medida tema) para abordar o mundo depressivo em que eu vivia
(contra minha vontade). A fuga dessa morte/minotauro me angustiava e deprimia. Os
caminhos de saída eram construir sonhos/asas de cera, ou puxar os fios/memórias de Ariadne,
e refazer os passos que os levaram para este labirinto. Labirinto, depressão, morte, sonho e
memória foram conjugados na construção de um vídeo poético, metáfora de um drama
familiar, mas que pretendia versar sobre o esmaecido mundo pós-moderno. Esse drama
altamente subjetivo, não linear, sombrio e cinza, de imagens sobrepostas, contrastes,
18
provocou algumas lágrimas em alguns espectadores, e a ironia de outros dois (talvez três). A
monografia que acompanhava o vídeo abordou mais racionalmente todos estes temas acima
destacados, mas sem a poesia deveras polissêmica que parecia dar espaços para que cada
espectador colocasse suas angústias, se as tivesse.
Foi esse mesmo interesse pela dimensão psicológica da vida no mundo esmaecido, que
também foi a temática do projeto que submeti ao processo seletivo de mestrado da Escola de
Belas Artes da UFRJ. Não só a depressão, mas o universo da esquizofrenia e toda ordem de
distúrbios psicológicos, segundo o que eu propunha no projeto, também poderiam ser
investigados e representados no suporte audiovisual. Evidentemente tal projeto não foi aceito,
mas ficou claro para mim que a imagem poderia e deveria ser utilizada como um instrumento
de ação (política ou não) sobre a realidade, de transformação propriamente dita. Eu estava
convencido de que por meio de imagens seria possível compreender e fazer com que os
espectadores vivenciassem e assim compreendessem estes temas de meu interesse. Entretanto,
sob a justificativa de curar a sociedade pós-moderna, eu buscava de fato encontrar curas para
estas pessoas próximas a mim.
As imagens, então, poderiam recolorir o mundo. E foi com esta crença que fui
trabalhar em um projeto de Educação Ambiental, Projeto Pólen, produzir imagens com o
objetivo final de conscientizar e sensibilizar pessoas, educar pessoas. Neste projeto tive a
oportunidade de conhecer os textos de Paulo Freire e tantos outros referenciais de educação.
Minha intenção com os vídeos ganhou nome(s): sensibilizar e conscientizar para a tomada de
decisão. Eram estes alguns dos principais objetivos da Educação Ambiental Crítica e
Emancipatória, praticada no projeto. Mais que ensinar hábitos que trouxessem menores danos
ao Meio Ambiente, era preciso sensibilizar e provocar a tomada de consciência para a
problemática maior que envolvia o uso dos recursos naturais, e compreender as determinantes
da problemática ambiental na realidade objetiva, e assim promover uma melhora qualitativa
nas tomadas de decisão. Sensibilizar e conscientizar com imagens, essa passou a ser a minha
luta (ao menos o nome dela).
Vale neste ponto, uma pequena pausa para melhor abordar o conceito de
sensibilização. Segundo Duarte Jr (2002), a sensibilização (ou conscientização) é um processo
de formação do humano pelo qual se auxilia o homem a desenvolver sentidos e significados
que orientem sua ação no mundo. Para Freire (1987), conscientizar é desenvolver um pensar
crítico através do qual os homens se descobrem em situação, na medida em que a realidade
que os envolve deixa de lhes parecer espessa, capacitando-se para se inserirem na realidade
que se vai desvelando. Assim, é uma atividade intencional e educativa que busca promover
19
uma aprendizagem significativa, que permita o despertar da consciência crítica que atue nas
tomadas de decisão diárias, estas na e para a realidade em que estes sujeitos estão inseridos.
Ou seja, educar para propiciar que os sujeitos do processo educativo se tornassem conscientes
e atuantes nas decisões e transformações da realidade na qual estão inseridos.
Vizinho à sala em que eu trabalhava, estava o Laboratório de Vídeo Educativo do
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde (LVE - NUTES). Em conversa com a
professora Isabel Martins, sobre meus objetivos e interesses (já destacados nos parágrafos
acima), me foi sugerido conhecer o LVE e conversar com o recém-concursado professor Luiz
Rezende. Após algumas conversas escolhi meu próximo passo, cursar como ouvinte
disciplinas do LVE. Assim, foi possível conhecer o acervo de vídeos educativos, que se
voltavam objetivamente para a intenção de ação sobre a realidade por meio da educação.
Deste acervo, os vídeos que haviam sido produzidos sob o objetivo de sensibilizar,
inevitavelmente me chamaram mais atenção, como era de se esperar. Chegar ao LVE foi
efetivamente um encontro (ou seria um reencontro?).
Além dos diversos pontos de contato entre meus interesses e as atividades do LVE,
estudar lá me trouxe também algumas novas questões. A primeira delas foi: Vídeos educam?
Filmes educam? TV educa ou "deseduca"? Que papel educativo o cinema pode
desempenhar? O senso comum parece já possuir todo um repertório pronto de respostas para
estas questões, que não irei reproduzir aqui.
Um primeiro ponto que precisa ser pensado nessas questões são os diferentes termos
que se referem ao produto audiovisual. Vídeo, filme, TV, audiovisual, cinema e alguns outros
termos podem ter filiações epistemológicas (estéticas) distintas e questões sociais, culturais e
históricas específicas. Isto traz alguns limites para trabalhar com estes termos. No entanto, a
necessária problematização destes termos seria digna de toda uma pesquisa a eles voltada. No
presente trabalho não será problematizada esta questão. Nos voltaremos para questões mais
amplas da circulação sociocultural e utilização destas obras audiovisuais para fins
educacionais, sem nos ocuparmos da distinção destes termos, ainda que reconheçamos sua
maior complexidade.
Voltando à questão: vídeos educam? Diversos estudos apresentam, defendem e
ressaltam os possíveis e potenciais papéis educativos desempenhados pelos vídeos. Hodge e
Kress (1988) acreditam que uma narrativa fílmica pode permitir a percepção crítica da
sociedade. Para Ferrés (1996) os vídeos podem despertar a atenção e a curiosidade, reforçar o
interesse e a motivação de alunos. Segundo Arroio e Giordan (2004, 2005 e 2006), vídeos
possibilitam transporte de fatos cotidianos para o momento do processo educativo, podem
20
servir para introduzir um novo assunto, despertar a curiosidade e motivação para novos temas,
promovem a aquisição de experiências de diversos tipos: conhecimentos, emoções, atitudes,
sensações etc. Alguns autores destacam o recurso audiovisual como um “canal privilegiado
para garantir o acesso aos níveis cognitivo, afetivo e da ação e aos códigos de comunicação de
modo geral” (BOOG, GALLIAN, RONCOLETTA e MORETO, 2003 apud BRENDIM,
2009). Blasco et al (2005) ressaltam que a educação através do cinema suscita a reflexão
sobre valores e atitudes como forma de sensibilização para ensinamentos posteriores. Na
literatura internacional, Wong et al (2009) e Ketis e Kersnik (2011) relatam experiências de
uso de vídeos (trechos de filmes e séries de TV) para ensinar habilidade comunicativas e
empatia no âmbito da relação médico paciente.
Bem antes desses estudos acima listados, o antropólogo norte-americano Sol Worth
(1974) já questionava diversos estudos sobre os supostos papéis e vantagens do audiovisual
em contextos educativos. Worth destaca que estes papéis desempenhados por filmes são
coloridos pelos entendimentos destes como arte, propaganda, comunicação e sobre seus
supostos efeitos à sociedade. Estas influências contribuíram para construir crenças que se
configuraram como pressupostos de muitos estudos feitos até a data de publicação de seus
últimos trabalhos. Estes pressupostos circulam até hoje, frequentemente em estudos
(impunemente) sobre usos e possíveis relações entre audiovisual e educação.
Um desses pressupostos é caracterizado pela primazia psicológica e social dos vídeos, de
acordo com a qual, sob a ideia de "pensamento visual", supõe-se que filmes e TV são, de
alguma forma, superiores às palavras. É possível perceber esta noção circulando pela
sociedade, sob a forma do já notório enunciado "uma imagem vale mais que mil palavras".
Um desdobramento desta crença é o entendimento de que os vídeos são uma linguagem das
novas gerações, que se tornará primária social e culturalmente, evidentemente motivada pela
suposta primazia psicológica.
Outro desses pressupostos é a ideia de universalidade e potencial inexplorado dos
vídeos como recurso educativo. Os vídeos, como “linguagem universal”, possuiriam um
potencial ainda inexplorado para fazer aquilo que as palavras falharam em fazer,
comunicando forma multimodal, multissensorial, e para todas as idades e através de diferentes
culturas. Acreditar que pessoas de todas as idades e culturas gostam e entendem os vídeos, é
uma das faces dessa pressuposição rodeada de inconsistências.
Note que essas críticas feitas por Sol Worth, em 1974 ainda, parecem bastante atuais.
Não é preciso muito esforço para perceber que, em diversos argumentos que
defendem/justificam/propõem os usos de vídeo na educação, subjazem estes "pressupostos"
21
criticados por Sol Worth. Segundo Woth (1974), a maior parte dos estudos sobre os usos
educacionais dos vídeos não se voltaram para a verificação desses pressupostos, não tiveram
estes pressupostos como objeto de estudo. E, por isso mesmo, se não há a devida validação,
esses pressupostos não podem sustentar estudos subsequentes.
É importante fazer uma nova pausa e esclarecer algo importante. Não discordamos,
nem concordamos, com esses pressupostos. Na verdade, concordamos com Sol Worth sobre
o fato de ser preciso ter estas pressuposições como objeto de estudo, para então aceitá-las ou
refutá-las como norteadoras de qualquer estudo sobre os usos educacionais de vídeos. Ora,
tudo o que havia me norteado para este caminho, escolhido por mim, supostamente indicava
que os vídeos educavam, mas de fato havia poucos argumentos e experiências sustentadas por
pesquisas empíricas. Entretanto, longe de esvaziar o interesse no melhor desenvolvimento do
conhecimento sobre as relações entre os recursos audiovisuais e a educação, a crítica de Sol
Worth na verdade nos permite dar novos contornos às pesquisas, re-orientá-las, e mais
importante, reforçar a importância de também se voltarem as pesquisas para estas questões
destacadas por ele.
Certamente, filme e comunicação visual devem receber maior atenção das escolas e dos educadores. O que discordo são as suposições subjacentes aos argumentos dos educadores. A suposição da primazia visual, com sua subordinada e acrítica ideologia fílmica, dá um viés despropositado para os problemas de investigação, métodos de ensino, e ao currículo, bem como as teorias da educação e políticas públicas. A verdade não é que o visual é psicologicamente, culturalmente, e sensoriamente a principal via de experimentação e conhecimento do mundo, mas sim que o modo visual de comunicação, juntamente com outros modos, permite-nos entender, controlar, ordenar e, assim, articular o mundo e nossas experiências (WORTH, 1974).
Com a ajuda do trabalho de Valério Fuenzalida (2005), é possível tornar um pouco
mais complexa essa relação entre audiovisual e educação. Referindo-se mais diretamente à
TV, e extrapolando o contexto educativo exclusivamente da instituição escolar, o autor afirma
que a TV é uma agência de socialização diferenciada da escola, com uma linguagem
diferente, acerca de temas diferentes, e de maneira diferente à socialização analítica
ordenadora da linguagem que ocorre na escola. Abordando mais especificamente a audiência
televisiva de programas mais variados, Fuenzalida, em suas considerações, confere maior
poder aos espectadores que a partir de seu universo sociocultural e de suas expectativas
existenciais constituem ou não um propósito educativo para o ato de assistir um programa de
TV. O autor trabalha com a ideia de expectativa educativa como um modo intencional de
espectadores receberem conteúdos audiovisuais na espera de aprender algo com aquilo que se
assistem. Deste modo, a partir de sua situação cultural os espectadores reelaboram suas
22
expectativas acerca da educação para orientá-las a questões mais alusivas às necessidades
existenciais de sua vida cotidiana.
Nessa mesma direção, Jaques Rancière (2007) destaca a emancipação intelectual dos
espectadores. O próprio termo “espectador” é criticado pelo autor por fazer subentender uma
passividade dos receptores. Para o autor este entendimento de espectador passivo estaria
fundado numa concepção platônica em que o ato de olhar apenas acessaria a aparência das
coisas, e não a essência/realidade. Deste modo, olhar não seria uma atividade cognoscível,
seria o oposto de conhecer, e por assim dizer, de agir. O autor reforça que na verdade
espectadores são interpretadores ativos, que se apropriam da história para si mesmos, fazendo
a partir dessa, sua própria história. Tanto para Rancière, como para Fuenzalida, a
espectorialidade é uma ação intencional de sujeitos, a partir da qual são construídos sentidos,
ou como Sol Worth destaca, a partir da qual as realidades são reorganizadas/reconstruídas
pelos sujeitos espectadores.
De modo mais amplo, Stuart Hall (2003) também destaca o papel ativo de
espectadores na recepção. A partir da crítica ao modelo da comunicação tradicional,
unilinear/unidirecional e com foco na transmissão perfeita dos conteúdos e intenções dos
emissores, Hall propõe pensar a comunicação como uma circulação de sentidos/significados
em que não há a necessária identidade entre os sentidos produzidos/emitidos e os recebidos.
Ou seja, produtores/emissores e receptores/espectadores, imersos nessa circularidade, estão
em constante negociação de sentidos atribuídos aos conteúdos em circulação. Para o autor, os
produtores frequentemente se preocupam com a possibilidade da audiência "falhar" em captar
o sentido por eles pretendido. Hall chama de leitura preferencial essa tentativa de controle
que os produtores tentam exercer na significação, uma espécie de orientação "leia-me desta
forma". Entretanto, para Hall a leitura preferencial nunca é bem sucedida: é apenas uma
tentativa de hegemonizar a leitura da audiência.
Juntamente aos graus de clausura (tentativas) impostos pelos produtores dos textos
audiovisuais, também há uma forma de direcionamento do texto para quem deve ler ou de que
ponto de vista deve receber o texto. Morley (1996) nomeia este esforço de Destinação, e o
define como uma maneira de buscar abordar o público de uma determinada maneira, como
forma de estabelecer uma relação específica com a audiência. De forma similar, Ellsworth
(2001) trabalha com o conceito de Modo de endereçamento. Entretanto a autora vai adiante,
por entender que, no esforço por uma "melhor" comunicação, não só há um ajuste no texto
por parte dos produtores, como também há um ajuste dos receptores em seus posicionamentos
23
para ler o texto audiovisual de uma determinada maneira mais ou menos "estimulada" pelo
texto.
De acordo com Morley (1996) essa produção de sentidos é feita sob os referenciais de
conhecimentos dos sujeitos envolvidos nessa dinâmica comunicativa, quer sejam produtores,
quer sejam receptores. Este autor destaca a importância de também se considerar os diferentes
contextos culturais componentes do evento comunicativo.
Kim Schrøder (2000; 2007) desenvolve um modelo que torna mais complexo o
modelo proposto por Hall, trabalhando com diferentes dimensões subjetivas e "objetivas" de
leitura e implicação das leituras. Assim, Schrøder (2000) propõe um Modelo
Multidimensional de análise da recepção, constituído de acordo com um quadro teórico que
considera os processos complexos por meio dos quais as audiências se engajam,
compreendem, criticam e respondem a uma determinada mensagem de mídia. Este modelo é
constituído por seis dimensões de recepção, das quais quatro são de leitura e duas de
implicação. O grupo das dimensões de leitura (motivação, compreensão, discriminação,
posição) diz respeito às experiências subjetivas em que o significado é produzido em um
contexto mais específico, situacional. As dimensões de implicação (avaliação e
implementação) dizem respeito a como estes sentidos produzidos a partir da leitura são usados
como recursos para uma ação política em um contexto sócio, político e ideológico de
significação social.
Ao considerarmos a recepção como elemento fundamental do processo comunicativo,
não só os pressupostos que sustentam e orientam a produção e uso de vídeos para fins
educativos são postos em dúvida, como o entendimento do papel ativo dos espectadores nos
permite olhar de modo mais complexo para as relações entre educação e vídeos. Assim, para
se aproximar de um melhor entendimento das possibilidades educativas do uso dos vídeos, é
preciso partir de uma crítica/validação dos argumentos que sustentam seus usos, considerar
que, além dos produtores, os espectadores são agências constituidoras de sentidos e
finalidades/usos para as obras audiovisuais, que estes sujeitos são dotados de complexidade
subjetiva, e influenciados por diferentes contextos culturais, nesse processo comunicativo que
é essencialmente circular.
Neste ponto, voltamos às perguntas: Vídeos educam? Vídeos sensibilizam? Vídeos
conscientizam? A estas perguntas, ainda podemos somar outras: Que papeis ocupam os
espectadores neste processo? Quais são as expectativas destes espectadores? De que maneiras
as intenções dos produtores podem conformar/influenciar os sentidos produzidos pelos
24
receptores? De que maneiras são mobilizadas as dimensões subjetivas dos espectadores na
produção de sentidos na recepção de vídeos com finalidades educativas?
Sol Worth (1974) indica um possível caminho para nos permitiria aproximar dessas respostas.
Apesar de podermos ensinar por meio de filmes, temos que começar a entender como a estrutura do filme em si e os modos visuais em geral, estruturam nossos modos de organizar nossas experiência (WORTH, 1974).
Um forma de estudar estas "maneiras de organizar experiências" seria estudar as
formas da circularidade entre a produção e a recepção de vídeos educativos. Caracterizar as
intenções e influências de produtores e de receptores na produção de sentidos/significados
atribuídos a vídeos educativos se configura como um primeiro importante passo a ser dado.
Tal propósito pode ser realizado com qualquer obra audiovisual. O acervo de vídeos
educativos do NUTES poderia ser a origem de uma delas. De que forma poderíamos dizer
que os vídeos educativos do LVE-NUTES educam?
O acervo audiovisual do LVE-NUTES conta com cerca de 220 vídeos com propósito
educativo. Segundo Rezende (2009), o acervo do NUTES conta com 53 vídeos em que a
intenção pedagógica de sensibilizar está presente. Esses vídeos (que desde o início obtiveram
meu maior interesse), segundo Brendim (2009), têm como objetivo motivar, despertar o
interesse e questionar, além de apresentar a informação. Rezende (2009) complementa essa
informação, ao entender que estes vídeos buscam fazer discutir, refletir, sensibilizar e
persuadir o espectador, destacando aspectos e contextualizando a informação.
Desses, são 14 os vídeos em que o objetivo pedagógico principal é sensibilizar, e todos
voltados para a formação médica. A Psicologia Médica foi a série temática de maior
ocorrência de vídeos de sensibilização. Quatro desses vídeos foram classificados nessa série
temática. Todos os vídeos dessa série temática são da modalidade sensibilização. Assim,
como o interesse inicial era entender o potencial sensibilizador do audiovisual na educação,
conforme descrito acima, nossa atenção se voltou mais especificamente para estes vídeos de
Psicologia Médica, que se voltavam à sensibilização.
A disciplina Psicologia Médica compõe o currículo de medicina, e tem papel
importante por se dedicar à dimensão psicológica das relações médico-paciente (RMP), além
de se voltar para a integração do ensino com a prática (CAPRARA & FRANCO, 1999;
MUNIZ & CHAZAN, 2010). Essa disciplina se constitui como espaço de aprendizado e
reflexão a respeito da relação entre o médico e seus pacientes, e busca uma formação que
abarque, de forma integrada, conhecimentos nas áreas biomédicas e psicossociais, por meio
de uma abordagem crítica e de orientações éticas e humanísticas (AGARAKI & SPINK,
25
2009; CORTOPASSI et al., 2006). É papel preponderante da Psicologia Médica atuar na
formação de fundamentos, valores e saberes que sejam pautados pela compreensão integrada
das dimensões biopsicossociais presentes nas RMP, atravessando toda a formação médica de
forma integrada à prática (CORDEIRO et al., 2010; LUCCHESE et al., 2009; SILVA et al.,
2009; DE MARCO et al., 2009; MUNIZ & EISENSTEIN, 2009; QUINTANA et al., 2008;
CORTOPASSI et al., 2006). Assim, a Psicologia Médica compõe o currículo da formação
médica, e tem por objetivo o estudo das relações humanas no contexto da prática médica, com
especial atenção às relações médico-paciente. Compete a esta disciplina promover a
compreensão do homem como um complexo biopsicossocial, primando por uma prática
médica mais humana e integral.
Assim, a princípio, os vídeos de sensibilização da série temática Psicologia Médica se
voltam, de um modo geral, para o objetivo educativo de chamar a atenção e provocar
discussão/reflexão sobre as influências dos aspectos subjetivos das relações humanas nas
RMP. Em outras palavras, com estes vídeos se pretende sensibilizar (tornar mais sensível,
perceptível) e conscientizar (tornar consciente) para a importância da prática de uma RMP
pautada por valores éticos, humanos e saberes biopsicossociais.
É diante disso que se configura nosso problema de pesquisa. Se a dinâmica de emissão
e recepção de mensagens é um processo de negociação de sentidos, nos interessa saber se os
vídeos, em sua exibição no contexto da disciplina Psicologia Médica, são lidos ou não da
maneira como foram idealizados e, assim, poder melhor compreender o papel dos vídeos
educativos no contexto dessa disciplina. Escrito de outra forma, nosso problema de pesquisa
seria: do ponto de vista de seus espectadores, os vídeos da série temática de Psicologia
Médica do NUTES conseguem de fato sensibilizar para as questões a que a disciplina se
volta?
No presente trabalho, nossa proposta foi estudar as relações entre a produção e a
recepção de um vídeo de sensibilização por alunos e professores da disciplina de Psicologia
Médica. Esperamos caracterizar a negociação de sentidos envolvendo a produção e recepção
de vídeos de sensibilização no contexto educacional da formação em medicina. Para isso
entrevistamos os produtores do vídeo, estudamos os documentos relacionados à produção do
vídeo, analisamos a obra, e fizemos exibições experimentais seguidas de grupos de discussão.
Esperamos que este estudo possa contribuir para a construção de um conhecimento mais
complexo sobre os usos de vídeos para fins educativos, permitindo assim melhor fundamentar
produções e usos de vídeos para estes fins, mais especificamente na formação médica.
26
2 PRODUÇÃO E RECEPÇÃO AUDIOVISUAL
Neste trabalho partimos da compreensão de que, ao criar um texto audiovisual, os
autores o fazem de acordo com um contexto (macro e micro) e segundo o objetivo de
comunicar algo a alguém. Neste "algo dito" já está delimitada uma configuração que indica "a
quem" esta mensagem é destinada e "como" deve ser lida. Mas, a despeito dessas indicações,
consideramos que o espectador tem papel ativo e postura crítica na leitura da mensagem.
Desta forma, compreendemos a comunicação como um processo de negociação de sentidos,
produtor de sentidos, direta e indiretamente influenciado por um contexto sociocultural,
constituído de dimensões comunicativas que abrangem desde as formas de leitura feitas até
como estas leituras são transformadas em atitudes em um determinado contexto social. Não
buscamos dar o foco somente ao produtor ou ao leitor da mensagem, mas considerar estes
dois polos simultaneamente no evento comunicativo.
Segundo Martin (1990) o cinema se tornou, pouco a pouco, uma linguagem que é
fundada, como toda arte, sobre uma escolha e uma ordenação, e é resultado da percepção
subjetiva do diretor. A imagem construída em função daquilo que o diretor pretende exprimir,
sensorial e intelectualmente, e neste último ponto pode se fazer veículo da ética e da
ideologia. Segundo o autor, a imagem fílmica é dinamizada pela visão artística do diretor,
tendo em vista a mensagem que o autor espera comunicar. Machado (1997) define a
linguagem do cinema como um sistema de expressão pelo qual é possível forjar um discurso
sobre o real (ou o irreal), um tipo de construção narrativa baseada na linearização do
significante icônico, na hierarquização dos recortes de câmera e no papel modelador das
regras de continuidade (montagem). Martin (1990) afirma que a linguagem do cinema é
formada pelo "papel criador da câmera" (recortes espaciais, ângulos, posição e movimentos),
pelos cuidados com som, cor, iluminação, cenário e indumentária, e ainda pelas operações de
edição (nas relações espaços-temporais que se pode criar entre estas imagens gravadas,
montagem). Assim, com a escolha de um determinado enquadramento, um certo ângulo de
filmagem, uma trilha sonora e uma determinada ordem de aparecimento das imagens, pode-se
buscar que sejam construídos alguns significados e não outros. Por exemplo, um
enquadramento próximo ao rosto de uma pessoa, ao som de um adágio pode sublinhar os
aspectos dramáticos da cena, enquanto um enquadramento distante, sem música de fundo
pode privilegiar o surgimento de um distanciamento do espectador. Por meio da montagem as
diversas imagens, sons e demais recursos estéticos, serão colocados em relação, sob uma
intenção do autor de comunicar significados a alguém, e serão manipuladas e estruturadas
27
para assim dar forma a uma "mensagem".
No entanto, não são apenas as formas de que a linguagem cinematográfica e os
produtores dispõem que determinam a maneira como as histórias, ideias, significados e
argumentos são compreendidos. Para Odin (2005), além de encontradas em certas figuras
estilísticas ou elementos de seu conteúdo, um filme pode ter suas indicações de leitura
presentes em seu paratexto, ou seja, nas informações exteriores à obra que circulam ao seu
redor e que indicam como a obra deve ser vista, qual seu sentido. Além dos recursos estéticos
que constituem sua linguagem, um filme está inserido num contexto de produção que
influencia as possíveis leituras feitas de uma obra (VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ, 1994). Neste
sentido, os significados de um filme são construídos não somente por seu conteúdo e forma,
mas também pelo seu contexto de produção e pelas informações que são disponibilizadas
sobre ele para os espectadores.
Um outro ponto é que a concepção da mensagem como um estímulo suficientemente
capaz de provocar e prescrever respostas específicas aos espectadores pode não ser suficiente
para dar conta da complexidade envolvida nos processos de leitura. Isto se levarmos em
consideração o caráter polissêmico das mensagens e os papéis ativos dos espectadores na
leitura dos textos audiovisuais. Jewitt e Oyama (2001) fazem uma distinção entre código e
recurso. O conceito de código estaria mais ligado à escola francesa estruturalista, e seria um
conjunto de regras que permitiriam conectar signos e significados. Essa concepção, segundo
os autores, se mostra frágil por não levar em conta as relações de poder inerentes à
comunicação. Ou seja, nessa perspectiva não há interesse sobre a origem desses códigos,
quem criou as regras e etc. Já o conceito de recurso, segundo os autores, é originário do
quadro teórico da Semiótica Social, que problematiza o processo da constituição de
significados ao compreendê-lo em um campo histórico e em plena disputa por poder, e a
partir disso entende que não há uma unidade na interpretação do código. Assim, recurso é o
conjunto de "partes" (signos) e as relações possíveis de serem construídas entre estas "partes"
que dão forma a um campo de significados possíveis. Neste sentido, um recurso é utilizado na
comunicação de um ponto de vista (de uma intenção), e não constrói um significado unívoco
da mensagem, mas determina um campo de significações potenciais. Os recursos semióticos
criam o universo e os limites para as significações possíveis.
Nesse contexto a linguagem fílmica constitui um campo de significações possíveis,
formado de acordo com as intenções dos produtores, que esperam leituras mais ou menos
determinadas a serem feitas pela audiência. Assim, há uma disputa por determinação de
sentidos para os textos fílmicos, em que se empenham produtores com suas habilidades em
28
estruturar as narrativas fílmicas por meio da manipulação intencional de signos e recursos
estéticos na construção de um campo limitado de leituras possíveis. Entretanto, os
leitores/espectadores nem sempre possuem os mesmos repertórios culturais dos produtores, e
frequentemente leem os filmes de modos diferentes do esperado, e de diversas maneiras. É
para este circuito complexo da comunicação, das relações entre textos, emissores e
espectadores em um background sociocultural diverso e variado, que propomos agora lançar
nossos olhares.
Hall (2003) critica o modelo tradicional de comunicação, de viés positivista e
behaviorista, por tratar a comunicação como um processo unilinear e unidirecional, com foco
na transmissão da mensagem. Ou seja, como se bastasse conhecer as características das
mensagens para predizer que efeitos serão produzidos na audiência (MORLEY, 1996). Hall
propõe pensar a comunicação como um processo de circularidade, em que emissores e
receptores produzem sentidos ativamente, influenciados diretamente por seu alinhamento
ideológico. Nesse sentido, Hall e Morley afirmam que antes de produzir efeito uma
mensagem precisa ser decodificada, e esta decodificação é feita sob referências de
conhecimento, ideologia e cultura que são quase sempre diferentes dos referenciais utilizados
na codificação. Nesse ponto, a decodificação deixa de ser compreendida como se ocorresse
sob os mesmos códigos e referenciais do produtor da mensagem. Assim, Codificação e
Decodificação são compreendidas como ocorrendo de acordo com influências quase sempre
diferentes.
Como veremos adiante, Morley (1996) coloca em prática a teoria desenvolvida por
Hall e aponta algumas limitações de inferências a que se pode chegar com este modelo. O
autor também argumenta pela necessidade de se considerar as diferentes culturas e
subculturas como comunidades de produção de sentido. Já Schrøder (2000) questiona a ênfase
dada por Hall às questões ideológicas e critica a consequente unidimensionalidade deste
modelo. Como resposta, Schrøder (2000; 2007) desenvolve um modelo que complexifica o
modelo proposto por Hall, trabalhando com diferentes dimensões subjetivas e "objetivas" de
leitura e implicação das leituras.
Hall (2003), Morley (1996) e Schrøder (2000 e 2007) complexificam a teoria que
explica os eventos comunicativos por considerarem, entre outros fatores, as relações de poder
entre emissores e receptores, inerentes às relações de produção e consumo de significado na
comunicação de massa. Estes autores, diante da compreensão da natureza polissêmica da
mensagem, dos distintos alinhamentos ideológicos, referenciais culturais e repertórios
comunicativos de emissores e receptores, advogam pela não necessária identidade entre os
29
sentidos das mensagens emitidas e as mensagens recebidas. Para esses autores, nem todos os
espectadores experienciam as mensagens da forma que foram intencionadas por seus autores.
Na verdade os receptores de mensagens de mídia verbais e visuais frequentemente fazem uma
leitura diferente da esperada pelos autores das mensagens.
A seguir nos dedicaremos a apresentar os modelos de Hall, Morley e Schrøder, suas
derivações, os quadros conceituais decorrentes deles e as possíveis inter-relações.
2.1 MODELO CODIFICAÇÃO / DECODIFICAÇÃO
Hall (2003) afirma que os modelos tradicionais eram predominantes na orientação das
pesquisas de comunicação de massa no momento em que seu artigo
Encoding/Decoding(1973) foi originalmente publicado na Inglaterra (traduzido no Brasil em
2003). Segundo o autor, este modelo de comunicação foi concebido sob uma perspectiva
positivista (Behaviorista), que compreende a comunicação como um processo unilinear e
unidirecional, com ênfase no nível da transmissão. Podemos esquematizar este processo da
seguinte forma:
Figura 1. Diagrama representativo da comunicação tracidional
Nesse modelo, a mensagem produzida pelo Emissor deve ser exatamente a mesma lida
pelo Receptor, que lê a mensagem da forma esperada pelo Emissor. Hall (2003) afirma que,
nessa perspectiva, a mensagem emitida sempre é idêntica à recebida e qualquer desvio se deve
à falta de capacidade por parte do Receptor ou a problemas de ruído do canal, etc. Esta
mensagem é emitida unilinearmente, ou seja, através de apenas um canal, e de fluxo
unidirecional, ou seja, sempre ocorre no sentido do polo emissor em direção ao polo receptor.
O autor afirma que, nessa concepção, o Emissor possui o poder absoluto na significação da
mensagem, ele determina os códigos dos momentos da codificação e da decodificação.
Partindo da crítica a esse modelo linear e unidirecional, Hall (2003) afirma que o
significado de uma mensagem não é fixo e possui várias camadas (é sempre
multirreferencial). O autor propõe pensar o processo comunicativo em termos de uma
estrutura produzida e sustentada por meio da articulação de momentos distintos, mas
30
interligados – produção, circulação, distribuição/consumo, reprodução. Isto aponta para a
possibilidade do polo receptor ser compreendido como um polo também produtor de sentidos,
ou seja, tanto “produtores” produzem sentido, como os receptores, ao interpretar, conferem
significados à mensagem recebida. Em outras palavras, Hall (2003) afirma que o momento de
consumo de informações também é um momento de produção de sentidos.
Hall (2003) propõe este modelo, nomeado Modelo Codificação/Decodificação, como
uma tentativa de pensar o processo comunicativo como circular e enquanto uma totalidade
complexa e multi-determinada. Este modelo é homólogo ao que forma o esqueleto da
produção de mercadorias apresentado por Marx em O Capital, e tem a vantagem de destacar o
caráter de circuito contínuo de produção-distribuição-produção. Desta forma, podemos
compreender em Hall (2003) que o processo de comunicação de massa (na TV, mais
especificamente) pode ser compreendido como um circuito não fechado de produção,
circulação, distribuição/consumo e reprodução de sentidos/significados.
Seguindo este raciocínio, Hall explicita a dinâmica deste circuito no exemplo do Rádio
e da TV. Segundo o autor, as estruturas de Rádio/TV devem produzir uma mensagem
codificada na forma de um discurso significativo que circula, recebida enquanto discurso
significativo e decodificada significativamente. “É esse conjunto de significados que tem
efeito, entretêm, instrui ou persuade, com consequências perceptivas, cognitivas, emocionais,
ideológicas ou comportamentais” (HALL, 2003).
Assim uma prática social é codificada em discurso significativo, circula, é consumida
e decodificada em prática social novamente. Esta última se trata do efeito da dinâmica da
comunicação e retroalimenta a prática social do momento de emissão da mensagem. No
diagrama a seguir está esquematizado este circuito1:
1 Tanto este diagrama, quanto os seguintes, se voltam a atender a finalidades didáticas e evidentemente se configuram como reduções de um circuito de comunicação muito mais amplo e complexo.
31
Fig
ura
2.
Dia
gram
a d
e co
mun
icaç
ão d
e m
assa
bas
ead
o n
o m
od
elo
Co
difi
caçã
o/D
ecod
ifica
ção
.
32
De acordo com o esquema, no polo (re)produção/emissão da mensagem, a prática
social é codificada em discurso significativo (na forma de uma mensagem audiovisual),
obedecendo os referenciais de conhecimento, as relações de produção e a infraestrutura
técnica do “emissor”. Este discurso significativo circula e, no polo da (re)produção/consumo,
é decodificado em prática social de acordo com os referenciais de conhecimento, as relações
de produção e a infraestrutura técnica do receptor.
Os referenciais de conhecimento, relações de produção e infraestrutura técnica dos
emissores e dos receptores das mensagens audiovisuais são quase sempre diferentes, ou seja,
os códigos utilizados na emissão da mensagem audiovisual quase nunca são idênticos aos
códigos utilizados na recepção. De acordo com Hall (2003), isto torna complexa a dinâmica
de comunicação e implica em compreender que não há a necessária identidade entre os
significados codificados e os decodificados. Isso resulta em dizer que os discursos
significativos não são necessariamente decodificados na prática esperada, já que as condições
dos momentos da codificação e da decodificação são quase sempre diferentes.
Em uma entrevista, ocorrida cerca de nove anos após a publicação do trabalho original
“Codificação/Decodificação” (1980)2, Hall (2003) afirma que o modelo
Codificação/Decodificação está fundado em uma noção não problemática de que existe algo
separado e fora do discurso. O autor afirma ter superado essa concepção e sustenta que
somente se pode conhecer o real por meio da linguagem, afirmando que a realidade é algo que
só pode ser produzido discursivamente. Desta forma, codificação e decodificação também
poderiam ser momentos de passagem de uma forma de discurso a outra, ou seja, pode-se
decodificar um discurso televisivo/audiovisual em uma prática discursiva, ou se codificar um
determinado discurso historicamente dado em “discurso significativo” audiovisual. Isto
implica também em compreender que a prática resultante da decodificação da mensagem
pode ser uma prática discursiva. Assim, Hall (2003) sustenta que não há um momento de
produção como um momento de partida deste circuito. Este momento, em algum grau, já é um
momento de reprodução, de decodificação de alguma prática discursiva do universo
discursivo histórico e anteriormente dado. Para Hall (2003), o que a mídia capta (reproduz) já
é um universo discursivo histórico anteriormente existente.
Se por um lado emissores e receptores das mensagens quase sempre operam em
códigos diferentes, por outro lado, segundo Hall (2003), o signo televisivo é complexo, por
ser formado de dois tipos de discurso, o visual e o auditivo, e por possuir, como signo icônico,
2 Tanto o trabalho Codificação/Decodificação, quanto a referida entrevista, compõem a versão traduzida para o português, consultada na presente pesquisa.
33
algumas propriedades da coisa representada. Entretanto, é importante ressaltar que, uma vez
que o discurso visual traduz um mundo tridimensional em planos bidimensionais, ele não
pode ser o referente ou o conceito que significa. Assim, mesmo que a mensagem audiovisual
possa apresentar grande semelhança com “a coisa” real que ela representa, ela ainda é uma
construção, uma articulação da linguagem em condições e relações reais, é o resultado de uma
prática discursiva, a codificação de um dado aspecto da realidade em discurso.
Hall (2003) afirma que alguns códigos chegam a aparentar não terem sido construídos,
por apresentarem alto grau de equivalência entre os lados codificador e decodificador de uma
troca de significados. Isto porque são amplamente distribuídos e cedo apreendidos e
naturalizados pelos sujeitos de uma cultura ou comunidade de linguagem específica. Para o
autor toda sociedade ou cultura tende, com diversos graus de clausura, a impor suas
classificações do mundo social, cultural e político. Essas classificações constituem uma ordem
cultural dominante. Assim, Hall (2003) define ideologia como uma tentativa de fixar
significados, como aquilo que recorta a infinita semiose que é a linguagem, e aponta
denotação e conotação como dois níveis do signo em que ocorre a articulação entre discurso e
ideologias.
Na denotação, o significado tende a ser mais fixo, compartilhado e naturalizado. Neste
nível, segundo o autor (2003), o signo opera dentro de seu significado literal, ou seja, o valor
ideológico (dominante) está fortemente fixado, justamente por ter se tornado plenamente
naturalizado e universalizado. É exatamente por conta desta naturalização que no nível
denotativo se oculta o caráter de construção do signo, e a imagem se mostra em maior grau
como “reflexo” da realidade. Já no nível da conotação, de acordo com Hall (2003), o signo
está aberto a novas ênfases, a transformações mais ativas que exploram seus valores
polissêmicos. É neste nível que as ideologias alteram e transformam a significação, e onde
podemos ver mais claramente a intervenção da ideologia dentro do discurso. Apoiando-se em
Barthes (1971 apud HALL, 2003), Hall afirma que os níveis conotativos dos significantes têm
estreita relação com a cultura, o conhecimento e a história. É no nível conotativo que o meio
social invade o sistema linguístico e semântico.
Hall (2003) ressalta que denotação e conotação são diferentes níveis em que ideologia
e discurso se cruzam, e não a presença ou ausência de ideologia na linguagem. O autor
complementa:
Muito poucas vezes os signos organizados em um discurso significarão somente seus sentidos “literais”, isto é, um sentido quase universalmente consensual. Em um discurso de fato emitido, a maioria dos signos combinará seus aspectos denotativos e conotativos (HALL, 2003).
34
Diante destes diferentes níveis em que o signo poderá ter seu significado atualizado,
em que o caráter polissêmico destes signos (localizado principalmente no nível conotativo)
permite dar forma a variadas leituras, Hall (2003) destaca os esforços dos produtores das
mensagens em “eliminar estas falhas na cadeia de comunicação”. Hall afirma que os
produtores frequentemente se preocupam com a possibilidade de a audiência “falhar” em
captar o sentido por eles pretendido, ou seja, os produtores se preocupam porque nem sempre
os telespectadores operam dentro do código preferencial ou dominante. O autor chama de
leitura preferencial a tentativa de controle que os produtores das mensagens tentam exercer
na significação das mensagens, uma espécie de orientação “leia-me desta forma”. Entretanto,
para Hall (2003) a leitura preferencial nunca é totalmente bem sucedida: é apenas uma
tentativa de hegemonizar a leitura da audiência. A codificação pode até “pre-ferir”, mas não
pode prescrever ou garantir uma determinada decodificação. Por outro lado, a mensagem
também não é totalmente aberta, ou seja, a codificação constrói os limites e parâmetros dentro
dos quais as decodificações irão operar. Pois, se não houvesse limites, as audiências poderiam
entender qualquer coisa. Assim, a mensagem pode ter vários significados, mas não
todos/quaisquer significados, ou seja, o significado preferido pela codificação, a leitura
preferencial, delimita um universo de significação possível de decodificação.
Hall (2003) propõe uma análise hipotética de algumas posições de decodificação para
pensar nas várias articulações possíveis entre codificação e decodificação. Apesar da grande
variedade de leituras possíveis, Hall demarca três posições principais que dão conta dos
limites deste espectro de leituras. A primeira posição, posição hegemônica-dominante, em
que o telespectador decodifica operando dentro do código dominante, dentro do código dos
produtores, se apropriando do sentido conotado de forma direta e integral, e assim a leitura
preferencial é tendencialmente a leitura feita pela audiência. Hall (2003) afirma que este é
caso ideal-tipo de “comunicação perfeitamente transparente”. A segunda posição, a do código
negociado, em que os telespectadores compreendem bastante bem o que foi codificado de
forma dominante (global), mas também decodificam dentro de lógicas específicas,
particulares, localizadas e alternativas, que são sustentadas por relações desiguais com o
discurso e as lógicas de poder. Segundo Hall (2003),
Decodificar, dentro da versão negociada, contem uma mistura de elementos de adaptação e de oposição: reconhece a legitimidade das definições hegemônicas para produzir as grandes significações (abstratas), ao passo que, em um nível mais restrito, situacional (localizado), faz suas próprias regras — funciona com as exceções a regra.
35
Para Hall (2003), provavelmente as leituras negociadas são as leituras feitas pela
audiência na maior parte do tempo, pois “nunca estamos completamente dentro de uma
leitura preferencial ou completamente a contrapelo do texto”. A terceira posição, a do código
de oposição, é aquela em que o telespectador compreende perfeitamente tanto a inflexão
conotativa quanto a denotativa conferida a um discurso, mas ainda assim o decodifica de
maneira globalmente contrária. Hall afirma que é nesta posição de leitura contestatória que se
trava a luta no discurso.
Desta forma, Hall (2003) partindo da crítica ao paradigma behaviorista na
comunicação, propõe um modelo analítico para a compreensão das dinâmicas comunicativas
de massa que seja entendido como um circuito de produção e reprodução de significados.
Nessa perspectiva o receptor das mensagens também exerce papel ativo na construção dos
significados “veiculados” pela mensagem. Essa produção de sentidos se dá na articulação dos
níveis de significação do signo, denotação e conotação, em que há maior ou menor influência
das ideologias na fixação dos significados. Esta articulação poderá produzir interpretações
que sejam mais próximas das esperadas pelos emissores (posição hegemônica-dominante), ou
que sejam feitas totalmente a contrapelo das intenções dos produtores (leituras de oposição ou
contestatórias), e ainda produzirem leituras que oscilem entre a aceitação e oposição às
intenções interpretativas dos produtores (leitura negociada).
36
2.2 COLOCANDO O MODELO CODIFICAÇÃO/DECODIFICAÇÃO EM PRÁTICA: A
PESQUISA DE DAVID MORLEY.
Apesar de Hall publicar em 1973 o trabalho que desenvolvia uma teoria que aportasse
os estudos de recepção, o autor não a coloca em prática nos anos seguintes. Em 1980, David
Morley (traduzido para o espanhol em 1996) publica um dos primeiros trabalhos que relata
um estudo de recepção que colocou em prática o aporte teórico do modelo
Codificação/Decodificação. Neste trabalho, Morley também reflete sobre o referencial do
qual lançou mão (entre eles o modelo Codificação/Decodificação), traz novas questões
demandadas pela prática do estudo, e aponta novos caminhos para os estudos de recepção
midiática.
Morley (1996) apresenta um estudo sobre a produção e recepção do programa de
televisão Nationwide, um noticiário tipo magazine. O estudo é feito a partir das mensagens
emitidas/produzidas pelo programa de televisão (artifícios formais, modos específicos de se
dirigir à audiência e formas particulares de organização do texto), e dos sentidos produzidos
pelos espectadores/audiência deste programa. Este último a fim de compreender o papel dos
marcos culturais na determinação das interpretações individuais do programa, do referido
programa de televisão.
Morley (1996), a exemplo de Hall (2003), rechaça o entendimento segundo o qual as
mídias são instituições cujas mensagens produzem efeito automaticamente, e diante do caráter
polissêmico das mensagens audiovisuais (TV), compreende que o processo de
leitura/recepção é um processo ativo de interpretação e produção de sentido. Morley (1996)
afirma que a produção de sentido ocorre por meio: a) das estruturas e mecanismos internos do
texto/mensagem, que convida a fazer certas leituras e inibem outras, e b) das origens culturais
do leitor/receptor. Estes dois processos de produção de sentido, em Hall (2003), são
nomeados leitura preferencial e referenciais de conhecimento/relações de produção,
respectivamente.
Quando Morley (1996) volta sua atenção para o estudo da mensagem, ele o faz
segundo três premissas: um mesmo acontecimento pode ser codificado de mais de uma
maneira; a mensagem é sempre polissêmica, sempre possui mais de uma leitura potencial;
compreender as mensagens codificadas é uma prática problemática, porque as mensagens
codificadas de um modo sempre poderão ser lidas de outro. Segundo Morley (1996) a
mensagem é uma polissemia estruturada, permite uma gama de possibilidades de leituras,
entretanto nem todos os sentidos existem por igual na mensagem. Apesar da impossibilidade
37
de se atingir a completa fixação de um determinado sentido preferido na mensagem, esta é
quase sempre estruturada para que um determinado sentido, ou espectro de sentidos, seja
dominante, para que uma leitura seja preferida. Esta leitura preferencial é parte da mensagem
e é possível de ser identificada na estrutura da mensagem.
El concepto de lectura preferencial tiene valor, no como un medio de fijar de manera abstracta una interpretación y desechar las demás, sino como un medio de explicar que en ciertas condiciones, en determinados contextos, un texto tienda a ser leído de un modo particular por la audiencia (MORLEY, 1996, p. 10). Estas clausuras interiores a la estructura de un programa pueden presentar diversas formas: por ejemplo, el título, la leyenda al pie de una fotografía o el comentario de un informe filmado nos dicen cómo interpretar el significado de las imágenes que vemos. Está también la posición jerárquica de los locutores dentro del programa y el modo en que estos enmarcan las declaraciones de las personas entrevistadas (MORLEY, 1996, p. 7).
Essa estruturação da mensagem, segundo a intenção do emissor/produtor, que tem em
vista preferir uma leitura a outra, também pode, na intenção por abordar o público de maneira
específica, buscar estabelecer uma identificação, estabelecer uma determinada forma de
relação com a audiência, ainda que possa ser feita a contrapelo pela audiência, a exemplo da
leitura preferencial. A essa intenção por uma forma de abordagem e estabelecimento de um
modo de se relacionar com a audiência, Morley (1996) nomeia destinação.
A recepção/interpretação é uma atividade que se desenvolve em contexto cultural e
histórico. Para Morley (1996), não estamos isolados quando recebemos as mensagens, pois,
nesse momento, estamos carregando conosco outros discursos e representações com os quais
estamos em contato em outras esferas da vida. Pecheux (1982, apud MORLEY, 1996)
chamou a este fenômeno de interdiscurso. De acordo com Morley (1996), no processo de
decodificação e de interpretação das mensagens dos meios sempre participam outras
mensagens, outros discursos, tenhamos consciência disso ou não. Isto porque o processo das
comunicações midiáticas não é um momento isolado, mas um momento dentro de um campo
complexo relacionado com todas as outras práticas comunicativas de que direta ou
indiretamente participamos.
La persona que mira el noticiario se sitúa en ese complejo campo de la comunicación y está envuelta en un proceso de decodificación del material de los medios, proceso en el cual un conjunto de mensajes o discursos realimenta otro, o es desviado por otro (MORLEY, 1996).
A audiência não é uma massa homogênea de indivíduos. Morley (1996) re-conceitua a
audiência entendendo-a não como uma massa indiferenciada, mas como uma complexa
configuração de subculturas e subgrupos sobrepostos. Os membros de uma subcultura
38
tenderão a compartilhar uma orientação cultural ao decodificar as mensagens de um modo
particular, suas leituras estarão enquadradas por formações e práticas culturais
compartilhadas, e serão determinadas pela posição que ocupam nessa estrutura social. Nesse
sentido, Morley torna mais complexo o entendimento das influências do ambiente social na
dinâmica de emissão/recepção, em Hall (2003). Enquanto Hall (2003) dá ênfase às influências
das posições ideológicas nas leituras feitas, Morley (1996) sustenta que as leituras feitas das
mídias são constantemente emolduradas por uma complexa rede de culturas, subculturas e
subgrupos, e estas serão influenciadas por um contexto ideológico mais específico. Assim,
Morley (1996) reconhece as influências tanto do contexto macro (ideologias e culturas) como
do micro (subculturas e subgrupos).
Morley (1996) conclui em seu trabalho que as posições de classe não estabeleceram
correlação direta alguma com as decodificações produzidas. Ressaltou que não se trata de
tentar derivar diretamente as decodificações das posições de classe, mas relacionar as
decodificações específicas produzidas a uma posição social juntamente a posições discursivas
particulares, tendo em vista que a estrutura de acesso aos diferentes discursos está
determinada pela posição social.
Morley (1996) pôde constatar que havia aproximações entre as leituras individuais
realizadas por integrantes de uma mesma subcultura. Diante disso, Morley afirma que é
preciso dispor de um mapa cultural da audiência a que se dirige uma dada mensagem, para
poder compreender os significados potenciais desta mensagem. Esse mapa cultural da
audiência deve permitir visualizar os diversos repertórios culturais e os distintos recursos
simbólicos de que dispõem os diferentes grupos da audiência estudada. E diante das
diferenças e divisões internas presentes em cada grupo, Morley (1996) afirma que é preciso
redefinir consideravelmente o modelo básico de código dominante, negociado e de oposição.
Isto tem em vista fornecer um quadro conceitual apropriado para ordenar em todas as
subdivisões, variações e diferenciações significativas existentes dentro das estruturações
básicas dos códigos (MORLEY, 1996). Assim, o sentido de uma mensagem deve ser
entendido como produto da interação entre os códigos introduzidos na mensagem e os
códigos “possuídos” pelos diferentes setores da audiência.
Deste modo, se buscarmos aplicar as conclusões às quais Morley chega, ao esquema
do Modelo Codificação/Decodificação, chegaríamos a seguinte figura:
39
Fig
ura
3.
Dia
gram
a d
e co
mun
icaç
ão d
e m
assa
bas
ead
o n
o m
od
elo
Co
difi
caçã
o/D
ecod
ifica
ção
e a
cres
cid
o d
a d
imen
são
cu
ltura
l.
40
De acordo com o esquema, emissores e receptores não só operam, numa escala maior,
em ideologias diferentes ou coincidentes, mas também, em escala menor, operam em sub-
culturas diferentes. Assim, quanto mais próximas as sub-culturas, maiores as possibilidades
de haver aproximação entre as leituras intencionadas pelos produtores das mensagens
(significado preferencial e destinação) e as leituras efetivamente produzidas pelos
espectadores.
2.3 DESTINAÇÃO E ENDEREÇAMENTO
Juntamente aos graus de clausura (tentativas) impostos pelos produtores dos textos
audiovisuais, também há uma forma de direcionamento do texto para quem deve ler ou de que
ponto de vista deve receber o texto. Isto ocorre ainda que não haja garantias de que esse
esforço seja correspondido pelos espectadores. Morley (1996) chama a este esforço de
Destinação e o define como uma maneira de buscar abordar o público de uma determinada
maneira, como forma de estabelecer uma relação específica com a audiência. De forma
similar, Ellsworth (2001) trabalha com o conceito de Modo de endereçamento. Entretanto a
autora vai adiante por entender que, no esforço por uma “melhor” comunicação, não só há um
ajuste no texto por parte dos produtores, como também há um ajuste dos receptores em seus
posicionamentos para ler o texto audiovisual de uma determinada maneira mais ou menos
“estimulada” pelo texto.
Segundo Ellsworth (2001), os filmes, assim como as cartas, os livros, os comerciais de
televisão, são feitos para alguém, visam e imaginam determinado leitor/público. Seja por uma
busca de “nivelação” nos referenciais de conhecimento, ou por meio de estruturação da
linguagem. Em outras palavras, ao considerar o receptor da mensagem, há uma busca por
parte dos produtores pela formatação/configuração da mensagem a fim de que seja aumentada
a possibilidade de ocorrência de uma leitura preferencial.
Diante da impossibilidade de se trabalhar com uma ideia fixa e uniforme de sujeito nas
dinâmicas de comunicação de massa, para Ellsworth (2001), os filmes parecem buscar formas
de “convidarem”/estimularem os espectadores a assistirem o filme de uma determinada
forma, de um certo ponto de vista. Estes pontos de vista, oferecidos no sistema narrativo do
filme, possibilitam que os espectadores assumam as posições que lhes permitam completar o
filme de uma maneira mais próxima à intencionada pelos produtores, ou seja, dentro da
leitura preferencial.
41
(...) somos compelidos a ocupar uma posição física particular, em virtude do posicionamento da câmera. Identificar e estar consciente dessa posição física significa revelar que somos também convidados a ocupar um espaço social. Este espaço físico e o social são ligados por posições ideológicas (ELSWORTH, 2001).
Para Ellsworth (2001), o produtor/emissor ao imaginar um leitor/espectador possível
do texto audiovisual e suas expectativas, configura a mensagem de forma a permitir que
determinadas leituras (leitura preferencial) sejam feitas, e outras não. Neste sentido, os modos
de endereçamento também são uma forma de tentar fixar leituras. Constituem-se como
tentativas, por parte dos produtores de filmes, de antecipar as reações do público e as formas
de produção de sentido dos espectadores. Assim, buscam fixar o espectador em um ponto de
vista do qual ele deve assistir o filme e que resulte em um determinado modo de interpretar o
filme.
A maioria das decisões sobre a narrativa estrutural de um filme, seu acabamento e sua aparência final são feitas à luz de pressupostos conscientes e inconscientes sobre “quem” são seus públicos, o que eles querem, como eles veem filmes, que filmes eles pagam para ver no próximo ano, o que os faz chorar ou rir, o que eles temem e quem eles pensam que são, em relação a si próprios, aos outros e às paixões e tensões sociais e culturais do momento (ELLSWORTH, 2001).
Segundo Ellsworth (2001), o modo de endereçamento é algo que ocorre num espaço
social e psíquico, entre o texto do filme e os usos que o espectador faz dele, excede as
fronteiras do próprio texto e extravasa para as conjunturas históricas da produção e recepção
do filme.
Existe uma “posição” no interior das relações e dos interesses de poder, no interior das construções de gênero e de raça, no interior do saber, para a qual a história e o prazer visual do filme estão dirigidos. É a partir dessa “posição-de-sujeito” que os pressupostos que o filme constrói sobre quem é o seu público funcionam com o mínimo de esforço, de contradição ou de deslizamento.
O Modo de endereçamento está no texto. Para Ellsworth (2001), o modo de
endereçamento é algo que é encontrado no texto/filme, que não é único nem unificado, e que
provoca efeitos sobre as leituras produzidas por espectadores reais. Estes traços, que
materializam as intenções conscientes ou não dos produtores dos filmes, não são momentos
visuais ou falados especificamente, mas estão no filme. Desta forma, o modo de
endereçamento é, a partir do texto audiovisual, uma estruturação das relações entre o filme e
seus espectadores, é invisível, não localizável, é uma relação e não uma coisa. Consiste na
diferença entre o que pode ser “dito” (tudo o que é histórica e culturalmente possível e
inteligível de se dizer) e o que é dito.
42
Assim, os produtores quase sempre também imaginam/miram um espectador esperado
para suas mensagens. Entretanto este espectador nunca é, apenas ou totalmente, quem o
“filme” pensa que ele é, e por isso mesmo o modo de endereçamento quase sempre erra o
alvo. Esta imprecisão exige algum ajuste por parte do espectador, que “convidado” pelo filme
a ocupar determinado papel, se imagina no centro do endereçamento e faz o filme voltar a ter
foco. Este é um processo de negociação no qual o espectador aceita o papel (um dos diversos)
oferecido pelo filme, concorda em assistir o filme daquele ponto de vista que não é
necessariamente o seu próprio. Desta forma, segundo a autora, os modos de endereçamento
oferecem estímulos sedutores e recompensas (o prazer da narrativa, finais felizes, a
experiência coerente da leitura) para que à medida que interpretam o filme, assumam as
posições imaginárias às quais um filme se endereça, e estas posições tendem a privilegiar a
leitura preferencial esperada pelos produtores, ainda que não haja garantias de que a audiência
faça a leitura preferencial, nem que aceite as posições de leitura oferecidas pelo texto.
2.4 MODELO MULTIDIMENSIONAL
Partindo da compreensão de que "simplesmente não se pode ter garantias da
identidade entre o significado pretendido pelo autor da mensagem e o significado realizado
pela audiência", e da crítica ao Modelo Codificação/Decodificação e de experiências de
estudos de recepção, SchrØder (2000) apresenta uma reflexão sobre alguns conceitos-chave
em estudos de recepção e propõe a partir disso um Modelo Multidimensional. Segundo o
autor, o modelo de Hall/Morley se mostra limitado por dar ênfase apenas às questões político-
ideológicas e por não distinguir bem os conceitos de leitura preferencial e significado
preferencial. Por meio da explicitação das possibilidades e limites do Modelo
Codificação/Decodificação e de conclusões alcançadas pelo autor com seus estudos
empíricos, Schrøder (2000) dá forma ao Modelo Multidimensional. Este modelo propõe um
quadro teórico que considera processos complexos através dos quais as audiências se
engajam, compreendem, criticam e respondem a uma determinada mensagem de mídia de
massa. Segundo Schrøder (2000), o modelo proposto centra-se apenas no polo da recepção. O
autor espera que este modelo possa "ajudar a abrir os olhos" para a complexidade das leituras
verdadeiramente feitas pela audiência. Ele o faz a partir de uma breve apresentação crítica e
teórica dos conceitos do Modelo Codificação/Recepção e argumenta para a relevância do
Modelo Multidimensional.
43
SchrØder (2000) critica o modelo proposto por Hall/Morley por sua ênfase no nível
ideológico, o que o torna unidimensional. Segundo o autor (2000), o modelo em questão
resulta da adaptação de um modelo sociológico a um modelo de leitura, que foi inteiramente
desenvolvido para exclusivamente explicar o processo de significação no âmbito da luta de
classes. Esta ênfase é reconhecida e assumida por Hall em entrevista3. De acordo com
SchrØder (2000), esta ênfase limita as análises que partem deste quadro teórico a categorizar
as leituras apenas em dominante, negociada ou oposicional, o que pressupõe que o texto seja
apenas veículo da ideologia dominante. Isto limita o escopo do texto em representar apenas o
interesse hegemônico. Diante disso, SchrØder (2000) sustenta que o Modelo
Codificação/Decodificação não está equipado para lidar com outros cenários ideológicos.
Neste ponto o autor argumenta pela necessidade de um modelo que considere outras
dimensões de leitura que não apenas a ideológica, e ainda aponta para a necessidade de dividir
este nível ideológico em dois, um que abarque a dimensão subjetiva dos leitores, e outro que
dê conta de um contexto social e ideológico mais amplo das leituras produzidas. É como
resposta a isso que SchrØder propõe o Modelo Multidimensional, que abordaremos mais
adiante.
Um segundo ponto de crítica ao modelo de Hall/Morley é o entendimento do conceito
de leitura preferencial. SchrØder (2000) questiona se a leitura preferencial é de fato uma
propriedade do texto (uma materialização da intenção do autor) como propõe Hall, ou se está
na leitura feita pela maioria da audiência. O autor sustenta, com base em seus estudos
anteriores, que a leitura preferencial está mais na leitura predominantemente feita pela
audiência que nas intenções do autor materializada na mensagem. Entretanto o autor concorda
com Hall (2000) que muito provavelmente as leituras preferidas pelos leitores ocorrerão
dentro dos limites das leituras preferidas pelos autores. Diante disso, SchrØder (2000)
propõem que leitura preferencial se refira a leitura feita pela maioria da audiência, e que
significado preferencial se refira à leitura esperada pelos produtores.
Um outro ponto que merece atenção está na afirmação de SchrØder (2000) segundo a
qual muitos problemas que afetam os estudos contemporâneos de audiência vêm da
inabilidade de distinguir entre polissemia e leitura de oposição. Assim, o autor se empenha em
desenvolver esta distinção entre os dois conceitos. Segundo SchrØder (2000), polissemia é
uma propriedade de abertura do texto que convida os leitores a atualizarem o seu sentido,
enquanto a "leitura de oposição" é uma característica da leitura, resistência e atualização da
3 Entrevista acima relatada, componente da publicação traduzida para o português.
44
mensagem lida. Assim, a polissemia é uma propriedade do texto e a oposição é uma
propriedade da leitura. Para a operacionalização do Modelo Multidimensional, SchrØder
(2000) define polissemia como a multiplicidade de significados, que ocorrem o tempo todo,
sem a necessidade de uma "consciência do indivíduo", simplesmente por causa da diversidade
da semiose social inerente. O autor afirma que a "leitura de oposição" é menos frequente, e
não ocorre sem uma consciência de um indivíduo que reconhece o significado preferencial na
mensagem e então o rejeita, ou seja, é uma leitura ativa consciente contra os traços retóricos
do texto.
O Modelo Multidimensional é construído visando distinguir as diferentes dimensões
das leituras feitas pela audiência. SchrØder (2000) parte da conclusão a que chega Morley
(1996), em que aponta a necessidade de reconhecer mais dimensões de leituras as quais,
segundo ele, o Modelo proposto por Hall (2003) tende a trazer misturadas. Apesar de chegar a
esta conclusão, Morley não desenvolve esta questão.
SchrØder (2000) inicialmente caracteriza o Modelo Multidimensional buscando fazer a
distinção deste com o Modelo Codificação/Decodificação. Em primeiro lugar o autor afirma
que o Modelo Codificação/Decodificação objetiva estudar os dois momentos do circuito
comunicativo, o da codificação (produção) e o da decodificação (recepção). Já o Modelo
Multidimensional se concentra apenas no polo da decodificação/recepção. O Modelo
Multidimensional dá o momento da decodificação como certo, compreendendo-o
simplesmente como o momento em que os produtores das mensagens midiáticas "encontram"
a audiência. SchrØder (2000) ressalta que não quer dizer com isso que um estudo de recepção
não necessite de uma visão holística em que se considere os polos codificadores e
decodificadores, mas que o desenvolvimento de tal teoria é um empreendimento "separado".
Outra diferença é que, segundo SchrØder (2000), enquanto o Modelo
Codificação/Decodificação é um modelo hipotético e teorético que precisa ser melhor
desenvolvido para se transformar numa ferramenta empírica de pesquisa (como parcialmente
fez Morley), o Modelo Multidimensional salta diretamente da pesquisa empírica e cria um
quadro conceitual que possibilita ao analista dar atenção às propriedades heterogêneas reais
dos discursos da audiência sobre suas experiências com a mídia (SCHRØDER, 2000).
De maneira geral o modelo está interessado em categorizar as atualizações
interpretativas dos leitores sem levar em conta a forma como estas acontecem. Este modelo é
constituído de seis dimensões de recepção, das quais quatro de leitura. O grupo das leituras
diz respeito às experiências subjetivas em que o significado é produzido em um contexto mais
específico, situacional. Já as implicações são aquelas em que os significados subjetivos são
45
avaliados pelo analista à luz da significação social, situadas num contexto sócio-ideológico, e
à luz de como estes sentidos produzidos a partir da leitura são usados como recursos para uma
ação política. Nos parágrafos a seguir detalharemos melhor cada uma das dimensões
apresentadas por Schrøder (2000).
A motivação refere-se a um processo cognitivo e afetivo por meio do qual os
espectadores decidem se uma mensagem vale o tempo de sua leitura ou não. Esta dimensão
trata da relação de relevância estabelecida pelo universo pessoal do leitor e o universo
apresentado pelo texto. Este interesse está fundamentado no interesse pessoal do espectador,
preferências, expectativas em relação ao texto, no assunto do texto, memória, no caráter
inovador que a mensagem pode trazer e toda ordem de experiências prévias (cultura,
posicionamento político-ideológico, religião), se estendendo para além do texto de mídia
dentro da situação mais completa de consumo (por exemplo, assistir em grupo ou sozinho
propicia prazeres diferentes de leitura). Esta dimensão compreende um continuum de posições
que o espectador pode ocupar que vão de recusa total até forte motivação para ler determinado
texto audiovisual.
A dimensão da compreensão diz respeito a como os espectadores compreendem os
signos verbais e visuais, e como atribuem determinada identidade ao que leem, ou seja, como
os signos são decodificados de acordo com fatores macro-sociais (classe, gênero e raça) e
micro-sociais (escolaridade, relações situacionais, cultura etc.). Esta dimensão vai ao nível
mais básico do signo, e por isso requer uma teoria semiótica adequada que seja capaz de
conceitualizar a produção de significados por meio de diferentes tipos de signos, e para situar
o significado em um contexto social. A dimensão da compreensão é conceituada a partir da
diferença/identidade entre os significados codificados e os decodificados. Assim, esta
dimensão pode ser compreendida como um continuum que vai desde a completa divergência
(polissemia total), até a completa correspondência (monossemia) entre os significados
preferidos pelos produtores e os significados decodificados pelos leitores. Em uma
decodificação é possível que a compreensão ocorra tanto no polo monossêmico quanto no
polo polissêmico, entretanto essas ocorrências nos polos são mais raras.
A dimensão da discriminação refere-se a como os espectadores podem adotar uma
posição mais ou menos esteticamente crítica frente ao texto fílmico. Como e quanto uma
leitura está caracterizada pelo nível de consciência do espectador sobre o caráter de
construção e de artifício do produto audiovisual. Esta dimensão compreende dois eixos
paralelos de continuum. Um vai da não imersão a imersão total, o outro do não distanciamento
ao distanciamento total. O eixo da imersão caracteriza o quanto um determinado leitor se
46
permitiu afetar pelos recursos estéticos do vídeo e "entrou" no universo da história "narrada"
pelo produto audiovisual. Já o eixo do distanciamento diz respeito ao grau de verdade que o
leitor confere à mensagem do texto audiovisual, em até que ponto aquele texto pode ser real.
Assim, um leitor pode experienciar mais intensamente os acontecimentos narrados em certo
filme (estar imerso) por meio dos recursos estéticos das linguagens, ainda que se mantenha
distante, e julgar que a história seja apenas uma ficção. O espectador também pode acreditar
na realidade objetiva representada, ainda que reconheça os artifícios de construção do texto.
Por outro lado, o espectador pode não acreditar e não "entrar no universo" do texto, ou ainda,
acreditar na realidade objetiva do texto e vivenciar mais intensamente as situações expressas
no texto.
As dimensões da Posição e da Avaliação derivam da divisão empreendida por
Schrøder nas posições de leitura sugeridas pelo Modelo Codificação/Decodificação de Hall
(leitura preferencial, leitura negociada e leitura de oposição). Schrøder (2000) afirma que o
modelo de Hall se mostra limitado para distinguir entre os níveis ideológicos subjetivos
(manifestados pelo sujeito) e objetivos (circulantes na sociedade). Assim a dimensão da
Posição estaria relacionada à atitude subjetiva de aceitação, negociação ou rejeição do texto
por parte do espectador. Schrøder (2000) ressalta que a atitude de aceitação não significa a
aceitação do posicionamento contido no significado preferencial, mas que o leitor concorda
com o que ele percebeu na mensagem do texto midiático. Para o autor, os leitores que aceitam
amplamente o posicionamento do texto quase sempre o fazem inconscientemente, já os que
respondem com rejeição tendem a estar conscientes das relações de poder inerentes à
comunicação.
A dimensão Avaliação diz respeito à relação, feita pelo pesquisador/analista, entre as
leituras e um determinado contexto político-ideológico mais amplo e "objetivamente"
identificado nas práticas sociais coletivas. Melhor dizendo, trata-se do pesquisador avaliar
qual é a posição política da leitura produzida pelo espectador, não em relação ao vídeo
diretamente, mas a um campo político-ideológico no qual estão inseridos espectadores e
também o vídeo. Assim, o continuum da dimensão da Avaliação se daria de um
posicionamento, de acordo com a ideologia dominante (hegemônica), passando pela
negociada, até o posicionamento da leitura de acordo com uma ideologia contestatória (ou de
oposição), como em Hall.
A dimensão Implementação trata de como as leituras produzidas a partir de um
determinado texto são levadas para a ação social, e se vertem em recurso para uma ação
política no cotidiano. Segundo Schrøder (2000), se uma leitura não é convertida em prática,
47
essa leitura deve ser considerada como politicamente impotente. Entretanto é importante
destacar que podemos não perceber a implementação feita, se esperamos que ela seja feita por
meio dos meios tradicionais institucionalizados de ação/mobilização política. Neste ponto,
Schrøder (2000) afirma que é preciso compreender o comportamento cotidiano inerentemente
político, que segue cada conversa em que nos engajamos (seja com quem for, sobre qual tema
for) como parte do processo por meio do qual a vida social é constituída. Assim, a despeito de
posicionamento hegemônico ou de oposição, busca-se dimensionar de que forma e em que
sentido estas leituras são transformadas em atitudes. Schrøder (2000) ainda acrescenta que,
metodologicamente, a melhor maneira de explorar a discreta rotina da implementação das
leituras não é por meio de entrevistas de recepção, mas de uma abordagem etnográfica que
estude mais integralmente a simbiose da mídia como processo.
Assim temos que o Modelo Multidimensional se constitui numa importante ferramenta
de pesquisa de recepção midiática, uma vez que visa dar conta de aspectos subjetivos e
objetivos das leituras das audiências. Este modelo permite olhar para os espectadores desde
sua escolha por ler ou não um texto midiático, passando por sua compreensão do texto, seu
nível de consciência em relação às relações de poder presentes no evento comunicativo, seu
posicionamento em relação à mensagem, o papel que sua leitura desempenha num contexto
político mais amplo, até como as leituras produzidas são colocadas em prática. Na figura a
seguir apresentamos um esquema simplificado, do Modelo Multidimensional construído a
partir do Modelo Codificação/Decodificação.
48
Fig
ura
4.
Dia
gram
a d
e co
mun
icaç
ão d
e m
assa
co
nst
ruíd
o a
par
tir d
os
mo
del
o C
od
ifica
ção/
Dec
od
ifica
ção
e M
odel
o M
ulti
dim
ensi
on
al.
49
No esquema acima foram acrescentadas as dimensões de leitura e implicação no polo
da decodificação. Abdicou-se de incluir a representação dos diagramas das sub-culturas, que
representavam uma das propostas de Morley (1996). Compreendemos em Schrøder (2000)
que distinções entre culturas e subculturas já se expressam nos referenciais de conhecimento,
e têm aplicabilidade efetiva em duas dimensões de leitura (compreensão e posição), e
possivelmente na dimensão de implicação avaliação.
Em trabalho posterior, Schrøder (2007) apresenta um estudo de recepção conduzido
por ele, em que o Modelo Multidimensional é colocado em prática. É interessante notar que
neste estudo, diferentemente do sustentado anteriormente (Schrøder, 2000), o autor propõe
um estudo de recepção holístico, que consiste em estudar conjuntamente o polo emissor e
receptor da mensagem. Para essa abordagem holística, Schrøder (2007) vai buscar na Análise
de Crítica do Discurso (FAIRCLOUGH, 1995 apud SCHRØDER, 2007) a sustentação
teórica adequada de produção social de significado, na qual, segundo ele, as investigações de
discursos de mídia devem se embasar. Pois, segundo Schrøder (2007), os produtores e
receptores de mensagens de mídia carregam consigo repertórios comunicativos multifacetados
que são enraizados em suas histórias pessoais e nas histórias coletivas dos grupos sociais e
culturais aos quais pertencem. Diante disso, o autor afirma que um analista deve estudar três
dimensões sociais do discurso e suas inter-relações: o texto, as práticas produtivas e
receptivas que envolvem o texto e o ambiente sociocultural que envolve, por sua vez, as
práticas produtivo-receptivas e o texto.
Figura 5. Dimensões da Análise Crítica do Discurso (FAIRCLOUGH, 1995 apud SCHRØDER, 2007)
I see discourse practice as mediating between [. . .] text and sociocultural practice, in the sense that the link between the sociocultural and the textual is an indirect one, made by way of discourse practice: properties of sociocultural practice shape texts, but by way of shaping the nature of the
50
discourse practice, i.e. the ways in which texts are produced and consumed, which is realized in the features of texts (FAIRCLOUGH, 1995 apud SCHRØDER, 2007).
Schrøder (2007) afirma que os estudos de recepção têm se orientado para uma
exploração empírica da polissemia e dos descortinamentos das relações de poder entre o
conteúdo hegemônico das mensagens de mídia e as resistências das audiências. Segundo o
autor, esta orientação tradicional tem originado estudos de recepção compartimentalizados.
Diante disto, o autor propõe uma abordagem holística dos estudos de recepção a fim de
proporcionar uma visão mais equilibrada das relações interdiscursivas de poder. Assim,
Schrøder (2007) executa seus estudos em três etapas: texto, prática discursiva, prática social.
O estudo do texto é realizado por meio da análise da mensagem pelo pesquisador,
caracterizando os conteúdos e recursos estéticos utilizados e não utilizados, buscando gerar
hipóteses. Na segunda etapa, o pesquisador deu foco às práticas discursivas de emissor e
receptor da mensagem. Assim, entrevistou os produtores da mensagem e uma amostra de
espectadores, em que buscou identificar as intenções dos produtores na construção da
mensagem e as leituras dos espectadores (de acordo com as dimensões de leituras do Modelo
Multidimensional). Na última etapa procedeu com o estudo das práticas sociais, nas quais
relacionou informações socioeconômicas e culturais dos receptores com as leituras
efetivamente feitas. Ou seja, a exemplo de Morley (1996) relacionou as leituras com um mapa
cultural da audiência.
Isto retoma, em parte, o apontado por Morley (1996) acerca da necessidade da
caracterização da subcultura na qual se insere a audiência, mas não como se houvesse duas
subculturas diferentes, a do emissor e do receptor, mas um campo complexo de subculturas
que precisam se mapeadas para serem distinguidas, sejam estas quantas forem. Por esse
motivo optamos apenas por inserir em nossos esquemas o diagrama das dimensões analíticas
da Análise Crítica do Discurso de Fairclough (apud SCHRØDER, 2007). E assim não
"localizar" cada sub-cultura, dada a complexidade das audiências, mas analisar emissão e
recepção dentro destas diferentes dimensões de interações sociais.
51
Fig
ura
6.
Dia
gram
a d
e co
mun
icaç
ão d
e m
assa
cir
cula
r, b
ider
ecio
nal
, m
uld
imen
sio
nal
.
52
2.5 REFERENCIAL TEÓRICO DA PESQUISA
Diante do apresentado, esta pesquisa é concebida tendo em vista a natureza didático-
educativa dos vídeos, que lhes conferem de certa maneira um objetivo mais específico de
proporcionar o desenvolvimento de conhecimentos, sentimentos e atitudes específicas num
contexto de uma disciplina. Diante disso, é imprescindível considerar o evento comunicativo
em sua integral complexidade. Para tanto, este trabalho se alicerçou principalmente nos
conceitos de significado preferencial, leitura preferencial, mapa cultural, endereçamento, e
em quatro das seis dimensões do modelo multidimensional (compreensão, discriminação,
posição e avaliação).
Considerando a distinção e a demarcação feita por Schrøder (2000) a partir de Hall
(2000) e Morley (1996), trabalhamos com os conceitos de significado preferencial e leitura
preferencial. Por significado preferencial entendemos os significados que os produtores
buscaram privilegiar na mensagem, na tentativa de controlar em alguma medida as leituras
dos espectadores. Entendemos por leitura preferencial a leitura predominantemente feita pela
audiência em estudo. Assim, para pesquisar o significado preferencial o estudo focao polo da
codificação, mais especificamente no texto, e para pesquisar a leitura preferencial, o polo da
decodificação, nas leituras efetivamente feitas.
Ao se aceitar que os produtores possam estruturar as textos a fim de poder preferir um
significado a outro, é preciso que também se considere a quem esse texto se dirige. Pensar na
tentativa de fixação de um significado leva, quase que diretamente, a pensar em quem
receberá a mensagem, e assim buscar antecipar suas reações para que este espectador se
aproxime o máximo possível da leitura esperada. Morley (1996) e Ellsworth (2001) trabalham
com conceitos próximos, destinação e modo de endereçamento, respectivamente. A principal
diferença entre os dois é que, mais do que Morley (1996), Ellsworth (2001) confere ao sujeito
um papel mais ativo em relação às tentativa de clausura de significados empreendidas pelos
produtores dos textos midiáticos. Ellsworth (2001), diante da constatação de que os
produtores quase sempre “erram o alvo” de seu endereçamento, entende que o espectador
pode fazer ajustes que o permitem "assumir um papel" e assistir ao filme de um ponto de vista
que não necessariamente é o seu, do qual ele poderá produzir sentidos a partir da leitura do
filme.
Para o estudo do polo receptor/decodificador, trabalhamos com entendimento da
comunicação como um processo de circulação de sentidos, como apontam Hall (2000) e
Morley (1996) (produção/reprodução de significados e marcos culturais de significação), no
53
âmbito da abordagem do Modelo Multidimensional de Schrøder (2000). Acreditamos que
Schrøder (2000, 2007) elabora um pouco mais as determinações ideológicas das leituras e as
interações socioculturais, apontadas em Hall/Morley, e permite uma visão holística e
complexa do evento comunicativo. Schrøder (2007) complexifica principalmente o polo da
recepção por meio da distinção das diferentes dimensões de leituras, além de prever em seu
modelo a dimensão das implicações das leituras produzidas. Assim, trabalhamos
principalmente com as três dimensões de leitura (compreensão, discriminação, posição) e
uma dimensão de implicação (avaliação). Optamos por não analisar neste trabalho a
dimensão de motivação e a dimensão da implementação. A primeira por não termos
encontrado meios seguros de inferir sobre ela, posto que os vídeos pesquisados foram
escolhidos por nós e exibidos no contexto de uma disciplina específica. Já a implementação,
não analisamos por entender que, como afirma Schrøder (2000), para dar conta da "discreta
rotina de implementação", precisaríamos de uma maior quantidade de tempo para melhor
desenvolver o método da observação etnográfica e sistemática, de que esta pesquisa não
dispõe.
Procedemos com a pesquisa sob o entendimento da comunicação audiovisual como
um circuito de produção e reprodução de sentidos, marcada por relações de poder que buscam
privilegiar leituras, ainda que não as determine, e que, logicamente, está inserida na realidade
sociocultural multifacetada e complexa. Para tanto propomos um estudo holístico que
considere os diferentes processos complexos por meio dos quais emissores e receptores
produzem sentidos.
54
3 A PSICOLOGIA MÉDICA
É diante da demanda pela formação de médicos que realizem um atendimento mais
humanizado, pautado por um saber que integre as dimensões biológicas, psicológicas e
sociais, que a disciplina Psicologia Médica passa a compor o currículo médico. Esta disciplina
tem por objetivo o estudo das relações humanas no contexto da prática médica, com especial
atenção às relações médico-paciente (RMP). Ela se volta tanto para o cuidado dos pacientes,
como para a formação integral dos médicos. Ela busca a promoção da compreensão do
homem como um complexo biopsicossocial, uma prática médica mais humana e integral.
Assim, a Psicologia Médica tem papel importante na formação médica. Ela se dedica
diretamente às RMP e se volta para a integração do ensino com a prática, permitindo o
desenvolvimento de conhecimentos biomédicos e psicossociais, sob uma abordagem crítica,
ética e humanística das RMP.
3.1 AS TRANSFORMAÇÕES NA FORMAÇÃO MÉDICA
Historicamente, a formação médica passa por transformações ideológicas, que
provocaram mudanças no currículo médico. Inicialmente de caráter predominantemente
empírico, o ensino médico, motivado pelo grande avanço da ciência, passa a uma formação
com ênfase racionalista, cientificista e objetivista, que se volta para o organismo, para a parte,
e não para o homem em sua concepção mais ampla e integrada. Segundo Santos e Westphal
(1999), é motivado por pressões da sociedade insatisfeita com o serviço médico de ênfase
biomédica e individualista, que se inicia uma busca pela formação de médicos, que além de
conhecimentos biomédicos, não estejam alheios às necessidades da população, e que levem
em conta as condições subjetivas da existência do paciente. Assim, busca-se constituir um
modelo de formação médica que contemple tanto aspectos psicossociais e coletivos, quanto
biomédicos. Esta disputa ainda ocorre nos dias atuais, em que há uma busca por equilíbrio na
quantidade de tempo dedicado às disciplinas de "humanidades" e "biomédicas", bem como a
sua integração.
3.1.1 A formação médica tradicional
Diante do avanço das ciências médicas no início do século XX, o Relatório Flexner
(1910) é uma das respostas da academia à necessidade de reorganização e regulação da
55
formação médica naquela época. Volta-se o foco da formação médica para a atividade
curativa, constituída sob a concepção biologicista de saúde como ausência de doença. De
caráter predominantemente cientificista, as medidas preconizadas e implantadas a partir do
Relatório Flexner permitiram um grande avanço no conhecimento e nas tecnologias
biomédicas. Segundo Santos e Westphal (1999), o Relatório Flexner resultou num paradigma4
que marca definitivamente as estruturas curriculares dos cursos de medicina (no ocidente),
consolidando-se com os progressos alcançados no ensino, na pesquisa e na prática médica.
Os currículos médicos, sob esta influência, passam a se caracterizar pela ênfase nos
conhecimentos especializados, pelo incentivo à aprendizagem da prática médica nos hospitais
de ensino e pelo impulso às pesquisas (LAMPERT, 1999). A formação médica tradicional
ocorre dentro deste paradigma. De acordo com Santos e Westphal (1999), o seu elemento
primordial é o curativismo, pois, ao se entender a saúde como ausência da doença, o
diagnóstico e a terapêutica ganham maior relevância no processo. Este paradigma também é
constituído por uma visão biologicista (doença e cura ocorriam exclusivamente no nível
biológico do homem) e mecanicista de unicausalidade das doenças, segundo a qual toda causa
atuando no corpo tem um efeito, a doença, e esta por sua vez tem apenas uma causa, uma
causa biológica. Neste sentido, a formação médica está voltada para causas biológicas
(agentes patógenos) na determinação da doença (LAMPERT, 2004). Ou seja, possui ênfase
nas ações biomédicas diagnósticas e curativas, trata principalmente do diagnóstico e
tratamento, com foco na doença, apresentando o conhecimento fragmentado em disciplinas
(especialidades).
De acordo com Lampert (2004), a prática pedagógica da formação médica tradicional
tem sua estrutura curricular fracionada em ciclo básico e profissionalizante e disciplinas
fragmentadas. O seu processo de ensino-aprendizagem é centrado no professor, com aulas
expositivas e demonstrativas, com ênfase na memorização de conteúdos, raciocínio clínico e
habilidades selecionadas. Estas aulas geralmente são dirigidas para um grande grupo de
alunos. Já o eixo prático da formação conta com atividades no hospital secundário e terciário
com enfoque nas doenças graves. Segundo a mesma autora, o aluno tem seu lugar como
observador e executa algumas atividades selecionadas, restritas ao âmbito das especialidades,
o que por sua vez resulta em uma visão fragmentada do paciente, além de vê-lo destacado de
seu contexto ambiental/social.
4Paradigma segundo Khun (1975 apud SANTOS e WESTPHAL, 1999), é o conjunto de elementos culturais, conhecimentos e códigos teóricos, técnicos ou metodológicos compartilhados pelos membros de uma comunidade científica. É esse compartilhar que distingue o conhecimento científico da crença ou do senso comum (SANTOS e WESTPHAL, 1999).
56
Dessa forma, na formação médica tradicional os médicos são preparados para tratar de
doenças e não de pessoas. Formam-se cientistas, especialistas, que têm sua atenção voltada
para os agentes causadores das doenças e seu esforço central é o combate a estas causas, ou
seja, o esforço voltado para a cura, com visão fragmentada e mecanicista do homem, o que,
por sua vez, leva a um distanciamento entre médico e paciente. Consequentemente, esta
prática tende a não valorizar o homem enquanto um complexo biopsicossocial.
É importante ressaltar que, segundo Almeida et al (2007), apesar de estar
epistemologicamente superado, na prática, este paradigma ainda exerce influência
determinante e predominante nos currículos de grande parte das escolas médicas brasileiras
(ALMEIDA et al, 2007).
3.1.2 A mudança de paradigmas na formação médica
Segundo Santos e Westphal (1999), no transcorrer do século XX, com a melhoria das
condições gerais de vida, o desenvolvimento da epidemiologia e da imunologia, entre outros,
há uma redução da morbi-mortalidade, uma diminuição da importância das doenças
transmissíveis e o consequente aumento das denominadas degenerativas. Entre outros
aspectos, a doença deixou de ser entendida como causada por um agente patógeno, e passa a
ser entendida como resultado de exposição a fatores de risco presentes em todo o meio físico
e social. Esta mudança de concepção, o maior controle dos efeitos de agentes patógenos e o
"aparecimento" de novas enfermidades explicitam a insuficiência do modelo médico vigente,
marcado pelo mecanicismo, biologicismo e unicausalidade. Por outro lado, como mostra
Pagliosa e Da Ros (2008), o descompromisso das políticas de saúde com a realidade e as
necessidades da população, e em decorrência disto a formação de médicos alheios às
necessidades da população, resultam em pressões sociais e em críticas recorrentes ao setor da
saúde (a partir de 1960), dando forma a uma “crise médica”.
Para Santos e Westphal (1999), em resposta à insuficiência do modelo e às pressões
sociais, começa a ser construído um novo paradigma de saúde e, consequentemente, novas
questões passam a nortear a formação médica. Para além de práticas curativistas e
preventivistas, a saúde de um indivíduo, de um grupo de indivíduos ou de uma comunidade
depende também de coisas que o homem criou e faz, das interações dos grupos sociais, das
políticas adotadas pelo governo, inclusive dos próprios mecanismos de atenção à doença, do
ensino da medicina, da enfermagem, da educação, das intervenções sobre o meio ambiente.
Começa assim a tomar forma o novo paradigma, o Paradigma da Produção Social da Saúde.
57
Segundo os autores, a saúde não pode mais ser concebida como ausência de doença. Deve
significar também a possibilidade de atuar, de produzir a sua própria saúde, quer mediante
cuidados tradicionalmente conhecidos, quer por ações que influenciem o seu meio. Estas
ações são mobilizações políticas para a redução de desigualdades, educação, cooperação inter-
setorial e participação da sociedade civil nas decisões que afetam sua existência, ou seja, o
exercício da cidadania.
PERIM et al (2009) reforça esta postura e afirma ser essencial que a formação
profissional em saúde, além das questões educacionais, responda prioritariamente aos
problemas e às necessidades de saúde da população. Isto significa romper efetivamente com o
modelo hegemônico do Paradigma Flexneriano. Neste sentido, no Brasil, a aprovação das
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do Curso de Graduação em Medicina representa um
importante passo na construção da mudança paradigmática da educação médica brasileira.
Para Lampert (1999),
No Brasil a VIII Conferência Nacional de Saúde (1987), o movimento da Reforma Sanitária, a Constituição Brasileira (1988), e mais recentemente, a homologação das Diretrizes Curriculares (ME/CNE, 2001) dão uma sequência da consolidação, em leis e decretos, do encaminhamento para as mudanças nas ações de saúde e na formação de recursos humanos com preparação adequada para prestar uma assistência de qualidade em saúde, com abordagem integral, interdisciplinar, multiprofissional e equitativa.
Assim, as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação na área da
saúde compõem parte da mudança num contexto maior no sistema de saúde, e se constituem
como mudança paradigmática do processo de educação superior, de um modelo flexneriano,
biomédico e curativo para outro, orientado pelo binômio saúde-doença em seus diferentes
níveis de atenção, com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde, na
perspectiva da integralidade da assistência. De acordo com Stella (apud PERIM et al., 2010),
passa-se de uma dimensão individual para uma dimensão coletiva; de currículos rígidos,
compostos por disciplinas cada vez mais fragmentadas, com priorização de atividades
teóricas, para currículos flexíveis, modulares, dirigidos para a aquisição de um perfil e
respectivas competências profissionais, os quais exigem modernas metodologias de
aprendizagem, habilidades e atitudes, além de múltiplos cenários de ensino. Neste sentido,
segundo Perim (2010), as diretrizes apontam um novo caminho para a formação do médico,
prevendo, entre outras questões, a integração de conteúdos e o desenvolvimento de
competências e habilidades, valendo-se de metodologias ativas de ensino. Prevê também a
integração entre ensino, serviços de saúde e comunidade, aproximando o futuro médico da
realidade social. Mas vale ressaltar que, acima de tudo, preconiza a formação de profissionais
58
com autonomia e discernimento para atuar na garantia da integralidade da atenção, além da
qualidade e da humanização do atendimento prestado aos indivíduos, famílias e comunidades.
De acordo com Santos e Westphal (2004), a formação médica, nessa perspectiva, deve
ter por objetivo abordar o conhecimento de forma integrada, e para isso conta com uma
estrutura curricular com atividades integradas em disciplinas, com o processo ensino-
aprendizagem centrado no aluno. Este deve ser protagonista na construção do próprio
conhecimento e ser avaliado por seu desempenho na prática clínica e social, de acordo com os
conhecimentos, habilidades e atitudes construídas no processo educativo. Já a formação
prática, de acordo com os autores, se dá na rede do sistema de saúde em graus crescentes de
complexidade, supervisionada por docente e voltada para as necessidades de saúde
prevalentes da população da região geográfica onde ocorre o processo educativo. As
atividades práticas cobrem vários programas e serviços de forma integral (adulto, materno-
infantil, medicina do trabalho, urgências, etc.).
Assim, nesse paradigma e de acordo com as DCN, deve haver uma busca por
construir, de forma integrada, conhecimentos nas áreas biomédicas, de condições de saúde,
dos aspectos sócio-econômicos, do campo de atenção básica e de gestão do Sistema Único de
Saúde visando gerar informações para a melhoria da prática em saúde. Também busca
abordar a relação entre prestadores e usuários dos serviços de saúde com análise crítica e
orientação de aspectos éticos e humanísticos. Desta forma, espera-se proporcionar aos
estudantes de medicina a efetiva formação generalista, humanista, crítica e reflexiva,
capacitando-os a atuar, pautados em princípios éticos, no processo de saúde-doença em seus
diferentes níveis de atenção, com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação à
saúde, na perspectiva da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso
com a cidadania, como promotores da saúde integral do ser humano.
3.1.3 A humanização da relação médico-paciente
Pontos chaves na formação médica dentro do proposto pelas DCN, aspectos éticos e
humanísticos, integralidade, necessidade da participação dos pacientes nos processos de
promoção da saúde e a ênfase na atenção primária apontam para a importância de se refletir
sobre aspectos da RMP. Estes mesmos pontos chave não são privilegiados na vigência do
paradigma flexneriano e acabavam por formar médicos que não valorizam o homem como um
complexo biopsicossocial. Deste modo, este tipo de formação médica beneficia uma visão
fragmentada e mecanicista do homem, resultando num distanciamento médico-paciente.
59
Segundo Fernandes (1993), a prática da Atenção Primária à Saúde tem como elemento
constitutivo básico a direta interligação das queixas trazidas pelo paciente com suas condições
de existência, seu sentir-se mal com a vida. Desta forma, pensar o paciente apenas em suas
características biomédicas mostra-se ineficaz para satisfazer qualitativamente parte da
demanda. Ou seja, o raciocínio estritamente biomédico é frequentemente insuficiente para dar
conta do sofrimento apresentado ao médico, cujas causalidades predominantes, na maioria das
vezes, encontram-se em outros campos da vida, isto é, nos campos social, emocional,
ambiental, etc. (FERNANDES, 1993).
Blank (2006) afirma que a relação entre o profissional de saúde e o usuário deve se dar
por parâmetros humanitários, de solidariedade e cidadania. Fortes (2004) afirma que
humanizar na atenção à saúde é entender cada pessoa em sua singularidade, levando em conta
seus valores e vivências como únicos, criando condições para que tenha maiores
possibilidades para exercer sua vontade de forma autônoma.
Objeto de políticas públicas e constituinte do esforço central da mudança de
paradigma nos serviços e formação dos profissionais da área de saúde, a humanização do
atendimento tem seu espaço no currículo das escolas de medicina. A disciplina Psicologia
Médica é um exemplo de espaço para formação humanística e integral do egresso da escola
médica.
A Psicologia Médica se constitui como uma das estratégias da academia para formar
para a RMP. De acordo com Muniz e Chazan (1992), a Psicologia Médica objetiva
centralmente o estudo das relações humanas no contexto médico. Esta disciplina tem sua
atenção voltada para a prática médica e sua integração com o ensino, como questão
indispensável no contexto da formação médica, e por isso pode oferecer uma contribuição
imprescindível para a construção de um pensamento biopsicossocial na educação médica.
3.2 O PAPEL DA PSICOLOGIA MÉDICA NA FORMAÇÃO MÉDICA
3.2.1 As origens
Souza (2001a) relata que Freud, em 1915, fala do abismo entre as operações de
conhecimento entre a medicina e a psicanálise, respectivamente, "o ver" e "o escutar". A
questão do ver estaria relacionada à primazia da formação de raciocínio "objetivante" na
formação médica tradicional, do "aprender a ver sintomas", à custa da subutilização dos
outros sentidos, e em contraponto à natureza subjetiva do "escutar", sem o qual nada acontece
60
na psicanálise. Segundo a autora, isto não só representa um modo diferente de conhecer, mas
também é uma questão relativa ao valor de verdade que se confere ao conhecimento, e
denuncia um preconceito em relação à cura pelas palavras na formação médica tradicional,
ignorando a palavra como meio de mútuo afeto e influência entre os homens. Isto tem como
consequência direta a desvalorização das dimensões subjetivas do paciente durante a atenção
clínica e uma comunicação insuficiente na RMP.
Souza (2001a) considera ainda que a questão das relações entre doença, pessoa doente,
médico e ordem social ganha destaque no século XX. Segundo a autora, na década de 1920,
emerge o discurso médico antropológico (na Alemanha), a partir do qual a enfermidade está
internamente relacionada à história do paciente. Assim a patologia, além de biologicamente,
"é compreendida como experiência na temporalidade de uma existência". Na década de 1930,
surge a Medicina Psicossomática que se restringe a postular causalidades psíquicas às
enfermidades, sem se preocupar com sua dimensão social. Assim, nessas décadas, as
enfermidades, além das causas biológicas, passam também a ser entendidas segundo suas
causas psíquicas e sociais, fazendo da medicina um campo de interdisciplinaridade.
Na década de 1950, segundo Souza (2001a), motivado por demandas sociais pela
melhoria da formação médica para lidar com doentes funcionais, Michael Balint busca meios
de aplicar a teoria psicanalista no campo dinâmico da RMP. Balint (1975) propõem refletir
sobre "a droga mais utilizada na clínica geral", ou seja, o próprio médico, e também afirma
que não é "suficiente levar em conta apenas a evolução da doença, mas o paciente como um
todo nessa relação clínica com o seu médico". Partindo disso, Balint postula a medicina da
pessoa total.
Na segunda metade da década de 1950, a Organização Mundial da Saúde define saúde
positivamente, não apenas como ausência de doença, mas como estado completo de bem-estar
físico, mental e social, e que também é construído por indivíduos, socialmente (SOUZA,
2001a). É neste momento que o bem-estar social e a felicidade humana começam a figurar
entre as concepções de saúde. A partir disso, a psiquiatria passa a incorporar e transformar o
discurso psicanalítico, configurando-se para a medicina como um "dispositivo de inter-
relações", com um valor de humanização da prática médica em geral (SOUZA, 2001a). A
psiquiatria, assim, passa a instituir um discurso sobre a RMP. Foi somente a partir dessa
incorporação que foi possível a efetiva articulação do saber psicanalítico com o pensamento
médico (SOUZA, 2001a).
Souza (2001a) destaca que, na Faculdade de Medicina da UFRJ, o ensino da RMP é
feito na disciplina Psicologia Médica, que foi introduzida no currículo da instituição pelo
61
professor Danilo Perestrello, nos anos 1950. Mais adiante nos concentraremos em caracterizar
a disciplina Psicologia Médica na Faculdade de Medicina da UFRJ.
3.2.2 A Psicologia Médica na formação médica
A Psicologia Médica tem papel importante na formação médica por acrescentar a
dimensão psicológica na RMP, e por voltar-se para a integração do ensino com a prática
(CAPRARA e FRANCO, 1999; MUNIZ e CHAZAN, 2010). Estas apontavam para uma
formação que abarcasse, de forma integrada, conhecimentos nas áreas biomédicas e
psicossociais, por meio de uma abordagem crítica e de orientações éticas e humanísticas das
RMP (CORTOPASSI et al, 2006). Assim, compete a esta disciplina promover a compreensão
do homem como um complexo biopsicossocial, primando por uma prática médica mais
humana e integral, como meio de buscar superar o modelo vigente, exclusivamente
biomédico, por outro de parâmetros humanistas (ARAGAKI e SPINK, 2009; MUNIZ e
CHAZAN, 2010; GUEDES, 2003).
Agaraki e Spink (2009) afirmam que a disciplina Psicologia Médica é o espaço de
aprendizado e reflexão a respeito da relação entre o médico e seus pacientes, além de ser um
lugar para se lidar e cuidar das diversas experiências suscitadas nos alunos durante o curso de
graduação. Para Souza (2001b), os conteúdos oferecidos pela disciplina Psicologia Médica
necessitam ser suscitados pela experiência prática da incompletude do modelo biomédico, e é
exatamente a partir da problematização da prática médica que se abre o espaço necessário
para discussão das práticas as quais a Psicologia Médica pretende transformar. Neste sentido,
a disciplina tem sua atenção voltada para a prática médica e sua integração com o ensino,
como questão indispensável no contexto da formação médica.
Para Cruz (2004 apud ARAGAKI e SPINK, 2009), é por meio da disciplina
Psicologia Médica (e correlatas) que se espera formar um médico consciente, ético, promotor
das transformações sociais, que alie competência técnica a uma visão humanitária,
enxergando ao paciente por meio e além dos sintomas. Deste modo, a disciplina tem um
caráter contra-hegemônico em relação à formação médica tradicional, e se volta tanto para o
cuidado dos pacientes, como para a formação integral dos médicos.
Assim, temos que a busca por tomada de consciência para o campo dinâmico e
complexo das relações inerentes à prática médica, especialmente nas RMP, a compreensão
das dimensões subjetivas e históricas da vida do paciente, este como um todo biopsicossocial,
são alguns dos objetivos centrais da disciplina Psicologia Médica. Por meio desta disciplina,
62
busca-se promover a ascensão do pensar biopsicossocial que seja complementar ao pensar
estritamente biológico, sensibilizando os futuros médicos para a complexidade do campo de
sua atuação, para as determinantes sociais de sua atividade, e para a importância do
atendimento humanizado e integral de seus pacientes.
3.2.3 O papel da Psicologia Médica nas graduações em medicina
Diante da relevância da Psicologia Médica no currículo de graduação médica,
buscamos investigar sobre o papel desempenhado pela disciplina nas graduações em medicina
de acordo com as produções científicas na área de ensino médico. Para isso, foi feito um
levantamento dos trabalhos publicados na Revista Brasileira de Educação Médica (RBEM).
Foram triadas edições da RBEM disponíveis na base Scielo5, (do ano de 2000 até 2010), num
total de 35 números publicados. Destes, selecionamos apenas os artigos que tinham o termo
"Psicologia Médica" como palavra-chave, o que totalizou nove artigos. Destes, selecionamos
apenas as publicações dos últimos cinco anos, por ser neste período em que houve a maior
frequência. Assim, com a exclusão do artigo publicado em 2002, restaram oito artigos. Os
artigos selecionados foram ordenados por ano de publicação, e nestes buscamos: identificar
qual conceito de Psicologia Médica sustentava o trabalho; o tipo de pesquisa de que tratava o
trabalho; como a Psicologia Médica é inserida no currículo; e segundo essas características,
que papel a disciplina ocupa na formação médica.
Vale ressaltar que a RBEM foi selecionada por ser esta a publicação em âmbito
nacional que se dedica mais especificamente a assuntos relacionados à formação médica. Isto
foi comprovado pela incidência bem menor da palavra-chave pesquisada, em outras revistas
indexadas da área. O quadro a seguir apresenta os oito trabalhos encontrados.
Quadro 1: Títulos e autores dos trabalhos encontrados
5http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=0100-5502
Título do trabalho Autor
Percepção de pacientes sobre a internação em um hospital
universitário: implicações para o ensino médico.
CORTOPASSI et al, 2006
Do modelo biomédico ao modelo biopsicossocial: um projeto de
educação permanente.
DE MARCO, 2006
A angústia na formação do estudante de medicina. QUINTANA et al, 2008
63
O quadro seguinte mostra que a maioria dos trabalhos selecionados foca em estudantes
de medicina, e um deles também se volta para a atividade dos professores. Isto localiza a
maioria dos trabalhos no contexto de ensino-aprendizagem. Há também a ocorrência de dois
estudos que voltam suas atenções para as práticas de profissionais, e um outro que apresenta
as vantagens que um instrumento clínico pode trazer para a Psicologia Médica.
Quadro 2: Trabalhos e tipos de pesquisa apresentadas
Artigo Tipo de pesquisa
CORTOPASSI et al, 2006 Pesquisa com pacientes
DE MARCO, 2006 Pesquisa com estudantes e profissionais
QUINTANA et al, 2008 Pesquisa com estudantes
MUNIZ e EISENSTEIN, 2009 Caracterização de Instrumento clínico
DE MARCO et al, 2009 Pesquisa com estudantes e professores
SILVA et al, 2009 Pesquisa com estudantes
LUCCHESE et al, 2009 Pesquisa com estudantes
CORDEIRO et al, 2010 Pesquisa com profissionais
Após leitura dos oito trabalhos selecionados, notamos que em todos a Psicologia
Médica aparecia na formação médica como um campo de conhecimento em que se integra a
dimensão psicossocial à biológica. Entretanto, identificamos que em quatro artigos
(CORDEIRO et al, 2010; QUINTANA et al, 2008; LUCCHESE et al, 2009; CORTOPASSI
Genograma: informações sobre família na (in)formação médica. MUNIZe EISENSTEIN,
2009
Semiologia integrada: uma experiência curricular de aproximação
antecipada e integrada à prática médica.
DE MARCO et al, 2009
Atitudes frente a fontes de tensão do curso médico: um estudo
exploratório com alunos do segundo e do sexto ano.
SILVA et al, 2009
Transferências na formação médica. LUCCHESE et al, 2009
Questões da clínica ginecológica que motivam a procura de educação
médica complementar: um estudo qualitativo.
CORDEIRO et al, 2010
64
et al, 2006) a Psicologia Médica é tratada como um saber que compõe a formação médica,
que é imprescindível, mas que não tem uma localização específica, nem um papel
determinado na formação médica. Destes quatro artigos, destaca-se o trabalho de Quintana et
al (2008), que problematiza bem a questão da formação psicológica na formação médica.
Quintana et al (2008) reforça o coro de críticas ao modelo de formação médica
estritamente biomédico. Este autor busca com seu estudo, identificar os fatores geradores de
angústia entre os estudantes de medicina. Assim, centra seu trabalho nas transformações
sofridas pelo estudante de medicina ao longo do curso, e afirma que este é formado
cognitivamente em diversas áreas biomédicas, e que é menosprezada sua formação
emocional. Este fato, por sua vez, dá origem a médicos que têm dificuldades de se relacionar
com o ser humano que espera por seus cuidados. Segundo o autor, a negligência aos aspectos
emocionais da formação médica, o contato com a dor, com o sofrimento e com a morte
produzem stress e angústia. Buscando sobreviver a isto, o estudante constrói, ao longo do
curso, uma barreira afetiva (disfarçada de objetividade) que, por sua vez, resulta na formação
de um médico indiferente ao sofrimento de seus pacientes. O autor aponta que parte das
causas destes fatores produtores de angústias está na dissociação entre a formação prática e a
formação teórica.
Caracterizaremos, a seguir, os outros quatro trabalhos (SILVA et al, 2009; DE
MARCO et al, 2009; MUNIZ e EISENSTEIN, 2009; DE MARCO, 2006) em que é dado
maior foco à Psicologia Médica, ainda que não se detenham somente nesta disciplina.
De Marco (2006) descreve propostas e aplicações de atividades na Unifesp
(Universidade Federal de São Paulo) que têm por fim viabilizar, junto ao eixo teórico da
disciplina Psicologia Médica, a implantação de um modelo de atenção biopsicossocial na
formação médica. Estas atividades consistem em estratégias que buscam aproximar, logo no
primeiro ano de curso, os estudantes à pratica médica. Esta aproximação se dá por meio de
observação e de entrevistas a pacientes e profissionais de saúde participantes do ambiente de
estudo. Estas observações e entrevistas, que são entendidas pelo autor como uma forma de
"contato reflexivo", são acompanhadas de orientação de professores e seguidas de momentos
para reflexão em grupo. Assim, a formação teórica proporcionada pela disciplina Psicologia
Médica vai sendo gradualmente complementada e aplicada no contexto de atuação médica.
O estudo de Muniz (2009) também parte da crítica à formação estritamente biomédica
e apresenta o genograma. Este é um instrumento construído a partir das narrativas dos
pacientes, configurando-se como um mapeamento das relações socioculturais e ambientais
destes sujeitos. Além de uma visão mais ampla do ser humano, este instrumento possibilita
65
um entendimento mais complexo dos processos de saúde-doença. Este genograma é bastante
semelhante ao cronograma familiar apresentado por Muniz e Chazan (2010), uma espécie de
mapa genético da história de vida do paciente e de seus familiares. Para Muniz (2009), apesar
da ciência médica ser um entroncamento de ciências biológicas e humanas, o modelo
biopsicossocial de saúde-doença é amplamente abordado no âmbito teórico da educação
médica, e esquecido no ensino da prática médica.
De Marco et al (2009), partindo da concepção da disciplina Psicologia Médica como
uma estratégia geralmente isolada no currículo médico, apresenta um projeto da Unifesp e
suas observações preliminares, como uma resposta a esta situação. Este projeto tem por
objetivo permitir a maior integração entre as formações teórica e prática em medicina, por
meio da introdução no currículo médico da disciplina Semiologia Integrada. Esta disciplina,
em linhas gerais, busca a aplicação da teoria da Psicologia Médica durante a prática do exame
médico. Assim, após as anamneses são realizados grupos de discussão que contam com a
presença de alunos e de professores (de Psicologia Médica e das diferentes áreas de
semiologia). Esta nova disciplina tem por objetivo capacitar os estudantes teórica e
praticamente para percepção do ser e do adoecer em sua realidade biopsicossocial.
Silva et al (2009), sob uma concepção biopsicossocial da formação médica como meio
de proporcionar uma visão integral do ser e do adoecimento, busca caracterizar as atitudes dos
estudantes frente às fontes de tensão do curso médico. O trabalho parte de resultados de
pesquisas que apontam a prevalência de casos de ansiedade, desgaste emocional e depressão
em estudantes de medicina em comparação ao número de ocorrências na população em geral.
Os autores localizam as causas destes casos em algumas características do curso médico,
como no desamparo do estudante, na dinâmica pedagógica do curso, na gestão do bem de
estudo, no contato com cadáveres, na falta de preparação para o contato com a intimidade
corporal e emocional dos pacientes, e na descoberta de que o médico não é onipotente. Assim,
estes autores afirmam que estas causas podem gerar crises adaptativas e ser prejudiciais à
saúde do estudante.
Como mostra o quadro a seguir, os artigos diferiram na inserção da Psicologia Médica
no currículo da formação médica. Metade dos trabalhos não localizou a Psicologia Médica no
currículo médico, dois apontam que a Psicologia Médica deve atravessar todo o currículo e
estar sempre aliada à prática médica, apenas uma localiza como sendo aliada à prática médica,
e um a insere no ciclo básico, de caráter teórico. De Marco et al (2009), apesar de caracterizar
a disciplina Psicologia Médica como sendo normalmente isolada no currículo médico, propõe
que ela atravesse toda a formação e que esteja sempre aliada à prática médica.
66
Quadro 3: Caracterizações da inserção da Psicologia Médica no currículo médico.
Artigo Inserção no currículo médico
CORTOPASSI et al, 2006 Não localiza
DE MARCO, 2006 Atravessa todo o curso médico
QUINTANA et al, 2008 Não localiza
MUNIZ e EISENSTEIN, 2009 Aliado à prática médica
DE MARCO et al, 2009 Atravessa todo o curso médico aliado à prática médica
SILVA et al, 2009 No ciclo básico/teórico.
LUCCHESE et al, 2009 Não localiza
CORDEIRO et al, 2010 Não localiza
O papel da Psicologia Médica foi apontado por seis artigos como sendo preparar os
alunos para atuar na RMP pautados por um pensar biopsicossocial. Outros dois trabalhos
apontaram que o papel da Psicologia Médica é dar suporte aos alunos diante das tensões e
angústias do curso de medicina, como mostra o quadro a seguir.
Quadro 4: Papéis atribuídos a Psicologia Médica.
Artigo Papel atribuído à Psicologia Médica
CORTOPASSI et al, 2006 Preparar biopsicossocialmente para RPM
DE MARCO, 2006 Preparar biopsicossocialmente para RPM
QUINTANA et al, 2008 Auxilio aos alunos diante das tensões do curso
MUNIZ e EISENSTEIN, 2009 Preparar biopsicossocialmente para RMP
DE MARCO et al, 2009 Preparar biopsicossocialmente para RMP
SILVA et al, 2009 Auxilio aos alunos diante das tensões do curso
LUCCHESE et al, 2009 Preparar biopsicossocialmente para RMP
CORDEIRO et al, 2010 Preparar biopsicossocialmente para RMP
Assim, os resultados mostram que há maior frequência de produção de trabalhos nos
últimos cinco anos, sustentam-se sobre uma premissa da Psicologia Médica como um campo
de conhecimento da ciência médica que visa integrar aspectos biomédicos e psicossociais, são
67
em sua maioria pesquisas centradas nos alunos, e buscam preparar os alunos para atuar na
RMP pautados por uma visão biopsicossocial.
Assim, pudemos perceber que os trabalhos caracterizam o papel preponderante da
Psicologia Médica como uma estratégia na formação dos alunos e profissionais que busca
orientar a RMP por valores, humanidades e saberes biopsicossociais, que vem ganhando
crescente atenção das produções científicas na área. Entretanto, ainda não se tem claro em que
momento deve ser inserida esta disciplina no currículo médico.
3.3 CARACTERIZAÇÃO HISTÓRICA DA DISCIPLINA PSICOLOGIA MÉDICA NA
UFRJ E DOS VÍDEOS UTILIZADOS NESSA DISCIPLINA
O levantamento das informações que expomos a seguir foi feito a partir de entrevista
com a Professora Alicia Navarro, das leituras dos programas da disciplina, e da leitura de
artigos e de outros documentos.
No Brasil, a UFRJ foi pioneira na área de pesquisa e ensino das RMP. Segundo
Eksterman (2010), foi no Serviço de Clínica Médica do Hospital Geral da Santa Casa do Rio
de Janeiro (1ª Cátedra de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do
Brasil), dirigido por Clementino Fraga Filho, que Danilo Perestrello é autorizado a fundar em
1958, acompanhado por Abram Eksterman, a "Divisão de Medicina Psicossomática". Em
1965, Perestrello e Eksterman se unem e formam o Centro de Medicina Psicossomática e
Psicologia Médica do Hospital Geral da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro.
Em 1978, é inaugurado o Hospital Universitário da UFRJ, que recebe todas as clínicas
antes divididas nas três sedes da universidade. O nomeado Serviço de Psicologia Médica
alberga as clínicas advindas do Hospital Geral da Santa Casa do Rio de Janeiro. Perestrello se
preparava para fazer o concurso para professor titular da cadeira de Psicologia Médica,
quando é vítima de um acidente vascular cerebral, e é impedido de participar da seleção. O
Professor Adolfo Hoirisch, que era professor do Departamento de Psiquiatria, é aprovado no
concurso para professor titular de Psicologia Médica, e é ele quem inaugura o Hospital
Universitário.
Abram Eksterman, psicanalista, colaborador de Perestrello, leva adiante o seu
trabalho, e elabora o modelo de prontuário utilizado até os dias de hoje no Hospital
Universitário. Este modelo, chamado História da Pessoa, é fundamentado na obra "Medicina
da pessoa" de Danilo Perestrello. Segundo Eksterman (1975),
68
“História da Pessoa”, termo criado por mim para designar a investigação de: 1) a biografia do doente, como ele, doente, a conta, e não como os fatos teriam se passado na realidade cronológica. Importa no caso a realidade vivencial do doente. 2) as circunstâncias de vida dentro das quais adoeceu ou costuma adoecer; 3) aspectos importantes da relação médico-paciente.(...) Justificamos a “história da pessoa” com os seguintes postulados retirados de nossa experiência: 1) os dados biográficos tornam o doente uma pessoa para o médico e não apenas uma patologia. A vantagem é a individualização do caso clínico, com a consequente adaptação das medidas terapêuticas específicas para aquele doente; 2) o conhecimento das circunstâncias de vida nas quais sobreveio à enfermidade possibilita evitar revivescências das mesmas circunstâncias morbígenas no relacionamento clínico. A relação médico-paciente pode ser fonte de graves iatrogenias, algumas das quais induzidas pelo paciente, sem que o médico disso se aperceba; 3) a compreensão da relação médico-paciente permite uma aliança criteriosa e harmoniosa com o doente. O estudo da patologia “somática” leva ao que da terapêutica; o estudo da pessoa do doente e da relação médico-paciente leva ao em quem, para poder se chegar ao como da mesma terapêutica.
Em 1981, a estrutura da disciplina era iniciada por uma aula inaugural, na qual era
abordada a "evolução do pensamento médico". Posteriormente esta era seguida por três
unidades, que somavam 14 aulas. A primeira unidade se ocupava da questão "o paciente e o
médico". Nesta unidade eram trabalhados e desenvolvidos conceitos como: o inconsciente,
dinâmicas psíquicas, conflitos, somatização, "a história da pessoa", os limites da atividade
médica. O tema da segunda unidade era "A relação médico-paciente". Para isto, abordava a
relação estudante de medicina-paciente, as diversas formas de comunicação médico-paciente,
os limites do atendimento médico. Já a terceira unidade centrava-se na "Prática assistencial", e
desenvolvia os assuntos: atendimento no ambulatório e na emergência, os aspectos
psicossociais do atendimento, aspectos particulares do atendimento (atendimento a criança,
adolescente, ginecológico, urológico, geriátrico, cirúrgico, oncológico e psiquiátrico), o
processo clínico (do primeiro atendimento à alta). Estes temas eram em geral tratados por
meio de aulas expositivas, exibição de um vídeo, debates, grupos operativos e grupos
orientados por tarefas.
Cerca de 29 anos depois, após um longo processo de mudanças, a estrutura da
disciplina mudou um pouco, alguns novos temas emergiram, os vídeos passam a ser utilizados
com maior frequência, e a partir de 2007 as oficinas de dramatização teatral passam a fazer
parte das dinâmicas de ensino-aprendizagem da disciplina. A disciplina não se divide mais em
três grandes unidades, mas a maior parte dos temas ainda tem presença no programa das
aulas, junto a novas demandas. Na estrutura da disciplina são abordados os temas: a
Psicologia Médica no ensino e na assistência no HUCFF, o parecer médico psicológico e a
69
relação paciente-equipe de saúde; a RMP e seus modelos no marco cultural; reações
psicológicas à doença e à internação; Introdução ao exame psíquico, síndromes psiquiátricas
no hospital geral; a doença e seu significado na cultura; assistência a criança: visão integrada;
assistência em casos de doença aguda – O atendimento a pacientes em unidades de
emergência, coronariana e CTI; Assistência em casos de doença crônica; Assistência à
Terceira idade; Assistência em caso de doença cirúrgica; Somatização – Atendimento a
pacientes com queixas difusas; Morte e assistência em casos de doença terminal; Difíceis
decisões: situações limites na prática médica.
Na análise dos programas das disciplinas também nos chamou a atenção o crescimento
do uso de vídeos, ao longo das transformações passadas pela disciplina na Faculdade de
Medicina, ao longo destes 29 anos. A disciplina, que inicialmente contou com um vídeo em
1981, nos anos de 1996, 2000, 2001, 2002 chega a contar com cinco vídeos por semestre, e
em 2010 foram utilizados dois vídeos por semestre. O primeiro vídeo a ser inserido nos
programas (daqueles que conseguimos ter acesso), exibido em 1982, é intitulado “Encontro
Clínico”. Este vídeo pertencente ao acervo do NUTES, foi escrito pelo professor Eksterman e
produzido pelo Setor de Produção Audiovisual do NUTES/UFRJ nos anos 1970.
Nos quadros abaixo, relacionamos os títulos dos vídeos utilizados em cada ano e
semestre da disciplina e uma contagem da frequência de utilização destes vídeos.
Quadro 5: Vídeos utilizados na disciplina Psicologia Médica por ano letivo.
ANO 1º SEMESTRE 2º SEMESTRE OBS.:
1978 Apenas leitura de bibliografia Apenas leitura de bibliografia
1979 “demonstração por vídeotape” Programa não encontrado É relatado o uso de um vídeo, mas não especificado o título.
1981 Exibição de vídeo-tape Programa não encontrado
1982 Programa não encontrado Encontro Clínico
1983 Encontro Clínico "dramatização" Os alunos dramatizam as questões a serem abordadas
1984 Tec. de anamnese Tec. de anamnese
Adolescência
A professora Alicia acredita que este vídeo seja o Encontro Clínico.
1985 Adolescência Johnny vai à guerra O professor Sergio informou que o
70
Adolescência
“VT americano”6
nome deste VT americano provavelmente seja "Nodal Point"
1986 Técnica de anamnese
Adolescência
La Luna
Johnny vai à guerra
Técnica de anamnese
La Luna
Johnny vai à guerra
1987 Encontro clínico
Adolescência
La Luna
Johnny vai à guerra
Programa não encontrado
1990 “Anemia falciforme”7
Adolescência
Johnny vai guerra
Encontro Clínico
Meu nome é ninguém
“O menino na creche”8
Adolescência
Câncer: o fundamental é a vida
Johnny vai à guerra
1991 Encontro Clínico
Meu nome é ninguém
“John and Jane”
Câncer: o fundamental é a vida
Johnny vai à guerra
Encontro Clínico
“John and Jane”
Câncer: o fundamental é a vida
Johnny vai à guerra
Meu nome é ninguém
Adolescência é considerado datado por conta de sua estética, e sai do programa.
1992 Encontro Clínico
“John and Jane”
Câncer: o fundamental é a vida
Johnny vai à guerra
Meu nome é ninguém
Encontro Clínico
“John and Jane”
Câncer: o fundamental é a vida
Johnny vai à guerra
Meu nome é ninguém
1993 Encontro Clínico
“John and Jane”
Câncer: o fundamental é a vida
Johnny vai à guerra
Meu nome é ninguém
Encontro Clínico
“John and Jane”
Câncer: o fundamental é a vida
Johnny vai à guerra
1994 Encontro Clínico
“John and Jane”
Adolescência
Câncer: o fundamental é a vida
Johnny vai à guerra
Encontro Clínico
“John and Jane”
Câncer: o fundamental é a vida
Johnny vai à guerra
1995 Encontro Clínico
“John and Jane”
Câncer: o fundamental é a vida
Johnny vai à guerra
Programa não encontrado
1996 Encontro Clínico
Meu nome é ninguém
Meu nome é ninguém
Encontro Clínico
6A pedido da turma. 7 Encontro Clínico. 8John and Jane – ClínicaTavistock.
71
Câncer: o fundamental é a vida
Johnny vai à guerra
“John and Jane”
Câncer: o fundamental é a vida
Johnny vai à guerra
1998 “John and Jane”
Câncer: o fundamental é a vida
Johnny vai à guerra
Meu nome é ninguém
“John and Jane”
Câncer: o fundamental é a vida
Johnny vai à guerra
1999 Meu nome é ninguém
“John and Jane”
Câncer: o fundamental é a vida
Johnny vai à guerra
Meu nome é ninguém
“John and Jane”
Câncer: o fundamental é a vida
Johnny vai à guerra
2000 Meu nome é ninguém
“John and Jane”
Câncer: o fundamental é a vida
Johnny vai à guerra
Meu nome é ninguém
Lição de Anatomia
“John and Jane”
Câncer: o fundamental é a vida
Johnny vai à guerra
2001 Meu nome é ninguém
Lição de Anatomia
“John and Jane”
Câncer: o fundamental é a vida
Johnny vai à guerra
Meu nome é ninguém
Um golpe do destino
Câncer: o fundamental é a vida
2002 Encontro Clínico
Meu nome é ninguém
Um golpe do destino
Câncer: o fundamental é a vida
Wit
Encontro Clínico
Meu nome é ninguém
Mancha de Batom
Um golpe do destino
Câncer: o fundamental é a vida
Wit
2003 “Filme”(?)9
Câncer: o fundamental é a vida
Mancha de Batom
Câncer: o fundamental é a vida
2004 Um golpe do destino
Câncer: o fundamental é a vida
Wit
2005 Mancha de Batom
Um golpe do destino
Câncer: o fundamental é a vida
Um golpe do destino
Câncer: o fundamental é a vida
2007 Um golpe do destino
Wit
Teatro: Sem nome para fazer rir
2009 Um golpe do destino
Wit
Teatro: Sem nome para fazer rir
2010 Um golpe do destino
Wit
Teatro: Sem nome para fazer rir
9 Segundo a Professora Alicia, talvez seja o filme “Um golpe do destino”.
72
Quadro 6: Contagem da utilização de cada título por semestre
Vídeo Utilizações /por semestre
Encontro Clínico 16 (+5)10
Adolescência 1
Johnny vai à guerra 24
Nodal Point 1
La Luna 3
Meu nome é ninguém 17
John and Jane 18
Câncer: o fundamental é a vida 27
Lição de Anatomia 2
Um golpe do destino 10 (+1)
Wit 6
Mancha de Batom 3
Estes vídeos foram usados ao longo da história da disciplina, relacionados com
diferentes temas. Alguns se sucedem, substituem e em outros momentos chegam a aparecer
juntos. Por exemplo, o vídeo “Câncer: o fundamental é a vida”, foi utilizado na disciplina de
Psicologia Médica, relacionado com o tema Atendimento a Adultos, posteriormente passou
para Atendimento a terceira idade, depois a Pacientes Crônicos, e por fim a Pacientes
terminais. No quadro a seguir relacionamos o título do vídeo ao tema em que ele se insere na
dinâmica da disciplina.
Quadro 7: Vídeos e temas de utilização nas aulas de Psicologia Médica
Vídeo Temas
Encontro Clínico Técnicas de Anamnese
RMP
Papel da Psicologia Médica no Hospital Geral
illness x disease
Adolescência Atendimento a adolescentes
Johnny vai à guerra Limites do atendimento médico
Atendimentos a pacientes terminais e a sua família
Médico frente a morte.
Nodal Point --
La Luna Atendimento a adolescentes
Meu nome é ninguém Dimensão psicossocial da assistência RMP
Equipe de Saúde, Sistema de Saúde.
10 Cinco vídeos “Técnica de anamnese” que a professora Alicia acreditou ser o Encontro Clínico.
73
John and Jane Atendimento a crianças
Câncer: o fundamental é a vida Atendimento a adultos
Atendimento a idosos
Pacientes terminais
Pacientes crônicos
Lição de Anatomia RMP
A "formação do Profissional de Medicina"
Um golpe do destino O médico como paciente
Wit Adoecimento
Mancha de Batom Sexualidade
Pudemos perceber que, de 1975 até os dias atuais, ocorreu uma substituição dos vídeos
educativos por filmes advindos da indústria cinematográfica. Estes são na maioria dramas, e
fica claro nesta escolha uma evidente intenção de promover a experienciação de conflitos, na
expectativa que estes gerem debates profícuos no que concerne à formação médica para o
atendimento. Aparentemente, trocou-se o “dirigismo” do vídeo educativo mais tradicional,
pela experienciação, livre fruição da diegese do filme, em que, por meio da alteridade ou
empatia com os o personagens, os espectadores podem vivenciar outras "realidades" e
experiências no universo ficcional. Para Souriau (1954), diegese se trata de um conjunto de
acontecimentos narrados numa determinada dimensão espaço-temporal, construindo uma
realidade própria da narrativa (um mundo ficcional), à parte da realidade externa de quem lê.
Ou seja, é a realidade interna da obra, como criada pelo autor, e independente da realidade
não ficcional do "mundo real". Nesse sentido, deixam de serem utilizados como meio de
"transporte" de conteúdos didaticamente organizados, para servirem de suporte para vivências
de outros espaços-tempos, outras vidas. Seria possível assim, que o espectador vivenciasse as
experiências pelas quais passa o médico, personagem do filme Johnny vai a guerra, que
subitamente passa a ser paciente e sente toda frieza da RMP a ele despendida.
Diante de um breve levantamento do campo da Psicologia Médica, de sua
contextualização na formação médica e da caracterização da disciplina no contexto de sua
ocorrência na Faculdade de Medicina da UFRJ, chegamos ao entendimento que, de maneira
geral, a Psicologia Médica é um campo ainda em ativa disputa. Isto tem como consequência
uma variedade de abordagens e estratégias de ensino entre as diferentes escolas de medicina
do país. Apesar de ainda não ser um campo "consensualmente" estabelecido, a baixa produção
na área pode nos levar a crer que este é um campo em plena construção e estabelecimento.
A disciplina, no contexto da Faculdade de Medicina da UFRJ, faz jus à sua herança
histórica de pioneirismo no estudo e prática da RMP, pela busca por novos meios de
74
possibilitarem "vivências", experiências formadoras de estudantes de medicina. Neste sentido,
as atividades relacionadas ao audiovisual se mostram como um solo fértil para a reflexão,
produção de conhecimentos no âmbito da atividade médica.
75
4 MATERIAIS E MÉTODOS
4.1 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO
Para a presente pesquisa selecionamos, do acervo audiovisual do LVE-NUTES, um
vídeo de sensibilização da série temática Psicologia Médica, dos quatro indexados com essas
características. No quadro a seguir estão listados os títulos dos quatro vídeos.
Quadro 8: Títulos dos vídeos da modalidade sensibilização da série temática Psicologia Médica.
Título Ano Série temática
Encontro clínico. 1976 Psicologia Médica
Mesa redonda: relação médico-paciente.
1977 Psicologia Médica
Aspectos não convencionais do atendimento médico
1978 Psicologia Médica
Lição de Anatomia 1999 Psicologia Médica
Exceto o vídeo "Mesa redonda: relação médico-paciente", que é um documentário,
todos são ficções escritas por professores em conjunto com a equipe técnica do NUTES. Os
vídeos "Encontro Clínico" e "Aspectos não convencionais do atendimento médico" forma são
de autoria do professor Abram Eksterman. Chamou-nos especial atenção o último vídeo
produzido nessa série temática, o "Lição de Anatomia", por ser o mais recente, ter sido
concebido a partir de um projeto que demandou uma confluência de forças dentro da
universidade (e também de fora), o que gerou uma relativa expectativa positiva, mas esteve
presente por apenas um semestre no programa de Psicologia Médica da Faculdade de
Medicina da UFRJ, instituição que de certa maneira havia “encomendado” o vídeo. Por este
motivo optamos por centrar os estudo nesse vídeo.
No estudo da produção, a análise fílmica do vídeo não se centrou na análise da
linguagem ou análise estética. Tendo em vista os objetivos da pesquisa, optamos por
privilegiar o estudo da narrativa, na busca da caracterização de um significado preferencial e
de um endereçamento.
O contexto da pesquisa é o ensino da disciplina Psicologia Médica do Curso de
Medicina da Faculdade de Medicina (FM) na UFRJ.
76
Os sujeitos pesquisados foram: dois professores produtores de vídeos educativos, oito
professores da disciplina Psicologia Médica e nove alunos de uma turma dessa disciplina.
Assim, os dois professores produtores dos vídeos foram entrevistados. Enquanto os oito
professores de Psicologia Médica e os nove alunos da disciplina participaram do estudo de
recepção (exibição do vídeo, aplicação de questionários e grupo de discussão).
Compreendemos que estes sujeitos estão situados historicamente e imersos em macro
e micro relações de poder, estas que influenciam (são determinantes e determinadas) as
leituras produzidas. No entanto, para garantir que o estudo fosse executado nos limites
temporais de uma pesquisa de mestrado, optamos por não aprofundar as análises a essas
dimensões e relações de poder, nem como estas influenciam as linguagens e os modos de
expressão. Por esse motivo a análise foi voltada apenas aos sentidos manifestos por esses
sujeitos espectadores.
A pesquisa ocorreu durante o segundo, terceiro e quarto trimestre de 2011. As
atividades de coleta e análise de dados da pesquisa estão sendo acompanhadas pelo Comitê de
Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC) da UFRJ.
77
4.2 JUSTIFICATIVA
Estudos apontam as vantagens dos usos de recursos audiovisuais educativos, mostram
suas possibilidades, ressaltam seu poder educativo, e afirmam ainda haver um grande
potencial dos vídeos a serem aplicados à educação (WORTH, 1979). Entretanto, boa parte dos
estudos que se voltam à produção e aos usos de vídeos para finalidades educacionais são
sustentados por pressupostos que dificilmente são postos a prova como objetos de estudo.
Ainda, por mais que os professores e autores escolham pelo uso, ou decidam pela produção de
um vídeo de uma determinada forma, estes objetivos somente serão alcançados mediante a
aceitação dos alunos na leitura dos filmes. Os estudos de recepção midiática têm a oferecer a
aproximação de uma compreensão complexa do processo comunicativo, em que se
consideram os papéis dos autores, meios, espectadores e contextos na constituição dos
sentidos dos vídeos, de forma a colocar em novas bases os pressupostos inicialmente
admitidos.
O acervo audiovisual do LVE-NUTES conta com diversas obras produzidas com
objetivos educativos. Algumas destas obras, ao longo da história, tiveram maior ou menor
aceitação de professores, alunos e instituições. O estudo holístico de produção e recepção
dessas obras certamente contribuirá não só para melhor compreender os motivos de aceitação
e resistência, como permitirá melhor caracterizar os usos feitos destes vídeos em contextos
educativos, ancorados na compreensão da dinâmica e nas intenções de produção da obra.
Além dos vídeos da série temática Psicologia Médica, essa disciplina historicamente
contou em suas dinâmicas de ensino-aprendizagem com vídeos de outras coleções, e faz uso
de tipos variados de filmes até hoje. Essa disciplina se configura como uma imprescindível
estratégia de formação para de profissionais que desenvolvam uma RMP mais humana.
Diante do uso recorrente, da importância conferida por professores a esse "método" de ensino,
e do considerável propósito da disciplina para a formação médica, destaca-se a relevância de
melhor compreender o papel desses vídeos na formação médica.
Assim, a fim de se aproximar mais de um conhecimento que fundamente novas
produções de vídeos educativos, é importante buscar se aproximar da compreensão sobre
como os alunos/espectadores produzem sentido na leitura de vídeos educativos, como se
motivam a assisti-los, como se posicionam diante deles e como são abordados por eles.
Compreender esta circulação de sentido e conhecimento contribuirá para o melhor
entendimento das dinâmicas comunicativas que envolvem professores, autores e estudantes
como produtores dos sentidos dos vídeos exibidos na sala de aula. E de maneira mais
78
específica, como ocorrem estas dinâmicas no contexto da Psicologia Médica, e como os
vídeos do acervo audiovisual do LVE-NUTES podem atuar nessa dinâmica.
79
4.3 OBJETIVOS Objetivo Geral
Descrever e analisar a produção e a recepção de um vídeo da série de Psicologia
Médica, integrante do acervo do NUTES, buscando compreender que sentidos professores e
estudantes produzem a respeito desse vídeo e como esses sujeitos compreendem, reconhecem
e significam as intenções presentes no vídeo.
Objetivos Específicos
1) Analisar a construção do vídeo selecionado, buscando identificar as intenções que dão
lhe forma;
2) Identificar os significados e leituras preferenciais e os modos de endereçamento
pretendidos pelos produtores do vídeo pesquisados e compará-los com as leituras
efetivamente produzidas pelos alunos;
3) Descrever e analisar as posições de leitura adotadas por professores e alunos da
Faculdade de Medicina da UFRJ, nas dimensões de compreensão, discriminação,
posição e avaliação do modelo multidimensional de análise de recepção de Hall/
Schrøder.
80
4.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Os procedimentos metodológicos da pesquisa foram os seguintes. Primeiramente,
analisamos a obra audiovisual, buscando compreender as significações possíveis apresentadas
nela. Em seguida, a partir das hipóteses construídas por meio do mapeamento de significados
possíveis, entrevistamos os autores do vídeo com o objetivo de saber qual era a intenção de
significados para o vídeo, a quem ele foi endereçado, além de caracterizarmos o contexto de
produção da mensagem. Cruzamos os dados obtidos da análise fílmica com os dados gerados
nas entrevistas e análise do contexto de produção. Finalmente, por meio do estudo de
recepção, identificamos quais foram os sentidos produzidos pelos leitores/espectadores do
vídeo no contexto da disciplina. Ao final, buscamos responder a questão desta pesquisa por
meio da comparação entre os sentidos expressos na linguagem do vídeo, as leituras esperadas
pelos autores da obra e o sentido construído pelos leitores.
Diante disso, optamos por estruturar os procedimentos metodológicos em três etapas.
São elas: Estudo do Vídeo, Estudo da Produção, Estudo da Recepção. A seguir, abordaremos
as técnicas utilizadas em cada uma destas três etapas.
4.4.1 Estudo da produção.
Nesta parte dos procedimentos metodológicos foi feita análise da linguagem fílmica
do vídeo selecionado, Lição de anatomia, bem como a análise do contexto de produção.
Esperamos com estes procedimentos identificar as intenções dos produtores do vídeo e
caracterizar o uso da linguagem fílmica na construção de uma leitura preferencial e de um
modo de endereçamento. Para o estudo da obra, utilizamos a Análise Fílmica Francesa e
Semiótica Social. Para estudar o contexto, entrevistamos os produtores e analisamos
documentos relacionados a produção da obra, todos estes analisados segundo a análise de
conteúdo temática (BARDIN, 2008).
Para VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ (1994), uma análise fílmica não pode centrar-se
apenas no texto audiovisual. Ela deverá também ser feita a serviço de um projeto, levar em
conta o contexto no qual a obra foi produzida e buscar identificar as influências destes na
composição do texto. Analisar um filme é desconstruí-lo em suas partes, em seguida
reconstruí-lo e buscar a compreensão do todo da obra a partir da síntese das partes.
Um desejo de compreender melhor, que requer uma desconstrução artificial (“quebrar o brinquedo”) para observar os diversos mecanismos (“ver como
81
funciona”) com a esperança, talvez ilusória, de uma reconstrução interpretativa mais bem fundamentada (JOLY, 2001)
Segundo Vanoye e Goliot-Lété (1994) analisar um filme é também situá-lo num
contexto, numa história. E, se consideramos o cinema como arte, é situar o filme numa
história das formas fílmicas. Assim, torna-se imprescindível buscar caracterizar o contexto de
produção do vídeo. Neste sentido, em nossa análise, é importante não somente olhar para o
texto, mas também olhar para as suas condições de produção e para o contexto de produção.
O todo do filme reconstituído, somado a informações levantadas sobre as condições de
produção, o contexto e o paratexto11, dão subsídios para melhor estimar uma Leitura
Preferencial. Foi utilizada a análise documental de textos produzidos pelos autores e pela
equipe de produção do vídeo, de modo a colaborar na caracterização do contexto de produção.
Estes documentos que tratam da temática do vídeo e de suas condições de produção, são
relatórios de produção, sinopses, artigos publicados, roteiros etc.
O contato com o produtor também é ponto importante de nosso procedimento
metodológico, pois além de ser fonte de informações que contribuirão na caracterização do
contexto de produção do vídeo, ele também nos pôde revelar outros pontos de vista sobre as
intenções que deram origem à mobilização dos recursos estéticos na construção de um
significado preferencial e de um endereçamento para o vídeo.
Nesse sentido, fizemos entrevistas semi-estruturadas com dois produtores do vídeo, a
fim de levantar informações sobre as intenções na produção das peças e os entendimentos da
problemática abordada no vídeo, e informação sobre o contexto de produção. Os roteiros
destas entrevistas foram orientados por questões levantadas pela análise fílmica do vídeo. As
entrevistas foram gravadas, transcritas e analisadas.
Para análise dos dados tanto das entrevistas, quanto dos documentos levantados, foi
utilizada a Análise de Conteúdo Temática como apresentado por (BARDIN, 2008). A análise
temática consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem a comunicação e cuja
presença ou frequência de aparição podem significar alguma coisa para o objetivo analítico
pretendido (BARDIN, 1979 apud MINAYO, 2009).
A princípio foram levantadas informações sobre a produção do vídeo buscando
identificar o ano de produção e nome dos autores, entre outras informações sobre o contexto
de produção, tais como cenários utilizados, atores, roteiros, storyboard, etc. Em um segundo
11
Segundo Odin (2005) informações exteriores à obra que indicam como a obra deve ser lida, tais como cartazes de divulgação, apresentação introdutória, material didático introdutório, etc.
82
momento, se buscou estabelecer contato com os autores a fim de viabilizar a entrevista. Como
auxílio à preparação da entrevista, ou como complementos às informações obtidas com as
entrevistas, lançamos mão do estudo de documentos que carregassem informações sobre a
obra, sobre o autor, ou sobre o contexto de produção. Ao fim procedemos com a Análise de
Conteúdo Temática.
4.4.2 Estudo da recepção
Esta etapa consistiu em uma exibição experimental do vídeo selecionados, na
aplicação de questionários, observação e na realização de um grupo de discussão.
A exibição foi precedida do esclarecimento da natureza e objetivos da pesquisa e
posterior aplicação do TLCE, e também pela aplicação de questionário aberto que combinou
questões sobre informações do perfil sociocultural com informações sobre as concepções
prévias dos alunos relacionados a temas que serão tratados no vídeo, motivações e interesses
dos alunos sobre os temas a serem abordados. Segundo Schrøder et al (2003), o espectador é
caracterizado como um sujeito socializado em meio a inúmeros códigos e repertórios
interpretativos, adquiridos e desenvolvidos num contexto sociocultural determinado, este,
experienciado pelo espectador durante toda sua vida. Estes repertórios são socialmente
construídos. Diante disso, este questionário teve como objetivo fazer um levantamento
superficial dos repertórios comunicativos mobilizados nos hábitos de consumo de mídia no
cotidiano dos sujeitos pesquisados.
Durante a exibição também se atentou para possíveis ações e reações (como
comentários em voz alta, risos, recusa em ver o vídeo etc.) que pudessem identificar atitudes
de aprovação ou desaprovação/resistência.
Após a exibição do vídeo, foi realizado um grupo de discussão que buscou tratar de
temas abordados pelo vídeo. Esta dinâmica teve como finalidade possibilitar a identificação
dos sentidos produzidos pelos alunos. Para SchrØder et al (2003), a abordagem qualitativa nos
estudos de recepção consiste na busca pela verbalização de suas experiências pelos
espectadores. Neste sentido, o grupo de discussão se configurou como uma estratégia de
acesso às elaborações discursivas das experiências destes usuários com o vídeo em questão.
Entretanto, não se trata de um instrumento que possibilitaria uma escavação da experiência
mais pura do espectador, trata-se de um catalisador para ativar uma paleta de repertórios
discursivos relacionados com os sentidos produzidos a partir da experiência com o vídeo
exibido, coletivamente elaborada na discussão.
83
Nos grupos de discussão, trabalhamos com a perspectiva de construção de consenso e
buscamos saturar um determinado assunto antes de passarmos a um novo tópico. Neste grupo
de discussão o roteiro não atuou como um limitador. Cuidamos para que o grupo de
discussão ocorresse de forma mais espontânea. Se o assunto previsto pelo roteiro não surgisse
de forma espontânea, buscaríamos primeiramente abordar este tópico quando um dos assuntos
relacionados fosse abordado na interação, ou quando fossem questionados diretamente sobre
o tópico determinado. Os momentos da exibição do vídeo e da ocorrência do grupo de
discussão foram gravados e as falas foram transcritas para posterior análise.
Foram realizados dois grupos de discussão, um apenas com professores e outro apenas
com estudantes. O primeiro contou com todos os professores responsáveis pela disciplina
Psicologia Médica na Faculdade de Medicina da UFRJ. Já o segundo grupo, foi composto por
metade de uma turma da disciplina, ou seja, 9 estudantes. A outra metade da turma participou
de outro estudo recepção que ocorre em paralelo ao presente estudo.
O roteiro do grupo de discussão atentou para questões que permitissem elucidar
aspectos relacionados às posições adotadas durante a leitura e relacionadas às dimensões do
modelo multidimensional de Schrøder (2000) e Hall (2003).
Assim, o primeiro questionário, além de coletar informações sobre o perfil
sociocultural dos espectadores, também permitiu mapear as concepções prévias que eles
tinham sobre a problemática abordada no vídeo. O segundo questionário e o grupo de
discussão buscaram elucidar as leituras produzidas nas dimensões: compreensão,
discriminação, posição e avaliação.
Para a análise dos dados dos questionários e do grupo de discussão, a exemplo da
análise das entrevistas, será utilizada a Análise de Conteúdo (BARDIN, 2008) em suas
variações: Temática, Sequencial e de Enunciado. Para a autora A análise de conteúdo é uma
estratégia para se ir além das aparências dos eventos comunicativos, uma atitude de vigilância
crítica diante ilusão de transparência dos fatos sociais. É a manipulação de mensagem
(conteúdos e expressão desse conteúdo) para evidenciar indicadores que permitam inferir
sobre uma realidade outra que não a da mensagem. Ou seja, é uma busca de outras realidades
por meio da mensagem. Não se trata de um instrumento, mas de um leque de apetrechos que
devem ser configurados de acordo com os objetivos da análise. Segundo a autora,
A análise de conteúdo tenta compreender os jogadores e/ou o ambiente do jogo em um momento determinado. Contrariamente a linguística, que apenas se ocupa das formas e suas distribuições, a análise de conteúdo toma em consideração as significações (conteúdo), eventualmente sua forma e a distribuição destes conteúdos e formas (índices formais e análise de coocorrência).
84
Schrøder (2003) propõe a utilização de um pluralismo metodológico para superar as
limitações da utilização de apenas um instrumento interpretativo no tratamento dos dados
levantados com a pesquisa qualitativa de recepção. Diante disso, propomos a integração de
três variáveis de análise de conteúdo: temática, sequencial e de enunciado. De acordo com
Bardin (2008), é possível se dedicar à interpretação da subjetividade em jogo na interpretação
dos dados sem abrir mão do poder de generalização. Assim para a presente pesquisa,
propomos identificar os temas, caracterizar quantitativa e qualitativamente suas ocorrências,
analisá-lo em relação ao enunciado que o comporta e, por fim, caracterizar o modo como se
estruturam estes enunciados na dinâmica de interação (da discussão) como um todo. Este
último ponto tem em vista compreender como a interação entre os diferentes sujeitos
construiu, de alguma forma, um sentido para aquele evento.
Na etapa final de análise, colocamos em diálogo as expectativas e intenções
produtores e receptores, buscando caracterizar a negociação de sentidos produzida na leitura
do texto audiovisual.
85
4.4.3 Quadro de procedimentos metodológicos
Etapa Geração de dados Análise de dados
ESTUDO DA PRODUÇÃO
Estudo do Vídeo Análise fílmica francesa Análise fílmica francesa
Análise semiótica Análise semiótica
Estudo dos Produtores
Entrevistas Produtor 1 Análise de conteúdo
Entrevistas Produtor 2 Análise de conteúdo
Estudo do contexto de produção
Análise documental Análise de conteúdo
ESTUDO DA RECEPÇÃO
Com professores
Aplicação de questionário Análise de conteúdo
Exibição experimental do
vídeo Observação
Grupo de discussão Análise de conteúdo (temática, sequencial e de enunciados)
Com alunos
Aplicação de questionário Análise de conteúdo
Exibição experimental do
vídeo Observação
Grupo de discussão Análise de conteúdo (temática, sequencial e de enunciados)
86
5 ANÁLISE DOS DADOS
5.1 A PRODUÇÃO
5.1.1 Análise fílmica
Optamos por dividir a análise que se segue em eixo sócio-histórico e eixo simbólico.
Vanoye e Goliot-Lété (1994) argumentam que esta divisão se mostra vantajosa por permitir
olhar para a obra inscrita em um determinado contexto sócio-histórico de produção cultural,
bem como tecer hipóteses sobre as intenções dos autores, expressos na linguagem utilizada
pelo filme, ainda que nada garanta que o espectador execute estas leituras esperadas.
Esperamos com esta análise levantar questões e hipóteses para serem abordadas em entrevista
com os produtores do vídeo e na análise de documentos relacionados à produção desta obra.
Eixo sócio-histórico (contextualização)
Na década de 1980, em meio a uma crise política e financeira interna, o NUTES passa
por uma mudança de paradigma, motivado pelas mudanças no contexto político e educacional
brasileiro, pela quebra de paradigma de educação em saúde e do modelo pedagógico que
orientavam suas produções na época (SIQUEIRA, 1998; REZENDE, 2009). Passa-se a uma
visão de educação e saúde norteada pelos princípios de equidade e transformação social, em
que os determinantes sociais, políticos e econômicos ganham papel central na busca do
entendimento da problemática educacional (SIQUEIRA, 1998).
A produção audiovisual acompanha esta mudança tanto no conteúdo como nas
escolhas estéticas. Passa-se de uma concepção educacional instrucional, descontextualizada
política e socialmente, a uma concepção educacional crítica. Os vídeos passam a ter como
objetivo principal a conscientização dos profissionais de saúde para o entendimento dos
determinantes de seu trabalho, seja no atendimento à população, seja como docente, e ao
mesmo tempo para o potencial nestas funções de transformar a realidade (SIQUEIRA, 1998;
REZENDE 2009).
Os vídeos passam a buscar problematizar a realidade deixando questões em aberto
para motivar discussões. Siqueira (1998) acrescenta que ganha papel central o homem, que
sofre determinações sociais múltiplas e influi em mudanças de uma realidade. Sob essa
perspectiva, o conceito de saúde/doença passa a ser entendido como resultante também dos
87
determinantes sociais.
Cabe ainda assinalar que, segundo Siqueira (1998), antes mesmo dessa mudança de
paradigma, na segunda metade da década de 70, influenciadas por uma abordagem humanista
nos meios educacionais, algumas produções do NUTES já passavam a evidenciar o papel
ampliado do profissional de saúde, incluindo as questões do relacionamento no atendimento
em saúde. Estas produções passam a expressar uma preocupação da atenção médica com a
subjetividade do homem, buscando romper com a divisão estabelecida entre o físico e o
psicológico.
Parte da origem dessa influência humanista sobre os vídeos do NUTES advém da
mudança de paradigmas no contexto da formação médica. Segundo Lampert (2001), desde
meados da década de 1960, a formação do médico sofre pressões sociais que apontam para a
formação de um médico integral, generalista, preparado para servir a população, uma
formação técnica e humanista atrelada às necessidades da população. A autora ainda aponta
que o desafio desta formação está na desconstrução de currículos paralelos e ocultos na
formação médica. Estas propostas buscam, entre outros, a superação do modelo flexeneriano
de formação médica.
É no desenvolvimento deste contexto de discussão e busca por transformação do
modelo de formação médica, e de mudanças de modos e temáticas dos vídeos do NUTES, que
é produzido o vídeo Lição de Anatomia. Segundo Nova et al (2000), esta obra foi realizada a
partir dos resultados da pesquisa intitulada “O cadáver e a formação médica”, que buscou
identificar na formação médica as origens e os modos de produção desta orientação ideológica
biologicista que resulta em RMP frias e distantes. O vídeo, então, busca modificar a ideia em
circulação na época da produção do vídeo e da pesquisa (segunda metade da década de 1990)
da falência do modelo pedagógico/assistencial. Para Nova et al (2000), esta falência se
expressava, dentre outros aspectos, na frieza e no distanciamento que perpassava a prática
médica, apontando como causa a formação médica bastante limitada à transmissão de
conhecimentos sobre as doenças e à pouca preocupação com a formação de valores e atitudes
de reconhecimento das subjetividades (tanto do médico quanto do paciente).
Assim, o vídeo procura trazer esta discussão à tona, por meio da encenação de um
debate entre colegas formados na mesma turma de medicina. A narrativa faz uso de
flashbacks para apresentar a memória destes médicos sobre sua formação e possíveis
reflexões sobre as influências desta formação em suas vidas profissionais. Na encenação do
debate, dá formas à discussão do perfil de médico a ser formado, dos limites de sua atuação,
das influências de sua formação e da expressão dessas variantes e destes modelos na RMP.
88
Eixo simbólico
SINOPSE
Um grupo de médicos, que se formou na turma de 1978, se reencontra num
restaurante. A conversa se desenrola animadamente até que a notícia da morte de um colega
provoca questionamentos que envolvem a prática médica. Discutem a formação médica, a
RMP, o despreparo do estudante e do profissional para lidar com a morte e as repercussões
disso em suas vidas.
CENÁRIO
Neste filme foram utilizados três cenários diferentes. São eles:
1. Restaurante – é o cenário nas cenas que se passam no presente da narrativa, onde os
personagens se reencontram, conversam e relembram. Este cenário atende a uma
concepção realista, sendo composto por mobiliários sofisticados (para a época de
produção), conferindo uma atmosfera de certo requinte, o que pode levar a crer que este
restaurante talvez fosse frequentado majoritariamente por pessoas de maior poder
aquisitivo;
2. Laboratório de Anatomia – é o cenário do primeiro flashback. Representa um laboratório
de anatomia de uma universidade, com um cadáver exposto em cima da mesa, onde
ocorreu a aula recordada pelos personagens;
3. Enfermaria – cenário do segundo flashback. Este é formado por dois leitos e aparelhagem
de monitoramento onde uma enfermeira cuida de um paciente ao fundo, enquanto os dois
acadêmicos debatem sobre que decisão tomar.
PERSONAGENS
A narrativa conta com seis personagens, e os caracteriza da seguinte forma:
1. Alfredo – Médico (sem especialidade definida pelo filme) que viveu por certo tempo fora
do Brasil e acaba de regressar para aceitar a proposta de ser professor de uma
universidade;
2. Eduardo – Médico (sem especialidade definida pelo filme), morto recentemente, aparece
apenas nos flashbacks. É lembrado como o melhor médico daquela turma de formandos e
por sua extrema frieza e objetividade na prática da medicina. No decorrer da narrativa é
criticado por sua postura profissional chegando a ser comparado a Mengele (Josef
89
Mengele – médico alemão do nazismo, acusado de fazer experiências em cobaias
humanas);
3. Josias – Médico (sem especialidade definida pelo filme) dono de uma clínica médica e
casado com Maria;
4. Guilherme – Médico cirurgião plástico, dono de uma clínica de cirurgia plástica,
preocupado em maximizar sua competência técnica como médico, mas desvaloriza a
relação mais humanizada e mais próxima entre médico e paciente. Guilherme, apesar de
não concordar plenamente com a postura de Eduardo, o defende e assume ter a mesma
postura por causa dos limites impostos pelas condições da prática médica (falta de tempo,
saúde mental do médico...);
5. Maria – Médica (sem especialidade definida pelo filme) e casada com Josias;
6. Marta – Médica Psiquiatra que ressalta a importância da formação do médico mais
“humano” habilitado a desenvolver uma relação mais próxima entre médico e paciente. A
personagem Marta parece incorporar em sua fala o sentido que se deseja passar com este
filme, parece representar a voz do diretor/produtor/professor.
NARRATIVA
Para esta análise optou-se por dividir o filme em seis partes, referentes às seis
unidades narrativas. São estas:
1. Apresentação dos Personagens – Esta sequência é a primeira do filme, em que os
personagens são apresentados por meio de conversas, relatos e recordações. Após 10 anos,
os cinco médicos (com idades em torno de 44 anos), todos já estabelecidos na profissão,
se reencontram em um restaurante para comemorar o décimo aniversário de sua
formatura. A primeira cena consiste na aproximação da câmera à mesa, onde os
personagens Alfredo, Josias, Maria e Marta, estão a conversar. Estas conversas são
entremeadas por história contadas, relatos, que constroem aspectos psicológicos dos
personagens em relação à prática médica. Um ponto recorrente nos relatos dos
personagens é referirem-se aos pacientes, em geral, como ignorantes e complicadores da
atividade médica. Estas críticas aos pacientes são feitas em meio a risos, com exceção de
Marta, que é brevemente filmada em close com uma expressão de seriedade e
descontentamento, provavelmente pelo tom pejorativo com que os colegas se referem aos
pacientes;
2. Notícia da Morte – Chegada de Guilherme com a notícia da morte de Eduardo, colega de
faculdade. Entristecidos, são tomados por uma onda de recordações do finado amigo, e
90
mediante a isto começam a tecer considerações sobre o comportamento dele. Uma das
recordações citadas é sobre a primeira vez em que se viram, durante uma aula de anatomia
na faculdade de medicina;
3. Aula de Anatomia – A narrativa faz uso de um flashback para apresentar a aula de
anatomia onde viram o colega pela primeira vez e do visível desconforto de Eduardo com
a presença de um cadáver. Esta cena é filmada em preto & branco com uma música
"angustiante" de fundo. Há um cadáver sobre a mesa, alunos assistindo à exposição da
professora que manuseia o corpo. Então é enquadrado Eduardo com a forte expressão de
incômodo;
4. “Profissional até demais” - Após voltar do flashback, os personagens continuam a
relembrar de suas experiências na aula de anatomia, e a refletir sobre as influências dessas
aulas em sua atual prática da medicina. Marta afirma que o processo iniciado na relação
com o cadáver, irá acompanhar os estudantes por toda a carreira médica, originando uma
RMP fria e distante, assim como ocorrera com o cadáver. No entanto, Guilherme discorda
e afirma que na vida dele, essas aulas em nada impactaram. A partir destes
questionamentos sobre as influências das aulas de anatomia e da postura de Eduardo como
médico, inicia-se uma discussão sobre o distanciamento na RMP. Os personagens
debatem brevemente alguns limites e possibilidades de uma RMP mais próxima. A
narrativa faz uso de mais um flashback para apresentar uma lembrança de Alfredo,
durante o internato, em que, em debate com Eduardo, defendia a importância de cuidar do
ser humano, e não da doença como propunha Eduardo. Diante disso, todos concordam que
é sempre muito difícil para um estudante de medicina lidar com a morte, diante da pouca
atenção dada pelo curso a este tema. Maria e Josias tentam culpar as condições precárias
do sistema de saúde por estas ocorrências, mas são rebatidos por Alfredo que afirma
ocorrer o mesmo em países de primeiro mundo. Marta prossegue argumentando pela
necessidade de se priorizar uma boa RMP. Guilherme ironicamente relaciona isso ao
excesso de especialização dos médicos, entretanto Alfredo confirma esta crença relatando
o esforço dos Estados Unidos em formar mais médicos generalistas. Marta relaciona o
excesso de especialização, a frieza e distanciamento do atendimento com os traumas não
superados e silenciados durante a formação médica, afirmando que isto ocorre mediante a
necessidade dos estudantes em "manterem-se seguros";
5. A Morte – Os médicos debatem e refletem sobre a dificuldade em lidar com a morte e a
relação de impotência originadas destas experiências, construindo um médico frio e
distante do paciente. Alfredo, Josias e Maria declaram ainda não se sentirem bem com
91
este tipo de situação. Neste ponto Marta toma a palavra e questiona o porquê das coisas
terem de ser assim e dos médicos não poderem expressar suas angústias;
6. O debate - Diante do questionamento de Marta é iniciado um debate intenso entre
Guilherme e ela. Esta discussão gira em torno da abordagem humanística nas RMP e da
eficiência da abordagem mais objetivista e técnico-científica. Então o clima fica pesado e
os dois começam a trocar "ofensas". Maria interrompe a discussão e relata sua
preocupação com seu filho, estudante de medicina. Alfredo pergunta para Marta o que
seria então um bom profissional de medicina. A pergunta fica em aberto por conta da
interrupção de Josias, que comenta esperar nunca ser atendido por nenhum dos amigos ali
presentes. Após este comentário há um silêncio, em que os personagens ficam
constrangidos, e o vídeo termina.
5.1.2 Análise documental
Para esta análise levantamos nos arquivos do Laboratório de Vídeo Educativo, os
seguintes documentos gerados durante a produção do vídeo:
• Projeto Pedagógico do vídeo;
• Ata da 1ª reunião entre a professora Liana e o Professor João Leocádio;
• 9 versões de roteiros;
• Perfil dos personagens;
• Decupagem;
• Storyboard;
• Planilhas de material gravado;
• Planilhas de edição;
• Agenda de produção;
• Relatório de produção;
• Contrato e Currículo dos atores;
• Autorizações de uso da imagem;
• Contrato de gravação (multiplicação) dos vídeos;
• Relatórios de contabilidade e de prestação de contas;
• Cartas de contato com as universidades que receberam/requereram cópias do vídeo;
• Roteiro de discussão, questionários, dados cadastrais e relatórios de grupos focais.
92
Após a leitura dos documentos acima elencados, selecionamos aqueles que continham
informações mais relevantes para serem mais cuidadosamente analisados. Deste modo,
trataremos a seguir das análises feitas das nove versões de roteiro, o perfil dos personagens, o
relatório da primeira reunião entre os professores responsáveis pelo vídeo e o projeto
pedagógico do vídeo. Estas análises têm a finalidade de elucidar questões relativas ao
endereçamento e ao significado preferencial do vídeo.
O PROJETO PEDAGÓGICO DO VÍDEO E A PRIMEIRA REUNIÃO
Identificamos no Projeto Pedagógico assinado pela Profª. Liana Albernaz de Melo
Bastos, anexo às documentações de produção do vídeo, os objetivos da proposta educativa à
qual o vídeo se destinava. O objetivo geral é "fornecer novos elementos para o entendimento
da crise do ensino e da prática médica, visando contribuir para sua melhoria". Os objetivos
específicos, de forma sucinta, propunham: estudar o impacto que o contato com o cadáver
promove nos estudantes do 1º período do curso de medicina, identificar as dificuldades
emocionais advindas deste contato, possibilitando aos estudantes a emergência discursiva
deste impacto, correlacionando-as com a ideologia médica de frieza e distanciamento do
paciente. A partir disso, objetivava também ressignificar o conteúdo discursivo gerado pelos
estudantes por meio de grupos de reflexão, introduzir, no ciclo básico da formação médica, a
discussão sobre o morrer e a morte e, então, propor atividade interdisciplinar regular entre a
Psicologia Médica e a Anatomia, a fim de integrar objetividade e subjetividade na formação
médica.
Neste ponto, a professora dá indícios de sua oposição à ideologia médica "de frieza e
distanciamento dos pacientes" e de sua posição a favor de uma formação médica mais integral
que permita aliar objetividade e subjetividade, por meio da integração das disciplinas
Psicologia Médica e Anatomia. Diante deste posicionamento, a professora propõe, a partir da
problematização promovida pelo vídeo, provocar a emergência discursiva dos impactos
provocados pelo contato "precoce" dos alunos de medicina com cadáveres, promover a
discussão e a reflexão sobre estes impactos na formação médica, no cotidiano de cada
estudante e em nível macro, a partir de uma contextualização ideológica.
O segundo documento analisado é o relatório da primeira reunião entre o produtor e
roteirista do vídeo, João Leocádio da Nova e a idealizadora e participante na construção do
roteiro do vídeo, Profª Liana Albernaz. Neste documento constam informações sobre os
primeiros acordos para a definição de roteiro e posterior avaliação da obra. Nesta primeira
93
reunião foram discutidas as finalidades pedagógicas do vídeo em questão. Planejou-se que os
conteúdos deveriam ser extraídos de novas avaliações sobre as disciplinas12 as quais este
vídeo será recomendado. Foram identificados como público-alvo: estudantes do 1º ao 6º
período do Curso de Medicina (público-alvo prioritário) e professores do mesmo curso.
Determinaram-se como objetivos do vídeo "evidenciar o papel pedagógico da prática
anatômica, com o cadáver, para a formação da RMP", e "problematizar a RMP, abordando
seus limites e suas implicações". Definiu-se que o vídeo deveria ser utilizado na disciplina
Psicologia Médica e em seminários das disciplinas: Anatomia, Atenção integral à saúde,
Clínica Médica e Medicina Interna. Foi também acordado, neste encontro, que o texto final do
roteiro do vídeo seria enviado aos professores do Departamento de Psicologia Médica para
avaliações e contribuições.
A partir do relatório tratado acima, pôde-se ter indícios de quais seriam os
endereçamentos e os significados preferenciais projetados para o vídeo. O vídeo, segundo
esse documento, seria endereçado aos estudantes de medicina (até o 6º período) e esperava-se
que ele permitisse leituras que evidenciassem a influência da prática anatômica para a RMP, e
também que possibilitasse a problematização da prática da RMP.
PERFIL DOS PERSONAGENS
Na descrição dos perfis dos personagens foi possível perceber com maior clareza
aspectos sobre o passado da relação destes colegas, as motivações que os levaram à escolha
da medicina e a experiência vivida por eles durante o curso. São seis médicos (Josias, Maria,
Alfredo, Marta, Guilherme e Eduardo) formados na faculdade de Medicina da UFRJ, onde se
conheceram. Nos parágrafos a seguir descreveremos um pouco melhor estes personagens.
Josias e Maria começaram a namorar na faculdade, hoje têm dois filhos e sustentam
um casamento morno. Josias é ortopedista, tem temperamento calmo, tímido e brincalhão, e
seguiu sempre o planejamento traçado pelos pais sem contestar. Alfredo era seu melhor amigo
durante a faculdade. Na relação com Maria, é coadjuvante, limitando-se a adotar uma postura
de "crítico sarcástico". Maria é clinica geral, de personalidade forte, autoritária, escolheu a
medicina influenciada, em sua infância, pelo ambiente ambulatorial no qual viveu durante os
últimos meses de vida de seu irmão. O casal tem um filho que acaba de ingressar na
Faculdade de Medicina.
12 Além da Psicologia Médica, o vídeo também deveria ser utilizado nos seminários das disciplinas: Anatomia, AIS (Atenção Integral a Saúde), Clínica Médica (Propedêutica), Medicina Interna.
94
Alfredo é pediatra e bon-vivant. Está de volta ao Brasil após cursar pós-graduação no
exterior, e organizou o jantar para rever os amigos. Durante o curso de medicina foi um aluno
brilhante e indisciplinado, que fez de Josias seu companheiro de arruaças, implicava com a
rigidez de Eduardo e Guilherme, com o autoritarismo de Maria e com a instabilidade
emocional de Marta, com quem chegou a namorar.
Marta é psiquiatra e passou a infância e adolescência no exterior por conta do exílio
político dos pais. Quando voltou ao país, sofreu para se re-adaptar e recorreu à terapia. Isto
acabou por influenciar sua escolha pela psiquiatria. A experiência na faculdade não foi o que
esperava e se apoiou no grupo de amigos para conseguir chegar até o fim.
Guilherme, cirurgião plástico, teve uma infância modesta e sempre ambicionou
estabilidade financeira e ascensão social. Conheceu o grande amigo Eduardo na faculdade, e
neste se espelhou. Eduardo era culto, sofisticado e elegante. Sérios e aplicados, Guilherme e
Eduardo eram alvos das zombarias dos colegas. Guilherme não tinha um bom relacionamento
com Alfredo, e espantava-se com o seu bom rendimento acadêmico, a despeito de sua
indisciplina.
Na análise destes perfis, nos chamaram a atenção o envolvimento afetivo passado de
Alfredo e Marta, as críticas mútuas entre Guilherme (e Eduardo) e Alfredo, as motivações
para a escolha da profissão de Guilherme e Marta, e a decepção de Marta em relação ao curso
de medicina. Talvez por conta desse envolvimento ocorrido no passado, Alfredo e Marta não
divergem durante o vídeo e acaba ocorrendo até um certo apoio mútuo. Isto dá mais força
para os significados esperados pelos autores do vídeo, presentes principalmente na fala dos
dois. A rixa entre Guilherme e Alfredo, apesar de não ter sido muito aproveitada no roteiro,
põe em questão a forma como estes personagens encaram a medicina e o posicionamento
deles na discussão proposta pelo vídeo como um todo. Enquanto as motivações, para escolha
pela medicina, de Guilherme são sociais e econômicas, as de Marta são de ordem pessoal. A
decepção de Marta em relação ao curso a fez ser bastante crítica a este modelo de formação
médica pelo qual ela passou, enquanto Guilherme, satisfeito pela ascensão socioeconômica
que a medicina lhe proporcionou, e apesar dos "traumas" vividos, defende este modelo de
formação.
O ROTEIRO
Até a elaboração do roteiro final, foram produzidas nove versões diferentes (a primeira
concluída no dia 12 de agosto de 1998 e a última já no dia 29 de setembro de 1998). Estas
95
versões diferem principalmente quanto ao título, à presença e à ordem de algumas cenas, e
quanto a qual personagem enuncia os argumentos pretendidos com o vídeo. O primeiro passo
para a análise das diferentes versões de roteiro foi a ordenação dos roteiros por data de
produção13. O segundo passo consistiu na leitura comparativa destes roteiros.
O primeiro aspecto que nos chamou atenção foi a mudança do título da obra ao longo
das construções destas diferentes versões de roteiro. Inicialmente, "O Cadáver e a Formação
Médica", seguidos por "In Memorium", depois "In Memoriam", ainda "Medice cura ti ipsum!
– Médico cura a ti mesmo!", e por fim "Lição de Anatomia", além de outros nomes pensados,
rascunhados no verso de um roteiro14. Segundo Barthes (1990) e Foucault (1990), títulos e
legendas são formas de buscar fixar um significado para as imagens. Assim, entendemos que
estas mudanças de títulos poderiam nos permitir melhor identificar o(s) significado(s)
preferencial(is) da obra. Entretanto, observamos que estas mudanças faziam sentido de acordo
com mudanças na estrutura do roteiro, que agiam conjuntamente na construção do significado
preferencial. Portanto, nos parágrafos a seguir relataremos a análise da mudança dos títulos
sempre em relação às mudanças na estrutura do roteiro.
O primeiro roteiro produzido é datado de 12 de agosto de 1998 e foi intitulado "O
Cadáver e a Formação Médica". Neste texto os personagens têm idades entre 39 e 41 anos e
nota-se uma ênfase no status socioeconômico dos médicos expressada por meio da
preocupação com o cenário, com a indumentária dos médicos, com a desenvoltura dos
garçons e com as bebidas e comidas pedidas pelos personagens. O cenário deveria ser “de
requinte”, com os garçons "circulando elegantemente pelas mesas", e os personagens médicos
pedindo vinhos. Nesta primeira versão, no primeiro flashback é narrada a cena do desconforto
dos estudantes diante de sua primeira aula no "anatômico". O segundo flashback trata do
sofrimento de Alfredo diante da perda de seu primeiro paciente e da pouca sensibilidade de
Eduardo para os sofrimentos do amigo. As reflexões não se dão diretamente sobre a vida dos
personagens que discursam sobre o assunto, mas se detém apenas na crítica à frieza e
objetividade de Eduardo e na frase conclusiva "todos temos um pouco de Eduardo". Os
personagens parecem ter pontos de vista mais próximos, e as cenas mais parecem uma
colagem de falas. Não há um posicionamento claro dos personagens, eles apenas rememoram
um estereótipo de um médico pouco humanista, e fazem relações bastante vagas com suas
13 Nem todos os documentos contavam com a data de elaboração informada. Para tanto buscamos estabelecer a ordem daqueles que continham a data, e posteriormente, através da comparação da "evolução" de títulos e mudanças específicas no texto, conseguimos também ordenar os documentos sem data. 14 Além do título escolhido "Lição de Anatomia", foram sugeridos como títulos para a penúltima versão de roteiro: "Anatomia da Morte", "O Inesperado Regresso", "O Regresso Impiedoso", "A Dança das Cadeiras" e "Objeto Transicional".
96
práticas médicas. O título parece expressar bem a linha geral que é adotada neste roteiro, em
que o foco parece ser mostrar o cadáver e o desconforto dos alunos, abordar as consequências
negativas deste encontro com o cadáver, e personificá-las na imagem de Eduardo.
A segunda, a terceira e a quarta versões do roteiro são bastante semelhantes. A terceira
versão foi construída a partir de uma "limpeza" de tempos fracos e excessos presentes na
segunda versão, o que aparentemente correspondeu à necessidade de uma maior dinamização
dos diálogos. Já as mudanças feitas da terceira para a quarta versão, foram apenas alterações
superficiais de palavras e expressões. As mudanças mais significativas ocorreram da primeira
versão para a segunda.
A primeira mudança notada refere-se ao título. Na segunda versão de roteiro, a peça
passa a ser intitulada "IN MEMORIUM" e nas duas versões seguintes parece ter sido
corrigida, mudando para "IN MEMORIAM". Esta é uma expressão latina, comumente
presente em lápides, que significa "em memória de", e parece ter o objetivo de deslocar a
ênfase do desconforto causado pelas aulas de anatomia para os dilemas vividos pelos
médicos/estudantes, destacando nestes dilemas as influências das aulas com os cadáveres. Ou
seja, é dada maior importância às consequências do desconforto causado pelas aulas de
anatomia, estas expressas nas rememorações acerca do amigo falecido.
Quanto ao caráter formal do vídeo, proposto pelo roteiro, podemos perceber que os
diálogos foram tratados de forma que adquirissem maior fluência, e com isso ganhassem mais
"naturalidade". Há também uma diminuição da representação do "glamour" e da "elegância"
relacionados aos médicos, o que antes parecia querer conferir-lhes um poder aquisitivo
privilegiado. Não há mais uma preocupação com a elegância do cenário, nem com a
desenvoltura dos garçons, e os personagens, ao invés de vinho, tomam cerveja e sucos. Outra
mudança percebida foi no início do diálogo. Quando o vídeo enquadra os personagens pela
primeira vez, uma animada conversa já está acontecendo. Nesta conversa são relatados casos
em que os pacientes dificultam o tratamento adequado, e assim ocorre uma culpabilização dos
pacientes, com o uso de expressões como: “Paciente tem cada uma", "Tem paciente que é
muito ignorante" e "O que estraga a medicina é o paciente".
O segundo flashback também é mudado. Se antes era tratada a dificuldade do médico
diante da perda do seu primeiro paciente, na segunda versão o segundo flashback prioriza a
abordagem das RMP. Nesta proposta de cena, Alfredo conta sobre um caso em que uma
paciente em estado terminal lhe pediu que ele não a deixasse sozinha, mas pressionado por
Eduardo, Alfredo teve de ir para aula e deixá-la. Alfredo relata seu remorso por saber que a
paciente morrera dias depois.
97
Nesta segunda versão de roteiro, talvez a mudança mais importante percebida seja que,
apesar de Alfredo comparar Eduardo ao médico nazista Josef Mengele, as críticas a Eduardo
dão um pouco mais de espaço às "autocríticas" dos personagens presentes. Isso favorece o
enriquecimento da discussão por proporcionar um tom mais reflexivo ao debate: ao criticarem
Eduardo, os personagens também olham para as próprias vidas. Juntamente a isso, é possível
perceber que os produtores começam, ainda que timidamente, dar mais protagonismo a
Guilherme e Marta, e a polarizar, na voz destes dois personagens, o debate a cerca dos
paradigmas de formação médica. Guilherme personaliza mais o médico "cientista", formado
sob o paradigma flexeneriano, enquanto Marta incorpora mais a voz do paradigma
biopsicosocial, advogando por uma medicina mais humana, principalmente no que concerne
as RMP.
Na quinta versão de roteiro o protagonismo dos personagens Guilherme e Marta é
ainda maior. A oposição destes dois personagens deixa de ser "sugerida" e passa a ser
bastante clara, chegando a ponto destes personagens trocarem ofensas no calor do debate.
Com isto é acirrada a oposição entre os modelos de formação médica, personificados na voz
destes personagens. Seguindo esta linha, os produtores do vídeo começam a tornar mais claro
qual o seu posicionamento em relação a este debate, ou seja, o significado preferencial do
vídeo. O ponto de vista dos autores do vídeo começa a ser exposto por meio das falas de
Marta e Alfredo. Os dois personagens têm seus argumentos sempre apresentados de modo
mais sensato e fundamentado que os argumentos de Guilherme. Alfredo relata fatos e
resultados de estudos que sustentem sua argumentação, que se referem, em sua maioria, ao
sistema de saúde com um todo. Marta parece ser a voz da psicologia e sua argumentação
sempre fornece os argumentos e teorias para explicar os temas debatidos, de forma sensata e
racional. Em contraste, Guilherme é retratado como antagonista e sua fala parece ser
construída para valorizar essa posição, enquanto Marta adota uma postura mais racional e
chama Guilherme de “frio”, “angustiado”, “tenso” e “hipocondríaco” (e ele fica "confuso").
Guilherme é mais descontrolado e a chama de “maluca” e se vale de comentário machista
para dizer que ela “está precisando arrumar um namorado". Este posicionamento dos autores,
na construção de um significado preferencial, é acentuado quando, próximo ao fim do vídeo,
um personagem/figurante que está na mesa vizinha aos médicos se levanta para deixar o
restaurante, passa por Guilherme e diz de modo debochado: “Olha, escuta o que esta mulher
tá falando...".
Outras duas mudanças na quinta versão de roteiro foram o título e o segundo
flashback. O título de "IN MEMORIAM" passa a "MEDICE CURA TE IPSUM! - MÉDICO,
98
CURA A TI MESMO!". Esta mudança no título parece propor uma mudança de ênfase nas
críticas ao amigo morto (o outro), e se voltar para a necessidade da tomada de consciência por
parte dos médicos para as determinantes psicossociais de sua prática (autocrítica), refletindo
algumas mudanças na abordagem do vídeo. Assim, a crítica a Eduardo perde o foco central e
também passa a servir de pretexto para introduzir o debate, que é feito com maior intensidade
por Guilherme e Marta. Os personagens debatem menos o tema a partir da crítica ao outro e
mais a partir da autocrítica. No segundo flashback Eduardo e Alfredo, diante de um caso
terminal de câncer, discutem se seria melhor que a paciente morresse no hospital, aos
cuidados dos médicos, ou em casa no "calor" da família. Eduardo defende que a paciente deve
permanecer no hospital, enquanto Alfredo argumenta que ela se sentiria bem junto à família
em seus últimos momentos. Já as mudanças promovidas da quinta para a sexta versão de
roteiro resumem-se a uma revisão dos diálogos, que buscou dinamizar mais as falas.
A sétima e oitava versões diferem apenas no ajuste de algumas falas componentes dos
diálogos. Estas versões trazem como principais mudanças o segundo flashback e a abordagem
da especialização médica atuando contra as boas práticas das RMP. No segundo flashback, no
geral, a temática continua a mesma das duas versões anteriores, abordando a
presença/ausência de humanismo nas RMP. Mas na "nova" situação o humanismo é abordado
com contornos "mais verossímeis", pois se vale de linguajar mais técnico quando são
abordados os nomes de doenças e procedimentos. Assim a discussão fica em torno de fazer
uso ou não da nutrição parenteral, tendo em vista que isto poderia alimentar o câncer, o que
aceleraria a morte do paciente terminal (argumento de Eduardo). Por outro lado, diante da
inevitabilidade do óbito, Alfredo defende a morte mais "confortável" do paciente, que não
precisaria "morrer de fome". O outro ponto que é trazido para o centro da discussão é a
argumentação sobre o excesso de especialização que viria a comprometer uma boa prática das
RMP. Este assunto é abordado ironicamente por Guilherme, mas é confirmado e sustentado
por Alfredo. A nova versão é a final, e consiste na implementação das mudanças acima
indicadas.
A estruturação do roteiro busca priorizar o "diálogo" entre os dois pontos de vista
sobre a formação médica. Entretanto, há uma ênfase e maior cuidado com a construção das
falas de Marta e Alfredo, que defendem uma formação biopsicossocial. Aliado a isso, é
destacado o desequilíbrio de Guilherme na exposição de seus argumentos, ainda que este
possa estar fundamentado. Assim, sob a ótica do roteiro, os autores do vídeo parecem esperar
que os espectadores identifiquem e reflitam sobre as influências das aulas de anatomia e
contato com o cadáver em sua prática médica, e defendem a importância de uma RMP mais
99
humana e integral. No fim do vídeo, deixa-se uma pergunta em aberto, esperando motivar
uma discussão acerca do que seria um bom médico.
Apesar das orientações ideológicas dos produtores no campo da formação médica, é
interessante perceber que nenhum personagem chorou em nenhuma das versões de roteiro,
limitando-se apenas a haver um “silêncio constrangedor". Por se tratar de "amigo/colega", o
comportamento de todos os personagens se mostrou tão frio quanto o modelo que busca ser
criticado pelo vídeo, o modelo "não-humanista". Esperamos entender melhor esta questão a
partir da entrevista com os produtores do vídeo.
STORYBOARD
De um modo geral, o storyboard não agrega muitas informações relevantes para nossa
investigação, a não ser reforçar aquilo que tinha sido apontado no roteiro. É possível perceber
algumas relações entre os papéis dos personagens no objetivo da obra e a disposição deles na
mesa do restaurante, a escolha dos cenários e dos vestuários. Também é possível notar uma
predominância de primeiros planos.
Na disposição dos personagens na mesa, há uma preocupação em que Guilherme fique
do lado oposto ao ocupado por Marta e Alfredo. Isto provavelmente para reforçar o
antagonismo entre Guilherme e a dupla. Também é interessante notar que, se entre Josias e
Maria (que apesar de casados estão em crise) não há cadeiras vazias, entre Marta e Alfredo há
uma "distância de segurança", uma cadeira vazia, que é possível relacionar ao romance vivido
no passado pelos dois. Então, ambos se opõem a Guilherme, mas há uma distância proposital
e espacial (visualmente representada) entre o casal.
Os enquadramentos predominantes são os primeiros planos, em que é filmado um
personagem geralmente enquanto expõe seu argumento. Em algumas tomadas, alguns
personagens chegam a fitar diretamente a câmera enquanto expõem seus argumentos, como se
falassem diretamente ao espectador. Este é o caso das falas de Marta e Alfredo, e de Maria ao
introduzir suas reminiscências. Por outro lado, as falas de Guilherme quase sempre são
tomadas de perfil, o que pode reforçar um distanciamento do espectador em relação a este
personagem.
100
5.1.3 Entrevista com os Produtores
ENTREVISTA COM LIANA ALBERNAZ
A professora Liana Albernaz é psicanalista de formação, lecionou Psicologia Médica
na FM-UFRJ (Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro) até 2004,
ano de sua aposentadoria. Nos parágrafos que se seguem, trataremos das informações
levantadas na entrevista feita com a professora Liana, sobre o processo de produção do vídeo
educativo “Lição de Anatomia”.
Como já mencionado, o vídeo “Lição de Anatomia” tem origem nos resultados de uma
pesquisa empreendida pela professora. Esta pesquisa voltava-se, no âmbito da disciplina
Clínica Médica, para o estudo do impacto dos primeiros contatos do estudante de medicina
com o paciente, com o doente, com a doença e com a morte, o que, segundo a hipótese de
trabalho das professoras15, abre um campo gerador de angústias para o estudante. A pesquisa
bibliográfica da pesquisa apontou o impacto das aulas de Anatomia nos estudantes, no
primeiro ano do curso, como origem destas angústias suscitadas na Clínica Médica.
Assim as professoras voltaram as atenções da pesquisa para a disciplina Anatomia, em
que, com a colaboração de professores de Anatomia, conduziam grupos de reflexão. Estes
consistiram em dois grupos de dez alunos do primeiro ano do curso, e duraram
aproximadamente um ano e meio. Foi a partir do impacto do contato com o cadáver que as
discussões ocorriam. As professoras entendiam que estas primeiras aulas de Anatomia eram
uma espécie de “prova de fogo", um ritual de passagem, que poderia determinar ou não a
continuidade do estudante no curso médico. A professora relatou algumas questões que
surgiram nas discussões.
Então, é muito curioso, porque a gente depois conversando com esses grupos de alunos apareciam questões do tipo: insônia, pesadelos, ojeriza a carne, enfim... Vários sintomas que apareciam, em alguns de uma maneira mais franca e outros, enfim, de uma maneira mais encapsulada.
Detenhamo-nos agora na questão do cadáver. Ainda que não contribua diretamente
para responder as questões que nos levaram a esta entrevista, ela poderá ser bastante útil no
decorrer da pesquisa. A professora, durante a descrição do ambiente do laboratório de
anatomia, tece algumas reflexões sobre o cadáver neste ambiente. Segundo ela, o cadáver
quando chega ao laboratório é objetivado para virar apenas um corpo. Os cadáveres têm seus
15 A professora executou esta pesquisa juntamente a Professora Munira Aiex Proença.
101
cabelos raspados, o formol lhes confere uma consistência dura, uma cor escura, ou seja, o
cadáver tem de ser transformado em um objeto. O cadáver é esvaziado de subjetividade. É
exatamente esta objetivação do corpo, do cadáver, que será reproduzida no contato com o
paciente. Este paciente deixará de ser compreendido enquanto um sujeito para ser um objeto.
...você estuda cirrose hepática, né? Só que nenhuma cirrose hepática adentra o seu consultório. Adentra no seu consultório um paciente portador de uma cirrose hepática que tem uma história, tem uma família que tem hábitos de vida...
A professora afirma que a "matriz epistemológica da medicina é objetivante", é
hegemônica na formação médica, cabendo à Psicologia Médica a "voz solitária" da contra-
hegemonia.
Apesar de relatar a ausência de um espaço para os alunos expressarem e trabalharem
estas angústias, a professora faz questão de ressaltar que a dinâmica não se tratava de uma
terapia de grupo, e nem poderia. Apenas havia o interesse para analisar, do ponto de vista
pedagógico, como estas questões poderiam ser um entrave no aprendizado dos estudantes.
Os grupos de reflexão permitiram levantar um rol de questões que compunham os
resultados da pesquisa. De posse destes resultados decidiram que deveriam fazer algo.
Decidiram fazer um vídeo. Para produzi-lo, a professora buscou parcerias no NUTES e no
Curso de Cinema Universidade Federal Fluminense (UFF), além de financiamento nos órgãos
de fomento à pesquisa e à extensão na universidade. O NUTES contribuiu com os
conhecimentos de tecnologias educacionais em saúde, bem como com boa parte da produção
técnica do vídeo. No NUTES os trabalhos foram conduzidos pelo Professor João Leocádio da
Nova. Na UFF, o Professor José Joffily foi quem conduziu. Para a professora essa
configuração da produção foi algo muito interessante e permitiu que o vídeo fosse uma obra
efetivamente multidisciplinar.
A elaboração do roteiro foi feita como um trabalho final de disciplina, em grupo, da
turma de roteiro em que José Joffily lecionava na UFF. Esta turma escreveu o roteiro,
trabalhou na filmagem e na edição, sob a direção de José Joffily. Durante todo o processo de
elaboração dos roteiros, a professora Liana assessorou os estudantes descrevendo hábitos e
lhes passando o vocabulário técnico da profissão. Esta "passagem" e adequação de
vocabulário foram tratadas como a utilização de uma linguagem esotérica, para aumentar o
grau de verossimilhança da história do vídeo, e como forma de melhor abordar os estudantes e
profissionais de medicina.
Então, algumas, por exemplo, nessas versões, eles tinham muitas imprecisões, por exemplo: na linguagem comum, as pessoas: - ah! Eu vou
102
fazer uma chapa do pulmão. Se você disser isso pra um médico, claramente ele... Ninguém faz chapa! É outra cultura. É uma outra língua. É o medicalez, é uma outra língua, né? Então, havia muitas outras imprecisões nesses roteiros que tiravam o crédito, não faziam um crível a aquela situação. Aquela situação ficaria risível! E não impactante. Isso também foi um cuidado da gente.
E foi exatamente por este motivo que os flashbacks, utilizados no filme, foram sendo
"adequados" ao longo dos aprimoramentos das diversas versões de roteiros.
A professora afirma que não possuía intenções específicas para a forma e conteúdo do
vídeo, que havia apenas selecionado algumas questões e categorias do grupo de reflexão que
gostaria que fossem trabalhadas, e que esperava que o vídeo pudesse tornar os alunos mais
atentos para que os corpos que eles tratam na prática da clínica médica, têm "gente dentro", e
que essa pessoa é singular. Também gostaria que os estudantes atingissem a compreensão de
que o médico também é humano e tem limitações, mesmo diante dos poderosos recursos
tecnológicos que a medicina dispõe atualmente. Outro objetivo para o vídeo é que ele pudesse
ser um instrumento para os professores de Psicologia Médica, um "start", um estopim, para a
discussão de temas considerados relevantes naquela época.
As questões resultantes dos grupos de reflexão são, entre outras: morte, a objetivação
dos corpos, a alta tecnologização da medicina, o predomínio de formação de especialistas, a
desumanização das RMP e as relações estritamente de mercado no âmbito da medicina. Ou
seja, questões que atravessam diretamente a problemática da RMP.
Um ponto interessante é que, apesar de não se estender muito quando tratava das
formas do filme, a professora afirma que os personagens da trama são na verdade algumas das
muitas dimensões de um único médico. Então os personagens da trama são estereotipados,
pois representam aspectos, personalidades e linhas de pensamento presentes em quase todos
os médicos.
Perguntada sobre o que faria de diferente no vídeo, se tivesse a oportunidade de
refazê-lo, a professora teceu algumas críticas ao aspecto técnico do vídeo e apontou novos
temas de interesse. A professora considerou que nem todos os atores atuaram bem. Segundo
ela, alguns deles não eram profissionais. E a própria dinâmica de produção, envolvendo os
alunos, deixou algumas brechas no roteiro que podem causar algum dano na narrativa do
vídeo. Mas a professora ressalta que não era o objetivo do vídeo possuir uma excelência de
um “filme da indústria cinematográfica”. A riqueza do vídeo está no processo pedagógico de
sua produção: o vídeo não era o início, mas o fim de um processo. Por fim lastimou que não
ocorresse mais a integração da disciplina Anatomia com a Psicologia Médica.
103
Sobre as novas questões que possivelmente ela gostaria de abordar numa atualização
do vídeo, estas se orientariam para um novo panorama social, novas questões da medicina e
em um maior e melhor uso das imagens no vídeo. Algumas interdições da sociedade não mais
existem, algumas imagens que eram "censuradas" na época de produção do vídeo, atualmente
não mais seriam. Assim pareceu que a professora, principalmente se referia a imagens de
cadáveres e doentes que poderiam ajudar aumentar o impacto do vídeo. Já os novos temas
passam desde cuidados paliativos, passando pelos avanços tecnológicos que tem permitido a
"prorrogação" da vida, até a ideia de saúde como um produto a ser consumido. Ela destacou
que manteria o seu foco nos estudantes e a serviço dos professores.
ENTREVISTA COM JOÃO LEOCÁDIO
O professor João Luiz Leocádio da Nova é professor adjunto do Departamento de
Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense – UFF. Coordenou o Laboratório de
Vídeo Educativo do NUTES-UFRJ de 1993 a 2006 e chefiou o Setor de Produção
Audiovisual do NUTES-UFRJ de 1984 a 1990. Quando o vídeo foi elaborado, o professor
João era quem estava à frente das produções audiovisuais do NUTES. Seu trabalho no vídeo
foi inicialmente desenvolver estratégias para a execução do processo pedagógico que deu
forma ao vídeo. No decorrer do projeto, ele se dedicou também às questões da linguagem
audiovisual, sem deixar de lado os objetivos e estratégias pedagógicas do vídeo. Assim,
podemos entender que o Professor João foi quem fez o intermédio entre linguagem fílmica e
os objetivos do projeto que encomendou o vídeo, e propôs as dinâmicas de produção com os
alunos de roteiro do Curso de Cinema da UFF.
... a pesquisa era dela. Daí, dá assim, só pra mudar o roteiro da história, a Liana tinha a pesquisa, aí chegou até nós querendo fazer o vídeo, aí, como estratégia, aí eu propus que a gente fizesse uma disciplina de roteiro, aí ela achou interessante, aí marcamos uma primeira reunião com o Joffily, aí virou bate-papo, aí o Joffily gostou do tema achou que era interessante levar pra escola também, aí levou como proposta. Aí foi feito como atividade do curso...
Assim, as falas do professor acabaram encaminhando a entrevista, principalmente,
para os assuntos da linguagem do filme e para os objetivos educacionais da obra. Segundo ele,
além de "trazer os resultados da pesquisa e os objetivos do vídeo", a professora Liana se
encarregou da adequação da história elaborada à "realidade" médica, nas diversas versões de
roteiro criadas. Também ressaltou que não houve interferência desta professora na linguagem
104
audiovisual do vídeo.
...do outro lado você tem algo mais cuidado por pessoas que estão voltados pra essa linguagem, pra esse estilo de roteiro da dramaturgia, mas aí o médico não entra. O médico já entrou! No quê? Na construção do texto, na construção do diálogo, nas caracterizações, na contaminação dos diretores, sobre essa importância do tema. Agora, lá ele não vai dizer: bota câmera aqui, bota câmera lá! Isso ele não faz! Na hora da edição, esse programa aqui... Isso ele não faz.
O professor relata que a dinâmica do trabalho de produção do roteiro consistiu numa
atividade no âmbito de uma disciplina de roteiro. Nesta foram discutidas questões referentes à
temática proposta para o vídeo, foram disponibilizados textos e materiais pela professora
Liana. Após esta etapa de aproximação do problema, a turma foi dividida em grupos menores,
e cada um desses desenvolveu uma proposta de roteiro. Essas diversas propostas foram
apresentadas para a turma, que selecionou uma. A partir disso o trabalho foi aprimorar este
roteiro escolhido, sob os auspícios dos professores que buscavam "induzir" um fortalecimento
de questões que consideravam importantes. Então, apesar de o desenvolvimento dos roteiros
ser a princípio feito pelos estudantes, os professores buscavam induzir, por meio da discussão,
o tratamento de alguns temas e pontos de vista.
Aí vai um pouco assim, vai um pouco da indução nossa... No sentido de fortalecer questões que a gente achava prevalente... E os alunos defendendo as suas propostas, aí, aquele roteiro escolhido, aí aquele roteiro é trabalhado em segunda, em terceira, não sei quantas versões ele chegou, mas teve algumas versões até chegar ao roteiro final, que aí foi ser filmado...
A professora Liana também participava das reuniões com especial atenção às sutilezas
da realidade médica, à caracterização do universo médico dado pelo roteiro. Assim, esses
cuidados se detiveram no linguajar dos médicos, nas situações presentes no roteiro, na escolha
das locações e indumentária. Este foi um ponto que teve especial atenção por parte dos
produtores.
... a Liana, pela sua vivência médica e professora, ela nos contou vários casos, alguns foram retratados no vídeo, por exemplo, aquele debate com a psiquiatria... Aquele é um debate profissional... ...você vai entrar naquele mundo pra poder pegar esse cotidiano, não é? Essa sutileza da fala, das atitudes, pra você poder construir aquela história e dar alguma credibilidade, alguma verossimilhança... ... é que ela foi criando aquelas situações, ela foi sugerindo, porque a garotada ia demandando questões, e aí, ou faziam situações pouco representativas, pouco criveis e aí ela entrava e dava o contexto... Olha, vamos forçar a mão aqui, vamos fazer situações que eu já presenciei que eu conheço de história, porque, ali a história vivida dela é total pro filme. Então ela trazia, aí os alunos pegavam e saiam caracterizando aquele
105
debate do médico ao lado do leito. Vai dar alimentação parenteral ou não vai dar alimentação parenteral? Vai alimentar ao câncer ou vai matar o paciente? Aquele era um debate que ela já tinha vivido!
Sobre os meios de atingir os objetivos pedagógicos do vídeo, o professor destaca que,
além do roteiro, os usos dos recursos audiovisuais foram orientados neste sentido. Para o
professor o objetivo de todo vídeo educativo é produzir "reflexão e debate", o que é alcançado
por meio da busca por se produzir uma afetividade do espectador com o vídeo, e por meio da
criação de instabilidades emocionais. De modo mais específico, o Professor João destaca que
o objetivo do vídeo era provocar reflexão e discussão, pelos alunos, sobre as maneiras como a
"morte" participa da formação médica. Os modos de filmar, de caracterizar os personagens e
cenários foram cuidadosamente pensados, tendo em vista os objetivos da obra. Segundo ele, a
sucessão de enquadramentos, do plano aberto ao primeiro plano, juntamente à conversa inicial
bem-humorada dos personagens que será "quebrada" por uma notícia de morte, tem como
objetivo produzir esta afetividade e posteriormente, com o rompimento, gerar o impacto da
notícia, e instabilidades emocionais. Neste ponto, o professor deixa claro que o objetivo do
vídeo era sensibilizar o espectador.
A gente fala da dramaturgia pra chegar até a notícia da morte e a gente veio com uma piada e depois esse duplo, não é? Você tentando trabalhar com algumas situações extremas, isso é um tema de sensibilização, você produziu um choque, não é? Produziu uma empatia num primeiro momento, não é? Pra depois você poder romper com esse elo criado... Não existe drama sem afetividade!
A construção dos personagens foi outra estratégia utilizada para "produzir" leituras
esperadas. Segundo o professor, a escolha por uma história com um número relevante de
personagens, estes ainda ancorados em arquétipos, se deve à busca por facilitar que os
espectadores se identificassem com os personagens e mais facilmente, "entrassem" na
história. Assim os personagens foram pensados como diferentes "caminhos" para que os
espectadores pudessem "entrar" na história.
... o audiovisual, é a questão de alteridade, quando você tem uma identificação com os personagens, e você se permite viajar com o filme, não é? Você é convidado a essa viagem. Quando você entra na história, te peguei! Então, ali nesse filme, a gente colocou vários personagens e cada um tem um gracejo, cada um tem uma piada, até as piadas são piadas convidativas. Se você colocar poucos personagens, poucos perfis, num tema tão polêmico como esse, muita gente vai ficar de fora. Então, de alguma maneira você tem que tentar trazer as pessoas pra dentro do filme, não é? Então, como é que você traz? Aí, você vai construindo figuras, perfis diferenciados pra poder capturar aquele que tá de fora...
106
Na narrativa do vídeo, as discussões foram polarizadas tendo em vista deixar bem
claras as posições ideológicas que se confrontavam no debate. Isso foi reforçado pela
disposição dos assentos na mesa. No lado direito da tela estavam sentados os dois
personagens que defendiam a humanização das RMP e teciam críticas ao comportamento
médico. No lado esquerdo, os personagens defensores indecisos ou defensores da perspectiva
mais biomédica.
... a polarização, inclusive, é o sentido de você ficar, quem é o bem e quem é o mau. Isso é uma questão, pro audiovisual é importante, protagonista ou antagonista. Então, são elementos que você vai levando na construção da história... Se são os oponentes, eles estão sentados em lados opostos na mesa, é a posição da mesa... Como eles batem de frente, um tá de frente pro outro e a fala é frontal, aí a escolha da posição das mesas, dos personagens à mesa, perdão, eles têm que seguir também uma certa intenção, então você vai trabalhando a caracterização, o posicionamento, os enquadramentos...
4.1.4 Significado preferencial
Segundo a análise da entrevista com a Professora Liana, o significado preferencial do
vídeo, de acordo com esta professora, é chamar a atenção para o impacto do cadáver na
formação médica e como este é gerador de angústias. Assim espera-se que os estudantes
(principalmente) se tornem conscientes das "forças" que atuam em sua formação, de sua
complexidade, de suas origens, e possam melhor refletir e dialogar com estas "forças". Ou
seja, chamar a atenção para o caráter objetivante da formação médica, dar mais força à "voz
solitária" da Psicologia Médica no processo de formação de novos médicos, e assim permitir
uma melhor formação para a atuação nas RMP. Enfim, que estes estudantes possam atender a
pessoas, e não a objetos. Isto é confirmado pela análise do relatório e do projeto que originou
o vídeo.
De acordo com a análise da entrevista com o Professor João, o vídeo tem como
objetivo produzir reflexão e debate, sensibilizar os alunos para as questões do tema morte na
formação médica. Esse objetivo é buscado a partir da manipulação dos recursos audiovisuais
visando estabelecer uma relação afetiva, de identificação com os personagens, e
posteriormente, no decorrer do vídeo, o impacto do rompimento dessa afetividade com a
abordagem de temas polêmicos. O vídeo conta com seis personagens propositalmente
estereotipados como meio de facilitar a identificação dos espectadores, os alunos, com os
personagens e a consequente construção de afetividade com a diegese do filme, para num
107
próximo passo ocorrer a "instabilidade emocional" educadora. Então, podemos crer que, de
acordo com as palavras do professor, o significado do filme era produzir reflexão e debate
sobre a relação do estudante de medicina com a morte. Estas informações podem ser
confirmadas pelas diferentes mudanças que os roteiros foram sofrendo até atingir a versão
final.
É interessante notar que a comparação das entrevistas aos dois produtores mostrou que
cada um deles se preocupou predominantemente com dois aspectos distintos do vídeo. A fala
da professora Liana se voltou mais para o conteúdo e para as origens do vídeo, enquanto a
fala do Professor João se direcionou mais para a linguagem do vídeo.
Na análise fílmica, pudemos observar que os recursos estéticos foram utilizados para
reforçar as intenções relatadas nas entrevistas e descritas no projeto e relatório da primeira
reunião. Entretanto, a manipulação dos recursos estéticos, a construção dos personagens e a
elaboração de suas falas são feitas em alguns momentos de maneira enviesada, o que resulta
numa aparente tentativa de argumentação em prol da perspectiva psicossocial. Os
personagens são construídos de modo distinto e de forma estereotipada. O significado
preferencial está mais próximo das falas de Marta que prega por um médico humanista, que
reflete constantemente sobre suas práticas, buscando sempre uma maior aproximação de sua
prática com as necessidades do paciente como ser humano. Este ponto de vista também é
reforçado pelos argumentos de Alfredo, que vão no sentido de fundamentar "cientificamente"
as afirmações de Marta e contestar as de Guilherme. Enquanto Guilherme apenas se
fundamenta na prática, e consegue no máximo sugerir que o problema de Marta é sexual, esta
personagem "diagnostica" distúrbios psicológicos em Guilherme e afirma que a causa disso
está no modo em que ele pratica a medicina. Assim, a narrativa também antecipa uma
possível leitura de oposição que seria “expressa” pelas palavras de Guilherme, apesar de
pretender apresentar o posicionamento dele como sendo frio e distante dos pacientes.
O vídeo busca introduzir o conflito entre estes dois pontos de vista principais na
narrativa, a fim de motivar o debate entre os diferentes valores destes dois tipos de médicos
que polarizam a maior parte da discussão, mesmo que tenda para os valores da psiquiatra.
Apesar do enviesamento para a orientação humanista, também é dado um certo destaque aos
argumentos "biomédicos" de Guilherme e Eduardo. Deste modo, o vídeo parece pretender que
o espectador se identifique com as práticas dos personagens, mas que também possa
estabelecer um certo distanciamento crítico e assim refletir sobre suas práticas e formação.
Entretanto, esta identificação com o ponto de vista de Guilherme é dificultada pelo tom
estereotipado que é conferido a este personagem. Guilherme é frio, desequilibrado,
108
depressivo, agressivo e fundamenta seus argumentos apenas em sua prática, enquanto Marta e
Alfredo apresentam seus argumentos de forma racional, equilibrada e sensata.
Outro aspecto de um significado preferencial é o tratamento dos flashbacks das aulas
de anatomia como uma espécie de trauma na vida dos profissionais, que é justamente uma das
teses em que o vídeo se baseou. Além de ser um recurso estético para remeter a um
acontecimento passado (antigo), o uso do preto e branco, somado a uma iluminação de
contrastes acentuados, garante à cena uma atmosfera dramática, que acentua as expressões de
desconforto dos personagens na situação da aula. Essa atmosfera é reforçada pela trilha
sonora, composta por uma música angustiante.
Assim, o vídeo apresenta os argumentos das duas correntes, a tradicional, biomédica, e
a psicossocial, contra-hegemônica. No final, as questões são deixadas em aberto para atender
ao objetivo pedagógico de provocar a discussão. Entretanto, ao longo do vídeo, é mais
valorizada a perspectiva contra-hegemônica pela forma mais sensata e fundamentada com que
os personagens expõem seus argumentos.
5.1.5 Endereçamento
De acordo com o projeto e o relatório analisado, o vídeo é endereçado aos estudantes
de medicina. Segundo a Professora Liana Albernaz, o vídeo é endereçado a estudantes,
professores e profissionais de medicina. Este endereçamento é principalmente feito por meio
do vocabulário "esotérico" da prática médica utilizado no vídeo. É importante lembrar que
esse vocabulário não se restringe a palavras e falas, mas envolve também a escolha de
cenários e indumentárias, por exemplo. As cenas de flashback foram gravadas num
laboratório de anatomia e numa enfermaria de hospital, tendo em vista não ferir a "verdade"
do vídeo, o que poderia terminar por não permitir "atingir" o público-alvo do vídeo. O
Professor João também nos fala destes aspectos e ressalta o cuidado com a aproximação com
o universo do estudante de medicina, seus ambientes, linguagens e situações comuns, o que
objetivava o estabelecimento de uma relação afetiva com o espectador. O professor ainda nos
relata que o vídeo contou com diferentes personagens como estratégia para permitir distintas
maneiras de aceder ao universo conflitivo da narrativa audiovisual. A professora
complementa quando afirma que os estereótipos destes diferentes personagens representam na
verdade algumas das muitas dimensões de um médico. Isto tudo, além de criar uma
"abordagem" ao estudante de medicina, também poderia facilitar os seus ajustes para
"assistir" o vídeo, já que todo endereçamento, em alguma medida, erra seu alvo.
Entretanto, de acordo com a análise fílmica podemos acreditar que o endereçamento
109
do vídeo oscila entre estudantes de medicina e médicos. Apesar de em alguns momentos
fazerem menção direta à formação do médico e mostrarem as origens das questões de
formação do profissional, em outros momentos tratam diretamente da realidade profissional
do médico, uma experiência ainda não vivenciada/conhecida pelos estudantes. Por outro lado,
no debate entre Marta e Guilherme, o vídeo aparenta endereçar aos dois vieses de formação
médica, médicos/estudantes orientados tanto pelo paradigma humanista quanto pelo
biomédico.
Assim, diante da postura racional e sensata de Marta (e de Alfredo), e do descontrole
de Guilherme, há uma promoção dos argumentos humanistas e um desfavorecimento dos
argumentos de biomédicos de Guilherme.
O flashback utilizado para abordar diretamente a prática médica é feito de modo que o
argumento de Eduardo, e consequentemente de Guilherme, seja promotor de um uma RMP
fria e distante. Isto compromete este "duplo" endereçamento, dificultando identificações com
os argumentos de Guilherme, mas por outro lado é reforçado o significado preferencial.
De acordo com a análise de entrevistas, fílmica e de documentos, espera-se que
estudantes, professores de medicina e médicos, ao assistirem o vídeo, se sensibilizem, tenham
sua atenção chamada para a formação médica como produtora de traumas e angústia,
advogando por uma formação médica que contemple, além de uma boa formação técnica, a
formação de valores e atitudes humanísticos para uma atenção integral à saúde, favorecendo
conjuntamente aspectos biológicos, sociais e psicológicos. Também é esperado que este vídeo
provoque a discussão sobre os temas abordados. Entretanto, todas estas conclusões
necessitam ser averiguadas à luz das leituras feitas pelos espectadores potencias do vídeo
acima analisado.
110
5.2 ANÁLISE DA RECEPÇÃO
No presente capítulo procederemos a análise de conteúdo (decifração estrutural e
transversalidade temática) dos dados coletados em duas exibições experimentais do vídeo
Lição de Anatomia, por meio da prévia de aplicação de questionário e posterior realização de
grupo de discussão (semi-diretivo), além de observações de reações dos participantes durante
as coletas. Cada uma destas exibições foi feita para dois grupos distintos de espectadores. O
primeiro grupo foi formado por oito professores da disciplina Psicologia Médica da Faculdade
de Medicina da UFRJ. O segundo grupo foi formado por nove estudantes do sexto período do
curso de Medicina que, no semestre que em que foram coletados os dados, estavam cursando
a disciplina Psicologia Médica. As respostas aos questionários foram tabuladas e os grupos de
discussão tiveram suas falas transcritas.
As falas transcritas da discussão posterior à exibição do vídeo, foram analisadas sobre
um background sociocultural dos hábitos de consumo de mídias. Isso porque entendemos que
as leituras feitas do vídeo em questão são influenciadas (e influenciam) por um complexo
mais amplos de leituras e consumos cotidianos de toda ordem de mídia. Assim, na
inviabilidade de ser fazer um estudo etnográfico do consumo de mídia desses sujeitos, foi
feito um levantamento por meio de questionário que nos permite uma aproximação com estes
hábitos de consumo. No entanto, desde já ressaltamos que os dados coletados não são
suficientes para qualquer conclusão mais objetiva a cerca destes consumos.
Para a análise das falas, amparado por Bardin (1979), buscou-se fazer análise de
conteúdo dos dados coletados nos grupos de discussão, em duas fases complementares e
sucessivas. Segundo a autora, estas duas fases juntas se configuram como uma tentativa de
alcançar um poder de generalização/comparação entre as análises, sem ter de abrir mão da
complexidade subjetiva que constitui os eventos discursivos formadores dos dados coletados.
Assim, no primeiro momento foi feita uma leitura flutuante das transcrições em que se
começou a identificar possíveis temas. Em seguida foi feita análise temática das transcrições e
buscou-se agrupar os temas identificados em categorias maiores. Após isso foi analisada a
sequência de interação. Respeitou-se inicialmente a sequência maior marcada pelas próprias
questões postas pelo moderador, estas presentes no roteiro, e dentro de cada uma destas
sequências buscou-se compreender a ordem de surgimento espontâneo dos argumentos dos
espectadores. Deste modo, a análise foi dividida em partes (sequências maiores demarcadas
pelas questões propostas a partir do roteiro do grupo de discussão) e analisou-se a sequência
dos argumentos dentro destas partes (a própria interação entre os espectadores). Finalmente,
após as conclusões preliminares, analisaram-se as enunciações de forma mais detida. Se as
primeiras etapas buscavam permitir uma maior generalização do estudo, a última voltou
para a valorização da subjetividade e qualidade na análise da discussão.
Diante disso, dividiu
recepção dos professores e a recepção dos alunos e, por fim, buscou
entre estes dois grupos de leituras e as intenções de produção do vídeo.
5.2.1 Análise da recepção dos professores
5.2.1.1 Hábitos de consumo de mídia
Os participantes deste estudo são todos os oito professores que lecionam Psicologia
Médica na Faculdade de Medicina da UFRJ. Este
sexo masculino e quatro do sexo feminino, com média de idade de 54,6 anos (numa faixa
etária que vai de 40 a 64 anos). Sete integrantes declaram não possuir religião e um se declara
católico. De acordo com as res
dois anos, a maioria há 30 anos, como mostra o gráfico a seguir.
Todos os participantes desta etapa da pesquisa acessam a internet diariamente, e
assistem frequentemente televisão e rádio, e
saúde e arte e cultura, seguidos de
interesse por estes temas, há uma leve discrepância no nível de informações que eles
acreditam obter sobre estes mesmos tem
mais detalhadamente.
Até 5 anos
2 professores
Até 2 anos
1 professor
Gráfico 1: Tempo de docência na Psicologia Médica
primeiras etapas buscavam permitir uma maior generalização do estudo, a última voltou
subjetividade e qualidade na análise da discussão.
Diante disso, dividiu-se o presente capítulo em três partes nas quais se analisou a
recepção dos professores e a recepção dos alunos e, por fim, buscou-se um diálogo possível
eituras e as intenções de produção do vídeo.
.2.1 Análise da recepção dos professores
Hábitos de consumo de mídia
Os participantes deste estudo são todos os oito professores que lecionam Psicologia
Médica na Faculdade de Medicina da UFRJ. Este grupo é composto por quatro integrantes do
sexo masculino e quatro do sexo feminino, com média de idade de 54,6 anos (numa faixa
etária que vai de 40 a 64 anos). Sete integrantes declaram não possuir religião e um se declara
católico. De acordo com as respostas, estes professores lecionam a disciplina há pelo menos
dois anos, a maioria há 30 anos, como mostra o gráfico a seguir.
Todos os participantes desta etapa da pesquisa acessam a internet diariamente, e
assistem frequentemente televisão e rádio, e seus temas de maior interesse são
, seguidos de política e ciência e tecnologia
interesse por estes temas, há uma leve discrepância no nível de informações que eles
acreditam obter sobre estes mesmos temas. Nos gráficos a seguir, apresentamos estes dados
Mais de 30 anos
3 professores
Até 20 anos
2 professores
Gráfico 1: Tempo de docência na Psicologia Médica
111
primeiras etapas buscavam permitir uma maior generalização do estudo, a última voltou-se
se o presente capítulo em três partes nas quais se analisou a
se um diálogo possível
Os participantes deste estudo são todos os oito professores que lecionam Psicologia
grupo é composto por quatro integrantes do
sexo masculino e quatro do sexo feminino, com média de idade de 54,6 anos (numa faixa
etária que vai de 40 a 64 anos). Sete integrantes declaram não possuir religião e um se declara
postas, estes professores lecionam a disciplina há pelo menos
Todos os participantes desta etapa da pesquisa acessam a internet diariamente, e
seus temas de maior interesse são medicina e
ciência e tecnologia. Apesar do nível de
interesse por estes temas, há uma leve discrepância no nível de informações que eles
as. Nos gráficos a seguir, apresentamos estes dados
0 1
Revistas
Internet
Rádio
Jornal Impresso
Televisão
Fre
qu
ên
cia
de
Au
diê
nci
a/A
cess
o
Gráfico 2: Frequência de acesso aos meios de comunicação
0
Religião
Economia
Moda
Meio Ambiente
Esportes
Ciência e Tecnologia
Medicina e Saúde
Arte e Cultura
Política
Te
ma
s d
e I
nte
ress
e
2 3 4 5 6 7 8
Número de Pessoas
Gráfico 2: Frequência de acesso aos meios de comunicação de massa por professores
Todos os dias
Entre 4 e 6 dias por semana
Entre 1 e 3 dias na semana
Algumas vezes por mês
Nunca
Não sei
1 2 3 4 5 6 7 8
Número de Pessoas
Gráfico 3: Temas de interesse dos professores
Muito Interesse
Médio Interesse
Pouco Interesse
Nenhum Interesse
Não sei
112
Todos os dias
Entre 4 e 6 dias por semana
Entre 1 e 3 dias na semana
Algumas vezes por mês
Muito Interesse
Médio Interesse
Pouco Interesse
Nenhum Interesse
Não sei
A respeito dos hábitos de consumo relacionados a filmes e vídeos, todos os
professores declaram gostar de assistir filmes. Recentemente, eles assistiram
predominantemente filmes do gênero
Incêndios e Cópia Fiel, havendo também ocorrência dos gêneros documentário, ação, policial,
aventura e animação, além de uma série de TV. Mesmo não se tratando propriamente de um
gênero fílmico, não excluiremos as séries de TV relatadas, pois entendemos que na prática
não é tão simples distinguir entre uma série e um filme exibido na TV. Não entraremos nesta
discussão, nem é nosso objetivo com esta pesquisa dar conta desse tema. Consideraremos as
respostas dos pesquisados entendendo que eles fazem "uso" ou assistem a estas séri
filmes. O gráfico 4 a seguir apresenta a quantidade de filmes recentemente assistidos, por
gênero fílmico.
0
Religião
Economia
Moda
Meio Ambiente
Esportes
Ciência e Tecnologia
Medicina e Saúde
Arte e Cultura
PolíticaT
em
as
Gráfico 4: Nível de informação dos professores por tema
A respeito dos hábitos de consumo relacionados a filmes e vídeos, todos os
professores declaram gostar de assistir filmes. Recentemente, eles assistiram
predominantemente filmes do gênero drama, do qual os filmes mais assistidos foram
, havendo também ocorrência dos gêneros documentário, ação, policial,
aventura e animação, além de uma série de TV. Mesmo não se tratando propriamente de um
gênero fílmico, não excluiremos as séries de TV relatadas, pois entendemos que na prática
o simples distinguir entre uma série e um filme exibido na TV. Não entraremos nesta
discussão, nem é nosso objetivo com esta pesquisa dar conta desse tema. Consideraremos as
respostas dos pesquisados entendendo que eles fazem "uso" ou assistem a estas séri
filmes. O gráfico 4 a seguir apresenta a quantidade de filmes recentemente assistidos, por
1 2 3 4 5 6 7 8
Número de Pessoas
Gráfico 4: Nível de informação dos professores por tema
113
A respeito dos hábitos de consumo relacionados a filmes e vídeos, todos os
professores declaram gostar de assistir filmes. Recentemente, eles assistiram
, do qual os filmes mais assistidos foram
, havendo também ocorrência dos gêneros documentário, ação, policial,
aventura e animação, além de uma série de TV. Mesmo não se tratando propriamente de um
gênero fílmico, não excluiremos as séries de TV relatadas, pois entendemos que na prática
o simples distinguir entre uma série e um filme exibido na TV. Não entraremos nesta
discussão, nem é nosso objetivo com esta pesquisa dar conta desse tema. Consideraremos as
respostas dos pesquisados entendendo que eles fazem "uso" ou assistem a estas séries como
filmes. O gráfico 4 a seguir apresenta a quantidade de filmes recentemente assistidos, por
Muito
Médio
Pouco
Nenhum
Não sei
O gênero drama também foi predominante, e com maior quantidade de fílmes, quando
se tratava dos filmes que foram marcantes em suas vidas. O
mais apareceu na lista, três vezes. No
marcantes por gênero fílmico.
Diante de alta recorrência do gênero
deste gênero. Segundo Nogueira (2010), o objeto do gênero drama é o ser humano comum,
normal, em situações quotidianas mais ou menos complexas, explorando as suas
consequências emocionais mais inusitadas e profundas, mas sempre com grandes implicações
afetivas ou causadoras de polêmica social. No drama, ganha relevância a complexidade da
caracterização das personagens, já que o mais importante, do ponto de vista narrativo, são as
consequências dos conflitos sobre aqueles que os vivem.
Esta atenção ao prosaico tende, porobjectivo e analítico, ainda que, frequentemente, crítico, procurando efeitos de realismo, de renormas e valores, bem como acerca do lugar do indivíduo, dasou das suas tensões. Esta propensão para o realismo não impede, contudo, que as emoções e as suas representações sejam, circunstancialmente, sujeitas a um processo de nítida estilização como sucede no caso paradigmático do melodrama (NOGUEI
Animação
Comédia
Aventura / Ação / Fic. Científica
Documentário
Gê
ne
ro F
ílm
ico
Animação
Comédia
Aventura / Ação / Fic. Científica
Documentário
Gê
ne
ro F
ílm
ico
também foi predominante, e com maior quantidade de fílmes, quando
se tratava dos filmes que foram marcantes em suas vidas. O filme Casablanca
mais apareceu na lista, três vezes. No gráfico 5, apresentamos a quantidade de filmes
marcantes por gênero fílmico.
Diante de alta recorrência do gênero drama, vamos buscar fazer uma breve definição
Segundo Nogueira (2010), o objeto do gênero drama é o ser humano comum,
normal, em situações quotidianas mais ou menos complexas, explorando as suas
consequências emocionais mais inusitadas e profundas, mas sempre com grandes implicações
oras de polêmica social. No drama, ganha relevância a complexidade da
caracterização das personagens, já que o mais importante, do ponto de vista narrativo, são as
consequências dos conflitos sobre aqueles que os vivem.
Esta atenção ao prosaico tende, por isso, a aproximar o drama de um registro objectivo e analítico, ainda que, frequentemente, crítico, procurando efeitos de realismo, de reflexão e de problematização acerca da sociedade e das suas normas e valores, bem como acerca do lugar do indivíduo, dasou das suas tensões. Esta propensão para o realismo não impede, contudo, que as emoções e as suas representações sejam, circunstancialmente, sujeitas a um processo de nítida estilização como sucede no caso paradigmático do melodrama (NOGUEIRA, 2010).
0 5 10
Animação
Série
Comédia
Aventura / Ação / Fic. Científica
Documentário
Drama
Número de Filmes
Gráfico 5: Filmes assistidos recentemente por professores
0 5 10 15
Animação
Série
Comédia
Aventura / Ação / Fic. Científica
Documentário
Drama
Número de Filmes
Gráfico 6: Filmes marcantes para os professores
114
também foi predominante, e com maior quantidade de fílmes, quando
Casablanca foi o filme que
, apresentamos a quantidade de filmes
, vamos buscar fazer uma breve definição
Segundo Nogueira (2010), o objeto do gênero drama é o ser humano comum,
normal, em situações quotidianas mais ou menos complexas, explorando as suas
consequências emocionais mais inusitadas e profundas, mas sempre com grandes implicações
oras de polêmica social. No drama, ganha relevância a complexidade da
caracterização das personagens, já que o mais importante, do ponto de vista narrativo, são as
isso, a aproximar o drama de um registro objectivo e analítico, ainda que, frequentemente, crítico, procurando efeitos
ão e de problematização acerca da sociedade e das suas normas e valores, bem como acerca do lugar do indivíduo, das suas errâncias ou das suas tensões. Esta propensão para o realismo não impede, contudo, que as emoções e as suas representações sejam, circunstancialmente, sujeitas a um processo de nítida estilização como sucede no caso paradigmático do
15 20
Gráfico 5: Filmes assistidos recentemente por professores
20 25
Gráfico 6: Filmes marcantes para os professores
115
Assim, este gênero tem relação com a matéria com a qual trabalha a Psicologia
Médica. O drama é construído a partir de todo conflito e complexidade das dimensões
afetivas e emocionais dos sujeitos, e este involto numa dinâmica social maior. Os filmes
deste gênero trabalham com questões, tanto subjetivas do sujeito, como instituições sociais
em que este se inscreve, a fim de provocar reflexões e problematizações de sua vivência como
um todo. Isto nos mostra que, habitualmente, estes professores se interessam por filmes que
lhes permitam experienciar e refletir sobre a "condição humana", conflitos e emoções.
Seis dos oitos professores declaram gostar de vídeos educativos. Os dois professores
que responderam não gostar, afirmaram que o vídeo educativo é muito "direcionado", com um
significado esperado bem determinado e, assim, com poucas possibilidades de contruções
subjetivas a partir dessas narrativas. Os professores que responderam gostar de vídeos
educativos apontaram o vídeo educativo como um poderoso intrumento de educação, que
permite "viver experiências", que mobiliza afetivamente, motiva discusões, trabalha
simuntaneamente com a "realidade" e com o subjetivo, e permite refletir sobre as atitudes
humanas e questões delicadas para serem tratadas pelo texto, com bastante vivacidade. No
entanto este entendimento por parte dos professores não é consensual. Alguns professores
entendem por vídeo educativo os vídeos produzidos com este propósito, outros compreende
que um vídeo é educativo mediante ao seu uso. Dos oito professores, sete afirmaram não
assistirem habitualmente a vídeos educativos, cinco afirmaram se lembrarem de terem
assistido vídeos educativos recentemente. Quando solicitados a citar os nomes destes vídeos,
elencaram indistintamente, e em igual proporção, vídeos educativos e filmes comerciais, estes
já utilizados por eles em sala de aula. Assim, os professore creem na relevância do uso de
vídeos educativos, mas compreendem em maior parte como vídeo educativo, vídeos e filmes
tuilizados em contextos de ensino-aprendizagem. Os vídeos mais citados (duas citações)
foram Johnny vai a guerra e Coleção Ciência/Educação (Prof. Leopoldo de Meis).
Completam a lista o documentário A vida de Leonardo da Vinci, Programa de Educação
Contínua da Ass. Bras. de Psiquiatria, Wit, Golpe do destino e Prejudicado.
Sobre o uso de vídeos em sala de aula, os professores listaram predominantemente
filmes do gênero drama, com destaque para Golpe do destino e Wit, cidados sete e seis vezes,
respectivamente. O gráfico 6 apresenta o número de filmes utilizados por gênero filmico.
Os professores recorrem mais a filmes para lecionarem sobre RMP e morte. Com
exceção de um documentário sobre gestão em saúde, todos os
são do gênero drama. No gráfico 7 apresentamos o número de filmes utilizados por tema.
Ainda que uma hipótese precipitada, levando em conta a média de idade do grupo,
pudesse apontar para um consumo de mídias de massa mais
revistas, foi a internet que figurou como o mais frequente meio acessado. O que nos permite
concluir que estes professores estão, de certa forma, abertos a utilizarem novos meios de
comunicação. Eles têm menor interesse nos te
pela constatação de apenas um professor declarar possuir religião. Estes espectadores tem
maior interesse e se informam mais sobre os temas
Então, temos que todos os professores
majoritariamente filmes do gênero drama. Este gênero também é maioria quando se trata de
filmes que mais os marcaram e de filmes utilizados por eles em salas de aula. Entendendo que
o gênero drama como uma "abord
do sujeito e de suas relações sociais, podemos relacioná
Vídeo Educativo
Aventura / Ação / Fic. Científica
Documentário
Gê
ne
ro F
ílm
ico
Gráfico 7: Filmes utilizados em sala de aula
Gestão em Saúde
Comunicação de Más Notícias
Adoecimento
Bioética
Morte
RMP
Te
ma
s /
Ass
un
tos
Gráfico 8: Número de vídeos utilizados em sala de aula por tema
Os professores recorrem mais a filmes para lecionarem sobre RMP e morte. Com
exceção de um documentário sobre gestão em saúde, todos os vídeos citados para estes temas
No gráfico 7 apresentamos o número de filmes utilizados por tema.
Ainda que uma hipótese precipitada, levando em conta a média de idade do grupo,
pudesse apontar para um consumo de mídias de massa mais tradicionais como jornais e
revistas, foi a internet que figurou como o mais frequente meio acessado. O que nos permite
concluir que estes professores estão, de certa forma, abertos a utilizarem novos meios de
comunicação. Eles têm menor interesse nos temas: Moda e Religião. Este último reforçado
pela constatação de apenas um professor declarar possuir religião. Estes espectadores tem
maior interesse e se informam mais sobre os temas Medicina e Saúde e Arte e Cultura
Então, temos que todos os professores gostam de filmes e recentemente assistiram
majoritariamente filmes do gênero drama. Este gênero também é maioria quando se trata de
filmes que mais os marcaram e de filmes utilizados por eles em salas de aula. Entendendo que
como uma "abordagem" dos conflitos e complexidade afetivas e emocionais
do sujeito e de suas relações sociais, podemos relacioná-lo diretamente com os objetivos de
0 5 10 15
Série
Vídeo Educativo
Aventura / Ação / Fic. Científica
Documentário
Drama
Número de Filmes
Gráfico 7: Filmes utilizados em sala de aula
0 1 2 3
Gestão em Saúde
Comunicação de Más Notícias
Adoecimento
Bioética
Morte
RMP
Número de Filmes
Gráfico 8: Número de vídeos utilizados em sala de aula por tema
116
Os professores recorrem mais a filmes para lecionarem sobre RMP e morte. Com
vídeos citados para estes temas
No gráfico 7 apresentamos o número de filmes utilizados por tema.
Ainda que uma hipótese precipitada, levando em conta a média de idade do grupo,
tradicionais como jornais e
revistas, foi a internet que figurou como o mais frequente meio acessado. O que nos permite
concluir que estes professores estão, de certa forma, abertos a utilizarem novos meios de
. Este último reforçado
pela constatação de apenas um professor declarar possuir religião. Estes espectadores tem
Arte e Cultura.
gostam de filmes e recentemente assistiram
majoritariamente filmes do gênero drama. Este gênero também é maioria quando se trata de
filmes que mais os marcaram e de filmes utilizados por eles em salas de aula. Entendendo que
agem" dos conflitos e complexidade afetivas e emocionais
lo diretamente com os objetivos de
20 25
4 5
Gráfico 8: Número de vídeos utilizados em sala de aula por tema
117
sua atividade docente. Pois parte do objeto da disciplina Psicologia Médica também são as
reflexões e problematizações das dimensões subjetivas e sociais da experiência humana.
Exceto o tema Gestão em Saúde que foi relacionado ao gênero documentário, em todos os
temas relatados (RMP, morte, bioética, adoecimento e comunicação de más notícias), que
tratam da experiência subjetiva humana e suas implicações sociais, fez-se uso de drama. Foi
exatamente nessa linha que os professores justificaram o uso de filmes em sala de aula, por
entenderem que os filmes permitem experienciar algumas questões da vida e refletir sobre as
atitudes humanas, mobilizando afetivamente os espectadores, além de motivarem a reflexão
por parte destes.
Um outro ponto que vale ressaltar é a rejeição ou desconhecimento em relação a
vídeos e filmes educativos. Mesmo os seis professores que afirmaram gostarem de vídeos
educativos, quando foi pedido que citassem o titulo destes vídeos, a maioria deles citou filmes
comerciais utilizados por eles em sala de aula. Isto nos dá indícios de que estes professores
concebem como vídeo educativo, toda ordem de vídeos (como filmes e séries de TV) que
possam ser utilizados em sala de aula. Ou seja, não é a origem, elaboração do vídeo sob
inteções pedagógicas ou características estéticas que fazem do vídeo, educativo, mas é em que
medida este vídeo fornece elementos que os permitam lecionar determinada matéria. Apesar
de nosso interesse nessa questão, neste momento não nos dedicaremos a desenvolvê-la
melhor. Por hora, entenderemos deste dado que estes professores têm uma concepção mais
ampla de vídeo educativo, definido pelo uso potencial ou não de vídeos em sala de aula.
5.2.1.2 Recepção do vídeo
Durante a realização do grupo de discussão já foi possível notar que a discriminação
talvez tivesse sido a dimensão de leitura mais influente e determinante na recepção do vídeo
Lição de Anatomia pelos professores. Na primeira aproximação com as transcrições das falas
do grupo de discussão, a leitura flutuante, essa primeira percepção foi mantida. As principais
causas dessa alta discriminação identificadas nas falas dos participantes se referiam à falta de
profundidade dramática, artificialização da história e estereotipação dos personagens. Estes
temas, que apontam para uma crítica à verossimilhança, atravessaram toda discussão,
estiveram constantemente presentes nas leituras feitas e, evidentemente, foram identificados
em todas sub-sequências nas quais optamos por dividir a transcrição para melhor analisá-la.
Essa constante presença da discriminação nas leituras tornou mais difícil essa divisão em
118
sequências menores que abordassem temas mais específicos, diferentemente do que ocorreu
com a análise da discussão com os alunos (da qual tratarei mais a diante).
A discussão ocorreu de forma quase espontânea, o vídeo provocou intensa interação
entre os participantes, se estendendo por aproximadamente duas horas. Coube ao moderador,
dentro do possível, buscar manter a discussão dentro do espectro que melhor satisfizesse a
pesquisa. No entanto, isso nem sempre foi possível. Em alguns momentos a discussão
permaneceu nos assuntos mais diretamente conectados às leituras do vídeo, chegando até a
antecipação de leituras que possivelmente seriam feitas pelos estudantes (ao assistirem o
vídeo em questão), em outros, foi em direção aos temas mais amplos da docência na formação
médica. Estes últimos nem sempre foram de grande proveito, e por isto mesmo alguns foram
desconsiderados no momento da análise.
Após a leitura flutuante e a subsequente análise preliminar, foi possível dividir a
discussão em cinco partes, ainda que estas partes não sejam estanques e com muita
dificuldade constituam unidades. Há apenas foco maior, mas não completo, em temáticas
mais específicas, sempre acompanhadas pela constante postura crítica de leitura . Na primeira
sequência, os participantes relataram suas impressões e procederam com uma avaliação
estética do vídeo e do papel pedagógico que este poderia desempenhar. Na segunda, sob
resistência aos aspectos formais do vídeo, buscaram abordar a temática mais central do vídeo.
Na terceira, anteciparam leituras que os estudantes poderiam fazer. Já na quarta sequência,
abordaram mais diretamente aspectos relacionados à linguagem do vídeo, apontando o que
fariam de diferente se solicitados a refazer o vídeo. Por fim, na quinta sequência, fizeram uma
espécie de "avaliação final" que, da forma como encaminhada, parece construir um consenso
entre os participantes. Nos deteremos na análise de cada sequência nos parágrafos a seguir.
Primeira sequência
Imediatamente após o moderador explicar qual era a expectativa com a discussão, um
dos participantes tomou a palavra e começou a fazer considerações sobre o vídeo. Percebendo
que a discussão espontaneamente tomara um caminho pretendido, o moderador deixou que a
discussão seguisse de maneira menos diretiva. Nesta parte os participantes começaram
relatando suas impressões do vídeo e logo partiram para uma avaliação formal/estética e, até
certo ponto, pedagógica do vídeo. Os temas mais recorrentes nas falas dos participantes se
reportam a uma crítica à falta de verossimilhança identificada no vídeo. Temas como
artificialização, estereotipação dos personagens e excesso de didatização, obtiveram alta
119
ocorrência e frequentemente surgiram ao longo de todas as partes do grupo de discussão. No
quadro a seguir estão listados os principais temas identificados e suas respectivas ocorrências.
Quadro 9: Temas identificados na primeira sequência da discussão entre Professores.
TEMAS OCORRÊNCIAS
Artificialização 15
Excesso de didatização 12
Aspectos estéticos 10
Conteúdo/tema relevante 9
Vídeo – material didático 5
Estereotipação dos personagens 3
Atores ruins 3
Como podemos observar no quadro acima, os temas que se voltaram aos aspectos
formais da linguagem do vídeo são predominantes, e suas ocorrências bem maiores que as
demais temáticas. Outros temas, como o reconhecimento do vídeo como material didático e o
destaque das temáticas/conteúdos abordados no vídeo e considerados relevantes à formação
médica, também se fizeram presentes. Vale ressaltar que o quadro acima lista temas que
representam categorias temáticas maiores que abarcam outros temas presentes nas falas dos
participantes. No esquema a seguir está representada a sequência de surgimento dos principais
temas identificados.
120
Figura 7 - Diagrama de surgimento de temas na primeira sequência de discussão entre professores
Como é possível observar no esquema acima, a discussão se inicia com uma avaliação
positiva do vídeo como material didático, e logo em seguida começa a ser criticado por sua
linguagem, tem ressaltada a relevância das temáticas que abordam, e diante da resistência aos
aspectos formais propõem alternativas pedagógicas ao vídeo, e tornam a criticar os aspectos
formais do vídeo. Essa crítica, de alta e frequente ocorrência, aos aspectos formais/estéticos
do vídeo se relaciona diretamente a uma certa expectativa de audiência do gênero drama,
identificado no estudo dos hábitos de consumo de mídia destes participantes. De acordo com a
caracterização dos hábitos de consumo desses sujeitos, é possível supor que os participantes
são espectadores com algum grau de sofisticação e conhecimento sobre história do cinema, o
que implica expectativas mais sofisticadas por parte destes. São criticadas a artificialidade da
trama, o excesso de controle do texto para obedecer a finalidades pedagógicas, a estética
datada, a estereotipação dos personagens e os atores ruins. Estes pontos da crítica apontam
121
uma fraca verossimilhança do vídeo para este grupo, o que produz um distanciamento crítico
dos espectadores, que por sua vez esperavam "mergulhar" na profundidade dramática do
vídeo. As falas transcritas a seguir permitem reforçar esta percepção.
Acho que aí tem uma questão também assim: até estética, né? O vídeo, assim, claro que tem
filmes que são atemporais, e pelo contrário, são maravilhosos, independentes da época que
foram feitos. Mas nesses vídeos, no meu entender, a coisa de quando ele foi feito dá uma
defasagem muito grande. (Professor 4)
Você acha? Eu achei tão atual! (Professor 8)
Por quê, Professor 4? (Professor 7)
Eu achei tão atual! (Professor 8)
Não as ideias, mas a estética já dá uma comprometida na aproximação do jovem com quem o
vídeo está falando! (Professor 3)
O cigarro em lugar público, Whisky, ... (Professor 4)
Eu acho tão estereotipado esses vídeos, acho tão pouco natural, tão forçado... (Professor 7)
Os atores são ruins, a coisa não flui... (Professor 4)
O Professor 4 ressalta que os aspectos estéticos são datados e podem dificultar a
leitura das "ideias" que são atuais. Já o Professor 8 discorda e acredita que o vídeo é atual. O
Professor 3 ressalta que o vídeo não é atual esteticamente. O Professor 7 segue criticando e
destacando a falta de naturalidade e artificialidade com que o vídeo se desenrola. Este
professor destaca a artificialidade e aponta como possível causa o excesso de didatismo na
linguagem e na estrutura do vídeo. Nos trechos a seguir podemos observar melhor esta crítica.
...quando você quer conscientizar, educar, perde um pouco às vezes a força de um filme, de
uma história, entendeu? Eu... particularmente pra mim, gera uma rejeição muito forte...
Material de esquerda, as vezes assim, muito engajado, que perde às vezes,... ele já dá resposta!
(Professor 7)
É artificial, ninguém fala desse jeito! São vídeos que tão tentando provar uma mensagem,
passar mensagens, e provar uma tese. Não tem como... você faz um documentário, você faz
uma entrevista, ou se parte pra uma ficção! Eu não conheço nenhum de nós, professores, que
tenha competência artística pra poder colocar no campo da ficção alguma coisa que seja
palatável, artisticamente, fica, fica forçado, os personagens ficam provando tese, eles existem
pra provar suas próprias teses... (Professor 1)
122
O Professor 7 resiste a uma suposta estratégia de convencimento do vídeo, a qual ele
relaciona à prática panfletária política. Ele afirma que o vídeo não permite espaço de reflexão,
já que se empenha em um convencimento ideológico no qual pergunta e traz as respostas aos
questionamentos presentes no vídeo. O Professor 2 reforça essa ideia (excesso de didatismo
gerador de artificialismo) e afirma que os personagens apenas existem para provarem teses,
apenas as teses que se busca defender (ensinar, apresentar, destacar) com o vídeo. Para este
participante, o produtor do vídeo foi um professor, diferente do gênero drama que tende a ser
produzido por cineastas (artistas). Diante disso, o vídeo não fica palatável artisticamente - de
fato, este professor relata conhecer uma das professoras (idealizadora e coordenadora) que
produziu o vídeo, e consequente ter conhecimento de algumas etapas de produção do vídeo, o
que talvez explique a alta discriminação da leitura deste professor. O Professor 2 prossegue
com essa crítica, reconhece que os argumentos presentes no vídeo são relevantes e
importantes de serem abordados na formação médica, mas afirma que o artificialismo e o
didatismo fazem com que o vídeo perca a profundidade dramática, o que supostamente
comprometeria o alcance dos objetivos pedagógicos.
Não convence, é muito chapado, é muito cheio de informação. As falas que existem ali são
maravilhosas, a gente sabe que essas falas existem, os alunos falam nisso, nós falamos isso...
Mas o poder de roteiro e de direção... A ficção provoca emoção, suscita emoção, porque tem
mais qualidade artística, os diretores são melhores, os roteiristas são melhores, os artistas são
melhores, a ficção suscita isso. (Professor 1)
O ritmo da vida... A questão é que a vida é representada com mais riqueza e se a vida é
representada com mais riqueza, aí cabe a gente sublinhar naquela vida os pontos. Agora, se
você tem uma tese e quer fazer pra provar aquela tese, fica muito condensado e sem ritmo,
porque uma conversa não engata na outra como na verdade é na conversa real (Professor 3)
Isso foi construído em cima de ideias que queriam ser passadas por uma determinada, passar
uma determinada mensagem. Então, os personagens são criados, não a partir da sua
coerência interna, mas sim, pra provar as teses do autor. Então é um psiquiatra... Eles não são
de carne e osso, o personagem mais engraçadinho que eu estava falando, que parece ser um
melhor ator... um cirurgião com cara de chapado... eles estão falando, mas são uns troços...
(Professor 2)
O próprio desenrolar, né? O cara morre, daqui a pouco esquece que o cara morreu já vai pra
outro assunto! (Professor 7)
No trecho acima, o Professor 2 destaca a qualidade dos argumentos presentes nas
falas, mas critica o modo artificial como eles são executados no vídeo. Ou seja, eles
reconhecem que as falas dos personagens estão presentes na realidade de alunos e professores,
123
entretanto o modo como esta situação é realizada no vídeo não é verossímil. Ele aponta como
principal causa a falta de competência técnica-artística para a produção de uma ficção, mais
especificamente, um drama. O Professor 3 destaca que a "vida real" tem outro ritmo e maior
riqueza, e que o vídeo perde essa fluência e riqueza da vida por se dedicar a provar a tese. Ele
aponta que uma fala não "engata" na outra, como ocorre em uma conversa real. O Professor 2
acrescenta que a história não é criada dentro de uma coerência interna, mas a partir das teses
do autor, para provar as suas teses. Afirma ainda que, por esse motivo, os personagens
tampouco parecem reais, "não são de carne e osso". O Professor 7 exemplifica a falta de
fluência da história ao recordar uma parte do vídeo em que os personagens rapidamente
mudam de assunto após saberem da morte de seu amigo.
Estes trechos destacados já são o suficiente para descrevermos a leitura destes
professores na dimensão de discriminação como não-imersa e distante. As recorrentes
menções à falta de profundidade dramática, atores ruins e artificialidade no desenvolvimento
da história indicam que a maior parte dos espectadores não acederam à diegese do vídeo. Ou
seja, da forma como foi construído o vídeo, os espectadores não conseguiram "entrar" no
universo ficcional da narrativa. Apenas o Professor 8 chega a fazer algumas referências ao
vídeo que permitem acreditar em uma possível imersão, mas no geral estes espectadores não
imergiram. Somado a isso, a estereotipação dos personagens e o excesso de didatismo da
linguagem do vídeo provocaram um distanciamento crítico dos espectadores. Estes
participantes demonstraram estar a maior parte do tempo conscientes das intenções, dos
modos e formas da linguagem do vídeo, ainda que não fizessem menções diretas a todas elas.
A Posição é outra dimensão de leitura sobre a qual já é possível começar a fazer
alguma inferência. Isto porque, apesar da alta discriminação, os participantes já destacam sua
concordância e a relevância dos argumentos presentes nas falas dos personagens, e o quanto
isto se relaciona com a realidade da prática médica.
Não é um material que você permite refletir sobre essa é a questão. Agora, eu não quero usar
um negócio desses, de forma alguma. (Professor 7)
Ah, eu gostei! (Professor 8)
Mas essa tese é verdade! (Professor 2)
É verdade! Mas como dizer isso sem ser dessa maneira tão...??? (Professor 3)
Os professores afirmam que concordam com os argumentos, dizem que a tese defendida é
"verdade", e criticam a forma como estes argumentos são apresentados no vídeo. Nas
sequências a seguir esta dimensão será melhor abordada.
124
Segunda sequência
Na segunda sequencia do grupo de discussão buscou-se investigar um pouco mais o
que os participantes haviam compreendido do vídeo. Para tanto, o moderador solicitou que os
participantes destacassem quais conflitos consideram mais emergentes. A dimensão
discriminação também se fez bastante influente nesta parte da discussão. Assim, a discussão
começa com a identificação dos conflitos e se encaminha em direção a falas de resistência aos
aspectos formais do vídeo. Os temas identificados na análise da transcrição deste trecho do
grupo de discussão foram: aula de anatomia como produtora de traumas; formação médica
como produtora de traumas; humanização/desumanização da prática médica; e o lugar das
emoções na prática médica. Além disso, também foram identificados temas relacionados às
resistências na dimensão discriminação. No quadro a seguir listamos os temas identificados e
os números de ocorrências.
Quadro 10: Temas identificados na segunda sequência da discussão entre Professores.
TEMAS OCORRÊNCIAS
Aulas de Anatomia produtoras de traumas 2
Formação médica produtora de traumas 1
Humanização/Desumanização da prática médica
1
Lugar das emoções na prática médica 1
Artificialização 5
Estereotipação dos personagens 6
Como podemos observar, apesar de solicitados a discutirem os conflitos e temáticas do
vídeo, houve uma maior ocorrência das temáticas relacionadas aos processos de resistências
perceptíveis na dimensão da discriminação. Os dois temas ligados à dimensão discriminação,
totalizam juntos mais ocorrências que o restante dos temas. Isto nos permite confirmar a
dominância da dimensão discriminação nas leituras destes professores. Os outros temas
parecem se situar entre a dimensão compreensão e posição. Antes de aprofundar a análise
sobre esses temas, vale observar a sequência de surgimento destes temas no diagrama a
seguir.
125
Figura 8 - Diagrama de surgimento de temas na segunda sequência de discussão entre professores
Podemos observar que logo após a identificação do primeiro tema, os participantes já
adotaram um distanciamento crítico e começaram a efetuar leituras de oposição ao vídeo.
Criticaram a estereotipia com que são caracterizados principalmente os personagens cirurgião
e psiquiatra. Retomam a identificação de conflitos, destacam a formação médica e a aula de
anatomia como deformadoras dos estudantes, relacionam estas leituras com a realidade da
formação médica, e por fim voltam a distanciar-se/discriminar. As identificações de
temas/conflitos foram entremeadas por temas relacionados à dimensão discriminação. Esta
dimensão esteve presente em todas as leituras realizadas em todo o grupo de discussão, e será
recorrente nas análises das próximas sequências.
Quando identificaram temas/conflitos os participantes foram breves, pouco discutiram,
mas foram direto ao seu cerne. Identificaram a temática da desumanização da prática médica e
a formação médica (em especial as aulas de anatomia) como produtora de traumas, mas não
abordaram temas mais amplos como RMP, morte, etc.
A humanização, a desumanização da prática, né? Uns são mais humanos... (Professor 7)
O tema do filme é que aonde colocaram a emoção na profissão médica, exercendo a produção
médica! Como lidar com a emoção! (Professor 1)
E de como a cultura médica vai deformando já no primeiro ano de medicina (Professor 4)
A questão da aula de Anatomia é uma riqueza, né? As reações! (Professor 7)
126
Mas o que me chamou a atenção foi a anatomia, que pra gente sempre foi dada como uma
coisa fria, eles disseram que agora do jeito que tá sendo dada ... que foram as melhores aulas
... (Professor 3)
O Professor 7 imediatamente destaca a humanização/desumanização da prática médica
como um conflito emergente no vídeo. Já o Professor 1 afirma que se trata do papel e dos
modos de relação com as emoções na prática médica. Esta afirmação claramente se relaciona
com o papel da subjetividade no campo dinâmico das RMP. O Professor 4 aponta a
enculturação deformadora pela qual passam os estudantes de medicina já no primeiro ano da
faculdade - possivelmente isto se relaciona com o fato das aulas de anatomia fazerem parte da
grade curricular do primeiro ano do curso médico. Com estas identificações já é possível
perceber que na dimensão compreensão, em certa medida, a leitura foi convergente à leitura
preferencial. Foi mais pontual, menos ampla, mas dentro do conjunto de leituras esperadas
pelos produtores. Os temas foram identificados e relacionados, entretanto o modo como se
posicionaram em relação ao que compreenderam demanda mais um pouco de nossa atenção.
Observemos os trechos a seguir.
O problema é que há uma certa estereotipia, o psiquiatra como detentor do saber. (Professor
6)
... o cirurgião é um sujeito tolo. (Professor 5)
Aquela moça [Marta] é uma pentelha, insuportável... (Professor 2)
...chamou o outro [Guilherme] de hipocondríaco, ganancioso... (Professor 6)
“você é ansioso!” [parafraseando Marta] (Professor 7)
Aquelas coisas agressivas, sabe? (Professor 4)
O Professor 6, logo após terem sido citados alguns temas assim como o solicitado pelo
moderador, pondera que há uma certa estereotipia na caracterização dos personagens. Para ele
o psiquiatra é retratado como o detentor do saber - teórico - enquanto, como acrescenta o
Professor 5, o cirurgião é visto como tolo, detentor de apenas um saber prático. Os
participantes seguem identificando comportamentos agressivos e ofensivos da psiquiatra
(Marta), chegando a parafraseá-la algumas vezes. Há de fato, em alguns momentos, uma
oposição declarada aos argumentos do vídeo que buscam construir um dualismo e caracterizar
a personagem psiquiatra (Marta) como boa e o cirurgião (Guilherme) como mau.
Diante disso, se na primeira sequência havia indícios que nos levavam a suspeitar que
a leitura na dimensão de posição seria dominante, na segunda sequência os dados já apontam
127
para uma leitura negociada, ou até mesmo de oposição. Assim sendo, vamos prosseguir com
a análise das outras sequências e buscar melhor caracterizar a leitura desta dimensão em
questão.
Terceira sequência
Esta parte da discussão teve início após a provocação do mediador, que questionou
sobre como seria uma suposta leitura do vídeo por alunos. A partir disso os professores
começaram a elaborar uma antecipação da recepção do vídeo por seus estudantes. De forma
geral, os participantes acreditam que estes alunos irão identificar alguns temas, irão discutir
alguns temas, mas que estas leituras de algum modo são imprevisíveis. Esta imprevisibilidade
e a parcialidade da leitura foram os temas mais recorrentes. No quadro a seguir listamos estes
temas.
Quadro 11: Temas identificados na terceira sequência da discussão entre Professores.
TEMAS OCORRÊNCIAS
Imprevisível 7
Vídeo chama atenção parcial para os temas e provoca discussão
6
Vídeo chama atenção para os temas e provoca discussão
2
Vídeo pode provocar consequências negativas
2
Como podemos observar os temas da imprevisibilidade das leituras, leituras de parte
das temáticas, são as mais ocorrentes. A segunda maior ocorrência aponta para a expectativa
de que, em sua leitura, os estudantes não irão rejeitar nem aderir completamente ao
significado preferencial do vídeo. Na observação do diagrama a seguir podemos observar a
sequência da interação dos participantes e melhor compreender como estes temas se
relacionam no contexto da discussão.
128
Figura 9 - Diagrama de surgimento de temas na terceira sequência de discussão entre professores
Como é possível notar no esquema, os professores inicialmente acreditam que os
temas serão percebidos pelos estudantes, mas que essa identificação não será completa, e por
isso a discussão também não será completa. Então um participante discorda e argumenta que,
diante do silêncio e falta de espaço para tratar destes assuntos na formação médica, todos os
temas irão chamar a atenção e serão discutidos. Outro participante destaca a imprevisibilidade
das leituras, pois estas dependerão da história de vida de cada um dos alunos. Todos
demonstram estar curiosos sobre como serão as leituras dos estudantes e reconhecem a
possibilidade dessas leituras serem bem diferentes da leitura deles. Ainda destacam que ao
menos esperam que não "gostem esteticamente" do vídeo, e que apesar do vídeo abordar
temas imprescindíveis nem sempre abordados na formação médica, as leituras deste vídeo
poderão causar "reações adversas". Nas falas transcritas a seguir é possível compreender um
pouco melhor estas expectativas de leitura.
Eles vão pegar um assunto... Eles vão pegar um ou dois assuntos e... (Professor 3)
Eu acho que esse vídeo não vai passar indiferente, as pessoas vão falar, vão comentar...
(Professor 7)
Mexe... (Professor 6)
Cada um vai falar um pedaço dos muitos assuntos que são. (Professor 3)
129
Todos os assuntos saltam aos olhos! Porque ela usou esse tempo, pra pegar exatamente todos
os principais assuntos, né? Acho que todos os assuntos aqui são bons... (Professor 8)
Acho que não vamos saber. Aí eu acho que a escolha vai ser individual, a história de cada
um... (Professor 3)
Eu teria até curiosidade de saber como os alunos reagiriam... (Professor 1)
Eu também! Eu também acharia! (Professor 3)
Fiquei até curioso! Você tá convidado pra vir falar pra gente sobre esse assunto. (Professor 7)
Os professores acreditam que o vídeo será compreendido e provocará discussão sobre
os diversos temas presentes no vídeo, no entanto essa leitura e discussão será parcial. Os
professores creem que os alunos não conseguirão identificar todas as questões que o vídeo
aborda, e que por isso a discussão não será mais ampla. O Professor 8 discorda dos demais e
afirma que todos os assuntos serão notados. O Professor 3 pondera que isso dependerá da
história de cada um dos receptores e que por isso a leitura será imprevisível. Esta última
afirmativa desperta a curiosidade dos professores, que começam a buscar mais informações
sobre como ocorrerá a pesquisa da leitura dos alunos.
Em seguida a discussão volta à antecipação das leituras com um comentário sobre a
possível preferência estética dos alunos.
Se eles gostarem, esteticamente vão cair no meu conceito! (Professor 2)
Gente, tá tão grande a carência de possibilidade de discutir esses assuntos, que até um vídeo
relativamente precário como este vai chamar atenção pra eles. Porque tamanho o silêncio, “o
que que falar de morte”, é tão grande que até isso... (Professor 8)
É um mote! (Professor 7)
Mote variado. (Professor 1)
Seria um mote melhor! (Professor 7)
Eu acho que pode ser um fogo amigo, como aquela coisa do “médico que não fazia bilu-bilu”,
(Professor 2)
Após a ponderação do Professor 2 sobre o "gosto" - não vamos entrar na discussão
sobre o que seria bom gosto estético, nem sobre o que seria para estes professores -, o
Professor 8 argumenta que mesmo com a baixa qualidade "estética" do vídeo, tal é a carência
na formação médica das discussões que o vídeo se propõe a provocar, que o vídeo iria chamar
a atenção e provocar discussão. Os professores reconhecem que o vídeo se constitui como um
130
mote para levantar a discussão, mas que ainda assim é variado e poderia ser melhor. Por fim,
o Professor 2, partindo desse entendimento que o vídeo terá algum sucesso em provocar
discussões e chamar atenção para alguns temas, ressalta que isto também poderá ter o seu
revés. Relaciona o vídeo com a cartilha "o médico que não sabia fazer bilu-bilu", em que é
sugeria a ênfase aos aspectos ligados a RMP. Os professores deixam transparecer que, em sua
opinião, esta ênfase é dada às custas do esvaziamento da importância do conhecimento
técnico para a atividade médica.
A análise desta sequência de maneira isolada não permite fazer inferências precisas
sobre algumas das dimensões de leitura ou de implicação. No entanto, as afirmações sobre a
relevância das temáticas, as discussões (ainda que parciais) que estas deverão provocar, as
considerações sobre o risco de se voltar excessivamente para o cuidado com as RMP
(deixando a dimensão biomédica de lado), e as análises das sequências anteriores, corroboram
o entendimento da dimensão posição como negociada neste grupo.
Sequência quatro
Apesar de já ter indícios suficientes para, nesta parte da discussão, caracterizar a
leitura destes espectadores na dimensão discriminação, o moderador pediu aos participantes
que dissessem o que fariam de diferente se fossem solicitados a refazerem o vídeo. As
principais considerações indicam que o vídeo seria feito de modo mais verossímil, como
maior proximidade e profundidade dramática do gênero fílmico drama, e valorizaria pontos
de vista mais variados. Os temas e suas ocorrências estão listados no quadro a seguir e
organizados conforme a sequencia de surgimento no diagrama posterior.
131
Quadro 12: Temas identificados na quarta sequência da discussão entre Professores.
TEMAS OCORRÊNCIAS
Faria o vídeo mais verossímil 5
Faria o vídeo com maior profundidade dramática
2
Abordaria uma variedade maior de pontos de vista
2
Vídeo seria feito sem roteiro e de improviso (psicodrama)
1
Faria uma ficção nos moldes do filme em questão
1
Faria o vídeo considerando mais o ponto de vista dos estudantes
1
Figura 10 - Diagrama de surgimento de temas na quarta sequência de discussão entre professores
Estes temas começaram a ser abordados a partir das recorrentes críticas à falta de
naturalidade e profundidade dramática na narrativa, e começam a surgir sugestões da
produção do vídeo num formato mais próximo do documentário, com coleta de depoimentos.
Em seguida, ressalta-se a importância de abarcar uma maior variedade de pontos de vista,
sugere-se que fosse feita uma encenação improvisada com os próprios alunos. Em
132
discordância, um dos participantes afirma que manteria o formato de ficção do vídeo Lição de
Anatomia, e então os participantes começam a relacionar este vídeo com filmes comercias de
ficção que já houvessem sido utilizados por eles em sala de aula. Então voltam a sugerir que o
vídeo seja feito a partir de depoimentos de alunos após as aulas de anatomia e começam a
relatar diversas experiências relacionadas à produção de vídeos no âmbito da docência
médica, das quais têm conhecimento. Um participante busca fazer um contraponto, alegando
que se a imagem for muito didatizada, ela facilitará a observação e interpretação que os
estudantes farão dela, o que poderá comprometer o desenvolvimento das habilidades
mobilizadas na interpretação de imagens, estas bastante requeridas na prática em semiologia e
na prática da anamnese. Diante disso, é proposto que o vídeo seja feito a partir da gravação
mais próxima possível de uma situação real de anamnese.
Como já havia sido observado, a discriminação também foi a dimensão que mais
influenciou a leitura destes espectadores nesta sequencia. Por este motivo as principais
mudanças ocorreriam na busca de se criar uma maior verossimilhança e maior profundidade
dramática da história encenada no vídeo. A verossimilhança foi expressa principalmente com
a sugestão de utilização de entrevistas e debates filmados, ou mesmo que as temáticas fossem
abordadas em um vídeo do gênero documentário. A profundidade dramática refere-se à
construção do vídeo de modo que esse melhor permitisse a experienciação do universo
ficcional. Ou seja, tanto aqueles que preferem ficção, tanto quanto os que têm preferência pelo
documentário, esperam que o vídeo lhes permita uma maior sensação de realidade em suas
leituras. Os trechos a seguir servem de exemplo.
Pega uns alunos saindo da aula de anatomia, grava o depoimento ali deles, ouve o que vocês
sentiram, fala do professor, o que vocês... como o senhor aborda essa questão, ouve alguns
professores, isso em si, já... Agora, claro que com um profissional, né? Com gente orientando,
editando. (Professor 7)
Essa gravação da feitura da anamnese, da consulta médica, eu acho que pode ser muito rica.
(Professor 1)
Sem roteiro prévio. (Professor 7)
Outro tema que teve relativa relevância foi a sugestão de modificação que permitisse
ao vídeo abarcar uma maior variedade de pontos de vista sobre as temáticas que aborda.
Podemos observar este tema nas falas a baixo transcritas.
Eu gravaria depoimentos. Eu pegaria temas e ouviria pessoas diferentes, ou botaria em grupo,
acho muito interessante pegar um tema, botar cinco ou seis médicos, numa mesa redonda e
acho que seria super interessante. (Professor 7)
133
Esse tema tem que (...) “de acordo com a sua área de formação, que impactos as aulas de
anatomia tiveram? Como é que foi o seu processo de formação médica? E depois agora,
depois da seus últimos anos de profissão, como que você vê?” faz essas perguntas pra
conversar. Que não sejam essas mesmas frases. (Professor 2)
Essas sugestões de modificação no vídeo indicam uma expectativa destes espectadores
em relação ao vídeo. A expectativa da presença de uma maior variedade de pontos de vista
sobre o assunto se relaciona diretamente com a leitura na dimensão posição e indica uma
expectativa de leitura negociada na referida dimensão. Estes professores/espectadores
demonstraram certo incomodo com o modo como foram reforçados os pontos de vista dos
produtores no vídeo, e se ressentiram de espaço para o surgimento/presença de outros
posicionamentos. Ou seja, estes professores esperavam encontrar no vídeo um menor reforço
do significado preferencial, refletindo assim uma maior expectativa de leitura negociada por
parte dos produtores do vídeo, e não apenas a transmissão de um sentido esperado.
Assim, na análise dessa parte da discussão, além de melhor compreender as causas da
leitura com alta discriminação, foi possível se aproximar mais da caracterização da leitura na
dimensão posição. Pois, recapitulando, na primeira sequência observamos que os
espectadores concordam com os argumentos presente nas falas dos personagens e criticam o
modo como são sublinhadas as "teses que se buscam provar com o vídeo"; na segunda
sequência resistem à estereotipia com que são caracterizados a psiquiatra (detentora do saber
teórico, da verdade) e do cirurgião (possuidor do saber apenas prático); na terceira sequência
ponderam que também não se deve dar ênfase excessiva à dimensão subjetiva do atendimento
médico em detrimento do saber biomédico, ressaltam que deve haver um equilíbrio; e nesta
quarta sequência criticam um certo exagero no reforço ao significado preferencial do vídeo.
Com isso, já há dados suficientes para caracterizar a leitura na dimensão posição como
negociada. Os espectadores, a princípio, reconhecem e concordam com os argumentos
identificados no vídeo, mas criticam o modo como são apresentados, de maneira enfática e
sem contraponto.
Sequência cinco
Nesta parte final da discussão, as interações parecem ter se encaminhado para uma
espécie de avaliação final. Este momento não foi proposto pelo moderador, mas percebendo a
sua importância, aproveitou este acontecimento para sedimentar algumas conclusões
construídas ao longo da análise das sequências anteriores. O tema predominante neste trecho
134
final refere-se à resistência dos espectadores a um aspecto do significado preferencial, a
estereotipia na caracterização dos personagens. No quadro a seguir listamos os temas e as
respectivas ocorrências.
Quadro 13: Temas identificados na quinta sequência da discussão entre Professores.
TEMAS OCORRÊNCIAS
Resistem ao significado preferencial “estereotipado”
7
Identificação de temas do significado preferencial
1
Destacam possíveis consequências negativas do vídeo
1
Criticam a falta de profundidade dramática 1
Podemos notar que todos os temas se remetem diretamente às dimensões de leitura já
caracterizadas: alta discriminação, posição negociada e compreensão convergente. Destas
três, agora vamos nos deter um pouco mais na dimensão posição. Para isto, primeiramente
vamos observar a sequência da discussão no diagrama a seguir.
Figura 11 - Diagrama de surgimento de temas na quinta sequência de discussão entre professores
A discussão se inicia com a já comentada leitura de discriminação que se reporta à
pouca profundidade dramática do vídeo. Em seguida, o vídeo tem novamente seus "riscos"
135
destacados. Então é discutida a estereotipia dos personagens. No entanto, apesar de nas
primeiras sequências ela ter sido relacionada exclusivamente à dimensão discriminação,
agora, além da discriminação, é possível também tirar mais alguma conclusão sobre a
dimensão posição.
O vídeo tem suas possíveis consequências negativas comparadas a um medicamento
que possui diversos efeitos colaterais. Ou seja, ao passo que se "combate" um problema,
pode-se também gerar outros. Vejamos o trecho transcrito a seguir.
Mas você sabe que eu comparo um filme desse como um remédio com vários efeitos colaterais.
Esse é que é o problema. Você daí, você tem informações, é claro! Levanta questões de morte,
de relação... mas o efeito colateral... (Professor 6)
Qual é? Qual seria? (Professor 8)
Primeiro, estereotipia. Esse é o primeiro que aparece. Você tem o frio e o sensível. O certo e o
errado. De uma maneira maniqueísta... E o psiquiatra sempre bonzinho e sensível.
(Professor 6)
Então, inicialmente reconhecem que o vídeo pode ser válido na formação médica,
pode ser um remédio para alguns males que assolam esta formação. No entanto, a estereotipia
com que são caracterizados os personagens pode causar grandes efeitos colaterais. O
Professor 6 destaca que alguns riscos são compreender o psiquiatra sempre como o bonzinho
e estigmatizar a imagem do cirurgião como frio e com uma RMP ruim. O restante dos
participantes concordam com o argumento do Professor 6 e começam a citar exemplos de
médicos cirurgiões com excelente RMP. Citam também exemplos de momentos em que o
médico necessita não pensar muito no paciente como pessoa. Os Professores 4 e 7 citam
interessantes exemplos, transcritos nos trechos a seguir.
...eu tenho um grande amigo que é um excelente cirurgião, excelente clínico e ele fala
exatamente isso! É tem uma relação médica maravilhosa! Ele falou uma coisa assim: ele disse
assim pra mim: porque eu queria trazê-lo pra dar um depoimento pras turmas. Não vai dar
certo, porque eu vou dizer que na hora que eu olhar a barriga do Sr. Manoel inteirinha, eu vou
pegar uma faca e enfiar numa barriga inteirinha eu não posso me lembrar do Sr. Manoel!
(Professor 4).
Uma aluna, numa anamnese linda, que ela fez, no semestre retrasado, ela falou isso. Uma
paciente dela, tinha uma ligação fortíssima com a paciente, e ela gosta de cirurgia. Tinha
interesse! Aí foi assistir a cirurgia, qual foi o dilema dela? Ela esqueceu que aquela pessoa
era paciente. Entrou num conflito, depois, entrou num conflito que tinha esquecido! Olha que
interessante? Mas ela entrou em dilema, ela entrou em culpa depois! (Professor 7).
136
Uma das coisas que eu sempre digo, você tem que traçar seus mecanismos de defesa, pra
poder exercer a medicina! (Professor 5).
Diante da concordância geral com estes argumentos, os participantes nos indicam
resistência à caracterização do cirurgião como “frio”, bem como à caracterização da psiquiatra
como “a sensível”. E ressaltam a importância do médico possuir mecanismos de defesa para
poder exercer a medicina. A este respeito ainda podemos destacar mais uma fala do Professor
6.
O curioso, o que me chama atenção, que nesse estereótipo passa a Marta, sensível ao
psiquiatra, no entanto, ela fez a maior grosseria, atropelou, diagnosticou o cara de
hipocondríaco, isso é que é sensibilidade, heim? (Professor 6)
Esta resistência, além de apontar em direção da discriminação, também nos permite
reforçar a leitura do grupo na dimensão posição como negociada. Os participantes não
concordaram, entre outras coisas, com a caracterização estereotipada dos personagens
cirurgião e psiquiatra, nem compreenderam de forma totalmente oposta. Não concordaram
que isto seja uma regra e que portanto não pode ser entendido como representando a realidade
da prática médica. Citaram exemplos de cirurgiões que possuem excelente RMP, também
disseram que nem sempre é possível/preciso proceder com uma RMP excelente. Destacam
que o médico sempre precisa de mecanismos de defesa ao sofrimento do paciente.
Neste trecho final foi possível reforçar as caracterizações construídas ao longo das
análises de cada uma das sequências anteriores. O mais relevante foi poder aprofundar a
análise da dimensão posição. Nessa dimensão foi possível compreender que estes
espectadores concordam com os argumentos presentes nas falas dos personagens; resistem à
estereotipação com que estes personagens são caracterizados; e acham que não se deve
substituir uma ênfase aos aspectos biomédicos da prática médica por uma ênfase aos aspectos
relacionados à RMP mais humana. Trata-se de buscar equilíbrio entre a objetividade dos
procedimentos médicos e a subjetividade da atenção médica.
Deste modo podemos concluir que os participantes deste grupo podem ter
caracterizadas suas dimensões de compreensão como convergente, de discriminação como
alta e de posição como negociada. A dimensão de leitura compreensão foi convergente, não
abordaram de forma mais ampla as temáticas presentes no vídeo, mas compreenderam do que
se trata o vídeo, chegando em alguns momentos a discutirem alguns poucos temas com maior
profundidade. A dimensão de leitura discriminação foi caracterizada como distante e de não-
imersão. Esta dimensão atravessou toda a discussão, esteve bastante presente em todas as
137
sequências analisadas e foi influente em todas as outras dimensões de leituras caracterizadas.
Nela os espectadores se ressentiram da falta de naturalidade no desenvolvimento da história
apresentada e da falta de profundidade dramática da narrativa. A dimensão de leitura posição
foi caracterizada como negociada. Os espectadores concordaram com os argumentos
apresentados no vídeo, os consideraram relevantes, mas resistiram às generalizações e
estereotipações identificadas por eles no vídeo. Assim podemos supor que na dimensão de
implicação Avaliação, a leitura também foi negociada. Isto porque a disciplina Psicologia
Médica se constitui como uma "voz" contra-hegemônica no campo mais amplo da educação
médica. Então, se a leitura na dimensão posição é negociada em relação ao vídeo, que por sua
vez se opõe às bases hegemônicas na educação médica, a avaliação é portanto também
negociada. No entanto, estes dados são insuficientes para uma caracterização mais segura
desta dimensão.
5.2.2 Análise da recepção dos estudantes
5.2.2.1 Hábitos de consumo de mídia dos estudantes
Com a caracterização dos hábitos de consumo de mídia dos participantes do grupo de
discussão de alunos foi possível ter uma breve noção dos hábitos destes espectadores, no que
diz respeito aos objetivos do presente estudo. Entretanto, vale lembrar que esta caracterização
se trata de uma aproximação ao que estes sujeitos entendem e descrevem como seus hábitos, o
que nos impede de proceder com qualquer conclusão mais profunda ou ampla. Qualquer
conclusão deste tipo necessitaria de uma abordagem etnográfica complementar a
questionários mais abrangentes que os aplicados neste estudo.
O estudo foi realizado com a participação de nove estudantes, todas do sexo feminino,
com idade entre 20 e 22 anos. A maior parte das participantes declarou não possuir religião.
No gráfico a seguir podemos visualizar a distribuição das participantes por religião.
De acordo com o respondido no questionário, a mídia mais acessada pelas
participantes é a internet, seguida por
revistas se mostrou baixo.
acessam todos os dias. Seus temas de maior interesse são
Moda e Arte e Cultura. Religião
gráficos 10 e 11 estão representadas as frequências de acesso às mídias e os temas de maior
interesse.
Não possui
5 estudantes
Revistas
Internet
Rádio
Jornal Impresso
Televisão
Fre
qu
ên
cia
de
Au
diê
nci
a/A
cess
o
De acordo com o respondido no questionário, a mídia mais acessada pelas
, seguida por rádio e televisão. O acesso a jornais impressos
Todas acessam a internet mais de quatro vezes por semana, oito
acessam todos os dias. Seus temas de maior interesse são Medicina e Saúde
Arte e Cultura. Religião, política e economia foram os temas de menor interesse. Nos
estão representadas as frequências de acesso às mídias e os temas de maior
Católica
2 estudantes
Evangélica
1 estudante
Espiritismo
1 estudante
Não possui
5 estudantes
Gráfico 9: Religião dos participantes
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9
Revistas
Internet
Rádio
Jornal Impresso
Televisão
Número de Pessoas
Gráfico 10: Frequência de acesso aos meios de comunicação de massa por estudantes
138
De acordo com o respondido no questionário, a mídia mais acessada pelas
. O acesso a jornais impressos e a
Todas acessam a internet mais de quatro vezes por semana, oito
Medicina e Saúde, seguido por
foram os temas de menor interesse. Nos
estão representadas as frequências de acesso às mídias e os temas de maior
Católica
2 estudantes
Evangélica
1 estudante
Todos os dias
Entre 4 e 6 dias por
semanaEntre 1 e 3 dias na
semanaAlgumas vezes por mês
Nunca
Todas as participantes gostam de assistir a filmes e
respostas, recentemente assistiram mais filmes dos gêneros
Científica, seguidos pelos gêneros
mais citados foram Rei Leão 3D
adentro, exibido nas aulas de Psicologia Médica, que também obteve certa recorrência.
Quando foi perguntado quais foram os filmes mais marcantes que haviam assistido, os filmes
do gênero Drama foram os mais citados. O título de filme
Preconceito do gênero romance.
fílmicos recentes e os gêneros fílmicos marcantes com suas respectivas ocorrências.
0 1
Religião
Economia
Moda
Meio Ambiente
Esportes
Ciência e …
Medicina e Saúde
Arte e Cultura
Política
Te
ma
s d
e I
nte
ress
e
Gráfico 11: Temas de Interesse de estudantes
Aventura / Ação / Fic. Científica
Gê
ne
ro F
ílm
ico
Gráfico 12: Gêneros Filmicos assistidos recentemente por estudantes
Todas as participantes gostam de assistir a filmes e vídeos. De acordo com as
respostas, recentemente assistiram mais filmes dos gêneros Ação/Aventura e Ficção
seguidos pelos gêneros Drama e Animação. Os títulos assistidos recentemente
Rei Leão 3D e Capitão América. Também vale
, exibido nas aulas de Psicologia Médica, que também obteve certa recorrência.
Quando foi perguntado quais foram os filmes mais marcantes que haviam assistido, os filmes
foram os mais citados. O título de filme mais citado foi
romance. Os gráficos 12 e 13 apresentam comparação entre gêneros
fílmicos recentes e os gêneros fílmicos marcantes com suas respectivas ocorrências.
2 3 4 5 6 7 8 9
Número de Pessoas
Gráfico 11: Temas de Interesse de estudantes
Muito Interesse
Médio Interesse
Pouco Interesse
Nenhum Interesse
Não sei
0 5 10
Séries de TV
Drama
Comédia
Aventura / Ação / Fic. Científica
Animação
Número de Filmes
Gráfico 12: Gêneros Filmicos assistidos recentemente por estudantes
139
vídeos. De acordo com as
Ação/Aventura e Ficção
Os títulos assistidos recentemente
destacar o filme Mar
, exibido nas aulas de Psicologia Médica, que também obteve certa recorrência.
Quando foi perguntado quais foram os filmes mais marcantes que haviam assistido, os filmes
mais citado foi Orgulho e
apresentam comparação entre gêneros
fílmicos recentes e os gêneros fílmicos marcantes com suas respectivas ocorrências.
Muito Interesse
Médio Interesse
Pouco Interesse
Nenhum Interesse
Não sei
15 20
Número de Filmes
Gráfico 12: Gêneros Filmicos assistidos recentemente por estudantes
Este dado indica que estas espectadoras recentemente buscaram assistir filmes que
lhes permitissem vivenciar aventuras. No entanto, quando o assunto foi filmes marcantes, o
gênero Drama foi o mais recorrente. Esta busca por experienciação de conflitos e
complexidades afetivas e emocionais, que caracterizam o
certa medida nas ocorrências do gênero
que estas espectadoras assistem a vídeos/filmes com a expectativa de vivenciar
afetividades, ou seja, os filmes funcionam como um dispositivo de experienciação da
realidade, bem como modo de refletir sobre ela.
Seis das nove participantes afirmaram ter o costume de assistir vídeos/filmes em sala
de aula. Mar adentro foi o título mais citado entre os filmes assistidos em sala de aula. Das
nove participantes, sete acreditam que os vídeos/filmes, exibidos na sala de aula, podem
contribuir para sua formação médica. Duas responderam
que os vídeos/filmes permitem vivenciar situações e provocar reflexão e discussão sobre os
temas relacionados principalmente à RMP e ética médica, majoritariamente no âmbito da
disciplina Psicologia Médica.
Diante disso, podemos compreender que as participantes,
feminino e sem religião, mais frequentemente acessam a internet e tem maior interesse pelos
temas: medicina e saúde, moda
vivenciar aventuras e experienciar afetividades.
mas foram os Dramas que mais as marcaram. Além disso, estas estudantes acreditam que os
filmes/vídeos podem contribuir para sua formação na medicina por, no âmbito da Psicologia
Médica, permitirem vivenciar situaç
relacionados aos aspectos subjetivos da prática médica (especialmente RMP e ética médica).
Aventura / Ação / Fic. Científica
Gê
ne
ro F
ílm
ico
Gráfico 13: Gêneros Filmicos mais marcantes para os estudantes
Este dado indica que estas espectadoras recentemente buscaram assistir filmes que
permitissem vivenciar aventuras. No entanto, quando o assunto foi filmes marcantes, o
foi o mais recorrente. Esta busca por experienciação de conflitos e
mplexidades afetivas e emocionais, que caracterizam o Drama, também pode ser notada em
certa medida nas ocorrências do gênero Romance. De modo geral, estes dados são indícios de
que estas espectadoras assistem a vídeos/filmes com a expectativa de vivenciar
afetividades, ou seja, os filmes funcionam como um dispositivo de experienciação da
realidade, bem como modo de refletir sobre ela.
Seis das nove participantes afirmaram ter o costume de assistir vídeos/filmes em sala
o título mais citado entre os filmes assistidos em sala de aula. Das
nove participantes, sete acreditam que os vídeos/filmes, exibidos na sala de aula, podem
contribuir para sua formação médica. Duas responderam talvez. De modo geral elas acreditam
vídeos/filmes permitem vivenciar situações e provocar reflexão e discussão sobre os
temas relacionados principalmente à RMP e ética médica, majoritariamente no âmbito da
disciplina Psicologia Médica.
Diante disso, podemos compreender que as participantes, em sua maioria, do sexo
feminino e sem religião, mais frequentemente acessam a internet e tem maior interesse pelos
medicina e saúde, moda e arte e cultura. Usualmente assistem a filmes como meio de
vivenciar aventuras e experienciar afetividades. Recentemente assistiram mais as
que mais as marcaram. Além disso, estas estudantes acreditam que os
filmes/vídeos podem contribuir para sua formação na medicina por, no âmbito da Psicologia
Médica, permitirem vivenciar situações, provocar reflexão e discussão para temas
relacionados aos aspectos subjetivos da prática médica (especialmente RMP e ética médica).
0 5 10 15
Romance
Animação
Aventura / Ação / Fic. Científica
Comédia
Drama
Número de Filmes
Gráfico 13: Gêneros Filmicos mais marcantes para os estudantes
140
Este dado indica que estas espectadoras recentemente buscaram assistir filmes que
permitissem vivenciar aventuras. No entanto, quando o assunto foi filmes marcantes, o
foi o mais recorrente. Esta busca por experienciação de conflitos e
também pode ser notada em
. De modo geral, estes dados são indícios de
que estas espectadoras assistem a vídeos/filmes com a expectativa de vivenciar aventuras e
afetividades, ou seja, os filmes funcionam como um dispositivo de experienciação da
Seis das nove participantes afirmaram ter o costume de assistir vídeos/filmes em sala
o título mais citado entre os filmes assistidos em sala de aula. Das
nove participantes, sete acreditam que os vídeos/filmes, exibidos na sala de aula, podem
De modo geral elas acreditam
vídeos/filmes permitem vivenciar situações e provocar reflexão e discussão sobre os
temas relacionados principalmente à RMP e ética médica, majoritariamente no âmbito da
em sua maioria, do sexo
feminino e sem religião, mais frequentemente acessam a internet e tem maior interesse pelos
Usualmente assistem a filmes como meio de
Recentemente assistiram mais as aventuras,
que mais as marcaram. Além disso, estas estudantes acreditam que os
filmes/vídeos podem contribuir para sua formação na medicina por, no âmbito da Psicologia
ões, provocar reflexão e discussão para temas
relacionados aos aspectos subjetivos da prática médica (especialmente RMP e ética médica).
20 25 30
Número de Filmes
Gráfico 13: Gêneros Filmicos mais marcantes para os estudantes
141
5.2.2.2 Recepção do vídeo
A leitura flutuante das transcrições nos levou à hipótese de que o vídeo Lição de
Anatomia sofreu resistência por parte dos espectadores, principalmente em relação à sua
linguagem. As participantes inicialmente não desenvolviam uma discussão mais profunda,
apesar dos esforços do moderador em motivá-las. Este grupo de discussão durou cerca de 20
minutos. Após esta análise preliminar da discussão, foi possível dividi-la em cinco partes,
cinco sequências, nas quais foi possível discutir alguns pontos com maior atenção. Na
primeira sequência da discussão, as participantes falaram brevemente da trama do vídeo como
um todo e já começaram a identificar nele alguns temas/conflitos abordados nas aulas de
Psicologia Médica. Na segunda sequência, a discussão deu maior foco a como estes temas são
abordados na formação/prática médica. Na terceira sequência, as participantes analisaram os
personagens e suas condutas. Na quarta sequência, sob um viés mais marcadamente subjetivo,
ainda com foco nos personagens, as participantes expressaram eventuais identificações com
os personagens do vídeo. Na quinta e última sequência, abordaram os aspectos formais e
recursos estéticos do vídeo, propondo possíveis mudanças. Nos parágrafos a seguir,
trataremos da análise de cada uma dessas cinco sequências.
Primeira sequência
Nesta primeira parte do grupo de discussão, as participantes foram solicitadas a dizer o
que compreenderam do vídeo e do que ele tratava. A análise temática das repostas e
consequentes interações, de modo geral, mostrou que o tema RMP foi o que mais vezes esteve
presente nas falas das participantes. Outros temas relacionados indiretamente com a RMP,
como a questão do envolvimento do médico com o sofrimento do paciente, a crítica a
atendimentos não pautados por princípios humanos, as relações entre diferentes
especializações médicas e distintos modos de RMP também tiveram alta ocorrência. Com
exceção do tema "Comunicação de más notícias", que não estava previsto na produção do
vídeo, todos os temas identificados podem ser compreendidos como componentes das leituras
esperadas pelos produtores do vídeo. No quadro a seguir, estão listados os temas identificados
e suas respectivas ocorrências.
142
Quadro 14: Temas identificados na primeira sequência da discussão entre Estudantes.
Temas Ocorrências
RMP 5
Envolvimento com o sofrimento do paciente 4
Desumanização do atendimento 4
Especialização/RMP 3
Morte 2
Psicologia Médica/Psiquiatria 2
Comunicação de más-notícias 1
Drama/sinopse 1
Influência das Aulas de Anatomia na form. médica 1
Na figura a seguir, pode-se observar a sequência de surgimento dos principais temas
identificados.
Figura 12 - Diagrama de surgimento de temas na primeira sequência de discussão entre estudantes
Como é possível observar no esquema acima, a discussão parte de uma referência
imediata à sinopse da história abordada pelo vídeo. Os temas se sucederam em direção aos
que mais especificamente compõem o significado preferencial do vídeo, culminando com o
tema "influências das aulas de anatomia da formação médica". Do sexto ao último, são
143
relacionados os principais temas ligados diretamente ao significado preferencial identificado
no estudo da produção do vídeo. Assim, parece que as participantes, por meio das interações
durante a discussão, passaram de uma compreensão mais superficial do vídeo, expressa pela
sua sinopse, perpassaram os assuntos ligados à subjetividade no âmbito do atendimento
médico (das RMP), os mecanismos de defesa dos médicos mediante os traumas da prática
médica, chegando a reflexões sobre as influências das aulas de anatomia na formação dos
profissionais em medicina.
A discussão parece ter atingido as expectativas dos produtores do vídeo, exceto pela
falta de menção ao tema que se relacionasse especificamente com "o contato com o cadáver
na formação médica como gerador de traumas". No entanto, podemos subentendê-lo como
inserido na última categoria temática da sequência, "influências das aulas de anatomia da
formação médica". Isso nos leva a crer que, na dimensão compreensão, a leitura foi
completamente convergente, ou seja, a leitura preferencial foi bastante próxima do
significado preferencial.
Isso também poder ser evidenciado pelas falas destacadas a seguir.
O vídeo mostra o reencontro de médicos de alguns anos depois de sua formatura e aí cada um fica falando de como é a personalidade do outro, de como evoluiu a vida deles e tal. E assim, no final eles têm um clima tenso que deixa os médicos, é..., assim discordam em relação ao tratamento... ao envolvimento do médico que tem que ter com o paciente, tratamento, enfim, e aí acaba; resumindo ... (Aluna 1). Acho que mais que isso, também tenta mostrar a relação médico – paciente, e outros assuntos ai que a psiquiatria, que a gente na aula de psicologia tenta abordar... acho que mais que um encontro só de colegas... (Aluna 5). A proteção do médico com a própria profissão, de se proteger contra o envolvimento que pode sofrer... como ela falou, cada um se protege de um modo (se refere a especialização) (Aluna 9).
A Aluna 1 começa falando sobre a história apresentada no vídeo e começa a identificar
alguns temas. A Aluna 5 amplia a identificação de temas e afirma que o vídeo trata mais do
que da história em si, e relaciona os temas identificados com a disciplina Psicologia Médica.
A Aluna 9 dá prosseguimento à discussão e começa a abordar a dimensão mais subjetiva da
prática médica e da formação médica, e principalmente das RMP.
Quando solicitadas a citar que conflitos poderiam ser identificados na história do vídeo
em questão, as alunas começaram a enumerá-los, de modo pouco interativo, apenas foram
uma após a outra destacando os conflitos, sem hesitar.
Morte! (Aluna 9). A relação do médico com o paciente. (Aluna 2) O grau de envolvimento. (Aluna 9)
144
A questão o quanto a anatomia é decisiva ou não pra formação médica do individuo (Aluna 9).
Ao ser dito este último enunciado, as participantes ainda tentam desenvolver mais
algum tema, mas são tomadas uma a uma pelo silêncio. O moderador, notando a saturação
dessa parte da discussão, passa para a próxima questão.
Desta forma, com base nessa primeira parte do grupo de discussão, é possível afirmar
que as leituras das participantes, de modo geral, apresentaram alto grau de convergência com
o significado preferencial, na dimensão de compreensão. As alunas compreenderam bem a
história e identificaram os temas esperados pelos produtores do vídeo.
Segunda sequência
Na segunda parte do grupo de discussão, as participantes foram questionadas se
acreditavam que as situações/questões identificadas por elas no vídeo correspondiam à
realidade da prática médica. Inicialmente, houve pronta concordância que estas questões
faziam parte da realidade da prática médica, mas no decorrer da discussão as participantes
discordaram. De modo geral, os temas presentes nesta parte do grupo de discussão passaram
principalmente pela presença ou não de discussão sobre aspectos ligados a RMP na formação
médica e sobre como a rotina de atendimento leva à desumanização e mecanização do
atendimento. Além disso, também fizeram parte dos temas identificados questões ligadas à
relação com a família do paciente, a morte e as influências das diferentes experiências
subjetivas na prática médica. No quadro a seguir listamos os temas identificados e as
respectivas ocorrências.
Quadro 15: Temas identificados na segunda sequência da discussão entre Estudantes.
Temas Ocorrências
Discussão na formação médica de temas ligados à RMP
2
Desumanização e Mecanização do atendimento
2
Relação com a família do paciente 1
Morte 1
Influência de diferentes subjetividades e experiências na prática médica
1
145
É importante ressaltar que os dois temas de maior ocorrência agrupam dois temas
discordantes. Ou seja, uma participante acredita que os temas relacionados à RMP não são
discutidos na formação médica, enquanto outra acredita que sim. Discordância semelhante
ocorreu na discussão sobre a prática de atendimento humanizado/mecanizado. Na figura a
seguir, o esquema permite observar melhor a sequência interativa.
Figura 13 - Diagrama de surgimento de temas na segunda sequência de discussão entre estudantes
Como mostra o esquema, inicialmente as participantes concordam e parte das
participantes segue destacando a insuficiência/ausência de discussões sobre aspectos da RMP
na formação médica e da desumanização e mecanização do atendimento médico. Em seguida
outras participantes começam a confabular e passam a discordar do que estava sendo
afirmado. A seguir destacamos algumas falas dessa discordância.
Ah... com o pouco contato assim... que a gente tá começando a entrar na enfermaria agora, dá pra perceber que realmente não é muito discutida essa questão da morte, a questão da, ah..., sei lá, do bem estar do paciente sem ser medicação. Ah, toma isso para ficar melhor, não é só entre remédio-solução, sempre é primeiro uma solução, nunca é conversa... essa questão fica meio de lado. (Aluna 9) A mecanização da medicina também. Que... Lá na enfermaria, aquela rotina que tem que ser cumprida, naquele determinado horário, então a gente tem que correr, não pode passar da hora. Então, se você quiser, ter ali um momento mais íntimo com o seu paciente, às vezes não dá tempo, tem que fazer o exame que ali sistematicamente. (Aluna 9) Não, que ela (Aluna 4) estava comentando que na nossa enfermaria a gente não vê muito isso. A gente discute bem os casos, conversam com os pacientes... não é muito mecanizado não. (Aluna 3) ...é geralmente eles falam... discutem... (Aluna 3)
A Aluna 9 relata a sua experiência de recente "entrada" na enfermaria e afirma que
neste ambiente ela não encontrou uma discussão a cerca da RMP e de outras questões
relacionadas à subjetividade no atendimento. Em seguida, ela complementa dizendo que a
146
rotina imposta na enfermaria, a sistematização do atendimento, o pouco tempo e o grande
número de pacientes a serem atendidos dificultam ainda mais o desenvolvimento de uma
RMP satisfatória. Neste momento a Aluna 3, que estava cochichando com a Aluna 4, toma a
palavra, discorda das colegas e afirma que em sua prática na enfermaria os temas são
discutidos, que a rotina de atendimento não é mecanizada. Por isso, ela não acredita que a
rotina imposta pelos serviços de atendimento seja complicador da RMP, e que há tempo para
conversar com os pacientes.
Diante do impasse e do silêncio que se instaurou após esta discordância, o moderador
procura compreendê-la e questiona as participantes, que prontamente respondem que elas
pertencem a turmas diferentes. Observando a importância dada a estes dois temas na
discussão, o moderador busca saber se as participantes consideravam importante a presença
dessa discussão na formação médica. Todas participantes respondem positivamente a
indagação do moderador. Para se certificar, o moderador pergunta se os conflitos
identificados deveriam fazer parte da prática médica, e se sim, como deveriam ser tratados. As
participantes expressam acreditar que estes conflitos são inerentes à prática médica e
necessários à formação médica.
Acho que nunca, não vai deixar de ter um conflito relacionado com a morte, assim em relação ao... Acho que não vai deixar porque é um o desconhecido para todo mundo que... acho que nunca vai ser uma situação super confortável... "Ah, é normal", certeza de que todos vamos morrer "Ok!", não que isso... Ninguém fica confortável com isso! (Aluna 3) Quando é um tema subjetivo, parte da sua experiência de vida também, que varia muito de individuo para individuo. Que nós temos em comum é um aprendizado prático assim, mas agora quando entra nessas questões subjetivas, ai entra nas discussões justamente por isso... Cada um tem a sua opinião, às vezes tem uma religião que influencia nessa opinião... tem uma vivência, uma experiência diferente do conhecimento... (Aluna 9)
Nos trechos destacados, podemos observar que a Aluna 3 acredita que estes conflitos
nunca deixarão de existir e nem serão completamente superados, diante do desconhecido que
a morte significa. A Aluna 9 complementa ao ponderar que a formação prática dos médicos é
de certa forma padronizada, mas que a formação da subjetividade atuante na prática médica
ocorre também com contexto mais amplo da vida e das experiências dos estudantes, citando
como exemplo a religião como também formadora desta subjetividade. Isto é interessante,
pois a Aluna 9 afirmou ser de religião espírita e a Aluna 3, não ter religião. Provavelmente a
Aluna 9 estava respondendo à Aluna 3, que acabara de abordar o tema morte, e
consequentemente "insinuar" sua compreensão do que é morte. Assim, estes indícios nos
levam a crer que provavelmente as participantes se referiam também às diferentes formas de
compreensão da morte pautadas por suas experiências de vida de modo mais amplo.
147
Podemos considerar que, apesar das participantes não concordarem com os
argumentos apresentados no vídeo sobre na formação em medicina não serem discutidas
suficientemente as questões relacionadas à RMP, as participantes acreditam que seja de
grande importância e necessário que estas discussões façam parte da formação do profissional
de medicina. Também abordaram, ainda que brevemente, questões relacionadas à morte e a
relação do médico com a família do paciente.
A princípio, com a análise desta parte da discussão, podemos afirmar que a dimensão
posição é negociada. As participantes não expressam estarem completamente de acordo com a
forma como o vídeo apresenta a formação médica como produtora de angústias e formadora
de médicos que procedem com atendimento desumano e mecanizado. De fato houve uma
discordância entre as próprias participantes. Nas próximas sequências buscaremos
complementar este entendimento.
Terceira sequência
Na terceira parte da discussão, as alunas foram solicitadas a dizer com que
atitudes/argumentos de quais personagens elas mais concordavam. De modo geral as
participantes ironizaram e destacaram a esterotipação e polarização com que os personagens
foram caracterizados, o que pode ter dificultado a plena concordância de algumas
participantes com as atitudes e argumentos dos personagens. Os principais temas identificados
nesta sequência foram:
148
Quadro 16: Temas identificados na terceira sequência da discussão entre Estudantes.
Temas Observações Ocorrências
Discordam das atitudes do "Cirurgião"
Exagerado, desequilibrado e desenvolve RMP desumana e com pouco envolvimento.
4
Sem concordância plena com as atitudes de um dos personagens
Polarização e estereotipação dos personagens
3
Concordam com as atitudes da "Psiquiatra"
Concordam plenamente. 3
Coadjuvantes são indiferentes
Fogem do conflito/discussão e pouco acrescentam à trama.
2
Apesar da expectativa dos produtores se enveredar pela concordância com as atitudes
da personagem psiquiatra (Marta), o tema mais recorrente foi a crítica às atitudes do
personagem cirurgião (Guilherme). Em segundo lugar, com a mesma frequência, a
concordância com as atitudes da personagem psiquiatra e a resistência à concordância plena
com um dos personagens. Outro tema identificado aponta para os "personagens coadjuvantes"
como pouco relevantes para o desenrolar da trama. Percebendo a relação entre estes temas e
ocorrências, podemos supor que a discordância talvez tenha sido uma postura mais recorrente
entre as participantes/espectadoras. Elas discordam do cirurgião, "não-concordam" com
nenhum dos personagens e ainda estão atentas à presença indiferente dos personagens
coadjuvantes para o resultado final da obra. As participantes adotam em sua maior parte uma
postura mais crítica em relação às atitudes/argumentos dos personagens. Não concordaram e
nem discordaram plenamente. No esquema a seguir foi representado o desenrolar da discussão
e a possível postura crítica que atravessa todo o debate.
149
Figura 14 - Diagrama de surgimento de temas na terceira sequência de discussão entre estudantes
Inicialmente, em meio a risos e ironias, o foco da discussão recai sobre a forma
exagerada como os personagens foram construídos. A resistência aos personagens é explícita.
Em seguida as participantes afirmam a dificuldade em concordar com um dos personagens,
em especial com o cirurgião.
Então... [risos]... Tem um que está muito revoltado ... [risos] (Aluna 3) Está de mal com a vida... Acho que ele precisa de um tratamento... [risos] (Aluna 2) Acho que eu não sei se concordo totalmente com um deles. (Aluna 9)
Apesar de afirmarem não ser fácil concordar com um dos personagens, afirmam que
concordam mais com os argumentos/atitudes da personagem psiquiatra do que com os do
personagem cirurgião. Buscam criticar o cirurgião tentando parafrasear algumas de suas falas.
Então concordo totalmente com a psiquiatra... Mas acho que a maioria discordou dele porque ele era muito... Não ligava muito para o paciente, pelo que ele mostrou, ah... "-Eu faço o que tenho que fazer, eu dou o remédio, ele fica curado!", aí fica mais acessível, o estado emocional para ele não influencia... É com esse que eu discordei. Não liga muito para o paciente (Aluna 5). Ah porque mesmo ele sendo um cirurgião, ele podia se importar... Ah, tipo... "- Acho certo os clínicos verem isso". Mas ele meio que acha não tem que se envolver... (Aluna 3)
Ressaltam que para o personagem cirurgião não há importância alguma o estado
emocional do paciente, e que por isso ele não liga para o paciente. No entanto, afirmam que
não necessariamente os cirurgiões deveriam se importar tanto com estes aspectos subjetivos
da RMP, mas que eles deveriam ao menos reconhecer a importância da atenção a esta
150
problemática da RMP. Assim, destacam que o personagem cirurgião foi tratado de modo
bastante estereotipado, e então ponderam que os personagens ocupam posições bastante
polarizadas.
Acho que são dois estilos extremos assim. Porque assim, uma é muito certinha, tudo que ela fala é muito difícil para ele por em prática e, que o outro, o cirurgião, por exemplo, é o extremo do que a gente não deseja... (Aluna 9)
A Aluna 9 destaca que os dois personagens representam polos. A psiquiatra que é
muito correta em suas colocações, quase perfeita, e por isso difícil de colocar em prática. Já o
cirurgião que representa o tipo extremo de médico não despende atenção ao desenvolvimento
de uma RMP satisfatória e de um atendimento mais humanizado. A aluna então rejeita o ideal
de uma RMP perfeita por não acreditar ser possível praticá-la, e rejeita também a total falta de
preocupação e cuidado com estas questões. No trecho a seguir podemos observar que a Aluna
3 também concorda com este posicionamento.
É porque uma coisa que você falou tava certa. Se você parar para avaliar todo estado emocional do paciente, você vai ficar horas numa consulta com um paciente. Não tem como fazer isso no dia-a-dia. Tem que ser meio termo... (Aluna 3)
A Aluna 3 neste ponto concorda com o argumento do cirurgião segundo o qual seria
inviável, por conta do tempo gasto, o atendimento mais completo em que se considerasse todo
o aspecto emocional do paciente. Acredita que na rotina médica tem que se buscar o meio
termo, ou seja, uma produtividade satisfatória sem comprometer uma atenção que seja
mínima aos aspectos subjetivos da relação médico paciente.
No trecho final desta sequência, as participantes terminam por afirmar que os
personagens coadjuvantes não acrescentam muito à trama, e seguem parafraseando de forma
irônica algumas falas destes personagens.
É, os outros estavam meio (Aluna 3)... [todas riem] "- Vamos tomar um drink..." (Aluna 4) "- Meu filho está fazendo medicina..." (Aluna 2) [todas riem]
Como já dito acima, as estudantes mantiveram postura crítica em relação aos
argumentos dos personagens e a forma como estes foram construídos e representados.
Principalmente, rejeitaram as atitudes e alguns argumentos do personagem cirurgião ou não
concordaram completamente com os argumentos de um dos personagens. Resistiram à
estereotipação dos personagens e criticaram a polarização da discussão entre a psiquiatra
caracterizada como “quase perfeita” e o cirurgião dotado de muitos defeitos em sua prática
médica.
151
Desta sequência podemos notar as alunas leram criticamente os argumentos
defendidos pelos personagens. Apesar da maior concordância com os argumentos e atitudes
da psiquiatra, as participantes não conseguiram concordar plenamente com ela, como também
não conseguiram rejeitar completamente os argumentos do cirurgião. Esta postura das
espectadoras reforça que a dimensão posição foi negociada, como a sequência anterior já
começava a indicar.
Esta sequência também nos permite observar que as participantes estavam em certa
medida conscientes da construção da linguagem do vídeo, das escolhas dos recursos estéticos
e, principalmente, de linguagem. Isto foi especialmente observável na crítica à polarização da
discussão entre os dois personagens estereotipados e da descrição dos personagens
coadjuvantes como estando fora da trama principal do vídeo. Isso nos permite começar a crer
que houve um distanciamento crítico em relação à linguagem do vídeo. Desta forma, a
dimensão discriminação teria no eixo distanciamento uma leitura tendendo a distanciada. Já
quanto ao eixo imersão, ainda não é possível concluir nada. Nas próximas sequencias
buscaremos compreender melhor a leitura nesta dimensão, e melhor caracterizá-la.
Quarta sequência
Nesta parte, buscamos saber com qual personagem as participantes mais se
identificaram. Ao se considerar as respostas dadas à questão anterior, analisadas na terceira
sequência, as respostas tenderiam a se concentrar na maior identificação com os personagens
"mais protagonistas" da história. Isto não ocorreu. Nesta sequência, os participantes se
voltaram mais para uma comparação entre as características de personalidade e
comportamento dos personagens e as suas próprias, ainda que estas características não
representassem aquilo que eles consideram como ideal no campo da prática médica. Houve
pouca discussão nesta parte. Na verdade, o moderador necessitou questionar as participantes
uma a uma. Por este motivo, esta parte da discussão não terá sua sequência analisada, já que
ela foi quase completamente dirigida pelo moderador.
No quadro a seguir estão dispostas as formas com que as participantes se referiram aos
personagens, o nome dos personagens, as características que foram atribuídas aos personagens
indicados e a quantidade de identificações ocorridas em relação a cada personagem.
152
Quadro 17: Temas identificados na quarta sequência da discussão entre Estudantes.
Temas Personagem Caracterizações Ocorrências
"Loirinha de olhos azuis"
Maria Equilibrada, consciente da questão discutida, mas evitou entrar na discussão.
4
"carequinha engraçado que pede whisky"
Alfredo Equilibrado, tem bom-humor, bons argumentos, reflexivo e ponderado, e mostrou-se bastante "humano".
4
A Psiquiatra Marta "Cabeça dura" e "fala o que pensa".
3
Como podemos observar, a identificação foi com os personagens coadjuvantes
Alfredo e Maria. Essa identificação foi justificada pelos participantes por conta do maior
equilíbrio, consciência e ponderação demonstrada por estes personagens em seus
posicionamentos e atitudes.
Eu me identifico com o gordinho careca que pediu o whisky [Alfredo]... fica levando na esportiva. (Aluna 2) ... ele [Alfredo] é meio termo assim. Ele pondera as coisas. É diferente com o resto ... (Aluna 8) A outra mulher da mesa... A loira [Maria]... porque ela também ela estava ali no meio... mais tranquila... é porque ela pensava sobre tudo o que estava sendo falado, e não entrava em discussão. (Aluna 5)
Esses personagens participavam da discussão, no entanto, se mostravam mais flexíveis
e questionadores. Ao contrário, os personagens protagonistas demonstraram um
posicionamento mais firme na forte defesa de seus argumentos. Três participantes afirmaram
se identificar mais com a personagem psiquiatra (Marta). No entanto, se a identificação com
os personagens coadjuvantes versou sobre as características e atitudes destes, a justificativa da
identificação com a psiquiatra se voltou mais para aspectos da personalidade, como
exemplificam os trechos a seguir.
Assim, eu sou mais cabeça dura. Então, ou com o revoltado ou com a outra (refere – se ao cirurgião e à psiquiatra)... Mais para a psiquiatra... (Aluna 3) Ah, acho que com a psiquiatra ... Por que eu falo o que eu penso... o mesmo que ela...Ela falou as verdade para o cirurgião. (Aluna 9)
A maior identificação com os personagens coadjuvantes, justificada pelo modo
equilibrado sem a perda do poder crítico e reflexivo na participação da discussão, nos permite
153
reforçar que a leitura na dimensão posição foi negociada. Esta identificação por si só não seria
o suficiente para caracterizar a leitura nessa dimensão, no entanto ela permite reforçar as
caracterizações feitas nas sequências anteriores.
Quinta sequência
Nesta parte da discussão a dimensão discriminação foi mais facilmente notada. Como
a terceira sequencia já dava indícios, na dimensão discriminação, no eixo imersão as
espectadoras não imergiram e, principalmente, no eixo distanciamento, leram com
distanciamento crítico. As participantes foram solicitadas a dizer o que modificariam no
vídeo, se fossem convidados a refazê-lo. Falta de verossimilhança, personagens
estereotipados, excesso de ênfase na discussão, polarização das posições defendidas na
discussão e a qualidade dos atores foram criticados. Ainda foram sugeridas mudanças no
contexto da história e a permanência do "final em aberto". No quadro a seguir estão dispostos
os principais temas identificados e suas respectivas ocorrências.
Quadro 18: Temas identificados na quinta sequência da discussão entre Estudantes.
Temas Ocorrências
História seria mais verossímil 14
Mudança de cenário/contexto 5
Personagens menos estereotipados
4
Final em aberto 2
Menos ênfase na discussão 1
Discussão menos polarizada 1
Atores ruins 1
Como podemos observar, predominaram as críticas voltadas à pouca verossimilhança.
Quase todas as participantes fizeram críticas à verossimilhança do vídeo. Essa crítica também
perpassou outros temas, como a necessidade de mudança de cenário, a estereotipação dos
personagens, a discussão menos enfática e polarizada. Além disso também foram criticados
atores e cenário. A maior parte das críticas se concentraram na história que se passa no vídeo.
Na figura a seguir é possível observar a sequencia de surgimento deste temas.
154
Figura 15 - Diagrama de surgimento de temas na quinta sequência de discussão entre estudantes
Como representado no esquema acima, o debate é iniciado com criticas à ênfase dada à
discussão e à estereotipação dos personagens. Depois, as participantes seguem apontando
diversos aspectos que comprometem a verossimilhança da história. De maneira irônica, as
alunas afirmam que o final aberto ficou bom, embora esta afirmação não tenha soado
convincente. Criticam a técnica dos atores, mas ponderam que talvez a artificialidade esteja na
história, na maneira como ela foi escrita. Diante disso, propõem mudanças no
contexto/cenário em que se desenrola a história, a própria situação de reencontro, e sugerem
que a história se passe em um ambiente hospitalar. Além disso, criticam a forma como os
personagens na história reagem à morte de seu amigo (Eduardo).
A crítica predominante na sequência 5, a pouca verossimilhança da história do vídeo,
totaliza 14 ocorrências. Na maioria dos trechos identificados as participantes faziam tais
críticas em tom de ironia e em meio a risos. No trecho a seguir destacamos alguns exemplos.
É. Ficou ali a discussão o tempo todo, só da medicina, mas na realidade não é assim. Entra outros assuntos no meio também.... outros eventos. (Aluna 9) Esqueceram até do amigo que tinha morrido [risos]... (Aluna 2) É o pessoal superou rápido a morte dele [risos]... (Aluna 1) É! Para comemorar! [risos] (Aluna 3)
No trecho acima, é possível observar que a insensibilidade demonstrada pelos
personagens na “fácil superação” da má-notícia recém recebida é um exemplo das críticas
155
feitas à verossimilhança do vídeo. Ou seja, as participantes resistem a este trecho do vídeo
como um discurso que versa sobre a realidade.
No trecho a seguir também é possível observar a resistência à falta de verossimilhança
na leitura das espectadoras.
... é um pouco forçado, porque se você olhar a situação na vida real, a conversa não vai só para o lado da medicina, tenta escapar o máximo da medicina e, não fica assim essa agressividade tão grande, mesmo que desde a faculdade, desde cedo, as pessoas não se dessem bem, elas não agiriam daquela forma. (Aluna 1) Ainda mais que é um reencontro de amigos. (Aluna 9) Depois de tanto tempo, se o cara não tivesse uma boa relação na faculdade não haveria um reencontro... (Aluna 2)
No trecho acima a Aluna 1 ressalta que a história não é verossímil e que numa situação
real a discussão não seria apenas sobre medicina. Também afirma que os colegas não se
tratariam com tanta agressividade em um reencontro. As Alunas 2 e 9 concordam com a
Aluna 1.
A qualidade técnica dos atores também foi criticada. No entanto, houve uma
ponderação que talvez a artificialidade com que estes encenavam se devesse a alguma
artificialidade no próprio roteiro. Isto reforça a percepção de falta de verossimilhança na
história. A fala transcrita a seguir exemplifica a artificialização apontada pelas participantes.
Tipo assim: "hoje deveríamos conversar mais sobre a morte" [imita uma fala de modo irônico e caricato] (Aluna 3).
Foram propostas mudanças no cenário/contexto em que ocorre a história. As
participantes sugeriram que o cenário hospitalar talvez fosse mais adequado, possivelmente
uma sala de médicos ou local de atendimento.
Eu acho que o vídeo se passaria em uma outra situação, e não um reencontro.
(Aluna 3)
Talvez uma discussão dentro de um hospital. (Aluna 1)
Dentro de um hospital... (Aluna 2)
Dentro da sala dos médicos, uma conduta médica... (Aluna 9) Ou mesmo uma conversa, mas dentro do ambiente hospitalar. Aí poderiam surgir esses assuntos, mas depois de uma situação especial... (Aluna 1) Uma seção... (Aluna 4)
As Alunas 1 e 2 sugerem que o cenário fosse mais adequado a uma "situação médica",
um hospital. A Aluna 2 também acredita que a história devesse acontecer em um hospital. A
Aluna 9 especifica um pouco mais e sugere que o vídeo poderia se passar dentro da sala dos
156
médicos e que se tratasse de uma conduta médica que, por sua vez, poderia servir de estopim
para a discussão de um dos temas discutidos no vídeo. Ou seja, espera-se que a discussão dos
temas surja da prática médica. A Aluna 4 ainda pondera que talvez pudesse se tratar de uma
seção, talvez se remetendo à possibilidade de um atendimento psicológico. De modo geral,
não houve menção positiva ao cenário, e as espectadores acreditam que o vídeo faria mais
sentido se os temas debatidos surgissem a partir de uma "experiência" de prática médica.
A exemplo da sequencia 3, a estereotipação dos personagens foi criticada. Também foi
sugerida que a discussão entre os personagens fosse menos enfática e polarizada.
Eu acho que a discussão seria menos enfática, assim... Haveria a discussão, mas eles seriam menos polarizada... é isso. Acho que o Guilherme compreenderia muito mais o lado da Marta e, a Marta seria menos agressiva com ele... (Aluna 1) ... E ele menos agressivo com ela [risos]. (Aluna 2)
A Aluna 1 afirma que tiraria o foco excessivo sobre a discussão e tornaria esta
discussão menos polarizada. Os personagens protagonistas seriam menos estereotipados.
As participantes disseram que o desfecho do vídeo com a questão em aberto poderia
permanecer. Entretanto, é importante frisar que na maior parte estas afirmativas foram feitas
em tom irônico, parafraseando um trecho do vídeo em que, na opinião das participantes, os
personagens rapidamente mudam de assunto e superam a morte do amigo Eduardo.
Vamos pedir um drink? [risos]... É, acho que continuaria. "Vamos pedir um drink!" [todas riem]. (Aluna 3) Ah, o final ficou bem legal, ficou aquela situação tensa. [todas riem] (Aluna 1)
Nesta quinta parte da discussão pudemos observar que a dimensão de leitura
discriminação foi alta. No eixo distanciamento, as espectadoras procederam com uma leitura
distanciada, motivadas pela pouca verossimilhança. As participantes não consideraram os
personagens, suas atitudes, nem a situação condizentes com aquilo que elas consideram
realidade. Já no eixo imersão, as participantes, ao longo das sequências, alternaram entre
imersão e não imersão. Em alguns momentos (por exemplo quando Guilherme afirma que
Marta está precisando de um namorado, ou quando ela o chama de depressivo, nos momentos
mais acalorados da discussão) as espectadoras imergiram na história, se posicionaram
pessoalmente contra ou a favor das atitudes/argumentos de alguns personagens e das situações
nas quais estes se encontravam. Em outros momentos, a pouca verossimilhança as fizeram
não imergirem e se manterem conscientes do caráter de construção do vídeo, mais
especialmente da construção dos personagens, que segundo as espectadoras não condiz com a
realidade (por isso, claramente construído). Momentos citados como a "rápida superação da
157
morte do amigo" fizeram com que estas espectadores se distanciassem e emergissem da
trama. Por este motivo, nessa dimensão de leitura, as receptoras procederam com alta
discriminação.
Podemos então concluir que as espectadoras participantes deste estudo de recepção
tiveram compreensão convergente, alta discriminação e posição negociada. Considerando-se
que a disciplina Psicologia Médica é contra-hegemônica no campo da educação médica, que o
significado preferencial do vídeo se alinhava com essa contra-hegemonia, e que a dimensão
posição foi negociada, temos indícios para crer que a dimensão avaliação por sua vez também
será negociada. Assim, ela é negociada tanto se considerarmos como contexto o campo da
disciplina Psicologia Médica, como se considerarmos o contexto mais amplo da formação
médica, pois as leituras não se alinham completamente com nenhuma das linhas ideológicas
dominantes nestes dois contextos. No entanto, como já dito, os dados levantados nesta
pesquisa não são suficientes para conclusões consistentes sobre essa dimensão.
158
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS - Uma tentativa de diálogo entre Produção e Recepção sob a ótica do modelo multidimensional Qualquer tentativa de comparação entre as intenções dos produtores e as leituras feitas
por estes dois grupos de espectadores, que se proponha como objetiva, final e por isso mais
verdadeira, estará fadada a cair em uma série de contradições que contribuiriam para uma
invalidação do estudo. Este estudo é, antes de tudo, uma leitura do analista a partir da obra
audiovisual e dos sentidos produzidos por produtores e espectadores, estes expressos
discursivamente. Por isso seria um contrassenso afirmar que a presente análise é a única
possível.
Outro ponto que vale ser lembrado é que apesar dos instrumentos dos dois estudos de
recepção serem bem semelhantes, a prática foi um tanto diferente. Enquanto no grupo de
discussão feito com os alunos o moderador teve de ser mais ativo na provocação de debate e
condução das interações, no grupo de discussão com os professores as discussões ocorreram
de modo mais espontâneo e nem sempre seguiram um roteiro esperado pelo moderador. Estes
são cuidados que precisamos ter para colocar estas leituras em "diálogo", bem como na
tentativa de buscar relacioná-las com as intenções dos produtores do vídeo em questão.
Também é importante frisar que compreendemos que estes sujeitos, professores e
alunos, estão historicamente imersos em macro e micro relações de poder, e que essas
relações determinam e são determinadas pelas leituras de mídias feitas por estes, inclusive a
leitura de vídeos utilizados para fins educativos, entre diversos outros elementos que não
pudemos identificar. No entanto, optamos por não expandir nossa análise a estas dimensões
para manter o estudo exequível dentro dos limites temporais impostos pela dinâmica de
pesquisa no contexto da pós-graduação stricto sensu. Esta escolha foi um dos motivos que nos
levou a fazer o estudo de recepção com os dois grupos de maneira separada e mais
homogênea quanto suas posições e papéis nas relações de poder no contexto educacional.
Assim, nesta parte do trabalho, os esforços foram no sentido de buscar estabelecer
relações entre a produção do vídeo (as intenções dos produtores e os sentidos presentes no
vídeo) e a efetiva recepção do vídeo (e as leituras produzidas pelos dois grupos de
espectadores, estas sob hábitos específicos e cotidianos de consumo de mídia).
Como apresentado no referencial teórico do presente trabalho, não há uma necessária
identidade entre sentidos produzidos nos polos de produção e de recepção de produtos
midiáticos. Ainda que as leituras dos espectadores sejam em certa medida
recortadas/influenciadas pelas intenções dos produtores na construção de textos midiáticos, os
159
espectadores leem ativamente os textos midiáticos, os ajustam, os significam sob um
background sociocultural mais amplo. Com as leituras feitas por professores e estudantes de
medicina, no contexto da disciplina Psicologia Médica, e no âmbito da pesquisa que
realizamos, ocorreu o mesmo. Não houve completa aceitação nem completa rejeição dos
significados intencionados pelos produtores, que estavam em certa medida materializados no
vídeo. As leituras desses espectadores foram em maior parte negociadas e constantemente
permeadas por suas práticas de leitura em um contexto sociocultural mais amplo. A análise
holística de produção e recepção neste trabalho nos permitiu chegar a algumas reflexões que
desenvolveremos nos parágrafos a seguir.
Com o estudo da produção percebemos que a constituição do significado preferencial
foi relativamente complexa. Não só as intenções dos produtores apresentam algumas
diferenças, como os documentos relacionados à produção e a realização final do vídeo
apresentam vários aspectos que constituem o significado preferencial. A partir das entrevistas
com os produtores foi possível compreender que a intenção do vídeo é chamar atenção,
sensibilizar e provocar discussão sobre a temática mais para as relações de trauma e angústias
produzidas na relação de estudantes com a morte e o cadáver, e suas influências na RMP que
estes estudantes viriam a desenvolver. Segundo os produtores, para facilitar a discussão, o
vídeo tem o final em aberto e conta com uma variedade maior de personagens e pontos de
vistas sobre os temas. A intenção seria privilegiar estes diferentes pontos de vistas, mas
garantir no debate o ponto de vista desenvolvido na Psicologia Médica. O que se percebe com
a análise dos documentos e estudo da obra, é que a narrativa dá maior valor aos argumentos
da Psiquiatra (Marta), que no vídeo representa, de certa forma, a voz da Psicologia Médica. A
voz de oposição, que estaria materializada no personagem cirurgião (Guilherme) é construída
de forma estereotipada, por isso, desvalorizada. Na verdade, estes dois personagens são
construídos da forma estereotipada, seja pela supervalorização ou desvalorização de seus
argumentos, o que resulta uma polarização entre estas duas posições e é uma simplificação da
realidade da problemática da formação médica e da RMP. Assim, apesar da intenção de se
valorizar as diferentes vozes que compõem o debate sobre estas questões na formação médica,
e colocar os temas em discussão, na obra há uma tomada de posição e a defesa de um dos
lados dessa questão, isso materializado na valorização dos argumentos e da construção da
personagem psiquiatra (Marta), bem como na desvalorização do personagem cirurgião
(Guilherme). Enunciado de forma simplificada e resumida, o significado preferencial seria:
afirmar que a formação médica é produtora de traumas e angústias, e defender uma formação
médica que considere aspectos objetivos e subjetivos. Ou seja, uma formação que abarque
160
conhecimentos técnicos, humanos e sociais, favorecendo uma prática médica pautada por
valores éticos e humanos sem abrir mão da competência técnica. No entanto, essa
caracterização do significado preferencial se configura como um conjunto de intenções de
produtores, como uma tendência, que foi expresso ou não na forma do vídeo. Assim, o
significado preferencial do vídeo analisado, em sua complexidade, não deve ser reduzido
apenas ao enunciado acima expresso. Certamente no vídeo há uma tomada de posição, que se
configura mais como uma tendência, tendo em vista as variadas relações estabelecidas entre
as intenções dos diferentes sujeitos produtores e a forma com que o vídeo é feito.
As leituras de professores e alunos sobre os argumentos e temas presentes no vídeo,
foram em sua maior parte semelhantes e próximas às intenções dos produtores. Os alunos
produziram uma leitura mais ampla (identificaram uma quantidade maior de temas), e os
professores fizeram leituras menos amplas, mais profundas e complexas. No entanto, as
leituras, principalmente as dos professores, foram permeadas por um constante
distanciamento crítico. Este distanciamento nas leituras foi motivado em sua maior parte por
uma resistência aos modos e recursos estéticos e narrativos utilizados pelos produtores para
construir o significado preferencial. Isso produziu nos espectadores uma sensação de
artificialidade da história, causada principalmente pela estereotipação dos personagens,
polarização das posições defendidas por eles, e um suposto excesso de didatismo. Desse
modo, foi justamente o fracasso da tentativa de garantir que a leitura preferencial mais se
aproximasse do significado preferencial que provocou a adoção de um distanciamento crítico
em relação ao vídeo. Os professores chegam a ressaltar que se o vídeo fosse melhor feito
"esteticamente", talvez essa tentativa poderia ser bem sucedida.
Esse distanciamento pode também ser creditado às preferências de consumo de
gêneros cinematográficos dos espectadores e às experiências prévias com vídeos em sala de
aula. Ainda que incompleto, o estudo dos hábitos dos consumos de mídia mostrou que
professores e alunos têm preferência por filmes do gênero drama. Os estudantes declararam
ter assistido recentemente a um maior número de filmes do gênero ação/aventura/ficção
científica, entretanto eles afirmaram que os filmes que mais os marcaram são em maior parte
do gênero drama, que é gênero mais recentemente assistido e marcante, para professores. Os
filmes desse gênero também foram os mais exibidos por professores e assistidos por
estudantes em sala de aula. Isso nos permite supor que havia, de certa forma, uma expectativa
por se assistir a uma história com uma maior carga dramática, que se voltasse mais para a
subjetividade dos personagens permitindo aos espectadores vivenciar estas experiências.
Apesar do vídeo exibido poder, a princípio, ser caracterizado como um drama, os alunos e os
161
professores (principalmente) não encontraram no vídeo a carga dramática que poderia se
esperar desse gênero, de acordo com os filmes e vídeos usualmente exibidos no contexto
dessa disciplina. Isso fica mais evidente quando é criticada a artificialidade da história, em
que os professores se ressentem da ausência de uma maior profundidade dramática, e os
alunos criticam, por exemplo, a facilidade com que os personagens superam a notícia da
morte de um amigo e se engajam no debate mais central do vídeo. De acordo com os
espectadores (principalmente professores), os personagens careciam de comportamento mais
humano, pois pareciam apenas existirem para serem portadores das ideias que se pretendia
comunicar com o vídeo. Os professores criticam de tal forma a falta de profundidade
dramática e o artificialismo, que chegam a sugerir que se o vídeo fosse um documentário, este
poderia ser mais crível. De um modo geral, o artificialismo e a falta de profundidade
dramática contribuíram significativamente para as dificuldades na identificação de
espectadores com os personagens, e influenciou como um todo as leituras feitas.
O endereçamento também foi resistido pelos espectadores. Endereçado a professores
de medicina e, principalmente, a estudantes de medicina, o vídeo fez uso de vocabulário
esotérico, um número maior de personagens, indumentária adequada, cenário (principalmente
nas cenas em flashback), e de algumas situações supostamente presentes no cotidiano desses
espectadores, como um meio de melhor fazer uma abordagem a esse espectador esperado. Na
tentativa de facilitar essa abordagem e facilitar a identificação dos espectadores com os
personagens, foi usada uma estratégia de endereçamento por meio da estereotipação dos
personagens. Ou seja, ao longo da produção das diferentes versões de roteiro, os produtores
foram enfatizando algumas características do vídeo na expectativa de facilitar um pouco mais
a aceitação do endereçamento por parte dos espectadores. Principalmente os dois personagens
principais (a psiquiatra e o cirurgião) sofreram essa estereotipação e tiveram amplificadas
suas divergências pessoais e ideológicas, que então ficaram notadamente polarizadas. De fato,
durante o desenvolver das várias versões de roteiros para o vídeo, é possível observar como
essa estratégia vai sendo feita. Esses personagens passam a ocupar lados opostos na mesa em
que se desenvolve o debate, e passam a evocar com mais frequência esses discursos
polarizados. E, a exemplo do ocorrido com o significado preferencial, o endereçamento é em
parte comprometido. No entanto, este comprometimento é atenuado pela existência de
personagens variados na história, o que permite aos estudantes que não conseguiram se
identificar com os personagens protagonistas, sob a justificativa da estereotipação, que
"ajustem" o endereçamento e se identifiquem com os personagens coadjuvantes. Vale explicar
que apesar dessa maior variedade de personagens ter sido planejada como estratégia de
162
endereçamento, com o dito "reforço do endereçamento" alguns personagens coadjuvantes
passam a ter baixa relevância para a história como um todo. É exatamente essa sensação de
"baixa relevância" de suas atitudes para um campo político maior e/ou para a coerência
interna da história representada, que transparece nas leituras desses estudantes. Parece que
estes estudantes preferem observar esse campo de disputa sem tomar partido por nenhum dos
lados. Compreendem a problemática, sua relevância, mas não se empenham em
"militar"/discutir/defender nenhum dos lados. Efetivamente, os alunos identificaram as
temáticas, mas não se puseram facilmente a discutir estes temas.
Por outro lado, os professores conseguem, com muita dificuldade, em alguns
momentos se identificar com Marta, ao passo que também a criticam veementemente, e fazem
algumas ressalvas aos argumentos de Guilherme. Não concordam completamente com Marta,
nem discordam completamente de Guilherme. Assim, esse reforço, que supostamente
facilitaria a identificação com os personagens, atuou como dificultador. Em maior parte, os
professores resistiram a todos personagens, enquanto os alunos se ajustaram aos personagens
coadjuvantes. Estes apontamentos sobre o endereçamento e as identificações, em relação às
leituras de estudantes e professores, podem ser aperfeiçoados e melhor fundamentados em
trabalhos futuros com o estudo das dimensões motivação e implementação do Modelo
Multidimensional , dimensão à qual a presente pesquisa não se dedica.
Se analisadas sob a ótica do Modelo Multidimensional, estes dois grupos de leituras
(professores e alunos) apresentam algumas peculiaridades. Na dimensão compreensão as
leituras dos dois grupos foram convergentes ao significado preferencial, no entanto diferentes
em seus modos. Enquanto as leituras dos alunos foram mais amplas, identificando no vídeo
uma variedade maior de temáticas (RMP, envolvimento com o sofrimento do paciente,
desumanização da prática médica, excesso de especialização e as influências disso na RMP, e
morte), os professores procederam com leituras mais aprofundadas, identificando uma menor
variedade de temas (Aulas de Anatomia e Formação médica como produtoras de traumas, e
humanização/desumanização da prática médica). As leituras dos professores na dimensão
compreensão ainda foram fortemente influenciadas pela dimensão de leitura discriminação.
Tanto professores como alunos fizeram leituras não-imersas e distantes na dimensão
discriminação. Os estudantes de modo geral criticaram a estereotipação, a polarização das
posições dos personagens protagonistas, a ênfase dada às discussões, a escolha de cenário e
contexto da história. Estes fatores resultaram na crítica à falta de verossimilhança. Essa crítica
também foi uma das principais feitas pelos professores. Entretanto, os professores fizeram
uma leitura mais complexa nesta dimensão. Quando criticaram a estereotipação dos
163
personagens, ancoraram esta crítica na realidade da prática médica vivenciada por eles.
Afirmaram que a história como um todo era artificializada e que não necessariamente o
cirurgião deveria ser o “frio”, “insensível” e "errado", nem que a psiquiatra estava com a
razão e falava a verdade. A crítica foi feita exatamente a este suposto dualismo entre
psiquiatra e cirurgião, protagonista e antagonista, que parece reproduzir a já bastante criticada
concepção da divisão do sujeito entre mente e corpo, subjetividade e objetividade. Apesar de
se reportarem superficialmente a esta estereotipia das especialidades médicas, os alunos
fizeram esta crítica principalmente em relação a uma falta de coerência interna da história e
dos personagens. Criticaram na maior parte das vezes as atitudes dos personagens, mais ou
menos independentes de suas especializações.
As leituras na dimensão posição foram negociadas. Tanto professores como alunos
não aderiram nem resistiram completamente ao posicionamento que compreenderam como
expresso no vídeo. Os professores concordaram com os argumentos contidos nas falas de
diferentes personagens, que dão forma ao significado preferencial, mas resistiram a aceitar a
personagem psiquiatra como única detentora de uma verdade, e em alguns momentos
concordaram com o cirurgião. Já os estudantes concordaram mais com os argumentos da
psiquiatra e discordaram do cirurgião, mas não se identificaram com nenhum dos dois
personagens principais. Isto se relaciona com a maior identificação destes últimos
espectadores com os personagens coadjuvantes (Alfredo e Maria), sob a justificativa do maior
equilíbrio e sensatez ao participar da discussão, e até mesmo de evitar a discussão em alguns
momentos. Destacaram ainda, que em um vídeo mais “próximo da realidade”, os personagens
principais compreenderiam melhor um ao outro e não teriam posicionamentos tão distantes.
Como já destacado, considerando a Psicologia Médica como uma estratégia de
formação contra-hegemônica no âmbito da formação médica, a leitura na dimensão de
avaliação deveria ser oposta à leitura na dimensão posição. Como a posição foi caracterizada
como negociada, a avaliação será também negociada. No entanto, mais uma vez, destacamos
que o presente trabalho não possui dados suficientes para uma caracterização satisfatória
dessa dimensão.
Outro aspecto interessante são as relações que podem ser feitas entre as leituras feitas
por professores e alunos, e usos de vídeos educativos no contexto da disciplina Psicologia
Médica. Enquanto professores se empenharam em avaliar o valor pedagógico do uso do vídeo
em questão, os alunos fizeram esforços no sentido de identificar no vídeo os temas estudados
no contexto da disciplina Psicologia Médica (talvez motivados pelo hábito de buscar
estabelecer relações entre os filmes comerciais comumente exibidos em sala de aula e o
164
conteúdo programático da disciplina). Estas características das leituras destes dois grupos de
espectadores contrariaram uma expectativa inicial da pesquisa. Não se esperava que
espectadores se posicionassem, em relação ao vídeo, de maneira tão marcada por seu papel no
contexto educacional.
Os professores discutiram mais espontaneamente e, influenciados pelos seus hábitos
de consumo de mídia e experiências com vídeos em sala de aula, fizeram suas leituras como
uma espécie de avaliação da validade do uso do vídeo em aula. De alguma maneira, buscando
antecipar as leituras dos estudantes, fizeram esta avaliação utilizando como parâmetro as
características dos vídeos/filmes que mais frequentemente utilizam em sala de aulas, os
dramas. Foram a estereotipia dos personagens, o artificialismo da história e a falta de carga
dramática os aspectos que os professores mais se ressentiram em relação ao vídeo Lição de
Anatomia, e os aspectos que eles acreditavam que comprometeriam o uso do vídeo na
disciplina. Diante disso, supuseram que os estudantes iriam resistir completamente ao vídeo,
ou que os estudantes apenas conseguiriam identificar e compreender parcialmente as
temáticas presentes no vídeo. Os estudantes que não resistissem poderiam sofrer efeitos
colaterais das representações polarizadas e estereotipadas da prática médica e dos
profissionais de medicina. Assim, observamos que as expectativas dos professores em relação
às leituras dos alunos foram praticamente opostas às expectativas dos produtores.
Entretanto, alheios a essas expectativas, as estudantes fizeram leituras que não
seguiram completamente nenhuma das duas expectativas, de produtores e professores. Os
estudantes compreenderam bem o vídeo, mantiveram um certo distanciamento crítico,
receberam ativamente, atualizaram o vídeo, e isso não foi o suficiente para que o vídeo fosse
completamente rejeitado, nem completamente aceito. Efetivamente, os estudantes foram
críticos à parte estética do vídeo, apesar de alguns professores temerem que eles não fossem.
Assim, as negociações ocorreram desde o endereçamento até dimensões de leitura mais
específicas.
As resistências à artificialidade da história e às representações estereotipadas dos
personagens não foram suficientes para conformar uma indiferença dos alunos em relação ao
vídeo, como supunham os professores. Estes espectadores procederam com variadas
atualizações e ajustes que permitiram que o vídeo fosse assistido, e que os temas fossem
destacados e sucintamente discutidos. Vale lembrar que em um desses ajustes/atualizações,
eles acabaram por se identificar mais com os personagens coadjuvantes, se colocando de
modo mais externo à discussão mais intensa e polarizada das temáticas, presente nas vozes
dos personagens protagonistas.
165
Por outro lado, as expectativas dos produtores também não foram completamente
"atendidas". Na discussão dos estudantes após a exibição do vídeo, as falas davam indícios de
estarem relacionadas mais diretamente aos temas estudados nas aulas de Psicologia Médica
que ao vídeo em si, e a discussão foi aparentemente pouco espontânea, e relativamente
sucinta. Apesar dos constantes estímulos do moderador, na maior parte do evento, a discussão
poderia ser comparada a uma "colcha de retalhos" a qual cada um acrescentou seu ponto de
vista (retalho), sem efetivamente buscar a maior interação de suas proximidades e
divergências. Assim, não houve tomadas e defesas de posição de maneira mais enfática.
Parecia de fato que havia um empenho destes alunos em identificar no vídeo temas que se
relacionassem com o conteúdo mais amplo da disciplina, sem buscar uma discussão mais
profunda, assim como esperavam os produtores do vídeo. Isso talvez se deva a uma maior
consolidação de espaços para a ocorrência destas discussões no dia-a-dia da formação médica
atual, em comparação ao momento em que o vídeo foi produzido. Os temas foram
prontamente identificados. Parecia algo relativamente comum para estes alunos que, talvez
por possivelmente já haverem discutido suficientemente estes temas, não desenvolveram
discussões mais extensas.
Assim, o objetivo dos produtores de chamar a atenção e fazer discutir foi
comprometido. Aparentemente a atenção dos alunos já havia sido chamada e os temas já
discutidos, antes mesmos da exibição do vídeo. Talvez no contexto da formação médica do
momento histórico em que o vídeo foi produzido não houvesse discussões suficientes sobre os
temas, nem as mídias circulantes na sociedade de modo mais amplo, apontassem com certa
regularidade para essas questões referentes ao atendimento médico e à formação médica. Os
professores mesmos, durante a discussão, destacam que o tema adoecimento (principalmente
a história do adoecimento de pessoas públicas) só se tornou mais circulante nos meios
comunicação, nas últimas décadas.
A partir dessas reflexões sobre o evento pedagógico em torno do vídeo, resgatamos o
entendimento de Worth (1974), segundo o qual a educação é um caso especial de aculturação
da qual o vídeo (enquanto um processo de comunicação) pode fazer parte (assim como outros
recursos didáticos), que por sua vez se configura como um meio de compartilhar sistemas
simbólicos. Isso nos leva a destacar a importância de se considerar tanto o contexto mais
específico dos espectadores (aos quais se destina o uso do vídeo), como o universo
(educativo) mais amplo e complexo por meio do qual ocorrem diversos compartilhamentos
simbólicos, e nos quais são oferecidos vídeos como recursos educativos. Assim, as intenções
de chamar atenção e "provocar discussão" devem estar intrinsecamente relacionadas ao
166
contexto sociocultural mais amplo. Cada momento histórico pode demandar uma maneira de
abordagem do espectador, e consequentemente um modo de "chamar atenção" e discussão
diferente a ser feita, que tem influência direta na configuração da linguagem do audiovisual a
ser utilizado em sala de aula. Isto vai de encontro com o que a Professora Liana destaca na
entrevista, afirmando que se fosse refazer o vídeo, atualmente, se direcionaria para outros
temas e outras questões, estas mais emergentes nos dias de hoje. Assim como uma aula não
pode estar alheia à realidade "fora da escola", o vídeo educativo e/ou usado na sala de aula
também não pode, muito menos esperar-se que o vídeo por si só promova toda a dinâmica
educativa, olvidando-se de que este é um recurso para uma aula (entre tantos outros), parte de
um projeto, integrante de uma instituição, fruto de políticas públicas (em constantes disputas).
Se pensarmos os estudantes como espectadores finais do vídeo (como de fato foi
produzido), ou seja, que o vídeo estudado na presente pesquisa foi intencionalmente
criado/manipulado por produtores e também intencionalmente exibido por professores (e
pesquisadores) às alunas, que por sua vez não aderiram nem refutaram completamente as
intenções de produtores e professores, nos aproximaremos do entendimento mais complexo
dos modos por meio dos quais os vídeos atuam em "sala de aula". Assim, considerar o papel
ativo do espectador na construção dos significados e, além disso, também considerar os
contextos mais específicos e mais amplos que compõem o universo por meio do qual
circulam os sentidos produzidos a partir de um vídeo, é possível fazer contribuições para
melhor compreender os papeis que os vídeos podem desempenhar no esforço educativo. Com
isso será possível aproximar um pouco mais da construção de um conhecimento que paute a
produção e o uso mais eficiente e consciente destes recursos educativos, ancorados no melhor
entendimento do evento comunicativo, bem como do seu papel no processo educacional. E
assim sustentar ou refutar as diversas pressuposições que orientam grande parte dos trabalhos
sobre vídeos em contextos educativos, e que segundo Sol Worth, raramente são objeto de
estudo.
O presente estudo não se propôs construir respostas definitivas sobre os processos de
produção e recepção de vídeos em contextos educativos. Seria preciso repetir o estudo mais
vezes, com diferentes vídeos, com grupos mais diversificados de espectadores em diferentes
contextos, para então começar se aproximar de tais respostas. Também seria interessante
elaborar estudos que considerassem envolver a análise do contexto de exibição no estudo da
recepção, abordagens mais individualizadas e aprofundadas às leituras produzidas por
espectadores em contraponto a abordagem de grupo feita neste trabalho. Por isso mostra-se
relevante a realização de mais estudos de recepção, com outros desenhos, temáticas e
167
abordagens para um entendimento mais complexo dos vídeos como recurso pedagógico.
Talvez o melhor entendimento de todas as questões acima destacadas passe por pensar o
vídeo (ou a exibição) como mais que um fim em si mesmo. Para isso, é imprescindível pensar
o vídeo propriamente como um meio, um recurso, ou como Sol Worth afirma, como um
método, por meio do qual diferentes pessoas articulam suas experiências e "se fazem
presentes" umas às outras.
168
REFERÊNCIAS ALMEIDA, M. J. et al. Implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais na graduação em Medicina no Paraná. Rev. bras. educ. med. 2007, vol. 31, n. 2, 156-165 p.
ARAGAKI, Sérgio Seiji; SPINK, Mary Jane Paris. Os lugares da psicologia na educação médica. Interface, Botucatu, v. 13, n. 28, Mar. 2009.
ARROIO, A.; GIORDAN, M. O vídeo educativo: aspectos da organização do ensino. Química Nova na Escola, n. 24, p. 8-11, nov. 2006.
ARROIO, A; DINIZ, ML; GIORDAN, M. A utilização do vídeo educativo como possibilidade de domínio da linguagem audiovisual pelo professor de ciências. V Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. Atas do V ENPEC, 2005.
ARROIO, A.; GIORDAN, M. O vídeo educativo: aspectos da organização do ensino. Química Nova na Escola, v. 24, 2004. 8-11 p.
BALINT, M. O médico, seu paciente e a doença. Rio de Janeiro: Ed Atheneu, 1975.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. 19ª Ed. Lisboa/Portugal: Edições 70, 2008.
BARTHES, R. A retórica da imagem, in O óbvio e o obtuso. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
BLANK, Danilo. A propósito de cenários e atores: de que peça estamos falando? Uma luz diferente sobre o cenário da prática dos médicos em formação.Rev. bras. educ. med. vol.30, n.1, p. 27-31. 2006.
BLASCO, P.; GALLIAN, D.; RONCOLETTA, A.; MORETO, G. Cinema para o estudante de medicina: um recurso afetivo/efetivo na educação humanística.Rev. bras. educ. med. Rio de Janeiro, v. 29(2), 2005.
BRENDIM, M. P. A Contribuição do Recurso Audiovisual na Educação em Prevenção e Colaboração para a Detecção Precoce do Câncer de Cabeça e Pescoço para Acadêmicos de Fonoaudiologia. Rio de Janeiro, UFRJ. Dissertação apresentada para obtenção do título de Mestre em Educação em Ciências e Saúde. Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde – NUTES/UFRJ. 2009.
169
CAPRARA, Andrea; FRANCO, Anamélia Lins e Silva. A Relação paciente-médico: para uma humanização da prática médica. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 15, n. 3, set. 1999.
CORDEIRO, Silvia Nogueira; GIRALDO, Paulo Cesar; TURATO, Egberto Ribeiro. Questões da clínica ginecológica que motivam a procura de educação médica complementar: um estudo qualitativo. Rev. bras. educ. med., Rio de Janeiro, v. 34, n. 2, Junho 2010.
CORTOPASSI, Andrea Christina; LIMA, Maria Cristina Pereira; GONÇALVES, Irio José. Percepção de pacientes sobre a internação em um hospital universitário: implicações para o ensino médico. Rev. bras. educ. med., Rio de Janeiro, v. 30, n. 2, 2006.
DUARTE JR., J. F. Fundamentos estéticos da educação. 7 ed. São Paulo: Papirus, 2002. 150p.
EKSTERMAN, Abram. Psicanálise, Psicossomática e Medicina da Pessoa. Relatório oficial apresentado no I Encontro Argentino-Brasileiro de Medicina Psicossomática. Buenos Aires, 1975. Disponível em http://www.medicinapsicossomatica.com.br/doc/ psicanalise_medicina_pessoa.pdf
ELLSWORTH, E. "Modos de endereçamento: uma coisa de cinema", in SILVA, T. T. (org.). Nunca fomos humanos: metamorfoses da subjetividade contemporânea. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
FERNANDES, João Claudio Lara. A quem interessa a relação médico-paciente? Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, Mar. 1993.
FERRÉS, J. Vídeo e Educação. Porto Alegre: Artmed, 2ed., 1996.
FORTES, Paulo Antonio de Carvalho. Ética, direitos dos usuários e políticas de humanização da atenção à saúde. Saúde soc., São Paulo, v. 13, n. 3, Dec. 2004.
FOUCAULT, M. Isto não é um cachimbo. São Paulo: Paz e Terra, 1988.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido, 17ª Ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,1987.
FUENZALIDA, Valerio. Expectativas educativas de las audiencias televisivas. Bogotá: Grupo Editorial Norma, 2005.
GUEDES, Carla R.A psicologia médica na Universidade Estadual do Rio de Janeiro: um
170
estudo de caso. Psicologia & Sociedade., Rio de Janeiro, n. 15 (1), Jan./Jul. 2003. 161-181 p.
HALL, S. Codificação/Decodificação, in Da diáspora. Belo Horizonte: UFMG, 2003.
______. Reflexões sobre o modelo de Codificação/Decodificação (entrevista com Stuart Hall), in Da diáspora. Belo Horizonte: UFMG, 2003.
HODGE, R. e KRESS, G. Social semiotics. Ithaca, NY: Cornell Univ. Press, 1988.
JAMESON, FREDRIC. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2007.
JAPIASSÚ, H. e MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.
JEWITT, Carey; OYAMA, Rumico. Visual Meaning: A Social Semiotic Approach. In: Handbook of Visual Analysis. Londres: Thousand, 2001.
JOLY, M. Introdução à Análise da Imagem. Campinas: Papirus, 2001.
KEHL, M. R. Imaginário e pensamento. In SOUSA, M. W. (org.).Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense, 1995, pp.169-179.
KETIS, K e KERSNIK, K. Using movies to teach professionalism to medical students. BMC Medical Education. 2011.
LAMPERT, J. B. Currículo de Graduação e o Contexto da Formação do Médico. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 24, n. 3, p.7-19, 2000.
______. Na transição paradigmática da educação médica: o que o Paradigma Da Integralidade atende que o Paradigma Flexneriano deixou de lado. Cadernos da ABEM, Rio de Janeiro, v. 1, Maio. 2004.
LUCCHESE, Ana Cecilia; ABUD, Cristiane Curi; DE MARCO, Mario Alfredo. Transferências na formação médica. Rev. bras. educ. med., Rio de Janeiro, v. 33, n. 4, Dec. 2009.
MARCO, Mario Alfredo de et al. Semiologia integrada: uma experiência curricular de aproximação antecipada e integrada à prática médica. Rev. bras. educ. med. [online]. 2009, vol.33, n.2, pp. 282-290.ISSN 0100-5502. doi: 10.1590/S0100-55022009000200017.
171
MARCO, Mario Alfredo de. Do modelo biomédico ao modelo biopsicossocial: um projeto de educação permanente. Rev. bras. educ. med., Rio de Janeiro, v. 30, n. 1, Apr. 2006.
MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. São Paulo: Brasiliense,1990.
MINAYO, C; DESLANDES, F; GOMES, R. Pesquisa social - Teoria, método e criatividade. 28. ed. - Petrópolis: Vozes, 2009.
MORLEY, D. Interpretar televisión: la audiencia de Nationwide, in MORLEY, D. Televisión, audiencias y estudios culturales. Buenos Aires: Amorrortu, 1996.
MUNIZ, José Roberto e CHAZAN, Luiz Fernando. Ensino de psicologia médica. In: MELLO FILHO, Julio e cols. Psicossomática hoje. Porto Alegre, Artes Médicas, 2010.
MUNIZ, José Roberto; EISENSTEIN, Evelyn. Genograma: informações sobre família na (in)formação médica. Rev. bras. educ. med., Rio de Janeiro, v. 33, n. 1, Mar. 2009.
ODIN, R.A Questão do público: uma abordagem semiopragmática, in RAMOS, F. (org). Teoria Contemporânea do Cinema – Volume II. São Paulo: Senac, 2005.
PAGLIOSA, Fernando Luiz; DA ROS, Marco Aurélio. O relatório Flexner: para o bem e para o mal.Rev. bras. educ. med. [online]. 2008, vol.32, n.4, 492-499 p.
PERIM, Gianna Lepre et al .Desenvolvimento docente e a formação de médicos. Rev. bras. educ. med., Rio de Janeiro, 2010.
QUINTANA, Alberto Manuel et al . A angústia na formação do estudante de medicina. Rev. bras. educ. med., Rio de Janeiro, v. 32, n. 1, Mar. 2008.
RANCIÉRE, Jacques. The emancipated spectator. ARTFORUM , Londres, Mar. 2007.
REZENDE, L. A. C. Reavaliação de vídeos de Educação Médica do NUTES. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009.
SANTOS, J. L. F. e WESTPHAL, M. F. Práticas emergentes de um novo paradigma de saúde: o papel da universidade.Estudos avançados. São Paulo, v. 13, n. 35, Abr. 1999.
SCHRØDER, Kim Christian. Media Discourse Analysis: Researching Cultural Meanings from Inception to Reception. Textual Cultures: Texts, Contexts, Interpretation, v.2, n.2, 2007, p.77-99.
172
SCHRØDER, Kim et. al. Researching Audiences. London: Hodder Arnold, 2003.
SCHRØDER, K. Making sense of audience discourses: Towards a multidimensional model of mass media reception. European Journal of Cultural Studies, Sage: 2000.
SILVA, Fernanda Braga et al . Atitudes frente a fontes de tensão do curso médico: um estudo exploratório com alunos do segundo e do sexto ano. Rev. bras. educ. med., Rio de Janeiro, v. 33, n. 2, June 2009.
SIQUEIRA, V. H. (1998). O vídeo educativo produzido pelo Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde/UFRJ: Uma visão crítica. In Revista Brasileira de Educação Médica, 22: 77-82.
SOAR FILHO, E.J. A interação médico-cliente. Rev. Assoc. Med. Bras. [online]. 1998.
SOURIAU, Étienne. Estrutura do Universo Fílmico. Revista Visor, nº14, Junho de 1954
SOUSA, M. W. de. Recepção e Comunicação:A Busca do SujeitoIn SOUZA, M. W. (Org.). Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense, 1995.
SOUZA, Alicia Navarro de. Formação médica, racionalidade e experiência. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, 2001a.
SOUZA, Alicia Navarro. A narrativa na transmissão da clínica. In: RIBEIRO, Branca T, COSTA LIMA, Cristina e LOPES DANTAS, Maria Tereza (org). Narrativa, Identidade e Clínica. Rio de Janeiro. Edições IPUB-CUCA, 2001b.
STAM, R. Introdução à teoria do cinema, Campinas: Papirus, 2003.
STAM, R., BURGOYNE, R. e Flitterman-Lewis, S. Nuevos conceptos de la teoría del cine. Buenos Aires: Paidós, 2000.
VANOYE, F. e GOLIOT-LÉTÉ, A.Ensaio sobre a análise fílmica, Campinas: Papirus, 1994.
VILELA, Elaine Morelato and MENDES, Iranilde José Messias. Interdisciplinaridade e saúde: estudo bibliográfico.Rev. Latino-Am. Enfermagem [online].2003, vol.11, n.4, 525-531 p.
173
WONG, R.; SABER, S.; MA, I.; ROBERTS, J. M. Using televison shows to teach communication skills in internal medicine residency. BMC Medical Education. Fev. 2009.
WORTH, Sol.The Uses of Film in Education and Communication.in DAVID R. OLSON, ed., Symbols: The forms of the expression, comunication, and educations, Part I, Seventy-third yearbook of the National Society for the Study of Education. Chicago: University of Chicago Press, 1979.
174
APÊNDICES
175
APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO APLICADO AOS PROFESSORES 01 QUESTIONÁRIO 01
Esse questionário faz parte de uma pesquisa do LVE / NUTES / UFRJ, sobre recepção de vídeos educativos na Educação em Saúde.
NOME: __________________________________________________________________________
1 - Com que frequência você assiste/acessa os segui ntes meios de comunicação? (marque com um X apenas uma opção por linha)
Meio de comunicação
Todos os dias
Entre 4 e 6 dias por semana
Entre 1 e 3 dias na semana
Algumas vezes por mês
Nunca Não sei
1.1 - Televisão 1 2 3 4 5 6
1.2 - Jornal impresso 1 2 3 4 5 6
1.3 - Rádio 1 2 3 4 5 6
1.4 - Internet 1 2 3 4 5 6
1.5 - Revistas 1 2 3 4 5 6
2 - Abaixo há uma lista de temas. Por favor, diga-m e se você tem muito INTERESSE, médio interesse, pouco interesse ou nenhum interess e em cada um deles. (marque com um X apenas uma opção em cada linha)
Temas Muito interesse
Médio interesse
Pouco interesse
Nenhum interesse
Não sei
2.1 - Política 1 2 3 4 5
2.2 - Arte e cultura 1 2 3 4 5
2.3 - Medicina e saúde 1 2 3 4 5
2.4 - Ciência e tecnologia
1 2 3 4 5
2.5 - Esportes 1 2 3 4 5
2.6 - Meio ambiente 1 2 3 4 5
2.7- Moda 1 2 3 4 5
2.8 - Economia 1 2 3 4 5
2.9 - Religião 1 2 3 4 5
176
3 – Enquanto você assiste ao telejornal, você costu ma comentar as notícias com as pessoas que estão vendo o telejornal com você? (circule apenas uma resposta)
1 – sim, com frequência 2 – sim, às vezes 3 – depende de quem está vendo comigo 4 - raramente 5 – nunca 6 – não sei / nunca reparei
4 - Abaixo há uma lista de temas. Por favor, diga-m e se você se INFORMA muito, médio, pouco ou nada sobre cada um deles (marque com um X apenas uma opção em cada linha)
Temas Muito Médio Pouco Nenhum Não sei
4.1 - Política 1 2 3 4 5
4.2 - Arte e cultura 1 2 3 4 5
4.3 - Medicina e saúde 1 2 3 4 5
4.4 - Ciência e tecnologia
1 2 3 4 5
4.5 - Esportes 1 2 3 4 5
4.6 - Meio ambiente 1 2 3 4 5
4.7 - Moda 1 2 3 4 5
4.8 - Economia 1 2 3 4 5
4.9 - Religião 1 2 3 4 5
5 - Você gosta de assistir à filmes? 1 - Sim 2 - Não
6 - Quais vídeos ou filmes você lembra de ter assis tido recentemente?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
177
7 - Quais vídeos ou filmes mais te marcaram?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
8 - Habitualmente assiste a vídeos educativos? 1 - Sim 2 - Não.
9 - A que vídeos educativos você lembra de ter assi stido recentemente?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
10 - Já usou vídeos ou filme sejam educativos ou nã o em sala de aula? Se sim, quais?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
11 - Gosta de vídeos educativos? Por que?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
178
12 -Ao lecionar que temas ou assuntos você geralmen te recorre à vídeos ou filmes?
Quais filmes/vídeos?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
13 - Há quanto tempo é docente da disciplina Psicol ogia Médica?
1 – até 2 anos 2 – até 5 anos 3 – até 10 anos 4 -até 20 anos 5 -até 30 anos 6 –mais de 30 anos
Dados pessoais
14 - Sexo: 1 – masculino 2 – feminino 15 - Idade: ______ anos completos
16 - Você segue alguma religião? 1 – sim - Qual?______________________________________________ ______________ 2 – não
179
APÊNDICE C – QUESTIONÁRIO APLICADO AOS ESTUDANTES QUESTIONÁRIO
Esse questionário faz parte de uma pesquisa do LVE / NUTES / UFRJ, sobre recepção de vídeos educativos na Educação em Saúde.
NOME: __________________________________________________________________________
1 - Com que frequência você assiste/acessa os segui ntes meios de comunicação? (marque com um X apenas uma opção por linha)
Meio de comunicação
Todos os dias
Entre 4 e 6 dias por semana
Entre 1 e 3 dias na semana
Algumas vezes por mês
Nunca Não sei
1.1 - Televisão 1□ 2□ 3□ 4□ 5□ 6□
1.2 - Jornal impresso 1□ 2□ 3□ 4□ 5□ 6□
1.3 - Rádio 1□ 2□ 3□ 4□ 5□ 6□
1.4 - Internet 1□ 2□ 3□ 4□ 5□ 6□
1.5 - Revistas 1□ 2□ 3□ 4□ 5□ 6□
2 - Abaixo há uma lista de temas. Por favor, diga-m e se você tem muito INTERESSE, médio interesse, pouco interesse ou nenhum interess e em cada um deles. (marque com um X apenas uma opção em cada linha)
Temas Muito interesse
Médio interesse
Pouco interesse
Nenhum interesse
Não sei
2.1 - Política 1□ 2□ 3□ 4□ 5□
2.2 - Arte e cultura 1 □ 2□ 3□ 4□ 5□
2.3 - Medicina e saúde 1 □ 2□ 3□ 4□ 5□
2.4 - Ciência e tecnologia 1 □ 2□ 3□ 4□ 5□
2.5 - Esportes 1 □ 2□ 3□ 4□ 5□
2.6 - Meio ambiente 1 □ 2□ 3□ 4□ 5□
2.7- Moda 1 □ 2□ 3□ 4□ 5□
2.8 - Economia 1 □ 2□ 3□ 4□ 5□
2.9 - Religião 1 □ 2□ 3□ 4□ 5□
180
3 - Você gosta de assistir a filmes? 1 - Sim 2 - Não
4 - Quais vídeos ou filmes você lembra de ter assis tido recentemente?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
5 - Quais vídeos ou filmes mais te marcaram?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
6 - Habitualmente assiste vídeos ou filmes em sala de aula ou ligados a alguma disciplina? 1 - Sim 2 - Não
7 - Se sim, a quais você recorda ter assistido?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
8 - Gosta de vídeos educativos? 1 - Sim 2 - Não
9 - Por que?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
181
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
10 - Recorda ter assistido a vídeos educativos rece ntemente? A quais você recorda
ter assistido?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
11 - Você acredita que os vídeos podem contribuir e m sua formação na medicina? De
que forma?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Dados pessoais
12 - Sexo: 1 – masculino 2 – feminino 13 - Idade: ______ anos completos
14 - Você segue alguma religião? 1 – sim - Qual?______________________________________________ ________________ 2 – não
182
APÊNDICE D – ROTEIRO DO GRUPO DE DISCUSSÃO FEITA COM PROFESSORES
ROTEIRO GRUPO DE DISCUSSÃO
1 - Do que trata o vídeo?
2 - Quais são os principais conflitos vividos pelos personagens no vídeo?
3 - Você concorda com os argumentos destes personagens? Quais?
4 - Como vocês acham que os estudantes encaram estas questões abordadas no vídeo?
5 - E os médicos?
6 - Você faria o vídeo de forma diferente? Como?
183
APÊNDICE E – ROTEIRO DO GRUPO DE DISCUSSÃO FEITA COM ESTUDANTES
ROTEIRO GRUPO DE DISCUSSÃO
1 - Do que trata o vídeo?
2 - Na sua percepção, quais são os principais conflitos vividos pelos personagens?
3 - Vocês acreditam que estas situações ocorram na realidade do profissional de
medicina? (Como elas são tratadas? E como elas deveriam ser tratadas?)
4 – O que você acha das atitudes dos personagens? Você se identifica mais com
algum? Quais? Por quê?
6 - Você faria o vídeo de forma diferente? (História? Desfecho? Atores? Cenário?
etc.)
184
ANEXOS
185
ANEXO A – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
186
ANEXO B – TERMO DE LIVRE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO