Patrick Ericson - O Simbolo Secreto

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P ATRICK ERICSON 

O SÍMBOLO

SECRETOTradução

Mirian Ibañez

2ª. Edição

Janeiro-2010

Geração Editorial

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SUMÁRIO

Prólogo ................................................ 6

Capítulo 1 .. ..... ..... ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... . . 10

Capítulo  2 ................................................ 13

Capítulo 3 .. ..... ..... ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .. 30

Capítulo 4  ................................................ 36

Capítulo  5 ................................................ 39

Capítulo 6 .. ...... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... .... ... 48

Capítulo  7 ................................................ 56

Capítulo  8 ................................................ 64

Capítulo 9 .... ..... .... ..... ..... ..... ..... .... ..... ..... .. 71

Capítulo 10 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 75

Capítulo 11 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 79

Capítulo 12 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 87Capítulo 13 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 91

Capítulo 14 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 98

Capítulo 15 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 109

Capítulo 16 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 126

Capítulo 17 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 134Capítulo 18 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 142

Capítulo 19 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 149

Capítulo 20 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 153

Capítulo 21 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 162

Capítulo 22 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 172Capítulo 23 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 179

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Capítulo 24 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 184

Capítulo 25 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 195

Capítulo 26 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 201

Capítulo 27 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 205

Capítulo 28 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 209

Capítulo 29 ................ ................ .............. .. 216

Capítulo 30 ................ ................ .............. .. 225

Capítulo 31 ................ ................ .............. .. 233

Capítulo 32 ................ ................ .............. .. 243

Capítulo 33 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 255

Capítulo 34 ................ ................ .............. .. 262

Capítulo 35 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 271

Capítulo 36 ................ ................ .............. .. 281

Capítulo 37 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 297

Capítulo 38 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 315Capítulo 39 ................ ................ .............. .. 323

Capítulo 40 ................ ................ .............. .. 347

Capítulo 41 ................ ................ .............. .. 359

Capítulo 42 ................ ................ .............. .. 370

Capítulo 43 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 381Capítulo 44 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 391

Capítulo 45 ................ ................ .............. .. 396

Capítulo 46 ................ ................ .............. .. 406

Capítulo 47 ..... ..... ..... .... ..... ..... ..... .... ..... ..... 421

Capítulo 48 ................ ................ .............. .. 430Capítulo 49 ................ ................ .............. .. 446

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Prólogo

iacobus olhou para trás, diante da necessidade de escapar deseus perseguidores, que aceleravam o passo com a intenção dedar a volta nas construções e cercá-lo, antes que alcançasse aporta de entrada principal e se abrigasse na imunidade outorgadapela religiosidade do santuário. Sabia muito bem qual era o castigoreservado a quem desobedecia aos preceitos da loja. Só depensar, sentiu o sangue congelar nas veias. Tanto foi assim que,ao perceber a luz das lanternas, à direita e à esquerda dos murosda catedral, não teve mais remédio senão buscar amparo no

pórtico chamado de os Apóstolos1

.

 Ali se encolheu, na esperança de desaparecer, de fundir-seaos ícones ocultos atrás das sombras da noite. Olhou para o céu.O fulgor das estrelas lhe falou dessa magia imortal que alçava seuofício acima da ignorância comum das pessoas e imediatamentecompreendeu que havia sido um estúpido ao pretender memorizar o mistério dos templos, para depois deixar um legado à

humanidade. De nada lhe serviu lamentar-se. A sorte estavalançada e ele teria de pagar caro por seu erro.

Não havia tempo a perder. Pegou a talhadeira e o pequenomartelo que guardava na bolsa e, rapidamente, gravou suas iniciaisna parte inferior da porta, esperando que as gerações vindouraspudessem compreender a mensagem de angústia que tentavatransmitir.

Em seguida, ao perceber que seu esconderijo não o privariado castigo e que seria impossível chegar até a capela da virgemtemplária, tratou de fugir até o rio — sua última esperança.

1 Corporação de ofício: é uma associação de pessoas que tem um interesse comum em determinado trabalho,negócio ou profissão, cujo propósito é a ajuda mútua e a proteção. O termo é particularmente aplicado a dois tiposde associações que floresceram na Europa durante a Idade Média, as corporações de comerciantes e as deartesãos. Também é utilizado para referir-se aos mestres pedreiros de uma catedral. (N.A.)

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Vários de seus companheiros o seguiram, rodeando-o como aum animal ferido a quem desejavam matar, com o intuito de evitar que sofresse mais ainda. Permaneceram em silêncio, observandocom firmeza o homem que os havia traído ao anotar, àsescondidas, os conhecimentos dos Filhos da Viúva. Iacobus

percebeu, nos rostos deles, a condenação. Sentiam-se enganados.Ele os decepcionara.

O mais velho, que vestia uma túnica púrpura e uma capa de veludoazul, se aproximou; as cores do cobre e do ferro com que é forjadoo compasso do maçom. Era o Mestre de Obras.

— Dize-nos... Onde tu o escondeste? — perguntou, com voz

grave, o que se chamava Justo Bravo.Iacobus de Cartago se surpreendeu com sua própria valentia

ao negar com a cabeça, respirando apressadamente enquantotratava de tomar fôlego, de adquirir forças diante da letal ameaçaque pairava sobre ele.

— Não preciso dizer-te qual é a decisão da irmandade emrelação aos traidores — recordou. Se continuares com essa

atitude, eu me verei obrigado a consumar o castigo que aguarda aquem quebra o juramento.

Justo falava sério. Cumpriria o prometido, apesar da amizadede anos que existia entre ambos os pedreiros.

— Tomei uma decisão e não pretendo retratar-me — ousoudizer Cartago, mesmo sabendo que, ao fazê-lo, assinava a própriasentença de morte. — Creio que nos apossamos de um direito que

pertence a todos e já é hora de que o homem compreenda aimportância de decifrar o segredo da Sabedoria, o poder dostemplos perdidos e o mistério que envolve a obra dos antigosmestres. O Trono de Deus não é apenas um símbolo celestialprivativo do bispo, também pertence ao povo. Não podemoscontinuar ocultando a verdade deles.

— Assim tem sido há milhares de anos e assim deve

continuar, até que a humanidade esteja preparada para escutar avoz do grande Arquiteto. Nenhum de nós deve romper o elo quenos une à tradição.

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Sem poder evitar, Iacobus começou a rir. Achou graça que sefalasse em elos, sobretudo depois de ter cinzelado, durante meses,os enormes elos de pedra que pendiam da parte alta da capelaoctogonal, ainda em construção, façanha que foi elogiada pelopróprio Pedro Fajardo, marquês dos Vélez.

— Sabias que um dos elos da cadeia está rachado de umlado a outro? — perguntou a seu antigo mestre. — Eu mesmo odanifiquei, porque a tradição deve cessar.

Justo Bravo se virou para ver a resposta dos demais membros daloja. Na expressão rigorosa de seus companheiros, reconheceu anecessidade de pôr fim ao desenfreado esforço de Iacobus. Os

pedreiros, em uníssono, gritaram a máxima da irmandade:— Não conte a ninguém os segredos da câmara, nem nada

do que fazem na loja! Não conte a ninguém os segredos dacâmara, nem nada do que fazem na loja! — vociferavam ao mesmotempo em que estreitavam o círculo ao redor do traidor.

 Antes que todos caíssem sobre o artista e o assassinassemcom suas próprias mãos, pois os ânimos exaltados dos

congregados significavam uma ameaça de morte, mestre Justoordenou que o rebelde fosse conduzido à parte de trás da catedral,onde se localizavam as áreas reservadas ao descanso e reuniãodos companheiros maçons. Pouco depois, amarrado a um poste doandaime que rodeava a capela em construção, foi açoitado pelopróprio Justo, diante do olhar complacente de todos os demais.

 Apesar do rigor do suplício, Iacobus resistia a dar a eles um motivode prazer, afogando em silêncio os gritos de dor. Seus dentesrangiam as carícias do chicote, sem deixar escapar um só gemido.O corpo se arqueava para frente, a cada investida, flexionando acabeça e as costas no momento em que sentia a pele se rasgar emfarrapos sanguinolentos. E, mesmo assim, o castigo não conseguiusubjugar seu espírito nem fazer com que dissesse onde haviaescondido o manuscrito da discórdia. A firme convicção quemantinha em suas idéias era maior que o propósito de salvar a

própria vida.Terminada a flagelação, e vendo que seu velho amigo era

incapaz de reconhecer o absurdo de seu esforço, Justo Bravo

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ordenou que lhe trouxessem uma broca e também uma adaga bemafiada. Iacobus reagiu ao pedido do mestre tencionando osmúsculos do corpo, agora dilacerado pelas bolas pungentes dosilício.

— Não me deixas alternativa — afirmou, com voz glacial, oresponsável pelas obras. — Já que decidiu esconder de nós oparadeiro de teus escritos, eu me vejo obrigado a cumprir fielmenteo castigo que corresponde ao juramento da loja. Para garantir quetu não possas recuperá-los sem a ajuda de alguém, se é queconseguisses sobreviver, levarei o castigo mais longe.

 Antes que o mestre cumprisse a promessa, Iacobus olhoupara o alto, em direção à escura e eterna noite. As figuras que

sustentavam e protegia o escudo de armas dos Chacón y Fajardo,nascidas de sua imaginação de artista, o observavam comsignificativa tristeza. O guindaste mecânico, os objetos do canteirode obras, o andaime central, que serviria para construir a cúpulaestrelada, lhe dera o último adeus, em absoluto silêncio. Apesar detudo, sentia-se satisfeito. Jamais encontrariam seu testemunho.

Sem retardar mais a cruel sentença, Justo Bravo perfurou

sem piedade, os olhos do condenado, e, depois de lhe fazer umcorte profundo no maxilar inferior, arrancou sua língua por baixo doqueixo. Os gritos podiam ser ouvidos muito além dos bairros deruas estreitas localizados do outro lado do rio.

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Capítulo 1 

Seu espírito viajou do recôndito do quarto até as longínquas terras

do norte. Viu-se a sobrevoar um mar imenso e escuro, salpicadopor diversos pedaços de gelo, que balançavam de um lado aooutro, levados pelo movimento das ondas. Tentou lembrar o queestava fazendo em uma região tão distante, um lugar onde eraimpossível que um homem pudesse sobreviver devido à tremendainclemência dos elementos, e foi quando se deu conta de que nemsequer recordava seu próprio nome, embora não lhe causasse ne-nhum conflito interior descobrir que carecia de personalidade. A

única coisa que importava era ser testemunha do que iriaacontecer.

O vento gemia ao seu redor. Revolto, o mar se agitava emaltas ondas, como um deus imenso de espuma branca, ameaçandoinundar o planeta. Na tênue obscuridade da noite, a pálidacoloração dos pingos de gelo agora adquiria um tom azulado,devido à luminosidade que fluía prodigamente da Lua cheia. Era

um contraste de extraordinária beleza, em que se fundiam acoerência e a desordem. Nada era real, mas tudo parecia tãoautêntico, tão vivo, que até seu espírito sentiu como se levantava ovéu, etéreo e aparente, da pele, que aprisionava seu corpo.

Não tardou a perceber que estava ali por uma razão especial:aguardar a chegada do colosso de gelo. Este não se fez esperar. Aprofecia dos antigos se cumpriu, tal como era esperado. Ao longe,

ocultando a linha variável do horizonte, golpeada com fúrias pelasondas de um mar gélido e sombrio, se elevava o maior e maisvolumoso iceberg que ninguém jamais fora capaz de imaginar.

Flutuava sobre as águas, com seus gigantescos picosapontados para o céu, à semelhança da torre de uma enormecatedral gótica de pilares brancos. Ia à deriva, sem rumo fixo, àmercê da corrente marinha.

Seria inútil tentar descrever suas proporções. Somente naimaginação febril de um louco poderia se desenvolver um pesadelosemelhante.

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Foi então que, das alturas, percebeu a sombra que seinsinuava abaixo dos limites que formavam o contorno do iceberg.Era a parte oculta do maciço glacial, dez vezes maior que a áreadescoberta. Seu espírito se viu, subitamente, lançado para baixo,atravessando a fria massa de água que, agora, depois de sofrer 

uma transformação, parecia plácida e amarelada como um desertode areia. Sentiu, de improviso, um vazio profundo no estômago. Agrandiosidade do bloco de gelo, submerso na imensidão do mar,era um espetáculo inimaginável; algo assim como estar napresença de Deus-todo-poderoso.

E foi aqui que a imagem daquele colosso conseguiu fazer com que voltasse à realidade, despertando entre gritos de puro

terror.Quando abriu os olhos e descobriu, aliviado, que tudo havia

sido um sonho mau, respirou profundamente antes de acender aluz do quarto. Em seguida, olhou para o despertador. Eram, ainda,quatro e meia da madrugada.

Decidiu levantar-se para ir ao banheiro, ao mesmo tempo emque pensava: "a próstata protesta", referindo-se a essa maldição

que se arrastava havia meses e que o obrigava a urinar os váriosgins-tônicos que costumava saborear todas as noites, depois dotrabalho. Quando voltou ao quarto, viu sobre o criado-mudo umlivro cujo título parecia ter certa relação com o seu sonho. Tratava-se de Nas Montanhas da Loucura.

— Ninguém, além de você, é capaz de ler Lovecraft antes dedormir  — disse em voz alta, apesar de estar sozinho no

apartamento.Nesse preciso instante, o telefone tocou. Não intuiu nada de

bom, pois era a primeira vez, desde que se mudara para Madri,que era incomodado em horas tão tardias da madrugada. Foi ummau presságio do que haveria de acontecer. Atendeu, não semcerta apreensão.

— Quem é? — perguntou com apatia, enquanto tratava de

colocar a mente em ordem.

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— Leo, sou eu... Cláudia. — respondeu uma conhecida vozde mulher.

— Cláudia... — repetiu inconscientemente. Aconteceu algocom você?

— Fique tranqüilo, estou bem. Lamento despertá-lo há essashoras, mas o que tenho a lhe dizer não pode esperar mais.

Leonardo sentou-se na beirada da cama, preparando-se parao pior. A voz de Cláudia deixava entrever certa desgraça que deviaafetá-lo pessoalmente, já que parecia estar prestes a chorar. Aprimeira coisa em que pensou é que talvez houvessem roubadoalguns dos livros que seriam leiloados dentro de alguns dias, entre

os quais se encontrava um incunábulo de grande valor econômicoe artístico.

— Diga logo... — pediu em tom urgente. — Estou escutandovocê.

— Balboa morreu — disse ela, com pronúncia entrecortada.— A polícia encontrou o cadáver na casa dele há algumas horas.Foi assassinado.

— O que você está dizendo?

— Você ouviu bem; não me faça repetir. Cláudia começou achorar, desmoronando, presa do nervosismo.

Leonardo ficou gelado. Sentiu um nó no estômago. Jamaispoderia pensar que um indivíduo como Jorge Balboa, alguém quese importava somente com livros, poderia ser vítima da violência

inescrupulosa de assaltantes. Não; claro que não; aquilo não faziasentido em seu estilo de vida.

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Capítulo 2 

Ninguém poderia acreditar em uma coisa daquelas, mas, nãoobstante, ali estava o ataúde, coberto de flores para desconsolo detodos.

Uma vez terminada a discreta e solene oração do sacerdote,a caixa alongada de cor castanha foi introduzida no nicho domausoléu, graças ao esforço conjunto dos coveiros.

Tudo parecia estar concluído, segundo os ritos dosepultamento. E, no entanto, havia apenas começado. Leonardo

Cárdenas parecia ausente. A morte de Jorge o afetara mais do quepodia ter imaginado, da mesma forma que ao restante de seuscompanheiros. Não fazia nem uma semana que haviam comido

 juntos no restaurante do Hotel Wellington, onde conversaram sobreas vantagens de veranear na Espanha e não nos tradicionaisdestinos estrangeiros; estes eram próprios de gente comum, embusca de aventuras não relevantes, que valorizava mais a diversãoque o conhecimento.

Lembrou, então, o interesse que o paleógrafo demonstrara aoconfessar seu grande achado, em Toledo. Pelo visto, aproveitandoque o salão de leilões fechava durante todo o mês de agosto eparte de setembro, havia se deslocado até a legendária cidade dastrês culturas, com a finalidade de ajudar a família Fajardo — à qualpertenciam antigos sócios de seu pai — a avaliar, liquidar e repartir uma herança baseada em uns cem textos e manuscritos que

datavam dos séculos XV e XVI. Jorge amava intensamente seutrabalho, de maneira que sua vida girava em torno dos livros,especialmente se eram escritos em caligrafia medieval. Embora lherestassem ainda uns dias de férias, decidiu ajudá-los, sem pensar duas vezes. Sua viagem foi muito frutífera, pois não apenasconseguiu que lhe pagassem seus honorários com uma edição deDom Quixote, de 1697, impressa em Amberes, e com dezesseisimagens de cobre de Fred Bouttons, como trouxe consigo um

volume de papel escrito em linguagem codificada — que pagou dopróprio bolso —, para estudá-lo detalhadamente e, assim, ampliar 

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a coleção privada de textos únicos que abarrotava as prateleiras desua imensa biblioteca.

Jamais poderia ter imaginado que aquela seria sua últimaaquisição.

— Você está bem? A voz de Mercedes Dussac, diretora da casa de leilões

Hiperión, soou para recordar-lhe os inconvenientes da vida. Ela ofitava com olhos avermelhados, por causa da suposta dor quesentia pela perda de Jorge. A não ser pelo fato de as lágrimasdaquela mulher altaneira ter destruído sua forma de pintar os olhos,o que a tornava mais humana, talvez tivesse respondido algo de

que depois teria de se arrepender.Melele, como costumavam chamá-la seus amigos mais

íntimos, era uma hipócrita sem alma, a quem somente importava ovolume das vendas das obras leiloadas.

— Preciso de um uísque. Leonardo foi sucinto em sua friaresposta.

— Tudo bem. Eu o convido a tomar um trago, desde que meacompanhe até o escritório. Ela, em um raro gesto desolidariedade, deu o braço a seu empregado. Tenho de conversar com você sobre um assunto que me preocupa.

Cláudia — a companheira sentimental de Leonardo —, quefalava em voz baixa com a secretária da diretoria, lhe dirigiu umolhar fulminante ao perceber que ele estava prestes a ir emboracom Mercedes sem sequer se despedir dos colegas de trabalho

que vieram ao funeral. Mas o que lhe doeu mais foi ver como oencontro que tinham marcado, para jantar naquela noite, poderiagorar se a executiva decidisse pressioná-lo para adiantar acatalogação dos livros que seriam leiloados na próxima segunda-feira.

Leonardo, pressentindo a reprovação de sua amiga íntima,voltou-se dissimuladamente para dar de ombros, esperando que

ela fosse capaz de entender que acompanhar a senhorita Dussacnão era um privilégio, mas um castigo de Deus.

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15 

Quando já estavam fora do cemitério da Almudena, o chofer de Mercedes se adiantou para abrir-lhes a porta traseira do Jaguar.

Leonardo pensou que exibir-se em condições de alto nível,numa cerimônia religiosa com aquelas características, eraimprocedente e que melhor teria sido ir de táxi, com os demais.

 Apesar de tudo, deixou-se cair no assento macio do luxuosoveículo, sem nenhum tipo de escrúpulo.

Durante o tempo que levaram para chegar à sede daHiperión, situada no bairro de Salamanca, mantiveram-se distantesum do outro, cada qual submerso na insondável profundidade deseus pensamentos. Leonardo agradeceu o fato de a diretoramanter-se em silêncio, pois ela jamais gozou de sua simpatia. Mais

ainda, pensando friamente, perguntou-se que diabo estava fazendonaquele carro importado, se haviam conversado apenas um par devezes, fora do trabalho. Mas antes que pudesse responder àprópria pergunta, o automóvel desceu a rampa de entrada, emdireção ao subterrâneo onde se alinhavam as diversas vagas dagaragem. A de Mercedes ficava próxima aos elevadores, talvezpara evitar que a incomodassem quando subia para os escritórios.

Minutos depois, prolongando o prurido do silêncio, chegaramao amplo gabinete da diretora. Leonardo continuava seperguntando por que ela o havia escolhido e não um de seusassessores — como bem poderia ser o caso de NicolasColmenares, advogado da empresa —, para acompanhá-la devolta à casa de leilões.

— Por favor, sente-se — ela ordenou com o rigor que a

caracterizava, enquanto se dirigia ao móvel que guardava asbebidas, com o objetivo de cumprir sua promessa.

Leonardo procurou imaginar qual seria o motivo de suapresença ali na empresa, quando todos haviam sido liberados desuas obrigações profissionais para ir ao funeral. E a única coisa,mais ou menos coerente, que lhe veio à cabeça foi que quisesseflertar com ele, atitude inconcebível para uma criatura tão fria como

a senhorita Dussac; incapaz de sentir carinho por alguém, se nãohouvesse um espelho no meio. Ela, na realidade, amava a si

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mesma. Além disso, seria um gesto descabido, em razão dasdolorosas circunstâncias. Afinal de contas, vinham de um enterro.

— Vou lhe confiar um segredo, que espero que você saibamanter com discrição. Ela lhe estendeu o copo de uísque,enquanto se sentava em sua mesa de trabalho.

— Não estou certo de ser a pessoa adequada ao que procura.Odeio os compromissos — respondeu, com voz baixa.

Bebeu um grande gole, tentando abreviar ao máximo aentrevista. Precisava recuperar sua vida pessoal; voltar aencontrar-se com Cláudia.

— Jorge o apreciava, mais que a ninguém — a diretora lhe

disse. Essa é uma das razões pelas quais você está aqui.— Se você me fez vir aqui só para dizer isso, podia ter se

poupado. Estranhou a atitude dela. Mercedes era muito maisinteligente.

— Há algo mais, porém, antes você tem de prometer que nãovai revelar a ninguém o que vou lhe dizer.

Leonardo afirmou com um gesto de cabeça, levantandoligeiramente o copo. Deu a entender que ela poderia confiar falando em confiança.

— Esta manhã, a polícia me procurou... — confessou...Depois, franziu a testa. — Os investigadores me fizeram uma sériede perguntas referentes à conduta de Jorge durante os últimosdias. Você já sabe que ele andava se comportando de maneira

muito diferente da de hábito... Quais eram suas amizades... Sehavia estado no estrangeiro ultimamente... — estava um poucoofegante —... enfim, você sabe um interrogatório básico.

— Você pensa que ele estava envolvido em alguma coisasuja, talvez na venda ilícita de livros antigos, para destinosestrangeiros?

— Não creio que os policiais estejam nessa linha de

investigação. Sua morte mais parece estar relacionada com algumtipo de cerimônia tribal ou rito satânico.

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— Está brincando? — ele inquiriu, com acentuado ceticismo.É bom lembrar que estamos falando de Balboa, alguém cujos

únicos demônios eram o Lepisma Sacharina 2.

Você não diria isso se conhecesse os detalhes da morte dele

— disse, ao reprovar a atitude brincalhona dele, olhando-o comvisível frieza; era, aliás, uma atitude clássica de Mercedes,principalmente quando alguém se esforçava em fazer graça comassuntos importantes. Tenho de admitir que o relato da polícia foi,realmente, estarrecedor.

Foi naquele instante que ele se deu conta do pouco que sabiaa respeito. Tanto ele como Cláudia, e o resto de seus

companheiros, estavam convencidos de que Jorge havia sidovítima da violência urbana. Pelo visto, estavam equivocados.

— Você deveria me contar o que sabe. Será mais fácil, paramim, fazer uma idéia do que aconteceu se souber detalhes... Nãoacredita? — depositou o copo sobre a mesa e continuou. — Corrija-me se eu estiver errado, mas creio que é esse o motivo por que estou aqui.

 A diretora torceu o nariz e se viu obrigada a continuar. Nãofaria sentido prolongar por mais tempo seu silêncio. Mas, antes, odesafiou com uma nova pergunta.

— Você conhece alguma seita ou organização esotéricachamada Os Filhos da Viúva?

— Não... creio que não — ele respondeu, depois de refletir por alguns segundos e pestanejar, perplexo. — O certo é que

 jamais me preocupei com pessoas desse tipo, nem me interessamseus credos e religiões. Sou cético — admitiu, mas sentiucuriosidade e perguntou: Balboa se relacionava com essa gente?

— Não saberia dizer, com segurança — confessou Melele,continuando —, mas foram eles que lhe arrancaram a língua por baixo do queixo, depois de fazer um corte profundo perto dagarganta. Morreu sangrando... — ela se deteve alguns segundos,

antes de prosseguir. O mais horripilante do caso foi à atroz

2 Literalmente, a traça e o caruncho. (N.T.)

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sentença que escreveram na sala com o próprio sangue de Jorge:"Não conte a ninguém os segredos da câmara, nem nada do quefazem na loja".

Leonardo demorou a assimilar as palavras da diretora. Umvazio especulativo se apoderou de seus pensamentos e, por isso,tornou-se incapaz de reagir por alguns segundos. Tudo aquilo lheparecia absurdo e ridículo. Sem dúvida, porém, a senhorita Dussacnão estava brincando. Jorge tinha sido morto pelas mãos de unsfanáticos cuja finalidade era desconhecida. Não se tratava de umasuposição, mas sim da mais absoluta realidade.

— É horrível... — sussurrou impressionado. — Jamais penseique algo assim pudesse acontecer a Balboa. Esse homem não

representava nenhum perigo a ninguém.— Isso não pode assegurar  — os olhos de Mercedes

sondaram o bibliotecário, expectantes.

— O que você quer dizer? — ele perguntou inquieto. Estavasurpreso com a natureza enigmática do comentário.

— Jorge e eu éramos muito amigos — ela deixou escapar,

como um sussurro apenas audível. — Éramos amigos íntimos...Compreende?

Leonardo teve de admitir que a atrevida franqueza dasenhorita Dussac o confundiu, ainda que logo tenha reconhecidoque vários detalhes agora começavam a fazer sentido. As lágrimasderramadas no funeral, seu traje de paletó e saia de cor negra nãoeram de fachada, mas sim reflexo da autêntica dor que sentia pela

perda de um ser querido. Apesar de tudo, permaneceu impassível, devido à estrita

situação de confidencialidade. Rir debaixo de seu nariz teria sidouma descortesia. Mesmo assim, não deixava de ser divertidoimaginar o desgrenhado e distraído paleógrafo fazendo amor comuma criatura elitista como Mercedes.

— Sei que ele esteve alguns dias em Toledo, trabalhando

para uns amigos de seu pai — continuou a diretora. — Ele mecontou que havia trazido consigo um antigo documento, que datavado começo do século XVI. Sua surpresa, ao tentar traduzi-lo, foi

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que as frases eram compostas por letras gregas, latinas enúmeros. Era uma mensagem codificada. Por isso, ultimamenteestava chegando tarde ao trabalho. Passava noites inteirastentando decifrar o significado oculto daquele texto.

Leonardo teve de reconhecer que era verdade. De uns diaspara cá, aquele que virou defunto parecia viver isolado do resto domundo. Não se comunicava com ninguém, desde que retornara aotrabalho, depois das férias. Sua última refeição, juntos, noWellington, foi muito mais sonífera do que de outras vezes. A únicacoisa que parecia importante para Balboa era o fato de ter encontrado, em Toledo, um texto que despertou seu máximointeresse e pelo qual chegou a desembolsar seiscentos euros.

— Ele me contou algo — admitiu Leonardo, sendo tambémsincero. — Entretanto, não dei tanta importância ao documento.Não acreditei que tivesse algum interesse verdadeiro, do ponto devista comercial.

— Há algo que eu não disse à polícia, justamente o fato deque Jorge me chamou na tarde de sua morte, dizendo que haviaterminado a tradução e decifrado a mensagem — ela nem sequer 

pestanejou ao admitir o que podia ser considerado pela justiçacomo um delito de omissão. Ele me contou que se tratava de umacarta escrita por um mestre pedreiro, na qual explicava comochegar até um diário em cujas páginas estavam ocultos os maioresmistérios da humanidade. Eu lhe disse que queria ir até sua casa,pois precisava ver o que havia feito com que se afastasse de seutrabalho e que estava a ponto de ser o pivô do rompimento danossa relação. Ele respondeu que não seria necessário, poisacabara de me enviar uma cópia do texto, via correio eletrônico.

— Você tem uma cópia do manuscrito? — Leonardo semexeu, inquieto, na cadeira, pegando de novo o copo de uísquepara terminar de beber de um só gole.

— Sim, em meu computador. Achei prudente não imprimir nem fazer cópias. Embora dê na mesma. Ele enviou sem decifrar.

De nada nos serve o texto se não temos a chave.— Você está falando no plural, se não me engano... — Aquilo

era um presságio de sua implicação no assunto.

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— Certo — disse, de maneira glacial. — Por isso pedi que meacompanhasse. Ele também enviou um e-mail  a você... Ao ver aexpressão de surpresa de Leonardo, decidiu continuar. — Mas issonão é tudo. Seus agressores se desfizeram do manuscrito originalantes de abandonar o apartamento, o que complica ainda mais o

mistério em torno do assassinato do Jorge.Leonardo fez uma careta.

— Como pode estar tão certa de que realmente fizeram isso?— perguntou, em seguida. — Quero dizer... Como é possível quesaiba algo assim?

— Porque a polícia me perguntou se ele tinha o costume de

queimar seus documentos. Quando lhes disse que não, limitou-sea aceitar, sem me dar mais explicações. E olhe que eu insisti...Sabe de uma coisa, Leo? — seu corpo começou a tremer inesperadamente —... Estou tão assustada, que não sei o quepensar.

O bibliotecário sentiu algo semelhante. Sua preocupaçãoparecia incompreensível. Mas estava ali. Latente.

— Se o que a preocupa é a cópia enviada, basta apagar doarquivo.

— Assim fácil...? Não, não creio que esses fanáticos tenhamse esquecido de investigar a vida privada do Jorge! — disse emvoz mais alta, deixando-se levar pela angustia. — Eles devemsaber que existo, e que provavelmente compartilhávamos algomais do que bons momentos de cama... — revirou os olhos,

imaginando cenas tórridas. Não! Eles têm razões de sobra parapensar que posso ter uma cópia. Se esse manuscrito é a razão desua morte, então esses malditos virão atrás de mim.

Leonardo Cárdenas teve de reconhecer que existiam, sim,motivos para se preocupar, caso o relato de Mercedes fosse exato.Se o assassino ou os assassinos de Jorge foram capazes dearrancar a língua dele, para evitar que falasse, tanto ele como a

diretora certamente também corriam perigo; e tudo por causa deum texto medieval que nem sequer haviam tido a oportunidade deler.

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— Posso dar uma olhada? — virou a cabeça na direção domonitor que havia sobre a mesa do escritório, à sua esquerda.Perplexa, ela arqueou suas finas e bem proporcionadassobrancelhas.

— Agora? — perguntou.

Ele consultou seu relógio. Eram seis e quinze e ele haviacombinado encontro com Cláudia para as oito e meia da noite.Tinha tempo mais que suficiente.

— Sim, agora.

— Pode ser que tenha razão — afirmou Mercedes, e emseguida ligou o interruptor do PC. Como dizem na Espanha, "há

que pegar o touro pelos chifres".Imediatamente escutaram um ruído metálico na recepção,

que não apenas os deixou em estado de alerta, como também como coração na mão. Leonardo, rápido, foi até a porta que secomunicava com o vestíbulo. Observou a área externa paracomprovar, com segurança, se havia alguém nos escritórios, masnão viu nada de estranho e logo tratou de tranqüilizar Mercedes.

 Ambos riram ao mesmo tempo, um tanto alvoroçados. Naquelascircunstâncias, até as estantes repletas de livros antigos pareciamter vida própria. Era uma sensação semelhante à de estaremsendo vigiados por mil olhos.

 Assim que entrou em seu correio eletrônico, a diretoraprocurou os últimos e-mails recebidos. Encontrou o que buscavaentre os que haviam chegado no dia anterior. Em seguida, abriu o

documento anexo.— Aqui está... — levantou-se, para dar o lugar ao

bibliotecário. Mesmo que não nos sirva para nada, se não podemoscompreender seu significado.

Depois de inverter posições, Leonardo enfrentou o enigma,mesmo sabendo que as probabilidades de interpretar o texto, sema ajuda de um programa decodificador, seriam tão ínfimas como

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tropeçar em um exemplar da Vulgata 3 em um leilão beneficente debairro. Mas, mesmo assim, esmerou-se em encontrar uma lógicanaquela maldita confusão. Para aumentar a dificuldade, tratava-sede uma escritura gótica, própria da época:

3 A Vulgata é uma tradução da bíblia para o latim, feita por São Jerônimo, a pedido do papa Dâmaso I, em meadosdo século IV. Teve uma outra versão, denominada Nova Vulgata, solicitada, em 1965, pelo papa Paulo VI, noConcílio Vaticano II, mas concluída somente dez anos depois, sendo promulgada em 1979 pelo papa João Paulo II.(N.A.)

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Depois de examinar o texto durante alguns minutos, Leonardofoi obrigado a lhe dar razão a ela, pois era impossível decifrá-losem se debruçar sobre ele, estudando-o por várias semanas. Jorgeera especialista em paleografia e deveria saber algo sobre

linguagem criptográfica, pois fora capaz de resolver aquele enigmaem tão pouco tempo. Mas agora estava morto.

— É inútil — reconheceu, depois de certo tempo, com vozrouca, dando-se por vencido. — Não tem sentido interpretar umtexto que parece incoerente, seja qual for o ângulo que oobservemos.

 A diretora balançou a cabeça.

— A menos que encontremos a maneira de traduzi-lo — acrescentou segura de si. — Se Jorge conseguiu, nós tambémpodemos!

— Você, melhor que ninguém, deveria saber que tempo é aúnica coisa que não me sobra. Ainda tenho de catalogar os livrosque serão leiloados dentro de alguns dias — ele recordou, com

certo fastio, o trabalho que ainda restava a fazer.— Eu sei. Por isso mesmo pensei que deveria contratar 

alguém que substitua você por certo período... — ela fez uma

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breve pausa. — Enquanto isso, você continuará na folha depagamento, recebendo o salário estipulado no contrato... — olhoucom uma expressão de súplica. — Por favor, é preciso que vocêaceite! Pense que nossas vidas dependem do que está escritonesse documento. Leonardo, indeciso, respirou fundo.

— Você considerou a possibilidade de contar tudo isso àpolícia? Seria o mais sensato!

Mas não... De jeito nenhum...! — ela exclamourepentinamente alterada e deixando-se levar por sua tendênciafrancesa. — Não posso dizer aos policiais, agora, que lhes oculteiinformação, pelo menos até que tenhamos algo a lhes oferecer.Também não estou disposta a consentir que a memória de Jorge

caísse na sarjeta. Não gostaria de vê-lo crucificado sem razão,agora que não pode se defender; por isso, preciso saber no queestava realmente metido, ou se a causa de sua morte foi apenasuma casualidade... — seu rosto ficou abatido. — Eu, mais queninguém, quero saber a verdade — concluiu.

Leonardo não achou nada divertido ver-se envolvido em umassassinato e, muito menos, que pudesse ser considerado

cúmplice daquela mulher já não tão fria como imaginava e quepoderia complicar sua vida por causa de uns escrúpulos quebeiravam o sentimentalismo. Se Balboa fosse culpado de algumcrime, cabia à polícia realizar as investigações, e não a eles, queassim estariam colocando em risco sua carreira e liberdade.

— Se eu aceitar sua oferta, você terá de me prometer duascoisas... — uma careta furtiva passou por seu semblante. — 

Primeiro, que assumirá a responsabilidade e me cobrirá no caso dehaver complicações e de termos problemas com a lei...Compreendeu? — Ela confirmou com a cabeça. — Segundo, quevocê arcará com todos os custos desta aventura... — deu deombros, esboçando um sorriso cáustico. — Meu salário não dariapara cobri-las.

— Terá todo apoio necessário. Não pouparei gastos... Mas

você terá de começar esta noite mesmo. Quero que investigue afundo esse manuscrito e que trate de decifrá-lo. Preciso saber oque diz.

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Ela se levantou, sinalizando que a conversa havia terminado.Leonardo percebeu, então, que ainda estava ocupando a cadeirada diretora e se ergueu, sem perda de tempo, para lhe devolver seu posto de trabalho. Era algo íntimo e pessoal demais, sobretudolevando em consideração que no escritório havia algumas

fotografias de família enquadradas e várias cartas fechadas dediversas instituições bancárias.

— É melhor que eu vá — disse em voz baixa. — Vou mantê-la informada.

Mercedes concordou, em silêncio, apertando os lábios em ummal disfarçado sinal de aflição. Mas, naquele instante, permitiu-sedizer com suavidade:

— Grata por tudo, Leo... — e lhe estendeu a mão. — Gratapor ter-me escutado e por sua discrição a respeito da amizadeespecial que me unia a Jorge.

E o bibliotecário retribuiu, estreitando a mão que ela oferecia,convencido de que suas últimas palavras eram uma clara advertên-cia. Falar além da conta significaria ficar à margem de tudo,

perdendo, inclusive, seu emprego na casa de leilões. Mercedestinha dinheiro de sobra. Podia arcar com os custos de umademissão sem justa causa, num abrir e fechar de olhos.

— Você poderia chamar um táxi para mim? — perguntou Leo-nardo, antes de sair.

— Não é preciso. Javier espera você no estacionamento. — Javier era o motorista particular dela. — Dê a ele seu endereço,

que o deixará em casa. É o mínimo que posso fazer, depois deroubar o seu tempo.

 Após se despedir, ele se dirigiu à porta, para ir embora. Amulher precisava entregar-se à dor e chorar em paz sua perda. Eisso foi mesmo o que ela fez, assim que ficou sozinha com suasrecordações.

Uma sombra deslizou rapidamente até o gabinete ao lado,

maldizendo sua falta de cuidado por um erro que quase a delatou,ao tropeçar na escuridão, batendo no arquivo que havia perto daporta. Então, depois de esperar que o bibliotecário fosse embora,

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com uma mistura de entusiasmo e excitação, alcançou o corredor do vestíbulo, antes que alguém desse por sua presença nosescritórios. Assim que se viu fora da empresa de leilões, desceupelas escadas de emergência até a saída principal do edifício. Nãoencontrou ninguém na entrada, nem sequer o recepcionista. Sem

perder mais tempo, saiu à rua e foi até onde havia estacionado ocarro. Tirou o telefone celular do bolso e procurou ansiosamente naagenda o nome de Sholomo.

Pouco depois falava com a pessoa que respondia por aqueleapelido.

— Sholomo? — perguntou, ao ouvir uma voz do outro lado. — Sou Azogue. Escute o que tenho a lhe dizer...

"Por que para mim...? Por que enviar-me uma cópia do escrito, seJorge era tão reservado? O simples fato de que trabalhávamos

 juntos não era razão suficiente para crer que houvesse totalconfiança entre nós. Se assim fosse, ele teria me contado seu casocom Mercedes — Leonardo repassava rápido e mentalmente, ofato, refletindo com a maior sinceridade possível, enquanto as

luzes dos faróis iluminavam fugazmente o interior do luxuosoautomóvel ao passar pela Rua Alcalá. Reconheço que, de seuscolegas, eu era o que passava mais tempo com ele. E é certo queadmirava seu trabalho como paleógrafo, de fato fantástico, etambém seus livros, publicados em todo o mundo... Alguns deleseram, realmente, interessantes. Mas há uma grande diferençaentre compartilhar um trabalho rotineiro e conhecer sua vidaprivada. Balboa podia parecer estúpido, por sua maneira de vestir-

se e comportar-se, mas sua massa cinzenta funcionava melhor quea de nós todos juntos... Tem de existir um motivo pelo qual ele quisme envolver nisso!"

Os pneus do Jaguar cantaram ao fazer a curva, na fonteCibeles. Ele não teve saída senão segurar-se no apoio da porta,para não se deixar levar pelo incômodo efeito da gravidade. Javier olhou pelo espelho retrovisor. Sorrir foi sua melhor forma de pedir 

desculpas.

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— Sinto muito, senhor — disse-lhe em calculado tom neutro.— Às vezes é impossível resistir ao encanto da máquina. — Por um momento esqueci que estava aí atrás!

Leonardo aceitou as desculpas com um gesto conciliador demão, mas lhe recordou — com todas as letras — que não tinhanenhuma pressa de chegar em casa.

— Foi um dia difícil, não é mesmo? — o motorista, agradecidopela tolerância que o bibliotecário demonstrara, quis puxar conver-sa, para sentir-se mais à vontade.

— Perder um amigo sempre é...

— Eu que o diga! — afirmou, o outro, categórico. — Em

minha profissão, são muitos os amigos que morreram na estrada. Amaior parte das vezes é por culpa de seus chefes, que os obrigama pisar no acelerador, porque sempre estão atrasados para seuscompromissos. E é pior ainda se falarmos, nos que levam cargas,atuando na área de transportes... O índice de mortalidade é cadavez maior. Sem ir mais longe, outro dia um companheiro me contouque...

Leonardo fechou os olhos, esquecendo por um instante o jovem ao volante, que parecia divertir-se recordando osacontecimentos mais escabrosos de sua carreira.

"Há algo que não se encaixa bem na história de Mercedes — pensou de novo, tentando recordar as palavras da arrogantediretora. Sua versão do interrogatório era muito rebuscada. Pareciao roteiro de um filme de segunda categoria. Por um lado, e me

parece incrível que algo assim tenha ocorrido, a polícia haviacontado a ela, sem mais nem menos, os detalhes de comoassassinaram Balboa, incluindo até a máxima escrita na parede.Depois, recusam-se a continuar falando com ela, depois de lheperguntar se a vítima tinha o costume de queimar seus papéis. Agir daquela maneira ia contra as diretrizes de uma investigaçãocriminal que se prezasse. Era uma conduta absurda... Quem iriaacreditar em uma coisa tão disparatada? E, mesmo que não

tenham sido os policiais... Como é possível que Mercedes sou-besse com total exatidão o que aconteceu no apartamento deJorge?"

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Leonardo abriu os olhos, deixando de lado seus soturnospensamentos. Se Mercedes estava lhe ocultando algo, cedo outarde acabaria sabendo. Por experiência própria, estavaconvencido de que a mentira tem pernas muito curtas.

Javier continuava falando sozinho quando o automóveldobrou na Porta do Sol e seguiu pela Rua Carretas. Então,Leonardo decidiu retomar o fio da conversa, por deferência aoindivíduo que havia tido a incumbência de  levá-lo  a seuapartamento. Teria tempo de refletir entre uma boa ducha e  umgim-tônica, como de costume. Ainda lhe restava uma hora e meia,antes de ir ao encontro de Cláudia.

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Capítulo 3 

Naquela mesma tarde, muito longe de Madri, a pessoa eleita para

manter oculto o segredo da loja subiu as escadas doestacionamento da Glorieta de Espanha, levando o computador portátil embaixo do braço. Fazia vento lá fora. O ar tinha um cheirode lodo, proveniente do rio, e aquela onda pestilenta parecia incitar as pombas a defecarem sem consideração sobre o solidéu debronze da estátua do cardeal Belluga. As pessoas, ao seu redor, seapressavam a chegar o quanto antes a seus destinos, alheias àpresença daquele homem. Ele aproveitou sua invisibilidade social

para misturar-se a elas. Ninguém reparou naquele sujeito decabelos grisalhos e com ares de letrado, que, a passos lentos,caminhava na direção do Beco do Arenal, que, por sua vez,conduzia precisamente à Praça Cardeal Belluga.

Sentou-se em uma das mesas perfiladas na varanda de umcafé, próximo à catedral. De onde estava podia ver, em detalhes,os entalhes barrocos que misturavam a exaltação da Virgem Maria

à glorificação da Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana. A iconografia da fachada principal pareceu muito laica para o seugosto. Não por acaso, tratava-se de um estilo posterior ao gótico,quando os construtores de catedrais deixaram de ter esse ofíciopara, realmente, converter-se em simples artesãos da pedra, emoperários do descuido no trabalho, a serviço de reis quevalorizavam mais a estética do que a sabedoria arcana dossilhares. Daí, a magia que os templos irradiavam no passadoacabou se transformando em uma tosca imitação do primitivoengenho dos grandes mestres.

— Desculpe senhor... Vai beber algo?

 A voz inexpressiva do garçom chamou sua atenção.

— Um café com leite e uma água com gás, por favor  — respondeu, amavelmente.

O rapaz anotou o pedido em seu bloco e foi embora, depoisde limpar a mesa.

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Novamente sozinho, meditou sobre o que acontecera emMadri. Reconheceu que seu trabalho não era precisamenteagradável, mas fazia parte da cruz que o Conselho lhe haviaimposto: e, como previdente do segredo, tinha permissão de atuar sem nenhuma restrição moral ou escrúpulo de consciência. Era

uma das regras de ouro da loja: evitar que se propagasse o quepermanecera oculto durante tanto tempo, ainda que, para isso,fosse preciso arrancar a língua de todos os que ousaram infringir o

 juramento de fidelidade absoluta e a rígida conduta.

O compromisso fora marcado para as sete e meia e já haviamse passado cinco minutos da hora, portanto seu contato estavaprestes a chegar. Olhou distraidamente ao redor, na esperança de

descobrir na multidão a pessoa com quem devia se encontrar.Perambulando pela praça, viu um grupo retardatário de turistas quetiravam fotografias, com um fervor quase religioso, do nicho centralda coroação da Virgem, das figuras dos quatro santos deCartagena e da estátua de Fernando III.

Na parte inferior, junto a uma das portas de entrada, uma jovem tocava violoncelo enquanto seu acompanhante, um rapaz de

barba e cabelos longos, esmerava-se em tirar as notas maisdelicadas e melodiosas de seu esplêndido contrabaixo. Alguém seaproximou deles para deixar umas moedas no cestinho de vimeque havia no chão. Era uma jovem de cabelos curtos, nariz aquilinoe constituição atlética. Vestia um casacão de couro que cobria seucorpo até os joelhos. Depois de fazer aquele gesto público esolidário, virou-se. Seus olhos procuraram na multidão alguém emespecial, ao mesmo tempo em que calçava luvas de cor preta.

O homem imediatamente a reconheceu. Sua imagem seajustava ao perfil que lhe haviam descrito os homens da agência:mulher caucasiana de uns vinte e quatro anos de idade, loira, deaparência gélida, lúgubre e hostil; parecia tirada de um manual daGuerra Fria.

Para chamar a atenção dela, e se arriscando a ser considerado louco pelas pessoas que estavam ao seu redor, eledesenhou uma espiral no ar com o dedo indicador, finalizando ogesto com uma linha vertical. Era o signo do ábaco, o emblema dosmestres construtores.

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 A jovem se aproximou, sem deixar de fitá-lo diretamente nosolhos.

— Herr Sholomo? — perguntou, quando já estava diante dele,ainda em pé.

O cavalheiro de terno cinza afirmou, com um gesto silencioso,que reconhecia a missão e a identidade da moça, sem chegar asurpreender-se com o sotaque alemão que seu tom de vozdenunciava.

Então, apontou para a cadeira metálica no outro extremo damesa. A garota sentou-se, aceitando o convite.

— Pensei que tivesse alguns anos a menos — ela admitiu

sem nenhum rodeio. — Na agência me disseram que se dedica àespeleologia em suas horas livres.

— Sim, está correto — afirmou Sholomo, jactancioso —, poiso interior da Terra não deixa de ser fascinante... Mas deixe que eulhe diga uma coisa. Confidência por confidência, sabe?... Eutambém esperava que você fosse um pouco mais velha e,sobretudo, achava que destacariam um homem, não uma menina,

para este trabalho. A jovem não se incomodou muito com a observação. Limitou-

se a fazer uma expressão indecifrável.

— Acredita que um homem teria feito melhor?

— Não estou colocando em dúvida a sua competência, atémesmo porque demonstrou ser impecável. Era apenas um

comentário, senhorita...— Pode me chamar de Lilith.

— Lilith... — repetiu o velho, frisando cada sílaba. — Muitoapropriado, segundo meu entender.

Havia algo naquela jovem que beirava a hostilidade, talvezseus traços disciplinados e isentos de qualquer emoção,evidenciando um passado tortuoso. Os assassinos de aluguelcostumavam ter, quase todos, uma aparência semelhante: a marcade um monstro sem sentimentos.

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— Muito bem! — exclamou glacial. — Agora que nosconhecemos, será mais fácil perguntar se o resto do dinheiro já foitransferido. — Ela se referia a seus honorários pelo assassinato deJorge Balboa.

Sholomo abriu o notebook, deixado sobre a mesa, logoesboçando um sorriso tolerante, que dava acesso à segunda parteda negociação. Digitou com desenvoltura, durante algunssegundos. Em seguida, girou o aparelho e o empurrou suavementena direção de Lilith.

— Você só tem de introduzir a senha secreta de sua conta naSuíça e apertar o enter. Automaticamente, serão transferidos seus180 mil euros. Como pode perceber o dinheiro não é exatamente

nosso calcanhar de Aquiles.— Tão pouco valor vocês dão ao que é material, que pensam

me pagar o dobro do que foi combinado? — Perguntou perplexa.Sabia muito bem que não se tratava de um erro e imediatamenteintuiu que iam solicitar um novo trabalho.

— Há outra pessoa que você tem de eliminar... — as palavras

dele confirmaram a suspeita de Lilith. Bom... na realidade,deveriam ser dois. Mas pensei que preciso de um deles com vida.

— Posso perguntar o motivo?

— Não.

 A rispidez da reação não dava lugar a réplicas.

— Devo seguir o mesmo procedimento dispensado ao outro?

— Sim, de fato — ele respondeu, imediatamente. — Vocêdeverá arrancar a língua da pessoa por baixo do queixo, escrever em lugar visível a máxima de advertência e assinar como Os Filhosda Viúva — disse, limpando a voz —, a menos que você prefiraseguir o modelo antigo de castigo.

— Que é... — a jovem esperou que Sholomo lhe dissesse.

— Arrancar o coração, em vida, cortar a cabeça e lançar ocorpo ao mar... Você decide.

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Lilith pensou que havia subestimado seu cliente. Aquelemaldito pedreiro talvez fosse tão fanático como qualquer 

mercenário do Esquadrão da Morte, no Brasil4.— Suponho que trouxe consigo informação sobre a nova

vítima — limitou-se a dizer.

Sholomo tirou um envelope do interior de seu paletó,estendendo sua mão esquerda para oferecê-lo à jovem.

— Está tudo aí dentro: fotografias, endereços de sua casa edo trabalho, marcam modelo, cor e chapa de seu carro, lugaresque costuma freqüentar... Enfim, sua vida pessoal.

— E como pode ter certeza de que eu não vou desaparecer 

depois de transferir o dinheiro adiantado?— Porque acreditamos que você é bastante inteligente para

não incorrer em semelhante equívoco.

Lilith decidiu não colocar à prova a paciência do cliente. Naagência, poderiam considerar seu sentido de humor como falta deprofissionalismo. Sem mais perda de tempo, introduziu a senha. E,em seguida, teclou enter.

—Está feito! — fechou o notebook, guardando o envelope emum dos bolsos do casaco. Só me restar dizer-lhe que nãovoltaremos a nos encontrar. Sairei do país, tão logo termine otrabalho... E outra coisa... não costumo regressar à mesma cidadeduas vezes.

Ele sorriu displicente.

— Agora será preciso fazer isso, querida. Seu trabalho é emMadri — afirmou, friamente.

 A jovem refletiu por alguns segundos.

— Como sempre costumo dizer: nunca morda a mão que lhedá de comer... — piscou o olho e dedicou, a ele, um agradávelsorriso de despedida. Trata-se apenas de um detalhe, deixar decumprir meus princípios em seu benefício.

4 A autora se refere ao Esquadrão da Morte, que atuou a partir dos anos 60, por iniciativa do então detetive MarielMoryscotte de Mattos, na Guanabara, e depois se difundiu pelo país inteiro, mas não tem se manifestado mais damesma forma que não era formado por mercenários mas, sim, por policiais na ativa — conforme informaçõesdivulgadas à época, corroboradas por investigações e julgamentos. (N.T.)

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Dito isso, levantou-se de imediato, justamente quando o gar-çom se aproximava com a intenção de fazer seu trabalho; emconseqüência, ambos colidiram estrepitosamente, sem quenenhum dos dois pudesse evitar o encontrão. O rapaz,educadamente, pediu desculpas, ao que Lilith respondeu com uma

imprecação em sua língua, uma expressão de gíria teutônicaincompreensível para o outro. O garoto olhou para Sholomo,procurando certa cumplicidade. Este o apoiou com um aforismobem característico, enquanto encolhia os ombros:

— Mulheres...! — exclamou, levantando as sobrancelhas.

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Capítulo 4 

Cláudia era uma pessoa discreta, honesta e inteligente, incapaz

de perder seu tempo com assuntos que não lhe proporcionavamnenhum benefício. Por isso, aos trinta e três anos de idade, jáacumulara títulos universitários que honravam seu currículo: eralicenciada em História e diplomada em Filologia Românica.Costumava trajar-se com sobriedade no trabalho, mas tão logoterminava sua jornada na casa de leilões tratava de mudar deroupa — optando por um modelo mais feminino — com o objetivode atrair o olhar dos homens. Tinha o rosto ovalada e um grande

sorriso, que despertava inquietações nos mais puritanos. Seuscabelos eram lisos, de cor escura, como seus olhos, e o tomacentuado de seus lábios contrastavam com o rosado de sua face.Ela se sentia orgulhosa de possuir  — sem passar por nenhumcirurgião plástico — umas medidas bem em sintonia com oarquétipo da mulher do século XXI: linhas perfeitas que suas calças

 jeans bem justas e suas blusas de lã, no comprimento exato da

cintura, realçavam de maneira notável.Era aficionada por livros e pela arquitetura medieval,

entretenimentos que preenchiam seu escasso tempo livre e que, decerta forma, enriqueciam ainda mais seu admirável intelecto. Outrade suas diversões prediletas era jantar a sós com Leonardo eterminar, na hora da sobremesa, fazendo amor nos lugares maisinusitados da casa.

 Agora estava com ele e, sem dúvida, algo parecia ter mudadonaquela noite. Ele estava taciturno e reservado, característicasopostas à sua personalidade divertida. Haviam falado sobre Jorge,embora o mais justo fosse dizer que ela se esforçou para manter acesa a conversa, pois Leonardo parecia estar do outro lado doUniverso, absorto em insondáveis pensamentos. Vendo que elenão prestava atenção no que dizia, e que só se importava em dar voltas ao vinho da taça e em manter os olhos fixos nos entalhes de

cristal, decidiu resgatá-lo de seu alheamento, em vez de insistir emum obstinado monólogo.

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— Gostaria de saber o que está acontecendo com você... — descansou os talheres sobre o prato. — Não disse uma só palavradurante todo o jantar.

Ele deu um jeito de recuperar o sorriso, por consideração àsua convidada.

— Perdoe... — disse-lhe, com voz suave. — A culpa não ésua.

— É o que espero. Lamentaria descobrir que você ficaaborrecido ao meu lado... — apoiou a mão no braço de Leonardo ecomeçou a acariciá-lo, dando a entender, com esse gesto deternura, o quanto precisava dele naquela noite.

— É pelo que houve com Jorge... A polícia esteve falandocom Mercedes, e o que contou a ela é apavorante.

— Deveríamos esquecer isso e ir para a cama, você nãoacha?

— Seria maravilhoso, mas hoje não posso... — ele suspiroupor alguns instantes. Tenho trabalho pendente.

Cláudia tratou de absorver o golpe, comportando-se comnaturalidade e aceitando com um sorriso forçado a deselegânciadaquele insosso, que, no entanto, despertava sua libido de maneiraincomum, e que, em qualquer outro momento de sua vida, haveriade mandar para o inferno, por ser desrespeitoso e insensível.

—Então, é melhor que eu vá embora.

E levantou-se, sentindo-se a mais no apartamento. Leonardo

reagiu de imediato. Havia cometido um deslize imperdoável aorejeitar a companhia dela.

— Espere! — implorou. — Não vá, ainda!

— Dê-me apenas uma razão para que não o faça.

Não parecia zangada, mas sim entediada diante daquele jogosem sentido.

— Preciso que você me ajude.

— Posso saber em que? — perguntou, chateada.

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— É difícil de explicar... — ele respondeu, pausadamente. —  Antes eu teria de lhe contar uma série de detalhes para que possacompreender o que tenho a dizer, fato que, por outro lado, podecolocar sua vida em perigo... Sei que pode parecer incrível e atéridículo...! Mas é isso mesmo. E lhe asseguro que não se trata de

brincadeira, quando afirmo que você pode sofrer um incidentedesagradável, se lhe conto a verdade... — limpou a comissura doslábios com o guardanapo; e logo se pôs em pé. — Gostaria querefletisse a respeito. Você decide se vale à pena arriscar-se.

Ela estava confusa. Era a primeira vez que o via comportar-sede forma tão estranha. Prontamente, relacionou aquela atitude como fato de ele ter acompanhado a diretora da casa de leilões. Antes,

deixara escapar algo sobre Mercedes e a polícia. E isso erabastante significativo.

— Não sei do que você está falando, mas creio que me deveuma explicação — manteve-se firme, sem perder a calma. — Quero saber em que diabos está metido e qual foi o tema de suaconversa com a diretora.

— Está bem, começarei do princípio. Mas, antes, sente-se...

Tenho de lhe fazer uma pergunta.Ele a acompanhou até o sofá da sala de visitas, onde insistiu

que sentasse. Depois foi à cozinha e preparou algo para beber.Regressou com dois gins-tônicas nas mãos. Depois de oferecer umà sua companheira sentimental, permaneceu em pé, fitando-afixamente, direto nos olhos.

— E...? — ela interrogou impaciente.

— Diga-me... — pigarreou ligeiramente. — Você já ouvir falar alguma vez em uma organização chamada Os Filhos da Viúva?

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Capítulo 5

Depois de seu breve encontro com Lilith, Sholomo pagou a contaao jovem garçom e foi embora com o notebook embaixo do braço.

Dirigiu-se à Praça dos Apóstolos, enquanto sua mente navegavapor um mar de incertezas, pois uma série de coisas ficava ali,dando voltas em sua mente.

"Deveríamos ter pensado bem, antes de agir de formaprecipitada. A inquietação que sentimos, ao saber que a famíliaFajardo vendera um documento cifrado medieval a umdesconhecido, nos tornou incapazes de reprimir nosso desejo de

proteção, ao deduzir que o tal manuscrito poderia ser o diário deIacobus, ou um caminho para chegar a ele, tal como afirmam ascrônicas da época. Talvez a solução do problema não fosse matar um inocente, mas sim recuperar o documento. Simples assim! Masas emoções complicam tudo. Não serviu para nada a morte dopaleógrafo. E o pior de tudo é que ordenei que o criptograma fossequeimado, quando deveria tê-lo estudado antes, para estar seguro

de que realmente era uma ameaça. Agora, são duas pessoas quetêm uma cópia do texto. Graças à Azogue, um deles trabalharápara nós sem que sequer suspeite disso. A outra tem dedesaparecer, por segurança. Espero, apenas, que o que foi salvoda morte consiga traduzir o manuscrito. Assim, saberemos ao quetemos de nos ater, antes que outros cheguem a conhecer osegredo que, com tanto esforço, conseguimos manter duranteséculos. Não suportaria ter de autorizar novos crimes. Não somos

assassinos."Comprou uma revista de arte, em uma banca que estava

prestes a fechar. Mais tarde, deteve-se a contemplar a obra-primaque adornava a parte superior da capela dos Velez. A cadeiaenvolvia o octógono de pedra — erigido, no passado, por mestrespedreiros —, protegendo cuidadosamente as maravilhas gótico-flamencas que estavam guardadas em seu interior. Os grossos

elos representavam a continuidade da tradição, algo que Iacobus jamais soubera compreender; por isso fora castigado. Refletiu, denovo, caminhando até os contrafortes localizados atrás da capela.

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"Parece incrível que a família Fajardo tenha sido a depositáriado segredo durante tantos anos. Nós nunca pensamos em algoparecido, embora sempre tivéssemos dúvidas. Talvez Iacobus,antes de morrer, tivesse tido tempo de introduzir seu manuscritoentre os papéis de Ludovico Fajardo, que foi o segundo marquês

dos Velez. Sabemos que De Cartago sobreviveu ao suplícioapenas umas poucas semanas e que o filho de dom Pedro seirritou demais por causa do castigo infligido ao pedreiro por seuspróprios companheiros; por isso mesmo, foi visitá-lo todos os dias,como se tratasse de um oficial ferido em combate. Nas cartas doentão mestre de obras Justo Bravo, ele relata que tanto osmovimentos do aristocrata como os do traidor foram espionados, jáque não era possível comunicar-se com este último. Não foiconstatado nada de suspeito que os levasse a pensar napossibilidade de existir, entre ambos, algum tipo de cumplicidadeou aliança. Mas houve um detalhe que escapou aos antigosmestres: a idéia de confiscar papéis e documentos do notário deIacobus, e que, segundo consta, era seu irmão ou sobrinho. Nósnão cometeremos o mesmo erro; não agora que contamos com ainformação proporcionada por Azogue, que milagrosamente soube

que havia sido encontrado em Toledo o manuscrito da discórdia eque havia sido enviado por correio eletrônico, há apenas umashoras, à amante do paleógrafo e a um de seus companheiros de trabalho.  Deus está conosco. Está do nosso lado. E nóspermaneceremos fiéis a Seu desejo, protegendo a Arca doTestemunho."

Ele se deteve, sob os andaimes metálicos das obras de

restauração de um edifício em ruínas que havia na parte posterior da catedral, diante dos escudos das famílias Chacon y Fajardo. Damesma forma que outros transeuntes, aventuraram-se pelapassagem metálica, construída pela empresa de reformas, parafazer a comunicação entre as diversas praças que circundavam otemplo.

Na metade do caminho parou para observar uns estranhossinais gravados na pedra, a golpes de cinzel. Reconheceu asdiferentes marcas de cantaria: um triângulo com a cruz nacúspide... Um quadrado com uma cruz no centro... Uma ampulhetaencostada... E, finalmente, as iniciais IDC.

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—Iacobus de Cartago... — sussurrou friamente, sem seimportar com as pessoas que olhavam para ele, ao passar a seulado. — Inclusive morto, a tua herança convida à confusão. Dariadez anos de minha vida para saber onde escondestes o diário!

Pareceu-lhe que alguém ria dele, das profundezas do inferno.

Horas depois de sua conversa com Leonardo Cardenas, Mercedesse reuniu, em seu gabinete, com Nicolas Colmenares, o advogadoda empresa. Comunicou a ele a recente contratação de um novoempregado, que substituiria Leonardo por algum tempo, já que obibliotecário estava fazendo — em sua própria residência — umtrabalho para a casa de leilões e era preciso que alguém

continuasse a tarefa habitual dele, ou seja, a catalogação dos livrosa leiloar. O profissional aceitou sem pestanejar a mudança, emborativesse preferido dar uma olhada nas condições trabalhistas e nadata de extinção, pois era de sua responsabilidade redigir contratosdessa natureza. Convenceram-se quando Melele lhe garantiu queo suplente fora recomendado por um grande amigo dele: AlfredoHijarrubia, que trabalhava no Ministério do Interior. 

Depois, abordaram outros temas pendentes. Dedicaramalgumas horas a assuntos relacionados com a casa de leilões, nãosem certos rodeios, da parte de Mercedes, quando o advogadotratou de abordar com mais profundidade o desgraçado incidentede Balboa. Nicolas, que depois de exercer sua profissão por maisde trinta anos, presumia conhecer a natureza humana melhor quemuitos psicólogos, pressentiram que a diretora queria lhe dizer algoque, ao mesmo tempo, desejava ocultar. Melele costumava ser 

uma pessoa bastante franca, talvez até demais. Por isso, eleestranhou vê-la tão distante em alguns momentos e exaltadademais, em outros. Ele a conhecia havia seis anos, quando seinstalou na Rua Velazquez com um grande sonho na cabeça,depois de abandonar a companhia Drouot, em Paris, devido aexigências do empresário. Mas hoje não era a Mercedes desempre, a dama de ferro capaz de ganhar a batalha contra aadversidade. Estava certo de que algo a preocupava demais.

—Eu a convido para jantar  — sugeriu, procurando, assim,retomar velhos hábitos. — Há muitos meses não compartilhamos a

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mesa e isso me faz pensar que você já não me inclui entre seusamigos mais seletos.

Mercedes se pôs a rir. Sempre a agradara o tom cortêsdaquele maduro Don Juan de pele bronzeada, cabelo grisalho eolhos verdes, que havia alguns anos a cumulara de galanteiosbastante apropriados, com o propósito de seduzi-la. Não podianegar que ele ainda era um homem atraente e que havia sido muitomais, em sua juventude. Mas nunca existira nenhum clima entreeles, mas sim um grande respeito que deu lugar a uma sólidaamizade.

— Aceito o convite — ela respondeu, enquanto pegava osobretudo. — Assim continuaremos a conversar, enquanto

comemos. Há algo que preciso saber e você pode me ajudar.— Posso perguntar do que se trata?

— Creio que será melhor explicar enquanto jantamos.

O advogado adiantou-se para abrir a porta e dar passagem aela. Mercedes agradeceu. Em seguida, dirigiram-se ao vestíbulo.

—Tenho de confessar que você está diferente, desde ofuneral... — tocou em seu nariz. — Sei que todos estão um poucodesconcertados pelo que aconteceu a Jorge e gostaria de pensar que o motivo é esse... e não outro — e então parou em frente aoselevadores, acrescentando gravemente: — Diga-me que a Hiperiónnão me oculta novas surpresas.

—Tudo depende de sua resposta a minhas perguntas.

— Que coisa...! — ele exclamou, mordaz. — Esta manhã,você despertou enigmática.

— Não se preocupe, que até o fim da noite serei a mesmagrossa de sempre — assegurou, com um laivo de secura.

Nicolas acusou, de novo, a repentina mudança de humor daparte dela. Era evidente que estava na defensiva. Suapreocupação deveria ser grave, pois a instabilidade a levara a dar 

uma resposta muito fora do tom. O certo é que conhecia a causade seus altos e baixos, mas queria que ela mesma confessasse.

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Depois de uma breve caminhada, eles entraram em umrestaurante de cozinha basca. Pediram merluza ao estilo tradicionale uma boa garrafa de vinho brando de Navarra. Enquanto lhestraziam umas entradas, Mercedes aproveitou para acender umcigarro. Nicolas, que não suportava a fumaça do tabaco, consolou-

se pensando que no próximo ano entraria em vigor a nova lei sobrefumantes.

— Suponho que a polícia já tenha entrado em contato comvocê a respeito do assassinato de Jorge — começou dizendo adiretora, juntando as palmas das mãos. — Eu mesma lhe dei seunúmero de telefone, porque acreditei que seria melhor. Qualquer assunto que tenha relação com a vida pessoal de nossos

empregados é um problema alheio à empresa. Mas desta vez édiferente; não pude enfrentar sozinha, o fato e lhes sugeri quefalassem com você. Sinto ter abusado de sua confiança.

— Você fez a coisa certa, caso contrário poderia ver-se diantede uma série de perguntas impertinentes, com o objetivo deconfundi-la.

— O que quer dizer?

— Ora, tenha paciência...! — levantou as sobrancelhassignificativamente. — Pensa que a polícia é idiota? — reprovou-a,com um tom amável. — Por que você foi à única pessoa daempresa a quem eles interrogaram, em vez de um funcionário?

— Bem, porque Jorge não tinha família em Madri e eu sou aúnica pessoa a quem podiam dirigir-se, neste caso. De todas asformas, trabalhava para mim.

Um breve sorriso irônico passou pelo rosto do profissional.

— Poupe seus esforços. Eles sabem o que havia entre vocêsdois.

Melele sentiu que suas maçãs do rosto enrubesciam: haviamdescoberto. Não é que se sentisse envergonhada pela relaçãoamorosa, mas gostava de manter segredo sobre tudo o que dizia

respeito à sua vida privada, mais ainda se isso implicava entrar noterreno sexual. Em todo o caso, a única coisa que lhe ocorreu foinegar o que era inquestionável.

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— Não sei do que você está falando — sussurrou. Depois,olhou para ele com ar de desafio.

— Encontraram provas de sua relação no apartamento. Vocêsabe... Fotografias em que estão juntas e felizes, roupas íntimas demulher nas gavetas do quarto dele, perfume no banheiro... E umasérie de coisas mais que lhes fez cogitar na presença esporádica,ali, de uma mulher. Nesse caso, você.

— O que mais lhe contaram?

— Que foi uma carnificina — ele respondeu em voz baixa.Parece incrível que algo assim tenha acontecido a Jorge.

— Só isso? — ela perguntou, de novo. — Nenhum detalhe

escabroso de sua morte?— Creio que cortaram a língua dele... Não sei nada mais. A

polícia não se estende muito quando está procurando esclarecer oque aconteceu. As explicações que oferece são mínimas,profissionais; você já sabe.

Mercedes assentiu com a cabeça, procurando reprimir suainquietação.

O garçom lhes trouxe as entradas e o vinho e logo depoisserviu a comida. Falaram de negócios, do grande crescimento doscolecionadores de papel durante o último ano, graças à qualidadeda oferta, do aumento visível da competência no setor e, também,aos amplos conhecimentos que demonstravam ter os investidoresque freqüentavam as salas de leilões. O certo é que ambos seempenharam em desperdiçar seu tempo em  uma conversa de

caráter profissional, que ameaçava converter-se em uma cortina defumaça escondendo o verdadeiro motivo que os levaram até ali.

Mas na hora do café, já relaxados e desarmados, Mercedesdecidiu que era o momento de contar a ele certas coisas. Precisavade alguém com credibilidade jurídica para ajudá-la.

— Nicolas... — lhe disse, em voz muito baixa. — Sei por que

assassinaram Jorge.Mordeu o lábio inferior. O advogado franziu a testa. Nãoesperava um comentário desse calibre.

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— Tem certeza? — Perguntou, atônito. — E não tente medizer que se trata de intuição feminina.

Ela prestou ligeira atenção ao comentário. Seu olhar glacialcontinuava fixo, sem pestanejar.

— Eles o executaram por traduzir um criptograma medieval...— acrescentou, finalmente, para, em seguida esclarecer — ... é ummanuscrito que guarda cuidadosamente o segredo de umairmandade esotérica chamada Os Filhos da Viúva. Você devepensar que eu estou louca, mas o que lhe digo é a verdade nua ecrua.

Nicolas fez uma careta e deu-se ao direito de opinar. Refletiu

durante alguns segundos, antes de se pronunciar. ConheciaMercedes e sabia que não era uma mulher inclinada abrincadeiras. Sua história deveria ser correta, embora lhe custasseempenho aceitar que existisse uma conspiração sectária contraBalboa.

 Aquilo parecia argumento de uma novela de mistério,bastante comum.

— A polícia tem essa informação? — Perguntou, interessado.— Somente no que se refere ao nome de seus assassinos. O

resto eu sei por que nós nos víamos na casa dele e eu sabia daexistência do manuscrito.

— E que explicação você lhes deu para o fato de conhecer aexistência desses Filhos de... como se chamam, mesmo?

— Escute, Nicolas. Esses bastardos cortaram a língua doJorge e escreveram umas frases na parede com sangue — o rostodela endureceu. — Assinaram como Os Filhos da Viúva... — deteve-se um momento, antes de continuar. — Eu mesma estive láe pude ver com meus próprios olhos.

— O quê...? — provocou, histriônico, o advogado, sem seimportar com os olhares de curiosidade das pessoas que jantavam

nas mesas próximas. — Muiiiiiiiiiitoooooooooo beeem.... — prolongou as vogais e perguntou, surpreso — você esteve na cenado crime e não contou isso à polícia?

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Mercedes fez um gesto rápido com a mão, indicando-lhe parabaixar o tom de sua voz. E então se aproximou dele, parasussurrar, de maneira confidencial:

— Reconheço que foi um erro, lamento. Por isso estoucontando a você, agora. Preciso de seus conselhos — num atoreflexo, arrumou a alça do sutiã.

Nicolas Colmenares respirou fundo, constrangido. Depois deum incômodo silêncio, sua voz traiu certa aspereza:

— Então, será melhor que me conte tudo o que sabe, desde oprincípio.

— Está bem, vou fazer isso, mas lembre-se que você está

sob o sigilo de confidencialidade que existe entre advogado ecliente...

Depois do compromisso firmado, Mercedes foi contando a eletudo o que sabia e também o que estava tramando fazer: procurar os criminosos e entregá-los à polícia havia se convertido em umagenuína e particular vingança. Era, ainda, uma maneira de garantir sua própria segurança.

Naquele momento, o conselho profissional de Nicolas não foio melhor para os interesses de sua amiga. Como advogado,continuava pensando que contar tudo à polícia evitaria grandesproblemas, mesmo que isso lhe custasse enfrentar um juiz por tentar atrapalhar as investigações. Lembrou, inclusive, quepoderiam acreditar que ela fosse cúmplice do assassinato, casonão contasse a verdade. Finalmente, desistiu, ao perceber o

quanto ela era teimosa quando decidia uma coisa. Seu últimorecurso foi pedir-lhe que não continuasse investigando, que tirasseférias e saísse da Espanha, para algum lugar bem longe, do outrolado do Atlântico, e que esquecesse aquele assunto. Só obtevedela, entretanto, a promessa de refletir profundamente antes detomar uma decisão que a implicaria ainda mais naquele terrívelcrime.

Com um esgar de tristeza no rosto, o profissional pagou aconta e ambos regressaram ao escritório, pois Melele haviadeixado ali alguns documentos que teria de guardar em casa. Tão

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logo chegaram, Nicolas sugeriu que ela subisse sozinha, dizendoque a esperaria embaixo, para que fossem tomar uns drinques emalgum bar no centro da cidade.

Em seguida, depois de se certificar que Mercedes já entrarano elevador, o advogado tirou o telefone celular do bolso do paletó.Pegou sua carteira e dali tirou um cartão de visitas. Então,pressionou os números impressos no lado inferior direito dacartolina azul.

— Alô...? Sou Nicolas Colmenares. Quero que preste atençãoem minhas palavras...

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Capítulo 6

Os Filhos da Viúva? — Cláudia repetiu a pergunta, meneando acabeça para a esquerda, com a intenção de recordar. — O certo éque sei do que se trata. Creio que ouvi falar deles em meus anosde estudante universitária... Seriam Os Filhos da Luz? — tinhadúvidas. Na verdade, não estou muito certa... Talvez fosse algoparecido... — então, fez a observação, de uma forma inquisitiva — ..., mas o que isso tem a ver com Mercedes ou com a morte doJorge?

Leonardo refletiu alguns segundos, antes de responder. Não

sabia nem sequer por onde começar.— Cláudia, ouça-me com muita atenção... — deixou o copo

sobre a mesa, antes de sentar-se ao lado dela. — Essas criaturasque assassinaram Balboa, bem como a própria causa do crime,estão intimamente relacionadas com o manuscrito que ele trouxede Toledo.

— Você me falou algo sobre um documento — ela recordou,vagamente —, ainda que eu não consiga compreender a relaçãoentre um texto medieval e a morte de um inocente e pacíficopaleógrafo.

— O pergaminho estava criptografado... — confessou. —  Acabaram com ele porque havia encontrado a chave docriptograma, decifrando o segredo que as palavras ocultavam.Cortaram sua língua, ou melhor, arrancaram-na desde a raiz, sob o

queixo, por traduzir o manuscrito.

— Isso é terrível! — exclamou horrorizada. — Mas... o quetem a ver a morte dele com você? — quis saber, cada vez maisinquieta.

— O mesmo Jorge, antes de morrer, nos enviou, a Mercedese a mim, uma cópia via correio eletrônico ... — percebeu que tinha

a testa molhada de suor. — Você entende, agora, por que eu nãoquis lhe contar nada?

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Cláudia empalideceu ao escutar aquelas palavras. Continuavasem entender o que aconteceu, mas já conseguia fazer uma idéiaaproximada. Haviam assassinado Balboa por investigar um textocujo conteúdo deveria permanecer em segredo, e voltariam a fazer o mesmo, caso alguém tentasse novamente. O terrível não era

propriamente o pavoroso detalhe da língua arrancada, algo por sibastante desagradável, mas o fato de Leonardo ter uma cópia dopergaminho e isso fazia crer que estava ameaçado de morte. Por um momento, lhe veio à memória a espada de Dâmocles pendendode uma crina de cavalo sobre sua cabeça; naquele caso, de seucompanheiro.

—Será melhor que você me conte tudo, desde o princípio.

 Alice acaba de atravessar o espelho e cair de bruços sobre omundo de Oz. Em duas palavras: estou perdida!

Perplexo, ele olhou para ela e explodiu, na certeza de nãoestar no controle da nova situação.

— Sarcasmos não, por favor! Eu faço questão de repetir quenão se trata de nenhuma chacota! — esbravejou, cheio de cólera.

— Claro que não é! — gritou Cláudia, por sua vez, deixando-se levar pelo nervosismo que sentia. — Você pode imaginar comome sinto, depois de ouvi-lo contar todas essas atrocidades...?

 Acredita que a melhor coisa para um encontro amoroso é umahistória de crimes misteriosos e códigos secretos? Puxa vida! Meus

 joelhos ainda estão tremendo...

Depois de respirar profundamente, durante alguns segundos,ela se atreveu a fazer uma nova pergunta:

— O que Mercedes tem a ver com tudo isso?

— Ela e Balboa eram amantes.

— O que...? — Cláudia não conseguia acreditar no queacabara de ouvir. Mas isso é um absurdo!

— Nada lhe parecerá igual como antes, tão logo escute o que

tenho a lhe dizer.Sem perder mais tempo, Leonardo contou o que aconteceuna casa de leilões. Narrou a história sem omitir detalhes, tal como

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Mercedes lhe contara, advertindo-a que seu futuro na casa deleilões... e talvez até mesmo suas vidas... dependiam da discriçãode ambos.

 Assim que ele terminou o relato, Cláudia olhou para o chão.Parecia absorta em um grande conjunto de pensamentos.Procurava recordar onde havia escutado, antes, semelhantehistória. Os mecanismos do subconsciente se puseram emfuncionamento, obrigando o cérebro a recuperar imagens perdidas,no passado. O macabro detalhe da advertência que falava desalvaguardar um segredo, assim como o ritual de cortar a língua dequem quebrasse um juramento, faziam parte de uma série dedetalhes que lhe pareciam vagamente familiares.

"Esse é o juramento de iniciação dos maçons da Escócia!",ela se deu conta, mentalmente. Felicitou-se, acreditando ter encontrado certo paralelo entre o suplício de Balboa e uma antigalei da loja maçônica de Edimburgo. Era, porém, cedo demais paracontar a Leonardo. Antes, teria de comprovar se estava na trilhacerta.

— Ligue o computador  — disse a ele, misteriosa. — Eu

gostaria muito de dar uma olhada no manuscrito.— Está certa de que quer compartilhar isso comigo? — 

Leonardo tratou de adverti-la, mais uma vez, do perigo que corriaao ajudá-lo. A jovem, que havia lavado as mãos, de maneiraenérgica, deixou bem clara sua decisão, com uma voz grave, masintensa:

— Não será tão fácil para você livrar-se de mim... — ela obeijou nos lábios, afastando-o para que se erguesse. — Agora,ligue o computador e vejamos esse texto tão misterioso... Estoucom um pressentimento.

Minutos depois, eles observavam juntos aquela coisa confusaque Jorge enviara antes de morrer. Era idêntico ao de Mercedes.Mas o paleógrafo acrescentara algumas frases no final dessamensagem:

"Nostradamus: Centúria 1, Estrofe XXVII. Quem é capaz devislumbrar, de baixo, a fenda do elo da corrente?"

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— Aqui está ele — disse Leonardo, sentado diante da mesade seu escritório —, um código cifrado composto por letras gregas,latinas e números árabes. Um maldito criptograma, impossível deinterpretar.

— E o que significa aquilo ali? — Cláudia apontou, com oindicador, para as últimas linhas da mensagem.

— Não tenho a menor idéia! Mas deve ser algo importante,para que ele tenha se dado ao trabalho de acrescentar ao texto.Talvez se trate de um aviso, ou, ainda, de algo que eu deveriaentender ou procurar. Vou estudar isso mais tarde; agora o quemais me preocupa é desvendar essa sopa de letrinhas.

— É um nomenclador medieval — disse, com certeza — ...uma lista — concluiu, arisca.

— Um o quê...?

— Um sistema de normas de transcrição, graças ao qual umamensagem que contém informação secreta se transforma em umamensagem cifrada... — Cláudia, que acabava de evitar um bocejo,lançou mão das lições de paleografia que aprendera na

universidade. Durante os séculos XVI e XVII, um dosprocedimentos mais utilizados pelo correio diplomático era osistema misto de substituição. Nele, eram usados números árabes,letras comuns e inventadas, as quais tomavam o lugar doscaracteres do abecedário. Emissor e receptor possuíam um códigode transcrição. Um o usava para escrever o criptograma, outro,para traduzir o texto.

— Balboa pôde fazê-lo sem código — ele observou. — Masera um gênio em sua área, capaz de ler com os olhos vendados asgrafias dos antigos escritos escandinavos. Já eu me sinto incapazde ver certas coisas até mesmo sem nenhuma obstrução. Esseamontoado de letras é para deixar qualquer um louco.

— Querido, o que lhe falta é perspectiva... — ela comentou,olhando para ele com ternura. — Você tem a solução do problema

em sua própria casa. O que acontece é que você mesmo se cega,a ponto de não perceber o que está diante de seus olhos...

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Ela não conseguiu evitar uma demonstração de criatividade.Mostrar suas aptidões em público saciava demais sua vaidade.

—Mas isso eu lhe contarei mais tarde. Agora precisocomprovar um detalhe.

Deu-se o direito de deixá-lo de lado, para ocupar seu lugar.Estava certa de que encontraria na rede das redes as armas deque necessitava para lutar naquela singular  cruzada. Não havianada que não se pudesse encontrar na Internet.

Saiu do correio eletrônico para introduzir as palavras"juramento" e "Arquivo de Edimburgo", no site de busca Google.Segundos depois, havia várias opções de páginas eletrônicas na

tela do computador, todas contendo esses termos. Sem pensar duas vezes, Cláudia clicou em uma que falava de maçonariaoperacional. Leonardo lembrou, então, a máxima escrita peloassassino no apartamento de Jorge. Nela, estava mencionada apalavra "loja". Esse era, precisamente, o nome que recebia airmandade formada pelos maçons.

Cláudia começou a ler o texto, rapidamente. Com movimentosdo mouse, baixava páginas à grande velocidade. Às vezes sedetinha para dar uma olhada e, logo depois, voltava a subir até oprincípio da relação.

—Sim, aqui está! — exclamou, sem conseguir esconder suaalegria ao encontrá-lo. Sabia que já havia lido isso em algum lugar!

Leonardo se aproximou do monitor de seu computador. Leu oque estava escrito na tela:

"É significativo o Juramento que aparece em um manuscritoconservado no Arquivo de Edimburgo, datado do ano de 1646:'Juro por Deus e por São João, pelo Esquadro, pelo Compasso,submeter-me ao julgamento de todos, trabalhar a serviço de meuMestre nesta venerável loja, de segunda-feira pela manhã ao sába-do, e guardar as chaves sob pena de que me seja arrancada alíngua pelo queixo e de ser enterrado sob as ondas, onde nenhum

homem possa saber'..."—Isso foi o que fizeram com Jorge... — os lábios de Cláudia

tremeram levemente ao falar. Cerrou os dentes e acrescentou,

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sussurrando: — Esses desgraçados cumprem ao pé da letra suaspromessas de maneira implacável.

—Sim..., mas quem? — perguntou seu amigo, com os olhosesbugalhados.

—É evidente que foram os maçons!

Depois de duas horas de viagem, Lilith decidiu descansar em umpequeno hotel que havia do outro lado da rodovia. Tomou aprimeira saída, para seguir pela estrada auxiliar. Passou pelo postode combustível e continuou adiante, até chegar ao estacionamento.Com delicadeza, o Corvette ocupou a vaga mais próxima da portade entrada.

Ela apagou o cigarro no cinzeiro. Em seguida, enfiou noenvelope as fotografias que havia observado pouco depois de suaconversa com Sholomo. Elas, aliás, estavam espalhadas sobre oassento do passageiro, junto com os outros papéis onde havia asreferências a respeito de sua próxima vítima. Retirou a chave docontato e abriu a porta. Fora, o ar da noite suavizou seuspensamentos mais desesperados. Aspirou profundamente,

levantando a gola de seu sobretudo, até cobrir parte de suasbochechas. Depois, a passos firmes, dirigiu-se à portaria do hotelque escolhera. A moça que a atendeu, na recepção, foi discreta enão olhou seu rosto por mais tempo do que o necessário. Assimque viu a hóspede cruzando a porta, logo lhe pareceu ser alguémimprevisível, com um gênio capaz de gerar certo prejuízo aonegócio, caso tivesse algum problema com os empregados. Talvezpor isso, tratou-a com muita delicadeza e educação, antes de lheentregar a chave do quarto. O adolescente postado junto ao balcãofez menção de agachar-se para pegar a bagagem, mas Lilithnegou-se a entregar a ele a maleta que levava consigo, emboratenha dado uma boa gorjeta ao solícito camareiro.

Quando ficou sozinha no quarto, deixou o que carregavasobre a cama, para tirar, com mais facilidade, o sobretudo decouro. Depois, pegou seu telefone celular no bolso interior. Tinha

de chamar a Agência.

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 A Agência era um sindicato criminoso que se espalhava por todo o planeta como um vírus pandêmico em expansão. Sua sedeficava em um dos edifícios mais modernos de São Paulo, tendocomo perfeita fachada uma empresa dedicada ao serviço desegurança empresarial e de guarda-costas, chamada Corpsson.

Ninguém sabia quem estava por trás do Comitê de Direção, nem amaneira como eram recrutados os empregados e conquistados osclientes.

Os funcionários contatavam o escritório central por telefone epela web e, da mesma maneira, recebiam informações sobre asvítimas selecionadas e de quem requeria seus serviços. Foi assimque tomou conhecimento de certa irmandade de pedreiros — 

liderada por um arquiteto apaixonado por espeleologia —, queprecisava com urgência calar a boca de um sujeito que descobriraum de seus maiores segredos.

Lilith não era, precisamente, uma dessas pessoas quecumprem regras de maneira displicente ou que tomam umadecisão sem ter refletido profundamente; muito ao contrário, erametódica, imperturbável e precavida com as encomendas de seus

clientes, respeitando sem vacilar os motivos que os levaram adesejar a morte de seus inimigos. Não obstante, algo chamouimediatamente sua atenção: o fato de eles concederem tantaimportância à queima de um simples manuscrito. Segundo oinforme que lhe entregou o pessoal da Corpsson, a destruição dotexto era prioritária. Aquilo despertou sua curiosidade e, por isso,da mesma forma que Pandora, decidiu abrir a caixa dos trovões eaguardar o resultado.

Mas tinha de agir com precaução. Dentro da Agência haviaoutra empresa paralela, dedicada a lavar as roupas sujas dopessoal e corrigir seus erros. Se não andasse com cuidado,poderia acabar seus dias com um saco plástico na cabeça ou umtiro na nuca.

Tirou as luvas, antes de apertar os dígitos do celular.Imediatamente, escutou o sinal de contato. Pouco depois, a vozfeminina de uma secretária — com um claro sotaque anglo-saxônico — a saudou, em tom neutro.

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— Corpsson, na linha. Em que posso ajudá-la?

Lilith lhe deu uma senha composta, alternadamente, de seisletras e quatro números. Passados alguns segundos de espera, achamada foi encaminhada ao gabinete do diretor. Quando eleestava na escuta, falou com voz firme:

— Nenhum contratempo. Nos Alpes suíços brilha o sol.Continuarei na Espanha por mais algumas semanas. Decidiramrenovar meu contrato. Para ter mais informações a respeito, falecom Sholomo.

 Apertou o botão vermelho, encerrando a ligação, e jogou ocelular sobre a cama. Foi, então, até a varanda, de onde pôde ver 

as luzes dos automóveis passando velozes pela rodovia. Acendeuum cigarro e tragou com força. Então, começou a rir. Imaginou acara que faria Sholomo se soubesse que ela só havia cumprido emparte sua primeira tarefa.

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Capítulo 7 

Havia descoberto o verdadeiro rosto do inimigo. Agora tratariam

de conhecê-lo a fundo, para estar em igualdade de condições. Aúnica coisa que podiam fazer para ampliar seus conhecimentos eraescarafunchar os livros de esoterismo que havia na casa, ou talvezmergulhar nas páginas que os internautas com credibilidadecolocavam na rede: Leonardo se dedicou a investigar por contaprópria, na biblioteca do escritório, enquanto Cláudia optou por permanecer diante do monitor.

Souberam, então, que a origem da maçonaria ainda erabastante incerta. Havia quem afirmasse tratar-se de umairmandade de pedreiros e oleiros, criada na alvorada da IdadeMédia, cujos integrantes se reuniam em guildas 5 ou lojas, e queguardavam cuidadosamente o segredo da arte da construção.Outros asseguravam que a maçonaria surgiu depois da dissoluçãoda Ordem do Templo 6. E, os mais ousados, acreditavam que suasraízes remontavam a época do rei Salomão, ou mesmo antes. Mas

o certo é que ninguém sabia, com certeza, quando e sob quepropósito havia surgido à loja maçônica.

Como já era tarde, eles decidiram adiar a investigação paraoutro momento. Cláudia tinha de se levantar cedo e a Leonardoainda restavam muitas horas de estudo, antes de se recolher, se éque realmente quisesse deixar Mercedes satisfeita.

Com a mente embaçada pelo excesso de leitura, consumo de

cigarros e bebidas que tomaram ao longo da noite, eles sedirigiram ao vestíbulo, abraçados pela cintura, bem juntinhos.Depois de abrir a porta, Leonardo recordou as palavras de Cláudiaquanto à transcrição do manuscrito e sua promessa de ajudá-lo.

— Você vai me ensinar a decifrar o documento ou terei depedir por favor?

5 Também no Brasil se usa o termo "guilda" com a mesma acepção, ou seja, de uma associação de mutualidadeentre praticantes de um mesmo ofício. Segundo o Houaiss, deriva de guilde, criada em 1282, a partir do latimmedieval gilda, que, por sua vez ,vem de gilde, ou seja, reunião festiva. (N.T.)6 Um outro nome da Ordem dos Templários, que atuou a partir de 1119, lutando nas Cruzadas. (N.T.)

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— Basta que você me beije — respondeu, docemente, comos braços ao redor do pescoço dele.

O bibliotecário não se fez de rogado. Suas mãos seguraram oqueixo de sua amante ao mesmo tempo em que a beijavalentamente, como se fosse o primeiro dia de seu relacionamento.Lamentou, então, não ter aproveitado a ocasião para desfrutar comela uma noite de amor desenfreado.

— Hummm..., creio que não seria má idéia... — Cláudiasorriu, atrevida. Portanto, eu lhe direi... — antes fez um muxoxogracioso e acrescentou — ... a solução do criptograma vocêencontrará em Poe...6.

 Ao perceber que ele não manifestava nenhuma reação, elaexclamou, irritada:

— Por Deus, Leo! No seja tão limitado! Por acaso, não leu OEscaravelho de Ouro? 

— Hummm... sim, mas há muitos anos, quando eu erapequeno... Mas a verdade é que eu não me recordo muito bem — reconheceu, apesar de ter a obra completa do escritor americano

na biblioteca da sala de visitas.— Está bem... Pois eu lhe recomendo que volte a ler o livro,

será uma grande ajuda para você. Dentro de uma hora, consulte ocorreio eletrônico. Vou lhe enviar, de minha casa, um cálculo defreqüências das letras mais usadas em castelhano. Você vaiprecisar dele.

— Isso é tudo? — perguntou Leonardo, com meio-sorriso.

Continuava sem compreender nada.— Amanhã à tarde, virei vê-lo... Enquanto isso, não saia

daqui. Eu lhe direi o que estiver acontecendo no trabalho.

— Comporte-se bem. Não quero que Mercedes suspeite quelhe contei tudo.

— Fique tranqüilo — ela respondeu, séria. — Serei a primeira

a perguntar o motivo de sua ausência.

6 — Referência ao autor Edgar Allan Poe. (N.T.)

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— Não exagere... — ele objetou.

Cláudia não era uma boa atriz e poderiam descobrir algumacoisa, se falasse demais.

— Aja como o resto dos colegas e se esqueça de mim

durante alguns dias.— Tudo bem, eu vou me manter a margem... — aproximou-

se, para beijá-lo novamente com seus lábios saborosos. — Masnão vai conseguir que eu me esqueça de você.

Foi até o elevador. Apertou o botão de maneira automática,quase inconsciente. Enquanto esperava, voltou-se para observar Leonardo. Ele estava na porta, segurando as últimas palavras.

Finalmente, afloraram em sua boca.— Tome cuidado — preveniu. — A partir deste momento você

é uma peça a mais no jogo.

— Eu sei — respondeu, no momento em que as portas doelevador se abriam —..., mas agora é minha vez de movimentar apeça.

 Acenou com a mão antes de ir embora, gesto que Leonardolhe devolveu. Em seguida, ele entrou novamente no apartamento efoi direto à sala. Depois de procurar por algum tempo entre osvolumes de literatura fantástica e de terror, encontrou o queprocurava. Abriu sem perda de tempo e vasculhou nas páginasuma frase ou passagem que servisse de referência à suainvestigação. Finalmente,  encontrou  o que buscava nas últimasfolhas. O criptograma do capitão Kidd lhe pareceu familiar.

Lembrava muito o de Balboa, embora este fosse muito maisextenso e complicado, além de escrito Cm caligrafia gótica. Ele eramuito preparado para a catalogação de livros, mas não tantoquando se tratava de compreender documentos medievais.

Voltou ao princípio. A narrativa de Poe atraiu tanto suaatenção a ponto de se sentir o próprio e anônimo protagonista dahistória. Cláudia, nesse caso, poderia passar por William Legrand,

o especialista em criptografia. Havia um trecho em O Escaravelhode Ouro que o fez refletir:

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"... considero muito duvidoso que uma inteligência humanaseja capaz de criar um enigma desse tipo, que outra inteligênciahumana não consiga resolver caso se esforce adequadamente."

Tratava-se de um pensamento bastante lógico, do ponto devista de Poe. Mas daí a compartilhar seu critério havia um grandeabismo.

Quando terminou de ler o conto, havia aprendido tudo o queprecisava para começar a transcrever o pergaminho de Toledo. Emteoria parecia fácil, embora levar isso à prática demandasse tempo.Tratava-se de trocar os diversos sinais por letras do alfabeto, comum índice maior de freqüência: isso e um pouco de imaginação.Cláudia prometera que lhe mandaria um cálculo de porcentagens.

Enquanto esperava o e-mail, decidiu dar uma olhada na frase queJorge havia acrescentado à sua mensagem.

Postou-se, outra vez, diante do computador. Entrou no correioeletrônico para estudar o texto a fundo. Depois de alguns segundosde espera, leu novamente o comunicado enigmático:

"Nostradamus: Centúria I, Estrofe XXVII. Quem é capaz de

vislumbrar, de baixo, a fenda do elo da corrente?"Ele conhecia de passagem a vida e a obra de Michel deNostradamus, célebre médico do século XVI, cujas profecias lhevaleram o reconhecimento de Catarina de Médicis e do rei CarlosIX.

Suas Centúrias continuavam assombrando o mundo, quatroséculos depois, sobretudo a partir do momento em que tentaram

relacionar certas estrofes de sua obra com o atentado de 11 deSetembro7. Vários escritores haviam analisado o conteúdocomplexo de seus poemas e ninguém chegara a um acordo nahora de definir a data de suas previsões sobre o futuro próximo dahumanidade.

Ele não tinha um exemplar das Centúrias em casa, emboradispusesse da ajuda que lhe prestava a web. Como Cláudia havia

feito antes, Leonardo introduziu as palavras "Nostradamus" e

7 Referência à tragédia que assolou os Estados Unidos, com o lançamento de dois aviões de passageiros contraas torres gêmeas do World Trade Center, de Nova York. (N.T.)

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"Centúrias" na janela do site de busca. Em poucos minutos, aliestava, diante de seus olhos, a obra completa do escritor. Tinha,agora, de encontrar a estrofe XXVII. Baixou lentamente as páginas,até encontrar o que procurava:

"    Sob as correntes Guien do céu ferido,

não longe dali está o tesouro escondido,que depois de estar preso durante longos séculos,morrerá se encontrar o estímulo do olho saltado." 

Leu a quadra várias vezes e, por mais que tentasse, eraimpossível adivinhar que sentido teria aquele conjunto de palavras.

Tentou, então, com a outra frase:"Quem é capaz de vislumbrar, de baixo, a fenda do elo da

corrente?"

Havia algo no texto que disparou seus sensores de advertên-cia, fazendo com que revivesse um momento já vivido. Estava certode ter ouvido isso antes, mas não se recordava quando e por quê.

Ficou ali matutando, dando tratos à bola, até que olhou orelógio do computador. Era uma e vinte da madrugada. Uma horase passara desde que Cláudia fora embora. Esperando ter maissorte com o manuscrito, abriu novamente o correio eletrônico. Aliestava o e-mail prometido por Cláudia. Abriu o documento anexo,em Word, para ver o que continha. Além de uma saudaçãocarinhosa e de uma frase  de alerta, recordando-lhe que tivessemuito cuidado, encontrou a tabela de freqüências:

 ALTAS MEDIAS BAIXAS BAIXASE -16,78% R — 4,94% Y -1,54% J — 0,30%

 A - 11,96% U — 4,80% Q -1,53% NH — 0,29%0 — 8,69% 1-4,15% B — 0,92% Z — 0,15%L — 8,37% T — 3,31% H — 0,89% X — 0,06%

S — 7,88% C — 2,92% G — 0,73% K — 0,02%N — 7,01% P — 2,77% F - 0,52% W — 0,01%D — 6,87% M — 2,12% V — 0,39%

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Com tais referências ele poderia começar o seu trabalho. Nãoia ser fácil, mas, tampouco, impossível. Esperava traduzi-lonaquela mesma noite. Foi dar o último trago em seu terceiro gim-tônica, mas, antes de fazê-lo, levantou a taça:

— Por você, que não para de me surpreender!

Depois de brindar em honra de Cláudia, levantou-se e foi atéa cozinha. Precisava, com urgência, de uma xícara de café. Seriauma noite muito longa, pois ainda teria de enviar a Mercedes um e-mail  com um relatório detalhado de suas investigações, emprimeiro lugar, para, depois, começar a tradução do manuscrito, umtrabalho que prometia ser tão complicado como interessante.

Não podia dormir. A escuridão envolvia o aposento, aprisionando oar até reduzi-lo ao mais absoluto nada. Ela respirava com muitadificuldade. Banhada em suor, se retorcia sobre o lençol, vítima desua obsessiva imaginação. O começo do sonho se converteu empesadelo, quando pareceu que via, entre as sombras de seuquarto, a silhueta de um homem se aproximando lentamente dacama. Sua primeira reação foi permanecer quieta, sem se mover.

Nem sequer se atreveu a respirar, tão apavorada estava. Umaoração aflorou em seus lábios.

Então, deixou de vê-lo, ou melhor, de senti-lo. Mas em suamente ainda ouvia a respiração dele. Estava ali. Em algum cantode seu quarto. Esperando pela oportunidade de abrir sua garganta.

Em um desesperado gesto de sobrevivência, Mercedes selevantou, disposta a acender a luz. Não havia ninguém ali, apenas

uma blusa e umas calças compridas que pendiam do cabide.Sentiu-se uma idiota ao pensar que pudesse haver alguém naqueleaposento, embora ainda tivesse a incômoda impressão de estar sendo vigiada. Tinha medo, não precisava negar. Havia motivosmais que suficientes para isso.

Como não ia mesmo conseguir dormir, levantou-se da cama efoi direto para o banheiro. Remexeu no móvel do lavabo até que,

finalmente, encontrou o que tinha ido buscar: suas pílulas paradormir.

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Encheu um copo com água e colocou um par de cápsulas naboca. Olhou-se no espelho. Olheiras grotescas circundavam suaspálpebras, já enrugadas em virtude da idade. Sentia-se cansada,desmoronando, mas, sobretudo, sozinha. Perder Jorge, que lheoferecia a estabilidade e a companhia necessária para estabelecer 

uma relação com sentido, foi um duro golpe, do qual ainda nãohavia se recuperado. Em seus quarenta e seis anos de idade, nãoisentos de bons momentos e amores esporádicos, tudo o quealmejava era passar o resto da vida junto de um homem tranqüilo einteligente, capaz de preencher o vazio espiritual que foi crescendocom o passar do tempo.

Deixou de lado suas inquietações e voltou para a cama. Antes

de deitar, recordou a conversa mantida com Leonardo, naquelamesma tarde. Reconheceu ter cometido um ou outro erro aoestender-se em relação a detalhes. Sabia que Leonardo era umapessoa bastante perspicaz e que, cedo ou tarde, perceberia quefaltava algo em seu relato. Não se arriscou a contar-lhe toda averdade por desconfiança ou, simplesmente, por medo de parecer muito fria. Não lhe interessava dizer que havia ido à casa de Jorgepouco depois de receber sua ligação telefônica e que, depois de

entrar no apartamento dele, o encontrou morto em uma poça desangue; o mesmo sangue que os assassinos usaram para escrever na parede uma frase de  advertência muito significativa. Não, nãoqueria divulgar sua presença em uma cena de crime.

Poderia converter-se em um alvo fácil para a polícia e,inclusive, para aqueles que acabaram com a vida de Jorge equeimaram o manuscrito. Já fizera demais ao contar a verdade a

Colmenares, a única pessoa em quem podia confiar cegamente.Como dizer a Leonardo que teve medo? Medo das coisas

horríveis que viu dentro da casa... Medo de não compreender queuma coisa dessas acontecera a alguém tão bom e honesto comoJorge... Medo de ser a próxima...

Voltou a deitar-se, mas antes guardou as peças penduradasno cabide e fechou a porta do armário. Apagou a luz. As pílulasnão tardariam a fazer efeito.

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Letras góticas de sangue dançaram em sua cabeça antes desucumbir, irremediavelmente, nos braços de Morfeu.

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Capítulo 8 

Depois de várias horas de intenso trabalho, durante as quais teve

de isolar as diversas freqüências de cada uma das letras enúmeros e trocar por sinais algumas das vogais e consoantes maisutilizadas, Leonardo conseguiu deixar o manuscrito de lado, paradescansar um pouco e colocar em ordem seus tensospensamentos. Tomou essa iniciativa antes que o esforço oconsumisse. Embora estivesse disposto a decifrar o criptogramanaquela mesma noite, apesar do inconveniente de ter que manter-se acordado todo o tempo, precisava fechar os olhos e fingir que

nada daquilo estava acontecendo realmente, ou seja, que nãopassava de outro de seus pesadelos.

Sentou-se, coçando a parte superior do nariz. Depois defechar as pálpebras e descansar a cabeça no sofá, recobrou alucidez de que tanto precisava; não era importante apenas atradução do pergaminho, mas também descobrir o significado dasfrases que acompanhavam a mensagem e que Balboa quis que ele

decifrasse. De fato, seu subconsciente não cansava de adverti-lode que tinha de recordar onde havia escutado falar da fenda do eloda corrente.

Então, motivado pelo entusiasmo de recobrar inesperadamente a memória, abriu os olhos, lançando o corpo parafrente.

— Como é possível que eu tenha me esquecido de uma coisa

dessas! — exclamou, lamentando sua estupidez. — Jorge não fezmais que recordar minhas próprias palavras.

Na última vez que ambos comeram juntos, no Wellington,conversando sobre as referências artísticas das diversas catedraisda Espanha, Leonardo havia contado a ele certa história sobre umaenorme corrente de pedra que circunda a base superior da capelados Velez, situada na parte traseira da catedral de Murcia. A tal

lenda, que ele teve a oportunidade de ouvir pela boca de seuprofessor de história, na adolescência, dizia que o artista, depoisde finalizar sua magnífica obra, decidiu quebrar um dos elos de

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propósito, sem que ninguém soubesse realmente o motivo. Emseguida, o professor desafiou os alunos a perceber se eramcapazes de distinguir a fenda do elo danificado. Na verdade,nenhum dos presentes viu nada. Para ele, parecia que o mestreestava querendo brincar.

Sem dúvida, Balboa considerou o fato suficientementeimportante para citar a frase no final do texto. Não era uma coisaque se pudesse desconsiderar. Além disso, lhe pareceu estranhoque a quadra de Nostradamus mencionasse igualmente umascorrentes, como se existisse uma relação entre a que é descritanas Centúrias e os enormes elos de pedra que rodeavam a capelados Vélez.

Olhou seu relógio de pulso. Eram três e meia da madrugada. Arriscando-se a que fosse tachado de inoportuno — ou pior ainda,de estar bêbado —, levantou-se do sofá e foi direto ao telefonecom a intenção de ligar para Raul, um dos poucos amigos quetinha em Murcia e com o qual ainda mantinha contato. Além detrabalhar na arquidiocese dioclesiana de Cartagena, seu amigosabia de memória todas as histórias e lendas daquela região

autônoma. Se houvesse alguém capaz de ajudá-lo, esse alguémera ele. Discou o número com uma obstinação desesperada.Pouco depois, escutou a voz sonolenta do outro lado.

— Posso saber quem é o engraçadinho que quer arruinar aminha noite? — perguntou asperamente, ainda sonado, com aintenção de ofender quem havia conseguido arrancá-lo de um dossonos mais maravilhosos de sua monótona existência: completar sua coleção de selos antigos.

— Raul, sou eu... Leo... — disse-lhe com suavidade. — Lamento chamá-lo há essas horas tão inadequadas, mas precisoque você me ajude. Não o teria feito se não fosse realmenteimportante.

— Leonardo...? É você mesmo...? — perguntou de novo,como se lhe custasse muito compreender que tudo aquilo estava

de fato acontecendo. — Por acaso você não sabe ligar para osamigos do jeito normal?

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— Já lhe disse que sinto muito — insistiu —, mas preciso comurgência de certa informação que você pode ter... — deteve-se por um instante e acrescentou: — É uma questão de vida ou morte...

 Acredite em mim, por favor.

Mesmo pensando que seu amigo exagerava, Raul lheconcedeu o benefício da dúvida.

— Está bem, seu chato... pode falar.

— Eu gostaria que você me contasse tudo o que sabe arespeito das correntes de pedra que circundam a capela dos Velez.

Por um instante, Raul pensou que seu amigo de infânciahavia exagerado na dose habitual de gim com tônica. Não

obstante, decidiu fazer a vontade dele. Talvez porque fosse um dospoucos amigos com quem compartilhava a paixão pelasantiguidades, ou talvez porque fosse o único que se dignava atelefonar assiduamente.

— Puxa vida! — exclamou, mordaz. — Desde quando lheinteressam as velhas lendas de nossa catedral?

— Desde o momento em que assassinaram um colega detrabalho — respondeu Leonardo, sem vacilar e em tom grave.

Se havia um resquício de sonolência no confuso cérebro deRaul, acabou se desvanecendo ao escutar aquelas palavras. Oassunto parecia ser realmente sério. O fato de haver um crime nomeio o impelia a ser cuidadoso. Mesmo assim, decidiu contar tudoo que sabia.

— Está bem, eu vou lhe dizer o que sei — ofereceu-se paraajudado. — Houve, uma vez, um mestre escultor chamado Iacobusde Cartago, que cinzelou uma imensa corrente de pedra, a pedidode uma importante autoridade de  Múrcia, dom Pedro Chacón yFajardo. A  matéria-prima para essa obra artística, única em seugênero, foi extraída de uma pedreira situada nas cercanias dacidade, a caminho de Cartagena. Por isso, como você deve saber,a passagem montanhosa que liga a cidade portuária com Murcia

leva o nome de "O Pico da Corrente". Muito bem... tão logo o talescultor terminou o trabalho, lhe arrancaram os olhos e cortaram a

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sua língua. Segundo a lenda, foi porque se atreveu a danificar umdos elos de pedra, rachando-o de cima a baixo.

— Não estou gostando nada disso — sussurrou Leonardo aodescobrir certa semelhança entre o assassinato de Balboa e ocastigo do escultor.

— É tudo o que sei.

Com isso, Raul pretendia dar por terminada a conversa econciliar o sono novamente.

— Espere... — pediu Leonardo, que precisava de maisinformação. — Vou ler para você uma quadra. Quero que me digase lhe lembra algo.

— Um verso a essas horas da noite? — queixou-se o amigo,resmungando.

— Por favor, preste atenção e escute... — pegou a folhaimpressa que estava escrita em cima da mesa e começou a ler com calma, sublinhando cada sílaba: "Sob as correntes Guien docéu ferido, não longe dali está o tesouro escondido, que, depois deestar preso durante longos séculos, morrerá se encontrar oestímulo do olho saltado."

Raul não sabia se devia responder ou ficar quieto.Finalmente, depois de uma breve pausa, resolveu falar por consideração a seu amigo.

— Você é a segunda pessoa que conheço que tentarelacionar a capela dos Velez com essas quadras de Nostradamus

— disse-lhe com voz baixa. — A verdade é que vou acabar acreditando que vocês têm razão.

Leonardo não sabia do que o outro estava falando, masdespertou sua atenção saber que outra pessoa, antes dele, tivesseinvestigado o sentido daqueles versos.

— Explique-se, porque estou muito intrigado — incentivou-opara que continuasse falando.

— Há alguns anos eu recebi a visita de um pesquisador italiano, tal Mucelli, que ficou surpreso ao contemplar os elementosartísticos que adornam a parte exterior da capela dos Vélez, onde

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se mostra o nicho que sustenta os pilares de pedra, cujas mãostocam o cachorro e a flor-de-lis que fazem parte do escudo doChacón y Fajardo... — Raul limpou a voz e continuou... — Poisbem, o tal Mucelli acreditou observar certo paralelo entre a estrofeXXVII da primeira Centúria de Nostradamus e a iconografia da

capela. Segundo sua teoria, a palavra "guien" pode se referir a"Chien", ou seja, "cachorro", em francês arcaico... Você devesaber, também, que a flor-de-lis é à flor da Virgem Maria, às vezeschamada "a flor do céu". Por isso, a primeira frase da quadra — "Sob as correntes Guien do céu ferido" — pode ser interpretadacomo "Sob a corrente do cachorro e da flor-de-lis". Porém, há maisainda... — acrescentou, de maneira didática. — Nostradamusescreve literalmente em sua estrofe: "Trouve mourra, l'oeil crevé deressort", e ressort, em francês, não significa apenas "impulso", mastambém "meio oculto" e "segredo".

— E o que significa isso?

— Que, segundo Mucelli, perto da catedral de Murcia estáescondido um tesouro ou talvez um grande segredo que estariadiretamente relacionado com o fato de terem arrancado os olhos de

Iacobus. Não esqueça o final da quadra: "morrerá se encontrar oestímulo do olho saltado". É óbvio que se refere ao escultor.

Leonardo Cardenas se sentiu satisfeito. Era tudo o que preci-sava saber. 

Tão logo encerrou a conversa com Raul, voltou a concentrar-se na transcrição do manuscrito. Trocou as vogais "e", "a" e "o" por "8", "L" e "4", respectivamente, e descobriu que o criptograma

"HS8", que se repetia com freqüência, devia referir-se ao pronomerelativo "que". Portanto, passou a contar com dois novos caracteres— o "q" e o "u"—, que poderia usar para substituir tudo o que fossecorrespondente nas diversas frases do texto.

 A letra seguinte, na tabela de freqüências, o "L", não fezsentido quando tentou trocá-la pelo número "9", que representava oquarto caractere com maior índice de probabilidades. Aceitou o fato

com certa resignação, pois já havia considerado a possibilidade dehaver uma falha na porcentagem de contingência. A próxima letrada lista era o "S". Estava certo de que iria se encaixar 

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perfeitamente nas frases incompletas do texto. E assim foi. Oquebra-cabeças ia tomando forma à medida que eramacrescentadas novas letras.

Ele contemplou, com interesse, a tela do computador. Seusolhos ardiam de tanto que forçara a vista. Apesar de tudo, aindateve forças para sorrir. O que tinha diante de si era como umdesses desenhos feitos para crianças e que vão surgindo pouco apouco, à medida que vão sendo coloridos os espaços em branco.Não podia concluir a leitura, mas já intuía o conteúdo.

O que fez, em seguida, foi selecionar os substantivos, osartigos e as preposições, que estavam quase completos,transcrevendo-os em seu bloco de anotações. Em vez de arriscar-

se a complementá-los, achou expressões como: que... leal... os...aquela... de... ele... desejoso... aquele. Mas surpreendeu-se aoencontrar algumas não usadas na linguagem corrente. Aquilo, aprincípio, o desconcertou, mas logo recordou que o manuscrito eramuito antigo, tinha quinhentos anos, e que, portanto, deveria ser adequado à forma como se escrevia e falava na época. Não teriaapenas de decodificar a escrita gótica, um trabalho bastante difícil,

mas também procurar os termos mais adequados, na atualidade,aos obsoletos, usuais no século XVI.

 Ao examinar novamente o manuscrito, descobriu que algumaspalavras estavam quase completas e que era fácil intuir oscaracteres a serem substituídos. Entre eles, estavam:

"lei.", que viria a ser "leiam"; "on.ad." ou "vontade"; "qua.do",ou "quando"; "ode" ou "pode"; "e.", ou "em"; "d.us", ou "deus" etc. Emuitas outras, que não estava assim tão seguro de acertar.

Um detalhe chamou sua atenção: atrás da palavra Deus — caso não estivesse enganado — sempre se repetiam as mesmasincógnitas: "..s.o" e "se..o.". Ele as reconheceu no mesmo instante,pois, cada vez que se mencionava Deus em um texto daquelaépoca, a palavra era complementada pela fórmula: Nosso Senhor.

Decidiu tentar a sorte. Ele se arriscaria a trocar as letras que,supostamente, de acordo com a lógica imaginada, deveriamcompletar determinados termos. Agora contava com o N, o V, o T,

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o I, o P e o R. Se coincidissem corretamente com os caracteres 6, ¥, X, T, N e ≤ outras palavras se completariam, proporcionando, aomesmo tempo, suficientes vogais e consoantes para completar ocódigo.

De fato, do nada foi surgindo, de maneira milagrosa, o perfilde uma história que, mesmo estando incompleta, parecia ser fascinante. As palavras apareciam, uma a uma, mas trabalhar comnúmeros, letras góticas e gregas e compará-las com as játranscritas chegava a compor um tremendo quebra-cabeças, deforma que por mais de uma ocasião Leonardo precisou sair dafrente do computador e tomar ar fresco na varanda, para fumar umcigarro e desanuviar a mente. Em pouco tempo, no entanto,

regressava a seu posto de trabalho, conduzido pela curiosidade.Conhecer a história daquele personagem, que teve de

recorrer à criptografia para ocultar o que acreditava ser um terrívelsegredo, deixara de ser uma tarefa para Mercedes, transformando-se em um assunto estritamente pessoal. Podia-se dizer que eleestava começando a ficar obcecado por aquilo. Ao meio-dia, depoisde doze horas de intenso trabalho, Leonardo sentiu-se o homem

mais feliz do mundo. Tinha diante de si o texto de um pedreiro — que não era outro senão o mesmíssimo Iacobus de Cartago —, noqual ele dizia conhecer a maneira de se comunicar com Deus.Suas palavras, mesmo sendo incompreensíveis, ainda indicavamclaramente onde encontrar um livro que era o caminho paraconduzi-los ao tesouro que deveriam procurar. O únicoinconveniente é que não indicava o lugar exato para concluir abusca. Dizia, sim, que o interessado em descobrir seu segredo

teria de viajar a uma região que, assim, de chofre, não conseguialocalizar em nenhum  país do mundo. Mas houve algo que lhecausou grande impacto: perceber que no manuscrito erammencionados Os Filhos da Viúva, assim como umas correntes;possivelmente, as mesmas da quadra XXVII de Nostradamus, etalvez também as da capela dos Vélez.

Era fundamental ligar para Cláudia.

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Capítulo 9

O substituto de Leonardo Cardenas surpreendeu a todos os queesperavam por um homem, pois era uma mulher de uns trinta etantos anos; trajava-se de maneira discreta e tinha ares deintelectual. Seu nome era Cristina Hiepes e suas credenciais, umperfeito conjunto de virtudes irrepreensíveis. Estudara Arqueologiapara agradar a seu pai, mas seu amor às letras levou-a a licenciar-se em Biblioteconomia e Documentação. Durante algum tempo,trabalhou na Biblioteca Nacional, embora mais adiante tivesse querenunciar à tão invejável trabalho para viajar ao Egito na qualidade

de paleógrafa, acompanhando uma expedição que previra ficar umano no Vale dos Reis. Depois, mudou para os Estados Unidos,onde fez muitas conferências sobre os hieróglifos pré-históricos eos símbolos hieráticos do Antigo Egito. De volta à Espanha,colaborou com a revista Incunables durante algum tempo, além deter passado os dois últimos anos em Barcelona, trabalhando emuma famosa casa de leilões de objetos arqueológicos.

Um imprevisto, porém, obrigou-a a regressar a Madri haviapoucas semanas, contratempo que Mercedes aproveitou para lheoferecer um contrato provisório, testando sua capacidade, umacondição aquém de seu preparo profissional. De qualquer forma, adiretora da Hiperión foi sincera ao dizer-lhe que iria substituir Cardenas por um curto espaço de tempo. Cristina não se importou.Estava resolvida sua questão profissional em um abrir e fechar deolhos. Ambas se simpatizaram prontamente.

Cláudia voltou a seu gabinete, depois de conhecer a talCristina. Sua primeira impressão foi a de que se tratava de umapessoa com recursos, tanto econômicos quanto culturais. Saltavaaos olhos que era atraente — bastava observar o modo como eraolhada pelos homens —, mas não parecia ser uma dessasmulheres frívolas, que gostam de dar bola a qualquer um. Eramuito reservada. Se tivesse de conquistar um homem, o faria de

forma sutil e inteligente.Esquecendo da substituta, Cláudia retomou seu trabalho.

Estivera consultando um exemplar do Vita Christi, do frei Íñigo de

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Mendoza. Tratava-se do primeiro livro poético publicado emcastelhano e isso, para ela, era algo muito importante. Cada obratinha sua própria história, cada texto era especial. Tocar nalombada envelhecida de um incunábulo e saber que outrosapaixonados pelo conhecimento, durante séculos, se debruçaram,

como ela, sobre o inebriante mundo de suas páginas, lheprovocava um prazer imenso, e que, de alguma maneira, agratificava por tantos anos dedicados ao estudo dos livros. Suacotação no mercado era das mais interessantes dos últimos anos.Iria a leilão com um valor inicial de 69 mil euros 9. Antes, no ano2000, pedia-se pelo mesmo exemplar cerca de 11 milhões depesetas, a antiga moeda espanhola. Tinha, portanto, em suasmãos, uma pequena fortuna. Mas, sobretudo, o que manuseavaera um fragmento da história literária da Espanha. Para ela, aíresidia o maior valor. O telefone de seu gabinete tocou.Reconheceu o número de Leonardo na pequena tela do visor.

 Antes de atender, cuidadosamente, depositou o incunábulo emuma caixa de cedro forrada de veludo e a guardou, fechada àchave, na gaveta de sua escrivaninha. Ato contínuo, pegou ocelular.

— E então... tudo bem? — foram suas primeiras palavras,pressentindo que haveria novas notícias.

— Decifrei o texto — ele disse, nervoso. — Preciso que vocêvenha aqui o quanto antes!

Cláudia fez um gesto de satisfação, fechando o punho, aomesmo tempo em que movimentava o braço, dobrado. Então, aolevantar a cabeça, viu, através dos vidros de sua sala, queColmenares tinha os olhos fixos nela. Estava na sala da frente,falando ao celular. Seus olhares se cruzaram por segundos. Oadvogado não teve alternativa senão voltar à atenção aos papéisque estavam sobre a mesa. Comprovou, de fato, que sua ousadiabeirava o descaramento.

Ela reagiu, virando a cadeira, de forma que ficou de costaspara o profissional.

9 Quase 200 mil reais, à cotação de 2,87 reais por euro. (N.T.)

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— Ouça... — disse-lhe, em tom confidencial. — Não podereidar uma escapada até a hora do almoço. Você me espere aí... ireio mais cedo que puder.

— Cláudia, já sei por que Jorge quis que eu lesse omanuscrito. Eu era o único em condições de ajudá-lo.

— Mudei de idéia. Vou agora mesmo para aí.

Desligou o telefone, sem sequer se despedir. Levantou-seimediatamente, pegou o casaco e a bolsa, saindo pelo corredor embusca de Mercedes. Sua mente, enquanto isso, urdia umadesculpa que lhe permitisse ausentar-se do trabalho até a tarde.Encontrou a diretora sentada em seu gabinete, lendo um

memorando enquanto mexia, distraidamente, a colherinha de suaxícara de café. Largou o que estava fazendo ao vê-la chegar.

— Ah...! É você! — comentou, depois de colocar a folha delado. — Qual sua opinião sobre Cristina?

— Creio que está suficientemente preparada para ocupar oposto, e isso em nada beneficia o Leo... — respirou fundo eacrescentou incisiva — ... os colegas e eu estamos nos

perguntando se ele voltará logo ao trabalho.— Se tudo correr bem, dentro de uma semana.

Permaneceram em silencio, por um momento, fitando-se nosolhos, sem saber o que dizer. A chefa pigarreou e retomou apalavra:

— Muito bem... em que posso ajudá-la? — concluiu em tom

grave, imaginando que a situação poderia se prolongar.— Tenho de voltar ao meu apartamento... Meu vizinho de

baixo acaba de me telefonar. Disse que está pingando água peloteto de seu banheiro, que fica justamente sob o meu. Pelo visto, háum vazamento na tubulação.

Esboçou um gesto de preocupação, que pareceu muitoconvincente.

— Nossa, que contrariedade! — respondeu Mercedes, aoperceber que teria de prescindir de sua funcionária durante

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algumas horas. — Espero que você possa consertá-lo a tempo deestar aqui às quatro e meia.

— Fique tranqüila. Deixarei tudo nas mãos de meu seguro.Eles se encarregarão de mandar um encanador. Mas tenho dedeixar a chave do apartamento com o porteiro do edifício, além defazer uma série de ligações.

Mercedes lhe deu permissão para sair, lembrando que o leilãoseria realizado dentro de poucos dias e que, por isso, precisava dacolaboração de todos os empregados.

Cláudia deixou a sala da diretora com a satisfação de ter sidocapaz de mentir sem que suas pernas tremessem. Era a primeira

vez que fazia algo semelhante no trabalho. Pôs a culpa de seucomportamento no fato de que Leonardo conseguira decifrar omanuscrito. A mesma diretora iria correndo ao encontro dele, sesoubesse.

Dirigiu-se ao vestíbulo, mas, antes de abrir a porta para sair,olhou para trás. Colmenares continuava ao telefone, fitando-a demaneira insolente. Era possível dizer que a estava espionando.

Diante de tal descaramento, ela virou as costas, carrancuda, e saiuda empresa pensando que talvez aquele pegajoso a estivessedesnudando com o olhar. Esqueceu-se do advogado enquantodescia do elevador, sentindo um calor entre as pernas.

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Capítulo 10 

R eunidos em torno de uma antiga mesa medieval de carvalho, em

um dos gélidos salões do castelo dos Velez, os sete membros doConselho, e a Viúva — encarregada de guardar o segredo da loja—, faziam um balanço do que acontecera na última semana. Aassembléia, que teve início quando eles tiveram conhecimento domanuscrito, concluía, agora, que as duas únicas pessoas quesabiam da existência do documento estavam sob o olhar crítico dairmandade. E, embora tivessem decidido deixar que LeonardoCardenas continuasse com sua investigação, todos lamentavam o

terrível castigo que teria de sofrer Mercedes Dussac, mas quetodos concordavam ser muito necessário, em favor de um segredoque protegiam havia vários séculos.

Sholomo era dos que pensavam que as mortes deviamterminar o quanto antes. Reconhecer, a tempo, que haviam agidoprecipitadamente lhe permitia consertar uma situação quecomeçava a lhe escapar das mãos. Gracus, outro dos Mestres

Guardiões reunidos na fortaleza de Vélez-Blanco, de naturezaprevenida e homem que defendia com capa e espada os velhoscostumes maçônicos, opinou que melhor seria acabar também comCardenas e fazer uma cópia do pergaminho, já que não era tãodifícil decifrá-lo. ―Nemrod saiu em defesa do bibliotecário, apoiandoa maneira de pensar  do Mestre dos Mestres‖. Sua fortepersonalidade e o cargo político que ocupava no Ministério daJustiça, de certa forma, justificavam sua imparcialidade, razão pelaqual os demais presentes, por deferência, se mantiveram emsilêncio para escutar o que ele teria a lhes dizer.

— Não haverá mais mortes. Nós já decidimos isso, por maioria, na última reunião — recordou, com muita seriedade. — Não podemos infringir nossos próprios preceitos e, menos ainda,quando esse homem pode nos conduzir ao lugar onde estáescondido o diário de Iacobus.

— Tem tanta certeza de que Azogue está nos dizendo àverdade? — perguntou, de novo, Gracus, referindo-se a Sholomo.

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— Devo recordá-lo de que todos estamos sob juramento,incluindo os irmãos de primeira e segunda ordem... — elerespondeu glacial, com o intuito de lhe refrescar a memória. — Lembro, também, que graças à sua informação teremos apossibilidade de saber o que diz o manuscrito.

— A fidelidade de Azogue não deveria estar em julgamento — considerou Hiram, com voz tranqüila, revelando seu sotaque árabe.— Nem deveríamos permitir que o segredo dos templos noscegasse a ponto de assassinar pessoas cujo único crime foi ler umantigo pergaminho.

— Não se trata de proibir um conhecimento, mas sim deimpedir que seja divulgado de maneira indiscriminada — afirmou

Hermes, do extremo oposto da mesa escura. — Como o irmãoGracus, não entendo por que temos de permitir que esse homembisbilhote o direito do pedreiro. Consta das Memórias de JustoBravo que o mesmo De Cartago lhe confessou, pouco antes demorrer, que em seus escritos revelava o modo de adquirir conhecimento das Artes e o caminho que se deveria seguir até oSalão do Trono.

— O que é que vocês estão dizendo? — perguntou Sholomoaos dois únicos membros da loja que não haviam participado daconversa.

Shimon, a quem — por ter voado da Escócia, com muitaurgência, para chegar a tempo — faltou tempo para formar umaopinião justa sobre o problema, optou por pronunciar-se a favor deLeonardo Cárdenas... ao menos, naquele momento. Seu conselho

foi que ele deveria ser seguido de perto, enquanto fosse útil, eesquecer-se dele quando conseguissem pegar o diário.

Balkis, a única mulher do grupo, que representava asabedoria da Viúva, e que estava acima do Conselho, suspirou emsilêncio. Os homens aguardavam ansiosos, sua opinião e ela osolhavam com relaxada tolerância. Chegara a sua vez de falar.

— Creio que ele merece uma oportunidade — começou

dizendo, com voz serena. — Se consegue nos levar ao diário,temos de arrebatá-lo antes que possa ler. Mas tem de viver...

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Depois de uns momentos de reflexão, acrescentou... — ... eu atépensei que poderíamos apresentar a ele a charada de iniciação.

— O que...? — exclamou Sholomo, certo de que Balkisperdera a cabeça. — Você pensa em recrutar um desconhecidosomente porque ele vai nos levar ao diário de Iacobus?

O resto do grupo se uniu ao protesto. As vozes discordantesse misturavam, mas a mulher vestida com uma túnica púrpura e ummanto azul, que faria inveja à própria rainha de Sabá, saiu emdefesa de seu propósito.

— Devo recordá-lo de que os que penetram nos mistérios damaçonaria têm direito a um ensinamento por intermédio da

adivinhação da chave — disse, de maneira solene. — Devemoslançar a semente e esperar que frutifique no campo do saber. Sefor um dos filhos de Deus, vai tirar proveito de seu próprio trabalhointerior. Caso contrário, seguirá seu caminho.

— Isso me parece justo — Shimon inclinou a cabeça eaceitou a proposta —, mas teremos de vigiá-lo de perto.

— Faremos isso com a ajuda de Azogue — prometeu a

Sholomo.Naquele momento, entrou um empregado para lembrar que,

terminado o tempo da reunião, eles deviam ir embora, conformehaviam combinado com a Comunidade Autônoma da Andaluzia,que concordara  em  alugar para eles, por algumas horas,  aqueleespaço no castelo dos Velez, em troca de uma substancialquantidade de dinheiro. Eles haviam declarado que era uma

corporação de artistas interessados nos valores arquitetônicos daslinhas e figuras que integravam a soberba fortaleza. A promessa deque suas gárgulas seriam mostradas na capa de uma revista dearte de distribuição nacional animou o secretário de Cultura apermitir a entrada deles em um lugar que permanecia fechado aopúblico desde a recente aquisição do palácio pelo governo andaluz.

Concluída a reunião, os membros da irmandade

abandonaram o castelo para descer até a ladeira que conduzia aoestacionamento, situado diante de uma pequena hospedaria.

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Despediram-se, uns dos outros, dirigindo-se a seus respectivosautomóveis, tão logo cumpridas suas obrigações de cortesia.

Balkis se aproximou para beijar, na face, o Mestre dosMestres Sholomo, que fora seu amor platônico em sua juventude.Depois fitou profundamente seus olhos. Podia-se dizer que ainda aprovocava o olhar daquele homem.

— Há algo que me preocupa — confessou-lhe com certainquietação.

— Não há maior problema do que não ter um problema... Nãoé certo? Você nunca mudará — recriminou Sholomo, acusando-ade ser viciada em ansiedade.

— Pense o que quiser, mas acho que você deveria vigiar essatal Lilith. Os assassinos profissionais são pessoas sem escrúpulose, às vezes, muito curiosos. Se chegasse a se inteirar de...

Não terminou a frase.

— Fique tranqüila... — ele passou os braços ao redor dosombros dela, de forma carinhosa. — Essa mulher vai embora daEspanha tão logo termine seu trabalho. Não representa nenhumperigo.

— Isso espero, para o bem de todos — sussurrou enigmática.

 Ao concluir, Balkis foi embora, com Hiram. Ambosregressariam juntos ao país onde guardavam, cuidadosamente, oTestemunho de Deus. Ali esperariam que o iniciado fosse capaz deresolver a charada. Se conseguisse, Leonardo Cardenas teria a

oportunidade de enfrentar os perigos que espreitavam nos degrausdo neófito: a escada.

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Capítulo 11

Cláudia entrou no apartamento de Leonardo no mesmo instanteem que ele saía do banho. Pendurou seu casaco no cabide dovestíbulo, indo ao encontro dele para lhe dar, com muitadelicadeza, um beijo nos lábios.

— Fico feliz em vê-la — ele disse, devolvendo o beijo cálido.— Agora que você chegou, poderei contar o que averigüei. Mas,antes de tudo, obrigado pela tabela de freqüências. Não sei o queteria feito sem ela.

Então, sem mais demora, convidou-a a sentar-se no sofá. Empoucos minutos, contou-lhe tudo o que obtivera, com suasinvestigações. Inclusive a história do escultor, a quem haviaarrancado os olhos e cortado a língua, a do italiano que relacionavaos versos de Nostradamus com a capela dos Velez e, também, ofato de que talvez houvesse um tesouro nas cercanias de Múrcia.

— E como é que você ficou sabendo disso...? — Cláudiaachou estranho que ele tivesse tanta informação, quando, na noiteanterior, só sabiam por onde começar.

— Ontem à noite, depois que você foi embora, lembrei ondehavia escutado, antes, a pergunta formulada por Balboa: "Quem écapaz de vislumbrar, de baixo, a fenda do elo da corrente?"

— Você já ouvira, antes, essa frase?  — A mulher desconhecia esse detalhe.

— Sim... bem... acontece que fui jantar com Jorge, noWellington, uns  dias antes de sua morte. Você já sabe...

 justamente quando ele me contou sobre o manuscrito de Toledo...— tratou de refrescar a memória dela. — Antes disso, tínhamosconversado sobre as catedrais espanholas, como atração turística.Eu, que sou de Murcia...

— Isso você não havia me contado... — ela o interrompeu. — 

É verdade que você é murciano?— Sim! — afirmou orgulhoso. — Mas deixemos isso para

outra hora. Agora, será melhor que eu lhe mostre a tradução...

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Dito isso, foi até o escritório e pegou algumas folhasimpressas.

— Quero que você leia atentamente e me dê sua opinião — disse, entregando-as.

Cláudia começou a ler o manuscrito de Toledo, sabendo deantemão que ao fazê-lo incorria no antigo preceito que era ocastigo com a morte. Não obstante, decidiu arriscar-se.

"Saibam, todos os que lerem este escrito, que eu, Iacobus deCartago, decidi por minha própria vontade revelar urbi et orbe oarcano dos templos oculto às gentes e a forma de chegar até asala onde se esconde a verdadeira face de Deus, Nosso Senhor.

 Aquele que receber o conhecimento desta palavra há deprocurar poder falar com bondade a todos a respeito disso que eudigo, antes que esta sabedoria se perca no esquecimento, nissodeposito toda minha esperança.

Se acontecer de que sejam desejosos de conhecer, comomuitos, a verdade, tereis que baixar aos infernos que se precipitamatrás de uma grande corrente, chacais e colunas barbudas, Jaquime Boaz. Haveis de ver, de baixo para cima, quando vosencontrardes diante dos pilares que meu nome estará assinado ali.Nesse inferno eu vos serei revelado.

Sou e estou em meu interior.

Todo homem, toda mulher, pode entregar-se a Deus, NossoSenhor, despindo-se de soberba, na obscuridade de um tempo,

apesar da estupidez dos seres humanos que corrompe a razão eesconde a magia telúrica da pedra. Tenho orgulho de descender dos ancestrais Os Filhos da Viúva, conhecedores da arte e datécnica das catedrais, já que minhas mãos cinzelaram palavras depedra que o povo lê e entende os que procuram ser livres. Amomeu trabalho, mas muitos dirão mais tarde que foram traídos por minha atitude, eles é que traíram os que enganam e não dizem averdade, os que não dizem que sabemos como falar com Deus,

Nosso Senhor.Haverás de buscar meu scriptum e descer até a região de

Tubalcaim, onde permanecem as colunas que resistiram ao Dilúvio

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e que agora estão soterradas pelas areias daquelas águasancestrais. Abaixo da parte onde habitam as trevas e o caos veráso que meus olhos não vêem.

―Na muito nobre e muito leal cidade de Múrcia, dez de abril doano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, de milquinhentos e vinte e três.‖ 

Iacobus de Cartago

Cláudia respirou fundo quando terminou de ler. O textoparecia muito interessante, embora ela não compreendesse muitobem onde teriam de buscar o suposto escrito, que devia estar escondido nos infernos que se precipitavam sob a grande corrente.

 Aquela frase parecia ter relação com a estrofe de Nostradamus efoi o que ela disse a seu companheiro.

— Não lhe parece estranho que novamente sejammencionadas umas correntes? — levantou o olhar e deparou-secom o gesto de aprovação de seu par. — Ao que tudo indica, elassão o centro da busca.

— E são mesmo, pode acreditar. Esse é o motivo pelo qualBalboa me enviou o e-mail. Iacobus de Cartago, segundo meconfirmou esta madrugada meu amigo Raul, foi o pedreiro queesculpiu a corrente da capela dos Vélez. Espera, ainda há mais...— pegou o mouse para subir até o parágrafo onde se mencionavaa obra. — Também se refere a chacais e colunas barbudas. Ecomo eu lhe disse, na catedral de Murcia há um nicho, situado naparte exterior da capela dos Vélez, que abriga o escudo dos

Chacón y Fajardo. No brasão, podem ser vistos a flor-de-lis e umcachorro, ambos tocados pelas mãos de dois sustentáculos,representados por figuras barbudas, um de frente e outro de lado.Parecem iguais, mas não são... — estalou a língua. — Pelo visto, oescultor lhes deu nomes: Jaquim e Boaz.

— Espere um pouco! — Cláudia lembrou um detalhe degrande importância. — Não são esses os nomes dados às colunas

que havia na entrada do Templo de Salomão?

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— Não sei — reconheceu Leonardo, com voz baixa. — Por vício profissional, a única Bíblia que me interessa é a impressa por Ciutenberg.

— Ora, não seja bobo! — ela o repreendeu, batendocarinhosamente em suas costas. — Mexa-se e traga essa Bíbliaque você tem na biblioteca da sala de visitas.

Ele obedeceu à ordem, enquanto Cláudia voltava a ler o texto.Segundo o manuscrito, Iacobus decidira revelar a todo mundo umsegredo que tinha a ver com o fato de falar com Deus. Dizia estar orgulhoso de ser um dos herdeiros da instituição Os Filhos daViúva, razão pela qual supôs que ele fosse vinculado às guildas,onde se reuniam os primeiros maçons.

Cláudia achou que teria de falar seriamente com Leonardo,tratando de convencê-lo de que seria impossível, para eles,desvendar aquele mistério sem contar com a ajuda de umespecialista. Tinha de lhe falar a respeito de Salvador Riera, masnão sabia como começar.

— Aqui está ela... — Leonardo regressou com um exemplar 

da Bíblia de Jerusalém do ano 75. — Onde acha que devemosprocurar?

— Se não me engano, no Livro I dos Reis — respondeu,arrebatando a obra das mãos dele.

 Andava de um lado para outro, no escritório, procurando entreas páginas o versículo em que era mencionado o nome dascolunas. Finalmente, se deteve. Sem tirar o olho do livro, fez um

gesto para Leonardo, pedindo que se aproximasse. Ele ficou aolado dela, lançando o corpo para frente, com a intenção de ver melhor o texto que ela apontava com o indicador.

— Leia!

— "Erigiu as colunas diante do Ulam do Hekal — começou aler em voz alta —; levantou a coluna da direita, à qual chamou deYakín; ergueu a coluna da esquerda, denominando-a de Boaz. E

terminou o trabalho das colunas." 10 10 O Templo de Salomão era dividido em três ambientes: o vestíbulo (Ulam), a sala onde ficavam os fiéis, para oculto, e que recebia a denominação geral de ―santo‖ (Hekal), e o chamado ―santos dos santos‖ (Debir), muitoreservado, por guardar a Arca da Aliança (N.T.)

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Ele olhou, novamente, para a companheira.

— Você acha que existe algum vínculo entre o Templo deSalomão e os sustentáculos de Múrcia?

Cláudia encolheu os ombros, tentando encaixar as peças do

maldito quebra-cabeças, embora, na realidade, o manuscrito deIacobus e a sangrenta morte de Jorge não fossem precisamenteum jogo.

— Talvez as esculturas tenham um valor simbólico — atreveu-se a conjecturar, como se falasse sozinha. — O mesmo DeCartago nos diz que suas mãos esculpiram palavras de pedra, queo povo lê e entende.

— A linguagem dos pássaros — refletiu Leonardo, em vozalta.

— Certo! Era a isso que se referia o enigmático Fulcanelli, emsua obra O Mistério das Catedrais. E, de certa forma, tinha razão,

 já que a única maneira que os artistas do passado tinham dechegar ao povo era por meio das imagens.

—E para você, o que são as duas colunas?

Cláudia demorou a responder.

— Não tenho certeza — disse, finalmente. — O pedreiro assitua, de novo, em um lugar do qual jamais ouvi falar em toda aminha vida... — desalentada, arqueou as sobrancelhas. — E isso ébastante significativo, sobretudo quando, para encontrá-las, nosinduz a viajar até uma região que foi testemunha do Dilúvio.

— Também admite descender da organização Os Filhos daViúva.

— Isso quer dizer que estamos no bom caminho. Mas pensoque precisaremos de ajuda.

Leonardo achou graça na idéia. Se Mercedes chegasse, asaber, que Cláudia estava metida nisso, seria capaz de esquartejá-lo. Só o que faltava era incluir mais alguém no assunto. Calculouque, se a conversa  continuasse, haveriam de serem muitos aperder a língua e algo mais...

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— Você sabe que meu emprego está em jogo — argumentoutaciturno. — Não posso sair por aí contando a toda gente umahistória que não nos pertence.

— Você está tão envolvido como eu, queira ou não a diretora— Cláudia jogou na cara dele sua apreensão. — Temos de seguir adiante, se quisermos saber quem são os que colocam nossasvidas em perigo. A mim isso interessa, pessoalmente.

Leonardo Cardenas, cheio de dúvidas, balançou a cabeça,antes de perguntar, sem rodeios:

— Qual é a sua proposta?

— Que você conte a Mercedes tudo o que descobrimos — ela

sugeriu, com um brilho especial nos olhos. — Assim vocêconseguirá os recursos necessários para facilitar seu deslocamentoaté Murcia. Trate de convencê-la de que é necessário encontrar oscriptum mencionado no manuscrito. Sem dúvida, ele nosconduzirá aos assassinos de Balboa.

— Eu já havia pensado nisso. Por acaso você pensa que euficaria em Madri, de braços cruzados, sabendo que há um tesouro

oculto nos arredores da catedral de Múrcia?— Eu irei com você... — não pensava deixá-lo sozinho. — Eu

conheço uma pessoa que vive ali e que poderá nos ajudar muito. Éum estudioso do assunto. Conhece muito bem o mundo esotéricodos maçons e seus rituais.

— Não sei o que dizer a você... Pensativo, ele passou a mãono queixo e refletiu sobre a proposta. — Eu já lhe disse que não

podemos envolver mais ninguém. Uma coisa dessas poderiacolocar em perigo não só as nossas vidas, mas a dessa pessoa,também.

— Eu respondo por ele — insistiu teimosa. — É Salvador Riera, meio-irmão de minha mãe. Está aposentado há anos. Viveem um povoado de Múrcia, chamado Santomera. Segundo meu tio,só ele conhece a história que deu origem ao nome do município.

Você vai gostar de conhecê-lo, tenho certeza!Deixou claro que não descartaria a possibilidade de visitá-lo.

Leonardo pensou, com seus botões, que seria melhor não se opor,

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caso contrário só serviria para iniciar uma discussão que nãoqueria enfrentar.

— Está bem, vamos consultá-lo. Mas, antes, estoupreocupado como o que você vai dizer a Mercedes. O leilão é napróxima segunda-feira — recordou — e ela vai precisar de todos noevento.

— Eu não pensava em viajar agora. Encontrarei umadesculpa convincente para me ausentar alguns dias, depois doleilão. É melhor mesmo que você vá primeiro e me espere lá,instalado em algum hotel. Enquanto isso poderia recolher informação a respeito das correntes da capela dos Velez. Quemsabe seus contatos nos ajudem com algum outro detalhe

importante!— É o que espero — ele respondeu absorto, enquanto se

sentava de novo diante do computador. — Acho que podemos ter novidades no manifesto de Iacobus...

Cláudia se aproximou, para dar uma olhada na tela domonitor, exatamente onde Leonardo assinalava com o dedo

indicador da mão direita.— O nome Tubalcaim lhe parece conhecido? — perguntou. — 

Por acaso lembra algum personagem bíblico?

— Talvez algum descendente de Caim, pela semelhança dosufixo — sugeriu Cláudia, abrindo a Bíblia de novo. — Por algunsinstantes, procurou pelo Gênesis. Surpreendeu-se por ter-lhe dadoum branco, pois havia uns versículos dedicados, precisamente, à

descendência do primeiro fratricida.Leu em voz alta:

"Caim conheceu sua mulher, que concebeu e deu à luzEnoque. Estava construindo uma cidade e deu a ela o nome deEnoque, igual o de seu filho. De Enoque nasceu Irade e Iradegerou Meujael, que teve Metusael e Metusael gerou Lameque.Lameque teve duas mulheres: a primeira chamada Ada, a

segunda, Zilá. E Ada deu à luz Jabal, que veio a ser o pai dos quemoram em tendas e criam gado. O nome do irmão dele era Tubal,pai de todos os que tocam cítara e flauta. E Zilá, por sua vez, gerou

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Tubalcaim, pai de todos os forjadores de cobre e ferro. A irmã deTubalcaim foi Naamá."

— É impressionante! — exclamou Leo. — Se nos guiarmospelo manuscrito de Iacobus, teremos de procurar as colunas deSalomão na região de Tubalcaim, ou seja, em Enoque, uma cidadeantediluviana... — Pestanejou concentrado. — Você consegueentender alguma coisa?

Cláudia mexeu os ombros. Ela também estava confusa.

— Agora, mais do que nunca, acho que deveríamos fazer uma visita a meu tio. Estou certa de que deve haver algumarelação entre OS maçons e os personagens da Bíblia.

— Ouça o que pensei... — disse-lhe Leonardo. — Amanhãserá sexta-feira. Falarei com Mercedes, para dizer que pretendo ir até Murcia. Você passará o fim de semana comigo, para que possame apresentar a esse familiar de quem falou. No domingo à tardevocê pega um avião para Madri, vai ao leilão na segunda-feira,encontra uma boa desculpa para ausentar-se, em seguida, eregressa a Múrcia na terça-feira pela manhã. A partir daí, teremos

uma semana para procurar o diário de Iacobus.— Que, segundo o pedreiro, está nos infernos... — frisou

Cláudia, irônica. — Só espero que não esteja sob a guarda dopróprio Lúcifer.

Riu de sua própria expressão, mas Leonardo não achounenhuma graça, porque estava com a atenção totalmente voltada àtela do monitor. O bibliotecário continuava mergulhado em seus

próprios pensamentos e murmurava:— Os Filhos da Viúva... Os Filhos da Viúva.

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Capítulo 12 

Em vez de se hospedar novamente no Santo Mauro, onde os

funcionários já a conheciam por ter estado ali uns dias antes, epoderiam estranhar que ela se registrasse com um nome diferente,quando voltou a Madri decidiu instalar-se em um pequeno hotel,situado na Rua Valdemoro.

 Antes de mais nada, assim que chegou, tomou um banho eescolheu um traje que chamasse menos atenção. Já vestida comuma calça  jeans bem desgastada e uma blusa de cor grená,

maquiou-se levemente diante do espelho, apenas para dar umacorzinha nas maçãs do rosto. Em seguida, guardou sua automáticano coldre que escondia nas costas, além de uma faca de caça, queocultou em um cinto atado a seu tornozelo. Depois de colocar umaperuca de cabelos ondulados e castanhos, deixou o quartosentindo-se outra pessoa.

Conhecia de memória o endereço que Sholomo lhe dera, maspara não correr o risco de se equivocar, anotou as indicações nodorso da fotografia, que guardou no bolso. Tinha pensado emcontrolar os movimentos de Mercedes durante alguns dias,especialmente para conhecer seus hábitos e atitudes. Uma dasquestões fundamentais era investigar se vivia sozinha; outra,perambular pelos arredores do lugar onde ela vivia, para saber quetipo de alarme havia sido instalado em seu andar e encontrar umaforma de neutralizá-lo quando fosse à hora certa.

Pouco depois, o Corvette de Lilith percorria as amplasavenidas da capital, até chegar à Rua Velazquez. Depois demostrar ao segurança um crachá, falsificado pelos homens deSholomo, desceu a rampa que conduzia aos estacionamentos doedifício onde ficava a sede da empresa de leilões.

Fez todo o caminho lentamente, com o objetivo de encontrar ocarro que procurava. Lá estava ele, no final do subsolo, perto dos

elevadores. Conferiu os números e letras da matrícula com os queestavam escritos no relatório recebido na noite anterior, e eles coin-

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cidiam. Estacionou em uma vaga distante. As luzes se apagaram eo lugar ficou novamente tomado pela escuridão.

No interior do automóvel, paciente e relaxada, a predadoraaguardou a chegada de sua presa.

Mercedes entregou um molho de chaves ao segurança, juntocom a contra senha daquele dia. Mais tarde, guardou em suamaleta uma pasta com documentação da empresa — documentosque teria de levar à administração tão logo chegasse, de manhã — e saiu dos escritórios depois de fechar a porta de sua sala.Esgotada, por ter de conciliar o trabalho com seus problemaspessoais, foi até o vestíbulo com andar cadenciado e silencioso,enquanto acendia um cigarro. Tudo sem nenhuma pressa de

abandonar o edifício e regressar à solidão de seu apartamento.Javier a seguia, dois passos atrás, reprimindo um bocejo decansaço, com a palma da mão. Eram os últimos a sair. O relógiomarcava nove e dez da noite.

O elevador os levou direto para o estacionamento, situado nosubsolo. Uma vez lá, o motorista adiantou-se para abrir a porta detrás do automóvel, tal como exigia seu contrato. Mercedes

agradeceu, acomodando-se no interior do veículo. Javier fechoucom suavidade. Em seguida, sentou-se à direção e introduziu achave no contato. Segundos depois saiu com o carro, afastando-seda vaga lenta e elegantemente, uma atitude elogiável que atestavaseu impecável profissionalismo. Quando, finalmente, alcançou aRua Velazquez, agora cheia de vida, luz e cor, virou para o sul,com a intenção de pegar a Rua Alcalá. Em nenhum momento ele esua patroa perceberam que estavam sendo seguidos.

Lilith deixou que alguns veículos passassem à sua frente, por uma questão de segurança. Seu carro era muito chamativo, por isso ela queria se manter fora do alcance do espelho retrovisor daqueles que vigiava e seguiam adiante. Levou um cigarro aoslábios. Às cegas, procurou o isqueiro e o encontrou no assento aolado, em um dos compartimentos de sua bolsa. Ligou o rádio.Sintonizou uma emissora regional de FM onde falavam de temasesotéricos. Um conhecido investigador de fenômenos paranormais,que apresentava um programa do mesmo tipo na televisão,explicava a seus interlocutores o efeito que teve, para Napoleão, o

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fato de ter passado uma noite no interior da Grande Pirâmide.Ouviu suas divagações sobre a possibilidade de que o generalfrancês tivesse se submetido a um antigo ritual egípcio com oobjetivo de alcançar a vida eterna, algo que lhe pareceu absurdo.

 Apesar de tudo, continuou prestando atenção ao debate, sem

deixar de vigiar o carro de Mercedes.Desligou o rádio quando percebeu que o veículo, que estava

seguindo com determinação, tinha o pisca-pisca aceso. Estacionoudo outro lado da rua, em fila dupla, e apagou as luzes. Dali pôdever como Mercedes saía do carro e se aproximava da janela domotorista, talvez para lhe recordar que deveria buscá-la no mesmolugar, na manhã seguinte.

 Arrumou o terninho e, seguindo em direção à entrada doprédio, desapareceu atrás das grossas portas de vidro. O Jaguar se reintegrou ao movimento do tráfego, no meio de um sem-fim decarros que circulavam pelo centro da cidade, àquela hora da noite.

Lilith deu a partida, novamente, disposta a encontrar umestacionamento nas proximidades. Localizou um na Rua Silva,onde ainda restavam algumas vagas livres. Depois de deixar o

veículo em uma área menos movimentada, subiu à rua, levandoconsigo a maleta onde carregava seus instrumentos de trabalho.Regressou caminhando ao  edifício  onde Mercedes morava.

 Apoiou-se na porta, como se estivesse tocando uma dascampainhas. Na realidade, queria averiguar se o andar e a letracoincidiam com as que receberam. De fato, o terceiro C pertenciamesmo a Mercedes Dussac. Sem pensar duas vezes, apertou obotão do sexto H, onde se lia os nomes: Manuel Tomelloso Soler-Concepción Navarro Ayora. Foi uma escolha ao acaso. Depois dealguns segundos, ouviu-se uma voz de mulher, no interfone.

— Quem é?

— Serviço noturno dos correios — respondeu Lilith, de formaprofissional, tentando dissimular seu sotaque. — Trago uma cartaregistrada para Dom Manuel Tomelloso... É de tráfego.

— Uma multa?— Não sei senhora. Mas preciso que assine.

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Não quis se estender. Quanto menos falasse, melhor.

Tinha tido bastante sorte com aquela idiota, capaz deacreditar em algo tão disparatado como o aviso de uma multa aessas horas da noite. A maioria das pessoas, segundo seu critério,costuma ser confiante por natureza, e é raro que duvidem daspalavras de um funcionário quando os procura em sua residência.

De fato, a porta se abriu segundos depois.

Sem perder tempo, ela subiu as escadas do vestíbulo atéchegar ao elevador. Quando entrou, apertou o número 3. Procurouna bolsa um decodificador do tamanho de um celular, equipamentoque haveria de ajudá-la na difícil tarefa de obter a senha de

segurança e, desta maneira, poder falsificar um cartão de acesso.Chegou ao terceiro andar. Não encontrou ninguém no

corredor de entrada e isso facilitava sua tarefa. Seus passos foramamortecidos pelo grosso tapete de cor acinzentada que cobriaparcialmente o assoalho. Em silêncio, aproximou-se da porta com aletra C. Agiu com rapidez, já que de um momento para o outroalguém poderia sair de sua residência e encontrá-la no meio do

corredor, em atitude suspeita. Agachou-se para dar uma olhada nafechadura. A princípio, acreditou que poderia se tratar de umdispositivo de acesso por meio de cartão magnético, como nosquartos de alguns hotéis, mas se enganou. Era igual ao dasdemais portas do edifício. Qualquer profissional, com uma pistolaeletromecânica para fechaduras simples, poderia abri-la emquestão de segundos. Justamente, em sua maleta de trabalho elaguardava uma ferramenta semelhante, boroscópio, um duplicador 

de chaves e várias gazuas simples e tubulares de seis e setepinos. Guardou de novo o decodificador. Então escutou ummurmúrio de vozes pelo vão das escadas, alguns andares acima.Era a senhora do sexto e seu marido, que já começavam a pensar terem sido alvos de alguma brincadeira e se perguntavam quempoderia ter entrado no edifício com a desculpa de lhes entregar uma multa de trânsito. Ela olhou ao redor, procurando guardar namemória detalhes do lugar, antes de ir embora, pois aquele cenárioteria de servir-lhe de referência no dia em que decidisse agir. Semperder a calma, Lilith desceu a pé os três andares, desistindo daidéia de pegar o elevador.

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Capítulo 13 

No dia seguinte, Leonardo compareceu ao encontro que havia

marcado previamente com Mercedes. Combinaram encontrar-seem um restaurante situado na Rua Serrano, em frente ao Museu Arqueológico. Ambos foram pontuais. Na verdade, Cardenasesperou alguns minutos até que a diretora aparecesse.

— Eu lamento. Você sabe como anda o tráfego em Madri — ela se desculpou, ao chegar. Forçou um sorriso casual.

Leonardo sabia muito bem as deficiências que acumulava a

prefeitura devido às numerosas obras em curso, tema deconversação habitual quando se esgotavam os assuntos sobre oclima. Além disso, não era um atraso digno de nota.

— Não se preocupe, acabo de me sentar  — disse comsuavidade. — O que acha de pedirmos primeiro?

— Sim, será melhor.

Melele sentou-se, depois de colocar sua bolsa na cadeira aolado. O garçom se aproximou para deixar, discretamente, ocardápio sobre a mesa. Em seguida levou os copos e os pratosque não seriam utilizados. Pouco depois, veio outro jovem paraanotar o pedido.

Quando estavam a sós, Mercedes fez um gesto indicando queele começasse a falar. Precisava saber como andavam suas

investigações.— Consegui traduzir o manuscrito... — foi sua frase de

entrada. — Posso lhe dizer que se trata da história maissurpreendente que já li em minha vida.

— Sabia que você conseguiria... — seus lábios esboçaramum leve sorriso de satisfação. — Jorge não se equivocou. Somentevocê poderia fazê-lo.

Tantos elogios conseguiram deixar Leonardo embaraçado,pois ele só pretendia dar um toque de mistério ao diálogo.

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— Aqui está eu lhe trouxe uma cópia... — e estendeu umafolha, que havia tirado da pasta colocada num canto da mesa. — Leia e me diga o que lhe parece. Estou certo de que você o acharáfascinante.

 A diretora começou a ler em silêncio. Correto. O conteúdodespertou seu interesse, embora ela não tenha compreendido osignificado global da narrativa. Além disso, tinha dificuldade defazer a transcrição mental das expressões antigas, de maneira quecorrespondessem à linguagem atual.

— O que quer dizer tudo isto? — perguntou perplexa,devolvendo a seu subordinado a folha de papel. — Não estouentendendo nada. Mas me surpreende ver citado de novo à

denominação Os Filhos da Viúva — mordeu ligeiramente o lábiosuperior antes de perguntar — Você já sabe quem são eles?

— Talvez... mas pode ser que eu esteja equivocado... — foi àresposta dele. — Como lhe disse por telefone, na outra noite, oritual de cortar a língua a quem revelasse o segredo de iniciaçãofaz parte das leis maçônicas.

— Um maçom é um Filho da Viúva?— Volto a repetir que não sei... — deixou-se cair para trás, no

encosto da cadeira, levantando os braços num eloqüente gesto deincapacidade. — Talvez se trate de uma irmandade paralela. Nestecaso, eu me atreveria a dizer que fazem parte da maçonariaoperativa, ou seja, uma loja formada por construtores de catedrais.

— Está bem... — Melele, confusa, tinha rugas na testa. — O

que não consigo compreender, ainda, é o que têm a ver os maçonscom Jorge.

— Balboa sabia onde encontrar o livro de Iacobus, por isso foiassassinado... — ele fez uma breve pausa, antes de continuar. — Ele me enviou um e-mail  junto com a transcrição do manuscrito, umtexto que me ajudou a encontrar a pista. Estou convencido de quenos arredores da catedral de Múrcia está escondido o diário do

pedreiro, algo que os maçons pretendem ocultar das pessoas,ainda que para isso tenham de assassinar todos os que ousemmeter o nariz no assunto... — fez uma careta estranha. — Pelo

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visto, há conhecimentos que eles não desejam ver cair nas mãosde qualquer um.

— Foi exatamente isso que Jorge me disse, na tarde antes deler sido assassinado; que o tal manuscrito revelava assombrososmistérios.

— É o que se pode deduzir do criptograma — afirmouLeonardo. — Pelo que pude entender, Os Filhos da Viúva nosescondem a forma de nos comunicarmos diretamente com Deus.

Sua chefa arregalou os olhos. Aquilo parecia absurdo.

— Você acredita que seja possível?

— Não saberei a resposta, senão quando for a Murcia eencontrar o diário.

Mercedes olhou para ele com uma expressão de assombro.Não esperava tamanha temeridade da parte de Cárdenas, que aprincípio ia descartando a idéia de realizar um projeto deinvestigação à revelia da polícia, e agora desejava issoardentemente. Essa mudança de atitude seria proveitosa para ela.

— Se o que espera é minha aprovação, você sempre a terá,desde que me mantenha informada de tudo o que acontece e queaja com prudência. Não gostaria que lhe acontecesse o mesmoque ao Jorge.

Então, acrescentou em tom mais confidencial:

— Espero que em Murcia você se comporte com a mesmadiscrição que o caracterizou aqui. Caso precise de ajuda, posso

mandar Cristina Hiepes, sua substituta.Colmenares insistiu que ela deveria lhe dar uma mão.

— É criptografa, e das boas, me parece.

Leonardo ficou atônito.

— Um momento...! Nicolas sabe que estou investigando oassassinato de Jorge?

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Ela se delatara por falar além da conta. Pedira tantamoderação a ele, mas ela mesma acabara de resvalar, dando ummau exemplo.

— Ele é meu advogado — foi seu único e elementar motivo — e eu precisava consultá-lo, para ter uma opinião jurídica a respeito.Mas você não precisa se preocupar, pois Colmenares é um homemdiscreto e honesto, posso assegurar. A maioria de minhas decisõesestá baseada em seus conselhos profissionais.

— Você disse a ele que Jorge lhe telefonou na tarde, antes doassassinato, e que ele nos enviou um correio eletrônico?

— Sim, pois considerei necessário.

— E o que ele sugeriu que fizesse? — perguntou, irritado.— Que contasse tudo à polícia.

— Posso notar como você aceita os conselhos dele!

— Isso não é assunto seu — ela o interrompeu, com certaaspereza. — Quando se trata de minha vida pessoal, gosto detomar minhas próprias decisões.

Houve um incômodo cruzar de olhares. Por sorte, trouxeram ovinho e a comida naquele exato momento. O garçom tirou a rolhada garrafa e derramou um gole na taça de Leonardo, que degustouo líquido com uma dose de solenidade, antes de mostrar suaaprovação, com um frio movimento de cabeça.

Decidiram postergar a conversa para a sobremesa. Mas paraCárdenas, o que acontecera até ali era suficiente. Tinha o

consentimento de Mercedes para regressar a Murcia, a seu lar, àterra que o viu nascer. O detalhe do advogado era algo que eleteria de assimilar o quanto antes.

Uma onda de recordações, de sua infância e juventude,ocupou seu pensamento enquanto desfrutava dos prazeresculinários oferecidos por aquele restaurante de três estrelas nosguias. 

Lilith  entrou na loja de cópias com um traje próprio dos anosoitenta. Usava calças  jeans bem justas, jaqueta de couro e umacamisa xadrez aberta até onde a decência permitia, sem mostrar o

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sutiã. Os óculos escuros, fazendo contraste com o vermelho deseus lábios, lhe davam um aspecto singular de enfant terrible,provocante. Sua presença chamou a atenção de uns rapazes quefotocopiavam trabalhos para a universidade. Eles olharam, desoslaio, várias vezes o corpo bem  feito da jovem alemã, como se

uma irresistível força de atração OS obrigasse a fazê-lo. Ela sedesligou do pensamento dissipado e coletivo daquele punhado dehormônios inquietos, observando os postais que estavam dispostosem um pequeno nicho da vitrine. Não valia a pena fixar a atençãoem nenhum daqueles garotos. "Muito oceano para navesextremamente frágeis." Foi o que pensou.

Esqueceu-se dos adolescentes ao perceber que também

chamava a atenção dos sexagenários que acabavam de entrar.Pelo menos esses, ao perceber que Lilith também os observava,tiveram a decência de dissimular sua admiração por ela dando umaolhada nos jornais que estavam pendurados no expositor. Tantocomedimento da parte dos anciãos lhe pareceu nada natural, pois,na realidade, costumavam babar na presença de uma moça bonita.

Quando finalmente chegou a vez dela, tirou da pasta uma

folha de pergaminho, com caracteres góticos escritos em tinta decor ocre, desbotada pelos anos. A única empregada da lojaestranhou ao ver que se tratava de um códice medieval autêntico— reconheceu pela textura do papel —, e não uma reprodução fac-símile, como já vira em muitas ocasiões.

Lilith, ao perceber que a agitada balconista vacilava, fitou-apor cima dos óculos de sol.

— Preciso de uma fotocópia colorida... algum problema? — perguntou secamente.

— É um manuscrito muito antigo — disse-lhe a mulher. — Amáquina poderia danificá-lo. Meu conselho é que você o fotografe.

— Entendido... Correrei o risco.

 Acreditando que havia feito a coisa certa, avisando-a, a

mulher fez seu trabalho com a aquiescência da cliente. Segundosdepois lhe entregou a cópia.

— Há serviço de fax? — perguntou de novo Lilith.

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— Sim, claro — respondeu a mulher. — Pode me dizer onúmero para onde quer enviar?

Ela lhe passou uma nota com os dígitos, devolvendo-lhetambém a fotocópia do códice. A atendente foi até o outro extremodo balcão, enquanto Lilith guardava o original na pasta. Poucodepois, a moça regressava com a folha, a anotação e ocomprovante de envio.

— Algo mais? — perguntou.

— Não. Diga-me quanto lhe devo.

— Dois euros e sessenta.

Deixou as moedas sobre o tecido verde que cobria o balcão,saindo sem ao menos se despedir.

Lá fora, atravessou a rua disposta a pedir uma enormecaneca de cerveja na hospedaria em frente. Precisava fazer umachamada telefônica e não havia melhor lugar para isso do que umavaranda de uma taverna madrilenha.

Entrou no labirinto de mesas e cadeiras, a maior parte delas

ocupada, até que encontrou uma vazia, lá no canto. Sentou, antesque perdesse o lugar para um casal de namorados que, como ela,procurava acomodar-se na área externa, aproveitando aquele diaensolarado de setembro. Logo chamou o garçom para lhe pedir uma jarra de cerveja e umas lingüiças na chapa.

Quando ele foi embora, pegou seu telefone celular da bolsa.Depois de comprovar que ninguém poderia ouvir a conversa,

digitou o número de Frida Weizsäcker, sua companheira deapartamento.

Logo escutou a voz automatizada da secretária eletrônica,indicando que deixasse sua mensagem depois de ouvir o sinal.Lilith não via graça nenhuma em falar com uma máquina, mas teveque fazê-lo para adiantar o trabalho a que se havia proposto. Fridaera a única que podia ajudá-la, justamente porque não tinha

relação nenhuma com a Agência. Além disso, confiava plenamentenela. Não por acaso, eram amigas íntimas e viviam juntas haviatrês anos. Era uma questão de pele. E essa era a melhor garantiade confiança.

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— Frida, querida... — começou dizendo em alemão —...quando chegar em casa encontrará um fax que acabo de lhe enviar da Espanha. É a cópia de um códice medieval codificado. Precisoque você o traduza e me informe o resultado o quanto antes. Sepossível, para hoje à noite. Use o programa decodificador que

tenho no escritório. Sei que você poderá fazê-lo. Um beijo.Guardou o celular. E abriu a pasta que deixara sobre a mesa.

Seus dedos percorreram os caracteres góticos do manuscrito deToledo. Apesar da advertência da organização Os Filhos da Viúva,não foi capaz de destruir um pergaminho pelo qual a sociedademaçônica que a contratara se dispôs a assassinar dois inocentes.Precisava saber o que de tão importante se ocultava naquelas

palavras. Por isso, preteriu queimar um par de folhas enrugadas nolugar do documento.

Teve o pressentimento de que uma vez transcrita amensagem, estaria diante de uma agradável surpresa.

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Capítulo 14 

 A  casa de Salvador Riera podia ser qualificada comoextravagante, mas só se fosse analisada do ponto de vistatradicional. Não tinha fundações nem um terraço ou telhado. Erauma residência baseada no sentido prático: o lar de um indivíduoque procura as raízes ancestrais da moradia primitiva, semrenunciar, porém, à qualidade de vida que a tecnologia modernaoferece.

O tio de Cláudia, depois de abandonar a arquitetura — já faziatempo que finalizara sua carreira —, decidiu afastar-se do barulho

mundano e comprou uns terrenos nas cercanias de Santomera,sabendo que na propriedade existia uma área subterrânea divididaem salas enormes, que se interligavam. Foi ver o lugar e sentiu umforte impacto — ficou muito impressionado. Era como um paláciode pedra, com amplos quartos e corredores labirínticos, subindo edescendo de um nível a outro, como nos apartamentos duplexmodernos. Sobre uma colina marcada pela erosão, havia um

buraco de alguns metros de largura, que se comunicava com o tetoda cova. Através dele é que a luz entrava, iluminando um espaçocentral que fazia às vezes de pátio e jardim.

Salvador teve apenas de fazer o projeto e contratar as obrascom um construtor de sua confiança. Foi erguida uma fachadagigantesca, de  vinte e sete metros de comprimento por dez dealtura, com uma dezena de janelas e balcões que davam para oexterior, onde o terreno foi nivelado para dar lugar a um dosbosques mais exuberantes da área verde murciana. Tão logo foramconcluídas as obras de sua nova casa,  construída na gruta, deacordo com a tradição de alguns povos levantinos, ela reunia onzequartos, cuja área oscilava entre vinte e trinta metros quadrados,um salão enorme, uma cozinha de sonho, três banheiros e umpátio interior octogonal adornado com uma pequena fonte, nocentro. A colocação de uma cúpula transparente de metacrilato

evitava que a chuva entrasse pela abertura do teto. Ao todo, erauma propriedade registrada com mais de seiscentos metrosquadrados de área habitável, com um jardim de um hectare.

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Leonardo teve de reconhecer que o tio de Cláudia era umhomem prático. Aproveitar a orografia do terreno para construir uma casa foi uma idéia brilhante. A temperatura interior semantinha em cerca de vinte graus, apesar da mudança dasestações, o que permitia economizar muita energia elétrica.

Também era silenciosa e era possível que suas paredesestariam em pé pelos próximos dez mil anos, salvo terremotos,mérito que só um grande arquiteto era capaz de ver. Por isso,quando os apresentaram, sentiu que apertava a mão do gênio quehavia transformado a cova de Ali Babá no palácio de Scherazade,pois era como viver em um conto das Mil e Uma Noites.

— É um prazer conhecê-lo — disse Salvador Riera, sem

soltar a mão de seu convidado. — Cláudia me telefonou esta tardepara me dizer que vinha passar uns dias com um companheiro detrabalho, por isso, me perdoe se encontrar a casa de pernas para oar. Tenho que arrumar tudo sozinho, até que venha minhaempregada, na semana que vem.

— Não se preocupe. Reconheço que em meu apartamentotambém se vive situações igualmente caóticas.

O arquiteto simpatizou com o acompanhante de sua sobrinha.Tinha senso de humor.

— Suponho que apesar de tudo nos deixará ficar... estoucerta? — acrescentou Cláudia, dando dois beijos nas bochechasdo tio.

— Espero que não esteja aborrecido comigo por tê-lo

esquecido nos últimos três anos.Salvador soltou um grunhido perspicaz.

— É isso que dá ser velho... esquecem de você — disse comcerto ar de reprovação, ainda que feliz por tê-la de novo emSantonera. — Mas, vamos... entrem logo.

O arquiteto se afastou, dando passagem a eles, que

ingressaram diretamente num amplo vestíbulo, onde as linhasrochosas das paredes se perfilavam com um capricho de projetista.Tanto assim, que em um lado da sala a altura do teto era de quasecinco metros e, no outro, mal chegava a um metro e sessenta. Ali,

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aproveitando esse canto, que para alguns seria inútil, haviaembutido uma estante com gavetas e portas de vidro. Na frente,uma mesa e duas poltronas de vime sobre um tapete persa davamum toque particular de elegância ao lugar. Mais adiante, depois depassar sob um arco natural escavado na própria rocha, entraram

na sala de visitas, um espaço bastante amplo com uma imensa janela de vidro, dando para o jardim externo. O piso era decerâmica rústica. As rochas delimitavam os diferentes espaços;eram pintadas de branco, com a finalidade de manter a tempera-tura e a estética mediterrânea. E para que os móveis seencaixassem nos vãos da cova, foram levantadas — em certaspartes daquela casa tão surpreendente — paredes de ladrilho, queserviam de apoio.

Eles se sentaram no sofá, enquanto Salvador foi à cozinhapreparar café. Ele regressou poucos minutos depois, com acafeteira, o açucareiro e as xícaras, tudo arrumadocuidadosamente sobre uma bandeja. Depositou-a sobre a mesa,para que cada um se servisse à vontade.

— Bom... agora me diga o que de tão importante você tem a

me contar.Salvador Riera olhou sua sobrinha de maneira complacente,

esperando que contasse o motivo pelo qual deixara Madri para vê-lo. A única coisa que sabia é que ela e um amigo de trabalhotinham de lhe fazer determinadas perguntas. A natureza daentrevista continuava sendo um mistério.

— Lamento ter de envolvê-lo neste assunto, mas só você

pode nos ajudar... — Cláudia lançou o corpo à frente. — Além deum grande  arquiteto,  também conhece melhor   que ninguém ahistória da maçonaria. A verdade é que estamos metidos em umaboa enrascada!

— Precisamos de informação — acrescentou Leo, semrodeios.

— Que tipo de informação? — quis saber Riera, surpreso

tanto pela solicitude como pela expressão dos rostos quecontemplava, com a testa franzida.

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Cláudia lhe entregou uma cópia do manuscrito. O arquitetocolocou  os óculos, para ler. Depois de alguns segundos, tirou aslentes para fitá-los.

— De onde vocês tiraram isso? — o tom de sua voz era muitograve.

— Será melhor que eu lhe conte tudo, desde o princípio — disse Cláudia.

— Creio que vocês estão loucos por continuar investigando,quando sabem do que essa gente é capaz — opinou Salvador,depois de ouvir atentamente o relato de sua sobrinha. — Por outrolado, lenho de agradecer sua confiança. Significa que valoriza os

conhecimentos deste pobre velho.Cláudia se aproximou, para abraçá-lo. Sabia que era injusto

aparecer, depois de três anos, para pedir a ele um favor quepoderia envolvê-lo naquele assunto desagradável. Ela amava seutio. Se em um momento de sua vida havia se esquecido dele, eraporque isso fazia parte do ciclo de gerações. Crescera. Tinha seuspróprios problemas, os quais acabaram por afastá-la dos assuntos

que antes traziam ao ser redor. Era como se a família estivessefragmentada em partículas de lembranças. E agora vinha a ele,quando mais precisava.

— Se vim é porque senti sua falta e porque sei que você é aúnica pessoa que conhece como ninguém, o enigmático mundo damaçonaria — deu-lhe um beijo na bochecha. — Eu me lembroquando ia nos visitar durante o Natal... recorda? Sempre nosdeleitava com uma dessas antigas histórias que falam de cátaros etemplários, e das relíquias que eles foram ocultando em fortalezasinacessíveis, por medo do poder da Igreja de Roma.

O velho afagou os cabelos da sobrinha, beijando-a comcarinho. Em seguida, se afastaram.

— De certa maneira, esse manuscrito de vocês vem confirmar uma de minhas teorias... — comentou, com voz suave. Cláudia e

Leo se olharam, surpresos. Não tinham a menor idéia do que eleestava falando.

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— Não se preocupem — disse-lhes. — Trata-se de outromistério, o meu... — aspirou, com dificuldade, pelo nariz. — Estouum pouco resfriado..., mas agora será melhor que nosconcentremos no de vocês. Para começar, eu lhes direi uma coisa:tem razão, os maçons tratam de impedir que um de seus maiores

segredos se propale. Mas não sei por que vocês estranham, setem sido assim há muitos séculos... — balançou a cabeça. — Essamáxima que mencionaram e que foi escrita com sangue, naparede, consta do Manuscrito Regius e é um dos deveresprioritários do maçom, mesmo dos recém-iniciados.

— Você a conhecia? — Cláudia mostrou interesse por saber aprocedência do documento.

— Claro que sim! — ele afirmou categoricamente. — OManuscrito Regius data do fim do século XIII, mas foi publicado em1840, por James O. Halliwell... — desviou o olhar para um cantoque havia no fundo da gruta. — Devo ter um exemplar em algumponto da biblioteca, embora não precise consultá-lo para saber oque diz. Eu o memorizei, há anos... — apontou para a própriacabeça, com o indicador direito. — É a bíblia dos maçons. Ele cita

a fundação da irmandade, no Egito, por Euclides, e há uma breveintrodução das obras atribuídas ao rei Adelstonus. Em seguida,vêm os quinze artigos e os quinze pontos do estatuto, justamenteonde está incluída a máxima a que vocês se referiram. Há, ainda, orelato dos chamados Sancti Quattro Coronatti, a história da Torrede Babel, a necessidade das Sete Artes Liberais, e uma exortaçãosobre como se comportar corretamente dentro da igreja, além deum prefácio aos bons costumes.

— Qual é o sentido do anátema desses criminosos? — perguntou Leonardo, cuja curiosidade ia aumentando à medida quea conversa avançava.

— O de proteger os mistérios que envolvem a arte daconstrução e a ciência dos números — respondeu o veteranoarquiteto, de forma contundente. — Os primeiros maçons erammais do que simples artesãos da pedra. Seus métodos de trabalhodeviam permanecer em segredo dentro da irmandade, porque seusconhecimentos eram recebidos diretamente do Grande Arquitetodo Universo.

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— Você se refere a Deus? — quis saber, novamente,Cardenas.

— Isso mesmo! — respondeu o ancião. — A arte daconstrução está intimamente relacionada com a da geometria, mãedas Sete Ciências Liberais. O número áureo e outras proporçõesdivinas que regularam o Universo fazem parte de um conhecimentoque foi utilizado pela maçonaria para erigir as catedrais. Pitágorasdizia que tudo é leito conforme o número de ouro e que Deusgeometrizava ao criar. E quando perguntaram a São Bernardo deClaraval, protetor dos templários, "O que é Deus?", ele respondeude acordo com a epístola de São Paulo aos Efésios: "É longitude,largura, altura e profundidade." Isso quer dizer que quem conhece

os mistérios da geometria se coloca à altura de Deus e podeconversar diretamente com ele.

— Em que contexto do Manuscrito Regius aparece à máximade advertência? — quis saber Cláudia, desta vez retomando o fiodaquela conversa apaixonante. Talvez esse detalhe possa nosajudar... não sei...

— Dentro do terceiro ponto do estatuto, que diz mais ou

menos assim: "Aprendiz, sabes muito bem, deves ocultar eguardar, de boa vontade, o conselho de teu mestre, e também o deteus companheiros. A ninguém falarás sobre os segredos dacâmara e da loja, haja o que houver: mesmo que te pareça quedeves fazê-lo, não contes a ninguém aonde vais; a palavraproferida na sala e no bosque guarde-as bem, por tua honra, docontrário o castigo cairá sobre ti e grande vergonha trará a teuofício." É assim que eu me lembro...

Deteve-se um instante, para observar o efeito que suaspalavras haviam produzido. E prosseguiu com sua alocução:

— A maçonaria é a irmandade mais hermética que seconhece. Seus segredos podem custar à vida a quem quebrar o

 juramento que consta do Código de Edimburgo, como vocês jásabem muito bem. Porque os Mistérios, que é como os maçons

denominam as Artes Liberais, devem ser mantidos em perfeito,inviolável silêncio. Muitos santos foram mártires maçons, quepreferiram a morte a desonrar o regulamento da loja. Entre eles se

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encontram os chamados Sancti Quattro Coronatti, os quais comolhes disseram antes, são mencionados no Manuscrito Regius.Esses escultores foram condenados por Deocleciano, pois senegavam a revelar o segredo da perfeição de suas obras. Foramtorturados cruelmente, antes de serem encerrados, ainda vivos, em

sarcófagos de chumbo. Depois, os ataúdes foram lançados ao mar.— Isso é horrível! — Cláudia estremeceu, só de pensar 

naquilo.

— Com sua morte e sacrifício, aqueles homens reafirmaram aconduta da loja em relação à tutela de seus conhecimentos.Preferiam perder a vida a trair a confiança de seus companheiros.

Leonardo teve de admitir que a idéia de visitar o tio de Cláudiaprometia ser bastante instrutiva.

— Observo que você conhece em profundidade a história damaçonaria — afirmou, agradecido. — Eu me perguntava, aqui commeus botões, se não se importaria de nos fazer um breve resumodos costumes e ritos deles, ao longo dos anos... — estalou alíngua. — Na realidade, o que queremos averiguar é se existe

alguma relação entre a maçonaria e as passagens bíblicasreferentes ao Templo de Salomão e à descendência de Caim.

— Não sei se você percebeu que o manuscrito menciona osnomes dados às colunas de entrada do templo de Jerusalém etambém o de Tubalcaim, pai dos forjadores do ferro e do cobre — acrescentou Cláudia, apoiando assim o comentário de seucompanheiro.

O experiente arquiteto confirmou, com um gesto, em silêncio.— Sim, claro, tudo isso faz parte das crônicas da maçonaria

— disse, finalmente, depois de uma pausa. — Mas leva muitotempo para explicar... — concluiu.

— Não há pressa, tio... — Cláudia se levantou. — Teremos ofim de semana inteiro. Mas agora será melhor que nos mostre acasa e diga onde podemos nos instalar. É muito tarde, estamos

exaustos. Precisamos descansar algumas horas.

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— Estou certo de que ficarão encantados... — Salvador imitoua sobrinha, levantando-se da poltrona. Cada sala expressa umsentimento novo, diferente... até mesmo ambíguo.

Leonardo aceitou fazer   parte do reduzido grupo, disposto apercorrer   os diversos aposentos, de caprichosa geometria,integrantes do  espantoso lar de um homem que dizia ser felizvivendo no interior da terra. Estava certo de que seria algo único,uma experiência inigualável.

 A programação da tevê pouco a interessava, mas a voz do locutor preenchia a sensação de vazio que sentia naquelas horas da noite,Blando a cidade estava mergulhada em seu sono mais profundo.

Era um desses momentos de serenidade e silêncio, quandoseu espírito atormentado conseguia acalmar-se e se entregava àreflexão diária. Lilith, cujo verdadeiro nome era Elke Zeiss — assimela constava no censo berlinense —, foi abandonada ao nascer.Encaminhada a um abrigo de órfãos, ali jamais conheceu o amor paterno. Aos dezesseis anos, fugiu do internato onde estudava,graças à ajuda que recebia do governo alemão, e foi viver com um

argentino que havia conhecido em uma festa, na casa de umaamiga. Tratava-se de um fracassado traficante de armas, queatuava nos subúrbios de Berlim. Depois de um ano de tortuosorelacionamento, durante o qual foram obrigados a mudar váriasvezes de endereço, para despistar a polícia e as máfias rivais quedemarcavam territórios, seu amante lhe propôs que participasse deum assalto a banco, na cidade de Potsdam. Ela aceitou, semreclamar, talvez porque não tivesse alternativa ou, quem sabe, por 

medo de confrontá-lo. Desgraçadamente, duas pessoas morreramno evento: o agente de segurança, que ficava na porta dainstituição, e um empregado que tentara ser esperto, alcançando oalarme. Depois daquilo, não tiveram outro remédio senão abando-nar o país; fugiram para a América do Sul.

Na Argentina, tiveram a oportunidade de começar de novo,mas Oscar — esse era o nome de seu companheiro — tinha velhas

dívidas pendentes e que puseram um ponto final em sua vida,depois de um sangrento acerto de contas. A partir de então, Lilithteve de sobreviver graças à única herança que lhe deixara seu

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parceiro: um coração frio, disposto a fazer qualquer coisa em trocade dinheiro, e um cérebro sem consciência, nenhum padrão moral.

Dois anos depois, com apenas quatro qüinqüênios de vida,ela ingressou na Corpsson, por influência de um sujeito com quempassara uma só noite e que era membro da organização. Passouum breve período no Brasil, onde aproveitou para ampliar suaprática no lucrativo mundo do crime, e decidiu regressar à

 Alemanha com um nome falso: Lilith.

Eram 3h17 do sábado, e ela continuava diante do televisor,engolindo programas que eram puro luxo. Acendeu um cigarro,antes de mudar de canal. Um velho combatente da Guerra doIraque, a quem haviam amputado as pernas depois que ele pisara

em uma mina terrestre de fragmentação, criticava publicamente aconduta do presidente americano em relação às vítimas. Aquilo aaborreceu tanto, que ela desligou o aparelho e fechou os olhos,com o firme propósito de dormir um pouco. Foi quando se lembroude Frida e da mensagem que lhe enviara na manhã anterior.Melhor seria chamá-la novamente. Além de sentir falta de um papocom ela, precisava saber se havia conseguido traduzir o

criptograma.Foi até a varanda aberta, que mostrava a paisagem

montanhosa da serra. Agora submersa nas sombras da noite. Semmais demora, ligou para Frida. Depois do terceiro sinal, ouviu a vozalegre de sua companheira, no outro lado da linha.

Parecia descontraída e desperta, mas reconheceu quearrastava um pouco as palavras devido ao cansaço provocado,

possivelmente, pela transcrição do manuscrito.— Eu me alegro que você tenha ligado. Ouvi sua mensagem

na secretária eletrônica e tentei me comunicar com você, mas foiimpossível. Você estava fora do ar.

— Sinto muito, esqueci de carregar a bateria, antes de sair,de manhã... — lamentou seu equívoco, com uma careta furtiva.Mas... diga-me... o que conseguiu averiguar?

— É como você disse um códice medieval criptografadosegundo as normas de segurança da época. Baseia-se na troca de

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letras e números pelas do alfabeto em uso, naquele  tempo, paraformar palavras e  frases. Tenho de reconhecer que foi mais difícilreconhecer os Símbolos góticos do abecedário do que decifrar ocódigo.

— Você usou o decodificador?

— Sim... — respondeu imediatamente —, mas surgiu umproblema. A mensagem não coincidia com a linguagem corrente.Isso me obrigou a ficar umas cinco horas diante do computador,indagando em sites que tratam de literatura ancestral paraidentificar expressões habituais daquela época. O certo é queacabei agora mesmo!

— Você tem o texto? — Perguntou impaciente.— Diante de meus olhos cansados... Quer que leia?

— Espere um momento... — procurou no menu de seutelefone celular, até encontrar o acesso ao gravador, que ligou emseguida, instando para que a amiga começasse a leitura. Vá emfrente, quando quiser!

Frida cumpriu os desejos da interlocutora, falando lentamenteas palavras escritas, um tanto incongruentes, de um pedreiroespanhol do século XVI, que afirmava conhecer a secreta arte daconstrução e o modo de se comunicar com Deus.

Lilith não sabia o que pensar, a princípio. Aquela históriaparecia ter sido forjada pela mente febril de algum maluco. Orelato, porém, lhe pareceu familiar. Tinha ouvido um dosprofessores do internato comentar que os antigos judeus diziam

saber a maneira de falar diretamente com Javé, seu Deus. E aindaque fosse um dos segredos mais bem guardados pelos rabinos,suspeitava-se que chegara aos ouvidos de Hitler, que organizouuma investigação sobre aquele prodígio, enviando agentes daGestapo a diversos lugares do Oriente Próximo e do Norte da

 África, com a finalidade de encontrar o que ele pensou quepudesse garantir-lhe a vitória diante de seus inimigos. No entanto,

os enviados jamais encontraram o que foram buscar.

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Fosse ou não correto o relato, houve um detalhe que lhechamou a atenção. O escrito era datado de Murcia. Estranhacoincidência. A mesma cidade onde conhecera Sholomo.

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Capítulo 15 

Durante toda a manhã do sábado, permaneceram andando pelacatedral, na esperança de estabelecer uma relação entre aiconografia dos nichos e o diário do pedreiro. Enquanto Cláudiatirava fotografias do lugar, Leonardo contou a Salvador os detalhesda lenda que falava das correntes da capela dos Velez e dosuplício a que foi submetido o escultor. O arquiteto aposentadodisse que conhecia a história assim por alto, embora jamais tenhapensado que pudesse existir uma relação entre o tesouromencionado nas Centúrias de Nostradamus e a escultura do

operário maçom. Mas Leonardo insistiu que a quadra XXVIIindicava o lugar exato de um tesouro e que isso coincidia com asindicações oferecidas por De Cartago em seu manuscrito.

— Observe bem... — apontou para os sustentáculos dobrasão, dentro do arco. "Sob as correntes Guien do céu ferido, nãolonge dali está o tesouro escondido". Assim começa a quadra.

— Não entendo... aonde você quer chegar?

— Você já vai ver. Acreditamos que "Guien" pode ser traduzido como "Chien... ou seja... "cachorro", em francês. E noescudo aparecem dois cachorros e a flor-de-lis.

— A flor do céu — acrescentou Salvador, compreendendo,agora, onde seu interlocutor queria chegar.

— Sim, é isso! — afirmou Cardenas, satisfeito. — Dessa

forma, a frase ficaria mais ou menos assim: "Sob as correntes docachorro e da flor-de-lis, não longe dali está o tesouro escondido".No manuscrito de Toledo, porém, Iacobus afirma que quem quiser conhecer a verdade deverá descer aos infernos que se precipitamsob uma grande corrente, chacais e colunas barbudas... E asfiguras que formam os sustentáculos têm barbas. Minha intuiçãome diz que o diário deve estar escondido nas cercanias dacatedral.

Ele observou atentamente os edifícios e praças circundantes,como se estivesse procurando um lugar que chamasse suaatenção.

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— Qual era a frase seguinte do manuscrito? — Cláudiaguardou sua máquina fotográfica no bolso, enquanto seaproximava dos dois homens. — Não dizia alguma coisa sobreuma das pedras esculpidas?

Leonardo tirou o escrito do bolso de sua calça, desdobrando-ocuidadosamente.

Se acontecer de que sejam desejosos de conhecer, comomuitos, a verdade, tereis que baixar aos infernos que se precipitamatrás de uma grande corrente, chacais e colunas barbudas, Jaquime Boaz.

— "Haveis de ver, de baixo para cima, quando vos

encontrardes diante dos pilares, que meu nome estará assinado ali.Nesse inferno eu vos serei revelado. Sou e estou em meu interior."— leu em voz alta. — Isso lhe sugere algo?

— Que talvez devamos nos aproximar dos muros, para ver oque nos indicam.

Salvador franziu a testa ao ouvir a recomendação de suasobrinha, percebendo que o pedreiro estava lhes dizendo

claramente que deveriam procurar seu nome nas pedrasesculpidas. Leonardo também se recriminou por não haver percebido isso antes, sorrindo como uma criança que é pega

 justamente na hora em que está roubando um caramelo.

— Nossa! Por Deus, você tem razão! — exclamou surpreso.— De Cartago deve ter deixado escrito um sinal de alerta.

— É melhor que a gente se aproxime, para comprovar.

 A decisão do arquiteto levou-os a se deslocar. Foram até aestrutura metálica que formava o andaime das obras de reforma doedifício que se localizava ali em frente, andaram com cuidado paranão se machucar, sob os esteios de ferro, observando detidamenteas pedras esculpidas das paredes externas da capela dos Vélez.Cláudia foi a primeira a descobrir uma extensa série de glifos, oucanais ornamentais geralmente em posição vertical, que servem

como marcas de arquitetura, e que adornavam a parte traseira dosmuros da catedral. Vira o relógio de areia deitado, que, nalinguagem alquímica, simboliza as horas, uma cruz no interior de

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um quadrado — outro dos sinais templários —, um triângulo comum crucifixo no vértice superior e, sem dúvida, as iniciais I.D.C.lavradas na pedra. Tal como indicava o pedreiro, seu nome,Iacobus de Cartago, estava gravado nas esculturas da capela.

Encontraram, depois de uma busca das mais exaustivas,outras marcas, com as iniciais J.B. Não comentaram nada, emborafosse evidente que se tratava do selo do companheiro Justo Bravo,o mestre de obras.

— É espantoso! — Cláudia foi quem ficou mais surpresa. — Está aqui! — engoliu em seco, duas vezes. —O nome dele estágravado nas pedras, como prometeu! Não lhes parece incrível?

— Devo reconhecer que a sua história está certa — admitiuSalvador. — E o mais surpreendente de tudo é que, por algumaestranha coincidência, o segredo de Iacobus está intimamenterelacionado com a investigação que venho realizando há muitosanos. Creio que estamos procurando a mesma coisa. — Rieraempalideceu ao descobrir certo paralelismo entre ambos osmistérios.

— Podemos saber do que está falando?O arquiteto olhou para sua sobrinha, sem saber o que dizer.Mas os olhos da jovem foram mais convincentes que qualquer palavra. Ela estava suplicando por uma explicação.

— Está bem! — aceitou o compromisso de confiar seusegredo a eles. — Antes, porém, eu os convido para um café napraça. A história pode levar um bom tempo, portanto, estaremos

muito melhor ali sentados.Segurando no braço de Cláudia, Salvador começou a andar 

até o Pórtico dos Apóstolos. Leonardo foi atrás deles, levantando acabeça, de vez em quando, para observar os vitrais, acima dascorrentes e escudos. Sentaram-se tão logo chegaram à varanda deuma cafeteria situada na Praça Cardeal Belluga. Fazia um diaesplêndido, com uma temperatura excelente. As pessoas iam e

vinham, de um lado para outro, levando com elas,irremediavelmente, uma explosão de murmúrios. No céu, voavamcentenas de pombas, ao redor do pináculo do portal da catedral.

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Nas mesas do restaurante de frutos do mar, ao lado, vários clientesse defrontavam, prazerosamente, com uma farta vasilha demexilhões, a especialidade da casa.

Um sábado como qualquer outro na capital, Múrcia.

— Bem... é sua vez de falar... — Cláudia incentivou o tio, paraque começasse a contar o que prometera.

O veterano arquiteto bebeu sua xícara, antes de iniciar ahistória.

— Como você sabe, eu sempre tive uma queda por antigaslendas que dizem respeito aos templários... — começou, coçando aparte calva de sua cabeça. — Há vinte anos, abandonei meu

trabalho em Barcelona para me instalar em Santomera. Emdiversas ocasiões você já deve ter me ouvido falar que sou o únicoa conhecer a origem do nome daquele povoado, embora essahipótese jamais tenha sido exposta em público. Pois bem... estouem condições de assegurar que tanto Nostradamus como DeCartago estão certos: na região de Múrcia está escondido umobjeto venerado pela cristandade, e isso tem a ver com a vila de

Santomera.— Você se refere ao Santo Graal? — perguntou Leonardo,

embora ainda achando que se equivocava.

Riera negou, balançando decisivamente a cabeça.

— Não, trata-se de algo diferente — respondeu, devagar. — Será melhor, porém, que eu comece do princípio...

―Entre os anos 1104 e 1115, Hugo de Champagne realizouvárias viagens à Terra Santa. Durante esse tempo, foi recolhendodiversos escritos em aramaico e os trouxe consigo, de Jerusalémpara seu estúdio. Muito depois, entrou em contato com EstevãoHarding, abade da Ordem do Cister, à qual doou terras para queum de seus parentes, Bernardo de Claraval, fundasse a abadia quelevaria seu nome. Assim, com a ajuda de rabinos judeus, oscistercienses trataram de desvendar os segredos que estavam

contidos nos manuscritos trazidos por Hugo, da Terra Santa‖."A partir daí, houve uma série de acontecimentos, todos à

revelia do papa Honório II, em um conjunto de atividades que bem

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poderia ser classificado de conspiração religiosa. São Bernardo,homem que tinha certa obsessão por arquitetura e geometria,recrutou nove cavaleiros de sua mais inteira confiança com opropósito de cumprir uma das missões mais disparatadas dahistória medieval..."

Fez uma pausa para limpar a voz.

"Esses homens eram Hugo de Payns, Godofredo de Saint-Omer, Godofredo Bisol, André de Montbard, Payen de Montdidier,

 Archambaud de Saint-Amand, Gondemar, Rossal e Hugo deCampana. Juntos, eles viajaram até Jerusalém, onde conversaramcom o monarca da Cidade Santa, Balduíno II. O chamado 'rei dacristandade' lhes concedeu como residência, a antiga mesquita de

 Al-Aqsa, literalmente chamada de 'a mesquita longínqua', queficava onde antes era localizado o Templo de Salomão e tambémsuas cavalariças. Até mesmo na atualidade, os historiadores seperguntam por que Balduíno ofereceu àqueles nove cavaleiros umalojamento onde poderia ser instalado um exército de milhares desoldados, e também por que durante nove anos os chamadosPobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão não

admitiram nenhum outro membro em seu grupo e nem participaramdos confrontos armados contra os sarracenos. A resposta à atitudedo rei pode ser encontrada na informação que ele recebeu dosenviados de Cister."

"Daquele momento em diante, Balduíno se converteu em umaliado dos Cavaleiros do Templo. Por isso, nove anos depois,podemos vê-lo participando, novamente, do complô. Recorreu àajuda do papa, com a desculpa de encontrar-se em dificuldades,por falta de combatentes. Para isso, enviou Hugo de Payns aRoma, como embaixador, junto com cinco templários, que lhefariam companhia no trajeto. Era algo realmente insólito, já quepara tarefas como essa Balduíno costumava empregar seuspróprios delegados ou um dos lautos peregrinos que regressavama seus lugares de origem, depois de cumprir a penitência a que sehaviam imposto. Aquela foi à desculpa perfeita que encontraram o

rei e os templários, para tirar da Terra Santa o maior de seustesouros."

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"Mas é aí que Hugo de Payns e seu substituto enganam ahistória, fazendo-nos acreditar que a relíquia transportada para aFrança, segundo conta a lenda templária, era a autêntica; narealidade, os outros três cavaleiros embarcaram no porto de SãoJoão de Acre, com a relíquia verdadeira, com o objetivo de viajar,

pelo mar, até Chipre, onde pegaram um novo barco rumo às costasda Espanha. Procurando um lugar seguro onde guardar seutesouro, entraram no Reino de Múrcia, na época uma regiãodominada pelos mouros, fazendo-se passar por sarracenos deTrípoli. Foi fácil para eles, que dominavam perfeitamente a línguaárabe e tinham a pele curtida, depois de viver vários anos natórrida região da antiga Palestina. Chegaram a uma aldeia habitadapor apenas uma dezena de camponeses. Ali se instalaram, durantecerto tempo, à procura de uma maneira de esconder a relíquia;depois, foram embora. Foi tamanha, porém, a impressão deixadapelo chefe daquele grupo de templários, encarregados depreservar o segredo, que anos depois de sua morte, quando oReino de Múrcia havia sido conquistado por Afonso X, o Sábio, onome daquele nobre cavaleiro foi adaptado para denominar opróprio povoado. Ele se chamava Godofredo de Saint-Omer. E a

vila, como vocês certamente já imaginaram, é a atual Santomera."— Isso é demais! — exclamou Cláudia, que não estava

inclinada a acreditar na revelação. Você ouviu?

 A pergunta, feita em tom eivado de nervosismo, foi dirigida aLeo, mas seu amigo tinha suas próprias dúvidas.

— Sim, é realmente incrível... — reconheceu com um fio devoz, para em seguida elevar o tom —..., mas nos falta saber onome da relíquia que os templários ocultaram.

 Ambos olharam para ele, com expressão inquisidora. Ahistória estava, mesmo, incompleta. O arquiteto se viu obrigado aresponder.

— Saint-Omer trouxe com ele a Arca da Aliança, e, com ela,os números sagrados e as proporções divinas gravadas nas

Tábuas da Lei.Leonardo pensou que o velho estivesse brincando com ele;

era isso ou não estava muito bom da cabeça. Esforçou-se para

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reprimir algum comentário mordaz que pudesse ofendê-lo, mas,obviamente, era algo assim que lhe vinha à mente. Às vezes podeacontecer que uma idéia se converta em obsessão, e Salvador erauma dessas pessoas que se deixam levar por grandes emoções.

Cláudia, porém, não via a coisa pelo mesmo ângulo. Essa eraa diferença entre ambos. A mente da paleógrafa primava por ummaior domínio da sensatez, e pôde ver com clareza que entre osdois relatos havia certas distinções. Seu tio estava equivocado;apenas isso.

— Nós estamos procurando um livro, talvez um diário. Nadamais distante do que a Arca de Moisés — ela corrigiu, enquantoajeitava, dissimuladamente, o seio esquerdo no sutiã. — Sua

história é digna de estudo, embora eu creia que os templários nadatêm a ver com Iacobus de Cartago... — sorriu de leve. — Entreambos, vários séculos haviam se passado — concluiu.

— Talvez a Arca já não esteja em Múrcia, mas esteve aqui — insistiu o arquiteto. — Possivelmente, trataram de devolvê-la a seulugar de origem... não estou certo. Sem dúvida, porém, De Cartagosabia onde ela podia ser encontrada e escreveu em seu diário a

maneira de chegar até a cidade perdida de Enoque, que foi onde aesconderam. A maçonaria nasceu depois da dissolução da Ordemdo Templo e seus cavaleiros foram, sempre, seus guardiões.

— Em nenhum momento ele se refere à palavra Arca em seumanuscrito — foi Leonardo quem insistiu em fazê-lo ver o erro.

— Mas se refere, sim, a conhecer a maneira de falar comDeus. Cardenas franziu o nariz.

— Não compreendo...

— E será melhor que você continue assim, por enquanto.Pode ser que tenha razão e que minha história somente sirva paranos desviar do caminho correto, e isso seria catastrófico. Devemosnos concentrar no manuscrito e nos assassinos de seu amigo.Vejamos... o que vocês desejam sobre os maçons?

— Tudo! Desde o princípio. — Cláudia foi bem explícita, naresposta.

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— Está bem, comecemos com a decadência do ImpérioRomano... — se dispôs a contar-lhes a origem da maçonaria. —Com a chegada do cristianismo, as escolas de arquiteturafundadas em Roma, conhecidas como os Mistérios de Baco, seviram seriamente ameaçadas pelo poder da pujante Igreja, a qual,

graças à sua influência político-espiritual, depois da invasão dosbárbaros, se converteu no único sistema organizado da Europa.Esses conhecimentos passaram, finalmente, às mãos das UniõesComacinas, uma instituição fundada por alguns mestres que sedeslocaram até a ilha de Comacina, no norte da Itália. Levadospela necessidade de preservar os segredos da construção, osmaçons não tiveram mais saída senão ingressar nas diferentesordens religiosas que foram surgindo ao longo de todo ocontinente. Em nenhum momento provocaram suspeitas da Igreja,que, sem saber, os protegeu e lhes deu cobertura durante séculos.Foi tal a superioridade desses homens na arte da construção, queforam chegando levas e levas de pedreiros e aprendizes, de quasetodas as regiões da Europa, para aprender sob a direção dosmestres, os Magistri Comacini. Eles são mencionados pela primeiravez no chamado Moratório, do rei Liutprando, que data do século

VIII, quando receberam o privilégio de homens livres do Estadolombardo. Os lugares onde eles trabalhavam foram denominadosloggia... Tinham apertos de mãos, senhas e juramentos defidelidade que só eles conheciam...

Salvador abriu um parêntese no relato para apontar umdetalhe de suma importância:

— Sua ciência os levou a erguer as primeiras igrejas

românicas, mas esse conhecimento não lhes pertencia, pois foraherdado de construtores que haviam vivido séculos antes. Duranteesses anos de obscuridade espiritual, parte do saber foi sendoperdida, pois as informações eram transmitidas por via oral, demestre para aluno. O problema é que as palavras iam sendointerpretadas ao sabor da personalidade de cada um. Sem dúvida,algo aconteceu na história da arquitetura medieval que ainda hoje,em nossos dias, continua sendo um enigma para os eruditos — trata-se, justamente, da mudança brutal da arte românica para agótica, na época dos construtores de catedrais. A única referênciaque existe na história da arquitetura, de um salto de tal magnitude,

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encontra-se na descontinuidade temporal seguida à construção daspirâmides.

— É verdade! — afirmou Cláudia, convencida, já queconhecia os segredos da arte antiga. — Os especialistas nãoentram em acordo, já que não existe um período de transição entreambos os estilos. O gótico nasce de improviso... — cruzou aspernas esbeltas, sob a mesa. Assim, sem mais nem menos.

— Nisso, eu discordo de você, querida — disse-lhe Salvador,em tom carinhoso. — O gótico nasce com a volta dos templários àEuropa. Foram eles que recuperaram o verdadeiro significado daarquitetura. Com as proporções divinas em suas mãos, foramcapazes de erguer templos dedicados a, alegoricamente,

representar Deus na Terra. Uma catedral gótica é em si mesma,um ensinamento à plebe, uma fórmula alquímica que transforma aignorância em espiritualidade e exalta a devoção dos crentes. Acatedral simboliza o corpo de Cristo na cruz. A abside representa acabeça de Jesus e o mundo infinito. A nave central é o corpo e aterra onde vivemos o mundo físico. O pórtico são os pés domessias, onde o coro encarna a morada do penitente, conhecida

como purgatório, embora outros a chamem de alma. E as naveslaterais são os braços, quer dizer, o espírito que sustenta ohomem.

— Uma catedral é tudo isso? — Leonardo, que se sentiaconfuso, olhou para sua companheira, esperando uma resposta.

— A mim também surpreendeu essa visão — ela reconheceu.

— Escutem... que tal lhes parece se entrarmos, para dar umaolhada? — perguntou Salvador, indicando a catedral de SantaMaria. — Há algo que quero mostrar a vocês.

Eles se levantaram depois de pagar a conta ao garçom.

 Atravessaram a praça, até alcançar o pórtico de entrada. Umavez lá dentro, o arquiteto fez um gesto para indicar que oseguissem até onde umas mulheres rezavam de joelhos, diante de

uma imagem da virgem. Aproximaram-se, sem fazer ruído, poisparecia uma violência perturbar a paz e o silêncio que se respirava

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naquele lugar. Riera se ajoelhou no chão, junto ao grupo que aliestava orando igualmente em voz baixa.

— E o que se espera que nós tenhamos de fazer? — sussurrou Leonardo ao ouvido de sua companheira sentimental eprofissional.

Cláudia pediu a ele, com uma cotovelada, que guardassesilêncio. Pouco depois, Salvador Riera levantou-se e limpou ascalças, na altura dos joelhos. Aproximou-se deles e indicou aimagem da Virgem Maria.

— A catedral foi erguida em nome dela — contou. — Adevoção que os templários tinham pela Virgem e pela arquitetura

foi à razão pela qual foram aparecendo construções em sua honraao longo de todo o continente... Venham ver isto... — indicou umasenormes letras góticas de cor preta que formavam uma frase emlatim, na abóboda semicircular sobre a estátua. — Vocêsconseguem 1er o que está escrito ali?

"Non nobis, Domine, non Nobis, Sed Nomini tuo Da Gloriam."

Leonardo tentou decifrar as palavras, mas Cláudia se

adiantou.— "Non nobis, Domine, non Nobis, Sed Nomini tuo Da

Gloriam." Não a nós, Senhor, não a nós, mas sim a teu Nome sejadada toda a glória — leu primeiro em latim e, em seguida, fez atradução. É o lema da Ordem do Templo.

— Nossa! Pelo que vejo você também conhece a vida e oscostumes dos antigos templários!

Surpreso, Salvador teve de admitir que não fosse o único apossuir certos conhecimentos de história medieval.

— Li algo, mas não tanto como você! — ela não quis roubar aprimazia ao tio.

— E qual é o significado que tem, para nós, a imagem daVirgem? — perguntou Leonardo, que continuava sem saber onde o

velho arquiteto queria chegar.— É somente uma referência, para que possam compreender 

que o templo estava intimamente relacionado com a maçonaria

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operativa... O que significa a mesma coisa que referir-se aosconstrutores de catedrais.

— Que diferença existe entre esse ramo da loja e aqueles quesão, simplesmente, maçons? — insistiu de novo.

— Para que você entenda a maçonaria sempre foi operativa.Isso quer dizer que não se limitava apenas a transmitir conhecimento, senão que esteve ativamente participativa... — pigarreou um pouco e continuou. — Quando os construtores decatedrais finalizaram sua obra por toda a Europa, nasceu àmaçonaria especulativa. A partir daquele momento, a sabedoriaancestral foi perdendo consistência à medida que a tradição eratransmitida de uns para outros. Agora só restam resquícios da

autêntica arte da construção.— Tenho a impressão de que trabalhar como pedreiro na era

medieval devia ser uma profissão promissora, de futuro!

O arquiteto achou graça no comentário do acompanhante desua sobrinha.

— É bem verdade que muitos tratavam de ingressar nas lojas,

mesmo que fosse como aprendizes — disse-lhe, em voz maisbaixa. — Sem dúvida, o pedreiro devia ter certos conhecimentostécnicos de geometria, matemática, arquitetura e escultura. Masnem todos sabiam valorizar a arte da construção. Só uns poucoseleitos tinham o privilégio de ser aceitos como guardiões dosegredo, depois de passar pela prova de ingresso, uma espécie deteste de consciência.

— É a primeira vez que ouço algo parecido — foi ocomentário de Cláudia, antes de andar até uma grade de ferro, quefechava a capela situada à direita.

— Que história é essa de teste de consciência? — Leo quisque ele lhe explicasse suas últimas palavras, enquantocomeçavam a andar pela ampla nave atrás da jovem.

— Eram impostas certas provas ao aspirante à entrada... A

maioria das vezes tratava-se de perguntas de duplo significado,cuja resposta devia ser sempre a correta. Também utilizavamcertas adivinhações metafóricas com o propósito de captar novos

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aprendizes — respondeu pensativo. — Para ilustrar o primeirocaso, os maçons trataram de espalhar a história dos trêspedreiros... querem ouvi-la?

— Vá em frente — respondeu sucintamente.

— Havia três pedreiros trabalhando em seus pesados bancos,dentro de uma guilda maçônica. Em dado momento, passou por alio mestre de obras, que quis ver qual dos três compreendia oautêntico significado de seu trabalho. Para isso, perguntou aoprimeiro: "O que você faz?" ao que ele respondeu: "Ganho a vida!".Insistiu com o segundo que, por sua vez, disse: "Trabalho a pedra!"O último olhou com muita seriedade para o mestre de obras, antesde sussurrar com menos orgulho: "Mestre, construo uma catedral".

Essa é a filosofia do autêntico maçom, estabelecer um vínculo como trabalho realizado e aceitar com modéstia o significado final daobra.

— Ei, venham ver isto! — Cláudia chamou a atenção doshomens, diante dos diversos olhares de reprovação daqueles quevisitavam em silêncio o templo e um ou outro "psiu".

Quando chegaram, ela observava detidamente uma lápide nosolo do recinto quadrangular da capela, diante do altar, onde haviaum relevo com imagens do Nascimento e Adoração dos Pastores,e das figuras das Sibilas.

— É uma das frases mais frias que já li em minha vida — indicou, com a cabeça, o lugar onde estava escrita.

Nela se lia:

"Aqui a vida pára".— Simples, mas impactante — reconheceu Leonardo,

admirando a cúpula e o lustre com buracos circulares quecoroavam o presbitério do mausoléu.

— E, sem dúvida, certo — lhes recordou o arquiteto. — DomGil Rodrigues de Junterón tinha uma idéia exata do que seria o

descanso eterno; por isso ordenou a construção de sua últimamorada na casa de Deus. Mas, vamos embora! Vamos nosapressar... — observou, depois de olhar seu relógio. — Temos que

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fazer uma visita a mais bonita das capelas desta catedral antes queas portas sejam fechadas, e faltam apenas dez minutos.

Salvador acelerou o passo pela nave, fazendo um gesto paraque eles fossem mais ligeiros. Passaram perto do altar principal,onde estavam guardados em uma arca o coração e as entranhasdo rei Afonso X, até que, finalmente, chegaram à capela dos Velez.

 A porta de entrada estava aberta ao público, porque um grupo deturistas japoneses havia pagado previamente a visita ao recinto, nasecretaria do templo. Eles estavam acompanhados de um guia quelhes traduzia em japonês as explicações que, por sua vez, recebiade seu colega espanhol. Aproveitando que todos olhavam aabóboda estrelada, Riera e seus convidados se enfiaram dentro da

capela. Sem chamar a atenção, foram de um lado para o outro,admirando a beleza dos adornos de pedra talhada no interior dosarcos, as estantes, os brasões dentro das coroas e dosséis que, demaneira precisa, se apresentavam como um mosaico arquitetônicode elementos góticos; uma equação divina, compreensível apenaspara quem era capaz de dominar o idioma dos sinais. Terminada avisita, viram-se na obrigação de ir embora junto com o grupo deturistas japoneses. Foram avisados que teriam que sair pelo

Pórtico dos Apóstolos, pois a porta principal já estava fechada,porque já eram mais de treze horas. Uma vez lá fora, Cláudiadecidiu fotografar as esculturas dos quatro discípulos de Cristoapoiados nas colunas. Enquanto isso, os homens trocavamopiniões relativas à semelhança entre a capela dos Vélez e a deDom Álvaro de Luna, em Toledo, e do Contestável, em Burgos.

Leonardo ouvia a explicação do arquiteto, mas ao mesmo

tempo observava sua companheira, que estava de cócoras paraacariciar a borda inferior da porta revestida de ferro. Salvador parou de falar ao perceber que seu interlocutor não lhe prestavamuita atenção, passando também a olhar sua sobrinha.

— Podemos saber o que você está fazendo? — perguntou aela, estranhando seu comportamento.

— Venham ver isto... — ela lhes fez um gesto para que seaproximassem do pórtico. — Parece que Iacobus foi deixando seunome inscrito por toda a catedral.

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Depois de agachar-se, eles viram as iniciais I.D.C. gravadasna parte inferior da porta, sobre o revestimento metálico. Estavama poucos centímetros do solo.

— É o mais próximo de uma assinatura — assegurouLeonardo. — E, sem dúvida, é imperceptível. Como é que vocêconseguiu vê-la, se pouco chama a atenção?

— Foi pura coincidência — ela respondeu. — Estavafotografando as imagens de São Pedro e Santiago, quando percebiuns pontinhos gravados na chapa de metal. O certo é que eumesma me surpreendi.

— Vocês perceberam? — perguntou Riera. — As iniciais dele

estão inscritas na área mais baixa da porta. E, no manuscrito,segundo me recordo, dizia algo sobre olhar para baixo quando seestá diante das silhas que levam seu nome.

— Espere, vou dar uma olhada. — Leonardo tirou de novo afotocópia de seu bolso. Ficou lendo durante uns segundos eacrescentou concentrado: — parece que você tem razão... Hum...,e não apenas isso, mas também assegura que o referido inferno

nos será revelado. Em seguida, acrescenta: "... estou e sou emmeu interior." Em verdade, parece algo semelhante a umaadivinhação.

— Já lhe disse antes que os maçons são muito dados a essetipo de jogos — recordou-lhe o arquiteto em tom neutro.

— Um momento! — exclamou Cláudia. — Creio que nãolevamos ao pé da letra as indicações dele... — ela havia se

lembrado de um detalhe bastante significativo, ao qual na ocasiãocerta, não prestaram atenção. Algum de vocês olhou para baixo,em direção ao solo, quando descobrimos as iniciais dele nos murosexternos da capela?

— Não estou entendendo — sussurrou Leonardo.

Houve um cruzar de olhares interrogativos. Cláudia balançoua cabeça, de um lado para outro, admitindo que houvessem

cometido um erro imperdoável.— Mas que estúpidos, fomos! — insistiu mal-humorada.

Vocês se dão conta...?

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Balkis foi até a varanda de sua casa, situada no bairro de Ataba, junto ao museu islâmico. Dali pôde ver ao fundo, em todo seuesplendor, a mesquita-universidade de Al-Azhar e os diversostelhados das casas circundantes, em cujos jardins vicejavamsicômoros e palmeiras. O ar tinha um aroma de especiarias e

fragrâncias refinadas, como o patchuli, o incenso e o âmbar queespargiam as tochas das várias residências vizinhas. Durante otempo que ficou ali fora, no mirante, sentiu que a vida no Egitocontinuava igual à de quarenta anos atrás.

Ela era uma judia em terras árabes e isso implicava viver sempre com o espírito embriagado de medo e nostalgia. O destinoparadoxal quis que em plena crise do Oriente Médio, no final dos

anos sessenta — depois da demolidora vitória israelita na Guerrados Seis Dias —, ela tivesse de mudar de vida e nacionalidade,com o objetivo de participar do simpósio dos irmãos de primeiraordem e ater-se à tradição universal da loja. Ser a eleita para ir aoCongresso, representando Israel, implicou algumas alteraçõesimportantes em sua vida, mas a pior de todas foi deixar para trássua família e amigos. Mas ela soube se adaptar ao golpe, com opassar dos anos. Para isso, contou com a ajuda de Hiram, que em

todo momento esteve ao seu lado contando-lhe os costumes e osensinamentos de seu povo; e também com o apoio do jovemSholomo, irmão de primeira ordem, como ela, o qual tinha ocostume de visitá-los vários meses ao ano, para ir ensinando osmistérios de Deus aos iniciados que iam ao Egito, e prepará-lospara a subida dos sete degraus da escada. Ele soube oferecer aela aquele alento de otimismo que tornou possível sua adaptação

em terra estranha, e, ao mesmo tempo, arrebatar-lhe os sentidoscom a simplicidade de suas palavras. O certo é que se enamoroudele, mas isso foi antes que herdasse o título de Rainha de Sabá.

 Agora só a abalavam as renúncias do ser humano, ainda que, paraser sincera consigo mesma, começava a sentir-se farta de guardar o segredo. Talvez Iacobus de Cartago tivesse razão, e todos oshomens devessem sentar-se no Trono de Deus. Por acaso nãoteria um mesmo direito um pobre ignorante que um membro da

loja?Por isso, às vezes, sentia necessidade de transmitir a outro

seus conhecimentos e obrigações. Em razão dos crimes

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acontecidos na Espanha, encontrou a oportunidade que estavaprocurando. Tanto ela quanto Hiram eram velhos demais paracontinuar protegendo a Câmara do Trono. Manter umacomunicação ininterrupta com o Grande Arquiteto do Universo oscondicionava a viver pendentes de seu trabalho, louvável e

altruísta, por outro lado. E, ainda que fosse o trabalho maisedificante que pudesse realizar o ser humano, com o passar dosanos, o corpo sentia falta de um retiro equivalente e adicional — fazer parte do mundo e de suas imperfeições.

Pensou no bibliotecário com um substituto idôneo para Hiram,desde que demonstrasse honra e inteligência. Só lhe faltavaencontrar alguém que pudesse tomar o seu lugar, uma mulher que

herdasse seu nome e aceitasse todas as suas responsabilidades.Regressou novamente ao amplo salão, fechando as janelas

atrás de si. As paredes estavam cobertas de tapeçarias commotivos arábicos e o solo, salpicado de grandes e pequenasalmofadas com bordas douradas, sobre imensos tapetes. Hafid, um

 jovem árabe que fazia às vezes de lacaio, lhe trouxe uma cadeirapara que pudesse sentar-se diante da mesa de seu escritório. A

anciã o agradeceu, pedindo que aguardasse um instante até queescrevesse uma carta, pois, mais tarde, teria de levá-la à agênciados correios. O rapaz se retirou em silêncio e foi postar-se ao ladoda porta.

Com pulso firme, a mão de Balkis começou a escrever sobreo papel: 

―Se desejas conhecer a verdade, terá que encontrar primeiro a chave de

onde está guardado o segredo de nossa loja, a qual se encontra ocultacuidadosamente no interior de uma caixa de osso recoberta de cabelo.

Ela será tua melhor arma.

Se desejares falar com Deus, deverás ir lá onde os Pilares do Mundodividem em duas a cidade de Enoque. No templo das três câmaras estáescondida a Arca do Testemunho.

Se conseguires encontrá-lo, utilize a chave antes de subir os degraus daescada que conduzem ao saber, ou não poderás ler os ensinamentos que estão

escritos nas pedras nem escutar a melodia do Universo. Teu engenho será omelhor passaporte para o conhecimento e a sabedoria.

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Então, tudo o que aprendeste até hoje deixará de ter sentido. Tua vidacomeçará no dia em que conceberes o mundo como um fato irremediável, ondea existência do ser humano está sujeita à ciência do Grande Arquiteto doUniverso.‖ 

Balkis

Ela dobrou cuidadosamente a carta, para, em seguida,introduzi-la em um envelope. Depois a entregou a Hafid, que, tãologo saiu do salão em silêncio, inclinou a cabeça. Agora, o maisdifícil seria explicar a Hiram, a Sholomo e ao restante dos GrandesMestres sua decisão de envolver o bibliotecário e convertê-lo emguardião do segredo. Muito embora a opinião dos outros não

contasse muito.Ela representava o poder da Viúva.

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Capítulo 16 

R egressaram à parte posterior da capela dos Velez e, de novo, seaventuraram pelo corredor de andaimes metálicos que a empresaconstrutora havia colocado entre a catedral e o imóvel emrestauração. Trataram de evitar as várias barras de alumínio quese cruzava em diagonal, com cuidado para não se machucar. Dooutro lado encontraram as marcas de pedra que haviam observadopouco antes, entre as quais estavam as iniciais do pedreiro. Os trêsolharam para baixo. Mas ali não havia nada, apenas o revestimentodo solo. Entretanto, um pouco mais à esquerda descobriram um

gradeado de ferro, talvez por onde escoasse a água, em tempos dechuva.

 Aproximaram-se com cuidado para não tropeçar nas pontasque suportavam a plataforma do andaime. Cláudia decidiuagachar-se para dar uma olhada, mas não conseguiu divisar maisdo que uns poucos centímetros. A luz exterior, aliada à tênueobscuridade daquele poço, dificultava a tarefa de observar o que

existia abaixo do solo.— Espere... — disse Leonardo. — Tenho uma idéia.

Pediu a máquina fotográfica de sua companheira emprestada.Depois de receber explicações de como funcionava o zoom e oflash, ajoelhou-se diante de todos, inclusive das pessoas quepassavam por ali e observavam atônitas, um comportamento tãoextravagante.

Depois, começou a disparar várias vezes, com a objetivametida entre as barras de ferro.

— Você tem idéia de onde isso conduz? — perguntou Riera,inclinando-se também para observar de perto, através das barras.

— Talvez se trate de um fosso — respondeu Cláudia. — Sefor assim, talvez existam catacumbas sob a capela.

— É possível... — Salvador se colocou em pé, para ficar nomesmo nível de sua sobrinha. A grande maioria das catedrais tem

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galerias subterrâneas, criptas mortuárias onde antigamente eramcavadas as várias sepulturas dos principais clérigos.

Leonardo fez o mesmo, tão logo terminou o seu trabalho,devolvendo a máquina à Cláudia.

— Deveríamos revelar o filme antes de voltar a Santomera — sugeriu. — É o único que temos.

— Você acredita, mesmo, que aí embaixo está o diário queprocura?

— A pergunta de Salvador, apesar de tudo, tinha como base osenso comum. Porque, se fosse correto, o papel teria sedesintegrado devido à umidade e aos parasitas, depois de ficar 

oculto sob a terra durante quase quinhentos anos. Eracientificamente impossível encontrar o texto em condiçõesfavoráveis de leitura.

— Não estou certo... — em dúvida ele encolheu os ombros,mas segundo as anotações de Iacobus, o inferno a que temos quedescer está por aqui, sob as correntes e as pedras que levam seunome.

Cláudia apoiou a teoria de seu companheiro.

— Leo tem razão. Os manuscritos dele devem estar muitoperto daqui. E que melhor esconderijo que a soberba obscuridadede um templo, como ele mesmo disse?

Riera teve que admitir que as palavras do pedreiro fossemexplícitas. E que, se assim fosse, baixar aos infernos não seria

uma tarefa fácil.— Vocês pensaram como vão entrar nas catacumbas da

catedral? Quem sabe pedindo permissão ao diácono?

 A jovem aproveitou a ironia de seu tio para seguir no mesmoraciocínio.

— Agora que você diz isso...

— A primeira coisa que deveríamos fazer é nos informar seexiste unia maneira de entrar nessa parte de baixo... — Leo

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apontou para as barras de ferro e acrescentou — e é possível quena secretaria da catedral possam nos ajudar.

— Não creio que alguém vá facilitar essa informação para nóssem um bom motivo — insistiu o arquiteto.

— A vocês não, mas... que homem resiste à curiosidade deuma mulher interessada em arquitetura? — Cláudia arqueou assobrancelhas, adotando uma pose decididamente provocante.

Leonardo sentiu uma pontada de ciúme. Apesar de tratar-sede uma estratégia feminina, com o objetivo de obter informação deforma sorrateira, ele não gostou nada da idéia. Imaginou o ciceronebajulando Cláudia e isso o irritou muito.

— Não acredito que possa funcionar  — disse, finalmente,apesar de até concordar, a princípio.

— Nunca se sabe — pontuou Riera. — A história nos diz queaté o homem mais sábio e casto em algum momento já seenroscou nas redes de confabulação de uma mulher. É umaquestão de fraqueza masculina falar demais, quando quem escutapossui um belo rosto, como o de minha sobrinha.

— Ora, vamos! — exclamou Cláudia. — Viemos de tão longepara nos determos agora em algo tão elementar?

Sentindo-se vencido, Cardenas não teve outro remédio senãocapitular. Entretanto, continuava a discordar da idéia de ver suagarota usando seus óbvios encantos diante de outro homem,senão ele.

— Façamos uma coisa... — sugeriu sério. —Voltaremosamanhã, domingo, quando a catedral for aberta... — olhoufixamente para sua companheira. — Primeiro você falará com osacristão, ou qualquer outra pessoa responsável pela capela dosVelez, para que nos diga o que precisamos saber. Em seguida,trataremos de encontrar uma forma de arrombar as barras de ferrodo esgoto, para poder descer às catacumbas.

— Isso vai ser arriscado. Se nos pegarem, pensarão quesomos ladrões de arte.

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 A opinião negativa de Riera não interferiu na decisão tomadapor sua sobrinha nem na disparatada estratégia de seu parceiro.

 Ambos precisavam encontrar respostas para suas perguntas.

— Ali embaixo há um mistério que está oculto há váriosséculos, um segredo defendido por um juramento de sangue, que,desgraçadamente, nos diz respeito... — Leo expressou seustemores sem rodeios. — Se nos esquecermos dele, talvez nofuturo recebamos a inesperada visita de um irmão maçom, dispostoa abrir nossa garganta. Mas se encontrarmos o diário, antes, econseguirmos decifrar o enigma que suas páginas escondem,talvez tenhamos uma possibilidade de nos adiantarmos a eles,descobrindo onde se escondem. A polícia pode fazer o resto.

— Pelo menos deveríamos tentar  — acrescentou Cláudia,contrapondo-se aos temores de seu tio.

— Está bem, podem contar com minha ajuda — prometeu oarquiteto. — Mas antes quero ver as fotografias de Leo e certificar-me de que existe uma maneira segura de descer.

Uma vez de acordo, foram diretamente a uma loja de

revelação fotográfica instantânea, localizada do outro lado da GranVia, na Rua San Pedro. Depois de uns vinte minutos de espera, abalconista lhes entregou as cópias e mais um filme de presente.Leonardo pagou a conta, pegando imediatamente o envelope comas fotografias. Foram embora rapidamente, muito curiosos parasaber o que iriam encontrar ali.

Chegaram à Glorieta de Espana para sentar-se em um dosbancos de pedra, ao redor do qual se concentravam as pombas etambém rastros de seus excrementos. Sem mais demora,Leonardo Cardenas pegou o envelope e dali tirou os instantâneos.Depois de separar alguns em que se viam os contrafortes dacapela dos Velez, incluindo as correntes e os pilares, encontraramas que procuravam.

 A imagem não estava muito nítida, pois, embora a objetivativesse sido introduzida no buraco, ainda apareciam às barras de

forma nebulosa. Mas houve algo que eles perceberamimediatamente — vários contrafortes, encravados no murodescendente, que se precipitavam na obscuridade de um inferno

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impenetrável. O que mais chamou a atenção, porém, foi ver asiniciais do pedreiro gravadas na pedra, cerca de um metro abaixoda base. Mais uma vez, Iacobus de Cartago os guiava até o lugar onde se escondia o segredo mais bem guardado da Terra.

— Boa tarde, senhorita... Eu poderia falar com o tabelião?— A jovem que estava atrás do balcão observou o recém-

chegado. Era um homem de uns sessenta anos de idade, atraente,asseado e muito bem vestido. Apesar de seu impecável aspecto,ela era obrigada a seguir o protocolo; portanto fez a perguntacabível nestes casos:

— O senhor tem encontro agendado com Dom Severo? Ou

falou antes, por telefone, com alguns dos escreventes?Sholomo negou com a cabeça, quase se sentindo culpado por 

não poder oferecer a ela outro tipo de resposta.

— O motivo de minha visita é pessoal. Somos velhos amigos,e há anos não o vejo.

Esperou que a moça resolvesse a situação, mas o rosto dela

continuava sem expressão. Na verdade, a jovem estava de mauhumor, por estar trabalhando num sábado à tarde.

— Por favor, a senhorita poderia ser tão amável a ponto deavisado que Sholomo está aqui... — insistiu com tamanha doçurana voz, que ela não conseguiu negar.

— Está bem... espere um momento.

Pegou o telefone e, sussurrando, trocou algumas palavrascom seu chefe. Depois de alguns segundos, onde antes haviareceio, agora floresciam as atenções. Ela pediu desculpas, antesde levantar de sua cadeira para acompanhá-lo pessoalmente aoescritório do tabelião, o qual teve de protelar a assinatura dacompra e venda de uns terrenos urbanísticos só para atendê-lo.

Depois de se despedir com uma cordialidade melosa, a jovemregressou a seu posto de trabalho. Sholomo entrou no escritórioapertando a mão de seu velho amigo de uma forma bastanteincomum, em que os gestos se sucediam como se fossem parte deum código telegráfico.

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— Pressinto que você tem algo importante para me dizer. Docontrário, não me teria feito vir tão rápido.

Dito isto, Sholomo sentou-se diante da mesa daquele que elechamava de Fídias, irmão franco-maçom de primeiro nível, emboranão integrante do Conselho dos Sete.

— E é isso mesmo, e eu não creio que isso vá agradá-lo... — o tabelião parecia tenso. — Nossa assassina de aluguel trapaceou.

Desde que havia se encontrado com ela na Praça CardealBelluga, dias atrás, o Mestre dos Mestres resolvera enviar vários deseus homens para seguir os passos de Lilith, averiguando se elacumpria corretamente as exigências do contrato. O certo é que,

depois de conhecê-la pessoalmente, houve algo em seu caráter que não o convenceu plenamente. Depois disso, acreditou quemelhor seria mantê-la sob vigilância até que finalizasse o trabalho.

— Explique-se — Sholomo demonstrou certo interesse peloque acabava de ouvir.

— Na manhã seguinte, ela foi a uma copiadora madrilenha,situada nas cercanias do complexo universitário — disse em voz

baixa. — Os que a seguiram, irmãos de toda confiança, asseguramque ela levava consigo um pergaminho de vários séculos deantiguidade. Fez uma cópia, que, em seguida a enviou por fax.Quando foi embora, nossos homens interrogaram a balconista,fazendo-se passar por agentes da polícia. A moça, sem desconfiar,aceitou ajudá-los, dizendo-lhes que havia enviado a mensagempara um número de Berlim... — Sholomo sentiu que o chão seabria debaixo de seus pés. Se for o que imaginava, podia chegar aser catastrófico. Notou um estranho formigar em seus lábios,apertados.

— Sei como você se sente — acrescentou Fídias diante dosilêncio do Mestre dos Mestres. — Eu também pensei nasconseqüências que podem advir do oportunismo desta moleca... — franziu o nariz. — Agora, o importante é recuperar o manuscrito,antes que caia em mãos alheias, e averiguar a pessoa para a qual

foi enviado, de maneira a corrigir o problema rapidamente.

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— Deus do céu! Como pudemos ser tão burros? — recriminou-se Sholomo, recordando-se das palavras de Balkisdepois da reunião realizada na fortaleza dos Velez-Blanco. Nósmesmos atiçamos sua curiosidade, ao converter o manuscrito deIacobus em uma arma de poder.

— Qualquer pessoa perceberia quão importante devia ser aquilo, a ponto de condenar um homem à morte... Fídias fez umacareta. Como todos nós, porém, eu imaginei que profissionaisdesse porte só se importariam em fazer bem o trabalho e cobrar seus honorários.

O Mestre dos Mestres concordou duas vezes.

— Esse foi o nosso erro. Abaixamos a guarda — acrescentoupesaroso, com o rosto contraído pela cólera que o invadia.

— Não há nada que não possamos corrigir.

— Você tem razão, e é isso que faremos tão logo ela termineseu trabalho em Madri... — reconheceu, internamente, que eleseram suficientemente capacitados para solucionar qualquer intercorrência. — Porém, como você bem observou, precisamos

saber o nome da pessoa que é sua cúmplice. É melhor que vocêse encarregue pessoalmente de averiguar. Telefone para nossosirmãos de lá, para que nos dêem mais detalhes a respeito.

— E o que fazemos com Lilith?

— Deixe por minha conta. Penso que vou fazer pressãocontra essa bastarda.

O tabelião limitou-se a concordar. Não quis ser indiscretofazendo mais perguntas.

Depois, eles se despediram com um novo aperto de mãos.Sholomo saiu do escritório e foi até a recepção. Agradeceu à jovemsecretária pelo incômodo, ao que ela respondeu com uma dessasfrases de cortesia que convidam você a voltar quando quiser.Cabisbaixo e pensativo, ele procurou o anonimato, saindo à rua

para misturar-se aos transeuntes que circulavam por ali.Depois de um curto passeio, chegou até o lugar onde tinhaestacionado o carro. Ao entrar, pegou o computador portátil do

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interior do porta-luvas. Abriu-o cuidadosamente, sem deixar depensar nas palavras do irmão Fídias. Em segundos estavaconectado à Internet.

Entrou na página da Corpsson. Imediatamente apareceu natela o espaço virtual da empresa de segurança e escoltas, comsede em São Paulo, que era chamada de "A Cidade que não podeparar". Apertou o ícone de contato. Tinha de enviar suas queixas à

 Agência. Eles se encarregariam de resolver aquele incidente tãodesagradável.

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Capítulo 17 

Mercedes entrou em seu apartamento, depois de acender asluzes do vestíbulo. Com um gesto preguiçoso, tirou o casaco,pendurando-o no cabide junto à porta. Em seguida, foi até a sala,abrindo o zíper da bolsa para pegar um cigarro. Acendeu-o, tãologo sentou no sofá. Suas mãos delgadas alcançaram um cinzeirosobre a mesa. De maneira instintiva, procurou o controle remotoentre as almofadas que adornavam a chase longue. Ligou ointerruptor e o espírito da televisão ingressou em seu lar, como node milhões de espectadores, naquela hora da noite, apoderando-se

de seus pensamentos. Apesar da invasão das imagens na tela, usada justamente

para distanciá-la de seus problemas, Melele não pôde evitar alembrança de Colmenares e dos pragmáticos conselhos que lhedeu, novamente, naquela mesma tarde. O advogado, que estiverarepassando com ela os últimos detalhes para a realização do leilãoda próxima segunda-feira, não abdicou de sua obrigação: voltou a

adverti-la de que estava violando a lei e que poderia ter problemas,caso mais alguém morresse durante a investigação que elasolicitara, de maneira clandestina. Podia ser até mesmo o caso deLeonardo Cardenas. Ela, no entanto, nem prestou atenção àspalavras dele, porque tinha plena confiança em seu cúmplice etambém na forma como ele estava cuidando do assunto. Maisainda: apostou quinhentos euros, certa de que em menos de umasemana teria sobre sua mesa os nomes dos assassinos de Jorge.

Era um pressentimento.Tratou de esquecer tudo, acompanhando uma reportagem

sobre a prostituição e os bandos de proxenetas que semultiplicavam por toda a Espanha, graças à pobreza e à imigração.

Depois, aproveitando um intervalo comercial, foi até obanheiro e abriu a torneira de água quente da ducha. Tirou ascalças compridas e a blusa, livrando-se, em seguida, da roupa

íntima. Com uma timidez típica de colegial, abriu a porta do box devidro para receber aquela chuva tépida, que escorria placidamentesobre sua pele, suscetível ao primeiro contato.

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Esfregou o corpo coberto de espuma, até que, pouco a pouco,foi se livrando do cansaço e do estresse que, como sempre, lheprovocavam os eventos preliminares a um leilão. Precisavaesquecer-se de tudo, estacionar aquela vida atribulada e entregar-se à rotina de uns dias de ócio, com direito à preguiça mental.

Pensou em tirar umas férias, tal como Nicolas havia sugerido natarde do funeral. Iria a Paris, visitar seus irmãos e amigos. Passariauma semana inesquecível, distanciada dos problemas que tantolhe pesavam atualmente. Era sua única saída e talvez a melhor forma de escapar da presença anônima que, a todo o momento,parecia acompanhá-la, como uma sombra implacável.

Encharcada, saiu do banho procurando, às cegas, uma toalha

para se enxugar. Enrolou-a, depois, na cabeça, mantendo oscabelos presos. Vestiu o roupão e, assim que colocou as pantufas,regressou ao sofá. Começava a se sentir confortável.

O programa acabara e agora retransmitiam uma partida defutebol, de Budapeste. Mudou de canal. Dois atraentesapresentadores entrevistavam a ex-mulher de um toureiro famoso,um pertencente à imprensa rosada e, outro, ao mundo dos

deslumbrados. Aquilo prometia ser tão chato que, talvez, com umpouco de sorte, ela até poderia economizar os soníferos. Bastavaouvi-los contar como vendiam sua vida por dinheiro, paraadormecer. Como sempre.

Para evitar que isso acontecesse, preparou um uísque comgelo e acendeu outro cigarro. Então, colocou os óculos para ver deperto e folheou uma revista de conteúdo estritamente feminino.Receitas, culinária, moda, horóscopo, conselhos sentimentais euma infinidade de temas inúteis passaram diante de seus olhos,sem que prestasse muita atenção. O certo é que estava cansada eprecisava dormir. Apagou o televisor e largou a revista. Esvazioude um só gole o conteúdo do copo, que levou à cozinha, paradeixar na pia.

Voltou ao banheiro para pegar suas pílulas. Postou-se àfrente do espelho, abrindo a porta do móvel onde costumavaguardar os soníferos. Depois de deixar de lado a pasta de dentes ea loção demaquilante, tirou duas enormes drágeas de um jarro decristal e as colocou na boca. Sem demora, encheu um copo de

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água e bebeu um pouco, flexionando a cabeça para trásdecididamente, num gesto que ajudava a tragar o remédio.Concluindo o ritual de todas as noites, fechou o móvel. Foi quandodescobriu, atrás dela e refletida no espelho, a figura de uma joveminteiramente vestida de preto, que a fitava.

— Guten abend, liebe! — disse a intrusa, com certa ironia.

Não teve tempo de gritar. Mãos fortes a renderam, segurandosua boca e pescoço, ao mesmo tempo em que sentiu o cheiropenetrante do clorofórmio queimando sua língua e garganta. Aúltima coisa que pensou, antes de desmaiar, foi que despertaria noinferno. Seu regresso à consciência, porém, foi tão desagradável,que quase preferiu estar morta.

Primeiro, sentiu náuseas e vertigem, devido aos efeitossecundários do clorofórmio, mal-estar a que se somou umaincipiente dor de cabeça, mais intensa nas têmporas. Quando seusolhos se adaptaram à realidade, ela descobriu que estavaamarrada a uma cadeira, com as mãos para trás e as pernas muito

 juntas. Havia um lenço em sua boca, grudada por uma larga fitaadesiva, que tomava grande parte do seu rosto. Mal podia respirar.

Mais ainda: estava quase vomitando e temia por sua vida, casocomeçasse a golfar, porque não havia por onde expelir o conteúdodo estômago. Assim, provavelmente acabaria se afogando aoregurgitar.

Tratou de dominar-se, de pôr em ordem seus erráticospensamentos e avaliar a situação. Estava no quarto de hóspedesde seu luxuoso apartamento, em frente à janela aberta que dava

para a Gran Via Madrilenha. Fez um tremendo esforço para olhar para ambos os lados, a fim de saber quem era aquela jovem quequase a matara de susto, mas não encontrou ninguém noaposento. De onde estava, podia ver as luzes dos edifícios emfrente e parte da ampla avenida. Escutou o murmúrio das pessoase o ruído dos automóveis que se esforçavam por safar-se dosfreqüentes congestionamentos que se sucediam no centro dacidade. Então, sentiu um calafrio mortal percorrendo sua espinha:se fosse torturada, ninguém escutaria seus desesperados gritos desocorro. Imaginou o pior, certa de que a assaltante pertencia aogrupo de assassinos da instituição Os Filhos da Viúva. Se fosse

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isso mesmo, qualquer súplica seria inútil. Nada do que dissesse asalvaria de acabar com a língua na latrina. Imaginou-a navegandopelo encanamento de descarga.

Começou a forçar as cordas, tentando livrar-se — fariaqualquer coisa, menos permanecer sentada esperando que fossemsacrificá-la —, mas só conseguiu mesmo esfolar a pele ao redor dos pulsos. Parou o que estava fazendo quando, de soslaio, viu a

 jovem entrar no quarto. Reprimiu seu desejo de escapar por medode represálias.

 A desconhecida postou-se diante dela, observando-a emsilêncio. Então, aproximou-se para arrancar a fita adesiva de seurosto com um violento puxão. Mercedes engoliu um grito de dor 

sob o lenço amarrado que imobilizava sua boca, mas se sentiumelhor quando a agressora dignou-se a tirá-lo para que pudesserespirar sem tanta dificuldade.

Lilith apoiou o pé esquerdo sobre as coxas finas da refém,tirando uma faca de caça que estava sob sua calça jeans.

 Aproximou-se do pescoço da diretora da Hiperión, que ofegava,vítima do nervosismo.

— Se você está pensando em gritar ou me trapacear, eu lheatravesso a garganta — não duvidou de que a moça falasse sério.— A única coisa que eu quero de você é informação. Depois ireiembora deixando que você continue viva... Fui clara?

Mercedes concordou com a cabeça, incapaz de pronunciar uma só palavra por causa do terror que sentia naquele instante.

— Quantas pessoas sabem da existência do manuscrito? — perguntou à jovem.

Melele pensou muito bem antes de responder. Se mentisse ea moça soubesse a verdade, a degolaria sem pensar duas vezes.Provavelmente era uma pergunta ardilosa. Estava certa de que elasabia da existência dos e-mails e de que um companheiro detrabalho também recebera uma cópia do criptograma. Caso

contrário, não estaria ali em sua casa. Entretanto, era bastanteimprovável que soubesse a conversa que tivera com Nicolas.Decidiu arriscar-se em benefício dele.

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— Somente duas... — respondeu, sem medo dasconseqüências. — Somos dois, eu e um de meus empregados,amigo da pessoa que você assassinou.

Teve um acesso de raiva ao recordar a trágica morte de seuamante. Lilith mal prestou atenção no tom soberbo da contestação.

— Preciso do nome dessa pessoa e, claro, saber onde mora.

Lilith aproximou seu rosto ao da diretora, até que seus lábiosroçassem o lóbulo de sua orelha. Aquela situação a excitou tanto,que, sem perceber, sua mão foi apertando cada vez mais opescoço da vítima. Mercedes teve de responder diante de talexigência. Se tardasse a falar poderia ter sérios problemas.

— Chama-se Leonardo Cárdenas... e vive em umapartamento na Rua Conde Romanones... — tremia ao falar. — Eunão sei o número do edifício nem o andar. De qualquer forma,agora ele não se encontra em Madri.

— Onde ele está? — perguntou à agressora, puxando oscabelos dela para trás com força, para levantar o pescoço. A facacomeçou a romper a carne e um fiozinho de sangue escorreu pela

garganta de Mercedes. A executiva sentiu que a angústia oprimia sua voz, fazendo

com que as palavras surgissem de forma aleatória e contida.Estava tão assustada, que mal podia articular a voz, mas seesforçou para satisfazer aquela louca. Precisava ganhar tempopara pensar, para continuar viva.

— Está em Múrcia... — sussurrou. — Passará uns dias de

folga com sua família.— Mentira! — esbravejou a assassina. — Quero que me diga

a verdade! — Exigiu furiosa.

Melele não pôde evitar a pressão e sentiu o esfíncter abrir:empapou de urina o roupão e as coxas. Era a primeira vez, desdeo fim de sua infância, que lhe acontecia algo semelhante.

 A confusão, de princípio, deu lugar ao terror. Compreendeu,então, que teria de ser sincera contando o que sabia sobre omanuscrito. Caso contrário, acabaria degolada nas mãos de uma

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histérica, cujo principal interesse parecia estar concentrado em seufuncionário. Melhor ainda, pensou, se o envolvesse no assuntoalém da conta, a mulher se esqueceria dela e iria seguir os passosdo bibliotecário. Se assim fosse, ainda teria uma oportunidade desair com vida daquele inferno.

— Escute! — eu não sei nada do que aqueles dois tinham nasmãos — mentiu deliberadamente, movida pelo medo. — Jorge eele analisavam um códice medieval criptografado que compraramem Toledo, mas nunca me disseram do que se tratava. Leo estáem Múrcia procurando um tal livro nas cercanias da catedral. É aúnica coisa que eu sei juro!

Então começou a chorar, dominada pela tensão a que estava

submetida.— E o que tem de tão especial esse livro?

Lilith parou de pressioná-la. Mudou de tática, ao perceber queela estava disposta a colaborar. Precisava transmitir confiança, sequisesse obter dela mais alguma informação.

— Segundo me contaram, explicava como viajar até um país

longínquo, onde teriam de procurar umas colunas... — uma vezque Lilith havia afastado a faca que rasgava sua garganta, ela pôderespirar com tranqüilidade e dizer o que a jovem queria ouvir. — 

 Ali, em algum tipo de gruta ou subterrâneo, Os Filhos da Viúvaocultam um grande segredo... parece ser a maneira de estabelecer contato direto com Deus... — murmurou nervosa. — Eu lhes disseque estavam loucos, mas eles nem levaram em conta minhaopinião.

— E esse tal Leonardo... — pronunciou o nome com certodesdém, mas não acabou a frase. — Diga-me... Ele conta com aajuda de outra pessoa?

— Em absoluto — apressou-se em desmentir a proprietáriado apartamento. — Somente nós três estávamos inteirados do quedizia o manuscrito. E Jorge está morto.

— Você sabe onde está hospedado em Múrcia?— Não me disse, porém, tenho um número de telefone. Ele

me deu, para o caso de precisar entrar em contato com ele. Creio

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que é de um amigo dele, alguém que vive num povoado nasvizinhanças.

— Onde está anotado?

— Em minha bolsa — respondeu, sem vacilar.

Lilith foi buscá-la. Tão logo a alcançou, esvaziou o conteúdosobre a cama. Além de algumas moedas e de vários recibos decaixa automático, encontrou um cartão da Hiperión, em cujo dorsoestava escrito um número de telefone e o nome de LeonardoCardenas. Era tudo o que precisava saber.

— Você o encontrou? — perguntou Mercedes, ansiosa,esperando, assim, que ela se fosse de uma vez e a deixasse em

paz.— Sim, aqui está.

E mostrou a ela, para que pudesse confirmar se era aquelemesmo.

— Exatamente... agora você pode ir! — instou para que aintrusa fosse embora do apartamento. — Você já tem o que veio

buscar.Mas a assassina voltou a colocar a faca sob seu queixo.

Sorria como se estivesse entoando um hino à crueldade. Estava sedivertindo como poucas vezes tivera a oportunidade ao longo desua carreira letal. Aquela estúpida ainda não sabia com quemestava falando. Pensou que já era tempo de agradecer pelainformação e, de passagem, fazer seu trabalho. Chegara o

momento de silenciar as vozes.Sem lhe dar tempo de raciocinar, levantou o cabo da faca até

que o fio da lâmina penetrasse no interior da boca de sua vítima,sob o queixo. Mercedes, com os olhos esbugalhados pelasurpresa, chacoalhou violentamente o corpo em um ato reflexo quese prolongou durante vários segundos. O sangue fluiu aosborbotões por seu pescoço e sua boca, escorrendo livremente pela

garganta. Tentou respirar, mas a única coisa que saiu de seuslábios foi um agonizante suspiro, que indicava claramente a falta dear. Então, para aliviar sua angústia, Lilith rasgou a base inferior desua boca, para poder arrancar a língua. As pupilas da horrorizada

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vítima se dilataram em um desesperado sinal de dor, ao mesmotempo em que seus músculos cediam irremediavelmente à flacidezda morte.

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Capítulo 18

Esperaram que o ofício do meio-dia terminasse, para entrar nacatedral. Cláudia, vestida de forma discreta, mas elegantemente,separou-se dos homens para dirigir-se à secretaria da diocese,situada à esquerda, na nave transversal, junto à porta denominadaBispo. Em pé, atrás de um balcão de madeira, ela viu um indivíduoque analisava, com certo interesse, um conjunto de papéis. Àscostas dele, seu companheiro de trabalho se ocupava em organizar várias fichas, diante de um desgastado arquivo de cor verde.

Ela se aproximou.

— Bom dia... — sorriu, com timidez. — Eu gostaria de dar uma olhada nos preços das visitas agendadas.

Sem prestar atenção nela, o homem lhe estendeu um folhetoinformativo, para que procurasse a informação desejada.

 Arrependido, porém, do que acabara de fazer, levantou a cabeçapara olhar o rosto da jovem. Era atraente, bem mais do que seutrabalho. Decidiu fazer uma pausa de deixar para outro momento osoporífero inventário.

— Quantas pessoas seriam e para que dia? — perguntou.Queria ajudá-la envolvendo-se pessoalmente.

— Na realidade, só eu — respondeu Cláudia. — Quanto àdata... podia ser agora mesmo — voltou a sorrir. — Em verdade,preciso fazer uma reportagem das catacumbas das catedrais

espanholas. Venho de Madri, com a intenção de ampliar conhecimentos. Espero que possam me ajudar... — mordeu o lábioinferior de maneira ansiosa, mas sensual. Com certeza, estoudisposta a pagar, seja o quanto for.

— Não se preocupe, eu mesmo me encarregarei de tudo.Disponho de meia hora antes de fecharmos as portas. E agora, seme der licença, aguarde que em um momento vou acompanhá-la.

O funcionário adotou uma pose de homem importante,dizendo a seu companheiro, com voz autoritária, o que devia fazer com o inventário, antes de sair do escritório. Logo, foi ao encontro

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da jovem, levando consigo uma pasta preta embaixo do braço.Cláudia desviou o olhar, procurando Leonardo. Viu que estava

 junto de seu tio, passeando ao redor do altar principal, para ver seali conseguiria descobrir alguma porta de acesso direto àscatacumbas.

— É a primeira vez que você vem a Múrcia?

 A pergunta do funcionário a pegou desprevenida.

— O quê...? — respondeu distraída, mas logo se refez. — Ah,sim! Não tive o prazer de visitar a região, até agora. Na verdade éuma pena. Múrcia é uma cidade preciosa.

— Eu me chamo Andrés Orengo, e sou o cônego arquivista

da Santa Igreja Catedral de Múrcia — apresentou-se, esperandotê-la impressionado com seu cargo.

— Eu sou Laura — mentiu, com naturalidade — e trabalhocomo pesquisadora para a Tele Madri.

E lhe estendeu a mão.

— Prazer — disse ele, cumprimentando-a efusivamente.

Em seguida, fez-lhe um gesto, indicando um banco demadeira encostado na parede da secretaria. Foram até lá,sentando-se um ao lado do outro.

— Vamos ver... — começou o cônego —... qual é,exatamente, o conceito que deseja transmitir?

— As catacumbas como alegoria do inferno — respondeu

Cláudia, improvisando. — Trata-se de aprofundar o pensamentopagão de que tanto a vida como a morte estão relacionadas com opecado, representado, neste caso, pela fria escuridão da sepultura.

O homem tratou de imaginar do que se tratava, embora, comcerteza, sua atenção continuasse fixada nos encantos de Cláudia.

 A única coisa que lhe importava, a julgar pelos seus olharesfurtivos, eram as linhas que se insinuavam sob a blusa e sua calça

 justa.

— Muito interessante... — disse, finalmente. — Estou certo deque será muito instrutivo. Pessoalmente, creio que tudo o que seja

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em benefício da cultura nutre nosso nível intelectual. Pena que nãohaja mais patrocínio para documentários desse tipo, pelos quais eusou apaixonado.

Sorriu com exagerada amabilidade. Cláudia já começava aficar com nojo de tanto pedantismo.

— Então... você se importaria em me mostrar as catacumbas?— foi direta, sem preâmbulos; tinha de forçar a situação até o limitemáximo.

— Aqui não há catacumbas, senhorita — ele confessou,depois de tudo, com desilusão. — O que existe é um ossário cujasportas foram fechadas há alguns séculos. Se quiser, posso

procurar informação nos arquivos.— Não existe nenhum subterrâneo sob a catedral? — ela

insistiu novamente.

— Nenhum, que eu saiba.

— Então... o que há sob as grades de ferro, no solo querodeia a capela dos Velez?

 Andrés tentou localizar-se, refletindo um instante sobre apergunta.

— Sinceramente, não sei... — respondeu, constrangido. — Talvez faça parte dos esgotos da cidade. Terei de averiguar,mesmo que seja para poder responder a contento, na próxima vezque me fizerem essa pergunta.

— Nos arquivos nada se menciona a respeito?

— Só sabemos que foram derrubadas duas antigas capelaspara erguer a dos Vélez. Se alguma vez houve catacumbas láembaixo, provavelmente ficaram condenadas depois das obras deconstrução. Se assim fosse, deveria ser o mausoléu de algumnobre da época.

— Compreendo... Suponho que você conheça todos oscantos da catedral, e que diria se soubesse da existência dealguma porta que não imagina para onde possa conduzir... — usouseu último cartucho. — Lamento tê-lo feito perder seu tempo. Creioque essa é toda a informação que poderei obter de minha viagem.

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Cláudia levantou-se. O funcionário não teve alternativa senãoimitá-la.

— Sinto muito, de verdade! Foi, entretanto, um prazer ajudar,no possível. Ah... e quanto aos honorários, esqueça. No fim, nãome custou nenhum esforço!

— Gratíssima, por tudo — apertou a mão dele, que agoraestava banhada de suor. Reprimiu o nojo com uma careta que elenão soube interpretar.

— Volte quando quiser... Talvez da próxima vez eu estejamais bem informado.

Menos orgulhoso que antes, o cônego arquivista regressou ao

seu trabalho monótono, mergulhando em um mar de papéis nãoclassificados. Cláudia teve de reconhecer seu fracasso. Tinha decomeçar de novo.

— O que você descobriu?

O primeiro a se aproximar dela foi seu tio Salvador, levadopela curiosidade. Leonardo continuava admirando o retábuloneogótico e a esplêndida grade executada por Anton de Viveros,alheio à volta de sua companheira.

— Não há catacumbas nem subterrâneos, apenas um ossáriofechado há séculos — ela respondeu, com uma expressão defracasso. — Ele me disse, entretanto, que duas capelas foramderrubadas antes da construção das obras do anexo. É possívelque a capela dos Vélez tenha sido construída sobre a cripta dealgum patrocinador nobre, talvez condenada pelos próprios

pedreiros.Leonardo deixou o que fazia e se uniu a eles, exatamente a

tempo de ouvir essas últimas palavras.

— Mas... por que precisamente ali? — quis saber o arquiteto.

— Talvez para que fosse preservado ao longo dos anos... — afirmou Cláudia. Arqueou significativamente uma sobrancelha.

Riera voltou a considerar suas suspeitas, perguntando-se oque poderiam encontrar depois que cinco séculos haviam sepassado.

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— Vocês pensaram, ainda que por um só instante, no estadoem que estará aquele papel, depois de passar uns quinhentos anosem uma cripta? — disse, olhando fixamente para ambos, naesperança de que compreendessem o que acabava de dizer.

— Depende da temperatura a que o documento tenha sidoexposto e da umidade do ambiente... — conjecturou LeonardoCardenas; como especialista bibliófilo, ele conhecia bem ossegredos da conservação dos livros antigos.

— Se foi guardado em um lugar fechado, digamos... umacaixa de madeira ou metal, talvez tenham sido protelados osefeitos dos agentes corrosivos que costumam atuar sobre o papel.

— Não saberemos até que consigamos descer paracomprovar.

 As palavras de Salvador não deixavam de ser um estímulo àaventura.

— Podemos fazê-lo? — a pergunta de Cláudia era dirigida aseu companheiro. Queria estar segura de que iriam até o final, semavaliar as conseqüências de seus atos.

— Em teoria, sim — ele respondeu, com voz baixa. — Sótemos de levar a intenção à prática.

— Você tem um plano?

— Deveríamos sair... — Cláudia propôs a eles. — A primeiracoisa a fazer é estudar novamente o acesso ao esgoto, se é que setrata disso mesmo, e verificar de que maneira podemos entrar ali

sem que nos descubram.Seu tio concordou, mesmo sabendo que iriam cometer uma

loucura.

Minutos depois, observavam outra vez as pedras assinadascom as iniciais do pedreiro. A alguns metros de distância, no ladoesquerdo, distinguiram o abismo que se precipitava naprofundidade de seu próprio mistério, guardado pelas barras de

ferro. Abaixaram-se para observar através da grade.— Você trouxe as fotografias? — perguntou Cláudia.

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Leonardo tirou do bolso de seu casaco um envelope amarelo,onde guardava os instantâneos. Entregou-os à sua companheira,disposta a dar uma olhada neles. Dava para ver, claramente, oscontrafortes que se fundiam com as sombras do abismo e tambémas iniciais do pedreiro esculpidas nas pedras mais elevadas.

— Está bem claro que Iacobus nos indica o caminho. Suasiniciais estão na pedra. — Cláudia indicou as marcas, visíveis nafoto.

Leonardo olhou ao redor. Eles chamavam a atenção de quemquer que passasse na Praça dos Apóstolos. As pessoasestranhavam ao ver três criaturas agachadas olhando pelas frestasde um esgoto encostado na catedral.

— Será melhor que a gente se retire — Leonardo se levantou—, ou pensarão que estamos loucos.

Cláudia concordou, dando razão a ele. Ela e o tio serecompuseram, tentando dissimular a ansiedade que os dominava.

— Vocês pensaram como encontraremos um jeito de descer?— quis saber a jovem.

— O único obstáculo que representa dificuldade é a grade deferro — respondeu Riera. — Superado esse inconveniente, seráfácil descermos com cordas e mosquetões. Não teremos muitotempo, pois sempre há quem possa descobrir nossa presença echamar a polícia. Lembre-se de que estamos no meio da cidade.

— É melhor que voltemos à sua casa. É preciso elaborar umaestratégia que nos permita entrar e sair com rapidez... e há que

fazê-lo já! — propôs Cláudia. Depois colocou os óculos de sol,esboçou um sorriso afável e cordial. Olhou para seu companheiro elhe disse: — esta tarde você tem que me levar ao aeroporto, Leo, eeu gostaria de me inteirar do que vamos fazer antes de regressar aMadri.

— Eu concordo — ele comentou. — Depois de almoçar,faremos uma lista dos materiais que vamos precisar. Amanhã,

enquanto você vai ao leilão, nós nos encarregaremos dessasprovisões. Se você voltar terça-feira, estaremos prontos para agir na mesma noite.

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Salvador Riera também concordou, o que os levou a voltar,enfrentando os diversos andaimes que protegiam a obra, até deixar para trás aquele labirinto de tubos metálicos. Quando, finalmente,alcançaram a Praça Cardeal Belluga, o celular de Leonardocomeçou a vibrar na carteira atada a seu cinto. Ele estranhou muito

que o chamassem, pois muito pouca gente sabia seu número detelefone. No visor, reconheceu os dígitos e a extensão. Pertenciamao escritório de Mercedes. A chamada era da casa de leilõesHiperión.

Sem perder tempo, pressionou o botão verde. Então, ouviu avoz de Nicolas Colmenares e isso o surpreendeu ainda mais.Escutou o que ele tinha a dizer sem falar absolutamente nada que

não fossem monossílabos. Segundos depois, desligou. Seu rostoempalideceu e seu olhar perdeu-se na multidão que caminhava soba revoada de pombas.

— Quem era? O que lhe disse? — perguntou Cláudia,suspeitando de uma tragédia em curso.

— Era Colmenares — ele respondeu com voz rouca, depoisde alguns segundos de vacilação. — Mercedes está morta.

— Deus do céu, isso é horrível! — exclamou a jovem,buscando refúgio nos braços do tio.

— Eles a assassinaram da mesma maneira que fizeram comJorge — continuou Leonardo, ainda atordoado com a notícia. —Foram Os Filhos da Viúva. E, segundo creio, agora é a minha vez...

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Capítulo 19

Sentado em um dos bancos do Retiro, em frente ao Palácio deCristal, o advogado passava seu tempo observando os patos quenadavam no tanque. Seu único propósito era manter a menteocupada e esquecer por uns segundos a trágica morte deMercedes. Encontrar uma resposta válida entre tantasinterrogações sem sentido não seria uma tarefa fácil. Era violentoconceber um desastre dessas dimensões. Dois assassinatos emuma semana. Duas pessoas que compartilhavam trabalho e prazer,a quem haviam privado do direito à vida por culpa de um maldito

criptograma, cuja mensagem continuava sendo um mistério. E, atéonde sabia, um terceiro personagem podia estar na mira doscriminosos. Tratava-se de Leonardo Cárdenas.

Quando falou com ele por telefone, minutos atrás, sentiu certotemor oculto nas afirmações vagas que lhe oferecia como respostaenquanto explicava os pormenores do terrível crime. Sabia que eleestava em Múrcia, para onde se deslocara com a finalidade de

procurar o diário do pedreiro. Sua intenção, segundo Mercedes, eradescobrir novas pistas que os conduzissem à instituição Os Filhosda Viúva. Depois do que aconteceu, continuar com a investigaçãoera uma prioridade, da mesma forma que encontrar um esconderijoseguro para Leonardo, um apartamento livre longe de Madri. Irianecessitar de ajuda se quisesse ir a fundo no assunto antes que osassassinos de Mercedes o encontrassem. Ela, certamente, teriagostado de lhe dar uma mão. Agora que ela não estava mais

encarregada, ele se encarregaria de protegê-lo. Esse era o motivopelo qual aguardava a chegada da pessoa que trataria desolucionar todos os seus problemas. Eram cinco da tarde. Umhomem com moletom cinza cruzou o parque fazendo caminhada.Do outro lado do lago artificial, meio oculta, pela folhagem dasárvores, ele percebeu que havia uma jovem falando em um celular.Também observou que havia crianças brincando com barcos depapel, fazendo com que navegassem sobre as turvas águas dotanque.

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Então, quando já começava a perder a paciência, apareceuinesperadamente.

Cristina Hiepes chegava atrasada ao encontro. Apesar detudo, ele acabou admitindo que valera a pena esperar, pois, aindaque austera e solene, seus outros atributos prevaleciam sobre origor de seu caráter. De acordo com o seu critério, ávido por qualificativos corriqueiros, era uma mulher ímpar.

— Boa tarde, Nicolas — deu-lhe dois beijos em suasbochechas, sem se dignar a pedir desculpas pelo atraso. — Esperoque não tenha sido inconveniente você vir até aqui, mas como você

 já sabe, tenho um trabalho a realizar e vou precisar de sua ajuda.

— Eu me encarrego, querida... — fez um gesto para que elasentasse a seu lado. — Suponho que, depois do acontecido, vocêtomará medidas para evitar que volte a ocorrer.

— Fique tranqüilo — disse-lhe com seriedade —, a partir deagora sou eu que vou tomar as decisões. A primeira coisa seráentrar em contato com Leo e convencê-lo a me incluir nainvestigação... Você pode fazer isso?

— Creio que sim — ele respondeu. — O trabalho dele éfinanciado com o dinheiro da assassinada, o qual eu administro atéa leitura do testamento. Não tem outro remédio senão cooperar.

— Temos, porém, que ser prudentes — advertiu Cristina. — Sob nenhuma hipótese, deve saber para quem eu trabalho.

O advogado concordou. O melhor seria manter as coisascomo estavam até agora.

— Telefonei, há pouco, para contar o que houve comMercedes. Não sei como ele recebeu a notícia. No meu entender,foi muito inexpressivo.

— Como você estaria se soubesse que dois de seuscompanheiros de trabalho foram mortos, quando os trêscompartilhavam um mesmo segredo?

 A pergunta de Cristina fez com que refletisse.— Estaria apavorado — respondeu ele com total sinceridade.

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— É assim que Leo deve estar se sentindo, neste momento.

— Como vamos convencê-lo a deixar que você participe dainvestigação, fora a pressão econômica? — quis saber Colmenares.

— Meus conhecimentos serão de grande ajuda para ele.Estou certa de que saberá valorizar minha presença.

Nicolas teve que admitir a importância daquela esplêndidamulher, altamente qualificada, para desempenhar a tarefa que lhefora imposta por seus superiores.

 Apostaria a própria vida na certeza de que Leo estaria emboas mãos.

Naquele instante, a milhares de quilômetros de distância, Altar desceu do táxi que o deixara no aeroporto, depois de pagar aquantia exata do trajeto. Dirigiu-se ao terminal para apresentar seubilhete de embarque a tempo, já que faltavam poucos minutos paraque os guichês fechassem. Uma aeromoça o atendeu na áreareservada à Montreal Air Line, pouco depois de dar as passagens aum jovem casal que decidira seguir em lua-de-mel para a Europa.

Foram os últimos a entrar no avião.

Minutos mais tarde, enquanto sobrevoavam a costa leste doCanadá e entrava no Atlântico, Altar pediu a seu companheiro deviagem que fizesse o favor de lhe emprestar o jornal, não semantes iniciar uma conversa casual, para romper o gelo e evitar aatitude embaraçosa de ficar em silêncio durante todo o trajeto.

— Viaja para a Espanha com freqüência? — perguntou emum francês bastante perfeito, apesar de seu sotaque latino-americano.

— É a primeira vez — reconheceu, com franqueza.

— Há muitos anos, estive em Barcelona, por ocasião dasOlimpíadas de 92... — relembrou o passado com nostalgia. — Naépoca eu trabalhava para uma empresa de meu país, a Iztlán IronCompany... Naquele tempo nós éramos encarregados desolucionar as deficiências técnicas que poderiam surgir para a

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equipe olímpica oficial do México. Você sabe, costumava resolver os enganos dos demais empregados de manutenção.

 Altar assentiu em silêncio, sorrindo por cortesia. Não tinha aintenção de dar corda para continuar falando frases tolas. Mas seucompanheiro de viagem não era da mesma opinião.

— E você? Qual é seu trabalho na Espanha? — perguntouem espanhol, diante da óbvia timidez de seu acompanhante.

Seguiu-se um silêncio embaraçoso.

— Meu trabalho é idêntico ao que você realizou há anos — respondeu, finalmente. — Podemos dizer que sou o homem deconfiança da empresa, um especialista que soluciona os problemas

que os outros criam. Um trabalho bastante satisfatório, não acha?O sujeito lhe deu razão, sem querer, em nenhum momento,

se contrapor ao outro, pois o tom de voz do canadense fez comque a curiosidade inicial perdesse a intensidade em razão de umaincipiente suspeita: parecia estar gozando dele. Mas o que nuncachegou, a saber, é que atrás do cinismo daquele homem de sorrisozombeteiro e olhar implacável se escondia a mais terrível verdade.

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Capítulo 20

Tão logo chegaram à casa de Riera, decidiram falar sobre oacontecido, reunindo-se na sala. Cláudia tirou os sapatos para ficar mais à vontade, enquanto os homens foram preparar um café ebuscar, nas prateleiras da cozinha, uma garrafa de brandy. Assimque o café ficou pronto, Salvador foi até o sofá com a bandeja e astaças, para acomodar-se ao lado da sobrinha. Leonardo sentounuma ampla poltrona estofada com motivos florais, típica do séculoXVIII. Os três se olharam em silêncio, sem saber o que dizer.

— Creio que cancelarei meu vôo. É óbvio que não haverá

leilão.Cláudia se levantou para pegar sua bolsa, onde guardava o

telefone celular. Depois de alguns instantes, escutaram-na falar dooutro lado da sala.

— Tenho de reconhecer que jamais cheguei a imaginar agravidade do seu problema. — Salvador teve consciência do perigoque corriam.

Leonardo quis dizer-lhe que não estavam em Múrcia por capricho, que aquilo não era uma excursão nem uma aventurapassageira, mas as palavras estavam presas ao pensamento e foiimpossível ativar o mecanismo da voz. Estava tão assustado, que omais sensato a fazer era encontrar um modo de continuar vivo.

— O que acontecerá agora? — questionou o arquiteto diante

do silencio de seu convidado.— Não sei, mas temos que continuar com nosso plano — 

respondeu e, em seguida, bebeu o brandy num só gole.

— Antes, preciso descobrir quem sabe onde você está. Apartir de agora, não podemos confiar em ninguém, muito menosem seus companheiros de trabalho.

 A princípio, Leonardo sentiu-se incomodado pelo tomautoritário das palavras dele, algo que não suportava nas pessoasfora do âmbito profissional. No entanto, reconheceu que era tãoimportante conseguir o diário de Iacobus como manter-se afastado

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da vida social que levara até aquele momento. Qualquer amigo, ougente de seu meio, poderia servir de elo para que os assassinoschegassem até ele. Era melhor permanecer no anonimato, até quetudo chegasse ao fim.

— Mercedes sabia que eu estava em Múrcia — respondeuantes que a pergunta fosse repetida. — Colmenares, o advogadoda empresa, também sabe. Foi ele quem me telefonou para me dar a notícia.

— O que sabem de Cláudia? — Salvador olhou para suasobrinha. A jovem continuava ao telefone, olhando para o jardimatravés das janelas, atenta à conversa.

— Nada — respondeu rapidamente Leonardo. — Nossosamigos devem imaginar que ela esteja em Madri, como o resto dosempregados.

— Ótimo! Isso quer dizer que ninguém sabe que vocês estãoem minha casa.

— Depende...

 Aquela resposta não era o que Salvador esperava. E mais,ele não gostou nada da maneira como seu interlocutor seexpressou.

— Explique-me — franziu o cenho.

— Dei seu telefone a Mercedes, depois que Cláudia meinformou o número, caso tivéssemos algum problema com oscelulares. Eu vi quando ela o anotou no verso de um de seus

cartões.— É possível que tenham encontrado?

— Talvez a polícia, caso tenha revistado a bolsa dela.

Riera estalou a língua, num gesto de frustração. Pareciapreocupado. Leonardo tentou amenizar as coisas.

— Comentei que você era um amigo de infância — 

acrescentou, para que se sentisse mais tranqüilo.Naquele instante, Cláudia regressou, desligando o telefone

celular para guardá-lo no bolso da calça.

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— Acabo de falar com Verônica, a secretária da diretoria... — dirigiu-se a Leo. — Cancelaram o leilão, até segunda ordem. Apolícia conversou com todos os empregados. O mais estranho,porém, é que não perguntaram por nós.

— Até que encontrem os arquivos da empresa, não saberãoque trabalhávamos para Mercedes — recordou-lhe. — Cedo outarde, reclamarão nossa presença. Aí será o momento decontarmos a verdade.

— Antes, vocês terão de entregar provas que atestem suainocência — acrescentou o arquiteto. — Ninguém vai acreditar nahistória de uma seita criminal dirigida por maçons.

— Isso é verdade — afirmou Cláudia. — Nosso único objetivo,agora, é encontrar o diário de Iacobus. E, para isso, temos de nosorganizar de tal maneira que consigamos descer pela rede deesgoto e retornar com o manuscrito.

 A partir daquele momento, concentraram-se na difícil tarefa dedescobrir uma maneira de entrar na câmara, que fora condenadapelos pedreiros, e se localizava sob a capela dos Veléz. Fizeram

uma lista com os materiais que precisariam, entre os quais estavamcordas, mosquetões e lanternas. Cláudia propôs que um dos trêsficasse em cima, vigiando, caso houvesse algum acidente ouficassem retidos e não conseguissem se comunicar com ninguém.Pensou que seu tio seria mais útil na parte externa, devido à suaidade avançada, inconveniente que poderia causar algum problemana descida. E, ainda que o arquiteto tivesse, a princípio, se negadopor orgulho, mais tarde compreendeu que arriscar-se não os

beneficiaria em nada. Aceitou o plano de sua sobrinha, rosnandoentre dentes.

Finalmente, depois de examinar a fundo as conseqüências desua aventura, fixaram o dia e a hora em que iriam começar abusca. Seria na madrugada de terça-feira, por volta das quatro damanhã, lapso de tempo entre a volta dos mais boêmios para casa eo movimento dos que gostavam de levantar bem cedo.

Depois de reafirmar sua decisão de participar daquelaloucura, o trio mergulhou em uma catarse coletiva de silêncio, atéque o arquiteto rompeu o feitiço.

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— Vocês querem saber a origem do nome Os Filhos daViúva?

— A pergunta de Salvador fez com que seus convidados serevolvessem na cadeira. A última coisa que esperavam ouvir doarquiteto era uma interrogação desse tipo.

— Você está brincando conosco, não é mesmo?

Cláudia deu por certo que seu tio estava a fim de se divertir com eles.

— Creio que ele fala sério — apostou Leonardo, observandoa atitude de Riera, tratando de imaginar o porquê de tantareticência, se ele já sabia desde o princípio.

— Xakim e Boaz! As colunas que ladeavam a entrada doTemplo de Salomão. É o único indício que vocês têm até agora — começou dizendo Salvador, com um olhar circunspecto. — É certoque esses nomes são mencionados no Livro dos Reis, mas vocêsesqueceram-se de ler o resto dos versículos, o que, de certo modo,é o mais importante: a história de Hiram de Tiro, o arquiteto queprojetou e executou as obras do templo. Foi ele quem forjou as

colunas e lhes deu nome.— E o que isso tem a ver com Os Filhos da Viúva? — 

perguntou Cárdenas.

— Existe certo vínculo entre Hiram Abif e os maçons. E mais,para estes últimos o arquiteto é o paradigma do conhecimentogeométrico — respondeu. — Hiram Abif nasceu em Tiro. Era umhomem obscuro e misterioso, um misantropo que dominava a

ciência dos metais e a construção, graças aos segredosaprendidos por seus antepassados, que participaram daconstrução das pirâmides dos antigos reis do Egito. Salomão,depois de conseguir que ele viesse para Jerusalém, o encarregouda edificação do Templo e da tarefa de erigir as enormes colunasdo átrio de entrada, assim como os demais objetos de decoração, oMar de Bronze, os candelabros e as bases. Hiram realizou as

obras com a ajuda da associação de construtores, que ele mesmose encarregou de instruir. Chegou a contar com mais de 3.300mestres de obras, 30 mil operários especializados, 70 mil

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carregadores e 80 mil pedreiros, os quais extraíam as pedras e astransportavam desde as montanhas.

"Naquela ocasião, Salomão recebeu a inesperada visita deBalkis, a rainha de Sabá, que, atraída pela crescente fama esabedoria do monarca judeu, foi até Israel para conhecê-lo.Salomão, assim que a viu, enamorou-se perdidamente daquelamulher, e não somente por sua extraordinária beleza, mas tambémpor seu ilimitado conhecimento. Balkis talvez tivessecorrespondido, mas sua condição de rainha a impedia de ver-serelegada a simples concubina. Devido a seu cargo, poderia ser esposa apenas de alguém em igual condição: um rei ou umpríncipe. Mas Salomão estava casado com a filha do faraó.

Repudiá-la significava entrar em guerra com o Egito, de maneiraque o desejo do israelita viu-se reduzido a um sonho impossível derealizar.

 Assim estavam as coisas quando Hiram conheceu a rainha deSabá. Entre eles nasceu o amor de forma espontânea, ecomeçaram a se ver sem que Salomão soubesse. Em poucotempo, Balkis ficou grávida do arquiteto. Enquanto isso, os levitas,

atemorizados pela influência estrangeira das associações deconstrutores a serviço de Hiram, e de seu progressivodesenvolvimento dentro do país, começaram a predispor o reicontra seu protegido.

Levado por ciúmes, Salomão consentiu que os levitascontratassem os serviços de três operários que estavamdescontentes com Hiram, por não tê-los elevado à categoria demestres construtores. Esses indivíduos forjaram um plano paraacabar com a vida do arquiteto. Uma noite, durante a qual Hiramfazia guarda nos arredores das obras, atacaram-no golpeando-oaté a morte. Antes de morrer, porém, Hiram conseguiu arrancar deseu pescoço a corrente de ouro onde estava inscrito o verdadeironome de Deus, lançando-a em um fosso, para que não caísse nasmãos de seus agressores. As armas que utilizaram para assassiná-lo foram um compasso, um esquadro e um martelo, elementos que

agora constituem o símbolo da ordem maçônica. Quanto aotriângulo de ouro, dizem que está enterrado junto aos projetos doTemplo, nos alicerces da abóboda subterrânea, construída sobre

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umas pontes tão elevadas, que não seriam afetados pelas águas,caso houvesse um novo dilúvio.

— E o que aconteceu à rainha de Sabá e a seu filho? — quissaber Cláudia, enfeitiçada pela história.

— Regressaram a seu reino e nunca mais se soube deles, atéagora... até agora.

— Até agora? — repetiu Leonardo, que continuava sementender.

— Sim — disse o narrador  —, até que vocês apareceramperguntando pela instituição Os Filhos da Viúva. Para que possamentender melhor, o filho de Hiram e seus descendentes foram

chamados de Os Filhos da Viúva. Essa é a denominação que sedá, no mundo esotérico, aos construtores de catedrais e aosmembros de cada loja maçônica.

— E por que essa denominação? — insistiu Leonardo.

— Será mais fácil compreendê-lo se você ler os versículos 13e 14, do capítulo 7 do primeiro Livros dos Reis.

Cláudia e Leonardo se entreolharam. Não fazia nem dois diasque haviam consultado a Bíblia, precisamente o capítulo 7 doprimeiro Livro dos Reis. Não recordavam de ter encontrado nada arespeito de Hiram de Tiro. E foi o que disseram a Riera.

— Vocês não leram os dois versículos que antecedem orelato da fundição das colunas de bronze — afirmou o arquiteto,achando graça na falta de atenção dos dois:

— Ande! Pegue a Bíblia e eu os mostrarei a vocês.Suas palavras eram dirigidas a Cláudia, que se levantou do

sofá e foi até as prateleiras de livros que se fundiam com asparedes da rocha.

— Você a encontrará na prateleira do lado, junto aos volumesda história da Espanha — Riera orientou a sobrinha.

Cláudia anuiu, com um movimento de cabeça, e desviou oolhar para a esquerda. Encontrou-a na mesma hora. Era um livrogrosso, com as capas de cor grená. Tão logo o teve nas mãos,

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regressou ao sofá e começou a virar as páginas em busca dapassagem. Leonardo se aproximou movido pela curiosidade.

— Vamos, leia para que todos possam ouvir! — encorajou-aSalvador. — Quero ver a cara que vocês vão fazer quandoperceberem o quão perto haviam estado da verdade.

 A jovem conseguiu encontrar os versículos ao qual seu tio sereferia. E então, repreendendo-se por não ter sabido ler a históriacompleta, disse em voz alta:

"O rei Salomão mandou buscar Hiram de Tiro, que era filho deuma Viúva da tribo de Neftali..."

Regressar de novo a Múrcia provocou nela um efeito decontinuidade que alterou seu metódico sentido do trabalho. Omesmo lhe acontecera quando teve de voltar a Madri. Era aprimeira vez que desobedecia ao preceito de abandonar o quantoantes o país onde realizava uma missão, tão logo a tivesseexecutado — algo, aliás, que não deixava de ser um ato deimprudência. Mas estava disposta a correr o risco. Por precaução,porém, decidiu ficar um pouco mais longe, procurando

hospedagem em Espinardo, uma localidade próxima à capital eque era sede da Universidade de Múrcia. Devido à sua idade,passaria despercebida entre tantos estudantes.

Em um bar do povoado, onde parou por um momento para odesjejum, encontrou um anúncio no vidro da porta de entrada,sobre alguém que procurava uma terceira estudante paracompartilhar um apartamento. No cartão, ela viu um número de

telefone e o nome "Mônica". Guardou-o, enquanto se dirigia aobalcão, para pedir um café e um suco de laranja. Sentou em umadas mesas.

Lilith era uma jovem de incrível agilidade mental, capaz deimprovisar nas situações mais críticas. Seu cérebro criou, emquestão de segundos, uma história verossímil que lhe permitiriamimetizar-se no conjunto. Decidiu fazer-se passar por uma

estudante que acabava de chegar a Múrcia, depois de conseguir validação dos três primeiros anos cursados na UniversidadeComplutense de Madri, justamente porque conhecia a cidade. Uma

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coisa era matricular-se e assistir aulas, algo que não pensara fazer,e outra, compartilhar moradia, situação pela qual seria fácil ocultar sua identidade. Quando terminou o desjejum, tirou o celular dabolsa. Chamou, decididamente, um número e ouviu uma vozfeminina através do auricular.

— Que é?

— Alô, eu me chamo Lilith... liguei pelo anúncio doapartamento — respondeu, tratando de adocicar a voz para criar um clima relaxado, capaz de inspirar confiança. — Por favor, diga-me que tive sorte e sua oferta continua em pé!

— Se você puder pagar duzentos e quarenta euros por mês, o

quarto é seu — disse-lhe a pessoa do outro lado da linha. — Naverdade, você é a primeira a chamar. Mas antes, minha amiga e eugostaríamos de conhecê-la... Há algum inconveniente?

— Em absoluto. Quando vocês quiserem, combinamos umencontro.

— O que você acha de hoje, às quatro da tarde?

— Perfeito. Onde a gente se vê?

— Na porta do Zig-Zag. Suponho que você saberá encontrar o lugar... digo isso porque me parece distinguir um certo sotaqueestrangeiro no tom de sua voz.

— Sim, a verdade é que passei grande parte de minha vidana Alemanha, embora meus pais sejam espanhóis — mentiu.

— Bom, deixe pra lá. Em breve você nos contará sua história

— retrucou à jovem. Conhece ou não o Zig-Zag?— Não, mas ali estarei as quatro em ponto. Fique tranqüila.

— Maravilha! Ah... já ia me esquecendo... eu me chamoMônica e você me reconhecerá pelos piercings.

— E você a mim, porque estarei vestida de preto.

— Perfeito! — deu risada. — O que nos faltava era

 justamente uma sinistra no grupo.

— É você quem fala.

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— Venha, então. A gente se encontra lá. Ciao, baby.

 Aquela despedida, tão familiar e carinhosa, lhe pareceudeprimente. Lilith soube, antes de conhecê-las, que a mentalidadedaquelas molecas estava muito aquém de sua experiência. Seriafácil eliminá-las, quando tivesse terminado o trabalho.

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Capítulo 21

 A  alusão não dava lugar a dúvidas: os assassinos de Jorgehaviam se proclamado os descendentes do arquiteto de Tiro e darainha de Sabá, talvez os últimos guardiões de um conhecimentointimamente relacionado com a maçonaria e os antigosconstrutores de catedrais. Foi o que disse Riera a seus convidados.

— Vocês não podem esquecer que Hiram possuía umconhecimento transmitido de geração a geração, desde a épocados faraós — ele lhes disse. — Onde havia adquirido essa ciência?Esse era um segredo que ele costumava guardar para os mais

elevados, na escada, e jamais permitiu que outros lhe fizessemperguntas a respeito.

— Por mais que tento compreender, cada vez mais tudo meparece mais confuso... — foi à sincera opinião de Leo. — Por umlado, temos o criptograma, a quadra de Nostradamus e a correnteda capela dos Velez. Por outro, umas colunas, o Templo deSalomão, o arquiteto de Tiro e Os Filhos da Viúva. Parece um tanto

anacrônico comparar ambos os grupos... — respirou fundo. — Nãolhes parece que deve existir uma relação que os una no tempo?

Cláudia ia dizer algo, mas seu tio se adiantou, novamentefacilitando-lhe a resposta.

— Isso mesmo... entre ambos estão Gracus, as UniõesComacinas, os templários e os construtores de catedrais.

— Gracus?! — inquiriu sua sobrinha, surpresa.— Lamento... creio que devia começar pelo princípio...

O arquiteto reconheceu, em silêncio, sua falta de perspectiva.

— Vejamos... como eu poderia explicar isso a vocês?Segundo a obra Polycronicon e as Etimologias, de Santo Isidoro,Tubalcaim foi o pai de todas as artes dos metais. Conhecia comoninguém os mistérios da terra e comungava com as ciências maisobscuras. Sua irmã foi Naamah, que mais tarde tornou-se esposade Noé. Tinha, também, dois meio-irmãos, Jabal e Jubal,fundadores da Geometria e da Música, respectivamente. Como

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sabiam que Deus ia acabar com os homens, graças aoscomentários que Noé fizera a Naamah, pensaram escrever seusconhecimentos na pedra, com a finalidade de nunca seremesquecidos pelos futuros povoadores da Terra... — pigarreou umpouco, para continuar:

— Intuindo que o castigo lhes viria por meio do fogo e daágua, decidiram escrever sua ciência em duas enormes colunas depedra, para que sobrevivessem à catástrofe anunciada. Uma erarevestida de mármore, que resiste ao fogo. A outra foi protegida por pedras pomes, o único tipo de rocha que flutua na água. E ambasforam levantadas no centro da cidade perdida de Enoque, que...

—... Enoque poderia ser a região de Tubalcaim, a que

Iacobus assinala em seu manuscrito, como a cidade para ondedevemos nos dirigir? — perguntou Leonardo, interrompendo orelato.

— Eu apostaria o que você quiser nisso — foi à categóricaresposta de Riera.

Cláudia fez um gesto impaciente a seu companheiro, para

que se mantivesse calado.— Deixe que ele prossiga! — exclamou, e lhe deu uma

amistosa cotovelada.

— Como eu ia dizendo... — continuou Salvador, com suahistória antiqüíssima — depois do dilúvio, as colunas ficaramenterradas por causa do lodo que as águas arrastaram. Segundoreza a lenda maçônica, a cúspide de ambas permanece visível aos

olhos dos homens, mas ocultas para sua inteligência.— Não entendo como poderemos encontrar algo em uma

cidade que já não existe — Leonardo voltou a opinar, semconsiderar que a paciência de Salvador pudesse ter limites.

— Se você me deixar terminar, poderá compreender  — recriminou-o o anfitrião, cordialmente. — Anos depois que Noé eseus descendentes voltaram a repovoar o mundo, houve um rei

que foi capaz de reconhecer parte das inscrições desenhadas naparte mais alta das colunas. Esse monarca pós-diluviano foiNemrod, o homem que dirigiu as obras da torre de Babel. Depois

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daquilo, a arte da construção reapareceu com força no Antigo Egitoe na Mesopotâmia. Abraão recebeu de Deus esse maravilhosoconhecimento, que transmite a seu discípulo Euclides, um egípciode origem grega. No Polycronicon diz-se que Pitágoras encontrouuma das colunas e que Hermes Trimegisto achou a outra, e que os

dois ensinaram a seus alunos os mistérios que estavam escritos narocha. Hiram foi o último guardião secreto das pedras, emboratenha confiado parte de seu saber aos mestres de obras queparticiparam da construção do Templo de Jerusalém. Um deles foiGracus, que viajou para Roma levando consigo a ciência de seumestre. Séculos mais tarde, os herdeiros de sua técnica ergueriamo Coliseu e outras obras de grande envergadura. Daí nasceu osmistérios de Baco, depois, as Uniões Comacinas... E o resto vocês

 já sabem.

— E sobre os templários? — perguntou Leonardo.

— Bom, eles encontraram a Arca da Aliança na abóbadasubterrânea do Templo, onde Hiram lançou o triângulo de ouro como nome de Deus. Dentro da Arca estavam as Tábuas da Lei ou, oque dá no mesmo, parte dos conhecimentos escritos por Tubalcaim

e seus irmãos. Graças a esta ciência, os maçons puderam erguer as catedrais góticas, o que é igual à casa de Deus.

— Duvido que aprender história nos ajude a encontrar essescriminosos — opinou Cárdenas. — Precisamos de provas maistangíveis, que nos ajudem a encontrar os assassinos de Mercedese Balboa.

— Sei como deve se sentir, mas não posso fazer nada por 

vocês.— Ainda é cedo para jogar a toalha — disse Cláudia,

arqueando as sobrancelhas. — Deveríamos nos ater ao manuscritode Iacobus e seguir suas indicações. Talvez ali esteja a maneira deencontrar o que procuramos.

— É preciso levar em conta que o segredo da construção estáligado à ciência do Grande Arquiteto — insistiu Riera, que cruzou

as mãos. — Os maçons estão sujeitos a umas leis ancestraisabsolutamente estritas, que os protegem da curiosidade

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devastadora dos profanos. Assim se manteve, sempre a salvo, oenigmático segredo que existe em torno da magia das pedras.

— Demasiado mistério para um homem que está ameaçadode morte. Depois dessa réplica fúnebre, Leonardo lançou o corpo àfrente, para encher, novamente, seu copo de brandy.

— É óbvio que você não vai morrer  — recriminou-o Cláudia.— Será impossível para eles nos localizar enquanto estivermos nacasa de meu tio. E entrar aqui também não é tão fácil... não é? — seus olhos procuraram os de Riera.

— Não por acaso, o sistema de alarme me custou umdinheirão... — o arquiteto tratou de tranqüilizar seu convidado. — É

a última palavra em matéria de segurança.— Para nós, tem mais valor ainda!

 A resposta de Leo, no plural, deixava implícito que não era sóele que corria risco de amanhecer degolado. Os três sabiamdemais sobre Os Filhos da Viúva.

Cláudia se pôs em pé com aquela aura de bom humor que umdia enamorou Leonardo.

— Bom! É hora de comer! — exclamou jovial. — Estoupensando em fazer uma paella que vai fazer vocês chuparem osdedos. Para isso é preciso que saiam lá fora, no jardim. Ali poderãocontinuar falando de templários e catedrais. Vamos! Fora!

 Aquela nota discordante de energia positiva arrancou sorrisosdos homens que, levados pelo conselho, decidiram dar um

passeio, aproveitando que fazia uma temperatura invejável noexterior. Seus pés os levaram até o caminho cercado por pedrasvulcânicas. E dali, à fonte de mármore rosa, no centro da qualhavia uma imagem do deus Mercúrio.

— Talvez pareça estúpido, mas continuo sem entender porque tanto mistério por um conhecimento que hoje em diadeveríamos valorizar como batido e insubstancial — disse

Leonardo, cujo cérebro funcionava à velocidade vertiginosa. —Estamos no século XXI. Tudo é factível graças à ciência moderna eao avanço tecnológico do homem. Dominamos, inclusive, o idioma

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de Deus, pois somos capazes de modificar a própria espécie,graças ao DNA.

— A engenharia espacial, a genética, a energia nuclear e orestante das últimas descobertas da ciência são o resultado dautilização das Artes Liberais — Riera estava disposto a defender,com capa e espada, os valores ancestrais. — Entretanto, você nãoconhece a importância do conhecimento que os maçons defendem.

— Isso é porque ninguém me explicou isso... — ele fez umacareta. — Mas estou certo de que você pensa em fazer isso agoramesmo.

Salvador sorriu, de maneira espontânea.

— Falar das Artes Liberais não vai ajudá-lo em nada, e menosainda se você não sabe interpretar a relevância que isso tem paraa comunicação direta de Deus com o homem.

— Digamos que tenho curiosidade...

— Está bem... mas depois não diga que sou eu que enchosua cabeça de histórias — advertiu, antes de mais nada. — Segundo o Manuscrito Cooke, que está guardado no MuseuBritânico de Londres, a primeira das Artes Liberais é a Gramática,que ensina o homem a falar e escrever de forma correta. Asegunda é a Retórica, com a qual ele aprende a falar com decoro eelegância. A terceira é a Dialética, que prepara o homem para quesaiba distinguir entre o verdadeiro e o falso, e é a mãe da Filosofia.Então, vem à quarta ciência, a Aritmética, que ensina o homem acalcular e contar os números. A quinta, a mais importante de todas,

é a ciência dos Grandes Mestres, a Geometria, capaz de educar ohomem no sábio manejo dos limites, medidas e pesos do restantedas artes. A sexta é a Música, que ensina ao homem as seteentonações e como transmiti-las com o canto e os váriosinstrumentos de corda, ar ou percussão. A última é a Astronomia,que aproxima o homem da ciência mais obscura e primitiva: omovimento do Sol, da Lua e dos demais corpos celestes... Quemdominava as sete ciências era digno de entrar no templo de Deus e

preencher suas necessidades espirituais falando diretamente comEle. A catedral é o símbolo do misticismo universal. Quem procura

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a proteção dos arcos sente em seu interior a magia que projeta asabedoria do Grande Arquiteto e se alimenta dela.

— Iacobus fala da magia telúrica da pedra. Falamos damesma coisa? — quis saber Leonardo.

— Você mesmo disse. A pedra, desde o momento em que éarrancada da terra, passa a ser um elemento divino para osmaçons, algo assim como a hóstia consagrada que o sacerdoteintroduz na boca do cristão... — então, ele se deteve, fitando-ofriamente. — Ouça, os pedreiros da era medieval amavam seuofício acima de tudo e o dignificavam. Naquela época, o pior quepodia acontecer a um deles era estragar uma das pedrasdestinadas a cobrir as paredes da catedral, de maneira que as

obras tivessem que parar até que se pudesse cortar uma novapeça para substituí-la. A peça defeituosa era colocada em umacarreta e o pedreiro descuidado era vestido com uma capa de cor preta. Em seguida, o obrigavam a levar a pedra, em procissão, dolugar onde fora danificada até o cemitério ou ossário do templo.Uma vez ali, a pedra era enterrada com todas as honras que umser humano podia receber, incluindo orações. Na seqüência, todos

regressavam à guilda para açoitar o causador daquela perda,diante de seus companheiros. E à noite, enquanto todos dormiam,o envergonhado pedreiro tinha de cortar e desbastar de novo umapedra, que teria de encaixar perfeitamente no buraco ainda aberto,para que todos esquecessem o que ocorrera... — deteve-se uminstante. — Você continua sem compreender até onde chegava àobsessão daqueles homens, para quem as rochas tinham um valor quase divino?

— Já estou começando a ter idéia.

Leonardo Cardenas teve de reconhecer que as normas daloja beiravam o fanatismo. Uma doutrina que amortalhava aspedras não podia condizer com o pensamento racional do homem,por mais que Salvador insistisse nisso. Acreditando saber o que sepassava na cabeça dele, Riera lhe deu um conselho:

— Se o comportamento dos construtores de catedrais lheparece extravagante, eu sugiro que você dê uma repassada no

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Livro dos Salmos. Os versículos vão surpreendê-lo, eu lheasseguro.

Então, ouviram a voz de Cláudia chamando-os, da porta.Tinha uma garrafa de vinho na mão e reivindicava a habilidade deum homem para abri-la. Por mútuo acordo, eles decidiramregressar.

E o fizeram em silêncio, cada um deles absorto naprofundidade de suas próprias reflexões.

Lilith seguiu para o encontro, depois de pegar um táxi emEspinardo. Chegou as quatro em ponto na porta do centrocomercial, onde duas jovens vestidas de acordo com a moda a

reconheceram de imediato, aproximando-se para cumprimentá-la. Apresentaram-se como Mônica — a que havia mantido a conversapor telefone — e Arantxa. Elogiaram seu bom gosto pela roupa demarca e de cor preta, antes de convidá-la para tomar um refrescona varanda do Zig-Zag.

Quando sentaram, Lilith as analisou em questão de segundos.Mônica, tal como ela mesma lhe adiantara, era uma incondicional

usuária dos piercings. Tinha seis em uma orelha e quatro na outra,um na parte inferior do lábio, outro na língua, outro na narinadireita, mais um no umbigo e, segundo testemunho dela mesma,um no bico do seio.

 Arantxa, ao contrário, era uma jovem mais comum, talvez umpouco grunge. Sua timidez pareceu posada, razão pela qual elaintuiu que poderia haver uma mudança de características à medida

que fosse conhecida mais a fundo.— Nossa! Gostei demais desse seu paletó. Você lembra

Trinity, personagem do filme Matrix. — Mônica ficou literalmentefascinada com o elegante modo de vestir de sua nova companheirade apartamento. — Você deve gastar os tubos para manter essaimagem.

Lilith usava calças de couro de uma famosa marca italiana,

além de uma camisa justa, preta e de uma capa de gabardine depoliéster, da mesma cor e que chegava à altura de seus joelhos. Abrancura de seu rosto, as pálpebras pintadas de um marrom-

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escuro e pesado e seu cabelo loiro platinado — cortado à navalha—, faziam da alemã uma criatura de pesadelo, tirada da mentedoentia de Lautréamont. Estava disfarçada de sinistra.

— Dinheiro não é problema para mim — lhes disse, semnenhum tipo de vaidade. — Meu pai é podre de rico. Enquanto euestiver com vocês, não lhes faltará nada. Vocês têm a minhapalavra.

 Arantxa olhou sua amiga, alucinada ao ouvir aquela que seriasua fada madrinha de agora em diante. Lilith, muito mais calculistaque suas amigas, imaginou que tentariam aproveitar-se daquelaestúpida menina rica que acabavam de conhecer. E talvez tivessesido assim mesmo, fosse outra a que estivesse sentada diante

delas. Mas se tratava de uma jovem com uma grande carreiracriminal, alguém para quem as pessoas eram joguetes que podiautilizar e destruir a seu bel-prazer.

Lilith passara os últimos anos assassinando homensimportantes em todo o mundo. Levava uma grande, abismalvantagem psicológica sobre as outras duas.

Uma vez rompido o gelo com aquela avassaladora afirmaçãode solvência, tanto Mônica quanto Arantxa se esfalfaram emagradá-la. Enquanto permaneceram na varanda do bar,convidaram-na a tomar várias cervejas, de maneira que partirampara uma conversa bem menos formal, em que o sexo, a música eas drogas se apresentaram como os passatempos favoritos pelosquais valia a pena viver.

Em pouco mais de uma hora, Lilith ficou sabendo que Mônicaera filha de um advogado que tinha relações com as máfias dospaíses do leste europeu, e que sua mãe, uma neurocirurgia,costumava bancar os caprichos de um jovem gigolô em troca debons momentos na cama; mas acrescentou que se tratava de umsem-vergonha, cujo único propósito era viver regiamente graças àgenerosidade de mulheres maduras.

Quanto a Arantxa, não ficava atrás. Pelo visto, era noiva de

um jovem cuja família era das mais poderosas e respeitáveis deMúrcia. Não se viam nos dias de semana, já que o pretendenteestudava na Universidade Católica San Antonio (UCAM3), e

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quando o faziam era para irem ao cinema ou à missa aosdomingos.

 Arantxa trocava sua original indumentária por elegantesvestidos que davam credibilidade a seu papel de uma patricinha.Mas, no fundo, era tudo uma farsa, uma encenação a que sesubmetia para satisfazer ambas as famílias até o final do curso.

 Arantxa era muito mais cerebral do que todos eles, de maneira quesatisfazia suas necessidades — que eram demasiadas, segundoMônica — chantageando um dos catedráticos da universidade,com quem havia mantido relações sexuais. No apartamento,guardava provas fidedignas de seus encontros, fotografias eroupas íntimas que a qualquer instante poderia enviar pelo correio

à esposa dele, como, por exemplo, umas calcinhas impregnadasde sêmen, que serviriam para demonstrar  — judicialmente, sefosse preciso —, que sua história era verdadeira.

 A prática daquela extorsão lhe proporcionava uns 300 eurospor mês, dinheiro que ela esbanjava assim que caía em suasmãos.

Depois daquelas declarações, Lilith se sentiu mais tranqüila.

O descaramento com que se expressavam corroborou suassuspeitas. Na realidade, eram muito mais idiotas do que elapensara a princípio.

Logo, elas decidiram mostrar o apartamento à sua novacompanheira. Pagaram a conta no balcão e se dirigiram à saídapassando pelas lojas do centro comercial, onde se detiveram emcada uma das vitrines para ver as ofertas. Uma vez na Avenida

Juan Carlos I, Mônica lhes recordou que teriam de ir andando até apróxima parada de ônibus. Lilith disse não estar preparada para otransporte urbano, de maneira que se plantou no meio-fio parafazer sinal a um táxi livre que passava por ali. Não se importou empagar pela corrida.

Finalmente, chegaram ao apartamento, situado na Avenida deEspinardo. Tinha três quartos, com vistas para o jornal La Opinión

de Múrcia e a Biblioteca Regional de Idiomas. Depois que lhemostraram seu dormitório e o resto da casa, Lilith de desculpou

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dizendo que precisava arrumar suas coisas no armário antes detomar banho.

Entregou a Mônica duzentos e quarenta euros adiantadospelo primeiro mês de aluguel, recebeu o recibo e uma cópia daschaves e se fechou no quarto que lhe haviam designado, dispostaa organizar a busca por Leonardo Cardenas.

 A única coisa de que precisava para encontrá-lo era um guiatelefônico e um pouco de paciência.

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Capítulo 22

Naquela mesma noite, Leonardo se recolheu para dormir maiscedo. Estava certo de que Cláudia precisava conversar abertamente com seu tio sobre assuntos pessoais, relacionados àfamília, e não achou conveniente se meter no que não era de seuinteresse. Por outro lado, queria dar uma olhada no Livro dosSalmos, como Riera havia aconselhado com tanta insistência. E,para isso, nada melhor do que a tranqüilidade do quarto, onde osilêncio é mais profundo quando se sabe escolher o livro maisadequado, neste caso, a Bíblia.

Sentado na cama, com o travesseiro na parte de cima dascostas, para apoiar a cabeça, respirou profundamente antes deabrir, pela metade, o texto mais lido de todos os tempos. Enquantoprocurava o Livro dos Salmos, tentou aprofundar-se no sentido daspalavras de Salvador. Nem sequer lhe dissera que isso era tãoimportante, que podia ser encontrado entre os escritos deSalomão. Não tinha, também, um ponto de referência para guiar-

se. Reconheceu que não seria fácil, e que provavelmente teria querepassar várias vezes antes de encontrar um nexo com osconstrutores de catedrais.

Leu por alguns minutos, até que chegou ao Salmo número 5.Um versículo chamou sua atenção, precisamente o 10. Tirou olápis do bolso da camisa do pijama. Sublinhou a frase:

"Sepulcro aberto em sua garganta, melosa, a sua língua se

move."Pensou que devia tratar-se de uma casualidade, uma

metáfora de Salomão, talvez sem maior importância, mas nãodescartou a possibilidade de ter encontrado a origem da mutilaçãode Balboa e Mercedes. Pouco depois lhe veio à resposta, quandochegou ao Salmo número 12. Assim dizia o versículo 4:

"Arranque Javé todo lábio trapaceiro, a língua que profere

bravatas."Sublinhou igualmente.

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Na esperança de encontrar alguma outra frase conclusiva,decidiu terminar o que havia começado.

Depois de uma hora de intensa leitura, fez uma pausa. Nadamais encontrou que tivesse a ver com línguas arrancadas. Noentanto, um detalhe despertou seu interesse, justamente pelo fatode Deus ser comparado, diversas vezes, com uma rocha ou umafortaleza. Encontrou frases tão reveladoras como: "Seja para mimuma rocha de refúgio, fortaleza que me salve; pois és minha rocha,minha fortaleza... Javé, minha rocha e meu baluarte, meu salvador,meu Deus... Quem é Rocha, senão só nosso Deus...? Viva Javé!Bendita seja minha rocha! Só ele, minha rocha, minha salvação,minha cidadela, meu consolo, não hei de vacilar... Conduza-me à

Rocha que se levanta longe de mim; pois tu és meu refúgio...!Venham, cantemos e louvemos a Javé, aclamemos a Rocha denossa salvação...! Bendito seja Javé, minha Rocha, que adestraminhas mãos para o combate..."

E assim, uma infinidade de expressões semelhantes, quecomparavam a sabedoria de Deus à simplicidade de uma pedra,rocha lavrada como as que eram utilizadas para a construção das

catedrais. Refletiu a respeito, chegando à conclusão de que esseera o motivo pelo qual Riera havia insistido com ele para ler osSalmos. Ali, entre frases alegóricas e de louvor, se escondia partedas práticas maçônicas atribuídas a Salomão, que pode ter tidocontato com a ciência do arquiteto de Tiro, durante os anos em queeste permaneceu em Jerusalém. Sendo assim, era imprescindívelcontinuar lendo o resto dos livros escritos pelo rei dos judeus, aomenos até que o cansaço lhe abrisse as portas do sono. Algo

improvável se levasse em conta que lhe custava superar oassassinato de Mercedes e o fato de que poderia converter-se napróxima vítima.

O livro seguinte era o dos Provérbios. Esteve folheando por alto, detendo-se a analisar somente os versos que acreditou ser deinteresse. Pareceu, a ele, bem mais ameno que os Salmos; pelomenos este tinha um apelo ao senso comum e à boa índole do ser 

humano. Salomão tachava os palermas de malvados, glorificando ohomem que, por força da erudição, alcançava a divindade. Era umcompêndio de elogios destinados a enaltecer a Sabedoria, esse

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conhecimento místico que, segundo os próprios teólogos, é, desdeo princípio dos tempos, a colaboradora de Deus, uma ciência queexistia muito antes que a poeira primordial do Universo.

Continuou com a leitura, inebriado pela graça sutil daspalavras. Mas, ao terminar o capítulo 10, leu um versículo que odeixou arrepiado:

"A boca do justo dá frutos de sabedoria, a língua perversaserá cortada."

 Atento, procurou encontrar novos indícios que lhe permitissemcompreender os motivos daquela obstinada determinação. E nãofoi difícil. Encontrou outro sinal, que indicava o caminho a seguir,

nos primeiros versículos do capítulo 15:"A língua dos sábios é agradável à ciência, a boca dos

insensatos dissemina estupidez... Língua suave, árvore de vida,língua perversa rompe a alma."

Seus olhos devoravam as letras, apesar da luz fracaproporcionada pela pequena lâmpada do criado-mudo. Não tardouem achar algo realmente incrível, duas novas frases que dariam o

toque final ao bolo:"Morte e vida estão no poder da língua, o que a ama comerá

seu fruto... A casa dos soberbos a destrua Javé, e mantenha em péos limites da Viúva."

 A palavra "Viúva" estava sublinhada. Sentiu calafrios. Fechoua Bíblia, levado pelo temor infundado de estar violando uma dasantigas leis de Deus. Pelo visto, o juramento dos maçons estava

ligado ao pensamento salomônico de que a Sabedoria era umtesouro a preservar do desatino dos homens. Mas qual era anatureza daquele conhecimento, que obrigava os membros damaçonaria a cometer um ato tão atroz como cortar a língua de umcompanheiro? A resposta estava nas pedras, no seu entender. Aíestava o motivo de Salomão comparar o poder de Javé com umasimples rocha.

Então, lembrou-se da história que lhes contara Riera arespeito dos templários e da Arca da Aliança. Segundo ele, oTestemunho de Deus não era outra coisa senão uma ciência

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baseada na geometria e na divina proporção. Conhecia por alto aimportância dos números áureos pi e phi, assim como a famosasucessão de Fibonacci . Aquelas cifras estavam ligadas à leinatural das coisas, à ordem cósmica e à quadratura do círculo.Sabia que tais números haviam sido empregados por aqueles que

ergueram a pirâmide de Quéops, o Parternon, as colunas daCatedral de Notre-Dame; também por Leonardo da Vinci, LeCorbusier e mesmo Dali, que estampou essas propriedadesmágicas em sua grande obra Leda Cósmica. E todos o utilizarampor ser um gerador de harmonia. Suas conclusões: "Se for certoque Deus governa o Universo graças a um sistema numérico derelações proporcionais e que esse e muitos outros conhecimentosescondem o segredo da vida, oculto cuidadosamente no interior da

 Arca, a pessoa que conseguir recuperá-la poderia ver através dosolhos do Criador e compreender o significado de Sua obra."

Cárdenas jamais havia sido um católico praticante. Para ele, aBíblia era um livro dos mais entediantes e só podia ser louco quemconseguisse lê-lo do princípio ao fim. Agora, depois de rastrear osenigmáticos versículos de Salomão, lhe parecia uma obra-primaque todo bibliófilo deveria ler, ainda que fosse por partes.

Riera conhecia bem sua mensagem, talvez até demais...Notava-se que ele a havia estudado a fundo. As investigações deleseguiam um obscuro propósito vinculado à busca da Arca, segundoreconheceu. De fato, parecia ter memorizado grande parte dosversículos da Bíblia, indicando que levava a sério o que fazia. Umhomem que deixara seu brilhante trabalho em Barcelona paraencerrar-se no último rincão da Espanha devia ter muita clareza

sobre as suas prioridades.Naquela noite, Leonardo sonhou com uma catedral, cujas

portas eram guardadas por um São Pedro que era a própriaimagem de Riera. Em sua mão direita, trazia várias línguas degado, das quais ainda gotejava sangue, e, na esquerda, umenorme compasso utilizado na Idade Média pelos mestres de obra.Uma mulher com um antigo colete de cor púrpura e manto azul-

turquesa — a Sabedoria —, que estava sentada nas escadarias daentrada, lia em voz alta uma passagem da Bíblia que falava doTemplo de Salomão. Sem importar-se com a presença de ambos,

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Leonardo cruzou o arco de entrada, penetrando em seu interior.Dentro da catedral, um grupo de encapuzados formava um círculoao redor de uma escultura da Virgem Maria, de tamanho natural.Murmuravam em voz baixa suas orações. Quando se aproximou, ogrupo foi se afastando para deixá-lo passar. Diante da base da

imagem, viu Cláudia vestida como uma rainha. Estava sentadanum trono dourado, onde se viam desenhos cabalísticos bastanteestranhos e uma escritura semelhante à dos hieróglifos coptas do

 Antigo Egito.

Tinha os braços apoiados no que pareciam ser as asas deanjos, cujas pontas se tocavam, lá no alto. Seus nomes estavaminscritos na frente: Xakim e Boaz. Então, ouviu uma melodia

inigualável, cujo eco ressoou em cada um dos cantos do Templo.Era uma música que falava aos sentidos, que ia diretamente aocoração e preenchia com uma deliciosa graça. E foi aí que escutouuma voz metálica, estrondosa, falando em um idiomaincompreensível que ele relacionou imediatamente com alinguagem dos anjos.

Estava prestes a compreender o significado daquela

mensagem, quando o chão cedeu sob seus pés e ele caiu novazio. A partir daí, o espírito de Leo desapareceu na escuridãomais absoluta. Seu corpo se desintegrou em mil pequenos pedaçosde sensações diferentes. Era um pensamento viajando através daeternidade.

Deixou de observar a gente que ia de um lado ao outro, para seconcentrar no computador portátil, que descansava sobre seus

 joelhos, listava sentado em um dos bancos do aeroporto de Prat, junto com sua bagagem. Acabava de desembarcar em Barcelona,e seu único pensamento era dar um jeito de encontrar o quantoantes sua vítima, executá-la e regressar a Toronto, sua cidadenatal. Não lhe parecia complicado. Conhecia o modo de operar deLilith desde que trabalharam juntos em Brighton, havia uns doisanos. Ambos foram contratados para executar três jornalistas daBBC que investigavam um caso de pederastia, em quesupostamente estavam implicados um lorde do Parlamento eoutros vários personagens que faziam parte do panorama políticobritânico.

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Para localizar o paradeiro dela, na Espanha, ele contava comequipamentos de alta tecnologia, que a Agência colocava à suadisposição. Altar olhou para ambos os lados, antes de introduzir achave de busca no GPS, que estava acoplado a seu computador.Em poucos segundos, apareceu na tela uma luz intermitente, que

se deslocava por uma das ruas centrais de uma capital deprovíncia cujo nome lhe era indiferente: Múrcia. Não pôde evitar osorriso. Era como espionar uma formiga em seu formigueiro, oucomo observar bacilos de um vírus através de um microscópioantes de sofrer os efeitos de uma vacina que haveria de acabar com seu endêmico reinado.

Lilith, tal como todos os assassinos da Agência, ignorava que

haviam lhe implantado um chip — do tamanho de uma semente degergelim — embaixo da pele do couro cabeludo, artifício criado por um antigo engenheiro da NASA, a agência espacial americana, ecapaz de burlar as medidas de segurança de qualquer aeroporto.Para levar a cabo esse tipo de operação, que às vezes implicavaum grande risco ao receptor, convidava-se o sicário para a umafesta pessoal de boas-vindas, nos escritórios da empresa, em SãoPaulo. Depois de acolhê-lo com elogios e de lhe oferecer 

remunerações milionárias, quando a sucessão de brindes faziacom que o novo funcionário se sentisse em casa, o presidente emexercício colocava à sua disposição uma suíte no último andar doedifício, dando-lhe o privilégio de escolher entre passar a noite àsós ou prosseguir em boa companhia. Uma vez que a drogapreviamente colocada em sua bebida fizesse efeito, ohomenageado era conduzido com rapidez a uma pequena sala

cirúrgica no sótão, onde um médico experiente procedia aoimplante do chip, em tempo recorde. No dia seguinte, se a pessoasentisse algum mal-estar, naturalmente o atribuía à ressacaposterior a uma noite de excessos.

 Altar fechou seu computador e levantou.

Continuava sorrindo, ao deixar o aeroporto. A viagem atéMúrcia seria feita de trem, ainda que isso significasse perder 

algumas horas. Odiava voar, aceitando a provação apenas quandonecessário.

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Naquele mesmo instante, em Madri, um funcionário daagência dos correios entrava no edifício onde se localizava oapartamento de Leonardo Cárdenas. Procurou a correspondênciasem muito afã, enfiando parte de sua cabeça na enorme bolsa decouro bege que pendia de seus ombros. Tirou um pacote de

envelopes, presos por um elástico, o qual retirou para, em seguida,enrolar no pulso, como se fosse uma pulseira. Introduziu cada umadas cartas nas caixas de correio adequadas, depois de ler previamente o nome dos destinatários.

 Ao chegar ao compartimento de Leonardo, porém, olhou comcuriosidade o remetente da carta que tinha na mão. Causou-lhesurpresa encontrar uma que viesse do estrangeiro, e, mais ainda,

que procedesse de um país tão misterioso e perigoso como oEgito. Reconheceu pelo selo postal.

Ficou pensando, enquanto saía do prédio, porque não levavasua esposa a um desses países exóticos, cuja propaganda vinhaminúscula das agências de viagens, para que tivessem juntos, unsmaravilhosos dias de férias. Depois de vinte e três anos decasamento — pensou — bem que mereciam isso.

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Capítulo 23

Por um instante, imaginou a cara que Leonardo faria quando osvisse aparecer, e isso porque ainda não sabia concretamente olugar onde estava hospedado. Ignorava qual seria a reação dele aoconhecer Cristina. Supôs que não lhe agradaria nada descobrir quemais alguém estava envolvido na busca do diário de Iacobus,sobretudo porque Mercedes havia exigido discrição absoluta. Masessa era uma questão que haveria de solucionar quandochegassem a Múrcia. Agora, o mais importante era reunir os três,entrar em acordo e discutir a maneira como iriam desmascarar os

assassinos de Mercedes e Balboa.Desviou o olhar da estrada por alguns segundos para

observar Cristina, que dormia placidamente com a cabeçarecostada para o lado. Nicolas sentiu um cocegazinha agradável noestômago ao perceber um cacho de cabelo acobreado cobrindo olóbulo da orelha dela. Surpreendeu-se com sua própria reação, aoadmirá-la em silêncio. Essa mulher fazia com que ele se sentisse

vivo e, por isso, reprimido e desajeitado como um adolescentecomum, já que, por sua idade, poderia ser pai dela. Porque, aindaque escrupulosa no trato, Cristina possuía o conhecimento de

 Atenas, a coragem de Artemisa e a irresistível sensualidade de Afrodite. As três virtudes, por excelência, de uma mulher ideal.Tentou pensar em outra coisa, já que não era o caso de continuar mirando a jovem com olhos de cordeiro degolado. Tantaadmiração, não isenta de certo epicurismo, poderia ser mal

interpretada e ocasionaria graves problemas com os verdadeirosresponsáveis por sua missão.

Eles lhe permitiram acompanhar Cristina, sempre e quandoconstituísse parte de seu álibi. Qualquer erro resultaria na extinçãoda equipe. Como se pressentisse que alguém a observara, Cristinase agitou no assento. Despertou e deu uma olhada em seu relógiode pulso.

— Deus do céu já é duas e meia! — murmurou com vozsonolenta.

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— Não pensou em dormir um pouco?

— Deveríamos ter saído de Madri pela manhã — afirmou, foisua única resposta.

 A jovem pegou sua jaqueta na parte de trás do veículo. Sentiu

frio por todo o corpo.— Durante a noite é mais fácil saber se estão nos seguindo — 

disse ela com voz rouca, tão logo colocou o casaco sobre osombros.

— Então estamos com sorte... — ele sorriu ligeiramente eacrescentou. — Faz mais de dez minutos que não se vê nenhumaluz pelo retrovisor.

— Melhor assim.

Colmenares apertou o botão do rádio para sintonizar umaemissora de notícias. Em seguida, aumentou a temperatura doclimatizador digital.

— Por aonde vamos? — ela quis saber.

— Acabamos de deixar para trás o desvio de Honrubia.

— Será melhor você parar no próximo posto de serviço, ondehaja uma hospedaria. Precisamos dormir um pouco.

Nicolas achou aquilo um capricho absurdo, sair de Madri àmeia-noite para se deter na metade do caminho, mas se abstevede opinar porque, na realidade, ansiava deitar na cama e por dormir dez horas seguidas. No final das contas... que pressa teriam

de chegar a Múrcia?Meia hora depois, na altura de Sisante, saíram da auto-

estrada para entrar numa área de descanso, onde havia um postode gasolina e um pequeno, porém, apresentável hotel três estrelas.

Nicolas manobrou seu Audi com destreza e encontrou umapartamento livre, muito próximo à entrada. Os faróis do automóveliluminaram a fachada principal da cafeteria do hotel, e, inclusive, os

poucos clientes que ainda tomavam algo quente na parte extremado balcão que dava para a janela exterior. De comum acordo,decidiram conversar um pouco, sentados diante de uma caneca de

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café, antes de dormir. Depois que se acomodaram em uma dasmesas do local, um camareiro com mais sono do que entusiasmoos atendeu. Em seguida, lhes trouxe um par de xícaras fumegantese a conta. O advogado se adiantou para pagar, impedindo queCristina o fizesse.

— Sei que não é da minha conta, mas gostaria de saber oque tem de especial os crimes de Madri... — Colmenares foi direto,sem rodeios. — O procedimento não é comum e nem o maisortodoxo.

Cristina o observou com estoicismo. Tanta indiferença abalouo orgulho de Nicolas, que se sentia cada vez mais um objeto dedecoração dentro do caso. Não era tonto, sabia que precisavam

dele como uma cortina de fumaça, para desviar a atenção deLeonardo e ocultar o autêntico propósito de sua nova parceira deinvestigação. Isso, porém, não era um obstáculo para que elesoubesse a verdade, uma vez que também arriscava sua própriavida ao entrar em cena, viajando até Múrcia para entrar em contatocom o bibliotecário, que, certamente devia estar na lista dosassassinos.

— Eu gostaria que você fosse sincera e me contasse quesignificado tem as palavras escritas com sangue na parede, etambém qual é o conteúdo do manuscrito — insistiu persistente. — Sei que você entrou na casa de Mercedes e copiou o arquivo docomputador dela. Há coisas que preciso saber e só você pode meajudar.

— Como o que?

— Por exemplo, a repercussão social do problema propostono criptograma e os motivos pelos quais o juiz o classificou comosegredo de justiça.

— Isso eu não posso responder... — lamentou ter que negar ao pedido dele. — Não estou autorizada.

— Você se lembra...? — franziu o nariz. — Fui eu quem lhes

alertou sobre as intenções de Mercedes, além de avisá-los arespeito do manuscrito. Não deveria me deixar de lado.

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— Meus chefes não têm a mesma opinião. A transcrição dotexto não é o final da viagem, mas apenas o começo.

— Aposto o que quiser que você conhece esses tipos melhor do que ninguém... refiro-me aos bastardos que acabaram com avida de Mercedes.

Cristina hesitou uns segundos. Na verdade, não estavasegura de nada.

— É possível que estejamos enfrentando uma das sociedadessecretas mais inacessíveis do mundo esotérico — disse em vozmais baixa — e, também, o mistério mais bem guardado da históriada humanidade. Por isso a Central enviou a melhor. E pouco me

importa que você pense que sou presunçosa, porque é a verdade.Meus conhecimentos da arte da alquimia, da cabala, da mística edemais ciências ocultas têm sido expostos em várias conferênciase congressos internacionais, aos quais tenho sido convidada comopalestrante. Você deveria ler alguns de meus livros para saber doque estou falando.

Nicolas conhecia de ouvido, graças a Hijarrubia, o verdadeiro

currículo da doutora Hiepes. A farsa idealizada para introduzi-la nacasa de leilões serviu enquanto durou seu trabalho comobibliotecária, embora continuaria valendo para Leonardo.

— Mercedes me falou de uma seita: Os Filhos da Viúva — assinalou o advogado.

— Não se trata de uma seita, senão de uma sociedade queteve origem em uma lenda. Acreditam ser os herdeiros de um

conhecimento baseado na arte da construção. Alguns os chamamde maçons, mas na realidade estes negam sua existência, mesmosabendo que são autênticos guardiões do segredo essencial. Daíse deduz que essa irmandade não simpatize com os mestresmodernos, cujas lojas são anunciadas na Internet e que escrevemlivros, revelando falsos mistérios da ordem.

— Por acaso o governo teme que algum de seus

representantes esteja envolvido? — Colmenares calculou que essapoderia ser uma pergunta indiscreta, ainda que não menos aresposta.

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— Quem sabe... — ela foi sucinta. — Mas o que realmentepreocupa a Central é o poder que poderia implicar o engenhodescrito pelo pedreiro.

— Não sei a que engenho você se refere. Provavelmente eupudesse responder, caso tivesse lido o texto.

 Aquele comentário pareceu incomodá-la.

— Você saberá na hora certa... — Cristina bebeu o últimogole de seu café, dando por encerrada a reunião. — Agora omelhor que temos a fazer é dormir.

Nicolas concordou em silêncio, ao perceber que havia seexcedido.

Então, levantou-se, imitando sua companheira de viagem.Saíram juntos da cafeteria, depois de despedir-se do atendente,dirigindo-se à entrada do hotel de braços dados.

Por mais que se esforçassem, estavam muito longe de ser umcasal enamorado.

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Capítulo 24

Decidiram se apressar, pois era bem possível que Os Filhos daViúva estivessem seguindo seus passos. A idéia deles erarecuperar, o quanto antes, o diário de Iacobus e desaparecer por um tempo.

Naquela mesma segunda-feira, pela manhã, foram em buscade provisões em um dos grandes armazéns da cidade. Compraramcordas de náilon, mosquetões, lanternas e demais utensíliospróprios para espeleologistas e alpinistas. Contavam, ainda, comradiotransmissores — acreditavam que seria melhor manter a

comunicação com Riera — e uma câmera de vídeo, paraimortalizar a descida e a entrada na cripta. Tinham tudo preparado.Só lhes faltava esperar pela hora certa.

 A cidade emudeceu no instante em que o relógio da catedralmarcou às quatro horas da madrugada. Só se ouvia o ecoamortecido de passos nos arredores da Praça dos Apóstolos. A luzdos holofotes que iluminavam a catedral ampliou as sombras

projetadas nas pedras lavradas da capela dos Vélez. Em silêncio ecom extremo cuidado, os três correram para refugiar-se embaixoda intrincada rede de andaimes metálicos que rodeavam a parte detrás do templo, tendo como seus melhores aliados a noite e aspróprias obras de reforma. Permaneceram agachados algunssegundos, sem fazer ruídos nem movimentos, mas ainda ofegantescomo cavalos descontrolados, em razão da corrida. O som darespiração soava com mais força em seus ouvidos, chegando aficar insuportável dentro do cérebro.

Leonardo fez um gesto para Cláudia, insinuando que lhedesse uma ajuda — queria suspender uns tapumes de madeiraque estavam apoiados no final do andaime. Juntos, colocaram-nosà sua frente, de maneira que lhes serviram de parapeito. Dessaforma, garantiam sua privacidade, caso alguém passasse por ali.

Enquanto isso, Salvador se apressava em pegar uma dessasferramentas utilizadas por vidraceiros e que levava escondida namochila.

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— Quem deve fazer isso é você — disse a Cárdenas em vozbaixa, dando a entender que o rapaz tinha mais força nos braços.

Ele assentiu, levantando o polegar. Voltou-se, para sussurrar a Cláudia que deveria dar uma mão ao tio. Ambos se uniram emtotal silêncio.

Escondidos atrás das pranchas de madeira e dos travessõesdos andaimes começaram a segunda parte do plano. O arquiteto esua sobrinha tiraram as cordas, guarnições e mosquetões dasmochilas que carregavam nas costas.

Leonardo, por sua vez, introduziu a barra de ferro na junçãoda grade e fez pressão para cima. Ela cedeu, depois de vários

segundos, levantando-se a alguns centímetros do solo. Ele sepreparava para segurá-la com a mão esquerda, quando elaresvalou, voltando à posição original. Ao cair, a grade provocou umeco metálico que ressoou na noite como um disparo.

Por um instante ficaram petrificados, olhando-se em totalsilêncio. Esperavam que as janelas dos edifícios em torno fossemabertas por vizinhos alertados pelo estrondo, mas só escutaram os

latidos de um cachorro que perambulava solitário pela PraçaCardeal Belluga.

 Apesar das pernas bambas e de um profundo desejo de estar a mil quilômetros de distância, Leonardo pegou novamente aferramenta para afrouxar as juntas e fez uma alavanca, desta vezcom a ajuda de Cláudia, que se encarregou de segurar a gradecom força, para que não despencasse de novo.

Riera acendeu uma lanterna, para que sua sobrinha atuassecom mais precisão, ajudando-a com a mão que estava livre.

— Com cuidado... — sussurrou o arquiteto.

Cláudia suspendeu o retângulo de barras oxidadas,depositando-o no solo devagar. Um bafo de umidade e putrefaçãosubiu imediatamente até seus narizes. Salvador dirigiu a luz para oburaco, à beira do qual os três se amontoaram movidos pela

curiosidade. Além dos contrafortes localizados na base,precipitava-se um abismo insondável de sombras e sinaiscabalísticos gravados nas paredes. Não só se repetiam as iniciais

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de Iacobus de Cartago, como também marcas de uma cruz sobreum triângulo e vários glifos utilizados pelos construtores da época.Riera focalizou certo relevo que se sobressaía ao fundo e que lhepareceu uma porta. Ao observar bem, descobriu que eram barrasenferrujadas encravadas no muro. Protegiam a entrada para um

corredor.— Vocês viram isso? — perguntou Cláudia.

— Se não estou enganado, lá dentro encontraremos o queestamos procurando — disse Leonardo, sem desviar o olhar doburaco por onde teriam de descer.

— Deve ter uns dez ou doze metros de profundidade — 

calculou o arquiteto. — Só lhes peço que tenham cuidado.— Não se preocupe — Cláudia apoiou a mão no braço do tio,

para quem deu uma piscadinha. — Tive um bom professor.

Logo depois colocaram os arneses e as luvas de proteção.Depois, ataram as cordas de náilon a um palete com sacos decimento que poderia suportar, certamente, mais de quinhentosquilos. Cardenas tirou de sua mochila uma câmera de vídeo e os

radiotransmissores, equipamentos que repartiu entre seuscompanheiros.

— Com isso, caso nos aconteça alguma coisa lá embaixo,haverá uma possibilidade de que alguém possa nos salvar  — comentou com seriedade.

— Espero não ficar na difícil situação de ter de pedir ajuda àpolícia — brincou Riera.

— Vai dar tudo certo. Não se preocupe.

Cláudia lembrou que precisariam de uma ferramenta especial,se quisessem arrombar as barras. Leonardo procurou novamenteem sua mochila, tirando uma serra que havia posto na última hora,para cortar metais, caso a grade resistisse demais. Não era muitogrande, e assim poderia levá-la presa no cinturão, ao lado da

câmera digital.Uma vez prontos para a descida, colocaram os capacetes desegurança. Leo entrou no buraco, auxiliado por Salvador, que

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iluminava o caminho para facilitar-lhe a descida. Foi afrouxandodevagar o mosquetão, ao mesmo tempo em que sua outra mão iasoltando a corda. Ao atingir a inclinação do contraforte que havia,alguns metros abaixo, parou à espera de Cláudia.

Com firmeza, a jovem apoiou seus pés na parede do poço e,sem pensar duas vezes, deixou-se cair como chumbo depois deafrouxar seu mosquetão. Passou roçando as costas de Leonardo,que condenou sua imprudência e imperícia, depois de se jogar para o lado, evitando que se chocassem.

— Puta que...! — não terminou a frase por deferência.

Depois daquela demonstração de habilidade, começou a

acreditar que alguém estava zombando dele. Suspenso no ar iluminou a área inferior com uma das lanternas que levava nobolso. Cláudia o aguardava sorridente, na metade do caminho.

— Não devia ter feito isso — reprovou-a.

— Vamos, não seja tão rabugento — disse ela, e lhe mandouum beijo.

 Antes de descer, pegou a câmera de vídeo e gravou asmarcas de cantaria desenhadas nas paredes. Parecia estranho queIacobus perdesse tempo e arriscasse a vida esculpindo glifosindecifráveis, que ninguém haveria de admirar. Era como se aqueleconjunto de sinais fizesse parte de um singular epitáfio, dedicado atodos aqueles que estavam dispostos a morrer pelos segredos dairmandade.

Finalmente, decidiu baixar. Cláudia ficou esperando, até que

ele chegasse onde ela estava. A partir dali, desceram juntos.Não demorou muito para que sentissem as águas de esgoto

encharcando a lona de seus tênis e aspirassem ao miasmaputrefato que se elevava daquele lodo escuro e pegajoso, à medidaque caminhavam, revolvendo o que antes estava estagnado.Cláudia sentiu náuseas por causa do penetrante odor dedecomposição que flutuava no ambiente.

— Tape o nariz e respire pela boca — aconselhou Leonardo,segurando-a pelo braço, enquanto iluminava as paredes ao redor.

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Focalizou a grade que fechava a passagem para a galeria, aqual deveria ter uns noventa centímetros de largura por pouco maisde um metro e meio de altura, e estava situada alguns palmosacima do nível da água — o suficiente para que pudessem acessar o corredor que havia do outro lado, mesmo que fosse de joelhos.

Cláudia se aproximou com a intenção de verificar para ondeconduzia aquele estreito corredor de pedra. Pelo visto, um poucomais adiante o caminho se desviava para a esquerda.

— Isso é horripilante — ele reconheceu, com a vozembargada.

Na verdade, estavam vivendo uma aventura incrível.Leonardo admitiu que o lugar provocava arrepios. Ali dentro, tudo

era friagem e imundície. Até o eco de suas vozes soava diferente,como se estivessem no interior de um ataúde fechado. E a galeriade pedra que surgia diante deles não era menos desprezível. Por um momento, imaginou que estava diante da porta de um labirintodiabólico e ficou horrorizado só de pensar que poderiam se perder ali dentro, ficando presos para sempre.

Decidido a não perder tempo com pensamentos erráticos,

rejeitou aquela idéia tão fantasiosa, inspecionando com certocuidado as barras oxidadas que lhes impediam a passagem.Estava certo de que o disco da máquina cortaria aquele ferro comose fosse manteiga, pois seu aspecto era de fragilidade edecomposição. Aquilo o levou a pensar que talvez Riera tivesserazão, quando aventava a possibilidade de não ter restado nadalegível depois de cinco séculos de espera. O papel do diário, se éque ia mesmo encontrá-lo, deveria estar deteriorado da mesmaforma que todo aquele lugar.

Cláudia deveria estar pensando a mesma coisa quando disse:

— Só espero que o texto se encontre em lugar seguro.

Especular, porém, não ia ajudá-los em nada, razão pela qualCárdenas se reservou o direito de não se manifestar. Sua opiniãomais sincera poderia lançar por terra as ilusões de ambos e a ânsia

de seguir adiante.

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Bastaram alguns cortes nos extremos, para que a gradeviesse abaixo. Cláudia se adiantou para iluminar o corredor adiante, colocando-se à frente de Leo para entrar primeiro. Emseguida, ligou o radiotransmissor. Precisava provar sua eficáciaantes de seguir rumo ao desconhecido.

— Titio... consegue me ouvir?

— Em alto e bom som — ouviram a voz de Riera, como se eleestivesse ali com eles.

Instintivamente, Cláudia olhou para cima. Viu a silhuetarecortada do arquiteto e o facho de luz de sua lanterna, que osfocalizava do alto.

— Estamos prestes a entrar  — disse, novamente, pelotransmissor.

— Sorte! — lhes desejou Riera.

Devido à altura do corredor, tiveram de entrar de joelhos. Asparedes e a superfície do solo eram tão escorregadias e mofadascomo as pedras do fosso inicial. Logo surgiu a sensação de asfixiaque provocavam as pedras superpostas. Leonardo, que ia atrás,gravando, teve de fazer um grande esforço para dominar suaclaustrofobia galopante, algo que parecia não afetar Cláudia, queavançava corajosamente e sem receio por aquele corredor, embusca de uma saída. Tratou de não pensar nas histórias dosenterrados vivos que havia lido quando era criança, ou acabariagritando de puro terror.

Tão logo chegaram no final da galeria, viraram à esquerda.

Em seguida, foram se arrastando pelo corredor. A princípio não sederam conta, mas à medida que avançavam, o teto ia seaproximando cada vez mais de suas cabeças, estrangulando apassagem como um funil. A situação se complicou quandodescobriram que era tarde demais para deter-se: a passagem eratão estreita, que os aprisionava, tornando impossível virar o corpo,alterando a posição em que se encontravam. Leo estava à beira do

paroxismo. Aquele claustro de pedra era capaz de impressionar omais valente dos heróis. Lembrou-se da história dos Sancti QuattroCoronatti, que Salvador lhes contara, e de como foram

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aprisionados em ataúdes de chumbo para depois serem lançadosao mar. E, sem poder evitar, sentiu calafrios ao imaginar aangustiante tortura que eles devem ter passado antes de morrer.

Foi quando teve uma revelação, como resposta a seuspensamentos: dentro de quinhentos anos, outros encontrariamseus ossos grudados naquela armadilha para ingênuos.

— Você acha que devemos continuar? — perguntou, com vozvacilante.

— Você consegue andar para trás, como os caranguejos? — Cláudia, firme em seus propósitos, lhe respondeu com outrapergunta.

— Posso tentar.— Não me venha com besteiras! — ela abaixou a cabeça,

para olhá-lo por baixo da axila, em um autêntico gesto decontorcionismo. — Você quer, mesmo, regressar sem saber o quese esconde no final do caminho? Ou prefere passar a vida inteirafugindo de uns fanáticos decididos a abrir sua garganta?

— Você me convenceu... — ele suspirou, resignado, paraacrescentar: —... apenas me diga o que consegue ver adiante.

Cláudia apontou a lanterna para a escuridão que seespalhava ante seus olhos. No final do corredor viu que o facho seabria no que parecia ser uma sala, mais além do trechoextremamente apertado que deveriam cruzar. Era um canal tãoestreito, que teria de deslizar com o corpo e o rosto praticamentegrudados ao solo. O certo é que ela também começava a se

inquietar pela permanência naquilo que parecia uma armadilhamortal, na qual talvez ficassem retidos para sempre.

Colocando-se nas mãos da deusa da Sorte, eles deslizarampela superfície impregnada de lodo, lambuzando os cabelos e asmaçãs do rosto. Cláudia rezava em voz baixa por um finalventuroso, enquanto seu companheiro tratava de pensar que tudonão passava de um pesadelo e que logo despertaria em sua casa,

com vontade de tomar um bom banho. Como ambos seguiam como rosto virado para o lado e às escuras — já que, nessa posição, aluz das lanternas ficava presa entre o corpo e as paredes —, só

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perceberam que a galeria ficara para trás quando se virampenetrando em uma sala de proporções colossais.

 Ao sentir que as paredes haviam desaparecido, a jovemacendeu de novo sua lanterna para focalizar as paredes daqueleestranho aposento. Cárdenas, que ia logo atrás, olhou por cima deseu ombro.

O que viram naquele instante superava os limites de suaimaginação.

O deserto assobiou sua lúgubre canção de todas as noites,enquanto o rosto impassível da Esfinge contemplava em silêncio omistério dos mortais. Dois estranhos personagens, vestidos com

túnicas de cores diferentes — azul e púrpura, respectivamente — passaram diante do posto da guarda situado na planície de Gizé,sem que nenhum dos soldados que guardavam os hieráticosmonumentos saísse atrás deles, com a intenção de detê-los, já queseus olhos não estavam preparados para distinguir uma realidadeque havia sido distorcida pela magia dos sentidos. As sentinelaspostadas na guarita, porém, tiveram a sensação de uma presença

que fez seus pelos ficarem em pé. Era como se alguém, oculto sobum manto de invisibilidade, os estivesse vigiando das sombras quese estendiam além dos holofotes que iluminavam o deserto.

O certo é que já haviam experimentado isso em diversasocasiões, ao ponto de pensar que talvez se tratasse de djinserrantes, perambulando ao redor das pirâmides, em busca de umaentrada para o mundo subterrâneo dos mortos. Não eram só elesque pensavam assim, como também o restante dos companheirosque, de forma rotativa, respondiam pelo turno da noite — elesgarantiam escutar sussurros e gemidos misturados com o uivar dovento.

 As histórias de espíritos vinculados ao poder dos faraós jácirculavam no Cairo quando chegaram os arqueólogos europeusno fim do século XIX. Mas foi a partir daquela época que os árabes,sempre supersticiosos, deram como certo que naquele lugar, de

encanto irresistível, viviam uns demônios que foram despertadosquando os intrusos que vieram depois profanaram seu eternodescanso. Os anciãos, quase todos octogenários, garantiam,

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porém, que as almas penadas gemiam havia séculos por causados ladrões de tumbas, e pôr culpa de quem foram levadas emboraas doze fileiras de pedras e as enormes peças que revestiam aspirâmides, pois nelas estavam inscritos os maiores mistérios dahumanidade. Essas histórias sustentavam que foram os reis

anteriores ao Dilúvio que construíram aqueles templosconsagrados às artes e às ciências.

E não caíam em descrédito quando garantiam que numacamada superposta de revestimento foram gravados os corposcelestes, bem como as posições das estrelas e seus ciclos. Oscoptas, descendentes diretos dos primeiros egípcios, assimatestavam.

 Alheios ao pensamento dos guardas, embora não tanto àsvelhas histórias, Balkis e seu acompanhante cruzaram o planaltocomo espectros da noite. Graças ao poder de sua magia, podiampassar despercebidos diante dos soldados, tornando seus próprioscorpos invisíveis, um dom que os Grandes Mestres não possuíam.

Este e outros prodígios eram reservados apenas aosGuardiões do Trono.

Hiram parecia preocupado. Balkis viu em seu rosto a sombraimpaciente que precede a repreensão.

— O que você está esperando? — perguntou-lhe, ao ver queele não se decidia. — Vai demorar muito para dizer-me o que opreocupa?

O egípcio fez como se não tivesse escutado e continuou

caminhando em direção à Grande Pirâmide. Depois de algunssegundos, deteve-se e ficou olhando para a pessoa com quemhavia compartilhado metade da vida em total e absoluto celibato.

— Você decidiu me substituir sem me consultar. Não acreditaque eu, talvez, mereça uma explicação?

Balkis sentiu-se envergonhada, embora, em nenhummomento, tenha se recriminado por agir pelas costas dele. Sabia

que, cedo ou tarde, teria de se explicar. Era impossível ocultar oque quer que fosse a quem tinha a capacidade de ler opensamento, outra das qualidades mágicas que eles possuíam.

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— Tudo tem seu momento e cada coisa seu tempo, sob océu; seu tempo de nascer e seu tempo de morrer, seu tempo deplantar e seu tempo de colheita... Você se lembra? — Balkis citouversículos do Eclesiastes. — Nosso tempo está concluído. Agoravamos viver a vida, voltar a ser humanos... Não mais como uma

pedra.— Eu não poderia viver de outra maneira.

Balkis sabia muito bem como seu companheiro podia ser obstinado.

— De fato, o que fazemos é edificante — Balkis reconheceu.— Mas temos de abrir espaço e dar passagem a uma nova

geração de Guardiões. Nossos corpos estão próximos dadesencarnação. Deveríamos aproveitar ò que nos resta de vidacomo um presente de Deus.

— Não quero pensar nisso agora... — Hiram voltou os olhospara a Grande Pirâmide. — Além disso, você já decidiu por nósdois.

Ela resolveu não levar em conta a insinuação. Desde que

Sholomo e os outros contrataram uma assassina de aluguel paraacabar com a vida de um inocente, a alegria contagiante de Hiramtransformou-se em desesperada tristeza. Para ele, pragmáticosufista que odiava a violência, saber que haviam desobedecido auma das leis mais sagradas de Deus converteu-se em uma feridadifícil de cicatrizar. Procurar razões na preservação dos mistériosnão satisfazia ninguém, mas todos acataram a decisão tomadapelo Mestre por unanimidade. Era diferente, porém, compartilhar docritério de extermínio promulgado por alguns dos membros maisconservadores do Conselho. Por isso Balkis, que estava acimadeles, havia decidido agir às costas dos demais. Tratava-se decolocar um fim à controvérsia e, ao mesmo tempo, de aproveitar asituação para inclinar a balança a seu favor.

Leonardo Cardenas teria uma oportunidade de viver, masunicamente se soubesse aproveitá-la.

Continuaram caminhando em total silêncio, envoltos em suaprópria invisibilidade. A substituição de seus cargos era um assunto

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que deveriam tratar em outro momento. Agora, tinham de cumprir seu dever.

Depois de alguns minutos, chegaram às imediações daCirande Pirâmide. Foram diretamente para o lado norte,posicionando-se exatamente sob a entrada que se abria váriosmetros acima. Balkis aproximou-se de enormes blocos de granito,alinhados de forma escalonada, diante da planície. E, estendendoa mão, exclamou:

— Qotor chor chii ykar! Dair ytol dom okchor!

Ycholykam daiin dar dyam!

Segundos depois, eles ouviram o deslizar das pedras, umas

sobre as outras, de maneira que um dos enormes blocos quecircundavam a base da pirâmide foi se retraindo em direção aointerior, até dar acesso a uma galeria inclinada no sentidodescendente, um corredor iluminado por um facho de luz queparecia vir do centro da Terra. Hiram e sua acompanhantedesceram as escadas. A pedra de granito voltou a encaixar-se emseu lugar original.

Eles iam de um mundo a outro. Esse era o poder dos quecustodiavam a Arca do Testemunho.

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Capítulo 25

—Meu Deus, Leo...! Você já viu isso?

O bibliotecário ficou sem palavras. Estava tão impressionadocom o que tinha diante dos olhos, que custava pensar com clareza. A pergunta de Cláudia ficou sem resposta e ambos continuaramenlevados, com a boca aberta, admirando os desenhos e as frasesinscritas nos muros de pedra.

 A sala onde estavam devia ter uns dez metros decomprimento por seis de largura, com uma altura superior a três

metros. No centro, havia uma plataforma escalonada — da alturade um homem mediano —, que finalizava numa base retangular completamente lisa. Era feita de um granito mais polido que aspedras utilizadas na construção das catedrais. Os degraus, que seestreitavam à medida que subiam pelos quatro lados — talvezorientados pelos pontos cardeais —, tinham glifos e marcasastronômicas. Não havia nada sobre a base, embora parecessedestinada a comportar algum tipo de altar propiciatório.

Nas paredes, eles descobriram frases soltas escritas emvários idiomas, tais como latim, espanhol antigo e hebraico, junto afiguras geométricas e inscrições cabalísticas de alguma formasemelhantes às da alquimia. Reconheceram o tipo de escrituracomo gótica textual, a mesma utilizada na elaboração docriptograma, o que significava que seu autor poderia ser o próprioIacobus de Cartago.

Leonardo aproveitou para gravar em DVD essas maravilhas,pedindo a Cláudia que focasse a lanterna nas paredes da sala. Foientão que descobriram, de um lado e de outro, corredores queconduziam a outros recintos, cópias idênticas do primeiro, emboracom desenhos distintos e novas frases, que também terminavamcom incógnitas. Optaram por seguir o caminho da direita, que osconduziu a uma sala que, por sua vez, os levou a outra, e esta a

mais outra — todas com as mesmas dimensões. Oscilavam daquipara ali, atraídos pelo desejo de reconhecer aquele prodígioarquitetônico que se estendia sob a catedral de Múrcia, esse

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labirinto de galerias que, como num jogo de crianças, unia todos osambientes, de forma que quem entrava nelas irremediavelmentevoltava à sala principal. Eram sete e, sobre o umbral da entrada,eles descobriram pendurados no teto, muitos sinos de diferentestamanhos, dependendo do recinto em que se encontravam.

 À primeira vista era difícil distinguir as palavras, devido àssombras que a lanterna projetava, mas puderam ler corretamentevárias frases em latim e castelhano, inscritas nos muros. Tratava-se de uma nova mensagem de Iacobus:

"In triangulis oculus Dei est"

— O olho de Deus está dentro do triângulo — traduziu

Cláudia, aproximando-se de um dos muros, em cujo centro estavapintada uma estrela de Davi.

Cárdenas abaixou a câmera, parando de gravar por uminstante. Fascinado, enrugou a testa.

— É possível que se refira aos triângulos entrecruzados queconstituem o símbolo de Israel? — perguntou.

Sua companheira deu de ombros, sem se preocupar comaquela charada, dirigindo-se ao outro lado do muro em busca denovas frases.

 Ali descobriram vários parágrafos escritos em hebraico — talvez citações do Talmude —, e uma série de desenhos circulares,encerrando vários triângulos e linhas retas sem definição, além denúmeros e letras colocados ao acaso. Como não conheciam oidioma, não conseguiram traduzir aquelas charadas, mas Leonardo

se empenhou em gravar com a câmera de vídeo tudo o que estavaescrito. Mais tarde teriam tempo para estudar a fundo as imagens,quando estivessem a salvo, na casa de Riera.

Não fazia nem dez minutos que se encontravam ali e já sesentiam parte daquele lugar. Cláudia estava tão fascinada, que nãose cansava de ir de uma sala a outra, ansiosa por traduzir tudo oque estava em latim. Ele, cuja frieza era uma virtude congênita dos

Cárdenas, procurava enfocar a descoberta do ponto de vistaracional, sem deixar-se levar pelas emoções. A primeira coisa quedeviam fazer era iniciar a procura do diário, antes que os

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descobrissem. Tinha ouvido dizer que o tempo voa quando se estádebaixo da terra. Uma pessoa poderia ter a impressão de estar avinte minutos ali embaixo, e logo descobrir que, na verdade, haviatranscorrido mais de uma hora. Por isso, tentou chamar a atençãode Cláudia para que se concentrasse no que realmente tinham ido

fazer.— Você deveria se comunicar com seu tio — recordou-lhe

com cautela —, do contrário ele pode pensar que nos aconteceualgo... Você sabe o quanto ele é apreensivo.

 A jovem deixou de lado a tradução que estava fazendo eolhou surpresa, para ele. Havia esquecido por completo.

— Espere, vou tentar ver se isto funciona... — disse, tirando otransmissor do bolso da calça. Não estou bem certa se aqui dentro,fechados...

Nem terminou a frase, franzindo a testa ao ouvir o barulhocaracterístico das interferências. Não seria fácil a comunicação.

— Aqui é Alfa. Ômega está me ouvindo? — aguardou unssegundos antes de voltar a tentar. — Alfa daqui de baixo... titio?

Está me escutando? Câmbio.Não houve resposta, somente o zumbido persistente das

ondas hertz. Depois de uns instantes, escutaram o que pareciampalavras incompletas.

—... scuto... culdade ...onde está?... estão bem? ...âmbio.

— Vou ter que me arrastar de novo, se quiser chegar até o

fosso — disse Cláudia, segura de si. — É a única forma de dizer ameu tio que estamos bem e que precisamos de mais tempo paraencontrar o diário.

— Se quer saber minha opinião, creio que seja melhor procurar o diário agora e deixar que Salvador tire suas própriasconclusões... — Leo não estava disposto a correr riscosdesnecessários e, por isso, insistiu. — Se fosse eu que estivesse lá

em cima, teria um pouco mais de paciência...

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Sentiu a boca seca. Já ouvimos sua voz, mesmo queentrecortada. E, por isso, deduzo que ele também nos ouviu e sabeque estamos bem.

Cláudia refletiu uns segundos sobre a proposta de seucompanheiro e não pareceu estar convencida. Depois sugeriu:

— Olhe, vamos fazer uma coisa... Você fica aqui, gravando oque acredita ser importante. — Mordeu o lábio inferior. — Sintomuito, mas vou me comunicar com meu tio. Preciso tranqüilizá-lo eadverti-lo de que vamos nos atrasar um pouco.

 Apertando com firmeza a mão de Leonardo, segurou-a, paraque, juntos, fizessem o caminho de volta à sala principal, onde se

encontrava a passagem de saída.Uma vez ali, deu um beijo nos lábios dele, antes de introduzir,

primeiro, seus braços estendidos à frente, depois, sua cabeça,naquele vão quadrado que se ajustava a seus ombros como umtraje sob medida. Seu único consolo era que, à medida queavançava, o caminho ia se alargando. Ainda assim, a impressão deestar enterrada num caixão de pedra resultava numa experiência

bastante real e angustiante nos primeiros metros.Cárdenas se sentiu o homem mais só do mundo ao vê-ladesaparecer. Notou um estranho nó no estômago.

Decidiu continuar investigando, antes que a solidão e aclaustrofobia começassem a ser um problema. Aproximou-se dopatamar central da sala, iluminando os ângulos escurecidos dosdegraus. Contou sete, em cada lado, tal como o número de

aposentos que se comunicavam. Para ele, tratava-se de umnúmero bastante revelador. Sua curiosidade, aliada com um poucode imaginação, levou-o a procurar se havia algum tipo de molaoculta entre as pedras, capaz de abrir uma pequena porta para oesconderijo secreto. Apalpou a superfície sem encontrar nada, maslhe pareceu estranho que fosse tão bem polida. O tato lhe recordouo granito das escadas do edifício onde vivia. Observou comatenção os sete glifos gravados nos vários degraus. Eram os

símbolos dos planetas utilizados na alquimia; por isso, acreditouser conveniente desenhá-los em seu bloco, para um estudo

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posterior e detalhado, depois de gravar aqueles mesmoselementos em DVD.

Depois de um prolongado esforço para achar um esconderijo,o degrau oco, onde poderia estar escondido o diário, teve quedesistir da tarefa e reconhecer seu fracasso. Aquelas pedras eramcompactas e perfeitas; era como se o pedestal tivesse sidofabricado de uma só peça de granito. Foi, então, até a parede dafrente com a finalidade de analisar as frases escritas e tentar traduzi-las. Mas antes de se concentrar no muro de pedra, resolveutrocar o DVD da câmera — pois estava acabando — por outro,virgem. Assim, poderia continuar com a gravação, ampliando areportagem o máximo possível. Mais tarde, guardou-o em um dos

grandes bolsos de suas calças de estilo militar. Acendeu alanterna, aproximando-se dos textos em latim. Em um deles estavaescrito:

"Musica divinitatiorum."

E, em outro:

"Sonitus silentes silentio noctis est."

— A música das divindades? Sons silenciosos na quietude danoite? — perguntou-se em voz alta. Que raios quer dizer isto?

Recordou-se, então, dos sinos de vários tamanhos quependiam das entradas principais das salas. Talvez fazendo-os soar conseguisse abrir alguma passagem no muro que o levasse até odiário, calculou em um momento de entusiasmo. Estava tãodesesperado, que foi a única coisa que lhe ocorreu.

Começou pelo maior, situado na sala onde estava naquelemomento. Pegou a corda do badalo com extremo cuidado,conjecturando se devia agir por conta própria ou esperar por Cláudia. Decidido a arriscar-se, deu um puxão seco até que a peçade metal golpeou o sino. O som vibrante ecoou pelos seteaposentos, até perder intensidade.

O tom havia sido grave demais, abrupto como um solavanco.

Porém, nada aconteceu. Nenhuma pedra se deslocou para dar espaço a uma câmara secreta. Levado pela intuição foi diretamenteao corredor da direita, que se comunicava com a sala seguinte.

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Uma vez ali, repetiu novamente a experiência. O sino, bem menor do que o primeiro soou de um modo diferente, uma escala abaixo.

Voltou a tentar na terceira sala, e na quarta. E assim,sucessivamente, até chegar à última, onde a sineta era de umtamanho tão reduzido, que o som produzido recordou-lhe o queproduz o mais caro cristal da Bohemia. Aquilo só poderia significar uma coisa: que cada uma daquelas salas era representada pelassete notas musicais.

Era tamanho o interesse que sentia por sua descoberta, quenão percebeu a sombra ameaçadora deslizando sorrateira ecercando-o por trás. Quando seu sexto sentido se colocou emalerta, já era tarde demais. Pelo rabo do olho descobriu que não

estava sozinho ali embaixo. A última coisa que sentiu, antes de perder a consciência, foi

um golpe na nuca e a impressão de que tudo dava voltas a seuredor.

Depois, o silêncio.

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Capítulo 26

Quando abriu os olhos, quase foi devorado pela obscuridadeapocalíptica da sala. A primeira coisa que lhe veio à cabeça, quiçádevido ao interesse que sentia ultimamente por Allan Poe depoisde encontrar a chave do manuscrito, foi o protagonista do conto Opoço e o pêndulo, aquele que se encontrava de mãos atadas àbeira de um abismo insondável, enquanto uma lâmina afiadadescia do teto, indo de um lado a outro. Tratou de pensar, derecordar o que tinha acontecido imediatamente antes de perder aconsciência, embora devesse, antes de tudo, iluminar o recinto

para ver se ainda se encontrava nos subterrâneos da catedral.Recobrou-se, com uma ligeira dor de cabeça. Tateou a superfíciedo solo, procurando a lanterna, e não se sentiu a salvo senãoquando roçou nela com a ponta dos dedos. Com uma sensaçãoindescritível, empurrou para cima o interruptor e um feixe de luz otrouxe de volta à realidade. Estava na sétima sala, a um passo daprimeira. Notou, entretanto, que algo havia mudado desde queperdera a consciência.

Tentou lembrar qual era esse detalhe tão importante, queguardava no subconsciente, esse sentir-se nu, depois do golpe nacabeça. Foi quando se deu conta de que haviam roubado a câmerade vídeo e o bloco de notas. Deslizou até a sala principal, para ter uma idéia do que tinha ocorrido. Pensou na instituição Os Filhos daViúva e nessa capacidade instintiva que os conduzia ao lugar exato, no momento oportuno. Era evidente que ele tinha sido

seguido, apesar de todas as precauções tomadas, e também queentraram pelo mesmo lugar que eles. Mas o pior de tudo era nãosaber por que continuava vivo, quando o normal seria que otivessem degolado. Então lhe veio à memória a imagem de Cláudiasubindo a estreita galeria em busca de Salvador.Irremediavelmente, deve ter encontrado com eles pelo caminho,portanto, talvez ela e seu tio também tivessem sofrido algum tipo

de agressão. Preferiu pensar que estavam feridos ouinconscientes, a imaginá-los mortos. Em sua impotência, qualquer esperança de vida seria aceita como única resposta às suasperguntas.

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Decidiu não esperar mais. Introduziu a cabeça na estreitapassagem, apesar da claustrofobia que sentia. Durante algunsminutos, que lhe pareceram semanas, deslizou pelo malditoburaco, que o obrigava a torcer a cabeça para um lado, sequisesse avançar. Os dedos tiveram de se agarrar às juntas de

separação entre as pedras para tomar impulso e seguir adiante,pois não havia outra maneira de fazê-lo. Com o passar do tempo, ocorredor foi se alargando e seu corpo pôde sentir de novo asensação de liberdade proporcionada pela amplitude de espaço.Finalmente, chegou até o rodapé do fosso, depois de cruzar a

 janela, cujas barras tinham sido cortadas antes. Olhou para cima.Não viu ninguém, mas as cordas ainda pendiam do alto e ali estavao restante do equipamento, incluindo o arnês e o mosquetão, masfaltavam os de Cláudia.

 Atou novamente o instrumental e começou a subir, sem tomar o cuidado de colocar seu capacete de segurança, angustiado pelaincógnita do que poderia encontrar lá em cima. Faltavam apenasalguns metros, quando foi surpreendido pela luz do Sol.

 Amanhecera. Aquele detalhe fez com que acelerasse a sua tarefa,pois só o que lhe faltava era ser descoberto por empregados da

empresa de reformas e ser denunciado à polícia.Quando finalmente colocou a cabeça para fora, respirou

aliviado: o lugar estava deserto. Mas, por outro lado, também haviauma contrariedade. Cláudia e seu tio haviam desaparecido, e issosignificava que estavam em poder daqueles fanáticos. Por ummomento, sentiu-se impotente e logo teve um incrível desejo degritar. Estava irritado consigo mesmo. Reprovou-se por ter deixado

que ela saísse.No relógio da catedral soaram três quartos. Leonardo

imaginou, pela posição do Sol, que deviam ser sete horas equarenta e cinco minutos, razão pela qual tinha o tempo exato pararecolher sua mochila e recolocar a grade no solo, onde estava,antes que a equipe de reformas começasse a trabalhar. Sempensar em outra coisa senão desaparecer apressou-se a guardar 

na mochila o arnês e as cordas. Não se deteve a reconsiderar como era estranho o fato de que não apenas seus companheiroshaviam desaparecido, mas também seus pertences e mochila.

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Seu cérebro estava bloqueado. O mais importante naquelemomento era abandonar aquele lugar. Primeiro, precisava fugir dali, depois buscar uma maneira de encontrar Cláudia e Salvador.Tinha certeza de que Os Filhos da Viúva tinham seqüestrado osdois, mas nem tanta de que um deles ainda estivesse vivo. A

incerteza foi se apoderando de seus pensamentos enquantoabandonava seu esconderijo e corria até a Praça dos Apóstolossem olhar para trás.

Naquele mesmo instante, muito longe dali, um furgão com ologotipo da companhia telefônica parou num edifício de seisandares situado no final da Knesebeckstrasse, em frente àuniversidade técnica de Berlim. Do interior dele saíram dois

homens de meia idade, vestidos com roupas de trabalho. Semperder tempo, foram até as escadas da entrada. O zelador doprédio adiantou-se para lhes abrir a porta, tão logo escutou oestridente som da campainha. Não esperava por ninguém a essahora da manhã, e muito menos que viessem fazer um conserto emalgum dos apartamentos. A primeira providência que tomou foipedir-lhes documentos.

— E vocês dizem que foram chamados pela senhoritaWeizsäcker? — quis certificar-se, antes de deixá-los entrar.

— A central nos mandou um aviso — respondeu o mais alto,em tom neutro, muito profissional, para, em seguida, dar deombros.

Com este gesto, dava a entender que eles não falavamdiretamente com os usuários, apenas com as secretárias da

empresa.Depois de dar uma olhada nos cartões de identificação deles,

o empertigado zelador aconselhou-os a subir de elevador,lembrando que o andar da jovem Frida era o quinto, letra C.

Minutos depois, os empregados da companhia telefônicaestavam diante do apartamento que lhes haviam indicado. Olharampara ambos os lados do corredor. Tudo estava calmo.

Rapidamente, vestiram luvas de látex, antes de abrir a fechaduracom uma das várias gazuas que levavam consigo. Entraram em

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silêncio. Ouviram correr a água do chuveiro, atrás da portaentreaberta do banheiro.

O assassino que permanecera calado, quando o zelador deteve a dupla, fez um gesto para seu companheiro, indicando quenão perdesse tempo. Este assentiu, mostrando um quarto ondehavia um monte de papéis acumulados junto ao computador, queestava sobre a escrivaninha. Logo sacou uma automática na partede trás da calça, enroscando com precisão o silenciador, nomomento em que empurrava lentamente a porta do banheiro. Fridaestava de costas para o vidro, dentro do box, razão pela qual nãose deu conta do que estava acontecendo, até que fechou a torneirae virou para pegar a toalha. Sua primeira reação, ao ver um

desconhecido com uma arma apontada para ela, foi ficar totalmente paralisada com a surpresa. Nem sequer teve tempo degritar. O primeiro disparo atravessou sua testa, o segundo, ocoração.

Seu corpo desabou inerte dentro do box, deixando um rastrode sangue espalhado nos azulejos. Enquanto isso, o outroprocurava, no monte de papéis, a tradução do manuscrito. Ao ver 

seu companheiro no aposento, guardando sua automática, deduziuque a jovem tinha deixado de ser um problema e que podiam atuar com calma. Nada iria interrompê-los.

— Vamos, aproxime-se! — pediu. — Preciso que você me dêuma mão. Aqui deve ter um milhão de folhas.

Ficaram olhando os papéis de Frida durante alguns minutos,até que, finalmente, encontraram várias folhas com apontamentos

relacionados ao manuscrito de Toledo. Guardaram tudo dentro deum grande envelope dos correios, fechando-o, para que ficasseselado. Foram embora em total impunidade, assobiando umacanção.

Quando o zelador do edifício viu que estava indo embora,pensou que aqueles tipos deviam ser muito bons em seu trabalho:tinham demorado apenas vinte minutos para detectar a avaria e

solucionar o problema.

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Capítulo 27

Correu a plena capacidade, até que chegou à Praça Glorieta deEspana. Depois de descer as escadas que levavam aoestacionamento subterrâneo, foi direto até a vaga de garagemonde Salvador havia parado seu carro, mas no lugar encontrou umPeugeot de cor cinza pérola, bem mais antigo. Fez uma análisepontual dos fatos: Cláudia e seu tio haviam desaparecido, damesma forma que suas mochilas e, agora também, seu carro. Erauma situação que deixaria uma pessoa maluca.

Estava desorientado. Não sabia para onde ir e nem o que

fazer. A primeira coisa que lhe veio à cabeça foi tomar um ônibusque o levasse a Santomera e começar a procurá-los ali, na casa doarquiteto, entre outras coisas, porque dentro da propriedade estavao restante de seus pertences, além de ser o lugar mais seguronaquele momento. Precisava parar por um instante para refletir,sem se sentir vigiado.

Voltou às escadas do subterrâneo e subiu, para dirigir-se ao

terminal de ônibus, situado no bairro de San Andrés. Cruzou aGran Via, na altura do Hotel Reina Victoria, onde um policial quecomandava o tráfego olhou-o de cima abaixo de maneirainquisitiva. Temeu pelo pior, pois parecia que o guarda estava entreduas alternativas: chamar sua atenção por atravessar fora da faixade pedestres, quando o semáforo estava vermelho, ou pedir a eleque se identificasse; quem sabe fosse até pior, ainda: ambas ascoisas. Acreditou que o melhor seria afastar-se, virando àesquerda, para atravessar a rua o mais rápido possível. Emseguida, dobrou a esquina do hotel para ir até a praça do mercado.

Na altura do Palácio Almudí, sentiu a vibração do telefonemóvel no bolso da calça. Ao pegá-lo, acreditando que poderia ser Cláudia, suas mãos roçaram no DVD que havia trocado antes quelhe golpeassem a cabeça. Esqueceu disso por um momento. Agoradevia atender ao telefone. Pelo visor, viu o número de quem

chamava, também de um celular. Não reconheceu de quem era.— Sim...? — perguntou, com cautela.

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— Bom dia Leo... É o Nicolas... — escutou a voz doadvogado. — Acabo de chegar de Madri. Estou em Múrcia.Suponho que tenha uma vaga idéia do motivo de minha visita.

— Colmenares? Graças a Deus! — exclamou, aliviado aoescutar uma voz amiga. — Olhe se está em Múrcia, preciso quevocê me dê uma mão e venha me buscar. Tenho de falar com vocêo quanto antes.

— Fique tranqüilo — para isso viemos. Se estamos aqui épara ajudá-lo.

— Estamos...? — inquiriu perplexo. — Por acaso você estácom a polícia?

Por uns segundos pensou que iam prendê-lo.— Mas é claro que não — respondeu Colmenares. — Está

comigo uma mulher que você não conhece, mas que pode trazer dados novos ao assunto que o trouxe até aqui.

— Se é uma tal Cristina Hiepes, já ouvi falar dela... — franziua testa. — Mercedes estava disposta a incluí-la na investigação,sem considerar as circunstâncias.

— Creio que estamos perdendo tempo falando ao telefone. Émelhor que me diga onde está para que eu possa buscá-lo.

O advogado pensou que deviam conversar cara a cara.

— Sabe onde fica a Glorieta de España, em frente àprefeitura?

— Acho que sim — respondeu. — O certo é que acabamosde passar junto ao rio e já estamos vendo o outro lado.

— Vocês devem cruzar a ponte que une a Torre de Romocom o hospital da Cruz Vermelha. Em seguida, vá até a Glorieta deEspana... — aconselhou. — Eu os esperarei no semáforo que ficaantes da descida para o estacionamento subterrâneo... — logo,acrescentou alterado. — Por favor, venha o mais rápido que puder!

— Está acontecendo alguma coisa que preciso saber?— Logo que chegar, explicarei tudo.

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Desligou o telefone. Não tinha vontade de continuar falando.Estava realmente esgotado. Deu meia volta e regressou à Glorietade Espana. 

Lilith saiu do apartamento logo cedo, mas deixou um bilhete na

cozinha dizendo às meninas que tinha um encontro com o vice-reitor da faculdade, por volta das nove horas. Tomou um táxi emdireção à Avenida Juan Carlos I, para pegar seu carro, que haviadeixado no estacionamento do centro comercial Zig-Zag porquenão quis que ninguém vinculasse seu Corvette com aquelas duaspérfidas. Em seguida, dirigiu-se a Santomera, sem perda de tempo.Guardou na jaqueta o endereço correspondente ao número detelefone que a diretora da casa de leilões havia lhe dado. Foi muito

fácil consegui-lo. Confrontou o segundo prefixo com o das vilas dascercanias e povoados da comunidade autônoma. Assim, conseguiusaber que pertencia a Santomera. Em seguida, a única coisa queteve que fazer foi ocultar com uma cartolina os números alinhadosverticalmente nas páginas do catálogo geral, deixando visíveissomente os três últimos. Assim, foi descartando os de terminaçãodiferente, até chegar no que procurava.

Depois de dirigir alguns minutos em direção a Alicante, deixoua rodovia para pegar a saída de Santomera. Não tardou a chegar ao centro do povoado, decidida a perguntar onde vivia o amigo deLeonardo Cardenas, entre outros motivos, porque a residênciaficava em um lugar de denominação que gerava confusão, pois nãose parecia com uma rua, senão com um lugar ou caminho: SendaDel Esparragal. Um jovem em uma mobilete indicou-lhe o caminhopara a cova do arquiteto, pois assim a residência era conhecida nolugarejo. Lilith agradeceu a informação e foi-se embora, com umavaga idéia de onde devia virar à direita ou à esquerda. Saiu daestrada, para pegar um caminho que rodeava um campo dehortaliças. Cem metros adiante, mais ou menos, encontrou umapropriedade em que cresciam diferentes tipos de árvores, cactos epalmeiras. Parou o carro a poucos metros da porta de entrada.Baixou os vidros e tirou os óculos de sol. De onde estava podia ver 

a fachada principal da singular caverna. O certo é que ficouespantada com a genialidade daquele homem, capaz de aproveitar a formação caprichosa da natureza para construir sua residência.

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Não viu ninguém pelos arredores. Nem sequer um veículo.Deviam estar fora.

 A pouca distância dali, viu que havia muitos pequenos furgõese carros estacionados em um campo onde se amontoavam rolosde palha para os animais de carga, junto a um casebre com umvelho letreiro de uma conhecida marca de refrigerante colado naporta. Deduziu que era uma venda destinada a servir cafés ebebidas aos camponeses que trabalhavam nas vizinhanças. Nãotinha a menor intenção de entrar num local onde o odor devia ser repulsivo, tanto pela grande quantidade de homens bebendoaguardente àquela hora da manhã, como também pela insalubreaparência e os muitos anos que pareciam ter as carcomidas

paredes e o telhado do local. Não obstante, pensou que poderiaestacionar junto aos demais veículos e esperar que entrasse ousaísse o dono da propriedade, que provavelmente estariaacompanhado do homem que procurava.

Ligou novamente o motor e dirigiu-se até a planície que haviaà direita. Procurou um lugar onde tivesse boa perspectiva e,sobretudo, visibilidade. Encontrou-o no início do estacionamento,

diante da estrada.Mais uma vez, dedicou-se a esperar pacientemente sua

presa.

Não se importava com isso, porque fazia parte do seutrabalho.

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Capítulo 28

O Audi de Colmenares parou alguns metros antes de chegar àrampa de descida do estacionamento. Leonardo se precipitou emdireção ao automóvel, abrindo a porta de trás.

— Ainda bem que veio! — afirmou, antes de jogar a mochilalá dentro. As pessoas não paravam de olhar para mim, como se eufosse um animal raro.

Seus olhos encontraram com os de uma mulher de uns trintae poucos anos, bastante atraente, que estava sentada ao lado de

Nicolas. Seu sorriso o cativou instantaneamente. Devia ser CristinaHiepes.

Então, sem saber por que, teve a sensação de estar sendoridículo.

— Se eu me encontrasse com alguém vestido dessa maneira— observou a criptografa —, também o olharia por cima dosombros.

— Eu lhe apresento Cristina — disse Nicolas, entrando naavenida depois de ligar o pisca-pisca —, sua nova ajudante.

— Encantado.

Estendeu a mão.

— Existe uma razão que eu não saiba, para estar vestidodeste modo? — perguntou Colmenares, sem desviar os olhos da

rodovia.— É uma longa história... — disse, com ar de mistério,

ajeitando os cabelos para trás, com as duas mãos, agoniado pelascircunstâncias. — Antes de colocá-los a par do que houve, precisoque me levem a Santomera, um povoado aqui perto. Precisocomprovar uma coisa... — e acrescentou com voz rouca —... éimportante.

— Diga-nos, pelo menos, se você encontrou o diário dopedreiro — insistiu o advogado —, é a única coisa que precisamossaber.

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Leonardo titubeou alguns segundos.

— Não... ainda não — respondeu finalmente. — Mas há algopior. Os Filhos da Viúva estão me seguindo.

— Tem certeza? — foi Cristina quem perguntou desta vez.

 Assentiu em silêncio e continuou falando:

— Contarei a história toda quando chegarmos a Santomera...— prometeu, pois não estava disposto a satisfazer a curiosidade deninguém sem antes colocar suas idéias em ordem. — No momento,preciso descansar. Não dormi a noite toda, tenho um galo nacabeça que parece uma amêndoa, e perdi algo de muito valor.

 Aventuras demais para uma noite.

— Perdoe minha insistência — teimou Cristina —, mas creioque você sabe como é importante para nós determos essescriminosos.

Cárdenas arqueou as sobrancelhas, de maneira inquisitória.

— Quem é você, bibliotecária ou policial? — estava furioso,pois esperava que pudessem compreender sua situação. — Você

pode me explicar o que é isso tudo? — sua pergunta era dirigida aColmenares. — Pode me dizer por que ela está aqui?

— Escute Leo — começou dizendo Nicolas, e o fez comfirmeza. — A investigação está sendo custeada, desde o começo,graças ao dinheiro de Mercedes. Estamos todos envolvidos nela,muito a contragosto. Eu, como advogado e testamenteiro dafalecida, e com o beneplácito dela em vida, represento agora seus

interesses até a leitura do testamento. Há alguns dias ela me pediuque assumisse a responsabilidade da busca, se acontecessealguma desgraça. Deu instruções para que Cristina e vocêcontinuassem juntos. Na verdade, a senhorita Hiepes está nosfazendo um grande favor. Não há ninguém que tenha melhor conhecimento da interpretação cabalística e esotérica que cerca omundo da maçonaria.

Leo começou a rir de um jeito espontâneo, sem pensar nasconseqüências de sua atitude. Depois, ao perceber que a moça oobservava com limitada paciência, tratou de se desculpar.

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— Sinto muito, não estava rindo de suas qualificações. É queachei muito engraçado o fato de Nicolas pensar neste assuntocomo uma transação comercial entre duas empresas, quando, narealidade é bem mais complexa... — pensativo, coçou o queixo. — Vocês vieram de Madri com uma história diferente da minha, com

uma idéia preconcebida do que temos de fazer, como se tudo fossemuito fácil. Mas existe um problema. Aqui em Múrcia, vivemos umasituação que não havíamos previsto e dois novos inocentessofreram as conseqüências. Não sei se permanecem com vida. Nomomento estão desaparecidos.

— Eu sabia...! Você contou a Cláudia sobre o manuscrito! — Colmenares olhou irritado pelo espelho retrovisor. — Outro dia,

quando se ausentou para resolver um assunto doméstico, foiencontrar você em sua casa... — respirou fundo, duas vezes —...estou certo?

— Reconheço que foi um erro, mas tive de fazê-lo.

— Ninguém mais devia saber o real motivo do assassinato deJorge! — o advogado estava furioso. — Fico surpreso diante detanta irresponsabilidade.

Cárdenas resolveu deixar as coisas bem claras.

— Você se lembra? Cláudia e eu temos uma relação que vaialém da casa de leilões e suas normas — replicou mordaz. — Tivede preveni-la.

— Está bem, será melhor nos acalmarmos... — foi à opiniãode Cristina —... já que não há remédio... Deveríamos levar Leo até

Santomera e ver que surpresa nos aguarda. Se for de seu agradonos contar o que aconteceu, vamos ouvi-lo. Se não, haverá tempoquando estiver mais calmo... isso lhe parece bom? — sua perguntaera dirigida a quem viajava no banco de trás.

— Perfeito — respondeu Leonardo, fechando os olhos nomomento em que esticava seu corpo.

O advogado guardou um prudente silêncio, embora preferisse

prolongar a conversa, para saber de onde ele vinha vestidodaquele modo tão ridículo. Por ora, Cristina tinha razão: deviam lhedar um pouco mais de tempo.

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Dirigiu sem dizer uma só palavra até chegarem a Santomera.

Uma vez lá, Leonardo foi indicando o caminho que deviaseguir. Atravessaram o povoado e seguiram por uma estradavicinal. Depois de alguns quilômetros, desviaram para pegar outraestrada, que, finalmente, os levou a uma propriedade cercada delargos e pontiagudos barrotes. Além do portão de ferro, fechadonaquele momento, puderam contemplar a majestosa fachada dacaverna e os soberbos jardins que a envolviam. Tanto Nicolasquanto sua acompanhante ficaram maravilhados ao deparar-secom aquela obra-prima da arquitetura.

— É incrível! — Cristina saiu do carro levada pela curiosidade.

Os homens a seguiram, de maneira que foram, todos, até aentrada principal, com o objetivo de espiar, através dos barrotespintados de preto.

Leonardo tratou de ver se encontrava indícios do regresso deSalvador e Cristina ao ponto de partida. Existia a possibilidade deque tivessem sido forçados a partir sem poder avisá-lo, esperandoque soubesse interpretar seu desaparecimento como uma retirada

estratégica. Talvez estivessem dentro da casa, acreditando que eraele quem estava nas mãos dos assassinos. Não viu, porém, oautomóvel de Riera por ali.

— Bem... Você vai explicar os motivos de estarmos aqui? — perguntou Colmenares, depois de observar por uns segundos ocomportamento singular do bibliotecário.

— Espere um momento.

Sem prestar muita atenção, Cárdenas foi até o pilar esquerdoda entrada, para apertar a campainha do porteiro eletrônicoincrustado na pedra. Não houve resposta. Insistiu novamente,porém foi inútil. Não havia ninguém.

— Devo supor que você conhece o dono da propriedade — insistiu o advogado, na esperança de entender a razão de suapresença naquele lugar.

— Não estão... — murmurou —... porra, não estão aqui! — exclamou.

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Repentinamente exaltado, golpeou com força a placa dointerfone.

— Temos de ir embora — propôs Cristina, ao perceber que osmotoristas dos veículos que circulavam pela estrada diminuíam amarcha para observá-los com certa desconfiança. —Estamosdentro de uma propriedade privada, discutindo e observandodescaradamente o interior da casa. E isso não é o mais prudentepara forasteiros como nós.

— Estive nesta casa nos últimos três dias... — alfinetouLeonardo de forma abrupta — e isso me concede certos privilégios.E mais, desejo resgatar meus pertences.

 Agarrou-se às barras da cerca e fez um movimento para subir no muro de pedra, com o objetivo de saltar a grade. O advogadosegurou-o pelo braço, antes que cometesse uma loucura.

— Conte isso à polícia, se passa por aqui e o surpreende dooutro lado do muro — acrescentou Colmenares, farto de tantaconversa mole.

— Por favor, Leo... — suplicou Cristina —... podemos voltar 

num melhor momento, não acha? Agora, você precisa mudar deroupa e fazer um belo asseio. Proponho que a gente se instale emum hotel, para descansar algumas horas, depois de um bombanho. Mas, antes, vamos parar em uma loja para lhe comprar uma camisa decente e uma calça do seu tamanho... — sorrindoirônica, acrescentou —... não creio que o deixem entrar do jeito queestá!

Leo reconheceu não estar preparado para continuar procurando Cláudia e Salvador. Cristina tinha razão. Deviamencontrar um lugar para descansar. Ele, pelo menos, precisava.Estava uma pilha de nervos e seus pensamentos eram cada vezmais erráticos.

Decidiram voltar a Múrcia e hospedar-se num hotel do centro.Mas, antes de entrar no veículo, Leonardo fez uma confidência em

voz baixa:— Querem saber onde passei a noite e o motivo de eu estar 

vestido dessa forma, digamos, tão ridícula?

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Nicolas se surpreendeu com aquela mudança de atitude, maslogo recordou que ele havia prometido contar tudo quandoestivessem em Santomera.

— Claro que estou curioso — reconheceu o advogado,apoiado na porta do carro.

— Como diria Iacobus de Cartago: eu desci aos infernos. Eaqui tenho a prova disso... — tirou o pequeno DVD do bolso,mostrando-o, orgulhoso, como se fosse um troféu de caça — gravei o lugar onde se esconde o diário... Além disso, asseguroque sei como encontrá-lo.

Cristina, analisando a situação, olhou Colmenares com certo

entusiasmo mal reprimido. Era evidente que Leonardo tinha algoimportante para mostrar-lhes, talvez a prova inegável de que existiarealmente uma história verdadeira atrás do delirante escrito de umpedreiro.

Lilith não entendeu nada. Estava observando à distância a chegadados inesperados visitantes. Dos três, o que mais chamou suaatenção foi o homem vestido com calça de camuflagem e camiseta

preta, justamente a pessoa que demonstrou claramente suairritação ao encontrar a porta da casa fechada.

Deviam ser cúmplices do tal Leonardo e de seu amigo, oarquiteto; isso, se não fossem eles. Incomodada, inclinou a cabeça.

 Ao ver que estavam indo embora, decidiu segui-los. Alémdisso, havia permanecido tempo demais ali e podia chamar aatenção do pessoal que começava a sair da venda para iniciar seu

trabalho. Regressaram a Múrcia, algo que não a surpreendeu.Seguiu-os até Atalayas, onde a estrada estava engarrafada pelogrande fluxo de veículos em direção ao centro comercial da região.Depois de suportar uma fila interminável de carros, já com apaciência esgotada, viu-os virar à esquerda, para estacionar dianteda entrada do hotel Rosa Victoria. Com cautela, parou váriosmetros atrás, junto a uma concessionária de carros. Pegou o

telefone do bolso e fez de conta que estava falando com alguém.Viu quando desceram do automóvel. Achou que iam entrar no

hotel, mas eles ficaram parados na calçada para discutir algum

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assunto, provavelmente relacionado com a indumentária daqueleextravagante indivíduo vestido à maneira militar, pois a mulher apontou várias vezes para a roupa dele. Depois de alguns minutos,os homens foram embora, deixando a mulher sozinha. Lilith seinclinou dissimuladamente no banco do passageiro, quando ambos

passaram pela janela aberta de seu carro.Voltou à posição anterior, mas continuou a observá-los pelo

espelho retrovisor: eles se dirigiam aos grandes centros decompras.

Enquanto isso, a ruiva, vestida de forma discreta, porémelegante, acendeu um cigarro decidida a esperar o regresso delesem frente à porta de acesso à recepção do hotel. Lilith resolveu

manter o celular ao ouvido, como se estivesse dando continuidadeà suposta ligação, até que eles decidissem voltar. Passados unsvinte minutos, ali estavam, de novo. O mais jovem carregava umassacolas com o logotipo do centro comercial, mas deviam estar acondicionando a roupa suja, pois ele agora estava vestido demaneira impecável: camisa azul, calça cinza e sapatos novos.Então, com um deles já transformado num ser civilizado, entraram

todos juntos no hotel.Lilith desceu do carro e foi até o de Nicolas, enquanto suas

mãos buscavam no bolso da jaqueta um pequeno transmissor defreqüência que costumava levar consigo. Fez como se tivessecaído uma moeda no chão e agachou-se para pegá-la. Comrapidez, colocou o equipamento na parte traseira do automóvel,embaixo do chassi, de maneira que ficasse preso à chapa inferior,graças a um potentíssimo ímã que ficava instalado na base. Logose levantou, regressando a seu carro.

 A partir daquele momento, poderia controlar toda amovimentação deles.

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Capítulo 29

Depois de oito horas de viagem, o Talgo Barcelona-Múrciachegava pontualmente à estação de Carmen. As portas se abriramentre silvos e apitos, provenientes de algum lugar incerto do trem.Os viajantes foram descendo dos vagões com certa lassidão,andando pela plataforma em busca da saída. Entre eles, Altar, quese misturou à massa humana que abandonava a ferrovia, fazendoparte do conjunto.

Dirigiu-se a um dos veículos de transporte públicoestacionados na porta. Perguntou ao taxista se podia levá-lo à

 Avenida Espinardo. O homem assentiu com um gesto cansado,depois de tirar o palito que segurava na boca. Em seguida, abriu aporta do automóvel num gesto de cortesia, pois, devido ao sotaque,compreendeu tratar-se de um estrangeiro, e os gringos, eleachava, costumavam ser generosos com as gorjetas.

 Acomodado na parte de trás do carro, Altar abriu ocomputador e se esqueceu do motorista. O GPS incorporado ao

notebook rastreou o plano da cidade até que surgiu na tela umaluz, de cor vermelha, piscando ao percorrer o labirinto de ruas eavenidas intermináveis que formavam a cidade de Múrcia. Deacordo com o guia virtual, Lilith conduzia seu veículo pelosarredores de um centro comercial, situado no bairro de Atalayas.Surpreendeu-se que ela não estivesse no edifício onde haviapassado a noite, algo que comprovou sistematicamente, a cadameia hora, o tempo que durou o trajeto desde Barcelona.

Pelo visto, Lilith havia levantado cedo com o propósito derealizar alguma tarefa própria do trabalho, talvez estivesseseguindo alguém. Aquilo, de certo modo, se ajustava a seupropósito. Ia dar uma olhada no lugar onde Lilith passou a noite,agora que ela não estava em casa. Desta forma, poderia traçar umplano de ataque-surpresa, eliminando riscos desnecessários. Lilithnão era precisamente uma novata. Sabia se esquivar do perigo,

como qualquer assassino de aluguel capaz de sobreviver em seuofício. Um só deslize e, em vez de executor, ele seria a vítima.

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Voltou a olhar a tela. Lilith estava parada na Avenida DelRocio. E ali ficou sem se mover. Não pôde evitar um sorriso. Suavelha amiga havia passado de ícone de conduta, dentro daCorpsson, para engrossar a lista de vítimas internas da empresa.Não era a primeira nem seria a última a cometer o grave erro de

atuar por conta própria. Essas irregularidades afetavam o bomfuncionamento da Agência, razão pela qual, às vezes, eranecessário tomar medidas drásticas e amputar, pela raiz, omembro gangrenado. Por isso, o melhor era acatar as ordens, comtodo o rigor que merecia o trabalho.

Ninguém, senão um assassino de aluguel sabia melhor opreço que devia pagar para continuar sobrevivendo por tempo

indefinido. Arantxa decidiu ficar em casa e não ir à aula. Havia passado

mal à noite, por causa das cólicas menstruais — tinha sidoimpossível conciliar o sono até as cinco horas da madrugada.Então, quando estava em sono profundo, Mônica foi despertá-lapara lhe dizer que a nova companheira de quarto havia saído bemcedo, deixando um recado pendurado na porta da geladeira.

Como resposta, emitiu um grunhido nervoso, para que adeixasse em paz e saísse de uma vez por todas para a aula. Logoestava dormindo outra vez, apesar do ruído incessante do tráfegoque, pouco a pouco, ia se apropriando das ruas da cidade. Voltou adespertar, ao sentir uma dor intensa nos ovários. Decidiu selevantar para buscar um analgésico. Cruzou o apartamento depijama e, ainda sonolenta, deslizou com dificuldade pelo corredor,bocejando zonza de sono. Nesse instante, ouviu o som dacampainha. Como um autômato, dirigiu-se à porta para espiar através do olho mágico. Viu um indivíduo delgado e de tez pálida,muito bem vestido. Usava um paletó preto e uma camisa bege.Tinha um cabelo loiro platinado, penteado para trás, e os olhosazuis mesclados de verde, razão pela qual pensou que poderia ser um daqueles estrangeiros que, ultimamente, divulgavam pelas ruasde Múrcia uma nova doutrina denominada Cienciologia, uma

espécie de seita de que tanto ouvira falar na televisão e tambémem conversas com suas amigas, e à qual pertenciam diversosatores famosos de Hollywood. No entanto, nada viu de estranho

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nas mãos dele, nem sequer panfletos de propaganda, e isso aconvenceu de que estava equivocada. Não parecia um pregador e,menos ainda, um vendedor ambulante.

— Quem é? — perguntou antes de abrir.

— Sinto incomodar, mas procuro por uma garota alemã... — ouviu dizer num espanhol mal pronunciado —... ela mora aí?

 Arantxa lembrou-se da novata e do tal recado, aquele que nãotinha tido oportunidade de ler. Tratou de se livrar do assunto.

— Não está... — lhe disse, do outro lado da porta —... saiu demanhã, creio que foi até a universidade. Talvez venha comer, masnão estou certa disso.

Debruçou-se, novamente, para ver a reação do desconhecido.

— Puxa, que pena! — ele parecia contrariado. — Fiz umaviagem extenuante, de muitos quilômetros, para visitar minha irmãe agora terei que esperar que regresse da aula.

 Altar não quis ser mais explícito, pois, na realidade,desconhecia a história que sua velha amiga poderia ter inventado.

Optou pela prudência.— Lilith é sua irmã? — inquiriu Arantxa, visivelmente

surpresa.

— É isso que dizem nossos pais... — ele respondeu, demaneira sucinta e se pôs a rir inocentemente, para acrescentar: —... desculpe, mas essa conversa é ridícula. Não sei se você se deuconta de que estamos falando com uma porta.

 A jovem captou a mensagem. Afinal de contas, ele era umfamiliar da nova inquilina. Ademais, ele era bastante atraente e lhepareceu da maior confiança.

— Um momento vai abrir.

Girou a maçaneta e abriu. O homem assentiu com timidez,não por nada, mas, como Arantxa estava de pijama, ele supôs que

tinha acordado a moça.— Desculpe talvez esse não seja o momento mais oportuno

— começou dizendo —, mas preciso entrar em contato com Lilith o

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mais rápido possível. Você se importaria de entregar uma coisapara ela, quando estiver de volta?

O desconhecido se agachou. A jovem descobriu, naquelemomento, que no chão repousava uma mala preta de viagem. Eletirou dali de dentro, uma caixinha de porcelana do tamanho de ummaço de cigarros.

— É a caixa da sorte dela... — entregou-a, com timidez. — Pode dizer a ela que me telefone, assim que chegar? Não tenhopara onde ir.

— Sim, claro... — titubeou uns segundos, vacilando entredeixado partir ou convidá-lo para ficar.

Finalmente decidiu não fazê-lo, a menos que ele lhe pedisse.— Nossa quase me esqueço! — ele levou as mãos à cabeça.

— Acabo de me lembrar que mudei meu telefone celular e Lilithainda não tem o número... — tirou uma caneta esferográfica dobolso interno do paletó. — Teria um papel à mão, ou um bloco denotas?

De forma instintiva, Arantxa virou a cabeça para dentro dacasa.

Olhou-o novamente, com um renovado interesse.

— Sim, espere... — disse com suavidade —... no meu quartodeve ter um caderninho.

Sorriu antes de lhe dar as costas. Deixou a caixa deporcelana sobre a cômoda do vestíbulo e foi direto ao quarto.

 Altar, por sua vez, olhou para ambos os lados, querendocertificar-se de que não havia ninguém mais no andar, nemsubindo pelo elevador. Então, empurrou a mala com o pé, paraintroduzi-la de maneira sutil no corredor, e entrou na casa, semfazer barulho. Depois, fechou a porta com cuidado, seguindo bemde perto a crédula Arantxa. Sem perder mais tempo, tirou do bolsodo paletó um cabo de aço cujas extremidades terminavam em

empunhaduras de marfim, entalhadas com motivos orientais.Segurou-as com força, para esticar o fio.

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— Há algo que não entendo... — Arantxa começou a falar emvoz alta, acreditando que ele a esperava na porta. — Como sabiaonde vivíamos, se sua irmã se instalou ontem e você acaba dechegar de viagem?

 Antes que se voltasse, como intuía que ela pensava fazer, Altar enrolou o pescoço da jovem com o cabo e apertou comfirmeza, sem lhe dar tempo de reagir. Ao compreender o queestava acontecendo, Arantxa tentou escapar do agressor,sacudindo o corpo com força. Quis gritar, mas foi impossível.Então, em sua absoluta impotência, decidiu se agarrar ao cabo quecomprimia cada vez mais sua garganta, mas a única coisa queconseguiu foi rasgar a pele do pescoço e quebrar uma unha,

naquela desesperada tentativa. Ao cabo de alguns segundos, o corpo de Arantxa estava

totalmente imóvel. A execução terminou antes do previsto.

 Altar se sentiu satisfeito.

Lilith regressou ao apartamento com a convicção de que tinhasob controle o grupo que estivera espreitando a propriedade. A

primeira coisa que tinha pensado em fazer era entrar em contatocom eles, sob algum pretexto, com o objetivo de ganhar aconfiança deles. Para isso, seria necessário colocar algunsmicrofones e averiguar qual era a relação deles com o dono dolugar, sobretudo para que pudesse inventar uma história que aincluísse diretamente. Na realidade, porém, não sabia onde colocá-los, já que atuar num local público, como era o hotel, tinha seusriscos. E ela era muito comedida em seu trabalho para cometer um

erro dessa envergadura.Finalmente, descartou a idéia dos microfones. Melhor seria

utilizar um disfarce, para espioná-los de perto e escutar suaconversa.

Deixou seus pensamentos de lado, para estacionar o carro auma centena de metros de onde ia viver uma temporada com duasdiabinhas de hormônios inquietos. Uma vez dentro do edifício,

pegou o elevador, enquanto procurava na bolsa as chaves queMônica tinha lhe emprestado depois do pagamento adiantado deum mês de aluguel. Tão logo as encontrou, a porta se abriu

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automaticamente. Então, percebeu um aroma vagamente familiar,uma fragrância masculina que havia sentido antes em algum outrolugar. Durante uns segundos ficou paralisada, procurando ansiosano baú de sua memória.

 As portas do elevador se fecharam novamente, pois haviatranscorrido o tempo máximo de segurança, quando ela colocou asmãos no vão e elas se abriram novamente. Saiu, com os cincosentidos à flor da pele. Teve um mau pressentimento.

E quando ela tinha uma intuição por alguma coisa tãoinsignificante como um perfume, era porque sua vida poderia estar em perigo.

Colocou a chave na fechadura, girando-a com cuidado paranão fazer barulho. Não parecia ter sido forçada. Ainda assim,decidiu não baixar a guarda, até que estivesse dentro de casa einspecionasse todos os cômodos. Entrou em silêncio, esgueirando-se pela estreita abertura da porta apenas entreaberta, procurandoevitar qualquer tipo de ruído que delatasse sua presença no interior da casa. Segundos depois, deslizou sigilosamente pelo corredor.

Novamente aquele aroma.Desta vez, muito mais forte do que antes. Era o perfumefavorito de alguém que conhecia muito bem, estava certa disso.Tratou de recordar quem usava aquela fragrância tão peculiar, massua memória teimava em contrariá-la.

Era como quando você tem o nome de uma pessoa na pontada língua e não consegue lembrar, por mais que se esforce.

Então, viu algo que chamou sua atenção, um detalhe semimportância, mas que evidenciava sua mais terrível suspeita: nopiso de cerâmica havia um brilho de água sem secar, e, noambiente, um ligeiro odor de desinfetante. Não fazia muito tempoque haviam limpado o chão do corredor, e, pelo visto, com bastanteprofissionalismo, esforço demasiado para qualquer uma daquelasduas preguiçosas.

Tanta eficácia não fez senão deixá-la ainda mais prevenida. Ali dentro estava ocorrendo algo estranho. Seus sensores deadvertência lhe indicavam, aos berros, que tivesse cuidado, porque

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uma limpeza daquele tipo não podia indicar nada de bom. Em seutrabalho era bastante habitual limpar os rastros de sangue comamoníaco para confundir ao máximo a polícia científica, e aquilotinha todos os indícios de ser o resultado de um excelente trabalho.

Sem perder a calma, agachou-se para tirar uma faca quelevava escondida no interior de suas botas. Empunhou-a comforça, enquanto esquadrinhava tudo ao seu redor, assegurando-sede que ninguém pudesse surgir de repente de algum dos cômodos.Seu quarto era muito próximo do vestíbulo.

Seria o primeiro a inspecionar.

Girou a fechadura da porta e abriu muito lentamente.

Tudo estava como ela havia deixado naquela mesma manhã.Voltou a agachar-se, desta vez para certificar-se de que não havianinguém embaixo da cama. Foi até o armário e tirou, de dentro daprimeira gaveta, sua pistola automática alemã, guardando-a naparte de trás de sua calça, depois de enroscar o silenciador.

Saiu novamente para o corredor. Revistou também obanheiro, a cozinha e a sala de estar, assegurando-se de que

estava sozinha no apartamento e que tudo aquilo era um alarmefalso, provocado por uma premonição sem fundamento. O aromade um perfume não era tão determinante quanto acreditava, já queo uso de um produto comercializado não tinha caráter privativo.Podia ser de um amigo das inquilinas, que tivesse visitado umadelas naquela mesma manhã, depois que ela saíra.

Não obstante, seu sexto sentido lhe disse mais uma vez que

continuasse alerta. Apesar de haver somente mais dois cômodospara revistar, ainda era muito prematuro ficar confiante.

Entrou com cuidado no quarto de Mônica. Alguém haviafechado completamente as janelas e não dava para ver nada.

 Aguardou alguns segundos, até que seus olhos se acostumassemcom a escuridão. Aos poucos, pareceu ver a silhueta da cama emfrente ao armário embutido, uma mesa de escritório e uma poltrona

do outro lado do dormitório.Foi até os pés da cama, ao intuir uma sombra indeterminada

embaixo do colchão. Não precisou agachar-se. Via-se parte da sola

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de um dos sapatos. Então, voltou a sentir por todo o cômodo oaroma fresco daquela fragrância que tanto a obcecava. Desta vez,porém, foi diferente. Lembrou do indivíduo que usava aqueleperfume tão particularmente caro e exclusivo: seu velho amigo

 Altar Leroy, conhecido no círculo de assassinos de São Paulo

como O Estrangulador de Toronto, o homem encarregado deexecutar os profissionais que punham em risco a confiabilidade da Agência.

Estava prestes a pegar a pistola que escondera, entre ascostas e a calça, com a finalidade de acabar ali mesmo com a vidade seu inimigo antes que ele se adiantasse, quando escutou umsom débil e imperceptível às suas costas. Foi muito mais uma

vibração acústica que pôs em guarda seu mecanismo desobrevivência. Alguém havia saído de dentro do armário, com adisposição de atacá-la por trás, sem saber que ela tinha avantagem de conhecer de antemão a arma favorita de seuagressor e como era o seu letal modus operandi.

Sem perder tempo, levantou a mão que segurava o facão,alcançando a tempo o cabo de aço que, de forma implacável,

pairava como uma ameaça ao redor de sua garganta. Isso fez comque ele se esticasse, em tensão máxima, mas sem entrar emcontato com a pele dela. Cedeu pouco depois, quando a lâminaafiada da faca finalmente rompeu o fio. Então, ficou livre para semexer. Numa fração de segundo, Lilith girou a empunhadura daarma, ao mesmo tempo em que desferia um golpe seco para trás.

 A faca foi cravada no ventre de seu agressor, que gemeu desurpresa ao sentir na carne a frieza do aço. Ela se virou e, fitando-o

nos olhos, sacou a automática detrás da calça colocando-a em suatesta.

— Lilith...! — murmurou o canadense, enquanto sua bocaexpelia um primeiro vômito de sangue.

— Adeus, Altar — ela respondeu glacial.

 A jovem soltou a trava de segurança e apertou o gatilho.

 A quantidade de material orgânico que brotou da parte de trásde sua cabeça, com o impacto, fez mais barulho do que o somamortecido da pistola. O infeliz caiu ao chão como um fantoche

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sem fios. Um líquido sanguinolento e espesso, que saía do buracoem seu crânio, formou uma mancha cada vez maior no chão.

Em seguida, Lilith agachou-se para ver quem estavaescondido embaixo da cama. Arrastou o corpo até que estivessetodo para fora, descobrindo que era Arantxa, e não Mônica, comopensara, quem havia tido a má sorte de encontrar-se cara a caracom Altar. Havia sido estrangulada com um cabo de aço. Ainda erapossível ver o sangue pisado ao redor do pescoço dela. Se tivesseapertado um pouco mais, ele a teria decapitado.

— Arantxa...? — escutou a voz de Mônica, sobressaltada,aproximando-se pelo corredor. — Amiga... posso saber por que aporta está aberta?

Lilith se colocou em pé, imediatamente, escondendo-se atrásda porta do quarto. Nem sequer teve tempo de ocultar os corpos.

Mônica entrou no quarto, tateando a procura do interruptor.Finalmente acendeu a luz e o que viu a deixou atônita. Sua mentefoi incapaz de assimilar o dantesco espetáculo que se descortinavadiante de seus olhos. Ia gritar quando uma mão segurou com força

sua testa, com o propósito de puxá-la para trás, levantando seuqueixo. Então sentiu que lhe abriam a garganta com um talho, ecomo a vida lhe escapava através do corte. Afogou-se em seupróprio sangue, tentando respirar.

Finalizada a rápida execução, Lilith se dirigiu ao banheiro paralavar minuciosamente as mãos e a faca. Depois foi até seu quarto,recolheu seus pertences e, depois de fechar a porta com a chave,abandonou o apartamento com a terrível sensação de ter setransformado, durante uns minutos, em uma de suas vítimas.

 A Agência havia decidido pela sua eliminação. A partir deagora teria que maximizar as medidas de segurança.

 A situação era inconcebível.

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Capítulo 3O

Quando Leonardo Cardenas terminou de lhes contar sua história,que se estendia desde a reunião que havia tido com a diretoradepois do funeral, até o momento em que despertou na abóbodasecreta da capela dos Velez, tanto Cristina quanto o advogadopermaneceram em silêncio durante alguns segundos, tratando deabsorver, de uma maneira coerente, os fatos.

Estavam em uma área reservada da cafeteria do hotel,tomando um trago, sentados ao redor da mesa. Naquele lugar, tãodistinto, era possível gozar de certa privacidade. Por isso, ninguém

prestava atenção no grupo que conversava no canto maisdistanciado do ambiente.

Foi Colmenares que rompeu o silêncio, reprovando a atitudedo outro:

— O que realmente me causa estranheza é que vocêcontinue vivo — disse, com uma aspereza mal disfarçada. — Comolhe ocorreu envolver mais gente em algo tão perigoso...? Agora,Cláudia e seu tio, esse arquiteto de que tanto nos falou, podemestar expostos ao mesmo destino de Mercedes e Balboa... — torceu a boca e olhou um instante, para o teto, para entãoprovocar: — Por Deus, Leo! Será que você não conseguecompreender que essa gente não está brincando?

— Creio que este não é o melhor momento para criticar adecisão dele — acrescentou Cristina, disposta a dar sua opinião

sobre aquele assunto tão confuso. — Agora o que temos a fazer é,em conjunto, encontrar uma solução para o problema.

— Com isso eu concordo — disse o bibliotecário,evidenciando que não concordava com a reprovação de Nicolas. — O tempo que estamos perdendo aqui, para discutir algo que éirremediável, não contribui senão para piorar a situação. Salvador eCláudia foram seqüestrados. A coisa mais elementar que podemos

fazer por eles é começar a procurá-los.— Antes de mais nada, temos de planejar uma linha de

investigação — propôs Nicolas. — Não sei se vocês vão achar que

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é uma loucura o que vou dizer, mas creio que teremos de descer novamente nessa cripta subterrânea onde o atacaram, para dar uma olhada.

— Não será preciso... — Leo tirou do bolso da calça,triunfalmente, o DVD que gravara, colocando-o sobre a mesa. — 

 Aqui está tudo. As imagens de todas as sete salas e a grandemaioria das inscrições.

Cristina se surpreendeu que ele tivesse em seu poder algotão valioso, e mais ainda quando, segundo as próprias palavrasdele, seus agressores haviam se apropriado da câmera e do blocode notas, aproveitando que ele estava inconsciente. Levando emconsideração tudo isso, quis pedir uma explicação.

— Mas você disse que...

Não terminou a frase. Esperou que o próprio interessado ofizesse.

— Casualmente, eu havia trocado o disco de DVD quandoterminei a gravação, pouco antes de receber o golpe na nuca. Oque eles levaram na câmera digital não lhes servirá para nada...

ah... — deu risada, pretensioso — está em branco!— De qualquer forma, teremos de descer lá se quisermos

encontrar o diário... — insistiu o advogado, para, em seguida,pensar um instante, até acrescentar com um pouco menos deentusiasmo —... se é que continua ali.

— Antes, eu gostaria que Cristina desse uma olhada nagravação. Se for certo que se trata de uma especialista em

simbologia alquímica, algo que não coloco em dúvida, estou segurode que saberá avaliar os diferentes desenhos estampados nasparedes. Quem sabe até a gente consiga estar de acordo sobreuma coisa.

— Pode-se saber o que? — Cristina se surpreendeu que elemanifestasse tanta confiança nela.

— Primeiro, quero que você veja o DVD — respondeu sério.— Talvez eu esteja enganado e tudo seja fruto de minhaimaginação. Por isso preciso que você me dê sua opinião, depoisde examinar as inscrições.

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— O que você diz parece muito misterioso.

O tom da voz dela fez com que Leonardo se sentisse adulado.Não tinha certeza, mas lhe pareceu sentir um toque deintemperança na frase, como se ela realmente estivesse ansiosapara ter a oportunidade de ver com seus próprios olhos o idiomasecreto dos pedreiros medievais.

— Você saberá decifrá-las? — a pergunta de Colmenares foidirigida a Cristina.

— O simbolismo criptográfico é um dos meus fortes — elareconheceu, voltando-se ao advogado. A maioria dos antigosconstrutores utilizava um idioma secreto baseado em caracteres ou

glifos de natureza alquímica, algo que foi se espalhando por toda aEuropa, de maneira clandestina, para que seus segredospermanecessem ocultos durante séculos, mesmo no interior daprópria Igreja Católica. Esta não teria permitido a heresia sesoubesse que os mestres maçons se sentiam mais identificadoscom a ciência e o conhecimento, do que com as orações do bispoque custeava os gastos relativos à construção da catedral com odinheiro do povo.

— Daí o fato de que estas sejam laicas — observou Leo. —  As esculturas de pedra tentam manter o saber primordial a salvo daignorância dos céticos.

— Correto, a chamada prisca sapientia — acrescentou àespecialista. — São Bernardo costumava dizer que a arte não erasenão um instrumento útil para os simples e ignorantes, ao mesmotempo inútil e até nocivo aos sábios e perfeitos... — estavasurpresa com o fato de Cárdenas dominar a interpretaçãoiconográfica dos templos, de maneira que o inquiriu —... como éque você sabe disso? Por acaso leu Fulcanelli?

— Entre outros... — ele respondeu, para perguntar,novamente —..., mas me diga Cristina... o que você sabe sobre oTrivium e o Quadrivium.

— O que não é ignorado a todo mundo que estudou em umauniversidade, ou seja, que são as Artes Liberais... — perplexa,

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arqueou suas finas e bem depiladas sobrancelhas. A que vem isso,agora?

 Aquilo não tinha nada a ver com os petróglifos com os quaisesperava confrontar-se na gravação de DVD. Leonardo permitiu-seum sorriso irônico. Imaginava que ia surpreendê-la.

— Creio que está na hora de averiguar — respondeu em tomconfidencial.

Pouco depois entravam em uma das grandes lojas dedepartamentos que havia na parte posterior do hotel. Foramdiretamente à área de imagem, som e informática, ondecompraram um aparelho para reproduzir o DVD. Quando

regressaram, depois de tomar um frugal aperitivo no restaurante,subiram até o quarto que Leonardo e Nicolas compartilhavam. O deCristina estava localizado no andar superior.

Uma vez conectado o equipamento novo à televisão, os trêssentaram para começar a analisar as imagens. A primeira coisaque apareceu na tela foram às marcas de alvenaria e as iniciais deIacobus de Cartago, inscritas nos contrafortes que se precipitavam

no interior do poço. Cristina reconheceu os caracteres do tempoalquímico, da água regis, do acidum aereum, do esquadromaçônico e os pertencentes aos sete planetas conhecidos naIdade Média: Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno, a Lua e oSol. Em seguida, surgiu enquadrado o sorriso de Cláudia — algoque despertou intensa emoção em seu namorado — e o estreitocorredor pelo qual tiveram de entrar, para ter acesso à salaprincipal. Em seguida, puderam ver cada um dos detalhes

gravados nos muros, a pirâmide escalonada no centro e também aporta que conduzia ao segundo ambiente.

Pouco a pouco foram admirando os círculos concêntricosgravados na parede — e uma ou outra figura geométrica —, queescondiam alguma informação vital e, provavelmente,desconhecida dos profanos. Novas incógnitas surgiram com asfrases em latim, castelhano medieval e hebraico, também inscritas

nas paredes. E Cristina, cada vez mais interessada, tratava dedesvendar o mistério dos caracteres e da linguagem oculta dasletras e números. Nicolas, que se encontrava em desvantagem,

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limitava-se a observar com atenção para depois iniciar uma grandesérie de perguntas e saciar sua infinita curiosidade.

 A gravação terminou bruscamente, justamente no momentoem que Leonardo filmava as inscrições planetárias do enigmáticopedestal, cujos degraus partiam dos diferentes pontos cardeais.

— Você pode retroceder um pouco, até o instante em quesurgem as frases em hebraico? — pediu Cristina.

Cárdenas atendeu, entendendo que talvez ela tivesse captadoalgo digno de sua atenção.

— Aí, pare! — exclamou a ruiva, aproximando-se da tela, paraapontar uma frase que havia embaixo de uma estrela de Davi,

pintada em um dos muros da quinta sala. Nela se podia ver aseguinte inscrição:

 

— Você pode traduzir isso? — perguntou Colmenares, quenão tinha lá muita certeza de que sua companheira soubesse

hebraico.Sem lhe dar atenção, Cristina foi lendo em voz alta:

— Vayomer ki iad al kisé Yahveh.

— Por favor, em castelhano — insistiu o advogado.

Ela olhou para ele, condescendente.

— Diz algo mais ou menos assim: "Porque a mão de Deusestá sobre seu Trono..." — observou a reação de seuscompanheiros, mas eles não souberam do que se tratava. — Éuma frase do Talmude... isso diz alguma coisa para vocês?

 Ambos negaram com a cabeça.

— O certo é que os muros estão repletos de frasesincoerentes e de caracteres de difícil compreensão — reconheceu

Leonardo, que fez um gesto, tocando o nariz. — Mas houve umdetalhe que, finalmente, atraiu meu interesse: eram os sinos queestão pendurados na entrada de cada uma das salas. Seutamanho diminuía de acordo com o do recinto, da mesma forma

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que o som que emitem, quando golpeados pelo badalo. Eu mesmocomprovei.

— Como as sete notas musicais... — Cristina começou apensar que aquilo começava a fazer sentido.

— E isso é tudo — continuou o bibliotecário. — Se vocêobservar bem, inscritas nos muros há várias frases em diversosidiomas, também números e figuras geométricas, além de glifosrelacionados com astronomia. Isso me levou a pensar que deveexistir uma relação entre essas inscrições e as antigas artesmaçônicas utilizadas pelos construtores de catedrais.

Colmenares continuava sem entender nada daquela

conversa, mas se manteve atento às reflexões dos especialistas.Cristina voltou a olhar a tela do televisor.

— Gramática... retórica... dialética... aritmética... geometria...música... astronomia... — sussurrou a jovem, completamenteencantada. — Deus do céu, Leo...! Você tem razão. Estamosdiante de um compêndio de conhecimentos, um santuáriopedagógico em honra às Artes Liberais. É simplesmente

assombroso!O elogio de Cristina fez com que Nicolas sentisse uma leveponta de ciúmes, já que o interesse que ela demonstrava pelasdeduções do bibliotecário bastava para anular, de fato, suainfluência como assessor financeiro daquela empresa. Tratou derecuperar o papel de protagonista e acreditou que poderiaconseguir isso insistindo sobre a importância de encontrar o diário.

— Suponho que essa descoberta não nos impedirá de seguir adiante com nossa missão... — disse, com expressão muito séria,cravando o olhar em Cristina, à espera de uma resposta inteligente.— Lembro a você que estamos aqui para recuperar o livro dopedreiro.

— Você chegou a ver o manuscrito de Toledo? — Leonardoperguntou. — Diga... antes de morrer, Mercedes permitiu que você

o lesse?— Não tive ocasião de fazê-lo — respondeu Colmenares,

entristecido.

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— A que se deve essa pergunta? — quis saber Cristina, quesecretamente escondia uma cópia do documento em sua mala deviagem.

— Vocês verão... — começou dizendo Cárdenas. — Há umparágrafo no criptograma decifrado por Balboa em que Iacobusafirma conhecer a arte e a técnica dos construtores de catedrais,baseada na transmissão dos sentimentos através da iconografiapopular. Como ele mesmo diz: "Minhas mãos cinzelam palavras depedra que o povo lê e entende." Se é mesmo assim, estaríamosdiante de uma insinuação alegórica, uma metáfora, atrás da qualse ocultariam seus conhecimentos mais secretos.

Cristina avaliou em silêncio a observação do bibliotecário,

concordando com a cabeça, enquanto ia compreendendo oautêntico significado daquelas frases escritas nas distintaslinguagens da ciência, os glifos planetários e alquímicos, osdesenhos geométricos pintados nas paredes e os diversos sinosque pendiam à entrada de cada sala.

— A linguagem primordial e a música das esferas... — sussurrou para si mesma a atraente ruiva, atônita diante da

descoberta.O advogado, pressentindo que estava perdendo algo, de

suma importância, decidiu insistir em seu desejo de recuperar omanuscrito, assim justificando sua necessidade de relevância.

— Continuo pensando que deveríamos começar o quantoantes a busca do diário — manifestou sua opinião, embora nãoparecesse que eles prestassem atenção no que estava dizendo.

— Creio que não há necessidade — disse Cristina, semafastar os olhos da tela.

— Vejo que você compreendeu — acrescentou Leonardo,satisfeito de não ser o único a se dar conta.

— Isso é incrível! Só espero que você possa se explicar bem— Colmenares resmungou, indignado. A última coisa que esperava

é que ela se manifestasse contrário ao trabalho que lhes haviamimposto seus superiores.

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— Meu querido amigo... — Cristina voltou-se, para encarar oirritado advogado. — Se eu não estou enganada, já encontramos opolêmico diário de Iacobus de Cartago. Na realidade, ele está aqui,diante de seus olhos!

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Capítulo 31

É incrível a inteligência desse homem! — exclamou a criptografa,reconhecendo o laborioso esforço do pedreiro medieval. — Podemimaginar...? Era tamanho seu desejo de mostrar ao mundo ossegredos da loja, que os inscreveu de maneira que o tempo nãoconseguisse apagá-los. Que estúpidos temos sido, acreditando quepoderia se tratar de um diário escrito! Se fosse assim, agoraestaríamos tentando reconstruir um quebra-cabeça de papel,carcomidos pelos anos.

Sentado na cama de seu quarto, Colmenares reconheceu que

a estratégia do escultor garantiu que sua herança permanecesseincólume durante séculos. Não poderia ser de outra forma. Asinscrições na pedra, segundo Cristina, eram a melhor  — e a maissegura — maneira de transmitir uma mensagem, perpetuando-apara as gerações vindouras. Iacobus sabia como tambémadivinhara que seria delatado ao mestre de obras e castigado por desobedecer às normas da loja, embora não parecesse que lhe

importava morrer em troca de salvaguardar seus conhecimentos.— Raios que me partam..., mas não consigo entendê-lo! — 

exclamou, finalmente, o advogado. — Esse pedreiro do diaboconstruiu uma cripta subterrânea só para esculpir símbolosesotéricos nas paredes que, talvez, se não fosse pelo talmanuscrito, teriam permanecido ocultos até o fim dos tempos. E,apesar de tudo, arriscou-se a que lhe cortassem a língua e lhearrancassem os olhos.

— A câmara subterrânea já estava ali, antes que fosseminiciadas as obras da capela dos Velez — afirmou Leonardo, que,novamente, observava a gravação. — Segundo disseram àCláudia, a edificação foi sobre uma antiga capela ou mausoléu.

 Agora não estou me lembrando muito bem do detalhe.

— A primeira coisa que faremos será regressar a Madri e

analisar a gravação em profundidade. Preciso gravar o DVD em umcomputador, para aumentar e corrigir as imagens que ainda

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permanecem difusas. Depois, vou imprimi-las para realizar umestudo detalhado.

Cristina sabia, com clareza, quais eram suas prioridades. MasLeonardo não estava de acordo.

— Isso vai acontecer só depois de encontrarmos Cláudia eSalvador Riera — argumentou carrancudo, para, em seguida,congelar a imagem e fazê-la girar. — Não vou embora daqui semeles.

— Você sabe muito bem que não podemos chamar a polícia— lembrou Colmenares, apoiando a decisão de Cristina. — Eprocurá-los por nossa conta é uma tarefa impossível sem os meios

necessários.— Vocês são livres para escolher... — engoliu em seco e

acrescentou sombrio —... e eu também!

Cláudia corria um grave perigo e ele não estava disposto aabandonar a luta, nunca, de jeito nenhum, enquanto estivesseconvencido de que ela continuava com vida.

— Você nem sequer sabe se eles continuam em Múrcia — argumentou, novamente, o advogado, em voz baixa.

Cárdenas levantou-se, irritado pelo tom que estava tomando odiálogo. Precisava de tempo para encontrar uma solução. Forçar uma fuga desesperada só beneficiaria Os Filhos da Viúva, mas, por outro lado, reconhecia que a boa vontade dos três não seriasuficiente para encontrar Cláudia e seu tio. O melhor modo deajudá-los seria decifrando, de uma vez por todas, o significado

daqueles hieróglifos que enfeitavam os muros das sete salas.— Está bem... então faremos uma coisa — propôs a eles. — 

Voltaremos, novamente, a Santomera, onde tentaremos localizar aempregada de Salvador. Ouvi quando ele dizia que ela morava nopovoado.

— E então...? — quis saber Cristina.

— Eu lhe direi a verdade, que sou o companheiro sentimentalda sobrinha de Riera e que vim de Madri para encontrá-los napropriedade, mas que não consigo localizá-los de jeito nenhum.

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— Corremos o risco de que alguém denuncie às autoridadeso desaparecimento — recordou o advogado.

— Realmente, isso ela fará de qualquer forma. Mas é possívelque antes nos informe se há alguma outra residência onde elestalvez possam ter buscado refúgio.

— Você acha que eles estão escondidos?

— Prefiro pensar nisso do que imaginá-los mortos.

— Escolher a probabilidade que mais lhe convém é umsintoma de desespero, embora seja bastante compreensível sevocê ama tanto Cláudia como diz — comentou a criptografa.

— O bastante para não me dar por vencido. A interpretação de Cristina não chegou a irritá-lo, mas sentiu-

se bastante desconfortável pelo fato de que uma pessoa queacabara de conhecer se desse o direito de julgar seus sentimentos.

— Tudo bem, estou de acordo... vamos lá... — deliberouColmenares, colocando-se, igualmente, em pé —..., mas depoisvoltaremos a Madri. Eu também tenho assuntos pendentes a

resolver, entre os quais o próprio futuro da Hiperión e os empregosde seus companheiros... lembra disso?

Leonardo teve de reconhecer que não podia impedi-los de ir embora. Mas, se assim fosse, perderia para sempre a oportunidadede encontrar Cláudia.

— Isso me parece justo — reconheceu, a duras penas —,mas você tem de me prometer que cumprirá a última vontade de

Mercedes, financiando a procura dos criminosos, bem como dosdesaparecidos.

O advogado abriu exageradamente os olhos antes deresponder.

— Com certeza! — resmungou, indignado. — Sou otestamenteiro de Melele Dussac e, como advogado, conheço bemminhas obrigações profissionais.

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— Então, não temos mais nada a resolver... — Leonardo deua conversa por encerrada, indo até a porta. — Agora, se vocês meperdoam, necessito de um bom trago.

Saiu, deixando-os ali para que pudessem deliberar sobre ofuturo daquele desafio em que tinham se envolvido por causa deum maldito código criptografado. E já havia começado a tarefa.

Uma hora depois, Cristina encontrou Cárdenas sentado diantedo balcão do bar do hotel, tendo em uma das mãos uma cigarrilhaavermelhada e, na outra, o indefectível gim-tônica da noite. Decidiusentar-se ao lado dele. Ainda não havia muitos clientes por ali. Viuapenas um casal de namorados que conversava, tomando vinho, eum velho que bebia, sem pressa, uma xícara de café.

— Você me convida para um drinque? — perguntou aochegar, ocupando um dos assentos que estavam livres. Quando sevirou, Leonardo verificou que ela havia trocado sua estilizadaindumentária de mulher de negócios por algo mais esportivo. Aovê-la com calça jeans bem justa e blusa decotada, com umasugestiva e evidente marca do encontro dos seios, ele atéconsiderou a idiotice de rejeitar sua companhia. O certo é que o

corpo daquela mulher parecia esculpido pelas mãos de um anjo,algo que realmente não percebera até aquele momento. O fato deque tivesse o cabelo solto, em vez de preso, conseguiu excitar suatestosterona a ponto de sentir galopes de cavalos selvagens noestômago.

Não fosse pelo fato de amar Cláudia mais do que gostaria,bem que poderia enamorar-se de uma mulher tão atraente,

inteligente e bem formada como Cristina. Talvez se a tivesseconhecido em outro momento e lugar...

— O mesmo? — perguntou, levantando o copo.

— Bourbon, por favor.

Leonardo chamou o garçom com um gesto de mão.

— A senhorita tomará um Four Roses — disse-lhe,

imediatamente.Para mim, outro gim-tônica Tanqueray.

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Depois de trazer os drinques, o camareiro se distanciou paraatender os novos clientes que chegavam.

— Onde está Nicolas? — estranhou que o advogado a tivessedeixado sozinha. Dava para ver à distância que ele estava babandopor ela.

— Preferiu descansar — respondeu a criptografa, depois desaborear o uísque com um gesto de complacência. A verdade éque foi um dia exaustivo.

— O que verdadeiramente me preocupa é não saber paraonde nos conduzirá a loucura desse maldito pedreiro nem o queacontecerá com nossas vidas a partir de agora — disse, fitando-a

nos olhos intensamente.Cristina concordou, em silêncio.

— Suponho que deve ser difícil perder a pessoa a quem seama — murmurou, finalmente.

— Você fala dela como se estivesse morta.

— Estaria mentindo se dissesse que mantenho a esperança

de que os seqüestradores se mostrem benévolos e os liberem sãose salvos, exceto se for para exigir algo em troca.

— A gravação por suas vidas? Aquilo fazia sentido.

— Talvez temam que seu segredo venha à luz, ou talvezprecisem do DVD, como nós, para decifrar os hieróglifos. Dequalquer forma, não voltarão a descer à cripta. Seria bastantearriscado tentar de novo, pois existiria a possibilidade de

encontrarem a polícia ali. Por isso, não descarto a possibilidade deuma troca de reféns por informação.

— Diga-me uma coisa, Cristina... você ouvira falar, antes,sobre Os Filhos da Viúva?

— Se o que você quer saber é se estou preparada paraencarar o desafio, vou lhe dizer que conheço cada um dossegredos da alquimia, da maçonaria e a linguagem simbólica doscaracteres. Mergulhei profundamente nos livros mais obscuros damagia e do esoterismo medievais, além de ter sido a primeiramulher a apresentar uma teoria coerente sobre o significado da

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pedra filosofal. E fiz, ainda, a provável interpretação autêntica doManuscrito Voynich. Não tenho medo de uma fraternidade deconstrutores que alega conhecer os mistérios de Deus, mas sim desaber que são os únicos que podem fazer uso disso. Em todo ocaso e respondendo à sua pergunta... sim, eu os conheço.

Uma jovem de cabelo escuro e encaracolado sentou-se àscostas de Cristina. Leonardo observou seus óculos pequeninos, decor vermelha, e o aparelho de ortodontia que usava na boca, umdesses corretivos que às vezes são implantados nos adolescentes.

 Aqueles adereços deturpavam os traços de seu rosto mágico.

— Salvador me falou de Hiram Abif e de sua relação com arainha de Sabá... — Leo se esqueceu da garota, para continuar 

falando dos supostos criminosos. — O que há de verdade nessahistória?

— Ninguém sabe — ela respondeu, virando a cabeça para olado. — Uns dizem que o filho da Balkis era de Salomão, outrosdizem que era do mestre de Tiro. Mas o certo é que, de um ou deoutro, sua descendência adotou a denominação de Os Filhos daViúva, herdeiros de um segredo universal relacionado com o

Templo de Jerusalém e os mistérios da construção. Antes de maisnada, porém, são os guardiões da Arca da Aliança.

— Riera tem a mesma opinião — reconheceu. — De fato,está convencido de que em determinada ocasião ela foi escondidaem algum lugar da província e que, mais tarde, foi depositada soba capela dos Velez. Bom, falamos disso recentemente, quandoconversávamos sobre a quadra de Nostradamus.

Cristina olhou para ele, intrigada. Era a primeira vez que ouviafalar em algo assim.

— Pode me explicar do que se trata?

Leonardo concordou em lhe contar tudo o que sabia arespeito, desde as anotações de Balboa sobre o documentocriptografado até o duplo sentido da quadra do astrônomo francês,

passando pelo anátema escrito na parede, na noite em queassassinaram Balboa e o castigo infligido ao pedreiro. Cristinaachou surpreendente o fato de que mencionasse as correntes e o

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terrível final do escultor. Conhecia de memória o manuscrito deToledo, mas jamais chegara a pensar que a catedral de Múrciafosse o eixo central de toda aquela história.

— Fale-me desse amigo seu, o arquiteto — insistiu. — Comoé que ele conhece tão a fundo a vida e os costumes dosconstrutores medievais?

— Suponho que por pura informação profissional... — comentou, antes de encolher os ombros. — A arquitetura estáintimamente relacionada com o trabalho do antigo maçom.

— Todavia, segundo você mesmo, ele dedicou muitos anosao estudo da loja. E o fez em profundidade, já que nem todo

mundo conhece de memória os artigos maçônicos enumerados noManuscrito Cooke.

— Não é de estranhar, se a pessoa se interessa por história.E a verdade é que Riera parece sentir uma grande satisfação ao seaprofundar nos mistérios relacionados à Arca do Testemunho,templários e maçons. Ele, inclusive, pensa que o nome deSantomera deve-se ao fato de um dos fundadores do Templo,

Godofredo de Saint-Omer, ter trazido consigo a relíquia da TerraSanta.

— Está bem... — uma careta furtiva cruzou o belo rosto dacriptografa. — E onde você acredita que ela esteja agora?

— Como você quer que eu saiba? — o bibliotecário esboçouum sorriso caricatural. — Segundo Salvador, deveria estar ocultana cidade de Enoque. Acho que esse homem continua obcecado

por algo que os arqueólogos andam procurando há muitos séculos.— E você diz que ele é tio de sua querida Cláudia? — ela

perguntou novamente, mas com certo ceticismo.

— Na realidade, é meio-irmão de seu pai. Antes, vivia emBarcelona, mas há anos deixou seu trabalho para instalar-se napropriedade que vocês conheceram esta manhã... — foi então queele notou que ela se interessava mais pela vida do arquiteto do que

pela possibilidade de encontrá-lo. — Posso saber a que se deveesse interesse por Salvador?

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— É apenas curiosidade — mudou de atitude, observando osclientes que começavam a entrar no reservado do restaurante, atéexclamar, com uma jovialidade afetada: — Muito bem, Leo! Serámelhor que eu o convide a jantar, se é que seu orgulho de machoibérico pode agüentar uma coisa dessas.

Ele começou a rir, descendo da banqueta alta, para dar-lhe,galantemente, o braço.

— Será um prazer, desde que você esteja disposta a mecontar, enquanto jantamos como resolveu estudar Arqueologia.Para mim é mais fácil aceitar seu convite se tenho confiançasuficiente em você... — esboçou um sorriso. — Vou adverti-la,porém, que isso não nos impedirá de ir novamente a Santomera,

amanhã, em busca de Cláudia e de seu tio.— Puxa vida! E eu que estava aqui pensando que você

poderia esquecer um pouco dela e me paquerar. — Desta vez foiCristina que riu de sua própria brincadeira.

Seguiram juntos até uma das mesas do restaurante,conversando amigavelmente, sem reparar em nada mais senão

neles mesmos. A jovem de óculos e aparelho nos dentes, que estava atrás deCristina, pediu a conta ao garçom, que não estranhou seu sotaquealemão. Múrcia, devido ao clima quente do Mediterrâneo, estavacheia de turistas que viviam nas prolíficas urbanizaçõesconstruídas ao longo da costa. Aquela região autônoma estavapoluída de estrangeiros chegados de toda a Europa.

Lilith, satisfeita pelo que acabara de escutar, dirigiu-se aoelevador do hotel. Em suas mãos, levava a chave do quarto quelhe haviam dado na recepção. Entrou no quarto com um sorrisonos lábios. Deixou a chave na mesinha do vestíbulo e foi até oquarto, enquanto se livrava do horrível aparelho dentário. Quandochegou diante do espelho, tirou a peruca. Depois, foi à vez daslentes de contato de cor castanha. Limpou, com uma toalhinha debebê, o rímel dos cílios e o contorno escuro das sobrancelhas. Em

seguida, enxaguou o rosto com água quente. E então, quandoabriu as pálpebras, ali estava de novo a Lilith de sempre: loira,

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pálida e de olhos azuis. A boneca mais atraentemente diabólica domercado criminoso.

 Acendeu um cigarro e foi até a sala. Precisava da ajuda deFrida... ou talvez sentisse falta de alguém em quem confiar. Estar na mira da Agência, que não desistiria de tentar eliminá-la, era algoque a inquietava bastante.

Entretanto, a conversa que acabara de ouvir podia ser maisimportante do que o fato de ter colocado sua cabeça a prêmio. Eleshaviam se referido a umas correntes que circundavam aconstrução octogonal da capela dos Velez, das Centúrias deNostradamus e da Arca da Aliança, uma relíquia em busca da qualo Terceiro Reich realizou diversas expedições arqueológicas no

Oriente Médio, sobretudo no Egito, por acreditar que se tratava deum amuleto mágico dotado de poderes sobrenaturais, com o qual oFührer poderia governar sobre as demais nações do mundo. Omais importante de tudo, porém, era saber que tinha seu homemdormindo no hotel. Ouvira a mulher chamar de "Leo" o sujeito queestava ao seu lado e seria quase impossível ter duas pessoas comesse mesmo nome relacionadas ao mesmo assunto. Também

havia memorizado os nomes do arquiteto e de sua sobrinha — supostamente desaparecidos —, algo que aumentava ainda maissuas possibilidades de êxito, pois já havia elaborado um plano enão iria renunciar a ele.

Tirou o telefone celular da bolsa. Discou o número de Frida eesperou o sinal. Depois de alguns segundos, ouviu uma gravaçãoinformando que o aparelho estava desligado ou fora da área decobertura. Tentou novamente, com idêntico resultado. Estranhou,porque Frida prometera mantê-lo sempre ligado, justamente paraque pudessem comunicar-se quando fosse necessário. Então, ligoupara fraulein Gottdard, à senhora idosa que vivia no apartamentoda frente e que costumava regar as hortênsias de Frida quandoambas saíam de viagem. Ela permanecia todo o tempo àdisposição dos demais. Era a única em condições de saber ondeestava sua amiga.

Tão logo ouviu a voz de Lilith, a mulher começou a chorar.

— Pequenina, é você...?

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— Sim, sou eu! — respondeu, surpresa pela conduta davizinha. — Aconteceu alguma coisa a ela?

— Ai, criatura! Não sei nem como lhe contar... — gemia,desconsolada.

— Contar-me o que?Tantos soluços começavam a deixá-la nervosa.

— Trata-se de Frida... foi horrível!

— Onde ela está? O que aconteceu? — perguntou ansiosa.Seu coração deu um salto, uma vez que um terrível pressentimentocomeçava a surgir em suas entranhas.

— Ela foi encontrada morta em seu apartamento, com um tirona cabeça... — gemeu, de novo, a vizinha. — Sinto muito,pequenina! Sinto muito, de verdade! Você sabe muito bem comoeu gostava dela... Era como uma filha para mim! Se lhe digo que...

Nesse momento, Lilith parou de escutar. Baixou lentamente amão, cortando a comunicação sem sequer se despedir. Haviarecebido um duro golpe, talvez pesado demais. A morte de sua

amiga não lhe era indiferente. Mais, ainda: conseguiu arrancar delaum grito de ódio que acabou com um murro de impotência dadocontra a parede.

Por alguma estranha razão, a Agência havia encontrado Fridaantes de chegar a ela, Lilith.

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Capítulo 32

Na manhã seguinte, regressaram a Santomera. A primeira coisaque fizeram foi perguntar às pessoas do povoado pela empregadaque trabalhava ocasionalmente na propriedade do arquiteto. Emuma cafeteria do centro foram aconselhados a ir até o escritório daCáritas, situado atrás da velha igreja e que perguntassem por umatal Casilda, a filha do Barrica. Segundo lhes informaram, era umacigana sem recursos que ganhava a vida limpando escritórios,edifícios públicos e agências bancárias. Sua integridade de caráter no trabalho era atestada por várias cartas de recomendação

escritas pelo pároco do vilarejo. Um de seus compromissos era ir todas as quintas-feiras à casa de Salvador Riera, dia em que sededicava única e exclusivamente a limpar a casa, já que eramnecessárias umas sete ou oito horas para tirar todo o pó dosmóveis dos diferentes cômodos, além de varrer e esfregar os maisde seiscentos metros quadrados de chão.

Sem perder tempo, foram ao lugar que lhes haviam indicado.

 Ali, uma senhora de aspecto agradável os recebeu comcortesia paroquial. Ao perceber a urgência de Leonardo emencontrar a mulher da limpeza, pois ele parecia estar muitoperturbado pelo desaparecimento de sua companheira, apressou-se em ajudá-los, informando o endereço onde poderiam encontrá-la à uma hora e meia da tarde, pois era quando ela voltava a casapara almoçar. Faltavam poucos minutos; assim, agradeceram aajuda e foram embora rapidamente, com a finalidade de abordar afaxineira antes que entrasse em sua residência.

Casilda vivia em um casebre que havia no final da Rua Virgende los Desamparados, em uma área de periferia com reputaçãomal afamada, devido ao fato de ser freqüentada por drogados edelinqüentes. Tratava-se de uma triste cabana, cujo teto,visivelmente, se desintegrava aos poucos, à medida que as vigasde sustentação de madeira apodreciam por causa da umidade,

fazendo com que não resistissem ao peso das telhas. Tinha osvidros das janelas exteriores quebrados a pedradas. Quanto àfachada, as paredes estavam rachadas de um extremo a outro,

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fazendo com que as diversas camadas de cal aplicadas ao longodos anos descascassem na mesma proporção. Tão logochegaram, trataram de comprovar se ela já estava em casa.Bateram várias vezes na porta de madeira, sem obter nenhumaresposta. Então, resolveram esperar o tempo que fosse preciso ali

mesmo, junto à entrada.Poucos minutos se passaram até que viram que se

aproximava uma mulher cigana, vestida com um moletom cor derosa; tinha o rosto excessivamente maquilado. Franziu a testa aover que os desconhecidos aguardavam com visível impaciência oseu regresso. Tirou as chaves da bolsa, na esperança de que nãoa detivessem por muito tempo. Seus filhos estavam com sua mãe,

como todos os dias, e ainda faltava fazer a comida antes quealgum de seus irmãos viesse trazê-los de carro.

— Bom dia! — Colmenares, por ser o mais indicado,aproximou-se para um primeiro contato, esboçando o mais sincerode seus sorrisos. —Você é Casilda, a senhora que faz faxina nacasa do arquiteto?

 A mulher gostou do tom cortês daquele cavalheiro maduro e

atraente. De imediato, percebeu que não eram nem policiais nemfiscais do trabalho.

— Eu mesma — respondeu com idêntica cordialidade. — Posso saber o que você deseja? — O bibliotecário, então,adiantou-se para se apresentar.

— Eu me chamo Leonardo Cárdenas e estou procurando umaamiga que há alguns dias veio visitar seu tio... Salvador Riera, odono da propriedade que há nos arredores do povoado.

— Não sabia que meu patrão tinha uma sobrinha — retrucouà cigana, com expressão de estranheza. — Na realidade, elenunca fala de sua família.

— O certo é que ela passou este fim de semana com ele.

— E...? — acrescentou, na defensiva. Ignorava onde aquele

homem queria chegar.— Bem, você verá... — Leonardo titubeou, antes de continuar.

— Nós viemos de Madri com o objetivo de fazer uma visita a eles,

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mas qual não foi nossa surpresa ao descobrir que não há ninguémem casa!

— E o que é que vocês querem saber?

Casilda começou a desconfiar de todos eles, intuindo que

bem poderia tratar-se de um bando de ladrões, bem organizado,com a intenção de obter informação dela.

— Nosso único objetivo é encontrá-los, nada mais — acrescentou o advogado, ao dar-se conta de que o receio daquelamulher, cuja etnia era dada a silenciar se não obtivesse benefíciossubstanciais, poderia influir negativamente na conversa.

— Caso você possa nos dizer, ao menos, se existe uma

maneira de nos comunicarmos com Salvador Riera, nossa viagemnão terá sido em vão. Além disso, estamos dispostos a assumir osônus financeiros do tempo que você está perdendo conosco.

Era a primeira frase de Cristina e também foi a decisiva,graças à nota de vinte euros que ela introduziu dissimuladamenteno bolso do moletom da mulher, que baixou a guarda depois dointerrogatório, e graças, à naturalidade espontânea da ruiva, a

quem mentalmente qualificou como a mais inteligente do grupo.— O patrão não voltará durante toda a atual temporada.

— O que você quer dizer com isso?

Por um instante, Leonardo aventou a possibilidade de que acigana fosse cúmplice do grupo Os Filhos da Viúva. Por essemotivo, sua pergunta foi feita em um tom bastante ríspido. A mulher 

não pareceu dar importância a isso, mas respondeu no mesmoestilo.

— O patrão cansou-se de viver em Múrcia e regressou aBarcelona! — disse, provocando seu inquisidor.

— Isso não é possível! Como é que você pode saber? — insistiu o bibliotecário.

Farta de perder seu tempo, a cigana lhes disse o que queriamsaber, para ver se assim a deixavam em paz.

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— Ele mesmo me disse, ontem, por telefone... você está meescutando...? — seu rosto se contraiu em uma careta irônica. — Ligou do aeroporto. Não mencionou se estava indo embora emcompanhia de alguém...

— Mas isso não tem sentido! — exclamou Cárdenas, atônito,quando regressaram ao carro. — É ridículo pensar que secomunicou com a faxineira e não comigo!

— Pode ser que o obrigassem a fazê-lo, para não levantar suspeitas... — foi à opinião de Colmenares, manifestada enquantoele girava a chave no contato. — Penso que assim conseguiriaevitar que alguém fosse denunciar seu desaparecimento à polícia,

 já que foi ele mesmo que entrou em contato com Casilda. É um

plano de mestre. Na realidade, eu diria que é mesmo perfeito.O automóvel foi colocado em marcha, dirigindo-se à rua

principal.

— Isso vem confirmar nossa teoria de ontem — argumentouCristina, dirigindo-se ao bibliotecário.

— A que teoria você está se referindo? — perguntou o

advogado.— À de uma troca de reféns pelo DVD... — respondeu

Leonardo, em voz baixa. — É possível que Os Filhos da Viúvaprecisem saber, tanto quanto nós, que tipo de informação Iacobusdeixou inscrita sob a capela dos Velez.

— Já devem ter percebido que o DVD existente na câmeraque levaram estava em branco — acrescentou a criptografa —,

mas não se arriscariam a descer novamente. A polícia poderiaestar esperando por eles e eu acredito que são muito previdentesao agir.

— Então... para que voltar à propriedade? — insistiu Nicolas.

— Você pode me chamar de cabeça-dura, se quiser, masantes de ir embora eu preciso comprovar que não há ninguém na

casa de Riera.— Você pretende saltar a grade e violar a residência de um

cidadão honrado? — Colmenares estava absolutamente surpreso,

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de maneira que acrescentou, com expressão fechada —... Se for isso, não conte comigo!

— Não se preocupe... eu estou pretendendo dar uma olhadanos arredores e tocar, de novo, a campainha da propriedade. Nãovamos perder nada ao tentar.

O advogado olhou para Cristina, esperando sua resposta. Elaencolheu os ombros e sussurrou:

— Já que estamos aqui...

Satisfeito, Leonardo relaxou na parte traseira do automóvel.Sabia que era inútil procurá-los ali, mas tinha de comprovar por simesmo que a cigana não estava mentindo para eles. Era como

havia dito Cristina, a negação do indivíduo que não aceita a perdada pessoa que ama algo que, por outro lado, era simplesmenteinevitável.

O localizador indicava claramente que estavam em Santomera.

Lilith, que os havia seguido de longe, na estrada, acabou por perdê-los de vista ao desviar-se para o centro do vilarejo, quando

um enorme trator se colocou na sua frente, impedindo-a de fazer ultrapassagem durante um trajeto de curvas. Não se importava,porém, pois sabia que cedo ou tarde novamente os encontraria.Era apenas uma questão de tempo, para que se aproximassem dapropriedade do arquiteto. Era outro de seus pressentimentos.

Segura de si decidiu aguardar a chegada deles montandoguarda diante da surpreendente casa de Salvador Riera.

Depois de dez minutos, eles viram as copas mais altas dasárvores plantadas em fileira na frente da cerca que circundava apropriedade. Quando alcançaram a última curva, viram o carroesportivo, com chapa estrangeira, estacionado diante do portão deferro. Uma jovem, vestida com um jaquetão de couro negrocomprido até os joelhos, observava o interior da propriedade,segurando as barras da cerca com as duas mãos. Quando os ouviu

chegar, voltou-se, assustada, tirando os óculos de sol paraesquadrinhar as pessoas que estacionavam junto de seu carro.

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Pelo que Cárdenas pôde perceber, tratava-se de uma jovemmuito atraente, que não teria mais de vinte e cinco anos de idade,de cabelo muito ruivo e cortado à antiga moda punk. A expressãode seus olhos era avessa e arrogante. Esbanjava uma fortepersonalidade.

Cristina foi a primeira a descer do automóvel. Depois, saíramseus acompanhantes.

— Olá! — a criptografa se aproximou cautelosamente,levantando a mão em sinal de saudação fria. — Procura alguém?Talvez Salvador?

 A jovem os observou com um olhar demasiado altivo para sua

idade.— Posso saber quem são vocês? — perguntou, por sua vez,

com um sotaque alemão.

— Meu nome é Nicolas e sou o advogado do senhor Riera,dono da propriedade — respondeu Colmenares, fazendo uso desua autoridade profissional. — E você... pode nos dizer quem é e oque estava olhando ali dentro?

— Hei... veja bem... — Lilith se colocou na defensiva —... nãoestou fazendo nada que esteja fora da lei, apenas observo o

 jardim. Além disso, tenho meus próprios motivos para estar aqui.Motivos profissionais.

— Perdoe... — interveio Leonardo, sempre diplomático. — Como disse que se chama?

— Lilith.— Veja Lilith... não queremos aborrecê-la e, muito menos, nos

intrometer em seus assuntos pessoais, mas precisamos que nosdiga o motivo de sua presença na propriedade ou tiraremos nossaspróprias conclusões.

 A jovem apoiou as mãos na cintura, esboçando um sorrisobem sarcástico.

— Para você eu vou dizer... por acaso, é da polícia?

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— Pode ser que eles se interessem em saber que vocêestava espionando através da grade — falou, novamente, Nicolas.

Ela pareceu nem se importar com a ameaça.

— Faça o que quiser  — disse, secamente. — Eu pretendo

ficar aqui até que o dono da casa regresse.— De acordo com o que apuramos, Salvador viajou para

Barcelona há alguns dias. Não creio que vá voltar nas próximassemanas.

 As palavras de Cristina surtiram efeito. Lilith desabou aoescutadas, inclusive a cor de suas faces, rosadas apenas graças àmaquiagem, se alterou.

— Mein Gotti — exclamou, desencantada, em seu idiomaoriginal. — Não pode ser... agora não! — levantou os braços. — Não depois de tê-lo encontrado!

Começou a chorar, desconsolada, para fazer com que seupapel parecesse o mais verídico possível.

— Você está bem? — Leonardo aproximou-se dela, surpreso

por sua repentina mudança de atitude.— Por favor! — ela suplicou. — Sabem onde eu poderia

encontrá-lo, em Barcelona? É muito importante para mim, entrar em contato com ele. Eu o estou procurando faz muito tempo.

Cristina sentiu pena da jovem, razão pela qual se aproximou,rodeando seus ombros com os braços. Tentou transmitir-lheconfiança e cumplicidade, pelo fato de serem mulheres.

— Será melhor que você me conte a verdade. Se for algoíntimo, você pode me contar. Prometo ajudá-la em tudo o que sejapossível.

Lilith suspirou, abatida. Observou-os por alguns segundos, uma um, em silêncio, esforçando-se ao máximo para que suaconfissão novelesca calasse profundamente nos sentimentosdeles. Tratava-se de representar o último ato. E tinha de fazê-locom firmeza.

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— Esse homem... Salvador Riera... — olhou tristemente paraCristina, enquanto falava —... é meu pai.

 Aquela não era, precisamente, a resposta que todosesperavam.

— Quando eu era criança, minha mãe me disse que papaitinha morrido, mas eu sempre soube que ela me ocultava àverdade... —Lilith improvisou uma história que parecesseconvincente. —Uma vez eu a escutei falar ao telefone. Discutiaacaloradamente com um homem... e o assunto da conversa era eu.

Sentados na varanda de um bar, no centro de Santomera,eles ouviam com atenção as palavras da jovem.

— Depois daquilo, ela jamais voltou a me falar dele — continuou seu relato. — Em nossa casa não havia nem umafotografia sequer que atestasse a existência dele, nem mesmo umacarta provando uma relação entre eles. Não sei onde seconheceram nem que tipo de sentimentos pode tê-los unido, nopassado. Se for amor não correspondido ou uma louca noite deprazer, é algo que permaneceu entre os dois. Nem sequer 

reconheceu que ele nos tivesse abandonado e isso quer dizer quetalvez tenha sido minha mãe que decidiu esconder dele a suagravidez... — nesse momento, começou a chorar. — Eu só queriasaber os motivos.

— Deve ter sido muito difícil para você. — Cristina colocousua mão sobre a de Lilith, um gesto fraternal que a alemã aceitoucom evidente satisfação.

— Foi, sim, durante anos — aspirou profundamente e tratoude recompor-se, limpando as lágrimas com um lenço.

Leonardo, que ficara observando a jovem para ver seencontrava nela alguma semelhança física com Cláudia — afinalde contas, eram primas —, ainda que sem nenhum resultado,resolveu esclarecer a razão da viagem dela à Espanha.

— Então, se você não o conhecia nem tinha idéia de onde

encontrá-lo... como é que estava em frente da casa dele?— Há alguns meses, durante o período de Natal, recebi um

presente muito especial: uma carta com um remetente da Espanha.

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Era de meu pai. Ele me dizia que tínhamos de falar sobre muitascoisas, entre elas o verdadeiro motivo pelo qual jamais pôde ir à

 Alemanha para me conhecer... — por um instante, fechou os olhos.— O pior veio no final da carta, quando disse que desejava me ver antes de morrer. Pelo visto, ele acabara de receber o diagnóstico

de uma doença terminal. Restava-lhe apenas um ano de vida. Assim que terminou de falar, começou a chorar de novo.

Olharam-se, uns aos outros. Cárdenas se sentiu atraiçoado pelopróprio Riera, que em nenhum momento lhes disse algo arespeito... ao menos para ele. Se Cláudia soubesse da doença,

 jamais se atreveria a contar, talvez por respeito ao tio.

— Sinto muito, não sabíamos disso — murmurou comovido.

Quis, dessa forma, dar a entender a seus amigos que eleacabava de inteirar-se do assunto.

— Como vocês podem perceber não penso desistir, agoraque estou tão perto... — sua voz soava entrecortada e melancólica.— Vocês, que são amigos dele, deveriam tentar localizá-lo emBarcelona. Suponho que deve haver alguma forma de entrar em

contato com ele. Não sei como! Quem sabe descobrir um endereçoou um número de telefone...

Cristina suspirou, sem saber o que dizer. O advogadopercebeu que eles tinham levado a própria encenação longedemais e que reconhecer o equívoco, agora, seria muitoembaraçoso. Leonardo também se deu conta de que não poderiamcontinuar mentindo. Não eram amigos íntimos do arquiteto nemColmenares o representava juridicamente, como havia dito à

 jovem. Eram como ela, três estranhos que tentavam localizá-lo,ainda sem saber como, antes que terminasse por entregar suaalma a Deus. Para sua maior tristeza, Riera tinha agora doisinimigos contra os quais lutar.

— Veja você... — o bibliotecário vacilou, antes de continuar falando —... há algo que precisamos lhe dizer, por que...

— Não creio que nossos assuntos sejam do interesse dela — Colmenares o interrompeu asperamente, impedindo-o de falar alémda conta. E mais: já deveríamos estar a caminho de Madri.

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— Então... — Lilith balbuciou —... vocês não pretendem meajudar?

Foi tão realista a atuação, que ela mesma chegou a acreditar em sua dor. Cristina, como mulher, voltou a sentir pena dela.

— O certo é que nós também estamos procurando por ele — reconheceu, com um gesto de honradez. A única informação quetemos é a que lhe contamos.

— Há algo, porém, que vocês ainda não me disseram... omotivo pelo qual o estão procurando — mudou de atitude,demonstrando certa desconfiança de seus interlocutores. Sintomuito, mas não creio que alguém saiba onde ele está. Meu único

recurso é ir à polícia. A reação foi a que esperava. Os três empalideceram ao ouvir 

sua decisão de implicar as autoridades no assunto.

— Será melhor que conversemos antes — aconselhou,gravemente, o advogado. — Se nos precipitarmos, podemosadiantar o fim de Riera.

 A jovem alemã olhou para ele, nervosa. Sua boca se mexia,num tique nervoso.

— O que querem dizer com isso...? — revolveu-se, inquieta,na cadeira. — Onde é que está, realmente, meu pai? — perguntou,com voz angustiada. — Preciso saber o que aconteceu com ele! — exigiu histérica.

— Nós não sabemos — admitiu o advogado.

Lilith teve um pressentimento. Era bem possível que osmesmos fanáticos que a haviam contratado para assassinar umpobre paleógrafo e a diretora viciada em soníferos tivessem oarquiteto em seu poder, talvez porque ele e Leonardo meteramseus narizes nos assuntos da loja. Se assim fosse, melhor seriapronunciar a palavra mágica.

— Digam-me a verdade! — exclamou. — Por acaso ele foi

seqüestrado?

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— Se for mesmo sincera com você, devo admitir que seja oque imagino — afirmou Cristina, sem rodeios. — Eu aviso que éimpossível dizer-lhe algo mais do que isso.

— Perdoe, mas, em minha situação, eu não estou disposta aaceitar seus motivos... — a jovem alemã dirigiu-se a ela comamabilidade, tal como havia sido tratada por Cristina. — No que mediz respeito, os meus são mais importantes. Está claro que vocêstratam este assunto com discrição e que não estão dispostos apedir ajuda à polícia. Mas eu não penso da mesma forma. Por isso,tratem de me dar uma explicação melhor, antes que eu decidalevantar-me para ir em direção ao primeiro guarda que encontrar em serviço.

Parecia uma ameaça, ou assim os três interlocutores da jovem entenderam sua manifestação.

— Isto não é um jogo — advertiu Leonardo, com voz suave.— Sua vida pode correr perigo, a partir do mesmo instante em quelhe contarmos nossa história.

— É verdade — acrescentou Colmenares. — Lamentaríamos

demais, caso lhe acontecesse algo.— Parece que você não consegue entender  — suspirou,

irritada, dirigindo-se ao advogado: —... meu pai é a única coisa queme importa. Estou disposta a assumir o risco se assim puder conhecê-lo pessoalmente... Meu deus!... — murmurou, angustiada—... você sabe o que é viver com a esperança de ver o pai que lhefoi negado? Prefiro mil vezes a morte a me esquecer dele.

— Você conhece mais alguém em Múrcia? — lhe perguntouCristina, assumindo a responsabilidade pela situação da moça.

Lilith negou com um gesto de cabeça.

— Vamos cominar uma coisa... — continuou a criptografa —...venha comigo a Madri; fique em minha casa. Enquanto isso deixe-nos livres para procurar seu pai. Confie em nós, mas não seintrometa de jeito nenhum em nossos planos. Eu lhe prometo que,

se assim retroceder, conseguiremos fazer com que os que oseqüestraram o libertem.

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Ela pareceu pensar durante alguns segundos. Finalmente,cedeu à proposta da ruiva encantadora.

— Eu lhe dou a minha palavra de honra — disse, agradecida.Cristina segurou carinhosamente as mãos de Lilith, em um gestosolidário.

 Aquela mulher lhe caía bem.

Seria a última a ser assassinada.

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Capítulo 33

Para a viagem de regresso, eles se dividiram em dois grupos.Cristina, por sua própria decisão, decidiu acompanhar Lilith, paraque ela não se sentisse sozinha e também querendo sentir pouco apouco seu caráter, na esperança de compreender até onde podiachegar à confiança que havia depositado nela. Colmenares nãogostou nada de ter de se separar de Cristina, não somente porquea presença da criptografa bastava para deixado de bom humor,mas também porque acreditava ser mais prudente que os trêsseguissem juntos, criando um plano antes de chegar a Madri.

 Apesar de tudo, Cristina insistiu que não podia deixar a jovemsozinha. Achava que ela poderia cometer alguma loucura, comoentrar em contato com a polícia por acreditar que eles estivessemtentando enganada. Para evitar surpresas e problemasdesnecessários, finalmente aceitaram a sugestão de viajar emduplas.

Para Cardenas tanto fazia. Seu único desejo era recuperar 

Cláudia o quanto antes, o resto não tinha importância. Nãoobstante, viajar sozinho com o advogado lhe permitiria questionar um pouco mais sobre a vida de Cristina e averiguar qual era, narealidade, sua participação naquela história. O fato de Mercedes ter decidido isso não era motivo suficiente para colocá-la à frente dainvestigação; não, porque, na realidade, haviam sido eles — Cláudia, Riera e ele mesmo — as pessoas que decifraram oenigma do manuscrito e encontraram a câmara secreta embaixo da

capela dos Vélez. Eram, talvez, os únicos prejudicados até omomento, sem contar, claro, os mortos.

O mérito era deles. Não permitiria que ninguém arrebatasseseu momento de glória, tão logo conseguissem desmascarar OsFilhos da Viúva e levá-los diante do juiz.

Talvez por isso, tão logo se puseram em marcha, ele sentiunecessidade de se mostrar comunicativo com quem ia ser seu

companheiro de viagem durante tantas horas.

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— Diga-me, Nicolas... quem é, na verdade, Cristina Hiepes epor que Mercedes escondeu de mim que pensava contratar umacriptografa enquanto eu arriscava minha pele para resguardar areputação de Balboa?

Foi direto, sem rodeios. Sua melhor arma era o fator surpresa,pois sabia bem que o advogado gostava de reagir às perguntas-relâmpago. Não conseguia mentir quando não lhe deixavam tempopara pensar na resposta.

— O que? Ah, sim... — vacilou uns segundos —... vejo que jáse deu conta.

— Não sou tão estúpido.

— Bem, na realidade, a culpa é minha — reconheceu comvoz baixa. — Quando soube da confusão em que se meteram vocêe Melele, decidi chamar um amigo que trabalha no Ministério doInterior e pedir-lhe um pequeno favor. Tratava-se de me pôr emcontato com uma sumidade no mundo da criptografia medieval edas irmandades secretas, aproveitando o bom relacionamento queela mantém com a ministra da Cultura. Ela me indicou Cristina, que

é uma grande amiga sua autora de vários livros sobre a história damaçonaria e da alquimia, e participante de importantes debates econferências em várias cidades do mundo. Seu currículo éinvejável, eu lhe asseguro... — estalou a língua —... Mercedes jáhavia pedido o favor a Hijarrubia horas entes que eu, por isso nãoobjetei quando ela propôs que fosse sua substituta aos olhos dosseus companheiros na...

— O trabalho dela na casa de leilões era, na realidade, umafachada? — interrompeu-o para esclarecer esse ponto.

— Em parte... — respondeu Colmenares —... a intenção eraque ela ocupasse o seu posto até o dia do leilão, e, por outro lado,iria analisar profissionalmente o manuscrito de Toledo. Não quedesconfiasse do método utilizado por Balboa, ou do que você fezque no final das contas, devia ser o mesmo. Só quis procurar umsentido coerente nas enigmáticas frases do texto. Nem Cristina

nem eu tivemos tempo de lê-lo. Porém, como nos contouMercedes, tratava-se de um códice absurdo que não tinha pé nem

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cabeça. Ela queria mostrá-lo para nós, mas a assassinaram antesque tivesse a oportunidade de fazê-lo.

O bibliotecário continuava sem compreender.

— Então, se suas intenções eram outras... por que permitiu

que eu levasse a cabo meu plano de procurar embaixo da capelados Velez?

— Ela precisava levar em consideração todas aspossibilidades — respondeu seu interlocutor, sem desviar os olhosda estrada. —Por assim dizer, pensava que não seria demais abrir outra linha de investigação. Cristina teria de analisar todas asprovas que você mandasse, para fazer uma avaliação científica

com credibilidade. Não quero que você a julgue mal, muito menosagora, que está morta. Ela jamais duvidou de sua interpretação dotexto, mas precisava de alguém capaz de explicar-lhe o significadodaquelas palavras... — ele, então, virou a cabeça para olhá-lorapidamente nos olhos —... o que Mercedes jamais chegou a saber é que você estava no caminho certo.

Leonardo foi incapaz de fazer alguma recriminação, embora

tenha se sentido um tanto decepcionado. Em todo caso, tratou deabsorver o golpe, minimizando sua importância.

— De nada adiantou tanta estratégia. Esses bastardos têmsido mais espertos do que nós.

Dito isto, guardou silêncio, enquanto observava à frente asimediações do campus universitário de Espinardo. Colmenaresrespirou aliviado. Se houvesse continuado com o interrogatório,

Cárdenas poderia ter extraído a verdade: que Cristina trabalhavapara o Centro Nacional de Inteligência. E isso teria sido umdesastre.

Umas horas mais tarde, depois de comer numa cafeteriasituada num posto de serviço que havia nos arredores de Taracón,onde pararam para reabastecer, chegaram a Madri sem maiscontratempos, exceto uma chuva fina açoitando monotamente os

vidros. Eram quase onze horas e Cristina decidiu que cada umdeveria regressar para sua própria casa, descansando até o diaseguinte. Ela e a jovem Lilith despediram-se dos homens na

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 Avenida Castellana, combinando encontrar-se novamente noescritório da Hiperión, depois de comer, aproveitando que partedos funcionários estava de licença por tempo indeterminado.

Colmenares levou Leonardo até a casa dele. Sem muitoentusiasmo — já que estavam cansados devido às várias horas deviagem —, despediram-se, depois de fazer um novo pacto desilêncio: manter a alemã a menos informada possível. Para isso,teriam de falar reservadamente com Cristina, que parecia ter encontrado na jovem uma irmã caçula em apuros para cuidar.

Cárdenas chegou à porta do edifício sem poder tirar dacabeça o que tinha vivido nas últimas quarenta e oito horas. Tudohavia transcorrido muito depressa. Ainda pensava em Cláudia e

também em Salvador quando apertou o interruptor do vestíbulo eas luzes das escadas se acenderam. Subiu alguns degraus, antesde parar na frente do elevador. Distraído, apertou o botão.Enquanto esperava sua chegada, decidiu ir até a caixa do correio erecolher suas correspondências. Estava abarrotada de cartas epanfletos publicitários; não titubeou em levar tudo sem prestar muita atenção. Teria tempo de dar uma olhada naquilo quando

estivesse lá em cima, depois de um bom banho e de beber um gim-tônica.

Minutos mais tarde chegava ao seu apartamento. Encontrou-otal como o havia deixado, quer dizer, bagunçado. Os livros quefalavam de maçonaria continuavam abertos sobre a mesa de seuescritório, tal como as anotações que foi fazendo depois deconsultar diversas páginas na Internet. Na cozinha, seamontoavam os copos e os pratos que se esqueceu de lavar antesde sair de viagem. Havia um odor desagradável de ambientefechado. A casa precisava de ventilação; por isso, abriu um par de

 janelas para arejar os cômodos. Logo deixou o bolo de cartassobre a mesa da sala e foi direto para o banheiro, onde abriu atorneira do chuveiro.

 A água quente lhe devolveu a vida e fez sua mente recobrar odinamismo que havia perdido desde que abandonaram a cidade deMúrcia. Absteve-se, olimpicamente, de se barbear, ainda que nãotenha titubeado em colocar o pijama, calçar os chinelos, andar pelacasa e servir-se de um generoso trago. Foi até a sala com a

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intenção de se jogar no sofá e descansar. Então se resignou afazer o que tanto odiava: ligar a televisão. Lutou para não dormir,enquanto assistia a um programa para crianças que pareciam maispráticas e inteligentes do que os adultos. Embora aquilo fossedivertido, preferiu dar uma olhada na correspondência. As contas e

faturas trar-no-iam de volta ao mundo real.Separou as que não tinham o menor interesse, cartas que iam

para o lixo sem abrir porque eram apenas chateação, a maioriapropaganda ou publicidade comercial. Não demorou a descobrir,entre as outras, um envelope com linhas vermelhas descontínuasarrematando as bordas. Olhou o verso. Não tinha remetente,somente alguns números: (29-58-45) (31-08-03).

 Assim, de imediato, aquelas cifras não lhe diziam nada. Fixou-se, então, nos carimbos. Tinha impressas letras árabes, mas eletampouco soube distinguir o país de origem. Apalpou o envelope,como medida de segurança, já que depois dos atentados de marçoem Madri todas as precauções eram poucas, quando se tratava deislâmicos. Depois de assegurar-se de que estava tudo bem, decidiuabrir com delicadeza. Dentro, encontrou um papel dobrado.

Esticou-o cuidadosamente e começou a ler.Lilith estava no banho, assim, Cristina aproveitou para sentar-se namesa de seu escritório, com a finalidade de passar a limpo váriasfrases que estavam inscritas nas paredes da cripta e que viugraças ao DVD de Leonardo. Em latim, algo muito próprio daépoca, mas seu significado não parecia coerente. Ao contrário,eram muito ambíguas, e, também, inquietantes. Podia-se dizer que

faziam parte de uma adivinhação inicial, como faziam os antigosalquimistas. Copiou as três primeiras frases:

"Hic est lapis, qui reprobatus est a vobis aedificantibus, qui factusest in caput anguli... Delictum oris eorum, sermonem labiorumipsorum: et comprehendantur in supervia sua... Existimabant utcognoscerem hoc, labor est ante me, donec intrem in SanctuariumDei."

Escreveu, abaixo, a tradução: "Esta é a pedra que vósdescartastes ao edificar, a qual veio a ser a pedra angular... Pelo

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delito de sua boca e pelas palavras de seus lábios, sejam vítimasde sua própria soberba... Reflita para penetrar neste mistério: masa dificuldade foi grande para mim, até que entrei no Santuário deDeus." 

Em seguida, fez o mesmo com as outras duas novas frases:

"Sanctum et terribilie nomen ejus, initium sapientiae Timor Domini...In excelso throno vidi sedere virum."

Que corresponde a: "Santo e terrível é o Seu Nome, o temor do Senhor é o princípio da sabedoria... No excelso trono visentar um homem."

Foi repassando o que havia escrito para ver se encontravaalgum significado nas palavras. Precisaria de uma cópia do DVD,se quisesse comparar as diferentes frases com as marcas doscompanheiros, os glifos astronômicos e as figuras geométricas.Estas últimas eram muitas e contraditórias. Por um lado, haviatriângulos dentro de círculos, os quais, por sua vez, acabavam emquadrados perfeitos. Depois havia círculos unidos formando uma

cadeia, pentágonos com cruzes em seu interior, e triângulos-retângulos que, às vezes, se sobrepunham, formando a estrela deDavi. Ficou observando este último caractere, o da reintegração,conhecido na índia pelo nome de Shîyantra. O ângulo voltado paracima representava o céu primordial e o que ia em sentido contráriosimbolizava o caos, o inferno terreno.

Os princípios contrários se equiparavam no centro, onde se

podia ver desenhado o olho de Deus. E ainda que fossem apenasesboços que teve tempo de rascunhar, estava certa de que ao ver novamente as imagens e analisá-las uma a uma, em profundidade,poderia chegar a novos dados para comparar com os que jáestavam em seu poder. Nesse momento, tocou o telefone móvelque estava em sua mesa. Atendeu imediatamente.

— Sim?

— Perdão se a acordei, mas é importante. — Cárdenasparecia agitado.

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— Não se preocupe não nos deitamos ainda — pluralizou. — Lilith está tomando banho e eu estava passando a limpo umasanotações. Diga-me... o que está acontecendo?

— Aí vai uma charada: "Se desejas conhecer a verdade, terásde encontrar primeiro a chave onde se guarda o segredo de nossaloja, a qual se acha escondida cuidadosamente no interior de umacaixa de marfim coberta de pelos". Conhece a resposta?

— Isso é uma brincadeira? — respondeu perplexa, sementender nada do que ele estava dizendo.

Houve uns segundos de incômodo silêncio.

— Pode ser que você tenha razão... — raciocinou o

bibliotecário —... é muito tarde para lutar contra o talento. Boanoite, Cristina. Durma bem.

 Antes que ela pudesse dizer alguma coisa, ele desligou semdar mais explicações.

 A criptografa não sabia o que pensar. Leonardo havia perdidoa razão ou estava escondendo algo realmente transcendental.

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Capítulo 34

Sholomo viajou até a cidade do Cairo para falar pessoalmente comBalkis. Na loja, viviam-se momentos de tensão devido aos últimosacontecimentos, entre os quais estava o roubo do códigocriptográfico e as ordens de execução contra Lilith e sua amigaalemã. No entanto, o motivo principal de sua visita era o rumor,propagado rapidamente nos obscuros rincões da irmandade, deque Guardiões do Trono demitiram-se de seus cargos por causadas últimas decisões tomadas em função do segredo, e, não sóisso, mas que Balkis havia pensado em Leonardo Cárdenas como

substituto de Hiram para, assim, lavar o sangue das vítimassacrificadas. Na mente do Mestre dos Mestres ainda ressoavam osgritos de descontentamento de Gracus e Hermes, pois, de todos osmestres, eles eram os mais inflexíveis e ortodoxos no que diziarespeito aos costumes da loja. Shimon enviou um correio eletrônicode Edimburgo, discordando de forma radical, mas sem muitaênfase. Nemrod e Hiram se mantinham a margem, guardandosilêncio. E ele, Sholomo, continuava sem definir-se. Achava

precipitado, e até mesmo alarmante, confiar o Testemunho deDeus a um homem que nem sequer havia sido investido comoirmão de segunda ordem. Por isso, precisava falar a sós com suavelha amiga, para escutar dos lábios dela a razão daquela loucura.

Ele a conhecia havia mais de quarenta anos, e sempre soubeque, em algum momento do futuro, haveria de surpreender a todospor seu caráter. Quando a viu pela primeira vez no Congresso da

loja, realizado — precisamente no Cairo — em plena guerra dosSeis Dias, achou que ela era a jovem mais atraente do simpósio,apesar da carga de sofrimento que parecia carregar e daquelaansiedade que seus olhos irradiavam. Aproximou-se dela com adesculpa de pedir-lhe um conselho. Disse-lhe, num inglês quaseperfeito, que recentemente havia acabado seu curso de arquiteturae estava em dúvida entre duas escolhas: desenhar edifícios ouapostar na sabedoria e no conhecimento. Ela, então, lhe disse quenão havia nada mais importante nesta vida do que a ciência deDeus. Aquela resposta foi decisiva. Havia se enamorado de suamaneira de ver o mundo, e também de seus olhos cor de mel.

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O encontro dos dois aconteceu na casa de Siseq, antigoMestre dos Mestres e pai de Hiram, conhecido na cidade, que era acapital do país, por ser um renomado egiptólogo que verificava — para o Museu Arqueológico do Cairo — a autenticidade dos objetosespoliados ou encontrados nas escavações. Simpatizaram desde o

começo, embora Séphora — seu nome verdadeiro — sentissecerto distanciamento dos espanhóis desde que aprendeu na escolado kibutz, que freqüentou quando criança em Ascalon, que os

 judeus foram expulsos do reino cristão e privados de suasfazendas e riquezas graças ao decreto de uma rainha arbitrária ecaprichosa que se fazia chamar de "a Católica". Ele teve deretrucar, dizendo que as coisas haviam mudado muito em seu paísnos últimos quinhentos anos, embora reconhecesse que aEspanha não foi, novamente, um lugar seguro para viver quando oregime franquista se instalou e os maçons foram perseguidos eencarcerados com fúria como presos políticos. Continuaramconversando até o anoitecer e tiveram que se despedir pararecolher-se a seus quartos. Voltaram a se encontrar no diaseguinte, na reunião que celebraram os Grandes Mestres em honrados irmãos de segunda ordem, vindos do mundo todo para o

Congresso de Iniciação.Estavam ali, como os outros, porque haviam conseguido

decifrar o enigma maçônico e eram, portanto, candidatos a fazer parte na loja. O que nunca chegaram a suspeitar, naqueles dias desacrifício espiritual, é que dali a três anos, depois de superar aprova de silêncio, seriam eleitos para suceder aos antigosGuardiões do conhecimento. Ele passou a ser o Mestre dos

Mestres dos Construtores e ela encarnou a figura da rainha deSabá.

Também tinha grata recordação de Hiram — ou melhor, deKja-lib Ibn Allal —, que virou uma grande amizade desde suaprimeira viagem ao Cairo. Conheceu-o no mesmo dia em quetambém conheceu Séphora, na apresentação geral do Congressomaçônico. A partir dali, os três se tornaram amigos inseparáveis, aponto do velho Siseq, no ato de encerramento, afirmar que seufilho havia encontrado dois irmãos de espírito em culturasantagônicas. Não estava enganado, pois cristãos, árabes e judeusconstituíam os vértices do triângulo de Deus — segundo suas

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crenças — e no centro se encontrava a Sabedoria, embora váriosanos se passassem antes de perceberem que os três formavam e,ao mesmo tempo, protegiam a pirâmide que esconde o olhar doCriador.

 A vida que tinham levado até então, e tudo que foramaprendendo pelo caminho, foi irrelevante quando subiram osdegraus da escada.

O táxi que havia ido buscá-lo no aeroporto internacional olevou até uma casa circundada de palmeiras e sicômoros e que seerguia no bairro de Ataba, no coração do Egito mais milenar.Sholomo pagou o taxista depois de descer do carro. Dirigiu-se àporta, enquanto admirava as primaveras plantadas em ambos os

lados do caminho, as quais serpenteavam vigorosamente ao longodas barras laterais da armação de ferro até alcançar os arcossuperiores. Sua impressão era a de estar atravessando um túnelflorido que exalava um aroma maravilhoso de natureza em seuestado mais selvagem.

Na entrada, era esperado por Hafid, que lhe deu boas-vindase o fez entrar sem sequer lhe perguntar o motivo da visita.

Enquanto caminhava pelo estreito corredor, seguindo os passos dofiel e circunspecto mordomo, fez um reconhecimento estrutural doedifício com a finalidade de manter viva sua profissão.

 As paredes da casa, frias e calcárias, começavam a rachar devido à passagem do tempo. No teto, era possível observar algumas manchas de umidade, algo que confirmava sua suspeitade que o telhado conseguiria resistir apenas mais um par de

décadas. Mas a estrutura se mantinha em pé, apesar de tudo. Eisso porque a construção, segundo lhe disseram, remontava aofinal do século XIX. Várias reformas no interior e o reforço, feitocom cimento, no princípio dos anos cinqüenta, conseguiram fazer dela um lugar bonito, onde havia vivido até agora como casal, aosolhos da sociedade, seus íntimos amigos Khalib e Séphora.

— Será melhor que espere aqui — disse-lhe o jovem árabe,

em inglês, indicando um cômodo reservado às visitas. — Hiram viráem alguns minutos, quando terminar suas orações.

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— E Balkis? — perguntou, antes que o empregado fosseembora.

— A senhora saiu. Mas regressará por volta das sete.

Sholomo consultou o relógio de pulso. Havia se esquecido de

mudar o horário quando desceu do avião, ajustando o fuso, mascalculou que deviam ser cerca de seis e meia.

— Obrigado, Hafid — disse-lhe com suavidade, ao despedir-se.

O rapaz saiu após inclinar levemente a cabeça. Sozinho,Sholomo sentou-se em meio aos almofadões estendidos por todo ochão, diante de uma mesa de cedro. Enquanto esperava, fechou os

olhos para pensar com clareza, apoiando a cabeça na parede.Balkis tinha poder para escolher o melhor para a loja — e

assim devia ser se quisessem manter vivo o nome da Viúva. Asantigas leis maçônicas diziam que a rainha de Sabá podia ditar qualquer resolução sem contar com o Conselho dos Sete, e queseus Filhos deviam obedecê-la em tudo, sem demonstrar desconfiança. Ela representava a Sabedoria — o que significa a

mesma coisa que o saber do Grande Arquiteto —, razão pela qualseria difícil contradizer seus desejos.

Entretanto, trataria de entender suas razões, caso nãoconseguisse convencê-la a mudar de opinião, no que dizia respeitoa Leonardo Cárdenas. Quanto à substituição da própria Balkis,começava a imaginar o que iria acontecer. E isso era algo que opreocupava bastante.

— Sabia que você viria.O som daquela voz o sobressaltou e fez com que abrisse

instintivamente os olhos. Era Hiram.

Vestia uma túnica avermelhada com brocados de ouro e prataque ia até os pés. Os pelos eriçados de sua barba estavamrepletos de brancos; apenas alguns conservavam a escura

tonalidade que ostentavam na juventude. Pelo olhar triste, davapara perceber que estava passando por um dos piores momentosde sua vida.

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— Eu me senti obrigado — disse Sholomo, finalmente, semmover-se do lugar —, sobretudo depois de enfrentar as críticas doConselho. Gracus estava aos berros, e razões não lhe faltam. Umacoisa é aceitar Leonardo Cárdenas como iniciante, e, outra muitodiferente, é que ele ocupe seu cargo e herde o nome de Hiram

 Abif.— É isso... — o outro levantou as palmas das mãos num

gesto de tolerância, para, em seguida, sentar-se nos almofadõesque estavam à esquerda de seu convidado, concluindo resignado:— Temos de passagem uma nova geração de instrutores.

— Na loja, há irmãos que merecem mais do que ele.

— É verdade... — depois de suspirar, lhe deu razão — masnão sou eu quem decide.

— Suponho que Balkis continuará irritada pelo fato de eu ter tomado certas iniciativas, adiantando-me aos acontecimentos, epor contratar uma assassina de aluguel para que acabasse com avida do paleógrafo.

Sholomo, tal como todos na loja, condenava a violência, e,

mais ainda, ter que utilizá-la. Mas, às vezes, era necessário umsacrifício de sangue para que o homem não maculasse osmistérios de Deus com sua ambição e ignorância. Os SanctiQuattro Coronatti conheciam bem as conseqüências; por isso nãocederam diante do capricho de um tirano, apesar de seremcastigados de um modo atroz ao pior dos suplícios. Eles eram umparadigma, o exemplo que deveriam seguir aqueles que defendiamo Testemunho, mártires do conhecimento capazes de perder nãosomente suas vidas, mas, também, suas próprias almas, antes deconfessar o segredo que guardavam as Artes Liberais. Acabar comBalboa, Mercedes e essa criminosa sem escrúpulos chamada Lilithfoi uma tentativa de proteger a herança dos antigos construtores,colocada em perigo desde que o manuscrito de Toledo apareceuem cena. Iacobus havia encontrado a forma de difundir seu legadomaçônico através do tempo. E era obrigação dele, Sholomo, como

Mestre dos Mestres, deter a loucura do pedreiro.Hiram olhou-o de maneira condescendente. Seu amigo estava

se atormentando por algo de que não tinha culpa nenhuma.

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— Podemos dizer que a Viúva discorda dos métodos antigos— afirmou o egípcio, sem acrescentar mais nada.

— Sim, talvez você tenha razão... — reconheceu o visitante—... nossos costumes floresceram na época mais obscura etenebrosa do ser humano e, como homens, cometemos o erro denos deixar corromper. Mas, de outro lado... como permitir que aSabedoria se vulgarize? Não se erradica o Mal oferecendo pérolasaos porcos! — exclamou ressentido, como se estivesse procurandouma desculpa para seus atos na estupidez geral das pessoas.

— Apenas alguns de nós procuramos nos perguntar algumavez qual é nossa missão na vida, coisa que deveria ser importantepara todos. A maioria das pessoas busca apenas saciar suas

próprias necessidades.— Vejo que o sétimo escalão continua perturbando seu

espírito.

 A voz de Hiram, amável e conselheira, levou Sholomo arefletir. Ele se sentiu envergonhado por ter-se deixado levar peloorgulho. Aquele foi o motivo pelo qual perdera Balkis.

— Não nego que a soberba me cegue às vezes — comentoucom voz amortecida, um pouco mais tranqüila, depois dereconhecer seu pior defeito. — É porque eu só estive uma vez napresença de Deus, como os demais membros da loja. Suponhoque se tivesse sido um Custódio, como vocês, não teria tempo parao pecado, somente dias maravilhosos a serviço do Grande

 Arquiteto.

Hiram notou uma ponta de ressentimento nas palavras de seuamigo espanhol. Dir-se-ia que, além da soberba, pecava tambémpor inveja. Não levou isso em conta. Intuía o motivo da inquietaçãodele.

— E Azogue... como está? — decidiu mudar o tema daconversa.

Sholomo teve um sobressalto ao escutar o nome maçônico de

sua protegida. Não esperava aquela pergunta, especialmente dequem veio.

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— Ficou em Roma, aguardando meu regresso — respondeu,com desânimo. — Ainda não está preparada para conhecê-los.

Hiram fez um significativo gesto de provocação. Em seguida,puxou um cordão grosso de lã que estava ao seu lado e logoapareceu Hafid. Pediu-lhe que lhes trouxesse chá e antepastos,antes de servir o jantar, acrescentando que assim que a senhoraregressasse lhe dissesse que estavam na sala de convidados.

O mordomo foi embora, depois de inclinar levemente acabeça.

— O que você acha que Leo está fazendo? — perguntounovamente o egípcio.

— Suponho que deva estar queimando as pestanas — sorriuao responder. — Tenho de reconhecer, entretanto, que ele foi maisinteligente que nós.

— Esclareça melhor o que quer dizer  — replicousucintamente.

Para Sholomo, era difícil admitir que o bibliotecário levassevantagem sobre eles.

— Veja... — franziu a testa —... ele não só conseguiudescobrir a cripta onde Iacobus escreveu sua mensagem, comomudou o DVD antes que o deixássemos inconsciente e lheroubássemos a câmera digital. A gravação que temos não servepara nada. Está praticamente em branco.

— Isso quer dizer que ele poderia decifrar os hieróglifos e

encontrar uma maneira de chegar até aqui.O anfitrião falou de um modo conciso, ainda que estivesse

visivelmente preocupado.

— Não é isso que Balkis quer? — o Mestre dos Mestresironizou a inferência de seu amigo.

— Talvez, mas não estou certo.

— O que não vou permitir é que alguém volte a descer àcripta — disse com voz firme. — Ordenei a um grupo de irmãosque fechem definitivamente a entrada que conduz às sete salas.

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 Assim, conseguiremos manter oculto o segredo por outrosquinhentos anos.

Hiram não se mostrava tão seguro. Ouvira dizer que omanuscrito original estava nas mãos da assassina contratada por Sholomo.

— E o que acontecerá se voltarem a decifrar o criptograma?

— Esse problema já foi solucionado — Sholomo foicontundente, ao responder.

— Peço diariamente a Deus que perdoe nossos erros — disseuma voz conhecida, que soava a partir da porta.

 Ambos os homens voltaram à cabeça na direção do vestíbulo,levantando-se imediatamente, como se estivessem de comumacordo. Era Balkis, com uma expressão de sofrimento no rosto, aoconstatar as conseqüências que implicava ser Guardião doconhecimento. Não precisava que lhes dissesse que havia corridosangue novamente. Leu no olhar do velho amigo.

— Não posso deixar que o segredo caísse nas mãos daignorância —disse Sholomo, indo receber sua anfitriã. Haviafalhado diante da loja e de seus mártires.

Naquele momento, Hafid chegou com uma bandeja sobre aqual havia uma enorme chaleira de bronze com três copos decristal, e também um prato transbordando de patês de canela egergelim.

Decidiram esperar que ele fosse embora, antes de continuar 

conversando. Pouco depois, o criado se retirou em silêncio depoisda reverência habitual. Eles voltaram a sentar-se entre osalmofadões de textura suave, mas, desta vez, deixaram Balkis nocentro, em frente à mesa.

— Eu me alegro que esteja aqui — disse a mulher, enquantoservia o chá. — Agora tudo será mais fácil.

"Fácil? Como é evidente que você não tem que suportar o

descontentamento dos demais membros da loja!", pensou oconvidado.

Fez uma careta irônica.

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Balkis leu seus pensamentos, imediatamente, mas agiu comose não tivesse percebido nada.

— O certo é que vim fazê-la mudar de opinião — disse,finalmente, Sholomo. Não creio que seja boa idéia deixar queoutros ocupem os cargos de vocês.

— Você tem de reconhecer que somos velhos para o ritual.

Balkis não se dava por vencida.

— Claro! — ele admitiu, concordando com a observação daViúva. — Mas contamos, dentro da própria loja, com jovensdispostos ao sacrifício. Não deveríamos expor o segredo a umdesconhecido. Isso faria com que aumentasse a desconfiança

entre nós.— Você se recorda que só pensei em Leonardo Cárdenas

como substituto de Hiram. Meu cargo recairá em uma irmã desegunda ordem.

 As enérgicas palavras da anciã o sobressaltaram. Intuiu quesuas suspeitas começavam a tomar forma.

— Posso perguntar quem é a afortunada?Balkis guardou um prudente silêncio. Hiram, que permanecera

calado, falou em seu lugar:

— Creio que você já sabe...

Sholomo se movimentou inquieto, olhando novamente parasua velha amiga.

— Diga-me que não é certo! — rogou Sholomo, exaltado. — Diga-me que a candidata a ocupar seu posto não é Azogue! — acrescentou, irritado.

Balkis afirmou com um movimento de cabeça.

— É o melhor para ambos... — disse com voz quase sumida,para acrescentar  —... Leo não vai titubear diante do desafio desubir os degraus da escada, se estiver acompanhado de Cláudia.

Sinto muito, Salvador..., mas sua sobrinha é a única opção quetemos para corrigir nossos erros.

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Capítulo 35

R euniram-se na casa de leilões por volta das quatro horas.Leonardo chegou por último devido a uma incipiente ressaca, que omanteve prostrado na cama até o meio-dia. Apesar de tudo, foicapaz de alternar as horas de boêmia e de álcool com o trabalho, eassim imprimiu o manuscrito de Toledo em duas cópias etranscreveu muitas anotações das lembranças que recuperavamentalmente de suas conversas com Riera, quando falaram sobreo Templo e os maçons. Além disso, trouxe consigo o DVD, parauma nova exploração, e a carta que encontrou em sua

correspondência.Queria que Cristina a lesse.

— O que acha disto?

Entregou a folha a ela tão logo chegou, sentando-se à mesade reuniões.

Em pé, a criptografa leu a carta em silêncio, sem se importar 

com a presença perturbadora de Nicolas, às suas costas. Logo sevirou fitando-o nos olhos, à espera de um veredicto.

— Creio que eles estão tentando entrar em contato conosco...— disse o advogado —... embora isso também possa ser umaarmadilha.

— Minha opinião é que se trata de uma charada que amaçonaria usa como método de cooptação — acrescentou

Cristina, sentando-se onde somente Mercedes podia fazê-lo,quando presidia uma reunião com os chefes de sessão.

Naquele momento, lembrou-se do telefonema do bibliotecário,à noite, e perguntou:

— Então, foi por isso que me ligou ontem?

— Sim — respondeu Leonardo, em voz baixa —, mas decidi

esperar até hoje para que você desse uma olhada.Colmenares foi até a máquina de café, para tirar três

cappuccinos. A tarde prometia ser longa e interessante.

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— Você conseguiu ver a pessoa que fez a entrega? — perguntou o advogado, do outro lado da sala.

— Suponho que tenha sido o carteiro, já que estava em minhacaixa de correspondência junto com o restante das cartas — respondeu Cárdenas. — O remetente é francamente cabalístico.Há somente um punhado de números.

— Você trouxe o envelope? — Cristina devolveu-lhe a folha,no momento em que fez a pergunta.

Ele disse que sim, com um movimento de cabeça, colocandoa mão no bolso da camisa. Estendeu a ela, para que desse umaolhada.

— Você prestou atenção? — Leonardo indicou a parte inferior da mensagem. — A missiva está assinada por Balkis... a rainha deSabá.

— Sim... e o texto parece bem estranho — replicouColmenares, trazendo os cafés numa bandeja de plástico, paracolocá-los sobre a mesa de reuniões. — Parece incitar-nos àinvestigação. E isso é algo sobre o que deveríamos refletir 

profundamente, antes de fazer qualquer movimento para tentar encontrá-los. Insisto que pode ser uma armadilha.

— Tenho de reconhecer que a charada que nos apresentamparte do desejo de ajudar, e isso é bastante estranho depois doque aconteceu — opinou Cristina, sem deixar de observar osnúmeros escritos no remetente. — Talvez Nicolas tenha razão enão devamos confiar tão depressa na carta de um desconhecido

ou desconhecida... — então, depois de morder o lábio superior,acrescentou pensativa —... que diabos querem dizer essas cifras?

O advogado pegou o envelope que Cristina lhe oferecia.Observou-o detalhadamente. Em seguida, devolveu-o aobibliotecário.

— Um número de telefone? — perguntou surpreso.

— Não tenho a menor idéia... — reconheceu Cárdenas —...embora minha impressão seja de que se trata de alguém querendome ajudar... não sei! Há alguma coisa nessas palavras que meinspiram confiança.

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— Um jogo perigoso demais, a meu ver.

 A afirmação de Cristina foi como um balde de água fria. Achou-a petulante e convencida, certa de que sabia tudo. A carta,segundo ele, pretendia indicar-lhe alguma coisa muito importante.Mas o ceticismo de seus companheiros conseguiu deixá-lo de mauhumor.

Guardou a carta no envelope. Em seguida, voltou a guardá-lono bolso.

— Está bem! — colocou o DVD sobre a mesa. Comecemospelo princípio.

 A partir daí, dedicaram-se inteiramente ao estudo da

gravação. A primeira coisa que fizeram foi transportar a informaçãopara um dos computadores da empresa. Desta forma, puderamreproduzir e aumentar as diferentes seqüências, para ir guardandoas imagens dentro de uma pasta do Word. Sua intenção eraimprimi-las em tamanho ofício para estudar posteriormente emprofundidade.

Depois de duas horas, tinham diante de si vinte e oito

fotogramas — quatro paredes para cada uma das sete salas — emais algumas do monumento escalonado que havia na salaprincipal. Analisaram uma a uma as frases escritas. Nenhumaparecia ter relação com a outra, mas em algumas se repetiam aspalavras "pedra" e "Deus". Também havia alusão à música e aosnúmeros, à perfeição das letras e ao movimento dos astros, aopensamento e às equações divinas. Era como haviam pensado, umdiário escrito que evidenciava a sábia virtude das Artes Liberais.

— O que é isso? — perguntou Cristina, indicando certas letrasdesbotadas pelos séculos e que podiam ser vistas no canto da tela,atrás do sino que pendia sobre a parte superior da entrada.

Leonardo se aproximou, para observar a imagem mais deperto.

— Você pode aumentar a imagem? — perguntou.

— Creio que sim.

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 A criptografa apertou o zoom, ampliando, assim, a seqüênciaem cinqüenta por cento.

Então, puderam ler com absoluta clareza: "AVIDITAS"

— Avareza? — Leonardo não acreditava no que seus olhos

viam.Ele não tinha prestado atenção nesse detalhe.

— É o que parece — afirmou Cristina.

— Tente com outra sala.

E assim fez o bibliotecário, encontrando um termo parecido,atrás do sino da sétima sala. Nesse caso:

"SUPERBIA"

— Soberba — ela traduziu, do latim para o castelhano.

— O que têm a ver os sete pecados capitais com Os Filhos daViúva? — perguntou Colmenares, que se perdia pelas labirínticaspassagens da maçonaria à alquimia.

Ninguém respondeu. Seus dois companheiros estavam

empenhados em encontrar novas indicações atrás dos diversossinos daquele santuário.

Efetivamente, uma a uma, foram surgindo às fraquezas maiscaracterísticas do ser humano: AVAREZA, SOBERBA, LUXÚRIA,PREGUIÇA, IRA, GULA e INVEJA, e todas escritas na partesuperior de cada uma das entradas, ocultas atrás dos diversossinos de bronze. Tinham um novo dado para estorvar seu trabalho,

que cada vez ficava mais confuso e enigmático. Muito concentrada,entretanto, Cristina parecia ter a resposta para tudo.

— Você não me perguntou antes que relação os pecadoscapitais podem ter com a maçonaria? — a criptografa tirou osóculos, que havia colocado para enxergar de perto, olhandofixamente para Nicolas.

O advogado alisou o bigode, ao mesmo tempo em que franzia

a testa com certa surpresa. "Mas, na verdade, existe mesmo umarelação?", parecia pensar.

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Cristina respondeu sua própria pergunta, antes que qualquer um dos homens que a observavam com atenção o fizesse.

— Pois a verdade é que sim, estão vinculadas ao mundo daalquimia — disse com premeditada lentidão. — Segundo areconstrução do universo gnóstico, concebido pelos ofitas, cadaplaneta imprime, na vontade do homem, um caráter negativo que osubmete e escraviza. O Sol nos desperta a gula...; a Lua, apreguiça; Mercúrio, a avareza; Vênus, a luxúria; Marte, a ira;Júpiter, a inveja; e Saturno, a soberba. Depois da morte, o espíritodo homem deve atravessar as seis primeiras esferas e enfrentar aúltima e mais perigosa de todas: Saturno, o deus proscrito, criador do tempo e do espaço. Quem conseguir superar seu poder poderá

ascender ao Universo de Deus e vencer a serpente que guarda oparaíso. Além disso, caso vocês não saibam, cada dia da semanaé representado por um dos planetas conhecidos na Idade Média. E,por que não, também pelas sete notas musicais... — levantou oqueixo e concluiu —... está provado cientificamente que a músicaprovoca diferentes reações no homem.

— Quando o Cordeiro abriu o sétimo selo, fez-se silêncio no

céu...Leonardo e Cristina olharam atônitos para o advogado, que

sentia orgulho de chamar a atenção dos especialistas citando decor uma passagem do Apocalipse, em que o número sete eranovamente o protagonista.

— Espere um momento — exclamou a criptografa. — Issoque você disse fez-me recordar Georg von Welling, que trabalhou

como alquimista na corte do margrave de Karlsruhe... — pigarreouum pouco —... e afirmava que do Trono de Deus, com os setegrandes espíritos do Apocalipse ao seu redor, fluía a luz divinacriando o mundo espiritual como arquétipo do nosso universo20.Deixe me ver, Leo...! Dê-me um momento a carta que acabou denos mostrar. Preciso comprovar algo que pode ser importante.

Ele não se fez de rogado. Pegou novamente a carta e

entregou-a a ela, esperando por uma explicação que pareciademorar. Sem prestar atenção ao gesto interrogativo dobibliotecário, Cristina leu o texto, outra vez. Depois de alguns

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segundos, estendeu-o sobre a mesa, assinalando uma frase com odedo indicador direito.

— "No templo das três câmaras está escondido o Kisé doTestemunho"... — leu em voz alta.

— Encontrou algum significado? — quis saber Colmenares,cada vez mais envolvido naquela aventura apaixonante.

— Kisé! — ela exclamou com notável ênfase, esperando quefossem capazes de compreender o que lhes queria dizer, mastanto o bibliotecário quanto o advogado desconheciam o idiomahebraico.

Por isso, ela lhes refrescou a memória:

— Lembram-se da frase escrita em hebraico, que conseguitraduzir quando estávamos no Hotel Santa Rosa Victoria, emMúrcia...? — ao ver que não tinham reação, procurou entre asfotografias, recuperando a imagem de um muro com sinaisgeométricos e várias frases em hebraico. — Aqui está! Vayomer kisé iad al kes Yahveh, o que corresponde a "Porque a mão deDeus está sobre seu trono". Kisé significa trono... O Trono de

Deus... — acrescentou, satisfeita —... e isso não é tudo, poisontem à noite eu tive tempo de traduzir algumas das frases emlatim. Havia uma que falava precisamente de um trono.

— Tem certeza? — Leo achava estranho que houvesse tantacoincidência.

— Sim, e aguarde apenas um instante... — ela tirou suacaderneta do bolso que estava no encosto da cadeira, para, em

seguida, abri-la —... aqui está... In excelso throno vidi sederevirum.

— "No excelso trono vi sentar-se um homem." — Leo seadiantou em traduzi-lo, antes que Cristina lhe desse uma aula delatim que evidenciasse sua carreira universitária.

— Não lhes parece estranho? — comentou a criptografa.

— Pode ser que seja simples casualidade — foi à secaopinião do advogado.

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— O que diz o esoterismo a respeito do Trono de Deus? — perguntou o bibliotecário, intuindo que Cristina conhecia todas asrespostas.

— Temos, de um lado, a função intrínseca da catedral, quer dizer, a de abrigar o trono onde o bispo instruía os leigos... — preferiu expor seus conhecimentos a partir do começo. — Comovocê sabe, a palavra catedral vem do latim cathedra, que significatrono. Mas... qual era realmente a função do bispo? E eu lhe direi:sentar-se no trono para comunicar-se com Deus através da oração.

— Não creio que Deus falasse com um bispo... — discordouColmenares, que depois fez uma careta de desdém —... e tambémnão acredito que possa se comunicar com alguém. É um absurdo

pensar algo assim.— Agora eu me recordo... — Cárdenas se lembrou das cópias

do manuscrito de Toledo que havia trazido para eles. Pegou-as nobolso interior da jaqueta, entregando uma a Cristina e outra aoadvogado. —Leiam isto! Sobretudo a parte que diz como osconstrutores de catedrais escondiam do povo o tal modo de secomunicar com Deus.

Cristina, que sabia o texto de memória, leu em poucossegundos. Nicolas se perdeu, antes de terminar o segundoparágrafo.

— Tem razão, mas Balkis também o menciona... não selembra? — ela advertiu, citando de memória uma passagem dacarta de Leonardo — "Se deseja falar com Deus, deverá ir aonde oesperam os pilares que dividem a cidade de Enoque".

— Eu lhes disse, tratam de nos ajudar.

 A explicação de Leonardo não satisfez à erudita. Para ela,significava algo mais.

— Escute... — disse-lhe a criptografa —... quando nos faloude Riera, comentou que ele havia passado parte da sua vidaprocurando a Arca da Aliança... Não é isso?

— É sua obsessão... — respondeu, com um meio-sorrisomordaz—... e o pior de tudo é que pensa que ela esteve escondidanos arredores de Múrcia... — arqueou as sobrancelhas

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significativamente. — Quando lhe falamos de procurar o escrito dopedreiro sob a catedral, mostrou-se bastante interessado. Inclusive,chegou a dizer que nossa busca não era diferente da dele.

Cristina refletiu sobre as palavras que acabava de escutar.Em seu cérebro, as hipóteses se sucediam como seqüênciascinematográficas. Sabia que estava perto de encontrar o queestava procurando, mas tinha de continuar interpretando seu papelna esfera das descobertas e mostrar simpatia com os demais,ajudando em tudo que pudesse decifrar o enigma.

— Há algo que não lhes disse em relação à Arca da Aliança,também chamada de Testemunho... — tratou de ser a mais sincerapossível —... é que possivelmente fosse algo mais do que uma

simples arca.— A que você se refere? — o advogado foi o primeiro a

manifestar surpresa.

— Há quem afirme que a Arca da Aliança se manifestavacomo um condensador elétrico, capaz de gerar uma energiaindescritível e cujo poder seria capaz de matar uma pessoa, tal

como diz a Bíblia. E também que era um amplificador de som emforma de trono, com dois querubins tocando-se nas extremidades,como se formassem um espaldar, onde Moisés se sentava paracomunicar-se diretamente com Deus.

— Isso é absurdo! — exclamou Colmenares, que elevou osbraços de forma teatral. — Espero que não leve a sério taisafirmações.

— Não digo que seja certo, mas tem sentido quando vemosque se reitera sua utilidade. Lemos isso no manuscrito do pedreiro,na carta de Leo e nas paredes da cripta... — Cristina não estavadisposta a deixar passar em branco tais coincidências. — Se écerto que existe o Trono de Deus, é possível que encontremosrespostas às perguntas que nos fazemos desde o princípio: por que assassinaram Mercedes e Balboa?

Cárdenas soube no mesmo instante. E se permitiu o luxo deresponder em tom grave:

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— Porque a Arca é o que Os Filhos da Viúva protegem comtanto empenho, tal como afirmou Riera.

— Exato! — pontuou, solenemente, a ruiva, afastando oscabelos que lhe caíam no rosto. — E pretendem mantê-lo emsegredo, cortando a língua de todo aquele que possa delatar sualocalização, como aconteceu com Iacobus de Cartago.

— Isso quer dizer que o pedreiro sabia onde encontrar a Arca— o advogado tinha pensado em voz alta.

— Não só isso... — afirmou Leonardo —... mas também quedeve ter descrito o lugar exato onde está escondida, entre todosesses hieróglifos de números e letras... — pegou um punhado de

fotografias na mão. — Fez isso para que gente como nósquebrássemos a cabeça tentando encontrar o tesouro descrito por Nostradamus.

— Cada vez aumenta mais o número de personagensimplicados — comentou o advogado. — Ademais, não entendo querelação pode ter Nostradamus com os construtores de catedrais,nem como soube que existia uma cripta embaixo da capela dos

Vélez.— Dizem que Michel de Nostradamus pertencia a uma

irmandade esotérica chamada Santa Fé, e que, inclusive, chegou aser Mestre da Grande Loja Branca — apressou-se a dizer Leonardo, que havia estudado o personagem, depois de receber oe-mail de Balboa. — Talvez mantivesse algum tipo de relação comas lojas de construtores espanhóis.

— Isso é verdade — afirmou Cristina. — Suas Centúrias sãoum claro exemplo da linguagem utilizada entre os alquimistas.Nostradamus devia conhecer o segredo quando deixou por escritosua localização. Não se dão conta? É só um jogo de inteligênciapara mentes privilegiadas... — refletiu uns instantes em silêncio, edepois se perguntou —... o que é a carta que lhe enviaram, senãouma nova mensagem codificada?

 A interrogação era dirigida a Leonardo.— É para deixar qualquer um louco! — grunhiu o bibliotecário.

— Alguém pode me dizer o que estamos procurando, na realidade?

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— A pergunta do milhão é... o que eles desejam que a genteencontre?

Cristina lançou sua charada. Os homens não souberamcontestar, porque eram muitas as incógnitas e poucas asrespostas.

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Capítulo 36

Colmenares foi embora por volta das nove horas, não sem antesdeixar com Leonardo uma cópia da chave dos escritórios e deprometer-lhe que se reuniriam de novo na manhã seguinte.Cristina, esgotada depois de examinar repetidas vezes omanuscrito de Toledo, tirou os óculos e esticou o corpo para trás.Estava realmente cansada. Uma forte dor de cabeça veio somar-seao irritante ardor nos olhos.

— Pelo visto, nossa investigação se complica à medida queavançamos — a voz de Leo manifestava implicitamente certo

desespero — e isso significa que Cláudia e seu tio podem pagar caro pela nossa incompetência.

— Não acho, só precisamos focalizar a questão de outraperspectiva — com o indicador e o polegar, ela friccionou o narizde cima para baixo. — Temos de repassar toda a informação quereunimos, comparando as coincidências, até encontrar uma pistaconfiável que nos conduza à região de Tubalcaim, como diz o

pedreiro em seu manuscrito. Uma vez conhecendo a localizaçãocorreta da Arca, será mais fácil, para nós, encontrar osseqüestradores.

— Riera garantiu que se tratava da cidade de Enoque.

— Ele comentou com você alguma coisa em relação àscolunas que Tubalcaim ergueu com seus irmãos, para preservar aciência de Deus?

— Sim... — afirmou o bibliotecário, antes de reprimir umbocejo. — Pode-se dizer que ele é um estudioso do assunto. Sabequase tanto quanto um maçom.

— E não lhe parece estranho? — havia certos detalhes quenão se encaixavam no assunto do seqüestro, de maneira quedecidiu aprofundar suas inquietações, compartilhando-as com

Cárdenas.

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— A solidão, às vezes, é terrível — ele comentou, como seaquilo justificasse o passatempo de um homem condenado a viver consigo mesmo.

— Sei o que quer dizer, mas não me refiro somente àobsessão dele pela maçonaria — insistiu a criptografa.

— Não a entendo — Leonardo olhou-a, intrigado.

— Sabe, sim, a que eu me refiro — ela foi direta e semrodeios. — Estou lhe dizendo que me parece bastante suspeito ofato de que você não esteja morto. Até agora, Os Filhos da Viúvaeliminaram todo aquele que meteu o nariz nos segredos da loja.Não faz sentido que lhe permitam viver e ainda por cima entrem em

contato com você por carta. E para complicar as coisas, temos ahistória de Casilda, a criada, afirmando que Salvador telefonoupara ela, do aeroporto... — deteve-se um instante para observar areação dele, mas Leonardo parecia impassível —... sinto muito,mas não creio que os seqüestradores fossem tão estúpidos a pontode passar diante de todo mundo pelo terminal.

— Pode ser que tenham feito a chamada de qualquer outro

telefone.— Talvez... — reconheceu a ruiva com voz fraca — ou, quem

sabe, a faxineira chegou a essa dedução por si mesma. O sombuliçoso de gente e as vozes, como pano de fundo, que vêm dosmegafones é uma constante nos aeroportos.

— Sei onde você quer me conduzir com essa conversa. E,com todo respeito, não vou permitir... — franziu a testa e cerrou os

dentes. — A honestidade de Cláudia e de Riera não está sobsuspeita.

— Sua afirmação não tem a menor serventia, caso eu tenharazão e seus amigos pertençam à loja — continuou Cristina. — Embora também seja possível que eu tenha me equivocado. Masse não for isso e minha dedução estiver correta, estaríamos caindono jogo deles.

— Não siga por esse caminho... — ele avisou, golpeandoserenamente o tampo da mesa com o punho. — Agora, mais doque nunca, preciso ser otimista.

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— Está bem, mas não me diga que não o avisei.

O sentimento de raiva se apoderou de novo do bibliotecário.No entanto, em vez de perder a compostura e dizer o que pensavadela — coisa que ele gostaria mesmo de fazer  —, optou pelapaciência, engolindo seu orgulho. Aquela mulher, que perdia todo ocharme quando passava dos limites, era a única que podia decifrar o enigma dos hieróglifos e encontrar uma forma de chegar até osdesaparecidos. Mas... seria mesmo tão capaz quanto havia ditoNicolas ou simplesmente, se gabava de ter determinadosconhecimentos?

Decidiu comprovar por si mesmo.

— Vamos falar de outro assunto... — Leonardo mudou aconversa — por exemplo... poderia me explicar o fato de quehaveria uma teoria razoável sobre o significado da Pedra Filosofal?

Cristina caiu na risada. Logo descobriu a intenção dele, decolocada em descrédito.

— Vejo que se lembra da conversa que tivemos na noite emque jantamos no hotel.

— E por que ia esquecer? — sorriu mordaz para acrescentar:— sempre quis saber a origem dessa pedra que fez a cabeça dosalquimistas medievais.

— Pensei que você só se interessasse por livros.

Estava tentando de novo. Pretendia saber tudo.

— Não só os classifico e arquivo, mas, de vez em quando, eu

também os leio — replicou o bibliotecário, com certa ironia. — Epelas minhas mãos passaram verdadeiras obras de arte dabibliofilia, que falavam sobre alquimia e esoterismo, tais comoOpus Magnum, o Rosarium Philosoforum, o Mutus Líber... e algunsmais. Muito palavrório, mas nenhum explica com clareza como seconsegue destilar a pedra dos filósofos.

— A explicação que nos oferecem os autênticos alquimistas é

que a Pedra Filosofal não é uma pedra, senão uma experiênciapessoal baseada na metamorfose que sofre o espírito quando selibera da pesada carga que acarreta o pecado.

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— Explique-me isso — Leonardo ficou curioso.

— Compartilho da idéia de Platão de que o saber é que lhepermite agir bem, e que se age mal apenas por ignorância, éporque desconhece a virtude. O grande e único pecado do homemé negar Deus e isso é blasfêmia. Como dizia Fulcanelli em seu livroO Mistério das Catedrais, "O apóstata deixa suas vestes dentro daigreja". Pedro, o apóstolo mais rebelde dos doze, negou Cristo trêsvezes. Por isso, Jesus disse que ele era pedra, e que sobre essapedra edificaria sua Igreja, porque todos renunciamos a Ele emalgum momento de nossas vidas — até mesmo o discípulo que oamava acima de tudo cometeu o erro de lhe dar as costas. Esse éo verdadeiro motivo pelo qual ele sacrificou sua vida, para

reagrupar os pecadores como pedras de um templo. É como disseJesus Cristo: "Não vim pelos justos, mas sim pelos pecadores".

— Creio que me perdi... — o bibliotecário se sentia cada vezmais confuso.

Cristina escreveu sobre o papel: "LAPSI".

— O latim era o idioma mais difundido na época de Cristo — 

acrescentou categórica, a criptografa. — Falava-se hebraico, mas,oficialmente, a Judéia era uma província submetida a Roma. Vocêdeve ter observado que Pedro é um nome de origem romana, não

 judaica.

— Aonde você quer chegar?

— Jesus era um iniciado, cuja família pertencia à comunidadedos essênios. Segundo contam, estes custodiavam a Arca da

 Aliança e eram os guardiões do segredo de Deus, ou, o que é amesma coisa, compartilhavam do mesmo trabalho com Os Filhosda Viúva. Sabemos que os maçons são aficionados por adivinhações, por hieróglifos e anagramas; por isso me ocorreumisturar as palavras para ver se formavam algum outro vocábuloem latim... Bingo! A resposta surgiu como um passe de mágica.

Então, voltou a escrever: "LAPSI".

— Lapsi, como você já deve saber, é um vocábulo do latimque, literalmente, significa: os caídos... — levantou umasobrancelha —... os pecadores ou desertores. O rigor de

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Novaciano, nos séculos II e III depois de Cristo, condenou os quehaviam renegado a fé. Da mesma forma, Deus nos condena àbusca do conhecimento num mundo enlouquecido, que se regepela barbárie, onde permaneceremos presos até que sejamoscapazes de vencer a ignorância, abrindo caminho através da

Sabedoria.Destilar a pedra dos filósofos consiste em adquirir um

conhecimento pelo qual o homem consegue dar as costas aomundo e encontrar o caminho que conduz à iluminação.

Nosce te ipsum... Conheça a si mesmo e conhecerá Deus.

— E onde se supõe que havemos de procurar a Sabedoria?

— Cárdenas pensou que Cristina estava mais louca do queaparentava, mas decidiu continuar com o jogo.

— No Concílio dos Deuses, livro que se atribui a HermesTrismegisto, diz-se que Zeus entregou ao próprio Hermes oconhecimento das forças da natureza, e também o nome dosespíritos que as governavam, para que escondesse em algumlugar onde o homem não pudesse encontrar... — começou dizendo

muito séria. — Depois de certo tempo, Zeus lhe perguntou ondehavia escondido o conhecimento divino. Ele respondeu: "Eu oguardei lá onde o homem jamais se atreveria a procurar". O Deusdo Vento inquiriu: "Você o escondeu no sopro mais forte de meureino?" E Hermes disse: "Não, pois um dia certamente os homensirão aos sopros do vento e poderão encontrá-lo". Da mesma formafoi interrogado pelo Deus do Mar, o Deus da Terra e o Deus doFogo, e todos receberam a mesma resposta, mas de acordo com

os elementos que governavam...Ela fez uma estranha careta e continuou:

— Zeus, cansado de esperar uma resposta que não chegava,perguntou novamente: "Se não é no vento, nem no mar, nem naterra e nem no fogo... onde você escondeu o conhecimentosagrado?". Hermes afirmou: "No mais profundo do homem, ondenem ele mesmo pode encontrá-lo".

— É uma bonita história, mas não compreendo em que podenos ajudar — alegou o bibliotecário.

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— Você queria saber e eu respondi. Pelo menos aprenda algocom a velha história de Hermes.

Ele ignorou o comentário e consultou seu relógio. Eram dezda noite. Estavam reunidos havia seis horas e ele estava cansado.

 Agora não pôde reprimir um ligeiro bocejo.

— Tentarei meditar a respeito esta noite — disse em vozbaixa. — Agora devemos ir.

— Tem razão... — Cristina se levantou, pegando sua bolsaque pendia das costas da cadeira. — Lilith está sozinha em casa eainda não jantamos. Espero que tenha procurado por algo nacozinha... do contrário morrerá de fome — deu risada só de pensar.

Cárdenas se lembrou da filha de Riera. Havia algo naquela jovem de que ele não gostara. Ainda assim, procurou esconder seureceio mostrando interesse pela moça.

— Deve estar passando realmente por um mau bocado,sabendo que seu pai pode morrer a qualquer momento... — suspirou. — Meu conselho é que você não a confunda mais comhistórias de alquimistas e maçons. Isso faria com que ela colocasse

em dúvida a nossa sensatez.— Não se preocupe. Não sou tão ingênua... — foi até a porta.

— A que horas nos vemos amanhã?

— Colmenares disse que preferia perto das dez da manhã.

— De acordo... — a criptografa se manifestou, depois dealguns segundos de hesitação. — E você? O que vai fazer agora?

— inquiriu curiosa.— Algo muito chato... ficarei um pouco mais para recolher 

tudo isto — justificou, indicando a papelada em desordem, queestava sobre a mesa. — Logo irei para casa. Preciso comprovar uns dados na Internet.

— Como quiser... — deu-lhe um sorriso fugaz antes de ir. —  Até amanhã, então.

— Adeus — despediu-se, pensativo.

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Quando a porta se fechou, Leonardo teve a impressão de ter-se livrado de um peso. Cristina era uma dessas pedantes que sóse divertem quando é o centro das atenções, capaz de acreditar que os demais são uns estúpidos ignorantes, que aprendemescutando-a falar continuamente.

Teria que demonstrar-lhe o contrário. Não havia nada que nãoestivesse nos livros. E ali, na casa de leilões, havia montes deles.Mas era na rede virtual que pensava encontrar referências aossinais alquímicos e à linguagem dos construtores de catedrais.

 A primeira coisa que fez, em vez de recolher os papéis, foiconectar a Internet no computador e baixar o livro que deunotoriedade ao enigmático Fulcanelli: sua obra-prima. Enquanto o

imprimia para levá-lo para casa, introduziu no buscador a palavra"Balkis". Desejava saber algo mais da lendária personagem queassinava a carta que havia recebido enquanto esteve fora deMadri. Quem sabe encontraria novas provas que pudessem levá-loaté Cláudia.

Consultou várias páginas na Internet que falava da rainha daSabá, de seu interesse pelo templo de Salomão e de suas relações

com o mestre de obras chamado Hiram Abif. Mais tarde, seconcentrou no habitante de Tiro e no enigmático triângulo de ouroque sempre levava com ele, pendente no pescoço. Segundo alenda, no medalhão estava escrito o autêntico nome de Deus,oculto atrás de uma equação numérica.

Lembrou-se de Riera, que afirmava que dentro da Arcaencontrava-se o mistério dos números sagrados. Até onde sabia,

os números mais perfeitos eram 3,1416 e 1,618, atribuídos aPitágoras e Fídias, respectivamente.

Então lhe veio à memória um professor de História,apaixonado por numerologia, que conheceu quando estudava naUniversidade de Merced. Lorenzo Salas era o seu nome. Eleinsistia na necessidade de se aprofundar na Matemática e queriadecifrar os mistérios do Universo. Segundo ele, o destino podia ser 

calculado por meio de equações. O tempo que passaram juntos naclasse não fez senão fomentar seu interesse por uma ciência tãoantiga como a própria religião judaica, a qual fazia parte dos rituais

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mais arcanos da Cabala. Com ele, aprendeu a relacionar osnúmeros com as palavras do alfabeto hebraico.

 Ainda podia vedo com sua jaqueta de tecido e seus óculosredondos na ponta do nariz, sempre evasivo e constantementeinquieto. Apesar de sua aparência de professor pirado,demonstrou-lhe que a Matemática nem sempre seguia uma ordemestabelecida, como o haviam feito acreditar. Era perfeita, sim...,mas às vezes sofria variações inexplicáveis que afetavam acontinuidade. Por exemplo: um dia descobriu que se dividir 1.000por um número de três algarismos iguais, o resultado é um códigode três algarismos concatenados — prescindindo do sinal decimal— que se repete até o infinito; quer dizer, uma sucessão de

números regida por uma lei matemática das mais caprichosas. Istoé assim com todas as centenas compostas por três números iguais,mas, inexplicavelmente, não ocorre o mesmo com os números 777e 888.

Prova realizada pelo autor:

1.000/111: 9,00900900900... (sua freqüência é de trêsnúmeros: 900)

1.000/222: 4,50450450450... (sua freqüência é de trêsnúmeros: 450)

1.000/333: 3,00300300300... (sua freqüência é de trêsnúmeros: 300)

1.000/444: 2,25225225225... (sua freqüência é de trêsnúmeros: 225)

1.000/555: 1,80180180180... (sua freqüência é de trêsnúmeros: 180)

1.000/666: 1,50150150150... (sua freqüência é de trêsnúmeros: 150)

1.000/777: 1,28700128700... (sua freqüência é de seisnúmeros, e não de três: 128700)

1.000/888: 1,126126126126... (sua freqüência é de trêsnúmeros, mas o 1 inicial se constitui na nota discordante: 1-126)

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1.000/999: 1,00100100100... (sua freqüência é de trêsnúmeros: 100), como se estes números alterassem de algumaforma a seqüência de prolongação. Isso certificava, como secostuma dizer, que a exceção confirma a regra.

Teve um pressentimento súbito referente à Arca, razão pelaqual se deixou levar pela curiosidade, apesar do cansaço. Agoraera ele, Leonardo Cárdenas, que teria que verificar se sua suspeitaera verdadeira ou se tratava de um pensamento absurdo, quepretendia encontrar um elo de união entre Deus e o número deouro.

Foi em busca de uma das várias bíblias que tinha para leiloar e a abriu no livro do Êxodo, Capítulo 37. Nele, estavam as medidas

exatas da Arca da Aliança: dois côvados e meio de comprimento, eum côvado e meio de largura e altura. Sabendo que um côvado daépoca era equivalente a 45 centímetros, calculou as medidasatuais. A Arca, segundo seus cálculos, tinha uns 112,5 cm decomprimento por 67,5 cm de largura e altura. Então dividiu ocomprimento pela largura. Como resultado, a divina proporção: 1,6.Por conseguinte, o mesmo ocorria ao dividido pela altura.

 Aquilo lhe pareceu paradoxal, mas também interessante.Decidiu continuar com algo mais transcendente: o nome de Deus.Embora ainda não dominasse o hebraico tão bem como Cristina,conhecia de memória a relação entre as siglas de Javé ou Yahveh— o Tetragrámaton — e a numeração judaica. Depois de atribuir um número correspondente a cada uma das letras, escreveu emum papel que encontrou sobre a mesa:

Y H W H

10 5 6 5

Partindo da crença judaica de que o nome de Deus estavaseparado em dois segmentos diferentes e antagônicos — Yah:

homem e Veh: mulher —, dividiu-os pela metade:

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YH/WH

105 / 65

Então, multiplicou as cifras dos diferentes segmentos

separadamente, chegando aos resultados 50 e 30,respectivamente. Em seguida, os dividiu entre si. O que obteve foibastante significativo: 1,6. O mesmo número que se encontravaescondido entre as medidas da Arca da Aliança. Muitacoincidência! Começou a raciocinar.

"Será verdade isso de que Deus geometrizava ao criar, comoafirmava Pitágoras...? Por acaso não é a explicação mais razoável

que se pode encontrar para o fato de que, como dizem asescrituras, realmente foi Deus que ditou a Moisés o modelo quedeveria seguir para a construção da Arca? Seria uma casualidadeque o resultado ao dividir suas dimensões fosse o mesmo que o deseu próprio nome? Seria esse o autêntico nome de Deus, umaequação de proporcionalidade que governava o Universo?"

Confuso, fechou os olhos por um instante. Precisava refletir 

sobre sua nova descoberta. O número de ouro estava no homem ena natureza, nas ciências numéricas e em algumas construções,como o Partenon, de Atenas, e na pirâmide de Quéops. E ascatedrais? Será que elas seriam regidas, da mesma forma, peladivina proporção?

Recolheu todas as suas coisas, incluindo a cópia impressa deO Mistério das Catedrais. Depois desligou o computador e dirigiu-

se à saída. Fechou a porta dos escritórios com a chave que Nicolashavia lhe deixado, sem pensar em outra coisa senão na ordemdeterminada por Deus.

Já na rua, olhou o relógio. Era meia-noite. Decidiu quepoderia continuar investigando em seu apartamento, embora issolhe custasse permanecer acordado a noite toda. Teve umpressentimento. Isso queria dizer que ele não descansaria até

comprovar se estava certo. Impossível conciliar o sono.Ligou o computador de seu escritório. Em seguida, foi até a

cozinha preparar café. Minutos mais tarde, sentou diante da mesa

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com uma xícara fumegante em uma mão e um maço de cigarros,na outra. Deixou o monte de papéis que compunham a obra deFulcanelli sobre uma cadeira vazia que havia encostada à parede.

 Agora trataria de verificar sua hipótese. Teria tempo de ler o livroem outro momento.

Na tela do PC pôde ver os ícones de diferentes programas,com uma imagem paradisíaca como pano de fundo. Não faziamuito tempo que havia baixado da Internet o Google Earth, umbuscador de imagens aéreas das zonas mais emblemáticas doplaneta.

Rosendo Flores, o vizinho do apartamento contíguo queestudava informática, veio visitá-lo uma noite, vários meses depois

da tragédia do 11 de Setembro. Assistiram, na ocasião, a umapartida de basquete bebendo cerveja até bem tarde da noite.

Depois de uma breve conversa, em que falaram sobre lugaresmarcados pela desgraça, Leo confessou-lhe que gostaria de visitar Nova York para ver de perto a chamada Zona Zero, afirmando quetinha intenção de fazê-lo no próximo ano. Rosendo se pôs a rir,dizendo-lhe que se esse era o seu capricho, talvez pudesse dar 

uma olhada no lugar sem ter de sair de casa — tinha somente depedir, por favor. Acreditando tratar-se de uma brincadeira, apostouum jantar que seu interlocutor não seria capaz de cumprir suapromessa. Qual não foi a sua surpresa, porém, quando o jovemRosendo foi até o computador e introduziu um nome no buscador do Google. Pouco depois, baixava um programa de grandeinteresse, chamado Google Earth, no qual se podia ver a imagemdo planeta reproduzida na tela, da maneira como podia ser observada da Lua.

Com a esfera do mouse, foi se aproximando do globoterrestre. Concentraram-se na América do Norte, na zona nordestedos Estados Unidos. Chegou cada vez mais perto, até que ambospuderam ver a baía de Manhattan, mas a altitude ainda era imensa.Foi surpreendente para Leo perceber como era possível descer pouco a pouco e a maneira como os edifícios se tornavamvolumosos e visíveis em uma tela onde, poucos momentos atrás,só se podia distinguir um conglomerado verde e marrom, formadopor bosques e cordilheiras. Ali, diante de seus olhos, pôde ver,

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desde cima, a silhueta da Estátua da Liberdade, os navios de carganavegando pelo Rio Hudson e os picos dos arranha-céus maisaltos de Nova York. E, na zona sudoeste, um grande vazioprovocado pela queda das Torres Gêmeas, um buraco enormeagora ocupado por caminhões que transportavam os escombros e

pelos operários encarregados de limpar a zona. Era dramático e,ao mesmo tempo, atraente.

Desde então, não havia utilizado novamente o programa. Maso momento era apropriado para colocar seu plano em prática.Clicou no Google Earth, sem perda de tempo. Fez o planeta girar até enfocar o continente europeu. Foi aproximando a imagem, como objetivo de procurar entre as catedrais mais emblemáticas da

Espanha. Decidiu dar uma olhada na de Toledo, justamente porquefoi naquela cidade que Balboa comprou o manuscrito e tambémporque era a mais alquímica de todas.

O que apareceu diante de seus olhos o deixou perplexo. Era aprimeira vez que via uma catedral desde a atmosfera. A precisãocom que trabalharam os mestres construtores fez com que ficasserealmente atônito. O santuário tinha a forma de cruz, tal como lhe

dissera Salvador, embora jamais tenha chegado a pensar que aslinhas pudessem ser tão perfeitas e sublimes.

Em seguida, imprimiu a imagem.

Segundos depois, tinha em mãos uma vista aérea da Toledoantiga, com a catedral no centro. Pegou um escalímetro da estanteque havia sobre a mesa. Mediu somente o comprimento e a largurada cruz que formava a abóboda do santuário, não a distância real

do templo, já que a parte posterior do presbitério se prolongava por mais uns vinte metros, devido à estrutura arredondada formadapelos diversos contrafortes. A escala era proporcional, razão pelaqual deveria representar fielmente a metragem do telhado doedifício. O corpo da nave media quatro centímetros, segundo afotografia aérea; já o transepto, de lado a lado, media doiscentímetros e meio. Com esses números escritos em um bloco denotas, Leonardo começou a dividi-los entre si. Resultado: 1,6.

Precisava de alguma outra prova de que Deus estavarepresentado por um número, o mais perfeito de todos, e que os

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construtores de catedrais eram os guardiões do segredo? Não. Acreditou que com isso já era suficiente.

Ia deixar o papel sobre a mesa, quando viu que na parteinferior da imagem havia uma série de números:

Pointer 39°51'27" N 04°01'26" WObviamente, tratava-se da longitude e da latitude exatas do

lugar onde se localizava a catedral de Toledo.

Seu coração começou a disparar de maneira enlouquecida,enquanto um suor frio percorria suas costas, sobretudo a linha dacoluna vertebral. Lembrou os números escritos na parte doremetente da carta e, por um instante, lhe passou pela cabeça que

podiam representar as coordenadas de localização da Arca da Aliança. Se fosse correto que desejavam ajudá-lo com uma pistadefinitiva, é possível que lhe houvessem proporcionado a soluçãodo enigma, para ver se era capaz de decifrado por si mesmo, novelho estilo maçônico.

Tirou do bolso da camisa o envelope aéreo, estendendo-o decabeça para baixo. Então, anotou os números do buscador do

Google Earth, mas acrescentando os graus, minutos e segundos.Clicou no "procurar" e, aos poucos, a esfera começou a girar,enquanto ia se aproximando lentamente de seu destino. Leonardocomeçou a suar primeiro nas mãos, depois na fronte, quandopercebeu que a imagem se detinha em um dos lugares maisfreqüentados por turistas de todo o mundo.

 Ali estava. Tinha diante de si a cidade perdida de Enoque e os

pilares que a dividiam, tal como dizia a carta assinada por Balkis,ou as colunas que foram enterradas na areia que se alastrou com oDilúvio, segundo a versão de Iacobus de Cartago.

Não sabia se ria ou se chorava. A verdade é que a imagemdas pirâmides de Quéops e Quefrem, vistas desde cima, era umespetáculo soberbo.

 A Arca da Aliança estava escondida na planície de Gizé. E

talvez também ali estivessem Os Filhos da Viúva.

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Depois de permanecer durante horas em seu escritório, estudandoas fotografias pertencentes à gravação de Leonardo, e lendorepetidas vezes o manuscrito da discórdia, Cristina tratou deverificar se tudo estava em ordem antes de se recolher. Ao chegar ao quarto de Lilith, deu boa noite a ela desde a porta, mas a jovem

não respondeu, fingindo estar adormecida. Então, a criptografa foidescansar, depois de passar pelo banheiro para escovar os dentes. Apagou a luz do corredor e as sombras se apoderaram doapartamento. O som de uma porta se fechando com lentidãocolocou ponto final em um extenso dia de trabalho.

Minutos mais tarde, Lilith se levantou da cama com cuidadopara não fazer ruído e fechou igualmente à porta de seu quarto.

Deslizou até o armário onde guardava sua maleta de viagem. Abriuo zíper e tirou do interior um minúsculo monitor de plasma, dotamanho de uma caixinha de tabaco. Em seguida, apertou ointerruptor, depois de introduzir um plugue cujo cabo era conectadoa uns auriculares. No mesmo instante apareceu na tela à imagemde Cristina desnudando-se em seu quarto e mostrando todo o seuesplendor. Era tudo o quanto precisava.

 Aproveitando que sua anfitriã permanecera fora a tarde toda,havia instalado uma câmera espiã em um falso livro quedescansava entre várias dezenas de textos esotéricos alinhadossobre as estantes que havia na parede. Por curiosidade, ela searriscara além da conta, mas estava segura de que valeria a pena.Tinha apenas de ampliar a informação que possuía até agora, paracertificar-se do que, na realidade, andavam procurando Leonardo eseus amigos. Sua intuição lhe dizia que estava perto de uma

grande descoberta.Observou detidamente a imagem ao perceber uma atitude

estranha no comportamento de Cristina, que, em vez de vestir opijama, voltou a abrir a porta de seu quarto. Lilith esperou suareação, já que se ela decidisse regressar com alguma desculpaqualquer teria de desconectar rapidamente o monitor e voltar paraa cama. Entretanto, Cristina só comprovou que não havia ninguém

no corredor e logo fechou novamente a porta.Depois de confirmar que tudo estava em silêncio, a doutora

pegou o telefone celular e sentou-se aos pés da cama. Discou um

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número de memória, enquanto rabiscava um desenho em umarevista que havia sobre a mesa, ao esperar na linha.

 A conversa — ou melhor, o monólogo, porque não era capazde ouvir a pessoa que estava do outro lado da ligação — foiacompanhada com interesse por Lilith. Chamou-lhe a atenção umdetalhe bastante curioso: falava em inglês.

— Senhor...? Hijarrubia tinha razão: o manuscrito de Toledoesconde um grande segredo, um impenetrável mistério que poderiacolocar em perigo nossa civilização. Tenho fotografias quedemonstram isso... Não se preocupe, estou sozinha. Deixei emcasa aquele advogado idiota. Podemos falar... Sim, creio saber oque estamos procurando... Senhor, se eu dissesse não me

acreditaria. Poderia ser tão impactante como foi à descoberta daenergia nuclear... sim... sim... eu me responsabilizo, fiquetranqüilo... Será feito como o senhor diz... Está bem... Mas se mepermite senhor, eu o aconselho a mobilizar os rapazes da NSA.Possivelmente estejamos falando do artefato mais poderoso domundo, capaz de estabelecer comunicação direta com Deus... Sim,estou em meu juízo perfeito...! Senhor, segundo os dados ainda

embaralhados de que disponho, poderia tratar-se da Arca da Aliança... Sim, já sei que é difícil aceitar algo assim! Sempre serámelhor que nos arrisquemos a nos expor ao ridículo do que, se for certo, deixar que caísse em mãos inadequadas... Não, ainda nãosabemos o lugar exato, mas contamos com várias pistasconfiáveis... Sim... Sim... Sem dúvida... Concordo, assim seráfeito... Boa noite, senhor.

Terminada a conversa, Cristina guardou o telefone na gavetada mesa de cabeceira, levantou os lençóis e se meteu na camadepois de apagar a luz.

Lilith continuava observando o monitor como uma idiota, semacreditar realmente no que acabava de ouvir. O certo é que nãotinha palavras para descrever a excitação que sentira ao saber quea relíquia de maior relevância, na comunidade judaica, a Arca da

 Aliança, era algo mais do que uma lenda. Ouvira falar dela osuficiente, razão pela qual estava ciente das advertências bíblicasrelativas ao perigo que significa aproximar-se demasiadamente

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dela. Era tão letal, que o mero fato de tocá-la podia acabar com avida de um homem de maneira fulminante.

Um intenso interesse foi tomando conta dela ao pensar nafortuna que estava em jogo. Qualquer potência do mundo estariadisposta a pagar um alto preço apenas para estudar o conteúdo da

 Arca. De fato, não foi por mero acaso que Cristina mencionou ofato em sua conversa com o pessoal da segurança nacional norte-americana, encarregada de obter informação transmitida por qualquer meio de comunicação do mundo. Isso queria dizer queexistia um grande interesse da parte do governo americano noobjeto em questão e que seu propósito era apoderar-se dele antesde qualquer outro país.

 Aquilo, pensou, ia complicar sua tarefa.Não obstante e, sem poder evitar um sorriso de satisfação,

 jurou a si mesma que seria a única a chegar até a Arca... oumorreria tentando!

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Capítulo 37

Cláudia jogou seu cigarro no chão, farta de esperar. Estavasentada embaixo do obelisco de Ramsés II, no centro da PiazzaDel Popolo. Seu tio estava atrasado, e isso porque insistira paraque fosse pontual o que vinha demonstrar a intenção de Salvador de colocar a paciência dela à prova.

Ouvira os irmãos de primeira ordem comentar que os Mestresconstrutores infundiam em seus discípulos a necessidade de deter a pressa em que vive mergulhado o ser humano, e aprofundar neleo conhecimento básico da sabedoria e do silêncio. Pôde comprovar 

por si mesma, tempos depois, quando seu tio lhe expôs a charadade iniciação pessoal:

"O discurso pertence aos homens, à música aos anjos e osilêncio aos deuses", advertindo-a que à medida que subisse denível gradativamente cairia, cada vez mais, no abismo da solidão.Imaginou, então, que não se tratava de um jogo e que, portanto,sua vida iria mudar notavelmente depois de analisar em

profundidade o autêntico sentido daquela frase. Aceitou a teoria debom grado, apesar de que, garantir o silêncio absoluto dopensamento, era bem mais difícil para uma mulher tão extrovertidacomo ela do que para um homem acostumado a viver semninguém ao seu redor. Mas a disciplina do maçom se sustentavagraças ao esforço de todos, e isso lhe serviu de consolo.

Desde que ingressara na loja, três anos atrás, sua maneira de

ser havia dado uma reviravolta inesperada, quando ela descobriu oautêntico sentido da vida nos mistérios do conhecimento e naciência de Deus. O que não esperava era enamorar-se de umhomem que a devolvesse ao mundo real — ainda que fossemesporádicos instantes de fraqueza feminina —, depois de haver participado de reuniões de grande transcendência espiritual, comgente cujo único compromisso era ouvir, sem nada dizer, a prédicado Mestre, o que significa aprender os mistérios da vida e preparar-

se para o silêncio da morte. Sua relação com Leonardo foiacompanhada, com certo receio, pela alta hierarquia da loja, etambém criticada duramente, segundo palavras de seu tio.

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Entretanto, quando Balboa comprou o manuscrito de Toledo e odestino quis que ela se inteirasse de sua existência, decidiramenvolvê-la no assunto, para que os informasse, gradativamente, detudo que se relacionasse ao documento e, ainda que a princípio senegasse a fazê-lo, acabou se vendo obrigada, devido aos laços de

sangue que a uniam ao Mestre dos Mestres.O certo é que a idéia de visitar seu tio tinha sido do próprio

Leonardo, quando este soube da origem murciana do arquiteto. Assim matava dois pássaros com um só tiro ao aceitar as novasinstruções da loja e envolver Riera como castigo por sua crueldecisão, pois, realmente, não entendia muito bem porque tiveramque assassinar o bom Jorge ou a empertigada Mercedes, que,

apesar de seu caráter rebelde, era uma pessoa como qualquer outra. Tampouco lhe faltaram papas na língua para reprovar suacrueldade quando teve a possibilidade de conversar a sós com ele,aproveitando que Leonardo tinha se retirado para dormir levandouma Bíblia em suas mãos.

Isso foi na noite de domingo, quando souberam da morte deMercedes. Foi à gota que transbordou o copo. Agora tinha de

enfrentar os fatos e aceitar que havia perdido seu namorado parasempre. Seu sacrifício era em benefício da loja, e não admitianenhum tipo de réplica. Em troca, esperava deles algo mais do quebonitos gestos de agradecimento. Queria saber se a história quecorria de boca em boca entre os iniciados era verdadeira, o quechamavam com temor de Scalarum, e que não era outra coisasenão a última prova de ingresso definitivo na ordem. Tinha direitode exigir deles uma satisfação compensatória por sua renúncia,

bem como instruir-se na Sabedoria, algo que os Mestres Guardiões já deviam ter-lhe contemplado, quando cumpriu seus votos desilêncio.

Estava tão absorta em seus pensamentos, que não percebeua presença de Riera até que ele aparecesse diante dela.

— Só espero que você não esteja aborrecida pelo atraso — disse-lhe Salvador, sentando-se ao seu lado. — Estou certo de quea consciência deve tê-la mortificado, com seu implacável ruído,enquanto aguardava meu regresso.

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Ele se referia ao pensamento íntimo de cada indivíduo, aomurmúrio rebelde do cérebro enquanto está em descanso. Cláudiase sentiu bem mais tranqüila quando ele se aproximou, pois, semsaber de que maneira, sentia que a presença do tio exaltava suaimaginação, estimulando seu espírito curioso.

— Queria saber o que vai acontecer... — na realidade,ninguém havia dito de que forma ela reorganizaria a sua vida,agora que não poderia regressar a Madri. — Perdi meu emprego eenganei o homem que amo... — suspirou longamente —... precisoque alguém me explique como vou enfrentar meu futuro.

— Venha... — disse Riera, tão logo se levantou, pegando amão de sua sobrinha —... vamos dar uma volta.

O arquiteto se sentiu incomodado com a presença daspessoas que passeavam ao seu redor, razão pela qual se afastouem silêncio, dirigindo-se até a igreja de Santa Maria de Popolo, emcompanhia de Cláudia. Não sabia como lhe pedir que fizesse umúltimo sacrifício e aceitasse a decisão de Balkis, a não ser quemencionasse Leonardo. Mas antes precisava adiantar suapreparação.

— Há algo sobre o que precisamos conversar... — parou nametade da praça, olhando Cláudia com seriedade —... estou lheensinando a virtude do silêncio e o conhecimento originário dassete Ciências, e lhe contei inúmeras histórias referentes à arte daconstrução, assim como os mistérios que estão ocultos sob alinguagem secreta dos hieróglifos alquímicos. Embora vocêdesconheça o verdadeiro sentido que tem a cerimônia de iniciação.

Ela sabia que quando um Mestre falava a um adepto deassuntos relacionados à loja, o ouvinte deveria guardar silêncio.Portanto, permaneceu calada.

— Já está na hora de termos uma conversa que lhe permitaconhecer o poder da escada e a magia daqueles que a protegem—continuou dizendo Salvador  —, bem como sobre aresponsabilidade que acarreta renunciar a tudo para viver como

homens livres. Mas, antes, preciso lhe dizer que você foi eleita paraocupar o posto de Balkis, que representa a Sabedoria da Viúva.Isto significa que precisa aceitar certas mudanças, quer você goste

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ou não. É algo que também tem suas vantagens. Poderá viver emprimeira mão os mistérios do conhecimento e ter acesso ao poder que só os Custódios possuem um poder que vai maravilhar você aponto de levá-la a esquecer que foi mulher algum dia... — franziu onariz um instante —... tem seu lado escuro, eu sei. Mas eu a

advirto de uma coisa: não fará essa viagem sozinha. Terá Hiram Abif ao seu lado. E, neste caso — olhou-a fixamente —, a Viúvadecidiu outorgar o posto dele a Leonardo, embora nem mesmo elesaiba disso.

Cláudia ia dizer alguma coisa, mas se conteve para nãoquebrar o preceito de silêncio. O fato de que teria uma novaoportunidade para estar com Cárdenas ampliou sua satisfação

pessoal.— Suponho que isso vai alegrar você — ele disse, ao ver a

expressão risonha de sua sobrinha. — Entretanto, o fato de ele lhefazer companhia não quer dizer que tudo volte a ser como antes.

Começou a andar novamente, mas desta vez em sentidocontrário. Cláudia foi atrás do Mestre dos Mestres, dirigindo-setambém ao estacionamento que havia além do obelisco. Mas antes

quis saber algo mais sobre o ritual de consolidação.— Titio... o que é, na verdade, a escada?

— Athanasius Kircher disse em sua Musurgia Universalis,que, assim como Deus desce até nós passando pela hierarquia dosanjos, da mesma forma elevemos nos elevar a Ele pela mesma via:a escada de Jacó... — limpou a voz —... e a escada está divididaem sete degraus que vão desde o Inferno até o Paraíso. O sétimoe último nos conduz à compreensão do conceito divino através dosilêncio. A escada não sobe mais, pois Deus é inconcebível. Jacósubiu realmente a escada que conduz ao Céu, e ao voltar só foicapaz de dizer que: "Esse lugar é terrível...! E não é outra coisasenão a casa de Deus e a porta do Céu."

— Conheço a história — ela argumentou, com voz fraca.

— Mas não sabe que muitos outros homens livres subirampor essa escada, como Moisés e Jesus de Nazaré.

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— Cristo teve de passar pelo ritual de iniciação? — elaparecia perplexa, pois era a primeira vez que ouvia algosemelhante.

Riera confirmou em silêncio. Logo, acrescentou:

— Foi o aluno mais destacado que jamais teve a irmandadede construtores. O ofício de Jesus, segundo dizem os textoshebraicos, foi o de têcton, que significa: o que trabalha a pedra e amadeira, quer dizer, pedreiro ou construtor. Mas isso não é tudo,pois nos apócrifos de São Tomé se diz que quando Herodes foibuscar Jesus para matado, o anjo avisou José que pegasse Mariae seu filho e fugissem para o Egito, longe dos que queriamassassinar a criança. Cristo tinha dois anos de idade quando

entrou na terra dos faraós acompanhado de sua família. Foramacolhidos na casa de uma Viúva. Na verdade, a história é só umametáfora de seu ingresso na sociedade secreta dos antigosconstrutores do Egito, conhecida então com o nome de OsCompanheiros de Horus. Creio que o resto você já conhece.

— Só sei que eles herdaram de Tubalcaim o talento de erigir enormes templos, como a pirâmide de Quéops. Alguns irmãos com

quem andei falando afirmam que esse é o lugar onde se realmenteacontece a iniciação... é verdade?

— É sim, embora eu ainda não tenha lhe contado o queesconde em seu interior — o construtor se deteve junto a um Fiatde cor vinho, acionando o alarme a distância para que as portasfossem abertas. Suba! Vamos dar uma volta.

Cláudia sentou-se ao lado do motorista, enquanto seu tiodava um trocado para um jovem mendigo que, supostamente,havia cuidado do carro em sua ausência. Pouco depois seafastavam da Via di Repetta até alcançar o Lungotevere Marzio,deixando, à sua direita, a Cidade do Vaticano. A trégua de silênciofoi rompida pelo arquiteto.

— Diz uma antiga lenda, que Deus governa o Universo do seutrono de nuvens, situado na cidade de Thulé... — olhou um instante

sua sobrinha, esperando que prestasse atenção, sem abrir a boca.— Quando Deus criou o mundo, dando forma ao primeiro homem eà primeira mulher como etnia capaz de ostentar uma complexa

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sabedoria, proporcionou-lhes um lugar para viver em harmonia coma Criação. No centro daquele Éden, assim como está no Gênesis,havia duas árvores plantadas por Deus, a da Vida, e a da Ciênciado Bem e do Mal. Essas árvores não eram outra coisa senão doistemplos de proporções inimagináveis, erguidos por Tubalcaim e

seus irmãos. Em um deles estavam guardados os segredos deDeus, no outro, os mistérios da Vida.

No primeiro e maior dos templos, da mesma forma que noTemplo de Salomão, havia três salas sobrepostas, uma em cimada outra, e na última estava situado o Trono do Testemunho. Antesde tudo, era preciso descer até a sala subterrânea, denominadaCaos, porque nesse lugar escuro era possível refletir sobre as

coisas que podiam perturbar o equilíbrio universal e a naturezadivina do homem. Com os pensamentos purificados, o adeptodevia subir até a sala de cima, chamada de Conhecimento. Ali,tinha de decifrar o enigma apresentado pela mãe Sabedoria, e sóse conseguisse interpretá-lo poderia ascender à terceira sala.Então, se fosse capaz de compreender o segredo das SeteCiências, e de vencer os sete inimigos do homem, se sentava noTrono do Testemunho para falar frente a frente com Deus... — ao

chegar à Ponte Garibaldi, o veterano arquiteto virou à direita,pegando a Via dei Trastevere. — Depois do Dilúvio, o Éden ficousepultado sob toneladas de lama e barro. Os conhecimentos que ohomem havia adquirido, graças à Sabedoria de Deus, ficaramocultos nos templos durante milhares de anos até que foramdescobertos por Nemrod, o arquiteto da torre de Babel, que quisimitar, sem êxito, as construções ancestrais, erguendo a pirâmide

conhecida como Miquerinos. Hermes e Pitágoras decifraram algunsdos enigmas pintados sobre a superfície daqueles templos.Heródoto admitia, inclusive, que, acompanhado pelos sacerdotesde Isis, esteve num lugar subterrâneo onde lhe foram reveladas asciências mais poderosas do Universo... — o motorista voltou avirar, mas desta vez para a esquerda. Tentava chegar à PonteSublicio. — Entretanto, quando o historiador grego chegou ao Egitoo Trono de Deus havia desaparecido. Como e quando

aconteceu...? Deixarei que a própria Balkis lhe conte.Depois de dar a volta na Piazza Dell’Emporio, Salvador fez

com que o Fiat seguisse pela Rua Marmorata, até alcançar a Porta

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di San Paolo. Ali estacionou muito perto da pirâmide de CaioCestio.

Um homem idoso, de aspecto árabe, e uma mulher que tinhaa cabeça coberta por um lenço de seda de cor celeste osaguardavam na porta de entrada da tumba do magistrado romano.Curiosamente, não havia ninguém mais por ali. Cláudia e seu tiodesceram do carro.

— Não se preocupe, são amigos meus — sussurrou Riera,pegando a sobrinha pelo braço — eu os apresentarei.

Eles se aproximaram lentamente. O homem de pelebronzeada e cabelos grisalhos tinha um pequeno talismã

pendurado no pescoço: um triângulo de ouro com o olho de Deusem seu interior. Seus olhos expressavam fidelidade, com o olhar que costuma nos oferecer de presente os animais de estimação eque, às vezes, são mais eloqüentes que as palavras de qualquer amigo. Destilava amabilidade e sacrifício, mas a força hipnótica desuas pupilas fez com que ela se sentisse desconfortável. Por ummomento, pareceu que ele estava lhe roubando a alma.

 A mulher, ao contrário, lhe pareceu mais familiar. Lembravauma dessas malucas que adoram a magia e o espiritismo e queandam o dia todo com a tábua ouija ou com um livro de MadameBlavatsky debaixo do braço. Seu véu azul com lantejoulas pareciainadequado num país europeu, mas a elegância com que o vestiafazia com que seu rosto ficasse mais jovem e fascinante do que erana realidade — deveria ter mais de sessenta anos.

Os olhos daquela mulher lhe deram boas-vindas muito antesque abrisse os lábios.

— Desejava conhecê-la — disse Balkis, pegando as mãosdela.

Quando assim fez, a jovem percebeu que ela usava um anelde ouro no dedo médio, com um desenho da estrela de Davi nocentro.

— Se posso ser sincera, lhe direi que estou bastante nervosa.Há anos que espero ansiosamente por esse momento — mostrou-se reservada.

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— Suponho que Sholomo lhe contou minha decisão dedelegar a você...

— Sempre e quando estiver de acordo — interviu Hiram,interrompendo suavemente sua companheira.

— Sim, eu estou, e aceito a responsabilidade. Ainda que... — Cláudia titubeou uns segundos —... também me foi asseguradoque poderei ver Leo de novo.

Balkis reprimiu um sorriso mordaz, ao imaginar os planos de Azogue. De nada lhe serviria amar um homem quando ocupasseseu posto. O prazer terreno deixava de ter sentido depois desentar-se várias vezes no Trono de Deus. Mas isso ela

compreenderia com o passar dos anos.— Leo estará com você, mas só se for capaz de decifrar o

enigma de iniciação — afirmou o árabe. — Não obstante, algo mediz que saberá levar meu nome com dignidade. E isso significa quevencerá a prova da escada.

— Como pode estar tão seguro? — perguntou Cláudia, levadapela curiosidade.

— Eu sei... e é o bastante — respondeu circunspecto.

Dito isto, fez um gesto a Riera e ambos caminharam até amuralha que havia junto à pirâmide, deixando as mulheres a sós.

— Vamos lá dentro — disse Balkis, indicando a entrada datumba de Cestio. — Vou lhe falar do Kisé.

No interior do monumento, elas descobriram o compartimento

do sepulcro iluminado por alguns focos instalados no solo e quedavam vida às distintas figuras dos mosaicos. Balkis contou aCláudia que Cestio, funcionário de festas religiosas da antigaRoma, havia tido sorte de conhecer os Companheiros de Horus emuma de suas viagens ao Egito; por isso quis ser enterrado numedifício geometricamente igual aos templos de iniciação daquelepaís.

Explicou, em voz baixa, que uma das pirâmides de Gizérepresentava a coluna de Xakim — neste caso a de Quéfren —, e aoutra, de Boaz — a de Quéops. Contou-lhe que ambas eram

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diferentes e que cada uma delas representava a energia positiva ea negativa do planeta, duas forças contrárias que precisavam umada outra como duas autênticas colunas que estivessem suportandoum mesmo arco. Quem tentasse aproximá-las perceberia que, aofazê-lo, o arco se racharia por não existir um ponto de apoio

equilibrado que o mantivesse ereto. O mesmo ocorria com as leisque regem o Universo... — Cláudia escutava em silêncio. — Deuscriou a maneira de comunicar-se com o homem através de umengenho cuja natureza ainda desconhecemos... — Balkis seguiufalando. — Nós o denominamos de Trono de Deus, ou Kisé doTestemunho, ainda que outros a chamem de Arca da Aliança.

O lugar onde ela está escondida, precisamente, é embaixo da

Grande Pirâmide, ainda que, a princípio, tenha estado na salasuperior do mesmo monumento. Há séculos nós a protegemos,para que não voltasse a ver a luz até que o homem estivessepreparado para encarar o conhecimento de Deus... — logo — dissepara si —... Moisés jamais deveria tê-la tirado do Egito.

— Como disse? — por ser tão incrível, o comentário de Balkisconseguiu chamar a atenção de Cláudia.

— Você escutou bem... — inclinou sua cabeça para observar detidamente a jovem, avaliando sua inteligência. — A história não ésempre como a contam, criatura. Às vezes, os fatos nada têm a ver com a realidade.

— Poderia explicar-se? — inquiriu Cláudia, atônita.

— Depois do Dilúvio, o Trono de Deus permaneceu escondidodurante milhares de anos na Grande Pirâmide, até que o culto daSabedoria foi novamente restabelecido pelos homens quesobreviveram à catástrofe. Os sacerdotes mais herméticos do

 Antigo Egito consideravam a Arca uma manifestação do poder deDeus, e denominaram a força que emanava dele de Hor-Sema-Tauy... Harsumtus, para os gregos. Ainda podem-se ver, no templode Dandara, pintada sobre a parede norte da cripta situada na zonasul, uma prova de seu poder e do perigo que representa chegar 

muito perto, se você não é um iniciado... — tirou o lenço, deixandoaparecer sem pudor seus cabelos. — Segundo conta a lendamaçônica, Moisés pôde conhecer o segredo melhor guardado da

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história graças a um dos mestres construtores que seencarregavam de sua iniciação nos mistérios de Ísis, que foi mãe eprotetora dos Companheiros de Horus. O relato que fizeram avocê, referente à agressão de Moisés contra um mestre egípcioque castigava duramente um hebreu, é só outra metáfora mais

utilizada pelas antigas lojas...Fez uma pausa para olhá-la diretamente nos olhos e

continuou.

— Depois de, furtivamente, ter acesso ao Trono e a seusdivinos conhecimentos, algo que estava reservado para osguardiões, e somente a cada sete anos, Moisés teve uma visão:ele mesmo estava conduzindo o povo de Israel até uma terra onde

a sabedoria e o conhecimento os converteria num povo eleito por Deus. Convenceu assim vários judeus, além do mestre de obrasque o conduziu até a sala onde guardavam a Arca, para que oacompanhasse uma noite com a finalidade de entrar novamente napirâmide de Quéops e subir até o recinto que agora chamamos deCâmara do Rei. Moisés aproveitou a boa-fé do mestre de obraspara levar o Kisé do Testemunho com ajuda dos israelitas,

escondendo-o onde os soldados do faraó não pudessem encontrá-lo, no país de Madian. Ali, se comunicou pela segunda vez comDeus, na passagem conhecida no Êxodo como O fogo da sarça.Depois de proteger a virtude e a sabedoria do Grande Arquiteto,regressou ao Egito para reagrupar os judeus. Mas, ao utilizar a

 Arca para fins mundanos, só o que conseguiu foi que a MãeNatureza se enfurecesse com seus filhos, castigando-os com umasérie de pragas que devastaram durante meses todas as regiões

do Egito. Foi como abrir a caixa de Pandora... — suspirou comtristeza e continuou. — Moisés aproveitou a ocasião paraamedrontar o faraó, dizendo-lhe que se não o deixasse partir acabaria com todo o seu povo. A jogada deu certo até que omestre de obras, que o convidara para sentar-se no Trono deDeus, perdeu seu primogênito devido à magia destruidora da Arca.Decidiu vingar-se, confessando o roubo diante dos demaisguardiões do templo, que, de imediato, levaram o assunto aoconhecimento do faraó. Este, sentindo-se enganado, enviourapidamente seu exército de guerreiros ao encalço dos israelitas,para matá-los. O resto é história. Você pode imaginar como Moisés

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fez para separar as águas do Mar Vermelho e fazer descer ambrósias do céu.

— A Arca tem tanto poder? — perguntou Cláudia. Sentiutemor ao imaginar que um dia veria aquele objeto.

— É uma arma de duplo sentido. Com ela pode-se fazer oque quiser, sempre e quando seja para o bem. Se a utilizar paraprejudicar alguém, é possível que o castigo seja devolvido comacréscimo, como aconteceu com Moisés, que jamais chegou aentrar na terra prometida como castigo por sua soberba — respondeu séria. — Mas sua principal função é outra, muitodiferente, de dotar de conhecimento e sabedoria o ser humano.Desta forma, o homem penetra no mundo da verdadeira magia, do

conhecimento, e deixa de lado a realidade falseada pelaignorância. Já não caminha sobre a terra, mas sim se eleva àverdade de Deus, enquanto se mistura entre as pessoas.

— Continue... O que mais aconteceu à Arca se, como vocêdisse agora, ela se encontra escondida embaixo da GrandePirâmide? — estava disposta a quebrar todas as normas, nãosomente a do silêncio, mas também a da curiosidade.

— Depois da morte do rei Salomão, Jerusalém, agoragovernada por seu filho Roboam, foi invadida por Sisaq I, faraó doEgito — continuou dizendo com calma. — No Segundo Livro deCrônicas diz-se que ele investiu contra a cidade sagrada e que seapoderou dos tesouros do Templo, mas não explica se a Arca da

 Aliança foi levada como troféu de sua vitória. Os sacerdotes judeusmantiveram o segredo durante centenas de anos. Criaram,

inclusive, a irmandade dos essênios para que estes fossem osguardiões de uma relíquia fantasma cuja perda jamais tiveram acoragem de reconhecer. Logo nasceu a lenda do Messias, ohomem que haveria de devolver o Trono de Deus a Israel. Daí queCristo passou sua juventude no Egito aprendendo os mistérios e aciência de seu Pai junto aos eruditos mais avançados do impériofaraônico. Você se lembra que a família de Maria pertencia aosessênios...

— Meu tio comentou algo sobre isso.

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— Sholomo demonstrou bastante consideração ao trazê-laaté nós, mas confunde a proteção do conhecimento com oautêntico apostolado da loja, que é viver com humildade e emsilêncio, como uma pedra... — esboçou um gesto de reprovação,antes de retomar a conversa —... como eu ia dizendo... depois que

Cristo ingressou na irmandade de construtores e ensinou alguns deseus companheiros egípcios a viver segundo as regrasestabelecidas por Deus, regressou à Galiléia para poder cumprir avontade de Seu Pai Celestial: propagar, de maneira submissa, aSabedoria entre o povo de Israel e o modo de guardar silênciodiante das humilhações que o homem haveria de sofrer, no futuro,nas mãos do próprio homem. Porque, se você não sabe, era amor quando Cristo se calava diante dos insultos... Era sacrifício quandocalava a respeito de suas penas... Era humildade quando calava arespeito de si mesmo... Era penitência quando calava sobre suador. Esse é o motivo pelo qual Jesus morreu em silêncio. Seusacrifício serviu para que muitos se perguntassem o que havia por trás desse homem tão peculiar, que se deixou assassinar semsequer defender sua inocência... Creio que a humanidade inteiracompreendeu, no momento de sua morte, que aquele silêncio

trazia uma mensagem de grande sabedoria: que o homem devevencer o pecado da soberba, submetendo-o ao silêncio, antes defalar com Deus. Isso é tudo.

— Há algo que não entendo... — reconheceu, necessitandochegar até o final. — Se a Arca permaneceu no Egito, depois queJesus regressou à Galiléia, como é que os templários conseguiramrecuperada depois de sua estada em Jerusalém?

— Graças à diplomacia judaica — respondeu. — Osseguidores de Cristo convenceram os sacerdotes de Ísis a devolver a relíquia ao povo de Israel, depois da morte de Jesus — não por acaso, o egípcio Baltazar, um dos magos que foram a Belémseguindo a estrela, foi seu tutor e mestre desde o dia do seunascimento. Eles intervinham sempre e quando era a mãe deCristo que custodiava a relíquia... — então, Balkis lhe explicou esseponto, antes de confundir a jovem ainda mais do que já estava. — No tempo em que a família viveu no Egito, Maria foi considerada areencarnação de Ísis, já que Cristo pertencia à irmandade dosCompanheiros de Horus e era o filho predileto de Deus. Maria tem

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sido sempre a guardiã do Trono, pois representa o espírito daSabedoria. Você nunca se perguntou por que a maior parte dascatedrais é dedicada à Virgem, ou refletiu sobre o fato de que naladainha ela é qualificada de "Trono da Sabedoria", "Porta do Céu"e "Arca da Aliança"?

— E o que fez a Virgem com a Arca? — sua curiosidade iaaumentando.

— Depois de permitir que os apóstolos a utilizassem, no diaconhecido como Pentecostes, ela a entregou a José de Arimatéia ea Nicodemos, que tinha as chaves do Templo, para que adevolvessem de novo ao lugar que lhe correspondia, masadvertindo-os de que deviam ocultá-la na escuridão de uma sala

subterrânea, para evitar que caísse nas mãos dos gentios.E aí, no verdadeiro Sancta Sanctorum construído por 

Salomão sob as cavalariças do Templo, permaneceu escondida atéque Hugo de Payns e Godofredo de Saint-Omer a descobriram,depois de escavar o solo da mesquita de Al-Aqsa.

Depois disso, a localização da Arca na Península Ibérica foi

meramente transitória. Permaneceu um pouco mais de cem anosoculta em uma cripta esculpida embaixo da mesquita mais antigade Múrcia, mas graças ao empenho dos cavaleiros templários quese fizeram passar por mercadores árabes, o rei Afonso X, o Sábio,Grão-Mestre da irmandade dos construtores, a resgatou de suaescura prisão. Ele ordenou seu astrônomo, Alias o Estrelar, que aescoltasse de novo até o deserto de Gizé, pelo temor de que fosseutilizada por reis sem escrúpulos em benefício próprio. Uma

catedral em construção oferecia pouca segurança, menos aindaquando a velha mesquita — em cuja cripta se escondia o Trono deDeus — seria derrubada.

— Quando você diz que estava embaixo da mesquita deMúrcia... está se referindo às sete salas onde Iacobus gravou seushieróglifos?

Balkis fez um gesto afirmativo com a cabeça, antes de dar 

sua explicação:

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— Iacobus sabia por uma família de origem moçárabe quevivia junto ao Rio Segura, que o rei Afonso havia mandadotrasladar uma relíquia de grande valor até as obscuras regiões daBerbéria. Com a ajuda de um plano árabe, conseguiu entrar nosantuário onde uma vez esteve escondida a Arca da Aliança. Daí

que, ao saber da existência de um texto codificado pertencente àfamília Fajardo, seu tio cometeu o erro de contratar um assassinode aluguel para acabar com a vida daquele pobre homem quetrabalhava com você e também para destruir o manuscrito. O queaconteceu depois foi causado por sua estupidez.

— A que você se refere?

— Ah... então você não sabe? — estranhou que Sholomo não

a tivesse informado a respeito.Cláudia franziu a testa, surpreendida pelo comentário.

— Lamento ter que lhe dizer que o legado de Iacobus estánas mãos da pessoa que assassinou Balboa e Mercedes. Seconseguir decifrá-lo, estaremos perdidos.

Leonardo não conseguia acreditar no que estava fazendo, até queuma aeromoça lhe recordou que deveria apertar o cinto desegurança, porque o avião iria decolar imediatamente. Saiu de seuestupor para balbuciar um conjunto de palavras incongruentes quea jovem aceitou como uma frase de agradecimento. Depois, ela seafastou para continuar informando o resto dos passageiros.

Imaginou por um instante as caras que fariam Cristina eNicolas quando percebessem que ele não compareceria ao

encontro e que era impossível localizado em seu apartamento. Nãoacreditou que seriam capazes de chamar a polícia, mas sim quefariam tudo que estivesse ao seu alcance para continuar estudandoos hieróglifos, até saber o lugar exato onde Os Filhos da Viúvaescondiam a Arca. Ele levava vantagem sobre os dois, emborasoubesse que, mais cedo ou mais tarde, teria de reencontrar-secom eles. Não é que se importasse em compartilhar com eles sua

descoberta, mas tinha de atuar o quanto antes, e o fato de levá-losconsigo seria um fardo e não uma ajuda. Uma vez resolvido oenigma, já não lhe fariam falta. Quem viaja só, viaja mais rápido.

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 Além disso, queria saber se Cristina tinha razão, ou seja, se Rieraestava implicado no sumiço de Cláudia. Caso ela estivesse certa,preferia enfrentar os fatos sem ninguém ao redor para zombar desua ingenuidade.

Calculou o dinheiro que havia sacado do banco, pouco antesde subir no avião: era a maior parte de suas economias que nãoestavam ligadas a um plano de pensão. Levava uns 3.000 eurosem notas de 500 — devidamente dobradas e escondidas no interior de sua carteira —, e que deveria trocar por libras egípcias assimque chegasse ao aeroporto internacional do Cairo. Supôs que teriao bastante para passar uma longa temporada no Egito, semobrigar-se a dormir num hotel com três no mesmo quarto, com

baratas, pulgas e chatos comendo suas costas. Não sabia quantotempo iriam durar aquelas férias improvisadas, mas sabia muitobem que, sem trabalho e esbanjando o pouco dinheiro que restavaem sua conta corrente, sua economia ficaria afetada mais do quedesejava.

Pensou em Cláudia, e isso lhe deu ânimo para continuar.

Quando o avião alcançou a velocidade de cruzeiro e o vôo se

estabilizou, ouviu-se a voz de uma aeromoça pelos microfonesrecordando, em vários idiomas, que podiam desafivelar os cintos.Leonardo aproveitou para pegar o texto impresso de O Mistério dasCatedrais de dentro de sua mala de viagem. Deu uma olhada noprimeiro capítulo e mergulhou na leitura. Leu por um pouco mais demeia hora, até que a aeromoça veio de novo, agora arrastando umcarrinho de bebidas. Decidiu dar uma pausa, além de tomar umgim-tônica.

Enquanto saboreava a bebida com prazer, lembrou-se dacharada que a rainha de Sabá lhe propusera: "Se desejas conhecer a verdade, terás que encontrar primeiro a chave de onde se guardao segredo de nossa loja, e que está escondida cuidadosamente nointerior de uma caixa de marfim coberta de pêlo."

Como era um enigma dos mais complicados, suspirou duas

vezes só de pensar nele. Quando era pequeno, adorava asadivinhações que encontrava nos livros de texto. Mas agora eradiferente. Não se tratava de um jogo, senão de encontrar a

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resposta coerente que pudesse colocá-lo na pista certa de Cláudia,tão logo desembarcasse no milenário país ao qual o Nilo dava vida.

"Uma chave escondida dentro de uma caixa de marfimcoberta de pelo... Uma chave escondida dentro de uma caixa demarfim coberta de pelo"... não parava de pensar nisso a todo omomento.

— Maldita charada! — murmurou em voz alta.

Uma menina que viajava no assento do outro lado do corredor olhou para ele com curiosidade, aproveitando que sua mãe liaatentamente o jornal. Tinha o cabelo castanho, preso em doisrabichos que caíam de ambos os lados da cabeça. Suas

bochechas eram, graciosamente, salpicadas de sardas. Possuía,além disso, uma perspicácia pouco habitual para uma criança desua idade, coisa que chamou a atenção de Leo.

— Está acontecendo alguma coisa com o senhor? — perguntou em voz baixa, como se não quisesse que os demaissoubessem sobre o que estavam conversando.

— Tenho um problema — sussurrou ele, por sua vez,

compartilhando com ela o seu segredo. — Alguém me apresentouuma adivinhação que não sei decifrar. Se não conseguir, jamaispoderei retornar à Espanha... — arregalou os olhos de maneiraexagerada —... e vou perder meu trabalho, e depois minha casa, ocarro e os amigos. Logo estarei na miséria e terei de dormir na ruacomo um vagabundo.

— Isso é terrível! — exclamou a garotinha, suspeitando,

porém, que aquele homem estivesse brincando com ela.Cárdenas pensou a mesma coisa, embora falasse, mesmo,

sério.

— Você acha que pode me ajudar? — ele continuou com abrincadeira, porque isso o divertia e ajudava a liberar a tensãoacumulada das últimas horas.

— Com certeza que sim — afirmou orgulhosa. — Sou a maisesperta da classe — concluiu, levantando o queixo.

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 A senhora que estava ao lado da garota deixou de ler o jornalpara dar uma olhada compreensiva no desconhecido. Ele piscoupara ela, fazendo-a cúmplice de sua travessura. Depois deconcordar com um gesto, ela continuou lendo a matéria, deixando-os em paz.

— Escute... — disse o bibliotecário com seu melhor sorriso. — Que chave se esconde dentro de uma caixa de marfim coberta depêlo?

— Você se refere às chaves da canção, as que estão nofundo do mar? — ela perguntou.

Leonardo caiu na risada. Achou graça na saída daquela

sardenta simpática.— Não, pequena. Não são essas as chaves.

 A menina riu.

— Então, deve ser a língua.

Olhou para ela, surpreso.

— Como disse? — inquiriu depois de um breve silêncio.

— Pois deve ser a língua! — ela repetiu, com um gesto deimpaciência.

— Vamos ver! Explique-se, por favor.

 A menina suspirou, cheia de resignação, como um adulto.Pensou que aquele homem era mais bobo do que parecia.

— É muito simples — disse-lhe em tom confidencial. — Acabeça é a caixa, os dentes são o marfim, o cabelo é o pêlo... e alíngua é a chave das palavras.

Por um instante, Cárdenas ficou desconcertado. Procuravaem sua mente uma razão ou desculpa para responder, quandorecordou os versos da canção infantil que a menina haviamencionado:

"Onde estão as chaves? (...)No fundo do mar. (...)"

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 A senhora do jornal disse alguma coisa para aquela que deviaser sua filha, e esta colocou os fones de ouvido, para ouvir oprograma de televisão que começava naquele instante e esquecer,por hora, aquele senhor tão estranho e seus enigmas.

Leonardo, entretanto, não parava de pensar no que a meninahavia dito... e em algo mais que tinha a ver com uma conversamantida com Riera. Os Sancti Quattro Coronatti foram encerradosvivos em caixões de chumbo e lançados no fundo do mar — umasituação semelhante à dos versos da canção — como castigo aoseu silêncio e ao estrito cumprimento das normas. Então, faziasentido pensar que a resposta certa era mesmo a língua. Tratava-se de uma comparação alegórica do verdadeiro compromisso do

maçom: manter a boca fechada, quando fosse interrogado sobre osassuntos da irmandade.

"Não conte a ninguém os segredos da câmara, nem nada doque fazem na loja": esse era o lema deles. Não haviam, então,cortado a língua de Balboa e de Mercedes como castigo por suaindiscrição, e escrito com sangue, na parede, a advertênciamáxima?

Mas, perguntou-se preocupado, sobre o que deveria manter silêncio?

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Capítulo 38

— Maldição...! É impossível localizá-lo. Está desligado.

Cristina deixou o telefone celular sobre a mesa. Nicolas, queandava de um lado para outro no escritório, surpreso pelodesaparecimento de Cárdenas, teve o pressentimento de que elehavia se convertido na terceira vítima de Os Filhos da Viúva, talcomo imaginava que haveria mesmo de acontecer, finalmente.

— Eles o encontraram, tenho certeza... — parou no meio dasala para expor sua teoria, em tom fúnebre. — E nós deveríamos

ter muito cuidado, se não quisermos ser os próximos.— Não diga bobagens — ela o recriminou, com amargura. — 

Se o Leo não está aqui é porque nos deixou para trás nainvestigação. Estou certa de que ontem à noite ele encontrou umindício confiável de como chegar até a Arca... — olhou seuinterlocutor com frieza, esperando que fosse capaz de entender omotivo de sua repentina irritação —... você não percebe...? Foimais rápido que nós e tratou de ir embora com a resposta.

— Mas... — objetou o advogado, sem concluir a frase queestava pensando, para encolher os ombros e perguntar  —... temalguma idéia para onde ele pode ter ido?

— Vamos necessitar de ajuda, se quisermos averiguar isso.

 A criptografa voltou a pegar o telefone móvel, indo até a janela e, dessa forma, afastando-se de Nicolas. Procurava

privacidade para falar, supostamente, com seu elo do CNI.Enquanto Cristina conversava com alguém do alto escalão da

espionagem espanhola, Colmenares tratou de recordar os motivosque o levaram a envolver-se com aquele assunto escuso. Depoisda conversa que manteve com Mercedes, no restaurante, não teveoutro remédio senão colocar-se em contato com seu amigoHijarrubia, para lhe contar o que sabia com relação ao assassinato

de Balboa e do códice medieval, já que este conheciapessoalmente o ministro do Interior e poderia lhe dar uma ajuda nodelicado assunto da ocultação de provas, por parte de Mercedes.

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Horas depois, veio vê-lo um homem que dizia trabalhar para oCentro Nacional de Inteligência. Teve de responder a uma série deperguntas sobre a morte de Jorge e sua possível vinculação comalgum tipo de irmandade de caráter esotérico.

Em seguida, envolveu-o no caso, dizendo que se tratava deum assunto de segurança nacional, e lhe confiou uma de suasmelhores agentes, Cristina Hiepes, para que se infiltrasse na casade leilões, aproveitando que a diretora precisava de alguémqualificado para substituir Cárdenas por uns dias. Assim, essamulher destacada para o trabalho estaria em contato direto com osimplicados. Sua missão consistiria em familiarizar-se com omanuscrito de Toledo e averiguar até que ponto eram corretas as

afirmações do pedreiro e o fanatismo dos que pretendiam ocultar,ao mundo, os conhecimentos dele. Mas a morte de sua velhaamiga alterou drasticamente os planos. Decidiram, então, que tantoele como a criptografa deveriam colocar-se em contato com a únicapessoa que sabia o que estava acontecendo: Leonardo Cárdenas.

 Agora, porém, depois de investigar o que procuravam comtanto empenho, tinha suas dúvidas. Será que o CNI sabia da

existência da Arca desde o princípio? Seria essa a razão pela qualhaviam deixado do lado a investigação criminal para concentrar-seno criptograma? O que pensa fazer o pessoal da Inteligência comuma relíquia tão valiosa como a Arca do Testemunho?

— Pegue as fotografias da cripta e as anotações — propôsCristina, que regressava, guardando o telefone na bolsa. — Vamosaté a casa de Leo fazer-lhe uma visita.

Colmenares apressou-se a cumprir as indicações dela,introduzindo as fotos em uma pasta com o logotipo da empresa.

— Que faremos se, por acaso, ele estiver no apartamentodele, com ressaca? — perguntou o advogado, enquanto se dirigiamaté a porta. — Sim, porque se acaso você ainda não notou, saibaque esse homem tem um problema com o álcool.

— Não creio que vamos encontrá-lo ali — ela respondeu, com

segurança. — E mais: espero que não haja ninguém na casa. ACentral vai mandar uma unidade de reconhecimento... — 

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pestanejou pensativa, para acrescentar —... vamos fuçar um pouconas coisas dele.

Minutos depois, dirigiram-se à residência do bibliotecário.Durante o trajeto, Nicolas não deixou de pensar no que iriam fazer.Entrar em uma casa alheia sem ordem judicial implicava invasão dedomicílio. Estar envolvido em algo dessa natureza poderia lançar por terra sua carreira, caso viessem, a saber, os integrantes doColégio de Advogados de Madri. Por outro lado, aventou apossibilidade de que os agentes do CNI talvez tivessemautorização para atuar, com o consentimento tácito de um juiz.Nesse caso, a ocorrência seria dentro da legalidade.

Mesmo assim, observou algo estranho no comportamento de

Cristina depois do sumiço de Leonardo, e era algo que não oconvencia, de jeito nenhum. Aquela manhã, por exemplo, elaparecia diferente. Achou que a melhor maneira de conseguir informação dela seria iniciando uma conversa estritamenteinquisitiva e pessoal.

— O que houve ontem à noite, depois que eu saí doescritório? — virou a cabeça em direção a ela, ao fazer a pergunta.

— Deve ter acontecido algo, para que ele tenha ido embora semantes nos consultar.

— Eu disse a ele que não engolia a história de que Riera esua sobrinha tivessem sido seqüestrados — ela respondeu,secamente.

— O quê...? — não conseguia acreditar nas palavras dacriptografa —... é o que você realmente pensa?

— Ainda não estou segura. O pessoal do Centro estáinvestigando... — disse, movendo a cabeça para o lado, chateada—..., mas o certo é que me parece muito estranho queseqüestrassem Riera e Cláudia e, em seguida, deixassem vivonosso amigo Leo. Não seguiram o mesmo padrão com os outros,algo inconcebível em se tratando de indivíduos tão metódicos eimplacáveis. Além disso, o fato de que lhe permitissem falar com

sua faxineira, do aeroporto, é um dado bastante significativo... Nãolhe parece?

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— Reconhece que não tem certeza e, mesmo assim, lançouna cara de Leo essas conjecturas meio pesadas — reprovou-a. — Na verdade, agora entendo porque ele foi embora. Deve estar ofendido.

Cristina argumentou, sentindo-se desconfortável.

— Eu lhe repito que o motivo não é esse — insistiu. — Encontrou o lugar onde escondem a Arca e, neste momento, está àprocura dela.

Depois de alguns segundos de introversão, Colmenaresvoltou a retomar o diálogo exatamente onde havia parado.

— Explique-me uma coisa... se você está tão certa de que

Cláudia e seu tio estão vinculados de alguma forma a Os Filhos daViúva... qual é a razão de sua atitude maternal com a filha deRiera?

 A criptografa esboçou um amplo sorriso, orgulhosa de simesma.

— Ela é meu curinga nesta difícil partida.

Quando chegaram ao apartamento de Cárdenas, encontrarama porta aberta e a fechadura arrombada. Entraram sem perda detempo ao perceberem ruídos no interior.

— Os Vigilantes já estão aqui — confirmou Cristina, que,assim, costumava chamar os agentes do serviço secretoencarregados de controlar a vida e os hábitos de todo aqueleindivíduo que estivesse sob suspeita de ser um profissional do

crime ou terrorista.De fato. Três homens vestidos de negro, com aspecto de

sicários, abriam e fechavam gavetas dos vários móveis, enquantotratavam de recolher tudo o que pudesse conter algumainformação. Cristina os saudou em inglês:

— Hi, boys!

Nicolas se colocou na defensiva ao descobrir que aqueles trêsgorilas se entreolhavam com transparente lucidez, como seestivessem surpresos ao ver Cristina em companhia de umhomem. O fato de nenhum deles ser o agente do CNI, que fora

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enviado por Hijarrubia, fez com que o advogado se sentisseincomodado. Não obstante, decidiu guardar silêncio e ver como osacontecimentos iriam se desenrolar.

 A criptografa se aproximou do mais forte dos três, umindivíduo com uma enorme cicatriz sob a pálpebra direita. Trocoucom ele um par de frases em voz baixa e, em seguida, dirigiu-se aodormitório de Leonardo, em companhia dos outros dois agentes.Cristina voltou a ficar ao lado do advogado.

— Não há nada de interesse aqui, apenas algumas anotaçõesque pouco vão nos ajudar  — lamentou. — Foi uma jogada muitohábil de nosso amigo.

— Continuo acreditando que Leo está em apuros. Isso, se jánão estiver morto... — Colmenares fez uma pausa de efeitoretórico. — Por acaso você já aventou essa possibilidade?

 A ruiva soltou um grunhido perspicaz, negando-se aresponder.

Não estava disposta a continuar suportando a falta deperspectiva dele; então, se concentrou na mesa do escritório do

bibliotecário. Estava bagunçada, pois foi justamente onde osVigilantes haviam investigado primeiro. Sentou-se na cadeira,tratando de reconstruir os últimos passos de Leonardo em suacasa, na noite anterior. Imaginou que ele estivesse diante docomputador procurando informação na Internet, tal como prometeuque faria, tão logo chegasse ao apartamento. Foi quando elapercebeu que aqueles inúteis do serviço secreto haviam seesquecido de registrar o mais importante, nesse caso: a memóriado disco rígido do computador.

Sem mais tardar, ligou o computador. Nicolas, intuindo queCristina pudesse ter encontrado algo, talvez uma pista que lhesservisse de ponto de partida, aproximou-se por trás com a intençãode averiguar do que se tratava.

— Posso saber o que você está fazendo? — perguntou

interessado.— Se Leo andou examinando páginas da Internet à procura

de alguma informação que pudesse nos ajudar a encontrar a Arca,

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esse movimento deve estar registrado nas últimas consultas — respondeu, enquanto deslizava o mouse sobre o mousepad.

 Alguns segundos depois conseguiu encontrar o que buscava. Eraum localizador geográfico.

— Aqui está — disse, com alívio, clicando no ícone doprograma Google Earth.

 A direita do visor viu a imagem de um globo terrestre sobreum fundo escuro, salpicado de estrelas: à esquerda, um sofisticadopainel, encabeçado por outro buscador. Nele estavam escritasalgumas coordenadas que lhe pareceram familiares.

— Não são os números que vimos no remetente da carta que

Leo recebeu? — perguntou Nicolas, de novo.— Sabia que ele nos escondia algo, mas eu lhe juro por 

minha vida que ele não escapará com a dele — sentenciouCristina, num surto de exasperação.

Clicou na "busca". Logo depois vira na tela a reproduçãovirtual do planeta Terra, com uma aproximação lenta, até que oprograma se deteve na zona noroeste do continente africano, sobre

a esplanada de Gizé e exatamente em cima da Grande Pirâmide.— Como é que eu não havia pensado nisso antes? — Cristina

se questionou, para, em seguida, levantar-se, afastando oadvogado com um empurrão.

Sem pedir sequer desculpa, chamou os homens quecontinuavam procurando no dormitório. Colmenares foi atrás dela,docilmente, como se fosse um cachorro pequinês.

— Você acha que Leo viajou para o Egito? — perguntou,embora ele mesmo tivesse dúvidas a respeito. — Se for issomesmo, deveríamos primeiro informar seus superiores... comcerteza... a que departamento você disse que seus amigospertencem?

Cristina olhou para ele com expressiva virulência, demorando

para responder, até que os Vigilantes tivessem retornado à sala.Somente aí esclareceu:

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— Esses homens — começou dizendo — fazem parte de umgrupo especial, dedicado à busca e localização de armas dedestruição em massa, capazes de colocar nossa civilização emperigo. Se estiverem aqui é porque a CIA suspeita que uma ordemesotérica, mais oculta, poderosa e influente até mesmo que o Club

Bilderberg, guarda uma relíquia capaz de dominar os povos daTerra graças a uma força que poderia superar em muito a bombade nêutrons... — então, sorriu de forma impressionantementecáustica. — Mas claro, esqueci de lhe dizer que seu amigoHijarrubia não trabalha para o governo espanhol... nem eu,tampouco.

 Antes que o advogado pudesse digerir suas palavras, ela

disse ao mais alto dos sicários:— Take you charge of him... It must seem like an accident.

(Encarregue-se dele... e que pareça um acidente!)

O boquiaberto Colmenares não conseguiu reagir. O tipo dacicatriz o pegou por trás, impedindo-o de esboçar qualquer movimento, enquanto outro de seus companheiros lhe aplicavauma seringa no pescoço, injetando um potentíssimo sedativo. O

lugar começou a dar voltas na confusa mente do advogado, atéque, finalmente, a escuridão tomou conta de tudo. Aquele haveriade ser seu último sonho.

— Será melhor que você se arrume um pouco, se quer mesmo meacompanhar  — disse Cristina assim que entrou em seuapartamento. —Nosso avião parte dentro de uma hora.

Lilith, que estava assistindo a um programa de televisãodeitada no sofá, apagou o cigarro no cinzeiro. Pareceu bastanteinteressada ao suspeitar que devessem deixar o país para ir embusca da Arca.

— Isso quer dizer que vocês encontraram meu pai? — perguntou, depois de ouvir as explicações da criptografa.

— Falaremos a respeito no caminho. Agora, não tenho tempo.

Cristina foi direto a seu quarto. A alemã se levantou, para ir ter com ela.

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— Há dois dias estou fechada entre quatro paredes semsaber nada dele! Compreenda que preciso saber se você vai fazer todo o possível para tentar libertá-lo de seus seqüestradores — suplicou a jovem, em uma atitude de fingido desespero. — Por favor! É só o que preciso ouvir!

 A proprietária do apartamento voltou-se para prestar atençãona garota. Decidiu agir com cautela, levando a farsa ao extremo.

— Está bem, eu prometo — disse-lhe, com voz de tomamigável. —Mas agora temos de ir embora ou perderemos o avião.Não há outro vôo até amanhã.

 Abriu a porta do armário, para tirar uma mala de viagem, onde

introduziu parte de seu guarda-roupa de verão e peças íntimas.— Eu estou falando sério. Será melhor que você se apresse

com sua bagagem... — largou o que estava fazendo para insistir,novamente: — eu não queria que esse bastardo do Leo tomasse àdianteira!

— O que você quer dizer?

— Que temos de fazer isso sozinhas — respondeurepentinamente séria. — Nicolas está tendo que cuidar da herançade uma antiga amiga e Leo decidiu procurar Riera por sua própriaconta.

— Isso significa que vocês sabem onde ele está preso... nãoé isso? —insistiu Lilith, de novo.

Esperou que a outra falasse que confiasse nela. Para sua

maior decepção, porém, Cristina se mostrou muito cuidadosanesse aspecto.

— Eu lhe contarei tudo quando estivermos no avião.

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Capítulo 39

Leonardo dispensou o camareiro, depois de lhe dar uma belagorjeta. Fechou a porta à chave, deixou a bagagem sobre a cama efoi até a janela para abri-la de par em par, já que havia um odor corrosivo e áspero no ambiente e que lhe sufocava a garganta.Ficou ali, com parte do corpo ligeiramente inclinada ao exterior,para tomar ar e admirar, à distância, a incrível paisagem de casascentenárias, cujos telhados se aglomeravam da Avenida Port Saidaté Ramesses.

Por um instante, sentiu-se transportado no tempo até o velho

Cairo de finais do século XIX. Mas, apesar da beleza daquelemundo estranho e misterioso que alimentava suas fantasias maisvoluptuosas, distanciando-o do misticismo alheio, não deixava depensar de que forma iria encontrar Cláudia se não conhecianinguém na cidade. Nem sequer sabia se ela e Salvador continuavam juntos ou se, ao contrário, Cristina teria razão e oarquiteto era um membro da loja. Não queria pensar em algo

assim. Ficava mortificado só de imaginar isso.Tirou os sapatos para ficar mais confortável. Depois guardou

a mala de viagem no armário e se estendeu na cama, tomandotodo o espaço disponível, decidido a descansar. Precisava dormir um pouco e esquecer, durante algumas horas, tudo aquilo quepoderia confundido ainda mais.

Mal fechara os olhos, tocou o telefone que estava a seu lado,

sobre o criado-mudo. O coração saltou dentro de seu peito, devidoao sobressalto. Em um ato reflexo, inclinou o corpo para frente atésentar-se. Sua mão tremia quando fez o gesto de pegar o bocal.

Não fazia nem dez minutos que havia se hospedado no NileHilton e já tinha sido localizado. Isso queria dizer que Os Filhos daViúva seguiam de perto seus passos.

— Sim...? Quem é? — perguntou, de maneira contundente.

— Boa tarde, senhor Cárdenas — disse uma voz com fortesotaque árabe, mas em espanhol muito aceitável. — Lamento

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perturbá-lo, mas acabam de deixar uma carta para o senhor narecepção. Deseja que mandemos entregá-la em seu quarto?

Respirou profundamente aliviado. Era o gerente do hotel.

— Sim, por favor... — balbuciou, para pigarrear ligeiramente e

acrescentar: —... e grato por ter o cuidado de me avisar.— Não há de quê, senhor.

Calçou novamente os sapatos, pronto para esperar a chegadado mensageiro de plantão. Enquanto aguardava, foi outra vez até a

 janela com o propósito de arejar seus pensamentos. Não saía desua cabeça o comentário de Cristina em relação a Salvador e a suapossível ligação com a loja. Era verdade que ele conhecia a fundo

os rituais secretos da fraternidade e muitas histórias que falavamde ciências divinas, alquimistas e templários.

Podia compreender seu afã por conhecimentos como umremédio lúdico à sua deprimente solidão, mas havia algo, umdetalhe, que lhe custava digerir e era o fato de que seu automóvelhouvesse desaparecido na manhã em que foram seqüestrados.Isso o levou a pensar que talvez estivesse equivocado e que

Cristina tivesse razão. O pior de tudo era não saber se Cláudiatambém fazia parte do engano.

Bateram à porta. Voltou a entrar no quarto para dar entradaao mensageiro. Um jovem muito delgado lhe entregou um envelopefechado. Em troca recebeu uma generosa gorjeta, que guardourapidamente no bolso da calça. Depois de agradecer ao hóspede,foi embora pelo corredor, assobiando uma estranha canção.

Tão logo ficou a sós, Leonardo abriu cuidadosamente oenvelope, pela parte superior. Extraiu uma folha dobrada. Nela,havia uma mensagem bastante explícita:

"Se chegou até aqui é porque conhece a solução da charada,embora neste momento seja incapaz de reconhecer o verdadeirosentido de seu poder. Se deseja aprender até onde é capaz dechegar o homem, se na realidade quer saber qual é o caminho que

conduz à Sabedoria, ou simplesmente necessita se comunicar comDeus, basta que atravesse a rua e entre no Museu Arqueológico.

 Ali haverá uma pessoa esperando por você. Ouça o que ela tem a

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dizer. Abra seu coração ao sentimento que emanará de suaspalavras. Nada do que você está pensando, agora, está correto.Engana-se, caso acredite que eu estou usando você. Não esperoconvencê-lo. Você é quem deve estar seguro de querer enfrentar averdade. Somente você pode subir os degraus da escada. Só

precisa ter vontade de fazê-lo. Mas, sobretudo, não esqueça aimportância de utilizar adequadamente a chave da loja. Ela é seumaior tesouro... e seu escudo protetor. Balkis"

Guardou a carta no envelope, para depois deixá-la sobre acadeira que havia juntado à janela. Foi até ela. Fora, em frente aohotel, pôde ver a fachada do emblemático edifício, onde estavamguardadas as relíquias mais enigmáticas e valiosas do Antigo

Egito. Segundo a mensagem, alguém o aguardava lá dentro.Perguntou-se se seria prudente ir a um encontro às cegas comcriminosos reincidentes. Depois de refletir alguns segundos,compreendeu resignado, que não tinha alternativa.

Indeciso, foi até a mala de viagem para tirar o DVD e asanotações, com o objetivo de colocá-los em lugar seguro, damesma forma que a coleção de páginas que compunham O

Mistério das Catedrais. Se o propósito dos assassinos erarecuperar a informação que ele tinha em seu poder, fazê-lo ir aoMuseu Arqueológico bem que poderia se tratar de uma armadilhapara distrair sua atenção e se apoderar do que havia registrado nointerior da cripta.

Deixou tudo guardado no cofre do armário. Não é que fosseum lugar absolutamente seguro, mas, tampouco, poderia levar consigo os documentos. Assim que terminou sua tarefa deocultados, junto com a gravação, foi direto para a porta, com afirme intenção de ir ao encontro do desconhecido.

— Você vai me contar, agora, onde está meu pai ou terei deesperar até que termine de ler as notícias?

Lilith olhou sua acompanhante com atrevimento. Cristina tevede deixar o jornal de lado, para enfrentar a autoritária reivindicação

de sua protegida. Ambas ocupavam as poltronas da parte frontaldo avião. Viajavam de primeira classe.

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— Eu já lhe disse que nosso destino é o Cairo... — disse,fitando-a fixamente nos olhos por alguns segundos —... o que maisprecisa saber?

— O motivo pelo qual ele foi seqüestrado.

 A resposta da jovem foi taxativa. Sua paciência estava nolimite extremo. Era tão explícito o seu olhar, que Cristina não teveoutro remédio senão a reticência.

— Ouça... só posso lhe dizer que vamos libertar seu pai. Nãoestou autorizada a falar do assunto e isso deveria lhe bastar, nomomento.

— Você tem de compreender minha obstinação... — respirou

fundo e olhou o teto do jato comercial. — Eles o mantêm preso,contra sua vontade, e só o que posso fazer para ajudado é deixar-me levar pelo impulso de uma pessoa que até poucos dias atrásera uma completa estranha para mim.

— Por acaso você não confia em mim?

— A confiança é recíproca — provocou a alemã, voltando àcabeça para olhar a janela que havia a seu lado.

 A criptografa percebeu que devia conquistá-la, se nãoquisesse acentuar suas suspeitas.

— Está bem... — rendeu-se, finalmente —... pelo visto nãotenho outra escolha... — fez uma careta furtiva. — Mas antes vocêtem de me prometer que não falará com ninguém a respeito do quevou lhe contar.

— Não sei com quem poderia fazê-lo... — retrucou suainterlocutora, ao mesmo tempo em que girava a cabeça 180 graus.De qualquer forma, tem minha palavra de honra.

Lilith ofereceu a ela sua expressão facial mais convincente,em termos de sinceridade, mas talvez também a mais profissional.Estava mergulhada em seu papel de filha angustiada.

— Até onde eu sei seu pai e a sobrinha dele, Cláudia, foramseqüestrados por uma ordem esotérica denominada Os Filhos daViúva — confessou Cristina, em voz baixa. — Pelo visto, algunsdias antes eles haviam decifrado um antigo documento codificado,

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no qual se indicava claramente a forma de se chegar a um dostesouros mais caros da maçonaria. E Leo foi o único dos três queconseguiu escapar na noite do seqüestro.

— E o que você e o advogado de meu pai têm a ver com tudoisso?

— Quem contratou Nicolas foi Riera, e este, por sua vez, mechamou para que lhe desse uma mão com o manuscrito, nomínimo para observar se era uma falsificação... — ela sentiu ogosto amargo da hipocrisia. — Mas quando chegamos aSantomera para ter um encontro com eles e analisar o texto, soubeque haviam desaparecido. Foi quando vimos você na porta dapropriedade dele.

 A alemã concordou, em silêncio, percebendo que a históriaestava incompleta. Sabia muito bem que a outra lhe ocultava suarelação com a Agência Nacional de Segurança dos EstadosUnidos, bem como os assassinatos do paleógrafo e da diretora daHiperión, talvez, no final das contas, para não ferir suasensibilidade. Que tonta! — pensou. — Jamais suspeitaria queestivesse falando justamente com a responsável pelas mortes.

— Vejamos... — virou o corpo para Cristina —... segundo suaversão, os seqüestradores de meu pai o mantêm escondido emalgum lugar do Cairo... — enrugou a testa —... e pode me dizer emque se baseia para chegar a essa conclusão?

— Nas averiguações de Leo. Nesta mesma tardeencontramos em seu apartamento certas anotações que indicamisso.

— Vocês entraram na casa dele sem a sua permissão? — fingiu que aquilo lhe parecia estranho.

 A criptografa compreendeu que havia falado muito mais doque devia, por isso tentou corrigir seu erro, inventando uma novahistória.

— Ele entregou uma cópia de sua chave a Nicolas. Creio que

ambos pensavam compartilhar o apartamento por alguns dias, atéque tivéssemos uma pista confiável.

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— E o que se passou com Leo? — inquiriu Lilith, de novo. — Deve ter algum motivo para se deslocar daqui sem nos dizer nada.

— É um homem e, como tal, necessita reafirmar suamasculinidade... Sente-se culpado pelo desaparecimento de seupai. Seu desejo de manter a liderança é tamanho, que preferiuocultar de nós o lugar onde acredita que estejam mantendo osprisioneiros, em vez de pedir nossa ajuda.

— Ele sabe onde é na realidade?

— Sinceramente, não tenho certeza... — Cristina levantou asmãos. — Mas, tão logo cheguemos ao Cairo, à primeira coisa quefaremos será procurá-lo, para lhe pedir explicações.

Lilith calculou que já era o bastante. Poderia levantar suspeitas se continuasse indagando. Cada coisa a seu tempo.

Pediu licença, um instante, para ir ao banheiro. Começou aandar no corredor do avião, na tentativa de manter o equilíbrio.Chamou sua atenção, entre os passageiros, certo indivíduo que liauma revista esportiva três poltronas atrás da de Cristina. Ela já ohavia visto antes — estava segura disso — junto a outros dois

sujeitos, dentro de um carro estacionado diante da porta do edifícioonde ela estivera dormindo nos últimos dias. Ela o reconheceu pelaextensa cicatriz sob a pálpebra. Descobriu, então, que o rapaz queestava a seu lado era outro dos ocupantes daquele veículo. Olhouao redor, até encontrar o terceiro, que ocupava uma poltrona maisadiante, no corredor.

Imediatamente suspeitou que devessem pertencer ao

departamento mais obscuro do serviço secreto norte-americano, eque sua missão não era outra senão oferecer apoio a Cristina emsua tarefa de localizar a Arca, assegurando-se de que ninguémhaveria de perturbá-la. Não achou a menor graça saber que teriade se confrontar com tipos de sua mesma laia, gente treinada paramatar sem nenhum tipo de escrúpulo. Mas, como sempre, Lilithcontava com o fator surpresa. Ninguém sabia quem ela era, narealidade, e isso lhe dava certa vantagem.

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Foi até o banheiro e fechou a porta por dentro. Em seguida,baixou a tampa do vaso para poder sentar-se. Precisava pensar em solidão.

Leonardo caminhava a esmo pelas distintas galerias, esperando

que alguém entrasse em contato com ele. Faltavam apenas algunsminutos para as oito — hora em que as portas do museu eramfechadas até o dia seguinte —, razão pela qual fez um esforço paralocalizar a pessoa com a qual deveria se encontrar, antes que osguardas de segurança tratassem de pedir às pessoas quedeixassem o recinto. O lugar estava abarrotado de turistas ávidospor cultura e conhecimento. Iam de um lado para outro,observando as diferentes figuras e adornos expostos atrás das

enormes vitrines de cristal blindado. Seguia com o olhar a maior parte das pessoas que perambulavam por ali, mas nenhuma delasmanifestou intenção de se aproximar.

Naquele mesmo instante, ouviu uma voz que vinha de umponto atrás dele.

— Nos tesouros da sabedoria estão as máximas da ciência.

Voltou-se, com rapidez. Diante dele havia um árabe vestidosegundo a antiga tradição do país. Sua túnica de gaze comdebruns dourados nas mangas parecia elegante, apesar doenorme medalhão de ouro que pendia de seu pescoço, umestranho talismã circular com um quadrado em seu interior e,dentro desse quadrado, viu um triângulo com o símbolo doTetragrámaton: o nome de Javé.

Parecia paradoxal que um árabe ostentasse esse adorno queinvocava o poder do deus judaico, quando qualquer islâmicopreferia ter sua pele arrancada antes de deixar que alguém lhecolocasse uma relíquia daquelas. Javé e Alá andavam em guerrahá séculos, mas aquele sujeito não parecia saber disso.

— Terei de interpretar o significado da frase? — perguntou,finalmente, depois de ter examinado, de cima abaixo, a estranha

criatura.O homem sorriu, com delicadeza.

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— É apenas um comentário que se deve levar em conta — reconheceu, com suavidade. — Pertence ao livro denominadoEclesiástico. Você não é obrigado a compreender sua mensagem,mas sou de opinião de que tais palavras deveriam ser ouvidas por todos os homens... — então estendeu seu braço para apresentar-

se —... eu me chamo Khalib Ibn Allal e sou o diretor-geral domuseu.

Cardenas aceitou a saudação, apertando a mão dele.

— Eu sou Leonardo Cárdenas, mas não sei se...

— Não se preocupe senhor Cardenas — o outro ointerrompeu, de maneira cortês. — Sei perfeitamente quem é... e

também o que veio procurar.O bibliotecário reagiu retesando o corpo, ao descobrir que ele

era seu contato.

— Engana-se caso pense que estou interessado em descobrir os mistérios da loja. Só o que me interessa é saber se Cláudia estábem.

O fato de que eram eles que controlavam a situação lheprovocava certo desassossego. Mas sabia agir com firmeza, paranão demonstrar publicamente a insegurança que lhe provocavasentir-se vigiado.

— Azogue está muito bem — lhe disse seu interlocutor,adotando uma atitude muito mais cerimoniosa.

— Como você a chamou? — perguntou perplexo.

— Azogue — o outro repetiu. — É uma palavra utilizada naalquimia. É composta pela primeira e última letra dos alfabetoslatino, grego e hebraico. É o nome maçônico de Cláudia.

— Não acredito! — exclamou, em voz alta. — Está tentandome confundir...! — engoliu com muita dificuldade e levantou a voz.— Sei que Salvador está atrás de tudo isso, mas não permitirei queimiscuam Cláudia em algo tão sórdido.

Muitos turistas começaram a murmurar ao ouvi-los discutir.Hiram não teve outro remédio senão tratar de acalmá-lo. Não eraprudente chamar a atenção.

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— Será melhor que o senhor me acompanhe... — fez ummovimento com a cabeça, convidando-o a caminhar. — Compreenderá tudo, depois que falarmos em meu gabinete.

Seguiu por um corredor à direita, no qual havia um cartaz comum aviso que proibia — em inglês, francês e árabe — a entrada depessoas estranhas ao museu. Depois caminhou por outro acesso,cujas paredes eram forradas de cedro e, finalmente, chegaram auma sala circular com uma fonte de pórfiro rosa ao centro. Do outrolado havia uma porta. Era a sala do diretor.

Hiram abriu com chave, cedendo a passagem a seuconvidado. Este observou, tão logo entrou que se tratava de umpequeno gabinete, com uma mesa velha ao centro. As paredes

estavam repletas de estantes, com livros antigos. Em uma urna decristal, encostada à parede, pôde ver que estavam guardadosvários amuletos egípcios, tais como escaravelhos, cruzes ansatase figuras mortuárias esculpidas em lápis-lazúli.

— Por favor, sente-se... — com a mão esquerda, indicou umacadeira vazia, situada em frente à mesa —... posso chamá-lo devocê?

— Por favor... — respondeu Leonardo, sem saber onde seuinterlocutor queria chegar com tanta familiaridade.

Hiram, circunspecto, ocupou seu lugar do outro lado da mesa.

— Você deve estar se perguntando quem somos e qual é, narealidade, nosso propósito... — começou dizendo —, e tambémtalvez por que fomos capazes de calar as vozes de quem colocou

em perigo o segredo mais bem guardado de nossa loja.— Não é preciso conhecer suas obras para saber que são

pessoas sem escrúpulos — afirmou, sem rodeios.

— Você também pensa assim de Cláudia?

Havia colocado o dedo na ferida. Reconhecer a culpa delasupunha implicada. E ele não estava disposto a acreditar em algo

semelhante.

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— Se lhe serve de consolo, Cláudia não teve nada a ver comos assassinatos — adiantou-se a dizer o bom Hiram, antes que ooutro retrucasse alterado.

— Isso eu já sabia — replicou o bibliotecário, sentindo-semais tranqüilo ao certificar-se de que sua companheira estava àmargem dos crimes.

— Escute... — disse o árabe —... não espero que você confieem mim, mas pode fingir que acredita — fitou-o nos olhos,esperando que cooperasse no que fosse possível. — Sei que foium erro imperdoável acabar com a vida do paleógrafo, mas adecisão ficou sob a responsabilidade do Mestre dos Mestres e dealguns dos membros mais conservadores do Conselho. Balkis e eu

só nos inteiramos depois do primeiro assassinato. Nãoconseguimos, tampouco, evitar a morte da diretora, mas emnenhum momento participamos dessa aberração, nem sequer 

 Azogue... — sorriu, debilmente —... ela conheceu você muito antesque Balboa trouxesse com ele o desafortunado manuscrito. Aindaque eu reconheça que a obrigamos a vigiar você e que a utilizamospara que entrasse consigo na cripta... — fez uma breve pausa,

para, então, acrescentar —... o golpe em sua cabeça doeu mais aela do que em você.

— Foi Cláudia que...? — quis saber, temendo a resposta.

Hiram voltou a sorrir.

— Em absoluto. Não teria sido capaz de fazer uma coisadessas... — achou engraçado ver a cara do bibliotecário aoimaginar Cláudia com um objeto contundente na mão. Naquela vezfoi Sholomo, ou melhor, dizendo, Salvador, quem bateu em você.

Cárdenas revirou os olhos.

— Riera foi capaz de descer pelo buraco do esgoto eintroduzir-se no estreito corredor sem quebrar nenhum osso? — custava-lhe muito esforço aceitar algo assim.

— As aparências enganam.

— Não é possível.

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— Para sua informação, eu lhe direi que Sholomo não éapenas o Mestre dos Mestres da loja, mas também, na juventude,foi um dos melhores espeleólogos de seu país. Desceu a cavernastão profundas, que dá vertigem só de pensar. Ele ensinou Cláudia,quando ela era criança, a amar esse tipo de atividade. O certo é

que continuam praticando com freqüência, embora não tanto desdeque ela o conheceu.

Leonardo recordou o momento em que Cláudia despencoupelo buraco, estando a ponto de cair em cima dele. A descaradaestava zombando dele. O que não o surpreendeu muito foi saber de fonte fidedigna, que o veterano arquiteto era o líder daquelegrupo de malucos.

— E agora que sei a verdade sobre quem é quem... você vaime dizer qual é o terrível segredo que vocês escondem e pelo qualsão capazes de assassinar pessoas inocentes?

— Creio que você já sabe.

— Quer dizer que aquilo da Arca da Aliança é verdade?

O rosto de Hiram permaneceu impassível. Vacilava entre

responder ou guardar silêncio. Finalmente, cedeu à curiosidade deCárdenas, porque foi isso que lhe recomendaram.

— Esse foi o nome que lhe deu Moisés, embora nós ochamemos de Trono de Deus. Mas não creio que devemos falar nisso, senão de seu grande poder libertador e de como pode afetar seu futuro e o de Cláudia. Vocês dois foram eleitos para ser osnovos Guardiões do segredo, desde que estejam de acordo com

isso.O espanhol estava completamente surpreso.

— Isso é um convite para que eu me engaje em sua loja...?Porque se for isso mesmo, vou pensar que você está zombando demim.

Os olhos de Hiram continuavam a olhar fixamente para ele.

Nem de longe o afetou sua arrogância. Mais ainda: ele esperavapor essa reação.

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— O que estou lhe propondo é que desfrute o privilégio derenunciar à miragem enganosa que o mantém escravo daignorância, para ingressar plenamente nos conhecimentos daSabedoria, onde poderá beber de uma fonte que saciará todas assuas exigências.

Cárdenas, contrariado, fechou a cara.

— Minha única exigência é ver Cláudia, para levada comigode volta a Madri... — mostrou-se inflexível, ao deixar bem claroquais eram suas intenções.

— Você a verá quando for à hora certa, mas antes escute oque tenho a lhe dizer.

— Está bem, fale! — exigiu, irritado. — Eu o advirto, porém,que não estou disposto a negociar nosso regresso juntos.

Hiram suspirou ao perceber nele certo orgulho mal reprimido.Sabia que, como acontecia a todos, o último degrau da escadahaveria de lhe proporcionar momentos difíceis.

— Antes de mais nada, quero que você saiba que osmembros do Conselho haviam decretado a sua morte... — Hiramlançou o corpo para frente e a luminária que pendia do teto criousombras em torno de seu rosto, fazendo com que fosse ainda maisimpenetrável —... entretanto, Balkis decidiu conceder-lhe aoportunidade de decifrar a charada de iniciação, para que possafazer parte da loja. E esse é um oferecimento que você não podedeclinar sem refletir previamente a respeito... Se, comoimaginamos você conseguir e realmente souber o significado de

guardar as chaves do segredo, o mais razoável seria que se juntasse a nós e aceitasse o indulto que oferecemos. Comoqualquer negociação entre duas partes, tem suas vantagens e seusinconvenientes, mas isso é algo a respeito de que aos poucos vocêirá se dando conta, com o passar do tempo.

— Fale-me das vantagens — solicitou o bibliotecário, antes demais nada porque sentia a comichão da curiosidade.

— Estaria unido a Cláudia durante o resto de sua vida... isso oagradaria?

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 Aquilo lhe pareceu muito divertido. Pelo visto, pensavaobrigado a contrair matrimônio com Cláudia ou algo parecido.

— Não sei o que lhe dizer... — esboçou um sorriso cínico. —  A vida em comum pode chegar a ser insuportável. Você nãoimagina o trabalho que dá enfrentar essa garota quando estáirritada.

— Não haverá desavenças nem tampouco mal-entendidos.Isso é algo que não tem cabimento entre duas pessoas a preservar o Trono de Deus.

— Um momento... você quer dizer com isso que ambosseríamos os Guardiões da Arca?

— Muito mais que tudo isso — respondeu Hiram, solene. — Teriam o dever de comunicar-se diariamente com o Grande

 Arquiteto do Universo.

Quando chegaram a esse ponto, Leonardo pensou queaquele pessoal era louco de camisa-de-força. Acreditavam, deverdade, que semelhante proeza era possível?

— E o que pensa Cláudia de tudo isso?

— Ela está de acordo — o diretor-geral do Museu Arqueológico foi sucinto na resposta.

— Preciso refletir a respeito.

— Se você não aceitar, será executado como todos os outrose Cláudia compartilhará o reinado com outro homem — disseHiram, com certo desânimo.

— Defina reinado — Leonardo pediu, com um tom de voz quedenotava preocupação. — Não consigo compreender o conceitoou, pelo menos, sua aplicação prática.

— Cláudia é a candidata ideal para substituir Balkis comorainha de Sabá. Ela vai conduzir Os Filhos da Viúva a partir daí.

— E qual seria o meu papel?

— Você encarnaria o espírito de Hiram Abif, cujo cargo eumantenho até o dia de hoje — respondeu com a simplicidade de

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quem usava esse nome. — Um trabalho extremamente edificante,acredite em mim.

— Por um momento pensei que iria substituir Salvador emseu cargo de Mestre dos Mestres da loja. Você já deve saber, por sua doença.

Hiram olhou para ele com profunda surpresa. Até onde elesabia, qualquer pessoa que tivesse sentado no Trono de Deusficava imunizada por toda a vida. Nenhum mal poderia afetá-lo,apenas a velhice.

— Sholomo tem uma saúde de ferro — assegurou, com vozgrave, o diretor. — Não teve um resfriado, sequer, ao longo de

mais de quarenta anos... — pegou um ovo de alabastro, que serviade peso de papel, dando-lhe voltas entre as mãos —... posso saber a que se deve esse comentário?

— Se você o conhece, como afirma, deveria saber que lheresta pouco tempo de vida. Segundo entendi, padece de umadoença terminal.

Surpreendido diante da resposta, Hiram virou instintivamente

a cabeça para o lado direito, por trás de seu ombro. Durante algunssegundos permaneceu em silêncio, observando uma porta fechadaque havia entre as estantes de livros. Foi apenas um momento dereflexão. Logo voltou a fitar o interlocutor com extraordináriafirmeza, direto nos olhos.

— Quem lhe disse isso? — quis saber e seu rosto denotavacerta preocupação.

— Sua filha, Lilith... quem, senão ela? As mãos de Hiram apertaram, com força, o peso de papéis

que estava acariciando, surpreso pela notícia. Então, e antes quepudesse responder, abriu-se a porta que estava às suas costas edela surgiu Salvador Riera, em companhia de uma mulher decabelos brancos, vestida com uma túnica de cor púrpura e ummanto azul, que ostentava uma série de enfeites de caráter 

esotérico. Mas a autêntica surpresa, para Cárdenas, foi descobrir que Cláudia estava com eles e se vestia da mesma forma que adesconhecida.

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O encontro foi muito embaraçoso. Leonardo olhou fixamentepara Cláudia, esperando que pudesse explicar-lhe o que estavaacontecendo, mas ela não soube como enfrentar a situação e seusolhos evitaram a penetrante curiosidade de seu companheiro, demaneira que inclinou a cabeça para o chão. Salvador foi o único a

ter forças para falar em primeiro lugar.— Sei como você se sente Leo... Agora, porém, não é o

melhor momento para julgar nossa atitude... — ele parecia agitado,da mesma forma que os demais. — É muito importante que vocême responda com sinceridade: Lilith está com você?

 A pergunta o surpreendeu, tanto que não conseguiu imaginar que transcendência teria o fato de haver citado sua filha, para que

Riera e seus companheiros tivessem saído com tanta rapidez deseu esconderijo.

— Isso é mais importante que os brutais assassinatoscometidos em nome de um conhecimento absurdo?

Leonardo estava furioso. Sentia dores nas têmporas, devido àpressão a que estava sendo submetido.

— Eu vou repetir de novo... Lilith está aqui no Cairo? — insistiu Salvador, agora com um pouco menos de paciência.

— Afortunadamente, não — respondeu, finalmente. — Elaainda acredita que seu pai é um bom homem que sofre em silênciode uma doença terminal. O que eu não entendo é por que você fezcom que ela viajasse da Alemanha, se pensava em esquivar-se doencontro.

Riera negou duas vezes, com um movimento de cabeça.— Lilith não é minha filha. Além disso, deveria estar morta — 

admitiu, friamente.

— Você é tão cínico, que nega quem é de seu próprio sanguea esse ponto? — não podia acreditar; jamais havia vistosemelhante ato de crueldade de um pai.

— E você... está tão cego, que não sabe distinguir quandoalguém fala sério? — inquiriu o arquiteto, deixando-se levar peloarrebatamento.

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— Já basta! — exclamou Balkis, colocando-se entre ambos.— Será melhor que deixem disso.

— Por favor, Leo! Escute o que ele tem a dizer.

 A súplica de Cláudia despertou o bom senso do bibliotecário.

Sabia o que tinha de fazer e não era o caso de adiar por maistempo o inevitável.

— Eu farei isso se você me prometer que volta comigo paraMadri — rogou, por sua vez. — Depois de tudo, creio que mereço.

Cláudia se sentiu culpada por tê-lo enganado, mas tinha defazê-lo ver que o melhor era continuar unidos e enfrentar juntos ofascinante destino que tinham reservado para eles.

— Eu gostaria lhe asseguro. Mas antes deveríamos conversar a sós para esclare...

Salvador interrompeu sua sobrinha porque ainda aguardava aresposta, que tardava.

— Insisto mais uma vez, Leo... onde está Lilith?

O rapaz, desviando o olhar para seu inquisidor, cedeu diante

da reiterada obstinação do Mestre dos Mestres.

— A última vez que a vi, ela estava com Cristina Hiepes, umacriptografa contratada por Mercedes para supervisionar omanuscrito e tudo o que fôssemos descobrindo... contente, agora?

— Lilith não é filha dele — disse Hiram, naquele momento,colocando-se em pé. — Essa jovem mentiu a você e também a

Sholomo... não é assim, velho amigo?Riera resmungou, entre dentes.

— Acabo de dizer isso a ele, mas ele não consideraargumentos racionais! — explodiu, finalmente. — Por acaso vocênão consegue enxergar? Está cego pelo preconceito. Para elesomos uns criminosos sem escrúpulos, só isso.

Leonardo deixou passar em branco esse último comentário.

— Espere um instante... — franziu a testa, tentandocompreender a verdade —... se Lilith não é sua filha, quem é a

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 jovem que encontramos na porta de sua propriedade, emSantomera?

— Meu Deus! — lamentou Cláudia, aproximando-se de seutio. — Ela sabe quem você é... e onde pode encontrá-lo.

— O que quer dizer que decifrou o manuscrito de Toledo eque sua intenção é chegar até nós — acrescentou Balkis, de formagrave. — Isso se já não estiver aqui, na cidade.

— Alguém pode me explicar o que vem a ser esse temor visceral por Lilith? — quis saber Leo, pois não entendia muito bemdo que estavam falando.

Um silêncio tenso se apoderou do escritório. Só a Viúva teve

coragem para responder.— Essa jovem, chamada Lilith, não é outra senão a assassina

contratada pela loja... — disse a ele, devagar, fitando-o nos olhoscom certo pesar. — Foi ela quem acabou com a vida de seu amigoBalboa e também com a de Mercedes Dussac. E agora vem atéaqui. Eu pressinto.

 A reação de Leonardo foi negar tal hipótese.

— Não... não é possível... — duvidou alguns segundos —...como posso saber que você não está mentindo?

— Se Balkis está dizendo, ninguém pode duvidar de suapalavra — foi o duro comentário de Hiram, que parecia ter encontrado um motivo de indignação, depois de tantos anos detemperança.

O bibliotecário ficou surpreso ao descobrir que aquelaestrambólica mulher, de olhar agradável, era a rainha de Sabá, aquem Cláudia deveria substituir no cargo, mas sofreu um impactosaber que falava sério. Se fosse verdadeira sua afirmação, tantoele como Cristina e Colmenares haviam cometido um enganoirreparável.

— Então, isso significa... — murmurou, compungido.

—... Que ela estendeu uma armadinha para vocês — Balkisterminou a frase, adiantando-se ao pensamento de Leonardo. Eque dois novos inocentes estão sob o atento olhar da morte.

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Reprovou-se por ter confiado naquela jovem, mesmo quandosua primeira impressão era de que algo não se encaixava em suahistória. Cristina teve culpa, por levá-la consigo. Mas isso agoranão importava, se bem que era preciso evitar que ela matassetanto Colmenares como Cristina. Tinha de avisá-los sobre o letal

perigo que corriam.— Tenho de entrar em contato com eles — afirmou nervoso,

tirando um telefone celular do bolso. — Vou adverti-los antes queseja tarde demais.

— Será melhor que você não lhes diga onde está — foi oconselho glacial de Riera. — É só o que lhe peço.

Leonardo concordou com um movimento de cabeça,enquanto discava os números. Seu único pensamento, naqueleinstante, era prevenir a criptografa, contando-lhe sobre o jogo duplode sua protegida. Mas depois de alguns segundos ouviu a caixapostal. O aparelho não estava em operação.

— Puxa vida! — protestou, irado, reprimindo uma imprecação.Está desligado!

Seus olhos se detiveram, novamente, nos de Cláudia, comose lhe custasse muito esforço acreditar que tudo aquilo estivesseacontecendo de verdade.

— Você e eu temos de conversar... — Balkis se aproximou deCárdenas para segurar sua mão, e, em seguida, se dirigiu a seuscompanheiros —... é melhor vocês irem embora. Hafid está lá fora,com o carro. Ele me levará para casa.

— Um momento! — replicou o bibliotecário. — O que vaiacontecer com Cláudia?

— Não se preocupe, está em boas mãos — assegurou-lheRiera, pegando a sobrinha pelo braço.

— Amanhã, você poderá vê-la de novo — acrescentou Hiram,dando-lhe as costas para ir embora.

Sem dizer mais nada, foram até a porta que se comunicavacom o museu. Cláudia se despediu dele com um beijo na face,aconselhando que tivesse paciência. Em seguida se foram, depois

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de recordar-lhe que voltariam, todos, a se reunir no mesmo lugar,no dia seguinte.

Leo sentou-se, tão logo ficou a sós com a Viúva, queaproveitou para fazer o mesmo na cadeira que estava desocupada,do outro lado da mesa. Não sabia por que, mas se sentiadesconfortável. Talvez fosse por causa do olhar insondáveldaquela mulher o do fato de sentir-se enganado por todos. O certoé que desejava ir embora o quanto antes, para o hotel, e ver-serodeado de espuma na banheira.

— Vejo que não me equivoquei com você — disse Balkis,iniciando o diálogo. — Soube captar a mensagem do maçom e veioao encontro. Agora não pode voltar atrás.

— Em nenhum momento eu disse que iria aceitar — afirmouLeonardo, sublinhando seu desejo de manter-se à margem detudo.

— Mas você o fará, porque seu destino não é outro senão ode proteger o Trono de Deus... — depois acrescentou com vozinflexível —... você já conhece o segredo da loja. Deve fazer bom

uso dele.O bibliotecário não compreendia muito bem certos detalhes.Havia decifrado a charada por acaso, graças à perspicácia de umamenina que conheceu no avião. O mistério não era tãoimpenetrável como o haviam feito acreditar. Portanto... a que sedevia tanto segredo?

— A palavra é tão prejudicial? — perguntou curioso. — Por 

isso cortam a língua de quem quebra o juramento de silêncio, comofizeram no passado com Iacobus de Cartago e, não faz muitotempo, com meus companheiros de trabalho?

Balkis suspirou entristecida. Era óbvio que não gostava defalar das vítimas da loja.

— É o que está acontecendo agora mesmo. Você caiu nasredes de seu encanto. A voz é daninha, de fato.

— A que se refere?

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— Ao fato de você não ter refletido sobre as conseqüênciasde sua pergunta, antes de formulada, e isso pode ferir a pessoaque está diante de si — respondeu pragmática. — A língua écaprichosa. Na realidade, é o membro mais volúvel e rebelde doser humano. Graças à voz, se colocam em marcha as engrenagens

do mundo regido pela razão, fazendo-nos cair nas redes doobscurantismo. Quando permanecemos em silêncio, contemplandoa beleza de uma paisagem, ou escutando o suave bater das ondasna quietude da noite, ou, inclusive, quando nosso coração estásensível aos sentimentos mais íntimos do ser humano, éprecisamente quando percebemos a beleza de Deus.

— Ninguém mais perde tempo com essas coisas — opinou

Leonardo, com um travo de amargura. — Tudo vai depressademais, hoje em dia.

Balkis lhe deu razão. A barbárie que apregoava a sociedademoderna era culpada de tudo.

— Quer saber o que vai acontecer com vocês dois? — perguntou, depois, referindo-se também ao futuro de Cláudia.

— Eu lhe agradeceria muito.Sentiu que por fim ia compreender o significado de tantocrime e de tanto silêncio. Mas o que não chegou a intuir foi que,com o passar do tempo, chegaria a interpretar os valores da loja ea aceitar que tal percepção deveria manter-se distante dodescalabro dos homens.

— Dentro de alguns dias você terá de se confrontar com a

escada que conduz à Sabedoria, razão pela qual deve recordar esta conversa enquanto estiver subindo os degraus da redenção — ela começou dizendo. — Meu conselho é que, uma vez estando noSalão do Trono, você se entregue a esse silêncio que nasce dosentimento mais puro de seu coração. Deve, também, calar oconstante murmúrio de seu cérebro, o que é igual a dominar suanatureza interior para que você possa vislumbrar plenamente essaoutra realidade que transcorre de forma paralela à nossa. Lembre-

se que as vivências mais maravilhosas e as mais tristes sãoimpossíveis de descrever com palavras. O que nos acontecequando observamos o soberbo espetáculo da natureza, como pode

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ser o esplendor do amanhecer ou o mistério do crepúsculo, ouquando a dor e a tristeza caem sobre nós como um jugo deescravidão...? Que nos deixamos dominar pelo silêncio. O discursoparece inconveniente nesse momento de extrema sensibilidade.

— Não consigo compreender a relação que existe entre suaspalavras e o fato de que se mantenha em pé uma tradição tãoinexorável — foi o raciocínio lógico do bibliotecário. —Viver acorrentado a um segredo e assassinar para preservá-lo não é aatitude mais coerente em uma pessoa que se considera civilizada.

— A morte faz parte da vida. Mas a vida que eu lhe ofereçofará com que você ressurja de suas próprias cinzas.

 Aquela resposta o deixou mais confuso do que estava antes.— O que é, na realidade, o Salão do Trono? — perguntou de

novo.

— Você saberá na hora certa — respondeu Balkis, mantendoo suspense. — Antes quero que me diga que importância tem paravocê as Artes Liberais.

— Pessoalmente, nenhuma... — admitiu sem pudor, paraacrescentar em seguida —... suponho que a decepcionei.

 A mulher esboçou um leve sorriso.

— Não completamente, embora espere que a partir deamanhã você saiba apreciar a transcendência que tem para ohomem.

— Reconheço seu valor intelectual... — confessou com voz

baixa. — Creio mesmo que ficaram obsoletas. Os cientistas de hojeacreditam que é mais conveniente explorar outros campos, taiscomo a genética, o microcosmo e o princípio da vida no Universo.Se você os analisa em profundidade, perceberá que taisdescobertas tiveram de basear-se nas ciências mais primárias,sobretudo na geometria, que existe desde o primeiro dia daCriação. É tão eterna como a Sabedoria e é o mesmo Deus. Sem

ela, não se concebe o mundo... — estendeu sua mão, apoiando-asuavemente sobre o braço de Leonardo. — Eu gostaria que vocêcompreendesse tudo isso sem ter de lhe explicar, pois issosignificaria que você é um autêntico construtor de catedrais.

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— Falando de catedrais... você poderia me dizer que relaçãoproporcional existe entre os templos góticos e a Arca da Aliança eambas com o nome de Javé? — quis saber. — Você já sabe a queme refiro.

Falava do número áureo.

— Você percebeu... — disse-lhe Balkis, um tanto surpresa. — Nem todos os adeptos são capazes de chegar até onde vocêchegou. Na realidade, você é o primeiro que, antes do ritual deiniciação, conseguiu descobrir a relação que existe entre Deus e oKisé do Testemunho.

— Por que sempre o mesmo resultado? — ele desejava

ardorosamente descobrir.Balkis encolheu os ombros. Ela também se fazia a mesma

pergunta, às vezes.

— Não estou certa. Talvez a quintessência do demiurgo sesustente graças a uma ciência numérica que trata de equilibrar aperfeição do Universo submetendo-o à arbitrariedade do caos... — procurou em sua memória um dado comparativo, para que ele

pudesse entender. — Parece, a nós todos, injusto que um Deusbenevolente permita que setenta por cento da humanidade vivaabaixo de suas possibilidades. A fome e a miséria são o maior problema que a sociedade enfrenta, atualmente. Mas o maisestranho é que o resultado de dividir a população total do planetaentre os que sobrevivem à pobreza seja idêntica às proporçõesmétricas da Arca. Como é possível...? — deixou escapar umarisadinha ingênua. — Ah! Esse é um dos grandes mistérios. Nãoobstante e ainda que nos custe a crer, assim deve ser por algummotivo. Deus é sempre justo e não deixa nada ao acaso.

Para Cárdenas continuava sendo uma incógnita, da mesmaforma que para o resto dos homens.

— E o que é a escada? — mudou o tema da conversa, poishavia demasiadas perguntas sem resposta.

— É um pedestal escalonado, em cuja base se encontradepositado o Trono de Deus — ela respondeu solene. — Azogue

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nos disse que havia igual na cripta onde Iacobus escreveu seusconhecimentos.

— Sim, é verdade — ele afirmou. — Mas qual é sua função?

— A de elevar-se espiritualmente, como seres divinos. É a

porta falsa que conduz ao Paraíso... o atalho mais curto parachegar ao reino dos Céus.

Leonardo tinha dúvidas a respeito. Não obstante, insistiu denovo.

— Responda a uma última pergunta... Onde está escondida a Arca da Aliança?

 A Viúva ficou olhando fixamente para ele, em dúvida serespondia ou guardava silêncio. Levantou-se, em seguida.

— A isso responderei amanhã. Agora é melhor que vocêregresse ao hotel e ponha seus pensamentos em ordem.

O bibliotecário não teve alternativa senão aceitar. Era inútilcontrariar uma mulher como Balkis. Por outro lado, estava mesmocansado e necessitava dormir algumas horas. Em pouco tempo,

eles cruzavam em silêncio as salas do museu, agora vazias depoisque havia fechado suas portas ao público. Finalmente chegaram aoexterior, onde um jovem árabe aguardava fielmente a chegada desua ama, junto a um velho Ford Capri, de fabricação norte-americana, com matrícula dos anos oitenta. Balkis entrou nele,para ir embora, mas antes exortou o rapaz a voltar na noiteseguinte ao museu, prometendo a ele que levaria Cláudia consigo.

—... E lembre-se... — lhe disse, em tom confidencial. — A vozé nossa maior adversária. Reflita em silêncio sobre você mesmo.Rasgue o espesso véu das idéias preconcebidas para enfrentar esse outro mundo que o espera. Só então você começará a viver.Eu lhe asseguro.

Em seguida, ele viu que ela se distanciava rumo à estaçãocentral, enquanto abanava a mão pela janela do carro, despedindo-

se dele. Leonardo lhe devolveu a saudação. Atravessou a rua,misturando-se à multidão que ia de um lado a outro, aproveitando abeleza extasiante que destilava da noite cairota.

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Horas depois, o avião da Egyptair descia na pista dois do aeroportointernacional do Cairo. Tão logo parou e suas portas se abriram, ospassageiros desceram por escadas para, em seguida, subir nomicro-ônibus que os levaria ao terminal. Lilith e Cristina foram àsprimeiras passageiras a fazê-lo. Um pouco mais distantes, ainda

que por apenas alguns metros, os sicários se misturaram ao grupo,para segui-las.

Depois de uma longa espera, finalmente recolheram abagagem. Tão logo saíram do aeroporto, se aproximaram de umdos táxis que aguardavam — estacionados junto à calçada — achegada de novos clientes. Decidida, a criptografa foi direto até aporta traseira do primeiro automóvel que encontrou. Lilith

acompanhou sua iniciativa, subindo pelo outro lado. Mas, antes defechar a porta, olhou para trás. Os indivíduos que as haviamseguido desde Madri se interpuseram entre um jovem turista e otáxi estacionado na seqüência, afastando-o com certa descortesia,com o objetivo de não perder tempo. Era evidente que tinhamintenção de segui-las até o hotel.

O veículo público se colocou em marcha enquanto um cheiro

acre, penetrante, chegava a elas desde as ruas movimentadas, junto com as vozes dos mercadores noturnos, os cânticos dosreligiosos e o ritmo dos pandeiros nas cerimônias Zar, para aconjuração de feitiços de amor, fecundidade e riqueza, afastandoos demônios.

O sonho de Cristina Hiepes havia se tornado realidade,depois de tudo. Finalmente, havia chegado a esse lugar quedespertara sua curiosidade desde que lera o manuscrito de Toledo,essa região tão distante e misteriosa onde ficava guardado o maior segredo oculto da humanidade.

Sentiu como ficou arrepiada ao descobrir que viajava pelasruas da cidade mais antiga do mundo: a cidade perdida de Enoque.

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Capítulo 40

Tão logo chegou ao hotel, Leonardo refletiu, em quietude, sobreas palavras da Viúva.

Pelo visto, aquele conciliábulo de homens livres, emborarealmente prisioneiros de sua consciência, estava disposto aoferecer-lhe uma oportunidade em troca do silêncio. Se rejeitassesuas exigências, entre elas a de um futuro esplêndido ao lado deCláudia — coisa que não lhe importava —, corria o risco de que oassassinassem, tal como fizeram com seus companheiros detrabalho. Na verdade, não estava disposto a arriscar sua vida

apenas para contrariá-los. Por outro lado, sentia curiosidade — queria saber que segredo ancestral se escondia atrás das pedrasdos tempos, Deus e as Artes Liberais. Quanto aos membros quehavia conhecido na loja, até agora não eram terríveis esanguinários como imaginara, mas havia alguns detalhes obscurosem seus métodos que ainda lhe despertavam desassossego, comoa primitiva prática de cortar a língua de suas vítimas, bem como a

grafitagem condenatória escrita nas paredes.Tinha a esperança, porém, de encontrar uma luz no final

daquela charada que representava a maçonaria, uma solução dosproblemas morais da alma. Esperava aprender algo de bom comtudo aquilo e sabia estar à altura das circunstâncias, mesmo quefosse apenas para demonstrar a Balkis que podia confiar nele,tanto ou mais que no camaleônico Salvador Riera. Estavaconvencido de que poderia superar a prova de fogo e, assim,integrar-se à associação de construtores. Porque a oportunidadede ter acesso aos mistérios divinos, à autêntica magia, não à quepraticavam dissimuladamente os magos de salão dedicados àfraude e a enganar os outros, era algo com que todo homem oumulher sonha ao menos uma vez na vida. Conhecer o segredo daalquimia fazia parte da aprendizagem do iniciado, mas ao mesmotempo aumentava seu temor ao desconhecido.

Jamais tentou enganar-se: o preço, essa ignorada oferendaou tributo que teria de pagar para beber da fonte da Sabedoria,seria tão alto que haveria de sacudir os alicerces de sua fé.

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Levantou-se da cama para ir até o armário onde guardava agravação e a obra de Fulcanelli. Tirou do cofre o monte de papéissem encadernação e sentou-se na cadeira diante da mesa. Como

 já tinha lido o livro havia uns seis anos e, recentemente, no avião,deu uma olhada por alto para ver se encontrava algo naquelas

páginas que fosse de seu interesse. Descobriu alguns parágrafosque lhe chamaram a atenção, entre os quais uma frase que falavada Virgem Maria:

"... despojada de seu véu simbólico, não é mais que apersonificação da substância primitiva que empregou, para realizar seus desígnios, o Princípio Criador de tudo o que existe." OMistério das Catedrais, Fulcanelli.

 Analisou, também, a singular epístola que se costumava ler na catedral de Notre-Dame de Paris, na missa celebrada no dia daImaculada Conceição, um texto extraído do Livro dos Provérbios,em que se diz que a Sabedoria permanecia junto a Deus muitoantes da criação do Universo. Desses parágrafos ele deduziu que aVirgem Maria, para os alquimistas, representava a essênciaprimordial do conhecimento divino. Era como dar um rosto à

consciência do saber.Diante de seus olhos foram se sucedendo passagens

filosóficas impregnadas de metáforas, descrição artística eontológica não isenta de certo sabor e heresia. Atrás de cadahistória ocultava-se uma metáfora; atrás de cada frase, um motivode reflexão. Fulcanelli se expressava em uma linguagem herméticaque só os alquimistas sabiam decifrar: o idioma dos anjos. Apesar do esforço a que se via submetido, seu cérebro encontrou certacoerência entre as palavras do escritor e os rígidos costumes daloja, sobretudo na conclusão de O Mistério das Catedrais, em queo metafísico francês explicava detalhada e fielmente os passos doiniciado, estimulando-o a subir os degraus que conduzem ao saber,um lugar onde, graças às faculdades de escrutínio, racionalidade eintrospecção poderiam assumir a inquebrantável vontade quehaveria de necessitar se quisesse resistir à última e mais difícil das

tarefas: desprezar as vaidades do mundo e aproximar-se dos quesofrem.

Então, leu em voz alta os últimos parágrafos do livro:

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"O discípulo anônimo e mudo da Natureza Eterna, apóstolo daeterna Caridade, permanecerá fiel a seu voto de silêncio. NaCiência, no Bem, o neófito, para sempre, deve... CALAR."

 Analisou a frase, refletindo sobre ela durante todo o tempo emque permaneceu acordado. Finalmente, vencido pelo sono, deixouque seu espírito se precipitasse nas profundezas. A sensação erade liberdade.

Naquela mesma noite, se instalaram no Hotel Mena House, situadono extremo oeste do Cairo, um lugar paradisíaco cercado de belos

 jardins e único no mundo, onde os turistas mais exigentes podiam jogar golfe enquanto tinham como cenário de fundo as pirâmides,

mergulhadas em um tempo que praticamente se perdia namemória. Cristina resolveu fazer algumas compras na boutique dohotel, aproveitando que Lilith decidira permanecer no quarto,desfazendo as malas.

Voltou cerca de meia hora depois, com várias sacolaspenduradas nos braços. Ela ficava constrangida de ter de ir alugares de prestígio ao lado de uma jovem vestida de maneira

sinistra e que não cansava de olhar de cima as pessoas que erammelhores que ela. Por isso, havia se dignado a adquirir umaindumentária mais de acordo com a juventude de sua protegida,algo mais alegre.

Lilith aceitou a mudança de imagem, embora, nem por isso,tenha deixado de insistir no que vinha sendo uma cortina defumaça convertida em cantilena: libertar seu pai das garras de seusseqüestradores. A criptografa, cansada de escutar suas queixas,reprimiu o desejo de matá-la ali mesmo, mordendo os lábios.

E, pela décima vez, teve de lhe dizer a mesma coisa: "vocêtem de ter um pouco mais de paciência". Em seguida, insistiu paraque experimentasse a calça e a blusa que havia comprado para elae também para que estivesse pronta em dez minutos. Iriam jantar na Torre do Cairo.

Era uma construção moderna, situada muito próxima daÓpera, na metade de uma ilha que dividia o Rio Nilo em dois. Suaaltura superava os cento e oitenta metros, razão pela qual era fácil

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ter uma excepcional visão periférica da cidade, mais ainda se oturista completasse a visita, indo comer no restaurante giratóriosituado no alto. A descrição do lugar entusiasmou Lilith; por isso,fez o que Cristina lhe havia pedido amavelmente, trocando deroupa.

Depois de pagar quarenta dólares americanos cada uma pelavisita, uma hora depois elas entravam na Torre do Cairo junto comum grupo de turistas. Sem mais demora, foram até os elevadores,enquanto admiravam a beleza ornamental do vestíbulo.

— Convidei um velho amigo — disse Cristina, quando asportas automáticas se fecharam. — jantará conosco. Espero quevocê não se importe.

Lilith sentiu que o círculo estava se fechando, pois naquelemomento acreditou que devia tratar-se de um dos agentes que ashaviam seguido até o Egito, a quem, por certo, não voltara a ver desde que se instalaram no Mena House.

— É alguém que conhece meu pai? — quis esclarecer asdúvidas.

 A ruiva negou com um gesto de cabeça.— Não, mas conhece a fundo a história das pirâmides — 

respondeu em seguida. — Cooperou com o grupo do doutor Rudolf Gantenbrick, em 98, embora, na realidade, trabalhe para a NationalGeographie.

— Gantenbrick...? — interrogou, pois conhecia o nome deouvido —... Por acaso não é o engenheiro alemão, especialista em

robótica e análises computadorizadas, que introduziu um pequenorobô por um dos canais de ventilação da Grande Pirâmide?

 A criptografa se surpreendeu com os conhecimentosarqueológicos daquela jovem alemã.

— Nossa...! E eu que acreditava estar falando com uma leigana matéria!

— Não é para tanto... — Lilith ficou ruborizada, no mesmoinstante. — Lembre-se que ele é de meu país. Além disso, gostode história. Vejo sempre o Discovery Channel.

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— Então você vai simpatizar com o doutor Said Cohen. É umfanático por seu trabalho.

 As portas se abriram antes que Lilith pudesse fazer perguntassobre o tal Said. Entraram diretamente no restaurante, onde foramrecebidas pelo maître em pessoa. Este se dirigiu a Cristina,conduzindo-a até a mesa que havia reservado, com antecedência,pelo telefone. O lugar era muito sofisticado e a decoração,realmente sensacional. Amplas janelas, com arabescosentalhados, ficavam à beira do abismo urbano, com o Rio Nilo aseus pés. A noite cairota esbanjava luminosidade e elas, sem semover de suas cadeiras, podiam observar suas maravilhas esegredos graças ao sistema giratório da torre. Dali viram como as

pirâmides e a Esfinge pareciam navegar, muito lentamente, sobreum oceano de areia líquida, envoltas em uma auréola de luz e cor.

O doutor Cohen chegou pontualmente ao encontro. Tão logoo viu, Cristina se levantou para receber, com dois beijos nasbochechas, o homem que uma vez lhe explicara sua particular teoria sobre a construção das pirâmides de Gizé. Em seguida, osapresentou formalmente.

— Said... lhe apresento Lilith. A jovem imitou a atitude de Cristina, saudando o arqueólogo

cortesmente.

— É um prazer — sussurrou, timidamente.

— O mesmo digo eu, senhorita.

Voltaram a sentar-se, agora os três. O empertigado maître

lhes trouxe o cardápio. Em seguida, foi embora, avisando um dosgarçons que os clientes mereciam um belo aperitivo, denominadoCocktail Suprême, como gentileza da casa.

Durante os primeiros minutos, a dupla de amigos recordou osmeses que havia passado junto nas escavações realizadas no Valedos Reis. Mas, ao perceber que entediavam Lilith com suasconjecturas arqueológicas, resolveram incluí-la na conversa.

— É a primeira vez que você visita o Egito? — perguntouSaid, usando um tratamento informal, enquanto observava a jovempor cima de seus óculos minúsculos.

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— Ah, sim! — afirmou à alemã, ligeiramente embaraçada, nãosabendo bem o que dizer.

— O pai dela a deixou sob minha responsabilidade há ummês — interveio Cristina, mentindo deliberadamente para ganhar tempo, ao calcular que não era prudente ter de contar a ele toda ahistória. — Na verdade, ela estuda Arqueologia na Espanha.

Said concordou, com um gesto de cabeça, dando a entender que compreendia o motivo pelo qual ela acompanhara a doutoraHiepes.

— Você se surpreenderia ao conhecer os mistérios queesconde a civilização egípcia... — dirigiu-se, de novo, a Lilith. — Já

somos inúmeros os profissionais que acreditam que a históriadeveria ser reescrita... — disse, pigarreando, para concluir comorgulho: —... eu digo isso porque as datas ainda não estão muitoclaras.

— Refere-se à construção das pirâmides?

— Exato... — respondeu o doutor Cohen —... e não apenasdas pirâmides, mas também da Esfinge. Você sabia que, há quinze

anos, o geólogo Robert Schoch, da Universidade de Boston, e oegiptólogo John West, descobriram que as enormes fissuras quepodemos observar ao redor da formação rochosa não são fruto daerosão provocada pelo vento e pela areia, mas, sim, foram feitaspor águas torrenciais, que remontam há mais de dez mil anos deantiguidade?

Lilith não soube o que responder. Mas aquilo começava a

interessá-la demais.— Conte a ela sobre a câmara secreta — incentivou-o

Cristina, que exibia um sorriso cúmplice. — Diga o quedescobriram, no ano seguinte, o geofísico Dobecki e o próprioSchoch.

— Sim, claro — disse o arqueólogo. — Foram realizadosvários testes de sondagem acústica ao redor da Esfinge,

experiências que acabaram corroborando a idéia de que sob o soloexistem várias salas ocultas desde tempos remotos. Algunscientistas, como nós, pensam que poderia tratar-se de uma série

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de bibliotecas ou mesmo arquivos, os quais datariam da época emque a Atlântida submergiu.

Lilith continuava espantada com aquele relato.

— E isso é verdade? — perguntou, fascinada.

— Digamos que existem provas irrefutáveis, mas que umaparte da comunidade científica prefere ignorar.

— Por exemplo... — insistiu a jovem de origem germânica.

— Como eu já comentei, Dobecki descobriu, sob a pata direitada Esfinge, o que parecia ser uma sala retangular de mais de cemmetros quadrados de superfície, por cinco de altura. Seis anos

depois, por meio de um sofisticado scanner, seria confirmada aexistência da tal sala, mais um sem-fim de galerias subterrâneas etúneis de conexão, que iriam parar nas mesmíssimas pirâmides.Para desilusão de todos nós, o governo de meu país proibiutacitamente as permissões de escavação.

— Mas... isso é inacreditável!

Lilith continuava interpretando seu papel, embora as palavras

do arqueólogo, de maneira alguma, lhe fossem indiferentes. Seusolhos demonstravam isso.

— Ouça... que ainda há mais... — desta vez foi Cristina quedecidiu intervir, mantendo o apaixonante relato ainda mais vivo. — Os japoneses empregaram técnicas micro gravimétricas no interior da Sala da Rainha, ou seja, algo que se poderia chamar de umaradiografia das paredes. Os resultados foram realmente

impactantes, uma vez que indicavam claramente a presença decorredores e de espaços vazios, atrás dos blocos de granito.

— Na realidade, não somos os primeiros a ter informaçõessobre isso — continuou dizendo Said. — Já no século IV, ohistoriador romano Amiano Marcelino afirmava conhecer aexistência de túneis subterrâneos sob as pirâmides, salas deiniciação às quais os antigos faraós desciam, por galerias secretas,

para comunicar-se com os deuses subterrâneos Set e Osíris.— Se isso é correto e se vocês estão seguros de que existem

essas passagens subterrâneas de que falam... — Lilith limpou a

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voz, para perguntar  —... por que ninguém se atreveu a investigá-las?

O arqueólogo começou a rir. Ele também achava ilógicoocultar a maior descoberta da história.

— Por culpa do oportunismo deste país atrasado... — admitiu,com pesar, abaixando o tom da voz. — Interessa ao governomanter o segredo. Dessa forma, pode escavar o que quiser, semque ninguém venha meter o nariz em seus assuntos. Por que vocêacha que proibiram o acesso dos turistas em Quéops durante maisde três anos...? Acredita, mesmo, que a medida foi tomada, comoalegaram, para poder limpar o interior da pirâmide? Limpar oquê...? As areias do deserto, por acaso...? Ora bolas...! — 

exclamou mordaz, para acrescentar: — O que querem mesmo é sófazer o trabalho fácil e ganhar todos os louros, quando fomos nós,os arqueólogos, que durante anos e anos nos esforçamos paradescobrir a verdade.

 A mente da jovem alemã, sempre na expectativa, começava avislumbrar o autêntico propósito de Cristina. No interior de umadaquelas salas devia estar a Arca da Aliança, por isso a criptografa

tinha tanto interesse em manter em segredo o seqüestro de Riera:pensava usar aquele idiota rechonchudo que tinham diante de si,com cara de peixe cozido, para conseguir acesso ao interior daGrande Pirâmide. O que ouviu em seguida confirmou sua suspeita.

— Mas isso pode mudar — comentou Cristina, com um ar demistério.

— Por acaso você pensa em pedir a eles uma permissãoespecial que nos abra a possibilidade de recomeçar as escavaçõesde 1998? —Said olhou desconcertado para a sua velha amiga. — Se for isso, eu a aconselho a, primeiro, conquistar a confiança dodiretor geral do Museu Arqueológico. Esse bastardo nega,reiteradamente, nossas investigações.

— Quem dirige o museu, agora? — quis saber a ruiva.

— Khalib Ibn Allal... é o filho do antigo diretor e mão direita deMansour Barik, inspetor chefe das pirâmides de Gizé — respondeu.

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— Não creio que ele a agrade. É um homem frio, hermético,obscuro. Jamais fala sem que, antes, lhe perguntem algo.

— Gostaria de conhecê-lo.

— Está bem... — ele encolheu os ombros. — Depois não diga

que não avisei.— Preciso falar com ele amanhã mesmo... — o tom que ela

usou parecia uma exigência, razão pela qual, ao perceber aexpressão alterada de Said, acrescentou com um pouco menos desoberba —... é de vital importância!

O arqueólogo a observou com muito interesse. Achava queconhecia bastante bem a doutora Hiepes. Quando ela dizia que

algo era importante é porque sabia exatamente do que estavafalando.

— Diga-me... para que você veio, realmente? — perguntoucurioso.

 As bochechas de Said Cohen se tornaram ainda mais rosadasdo que seu tom habitual. Era evidente que esperava, comansiedade, uma resposta que o satisfizesse, um novo mistério aresolver, como nos velhos tempos.

— Você se lembra o que me disse, uma vez, a respeito dasmedidas do sarcófago vazio, situado na Sala do Rei? — perguntouCristina, por sua vez.

— Sim, claro... sem dúvida — ele respondeu, com calma. — Que coincidiam exatamente com as da Arca da Aliança.

— Justamente!Said esperava que ela fosse mais explícita. Ao perceber que

não tinha a menor intenção de ser mais clara, perdeu asestribeiras.

— A que você se refere? — perguntou, agora com ansiedade.

— Ao fato de que você tinha razão... A Arca de Moisés

esteve, uma vez, no interior da Grande Pirâmide. E se o governoegípcio me permitir, existe a possibilidade de que eu possademonstrar.

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Lilith, em silêncio sepulcral, acompanhava a conversa dosdois com interesse. Devia ter cuidado para não demonstrar exagerada curiosidade.

— E há quem diga que eu estou louco! — o arqueólogocomeçou a rir. — Você veio até aqui só para me dizer isso?

— Estou convencida de que ela continua ali, encerrada emuma dessas salas das quais acabamos de falar.

Said deixou escapar uma risadinha nervosa. Na verdade, eletambém havia pensado nisso, no passado. E agora, depois detanto tempo, alguém vinha confirmar que suas teorias poderiam ser verdadeiras e não fantasias de um lunático.

— Gostaria de acreditar em você — sussurrou, tristemente.— Eu já lhe menti, alguma vez?

O arqueólogo desviou o olhar para Lilith.

— Não me olhe desse jeito — reagiu a jovem alemã, com umar de surpresa. — Tudo isso é novo para mim.

— Ela não sabe de nada — acrescentou Cristina, séria. — 

Este é um assunto entre nós.

— Escute... se o que deseja é uma audiência com Khalib, nãohá nenhum problema — assegurou. — Amanhã mesmo iremos vê-lo. Mas eu lhe aconselho a não contar a ele nada do que falamos.Se pensar que você está maluca, será ruim, mas se acreditar, pior ainda. Em todo o caso, jamais permitirá sua entrada no interior daspirâmides, muito menos agora, que estão pensando em fechá-las

de novo. Até montaram várias guaritas com soldados ao longo detoda a estrada de acesso! — exclamou, irritado. — Há uns seismeses, ninguém consegue avançar além dos oitocentos metros dedistância das tumbas. Segundo me asseguraram, essas medidasforam tomadas como represália a diversos atos de vandalismopraticados no interior das pirâmides por um grupo dedescontrolados, atos que realizavam à noite, com total

impunidade... — sorriu novamente, levantando os pequenos óculosque escorregavam a todo o momento por seu nariz —... ainda que,se quer saber minha opinião, acho que é uma nova armação dogoverno. Seu único propósito é desencorajar as pessoas que,

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como você, tem a intenção de fuçar na verdadeira história dosantigos egípcios.

— Basta, para mim, que você consiga essa audiência — acriptografia deslizou a mão no braço de seu amigo.

Said Cohen piscou um olho para ela, levantando sua taça.— Pela sua tenacidade!

— Que história é essa que você contou ao doutor Said, referente à Arca de Moisés? Tem algo a ver com o seqüestro?

Lilith, sentada junto a Cristina, na parte traseira do táxi que aslevava de volta ao hotel, procurou ser convincente, fazendo-se de

ingênua.— Era a única forma de conseguir um encontro com o diretor 

do Museu Arqueológico — disse-lhe a criptografa. — Tive de lançar mão de um artifício para que Said prestasse atenção em mim. Seique é horrível mentir para um amigo, mas precisamos entrar emQuéops a qualquer preço... — comentou, para acrescentar, emseguida, com uma expressão séria —... lá dentro encontraremos a

pista que nos conduzirá até seu pai.— Não sei por que, mas tenho a impressão de que você me

oculta algo — arriscou-se a dizer a alemã.

— O fato de que eu não possa lhe dizer nada mais não provaque eu esteja mentindo — argumentou, para tentar fazê-lacompreender. — Eu só lhe peço que tenha confiança em mim.

 A assassina aceitou a contragosto, cedendo ao pedido deCristina com resignação.

— Está bem, eu tentarei... — garantiu, para, em seguida,cheia de si, fazer uma crítica aberta à atitude da outra —..., masquero que você saiba que não me parece uma boa idéia enganar os demais, aproveitando-se de suas fraquezas.

Cristina fez um gesto com a mão, dando a entender que não

se importava com algo tão insignificante como usar o bom Said.— Não se preocupe. Saberei recompensá-lo.

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— De que maneira?

— Eu o convidarei a ir conosco. Isso se tiver a sorte deconseguir que esse tal Khalib nos dê permissão para entrar naGrande Pirâmide.

— Escute... — Lilith disse-lhe, incisiva —... não sei o que vocêpretende encontrar lá dentro, mas continuo pensando que deveriame contar. Eu mereço.

Cristina, pensativa, demorou um pouco antes de responder,olhando-a fixa e friamente.

— Tudo a seu tempo — afirmou misteriosa.

Dito isso, não voltaram a conversar até que chegaram aohotel. Então, o tema da conversa havia deixado de ter interesse.Cada uma delas se dirigiu a seu respectivo quarto, mergulhadasem seus próprios pensamentos.

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Capítulo 41

Chegaram para a entrevista no primeiro horário da manhã. SaidCohen se vestia como um explorador, com calças curtas, devido àsufocante temperatura da cidade. Estava tão entusiasmado, que asveias capilares de suas bochechas pareciam exsudar sangue,devido à pressão arterial a que estavam submetidos. Esfregavasuas mãos calosas, de dedos curtos e rechonchudos, como umsinal de ansiedade semelhante ao de uma mosca diante de ummonte de esterco. A conversa que Said estava tendo com Cristinaera tão entediante, que a criptografa ficava balançando a cabeça,

em sinal de aprovação, com uma expressão paralisada de dar dó.Esperava, inutilmente, que ele resolvesse ficar quieto, ainda quefosse apenas para respirar. Lilith, por sua vez, estava ao lado deCristina sem dizer uma só palavra. Porém, prestava atenção a tudoque era dito, para ver se encontrava na conversa uma pista quepudesse conduzi-la à Arca.

Depois de atravessar o Museu Arqueológico e evitar os

grupos de turistas que perambulavam de um lado para outro,admirando as relíquias expostas nas vitrines, entraram na áreareservada aos funcionários, onde os aguardava o secretáriopessoal de Khalib Ibn Allal. Era um homem de tez morena ebochechas pronunciadas, delgado e ereto como um broto devideira, mas de uma vitalidade invejável, e cumprimentou-as demaneira muito cortês, antes de conduzi-las ao longo do corredor arábico que terminava em uma bela fonte de pórfiro. Bateu na

porta, tão logo chegaram ao gabinete do diretor geral, abrindo-adecididamente, sem esperar resposta, convidando-os a entrar como braço estendido.

— Por favor, entrem... eu os estava esperando — Khaliblevantou--se para recebê-los, com certa solenidade.

Ramdame — esse era o nome do secretário — foi embora,fechando a porta atrás de si. O grupo de três pessoas sentou-se

diante do gesto hospitaleiro de seu anfitrião, que, antes de tudo,lhes ofereceu uma xícara de chá. Aceitaram o convite depois deagradecer, um tanto intimidados pela personalidade majestática

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que irradiavam os gestos lentos e o olhar indiferente dele. Suagrande e incomum túnica contribuiu de alguma forma, para que sesentissem desconfortáveis em sua presença, uma sensação que sefortalecia com a visão de seu nariz aquilino, da barba e do bigodeeriçados, e do fogo sobrenatural que irradiavam seus olhos

amendoados.Esse conjunto trouxe à memória de Cristina a imagem

lendária de Imothep, arquiteto e médico da III Dinastia, a quem seatribui a construção da pirâmide escalonada de Saquara.

— Meu secretário informou, nesta manhã, que desejam falar comigo sobre um assunto que diz respeito às pirâmides — disseKhalib, antes de sentar-se novamente na cadeira giratória. — 

Espero, para o bem do Egito, que não se trate de solicitar novaspermissões para experiências inúteis, que perturbam o conceito dahistória de nosso país... — suspirou, de maneira bastantesignificativa. — Já sabem o que pensamos a respeito.

O comentário era dirigido a Cristina.

— Meu objetivo não é de especular sobre as possibilidades

que abririam novos reconhecimentos por meio de ultrasom na área,embora eu esteja certa de que ainda existem muitos mistérios soba areia — replicou a criptografa.

— Quanto a isso, não resta dúvida — acrescentou Khalib. — Por isso foram construídos novos edifícios na entrada do planalto.Dessa maneira, a pirâmide ficará protegida da confusão dostratadores de dromedários e dos turistas. Somente nossosarqueólogos trabalharão nela.

— Eu sou egípcio — Said se queixou — e, sem dúvida, váriasvezes me negaram permissão.

O diretor não se abalou. Estava acostumado às reprimendasdo tenaz professor.

— Você, se bem me lembro, trabalha para a revista NationalGeographic há muitos anos.

— Isso é porque Adel Hussein negou todas as minhassolicitações de trabalho para o governo egípcio — contestou,irritado, Cohen.

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 Adel Hussein era o diretor geral da área do planalto, ondeficavam as pirâmides.

Cristina havia colocado o dedo na ferida com aquelapergunta, algo que importunou Khalib. Mesmo assim, tratou de ser cortês com seus convidados.

— Gostaria de poder ajudá-los, mas se o que desejam é quelhes seja concedida uma permissão para escavar, me parece queperdem seu tempo. Como já devem saber, isso é da competênciade Adel Hussein.

— Mas ele é sua mão direita... — lembrou o arqueólogo —...estou certo de que poderia convencê-lo, se quisesse.

— Lamento — desculpou-se o diretor geral do Museu Arqueológico. — Devemos ser cuidadosos. Se fizermos umaexceção para vocês, todos os arqueólogos do mundo cairiam emcima de nós. Compreendam, não é nada pessoal.

— Só o que desejamos é fotografar o interior da GrandePirâmide, incluindo o conjunto hieroglífico de Jnum-Jufuy" e osarcófago — argumentou Cristina, esperando, assim, que ele

mudasse de opinião. — E talvez visitar, também, a Câmara doCaos.

Khalib achou estranha tanta urgência por algo que elespoderiam ter feito meses atrás, antes da proibição, como ainda lheparecia perda de tempo fotografar o que haviam estudado dezenasde vezes. Uma coisa era solicitar permissão para escavar no Valedos Reis, ou até mesmo o oásis de Bahariya, e, outra, muito

diferente, procurar onde todos sabiam que não havia mais nadapara encontrar. Além disso, o fato de ter sido mencionada aCâmara do Caos o colocou em alerta. Sua intuição lhe disse para ir com o máximo cuidado.

— Posso saber que motivos a levam a isso, senhorita...?

—... Hiepes... Cristina Hiepes — ela respondeu, levantando oqueixo. — Meu único interesse se resume em averiguar até onde

chegava à tecnologia do Antigo Egito em matéria de construção.Hiram pestanejou ligeiramente ao ouvir o nome de sua

convidada, embora não pudesse evitar que o coração desse um

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salto, nem que seus olhos se desviassem no mesmo instante paraa mais jovem dos três, Lilith.

 Ali, diante dele, estavam duas das pessoas que conheciam ahistória do pedreiro. E uma delas era a assassina contratada por Sholomo.

— E...? — perguntou muito pensativo.

— Como todos sabemos — continuou a criptografa —, nosanos quarenta foram encontrados certos manuscritos de granderelevância, que falavam dos primeiros cristãos que se fixaram nosul do Egito.

Neles se diz, de forma explícita, que uma misteriosa

sociedade de construtores lutou, no passado, para combater aignorância, construindo templos prodigiosos em lugaresespecialmente místicos, monumentos erigidos conformeparâmetros ancestrais que haviam permanecido ocultos durantemilhares de anos para a humanidade. Falamos de uma sociedadeconstrutora denominada Os Companheiros de Horus.

— Vou fazer algo por vocês — disse, antes de perder 

completamente a calma. — Venham me ver domingo e eu mesmoos levarei até Gizé... — e logo acrescentou —... suponho que AdelHussein não se importará que eu acompanhe três membros daNational Geographic para uma visita às pirâmides.

— Na realidade... — começou a dizer Said, mas um oportunopontapé no tornozelo, dado por Cristina, o impediu de continuar.

— Não poderia ser nesta mesma tarde? — insistiu a

criptografa, procurando dissimular sua insistência.— Impossível. Tenho assuntos a resolver.

— Está bem! — exclamou Said Cohen, esboçando um gestode resignação. — Suponho que não nos resta outra coisa senãoesperar.

— Isso mesmo — respondeu, laconicamente, Khalib Ibn Allal.

O arqueólogo se levantou e os demais fizeram o mesmo, tãologo a conversa terminou. Cada um apertou a mão do diretor geraldo Museu Arqueológico. Quando chegou a vez de Lilith, Khalib

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sentiu o desejo de perguntar qual era seu nível de participaçãonaquele assunto. Antes de tudo, tinha de saber qual era aidentidade dela. Por isso, a interrogou com gentileza.

— Você é muito jovem para ter doutorado... possui algumtítulo que a credencie?

Por um instante, a alemã não soube o que dizer, já que nãoesperava ser alvo de atenção. Cristina se viu obrigada a justificar apresença de sua protegida naquele gabinete.

— É Lilith, a filha de um bom amigo — lhe explicou,rapidamente —, além de ser minha aluna mais destacada. Eumesma lhe pedi que me acompanhasse nesta viagem.

Khalib concordou, em silêncio. Era tudo o que precisavasaber.

Já estavam indo embora, pois o gesto impassível do diretor geral indicava claramente o final da conversa, quando Cristina sevirou para lhe fazer uma última pergunta. Foi algo instintivo, comose por um segundo pudesse ter lido o pensamento daquele homemnaturalmente esquivo e enigmático.

— Será que... veio procurá-lo um homem chamado LeonardoCárdenas? — perguntou à queima-roupa.

— Como disse?

O diretor segurou o queixo em um gesto hesitante, dando aentender que não sabia do que ela estava falando.

— Nada, esqueça... — a criptografa voltou a sorrir e

acrescentou —... muito bem! Até domingo, então.Despediram-se, novamente. Said Cohen agradeceu pelo

tempo que lhes havia dedicado e também pelo chá. Khalibmostrou-se igualmente amável, aproximando-se da porta. Emseguida, chamou Ramdame, para que acompanhasse seusconvidados pelo Museu Arqueológico.

Minutos depois, sozinho, Hiram se aproximou da mesa doescritório, para fazer um telefonema. Era a primeira vez em suavida que sentia necessidade de falar com alguém, como também

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era a primeira vez que se sentia realmente ameaçado. Balkissaberia o que fazer.

Naquela mesma manhã, Leonardo se deixou levar por seu espíritode aventura, penetrando no coração do velho Cairo. O inefável

encanto do passado pairava, como um mistério, sobre as ruasinfectas de pobreza, onde um amálgama de cheiros acres seconsolidava em uma só essência, única e indescritível, um aromasedutor que provinha de todas as partes e a todos envolvia comsua espessa doçura, uma fragrância arrebatadora em que estavamimplicados os vendedores de haxixe, os comerciantes de óleosperfumados, as bancas de ambulantes de plantas medicinais, ofumo do tabaco frutado das shishas, a henna dos cabelos

femininos e o amoníaco de quem, sem nenhum pudor, urinava nasesquinas menos transitadas do bairro Al Ghourieh. Espreitadopelos olhares oblíquos das mulheres que espiavam através das

 janelas de suas casas, o bibliotecário chegou até a Rua Al HakimBi Amr Illah submerso em uma sensação que era uma mistura depavor e serenidade e que o embriagava ao ponto de fazer com quese sentisse a criatura mais feliz da face da Terra.

 Algo nele estava mudando. Seu espírito havia alterado aproteção da consciência e agora transparecia, vencidointeriormente, no espelho de seus excessos e defeitos. O caminhoiniciático empreendido não tinha retorno.

Sem se dar conta, chegou ao café Al Fishawi, tambémchamado de Os Espelhos, célebre por ser visita obrigatória para osviajantes que pretendiam submergir no mundo obscuro das

misérias cairotas. Sentou-se diante de uma das mesas que haviaao longo do beco estreito. Um jovem, com turbante e galabiya decor púrpura, aproximou-se para lhe oferecer uma chaleira de latãoenvelhecido, antes que mudasse de opinião e fosse embora, embusca de um lugar mais sofisticado e elegante. Agradeceu e orapaz fez repetidos gestos de anuência, ao mesmo tempo em quesorria com certa satisfação. No interior do café, alguns anciãosfumavam cada um à sua vez, uma shisha de longos tentáculos,enquanto observavam, com expectativa, a chegada de novosônibus com turistas que haveriam de trazer benefícios à suaeconomia descamisada. De fato, tão logo desciam as escadas do

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veículo, eram abordados por diversos vendedores ambulantes,mendigos e engraxates, dispostos a lhes oferecer serviços eorações em troca de esmolas. Os que conseguiam se livrar doassédio dos mais desfavorecidos eram subjugados pelosmagníficos produtos dos artesãos — verdadeiras obras de arte

manufaturadas em ouro, seda, vidro, madeira, cobre e marfim.E foi ao observar os vários tipos de lojas de comércio

alinhadas ao longo do mercado Khan Al Khalili que Cárdenasdescobriu, do outro lado extremo daquele centro de compras, afigura de Balkis, que discutia com um vendedor o preço de unspequenos obeliscos talhados em pedra. Aquela era uma daslembranças mais procuradas por europeus, ao lado dos tradicionais

papiros e cartuchos hieroglíficos dourados. Ela se virou,impulsionada por uma súbita intuição.

Levantou a mão, em sinal de cumprimento. Leonardo imitou ogesto dela, de maneira cortês, sem deixar, por isso, de sentir umestranho formigamento no estômago. Finalmente, Balkis cedeudiante das razões do comerciante, entregando-lhe a quantiaestipulada. Pegou um obelisco em cada mão e, depois de receber 

o troco, aproximou-se do lugar onde estava o espanhol. Sentou-seao lado dele, deixando ambos os monólitos sobre a mesa.

— Espero que minha presença não o incomode — dissesorridente.

— Na verdade eu não esperava voltar a vê-la até a tarde — reconheceu o bibliotecário. — Embora reconheça que tenha sidouma grata surpresa e, ao mesmo tempo, um alívio comprovar que

uma pessoa que fala com Deus seja capaz de regatear o preço deum objeto com um simples comerciante. É um detalhe que a tornamais humana.

 A Viúva se pôs a rir.

— Vejo que você tem senso de humor, e isso é algo que nemtodos possuem hoje em dia.

— Pelo menos eu tento — observou o bibliotecário, com certoencanto. — Não obstante, é difícil segurar a barra quando se

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descobre que a namorada é integrante de uma sociedademaçônica que sai por aí assassinando as pessoas.

Balkis manteve um silêncio eloqüente. Um vendedor detapetes se aproximou deles com o objetivo de ganhar umas librasegípcias. Leonardo recusou a oferta, levantando a mão e o homemfoi embora, em direção a outra mesa, onde conversavamamigavelmente três indivíduos de origem anglo-saxônica.

— Sholomo cometeu um erro e só compete a Deus julgá-lo — disse a anciã.

— Diga-me... a que se deve sua visita? — perguntouLeonardo, desviando o rumo da conversa. — Eu suponho que o

fato de ter-me encontrado não é fruto da casualidade.Balkis gostava daquele rapaz. Sabia, por experiência própria,

que não costumava se enganar com as pessoas. E, apesar de suanatural vaidade, ele era um homem inteligente. Compreendia aimportância de guardar o segredo dos templos.

— Há menos de uma hora, Hiram recebeu um grupo dearqueólogos que pretendiam ter acesso à pirâmide de Quéops — 

disse-lhe, esperando ver qual seria sua reação.— E então...?

Ignorava por completo o que ela queria lhe dizer.

— Um deles é o professor Said Cohen, um arqueólogoobcecado pelos mistérios egípcios e que trabalha para a NationalGeographic. Estava acompanhado pela doutora Hiepes e por uma

 jovem que todos conhecemos como Lilith.Na mesma hora, ele compreendeu a gravidade do problema.

Se eles estavam ali é porque o haviam seguido desde a Espanha,com a finalidade de encontrá-lo.

— E o advogado? — quis saber.

Balkis encolheu os ombros.

— Isso é irrelevante. O que realmente importa é averiguar omotivo que as levou a vir até aqui. Na verdade, eu tenho umaligeira suspeita de que pretendem apoderar-se do Trono de Deus.

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O bibliotecário não compartilhava da mesma opinião, aomenos em relação à Cristina. Quanto a Lilith, ainda tinha suasdúvidas.

— Essa jovem alemã, que, segundo vocês, é responsávelpelos assassinatos de Jorge e Mercedes... para que iria arriscar-sea vir, se já cumpriu sua tarefa?

Por um momento, pensou que a missão dela era justamenteacabar com ele — e seria uma idéia correta se, como acreditava,as ordens de Riera consistissem em calar as vozes de quemestava a par do segredo.

— Talvez porque tenha interpretado corretamente o

manuscrito do pedreiro.— Isso significa que o leu.

— Muito pior, eu temo — admitiu a mulher. — Na realidade,ela jamais chegou a destruí-lo.

— Você quer dizer que o manuscrito de Toledo esteve,durante todo o tempo, em poder de uma assassina...? — perguntou, atônito, para, em seguida, exclamar com profunda ironia— ...perfeito!

Balkis começava a se sentir desconfortável com a mudançade humor do espanhol. Não teve outro remédio senão tentar desculpar a falta de precaução do mestre e o fez desviando aatenção para outros rumos.

— Falemos de você — afirmou de maneira ríspida. — 

 Acredita estar preparado para enfrentar o Grande Arquiteto doUniverso?

Cárdenas não pôde evitar: deixou escapar uma risadinhaincrédula. Ainda não aceitava o fato de poder falar com Deus.

Era algo inadmissível, fora do alcance dos seres vivos, isso,se era verdade que existia mesmo.

— Eu lamento — desculpou sua atitude. — É que suaspalavras vêm confirmar meu primeiro pensamento: vocês todosestão loucos.

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— O Donum Dei não é uma loucura, mas sim um sonhopassível de ser realizado, pelos que desejam se aprofundar naverdade — provocou, com mais energia. — É a Graça de Deus quese oferece aos homens que esquecem o que são. Eu já o fiz: deixeiminha família e mudei de nome. Sem dúvida, perco meu tempo

falando com você, mas se insisto é porque ainda nos une o quechamamos de consciência. O certo é que a vida social, para umGuardião, é um retrocesso no conhecimento, algo assim como umcatedrático ter de estudar em uma classe de crianças pré-escolares.

— Isso significa que a humanidade é idiota?

— Eu diria que cega — ela respondeu cuidadosa. — Ouça... o

que você responderia se eu lhe perguntasse o que vê nestesobeliscos que acabo de comprar?

— Se eu fosse um psicólogo, lhe diria que representam opoder fálico do homem — brincou. — Mas como eu estudeiBiblioteconomia, penso que são excelentes para apoiar livros.

 A anciã não parecia estar se divertindo com a brincadeira de

Leonardo. Ao contrário, olhou para ele com uma expressão austerae um tanto solene.

— Você tem algo que fazer agora? — perguntou a ele,esquecendo o sarcasmo daquele pedante que logo se converteriaem um Guardião da Arca.

— Pensava fazer turismo, embora esteja aberto a qualquer proposta.

— Preciso que você me acompanhe até o planalto de Gizé.Mas peço que permaneça calado até que cheguemos.

— Eu lhe dou minha palavra.

— De acordo... — Balkis se levantou, pegando os obeliscoscom firmeza. — Vamos pegar um táxi na Praça Ramsés II.

O bibliotecário deixou um par de libras egípcias junto à

chaleira. Seguiu os passos da senhora.

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Na mesa ao lado, os três turistas, que pouco antes haviamsido abordados pelo vendedor de tapetes, abandonaram suascadeiras para segui-los de perto.

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Capítulo 42

Cristina se despediu do professor Said na porta do restauranteonde haviam tomado café, depois de sua entrevista com o diretor geral do Museu Arqueológico. Prometeu chamá-lo no dia seguinte,embora suas intenções fossem muito diferentes. Em seguida, ela eLilith se aproximaram da estação central para pegar um táxi que aslevasse ao hotel.

— Gostaria de saber uma coisa... — começou a dizer,lentamente, a jovem alemã. — O que você espera encontrar nointerior da pirâmide... — virando a cabeça de lado —... até onde

sei, ali dentro não existe nada.Na praça, um grupo de bailarinos folclóricos tocava seus

pandeiros e dançava, enquanto proferia sons estranhos,provocados pelo loquaz movimento das línguas e a vibraçãoacústica das cordas vocais.

Cristina parou no meio da rua para fitar a moça.

— Creio que já está na hora de você conhecer a verdade... — afirmou séria —..., sobretudo porque sua vida também corre perigo.

— Não gosto nada disso... — ela franziu a testa, em um sinalevidente de contrariedade. — De fato, prefiro que você fale oquanto antes!

 A criptografa avaliou, em silêncio, a decisão de suaacompanhante. Depois, olhou ao redor, como se alguém as

estivesse vigiando.— Será melhor que regressemos ao hotel. Lá, estaremos

mais seguras — propôs em voz baixa.

Lilith sabia sobejamente que a atitude adotada pela ruiva eraoutra de suas manobras, uma encenação para impressioná-la. Nãoobstante, apoiou a idéia de voltar o mais rápido possível.

— Estou de acordo com você — foram suas palavras.Uma hora depois, tomavam aperitivos em uma mesa na

esplêndida varanda do Mena House. Lilith havia trocado de roupa e

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voltava a seu aspecto usual. Apesar do calor, usava uma grande jaqueta de couro. "É como minha segunda pele", retrucousecamente, quando Cristina a advertiu sobre o implacável sol doEgito. Depois de uma resposta como aquela, sua companheirapensou que ela já era bem grandinha para receber conselhos.

Sua prioridade era apresentar uma história paralela a real eque correspondesse às dúvidas de Lilith. Precisava recuperar suaconfiança, fazendo-a acreditar que estava a seu lado. Sabia que,na hora certa, teria de ter um refém de peso para troca. Riera faziaparte da loja e era um dos integrantes da instituição Os Filhos daViúva — estava absolutamente segura disso. Não hesitaria ementregar-lhe a Arca quando visse sua filha com uma pistola

apontada para sua cabeça.— Ouça Lilith... — decidiu agir, colocando em marcha seu

plano maquiavélico. — Quero que me prometa que tudo o que vaiescutar permaneça sempre entre nós. Jamais falará deste assuntocom ninguém. Vamos, jure! — pressionou, com falsa ansiedade.

— Eu lhe dou a minha palavra!

— Por ora, é suficiente... — suspirou complacente, paradepois concluir, enigmática —... embora espere que sua discriçãose mantenha firme quando ouvir o que tenho a lhe dizer.

— Não conheço ninguém nem tenho amigos na Espanha... sómeu pai. E ficando calada eu vou recuperá-lo... então fique certa deque cumprirei minha promessa.

Quase ficou com pena do drama que vivia aquela jovem, mas,

em seguida, a criptografa voltou a ser a profissional de sempre — havia sido treinada para situações como essa. O melhor eraobedecer às ordens recebidas e esquecer as vítimas colaterais.

— A razão pela qual Salvador, seu pai, jamais pôde entrar emcontato com você foi porque era uma das mais rígidas regras deseu trabalho — mentiu deliberadamente. — E não falo de seutrabalho como arquiteto, senão como agente do Centro Nacional de

Inteligência... eu me refiro ao serviço de espionagem espanhol.

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— Meu pai é um espião? — a alemã, uma consumada atrizem plena atuação, agiu como se aquilo a surpreendesse deverdade.

— Pode chamá-lo assim, se desejar. O trabalho dele consisteem decifrar mensagens criptografadas para o governo espanhol.Esse é o motivo pelo qual ele vive afastado da família e dosamigos, refugiando-se em seu bunkerde Santomera. É a únicamaneira de manter em segredo sua dupla identidade.

— E como você sabe disso tudo? — perguntou Lilith comcerto receio.

— Porque eu também trabalho para o Centro Nacional de

Inteligência, como Leo e Colmenares... — respondeu sem rodeios.— E, por favor, deixe suas perguntas para o final.

 A jovem alemã concordou obediente. Devia continuar com o jogo.

— Há uma semana, seu pai traduziu um antigo manuscritoque datava do século XVI — continuou contando, em voz baixa. — O documento estava criptografado, razão pela qual seu legítimo

dono, um paleógrafo que trabalhava para uma casa de leilões,devido à amizade que o unia a Riera, o enviou a ele por correioeletrônico pouco antes de morrer em estranhas circunstâncias...

Cristina interpretava a história de acordo com suaconveniência.

— Depois, ele entrou em contato com o CNI, advertindo aagência que o tal documento descrevia o modo de chegar até uma

antiga relíquia de valor incalculável, custodiada por uma ordemmaçônica que atua sob a premissa de assassinar quem quer queviole seus segredos. Uma vez informados, meus superioresdecidiram enviar-nos a Múrcia para entrar em contato com Riera,mas ele já havia desaparecido em companhia de sua sobrinha... Elhe direi mais. Esta, por acaso, trabalhava com o paleógrafo nacasa de leilões. Além disso, é companheira sentimental de Leo,

uma coincidência bastante oportuna se levarmos em conta que Leodesobedeceu às ordens recebidas ao vir para cá sem consultar 

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ninguém. Pior ainda: tenho a impressão de que nos enganou eque, na realidade, é um agente duplo...

Franziu a testa e continuou com sua farsa.

— Se minha suspeita for correta, ele trabalharia para a

sociedade secreta que oculta à relíquia que estamos procurando.Tanto ele como Cláudia planejaram o seqüestro de seu pai, nãotenha a menor dúvida quanto a isso... — pigarreou, sem vontade,apenas para pensar nas últimas palavras. — De fato, eu apostariaminha própria alma ao diabo que eles o mantêm encerrado emuma das galerias secretas que há sob a grande Pirâmide.

— Por isso é que fomos visitar o diretor do museu... — 

acrescentou Lilith, fingindo que começava a compreender osignificado da viagem repentina. — Mas diga-me uma coisa... comoé que você sabe que esses corredores realmente existem?

Cristina desviou o olhar para o planalto de Gizé, onde seelevavam as pirâmides. Em seguida, voltou o rosto para Lilith.

— Porque existem certos documentos que comprovam minhateoria, além das provas efetuadas no final dos anos noventa — 

respondeu, finalmente, depois da breve pausa. — Entre elas temoso Livro dos Mortos, onde são mencionadas umas portas queconduzem ao mundo subterrâneo dos deuses, um detalhe sobre oqual concordam os escritores árabes e coptas. Também há aestranha história do califa Abdullah Al-Mamum, que foi o primeiro aacessar a Grande Pirâmide e assegura ter estado em uma salarepleta de tesouros, armas que não se oxidavam com o passar dosanos, e prismas de cristal dos quais emanavam luz e calor, amesma sala que séculos mais tarde foi encontrada pelosarqueólogos Kinnaman e Petrie, ou o mesmíssimo Faruk, que erafilho do rei Fuad, do Egito.

— Peço que você me perdoe, mas tudo isso me parece ficçãocientífica.

 A assassina nascida na Alemanha estava realmente surpresa.

Se aquilo fosse verdade, no interior de Quéops existiam vestígiosde uma civilização superior à conhecida e haveria vários países

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interessados em adquirir as maravilhas descritas por aquelestestemunhos extraordinários. Poderia exigir deles o que quisesse.

— Sei que é difícil aceitar, mas o governo espanhol estádisposto a arriscar-se — afirmou a criptografa com calculadasolenidade.

— Está bem... Antes, você mencionou o advogado de meu pai— recordou.  – Por que não compartilha conosco a arriscadamissão de entrar na Grande Pirâmide?

Na tarde anterior, ele comentara que tinha assuntos jurídicospara resolver, razão pela qual ela não teve outro remédio senãoatribuir-lhe uma atividade relacionada com o CNI, mas que também

o afastasse momentaneamente do caso.— Permaneceu em Madri, para examinar em profundidade

alguns documentos que encontramos na casa de leilões  – respondeu cautelosa.  – De qualquer forma, eu conto com a ajudade três agentes que permanecem incógnitos aqui no Cairo.

 A alemã fingiu estar surpresa, enquanto olhava ao redor.

— É verdade?  – Perguntou, com uma expressão de quemacreditou em tudo. – E onde estão agora?

— Tratando de encontrar Leo. Ele nos levará até seu pai. Assim que...

Naquele mesmo instante, o telefone celular de Cristina tocourazão pela qual suspendeu a conversa para atender à chamada.Ouviu atentamente durante alguns segundos, em silêncio. Seu

rosto, antes inexpressivo, desenhava agora um breve sorriso desatisfação antes de se despedir, em inglês. Então, guardando oaparelho no bolso, virou-se de novo para Lilith.

— Já o localizaram...  – Os olhos da criptografa brilharam deforma especial. – Temos Leo!

Depois de identificarem-se várias vezes diante dos diversoscontroles que o exército egípcio realizava na região, e graças à

presença, no táxi, da esposa do diretor geral do Museu Arqueológico, a qual lhes mostrou um salvo-conduto assinado por  Adel Hussein, finalmente chegaram ao planalto de Gizé.

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Solicitando ao motorista que esperasse por sua volta, Balkisdesceu do automóvel levando consigo os obeliscos e foi direto àpirâmide de Quéops. Leonardo seguiu seus passos.

— Aí estão!  – Exclamou visivelmente orgulhosa.  – Asconstruções mais polêmicas da história. Ninguém sabe quando oupor que foram erguidas, mas todos se sentem oprimidos por suapresença imponente.

O bibliotecário sentiu que a areia começava a invadir seussapatos. A sensação era muito incômoda. E o pior de tudo é quedevia apressar-se para não ficar atrás, já que Balkis era muito ágilpara a sua idade e seguia vários metros à frente.

— O certo é que são impressionantes  – afirmou Cárdenas,por deferência.

— Se você está pensando isso agora, espere para ouvir o quetenho a lhe dizer...  – Pigarreou ligeiramente e continuou. —... Oconceito que você tem das pirâmides lhe parecerá infantil quandosouber a verdade.

— Você deveria dizer o quanto antes  – queixou-se. – Tenho

os sapatos cheios de areia.— Agüente um pouco mais. Só falta uma centena de metros.

Continuaram caminhando, desta vez em silêncio. O sol incidiaa pino sobre suas cabeças, como bronze fundido. Dos dois, Balkisera quem menos acusava as altas temperaturas do lugar, pois suacabeça estava coberta com um lenço de seda; o resto do corpo seocultava sob uma túnica de La. O bibliotecário, vestido à maneira

ocidental, sentia na carne a inclemência do inferno. Já estava aponto de desfalecer, quando finalmente, alcançaram a face norteda Grande pirâmide.

— Pensei que ela estivesse mais perto da estrada  – Leoresfolegou ofegante, apoiando ambas as mãos sobre uma dasenormes pedras da primeira fileira.

Tão logo entrou em contato com a pedra milenar, sentiu umestremecimento que sacudiu seu corpo de cima abaixo, uma ondede sensações contraditórias que gelou seu sangue nas veias. Tiroua mão rapidamente.

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— Você notou? Percebeu sua magia? — perguntou Balkis aoperceber o que acontecia com o espanhol. Ele vacilou algunssegundos, antes de falar.

— O que foi isso? — disse ele, por sua vez, refreando aomáximo a sua excitação. — Senti algo estranho quando me apoieina rocha, como se fosse uma descarga elétrica, um choque.

— A mim parece que lhe deu as boas-vindas... — foi àsorridente opinião de Balkis, que deixou os obeliscos sobre a areia,para sentar-se em um dos blocos de calcário. — Você conta com oagrado dela e isso quer dizer que eu tinha razão e que é, mesmo, oeleito.

Cárdenas revirou os olhos.— Mas o que é que você está dizendo...? — Provocou

atônito. — Não vê que se trata apenas de um monte de pedrasabrasantes? Não é possível que se comportem como um ser vivo!

Pensou, com seriedade, que aquilo tudo era coisa de loucos.Não tinha sentido falar de Quéops como se fosse uma criaturaconsciente.

— Tem certeza?

— Claro, sem dúvida! — exclamou no mesmo instante,sacudindo a cabeça. — As rochas não nascem nem se reproduzemou morrem.

— Então... o que foi que aconteceu?

Balkis se divertia ao observar o europeu tratando de encontrar 

uma resposta que parecesse coerente.— Não sei, com segurança... — encolheu os ombros e

acrescentou pragmático —..., mas tenho certeza de que tudo issodeve ter uma explicação.

— A única coisa que posso lhe dizer é que os antigosalquimistas acreditavam na existência de uma pedra capaz dedissolver a consciência humana, de extrair seus sentimentos esublimá-los até a divindade. Segundo consta no Summun Bonum,cada homem é uma pedra viva e essa rocha espiritual a quechamamos Deus. Quando o templo for consagrado, suas pedras

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mortas se transformam em um ser vivo e, assim, o homem poderecobrar seu estado primitivo de perfeição e inocência.

Leonardo refletiu sobre as palavras da Viúva, apesar de quesuava em bicas, com o rosto todo molhado, e isso não lhe permitiapensar com toda a clareza. Finalmente, convenceu-se de que tudoaquilo deveria ter uma explicação lógica.

— É assim que falarei com Deus? — perguntou em tomneutro, unicamente por curiosidade.

— Na realidade, será Ele a falar com você.

"Um novo enigma para resolver", ele pensou.

— Mais uma pergunta... Esta é a região de Tubalcaim, talcomo acreditava Iacobus de Cartago? — insistiu. — E se for assim... onde estão as colunas que o manuscrito descreve as quepermanecem enterradas sob as areias do deserto desde a épocaposterior ao Dilúvio?

O rosto da anciã tornou-se circunspecto. Seu olhar austeroperturbou o espírito de seu interlocutor.

— À sua primeira pergunta, responderei sim: estamos pisandona cidade perdida de Enoque. Quanto à segunda, continuoacreditando que você está cego. Não é capaz de ver a realidade.Preste muita atenção! — exortou-o, apoiando uma de suas mãosna rocha onde estava sentada e assinalando, com a outra, apirâmide de Quéfren. — Estes são Xakim e Boaz, os templos queforam construídos por Tubalcaim e seus irmãos, antes do Dilúvio,para preservar o conhecimento de Deus através dos anos! E você

nem sequer se deu conta disso.Embora o reprovasse, sentiu pena dele.

O bibliotecário, por sua vez, ficou sem palavras. Jamais lhepassara pela cabeça que as pirâmides pudessem constituir ummonumento à Sabedoria, muito menos que fizessem parte daarquitetura bíblica. Então, lembrou-se da Torre de Babel.

Mas, à margem da lenda, havia algo que não se encaixava.— Se é certo, como afirma, que estas são as colunas que o

pedreiro descreve... por que as situa como enterradas sob o

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deserto, quando, na realidade não estão? E por que chamá-las decolunas, se têm formas piramidal?

Ela sorriu, maliciosamente. Parecia divertir-se esmiuçando obom senso daquele homem.

— Tentarei explicar  — disse a ele, com voz firme. — Paraisso, vou precisar que você me empreste um de seus sapatos.

— Você disse um sapato? — perguntou cada vez maisperplexo. Começava a acreditar, realmente, que Balkis haviaperdido o juízo.

— Sim, por favor — lhe pediu, estendendo a mão.

Leonardo concordou, por curiosidade. Precisava saber o quede tão importante iria lhe mostrar. A mulher pegou o calçado comdelicadeza, colocando-o sobre a areia, depois de alisar asuperfície. Em seguida, colocou os dois obeliscos, um de cada ladodo bico.

— Com um pouco de imaginação, o que você vê aqui poderiaser uma catedral gótica — começou a explicar. — Os obeliscos,neste caso, representariam as torres dos campanários, anexos ànave central, ou seja, seu sapato, ainda que, na verdade, nosfaltaria o transepto para que o exemplo fosse totalmenteesclarecedor. Se você observar bem, a estrutura é semelhante: umpilar de pedra coroado por um teto com forma piramidal, um capitel.Para os maçons templários, que haviam bebido das fontes ocultasna Arca do Testemunho, as catedrais eram somente isso: imitaçõesdo verdadeiro templo onde, antigamente, era custodiado o Trono

de Deus. E na certa eles não estavam equivocados, já que essaera a disposição geométrica do templo projetado em honra doGrande Arquiteto e executado pela descendência de Caim... — deteve-se um instante para encarar o rosto que estava a poucospassos de si. — Muito bem! Imagine agora o planalto de Gizé háquarenta mil anos, antes da última era glacial e do chamado DilúvioUniversal. Este lugar, agora árido e ermo, estava coberto devegetação e os animais selvagens viviam soltos naquelas paragens

amplas e abertas. Aqui surgiu, então, a primeira cidade construídasobre a Terra, a cidade de Enoque. Seus antigos povoadoresconstituíam uma raça muito diferente da nossa. Na Bíblia, eles são

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denominados de Nefilim, os filhos de Deus que tomaram para si asfilhas dos homens. Esses seres proto-históricos idealizaram ummodo de comunicar-se com o Grande Arquiteto graças à avançadatecnologia, da qual eram os guardiões. Aperfeiçoaram ummecanismo de elaboração desconhecido, chamado Electrum,

graças ao qual ampliavam a capacidade intelectual do celebro atéo ponto em que todo aquele que se sentasse na Arca doTestemunho absorvesse a ciência de Deus, convertendo-se em umser metade humana, metade divina. Os conhecimentos adquiridosgraças à Arca foram ocultos em um templo de proporçõesinimagináveis, uma obra tão descomunal, que só de pensar nissoum homem poderia perder a razão. Jabal, Jubal e Tubalcaim foramos arquitetos e construtores e também os primeiros a proteger osegredo da Sabedoria. E é sob a incomensurável construção queeles erigiram que agora se esconde o Trono de Deus. Mas isso éalgo que a humanidade desconhece, somente porque é incapaz deassimilar a grandeza de sua obra. Se você observar bem aspirâmides, verá que são imponentes. Sua grandiosidade sempre foimotivo de especulação. Quanto mais não divagariam osarqueólogos se soubessem que são apenas a ponta do iceberg!

Leonardo Cárdenas sentiu um calafrio correndo por toda aespinha. As palavras de Balkis lhe trouxeram à memória o sonhoque teve na noite em que assassinaram Balboa. Recordou ter vistoa imagem de uma catedral gigantesca de gelo submersa sob asfrias águas do Ártico, um templo de imensas pedras brancas àderiva na imensidão do oceano, construção que apenas deixavaaparecer à superfície alguns elementos em forma de bico, como se

fossem torres flutuantes.— Você poderia me explicar isso? — perguntou, aterrorizado,

temendo ser vítima de uma brincadeira irracional.

— Observe com atenção... e julgue por você mesmo.

Balkis escavou a areia, enterrando completamente o sapatoque pedira emprestado a seu acompanhante. Em seguida, fez omesmo com os obeliscos, empurrando-os para baixo, com força,até que só se viam duas pequenas pirâmides no meio do deserto.

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O bibliotecário da casa de leilões Hiperión, cujo cérebrocomeçava a compreender a verdade, levantou os olhos paracontemplar a Grande Pirâmide em todo seu esplendor. Depois,movimentou seu olhar inquieto até a Pirâmide de Quéfren. Aliestavam as duas edificações mais enigmáticas da história,

observando a estupidez de alguns homens que acreditam que elassão monumentais. O certo é que, tal como dissera Balkis, imaginar algo assim era impossível para a mente humana.

— Então...? — nem tinha forças para falar; notou que a bocaestava viscosa.

— Sim, Leo — ela lhe disse. — Aqui, sob os nossos pés,encontra-se a verdadeira e única morada de Deus: uma catedral de

dimensões inconcebíveis enterrada sob as areias do deserto, umaedificação da qual podemos ver somente seus capitéis. E, em seuinterior, está o Trono de Deus e o modo de estabelecer contatocom o saber cósmico do Universo.

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Capítulo 43

Depois de comer no restaurante do hotel, um menu à base defavas com limão, kafta e o típico kebab de carne e croquetes comverduras trituradas, Cristina decidiu passear pelas ruas do velhoCairo, em companhia de Lilith, para ver se assim ambas digeriammelhor os alimentos.

Visitaram o bazar de Wekalet El-Balah — célebre por seustecidos —, a Rua Mohamed Ali, onde puderam admirar todo o tipode instrumentos musicais e também desfrutar de uma fascinante eúnica experiência no mercado de dromedários. Terminado o périplo

turístico, um táxi as levou a um dos poucos lugares da cidade ondeserviam bebidas alcoólicas: o café Al-Horreja, no quiosque de Babel Luq, onde degustaram a popular cerveja Stella — de baixo teor —, sentadas no terraço, uma diante da outra.

 A criptografa, levada por seu cuidado profissional, deleitou a jovem alemã com uma exaustiva dissertação sobre os diferentesmétodos que utilizava para decifrar conjuntos de palavras

criptografadas. Falou sobre a criptografia secreta e pública, aspropriedades dos algoritmos, assim como dos modernos esofisticados programas de decodificação em desenvolvimento nospaíses mais avançados do mundo. Deixando-se encantar pelaconversa, Lilith se atreveu a fazer uma ou outra perguntainteressante. Assim, foi recolhendo informação que, no futuro,poderia ser de grande utilidade para ela.

— Eu me pergunto se você saberia decifrar um criptogramaoriginário do Antigo Egito.

Esse desafio só fez potencializar a presunção de Cristina, quese viu impelida a vangloriar-se de seus conhecimentos.

— Não faz diferença, seja passado ou presente — disse, emseguida. — Os hieróglifos constituídos por símbolos possuem omesmo significado ao longo da história. É o indivíduo que

determina sua importância, decifrando o conteúdo. Mas nem todossabem como fazer com que os hieróglifos falem.

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— Se você se refere a mim, tem razão. Sou muito lerda comos enigmas — reconheceu Lilith, com certo constrangimento.

— Não se mortifique. É meu trabalho, não o seu — retrucoucompreensiva, e, ao dizer isso, percebeu que nada sabia da vidada jovem que estava bem à sua frente. — E por falar nisso... a quevocê se dedica?

Começava a entardecer e o ar fresco da tarde fez com queCristina sentisse uma onda de calafrios por todo o corpo.

— Minha profissão não é tão edificante nem misteriosa comoa sua... Na verdade, eu trabalho em uma concessionária deveículos. Por isso posso dar-me ao luxo de ter um Corvette. É

emprestado pela empresa.Imaginou-a as voltas com clientes abastados, em busca de

um ícone de prestígio, com alma de motor, para se gabar diantedos amigos. Sempre atenta sempre amável com os que levavamuma vida melhor que a sua. Sob aquela parafernália gótica seescondia uma jovem cansada de vivenciar os mesmos momentos,alguém que precisava escapar da rotina diária, chamando a

atenção do resto do mundo. Seu estilo de vida era somente umapose que adquiria importância nos momentos de folga.

Pela segunda vez no mesmo dia, sentiu pena dela.

Lilith, que aguardava com inusitada paciência o momento dese dar a conhecer, acariciou a navalha automática que escondia nobolso da jaqueta. O contato com o aço conseguiu devolver-lhe obom senso: aquele não era o momento nem o lugar.

Cristina Hiepes ia falar novamente, mas se absteve aodescobrir que tinham visita. Olhou por cima de sua protegida, queintuiu a presença — às suas costas — dos agentes secretos queas haviam seguido até o Cairo. Tão logo comprovou que a suspeitaprocedia, seu instinto de sobrevivência se pôs em movimento.

Os homens ocuparam os assentos de ambos os lados deCristina. Tinham trocado sua indumentária típica por roupas mais

de acordo com o clima do país, mais leves e frescas. Usavamcamisas floridas, chapéus panamá e calças brancas de linho.

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Pareciam três trouxas fazendo o papel de bobos pelas ruas doCairo, pensou Lilith.

Cristina os apresentou, embora nenhum deles abriu a bocapara cumprimentar, apenas ostentaram aquele sorriso velhaco emeio apreensivo, que, tantas vezes, vira em alguns de seuscompanheiros de trabalho: a morte impressa nos lábios. Houvealguns segundos de tensão, de significativa cruzada de olharesentre os recém-chegados e a criptografa. Por um momento, a

 jovem alemã teve a impressão de ter caído em uma armadilhamortal, da qual seria difícil escapar. Então, o sujeito da cicatriz soba pálpebra, chamado Eric, entregou a Cristina um pacote defotografias. Nelas, viu Leonardo em companhia de uma mulher 

vestida à maneira árabe, sentados na varanda de um café. Eleinformou, em inglês, que se tratava da esposa de Khalib Ibn Allal, etambém que o bibliotecário da Hiperión estava hospedado no hotelNile Hilton.

— Será melhor que a gente vá embora — disse Cristina,levantando-se. — A partir de agora, não se afaste de mim.

Suas últimas palavras eram dirigidas a Lilith, que, mantendo

sua atitude de jovem inocente, tratava de idealizar uma estratégiaque a colocasse na dianteira quanto à iniciativa de seguir Cárdenasaté a Arca da Aliança. Para isso, primeiro teria de eliminar aspessoas que representavam uma ameaça à sua segurança. Damelhor maneira e no momento certo.

Depois de pagar a conta, dirigiram-se em grupo até a PraçaTahrir. O lugar estava repleto de personagens heterogêneos, como

se fosse uma colméia de abelhas ruidosas. As ruas adjacentesvomitavam uma imensa quantidade de automóveis, que buzinavamindiscriminadamente, como uma melodia inspirada no desconcertoe na anarquia. As roupas das pessoas ficavam impregnadas dosmil e um aromas dos mercados vizinhos. Flutuava no ambiente,uma nuvem iridescente de pó, provocada pelas idas e vindas deônibus lotados de passageiros. Sem dúvida, aquele acúmulo deacontecimentos rotineiros em nada afetou a mente de Lilith, bemao contrário: deu-lhe tempo suficiente para pensar.

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Finalmente, chegaram onde os aguardava um carro branco.Eric sentou-se ao volante e Cristina, a seu lado. Outro dos agentesabriu a porta traseira do veículo, colocando-se em um dosextremos. O terceiro permaneceu às costas de Lilith, obrigando-a asentar-se no centro. Naquele instante, ela percebeu que teria de

eliminá-los, pois, se deixasse de fazê-lo, arriscava-se a ficar presaentre ambos os mercenários. Talvez Cristina soubesse a verdade eestivera fingindo, como ela mesma, pois, como regra geral, a CIAinvestigava a vida de todas as pessoas envolvidas em um casoimportante. Se sua suspeita fosse procedente, eles já saberiamque ela trabalhava para a Corpsson, na qualidade de assassina dealuguel.

 Aproveitando-se dos gritos e insultos de dois engraxates quedisputavam a primazia de atender um cliente, fato que chamou aatenção do agente à sua esquerda, sacou a navalha do bolso e,com agilidade felina, cravou-a na garganta dele. A agressão fezcom que o homem caísse de lado, junto dela, com o corposacudido por convulsões e entre gemidos agonizantes. Quando oresto do grupo se deu conta do fato, Lilith havia tirado suaautomática do bolso traseiro da calça e a apontava friamente para

a cabeça do sicário que estava acomodado na parte de trás doautomóvel. Disparou à queima roupa, sem escrúpulos, fazendocom que parte do cérebro da vítima se espalhasse pela superfíciedo vidro.

— Vamos embora! — gritou colérica, apoiando a arma nanuca de Eric. Se você pensar em tirar uma só mão do volante seráum homem morto.

Cristina empalideceu ao comprovar que havia subestimado a jovem. Ninguém agia daquele modo sem treinamento prévio. Lilith,por estranho que parecesse, estava acostumada a matar.

— Escutem bem! — exclamou de novo a mercenária damorte, assumindo o comando — a partir de agora vocês farão oque eu mandar. Continue dirigindo... — disse ao agente ainda vivo—... quanto a você... — ordenou à Cristina —... vai me contar tudoo que sabe, começando pelas maravilhas da Arca.

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Tivera tempo de sobra para refletir. De fato, estava cansado e aúnica coisa que desejava era dormir doze horas seguidas sem queninguém perturbasse seu sono. Mas sabia que não era possível.Logo teria de enfrentar o inadiável encontro que teria com oconhecimento.

 Aplacou sua ansiedade com uma boa ducha e, na falta de umgim-tônica, saboreou um suco de cana-de-açúcar gelado, quehavia solicitado ao serviço de quarto. Foi ao armário e pegou oDVD e os papéis que guardara no cofre. Ficou em dúvida por alguns segundos, mas, enfim, destruiu a gravação e a cópiaimpressa do manuscrito de Iacobus, colocando tudo em um sacoplástico que jogou na lata de lixo. Esperava que, assim, ninguém

pudesse mergulhar novamente nos segredos da loja. Balkismanifestara esse desejo, ao despedir-se: evitar que alguém maismorresse por culpa de um segredo milenar.

Como ainda lhe restava algum tempo, caiu na cama dispostoa descansar. Embora tentasse, era difícil esquecer a conversamantida com Balkis no planalto de Gizé. A história que ela lhecontou sobre um templo soterrado sob as areias do deserto lhe

parecia inadmissível.Na realidade, não existiam provas capazes de corroborar 

aquele argumento tão novelesco. Dizer que as pirâmides eram oteto de dois obeliscos de proporções titânicas, que sustentavam anave de um santuário construído no início dos tempos, era coisa delouco. Mais ainda: estava certo de que elas teriam sido erguidassobre alicerces em cruz, previamente desenhados por arquitetosegípcios, para que pudessem suportar um peso de milhões detoneladas. Ao menos foi o que tinha lido, anos atrás, em umarevista científica.

Entretanto, quando Balkis lhe explicou o motivo pelo qualnenhum arqueólogo ou historiador seria capaz de aceitar a suahistória, quase chegou a acreditar. Segundo a interpretação dosfatos, pela perspectiva dela, houve uma terrível inundação queassolou a Terra na aurora da humanidade, provocando grandesmudanças no planeta e a aniquilação total de seres prodigiososque viviam em contato direto com Deus. A cidade onde seguardava cuidadosamente o compêndio da Sabedoria, em uma

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 Arca fabricada com uma liga de metais nobre denominadaElectrum, foi arrasada e sepultada por um oceano de lodo, o qual,transcorridos milhares de anos de exposição ao sol, aos fortesventos e às alterações de temperatura, acabou se solidificando deforma compacta, até se converter em um planalto rochoso coberto

de areia. Só sobreviveram os sustentáculos dos obeliscos e umadas duas Esfinges que, esculpidas sobre compactas muralhas depedra, saudavam a quem, na antiguidade, ousava entrar na cidadede Enoque.

 Apesar de tudo, continuava acreditando que todo esseconfuso conjunto de lendas antediluvianas era fruto da obsessivaimaginação da loja, e que, talvez, a história fosse um pretexto que

o fizesse esquecer momentaneamente sua relação com Cláudia.Naquele instante, alguém bateu à porta. Não esperava

ninguém, razão pela qual foi até a escrivaninha em busca de umaespátula pontiaguda para abrir cartas. Manteve o instrumentoescondido na palma da mão.

— Quem é? — Perguntou tenso.

— Leo, sou eu... Salvador... — Ouviu do outro lado. — Possoentrar?

Reconheceu a voz dele. Então, guardou o objeto cortante nagaveta do criado-mudo. E, em seguida, abriu a porta.

— Vim para acompanhá-lo — disse-lhe, tão logo entrou. — Séphora me pediu que fizesse isso.

— Séphora...? — Cárdenas arqueou as sobrancelhas,

desconcertado.— Ah, sim...! Esqueci que você não sabe o nome verdadeiro

dela... — disse cuidadosamente. — Eu me refiro a Balkis. Ela achaque é melhor que eu o escolte até o Museu Arqueológico. Pelovisto, andam à sua procura.

— Ela já me contou que se trata de Cristina e de Lilith. Está

preocupada, porque foram ao escritório de Hiram em companhia deum conhecido arqueólogo egípcio.

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Convidou Salvador a sentar-se na única poltrona que havia noquarto. Ele o fez, na borda da cama.

— E então...

— Fique tranqüilo, tudo está sob controle — assegurou o

arquiteto, para acrescentar, solenemente: — devemos confiar nopoder dos Guardiões.

Não quis discutir com o que parecia ser um dogma de fé.Mudou o tema da conversa.

— Como está Cláudia?

Não pôde evitar: fez a pergunta com desesperado interesse.

Riera titubeou uns segundos antes de responder.— Suponho que tão nervosa como uma noiva no dia do

casamento.

Leonardo gostou da comparação.

— Deduzo, por suas palavras, que não teremos alternativasenão seguir adiante com essa loucura.

— Chame como quiser. Mas muitos, em seu lugar,considerariam um privilégio.

— Da mesma maneira que matar gente inocente? — Provocou, asperamente.

Salvador aceitou a reprovação com estoicismo. Vinham à suamente os meios que podiam ser utilizados para proteger o segredo.O juramento da loja era um princípio moral que devia defender,

ainda que à custa de sua própria vida.— Sei que não foi à solução mais inteligente — admitiu com

voz baixa —, mas é minha responsabilidade preservar a Sabedoriada ignorância.

— Ouça... — engoliu saliva. — Não sei que tipo de milagresesconde esse maldito instrumento. Mas creio que se é algo assimtão bom, todos temos o direito de experimentá-lo. A atitude de

vocês me parece bastante egoísta.

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Riera suspirou como se estivesse muito abatido. A impressãoera de que as palavras do bibliotecário haviam alcançado opropósito de fazê-lo refletir, mas não se tratava disso. Na realidade,ele só tentava conservar a calma.

— Você desejaria que uma criança o operasse de catarata?Subiria em um avião comercial pilotado por um ativista islâmico? — perguntou, com profundo sarcasmo. — Eu também não queropermitir que alguns sacrílegos profanem o nome de Deus.

— Eu o farei e não sou especial — Recordou incisivo.

— Ainda não, mas você será. Balkis disse que você estápreparado para ocupar o posto de Hiram e ela nunca se engana

em suas previsões.— Você a admira muito, pelo que vejo.

— Não sabe o quanto... — desta vez, sim, Sholomo foienredado pela nostalgia e seu rosto se contraiu em uma careta dedor e auto-compaixão. — Há anos, no início de minha preparaçãocomo irmão da loja, fui loucamente apaixonado por ela — reconheceu, com voz entrecortada, como se falasse consigo

mesmo — e durante o congresso dos iniciados, no final dos anossessenta, acalentei a esperança de ser eleito para encarnar afigura de Hiram Abif, porque desejava viver com Séphora o restode minha vida. Entretanto, depois de subir os degraus da escada,enfrentar meus demônios e sentar-me na Kisé do Testemunho, fuiincapaz de decifrar a charada da Sabedoria... E tudo por orgulho.

— Sinto muito, de verdade — foi à única coisa que ocorreu ao

bibliotecário dizer.— Afastaram-me do título e da mulher que eu amava. Em

troca, me foi concedida a honra de ostentar o cargo de Mestre daloja... — respirou fundo. — É um autêntico inferno para quem deveproteger o segredo de Deus sobre toda e qualquer circunstância,inclusive de colocar sua própria alma em perigo. Se ordenei queassassinassem o paleógrafo e sua amante, a diretora da Hiperión,

não credite essa decisão a mim, pessoalmente. Fiz porque eraminha obrigação.

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Leonardo manteve-se em silêncio. Sabia que se aindapermanecia vivo era porque Cláudia jamais permitiria que lhefizessem algum mal. E esse era um gesto digno de agradecimento,de ambas as partes.

— Conte-me... em que consiste a charada da Sabedoria? — perguntou, procurando satisfazer sua curiosidade e, ao mesmotempo, tirar o arquiteto daquele estado melancólico a que pareciaentregar-se com prazer.

Riera levantou a cabeça. Suas pupilas brilhavam comesplendor inusitado. Virou o rosto de lado, sorrindo como só oscanalhas sabem fazer.

— É difícil explicar.— Podia tentar — sugeriu.

— Eu o faria se pudesse, mas as normas são rígidas.Ninguém pode falar a respeito de sua experiência e nem a sua vozconseguiria expressar o sentimento. É íntimo demais para ser traduzido em palavras.

— Está preparada?— Siga, pode entrar.

Balkis penetrou em silêncio no aposento. Cláudia, vestidacom uma túnica vermelha e um manto azul, parecia uma Madonnasaída de uma antiga tela renascentista. Tamanha solenidadeemocionou a velha senhora.

— É como ver minha própria imagem voltando no tempo — lhe confessou, contendo as lágrimas. Nada mudou, a partir dali.

— Eu me sinto tão estranha! — reconheceu Cláudia. — E, defato, me reconforta saber que não estarei só nesse momento.

Balkis abraçou a jovem, estreitando-a com afeto em seu peito.

— Não se esqueça de minhas instruções — sussurrou em seuouvido. — Tudo o que tem a fazer é manter silêncio e aprofundar-

se interiormente. O que vai acontecer depois dependerá de vocêsdois.

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Cláudia se retraiu. Fitou-a a procura de respostas que,nervosa, não encontrou.

— Tenho medo... — confessou com voz quase inaudível. — Tenho medo de botar tudo a perder.

— Fique tranqüila... — Balkis acariciou seu rosto. — Você émulher, a Sabedoria está a seu lado. Você e Leo decifrarão ocódigo de entrada, bem como a charada.

— E depois?

— Você há de lavrar a pedra e fará parte do templo de Deus.

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Capítulo 44

 V iu quando saíram do hotel e se dirigiram ao Museu Arqueológico.Reconheceu Sholomo de imediato, coisa que não a surpreendeu,em absoluto. Era evidente que ele conhecia Leonardo Cárdenas,por isso fez a relação com o tal arquiteto amigo dele e querespondia pelo nome de Salvador Riera. Ambos deviam ser amesma pessoa.

Sua mão segurava a arma de fogo de cano curto com firmeza,pressionando com o canhão a nuca do agente, para recordar a eleque não titubearia em disparar ao menor movimento dele. Olhou

Cristina de soslaio. Parecia arrasada. O fato de ter-se equivocadocom ela fazia com que a moça se destruísse, animicamente, aospoucos.

Nada do que lhe havia contado sobre a Arca a satisfazia tantocomo observar seu fracasso.

"Você acreditava que era muito importante... é não é?"pensou Lilith, com profundo desprezo.

Um forte odor de sangue e pólvora acelerou as batidas de seucoração. Olhou de relance à direita. O cadáver que tinha a seu ladocontinuava na mesma postura e, assim, continuaria durante algumtempo. Jogá-lo fora do carro era uma possibilidade, mas isso dariatempo a Eric, que aproveitaria qualquer distração para surpreendê-la. Estava certa de que em algum lugar ele escondia uma arma,talvez sob o banco.

— Quem é o homem que acompanha Leo? — perguntouCristina, esperando que a jovem alemã fosse capaz de saber edizer.

— Chama-se Sholomo e é o Grão Mestre da ordem Maçônicaque me contratou para matar o paleógrafo e a diretora da casa deleilões. Penso, porém, que o nome verdadeiro dele seja Salvador 

Riera, meu suposto pai, a quem você iria libertar de seusseqüestradores.

Não pôde evitar: começou a rir.

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— Então foi você! — concluiu a criptografa, entre dentes, aocompreender a verdade, para, em seguida, aumentar o tom irritadoda voz e dizer: — E eu achando que você era uma jovem frágil eassustada, quando tudo não passava de uma farsa!

— Não seja mal humorada. Isso é muito comum... — haviaum toque de vaidade na voz dela. — Minha maior estratégia é aaparência inocente. Nunca esperam que a morte tenha rosto demenina.

— E o que você pensa fazer conosco?

Não houve resposta. A alemã ficou em silêncio, sem vontadede continuar falando. Mas de uma coisa estava certa: tinha de se

desfazer do agente o quanto antes. Não em vão, havia sidotreinada para resolver as ocorrências que pudessem colocar suamissão em perigo. Isso significava que acabaria com a moça, casohouvesse a mais ínfima possibilidade. Precisava pôr fim a essaameaça latente.

Eram vinte horas e dez minutos. O Museu Arqueológico acabavade fechar as portas. Em seu interior, o silêncio e a penumbra

dominavam os espaços vazios. Apesar da escuridão, puderam ver as silhuetas de três pessoas no centro da sala 23, ao fundo dascolossais estátuas de Amenotep III e de sua esposa Tiyi. Estavamesperando por eles.

— Eu me alegro de vê-lo outra vez, Leo... — Balkis adiantou-se, para saudá-lo. — Suponho que deseja falar com Cláudia.

Voltou-se, para lhe indicar a jovem, que se aproximara. Das

sombras, surgiu a figura de uma mulher. Era ela, vestida com ascores maçônicas. Representava a pureza e a Sabedoria.

Quando ficaram frente a frente, Balkis voltou-se para o ladode Hiram. O arquiteto fez o mesmo, afastando-se do casal, parapermitir que tivessem um momento de intimidade.

— Você está lindíssima — disse o bibliotecário, segurando as

mãos dela.Cláudia, longe de ficar ruborizada, parecia emocionada com asituação.

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— Lamento que você tenha sido informado dessa maneira,bem como de tê-lo envolvido em algo que talvez não desejassefazer.

— Reconheço que é uma situação muito incômoda — eleadmitiu, com franqueza. — Embora suponha que, como melevaram a acreditar, você não estava envolvida com osassassinatos. Por favor, diga-me que não sabia!

— Claro que não! — ela exclamou, indignada. — Fiquei tãosurpresa quanto você. Ainda não perdoei meu tio por ter me usadopara algo tão horrível. Você precisa acreditar em mim! Eu contei aeles sobre a história do manuscrito porque conhecia a lenda dopedreiro murciano e de sua relação com a família Fajardo. Isso foi

tudo. Jamais pensei que alguém fosse morrer:Seus olhos se encheram de lágrimas. Leonardo foi secando

uma a uma.

— Responda com sinceridade... Você sabia o que ocriptograma dizia, antes que eu o decifrasse?

— Não inteiramente — ele respondeu, baixando a voz. — 

Veja... — respirou fundo —... dias antes de sua morte, fui à casa deBalboa com a desculpa de que fazia tempo que não o víamos notrabalho. Sabia da existência do documento porque você mesmame contara e por isso lhe pedi que me deixasse ajudá-lo natradução.

— Claro! Por isso você sabia do conto de Poe e de comodecifrar o manuscrito.

— Na realidade, foi Balboa quem descobriu a chave — reconheceu no mesmo instante. — Era muito bom no trabalho dedecodificação. Sem dúvida, uma vez terminado o trabalho, ele nãoquis me mostrar porque antes deveria falar com você. Salvador,então, ordenou que fosse morto, bem como que vigiassem você,obrigado pelos membros mais conservadores da loja, os quais nãodesejavam que o segredo fosse propalado. Imaginava-se que você

fosse à única pessoa com quem Jorge havia falado sobre suaaquisição de Toledo, razão pela qual me pediram que seguisseseus passos, em troca da promessa de mantê-lo vivo.

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— O que você lhes disse a meu respeito? — ele sentia muitacuriosidade... queria saber.

— Na tarde em que Balboa foi enterrado, vi que você foiembora com Mercedes. Aquilo me pareceu estranho, entre outrascoisas, porque você saiu sem se despedir. Eu os segui até oescritório. Fiquei escondida no gabinete ao lado do dela e ouvi todaa conversa de vocês. Sem avaliar as conseqüências, telefoneiimediatamente para o meu tio, contando tudo. Não sabia que aestava condenando à morte... sinto muito! De verdade! — lamentou-se com profunda tristeza. — Creio que foi uma estupidezde minha parte.

— Ainda estou vivo... — ele tratou de animá-la. — E isso

deveria alegrar você.— E estou alegre mesmo! Mas se está vivo é graças a Balkis,

uma vez que o Conselho, às minhas costas, planejava suaexecução. Ao saber dos crimes planejados pelo comitê da loja, elaordenou o fim de toda e qualquer violência. O certo é que todoslamentamos muito que houve.

Não que aquilo fosse mudar as coisas, mas a desculpamerecia ser aceita. Cárdenas resolveu esquecer tudo, pensando noque ia acontecer naquela mesma noite, porém, dadas ascircunstâncias, precisava saber mais a respeito do ritual deiniciação.

— Escute Cláudia... quero que você me diga o que vaiacontecer — pediu. — Se você soubesse os disparates que tive deescutar ultimamente!

Ela se colocou na ponta dos pés, aproximando seus lábios doouvido do companheiro.

— Eu sei... — disse com suavidade — e temo que tudo o quelhe disseram seja verdade. Mas não deixe que o pensamentoracional se imponha à vontade de acreditar. Apenas aceite. A únicacoisa que nos resta é a fé.

— Tenho de acreditar, então, que realmente falarei comDeus?

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— Sim... se formos capazes de vencer nossos demônios... — beijou-o docemente no rosto. — E estou certa de que juntosconseguiremos isso.

Com aquelas palavras, deu por encerrada a conversa. Afastou-se dele e foi até os Guardiões.

Havia chegado a hora da verdade.

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Capítulo 45

Quando o automóvel chegou ao posto da guarda, teve de parar diante do soldado que impedia sua passagem; seu companheiroobservava tudo, com atenção, a partir da guarita. O homem seaproximou do motorista com a lanterna em uma das mãos,enquanto a outra acariciava a cartucheira de sua pistola. Hiram, aquem já conhecia por suas constantes pesquisas na planície, lheentregou uma permissão especial para visitar o interior da GrandePirâmide. Era assinada por Adel Hussein, diretor geral de Gizé, demaneira que a entrada foi imediatamente franqueada depois que o

soldado fez uma saudação aos viajantes, desejando que a paz de Alá os acompanhasse. Tanto Khalib como Riera — que ia a seulado — corresponderam com a mesma atitude. E seguiram seucaminho até Quéops.

Minutos depois, Hiram estacionou o carro no acostamento darodovia e apagou os faróis, deixando que a escuridão tomasseconta do cenário. Saltou do veículo em companhia de Salvador. Os

demais ficaram lá dentro.— Antes de entrar, quero lembrar vocês de que a chave da

loja é sua única aliada — disse Balkis com certa obstinação. — Eque só conseguirão vencer o caos provocado pelo pensamento sesuas almas caminharem seguras enquanto vocês ascendem naescada. Mas, sobretudo, não percam a calma na hora de decifrar acharada. Acreditem em mim: vai dar tudo certo.

Dito isso, abriu a porta para que pudessem sair. Hiram eSholomo os aguardavam lá fora. Juntos e em silêncio, foram até aala norte da pirâmide. Naquele lado estava o escritório de Mansour Boraik, onde dormia o restante dos guardas à espera dorevezamento. Por isso, tinham de andar com cuidado, fazendo omínimo de ruído possível, para não chamar atenção.

Leonardo teve um ataque de irracionalidade ao se aproximar 

daquela gigantesca massa de pedra, pela qual estava tãoobcecado. Quanto mais perto se sentia dela, menor e insignificantelhe parecia sua vida. Era como se a pirâmide fosse devorá-lo,

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triturar suas lembranças e até mesmo engolir sua alma parasempre. Nunca havia parado para pensar que sentido teriaconstruir algo tão magnífico em uma área assim inóspita, onde osol, os mosquitos e as eventuais cheias do rio seriam suas únicastestemunhas. Devia haver algo mais. Talvez a loja tivesse razão e

as pirâmides tenham sido monumentos destinados a preservar amemória de Deus através do tempo, e que o homem não estivessepreparado para receber certos conhecimentos no âmbito daSabedoria. Mesmo que isso fosse correto, não conseguiacompreender o motivo pelo qual, precisamente, tivesse sidoescolhido. Não fazia sentido, até porque ele sequer conhecia asleis e costumes maçônicos, exceto se as histórias que escutara atéaquele momento fizessem parte da instrução do neófito.Reconheceu haver aprendido o suficiente para assumir o trabalhoda loja, e isso era bastante significativo. Talvez, sem saber, já faziaparte da irmandade.

Finalmente, alcançaram a primeira fileira de pedras. A entradamais acessível era a aberta por Al-Mahmun, situada dezessetemetros acima do solo. Sholomo explicou a eles que teriam de subir um pouco mais para chegar à principal, pois deviam seguir a antiga

trajetória dos iniciados. Com extremo cuidado, começaram aescalar os enormes blocos. Mas houve um detalhe que nãoescapou a Leonardo: tanto Balkis como Khalib os observavam ládebaixo; não tinham a intenção de acompanhá-los.

— Não pensam subir? — a pergunta foi dirigida a Salvador,que parecia acostumado a movimentar-se com facilidade nasalturas, tal como um jovem alpinista.

— Não se preocupe com eles — respondeu o arquiteto, semdeter-se. — Chegarão ao Salão do trono antes de nós... E não meperguntem como é que fazem isso. Para entender a magia deles épreciso ser um Guardião da Sabedoria, cargo que não tenho oprivilégio de ostentar. Sou apenas o Mestre dos Construtores.

O bibliotecário acreditou captar certa amargura no tom da vozdele. Não quis criticar aquela atitude, mas, no fundo, não deixavade ser irônico que os demais membros da loja se sentissemdecepcionados quando eles mesmos colocavam obstáculos ao fatode que fossem outros os que se sentavam no Trono de Deus. Teria

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ocasião de opinar, se tudo caminhasse bem e era certo o que lhehaviam prometido.

Quando os homens alcançaram o nível da entrada, Cláudia jáestava sob os gigantescos blocos de granito — em formatopiramidal — que descansavam sobre o umbral da porta.

— Tenha cuidado ao descer — Riera advertiu a sobrinha. — O canal descendente é muito baixo para a gente caminhar ereto.Mede apenas um metro de largura por pouco mais de altura.

— Isso me lembra a cripta da catedral de Múrcia! Não émesmo, Salvador?

 A observação de Leonardo, não isenta de sarcasmo, fez com

que Riera esboçasse um de seus típicos e velhacos sorrisos.— Se você sentiu claustrofobia lá, espere entrar no interior da

Quéops — disse-lhe com seriedade. — Para sua informação, eulhe direi que teremos de descer de cócoras uns cento e trintametros de canal, até chegar à Câmara do Caos, tendo sobrenossas costas o peso de milhões de toneladas de pedra. Será umgrande desafio para quem, como você, precisa de espaços amplos.

— Creio que poderei suportar.

— Então, se ambos estão de acordo, será melhor queentremos — foi à prática sugestão de Cláudia.

 Aceitando a proposta como um dever, ligaram suas lanternase penetraram sem mais demora no reduzido corredor de pedra,engatinhando pelo piso de tábuas transversais e grades, em ambos

os lados do muro.Diante deles, a escuridão e o silêncio que precedem o

desconhecido.

Para Abdelaziz, soldado raso do exército egípcio desde os dezoitoanos de idade, custodiar monumentos com mais de quarentaséculos de antiguidade, que, presumivelmente, foram construídoscomo tumba de reis do passado não deixava de ser uma tarefadesagradável à qual não estava acostumado. Define-se como umhomem capaz de enfrentar tudo, inclusive a pior das mortes, mashavia certos temores ligados à superstição que carregava desde a

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infância dos quais não conseguia se livrar. Conhecia de memóriaas histórias que corriam de boca em boca pelos becos de Fustat, obairro que o viu nascer. Sua avó costumava dizer-lhe que Abu-el-Hol" despertaria no futuro de sua letargia para libertar-se da prisãode pedra que o tolhia e que, então, o homem seria seu alimento.

Por isso, cada noite que enfrentava o feitiço da Esfinge sem maisrecursos do que seu fuzil, seus pelos se arrepiavam e os dentescomeçavam a bater loucamente, devido à ansiedade. Era pânico oque sentia. Daria um mês de seu soldo para estar a mil quilômetrosde distância, lutando em uma guerra estúpida, se necessário.Qualquer coisa, menos fazer a ronda noturna.

Para afastar seus temores, decidiu analisar a inesperada

visita do diretor do Museu Arqueológico. Não era precisamente ahora mais apropriada para entrar em nenhuma das pirâmides — podendo fazer isso de dia —, como, tampouco, era lógico que sefizesse acompanhar de um grupo de desconhecidos. Mas o fato deter um passe especial, assinado por Adel Hussein em pessoa, erarazão suficiente para deixá-lo passar sem ter de pedir explicações.

 Além disso, sabia que aquele homem adorava o que fazia. Talvezestivesse trabalhando em segredo, com alguns de seus colegas

estrangeiros.Sentiu um ligeiro calafrio. Atribuiu a sensação à temperatura

do ambiente, porque o deserto estava especialmente desertoaquela noite. O uivar do vento, deslizando com fúria pelo planalto,lhe trouxe à memória o gargalhar enlouquecido de uma almapenada. Olhou seu companheiro, que estava sentado no interior daguarita lendo o jornal. Pensou que ali dentro era como estar em

outro mundo. Hassan tinha sorte de ser genro de um famosoministro. Nem todos gozavam de uma influência tão notável eproveitosa. Mas ele, filho de um simples tecelão de tapetes, setivesse que ganhar alguma benesse de seus superiores, havia deser por seus próprios méritos.

Fez uma pausa em seus dolorosos pensamentos ao observar que se aproximavam os faróis de outro automóvel. Teve, então, o

pressentimento de que aquela noite seria especial.— Pare o carro a alguns metros do posto da guarda e abaixe-

se, com as mãos no alto, onde eu possa vê-las.

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Enquanto sussurrava a Eric o que tinha de fazer, Lilithintroduziu a mão no interior de sua jaqueta e, sigilosamente, pegouo silenciador da pistola para enroscá-lo no cano de saída.

— O que pensa fazer? — perguntou Cristina, ao presumir amanobra da jovem alemã.

— Espere e verá — respondeu, glacialmente. — Mas eu lheaviso que se você tentar fugir será a última coisa que fará comvida... — franziu a testa. — Compreendeu bem?

 A criptografa captou a mensagem. Era perigoso contrariá-la.Teria tempo de urdir um plano favorável a seus interesses.

O automóvel se deteve a uma distância prudente da área de

segurança fixada pelo exército egípcio. Lilith pressionou com forçaa nuca do agente, obrigando-o a sair, diante da iminente chegadado soldado de vigia. Eric obedeceu imediatamente, disposto acolaborar em tudo o que fosse possível, com medo de acabar comuma bala na cabeça. A assassina de aluguel, por sua vez, fez omesmo: de forma sincronizada, desceu do automóvel, colando-seàs costas de Eric que, estrategicamente, ficou entre ela e a

sentinela.Lilith agiu com rapidez e profissionalismo, disparando emprimeiro lugar no soldado que lia o jornal na guarita, enquantoagarrava a camisa do agente, a fim de proteger-se. Abdelaziz,alertado pela violenta reação da jovem, abriu fogo semcontemplação. Eric foi alvejado no pescoço e no peito, e naquelemomento a alemã aproveitou para eliminar o militar egípcio com umtiro certeiro no rosto.

Tudo acabou em breves segundos, como se nem tivessecomeçado.

Já mais relaxada, a jovem foi até a janela do carro eintroduziu a cabeça no interior.

— Dirija — ordenou a Cristina, abrindo a porta para sentar-seno lugar onde estava a criptografa.

Esta se movimentou para o lado, atônita ao observar acapacidade criminosa daquela criatura que, a princípio, havia

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confundido com um anjo. Fazendo um tremendo esforço para nãoter uma crise nervosa, virou a chave e o automóvel partiu de novo.

— Dirija-se à Grande Pirâmide — ordenou Lilith. — Vamos!Rápido, antes que cheguem mais soldados!

— É possível que não tenham ouvido os disparos. Osalojamentos onde dormem os substitutos encontram-se no ladonorte de Quéops.

— Como você sabe disso? — a voz dela, demonstravasurpresa.

— Tenho amigos que me informam de tudo... Amigosgenerosos, capazes de pagar uma fortuna para serem os donos da

 Arca. Eu poderia apresentá-los a você, se quiser. A sugestão implicava alguma colaboração entre ambas as

partes, mas Lilith, muito mais cerebral, não se deixou levar pelo jogo de Cristina, embora não tenha virado totalmente as costas àpossibilidade de uma falsa aliança. De certo modo, precisava delaviva, pois no momento certo lhe seria útil toda a informaçãoreferente à relíquia e também a força de seus braços. Tirar a Arca

da pirâmide, sem ajuda, poderia ser um grave problema. Sempreteria a chance de acabar com ela, uma vez finalizado o trabalhoprevisto.

— Falaremos sobre isso mais adiante — disse-lhe,sussurrando. — Agora, dirija!

 A senhorita Hiepes não quis insistir, sabia que cedo ou tardeacabariam se associando. Ela também estava levando em conta

que seria praticamente impossível a uma pessoa carregar umobjeto tão pesado.

Pouco depois, viram o carro de Riera estacionado noacostamento, diante da pirâmide de Quéops. A criptografa reduziua marcha até colocar-se bem atrás do veículo. Apagou as luzes,aguardando novas indicações de Lilith.

— Vejamos se você é capaz de entender — começou dizendoa jovem. — Você é a única que pode me levar até a Arca, porémnão seja imprudente e aja com inteligência. Preciso assegurar-me

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de que não vai tentar nada contra mim, pois se isso acontecer tereide matá-la.

Cristina demonstrou determinação. Não ficou amedrontadadiante daquelas palavras e nem sequer chegou a pestanejar.

— Está claro que nós duas queremos a mesma coisa, aindaque por motivos diferentes. Por isso, creio que a confiança deveriaser mútua.

— De acordo — acrescentou a jovem alemã, abrindo a portado carro para sair. — Mas sou eu quem vai dizer o que fazer com arelíquia, uma vez que seja nossa. Ah... — exclamou, dizendofriamente — lembro que continuo armada.

 A espanhola concordou, reconhecendo a primazia de suaadversária. Não era nenhuma tonta. Um movimento em falso e suavida estaria acabada. Virava história.

Depois de pegar um par de lanternas das mochilas quehaviam pertencido aos agentes da Agência de SegurançaNacional, dirigiram-se até a face norte da pirâmide, empurradaspelo forte vento que fustigava suas costas.

Um silêncio profundo as envolveu, enquanto caminhavampelo planalto, condicionando-as a uma introversão, à luta interna dopensamento. Cada uma à sua maneira tratava de reorganizar asituação, para que a balança se inclinasse a seu favor. É certo quedeveriam unir suas forças para vencer o inimigo, mas apenas deforma circunstancial. O fingimento de ambas não podia ocultar ofato de que continuavam sendo adversárias e que, cedo ou tarde,

uma das duas apodreceria debaixo da terra, enquanto a outrainiciaria o caminho para a glória.

Depois de uma rápida reflexão, Lilith concluiu que não sabianada sobre a Arca. O pouco que Cristina lhe contara, durante otrajeto, era informação muito imprecisa. Necessitava aprofundar-senas origens daquela relíquia legendária, tão oculta comoimpenetrável, desde tempos imemoriais.

— Afinal, com o que vamos nos deparar? — perguntouinteressada, olhando sua companheira de soslaio.

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— Suponho que será a maior descoberta da história — dissea ruiva, sem parar de caminhar.

— Você bem sabe a que me refiro — insistiu a assassina dealuguel, com certa ênfase. — E evite esquivar-se quando faço umapergunta, se não quiser que eu corte sua língua, como fiz com osoutros.

 A criptografa lamentou ter sido tão descuidada. A astúciadaquela jovem da Europa Central era algo que devia levar emconta sempre. Um detalhe que não podia ignorar.

— Está bem! — tomou fôlego. — O que deseja saber?

— Tudo o que puder me dizer que não esteja escrito nos

livros de história.— Está bem... — rendeu-se, finalmente. — Vou lhe contar 

qual é a minha teoria... — nesse momento, se deteve para olhar aalemã fixamente. — Na realidade, a Arca é um trono... É o tronoonde Moisés se sentava para estabelecer contato direto com Deus.

— Você acredita mesmo nisso?

— Sim, mas, para ser sincera, não estou totalmente segura,pois existem diversas histórias em torno da Arca que afirmam queseu poder provém de uma civilização muito mais avançada que anossa. Muitos acham que se trata de um transmissor ultra-sônicode ondas, outros que é um gerador de energia responsável por manter o planeta vivo.

Lilith sacudiu a cabeça.

— Explique isso — exigiu impaciente.— Da mesma forma que o homem usa certos amuletos para

canalizar o bem a seu favor, a Terra também necessita da magiaque as pedras irradiam. E são os templos que desempenham afunção mediadora entre a Mãe Natureza e a ciência do Grande

 Arquiteto. Daí que os templários construíram suas catedrais por toda a Europa, fazendo-o precisamente onde as forças telúricas

atuam de forma positiva sobre a Terra.— Você fala de nosso planeta como algo vivo.

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— E é mesmo! — afirmou Cristina, convencida. — Agravidade, os campos magnéticos, os movimentos sísmicos... Tudoisso faz parte de sua atividade, como um ser vivo. E as pirâmidesde Quéops e Quéfren, por assim dizer, viriam a ser as aortas de ummesmo coração, a Arca.

— Ora..., mas não se vive de misticismo... — Lilith estavafarta de escutar loucuras. — A mim o que interessa é seu ladodestruidor. Ouvi dizer que os judeus a levavam consigo a todas asbatalhas para que lhes propiciasse a vitória sobre o inimigo, e queum homem morreu apenas por tocar nela.

— A Bíblia está cheia de relatos semelhantes, histórias queassustariam o homem mais ousado. No Apocalipse, inclusive, é

citado o seu poder caótico: "E o Santuário de Deus se abriu eapareceu a Arca da Aliança. Então foram produzidos relâmpagos etrovões e a terra tremeu." — sorriu, insinuando certa incredulidade,para continuar: — Mas nada é certo. A Arca, segundo minhacrença, permite que você se comunique com Deus, que não é outracoisa senão uma fonte de energia inesgotável, um milhão de vezesmais poderosas que a nuclear. Daí a importância de manter oculta

sua localização do resto dos homens.— Isso quer dizer que quem venha a possuir a Arca poderá

dirigir o destino da humanidade — acrescentou à alemã, pensativa—, o que converteria a pessoa na criatura mais poderosa doplaneta.

— Gostei de sua definição. Você não deve esquecer, contudo,que sentar-se no Trono de Deus é algo reservado a uns poucos

eleitos, que, certamente possuirão alguma experiência relacionadaà maçonaria e seus arcanos secretos. E eu os tenho.

Era verdade. Lilith valorizou o fato de que sem a ajuda deCristina lhe seria impossível decifrar os mistérios da Arca. Muitasincógnitas poderiam surgir no interior da pirâmide, como hieróglifosque somente uma criptografa seria capaz de traduzir.

— E o que me diz das salas da Grande Pirâmide? — quis

saber a fria executora da Agência Corpsson. — Até onde sei, estãovazias, inclusive o sarcófago do rei.

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— Você quer saber onde a Arca está escondida? — perguntou Cristina.

— Sim, isso mesmo — afirmou carrancuda. — Porque emalguma parte dessa massa imensa de pedra... — apontou paraQuéops, com o indicador — se encontra escondido o que viemosbuscar.

— Você tem razão. Não há nada de interessante nas diversassalas da pirâmide, mas sim nos corredores que se estendemabaixo.

 A ruiva fez um sinal, para que continuassem caminhando.Não era prudente permanecer ali, pois faltava menos de uma hora

para a mudança da guarda.Pouco depois, chegaram à primeira fileira de pedras. Sem

mais perda de tempo, começaram a escalar, subindo de um blocoa outro, assim seguindo até chegar à entrada de Al-Mahmun.Cristina olhou para cima, onde se localizava a porta original. Nãodisse nada, mas fez um gesto para Lilith, dando-lhe a entender suaintenção de subir um pouco mais. A alemã concordou, deixando-se

conduzir.Finalmente, lograram seu objetivo: chegar à grade queprotegia a entrada da seringa. E estava aberta. Isso queria dizer que Leonardo Cardenas e o resto haviam entrado no interior dapirâmide.

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Capítulo 46

Leonardo encontrava-se, de novo, em uma situação incômoda, oumelhor, angustiante. Cláudia arrastava-se, seguindo na frente, eSalvador vinha atrás dele, o que tornou ainda mais aguda suaparticular sensação de claustrofobia, já que era semelhante a estar encerrado dentro de um caixão mortuário. Não quis pensar nisso,naquele momento, e concentrou sua atenção na intensa dor que oatormentava, subindo a partir dos joelhos.

 Às vezes, devido à inclinação, lhe custava muito esforçolevantar as pernas e acabava se machucando nas tábuas de

madeira encravadas no solo do canal. Tinha certeza de que suapele estava cheia de escoriações, uma vez que o tecido das calçasestava esfolado. Então, esqueceu-se da dor física para se fixar novamente na psicológica, uma vez que as paredes do túnel seestreitavam como um funil, como na cripta murciana da capela dosVélez. Os últimos nove metros pareciam intermináveis. Nem haviachegado, ainda, e já desejava escapar daquela ratoeira decrépita

que fedia a excrementos.Estava prestes a render-se quando viu que Cláudia podia se

erguer, até ficar em pé. As lanternas iluminaram as paredesrochosas de uma sala retangular, completamente vazia, cujo tetoera possível tocar com as mãos, com os braços estendidos paracima. Diante deles, no outro extremo, abriu-se um canal estreito,como aquele por onde eles tinham vindo. Também viam um poço,de uns dois metros de largura, por três de profundidade, perfuradono solo.

Riera lhe disse que era a Câmara do Caos.

— Pode-se saber para que descemos aqui, se não há nadade interesse? — perguntou nervoso, e o eco de sua voz vibrou nasala.

— Fique tranqüilo... — aconselhou Cláudia. — O ritual de

iniciação é um ato de fé... — então, ao perceber certo ceticismo norosto dele, sua companheira acrescentou pragmática —... foi o queme disseram.

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— Não há melhor forma de definir isso — afirmou Salvador Riera, iluminando ao seu redor com a lanterna. — Aqui começa apurificação da alma, neste lugar tão terrível que representa oinferno, onde ingressaremos até chegar à Luz.

— Pois eu acho que deveríamos sair daqui o quanto antes...— disse Cárdenas, que, realmente, estava se sentindo mal. — Estacâmara dá calafrios.

— Tente não pensar nisso... — Cláudia se aproximou, paraacariciar as bochechas dele. — Todos os que percorreram estecaminho regressaram sãos e salvos!

Seu tio deixou escapar uma gargalhada.

— E o que é isso, agora? — perguntou à jovem, com ligeiratensão, voltando o rosto para ele.

— Acontece que não é certo o que você acabou de dizer. Alguns jamais chegaram a terminar o percurso iniciático. É umdetalhe que Balkis omitiu, com receio de que não seguissemadiante.

— Você conseguiu? Chegou até a Arca?

— Sim, em companhia de Séphora.

— E o que houve, depois? — aquilo era novidade paraCláudia, por isso insistia.

— Não pude finalizar o processo de iniciação por culpa deminha ignorância, e por isso não permaneci no Egito, como eraminha intenção. Não consegui resolver corretamente a adivinhação

do Trono, mesmo que tivesse sentado nele com Séphora. Por isso,em vez de me tornar Guardião, fui designado para ocupar o cargode Mestre, o homem sobre quem recai a obrigação de preservar osegredo da loja, mesmo à custa de manchar suas mãos de sangue.Creio que fui castigado por meu orgulho. Em seguida, houve umasegunda tentativa, mas dessa vez com Khalib encarnando o papelde Hiram... E ele conseguiu superar o desafio com êxito. Claro, ele

sempre professou a filosofia sufi e isso foi uma vantagem para ele.— Espere! Volte atrás — Leonardo deu uns passos,

aproximando-se de Salvador. — Você reconheceu, agora pouco,

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que nem todos chegaram à Sala do Trono. O que acontecerá sefracassarmos?

— Vai dar tudo certo, não se preocupe — Sholomo lhe deu ascostas, indo até uma pequena abertura, do outro lado da câmara.

Muito contrariado, Leonardo foi atrás dele.— Espere um momento! — exigiu, acremente e o segurou

pelo ombro. — Você ainda não respondeu à minha pergunta.

Riera voltou-se para encará-lo. Estava enfurecido. Mas logose tranqüilizou ao perceber que Cláudia também esperava umaresposta.

— Antes que vocês cheguem ao Trono, vão se deparar comuma encruzilhada da qual dependerão suas vidas — advertiu-os,com seriedade. — No corredor de quatro portas, inscrita em umadas paredes, encontrarão uma adivinhação de vital importância: omistério da Sabedoria. Utilize o latim para solucionar o enigma ereorganize o anagrama. E você, pequena... — olhou para Cláudia,com decisão. — Lembre-se daquela história que uma vez lhecontei menina, uma que falava de um indivíduo que construiu um

 jardim privado e deu a ele o nome de Parque do Portão de Rocha.Será de grande ajuda para você.

Sem esperar resposta, Salvador lhes fez um sinal para queentrassem no estreito corredor.

— Mas tio... ouvi dizer que esse túnel termina alguns metrosmais adiante — disse Cláudia, ao descobrir que aquele era ocaminho que deveriam percorrer para alcançar seu objetivo.

— A pedra que bloqueia a passagem é, na realidade,basculante. Estará aberta quando chegarem — informou-lhes. — Apartir dali, cabe a vocês encontrar o Salão do Trono.

— Essa sim que é boa! Não pensa em vir conosco? — Leonardo se sentiu traído ao perceber que ele os abandonava àprópria sorte.

— Balkis me disse para esperar aqui — foi sua única e secaresposta.

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— Esperar o quê? — perguntou Cláudia, tão irritada como seucompanheiro.

— A chegada dos intrusos... — ele apontou para a boca dotúnel descendente por onde haviam descido. Dela surgia um fachodifuso de luz, que ia crescendo aos poucos.

— Não há tempo a perder  — continuou. — Estarão aqui emquestão de minutos.

Cristina foi a primeira a alcançar a Câmara do Caos, e suaimpressão era a de haver desembarcado em sua própria tumba.Diante de seus olhos, viu uma sala de paredes mofadas, cujo tetoformava um retângulo perfeito. Alguns segundos foram suficientes

para que a percorresse visualmente na sua totalidade. Foi quandoo viu em pé junto a um vão que havia do outro lado, como setratasse de um espectro em um mausoléu de pedra. Ficou olhandopara ele fixamente, sem saber o que fazer ou dizer.

 A entrada de Lilith conseguiu devolver-lhe a mobilidade, demaneira que se postou de um lado, evitando qualquer contato coma jovem.

— Olhe só quem temos aqui! É meu velho amigo Sholomo! — exclamou Lilith, ao reconhecer Riera. — Pelo que vejo, nossoscaminhos voltam a se cruzar.

Ela apontou a arma para ele, na tentativa de evitar surpresasdesagradáveis. Salvador levantou ligeiramente os braços, dando aentender, com o gesto, que não ocultava nada em suas mãos,apenas segurava a lanterna.

— Tenho de dizer, entretanto, que não é nenhum prazer voltar a vê-lo... — esboçou um sorriso forçado. — Jamais acreditei quevocê pudesse conseguir isso.

— Como pode ver... sou implacável.

— Você deve ser a doutora Hiepes, suponho... — o arquitetoolhou para Cristina com curiosidade. — Gostaria de saber qual é

sua posição.Ela refletiu, antes de responder. Na realidade, não estava em

nenhum dos dois bandos. Era uma terceira pessoa na discórdia.

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— Neste momento, minha posição é tão vulnerável como asua — foi sincera, ao manifestar essa conclusão. — No entanto,espero ter a sorte de contemplar a Arca da Aliança antes demorrer.

— Creio que não será possível — sentenciou Riera. — Nenhum sacrílego a verá. Jamais!

— Diz isso porque não me conhece — acrescentou Lilith. — Muito bem! Basta de palavrório. Diga-me onde estão Leo e osoutros. E não me diga que está sozinho, porque nós estamosseguindo vocês desde o Museu Arqueológico.

 As pupilas de Salvador brilharam com especial intensidade na

obscuridade da sala. De certo modo era uma provocação, umdesafio à morte, mas não se importava. Conhecia de antemão seudestino.

Esse foi um dos sacrifícios exigidos por Balkis: lavar suaconsciência fazendo justiça. Tinha de pagar pelos erros cometidos.

— Não tenho medo de você — disse-lhe, sério. — Sei quemais cedo ou mais tarde você sentirá necessidade de me tirar da

frente.— Com certeza — admitiu a jovem alemã. — Jamais poderia

perdoar o que você fez à Frida.

— Não foi culpa minha, senão de sua curiosidade e ambição,Lilith. Você sabia que a loja não permite intromissão de ninguémalheio à irmandade. Qualquer um que indague sobre os segredosda câmara se calará para sempre... Por acaso não se lembra da

máxima de advertência?— Você está louco — murmurou Lilith, colocando a pistola a

poucos centímetros da cabeça de Riera.

O arquiteto agüentou a provocação com extraordináriosangue-frio.

— Você tem duas opções — disse-lhe, glacial. — Uma, vingar 

a perda de sua amiga e regressar por onde veio; a outra é acabar comigo e seguir em frente. Se escolher a primeira, pensarei que é

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Nada mais causava surpresa ao bibliotecário da Hiperión.Então, lembrou-se da disparatada comparação da Viúva aos pésde Quéops.

— Balkis me contou uma história estranha a respeito de umaincrível catedral enterrada sob o deserto... — confessou, com vozrouca. — Você sabe algo a respeito?

— O mesmo que você, mas não creio que seja exata... — negou com a cabeça e acrescentou, com um meio-sorriso: — ...está mais para uma lenda que circula entre os membrosveteranos da loja.

Continuavam seguindo pelo corredor. Leonardo não

conseguia parar de pensar em uma idéia que lhe surgira desde queenterrava os dois pequenos monólitos na areia, um pensamentodiretamente relacionado à construção das catedrais e seusarquétipos.

— Não acredita que possa ser verdade? — ele perguntou denovo.

Cláudia olhou para ele, desconcertada.

— Você se refere às colunas de Tubalcaim e do Santuário daSabedoria?

— Isso mesmo! — respondeu rápido. — Acabo de perceber que existe uma relação entre o relato de Balkis e os modelosseguidos pelos construtores de templos.

 A jovem franziu a testa.

— Não consigo entender...— Acontece que a maioria dos pórticos, desde a Grécia

 Antiga, segue o mesmo padrão — explicou-lhe, de maneiradidática. — Sobre o umbral de entrada há um triângulo apoiado nasbases horizontais, sustentadas por várias colunas. Atualmentepodem ser admirados nas edificações mais emblemáticas domundo, do Vaticano à Casa Branca, passando pelo Parthenon, de

 Atenas. É como se na memória coletiva dos arquitetos, passados epresentes, sobrevivesse à idéia de um templo original cujaestrutura seguisse a mesma diretriz... — mordeu a língua, por um

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instante, para continuar, enfático. — E o que você me diz dastorres do campanário das catedrais? Por acaso não seassemelham aos obeliscos do Antigo Egito?

Cláudia teve de admitir que existia certo paralelismo entre aslinhas arquitetônicas daqueles edifícios e a descrição que conheciado Templo de Enoque.

— É possível... — disse, finalmente, sem dar grandeimportância a isso. Hesitante, arqueou as sobrancelhas.

— Sem dúvida que sim! — reafirmou Leonardo. — Essasconstruções são um tributo às ciências do passado, que tornarampossível o milagre de Gizé.

— Se você continuar pensando nisso vai perder aconcentração — ela o preveniu, inclinando a cabeça. — O melhor que pode fazer, agora, é recolher-se ao silêncio. Deixe que suamente descanse... Detenha o pensamento, as reflexões internas.

— Foi isso que lhe ensinaram?

— É o mais aconselhável... — acrescentou sucinta.

Pouco depois chegaram a uma sala retangular, de unscinqüenta metros quadrados. À direita e à esquerda haviaaberturas para dois corredores nos muros laterais. Ao aproximar-se, para averiguar, perceberam que em ambos havia degraus depedra que desciam, perdendo-se na escuridão. Iluminaram seuinterior com as lanternas. Vários metros abaixo aparecia umatrajetória semicircular, como se fosse uma escada em caracol.

Cláudia chamou a atenção de seu companheiro.— Venha ver isso! — fez um gesto para que chegasse perto

da parede frontal. — Existe algo escrito aqui.

O bibliotecário movimentou o foco de sua lanterna até o pontoassinalado por Cláudia. Leu um estranho verso, gravado na pedra:

"Animal, plantam, petram sum; tibi meae alae tutelamdaraverunt‖. 

— O que significa? — ele perguntou.

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— "Sou animal, vegetal e mineral; e sob minhas asasencontrarás proteção". É o código de entrada — ela respondeu, emtom confidencial. — Teremos de resolver a adivinhação daSabedoria para saber qual o caminho a seguir.

— Suponho que deram a você algum tipo de referência ouinstruções... — Cárdenas esperava que sua parceira lhe dissessealgo mais concreto.

 A sobrinha de Riera, porém, apenas encolheu os ombros,negando repetidas vezes com a cabeça.

— Estamos ferrados! — exclamou Leonardo, ao descobrir quesua namorada sabia tanto quanto ele.

Então, aproximou-se de uma das entradas do subterrâneo.Levado pela intuição olhou para cima, esperando encontrar algumsinal ou objeto, como acontecera na surpreendente cripta dacatedral de Múrcia. Ali não havia nenhum sino, mas sim novasinscrições lavradas na pedra. Sobre o arco de entrada havia ossímbolos planetários do Sol e de Vênus, com seus nomes escritosembaixo, em latim: "SOLIS-VENUS".

— Você notou? — inquiriu pensativo. Depois, mostrou asmarcas lavradas, com a luz da lanterna.

Cláudia inclinou o rosto, na tentativa de observar paracompreender aquilo. E, em seguida, aproximou-se do corredor quehavia justamente ali ao lado, jogando um facho de luz em direção àparte mais alta do frontispício. Viu outros dois petróglifos com suasrespectivas epígrafes, nesse caso as da Lua e da Terra.

— É incrível... — sussurrou, antes de se virar. Avançou com determinação até a parede frontal, voltando a

iluminar as áreas superiores dos arcos. Ali estavam Mercúrio eJúpiter em uma; Marte e Saturno, em outra; eram os astrosconhecidos na Idade Média, bem como os símbolos primordiaisusados pelos antigos alquimistas.

— Aposto o que você quiser que estas inscrições escondem aresposta à adivinhação... — afirmou, com seriedade, para emseguida olhar Cárdenas, em busca de apoio.

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— Deveríamos começar a estudá-los... não lhe parece? — elepropôs.

Naquele instante, escutaram o eco distante de um disparo.Cláudia empalideceu, tão logo percebeu a detonação.

— Titio! — gritou, angustiada, indo até o túnel, em um ato dedesespero, na tentativa de ajudá-lo.

Leonardo a segurou pelo antebraço, a tempo e com firmeza.

— É inútil. Você já não pode fazer mais nada por ele.

— Não sabemos se está morto! — respondeu histérica,obcecada em sua determinação de ir à procura dele. — Pode estar 

ferido! É possível até que tenha sido um disparo de advertência!— Ouça... — disse a ela, com suavidade. — Se

regressarmos, nós obrigarão a conduzi-los até a Arca. Salvador sabia e por isso permaneceu ali, sacrificando-se enquantocumprimos o que foi pactuado... — e, então, acrescentou comrepentina veemência: — Somos sua única esperança! O segredoda câmara depende da decisão que tomarmos.

Cláudia se surpreendeu com o fato de que seu namorado ecompanheiro tivesse mudado de opinião. Achava que ele não seimportava com os assuntos da loja, mas estava enganada, e issofez com que raciocinasse a tempo. Leonardo tinha razão: deveriamencontrar a Sala do Trono antes que fosse tarde demais.

— O que você acha que devemos fazer? — perguntou,abatida.

— Diga você, desta vez... — estalou a língua, antes decontinuar. — Riera disse algo a respeito de uma história que lhecontou há alguns anos e que tinha a ver com o fato de que nós nosencontraríamos. Você, e não eu, é que realmente deve conduzir esta aventura insólita em que estamos metidos até o último fio doscabelos.

— É verdade... eu tinha esquecido.

— E então... pode me dizer do que se trata?

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— De um lituano, chamado Leeds Kalnin, que viveu nosEstados Unidos entre os anos vinte e quarenta. Meu tio me contoua história várias vezes. Pelo visto, aquele homem, sem a ajuda deninguém, esculpiu e movimentou mais de mil toneladas de pedra.Com o passar dos anos, criou um jardim de extraordinária beleza,

ao qual deu o nome de "O Parque do Portão de Rocha".— Por favor, me diga que é uma pista confiável!

Cláudia suspirou e não soube o que lhe dizer. A história dovelho Kalnin não deixava de ser surpreendente, mas nada, alémdisso. Se aquela era a única ajuda que iriam receber, estavamrealmente perdidos.

— A verdade é que não sei... — respondeu com deprimentesinceridade.

— Está bem... comecemos de novo — propôs Leonardo,tratando de conservar a calma. —Vamos fazer o que Salvador nosrecomendou. Usaremos o latim para a resposta e reorganizaremoso anagrama.

Sem perder mais tempo, tirou o caderninho de anotações do

bolso da calça e começou a escrever os nomes dos planetas emuma folha de papel, tal como estavam inscritos:

MERCURIUS-IUPPITER

SOLIS-VENUS

MARTIS-SATURNI

LUNA-TERRA— Deveríamos trocar as letras para ver se formam uma

palavra ou frase coerente... — apresentou a ela essa proposta,sobre a qual havia refletido muito. — Seu tio nos indicou o caminhoque deveríamos seguir. Decifrar o enigma só depende de nós.

— Temos pouco tempo — ela recordou, em tom desanimado.— É possível que tenham descoberto o corredor secreto.

 Ao dizer isso, ela se referia a Lilith e companhia.

— Muito bem! Então, mãos à obra.

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Mal acabou de dizer, Cárdenas voltou a escrever os nomesdos astros em outra folha de papel. Assim, poderiam fazer tentativas separadamente, cada um por si. Passados alguns tensosminutos e apesar do intenso esforço mental que faziam paracombinar as palavras, perceberam que era impossível chegar a

uma resposta. A pressão a que estavam sendo submetidosparalisava seus pensamentos, pois sabiam que de um momentopara o outro poderiam entrar na sala e assassiná-los impunemente.

 A impotência bloqueava sua capacidade de reflexão e os impediade pensar com clareza.

— Sou animal, vegetal e mineral; sob minhas asasencontrarás proteção — Leonardo murmurava em voz baixa,

procurando encontrar a solução na própria charada. A jovem, por sua vez, descobriu um detalhe que não se

enquadrava: Saturno estava escrito errado. Não era Saturni, massim Saturnus. Pensava dizer isso ao companheiro quando recordoudeterminada parte da história do lituano, sobre a qual haviapassado por alto, e tratava-se precisamente da que tinha a ver comos planetas. Parece que existia um lugar, no tal Parque do Portão

da Rocha, denominado "O Salão do Trono", ladeado pelasesculturas simbólicas de Marte e Saturno. Seria uma coincidênciasem maior importância ou, talvez, uma resposta à adivinhação?

— Leo, vamos nos concentrar em Marte e Saturno. Tenho umpressentimento... — disse Cláudia, com voz trêmula, embargadapela emoção da descoberta.

Começaram com a palavra MARTIS, a qual desmembraram

em letras independentes, fazendo-as girar de um lado para outro,trocando-as como se fossem peças de um quebra-cabeça. E foi aíque conseguiram ordenar a primeira parte do anagrama: MARTISse converteu em MATRIS, ou seja, Mãe.

— Deus do céu! Conseguimos! — exclamou o bibliotecário,eufórico, mas com as mãos suadas pela tensão interior. — Jápodemos ir embora. Se o fizermos antes que eles cheguem,

teremos três chances, em quatro de que se enganem de caminhoao seguir-nos.

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— Você não tem curiosidade de saber qual é a resposta finalà adivinhação? — ela perguntou arisca. — Pense na possibilidadede que venhamos a precisar disso no futuro.

— Não há necessidade, eu já sei... — pegou sua mão e aconduziu, com suavidade, obrigando-a a seguir até a entrada ondehavia os sinais de Marte e Saturno sobre o arco. Vou lhe contar nocaminho.

Cláudia se deixou levar pela exaltação do companheiro,descendo pelos degraus de pedra o mais rápido que pôde. Depoisde girar várias vezes pela galeria descendente e de assegurar quenão era possível ouvir as vozes de seus perseguidores nemvislumbrar a luz de suas lanternas, sentiu necessidade de lhe

perguntar:— E então, de uma vez por todas, você quer me dizer qual é

a resposta à charada? — ela parou e fez uma expressão grave,explícita pelo franzir do espaço entre as sobrancelhas.

Leonardo saboreou com deleite seu momento de glória.

— Pense um pouco... — disse auto-suficiente. — Ela é

animal, vegetal e mineral, e sob suas asas buscamos proteção... — limpou a voz. — Ela cuida de nós, nos alimenta e nos dá a vida,como uma mãe. Portanto, MARTIS SATURNI não é outra coisasenão MATRIS NATURIS, ou seja, a Mãe da Natureza... a maisbela analogia da Sabedoria, de todas que já ouvi!

Quando as duas chegaram ao corredor das quatro portas, Cláudiae Leonardo já haviam desaparecido.

"Este lugar é extremamente inóspito, mas tambémmaravilhosamente enigmático", pensou Cristina, ao avaliar a salaonde se encontravam.

Para Lilith, ao contrário, pouco importava a descoberta denovas galerias sob o planalto de Gizé. Preferiria, mesmo, ter seencontrado cara a cara com o bibliotecário e o resto dos maçons

para lhes arrancar, depois de um brutal interrogatório, o caminhoque teria de seguir para encontrar a Arca.

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 Agora em vez disso teria que enfrentar a decisão de escolher um dos corredores descendentes, com um detalhe: poderia seequivocar. Era um contratempo inquietante e que estava fora deseus planos. Em vez de inclinar-se por uma das quatro entradas,deixou que a especialista averiguasse qual poderia ser a mais

correta.— Você! — desafiou acremente Cristina, apontando a arma

para sua cabeça. — Diga-me qual é o caminho que temos deseguir.

O rosto pálido e sardento da doutora se tornou ainda maisbranco. Compreendeu que era sua vez. Tinha de jogar suas cartasmuito bem, se não quisesse perder a vida na primeira tentativa.

— Se você me matar, nunca saberá — preveniu-a, com vozbaixa. — Mas se tiver paciência, eu a levarei até o lugar onde seesconde a Arca... — engoliu em seco, para continuar  —...consegue ver essas inscrições sobre as diversas entradas...? — foimostrando uma a uma, com a lanterna. — Creio que fazem partede um código secreto, que, por sua vez, está ligado a essa outrafrase... iluminou o fundo da galeria, onde estavam inscritas umas

palavras em latim.— O que está escrito aí? — Lilith quis saber.

— "Sou animal, vegetal e mineral e sob minhas asasencontrarás proteção."

— E que diabos significa isso?

— Hummm, creio que já li essa frase antes... com certeza! — 

comentou concentrada. — Talvez tenha sido em um velho livro dealquimia.

— É melhor que se lembre! — a assassina de aluguelcomeçava a ficar nervosa.

— Espere, já sei! — eufórica, a criptografa estalou os dedos.— Nicolas Valois, um praticante de necromancia do Renascimento,

falando sobre a pedra filosofal, disse: "Há uma pedra de grandevirtude e é chamada de pedra e não é pedra, e é mineral, vegetal eanimal."

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— Continue... estou ouvindo.

Cristina se esqueceu de Lilith por um instante. Foi de um ladoa outro da sala, iluminando e lendo, um por um, os nomes dosplanetas inscritos nos umbrais de entrada. De vez em quando sedetinha para refletir, mas só por uns segundos. Finalmente,aproximou-se do corredor cujos petróglifos pertenciam aosplanetas Mercúrio e Júpiter.

— É este, tenho certeza! — Levantou o queixo, sem esconder seu orgulho, ao dirigir-se à fria ceifadora de vidas, pois precisava

 julgar por si mesma.

— Antes você tem de me explicar no que se baseou para

fazer essa escolha. Não estou disposta a arriscar.— O mercúrio, segundo os alquimistas medievais, é o

principal ingrediente da pedra filosofal — disse, em tom contido. — E se é correto que os demais planetas também fazem parte doglossário alquímico, Mercúrio é o único que tem asas, embora sejanos pés. Portanto, a entrada de Mercúrio e Júpiter é a melhor opção... — mordiscou ligeiramente o lábio superior e perguntou —

... você não acha?Lilith teve de aceitar essa reflexão, pois o detalhe das asasera decisivo. Rendeu-se diante da competência da criptografia. Seutalento era digno de admiração. Depois, deixando-se levar peladeterminação de Cristina, fez um gesto indicando que ela deveriadescer na frente. Não se tratava, porém, em absoluto, de um ato dedeferência: continuava apontando a arma para a moça.

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Capítulo 47

Estavam, por mais de quinze minutos, descendo pelo corredor eainda não tinham encontrado uma saída. Houve um momento emque Leonardo lhe propôs regressar, admitindo que, talvez,tivessem errado o caminho, mas Cláudia se opôs convencida deque haviam acertado a adivinhação. Entretanto, sua esperança foise diluindo à medida que o tempo passava e mais e mais seafundavam naquela masmorra arrepiante, de infinitos degraus. Aomedo e à incerteza havia que somar o cheiro decrépito exaladopelos muros, um odor rançoso que impregnava todo o ambiente e

as vestes. O calor era sufocante a ponto de fazer com que asroupas aderissem à pele, empapadas de suor. A pressão iaaumentando à medida que as escadas baixavam, pois aqueledeveria ser o ponto crítico do descenso e o ar era quaseirrespirável. De fato, eles estavam convencidos de que, se nãochegassem logo a seu destino, sofreriam um ataque de ansiedade.

Para piorar ainda mais a situação, descobriram, horrorizados,

que a luz das lanternas perdia intensidade. E eles não tinhampilhas para troca.

— Maldição! Jamais pensei que a Arca estivesse escondidano centro da Terra — queixou-se o bibliotecário, desesperadodiante do problema que se aproximava.

— Agora não é o melhor momento para censura — comentouCláudia. — Devemos manter a calma e enfrentar, com integridade,

qualquer contratempo.— Você pretende seguir adiante com isso? — ele replicou,

estava furioso. — Como pode ver, aqui embaixo não há nenhumTrono de Deus...! Foi tudo um equívoco!

— Sinto muito, mas não penso da mesma maneira — elaparecia decepcionada, pois o caráter inconstante do companheiro atirava do sério. — Sei que devemos continuar, é o que me diz o

coração. Por favor... — pediu e pegou a mão dele.— Não me abandone agora, que estamos tão perto!

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Cárdenas respirou profundamente. Ela, como sempre, tinharazão. Voltar atrás não era a melhor alternativa. Então, levado por um impulso incontrolável, ele a enlaçou pela cintura e a atraiu parasi. Antes que a jovem compreendesse o que estava acontecendo, ocompanheiro depositou um leve beijo em sua boca.

— Isto é para o caso de ser a última coisa que faço em minhavida — disse-lhe com ternura.

Cláudia sorriu, satisfeita. Leonardo podia ser encantador quando queria. Como recompensa, foi ela que, com paixão,segurou a cabeça dele para beijá-lo de novo.

— E isto, por confiar em mim — sussurrou ao ouvido dele,

quando seus lábios se separaram depois de alguns instantes.Cárdenas estava prestes a lhe dizer que era a mulher mais

maravilhosa do mundo, quando percebeu que sua lanterna deixarade funcionar. A de Cláudia emitia um brilho alaranjado, sintomainequívoco de que as pilhas estavam a ponto de acabar.Restavam-lhes apenas alguns minutos, antes que ficassemtotalmente às escuras.

— Merda! — resmungou Leonardo, que a duras penasconteve uma blasfêmia. — Sem dúvida, jamais chegaremos até aSala do Trono.

— Será melhor que a gente se apresse... — foi o conselhobem prático de Cláudia. — Pode ser que a gente esteja perto.

Desceram o mais rápido possível, na esperança de encontrar uma saída a tempo. A luminosidade estava perdendo força a um

ritmo acelerado. Mal podiam ver as linhas de seus corpos e, muitomenos, os incontáveis degraus em que pisavam. A situação eracrítica a tal ponto que até Cláudia começou a perder a esperança.O certo é que ambos já estavam apavorados.

E então aconteceu o que mais temiam: a lanterna deixou defuncionar e a escuridão se apoderou do corredor. Estavam presosno meio do nada, cercados pelas trevas de um mundo subterrâneo

milenar, alheio e hostil. Era como se encontrassem às portas doinferno.

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— Vamos nos guiar pelo tato... — a voz do bibliotecário daHiperión soava diferente, com menos segurança.

Ela manteve o silêncio, mas movimentou-se para um lado, atéapoiar-se em um dos úmidos muros de pedra. Com sua outra mão,procurou a de seu parceiro. Juntos e envoltos na penumbra,desceram lentamente os degraus, na expectativa de um verdadeiromilagre.

E foi aí que aconteceu algo incrível, inédito, um fato em quenão conseguiam acreditar até que passassem alguns minutos, por temor de que fosse um sonho do qual acabariam despertando: aspedras lavradas daquela estreita passagem emanavam uma tênueluz dourada, que, pouco a pouco, foi iluminando o caminho.

Movidos pela curiosidade, apalparam o muro para tentar compreender o que estava acontecendo. Sentiram as palmas dasmãos se aquecerem. Era um calor suave, que transmitiaserenidade, uma paz que influía definitivamente em seu alteradoestado anímico. A luz flutuava em ondas encrespadas, que iam evinham, imitando o movimento da respiração. Com um efeito ópticoinsuperável. Era como se estivessem acariciando um enorme ser 

vivo de pedra, com consistência muito particular, pois logo tiverama impressão de que aquela coisa pretendia comunicar-se com eles,através do resplendor.

— Não consigo encontrar uma razão lógica para explicar isso— murmurou Leonardo, sem afastar as mãos da parede. — Mas,seja o que for, salvou a nossa vida!

— Fenômenos como este não se manifestam senão por obrado Grande Arquiteto — disse uma voz conhecida, que vinha devários degraus abaixo.

Cláudia deixou escapar um grito agudo de surpresa, embora,em seguida, se tranqüilizasse ao ver que se tratava de Balkis e dobom Hiram.

— Nós conseguimos Leo! — a espanhola começou a chorar,

tomada pela emoção que lhe provocava estar na presença dosGuardiões.

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— Sim, querida... — Balkis a abraçou com força. — Vocêschegaram até onde muito poucos conseguiram.

— Temíamos por vocês. Por isso nos adiantamos pararecebê-los — disse Hiram. — Sentimos sua angústia, aquiembaixo, e Séphora decidiu que devíamos dar-lhes uma ajuda.

 Assinalou os degraus que desapareciam mais adiante docorredor circular de pedra.

Leonardo estava muito excitado. Tanto, que mal conseguiaexpressar com palavras seus sentimentos e emoções, os quaispareciam contraditórios dentro de sua cabeça. Aspirou o ar viciadoe disse, em voz baixa:

— Jamais acreditei que pudesse dizer isso, mas me alegro aovê-los!

— Falta muito para chegar? — perguntou Cláudia, ansiosapor finalizar o rito de iniciação.

Balkis acariciou o cabelo dela, sorrindo, enquanto respondiasua pergunta lógica.

— Só falta completar o círculo. Faltam poucos degraus...venha! — murmurou, com suavidade. — Eu lhes mostrarei agoramesmo.

 A sobrinha de Riera se deixou levar, descendo os degrausdepois de olhar para Cárdenas em busca de aprovação. Ele lhe fezum gesto de concordância com uma das mãos, seguindo logo atrásdela.

Hiram, porém, o reteve por um instante.— Lembre-se de que a chave da loja é fundamental para subir 

a escada — disse-lhe, com gravidade. — Está em suas mãos enão nas de Cláudia... Utilize-a corretamente. E somente vocêpoderá abrir a porta da Sabedoria e das Artes.

Dito isso, seguiu os passos de Balkis. Leo demorou um poucomais a reagir. Tentava descobrir o que ele queria dizer comaquelas palavras.

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Percorreram juntos o trajeto que os separava da saída, nadamais que uma dezena de degraus. Finalmente, viram uma aberturaarrematada por pedras colossais, formando um semicírculo. Maisadiante, uma luz intensa iluminava a paisagem cavernosa deestalactites, rochas e areia, uma luz que provinha de todas as

partes e que trazia consigo sons celestiais. Uma brisa ligeira ecálida acariciou seus rostos assim que saíram do corredor.

O espetáculo era maravilhoso. Uma gruta quadrada deproporções colossais se abria diante deles, como um maravilhosomundo inexplorado. Devia ter um comprimento aproximado deoitocentos metros, por uns cem de altura. O teto era formado por uma imensidão de rochas, das quais pendiam formações

pontiagudas. O chão, ao contrário, era bastante arenoso, com umaou outra elevação rochosa espalhada pelo terreno.

 Ao fundo da caverna havia um imenso muro de pedras,aprisionado entre toneladas de terra, uma construção de formatoprimitivo, com centenas de sinais inscritos nas paredes de pedra.Teria uns duzentos metros de comprimento e, em seguida, sedividia em duas, formando em ambos os lados um quadrado

incompleto — a quarta face daquela edificação que se elevavacomo um imenso monólito permanecia presa sob muitas toneladasde terra.

Junto à muralha havia um pórtico de fechadura dourada, quesubia à altura do teto rochoso e, junto a ele, a porta por ondeacabavam de sair, que também integrava outra construçãomonolítica de proporções idênticas, percebeu o bibliotecário, deboca aberta, em vista de tantas emoções seguidas.

Eram à base das colunas de entrada do Santuário de Deus eda Sala do Trono: os titânicos alicerces das pirâmides de Quéfren eQuéops: um fenômeno da arquitetura antediluviana destinado apreservar o conhecimento e a ancestral arte da construção ou, oque é a mesma coisa, o espírito da Sabedoria.

— Você não dizia que seguíamos por um bom caminho?

 A pergunta de Lilith era evidente: o corredor terminava em ummuro de pedra calcária, que as impedia de seguir adiante, de

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maneira que sua única alternativa era voltar a subir as escadas etentar a sorte com outra entrada.

— Não entendo... — reconheceu Cristina, confusa epensando em voz alta. Talvez a frase tivesse outro significado ou,quem sabe, a solução estivesse nos próprios petróglifosplanetários. Lilith lamentou o equívoco e o fato de que Cárdenas eos demais lhe escaparam. Calculou que não havia tempo a perder.Devia regressar o quanto antes à câmara das quatro portas eencontrar a correta. E foi o que disse a Cristina.

— Subiremos, novamente — ordenou arisca. — E desta veztente não se enganar, caso contrário eu juro que acabo com você!

Não estava brincando e isso a criptografa sabia muito bem.Teria uma única oportunidade. Devia pensar bem, antes deescolher. Com o amargo sabor do fracasso no paladar,regressaram de onde vieram. Cristina aproveitou o tempo pararefletir sobre o sentido da frase. Teria jurado que a adivinhaçãofazia referência a Mercúrio, embora, obviamente, tivesse sido umerro. Trataria de examinar, em profundidade, cada uma daspalavras. Talvez estivessem trocadas e o enigma se encontrasse

oculto atrás de um anagrama, exemplo típico do hermetismomaçom.

Estava decidida: antes de entrar em outra passagem deveriaestar segura de tudo. A paciência da jovem alemã começava a seesgarçar. Se a companheira não lhe fosse útil, acabaria por assassiná-la. E essa possibilidade não constava do plano deCristina.

Como a descida não tinha sido muito longa, em questão deminutos voltaram à sala de origem. Mas qual não foi a sua surpresaao constatar que o ambiente estava completamente alterado. Emvez de encontrar quatro portas — incluída a que acabavam decruzar  — e o corredor oculto que conduzia à Câmara do Caos,descobriram horrorizadas, que eram oito as passagensdescendentes e que a única saída para o interior da pirâmide havia

desaparecido. E não só isso! Sumira também a frase na parede eas inscrições astronômicas sobre os arcos da entrada. Ali não

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havia nada do que deixaram ao sair. Estavam em uma salatotalmente diferente.

— Que é isso? — perguntou-se Cristina, amedrontada, semconseguir livrar-se do susto.

— Diga-me que não estou sonhando... — falou Lilith, comuma voz serena.

Logo, porém, perdeu o controle e deixou-se levar pela raivaao sentir-se enganada.

— Maldita seja! Diga que não estou vendo o que aí está!

Com um forte safanão, jogou Cristina ao solo. Em seguida,

abaixou o braço que segurava a arma e disparou à queima-roupa,antes que a agredida pudesse esboçar uma só palavra. A bala seestatelou no solo — entre as coxas da doutora, bem perto da

 junção das pernas —, para ricochetear em direção ao teto.

— Falhei de propósito, mas me dê só mais um motivo que dapróxima vez juro que acertarei o alvo — ameaçou, enquanto lheestendia a mão para que levantasse.

— Não, obrigada... — a criptografa declinou a oferta, pegandoa lanterna do chão. — Posso fazer isso sozinha.

Pôs-se em pé sem muito esforço, limpando o pó que aderira àsua calça.

— Preciso ouvi-la dizer que há uma explicação para tudo issoe que você vai me tirar daqui o mais rápido possível — Lilithaguardava uma resposta satisfatória, mas, no fundo, sabia que não

existia uma razão lógica para explicar o fato.— A única coisa a fazer é escolher um desses corredores e

esperar que nos conduza diretamente à Arca.

— E caso não nos leve até lá? — quis saber a assassina dealuguel. — E se estiver bloqueada, como a anterior?

— Voltamos, de novo, até aqui.

— É possível que quando fizermos isso, a câmara tenhamudado de novo e nos devolva à sala principal.

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— É uma possibilidade — admitiu Cristina.

— A outra seria a de nos confrontarmos com uma câmaradiferente.

— Correremos o risco... — franziu a testa e continuou. — Que

outra coisa podemos fazer?Tinha razão, e isso foi o que mais doeu a Lilith: ter de aceitar 

seu fracasso.

Escolheram uma entrada ao acaso, ainda que, na realidade,fosse Lilith quem decidira, finalmente. Desceram por váriosminutos. Contra todos os prognósticos, o corredor não estavabloqueado por nenhum muro e, em pouco tempo, chegaram a uma

outra sala. Nesta havia cinco portas e nenhuma com sinalização oumarcas de pedras lavradas. Havia, porém, um detalhe que asdiferenciava do resto: os degraus subiam, em vez de descer.

— Isto é coisa de loucos! — exclamou Cristina, jogando oscabelos para trás com ambas as mãos, em um ato reflexo.

Lilith percorreu o ambiente a passos largos, com o rostotransfigurado pela raiva e pelo desespero. Resmungou algumasmaldições em alemão e aliviou a raiva que sentia chutando asparedes de pedra, aqui e ali. Fez, inclusive, alguns disparos para oar que ressoaram, a seus ouvidos, como trovões no silêncio danoite.

— Vamos regressar — gritou, à beira de um ataque histérico.— Voltemos antes que eu perca o juízo!

Subiram de novo as escadarias por aonde vieram,transtornadas diante da idéia de permanecerem presas parasempre naquele labirinto de corredores subterrâneos. Mas odestino lhes reservava uma nova surpresa: se depararam com umnovo muro, surgido por arte de magia, e que as impedia decontinuar. Apavoradas, não tiveram outra saída senão descer novamente. Ao fazê-lo, encontraram outro ambiente com apenasdois corredores: um descendente, outro ascendente. A situação

estava ficando ainda mais surrealista.Com uma sensação de abandono e impotência, Cristina

apoiou as costas na parede, deslizando lentamente até o solo.

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Olhou languidamente para Lilith, que estava tão pálida como umviciado em plena síndrome de abstinência.

— Jamais sairemos daqui — sentenciou a criptografa, em tomacentuadamente fúnebre.

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Capítulo 48

 A porta do templo estava aberta e dela surgia um esplendor queparecia nascer do centro da Terra. Boquiabertos e encantados,Leonardo Cárdenas e sua companheira cruzaram o umbral, juntoaos Custódios. As linhas arquitetônicas interiores eram totalmenteidênticas às das catedrais construídas no Renascimento.

Havia uma nave principal — ladeada por arcos formais,alinhados com precisão de ambos os lados das galerias — que, por sua vez, era atravessada por outra, transversal, localizada além docruzeiro. Ao fundo, entre o conjunto de naves que circundavam o

que seria o altar central e o presbitério, em vez do próprio altar puderam ver uma plataforma escalonada de pedra, com uma baseretangular no ponto mais alto. Sobre ela, como uma alegoria à suaprópria imortalidade, havia uma arca da cor do Sol, ondedescansavam as figuras esculpidas de dois anjos. Eles estendiamsuas asas até que se tocassem, nas pontas, formando um triânguloperfeito, bem como uma base confortável. Na realidade, mais do

que uma arca, parecia um trono celestial para duas pessoas.Eles entraram, emocionados, na nave central, admirando a

iconografia pagã esculpida sobre as arcadas: efígies de gárgulas,demônios e animais mitológicos, tais como unicórnios, grifos,quimeras e esfinges. Por mais que a luz intensa que emanava da

 Arca iluminasse aquele prodígio da arquitetura, as paredes ecolunas mantinham-se com aquela cor escurecida que confere aterra e à umidade a passagem dos anos. O teto e a abóbadaperdiam-se nas alturas daquele colosso de pedra que diminuía oser humano a ponto de convertê-lo em uma insignificante partículade pó.

Leonardo permanecia pasmado. Aquele lugar lhe provocavacalafrios. Era como estar vivendo um pesadelo, daqueles em quelogo surgiriam horripilantes espectros da escuridão, seres doinferno dispostos a devorar seu corpo e escravizar sua alma por 

toda a eternidade. Por outro lado, sentia o bem-estar que lheinspirava a presença daquela relíquia, cuja antiguidade realmentese perdia na memória do tempo. As emoções se misturavam. O

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sentimento deu lugar à incerteza que provoca o inexplicável e,depois, o pensamento caiu nas redes da loucura e do irracional. Aúltima coisa que ele esperava é que Deus se refugiasse nosinfernos.

Balkis sussurrou algumas palavras em seu ouvido. Rogavaque fizesse silêncio. Então, Hiram colocou-se entre ele e Cláudia,pegando suas mãos, à esquerda e a direita, para uni-las como sefossem uma só. Imediatamente, ouviu-se uma voz distante, quevinha de todas as direções, e cujas palavras se confundiam com osacordes de uma melodia celestial. A voz lhes disse, em segredo,que as pedras encerravam as almas dos homens que morreramdepois de haver adquirido o dom de Deus, e que todas elas eram

em si mesmas, parte da sabedoria criadora do Universo.Igualmente, lhes confessou que as pedras estavam vivas, assimcomo o reino animal e vegetal, mas que o homem estava morto eque, enquanto não assumisse as leis do conhecimento de seupróprio espírito, vagaria perdido sobre a Terra.

 A voz deixou de ser ouvida quando eles se detiveram dianteda escada. Ao vê-la assim de perto, Cláudia e Leonardo

perceberam que o metal que recobria a Arca não era ouro, masuma liga de metal totalmente desconhecida. O esplendor queemitia oscilava de um lugar para outro, expandindo-se, para, emseguida, retrair-se. Flutuava de maneira aleatória, como as pedrasfosforescentes tio último trecho do corredor.

— Chama-se Electrum, também denominado Orocalcum, e éo metal perdido das antigas civilizações — explicou Balkis às suascostas, respondendo perguntas internas de ambos, ainda nãoexplicitadas. — Seus átomos são capazes de transmitir a energiaprimordial liberada após o parto do Universo. O Trono lhe mostraráos mistérios de Deus, para que você possa selar sua aliança com aSabedoria. Venha, não tenha medo! Enfrente suas fraquezas.

Cárdenas ouvia as indicações da Viúva fragmento por fragmento, em lapsos. Era como se seu corpo estivesse em transeou estivesse entorpecido por alguma droga. Seus movimentoseram mecânicos e lentos, semelhantes aos de um robôprogramado para obedecer. Viu Cláudia no outro extremo daescada, justamente no lado que dava para o conjunto de naves que

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circundavam o altar principal. Observou, ainda, que em cada umdos alvos e polidos degraus estava escrito o símbolo astronômicodos planetas alquímicos — o mesmo que haviam encontrado nopedestal sob a capela dos Velez.

Os pés de sua companheira subiram até colocar-se noprimeiro degrau, o que representava o astro rei. Leonardo fez omesmo e, na mesma hora, tudo o que estava ao seu redor desapareceu. Já não estava mais no que fora o templo da cidadeperdida de Enoque, mas na casa de seus pais e era o dia de seudécimo segundo aniversário.

"Os convidados acabavam de chegar  — a maioria de seusamigos de colégio, acompanhados de seus pais. Leonardo estava

aborrecido com sua mãe, porque ela só havia providenciado umbolo e não dois como ele desejava. Por isso é que seu corpo nãoperdia nenhum dos sessenta quilos de peso, algo demasiado paraum menino de sua idade. Mas ele não podia evitar; comer era umade suas diversões favoritas. Não estava nem aí para suaobesidade.

Como resultado pela negação de adquirir os dois bolos, ele

decidiu empanturrar-se de sanduíches e refrigerantes. Aquilo,porém, não o satisfez, de maneira que comeu mais meia dezenade docinhos de creme. E quando chegou a hora do bolo, disputou opedaço maior com um dos garotos convidados. Sua mãe teve depedir desculpas, como sempre, a cada vez que o filho se deixavalevar por seu insaciável apetite.

Naquela ocasião, porém, depois que a festa acabou ele se

sentiu indisposto. Seu estômago não suportou tamanha quantidadede comida e acabou vomitando tudo o que havia ingerido. Umaparada no sistema digestivo obrigou seus pais a levá-lo ao hospitalmais próximo. Recordou ter estado à beira da morte e de ter juradonunca mais comer daquela maneira. Foi assim que venceu opecado da gula.

O bibliotecário retornou à Sala do Trono. A visão de um

momento de sua infância desencadeou, nele, um grave problemaemocional. Seus sentimentos estavam agora à flor da pele. Sentia-se tão indefeso como quando era um menininho introvertido, que

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aliviava sua ansiedade comendo sem parar. Sua própria vida lheparecia patética.

Cláudia subiu outro degrau e o pé de Leonardo movimentou-se da mesma forma. Pareciam que os movimentos de ambosestavam sincronizados.

 Agora vinha a fase da escada representada pela Lua.

"Fazia calor, talvez demais. Dormia a sesta deitado no sofá dacasa, esperando que a noite chegasse para ir à praia com osamigos. Naquele verão, ele estava completando dezoito anos deidade e havia tirado notas excelentes no exame de seleção — duasrazões de peso para fazer das férias um período repousante, de

cura. Não havia nada melhor do que passar os diasvagabundeando.

 Alguém tocou a campainha da porta. Leonardo estavasozinho em casa, pois seus pais saíram havia cerca de uns dezminutos. Assim, decidiu ignorar o visitante inoportuno, porquelevantar-se do sofá seria um esforço inútil que perturbaria seudescanso. A campainha tocou de novo... e de novo, depois de uma

longa pausa. Leo, por sua vez, foi desleixado, permitindo que apessoa fosse embora depois de esperar bastante. Não seimportou, em absoluto. Pensou que poderia ter sido uma vizinhaquerendo algum conselho de sua mãe ou, pior ainda, um vendedor de enciclopédias.

No dia seguinte, ficou sabendo, precisamente por um dosvizinhos, que o representante de uma famosa marca de fumoestivera ali distribuindo aos proprietários do edifício alguns cuponspara um sorteio milionário. A ironia, no caso, foi que depois derealizado o sorteio, o ganhador foi o contador que morava na portaao lado. Pelo visto, na tarde anterior, a pessoa que tocara acampainha, sem encontrar ninguém que atendesse à porta dosCárdenas, entregou o cupom nas mãos de seu vizinho, queembolsou a substancial quantia de dez milhões de antigas pesetas.

 A impotência e a raiva que Leonardo sentiu naquele dia

fizeram com que visse a vida de outra maneira. Jamais, desdeaquele fato, voltou a sucumbir ao enganador encanto da preguiça.

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Voltar ao presente lhe custou um esforço comparável aodespertar de um belo sonho. Sentiu um nó na garganta. Fazer exame de consciência não era uma tarefa agradável, e era dissoque se tratava, na realidade. A escada era o meio que Deus criarapara livrar o homem dos pecados, através da recordação.

Primeiro a gula, depois a preguiça. Apostou sua vida de que,logo teria de se confrontar com outro dos pecados capitais. Cláudiae ele subiram, juntos um novo degrau. Tratava-se de Mercúrio, oantigo deus do comércio.

Na noite em que Bruno Ayala, um de seus melhores amigos,se casou, foram jantar em um luxuoso restaurante situado emManga Del Mar Menor, muito próximo do Cabo Roig. Depois da

cerimônia e do banquete, os noivos quiseram surpreender seusconvidados levando-os a tomar uns drinques no cassino. E para láse foram todos, muito estimulados por saber que um matrimôniotrazia boa sorte, e, assim, esperando que aquela fosse a sua noite,na esperança de ganhar algum dinheiro jogando em várias mesasde apostas.

Leonardo estava eufórico e totalmente descontrolado, devido

ao vinho da ceia e ao espumante da sobremesa. Em companhia deCarmelo, um destrambelhado – protótipo de filhinho de papai – queacabara de conhecer na ocasião, foi em busca de emoções fortesque o fizeram recordar que continuava vivo, apesar dos examesfinais de graduação e de uma grosseria que lhe fizera Mônica, asua namorada na época. Aproximaram-se da roleta, onde os gritosenlouquecidos de uma inglesa, mais enrugada que uma casca denoz, atraíam a atenção de quem quer que passasse por ali.

Carmelo o incitou a jogar uma mão, sem ter de insistir.Disposto a tudo, apostou todo o dinheiro que tinha em um sónúmero: o 18 preto. O croupier lançou a bolinha, que giroualucinadamente ao redor da roleta. Afortunadamente, caiu naescolhida por Leonardo e isso fez com que se sentisse bem, cheiode si e disposto a engolir o mundo. Como havia apostado alto, osganhos foram consideráveis. Então, impelido pela cobiça, decidiuapostar tudo o que ganhara no mesmo número; nem sequer ouviua advertência do amigo, que tentou preveni-lo sobre as reduzidaspossibilidades que teria de voltar a ganhar.

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 Apesar de tudo, seguiu adiante. Precisava acreditar em ummilagre. A bola tinha de cair no mesmo casulo, para que pudessezombar de todos os presentes. E se isso acontecesse, ele voltariaa repetir a jogada e, assim, sucessivamente, até que quebrasse abanca. Em sua mente alcoolizada não cabia outra idéia senão a de

ganhar todo o dinheiro que fosse possível. A magia se desvaneceu quando a bolinha parou no 22

branco. Sua avareza foi à culpada de que fizesse aquele papelridículo diante dos demais jogadores. Além de tudo, perdeu umapequena fortuna.

 Abriu os olhos. Estava de novo na sala, a quase meiocaminho do Trono. Algo em seu interior começava a se fragmentar 

em distintas porções de consciência: sua alma se diluía como umpunhado de areia na beira do mar, como se seu próprio ser escapasse de seus dedos.

Tratou de retomar seus pensamentos, antes que acabasseesquecendo de que foi homem, uma vez. Mas... quem eraLeonardo Cárdenas, na realidade? Por acaso seria um conjunto deamargas experiências capaz de afastá-lo, cada vez mais, de uma

felicidade que lhe pertencia por direito, ou talvez fosse alguém queacreditava ter o controle de sua própria vida?

Sua única certeza é a de que estava a mais de cem metrosabaixo da terra, em uma cidade subterrânea cuja origem se perdianos anais da história... E também que Cláudia se preparava parasubir até o quarto degrau, o governado por Vênus, a deusa doamor e da luxúria.

"Estava havia apenas uma semana na capital e já conseguiratrabalho em uma casa de leilões de livros antigos. Decidiu celebrar o feito em grande estilo, mas logo lembrou que não conhecianinguém em Madri, e a possibilidade de tomar alguns tragos,sozinho não o atraía muito. Sentia-se frustrado, embora, nem por isso, tenha desistido da agradável idéia de saborear um gim-tônica.

 Assim, plantou-se na uisqueria no térreo do edifício onde vivia

disposto a conceder-se uma bela farra.Depois do primeiro copo, já começou a dar em cima da bela

atendente com sotaque sul-americano. Na terceira, seu humor 

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havia passado de divertido a vulgar, e suas insinuações eram cadavez mais diretas e ofensivas. O olhar penetrante do segurança,aliado a bons conselhos de outros clientes, acabaram com seuânimo e ele não teve outra saída senão ir embora, a contragosto.Mas não conseguiram fazer com que desaparecesse aquele calor 

interno que começou a sentir em seu ventre quando, sem querer,vislumbrou, pelo decote da moça, parte de seus generosos seios,quando ela se abaixou para pegar uma garrafa sob o balcão.Sentiu a fisgada do desejo.

Então, movido pela acachapante necessidade de passar anoite em companhia feminina, arrastou-se até um bordel nascercanias. Ali, deu vazão à sua luxúria, em um desesperado ato de

amor carnal, não com uma, mas com duas principiantes naquelemercado do sexo, duas jovens e belas ucranianas que mal haviamchegado aos dezoito anos de idade, com pele de marfim,provavelmente obrigadas a prostituir-se pelos mafiosos de seupaís.

Na noite em que Leonardo abandonou o bordel, não apenashavia perdido quinhentos euros, como também parte de sua

decência e dignidade.Voltou a sentir que lhe faltava o ar. A experiência não o

deixara indiferente, ao contrário, e pior, sentia-se culpado eterrivelmente envergonhado de sua atitude. O arrependimentochegava tarde demais, razão pela qual esteve a ponto de gritar seunovo desgosto e sua raiva. Não obstante, algo o deteve e nãosoube se foi à voz de sua consciência ou o fato de ver que Cláudiacolocava um de seus pés no degrau de Marte.

"Era a primeira vez que sua mãe o levava ao colégio. Narealidade, tratava-se de um jardim de infância que havia perto desua casa. Leonardo estava mal humorado, porque não queriadeixar o ambiente familiar que tanta segurança lhe oferecera atéagora, mesmo que tivessem prometido vir buscá-lo no final damanhã. Afinal, não era mais que um menininho de quatro anos deidade e que odiava separar-se da mãe. O fato de seu pai obrigá-loa ir, com o pretexto de que era a única maneira de tornar-se umhomem, não fez senão aumentar seu ódio por tudo o querepresentava a docência.

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Ele foi levado à força e chorou desconsoladamente quandoviu sua mãe ir embora, deixando-o nas mãos de uma velha vestidade preto, chamada Soledad, e que era o retrato vivo da bruxa doscontos de fadas. Seu único consolo foi ver os rostos inocentes einquietos de seus colegas de classe. Para eles, aquele também era

o primeiro dia.Chegou a hora do recreio e Leonardo saiu ao pátio com o

propósito de comer, sozinho, o sanduíche que haviam preparadopara ele antes de sair de casa. Sentou-se em um banco de pedra,

 junto a um enorme eucalipto. Ali, distante dos olhares dos outrosmeninos, deixou que sua mente o levasse de volta ao seu lar, deonde nunca deveriam tê-lo tirado.

Estava tão absorto em seus pensamentos, que não viuquando um dos alunos chegou às suas costas e lhe arrebatou arefeição. Leonardo levantou os olhos e deparou-se com um meninovestido de calça curta e cujas pálpebras e olheiras pareciamlevemente arroxeadas. Este o observava com certa determinação,em silêncio — nem sequer pestanejava. Pediu a ele, por favor, quelhe devolvesse o lanche, mas o garoto continuava observando-o,

como se não tivesse ouvido. Voltou a pedir, mas foi inútil. Ouestava surdo ou zombava dele. A atitude o enfureceu. Não estavadisposto a se deixar humilhar logo no primeiro dia e menos aindapor um paspalhão esquálido, com cara de ratinho.

 Avançou nele, levado pela ira, grudando suas pequenas mãosno pescoço daquele desgraçado. Apertou com força. As maçãs dorosto do outro empalideceram imediatamente. Leonardo estava tãoassustado, que só lhe ocorreu pressionar ainda mais a garganta domenino. Então, viu como a boca de sua vítima se abriu e delasurgiu uma língua inchada e escurecida, o que o assustou. Soltou-o no momento certo, segundos antes que fosse tarde demais.

 A professora o castigou severamente quando soube o queaconteceu, mas o que mais lhe doeu foi saber, quando lheexplicaram, que o colega que ele agredira, sofria de uma doençarara, que o impedia de se comunicar com os outros. Era autista.

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―A partir daquele instante, Leonardo manifestaria umcomplexo de culpa que haveria de acompanhá-lo pelo resto davida.‖ 

 Aquilo foi um duro golpe para sua consciência. Jamaispoderia pensar que sua alma fosse tão violenta, mas ao dar umaolhada para trás, percebeu que sua vida estava repleta deequívocos. Tentou chorar, mas não conseguiu. Quis pedir perdão aquem havia ofendido ou maltratado, mas a voz ficou presa em suaressequida garganta.

Olhou para cima. Tinha a resposta às suas súplicas a poucosdegraus da plataforma. O resplendor da Arca flutuava, ainda, emdiversas direções, como um mar dourado no interior de um tanque

de vidro. Colocou um dos pés no penúltimo degrau, o de Júpiter.Cláudia subiu com ele.

"Faltava apenas um mês para que Leonardo fizesse aPrimeira Comunhão e seus pais não haviam decidido, ainda, qualseria a roupa do menino para a ocasião. Para que ele estivesse deacordo, levaram-no a grandes lojas, com a intenção de queescolhesse o que mais gostasse.

Passaram a tarde toda percorrendo sessões dedicadas àdata, sem encontrar um traje que fosse de seu agrado. Depois deprovar muitos conjuntos — sobretudo de marinheiro, que era modana época — viram um bastante adequado e cujo preço estava aoalcance das economias de seus pais. Enquanto eles conversavamcom o vendedor a forma de pagamento, Leonardo ficou vagandoentre as araras onde estavam expostos os trajes e manequins de

meninos perfeitamente vestidos para a Primeira Comunhão.Parou ao escutar uma voz conhecida atrás do provador. Era

Jaime, o garoto dos Trueba, a família mais altiva, abastada e declasse mais alta do bairro. Na escola, todos conheciam Jaime eseu estilo particular. Sempre havia sido o primeiro em tudo, desdelançar a moda das bolinhas de gude de vidro branco a usar calças

 jeans. Era um mauricinho nojento, mas, mesmo assim, Leonardo

tinha inveja dele.Pelo visto, havia teimado em ter uma roupa de estilo militar,

exclusiva e muito cara, para fazer sua Primeira Comunhão. O pai

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transcorrido alguns segundos. "A vida é breve", costuma-se dizer.E agora Cárdenas sabia por quê.

Seu olhar cruzou com o de Cláudia, que inclinou a cabeça,submissa. Queria lhe dizer algo, com aquele gesto, talvez adverti-lode que o último degrau tinha de ser galgado com humildade, razãopela qual ele adotou uma atitude mais reverente e singela, olhandopara baixo, como sua companheira.

O que os aguardava era o mais perigoso de todos os degraus:Saturno, símbolo primordial da porta das trevas — para osalquimistas —, pela qual deve passar o homem para nascer denovo, na luz de Deus.

"Leonardo chegou ao hospital minutos depois de receber anotícia: seu pai havia sofrido uma ameaça de infarto e estavainternado na Unidade de Tratamento Intensivo. É bem verdade queeles não se falavam desde que o jovem decidira estudar biblioteconomia — e não medicina, como seu genitor desejava —,mas dois anos parecia tempo demais para continuar com a briga.

 Assim, pensou, melhor seria esquecer tudo e ajudá-lo. Naquelesmomentos tão delicados, seu pai precisava do carinho de toda a

família.Falou com sua mãe, na sala de espera, que estava

acompanhada de sua tia Berta e de uma amiga de confiança.Beijou-a na bochecha, dizendo em seu ouvido que faria todo opossível para resolver as diferenças com seu pai, para que ficassetranqüilo, pois em seu estado a última coisa que necessitava erasofrer um desgosto. Em seguida, foi atrás do médico. Precisava

saber qual era a situação em curso.Depois de falar com o especialista, permitiram que fosse ver o

pai uns minutos, antes que realizassem um novo eletro. Deixaram-nos a sós, não sem antes adverti-lo do estado do doente. O olhar de Leonardo foi do tubo de soro, que pendia, gotejando, do suporteacima da cama, até a agulha enfiada na veia da mão, e teve penadele. Começaram a falar de coisas sem importância, já que ambos

tinham dificuldade em entabular uma conversa, depois de doisanos sem falar um com o outro. Primeiramente, Leonardo seinteressou pela saúde dele. Mais tarde, seu pai lhe perguntou se

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vivia bem com o dinheiro que sua mãe lhe enviava todos os mesese se estava aproveitando bem os estudos. Não gostou da maneiracomo ele disse isso. Pensou que jogava em sua cara que oestivesse sustentando e de ter rejeitado a oportunidade de estudar uma carreira de futuro, coisas que o irritaram bastante. Tinha seu

orgulho e sua vida não era pior que a de seu pai.Leonardo conhecia de memória aquela cena. Naquele

momento, levado pela soberba, disse ao pai que ele era somenteum pobre contador que trabalhava havia vinte anos na mesmaempresa e que suas aspirações de ser alguém na vida morreriamcom ele, no dia de sua aposentadoria. Falou, também, queguardasse sua esmola, pois ele passaria a trabalhar nos fins de

semana para custear seus estudos. Lembrou que fora embora dohospital sem sequer se despedir de sua mãe e sem pedir perdão aseu pai.

Jamais teve a oportunidade de fazê-lo. Morreu poucos diasdepois.

Foi isso o que aconteceu, então. Sem dúvida, a seu ver,Leonardo vacilou entre responder ou não. Viveu essa fração de

segundo como se fosse eterna. Teve tempo de refletir, de pensar em tudo o que queria dizer a ele. Uma parte de si estava disposta amagoar o pai, expondo sua frustração, a que carregava desde ainfância; a outra o aconselhava, sabiamente, a não abrir a boca.

Sua luta interna já durava muito tempo e ele teria de dizer algo.

Foi quando se lembrou da senha da loja, incentivando oneófito a permanecer em silêncio. Recordou, também, as últimasfrases do compêndio filosófico escrito por Fulcanelli, no qual sepedia ao discípulo que fosse fiel a seu voto de silêncio. 'CALAR':assim terminava O Mistério das Catedrais. Seria uma advertência?

Leonardo teve uma nova oportunidade de mudar o passado ea aproveitou. Olhou seu pai nos olhos e, embora lhe custasse umimenso esforço reprimir-se, decidiu calar por respeito, engolindo

seu orgulho.

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Estava de novo no Salão do Trono, no sétimo degrau daescada. Haviam conseguido. Derrotar a soberba era a última dasprovas que deveriam superar e, talvez, a mais arriscada eturbulenta. Vencer o orgulho significa triunfar sobre o resto dospecados, já que não havia ofensa que alguém fizesse aos demais

ou a si da qual não participasse a soberba. Ao guardar silêncio,havia usado a chave da loja, convertendo-se em um verdadeiromaçom, em um homem livre. Conseguira redimir-se.

Diante dele estava Cláudia e entre ambos, a Arca. Aproximaram-se dela com certo temor, dando-se as mãos paratransmitir segurança um ao outro. E então, na certeza de estar prestes a viver uma experiência sem paralelo na história do ser 

humano, sentaram no Trono de Deus.Quando alguém reflete, mergulhando na inconsciência da

obscuridade e do silêncio, se defronta com as criaturas de seuspróprios pesadelos.

Lilith e Cristina haviam perdido toda a esperança de sair com vidadaquele labirinto subterrâneo. As lanternas tinham apagado havia

várias horas. Sua única esperança era que Leonardo e seu grupotivessem pena delas e viessem resgatá-las, mas nem sequer estavam certas de que soubessem realmente onde elas seencontravam. Tentaram tudo, desde gritar à exaustão, até penetrar às cegas pelos diversos corredores em busca de uma saída,embora parecesse impossível escapar daquele labirinto. Dando-sepor vencidas, decidiram sentar-se no chão da última sala a quetiveram acesso, com o soturno pensamento de morrer com

dignidade.— Só há uma maneira de sair daqui.

 A voz de Lilith ecoou na escuridão da câmara, como umasentença. Cristina, que estava prestes a derramar-se em pranto edesespero, mal tinha forças para falar, mas recobrou um pouco oânimo, acreditando que a outra poderia estar certa.

— Se é verdade... como é possível que ainda estejamosaqui?

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 A criptografa podia escutar a entrecortada respiração de suacompanheira ao lado.

— O problema é esse: ficamos obcecadas pensando apenasque estamos presas, quando, na realidade, tudo é circunstancial.

 A resposta de Lilith fez com que a outra mergulhasse aindamais no desespero. Aquela desequilibrada terminouenlouquecendo de vez. Não tinha a menor dúvida que, em vez deneurônios, camundongos corriam pelo cérebro daquela mulher eestranhou que alguém assim, com um coeficiente intelectual tãobaixo, tivesse sido capaz de desbaratar seus planos de dominaçãoe de eliminar três agentes especiais treinados pela Agência deSegurança Nacional dos Estados Unidos.

Não levou em conta a imensa carreira criminal dela e este foi,precisamente, o seu maior erro.

— Pegue... já não preciso mais dela... — apalpando o espaço,na escuridão, Lilith pegou a mão de Cristina e lhe entregou suaarma. — Não há vencedor nem vencido. E a verdade, se temos demorrer, é que não exista diferença entre nós.

Cristina segurou a pistola, sem entender muito bem a razãodaquele gesto surpreendente.

— E o que faço com isso?

Sentiu muito próximo o hálito de Lilith, que chegou perto aponto de colar seus lábios no lóbulo da orelha da outra.

— Que tal enfiar no cu? — Depois da abrupta e inesperada

resposta, Lilith começou a rir como uma desvairada. Em seguida,disse, em voz baixa:

— Vamos começar um jogo chamado sobrevivência. Eutentarei assassiná-la e você terá de evitar.

 Antes que Cristina conseguisse avaliar o que ela queria dizer,as mãos da alemã grudaram em seu pescoço, que ela começou aapertar com todas as suas forças. A primeira reação da agredida

foi tentar libertar-se, segurando os dedos que oprimiam suagarganta, mas a pistola impediu-a de fazer a manobra correta.

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Naquele momento é que se lembrou de estar armada, ou seja, emcondições de se defender.

Sorriu, satisfeita, diante do suposto erro de Lilith, antes decolocar a arma no estômago de sua agressora e apertar o gatilho.O brutal impacto fez com que a jovem desse um tranco para trás.

Houve segundos de silêncio, durante os quais só era possívelperceber o cheiro de pólvora queimada, além dos gemidosentrecortados da moribunda.

— Isso... isso foi muito bom... sua pequena idiota — ouviu-seuma voz trêmula, em meio ao nada... era a de Lilith. — Vocêacredita que me fodeu? Pois está muito enganada... Eu é que fodi

você...Deixou escapar um gemido de dor, mas continuou falando,

apesar de lhe custar muito esforço:

— E sabe por quê? Simplesmente, porque fez o que eu jamais conseguiria fazer... Porque é muito duro disparar contra simesma. Sabe o que mais? Você não terá esse problema...

— O que você quer dizer com isso? — perguntou Cristina,que ainda não havia se recomposto da agressão.

— Querida... essa era a última bala... a que eu estavaguardando para mim... — soltou uma breve gargalhada, queacabou em um lamento de dor: tinha parte dos intestinos fora dabarriga e os segurava fortemente com ambas as mãos.

— Você, ao contrário, sofrerá o tormento da sede e da fome...

e isso é terrível, acredite... Saber que estou condenando você aopior dos suplícios é um prazer que me provoca um maravilhosoorgasmo... um prazer que espero que você desfrute tanto quantoeu.

Em nenhum momento Cristina havia pensado em suicidar-se,mas saber que perdera sua única oportunidade de acabar com osofrimento aumentou sua cólera. E então, impelida pela raiva,

arrastou-se até onde pôde para tocar o corpo dela com os dedos.Movida por uma fúria brutal, golpeou a cabeça de Lilith com aculatra da pistola. Em poucos segundos, ela parou de respirar.

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Consumada sua vingança, a criptografa gritoudesesperadamente, diante da perspectiva de morrer lentamente.Gritou e praguejou desesperada até se esgoelar, sabendo que seudestino era inevitável. Mas ali embaixo, tão perto do inferno,ninguém podia ouvir suas lamentações e blasfêmias.

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Capítulo 49

E ali estava, diante dos dois, a Sabedoria personificada: a ilustre eetérea imagem de uma mulher vestida com uma túnica escarlate eum manto azul-celeste, uma criatura de rosto angelical e belezaincomensurável, nascida da esperança do homem. Levitava aalguns metros do solo, na metade da sala, e uma brisa leve faziaondular suas ricas vestes. De seus cabelos se desprendia uma luzcálida, branca como a neve. Seus olhos tinham a cor do céu, demanhã. Seu corpo era translúcido, tal como um holograma:podiam-se ver, através dela, as enormes colunas erguidas na

entrada do templo. E sorria para eles com tal doçura, que nenhumdos dois pôde evitar que o pranto fluísse de seus olhos. Era o ser mais lindo que poderia existir sobre a Terra. Basta estar em suapresença para usufruir de um incrível sentimento de paz e bem-estar.

Logo, começaram a ouvir uma doce melodia que vinha detodas as partes. Hipnótica, dividia-se em outras, compostas de tons

harmônicos. A música era viva e os harpejos se convertiam empequenas fadas que se movimentavam pelo espaço infinito,sussurrando fórmulas matemáticas de ritmos perfeitos. Uma chuvairidescente de corpúsculos dourados caíra sobre a imaculada figurade mulher.

Então, ouviu-se uma voz suave, aveludada, que mais pareciao canto de um anjo às portas do céu. E a mulher perguntou:

— Quem sou eu?Leonardo olhou ao seu redor, esperando que alguém

respondesse, mas estava sozinho na Câmara do Trono. Cláudia eos guardiões haviam desaparecido. Compreendeu que estava emoutro plano da realidade e que se tratava de uma prova quesomente ele deveria enfrentar ninguém mais. Teria que decifrar uma segunda charada para alcançar os conhecimentos ocultos da

loja e herdar o nome de Hiram Abif. Basta responder corretamente. Arriscou a resposta que lhe parecia mais razoável.

— És a Sabedoria.

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O espírito da mulher se agitou e em seus olhos ele descobriuo desconsolo e a consternação. Pensou que havia se equivocado.Era óbvio, pela reação daquele ser etéreo.

Ela insistiu pela segunda vez.

— Quem sou eu?Muito mais cuidadoso, o bibliotecário refletiu alguns minutos.

Não queria errar novamente. Estava indeciso entre a Mão daNatureza e a Virgem Maria, em razão de seu aspecto  – asinformações que tinha sobre as aparições marianas indicavam isso.Mas, na verdade, nenhuma das duas opções lhe inspirava totalconfiança. Intuiu que a pergunta tinha um duplo sentido. Havia algo

mais, um sutil detalhe oculto por trás das palavras, um segredo tãoevidente que jamais poderia vê-lo, ainda que estivesse bem à suafrente.

 Ainda assim, apostou em uma das respostas que tomavamconta de seu cérebro  – a que, na realidade, o havia conduzido atéali.

— És a Mãe da Natureza.

 A mulher voltou a se entristecer e quase se volatizou emmilhares de fragmentos luminosos. Cárdenas, apavorado, rogoupela permanência dela na sala, murmurando uma oração.Desejava ter uma nova oportunidade, mesmo que fosse a última. Eparecia que alguém ouvira sua prece, pois a mulher falou pelaterceira vez.

— Quem sou eu?

Procurou relaxar. Estava tenso demais para pensar comclareza. Continuar no Trono dependia da resposta, isso ele jáassimilara, mas ignorava como aquilo tudo iria repercutir em suarelação com Cláudia. Tinha medo de perdê-la para sempre. Temiaque lhe acontecesse o mesmo que a Salvador Riera. Perder Cláudia não cabia no pacto formalizado com Balkis, ainda quefosse tarde demais para voltar atrás. Deveria superar a prova ao

preço que fosse e recuperar sua vida anterior.Vasculhou o cérebro, na tentativa de encontrar uma solução

para o enigma. Retomou a idéia de que o rito de iniciação

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encerrava um segredo e que as palavras deveriam ter outrosignificado. Era igual a uma daquelas perguntas capciosas, cujaresposta já está implícita de antemão. E a questão era: quemdeveria responder, ele mesmo ou a mulher? A indagadora poderialançar a dúvida a ambos.

"Quem sou eu?"

Seria, por acaso, um novo exame de consciência?

Leonardo contemplou, arrebatado, a beleza sem igualdaquele rosto que lhe parecia tão familiar quanto edificante. Ela,por sua vez, observava com expectativa, aguardando que pudessereconhecê-la entre as demais divindades sacras e pagãs. E

naquele momento lembrou onde estava e o que tinha ido fazer. Aquela câmara, mutilada pelo tempo, mas valorizada graças àsoberba arquitetura, era um lugar de culto, onde um punhado dehomens guardava o modo de se comunicar com Deus. Eraestranho o fato de ter tido contato com Ele, depois de superar aprova da escada. E esse era um detalhe de crucial importância.

Sem saber como, lhe veio à memória do fundamento

primordial do sufismo — Riera tinha mencionado que Hiramprofessava essa religião — e também recordou um poema deHusayn al-Hallâqq, mestre sufi que tomou Jesus Cristo comomodelo e que, à semelhança do Messias, foi crucificado por blasfêmia e por querer comparar-se a Deus. O poema dizia:

"Eu, que vi meu Senhor com o olho do coração, pergunto aEle:

Quem sois vós? E ele me responde: Tu!"Uma sensação febril e perturbadora atiçou seu desejo de

responder e resgatou a voz de sua masmorra de silêncio. Aspalavras se amontoavam em sua garganta. E, finalmente, depoisde aceitar a resposta do filósofo, respondeu à pergunta formuladapor aquela criatura caída do céu.

— Vós sois eu, meu Senhor... E sois meu Deus.

 A mulher sorriu complacente. Era a resposta que ansiavaescutar. A doce melodia de antes voltou e, com ela, a luz. Aspedras dos muros se iluminaram até adquirir a força majestática do

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Sol, recobrando a vida das escuras inscrições lavradas na rochadurante milênios: milhares de fórmulas alquímicas e equaçõesdivinas, intercaladas com números mágicos e caracteresgramaticais, que seu cérebro foi assimilando como um imensocomputador. As garatujas hieroglíficas abandonaram seu claustro

de pedra para reagrupar-se ao redor de um universo de planetasque girava enlouquecido na metade da sala, dançando no espaçoao som da música das altas esferas. Seu corpo se viu envolvidopor uma energia dourada de natureza voltaica e que aderiu a elecomo uma segunda pele. Naquele instante, foi capaz decompreender o autêntico significado da vida, o porquê da naturezaversátil do homem, o segredo dos grandes mistérios e o enigma daCriação. Por incrível que lhe parecesse, podia contemplar todos oslugares da Terra e ouvir as mentes de todos os seres quechoraram o vazio de suas vidas e que estavam unidos entre sicomo elos de uma imensa cadeia de pedra. Foi como se sentisse apulsação do mundo em seu próprio coração.

Estava falando com Deus.

Olhou a seu lado e viu que Cláudia estava ali, novamente.

Tinha um estranho enfeite na cabeça, cobrindo seus ouvidos,semelhante ao que usavam as sacerdotisas ibéricas em seusrituais pagãos. Ela estava radiante, mais atraente e humana do quenunca. Era uma beleza espiritual que afastava qualquer