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PATRIMÔNIO CULTURAL E AS DISPUTAS TERRITORIAIS: O CASO DA COMUNIDADE DO CEDRO FRENTE AO AGRONEGÓCIO, EM MINEIROS –
GOIÁS
Fernando Silva Magalhães Filho Universidade Federal de Goiás / UFG
Lara Cristine Gomes Ferreira Universidade Federal de Goiás / UFG
Resumo O presente artigo propõe discutir as relações existentes entre os conceitos de Território e Patrimônio, tendo com objeto de estudo a Comunidade Remanescente de Quilombolas do Cedro, localizada na região Sudoeste goiano. Esta comunidade sofre bastante influência da dinâmica econômica estabelecida pelo agronegócio. O uso do território, por meio da agroindústria e biotecnologia, reconfigura o território, pondo em risco à biodiversidade cultural e os saberes tradicionais existentes no Cerrado. A Comunidade do Cedro, no entanto, mantém ainda elementos de seu patrimônio cultural, como o uso de plantas medicinais para confecção de medicamentos, por exemplo. Palavras- chave: Patrimônio. Território. Quilombo. Comunidade do Cedro. Agronegócio. Introdução A Comunidade Remanescente de Quilombo do Cedro, localiza-se no município de
Mineiros, na microrregião Sudoeste do estado de Goiás. O processo de constituição
desta comunidade foi diferente se comparado a outras comunidades quilombolas do
estado, uma vez que suas terras foram adquiridas pelo então escravo “Chico Moleque”,
além disso, está inserida na região goiana com maior dinamismo econômico, baseada no
agronegócio.
Uma das consequências, fruto desta dinâmica, foi a intensificação do processo de
urbanização, nesta região, o que fez com que a distância da Comunidade ao centro do
município de Mineiros fosse de apenas 5 km. É importante destacar que os 30 mil
Alqueires adquiridos, quando da criação do Quilombo, foram, ao longo dos anos,
divididos de geração em geração e também invadidos por moradores da cidade.
Apesar da proximidade com o núcleo urbano da cidade ou mesmo pressionados pelo
modelo desenvolvimentista do agronegócio, a Comunidade do Cedro, ainda preserva
alguns de seus bens culturais, como o uso de sementes crioulas, festividades religiosas e
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culturais e o uso de plantas medicinais na confecção de medicamentos naturais. Este
patrimônio cultural, herdado de seus antecedentes fez com que a comunidade
quilombola demarcasse sua identidade territorial, frente as influências do modelo
desenvolvimentista do agronegócio.
Fica evidente então, o jogo de poder que se instala nessa região. Diante disso, surgem
alguns questionamentos: quais impactos podem surgir em uma comunidade tradicional,
frente à territorialização do Capital, por meio da expansão da fronteira agrícola? O
patrimônio cultural dos Cedrinos, como são chamados, pode delinear a configuração
territorial, uma vez que eles reconhecem o espaço simbólico de seu patrimônio e o
territorializa?
Assim, este artigo objetiva fazer uma reflexão sobre a dinâmica do agronegócio em
Mineiros e suas possíveis influências no patrimônio cultural da Comunidade do Cedro.
Para tanto, foram necessárias leituras e levantamentos sobre a Comunidade do Cedro e
o atual cenário do agronegócio em Mineiros, além de tabulações, análises e uma visita à
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A Comunidade do Cedro e o agronegócio, uma abordagem territorial Neste tópico, farse-á uma discussão sobre a formação das comunidades quilombolas em
Goiás, bem como uma apresentação sobre a Comunidade estudada. Em um segundo
momento, será realizada uma abordagem sobre Território e Patrimônio, na busca de
entender as proximidades entre estes dois conceitos, o que será fundamental para
introduzir a discussão sobre a influência do agronegócio em comunidades com um viés
campesino, com uma rica biodiversidade cultural, como a do Cedro.
Comunidades Remanescentes Quilombolas em Goiás O Brasil é um país de miscigenações de várias matrizes populacionais e, aqueles
oriundos do continente africano, tiveram grande importância na configuração do
território brasileiro. Na busca da compreensão das dinâmicas socioculturais expressas
no espaço é de fundamental importância o estudo dos modos de vida das populações
negras ao longo do tempo.
Assim, um recorte interessante na busca desta compreensão é o estudo sobre os
remanescentes de comunidades quilombolas, que historicamente são territórios
marcados pela opressão da escravidão, espaços que foram ocupados por escravos que
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fugiam de seus donos ou daqueles que compraram sua liberdade e mais tardiamente,
após a Lei Áurea, tornaram-se redutos daqueles que não tinham para onde ir.
No estado de Goiás, a presença do escravo negro surge em decorrência do ciclo
mineratório. Devido ao trabalho árduo, aos maus tratos e a violência a que eram
submetidos geravam revoltas e resistência em forma de “guerrilhas, nas insurreições
urbanas, nas constantes fugas para locais de difícil acesso, onde organizavam os
mocambos ou quilombos” (RASSI, 2001, p. 64).
Moreira e Almeida (2011), em referência aos estudos de Nascimento (1980), aborda que
o quilombo acolheu parte desses negros libertos, pois representava um movimento
amplo e permanente que se caracterizava pela vivência de povos africanos que se
recusavam à submissão, à exploração, à violência do sistema colonial e do escravismo;
a formas associativas que se criavam em florestas de difícil acesso, com defesa e
organização sócio-econômico-política própria; a sustentação da continuidade africana,
por meio de genuínos grupos de resistência política e cultural.
Os espaços ocupados pelos negros, tornaram-se territórios de resistência, reprodução da
cultura, dos saberes tradicionais e de práticas sociais. Hoje, os quilombos são
reconhecidos como comunidades negras, estabelecidas na zona rural e por manterem
forte relação com o passado a partir da reprodução de suas práticas culturais. As
comunidades quilombolas de hoje lutam para manter a organização social pautada na
(re) afirmação da cultura, de suas práticas socioespaciais e da forma de lidar com o
campo (ALMEIDA, 2003; MOREIRA E ALMEIDA, 2011).
Atualmente existem no Brasil 1.000 comunidades de remanescentes quilombolas, de
acordo com a Fundação Cultural Palmares, sendo 22 no estado de Goiás, somando
1.622 famílias. Em Goiás está localizada o maior território quilombola do país, que são
os denominados Kalunga, que vivem em uma área de vãos e serras do nordeste goiano
(nos municípios de Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre).
Geralmente os territórios de remanescentes de quilombolas estão localizados em regiões
com relevo acidentado, de difícil acesso, com o intuito de promoverem certo isolamento
em relação a outras culturas. Assim, estes espaços, mesmo com o decorrer dos anos, são
ricos em tradições, saberes e manifestações culturais, que expressam sua identidade
territorial e cultural.
A figura 1, de Anjos et al (2010), mostra a espacialização dos municípios com
ocorrência de remanescentes quilombolas no estado de Goiás.
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Figura 1: Municípios com Ocorrência de Quilombolas em Goiás.
Fonte: ANJOS, et al (2010).
Atualmente, os territórios quilombolas estão longe desse isolamento inicial, pois estão
imersos na lógica capitalista. Nos Kalunga do município de Cavalcante, por exemplo,
há um crescente desenvolvimento do turismo comunitário, muito relacionado ao fato de
estarem situados na região com maior área preservada de Cerrado, com grande beleza
cênica (cachoeiras, trilhas, mirantes, etc.) e somado ao crescente interesse pelos saberes
dos grupos étnicos (FERREIRA, RAMOS E ALMEIDA, 2012). Segundo Almeida
(2003), os visitantes ao adentrarem-se no Sítio Kalunga demandam por beleza cênica,
mas, interessam-se também pelos conhecimentos sobre o Cerrado e os saberes locais.
Outra problemática que se coloca é a proximidade dessas comunidades, que possuem
um forte viés camponês, à logica do agronegócio. Este é o caso da Comunidade do
Cedro, localizada no município de Mineiros (figura 2), o qual pertence à região mais
dinâmica, do estado de Goiás, em termos uso e apropriação do espaço pela lógica do
agronegócio e por área plantada e produção agropecuária.
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Figura 2: Localização de Mineiros no Sudoeste Goiano.
A formação do Quilombo do Cedro, teve sua origem na figura de “Chico Moleque”, um
escravo que comprou sua liberdade, a de sua mulher e a seus filhos, em Minas Gerais, e
migrou para a região de Mineiros, em Goiás, onde comprou uma extensa terra.
O território de 284,95 alqueires foi adquirido por “Chico Moleque” no ano de 1885 do
Sr. Galdino Gouveia de Morais e sua mulher, D. Izabel Cândida da Silva, de acordo
com as folhas 6 e 73 dos autos de Ação de Divisão da fazenda, depositada no Cartório
do 2º Ofício de Mineiros (SILVA, 2003 apud THIAGO, 2011).
Segundo estudos recentes de Thiago (2011), a comunidade do Cedro tinha uma
população de 143 pessoas distribuídas em 29 residências. Nos anos 1970 haviam 232
habitantes em 37 unidades domésticas. Diante desses dados, observa-se um decréscimo
de 62% na população da comunidade no período de 40 anos, devido sobretudo, às terras
serem propriedades particulares que foram vendidas ao longo do tempo, ocorrendo um
processo de êxodo na comunidade.
Observa-se também uma redução na área desta comunidade quilombola. A área inicial
era de 284,95 alqueires e hoje esta área é de somente 50,20 alqueires, o que corresponde
a uma redução na área de aproximadamente 82,4%. A comunidade do Cedro é
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reconhecida como remanescente de quilombo pela Portaria nº 26, de 6 de junho de
2005, expedida pela Fundação Cultural Palmares. Porém, a comunidade ainda não tem
suas terras demarcadas, o que há é apenas a Lei Municipal nº 117/2003 que faz o
tombamento da área da comunidade (THIAGO, 2011).
Sabe-se dos problemas fundiários que envolvem as comunidades remanescentes de
quilombolas em todo o país e somado a outras problemáticas, como a expansão das
monoculturas e da dinãmica do agronegócio, revela-se a crescente preocupação sobre os
impactos que podem ser causados e os reais prejuízos para a manutenção da
comunidade do Cedro.
Patrimônio e Território Atualmente o conceito de Território é um dos mais utilizados dentro das pesquisas em
Geografia, por proporcionar uma análise crítica da realidade socioespacial. O conceito
de Patrimônio, vem sendo incorporado nas abordagens geográficas e muitas vezes se
aproxima ao conceito de Território como ilustra Almeida: “ambos os termos concebem
o tecido social na continuidade histórica, constituindo-se de sólidas referências
culturais, geradoras de controle ideológico e político” (2010, p. 42).
O ser humano inserido ao meio social possui a capacidade de se articular à noção de
tempo, e assim, a partir do momento em que constroi um elo com o passado, retoma as
mais diversas lembranças, provocando inúmeras inquietações no presente, o que irá
acarretar uma série de consequências no futuro. Pode-se assim dizer, que isso significa
que os homens têm a capacidade de criar e inventar, ou seja, são capazes de ação cultural.
Cria-se um conceito de memória que reúne todas as lembranças, heranças ou elementos
que constituem o imaginário de determinada comunidade ligado por um passado comum.
Algo que consolidará a construção de uma identidade coletiva e ultrapassa a decadência e
a morte e se perpetua, com modificações, ao decorrer do tempo.
Dentro desse contexto, discute-se o conceito de Patrimônio, que etimologicamente vem
de dois vocábulos: pater e nomos. O primeiro refere-se ao chefe de família, em um
sentido mais amplo, referindo-se aos antepassados e o segundo vincula-se ao
significado de lei, usos e costumes (BO, 2003). Sendo assim, temos o significado de
Patrimônio como heranças materiais ou imateriais deixadas por nossos antepassados.
Porém, o termo Patrimônio varia de acordo com diferentes visões de indivíduos,
organizações, instituições sociais e culturais.
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Bo (2003), em se referindo à Declaração do México sobre as Políticas Culturais da
UNESCO de 1985, observa que a cultura pode ser considerada como um conjunto de
traços distintivos espirituais, materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam um
grupo social e engloba, além das artes e das letras, os modos de vida, os direitos do ser
humano, os sistemas de valores, as tradições e crenças.
Um fator importante defendido na citada Declaração é que a cultura dá ao homem a
capacidade de refletir sobre si mesmo e, reconhecendo-se como um projeto inacabado,
põe em questão as suas próprias realizações, procura novas significações e cria obras
que o transcendem. E a partir do momento em que o ser humano identifica sua cultura,
terá a base necessária para constituir seu patrimônio cultural, pode-se então citar o
conceito apresentado pela UNESCO: O patrimônio cultural de um povo compreende as obras de seus artistas, arquitetos, músicos, escritores e sábios, assim como as criações anônimas surgidas da alma popular e o conjunto de valores que dão sentindo a vida. Ou seja, as obras materiais e não materiais que expressam a criatividade desse povo: a língua os ritos, as crenças, as obras de arte e os arquivos e bibliotecas, (UNESCO, apud BO 2003).
No Brasil, questões relativas ao Patrimônio, possuem uma relevância vanguarda sob o
ponto de vista político, tem-se, por exemplo, a criação do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 1937, com intuito da preservação do
patrimônio cultural brasileiro. E também, na Constituição Federal de 1988, o Artigo 216
refere-se a esta temática e ilustra como o assunto é visto no país: Art.216 – Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I. As formas de expressão II. Os modos de criar, fazer e viver
III. As criações científicas, artísticas e tecnológicas IV. As obras, objetos documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais V. Os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagísticos,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (BRASIL,1988).
Assim, observa-se que sobre o aspecto político existe uma preocupação em criar uma
identidade através do patrimônio cultural, em valorizar os bens materiais e imateriais de
um povo. Apesar que há algum tempo constata-se que a existência de leis referentes ao
patrimônio, muitas vezes, não apresenta ressonância na própria população. Percebe-se
que em muitas comunidades, principalmente de países periféricos, sofrem uma
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constante aculturação dentro do processo de globalização, no qual a sociedade detentora
do poder econômico dita as diretrizes culturais para os demais. Diante desta perspectiva
é que Patrimônio se aproxima de Território, uma vez que este conceito permeia as
relações de poder e representações existentes no espaço.
Segundo Raffestin (1993), o Território é produzido por atores, por meio da efetivação,
no Espaço, das redes de circulação-comunicação, das relações de poder (ações
políticas), das atividades produtivas e das representações simbólicas. Assim, a
territorialização do espaço se dá pela apropriação e pela produção social em que são
construídos significados e relações de poder.
Para Haesbaert (2004) apud Haesbaert (2009), “o território pode ser concebido a partir
da imbricação de múltiplas relações de poder, do poder mais material das relações
econômico-políticas ao poder mais simbólico das relações de ordem mais estritamente
cultural”. Ainda nesta reflexão, Cleps Júnior (2010), pela perspectiva de Raffestin,
confirma que o Território configura-se como a manifestação espacial do poder
fundamentada nas relações sociais. Isso permite pensar o processo de territorialização
(surgência de novos territórios), de desterritorialização (“destruição” de territórios) e
reterritorialização (reconstrução de territórios).
Raffestin (2009), faz uma discussão sobre a produção das estruturas territoriais e sua
representação, nele é abordado como a construção dos territórios foi por meio de uma
simbiose entre o mundo agrícola e o mundo urbano. Mas, não somente pelas atividades
agrícolas, mas também além pelas políticas, pelas transformações das cidades e pelas
mudanças dos hábitos de consumo. Ainda segundo este autor, “hoje os territórios
transformam-se de acordo com o ritmo das novas técnicas e isso ocorre tanto na cidade
como no campo” (P. 24).
A agricultura hoje está sujeita a modificações velozes e seu efeito na configuração do
território é bastante considerável e perceptível. Observa-se facilmente no campo e na
cidade a artificialização da paisagem, fruto do desenvolvimento do agronegócio e da
biotecnologia.
Diante da discussão sobre Patrimônio e Território faz-se necessário refletir sobre os
bens culturais, como já abordou Almeida (2010). Esses são produtos da concepção
humana dotados de um valor singular e único. O bem cultural pode ser uma cachoeira,
uma festa tradicional, uma feira, o modo de fazer, etc. Segundo esta autora, embora não
registrados, os saberes das população na sua relação com o Cerrado, no uso das plantas
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como alimentos e medicamentos, seus rituais e nas práticas de suas crenças, são bens
culturais.
Assim, a construção do território se dará frente a um espaço simbólico e historicamente
produzido. Vale ressaltar que as relações que configuram o território estarão marcadas
pelas relações socioespaciais dos atores ali inseridos, na interação de uma dimensão
simbólica e de domínio político.
Diante do exposto, sintetiza-se está breve reflexão com Haesbaert (2006), De qualquer forma, uma noção de território que despreze sua dimensão simbólica, mesmo entre aquelas que enfatizam seu caráter político, está fadada a compreender apenas uma parte dos complexos meandros dos laços entre espaço e poder. O poder não pode de maneira alguma ficar restrito a uma leitura materialista como se pudesse ser localizado e “objetificado”. Num sentido também aqui relacional, o poder como relação e não como coisa a qual possuímos ou da qual somos expropriados, envolve não apenas as relações sociais concretas, mas também as representações que elas veiculam e, de certa forma, também produzem. Assim, não há como separar o poder político num sentido mais estrito e o poder simbólico. [...] (HAESBAERT, 2006, pp. 92-93).
A Dinâmica do Agronegócio e sua Influência na Comunidade do Cedro O município de Mineiros, fica situado na região sudoeste de Goiás, uma região marcada
pelo dinamismo do agronegócio, sendo considerada, nas últimas décadas, um dos
principais pólos da agroindústria brasileira. Mineiros possuía 52.935 habitantes, pelo
censo demográfico de 2010, sendo 91,2% na área urbana e os restantes 8,8% na área
rural (IBGE, 2010).
Este município possuí dois Distritos Agroindustriais – DAIM I e II. O DAIM I tem uma
área de 64,2 ha e sete empresas em operação dos seguintes setores: alimentos, abate de aves
e preparação de subprodutos e produtos da carne; pré-moldados de concreto; laticínios;
estruturas metálicas e biodisel. O DAIM II, possui uma área um pouco menor, com 52,97
ha e somente três empresas que trabalham nos mesmos setores de atividade do DAIM I.
Em Mineiros, destaca-se a produção carne, sobretudo de aves, e produção de soja e
cana-de-açúcar. A produção canavieira cresceu muito nos últimos cinco anos, fruto da
recente demanda mundial por novas fontes de energia, que teve no Brasil seu maior
produtor de etanol proveniente da cana-de-açúcar e no estado de Goiás um dos maiores
produtores e beneficiadores, por meio das usinas sucroalcooleiras. Em Mineiros está em
funcionamento a Usina Brenco Goiás Ltda.
A produção de bovinos foi de 307.000 cabeças e de aves de 2.094.500 cabeças, em
2010. Na produção agrícola, destacam-se o algodão, a cana-de-açúcar o milho e a soja,
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em área colhida (ha) e produção (t). A tabela 1 mostra os dados dos principais produtos
agrícolas de Mineiros, em 2011.
Tabela 1: Principais Produtos Agrícolas – Mineiros, 2011
Produtos Área colhida (ha) Produção (t) Algodão 5.395 19.584 Cana-de-açúcar 21.101 1 540.373 Milho 47.000 244.000 Soja 85.000 238.000
Fonte: SEPIN, 2012.
A influência destas atividades é expressiva na configuração territorial do município,
principalmente em decorrência do agronegócio ligado às monoculturas de grãos, soja e
milho, e mais recentemente a atividade sucroalcooleira. A figura 3, mostra a
espacialização da expansão canavieira no município de Mineiros. Observa-se que o
agronegócio sucroalcooleiro neste município é muito recente, fruto da nova expansão da
fronteira agrícola, em meados dos anos 2000, que no Brasil baseou-se, principalmente
na produção de etanol. Em síntese, esta expansão se deu rápida no tempo e concentrada
no espaço, pois até o ano de 2007 não havia produção significativa de cana-de-açúcar, a
qual já é visivelmente relevante no ano de 2011.
Figura 3: Espacialização da expansão canavieira em Mineiros – GO.
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É importante ressaltar que as grandes transformações técnico-econômicas e
sociaoespaicias na agricultura brasileira não são resultado da ação “livre” das forças do
mercado, muito pelo contrário, o Estado esteve presente em todas as fases do processo,
ora criando ele próprio condições para as transformações, por meio das políticas de
financiamento e melhorias em infraestrutura, por exemplo, ora “amarrando” diversos
elementos em torno do projeto da modernização da agricultura brasileira
(KAGEYAMA, et al, 1996). Segundo Santos (1988), o Estado é o principal agente de
normatização e regulação da vida em sociedade.
Durante o trabalho de campo realizado, percebeu-se no município de Mineiros, que a
expansão urbana trouxe uma série de problemáticas, como a segregação socioespacial,
facilmente observada por meio da existência de um bairro mais nobre, que serve de
moradia para os sojicultores. Outro exemplo verificado, fruto da crescente expansão
urbana da cidade, é a construção de condomínios fechados, como mostra a figura 3.
Figura 3: Condomínio fechado em Mineiros – GO.
Foto: Cristiano Martins, 2011.
Essa dinâmica econômica irá também influenciar nas áreas rurais. A comunidade do
Cedro é um exemplo disso, pois mesmo tendo o título da terra (previsto por lei, por se
tratarem de remanescentes quilombolas), sofreram várias invasões ao longo do tempo,
além da influência do processo de urbanização, que diminuiu a distância entre a
comunidade e a cidade, bem como com a acessibilidade facilitada pelos meios de
trasporte e estradas construídas. Esse processo deu condições para que, ao longo do
tempo, algumas pessoas da comunidade saíssem para trabalhar na cidade, estabelecendo
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uma relação direta com os moradores da cidade, o que acaba por modificar seus estilos
de vida, assim reconfigurando sua territorialidade.
Porém, o principal ponto a destacar é a territorialização do capital no Cerrado, como
propõe Calaça (2010). O processo de modernização da agricultura e a incorporação de
novas terras a esta dinâmica provocaram a expropriação de milhares de pequenos
proprietários, rendeiros, ribeirinhos quilombolas, entre outros camponeses, e indígenas
de suas terras, como aborda Fabrini (2010).
A região Sudoeste goiano é pioneira, em Goiás, no sistema de modernização agrícola,
devido às novas tecnologias empregadas no sistema de produção, como o uso de
sementes geneticamente modificadas, agrotóxicos e fertilizantes químicos. Tal situação
fará com que o pequeno agricultor e/ou o camponês crie uma dependência desta
indústria da biotecnologia, conforme expõe Calaça (2010): A biotecnologia proporcionou, ao agronegócio, alterações no padrão técnico de produção à custa de maior dependência das tecnologias empregadas e dos insumos necessários ao desenvolvimento das atividades agrícolas e pastoris (P. 23).
Apesar do emprego da biotecnologia ter se iniciado no início do século XX, com o
emprego fixação biológica de nitrogênio e controle biológico de pragas, como aponta
Silveira et al (2005 apud CALAÇA, 2010), são as atuais técnicas de manipulação
genética que se tornam preocupantes, pois além de propiciar uma competitividade
desleal com pequenos produtores, cria uma dependência de insumos industrializados,
além de modificar a biodiversidade do Cerrado, colocando em risco até mesmo o
patrimônio genético destes povos.
Segundo Matos e Pessoa (2011), as disputas territoriais nem sempre são caracterizadas
por conflitos, mas na luta pela permanência na terra e pela (re)existência, que requer a
superação da carência de políticas públicas de produção, crédito e assistência técnica.
Todavia, ao visitar a comunidade, percebe-se que apesar da problemática apontada, que
acaba por ameaçar sua própria identidade territorial, os cedrinos apresentam um rico
patrimônio cultural, que se expressa em iniciativas como festividades religiosas e
culturais, um banco de sementes crioulas e principalmente pelo uso de plantas
medicinais do cerrado, tornando-os símbolos de resistência frente ao modelo
desenvolvimentista imposto pelo agronegócio na região.
Há na comunidade um centro comunitário, onde se localiza o Laboratório de plantas
medicinais (figura 4). Neste Laboratório a comunidade produz medicamentos
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fitoterápicos, por meio da medicina tradicional passada pela educação informal e pela
hereditariedade. Estes fitoterápicos são utilizados para uso da comunidade e há também
a produção para a comercialização.
Figura 4: Laboratório de plantas medicinais na comunidade do Cedro.
Foto: Fernando S. Magalhães Filho, 2011.
As danças, as crenças e o modo de viver, bem como o modo de morar, em casas de pau-
a-pique, por exemplo, também são presentes na comunidade do Cedro, como parte de
sua cultura, resistindo às modernidades que a engenharia civil atualmente proporciona,
seja por simples sentimento nostálgico, seja por condições econômicas desfavoráveis às
modernidades arquitetônicas (THIAGO, 2011).
O uso das plantas medicinais é o exemplo mais marcante de como o patrimônio cultural
de um povo pode proporcionar uma sustentabilidade, levando em conta além do aspecto
cultural, o ambiental com a preservação da biodiversidade e, até mesmo, o econômico
com a venda dos produtos ali confeccionados. Durante o trabalho de campo foi
verificado como aquele trabalho é importante para a comunidade: receitas populares de
medicamentos naturais passadas de geração em geração e que agora proporcionam
certo sustento econômico para os cedrinos. Ressalta-se que existe todo um trabalho de
inventariação das plantas do Cerrado utilizadas, bem como o registro destes saberes
junto Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Dentro deste contexto é que observa-se a interação existente entre os conceitos de
território e patrimônio, mencionados anteriomente. Percebe-se que o território é
construído pelas relações e representatividades que os sujeitos projetam no espaço. É
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evidente que a atividade econômica é a principal relação social que configura o
território, os interesses dos atores hegemônicos prevalecem sobre os demais deturpando
uma harmonia socioespacial.
Essa situação ocorre em Mineiros, na relação entre os cedrinos e os agropecuaristas,
contudo encontra-se resistência quando se observa que alguns dos saberes tradicionais
daquela comunidade estão sendo preservados, propondo um modelo diferenciado de
desenvolvimento econômico e mantendo sua identidade territorial.
Nesta perspectiva, a territorialidade do espaço, dada pela Comunidade do Cedro é
também, por meio do patrimônio cultural que preservam. Os cedrinos ao perpetuarem
saberes tradicionais em suas atividades econômicas, demonstram sua identidade e por
consequência reafirmam sua territorialidade quilombola, impondo uma forma de
resistência à lógica da territorialização do Capital.
Considerações finais O termo patrimônio cultural está cada vez mais em voga em nosso cotidiano, existe até
uma semântica mercantilista atribuída pela atividade turística, e mesmo pela referência a
materialidade de casarios antigos. Todavia, o conceito de patrimônio cultural vai além e
envolve o modo de vida de um povo, os costumes, os saberes tradicionais, festividades,
ritos e outros. É a manifestação da cultura de uma comunidade. Não é mais possível
trabalhar com a dicotomia de patrimônio material e imaterial, todos são impressões que
contribuem para a expressão do território.
A região sudoeste de Goiás, apesar de apresentar um dinamismo econômico de destaque
nacional, devido ao agronegócio, percebe-se, por outro lado, que isso vem ocasionando
grandes consequências: a biodiversidade, por exemplo, cada vez mais se encontra
ameaçada, devido à utilização de sementes modificadas geneticamente; os pequenos
agricultores não têm condições de se adequarem à lógica do mercado de insumos
agrícolas, e assim, não conseguem competir com o grande produtor. Outra questão
importante é a mecanização do campo, que irá dispensar cada vez mais mão de obra,
gerando desempregos; e também, perde-se muito, ao longo dos anos, em termos
culturais, com os conflitos que geram expropriação e dificultam a realização dos bens
culturais de determinada comunidades, além de ser visível, que as paisagens perdem
seus significados, ficando as monoculturas muito expressas.
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Ressalta-se que a modernização da agricultura vende um modelo de desenvolvimento
injusto para o pequeno agricultor que sobrevive do campo, criando uma dependência
deste para com as biotecnologias, o que proporciona o rompimento de um vínculo
histórico-cultural entre homem e a natureza. A perda da biodiversidade, com o plantio
de monoculturas, é uma questão catastrófica que ameaça não só o ambiente natural, mas
toda biodiversidade cultural que foi construída historicamente na relação do ser humano
com o meio que o circunda.
O exemplo da comunidade do Cedro, retoma a ideia de resistência, tanto impregnada no
conceito de quilombo, quanto relacionada à luta camponesa, a partir do momento em
que propõe um modelo de desenvolvimento diferenciado dos padrões estabelecidos na
região.
A territorialização do patrimônio cultural, por meio de práticas da comunidade do
Cedro, que vão desde o uso de sementes crioulas, de suas festividades e ritos, na
confecção de fitoterápicos, no Laboratório de plantas medicinais e outras atividades,
demonstra possibilidades viáveis para os cedrinos reafirmarem sua identidade territorial.
Notas 1Visita à Comunidade do Cedro, em junho de 2011, pela disciplina “Ambiente e Apropriação da Região do Cerrado” vinculada ao Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia do IESA / UFG.
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