Paulo Emilio Buarque Ferreira
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UN IVERS IDA DE DE SO PA ULOF AC ULDA DE DE A RQ U ITETU R A E U RBAN ISM OHAB ITAT
D ISSERTAO APRESE NTADA FAUUSP PAR A O BTE N O DO T TULO DE ME STR E
APROPRIAO DO ESPAO URBANOE AS POLTICAS DE INTERVENOURBANA E HABITACIONAL NO CENTRO DE SO PAULO
P A U L O E M I L I O B U A R Q U E F E R R E I R A
O R I E N T A O : P r o f . D r . J O O S E T T E W H I T A K E R F E R R E I R A
S O P A U L O F E V E R E I R O D E 2 0 0 7
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E s t a u t o r i z a d a a r e p r o d u o i n t e g r a l o u p a r c i a ld o c o n t e d o d e s t e t r a b a l h o , p a r a q u a i s q u e r f i n s ,d e s d e q u e c i t a d a a f o n t e .
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A g r a d e o J o r d a n a Z o l a , a o s c a m a r a d a s M a i r aR i o s e F e l i p e N o t o , A n a M o r e n a , e q u i p e d oL a b h a b , a o m e u o r i e n t a d o r , b a n c a d eq u a l i f i c a o ( P r o f . D r . C a t h a r i n a P i n h e i r oC o r d e i r o d o s S a n t o s L i m a e P r o f . D r . M a r i aL u c i a G i t a h y ) e a o s b i b l i o t e c r i o s d a F a u U s p .
E s t e t r a b a l h o f o i d e s e n v o l v i d o s e m a u x l i o d o s r g o s d e f o m e n t o p e s q u i s a .
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RESUMO
Esta pesquisa visa desenvolver uma reflexo crtica a respeito das formas de
apropriao atuais e desejveis nos moldes de um uso democrtico e socialmente justo dos
espaos pblicos na rea central de So Paulo, dentro do contexto de re-apropriao da rea por
diferentes atores sociais.
ABSTRACT
This dissertation develops a critical reflection of the claims and uses by many social
actors of public spaces in downtown Sao Paulo. It analyses current and potential approaches,
following values of democracy and social justice.
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SUMRIO
06 1. INTRODUO
09 2. ESPAOS PBLICOS: REFERENCIAL TERICO
11 2.1. ESTRUTURA FSICA DOS ESPAOS PBLICOS: B R EV E HIS T RI CO
13 2.2. ESP AO PBLICO E ESPAO SOCIAL
14 2.3. ESP AO SOCIAL E ESPAO POLTICO
18 2.4. ESP AO PBLICO MODERNO
21 2.5. O CASO DO CENTRO DE SO PAULO
32 2.6. UM MTODO
39 3. ESPAO PBLICO, LAZER, MORADIA E CIDADE
40 3.1 LAZER E CIDADE
45 3.2 HABITAO NAS REAS CENTRAIS
51 3.3 ALGUMAS EXPERINCIAS RELEVANTES
63 3.4 AS INICIATIVAS DE REABILITAO: L I M I T ES E C ON T R AD I ES
EM RE L A O Q U A LI FI C A O D O ES PA O P B L IC O
66 4. ESPAOS PBLICOS NO CENTRO HISTRICO DE SO PAULO:
USOS E APROPRIAO
68 4.1. CARACTERIZAO DA REA DE ESTUDO
84 4.2. ANLISE SCIO-ESPACIAL DOS ESPAOS PBLICOS CENTRAIS
99 5. INTERVENES HABITACIONAIS E URBANAS
E A QUALIFICAO DO ESPAO PBLICO
101 5.1 TRS INTERVENES: ES C O PO D A S PO L T I CA S E S EUS L I M I T E S
110 5.2 ESPAOS DE LAZER RELACIONADOS
117 6. CONSIDERAES FINAIS
121 7. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
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1.
INTRODUO
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1. INTRODUO
Esta dissertao visa desenvolver uma reflexo crtica a respeito das formas de
apropriao atuais e desejveis nos moldes de um uso democrtico e socialmente justo
dos espaos pblicos na rea central de So Paulo, dentro do contexto de re-apropriao da
rea por diferentes atores sociais. Em meio s disputas que se colocam em torno da
produo do espao no centro, trata-se de verificar, por um lado, as atuais formas de (no)
apropriao e utilizao dos espaos pblicos - como reas de convvio social, lazer,
recreao ou prtica esportiva - as potencialidades existentes e, por outro lado, as
possibilidades eventualmente criadas pelos projetos de interveno urbana e habitacional.
Trata-se de analisar as intervenes atualmente propostas na rea central,
verificando em que medida so elas voltadas a um uso universal e socialmente justo, ou
respondem a interesses especficos de valorizao fundiria e imobiliria. A partir dessa
anlise, pretende-se verificar at que ponto as intervenes propostas, em especial as
voltadas habitao de interesse social, esto sendo acompanhadas de uma requalificao
dos espaos pblicos como espaos democraticamente apropriveis para um uso intenso de
lazer, recreao e esporte. Nesse momento, buscarei contextualizar a questo de
intervenes habitacionais em centros metropolitanos, partindo da premissa de que as
solues para garantir reas de lazer compatveis com a ocupao intensa do centro e
utilizao democrtica dos seus espaos pblicos - devem partir de uma abordagem
urbanstica ampla, abarcando sua imensa diversidade social e incluindo todos os atores na
definio das decises polticas.
A hiptese central que vem sendo impossvel at agora at mesmo nas
polticas habitacionais mais recentes disponibilizar reas para usos complementares, que
so entretanto fundamentais pelo seu papel de qualificao do habitat. Seriam causas dessa
impossibilidade, dentre outras, a luta pela valorizao fundiria da regio, a limitao ao
financiamento pblico, a interferncia de grupos empresariais, mais interessados em
financiar uma gentrificao coerente com seus investimentos, e a suscetibilidade dos grupos
polticos que se alternam frente do poder municipal. Sob forte influncia do poderio
poltico de grupos de investidores e do capital imobilirio, a prefeitura tem feito pouco ou
quase nada para garantir aos habitantes de cortios e moradias precrias melhores condies
de moradia, assim como no tem investido numa qualificao do espao urbano centrada
em seu uso pela populao residente.
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Trabalha-se tambm com a hiptese de que, num cenrio de escassez fundiria, o
espao pblico, pelo carter potencialmente democrtico da sua apropriao, pode e deve
receber tais usos.
Do ponto de vista metodolgico, pretende-se mostrar ainda como formas de
participao da sociedade civil na produo desses espaos, de maneira concomitante sua
participao nas polticas de proviso habitacional, podem ser instrumentos fundamentais
para a produo de espaos pblicos qualificados e de uso democrtico. Por fim, trabalha-se
metodologicamente em uma perspectiva comparada, realizando a anlise crtica de alguns
processos de qualificao democrtica de reas centrais, atravs de polticas pblicas,
ocorridos em Portugal e na Frana. A experincia recente da prefeitura nos Permetros de
Reabilitao Integrada do Habitat, assim como programas de arrendamento residencial, so
analisados em vista das dificuldades de adaptao de modelos importados e das inovaes
que trazem no estudo de polticas pblicas de produo e gesto do habitat.
Alguns conceitos sobre espao pblico so enfocados no captulo introdutrio,
em que se busca algum aprofundamento terico para a anlise posterior da observao do
seu uso cotidiano pelos moradores deste centro metropolitano. Em seguida feito um
apanhado terico das relaes entre o lazer e o espao urbano e contextualizado
resumidamente o tema habitao em reas centrais. No mesmo captulo so feitas
descries dos processos de reabilitao urbana supracitados e anlises sobre os limites e
contradies inerentes sua implementao.
Os captulos finais tratam, a partir de abordagem emprica, da apropriao do
espao livre pblico, de suas formas e transformaes scio-espaciais, alm de trs estudos
de caso em que so focados beneficirios de intervenes pontuais. O tratamento
dispensado aos espaos de lazer dos moradores ou a falta de qualquer correspondncia
entre polticas habitacionais e a criao desses espaos so questionados, ao mesmo tempo
em que se procura relatar as formas de apropriao espontnea do entorno existente. Por
fim so tecidas consideraes que podem de alguma forma colaborar com o avano da
discusso sobre reabilitao urbana, em que sejam priorizados aspectos do cotidiano dos
moradores ignorados na grande maioria das intervenes analisadas.
O entendimento do direito moradia como direito cidade tem ganhado espao
na arena acadmica; no entanto, as formas de lograr sucesso em intervenes concretas
ainda esto por ser aprofundadas. A esse esforo coletivo esta dissertao pretende
modestamente se juntar.
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2.
ESPAOS PBLICOS: REFERENCIAL TERICO
2.1ESTRUTURA FSICA DOS ESPAOS PBLICOS: BREVE HISTRICO
2.2ESPAO PBLICO E ESPAO SOCIAL
2.3ESPAO SOCIAL E ESPAO POLTICO
2.4ESPAO PBLICO MODERNO
2.5O CASO DO CENTRO DE SO PAULO
2.6UM MTODO
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2. ESPAOS PBLICOS: REFERENCIAL TERICO
A necessidade de uma definio mnima acerca do que se entende nesta
dissertao sobre espao pblico sugere o desenvolvimento de alguns temas que
consideramos fundamentais para o aprofundamento terico. Sem pretender chegar ao
fim deste captulo com uma definio precisa, proponho-me a traar aqui um percurso
terico sobre o qual este trabalho caminhou. A partir das abordagens aqui referidas,
possvel uma anlise mais consistente da observao do uso cotidiano dos espaos
pblicos pelos moradores deste centro metropolitano.
A inteno do levantamento no soterrar qualquer possibilidade de sntese
pelo excesso de referncias, mas evitar a adoo de uma metodologia especfica de
anlise espacial que venha a obscurecer outras possibilidades analticas. Portanto, o
trajeto adotado um roteiro minimamente multidisciplinar, com nfase em teorias do
urbanismo moderno, porm com algumas referncias da antropologia urbana, da
geografia urbana e da sociologia. Alguns dos trabalhos utilizam referncias terceiras,
colaborando para um apanhado conceitual, que apesar de superficial, cumpre bem a
funo de estabelecer bases para as anlises seguintes. A superao de uma viso
meramente espacial do espao pblico, que encerraria como foco de anlise os espaos
de domnio pblico (e de propriedade ou de uso pblico) enquanto passveis de
usufruto pela populao em geral, permite um estudo mais abrangente sobre o cotidiano
dos moradores da Metrpole.
Para alm do j explicitado carter de embasamento terico, monta-se nesta
abertura um guia referencial que possa vir a contribuir minimamente em futuros
trabalhos centrados em anlises urbanas dos espaos pblicos. Ressalta-se, antes de
adentrar a especificidade de cada obra, que a anlise dos autores ser feita de forma um
tanto cautelosa; a heterogeneidade de disciplinas tericas analisadas merece uma
observao cuidadosa, de forma a no ignorar a amplitude de cada um dos
momentos/espaos retratados. A leitura ser assumidamente superficial, pela falta de
domnio do universo/entorno de cada obra, porm assumo o risco de sublinhar pontos
de interesse para a construo terica que pretendo desenvolver.
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2.1. ESTRUTURA FSICA DOS ESPAOS PBLICOS: BREVE HISTRICO
Em relao estrutura fsica do espao pblico, seu nascimento, a evoluode suas formas ao longo da histria e a apropriao por diferentes povos, pode-se traar
um roteiro por alguns textos da histria da arquitetura e do urbanismo.
Antecessora das praas atuais, segundo Lewis Mumford (1982), a gora, tinha
na sua origem a funo de aglutinao para o debate poltico e como centro de
comrcio. O autor descreve em detalhes sua forma e usos. Para Saldanha (1993 apud
DE ANGELIS; DE ANGELIS NETO; CASTRO, 2004) mais do que praa de
mercado a gora seria um espao central na vida urbana, smbolo da presena do povo
na atividade poltica. Benvolo (1993, p.76) descreve a gora como a prpria assemblia
dos cidados, que se rene para ouvir as decises dos chefes ou para deliberar. O local de reunio
usualmente a praa do mercado (que tambm se chama gora), ou ento, nas cidades maiores, um local
ao ar livre expressamente aprestado para tal (em Atenas a colina de Pnice). A nova organizao
espacial na Plis grega seria, portanto, fruto de uma nova concepo de poder poltico e
social.
J o Frum Romano teria origem, de acordo com De Angelis (2004), na
necessidade de um mercado comum para comrcio entre as diversas tribos estrangeiras
que compunham a sociedade romana. O Frum seria um espao multifuncional,
acumulando ainda espao para a assemblia e disputas atlticas, alm de estar localizada
geralmente junto ao teatro, baslica e templos. Para Benvolo (1993), a importncia
comercial desses espaos est associada formao do Imprio; no bastaria
centralidade de seus espaos um ponto exclusivo para debates polticos, o comrcio teria
ali importncia geogrfica. Roma centralizava no apenas o poder, mas as relaes com
o restante do Imprio; da a multiplicidade de atividades em seu espao pblico
central.
Na Idade Mdia, com a diminuio de intensidade da vida urbana, as praas
passariam a acumular funes urbanas especficas: praa religiosa, praa cvica, praas de
mercado etc. As atividades que requeriam reas de uso coletivo faziam uso desses
espaos tambm de acordo com uma diviso temporal. Assim surgiram espaos de uso
alternado, com a coincidncia em relao ao carter de ponto de encontro, local de
celebraes e atividades da coletividade.
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Nas cidades hispnicas, e sobretudo nas cidades hispano-americanas, a praa
maior o elemento central, ordenando o traado das vias, abrigando as grandes
reunies, jogos, mercados, teatro etc. A praa de armas seria uma variante, incorporando
algumas funes militares.
No Renascimento a esses espaos seria agregado um valor esttico; segundo
Giedion (1961) as tcnicas de perspectiva viriam a influenciar projetos de praas, que
iriam incorporar ainda elementos definidores, como fontes, prticos e obeliscos. Argan,
ao comentar a construo morfolgica da Piazza Pio II, em Pienza, comenta:
Esta soluo (...) demonstra que o interesse do arquiteto no se
concentra em edifcios isolados, mas no espao vazio da praa, delimitado
pelas fachadas desses edifcios. A forma arquitetnica, ento, no um
volume slido cujas fachadas sugerem as estruturas internas, mas uma
cubagem vazia cujas paredes so constitudas pelas fachadas dos edifcios.
O espao da cidade portanto concebido como um interior, mais
precisamente como o interior de um palcio, as salas sendo constitudas
pelas praas, e os corredores e escadas, pelas ruas. Rossellino, enfim, um
arquiteto que considera o urbanismo nada mais do que uma extenso da
arquitetura, e a cidade, um edifcio formado pela combinao perspectiva
e proporcional dos edifcios. (ARGAN, 1999, p. 70, grifo nosso)
Posteriormente, a praa barroca viria a assumir por si s um papel
monumental, geralmente compondo o 'cenrio barroco' e dando destaque a palcios,
igrejas, habitaes. Esse modelo se alastra pela Europa, com elementos novos, que
valorizavam certa opulncia da arquitetura; nesse momento o mercado j no ocupa
mais os espaos livres centrais. As praas passam a servir, nos centros urbanos, como
cenrio da vida social aristocrtica. Com o advento da Revoluo Industrial, a
conseqente exploso demogrfica das cidades europias e o avano das teses
higienicistas, os projetos de espaos livres nos centros urbanos ganham importncia.
Esses espaos passariam a compor sistemas de reas livres destinadas recreao, ao
cio e ao convvio das classes mais abastadas.
No Brasil, os espaos de uso pblico na poca da colnia estiveram sempre
associados organizao espacial de seus edifcios centrais; ao redor desses espaos se
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localizavam os edifcios administrativos, por exemplo. Tambm os adros da igreja se
destacam desde o incio da colonizao como pontos de reunio. Marx (1980) ao
descrever a profanizao do espao pblico no Brasil considera as cerimnias, festas e
liturgias religiosas como os eventos que justificavam a existncia de tais espaos. Pouco
a pouco esses espaos passariam a ser profanados com usos polticos, comerciais,
militares, recreativos etc. A influncia dos jardins europeus do sculo XVIII viriam a
alterar suas caractersticas principais, conferindo a esses espaos um carter de espao da
sociabilidade aristocrtica (DE ANGELIS; DE ANGELIS NETO; CASTRO, 2004).
No sculo XIX surgem na Inglaterra os primeiros grandes parques pblicos destinados
ao lazer das massas trabalhadoras, que iriam ter grande influncia nos parques criados
no Brasil no sculo seguinte.
A incapacidade dos modelos de abarcar a variedade de usos, a alterao do
perfil de usurios, as necessidades que so criadas e aquelas que so descartadas com a
evoluo das cidades um componente nem sempre presente nos projetos de espaos
livres urbanos. Uma anlise que rejeite a necessidade de contradio e conflito, inerente
condio urbana do espao livre pblico, vai ser sempre insuficiente para sua
compreenso. A anlise do espao pblico meramente como espao fsico seria,
portanto, uma contribuio parcial, qual devem se somar outras abordagens, visando
garantir um enfoque mais consistente.
2.2. ESPAO PBLICO E ESPAO SOCIAL
Em Espao Pblico Espao Privado: notas para o estudo das condies de apropriao do
espao pblico urbano, Walter Figueiredo enumera algumas terminologias clssicas para
posteriormente sintetizar a sua anlise em dois focos principais: espao fsico e espao
social. A sntese, presente sobretudo no captulo Conceitos de Espao
(FIGUEIREDO, 1983, p.5-26), visa incorporar alguns aspectos eleitos pelo autor como
fundamentais em cada uma das duas definies. De Lefebvre o autor cita as tipologias
apresentadas em La production de lespace: espao fsico (do prtico-sensvel percepo
da natureza), espaos mentais (ou seja, o campo das possibilidades lgicas e imaginrias)
e espao social. Este ltimo, composto de uma noo um pouco mais complexa de
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interpretao do espao fsico enquanto produto social e do espao mental enquantoarticulao terica das relaes sociais, tambm seria alvo de anlises de Alvarenga eMaltcheff (1980)1. De Kurt Lewin (1973 apud FIGUEIREDO, 1983) o autor analisa a
viso de espao psicolgico, ou os processos de percepo e anlise do comportamento
humano. Outras categorias de anlise seriam: espao territorial2, espao geogrfico3,
espao urbano e espao arquitetnico4, espao existencial5, alm da proposio6 de uma
hierarquia urbana de espaos (conceituaes distintas para cada um dos tipos de espaos:
urbano-pblico / urbano-semi-pblico / grupal pblico / grupal privado / familiar
privado / individual-privado).
2.3. ESPAO SOCIAL E ESPAO POLTICO
Em Espao pblico e representao poltica, Paiva (1995) investiga a
insuficincia do programa liberal de representao poltica, atravs da anlise dos
conceitos de espao pblico. O interesse do trabalho para esta dissertao est na
utilizao, como marcos tericos, dos trabalhos de Arendt7 e Habermas8 em que so
analisadas questes relativas ao espao pblico e a contextualizao desses textos com a
forma contempornea da apropriao do espao urbano nas metrpoles brasileiras.
Do prprio trabalho extrai-se, a partir da matriz traada por Habermas, uma
definio do espao pblico, como um lugar onde as relaes comunitrias se passam e se
abrigam; um espao onde as demandas e reivindicaes se exteriorizam; acolhedor de diversas instituies
1 Sobre espao social como paradigma no campo das cincias sociais, ver ALVARENGA; MALTCHEFF (1980).O ponto principal de sua anlise: a superao da viso tradicional de espao como um dado fsico; espao produto social (com diversos nveis de aprofundamento terico a partir dessa superao); ver ainda SOROKIN(1973), que em sua caracterizao de diferentes dimenses do espao social, sinaliza ainda a estratificao eas possibilidades de mobilidade social. Ainda sobre Pitirim Sorokin e sua anlise de distncia social, anos maistarde RIBEIRO; LAGO (2001) iriam, a partir de uma pesquisa emprica, pr prova os conceitos formuladospelo autor russo bem como suas relaes com a distncia social de Bordieu (1979 apud Ribeiro; Lago, 2001).
2 REFFESTIN (1982).3 GOTTMAN (1972) e SANTOS (1978).4 GOITIA (1970) e ZEVI (1976).5 NORBERG-SCHULZ (1972).6 ALEXANDER; CHERMAYEFF (1963).7 ARENDT (1987, apud PAIVA, 1995).8 HABERMAS (1984, apud PAIVA, 1995).
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estatais e no estatais; espao do agir publicamente, das reunies; espao por excelncia do agir livre
e coletivo (PAIVA, 1995, p. 10).
Ou ainda:
A igualdade presente no espao pblico , necessariamente, uma
igualdade de desiguais que precisam ser igualados sob certos aspectos e por
motivos especficos. O espao pblico estabelece a realidade do prprio eu,
da prpria identidade. Outrossim, estabelece a realidade do mundo
circundante. Quando nos alienamos em relao ao mundo, h uma atrofia
do espao pblico. Diz ARENDT que o que distingue a era moderna
no , como pensava MARX, a alienao em relao ao ego, mas a
alienao em relao ao mundo. Um fator que muito contribuiu para o que
homem moderno ficasse alienado, foi a expropriao: ... a propriedade,
em contraposio riqueza e apropriao, refere-se a uma
parte do mundo comum que tem um dono privado e ,
portanto, a mais elementar condio poltica para a
mundanidade do homem 9. [...] O espao pblico, ainda nos ensina a
grande filsofa da poltica, transcende o ciclo vital das geraes, perpetuando
os feitos dos grande homens, constituindo-se na memria e no capital de um
povo. (PAIVA, 1995, p. 12)
Ao diferenciar o espao pblico do privado, Hannah Arendt (2004) associa o
ltimo s necessidades e sentimentos humanos. no espao privado que o ser humano
tem suas relaes ntimas, sente dor, amor e tambm ali que ele busca atender suas
necessidades vitais bsicas, garantindo sua sobrevivncia. Por outro lado, o espao
pblico, seria a sua conexo com mundo, onde se realizam suas atividades sociais, lugar
da fabricao dos objetos que garantem no somente sua reproduo, mas a do prprio
mundo. Nele o ser humano, agindo em concerto com os demais, pode gerar poder
poltico e ser livre. Em relao ao espao pblico, Arendt faz ainda uma distino clara
entre o espao social e o poltico. A noo de espao poltico, tal como o trata Arendt,
9 ARENDT (1987 apud PAIVA, 1995, p. 257).
15
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apesar de ter seu espao distinto na obra da autora, deve ser, neste trabalho, entendido
como uma das esferas do espao pblico em geral; sendo a atividade poltica uma das
possibilidades de sua apropriao coletiva. O entendimento da ao poltica como a
descreve Arendt, ou seja, forma pela qual o ser humano manifesta a sua capacidade para
originar algo, nos leva compreenso de que a essa ao corresponderia um espao,
pblico por natureza. De suas reflexes depreende-se ainda que esse espao ao mesmo
tempo resultado da ao poltica.
Ao considerar o espao pblico, socialmente construdo, tambm como locus
da ao poltica cotidiana, no pretendo dissociar funes distintas que esse espao pode
abrigar. A compreenso do lazer, da recreao e do cio, como atividades fundamentais
para o desenvolvimento humano, e complementares ao trabalho e a demais atividades
sociais, pode garantir ao espao pblico uma dimenso mais ampla do que algumas
snteses que visam classificar reas livres de acordo com sua utilizao. Yurgel destaca
em Urbanismo e Lazer (1983) os prejuzos da adoo de uma viso funcionalista por
parte das equipes de planejamento. O lazer seria interpretado como oposio ao
trabalho; sendo excludo dos programas de necessidades dos urbanistas e de grande
parte das polticas pblicas. Reconhecido como uma funo urbana menor, o lazer no
espao pblico estaria relegado ao aproveitamento espontneo de espaos livres ociosos.
A falta de polticas que incorporem o lazer como uma atividade a ser programada, com
espaos projetados para tal, levaria as classes mais abastadas a se refugiarem nos espaos
que criam para seu uso exclusivo. maior parcela da populao estaria negado o acesso
a espaos projetados para tais atividades, excluindo-se as poucas excees10. Ao se
pensar o tempo livre dos trabalhadores/cidados como o tempo do desenvolvimento
humano cultural, fsico, psicolgico, poltico e social deve-se ter em mente o
10 Um exemplo local a ser citado a iniciativa recente de criao dos Centros de Educao Unificados, em SoPaulo, que agregam diversos equipamentos culturais, de lazer e esportes, aumentando consideravelmente onmero de bibliotecas, teatros, quadras e piscinas pblicas no municpio. A implantao da primeira fase dosCEUs privilegiou as regies menos favorecidas da cidade quanto oferta desses equipamentos, bem como devagas em escolas e com menores ndices de desenvolvimento humano. Tal poltica deve pode ser consideradaum bom avano em relao oferta de infra-estrutura, servios e atividades a ela relacionadas. Adescontinuidade dessa poltica pode vir a prejudicar tanto a comunidade usuria dos CEUs existentes quantoaquelas que poderiam vir a ser contempladas com os equipamentos futuros. Solues para implantao deequipamentos semelhantes em reas mais adensadas, com carncia de grandes terrenos ainda um desafio aque o poder pblico no se props.
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conjunto da sociedade; e o acesso ao espao construdo para tais fins como potencial
instrumento de democratizao de nossas cidades11.
Em texto denominado Espao Pblico e Visibilidade Social, LEITE (1998)
debate a impreciso no uso do termo cidadania em nossa sociedade, enquanto histria de
lutas e conquistas, visando obteno progressiva de direitos12. Milton Santos associaria
a conquista da cidadania, que pressupe o constante embate entre cidados e Estado, a
um modelo cvico formado essencialmente por dois fatores: cultura e territrio. No
Brasil, a supresso gradual dos direitos individuais, o crescimento econmico sem
desenvolvimento social e o crescimento de uma classe mdia sensvel a discursos
desenvolvimentistas que justificavam a substituio da vida comunitria pela sociedade competitiva
(LEITE, 1998, p.02) teriam garantido o modelo de excluso social pelo redesenho
territorial (baseado na concentrao de bens e servios). A distoro descrita, que estaria
na base da construo de nosso territrio desigual e que seria diretamente patrocinada
pelo Estado, teria sua contrapartida no processo de eliminao do carter pblico dos locais de
domnio coletivo, face mais perversa da desigualdade cultural (LEITE, 1998, p.03). O primeiro
passo nesse sentido seria a supresso do espao pblico como conceito:
(...) numa sociedade individualista e competitiva, em que no
h nada a compartilhar, o comunitrio, o pblico, passa a ser tomado como
o espao da marginalidade, dos desocupados, da poro pondervel da
sociedade que no pde ou a quem no foi permitida a insero no sistema
produtivo. A essa supresso conceitual corresponde, na prtica, a
eliminao de qualquer possibilidade de intercmbio social, de participao
coletiva na produo da paisagem, de enriquecimento pela troca de
11 Em relao caracterizao do lazer urbano, podemos nos ater quela proposta por Dumazedier e Ripert(1966 apud BARTALINI, 1999, P. 03), que identifica quatro condies bsicas:
o carter libertatrio , que trata da liberao de certas obrigaes sociais (profissionais,familiares, religiosas, educativas etc), da livre escolha das atividades;
o carter de gratuidade , que estabelece que se a atividade de lazer obedece a qualquerfim lucrativo, utilitrio ou engajado no um lazer por inteiro;
o carter hedonista , que associa necessariamente o lazer busca pela felicidade; o carter pessoal , que trata da necessidade de realizao pessoal, da recuperao
biolgica das fadigas do cotidiano.
12 SANTOS (1987 apud LEITE, 1998, p.01) os qualificaria como direitos polticos individuais, direitos coletivose direitos sociais.
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experincias e emoes. [O segundo seria o avano do domnio
privado sobre o espao pblico, onde] fiscalizao, denncia,
represso, passam a ser instrumentos de defesa contra a utilizao
comunitria do espao pblico (LEITE, 1998, p. 03).
Diversas ONGs e associaes de carter privatista trabalhariam pressionando
o Estado a adotar seu modelo urbano elitista, que visa em muitos casos a eliminao das
contradies, sob concepes formalmente idealizadas13. O terceiro passo seria, na viso
da autora, a privatizao formal dos espaos pblicos, pela excluso dos socialmente
indesejveis. A operacionalizao desse processo se daria nos projetos de requalificao
desses espaos pblicos, que visam garantir um ajuste ao molde esttico pretendido,
alm do confinamento da parcela menos influente da sociedade aos espaos de pobreza
absoluta. Dessa forma a cidadania seria negada a todos, uma vez que tambm as parcelas
mais influentes da sociedade buscam para si a segregao em reas privatizadas e
fortemente protegidas.
Os projetos urbanos de requalificao de espaos pblicos estariam
condenados, na viso da autora, a exerccios simplesmente formais, uma vez que esse
modelo cvico imperfeito [...] parece nos sugerir que a construo do espao pode se dar sem mediao
social (LEITE, 1998, p. 04). Por fim, a autora defende que, apesar de as prticas
urbanstico-arquitetnicas no poderem eliminar as causas da excluso, elas poderiam
revelar sociedade as bases morais que sustentam e permitem as aes segregadoras, oferecendo a ela a
possibilidade de envolver-se na determinao de seus lugares de vida (LEITE, 1998, p. 05).
2.4. ESPAO PBLICO MODERNO
Otilia Arantes (1993), aponta o surgimento de uma corrente do urbanismo
moderno, nos anos 60, com obsesso pelo lugar pblico em princpio o antdoto mais
indicado para a patologia da cidade-funcional. (ARANTES, 1993, p.97). Suas formulaes
teriam origem nas primeiras intervenes do ps-guerra, porm, em menos de vinte
13 A autora se refere nesse trecho Associao Viva o Centro, citando inclusive trechos de seu estatuto.
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anos o tema teria sido alado a lugar comum ideolgico, unindo tericos de todas as
vertentes do urbanismo.
A autora cita os textos de Camilo Sitte, que fora deixado de lado pelos
primeiros Modernos, como exemplo de conceituao sobre o espao pblico que seria
retomado a partir dos anos 50. O termo corao da cidade, por exemplo, usado por
Sitte para designar a praa, seria incorporado ao lxico dos urbanistas nos projetos
destinados revitalizao de centros de cidades destrudas pelas II Guerra, ou ainda
pelo urbanismo moderno predatrio.
A nfase na adoo da terminologia, usada por Sitte para a descrio dos
eventos urbanos desde a Antiguidade Idade Barroca, um dos elementos utilizados
por Arantes para demonstrar a contradio existente no discurso moderno. A opo
generalizada de partidos urbansticos centrados no espao pblico revela certa reao
perda do carter pblico da vida. O cerne da questo para Sitte era a alterao que a
modernidade trazia nas relaes entre o homem e o espao; a agorafobia moderna, que em
linhas gerais resultaria numa alterao dos rumos da vida urbana, que deixava de se dar
nos espaos pblicos para os recintos fechados, seria um fenmeno irremedivel,
sintoma de mudanas estruturais na sociedade moderna. O esvaziamento do espao
pblico no seria, portanto, um problema urbanstico, mas conseqncia do esvaziamento
da prpria vida pblica. A retomada de Camilo Sitte e a soluo da urbanstica moderna,
pelo retorno do lugar pblico, seria para a autora uma opo alienada e de carter
meramente esttico. A crena na recomposio da vida pblica como conseqncia da
reordenao do espao urbano a lio tirada por alguns tericos modernos, que viria a
ser incorporada nos discursos de urbanistas no ps-guerra, com alguma sobrevida at a
atualidade.
Enfim, na viso de Arantes, caem por terra todas as tentativas de resoluo
dos conflitos do espao urbano a partir de tcnicas urbanstico-arquitetnicas. No
obstante, a onda de intervenes de carter modesto, pontual e discreto, das dcadas
de 60 e 70, tambm contestada, uma vez que se apoiaria no fetiche da intimidade em
reao ao que Sennet definia como agorafobia, mesmo sendo seu complemento, ou
conseqncia. A contradio nesse tipo de atitude havia sido apontada justamente por
Sennet, pois tal opo seria uma regresso, uma recriao do espao estril, que
deveria ser suprimido.
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Partindo para uma leitura da prpria definio de Sennet, a respeito do novo
espao pblico como um derivado do movimento, destaca-se sua nfase nas mutaes
de uso com aproveitamento dos espaos criados na modernidade14. Os ideais modernos
responsveis pela adoo de modelos centrados na valorizao do pblico criariam as
bases para um territrio a ser efetivamente ocupado pelos fluxos da metrpole
contempornea. Georg Simmel (1973) veria a questo por outro ngulo, sobretudo com
relao liberdade pessoal possibilitada pela vida nas metrpoles15. Apesar de Simmel
no simplificar a anlise a ponto de se fixar apenas na questo do indivduo, Arantes
no o coloca como um utpico, exatamente por ver na metrpole a expresso dessa
individualidade.
Outra passagem citada por Arantes em seu roteiro referencial Hannah Arendt
(2004), em sua apologia ao mundo pblico. Embora refutando a noo de que a
alterao de uma morfologia urbana implicaria na mudana das relaes entre pblico e
privado, a autora citada traz tona a comparao entre a vida poltica no espao
pblico, da Antiguidade aos tempos modernos; a perda do carter cvico da vivncia no
espao pblico seria reflexo do desenraizamento ao qual se refere Arendt.
A anlise da autora sobre a centralidade poltica da gora abarca outras
correntes da urbanstica, que viam na criao de lugares com sentido forte, verdadeiros
monumentos vida em pblico, que trariam a tona a civilidade do espao pblico. Tal
corrente ganhou fora a partir do CIAM de 47 (com Giedion, e posteriormente com a
colaborao de Sert e Leger), ganhando fora com textos do grupo MARS (CIAM
1951). A impossibilidade de avano nessa direo com o crescimento de correntes que
defendiam idias de cidades fragmentadas, poli-nucleadas ou mega-estruturas teria
14 A supresso do espao pblico vivo contm uma idia ainda mais perversa: a de fazer o espaocontingente s custas do movimento.Ou ainda, a respeito do conjunto de edifcios de escritrios La Defense,em Paris: O solo, segundo as palavras de um dos encarregados do planejamento, o nexo de apoio ao fluxode trfego para o conjunto vertical. Traduzindo, isto significa que o espao pblico se tornou uma derivaodo movimento. (SENNET, 1998, p.28)
15 [...] assim, hoje o homem metropolitano livre, em um sentido espiritualizado e refinado, em contrastecom a pequenez e preconceitos que atrofiam o homem da cidade pequena. Pois a reserva e indiferenarecprocas e as condies de vida intelectual de grandes crculos nunca so sentidas mais fortemente peloindivduo, no impacto que causam em sua independncia, do que na multido mais concentrada na grandecidade. Isso porque a proximidade fsica e a estreiteza de espao tornam a distncia mental mais visvel. Trata-se, obviamente, apenas do reverso dessa liberdade, se, sob certas circunstncias, a pessoa em nenhum lugarse sente to solitria e perdida quanto na multido metropolitana. Pois aqui como em outra parte, no absolutamente necessrio que a liberdade do homem se reflita em sua vida emocional comoconforto.(SIMMEL, 1973, p.22/23)
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seqncia com o crescimento das teorias do lugar. Em substituio ao mito da
planificao ganharia fora a adoo de idias lanadas por Aldo Rossi em Arquitetura
da Cidade, publicado originalmente em 1966, em que a simbologia do lugar,
remontando ao Genius Loci romano o esprito do lugar superaria a anlise
puramente espacial ao incorporar dados de outras disciplinas das cincias humanas. A
anlise do arquiteto Vittorio Gregotti, por exemplo, posterior em alguns anos ao livro
de Rossi, citaria ainda o espao antropo-geogrfico16. Uma srie de urbanistas
embarcaria na teorizao do lugar em associao a uma esttica de retomada historicista,
cujos frutos mais visveis, do ponto de vista espacial, seriam projetos urbansticos de
carter ps-moderno.
A necessidade de manuteno (e criao) de fatos urbanos nicos
monumentos, praas, palcios etc ou dos fatos primrios de Rossi (1983 apud
ARANTES, 1993, p.136), seria um elo de ligao entre as teorias do lugar e arquitetos-
urbanistas herdeiros do modernismo, que apesar da assimilao parcial desse iderio,
conseguiu absorver o que convinha. A partir de ento, da aceitao dos monumentos
como forma de sacralizao das cidades, Arantes questiona a pertinncia das estratgias
de revalorizao dos monumentos pblicos. O interesse no trato do tema aqui est
justamente nas tentativas de criao de lugares-pblicos, em que os monumentos
ganham importncia simplesmente pela sua existncia, sem que de fato haja um
incentivo retomada da vida pblica. Os projetos urbanos de Barcelona-92 so citados
pela autora, mas poderamos avanar no tempo e verificar que tambm em projetos
contemporneos, no centro de So Paulo, busca-se utilizar o artifcio do monumento
como chamariz de projetos de revitalizao, ou mais friamente, como alavanca de
grandes transaes imobilirias.
2.5. O CASO DO CENTRO DE SO PAULO
Percorrendo a histria das cidades, Heitor Frgoli Jr. (1995) recorre a Lewis
Mumford para apontar a cidade como a sede do templo, do mercado, da Corte da
Justia, das academias de ensino, enfim, o ponto de mxima concentrao do vigor e da cultura
da sociedade (FRGOLI JR, 1995, p. 11). O autor busca desenvolver a partir da seu16 GREGOTTI (1975 apud ARANTES, 1993, p. 126).
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raciocnio, destacando como pontos fundamentais o espao urbano como lugar da troca
de mercadorias e como espao poltico-administrativo, centro das decises polticas. Os
centros urbanos seriam os coraes das cidades, onde se intensificariam esses pulsares,
sob variadas formas: na dimenso poltica, na vida pblica e outras dimenses
simblicas, nas relaes de mercado, nas cerimnias religiosas, nas atividades de
encontro e sociabilidade, no cio etc. O autor lembra ainda um conceito criado por
Lefebvre, a simultaneidade simblica, segundo a qual cada poca histrica constri uma
centralidade especfica e, na cidade capitalista moderna, a dimenso ldica ligada ao imprevisto, ao
jogo das relaes sociais, aos encontros, ao teatro espontneo muitas vezes se entrelaa dimenso do
consumo, que o tipo peculiar e especfico de centralidade criado pela cidade capitalista (FRGOLI
JR, 1995, p. 12).
De acordo com Frugoli Jr., as intervenes urbanas ocorridas tanto em
Londres quanto em Paris e que iriam influenciar fortemente projetos para as cidades
brasileiras no sculo passado negavam fortemente o papel do espao pblico como
espaos de usos mltiplos e populares, apesar do aumento populacional e dos novos
ritmos de circulao. Com isso, as cidades deixavam de ter um centro referencial,
iniciando-se um processo de fragmentao dos centros urbanos; nesse momento as
praas tradicionais passariam a representar a memria da cidade pr-industrial.
Intervenes recentes como a Praa Roosevelt, estariam muito menos associadas
sociabilidade e ao encontro do que criao de espaos funcionais e de servios; o que
se identifica ali como espao de lazer est subordinado a um parcelamento de usos
funcionais, constituindo-se, enquanto praa, em um espao fragmentado e ininteligvel.
Em relao s praas do centro da cidade, verifica-se, em geral, um processo
generalizado de deteriorao, excetuando-se aquelas ocasionalmente alvos de tentativas
de revalorizao do centro tradicional. Outras foram alvo de intervenes pelo Metr,
passando a ter seu uso principal como acesso s estaes, e inviabilizando qualquer
outra possibilidade de apropriao. H ainda aquelas que sofreram algum tipo de
interveno viria, e nesse caso elas esto, no mais das vezes, degradadas devido
dificuldade de usufruto causada pela proximidade com automveis e nibus. Apesar
desse quadro, percebe-se a insistncia da populao em utilizar-se, mesmo que das
formas mais precrias, da estrutura existente. Diversos grupos, organizados ou no,
fazem desses espaos seu ponto de encontro e atividades; a exigidade dos espaos com
alguma qualidade locacional, espacial ou funcional acaba agregando nos mesmos
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pontos, diferentes grupos, que dele fazem uso em horrios alternados ou no. Tais
apropriaes no despertam grande simpatia de toda a populao, h resistncia
popularizao desses espaos sobretudo pelas camadas mais abastadas da populao, e
muitas vezes pelo prprio poder pblico 17.
Outro aspecto de interesse na abordagem de Frgoli Jr. sobre o centro
metropolitano a anlise da sucesso de eventos que ocasionam transformaes no
espao urbano, em diferentes aspectos. Assim, o autor centra foco nos grupos sociais
(suas caractersticas, levas de imigraes, transformaes ascenses e descenso social);
nas alteraes do setores primrio (primeira industrializao, crescimento e declnio do
ABC) e tercirio (o avano do centro de servios rumo ao quadrante sudoeste da
cidade); na moradia (a fuga das classes mdia e alta rumo aos grandes condomnios
perifricos, configurando-se um novo padro habitacional a partir dos anos 80); na
estrutura comercial (o surgimento de super e hiper-mercados nas dcadas de 60 e 70, o
fenmeno dos shopping-centers a partir dos 80); e, finalmente, no padro de transporte
individual adotado pela cidade (e as conseqentes obras virias sucessivamente
realizadas para lhe dar suporte). Associando os diversos dados apontados, chega-se
concluso que houve de fato uma pulverizao metropolitana da centralidade tradicional, que foi
gradativamente deixando de ser a principal referncia na cidade, com o surgimento espalhado de
inmeros centros, entre eles os novos centros especializados, funcionais, que demandam uma ocupao
organizada, seletiva, previsvel e controlada (FRGOLI JR, 1995, p. 81). Assim configura-se
uma cidade voltada para os interiores, como se refere tambm Camilo Sitte (apud
ARANTES, 1993, p. 103) em relao aos efeitos do fenmeno batizado de agorafobia
moderna. O universo artificial de cada uma das novas cidades (privadas) que surgem
dentro da cidade existente colaboram para a degradao da esfera pblica; nesse quadro,
o centro tradicional abriga alguns dos inmeros espaos da cidade que so apropriados
pelas camadas menos favorecidas da populao, que deles se apropriam das mais
variadas formas. A essa apropriao costuma-se associar a degradao do centro
tradicional.
17 Tal diversidade, muitas vezes conflitiva, vista de forma absolutamente negativa, principalmente pelasclasses sociais de maior poder aquisitivo, que h muito abandonaram o espao urbano central e deterioradoda cidade. Ademais, o conceito de deteriorao, nesse caso, estendido s pessoas e atividades exercidasnesses espaos, e no ao processo urbano que gerou tal quadro social. Essa representao intoleranteimplica uma viso sobre a rua como invariavelmente local do perigo espreita, do crime e do trfico dedrogas, devendo ser evitada a todo custo, articulando-se como uma das solues mais solicitadas a presenade um policiamento ostensivo, visando controlar tais manifestaes. (FRGOLI JR, 1995, P. 35)
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O estilo de vida que se articula atravs de grupos sociais com
maior poder aquisitivo, marcado pela mobilidade urbana, pela
permanncia preferencial em espaos privatizados e por constantes
demarcaes de distino, pode ser visto como que ligado a uma certa
cultura dos espaos privatizados, onde a noo do espao pblico torna-se
secundria, contanto que esteja garantida uma utilizao excludente e
seletiva da cidade. Nesse caso a esfera pblica, ao nvel da vida urbana
(...) se torna mais ameaada, porque tais grupos sociais desenvolvem
atitudes e defendem posies conservadoras e elitistas, reforando os
preconceitos, propondo sobretudo solues repressivas para banir os grupos
indesejveis e, ao mesmo tempo, articulam barricadas contra a metrpole,
criando uma comunidade artificial parte do contexto urbano
(FRGOLI JR, 1995, p. 106).
J Glria da Anunciao Alves (1999), em O uso do centro de So Paulo e sua
possibilidade de apropriao, percorre um trajeto assumidamente lefebvriano-marxista para
questionar a contradio entre apropriao e dominao do espao urbano (do centro
de So Paulo). Em trabalho de vis emprico, a autora enfoca as disputas de poder e as
estratgias assumidas pelos agentes da dominao/apropriao desses espaos. As
diferentes estratgias de dominao pelo Estado e agentes privados so contrapostas
apropriao do espao urbano pela populao, em seu uso cotidiano da cidade. O
enfoque no carter transgressor da apropriao est no centro da discusso proposta;
so esmiuadas algumas das alternativas espontneas de fuga normatizao do espao,
sua fragmentao, hierarquizao, enfim, s estratgias de dominao estatais e de
grupos privados.
Do ponto de vista da sua filiao terica, a autora no deixa dvidas, so
citadas j na introduo, entre outros:
LEFEBVRE, Henri. La production de lespace: para enfatizar acontradio entre dominao e apropriao. Enquanto o controle
do espao seria uma forma de o Estado e as empresas afirmarem a
racionalizao, que serviria aos seus interesses de dominao, a
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apropriao seria a alternativa de grupos no organizados a
popoulao em geral. Contextualizando a discusso, a autora no
se furta de relativizar o tema, dando como exemplo a importncia
dada propriedade privada da moradia, por cidados de todos os
nveis sociais, e o esvaziamento do conceito do direito
moradia enquanto direito ao uso.
LEFEBVRE, Henri. De lo rural a lo urbano: aqui a autoraacentua a diferena entre os dois conceitos (dominao vs.
apropriao), citando o mesmo autor, que desta vez confronta-os
utilizando a relao homem-natureza como exemplo. Em linhas
gerais, argumenta-se que enquanto a dominao da natureza
material permite que se avance economicamente, somente em
sua apropriao se d o desenvolvimento social.
LEFEBVRE, Henri. O direito cidade: a apropriao, usadacom o sentido de uso, teria dado lugar posse, privilgio de
poucos. Nesse momento a autora evoca a necessidade de resgate
do sentido original do termo, que teria sido paulatinamente
soterrado pelas estratgias de dominao espacial.
ARANTES, Otilia. Do universalismo moderno ao regionalismops-crtico, in Urbanismo em fim de linha: nesta citao a
autora inicia uma crtica ao urbanismo moderno, que perpassa
toda a sua tese. O termo racionalidade utilizado a todo momento
para acentuar um dos aspectos da dominao estatal sobre o
espao; o urbanismo seria seu instrumento.
LEFEBVRE, Henri. De la presencia a la ausencia: a nfase novalor de uso dos espaos extrada de um trecho de Lefebvre, em
que destaca-se que so exatamente os desejos e as necessidades
humanas que garantem ao espao o seu valor (de uso) e sua
qualidade.
SEABRA, Odete. A insurreio do Uso: aqui d-se nfase aoconflito. O uso e a apropriao dos espaos seriam
instrumentos de luta pela cidadania.
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LEFEBVRE, Henri. La rvolution urbaine: a crtica ao espaotido como um objeto/mercadoria. A tendncia a considerar-se o
espao como uma mercadoria neutra, que para Lefebvre seria
uma estratgia dirigida pelo Estado, teria como finalidade
suplantar a viso do espao como construo social. Sobre esse
espao neutro o Estado agiria de forma a acrescentar-lhe valor,
de forma a garantir uma certa contribuio da reproduo do
espao reproduo do capital.
SANTOS, Milton. O espao do cidado: citado na afirmao,j clssica, do autor substituio do cidado pelo consumidor(...) que aceita ser chamado de usurio. O consumo do espao passa
a ser foco da autora, que utiliza-se de exemplos da indstria do
turismo.
Alves desenvolve ainda uma caracterizao do centro da metrpole, com
nfase especial nos espaos livres pblicos. Partindo de uma caracterizao da
simbologia do centro, enquanto ponto de convergncia e expresso maior da cidade,
so analisados aspectos dessa centralidade dos pontos de vista material, informacional,
geogrfico, financeiro e funcional. A nfase na reproduo do capital, e no papel do
centro enquanto espao da materializao dos intercmbios para sua realizao, d
origem descrio das estratgias do Estado e do mercado para a dominao dos
espaos pblicos. O centro dado como exemplo de espao em que se articulam, como
estratgias de classe, a integrao e a segregao, que seriam utilizadas como
instrumentos polticos e dispositivos para controlar o consumo.
A interdependncia entre o centro histrico e os sub-centros que passam a
agregar funes especficas na dcada de 70 acentua a fragmentao e a normatizao
do espao. Apesar de aparentemente independentes, esses sub-centros teriam um
imbricamento estrutural, tendo o centro histrico como centro decisrio. Essa viso
corrobora claramente para uma viso do atrelamento entre Estado e mercado que a
autora pontua j nas primeiras linhas. Por no ter-se especializado como os demais sub-
centros, o centro histrico teria o papel de articulador entre eles, de forma a criarem,
todos juntos, o espao urbano fragmentado e devidamente hierarquizado para a
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efetuao da reproduo do capital.18 Apesar de aparentemente contraditria, essa
relao de inter-dependncia fortaleceria o papel do centro histrico, que se nutre da
fragmentao espacial para manter-se como centro decisrio. Ou seja, a centralidade
assim se refora em sua disperso (ALVES, 1999, p. 21).
O papel do urbanismo contemporneo seria garantir uniformidade aos novos
centros, em que se do muitos dos investimentos pblicos de vulto, construindo
espaos que tendem para a privatizao do urbano, para o uso e consumo dos lugares (ALVES,
1999, p. 19). Esse processo contribuiria para generalizar a atomizao pessoal, em
detrimento da vida urbana sociabilizada.
A funcionalizao dos lugares serviria, para a autora, a uma normatizao que,
entre outros fatores, visa limitao do uso e das tentativas de apropriao. Seria por
esse mecanismo que se daria o processo de expanso da centralidade, ou seja, a
criao de novos centros funcionais especializados. O centro histrico, no entanto, pela
sua diversidade, ainda permitiria em determinados momentos o rompimento dessa
racionalidade. E nesses momentos se realizaria o papel simblico do centro, enquanto
possibilidade de apropriao. Para exemplificar, a autora abordar em captulo especfico
eventos ou momentos em que se percebe essa realizao.
Entrando um pouco mais a fundo na caracterizao do centro de So Paulo, a
autora aponta o Estado como grande agente transformador da cidade.
O Estado, utilizando-se do espao como instrumento para
reproduo das relaes de dominao, procura nele impingir as
caractersticas necessrias para a efetivao desse projeto de controle scio-
espacial, o que imprime vida cotidiana um esquema, ao mesmo tempo
homegeneizante, a dizer a tendncia por ela mesma, identidade,
equivalncia, ao repetitivo e sua ordem; fragmentao, ou seja, o
esfarelamento do tempo e do espao, do trabalho como do cio, as
especializaes cada vez mais impelidas; a hierarquizao, a ordem
hierrquica se impondo tanto s funes mais ou menos importantes
18 Contrapondo-se viso de cidade polinuclear, a autora enfatiza o poder decisrio do centro, que abrigadiversos rgos governamentais, sedes de bancos e grandes empresas, que lhe garante o papel de centrometropolitano. Os demais centros variariam entre sub-centros monofuncionais e centros comerciais (debairro) sem grande importncia na estrutura urbana da metrpole.
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como que aos objetos. Aparentemente contraditria, essa trade que
tambm tende a caracterizar o espao perfeitamente articulada.
(ALVES, 1999, p.30, grifo nosso)
Da descrio de cada parte da trade citada emerge um outro conceito, dos
guetos; esse desenvolvido a partir da conceituao presente em Os lugares da
metrpole: a questo dos guetos urbanos, de Ana Fani Carlos.
Os guetos, [...] parte do espao que tende homogeneizao, so
lugar em que a homogeneidade s existe para determinado grupo que
consegue, em lugar especfico, ainda estabelecer referncias e manter a traos
da memria de grupo [...]; o gueto pode ser uma entrada para o novo,
fugindo aos padres homogeneizantes, resgatando particularidades culturais
de grupos, que, de forma coletiva, reivindicam e lutam por direitos bsicos,
os quais muitas vezes so negados em nossa sociedade (ALVES, 1999,
p. 32).
Outro ponto de destaque na obra so interpretaes do que seriam disputas
pelo espao pblico. A autora retoma a esperana presente em O direito cidade deque o valor de uso possa voltar a subordinar o valor de troca na prtica social e no uso
dos espaos para tomar partido na citada disputa. Se de um lado o mercado se
apresenta em forma de associaes de empresrios, aliado em muitos momentos ao
Estado, que buscam doutrinar os espaos, de outro lado, a dificuldade em se superar a
imprevisibilidade e a transgresso cotidianas consolidam uma barreira para a
consolidao da dominao. Apesar dos diversos instrumentos de dominao utilizados
por Estado e mercado, a autora ressalta a capacidade de a sociedade transgredir
quaisquer regras em momentos determinados. Para tanto so evocados alguns
momentos histricos e eventos de grande escala, como shows, comcios, transmisso de
partidas de futebol, entre outros. Esses momentos teriam a marca do imprevisvel, da
possibilidade de ruptura, do descontrole. A esse perigo so descritas reaes do Poder
Pblico e manifestaes de associaes de empresrios e da mdia, em que se percebe a
vontade de conter a possibilidade do imprevisvel.
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A imbricao entre Estado e mercado emerge das demais consideraes, e no
cabe aqui detalhar todas, como um ponto de destaque na tese. A impossibilidade de se
pensar essas instncias sociais (na falta de melhor termo) como entes independentes
apresenta-se como uma marca de nossa sociedade; e a poderamos derivar para um
longo desenvolvimento terico sobre as relaes patrimonialistas que marcam a
sociedade brasileira. No caberia neste curto trabalho optar por esse caminho, mas o seu
desenvolvimento aponta para a necessidade de citar alguns estudos clssicos sobre a
formao de nossa sociedade.
Com uma abordagem teoricamente prxima de Alves, em Uma leitura
sobre a cidade e Notas sobre a paisagem urbana paulistana, ambos textos de O
Espao Urbano: novos escritos sobre a cidade19, Ana Fani Carlos se concentra nas novas
dinmicas de reproduo do espao urbano, na Metrpole de So Paulo, e na relao de
exterioridade em relao ao cidado. Negando desde o inicio a leitura da cidade
enquanto quadro fsico, e enquanto meio ambiente urbano (para citar apenas duas das
correntes s quais a autora se contrape), Carlos nega a ocultao do contedo da
prtica scio-espacial, buscando sempre associar produo de um pensamento sobre a
cidade a produo social da cidade. Sinalizando uma crise terica, nas formulaes em
que impera o pragmatismo nas anlises urbanas, a autora enfatiza a necessidade de se
abandonar o estudo parcelar da cidade, em detrimento de uma abordagem e de um
debate coletivos. Fixando explicitamente sua filiao analtica a autora se alinha
corrente marxista-lefebvriana parte da noo de cidade enquanto trabalho
materializado, acumulado ao longo de uma srie de geraes, a partir da relao da sociedade com a
natureza (CARLOS, 2004, p. 19).
A noo de produo, com o sentido mais amplo que a economia lhe confere,
pois que se vincula produo humana, s condies de vida da sociedade, articulada
quela de reproduo das relaes sociais, referenciando-se no que Lefebvre chama de
produo filosfica. Assim, o espao da cidade tomado enquanto condio, meio e
produto da reproduo social.
19 O livro busca apontar as transformaes do espao urbano a partir das modificaes do cotidiano de seushabitantes. A sobrevalorizao do valor de troca em relao ao valor de uso do espao urbano seriaconseqncia das alteraes impostas pelo novo modelo econmico. Assim, os espaos pblicos perdem cadavez mais seu significado, estando a vida comunitria mudando de cenrio, passando a ocupar, por exemplo, osshopping-centers: a metrpole virou cenrio e criou novas formas de vida (CARLOS, 2004, p. 41).
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O conflito entre o processo de produo social do espao e a sua apropriao
privada delimitaria a vida cotidiana. Produzido e reproduzido enquanto mercadoria, o
espao entraria no circuito da troca. A tendncia sua hogeneizao (vinculada
construo do espao enquanto mercadoria) e fragmentao (esta vinculada ao espao
da propriedade privada20), vinculariam o acesso ao espao urbano inexoravelmente ao
mercado, uma vez que a propriedade privada do solo urbano condio para o
desenvolvimento do capitalismo.
Quando analisa mais especificamente a paisagem paulistana, a autora se detm
na efemeridade da forma (efemeridade tomada aqui como a sucesso de camadas de
cidade, sua sucessiva re-construo, sentido diferente daquele usado por Lefebvre), na
desigualdade social latente nas ruas de bairros abastados, na conseqente morfologia
estratificada, nos lugares de passagem. O sentido da rua passa a priorizar o
movimento, em que o que importa o percurso (CARLOS, 2004, p. 41). A leitura do
movimento na metrpole especialmente comentada, uma vez que se d no espao
pblico, que j no o lugar do encontro, do estar. Por outro lado, a vida noturna da
cidade, que se realiza agora em 24h, apresenta o tempo como um elemento
transformador.
J em So Paulo: as contradies no processo de reproduo do espao, a
autora apresenta as mudanas que ocorrem no processo produtivo em funo de novos
padres de competitividade. Apostando na tese de que So Paulo estaria entrando no
circuito das cidades globais21 a autora apresenta como causa para o surgimento de
novas centralidades o esgotamento de imveis no centro metropolitano22. A ao do
Estado viria a reboque, garantindo condies para a reproduo do espao do capital.
A contradio que surgiria nesse movimento, da reproduo do capital, se d
na diferena entre a antiga possibilidade de se ocupar reas como lugares de expanso da
mancha urbana e sua presente impossibilidade diante da escassez de reas entenda-se
reas enquanto possibilidade concreta de efetivao da reproduo do capital dentro das
20 Note-se que aqui a autora se refere fragmentao em seu sentido mais literal, da partio do solo urbanoem fraes pertencentes a entes privados. 21 Tese contestada entre outros por FERREIRA (2003) e FIX (2004).22 No objetivo deste trabalho entrar no mrito das teses analisadas, mas diversos estudos apontam outrascausas para a mutao das centralidades de servios rumo ao quadrante sudoeste da cidade. Para citarapenas um, FRUGOLI Jr. (2000) disseca o fenmeno, bem como aponta atores envolvidos em grandes aesestratgicas e polticas pblicas de reorientao de investimentos visando beneficiar alguns empreendedores emercadores do espao urbano. A questo demasiadamente complexa para uma nota de rodap, mas cabe aressalva.
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regras do mercado imobilirio e limites expanso econmica capitalista. O pano de
fundo da contradio colocada obviamente a apropriao privada do espao enquanto
produo social. Nesse ponto a ao do Estado, atuando de forma enrgica no esforo
pela consolidao do espao tercirio especializado em outras centralidades paulistanas,
passa a corroborar a viso de parceria entre Estado e mercado, colocada tanto por
Lefebvre quanto por Alves, na efetivao do espao economicamente hierarquizado. Os
novos padres de competitividade econmica, que segundo Carlos demandariam
espaos novos e exclusivos, so tratados por Alves, como foi visto, de forma
complementar ao centro decisrio, o centro histrico. As novas centralidades estariam
integradas ao ciclo de reproduo de capital, em escala, no espao urbano paulistano. O
enfoque especfico dado por Carlos na necessidade de condies especiais (e espaciais) para
realizao da reproduo do ciclo do capital (CARLOS, 2004, p. 90), explicaria o surgimento
de novas centralidades; o espao central estaria esgotado enquanto oportunidade de
negcios na metrpole. Tal esgotamento seria resultado do prprio processo de
produo do espao, e conseqncia da apropriao privada do espao produzido
socialmente (solo urbano). s transformaes necessrias para a reproduo do capital
d-se o nome de renovao urbana, processo travestido pelo Estado de necessidades
sociais e que dissimularia o conflito de interesses; nesse ponto a autora cita o discurso
da modernizao necessria ao crescimento e as prticas de remoes de favelas para
implementao de obras virias de porte na regio da Marginal Pinheiros.
Sobre essas novas centralidades, a autora enfatiza o papel da arquitetura e do
marketing como atrao para os investidores; o Estado entra com os investimentos em
obras pblicas, mudanas na legislao de uso e ocupao, bem como a criao de
instrumentos urbansticos de fomento ocupao desejada, criao de redes de infra-
estruturas impostas pelo novo mercado e na elaborao (ou apropriao) do discurso
modernizante.
O carter dos espaos pblicos nessas regies reflete o padro homogneo da
ocupao, em que a racionalidade justificaria a exigidade dos espaos de encontro. A
prioridade o edifcio. O espao urbano sofre alteraes bruscas23, os antigos
23 A autora no entra no mrito do desajuste entre os padres de ocupao, antigos e novos, dessas novascentralidades. Alguns espaos se mostram urbanisticamente de difcil adaptao: bairros residenciais, comlotes reduzidos do lugar a uma ocupao de grandes edifcios de escritrios. A adaptao muitas vezesmostra-se incapaz de atender mesmo as demandas mais bsicas, como transito, estacionamentos, servioscomplementares etc. A nova centralidade FariaLima-Juscelino Kubitcheck j d sinais de fadiga em agunsquesitos elementares mesmo para aquela ocupao; questo abordada tambm em So Paulo, cidade
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moradores vo paulatinamente perdendo suas referncias, a rua deixa de ser o espao do
encontro desses moradores (o umbral da porta passa a ser o novo limite, p. 103). No plano
da vida cotidiana, o espao da vida revela a passagem da produo de um lugar
conhecido/reconhecido para a constituio de um novo lugar; a autora conceitua a
mudanca, para os moradores, como a transio do ato do habitar para o ato de morar,e com isso passa de usador a usurio, ou de habitante a morador.
Os processos relatados aludem a uma nova ordem espao-tempo, em queformalmente a cidade adapta-se s necessidades do mercado, revelando a especificidadede sua produo espacial. A cidade como valor de troca predomina sobre o uso, e o uso
subordina-se a essa lgica. Concluindo, a autora sentencia:
Ultrapassar o limite estreito da produo do espao enquanto
mercadoria, e do cidado enquanto fora de trabalho torna necessrio
refletir o espao urbano em seu sentido mais amplo, o espao geogrfico
como uma produo social que se materializa formal e concretamente em
algo passvel de ser apreendido, entendido e apropriado pelo homem, como
condio e produto da reproduo da vida (CARLOS, 2004, p. 106).
2.6. UM MTODO
Em O direito cidade, Henri Lefebvre tece uma abordagem genrica sobre
a questo da urbanizao e sua relao com os processos de industrializao. O autor
coloca, numa relao indutor-induzido, a industrializao como motor das
transformaes sociais nos ltimos dois sculos. As questes relativas urbanizao
seriam uma parte de seus efeitos induzidos, e no causa ou razo indutora. Apesar de
muito anterior industrializao, o fenmeno urbano (j uma poderosa realidade) sofre
mudanas radicais aps a sua imposio.
Ao caracterizar a cidade como obra em contraposio noo de produto, oautor j coloca a distino entre valor de uso (obra) e valor de troca (produto). Assim, o
mundial: fundamentos financeiros de uma miragem , de Mariana Fix (2004).
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uso principal da cidade, de suas ruas, praas, edifcios e monumentos seria a Festa, que
consome improdutivamente, sem nenhuma outra vantagem alm do prazer e do prestgio, enormes
riquezas em objetos e em dinheiro (LEFEBVRE, 1969, p. 11). A tese que desponta dessa
afirmao pressupe a cidade e a realidade urbana como dependentes do valor de uso,
enquanto que o valor de troca e a generalizao da mercadoria tenderiam a destru-las.
A ao dos conflitos entre valor de uso e valor de troca tambm abordada
quando da descrio das mudanas nas cidades a partir do advento da industrializao,
que pressupe a ruptura desse sistema urbano pr-existente (LEFEBVRE, 1969, p. 13).
A caracterizao de tecidos e ncleos urbanos d-se na obra de Lefebvre
atravs de exemplos concretos, e ajudam a identificar os espaos resultantes das
transformaes urbanas ps-industrializao. Conceitos como centro de deciso,
centro comercial ou centro de poder so usados para definir as caractersticas
bsicas desses centros urbanos. A crise da cidade nasceria da contraposio entre o
crescimento em teia e os ncleos urbanos. Ao apresentar um quadro do assalto da
cidade pela industrializao (LEFEBVRE, 1969, p. 18), Lefebvre nega uma aparente
naturalidade desse processo; pelo contrrio, o autor busca enfatizar a diferena entre os
papis desempenhados pelas classes dirigentes24 e pelo proletariado nessa mudana de
carter da sociedade urbana ps-industrial. Por trs desse processo estaria se dando uma
perda do sentido de obra, e ganharia fora o valor de troca presente nas transaes de
propriedade urbana. O crescimento das periferias, em grandes conjuntos habitacionais, e
a especulao sobre esses subrbios teriam grande contribuio para a mudana nos
padres de urbanizao. A decomposio da ordem urbana se daria, no plano simblico,
por exemplo, pela ausncia de elementos do uso cotidiano das cidades (ruas, praas,
monumentos, bares, cafs, etc)25.
A partir de metforas o autor tece crticas racionalizao moderna, sua
necessidade de coerncia e o combate contradio. 26 O urbanismo moderno est por
trs dessa crtica, que no poupa tambm certa ingenuidade e nostalgia daqueles adeptos24 Sem fazer distino entre Estado e mercado, como demonstra explicitamente ao descrever as obras dobaro Haussman e a urbanizao desurbanizante, ou seja, a criao dos subrbios habitacionais francesesno fim do sculo XIX (ver: LEFEBVRE, 1964).25 Esse tema o autor desenvolve em outro trabalho, esse de carter estritamente emprico, ao analisar umcaso extremo de conjunto habitacional francs e suas relaes com vilas e cidades prximas (LEFEBVRE,1964).26 O mdico da sociedade moderna se v como um mdico do espao social doente. A finalidade? O remdio? a coerncia. O racionalismo vai instaurar ou restaurar a coerncia na realidade catica que ele observa eque se oferece sua ao (LEFEBVRE, 1969, p. 27).
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de um urbanismo mais humanista ou o urbanismo dos homens de boa vontade, e
que avana ainda sobre prticas urbanas tecnocratas e sobre o mercado de projetos 27.
Outros aspectos so analisados em seguida, entre eles a filosofia e a cidade.
Questes urbanas analisadas em trabalhos filosficos encaminham a discusso sobre
oposio entre valor de uso e valor de troca; para tanto cita autores como Heidegger (o
Logos e a cidade grega, a Morada e o Vaguear), Hegel (distino entre a Coisa
perfeita e a Idia, que anima a sociedade e o Estado), Bachelard (e a Casa)28, alm
de Marx, que serve de referencial terico maior ao autor. J em relao s Cincias
Parcelares o autor centra a sua anlise sobre os estudos urbanos de economistas,
historiadores, demgrafos, socilogos, gegrafos etc. A questo que emerge dessa
apresentao ( possvel tirar da cincias parcelares uma cincia da cidade?, p. 39), reflete a
necessidade de sntese global, por pesquisadores de qualquer uma delas. Aqui cabe
tambm uma crtica a essa postura, que ao tomar emprestada a sntese urbana para sua
utilizao em uma anlise parcelar acaba por refletir uma viso da cidade como um
organismo. Por fim, o urbanismo surge no como cincia, mas como nova prtica
social, que se supe interdisciplinar, e que mereceria exame crtico ao invs da
aceitao dos efeitos de suas proposies e decises29. As defasagens entre prtica e
teoria passariam, nesse exame, a um primeiro plano. E assim emerge a interrogao
entre o uso e os usurios (da cidade). Em seguida o autor parte para uma crtica radical de
urbanistas que negam a diviso de trabalho e a luta de classes; citando Lewis Mumford e
G. Bardet, Lefebvre ataca ainda mais fortemente Le Corbusier30 . A necessidade de se
superar a viso do urbanista como o mdico do espao, que teria a capacidade de
identificar patologias espaciais e de conceber o espao socialmente harmonioso, move o
autor a cobrar uma postura crtica radical e teoricamente embasada.
O conceito de cidade enquanto mediao surge na anlise de suasespecificidades; mediao entre relaes de produo e propriedade, entre reproduo
27 O fato que eles no vendem mais uma moradia ou um imvel, eles vendem urbanismo. Com ou semideologia, o urbanismo torna-se valor de troca (LEFEBVRE, 1969, p. 28).
28 (LEFEBVRE, 1969, p. 34)29 (...) o urbanismo como doutrina, isto , como ideologia, que interpreta os conhecimentos parciais, quejustifica as aplicaes, elevando-as (por extrapolao) a uma totalidade mal fundamentada ou mal legitimada.(p. 42)30 Sobre o arquiteto suo: Numa perspectiva que se associa a horizontes bem conhecidos do pensamento, oArquiteto percebe a si mesmo e se concebe como Arquiteto do Mundo, imagem humana do Deus criador. (p.43)
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(do capital) e espao fsico. A cidade como obra, a ser associada mais com a obra de arte doque com o simples produto material (LEFEBVRE, 1969, p. 48), e no como objeto remete crtica feita anteriormente s variadas vises parcelares sobre o fenmeno urbano. A
necessidade de se conhecer os acontecimentos produtores da realidade urbana
enquanto formao e obra social (que escaparia ao evolucionismo simplificador da
anlise histrica ou ao continusmo ingnuo da anlise sociolgica) leva o autor a
questionar um posicionamento passivo em relao aos fenmenos urbanos. A
necessidade de se encaixar as teorias sobre o urbano nas reflexes sobre produo e
reproduo do capital, as relaes de classe e propriedade e a luta de classes leva o autor
a apontar o estudo das continuidades e descontinuidades temporais e espaciais na teoria
da cidade. Encerrando as especulaes sobre as formas tericas e prticas de
entendimento das cidades, conclui o autor que a anlise dos fenmenos urbanos exige o
emprego de todos os instrumentos metodolgicos: forma, funo, estrutura nveis, dimenses texto,
contexto campo e conjunto, escrita e leitura, sistema, significante e significado, linguagem e
metalinguagem, instituies etc (LEFEBVRE, 1969, p. 58).
Em seguida, e aps fazer uma comparao entre a dicotomia clssica campo /
cidade e a trade (atual) campo / tecido urbano / centralidade, o autor traa um
percurso histrico da urbanizao, com o surgimento do que ele define como a
socializao da sociedade, tese nascida com vis reformista, segundo o Lefebvre. A
sua utilizao com o sentido de urbanizao da sociedade seria tambm incompleta, uma
vez que no contemplariam locais e momentos privilegiados em suas relaes de
troca. Uma interpretao da realidade urbana realmente revolucionria ainda no teria
levado em considerao a viso da cidade enquanto valor de uso.
A superao da diviso cidade-campo, e da separao entre o animal rural e
o animal urbano (Marx), redefiniria a relao do homem com o espao urbano em
trs nveis: processo global de industrializao e de urbanizao sociedade urbana,
plano especfico da cidade modalidades do habitar e modulaes do quotidiano do
urbano. Essa diferena entre os trs nveis se impe, segundo o autor, a fim de se
combater estratgias de dissoluo do urbano na racionalizao da planificao
industrial e/ou habitacional. A crtica s tticas do planejamento racionalista-burocrtico
do estado francs o leva a sentenciar a inutilidade de se procurar racionalmente a
diversidade; as anlises que buscam ordenar as relaes humanas nas cidades caem
invariavelmente na homogeneizao da anlise, tratando-se as variveis urbanas em
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frmulas de somas ou combinatrias. Tal viso, com que se constroem ou remanejam as
cidades, estaria retirando das cidades as suas caractersticas de obra, de apropriao. O
questionamento sobre qual seria a essncia da cidade para o poder se coloca; e com
sarcasmo grifa o autor: Cheia de atividades suspeitas, ela ferramenta delinqncias;
um centro de agitaes. O poder estatal e os grandes interesses econmicos s podem
ento conceber apenas uma estratgia: desvalorizar, degradar, destruir a sociedade
urbana. (LEFEBVRE, 1969, p. 76) 31
As estratgias do urbanismo para atuao sobre as cidades seriam dissimuladas
sob o prestgio da sntese, apregoada pelo intelecto analtico funcionalista.
Lefebvre questiona as estratgias de classe e a ideologia por elas sustentada,
que, ao privilegiarem a anlise espectral de certos elementos da sociedade
invariavelmente derivam para a segregao. Apesar do esforo de certas correntes (anti-
segregacionistas), a prtica caminharia para a segregao. Do ponto de vista
eminentemente terico isso se daria pela natureza do pensamento analtico, que
separa/decupa, uma vez que a idia de sntese estaria fadada ao fracasso32. Na prtica,
social ou poltica, as estratgias de classe visariam segregao. Os guetos seriam um
exemplo da expresso fsica da segregao, por outro lado, o zoning (zoneamento) seria a
forma de os urbanistas racionalizarem em seus projetos a segregao (na prtica)
desejvel33.
Em contraposio, o autor cita as prticas sociais de participao real e ativa
(auto-gesto) como reao ideologia (de um certo urbanismo) de uma prtica que
visa a destruio das cidades. A necessidade de a vida urbana recuperar a capacidade de
participao da cidade surge como uma questo poltica para a classe operria, vtima da
segregao e expulsa da cidade tradicional.
Aps investigar as diversas necessidades individuais, com suas motivaes
marcadas pela sociedade dita de consumo, o autor adentra o campo das necessidades
31 Aqui se pode identificar tambm o n da discusso levantada por Alves, que coloca como figura emblemticado poder as associaes de empresrios do centro paulistano, mais especificamente a Associao Viva oCentro, que busca, com apoio do Estado, frear as possibilidades de apropriao transgressora do centro deSo Paulo. A necessidade de controle se impe.32 A crtica separao analtica, que tenta desagregar os ingredientes da vida cotidiana como que afragmentos (trabalho, transporte, lazer, vida privada etc) passveis de encaixe em anlises combinatrias, radical: a combinao no , no nunca uma sntese, No se recompe a cidade e o urbano a partir dossignos da cidade, dos semantemas do urbano, e isto ainda que a cidade seja um conjunto significante. Acidade no uma linguagem, mas uma prtica.(LEFEBVRE, 1969, p. 92).33 O fato torna-se realidade no projeto.(LEFEBVRE, 1969, p. 94).
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sociais, com respectivos fundamentos antropolgicos, e das necessidades especficas34. A
essas necessidades, e para a sua satisfao na vida das cidades, o autor reivindica a
liberdade de espao e tempo:
as necessidades urbanas especficas no seriam necessidades de
lugares qualificados, lugares de simultaneidade e de encontros, lugaresonde a troca no seria dada pelo valor de troca, pelo comrcio e pelo lucro?
No seria tambm a necessidade de um tempo desses encontros, dessastrocas? (LEFEBVRE, 1969, p. 97).
O autor coloca em evidncia a necessidade de uma cincia analtica dacidade35, que estaria em gestao naquele momento, que estaria relacionada a umaprtica social-urbana. A defesa de uma nova cincia e de uma prtica urbana (do homem
da sociedade urbana) seria a resposta morte da cidade historicamente formada (que
no mais do que um objeto de consumo cultural para os turistas e para o estetismo,
vidos de espetculos e do pitoresco).36
Por essa nova vida urbana decreta-se a necessidade de superao da
sociedade atual, ainda resqucio do domnio da penria, das limitaes e privaes da
vida rural. E a necessidade de superar os mitos e limites dessa sociedade arcaica deveria
trazer de volta um de seus aspectos positivos, e devidamente solapado, a Festa.
Nessa passagem o autor apresenta demarches mentais importantes como
instrumentos para essa construo, a transduco e a utopia experimental, s quais se
somariam o discernimento sobre estrutura/forma/funo, seus limites e relaes.
Dentre as proposies urbanas so citados um programa poltico de reforma urbana e
os projetos urbansticos (aos quais reclama utopia lcida, audcia e proposies sobre
34 Aqui o autor agrupa uma srie de atividades, como manifestaes particulares e momentos (o jogo, asexualidade, a arte, os esportes...), que na verdade resumiria-se na necessidade de uma atividade criadora, daobra.35 Lefebvre sentencia neste trecho a necessidade de se criar o novo a partir dos desmanches necessrios: Ovelho humanismo clssico acabou sua carreira h muito tempo, e acabou mal. Est morto. Seu cadvermumificado, embalsamado, pesa bastante e no cheira bem. Ocupa muitos lugares pblicos ou no,transformados assim em cemitrios culturais com as aparncias do humano: museus, universidades,publicaes diversas. Mais as novas cidades e as revistas de urbanismo. Trivialidades e insignificncias socobertas por essa embalagem. a medida humana, se diz. Quando na verdade deveramos nos encarregarda desmedida, e criar alguma coisa altura do universo. (LEFEBVRE, 1969, p. 98)36 LEFEBVRE (1969, p. 98)
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estilo de vida, os modos de viver na cidade e o desenvolvimento urbano em relao a
esses planos). A soma das novas demarches e proposies constituiria a estratgia urbana
propriamente dita.
Em relao problemtica dos lazeres, Lefebvre aponta a necessidade crucial
de acabar com as separaes quotidianeidade-lazeres ou vida quotidiana-festa
(LEFEBVRE, 1969, p. 118-119); na sua viso o problema que se coloca a restituio
da festa na vida cotidiana. Ao pressupor uma sociedade urbana assentada sobre novos
valores, o autor os v (os lazeres) no como uma funo, mas uma funo alm das
funes (LEFEBVRE, 1969, p. 119).
Com a introduo do debate sobre o papel da centralidade nas sociedades
urbanas ganha destaque a diferenciao que o autor faz da cidade capitalista, que realiza
seu ncleo espacial como lugar de consumo e consumo do lugar; tambm levantado
o tema do centro neo-capitalista, em que ao centro de consumo se agrega o centro
decisrio. A superao dessa realidade se daria na explorao do Ldico (em seu sentido
mais profundo): o esporte, o teatro, brincadeiras de crianas e adolescentes etc. Se a
sociedade de consumo esboa essa opo, a essa tendncia bastaria dar nova forma, uma
vez que se trata de sua desvinculao em relao produo industrial e comercial de
cultura e de lazeres da atual sociedade. Ao criticar duramente a idia usual de Cultura,
como produto de um mercado especfico, busca-se retomar um sentido ldico do lazer,
muito distante do acomodamento da obra e do estilo ao valor de troca;
comercializao do teatro (exemplo do autor) se contrape o lazer dos jogos.37
A defesa que Lefebvre faz da arte enquanto prtica urbana e da importncia do
tempo, da efemeridade, da cidade enquanto perptua obra dos habitantes, traz tona
um esboo dessa nova sociedade, em que os arquitetos tambm teriam que reaprender
sua prtica, uma vez que no mais interessaria o edifcio por ele mesmo38.
37 E se algum gritar que esta utopia no tem nada em comum com o socialismo, responderemos queatualmente apenas a classe operria ainda sabe verdadeiramente jogar, tem vontade de jogar, aqum e almdas reivindicaes e programas, os do economismo e da filosofia poltica. O que demonstra isso? O esporte, ointeresse suscitado pelo esporte, e mltiplos jogos, inclusive as formas degradadas da vida ldica na televisoe outras. A partir deste instante, o centro urbano traz, para as pessoas da cidade, o movimento, o imprevisto,o possvel e os encontros. Ou o teatro espontneo ou nada (LEFEBVRE, 1969, p. 123).38 (...) a cidade ideal comportaria a obsolescncia do espao: transformao acelerada das moradias, doslocais, dos espaos preparados (LEFEBVRE, 1969, p. 123).
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3.
ESPAO PBLICO, LAZER, MORADIA E CIDADE
3.1.LAZER E CIDADE
3.2.HABITAO NAS REAS CENTRAIS
3.3.ALGUMAS EXPERINCIAS RELEVANTES
3.4.AS INICIATIVAS DE REABILITAO:
LIMITES E CONTRADIES EM RELAO QUALIFICAO DO ESPAO PBLICO
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3. ESPAO PBLICO, LAZER, MORADIA E CIDADE
3.1. LAZER E CIDADE
Se o mundo urbano um equipamento potencial de lazer,
quanto mais complexo e diversificado, tanto mais plenamente pode ser
apropriado para esse fim. Planejar espaos para fins de lazer no
construir campos de futebol, ciclovias ou criar reas verdes. cultivar um
meio urbano cujas ruas permitam jogar uma pelada, andar de bicicleta,
ou simplesmente passear sombra. (SANTOS, 1981, p. 142)
Jofre Dumazedier (1980), ao circunscrever sua concepo de lazer ao perodo
ps-industrial, ou o lazer moderno, apresenta suas diferenas em relao aos jogos,
cerimnias e ritos do perodo pr-industrial. Se durante a Idade Mdia, as igrejas
dominavam os centros de aglomeraes urbanas, com o desenvolvimento mercantil o
crescente poder da nobreza altera a configurao dos espaos livres nos centros
urbanos. Em ambos os momentos no haveria ainda a distino entre lazer e trabalho;
sendo os momentos dedicados aos jogos, festas e rituais alguns componentes de uma
vida marcada pelos ciclos naturais39. No haveria, portanto, uma distino espacial em
relao prtica do lazer. Os espaos livres serviam tanto s atividades litrgicas, quanto
s pags, s mercantis, aos jogos, festas e demais atividades.
Somente com a separao temporal entre momentos de trabalho e no-
trabalho, a partir da industrializao, seria possvel estabelecer as concepes modernas
de lazer. A correspondncia espacial dessa separao nas sociedades urbanas modernas
ainda hoje um desafio a ser enfrentado. As conquistas sociais dos trabalhadores nos
Estados de Bem-Estar Social, ao longo do sculo XXI conquista de mais tempo livre,
reduo da jornada de trabalho, repouso semanal, aposentadoria, frias remuneradas etc
no resultaram em conquistas urbanas40. Em sociedades mais avanadas, em que se39 (...) ainda que que as civilizaes tradicionais da Europa hajam conhecido mais de cento e cinqenta dias
por ano sem trabalho, parece-nos impossvel aplicar o conceito de lazer, em sua anlise. (DUMAZEDIER,1980, p. 49)40 Poderamos aqui relembrar Le Corbusier e sua tipificao das funes urbanas. No entanto, apesar daherana deixada pelo urbanista e pelo movimento que o seguiu, em poucos momentos o lazer foi colocado naagenda desses Estados com o mesmo peso que as demais funes.
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realizou de fato o Estado de Bem-Estar Social, houve avanos nesse sentido, sobretudo
no incio do sculo XX. O Mouvement Sportif, por exemplo, que tem sua origem a partir
de 1870 e ganharia fora no primeiro quartel do sculo seguinte (ARNAUD; CAMY,
1986), foi fundamental na negociao social com o poder pblico pela criao de
espaos de lazer e recreao nas cidades francesas41.
No Brasil, onde como se sabe nunca logrou-se chegar perto do bem-estar
social de um Estado-Providncia, ainda assim algumas bem sucedidas de movimentos
de luta por habitao tiveram, em poucas ocasies42, sucesso na discusso mais ampliada
do direito moradia. No entanto, o grau de carncia das populaes menos favorecidas
acaba soterrando discusses mais amplas, que dem conta de al