Paulo Freire EJA

download Paulo Freire EJA

of 13

Transcript of Paulo Freire EJA

  • 7/22/2019 Paulo Freire EJA

    1/13

    Paulo Freire e a educao de jovens e adultos .

    Prof Dr Maria de Ftima V. Josgrilbert

    Diretora das Faculdades Magsul de

    Ponta Por/ MS

    Ler e escrever no so suficientes para perfilar a

    plenitude da cidadania. Paulo Freire

    Como diretora de um curso superior, que se prope a participar do programa de

    Alfabetizao Solidria, percebi a importncia do movimento como uma possibilidade de

    construo e resgate da cidadania por uma parcela da populao que no teve acesso escola no

    momento devido da infncia. Essa participao tornou-se o eixo norteador do estgio da

    faculdade, oportunizando tambm a populao local a oportunidade de ler e escrever e a

    participao de acadmicos no projeto.

    Para consolidar esta tarefa, a equipe da faculdade percebeu que precisaria

    conduzir seus acadmicos a estudos sobre a temtica, no s no campo da alfabetizao, mas

    principalmente frente aos valores, s legislaes de ensino e formao da cidadania. Nesse

    caminhar, encontramos Paulo Freire e sua proposta de alfabetizao que atende a todos os

    pressupostos que desejvamos atingir.O estudo de sua proposta gera reflexes sobre seus pensamentos e afirmaes,

    em um movimento espiralado que leva ao repensar, tendo como ponto de partida a vida humana

    individual, dentro de uma comunidade, de uma cultura, em convivncia com o outro. Fica

    perceptvel que todos que tiveram e tm conhecimento de seus propsitos, refletem sobre os seus,

    assumindo uma postura menos ingnua e mais consciente diante da educao de jovens e adultos.

    Orgulho-me que tenha sido um brasileiro a criar uma pedagogia to

    paradoxalmente simples, que desvela, de forma ainda mais singela, algo to imenso e profundo: a

    importncia da vida humana e o valor do outro no processo pedaggico. Freire nos ensina a olhar

    o outro, olhando para ns mesmos.

  • 7/22/2019 Paulo Freire EJA

    2/13

    2

    Acredito que professores e professoras precisam conhecer suas propostas, amesmo tempo em que precisam combater o modelo de escola excludente e discriminatria ainda temos.

    Entretanto de tudo que foi lido, que redesenha sua proposta tica, destaca-se umpassagem da Pedagogia da Esperana, na qual desvela o seu lado humano ntimo, assumindsuplantando sua prpria dor:

    Foi assim que, numa tarde chuvosa no Recife, cu escuro, cor de chumbo, fui a Jaboato, procura de minha infncia. (...). Tive diante de mim, comonuma tela, meu pai morrendo, minha me estupefata, a famlia perdendo-seem dor. (...). Naquela tarde chuvosa, de verdura intensa, de cu chumbo, de chomolhado, eu descobri a trama de minha dor. Percebi sua razo deser.(1999:31).

    volta a Jaboato, os dias chuvosos, a lembrana da morte paterna - umrevelao que explica um momento difcil de sua vida. Conscientemente, ao desvendar as teiacomo os fatos ocorreram, reconstri sua histria de vida, faz a releitura do mundo sob uma npercepo. Esse encontrar com o seu interior, a anlise e reflexo sobre o problema vividemonstram como so importantes o processo de autoconhecimento e o repensar paraeducao.

    Este texto evidencia que ele, ao conhecer o seu interior, podia entender melhoroutro; ao retroceder na sua histria, revisava o que j havia feito, refletia, e a partir de sprprias construes, podia redimensionar o seu caminhar.

    Lendo Dussel (2000), se pode constatar uma importante afirmao:

    Comparados com Paulo Freire, os psicopedagogos e psicanalistas so, primeiramente, cognitivistas (porque se preocupam com a intelignciaterica ou moral, ou com a conscincia como mediao da patologia),

    consciencialistas (enquanto no desenvolvem uma teoria dialgica,lingstica), individualistas (enquanto se trata de uma relao do pedagogoindividual com os educandos individualmente, embora em grupo), mas,

    principalmente ingnuos, enquanto no procuram transformar a realidadecontextual nem promover uma conscincia tico-crtica no educando que a empreitada educativa de Freire (2000:435).

  • 7/22/2019 Paulo Freire EJA

    3/13

    3

    Na verdade, o que Dussel demonstra que a linha pedaggica de Freire nica, que atravs da conscientizao, oportuniza o surgimento de um pensamento tico crticomo eixo condutor do processo educativo.

    A proposta deste estudo, ento, refletir sobre Paulo Freire comoprofessor/criador de um mtodo para a educao de jovens e adultos e como ser humano solidao outro, refletindo sobre sua postura tica, analisando a coerncia da sua teoria com sua prxverificando, principalmente, sua preocupao com a vida dos mais massacrados pelo sistemaqueles que sofrem injustias, excluses, discriminaes, dominaes os oprimidos, utilizansuas palavras, aqueles que no tm, ou no tiveram, acesso escola no momento devido.

    2 Reflexes a partir de Dussel:

    O conceito de tica para Dussel diz respeito vida humana, no uma tica prestabelecida ou moralista, assim como no considera apenas as vtimas, mas principalmente e uma tica da vida e pela vida, tendo relao com o modo de convivncia, questionando-o, funo da felicidade da maioria. Dussel v cada cultura como um sistema de eticidade, um tcultural e cada indivduo com seu thos individual. Sua proposta baseia-se no conceito tico que fazquesto de repetir a cada passo:Esta uma tica da vida.

    Partindo do pressuposto que, as ticas filosficas so ticas das minorias (crticque faz filosofia alem que proposta a partir da Europa branca e no da comunidade dexcludos), ele apresenta sua proposta sobre a tica pautada na vida humana, contrriacrueldade do sistema, a partir da realidade da comunidade das vtimas. A vida humana concrde cada um, considerada em seus trs princpios: produo da vida, direito reproduodesenvolvimento da vida do sujeito tico dentro do seu meio social, a partir de um movimereflexivo anti-hegemnico, que leva a uma tica material cada vez mais crtica, pelo eterrepensar. Articulando-se o universal, a diversidade cultural e as singularidades individuais.

    Denuncia como os pressupostos dessa tica vm sendo negados e comonunca pode ser plenamente alcanada, j que compreende a totalidade das aes humanas na histria

    mundial inteira (p.91). No considera factvel uma tica moralista, ou pr-estabelecida, qucontinua o processo de excluso gerado por um sistema capitalista, na sua fase atual globalizao, que acolhe os poderosos em detrimento da felicidade dos dominados, exclud

  • 7/22/2019 Paulo Freire EJA

    4/13

    4

    analfabetos, pobres e, refora que, ao ser negada sua prpria condio de vida, apagadosistema de eticidade na sua totalidade.

    Sua moral no tem origem divina (apesar de no descartar o Divino), materia

    pois parte da prpria negao de produo, reproduo e desenvolvimento da vida humanapartir da prpria comunidade em que vive, da sua cultura, sem neg-la, supondo-se alcana justia, a felicidade. um alerta acomodao de uma proposta de vida traada por um ddivino, que no permite uma vida melhor. Alerta para a esperana, que deve ser o moimpulsionador da vida das vtimas. A tomada da conscincia crtica da sua condio de vida comeo da caminhada para uma vida melhor; a partir dele, mas junto com o outro. No uproposta assistencialista, como se tem verificado ultimamente no Brasil, um desafio sociaum caminho de luta, de transformao na busca da justia e da felicidade.

    Sua tica traa um caminho diferenciado das outras propostas, que soconstrudas a partir da realidade das minorias. Partindo dos dominados, que considera comvtimas; pauta-se no reconhecimento desta condio individual, que ao tomar conscincia cade reconhecer o processo de vitimao no outro, tornando-se solidrio, assumindo o outro, pajud-lo a deixar de ser, para o desenvolvimento da sua vida e criticandoo sistema (ou aspectodo sistema) que causa a vitimao. O sujeito ltimo de um tal princpio , por sua vez, a prpria

    comunidade das vtimas(p.380) . Estabelece, pois, uma tica de vida humana, histrica, cultural,dentro de uma comunidade de interesses que se filiam.

    Destaca, tambm, que urge a eliminao da no conscincia ou da conscinciingnua, para que se tenha uma postura crtica, frente ao processo educativo. Sua preocupano a construo de uma pedagogia, mas a construo de um thos1 libertador, que v noreconhecimento da opresso, no processo de reconhecimento do outro, o sujeito-tico; capazdar voz a todos, para que se modifiquem as relaes de poder, partindo da comunidade ondevive.

    Neste aspecto, a escola precisa mudar sua funo de construo da cidadanproposta pela teoria neoliberal, concretizada por uma pedagogia de opresso, para ser construtdesse thos libertador, atravs de uma prxis tambm libertadora, onde professores e professo

    1 thos considerado como o modo de ser pessoal, padres de comportamento.

  • 7/22/2019 Paulo Freire EJA

    5/13

    5

    junto com os educandos, se sintam partcipes de um projeto capaz de transformar esta realidacom alternativas que possibilitem melhorias para os prprios sistemas de suas vidas, de contndecises, retornos, avaliaes e novas reflexes. Freire o primeiro a falar que impossvel a

    educao sem que o educando se eduque a si mesmo no prprio processo da sua libertao (Cf., Dussel, 2000:435). E por esta razo, mudam os caminhos anteriormente percorridos pescola.

    Anunciar a comunidade das vtimas, a negao da corporalidade, o sistemamundo excludente no suficiente. O que fazer frente a este panorama? Que caminho seguComo Dussel encontra a concretizao de sua filosofia denunciante?

    Paulo Freire nos aponta para respostas, para caminhos possveis contidos na suprxis pedaggica, que a resoluo prtica do que Dussel chama de tica da Libertao.

    Freire, diversamente de todos os autores citados, define precisamente ascondies de possibilidade do surgimento do nvel do exerccio da razotico-crtica (...) como condio de um processo educativo integral. Porisso, o educando no s a criana, mas o adulto e, particularmente, ooprimido, culturalmente analfabeto, dado que a ao pedaggica se efetuano horizonte dialgico intersubjetivo comunitrio mediante a transformaoreal das estruturas que oprimiram o educando. Este se educa no prprio processo social, graas ao fato de emergir como sujeito histrico (Dussel, 2000:435).

    Com a proposta pedaggica de Freire2, torna-se falsa a postura do educador queno se preocupa com a vida futura dos seus educandos.A desproblematizao do futuro numacompreenso mecanicista da Histria, de direita ou de esquerda, leva necessariamente morteou negao autoritria do sonho, da utopia, da esperana(Freire, 1996:81).

    Sonho? Utopia? Esperana? Talvez a resposta possa ser dada pelo prpriPaulo Freire: possvel vida sem sonho, mas no existncia humana e Hist ria sem sonho.

    2 Freire elabora sua teoria a partir da realidade do Nordeste brasileiro e da Amrica Latina, para generalizar teoria e prtica na frica primeiro e, posteriormente, em outros pases perifricos, e tambm centrais. Cf., Dus2000:443.

  • 7/22/2019 Paulo Freire EJA

    6/13

    6

    Paulo Freire no foi um filsofo que estudou a tica, foi sistematicamentevivendo-a, no seu dia-a-dia, deixando que seu corpo ficasse consciente,sentindo, pelo lado emocional, a vontade de escutar o outro, exercitandoessa capacidade de ouvir, amarrando as idias e seguindo suas orientaes, para agir atravs de sua sensibilidade, vendo as coisas com excelncia. Eleexecutava uma prtica refletida, e seus escritos vo retratar esta prtica(Cf., entrevista com Anita Freire).

    3 - FREIRE E DUSSEL: um encontro tico

    A anlise tica na obra de Paulo Freire, neste estudo, proposta a partir dDussel, em sua tica da Libertao, uma vez que, este autor reconstri a histria dos sistemticos mundiais, reinterpretando-os, desde os primrdios da civilizao,no mais antigo dosmundos de vida (p.26), at os dias atuais, dentro do sistema-mundo, globalizado, que exclui,

    at mata parte da populao, colocando a humanidade dentro de um processo irracional vitimao um problema de excluso de vida.Da a crtica permanentemente presente em mim malvadeza neoliberal, ao cinismo de sua ideologia fatalista e a sua recusa inflexvel ao sonho utopia(Freire, 1997 -A:15).

    Sua fundamentao elaborada a partir da realidade de dependncia econmicpoltica e cultural do povo latino-americano, criticando as ideologias que encobrem a situaouma vida sub-humana, excluda do sistema scio-econmico vigente, que faz, paradoxalmeevoluir a tecnologia, ao mesmo tempo em que cresce a pobreza,globalizao -excluso querindicar o duplo movimento no qual se encontra presa a Periferia mundial(p.17). Dussel apontaPaulo Freire como o nico, a colocar em prtica, uma pedagogia nos moldes da tica Libertao.

    Paulo Freire apresenta a tica como o fio condutor de sua postura profissionalde vida:

    A tica de que falo a que se sabe trada e negada nos comportamentosgrosseiramente imorais como na perverso hipcrita da pureza em puritanismo. A tica de que falo a que se sabe afrontada na manifestaodiscriminatria de raa, de gnero, de classe. por essa tica inseparvelda prtica educativa, no importa se trabalhamos com crianas, jovens, oucom adultos, que devemos lutar. E a melhor maneira de lutar por ela vive-la em nossa prtica, testemunh-la, vivaz, aos educandos em nossasrelaes com eles (Freire, 1996:17).

  • 7/22/2019 Paulo Freire EJA

    7/13

    7

    A tica de que fala a que est comprometida com a vida humana, estrelacionada aos direitos das pessoas, sua dignidade, convivncia com os outros, comesperana. A tica universal do ser humano, proposta por Freire, inseparvel da prti

    cotidiana dos sujeitos, o caminho que se prope a auxiliar o oprimido na sua conscientizapara superar sua prpria condio de vida, tornando o processo educativo, uma prtica parliberdade. Portanto, ope-se a educao bancria que serve dominao, e aplica a educaproblematizadora que serve libertao, na qual educador e educando se educam mutuamen que a tica ou qualidade tica da prtica educa tiva libertadora vem das entranhas mesmasdo fenmeno humano, da natureza humana constituindo-se na Histria, como vocao para semais(Freire:1997:91).

    Demonstra que dentro de um sistema de dominao, que castiga os menofavorecidos e atende aos interesses das minorias, necessria uma pedagogia que conscientizliberte, tanto o opressor quanto o oprimido, oportunizando a este se enxergar como sujeito de histria, buscando a melhoria das condies de vida e a garantia da sua reprodutividade.

    O que move a vontade de mudar, de lutar, o desabrochar da conscincia ticocrtica. O educador no pode apenas alfabetizar e furtar ao educando as informaes necesspara que ele obtenha conscincia da direo de sua vida e da sua misria, sabendo as causassua produo. Muitas vezes, um iletrado se acha acomodado s estruturas que o oprimem, edu promover a sada do mundo fechado, para outros mundos e, ao voltar, redescobrir o seu lugcabe a cada indivduo e a cada gerao perceber -se dentro do seu mundo j construdo ereconstru-lo e resignific-lo. A educao parte da construo coletiva do mundo(Casali,1998:97). um processo individual subjetivo, que deve provocar o educando, para que ereconhea dentro de si, valores adormecidos, que, muitas vezes no so reconhecidos, nem ele prprio. Os processos de provocao, de conscientizao, de dilogo, contidos na Pedagode Freire, desacomodam, geram a dvida, buscando levar o educando a elevar-se a uma situa

    mais elaborada, a uma realidade alm e superior, a transcender pela educao.A prtica pedaggica proposta por Freire, se concretiza dentro, com e a part

    do grupo, considerando as condies locais, culturais e reais, parte da vontade do alfabetizande querer aprender a ler o mundo, causando uma reflexo sobre este mundo e gerandoesperana na transformao.

  • 7/22/2019 Paulo Freire EJA

    8/13

    8

    Paulo Freire parte da individualidade, a unidade primeira vital e humana,

    relacionando-a com os outros indivduos, ajudando a construir significados locais e culturais,

    para atingir o valor universal.

    4 - Paulo Freire e a educao pela vida

    O que ser que levou Paulo Freire a elaborar um trabalho pedaggico, indito,

    voltado para as massas sofridas? Voltei s origens de sua vida, tentando conhec-lo melhor,

    trazendo da sua infncia um momento onde: amor, afeto, dilogo, troca, responsabilidade, esto

    aliados alfabetizao e leitura, ali no quintal onde brincava, com gravetos na terra, sombra

    da mangueira, aprendeu a ler com sua me. A intersubjetividade, o carinho, o dilogo, que

    nasciam ao lado da me; a leitura a partir do seu espao, so marcas afetivas que podem o ter

    levado a perceber o momento de cumplicidade da alfabetizao. Algo to ntimo pode o ter

    levado a alcanar algo universal a leitura. Da sua primeira escola tambm, ficaram boas

    recordaes. Estas marcas vo influenci-lo a elaborar seu trabalho, como ele mesmo confessou:

    Minha prtica dialgica com meus pais me preparara para continuar a viv -la com meus

    alunos(Freire, 1997:83) .

    Viveu tambm a pobreza e, atravs do estudo, da humildade, da coerncia, da

    responsabilidade, da solidariedade de outros, que acreditaram nele e permitiram que o seu

    potencial emergisse, conseguindo super-la.

    Entre outras profisses escolheu ser professor e doou para a populao carente,

    atravs da educao, o que a vida lhe havia oportunizado. Santo? Mito? Apenas um professor

    brasileiro, atento s necessidades vitais, competente e coerente com o seu tempo.

    A obra de Paulo Freire, assim como a obra de todo bom heri, um desses fenmenos de forte apelo mtico. De to bem que ele desencantou o mundo,encantou-se, e nos fez encantarmo-nos com ele. Sua obra e sua figura

    pessoal encontram-se, pois, intensamente cercadas de uma aura. Isso no surpreendente. Isso veio sendo construdo ao longo de sua vida profissional,e se acentuou medida que envelhecia. O fundamento poltico dessaconstruo foi sua condio de patriota vitimado, que arriscou sua vida

    para realizar um projeto salvador: a libertao cultural e poltica de seusirmos miserveis, analfabetos, oprimidos. O que custou-lhe um exlio. Aomesmo tempo, valeu-lhe o acesso ao mundo, e ao mundo, o acesso a ele(Casali, 1998:98).

  • 7/22/2019 Paulo Freire EJA

    9/13

    9

    Sua trajetria de educador, de reconhecimento internacional, se deu aps a

    divulgao da Pedagogia do Oprimido, uma obra pela qual explicita sua proposta de

    alfabetizao, que precisou ser lida no Brasil s escondidas durante o governo ps 64. Alis,

    permanece um livro histrico, no apenas por seu vigor de poca, mas tambm e sobr etudo por

    seu vigor que ultrapassa fronteiras culturais locais, nacionais, regionais. Ele alcanou uma

    universalidade (...). (Casali, 2001:21).

    No mtodo de alfabetizao que criou, a leitura apenas uma parcela de

    aprendizagem, frente s novas perspectivas de vida, que vo sendo delineadas pela

    conscientizao. Aqueles que so alfabetizados por este mtodo passam a crer no poder de

    transformao, partindo da leitura do seu mundo para a leitura da palavra. A conscientizao

    fruto de um compromisso histrico, ato de ao e reflexo, exigindo que os homens assumam o

    papel de sujeitos da histria, que lutem pela sua existncia, no se acomodando s condies em

    que se encontram; a conscientizao convida o homem assumir uma posio frente ao mundo.

    Sua proposta apresenta um enfoque poltico, relacionado identidade cultural do

    alfabetizando no processo emancipatrio de luta, na procura de diminuir o distanciamento

    cultural e social do analfabeto, vivente de um mundo letrado, na busca de seu espao por uma

    vida melhor, que minimize a violncia cultural da excluso, da discriminao, da opresso.

    O mtodo foi usado por ele, primeiramente em Angicos e tambm em So

    Paulo, 30 anos depois, quando criou o MOVA 3. Este mtodo era desenvolvido nos crculos de

    cultura, onde a educao tinha um significado individual e uma significao cultural, expressa

    nas palavras geradoras, ao mesmo tempo em que havia uma validade universal nesse processo,

    uma vez que o analfabeto faz parte da humanidade, estando submetido a direitos e deveres

    universais.

    Segundo Paulo Freire, a educao deve procurar desenvolver a tomada de

    conscincia e a atitude crtica, graas qual o homem aprende a escolher e a decidir, libertando-oem lugar de submet-lo, de domestic-lo, de adapt-lo, como ainda faz com muita freqncia a

    educao em vigor em um grande nmero de pases do mundo. O homem ao mudar a sua

    3 MOVA Movimento de alfabetizao de So Paulo, iniciado em 1990 (Freire, 2000, p. 69).

  • 7/22/2019 Paulo Freire EJA

    10/13

    10

    realidade, tambm vai se transformando, na medida em que ele se integra ao seu contexto e se

    compromete, vai construindo a si mesmo. O homem, porque homem, capaz de reconhecer que

    no vive em um eterno presente, e sim em um tempo, feito de hoje, ontem e de amanh; esta

    tomada de conscincia de sua temporalidade (que lhe vem de sua capacidade de discernir)

    permite-lhe tomar conscincia de sua historicidade.

    A prtica da liberdade outro foco importante de sua pedagogia, que s se torna

    eficaz a partir da participao livre e crtica dos educandos. Seu mtodo o da dialogicidade, que

    permite a prtica da liberdade aos no livres, proponho e defendo uma pedagogia crtico-

    dialgica, uma pedagogia da pergunta (Freire, 2000:83) . A alfabetizao ligada

    democratizao da cultura, alfabetizao como ato de criao e re-criao; capaz de colaborar

    com a organizao reflexiva do pensamento, combatendo a inexperincia democrtica.

    A proposta de alfabetizao deve partir sempre do vocabulrio do grupo a ser

    alfabetizado, e deve estar interligada tomada de conscincia da sua situao real de vida. O

    ponto de partida da alfabetizao a bagagem cultural do alfabetizando, conhecida atravs de

    uma relao dialgica, sempre refutando as frmulas prontas ou pr-determinadas. O educador

    precisa aprender primeiro o mundo do educando, enquanto que o educando deve partir da tomada

    de conscincia da sua condio social de analfabeto, oprimido, pobre e deve aprender a falar

    sobre seus problemas, suas misrias, seus sonhos.

    Ao partir da realidade de vida do alfabetizando, da tomada de conscincia crtica

    das estruturas que o oprimem, a pedagogia toma um aspecto tico-crtico. A reflexo prtica

    sobre a prpria comunidade permite que o alfabetizando adquira uma nova viso de mundo que

    evolui da conscincia mgica ou ingnua para a conscincia crtica.

    A compreenso antropolgica da cultura fundamental, faz com que o

    alfabetizando se reconhea como um sujeito tico digno, como sujeito do seu processo de

    libertao, compreendendo-se como fazedor de cultura, transformador, um indivduo participante

    dentro de um processo social, cultural, poltico e econmico. O alfabetizando se educa dentro doseu prprio processo histrico, comunitrio e real, adquirindo condies de transformar seu modo

    de viver e contribuir para a sua insero no mundo, distinguindo o mundo da natureza e do

    mundo da cultura.

    Antes de Freire educao e poltica pareciam antagnicas, seu pensamento

  • 7/22/2019 Paulo Freire EJA

    11/13

    11

    mostrou o inverso, sua pedagogia de cunho progressista veio romper com esta viso de uma

    escola neutra, que impede o exerccio da democracia e da cidadania.

    5 - Paulo Freire: o poltico ticoPaulo Freire teve a oportunidade mpar de colocar suas idias em prtica, ao ser

    Secretrio de Educao do Municpio de So Paulo, demonstrando a coerncia da relao teoria-

    prtica de sua proposta. Estar frente de uma secretaria municipal, do porte de So Paulo,

    demonstrando que a escola pblica democrtica de qualidade possvel, assim como possvel

    uma outra forma de administrar, participativa, atravs da gesto colegiada, foi um grande legado

    de um educador verdadeiramente tico.

    Ele implementou uma poltica, na rede municipal da Cidade de So Paulo, de

    formao permanente dos professores, de orientao curricular, de discusso, de anlise da

    prpria poltica que ia sendo implantada e de como governar a educao da cidade, sendo esse

    novo rumo construdo e gestado pelos prprios atores do processo, nos diferentes nveis, nas

    diferentes instncias. Demonstrando, as diferenas introduzidas pela sua prxis poltico-

    pedaggica, provando como possvel romper paradigmas e ultrapassar muralhas construdas

    pela burocracia, pelo tradicionalismo e pala falta de vontade poltica em investir na educao.

    Sugeriu, como a legislao educacional atual, a criao de Projetos Polticos

    Pedaggicos, sem modelos pr-estabelecidos, surgindo dentro de cada comunidade escolar, de

    acordo com as necessidades reais do grupo, por seus membros, entendendo-a no isoladamente,

    mas inserida em um contexto social, onde se desenvolvia a tenso escola-comunidade. Partia-se

    dos problemas, das tenses, das dificuldades, de algo que possua um sentido, um significado

    concreto para aquela comunidade.

    A postura do professor, dentro desta linha pedaggica, mudou, pois passou a ter

    um outro olhar em relao bagagem cultural do aluno, organizao da sua prtica educativa,

    organizao curricular, educao.Paulo Freire conseguiu atrair os educadores, para uma nova viso mais

    comprometida com a sociedade e com o educando. O trabalho deixou de ser solitrio para ter um

    cunho coletivo, demonstrando a necessidade de um movimento constante de repensar a prtica

    exercida.

  • 7/22/2019 Paulo Freire EJA

    12/13

    12

    Discorrer sobre Freire no apenas falar de um educador competente, coerenttico, de grandes contribuies na rea educacional. constatar, tambm, as transformaocorridas na linha pedaggico-administrativa, causadas pela sua viso de mundo que no perm

    que a escola puna os que j sofrem pelas suas condies precrias de vida.

    Consideraes finais

    Estudar Freire nos leva a construir um novo olhar sobre a educao. Aprende-sequestionar a atitude de educador, muitas vezes insatisfeito, curioso, preocupado com a granparte de alunos que vo escola, mas que no conseguem aprender ou no se sentem motivadofaz-lo. Com ele, percebe-se a importncia do amor nas relaes pedaggicas, capaz transformar a vida; a importncia da troca, do coletivo, da parceria em educao, o compartilcom o outro; a intersubjetividade, o dilogo; a humildade, o respeito ao indivduo, s sudiferenas e cultura de cada um.

    Em Freire, tica e esttica caminham juntas, porque tica vida, e o movimenda vida deve ser belo. Afinal, ser tico lutar por uma vida melhor, com relaes sociais mleais com o outro e aos princpios de construo do viver. Um educador no pode fingir que nv a misria ao seu lado, precisa eliminar seus preconceitos, precisa aceitar o diferente, nquerendo que ele se torne um igual, precisa conscientizar para educar.Decncia e boniteza demos dadas (Freire, 1997:36) . A beleza precisa estar na manuteno, na reproduo e nodesenvolvimento dessa vida, considerada dentro de um esquema integrado com outras vrvidas. Essa a beleza, a esttica da tica. Paulo Freire fala da beleza da luta poltica, do aprenddo compromisso pedaggico, do processo ensino-aprendizagem.

    Paulo Freire deixa uma importante mensagem aos professores que desejamplantar a semente de uma proposta pedaggica tica:A prtica de pensar a prtica a nica

    forma de pensar certo 4 .

    Questionei: utopia, ingenuidade, credibilidade demais na educao? Voltou-ma imagem de Paulo Freire: utpico, acreditando no poder da educao e por isso grande. S

    4 Frase repetida pelo Prof. Mario Srgio Cortela, que sucedeu Paulo Freire como Secretrio de Educao de SPaulo, em entrevista para Ctedra Paulo Freire da PUC/SP em abril de 2001.

  • 7/22/2019 Paulo Freire EJA

    13/13

    13

    maior legado: a esperana!A escola ainda no soube se contemporaneizar e necessita de uma nova viso

    de mundo, uma nova maneira de pensar e agir, se deseja dar a mo, principalmente, aos jovens e

    adultos que na poca adequada no encontraram nela seu espao, e agora retornam a ela, comesperana, de ao serem alfabetizados, terem um futuro melhor.

    Temos um exemplo a seguir: Paulo Freire!

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    LIVROS:

    CASALI, Alpio.Paulo Freire: O educador na histria. Revista Educao, Sociedade e Culturas, no 10, 1998, 95-109.

    _____________.Saberes e Procederes Escolares: O singular, o parcial, o universal. So Paulo, PUC, 2000. InMimeo.

    _____________. In, FREIRE, Ana Maria Arajo (Org.). A Pedagogia da Libertao em Paulo Freire. So Paulo,editora UNESP, 2001, p.17-21.

    DUSSEL, Enrique.tica da Libertao: na idade da globalizao e da excluso. Petrpolis, RJ, Editora Vozes. 2000.FAZENDA, Ivani. Interdisciplinaridade: Um projeto em parceria. 3.ed. SO Paulo, Edies Loyola, 1995.FREIRE, Paulo.Pedagogia do Oprimido. 13.ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983.___________.Pedagogia da Autonomia: Sabreres necessrios pratica educativa. 4.ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,1996.

    ____________.Poltica e Educao. 3.ed. So Paulo, Cortez, 1997.

    ____________.Educao Como prtica da Liberdade. 23.ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1999._______________.Pedagogia da Esperana: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, Paz eTerra, 1999.

    ____________. A Educao na Cidade. 4.ed. So Paulo, Cortez, 2000.