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Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom. O TRABALHADOR NACIONAL LIVRE NO BENEFICIAMENTO DE CAFÉ E NA CONSTRUÇÃO DAS FERROVIAS NA REGIÃO DE CAMPINAS NAS DÉCADAS DE 1870-1880 Paulo Rodrigues de Andrade Mestrando UNESP-Franca, Bolsista CNPq-CAPES E-mail: [email protected] No começo da década de 1870 observasse a introdução de processos mecânicos de beneficiamento de café nas fazendas de Campinas. A disseminação dessas máquinas na cafeicultura do Centro-Oeste paulista tem como efeitos principais “poupar trabalho escravo e o de melhorar sensivelmente a qualidade do produto, que podia assim alcançar melhores preços internacionais” (SEMEGHINI, 1988, p.36). Renata Bianconi aduz que com a entrada desses equipamentos o café da região de Campinas que era mal preparado, readquiria a preferência do mercado consumidor, devido à alta qualidade que passa a obter. Ainda de acordo com a autora, a cidade em 1872 tinha instalado em suas propriedades cafeeiras máquinas do sistema Lidgerwood, de origem norte-americana, com 33 modelos, sendo 11 movidas a vapor e 22 a água e máquinas do sistema Conrado com 26 modelos, de fabricação local, sendo 3 a vapor e 23 a água (2002, p. 29). Destarte, a entrada das máquinas e equipamentos no circuito cafeeiro operou importantes mudanças no setor: disponibilizar mão-de-obra escrava que era empregada nas tradições atividades de beneficiamento e trazer uma qualidade substancial ao produto, além do grande ganho de produtividade em razão da maior quantidade de café que passava a ser beneficiado, “a entrada da máquina no processo produtivo do café operou uma transformação na estrutura da fazenda cafeeira brasileira” (RIBEIRO, 2006, p. 124). Ana Luiza Martins atrela os investimentos em máquinas de beneficiamento aos capitais disponibilizados como o fim do tráfico negreiro “parte dos capitais ali empregados passaram a ser aplicados em outros investimentos visando otimizar a produção cafeeira e aumentar os lucros. Investir em máquinas de beneficiamento foi uma das novas aplicações, movimento observado especialmente a partir de 1852” (2009, p. 98).

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  • Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de Histria: Histria e Liberdade. ANPUH/SP UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.

    O TRABALHADOR NACIONAL LIVRE NO BENEFICIAMENTO DE CAF E

    NA CONSTRUO DAS FERROVIAS NA REGIO DE CAMPINAS NAS

    DCADAS DE 1870-1880

    Paulo Rodrigues de Andrade

    Mestrando UNESP-Franca,

    Bolsista CNPq-CAPES

    E-mail: [email protected]

    No comeo da dcada de 1870 observasse a introduo de processos mecnicos

    de beneficiamento de caf nas fazendas de Campinas. A disseminao dessas mquinas

    na cafeicultura do Centro-Oeste paulista tem como efeitos principais poupar trabalho

    escravo e o de melhorar sensivelmente a qualidade do produto, que podia assim alcanar

    melhores preos internacionais (SEMEGHINI, 1988, p.36).

    Renata Bianconi aduz que com a entrada desses equipamentos o caf da regio

    de Campinas que era mal preparado, readquiria a preferncia do mercado consumidor,

    devido alta qualidade que passa a obter. Ainda de acordo com a autora, a cidade em

    1872 tinha instalado em suas propriedades cafeeiras mquinas do sistema Lidgerwood,

    de origem norte-americana, com 33 modelos, sendo 11 movidas a vapor e 22 a gua e

    mquinas do sistema Conrado com 26 modelos, de fabricao local, sendo 3 a vapor e

    23 a gua (2002, p. 29). Destarte, a entrada das mquinas e equipamentos no circuito

    cafeeiro operou importantes mudanas no setor: disponibilizar mo-de-obra escrava que

    era empregada nas tradies atividades de beneficiamento e trazer uma qualidade

    substancial ao produto, alm do grande ganho de produtividade em razo da maior

    quantidade de caf que passava a ser beneficiado, a entrada da mquina no processo

    produtivo do caf operou uma transformao na estrutura da fazenda cafeeira brasileira

    (RIBEIRO, 2006, p. 124). Ana Luiza Martins atrela os investimentos em mquinas de

    beneficiamento aos capitais disponibilizados como o fim do trfico negreiro parte dos

    capitais ali empregados passaram a ser aplicados em outros investimentos visando

    otimizar a produo cafeeira e aumentar os lucros. Investir em mquinas de

    beneficiamento foi uma das novas aplicaes, movimento observado especialmente a

    partir de 1852 (2009, p. 98).

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    Nesse artigo buscaremos apreender essa transformao abordada por Luiz

    Cludio Ribeiro, privilegiando as relaes de trabalho nas propriedades cafeeiras de

    Campinas e adjacncias, atravs da entrada em cena de um novo trabalhador, nesse

    universo agrcola, o machinista - que em muitos casos era o trabalhador nacional livre -

    aquele que vai se dedicar as atividades envolvendo as mquinas de beneficiamento da

    rubicea. Procuraremos analisar tambm a presena do trabalhador nacional em outro

    setor importante do complexo cafeeiro, na construo das ferrovias, que se desenvolveu

    na regio paralelamente a mecanizao do beneficio de caf. Para esse objetivo

    utilizaremos como fontes os jornais Gazeta de Campinas e Diario de Campinas, livros

    da Santa Casa de Campinas, relatrios da Companhia Mogyana e ofcios relacionados

    s companhias ferrovirias do Arquivo de So Paulo

    No ano de 1872 o presidente da provncia de So Paulo j observava as

    transformaes em curso que comeavam a mudar a estrutura da economia agrcola

    paulista. Analisando a penetrao de mtodos mais racionais de produo levados a

    cabo pelos lavradores, observa:

    Os nossos lavradores, que ainda ha bem pouco tempo, confiando na

    prodigiosa fora vegetativa do solo e na amenidade do clima, limitavo-se ao

    rotineiro processo de derribar, queimar, plantar e colher; que da mecanica

    agricola apenas conhecio o indolente e rudimental monjolo, o moinho em

    que fabricavo o fub para os usos dome.sticos, e o engenho de moer a canna

    para o fabrico do assucar, j comeo a comprehender a utilidade de

    substituir esses processos imperfeitos por outros mais racionaes: j comeo

    a empregar em suas fazendas, para o amanho das terras, os instrumentos

    aratorios que a industria moderna tem descoberto e que com tanta vantagem

    contribuem para o aperfeioamento dos produtos, com tanta economia de

    tempo e de braos. J no raro ver-se a pesada, a preguiosa enxada

    substituida pelos arados e cultivadores americanos, que tirados por um ou

    dous animaes, e guiados por dous homens de mediano desenvolvimento

    muscular, fazem o servio de 20 trabalhadores robustos e activos. J no

    raro ver-se bem montadas machinas de vapor applicadas aos trabalhos que

    exigem o caf, a canna e o algodo. J muitas fazendas possuem machinismo

    aperfeioados para socar, ventilar, polir e separar o caf, bem como para

    descaroar e enfardar o algodo.1

    Dentro dessa conjuntura, mesmo a mecanizao do beneficio de caf liberando

    brao escravo num momento crtico em que a questo da substituio do trabalhador

    cativo pelo livre estava na ordem do dia, ao mesmo tempo em que as plantaes se

    1 Relatorio com que o Exm. Sr. Conselhero Francisco Xavier Pinto Lima passou a administrao da

    provincia ao Exm. Sr. Dr. Joo Theodoro Xavier, presidente da mesma. S. Paulo. Typographia

    Americana. 1872, p. 15. http://www.crl.edu/brazil . Acesso em 20/02/10.

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    expandiam pela provncia de So Paulo, tambm uma nova necessidade por fora de

    trabalho foi criada no interior das fazendas, com a chegada dos equipamentos

    mecnicos. Desse modo, se com a introduo das mquinas de beneficiamento poupava-

    se mo-de-obra, por elas executarem servios que de outra forma demandavam uma

    grande quantidade de braos para execut-los, por outro lado, essa modernizao

    experimentada pela cafeicultura criou uma nova demanda por trabalhadores para

    conduzir esses equipamentos. E isso no passou despercebido pelo presidente da

    provncia:

    Eu disse ha pouco que o emprego das machinas e apparelhos, que a

    industria moderna tem descoberto, aperfeioa os productos agricolas com

    visivel economia de tempo e de braos. isso uma verdade incontestavel;

    mas isso no sufficiente para refazer os braos forados, que vo

    consideravelmente diminuindo, porque o prprio desenvolvimento da

    agricultura, efficazmente auxiliado por essas machinas, faz reaparecer a

    necessidade de braos que a principio tinho sido substitudos por ellas; alem

    de que ha na economia rural uma infinidade de servios, que s podem ser

    executados por braos humanos.2

    Jos Francisco de Camargo observa que entre 1854 e 1886 a produo cafeeira

    de Campinas aumentou em 347%, passando de 23,6 arrobas per capita em 1854 para

    36,3 arrobas per capita em 1886 (1952, p. 162). O autor atribui esse incremento enorme

    da produo do caf na cidade ao nmero de sua populao e a fabricao local de

    mquinas de beneficiamento de caf:

    Produo de caf e populao desenvolvem-se quase sincronicamente nesta

    zona [...] De 1854 a 1886 o ritmo de crescimento da produo cafeeira

    apresenta-se bem mais intenso que o da populao, o que se explica por ser j

    importante o nmero de habitantes da zona em 1854, e cujo aumento ser de

    38,3% nos 32 anos seguintes. Verificou-se, nesta zona, a substituio de um

    tipo de atividade por outra, fenmeno que explica a existncia de uma

    populao pondervel antes da expanso do caf. A esse fator demogrfico

    junta-se outro tcnico, isto , teria o progresso verificado na construo de

    mquinas de beneficiamento de caf, favorecido o incremento da produo

    cafeeira. Em Campinas j se localizavam nesse perodo diversas indstrias de

    mquinas agrcolas [...] (CAMARGO, 1952, p. 162).

    2 Relatorio com que o Exm. Sr. Conselhero Francisco Xavier Pinto Lima passou a administrao da

    provincia ao Exm. Sr. Dr. Joo Theodoro Xavier, presidente da mesma. S. Paulo. Typographia

    Americana. 1872, p. 16. http://www.crl.edu/brazil . Acesso em 20/02/10.

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    Pesquisando a insero do trabalhador nacional livre no complexo cafeeiro de

    Campinas na segunda metade do sculo XIX, Denise Soares de Moura, destaca que

    apesar do nmero de trabalhador escravo ser bastante expressivo na cidade:

    A leitura de anncios de trabalho publicados no jornal A Gazeta de

    Campinas a partir de 1870, sugerem o recurso constante de fazendeiros e

    lavradores de caf relaes de produo no-escravistas. Como tais

    anncios eram redigidos em portugus, pode-se concluir que seu alvo era o

    trabalhador nacional livre. Caso o pblico pretendido fosse o estrangeiro das

    levas imigratrias do final dos anos quarenta e cinqenta, possivelmente

    estariam escritos em outro idioma, como o alemo [...] Estes anncios de

    trabalho dirigidos para trabalhadores nacionais livres ou libertos e publicados

    num jornal que representava os interesses dos cafeicultores de uma regio

    que se tornou capital agrcola da provncia, dado seus altos ndices de produtividade e exportao do caf, contribuem para que seja relativizada a

    tese que atribui carter de exceo para a transformao das relaes de

    trabalho na provncia de So Paulo, a partir do argumento do prevalecimento

    da mo-de-obra imigrante europia (MOURA, 2007, p. 91).

    As mesmas constataes feitas pela citada autora com relao Gazeta de

    Campinas, podem ser aplicadas tambm ao Dirio de Campinas, peridico fundado em

    1875, seis anos aps a Gazeta, surgido em 1869. Utilizando esses dois peridicos

    ligados ao imaginrio republicano e imigrantista de boa parte dos bares do caf do

    Oeste, podemos constatar a presena do nacional livre no setor de beneficiamento do

    caf. Isso pode ser um indicativo de que o surgimento de ofcios ligados a modernizao

    da cafeicultura trouxe no seu bojo a construo de um trabalhador nacional,

    demonstrando assim um dos vieses da complexidade desse processo.

    Num perodo em que o que realmente imperava eram as necessidades vividas no

    dia-a-dia das propriedades agrcolas, principalmente numa fase de expanso cafeeira,

    em que imigrao em massa ainda no tinha sido imposta, a busca por mo-de-obra e as

    necessidades prticas pesavam mais do que as idias preconcebidas ou preconceituosas

    que muitos tinham em relao ao nacional livre. Com relao ao setor de

    beneficiamento de caf, em meados da dcada de 1870, em Campinas, j aparecem

    trabalhadores com prtica nos processos mecnicos de beneficio de caf. Mas ,

    sobretudo, na dcada de 1880, quando as mquinas estavam mais disseminadas pelas

    fazendas, que h aumento do nmero desses trabalhadores oferecendo os seus prstimos

    para os fazendeiros. interessante notar que muitos deles se disponibilizavam para

    exercerem mais de uma atividade, demonstrando uma grande diversidade ocupacional:

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    Escrivo de Fazenda uma pessoa prope-se para escrivo de uma fazenda, a leccionar primeiras lettras, a tratar de terrenos e do beneficio do caf;

    qualquer destes mysteres est o annunciante apto a satisfazer. Que precisar

    deixe carta no escriptorio desta folha com as iniciaes M. A. T. C. para ser procurado.

    Attenao acha-se nesta cidade uma pessoa pratica para beneficiar caf com pratica de lidar em engenho dagua ou vapor e egualmente no servio de carpinteiro. Quem convier para ajustes, pde dirigir-se rua da Constituio

    n. 42

    Escrivo de Fazenda uma pessoa com bastante pratica de escripturao de fazenda, de beneciciar caf e tambem de leccionar primeiras lettras, propoe-

    se a qualquer destes misteres em qualquer sitio ou fazenda, dentro ou fora

    deste municipio. Quem o precisar pde deixar carta nesta typographia com as

    iniciaes P. P. P.3

    Tambm havia aquele trabalhador que tinha experincia em outras atividades,

    mas ao mesmo tempo buscava adquirir prtica com o beneficiamento de caf, podendo

    assim, aumentar suas opes ou chances de empregabilidade nas fazendas, que

    juntamente com as ferrovias, era o setor que mais empregava mo-de-obra livre, no

    ltimo quartel do sculo dezenove, a despeito do seu carter de economia agrria de

    exportao baseada no brao escravo:

    Aos Srs Fazendeiros - acha-se nesta cidade uma pessa, solteira, 30 annos de

    idade, que deseja empregar-se em uma fazenda de caf como feitor de

    terreiro, beneficio de caf (para ganhar habilitaes); por isso quem precizar

    de um empregado nestas condies pode dirigir-se para informaes a rua do

    Caracol n. 9, casa do sr. Manoel Mendes. D garantia do seu comportamento

    se for exigido.4

    Nesse caso, com 30 anos de idade o anunciante pretendia ganhar habilitaes

    na atividade de beneficiamento. Mas j existia trabalhador nacional com menos idade

    como Luiz Shachez, natural de So Paulo e residente em Campinas, com 22 anos, com a

    profisso de machinista. Ou ento como Berthaldo Bitter, brasileiro, com 20 anos,

    residente em Campinas e tambm machinista. Outros nacionais que trabalhavam com

    mquinas de beneficiamento de caf e que podemos localizar nos livros de matrcula de

    enfermos da Santa Casa de Campinas, so: Antonio Maranho, 42 anos; Benedicto, 25

    anos; e Eduardo, 33 anos.5

    3 Diario de Campinas, 15/10/1875 e 25/10/1883. Gazeta de Campinas, 30/09/1875. Centro de Cincias,

    Letras e Artes (CCLA). 4 Diario de Campinas, Campinas, 03/10/1880. CCLA.

    5 Matricula dos Enfermos do Hospital de Misericordia de Campinas. Livros 476, 477, 478 - 1876/1888.

    Centro de Memria da Unicamp. Centro Memria da Unicamp (CMU).

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    Era comum brasileiros se oferecerem para trabalharem nas propriedades ao

    mesmo tempo como machinistas, como feitores ou em outra funo. Isso aponta para as

    mudanas e transformaes em curso nas relaes de trabalho, que tem lugar a partir da

    dcada de 1870. Nas fmbrias do sistema, o trabalho livre penetrava peremptoriamente.

    E demonstra tambm que muitos trabalhadores que buscavam emprego nas unidades

    produtoras de caf, estavam dispostos a exercer mais de uma funo, apontando para

    uma grande flexibilidade, se nos for permitido usar esse termo moderno, por parte do

    elemento nacional, nas relaes de trabalho. Isso fica patente quando nos deparamos

    com anncios como esses:

    Um moo, recentemente chegado a esta cidade, deseja empregar-se em

    alguma fazenda, como escrivo, machinista ou feitor de terreiro, ou ento

    para lecionar primeiras letras. Quem de seu prestimo precisar pde dirigir-se

    rua do General Ozrio n. 82 informa-se.

    Feitor quer empregar-se de feitor em uma fazenda para beneficio de caf e feitor de terreiro, tem muita pratica, para informaes com o sr. Marcolino de

    Souza Dias, rua da Ponte n. 95.

    Feitor ou Machinista um moo habilitado para tomar conta de um eiro (sic) ou para tomar conta de alguma fazenda pequena, dando garantia de sua

    conducta, ou como machinista, que para isso tem muita pratica tanto para

    machina como para serras verticaes. Quem precisar dirija-se rua de S. Jos

    n.31.

    Aos Srs. Fazendeiros offerece-se para feitor de terreiro uma pessoa casada, sendo carpinteiro e tendo alguma pratica de machinas de beneficiar caf, e

    sua senhora tem tambem alguma pratica de administrar. Quem precisar dirija-

    se rua das Flores n. 49.6

    Confrontando esses anncios com as opinies que muitos fazendeiros e polticos

    tinham com relao ao brasileiro no sculo XIX, como sendo vadios, indolentes e

    preguiosos, podemos perceber como a ideologia da vadiagem no se sustenta ao ser

    confrontado com as evidncias documentais. O que percebemos era uma grande

    disposio dos nacionais para conseguirem uma colocao nas fazendas de caf. O que

    contraria outra tese to alardeada, que o nacional era incapaz de exercer uma atividade

    disciplinada e regular na agricultura de exportao. E a argumentao enfaticamente

    6 Diario de Campinas, 08/02/1876, 08/01/1881, 12/02/1881 e 01/03/1884. CCLA. Os feitores das

    fazendas de Campinas eram em sua quase maioria trabalhadores nacionais livres ou libertos, tambm

    haviam aqueles que eram escravos. Verificando os livros de matrculas dos pacientes da Santa Casa de

    Campinas, no perodo de 1876-1888, encontramos 11 feitores que deram entrada no hospital, todos com

    origem brasileira. Matricula dos Enfermos do Hospital de Misericordia de Campinas. Livros 476, 477,

    478 - 1876/1888. CMU.

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    colocada pela historiografia que a escravido degradou ofcios manuais e mecnicos,

    merece ponderaes. Aqui o que se percebe justamente o contrrio, nesses anncios

    observamos que o anunciante tentava fazer uma promoo do seu ofcio se apresentando

    quase sempre como um trabalhador habilitado e com prtica nos misteres a que se

    dispunha exercer. Talvez uma nova concepo de trabalho estivesse presente, com a

    propaganda pessoal aparecendo como um fator importante nessas relaes de trabalho.

    Nesse sentido, os jornais aparecem como instrumentos de mediao entre os

    proprietrios necessitados dessa mo-de-obra especializada, e dos machinistas

    interessados em conseguir emprego nas unidades produtoras da rubicea.

    A fazenda de caf era a principal, porm no a nica opo de trabalho para os

    machinistas. As oficinas tambm apareciam como uma possibilidade de colocao para

    esse profissional: Aos srs Fazendeiros um moo, que sabe trabalhar perfeitamente

    com machinas vapr, machinas de beneficiar caf ou outro qualquer machinismo,

    deseja trabalhar em alguma fazenda ou officina. Quem precisar deixe carta com os

    signaes P. K. 35. nesta typographia.7 E em Campinas, como foi constatado por

    Camargo, havia nesse perodo vrias industrias de implementos agrcola. Mas em outras

    cidades tambm a presena desse profissional se fazia sentir, como nesse exemplo em

    Rio Claro: Machinista- quem precisar de um habilitado para tomar conta de qualquer

    machina movida a vapor, fazendo os concertos precisos pode informa-se nesta cidade

    na Typographia do Futuro.8

    A introduo das mquinas de beneficiamento na economia cafeeira escravista

    fez surgir, alm da necessidade de mo-de-obra para tocar esses equipamentos, uma

    demanda por trabalhadores capacitados na instalao e manuteno desses aparelhos,

    alargando as possibilidades de trabalho para os machinistas:

    Aos srs. Fazendeiros o abaixo assignado declara aos srs. fazendeiros que acha-se a disposio nesta cidade ou por fora; de fazer qualquer servio

    concernente a machinismo, concertos de vapores, accentamento de bombas,

    encanamento d-agua, etc. machinas de caf de todo e qualquer autor, reside

    no Largo de Santa Cruz n. 49.

    7 Gazeta de Campinas, 09/04/1874. CCLA.

    8 O Leque, Periodico Litterario Critico e Chistoso, Rio Claro, 22/02/1877. Jornais Diversos-SP, 1876-

    1888, Microfilme Biblioteca Nacional, rolo 06. CMU.

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    Uma pessoa habilitada para o servio de ferreiro e trabalhos em machinas a

    vapor ou tocadas a agua para beneficio de caf, fazendo os concertos

    precisos, deseja empregar-se em qualquer fazenda. Quem precisar dos seus

    servios, dirija-se rua da Constituio n. 78 para tratar.9

    No caso dos fabricantes de mquinas de beneficiamento, como a Mac Hardy,

    estabelecida em Campinas em 1875, tambm havia a necessidade por machinistas

    especializados que trabalhassem em suas oficinas: Machinistas precisa-se de 4

    officiaes peritos; trata-se com o abaixo assignado no hotel da Europa ou em sua

    officina, na rua do Bom Jesus. Guilherme Mac-Hardy.10 No caso de no encontrar esse

    trabalhador especializada, a sada poderia ser o treinamento da mo-de-obra local.

    Talvez essa possa ser a explicao para ter surgido nacionais livres e no apenas

    imigrantes, peritos com esses aparelhos agrcolas. Essa ttica de treinar gente do pas

    foi utilizada em meados da dcada de 1880, pela companhia Mac Hardy:

    Pela Gazeta de Campinas sabemos que em 9 de outubro de 1883 foi

    inaugurada a nova oficina e fundio, ocupando uma rea de 8 mil m, sem

    contar os terrenos para ampliao. Empregando em torno de 145 operrios, a

    Mac Hardy apresentou alguns diferenciais como empresa moderna. Por

    iniciativa de Sims (scio), passou a formar mo-de-obra com gente do pas, treinando aprendizes, entre 11 e 19 anos, que entravam como estagirios, sem vencimentos, mas que em curto prazo estavam aptos a ganhar o salrio regular da firma [...] (MARTINS, 2009, p. 101).

    Outro setor do complexo cafeeiro em que o nacional livre aparecia dividindo

    espao com escravo e o imigrante era no empreendimento ferrovirio. Num momento

    9 Diario de Campinas, 16/01/1880 e 08/04/1884. CCLA.

    10 Gazeta de Campinas, 15/08/1877. Jornais Diversos-SP, 1876-1888, Microfilme Biblioteca Nacional,

    rolo 06. CMU. Ema Camillo indica que as concorrentes Lidgerwood, Mac Hardy e Arens eram as trs

    maiores fabricantes de mquinas agrcolas na provncia. A autora aponta para o carter quase monoplico da Lidgerwood na comercializao, produo e distribuio de mquinas de beneficiamento de caf, nas provncias cafeeiras. CAMILLO. Ema Elisabete Rodrigues. Lidgerwood MFC. Estratgias de

    Penetrao e Permanncia no Mercado Brasileiro de Mquinas de Beneficiamento de Caf, da Dcada de

    1850 a de 1890. V Congresso Brasileiro de Histria Econmica e 6 Conferncia Internacional de Histria

    de Empresas. ABPHE.Caxambu, 7 a 10 Setembro de 2003. http://www.abphe.org.br/. Ana Martins alega

    que com a chegada de outros fabricantes de mquinas de beneficiamento (Mac Hardy e Arens & Irmos)

    em Campinas, teria sido quebrado o monoplio da Lidgerwood. A busca do aperfeioamento das mquinas, naquele mercado que se tornava extremamente competitivo em Campinas havia trs empresas de porte definiu a concorrncia mais vigorosa, quebrando, assim, o monoplio da Lidgerwood. Relatos de lavradores campineiros informam que, como efeito da concorrncia, o preo

    daqueles equipamentos abaixaram na ordem de quinze, vinte e at setenta por cento. MARTINS. Ana Luiza. Histria do Caf. Contexto. So Paulo, 2009, p. 102. Ribeiro informa que um importante

    fabricante de origem nacional, de equipamentos de beneficiamento de caf foi Bierrenbach & Irmo,

    tendo as mquinas produzidas pelo inventor e fabricante de Campinas atingido logo boa reputao no circuito de produo do caf, passando a manter a firma Monteiro, Hime & CO como representante

    exclusivo na corte. RIBEIRO. Luiz Cludio M. A Inveno como Ofcio: as mquinas de preparo e benefcio do caf no sculo XIX. Anais do Museu Paulista. V. 14 N. 1, Janeiro-Junho 2006, p. 147.

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    chave da transio para o trabalho livre no Brasil, a figura do trabalhador brasileiro

    nesse ramo, em So Paulo, no era desprezvel.

    Em artigo que analisa a presena do brasileiro livre nas fazendas de caf e nas

    ferrovias em So Paulo, no perodo 1850-1890, Maria Lcia Lamounier aponta para a

    complexidade dos trabalhos de construo das estradas de ferro, que envolvia grandes

    volumes de recursos financeiros, os mais diversos tipos de mquinas, engenheiros, uma

    quantidade relativamente grande de mo-de-obra qualificada e uma enorme quantidade

    de homens sem nenhuma qualificao (2007, p. 364). Grande tambm parecia ser o

    engajamento dos nacionais para os servios nas estradas de ferro:

    [...] eles vm em to grande nmero que ele (Sharpe, engenheiro da So

    Paulo Railway) tinha sido obrigado a recusar vrios, considerando

    imprudente empregar mais do que ele presentemente tinha feito cerca de 200 [...] as obras estavam se tornando populares entre os trabalhadores

    nativos e a cada dia aumentava o nmero daqueles se inscrevendo para o

    trabalho, de modo que no dever haver falta de mo-de-obra.11

    Essa transformao no mundo do trabalho causada pela ferrovia pode ser melhor

    acompanhada quando nos debruamos nos anncios dos jornais e percebemos a

    dinmica criada pelas obras de construo e de prolongamentos das linhas frreas. Em

    1870 So Paulo disponha de modestos 139 km de malha frrea, em 1880 j contava com

    1 212, na dcada de 1890 passava para 2 425 km e em 1900, chega a 3 373 km

    (VANGELISTA, 1991, p. 37). Exemplo dessa dinmica a companhia Mogyana. No

    prolongamento dos trilhos de Campinas para Rio Claro, observamos a busca por mo-

    de-obra atravs dos jornais: Precisa-se de 20 a 30 trabalhadores na via frrea do Rio-

    Claro, no logar denominado Quilombo, de Baixo. Paga-se bem. Para informaes no

    mesmo lugar com o sub-empreiteiro. Mas dependendo do servio requerido pelas

    ferrovias, a procura por trabalhador poderia ser maior: Precisa-se de cem trabalhadores

    para servio do assentamento dos trilhos da estrada de ferro mogyana. Paga-se bem. O

    empreiteiro Pery J. Fryer.12 Neste outro anncio o trabalhador solicitado poderia ser

    livre ou cativo: precisa-se de uns cem livres ou escravos para os trabalhos da estrada de

    11

    Railway Times (1860, p. 896, carta de 04/07/1860). Apud: LAMOUNIER. Maria Lucia. Agricultura e

    Mercado de Trabalho: Trabalhadores Brasileiros Livres nas Fazendas de Caf e na Construo de

    Ferrovias em So Paulo, 1850-1890. Estudos Econmicos. So Paulo, v. 37, abril-junho 2007, p. 365. 12

    Gazeta de Campinas, Campinas, 17/09/1874 e 08/11/1874. CCLA.

  • Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de Histria: Histria e Liberdade. ANPUH/SP UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.

    ferro da C. P. (Companhia Paulista); garante-se muito bons jornaes e commodidades.

    Trata-se na fazenda da Samambaia, a 1 legua de Campinas com o empreiteiro.13

    No que tange as atividades tcnicas ou especializadas, Lamounier aponta para a

    presena preponderante do imigrante nas companhias ferrovirias. Entretanto, essa

    constatao deve ser vista com certa ressalva, j que tambm em servios especializados

    na empresa ferroviria, a presena de trabalhadores brasileiros sem faz notar quando

    analisamos a documentao referente s companhias. Isso pode ser percebido no

    relatrio apresentado pela Mogyana no ano de 1878, no qual feito retumbantes elogios

    ao pessoal tcnico, e de forma orgulhosa e patritica, mencionado que a maioria

    desses profissionais composta por brasileiros:

    Agora que esto terminados todos os trabalhos de nossa linha, faltaramos a

    um dever imperioso, se no tornssemos patente, ainda mais uma vez, o

    zelo, a percia, constancia, proficiencia e honestidade com que sempre se

    portou todo o corpo technico que a Companhia teve a fortuna de ter

    empregado em seu servio. Seus nomes, constando do relatorio j citado do

    engenheiro em chefe, no so aqui mencionados para evitar redundancia;

    elles so dignos de nossa estima e dos louvores da Companhia, e sobremodo

    honra ao nosso paiz a sua quase totalidade ser composta de brazileiros.14

    13

    Gazeta de Campinas, Campinas, 09/02/1871. Apud: MOURA. Denise A. Soares. Saindo das Sombras:

    Homens Livres no Declnio do Escravismo. CMU. Campinas, 1998, p. 286. Relativizando a suposta

    contradio ferrovia/trabalho escravo, Maria Lcia Lamounier, em artigo que pesquisa a participao de

    escravos e imigrantes na construo das ferrovias no Brasil, no sculo dezenove, tece vrias crticas a

    corrente de pensamento que aponta para a incompatibilidade entre trabalho escravo e desenvolvimento

    das estradas de ferro, entre escravido e capitalismo. A autora aponta fortes indcios da participao de

    escravos juntamente com livres, imigrantes e nacionais, nas obras de construo das estradas de ferro,

    Escravos, imigrantes e trabalhadores brasileiros livres e pobres constituram a grande maioria dos trabalhadores nas obras de construo das estradas de ferro no Brasil [...] as ferrovias no contriburam

    significativamente para alterar os moldes em que se pensava a transformao das relaes de trabalho

    para o trabalho livre. No ltimo quartel do sculo XIX, os planos e polticas implementados no pas

    buscavam promover a transformao das relaes de trabalho tendo como base contratos de servios e

    legislaes repressivas. Os padres de trabalho nas obras de construo das ferrovias seguiam as regras e

    os mecanismos instveis de um mercado de trabalho bem peculiar fortemente condicionado pela

    agricultura voltada exportao em uma sociedade baseada no trabalho escravo. LAMOUINIER. Maria Lcia. Entre a Escravido e o Trabalho Livre. Escravos e imigrantes nas obras de construo das

    Ferrovias no Brasil no Sculo XIX. XXXVI Encontro Nacional de Economia. Salvador, 09 a 12 de

    dezembro 2008. http://www.anpec.og.br. 14

    Relatorio da Companhia Mogyana lido na reunio da Assembla Geral de accionistas em 10 maro de

    1878. Typographia da Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, 1878. Microfilme Biblioteca Nacional - rolo

    04. CMU (grifos meus). Esse corpo tcnico mencionado era formado pelos engenheiros Manoel da Silva

    Mendes, Paulo Freitas de S, Jos Americo dos Santos, Francisco Carlos da Silva, Candido Gonalves

    Gomide, Bernardo Morelli, Ricardo Menezes, Carlos Augusto de Castro Andrade, Luiz de Anhaia Mello,

    Samuel Lucas Turner, Amando Soares de Abreu Caiuby e Joaquim Pinto de Moraes.

  • Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de Histria: Histria e Liberdade. ANPUH/SP UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.

    Em um relatrio da Mogyana apresentado no ano de 188415

    , o seu quadro de

    pessoal era composto por 515 empregados, distribudos por departamentos, da seguinte

    maneira: Secretaria - secretrio e ajudante: 2; Administrao e contadoria guarda-

    livros e ajudante: 3, porteiro: 1, inspetor geral: 1, engenheiro de linha: 1, chefe de

    trao: 1, contador: 1, escriturrio: 3, continuo: 1, pagador: 1, almoxarife e ajudante: 2,

    inspetor de telegrafo: 1; Trafego chefe de estao: 18, conferente e escriturrio: 9,

    telegrafista: 9, portadores e manobradores: 49, guarda trens: 18, limpadores e

    engraxadores: 8; Trao contra-mestre: 2, maquinistas: 11, foguista: 11, limpadores:

    7, operrios: 72, trabalhadores: 14; Linha mestres: 4, feitores: 51, trabalhadores: 202,

    pedreiros e serventes: 9, guarda portas: 3. A diversidade observada nas profisses

    necessrias para o quadro de empregados de uma companhia ferroviria pode ser notada

    tambm com relao mo-de-obra utilizada nessas empresas, nas obras das estradas de

    ferro na segunda metade do sculo XIX. Nesse sentido, que se pode encontrar nos

    servios de construo e prolongamento das linhas, a presena tanto de trabalhadores

    escravos, como de livres nacionais e imigrantes, esses ltimos (livres) como mo-de-

    obra contratada pelos empreiteiros e como funcionrios efetivos das companhias, em

    ocupaes especializadas ou no especializadas. No caso dos trabalhadores ligados as

    companhias, podemos sugerir que o nacional livre aparecia com frequncia dividindo

    espao com o elemento estrangeiro. Pode-se inferir da documentao da Repartio do

    Superintendente da Companhia da Estrada de Ferro de So Paulo, a So Paulo Railway

    Company Limited.

    Embora a So Paulo Railway no faa parte do nosso objeto de estudo, no

    podemos desprez-la, na medida em que estava conectada de maneira intrnseca com as

    demais companhias, por ser a empresa que monopolizava o transporte do caf do

    Centro-Oeste da provncia, a partir de Jundia ao porto de Santos, obrigando dessa

    forma as demais companhias a manterem relaes comerciais com ela. Estavam todas as

    companhias ferrovirias de So Paulo inseridas no mesmo espao socioeconmico da

    cafeicultura paulista, todas eram tributrias da rubicea. Colocando os temos nessa

    perspectiva, seria interessante fazermos um cotejo da documentao da Mogyana com a

    da So Paulo Railway.

    15

    Relatorio Estrada de Ferro Mogyana desde a organisao da Companhia at o fim do Anno de 1883

  • Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de Histria: Histria e Liberdade. ANPUH/SP UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.

    Entre os privilgios que o governo imperial e o provincial concediam para a

    construo de estradas de ferro no Brasil, constavam: zona previlegeada de 5 leguas

    em cada lado, inseno dos direitos das alfndegas para materiaes de construo;

    iseno do servio activo da Guarda Nacional para seus empregados.16

    A legislao que concedia iseno do servio na Guarda Nacional para os

    trabalhadores empregados nas companhias ferrovirias estava inserida no decreto n

    1759 de 26 de abril de 1856. A lei tinha como um dos objetivos disponibilizar mo-de-

    obra nacional para a construo de estradas de ferro no pas. Caso ocorresse a

    convocao de algum brasileiro empregado numa companhia, ela poderia contatar as

    autoridades, fazendo uso da lei, para que a dispensa do servio da Guarda ao seu

    funcionrio fosse obtida. nesse sentido, que em 1868 o superintendente da So Paulo

    Railway se dirigiu ao presidente da provncia, Baro de Itauna:

    Tenho a honra de levar ao conhecimento de v. excia que o brasileiro Ignacio

    Loyola de Carvalho, empregado da Companhia em Santos foi intimado no

    dia 11 do corrente para appresentar-se em servio da Guarda Nacional no dia

    1 do mez proximo futuro. Este moo Exmo. Sr. acha-se no emprego da

    Companhia desde principios de 1867 e consequentemente por lei livre do

    servio para o qual intimado. Rogo portanto a v. Excia se digne dar as

    providencias que o caso exige.17

    A companhia inglesa para evitar que casos como esses ocorressem, ao seja, que

    os seus trabalhadores fossem convocados de maneira indevida para a Guarda Nacional,

    elaborava, com regularidade, a relao de todos os seus empregados de origem

    brasileira. Essa documentao interessante porque atravs dela podemos observar a

    presena dos nacionais livres inseridos nas empresas ferrovirias, desenvolvendo vrias

    ocupaes, inclusive como mo-de-obra especializada e no apenas em servios que

    exigiam menos qualificao. nesse sentido, que buscamos relativizar as consideraes

    de Lamounier, quando indica que a mo-de-obra especializada, ou com alguma

    especializao, empregada pelas companhias era basicamente formada por imigrantes

    europeus.

    apresentado ao Instituto Polytechnico Brazileiro por Arthur Pio Deschamp de Montmorency. Ty a vapor

    da Gazeta. Campinas, 1884. Microfilme Biblioteca Nacional - rolo 04. CMU. 16

    Proposta para o prolongamento da Estrada de Ferro de Campinas a So Joo do Rio Claro (27/01/1873). Oficio Diversos (Estrada de Ferro). APESP. www.arquivoestado.sp.gov.br. Acesso em 17-

    18/04/2010.

  • Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de Histria: Histria e Liberdade. ANPUH/SP UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.

    Desenvolvendo uma pesquisa ainda preliminar localizei trs dessas listas de

    trabalhadores brasileiros feitas pela So Paulo Railway: a primeira, de 28 de agosto de

    1871; a segunda, de 01 de fevereiro de 1872; a terceira, de 14 de maio de 1872. Nessa

    primeira listagem esto relacionados os brasileiros empregados nas reparties de

    trfego, telegrafo e almoxarifado da companhia. H relacionados 92 trabalhadores

    nacionais, desenvolvendo entre outras, as seguintes atividades: cobrador, escriturrio,

    bagageiro, telegrafista, policia, conferente, vigia, portador, trabalhador, chefe de

    estao, bilheteiro, servente, feitor, limpador, mensageiro.18

    As listas de 1872 so mais completas e abarcavam outros setores da companhia,

    por elas podemos perceber que a participao dos brasileiros era grande e se fazia sentir

    em todos os setores da empresa. Na lista de 01 de fevereiro de 1872, na repartio do

    trfego e telegrafo, aparecem 96 brasileiros desenvolvendo as ocupaes acima citadas.

    Na repartio de locomotivas so 12 nacionais empregados com as seguintes profisses:

    maquinista de mquina fixa, trabalhador, guarda-freios, limpador, carpinteiro. Nos

    trabalhos de conservao da linha, onde a exigncia por mo-de-obra especializada

    deveria ser menor, havia 75 brasileiros empregados. Portanto, por essa relao, a So

    Paulo Railway tinha em seu quadro de pessoal, 183 empregados de origem nacional.19

    Na relao de 14 de maio de 1872, na repartio de locomotivas havia 16

    brasileiros, exercendo as seguintes atividades: maquinista, trabalhador, guarda-freios,

    carpinteiro, limpador, carvoeiro, pintor. No setor de trfego existiam 100 empregados

    brasileiros, no constando sua profisso. No departamento dos engenheiros, que

    tambm no consta a profisso dos trabalhadores nacionais, havia 291 brasileiros

    empregados. Em sua maioria deviam ser mo-de-obra no especializada. Por serem

    ligados ao departamento dos engenheiros, de se deduzir que eram trabalhadores

    envolvidos em obras e servios de conservao das ferrovias e dentre eles deveria haver

    alguns com alguma especializao. Destes 291 nacionais os nicos dados apresentados

    na lista dizem respeito idade e o estado civil. Quanto idade, o mais velho Jos

    17 Companhia da Estrada de Ferro de So Paulo (1868). Oficio Diversos (Estrada de Ferro). APESP. www.arquivoestado.sp.gov.br. Acesso em 17-18/04/2010.

    18

    Companhia da Estrada de Ferro de So Paulo, 28 de agosto de 1871. Ofcios Diversos (Estrada Ferro).

    APESP. www.arquivoestado.sp.gov.br. Acesso em 17-18/04/2010.

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    Mendes, com 65 anos e o mais novo, Ignacio Jos, com apenas 14 anos. Dentro desse

    espao etrio, havia empregados com as mais variadas idades. Com relao ao estado

    civil desses brasileiros, 111 eram casados e 180 solteiros. O total de trabalhadores

    ptrios relacionados da companhia era de 408.20

    Voltando para o caso da Mogyana, embora nossa pesquisa no tenha ainda

    avanado no sentido de comprovarmos a penetrao insinuante do nacional livre nas

    companhias ferrovirias na regio de Campinas, como descobrimos no caso da So

    Paulo Railway, parece-nos razovel afirmar que do seu quadro de 515 empregados,

    constante do relatrio da diretoria para o ano de 1884, boa parte dele deveria ser

    composta de brasileiros. Isso tanto com referncia aos trabalhadores no especializados,

    como aos especializados.21

    A historiografia sobre a transio do trabalho escravo para o livre na provncia

    de So Paulo h algum tempo vem demonstrando a presena do nacional livre nesse

    processo. Entretanto, nos setores-chave da cafeicultura, representado pela incorporao

    de novas tecnologias, esse trabalhador ainda um homem esquecido. Tir-lo dessas

    sombras e apreender como os agentes envolvidos perceberam esse movimento de

    modernizao um longo caminho a ser percorrido.

    BIBLIOGRAFIA

    19

    Companhia da Estrada de Ferro de So Paulo, 01 de fevereiro de 1872. Ofcios Diversos (Estrada de

    Ferro). www.arquivoestado.sp.gov.br. Acesso em 17-18/04/2010. 20

    Companhia da Estrada de Ferro de So de So Paulo, 14 de maio de 1872. Ofcios Diversos (Estradas

    de Ferro). www.arquivoestado.sp.gov.br. 21

    A dificuldade em encontrar mo-de-obra habilitada para determinadas atividades no empreendimento ferrovirio, na provncia, poderia acarretar aumento de custos. nesse sentido, que o engenheiro da

    Mogyana reclama no relatrio de 1878, quando da construo de um tnel no ramal de Amparo: Na occasio em que se executou essa obra (perfurao e revestimento do tnel), pouco pessoal habilitado em

    servios desse gnero havia na provincia, o que obrigou a aceitar preos mais elevados (832$617 metro

    corrente). Julgo que obras iguaes podero ser executadas razo de 600$000 ou 700$000 o metro

    corrente, com as mesmas dimenses. Relatrio da Companhia Mogyana lido na reunio da Assembla Geral de accionistas em 10 maro de 1878. Typographia da Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, 1878.

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