PAZ Octavio- Marcel Duchamp - Fichamento

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MARCEL DUCHAMP - OU O CASTELO DA PUREZA OCTÁVIO PAZ (...) Antes de tudo a atitude diante da máquina. Duchamp não é um adepto de seu culto; ao contrário, ao inverso dos futuristas, foi um dos primeiros a denunciar seu caráter ruinoso da atividade mecânica moderna. (13) O Nu...é um anti mecanismo (13) (17) Seu proósito não foi pintar como uma máquina mas servir-se das máquinas para pintar. Também nesta atitude não revela afinidade alguma com a religião da máquina: todo mecanismo deve produzir seu contraveneno, a metaironia. Sobre os ready-mades: (23) A abundância de comentários sobre o seu sentido – alguns sem dúvida terão provocado o riso de Duchamp – revela que o seu interesse não é plástico, mas crítico ou filosófico. Seria estúpido discutir sobre a sua beleza ou feiura, tanto porque estão mais além da beleza e da feiura como porque não são obras mas signos de interrogação ou de negação diante das obras. O ready-made não postula um valor novo (...) É crítica ativa: um pontapé contra a obra de arte sentada em seu pedestal de adjetivos. (28) Embora Duchamp não tenha a menor nostalgia dos paraísos ou infernos naturais, tampouco é um adorador da técnica. A injeção de ironia nega a técnica porque o objeto manufaturado se converte em ready-made: uma coisa inútil.

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MARCEL DUCHAMP - OU O CASTELO DA PUREZAOCTVIO PAZ

(...) Antes de tudo a atitude diante da mquina. Duchamp no um adepto de seu culto; ao contrrio, ao inverso dos futuristas, foi um dos primeiros a denunciar seu carter ruinoso da atividade mecnica moderna. (13)O Nu... um anti mecanismo (13)(17) Seu prosito no foi pintar como uma mquina mas servir-se das mquinas para pintar. Tambm nesta atitude no revela afinidade alguma com a religio da mquina: todo mecanismo deve produzir seu contraveneno, a metaironia.Sobre os ready-mades:(23) A abundncia de comentrios sobre o seu sentido alguns sem dvida tero provocado o riso de Duchamp revela que o seu interesse no plstico, mas crtico ou filosfico. Seria estpido discutir sobre a sua beleza ou feiura, tanto porque esto mais alm da beleza e da feiura como porque no so obras mas signos de interrogao ou de negao diante das obras. O ready-made no postula um valor novo (...) crtica ativa: um pontap contra a obra de arte sentada em seu pedestal de adjetivos.(28) Embora Duchamp no tenha a menor nostalgia dos parasos ou infernos naturais, tampouco um adorador da tcnica. A injeo de ironia nega a tcnica porque o objeto manufaturado se converte em ready-made: uma coisa intil.O grande vidro: (45) converter o corpo humano em uma mquina, inclusive se uma mquina produtora de smbolos como os computers, pior do que uma degradao.(...) stira do maquinismo (47)(52) A arte de Duchamp intelectual (...) A moderna beatice que rodeia a pintura e nos impede de v-la, apenas idolatria pelo objeto, adorao por uma coisa mgica que podemos apalpar e que, como as outras coisas, pode vender-se e comprar-se. a sublimao da coisa em uma civilizao dedicada a produzir e consumir coisas. Duchamp no padece desta cegueira supersticiosa e sublimou com frequncia a origem verbal, isto : potica de sua obra.(57) Duchamp e Picabia, como todos os dadastas e depois surrealistas, viveram em perptuo combate contra as massas(...)(58) (...) Sua atitude diante da situao atual da arte no distinta da que animava os ready made e o Grande vidro: crtica total e, portanto, tambm e sobretudo crtica da modernidade. (...) Os ready-made foram uma crtica tanto do gosto como do objeto. (...) Enquanto isso as imitaes dos ready-made se acumulam em museus e galerias: degradao do gesto nico em aborrecido rito coletivo, do jogo profanador em passiva aceitao, do objeto-dardo em artefato inofensivo. O processo se acelerou depois da Segunda Guerra Mundial e os quadors e as esculturas, como os outros produtos da sociedade industrial, se converteram em artigos de consumo. Assistimos ao fim da coisa sensvel: a pintura retiniana reduzida a uma manipulao tica. O que distinguia a arte moderna da antiga da ironia romntica ao humor de dad e dos surrealistas era a aliana de crtica e criao; a extirpao do elemento crtico nas obras equivale a uma verdadeira castrao e abolio do significado nos coloca diante de uma produo no menos insignificante (...)(77) Em vrias ocasies Duchamp denunciou a publicidade que rodeia a arte moderna e sustentou que os artistas deveriam regressar ao sibsolo da sociedade.