Pe. Renato Chiera - Artigo sobre a Cracolândia no Rio de Janeiro

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CARTA ENVIADA A MINISTRA MARIA DO ROSÁRIO CRACOLANDIA INTRODUÇÃO Sou Pe. Renato Chiera (70 anos), fundador da “Casa do Menor”, localizada na Baixada e com filiais no Rio de Janeiro, Alagoas, Fortaleza e Pacatuba. Há 34 anos estou no Brasil em contato com os excluídos, e há 26 anos trabalhando na problemática e no acolhimento de crianças e adolescentes em situação de risco social, pessoal e de dependência química. Há 1 ano venho freqüentando a Cracolândia de Manguinhos e Jacarezinho com um grupo de voluntários da Casa do Menor e outras entidades da rede. Depois da expulsão dos dependentes de crack destes locais, visito semanalmente com enfermeiras e cabeleireiro, levando alimentos e vestidos, a nova “cracolândia volante”, que se formou na Avenida BRASIL e na entrada da Ilha do Governador. Conheço e admiro a senhora pela sua sensibilidade, desde o aniversário da chacina da Candelária, onde nos conhecemos. Minhas observações não são contra ninguém; são para defender a vida e a dignidade de qualquer ser humano; é uma pequena contribuição de quem conhece de perto esta realidade e aponta caminhos para dar respostas à esta triste realidade das cracolândias e do crack. Eu sou um apaixonado pela vida e um pouco experto em humanidade, devido á minha formação filosófica e ha quase 35 anos de baixada fluminense, ao lado dos mais excluídos.

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Em 2013. Artigo elaborado pelo Presidente Fundador da Casa do Menor São Miguel Arcanjo.

Transcript of Pe. Renato Chiera - Artigo sobre a Cracolândia no Rio de Janeiro

CARTA ENVIADA A MINISTRA MARIA DO ROSÁRIO

CRACOLANDIA

INTRODUÇÃO

Sou Pe. Renato Chiera (70 anos), fundador da “Casa do Menor”, localizada na Baixada e com

filiais no Rio de Janeiro, Alagoas, Fortaleza e Pacatuba. Há 34 anos estou no Brasil em contato

com os excluídos, e há 26 anos trabalhando na problemática e no acolhimento de crianças e

adolescentes em situação de risco social, pessoal e de dependência química. Há 1 ano venho

freqüentando a Cracolândia de Manguinhos e Jacarezinho com um grupo de voluntários da Casa

do Menor e outras entidades da rede. Depois da expulsão dos dependentes de crack destes

locais, visito semanalmente com enfermeiras e cabeleireiro, levando alimentos e vestidos, a nova

“cracolândia volante”, que se formou na Avenida BRASIL e na entrada da Ilha do Governador.

Conheço e admiro a senhora pela sua sensibilidade, desde o aniversário da chacina da

Candelária, onde nos conhecemos.

Minhas observações não são contra ninguém; são para defender a vida e a dignidade de

qualquer ser humano; é uma pequena contribuição de quem conhece de perto esta realidade e

aponta caminhos para dar respostas à esta triste realidade das cracolândias e do crack. Eu sou

um apaixonado pela vida e um pouco experto em humanidade, devido á minha formação

filosófica e ha quase 35 anos de baixada fluminense, ao lado dos mais excluídos.

CRACK: O GOVERNO DILMA E GOVERNO DO RIO

1 - O problema droga, narcotráfico, violência, favelas, crack não é de hoje no Brasil, mas não se

tomou iniciativa nenhuma até agora e se fingiu por muito tempo que não existia.

2 - O governo DILMA colocou esta problemática como prioridade e mostra preocupação para

esta tragédia e doença do século. Precisa, porém preparo e profissionalismo.

3 - O governo do Rio de repente despertou para este problema. Porque? Mostrar uma cidade

maravilhosa e segura para eventos importantíssimos e então limpeza étnica e social para

isso?Muitas coisas fazem duvidar disso, mas esperamos que não seja assim e que no Rio possa

nascer algo que seja referencia para o Brasil, apavorado e impotente perante a difusão capilar

do crack, que atinge cidades e interior, crianças e idosos, pobres e ricos.

4 - O governo do Rio está de parabéns em querer encarar esta tragédia e epidemia do século,

mas não está minimamente preparadas com estruturas de apoio necessárias, pessoas de

verdade envolvidas nesta causa. E não pensou numa retaguarda para encarar este enorme

desafio. Não se começa uma ação com esta complexidade e dificuldade, sem programar antes

uma metodologia e os passos a serem dados e as estruturas indispensáveis para sua realização.

Não se começa uma guerra (contra o crack) sem os soldados e os equipamentos e retaguarda.

Se recolhe, só se pode-se acolher.O resto é superficialidade inadmissível e irresponsabilidade.

Precisa um dialogo permanente governo-sociedade interessada.

Se quiser só fazer propaganda, MAQUIAR A CIDADE MARAVILHOSA EM VISTA DOS

GRANDES EVENTOS, JOGANDO O LIXO ABAIXO DO TAPETE, não alcançara resultados e

não apontará soluções.

OCUPAÇÃO DAS FAVELAS (UPPs) e INVASÃO DE CRACOLANDIAS: SOLUÇÕES

VERDADEIRAS?

5- Em 2010 o governo do Rio começou a invadir favelas (ou... pacificar as favelas!) e com isso

melhorou um pouco o problema da segurança publica ou diminuiu a visibilidade das armas dos

traficantes, mas aumentou a visibilidade de armas dos policiais, dando a dura sensação de áreas

de guerra. A diminuição da violência durará até quando?

O aumento da violência em São Paulo e a violência que volta no Complexo do Alemão deveriam

ensinar. A violência não resolve a violência. O estado usa a mesma violência dos bandidos,

alias muito mais.

Diminuiu o trafico ostensivo nas favelas, mas não a organização do trafico que migrou em outros

lugares, se espalhando pela baixada e pelo Brasil afora, aumentando assustadoramente a

violência. O trafico continua ainda, mas em formas mais disfarçadas, nas mesmas favelas,

encobertado agora por parte da policia, ou assumido pelos milicianos, homens de guerra, (e não

mais pelos nossos adolescentes, pobres, pés de chinelo), que são piores de que os traficantes,

sem raízes nestas favelas. Contam com a cobertura da policia e até do governo, que ainda não

invadiu nenhuma favela ocupada pelos milicianos. Moradores destas localidades me confiam:”

os milicianos e policiais vem de fora, enquanto os traficantes são cria das favelas”. Sabemos que

os milicianos estão impondo uma verdadeira máfia e terror com aparência de uma falsa paz e

libertação do trafico,agora controlado por eles. E nas favelas” recém –pacificadas”,se respira sim

um outro clima, mas se teme e se fala de entrega oficial do trafico nas mãos de policiais ou ex-

policiais.Só mudaria o dono?

6 - Ultimamente o governo do Rio invadiu as cracolândias de Manguinhos e Jacaré, que há mais

de um ano, visitávamos: cemitérios de vivos, que esperam a morte e se juntam para superar a

solidão, a rejeição, as perdas, o abandono de todos e se consolam, queimando pedras.

BEM VINDOS AO INFERNO

”Bem-vindos ao inferno” está escrito na entrada de uma destas cracolândias. Entramos nestes

lugares de morte e de desespero para levar esperança, simplesmente ouvindo e partilhando

seus sofrimentos e fazer sentir a estas pessoa excluídas, desprezadas, desesperadas, robôs,

escravas desta maldita pedra, que elas são amadas e muito por Alguém e por nós e que tem

direito a uma vida de seres humanos e que nós estamos à disposição para ajuda-las a sair deste

mundo de morte, se conseguirem ainda sonhar algo de melhor. Sem recolhimento compulsório

ou presença maciça de guardas e policiais, um bom numero de homens e mulheres já

conseguiram sair deste inferno,através de nossa presença silenciosa e sem armas.

Quando eu perguntava se alguém já tinha entrado lá para encontra-los e simplesmente ouvir o

sofrimento que os levaram a entrar nesta vida escrava, a resposta era: “não padre. Aqui só entra

a policia para dar tiros na gente. Não se vê medico. nem assistência de qualquer tipo. O governo

e muita gente lá fora querem mesmo que morramos. O senhor é o primeiro que nos visita.

Ninguém, nem da prefeitura, nem da igreja, nos visita para saber o que nos levou aqui e o que

precisamos”. Nunca na minha vida vi realidades tão horrorosas e desumanas,piores dos campos

de concentração nazistas que já visitei.

O que foi agora feito por estes “cracudos”? Foram simplesmente expulsos com aparato de

guerra e obrigados a migrar em outros territórios para limpar a área, assim como outrora

confinávamos os leprosos em ilhas malditas para não sermos contagiados por eles. Mas “o tiro

entrou pela culatra”...se expulsaram os usuários da cracolandia de Manguinhos, que estavam em

praças horrorosas misturados a porcos e ratos e poças de água e lixo,mas estavam juntos e se

sentiam família na desgraça comum ,e agora os mesmos se acamparam na avenida Brasil, á

altura de Parque União e na entrada pelo aeroporto , oferecendo um espetáculo terrificante aos

olhos de todos .Não se podia dar mais visibilidade a este espetáculo que não é digno de um

país, 6 potencia econômica ,que aspira a entrar nos cenários dos grandes do mundo.

Quase todo dia ,com participação de policiais e guardas municipais, grupos de profissionais e

membros do judiciário e da defesa de crianças e adolescentes (imaginem os custos disso tudo!)

e cobertura da TV, se faz recolhimento compulsório de crianças e adolescentes (coisa aplaudida

por alguns e condenada por outros) e também de adultos (outra atitude, praticada e agora

momentaneamente suspensa, pois muito duvidosa sobre a legalidade e constitucionalidade da

mesma), com a intenção de resgata-los e salvá-los da morte. Em formas mais ou menos

violentas e respeitosas de seres humanos, são carregados em ônibus e despejados num abrigo

superlotado( 500 pessoas?) perto de PACIENCIA, região oeste da periferia do Rio, verdadeiro

deposito humano da Prefeitura, apesar da beleza do local, onde comem ,tomam banho, a

maioria foge o dia depois, sem antes ter comprado crack ao lado da casa de acolhida onde a

boca de fumo de ANTARES agradece por tantos fregueses . Veja as fotos dos jornais e imagens

da TV a este respeito.

Visite, senhora ministra, estes” locais de recuperação”, modernos campos de concentração. Os

mesmos dependentes se revoltam e fogem, mostrando assim de ter ainda certa dignidade e

sanidade mental! A estrada é muito melhor.

AS PESSOAS SE ACOLHEM: É O LIXO QUE SE RECOLHE

Respeito todos e acredito nas boas intenções, mas repito: é estranho que um governo que quer resolver

problemas tão complexos e difíceis, não preparou nada ou quase nada a não ser o aparato militar para

expulsão. Pela nossa longa experiência de acolhimento de criança e adolescentes usuários, precisa

espaços para acolhimento e recuperação da identidade e reestruturação da pessoa, infra-estrutura

sanitárias, centros de desintoxicação, comunidades terapêuticas, pessoas com vocação e preparo

profissional, capazes de amar e acolher e perspectivas concretas de futuro. As pessoas não se

recolhem, se acolhem. “É o lixo que se recolhe”! É estranho depois que estas ações e decisões não

tenham sido vistas e partilhadas com a sociedade e segmentos mais sensíveis, preparados e experientes

neste campo. O estado é muito orgulhoso e acha de saber e poder tudo. Agora sei que está tramitando

em Brasília um projeto de lei para recolhimento compulsório que terá a aprovação de todos ou quase.

Nunca nossos deputados se debruçaram para ajudar a encarar problemática tão difícil e complicada e

encontrar soluções verdadeiras e agora todos de acordo para recolhimento de qualquer jeito.Temos

medo dos nossos filhos que geramos e os demonizamos para nos sentirmos inocentes.

PENA QUE OS ”CRACUDOS” NÃO SÃO CACHORROS!

PERGUNTO: o que aconteceria se o Brasil ou o Rio de janeiro tratasse seus cachorros como

fazemos com usuários de crack e os recolhesse com aparato policial, usando, semanas

passadas, até choques elétricos e spray de pimenta (vi acontecer isso e também me foi relatado

por dependentes de crack)? O mundo inteiro,governos e ONU e ONGs de defesa dos animais se

levantaria ,denunciando tamanha barbaridade do Brasil.. Pena que os ”cracudos” não são

cachorros,apenas seres humanos, que entraram nas drogas e crack por falta de presença de

alguém que os faça sentir filhos amados e lhes dê visibilidade e cidadania.

CRACOLANDIAS: ESPELHO INCOMODO DE NOSSAS FAMILIAS E SOCIEDADE DOENTE E

DROGADA.

Estamos tão desesperados e sem rumo que expulsamos os filhos do Brasil, espelho e resultado

de nossas famílias quebradas e de nossa sociedade doente e drogado. Os expulsamos para não

ouvir o grito que nos acusa a todos: criminalizamos pessoas que entraram no crack por

desespero e que tem plena consciência que este é o caminho da morte e não unimos as forças

para juntos procurar, com humildade, caminhos e respostas não fáceis ás necessidades destes

excluídos, vitima de grandes traficantes e delinqüentes de colarinho branco, que se enriquecem

ás custa destas pessoas desesperadas. “O crack é invenção do diabo. Porque gente, já tão rica,

quer mais dinheiro com esta pedra maldita que faz de nós robôs e escravos, despidos de toda

dignidade, condenados a roubar e nos prostituir para ter esta pedra? Tomara que nossos filhos

não entrem nesta desgraça”. Este o clamor que ouvi e ouço de muitos usuários.

Precisamos parar todos e nos interrogar o que esta acontecendo com o nosso país tão querido,

que expulsa seres humanos que, com sua presença incomodam e nos questionam a todos e

temos medo dos filhos que geramos, mas não criamos, não amamos e não educamos.

PROBLEMA DO CRACK: PROBLEMA DE POLICIA?

Problema do crack não é só problema de policia... É sim no começo problema de segurança,

mas é problema de saúde, problema de políticas publicas que visem as famílias dos mais

miseráveis, destruídas, incapazes de dar amor; é problema de perdas de valores na sociedade e

nas famílias e nas escolas (“estado” laicista, não leigo, que quer banir a religião com seus

valores); é problema de rejeição e falta de amor, de educação e de escola; é problema, no

primeiro momento, de desintoxicação, de tratamento e recuperação em comunidades

terapêuticas e depois é problema de escolarização, de profissionalização, e de inserção na

sociedade e no mercado de trabalho e é problema de moradia. Precisa nisso tudo de pessoas

“vocacionadas”, capazes de escutar , acolher e amar. Ministra, todos relatam historias terríveis

de abandono, de rejeição, de violência subida, de falta de amor, de falta de alguém que os faça

sentir filhos, falta de oportunidades, de escolarização, de profissionalização, de trabalho e de

moradia.

NÃO É O CRACK QUE MATA, MAS SIM A FALTA DE AMOR e DE OPORTUNIDADES

São historias, todas parecidas; só muda o nome. São gritos por presença e amor.Aqui a raiz de

tudo.. Vale para pobres e ricos (agora tem também filhos de ricos no crack.). São ricos de

dinheiro, mas carentes de amor de pais, que não tem tempo para os filhos, pois devem fazer

mais dinheiro para filhos, sempre mais pobres de amor e de presença.

“Menino porque você esta aqui?” Minha mãe me abandonou; meu pai é violento; meu padrasto

não gosta de mim; usa-me sexualmente; ninguém me quer”.Confesso que é difícil falar com

estes meninos que parecem loucos atrás de pedras. Muito mais fácil a abordagem de jovens e

adultos que já tiveram tantas perdas,por causa do crack.

E você jovem porque esta aqui neste mundo de morte? “Entrei neste mundo deste pequeno,

agora estou sem estudo, sem profissão e trabalho. Minha família não me quer mais; cansou de

mim.”

E você senhora que poderia ser a avó de todos? 76 anos. “É ,padre ..tinha muitos filhos ..todos

me abandonaram..aqui me refugio para não estar sozinha.Eu agora sei até preparar o crack.”

E você vovô? 79 anos. “Eu venho aqui para me consolar. Meus filhos me jogaram fora da casa

que eu construí.È duro cria-los e depois ser tratado deste jeito.Não tenho mais onde morar”.

“Padre, o nosso problema é trabalho”, me dizem pais de família. Perdi o emprego na prefeitura e

estou aqui. Tenho 3 filhos; entrei aqui por desespero. Agora sou escravo da pedra.”

“Eu tinha uma casinha, construída com tanto amor. Agora a policia nos despejou, pois era

terreno invadido. Estou sem rumo, desorientado, sem nada, nem os documentos, pois perdi tudo

no despejo. Aonde vou?”

“Eu tenho 3 filhos, sem marido e sem emprego. O meu problema é este. Não o crack. Isso veio

depois”.

CRIMINOSOS OU DOENTES, ROUBADOS DE TUDO? OUVIR PARA SABER COMO

AJUDAR O MUNICIPIO DO RIO

Iniciou este processo antidroga na pior das formas: expulsando com violência e tirando

compulsivamente das ruas os usuários ,que, antes de tudo, não são criminosos, mas doentes,

excluídos em mil formas, rejeitados, não amados ,fruto e retrato de uma sociedade que gera,

mas não cria, não educa e, sobretudo não ama. Os criminaliza e quer eliminar ou expulsar para

calar a boca de quem nos acusa e interpela. Expressam um sofrimento do qual não são os

culpados ; entram nas drogas e crack para preencher carências ,rejeições , abandonos , perdas

e para suportar dores infinitas.São violentos porque não amados: a maior violência é não ser

filho amado.São vitimas de acumuladas violências familiares e sócias e nós ,com a desculpa de

ajuda-los e tira-los do crack,fazemos mais violência ainda.Ao grito por presença e por amor ,que

não queremos escutar,respondemos com violência, desprezo e punição e queremos que eles

ainda nos agradeçam , pois os salvamos do crack. São eles que devem nos dizer o que

precisam para sair do crack.

Sem esta percepção e consciência fundamental, não iremos para canto nenhum e não

encontraremos soluções.

Falei isso ao secretario de assistência social; mas ele olhou para mim com olhar de quase

gozação. Agora os resultados comprovam a verdade daquilo que falei.

Os usuários sabem da” furada” que é a droga ou o crack e dizem que é uma química do diabo,

que os faz robôs ,comandados pela pedra maldita, que os destrói e os reduz a bichos humanos,

os escraviza e não os deixa mais sair desta escravidão que se construíram, da qual gostariam

em muitos casos sair, mas precisam da ajuda de pessoas que os acolham com amor e não com

recolhimento compulsório violento, desrespeitoso de qualquer direito humano. Amaldiçoam que

inventou o crack e se perguntam o que faz o governo para conter este horrível comercio ,que

não é controlado por pés de chinelo ,mas por grandes do mundo político, empresarial, militar e

jurídico.Não estamos vendo tanta mobilização e aparato militar e helicópteros e carros armados

para conter a entrada das drogas da Bolívia,Paraguai,Columbia.È um problema que atinge todos

os segmentos da sociedade . È um trabalho que deve ser multidisciplinar e em rede entre vários

ministérios, mas foi entregue apenas ao ministério da saúde (por quê?), que tem uma filosofia

muito discutível. Crack não é somente problema de saúde. Precisa rede entre ministérios e

secretarías varias, a nível federal,estadual e municipal. Os projetos do governo no alcançam os

miseráveis, como me dizia Patrus Ananias. O governo não sabe trabalhar com os mais

excluídos.Para isso não é suficiente o dinheiro,precisa amor e empatia e profissionalismo , mas

este á serviço do amor.Precisa parcerias.O governo hoje está perdido e aceita até parcerias

com comunidades terapêuticas de cunho religioso que convoca, só porque precisa no momento,

não porque compartilha metodologia e filosofia.

ALGUMAS QUESTÔES: DESRESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS

Ministra, os direitos destes usuários não são respeitados no recolhimento violento e compulsório,

na falta de qualquer assistência sanitária, no uso de armas não letais, na rejeição, ódio, nojo,

desprezo que se mostra contra eles. O mais grave porém é que desde sempre,já no nascimento,

estes usuários não tiveram respeitados os direitos fundamentais,proclamados pela Constituição-

ECA ( comida, família, escola, profissão, trabalho, saúde). Isso continua depois na vida toda e

agora estes direitos lhe são negados até no recolhimento. Vi muita policia e guardas e equipes

de profissionais. Nunca vi presença de agentes de saúde, se debruçando com amor sobre as

feridas nas pernas,nos braços,as doenças de pele .Somos nós que o fazemos e realizamos

também mutirões de corte de cabelos e levamos bebida e comida.Eles não bebem e não comem

pois o dia e noite toda buscam a pedra e usam tudo que tem para comprar “a maldita”.

Quando nos chegamos correm ao nosso encontro, nos abraçam e se queixam, se não fomos no

dia programado. Quando chegam grupos da prefeitura ,eles fogem e jogam pedras. A nós

abraçam e fazem festa.Porque será?

Vi uma senhora, mãe de 3 filhos, num colchão ao léu, na chuva, com 45 anos, pele e osso. Não

pesava mais de que trinta kilos, com AIDS e dependente de crack,moribunda.Todo dia tem

visitas de madrugada e de manha cedo por parte da policia etc.. Mas ninguém se preocupou

com esta pobre que eu batizei com copos usados pelos cracudos. Fomos nós que a ajudamos a

sair daí e a ser internada.Muitos estão com feridas de balas e com problemas pulmonares

graves e com gravidez e até a policia e os guardas estão perdidos. Me diziam baixinho:” Nos

mandam aqui a fazer o que? Policia não tem como ajudar ;é problema do governo”.Pobre da

policia também.Chamados a resolver tudo,apenas levando um revolver!

Recolhimento compulsório. Pratica higienista?

A internação compulsória de adultos - bem como a de crianças e adolescentes - em situação de

rua em suposto uso de drogas no Rio é um retrocesso em diversos campos. A complexidade do

tema tem feito com que vários atores da sociedade civil e do poder público se posicionem contra

este tipo de ação - sem, no entanto, obter qualquer acolhimento da administração municipal.

Estas operações reeditam uma velha prática higienista: o recolhimento compulsório da

população em situação de rua - desta vez vinculada ao grande vilão do momento, o crack.Com a

promulgação da Lei 10.216/2001, que estabelece um novo paradigma de cuidado em oposição à

lógica manicomial, fica instituído que "a internação, em qualquer de suas modalidades, só será

indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes" (artigo 4º), sendo de

responsabilidade do município a implementação de tais serviços. As operações em questão,

além de tratarem essa população de forma massificada e violenta, consomem recursos públicos

que deveriam ser utilizados para financiar os serviços abertos que promovam a autonomia, a

cidadania e a inclusão social, previstos em lei. Assumir a internação compulsória como política

pública é reconhecer que o município não investe em serviços especializados. Como pensar em

tratamento se não há uma rede? No Rio, para cada 1,2 milhão de habitantes, existe apenas um

Centro de Atenção Psicossocial para usuários de álcool e outras drogas (CAPS ad). Em Recife,

essa proporção cai para 250 mil habitantes. Os recursos públicos deveriam ser aplicados na

abertura de mais CAPS (AD, infantil e 24 horas) e serviços como urgência, emergência e

atenção hospitalar; residências terapêuticas; centros de convivência; equipes da Estratégia de

Saúde da Família; consultórios de rua e Núcleo de Apoio à Saúde da Família. É preciso ampliar

a rede de serviços da assistência social, como os Creas (Centros de Referência Especializada

da Assistência Social) e o Centro POP. Investir em habitação, geração de emprego e renda,

esporte e lazer para garantir a prevenção. Não se trata de inventar a roda: existem alternativas

concretas para o atendimento humanizado e pautado na garantia de direitos da população. O

que ainda falta é a abertura de espaços de interlocução do poder público com os diferentes

atores sociais - o que se espera de um estado democrático de direito. Ninguém pode ser preso,

se não em flagrante delito. Recolhimento compulsório é ilegal veja artigo 5, LXI da Constituição.

Ninguém pode ser preso, se não em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de

autoridade judiciária competente. A internação involuntária psiquiátrica tem caráter excepcional.

Somente se justifica no caso em que os recursos extra-hospitalares forem esgotados e ainda

assim com respeito aos direitos dos usuários. Cabe á profissionais de saúde ver se corre risco

de vida. Redigir protocolo, especificando passo a passo da execução desta ação personalizada.

Não fazer recolhimento violento , em massa, com ônibus que lembram ações nazistas de tempos

que queremos esquecer.

TRATAMENTO NÃO È CASTIGO E PUNIÇÂO. Precisamos desmontar a ideia de que

tratamento é um castigo e mostrar que é um direito e uma ajuda... Conquistar com amor quem

nunca foi amado... Indo nas cracolândias somos bem recebidos e encontramos muitos que

pedem ajuda para sair... Faltam estruturas de apoio. Procuramos comunidades terapêuticas

religiosas que fazem isso, sem ajuda do governo. Recolher não resolve . Precisa reintegrar e

responder ás necessidades reais de cada usuário. É um trabalho personalizado. Na escuta

deles, os mesmos usuários nos apontam soluções: o governo deveria nos colocar todos num

estádio e ai ver com cada um qual o motivo que o levou a usar crack e de que precisaria para

sair. Ai procura respostas concretas, recuperar laços com família, trabalho, casa, centros de

recuperação. “Quem não quer nada mesmo, deve ser deixado de fora”. É tarefa complexa e que

precisa de todos.

OBRIGAR A SE TRATAR?

Isso significa não conhecer o processo de recuperação que deve nascer da vontade da pessoa e

não por forças externas. Sem a aceitação do sujeito, não começa nenhum processo de

recuperação, pois o mesmo precisa de mudanças interiores profundas. Não se cura, usando

uma droga (remédios) em substituição de outra (crack). Precisa preencher o vazio e o buraco do

coração. Queremos recolhe-los e obrigá-los a se tratarem. Mas aonde? Como? Em novos

campos de concentração? Somos ridículos. É um grave erro psicológico abordar dependentes

químicos com a força e a policia.Desta forma conseguimos preencher as carências que os

levaram ao uso das drogas? Nós usamos outros métodos e conseguimos resultados. A

prefeitura do Rio expulsou os usuários da cracolândia de Manguinhos e eles fugiram para baixo

dos viadutos da entrada para o Aeroporto do Galeão. E parte se espalharam pelo Rio e pela

Baixada fluminense. A prefeitura encheu todos os viadutos para impedir aos mesmos de

permanecer e teve a genialidade de colocar pedras pontiagudas,para ninguém poder passar e

parar. Uma voluntaria da suíça (psicóloga iunghiana) indignada, me disse que este é o sistema

usado na África para se defender dos elefantes. Quando criminalizaremos os grandes que estão

por trás do trafico nacional e internacional?Quando pararemos como sociedade e governo para

ver o que esta acontecendo com o Brasil ,que exporta uma imagem de primeiro mundo e de

quase 5 economia mundial e não percebe que o consumismo, o hedonismo, a perda de valores,

a desagregação da família, a falta de relações verdadeiras, a cultura da morte e do prazer estão

na raiz profunda do fenômeno droga, que não é causa, mas conseqüência...? Queremos fazer

como a avestruz, esconder o rosto para não ver... Até quando ficaremos contentes nos

enganando e enganando os outros, pegando,matando, prendendo , expulsando adolescentes

sem chinelos e jovens , sem amor e sem futuro .Uma CPI das drogas traria muitas surpresas no

mundo político,militar e jurídico!!!Uma CPI sobre o que o governo usa para o social, para o

resgate de vidas e o que investe em estruturas faraônicas para dar diversão e alienar o povo,

seria interessante. O Rio investirá R$ 270 bilhões, em obras. Só falta dinheiro para resgatar

vidas. Trabalho há 27 anos com milhares de excluídos e nos governos anteriores, mais

conservadores, a casa do menor recebia mais ajuda do que agora, com governos

progressistas.Somos obrigados a nos tornarmos mendigos com pires na mão na Europa em

profunda crise ,com um Brasil cheio de dinheiro e que oferece ajuda econômica a

Comunidade Européia. Quer-se apagar o nome MENINOS DE RUA. Estes somem ou quase,

pois se refugiam no narcotráfico e nas cracolândias .São caçados para limpar a cidade, mas não

temos condições de acolhê-los em nossas instituições, pois não temos recursos. As leis, com a

nobre idéia da reinserção familiar, de fato muitas vezes condenam estes adolescentes a voltar as

ruas, a entrar no narcotráfico que os adota e dá visibilidade e poder a quem nunca foi ninguém,

a entrar nas cracolândias, pois lá encontram família e apoio, ou ser recolhidos nas unidades

socioeducativas de fato cadeias, verdadeiras universidades do crime, e a morrer com o estigma

de bandidos. Um governo não se mede pelo PIB, mas pela atenção que dá aos seus filhos

,sobretudo ás crianças e adolescentes,e pela qualidade de vida. Porque tanto dinheiro para

invadir favela e ocupa-las permanentemente e não atacar a causa profunda e a entrada das

drogas? QUEM GANHA COM ISSO? O estatuto ECA reza que criança e adolescentes são

prioridade absoluta. Parece piada de mal gosto.

AS MULHERES SÃO AQUELAS QUE MAIS SOFREM NAS CRACOLANDIAS

Levei duas mulheres grávidas na minha casa para ajudá-las a sair do inferno das drogas e oferecer uma

alternativa. Relataram-me horrores sobre aquilo que sofrem as meninas e as mulheres, usadas e

abusadas por todos, traficantes, “cracudos”, até policia e fregueses que vem de fora. Francisca, que

acabava de ser estuprada por três homens armados, se agarra a mim e me suplica de não abandoná-la e

de tira-la de lá. Me explica, quando chegou na minha casa, que quase todas as meninas são usadas e se

prostituem por causa da maldita droga e aceitam qualquer tipo de violência e humilhação. Relata-me

também que quase todas estão grávidas e que o crack destaca a placenta e o bebê sai ainda vivo, chora

um pouco e depois morre. É colocado num saco plástico e jogado no mangue. “Todas fazem isso, me diz

chorando, não tem como fazer. Não tem maternidade. Não tem medico ou enfermeiras ao nosso lado.

Não sentimos dores. Graças a Deus, o crack tem isso de bom”!

Explica também que muitos filhos de papai da zona sul usam drogas com eles, pagam crack a todos

suplicando de não falar nada. Passam carros luxuosos a noite e levam as meninas mais novas ou recém-

chegadas. Nós mulheres não somos ninguém. Somos lixo. E me pergunta por que a trato como ser

humano, pois ela nunca foi tratada como gente. Com um belo sorriso me comunica que chamará o filho

dela de Renatinho, como gratidão por mim. A milícia ultimamente proibiu aos usuários de crack de ficar

num espaço arvorado, na entrada para o aeroporto. Todo mundo acata esta ordem e fica agora nas

beiras das estradas, no sol de 45º graus ou na chuva. Os traficantes do Parque União nos proibiram de

cortar cabelo em frente às lojas e bares, pois ao nosso redor se reúne muita gente e isso não é bom para

eles. Vi pessoas com dentes quebrados e com tiros. Segundo esta mulher, Francisca, existe muita

violência no meio deles e muita gente morre. Isso não só pela mão da policia, mas por pessoas ligadas

ao tráfico. Sendo que quando chega a policia e os guardas para carregá-los, a fuga é geral: agora estas

ações se fazem de madrugada, enquanto dormem.

DUAS MORTES: QUEM RESPONDE POR ISSO?

Já aconteceram duas mortes no asfalto: um adulto e uma criança de 10 anos, Rafael ,conhecido e

abordado por nós e atropelado por um carro que não parou menino e o adulto fugiam da caça da policia

que os queria recolher de madrugada para que não fugissem. Homicídio de Estado?

CONCLUSÃO

Tratar o uso de drogas como caso de policia é inútil e desastroso. A política de guerra ás drogas está

falida. Décadas de esforços imensos, liderados pelos Estados Unidos, não levaram nem a 19

erradicação da produção nem á redução do consumo. Enquanto houver demanda por narcóticos, haverá

ofertas. As medidas punitivas por si só não são capazes de reduzir o consumo. Ao invés de insistir em

políticas ineficazes, precisa investir, em prevenção, tratamento e reabilitação. Precisa abrir um debate

sobre o impacto desastroso da política repressiva, tanto sobre a saúde das pessoas, quanto a segurança

do cidadão E confrontar experiências. Não faz sentido por na prisão pessoas que usam drogas, mas não

cometem crimes contra terceiros. Podem causar danos á si mesmo e ás suas famílias, mas fechá-los em

cadeias superlotadas não os ajuda a se livrarem da dependência. Dependente de drogas não são

criminosos a encarcerar e recolher e sim pacientes a tratar. O poder repressivo do estado e a pressão da

sociedade devem se concentrar na luta contra os grandes narcotraficantes sobre tudo os mais violentos e

corruptos, e não em perseguir jovens doentes. Qual a melhor maneira de enfrentar as drogas?

Criminalizando ou tratando os dependentes no sistema de saúde e na regeneração interior, ajudando a

superar as causas que os levaram as drogas? Não é suficiente trabalhar as conseqüências, precisa

chegar as causas profundas que levam ás drogas. A internação compulsória é condenada

internacionalmente como ineficiente, estigmatizadora e que viola os direitos humanos.É preciso ousadia e

criatividade para explorar novas soluções. O Brasil se atrasou neste debate em relação à Colômbia e

México. Há que se acertar o passo e rápido, com um debate sério e rigoroso, governo-sociedade, que

permita em todos os países encontrar os caminhos adequados. Ainda temos esperança.