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PEDAGOGIA CURRÍCULO

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PEDAGOGIACURRÍCULO

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Universidade Estadual de Santa Cruz

ReitorProf. Antonio Joaquim da Silva Bastos

Vice-reitoraProfª. Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro

Pró-reitora de GraduaçãoProfª. Flávia Azevedo de Mattos Moura Costa

Diretora do Departamento de Ciências da EducaçãoProfª. Raimunda Alves Moreira Assis

Ministério daEducação

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Ficha Catalográfica

C976 Currículo : educação, currículo e avaliação : Pedagogia módulo 4, volume 2 – EAD / Elaboração de conteú- do : Roberto Sidnei Macedo. – [Ilhéus, BA] : EDITUS, [2011]. 114 p. ISBN 798-85-7455-258-3 1. Currículos. 2. Ensino – Currículos. 3. Educação. I. Macedo, Roberto Sidnei. II. Pedagogia : módulo 4, volume 2 -EAD. CDD 375

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Coordenação UAB – UESCProfª. Drª. Maridalva de Souza Penteado

Coordenação do Curso de Pedagogia (EAD)Drª. Maria Elizabete Sauza Couto

Elaboração de ConteúdoProf. Dr. Roberto Sidnei Macedo

Instrucional DesignProfª. Msc. Marileide dos Santos de OliveraProfª. Msc. Cibele Cristina Barbosa CostaProfª. Msc. Cláudia Celeste Lima Costa Menezes

RevisãoProfª. Msc. Sylvia Maria Campos Teixeira

Coordenação de DesignProfª. Msc. Julianna Nascimento Torezani

DiagramaçãoJamile A. de Mattos Chagouri OckéJoão Luiz Cardeal Craveiro

Capa Sheylla Tomás Silva

PedagogiaEAD . UAB|UESC

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PARA ORIENTAR SEUS ESTUDOS

SAIBA MAIS

Aqui você terá acesso a informações que complementam seus estudos a respeito do tema abordado. São apresentados trechos de textos ou indicações que contribuem para o aprofundamento de seus estudos.

LEITURA RECOMENDADA

Indicação de leituras vinculadas ao conte-údo abordado.

PARA CONHECER

Aqui você será apresentado a autores e fontes de pesquisa a fim de melhor conhe-cê-los.

VOCÊ SABIA?

Esses são boxes que trazem curiosidades a respeito da temática abordada.

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UNIDADE ICURRÍCULO: CAMPO DE ATIVIDADES E CONCEITO

1 O CURRÍCULO NO CENáRIO EDUCACIONAL

CONTEMPORâNEO ............................................................. 17

2 DISTINçãO E RESPONSABILIDADE SOCIOEDUCACIONAL .. 19

3 CONCEITO, CAMPO DE ATIVIDADES E IMPLICAçõES

POLÍTICO-PEDAgógICAS ................................................... 21

ATIVIDADES ....................................................................... 27

RESUMINDO ....................................................................... 28

LEITURA COMPLEMENTAR ................................................. 28

FILME RECOMENDADO ........................................................ 28

VÍDEO RECOMENDADO ....................................................... 29

SITE RECOMENDADO .......................................................... 29

REFERÊNCIAS ..................................................................... 29

UNIDADE IIHISTóRIA DO CURRÍCULO

1 OS PRIMóRDIOS ................................................................ 33

2 O CURRÍCULO MODERNO .................................................... 34

3 A CRÍTICA ENTRA NA HISTóRIA DO CURRÍCULO ............... 36

4 RUMO A UMA CRÍTICA AOS ExCESSOS ExPLICATIVOS

DO CURRÍCULO .................................................................. 38

5 O CURRÍCULO NO BRASIL ................................................. 39

ATIVIDADES ....................................................................... 41

RESUMINDO ....................................................................... 42

LEITURAS COMPLEMENTARES ............................................ 43

FILME RECOMENDADO ........................................................ 43

SITES RECOMENDADO ........................................................ 43

REFERÊNCIAS ..................................................................... 44

Sumário

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UNIDADE IIIO CURRÍCULO E SEUS SENTIDOS TEóRICOS I

1 O CURRÍCULO E SEUS SENTIDOS TEóRICOS ....................... 47

2 A DISCIPLINA: FOCO E PROBLEMáTICA ............................. 48

3 A PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR .................................. 49

4 A PERSPECTIVA TRANSDISCIPLINAR ................................. 50

5 AS TEORIAS CRÍTICAS DO CURRÍCULO .............................. 53

ATIVIDADES ...................................................................... 55

RESUMINDO ....................................................................... 56

LEITURA COMPLEMENTAR .................................................. 56

FILME RECOMENDADO ........................................................ 57

SITE RECOMENDADO .......................................................... 57

REFERÊNCIAS ..................................................................... 57

UNIDADE IVO CURRÍCULO E SEUS SENTIDOS TEóRICOS II

1 A CRÍTICA DA CRÍTICA ...................................................... 59

2 TENSõES ENTRE CRÍTICOS E PóS-CRÍTICOS ...................... 65

3 A PERSPECTIVA RIzOMáTICA ............................................ 67

4 O FOCO NA vida ............................................................... 68

5 A CONCEPçãO MULTIRREFERENCIAL E INTERCRÍTICA ....... 70

ATIVIDADES ....................................................................... 75

RESUMINDO ....................................................................... 76

LEITURA RECOMENDADA .................................................... 76

FILME RECOMENDADO ........................................................ 77

SITES RRECOMENDADO ...................................................... 77

REFERÊNCIAS .................................................................... 78

UNIDADE VPROPOSTAS CURRICULARES CONTEMPORâNEAS I

1 A NOçãO DE COMPETÊNCIA E A ORgANIzAçãO

CURRICULAR ...................................................................... 83

2 O CURRÍCULO POR PROBLEMA ........................................... 87

3 O CURRÍCULO POR PROjETOS ............................................ 89

4 O CURRÍCULO POR TEMAS gERADORES E POR

PROBLEMATIzAçãO ........................................................... 90

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ATIVIDADES ....................................................................... 93

RESUMIMDO ....................................................................... 93

FILME RECOMENDADO ........................................................ 94

REFERÊNCIAS ..................................................................... 95

UNIDADE VIPROPOSTAS CURRICULARES CONTEMPORâNEAS II

1 O CURRÍCULO POR MóDULOS DE APRENDIzADO ............... 97

2 CURRÍCULO EM REDE, HIPERTExTUAL E EDUCAçãO

on-line ............................................................................. 100

3 O CURRÍCULO POR CICLOS DE FORMAçãO ......................... 103

4 A AULA COMO ATOS DE SUjEITOS DO CURRÍCULO E

ACONTECIMENTO MULTIRREFERENCIAL ............................ 106

4.1 Cenário plural ....................................................... 106

4.2 Sala de aula e diversidade .................................... 107

5 CENáRIO PROPOSITIVO ..................................................... 109

6 O qUE é UM CURRÍCULO EDUCATIVO ................................ 109

ATIVIDADES ....................................................................... 111

LEITURA COMPLEMENTAR .................................................. 111

FILME RECOMENDADO ........................................................ 111

SITE RECOMENDADO .......................................................... 112

REFERÊNCIAS .................................................................... 113

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O AUTOR

Prof. Dr. Roberto Sidnei

Doutor em Ciências da Educação pelo Departamento de

Ciências da Educação da Universidade de Paris Saint-

Denis, com pós-doutorado em currículo e formação pela

Universidade de Fribourg, Suíça. Atua como professor-

pesquisador na Faculdade de Educação da Universidade

Federal da Bahia, FACED-UFBA. Coordenador do FOR-

MACCE, Grupo de Pesquisa em Currículo e Formação,

suas pesquisas direcionam-se para as práticas curricula-

res e formação de professores, incluindo professores em

serviço.

Tem obras e artigos publicados com estudos ligados aos

campos do currículo, da formação, da etnopesquisa críti-

ca, da etnopesquia-formação e da educação infantil. Faz

parte do Conselho Científico da ANPED, é consultor Ad

Hoc da CAPES-MEC.

Tem inserções internacionais, enquanto pesquisador as-

sociado à Universidade de Québec, Universidade Paris 8 e

Universidade da Ilha da Madeira-Portugal.

Contato: [email protected]

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DISCIPLINA

CURRÍCULO

A historicidade do currículo: epistemologia e história. O

conceito do currículo nas diferentes teorias. Currículo

como uma construção histórica na relação com as po-

líticas sociais. A relação escola/sociedade e o currículo.

Currículo, escola, cultura, tecnologia e ideologia. Retros-

pectiva histórica da teoria do currículo no Brasil.

Carga horária: 60 horas

EMENTA

Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo

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Este conjunto de textos tem como objetivo principal oferecer a

você, caro aluno, um rol de conhecimentos que visam elucidar

algo que ainda inquieta os educadores: a compreensão do que

seja o currículo como um complexo e poderoso artefato educa-

cional, organizador das formações. O currículo é uma “tradição

inventada” (GOODSON, 1998), que hoje cultiva uma polissemia

formidável, pouco conhecida nos âmbitos da sociedade civil or-

ganizada e interessada nas coisas da educação.

Cultivando o compromisso com o campo propriamente dito do

tema currículo, de uma perspectiva histórico-crítica, as argu-

mentações que se constroem ao longo do texto preservam a

ideia principal de oferecer ao aprendente um debate e a possibi-

lidade de conceituar de forma elucidativa o currículo, nos âmbi-

tos da sua importante função socioeducacional.

Por serem textos de compromisso elucidativo, se exerce aqui,

de forma vigorosa, o pensamento de tradição crítica, cultivando

a defesa de um currículo dialógico e intercrítico. É assim que se

posiciona em favor de um currículo educativo, algo sempre valo-

rado e problematizado, como, aliás, tudo em educação.

A intenção fundante dos textos é proporcionar a quantos se in-

teressem em compreender as questões curriculares atuais, uma

narrativa e um debate aprofundados, e que entrem no mérito do

que seja esse complexo, poderoso e importante organizador de

conhecimentos formativos da educação contemporânea e seus

grandes desafios.

Visa-se a partir dos textos apresentados, que o aluno(a) possa

compreender, refletir e se apropriar de concepções curriculares,

dos seus processos históricos, assim como dos principais apor-

tes teóricos desenvolvidos no campo curricular. Esses elementos

fundamentais dos estudos do currículo possibilitarão a compre-

ensão dos principais modelos propositivos de currículo, suas ba-

ses epistemológicas e pedagógicas, assim como suas potenciali-

dades em termos de utilização concreta nos meios educacionais.

OBJETIVOS

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As políticas e práticas curriculares e suas urgentes demandas de

compreensão e interferência, bem como a necessidade de um ar-

gumento competente sobre as ações que acontecem no campo

curricular, não legitimam mais reduções, pulverizações e concep-

ções a-críticas. É urgente, avaliamos, neste contexto da história

das perspectivas e ações curriculares, que os educadores entrem

no mérito do que se configura como currículo e saibam lidar com

suas complexas e interessadas dinâmicas, que hoje definem de

forma potente a qualidade e a natureza das opções formativas e

educacionais. Não temos dúvida, que hoje, pelas vias da sua capa-

cidade de organização da educação, os atos de currículo (MACEDO,

2007) podem contribuir, em muito, para definir destinos individu-

ais e horizontes socioeducacionais.

Enquanto construção social, o currículo se configura na educação

contemporânea, como um dos mais poderosos dispositivos educa-

cionais. Nestes termos, o estudo do currículo passa a ser uma par-

te da teoria formativa que ultrapassa o mero domínio de um tema/

instrumento educacional. É, em realidade, uma maneira de, pela

formação sociopedagógica, compreendermos como a educação do

presente e suas políticas concebem, organizam, implementam,

institucionalizam e avaliam os conhecimentos, configurados por

conteúdos técnicos, éticos, políticos, étnico-culturais e estéticos

eleitos como formativos.

Assim, as questões curriculares devem ser debatidas pela socieda-

de civil organizada, na medida em que um “currículo educativo”,

ideia defendida neste texto, deve estar direcionado para o bem

comum social, pleiteando e aprendendo criticamente com a dife-

rença, envolvendo comunidades interessadas.

Antes mesmos de pensarmos em aplicar modelos curriculares como

remédios universais para as diversas formações, ou verdades ex-

cessivas, pensemos nas pessoas e nas necessidades educativas

dos seus grupos de fato, nos contextos culturais, nas demandas e

problemáticas do mundo do trabalho e da produção, possibilitando

APRESENTAÇÃO

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que as práticas curriculares sejam, em realidade, construídas

por processos intercríticos, e os atos de currículo transformados,

em atos de justiça curricular.

As verdades excessivas, os silenciamentos, as exclusões, as ir-

responsabilidades com os conhecimentos e aprendizados social-

mente relevantes, tão presentes na história moderna e contem-

porânea do currículo, precisam dar lugar a uma concepção e ação

curriculares socialmente implicadas na construção de uma cida-

dania construída na participação autêntica de toda a sociedade.

Foi neste sentido que os curriculogistas críticos, sensíveis diante

da forte função socioeducacional do currículo, perguntaram: o

que faz o currículo com as pessoas? Ao fazerem essa pergunta,

começaram uma revolução que, esperamos hoje, ultrapasse os

muros dos interesses meramente burocráticos e acadêmicos e

se transforme num ato político e de trabalho árduo em favor da

radical democratização da educação de qualidade entre nós.

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1 O CURRÍCULO NO CENáRIO EDUCACIONAL CONTEM-PORâNEO

Nunca se constatou na história da educação uma tamanha

importância atribuída às políticas e propostas curriculares, diria

mesmo, um tamanho empoderamento do currículo enquanto definidor

dos processos formativos e educacionais e suas concepções. No

Brasil não é diferente. Parâmetros, Parâmetros em ação, Diretrizes

Curriculares, leis específicas sobre conteúdos curriculares, fazem

parte do cenário contemporâneo de decisões educacionais em nosso

país.

17PedagogiaUESC

1U

nida

deUNIDADE I

CURRÍCULO: CAMPO DE ATIVIDADES E CONCEITO

OBjETIVOAo final desta unidade, o aluno deverá situar o campo do

currículo na contemporaneidade, assim como as políticas e

práticas e suas configurações. Promover a elucidação histórica

do conceito de currículo, visando processos de compreensão e

de práticas curriculares fundadas num profundo entendimento

da sua função educacional e formativa.

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Se levarmos em conta o contexto de importância que

o currículo assume no mundo, em termos da concepção e da

construção contemporânea das formações, o seu empoderamento

político-pedagógico, assim como a complexidade que emerge dessas

configurações, a explicitação reflexiva do campo curricular e da noção

de currículo, no sentido de distinguir histórica e conceitualmente as

perspectivas e as práticas, se torna uma responsabilidade formativa

social e pedagógica incontestável. Junto com esse compromisso,

faz-se necessário trazer para esse cenário discursivo e elucidativo

o lugar do debate e da diversidade das concepções, sem com isso

aceitar os prejuízos conceituais e político-pedagógicos causados pelas

perspectivas que acolhem posições do tipo: “você deve dominar e

aplicar essa concepção de currículo porque é científica”, ou mesmo,

“não é preciso conceituar algo que é extremamente complexo”.

Diríamos que as práticas curriculares e suas urgentes

demandas de compreensão e interferência político-pedagógica, bem

como a necessidade do argumento competente sobre o instituído e o

instituinte desse campo, não mais legitimam reduções, pulverizações

e concepções a-críticas. É urgente, avaliamos, neste contexto da

história das perspectivas e práticas curriculares, que os educadores

entrem no mérito do que se configura como currículo e saibam lidar

com suas complexas e interessadas dinâmicas de ação, sob pena

de deixarem que os burocratas da educação continuem tomando

de assalto um âmbito das políticas e práticas educacionais que hoje

define, em muito, a qualidade e a natureza das opções formativas,

na medida em que trabalha, fundamentalmente, nas organizações

educacionais, com o conjunto dos conhecimentos e atividades eleitas

como formativas. Este é o campo do currículo, que desejamos refletir

profunda e democraticamente.

Os tecnocratas do currículo, em geral, não sabem e pouco

se sensibilizam por aquilo que podemos denominar de um currículo

educativo, formativo. Ou seja, um currículo em que as intenções

formativas sejam explicitadas e se desenvolva, elucidando e

compromissando-se com uma educação cidadã. “Pensam” sempre na

arquitetura curricular, no seu desenho expresso nas antigas “grades”,

hoje matrizes curriculares, fixadas num documento.

É preciso, portanto, que a sociedade, seus grupos de fato e

os movimentos sociais implicados nos cenários e ações educacionais

tenham a oportunidade de compreender e debater bem o currículo,

num processo de democratização radical da sua discussão conceitual

e da elucidação das práticas e, a partir daí, se apropriem e construam

percepções e ações de descolonização nos âmbitos das propostas

Numa primeira apro-ximação ao conceito de currículo, podemos dizer que o currículo se caracteriza nas or-ganizações educacio-nais como o conjunto de conhecimentos es-colhidos como forma-tivos. A centralidade está, portanto, no conhecimento legiti-mado como formati-vo. Aqui começa sua importância e comple-xidade política e peda-gógica.

18 Módulo 4 I Volume 2 EAD

Currículo | Currículo: campo de atividade e conceito

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curriculares correntes.

Esse não é um esforço de fixação de conceitos, de dizer sobre

um conceito correto-incorreto, mas, acima de tudo, um esforço de

explicitação politizada de uma concepção sócio-histórica importante;

uma política de sentido em elucidação, fincada na relevância

socioeducacional do compromisso com o trabalho de responsabilidade

em dizer bem com implicação sobre as políticas e práticas curriculares.

Não temos dúvida de que o currículo, uma significativa opacidade

e dificuldade conceitual para muitos trabalhadores em educação

e a sociedade em geral, ainda se constitui num dos dispositivos

educacionais dos mais autoritários e excludentes, nestes termos seu

conhecimento aprofundado é urgente como um ato democrático.

Quando chegamos às nossas escolas, predominantemente, os

currículos já estão prontos para serem oferecidos como um banquete

a ser consumido, alguns com sabores e adornos extremamente

sofisticados.

Entendemos com isso, que nunca como hoje o trabalho

crítico, diria intercrítico, é tão fecundo para deslocarmos propostas

supostamente democráticas para o campo da radicalização da

construção de novos sujeitos históricos, como partícipes ativos e

crítico-reflexivos da cena curricular-educacional. É essa configuração

que empresta ao currículo uma formidável perspectiva sistêmica

e complexa de um macro-conceito. Ou seja, um conceito de

fecundas características analisadoras do entendimento da educação

contemporânea, ou seja, dotado de uma significativa capacidade de

abraçar as mais diversas dimensões e perspectivas do ato educacional;

sem, entretanto, perder a sua especificidade em termos de conceito,

campo e história específicos.

2 DISTINçãO E RESPONSABILIDADE SOCIOEDUCACIO-NAL

A necessidade de distinguir e de relacionar de forma pertinente,

são lógicas necessárias para que se possa trabalhar em prol da

lucidez sempre necessária nos âmbitos do currículo, da formação e

da atividade político-educacional.

Dizer que “currículo é a vida da escola”, “tudo que acontece

no convívio escolar”, “currículo é também o grau de limpeza dos

corredores da escola”, ou mesmo reduzi-lo ao argumento da

mercadorização da educação, como num escrito de uma prova de

seleção de mestrado onde se dizia: “currículo é o segredo e a alma do

Podemos dizer que o cur-rículo, como um disposi-tivo educacional, é, pre-dominantemente, uma das mais autoritárias invenções da história da pedagogia, em face da sua concepção e imple-mentação até hoje pou-co ou nada democrática.

No caso da formação dos educadores, sa-ber conceituar currí-culo faz parte de uma das atividades impor-tantes para se inserir de forma competen-te nas significativas e tensas discussões sobre as políticas, práticas e opções cur-riculares-formativas discutidas na nossa sociedade contempo-rânea.

19PedagogiaUESC

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nida

de

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negócio promissor da educação”, é aceitar perspectivas equivocadas,

niilistas ou mercantilistas. Neste cenário de equívocos, vieses não-

elucidativos e reduções, em muitos momentos, currículo é mercado ou

é tudo e nada. O prejuízo ético, político e formativo desses equívocos

são fáceis de ser anunciado.

O cultivo de compreensões como essas, e da aceitação fácil de

inovações apenas comprometidas ou reduzidas a delírios pedagógicos,

só favorecem as elaborações modelizadas de intelectuais delirantes

e descomprometidos com as consequências sociais da educação,

ou dos experts de gabinete, em geral, simpáticos às compreensões

tecnicistas de currículo, porquanto ficam à vontade em trabalhar

e prescrever através de seus modelos pretensamente “aplicáveis”.

Estamos ainda vivendo numa percepção sociopedagógica de currículo

que dá preferência ao modelo e ao sistema pré-montado, em

detrimento das pessoas, de suas demandas formativas, referências

culturais e históricas; em detrimento dos contextos e seus interesses

ligados ao complexo mundo do trabalho e da produção; e em

detrimento, por consequência, do debate de sentidos que deve ser

formulado no coletivo social. Nestes termos, a concepção de currículo

expressa o desejo tecnocrata de uniformidade, de unicidade, como

nos diz o educador português João Formosinho (1991, p. 1) “Currículo

Uniforme – pronto-a-vestir de tamanho único”. Ou mesmo, cai nas

concepções delirantes de quem acha que as coisas da educação não

têm especificidade e que toda fonte de elucidação e debate é válida

para compreender o ato educativo a partir, apenas, da sua própria

lógica ou linguagem.

No caso dos experts de gabinete, a diferença em educação, em

geral, não faz diferença. Tudo é, a priori, passível de homogeneização.

Em geral, o que não pode ser homogeneizado vira resíduo a ser

descartado. Entretanto, da perspectiva da teoria dos sistemas

e da crítica complexa, os resíduos são produtos de sistemas que,

para construir suas coerências, eliminam elementos. Porém esses

elementos não desaparecem. Eles se reagrupam na periferia e, num

certo momento, podem retornar em avalanche e desestabilizar o

sistema (LEFEBVRE apud HESS, 2005, p. 22).

O que nos mobiliza, em larga medida, neste momento, é a

necessidade de os educadores saberem distinguir o campo e o objeto

de estudo do currículo como processos históricos, como processos de

interesse formativo e, ao mesmo tempo, de empoderamento político.

Numa recente discussão sobre o currículo de licenciatura vivido

por nossa faculdade, um representante estudantil se expressou: “Não

sei discutir currículo, não tenho os instrumentos conceituais para

20 Módulo 4 I Volume 2 EAD

Currículo | Currículo: campo de atividade e conceito

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tal, só sei que estou implicado e tenho que discutir”. Essa é uma

narrativa emblemática que ilustra bem a inquietação e a possibilidade

de empoderamento que o saber curricular envolve.

Parece-nos importante dizer que uma visão dialógica e não-

formal de currículo, em termos de seu desenho e conteúdo não nos

remete necessariamente para fora da implicação com o campo, o

debate e a reflexão enraizados aí. Ao longo de nossas elaborações

sobre currículo, costumamos implicar a epistemologia, a sociologia, a

antropologia, a política, a psicologia, o romance, a poesia, a fábula,

o cinema, o teatro, o mito, a música, as artes plásticas e outras

narrativas fora da prosa científico-educacional, como possibilidades

de enriquecer/aguçar/ampliar/problematizar a compreensão sobre

as pautas e as práticas curriculares e suas questões, sem com isso

perder de vista de onde falamos, de que falamos e qual o nosso

compromisso explicativo em termos do objeto de reflexão e análise.

3 CONCEITO, CAMPO DE ATIVIDADES E IMPLICAçõES POLÍTICO-PEDAgógICAS

Autorizamo-nos a dizer que o currículo tem um campo

historicamente construído, onde se desenvolve o seu argumento

e o seu jogo de compreensões mediadoras. Há uma especificidade

histórica que caracteriza este campo.

Existem os substantivos cursus (carreira, corrida) e curriculum

que, por ser neutro, tem o plural curricula. Significa “carreira”, em

forma figurada. Daí derivam expressões como cursus forenses,

carreira do foro; cursus honorum, carreira das honras, das dignidades

funcionais públicas, sucessiva e progressivamente ocupadas. O termo

cursus passa a ser utilizado, com variedade semântica a partir dos

séculos XIV e XV, nas línguas como o português, o francês, o inglês e

outras, como linguagem universitária. A palavra curriculum é de uso

mais tardio, nessas línguas. Em 1682, já se utiliza em inglês, a palavra

curricle, com o sentido de “cursinho”. Nesta mesma língua, se utiliza,

a partir de 1824, o termo curriculum com o sentido de um curso de

aperfeiçoamento ou estudos universitários, traduzido também pela

palavra course. Somente no século XX, a palavra curriculum migra da

Europa para os Estados Unidos.

Conforme elabora Beticelli (1999, p. 162), ainda que, a partir

de 1920, já se tenha orientações sobre a problemática do currículo,

é somente a partir da Segunda Guerra Mundial que vão aparecer às

primeiras formulações.

A propósito, o lexema currículo, proveniente do étimo latino curre-re, significa caminho, jornada, trajetória, per-curso a seguir e encer-ra, por isso, duas idéias principais: uma de se-qüência ordenada, outra de noção de totalidade de estudos (PACHECO, 1996, p. 16).

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Cremos ocorrer isto pelas razões arroladas que di-zem respeito ao desenvolvimento da tecnologia, umas das características marcantes da modernidade inaugurada por Galileu, a qual passa por Descartes, madurece com Newton e se expande definitivamente com a era industrial. A partir da era industrial se faz a produção de sentido atual do currículo, fenômeno que se estabelece definitivamente no pós-Segunda Guerra Mundial (BERTICELLI, 1999, p. 163).

Na cultura educacional francesa, a discussão sobre currículo

tardou a se configurar. Segundo considerações de Jean-Claude Forquin

(1966), os teóricos da reprodução, na elaboração da crítica da cultura

escolar, tratam das questões curriculares de forma apenas indireta.

Silva (1999, p. 21), a propósito, nos diz que a emergência

do currículo como campo de estudo está estreitamente ligado a

processos tais como a formação de um corpo de especialistas sobre

currículo, a formação de disciplinas e departamentos universitários,

a institucionalização de setores especializados sobre currículo

na burocracia educacional do estado e o surgimento de revistas

especializadas. Este autor aponta que a própria emergência da

palavra curriculum, como modernamente conhecemos, está ligada à

organização das experiências educativas.

Faz-se necessário ressaltar que é na literatura estadunidense

que o termo surge para designar um campo especializado de estudos.

Foram talvez as condições associadas com a institu-cionalização da educação de massas que permitiram que o campo de estudos do currículo surgisse nos Estados Unidos, como um campo profissional espe-cializado. Estão entre essas condições: a formação de uma burocracia estatal encarregada dos negócios ligados à educação; o estabelecimento da educação como um objeto próprio de estudo científico; a ex-tensão da educação escolarizada em níveis cada vez mais altos de segmentos cada vez maiores da popu-lação; as preocupações com a manutenção de uma identidade nacional, como resultado das sucessivas ondas de imigração; o processo de crescente indus-trialização e urbanização (SILVA, 1999, p. 22).

Kemmis (1998, p. 14), argumenta que o currículo é “um terreno

prático, socialmente construído, historicamente formado, que não se

reduz a problemas de aplicação de saberes especializado desenvolvido

por outras disciplinas, mas que possui um corpo disciplinar próprio”,

no que acrescenta Pacheco (1996, p. 24), dizendo-nos que o

22 Módulo 4 I Volume 2 EAD

Currículo | Currículo: campo de atividade e conceito

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conhecimento curricular se constitui “num corpo disciplinar próprio

– aqui designado por ‘Teoria e Desenvolvimento Curricular’ - que se

situa nos âmbitos teórico e prático do conhecimento educativo.”

Inspirado nesse trabalho de compreensão é que nos sentimos

instados a elaborar uma certa noção de currículo via um esforço de

distinção relacional, implicado às nossas opções político-educacionais.

Assim, compreendemos o currículo como uma “tradição

inventada” (GOODSON, 1998), como um artefato socioeducacional

que se configura nas ações de conceber/ selecionar/produzir, organizar,

institucionalizar, implementar/dinamizar saberes, conhecimentos,

atividades, competências e valores, visando uma “dada” formação,

configurada por processos e construções constituídos na relação

com conhecimento eleito como educativo. Enquanto uma construção

social, e articulado de perto com outros processos e procedimentos

pedagógico-educacionais, o currículo, como qualquer artefato

educacional, atualiza-se – os atos de currículo - de forma ideológica

e, neste sentido, veicula “uma” formação ética, política, estética

e cultural, nem sempre explícita (âmbito do currículo oculto),

nem sempre coerente (âmbito dos dilemas, das contradições, das

ambivalências, dos paradoxos) nem sempre absoluta (âmbito

das derivas, das transgressões), nem sempre sólida (âmbito dos

vazamentos, das brechas) . É, nestes termos, que vive cotidianamente

enquanto concepção e prática, a reprodução das ideologias, bem

como permite, de alguma forma, a construção de resistências,

bifurcações e vazamentos. É aqui que o currículo se configura como

um produto das relações e das dinâmicas interativas, vivendo e

instituindo poderes. Neste movimento, cultiva “uma” ética e “uma”

política, ao fazer e realizar opções epistemológicas, pedagógicas,

ao orientar-se por determinados valores. Essas realidades estarão

sempre presentes nas políticas de sentido dos curricula, emanam

das práticas que os constituem e das práticas constituídas por eles;

afinal, o currículo é, para nós, o principal artefato de concepção e

atualização das formações e seus interesses socioeducacionais.

Em geral, o senso comum educacional percebe o currículo como

um documento (a grade) onde se expressa e se organiza a formação,

ou seja, o arranjo, o desenho organizativo dos conhecimentos,

métodos e atividade em disciplinas, matérias ou áreas, competências

etc.; como um artefato burocrático pré-escrito. Não perspectivam o

fato de que o currículo se dinamiza na prática educativa como um

todo e nela assume feições que o conhecimento e a compreensão do

documento por si só não permite elucidar. O fato é que professores

e educadores em geral, nos seus cenários formativos, atualizam,

Dessa forma, uns dos subsídios fundamen-tais para a construção do currículo é o co-nhecimento e os va-lores orientados para uma determinada for-mação. A sistematiza-ção dessa formação por esses componen-tes é o currículo.

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constroem e dão feição ao currículo, cotidianamente, relacionalmente,

tendo como seu principal objetivo a formação e seus processos de

interpretação e veiculação, daí sua inerente complexidade. Há uma

costura, uma forma de tecer a formação, cuja compreensão não é

possibilitada por um documento apenas, a matriz curricular, por mais

que os documentos educacionais, não só a proposta curricular, digam

muito sobre o currículo, sua concepção e prática. É nestes termos que

o currículo se atualiza como um fenômeno complexo. Sabemos que

o currículo se move em sala de aula, nas palestras, nos laboratórios,

nos estudos dos alunos e dos professores, sua vida não se encerra

nas mãos e na cabeça daqueles que concebem a matriz curricular,

que também é um ato de currículo, mas não-absoluto.

Foi procurando desconstruir o caráter hierarquizante e linear

que a perspectiva “dura” de currículo cultiva, que argumentamos

o quanto este artefato concebido como trajetória e itinerário, se

transforma numa forma de poda das possibilidades criativas das

experiências aprendentes que emergem dos “sítios de pertencimento

simbólico” (ZAOUAL, 2003) e suas formas de apropriação. Neste

mesmo argumento, elaboramos a ideia de currículo como itinerância

e errância, onde mostramos a necessidade de se vivenciar também

nas experiências formativas as interações bifurcantes, os devaneios e

as errâncias criativas (MACEDO, 2002).

É assim que compreendemos o currículo, como um complexo

cultural tecido por relações ideologicamente organizadas e orientadas.

Como prática potente de significação, o currículo é, sobretudo,

uma prática que bifurca. Neste sentido, não se pode conceber

o currículo como prática de significação sem realçar seu caráter

generativo, inventivo. Como tal, no seio do currículo, constituindo-o,

os significados, os sentidos trabalhados, a matéria significante, o

subsídio cultural, são sempre e continuamente retrabalhados. “São

traduzidos, transpostos, deslocados, condensados, desdobrados,

redefinidos, sofrem, enfim, um complexo e indeterminado processo

de transformação” (SILVA, 1999, p. 13).

Em termos políticos, faz-se necessário ressaltar, como nos alerta

Silva (1999), que há uma tensão constante entre a necessidade de

delimitar o significado e a rebeldia, também permanente, do processo

de significação. É aqui que o conservadorismo está sempre às turras

com o enfrentamento da tendência do significado ao deslizamento, à

disseminação, ao vazamento, à transgressão e à traição.

É fato que a prática introduz elementos e problemas

significativos sobre e a partir dos quais se faz necessário refletir

em termos coletivos. Faz-se necessário perceber que o currículo

24 Módulo 4 I Volume 2 EAD

Currículo | Currículo: campo de atividade e conceito

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indica caminhos, travessias e chegadas, que são constantemente

realimentados e reorientados pela ação dos atores/autores da cena

curricular. Neste mesmo veio, é necessário dizer que tal atitude vai

de encontro a qualquer processo de homogeneização curricular, que

tende a criar certa névoa de generalização, sacrificando a visão das

situações curriculares específicas e suas singularidades. As políticas

e ações curriculares precisam nutrir-se de uma mirada clínica, ou

seja, um olhar focado nos movimentos singulares dos cenários

socioeducacionais.

Neste aspecto, necessário se faz tomar a cultura e o currículo

como relações de poder. Mais precisamente: é necessário entender

que as relações de poder configuram os processos de significação, e

é aqui que o currículo tem um papel político de extremo compromisso

com uma outra ética, com uma outra política que não seja a do

alijamento, tampouco do corporativismo disciplinar.

É assim que as lutas por significado não se resolvem no terreno

epistemológico-formativo apenas, mas em muito no terreno político,

ou seja, no terreno das relações de poder. Luta por significado é

luta por recursos de poder. Um poder que, da nossa perspectiva,

levando em conta a compreensão do que seja o campo do currículo,

requer do educador a capacidade de nocionar bem, de explicitar bem,

para saber lidar. Um compromisso sociopedagógico ineliminável da

formação e dos formadores de educadores.

Neste âmbito, Goodson traz uma discussão significativa,

inspirado nas discussões de Michael Young sobre o currículo como

fato e o currículo como prática.

[...] ao focalizar a definição pré-ativa de currículo es-crito como algo constitutivo na criação de um currí-culo, não estou querendo especificamente promover um conceito exclusivo de ‘currículo como fato’. Todo conceito progressivo de currículo (e de criação de currículo) teria de trabalhar com o currículo realizado na prática como um componente central. Todavia, a crença absoluta nas propriedades de transformação do mundo que o currículo como prática possa ter, é, penso eu, insustentável [...] Uma visão assim é es-timulada pelo atual estágio de subdesenvolvimento do nosso modo de entender o currículo pré-ativo. Entender a criação de um currículo é algo que deve-ria proporcionar mapas ilustrativos das metas e es-truturas prévias que situam a prática contemporânea (GOODSON, 1998, p. 21).

Na lucidez das reflexões de Goodson, encontra-se a preocupação

que fez brotar parte das formulações deste texto, ou seja, a atual

Convencemo-nos, as-sim, de que com-preender as estruturas curriculares instituídas é necessário e impor-tante, mas, é a ação socio-educacional – configuradas em atos de currículo – mesmo em cenários ampliados, que muito nos interes-sa, para não perdermos de vista a pertinência da interferência nest-es âmbitos; para não perdermos de vista a pertinência de colocar no centro das atenções curriculares a atividade que interfere, partindo-se de uma perspec-tiva criativa, e de que, como toda construção social, o currículo vi-vencia a contradição como movimento de possibilidades (politiza-ção do currículo), por mais que a sua história seja configurada por ações marcadamente conservadoras.

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e intensa confusão/dispersão que atinge a compreensão da noção

de currículo e o prejuízo formativo que envolve esse fato, com uma

inquietação marcante entre as pessoas que precisam atuar política e

pedagogicamente com as questões curriculares de fato. São comuns,

por parte de estudantes e/ou educadores em formação, colocações

como: “afinal, me informem sobre a especificidade do currículo, e

como deverei compreender o que seja isso!”; “currículo é política, é

cultura, é poder, é complexo, mas, até agora, não sei dizer bem o que

é realmente”.

É aqui que entrar no mérito do que venha a ser currículo ultrapassa

a pretensa propriedade privada dos especialistas, que preferem uma

atitude definicional reduzida a uma pretensa compreensão puramente

técnica de currículo. É aqui que habita a reivindicação de que todos

os atores sociais têm o direito de compreender sua configuração

conceitual enquanto fenômeno histórico-social e entrar no mérito das

práticas. Há uma perplexidade demonstrada pelos professores, por

exemplo, ao se convencerem de que não sabem nocionar o currículo,

tampouco discutir suas implicações, mesmo reconhecendo-se atores

constitutivos desse importante artefato educacional. Neste sentido,

os movimentos sociais vêm jogando a última pá de cal na ideia de

que o currículo é algo que, por ser muito complexo, não é, portanto,

assunto das pessoas “comuns” e dos segmentos historicamente

alijados dos bens da educação. Um exemplo importante dessa

superação é a apropriação demonstrada na publicação “Negros e

Currículo”, lançada no Congresso de Cientistas Negros em São Luis

do Maranhão, no ano de 2004, onde intelectuais e cientistas advindos

da luta do movimento negro no Brasil ousam e se autorizam a falar

de currículo da perspectiva da formação histórico-cultural do povo

negro, mas, ao mesmo tempo, trazendo o campo curricular para

o centro dos argumentos. Um outro exemplo é a construção, em

parceria ativa com a Faculdade de Educação da UFBA, da concepção

e organização dos currículos de formação de professores indígenas da

Bahia, na qual encontros de trabalho e debates na universidade e nas

aldeias se transformaram em dispositivos mutualistas e intercríticos

(MACEDO; CORTES, 2003) de construção de currículo, tendo como

produto um currículo ligado à história desses povos, suas culturas,

contextos e demandas, dentro de uma realidade social globalizada.

Se, pelos argumentos aqui desenvolvidos, dizer é uma das

maneiras de fazer, e o esforço de dizer bem é uma das maneiras

de exercer poder numa realidade em muito mediada pela linguagem

e seus jogos, pelo conhecimento e sua dinâmica ambivalente e

contraditória, estamos convencidos da necessidade de que os atores

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Currículo | Currículo: campo de atividade e conceito

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educativos e a sociedade organizada passem a falar bem sobre o

currículo e dos currículos obviamente e, neste sentido, exerçam nos

seus âmbitos o poder-com; cerne do currículo percebido e edificado

como concepção e prática intercríticas.

ATIVIDADES

1. Caracterize, a partir da leitura do texto e das discussões

públicas sobre currículo, sua importância no contexto

educacional atual.

2. Reconstrua, a partir de debates com grupos de colegas, a

concepção de currículo assumida pelo texto.

3. Indique o que pode distinguir e caracterizar o currículo, em

meio a outros temas educacionais. Ou seja, de que trata o

currículo como tema e como prática educacional?

4. Por que, partindo da argumentação do texto, o currículo

precisa ser bem conceituado não só pelas organizações e

trabalhadores educacionais, mas, também, pela sociedade

civil como um todo?

5. O que você entendeu quando se sintetiza no texto a ideia de

que o currículo tem a ver com o conhecimento escolhido como

formativo?

ATIVIDADES

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RESUMINDO

O currículo hoje é um dos temas educacionais mais importantes

para as políticas públicas em educação. Na medida em que

fundamentalmente lida com o conhecimento escolhido como formativo,

passa a ter um poder considerável, porquanto o conhecimento define

como devemos ver o mundo, a sociedade e a nós mesmos. Nestes

termos, é fundamental que saibamos compreender bem o que seja

currículo e como o conhecimento e as atividades nele contidos estão

dirigidos para a formação dos diversos segmentos sociais.

Compreendido como a concepção, organização, implementação

e avaliação de conhecimento eleitos como formativos, é preciso que

seja percebido como uma invenção pedagógica onde todos possam

compreender bem sua ação e sua qualidade, afinal, o currículo existe

porque a educação de qualidade via o conhecimento formativamente

organizado é socialmente necessário.

SILVA, T. T. Documentos de identidade. Uma introdução às teorias

do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

FILME RECOMENDADO:

Holland: adorável professor! – com mais de duas horas de duração,

o filme traz a trajetória de um homem que viveu como professor uma

experiência formativa (in)tensa. Com Richard Dreyfuss, que vive o

personagem Holland, um pai, professor, músico, maestro, compositor.

O filme mostra a luta de um compositor que começava

ministrar aulas de música para melhorar o orçamento e depara-se

com o desinteresse dos alunos. Para conquistar a atenção dos alunos,

ele altera profundamente sua relação com o conhecimento e os atos

de currículo, despertando resistência de diretores e colegas, mas

influenciando decisivamente a vida de muitos deles.

Em meio aos apuros da vida familiar e às neuroses cotidianas

em que todos vivemos, inclusive as inseguranças pessoais e lutas

comuns aos seres humanos, o único filho do casal nasce com surdez,

aumentando as dificuldades familiares.

RESUMINDO

LEITURA COMPLEMENTAR

FILME RECOMENDADO

28 Módulo 4 I Volume 2 EAD

Currículo | Currículo: campo de atividade e conceito

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A história se passa na década de 1960 e avança até os

anos 2000, mostrando a evolução do tempo, envelhecendo os

personagens, acrescendo a maneira com que a cidade reconhece a

atuação formativa de Holland.

VÍDEO RECOMENDADOEntrevista com Edgar Morin – Programa Roda Viva, “TV E”, agosto

de 2005, distribuição. O autor toca em vários pontos importantes

para discutirmos a questão da formação e do currículo no mundo

contemporâneo, a partir da teoria da complexidade que desenvolve.

SITE RECOMENDADO

http://search.scielo.org/?q=Curriculo&where=ORG (periódicos)

http://cutter.unicamp.br/document/results.php?words=curr%EDculo

REFERÊNCIAS

BERTICELLI, I. “Currículo: Tendências e filosofia”. In: Costa, M. V. O Currículo nos limites do contemporâneo. Rio de Janeiro: DP&A

Editora, 1999, p. 159-176.

FORQUIN, J-C. “As abordagens sociológicas do currículo: orientações

teóricas e perspectivas de pesquisa”. Educação & Realidade. Porto

Alegre, 21(1): 187-198, jan/jun, 1996, p. 54.

FORMOSINHO, J. “Currículo uniforme – pronto-a-vestir em tamanho

único”. In: Machado, F. Gonçalves, M. Currículo e desenvolvimento curricular. Rio Tinto: Edições Asa, p. 262-267.

GOODSON, I. Currículo: teoria e história. Tradução de Attílio

Brunetta. Petrópolis: Vozes, 1998.

VÍDEO RECOMENDADO

REFERÊNCIAS

SITE RECOMENDADO

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HESS, R. Produzir sua obra. O momento da tese. Brasília: Líber

Livro, 2005.

KEMMIS, S. El curriculum: más allá de la teoría de la reproducción.

Madrid: Morata, 1988.

LIMA, I.; ROMÃO, J. Negros e currículo. 2 ed., Florianópolis:

Atilènde Editora, 2002.

MACEDO, R. S. Chrysallís. Currículo e complexidade. A perspectiva

crítico-multirreferencial e o currículo contemporâneo. Salvador:

EDUFBA, 2002.

________. Currículo: campo, conceito e pesquisa. Petrópolis: Vozes,

2008.

MACEDO, R. S. CORTES, C. “Terra, vento, folhas, fogo. Por uma

abordagem multirreferencial dos aspectos pedagógicos-curriculares

para formação dos professores indígenas da Bahia.” In: Macedo,

R. S. ; Silva, G. M.; Torres, M. Currículo e docência: tensões

contemporâneas, interfaces pós-formais. Salvador: Editora UNEB,

2003.

PACHECO, J. A. Currículo: teoria e práxis. Porto: Porto Editora, 1996.

SILVA, T. T. Documentos de identidade. Uma introdução às teorias

do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

ZAOUAL, H. globalização e diversidade cultural. Tradução de

Michel Thiollent. São Paulo: Cortez, 2003.

30 Módulo 4 I Volume 2 EAD

Currículo | Currículo: campo de atividade e conceito

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Suas anotações

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1 OS PRIMóRDIOS

Preocupados em discutir a perspectiva disciplinar como

orientação curricular, historiadores do currículo argumentam que

já no período clássico grego podemos perceber indicativos dessa

perspectiva. Nesse período, havia uma preocupação evidente em

construir a formação através da organização dos conteúdos por áreas

distintas. Gallo argumenta, enquanto filósofo do currículo que, em

A República e As Leis, Platão concebia a construção do homem da

Grécia Clássica nessa perspectiva.

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UNIDADE II

HISTóRIA DO CURRÍCULO

OBjETIVOExplicitar como o currículo se apresenta como uma invenção

histórica enquanto dispositivo pedagógico, pensado e construído

ao longo do tempo e no seu tempo, trazendo com isso

características específicas, só compreendidas se historicizarmos

o pensamento, as políticas e as práticas curriculares.

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Assim procedeu Platão em A República e nas Leis, ao idealizar

o extenso e demorado plano de estudos em que deveria se basear

a formação dos guardiães, fornecendo uma base comum a todos

os cidadãos de ambos os sexos até os 20 anos; sucedendo-se: a

educação infantil, dos três aos cinco anos, composta de jogos, cantos

e fábulas; seguida, entre os sete e os dez anos, pela aprendizagem

das letras – a leitura e a escrita – e pela introdução da aritmética e

a geografia, cujo estudo se prolonga até os 16 anos, acrescido da

poesia e da música. Por fim a dança e a ginástica, que, como educação

do corpo, estão presentes desde o início, são complementadas por

exercícios militares e pelas artes marciais. A esse ciclo – com o qual

se completa a formação geral ou básica da maioria - sucede, para os

se que revelaram mais aptos, uma propedêutica matemática centrada

na aritmética, na geometria do plano e do espaço, na astronomia e na

harmonia (PINHAÇOS DE BIANCHI, 2001, p.146-147, apud GALLO,

2004, p. 39).

Vê-se também, na antiguidade grega e romana, que essa

inspiração vai sofrer uma dupla reorganização: com a denominação

de trivium, organizam-se as áreas da gramática, da retórica e da

filosofia; com a denominação de quadrivium, organizam-se as áreas

da aritmética, da geometria, da astronomia e da música.

Essa perspectiva curricular vai dominar toda a Idade Média,

juntamente com a imposição de um conhecimento mediado

predominantemente pela fé e se prolonga no iluminismo. Convencidos

de que o mundo não poderia ser abarcado na sua totalidade pela

compreensão humana, para os educadores clássicos a saída era

dividir o conhecimento em áreas.

2 O CURRÍCULO MODERNO

O currículo como nós conhecemos e experimentamos

predominantemente, na sua versão moderna, portanto, consolidou-

se na virada do século XIX para o século XX, em torno de um círculo

coerente de saberes, bem como de uma estrutura didática para sua

transmissão, desaguando no conceito de enciclopédia, como uma

certa “educação geral”. Para o professor António Nóvoa, por exemplo,

apesar de todas as inovações que ocorreram ao longo do século XX,

esse círculo e essa estrutura mantiveram-se relativamente estáveis e

se revelam incapazes de responder às novas necessidades educativas.

Goodson (1998) nos diz, ademais, que o termo currículo,

como uma maneira de organizar e controlar os ideários da formação

Vê-se que currículo se define como um plano de estudos, mas não deixa de conter a ins-piração que motivou a perspectiva disciplinar, ou seja, a organização da formação pela distin-ção das áreas de conhe-cimento.

A disciplinarização e sua proliferação vão se constituir na opção da modernidade científica e pedagógica, no que concerne à organização dos currículos escolares e de outras formações institucionalizadas.

34 Módulo 4 I Volume 2 EAD

Currículo | História do Currículo

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vai surgir a partir da escola calvinista entre escoceses e holandeses.

É interessante este aspecto histórico do currículo, pelo fato de que,

já nos seus primórdios, o currículo como conhecemos hoje, cultivava

sua função de controle, dado importante para as elaborações dos

teóricos críticos.

No contexto educacional dos Estados Unidos do início do século

passado, os estudiosos do currículo ligados a uma concepção tecnicista

de currículo, queriam ver o currículo ser concebido e praticado tal

qual se organiza a empresa e a fábrica, orientadas pelas ideias da

administração científica da época. Precisar os objetivos e obter,

pelas ações minuciosamente conhecidas e fragmentadas, a eficiência

e a eficácia transformou-se no método eleito e no caminho aceito

científica e academicamente, para se obter a formação relevante para

o contexto americano emergente. O currículo passou a ser gerenciado

como uma mecânica, tamanha era a força das ideias deterministas de

causa e efeito que operavam a concepção da formação e do próprio

currículo como seu mais importante mediador.

As experiências da psicologia experimental da época, pautadas

no valor da eficiência das aprendizagens por procedimentos e processos

condicionantes, forjam a intenção de um certo gerenciamento do aprendizado no seio do currículo, onde o controle dos conteúdos e

objetivos pré-fixados, orientavam toda a organização pedagógica.

Essa hegemonia se consolida, apesar de as ideias fincadas nos

ideários democráticos já fazerem parte do contexto das discussões

estadunidenses sobre a organização das formações.

É assim que a aliança do econômico com o técnico-científico

predomina sobre os ideários de uma educação pautada em princípios

da democracia liberal, concebida naquela época e naquele contexto. O

currículo vai refletir isso até hoje, apesar de as contradições estarem

muito mais presentes no desenvolvimento do próprio campo e das

práticas.

Numa tentativa de dar mais visibilidade ao movimento histórico

do currículo, Pacheco (1996, p. 22) argumenta que Ralph Tyler, o

mais importante dos discípulos de Bobbitt, dando continuidade a

uma conferência realizada em Chicago, em 1947, com o intuito de

delimitar o campo curricular e de abordar teoricamente o ensino,

publica, dois anos depois, conjuntamente com Virgel Herrick, Toward

Improved Curriculum Theory. Quiçá, segundo Pacheco, não retirando

a importância das obras de Bobbitt e Dewey, o grande marco da

especialização curricular, ao salientar a necessidade de uma teoria

sobre currículo.

Importante configuração elucidativa nos traz Terigi (1996,

Inspirados nesta per-spectiva da organiza-ção da formação são os americanos que vão forjar a concepção de currículo como moder-namente conhecemos hoje, dando-lhe a feição de um artefato compro-metido com os ideários científicos e administra-tivos do início do século XX.

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p. 163). Segundo a distinção ternária dessa autora, podemos nos

reportar à origem do currículo a partir de três enfoques, segundo três

autores diferentes:

- se curriculum é a ferramenta pedagógica de massificação

da sociedade industrial, acharemos sua origem nos Estados

Unidos, em meados do século, como a encontra Díaz Barriga,

ou ainda um pouco antes, na década de 1920;

- se é um plano estruturado de estudos, expressamente referido

como curriculum, podemos achá-lo pela primeira vez em

alguma universidade européia, como propõe Hamilton;

- se é qualquer indicação do que se ensina, podemos chegar,

como Narsh, a Platão e, talvez, até antes dele.

3 A CRÍTICA ENTRA NA HISTóRIA DO CURRÍCULO

Quanto às teorias críticas do currículo, corporificadas na

segunda metade do século passado, Tomaz Tadeu da Silva (1999),

na sua relevante e formativa obra introdutória sobre o movimento

teórico do campo do currículo, argumenta que essas teorias efetuam

uma completa inversão nos “fundamentos das teorias tradicionais”

desse campo de reflexão das problemáticas educacionais.

Para Silva, os modelos como o de Ralph Tyler – que percebe

o currículo como um artefato neutro, inocente e desinteressado - não

estavam preocupados em fazer qualquer tipo de questionamento mais

radical aos arranjos educacionais existentes, às formas dominantes

de conhecimento ou, de modo mais geral, à forma social dominante.

É neste contexto que a concepção formalista de currículo, que Tomaz

Tadeu da Silva chama de

Inspirados nesta perspectiva da organização da for-mação são os americanos que vão forjar a concepção de currículo como modernamente conhecemos hoje, dando-lhe a feição de um artefato comprometido com os ideários científicos e administrativos do início do século XX.

“tradicional”, vai tomar o status quo como referência;

privilegiando, acima de tudo, o fazer técnico no âmbito das práticas e

reflexões curriculares.

Outrossim, o que costumamos chamar de teoria crítica em

currículo carrega um movimento que vai desde as reflexões que

vinculam as concepções e os atos de currículo à dinâmica de produção

É aí que o ângulo muda e se reconfigura, e a atenção da teoria crítica volta-se para compre-ender o que o currículo faz com as pessoas e as instituições e não ape-nas como se faz o cur-rículo.

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da lógica capitalista, passando por uma identificação dessa lógica

capitalista como uma cultura que se reproduz na escola. Os quais o

conceito de hegemonia e resistência dinamiza o entendimento de que

são as ações coletivas que fazem a mediação dos processos de luta

no campo contraditório das relações de poder no currículo.

Nesta perspectiva, a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt,

desenvolvida através de uma visão de oposição clara à cultura

de massa e à tecnificação alienante da sociedade moderna e à

razão iluminista, vai desempenhar também um papel estruturante

significativo na constituição da atitude crítica, principalmente através

do pensamento de Adorno, Horkheimer e Benjamim.

É justamente Henri Giroux, emérito teórico crítico do currículo,

quem primeiro vai refletir essas influências, de forma mais densa,

nos seus trabalhos em currículo, falando de uma “pedagogia das

possibilidades”. Tomando de empréstimo a noção de “esfera pública”

em Habermas, Giroux vai argumentar em favor de um currículo como

“esfera pública democrática”.

Fora do contexto marxista, que toma categorias objetivas de

classe como forma de compreender a dinâmica reprodutivista da

educação pelas relações de produção e culturais surgem os ditos

“reconceptualistas”, nos Estados Unidos - William Pinar, principalmente,

acompanhado de Joel Martins no Brasil - que, utilizando-se da

fenomenologia e dos instrumentos de uma hermenêutica crítica,

passam a denunciar o aspecto burocrático-administrativo do currículo

como meio de controle pelas noções de eficiência e controle.

Os “reconceptualistas” reivindicam, por via das influências

de filósofos como Dilthey, Husserl, Heidegger e Merleau-Ponty,

uma visão de currículo pautada no reconhecimento de que somos

seres de subjetividade e que construímos o conhecimento de forma

intersubjetiva, trazendo para a cena da compreensão do currículo a

importância da linguagem e da intersubjetividade. Neste sentido, o

ator/autor aprendente não deve ser olhado como um “idiota cultural”

(H. Garfinkel), ou seja, um ser sem capacidade de sistematizar

e compreender bem as realidades em que vive, encerrado nas

burocracias que concebem e instituem o currículo.

O intercâmbio entre “reconceptualistas” e neomarxistas, nos

Estados Unidos, passa a ser dificultado pela não possibilidade de

praticarem uma certa visão epistemológica multirreferencial de suas

compreensões. Faz-se necessário dizer que todas as duas correntes,

mesmo que nascidas de pressupostos diferentes, guardem uma

intenção clara de desreificar a burocracia e as formas de relação

estabelecidas pelos atos de currículo nas sociedades capitalistas,

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bem como exercem uma clara atitude de inconformismo com as

consequências desse tipo de organização para os segmentos sociais

não hegemônicos.

É entre os denominados “Novos Sociólogos da Educação” na

Inglaterra que vai se tentar uma articulação entre as teorias de base

sociointeracionista e de inspiração neomarxista. Madam Sarup, Peter

Woods, Nell Keddie, Geoffrey Esland e Basil, Berstein são os principais

nomes. O principal arquiteto dessa corrente, Michael Young, toma

uma orientação mais estruturalista, centrando-se na preocupação em

refletir as conexões entre currículo e poder, entre a organização do

conhecimento e a distribuição do poder. É central para a analítica

de Young a pergunta: por que a algumas disciplinas se atribui mais

prestígio do que a outras? No momento, um dos projetos de Young

tem sido o de construir o que ele denomina de uma “teoria crítica do

aprendizado”, expresso na sua obra “O Currículo do Futuro. ‘ Da nova

sociologia da educação’ a uma teoria crítica do aprendizado (YOUNG,

2000).

4 RUMO A UMA CRÍTICA AOS ExCESSOS ExPLICATIVOS DO CURRÍCULO

Em parte, este é o conjunto de sentidos que antecede e

afeta o forte e plural movimento crítico-multicultural que impacta as

reflexões e ações críticas em currículo hoje.

Em termos contemporâneos, também nos encontramos

discutindo as potencialidades educativas e políticas do que se está

chamando abordagens pós-formais, pós-críticas e pós-estruturalistas

em currículo, as quais, articuladas a uma perspectiva crítica ampliada,

e ligadas às pautas teóricas e agendas propositivas multiculturais e

desconstrucionistas que hoje circulam no mundo, essas visões vão

possibilitar uma maior ampliação participativa no que concerne à

reflexão do campo curricular; desestabilizam a linearidade de análise

e propostas e tentam colocar uma última pá de cal nas perspectivas

hierarquizantes e prometeicas que configuram historicamente as

compreensões e práticas do currículo.

Polêmicas, algumas dessas abordagens são muitas vezes

acusadas de serem por demais textualistas, localistas e a-políticas,

porquanto, em geral, desprezam as análises que valorizam os

processos sociais de totalização que estruturam a sociedade e

configuram o currículo e sua dinâmica. Entretanto há de se afirmar

a pluralidade dessas posições, onde habitam também, por exemplo,

Faz-se necessário pon-tuar que esses autores vão tratar o currículo, acima de tudo, como uma construção social, a partir da influência forte das ideias de Luck-mann e Berger, na obra “A Construção Social da Realidade” (1983). Vão forjar a denominação de “currículo oculto” preocupados que esta-vam em desnaturalizar e problematizar os me-canismos encobertos de poder que no currículo, acabam por influenciar visões de mundo, de so-ciedade, de homem e de educação pelos atos de currículo.

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Currículo | História do Currículo

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abordagens neomarxistas.

5 O CURRÍCULO NO BRASIL

No caso da história do pensamento curricular no Brasil, Lopes

e Macedo (2002, p. 13) explicitam que as primeiras preocupações

com o currículo no Brasil datam dos anos 20.

Apenas na década de 80, com o início da democ-ratização do Brasil e o enfraquecimento da Guerra fria, a hegemonia do referencial funcionalista norte-americano foi abalada. Nesse momento ganharam força no pensamento curricular brasileiro as ver-tentes marxistas. Enquanto dois grupos nacionais – pedagogia histórico-crítica e pedagogia do oprimido – disputavam hegemonia nos discursos educacionais e na capacidade de intervenção política, a influência da produção da língua inglesa se diversificava, inclu-indo autores ligados à Nova Sociologia da Educação inglesa e à tradução de textos de Michael Apple e Henri Giroux. Essa influência não mais se fazia por processos oficiais de transferência, mas sim subsidi-ados pelos trabalhos de pesquisadores brasileiros que passavam a buscar referências no pensamento crítico. Esse processo menos direcionado de integ-ração entre o pensamento curricular brasileiro e a produção internacional permitia o aparecimento de outras influências, tanto da literatura de língua francesa quanto de teóricos do marxismo europeu (LOPES; MACEDO, 2002, p. 13-14).

Conforme Lopes e Macedo (2002, p. 16):

No fim da primeira metade da década de 1980, a tentativa de compreensão da sociedade pós-indus-trial como produtora de bens simbólicos, mais do que bens materiais, começa a alterar as ênfases até então existentes. O pensamento curricular começa a incorporar enfoques pós-modernos e pós-estrut-urais, que convivem com as discussões modernas. A teorização curricular passa a incorporar o pensam-ento de Foucault, Derrida, Deleuze, Guattari e Morin. Esses enfoques constituem uma forte influência na década de 1990, no entanto, não podem ser enten-didas como um direcionamento único do campo. As teorizações de cunho globalizante, seja das vertentes funcionalistas, seja da teorização crítica marxista, vêm se contrapondo a multiplicidade característica da contemporaneidade. Tal multiplicidade não vem se configurando apenas como diferentes tendências

Desde então, até a década de 1980, o cam-po do currículo foi mar-cado pela transferência instrumental de teoriza-ções americanas. Essa transferência centrava-se na assimilação de modelos para a elabo-ração curricular. Era viabilizada por acordos bilaterais entre gover-nos brasileiros e norte-americanos dentro do programa de ajuda à América Latina.

Crítica, cotidiano e pro-cesso são categorias que vão compor os es-tudos do currículo entre nós, num caminhar de superações das pers-pectivas pautadas nas visões reprodutivistas, por muito tempo predo-minantes neste campo. A partir dos anos 1990, o pensamento curricular brasileiro vai optar por uma análise predomi-nantemente sociológica e antropológica, acres-cidas de um interesse marcante em desvelar a função do poder na realidade curricular. O currículo passa a ser considerado um texto político, ético, estético e cultural, vivido na ten-são das relações de in-teresse educativo prota-gonizado pelos diversos grupos sociais.

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e orientações que se inter-relacionam produzindo hí-bridos culturais. Dessa forma, o hibridismo do campo parece ser a grande marca do campo no Brasil na segunda metade da década de 1990.

Dentro do esforço de marcar historicamente o campo

curricular no Brasil, Lopes e Macedo (2002) vão destacar os estudos

do grupo liderado por Antônio Flávio Moreira, na medida em que esse

pesquisador buscou repensar o conceito de transferência, estudando

o desenvolvimento do campo na década de 1990, tanto no que

concerne ao pensamento curricular quanto focalizando o ensino de

currículo em universidades do Rio de Janeiro. Segundo as autoras,

recentemente, o grupo liderado por Moreira tem buscado analisar

como a temática do multiculturalismo tem penetrado na produção

brasileira de currículo, trabalhando fundamentalmente com o conceito

de hibridismo e introduzindo preocupações com a discussão sobre

identidade.

Mesmo reconhecendo que o hibridismo de diferentes tendências

vem garantindo um maior vigor ao campo, Lopes e Macedo observam

uma certa dificuldade na definição do que vem a ser currículo.

Para além da preocupação epistemológica, para nós, essa questão

se transforma numa séria preocupação político-pedagógica, como

argumentamos anteriormente, até porque a dificuldade da definição

vem amplamente por um descompromisso em distinguir bem, como

consequência da aprendizagem aprofundada e relacional.

Entre nós, no âmbito da Linha de pesquisa de Currículo e (In)

formação do Programa de Pós-graduação em educação da FACED/

UFBA, um exemplo do movimento pós-formal, tomando a história

da teoria crítica do currículo como inspiração fundante, é construído

no Grupo de Pesquisa FORMACCE, Grupo de Pesquisa em Currículo,

Complexidade e Formação, onde coordenamos pesquisas, estudos

e formações, com ênfase no estudo do currículo e da formação de

professores. Aqui, constroem-se as perspectivas multirreferencial e

intercrítica em currículo, com uma ênfase teórica e de pesquisa para

o estudo dos atos de currículo, na medida em que entendemos serem

os currículos em ato, plasmados nos seus contextos formativos; nas

suas diversas perspectivas; nos seus movimentos ambivalentes e

contraditórios, que acabam por orientar/forjar as formações imersas

numa certa cultura educacional, em geral vinculada, de alguma

forma, a processos de totalização social.

O conceito de multirreferencialidade é também cultivado no

âmbito dos trabalhos de pesquisa e formação acadêmica dos nossos

colegas da REDEPECTE-FACED/UFBA, Grupo de Pesquisa liderado pela

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Currículo | História do Currículo

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professora Teresinha Fróes Burnham, advindo daí uma preocupação

em articular currículo, tecnologia e trabalho a partir dos complexos

espaços contemporâneos de aprendizagem.

Compreendemos, a partir dessa perspectiva, que é a crítica

multirreferencializada enquanto intercrítica, e sua pertinência

compreensiva, heurística e política, desvinculada do excesso iluminista,

enquanto exercício dialógico e descentrado de re-existência, quem

potencializa a elucidação solidária e a edificação de realidades

curriculares, onde a mutualidade eticamente orientada deve aparecer

como um valor formativo principal na relação com o conhecimento e

as formações a serem desenvolvidas (MACEDO, 2005).

Por concluir, entendemos que esse argumento histórico

elucidativo deságua num presente que nos autoriza a dizer que

os estudos curriculares se constituem num campo de atividades

educacionais, por sua densidade, complexidade e pelo poder que

emana, como configurador sociopedagógico significativo da educação

e das formações, demandando um processo de aprofundamento e

debate equivalente a sua importância política e socioeducacional na

contemporaneidade.

ATIVIDADES

1. Por que o currículo não é um tema educacional novo?

2. Quais as características trabalhadas pelo texto do currículo

moderno?

3. Discuta com seus colegas as características da disciplina como

principal organizadora do currículo moderno.

4. Elenque e discuta com seus colegas as necessidades de

superação da disciplina como única possibilidade de constituição

dos currículos contemporâneos.

5. Caracterize o movimento crítico do currículo e suas principais

características.

ATIVIDADES

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RESUMINDO

Vimos que, desde a Grécia clássica, o tema currículo já

estava presente visto como um plano de estudo. A partir da idade

média percebe-se mais claramente a necessidade de se subdividir

o conhecimento para que a formação fosse dirigida para alguns

segmentos sociais, de acordo com a valorização que a sociedade

construía a respeito desses segmentos.

É também a partir dessa lógica que o currículo chega à

modernidade, como uma apropriação que os americanos fazem da

forma como protestantes europeus organizam o conhecimento nas

escolas, com objetivo de oferecer uma educação calvinista aos jovens.

Vimos que, já nesta descrição histórica, o currículo sofre influências

das crenças e ideologias da sociedade onde se organiza a educação.

Aqui, como na idade média, é a religião que define o currículo.

Mas é no contexto americano do norte que o currículo pedagógico

e cientificamente concebido vai tomar a forma predominante que

hoje conhecemos. Herdando a lógica das disciplinas científicas

forjadas pela ciência moderna e a reconfigurando de acordo com a

organização escolar da época, o currículo será concebido, organizado

e implementado predominantemente com a lógica de funcionamento

da indústria americana. A aprendizagem mediada pelo currículo

teria que ser expressa com eficiência e produtividade de acordo

com o que se ensinava. É assim que a disciplina se impõe como a

maneira mais eficaz de se organizar os conhecimentos curriculares.

Fragmentação e aprofundamento, tomando como referência única os

saberes livrescos dominam a forma como os currículos são concebidos

até hoje.

Entretanto, a partir da metade do século passado, movido

pelas correntes críticas do marxismo, que nos mostram o quanto

os currículos legitimam a divisão injusta da sociedade capitalista

em classes, bem como pelos movimentos sociais em favor de mais

liberdade e autonomia dos cidadãos, tanto na Europa quanto nos

Estados Unidos, atingem os estudos curriculares; forjando, neste

contexto histórico, as teorias críticas do currículo.

Neste momento, não bastava mais se perguntar como se deveria

fazer pedagogicamente um currículo, se perguntava com veemência:

o que é que os currículos fazem com as pessoas? Reconhece-se, neste

momento, o poder agindo no currículo e suas configurações, como

algo fundamental para se compreender e se intervir nele.

A este movimento se agrega outras abordagens críticas,

RESUMINDO

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Currículo | História do Currículo

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ditas pós-críticas. Nesta abordagem, a própria teoria crítica vai ser

reavaliada, principalmente naquilo que expressa como verdades

excessivas, assim como as questões culturais entram no currículo

como questões importantes para se discutir o conhecimento e suas

formas plurais na formação. Percebe-se, a partir daqui, uma forte

tendência para democratização curricular.

LEITURAS COMPLEMENTARES

GOODSON, I. Currículo: teoria e história. Tradução de Attílio

Brunetta. Petrópolis: Vozes, 1998.

LOPES, A. MACEDO, E. “O pensamento curricular no Brasil”. In:

Lopes, A; Macedo; E. (Orgs.). Currículo: debates contemporâneos.

São Paulo: Cortez, 2002, p. 13-54.

FILME RECOMENDADO

Sociedade dos Poetas Mortos – Direção de Peter Weir, o filme

mostra-nos como se realiza uma formação simbolicamente violenta

numa escola americana da metade do século XX. Neste contexto

desenvolve-se no filme a história do professor John Keaten, que tem

como princípio uma educação radicalmente dialógica e a constituição

de atos de currículo para a autonomia. São profundas e comoventes

as contradições e consequências existenciais que o enredo do filme

nos oferece, enquanto possibilidades reflexivas para um currículo por

possibilidades autorizantes. As cenas nos permitem ainda, analisar as

formas de avaliação que emerge das práticas curriculares mostradas.

SITES RECOMENDADOhttp://www.mundoeducacao.com.br/educacao/o-curriculo-na-

educacao-infantil.htm

http://www.espacoacademico.com.br/096/96nery.htm

LEITURA COMPLEMENTAR

FILME RECOMENDADO

SITE RECOMENDADO

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REFERÊNCIAS

BERGER, P. LUCKMANN, T. A construção social da realidade.

Tradução de Sílvia Porto. Petrópolis: Vozes, 1983.

GALLO, S. “A orquídea e a vespa: transversalidade e currículo

rizomático”. In: GONSALVES, E.; PEREIRA, M.; CARVALHO, M.

Currículo e Contemporaneidade: questões emergentes. Campinas:

Alínea, 2004, p. 37-50.

GOODSON, I. Currículo: teoria e história. Tradução de Attílio

Brunetta. Petrópolis: Vozes, 1998.

LOPES, A. MACEDO, E. “O pensamento curricular no Brasil”. In: LOPES,

A.; MACEDO, E. (Orgs.). Currículo: debates contemporâneos. São

Paulo: Cortez, 2002, p. 13-54.

MACEDO, R. S. Atos de currículo. Educação intercrítica como práxis

identitária. 2005.

PACHECO, J. A. Currículo: teoria e práxis. Porto: Porto Editora, 1996.

SILVA, T. T. Documentos de identidade. Uma introdução às teorias

do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

TERIGI, F. “Notas para uma genealogia do curriculum escolar”. In:

Educação & Realidade, Porto Alegre, 21 (1):159-186, Jan.,/jun.,

1996.

YOUNG, M. O Currículo do Futuro. Da “Nova sociologia da educação”

a uma teoria crítica do aprendizado. Tradução de Roberto Leal Ferreira.

Campinas: Papirus, 2000.

REFERÊNCIAS

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Currículo | História do Currículo

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Suas anotações

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1 O CURRÍCULO E SEUS SENTIDOS TEóRICOS Podemos dizer que é a própria configuração do mundo

contemporâneo, junto a uma nova ética da relação com os saberes,

o conhecimento científico e a formação, que vêm fazendo com

que o estudo e as práticas curriculares se transformem num tenso

e sedutor campo de inovações e debates. Se nesse movimento

temos a oportunidade ímpar de mudar a história extremamente

hierarquizante, excludente, rígida e fragmentária que marcou a ação

pedagógico-curricular, temos, na mesma proporção, um hercúleo

compromisso político, ético e pedagógico de instituirmos percepções,

políticas e práticas capazes de assegurar a responsabilidade

com uma aprendizagem consistente e qualificada, que garanta

competência e formação cidadã conectada aos grandes desafios que

a contemporaneidade se nos apresentam.

UNIDADE III

O CURRÍCULO ESEUS SENTIDOS TEóRICOS

OBjETIVOEsta unidade tem como objetivo proporcionar com densidade

e debate o conhecimento teórico do campo curricular, trazendo

para reflexões mais aprofundadas temas como a disciplina, as

tentativas de sua superação pedagógica: interdisciplinaridade,

transdisciplinaridade, assim como as teorias críticas do currículo

e seus fundamentos.

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2 A DISCIPLINA: FOCO E PROBLEMáTICA

Estamos vivendo um verdadeiro ataque às lógicas disciplinares

que secularmente organizam os curricula. Já está claro o quanto a

perspectiva disciplinar fragmentou o currículo, bem como organizou

nossa maneira de perspectivar o mundo, de forma predominantemente

antinômica, bipolar, portanto. Aprendemos a olhar a realidade

em muito por essa lógica, separamos muitas vezes o inseparável,

porque a disciplina nos ensinou assim. Desta forma, num mundo que

experimenta tamanho processo de escolarização, nunca tivemos tão

expostos às lógicas curriculares, predominantemente fragmentárias.

Essa realidade nos diz da responsabilidade do currículo por aquilo que

pensamos e fazemos nesta conjuntura histórica.

Por mais relacional que sejam as emergências da disciplina

científica e da disciplina curricular, é bom distinguir as dinâmicas das

suas construções. Essas dinâmicas nos pedem compreensões mais

aprofundadas, tanto histórica quanto epistemologicamente. Entre os

estudiosos do currículo já existe uma compreensão de que a disciplina

escolar não é uma tradição monolítica, portanto não é única, tendo

como espelho a disciplina acadêmica ou científica. Segundo Lopes e

Macedo (2002, p. 80) “não se trata de uma ‘tradução’ de um corpo

de conhecimentos para o nível escolar. Ao contrário, a disciplina

escolar é construída social e politicamente, de forma contestada,

fragmentada e em constante mutação.” Esse argumento nos diz de

uma inteligibilidade da lógica disciplinar que tem muito a ver com

o institucional escolar e acadêmico, suas características materiais e

ideológicas.

Por outro lado, não se pode negar uma identificação socialmente

construída entre a disciplina escolar e a disciplina científica, mesmo

que aquela seja ainda hoje identificada, predominantemente, como

uma tecnologia de organização curricular. É bom pontuar, que essa

realidade não pode retirar a análise da lógica e ação disciplinares de

uma vinculação com um contexto mais amplo, onde a distribuição dos

saberes está imbricada à reprodução social e seus interesses tácitos

ou explícitos. Para Macedo e Lopes (2002, p. 83) “A organização

disciplinar do currículo funciona, assim, como um arquétipo (grifo

nosso) da compartimentação do conhecimento na sociedade

moderna”.

Para Veiga-Neto:

As disciplinas modernas ‘ funcionam como códigos

de permissão e interdição’ (Elias, 1989, p. 529) e,

A lógica disciplinar não é fruto apenas da história do campo curricular, é necessário afirmar. A ló-gica da ciência moderna criou a ideia de discipli-na, a escola se apropriou dela e a fez segundo suas culturas pedagógi-cas, assim como temos uma civilização ociden-tal pautada na cosmovi-são disciplinar. Isso nos mostra a dimensão e a complexidade da sua su-peração em termos de lógica da relação com o conhecimento eleito como formativo: ou seja, o currículo.

É assim que Goodson (1997) considera que a fragmentação, propicia-da pela disciplinarização, isola os atores curricu-lares no espaço de cada disciplina, dificultando o debate mais ampliado sobre os objetivos so-ciais do ensino e contri-buindo para a estabili-dade da fragmentação por nós vivenciada como uma maneira predomi-nante de formação.

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nesse sentido, funcionam quais uma matriz de fundo.

É justamente aí que se articulam a disciplinaridade

moderna dos saberes com a disciplinaridade moderna

dos corpos... (1999, p. 14).

Conclui-se, assim, que a prática disciplinar e sua força

simbólica constituem-se numa estrutura significativa para dificultar as

iniciativas não-disciplinares. Nesses termos, a nossa hipótese é que

as práticas disciplinares por muito tempo ainda guiarão as concepções

e implementações curriculares. Ou seja, o currículo oculto disciplinar

dirá, durante um tempo significativo, como devemos organizar as

nossas formações, por mais que reconheçamos o importante e

construtivo movimento relacional não-disciplinar que habita hoje

o argumento epistemológico e formativo e, por consequência, as

práticas curriculares.

O que nos parece ainda importante enfrentar, no que concerne

à lógica disciplinar, é a ideia positivista de que a disciplina representa

a própria realidade a ser conhecida por um processo de transmissão

de verdades perenes, ou que a disciplina é a última fronteira do

conhecimento a ser veiculado sobre essa mesma realidade. É preciso

destituir esse poder veiculador da disciplina, para que possamos

multirreferencializar o currículo e torná-lo lugar da solidariedade

epistêmica, face à heterogeneidade irredutível das experiências

curriculares e formativas e a necessidade histórica de constituirmos

múltiplas justiças curriculares, inspirando-nos em Connell, ou seja,

formas de justiça que alcancem todos os segmentos sociais.

3 A PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR

Fazendo uma leitura crítica de como a disciplina fragmentou para

“conhecer de forma clara e distinta”, essa perspectiva vem propor a

superação dessa fragmentação, argumentando e criando dispositivos,

onde as disciplinas são chamadas a dialogar, a se interfecundar no

intuito de melhor compreender muitas das realidades, que hoje, pelas

suas complexidades, revelam-se impossíveis de serem explicitadas e

resolvidas por visões pautadas na perspectiva monodisciplinar.

Neste caso, cada disciplina, a partir da sua concepção

epistemológica e pedagógica, oferece a sua contribuição e se abre à

contribuição de outras disciplinas.

Há neste esforço o objetivo de se chegar a uma compreensão

em que a unidade perdida pela hiperespecialização das disciplinas

Assim, a noção-chave da interdisciplinaridade é a interação entre as dis-ciplinas, que pode ir da simples comunicação de ideias até a integração mútua dos conceitos, da terminologia, da meto-dologia, dos procedimen-tos.

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seja recuperada em prol de uma visão que globalize os saberes

e construa unidades de conhecimento, edificadas pelo encontro

interfecundante entre as disciplinas. Os trabalhos da professora Ivani

Fazenda e seu grupo de pesquisa são emblemáticos para se entender

o acolhimento, os limites e a amplitude dessa perspectiva curricular

(FAZENDA, 1991).

Para se chegar a este ideal, vários são os dispositivos didático-

pedagógicos que possibilitam a interação e a interfecundação desejada,

enquanto processo de interconhecimento: o trabalho pedagógico com

projetos, o ensino por problemas e por problematização; por temas

geradores etc. São dinâmicas pedagógicas que fazem as disciplinas

confluírem interativamente.

Para alguns curricologistas mais voltados para uma perspectiva

onde a diferença e não a identidade aparece como fundante na

constituição curricular, a interdisciplinaridade é um ideário pedagógico

que cultiva a utopia de alcançar uma certa unidade perdida,

constituída na esperança de que, na reunião dialógica de várias

disciplinas, se consiga um objetivo formativo unificado. Há que se

pontuar, entretanto, que a polissemia nesta discussão é considerável.

Existem perspectivas interdisciplinares que não vão nesta direção,

visam atingir compreensões mais relacionais, sem, entretanto,

vislumbrarem a constituição de unidades fixas e fundadas numa

pretensa totalização ou unificação dos conhecimentos. Temos que

destacar, que a perspectiva interdisciplinar é uma releitura crítica da

lógica disciplinar que organiza a educação. Com algumas superações,

a interdisplinaridade traz consigo, dialeticamente, a necessidade de

se levar em consideração, ainda, a disciplina.

4 A PERSPECTIVA TRANSDISCIPLINAR

Essa elaboração tem, na realidade, a intenção de colocar a

perspectiva da transdisciplinaridade em um outro lugar, diferente

da necessidade de se alcançar, por coerência uma compreensão

unificante, como algumas análises pretendem colocar. Vejamos

por exemplo, o segundo artigo da “Carta de Transdisciplinaridade”,

redigida por Lima de Freitas, Edgar Morin e Basarab Nicolescu (1994,

p. 2).

Ademais, o que se percebe de forma enfática é que a origem

desse pensamento não emerge de uma epistemologia desvinculada

da necessidade de enfrentarmos os desafios que a modernidade

tardia se nos apresenta. Nestes termos, o que os pensadores da

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Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos I

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transdisciplinaridade almejam é o enfrentamento ético-político,

epistemológico e formativo das questões humanas e planetárias que

em larga escala atingem as pessoas, suas sociedades e ecologias, e que

a lógica disciplinar não absorve nem alcança. Violência, intolerância,

destruição do ecossistema, fazem parte dos desafios que clamam por

um olhar transdisciplinar, e que não descarta o multirreferencial no

segundo artigo da “Carta de Transdisciplinaridade”.

Jacques Ardoino (2001, p. 549), o principal pensador do conceito

de multirreferencialidade, inspirado na heterogeneidade irredutível

e na pluralidade como fundante da formação e da educação, fala

de uma “Transdisciplinaridade não homogeneizadora”, ao participar

da rica coletânea coordenada por Edgar Morin com o título de: “A

religação dos Saberes”:

Querer unir os saberes (tema dessa jornada) não acarreta o desenvolvimento de uma transdiscipli-naridade homogeneizadora, mas leva, isso sim, a situá-los com precisão uns em relação aos outros em função de suas alteridades históricas, antropológicas e epistemológicas (sem por isso, excluir suas pos-sibilidades de alteração mútua)... Georges Lerbert retoma, a propósito da transdisciplinaridade, o tema bachelardiano de uma poética da ciência. O conjunto torna assim, para nossa inteligência, uma unidade relativamente autônoma, superior ou não à organiza-ção anterior de que provém (por exemplo, o fenôme-no biológico, o ser vivo, em relação à sua materiali-dade físico-química), mas conservando também em sua memória os traços de sua heterogeneidade con-stitutiva. É este salto qualitativo, e apenas ele, que vai atestar a passagem de um paradigma a outro... A unidade e a diversidade devem então reencontrar-se, conciliadas no seio de uma unitas multiplex.

Ao falar de uma nova transdisciplinaridade Morin (2002, p. 52)

argumenta:Para promover uma nova transdisciplinaridade pre-cisamos de um paradigma que, certamente, permita distinguir, opor, mas que, também, possa fazê-los co-municarem-se entre si, sem operar a redução...que conceba os níveis de emergência da realidade sem reduzi-los às unidades elementares e às leis gerais...Consideremos os três grandes domínios da Física, Biologia e Antropossociologia. Como fazer para que eles se comuniquem? Sugiro que essa comunicação seja feita em circuito. Primeiro movimento: é preciso enraizar a esfera antropossocial na esfera biológica, porque somos seres vivos, animais sexuados, verte-brados, mamíferos, primatas. De modo semelhante, é preciso enraizar a esfera viva na physis, porque,

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se a organização viva é original em relação a toda organização físico-química, ela é também uma orga-nização físico-química, saída do mundo físico e de-pendente dele. Operar o enraizamento não implica operar nenhuma redução: não se trata de reduzir o humano a interações físico-químicas, mas se recon-hecer os níveis de emergência dessas interações... é preciso também, nesse movimento, enraizarmos o conhecimento físico e biológico numa cultura, numa sociedade, numa história, numa humanidade.

Em termos curriculares, da nossa perspectiva, não é necessário

transformar a perspectiva transdisciplinar numa imposição totalizante,

mas reconhecer o seu potencial elucidativo e formativo, na medida

em que essa perspectiva não quer fornecer fórmulas pragmáticas de

um pensamento, mas mobilizar a cooperação e a interfecundação

de saberes para compreender a partir do que é produzido pelas

interações entre eles, sem desprezar as especificidades.

Um currículo transdisciplinar trabalha com as sínteses

possíveis, com as relações possíveis, porque contextuais, históricas

e políticas, sínteses essas requeridas pelas problemáticas humanas e

seus desafios.

A transdisciplinaridade busca, na realidade, aquilo que o

próprio Morin chama de Unitas Multiplex, a unidade na multiplicidade,

não como uma unidade fixa, somatório perfeito, mas algo que como

um complexo contenha a singularidade e se constitua no e com o

plural; com e no movimento, realizando diferentes configurações.

A narrativa que se segue é emblemática do conteúdo

epistemológico, formativo e político que a transdisciplinaridade

moriniana almeja.

Penso no que dizia meu amigo, astrofísico Michel Cassé. Durante um banquete, um famoso enólogo lhe havia perguntado o que um astrofísico via em sua taça de bordeaux. Ele respondeu: ‘Vejo o nasci-mento do universo já que vejo as partículas que se formaram nos primeiros segundos. Vejo o sol ante-rior ao nosso já que os átomos de carbono se for-maram no interior da forja desse sol que explodiu. Depois o carbono chegou nessa espécie de lata de lixo cósmico que foi a origem da terra. Vejo também a formação das macromoléculas. Vejo o nascimento da vida, o desenvolvimento do mundo vegetal, a do-mesticação da vinha nos países mediterrâneos. Vejo o desenvolvimento da técnica moderna que permite hoje controlar de forma eletrônica a temperatura de fermentação nas cubas. Vejo toda a história cósmica e humana nessa taça de vinho. Em resumo, o que ele

Vejamos outra narrativa elucidativa de Edgar Mo-rin (2002, p. 67): “Creio que nesse momento re-ligar e problematizar caminham juntos. Se eu fosse professor, ten-taria religar as questões a partir do ser humano, mostrando-o nos seus aspectos biológicos, psi-cológicos, sociais. Desse modo, poderia acessar as disciplinas, mantendo nelas a marca humana e, assim, atingir a unidade complexa do homem...”

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via era a taça de um sublime vinho bordeaux. Sem tentar pensar em tudo isso quando bebemos uma taça de vinho, é necessário religar, assim como reconhecer nosso lugar no universo. Tornamo-nos relativamente estrangeiros nesse universo. Somos diferentes dos animais pela consciência, pela cultura e por nossa vontade de conhecer. Queremos assim, tentar construir uma sociedade um pouco menos in-umana, fundamentada em relações um pouco menos ignóbeis (EDGAR MORIN, 2002, p. 67-68).

5 AS TEORIAS CRÍTICAS DO CURRÍCULO

Ao fazerem a crítica às visões tecnicista e classista de

currículo, veiculadas por Bobbitt e Tyler, os teóricos críticos liderados,

principalmente, por Michael Apple e Henri Giroux, curricologistas

americanos, vão indagar sobre o que é que o currículo faz com as

pessoas, antes mesmo de se interessarem sobre como se faz o

currículo. Essa mudança ideológica faz com que a crítica implemente a

construção de uma outra concepção de currículo, agora desvinculada

de qualquer perspectiva neutral, ou seja, vinculada a ideias de que os

curricula são opções formativas que trazem consigo ideologias e formas

instituintes de poder pautadas na opção de formar para legitimar

e perpetuar as relações de classe estabelecidas pelas sociedades

capitalistas, sem que isso, muitas vezes, esteja explicitado.

Assimilando a ideia de que o currículo reproduz a sociedade,

sua estrutura e dinâmica, seja em níveis classistas, seja em níveis

de outras formas de hierarquização, como as exclusões étnico-

raciais, por exemplo, a crítica curricular denuncia também o processo

de homogeneização veiculado pelo currículo, em favor dos grupos

hegemônicos e suas cosmovisões. Reivindica enfaticamente que as

formações assumam a preparação para uma competência política

capaz de desvelar as injustiças e, via o ato educativo, afirmar

políticas justas, tomando como referência a heterogeneidade da

sociedade. Formação socialmente justa e aprendizagem com e pela

diferença constituem as pautas que sintetizam a proposta curricular

crítica. Aqui a formação é, em muito, a construção de um senso

crítico construído a partir de uma compreensão radical do que seja

histórica e socialmente as ideologias das sociedades capitalistas e

suas políticas de configuração.

Esse conjunto de argumentos tem sua inspiração inaugurada,

podemos dizer, pelos trabalhos de Apple, nos Estados Unidos. Apple

toma como ponto de partida os elementos centrais da crítica marxista

Nesta perspectiva, o cur-rículo passaria a ser uma forma de práxis social orientada para o desvela-mento das desigualdades sociais e a preparação para uma ação intelec-tualmente competente visando a transformação de uma educação forja-da na seleção social e na hierarquização de pesso-as e suas classes sociais.

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da sociedade. A dinâmica da sociedade capitalista gira em torno da

dominação de classe, da dominação dos que detêm o controle da

propriedade dos recursos materiais sobre aqueles que possuem apenas

sua força de trabalho. Para este raciocínio há uma clara conexão

entre a forma como a economia está organizada e a forma como o

currículo está organizado. Em Apple, por outro lado, essa ligação não

é uma ligação de determinação simples e direta. A preocupação em

evitar uma concepção mecanicista e determinista dos vínculos entre

produção e educação segue o seu pensamento desde seus primeiros

escritos. Para esse curricologista, não é suficiente postular um vínculo

entre, de um lado, as estruturas econômicas, de outro, a educação

e o currículo. Esse vínculo é mediado por processos que ocorrem no

campo da educação e do currículo e que são aí ativamente produzidos;

é mediado pela ação humana, enfim.

Nas elaborações críticas de Apple, o importante é se perguntar

por que se elegem determinados conhecimentos como importantes

e outros não. Trata-se de saber: quais interesses orientaram a

seleção desses conhecimentos e a concepção do currículo? Quais são

as relações de poder envolvidas nesse processo que resultou nesse

currículo particular?

Para Apple, as ideologias presentes no que ele chamou de

conhecimento oficial, distribuído pela escola, é o interesse central de

uma teoria crítica do currículo. Para tanto, se apropria de forma densa,

dos argumentos sobre o poder nas relações educativas, assim como

do conceito de hegemonia tal como formulado por Antonio Gramsci,

de onde se pode fazer uma leitura da dinâmica da reprodução social

e da resistência nos cenários curriculares.

Um outro pensamento do campo curricular crítico se configura

a partir das obras de Henri Giroux. Tratando o currículo como política

cultural, inspirado pelos filósofos da Escola de Frankfurt como

Ardorno, Horkheimer e Marcuse, Giroux critica em toda a sua obra

a racionalidade técnica e utilitária curricular, assim como o habitus

positivista do currículo moderno. Reivindica que o campo do currículo

não pode deixar de tentar compreender as práticas curriculares via

uma análise histórica, ética e política. Segundo Silva (1999, p. 53),

“é no conceito de resistência [...] que Giroux vai buscar as bases

para desenvolver uma teorização crítica, mas alternativa, sobre a

pedagogia e o currículo”.

Influenciado de perto pelas ideias de Paulo Freire, a partir

das noções de libertação e ação cultural, Giroux vai atrelar a

pedagogia e o currículo ao campo da cultura, mais precisamente ao

campo de uma política cultural, diria mesmo da cultura politizada,

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mostrando que a emergência do currículo se configura num campo

de disputa de significados. Nasce, desse veio argumentativo, a ideia

dos “professores como intelectuais transformadores” e de uma “

pedagogia de possibilidades emancipatórias”.

Necessário pontuar que Apple e Giroux mantêm um diálogo

contemporâneo teórica e politicamente importante com as pautas do

argumento pós-moderno em currículo, naquilo que, aceitando a crítica

das metanarrativas vindas dessa perspectiva, apontam também

as dificuldades de uma análise histórica, ausente nesses aportes

teóricos, e o excessivo textualismo que configura suas interpretações

da realidade.

Nos Estados Unidos, com Peter McLaren, e no Brasil, com

Antônio Flávio Moreira, a perspectiva crítica vai se conjugar com um

aporte multicultural que, sem abrir mão de uma leitura inconformada,

face às injustiças vividas pela educação forjada pelo ideário liberal-

capitalista, demonstra a necessidade de uma análise cultural do

currículo, na medida em que entendem com Giroux, por exemplo,

que a luta por significados é uma luta por recursos no campo político-

educacional.

ATIVIDADES 1. Para você qual é o papel das teorias do currículo e sua

importância?

2. Por que a disciplina se constituiu um elemento teórico

importante para teoria do currículo?

3. Como você caracterizaria a teoria crítica explicitada neste

primeiro bloco?

4. Qual a sua principal contribuição à teoria do currículo?

5. Construa, num debate com seus colegas, em grupo, uma

crítica ao currículo do seu atual curso. Após este debate, um

relator do grupo publicizará para todas as elaborações grupais,

abrindo um debate geral sobre todas as contribuições.

Tanto Apple como Gi-roux são estudiosos do currículo que, através de uma leitura crítica da história do currículo, in-serida nas contradições da sociedade capitalista e suas ideologias, pro-põem outra realidade curricular pautada nas justiças curriculares, como elabora Connell (1996), e nas constru-ções pedagógicas de inspiração crítico-eman-cipatórias.

ATIVIDADES

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RESUMINDONa medida em que a teoria crítica do currículo identificou no

conhecimento um poder considerável, vinculado às ações ideológicas

de quem o concebe, seja através dos interesses de classe social e

das culturas a que fazem parte, a disciplina também se tornou alvo

dessas críticas, ao se mostrar o quanto um currículo concebido de

forma disciplinar dificulta uma visão mais abrangente, mais conectiva

e ideologicamente mais profundo dos conteúdos educacionais e

as atividades ligadas a ele. Surgem, neste contexto, as propostas

interdisciplinares, transdisciplinares e multirreferenciais, motivadas

por esta crítica, bem como por entender que a disciplina, em si e por

si, como organizadora do currículo, não consegue proporcionar as

compreensões demandas por um mundo cada vez mais globalizado

e seus problemas fundados na diversidade das suas características.

Neste veio, descobre-se que, se o currículo não trabalhar com a

heterogeneidade articulada a uma educação em prol do bem comum

socialmente referenciado, estará fadado ao fracasso. Neste caso,

disciplinas terão que se articular, se conjugar, inclusive com saberes

não-disciplinares, nos diz a abordagem multirreferencial. É por este

argumento que se entende que nenhum saber por si só é capaz de

compreender uma realidade na sua complexidade.

LEITURAS COMPLEMENTARESAPPLE, M. Ideologia e currículo. Tradução de Maria Cristina

Monteiro. São Paulo: Brasiliense, 1982.

__________, Educação e poder. Tradução de Maria Cristina

Monteiro. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.

MACEDO, R. S. Currículo, diversidade e equidade: luzes para uma

educação intercrítica. Brasília: Liber Livro; Salvador: EDUFBA, 2007.

_________, R. S. Currículo: campo, conceito e pesquisa. Petrópolis:

Vozes, 2009.

RESUMINDO

LEITURA COMPLEMENTAR

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Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos I

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FILMES RECOMENDADOSA Casa dos Espíritos – com direção de Bille August, é baseado

no romance de Isabele Allende. A formação aparece aqui como

um fenômeno que se atualiza em personagens singulares, mas

marcados por uma época histórica caracterizada por saberes

conservadores violência social e corrupção, vividas no Chile dos anos

1920 aos anos 1970, anos em que a América Latina mergulha num

profundo e violento obscurantismo político e o presidente Salvador

Allende é deposto por um golpe militar. Ao lado disso, percebe-

se a construção socioexistencial através de saberes e de uma

formação pela contradição, pela transgressão, pela transcendência

e emancipação de personagens que cultivam a utopia de um mundo

social e existencialmente melhor, através de um “currículo” vivido no

movimento global da vida.

SITEShttp://www.curriculosemfronteiras.org/

http://www.globalcurriculum.net/pt/curriculo/

REFERÊNCIASMACEDO, R. S. Chrysallis. Currículo e Complexidade: a perspectiva

crítico-multirreferencial e o currículo contemporâneo. Salvador:

EDUFBA, 2005.

__________, Currículo: campo, conceito e pesquisa. 4. ed.

Petrópolis: Vozes, 2011.

__________, Compreender/mediar a formação: o fundante da

educação. Brasília: Liber Livro, 2010.

FILME RECOMENDADO

REFERÊNCIAS

SITE RECOMENDADO

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Suas anotações

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1 A CRÍTICA DA CRÍTICA

No seio do que se está denominando, no campo do currículo,

de teorias pós-críticas, encontra-se o multiculturalismo como um

movimento que toma a diferença como sua característica fundante.

É fato que o movimento multicultural tem várias matizes.

Vai desde um multiculturalismo, onde não se prioriza a análise das

forças que imprimem legitimações e oficialidades culturais, tomando

a cultura como algo fora da dinâmica política das relações de poder,

como algumas correntes americanas que se inspiram na visão liberal

ou humanista, até perspectivas que, ao politizarem o debate sobre a

diversidade cultural, preferem não desatrelar a análise da emergência

dessa diversidade das dinâmicas das relações de poder. É assim que

entram no campo curricular, argumentando a favor do estudo e das

práticas curriculares, nas quais a cultura aparece como um movimento

UNIDADE IV

O CURRÍCULO ESEUS SENTIDOS TEóRICOS II

OBjETIVOApresentar de forma fundamentada o movimento das teorias

críticas em direção a sua própria crítica. Discute e aprofunda as

abordagens pós-modernas, pós-estruturalistas e pós-coloniais

do currículo. Ademais, explicitar as ideias de um currículo

multirreferencial e intercrítico, assim como o currículo como

forma de vida.

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de relações, levando em consideração a luta por significados como

algo presente e determinante do tipo de educação “distribuída” é

legitimada. Percebem que a referência do multiculturalismo liberal a

uma humanidade comum deve ser rejeitada por fazer apelo a uma

essência, a um elemento transcendente, a uma característica fora da

sociedade e da história (SILVA, 1999, p. 86).

Vale salientar, que a perspectiva crítica do multiculturalismo

cultiva duas vertentes: uma concepção denominada de pós-

estruturalista e outra que poderia ser chamada de “materialista”. Na

visão pós-estruturalista, o fundante é a análise da diferença enquanto

expressão do ser-no-mundo, do ser-com-o-outro. Neste sentido, a

diferença é sempre uma relação. Minha diferença existe na medida

em que o outro existe; assim, não se pode ver a diferença como

coisa absoluta, é um conceito eminentemente relacional, portanto.

Ademais, a diferença, nesta perspectiva se configura a partir de

relações de poder.

São as relações de poder que fazem com que a ‘dife-rença’ adquira um sinal, que o ‘diferente’ seja avali-ado negativamente relativamente ao ‘não-diferente’. Inversamente, se há sinal, se um dos termos da dife-rença é avaliado positivamente (o ‘não-diferente’) e o outro, negativamente (o ‘diferente’), é porque há poder (SILVA, 1999, p. 87).

Como esta abordagem coloca o discurso no âmbito da produção

da própria realidade cultural e suas dinâmicas de relação de poder,

é acusada de um excessivo textualismo, na medida em que põe o

discurso no centro da produção da diferença.

Na perspectiva multicultural crítica, implicada com uma visão

materialista e inspirada no marxismo, os determinantes econômico-

estruturais são vistos como mediadores potentes da produção da

diferença e da desigualdade social, e por consequência das relações

culturais.

Para os multiculturalistas críticos, em termos curriculares, é

preciso perceber que o currículo pode estar legitimando através da

seleção dos seus conteúdos, atividades e valores, determinadas visões

de mundo e de cultural, em detrimento de outras. Historicamente,

isso é fácil de perceber entre nós, quando se constata uma verdadeira

negação perversa das histórias do negro, do índio, das mulheres,

das pessoas advindas de culturas não-oficiais. Muitas vezes, são

identificados por uma história secundária, sub-valorizada, ou uma

cultura “menor”, meros protagonistas epifenomenais do processo

histórico e cultural da sociedade. Podemos identificar na obra de Peter

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McLaren uma significativa e valorosa contribuição a essa perspectiva.

Para Silva (1999, p. 88),

[...] um currículo inspirado nessa concepção não se limitaria, pois, a ensinar a tolerância e o respeito, por mais desejável que isso possa parecer, mas in-sistiria, em vez disso, numa análise dos processos pelos quais as diferenças são produzidas através das relações de assimetria e desigualdade.

Nesta perspectiva a diferença aparece sempre colocada em

questão, portanto constantemente tensionada. O desafio de se

implementar uma formação, onde o fundante seja a diferença, não

impede nem descarta o ideário de uma educação igualitária em

termos daquilo que Robert Connell chama de “justiça curricular”. Aliás,

esse é um dos grandes desafios das políticas e práticas do campo

educacional: implementar uma educação que possibilite as pessoas

ascender a uma cidadania plena de direitos e condições de dignidade

social, sem homogeneizar ou pasteurizar suas singularidades. Para

nós, é possível uma educação que construa o acesso à dignidade

social, que viabilize as condições para essa dignidade, via um currículo

que trabalhe a partir de e com a diversidade.

Não temos dúvidas de que o currículo moderno é recheado de

grandes narrativas teóricas, ou mesmo, que o currículo, em geral,

é uma metanarrativa com marcantes características de um artefato

educacional não-problematizado. É neste veio que o argumento

pós-moderno entra no campo curricular de forma significativa. Estamos longe de vivenciar um currículo problematizado desde a sua

origem. Em geral, o currículo é a expressão de uma imposição de

especialistas, burocratas ou acadêmicos, que terminam por impor

modelos e concepções, com uma grande má vontade de radicalizar

democraticamente a experiência da concepção, da organização e da

implementação dos curricula. É aqui que a perspectiva pós-moderna

acha a sua brecha interpretativa e crítico-propositiva em termos das

políticas e práticas curriculares.

Em realidade, o pós-modernismo é um conjunto de perspectivas

que abrange os campos estético, político e epistemológico que começa

nos meados do século XX, e tem sua configuração no questionamento

dos princípios e pressupostos do pensamento social e político

estabelecidos a partir do iluminismo. Trata-se de um movimento

antiessencialista.

Nessa esteira de argumentos, o pós-modernismo analisa

pautas educacionais como o currículo, a pedagogia, a didática como

Na visão pós-moderna, existem heranças da mo-dernidade que não mais respondem aos desafios que a contemporanei-dade nos oferece. Anti-iluminista, o movimento pós-moderno destitui os essencialismos presentes nas interpretações da mo-dernidade, expressos, por exemplo, a partir do con-ceito de razão, de ciência, de racionalidade, de pro-gresso e até mesmo de democracia.

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saberes fincados solidamente na perspectiva moderna. É nestes

termos que desenvolve uma desconfiança potente em relação às

pretensões totalizantes, generalizantes do conhecimento. A base

generalizante do conhecimento moderno fê-lo edificar-se enquanto

“grandes narrativas”, “narrativas mestras”, pautadas na vontade

de controle e com o objetivo de se chegar a uma sociedade pura e

perfeita, sonho do iluminismo, dizem os pós-modernos. É assim que

a própria noção de progresso é questionada na medida em que se

torna algo inevitável.

Essa tendência do pensamento moderno trabalhar com

categorias essenciais, ou seja, não submetidas às alterações e às

contradições históricas e culturais, leva o movimento pós-moderno

a criticar as “fundações” do pensamento moderno. É assim que se

torna também uma perspectiva antifundacional. Sua crítica ao sujeito

autônomo, centrado e soberano é virulenta, assim como à teoria

crítica, que fala em nome de uma atitude educacional emancipadora,

libertadora. O pós-modernismo desconfia dessa emergência

prometeica da teoria crítica no campo educacional.

Para o pensamento pós-moderno o currículo, enquanto

uma invenção moderna, baseado em certezas estáveis, com

características lineares, seqüencial, estática, binária, onde se valoriza

fundamentalmente a estabilidade e a ordem das coisas e das pessoas,

é um exemplo emblemático de um artefato moderno. Diz-se, portanto,

que o movimento pós-moderno vem desestabilizar a teoria crítica,

propondo a inauguração de uma pedagogia pós-crítica.

Nesse contexto, parece haver uma incompatibilidade entre o currículo existente e o pós-moderno. O cur-rículo existente é a própria encarnação das caracter-ísticas modernas. Ele é linear, seqüencial, estático. Sua epistemologia é realista e objetivista. Ele dis-ciplinar é segmentado. O currículo existente está baseado numa separação rígida entre ‘alta’ cultura e ‘baixa’ cultura, entre conhecimento científico e con-hecimento cotidiano. Ele segue fielmente o script das grandes narrativas da ciência, do trabalho capital-ista e do estado-nação. No centro do currículo exis-tente está o sujeito racional, centrado e autônomo da modernidade (SILVA, 1999, p. 115).

Uma discussão fecunda e ampliada sobre a emergência do

discurso pós-moderno no âmbito do campo curricular é encontrada

nos trabalhos de Moreira (1997) e Silva (1993).

Neste movimento de crítica da crítica do currículo o pensamento pós-estruturalista vai falar também do currículo. Para Silva, por exemplo,

Nestes termos, é a pró-pria teoria crítica em currículo que é posta em questão. Acontece aqui, a crítica da crítica em termos curriculares. Uma espécie de revisão da teoria crítica.

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não se pode falar propriamente de uma teoria pós-estruturalista do

currículo, “mas há certamente uma ‘ atitude’ pós-estruturalista em

muitas das perspectivas atuais sobre currículo” (1999, p. 112). Esse

autor nos diz que, Cleo Cherryholmes, estudioso pós-crítico norte

americano, foi um dos primeiros a desenvolver de forma explícita uma

perspectiva pós-estruturalista na área dos estudos sobre currículo,

acompanhado das elaborações de Thomas Popkewitz teórico dos

estudos culturais, inspiradas no filósofo francês Michel Foucault.

O que caracteriza de forma marcante as análises pós-

estruturalistas é a ideia de que o significado é socialmente construído

e vive de forma ineliminável, a incerteza e a opacidade. O significado,

portanto, não é pré-existente, mas culturalmente edificado, bem

como se dinamiza nas relações de poder ao qual está implicado ou

implica. Afirma-se, assim, que o significado é socialmente definido.

Foucault e Derrida são chamados a inspirar a ideia da inseparabilidade

da conexão poder e saber. Assim, onde há saber, há poder, inspiração

foucaultiana.

Avesso aos binarismos, esse movimento questiona e desconfia

justamente dos binarismos de que é feito o currículo: branco/preto;

masculino/feminino; velho/novo; teoria/prática; heterossexual/

homossexual; mente/corpo; objetividade/subjetividade etc.

Poderíamos dizer que o pós-estruturalismo é uma perspectiva

nitidamente desreificadora do currículo que temos, tanto em termos

de forma quanto de conteúdo. Numa outra construção pautada na

rebeldia face ao processo de colonização opressor que subjuga as

culturas não-europeias, a teoria pós-colonial lança seu olhar para

currículo, reivindicando a inclusão das formas culturais que refletem

a experiência de segmentos cujas identidades culturais e sociais são

marginalizados pela identidade ocidental hegemônica. Para o pós-

colonialismo há um “cânon ocidental” que atravessa os curricula e

que acabam por legitimar a história dominante dos europeus.

Em realidade, a análise pós-colonial quer nos mostrar que os

processos de dominação são processos fundamentados em alianças

com o capitalismo, com a lógica judaica cristã, com a cultura europeia

branca e com o aparato técnico-militarista que o norte fabricou

com interesses imperialistas. A colonização se dá por essa aliança,

na qual o outro aparece representado como um ser que necessita

de “civilização”, “privado de cultura”, ou tem uma cultura inferior.

Marginalizado cultural, o outro “não-civilizado” precisa ser incluído.

Esse projeto teve, desde o início, uma importante função educacional

e pedagógica. Uma discussão sobre a questão da inclusão no

cenário educacional brasileiro a partir dessa perspectiva seria muito

No que concerne às práticas curriculares, o que será questionado é a sua relação com a verdade. Enquanto um arauto das verdades pré-digeridas, o currí-culo vai ser abalado, as-sim como a escola das certezas pretensamente absolutas, na medida em que o movimento pós-estruturalista não apenas questiona as verdades, mas o lidar com a própria verda-de. Nestes termos, quer questionar o processo pelo qual algo se tornou verdade. Ou seja, como foi produzida uma de-terminada verdade.

É assim que a análise pós-colonial se junta ao pós-modernismo e ao pós-estruturalismo, para questionar a dinâ-mica de poder e as for-mas de conhecimento que colocaram o sujeito imperial europeu na po-sição atual de privilégio.

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importante para se problematizar o ranço etnocêntrico da política de

sentido que orienta as ideias e ações neste âmbito.

É importante salientar que a teoria pós-colonial evita formas

de análise que perspectivam o processo de dominação cultural como

uma via de mão única. Interpreta essa dinâmica como uma complexa

relação de poder onde se vislumbram transformações mútuas, sem

com isso deixar de mostrar as relações assimétricas de opressão daí

advindas. Traduções, mestiçagens, reexistências, são construções

forjadas por sujeitos em relação, culturas em relação, realidades que,

obviamente, não retiram do cenário analítico pós-colonial as questões

políticas e éticas. Muito pelo contrário, as relações culturais só são

vistas a partir de uma politização do cultural.

Analisar o currículo sob as tensões da pluralidade cultural; fazê-

lo viver ética e politicamente os processos interculturais inerentes a

qualquer experiência educativa; mobilizá-lo para se tornar um artefato

aprendente em termos socioculturais, parece-nos ser decisões que

podem apontar na direção de um processo de descolonização de suas

formas e conteúdos inerentes à concepção moderna de currículo,

que há muito se atualiza via um processo excludente e recheado de

etnocentrismos eurocêntricos. Neste sentido, o olhar pós-colonial é

um fecundo analisador.

Atravessando as ditas teorias pós-críticas em currículo, temos

a contribuição dos estudos culturais. Na obra denominada “Introdução

aos Estudos Culturais”, Mattelart e Neveu (2004, p. 35) dizem que os

“estudos culturais”, antes um conjunto de pesquisas dispersas entre o

mundo universitário marginal e a nova esquerda britânica, conhecerá,

a partir de 1980, uma considerável densidade e expansão. Segundo

esses autores, os trabalhos produzidos, que depois receberão o

rótulo de estudos culturais, começam a se estender para pensarem

as questões de gênero, de etnicidade, o conjunto de práticas de

consumo etc. Cita-se, por exemplo, os estudos de Marc Augé como

estudos que podem ser caracterizados por esse viés de pesquisa.

Com Augé, vamos ter acesso à pesquisa de uma “antropologia dos

mundos contemporâneos” que se aventura no metrô, nos parques de

diversão, nos aeroportos, nos “não-lugares”.

Para Mattelart e Neveu, os “estudos culturais” serão levados

pela dinâmica de seu sucesso, que se traduzem, em particular, por

uma inflação de revistas, livros, manuais, pela criação em um número

crescente de países de departamentos de estudos culturais. Esses

estudos conhecerão novas inflexões, que se traduzem na incessante

expansão de território, o qual passa a englobar objetos até então

tratados por diversas ciências sociais e humanas: consumo, moda,

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identidades sexuais, museus, turismo, literatura.

Os defensores mais clássicos dessas pesquisas reivindicam

o estatuto de uma “antidisciplina”. O termo marca a recusa de

divisões disciplinares, de especializações, a vontade de combinar as

contribuições e os questionamentos advindos de saberes cruzados, a

convicção de que a maioria dos desafios do mundo contemporâneo

ganha ao ser questionado pelo prisma do cultural.

Essa desconstrução de uma herança de pesquisa abre caminho para o último objetivo: compreender as metamorfoses da noção de cultura na última metade do século XX, questionar tanto os modos em que a cultura funciona na época da globalização como os riscos de uma visão da sociedade reduzida a um ca-leidoscópio de fluxos culturais que leve a esquecer que nossas sociedades também são regidas por rela-ções econômicas, políticas, uma armadura social que não se reduz nem às séries de televisão de grande sucesso, nem ao impacto dos reality shows (MATTE-LART; NEVEU, 2004, p. 17).

Tendo Raymond Williams como um dos pesquisadores mais

importantes no cenário britânico dos “estudos culturais”, o que vamos

verificar é uma orientação para que a cultura seja vista como um

campo relativamente autônomo da vida social, sem perder de vista

que a cultura é um campo de produção de significados, no qual os

diferentes grupos sociais, situados em posições diferenciadas de

poder, lutam pela imposição de seus significados a sociedade mais

ampla. “É neste sentido um campo contestado de significação”

(SILVA, 1999, p. 134).

Além dos autores já evidenciados nessa nossa discussão, são

significativos, nesse campo dos estudos culturais relacionados ao

currículo, os trabalhos de Sandra Corazza (2002) e Marisa Vorraber

Costa (2002).

2 TENSõES ENTRE CRÍTICOS E PóS-CRÍTICOS

Ao avaliarem que a teoria crítica, nascida das tensões

modernas, ainda constitui uma potência significativa para explicitar

e instrumentalizar o pensamento politicamente responsável diante

da presente configuração social, política, econômica e educacional,

Michael Apple e Dennis Carlson (2000) dialogam com vigor, mas sem

qualquer arrogância acadêmica, com as pautas do pensamento pós-

moderno. Ao se implicarem num diálogo tenso e elucidativo, tomando

É assim que a análise pós-colonial se junta ao pós-modernismo e ao pós-estruturalismo, para questionar a dinâ-mica de poder e as for-mas de conhecimento que colocaram o sujeito imperial europeu na po-sição atual de privilégio.

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como objeto de análise as elaborações pós-modernas sobre a incerteza,

os autores argumentam que, até certo ponto, todos os tempos são

incertos, pois o desenvolvimento cultural nunca permanece imóvel.

Para Apple e Carlson, inspirados nas posições gramscianas, há

que ressaltar que as perspectivas pós-modernas e pós-estruturalistas

acabam por cultivar dualidades entre o velho e o novo, que dificultam

perceber tanto continuidades quanto descontinuidades no interior das

categorias “moderno” e “pós-moderno”.

Precisamos ter em mente que as múltiplas tradições críticas em educação têm raízes na cultura moderna tanto quanto as têm os modelos econômicos con-servadores de educação. Em vez de abandoná-las por as considerar ultrapassadas, essas tradições pre-cisam ser relidas, em consistências com os novos in-sigths teóricos e à luz dos correntes desenvolvimen-tos culturais [...] Em segundo lugar, alguns discursos pós-modernistas posicionam-se em oposição a toda análise estruturalista ou materialista, e como resul-tado tendem a ver a realidade social e o processo de ensino como mais abertos do que realmente são a uma reescritura discursiva (APPLE; CARLSON, 2000, p. 13).

Reconhecendo que todos esses movimentos multifacetados

que estão desestabilizando os modos estabelecidos de conduzir a

pesquisa em educação e a compreensão das questões de currículo,

os autores percebem potenciais democráticos e progressistas nesses

movimentos, mas, ao mesmo tempo, reivindicam uma conceituação

radical daquilo que queremos dizer, por exemplo, com os termos

“público” e “interesse público”.

O que nos parece significativo nessas tensões é percebermos

que, mais do que nunca, o currículo deve ser desconfigurado,

rasurado, na medida em que a desfocalização da aprendizagem, hoje,

nos remete para outros cenários, outros atores/autores curriculares,

outras experiências que, de longe, não correspondem às formas

convencionais de implementar o aprendizado e a formação.

Criticando o excessivo textualismo e abstracionismo das

elaborações teóricas pós-modernas e pós-estruturalistas, Apple

e Carlson continuam apelando para a noção de uma política de

redistribuição e de reconhecimento, como saídas para aquilo que

imaginam ser as antinomias insulares que basilaram as interpretações

curriculares modernas.

Por outro lado, para Apple e Carlson, assim como as

teorias neomarxistas correram o risco de tornarem-se a voz da

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academia masculina, branca, as teorias pós-modernas podem ser,

paradoxalmente, facilmente capturadas pela intenção da nova classe

média de engajar-se em uma política de mobilidade e de status no

interior da academia [...] (APPLE; CARLSON, 2000, p.16).

3 A PERSPECTIVA RIzOMáTICA

Entre nós, é com o filósofo do currículo Sílvio Gallo (2004)

que vamos ver elaborada a perspectiva de um currículo rizomático.

Fazendo críticas ao modelo disciplinar e unificante; que, até o

momento, permanece como orientação hegemônica para se conceber

o currículo, Gallo nos mostra como a concepção, nascida com René

Descartes, da Árvore dos Saberes, nos remete para uma visão de

unicidade do conhecimento. A imagem cartesiana nos leva a perceber

a árvore através de três subdivisões: as raízes representariam o mito

como conhecimento originário; o tronco representaria a filosofia,

dando consistência e sustentação para totalidade; os galhos, por sua

vez representariam as disciplinas científicas subdivididas em diversos

ramos. A busca de uma visão da inteireza estaria na imagem da

árvore.

Identificando a visão interdisciplinar e transdisciplinar como

visões que se apropriam da imagem da árvore, a perspectiva

rizomática quer destituir qualquer expectativa totalizante. Percebe

nestas visões propositivas do currículo o desejo de se chegar a uma

realidade única.

Neste veio, Gallo faz sua crítica pontual às ideias de Edgar

Morin:

Em termos de currículo não há religação dos saberes a ser perseguida, pois não há como religar o que nunca esteve ligado. Ao contrário, o que precisamos buscar são formas de diálogo na diferença, diálogo na multiplicidade, sem a intenção de reduzir os dife-rentes ao mesmo, ao uno (GALLO, 2004, p. 43).

Mas a crítica da perspectiva rizomática é propositiva em

relação ao currículo. Ou seja, ela propõe um currículo rizomático. Na

sua crítica à disciplina, esta visão cria uma imagem onde a disciplina,

identificada na árvore dos saberes, produz fragmentação e busca

uma unidade perdida.

Com o rizoma as coisas se passam de maneira dis-tinta. Sua imagem remete para uma miríade de

Tomando os filósofos Nietzsche, Deleuze e Guattari como inspira-ções fundantes, a pers-pectiva rizomática vai afirmar que a realidade é multiplicidade, é di-ferença. O que há são múltiplas realidades in-terconectadas. “A uni-dade é uma fábula cria-da por nossas ilusões”, afirma Gallo (2004, p. 41).

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linhas que se engalfinham, como num novelo de lã emaranhado pela brincadeira do gato. Ou talvez essa não seja a melhor imagem; um rizoma é promiscui-dade, é mistura, mestiçagem, é mixagem de reinos, produção de singularidades sem implicar o apelo à identidade. Se pensarmos o currículo como rizoma e não como árvore, as disciplinas já não seriam ga-vetas que não se comunicam, mas tenderiam a soar como linhas que se misturam, teia de possibilidades, multiplicidade de nós, de conexões, de interconexões [...] a imagem do rizoma por sua vez, implica um currículo como sistema aberto e múltiplo, isto é, não um currículo, mas muitos currículos. Não um mapa, mas muitos mapas. Não um percurso, mas inúmeros percursos. E sempre com pontos de partida e pontos de chegada distintos. O que não inviabiliza encon-tros, mas, ao contrário, os possibilita, os promove, os estimula (GALLO, 2004, p. 45-46).

Para este autor o currículo como rizoma, é um desmonte de

qualquer simulacro de unidade que nos é imposto. Mas o que seria

um rizoma para Deleuze e Guattari?

Um rizoma como haste subterrânea distingue-se absolutamente das raízes e radículas. Os bulbos, os tubérculos são rizomas... Até os animais o são, com todas as suas funções de habitat, de provisão, de deslocamento, de evasão e de ruptura... Há rizoma quando os ratos deslizam uns sobre os outros. Há o melhor e o pior no rizoma: a batata e a grama, a erva daninha. Animal e planta, a grama é o capim-pé-de-galinha (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 15).

É assim que, na perspectiva ou na imagem do rizoma, institui-

se a vivência do caos, na qual controle, hierarquia e planos prévios

não têm lugar, a proposição é aventurar-se na multiplicidade dos

saberes. Não importa controlar o processo de aprendizagem, até

porque, desta visão de currículo, só sabe o que aprendeu e como

aprendeu quem vivencia o aprendizado.

Diz-nos Gallo: “Façamos rizomas com nossos alunos,

estimulemos que eles façam rizoma entre si. Instituamos a

promiscuidade e a mestiçagem na sala de aula. Pedagogia mestiça,

pedagogia promíscua, pedagogia do caos” (2004, p. 48).

Parece-nos não importar, tampouco imaginar o enquadre dessa

perspectiva nas expectativas correntes de currículo que acostumamos

a vivenciar. O que parece importante são as luzes lançadas por essa

imagem na direção da possibilidade de desconstrução da concepção

“dura” de currículo.

Neste ponto argumen-tativo, a imagem do currículo como rizoma nos convida a realizar a construção de transver-salidades, ou seja, uma circulação de saberes que se realiza de ma-neira livre, como uma errância infinita.

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4 O FOCO NA vida

O currículo contemporâneo vai encontrar na nova biologia

inspirações para uma humanização radical das suas concepções e

ações.

Neste cenário político-epistemológico, preocupando-se com

a formação humana em larga medida, aparecem, inspirando as

possibilidades curriculares, as ideias dos biólogos chilenos Humberto

Maturana e Francisco Varela. Onde estariam suas contribuições?

Na obra “Currículo e Contemporaneidade: Questões

Emergentes” (GONÇALVES; PEREIRA; CARVALHO, 2004, p. 51-58),

podemos vislumbrar como o conceito de autopoiese forjados por

Maturna e Varela inspiram uma concepção original de currículo. Nesta

obra, a Professora Maria Zuleide da Costa Pereira procura mostrar a

pertinência e a relevância do pensamento desses dois biólogos latino-

americanos para o campo e as práticas curriculares. Esclarece-nos

que o currículo no seu processo de construção do conhecimento, não

resulta apenas de experiências trazidas de fora para dentro do espaço

escolar.

O Currículo, portanto, é o resultado da incorporação das interações da vida dos sujeitos que se manifes-tam dentro e fora do espaço escolar [...] O currículo é a expressão da vida. Vida plena e indissociável, que resulta da unicidade dos processos vitais e dos processos cognitivos. Essa unicidade pensada dentro da proposta de auto-organização dos sistemas vivos de Maturana e Varela (2001) percebe a organização autopoética como característica essencial para que a vida se produza. Sendo assim o currículo volta-do para a vida traduz-se num espaço de produção de conhecimento que se caracteriza não pela forma ordenadora com que se potencializa, mas por uma dinâmica caótica que há muito vem sendo eviden-ciada (PEREIRA, 2004, p. 54).

As ideias de Pereira se articulam com as elaborações

epistemológicas de Hugo Assmann, quando esse autor nos

recomenda substituir a pedagogia das certezas por uma “pedagogia

plástica e sinuosa” (1996, p. 146) que incentive certezas operacionais

imprescindíveis, capacite para modelizações da realidade, mas

preserve também as incertezas sobre os rumos, para que estes sejam

descobertos e não estejam pré-definidos.

Essa perspectiva vai valorizar o conhecimento como produto de

um ser articulado, onde cognição e corpo, cognição e vida imbriquem-

se. Mediando essa concepção está o conceito de enaction, cunhado

O currículo é um espaço vivo de construção de conhecimento, resul-tante do pensamento, das experiências dos sujeitos e das suas in-terações de natureza histórica, social e bioló-gica.

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por Francisco Varela. É nestes termos que, para Pereira, um currículo

enactante edifica-se na experiência instigante e que não se exime de

se aproximar e trabalhar com a vida dos aprendentes e os sentidos

que estes atribuem à própria vida.

Nesse sentido, quando proponho pensar os currículos de forma autopoética, estou querendo dizer que eles se autoproduzem. A construção do conhecimento, o qual se apresenta de forma circular, é produzida no interior dos currículos. Estes, dotados de “clausura operacional”, ao serem atingidos por mudanças, são capazes, no seu interior, de gerar outras modifica-ções [...] compreendo o currículo como expressão da vida, num primeiro momento, ele é um artefato que congrega no seu interior um conhecimento re-sultante das diversas formas biossocioculturais de como os sujeitos se organizam [...] Num segundo momento, esse conhecimento existente é influen-ciado e, conseqüentemente alterado pelos acopla-mentos estruturais experienciais – interações que permitem a geração de novos fenômenos (Maturana; Varela 2001, p. 16), oriundos dos sujeitos com seu entorno (PEREIRA, 2004, p. 56).

Avaliamos que a contribuição aqui desenvolvida vai ao

encontro da vivificação das experiências curriculares, à medida que

não mais admite o currículo como um mero reprodutor dos ditames

externos, ou atendente de demandas, visto como uma trajetória a

ser seguida. Os críticos do campo curricular já reconhecem, há algum

tempo, o caráter autopoético da experiência curricular; mesmo assim,

consideramos que as inspirações trazidas pelas elaborações teóricas

de Maturana e Varela, para o âmbito das concepções e práticas

curriculares, nos ajudam a lançar mais luzes para essa compreensão

auto-eco-organizativa do currículo. Há que se admitir que o cultivo

da autonomia, da errância, da autorização, da autoria solidária e da

mutualidade criativa é raríssimo enquanto orientação da experiência

curricular. Diríamos mesmo, que ainda se constitui em uma ameaça

às práticas predominantes em termos de concepção, organização e

implementação dos curricula.

5 A CONCEPçãO MULTIRREFERENCIAL E INTERCRÍTICA

Necessário enfatizar, em termos político e explicitativos, que a

proposta curricular multirreferencial existe, porque acabamos de nos

convencer de que as múltiplas justiças são necessárias em termos

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socioculturais e curriculares.

Segundo Anísio Teixeira, se tivéssemos tido no século XVI um

McLuhan, talvez não nos iludíssemos com a época das certezas lineares

e unidimensionais com que nos aturdiu o século XIX e chegássemos

preparados para a época das incertezas multidimensionais do nosso

tempo. Esta é uma das elaborações de afinada pertinência histórica

concebida por Anísio e que projeta em muito, em termos formativos,

a problemática da pluralidade em termos formativos.

Em outro contexto, não menos inquieto com a construção

do compromisso democrático com a educação, ao cunhar a noção

de multirreferencialidade no seio das inquietações espistemológicas

do pluralista e crítico Departamento de Ciências da Educação da

Universidade de Paris Saint-Denis, Jacques Ardoino quer atribuir às

referências como produções culturais constituídas nos processos de

diferenciação/identidade, um status legítimo enquanto intelegibilidades

não encapsuladas na rigidez prescritiva da lógica disciplinar ou

conjuntista-identitária da modernidade. É assim que para Ardoino,

descontinuidade, heterogeneidade, turbulências de escalas, vazios

criativos e conflitos, fazem parte de um mesmo processo.

Assim, no âmbito desse argumento, se estabelece uma

crítica radical à própria lógica disciplinar, enquanto uma lógica que

historicamente se edificou nos currículos, sob a compreensão de que

representa a última fronteira do real ou mesmo a realidade em si

enquanto continuidade. Em geral, é assim que a escola a apresenta

e trabalha.

A virada multirreferencial, enquanto uma das perspectivas não-

formalista de compreensão da realidade, ao instituir as referências

como sua perspectiva reitora, desloca de vez o centro lógico do

conhecer fincado na disciplina.

Nos seus recentes diálogos com Edgar Morin, no número 39

da Revista Pratique de Formation, Ardoino demonstra o quanto a

noção de multirreferencialidade está contida de forma pertinente na

inteligência da complexidade, o que nos faz perceber como os dois

pensadores da complexidade humana concordam sobre o potencial

edificador desta noção, enquanto um dispositivo epistemológico

e político significativo para o campo da relação plural com os

saberes. Aliás, Morin é convencido neste diálogo de que a noção

de multirreferencialidade em Ardoino é muito mais pertinente para

um olhar complexo da realidade do que a noção que cultiva: a de

multidimensionalidade (MORIN, 2000).

Do nosso lugar, entendemos que trabalhar os saberes

como referências constituídas na dialógica da diferenciação, na

Em Ardoino, o enfoque multirreferencial não cria, através do en-trecruzamento dos ol-hares críticos, uma zona mista, espécie de interseção de múltiplos campos disciplinares. Constitui, sobretudo, a invenção temporal, con-tínua, de um question-amento mútuo de cada uma das disciplinares convocadas pelas out-ras. É a singularidade do olhar, e das lingua-gens com os quais con-hecemos as realidades que constitui a multir-referencialidade.

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referencialização/desreferencialização, sem nenhuma pretensão

unificante, nos permite pleitear de forma muito mais fecunda e

coerente a intercriticidade nos âmbitos dos atos de currículo. Até

porque, sempre, dentro da perspectiva educativa, o importante é

a compreensão política do outro na sua complexidade. Acrescento,

a propósito, que a complexidade é multirreferencial porque é

heterogênea. Falamos aqui de uma heterogeneidade dialógica,

o coração mesmo da inteligência da complexidade. Para Jacques

Ardoino, por exemplo, o cerne da multirreferencialidade está no

trabalho com a linguagem; acrescentamos, um trabalho com a

linguagem de compreensão crítica, ou melhor, com uma linguagem

de compreensão intercrítica. Neste sentido, a narrativa, o contar,

aliás, toda e qualquer expressão da existência humana se constitui

numa referência.

Tal perspectiva vai nos propor uma concepção e uma prática

curricular nas quais as referências sejam tratadas como irredutíveis;

a disciplina, e sua crítica são referências importantes; os mundos

que interessam às formações se apresentem como textos-referência

explicitativos, como, por exemplo, as diversas culturas comunitárias,

o mundo do trabalho e da produção, os processos políticos que

organizam a educação, as existências que se atualizam no próprio

processo formativo, as diversas linguagens da expressão humana,

como componentes de uma heterogeneidade também irredutível,

mas articulável, conjugável, mestiçável. Tal abertura nos leva até o

que denominei de uma “articulação crítica dos saberes” (MACEDO,

2002), na qual os processos de totalização compreensiva dos

fenômenos e situações estejam implicados à própria lógica da

duração, da temporalidade, da negatricidade e da alteração, cernes

da complexidade a ser acolhida e enfrentada nos âmbitos da formação

humana.

Essa disponibilidade ao mesmo tempo epistemológica e

curricular desestabiliza o conforto das certezas acadêmicas, à medida

que as diferentes referências não disciplinares aparecem desafiando

um saber pretensamente estável e autossuficiente. O currículo aqui

é literalmente colocado no âmago do mundo. Um currículo mundano

que, ao propor uma formação pedagógica, ética e politicamente

comprometido com a dignidade humana, atrai e acolhe as impurezas

do mundo para o debate, até porque é para o mundo e sua “natural”

heterogeneidade que as pessoas se formam, e não para continuar a

deificar saberes no conforto dos âmbitos de algumas verdades e de

algumas mentiras do pequeno e específico mundo acadêmico.

A concepção de referência cultivada pela abordagem

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Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos II

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multirreferencial é explicitada por René Barbier (1997, p. 161),

ligando-a aos saberes na pluralidade das suas emergências, seja do

ponto de vista organizacional, simbólico, institucional, ideológico,

quanto libidinal, sacral etc.

No que concerne à pesquisa de inspiração multirreferencial,

Burnham e Fagundes argumentam que:

Em suas tentativas de articulação das diferentes referências, o pesquisador assume sempre uma posição; não aborda seu objeto de pesquisa a partir de uma justaposição de abordagens, em um relativ-ismo cultural no qual tudo é igual a tudo, mas situa-se teoricamente e articula, de forma singular, dife-rentes teorias (1994, p. 48).

Com essa compreensão citam Giust-Desprairies:

O posicionamento ético do pesquisador parece-nos a condição necessária para chegar além de uma ‘inter-disciplinaridade aditiva e fusionante’, aos verdadeiros obstáculos epistemológicos da multirreferencialidade ligados à complexidade dos fenômenos e à sua difícil apreensão na confrontação com o objeto de pesquisa (GIUST-DESPRAIRIES, apud BURNHAM; FAGUNDES, 1994, p. 51).

Vale a pena ressaltar que, no âmago da Linha de Currículo

do PPGE/FACED-UFBA, teses e dissertações importantes vêm

sendo defendidas, nas quais a abordagem multirreferncial aparece

orientando as pesquisas, tanto em termos teóricos quanto em

termos metodológicos. Neste veio, seu potencial político, heurístico

e pedagógico-curricular vem se ampliando de maneira significativa.

Destacam-se as teses em currículo de Fagundes, (2003), Sá, (2004),

Tourinho, (2003) e Santos (2005). Para nós, o inacabamento relacional

cultivado pela perspectiva multirreferencial, como uma intercrítica,

passa a inspirar a dialogia que se instaura na relação com os saberes

e as experiências formativas em toda a sua diversidade (MACEDO,

2005a).

Realçando a compreensão como ato de vida e a interpretação

partilhada como um exercício fundamental para não se praticar a

alteração ideologicamente sistematizada como assimilação e descarte,

entendemos que um cenário curricular constituído sob uma inspiração

multirreferencial e intercrítica inova política e pedagogicamente, na

medida em que se institui e se organiza pelo conjunto de relações

abertamente disponibilizadas à tensão dialógica como forma de

política cultural para construção da formação.

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É fato que o biólogo e epistemólogo francês Henri Atlan, ao

propor o conceito de intercrítica, concebe-o de forma a resistir às

afetações e hibridizações possíveis entre a cultura científica e outras

culturas não-científicas, a partir de uma clara preocupação com as

analogias e com determinados ecletismos. Atlan propõe a diferença

como fundante e irredutível, mesmo que, na relação, a alteração em

uma das partes possa acontecer.

Constatando que a nossa razão discursiva funciona sempre

privilegiando a identidade de não-contradição, Atlan vai colocar em

realce muito mais as relações entre diferenças do que as analogias.

Neste sentido nos diz:

A preocupação que os depositários de uma tradição possam ter em aceitar e reconhecer os valores das outras deve impedi-los de tentar negar ou dominar estas outras pela força, continuando a avançar res-olutamente no seu próprio caminho. Neste sentido, e apenas neste sentido, certas tradições talvez possam pretender ser mais ‘universais’ do que outras; mas não em nome de universais teóricos da razão ou da revelação, cujos discursos apenas falam linguagens particulares... Esta atitude contrasta com a atitude adotada por um público apreciador de grandes sín-teses unificadoras, e também de ‘astrologias cientí-ficas’ e de outros fads and fallacies... (ATLAN, 1994, p. 38).

Da perspectiva do teórico, a intercrítica resultaria numa crítica

que não seria simultânea, mas alternativa e recíproca. Partindo da

premissa de que “o real não é verdadeiro, contenta-se apenas em

ser”, o autor tenta nos convencer que a única universalidade de

valores possível é aquela que se constrói passo a passo, através do

embate, da coexistência, e do diálogo, e a única garantia para isso é

a boa vontade, sem complacência em relação ao outro, ao estranho

e ao estrangeiro.

Para Atlan:

Pode-se sempre criticar o método crítico, do lugar em que nos colocamos, mas é fácil constatar que é impossível colocar-se num ponto de vista absoluto. Isto é, não pode haver um ponto de vista que es-cape ao método crítico. E a maneira mais eficaz de se dar conta disso consiste justamente em criticar as pretensões de unicidade absoluta de um método co-locando-se do ponto de vista do outro método [...].Muito bem, hoje - porque se descobre que a verdade científica sozinha é insuficiente para resolver os nos-sos problemas de vida, e que as ciências e as técnicas

Assim, para Atlan, em havendo várias raciona-lidades, múltiplas ma-neiras de se ter razão, legítimas, ainda que di-versas, é preciso não se buscar mais a verdade última, única.

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Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos II

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colocam um número cada vez maior de problemas éticos e sociais sem fornecer os meios de resolvê-los -, revaloriza-se a tese de Protágoras. Com efeito, a virtude pode ser ensinada com uma pedagogia es-pecífica que se ‘cola’ necessariamente ao ensino da verdade científica. Isso não significa que não haja nenhuma relação entre o ensino da virtude e o das ciências, mas são relações intercríticas, e não dedu-tivas [...] (1994, p.73-76).

Para uma etnoeducação crítica (MACEDO, 2005b), essas

elaborações de Henri Atlan permitem alcançar uma perspectiva

fecunda para evitarmos, pelos processos interculturais vividos no

currículo, a colonização via a destruição das tradições das pessoas

que, historicamente, foram impedidas de afirmar ou mesmo de

reconquistar ou conquistar seus recursos político-culturais. Essas

pessoas têm, na escola, um locus de pasteurização dos seus saberes,

de seus pertencimentos e, portanto, das referências com as quais

compreendem o mundo, a vida, e, com isso, aprendem.

ATIVIDADES

Em que a crítica da crítica contribui para teoria crítica em currículo?

1. O que mais caracteriza a crítica pós-moderna em currículo?

2. Caracterize a partir do argumento do texto as perspectivas

pós-estruturalista e pós-colonialista, tomando currículo como

problemática a ser discutida.

3. Como se caracterizam em termos curriculares as visões

risomática e centrada na vida?

4. Qual a importância para você, a partir do texto, de um currículo

multirreferencial e intercrítico?

ATIVIDADES

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RESUMO

O movimento pós-crítico no campo do currículo vem contribuir

para ampliar os pontos que uma teoria crítica pode construir com o

objetivo de compreender nossa relação com o conhecimento e as

culturas que o produzem. Nestes termos vai fazer a crítica da própria

teoria crítica. A abordagem pós-moderna, por exemplo, nos fala da

necessidade de desconfiarmos das verdades acadêmicas e científicas,

vistas como completas e estáveis, de um conhecimento que se

quer, portanto, histórica e culturalmente onipresente, perfeitamente

generalizável. Enquanto pós-estruturalistas nos alertam para um

mundo em que os conhecimentos são, em realidade, textos, formas de

interpretação entre várias, com as quais o currículo deveria aprender

a lidar. Já os pós-colonialistas só admitem a perspectiva cultural

assumida no currículo numa dinâmica onde o cultural é construído

através de relações que se estabelecem no interior da própria cultura

e entre culturas. Funda-se a ideia de um currículo multi e intercultural.

Para o curriculogistas que estudam o currículo como um ato

de vida, centrado, portanto, no bios, o currículo tem um caráter auto-

organizativo que deveríamos prestar a atenção para lidar com sua

organização e implementação.

Já para a perspectiva rizomática, a partida é que nada deveria ser

visto em currículo em termos de inter, trans. A diferença pura das

itinerâncias dos aprendentes deveria ser pleiteada de forma que as

pessoas nas suas diferenças fizessem seus percursos no currículo

sem entradas e saídas fixas.

No que concerne à perspectiva multirreferencial e intercrítica, é

a incompletude das verdades a serem conjugadas e a heterogeneidade

das realidades humanas que interessa, para se compreender e

construir currículos, no plural mesmo.

LEITURAS RECOMENDADAS

GIROUX, H. Os professores como intelectuais. Rumo a uma

pedagogia crítica da aprendizagem. Tradução de Daniel Buena. Porto

Alegre: Artmed, 1997.

RESUMINDO

LEITURA COMPLEMENTAR

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Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos II

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___________, Pedagogia radical. Subsídios. Tradução de Dagmar

Zibas. São Paulo: Cortez, Autores Associados, 1983.

MCLAREN, P. Multiculturalismo revolucionário. Pedagogia do

dissenso para o novo milênio. Tradução de Mário Morais e Roberto

Costa. Porto Alegre: Artmed, 1997.

MOREIRA, A. F. “Currículo, utopia e pós-modernidade”. In: Moreira,

A. F. (Org.). Currículo: questões atuais. Campinas: Papirus, 1997,

p. 9-28.

FILME RECOMENDADOA Festa de Babete – filme dinamarquês, baseado no romance

de Isak Binesen. A culinária é o dispositivo de transformação que

a personagem principal usa, através de suas criativos e refinados

saberes e habilidades, com o intuito de transformar uma comunidade

rigidamente religiosa, conservadora e melancólica, através de

experiências formativas estéticas, onde o desejo e o prazer são

reapropriados pela beleza e a felicidade produzidos pela arte do

saber cozinhar. Babete é uma refugiada francesa que, impactada com

o modo de vida da comunidade, usa sua experiência e habilidade

culinárias para transformar de alguma maneira a visão de mundo e

comunitária onde vive.

SITES RRECOMENDADOhttp:////www.curriculosemfronteiras.org/

http://www.globalcurriculum.net/pt/curriculo/

FILME RECOMENDADO

SITE RECOMENDADO

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Cortez, 2002.

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Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos II

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Suas anotações

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1 A NOçãO DE COMPETÊNCIA E A ORgANIzAçãO CUR-RICULAR

Dados históricos nos mostram que a noção de competência

como norteadora de processos de formação não é recente. Superando a

orientação condutista, o seu retorno acontece, também, num contexto

de crítica a certa burocratização da formação e, por consequência, do

currículo. Tal burocratização criaria uma série de entraves para se

forjar currículos sensíveis e conectados às realidades que envolvem/

desafiam os sujeitos coletivos em formação.

UNIDADE V

PROPOSIçõES CURRICULARES CONTEMPORâNEAS I

OBjETIVONesta unidade apresenta-se de forma fundamentada e crítica

os diversos modelos curriculares que a contemporaneidade

nos oferece como possibilidade de implantação pedagógica e

formacional. Há uma preocupação evidente de se evitar que

possamos tomá-los como modelos que se bastam em si, mas

como possibilidades modelizadas de currículo que podem ser

articulados com outras perspectivas curriculares pertinentes.

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É fato que, neste veio, algumas apreensões do conceito de

competência vão cair numa perspectiva tecnicista de formação

orientada tão somente por objetivos instrucionais, ou mesmo,

confunde competência com habilidade, desconecta conhecimentos,

habilidades e valores, perdendo, por consequência, a possibilidade

relacional do conceito e suas mediações pedagógicas. Para não se

falar da recaída neotecnicista de algumas normas de certificação,

quando transformam as competências ali listadas num conjunto

de prescrições sem qualquer compromisso com os contextos de

formação, suas singularidades e dinâmicas sociopolíticas.

Tomando esse veio de raciocínio e falando de um lugar teórico,

político, epistemológico e pedagógico opcionado, face à pluralidade

com que a noção de competência se edifica, podemos dizer que

a concepção de currículo por competências podem ter nos seus

fundamentos a desconstrução de alguns prejuízos epistemológicos

e formativos. Podemos verificar, nos argumentos que tomam as

competências como uma ampliada e dialética possibilidade formativa,

uma crítica às fragmentações encontradas nos currículos pautados

na disciplinarização, assim como no que concerne aos processos

reducionistas nos quais, muitas vezes, essa mesma disciplinarização

reduz a formação a aspectos insulares do conhecimento sistematizado.

Ademais, a proposta da formação por competências critica as

formações que privilegiam o abstracionismo acadêmico, que esquece

que se aprende para se inserir de forma competente e cidadã na

sociedade do presente e enfrentar seus desafios.

Essa reivindicação formativa vai ao encontro também da

desconstrução das naturalizações ou coisificações dos saberes

formativos, na medida em que as referências que advêm dos

mundos não-disciplinares acabam por colocar o saber acadêmico sob

constante tensão, no que concerne ao valor das suas verdades. Como

as competências apontam para a atualização das aprendizagens em

contexto, conhecimentos, habilidades e valores são transformados

em saberes em uso, estando sujeitos às ressignificações a partir do

mundo não-acadêmico da atividade humana.

Da nossa perspectiva, esse caminho de superação desses

prejuízos epistemológicos e formativos que um currículo por

competências construiria, não pode prescindir da vinculação histórica,

ética e política, sob pena de cair-se numa reedição do ensino por

objetivos instrucionais, reduzidos à reprodução de conhecimentos

pré-digeridos e autoritariamente enquadrados. Nestes termos, a

nossa perspectiva entende que cabe fecundar a noção de competência

como mediadora da organização curricular com o veio crítico das

Ao apontar para uma formação que se arti-cula com o mundo do trabalho, da produção e das pautas concretas da vida em sociedade, a proposta da forma-ção por competências aqui pleiteada objetiva a superação das visões apartadas que nos leva-ram a construir currícu-los pautados nas sepa-rações fragmentárias e nas compreensões não-comunicantes.

84 Módulo 4 I Volume 2 EAD

Currículo | Propostas curriculares contemporâneas I

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teorias curriculares, retirando-a da captura neotecnicista que, em

muitos momentos, contaminam essa noção mediadora das formações

contemporâneas.

Diz-se que a pedagogia das competências é, na sociedade

contemporânea, a pedagogia da sociedade pós-industrial. Entretanto

é preciso refletir epistemológica, ética, política e pedagogicamente

sobre esses sentidos que configuram o processo de formação e o

currículo, até porque, a centralidade cognitiva desse conceito pode

facilmente colocá-lo numa reedição psicologizante da gestão do

aprendizado nos cenários curriculares.

A partir dessa perspectiva, algumas atitudes didático-

pedagógicas podem ser apontadas como pertinentes para o trabalho

formativo via um currículo por competências:

• valorização da transposição didática;

• globalização dos saberes;

• o uso de ideias-chave ou noções-núcleo como orientação

dos módulos de aprendizagem;

• aprendizagem para e pelas situações e cenários de trabalho;

• tradução dos conteúdos em objetivos flexíveis;

• envolvimento dos alunos em projetos de trabalho;

• avaliação como observação processual; avaliação formativa;

• “transferência” de conhecimentos, habilidades e valores;

• necessidade de planejar problemas e encontrar estratégias

para resolvê-los, no caso do uso da perspectiva pedagógica

da aprendizagem por problemas;

• Interesse pelos processos de aprendizagem dos alunos;

• avaliação centrada nas evidências de desempenho

demonstrado em situações as mais próximas possíveis

daquelas que os alunos poderão enfrentar na realidade;

realizada em tempo relativizado. Pleitea-se aqui o uso de

indicadores flexíveis, através, predominantemente, de

instrumentos avaliativos de registro.

Vale ressaltar que há nos debates envolvendo a formação

para o trabalho, uma clara tensão ideológica entre aqueles que

aceitam a noção de competência como uma noção mediadora do

currículo e da formação e aqueles que defendem a orientação dessa

formação pautada na perspectiva da qualificação. Sabe-se que essa

perspectiva está vinculada a uma educação pelo conhecimento e

à configuração do mundo do trabalho e sua dinâmica de inserção,

em meio aos processos contraditórios capital-trabalho. Enquanto a

É assim que as compe-tências são conceituadas, como um conjunto de sa-beres e habilidades que os aprendentes incorporam por meio da formação e da experiência, conjugados à capacidade de integrá-los, utilizá-los, transferi-los em diferentes situações. Trata-se, portanto, de uma concepção de currí-culo mediada por uma pe-dagogia ativa e construti-vista, na qual a formação é configurada pelo saber teórico (formalizado) e prático (técnico e metodo-lógico), os quais podemos denominar de saberes em uso.

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perspectiva das competências desloca a atenção para as capacidades

das pessoas em termos sociocognitivos, procurando desenvolver, a

partir da formação, os instrumentos cognitivo-intelectuais capazes

de responder a um mundo da produção profundamente marcado pela

incerteza, pela necessidade de uma atuação flexível e autônoma.

Há um importante debate político aí constituído que precisa ser

explicitado, até porque se pode falar de competências em termos da

organização da formação e do currículo, trazendo para seus âmbitos

as pautas de uma formação ampliada para além do psicológico,

implicando-se o político, o ético e o cultural como organizadores

ativos, rejeitando-se, por consequência, as tendências psicologizantes

e tecnicistas que fizeram parte da sua história.

Um argumento que nos mostra bem essa contradição é

encontrado em Freitas (2002, p. 93):

O pensamento progressista já examinou como o cap-ital escamoteia a formação do trabalhador, na me-dida em que educá-lo é permitir que se torne cidadão consciente das contradições do próprio sistema cap-italista. A questão que se coloca para o capital é: como instruir um pouco mais sem aumentar o grau de conscientização das classes populares?[...] sendo a escola um local de preparação dos fu-turos trabalhadores, ela não pode estar fora de sin-tonia com as novas habilidades exigidas no interior da produção: isto implica maior “participação” e “de-mocracia” no interior da escola. É interessante notar que também no interior da indústria começa a ser experimentado, dentro do novo padrão de explora-ção implantado (tecnologia de grupo, células, círculo de controle de qualidade, planejamento participati-vo, qualidade total, avaliação de competências etc.).

Para Freitas, o que se desenvolve nesse processo é uma

“democratização” do que já está ditado.

As obras de Marise Nogueira Ramos, A pedagogia das

competências: autonomia ou adaptação (2001), bem como

a coletânea organizada por Antônio Tomasi Da qualificação à

competência. Pensando o século XXI (2004), são trabalhos que trazem

de forma pertinente o debate entre as perspectivas da competência

e da qualificação como organizadoras curriculares da formação na

contemporaneidade. Podemos também citar como importante o

trabalho de Philippe Perrenoud (2000), a partir da sua preocupação

em apresentar uma pedagogia que opere mediada pela noção de

competências, direcionando esse aporte, inclusive, para a formação

de professores.

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Currículo | Propostas curriculares contemporâneas I

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O que é interessante problematizar, é como currículos que

apontam para superação dos prejuízos causados pela lógica disciplinar

abstracionista e reducionista, podem garantir a verticalização

reflexiva dos campos de conhecimento historicamente construídos,

para evitarem um outro prejuízo epistemológico e formativo: a lógica

do descarte e da substituição das tradições em face do fascínio pela

inovação sociopedagógica e curricular, irrefletida, descontextualizada

e sem aprofundamento compreensivo do movimento histórico que

vem configurando essas superações.

2 O CURRÍCULO POR PROBLEMA

A filosofia pedagógica da proposta curricular de aprendizagem

baseada em problemas é o aprendizado centrado no aluno. É baseada,

portanto, no estudo de problemas propostos com a finalidade de fazer

com que o aluno estude determinados conteúdos de forma reflexiva

e tensionada por problemas concretos. O problema identificado é

o mediador principal do aprendizado. Estimula-se, assim, a atitude

proativa dos alunos em busca do conhecimento.

Tomando as definições importantes, relacionadas à organização

do curso, prepara-se um elenco de situações que o aluno deverá

saber. Esse elenco é analisado, situação por situação, para que se

determinem os conhecimentos que o aluno deverá possuir para cada

uma delas. O referido elenco constitui os temas de estudo. Cada tema

será transformado em um problema a ser discutido em um grupo

de apoio, quando se tratar de um tema que diga respeito à esfera

cognitiva.

A aprendizagem baseada em problemas tem o grupo de

apoio como suporte para os estudos, que é composto em geral de

um orientador e de 8 a 10 alunos. Dentre os alunos, um será o

coordenador e outro será o secretário, havendo rodízio de sessão a

sessão, para que todos exerçam essas funções. No grupo, os alunos

são apresentados a um problema pré-elaborado pela comissão de

elaboração de problemas. Essa organização pode assumir formas

mais abertas, mais participativas e menos tutoriais.

Em termos da experiência do grupo de apoio, alguns passos

são sugeridos: leitura do problema; identificação e esclarecimentos

de termos desconhecidos; identificação dos problemas propostos

pelo enunciado; formulação de hipóteses explicitativas para os

problemas identificados no passo anterior (os alunos se utilizam nesta

fase dos conhecimentos de que dispõem sobre o assunto); resumo

A construção do problema consiste em: uma descri-ção do fenômeno para o qual se deseja uma expli-cação no grupo de apoio; ser formulado em termos mais concretos possíveis; ser o mais conciso possí-vel; dirigir o aprendizado para um número limitado de itens; dirigir-se apenas a itens que possam ter al-guma explicação baseada em conhecimento prévio dos alunos; orientar os alunos para estudos inde-pendentes.

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das hipóteses ou questões formuladas; formulação de objetivos

de aprendizado; estudo individual dos assuntos levantados nos

objetivos de aprendizado; retorno ao grupo de apoio para discussão

do problema frente aos novos conhecimentos adquiridos na fase de

estudo anterior (BORDENAVE, J.; PEREIRA, A. 1982).

Uma carga horária é prevista para o estudo de cada problema.

São várias as formas de avaliação possíveis dentro do currículo

baseado em problemas. São previstas avaliações por módulos,

avaliação progressiva dos conhecimentos dos alunos. No que se

refere à avaliação ao final dos módulos, tem por finalidade avaliar

a qualidade do módulo. Um módulo temático deve levar os alunos

a atingirem determinados objetivos de conhecimentos. O núcleo

central do módulo temático são os problemas desenvolvidos para

a abordagem dos temas. Espera-se que um problema deve ensejar

uma boa discussão no grupo de apoio de modo que ao fim desta

discussão os alunos elejam objetivos de aprendizado adequados ao

conhecimento do tema em estudo.

Em termos organizacionais, instituem-se comissões, como

a comissão de currículo, a comissão de avaliação, as comissões

diretoras e a comissão de problemas.

Vale questionar se uma aprendizagem por problema pode

garantir os níveis de aprofundamento em determinados campos do

conhecimento necessários a um processo de qualificação interna a

esses campos. Teria a configuração de um problema a capacidade

de suscitar o “domínio” necessário nestes termos? Não seria mais

pertinente configurar modelos curriculares crítico-multirreferenciais

onde os inacabamentos pudessem ser reconhecidos e articulados, em

vez de tentar-se achar num só modelo uma realização acabada e

totalizante?

O que nos parece importante, neste dispositivo curricular,

é a articulação entre o problema estudado e o processo de

problematização dos fenômenos. Neste sentido, os atos de currículo

caminhariam através de uma práxis pedagógica, que cultivaria a

reflexão ultrapassando a mera atividade intelectual, vinculando-

se a uma aprendizagem acionalista, no qual a compreensão e a

transformação seriam ética, política e esteticamente recomendadas

como perspectivas indissociáveis. Aprender implicando-se numa

prática reflexiva é a orientação fundante de uma formação pautada

na problematização do conhecimento e da realidade social.

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Currículo | Propostas curriculares contemporâneas I

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3 O CURRÍCULO POR PROjETOS

Como mais um dispositivo que se orienta na perspectiva de

integrar os conhecimentos a partir dos desafios que a realidade

concreta nos apresenta, o currículo por projeto vem sendo praticado

como um modelo curricular inovador e superador da lógica disciplinar-

fragmentária e abstracionista que a tradição curricular cultivou

secularmente.

Há, como em todo dispositivo curricular, passos a serem

organizados para que esse dispositivo se caracterize como tal. É

assim que um currículo por projeto começa com a escolha do tema

que constitui o ponto de partida.

Na descrição realizada por Hernández e Ventura em cada nível de escolaridade, essa escolha adota carac-terísticas diferentes. Os alunos partem das suas ex-periências anteriores, da informação que têm sobre os projetos já realizados ou em processo de elabo-ração por outras classes. Essa informação deve se tornar pública nos espaços formativos. Dessa forma, o tema pode pertencer ao currículo oficial, proceder de uma experiência comum, originar-se de um fato da atualidade, surgir de um problema proposto pela professora ou emergir de uma questão que ficou pendente em outro projeto. O professorado e os alu-nos devem perguntar-se sobre a necessidade, rele-vância, interesse ou oportunidade de trabalhar um ou outro determinado tema. Todos eles analisam, de diferentes perspectivas, o processo de aprendizagem que será necessário levar adiante para construir con-juntamente o projeto (HERNANDEZ; VENTURA 1998, p. 69).

A atividade do docente: escolhido o tema do projeto e

construídas as percepções sensibilizadoras, em termos do que se

quer saber, as perguntas que se deve responder, a atividade docente

especificará qual o motivo reitor do conhecimento, o fio condutor,

o esquema cognocitivo que permitirá que o projeto vá além dos

processos informativos ou instrumentais imediatos e possa ser

aplicado em outro tema ou problema. Esse fio condutor está em

relação com o Projeto Político Pedagógico e o Projeto Institucional

Curricular, no sentido da realização de uma primeira previsão dos

conteúdos (conceituais e procedimentais) e as atividades, tratando

de encontrar algumas fontes de informação que permitam iniciar

e desenvolver o projeto. Segundo Hernández e Ventura (1998), a

pergunta que o docente tenta responder é: o que pretendo que os

Integrar conhecimentos e pensá-los com as realida-des contextualizadas é o cerne da proposta curricu-lar por projetos. Ou seja, possibilitar que o conheci-mento seja experienciado de forma globalizada, re-lacional, e, portanto, com uma compreensão relacio-nal. Nestes termos, é cen-tral o incentivo e o desafio a um constante esforço in-terpretativo construtivista por todas as vias didático-pedagógicas.

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diferentes componentes do grupo aprendam com o projeto? Neste

sentido, inovações, paradoxos, contraste com outras fontes, cenários

educativos e experiências trazidas pelos próprios estudantes são

importantes. O compromisso é com o aprendizado ativo e a criação.

Oficinas interclasses podem ser intercruzadas com o trabalho

individual; um ambiente pedagógico motivador deve ser incentivado

para bem como realçar e valorizar a consciência do sentido da

aprendizagem grupal; procura-se trabalhar bem com a previsão

dos recursos para efetivar a funcionalidade do projeto; trabalha-se

para se conceber e instituir uma avaliação processual, ou seja: de

início, verificar o que os alunos sabem sobre o tema, quais são suas

perguntas, hipóteses e referências de aprendizagem, e, ao longo do

projeto, se estão aprendendo, como estão acompanhando o sentido

do projeto, para finalmente perceber o que aprenderam em relação

às propostas iniciais e se são capazes de estabelecer novas relações.

Investir nas fontes de informações, nas tecnologias mediadoras

e como acessá-las é também do âmbito da organização de um trabalho

pedagógico com projetos.

Dizem-nos Hernández e Ventura (1998) que, partindo da

perspectiva geral, os projetos geram um alto grau de autoconsciência e

de compreensão nos alunos com respeito à sua própria aprendizagem,

ainda que, num determinado período ou momento da formação,

possam estar desenvolvendo projetos de uma forma menos intensa.

Segundo os autores, essa variedade é um elemento de contraste e

dinamiza a discussão.

O que nos parece importante salientar, no veio dos argumentos

das nossas perspectivas curriculares, é que nenhum dispositivo ou

modelo curricular deve ser compreendido ou implementado como

mais uma nova panaceia educacional. A superação dessa expectativa

aplicacionista, junto a uma abertura para avaliar bem a inovação,

já seria um grande avanço para a superação dos nossos hábitos

reprodutivistas e totalizantes em termos pedagógico-curriculares.

4 O CURRÍCULO POR TEMAS gERADORES E POR PRO-BLEMATIzAçãO

Longe de qualquer visão populista do pedagógico, a perspectiva

curricular dos temas geradores, inspirados no pensamento de Paulo

Freire, caminha num claro questionamento: para quê? Assim,

educação e política são indissociáveis como projeto e práticas sociais.

O currículo, sua concepção e implementação vão refletir, mobilizar e

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objetivar essa indissociabilidade.

Propostos pelos professores, e detectados pelos grupos, os

temas geradores não se identificam com a simples transmissão do

conhecimento. Entretanto isso não proíbe a narrativa dos professores

como produtos de experiências significativas. Vale ressaltar que

os temas geradores não se identificam também com as atividades

realizadas em torno dos “centros de interesse”, na medida em que,

diferentemente destes, procuram ampliar o horizonte da investigação

e aprendizagem, explorando os fatores culturais e sociais envolvidos,

tanto do ponto de partida quanto no seu desenvolvimento.

Há, no trabalho de integração das áreas do conhecimento

com os temas geradores, a superação da fragmentação e da

justaposição de informações muitas vezes irrelevantes, tão comuns

na composição e implementação dos nossos currículos. A crítica às

formas opressoras seja de classe, seja de qualquer outra natureza

é fundante nesta perspectiva curricular, assim como o incentivo a

uma práxis transformadora das iniquidades sociais dentro e fora dos

cenários educacionais.

É interessante colocar que neste tipo de dispositivo curricular

o professor não deve descartar o imprevisto, na medida em que a

dialogicidade é constitutiva da própria proposta curricular. Sua atitude

de pesquisa deve estar aguçada, porquanto a problematização da

realidade e dos conhecimentos que dinamizam teoricamente os temas

criam constantemente campos de inacabamento e necessidades de

novos estudos e pesquisas. É aqui que o planejamento da atividade

curricular deve incluir um processo pedagógico multirreferencial, na

medida em que são necessárias para esse trabalho múltiplas fontes

de informação, vindas de dentro e de fora da instituição formadora.

Faz-se necessário, portanto, mobilizar múltiplos cenários de

aprendizagem e, na prática, destituir totalmente o ensinaraprender

pautado na hipertrofia da memória. Aqui, o heterogêneo potencializa

o senso crítico e a capacidade de realizar compreensões em meio a

uma realidade humana que nunca foi homogênea, tampouco estável

e justa.

Um tema pode surgir do coletivo social dos alunos e professores.

Um tema gerador não é uma camisa de força. Essa inspiração

pedagógico-curricular parte da premissa de que nossa educação não

é igualitária e justa, e que se faz necessário trabalharmos em todas

as dimensões para a conquista de um ato educativo pautado nas

diversas justiças negadas pelo modelo opressivo do capitalismo e

das sociedades autoritárias; deverão existir cenários formativos que

permitam a errância, a transgressão, a emergência da diferença,

Integrar conhecimentos e pensá-los com as realida-des contextualizadas é o cerne da proposta curricu-lar por projetos. Ou seja, possibilitar que o conheci-mento seja experienciado de forma globalizada, re-lacional, e, portanto, com uma compreensão relacio-nal. Nestes termos, é cen-tral o incentivo e o desafio a um constante esforço in-terpretativo construtivista por todas as vias didático-pedagógicas.

Nutrir a curiosidade, valorizar o conheci-mento científico como construção humana, evitar modelos impos-tos, trabalhar com a contextualização, ga-rantir a criticidade e a criatividade, articular criticamente os temas e os saberes que nele se implicam, historicizar e politizar a relação com o saber são caminhos inerentes à perspectiva pedagógico-curricular dos temas geradores.

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sempre problematizados e enraizados na responsabilidade social

de uma educação para a dignidade humana; uma educação cidadã,

pautada numa moral cidadã, portanto.

Ouçamos Sônia Kramer (1989, p. 63), quando acolhe a

perspectiva do tema gerador como orientação curricular:

Cabe lembrar que uma característica fundamental da proposta é a necessária articulação desses conhe-cimentos com a prática pedagógica, viabilizada ex-atamente pelo tema gerador, verdadeiro fio condu-tor das atividades e, ao mesmo tempo, organizador dos conteúdos. Mas esses conteúdos não se amal-gamam, nem se desfiguram ou são disfarçados pelo tema. Ao contrário, eles se tornam significativos e ficam revestidos de seu real valor e de sua função social, na medida em que são sempre contextualiza-dos, sendo adquiridos para alguma finalidade con-creta e em função de um objetivo elucidado.

Em termos de avaliação, impossível reproduzir, nesta

perspectiva, os padrões correntes de avaliação pautados em

comparações por escalas numéricas e na compulsiva busca dos

erros e acertos para, de forma antinômica, definir e decidir sobre a

aprendizagem do outro.

Nestes termos, Kramer sugere cinco tipos de estratégias

para proceder à avaliação: “análises e discussões periódicas sobre o

trabalho pedagógico; observações e registros sistemáticos; arquivos

contendo planos e materiais referentes aos temas; relatórios dos

alunos; prática da auto avaliação” (KRAMER, 1989, p. 95-96).

Como dispositivo da organização e de orientação dos atos

de currículo, o tema gerador aparece como uma das perspectivas

curriculares das mais significativas, na medida em que epistemológica,

política, ética e pedagogicamente não cai numa simplificada proposição

modelizada de currículo.

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Currículo | Propostas curriculares contemporâneas I

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ATIVIDADES

1. Qual é a principal crítica efetivada pelo modelo curricular por competência aos currículos modernos?

2. Baseado nos fundamentos e nas propostas concretas de currículos por competências, realize um rascunho com um exemplo de como se constrói uma competência curricular, tendo como componentes globalizados e necessários, o conhecimento, as habilidades e os valores a serem trabalhados.

3. Caracterize e relacione a concepção de currículo por problema e por projeto.

4. Como você caracterizaria o currículo por temas geradores?5. Qual o papel central do pensamento de Paulo Freire nesta

concepção de currículo?

RESUMIMDO

O movimento das necessidades formativas do mundo

educacional contemporâneo, assim como a presença de uma

diversidade de concepções de currículo que surgem desse movimento,

suas características e contradições vão forjar um conjunto de

modelos curriculares extremamente singulares nas suas propostas

organizativas e formativas. A superação do modelo disciplinar está na

base desses modelos denominados de integrativos.

Vê-se, neste contexto, o surgimento da proposta curricular

por competência, que tem como lógica a superação da fragmentação

e do abstracionismo disciplinar pautada na necessidade de integrar

conhecimentos, habilidades e valores, vinculados às realidades das

atividades humanas concretas, principalmente atreladas ao mundo do

trabalho. Neste mesmo veio de superação dos modelos disciplinares,

os modelos por projeto estão fundando no exercício da globalização

dos saberes e na interdisciplinaridade, a partir do trabalho com

temas eleitos como pertinentes. Coerente com esses princípios o

modelo curricular por problema, parte não do conhecimento livresco

ou disciplinar mais de problemas pertinentes para a formação. É o

problema a ser compreendido e superado que mobiliza os saberes.

No caso do currículo por problematização está pautado nos

ideais político-educacionais de Paulo Freire e sua concepção de uma

educação para conscientização e emancipação. O trabalho com os

temas geradores como tema que problematizam a realidade para

melhor compreendê-la é a base pedagógica dessa proposta curricular.

ATIVIDADES

RESUMINDO

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FILME RECOMENDADO

Escritores da Liberdade – dirigido por Richard La Gravenese, num

cenário tenso e de intolerância etnicorracial, uma professora dedica-

se em desenvolver atos de currículo e uma formação pautada na

solidariedade e no reconhecimento da diferença. As marcas dessa

atitude são profundas na sua vida profissional e pessoal e dos seus

alunos.

O Carteiro e o Poeta – tendo como diretor Michael Radford, o filme

narra a amizade do poeta chileno Pablo Neruda com um carteiro. Num

cenário de uma pequena ilha da Itália, onde Neruda vive o exílio, ao

ler as poesias deste, o carteiro vai construindo seus saberes e sua

formação estética onde o amor e a poesia assumem a centralidade

desta experiência formativa.

Documentário sobre Paulo Freire - realizado pela TV Escola,

dirigido por Toni Venturini, está disponível na internet como domínio

público na Biblioteca Digital do MEC. Dividido em três partes, o

vídeo apresenta a biografia de Freire, comentários sobre sua obra e

importância deste educador no contexto nacional e mundial. Neste

documentário temos a oportunidade de perceber os fundamentos do

currículo por temas geradores.

SITE RECOMENDADOhttp://eduquenet.net/educompetencias.htm

http://www.curriculosemfronteiras.org/

http://www.globalcurriculum.net/pt/curriculo/

hyyp://cenpah.blogspot.com/2011/02/curriculo-de-desigualdades.

html

FILME RECOMENDADO

SITE RECOMENDADO

94 Módulo 4 I Volume 2 EAD

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REFERÊNCIASHERNÁNDEZ, F. VENTURA, M. A Organização do currículo por projetos de trabalho. O conhecimento é um caleidoscópio. Tradução

de Jussara Rodrigues. Porto Alegre: Artmed, 1998.

KRAMER, S. Com a pré-escola nas mãos. Uma alternativa curricular

para a educação infantil. São Paulo: Ática, 1989.

LAVE, J.; WENGLER, E. Situeted learning: Legitimate peripheral

participation. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.

LIMA, E. S. Ciclos de Formação. Uma reorganização do tempo escolar. São Paulo: Editora Sobradinho, 2002.

MACEDO, R. S. A etnopesquisa crítica e multirreferencial nas ciências humanas e na educação. Salvador: EDUFBA, 2000.

________, Chrysallís. Currículo e complexidade. A perspectiva

crítico-multirreferencial e o currículo contemporâneo. Salvador:

EDUFBA, 2002.

________, Atos de currículo. Educação intercrítica como práxis

identitária. 2005.

________, Etnopesquisa Crítica, Etnopesquisa-formação.

Coleção Pesquisa n. 15, Brasília: Líber Livro, 2006.

PERRENOUD, Ph. 10 novas competências para ensinar. Tradução

de Patrícia Reuillard. Porto Alegre: Artmed, 2000.

RAMOS, M. A pedagogia das competências: autonomia ou

adaptação? São Paulo: Cortez, 2002.

REFERÊNCIAS

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Suas anotações

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1 O CURRÍCULO POR MóDULOS DE APRENDIzADO

A preocupação com a fragmentação das formações, bem

como com a construção, no âmbito dos currículos, de um itinerário

formativo onde o aluno possa construir com considerável autonomia

seu percurso de aprendizagens; a edificação de uma flexibilidade

quanto à terminalidade desse percurso, levam autores como Michael

Young a propor a modularização como uma das alternativas possíveis

para se superar os currículos lineares e de itinerário de formação

rígido. Acrescenta a esta possibilidade de organização curricular a

abordagem por resultados. Como explicita, no início do sexto capítulo

UNIDADE VI

PROPOSIçõES CURRICULARES CONTEMPORâNEAS II

OBjETIVONesta unidade, continuidade da anterior, ampliamos o estudo

sobre os modelos curriculares contemporâneos, focando

agora nos currículos por módulos de aprendizagem, em rede,

hipertextual e online, bem como no currículo por ciclo de

formação. Apresenta-se ademais, a ideia da aula como atos de

sujeitos do currículo e o pensamento fundante que atravessa

todos os textos que é a possibilidade de se conceber e se

construir um currículo educativo.

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do seu livro, o Currículo do Futuro:

Neste capítulo quero examinar os laços entre duas estratégias curriculares correlacionadas, a aborda-gem de resultados... e a modularização como modo de organizar um currículo flexível em pequenos blo-cos de aprendizado, que podem ser combinados uns com os outros de diversas maneiras (YOUNG, 2000, p. 119).

Mesmo analisando a questão curricular da modularização a

partir do contexto da escolarização na Inglaterra, o autor nos oferece

reflexões fecundas para pensarmos alternativas de construção

curricular que favoreça a vivência de aprendizagens relacionais, ou

seja, aprendizagens que se articulem com temas transversais de modo

a se dinamizar num movimento em espiral, onde temas, proposições,

problemáticas, conceitos fundantes da experiência formativa, sejam

vivenciados perpassando toda a formação e sendo perpassado pelos

conhecimentos específicos dessa mesma formação.

Vê-se, no argumento que se desenvolve no texto, que Michael

Young (2000) está preocupado, acima de tudo, com o aprendizado

no âmago da dinâmica curricular, pois são vários os momentos em

que cita a “elevação do desempenho” como uma meta importante na

vivência formativa do currículo modularizado. Vejamos a elaboração

do próprio autor: “[...] a avaliação ao final de cada módulo significava

que ela poderia se relacionar mais diretamente com as experiências de

aprendizado dos estudantes e, assim, ser mais conclusiva na elevação

do desempenho do que as formas convencionais de avaliação final”

(Idem, p. 129).

Relacionando a modularização do currículo com a abordagem

por resultados, o autor explicita, que tanto a modularização como

a abordagem por resultados podem afirmar ser perspectivas

curriculares centradas no aluno, embora de um ponto de vista um

tanto quanto diferente. É assim que a abordagem por resultados

começa descrevendo o que o aluno pode esperar alcançar, definindo os

critérios de reconhecimento do aprendizado já realizado, ao passo que

a modularização concentra-se nos estudantes como administradores

de seu próprio aprendizado, que precisam de retornos explicitadores

a fim de criar a base para melhoria das suas próprias estratégias de

aprendizado, como responsáveis pelas decisões e como selecionadores

de programas de aprendizado.

Para Young (2000), a capacidade de tomar decisões em relação

ao aprendizado não pode ser separada do nível de aprendizado

alcançado, é ela própria algo que tem de ser aprendido, reconhecido

98 Módulo 4 I Volume 2 EAD

Currículo | Propostas curriculares contemporâneas II

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na ideia de “aprender a aprender.” No mesmo veio de raciocínio, o

autor nos fala que a modularização por si só não é capaz de assegurar

um bom desempenho. Neste sentido, estratégias pedagógicas

pertinentes terão que ser usadas para se chegar a uma “elevação

do desempenho”. É aqui que a valorização do professor aparece de

forma explícita para Young:

Renunciar a algumas de suas práticas tradicionais equivalerá a depositar mais, e não menos, respon-sabilidade nos professores. A contraposição entre a centralidade do professor e a centralidade do aluno, em especial no contexto de uma abordagem base-ada em resultados, que dá tanta atenção à avaliação, pode facilmente distrair a atenção dos desenvolvi-mentos de uma pedagogia centrada no aluno [...] minha crítica a um currículo centrado no aluno con-centrou-se nas limitações das abordagens que dão excessiva ênfase ao papel ativo dos alunos; argu-mentei que elas desdenham a necessidade de novos papéis para professores... (Idem, p. 130).

Esta preocupação do autor vai ao encontro do fato de que uma

abordagem de formação predominantemente focada no aprendizado

por ensaio e erro não parece ser uma base para elevar os níveis de

desempenho ou para preparar os jovens para um mundo do trabalho no

geral é provável que cada vez mais empregos exijam conhecimentos

e habilidades conceituais que não podem ser aprendidos apenas no

trabalho.

Outra preocupação do autor é quanto ao conteúdo na

organização curricular por módulos. Neste ponto, afirma que a

capacidade de “aplicar” o conhecimento é tão importante quanto o

próprio conhecimento, e que o conhecimento que fica na fronteira

entre as matérias pode, às vezes, ser mais importante do que o

próprio conhecimento das matérias. Assim, um currículo organizado

por módulos pode oferecer essas possibilidades, permitindo diferentes

combinações de conhecimentos disciplinares e de aplicações que

podem ser definidas por resultados.

Para Young (2000), porém, o desenvolvimento do conhecimento

e das habilidades gerais, exige a especificação dos conteúdos, dos

contextos e dos processos (por exemplo, experiência industrial e

trabalho em equipe) e, portanto, exigiria um currículo que fosse além

de um banco modular nacional e além dos resultados de aprendizado

que estivesse ligado a módulos individuais.

De acordo com Lave e Wengler, “o conceito de conectividade

começa reconhecendo que o aprendizado tem uma finalidade e é

Michael Young (2000) conclui a sua análise conclamando para que se realize a organização curricular por módulo, pautada nos princípios da modularização co-nectiva, nos resultados conectivos, vinculando-os à ideia de currículo do futuro. Neste sen-tido, é necessária uma nova abordagem de or-ganização do currículo que ligue os módulos e os resultados às aspira-ções e necessidades dos alunos e aos objetivos e propósitos do sistema como um todo. No cen-tro dessa perspectiva está um completo en-volvimento dos alunos, na medida em que o aprendizado se dá por intermédio das relações que se estabelecem.

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um processo social que tem lugar explícita ou implicitamente numa

comunidade de prática com outros alunos” (1994, p. 56).

O que se percebe nesses argumentos é que, para o nosso

sociólogo do currículo, a conectividade na organização do currículo

por módulos não se refere a um modelo determinado de currículo,

mas, sim, à maneira como os objetivos curriculares de uma formação

são expressos em todas as suas atividades e à maneira como essas

atividades são reunidas para articular e apoiar os objetivos de cada

um dos alunos. Ressalta, assim, a interdependência entre todo o

currículo de uma escola e os elementos que a compõem: programas

disciplinares e profissionalizantes, apoio ao aluno, orientação etc., e

como argumenta conclusivamente Young (2000, p. 134), “nas suas

relações com desenvolvimentos mais amplos dentro da sociedade.”

2 CURRÍCULO EM REDE, HIPERTExTUAL E EDUCAçãO on-line

A chegada das tecnologias da informação e da comunicação

nos cenários educacionais obriga, de alguma forma, o campo do

currículo e as práticas curriculares a entrarem no mérito das possíveis

mediações estruturantes que essas tecnologias podem implementar,

e mesmo, na natureza do contexto cultural e sociopolítico que

produzem: a cibercultura.

Potencializadoras de novas/outras maneiras de se estruturar

o currículo, as chamadas TICs, representam hoje um desafio que

vão além do tecnológico quando são transferidas para educação

ou produzidas neste cenário social. Incitam problemáticas éticas,

políticas, epistemológicas e pedagógico-curriculares. Como com

qualquer contexto técnico, é necessário refletir as ambivalências que

crivam o seu uso socioeducacional. Até porque, avanço técnico não

significa necessariamente avanço social, tampouco educacional.

É fato, nesse mesmo contexto, que essas tecnologias

apontam para soluções interessantes e potencialidades significativas

quando se pensa na democratização da educação e na diversidade

de configurações e modos de relação com o conhecimento, numa

realidade sociotécnica que nos desafia, vinda principalmente do

mundo do trabalho, da produção, da cultura, e mesmo das novas

configurações da (in)formação e da comunicação propriamente ditas.

Para não dizer, do “oferecimento” aos educadores de possibilidades

inovadores e relevantes jeitos de se lidar com o aprendizado, em

várias e simultâneas linguagens conectadas, que acabam por ampliar

100 Módulo 4 I Volume 2 EAD

Currículo | Propostas curriculares contemporâneas II

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a compreensão da realidade que vivemos, pautada e muito, num

mundo digitalizado, veloz e cada vez mais enraizado em um misto

de redes virtuais e presenciais. Potencializa-se uma interatividade de

ampla conectividade, o que alarga os níveis de contato e, portanto,

de possibilidades (in)formativas.

Diante de tanta proximidade com a diferença, a aprendizagem

com o outro é enriquecida de forma significativa. É aqui que

curriculogistas como Santos nos demanda a construção de um

currículo em rede:

Diante do paradoxo entre a natureza do ciberespaço, rede, e as produções lineares encontradas no mesmo, torna-se urgente discutir outras dimensões de comu-nicação para que novas ações sejam materializadas, sobretudo no campo do currículo e da educação. Um currículo em rede precisa ser instituído. A rede tem centros instáveis, configurados por compromissos técnicos, estéticos e políticos. Seus elementos circu-lam e se deslocam de acordo com as necessidades e problematizações dos sujeitos. Dessa forma, tanto professores quanto estudantes pode ser autores e co-autores de mensagens abertas e contextualizadas pela diferença das suas singularidades [...] O que importa nessa complexa rede de relações é a garan-tia da produção de sentido, da autoria dos sujeitos coletivos...O currículo em rede exige a comunicação interativa onde saber e fazer transcendam as separa-ções burocráticas que compartimentalizam a autoria , quem elabora, quem ministra, quem tira as dúvi-das e quem administra o processo da aprendizagem (2005, p. 25).

É necessário pontuar, entretanto, que o trabalho pedagógico

curricular com a metáfora da rede não implica apenas no trabalho

com os dispositivos digitais. A rede é um potencial humano, hoje

diferencialmente realçado pelas TICs.

É no trabalho com redes de saberes desenvolvido pela

pesquisadora Nilda Alves, que vamos verificar a ideia de que a tessitura

do conhecimento em rede aprofunda a discussão inicial das esferas de

formação. É assim que a noção de conhecimento em rede introduz um

novo referencial, a prática social, na qual o conhecimento praticado é

tecido por contatos múltiplos. O conhecimento cotidiano é tecido por

meio de táticas de uso do já existente, seguindo o caminho de certa

improvisação (ALVES, 1998). Em contexto, múltiplas subjetividades

se encontram e sujeitos cotidianos tecem seus conhecimentos a partir

das diversas redes que pertencem. Essas inspirações são, em muito,

pautadas nas obras de Boaventura de Souza Santos, Henri Lefèbvre

Como consequência da forma interfaceada des-ses dispositivos, os atos de currículo emergiriam: disponibilizando possi-bilidades de múltiplas experimentações, de múltiplas expressões; disponibilizando uma montagem de conexões em rede que permite múltiplas ocorrências; formulando situações; arquitetando percursos; mobilizando a experi-ência do conhecimento; construindo uma rede e não uma rota; ofere-cendo ocasião de engen-dramentos, de agencia-mentos; estimulando a intervenção dos alunos como co-autores da construção do conheci-mento e da comunicação (SANTOS, 2005, p. 31).

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e Michel de Certeau.

Dessa forma Ramal nos fala: “Rede: eis a metáfora e a

inspiração possível de um novo diagrama curricular. A rede que

captura, e que ampara, que distribui e abastece, canaliza e entrelaça,

transmite e comunica, interliga e acolhe” (RAMAL, 2002, p. 186).

Temos, por outro lado, que tomar cuidado com o discurso que

enaltece um currículo em rede, afirmando a ausência de hierarquia,

é como se o poder não fizesse parte das relações com o saber.

Cuidemos dessas simplificações que acabam por ofuscar a concretude

das relações que se estabelecem nas práticas curriculares com o

conhecimento e a formação.

Inspirando-nos em Santos (2005, p. 126), a rede possibilita

dialogar num cenário polifônico ampliado. Múltiplas linguagens

confluem para uma formação que disponibiliza a pluralidade de forma

rápida e em tempo real. Santos (2005, p. 134), quando enfatiza a

multivocalidade, nos diz que o hipertexto precisa contemplar uma

pluralidade de pontos de vista acerca dos temas abordados. Conclui

a autora: “Quanto mais diversidade e referências diferentes mais

possibilidades terá o participante da formação de construir seu próprio

ponto de vista” (SANTOS 2005, p. 138)

A tese de doutorado dessa autora é uma pesquisa-formação

que mostra um exemplo prático de uma formação em pesquisa de

educadores, usando um currículo hipertextual, a partir da criação

de um AVA – ambiente virtual de aprendizagem – concebido como

dispositivo formativo.

A formação e, portanto, o currículo – seu principal organizador

- são preocupações que devem ancorar as disponibilidades e

dispositivos tecnológicos e inovações pedagógicas sempre lembrando

que a técnica nos meios educacionais está orientada por perspectivas

ideológicas, mesmo que implicitamente.

Por concluir, nos parece importante vislumbrar a necessidade de

não mais cairmos na tentação da excessiva e impositiva modelização,

tão cara aos meios educacionais e acadêmicos, sempre movidos

pelas práticas da busca de soluções pedagógicas isoladas. A saída

educacional é a lembrança fundante de que a educação é uma prática

social, comprometida com a dignidade da formação e, deve, por

esses princípios, filtrar política e eticamente as proposições, modelos

de inovação e avanços técnicos.

As tecnologias não são meras ferramentas transpar-entes; elas não se deixam usar de qualquer modo: são em última análise a materialização da raciona-lidade de uma certa cultura e de um ‘modelo global

Quanto a um currículo vi-vido como um hipertexto, potencializado pela ciber-cultura, configura-se como uma significativa abertura para uma formação mul-tirreferencializada na me-dida em que o hipertexto é concebido como uma inter-relação de vários textos ou narrativas.

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Currículo | Propostas curriculares contemporâneas II

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de organização do poder’. É possível, contudo, uma reconfiguração, uma reapropriação, se não como es-tratégia, pelo menos como tática (MARTIN-BARBE-RO, 1997, p. 256).

Questionamos proposições curriculares que se apresentam

como vias únicas. Desconfiamos sempre das vias únicas não-dialógicas,

na medida que os cenários educacionais foram e sempre serão plurais,

heterogêneos, temporais e, portanto, produzem problemas vários.

Michel Serres vem nos dizendo que nós humanos produzimos a

diferença. Nestes termos, a perspectiva multirreferencial nos sinaliza

para uma orientação curricular capaz de fazer face ao que mais

assombra os sistemas educacionais e os atos de currículo: o trabalho

pedagógico diferenciado com as diferenças, visando uma educação

de condições e oportunidades iguais. A rejeição das vias únicas não

significa que algumas vias não deixem de representar escolhas que

se apresentam como mais relevantes em determinados momentos

históricos, como, por exemplo, a luta inspirada de alguns sistemas

de ideias que se orientam por, pelas e para as justiças curriculares.

A cibercultura deve ser, portanto, mais um conjunto de

referências, com as quais as práticas curriculares devem contar

para realizar a sua mais árdua e importante tarefa, a de organizar e

implementar a formação do Ser-cidadão.

Por todos os ângulos, devemos evitar nos meios educacionais

os Prometeus técnicos, acadêmicos ou de qualquer natureza. Eles

nunca cumprem o que prometem, aliás, nunca cumprirão, pois as

reduções que cultivam são parcialidades em si.

3 O CURRÍCULO POR CICLOS DE FORMAçãO

Partimos da premissa de que o tempo que, predominantemente,

organiza a formação na escola é um tempo de significado autoritário

e reduzido a uma certa reprodução cronológica. É um tempo que

joga contra a singularidade, a itinerância-errância do aprender e a

inventividade, por consequência. Não é um tempo que possibilita

o processo de autonomização de quem aprende e forma-se. É um

tempo-controle que intensifica a burocratização do aprendizado e

facilita a alienação no desejo do outro instituído, ou melhor, do Estado-

controlador. Essa temporalidade dificulta a emergência dos tempos

heterogêneos, vividos, negociados, portanto do trabalho democrático

e responsabilizado com os tempos humanos e institucionais. Nega-

se de forma policialesca o direito ao tempo para o devaneio, como

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nos provoca Bachelard. Trivializa-se e rotinariza-se o tempo, fabrica-

se o tédio da repetição e planta-se o beijo da morte no tempo que

se necessita para nutrir/oxigenar a aprendizagem do exercício da

construção de espíritos improgramáveis.

É complexificar a temporalidade demonstrando seu caráter

irreversível e reiterativo. O que se percebe nesta perspectiva é uma

temporalidade marcadamente mais rica, múltipla. Podemos falar

de uma politemporalidade onde se vinculam repetição, progresso

e degradação. O pensamento complexo afronta a complexidade do

tempo; entendemos que não existe apenas o tempo de duas flechas,

mas também o tempo que pode ser simultaneamente irreversível e

reiterativo (MACEDO, 2002).

Os tempos subjetivos costumam estar inscritos de forma

rígida no tempo das instituições. É tomando a complexidade dessa

temporalidade que Assmann (2000) propõe que o tempo institucional

deveria estar sempre a serviço de um clima institucional que estimule

a sincronização entre tempos cronológicos e tempos vivenciados.

Segundo Assmann, a criação de condições de aprendizagem requer

que temporalidade institucional seja colocada em função da produção

de tempo vivo, ou seja, a serviço de um tempo que se revele fecundo

para a construção do conhecimento e para alentar a sensação do

aluno/as e docentes de que eles efetivamente se encontram inscritos

num tempo pedagógico. A preocupação do autor vai ao encontro do

fato de que a dimensão temporal do processo de aprendizagem não

se refere apenas ao tempo cronológico, mas a uma pluralidade de

tempos que, literalmente, estão em jogo no cotidiano da vivência

curricular. Sabendo-se que a vida não se desprende do tempo,

compreendemos que o tempo humano está inscrito na duração. Ele

existe mediante o devir e não é redutível a fragmentos separáveis.

Para Borba, as pedagogias normativas instituem um tempo que

causa impacto, angústia e inquietude nos professores e alunos. No

entanto, a transposição pedagógica, e diversas pesquisas comprovam

isso, não se dá no mesmo tempo para cada aluno. Há o aluno que,

uma vez ensinada a matéria, a apreende na hora; há o aluno que a

apreende uma semana depois e há o aluno que só depois exclama:

Ah! o que o professor queria dizer era isso! (BORBA, 2004).

O que Borba quer ressaltar é que o ato complexo de aprender

passa pela compreensão da temporalidade e nela a historicidade de

cada um. Borba se pauta nas elaborações de Ardoino e Castoriadis na

medida em que esses autores entendem que a alteração, finalidade de

toda educação, é um processo de mudança que ocorre dentro de uma

duração. “A alteração (grifo nosso) é um processo de mudança, de

O currículo e a aula, como atos de currícu-lo, precisam incorpo-rar intercriticamente os tempos culturais que se atualizam nesses cená-rios, como referências que orientam e confi-guram o aprendizado, bem como precisam começar a repensar o automatismo, a linea-rização e a rigidez com que pleiteiam os tem-pos humanos e o tra-balho pedagógico com eles nas instituições de formação.

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Currículo | Propostas curriculares contemporâneas II

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criação – no tempo – do que ainda não é no processo de hominização-

formação, estamos sempre num movimento mutante dentro da

temporalidade”, conclui Borba (2004, p.51). É assim que o indivíduo,

em formação, forma-se com tudo aquilo que sua historicidade/

temporalidade traz de importante para orientá-lo e referenciá-lo. É

assim que entra e convive com os outros numa sala de aula.

Por que e para que o currículo faz desses tempos diversos

algo de pouca importância? Parece-nos uma questão desveladora em

termos socioculturais e políticos, porquanto aponta para uma porção

autoritária e alienante do currículo expresso e oculto.

É nestes termos que, em nome das errâncias criativas

necessárias a uma digna qualificação via os processos formativos, a

aula, como ato de currículo, poderia construir uma experiência temporal

rica, não carcerária, onde responsabilização e autonomização não se

colocassem como coisas incomunicáveis, mas presenças dialógicas

necessárias nas construções instituídas e instituintes dos tempos do

ensinaraprender.

No seio dessa perspectiva é que surgem as propostas dos

currículos por ciclo de aprendizagem e formação. Para Lima (2002 p.

9), o ciclo de formação é uma concepção que rompe com os modelos

internalizados de aprendizagem:

É uma concepção que está ligada a um projeto de educação que valoriza a formação global humana e que está fortemente corroborada, hoje, pela pesqui-sa em neurociência. [...] Educação por ciclos de formação é uma orga-nização do tempo escolar de forma a se adequar melhor às características biológicas e culturais do desenvolvimento de todos os alunos. Não significa, portanto, ‘dar mais tempo aos fracos’, mas, antes disso, é dar o tempo adequado a todos.A ideia de ciclo confere ao aprender o que ele é: um trabalho com conteúdos do assim chamado conheci-mento formal, simultaneamente ao desenvolvimento de sistemas expressivos e simbólicos, à formação (aquisição, transformação e reformulação) de for-mas de atividade humana que levam à construção do conhecimento e à possibilidade de, realmente, se trabalhar em nível da transformação das funções psicológicas superiores, que se dá pela introdução e pelo processo de construção de significação de novos instrumentos culturais (LIMA, 2002 p. 9-10).

Tomando o currículo instituído, este, predominantemente, é

concebido de forma cronológica, levando em conta os dias do ano.

Há uma quantidade de dias a ser cumprida e, nesta quantidade,

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enquadra-se uma quantidade de conteúdos. É o calendário que

organiza temporalmente currículo. No caso dos ciclos de formação,

estes levam em conta a característica biológica e cultural dos

seres humanos aprenderem no tempo. Esses tempos/períodos são

variáveis, como é heterogênea as formas biológicas e culturais dos

humanos aprenderem.

Em termos operacionais podemos verificar como as várias

experiências de formação por ciclos se organizam, onde os tempos

de aprendizagem mais longos, flexíveis, articulados e orientados

pelas características culturais dos alunos e seus contextos é a

experiência mais encontrada. Não deve haver um modelo, mas uma

decisão curricular que, pautada em inspirações exitosas com os ciclos

(já existem várias no mundo e em municípios brasileiros), permita

que a comunidade educativa implicada defina como seus ciclos de

formação irão se organizar para gestão do aprendizado em todas as

suas expressões.

A perspectiva do ciclo de formação é contrária à padronização

e à homogeneização de conhecimentos. Nestes termos os professores

precisariam atender aos ritmos, estilos e tempos diferentes de

aprendizagem e, também, às experiências dos alunos, não como

desvios, mas como facetas de uma realidade que merece ser conhecida,

considerada e analisada no coletivo, para o estabelecimento de

relações com o conhecimento e com a própria escola. Assim, esse

processo estruturante de aprendizagem enfatiza a associação entre o

conteúdo escolar, a idade de formação e as vivências próprias de cada

idade (DALBEN, 2006, p. 75-76).

No que concerne à avaliação na experiência da aprendizagem

nos ciclos de formação, Perrenoud (2004, p. 24) nos fala da necessidade

de propor a cada aluno a itinerância mais fecunda para ele, de modo

a otimizar o uso do tempo. A avaliação, portanto, tem um único e

grande compromisso: a formação. A avaliação passa a ter, dessa

forma, uma perspectiva sistêmica, não isolada, vinculada ao sujeito

humano aprendente, sem desprezar suas implicações institucionais.

4 A AULA COMO ATOS DE SUjEITOS DO CURRÍCULO E ACONTECIMENTO MULTIRREFERENCIAL

4.1 Cenário plural

A aula, como um cenário socialmente importante para a

As ideias de Lima estão pautadas principalmen-te nos trabalhos de Henri Wallon e no seu já conhe-cido Plano para a edu-cação francesa, o “Plano Langevin-Wallon”. Para Wallon não é um tempo cronológico instituído que deve nortear um currícu-lo e uma formação, mas a cultura e a história bio-lógica e cultural onde o desenvolvimento psicos-social do ser em aprendi-zagem se realiza.

Esse ensaio foi original-mente apresentado no XIII ENDIPE, Recife, 2006.

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Currículo | Propostas curriculares contemporâneas II

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formação, configura um microcosmo complexo, onde acontece grande

parte dos determinantes da qualidade dos processos e produtos

educacionais da sociedade contemporânea.

Se o fenômeno da aprendizagem é conceituado como um

fenômeno que se realiza nas relações que estabelecemos com os

saberes, o conhecimento e as pessoas, na sala de aula essa constatação

se transforma numa realidade extremamente significativa. É na

qualidade das relações estabelecidas na aula com os conhecimentos,

os professores e os alunos que podemos fazer desse cenário um lugar

qualificador dos processos de formação.

Sabemos que a edificação de princípios educativos norteadores

do ensino não esgotam a análise da complexidade do espaço sala

de aula. Entretanto eles trazem contribuições muito importantes

para que esse cenário se constitua num lugar privilegiado de uma

educação de qualidade e conectado com os desafios formativos do

mundo contemporâneo, que descobre ainda com dificuldades, que é

a riqueza da heterogeneidade humana que deve também redesenhar

um novo humanismo como processo civilizatório via a educação, por

exemplo.

Inspirando-nos em Bruner (2003), compreendemos que uma

educação culturalmente plural e mutualista, intercultural, portanto

consiste em que a aula seja repensada na direção de uma comunidade

de discentes recíprocos. Tais comunidades não reduzem o papel do

professor nem sua especificidade. O professor recebe, através da

mediação que exercita em relação ao conhecimento, a função de

narrar experiências, de encorajar e provocar os alunos a partilharem

a autonomia.

Assim como o narrador onisciente desapareceu da ficção

moderna, também o professor onisciente desaparecerá da escola

do futuro. Mesmo que sejamos a única espécie que “ensina

propositadamente” e “fora do contexto de uso”, tal não significa que

tenhamos de transformar este passo evolutivo em amuleto (BRUNER,

1996, p. 43).

4.2 Sala de aula e diversidade

Uma das situações mais comuns a ser encontrada no trato

com a sala de aula é a diversidade com que nossos cenários de

aprendizagem são constituídos. Em qualquer situação educativa,

o corpo discente é composto de alunos advindos de famílias com

situações financeiras diferenciadas, com múltiplas opções religiosas,

A aula é um contexto vivo situado numa cultura mais ampla. Diríamos que a sala de aula constrói e vive um conjunto de sentidos irrigados por veias cultu-rais advindas de diversas nascentes sociais. Isso vai implicar na construção de culturas escolares que operem como comunida-des mútuas de alunos, na contribuição de todos para o processo educativo. É assim que as escolas pas-sariam a ser um lugar da práxis formativa via o mu-tualismo cultural.

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com expectativas socioculturais diferentes, com hábitos inerentes à

sua educação inicial etc.

Isso vem caracterizar algo que a escola, os currículos e os

professores sabem relativamente, mas nunca se prepararam para

confluir de forma sistemática e interativa suas atitudes pedagógicas

visando conseguir um ensino de qualidade na diversidade. Ou seja,

que os conteúdos trabalhados em sala de aula sejam articulados por

um processo dialógico cada vez mais interativo com as realidades

vividas pelos alunos e seus anseios formativos.

Homogeneizar o ensino sempre foi o objetivo da escola única,

com viés de massificação, imaginando que a diferença que nossos

alunos trazem para sala de aula não faz diferença, são, portanto

pouco importantes. Em realidade, a invenção da escola única como

um ato de solidariedade social, não soube articular seus ideários com

o desenvolvimento de dispositivos pedagógicos que acolhessem e

trabalhassem com a diferença.

A própria forma com que o jovem visualiza o mundo - em

geral, diferentemente dos adultos, na medida em que vive sua

especificidade existencial - até como cultiva suas culturas juvenis,

dependendo dos seus gostos e de suas influências regionais, até

mesmo as expectativas que nutrem (formativa, econômica, política,

sexual etc.), nos obriga a imaginar um ensino-aprendizagem fincado

no princípio de que nós aprendemos trazendo para sala de aula nossas

diferenças individuais e sócio-culturais que, pelo trabalho pedagógico

do professor, devem ser articuladas criticamente com os saberes e

tecnologias necessários à sua formação, apresentados pelo currículo

instituído.

Ao entrar numa sala de aula, o aluno não deixa suas

referências individuais e socioculturais nos seus nascedouros ou

nos corredores da escola, ele traz consigo sua bagagem de valores

e crenças, com os quais vai se desenvolvendo, se modificando, se

aperfeiçoando. Cabe ao professor, na edificação da sua aula, dialogar autenticamente com essas diferenças, criar meios de mobilizá-las para

implementar o aprendizado, no qual o princípio didático fundamental

é se aproximar o máximo possível das cosmovisões dos alunos, não

para aceitá-las passivamente, mas trabalhar ativamente com elas,

com todos os recursos que a educação contemporânea pode fornecer

para educarmos na diversidade. Afinal, a riqueza humana é a sua

diversidade e a educação, principalmente, não pode desprezá-la, mas

potencializá-la, ética e politicamente, cada vez mais, através dos seus

recursos pedagógicos comunicantes e relacionais.

Ademais, como nos recomenda Bruner (1996), é preciso

Podemos verificar o quan-to o mundo cultural da ju-ventude pode nos ajudar a lançar mão de recursos didáticos para irmos ao encontro das suas dife-renças, respeitando-as, convivendo com elas e aprendendo com elas, na medida em que possibili-tem uma formação pau-tada em práticas morais dignificantes.

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instaurar nos cenários educativos a emergência da narrativa como

constituição de seres que falam e argumentam, que constroem pontos

de vista, “definem situações” como concebem os interacionistas

simbólicos, como seres conceituais, enfim. Para o autor é através,

sobretudo, das nossas narrativas que “construímos uma versão de

nós mesmos no mundo” (1996, p. 14), e é através da sua narrativa

que a cultura oferece modelos de identidade e de ação aos seus

membros.

5 CENáRIO PROPOSITIVO

Parece-nos importante considerar, no cenário da enxurrada

de inovações pedagógico-curriculares com as quais convivemos nos

meios educacionais, que perspectivas e dispositivos curriculares não

devem ser considerados uma solução de via única, como estamos

insistindo em explicitar em vários momentos destes textos.

Avaliamos como significativo conviver com as amplas

possibilidades de perspectivas e dispositivos curriculares, filtrando-

as criticamente, até porque podemos melhor nos preparar para a

diversidade que se intensifica em termos de demandas da organização

da formação. O problema é que nos acostumamos a buscar

a-criticamente o novo pronto para aplicarmos. Essa disposição, quase

fórmula, uma verdadeira gramática do senso comum educacional,

uma bula sem interpretação, não mais se sustenta. Há saturação,

descrédito, diríamos mesmo resistência, por alguns setores politizados

da educação – e esse segmento se amplia sobremaneira – diante

das soluções fáceis e aligeiradas que chegam aos meios educacionais

como remédios pedagógicos universais e salvacionistas.

Um currículo de dignidade social e formativa necessita de

novos sujeitos do conhecimento, históricos e democráticos, que

filtrem política e pedagogicamente aquilo que a ciência e a tecnologia

se nos oferece como subsídio para a formação, como interpretações

abstratas e mirabolantes, invenções eficazes, soluções fantásticas,

realizações rápidas e perfeitamente generalizáveis. Que esses

novos sujeitos históricos mudem intercriticamente essa percepção,

conformado em simplificações modelizadas, é o que pretendemos,

como um argumento ideológico fundante dessas nossas elaborações.

6 O qUE é UM CURRÍCULO EDUCATIVO

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Um currículo educativo é algo que da nossa perspectiva,

vai ao encontro de uma formação que se configure não apenas em

termos de implicações didático-pedagógicas eficazes, mas de algo

que aponte para uma significativa preocupação com os compromissos

sociais, portanto ético-políticos, que devem permear o currículo, sua

concepção e prática. Entendemos que a perspectiva aqui cultivada,

de uma educação que se amplia para além da instrução, vai significar

uma confluência com nossas inspirações a respeito de um currículo

mutualista que deve responsabilizar-se em educar. Não basta, assim,

transmitir os conteúdos curriculares previstos. É falar também de um

lugar opcionado e de uma perspectiva de formação e de sociedade

que têm a justiça e o bem comum sociais como norteadores políticos

e éticos inelimináveis; como um esforço contínuo de construção de

cidadania repensada por novos/outros sujeitos democráticos, novos/

outros sujeitos históricos, caracterizados pela vontade de interferência

irrestrita nas coisas da educação para dignidade cidadã. Está no

campo de uma luta que tem face, cor e jeito, até porque não existe o

educativo como construção pedagógica e social neutras, imparciais.

O educativo é sempre opcionado e referenciado, aí está o campo da

luta político-curricular contemporânea.

Esses princípios e atitudes devem inspirar um currículo

de rigorosa responsabilidade democrática com o aprendizado da

formação e mediador de plurais e justas possibilidades formativas,

para que tenha dignidade socioeducativa.

Maior interatividade, autonomia e flexibilidade ao pleitear o

sujeito que aprende, são as bases dos modelos curriculares por módulo,

online e por ciclos de formação. No primeiro os módulos acabam por

criar uma flexibilização pautada na capacidade do formando fazer a

gestão da sua própria formação. No currículo online, as tecnologias da

informação e da comunicação permitem o trabalho de aprendizagem

do formando a partir de uma intensa interatividade em tempo

real da aprendizagem, assim como a disponibilidade de interfaces

tecnológicas caracterizadas pela capacidade integrativa, propositiva

e estruturante dessas tecnologias. No caso do currículo por ciclos

de formação, o que se pretende é pleitear a diversidade dos tempos

de aprendizagem e educacionais, na medida em que dependendo de

cada contexto o tempo é vivido e organizado de forma diferente,

bem como em face da constatação e da compreensão de que os

seres humanos não aprendem num tempo igual. As temporalidades

humanas e sua pluralidade passam ser aqui a preocupação central.

No caminho das preocupa-ções que atravessam este texto, entendemos que, para efetivarmos esse projeto solidarista e politi-camente implicado de um currículo educativo, faz-se necessário, nos preparar-mos para entrar no mérito da concepção e organiza-ção das formações e isso significa compreender his-tórica, epistemológica, po-lítica, ética, cultural e pe-dagogicamente o que seja o currículo, ampliando sua concepção para além da organização de conheci-mentos e atividades para se ensinar e se aprender de forma eficaz; ou para além de um mero media-dor de experiências espe-taculares e fugazes, mui-tas vezes irresponsáveis, em relação aos saberes e os conhecimentos social-mente relevantes.

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ATIVIDADES

1. Quais as principais características de um currículo por módulos

de aprendizagem?

2. Quais os fundamentos e como se praticaria um currículo em

rede, um currículo hipertextual e um currículo online?

3. O que justifica um currículo por ciclo de formação? Comente

uma experiência concreta, entrevistando educadores que

experimentaram esse modelo, bem como analise uma proposta

concreta.

4. Estabeleça, a partir do texto, relações entre a aula e o currículo.

5. Como você compreendeu a ideia de atos de currículo, levando

em conta o contexto das práticas curriculares?

LEITURAS COMPLEMENTARESMACEDO, R. S. Currículo: campo, conceito e pesquisa. Petrópolis:

Vozes, 2008.

LIMA, E. S. Ciclos de Formação. Uma reorganização do tempo

escolar. São Paulo: Editora Sobradinho, 2002.

FILMES RECOMENDADOS

quase Deuses – dirigido por Joseph Sargent, o filme se desenrola a

partir de cenário dos anos 1930 nos Estados Unidos, tomando como

base a história real de Viven Thomas, negro, ajudante de laboratório e

cirurgia, que sonhava um dia ser um médico e Alfred Blabock, branco,

médico, conceituado titular de uma cadeira de cirurgia cardíaca.

Viven, a partir da experiência constituída, se forma e se revela ao

lado de Blabock, extremamente habilidoso e criativo na condução

das cirurgias realizadas pela dupla, em situações as mais sensíveis

ATIVIDADES

LEITURA COMPLEMENTAR

FILME RECOMENDADO

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e decisivas desta prática médica. Por outro lado, a sua condição de

negro e pobre, o coloca sempre em situação de não reconhecimento

e anonimato, diferente de Blabock, que mesmo percebendo as

injustiças, percebia a condição de Viven de forma naturalizada. Trata-

se de um filme denso de possibilidades reflexivas sobre processos

curriculares e de formação pela experiência, sobre mecanismos

institucionais pelos quais a experiência é desperdiçada, o mundo do

trabalho é desprivilegiado, e como ao lado disso, funcionam formas

de preconceito e alijamentos, muitas vezes em opacidade, como

demonstram as várias maneiras em que nossos currículos ocultos

atuam e naturalizam/coisificam a formação.

A onda – com direção de Dennis Gansel, o filme narra como um

professor, ao realizar simulações com seus alunos, como uma forma

de atualizar o currículo escolar, expressa como o facismo cria e executa

seus dispositivos e ações. Sem princípios explicitativos, orientações

éticas e políticas capazes de barrar seus comportamentos, os alunos

começam a propagar o poder da ideologia facista e o professor

não mais consegue barrá-los. Trata-se de um contexto curricular

e formativo onde podemos encontrar aquilo que Hanna Arendt

denunciara levando em conta o contexto da Alemanha dos anos 1940,

ou seja, “a despolitização da sociedade alemã” no que concerne aos

princípios mais profundos da Bildung (formação).

Documentário “Pro Dia Nascer Feliz” – realizado por João

Jardim, trata-se de um documentário inteligente e sensível sobre as

contradições da situação educacional brasileira.

SITE RECOMENDADOjDjFMSDVhttp://www.curriculosemfronteiras.org/

http://www.globalcurriculum.net/pt/curriculo/

SITE RECOMENDADO

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Currículo | Propostas curriculares contemporâneas II

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REFERÊNCIAS

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________, Idéias Contemporâneas: entrevistas do Le Monde. Tradução de Maria Lúcia Blumer, São Paulo: Ática, 1984, p. 17-25.

BORBA, S. “A Linguagem do Tempo nas Situações Educativas”. In: Educação e Linguagem, número 9, 2004, p. 45-54.

BRUNER, J. Cultura da Educação. Tradução de Abílio Queirós. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003.

MORIN, E. Cultura de massas no século xx. Necrose. Tradução de Agenor Soares Santos. São Paulo: Forense, 1999.

NÓVOA, A.“Currículo e Docência: a pessoa, a partilha , a prudência”. In: GONSLAVES, E.; PEREIRA, M.; CARVALHO, M. Currículo e Contemporaneidade: questões emergentes. São Paulo: Alínea, 2004, p. 18-29.

BORDENAVE, J.; PEREIRA, A. Estratégias de ensino-aprendizagem. Petrópolis: Vozes, 1982.

DALBEN, A. I. L. “Ciclos de formação na Escola Plural: a experiência do município de Belo Horizonte”. In: MALAVAZI, M.; BERTAGNA, R.; FREITAS, L. C. Avaliação: desafio dos novos tempos. Campinas: Editora Komedi, p. 67-85.

FREITAS, L. C. “Neotecnicismo e formação do educador”. In: ALVES, N. (Org.). Formação de professores: Pensar e fazer. São Paulo: Cortez, 2002, p. 89-102.

REFERÊNCIAS

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LAVE, J.; WENGLER, E. Situeted learning: Legitimate peripheral participation. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.

LIMA, E. S. Ciclos de Formação. Uma reorganização do tempo escolar. São Paulo: Editora Sobradinho, 2002.

MACEDO, R. S. A etnopesquisa crítica e multirreferencial nas ciências humanas e na educação. Salvador: EDUFBA, 2000.

_____________, Chrysallís. Currículo e complexidade. A perspectiva crítico-multirreferencial e o currículo contemporâneo. Salvador: EDUFBA, 2002.

_____________, Atos de currículo. Educação intercrítica como práxis identitária. (no prelo).

_____________, Etnopesquisa Crítica, Etnopesquisa-formação. Coleção Pesquisa n. 15, Brasília: Líber Livro, 2006.

MARTIN-BARBERO, J. Dos meios às mediações. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997.

_______________, Os ciclos de aprendizagem. Um caminho para combater o fracasso escolar. Tradução de Patrícia Reuillard. Porto Alegre: Artmed, 2004.

RAMAL, A. C. Educação na cibercultura. Hipertextualidade, leitura, escrita e aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2002.

SANTOS, E. de O. “Educação online: cibercultura e pesquisa-formação na prática docente”. Tese de Doutorado. PPGE-FACED/UFBA, 2005, 293 p.

YOUNG, M. O currículo do futuro. Da nova sociologia da educação a uma teoria crítica do aprendizado. Tradução de Roberto Leal Ferreira.

Campinas: Papirus, 2000.

114 Módulo 4 I Volume 2 EAD

Currículo | Propostas curriculares contemporâneas II

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Suas anotações

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