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PEDAGOGIA DA RESISTÊNCIA CULTURAL: Um pensar a educação a partir da realidade campesina 1 . Prof. Claudemiro Godoy do Nascimento 2 Da Terra tão seca já brotou uma flor afagando prantos e gritos de dor Correntes se quebram as cercas tombando; uma nova era da história brotando. (...) Mãos se entrelaçam na luta por pão repartindo a terra da libertação. Regada com sangue com prantos de dor. Silêncio se quebra num grito de amor. (Canto popular da CEBs – Manelão de Conceição Araguaia – PA) Introdução Este trabalho pretende abordar as representações simbólicas existentes no universo dos camponeses/as da região de Goiás, bem como, a luta pela terra e a construção de uma alternativa de educação rural a partir da Pedagogia da Pedagogia da Alternância, a chamada Escola Família Agrícola (EFAs). A Pedagogia da Alternância é uma proposta diferenciada e alternativa que se constitui no universo pedagógico como sendo uma pedagogia da resistência cultural em relação à forte hegemonia neoliberal presente na educação brasileira, principalmente, a partir da década de 90 em diante. 1 Texto apresentado no VIII Encontro Regional de Geografia (EREGEO) na Cidade de Goiás em 27/10/2003. 2 Filósofo e Teólogo. Especialização em Ciências da Religião/UCG. Mestrando em Educação/Unicamp. Membro do GEMDEC/Unicamp. Professor-Pesquisador da Universidade Estadual de Goiás – UEG. Coordenador do Grupo de Estudos Movimentos Sociais, Educação e Cidadania (GEMEC) na Universidade Estadual de Goiás. Assessor de Formação do Sindicato dos Trabalhadores da Educação do Estado de Goiás (SINTEGO). Membro/Assessor do Movimento de Educação de Base – MEB e Assessor das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Assessora as Escolas Famílias Agrícolas do Centro-Oeste e Tocantins.

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PEDAGOGIA DA RESISTNCIA CULTURAL: Um Pensar A Educao A Partir Da Realidade Campesina

PEDAGOGIA DA RESISTNCIA CULTURAL: Um pensar a educao a partir da realidade campesina.

Prof. Claudemiro Godoy do Nascimento

Da Terra to seca j brotou uma flor afagando prantos e gritos de dor

Correntes se quebram as cercas tombando; uma nova era da histria brotando.

(...) Mos se entrelaam na luta por po repartindo a terra da libertao. Regada com sangue com prantos de dor. Silncio se quebra num grito de amor.

(Canto popular da CEBs Manelo de Conceio Araguaia PA)

Introduo

Este trabalho pretende abordar as representaes simblicas existentes no universo dos camponeses/as da regio de Gois, bem como, a luta pela terra e a construo de uma alternativa de educao rural a partir da Pedagogia da Pedagogia da Alternncia, a chamada Escola Famlia Agrcola (EFAs). A Pedagogia da Alternncia uma proposta diferenciada e alternativa que se constitui no universo pedaggico como sendo uma pedagogia da resistncia cultural em relao forte hegemonia neoliberal presente na educao brasileira, principalmente, a partir da dcada de 90 em diante.

Assim como outras formas de resistncia cultural existentes no meio rural brasileiro, as mais de 200 EFAs espalhadas pelo Brasil (entre elas a EFA de Gois) caminham na contramo da histria da educao dominante. Busca-se atender nas EFAs as reais necessidade e emergncias educacionais dos filhos/as de camponeses/as onde todo o processo parte da realidade do educando/a a fim de que se possa construir uma educao realmente condizente com o mundo no qual esto inseridos.

Alternncia significa o processo de ensino-aprendizagem que acontece em espaos e territrios diferenciados e alternados. O primeiro o espao familiar e a comunidade de origem (realidade); em segundo, a escola onde o educando/a partilha os diversos saberes que possui com os outros atores/as e reflete-se sobre eles em base cientficas (reflexo); e, por fim, retorna-se a famlia e a comunidade a fim de continuar a prxis (prtica + teoria) seja na comunidade, na propriedade (atividades de tcnicas agrcolas) ou na insero em determinados movimentos sociais.

A abordagem de texto divide-se em trs partes. A primeira, que ter a inteno de repensar a problemtica e a realidade da educao rural em tempos de excluso e de marginalizao com os pobres da terra. A segunda, mostrar-se- a luta que se formou no Brasil na dcada de 90 a fim de pensar e repensar a educao rural. Neste sentido, construiu-se alguns frum e conferncias de debate onde se formou a Articulao Nacional Por Uma Educao Bsica do Campo que constituda por movimentos sociais do campo e entidades de classes que esto ligadas ao mundo campesino. E, por fim, se mostrar as EFAs e sua Pedagogia da Alternncia como forte resistncia cultural pedaggica educao oferecida pelas polticas neoliberais baseadas em categorias como programas, projetos e parcerias. Utilizar-se- referncias tericos como Arroyo (1999), Brando (1985), Caldart (1997), Freire (1987) e Gohn (2001).

1. A Problemtica da educao no meio rural brasileiro

A situao da educao no meio rural brasileiro sempre foi tratada com descaso pelas oligrquias rurais que se constituram como fora hegemnica na sociedade desde as Capitanias Hereditrias como bem aborda Silva (1996) e Martins (1975). No se pode negar uma dura realidade de excluso historicamente formada pelas classes dominantes ligadas ao meio rural. Neste sentido, torna-se necessrio desvendar as representaes simblicas de cunho ideolgico que foi se formando na conscincia dos camponses/as onde a educao foi vista como um processo desnecessrio para aqueles/as que estavam emergidos num mundo onde ler, escrever, pensar e refletir no tinha nenhuma utilidade e serventia. Assim, trabalhar na roa, criar cultura a partir do manejo com a terra, estar inteiramente ligado ao ecossistema do mundo campesino, era condio sine qua non para no se ter acessibilidade ao mundo do conhecimento.

Mesmo com a no possibilidade da educao formal estar acessvel ao mundo dos camponeses/as no se pode afirmar jamais que no havia processos de educaes acontecendo, formando-se. Como afirma Caldart (2000) a educao muito mais que escola. Por isso, mesmo privados da educao escolar, os camponeses/as realizavam processos de educao a partir da vivncia diria, dos ethos, dos costumes, hbitos, das festas, da memria, enfim, a educao acontecia a partir da cultura, pois o Homem um ser cultural que cria e recria a natureza e a prpria histria.

A excluso e a desigualdade social so palavras que refletem atitudes similares por parte de quem as pratica e, por parte, daqueles que sofrem suas conseqncias. Os camponeses/as fazem parte deste processo marginal criado pela ideologia dominante que criou determinadas representaes simblicas na conscincia destas populaes rurais a fim de minimiz-las e atrel-las ao poder de classe. Para isso, utilizou-se sempre arqutipos onde a figura do homem e da mulher campesina eram (se ainda no so?) os atrasados, os fora de lugar (Wanderley, 1997), os Jeca Tatus (Martins, 1975).

O tema bem complexo. Mas, pode-se perceber que a lgica mercantilista utilizada primeiro pelos portugueses e os missionrios defensores da f crist para adestrar e domesticar os povos indgenas tinha uma finalidade no somente em faz-los novos cristos convertidos ao catolicismo, bem como, utilizar sua mo-de-obra como uma espcie de explorao trabalhista j que o Deus a quem obedecia pregava determinados valores que favoreciam os interesses europeus. A educao brasileira, desde o princpio, deteve-se em valorizar os interesses da classe dominante que pensavam o mundo a partir da lgica do lucro e no a partir da lgica comunal. Estes fatores penetraram no universo simblico das pessoas excludas que aceitavam e ainda aceitam, passivamente, com que os detentores do poder tenham o poder de decidir o que pensar, para que pensar, como pensar e o por que pensar a cultura, a educao e todas as atividades por eles, excludos/as, desenvolvidas. As relaes sempre foram construdas a partir de uma viso unilateral entre o urbano-rural, entre o senhor (proprietrio) e o escravo, criando uma forte dependncia de classes, ou seja, os camponeses/as na dependncia dos coronis ligados ao ruralismo brasileiro.

A lgica mercantilista dos primeiros portugueses, depois dos bandeirantes que visavam o enriquecimento atravs da minerao em solo alheio e, por fim, com as grandes extenses territoriais nas mos de poucos, foi se criando uma mentalidade capitalista o que caracterizou um modelo de desenvolvimento desigual e um processo de excluso que se evidenciou, para os camponeses/as, no xodo rural. Dois perodos marcam o xodo rural no Brasil, que so: o primeiro, com a Lei de Terras de 1850 que serviu para impedir com que os pobres e, em 1888, os negros libertados tivessem acesso a terra o que originou uma grande massificao e o surgimento das primeiras periferias nas cidades como Rio de Janeiro, So Paulo, Salvador, So Lus e Recife; o segundo momento se deu na dcada de 50 e 60 com o famoso mito do desenvolvimento econmico. Baseando-se na categoria do progresso e no desenvolvimento scio-econmico do pas, buscou-se nos interiores a mo-de-obra to necessria para a construo civil (como por exemplo a construo de Braslia), as indstrias e o comrcio. Muitos/as desembarcaram nas grandes cidades provenientes do sul e do norte, mas, principalmente, do nordeste brasileiro com o sonho de melhorar as perspectivas de vida, j que no campo as condies eram subumanas porque o sistema de agricultura se baseava no paradigma patronal e capitalista onde s sobrevive os que tm grandes extenses de terra. Este capitalismo chamado por alguns de selvagem gerou conseqncias para o homem e mulher provenientes do campo.

Diante do xodo realizado por milhes de famlias, evidenciou-se o seguinte problema na sociedade brasileiro: a concentrao da propriedade da terra e da renda nas mos de uma minoria pertencente oligarquia rural (LISITA, 1992), a violenta concentrao urbana sem planejamento, o crescimento acelerado do desemprego e do subemprego, a intensificao da violncia e o fator determinante desta nova cultura foi o crescimento do narcotrfico como alternativa de vida para a juventude sem sonhos e perspectivas e a forte tendncia maliciosa de se caracterizar o urbano como superior ao rural.

Portanto, a educao oferecida s minorias, entre elas, os camponeses/as sempre esteve fora das agendas polticas o que evidencia sua marginalizao e excluso. Sempre se teve uma viso utilitarista da educao rural reduzida escolinha da roa, isolada, pronta a ensinar as primeiras letras com uma cartilha elaborada pelos tecnocratas educacionais a servio da classe dominante numa classe multiseriada. At pouco tempo no se tinha nenhuma poltica pblica educacional que viesse abranger a realidade scio-campesina.

Com a aprovao do texto final da LDB (Lei n. 9.294/96) a educao rural ganhou um artigo especial que deveria ser transformado nas diversas realidades. Reza o texto do Art. 28:

Na oferta de educao bsica para a populao rural, os sistemas de ensino promovero as adaptaes necessrias sua adequao s peculiaridades da vida rural e de cada regio, especialmente:

I contedos curriculares e metodologias apropriadas s reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural;

II organizao escolar prpria, incluindo adequao do calendrio escolar s fases do ciclo agrcola e s condies climticas;

III adequao natureza do trabalho na zona rural. O Art. 28 da LDB apresenta um tom limitado. O primeiro problema a ser detectado refere-se concepo de educao reduzida escola. O discurso da LDB limita a educao aos espaos do Muro escolar, ou seja, se a criana/adolescente/jovem est dentro dos muros um ser que aprende j se estiver fora dele estar condenado a um processo de deseducaco.No meio rural existem representaes simblicas incutidas na memria coletiva das comunidades que deveriam ser respeitadas e entendidas como processos de construo de saberes cuja forma est, intrinsecamente, associada educao. No texto apresenta-se somente a oferta de educao bsica, ou seja, ensino fundamental e ensino mdio. O problema se encontra no fato de que depois da municipalizao do ensino fundamental houve uma espcie de ruptura das aes conjuntas entre Estado, agora responsvel pelo ensino mdio, e o municpio. Assim, com a municipalizao do ensino fundamental fica mais claro o processo de extino das escolas no campo. As Secretarias Municipais de Educao preferem transportar as crianas e adolescentes para a cidade do que criar e pensar uma poltica educacional que venha fixar a criana em seu meio para assim assimilar os valores, a memria e a cultura da qual pertence. Com a municipalizao a velha prtica de adestramento e domesticao retorna como catequizao forada para impedir com que os camponeses/as criem uma identidade cultural de classe. A cidade se tornou o lugar prspero e almejado pelas crianas e adolescentes dos assentamentos, das comunidades rurais em geral. Por que? Porque a pedagogia escolar urbana, bancarista e adestradora que apresenta a cidade como algo supremo. J o meninos e meninas do meio rural vo aos poucos se desligando do universo simblico cultural ao qual pertenciam e passam a assimilar os valores obtidos na escola da cidade, criam novas concepes e adotam novas posturas em relao mundo campons. O problema no est na municipalizao do ensino fundamental, mas, na falta de polticas educacionais condizentes com a realidade desses filhos/as do campo que perdem a identidade e passam a negar a luta pela terra e a prpria cultura existente em seu universo. Mesmo as escolas que ainda se encontram no meio rural apresentam uma pedagogia escolar voltada a identificar a cidade como algo superior.

Por fim, a realidade da educao rural muito mais complexa do que se pensa. Grandes ndices de analfabetismo, a falta de valorizao de um magistrio (corpo docente) que tenha realmente ligao com o meio rural e a realidade campesina. E, quando se fala em falta de valorizao refere-se s aberraes salariais existentes e falta de polticas educacionais voltadas para a formao de professores/as. Esta a realidade que se mostrou historicamente constituda. Ver-se-, ento, as prticas de educao que esto na contramo da histria dominante contradizendo as velhas e ultrapassadas prticas, hoje hegemnicas a partir do neoliberalismo na educao, das classes dominantes que sempre pensaram que tipo de educao oferecer-se-ia aos pobres e miserveis, uma forma de torn-los presos a coleira, obedientes, submissos, humildes e prestativos nas horas necessrias.

2. Uma contra-hegemnia em ao

A partir da dcada de 90 em diante foi se criando aos poucos grupos de reflexo acerca desta problemtica j apresentada. Sabe-se que desde os anos 60, com a Educao Popular, teve-se alguns avanos na busca por uma melhor conscientizao poltica a respeito da educao oferecida aos povos do campo. Por isso, precisa-se entender que os movimentos sociais do campo tiveram uma grande importncia neste cenrio.

Em toda e qualquer sociedade humana histrica sempre se teve processos contra-hegemnicos que resistem a determinadas imposies por parte da classe dominante. A partir da dcada de 90 comeou-se a se pensar numa resistncia concretamente constituda por meio de debates, conferncias e fruns que viessem ser um espao da sociedade civil em estar trocando experincias e buscando novas alternativas para os problemas mais agravantes do meio rural e a educao a ela inserida.

Alguns movimentos sociais e organizaes no-governamentais (ONGs) esto rompendo com a viso unilateral construda ao longo desses 500 anos. Nos movimentos de resistncia cultural os camponeses/as assumem uma outra dimenso. Tornam-se sujeitos histricos de uma nova ordem que se baseia em trs princpios bsicos: a solidariedade, a partilha e a luta. Tais movimentos ainda sobrevivem diante da avalanche de questionamentos realizadas pela mdia e pelo marketing governamental a fim de desqualific-los. O desenvolvimento tema importante de debates, mas, numa outra direo. A direo dada ao processo de construo do desenvolvimento se faz a parti da dimenso da sustentabilidade da agricultura familiar com polticas pblicas voltadas para a segurana alimentar, bem como a efetivao da reforma agrria como condio emergente para a eliminao dos latifndios. Alm disso, se prev o apoio e estmulo aos pequenos agricultores/as para que possam em conjunto construir polticas que venham determinar a transformao social no meio rural, dentre estas, a problemtica da educao.

O Encontro Nacional dos Educadores/as da Reforma Agrria (ENERAs) foram o primeiro espao constitudo pelos movimentos sociais e sindicais do campo como: MST, CONTAG, CPT e outros. Estes encontros sempre foram apoiados por ONGs e por organismos ligados a Igreja Catlica (CNBB) e aos Protestantes histricos (p. ex: Luteranos) e organizaes ligadas a ONU como o caso da FAO, UNESCO e UNICEF.

Com os encontros surgiu-se a idia de formar uma equipe de articulao nacional que viesse envolver os vrios setores das entidades ligadas a luta pela Reforma Agrria que, tambm, pensassem uma Conferncia onde as discusses gerariam em torno da educao do campo (Nascimento, 2002). Surge assim, a Articulao Nacional Por Uma Educao Bsica do Campo, tendo como entidades promotoras a CNBB, o MST, a Unicef, a Unesco e a UnB atravs do Grupo de Trabalho e Apoio Reforma Agrria (GTRA). Realizou-se em 1998, a I Conferncia Nacional Por uma Educao Bsica do Campo, na cidade de Luzinia GO. Hoje, j se est preparando a 4 Conferncia que um espao para se pensar as prticas, as conquistas, os limites e avanos encontros nas realidades campesinas.

Muitas experincias alternativas foram sendo descobertas e trazidas a pblico a partir deste espao de debates. As experincias do MAB (Movimento dos Atingidos pelas Barragens), do prprio MST com as escolas de assentamentos e as escolas itinerantes que se fazem presente nos acampamentos, do MOC (Movimento de Organizao Comunitria) presentes na Bahia, o MEB (Movimento de Educao de Base) importante na dcada de 60 e 70 e, hoje, continua desenvolvendo atividades junto aos povos da floresta e no serto nordestino com a proposta de alfabetizao de adultos tanto no Norte e Nordeste brasileiro. Enfim, os prprios movimentos sociais e sindicais do campo que lutam pela posse da terra constroem processos permanentes de educao popular e no-formal por meio de encontros, conferncias, debates, fruns, marchas, romarias e cursos de capacitao para os camponeses/as.

Comprova-se assim, um processo contra-hegemnico, um sistema vivo que se faz presente nas comunidades. Por um lado, sabe-se que de uns tempos para c houve um enorme refluxo destas prticas educativas, por outro, percebe-se o ressurgimento de movimentos sociais do campo que esto construindo a histria, a memria e a educao a partir das experincias de lutas e a partir da conscientizao como ato de libertao desse cativeiro imposto pela hegemonia neoliberal que apresenta o deus mercado como nica via, nica alternativa.

Por isso, pensar a educao significa assumir trs compromissos bsicos: um compromisso tico/moral com a pessoa humana desumanizada historicamente; um compromisso com a interveno social e educar, neste sentido, significa intervir para transformar as realidades de excluso pedaggicas to freqentes nos municpios e estados da federao; e, por ltimo, um compromisso com a cultura camponesa em suas diversas facetas, seja para resgat-la, seja para recri-la, bem como, para conserv-la.

3. A Pedagogia da Alternncia: uma proposta pedaggica de resistncia cultural

Dentre as vrias formas de resistncia cultural ativa existem os CEFFAs (Centros de Formao Familiares em Alternncia) que compreendem, no Brasil, trs experincias significativas, que so: as EFAs (Escolas Famlias Agrcolas), as CFR (Casas Familiares Rurais) e as ECR (Escolas Comunitrias Rurais) que esto unidas em torno de uma mesma pedagogia, a saber: a Pedagogia da Alternncia.

A Pedagogia da Alternncia surge na Frana em 1935 a partir do encontro de um agricultor com um padre que veio a se comover com a falta de condies dos jovens e crianas da roa em poderem estudar j que o Estado no tinha poltica pblica voltado para esta especificidade. Ocorreu que se pensou em formar uma escola que viesse ligar o trabalho, a vida e a cultura do campo com o conhecimento cientfico e escolar. Com isso, nasce a Pedagogia da Alternncia que como o prprio nome j diz, alterna-se os dias famlia e propriedade e os dias escola e aprendizado. Une-se assim dois universos que at hoje esto separados e antagonizados pelos tecnocratas das secretarias de educao que pensam o sistema de ensino. O universo do trabalho, da famlia, da comunidade, da prtica, dos costumes, da realidade, do ethos e da moral local com o universo do conhecimento, da cincia, da teoria.

No Brasil, a Pedagogia da Alternncia se torna realidade a partir de 1969 no Esprito Santo. Assim, h mais de 30 anos se trabalha essa Pedagogia de Resistncia Cultural e, hoje, j se encontra presente em mais de 200 estados do Brasil como mais de 200 centros de formao em alternncia.

Em Gois, a primeira experincia nasceu em 1992 com a fundao da Escola Famlia Agrcola de Gois EFAGO e, posteriormente, em 1998 com a fundao da Escola Famlia Agrcola de Orizona.

As principais caractersticas das EFAs so: a responsabilidade das famlias na gesto; a alternncia dos perodos entre o meio de vida scio-profissional e a Casa Familiar; a vida dos alunos/as em pequenos grupos e em internatos; uma equipe de formadores/as; uma pedagogia adaptada. As EFAs querem proporcionar aos jovens do meio rural uma possibilidade de educao a partir da sua realidade, da sua vida familiar e comunitria e das suas atividades. Isto feito procurando desencadear junto aos jovens um processo de reflexo e ao que possa transformar essa mesma realidade.

Por isso, as EFAs comprometem as famlias e as comunidades na educao dos jovens, incentivam o esprito comunitrio (a prpria etapa de alternncia em que os jovens permanecem na Escola um exerccio de convivncia comunitria), provoca a tomada de conscincia da necessidade e exigncia da formao permanente, proporcionando a descoberta de que o maior aprendizado acontece na prpria vida e que a Escola precisa ser um espao integrado e no distante e alheio a ela. Com isso, as EFAs pretendem formar lideranas para o meio rural, contribuindo para a diminuio do empobrecimento da populao rural e, assim, diminuir o xodo rural.

Pode-se conferir trabalho de Nascimento (2003) e Queirz (1997) onde se mostra que a EFAGO surgiu para atender as necessidades dos assentados/as e pequenos proprietrios de terra em proporcionar aos seus filhos/as uma educao que respondesse aos interesses, desafios e demandas de expectativas dos agricultores/as familiares que lutam pela permanncia na terra. Um dado preocupante nestes ltimos anos diz respeito aos assentados/as desta respectiva regio que esto vendendo suas terras porque no possuem meios para permanecer nela. Falta conscientizao, mas, alm disso, faltam recursos, crdito, financiamento, alternativas de renda e capacitao dos agricultores/as. Neste sentido, a EFAGO pode estar contribuindo para transformar este quadro desesperanoso na qual se encontram os assentados/as da regio de Gois.

O objetivo das EFAs proporcionar aos jovens do meio rural uma educao a partir da sua realidade, da sua vida familiar e comunitria e das suas atividades. Isso faz se possvel atravs da Pedagogia da Alternncia. Esse projeto educativo contribui para uma experincia pessoal, proporcionando uma base de informao, partindo sempre do concreto para o abstrato (mtodo indutivo), do prtico para o terico, do contexto scio-poltico, econmico e cultural, do local para o global. O partir da realidade no significa apenas mtodo entre as quatro paredes das Escolas, mas uma opo poltica, um compromisso de transformao do meio e da sociedade como um todo.

Concluso

Os problemas e os processos de educao que esto acontecendo como forma de resistncia pedaggica cultural simbolizam que um movimento se constri a fim de minimizar as investidas de hegemonia dominante que se baseia no lucro, na eficcia, nos discursos da qualidade total e na busca pelo capital. Hoje, para ser necessrio ter. Ter acesso ao mercado, ao consumo, ao status. Isto significa que o homem se reduziu ao poder de compra. A educao uma forma de se conseguir alcanar tais objetivos sinistros.

As resistncias no significam que se quer o antagnico dessa hegemonia em prtica, mas, a busca por uma sociedade mais justa, fraterna e humanizada. Apesar que tais termos sejam usados como verbetes pelo lado oposto das resistncias. O importante perceber que existem alternativas de educao acontecendo. E aqui entende educao no somente como espao escolar mas como prticas de transformao e de recriao da cultura (Gohn, 2001 e Nascimento, 2003). A resposta mais adequada que se poderia dar para a existncia desses movimentos contra-hegemnicos seria a partir do questionamento levantado no ltimo Frum Social Mundial: Um outro mundo possvel?Bibliografia

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Texto apresentado no VIII Encontro Regional de Geografia (EREGEO) na Cidade de Gois em 27/10/2003.

Filsofo e Telogo. Especializao em Cincias da Religio/UCG. Mestrando em Educao/Unicamp. Membro do GEMDEC/Unicamp. Professor-Pesquisador da Universidade Estadual de Gois UEG. Coordenador do Grupo de Estudos Movimentos Sociais, Educao e Cidadania (GEMEC) na Universidade Estadual de Gois. Assessor de Formao do Sindicato dos Trabalhadores da Educao do Estado de Gois (SINTEGO). Membro/Assessor do Movimento de Educao de Base MEB e Assessor das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Assessora as Escolas Famlias Agrcolas do Centro-Oeste e Tocantins.

Procura-se recriar o termo campons como categoria de resistncia cultural atual hegemonia de discriminao adotada pelas polticas neoliberais. Entende-se portanto como camponeses/as um conjunto de trabalhadores/as que habitam uma determinada e concreta realidade camponesa. Pode-se denominar camponeses/as os seguintes atores/as: quilombolas, indgenas, pescadores/as, caiaras, caboclos, bia-frias, seringueiros, povos da floresta, caipiras, pees, lavradores/as, posseiros/as, sem terra, roceiros/as, sertanejos/as, mineradores/as, acampados/as, assentados/as e outros tantos.

Quando h resistncia por parte dos camponeses/as em relao a lgica do mandonismo realizado pelas oligarquias rurais do Brasil, os mesmos enfrentam vrios tipos de violncia, seja a fsica, como as que ocorreram no Pontal do Paranapanema, Eldorado dos Carajs e Corumbiara. A lgica moralista destas oligarquias locais se evidencia por meio do poder coercitivo e o poder de direito. O poder coercitivo se mostra por meio da contrao de guarda-costas ou mais conhecidos como jagunos que so espcies de ces de guardas, armados com rifles a espera de camponeses/as que so os seus alvos prediletos. J o poder de direito exercido quando determinadas oligarquias detm o poder local de controle sobre o judicirio que coloca a polcia a disposio para salvaguardar suas propriedades.

O que podemos perceber aqui uma antiga concepo epistemolgica a respeito da teoria do conhecimento. Parece que as idias de Plato e de Descartes penetraram profundamente na formao do ethos ocidental. Dividiu-se o mundo das idias, hoje a escola, e o mundo sensvel, aquilo que pertence ao senso comum. Dividiu-se o conhecimento cientfico e o conhecimento popular. O primeiro se sobrepe ao outro como superior, absoluto e desta.

Isto ficou evidente no contato que tive com os alunos/as da Escola Famlia Agrcola de Gois e com os alunos/as que vem estudar na cidade nas escolas municipais ou estaduais. Por causa da pedagogia adotada vo aos poucos criando um sentimento de vergonha de suas condies de assentados/as, posseiros/as e passam a negar. Quando escrevem o local onde residem mostram com orgulho: Fazenda tal ou Stio tal... quase nunca se v Projeto de Assentamento da Reforma Agrria tal.

Um processo de refluxo se deu nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) que tinham um trabalho de conscientizao popular a partir de uma leitura teolgica voltada para atender as reais necessidades e urgncias das comunidades. Nas CEBs sempre houve a ligao entre f e vida, vida e f. Os problemas das comunidades tinham uma resposta a partir do processo prtico que se fizesse da teoria bblica que se aplicava de forma dialtica na vida das pessoas. Com a hegemonia neoliberal e o retorno das classes dominantes para dentro da Igreja Catlica iniciou-se um processo de irracionalismo e fundamentalismo religioso em busca do transcendente fidesta a partir de prticas que vieram negar todo o processo de luta, de construo de comunidades participantes e se construiu um sentimento de averso ao poltico, s experincias de humanizao e ao lado das discusses sociais. Neste sentido, pode-se conferir os trabalhos de Comblin (1996).

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