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Universidade de Aveiro Departamento de Biologia 2018 Pedro Miguel da Arte Xávega, Alterações Climáticas Silva Ferreira e a Comunidade Piscatória de Espinho

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Universidade de Aveiro Departamento de Biologia 2018

Pedro Miguel da Arte Xávega, Alterações Climáticas

Silva Ferreira e a Comunidade Piscatória de Espinho

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DECLARAÇÃO

Declaro que este relatório é integralmente da minha autoria,

estando devidamente referenciadas as fontes e obras consultadas,

bem como identificadas de modo claro as citações dessas obras.

Não contém, por isso, qualquer tipo de plágio quer de textos

publicados, qualquer que seja o meio dessa publicação, incluindo

meios eletrónicos, quer de trabalhos académicos.

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Universidade de Aveiro Departamento de Biologia 2018

Pedro Miguel da Arte Xávega, Alterações Climáticas

Silva Ferreira e a Comunidade Piscatória de Espinho

Dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para

cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do

grau de Mestre em Biologia Aplicada, realizada sob a

orientação científica do Professor Doutor Ulisses Manuel

de Miranda Azeiteiro, Professor Associado com

Agregação e coorientação científica do Doutor Joaquim

Pedro Ferreira, equiparado a investigador auxiliar,

Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro.

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"Existem três tipos de homens: os mortos, os vivos e os que andam no mar."

Platão

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o júri

presidente Prof. Doutor Amadeu Mortágua Velho da Maia Soares

Professor Catedrático da Universidade de Aveiro (Presidente)

Prof. Doutor Ulisses Manuel de Miranda Azeiteiro

Professor Associado com Agregação da Universidade de Aveiro (Orientador)

Prof. Doutor Mário Jorge Verde Pereira

Professor Auxiliar da Universidade de Aveiro (Vogal)

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agradecimentos

Primeiramente, agradeço ao Professor Doutor Ulisses Manuel de

Miranda Azeiteiro, meu orientador, que me acompanhou e orientou

durante todo este tempo. Foi uma jornada que não teria sido tão

frutífera caso o meu professor orientador não respeitasse a minha

individualidade, em primeiro lugar como ser humano e em segundo

lugar como estudante. Mas felizmente tudo isso foi respeitado, porque

afinal de contas, eu não acredito na educação das massas. Acredito

na formação do indivíduo. Não se pode esperar que todos os

estudantes saibam trepar árvores, porque nem todos somos como os

orangotangos ou chimpanzés, existem muitas aves e peixes por esse

mundo fora, que não sabem trepar, mas cumprem as suas metas

voando e nadando. Espero que este raciocínio zoológico tenha

permitido explicar da melhor forma a importância do respeito pela

individualidade, o qual durante todo este ano me foi proporcionado pelo

meu orientador e, como tal, merece este meu primeiro agradecimento.

Um obrigado, também, ao Professor Doutor Joaquim Pedro

Ferreira pela disponibilidade demonstrada e pelo interesse que

apresentou perante o meu trabalho. Pelas horas que passou comigo a

aperfeiçoar, do ponto de vista técnico, o meu documentário tem a

minha sincera gratidão e muito me honra uma pessoa com a

experiência que tem no cinema científico, ter estado humildemente ao

meu lado.

Uma saudação cordial ao Departamento de Biologia da

Universidade de Aveiro, por me ter permitido executar de forma

diferente esta dissertação. Podiam-me ter mandado para o laboratório,

como a alguns dos meus colegas, mas permitiram-me seguir esta

estratégia menos convencional e, como não poderia deixar de ser,

agradeço profundamente.

Agradeço ao meu pai pela paciência que tem comigo, à minha

mãe, pelo amor incondicional, à minha irmã Sara, pela ajuda que me

deu na realização do documentário e pelo seu olhar oceânico que

deambula pacificamente pelas fotografias da vida e ao seu namorado

Joel, pelo carinho com que me trata.

Às minhas tias, tios e primos, obrigado. Obrigado pela boa

energia e pela amabilidade com que sempre me trataram e pelo vosso

apoio nos bons e maus momentos. Agradeço cordialmente não terem

desistido de mim.

Ao meu avô Delfim, que entre guerras coloniais em África e

trabalho árduo na Venezuela, me ensinou que a vida é um sopro e,

claro, ao meu avô Fernando, meu parceiro do crime, que entre um

cafezinho aqui e um cálice de vinho do Porto acolá, me ensinou que a

vida é simples e, como tal, merece ser vivida da forma mais simples

possível. À minha avó São e à minha avó Zé, sei que se estivessem

por estes lados, teriam orgulho em mim. Parte da pessoa que sou,

espelha-se em vocês.

Ao meu biólogo marinho e geólogo polar preferido – Afonso -,

pela inspiração, pelo amor que se perdeu, por me ensinar que amar a

natureza e os animais que o Planeta Terra tem, é amarmo-nos a nós

próprios e que me disse uma vez: “A pequena gota da tua lágrima, faz

parte de um oceano que se chama vida, e que te pede para o

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usufruíres, com todas as tuas virtudes e defeitos, para que este

universo se mantenha vivo e colorido…!”

Aos pescadores de Espinho, guerreiros do mar, que enfrentam

marés e mundos para conseguirem manter a tradição da Xávega, em

especial ao Sr. º Fernando Araújo, ao Sr. º António Rocha e ao Sr. º

José Barros. Obrigado pela confiança depositada em mim.

Ao meu colega Olegário Pereira pela informação científica

enviada. E, claro, ao Heitor Braga e à Andreia Setti pela sua dedicação

na leitura deste trabalho. Agradeço a vossa disponibilidade e o

interesse que demonstraram na leitura da minha dissertação. Ao meu

colega cineasta Ricardo Leite, o qual sempre se mostrou disponível

para me emprestar material técnico.

Por fim, quero agradecer a todos e todas que estiveram

presentes na projeção pública do meu filme, incluindo o Professor

Doutor Amadeu Mortágua e o Professor Doutor Mário Verde e,

também, às seguintes pessoas que de alguma forma contribuíram para

a execução desta dissertação e respetivo documentário: Dr. Pinto

Moreira (Presidente da Câmara Municipal de Espinho); Dr. Armando

Bouçon (Diretor do Museu Municipal de Espinho); Dr. Nuno Almeida

(Presidente da Junta de Freguesia de Anta); Catarina Lacerda

(jornalista e entrevistadora) e Eric Termeau (drone video maker).

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resumo

Este trabalho utiliza o documentário científico na comunicação das questões ambientais e

valorização das comunidades piscatórias tradicionais (pesca artesanal e de subsistência). O

documentário “Arte Xávega e a Ecologia dos Saberes” centra-se nas questões da Arte Xávega

e nos desafios que estas comunidades piscatórias enfrentam (alterações climáticas, poluição

marinha, destruição de habitats marinhos e costeiros e exploração não sustentável dos

biorrecursos, nomeadamente pesqueiros), centrando-se na Comunidade de Espinho (Norte de

Portugal). A realização do documentário “Arte Xávega e a Ecologia dos Saberes” é

concetualizado e desenvolvido com base num trabalho e metodologia de investigação qualitativa

(observação não participante e entrevistas semiestruturadas), valorizando os conhecimentos

tradicionais e locais e assumindo uma dimensão etnobiológica e etnoecológica.

palavras-chave Arte Xávega, Conhecimento Ecológico Local, Ecologia de Saberes,

Etnobiologia, Pescas, Pesca Artesanal, Alterações Globais, Espinho.

abstract

This work uses the scientific documentary in the communication of environmental issues and

appreciation of traditional fishing communities (artisanal and subsistence fishing). The

documentary "The Art of Xávega and the Ecology of Knowledge" focuses on the issues of Xávega

Art and the challenges these fishing communities face (climate change, marine pollution,

destruction of marine and coastal habitats and unsustainable exploitation of bio-resources,

notably fishing), concentrating on the Espinho Community (Northern Portugal). The realization of

the documentary "The Art of Xávega and the Ecology of Knowledge" is analyzed and developed

based on a qualitative research work and methodology (non-participant observation and semi

structured interviews), valuing traditional and local knowledge and assuming an ethno-biological

dimension.

Keywords Xávega Art, Local Ecological Knowledge, Ecology of Knowledge, Ethnobiology,

Fisheries, Artisanal Fishing, Global Changes, Espinho.

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Índice

Página

Agradecimentos…………………………………………..…….5

Resumo/Abstract……………………………………..………...7

I. Introdução……………………………………………………… 9

II. Raízes Históricas da Pesca …………………………………. 10

III. A Arte Xávega…………………………………..………………11

IV. Alterações Climáticas e Biologia das Pescas……………….13

V. Conhecimento Ecológico Local, Etnobiologia e

Sustentabilidade………………………………………….…….15

VI. O Documentário como instrumento de Divulgação e

Comunicação em Ambiente e Alterações Globais………..…17

VII. Área de Estudo…………………………………………………..21

VIII. Metodologia……………………………………………………....24

IX. Resultados e Discussão……………………………..………….26

X. Conclusão…………………………………………………..….…32

Bibliografia………………..……………………………………...33

Anexo I………………………………………………………..…..48

Anexo II………………………………………………………...….51

Anexo III…………………………………………………………...52

Anexo IV……………………………………………………………53

Anexo V…………………………………………………………….58

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I. Introdução

Esta dissertação intitulada “Arte Xávega, Alterações Climáticas e a Comunidade Piscatória de

Espinho”, realizada no âmbito do Mestrado em Biologia Aplicada, pretende ser um testemunho

deste tema visto de uma outra perspetiva, com um olhar diferente, o qual não é nem mais nem

menos importante do que outros olhares, mas sim uma abordagem igualmente necessária. O

que diferencia esta abordagem é o facto de se projetar sob a forma de um documentário

científico. Certamente, existem muitos documentários científicos sobre as Alterações Climáticas

e a Arte Xávega, todavia, o que diferencia este dos outros, é o facto de se concentrar numa

humilde comunidade piscatória localizada a sul de uma pequena cidade - Espinho. Esta

comunidade, afastada do centro citadino, e longe do turbilhão dos campeonatos de surf e dos

festivais de cinema, os quais são cada vez mais a imagem de marca desta cidade, vai passando

despercebida, ficando para trás uma memória de tempos mais altivos e prósperos, mas que

teima em não ser mais do que isso: uma memória. Uma memória que se esconde nos olhares

sofridos dos pescadores locais. Um olhar de incompreensão pela sua situação tão ingrata nos

dias, nos meses e nos anos, que se vão enrolando e desenrolando, como se fossem ondas umas

atrás das outras. Quando questionados o porquê da sua pobre situação, o porquê de haver pouco

peixe, o porquê de o clima estar desregulado, eles mandam-nos perguntar aos cientistas, mas

se lhes olharmos nos olhos, uma sabedoria de décadas de “faina” nas praias atlânticas, vem ao

de cima. É disto que este documentário “Arte Xávega e a Ecologia dos Saberes” foi à procura.

Os desafios das Alterações Climáticas à Arte Xávega são cada vez mais evidentes, pois

o peixe é cada vez menos na área de atuação da Xávega, e com a escassez vieram também as

restrições legislativas (Nacionais e Europeias). O clima é cada vez mais instável, o qual

destabiliza e desregula os calendários habituais de pesca. As alterações na linha costeira são

cada vez mais evidentes, assistindo-se ao recuo das praias, o que torna mais difícil a entrada

das embarcações no mar, pois o mar ataca a praia com tanta mais intensidade, quanto maior for

o seu efeito erosivo (daí a existência dos esporões na paisagem de Espinho, que é como se

fossem autênticas fortalezas marítimas, com o objetivo de defender a frente marítima espinhense

dos avanços do oceano). As Alterações Climáticas e os seus impactos na Arte Xávega são um

assunto que vai, portanto, ser desenvolvido nesta dissertação, antecedido pela definição e

contextualização histórica da mesma e ainda a descrição dos desafios que se colocam às

comunidades da Xávega.

Por fim, esta dissertação tem como intuito dar a conhecer o papel do documentário

científico nas questões ambientais, o que é, quais são os seus objetivos e porque é um

importante canal na divulgação da ciência. Tendo em conta o facto de termos feito um primeiro

Ciclo de Estudos em Cinema, achámos bastante pertinente o desafio de expor visualmente,

através de imagens em movimento, o tema das Alterações Climáticas e da Arte Xávega. Como

moramos na cidade de Espinho, a qual possui uma comunidade piscatória, também não houve

grandes dilemas em escolher com qual comunidade poderíamos trabalhar e documentar. Ainda

se ponderou se se poderia estender o documentário a outras comunidades das proximidades,

mas as coisas acabaram por fluir bastante bem em Espinho e o documentário concentrou-se,

portanto, apenas nesta comunidade. O que nos motivou na realização deste trabalho foi o facto

de se focar num assunto que está tão perto de nós e que pertence à história da nossa cidade.

Não se trata de abordar as Alterações Climáticas e das suas consequências a nível global. Ora,

ali acontece aquilo, acolá acontece aqueloutro. Não, é aqui. É aqui nesta cidade, onde nós

crescemos, que também se fazem sentir diretamente as consequências nefastas das Alterações

Climáticas. Como tal, enfrentámos o tema, enfrentámos a realidade e procurámos com esta

dissertação, acompanhada de um documentário científico, perceber e comunicar este fenómeno

para memória futura.

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II. Raízes Históricas da Pesca

De acordo com Dias et al. (2012) e Santos et al. (2012a), as raízes históricas de Portugal estão

intimamente ligadas às raízes históricas da pesca (pesca artesanal e comercial). A posição

geográfica de Portugal, que favorece o transporte de mercadorias via marítima para outras

geografias, contribui para esta ligação (Dias et al., 2012; Santos et al., 2012a).

Relativamente à época dos Descobrimentos, as pescas podem ser consideradas um dos

motivos expansionistas (Santos et al., 2012a). Contudo, assistiu-se nessa altura, a um

desenvolvimento da pesca comercial em detrimento da pesca artesanal (Santos et al., 2012a),

com a consequente diminuição dos pescadores artesanais, já que estes pescadores eram dos

mais informados e procurados para se juntarem à tripulação das grandes embarcações (Santos

et al., 2012a).

Os pescadores artesanais integraram a procura de riqueza e a descoberta de novos

territórios por explorar que caraterizaram esse período na nossa história (Santos et al., 2012a).

A influência destes movimentos de expansão territorial fez também com que se acentuasse a

construção de portos e estaleiros, aumentando-se e melhorando-se os portos que já existiam

(Santos et al., 21012a). O desenvolvimento da indústria naval fez com que a população

portuguesa deixasse o interior e se dirigisse para o litoral, procurando, claro, melhores condições

de vida (Medeiros, 2006; Santos et al., 2012a).

Na década de 80 do século passado, devido ao declínio da pesca longínqua e à

introdução de novos métodos mecanizados (tratores e guinchos para alagem das redes), a pesca

artesanal assume maior importância (Antunes, 2007). Contudo, a partir de 1986, ano em que

Portugal se torna membro efetivo da Comunidade Económica Europeia (obrigado a cumprir a

Política Comum das Pescas, ou seja, as quotas e os totais admissíveis de capturas e obrigado

a reduzir a dimensão e a estrutura da sua frota), acentua-se de novo a redução da atividade e

até abandono da pesca comercial e da pesca artesanal (Souto, 2003; Santos et al., 2012a). Ora,

isto acompanhado da redução da capacidade de capturas, levou a que milhares de pescadores

nacionais abandonassem a sua profissão, depreciando-se o setor pesqueiro que sempre foi um

fator preponderante no desenvolvimento de Portugal (Santos et al., 2012a)

Ao comparar-se o ano de 2003 com o período anterior a 1986, a pesca nacional

contabilizou uma redução em 50% (Dias, 2003; Santos et al., 2012a) que conjugada com a

estabilização do preço médio de venda em lota e menor volume de capturas traduziu-se em

menores ganhos para os pescadores, retraindo-se, desta forma, a setor pesqueiro (Santos et al.,

2012a).

A Pequena Pesca ou Pesca Artesanal, mesmo tendo pouco contributo para o PIB, tem

uma grande importância socioeconómica e cultural (Santos et al., 2012a). Nas palavras de

Viegas (2012) na “Pequena Pesca estão envolvidas categorias de valores intangíveis, como

sejam os valores cénicos únicos proporcionados pelas suas atividades diferenciadas; os diversos

saberes (saber-saber, saber-ser, saber-estar e saber-fazer); e a biodiversidade, considerada o

garante das condições de permanência da vida no planeta. Para salvaguardar estes valores

intrínsecos, os modelos de desenvolvimento aplicados à Pequena Pesca não se podem restringir

à componente económica, uma vez que estes valores são incomensuráveis.”

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III. A Arte Xávega

Figura 1. Particularidades da Arte Xávega: embarcações usadas na Arte Xávega; pescador remendando as redes de pesca; técnica de arrasto usada na Arte Xávega, onde se cerca uma determinada área junto à costa e saco de malha fina, onde se aprisiona o peixe (Fotografias capturadas na Praia dos Pescadores em Espinho). A palavra Xávega designa um aparelho de arrasto, o qual tem uma dimensão de 350 metros

(Santos, 2015). As redes de pesca são formadas por duas mangas e um saco, sendo que as

mangas de dividem em muros, os quais são comprados ou realizados pelos homens que

consertam as redes das companhas (Santos, 2015). Estes redeiros (Fig.1), unem os muros até

se conseguirem formar as redes com as dimensões propícias (Santos, 2015). Basicamente,

estes muros são bocados de rede os quais, de uma forma geral, se compram para no futuro se

juntarem até formar a rede em si (Santos, 2015). Desta forma, quando as redes vêm rompidas

do mar, estes homens cosem-nas, unindo-as, ficando outra vez apropriadas a irem mais uma

vez para o mar (Santos, 2015). De salientar que este é um cargo complicado e minucioso e,

como tal, poucos são capazes de executá-lo convenientemente (Santos, 2015). A malha de rede

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tem 7 muros, com as dimensões de 20, 22, 24, 26, 28, 30 e 32 mm, e o saco tem um tamanho

que se situa entre 15 e os 50 metros (Santos, 2015) (Fig.1). Chumbos, cortiça, cabos e boias de

sinalização (balizas) são, então, os acessórios que formam a rede de pesca (Santos, 2015) (Fig.

1). A dimensão das asas é de 380 metros e os cabos de alagem variam entre 2300 metros por

manga até 800 metros de comprimento (Santos, 2015). Os cabos são feitos de uma corda

grossa, os quais se enrolam em varais e as redes regularmente são de fio de nylon com boias,

apesar de também existirem de cabo flutuante (Fidalgo, 2005) (Fig.1). Finalmente, as redes são

então colocadas nos barcos, quando estão ainda na praia, de forma a que estas redes de pesca

sejam facilmente atiradas para o mar (Santos, 2015).

A Xávega começou por ser designada Xábaka, em árabe, nome dado às redes de arrasto

para terra que desencadeou, posteriormente, as palavras Jábega em castelhano e Xávega em

português (Marques, 2014). No território Português é documentada a sua existência desde o

século XV (Costa & Franca, 1984, 1985; Cabral et al., 2003; Marques, 2011). A Arte Xávega é

um dos mais antigos e característicos processos de pesca local (Santos et al., 2012a) e

tradicional, a qual se praticou um pouco por todo o litoral do Centro Norte de Portugal durante os

séculos XIX e XX (Pouseiro, 2005), continuando a verificar-se ainda no século XXI de uma forma

bastante discreta. Na Nazaré, por exemplo, a Arte Xávega não aguentou o apogeu da pesca

industrial e as medidas legislativas da União Europeia e foi sendo progressivamente abandonada

(Pouseiro, 2005). Em 1997, existiam em Portugal, cerca de 60 embarcações de Xávega,

distribuindo-se por dois setores da costa: o primeiro engloba a Costa da Caparica, a Fonte da

Telha e a Praia do Meco, o segundo setor entre Espinho e a Praia da Vieira, verificando-se o

desaparecimento quase total da Arte Xávega na costa algarvia (Marques, 2011).

Na atualidade, a Comissão de Acompanhamento da Pesca com Arte Xávega pretende

defender e alcançar melhores condições para os pescadores da Xávega e, como tal, propôs

várias medidas para a sua melhoria, como por exemplo a comercialização de exemplares

piscícolas abaixo do tamanho mínimo (Marques, 2014). Os pescadores defendem uma exceção,

a qual permita a venda do primeiro lance independentemente da dimensão, permitindo desta

forma reduzir a quantidade de peixe deixado no areal (Marques, 2014). Outra proposta consiste

na venda do carapau com tamanho mínimo entre os 12 e 14 cm, em lotes separados até ao limite

de 5%, sobre as quotas que Portugal tem direito anualmente (Santos, 2015). Esta Comissão de

Acompanhamento reivindica, de igual forma, que os motores dos barcos de Arte Xávega atinjam

100 Horse Power, pretendendo, ao mesmo tempo, o não pagamento de impostos no que diz

respeito ao combustível das embarcações e tratores (Marques, 2014).

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IV. Alterações Climáticas e Biologia das Pescas

“Climate change refers to a change in the state of the climate that can be identified (e.g., by

using statistical tests) by changes in the mean and/or the variability of its properties, and that

persists for an extended period, typically decades or longer. Climate change may be due to

natural internal processes or external forcings, or to persistent anthropogenic changes in the

composition of the atmosphere or in land use” IPCC - Intergovernmental Panel on Climate

Change (2007).

As Alterações Climáticas (AC) são resultantes direta ou indiretamente da dinâmica dos

processos internos naturais do sistema climático e/ou do seu forçamento externo (ação humana

continuada ou componente antropogénica das emissões de gases com efeito de estufa). Este

padrão de alteração tem vindo a acentuar-se desde o século XVIII, com a Revolução Industrial,

mas principalmente a partir da 2ª Guerra Mundial. Alguns fenómenos como o da acidificação dos

oceanos (Fabry et al., 2008) estão intimamente conectados às AC, tendo consequências

nefastas no equilíbrio dos ecossistemas e processos e serviços de ecossistema (Montheid et al.,

2007) comprometendo a capacidade de regeneração e resiliência dos sistemas ecológicos (e

socio-ecológicos).

Num curto período - menos de 10 anos – a componente antropogénica das AC

acrescenta apenas um pequeno incremento na variabilidade climática, quando comparadas com

a variabilidade normal do clima no Planeta Terra. Por exemplo, a variabilidade interanual da

temperatura da superfície do Mar do Norte está na ordem dos 2-3 ºC, enquanto o incremento da

temperatura resultante da vertente antropogénica está nos 0.02 ºC (IPCC, 2007). Todavia, é

preciso ter em atenção que apesar do ritmo das AC de teor antropogénico parecer lento de ano

para ano, é muito mais rápido quando comparado com as mudanças que se fizeram sentir

anteriormente, assistindo-se a valores acumulativos, os quais produzem uma diferença

significativa do estado “natural” do clima no planeta muito rapidamente (Brander, 2010, 2013;

Planque et al., 2010; Roessig et al., 2004; Pörtner & Peck, 2010).

Tanto as mudanças climáticas como a variabilidade climática ocorreram durante toda a

história da Humanidade e os sistemas naturais desenvolveram a capacidade de se adaptarem.

No entanto, dois fatores irão limitar a capacidade adaptativa no futuro: (i) a taxa das mudanças

climáticas futuras está prevista ser mais rápida do que mudanças naturais anteriores e (ii) a

resiliência das espécies e dos sistemas está a ser comprometida por pressões concorrentes,

incluindo a pesca (Planque et al., 2010), perda de biodiversidade (incluindo diversidade

genética), destruição de habitats, poluição, espécies introduzidas e invasivas e agentes

patogénicos (Brander, 2010).

As mudanças climáticas têm impactos diretos e indiretos sobre os stocks de peixe. Os

efeitos diretos atuam sobre a fisiologia e o comportamento e alteram o crescimento, capacidade

reprodutiva, mortalidade e distribuição (Roessig et al., 2004; Pörtner & Peck, 2010). Efeitos

indiretos alteram a produtividade, estrutura e composição dos ecossistemas marinhos, que os

peixes dependem para obtenção de alimento (Chevillot et al., 2017). No entanto, muitos outros

fatores, incluindo a pesca, as interações biológicas e os fatores ambientais não climáticos

também podem ter efeitos semelhantes e mesmo quando uma mudança é atribuída ao clima,

estes outros fatores devem também ser tidos em consideração (Brander, 2010).

Embora os conhecimentos sobre os processos pelos quais o clima e os fatores

ambientais, que afetam as populações piscícolas e os ecossistemas costeiros e marinhos,

estejam longe de estar completos, já se podem observar algumas mudanças em todos esses

níveis, as quais podem ser atribuídos com confiança às AC. Exemplos que se referem à

distribuição do zooplâncton e de populações de peixes planctívoras são particularmente

impressionantes, porque são mais rápidos do que as mudanças que ocorrem na fauna e flora

terrestres (Beaugrand et al., 2002; Brander, 2003; Parmesan & Yohe, 2003).

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A alteração dos padrões climáticos, dinâmica de nutrientes e produção primária (Gregg

et al., 2003; Chavez et al., 2011), produção secundária e stocks pesqueiros (Blanchard et al.,

2012) induzem grande variabilidade e incerteza naquela que já de si é a complexidade dos

cadeias tróficas marinhas, que vai desde a produção primária aos peixes, tornando difícil

estabelecer relações preditivas confiáveis (Brander, 2010; Britten et al., 2016), apontando,

contudo, para uma clara dependência entre as várias componentes do ecossistema marinho e

uma clara resposta às AC (Woodworth-Jefcoats et al., 2013). Os impactos nas cadeias

alimentares marinhas são visíveis e documentadas como sejam as grandes densidades de

plâncton gelatinoso (Daskalov, 2002; Primo et al., 2012; D'Ambrosio et al., 2016), e disrupção de

cadeias alimentares marinhas (Atkinson et al., 2004).

Para além das AC terem impactos nas produções primária e secundária dos

ecossistemas marinhos, como foi referido em cima, também se podem observar, ao mesmo

tempo, impactos sociais e económicos (socioeconómicos) resultantes da problemática associada

às AC (Braga, 2018; Viegas, 2014) Na verdade, flutuações nos stocks de peixe têm e terão

grandes consequências nas comunidades piscatórias que estão dependentes deste recurso,

conduzindo a uma cada vez maior vulnerabilidade (Brander, 2010; Pierce et al., 2012). A esta

situação acresce outros impactos das AC, poluição marinha, destruição de habitats marinhos e

costeiros e exploração não sustentável dos biorrecursos, nomeadamente marinhos (Visbeck,

2018). Neste contexto é premente a necessidade de que o conhecimento científico se dirija aos

desafios e necessidades societais e permita alcançar o definido na Agenda 2030,

nomeadamente no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 (Conservação e uso sustentável

dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável).

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V. Conhecimento Ecológico Local, Etnobiologia e Sustentabilidade

O conhecimento ecológico local (CEL) diz respeito aos conhecimentos, crenças, tradições,

práticas, instituições e visões mundiais, as quais são desenvolvidas e sustentadas por indígenas,

camponeses e comunidades locais na interação que têm com o seu ambiente biofísico (Toledo,

2002; Berkes, 2004). Disciplinas que vão desde a antropologia e etnobiologia até à ecologia e

etnoecologia, assim como os conceitos e quadros conceptuais de resiliência, têm demonstrado

que a contribuição do CEL melhora os meios de subsistência (McDade et al., 2007; Reyes-García

et al., 2008), contribui para a conservação da biodiversidade e dos serviços dos ecossistemas

(Gadgil et al., 1993; Reid et al., 2006) e, também, contribui para a construção de uma resiliência

socioecológica (Folke, 2004; Berkes & Davidson-Hunt, 2006; Ceuretick et al., 2011; Gómez-

Baggethun et al., 2012). O CEL constitui-se como uma importante ferramenta na definição de

estratégias na gestão dos recursos naturais, nomeadamente dos biorrecursos marinhos (Viegas,

2014; Braga et al., 2017a, b, 2018a).

Ao longo da história da Humanidade, este tipo de comunidades sempre manteve uma

relação estreita com as dinâmicas dos ecossistemas e, como tal, desenvolveram conhecimentos,

práticas e instituições de forma a responderem à variabilidade natural e assegurar os seus modos

de subsistência (Berkes et al., 2003). Dada a ligação e interfaces entre os sistemas ecológicos e

sociais, o CEL reforça a capacidade das sociedades para lidarem com a variabilidade ambiental

preservando os serviços dos ecossistemas, mesmo em condições de incerteza (vulnerabilidade)

e mudança (variabilidade) (Usher, 2000; Colding et al., 2002; Berkes, 2008).

O CEL, nas suas várias denominações e dimensionalidades, referidas por Delicado et

al. (2012:438) e revisitadas por Viegas et al. (2014) (“conhecimento ecológico tradicional”,

“conhecimento indígena”, “conhecimento local”, “conhecimento dos stakeholders” e

“conhecimento leigo”), constitui-se como conhecimentos do mundo da vida, construindo-se a

partir de experiência e adaptando-se às mudanças, feito de representações culturais e de

experiência, intergeracional e multigeracional e de transmissão cultural, cumulativo e dinâmico,

e sempre ligado à ecologia e ambiente pelas importantes implicações na conservação e gestão

participativa dos recursos naturais (Berkes et al., 2000, 2007).

Santos (2011), Santos et al. (2012b), Viegas (2014) e Viegas et al. (2016), na

comunidade de pesca artesanal de Peniche (Braga et al., 2018b), procuraram compreender a

relação entre a Pequena Pesca e as Alterações Climáticas (AC) focando a sua análise na

perceção leiga das AC (Alves et al., 2014). Ainda na comunidade de pesca artesanal de Peniche,

Braga et al. (2017 a, b), procuraram avaliar as atitudes conservacionistas dos pescadores, bem

como o CEL sobre a sardinha europeia (Sardina pilchardus). Estes estudos etnobiológicos

reafirmam a importância destas ferramentas sócioecológica e socioambientais para a gestão

ambiental (Viegas et al., 2016; Braga et al., 2017 a, b). Os processos participativos que

promovam e integrem o CEL terão a capacidade de gerar melhores entendimentos e

predisposição das comunidades na conservação dos recursos naturais (Viegas et al., 2016;

Braga et al., 2017 a, b, 2018 a). Ecologia e Etnobiologia têm um papel fundamental na definição

de estratégias conservacionistas, as quais promovam maior sustentabilidade (Braga et al., 2017

a, b, 2018 a).

Os pescadores exibem conhecimentos sobre a biologia das espécies e sobre a

conservação dos recursos marinhos (Braga et al., 2017 a, b, 2018 a; Silva et al., 2018), mas nem

sempre são envolvidos na sua gestão. Existe uma necessidade, referida pelos próprios (Silva et

al., 2018; Viegas et al., 2016), de envolvimento na decisão. A cogestão dos biorrecursos e

sustentabilidade deve assumir estas dimensões de participação (Silva et al., 2018; Viegas et al.,

2016).

A Governança deve ser exercida de modo participativo e em proximidade sendo

essencial o CEL (Biermann et al., 2009). Na pesca artesanal, as questões de resiliência, uso e

conservação dos recursos (biodiversidade, conservação e pesca artesanal), gestão adaptativa e

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cogestão têm de ter em consideração o CEL, o qual vem sendo transmitido geracionalmente, e

sempre renovado nas interações dos pescadores com as pescarias (Diegues, 2007; Carneiro et

al., 2013, 2014 a, b; Braga et al., 2017 a, b, 2018a).

As ameaças ambientais à Pesca Artesanal e Pequena Pesca assim como esforço de

pesca e sobrepesca (Pierce et al., 2012; Santos et al., 2012a), obrigam a uma gestão participada,

sustentável (Pierce et al., 2012; Santos et al., 2012a), que deve integrar o CEL (Braga et al.,

2017 a, b, 2018 a, b), os métodos e instrumentos participativos (participação como garantia de

sustentabilidade), a resiliência ecológica e (sócio)ambiental, os quais são processos essenciais

para garantir o uso sustentável dos biorrecursos marinhos.

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VI. O documentário como instrumento de divulgação e comunicação em

ambiente e alterações globais

O que é um documentário?

Primeiro de tudo, torna-se relevante explicar o que é um documentário, podendo-se afirmar que

a distinção que se faz entre um documentário e um filme ficcional, remonta já desde os primórdios

do cinema e desde os primeiros catálogos das empresas que distribuíam os filmes (Journot,

2009). O documentário, filme documental, aponta para a realidade, traduzindo a sua aparência

(Journot, 2009). Seja uma reportagem, um filme de arte ou um filme científico, este possui uma

dimensão didática e informativa, o qual visa, desta forma, dar a ver as coisas e o mundo tal como

são (Journot, 2009). Todavia, não há uma definição concreta do que é um documentário, devido

à grande diversidade de formas que este adquiriu na história cinematográfica (Journot, 2009).

Verifica-se, portanto, que as barreiras que dividem o documentário da ficção não são fixas, nem

estáveis (Journot, 2009). Apesar disto, é fundamental destacar que a forma como se aborda e

como se recebe o documentário, faz com que os espectadores automaticamente assumam que

devem proceder a uma postura de visualização e leitura deste de uma maneira mais

institucionalizada (Journot, 2009).

Ciência, cinema e documentário

O cinema sempre se mostrou motivado em abordar e refletir assuntos relacionados com a

ciência, contribuindo, à sua maneira, para difundir conhecimentos científicos especializados,

usando as suas particulares ferramentas para conseguir alcançar públicos não especializados e,

desta forma, difundir e divulgar ciência (Soranz, 2014). O cinema tem, portanto, um enorme poder

para conseguir tornar mais visível a ciência (Soranz, 2014). Os primórdios do cinematógrafo

foram, aliás, profundamente marcados pelas experiências e desenvolvimentos, os quais

assentavam numa dimensão de origem científica (Soranz, 2014). Foram as múltiplas

experiências científicas que levaram à criação do cinematógrafo, abreviatura de cinema, pelos

irmãos Lumière, em 1895 (Journot, 2009). Pode-se assim dizer que antes da existência de um

cinema espetáculo, existiu um cinema científico (Soranz, 2014).

Os esquemas de decomposição do movimento foram desenvolvidos por homens ligados

à ciência, como o fisiologista francês Etienne-Jules Marey e o fotógrafo Eadweard Muybridge

(Soranz, 2014). Foram muito importantes, pois deram informações relevantes para a análise

fisiológica do homem e de animais, permitindo que o mundo da ciência começasse a olhar para

o cinema como um novo e importante instrumento de teor técnico (Soranz, 2014). Os resultados

adquiridos pelas experiências de Marey e Muybridge, conseguidos com os parelhos de registo

de imagens do final do século XIX, chegavam mesmo a ser divulgados em revistas

especializadas, sendo avaliadas pelos círculos científicos e académicos (Soranz, 2014). Todavia,

isso não significa que a aceitação destes novos aparelhos na comunidade científica e académica

tenha sido tranquila, na verdade, o cinema, desde a sua criação, teve uma relação conflituosa

com a ciência (Soranz, 2014).

A ligação entre cinema e ciência tem se desenvolvido historicamente entre três linhas de

raciocínio: (i) o cinema educacional, isto é, o cinema pedagógico, que está mais diretamente

relacionado com aquilo que designa por divulgação científica e o qual pretende dar visibilidade a

temas de interesse científico, ambicionando alcançar um público não especializado; (ii) o cinema

como objeto de pesquisa, inserido nos processos investigativos e (iii) o cinema como

instrumento, isto é, como meio de filmar as atividades científicas, relacionadas com a cultura

contemporânea, permitindo que as mais variadas atividades científicas possam ser filmadas em

laboratórios e hospitais por exemplo (Soranz, 2014).

Se as ciências naturais foram maioritariamente responsáveis pelo desenvolvimento e

melhoramento das tecnologias relacionadas com o cinema, as ciências sociais, por seu lado, são

o campo que melhor utiliza a tecnologia ligada ao cinema (Soranz, 2014). Pode dar-se o exemplo

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concreto de Jean Rouch, pois foi o responsável por uma excelente conexão entre o cinema e a

antropologia, entre a arte e a ciência. Da obra de Jean Rouch, destaca-se aquilo que este

designou por “antropologia partilhada” (anthropologie partagée), que é nem mais nem menos

uma expressão que tenta apagar a distância entre o pesquisador, aquele que filma, e o

pesquisado, aquele que é filmado, inserindo-os numa situação de igualdade (alteridade) (Soranz,

2014).

Outro cineasta que se destacou pelo cruzamento do cinema e da ciência foi o francês

Jean Painlevé, o qual começou a filmar no final da década de 1920, produzindo filmes

relacionados com a natureza subaquática e o comportamento animal, conjugando na perfeição

arte e ciência (Soranz, 2014).1

O Film Study Center, na Universidade de Harvard, fundado em 1957 e que ainda existe

atualmente, é uma instituição que tem garantido a existência de um cinema mais ligado com a

ciência e que tem como patrocinadores: National Science Foundation, the National Endowment

for the Humanities, the National Endowment for the Arts, the MacArthur Foundation, the

Guggenheim Foundation, the Rockefeller Foundation, the Rock Foundation, the Fidelity

Charitable Foundation, the Norman Foundation e the Billy Rose Foundation, entre outras

(Soranz, 2014).

A existência de cientistas documentaristas não é muito frequente, mas existem,

podendo-se dar também o excelente exemplo de Jacques Cousteau (1910-1997), que foi um

explorador, conservacionista, realizador, inovador, fotógrafo e pesquisador, o qual estudava o

mar e todas as formas de vida associados a este.

Pode o cinema sobre Alterações Climáticas fazer a diferença?2

Fazer um filme onde se captura a ameaça verdadeiramente real das Alterações

Climáticas não é fácil. “It’s really tough, it’s not a very sexy subject, and people just don’t want to deal with it and think about it.”

Fisher Stevens, realizador e ator.

Fisher Stevens foi o autor de documentários como “The Cove” (vencedor de um Oscar

em 2010), um documentário sobre o assassinato de golfinhos no Japão, mais especificamente

em Taiji e “Before the Flood”, um documentário que examina a questão do aquecimento global e

que conta com a participação de Leonardo DiCaprio. O autor de “Before the Flood” espera

conseguir inspirar com este filme, de forma a que os seus visualizadores mudem os seus hábitos.

Todavia, esta não é uma tarefa fácil, pois os filmes que abordam as Alterações Climáticas e que

nos chegam de Hollywood, apesar de serem ficcionais, não transmitem uma mensagem correta

desta ameaça, pois demonstram uma visão apocalíptica, a qual raramente deixa espaço para

qualquer resposta humana esperançosa: são os filmes catástrofes, com imagens clichés da

Torre Eiffel a cair ou a Ponte de São Francisco a ruir, os quais são escolhidos a dedo, por serem

esmagadoramente conhecidos pelo mundo inteiro e fazer com o público se identifique com estes.

Ora, esta é exatamente a mensagem errada a dar ao público, defendem tanto os cientistas do

clima, como os cientistas sociais. Este tipo de enquadramento distópico é contraproducente, pois

leva as pessoas a uma negação e desamparo, em vez de agirem, congelam. “As opposed to terrorism or drugs, there is no clear enemy with climate change. We’re all participating in the

climate crisis — if there is an enemy, it’s us. And it’s hard to go to war against ourselves.” Per Espen Stoknes, autor de

“What We Think About When We Try Not to Think About Global Warming.”

“Typically, if you really want to mobilize people to act, you don’t scare the hell out of them and convince them that the

situation is hopeless.” Andrew Hoffman, professor da Universidade de Michigan, que é o autor de “How Culture Shapes

the Climate Change Debate.”

1 “O filme científico já tem sido assunto honrado de teses médicas. Agora ele merece lugar no mundo oficial da ciência,

onde poderia ter acesso a facilidades de pesquisa, equipamentos, assistentes, garantias e por aí em diante. O filme

científico requer estudo e instrução; não é apenas uma ferramenta, mas uma gramática e uma arte” (Excerto de um texto

de Painlevé, intitulado “Scientific Film”, publicado em 1955 na revista La Technique Cinématographique citado por

Soranz, 2014). 2 Can Hollywood Movies About Climate Change Make a Difference? Melena Ryzik, The New York Times 2/Out/2017

acedido a 21/Nov/2017 em https://www.nytimes.com/2017/10/02/movies/mother-darren-aronofsky-climate-change.html.

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Para estes filmes, que têm como plano de fundo as Alterações Climáticas, transmitam a

mensagem correta, Max Boykoff diz que: “You have to frame these things so people feel like they have an entry point.” Max Boykoff, professor e diretor do Center

for Science and Technology Policy Research da Universidade de Colorado Boulder

A melhor abordagem possível é, sem dúvida, motivar as pessoas e fazer com que estas

compreendam que é urgente o compromisso que tempos que fazer com o nosso Planeta, pois

não existe Planeta B.

O documentário “Uma Verdade Inconveniente” de Al Gore, é também um exemplo de

como, de forma alguma, se deve retratar as Alterações Climáticas, na medida em que este

documentário chegou ao ponto de fazer apenas recomendações sobre como amparar esta

problemática nos créditos finais do documentário. A maior parte da narrativa de um filme como

este deve concentrar-se em recomendações em como agir perante a ameaça das Alterações

Climáticas, transmitir as melhores ações que se possam tomar e não passar a mensagem

catastrófica de que estamos no fim do Mundo.

Por outro lado, a própria expressão “Alterações Climáticas” não é propriamente amiga

de um guião cinematográfico, diz Debbie Levin, Presidente da Environmental Media Association.

Como tal, alguns pesquisadores defendem que se devam utilizar expressões que não levem a

que se pense diretamente na problemática das Alterações Climáticas, como expressões que

remetam para a agricultura, consumo de carne, problemas de água ou justiça ambiental. Não

identificam logo o que se quer, mas refere problemas sérios, bastante associados à mudança

climática.

“The goal is to ensure that our audience doesn’t feel like they’re being fed their vegetables. We try not to create

programming that is a cause for despair, but rather an opportunity. Because the greatest goal of climate change

programs is to first find a new audience and stop preaching to the converted. At the end of the day, we’re trying to find

new converts.” Tim Pastore, Presidente da programação e produção original para a National Geographic channel.

Para perceber a importância destes documentários científicos, Max Boykoff disse o seguinte: “If just scientists talking about their research and findings were successful in motivating the public, we’d be sorted by

now. But that’s not true. A lot of people don’t engage with these things through scientific ways of knowing. So the arts,

the cultural sphere, is a really important part of this that’s underexplored so far.” Max Boykoff, investigador na

Universidade de Colorado Boulder

Nos EUA, existe mesmo um termo que aborda o facto de não se falar das Alterações

Climáticas o suficiente – the climate silence - e que é necessário combatê-lo a todo o custo,

defende Maibach, especialista em pesquisas sobre compreensão climática e professor da

Universidade George Mason.

Torna-se, portanto, urgente a necessidade da existência de um número cada vez maior

de filmes, séries de TV e música que abordem as Alterações Climáticas de uma forma correta e

consigam tocar no coração das pessoas, é crítico (Hoffman, professor da Universidade de

Michigan). E é aqui, neste último ponto, que documentários sobre as Alterações Climáticas

podem fazer toda a diferença, pois enquanto a ciência se destaca pela clareza do problema, pelo

detalhe minucioso da metodologia e precisão de seus resultados, o documentário orienta-se

sobretudo pela ênfase que é capaz de mobilizar cognitiva e afetivamente nos seus espectadores.

A narrativa do documentário não tem de seguir necessariamente o argumento que é

estabelecido pelo projeto científico. Na verdade, este adquire independência, ficando sem o

compromisso rígido em relação à lógica do discurso que lhe serviu como base (Profice et al.,

2004).

As particularidades de “Arte Xávega e a Ecologia dos Saberes”

Bill Nichols (1981) no seu livro Ideology and the Image, iniciou o capítulo “Documentary, criticism,

and the ethnographic” afirmando: “A questão central colocada pelo filme documentário é: What

to do with people?” Partindo da ideia de que “o filme documentário nos informa sobre situações

ou eventos históricos e frequentemente representa pessoas que estão envolvidas nessas

situações e eventos”, Nichols questiona-se: “Como é que essas pessoas devem ser

representadas? Que investimentos em nível de desejo vão ser trazidos à tona e que posições

vão ser demarcadas para o espectador? Até que ponto o nosso reconhecimento de uma

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realidade pró-fílmica, externa, mas descrita pelo filme, pode ser contrabalançado pelo nosso

conhecimento de que essa realidade permanece um construto, uma aproximação e

reapresentação, à qual não temos verdadeiramente acesso livre e direto? O que pode

proporcionar o documentário em termos de compreensão sobre como as pessoas se organizam

em coletividades, como estabelecem sentidos e valores, como compreendem as interações

sociais em curso?” (Nichols, 1981:237).

O filme etnográfico, ou então, documentário tout court, conseguiu criar, ao longo da sua

história, muitos estratagemas para responder a estas perguntas (Freire, 2006). Jean Rouch,

engenheiro, antropólogo e cineasta, foi o seu iniciador e defensor, o qual afirmava que o cinema,

antes de mais nada, era um instrumento científico, afirmando: “um bom filme etnográfico deve

aliar o rigor científico à arte, no caso, a arte cinematográfica” (Freire, 2006). Torna-se necessário

salientar que Rouch foi o primeiro antropólogo-cineasta francês e foi um trabalho científico que

o revelou ao mundo do cinema (Freire, 2006).

De facto, “Arte Xávega e a Ecologia dos Saberes” segue o raciocínio daquilo que se

designa por cinema direto. Esta expressão veio substituir a expressão cinema-verdade, criada

em 1960 por Jean Rouch e Egar Morin. Esta nova forma de encarar o documentário está

relacionada com a aparecimento do operador de câmara, o qual usa material agora leve e

síncrono, e que intervém diretamente na sua pesquisa sobre o real, assumindo diversos papéis:

autor, narrador e até de ator (Journot, 2009).

Videografia sobre a Arte Xávega

Relativamente à videografia encontrada sobre Arte Xávega, foi possível descobrir uma série de

vídeos que fazem paralelismo relativamente a algumas situações abordadas no nosso

documentário, principalmente mais associadas à demonstração da técnica em si e a nível de

contextualização histórica. Imagens em movimento e fotografias, onde se podem ver a utilização

de bois a puxarem as redes, bem como as casas em madeira dos pescadores (palheiros), que

já não existem, construídas em cima do areal, podem ser vistas em diversos vídeos feitos em

lugares como Furadouro (Aveiro)3, Torreira (Aveiro)4 e Mira (Coimbra)5. Recriações históricas

também foram encontradas em vídeo como nas praias de Espinho6 e Torreira7. Em relação à

demostração da técnica em si, nos tempos que correm, esta pode ser vista em registo

videográfico em sítios como Praia da Tocha (Cantanhede)8, Praia da Vagueira (Ílhavo)9, Praia

da Vieira (Marinha Grande)10, Costa da Caparica (Almada)11 e Fonte da Telha (Almada)12.

Curioso é a existência de uma comunidade piscatória em Sesimbra (Setúbal) que nos meses de

Verão também pratica a Xávega, não recorrendo a tratores, usando, portanto, apenas a força

braçal13. Por fim destacaríamos um vídeo do Arquivo da RTP114, onde é ressalvada a frase “Que

belo e estranho país é este onde os bois lavram os mares”, dita pelo escritor e jornalista Raul

Brandão.

3 Furadouro - https://www.youtube.com/watch?v=91nKwyUbVik 4 Torreira anos 60 - https://www.youtube.com/watch?v=cSLctNRIcms 5 Praia de Mira - https://www.youtube.com/watch?v=Rbm8Pk07dLI e Pesca na Praia de Mira (Arte de Xávega) nos anos 60 - https://www.youtube.com/watch?v=ZCG0T94hFBQ

6 Arte Xávega à moda antiga - https://www.youtube.com/watch?v=cg61xW4wxkU 7 Arte Xávega foi recriada na Torreira com milhares de pessoas vindas de todo o Portugal - https://www.youtube.com/watch?v=THD9gIA5fY0 8 Cantanhede: Praia da Tocha mantém pesca artesanal de "arrasto" - http://www.tvi24.iol.pt/videos/sociedade/cantanhede-praia-da-tocha-mantem-pesca-artesanal-de-arrasto/579cabcb0cf22c4188c4d104 9 Portugal. Praia Vagueira, Arte Xávega. - https://www.youtube.com/watch?v=lnwFvBVtF0A 10 Pesca com rede no mar Arte Xávega Praia da Vieira - Marinha Grande agosto 2015 Portugal - https://www.youtube.com/watch?v=PuZptNgdVEg 11 Arte Xávega Costa da Caparica 18 junho 2015 - https://www.youtube.com/watch?v=Utu0X4iUEi4 12 Arte Xávega na Fonte da Telha - http://www.omelhorblogdomundo.pt/arte-xavega-na-fonte-da-telha-141914?thread=527450 13 Arte Xávega - http://www.cm-sesimbra.pt/pages/1022 14 Arte Xávega (Arquivo RTP) História - https://www.youtube.com/watch?v=jv4jROugCK4

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VII. Área de Estudo

A atualidade: O concelho e as suas dinâmicas

O concelho de Espinho fica localizado na região Norte, nomeadamente, no distrito de Aveiro,

pertencendo à Área Metropolitana do Porto. Está situado a cerca de 50 km da cidade de Aveiro

e a 20 km da cidade do Porto (Fig. 2). A cidade de Espinho é conhecida, principalmente, pelo

seu casino, pela sua centenária feira semanal, a qual é a maior do país, e pelas suas praias,

tendo a sua frente marítima uma extensão de 6 km. A sua população é de cerca de 31 786

habitantes (Câmara Municipal de Espinho, 2013), estando subdividida em quatro freguesias:

Espinho, Anta-Guetim, Paramos e Silvalde.

Figura 2. Localização da área de estudo. Plano geral em cima e plano de pormenor em baixo

(fonte: Google Earth).

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O imenso azul faz parte do imaginário desta cidade, cuja costa se encontra recortada por

esporões, os quais acalmam a rebeldia do mar e tornam-no bastante atrativo para banhos

veraneios. Ao mesmo tempo, possui, também, umas das ondulações mais cobiçadas de

Portugal, adequada para a prática de desportos aquáticos e de deslize como o surf, bodyboard

e longboard. Como tal, todos os anos se realiza um evento dedicado ao surf e às ondas

espinhenses: Espinho Surf Destination. Este evento atrai surfistas de todo o mundo e tem como

objetivo dar a conhecer ao mundo as “ondas da cidade de Espinho”. A ondulação atlântica que

as praias de Espinho possuem, fazem-na ser considerada a melhor onda do Norte e umas

melhores do nosso país. O mar é, sem dúvida, o que mais se destaca na paisagem desta cidade,

sendo responsável pelo desenvolvimento dela. Mas a verdade é que Espinho tem na sua história

algumas recordações nefastas, em que o mar assumiu uma postura mais destruidora. Daí a

existência de esporões. No Inverno, Espinho é constantemente consumido pelas investidas das

ondas, um sem fim de força marítima, a qual se deve à erosão costeira.

Por outro lado, Espinho é, também, cada vez mais conhecido pelos seus festivais de

cinema, que se realizam no Centro Multimeios. Um edifício em forma de barco, que possui

planetário, uma sala de cinema e espaços amplos para eventos. Todos os anos se realiza já

desde a década de 70, o Cinanima, um festival de cinema de animação, que é também um evento

de grande relevo internacional, cuja primeira edição foi em 1976. Outro festival de cinema que

se realiza no Multimeios de Espinho é o FEST – New Directors New Films Festival – conhecido

cada vez mais a nível internacional, que escolheu como anfitriã a cidade Espinho pelo seu clima,

paisagem e fácil acessibilidade a cidades maiores.

Espinho recebe, como tal, milhares de turistas nacionais e estrangeiros ao longo do ano,

sendo uma cidade em que a partir desta se chega facilmente a centros urbanos maiores como

Porto, Aveiro, Coimbra ou Lisboa. A partir de Espinho, por exemplo, de comboio e depois de

metro, consegue-se chegar facilmente ao Aeroporto Internacional Sá Carneiro (Porto), o qual

tem mais de 75 rotas para os principais destinos europeus. Esta cidade, onde as ruas não têm

nome, mas sim números, e conhecida como Rainha da Costa Verde, tem de facto muitas

atratividades, mas há algo a Sul nesta cidade, que se consegue destacar dos demais devido à

sua importância na construção da imagem da própria cidade, que é a Arte Xávega, sobre a qual

esta dissertação se debruça.

História e a Dinâmica Costeira

A área costeira entre Espinho e Nazaré corresponde a uma área arenosa baixa e reta, sendo

uma das mais energéticas do mundo (Freitas et al., 2018). As ondas que vêm do Noroeste são

verdadeiramente dominantes e com uma energia muito elevada (Freitas et al., 2018). Ora, tudo

isto faz com que a atividade pesqueira nesta costa seja bastante perigosa e praticamente

impossível durante parte do ano (Moreira, 1987), especialmente entre outubro e março, onde as

tempestades são mais frequentes (Dias et al., 1994).

As casas junto à costa de Espinho são, portanto, muito vulneráveis, apesar de estarem

protegidas por esporões (Freitas, et al., 2018). Em Espinho, há um que se localiza a Norte, na

designada Praia da Baía, e outro a Sul, na Praia dos Pescadores. Todavia, estas estruturas

defensivas transmitem uma “falsa sensação de segurança”, incentivando a expansão urbana no

litoral de Espinho (Freitas et al., 2018). O que acaba por acontecer é que as áreas costeiras a

proteger vão sendo progressivamente aumentadas e, consequentemente, a vulnerabilidade

aumenta cada vez mais (Freitas et al., 2018). A cidade de Espinho é, sem dúvida, o melhor

exemplo desta situação (Freitas & Dias, 2015).

As Companhas de Arte Xávega em Espinho

As companhas eram também conhecidas por chinchorro, o qual se refere ao nome que se dá a

uma rede de arrasto (Santos, 2015). Estas companhas ou sociedade de pesca representavam

um coletivo de pescadores, os quais se organizavam sob as ordens de um governo (Amorim,

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1999). Surgiram consoante o crescimento da pesca artesanal e eram, essencialmente,

sociedades de capitais (Santos, 2015).

Os redeiros (homens de terra) eram os mais bem pagos (Amorim, 1999), sendo que o

salário dos pescadores associados às companhas era três quartos à caldeirada (entendendo-se

por caldeirada um cabaz de peixe) e um quarto ao salário (Santos, 2015). Numa ou noutra

companha, quando não havia condições para ir ao mar, todos os pescadores ficavam em terra,

recebendo, desta forma, meio litro de vinho, menos as mulheres, as quais não bebiam (Amorim,

1999). Ainda em outras companhas, nos dias de boas safras, era dado um garrafão de vinho a

todos os membros (Amorim, 1999).

Outrora, as companhas eram compostas por cerca de 40 a 80 homens e 12 juntas de

bois (Lopes, 1995).

A passagem do uso da força humana para o uso da força animal foi feita no início do

século XX e as redes eram agora puxadas pelos bois, o que permitiu um aumento do número de

lances diários e, também, das mangas e do saco das redes (Fidalgo, 2005). Só mais tarde, com

a introdução dos tratores, é que se assistiu a uma diminuição do número de homens nas

companhas (Fidalgo, 2005).

Atualmente, a tripulação de um barco é composta por entre 8 a 12 pescadores (Santos,

2015), sendo que a duração de um barco usado na Xávega situa-se entre 12 a 15 anos, o qual

varia consoante a manutenção (Fidalgo, 2005).

Existem atualmente duas companhas de Arte Xávega a operar em Espinho – Nelson e

Sérgio e Vamos Andando -, as quais trabalham em frente ao Museu Municipal de Espinho. O

dono da Vamos Andando, entrevistado no documentário, é o Sr. º José Barros, tem 68 anos, 4º

ano de escolaridade e está como patrão da companha há cerca de dezasseis anos. O patrão da

Nelson e Sérgio é o Sr. º Adelino Ribeiro, o qual está há cerca de dezassete anos como chefe

desta companha. O gosto e a importância colocada na tradição são os principais pontos

motivacionais que os levam a seguir com este trabalho. Na Companha Vamos Andando,

trabalham cerca de 10 homens e na companha Nelson e Sérgio trabalham cerca de 18 a 20

homens (juntamente com campanha Mar de Esmoriz que não pertence à área de estudo em

questão, mas encontra-se nas proximidades) (Santos, 2015).

Relativamente aos lucros, em todas as companhas, 40% do lucro é para o patrão, sendo

os restantes 60% para os pescadores, existindo meses em que podem ganhar mais, existindo

outros em que não ganham nada (Santos, 2015).

A companha Vamos Andando faz as suas redes à mão (Santos, 2015). O Sr. º Fernando

Araújo (entrevistado no documentário) é o responsável por as fazer. As restantes companhas

adquirem as suas redes em Espanha; o seu valor oscila entre os 7 e 11 mil euros (Santos, 2015).

Relativamente aos barcos usados na Xávega, estes são mandados fazer em Pardilhó (concelho

de Estarreja, distrito de Aveiro), custando entre 11 a 16 mil euros (Santos, 2015).

A distinção que se fazia outrora entre os homens de mar e os homens de terra está

atualmente mais camuflada, pois já não existe tanto a especialização das tarefas, fazendo os

pescadores um pouco de tudo (Santos, 2015).

Quanto à comercialização do peixe, este é feito através de leilão às pessoas que se

encontram na praia, tendo aqui as varinas um papel muito importante, negociando o peixe junto

à praia ou de forma ambulante com os seus típicos carrinhos pelas principais artérias de Espinho

(Santos, 2015).

Todos estes aspetos acima referidos dão um charme irresistível a esta pequena cidade

costeira, incutindo-lhe carisma e uma personalidade verdadeiramente vincada, que se completa

de forma soberba com o “cheirinho” a mar e, claro, com a famosa e desagradável “nortada”.

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VIII. Metodologia

Este trabalho debruça-se sobre a prática da Arte Xávega no Concelho de Espinho com a

realização de um documentário, que pretendeu demonstrar e compreender as suas

características e funções (ambientais, sociais, culturais, económicas e identitárias) e ainda

desafios face às alterações globais (perceções dos pescadores sobre a Arte Xávega e a

compreensão das suas vivências num contexto de instabilidade climática e escassez dos

recursos pesqueiros). Com o documentário procurou-se também refletir sobre a incerteza no

futuro destas comunidades.

A abordagem metodológica adotada e o contacto permanente com a comunidade

piscatória permitiram definir um plano de trabalho e cronograma em função dos objetivos a

alcançar, nomeadamente a realização do documentário onde se procura descrever o quotidiano

destas comunidades da Arte Xávega no Concelho de Espinho.

Os métodos e técnicas utilizados compreenderam a pesquisa documental, a entrevista

semiestruturada (Carmo & Ferreira, 1998; Sousa & Baptista, 2011; Albuquerque et al., 2014) e a

observação não participante (Quivy & Campenhoudt, 1992; Albuquerque et al., 2014) sempre no

contexto da realização do documentário “Arte Xávega e a Ecologia dos Saberes”.

À partida, o retrato mental do documentário estava feito: uma primeira parte com imagens

da Xávega e uma segunda parte, a mais importante, com entrevistas aos pescadores locais

sobre as Alterações Climáticas e sobre a perceção que têm sobre a biologia das pescas e

respetivas atitudes conservacionistas. O primeiro contacto com o local, tendo em conta a

realização deste documentário, foi feito em meados de julho de 2017.

A partir daí e durante o mês de julho e agosto de 2017, começámos a ir diversas vezes

ao bairro piscatório e respetiva zona de atuação – Praia dos Pescadores – com a nossa camara

de filmar, o que não causou nenhuma estranheza, pois estes pescadores já estão mais do que

habituados a ser filmados e fotografados por turistas nacionais e estrangeiros, ou até por simples

curiosos. Após ficar mais familiarizado, procedemos ao contato direto com os pescadores, no

sentido de lhes perguntar se estariam dispostos a responder a algumas questões, aquando de

um projeto universitário, ao que respondiam prontamente que sim. O número de pescadores

entrevistados para o documentário foi três. O desenvolvimento deste trabalho com base em

metodologias de investigação qualitativa (observação não participante e entrevistas

semiestruturadas), valorizando os conhecimentos tradicionais e locais e assumindo uma

dimensão etnobiológica e etnoecológica, e com o propósito de produzir um documentário,

justifica a dimensão do número de entrevistas. Apenas um dos pescadores entrevistados foi

escolhido propositadamente (intencional), por ser o patrão de uma das companhas de pesca, os

outros dois foram escolhidos aleatoriamente, enquanto tranquilamente remendavam as redes de

pesca.

As questões levantadas aos pescadores foram feitas com base num guião de entrevistas

semiestruturado adaptado de Viegas (2014) (ver anexo I). Mesmo assim foi realizado um pré-

teste do guião da entrevista com 2 pescadores. Da análise efetuada com o pré-teste do guião

decidiu-se a sua aplicação sem qualquer reformulação e reestruturação.

As primeiras duas entrevistas foram realizadas no dia 12 de agosto de 2017, durante a

manhã. A terceira entrevista foi realizada no dia 30 de agosto de 2017, também durante a manhã.

As entrevistas duraram cerca de 20-40 minutos. As filmagens principais do local e da Xávega

foram feitas no dia 29 de julho de 2017 e 5/12/30 de agosto de 2017. O que se pretendia era,

com base em perguntas pré-definidas, obter um diálogo flexível e fluido com os pescadores. O

guião da entrevista é composto por oito partes – (I) identificação; (II) perceção do fenómeno; (III)

perceção das causas; (IV) perceção de riscos; (V) comportamentos; (VI) perceção das

responsabilidades; (VII) articulação e (VIII) outros (ver anexo I), que permitem abarcar as

dimensões em estudo e ainda as possíveis comparações com as comunidades onde já foi

aplicado (Viegas, 2014; Viegas et al., 2016).

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A Arte Xávega, pelas suas dimensões socioculturais e de políticas locais, cruza-se com

as dimensões de governo (questões sociais, economia e cultura) nas áreas de atuação. Deste

modo foi chamado a fazer um depoimento para o documentário o Presidente da Câmara de

Espinho, Dr. Pinto Moreira. Relativamente à sua intervenção, procedeu-se à filmagem no dia 5

de setembro de 2017, durante a tarde, tendo sido previamente agendada. Na sua intervenção

não lhe foram feitas perguntas em concreto, basicamente, foi-lhe pedido para fazer uma pequena

intervenção de 3-4 minutos, em que abordasse a questão da Arte Xávega, na cidade de Espinho.

Esta filmagem foi feita numa das salas no interior da Câmara Municipal de Espinho.

No dia 27 de janeiro de 2018, no Museu Municipal de Espinho, procedeu-se à projeção

(pré visionamento) do documentário “Arte Xávega e a Ecologia dos Saberes”, a qual contou com

a presença do Dr. Pinto Moreira; do Vice-presidente da Câmara Municipal de Espinho, Dr.

Vicente Pinto; da Vereadora Maria de Lurdes Santos Ganicho (Câmara Municipal de Espinho);

do Vereador Quirino Manuel Mesquita de Jesus (Câmara Municipal de Espinho); do diretor do

Museu Municipal de Espinho, Dr. Armando Bouçon; do diretor do Departamento de Biologia da

Universidade de Aveiro, Professor Doutor Amadeu Soares; do Professor Doutor Ulisses M.

Azeiteiro; do Professor Doutor Mário Verde; do Doutor Joaquim Pedro Ferreira e do Sr. José

Neves e do Sr. Fernando Araújo, ambos pescadores. Toda a comunidade piscatória foi

convidada a assistir ao visionamento. Após a projeção, ficámos na presença dos pescadores

com o intuito perceber a sua opinião sobre o documentário e sobre os seus saberes relativos às

Alterações Climáticas e Biorrecursos Marinhos (Pesca), depois de já terem assistido ao filme. As

perguntas da entrevista já estavam previamente definidas, através de um guião preparado para

o efeito. Tanto o Sr. José Neves, como o Sr. Fernando Araújo participaram no filme, somente o

Sr. António Rocha, que também participou no filme, não pôde comparecer à sessão de

visionamento. Neste momento (pós filmagem e visionamento do documentário ainda sem edição

final) procurou-se discutir a Arte Xávega e as questões da identidade (como se revêm os

pescadores no documentário, como percebem a sua importância e impacto) e o futuro da Arte

Xávega (perceções e expetativas futuras) (ver anexo II). Esta atividade pode,

metodologicamente, considerar-se um grupo focal (ver em Albuquerque et al., 2014). A

constituição de um grupo focal deve atender a requisitos metodológicos definidos,

nomeadamente, ser um grupo composto por 6 a 15 participantes com certa homogeneidade entre

eles quanto à idade e nível socioecónomico, com tempo médio de 90 minutos e termo de

consentimento livre e esclarecido. Neste sentido, a presença dos pescadores (toda a

comunidade piscatória foi convidada embora a adesão tenha sido reduzida por parte desta) é

conforme aos requisitos metodológicos (tendo sido estes que ficaram com o investigador após o

pré visionamento). O grupo focal foi realizado com o objetivo de identificar ideias e recolher as

perceções, expectativas, motivações e necessidades. Os diálogos com o grupo focal foram

transcritas literalmente e a transcrição foi analisada (análise de conteúdo).

No dia 21 de fevereiro de 2018, fizeram-se filmagens adicionais e procedeu-se a uma

nova entrevista, a dois pescadores, também feita a partir de um guião semiestruturado, o qual

pretendia analisar os saberes dos pescadores locais, relativamente à biologia das pescas e às

suas atitudes conservacionistas (ver anexo III). Neste segundo momento de filmagem (filmagens

complementares para edição final do documentário), procurou-se discutir a Arte Xávega e as

questões da pesca (nomeadamente disponibilidade e variabilidade dos recursos pesqueiros e a

pesca predatória).

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IX. Resultados e discussão

O documentário “Arte Xávega e a Ecologia dos Saberes”

O documentário “Arte Xávega e a Ecologia dos Saberes” (Anexo IV e V) (Fig. 3), tem a duração

de cerca de 20 minutos, incidindo sobre a comunidade piscatória de Espinho e a perceção que

os pescadores têm, essencialmente, sobre o impacto que as Alterações Climáticas têm na sua

comunidade, bem como as atitudes que possuem relativamente à biologia das pescas e aspetos

ligados à pesca.

O documentário inclui as entrevistas aos três pescadores locais (68, 69 e 72 anos de

idade; todos com o 4º ano de escolaridade e nascidos no bairro piscatório de Espinho). As

entrevistas realizadas aos pescadores para o documentário “Arte Xávega e a Ecologia dos

Saberes”, adotam, nesta dimensão, a metodologia de Jean Rouch, assente na “antropologia

partilhada” e na respetiva linha de raciocínio que pretende abolir a distância entre o pesquisador

e o pesquisado, colocando-os numa situação de igualdade (Soranz, 2014). Esta dimensão

decorreu da própria metodologia qualitativa em que assenta este estudo exploratório, a

observação não participante (Carmo & Ferreira,1998; De Ketele & Roegiers, 1999).

Figura 3. Diaporama de excertos do documentário “Arte Xávega e a Ecologia dos Saberes”.

O evento desta pré visualização do documentário, que já foi divulgado pela comunicação

social local (ver https://www.espinho.tv/documentario-xavega-e-a-ecologia-dos-saberes-

apresentado-por-aluno-da-ua/), irá fazer parte do repositório do Departamento de Biologia da

Universidade de Aveiro e constitui-se como uma estratégia de comunicação na valorização e

sustentabilidade da Arte Xávega e das comunidades piscatórias tradicionais (de subsistência),

seus saberes ecológicos locais e tradicionais.

O documentário procurou mostrar a realidade tal qual como ela é. No entanto, a

existência de um guião semiestruturado denota que houve já uma certa pré programação daquilo

que se pretendia visualizar no documentário.

A partir do instante em que se começava a filmar, de certa forma nunca se sabia o que

iria acontecer no fim, forçando-nos a improvisar, “para o bem ou para o mal” (Fulchignoni, 1981).

Em “Arte Xávega e a Ecologia dos Saberes” os pescadores que foram entrevistados, ou seja, o

“outro” deixou de ser apenas objeto de “registo etnográfico” e passa a ser “inventado”. Uma

construção feita pelo cineasta que interfere na realidade fílmica. Portanto este documentário, não

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pode ser definido como um registo etnográfico na sua totalidade, pois é também um filme de

improvisação, pois foi além de captar somente os aspetos da cultura observada. Há aqui,

portanto, uma realidade instaurada, provocada. Todavia, “talvez a verdade não seja o objetivo,

talvez ela seja o caminho” (Marker apud Michaud, 1982). Jean Rouch afirmava que filmava a

ficção criada pelos seus personagens como se filmasse a realidade e como ele próprio dizia: “eu

apenas filmava e deixava os personagens elaborarem a sua própria verdade”. Foi esta a

particularidade seguida por “Arte Xávega e a Ecologia dos Saberes”.

Pré visionamento do documentário “Arte Xávega e a Ecologia dos Saberes”

A projeção do documentário, no Museu Municipal de Espinho e realização de uma discussão

(guiada) (grupo focal de pré visionamento) com os pescadores e o diretor do museu sobre o que

tinham visto, permitiu colher a opinião sobre representação e identidade, a variabilidade climática

e o impacto na atividade piscatória.

Esta conversa deu origem a dados importantes. Por exemplo, verificou-se que o apoio

institucional é apreciado pelos pescadores, pois à questão “se se sentiam representados no

documentário”, um dos pescadores respondeu: “Sim, um bocadinho. Aparece, também, a figura do Presidente da Câmara, o que nos faz alegrar mais um

pouco, pois demonstrou que a Câmara se encontra do lado dos pescadores.” Pescador #01

Todavia, também é alvo do seu criticismo: “Só que há uma questão aqui em Espinho: é que se fala muito em turismo, mas nunca vem ninguém do turismo

de Espinho ter connosco, para ver se precisamos de alguma coisa. O posto de turismo de Espinho devia procurar tirar

fotografias nossas, da Arte Xávega, pois muitas vezes passo por lá e não vejo nenhuma fotografia da Arte Xávega lá

exposta. Vai lá muita rapaziada da escola e era importante ter fotografias relacionadas com a Arte Xávega lá.” Pescador

#01

Esta necessidade de apoio institucional é comum a outras comunidades, como por

exemplo as comunidades de pesca artesanal de Peniche (Santos, 2011; Santos et al., 2012b;

Viegas, 2014; Viegas et al., 2016; Braga et al., 2017 a, b) e comunidades de Pesca Artesanal e

Pequena Pesca em outras geografias (Setti et al., 2016 a, b; Braga et al., 2018 a).

Contudo as contradições são evidentes, pois quando questionados se teriam interesse

em estar informados acerca das decisões locais que se poderiam tomar para colmatar as

consequências das Alterações Climáticas, mostram-se céticos: “De quê que adianta? Não adianta nada. É indiferente nós estarmos informados sobre isso ou não.” Pescador #02

e ao perguntar se é a Câmara que teria condições para intervir, mostram-se confiantes na

afirmação que fazem: “Qual é o poder que a Câmara tem para intervir nisso? A Câmara não tem poder nenhum nisso. A Câmara é

como nós: se está alguém, abre a porta, se não está ninguém, não abre.” Pescador #01

A necessidade de apoio institucional a par com a desconfiança nas instituições e o

sentimento de impotência é observável em outros estudos realizados em comunidades

piscatórias ao longo na costa portuguesa (ver Santos, 2011; Santos et al., 2012b; Viegas, 2014;

Viegas et al., 2016; Braga et al., 2017 a, b).

Relativamente à apreciação que fizeram do filme e respondendo à questão se ao verem

este documentário se sentiram valorizados, responderam: “Um bocadinho. Na verdade, senti-me vaidoso.” Pescador #01

E afirmaram ainda: “Este filme retrata muita coisa antiga, mas também muita coisa moderna.” Pescador #01

As questões mais atuais e as repercussões no quotidiano assim como as suas vivências,

constituem temáticas abordadas em trabalhos recentes (Viegas, 2014), que demonstram toda a

complexidade da adaptação “a novos tempos”.

No sentido de fazer um remate final de tudo aquilo que viram e de tudo aquilo que se

falou, foi-lhes perguntado o que é que pensavam das Alterações Climáticas:

“Sabemos que está a matar tudo. Tenho essa consciência. Ouvimos falar em cada doença. Eu, em criança,

nunca usei cremes, nívea, para me proteger do calor e agora temos de usar protetor solar, tudo. Dizem-nos para ter

cuidado, porque de x em x horas não podemos estar expostos ao sol, por causa dos raios ultravioleta. Agora ouve-se

falar do cancro da pele. Em criança, não ouvíamos falar em nada disso e ninguém tinha nada.” Pescador #01

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“Quando eramos miúdos, bebíamos água do rio. Tínhamos sempre água e estava sempre limpa e boa para

consumo. E agora?” Pescador #02

E ainda a questão de como veriam o futuro (que surgiu como verdadeiramente

importante de se fazer), os pescadores foram unânimes: “A acabar.” Pescador #01

“Eu vejo o futuro para esta vida um bocado à rasca, aqui para a Arte Xávega. Os lucros são poucos. Não temos a

quem vender o peixe. O peixe não dá dinheiro aqui nestas praias e é assim por aí fora. Tem dias que há peixe para

pescar, mas não vamos ao mar, porque não temos a quem o vender (…) O problema é vender o peixe aqui nestas

praias.” Pescador #03

A atividade destes pescadores vê-se confrontada com a disponibilidade de peixe

(abundância, distribuição e variabilidade, diversidade) requerendo, como tal, diversificação das

operações de pesca e dos mercados e, ao mesmo tempo, como já foi referido, pela necessidade

de alterações nos calendários de pesca, devendo-se proceder a ajustes nos calendários da

atividade pesqueira, confrontando-se assim com um futuro incerto.

Perceções e Conhecimentos Locais Os pescadores quando questionados acerca das Alterações Climáticas e das suas

consequências negativas, no sentido de perceber a dimensão dos seus conhecimentos

ecológicos e a perceção que têm do fenómeno, “desabafam”: “(…) as estações do ano nunca mais foram as mesmas e a nível de pesca foi sempre a cair. Sempre, sempre

a cair. Lá vem um mês ou outro que a situação melhora. Podemos estar uma semana com uma temperatura medonha,

as águas começam a aquecer e o peixe aproxima-se mais da praia. Sai das grandes profundidades, porque não

conseguimos chegar lá. Mas lá vem dias que fica um frio medonho. O mês de julho costuma ser o melhor mês de praia

e, na verdade, o passado mês de julho foi o pior mês que tivemos, foi um mês muito frio.” Pescador #01

“Eu não ganhei para o prejuízo.” Pescador #02

“Outubro e novembro ainda conseguiram pescar. Antigamente, em novembro não faziam pesca, mas agora

com a instabilidade climática conseguem, porque o tempo está mais quente.” Diretor do Museu de Espinho

“Em dezembro ainda demos um lanço, mas não deu nada. E, como tal, paramos.” Pescador #02

Também aqui o padrão de resposta (imprevisibilidade climática) vai de encontro a

estudos realizados com outras comunidades piscatórias na costa portuguesa (ver Viegas, 2014;

Viegas et al., 2016; Braga et al., 2017 a, b).

Os pescadores entrevistados, relativamente ao assunto das pescas, espécies e

variabilidade, também dão conta da sua perceção e conhecimento. Por exemplo, ao serem

questionados sobre quais as espécies que mais se pescam atualmente, responderam: “Aqui nós em Espinho é o biqueirão, o carapau e a cavala. Sardinha é de longe a longe.” Pescador #01

“Nós aqui nesta vida da arte xávega é mais o carapau. É o carapau que está mais em conta nesta praia. Volta e meia

pescam-se uns biqueirões. Às vezes vêm umas misturas, umas cavalas. É assim mais ou menos o peixe que se pesca

agora.” Pescador #03

Ao lhes ser perguntado se no passado também era assim, um deles abordou a questão

ao nível da diversidade de espécies, dizendo: “Era mais ou menos assim. Só que havia mais espécies de peixe. Pescavam-se espécies que agora não se conhecem:

espadilhas (agora não se vêm).” Pescador #03

O outro pescador referiu-se ao nível da quantidade de peixe: “Antigamente, havia mais peixe para pescar (…) Uns dizem uma coisa e outros dizem outra. Mas enquanto não existir

cheias nos rios, água doce a vir para o mar, as pescas vão ser poucas.” Pescador #01

Por outro lado, ao serem questionados acerca das espécies mais lucrativas, respondem: “Era a lula, se viesse. Robalo, rabetas…. Esses peixes diferentes.” Pescador #01

“O peixe agora está quase todo ao mesmo preço (…) Os compradores são escassos. Vemo-nos consumidos.

Andámos a trabalhar por um lanço ou dois. Antigamente dávamos uns 7, 8 lanços por dia. Agora damos um 1, 2 lanços

e já não temos compradores. Estas grandes superfícies vieram para aqui e encheram tudo de peixe e as pessoas vão

às grandes superfícies. E o nosso peixe que é fresco, sai da rede e praticamente já nem valor tem.” Pescador #03

Quanto ao lucro que a Xávega lhes proporciona afirmam: “No passado havia mais lucro. Havia safras boas.” Pescador #01

A questão económica (reduzidos proventos) é transversal (a estas comunidades) na

maneira como é referida nos estudos sobre a temática, e se entrecruza com a sazonalidade,

variabilidade e escassez de cardumes na área onde operam e a valorização comercial do

pescado. Também nesta dimensão o padrão de resposta (quantidade, variedade e valor do

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pescado) vai de encontro a estudos realizados com outras comunidades piscatórias na costa

portuguesa (ver Viegas, 2014; Viegas et al., 2016; Braga et al., 2017 a, b).

A Arte Xávega tem como alvo as seguintes espécies: sardinha (Sardina pilchardus),

carapau (Trachurus trachurus), sarda (Scomber scombus), cavala (Scomber japonicus) e o

biqueirão (Engraulis encrasicolus) (Cabral et al., 2003). Contudo algumas das espécies são

comercialmente mais valorizadas. À semelhança do que acontece em Espinho, Neves (2016),

na Praia de Mira (Coimbra), constata que a espécie mais leiloada em 2015 e 2016 foi a cavala

(Trachurus trachurus), sendo mesmo a mais lucrativa.

Para remate final da conversa, foi-lhes perguntado se achavam importante tomarem-se

medidas para se protegerem as diversas espécies de peixe: “Eu acho que não é preciso, porque já estão a aparecer espécies de peixe, aqui na costa, que não apareciam antes. Só

apareciam quando o rei fazia anos. Por exemplo: a raia. Antigamente, durante um ano inteiro, podia ser que apanhássemos uma. Agora, por lanço, já vêm 4, 5 raias. Isso deve-se a alguma coisa: aos grandes arrastões, que

mataram a cria toda.” Pescador #01

Interessante perceber que existem semelhanças que podem ser feitas com estudos mais longínquos, como por exemplo na Ilha de São Vicente (São Paulo, Brasil), uma vez que a questão da pescaria das raias também é abordada. A captura das raias nesta comunidade piscatória representa 1% a 3,5% do total capturado (Fagundes, 2007). Por último, um pescador desabafou: “A solução seria acabar com os barcos de pesca. Mas se toda a gente não pescar, o pescador vivia de quê? Acho que

isto não pode acabar. Já viu quantas pessoas andam a trabalhar no mar? Há muita gente a trabalhar no mar para a sobrevivência.” Pescador #03

E a conversa acabou com esta frase de um pescador a admitir que a solução para se proteger as espécies do mar seria exatamente acabar com a pesca. No entanto, inquieto com o que diz, pondera, afirmando que a pesca não pode cessar, pois há muitas pessoas que dependem da pesca para sobreviver. Nesta dimensão deve ser realçado que outros estudos revelam atitudes conservacionistas, relativamente aos recursos pesqueiros (Braga, 2018; Braga et al., 2017a, b). Pesca Artesanal, Xávega, Ecologia de Saberes, Sustentabilidade e diálogo de saberes

A construção da identidade das comunidades piscatórias da Xávega, a sua relação com o mar,

os seus saberes e o reconhecimento da pluralidade do conhecimento, ou seja, de uma Ecologia

de Saberes (Santos, 2007), promove a integração nos processos participativos e governança

(Carvalho & Giatti, 2018; Wallerstein & Duran, 2010) e práticas de sustentabilidade (Carvalho &

Giatti, 2018).

Os resultados obtidos por Santos (2011), Santos et al. (2012b), Viegas (2014) e Viegas

et al. (2016) e mais recentemente Braga et al. (2017 a, b), junto da comunidade piscatória de

Peniche, conduzindo investigação em dimensões comparáveis (dimensões de análise, objetivos

e metodologias), confrontam de maneira inequívoca quanto às preocupações destas

comunidades piscatórias ao longo da nossa costa (constata-se que muitas das preocupações

das comunidades piscatórias de Peniche, se interligam com as preocupações da comunidade

piscatória de Espinho). A situação que estas comunidades referem, sendo recorrente mesmo, é

a instabilidade climática, percecionando bastante bem que as estações do ano não estão tão

vincadas como o eram em tempos mais antigos, preocupando-se, tanto os pescadores de

Espinho, como os pescadores de Peniche, com o facto de ora estar muito calor, ora subitamente

estar muito frio. A “bipolaridade” climática é uma realidade que assola e que perturba as

comunidades tradicionais de pescadores e ambas têm plena noção disso. Ao mesmo tempo, é

notório o desinteresse que os pescadores, tanto de um sítio, como do outro, demonstram

relativamente ao fenómeno das Alterações Climáticas, sentindo-se como impotentes perante tal

situação. Afirmam que o que sabem sobre isso tem origem na televisão. De algum modo este

último resultado joga a nosso favor: a necessidade de trabalhar junto destas comunidades, torná-

los atores e comunicadores das suas vivências e reconhecer e valorizar os seus saberes (Fidalga

et al., 2014; Viegas, 2014; Viegas et al., 2016 a, b; Braga et al., 2017 a, b, 2018 a) e promovendo

junto deles a literacia científica, nomeadamente climática (Azeiteiro et al., 2017).

No que respeita ao incremento da literacia científica, biológica, ecológica, conservação

e pescas e climática, não deixa de ser curioso o facto de, tanto em Peniche como em Espinho,

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afirmarem que são os cientistas que têm de responder a certas questões sobre as Alterações

Climáticas. Todavia, é de salientar que em ambas as comunidades parece haver um

desequilíbrio nas respostas, relativamente à perceção das responsabilidades, uns dizendo que

a culpa é exclusivamente humana, outros afirmam que a causa das Alterações Climáticas só diz

respeito à natureza e outros afirmam, ainda, que a sua causa tem origem humana e origem

natural. Portanto, há uma confusão relativamente a este tópico, o qual é inerente às duas

comunidades. Todavia, seja qual for a origem do problema, concordam que o panorama

climático vai piorar muito, sendo as gerações futuras as que mais vão sentir os efeitos nefastos

desta problemática e que não serão eles (pescadores mais velhos) a sentir tanto os efeitos

negativos das Alterações Climáticas, apesar de admitirem que já se fazem sentir. A idade dos

pescadores é uma temática referida nestas comunidades, sendo que as questões

intergeracionais se entrecruzam com as questões da Sustentabilidade (Rodrigues, 2013). A

Xávega e a sua identidade cultural, os seus saberes locais, tradicionais e ecológicos, tem um

futuro num contexto de conservação e valorização dos recursos e sustentabilidade

socioambiental e cultural das práticas artesanais.

Também o sentido de comunidade, já mencionado por outros (Bankoof, 2009), assume

importância central na convivência com a variabilidade climática e disponibilidade de

biorrecursos. Estas comunidades instalaram-se em ambientes de grande variabilidade (Freitas e

Dias, 2015; Freitas, 2016a), que lhes exigem estratégias adaptativas (Garai, 2014; Nagy et al.,

2014 a, b; Verocai et al., 2014) e conhecimento que é transmitido intergeracionalmente (ver

Freitas et al., 2016b).

Realçamos que estas comunidades sentiram necessidade de abordar a poluição dos

mares, afirmando que é um problema bastante sério. O mesmo foi evidenciado no estudo sobre

a comunidade piscatória da Ilha de São Vicente, Brasil, que destacou a grande quantidade de

resíduos sólidos que ficam retidos nas malhas (Fagundes, 2007).

Ao mesmo tempo, não se coibiram de falar dos arrastões, ou seja, da pesca industrial,

desabafando sobre os aspetos negativos que advêm dela e salientando que os métodos usados

na Arte Xávega não têm rigorosamente nada a ver com os arrastões. De notar como estas

comunidades relacionam entre si problemas ambientais com interfaces e impactos múltiplos,

acumulados e magnificados. A tensão entre a Pesca Artesanal e Pequena Pesca com a pesca

industrial é também referida por estas comunidades.

O governo e a governança é um assunto sempre abordado. Estas comunidades exibem

uma clara e plena perceção que as decisões, que vão no sentido de proteger os pescadores

tradicionais das Alterações Climáticas, e que não puderem ser tomadas pelas câmaras

municipais, têm de ser tomadas por instâncias políticas com um poder muito superior ao poder

que as câmaras municipais possuem (Viegas, 2014; Viegas et al., 2016). Neste sentido foi uma

mais valia deste projeto reunir atores diversos: os pescadores, as entidades camarárias e os

investigadores. Contribuíram para o documentário e discutiram a sua análise. Estiveram juntos!

A legislação nacional das pescas deveria integrar as questões conservacionistas

(biorrecursos e biologia da conservação) e dimensões socioambientais, traduzindo as soluções

em cenários de sustentabilidade. Algumas medidas têm vindo a ser tomadas, tais como a Criação

da Associação Portuguesa de Xávega (2012) e a Comissão de Acompanhamento da Pesca com

Arte Xávega (2013). Sejam estes os passos para um novo paradigma na pesca artesanal,

pequena pesca, tradicional e Xávega. Um futuro para a Xávega alicerçado no seu passado

histórico e cultural e no respeito pela biologia da conservação e dinâmicas socioambientais.

A participação destas comunidades nos processos decisórios é o garante da

conservação dos recursos (Clay, 1995; Fidalga et al., 2014; Silva et al., 2018), para alcançar uma

efetiva governança, face aos desafios societais e agendas de desenvolvimento sustentável

(Visbeck, 2018).

Por último reforça-se aqui a questão do GLOCAL – Pensar global, agir local. As questões

que se relacionam com as Alterações Climáticas são globais, mas devem ser também

equacionadas no seu contexto local (McNeill, 2008; Hulme, 2010; Endfield, 2014), até porque os

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impactos são diferentes em diferentes escalas (Freitas et al., 2018; Dolan & Walker, 2014; Clark

et al., 1998). Os trabalhos realizados até agora (ver Fidalga et al., 2014; Viegas et al., 2016;

Braga et al., 2017 a, b, 2018 a) e referenciais nestas dimensões (Berkes et al., 2001), constituem

um testemunho de sustentabilidade e evidenciam a importância dos conhecimentos destas

comunidades na conservação dos biorrecursos (Drew, 2005; Braga et al., 2017 a, b, 2018 a;

Silva et al., 2018), a sua capacidade de adaptação num ambiente em mudança, os seus saberes,

a sua ecologia de saberes, agora documentados em filme.

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IX. Conclusão

A Arte Xávega, nas suas várias dimensões, retratadas no documentário integrante desta

dissertação, especificidades e particularidades e desafios (conservacionistas, socioambientais e

culturais), requer abordagens integradas e sustentáveis na integração e participação das

comunidades locais. Espera-se, pois, que este documentário possa contribuir para uma melhor

compreensão e valorização destas comunidades (saberes locais e tradicionais, saberes

ecológicos, etnobiologia, etnoecologia), valorização da Arte Xávega, Sustentabilidade e Cultural

pela comunicação da sua realidade, vivências e dificuldades.

A Xávega apresenta um caráter comunitário, o qual constitui um instrumento importante

de agregação social e, claro, o retorno cultural, como já foi referido, é bastante importante, bem

como a consequente componente socioeconómica (Fagundes, 2007). A titulo de exemplo

(eventualmente a ser seguido), a Câmara Municipal da Nazaré organiza todos os anos, nos

meses de maio e junho, uma evocação da Xávega, contando com o apoio da Região de Turismo

Leiria/Fátima e da Associação Comercial, Indústria e Serviços da Nazaré (Pouseiro, 2005). As

antigas companhas da Nazaré são, então, chamadas a participarem nesta iniciativa, partilhando

os seus saberes e mostrando uma realidade que os mais novos nunca tiveram oportunidade de

ver nas suas praias (Pouseiro, 2005).

A mais recente peça legislativa sobre a Arte Xávega, a Portaria nº 104/2015 de 9 de abril

e a Portaria nº172/2017 de 25 de maio) reconhece que “A pesca com arte-xávega tem uma

considerável relevância em termos socioeconómicos para algumas comunidades piscatórias da

costa ocidental portuguesa, além de um valor cultural e etnográfico.” Esta dissertação e

particularmente este documentário visa dar um contributo efetivo e duradouro para a dimensão

“de um valor cultural e etnográfico”.

Segundo Rodrigues (2013), o valor simbólico da Arte Xávega supera em larga escala o

valor de uso, uma vez que o valor simbólico é o valor que os objetos patrimonializados possuem.

A identidade representada nos objetos deve ser avaliada pela capacidade de estes gerarem

sentimentos de pertença e inserção num grupo (Rodrigues, 2013). O valor patrimonializado

corresponde, como tal, ao valor simbólico atribuído (Rodrigues, 2013).

Sabemos de antemão, e muito nos orgulhamos disso, que este referencial teórico e

respetivo documentário, irão posteriormente serem enviados para o Diretor do Museu Municipal

de Espinho, Dr. º Armando Bouçon, e anexado ao dossier de candidatura da Arte Xávega a

Património Imaterial da Humanidade da UNESCO. Espinho irá juntar-se a uma federação de

municípios e prepararão uma candidatura em conjunto para conseguir alcançar esse estatuto.

Quantos mais concelhos, onde a Arte Xávega se manifesta, avançarem com a candidatura, mais

força conseguirão ter, de forma a Arte Xávega ser considerada Património Imaterial da

Humanidade da UNESCO (ver: https://www.publico.pt/2016/03/25/local/noticia/arte-xavega-

pede-respeito-por-quem-vive-do-mar-e-quer-bater-a-porta-da-unesco-1727082).

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Anexo I

Guião de entrevista (Adaptado de Viegas, 2014)

Esta entrevista realiza-se no âmbito de um estudo relativo às perceções e racionalidades sobre

as Alterações Climáticas (AC), entre os pescadores artesanais de Espinho, no sentido de

obtenção do grau de Mestre em Biologia Aplicada, pela Universidade de Aveiro. Concretamente,

o objetivo desta entrevista é apurar o que entende por aquecimento global e por AC e se

considera haver riscos, no contexto da sua situação e face à sua experiência. Procuramos

entender o que são para si as AC e se considera que, por causa dessas alterações, tem

havido/haverá consequências ou corre/correrá algum tipo de risco no seu dia-a-dia e/ou no seu

trabalho. Também abordaremos questões de responsabilidade e a forma como lida, ou pensa

lidar, com eventuais situações com que se possa deparar. Não existem repostas certas ou

erradas. É a sua opinião que é importante para nós.

I – Identificação

1.1 Data de nascimento / Idade:

1.2 Sexo:

1.3 Local de nascimento:

1.4 Freguesia e concelho onde mora: Há quanto tempo?

1.5 Número de pessoas que vivem consigo:

1.6 Escolaridade Completa:

1.7 Qual é a sua ocupação atual (descrição pormenorizada do trabalho e das

funções):

1.8 Freguesia e concelho onde trabalha: Há quanto tempo?

II – Perceção do fenómeno

2.1 Com base na sua experiência, pensa que o clima está a mudar? O que o leva a dizer isso?

2.2 Já ouviu falar em aquecimento global ou em AC? Se sim, onde ouviu falar sobre isso? Com

que ideia é que ficou?

2.3 E para si, o que é isto do aquecimento global e das AC?

2.4 Assumindo que o aquecimento global e as AC estão a acontecer: Isso preocupa-o? Muito?

Pouco? Nada?

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2.5 Qual é a importância do aquecimento global e das AC para si? Porquê?

III – Perceção das causas

3.1 Em seu entender, quais são as principais causas para a erosão costeira?

3.2 Assumindo que o aquecimento global e as AC estão a acontecer: O que pensa que os

causou? Causas naturais? Atividades humanas? Ambas? Outras?

3.3 Porquê?

IV – Perceção dos riscos

4.1 Pensa que o aquecimento global e as AC afetam/afetarão o seu dia-a-dia? Como?

4.2 Pensa que o aquecimento global e as AC afetam/afetarão a vida da sua família? Como?

4.3 Pensa que o aquecimento global e as AC afetam/afetarão o seu trabalho? Como?

4.4 Pensa que o aquecimento global e as AC afetam/afetarão a vida dos pescadores artesanais

de Espinho? Como?

4.5 Quando pensa que estas consequências vão fazer-se sentir? Ou já se fazem sentir? i) no

seu dia-a-dia; ii) no seu trabalho; iii) em Espinho.

V – Comportamentos

5.1 Pensa que se poderia reduzir o aquecimento global se as pessoas mudassem de

comportamentos? Quais? Porquê?

5.2 Pessoalmente, mudou algum comportamento por causa destes fenómenos? Se sim,

qual/quais? Porquê?

5.3 Quais os comportamentos que as pessoas deveriam adotar, no sentido de interferir o mínimo

possível com o aquecimento global e as AC? Porquê?

5.4 Pessoalmente, pensa adotar algum comportamento por causa destes fenómenos? Se sim,

qual/quais? Porquê?

5.5 Pela sua experiência, como é que é possível lidar com as consequências do aquecimento

global e das AC?

5.6 Na sua opinião, vale a pena informar-se e participar nas decisões locais sobre os efeitos do

aquecimento global e das AC? Porquê?

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5.7 Na sua opinião, o que pensa que deveria/poderia ser feito?

5.8 Se tivesse uma boa ideia para, na sua vida e/ou no seu trabalho, poder lidar de

modo positivo com os efeitos das AC, como a poria em prática? Com quem falaria?

VI – Perceção das responsabilidades

6.1 Na sua opinião, quem pensa que é responsável por encontrar soluções para as

consequências do aumento da temperatura (no mar e em terra) ou para a erosão costeira? As

Nações Unidas? A União Europeia? O governo? Os cientistas? A comunicação social? As

pessoas, cada uma por si? Outro? Todos?

6.2 Aqui em Espinho e relativamente ao seu trabalho, na sua opinião, quem deve ser o

responsável, ou devem ser os responsáveis, para se encontrar soluções?

VII – Articulação

7.1 Antes desta nossa conversa já tinha pensado neste assunto? Já tinha falado com alguém

sobre isto? Se sim, com quem?

7.2 Já alguma entidade oficial falou consigo sobre este assunto? Se sim, qual foi a entidade e

porquê?

7.3 Já alguma entidade oficial falou com alguém da sua família sobre este assunto? Se sim, qual

foi a entidade e porquê?

7.4 Tem conhecimento de que alguma entidade oficial tenha falado sobre este assunto com

algum dos outros pescadores? Se sim, qual foi a entidade e porquê?

VIII – Outros

8.1 Há alguma coisa que gostasse de acrescentar?

8.2 O que pensa sobre as AC, depois desta nossa conversa?

Muito obrigada pela sua disponibilidade!

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Anexo II

Guião de entrevista após a pré-visualização do documentário “Arte Xávega e a Ecologia dos

Saberes”

I. O que acharam do documentário?

II. Sentem-se representados?

III. Sentem a vossa realidade e vivência representadas?

IV. Sentem as vossas preocupações bem documentadas?

V. Gostariam de ver este documentário reproduzido regional e nacionalmente?

VI. Sentem que este documentário vos vai valorizar?

VII. O que sabe sobre aquecimento global ou Alterações Climáticas (AC)? (Causas

naturais? Atividades humanas?) O aquecimento global e as AC fazem-se sentir?

Afetam/afetarão a vida dos pescadores artesanais? Como é que é possível lidar com

as consequências do aquecimento global e das AC?

VIII. Na sua opinião, vale a pena informar-se e participar nas decisões locais sobre os

efeitos do aquecimento global e das AC? Porquê? O que pensa que deveria/poderia

ser feito? Quem deverá intervir? (Entidades/Centrais, Câmara, Associações…)

IX. O que pensa sobre as AC, depois de assistir a este documentário?

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Anexo III

Guião de entrevista final - Perceção sobre a biologia das pescas e sobre as atitudes

conservacionistas

1. Quais são as espécies que mais se pescam atualmente?

2. E no passado? Quais eram as espécies que mais se pescavam?

3. Quais as principais diferenças entre o que se pesca agora e o que se pescava no passado? A

que atribui essas diferenças?

4. Quais as espécies mais lucrativas? As que pescavam ou as que agora pescam? E quais as

menos lucrativas? As que pescavam ou as que agora pescam? Em que medida estas

alterações afetam a vossa atividade? Como vê o futuro?

5. Acha importante que se tomem medidas para se proteger as diversas espécies de peixe?

6. Quais é que acham que seriam as medidas a tomar para as proteger? Porquê?

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Anexo IV

Guião do documentário “Arte Xávega e a Ecologia dos Saberes”

Imagem Som

Cidade de Espinho – praias, casino, feira semanal, esporões,

desportos aquáticos e principais ruas.

Imagens introdutórias à Arte Xávega.

“Arte Xávega e a Ecologia dos Saberes” (título).

Praia dos Pescadores – gaivotas, barcos de Xávega e redes de

pesca.

Pescadores locais, palheiros de abrigo e Bairro dos Pescadores.

Pescadores a puxarem as cordas na praia, visualizando-se a rede

a sair lentamente do mar, em direção à praia.

Saco de malha fina onde o peixe se encontra aprisionado.

Pescadores colocam o peixe que acabou de sair do mar em cestos

de rede. Visualiza-se um manequim de uma varina e varinas a

comercializarem o pexe.

O concelho de Espinho fica localizado na região Norte,

nomeadamente, no distrito de Aveiro, pertencendo à Área Metropolitana

do Porto. Está situado a cerca de 50 km da cidade de Aveiro e a 20 km

da cidade do Porto. É conhecida, principalmente, pelo seu casino, pela

sua feira semanal, a qual é a maior do país e pelas suas praias, tendo a

sua frente marítima uma extensão de 8 km. A sua população é de cerca

de 31 800 habitantes.

O imenso azul faz parte do imaginário desta cidade, cuja costa

se encontra recortada por esporões, os quais acalmam a rebeldia do mar

e tornam-no bastante atrativo para banhos veraneios. Ao mesmo tempo,

possui, também, umas das ondulações mais cobiçadas de Portugal,

adequada para a prática de desportos aquáticos e de deslize como o surf,

bodyboard e longboard.

No entanto, se nos deslocarmos para sul da cidade de Espinho

deparamo-nos com uma tradição secular, muito anterior a qualquer

campeonato de surf e que se designa por Arte Xávega.

Inicialmente, tudo era areia, mar e gaivotas. Espinho ainda não conhecia

as gentes, nomeadamente aquelas cuja força do mar atraiu e por cá

ficaram.

Oriundos do Furadouro, homens decididos a trabalhar o mar

humanizaram a paisagem. Vieram a chamar-lhes “Vareiros”. Fixaram as

suas raízes na praia da costa de Espinho, onde geraram uma colónia

piscatória. Construíram palheiros de abrigo e fundaram uma povoação a

que denominaram Espinho.

A arte de arrastar – Xávega ou Xávena – utiliza-se na praia de Espinho,

numa tradição local que tem mais de cem anos. Uma comunidade, que

contra o mundo globalizado e capitalizado, abraça as suas

particularidades sem temor.

Esta arte é constituída, essencialmente, por um saco de malha fina, onde

se aprisiona o peixe.

Chegado ao areal, o pescado era separado e colocado em cestos de rede

denominados “rapichéis” ou “redanhos” e levados pelas mulheres de

canastra à cabeça.

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Homens de mar – entram com o barco pelo mar adentro.

Homens da terra – pescadores a consertarem redes de pesca na

praia.

Barco a entrar no mar com a ajuda de um trator. Pescadores dentro

do barco, junto à costa, a preparem-se para conduzir o barco para

longe da praia.

Pescador Fernando Araújo.

Pescador António Rocha.

Pescador José Barros.

Pescador António Rocha.

Calotes polares.

Pescador José Barros.

Assim, os homens dividiam-se em dois grupos: por um lado, os homens

de mar, isto é, os remadores que conduziam o barco para o largadouro,

onde era lançada a rede e, por outro, os homens da terra, que se

encarregavam dos parelhos, isto é, as redes e as cordas.

O barco entra no mar, deixando ficar em terra uma ponta de cabo e

quando estiver a 3 ou 4 Km da costa é lançada a rede. Nesta bela

odisseia, os pescadores vagueiam e saboreiam este mar infinito que nos

rodeia e que com eles trazem conhecimentos dos quais de outra forma

não poderiam acontecer. Como tal, “tudo vale a pena quando a alma não

é pequena” e explorar os conhecimentos destes homens, conseguidos

em década de trabalhos oceânicos é um exercício nobre, mas acima de

tudo necessário.

72 anos. Sou Fernando Araujo.

António Gonçalves da Rocha.

Ou quer apelido?

Pode dizer…

O apelido é António do Alsino.

José Barros

E a sua idade?

68 anos.

Com base na sua experiência a trabalhar aqui na praia pensa que o clima

está a mudar?

Está a mudar muito o clima, já não é como antigamente.

Porquê que diz isso?

Eu vejo tantos fenómenos aí, que eu já nem sei…no tempo dos nossos

pais o clima andava mais certo. No Inverno fazia Inverno. No Verão fazia

Verão. Agora em qualquer altura é Inverno ou Verão. Estamos a ficar num

período de seca…as temperaturas por vezes sobem elevadamente,

passado um dia ou dois já começam a baixar. O tempo já não está tão

certo como estava antigamente.

Então já ouviu falar em aquecimento global e em alterações climáticas?

Já, vemos na televisão o gelo todo a derreter…

Então e o quê que o senhor acha sobre isso?

Não sei se o problema é da poluição que andamos a fazer, se é a

natureza. Acho eu que seja precisamente pela poluição que fazemos.

Penso eu.

E isso preocupa-o?

Preocupa-me bastante.

Com base na sua experiência a trabalhar aqui, acha que o clima está a

mudar?

Acho que sim, porque já temos neve há um mês. Nunca vi disto.

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Pescador António Rocha.

Casas em madeira antigas (Bairro do Flecha).

Pescador Fernando Araújo.

Barcos de pesca industrial.

Pescador António Rocha.

Fábricas a lançar pelas chaminés poluentes atmosféricos.

Pescador Fernando Araújo.

Erosão costeira, sabe o que é?

Sim, é o mar que está a avançar muito. Antigamente, esta praia era muito

maior. Existiam até casas em madeira, mas foi tudo abaixo.

Os grandes armadores, que são os arrastões andam muito tempo com o

peixe no barco, deixando de ser fresco. Chega ao mercado e deita-se

fora. O nosso não, vai para o mercado e é logo vendido. Mas não é só

aqui em Espinho, é daqui até Vila Real de Sto. António (Algarve).

Pensa que o aquecimento global e as alterações climáticas vão afetar o

seu dia a dia?

Eu acho sim, pelo que ouço dos cientistas, convenço-me que sim, pelo

menos eles são especialistas disso e eu vou ouvindo o que os cientistas

dizem.

E vai afetar o seu trabalho?

O meu trabalho, o meu dia a dia, acho que não, mas daqui por uns anos…

Acha que a vida dos pescadores vai ser diferente daqui a uns anos por

causa das alterações climáticas?

É capaz, o peixe está a desaparecer, está em vias de extinção…

Acha que se já se faz sentir agora?

Sim, já se faz sentir em muita coisa. Antigamente não faltava peixe, agora

vemo-nos consumidos para apanhar um bocado de peixe. Ora, vem toda

de uma vez ou está quinze dias sem dar nada. É diferente isto. Eu acho

que estas Alterações Climáticas um dia, vão afetar tudo, mais vai ter anos,

não vai ser de um dia para outro. Nos próximos dez anos talvez não se

note tanto, mas passado 30 ou 40 anos vai estar certamente muito

diferente.

O que acha que poderíamos fazer para melhorar?

Muita coisa. Por exemplo, as grandes superfícies que deitam coisas para

o planeta, os fumos…deveria existir alguém que regulamentasse isso. Os

lixos, a poluição, aqui no mar é uma porcaria. Antigamente, havia mais

limpezas, mais cuidados…mas isso pertence aos governos.

Na sua opinião, é o governo responsável por encontrar soluções?

Sim, os governos de todo o mundo.

Quais são as espécies que mais se pescam atualmente?

Aqui nós em Espinho é o biqueirão, carapau e a cavala. Sardinha é de

longe a longe.

Nota alguma diferença entre o que se pesca agora e o que se pescava

no passado?

Nota-se muito e vai notar-se mais.

Mas nota-se a nível da diversidade de peixes ou da quantidade?

Da quantidade…

A que se deve haver menos quantidade, tem noção disso?

Uns dizem uma coisa e outros dizem outra, mas enquanto não houver

cheias nos rios, água doce a vir para o mar, as pescas vão ser poucas.

Quais é que são as espécies mais lucrativas?

Ora bem, era a lula se viesse. Robalo, rabetas (que é quase como o

robalo)…são esses peixes diferentes.

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Pescador António Rocha

Pormenor da mão do pescador a remendar as redes de pesca.

Pescador António Rocha.

Interior do Museu Municipal de Espinho.

Há mais lucro agora ou no passado?

No passado havia mais lucro, havia safras boas.

Como vê o futuro?

A acabar…

Acha importante que se tomem medidas para proteger as diferentes

espécies de peixe?

Ora bem, eu acho que não é preciso, porque já estão a aparecer espécies

de peixe aqui na costa que não apareciam. Quando apareciam era

quando o rei fazia anos, que é o caso da raia. Antigamente, eramos

capazes de andar um ano inteiro e só apanhar uma. E agora por lanço já

vêm 4, 5 raias. Isso deve-se a alguma coisa: aos grandes arrastões, que

matam a cria toda. Agora, as outras espécies…uma vez dá uma coisa,

outra vez dá outra. E é assim.

Então, quais é que são as espécies que mais se pescam atualmente?

Nós aqui nesta vida da Arte Xávega, é mais o carapau…

E no passado também era assim?

Era mais ou menos, mas havia mais espécies de peixe. Havia uns peixes

que agora não se conhecem, chamadas espadilhas. Agora não se vêm.

Agora, volta e meia, pescamos uns biqueirões, carapaus, umas

misturas…é assim mais ou menos.

Quais são as espécies que rendem mais?

O peixe está quase todo ao mesmo preço aqui. Se não for meia dúzia de

vareias a vender o peixe do primeiro lanço… Agora os compradores são

escassos, andamos a trabalhar por um lanço ou dois. Antigamente,

dávamos aos sete, oito lanços por dia. Agora depois de um lanço ou dois

e já não temos compradores. Estas grandes superfícies, sabe como é,

vieram para aqui e enchem tudo de peixe. E o nosso peixe que é o fresco,

sai do mar e praticamente já nem valor tem.

Como é que vê o futuro?

Eu vejo o futuro para esta vida um bocado à rasca. Ao menos para aqui

para a Arte Xávega.

Porquê?

Precisamente por causa dos lucros que temos tido agora, que são

poucos. Não temos a quem vender o peixe, o peixe não dá dinheiro aqui

nestas praias. E é assim por aí fora. Antigamente dávamos sete, oito

lanços, tínhamos muitos compradores. Agora há dias que temos peixe,

mas não vamos ao mar, porque não temos a quem o vender. O que é que

vamos fazer? Olhem, vamos cada um para cada lado. O problema é

vender o peixe aqui nestas praias…

Acha importante que se tomem medidas para preservar as espécies de

peixe?

As medidas…as medidas passariam por todos nós deixarmos de pescar.

Mas o pescador iria viver de quê? Não vejo outra solução. Só se acabasse

os barcos. Mas eu acho que isso não pode acabar, já viu quantas pessoas

andam a trabalhar no mar? Há muita gente a trabalhar no mar, para a

sobrevivência…

No período compreendido entre 1960 e 1969, a Arte Xávega

em Espinho foi próspera e registaram-se mesmo novas companhas.

Começou-se, portanto, a falar na função turística e lúdica da pesca,

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Fotografias antigas da Arte Xávega em Espinho.

Barco de Arte Xávega a navegar para longe da costa.

Pouco peixe nas redes de pesca.

Pescadores na praia a preparem-se para receber as redes de

pesca que vêm do mar.

Ondas a fustigarem a costa espinhense (erosão costeira).

Entrada de uma embarcação no mar, com o esporão ao lado.

Duas embarcações no areal da Praia dos Pescadores.

Pormenores das embarcações

Interior do Museu Municipal de Espinho.

Grafites nas redondezas do Museu relacionados com a Arte

Xávega.

Câmara Municipal de Espinho.

Presidente da Câmara Municipal de Espinho.

Apoios de pesca na Praia dos Pescadores.

Laboratórios de biologia marinha.

Imagens aéreas da costa espinhense.

Créditos finais.

devido ao interesse sempre demonstrado pelos turistas nacionais e

estrangeiros na Arte Xávega. De Espinho chegava a sair sardinha para

Espanha e até apara o Brasil. Todavia, atualmente, a Arte Xávega vive

momentos difíceis, sobrevivendo apenas graças a resiliência de alguns

pescadores. Existe, portanto, um conjunto de fatores que colocam

obstáculos sérios à continuação desta arte. Nomeadamente: uma menor

ocorrência de peixe na área de atuação; um número cada vez menor de

pescadores; às evidentes alterações do clima, as quais destabilizam e

desregulam os calendários habituais de pesca e as evidentes alterações

na linha costeira, assistindo-se ao recuo das praias em toda a atuação da

Xávega, o que torna mais difícil a entrada das embarcações no mar, pois

o mar ataca a praia com tanta mais intensidade, quanto maior for o seu

efeito erosivo (daí a existência dos esporões na paisagem de Espinho,

que é como se fossem autênticas fortalezas marítimas).

Em 1997, existiam apenas duas companhas em Espinho.

Atualmente, continuam a existir duas companhas ainda em atividade –

“Campanha Nelson e Sérgio” e “Campanha Vamos Andando”. Nos

tempos que correm, o objetivo principal do concelho de Espinho em

relação à Arte Xávega é o de transformar o papel de subsistência, num

papel turístico, etnográfico e cultural, fazendo, desta forma, com que se

valorize a Arte Xávega, tornando-a num ex libris do concelho de Espinho.

A Câmara Municipal de Espinho, ao longo dos últimos anos, tem apostado

fortemente na melhoria das condições desta atividade, construindo

apoios de pesca, para que as campanhas que ainda estão ativas

desenvolvam a sua atividade. Por outro lado, pretendemos criar as

condições para que Arte Xávega seja vista pelos olhos curiosos de todos

aqueles que nos visitam, designadamente os turistas nacionais e

estrangeiros.

Associar os conhecimentos destes pescadores ao trabalho que é

desenvolvido nas universidades é uma mais valia aqui e em qualquer

outra parte do mundo. Saber interpretar estes saberes é também fazer

ecologia, porque ecologia não é só rios e montanhas, é muito mais do

que isso.

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Anexo V

“Arte Xávega e a Ecologia dos Saberes”