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PEDRO PAULO MACHADO BASTOS O EFEITO DE LUGAR NO RIO DE JANEIRO: Uma análise da Tijuca no tempo e no espaço Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Pro- grama de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Re- gional da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Planejamento Urbano e Regional. Orientador: Prof. Dr. Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro Rio de Janeiro 2017

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PEDRO PAULO MACHADO BASTOS

O EFEITO DE LUGAR NO RIO DE JANEIRO:

Uma análise da Tijuca no tempo e no espaço

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Pro-

grama de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Re-

gional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau

de Mestre em Planejamento Urbano e Regional.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro

Rio de Janeiro

2017

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PEDRO PAULO MACHADO BASTOS

O EFEITO DE LUGAR NO RIO DE JANEIRO:

Uma análise da Tijuca no tempo e no espaço

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Pro-

grama de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Re-

gional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau

de Mestre em Planejamento Urbano e Regional.

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________________________ Prof. Dr. Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro – orientador Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ _________________________________________________ Prof. Dr. Marcelo Gomes Ribeiro Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ _________________________________________________ Prof. Dr. Robert Moses Pechman Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ _________________________________________________ Prof. Dra. Julia Galli O’Donnell Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – UFRJ

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Este trabalho é dedicado a todos os tijucanos, de ontem ou de

hoje, de nascença ou de espírito, que quiseram entender a si

mesmos neste Rio de Janeiro e não conseguiram.

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AGRADECIMENTOS

Ao professor Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro pela oportunidade dada em poder fazer

parte do time do Observatório das Metrópoles, por ter aceitado a orientação deste

trabalho em meio a uma mudança tão radical, e, também, pelas dicas tão certeiras.

Ao professor Marcelo Gomes Ribeiro, pela coorientação não oficial e por ter colabo-

rado na construção deste projeto desde o início, sempre com muita gentileza, paciên-

cia e amizade. Aos meus pais, pelo suporte material e especialmente moral em apoi-

arem as minhas escolhas profissionais e, sobretudo, por terem me “apresentado” à

Tijuca – e ela a mim –, experiência vivida que, sem dúvidas, me permitiu realizar este

trabalho com mais desenvoltura. Aos amigos do Observatório – Beth, Karol, Breno,

Juciano, entre outros –, pelo inestimável apoio durante minha trajetória no IPPUR; ao

Daniel Toscani, pelo companheirismo durante o árduo desenvolvimento deste traba-

lho; à Raquel Moratori, por ser a grande “fada-madrinha” disto tudo; aos entrevistados

que concederam depoimento em prol desta pesquisa: Luciana Hidalgo, e também por

estes anos de amizade e incentivo; Andrea Magalhães, pela simpatia em me falar dos

seus tempos de repórter; Gustavo Colombo, pelo espírito comunitário e ativista sem-

pre a postos; Julia Wiltgen, por “ressuscitar” a crônica Tijucanices; aos leitores fiéis e

participativos de “O PASSEADOR TIJUCANO”. Aos outros professores com quem tra-

vei contato neste curso de Mestrado e que muito ajudaram a construir o meu objeto:

professor Robert M. Pechman (IPPUR/UFRJ), pelos ricos diálogos desde “Cidade e

Sociabilidade”; professor Adauto Lucio Cardoso (IPPUR/UFRJ), por me estimular a

trabalhar com um objeto de pesquisa pelo qual fosse apaixonado; e professora Julia

O’Donnell, pelas valiosas contribuições na minha banca de qualificação. Um último –

mas não menos especial – obrigado a todos os funcionários do IPPUR pela atenção

e suporte dispensados, e à CAPES, pela concessão de bolsa fundamental para que

eu cursasse este Mestrado.

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“Quando eu deixar a Tijuca

Sinto que o céu não irá me agradar

Pois não basta um paraíso inteiro

Pra saudade que Tijuca dá”

(BLANC, 2000, p. 7).

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RESUMO

O objetivo deste trabalho foi compreender o lugar da Tijuca no espaço social e físico

carioca. A relevância de se estudar o espaço social e físico “tijucano” se deve à parti-

cipação controversa deste lugar no imaginário de uma cidade estruturada por um cen-

tro e por uma periferia e de suas representações associadas – no caso do Rio, a

dicotomia entre Zona Sul versus “Zona Norte”/Subúrbios. Com isso, a problemática

desta pesquisa aponta a Tijuca como uma localização cujo simbolismo apresenta uma

polifonia de significados observada nos discursos e representações que os cariocas

atribuem à hierarquia que estrutura e escalona o seu mapa social. Para uma maior

compreensão dessa problemática, investigou-se o processo de constituição simbólica

do mapa social carioca contemporâneo, buscando compreender o lugar ocupado pela

Tijuca nessa estrutura tanto no tempo como no espaço. Na primeira etapa, foi reali-

zada uma revisão de literatura sobre o objeto no período 1900-1959. Na segunda

etapa, foi realizada uma investigação bibliográfica em jornais a partir do exame das

representações sociais atribuídas ao objeto pelas reportagens veiculadas em dois

grandes jornais cariocas – O Globo e Jornal do Brasil – no período 1960-2009. Os

resultados mostraram que a análise da trajetória simbólica do bairro em questão de-

safia a sustentação da hipótese de que a condição de centralidade da Tijuca fora dos

limites físicos da Zona Sul e territorialmente vizinha aos Subúrbios justificaria por si só

a razão de este ser um lugar socialmente “controverso”. Verificou-se que a problemá-

tica é mais bem explicada pela percepção de um declínio do capital simbólico da Tijuca

bastante presente nos discursos e opiniões menos prestigiadores atribuídos ao bairro

pelos agentes sociais formadores de opinião.

Palavras-chave: Sociologia urbana – Tijuca (Rio de Janeiro, RJ); Classes Sociais; Tijuca (Rio de Janeiro, RJ) – Condições sociais; Percepção Espacial – Tijuca (Rio de Janeiro, RJ); Segregação urbana – Tijuca (Rio de Janeiro, RJ).

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ABSTRACT

The objective of this work was to understand the place of Tijuca in the social and phys-

ical space of Rio de Janeiro. The relevance of studying the “tijucano” social and phys-

ical spaces is due to the controversial participation of this place in the imaginary of a

city structured by a center and by a periphery and its associated representations – in

the case of Rio, the dichotomy between South Zone versus “North Zone” / Suburbs.

Thus, the problematic of this research points to Tijuca as a location whose symbolism

presents a polyphony of meanings observed in the discourses and representations that

the Cariocas attribute to the hierarchy that structures and scales their social map. For

a better understanding, we investigated the process of symbolic constitution of the so-

cial map of Rio de Janeiro, seeking to understand the place occupied by Tijuca in this

structure both in time and in space. In the first stage, we carried out a literature review

on the object in the period 1900’s – 1950’s. In the second stage, we carried out a

bibliographical investigation based on the analysis of the social representations at-

tributed to the object by the reports published in two major newspapers in Rio de

Janeiro – O Globo and Jornal do Brasil – during the period 1960’s – 2000’s. The results

showed that the analysis defies the support of the hypothesis that the centrality condi-

tion of Tijuca outside the physical limits of the South Zone and territorially close to the

Suburbs would justify itself the reason for this be considered a socially “controversial”

place. We verified that the problem is better explained by the perception of a decline

of the symbolic capital of Tijuca present in the less prestigious discourses and opinions

attributed to the neighborhood by the influencers.

Keywords: Urban Sociology – Tijuca (Rio de Janeiro, RJ); Social Classes; Tijuca (Rio de Janeiro, RJ) – Social conditions; Spatial Perception – Tijuca (Rio de Janeiro, RJ); Urban Segregation – Tijuca (Rio de Janeiro, RJ).

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1. O espaço das posições sociais e o espaço dos estilos de vida. ............... 27

Figura 2. O mapa social do Rio de Janeiro: as tipologias socioespaciais do

Observatório das Metrópoles. ................................................................................... 39

Figura 3. Os espaços de representação da Tijuca nas redes sociais ....................... 52

Figura 4. Vetores de expansão das classes dominantes no século XIX (cartograma).

.................................................................................................................................. 69

Figura 5. O palacete onde residiu o Conde de Itamaraty, no Alto da Boa Vista (2014)

.................................................................................................................................. 74

Figura 6. Detalhe do mapa da cidade do Rio de Janeiro mostrando as poucas ruas

locais: Tijuca, Fábrica das Chitas (atual Praça Saenz Peña) e Andaraí Grande....... 78

Figura 7. Panorama da Igreja de São Francisco Xavier do Engenho Velho (2016) . 79

Figura 8. Os topônimos no espaço físico carioca: o referencial da “Zona Sul” na

constituição dos pontos ............................................................................................. 99

Figura 9. Partida de tênis no Tijuca Tênis Clube .................................................... 107

Figura 10. Vista aérea da Praça Saenz Peña (anos 1940). ................................... 117

Figura 11. As lojas elegantes da Praça Saenz Peña (anos 1940).......................... 124

Figura 12. Apanhado ilustrativo das reportagens analisadas para a pesquisa ....... 135

Figura 13. Vetor de expansão das classes dominantes a partir de 1930 ............... 137

Figura 14. Anos 1960: o Maciço da Tijuca com o Morro da Formiga ao fundo, a Rua

Uruguai e, à direita, o bairro do Andaraí. ................................................................ 140

Figura 15. Entre a verticalização e a manutenção das antigas casas: um panorama

da Rua Conde de Bonfim (2014) ............................................................................. 143

Figura 16. O metrô em pauta: a descaracterização da Tijuca ................................ 155

Figura 17. O caderno “Tijuca”, de O Globo: comunicação bairrista entre jornal e

público-alvo ............................................................................................................. 161

Figura 18. A tradição e a modernidade na Tijuca: fotógrafos lambe-lambe próximos

à estação Saens Peña do metrô (1986) .................................................................. 166

Figura 19. Vista aérea da Praça Saenz Peña (1990) ............................................. 172

Figura 20. A violência na Tijuca em manchete: capas de O Globo (2002) ............ 180

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1. Densidade relativa na participação das Categorias Sócio-ocupacionais de

classe Superior nas regiões de tipo superior............................................................. 41

Gráfico 2. Densidade relativa na participação das Categorias Sócio-ocupacionais de

classe Média nas regiões de tipo superior ................................................................ 42

LISTA DE QUADROS

Quadro 1. A estrutura social brasileira pelas categorias sócio-ocupacionais do

Observatório das Metrópoles. ................................................................................... 37

Quadro 2. As Áreas de Planejamento (APs) do Rio de Janeiro ............................... 57

LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Participação das categorias sócio-ocupacionais nos distritos superiores da

cidade do Rio de Janeiro (2000-2010) – em % ......................................................... 40

Tabela 2. Participação das categorias sócio-ocupacionais (2000-2010) –

comparativo entre Zona Norte (Tijuca e Vila Isabel) e Subúrbios – em % ................ 43

Tabela 3. Domicílios segundo o tipo nos distritos superiores (2010) ........................ 44

Tabela 4. Domicílios segundo o tipo (2010) – Zona Norte (Tijuca e Vila Isabel) e

Subúrbios .................................................................................................................. 44

Tabela 5. Renda média dos chefes ocupados segundo condição de ocupação do

domicílio (em R$ - 2000-2010) – distritos superiores ................................................ 44

Tabela 6. Renda média dos chefes ocupados segundo condição de ocupação do

domicílio (em R$ - 2000-2010) – Zona Norte (Tijuca e Vila Isabel) e Subúrbios ....... 45

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 13

PARTE I - O “PROBLEMA” DA TIJUCA ............................................................................ 20

1 ESPAÇO SOCIAL E ESPAÇO FÍSICO: O LUGAR DA TIJUCA ...................................... 21

1.1 O espaço social............................................................................................................ 21

1.2 O espaço físico ............................................................................................................ 28

1.3 Segregação residencial ............................................................................................... 30

1.4 O lugar da Tijuca no espaço social carioca ............................................................... 36

1.5 O lugar da Tijuca no espaço físico carioca ................................................................ 46

2 A TIJUCA NAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS .............................................................. 48

2.1 A Tijuca no mapa dos afetos (e desafetos) cariocas ................................................. 48

2.2 A Tijuca no mapa da Prefeitura ................................................................................... 57

2.3 A Tijuca no mapa da crônica e da literatura .............................................................. 61

3 O SIMBOLISMO DO MAPA SOCIAL CARIOCA.............................................................. 68

3.1 O lugar da Tijuca no Rio “oitocentista”...................................................................... 68

3.1.1 Tijuca, um nome que “deslizou” (1850-1899) .............................................................. 76

3.2 Segregação residencial no Rio do Século XX............................................................ 81

3.2.1 A Reforma Passos ...................................................................................................... 82

3.2.2 A invenção da Zona Sul .............................................................................................. 85

3.2.3 Na contrapartida, os “Subúrbios” ................................................................................ 89

3.3 Os ganhos de espaço através da toponímia .............................................................. 96

PARTE II - A TRAJETÓRIA DA TIJUCA .......................................................................... 101

4 O LUGAR DA TIJUCA NO RIO MODERNO .................................................................. 102

4.1 A invenção das tradições .......................................................................................... 102

4.2 A classe média tijucana ............................................................................................. 110

4.3 A Praça Saenz Peña: o primeiro subcentro de elite do Brasil ................................ 114

4.4 Os “anos dourados” e suas contradições ............................................................... 118

4.5 O habitus no lugar: a tradição, a moral e os bons costumes ................................. 123

5 MUDANÇAS NA FISIONOMIA URBANA DA TIJUCA (1960-1970) .............................. 132

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5.1 A metodologia de pesquisa ....................................................................................... 133

5.1.1 Sobre as fontes documentais: o Jornal O Globo e o Jornal do Brasil (JB)................. 133

5.1.2. Percurso e procedimentos técnicos de investigação ................................................ 134

5.2 Os anos de 1960: “a tranquilidade moderna” .......................................................... 136

5.3 Os anos de 1970: um bairro com vocação para crescer ......................................... 146

6 O DECLÍNIO SIMBÓLICO (1980-2000) .......................................................................... 157

6.1 Os anos de 1980: o capital simbólico da Tijuca se abala ....................................... 157

6.2 Os anos de 1990: entre o bairrismo e a vontade de ir embora ............................... 168

6.3 Os anos de 2000: o orgulho ferido pela violência ................................................... 178

7 CONCLUSÃO: TIJUCA, UM BAIRRO “MEIO-NÃO-SEI-COMO” .................................. 187

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 192

ANEXO I – REFERÊNCIAS DOS DOCUMENTOS ANALISADOS NO JORNAL O GLOBO

E JORNAL DO BRASIL POR DÉCADA ........................................................................... 199

ANEXO II – PANORAMA ILUSTRATIVO DA TIJUCA: PONTOS E LOCAIS DE

REFERÊNCIA ................................................................................................................... 222

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INTRODUÇÃO

Em março de 2016, havia sido publicada uma charge na página do Facebook “Subur-

bano da Depressão”1 que satirizava a imagem do morador do bairro da Tijuca, no Rio

de Janeiro. O teor da piada seguia o senso comum que os moradores dos Subúrbios

cariocas aparentemente atribuíam àquele na percepção de seus contrastes interati-

vos. Na ilustração, via-se a figura de um homem “batendo panela” na sacada de um

apartamento que, em linhas gerais, simulava o padrão de moradia de uma família de

classe social média, média alta. À primeira vista, a cena poderia aludir ao movimento

político dos “panelaços” se não fosse por sua legenda: “Tijucanos batem panela em

protesto à abertura de um [supermercado] Guanabara no bairro... alegando que isso

é coisa de suburbano”. Como nas histórias em quadrinhos, o personagem simulava a

seguinte fala: “Aqui é Zona Sul, p.…!!”.

Em resumo, o que a charge procurava mostrar era uma imagem idealizada do

morador da Tijuca protestando contra a abertura, nesse bairro, de uma rede de super-

mercados cuja marca está reconhecidamente associada ao estilo de vida da periferia

carioca. Como justificativa, o personagem vociferava a ideia de que a Tijuca, no caso,

faria parte da região supostamente mais refinada da cidade, a Zona Sul, onde aquele

tipo de perfil comercial voltado ao populacho não encontraria seu público-alvo tal como

nos Subúrbios.

A sátira publicada no Facebook corrobora a clássica premissa do antropólogo

Gilberto Velho (1989) de que a cidade é um mapa social onde as pessoas definem os

outros e a si mesmas pelo lugar onde moram. Essa ideia também dialoga com a noção

de efeito de lugar explicada por Pierre Bourdieu (1997) sobre o poder simbólico da

“localização” no reconhecimento de classe social. No Rio de Janeiro, esse mapa in-

dica uma cartografia simbólica particular e bastante complexa que, por vezes, trans-

forma o seu espaço numa grande arena de disputas. Para além de um sentido de

pertencimento local, ser tratado como tijucano é o reconhecimento de uma identidade

de classe que alude a uma polifonia de significados (variando de elogiosos a desde-

nhosos) associados às representações hegemônicas do modelo “centro versus peri-

feria” de segregação no contexto carioca.

1 Disponível em: <https://www.facebook.com/SuburbanoDaDepressao/>. Acesso em 12 fev. 2017.

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Contudo, ao representar o tijucano como um agente social que acreditava pos-

suir um tipo de status não reconhecido por seus pares cariocas, a charge rompia com

os pressupostos do imaginário cultural dominante que orienta a percepção da hierar-

quia urbana no Rio de Janeiro. Isto porque embora os chamados bairros suburbanos,

a Tijuca e suas adjacências façam parte de uma única região conhecida por Zona

Norte, esse imaginário sempre estabeleceu e legitimou hierarquicamente as distin-

ções – sobretudo toponímicas – entre esses dois locais: Tijuca e adjacências sendo

tratadas como “Zona Norte” ou, mais recentemente, como “Grande Tijuca”, ao passo

que o restante dos bairros dessa região sendo referenciado apenas por “Subúrbios”.

Portanto, duas categorias socioespaciais distintas e com maior superioridade daquela

sobre esta última. Ao mesmo tempo, esse imaginário também legitimou ao longo do

século XX as distinções socialmente inferiores destes locais em relação à Zona Sul,

lugar considerado portador dos padrões de civilidade e de um estilo de vida referen-

cial, que, segundo o conteúdo da charge, serviria de modelo de inspiração social con-

tundente para os moradores da Tijuca.

Em outras palavras, existe um imaginário que tendia a hierarquizar Zona Sul,

Tijuca e Subúrbios – nesta ordem –, mas que, de acordo com a charge publicada em

2016, não se fazia mais notar nestes termos. A piada compartilhava uma ideia supos-

tamente legitimada de que Tijuca e Subúrbios teriam paridade social, apesar de o

tijucano representado na imagem protestar contra essa associação. Nessas circuns-

tâncias, haveria algum processo em curso reformulando os significados e representa-

ções simbólicas atribuídos às localizações do mapa social do Rio de Janeiro?

Nesse mapa, “Zona Sul” e “Subúrbios” aparecem como categorias opostas que

refletem o perfil de segregação residencial centro versus periferia iniciado na cidade

no princípio do século XX. Paralelamente, também são categorias fluídas: significa

dizer que a expansão imobiliária das classes dominantes rumo à Barra da Tijuca, no

litoral da Zona Oeste, a partir dos anos 1980, incorporou este (hoje) endinheirado ar-

rabalde à paisagem utópica que se faz de uma “Zona Sul”. Na mesma corrente, os

antigos bairros rurais e periféricos do Rio, nos confins da Zona Oeste não litorânea,

assim como alguns municípios da Baixada Fluminense, também têm sido gradativa-

mente imaginados como “Subúrbios” pelas mesmas razões daquela.

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Espremida entre esses dois grandes mundos, a Tijuca se trata de um exemplo

clássico e controvertido de espaço cujas fronteiras simbólicas são imprecisas: está no

“lusco-fusco” entre a ideia de um centro e de uma periferia. Nos anos 1970, o compo-

sitor e escritor Aldir Blanc (1979) reforçava tal representação imprecisa da Tijuca de-

nominando-a um bairro-meio-não-sei-como onde seus moradores padeciam de um

dilema desgraçado: segundo ele, eram considerados semi-ipanemenses pelos subur-

banos, e semi-suburbanos pelos ipanemenses. E complementou: “o tijucano é pre-

mido pelo sagrado horror da acusação de suburbano” e que sonhava, “secretamente,

com as mordomias ipanemenses” (p. 192).

Abrigando cerca de 160 mil moradores distribuídos numa área de 1.006,56 hec-

tares – quase o dobro do tamanho de Copacabana – margeada por belas montanhas,

a ocupação da Tijuca remonta ao período joanino (1808-1821), quando a cidade ainda

era uma simplória mancha urbana em torno do seu atual Centro histórico e financeiro.

Povoada e urbanizada por figurões da aristocracia imperial brasileira, foi o primeiro

bairro do Rio de Janeiro a ser atendido pelos bondes elétricos e a ter seu próprio

subcentro nos anos de 1930. Tal feito concedeu à Praça Saenz Peña, localizada no

bairro, a alcunha de “a segunda Cinelândia carioca”, pelo número de cinemas e, tam-

bém, por seu buliçoso e sofisticado comércio de rua. Ao longo do século XX, consoli-

dou-se como reduto típico de uma classe média bem posicionada vista como “tradici-

onal, conservadora e bairrista”, aposto que lhe foi historicamente atribuído pelos jor-

nais e formadores de opinião. Um bairro “família”, em resumo.

Porém, o passado nobre e aristocrático que, um dia, nos idos do século XIX e

princípios do XX, colocava a Tijuca no vértice da pirâmide social carioca – antes

mesmo de Copacabana, Ipanema ou Leblon serem “inventados” como tais – fez com

que o espaço social e físico contemporâneo daquele bairro se tornasse saudosista

com o que foi e lamentoso com o que aparentemente se tornou. Não são poucos os

jornalistas e literatos em seus artigos, romances, telenovelas e crônicas que se dis-

põem a falar de uma Tijuca romântica de tempos pretéritos e de uma Tijuca diferente

dos tempos atuais. Nas redes sociais, pululam páginas, blogs e fóruns dedicados a

discorrer com entusiasmo sobre essa Tijuca de antigamente e queixumes quanto à

Tijuca de hoje. Uma Tijuca que assiste, decerto, ao desmanche da sua fisionomia de

tempos sofisticados que, no passado, tanto encantou o pintor alemão Johann Moritz

Rugendas.

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Assim, a problemática da Tijuca como um lugar impreciso, meio-não-sei-como,

parece ficar ainda mais complexa e intrigante quando procuramos entender as disso-

nâncias encontradas sobre esse tema na perspectiva de outros interlocutores. A re-

presentação da hierarquia do espaço social carioca difundida pelas Ciências Sociais

Aplicadas a partir dos dados divulgados pelo Censo Demográfico do Instituto Brasi-

leiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010 corrobora o imaginário dominante,

mas vai na contramão da perspectiva apresentada na charge da página “Suburbano

da Depressão”: através de uma metodologia de análise social do território, assinala

que a Tijuca é superior aos Subúrbios, mas inferior à Zona Sul, embora mais social-

mente próxima desta do que daquele. Na mesma narrativa, o modo como a Prefeitura

do Rio se vale de instrumentos normativos para administrar a cidade a partir do zone-

amento também segue a premissa das Ciências Sociais Aplicadas: a chamada

“Grande Tijuca”, estratégia do mercado imobiliário para vender imóveis na Praça da

Bandeira, Vila Isabel, Grajaú, Maracanã, Andaraí e Alto da Boa Vista como “Tijucas”,

é colocada em pé de igualdade com a Zona Sul sob o argumento de que comparti-

lham, as duas regiões, capitais econômicos e culturais muito similares.

Logo, tanto nas Ciências Sociais Aplicadas como na perspectiva da Prefeitura,

a Tijuca aparece no mapa do seleto grupo de bairros que fazem parte do núcleo ur-

bano do Rio de Janeiro em oposição às periferias, tradicionalmente referenciadas pe-

las vizinhanças a oeste da Grande Tijuca – isto é, os Subúrbios. Vê-se, assim, uma

Zona Norte socialmente fragmentada por uma fronteira virtual entre “Zona Norte me-

lhor” e “Zona Norte pior”, “Zona Norte nobre” e “Zona Norte popular” – ou mesmo entre

“Zona Norte” e “Subúrbios”; “Grande Tijuca” e “Subúrbios da Central, Leopoldina etc.”

Neste contexto, se a Tijuca parecia ser socialmente qualificada de um jeito no

passado, e, agora, parece ser qualificada de outro tido como inferior, mais “subal-

terno”, sem que as nuances que compõem essa percepção sejam socialmente com-

partilhadas, é possível afirmar que tal ressignificação esteja sendo fruto de um pro-

cesso de transformação simbólica desse lugar nas “teias de relações sociais (que ne-

cessariamente têm de se materializar em deslocamentos de pessoas) que definem

uma estrutura espacial urbana” (VILLAÇA, 1998, p. 174). Um processo que, por ainda

estar em seu curso, não é capaz de orientar percepções e representações de espaço

mais concordantes entre si.

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Deste modo, a presente pesquisa assumiu como hipótese que a noção de efeito

de lugar, de Pierre Bourdieu, teria influência relevante no modo com o espaço da Ti-

juca vem sendo ressignificado. Para investigar essa hipótese, é necessário levar em

conta a evolução da estrutura urbana do Rio de Janeiro e o modo como as relações

sociais têm se desencadeado no território. De acordo com a literatura abordada nesta

pesquisa, o modelo de segregação tem se acirrado cada vez mais nos últimos 50

anos, construindo paisagens e fisionomias urbanas específicas que endossam o que

é um “centro” e o que é uma “periferia” por esse imaginário. Além disso, a incorporação

de novas áreas ao tecido urbano – a exemplo da Barra da Tijuca – também vem pro-

movendo uma reestruturação socioespacial que enriquece determinados locais à

custa do empobrecimento de outros.

Assim, não obstante muitos interlocutores dominantes e “de autoridade” ates-

tem a Tijuca como um espaço de centralidade, por outro lado, a associação da Tijuca

a um imaginário de espaço periférico, tal como a charge sugeria, desvela indícios de

que, nos dias de hoje, a localização da Tijuca na “Zona Norte”, por estar territorial-

mente contígua aos Subúrbios e apartada da Zona Sul, seja possivelmente um fator

de anulação do reconhecimento de classe. À medida que as centralidades cariocas

se desenvolvem à beira-mar, cresceria a estigmatização das áreas afastadas desse

epicentro praiano. Daí a ambiguidade responsável por mostrar os sintomas de um

lugar qualificado como socialmente controverso entre uma realidade objetiva – a Ti-

juca como centralidade em termos científicos – e outra imaginada – a Tijuca como

periferia em termos simbólicos –, repleto de representações polêmicas e contraditó-

rias.

Considerando toda essa conjuntura, o objetivo desta pesquisa foi compreender

o lugar da Tijuca no espaço social e físico carioca. Para responder a essa pergunta,

foi realizada uma pesquisa explicativa (VERGARA, 2011) em que se analisou a traje-

tória simbólica do lugar ocupado pelo bairro da Tijuca no mapa social do Rio de Ja-

neiro por meios de investigação bibliográfica (primeira parte: século XIX–década de

1950; segunda parte: décadas de 1960–2000). A discussão teórica do objeto de pes-

quisa foi orientada primordialmente pelo trabalho de Pierre Bourdieu (1930-2002) so-

bre o espaço social e o espaço físico; de David Harvey (2006), para compreender o

modo pelo qual são construídas e propagadas as representações sociais do espaço;

e de Flávio Villaça (1998), sobre a produção intraurbana do espaço brasileiro. Com a

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mesma importância, foi indispensável a contribuição direta da produção científica do

Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Observatório das Metrópoles (IPPUR-

UFRJ), sobretudo por ter orientado a concepção e o desenvolvimento desta pesquisa.

Portanto, os trabalhos dos professores Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Marcelo Gomes

Ribeiro, Luciana Corrêa do Lago, Adauto Cardoso, assim como de outros pesquisa-

dores associados ao Observatório e tão importantes quanto aqueles, contribuíram sig-

nificativamente para a compreensão do objeto na ótica da área de conhecimento do

Planejamento Urbano e Regional.

Na primeira parte da investigação bibliográfica, recorreu-se à revisão de litera-

tura produzida pelo campo das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas sobre o Rio de

Janeiro, com enfoque no período que vai do século XIX à década de 1950. Entre as

principais contribuições, podem ser citados o trabalho de Gilberto Velho (1989) sobre

o bairro de Copacabana; de Maurício de Almeida Abreu (2008) sobre a evolução ur-

bana do Rio de Janeiro; de Julia O’Donnell (2008; 2013) sobre o Rio Moderno (década

de 1920) e a invenção simbólica da Zona Sul, no início do século XX; Nélson da Nó-

brega Fernandes (2011), sobre a concepção carioca de subúrbio; Maria Therezinha

Segada Soares (1990a; 1990b), sobre a concepção geográfica de bairros e fisionomia

urbana carioca; entre outras produções bibliográficas enfocadas no bairro da Tijuca,

a exemplo das obras de Elizabeth Dezouzart Cardoso, Robert Pechman, Lilian Fessler

Vaz et al. (1984), Lili Rose e Nelson Aguiar (2004), Talitha Ferraz (2012) etc.

Na segunda parte da investigação, recorreu-se a 285 artigos de jornal publica-

dos em dois periódicos de grande circulação no Rio de Janeiro – O Globo e Jornal

do Brasil – entre as décadas de 1960 e 2000. Todos esses artigos trataram direta e

indiretamente do tema “Tijuca”, “Praça Saenz Peña” ou “tijucanos” como pauta de re-

portagem. O objetivo foi identificar a maneira pela qual ocorreu a ressignificação da

localização “Tijuca” através da análise do discurso de jornalistas, repórteres e suas

correspondentes linhas editoriais. Dado o público-alvo destes jornais – as classes mé-

dias, média-alta e alta –, esta pesquisa considerou-os veículos de comunicação “for-

madores de opinião” e, portanto, parcialmente responsáveis pela difusão das repre-

sentações atribuídas ao imaginário dominante que se faz do mapa social do Rio de

Janeiro.

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Neste sentido, o presente trabalho estruturou-se em seis capítulos com os se-

guintes objetivos específicos:

(1) Situar o lugar da Tijuca no espaço social e no espaço físico carioca;

(2) Destacar as representações atribuídas à Tijuca na perspectiva que diversos

grupos de interlocutores fazem do mapa social carioca;

(3) Analisar a constituição simbólica do mapa social carioca, focando na dicotomia

Zona Sul versus “Zona Norte”/Subúrbios;

(4) Discutir o lugar da Tijuca a partir da constituição do mapa social carioca na fase

1900-1950;

(5) (6) Analisar as representações atribuídas pelos jornais às mudanças que aco-

meteram a fisionomia urbana (1960-1970) e o declínio simbólico da Tijuca

(1980-2000) no tempo e no espaço.

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PARTE I

O “PROBLEMA” DA TIJUCA

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1 ESPAÇO SOCIAL E ESPAÇO FÍSICO: O LUGAR DA TIJUCA

Este capítulo tem o objetivo de situar o lugar da Tijuca no espaço social e físico carioca

na perspectiva teórica dos estudos sobre segregação residencial na área do Planeja-

mento Urbano e Regional. Para isto, o presente capítulo discute que, nas grandes

cidades contemporâneas do mundo ocidental, o melhor representante da vinculação

existente entre o espaço social e o espaço físico é o espaço urbano, porque nele se

organizam territorialmente as diferentes classes sociais que, quanto mais homogê-

neas entre si, mais tendem a concentrar-se em uma mesma localidade do espaço

físico. Assim sendo, a tônica do processo de segregação residencial das cidades em

geral denota a formação de localizações específicas – a exemplo dos bairros – ocu-

padas por classes geralmente afins em termos de renda, status sócio-ocupacional,

nível de instrução etc. Logo, este capítulo ilustra a categoria “bairro” no modo como a

hierarquia do espaço social é transposta no espaço físico, projetando sobre as suas

diferentes localizações um escalonamento de valores que engloba a importância re-

lativa de certos lugares em detrimento de outros em termos materiais – concentração

de bens e equipamentos – e simbólicos – status relativamente positivos ou negativos.

1.1 O espaço social

Para o sociólogo francês Pierre Bourdieu (2008), o espaço social é uma dimen-

são abstrata que não podemos mostrar nem tocar2. É constituído por posições sociais

definidas pela maneira como os indivíduos biológicos se relacionam uns com os ou-

tros, aspecto que os designa como agentes sociais. Trata-se de uma realidade invisí-

vel cuja estruturação é geradora das práticas de socialização dos seus agentes, cada

qual ocupante de uma única posição nesse espaço. Assim, pode-se dizer que o ce-

nário deste estudo – isto é, a cidade do Rio de Janeiro –, para além de um espaço

físico, também seja um espaço social formado por um conjunto de posições distintas

e coexistentes, exteriores umas às outras, ordenadas e escalonadas por relações de

2 Utilizou-se o postulado teórico de Pierre Bourdieu tendo como referência os textos "Efeitos de lugar" (1997) e "Os três estados do capital cultural" (1998) e as obras A Distinção: crítica social do julgamento (2007a), A economia das trocas simbólicas (2007b), O poder simbólico (1989) e Razões práticas: sobre a teoria da ação (1996).

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proximidade, distanciamento e, também, por relações de ordem, como acima, abaixo

e entre os agentes sociais designados “cariocas” ou brasileiros e estrangeiros que

façam parte desse espaço de algum outro modo.

As posições sociais se distinguem umas das outras por três princípios básicos:

o da estrutura de capital, o do volume global de capitais e o da trajetória das posições

dos agentes sociais. A estrutura de capital equivale à proporção separada de capitais

que um agente social dispõe, enquanto o volume global de capitais sintetiza o mon-

tante e o peso relativo desses capitais possuído por ele conforme a estrutura social

em que esteja inserido. Já a trajetória diz respeito a um processo no qual as práticas

de socialização realizadas e/ou vividas por um agente podem fazê-lo acumular expe-

riências passíveis de aumentarem ou reduzirem a estrutura e o volume de capitais

que possui, indicando, portanto, como a sua posição pode ascender ou descender ao

longo do tempo.

Bourdieu (2007a; 2007b; 2008) mostra que os tipos de capitais mais relevantes

de diferenciação na estrutura social de sociedades de matriz ocidental são o capital

econômico e o capital cultural. O capital econômico se traduz na condição de um

agente social em deter uma determinada parcela dos fatores de produção e/ou de um

conjunto de bens econômicos, ambos passíveis de redução ou de ampliação no trans-

curso de sua trajetória. O capital cultural é aquele adquirido por intermédio dos pro-

cessos de socialização no decurso desse mesmo período. A formação escolar se evi-

dencia como um dos mais importantes mecanismos de transmissão de cultura e que

pode ser mais ou menos assimilada pelo agente dependendo de como sejam dadas

as suas relações sociais, especialmente as relações familiares. Famílias cujo nível de

escolaridade é alto tendem a contribuir de forma mais significativa no processo de

educação de seus filhos, favorecendo a absorção de maiores referências culturais e

de conhecimentos legitimados por um parâmetro de erudição. Isto é o que Bourdieu

(1998) considera por capital cultural incorporado, parte integrante do indivíduo e que

não pode ser desvinculado de sua singularidade social. Uma amostra do capital cul-

tural incorporado é observada nas preferências e no domínio maior ou menor da lín-

gua culta, por exemplo.

Dada a condição subjetiva do capital cultural incorporado, parte dele é mensu-

rado objetivamente através de um capital cultural institucionalizado, representante da

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posse de títulos, de diplomas e de reconhecimentos legais-institucionais que legiti-

mam os conhecimentos adquiridos pela escola. Além disso, o acúmulo de capital cul-

tural também acontece por meio da posse de bens culturais (livros, revistas, obras de

arte, discos etc.) – este seria o capital cultural objetivado, pelo qual se transmite um

determinado conteúdo cultural a partir da materialidade de um bem de consumo.

O capital econômico se diferencia do capital cultural porque expressa a quanti-

dade acumulada de riqueza que permite ao agente social mensurar sua condição ma-

terial de existência, compartilhando com seus pares uma situação equivalente de mer-

cado ao longo de sua trajetória. Já o capital cultural indica a quantidade acumulada

de conhecimentos pelo agente no mesmo decurso, podendo igualmente ser utilizado

como moeda de troca – isto é, passível de ser revertido em capital econômico. Bour-

dieu (1998) diz que, geralmente, o diploma é convertido em moeda porque representa

a comprovação da qualificação profissional para se conseguir uma determinada opor-

tunidade de emprego ou promoção de cargo. Assim, quanto maior for o tempo inves-

tido na formação escolar, consequentemente maior será a probabilidade de o agente

social adquirir retornos financeiros através de diplomas e títulos escolares. O maior

ou menor retorno financeiro dependerá, também, especialmente do prestígio da insti-

tuição da qual provêm esses títulos.

Neste entendimento, Bourdieu (2007a; 2007b; 2008) mostra que os agentes –

e suas classes correlatas – resguardam afinidades entre si quanto mais próximos es-

tiverem nessas duas dimensões e tanto menos quanto mais distantes estiverem nelas.

Porém, enfatiza que qualquer percepção da posição social não é reiterada apenas

pela combinação do capital econômico e cultural como elementos que influenciam as

ações. A percepção da posição também é gerada pela impressão de que os agentes

dispõem de um capital social e de um capital político e, consequentemente, de um

capital simbólico imperando nas relações com seus pares e com o espaço ocupado.

O capital social é entendido como aquele “de relações mundanas, que pode,

se for o caso, fornecer ‘apoios úteis’” (BOURDIEU, 2007, p. 112) à reprodução e ao

bem-estar social dos agentes detentores desse recurso. Ele sintetizaria, então, as re-

lações sociais capazes de serem revertidas em possibilidades de se desfrutar de van-

tagens sociais, a exemplo da troca de favores ou da asseguração de uma confiabili-

dade nas relações cotidianas que porventura tragam benefícios à manutenção ou à

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ascensão social dos agentes em pauta. O capital político, por sua vez, é aquele que

permite a alguns agentes sociais, mais do que a outros, serem reconhecidos e aceitos

como atores políticos, qualificando-os por uma competência de ação política. Bourdieu

(2008, p. 31) sublinha que o capital político assegura a seus detentores o direito de

apropriação de bens e de serviços públicos (residências, veículos, hospitais, escolas

etc.) sob o reconhecimento de que são “personalidades públicas”.

Já o capital simbólico é aquele capital responsável por atribuir signos distintivos

de privilégio e honra a determinados agentes ou estratos sociais. Este é o tipo de

capital que abordaremos mais aprofundadamente neste trabalho e que, por excelên-

cia, legitima as posições de poder. Através de um ponto de vista soberano, manifesta

a qualificação do status, que varia conforme o contexto e os cânones da estrutura

social de uma determinada época. Vale dizer que o capital simbólico também res-

guarda uma relação dialética com os outros capitais, pois à medida que ele os neces-

sita para manifestar-se, ao mesmo tempo tende a ser ampliado por si só quando legi-

timamente reconhecido.

Neste seguimento, a quantidade acumulada de cada um desses capitais por

um dado agente social ao longo de sua trajetória representa a sua estruturação de

capitais. Quando analisados em conjunto, formam um volume global cujo peso pode

ser maior ou menor dependendo – novamente – do contexto da estrutura social de

que se discute. O caso da estrutura social da extinta Alemanha Oriental é um ilustra-

tivo: baseada na premissa de uma sociedade sem classes, a participação do peso do

capital econômico era praticamente nula comparada ao perfil da estrutura social dos

Estados Unidos, burguesa-capitalista.

Desta maneira, o espaço social é formado por uma hierarquia onde os agentes

e classes sociais que dispõem de maior volume global de capitais ocupam as posições

mais altas, enquanto aqueles agentes e classes sociais que dispõem de menor vo-

lume global de capitais ocupam as posições mais baixas. Aos primeiros, Bourdieu

(2007a; 2007b; 2008) outorga a condição de classe social dominante, enquanto de-

termina aos últimos a condição de classe social dominada.

No espaço intermediário entre essas duas posições está localizada a classe

social média, que ora se aproxima das classes dominantes por determinados atribu-

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tos, distanciando-se das classes dominadas, e que ora se aproxima das classes do-

minadas pelo compartilhamento de outros, distanciando-se, assim, das classes domi-

nantes. No entanto, faz-se necessário o apontamento de que a concepção de classe

média tratada por Bourdieu é relevantemente distinta à concepção ideológica que se

faz da mesma categoria no contexto brasileiro – e da qual trataremos mais ilustrada-

mente para o estudo do lugar da Tijuca no espaço carioca nos capítulos seguintes.

Em tese de doutoramento sobre o perfil da classe média no Brasil, o sociólogo

André Salata (2015) afirma que o conceito é importado dos países de Primeiro Mundo,

demonstrando existir uma não equivalência entre o que se considera “classe média”

no nosso país com a mesma concepção de “classe média” nos Estados Unidos e

n’outros países desenvolvidos da Europa. No âmbito nacional, o autor explica que a

incorporação da denominação “classe média” na estrutura social brasileira teve como

propósito a busca de uma identidade em meio a diversas transformações experimen-

tadas pelo país nos anos de 1930, a exemplo da expansão industrial e da sedimenta-

ção do tipo de sociedade burguesa-capitalista em transição desde o final do século

XIX. Essas transformações culminaram no surgimento de uma série de novas profis-

sões até então inexistentes ou não institucionalizadas. Assim, a proximidade social

que a nascente classe média brasileira mantinha com as classes dominantes – espe-

cialmente em termos de capital cultural – contribuiu para que a nossa hierarquia social

se projetasse de modo extremamente desigual em comparativo às hierarquias dos

países mais desenvolvidos. Neste sentido, embora a classe social média brasileira

ocupe posição intermediária, por outro lado, não ocupa posição equidistante em rela-

ção às classes dominantes e dominadas. Por isto que a representação social do que

seria a “classe média” no Brasil ficou fortemente mais atrelada à figura dos estratos

mais altos dada essa projeção, argumenta Salata (2015).

Outro elemento importante característico do espaço social diz respeito ao modo

como as classes sociais se distinguem umas das outras. Bourdieu (2008) alega que a

diferenciação das posições sociais por critérios de volume global e estrutura de capi-

tais e trajetória indica que os agentes se reproduzem a partir de determinadas dispo-

sições que os orientam em escolhas e ações capazes de influenciarem suas tomadas

de decisão ou de posição. Essas disposições estão associadas a um caráter de sub-

jetividade do agente social e que é permeado por categorias de percepção e de es-

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quemas classificatórios que o levam a ter um gosto particular e uma capacidade sin-

gular de assimilação das diferenças. Neste sentido, a tomada de posição representa

a objetivação dessas disposições, traduzidas na preferência por um tipo de vinho e

não por outro, na disposição em gostar mais de caminhadas ou de atividades pes-

queiras, no gosto pela guitarra e não pelo acordeão, etc. De maneira objetiva, Bour-

dieu (2008, p. 21) assinala que

o espaço de posições sociais se retraduz em um espaço de tomadas de po-

sição pela intermediação do espaço de disposições (ou do habitus); ou, em

outros termos, ao sistema de separações diferenciais, que definem as dife-

rentes posições nos dois sistemas principais do espaço social, corresponde

a um sistema de separações diferenciais nas propriedades dos agentes (ou

de classes construídas como agentes), isto é, em suas práticas e nos bens

que possuem. A cada classe de habitus (ou de gostos) produzidos pelos con-

dicionamentos sociais associados à condição correspondente e, pela inter-

mediação desses habitus e de suas capacidades geradores, um conjunto sis-

temático de bens e de propriedades, vinculadas entre si por uma afinidade de

estilo.

O habitus é uma unidade de estilo que vincula as práticas e os capitais de um

agente social, funcionando como um princípio gerador e unificador que retraduz as

características intrínsecas e relacionais de uma posição social em certo estilo de vida.

Em outras palavras, o estilo de vida seria a tradução objetiva das disposições que

orientam as tomadas de posição. Bourdieu (2008) contrapõe as distinções entre os

estilos de vida a partir, por exemplo, do que o operário come – e seus modos à mesa

–, o esporte que pratica e sua maneira de praticá-lo, suas opiniões políticas e sua

maneira de expressá-las em relação aos correspondentes comportamentos espera-

dos de um empresário industrial (Figura 1). Por ocuparem posições sociais antagôni-

cas e hierarquizadas, o operário e o empresário industrial dispõem de habitus passí-

veis de qualificação igualmente antagônicos e hierarquizados, tais como bons ou

maus, distintos ou vulgares, bonitos ou feios, entre outros atributos díspares.

Neste sentido, a qualificação dos habitus está orientada por uma hierarquia

onde as classes dominantes detêm o poder simbólico em atribuir qualidades positivas

a seus respectivos estilos de vida e qualidades gradativamente menos favoráveis aos

de outras classes sociais quanto mais estejam distantes delas no espaço social. Esse

poder simbólico é referido por Bourdieu (1989, pp. 7-8) como “um poder invisível que

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somente pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que

lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem”. Nestes termos, a dominância de certo

habitus percebido como particular às classes dominantes se sobressai como referên-

cia, exercendo uma “violência simbólica” sobre os demais na qual os habitus domina-

dos tendem a ser percebidos quase sempre, mesmo por seus praticantes, do ponto

de vista destruidor e redutor da perspectiva daquelas.

Figura 1. O espaço das posições sociais e o espaço dos estilos de vida.

Fonte: Reprodução do esquema apresentado em Bourdieu (2008, p. 20). Segundo o autor, a linha

pontilhada indica o limite entre a orientação política provável dos agentes sociais para a direita ou para

a esquerda para a sociedade francesa.

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Com isso, Bourdieu (1989) aponta que a ideologia dominante difundida por

meio da cultura como “porta-voz” assegura uma comunicação imediata dos agentes

sociais dominantes com seus pares, integrando-os ficcionalmente com o restante da

sociedade no seu conjunto. Esse processo se transpõe como uma violência simbólica

na qual a ordem dominante é legitimada por meio da imposição de distinções que,

consequentemente, também são legitimadas a partir de como essas classes mais al-

tas veem a si mesmas e os outros.

Assim sendo, o poder simbólico tende a desmobilizar – provocando uma falsa

consciência, como Bourdieu (1989) prefere referir-se – as classes dominadas, com-

pelindo todas as culturas (convertidas em “subculturas”) existentes dentro de uma es-

trutura social a se definirem pela sua proximidade ou distância em relação à cultura

dominante. Vale dizer que esse panorama enseja a configuração de um cenário cujas

regras, princípios e hierarquias se encarregam de incitar os conflitos e as tensões na

disputa pela melhor posição social. Essa disputa é o meio pelo qual os agentes con-

seguem obter seus “ganhos de espaço” (BOURDIEU, 1997): a luta pela posse mono-

polística de propriedade distintiva – ou seja, por um reconhecimento de sua posição

dominante no prisma do poder simbólico (ganho de posição ou de classe); e, também,

a luta por maior bem-estar social no espaço físico, representando um ganho de ocu-

pação ou até mesmo de acumulação material.

1.2 O espaço físico

O espaço social por si só não é territorializado; por isto ele se retraduz no es-

paço físico (BOURDIEU, 1997), correspondente a tudo aquilo que é próprio da natu-

reza. Da mesma forma que os sujeitos ocupam uma posição no espaço social, eles

também ocupam e se apropriam de uma respectiva posição física nessa outra dimen-

são. Assim, o espaço físico remete a uma localização no sentido único de exteriori-

dade com as demais, enquanto o espaço social indica uma gradação inserida em certa

ordem num sentido de exclusão e distinção em relação às outras posições sociais:

O poder sobre o espaço que a posse de capital proporciona, sob suas dife-rentes espécies, se manifesta no espaço físico apropriado sob a forma de uma certa relação entre a estrutura espacial da distribuição dos agentes e a

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estrutura espacial da distribuição dos bens ou dos serviços, privados ou pú-blicos (BOURDIEU, 1997, p.160).

A ocupação no espaço físico faz com que as práticas de socialização dos agen-

tes se materializem de diferentes maneiras na localização em que estejam situados.

Segundo o geógrafo britânico David Harvey (2006), essa materialização sintetiza o

modo como os agentes sociais agem em prol da produção tangível do espaço através

da implantação de infraestruturas físicas essenciais à sua reprodução. Essas práticas

materiais produzem equipamentos e bens de consumo acessíveis neste espaço, que,

correlacionados à distribuição física dos agentes ali, configuram a projeção de um

espaço social reificado – isto é, o espaço físico apropriado por uma determinada

classe (BOURDIEU, 1997).

Desta maneira, a constituição do processo de segregação residencial a partir

da relação entre espaço social e espaço físico se retrata na medida em que os agentes

sociais se distribuem no espaço físico, mas também no modo como eles se relacionam

uns com os outros no espaço social. Contudo, os equipamentos e bens de consumo

não se distribuem igualitariamente no espaço físico. Num contexto de escassez, ocor-

rem disputas pela melhor apropriação do espaço nas quais os ganhos assumem o

sentido do domínio e da apropriação tanto em termos de posição ou de classe, como

especialmente em termos de ocupação ou de acumulação:

A capacidade de dominar o espaço, sobretudo apropriando-se (material ou simbolicamente) de bens raros (públicos ou privados) que se encontram dis-tribuídos depende do capital que se possui (...) a proximidade no espaço fí-sico permite que a proximidade no espaço social produza todos os seus efei-tos facilitando ou favorecendo a acumulação de capital social e, mais preci-samente, permitindo aproveitar continuamente encontros ao mesmo tempo casuais e previsíveis que garante a frequência a lugares bem frequentados (BOURDIEU, 1997, p. 163-164).

Nas grandes cidades, o espaço urbano é o lócus por excelência dessas dispu-

tas individuais ou coletivas. Conforme o concebemos hoje, o espaço urbano é produto

da apropriação do espaço físico pelas classes sociais no capitalismo. Diante do seu

caráter intrinsecamente excludente, as lutas pelos “ganhos de espaço” são notórias,

evidenciando as disparidades sociais deste sistema projetadas no espaço. Nestes ter-

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mos, o geógrafo Roberto Lobato Corrêa (1993) atribui ao espaço urbano contemporâ-

neo a dimensão de “um conjunto de diferentes usos da terra justapostos entre si” (p.

7) simultaneamente fragmentado e articulado. As práticas materiais dão forma ao es-

paço urbano na medida em que investimentos de capital, mais-valia, salários, juros e

rendas se substancializam no espaço físico através de imóveis, bens de consumo,

equipamentos de uso coletivo, entre outros recursos materiais. São essas práticas as

responsáveis pela estruturação de uma organização espacial urbana cujas partes

mantêm relações com as demais em graus de intensidade que variam de caso a caso

e a depender de aspectos como os da concentração de renda e recursos, da densi-

dade do uso do solo, da extensão relativa da malha urbana etc.

Os diversos pontos fragmentados do espaço urbano reiterados por Lobato

(1993) também podem ser interpretados como a manifestação das diferentes posições

sociais presentes nele, retraduzindo em outro plano as qualidades socialmente atribu-

ídas aos habitus dos agentes e/ou dos grupos nas localizações que ocupam. Logo, a

proximidade social está comumente associada a uma proximidade territorial, assim

como a distância social está geralmente associada a uma distância territorial. Este é

o argumento-chave para compreender a constituição do processo de segregação re-

sidencial nas cidades, sobretudo no Rio de Janeiro.

1.3 Segregação residencial

O processo de segregação residencial é reflexo da vinculação do espaço social

no espaço físico, indicando a formação de localizações específicas – a exemplo dos

bairros – ocupadas por classes geralmente afins em termos de renda, status sócio-

ocupacional, nível de instrução etc. Esse conceito é oriundo da Escola de Chicago,

referência pioneira em estudos urbanos ao ter buscado desenvolver métodos empíri-

cos de investigação sobre a dinâmica espacial das cidades durante a primeira metade

do século XX. Um de seus grandes expoentes foi Robert Park (1987); jornalista por

formação e sociólogo por ofício, além de muito influenciado por uma perspectiva dar-

winista, Park fundou um olhar ecológico sobre o meio urbano com o qual reconheceu

que as classes sociais em busca da sobrevivência competiam pelas melhores posi-

ções do espaço a partir de aglomerações socialmente homogêneas e da fragmenta-

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ção territorial. Com isso, percebeu que essa tendência à concentração de “iguais” fun-

cionava como ponto de atração para outros agentes ou classes que compartilhassem

uma mesma característica identitária. Assim, enquanto essas aglomerações espaciais

tendiam a uma homogeneização social interna, dialeticamente se inclinavam para

uma heterogeneização social frente às demais.

Park (1987) nomeou esse caso de “região moral” por ser um tipo de aglomera-

ção viabilizada pelo compartilhamento de valores, visões de mundo ou de gosto simi-

lar por interesses comuns baseados em questões étnicas ou culturais – isto é, por

uma segregação fundada em indivíduos e grupos:

É inevitável que indivíduos que buscam as mesmas formas de excitação, se-jam elas na forma de um cavalo de corrida ou na forma de uma ópera, en-contrem-se de tempos em tempos nos mesmos lugares. O resultado disso é que na organização assumida espontaneamente pela vida na cidade a popu-lação tende a se segregar, não somente de acordo com esses interesses, mas também conforme seus gostos e temperamentos... Toda vizinhança, sob as influências que tendem a distribuir e a segregar a população das cidades, acaba por assumir o caráter de uma “região moral” (p. 113).

Com o desenvolvimento do sistema industrial-capitalista e, sobretudo, com a

emergência do espaço urbano contemporâneo como referência mais representativa

desse sistema, a perspectiva culturalista atribuída à segregação residencial pela Es-

cola de Chicago encarregou-se de mostrar as suas limitações. Isto porque não levava

em conta a segregação por classes sociais orientada pelos princípios da posse de

capitais. Nestas circunstâncias, Corrêa (1993) diz que se passou a observar ao longo

do tempo uma tendência à uniformidade de assentamentos em localizações espaciais

sujeitas a grande homogeneidade social interna e de forte disparidade entre as demais

por afinidades em renda, status sócio-ocupacional, nível de instrução etc., e não mais

por razões culturais. Com o estabelecimento desse tipo de padrão “proximidade so-

cial-proximidade territorial” inaugurado pela Escola de Chicago, a estruturação urbana

das cidades passou a estar caracterizada por uma dualidade territorial dicotômica e

bipartida entre classes sociais, trazendo à tona questões tanto materiais como simbó-

licas do desenvolvimento urbano.

Nesta lógica, a maior concentração de classes mais altas num território contí-

guo e a maior concentração de classes mais baixas em outro indica a representação

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de cidades permeadas por fronteiras sociais bem definidas e dotadas de simbolismos

e qualidades próprias. No caso do Rio de Janeiro, a chamada região da Zona Sul se

apresenta desde meados do século XX como um espaço metafórico do que seria a

centralidade3 por excelência nesta cidade, tanto em termos materiais – como a pre-

sença de melhor infraestrutura e serviços em relação às demais áreas –, como espe-

cialmente em termos de notabilidade social em oposição à costumeira desmoralização

da periferia, área qualitativamente oposta à centralidade, tachada de subúrbio.

Como veremos nos capítulos seguintes, os “Subúrbios” conformam uma cate-

goria socioespacial emblemática do processo de segregação residencial no Rio de

Janeiro e que, atualmente, está incorporado à região conhecida por Zona Norte. Com

exceção da região central, à parte das considerações4, percebe-se a tendência de que

tudo o que não seja Zona Sul no Rio de Janeiro (enquanto expressão generalizada

dos bairros situados próximos à frente de mar) tenda a ser categorizado como “peri-

feria” – ou, numa versão mais contextualizada à realidade carioca, de Zona Norte

como metonímia de “Subúrbio” (e vice-versa). Contudo, interessou ao desenvolvi-

mento deste estudo pontuar que “Zona Norte” e “Subúrbio” são categorias socioespa-

ciais originalmente distintas, uma vez que surgiram em contextos materiais e simbóli-

cos antagônicos na perspectiva sócio-histórica. Desse modo, o quid-pro-quo entre

“Zona Norte” e “Subúrbio” enseja um campo de disputas sintomático no qual o bairro

da Tijuca está enredado e do qual analisaremos adiante.

O perfil de metrópole litorânea e a própria qualidade do espaço físico carioca,

repleto de montanhas e acidentes geográficos, são atributos que influenciam o modo

como as representações do centro e da periferia cariocas são percebidas e reafirma-

das por um imaginário coletivo. David Harvey (2006) diz que o imaginário coletivo é a

expressão de invenções mentais (códigos, signos, discursos espaciais, paisagens

imaginárias etc.) que funcionam como vias de representação do espaço percebido por

um determinado agente ou classe social. Assim, conhecer o Rio de Janeiro em suas

3 Esta pesquisa aborda o conceito de “centralidade” a partir das definições de Flávio Villaça (1998), em Espaço intra-urbano no Brasil, e Manuel Castells (2000), em A questão urbana. Isto é, a “centralidade” como contraponto à periferia (VILLAÇA, 1998), mas também a “centralidade” como o território que, transcendendo a paisagem e as funções do core histórico, aponta para um sentido de espaço carregado de conteúdos sociais que o projeta como icônico dentro da cidade e, portanto, de uso comum pela população. 4 Manuel Castells (2000) comenta que essas regiões, em geral, são constituídas pelo core histórico e, portanto, apontam para um sentido de espaço carregado de conteúdos sociais que as projetam como icônicas dentro da cidade e, ou seja, de uso comum pela população.

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particularidades e na maneira como esse espaço foi e vem sendo produzido tanto

material como simbolicamente, permite-nos compreender de que forma tais fronteiras

sociais conseguem ser mais bem compreendidas e estipuladas.

Dado o dinamismo contínuo do espaço urbano, essas fronteiras são produzidas

e controladas em consonância à maneira como os espaços são socialmente assenta-

dos segundo os cânones de segregação residencial de cada período. É dizer que os

agentes sociais residentes na Zona Sul – ou aqueles que aspirem residir ali – podem,

provavelmente, se sentir pertencidos a este lugar seja pelo reconhecimento de que

estão (ou estariam) localizados espacialmente entre seus “iguais”, seja pela afirmação

de que a localização ocupada é (ou seria) compatível com seus interesses e necessi-

dades de reprodução social cotidiana. Logo, observa-se um sentimento de pertenci-

mento “clubista” que sintetiza como o lugar tem preponderância na forma como um

agente social se sente vinculado a seu respectivo grupo e, também, na maneira como

esse pertencimento é visto, reconhecido e deferido perante os demais. A relação entre

a posição física e a posição social mostra-se, portanto, determinante nessa conjun-

tura, resultando, por conseguinte, na ideia de efeito de lugar (BOURDIEU, 1997).

Como também explicam Graça Índias Cordeiro e António Firmino da Costa

(1999), durante a evolução do processo de segregação residencial urbano contempo-

râneo, a posse e/ou a equivalência de capitais passou a determinar mais preponde-

rantemente a maneira como os agentes e grupos sociais se identificam mais ou menos

uns com os outros e com seus correspondentes perfis manifestados pelos contrastes

interativos. Dessa relação, podemos exemplificar a categoria “bairro” como bom re-

presentante contemporâneo da ideia de “região moral” da Escola de Chicago. Para

aqueles autores, responsáveis pelo desenvolvimento de um estudo etnográfico sobre

os bairros populares da cidade de Lisboa, essa categoria é formada por “sub-regiões

urbanas de tamanhos e configurações variáveis” (p. 60), constituindo unidades socio-

espaciais problemáticas em si próprias. Eles complementam dizendo que os bairros

são unidades

permeáveis e, contudo, identificáveis, não só nos ritmos de uma prática social quotidiana etnografável, como também nas imagens resultantes de uma bri-colage coproduzida endógena e exogenamente; e, sobretudo, como partici-pantes activos na permanente construção cultural das variadas mitografias, imagens e narrativas que cada cidade escolhe para se vestir – os bairros são lugares para se procurar, identificar, inquirir, questionar (Idem, pp. 60-61).

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Logo, o perfil desse modelo de proximidade social-proximidade territorial en-

contra na representação do “bairro” uma rede de sociabilidade local que pode estar

baseada em diferentes aspectos: na organização de atividades lúdicas e desportivas;

na formação de associações comunitárias que se articulam com o poder autárquico;

na apropriação e definição de elementos importantes da memória coletiva local; num

conjunto de hábitos semelhantes, configurando uma vida social cotidiana. O bairro

como sede de estruturação e de afirmação de grupos locais tem sua representativi-

dade expressa subjetivamente através de um sentimento de bairrismo local – isto é,

num sentimento de pertencimento ao bairro, também passível de expressão por riva-

lidades com outros bairros na medida em que estas unidades socioespaciais se reco-

nhecem como internamente homogêneas e exteriormente heterogêneas em relação

aos demais.

Contudo, muito embora a relação de proximidade social-proximidade territorial

seja preponderante, o arquiteto e urbanista Flávio Villaça (1998) sublinha que a con-

centração de um perfil homogêneo de classe em dada localização não impede, entre-

tanto, a presença nem o crescimento de outras classes na mesma localização. Dito

de outro modo, a segregação é enfatizada pela presença majoritária de uma determi-

nada classe em detrimento de outra, mas com a eventual possibilidade de que outros

perfis de classe também coexistam no mesmo ponto físico.

Vale dizer que mesmo a Zona Sul carioca pode concentrar classes médias e/ou

dominadas. O caso das favelas cariocas é um exemplo clássico de distância social-

proximidade territorial quando inscritas nos bairros centrais, popularmente conhecidos

por “nobres”. Logo, o que distingue a Zona Sul como centralidade é a maior concen-

tração relativa das classes dominantes ali em relação às demais áreas da cidade. Em

seu estudo sobre a produção do espaço intraurbano brasileiro, Villaça (1998) aponta

a tendência de as classes dominantes ocuparem primordialmente a faixa de terra à

beira-mar nas metrópoles litorâneas brasileiras, como o Rio de Janeiro e Salvador,

relegando o interior do território à ocupação das classes menos abastadas. Por outro

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lado, estudos dedicados à temática da cidade do Rio de Janeiro no campo do Plane-

jamento Urbano e Regional5, apesar de concordarem com a tendência apontada por

Villaça (1998), mostram, na contramão, que a fronteira da centralidade no espaço ur-

bano carioca não obedece integralmente a essa regra.

Neste sentido, a ideia da segregação residencial nos permite apreender de que

se trata de um processo cujos padrões estão sempre condicionados a um determinado

período. Significa dizer que as localizações tendem a ter seus perfis sociais e espaci-

ais modificados de tempos em tempos. Nesta ocorrência, observa-se um processo de

heterogeneização do perfil socioespacial em relação ao que era antes dele se modifi-

car, mas, dialeticamente, vê-se também a tendência da implantação de uma nova ho-

mogeneização social interna resultante desta modificação.

Esse aspecto ilustra a problemática de pesquisa deste trabalho, que identifica

no bairro carioca da Tijuca uma localização cujo simbolismo apresenta uma polifonia

de significados nos discursos e representações que os cariocas fazem do seu mapa

social (VELHO, 1989). Uma das razões que o trabalho assume para isso se deve ao

fato desta localização ter sido produzida como “centralidade” ainda no século XIX e

que, hoje em dia, sofreria os impactos simbólicos do novo processo de segregação

residencial ocorrido durante o século XX no Rio de Janeiro rumo à Zona Sul “oceânica”

e à Barra da Tijuca. Segundo Villaça (1998), esse processo afetou fortemente a “loca-

lização” Tijuca por configurar um vetor de expansão urbana contrário ao lugar ocupado

por esse bairro na estrutura urbana carioca, isto é, longe do mar:

O caso da Tijuca é um exemplo emblemático das transformações das locali-zações urbanas enquanto definidas por teias de relações sociais (que neces-sariamente têm de se materializar em deslocamentos de pessoas) que defi-nem uma estrutura espacial urbana. [...] A subsequente “decadência” do cen-tro da cidade – [foi] um duro golpe na “localização” Tijuca –; o declínio social da Tijuca como bairro residencial; o desenvolvimento e depois o leve declínio relativo do centro comercial na Tijuca. As transformações por que passa um elemento da estrutura urbana (bairros, avenidas, centros comerciais) estão relacionadas com as transformações por que passaram outros elementos da mesma estrutura (p. 174).

E complementa, sobre este caso:

5 Este trabalho se vale especialmente dos estudos do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Ob-servatório das Metrópoles (RIBEIRO, 2015; RIBEIRO; RIBEIRO, 2015; RIBEIRO; CHETRY, 2015; LAGO; CARDOSO, 2015), a ser discutidos mais à frente.

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Mais uma vez vemos uma localização mudar sem alterar sua posição no es-paço euclidiano, mas através da teia de relações que a definem enquanto “localização”. A “localização” Tijuca se transformou, ao mesmo tempo e como parte de um processo mais global de um único todo, segundo os quais mu-daram o grupo social a ela associado, a Tijuca enquanto espaço arquitetô-nico, o centro do Rio, a zona Sul enquanto zona residencial, etc.; tudo isso sem que, evidentemente, a Tijuca “saísse do lugar” (ibid.).

Em resumo, tal reordenamento socioespacial ocorrido no Rio de Janeiro impac-

tou nas qualidades atribuídas ao seu espaço físico ao promover uma acentuada es-

truturação e reestruturação de sua rede urbana, refletindo o efeito de várias forças

atuando em diferentes direções num processo temporalmente contínuo. Os impactos

são variados: a incorporação de novas áreas ao tecido urbano pelo aumento da den-

sidade do uso do solo ou pela deterioração de certas localizações paralelamente à

requalificação urbanística de outras, com a relocação diferenciada de infraestruturas;

além de uma mudança, coercitiva ou não, do conteúdo social/simbólico e econômico

de determinadas localizações (CORRÊA, 1993).

1.4 O lugar da Tijuca no espaço social carioca

Nesse novo processo de segregação residencial, o presente trabalho assume

a perspectiva de Flávio Villaça (1998) em que aponta o fato de a Tijuca ter experimen-

tado um declínio social entre os anos de 1930 e 1960. Para o autor, nesse período, o

bairro vivenciou um processo de heterogeneização social que o transformou de lugar

de “camadas de alta renda” em local típico de “camadas médias” no início dos anos

1960. Sem discordar dessa afirmação, a presente pesquisa problematiza-a, sugerindo

que o declínio social da Tijuca deveria ser visto de forma mais contemporizada dado

o significado de “classe média” no Brasil, tal como pontua Salata (2015):

Os resultados por nós alcançados mostram que a classe média no Brasil diz respeito não àquela camada estatisticamente intermediária – a “classe C” de Neri (2008) –, mas sim aos indivíduos mais abastados (camada “AB”) da po-pulação: pessoas com renda domiciliar elevada, nível superior de escolari-dade, inseridas em categorias ocupacionais de prestígio médio-alto, com mai-ores probabilidades de possuir plano de saúde, poupança, frequentar teatros, viajar para o exterior, ter os filhos estudando em escolas privadas etc. São essas pessoas que formam a classe média brasileira, embora estejam longe de ser a imagem mais próxima do brasileiro mediano, ou a camada interme-diária (p. 133).

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Os trabalhos desenvolvidos pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Ob-

servatório das Metrópoles (IPPUR/UFRJ) embasam esse pressuposto, situando o lu-

gar da Tijuca no espaço social carioca a partir das representações espaciais das Ca-

tegorias Sócio-Ocupacionais (CATs). AS CATs são correspondentes a uma metodo-

logia de estratificação social construída por meio da variável “ocupação” existente nas

pesquisas domiciliares do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e dis-

postas segundo a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Funcionam como

instrumento de leitura analítica da estrutura social da metrópole, permitindo retratar o

contexto socioeconômico no qual ela se embasa no espaço físico.

Quadro 1. A estrutura social brasileira pelas categorias sócio-ocupacionais do Observatório das Metrópoles.

Classe Agregados Categorias Sócio-Ocupacionais

Superior Dirigentes

Grandes empregadores

Dirigentes do setor público

Dirigentes do setor privado

Profissionais de Nível Superior Profissionais autônomos de nível superior

Profissionais empregados de nível superior

Profissionais estatutários de nível superior

Professores de nível superior

Média Pequenos empregadores Pequenos empregadores

Ocupações médias Ocupações artísticas e similares

Ocupações de escritório

Ocupações de supervisão

Ocupações técnicas

Ocupações médias da saúde e educação

Ocupações de segurança pública, justiça e correios

Trabalhadores Ma-nuais

Trabalhadores do terciário especiali-zado

Trabalhadores do comércio

Prestadores de serviços especializados

Trabalhadores do secundário Trabalhadores da indústria moderna

Trabalhadores da indústria tradicional

Operários dos serviços auxiliares

Operários da construção civil

Trabalhadores do terciário não especi-alizado

Prestadores de serviços não especializados Trabalhadores domésticos Ambulantes e biscateiros

Trabalhadores domésticos

Ambulantes e biscateiros

Trabalhadores agrícolas Agricultores

Fonte: Ribeiro e Chetry (2015, p. 65).

Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro e Marcelo Gomes Ribeiro (2015), integrantes do

grupo de pesquisa do Observatório das Metrópoles, mostram que a representação do

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território do Rio de Janeiro é caracterizada pela presença de cinco tipos de zonea-

mentos socioespaciais listados hierarquicamente da seguinte forma: regiões do tipo

superior; médio superior; popular médio; popular operário; e popular. Os distritos6 su-

periores são aqueles onde há concentração majoritária de categorias sócio-ocupacio-

nais superiores (ver Quadro 1) em suas áreas em relação ao restante da cidade, re-

presentando, com efeito, a ocupação preponderante das classes sociais mais eleva-

das no território:

O tipo superior possui esse nome porque é o tipo socioespacial que assume a posição mais elevada na hierarquia socioespacial. Ele se caracteriza por concentrar relativamente as pessoas que ocupam posição mais elevada na estrutura social, posições referentes às categorias sócio-ocupacionais do grupo de dirigentes e do grupo de profissionais de nível superior (RIBEIRO; RIBEIRO, 2015, p. 182).

Nessa referência, o distrito da Tijuca (Tijuca, Praça da Bandeira e Alto da Boa

Vista) faz parte da região do tipo superior junto aos distritos da Zona Sul (Lagoa, Bo-

tafogo e Copacabana)7, da Barra da Tijuca (Barra da Tijuca, Itanhangá e Joá) e de

Vila Isabel (Vila Isabel, Maracanã, Andaraí e Grajaú). Portanto, a região de tipo supe-

rior é aquela que congrega num espaço territorialmente contíguo as centralidades.

Esse núcleo concentra bairros preponderantemente da Zona Sul, mas também alguns

poucos da Zona Norte e da Zona Oeste, além do município de Niterói, se considerada

a escala metropolitana.

A leitura social do território através das CATs reconfigura o zoneamento por

pontos cardeais tradicionalmente expresso na cidade, fragmentando, por exemplo, a

própria Zona Norte (considerando a região dos Subúrbios das linhas ferroviárias Cen-

tral, Leopoldina e das extintas Auxiliar e Rio D’Ouro) por meio de indicadores econô-

micos e culturais. Com apoio do trabalho realizado por Luciana Corrêa do Lago e

Adauto L. Cardoso (2015) a partir do Censo Demográfico de 2010, passaremos a de-

signar “Zona Norte”, entre aspas, como aquela correspondente aos distritos da Tijuca

e de Vila Isabel. Já os “Subúrbios” serão a expressão da região de tipo médio, espécie

6 Cada distrito é correspondente à Região Administrativa institucionalizada pela Prefeitura do Rio de Janeiro como recortes territoriais intraurbanos. 7 Os distritos superiores da Zona Sul englobam cada qual os seguintes bairros: Lagoa (Lagoa, Ipanema, Leblon, Jardim Botânico, Gávea e São Conrado); Copacabana (Copacabana e Leme); Botafogo (Bota-fogo, Flamengo, Humaitá, Urca, Laranjeiras, Cosme Velho, Glória e Catete).

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de periferia imediata, correspondente aos distritos imediatamente inferiores aos da

“Zona Norte”, como os do Méier, Madureira, Inhaúma e Irajá89. Se por um lado isto

denota a afirmação ipsis litteris de uma distância social entre os distritos da Tijuca e

de Vila Isabel e os dos Subúrbios comprovada pelas Ciências Sociais Aplicadas, por

outro, quando analisadas as particularidades que envolvem internamente a anatomia

social da região de tipo superior, observa-se uma sub-hierarquia onde as posições

destes distritos passam a estar ordenadas comparativamente entre eles, e não mais

com a metrópole.

Figura 2. O mapa social do Rio de Janeiro: as tipologias socioespaciais do Observatório das Metrópoles.

Elaboração: Observatório das Metrópoles.

8 Distritos médios do Subúrbio: Méier (Abolição, Água Santa, Engenho de Dentro, Engenho Novo, Ja-caré, Lins de Vasconcelos, Méier, Pilares, Riachuelo, Rocha, Sampaio, São Francisco Xavier, Todos os Santos, Piedade e Encantado); Irajá (Irajá, Colégio, Vicente de Carvalho, Vila Cosmos, Vila da Pe-nha, Vista Alegre); Madureira (Madureira, Bento Ribeiro, Campinho, Cascadura, Honório Gurgel, Ma-rechal Hermes, Oswaldo Cruz, Rocha Miranda, Vaz Lobo, Turiaçu); Inhaúma (Inhaúma, Engenho da Rainha, Higienópolis e Tomás Coelho). 9 Distritos como os de Ramos, Penha, Ilha do Governador, Pavuna e Anchieta não foram levados em conta na análise comparativa de Lago e Cardoso (2015). Já o distrito de São Cristóvão foi categorizado pelos autores como parte da Zona Central.

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As categorias sócio-ocupacionais do Observatório das Metrópoles são dividi-

das em três grandes classes – (1) Superiores, (2) Médias e (3) Trabalhadores Manuais

– e distribuídas por oito agregados (Quadro 1). Na Tijuca, estima-se que 42% da po-

pulação seja formada por profissionais de classe “Superior”, 31% por profissionais de

classe “Média”10, e 27% por “Trabalhadores manuais”. Contudo, estes números so-

mente ganham sentido quando inter-relacionados com os de outras realidades. Um

bom contraste é o distrito da Lagoa, na Zona Sul, apontado como um dos mais ricos.

Por lá, 53% da população é pertencente à classe “Superior”, enquanto 21% é formada

por profissionais de classe “Média” e 26% por “Trabalhadores manuais”11 (Tabela 1).

Tabela 1. Participação das categorias sócio-ocupacionais nos distritos superiores da cidade do Rio de Janeiro (2000-2010) – em %

Categorias sócio-ocu-pacionais

Categorias superiores Categorias médias Trabalhadores manu-

ais

Distritos superiores 2000 2010 2000 2010 2000 2010

Botafogo 40% 51% 32% 29% 28% 20%

Copacabana 35% 45% 31% 28% 34% 28%

Lagoa 46% 53% 23% 21% 32% 26%

Tijuca 35% 42% 34% 31% 31% 27%

Vila Isabel 33% 35% 35% 32% 32% 33%

Barra da Tijuca 38% 41% 21% 22% 41% 37% Fonte: Lago e Cardoso (2015, p. 373), com base nos censos demográficos do IBGE (2000; 2010).

Em síntese, vale dizer que os distritos da Tijuca e de Vila Isabel ocupam posi-

ções claramente inferiores em relação aos distritos da Zona Sul (especialmente Co-

pacabana e Lagoa) e da Barra da Tijuca no espaço social das centralidades. O pano-

rama muda de figura quando observada a participação das posições mais descenden-

tes. Nesta escala, a Tijuca, junto a Vila Isabel e Botafogo, eleva sua participação em

10 A concepção de “classe média” nos termos das CATs indica apenas a condição intermediária entre a classe superior e a de trabalhadores manuais. Não corresponde ao conceito brasileiro de “classe média” debatido por André Salata (2015). 11 É interessante observar como se dá a participação de trabalhadores manuais nos distritos mais ricos. Os números da Lagoa e da Barra da Tijuca, mais altos que nos demais, leva-nos ao indicativo da possível presença de empregados domésticos residentes nas casas dos “patrões e patroas” ou mesmo da presença de favelas nestes territórios, onde tradicionalmente há a concentração de categorias sócio-ocupacionais mais baixas.

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agregados como a dos “Profissionais de nível superior”, dominando a participação no

tocante às “classes médias”, mais abundantes na “Zona Norte” do que na Zona Sul.

Num breve aprofundamento desse quadro, é possível pormenorizar a hierar-

quia entre “Zona Norte” e Zona Sul – Barra a partir das categorias sócio-ocupacionais

em si, e não mais em seus agregados. A categoria de “Grandes empregadores” (agre-

gado “Dirigentes”, classe “Superior”) ilustra esse panorama ao mostrar que há uma

densidade relativa de 70 e 50% acima da média calculada para a região de tipo supe-

rior nos distritos da Barra e da Lagoa, respectivamente, contra 60 e 50% abaixo da

média nessa mesma categoria para os distritos da Tijuca e de Vila Isabel. Já a cate-

goria de “Ocupação de escritório” (agregado “Ocupações médias”, classe “Média”)

ocupa posição de destaque na “Zona Norte” em concentrar participação de 40% acima

da média contra 10% acima da média em Botafogo, 10% abaixo em Copacabana,

30% abaixo na Barra e 40% abaixo na Lagoa (Gráfico 1).

Gráfico 1. Densidade relativa na participação das Categorias Sócio-ocupacionais de classe Superior nas regiões de tipo superior

Observação: O valor 1,0 equivale à média representativa. Leia-se: O valor da concentração relativa de “Profissio-nais Empregados de Nível Superior” na Tijuca (1,0) equivale à média percebida na região de tipo superior, en-quanto Botafogo apresenta uma densidade 10% acima da média (1,1) para a mesma categoria.

Elaboração: Observatório das Metrópoles (2017).

0,4

0,5

0,9

0,5

1,5

1,7

0,9

0,6

1,0

1,2 1

,2

1,1

0,7

0,4

0,9

0,9

1,7

1,2

0,9

0,7

1,0

1,2

1,3

0,91,0

0,9

1,1

1,0 1,1

0,9

1,2

1,0

1,4

0,9

0,9

0,7

1,2

1,0

1,3

1,0

1,0

0,7

T I J U C A V I L A I S A B E L B O T A F O G O C O P A C A B A N A L A G O A B A R R A D A T I J U C A

Grandes Empregadores Dirigentes do Setor Público

Dirigentes do Setor Privado Profissionais Autônomos de Nível Superior

Profissionais Empregados de Nível Superior Profissionais Estatutários de Nível Superior

Professores de Nível Superior

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42

Gráfico 2. Densidade relativa na participação das Categorias Sócio-ocupacionais de classe Média nas regiões de tipo superior

Observação: O valor 1,0 equivale à média representativa. Leia-se: O valor da concentração relativa de “Pequenos Empregadores” em Botafogo equivale à média percebida (1,0) na região de tipo superior, enquanto Copacabana apresenta densidade 10% abaixo da média (0,9) para a mesma categoria.

Elaboração: Observatório das Metrópoles (2017).

A análise da categoria “Ocupações artísticas e similares” também denota uma

informação bastante interessante a respeito de como o capital cultural da “Zona Norte”

e da Barra da Tijuca pode se diferenciar qualitativamente do da Zona Sul. Enquanto

Copacabana, Botafogo e Lagoa concentram percentuais acima da média nesta posi-

ção, Tijuca, Vila Isabel e Barra apresentam percentuais abaixo da média, endossando

a percepção corrente de que esses lugares seriam mais conservadores e convencio-

nais (Gráfico 2).

Já no comparativo com os distritos dos Subúrbios, o panorama da distância

social destes com os bairros da “Zona Norte” ganha novos contornos. Enquanto 42%

e 35% da população de Tijuca e Vila Isabel, respectivamente, pertencem à classe

“Superior”, esse mesmo valor cai para 22% no Méier, 17% no Irajá, e 12% em Madu-

reira e Inhaúma. Os valores referentes à participação da classe de “Trabalhadores

manuais” são indicativos de outro traço contrastivo: de 27% na Tijuca, esse número

0,8

0,7

1,0

0,9

1,3

1,2

0,6 0,6

1,4

1,1

1,3

0,9

1,4

1,4

1,1

0,9

0,6 0

,7

1,1

1,1

1,1 1

,1

0,8

0,9

1,1

1,1

1,1

1,0

0,9 0,9

1,1

1,3

1,2

1,1

0,8

0,7

1,1

1,1

1,0

1,2

0,9

0,8

T I J U C A V I L A I S A B E L B O T A F O G O C O P A C A B A N A L A G O A B A R R A D A T I J U C A

Pequenos Empregadores Ocupações Artísticas e Similares

Ocupações de Escritório Ocupações de Supervisão

Ocupações Técnicas Ocupações Médias da Saúde e Educação

Ocupações de Segurança Pública, Justiça e Correios

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43

sobe para 57% em Madureira, 55% em Inhaúma, 49% no Irajá e 43% no Méier. Sem

dúvidas, o ponto em comum entre a “Zona Norte” e os Subúrbios é alusivo à partici-

pação da classe “Média”, todos na faixa dos 30% (Tabela 2).

Tabela 2. Participação das categorias sócio-ocupacionais (2000-2010) – comparativo entre Zona Norte (Tijuca e Vila Isabel) e Subúrbios – em %

Categorias sócio-ocupacionais Categorias superio-

res Categorias médias

Trabalhadores manuais

Zona Norte (distritos superiores) 2000 2010 2000 2010 2000 2010

Tijuca 35% 42% 34% 31% 31% 27%

Vila Isabel 33% 35% 35% 32% 32% 33%

Subúrbios (distritos médios)12 2000 2010 2000 2010 2000 2010

Méier 17% 22% 38% 36% 45% 43%

Irajá 11% 17% 39% 34% 50% 49%

Madureira 8% 12% 36% 32% 56% 57%

Inhaúma 9% 12% 37% 33% 54% 55% Fonte: Lago e Cardoso (2015, pp. 373-377), com base nos censos demográficos do IBGE (2000; 2010).

Outro indicador de diferenciação socioespacial diz respeito ao perfil dos domi-

cílios (casa, vila-condomínio, apartamento, favelas etc.) existentes em cada região.

No grupo dos distritos superiores, 79% dos tipos domiciliares da Tijuca são constituí-

dos por apartamentos contra 85% dos mesmos na Lagoa, 90% em Botafogo, e 93%

em Copacabana. Essa variável é curiosa de se observar, pois, ao especificar o tipo

domiciliar predominante nesses locais, também contribui para identificar o perfil do

ambiente construído e o possível estilo de vida aí encontrados. Seguindo a lógica de

Pierre Bourdieu, o estilo de vida é fator essencial para ordenar e escalonar o espaço

social, identificando a partir desses contrastes interativos o poder de distinção de uma

classe sobre a outra.

Com este aspecto, infere-se a respeito de possíveis semelhanças no estilo de

vida da Tijuca com o da Zona Sul e, novamente, um sutil distanciamento do estilo de

vida daquela com o dos Subúrbios. Isto porque, nos distritos do Méier, de Irajá, de

Madureira e de Inhaúma, a participação no percentual de apartamentos em relação à

12 Distritos médios do Subúrbio: Méier (Méier, Abolição, Água Santa, Engenho de Dentro, Engenho Novo, Jacaré, Lins de Vasconcelos, Pilares, Riachuelo, Rocha, Sampaio, São Francisco Xavier, Todos os Santos, Piedade e Encantado); Irajá (Irajá, Colégio, Vicente de Carvalho, Vila Cosmos, Vila da Pe-nha, Vista Alegre); Madureira (Madureira, Bento Ribeiro, Campinho, Cascadura, Honório Gurgel, Ma-rechal Hermes, Oswaldo Cruz, Rocha Miranda, Vaz Lobo, Turiaçu); Inhaúma (Inhaúma, Engenho da Rainha, Higienópolis e Tomás Coelho).

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44

Tijuca cai para 50, 40, 21 e 43%, respectivamente. A mesma discrepância ocorre

quando observados os percentuais do tipo “casa” e “vila condomínio”. Por outro lado,

a participação de pessoas residentes em favela é maior na Tijuca e em Vila Isabel do

que na Zona Sul e parecida entre a Tijuca, Vila Isabel e os distritos suburbanos.

Tabela 3. Domicílios segundo o tipo nos distritos superiores (2010)

Distritos superiores Casa Vila Condomínio Apartamento Outros % pessoas em favelas*

Botafogo 8% 2% 90% 0% 6%

Copacabana 7% 1% 93% 0% 9%

Lagoa 13% 2% 85% 0% 10%

Tijuca 16% 4% 79% 1% 14%

Vila Isabel 21% 8% 70% 0% 16%

Barra da Tijuca 23% 7% 68% 1% 20% Fonte: Lago e Cardoso (2015, p. 375), com base no censo demográfico do IBGE (2010). * Dados censitários do universo; 2010.

Tabela 4. Domicílios segundo o tipo (2010) – Zona Norte (Tijuca e Vila Isabel) e Subúrbios

Zona Norte (Distritos superiores)

Casa Vila Condomínio Apartamento Ou-tros

% pessoas em favelas*

Tijuca 16% 4% 79% 1% 14%

Vila Isabel 21% 8% 70% 0% 16%

Subúrbios (Distritos médios)

Casa Vila Condomínio Apartamento Ou-tros

% pessoas em favelas*

Méier 34% 15% 50% 1% 12%

Irajá 56% 4% 40% 0% 13%

Madureira 64% 15% 21% 0% 14%

Inhaúma 52% 5% 43% 0% 14% Fonte: Lago e Cardoso (2015, pp. 375-379), com base no censo demográfico do IBGE (2010). * Dados censitários do universo; 2010.

Tabela 5. Renda média dos chefes ocupados segundo condição de ocupação do domicílio (em R$ - 2000-2010) – distritos superiores

Distritos superiores Próprio quitado Próprio prestação Alugado

2000 2010 2000 2010 2000 2010

Botafogo 8.321 9.542 9.409 11.468 6.267 7.593

Copacabana 8.476 8.827 7.914 11.563 6.368 6.601

Lagoa 12.639 14.672 14.346 15.265 10.905 13.413

Tijuca 7.260 8.080 10.300 10.639 6.011 7.687

Vila Isabel 6.174 6.420 7.716 8.280 5.120 5.610

Barra da Tijuca 11.509 11.686 13.170 14.918 9.095 7.669 Fonte: Lago e Cardoso (2015, p. 376), com base nos censos demográficos do IBGE (2000; 2010).

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Tabela 6. Renda média dos chefes ocupados segundo condição de ocupação do domicílio (em R$ - 2000-2010) – Zona Norte (Tijuca e Vila Isabel) e Subúrbios

Zona Norte (Distritos superiores)

Próprio quitado Próprio prestação Alugado

2000 2010 2000 2010 2000 2010

Tijuca 7.260 8.080 10.300 10.639 6.011 7.687

Vila Isabel 6.174 6.420 7.716 8.280 5.120 5.610

Subúrbios (Distritos médios)

Próprio quitado Próprio prestação Alugado

2000 2010 2000 2010 2000 2010

Méier 4.005 4.074 5.590 5.322 3.269 3.212

Irajá 2.972 3.109 3.522 4.225 2.828 2.916

Madureira 2.593 2.669 3.581 3.755 2.360 2.381

Inhaúma 2.517 2.437 3.532 3.453 2.563 2.295

Fonte: Lago e Cardoso (2015, pp. 376-380), com base nos censos demográficos do IBGE (2000; 2010).

Na dimensão do capital econômico, quando Lago e Cardoso (2015) analisam a

renda média dos chefes ocupados segundo condição de ocupação do domicílio (imó-

vel próprio quitado, próprio prestação e alugado), tem-se outro entendimento sobre as

diferenciações socioespaciais existentes entre a Tijuca e os outros bairros centrais.

Entre as rendas dos chefes de família com imóvel próprio quitado, a renda da Tijuca

se aproxima da de Copacabana (R$ 8.080 e 8.827, respectivamente), ficando acima

apenas da renda de Vila Isabel (R$ 6.420).

Já no caso dos chefes de família com imóvel próprio em prestação, a renda da

Tijuca, de R$ 10.639, se eleva em relação à variável anterior, mas, ainda assim, ocu-

pando a mesma posição, acima da renda de Vila Isabel (R$ 8.280) e aproximando-se,

neste caso, das rendas de Botafogo e de Copacabana (R$ 11.468 e R$ 11.563, res-

pectivamente). Já na variável referente a dos imóveis alugados, a Tijuca ocupa posi-

ção de maior destaque (R$ 7.687) ao ser precedida apenas pelo distrito da Lagoa (R$

13.413), resguardando proximidade com o distrito da Barra da Tijuca (R$ 7.669) e com

o de Botafogo (R$ 7.593). Já na Tabela 6, as discrepâncias são mais evidentes e

gerais ao indicar que o confronto das rendas dos responsáveis por domicílio da “Zona

Norte” com as dos Subúrbios se mostra superior para todos os casos.

Embora a partir de uma dimensão quantitativa, a representação do espaço so-

cial carioca a partir das CATs é capaz de elucidar um panorama que situa preliminar-

mente as proximidades e as distâncias sociais nas quais estão enredados os diferen-

tes bairros da cidade. Deste modo, a Tijuca é posta como um lugar que, na escala

metropolitana, é considerado “elitizado”, apesar de ocupar posição mais periférica

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46

quando comparado às posições de outros distritos, como Lagoa e Barra da Tijuca. Ao

mesmo tempo, sua posição social relativamente superior à dos bairros suburbanos na

hierarquia confere a impressão de que o lugar da Tijuca se trata de uma espécie de

“lugar de transição” entre a Zona Sul e aquele.

1.5 O lugar da Tijuca no espaço físico carioca

Não obstante a proximidade social relativa entre Tijuca e Zona Sul atestada no

item anterior, quando analisada a proximidade territorial entre esses dois locais tem-

se outro panorama. O “mapa das centralidades” sustentado pelo Observatório das

Metrópoles a partir das regiões de tipo superior configura uma mancha urbana que

transcende a Zona Sul, incluindo “Zona Norte” e uma parcela da Zona Oeste. Essa

configuração territorial é peculiar ao esquema clássico de segregação residencial for-

mulado pelo economista estadunidense Homer Hoyt no final da década de 1930 e que

serve de referência para muitos estudos, especialmente, no campo da Geografia. O

modelo de Hoyt indica a segregação residencial por regiões ou setores territoriais con-

tíguos, de forma territorialmente adjacente aos espaços pioneiros de aglomeração de-

senvolvida para gerar a aproximação de pessoas e serviços em dada localidade – a

exemplo do que Villaça (1998) chama de “centro principal” (Center Business District),

o equivalente ao nosso core histórico.

Tendo esta posição do espaço urbano como ponto difusor da expansão das

classes dominantes pelo território, o modelo de Hoyt enfatiza a tendência de que os

bairros ocupados pelas classes dominantes “andam” ou “deslocam-se” sempre na

mesma direção, conformando uma única região geral. Villaça (1998) e Corrêa (1993)

apontam que essa tendência é mais bem observada em espaços urbanos de países

subdesenvolvidos do que nos países centrais, em que nestes últimos ocorre uma ten-

dência de expansão territorial concêntrica. Daí a constatação de que o vetor de ex-

pansão urbana carioca empreendido no início do século XX “desloca-se” em sentido

contrário à Tijuca. Assim, na medida em que a ideia de contiguidade territorial se subs-

creve como indicador de “coesão simbólica-regional” atribuída ao grupo dos bairros

elitizados é que se percebe uma primeira distância territorial entre Tijuca e Zona Sul.

O perfil do espaço físico do Rio de Janeiro, repleto de acidentes geográficos,

interfere na integração do tecido urbano entre Tijuca e Zona Sul dada a posição da

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47

montanha entre essas duas áreas. Dessa forma, é razoável argumentar que a distân-

cia territorial também passe a atingir o prisma simbólico, projetando a percepção sub-

jetiva de certa “lonjura” entre esses dois locais tendo em vista o desmembramento

territorial.

Isto nos leva à hipótese de pesquisa de que a ideia de efeito de lugar seria

preponderante para entender e qualificar a posição social ocupada pelo bairro da Ti-

juca no espaço carioca. Suspeita-se que o efeito de lugar teria influência relevante no

modo como a percepção de espaço da Tijuca vem sendo ressignificada através das

“teias de relações sociais (que necessariamente têm de se materializar em desloca-

mentos de pessoas) que definem uma estrutura espacial urbana” (VILLAÇA, 1998, p.

174) ao longo do século XX e princípios do século XXI.

Em outras palavras, acredita-se que a condição de centralidade da Tijuca no

contexto da localização Zona Norte – territorialmente contígua aos Subúrbios e apar-

tada da Zona Sul – seja possivelmente um fator de anulação do reconhecimento de

classe. Soma-se a isso a clássica estigmatização desse espaço em relação à “nobri-

ficação” do espaço à beira-mar. Daí a ambiguidade responsável por caracterizar a

polifonia de significados atribuída às qualidades sociais da Tijuca entre uma realidade

objetiva e outra imaginada, isto é: entre uma Tijuca que comporta uma classe média

dominante em relação aos números metropolitanos, mas territorialmente fincada num

espaço estigmatizado, no “outro lado da montanha”. Esse “lado de lá do Túnel Rebou-

ças”, tal como é colocado pela cultura dominante, também parece ser indicativo do

problema debatido neste trabalho. É por este fio condutor dialético como será investi-

gada a compreensão cronológica do simbolismo da “localização” Tijuca no espaço

carioca.

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48

2 A TIJUCA NAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

O objetivo deste segundo capítulo é destacar e analisar a polifonia de significados

atribuída à Tijuca através de como esse lugar é percebido e representado na perspec-

tiva que diversos interlocutores fazem do “mapa social” carioca. Com base no que foi

mostrado no Capítulo 1, a ideia de efeito de lugar parece ser preponderante na forma

como as qualificações sociais atribuídas à Tijuca podem variar de elogiosas a desde-

nhosas, dependendo do ponto de vista. Isto é o que faria da Tijuca um bairro meio-

não-sei-como, na acepção de Aldir Blanc (1979): uma espécie de lugar impreciso que

vive dilemas próprios relacionados à sua localização física e social entre um lado so-

fisticado e praiano, e outro mais popularesco e estigmatizado. Assim sendo, constata-

se uma irregularidade na maneira como a Tijuca é comumente retratada nos fóruns

virtuais de discussão, nos zoneamentos político-administrativos municipais e, tam-

bém, em crônicas e na literatura. Portanto, essa irregularidade seria indicativa de

como se ordenam e hierarquizam as fronteiras do espaço social e os diversos simbo-

lismos daí derivados a depender da perspectiva que se analisa esse “mapa”.

2.1 A Tijuca no mapa dos afetos (e desafetos) cariocas

Todo mundo tem que carregar pela vida o fardo da sua origem. O meu é a Tijuca. Logo eu, que sempre mantive uma distância saudável de pseudointe-lectuais – que é como eu chamava, há alguns anos, os descoladinhos de gosto supostamente refinado que fingem ter conhecimento sobre tudo, mas não passam de reles mortais como nós – tive a má sorte de nascer no bairro mais “pseudo” do Rio de Janeiro.

A Tijuca é uma adolescente em crise, que não sabe muito bem em que pa-nelinha se encaixar. Sentindo-se deslocada na Linha 1 do Metrô, é metida demais pra ser suburbana, mas falta um pouco de cosmopolitismo pra ser Zona Sul.

Seus moradores são pseudo-ricos (ou pseudopobres, depende do ponto de vista), cujo ideal de sucesso profissional é passar em concurso público. Para manter a imagem, se arrumam até pra ir à padaria, e sentem-se divididos entre o orgulho de ser tijucano e a vontade de se mudar do Tijuquistão.

[...]

A Tijuca é um pequeno mundo, um ecossistema inteiro, porém bairrista e meio “wannabe”. Falo com o conhecimento de quem já foi a muito sarau de escola, só sai na rua de Havaianas pra fazer a unha do pé e hoje em dia só tem pique pra ir tomar cerveja ali no Buxixo mesmo.

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49

Mas a Tijuca não é tão má assim. O que dizer de Grajaú, Vila Isabel, Mara-canã, Rio Comprido, Alto da Boa Vista, Andaraí...? “Pseudo Tijucas”! (WIL-TGEN, 2016).

Para o antropólogo Gilberto Velho (1989), autor do clássico A Utopia Urbana, a

cidade é um mapa social onde as pessoas se definem e os outros pelo lugar em que

moram. Nas autorrepresentações desse mapa (metafórico da retradução do espaço

social no espaço físico), residir em localizações vistas como nobres é recorrentemente

portar os signos correspondentes de prestígio social, ao passo que morar nas locali-

zações menos privilegiadas que aquelas significa ter de lidar com as máculas de uma

posição simbolicamente desvantajosa nesse espaço social.

No imaginário coletivo do Rio de Janeiro, morar ou ter nascido no bairro da

Tijuca é ser tijucano, assumido neste estudo como uma referência controversa de

qualificação social. Em termos gerais, é a expressão de uma identidade reconhecida

por uma localização física, mas com qualidades sociais e simbólicas tratadas, por ve-

zes, como díspares: pode ser vista como nobre ou popular, as duas coisas, ou ne-

nhuma delas. A perspectiva vai depender do interlocutor e de seu lugar de fala.

Na crônica que introduz este capítulo, a jornalista Julia Wiltgen (2016) sintetiza

a Tijuca como uma “adolescente em crise, que não sabe em que panelinha se encai-

xar”. Para uns, seria um bairro “pseudo-rico”; para outros, “pseudopobre” – argumenta

ela. Ao ironizar sua posição no espaço social do Rio de Janeiro, Wiltgen (2016) mani-

festa uma representação espacial que carrega linguisticamente em seu discurso va-

lores e ideologias de uma tijucana em constante interação com outros bairros tratados

como “mundos sociais” à parte do da Tijuca. Ao mesmo tempo, esses outros mundos

– em tese, “distantes” – são referenciais daquilo que a Tijuca, no seu ponto de vista,

se constitui: um pouquinho de Zona Sul, um pouquinho de “Subúrbio”, mas sem ser

nenhum deles, na sua verdade.

Tal ambiguidade conferida à Tijuca não se limita, contudo, à percepção indivi-

dual de espaço de Wiltgen (2016). Trata-se de um reconhecimento que tende a ser

geral, alusivo à demarcação interna das cidades entre um centro e uma periferia. Para

o caso do Rio, há uma parcela do senso comum indicando que a Tijuca estaria no

meio do caminho entre esses dois locais. Um meio-termo geográfico, mas também

imaginado, no “lusco-fusco” urbano de uma cidade cuja paisagem é dividida por um

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50

lado praiano e sofisticado em contraponto a outro incivilizado, popularesco. Por esta

qualidade em si, vacilante, as representações sobre a Tijuca são permeadas por uma

polifonia de conteúdos e significados mais bem entendidos quando comparados os

discursos de diferentes porta-vozes a respeito do tema.

Nesses casos, compreender a Tijuca como parte da Zona Norte é reflexão

ainda mais complexa quando se pontua que os topônimos “Zona Norte” e “Subúrbio”

resguardam processos distintos de construção material e simbólica, muito embora o

cotidiano carioca atribua a esses termos certa equivalência ideológica nos dias de

hoje, o que problematiza ainda mais a marcha histórica pela qual o entendimento do

simbolismo do lugar da Tijuca no espaço carioca ganha sentido.

Em A condição pós-moderna, David Harvey (2006) explica que toda represen-

tação de espaço é um tipo de espaço produzido. É aquele socialmente construído

através de um discurso reiterado pelas experiências vividas e percebidas por um

grupo de agentes sociais em tal espaço e pelo modo como são sedimentadas subje-

tivamente suas impressões nele. Logo, trata-se do imaginário, produto de um espaço

inventado, carregado de ilusões e opiniões preconcebidas. A capacidade das repre-

sentações desse imaginário de ser reproduzida amplamente pelos agentes sociais

depende, portanto, do grau de dominância de seus porta-vozes sobre as relações so-

ciais.

Na linha de entendimento postulada por Pierre Bourdieu, os “formadores de

opinião” ocupariam posição simbólica de dominância em certo campo cultural. O po-

der de influência e autoridade desses formadores de opinião induz o sentido dos dis-

cursos e representações espaciais enunciados por terceiros. Desta forma, evidencia-

se uma certa previsibilidade no modo como os interlocutores “dominados” opinam so-

bre determinados assuntos, modo este afinado com o que os formadores de opinião,

“dominantes”, ditam como bom, ruim, certo e/ou errado.

Contudo, para o nosso objeto de estudo essa previsibilidade parece não ocor-

rer. Isto configura a própria problemática da Tijuca hoje em dia: a constatação de que

as qualidades simbólicas atribuídas ao seu espaço constituem um “ponto fora da

curva” pela pluralidade discordante que as caracteriza em relação às qualidades ge-

ralmente mais previsíveis e regulares atribuídas a outros bairros do Rio.

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A abrangência das redes sociais presentes na internet em manifestar por inter-

médio de plataformas virtuais discussões sobre as mais variadas temáticas pode fun-

cionar como estratégia eficiente para se captar distintas representações daquilo que

pretende ser estudado e comparado. Para os estudos urbanos, a possibilidade de se

reunir diferentes perspectivas em um só espaço de interação colabora com o aprimo-

ramento de poderosos estudos de caso sobre cidades nos quais o enfoque de se

estudar a Tijuca, diga-se de passagem, esteve parcialmente inspirado.

Em redes como o Facebook e o Twitter, a disputa simbólica pelas diferentes

qualidades no mapa social do Rio de Janeiro – isto é, a disputa pelos “ganhos de

espaço” (BOURDIEU, 1997) – estão presentes quase que diariamente em textos, ima-

gens e informações das mais diversas. Além disso, a possibilidade de se identificar –

na maioria das vezes – o interlocutor e seu local de origem tempera ainda mais a

capacidade analítica do pesquisador em extrair deste informalizado grupo focal insu-

mos importantes para se identificar problemáticas e, daí, desenvolver projetos de in-

vestigação baseados em desdobramentos variados do imaginário urbano coletivo.

No âmbito desses espaços de interação virtual, foi divulgada em março de 2016

charge que satirizava a imagem do morador da Tijuca na perspectiva de um grupo de

moradores dos Subúrbios carioca. Na imagem, via-se um homem “batendo panela”

na sacada de um apartamento que, em linhas gerais, simulava a residência de uma

família de classe social média, média alta. À primeira vista, a cena poderia aludir ao

movimento político dos “panelaços” se não fosse por sua legenda: “Tijucanos batem

panela em protesto à abertura de um [supermercado] Guanabara no bairro... alegando

que isso é coisa de suburbano”. Como nas histórias em quadrinhos, o personagem

simulava a seguinte fala: “Aqui é Zona Sul, p.…!!”.

A charge evocava uma imagem idealizada do tijucano protestando contra a

abertura, no interior do espaço físico-social-simbólico definido por “Tijuca”, de uma

rede de supermercados cuja marca está associada ao estilo de vida da periferia cari-

oca. Como justificativa, o personagem vociferava a ideia de que a Tijuca, no caso,

faria parte da região supostamente mais refinada da cidade, a Zona Sul, onde aquele

tipo de perfil comercial voltado ao populacho não encontraria seu público-alvo, tal

como nos Subúrbios (Figura 3).

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Figura 3. Os espaços de representação da Tijuca nas redes sociais

Fonte: Printscreen Facebook – elaboração do autor.

Na contramão do discurso de Julia Wiltgen (2016), mais condescendente ao

falar de uma Tijuca cujo espaço vivido é de proximidade cotidiana – natal, basicamente

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–, a repercussão dessa charge nas redes sociais se valeu de outros discursos. A sátira

feita à Tijuca foi endossada pelo tom ácido através do qual os tijucanos são aparen-

temente julgados pelos moradores dos bairros suburbanos. “Tadinho do meu pai tiju-

cano, vai morrer de desgosto com mais uma prova da suburbanisse do bairro dele!”,

comentou uma usuária da rede. “Tijucano anda de bermuda tactel como se fosse atra-

vessar a rua e dar um tchibum no mar”, alegou um rapaz. “Não contaram para esses

metidos que Tijuca faz parte da zona norte, suburbanos!!”, esbravejou uma moça. “Ti-

jucano é um povo babaca mesmo. Paga tudo mais caro, até o pão francês é 1 real,

para viver cercado de favelas e a 10 quilômetros da praia”, finalizou outro.

De outro ponto de vista, a ideia de que a Tijuca seria um bairro com ares de

Zona Sul também tende a ser costumeiramente reafirmada pelas redes sociais sob o

epíteto deste lugar ser “A Zona Sul da Zona Norte”. Entretanto, a distinção entre ser

“Zona Sul” e ser “A Zona Sul da Zona Norte” estaria diretamente associada ao estilo

de vida percebido da Tijuca, considerado em alguns casos como “cafona” e “extrava-

gante”. Adjetivos, portanto, peculiares a um bairro considerado periférico, mas com

pretensões fidalgas pela condição econômica e cultural relativamente mais elevada

que a de sua vizinhança – tal como foi mostrado no Capítulo 1. Só que, ainda assim,

malsucedido em se espelhar de forma “adequada” nos padrões de elegância percebi-

dos na parte consideravelmente nobre do Rio.

Em publicação bastante repercutida no Facebook em dezembro de 2016 intitu-

lada “Mapeamento Afetivo de Promoções de Natal em Shoppings do Rio de Janeiro”,

o Shopping Center Tijuca – principal centro comercial da região inaugurado em 1996

– é representado pela autora do texto da seguinte maneira:

Adivinha... No coração consumista da Zona Sul da Zona Norte eles te ofere-cem, sob o slogan emergente “NATAL ENCANTADO”, a oportunidade de concorrer a uma viagem para Orlando. Nos sonhos de um bairro que se achou no direito de bater panelas, ainda mora uma chance de passeio na Disney. Mais cafona impossível13.

Associando o movimento político dos “panelaços” a um segmento da classe

média reacionária detentora de alto poder de reivindicação, a autora ironiza a suposta

13 Disponível em: <https://goo.gl/axJEf9>. Acesso em 20 dez. 2016.

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assunção dos tijucanos de se sentirem parte desse seleto grupo de privilegiados que,

por naturalmente, não habitaria a Zona Norte carioca. Nestas ocorrências, bastante

representativas da polifonia de significados que caracteriza a Tijuca e do próprio ima-

ginário que se atribui aos determinismos espaciais da cidade, observa-se um outro

paradoxo.

Os esforços em qualificar a Tijuca ora como “Subúrbio”, ora como “A Zona Sul

da Zona Norte” adviriam de um reconhecimento mútuo de que o bairro seria sui gene-

ris justamente por essa suposta falta de identidade apontada no início por Wiltgen

(2016). Uma falta de identidade que, por não se encaixar nas categorias pré-definidas

que representam simbolicamente os espaços físicos e sociais da cidade, na prática,

projetaria uma personalidade notável sobre o que é “ser tijucano” – muitas das vezes,

sinônimo de tradicional e bairrista. O advogado e cronista Eduardo Goldenberg, fa-

moso por suas publicações no blog “Buteco do Edu” – tendo já contribuído, inclusive,

como colunista do Jornal do Brasil – é exemplar desse espírito bairrista associado

ao estereótipo que se faz comumente da Tijuca. Tijucano entusiasta, Goldenberg

(2009) percebe e representa o seu torrão por meio de discursos apaixonados e, tam-

bém, defensivos contra as pechas atribuídas àquele lugar:

A Tijuca – é meu mote constante – que eu defendo com unhas e dentes ser o mais aprazível dos bairros da cidade do Rio de Janeiro (o que consequen-temente me faz afirmar, sem medo do erro, ser o melhor bairro do mundo), não tem a Lagoa e a árvore-monstrengo como propaganda flutuante de um grande banco, não tem a praia de Copacabana e os milhões de homens, mu-lheres e crianças olhando pro céu à meia-noite do dia 31, não tem a superlo-tação de shoppings que a Barra (cada vez menos da Tijuca) tem, mas somos aqui – os que negam não têm olhos de ver e nem ouvidos de ouvir – cidadãos felizes por vivermos no aprazível bairro que empresa seu nome a seus nati-vos.

[...]

Eu, que tenho raízes profundas fincadas no bairro da Tijuca, ainda que saiba haver, entre nós, gente que detesta o bairro (ainda que morando aqui), gen-te preconceituosa que considera favela a “tragédia da sociedade”, gente que torce o nariz para nossas mais caras tradições (as lojas de rua, as escolas de samba, os bares, os botequins…), desejo a todos – mesmo – um final de ano com efetiva possibilidade de ampla reflexão a fim que estejamos, no ano que chega, mais afinados e mais dispostos ao bem comum, coletivo, sem qual-quer barreira criada pelo preconceito e pelo medo, que mata aos pou-cos (“Natal na Tijuca”, 22 dez. 2009).

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O tal orgulho próprio – o “orgulho tijucano” – do qual comenta Wiltgen (2016) e

que é afiançado por Goldenberg (2009), embora oriundo de um bairro “pseudo” na

qualificação daquela, expõe preliminarmente algumas peculiaridades cabíveis de re-

flexão sobre esse lugar. A primeira delas é de a Tijuca (a) se representar e ver-se

representada como socialmente homogênea, isto é, uma espécie de “região moral”

(PARK, 1987), e heterogênea em relação às outras partes do Rio, em especial aos

Subúrbios como atributo de distinção uma vez que ambos os espaços estão territori-

almente integrados pelo tecido urbano. A segunda, seria (b) a particularidade de a

Tijuca fazer resultar, de si própria, uma espécie de identidade que serviria de espelho

para os residentes nos bairros vizinhos se projetarem socialmente no contexto de um

macroespaço – a “Zona Norte” ou “Grande Tijuca” –, onde esse bairro exerce forte

centralidade simbólica.

Em outras palavras, o “orgulho tijucano” no sentido de um ufanismo-bairrista

seria categórico de um lugar que, permeado por fronteiras simbólicas, se reconhece

e é reconhecido como uma unidade social particular, mas que, ao mesmo tempo, tam-

bém se vê e é visto como socialmente deslocado. Esse deslocamento encontra subs-

tância naquilo que Bourdieu (2007b) explica sobre lugares (como a Tijuca) que, em-

bora estejam em condição de dominância, não estão, por outro lado, em posição equi-

valente a outros (como Lagoa e Barra da Tijuca, por exemplo).

O sociólogo Raymond Boudon (1995) também ajuda a pensar sobre o “deslo-

camento” através do conceito de não congruência do status, equivalente ao fato da

posição detida por um indivíduo numa determinada hierarquia social não estabelecer

ou nem sempre coincidir com a sua mesma posição em outras escalas de percepção.

Neste sentido, a não congruência do status poderia ser facilmente observada no coti-

diano por expressões como a dos “emergentes”, por exemplo, ou então, em outra

perspectiva, como a dos “novos-pobres”, “arrivistas” e, por fim, “deslocados” (p. 134).

Boudon (1995) pontua que o significado deste conceito advém da mudança de

condição social por enriquecimento ou arruinamento, mas sem que os agentes ou

grupos sociais assim designados tenham perdido as maneiras que caracterizavam

seu status de origem e/ou adquirido a civilidade e os “modos” da nova classe à qual

passaram a pertencer. Essa concepção dialoga com a teoria do espaço social de Pi-

erre Bourdieu na medida em que mostra como o exercício do poder simbólico de uma

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classe sobre a outra supera a ordem econômica. Neste enredo, inclui-se especial-

mente o estilo de vida e as trajetórias do agente social no espaço. Isto é, os lugares

ocupados tanto física como social e simbolicamente no mapa social reiterado por Gil-

berto Velho (1989):

A não-congruência pode ser gerada pela mobilidade ou pelas transformações sociais. O burguês do Ancien Régime que está à frente de uma enorme for-tuna mobilitária e imobiliária atinge uma posição elevada na escala econô-mica, mas detém apenas uma posição média ou desprezível nas escalas po-lítica e de status. O novo-rico bem-sucedido nos negócios, o filho do operário que sai de uma escola prestigiada e que, por isso, faz uma brilhante carreira profissional não gozam do mesmo prestígio social que o herdeiro de uma grande indústria ou o filho diplomado de uma família de quadros superiores do Estado (BOUDON, 1995, p. 134).

O burguês rico ou o camponês opulento que, graças a uma liberalização das regras que presidem à aquisição de terras, encontram-se à frente de vastos domínios continuam a ser para o nobre francês, mesmo arruinado, simples plebeus. Se, como afirma Tocqueville (1856), os burgueses e os nobres se tornaram estranhos uns aos outros, foi sobretudo porque se julgaram, a partir de então, segundo valores situados em escalas diferentes (Idem, p. 135).

Conforme os casos introdutoriamente indicados, uma possível não congruência

do status da Tijuca se relaciona à ideia de o morador desse bairro ser visto como uma

espécie de “pobre que se acha rico”. Contudo, assumir essa constatação é exprimir

uma concepção pré-determinista do espaço onde o simples fato de se habitar a Zona

Norte da cidade já seria razão objetiva para um agente ser denominado como perten-

cente a uma classe social mais popular ou desprestigiada. Premissa que nos leva

novamente à imperatividade do efeito de lugar (BOURDIEU, 1997) no reconhecimento

imediato de classe, no qual os agentes geralmente reiteram sua posição social (e a

dos outros) de acordo com o simbolismo impresso deterministicamente ao seu lugar

de residência, levando-se em conta, secundariamente, suas origens e seu estilo de

vida.

A tensão presente nesse imaginário que aparentemente é atribuído à Tijuca

pelos Subúrbios incide no estranhamento em se perceber um agente social – tal como

o tijucano – pertencente a uma classe dita popular (dado o lugar que ocupa no imagi-

nário carioca do mapa social), mantendo um estilo de vida, por sua vez, incompatível

com aquilo que se espera de um morador da Zona Norte em seu entendimento ideo-

lógico.

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2.2 A Tijuca no mapa da Prefeitura

Por outro lado, a perspectiva da Tijuca defendida como um espaço efetiva-

mente elitizado coexiste em meio a essa tremenda barafunda. O campo das Ciências

Sociais, assim como o do Estado (na figura da Prefeitura do Rio de Janeiro), através

de instrumentos político-administrativos como o zoneamento, tendem a apartar a Ti-

juca da Zona Norte, colocando-a no mapa simbólico da Zona Sul. É dizer que a regi-

onalização da cidade a partir de critérios específicos de identificação de áreas com

alta homogeneidade interna e heterogeneidade em relação às demais como a das

CATs segue linha parecida àquela adotada pela Prefeitura do Rio de Janeiro.

O zoneamento das Áreas de Planejamento (APs) é um exemplo de como o

“mapa das centralidades” do Observatório das Metrópoles apresentado no Capítulo 1

se repete em instrumentos políticos-administrativos. Com o objetivo de organizar as

informações sobre a cidade e de facilitar a integração de ações em prol de políticas

públicas setoriais, as APs foram instituídas em 1991 no momento de elaboração do

primeiro Plano Diretor da cidade do Rio. Elas representam cinco macrozonas territori-

ais, conformando, cada qual, uma região geral formada por conjunto de distritos:

Quadro 2. As Áreas de Planejamento (APs) do Rio de Janeiro

Área de Planejamento Subdivisão Distritos por Zonas

AP1 1.1 Zona Central

AP2 2.1. Zona Sul

2.2. Zona Norte

AP3

3.1

Subúrbios

3.2

3.3

3.4

3.5

3.6

3.7 Ilha do Governador

AP4 4.1. Jacarepaguá / Barra da Ti-

juca 4.2.

AP5

5.1.

Zona Oeste 5.2.

5.3

5.4.

Para este caso, o espaço da Tijuca é percebido pela Prefeitura do Rio de Ja-

neiro como equivalente ao da Zona Sul por portarem indicadores sociais parecidos

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em termos de renda domiciliar, Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), histórico

de urbanização e funções e uso do solo, entre outros (PREFEITURA DO RIO DE JA-

NEIRO, 2011). Assim, os distritos da Tijuca e de Vila Isabel foram incorporados ao

mapa da Zona Sul (AP2) para atender a tais fins, apartados, portanto, do restante da

região da Zona Norte considerada classicamente por “subúrbio”, inscrita em outra

Área de Planejamento – considerando, também, a Ilha do Governador (AP3).

Mesmo a Prefeitura do Rio de Janeiro quando assume certa equivalência social

entre “Zona Norte” e Zona Sul ao colocar estas duas regiões numa mesma área de

planejamento, também indica suas contemporizações – especialmente no tocante ao

ambiente construído. Com o objetivo de incorporar os instrumentos de planejamento

urbano previstos pelo Estatuto das Cidades (Lei n. 10.257, de 2001), o Plano Diretor

da cidade ampliou seus instrumentos de governança associando-os a um maior apro-

fundamento das questões ambiental, habitacional, social e de transporte na cidade.

Neste sentido, atribuiu-se um novo tipo de ordenamento territorial à cidade do

Rio que vem permitindo à Prefeitura estabelecer uma melhor condução de políticas

setoriais a partir do controle demográfico, do perfil do meio ambiente e da disponibili-

dade de infraestrutura existente em cada região. Assim, foram instituídas novas quatro

macrozonas – ou regiões de planejamento, diferentes das APs – denominadas pelas

seguintes referências:

Macrozona de Ocupação Controlada – abrange a Zona Sul e parte do Centro

da cidade. Como o próprio nome diz, esta região vai ter restrições a novas

ocupações. Apesar de apresentar boas condições de infraestrutura, essa

área encontra-se próxima da saturação do adensamento e da intensidade de

uso.

Macrozona de Ocupação Incentivada – é a Zona Norte, o Subúrbio e parte

do Centro. Aqui, a ocupação será estimulada, principalmente nas áreas já

dotadas de infraestrutura, mas que nos últimos anos sofreram esvaziamento

e deterioração.

Macrozona de Ocupação Condicionada – correspondente à Baixada de Ja-

carepaguá, incluindo os bairros da Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeiran-

tes. A ocupação dessa área vai acontecer na medida em que haja investi-

mentos públicos ou privados em infraestrutura. A liberação de novos empre-

endimentos obedece rigorosamente a esta condição, já que é uma região

ambientalmente frágil e sua estrutura atual é insuficiente para absorver o

adensamento populacional em curso.

Macrozona de Ocupação Assistida – corresponde ao restante da Zona Oeste.

O poder público é responsável por incentivar sua ocupação e o consequente

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incremento das atividades econômicas, dotando o local de infraestrutura, ser-

viços urbanos e provisão de moradias e zelando pela proteção ambiental

(PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, 2011).

Nota-se, portanto, que enquanto a Zona Sul e parte do Centro do Rio de Janeiro

se inserem na Macrozona de Ocupação Controlada, a “Zona Norte” (Tijuca/Vila Isabel)

é incorporada à Macrozona de Ocupação Incentivada, conformada majoritariamente

pelos bairros suburbanos e por outros distritos centrais, como os do Rio Comprido e

da Zona Portuária. É, também, interessante observar a definição atribuída pela Pre-

feitura do Rio de Janeiro à Macrozona Incentivada como um lugar cuja ocupação de-

veria ser “estimulada, principalmente nas áreas já dotadas de infraestrutura, mas que

nos últimos anos sofreram esvaziamento e deterioração”14.

A colocação da Tijuca neste perfil de macrozona converge com a representa-

ção periférica deste distrito em relação ao restante daqueles outros que conformam a

AP2, tal como aponta a análise do Observatório das Metrópoles. É razoável pensar

que isto represente para a Prefeitura o entendimento de que ainda existam possibili-

dades de desenvolvimento para a “Zona Norte” e das quais já foram esgotadas para

a Zona Sul. Daí as sutis ambiguidades da Tijuca em se mostrar ora mais social e

espacialmente semelhante à Zona Sul, ora aos Subúrbios.

Durante a segunda gestão municipal do prefeito Eduardo Paes (2013-2016),

iniciativa da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro em instituir programa

de reabilitação de antigos cinemas de rua da Zona Norte corroborou com o lugar pro-

blemático ocupado pela Tijuca nesse “lusco-fusco” urbano. O propósito do programa

foi iniciar um programa de revitalização do roteiro cultural da Zona Norte, naquele

momento precarizado ou concentrado em shopping centers. A medida foi tratada

como uma política setorial destinada a atender aos bairros da AP3, local onde os bens

14 A ideia de “áreas já dotadas de infraestrutura, mas que nos últimos anos sofreram esvaziamento e deterioração” parece resguardar bastante proximidade com o processo de urbanização e ocupação da Barra da Tijuca como nova centralidade no vetor de expansão à beira-mar a partir dos anos 1970/80. Entre 1991 e 2000, o crescimento populacional da Barra da Tijuca atingiu índices de 20% ou mais, enquanto a maioria dos bairros da Zona Norte, do Centro e de alguns bairros suburbanos próximos ao núcleo passou por um processo de decréscimo populacional. Segundo dados da Prefeitura, a Zona Sul também sofreu com um decréscimo populacional, embora em menor grau. Ver maiores informações no Armazém de Dados da Prefeitura do Rio de Janeiro, disponível em: <http://www.armazemdeda-dos.rio.rj.gov.br/arquivos/1325_crescimento%20da%20popula%C3%A7%C3%A3o,%20por%20bair-ros%20-%201991%20-%202000.JPG>. Acesso em 18 out. 2016.

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de consumo, recursos coletivos e equipamentos urbanos são tradicionalmente mais

escassos do que nas áreas de planejamento mais ricas, como a AP1, AP2 e AP4.

Através de informação verbal, o roteirista e cineasta Gustavo de Brito Colombo

(2016), ativista do movimento que reivindica o retorno dos cinemas de rua à Tijuca,

afirma que inicialmente esse bairro ficaria de fora do programa justamente por não

estar enquadrado na AP3; ou melhor, por estar enquadrado no Plano Diretor como

“Zona Sul”, isto é, parte da AP2. Ao privilegiar os cinemas da Zona Norte, considerada

majoritariamente pela AP3, ao fim e ao cabo, o programa acabaria não levando em

conta a situação cultural da Tijuca e de suas adjacências, considerada por muitos

como “decadente” ou “esvaziada” e, também, tão “zona norte” quanto aqueles outros

bairros.

A tônica sobre a situação cultural do bairro encontra argumentos naquilo que a

jornalista Talitha Ferraz (2012) afirma de a Tijuca ter sido um dos maiores polos cine-

matográficos da cidade entre 1940 e 1970, mas que a partir dos anos 1980 incontáveis

salas fecharam e/ou foram transferidas para shopping centers – como o Shopping

Center Tijuca e o Shopping Iguatemi, em Vila Isabel (atualmente denominado por

Shopping Boulevard). Apesar de muitos desses antigos espaços terem adquirido ou-

tras funções – como igrejas, supermercados e farmácias –, ainda havia muitas salas

abandonadas que poderiam ter sido revitalizadas naquele contexto, alegou Colombo

(2016).

Na função de colaborador da Associação Comercial e Industrial da Tijuca

(ACIT), Colombo (2016) participou de reuniões com representantes da Secretaria Mu-

nicipal de Cultura, sugerindo a incorporação da AP 2.2 (Tijuca e Vila Isabel) neste

circuito. A solicitação foi considerada apropriada – uma vez que a AP 2.2 pertence à

Macrozona de Ocupação Incentivada –, mas declarada pelos agentes públicos – nas

considerações do informante – como “problemática”, já que a colocação da Tijuca na

AP2 é interpretada, grosso modo, pela condição de bairro de “alta renda”. Daí o as-

pecto essencial que supostamente favoreceria maior atuação da iniciativa privada na

Tijuca do que na AP3, necessitada efetivamente de incentivos públicos.

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2.3 A Tijuca no mapa da crônica e da literatura

O compositor e escritor Aldir Blanc (1979) aborda a problemática da Tijuca no

contexto espacial discutido ao defini-la como um lugar meio-não-sei-como e impre-

ciso. Na crônica “O Tijucano”, publicada no final dos anos 1970 na coletânea Rua dos

Artistas e arredores, Blanc (1979) sugere que o próprio tijucano não conseguiria definir

apropriadamente sua representação por reconhecer que mora num lugar que não é

Zona Sul, tampouco subúrbio:

A verdade é que o Tijucano vive num dilema desgraçado. Considerado semi- ipanemense pelos suburbanos e tido como meio suburbano pelos ipanemen-ses, o Tijucano passa momentos difíceis num bairro impreciso. — Tu mora aonde? — Tijuca. O autor dessa resposta pode morar no Largo da Segunda-Feira, no Mara-canã, no Andaraí, em Vila Isabel, em Aldeia Campista... digamos que entre o Estácio e o Grajaú tudo é Tijuca. Se vocês estão pensando que eu vou dizer “o Tijucano é um estado-de-espí-rito”, aqui ó! O Tijucano é um estado-de-sítio. Premido pelo sagrado horror da acusação de suburbano e sonhando, secre-tamente, com as mordomias ipanemenses, o Tijucano adota uma atitude blasé em relação a seu controvertido bairro. Acha a Tijuca “devagar, careta, meio-não-sei-como, sacou? “ Saquei, bestalhão. A Tijuca é exatamente isso: meio-não-sei-como. Uma amostra magnífica do nosso querido Brasil. (...) (BLANC, 1979, pp. 192-193).

Ao dizer que o bairro da Tijuca seria “uma amostra magnífica do nosso querido

Brasil”, associa-o a um lugar socialmente multifacetado, afeito a uma pluralidade de

nuances existentes graças à sua posição interseccional entre duas realidades díspa-

res. Por conseguinte, uma multifacetação capaz de criar uma unidade socioespacial

própria, identificada e reconhecida pelos demais como nos termos propostos por

Graça Índias Cordeiro e António Firmino da Costa (1999) a respeito da categoria

“bairro”.

Em outra referência, Blanc (2011) versa a respeito da condição supostamente

elitizada do tijucano no espaço social carioca. Em consonância ao que os dados do

Observatório das Metrópoles apresentam sobre a proximidade social entre Tijuca e

Zona Sul, Blanc (2011) afirma que os tijucanos são agentes sociais bons conhecedo-

res dos códigos sociais da “alta roda”, apesar de se comportarem antiquada e desa-

jeitadamente ao reproduzi-los em público. O estereótipo do homem heterossexual ti-

jucano de meia-idade, para ele, recai justamente nesse paradoxo em ser um indivíduo

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honoris causa dos bons modos, mas que eventualmente comete gafes ao trazer à

tona um perfil galanteador a moda antiga, considerado démodé pela classe domi-

nante:

A Tijuca me ensinou o olhar cínico, a lírica bandalha. João Bosco diz que sou bom contador de histórias – no papo, bem entendido. Vamos imaginar uma: por obra e graça do Espírito Santo, um tijucano consegue entrar numa festa finíssima, de alta classe, dinheiro velho. Nada a ver com o aniversário do Mamaluf. Traja um smoking impecável e comporta-se como um gentleman de berço. Num dado instante, surge a bela anfitriã, num vestido com o corte discreto e mortal de Yves Saint Laurent, uma joia verde-esmeralda, esban-jando graça e elegância, e passa pertinho do nosso herói. Apesar de todas as juras de se conter, tão certo como vão superfaturar a Copa e as Olimpía-das, ele se inclina e sopra no ouvidinho dela, brisa em oiti:

– Se verde é assim, que dirá madura…

Se por um lado Blanc (2011) sugere um vínculo da ideia da figura masculina

tijucana à de um indivíduo seguro de si próprio, por outro o jornalista e cronista Tutty

Vasques (1997; 2005) revela a dimensão dessa mesma figura como a de um agente

social deslocado, que procura ser “aceito”. Por causa disso, o tijucano titubearia e

hesitaria quando posto em confronto ao mundo da burguesia da Zona Sul. Ex-morador

do bairro, em suas crônicas, Vasques (1997) assume que seu lado “tijucano” o perse-

guia mesmo residindo havia tantos anos na Zona Sul. Para ele, esta perseguição teria

a ver com o fato de o tijucano ser um agente social que, embora capacitado a incor-

porar com excelência os códigos sociais e os princípios de capital cultural atribuídos

ao morador da Zona Sul, na prática não conseguiria deixar passar despercebida a

falta de naturalidade em reproduzi-los:

Ninguém é lebloniano, catetense, meieriano, copacabanense, gaveanista... O carioca pode, no máximo, ser ipanemense! Antes que algum vizinho de infância me denuncie, devo dizer que nasci tijucano e, ainda hoje, 20 anos exilado do bairro, ainda sofro com o estigma da Tijuca! Basta que eu deixe escapar um comentário reacionário, pronuncie uma palavra errada em inglês ou use uma calça acima da cintura e, pronto, logo aparece um engraçadinho lembrando que eu morei próximo à Praça Saenz Peña! (JORNAL DO BRA-SIL, CADERNO PROGRAMA, 28 mar. 1997, p. 37). Por mais que o sujeito disfarce, a gente sempre nota o que há sob as roupas Richards de um ex-tijucano. De repente um gesto inseguro, uma indecisão no olhar, uma preocupação desnecessária com o cabelo, o trepidar da perna na ponta dos pés, aquela agonia de não saber o que fazer com as mãos e, pronto, o cara se entrega. O medo de errar, de ousar, de arriscar, de mudar, de falhar, dessas coisas que atormentaram minha juventude ninguém se livra

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assim, de uma hora para outra (REVISTA VEJA RIO, 1º jun. 2005, última página).

O constrangimento em ser associado à Tijuca denota o modo como o cronista

assume as pechas a partir de uma hierarquização no estilo de vida entre “Zona Norte”

e Zona Sul que, por sua vez, não permeia necessariamente a condição econômica

superior desta sobre aquela. Tutty Vasques (1997; 2005) sugere existir uma relação

de subserviência cultural na maneira como os tijucanos buscam moldar seus hábitos

e comportamentos a partir de um modelo referencial de estilo de vida alusivo à Zona

Sul. O habitus, explicado por Pierre Bourdieu (2008) como um dispositivo que conjuga

a trajetória social e o acúmulo de capital econômico e cultural de um agente com as

suas práticas, resultando numa unidade de estilo comportamental, é exemplar do que

nos conta Vasques (1997; 2005). Para ele, incorporar os preceitos comportamentais

associados à Zona Sul no seu dia a dia como “novo membro” daquele lugar teria sido

uma estratégia para ser aceito no “clube”. E, por conseguinte, para camuflar a sua

trajetória social que frequentemente o desprestigiava sempre que deixava escapar

uma ou outra conduta que ilusoriamente não faria parte do habitus de um morador da

Gávea ou do Leblon, por exemplo. Em outro trecho, Vasques (1997) elucida demar-

cações bem definidas sobre o que seriam os comportamentos, preferências e visões

políticas de um tijucano e as de um morador da Zona Sul. Com isso, nesta passagem,

ilustra indiretamente a forma como o habitus se diferencia na medida em que projeta

uma unidade de estilo bem percebida pelo autor:

Vocês não imaginam quantas namoradas perdi ao revelar que eu era um ci-dadão da Rua Guajaratuba! Entre elas, uma lourinha linda que morava na Rua Gorceix, em Ipanema! Como pode alguém que mora na Gorceix achar ridículo que alguém more na Guajaratuba? Foi a pergunta que mais atormen-tou a minha adolescência! Depois, vieram outras questões: por que diabos quem nasce em Ipanema é de esquerda e quem vem ao mundo na Tijuca é de direita? Por que o menino ipanemense faz análise e a gente fica de castigo quando faz bobagem? Por que eu passo as férias em São Lourenço e a gata da Gorceix em Londres? (JORNAL DO BRASIL, CADERNO PROGRAMA, 28 mar. 1997, p. 37).

Em resumo, as referências de Vasques (1997; 2005) e Blanc (1979; 2011) mos-

tram que existiriam diferenças notórias interpostas no estilo de vida dos tijucanos e

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dos moradores da Zona Sul. Não obstante a proximidade social entre os dois atestada

pelas Ciências Sociais, esses cronistas indicam o modo como os tijucanos reconhe-

cem subjetivamente a hierarquização do espaço social carioca a favor da dominância

da Zona Sul. Assim, os tijucanos buscariam reproduzir o suposto comportamento que

se imagina do lado “praiano e civilizado” da cidade como um “ganho de espaço”. Isso

se dá não apenas por um reconhecimento de classe, mas também pela necessidade

de aceitação social do tijucano em precisar legitimar publicamente o pertencimento à

classe à qual julga pertencer – a classe dominante.

No entanto, é importante sublinhar sobre qual “Zona Sul” esses interlocutores

estão falando. Ao assumirmos a Zona Sul como metonímia de “classe dominante”,

corre-se o risco de não considerar que dentro da própria Zona Sul haja disparidades

sociais e que, portanto, dentro dela também existem localizações mais ou menos va-

lorizadas em termos simbólicos. Com base no que foi introduzido no capítulo anterior,

o que coloca a Zona Sul em posição de dominância no espaço social carioca é o fato

desta região dispor de maior concentração relativa de classes dominantes ali (classes

Superiores, na perspectiva das CATs) em relação às demais áreas da cidade. É dizer

que a própria Zona Sul dispõe de uma hierarquia urbana que projeta a ocupação de

lugares como Ipanema e Leblon no vértice dessa pirâmide, enquanto Catete, Glória

e, por vezes, o Largo do Machado, são simbolicamente tachados de a “Zona Norte da

Zona Sul” pelo senso comum. Isto indica a percepção de que se tratam de locais de-

gradados e/ou socialmente inferiores em relação aos parâmetros idealizados de uma

“Zona Sul” nobre e luxuosa junto à orla atlântica, na qual Ipanema e Leblon seriam os

lugares mais representativos. Assim, a “Zona Sul” tratada nos parâmetros deste tra-

balho, e que é recorrentemente referenciada por esses interlocutores, está vinculada

mais à Zona Sul “moderna” (distritos da Lagoa e Copacabana) e menos à Zona Sul

“antiga” (distrito de Botafogo), esta socialmente mais próxima à “Zona Norte” conforme

aponta estudo desenvolvido pela pesquisadora Cyntia Campos Rangel (2003) e, tam-

bém, pelos dados apresentados no Capítulo 115.

Em suma, as diferenças entre esses dois estilos de vida indicam uma Zona Sul

moderna, sofisticada e cosmopolita, e uma “Zona Norte” tradicional e conservadora.

A própria representação da figura feminina tijucana – da qual não se comentou até

15 A constituição simbólica desse mapa social será discutida no Capítulo 3.

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agora – também se vale do imaginário de um bairro que tende – ou tendia – a ser

menos ousado em seus costumes. O escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-

1980), ilustre morador da Aldeia Campista16 nos anos 1950, retratou incontáveis vezes

em seus contos e crônicas o comportamento das senhoritas e senhoras da região.

Ora travestidas de uma moralidade que, em público, se associava à aceitação social

entre os vizinhos e o próprio meio familiar, ora travestidas pelo papel de “pecadoras”

quando confrontadas e/ou absorvidas pelo mundanismo da vida moderna, Nelson Ro-

drigues foi um desses literatos expoentes em propagar a “Zona Norte” como o “lugar

da classe média”, especialmente em A Vida Como Ela É... (Nova Fronteira, 2011).

O contraste entre uma “Zona Norte” tradicional e uma Zona Sul moderna, mais

refinada, também foi representado pelo autor nestes contos. Em alguns casos, vê-se

que a perspectiva do dramaturgo sobre a classe média do bairro se apresenta a partir

de uma ótica mais subalterna à Zona Sul e, portanto, mais próxima à realidade de um

imaginário de “Zona Norte” afim com um cotidiano “prosaico” dos Subúrbios. Em pas-

sagem de seu livro de memórias A menina sem estrela, publicado pela Companhia

das Letras em 1993 (p. 35), Nelson Rodrigues afiança esse ponto de vista através da

qualificação social que atribui ao nome de sua vizinha, já como morador de Ipanema:

E eis que, na terça-feira, dobro a esquina e quase esbarro com a d. Odete.

Com esse nome de Zona Norte, é minha vizinha em Ipanema. [...] Volto a d.

Odete. Estava disposto a não vê-la e passar adiante. Mas ela me trava, soli-

damente. Sua mão, voraz, está crispada no meu braço. Paciência. Vai me

dar os pêsames (na Zona Norte, para lá da praça Saenz Peña, há várias

Odetes).

Neste trecho, é interessante notar a representação do que seriam as fronteiras

simbólicas entre uma Zona Norte “aceitável” e uma Zona Norte mais “popularizada”.

Ao dizer “para lá da Praça Saenz Peña”, Nelson Rodrigues (1993) afirmou existir um

mundo, para além da Tijuca, onde aquele tipo de nome, “Odete”, seria mais comum.

Indiretamente, o autor pode estar se referindo tanto aos Subúrbios, que estariam para

além da Tijuca (isto é, “para lá da Praça Saenz Peña”), assim como às regiões vizinhas

à Tijuca, a exemplo da própria Aldeia Campista – cenário onde se desencadearam

muitas das suas tramas. Neste sentido, vê-se não apenas a percepção da Tijuca como

16 Pequena localidade situada no bairro de Vila Isabel junto à divisa com a Tijuca.

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um espaço que, em termos sociais, se mostra distinto à Zona Sul, mas que também

pode se mostrar socialmente distinto dentro do próprio contexto em que se insere – a

“Zona Norte” ou Grande Tijuca.

Em outra frente, as representações a respeito de um estilo de vida ligeiramente

antiquado na Tijuca frente ao que se idealiza como um estilo de vida cosmopolita na

cidade parece ter evoluído, ao longo do tempo, para a percepção de um próprio perfil

da Tijuca enquanto espaço material “superado”, senão degradado. Retomando a pers-

pectiva de Tutty Vasques (2005), quem teceu polêmicas comparações entre o que

havia sido a “sua” Tijuca e uma outra Tijuca de tempos mais recentes da qual o cro-

nista não fazia mais parte, destaca-se, aqui, de que modo para ele o bairro se trans-

formou:

Por mais que a novela das 8 e os comerciais de TV insistam em associar a Zona Norte ao bom malandro, ao sambinha da esquina e àquela gente hu-milde em casas simples com cadeiras na calçada, na fachada escrito em cima que é um lar, nada disso existe mais por lá. Restam o abandono, sinais de empobrecimento, o medo das balas perdidas, as grades e o mau gosto. Se-jamos francos: a Zona Norte é horrível, eu sou de lá, eu sei. O caos arquite-tônico avançou sobre a paisagem humana que a violência baniu das ruas. Sou do tempo dos cines América, Carioca, Olinda, quando a Praça Saenz Peña era um Multiplex a céu aberto. Só vendo o que aquilo lá virou! Sempre que visito meus pais – como bom tijucano, visito muito meus pais – passo pelo lugar que me fez moleque e, olhando a muralha de prédios erguida ao redor, não sei dizer a meus filhos exatamente onde era a minha casa (RE-VISTA VEJA RIO, 1º jun. 2005, última página).

Logo, infere-se sobre até que ponto o estigma em ser tijucano do qual Vasques

(1997) comenta anteriormente também possa ter a ver com a percepção de um es-

paço cujo ambiente construído e solo urbano parecem ter sido desvalorizados pela

suposta degradação de sua arquitetura, favelização, especulação imobiliária, entre

outros motivos. Neste sentido, o efeito de lugar, antes restrito a um estilo de vida “an-

tiquado” e “tradicional” frente à Zona Sul, parece sobressair em tempos mais recentes

a partir de uma perspectiva ampliada que engloba, sobretudo, um estranhamento ao

espaço vivido que põe em xeque o simbolismo do bairro como “nobre”.

Na ficção, o personagem Mario Cardoso, protagonista de A glória e seu cortejo

de horrores (Companhia das Letras, 2017), romance da escritora e atriz Fernanda

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Torres – ela própria uma ex-tijucana assumida –, reproduz um discurso afetivo-pas-

sadista sobre uma Tijuca de tempos “melhores” congêneres àqueles retratados por

Machado de Assis e José de Alencar em seus romances no século XIX:

Com os anos, a Tijuca, que tanto colo me dera, tornou-se uma lembrança longínqua, sem significado para mim. Mas agora, admirando a vista daquela varanda, as casas baixas que ainda guardavam a elegância passada, raras sobreviventes da hecatombe do bairro, suspeitei da minha frieza. Aquele fundo esquecido do Rio me trazia uma nostalgia sem fim. A rua sem saída, a infância, os primos, os cuidados da avó e meu pai ainda vivo. A saudade de mim. De ser filho e de ter mãe (p. 37).

As representações exemplificadas ao longo deste capítulo indicam uma plura-

lidade de significados a respeito de como o lugar da Tijuca é percebido e representado

por diferentes agentes sociais. Como foi mostrada, a ideia de a Tijuca ser um bairro

“deslocado” – segundo o postulado de Raymond Boudon (1995) – encontra sentido

no que muito dos exemplos mostrados sugerem sobre o “bairro tentar aparentar algo

que não é” e/ou “ter deixado de ser algo que um dia já foi”. Neste sentido, a compre-

ensão do que é a Tijuca e do que ela presume ser nas tantas representações assina-

ladas somente pode ser proporcionada quando investigada mais detalhadamente a

constituição simbólica do mapa social carioca e o lugar ocupado pela Tijuca nele no

tempo e nesse espaço. É o que será analisado a seguir.

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3 O SIMBOLISMO DO MAPA SOCIAL CARIOCA

Este capítulo apresenta o modo pelo qual se constituiu simbolicamente o mapa social

carioca conforme o desenvolvimento do processo de segregação residencial ocorrido

na cidade durante o século XX. Para entender o lugar que a Tijuca passou a ocupar

nesse contexto dicotômico entre Zona Sul versus “Zona Norte”/Subúrbios, recorreu-

se ao referencial teórico que explicasse os primórdios da urbanização do Rio no sé-

culo XIX, no qual esse bairro detinha relevância simbólica na estrutura social dos tem-

pos imperiais. Destrinchando os estilos de vida que se impuseram como dominantes

e dominados no Rio “moderno”, analisou-se o panorama urbano e social que reestru-

turou a teia de relações que configurava a estrutura urbana e as suas representações

nesse mapa social, situando a Tijuca sempre que oportuno.

3.1 O lugar da Tijuca no Rio “oitocentista”

Segundo os estudos de Flavio Villaça (1998), a expansão urbana do Rio de

Janeiro no século XIX ocorreu por três frentes difusas lideradas pelas classes domi-

nantes da época a partir do “centro principal” (Figura 4): duas radiais-oeste e outra

em sentido meridional. Nas primeiras, uma delas apontava para o bairro de São Cris-

tóvão, enquanto a outra rumava para a Tijuca. Durante o período imperial, São Cris-

tóvão foi exemplo de lugar simbólico no espaço carioca dada a escolha de D. João VI,

rei de Portugal, em instalar seu palácio real naquele local alguns anos após sua che-

gada ao Brasil, em 1808.

Por sua vez, a Tijuca atraiu as elites graças ao perfil do seu espaço físico. Num

contexto onde os sítios elevados eram percebidos como mais seguros contra os ata-

ques de inimigos e, também, por seus bons ares, livres dos miasmas e das doenças

recorrentes no centro principal, o perfil acidentado da Tijuca foi fator decisivo de atra-

ção dos nobres e aristocratas que ali se instalaram, especialmente franceses. Já o

vetor de expansão que corria em sentido sul junto à Baía de Guanabara fez desenvol-

ver a faixa de terra entre os bairros da Glória e de Botafogo, onde se instalaram aris-

tocratas, em geral, e uma notória classe de ingleses, dando origem posteriormente ao

que se conheceria por Zona Sul nos dias de hoje.

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Figura 4. Vetores de expansão das classes dominantes no século XIX (cartograma).

Créditos: Pedro Paulo M. Bastos.

Observação: os contornos geográficos são meramente ilustrativos e, portanto, não correspondem exatamente àqueles do século XIX.

Aqui, é oportuna esta digressão: embora esses topônimos tenham tido suas

nomenclaturas consolidadas mais para meados do século XIX, justo no momento

quando a urbanização dessas áreas para além do Centro já havia tomado maiores

proporções – alçando-os à categoria de freguesias –, existia uma diferenciação bas-

tante resoluta entre os topônimos “Tijuca” daquela época e a Tijuca de hoje. No pas-

sado, “Tijuca” referia-se à parte alta de matas da região, o que se conhece atualmente

pelo bairro do Alto da Boa Vista. Enquanto isso, Engenho Velho foi o nome dado à

grande freguesia cujas terras se espraiavam junto às encostas da “Tijuca”, a exemplo

do que se conhece nos dias contemporâneos pelo próprio bairro da Tijuca e parte de

suas adjacências – tal como mostram Elizabeth Dezouzart Cardoso, Robert Pechman,

Lilian Fessler Vaz e outros (1984), em História dos Bairros – Tijuca; Brasil Gerson

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(2000), em História das Ruas do Rio; e Lili Rose Oliveira e Nelson Aguiar (2004), em

Tijuca, de Rua em Rua. Por esta razão, a referência de “Tijuca” entre aspas, neste

capítulo, será alusiva ao bairro do Alto da Boa Vista, ao passo que Engenho Velho

será mencionado como correspondente à Tijuca dos dias correntes.

Apesar dos eixos que levavam a São Cristóvão, “Tijuca” – Engenho Velho e

Botafogo se tratassem de localizações externas à urbe, Villaça (1998) questiona sobre

até que ponto as chácaras aí estabelecidas seriam residências permanentes ou de

veraneio das famílias proprietárias, colocando em xeque seu caráter rural. Como ar-

gumento, diz que, embora muitas das chácaras presentes nesses locais explorassem

a agricultura para fins comerciais, os chefes de família não estavam engajados neces-

sariamente em atividades agrícolas, levando um estilo de vida urbano:

No Rio, não eram raras as famílias que moravam na cidade, mas faziam uso tão intenso e tão frequente das chácaras (passando longas temporadas, re-cebendo hóspedes e promovendo recepções) que era difícil estabelecer qual era a residência permanente, se o palacete ou o sobrado da cidade, ou a chácara; entretanto, em termos de estilo de vida, essas famílias eram, sem dúvida, urbanas. [...] O que pretendemos mostrar é que no Rio de Janeiro, na primeira metade do século XIX – e só no Rio de Janeiro e em parte do Recife –, pelo estilo de vida que apresentava a corte, pelas dimensões de sua elite, seu cosmopolitismo e sua influência europeia, era comum que as famílias urbanas morassem permanentemente fora da cidade ou em longínquos Su-búrbios. Só no Rio havia uma corte, uma aristocracia europeia em contato com a qual o patriarca rural-suburbano urbanizou-se sem mudar o local de sua casa (p. 161).

Muitas das famílias que fizeram da “Tijuca” o seu habitat, nos termos colocados

por Villaça (1998), pertenciam a uma posição elevada da hierarquia social e, em larga

medida, eram recém-chegadas ao Brasil junto da Corte Portuguesa, em 180817. Fu-

gida da Europa pela invasão das tropas de Napoleão Bonaparte na Península Ibérica,

essas famílias encontraram na “Tijuca” oitocentista um refúgio para chamar de seu.

Em O Rio de todos os Brasis, Carlos Lessa (2005) salienta que a transferência da

17 Apesar disso, a territorialização da atual Tijuca já datava de dois séculos antes com a expulsão dos franceses do Rio de Janeiro por Estácio de Sá, no final do século XVI. A Tijuca destacou-se por muito tempo como terra jesuítica loteada de plantações de cana que favoreceram a instalação de diversos engenhos açucareiros em seus domínios. Com o declínio da cana de açúcar no fim do século XVIII, as chácaras da região foram diversificando suas atividades agrícolas através do cultivo de outros tipos de produtos, como o cacau, anil, mandioca, legumes, hortaliças e frutas em geral. Se por um lado isto reforçou o caráter rural daquela freguesia ainda mal integrada com a cidade, por outro também seria o preâmbulo de uma transição urbana a partir do século seguinte.

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Corte para o Brasil provocou mudanças materiais substantivas na paisagem urbana e

no estilo de vida carioca, com forte impacto demográfico e inovação de costumes:

A cidade atrai estrangeiros e torna-se “cosmopolita”. Entre 1808 e 1822 foi registrada a fixação de 4.234 estrangeiros, sem contar os seus familiares. Foram 1.500 espanhóis, 1.000 franceses; 600 ingleses, centenas de ale-mães, italianos, suíços, suecos, holandeses etc. até mesmo chineses e hin-dus vêm para o Rio (p. 77).

No ponto de vista de Edmundo (1939-1940 apud MARTINS; ABREU, 2004, p.

3), essas mudanças representaram os “sintomas da transformação de uma sociedade

colonial voltada para si mesma numa sociedade capitalista moderna, associada,

acima de tudo, com o refinamento dos valores culturais de sua elite”. Ao longo das

décadas, esse cenário consoaria com o crescimento da população urbana e, conse-

quentemente, com a intensificação da expansão dos limites físicos e urbanos da ci-

dade para a “Tijuca” – Engenho Velho, Botafogo e São Cristóvão. Em 1809, já se

observava a efetuação de obras importantes fora do Centro, como a implantação de

um primeiro sistema de captação de águas do Rio Maracanã, no Engenho Velho, e o

aterramento do Campo de Santana, logradouro situado até então na franja urbana da

cidade a oeste.

Com a chegada dessa elite europeia, um dos primeiros impactos no estilo de

vida das classes dominantes cariocas se deu no perfil das moradias. Até então, as

habitações eram majoritariamente insalubres e dissonantes com o padrão habitacio-

nal encontrado no além-mar. O mesmo se pode dizer do traçado das ruas e da dispo-

sição dos imóveis – sem técnica, desalinhados. Uma vez percebida que a estada da

Corte no Rio seria mais longa do que se pretendia, essa parcela privilegiada da popu-

lação investiu pesadamente na construção de residências com maior qualidade téc-

nica e mais apropriadas às necessidades e demandas sofisticadas do seu perfil de

classe, “longe do velho e congestionado centro urbano, nos subúrbios mais saudáveis

e menos densamente povoados” (MARTINS; ABREU, 2004, p. 13).

Considerado um local abundante de espécies vegetais e de águas límpidas,

aspectos que causavam fascínio entre os nobres, muitas das primeiras habitações

modernas e salubres do Rio de Janeiro foram surgindo no eixo “Tijuca” – Engenho

Velho. Aos poucos, o local também foi tornando-se turístico. Excursões passaram a

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sair das freguesias urbanas rumo à “Tijuca” passando pelo Engenho Velho, onde sur-

giram os primeiros hotéis da cidade e diversas outras casas de campo. Henry Cham-

berlain, tenente inglês que viveu no Rio de Janeiro de 1811 a 1827, chamava a Tijuca

de “Sintra Brasileira”, ponto obrigatório de visitantes estrangeiros para piqueniques e

excursões. Já o pintor alemão Johann Moritz Rugendas, desembarcado na cidade em

1821, retratou a Cascatinha (Cascata Taunay, situada no atual Parque Nacional da

Tijuca) em uma de suas gravuras com o seguinte depoimento a respeito do local:

“As cascatas da Tijuca constituem um dos panoramas mais pitorescos das cercanias do Rio de Janeiro. A estrada que lá conduz... segue o riacho da Tijuca na encosta setentrional do Corcovado, passando ora entre férteis plan-tações... ora no meio de bosques floridos...” (CARDOSO; PECHMAN; VAZ et al., 1984, p. 33; OLIVEIRA; AGUIAR, 2004, p. 19).

Tendo em vista a percepção de centralidade atribuída às classes dominantes

nas localizações que ocupam, é compreensível que os vetores de expansão que le-

vavam a esses bairros tenham sido rapidamente “absorvidos” pela urbe (VILLAÇA,

1998) sem que ocorresse um movimento de migração populacional mais expressivo

para aquelas bandas. Pelo simples fato de as classes dominantes manterem qualquer

tipo de vínculo material e simbólico com esses locais, estes passaram de freguesias

suburbanas a freguesias urbanas ainda que mantivessem um cotidiano galgado na

dinâmica rural-escravocrata ao longo das primeiras décadas da segunda fase do sé-

culo XIX18.

Neste sentido, as relações econômicas e de familiaridade exercidas pelas elites

por lá instaladas funcionavam como indício – ou promessa – de que esses espaços já

estavam em vias de urbanização e que, portanto, já podiam ser alçados à condição

de urbanos. Para o caso da “Tijuca”, a influência cada vez maior de suas belezas

naturais como local de lazer e desfrute das classes dominantes contribuiu para que

elas se instalassem permanentemente nessas terras pouco a pouco, sedimentando,

assim, a “prerrogativa urbanizatória” tempos depois.

18 De mais a mais, é importante destacar nesta passagem que a condição suburbana de bairros como Tijuca, São Cristóvão e Botafogo na primeira metade do século XIX equivalia ao perfil de lugar situado entre a urbe e o rural, e não ao significado de “subúrbio” construído socialmente no início do século XX (FERNANDES, 2011), como veremos um pouco mais adiante.

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A proximidade territorial com São Cristóvão – que detinha o status de “bairro

imperial” – também colaborou preponderantemente para que o território do Engenho

Velho fosse beneficiado por diversas melhorias públicas. A principal delas foi o ater-

ramento de parte do Saco de São Diogo a mando da Família Real, nos anos de 1830.

Resolvida a dificuldade do acesso a essas áreas – até então complicada pelo mangue

–, atenuava-se também o problema da mobilidade, facilitando a expansão das primei-

ras linhas de transporte para a atual “Zona Norte”19.

Em A Evolução Urbana do Rio de Janeiro, Mauricio de Almeida Abreu (2008)

salienta que a população do Engenho Velho aumentou de 4.877 em 1821 para 8.166

habitantes em 1838, a uma taxa de crescimento de 67%, enquanto a taxa referente à

cidade como um todo – incluindo suas freguesias rurais – era correspondente a 22%

apenas. Esse boom demográfico, seguido de toda sorte de melhoramentos em infra-

estrutura para a época, fez com que o Engenho Velho passasse a ser considerado,

em 1835, uma freguesia urbana no zoneamento político-administrativo carioca.

Há pelo menos duas observações importantes que permearam a institucionali-

zação do Engenho Velho como freguesia urbana e, consequentemente, a sua conso-

lidação efetiva e simbólica como local de moradia das classes dominantes. A primeira

delas, já mencionada, diz respeito ao aterramento do manguezal, que contribuiu com

a liberação das passagens em direção à “Tijuca”. Cardoso, Pechman, Vaz et al.

(1984), inclusive, afirmam que em 1833 já havia ocorrido uma espécie de reinvindica-

ção de parcelas populacionais do Engenho Velho clamando por melhorias na conexão

desta freguesia com a área central.

A segunda, entretanto, demonstra o paradoxo da urbanização do Engenho Ve-

lho e da “Tijuca” apoiada em larga medida pelas plantações de café, um dos principais

emblemas da riqueza comercial-rural brasileira no século XIX. Lessa (2005) diz que

“o café se projetou na história brasileira a partir da Tijuca” (p. 103); Oliveira e Aguiar

(2004) também enfatizam que a “Tijuca” se destacava como polo cafeicultor pelas

19 Nesse período, Abreu (2008) destaca que São Cristóvão recebeu os primeiros ônibus de tração animal e as primeiras diligências que se tiveram notícia na cidade, motivo pelo qual a região passava a concentrar variados investimentos que, brevemente, a incorporaria à malha urbana do Rio de Janeiro. Por outro lado, Lessa (2005, p. 82) diz que, em 1816, surgiu a primeira carruagem a cavalos ligando o Centro a Botafogo. Embora não haja um consenso entre esses dois autores sobre essa informação, vale concluir que as regiões a oeste e a sul do Centro eram decerto os vetores de expansão urbana da cidade.

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qualidades de seu espaço físico, como o solo fértil, o clima de montanha e a proximi-

dade a rios, como o Maracanã, o Joana e o Trapicheiros.

Figura 5. O palacete onde residiu o Conde de Itamaraty, no Alto da Boa Vista (2014)

Créditos: Pedro Teixeira (Agência O Globo).

O cenário potencialmente próspero do café estimulou o mercado de terras da

“Tijuca”, atraindo gradativamente estrangeiros e brasileiros influentes que iniciaram as

primeiras plantações no local. Foi lá onde um certo Charles Van Mook plantou 100 mil

pés de café, seguido de toda uma classe de “emigrados bonapartistas” que também

resolveram investir em tal atividade econômica pelas mesmas bandas (LESSA, 2005).

Nomes ilustres como os da Baronesa de Roeun, do Príncipe de Montpeliard, do Conde

de Scey, do Conde de Gestas, da Madame de Roquefeuille, do Barão do Bom Retiro,

do Visconde de Jequitinhonha, do Conde de Itamaraty (Figura 5), e da família Taunay,

figuravam nessa lista de fazendeiros e cafeicultores da “Tijuca” – Engenho Velho.

Nicolas Antoine Taunay, por exemplo, era membro da Missão Artística Fran-

cesa e chegou ao Rio de Janeiro em 1816. Seu conjunto de terras foi chamado de

“Sítio Boa Vista”, área equivalente aos atuais limites da Floresta da Tijuca. Taunay

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residia junto à Cascatinha, por isto o nome da queda d’água levar o seu sobrenome.

Assim, não é de se estranhar que a notoriedade deste sítio tenha influenciado a ma-

neira como as pessoas se referiam àquele local ao longo dos tempos: “Tijuca”, “Alto

da Tijuca”, “Sítio Boa Vista”, “Alto” ... “Alto da Boa Vista”.

Por causa deste produto agrícola, Cardoso, Pechman, Vaz et al. (1984) justifi-

cam ter surgido uma colônia de nobres franceses na Tijuca que, pouco a pouco, tam-

bém adotaram o local como de moradia permanente. A proximidade com o bairro-

imperial de São Cristóvão também facilitava a visita de membros da Família Real ao

local amiúde, segundo relatos de Gilberto Ferrez mostrados por Oliveira e Aguiar

(2004):

A imperatriz Leopoldina costumava visitar o sítio Boa Vista. Ia a cavalo, se-guida somente de um escudeiro e de um cachorro e, ali, dedicava-se ao es-tudo de botânica e à sua coleção de orquídeas. [...] D. Pedro I também admirava a Tijuca e a ele deve-se a descoberta, no ano de 1823, de uma excelente fonte de águas férreas. O alemão Ernst Ebel re-lata que, um dia, passeando a cavalo, rumo à Cascatinha, que fica a oito milhas [12,8 km] da cidade, o imperador descobriu uma fonte ferruginosa so-bre a qual fez erigir um sóbrio edifício, em que colocou a seguinte inscrição “Fonte d’água férrea descoberta pelo Imperador Pedro I em 24 de dezembro de 1823”. Ernst Ebel era também apaixonado pela Tijuca; em seu diário, no dia 25 de maio de 1824, ele escreveu: “...realizei meu maior desejo: ver a Tijuca e, ao mesmo tempo, a melhor plantação de café das vizinhanças do Rio. (...) O caminho seguia pela Boa Vista, de onde mais de uma vez nos encantamos com o panorama” (p. 23).

O êxito da cultura cafeeira favoreceu determinantemente a ocupação intensiva

da “Tijuca”, embora a decadência produtiva dessa mercadoria também tenha sido fa-

tor relevante para que a região adquirisse, finalmente, morfologias e usos mais urba-

nos. O café devastou as matas quase por completo, fato que exigiu o restabelecimento

da cobertura vegetal da área nos anos de 1870. Com a transferência sucessiva dos

cafezais para o Vale do Paraíba – e, também, com a extinção de certas atividades

agrícolas nas regiões mais povoadas da cidade do Rio, como o Cosme Velho –, as

grandes fazendas foram desaparecendo. Enquanto isso, na parte plana, os terrenos

do Engenho Velho fragmentaram-se progressivamente através da abertura de ruas e

lotes. Portanto, urbanizava-se, de fato, a região, sobretudo e à medida que a “Tijuca”

ia sendo transformada em área sujeita a proteção ambiental.

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3.1.1 Tijuca, um nome que “deslizou” (1850-1899)

Apesar dos caminhos malcuidados, o Engenho Velho já contava com belíssi-

mas residências de campo cercadas de vistosos jardins entre os idos da primeira me-

tade do século XIX e o início da década de 1850. Segundo Cardoso, Pechman, Vaz

et al. (1984), estas residências eram “os famosos solares do Oitocentismo carioca

situados em torno do centro urbano e que reuniam as vantagens de uma localização

rural junto aos benefícios dos serviços urbanos” (ibid.). É plausível dizer que o pre-

núncio de um desenvolvimento mais urbano do Engenho Velho em si tenha ocorrido

a partir de dois vetores convergentes: de um lado, o fortalecimento do núcleo urbano

nos arredores da Igreja de São Francisco Xavier, situada em localização mais próxima

à divisa com a área do centro principal, como Cidade Nova e Mata-Porcos (atual Es-

tácio); de outra extremidade, a transferência das antigas residências da “Tijuca” para

as áreas mais planas na medida em que se destinava, naquela área, a criação de uma

futura reserva ambiental, o que se conhece hoje pelo Parque Nacional da Tijuca (BRA-

SIL GERSON, 2000; OLIVEIRA; AGUIAR, 2004).

É interessante notar que o replantio da “Tijuca” muito provavelmente não teria

sido realizado se aquela localização fosse habitada por classes dominadas. Afinal,

que razão estaria por trás de se recuperar uma área devastada por uma atividade

econômica decadente senão pelo próprio interesse das classes dominantes em se-

guirem ocupando as vizinhanças daquele local? A lógica defendida por Villaça (1998)

de que as classes dominantes são aquelas que determinam a produção do espaço

urbano também se evidencia a partir da informação de que, em 1859, se inaugurava

uma primeira linha de bonde de tração animal sobre trilhos de ferro ligando a região

da Praça Tiradentes, no Centro, ao Alto da Boa Vista, atravessando todo o território

ocupado hoje pela Tijuca. Segundo Villaça (1998), a viagem durava cerca de 35 a 45

minutos, qualidade que decerto contribuiu para que as elites residentes nessa região

ficassem ainda mais próximas do Centro.

Em consequência, este cenário incitou a ocupação mais intensiva das localiza-

ções próximas às encostas, dando corpo a uma frente urbanizadora sobre o território

do Engenho Velho através da implementação de melhorias e novos loteamentos de

terra. Naquele momento, esse espaço representava uma “colcha vasta de retalhos

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urbanos” (CARDOSO; PECHMAN; VAZ et al., 1984), com aglomerações isoladas pos-

teriormente integradas umas às outras na medida em que o sistema viário e os inves-

timentos na cidade se expandiam, beneficiando especialmente a Tijuca.

Na descida do Alto da Boa Vista, essa frente urbanizadora contribuiu com o

desenvolvimento de localidades como Muda e Usina até chegar ao encontro da pe-

quena mancha urbana já estabelecida ao redor da Igreja de São Francisco Xavier do

Engenho Velho. Resultado de como essas aglomerações isoladas iam conquistando

importância, passando a ser chamadas ou reconhecidas por topônimos à parte, a Fá-

brica das Chitas é um clássico exemplo assim denominado por causa da fábrica de

tecidos instalada naquela região em 182020. A localização da Fábrica das Chitas, equi-

distante aos dois núcleos pioneiros de ocupação da Tijuca, foi determinante para que

se tornasse ponto nodal da região tempos depois, configurando a atual Praça Saenz

Peña. Já “Andaraí Pequeno” se referia à Rua Conde de Bonfim, principal eixo viário

da Tijuca, mas que só passou a ser identificada desta maneira em 1871. Por fim,

“Andarahy Grande” contemplava os atuais bairros do Andaraí, de Vila Isabel (tornado

independente em 1873) e Grajaú (partilhado em 1912) (CARDOSO; PECHMAN; VAZ

et al., 1984; GERSON, 2000).

Neste sentido, conclui-se que à medida que o Engenho Velho se urbanizava,

novas fronteiras sociais iam ascendendo e se inscrevendo naquele espaço físico. A

emergência de novos topônimos conferiu um caráter de maior complexidade socioes-

pacial à região, muito embora a gradual transferência das antigas famílias que habi-

tavam o Alto da Boa Vista – isto é, a antiga “Tijuca” – para a parte plana tenha sido

fator determinante para que o reconhecimento que se tem hoje do que é a Tijuca se

consolidasse. Nesta perspectiva, Cardoso, Pechman, Vaz et al. (1984) se referem ao

topônimo “Tijuca” como um nome que “desliza”: a metáfora tem a ver com o fato de

que a transferência dessas classes dominantes para morro abaixo fez com que o pró-

prio nome “Tijuca”, carregado de simbologias associadas a esses agentes sociais,

também fosse emblematicamente deslocado com elas como atributo de distinção.

20 Os mesmos autores pontuam, entretanto, que a Fábrica das Chitas era de pequeno porte, pois, naquele momento do Brasil, a maioria dos produtos era importada. “Na realidade, nela não se produzia nada, só se estampavam tecidos de algodão vindos da Índia. A fábrica manteve-se em atividade cerca de vinte anos, mas o nome permaneceu na região por mais um século” (p. 84).

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Figura 6. Detalhe do mapa da cidade do Rio de Janeiro mostrando as poucas ruas locais:

Tijuca, Fábrica das Chitas (atual Praça Saenz Peña) e Andaraí Grande

Fonte: Planta da Cidade do Rio de Janeiro e Subúrbios (1902 apud OLIVEIRA; AGUIAR, 2004, p. 32).

A produção desse novo espaço tijucano foi liderada por aristocratas, militares

e estadistas: muitos deles se tornaram importantes personagens da história do Brasil,

enquanto outros viraram apenas nomes de logradouros uma vez que portavam títulos

nobiliárquicos, a exemplo de José Francisco de Mesquita, o Conde de Bonfim.

Não seria injusto apontar que um dos mais ilustres moradores da Tijuca da

segunda fase do século XIX tenha sido Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias.

Proprietário e residente do imóvel no número 186 da atual Rua Conde de Bonfim, ao

que tudo indica, Caxias mantinha relações bastante afetivas com o lugar em que mo-

rava vide sua atuação em prol de questões comunitárias, especialmente na recons-

trução parcial da Igreja de São Francisco Xavier após um incêndio. Em lápide mantida

até os dias de hoje na portaria desse templo católico, Caxias deixou a seguinte men-

sagem: “Quando a casa de Deus está em ruínas / O soldado não recebe festas / Ide

reconstruir a igreja / Da minha freguesia do Engenho Velho”.

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Figura 7. Panorama da Igreja de São Francisco Xavier do Engenho Velho (2016)

Créditos: Pedro Paulo M. Bastos.

No momento de seu falecimento, em maio de 1880, Caxias foi motivo de como-

ção pública no bairro, de onde partiu um cortejo fúnebre em direção ao Cemitério São

Francisco de Paula, no bairro do Catumbi, localizado a aproximadamente quatro qui-

lômetros de distância da Tijuca:

Nove de maio de 1880 - Funerais do duque de Caxias: Às nove horas da manhã regurgitava o solar do duque de Caxias, na rua Conde de Bonfim, confluência das atuais Visconde de Figueiredo e Salgado Zenha. Ia sair o enterro do grande homem que fez jus em vida às homenagens até hoje pres-tadas pela Pátria: o único duque da nossa aristocracia (...) Tudo simples, para obedecer ao testamento do ilustre morto. Mas o acompanhamento foi sem dúvida o mais numeroso a que a cidade assistira. Ao chegar o coche ao ce-mitério de São Francisco de Paula, em Catumbi, ainda se enfileiravam carros para o cortejo em Conde de Bonfim. Logo após o coche fúnebre, iam 16 mo-ços de estribeira e outro coche, com a coroa do duque, envolta em crepe e os símbolos militares com que invariavelmente conduziu o Brasil ao caminho da vitória: a espada, as dragonas, o talim, a banda e o chapéu... (OLIVEIRA; AGUIAR, 2004, pp. 118-119).

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Para além dos personagens da vida real que habitavam ou frequentavam a

Tijuca da segunda metade do século XIX, têm-se ainda importantes referências literá-

rias que procuraram simular a realidade do bairro através da ficção. Machado de Assis

foi um desses literatos que, dedicados a retratar a vida das classes dominantes no Rio

oitocentista, não deixou a Tijuca de fora de seus enredos e cartografias simbólicas21.

Em Dom Casmurro (1899), os protagonistas Bentinho e Capitu, residentes na Glória,

decidem passar sua lua de mel no Alto da Tijuca pelo reconhecimento de tratar-se de

um local paradisíaco: “Quando chegamos ao alto da Tijuca, onde era o nosso ninho

de noivos, o céu recolheu a chuva e acendeu as estrelas, não só as já conhecidas,

mas ainda as que só serão descobertas daqui a muitos séculos” (MACHADO DE AS-

SIS, 2006, p. 171). O caráter de lugar sadio e bucólico também é retratado no conto

“Ressurreição” (1872) na ótica do personagem Félix, quem mantinha uma “casa de

recreio e refúgio” no bairro22. Já Aluísio de Azevedo, responsável pelo clássico O cor-

tiço (1890), retratou os dramas da alta sociedade tijucana e de Laranjeiras em torno

de um noivado malsucedido no romance Mistério da Tijuca (1897), republicado nos

anos de 1970 com o nome de Girândola de Amores pela Editora Martins Fontes

(1973).

A partir de 1870, o desenvolvimento urbano do Engenho Velho acentuou-se em

virtude do seu gradativo crescimento demográfico de 135% registrado entre 1872 e

1890, passando de 15.756 para 36.988 moradores, respectivamente. Números apro-

ximados corresponderam às regiões de Botafogo e de São Cristóvão, indicando para

onde o Rio crescia. Nesse período, Cardoso, Pechman, Vaz et al. (1984) assinalam

como outro indicativo da ocupação intensiva da Tijuca o oferecimento de terras, por

parte do Estado, aos “empresários” que se propusessem a inserir recursos na Com-

panhia de Carris de Ferro de modo a estimular o sistema de transporte na região.

Mesmo assim, iniciativas como essa já haviam surgido na década de 1860 com as

primeiras locomotivas, mais modernas que os bondes de tração animal. Em 1898, o

21 Informações apresentadas por Marta de Senna na palestra “O Paço, a praça e o morro na obra de Machado de Assis”, realizada pelo Instituto Moreira Salles em 21 de julho de 2016, no Paço Imperial do Rio de Janeiro. 22 Contos disponíveis em: <http://www.machadodeassis.net/index.htm>. Acesso em 25 jul. 2016.

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pioneirismo da Tijuca na área de transportes voltaria a ecoar no mapa social carioca

com a instalação da primeira estrada elétrica de ferro da cidade em seu território23.

É presumível que muitas das novas famílias que porventura tenham escolhido

o Engenho Velho como local de moradia na segunda fase do século XIX tenham sido

atraídas pela simbologia do topônimo “Tijuca” como lugar de distinção. Então, na me-

dida em que os novos moradores se sentiam identificados com tal simbologia – e, para

tal, reuniam-se territorialmente em torno dessa “Tijuca” –, paralelamente o próprio

nome “Tijuca” ia “deslizando” pelo Engenho Velho como reflexo da ocupação social

de uma classe que comungava com os pioneiros tijucanos uma mesma identidade,

gostos e modos de vida – isto é, um mesmo habitus. Cardoso, Pechman, Vaz et al.

(1984), assim como Gerson (2000) e Oliveira e Aguiar (2004), mostram que a Tijuca

acabou por fagocitar o Engenho Velho uma vez que, no início do século XX, já se

respondia por Tijuca toda a área que atualmente vai da Usina ao Largo da Segunda-

Feira, nas imediações da Igreja de São Francisco Xavier. Assim, mais do que uma

freguesia urbanizada, consolidava-se, neste período, a produção simbólica de um es-

paço social marcado por fronteiras físicas em processo intermitente de dilatação e

cujos valores, significados e emblemas decerto influenciariam os rumos de sua traje-

tória urbana ao longo do século XX.

3.2 Segregação residencial no Rio do Século XX

Na virada do século XIX para o século XX, o Rio de Janeiro experimentou um

período de grandes mudanças culturais, políticas e econômicas que aceleraram o seu

processo de urbanização. Isto desencadeou um processo de segregação residencial

baseado nas premissas da Escola de Chicago, afetando gradual e lentamente o sim-

bolismo do lugar da Tijuca no espaço carioca. Em outras palavras, é dizer que a emer-

gência de uma vida “moderna” no Rio de Janeiro, então capital do país, contribuiu

sobremaneira para a reestruturação social do Rio de Janeiro e, especialmente, para

uma mudança no estilo de vida da população que transformou a “localização” Tijuca

sem alterar, no entanto, sua posição no espaço euclidiano (VILLAÇA, 1998). Por ser

23 Daí surgia o nome dado ao sub-bairro da Usina, junto à subida do Alto da Boa Vista, porque ali se localizava a usina térmica geradora de eletricidade para as locomotivas. O sub-bairro da Muda, por sua vez, antecedente à Usina, recebeu este nome por ser o local onde se fazia a troca dos burros que rumavam ao Alto da Boa Vista.

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interesse deste trabalho o período específico em questão para a compreensão da

problemática do nosso objeto, a discussão aqui apresentada se distanciará momen-

taneamente da Tijuca para situar as transformações e as dinâmicas materiais e sim-

bólicas vividas pela cidade na sua reestruturação urbana.

3.2.1 A Reforma Passos

No início do século XX, o modus vivendi europeu permanecia sendo um modelo

a ser copiado – tal qual no período joanino, em impacto da chegada da Família Real

–, mas com outras facetas próprias daquela conjuntura. A Abolição da Escravatura e

a Proclamação da República são episódios que marcaram o estopim da Modernidade,

configurando a transição acelerada de uma sociedade que, neste lapso, saía de um

perfil patriarcal-escravocrata, cuja base econômica era agrária voltada para a expor-

tação de produtos primários (como o café), para adquirir um perfil burguês-capitalista.

Segundo Jane Santucci (2015), autora de Babélica urbe: o Rio nas crônicas

dos anos 20, a gênese da Modernidade no Rio de Janeiro foi prenunciada ainda na

década de 1870 e capitaneada por uma classe de boêmios, escritores, artistas, jorna-

listas e cronistas que, “atuantes no combate ao passadismo” (p. 20), conseguiram

influenciar os rumos da cidade a partir da difusão de reformas nos costumes, nos

ideais estéticos e culturais e no próprio shift simbólico do mapa social do Rio de Ja-

neiro, surtindo efeito decisivamente nos anos 1920.

No campo do urbanismo, um dos maiores expoentes inovadores desse período

foi a Reforma Urbana Pereira Passos, executada no Centro do Rio entre os anos de

1903 e 1906. Inspirada na Reforma Urbana do Barão Haussmann, em Paris, a Re-

forma Passos – liderada pelo prefeito homônimo – foi idealizada e implementada atra-

vés de um paradigma de planejamento urbano até então inexistente no Brasil. Em sua

reforma, Passos procurou conferir uma maior funcionalização do uso e da ocupação

do solo consonantemente à aplicação da doutrina higienista no espaço urbano, já em

prática na Europa desde a segunda fase do século anterior.

Assim, a Reforma Passos fez do Rio de Janeiro, nos primeiros anos da Repú-

blica, o laboratório de um projeto representado por princípios de uma causa caracte-

rizada por adjetivos como “civilizatório”, “moderno” e “parisiense”. Mote dessa reforma

foi o combate às “coabitações numerosas” presentes no Centro – em especial as das

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classes mais baixas – em nome da “saúde pública” da população. A normatização da

prática médica, advinda especialmente da própria normatização dos métodos científi-

cos modernos, não apenas influenciou a ideologia higienista, mas sobretudo uma ide-

ologia do habitat. Com isso, esperava-se que as residências – independentemente da

classe social nelas ocupadas – incorporassem a estrutura e as feições arquitetônicas

oriundas das normas e preceitos estatuídos por essa doutrina, tal como mostrou Jaime

Benchimol (1992) em seu estudo Pereira Passos: um Haussmann Tropical.

Embora a proliferação das favelas no Rio de Janeiro tenha atingido o seu ápice

somente a partir dos anos 1950, algumas delas já existiam no Centro do Rio desde o

final do século XIX, a exemplo do emblemático Morro da Favella – do qual se originou

o nome –, ocupado por combatentes da Guerra de Canudos e por antigos escravos.

As favelas daquela época já eram vistas como congêneres aos cortiços, considerados

lócus da pobreza e, neste prisma, “germes” de favela. Logo, a resistência contra o

Morro da Favella incidia fortemente nas ideias de que a localização de uma coletivi-

dade social como aquela, em pleno Centro da cidade, se contrapunha à ordem urbana

estabelecida naquele território e, sobretudo, aos critérios estéticos que permeavam a

construção simbólica de um “novo” Brasil24. Portanto, foi como se a vida miserável e

quase “sertaneja” dos favelados por si só justificasse a intervenção do Estado na fa-

vela com medidas higienistas que, pouco tempo depois, serviriam de argumento para

expulsá-los parcialmente do alto dos morros e, consequentemente, do Centro e dos

demais bairros centrais25.

Em A Microfísica do Poder, Michel Foucault (2014) discute a emergência de

uma medicina urbana cujas práticas higienistas mantiveram intocável a propriedade

privada de Paris durante a Reforma Haussmann. Mesmo inspirada pela experiência

parisiense, a implantação dessa medicina urbana no caso carioca seguiu orientações

contundentes de demolição e reconstrução de novos imóveis, em especial ao longo

da Avenida Central – atual Rio Branco. A necessidade de se imprimir uma imagem

24 Entre os grandes agentes públicos que procuraram intervir nas favelas, segundo Licia do Prado Val-ladares (2005), foram o senhor Augusto de Mattos Pimenta, membro do Rotary Club (e, aparentemente, construtor imobiliário e corretor de imóveis, a quem certamente lhe interessava a erradicação das mes-mas) e o urbanista francês Alfred Agache, contratado pela prefeitura do Distrito Federal para idealizar o plano diretor da cidade, nos anos 1920, no ideal deste urbanismo Haussmaniano. Ambos se referiam às favelas como a “lepra da estética”, merecedora, portanto, de combate através da “construção” de uma “barreira prophilactica contra a infestação avassaladora das lindas montanhas do Rio de Janeiro”, segundo opinião de Mattos Pimenta durante um discurso proferido no Rotary Club em 1926 (p. 42). 25 Cf. Licia do Prado Valladares (2005).

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“civilizada” encontrava na arquitetura e nos avanços da engenharia a solução para a

construção desse cenário que pretendia fazer do Rio palco da Modernidade pelas vias

da estética (O’DONNELL, 2008).

Nesse enredo, a Reforma Passos foi responsável por comandar um processo

de segregação residencial que não apenas rompeu com a antiga ordem socioespacial

do Centro, bem como fundou um novo padrão estético para ruas e praças, “pondo

abaixo” uma série de conjuntos arquitetônicos considerados inapropriados. A demoli-

ção de cortiços e de outros imóveis malqueridos culminou decisivamente na evacua-

ção das famílias aí residentes – em sua maioria, negros e pobres – para outras áreas

na medida em que se pretendia reservar todo aquele espaço reformado ao usufruto

exclusivo das classes dominantes (BENCHIMOL, 1992; VILLAÇA, 1998; ABREU,

2008), especialmente por figuras como a do dândi e a do snob, por exemplo, que se

dividiam entre as ruas maquiadas “para inglês ver” e o salões de chá (O’DONNELL,

2008).

Os efeitos mais substanciais do projeto político-civilizatório atribuído a essa Re-

forma se fizeram perceber ainda mais nos anos 1920. O avanço das transformações

sociais, políticas e econômicas em curso desde a virada do século deu contornos e

feições de metrópole à cidade do Rio, temperados por uma verve cosmopolita que

sedimentou a pretensão simbólica do que se idealizava por um Rio “moderno”. Jane

Santucci (2015) ilustra essa passagem:

Esse fluxo incessante é sintoma do cosmopolitismo que nos chegou de diver-sas maneiras, a começar pela técnica, através do progressivo domínio das máquinas de toda natureza que interferem na passagem urbana. As constru-ções se elevam para o céu, as ruas se alargam para melhor fluir o trânsito de automóveis, bondes, ônibus e a multidão de pedestres. A melodia das ruas torna-se uma polifonia de idiomas, máquinas e buzinas misturadas com árias italianas e jazz americano espalhados no ar pelos fonógrafos. Uma Babel de línguas e costumes na qual o cidadão vai se tornando parecido em toda parte (p. 30).

Para o sociólogo alemão Georg Simmel (1903), tal homogeneização da vida

cotidiana da qual argumenta Santucci (2015) na citação anterior seria reflexo de uma

dinâmica espacial caracterizada pela ideia de uma intensificação da vida nervosa,

onde o peso da modernização, da divisão social e técnica do trabalho e das inovações

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tecnológicas passou a sujeitar o dia a dia da população à mecanicidade de um ritmo

causador de estranhamentos e de reações das mais variadas espécies:

Na medida em que a cidade grande cria precisamente estas condições psi-cológicas — a cada saída à rua, com a velocidade e as variedades da vida econômica, profissional e social —, ela propicia, já nos fundamentos sensí-veis da vida anímica, no quantum da consciência que ela nos exige em virtude de nossa organização enquanto seres que operam distinções, uma oposição profunda com relação à cidade pequena e à vida no campo, com ritmo mais lento e mais habitual, que corre mais uniformemente de sua imagem sensível-espiritual de vida. Com isso se compreende sobretudo o caráter intelectualista da vida anímica do habitante da cidade grande, frente ao habitante da cidade pequena, que é antes baseado no ânimo e nas relações pautadas pelo sen-timento. Pois estas lançam raízes nas camadas mais inconscientes da alma e crescem sobretudo na calma proporção de hábitos ininterruptos (SIMMEL, 1903).

Neste sentido, Simmel (1903) refere-se à gradual adoção de uma “atitude

blasé” por parte dos agentes sociais como um dispositivo de autodefesa contra o ex-

cesso de imagens, informações, estímulos e atividades que circulavam no seio das

relações sociais nesse florescimento metropolitano. Para ele, “os problemas mais pro-

fundos da vida moderna” brotariam da “pretensão do indivíduo de preservar a autono-

mia e a peculiaridade de sua existência frente às superioridades” de um espaço social

em expansão e progressivamente mais estratificado que, para o caso do Rio, também

extrapolou os limites do espaço físico aos quais os impactos da Reforma Passos ha-

viam sido previamente definidos.

3.2.2 A invenção da Zona Sul

A Reforma Passos repercutiu decisivamente sobre a teia de relações que con-

figurava a estrutura urbana carioca do Rio oitocentista e na qual a Tijuca detinha rele-

vante protagonismo. As transformações culturais difundidas pela Europa com os dis-

cursos sobre os cuidados com a saúde e com os novos padrões de beleza deram

contornos mais profundos à doutrina higienista. Esses preceitos contribuíram para que

se passasse a estimar um impetuoso estilo de vida praiano que projetou na orla atlân-

tica a direção ideal para expansão do cenário “civilizado” que se produzia na Avenida

Central pela Reforma Passos. A proliferação do automóvel, graças às inovações tec-

nológicas do período (principalmente em termos de locomoção, como os bondes elé-

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tricos), foi oportunidade para justificar a abertura de ruas, avenidas e túneis que, as-

sim, levariam o carioca a Copacabana, até então um grande areal isolado entre o mar

e a montanha.

Com isso, os antigos bairros aristocráticos no interior do Rio de Janeiro – tal

como a Tijuca e Santa Teresa, altos e montanhosos – passaram a ser gradativamente

preteridos na medida em que o hábito de se tomar banho de mar e de se frequentar a

praia desvirtuava-se de sua mera recomendação médico-científica. Logo, ir à praia

tornou-se importante mecanismo de sociabilidade entre os membros dos estratos so-

ciais dominantes “lançadores de tendências”, modificando profundamente o estilo de

vida imperante.

Nos contrastes interativos que perfilam as relações num espaço social, esses

agentes passaram a distinguir-se dos seus pares por uma percepção de que se trata-

vam de uma “aristocracia moderna e vanguardista” uma vez que se opunham à aris-

tocracia antiga, mais alinhada aos preceitos da estrutura social patriarcal-escravocrata

em declínio, muito característica da Tijuca e de São Cristóvão. Observa-se, no en-

tanto, que ao tratar-se de uma “aristocracia moderna e vanguardista”, esse estrato

representava com efeito a nascente classe burguesa associada à conjuntura político-

econômica em progressão. Assim, os signos de distinção e de exercício de poder

simbólico ecoavam entre as próprias classes dominantes, num reescalonamento dos

valores e da hierarquia social vigente que conferia um prestígio afluente a essa aris-

tocracia moderna em detrimento de outra antiga, timbrada de “tradicional”.

A “marcha civilizatória” rumo aos balneários atlânticos da cidade foi retraduzida,

em Copacabana, por um “projeto praiano-civilizatório”, tal como aponta a antropóloga

Julia O’Donnell (2013) em seu livro A invenção de Copacabana. Culturas urbanas e

estilos de vida no Rio de Janeiro (1890-1940). Resultante desse “projeto praiano-civi-

lizatório”, ascendia um estilo “Copacabana” de vida que, em termos gerais, poderia

ser facilmente substituído por um estilo “Zona Sul”, principalmente a partir dos 1940.

O “caráter intelectualista da vida anímica do habitante da cidade grande frente

ao habitante da cidade pequena” do qual se refere Simmel (1903) projetou-se em Co-

pacabana – e na posterior Zona Sul – conforme se verificava uma profusão de práticas

materiais e de socialização caracterizadas como típicas de uma “cidade grande” e

moderna nesse lugar. Incorporando um estilo de vida associado a gostos, preferências

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e comportamentos – ou seja, a um habitus – racionais e individualizados, essas soci-

abilidades passavam a se dar na categoria “rua” como espaço público do lazer e do

encontro. Enquanto na Reforma Passos a “rua” tinha como forte representante a Ave-

nida Central como palco de sociabilidades e de controle social, na Zona Sul, a “rua”

era decididamente a “praia” e o grande calçadão que a margeia. Ao passo que esse

estilo de vida nas áreas “reformadas” se impunha como dominante, contrastava-se,

em outros bairros (especialmente nos interioranos), a observação d’outro estilo de

vida que permanecia à sombra dos costumes preponderantemente correlatos aos de

um habitante de “cidade pequena”, tal como o cotidiano pautado na categoria “casa”

junto às relações familiares.

Essa correlação entre habitus e habitat demarcava como o efeito de lugar

(BOURDIEU, 1997) passava a ser emblemático nos estudos da representação da fi-

gura feminina carioca no início do século XX, a título de exemplo. Restrita até então

ao ambiente do “lar”, a presença da mulher ganha maior protagonismo nesse espaço

urbano reformado conforme os próprios preceitos higienistas passavam a condenar o

ambiente fechado da casa, supostamente “contaminado”, a favor de passeios ao ar

livre, onde “se pudesse tomar ar” (BENCHIMOL, 1992). Assim, a mulher “moderna”,

habitante da orla, desvestiu-se do excesso de roupas tão característico da mulher

“tradicional” ao adotar indumentárias mais leves e frescas.

Em trabalho sobre as imagens e representações da mulher na construção da

Modernidade em Copacabana, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro e Lena Lavinas (1997)

destacam que este bairro foi transgressor ao ditar uma nova relação entre homens e

mulheres. Dada a sua posição de ascendente dominância na hierarquia urbana cari-

oca, os outsiders tendiam a ver Copacabana ora como “o cemitério da civilização”

tradicional, ora como a expressão da prosperidade e, portanto, de um lugar que me-

recia ser tratado como modelo a ser seguido por outros:

A mulher da elite já possuía, na segunda metade do século XIX, uma outra função na família. Com mais instrução, passou a ser a 'companheira inteli-gente' do marido. Mas, como lembra Luiz Edmundo, um cronista da época, 'ainda não sai sozinha à rua, lá isso é verdade, mas sai bastante, seja ao lado da mamãe, do irmão ou de um parente mais velho. Quando (a mulher), em voltas pela parte central da urbs, sente algum apetite, não entra em um café, muito menos em um bar ou restaurante; em uma confeitaria, porém, entra (ESTEVES, 1989 apud RIBEIRO; LAVINAS, 1997, p. 2).

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Os últimos cinquenta anos, encerram período de grandes transformações em hábitos, costumes e maneiras nas várias camadas brasileiras. Tais foram as mudanças em que um “fluminense” de 1895 não se reconheceria num “cari-oca” de 1945, e as ‘candongas’ e ‘sinhás’, pálidas e tímidas de há meio sé-culo, arrepiar-se-iam ao ver uma ‘grã-fina’ de perna cruzada e escanhoada, coxas à mostra e corpo quase nu, de piteira e cigarrilha, a bebericar whisky entre baforadas de fumo, num bar de Copacabana, diante de um cavalheiro em tanga e peito barbudo (PINHO, 1945 apud RIBEIRO; LAVINAS, 1997, p. 3).

Este foi o contexto que, entre os anos de 1920 e 40, daria sentido ainda maior

ao “estilo Copacabana”, representante do que havia de mais vanguardista em termos

de comportamentos, sociabilidades, moda, padrão de beleza e moradia: o uso dos

maiôs, a pele morena bronzeada (detalhe considerado “vulgar” pelas classes domi-

nantes do século XIX por sua associação à pele escura dos escravos negros), o corpo

torneado pela prática de esportes (como o volleyball) e o footing à beira-mar (outro

mecanismo importante de sociabilidade moderno, típico da relação dos agentes soci-

ais com a “rua” e que posteriormente passou a ser chamado de “caminhar no calça-

dão”). É, também, imprescindível citar o edifício de apartamentos como padrão de

moradia que passava a conferir distinção. Sobre a verticalização de Copacabana,

Mauricio de Almeida Abreu (2008) comenta:

O grande boom imobiliário ocorreu no período entre os anos 30 e 50, quando o setor da construção civil, aproveitando-se da ideologia que associava o es-tilo de vida “moderno” à localização residencial próxima ao mar, foi gradativa-mente substituindo os padrões de construção antigos, espaçosas casas uni-familiares construídas há apenas cerca de 2 ou 3 décadas, por edifícios de vários pavimentos. Esta foi a maneira encontrada de acumular capital rapida-mente sem a necessidade de altos investimentos. [...] Resultou daí um estí-mulo considerável dado ao setor da construção civil que, capitalizando o “sta-tus” que a ideologia do morar à beira-mar oferecia a quem aí residia, vendeu novamente a zona sul da cidade (p. 112).

Ribeiro e Lavinas (1997) afirmam que o modo de viver em edifícios de aparta-

mentos foi elemento representante de uma ruptura cultural com o que havia de rema-

nescente da sociedade patriarcal-escravocrata, incluindo as já mencionadas noções

de espaço público e privado – que convergem, também, para as considerações aqui

apontadas de Jaime Benchimol (1992) a esse respeito. Com base na obra do soció-

logo pernambucano Gilberto Freyre, os autores destacam que a unidade habitacional

“casa”, na forma de “casa-grande”, foi o modelo matriz do patriarcado brasileiro no

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qual prevalecia a mistura indiferenciada de relações entre senhores, escravos e agre-

gados e, do mesmo modo, onde a mulher preenchia um lugar de dependência e sub-

serviência nas relações familiares.

Esses autores, assim como Abreu (2008), também destacam que a densidade

populacional provocada pelo diversos arranha-céus que dominaram o espaço físico

de Copacabana contribuiu para que surgisse ali um aglomerado de serviços (subcen-

tro) no pós-Segunda Guerra Mundial, como bancos, filiais de grandes lojas, restau-

rantes, lanchonetes, etc. Isto levou à sedimentação do lugar ocupado por Copacabana

como ditador de moda nos anos 1940, com a proliferação de discotecas, boates e

pianos-bares frequentados pela alta cúpula de políticos do Distrito Federal e, especi-

almente, por uma classe de grã-finos “atentos e discretos”, como descreve Ruy Castro

(2015) em A Noite Do Meu Bem – A História e As Histórias Do Samba-Canção. A

proibição dos jogos de azar no Brasil pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra fez

florescer, na representação desses luxuosos estabelecimentos, espaços de sociabili-

dade (muitos dos quais clandestinos) que conferiram a Copacabana qualidades boê-

mias e “desregradas” no imaginário coletivo da época.

Julia O’Donnell (2013) conclui que esse ideário encontrou em tal bairro o cená-

rio-modelo para que um estilo “Copacabana” de se viver, mais arrojado, tomasse

forma e fosse reproduzido mimeticamente pelos bairros vizinhos. No ponto de vista

de Bourdieu (1997; 2008), observou-se a influência de Copacabana em difundir um

tipo de habitus a ser incorporado por aquelas outras classes próximas no espaço so-

cial e, consequentemente, próximas igualmente no espaço físico como parâmetros de

distinção de classe. Com isso, o “estilo Copacabana” passou a representar um “estilo

Zona Sul”, também denominado por Gilberto Velho (1989) como uma utopia urbana,

acentuando o poder simbólico desse espaço em ditar as convenções e os parâmetros

sociais no Rio de Janeiro.

3.2.3 Na contrapartida, os “Subúrbios”

A Reforma Passos trabalhou de maneira dupla entre criar as condições de ex-

pansão territorial de uma centralidade ao longo da linha do mar e relegar uma outra

área que, mal assistida em relação à primeira, teria de criar suas próprias condições

de existência. Assim, a expulsão das classes mais populares do Centro contribuiu

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para formar o embrião de um modelo centro-periferia que indicava territorialmente a

abrangência limitada das reformas modernizantes e civilizatórias em curso. Medidas

estas que passavam a colocar em xeque o prestígio da própria localização da Tijuca

no assentamento deste novo mapa social:

Continuando o seu programa de melhoramentos da capital, Passos determi-nou o uso do calçamento asfáltico em várias ruas do Centro, Catete, Glória, Laranjeiras e Botafogo, fato que adquiriu importância por ser esta a primeira vez que esse tipo de calçamento era utilizado no Brasil. São Cristóvão e En-genho Velho tiveram, por sua vez, várias de suas calçadas com macadame betuminoso, enquanto pouco ou nada se fez nas áreas suburbanas (ABREU, 2008, p. 61).

Em posição dialética à invenção da Zona Sul, os subúrbios propriamente ditos

do Distrito Federal emergiram em versão repaginada no espaço social do Rio de Ja-

neiro a partir da conceituação de uma categoria socioespacial imediatamente oposta

àquela em termos sociais, materiais e simbólicos. Com a criação propositada de um

deficit habitacional no Centro e a reserva da frente de mar pelo capital imobiliário,

essas regiões mais afastadas do interior fluminense passaram a ser o principal recep-

táculo do direcionamento orientado das camadas mais populares para fora da “urbe

civilizada”. Decerto, a presença da estrada de ferro – implantada no século XIX – com

suas linhas operacionais contribuiu sobremaneira com o assentamento desses estra-

tos em locais os mais distantes possíveis graças à implantação da tarifa única

(ABREU, 2008; FERNANDES, 2011). Assim, a pluralização do subúrbio se populari-

zou e se adensou a partir dos eixos ferroviários Central-Deodoro, Leopoldina, Auxiliar

e Rio D’Ouro.

Da mesma forma que a correlação entre um perfil de classe com o lugar ocu-

pado na Zona Sul conferiu uma identidade simbólica àquele espaço, para o caso dis-

cutido neste item, esse processo favoreceu a constituição de um “rapto ideológico” do

termo subúrbio, explicado pelo geógrafo Nélson da Nóbrega Fernandes (2011) como

uma mudança abrupta e coercitiva do significado. É dizer que, na contramão da Zona

Sul, refletia-se um espaço que respondia não mais em seu sentido denotativo como

zona intermediária entre a urbe e o rural. Mas, sim, o subúrbio como lugar imaginado

pejorativamente do populacho e do desprestígio. Um lugar associado a uma paisagem

urbana específica – distante do mar e termicamente abafado em oposição ao frescor

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da praia – e que, margeado pela linha do trem, projetava um estilo de vida particular

galgado no mau gosto, na “falta de classe”. Daí o nascimento do conceito carioca de

subúrbio.

Apesar do estereótipo dominante atribuído aos Subúrbios, é importante salien-

tar que este espaço não era necessariamente o “lugar da pobreza” como regra. A

coexistência de classes sociais como a de uma pequena burguesia com outras mais

populares favoreceu o desenvolvimento, no século XX, de uma região que mantinha

relativa heterogeneidade social não obstante a projeção dominante de espaço perife-

ricamente homogeneizado. Em estudo sobre a evolução ideológica da localização

“Subúrbio” no Rio de Janeiro entre 1858 e 1945, Fernandes (2011) descontrói a natu-

ralização desse topônimo e desse espaço como originalmente associados às classes

mais baixas. Em primeiro lugar, destaca que até o início do século XX a denominação

“subúrbio” poderia ser alusiva tanto a Cascadura e a Madureira, quanto ao Leblon e a

São Conrado. Eram, portanto, subúrbios na acepção da palavra, ou seja, afastados,

distinguidos uns dos outros pela presença da estrada de ferro em um local (subúrbios

da Zona Norte) e da não presença da mesma em outro (antigos subúrbios da Zona

Sul).

Em segundo, mostra que, durante o século XIX, os Subúrbios da atual Zona

Norte eram procurados por nobres e aristocratas para fins de veraneio, onde instala-

ram algumas casas de campo. No entanto, complementa que esses locais não eram

tão chics como Botafogo ou o Engenho Velho (atual Tijuca), bairros essencialmente

aristocráticos e residenciais, e, também, já considerados urbanos nos idos da segunda

metade do século XIX. Fernandes (2011) argumenta sobre a presença do Jóquei

Clube na região de São Francisco Xavier, vizinha à pomposa Quinta da Boa Vista

(onde residiu D. João VI), e do Teatro da Sociedade Recreio Dramático Riachuelense,

no bairro do Riachuelo, “um prédio elegante com 28 camarotes, vasta plateia, exce-

lente palco e cenários de um artista alemão chamado B. Wiegand” (p. 138) para em-

basar que “somente a necessidade de moradores com recursos materiais e culturais

disponíveis para tal investimento público podem explicar a construção desse teatro no

subúrbio” (ibid.).

Com isso, o autor faz objeções à premissa tão difundida no imaginário coletivo

de que “o bonde fez a cidade, assim como o trem fez o subúrbio proletário”. Para ele,

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é arriscado assumir que o transporte ferroviário tenha sido idealizado como uma mo-

dalidade destinada a solucionar o problema de deslocamento dos mais pobres na ci-

dade. Sobretudo em um contexto onde os custos de locomoção eram altos e, portanto,

privilégio para poucos. Porém, desvalorizado pelas classes dominantes à medida que

se impunham novos hábitos e estilos de vida referenciais à beira-mar, o trem passou

a ser utilizado como estratégia de ocupação em massa das classes populares naque-

las regiões interioranas, argumenta ele:

A Estrada de Ferro D. Pedro II foi a maior empresa brasileira em sua época, superando em volume de capital o Banco do Brasil, fato que nos permite sus-peitar que deva ser simplista e apressada a conclusão de que um empreen-dimento de tal porte, gerado pela associação entre um Estado escravista e o imperialismo, estivesse ocupado em solucionar problemas de transporte dos pobres do Rio de Janeiro da segunda fase do século XIX (p. 124).

Desta maneira, a Reforma Passos foi fundamental para que a categoria “subúr-

bio” sofresse esse rapto ideológico de que nos conta Fernandes (2011) à medida que

essa região se mostrava como uma espécie de receptora daquilo que o Estado pre-

tendia “varrer para debaixo do tapete” na área central. Neste prisma, a doutrina higie-

nista também se valeu como princípio de “higienização social”. Transplantadas na mo-

derna figura da classe proletária, as classes mais baixas passavam a ser vistas, mais

do que nunca, como “classes perigosas” e, que, deste modo, precisavam ser expulsas

para longe dali sob o pretexto de uma ideologia do habitat. Contudo, enquanto a ide-

ologia do habitat na política parisiense de Haussmann pretendia conferir casa própria

aos menos favorecidos e um estilo de vida moralizado na periferia como forma de

integrá-los à formalidade do sistema capitalista, só que de maneira segregada, no Rio,

viu-se algo diferente. Fernandes (2011) assinala não ter existido políticas que conce-

dessem uma maior moralização da vida das massas nos Subúrbios, distantes do Cen-

tro “civilizado”. Essa desmoralização da vida suburbana foi bem retratada por Lima

Barreto (2012) em seu clássico ficcional Clara dos Anjos, no qual definiu o Subúrbio

do eixo Central-Deodoro como “o refúgio dos infelizes”:

O subúrbio é o refúgio dos infelizes. Os que perderam o emprego, as fortunas; os que faliram nos negócios, enfim, todos aqueles que perderam sua situação normal vão se aninhar lá; e todos os dias bem cedo, lá descem a procura de seus amigos fiéis que os amparem, que lhes deem alguma cousa, para o sustento seu e de seus filhos (p. 188).

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O volume de referenciais teóricos e literários que caracterizam e discutem o

cotidiano das classes dominantes no Rio de Janeiro ao longo do século XIX e início

do século XX é notoriamente mais expressivo do que aqueles dedicados a abordar a

mesma temática sobre o das classes populares. Neste sentido, a produção literária

de Lima Barreto é categórica em mostrar o estilo de vida dos Subúrbios – em especial

o eixo Central-Deodoro – porque dá protagonismo a personagens e figurões que cer-

tamente não teriam aparecido na literatura de Machado de Assis ou José de Alencar,

por exemplo, considerada mais elitista.

Em Clara dos Anjos, Lima Barreto explora o drama de uma jovem moradora de

Todos os Santos26, mulata, filha de um carteiro apreciador de modinhas (gênero mu-

sical que se popularizou entre as classes mais baixas a partir do século XIX), e que é

seduzida por um malandro das vizinhanças de “pele branca” que a abandona após

“desonrá-la”. O romance foi concluído em 1922, ano da morte de Lima, e explora os

dissabores da jovem Clara a partir dos preconceitos que enfrenta devido à cor de sua

pele. Além disso, seu lugar no mapa social carioca também é motivo de preconceitos

dada a sua condição periférica-suburbana, refletindo os enunciados do efeito de lugar

no Rio de Janeiro já no início do século XX.

Para além de um melodrama focado exclusivamente na desilusão amorosa da

heroína, Lima Barreto traz para a sua obra a própria dimensão da estrutura social do

Rio de Janeiro daquele momento, apresentando a sua percepção do espaço social e

físico a partir de uma cartografia simbólica cujos lugares já se definiam pelas autorre-

presentações das classes que os ocupavam. Isto é o que demonstra a professora

Beatriz Resende, na apresentação do livro Clara dos Anjos em edição publicada pela

Companhia das Letras, em 2012:

Se o subúrbio é o grande personagem do romance, outros se movem pelos espaços distantes do centro, na estreita hierarquia em que a cor exerce papel importante. Entre funcionários de baixos salários, ou sobrevivendo graças a limitadas pensões, e os desempregados há diferenças, e a sobrevivência se deve à solidariedade dos vizinhos ou a pequenos serviços que encontram.

26 Pequeno bairro do subúrbio carioca situado entre as estações ferroviárias do Méier e do Engenho de Dentro, ramal Central-Deodoro.

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Entre o pobre ou “remediado” branco e negro ou mulato, mais ainda, faz-se um fosso. Já a cultura, o conhecimento e mesmo a arte, se não significam forçosamente perspectivas de ascensão, dão a quem os possui prestígio en-tre os companheiros de dificuldades (p. 19).

A cartografia simbólica na perspectiva de Lima Barreto também se apresenta

em outra passagem interessante de Clara dos Anjos a respeito da região suburbana

e das formas de moradias ali existentes. O trecho chama atenção para a heterogenei-

dade da paisagem, cujas formas arquitetônicas dotavam de traços marcantes as pró-

prias diferenças sociais inscritas por lá:

O subúrbio propriamente dito é uma longa faixa de terra que se alonga, desde o Rocha ou São Francisco Xavier, até Sapopemba, tendo para eixo a linha férrea da Central. [...]. Há casas, casinhas, casebres, barracões, choças, por toda a parte onde se possa fincar quatro estacas de pau e uni-las por paredes duvidosas. Todo o material para essas construções serve: são latas de fós-foros distendidas, telhas velhas, folhas de zinco, e, para as nervuras das pa-redes de taipa, o bambu, que não é barato. Há verdadeiros aldeamentos des-sas barracas, nas coroas dos morros, que as árvores e os bambuais escon-dem aos olhos dos transeuntes. Nelas, há quase sempre uma bica para todos os habitantes e nenhuma espécie de esgoto. Toda essa população, pobrís-sima, vive sob a ameaça constante da varíola e, quando ela dá para aquelas bandas, é um verdadeiro flagelo. [...]. As ruas distantes da linha da Central vivem cheias de tabuleiros de grama e de capim, que são aproveitados pelas famílias para coradouro. De manhã até à noite, ficam povoadas de toda a espécie de pequenos animais domésticos: galinhas, patos, marrecos, cabri-tos, carneiros e porcos, sem esquecer os cães, que, com todos aqueles, fra-ternizam (pp. 182-184).

Na obra de Lima, também é curioso observar, em primeiro lugar, a sua percep-

ção do que seriam os Subúrbios em termos de limites geográficos, e, em segundo

lugar, a percepção que o autor faz da “aura decadente” do eixo Central-Deodoro, in-

dicando o que Fernandes (2011) aponta sobre este local ter sido sítio de repouso e

lazer para a aristocracia imperial. Logo no primeiro capítulo da obra é possível identi-

ficar uma demonstração melancólica do discurso do narrador ao associar os impactos

do processo de modernização e de embelezamento da cidade à destruição da antiga

arquitetura suburbana:

Os muros que cercavam a casa, a razoável distância, e mesmo aquele em que se apoiava o gradil de ferro da frente do imóvel, estavam cobertos de hera, que os envolvia em todo ou em parte, não como um sudário, mas como um severo, cerimonioso e vivo manto de outras épocas e de outras gentes, a

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provocar saudades e evocações, animando a ruína (LIMA BARRETO, 2012, p. 65).

Deste modo, à medida que o espaço do Centro e da futura Zona Sul ia sendo

produzido material e simbolicamente a favor da ocupação maciça das classes domi-

nantes, do outro lado, os Subúrbios do eixo ferroviário iam sendo relegados como

“válvula de escape” das classes mais subalternas. No meio-termo entre essas duas

frentes antagônicas de espaço, permaneciam mais ou menos incólumes os antigos

bairros aristocráticos a oeste do Centro, como Tijuca e São Cristóvão. Apesar desse

contexto ter impactado a “localização” simbólica desses lugares no mapa social cari-

oca, Flávio Villaça (1998) aponta que, de início, a Tijuca não se desvalorizou tão acen-

tuadamente como São Cristóvão.

Para o autor, o declínio de São Cristóvão em termos sociais, urbanos e simbó-

licos esteve proporcionalmente atrelado ao próprio declínio da monarquia no Brasil.

Mauricio de Abreu (2008) complementa que a maior proximidade relativa de São Cris-

tóvão à primeira quilometragem da estrada de ferro Central-Deodoro contribuiu para

a instalação de indústrias naquele local, visto como ponto ótimo de localização entre

as vias de abastecimento regional e o porto. Neste sentido, São Cristóvão não assistiu

unicamente à derrocada do seu prestígio imperial, mas sobretudo à queda do seu

perfil residencial a favor de um mais industrial, projetando, nos dias de hoje, uma ima-

gem mais objetiva de “transformação” presente sobretudo na sua paisagem urbana.

Contudo, diferentemente de São Cristóvão, Villaça (1998) sublinha que a Tijuca

permaneceu durante a primeira fase do século XX como local habitado majoritaria-

mente por “camadas de alta renda”, designando este lugar como “núcleo de resistên-

cia” diante da transformação socioespacial discutida neste capítulo que alterou o

modo de morar e os valores conferidos ao meio ambiente do Rio. Então, à medida

que se constituía essa estrutura urbana dualizada entre Zona Sul versus Subúrbios,

centro versus periferia, a Tijuca “aristocrática” se mantinha “firme” à sua localização

no espaço físico, apesar da mudança do conteúdo simbólico impresso à sua fisiono-

mia urbana e natural. Em outras palavras, observou-se um processo que manteria a

Tijuca em sua condição de dominância na hierarquia socioespacial carioca, mas que

a destituiria gradual e lentamente da sua posição equivalente de dominância em rela-

ção à Zona Sul.

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Isso se verificava não obstante a evidência do processo de popularização do

vetor de expansão urbana do qual a Tijuca se originou e, dialeticamente, do processo

de elitização cada vez maior do vetor de expansão que rumava em direção contrária

à sua localização. Surgia, assim, o amadurecimento de uma representação que pas-

saria a projetar a Tijuca, no senso comum, como um lugar de transitoriedade entre

dois espaços sociais antagônicos no século XX.

3.3 Os ganhos de espaço através da toponímia

A constituição simbólica do mapa social carioca também indica o modo como

os ganhos de espaço entre essas classes sociais passaram a se dar através da topo-

nímia (estudo dos nomes próprios de lugares), assinalando a apropriação das identi-

dades sociais e das “boas” representações que confeririam aos moradores de cada

bairro ou zona um certo poder nessa cartografia (HALL, 2006 apud CARDOSO, 2009).

Segundo a geógrafa Elizabeth Dezouzart Cardoso (2009; 2010), a definição do que

seriam as zonas “norte”, “sul” e “oeste” não esteve associada à disciplina de zonea-

mento do urbanismo, visto não haver nenhuma legislação que tivesse dividido a ci-

dade em zonas geográficas nestes termos. Desse modo, a “invenção da Zona Sul”

explicada por O’Donnell (2013) foi o que provavelmente deu peso à denominação que,

algumas décadas mais tarde, seria institucionalizada pela Prefeitura do Rio de Ja-

neiro.

O único resultado pertinente encontrado na pesquisa de Cardoso (2009) sobre

a legislação urbanística a esse respeito foi o Decreto n. 1.185, de 05 de janeiro de

1918, podendo ser considerada a primeira legislação de zoneamento do Rio. O de-

creto dividia a cidade em zonas urbana, suburbana e rural, destacando que os bairros

que viriam a formar parte da Zona Sul estavam incorporados à zona urbana da cidade

ainda que “quase descampados [...], demostrando claramente um projeto já em curso

para esta área, ou seja, de queria seria incorporada à malha urbana de forma distinta

dos chamados ‘Subúrbios’” (p. 4).

Já o Decreto n. 2.087, de 19 de janeiro de 1925, estipulou outro zoneamento

para a cidade, dividindo-a, desta vez, em quatro zonas: central, urbana, suburbana e

rural, não havendo praticamente alteração dos limites entre as antigas zonas urbana

e suburbana. Por outro lado, Oliveira (1978, p. 5 apud CARDOSO, 2009) destaca que

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a zona urbana, nos termos daquela legislação, “correspondia aos assentamentos re-

sidenciais mais populosos na época, ou a parte efetivamente ‘conhecida e habitada’

da cidade”. Cardoso (2009) ironiza essa conceituação sublinhando o tratamento dis-

pensado aos bairros praianos, que, embora pouco ocupados e nada desenvolvidos,

já eram representados no discurso do Estado como zonas efetivamente “conhecidas”

– mas, “conhecidas por quem?”, criticou a geógrafa. Por fim, ela ainda faz menção ao

projeto de zoneamento proposto pelo urbanista Alfred Agache no fim da década de

1920, onde a segregação residencial em curso no Rio de Janeiro era caracterizada

pela nomenclatura de “bairros burgueses”, incluindo os da atual Zona Sul e a “Zona

Norte”, como a Tijuca e sua região adjacente: Alto da Boa Vista, Grajaú, Vila Isabel,

Maracanã, Andaraí, entre outros.

No dia a dia da população, Cardoso (2009) comenta que até os anos 1930 era

costumeira a diferenciação dos diferentes bairros do Rio de Janeiro através do próprio

topônimo individual, sem que houvesse uma diferenciação por setores ou regiões ge-

rais – com exceção dos Subúrbios, cujos bairros tendiam a ser generalizados por um

único topônimo geral. Quando não fossem referidos nominalmente, os bairros eram

referidos por “arrabaldes” (Tijuca, São Cristóvão, Glória, Botafogo, Laranjeiras etc.) e

colocados sempre em oposição aos “subúrbios” (Meyer, Madureira, Cascadura, Pe-

nha, etc.), numa demarcação evidente não apenas das categorias, mas também dos

significados e conteúdos sociais atribuídos a cada um desses termos.

De acordo com a pesquisa realizada pela autora em três periódicos – jornal

Correio da Manhã, a revista O Cruzeiro e o jornal/revista de bairro Beira-mar –, a

primeira ocorrência do topônimo “Zona Sul” em veículos de comunicação data de ja-

neiro de 1940, apesar de que, dez anos antes, já havia sido publicada uma menção

aos bairros do “sul” e do “norte” em reportagem sobre a circulação de ônibus na Ave-

nida Rio Branco, no Centro27.

Logo, vale concluir que a condição da orla atlântica em se impor como centra-

lidade simbólica na hierarquia urbana carioca parece ter sido determinante para que

os zoneamentos geográficos se ordenassem no imaginário coletivo tendo esta região

27 Segundo os periódicos, Cardoso (2009) analisa que entre 1930 e 1950 não havia consenso sobre o que seria a Zona Sul – se apenas os “novos bairros praianos” ou se inclusive aqueles situados no eixo Glória-Botafogo. Contudo, afirma que as referências sobre este topônimo aumentaram vertiginosa-mente a partir da década de 1950 diante da consolidação de Copacabana como uma “quase nova cidade dentro do Rio de Janeiro” (O’DONNELL, 2013, p. 223).

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não apenas como difusora do posicionamento dos “pontos cardeais”, mas também de

uma ideologia que marcaria por completo as representações atribuídas a cada um

desses espaços.

É dizer que, embora a posição “sul” mencionada tenha como referência o sul

do centro principal no qual se desenvolveram os bairros idealizadamente “civilizados”

no Rio de Janeiro, por outro lado, a posição da “Zona ‘Norte’” não se orienta necessa-

riamente por estes termos. Se atentarmos para o mapa do Rio de Janeiro, é possível

perceber que se a localização do centro principal fosse a real difusora de como essas

zonas geográficas se organizam por pontos cardeais, certamente a atribuição seten-

trional a bairros como Tijuca, Grajaú, Alto da Boa Vista, São Cristóvão, entre outros,

estaria equivocada devido à sua localização a oeste do centro principal. Neste caso,

conclui-se que a posição “norte” tenha sido dada em referência à Zona Sul, lógica

atribuída igualmente à posição ocupada pela Zona Oeste atual, efetivamente a “oeste”

da Zona Sul.

Evidentemente, esta lógica também serviu para definir a localização dos Su-

búrbios em relação à Zona Sul. Cardoso (2009) e Fernandes (2011) destacam que o

subúrbio “raptado” ideologicamente de seu conceito original tornou-se topônimo para

designar “o refúgio dos infelizes”, na acepção de Lima Barreto sobre a qual discutimos

(2012). Por outro lado, a separação dos Subúrbios em relação aos arrabaldes – como

mostramos – fez com que apenas estes últimos fossem enquadrados em zonas geo-

gráficas, mantendo os Subúrbios apartados de qualquer definição mais específica por

ponto cardeal.

Contudo, é razoável pensar que a localização dos Subúrbios ao “norte” da Zona

Sul tenha contribuído para que eles ficassem consequentemente associados ao topô-

nimo Zona Norte com o passar dos anos. Assim, pode-se observar eventualmente

uma relação metonímica entre “Zona Norte” e Subúrbio não somente porque ambas

as regiões estão situadas a norte da Zona Sul, mas, sobretudo, porque não estão na

Zona Sul.

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Figura 8. Os topônimos no espaço físico carioca: o referencial da “Zona Sul” na constituição

dos pontos

Fonte: Google Earth, adaptado pelo autor.

Como já foi abordado, a própria morfologia do espaço físico carioca atua como

elemento modelador, separando naturalmente Zona Sul da “Zona Norte”/Subúrbios

através da cadeia de montanhas que atravessa o Rio de Janeiro de leste a oeste.

Porém, será mostrado nos capítulos seguintes que esse quid pro quo entre “Zona

Norte” e “Subúrbios”, tendente a transferir para aquele topônimo muitas das represen-

tações sociais desabonadoras atribuídas ao imaginário de um lugar proletário e “sem

classe”, não ocorreu de maneira passiva e sem resistências.

Além disso, vale dizer que a disputa entre “suburbanos” e tijucanos pelo con-

trole simbólico das fronteiras desse mapa social ocorre, igualmente, em outras partes

da cidade sob outros contextos, a exemplo da Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio.

Projeto de lei municipal criado pelo vereador Marcelino D’Almeida (PP) em outubro de

2016 propôs apartar a região da Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes e Jacare-

paguá da Zona Oeste, criando-se, assim, a Zona “Oeste-Sul”. Segundo reportagem

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do G128 na qual o projeto foi divulgado, a justificativa dada pelo político seria “para

que não mais se faça confusão de dizer que os bairros da Barra da Tijuca e Jacare-

paguá também pertencem à região da Zona Oeste”, preenchida por bairros majorita-

riamente populares e periféricos.

Considerando o panorama aqui apresentado, os próximos capítulos se encar-

regarão de entender a maneira como os impactos da Modernidade influenciaram sim-

bolicamente o lugar da Tijuca nesse mapa social e o processo aí engendrado que

“transformou” a sua localização sem alterar, no entanto, sua posição no espaço eucli-

diano (VILLAÇA, 1998).

28 Disponível em: < http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/no-ticia/2016/10/adiada-votacao-para-barra-virar-zona-oeste-sul-85-dos-vereadores-faltam.html>. Acesso em 15 jan. 2017.

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PARTE II

A TRAJETÓRIA DA TIJUCA

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4 O LUGAR DA TIJUCA NO RIO MODERNO

Este capítulo discute a evolução urbana do lugar da Tijuca a partir da constituição

simbólica do mapa social carioca discutida no Capítulo 3. Abrangendo a primeira fase

do século XX, procurou-se compreender de que maneira os impactos da Modernidade

influenciaram simbolicamente o espaço social e físico da Tijuca, transformando a sua

localização na teia de relações socioespaciais que conforma a estrutura urbana cari-

oca. Tendo como referência o período que vai dos anos 1900 aos de 1950, realizou-

se uma revisão de literatura existente para detalhar o estilo de vida observado na

Tijuca em contraste ao de outros lugares a partir da invenção e reprodução de novas

práticas materiais e de socialização no bairro; as transformações sociais ali percebi-

das com a emergência da classe média e de classes dominadas, como os moradores

das favelas; o surgimento da Praça Saenz Peña e de sua miríade de comércios e

serviços; entre outros aspectos.

4.1 A invenção das tradições

Mesmo com a abrangência territorialmente limitada do projeto civilizatório que

perfilou a Reforma Passos e a expansão do capital imobiliário para os bairros praia-

nos, Flávio Villaça (1998) diz que a Tijuca permaneceu por muitas décadas da primeira

fase do século XX como “núcleo de resistência” por seguir concentrando estratos do-

minantes não obstante essa difusão de um novo estilo de vida na cidade:

Fora da orla, as camadas de mais alta renda permaneceram um pouco mais apenas na Tijuca. Esse bairro, no entanto, foi ficando isolado, “longe”. É, por sinal, um bom exemplo de como as classes de mais alta renda produzem o perto e o longe. A Tijuca, enquanto localização, e como qualquer localização, não era longe mas tornou-se longe. Tornou-se mais longe do centro à medida que este se orientava mais para a extremidade sul da avenida Rio Branco (Cinelândia) do que para a norte (Praça Tiradentes, Praça Mauá) (p. 174).

Assim, por ainda haver uma equivalência de classe, as novas práticas materiais

e de socialização não deixaram de ecoar na paisagem e no cotidiano do espaço social

e físico da Tijuca, mas ganhando contornos particulares. Particularidades estas que,

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combinadas ao emblema do capital simbólico de lugar “aristocrático”, contribuiriam

para inventar as tradições29 (HOBSBAWM, 1984) locais tempos depois.

Resultado do processo de urbanização iniciado na segunda metade do século

XIX, o desaparecimento gradual das grandes propriedades e chácaras da Tijuca e de

Vila Isabel deu lugar a um maior número de imóveis residenciais e não residenciais,

como asilos, pensões, colégios, hotéis, habitações coletivas e algumas fábricas.

Atraindo grande contingente de trabalhadores, as fábricas também foram responsá-

veis por conferir uma maior diversidade social àquela área. Se por um lado esse con-

tingente pode não ter apresentado capital econômico suficiente para adquirir lotes de

terrenos recém-abertos e, assim, tornar-se habitante desse habitat nos termos subli-

nhados por Bourdieu (1997), é provável que tenha ocupado espaços ilegais que, fu-

turamente, dariam origem às favelas que pulularam nas encostas tijucanas décadas

adiante. Das fábricas deste período, destacam-se a Companhia Cervejaria Hanseá-

tica (adquirida nos anos 1940 pela Companhia Cervejaria Brahma) e a Fábrica de

Fumos e Rapé Borel & Cia, propriedade da Família Boreu Meuron, cuja falência inci-

taria o crescimento da vila operária onde hoje funda-se a favela Morro do Borel, na

Usina.

Nos anos 1920, o aumento no número de imigrantes desembarcados no Rio de

Janeiro do qual descreveu Santucci (2015) foi decisivo para redimensionar a urbani-

zação não apenas da Tijuca, mas de bairros como Laranjeiras e Botafogo, também.

Nesses locais, notou-se o desenvolvimento de inúmeras atividades em consequência

das transformações econômicas provocadas pela Primeira Guerra Mundial. À medida

que esse cenário propiciava a especialização do Centro em área de comércio e servi-

ços, redistribuía-se a população de alta renda outrora ali residente para as regiões

residenciais tanto nas cercanias da área central (CARDOSO; PECHMAN; VAZ et al.,

1984) como nos ascendentes bairros praianos, a exemplo de Leme e Copacabana.

29 A expressão “invenção das tradições” é utilizada pelo historiador Eric Hobsbawm em sentido amplo, “mas bem definido, incluindo tanto as tradições propriamente inventadas e institucionalizadas, quanto àquelas que surgem repentinamente e da mesma forma se estabelecem, permanecendo tal como as outras, como se sua origem fosse remota, ainda que durem relativamente pouco. Esse conjunto de práticas de natureza ritual ou simbólica teriam por objetivo incorporar determinados valores e compor-tamentos definidos por meio da repetição em um processo de “continuidade em relação ao passado”, via de regra, um passado histórico apropriado”. Cf. Adilson Luís Franco Nassaro, disponível em: <http://historia-resenhas.blogspot.com.br/2010/09/resenha-de-introducao-de-invencao-das.html>. Acesso em 02 jan. 2017.

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Nesse contexto de descentralização, o aumento na densidade populacional da

Tijuca intensificou a abertura de novas ruas, também justificada pela proliferação do

automóvel como meio de transporte elitizado, além de obras de saneamento em geral.

Nessa mesma década, o Rio Maracanã recebeu nova canalização junto à uma nova

rede de captação de águas fluviais, cujas margens deram origem e forma à atual Ave-

nida Maracanã, um dos principais eixos viários da Tijuca que interliga o Centro às

imediações da subida do Alto da Boa Vista.

Sobre o Rio Maracanã, é interessante destacar uma analogia crítica de Lima

Barreto observada pela jornalista, escritora e ensaísta Luciana Hidalgo (2008) em sua

obra Literatura da urgência: Lima Barreto no domínio da loucura quanto à simbologia

desse curso d’água com o perfil da reforma urbana implementada na cidade no início

do século XX. Na opinião do escritor (publicada em crônica), reformas como a de Pe-

reira Passos não tinham um “pingo” de adaptação à realidade brasileira, o que a tor-

nava mero simulacro parisiense dentro de um contexto que ainda sofria as máculas

de seu passado colonial. Assim, para a construção de um espaço que fosse síntese

da “nação”, seria mais original condicionar uma remodelação urbanística “à brasileira”

de modo a valorizar as qualidades do espaço físico carioca como princípios norteado-

res de civilidade.

Para Lima, o Rio Maracanã seria um elemento do espaço físico carioca simbó-

lico o suficiente para condicionar, de forma mais nativa, o vetor de expansão urbana

para as suas margens sem desrespeitar os princípios de civilidade europeia que cos-

tumavam dar vida às suas metrópoles ao longo e/ou sobre rios. Neste sentido, Lima

sugeria que a Tijuca – através da figura do Rio Maracanã – ainda mantinha um papel

de centralidade na estrutura urbana em detrimento de outras áreas da cidade que

começavam a ascender na chamada Zona Sul, já responsáveis naquele momento por

liderarem um novo e forte vetor de expansão contrário ao bairro em estudo:

Nota-se também que as grandes metrópoles ficam sobre rios mais ou menos consideráveis (Paris, Berlim, Londres, New York, Viena, etc.) – logo se o Rio quer ser grande metrópole, deve ficar à margem de um rio respeitável. Poder-se-ia transformar o Maracanã em rio respeitável (LIMA BARRETO, 1998 apud HIDALGO, 2008, p. 166).

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Além da expansão do sistema viário como facilitador dos meios de locomoção

por automóvel e pelo transporte operado pelos bondes elétricos, a Tijuca foi sendo

alvo cada vez maior de novos empreendimentos imobiliários conforme surgia, lado a

lado, um número crescente de lazeres, escolas e clubes. Dos lazeres, Cardoso, Pech-

man, Vaz et al. (1984) apontam os saraus familiares e as festas juninas como umas

das mais populares práticas de socialização daquela época. Cabe mencionar, tam-

bém, a inauguração dos primeiros cinemas e estúdios de gravação – de dublagem e

produções cinematográficas –, além da instalação de um velódromo e de um mini-

campo de golfe nos arredores da Rua Haddock Lobo.

Inaugurada em 1911, a Praça Saenz Peña – antigo largo da Fábrica das Chitas

– se projetou no espaço social da Tijuca como o palco por excelência de desenlace

das sociabilidades modernas no bairro, como o footing e o flirting. A ocorrência dessas

práticas no espaço denominado por “praça”, na Tijuca, mostra como as diferenças no

estilo de vida se interpunham entre o footing na “praia”, a exemplo do calçadão de

Copacabana, e o footing na “rua”, na Avenida Central criada pelo prefeito Pereira Pas-

sos:

Depois da missa na São Francisco Xavier, ou na Santo Afonso, as moças namoradeiras iam ‘flertar’ nas praças, geralmente acompanhadas das irmãs mais novas que ficavam brincando com seus bilboquês, diabolôs, ou mesmo pulando corda. Aos domingos, havia retreta nos coretos das praças. E para a criançada a [praça] Saens Peña tinha um teatrinho de fantoches, ou ‘guignol’ (CARDOSO; PECHMAN; VAZ et al., 1984, p. 122).

Igualmente, nesse período, observou-se o surgimento de diversos educandá-

rios cujos perfis estavam intimamente associados ao emblema de bairro aristocrático

impresso à Tijuca. O Colégio Militar, fundado em maio de 1889 em sede localizada à

Rua São Francisco Xavier, teve sua criação proposta inicialmente por Duque de Ca-

xias, morador da Tijuca, em 185330. Já o Colégio dos Santos Anjos, de ensino católico

com sede à Rua Dezoito de Outubro, data de 1893. Nas três primeiras décadas do

século XX, se juntariam a esse rol de escolas importantes o Colégio Baptista Shepard

(fundado em 1908 com o nome de Colégio Batista Americano Brasileiro); o Instituto

30 Disponível em: <http://www.cmrj.eb.mil.br/historico-imperial>. Acesso em 26 dez. 2016.

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Lafayette (que contava com uma ala feminina e outra masculina em endereços distin-

tos); o Instituto de Educação (inaugurado em 1930, mais conhecido como a escola de

normalistas da Rua Mariz e Barros); o Colégio Marista São José (centro educativo

católico que até 1997 contava com duas filiais localizadas no bairro, uma sendo inter-

nato – 1928 – e a outra funcionando como externato – 1932); entre outros.

É interessante notar que muitas das escolas surgidas neste contexto eram pri-

vadas, justo numa época em que parecia comum aos estratos dominantes matricula-

rem seus filhos no ensino público. Neste sentido, mesmo com o indicador de qualidade

do ensino público, somente a concentração e a necessidade de famílias com recursos

materiais e culturais disponíveis para o investimento escolar de seus filhos justifica o

expressivo surgimento de educandários privados na Tijuca. Em suma, é plausível afir-

mar que, mais do que escolas, essas instituições também se projetavam como sím-

bolos de distinção pela excelência disciplinar e, também, pelo prestígio do diploma

conferido na forma de capital cultural institucionalizado.

Já as agremiações clubistas surgiram na Tijuca como espaços mais seletivos

de sociabilidade local. Dessa época, destacam-se o America Football Club, fundado

em setembro de 1904, e o Tijuca Lawn Tennis, de 1915, mais tarde denominado como

Tijuca Tênis Clube. O primeiro foi criado para dedicar-se ao futebol, tornando-se rapi-

damente o “mitológico time-símbolo” da Tijuca nas palavras do escritor e comentarista

esportivo José Trajano (2015) em seu livro Tijucamérica. Datado de 1915, o hino ame-

ricano ganhou retoque final nos anos 1940 pelo compositor Lamartine Babo, que en-

toou as glórias e vitórias conquistadas pelo “Mecão” nas suas primeiras décadas de

existência: [...] “Campeões de 13, 16 e 22 / Tra-la-la / Temos muitas glórias e surgirão

outras depois / Tra-la-la / Campeões, com a pelota nos pés / Fabricamos aos montes,

aos dez / Nós, ainda queremos muito mais / America unido vencerás!”31.

Por sua vez, o Tijuca Tênis Clube (TTC) teve sua origem voltada para a vida

social e para os grandes bailes, muito embora as atividades desportivas também fos-

sem importantes por lá. O clube foi idealizado por três rapazes moradores do bairro

que, praticantes de tal refinado esporte, decidiram mobilizar-se para criar uma agre-

31 Segundo o material levantado nesta pesquisa, é plausível – porém opinativo – apontar uma correla-ção emblemática das glórias atribuídas ao America na primeira fase do século XX com o próprio período de glórias e prestígio vivido pela Tijuca no mesmo ínterim.

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miação tenista na região (Figura 9). No website do Tijuca Tênis Clube, consta depoi-

mento de Álvaro Vieira Lima, o sócio n. 1, a respeito do surgimento do TTC e do estilo

de vida de sua família:

– Quando eu e meu irmão Carlos ainda éramos estudantes, possuíamos al-gumas raquetes e outros apetrechos de tênis, que nossa mãe nos dera du-rante viagem que havíamos feito à Europa. Praticávamos tal esporte nas ho-ras de folga e aos sábados à tarde. O nosso campo era um terreno que existia nos fundos da casa onde morávamos, na Rua Conde de Bonfim, 44632.

Figura 9. Partida de tênis no Tijuca Tênis Clube

Fonte: Revista Careta (1919).

32 Disponível em: <http://tijucatenis.com.br/sobre>. Acesso em 28 out. 2016.

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Em outra perspectiva, Cardoso, Pechman, Vaz et al. (1984) comentam que a

criação do Tijuca Tênis Clube teve como paralela motivação propiciar uma maior faci-

litação dos flertes entre os rapazes e as moças do bairro. Embora a “rua” se propa-

gasse na cidade como um novo espaço de interações modernas, como o flirting nas

praças, na Tijuca, essas práticas ainda eram comedidas por um tipo de controle social

afim ao de tempos passados:

O Tijuca tem outra história. Segundo um de seus fundadores, a criação de um clube que pudesse ser frequentado pelas famílias facilitaria a aproxima-ção com as moças. Esse futuro sócio estava interessado numa jovem que conhecia apenas de vista e achava ‘uma ousadia’ abordá-la diretamente” (p. 124).

No mesmo grau de importância, vale mencionar o pioneirismo do Tijuca Tênis

Clube dentre as demais agremiações cariocas em dispor de uma piscina: “A primeira

piscina da zona norte, num bairro distante do mar, trazendo aos habitantes das en-

costas da montanha a possibilidade da prática da natação e do prazer do banho, ao

sol, sem os incômodos da longa viagem à zona sul”, noticiava a Tijuca em Revista

(1931 apud CARDOSO; PECHMAN; VAZ et al., 1984, p. 125). O trecho revela a in-

fluência do “estilo Copacabana” no cotidiano da elite tijucana entre os anos de 1920 e

1930. Devido ao fato de ser um bairro de montanha – e, portanto, distante da praia –,

a necessidade de se colocar uma piscina em local apropriado para a “prática da nata-

ção e do prazer do banho ao sol, sem os incômodos da longa viagem à zona sul”

parece ter sido claramente reflexo de um reposicionamento comportamental dos mo-

radores da Tijuca em se verem compelidos a incorporarem os novos signos de distin-

ção que se difundiam do outro lado da cidade, mas adaptando-os à realidade da sua

espacialidade física.

Embora este cenário evidencie o início de um processo, grosso modo, de “su-

balternização” da Tijuca em relação à ascendente Zona Sul, O’Donnell (2013) assinala

ter existido uma grande articulação social entre os moradores de Copacabana e os da

Tijuca ao longo das primeiras décadas do século XX. Segundo a autora, os cilenses

(variação da sigla CIL – moradores de Copacabana, Ipanema e Leme) “circulavam

ativamente por distintos territórios e mundos sociais sem que, para tanto, se vissem

desafiados a abrir mão dos mecanismos de partilha que os mantinham vinculados à

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elite praiana” (p. 141). Ela cita, ainda, que nas páginas do jornal local Beira-Mar, por

exemplo, os cilenses tinham acesso aos acontecimentos de lugares como Icaraí, na

cidade de Niterói, e Tijuca, no Rio, por compartilharem os signos de distinção social

que caracterizavam esses grupos:

O fato de o Tijuca Tennis Club possuir uma coluna fixa no periódico praiano de Copacabana se explicava pela presença, naquele bairro, de muitas das tradicionais famílias cariocas com as quais os cilenses comungavam signos de distinção social. Mas as estratégias de legitimação de seu discurso aristo-crático não se restringiam ao universo relacional estabelecido pelos cilenses com seus pares. Era também na interação com os ‘outros’ que o discurso se construía, fazendo do antagonismo com determinados grupos e práticas um importante recurso afirmativo” (ibid.).

A ideia de antagonismo colocada por O’Donnell (2013) no trecho destacado

retrata o panorama no qual o “estilo Copacabana” impactava os modos e costumes

associados a um determinado espaço físico catapultado como dominante e, especial-

mente, as percepções sociais atribuídas a outros espaços com base naquele. É nes-

tes termos interativos comentados pela autora como a “subalternização” da posição

social da Tijuca em relação à de Copacabana se identificava embrionariamente. Não

obstante os tijucanos e os “cilenses” mantivessem relações de proximidade social, a

ascensão do prestígio do espaço físico e social de um ameaçava o prestígio já con-

solidado do outro. Daí a necessidade de o Tijuca Tênis Clube ter sua própria piscina

como forma de simular, na realidade daquele espaço físico, um mecanismo de socia-

bilidades o mais parecido possível àqueles observados na praia.

Apesar desses intentos, Jane Santucci (2015) revela que, “em contraponto com

a moderna Copacabana, a Tijuca parecia suspensa no tempo” (p. 249). Ao analisar o

Rio dos anos 1920 com base na opinião de cronistas e jornalistas da época, como

Benjamim Constallat33, a autora salienta que a Tijuca se mostrava alheia às transfor-

mações aceleradas da paisagem e dos costumes nos bairros propriamente contem-

plados pela Modernidade:

33 Benjamim Delgado de Carvalho Costallat nasceu no Rio, em 1897, oriundo de uma família de classe alta. Formou-se em Direito pela Faculdade do Rio de Janeiro, embora tenha feito carreira de roman-cista, escritor e cronista da vida carioca entre os anos de 1920 e 1930. Ainda jovem, vivenciou as intensas transformações ocorridas tanto no Rio de Janeiro como no mundo naquele momento. Dentre as obras publicadas, destacam-se “Mademoiselle Cinema” (1923), “Mistérios do Rio” (1924), “Arranha-ceo – Chronicas” (1929) etc. Conferir Santucci (2015) ou a série “Cronistas do Rio” (vídeo) da MultiRio,

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Com suas construções sólidas que passavam de geração a geração, a vida no bairro seguia mais ou menos alheia ao resto da cidade. Seus muros bor-dados de heras eram prova que o tempo ali seguia outra rotação. “A hera é a tradição. Só nos muros velhos ela deita suas raízes”. Assim, Costallat começa sua descrição da Tijuca, bairro onde nasceu e viveu. A diferença se nota já na “subida” para o bairro. As casas apertadas, em terrenos estreitos que com-partilham parede e telhado, vão dando lugar a outras formas de residências. Surgem os jardins, a princípio, pequenos, mas cobertos de verde que são sucedidos por chácaras e terrenos imensos, com seus velhos muros renda-dos de hera. “A cidade lá embaixo, pequenina e imensa, paralisada e sem vida, extático como o ar e como a luz. Ruas, bondes, automóveis não pare-cem existir. A cidade vista de cima é uma extensão morta de coisas inanima-das...” Ali tudo tem tradição. A vida é simples. O ambiente é austero. As casas são sólidas e contam o passado de várias gerações. “Um piano velho, emu-decido, recorda suas sonoridades mortas. Um banco de jardim, carcomido e aos pedaços, relembra gerações de namorados que, por ele, desfilaram em beijos” (SANTUCCI, 2015, p. 249).

Nesse panorama, a “aristocrática” Tijuca começava a experimentar um pro-

cesso no qual sua posição de dominância na hierarquia social carioca passaria a de-

clinar conforme a Modernidade fazia da “burguesa” Copacabana uma miríade de re-

ferências e vanguardismos. Nessa relação dialética, enquanto uma ascendia como

moderna e cosmopolita, a outra refletia-se – e se reproduzia – como tradicional e con-

servadora. Considerando a região suburbana, da qual discutiu-se no capítulo anterior,

observou-se um processo de declínio social da Tijuca, colocando-a num papel coad-

juvante em relação à Zona Sul, mas ainda assim superior e simbólico à massa perifé-

rica que se formava nos eixos ferroviários, principalmente Central-Deodoro e Leopol-

dina.

4.2 A classe média tijucana

Nos anos 1930, a expansão industrial brasileira fez com que o Rio experimen-

tasse os efeitos de um crescimento econômico particular que incitou o surgimento de

uma série de novas profissões e cargos públicos. Estas ocupações foram responsá-

veis pela ascensão de uma classe social novata até então – a classe média –, que foi

se apropriando gradativamente da Tijuca à medida que a Zona Sul se projetava como

região geral de “absorção” das classes dominantes no Rio. Com isso, Villaça (1998)

explica ter ocorrido um processo de transferência de classe da Tijuca para a Zona Sul:

disponível em: <http://multirio.rio.rj.gov.br/index.php/assista/tv/8392-benjamim-costallat>. Acesso em 30 out. 2016.

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Quando falamos que as classes de mais alta renda se transferiram da Tijuca para a zona Sul, não estamos querendo dizer que as famílias moradoras da Tijuca se transferiram para a zona Sul. [...] Se no transcorrer da primeira me-tade deste século praticamente desapareceram as famílias de alta renda da Tijuca e estas estão cada vez mais na zona Sul, é válido afirmar que essa classe se transferiu para a zona Sul sem que isso tenha ocorrido necessaria-mente com as respectivas famílias. É provável que poucas famílias aristocrá-ticas da Tijuca do final do século passado tenham se mudado para a zona Sul. Muitas empobreceram, tornaram-se classe média e provavelmente con-tinuaram na Tijuca. Entretanto, não foi o que aconteceu com as famílias de classe média que moravam na Tijuca e enriqueceram. Elas mudaram-se da Tijuca para outras cidades do estado, do país ou do exterior pois lá, hoje, não há mais ricos como antigamente. As famílias ricas que se mudaram para o Rio na primeira metade deste século – vindas de outras cidades, outros es-tados ou do exterior – predominantemente se localizaram na zona Sul. Não foram mais para a Tijuca, como talvez tivessem ido em 1880 ou 1890. Por outro lado, as famílias de classe média que passaram a ocupar a Tijuca nas últimas décadas podem ter vindo, igualmente, de outras cidades, estados ou países (VILLAÇA, 1998, p. 175).

Ao passo que expressiva parcela das classes dominantes já ocupava e/ou de-

monstrava interesse em ocupar a Zona Sul nos idos da primeira fase do século XX, é

plausível afirmar que essa emergente classe social média, por sua vez, tenha vislum-

brado na Tijuca a oportunidade de residir – ou continuar residindo – em um lugar de

renome a custos mais acessíveis do que os da Zona Sul. Segundo o Censo de 1940,

apontado por Cardoso, Pechman, Vaz et al. (1984), os valores dos aluguéis em bairros

como Copacabana e Flamengo já se mostravam bastante superiores aos da Tijuca

em meados dos anos 1930. Em segundo lugar, os valores de mundo que se imprimiam

como representativos à sociedade tijucana também pode ter sido um fator de atração

da classe média que, comungando desse mesmo perfil, quis fixar-se nesse local.

Em outra frente, o pesquisador e economista Nélson do Valle Silva (2004), no

artigo “Cambios sociales y estratificación en el Brasil contemporáneo (1945-1999)”,

explica que essa nascente classe média se caracterizava por um perfil sócio-ocupaci-

onal profissionalizado e universitário, a exemplo dos profissionais liberais – médicos,

advogados, arquitetos, professores em geral – e, também, de todo um grupo de fun-

cionários de novos cargos públicos, comerciantes e, sobretudo, militares. Mesmo as-

sim, é válido recordar as considerações de André Salata (2015) sobre o histórico da

classe média brasileira. O sociólogo pontua que a representação social da classe mé-

dia, desde a sua origem, esteve fortemente mais atrelada à figura dos estratos domi-

nantes do que à figura dos próprios estratos intermediários (dos países desenvolvidos)

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dada a forte proximidade econômica e cultural destes com àqueles. Daí a impressão

corrente no imaginário coletivo até os dias de hoje de que, mesmo a Tijuca sendo um

bairro “abandonado” pelas classes dominantes, ainda assim se trataria de um lugar

que induziria a concentração espacial de uma classe social profissionalmente qualifi-

cada e, portanto, com “bom poder aquisitivo”.

No contexto da classe média na Tijuca, também é importante mencionar a che-

gada de imigrantes portugueses, sírios, libaneses e judeus34 que, rapidamente, se

destacaram no bairro em funções, sobretudo, comerciais, como padarias, bares, ar-

mazéns, lojas de tecidos, entre outras atividades. Reflexo dessa influência estrangeira

foi o surgimento de diversas outras agremiações clubistas, mas enfocadas no regio-

nalismo cultural desses grupos. Clubes lusitanos, por exemplo, pulularam no entorno

da Rua Haddock Lobo e da Rua São Francisco Xavier. Além do apelo regionalista que

embasava a fundação de cada uma delas, também se diferenciavam dos demais pela

morfologia arquitetônica. A conhecida Casa de Trás-Os-Montes & Alto D’Ouro, na

Avenida Melo Mattos, foi fundada em julho de 1923 com o ideal de congregar os “fi-

lhos” da província de Trás-Os-Montes. Já a Casa Vila da Feira e Terras de Santa

Maria, à Rua Haddock Lobo 195, foi fundada apenas em 1953 após a visita que o seu

idealizador, o Comendador Manuel Lopes Valente, havia feito à sua terra natal, o Con-

celho da Vila da Feira, 24 anos depois de sua transferência para o Rio de Janeiro –

mais especificamente, para a Tijuca.

Segundo o pesquisador Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto (2010), quem de-

senvolveu estudo sobre a chegada dos árabes no Brasil, a Tijuca e Copacabana foram

os grandes receptáculos da população síria e libanesa nos anos 1930, apesar de que,

na década anterior, já tivessem estabelecido uma pequena colônia na região da Rua

da Alfândega, no Centro. A vocação comercial dos sírios e libaneses é salientada por

ele dado que “possuíam estratégias eficazes, como a venda a crédito em grande es-

cala”, o que decerto os alavancaram à posição de “classe média” nos termos de Salata

(2015) e Nélson do Valle Silva (2004)35. Na Tijuca, a influência libanesa-maronita deu

34 Ver reportagem “Famílias judaicas no Rio”, escrita por Raphael Kapa para o Jornal O Globo de 18 abril de 2015. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/sociedade/historia/familias-judaicas-no-rio-15910371>. Acesso em 17 abr. 2017. 35 “También en la cúspide de la jerarquía social urbana figuraba un pequeño grupo de grandes emplea-dores, tanto en el comercio como en la incipiente industria, que combinaban la propiedad del medio de producción con su efectiva administración. Muchos de estos empresarios eran inmigrantes exitosos, que llegaron a dominar algunos sectores económicos importantes, entre ellos el comercio (fuertemente

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forma, em 1932, à Igreja Nossa Senhora do Líbano, situada à Rua Conde de Bonfim

638 – em terreno ao lado onde havia nascido, alguns anos antes, o compositor, ma-

estro, pianista, cantor arranjador e violonista Antônio Carlos [Tom] Jobim, no número

634. A colônia israelita, por sua vez, deu origem ao Colégio Hebreu Brasileiro (Rua

Desembargador Isidro 68) no início dos anos 1950, e ao clube Monte Sinai, na Rua

São Francisco Xavier, em 1959. Nota da coluna social “A Vida Está nos Clubes”, do

Diário Carioca, em 13 de dezembro de 1959, informava:

O Monte Sinai, novo clube tijucano, acaba de adquirir o prédio da rua São Francisco Xavier 74. Nada menos de 10 milhões de cruzeiros gastou a dire-toria do clube que congrega a diretoria do clube da Z. N. O churrasco de inauguração está programado para o próximo dia 27. Planos do Sinai: cons-trução (imediata) de duas piscinas (p. 5).

Nessa nova rodada de homogeneização social interna da Tijuca a partir da

emergência da classe média, o bairro também começaria a atrair, na contrapartida,

outra classe social menos prestigiada para as margens do seu espaço físico e social:

os “favelados”. Os moradores de favela surgem em contexto da complexificação da

estrutura social urbana resultante do processo de migração campo-cidade, sedimen-

tado nos anos 1950. Nos anos 1930, a favela do Salgueiro, uma das mais emblemá-

ticas da Tijuca, viu sua população aumentar com a chegada dos migrantes que aflu-

íam das decadentes zonas agrícolas do interior do Rio, de Minas Gerais e do Nordeste

em busca de melhores condições de vida no então Distrito Federal. Cardoso, Pech-

man, Vaz et al. (1984) caracterizam o perfil sócio-ocupacional dos moradores do Sal-

gueiro pela figura dos marinheiros, soldados do exército, guardas municipais, garis,

feirantes, operários de baixos ordenados, sambistas, etc. Com isso, delineava-se um

incipiente panorama de “distância social-proximidade territorial” que caracterizaria a

organização socioespacial não apenas da Tijuca, mas de grande parte dos bairros de

classe média e média alta do Rio de Janeiro até os dias de hoje.

Essas mudanças sociais no espaço físico da Tijuca coincidiram – como causa

ou como reação – com diversas mudanças na legislação urbanística do bairro. As

funcionalidades no uso do solo ficaram mais restritas em 1937, por exemplo, quando

controlado por empresarios portugueses, sobre todo en Rio de Janeiro) y la industria paulista (con marcada presencia del inmigrante italiano)” (SILVA, 2004, pp. 8-9).

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proibiu-se a instalação de indústrias na “Zona Norte” e na Zona Sul36. Nesse mesmo

ano, a legislação urbanística também proibiu a construção de vilas e a permanência

de cortiços na área da Tijuca consonantemente ao momento que apareciam os pri-

meiros prédios de altura mais baixa na região, variando de três a quatro pavimentos,

embora alguns poucos espigões já tivessem sido construídos em 1933, variando de

cinco a nove pavimentos (CARDOSO; PECHMAN; VAZ et al., 1984).

Neste surto de crescimento, David Cardeman e Rogerio Goldfeld Cardeman

(2004) dizem que a Tijuca passou por um processo maior de controle edilício ao fazer

parte de uma zona residencial (ZR) 2, onde as edificações deveriam dispor de dois ou

três pavimentos e no máximo 12,5 metros de altura, apesar de algumas ruas, por suas

importâncias urbanísticas, paisagísticas e viárias, terem sido enquadradas na ZR-1, a

mesma que regulou os perfis edilícios da orla. Neste sentido, vê-se por ângulo obtuso

uma provável associação entre capital imobiliário e Estado na medida em que deter-

minadas tipologias residenciais passaram a ser preteridas em favor de outras, preci-

samente àquelas destinadas às famílias de classes altas e médias.

4.3 A Praça Saenz Peña: o primeiro subcentro de elite do Brasil

Na Tijuca dos anos 1930, formou-se o primeiro subcentro brasileiro voltado

para as elites no entorno da Praça Saenz Peña. Inaugurada em 1911, essa praça era

chamada originalmente de Largo da Fábrica das Chitas, situada no entroncamento da

Estrada do Andarahy Pequeno (atual Rua Conde de Bonfim) com a Rua Fábrica das

Chitas (atual Rua Desembargador Isidro). O local ganhou esse nome em homenagem

ao então presidente argentino Roque Sáenz Peña (1910-1914), que, em visita ao Rio

de Janeiro em 1910, pronunciou discurso exaltando a amizade das duas nações:

“Tudo nos une, nada nos separa” (OLIVEIRA; AGUIAR, 2004). Com isso, o antigo

Largo da Fábrica das Chitas passou a ficar conhecido não apenas como Praça Saenz

36 Muitas das fábricas localizadas na Zona Sul acabaram tendo suas atividades encerradas ainda nesta época, especialmente em bairros como Laranjeiras, Gávea e Jardim Botânico, cujos espaços remanes-centes deram origem a empreendimentos imobiliários voltados às classes dominantes (ABREU, 2008). Na Tijuca, entretanto, esse processo parece ter sido mais lento, já que no início dos anos de 1990 o bairro ainda contava com algumas fábricas em seu território. Contudo, o que se pode apreender dessa legislação é que, a partir daquele ano, as novas fábricas não poderiam estar mais localizadas nesses espaços, embora não se tenha proibido a continuidade das atividades das mesmas que já existiam por lá. Se muitas delas encerraram suas atividades primeiramente na Zona Sul e menos na Zona Norte, é razoável pensar que, muito provavelmente, tenha sido por pressão da maior especulação imobiliária naquela do que nesta.

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Peña37 em 30 de abril de 1911, mas especialmente como o grande polo comercial da

Tijuca – e importante subcentro carioca – a partir dos anos 1930.

Villaça (1998) define a categoria “subcentro” como uma aglomeração diversifi-

cada e equilibrada de comércio e serviços, réplica em tamanho menor do centro prin-

cipal com o qual concorre em parte sem, entretanto, a ele se igualar. O subcentro

apresenta esses requisitos de comércios e serviços para apenas uma parte da cidade,

enquanto o centro principal é referência para toda a metrópole.

Os primeiros subcentros cariocas surgiram nos anos 1930 em bairros caracte-

rizados, de modo predominante, pela função residencial. Com o desenvolvimento do

subcentro, o cenário da Tijuca, de Copacabana (Zona Sul), do Méier e de Madureira

(Subúrbios do eixo Central-Deodoro) foi sendo transformado paralelamente à chegada

de lojas comerciais, consultórios médicos, bancos, cinemas etc. que buscavam aten-

der a população residente/visitante no local e nas proximidades. Para Villaça (1998),

esses bairros passaram a representar um papel complementar de “centro de ativida-

des” na estrutura urbana do Rio, tornando-se referência como polos terciários de im-

portância local.

Cabe constatar que a formação dos subcentros também esteve muito associ-

ada ao desenvolvimento e à consolidação da expansão urbana da cidade em deter-

minados pontos da Zona Sul e da Zona Norte. Como abordou-se no início deste capí-

tulo, até meados do século XX o Centro era o único local de serviços – lugar, por

excelência, para onde se deslocava o grosso da população quando precisava resolver

pendências ou realizar determinadas compras. Inclusive, a expressão carioca “ir à

cidade” como sinônimo de ir ao Centro reflete consideravelmente essa posição do

local como antiga zona de convergência, mostrando, retoricamente, a condição resi-

dencial que predominava nos bairros fora dali.

No entanto, Villaça (1998) pontua duas questões importantes sobre a desapro-

priação do espaço do Centro pelas reformas urbanas e sobre a posterior produção

dos subcentros. A primeira delas é que, na primeira metade do século XX, o Centro

37 Embora “Saenz Peña” refira-se ao sobrenome do referido presidente argentino, não há consenso sobre a grafia mais correta a ser utilizada no que se refere a este logradouro da Tijuca. Apesar disso, o uso da grafia correspondente a “Saenz” (sem o acento agudo na primeira vogal) é recorrentemente mais tradicional, estando presente, inclusive, nos postes de sinalização de logradouro da Prefeitura do Rio de Janeiro e em documentos históricos. Já a grafia “Saens”, por sua vez, se popularizou, especial-mente, ao ser batizada como nome da estação de metrô inaugurada nesta praça em maio de 1982.

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era um local majoritariamente ocupado pelas classes dominantes para fins de resi-

dência, trabalho e lazer. Como justificativa a essa informação, basta recordarmos a

Reforma Pereira Passos, que não se tratou de uma intervenção urbanística voltada

para abrigar as atividades e lazeres das classes populares no Centro. Muito pelo con-

trário; as camadas mais baixas da população, em seus cortiços, foram conduzidas

para fora desses locais majoritariamente para os Subúrbios ou para as favelas, justa-

mente porque as elites reivindicaram aquele espaço como de exclusividade delas.

Logo, o autor sublinha que o centro principal das cidades brasileiras sempre foi,

por vocação, um lugar construído pelas elites para as elites, abrindo brechas para a

circulação da população mais desfavorecida a partir do inevitável oferecimento de

postos de trabalho subalternos para as classes (des)qualificadas como tais. Devido a

essa razão, o surgimento dos subcentros veio para atender à demanda de consumo

das classes populares reprimidas econômica e simbolicamente pelo mercado de con-

sumirem no centro principal. Mas, no Rio, a lógica de formação dos seus primeiros

subcentros serviu inicialmente para atender outro público e, consequentemente, a ou-

tros interesses.

Com base nisso, a segunda questão importante apontada pelo autor é de que

a população de maior poder aquisitivo exige e reivindica estar próxima ao “centro”, no

sentido de estar próxima, na verdade, aos bens e equipamentos necessários à sua

reprodução social. Tratando-se de uma metrópole do porte do Rio – então Distrito

Federal –, a expansão urbana das elites atingiu raios de distância em relação ao Cen-

tro bem maiores do que em outras metrópoles. Logo, concomitantemente à expansão

espacial das classes dominantes pelo território, ocorreu, do mesmo modo, a expansão

do tipo de comércio e de serviços típicos que só existiam no Centro para esses bairros

em que elas se instalaram. Tudo isto graças à força política e ao poder econômico

dessa classe em reclamar sua proximidade ao “centro” enquanto conjunto de comér-

cio e serviços38.

Neste sentido é que Villaça (1998) diz ter surgido no Rio de Janeiro o primeiro

subcentro das elites nos anos de 1930: o subcentro da Tijuca, nos arredores da Praça

38 Um exemplo contemporâneo deste tipo de processo é o da Barra da Tijuca, que, desde os anos 1980, passou de posição de zona-quase-rural para a de importante centralidade na estrutura socioes-pacial carioca. A chegada de uma estação de metrô [Jardim Oceânico] ao bairro, no ano de 2016, é indicativo deste panorama (RODRIGUES; BASTOS, 2015).

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Saenz Peña. Com o crescimento espacial e econômico da cidade nas primeiras dé-

cadas do século XX, a percepção da Tijuca como bairro nobre relativamente distante

do Centro para os padrões da época foi crucial para que se viabilizasse a formação

do que seria o primeiro aglomerado de serviços voltados à elite naquele local. Dife-

rentemente da Tijuca, Villaça (1998) diz que os subcentros de Copacabana, Méier e

Madureira se consolidaram apenas nos anos 1940, mas voltados para atender públi-

cos-alvo diferentes. No caso de Copacabana, contribuiu sobremaneira o turismo

(O’DONNELL, 2013). Já os subcentros do Méier e de Madureira se encaixariam na

teoria dos subcentros periféricos voltados para atender à demanda de consumo das

classes menos privilegiadas nos locais em que residiam e/ou circulavam.

Figura 10. Vista aérea da Praça Saenz Peña (anos 1940).

Fonte: “O Rio visto pelo alto”, de Patrícia Pamplona. Disponível em: <http://www.albertodesam-paio.com.br/o-rio-visto-pelo-alto/>. Acesso em 13 fev. 2017.

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Neste entendimento, Villaça afirma que “a Praça Saens Peña foi o primeiro

subcentro voltado para as camadas sociais médias e acima da média jamais desen-

volvido numa metrópole brasileira” (1998, p. 278), precedente ao de Copacabana. Não

obstante atendiam às suas respectivas elites, o subcentro da Praça Saenz Peña pro-

curava atender a um público local, da “Zona Norte” (Grajaú, Vila Isabel, Maracanã, Rio

Comprido, Andaraí etc.), enquanto que o subcentro de Copacabana abrangia a cres-

cente demanda do turismo na cidade. Copacabana só se tornou um subcentro mais

completo, menos especializado como turístico, pouco tempo depois dos anos 1940,

quando o próprio bairro – e a Zona Sul oceânica – consolidaram seu processo de

desenvolvimento urbano e, sobretudo, sua hegemonia como o espaço dominante no

Rio (VELHO, 1989; VILLAÇA, 1998; ABREU, 2008; O’DONNELL, 2013; etc.).

Desta maneira, é paradoxal que, mesmo havendo uma transferência de classe

da Tijuca para a Zona Sul no decurso desta década, tenha ocorrido, em contrapartida,

o surgimento ali, de modo pioneiro, o primeiro subcentro voltado para as elites no Rio

de Janeiro. Com esse subcentro, notou-se a chegada de determinados perfis de ser-

viços inéditos à Tijuca, capazes de conglomerar público e fluxos econômicos equiva-

lentes aos do Centro resguardadas as devidas proporções.

Já um segundo paradoxo diz respeito ao caráter tradicionalista e conservador

atribuído às classes sociais residentes na Tijuca em meio a tantas transformações

como estas, que “modernizavam” o bairro (FERRAZ, 2012) à base de um vibrante

polo de serviços equiparável ao que também se veria em Copacabana pouco tempo

depois. Daí a observação de que as novas práticas materiais e de socialização pro-

pagadas no processo de reestruturação urbana na cidade ganharam contornos parti-

culares na Tijuca. O intento de manter a coexistência do emblema de capital simbólico

de lugar “aristocrático”, a partir de um apego passadista, com essas transformações

modernas é um indício de como a sociedade tijucana pretendia consolidar e perfilar

suas “tradições”.

4.4 Os “anos dourados” e suas contradições

A constituição simbólica do mapa social carioca de que falamos no Capítulo 3,

quando olhada na perspectiva da evolução urbana da Tijuca nas três primeiras déca-

das do século XX, indica o modo como os ganhos de espaço entre essas classes

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sociais passaram a se dar através da toponímia. Entendidos por Bourdieu (1997)

como “a luta pela posse monopolística distintiva”, a partir dos anos 1940 esses ganhos

se retraduziram na toponímia como um próprio campo de disputas e no qual a Tijuca

passaria a se destacar pelo gentílico “tijucano” em diferença ao morador da Zona Sul,

mas sobretudo em distinção social ao “suburbano”. Assim, a representação social do

tijucano como metonímia de uma classe média metida a “fidalguismos”, repleta de

confetes a jogar sobre si mesma, passou a ser produzida, reproduzida e largamente

aceita num período da história brasileira conhecida por “anos dourados”39 que mudou

o estilo de vida de sua população mais abastada.

Embora tenha surgido ainda nos anos de 1930, o apogeu do subcentro da

Praça Saenz Peña ocorreu durante os anos de 1940 e 1950 com a chegada de diver-

sos perfis comerciais e de entretenimento em meio a essa celebrada conjuntura cul-

tural e socioeconômica. Nesse contexto, as sociabilidades na Tijuca passaram a estar

estreitamente relacionadas com a miríade de lazeres e comércios oferecidos pela

“praça”, que fez deste local ponto nevrálgico para a execução de importantes práticas

sociais entre os moradores da “Zona Norte”, como o footing e o fazer-compras. Em

reportagem publicada na Revista O Cruzeiro, em 24 de julho de 1943, intitulada “Ti-

juca, um bairro sem mistérios”, o repórter Joel Silveira descrevia o cotidiano do bairro

apontando a Saenz Peña como um resumo elegante do que o local pretendia ser:

Agora a Tijuca tem a sua capital: é a praça Saenz Peña. Ali está o resumo da cidade chamada Tijuca. Suas retretas muito mineiras e domésticas, seus ci-nemas muito bonitos, porque a Tijuca quer avisar a todos que é um lugar que não precisa da cidade para suas necessidades. Para a capital chega o que há de melhor: os melhores vestidos, os melhores sorrisos, os melhores ter-nos, as melhores alegrias e os melhores penteados. [...] Tem razão a mocinha de nome Edith quando me diz:

— Não precisamos ir à cidade. Fazer lá o quê? O que fazemos lá, podemos fazer aqui.

39 O fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, representou o fortalecimento da influência econômica, política e ideológica dos Estados Unidos em difundir soberanamente sua cultura em praticamente todos os países ocidentais. Um modo de vida baseado na produção e no consumo em massa de bens ma-nufaturado de uso pessoal e doméstico passou a determinar não apenas o estilo de vida das socieda-des dos países mais ricos, assim como impactou consequentemente no comportamento das elites bra-sileiras. Durante o período Juscelino Kubitscheck (1956-1961), esse estilo de vida ficaria ainda mais latente por meio da difusão de uma ideologia desenvolvimentista daquele governo sustentada nestes valores de prosperidade e consumo.

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A Saenz Peña dessa época contou com emblemáticas lojas de variados fins e

utilidades. Pioneira, foi na Tijuca onde inaugurou-se a primeira filial de uma loja exis-

tente, até então, apenas no Centro: a Casa Granado, perfumaria instalada na Rua

Primeiro de Março (antiga Rua Direita), desde 1870. Na Tijuca, a Granado foi aberta

em 1928 em prédio tombado situado na esquina de Conde de Bonfim com Almirante

Cochrane40. Nas palavras de Villaça (1998), naquela época, “as perfumarias eram lo-

jas importantes e essa filial era um indício significativo da importância do centro da

Tijuca” (p. 296). Villaça (1998) aponta a chegada de outras grifes à Saenz Peña dos

anos 194041: Formosinho, de artigos de vestuário (e que contava com duas filiais no

Centro); a loja Drago, de móveis; o Jarro de Cristal, que vendia louças e cristais; a

Ferreira, que vendia ferragens; a Importadora Tijuca, de automóveis, situada no nú-

mero 426 da Rua Conde de Bonfim; e a requintada Confeitaria Tijuca, também na

Conde de Bonfim em frente à Saenz Peña:

Os Srs. Batista Godinho & Cia, apresentando aos cariocas e à elite tijucana em particular, as luxuosas e moderníssimas instalações da nova CONFEITA-RIA TIJUCA - Sorveteria e Casa de Chá - vêm corresponder a uma antiga aspiração dos moradores da Tijuca. Em suntuoso edifício, especialmente construído para esse fim, a Confeitaria Tijuca, dotada de ar condicionado e mobiliário confortabilíssimo, será o ponto predileto para as tradicionais reuni-ões da elegância da fina sociedade tijucana. Equiparada à sofisticada Con-feitaria Colombo por oferecer “serviço completo para banquetes” ao som de uma “orquestra permanente”, a Confeitaria Tijuca fora batizada como “o novo arranha-céu da Praça Saenz Peña” segundo o anúncio. Nele, é notória a atri-buição do prestígio conferido às firmas que participaram na construção do imóvel, onde triunfaram a “a inteligência, a operosidade e a técnica”. Segundo este informe publicitário, os senhores L. Mello & Irmão também foram respon-sáveis pela instalação da maquinaria de refrigeração elétrica no local, aspecto que fez da Confeitaria Tijuca um dos locais pioneiros no Rio de Janeiro, fora do Centro, em receber tal tecnologia (O GLOBO, 21 jan. 1943).

Todavia, a atração principal dessa época foi inegavelmente o cinema, local de

entretenimento que conferiu à Praça Saenz Peña a alcunha de “a segunda Cinelândia

carioca” em referência à principal Cinelândia, localizada no Centro do Rio junto à Ave-

nida Rio Branco e o Passeio Público. Em sua obra homônima, a comunicadora social

40 Após quase duas décadas fechada, a Granado reiniciou suas atividades em 2013 no referido ende-reço, à Rua Conde de Bonfim 300. 41 Entre outras lojas, destacam-se a Casas Sian (fechada em 2008), Perfumaria Carneiro, Lojas Gui-marães, Lojas Saenz Peña, Casa Habib, Rei da Voz, Ducal Roupas, Casas Olga, Sapataria Tijuca, A Tijucana Calçados etc.

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Talitha Ferraz (2012) traçou um panorama do bairro nesses “anos dourados” ao mos-

trar a força do papel dos cinemas como indutores das sociabilidades no espaço pú-

blico da Tijuca. Segundo Ferraz (2012), os primeiros cinemas da Tijuca surgiram entre

os anos de 1910 e 1920 como “programa exclusivo das elites”, estando concentrados

majoritariamente nos arredores da Rua Haddock Lobo, enquanto apenas alguns ou-

tros localizavam-se nas imediações da Praça Saenz Peña. No início, muitos deles

surgiam e desapareciam rapidamente com nomenclaturas repetidas, pois imitavam os

nomes de salas de exibição do Centro.

Nesses primórdios, a autora destaca que a relevância da atividade cinemato-

gráfica se devia consideravelmente ao reconhecimento e à distinção que o público

fazia da marca do exibidor e das salas, razão pela qual havia grande rotatividade de

nomes e letreiros. Porém, foi nos anos 1940 quando os exibidores mais distintos inau-

guraram as salas mais imponentes e duradouras nos arredores da Saenz Peña. Se-

gundo ela, esses cinemas seguiam uma linha de movie palaces, “que apostavam no

luxo e no conforto, segundo o espírito ufanista da ditadura de Vargas e as ideias civi-

lizatórias daquele contexto histórico” (p. 68).

Ao todo, a Praça Saenz Peña contou com cinco grandes cinemas: o Olinda

(inaugurado em 1940, com capacidade para 3.500 pessoas); o Tijuquinha (inaugurado

em 1909); o Metro (inaugurado em 1941 pela Metro-Goldwyn-Mayer, famoso pelo “ar

condicionado perfeito” e também por ser local de avant-premières); o Cinema Carioca

(inaugurado igualmente em 1941, pelo Grupo Severiano Ribeiro, chamando atenção

pela arquitetura art déco e pela entrada principal com largos pilotis de mármore); e o

Cinema América (inaugurado em 1918, e o único que não era tão luxuoso e “dourado”

como os outros):

No auge dos palácios do cinema na Praça Saenz Peña, entre as décadas de 1940 e 1950, o esplendor oferecido pelas salas de exibição condiziam com o glamour dos filmes hollywoodianos que geralmente dominavam as programa-ções. De fato, o cinema dominado pelos filmes americanos do pós-guerra seguiu uma dinâmica uniformizadora, estabelecendo-se como mais um bem de consumo de uma sociedade urbano-industrial que se formava no Brasil (ORTIZ, 1988 apud FERRAZ, 2012, p. 71).

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Durante os anos 1950, outros cinemas foram inaugurados no eixo da Rua

Conde de Bonfim assim como outros tipos de serviços aportaram no local (a exemplo

dos consultórios médicos), reafirmando a “honra” e o reconhecimento social da Praça

Saenz Peña como importante aglomerado de serviços durante as décadas seguintes.

Porém, não obstante a prosperidade se alastrasse por grande parte da Tijuca e de

outros bairros nobres, as desigualdades sociais e espaciais começavam a tomar

forma em proporções congêneres ao crescimento econômico da cidade e do país

como um todo. Em reportagem publicada na Revista O Cruzeiro, em 24 de julho de

1943, o repórter Joel Silveira afirmava preconceituosamente que o Morro do Salgueiro

era uma exceção ao prestígio da Tijuca, socialmente distante desta tal como Madu-

reira estaria (socialmente) distante de Copacabana:

Poderão dizer que o Salgueiro é uma exceção. Mas é uma exceção porque se trata de um morro. Morro é coisa que não se identifica com coisa alguma. Fica sempre boiando dentro da paisagem, assim como uma gota de mercúrio dentro de uma peça d'água. Os morros são uma paisagem espalhada. Eles estão aqui e ali, na praia e no subúrbio, nos bairros e na própria cidade. Mas vivem sozinhos, com sua vida própria, e o Salgueiro está para a Tijuca como Copacabana está para Madureira.

Abreu (2008) diz que, no período de 1930 a 1964, o Rio cresceu “de maneira

espetacular”, mas de forma mais ou menos “mascarada” no espaço até o final dos

anos 1940. Então, foi em meio a estes “anos dourados” em discussão quando as con-

tradições sociais começariam a ficar mais evidentes. A relevância da indústria impul-

sionou o desenvolvimento urbano da cidade do Rio, resultando num período de infle-

xão caracterizado pelo momento em que o país deixava de lado seu perfil rural para

tornar-se efetivamente urbano. Logo, as contradições evidenciadas neste período e

recordadas por Abreu (2008) em seu estudo se traduziram nas transformações urba-

nísticas que remodelavam a paisagem da cidade por pressão da febre viária coman-

dada (a) pelo aumento do transporte individual; (b) pelo aumento da densidade popu-

lacional nas áreas mais nobres, estimulando ainda mais a verticalização de bairros

como os da Zona Sul; e (c) pelo crescimento concentrado e extensivo dos Subúrbios

em áreas periféricas paralelamente ao crescimento concentrado das favelas tanto nas

áreas centrais como periféricas.

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O período de maior proliferação de favelas no Rio de Janeiro foram os anos

1940, culminando no cenário descrito anteriormente ao longo dos anos 1950. Con-

forme apontou Abreu (2008), em 1948 já existiam 105 favelas no Rio concentradas

notadamente nos Subúrbios (44% das favelas totais e 43% da população favelada),

na Zona Sul (24% e 21%, respectivamente) e na zona Centro-Tijuca (22% e 30%). A

importância da localização próxima ao trabalho também é evidenciada pelo autor

como indicativo da favelização e dos problemas da estratificação socioterritorial que

se assentava entre um centro e uma periferia: 77% dos “favelados” do Centro e 79%

daqueles da Zona Sul trabalhavam na própria zona de residência, percentual reduzido

para 58% na “Zona Norte” e nos Subúrbios.

4.5 O habitus no lugar: a tradição, a moral e os bons costumes

No bojo dessas transformações, os anos 1950 consolidaram a imagem da Ti-

juca como a de um bairro próspero e familiar enredado entre a tradição e o progresso

(SILVA, 1993; FERRAZ, 2012). A moralidade e os “bons costumes” ditavam a tônica

do comportamento de seus moradores, caracterizados por um imaginário de classe

média conservadora que se afeiçoava – à sua maneira – às “nova convenções”. Diz o

repórter Joel Silveira, de O Cruzeiro (1943):

A Tijuca é assim como uma velha família mineira: tudo no seu passado é limpo, tudo no presente é claro e sem discussões. Os homens ganham tran-quila e honestamente a vida. Há os mesmos retratos de anos atrás na sala de visitas, a mesma cadeira de balanço de jacarandá, onde avós de ontem repousaram e onde os netos de hoje brincam de cavalo.

Surgiram diversas invenções. Os homens não mandam mais bilhetes nem telegramas: falam pelo telefone. As mulheres encurtaram os vestidos. Agora, as mocinhas podem andar a sós, apenas acompanhadas pelos namorados. Há muita luz de noite, os cinemas são coloridos e, aqui e ali, há qualquer arranha-céu ousado, perdido de encontro à paisagem como uma coluna de cimento (O CRUZEIRO, 1943, p. 15).

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Figura 11. As lojas elegantes da Praça Saenz Peña (anos 1940)

Fonte: Revista da Semana, 05. Fev. 1944, edição 06.

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Consolidava-se, assim, uma identidade que continuaria a se contrapor forte-

mente à caricatura modernosa dos moradores da Zona Sul, especialmente os de Co-

pacabana. Em outra publicação da Revista O Cruzeiro de 1953, o jornalista Pedro

Gomes elaborou um apanhado do que seria o dia a dia nos “bairros e subúrbios do

Norte” contra o mesmo panorama na Zona Sul, destacando de que modo esses estilos

de vida se contrapunham:

Nos dois mundos antagônicos do Rio se forjaram dois estilos de vida total-mente diversos. Aqui não falamos, é claro, de meio termo, mas do que são, caracteristicamente, a ‘zona sul’ e a ‘zona norte’. A zona sul, que começa propriamente no Flamengo, é a civilização do apartamento, e das praias ma-liciosas, do traje e dos hábitos esportivos, da ‘boite’ e do pecado à meia-luz, dos enredos grã-finos, do ‘pif-paf’ de família, dos bonitões de músculos à mostra e dos suculentos brotinhos queimados de sol, dos conquistadores de alto coturno e de certas damas habitualmente conquistáveis, do ‘short’, do blusão e do ‘slack’, dos hotéis de luxo (e de outros de má reputação) e dos turistas ensolarados. O Rio cosmopolita está na zona sul, onde uma centena de nacionalidades se tropicalizam à beira das praias. A zona norte é Brasil 100%. A gente mora largamente em casa (muitas vezes com quintal) e a casa impõe um sistema diferente de vida, patriarcal, conser-vador. Vizinhança tagarela e prestativa. Garotos brincando na calçada. Reu-niões cordiais na sala de visitas. Solteironas ociosas e mocinhas sentimentais analizando a vida que passa debaixo das janelas. Namoro no portão, amor sob controle- para casar. Festinhas familiares, de fraca dosagem alcoólica. A permanente compostura no traje, ajustada com o do procedimento. Paletó e gravata. Mais ‘toilette’ que vestidos, mais área coberta nos corpos femininos. Vida mais barata. Empregada de 300 réis. Menos, água, mais calor. Diversão pouca, nada de ‘boite’ e ‘night-clubs’. Noite vazia de pecados e de passos boêmios e sortilégios. Vida menos agradável aos homens, mais abençoada pelos santos. Zona sul- zona norte, paraíso e purgatório do Rio. Sair do pur-gatório e ganhar o paraíso é aspiração de quase todos, mas há quem prefira, sinceramente, a vida simples e provinciana dos bairros e subúrbios do norte. Para muitos a zona sul não é o paraíso, mas o inferno da perdição, onde Copacabana dita a imoralidade, o aviltamento dos costumes, a frivolidade e a boemia (Revista O Cruzeiro, 1953 apud CARDOSO, 2010, p. 81).

Foi neste enredo como o gentílico “tijucano” tornou-se mais popularizado pelo

imaginário coletivo enquanto reflexo de uma identidade social que buscava distinguir-

se dos seus congêneres da Zona Sul ao cultivar os valores aristocráticos de perfil de

classe antepassada. Essa suposta identidade tijucana se atrelava sobremaneira a um

apreço pela moralidade e pela vida cristã, à valorização da família, à participação co-

munitária através de redes de solidariedade entre vizinhos, a uma afeição ao estudo

e à disciplina. Em outras palavras, a reiteração de um capital simbólico “ultrapassado”

como recurso de afirmação social, alinhado ao que Bourdieu (2008) chama de valores

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de “classe média”, seria a marca indelével da maneira como os tijucanos passariam a

reivindicar sua distinção e posição no espaço social carioca. O samba “Meu bairro

canta”, composto por Valdemar Ressurreição e interpretado pelo grupo musical Qua-

tro Ases e um Coringa em 195042, explicita uma verve crescentemente bairrista pela

qual os moradores da Tijuca se valiam como discurso autorrepresentativo:

Eu quero enaltecer / Um bem que adoro / O meu bairro, onde moro / Meus amigos fiéis / Dizer que do meu coração não sai / Saenz Peña, rua Uruguai / A Muda, o Ponto Cem-Réis / Citar a velha Fábrica das Chitas / Tantas garotas bonitas / Que o Salgueiro tem aos pés / E também eu quase que me esqueço / Não é só nesse endereço / Meu samba vai mais além / Eu quero relembrar por muitos anos / Salve Unidos Tijucanos / Minha gente, o que é que tem / Quando a cidade toca os seus clarins / Convocando os tamborins / Meu bairro canta também.

Note-se, mais uma vez, que essa identidade social do “tijucano” se construiu

de modo preponderante a partir dos contrastes percebidos e legitimados pela classe

dominante não apenas entre os tijucanos e os moradores da Zona Sul, mas especial-

mente entre os tijucanos e os “suburbanos”. Na perspectiva dos tijucanos, estes pro-

curariam se distinguir dos moradores dos Subúrbios a partir da reafirmação de seu

capital simbólico, e, especialmente, do poder do capital econômico que efetivamente

detinham sobre os “suburbanos”. A trajetória de ambos também é reiterada nesta dis-

puta, na qual a Tijuca clamava a sua marca de “bairro nobre e aristocrático”, enquanto

o outro carregava as máculas da imagem de “zona proletária”. As próprias denomina-

ções “tijucano” e “suburbano” são uma amostra da tônica que marca as distinções

simbólicas do mapa social da Zona Norte até os dias de hoje.

Em outra frente, os tijucanos procurariam se distinguir dos moradores da Zona

Sul através do cultivo de determinados valores percebidos como virtuosos em contra-

posição à “vulgaridade” e às “indecências” da moderna Copacabana, considerada um

bairro pouco familiar e avesso aos “bons costumes”, respeitados à risca pela Tijuca.

A minissérie Anos Dourados43, produzida e exibida pela TV Globo nos anos 1980,

42 Disponível em: <http://www.opasseadortijucano.com.br/2014/06/meu-bairro-canta-por-quatro-ases-e-um.html>. Acesso em 30 out. 2016. 43 A minissérie Anos Dourados teve 20 capítulos, tendo sido exibida no horário das 22 horas entre 05 e 30 de maio de 1986 pela TV Globo. Autoria de Gilberto Braga e direção-geral de Roberto Talma. Maiores informações disponíveis em: <http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/mi-nisseries/anos-dourados/curiosidades.htm>. Acesso em 30 out. 2016.

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retratou esta relação apontando representações de superioridade a respeito de como

os tijucanos percebiam seu próprio estilo de vida frente ao da Zona Sul.

Assim, o distanciamento dos tijucanos em relação à maneira como viviam e

percebiam o espaço de Copacabana provocava representações de estranhamento e

rejeição a respeito dele. Em entrevista ao Jornal O Globo de 17 de março de 1986, o

escritor e dramaturgo Gilberto Braga afirma ter idealizado a minissérie Anos Dourados

com base na sua experiência de espaço vivido como morador da Tijuca nestes referi-

dos anos. O folhetim explorou a rotina de uma típica família de classe média do bairro,

“lacerdista”44 e reprimida, embalada por festas de formatura com grandes orquestras,

casamento com espadas cruzadas e bolinação em cinemas, retratando forte crítica

aos costumes e ao estilo de vida de Copacabana.

Uma das personagens, vivida pela atriz Betty Faria, era motivo de falatório na

vizinhança da Praça Afonso Pena por seu polêmico estado civil (desquitada) e, tam-

bém, por trabalhar no caixa de um piano-bar de Copacabana, dois elementos consi-

derados indecorosos para os parâmetros de conduta social feminina idealizada pelos

moradores da Tijuca da época. Segundo Gilberto Braga a’O Globo, Copacabana era

um lugar do qual os tijucanos tinham verdadeiro pavor, visto como “sinônimo de trans-

viados, curras e moças na praia com maiô de duas peças”. E complementou: “Quando

minha mãe se mudou para Copacabana, meu avô disse: Você vai levar seus filhos

para a boca do lobo?”.

Assim, a polifonia de significados simbólicos conferida ao status do tijucano

parece ter sido germinada nesta época. O confronto entre a “Tijuca” das crônicas e

contos de Nelson Rodrigues (1993), mostrada em realidade mais próxima ao estereó-

tipo de uma Zona Norte modesta (abordada no Capítulo 2), e a “Tijuca” da minissérie

Anos Dourados, dona de uma classe média visivelmente mais próxima àquela da

Zona Sul em termos econômicos, mas distinta em termos de habitus, é um indício45.

Por outro lado, a consolidação da identidade social do tijucano caracterizada forte-

mente pelo estereótipo do “bairrista” não se estendia àqueles moradores da “Zona

Norte” que, impulsionados pelo “estilo Zona Sul” de que nos fala O’Donnell (2013), se

44 Isto é, partidária de Carlos Lacerda, político porta-voz das ideologias conservadora e direitista no Brasil nos anos de 1950 e 1960. 45 O julgamento de uma possível superioridade do habitus da Zona Sul em relação ao habitus da Tijuca não é retratado nem explorado por este folhetim, embora sugira a percepção de superioridade dos próprios tijucanos em qualificar seu modo de vida como “melhor” em relação ao da Zona Sul.

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viram acometidos por uma forçosa mudança de bairro. No prefácio da primeira edição

de sua obra A Utopia Urbana publicada em 1973, o antropólogo Gilberto Velho (1989)

sublinha a dimensão de dois grandes mundos com base na sua própria experiência

no espaço vivido, isto é, de alguém cuja família havia se mudado da “Zona Norte” para

Zona Sul nestas motivações:

Como já disse, morei em Copacabana de 1952 a 1970. Quando cheguei ainda havia muitas casas, alguns terrenos baldios. As ruas eram bem mais vazias, menos automóveis, ônibus e havia bondes. Havia mais “conhecidos”. Mas comparando com Grajaú, de onde tinha vindo, era um “outro mundo” - praia, muitos cinemas, muitas lojas, muito mais gente. A maioria de meus parentes morava por ali. Passei a vê-los com mais frequência. Já tinham vindo antes, na maioria originários da Tijuca. Morava em casa no Grajaú, mo-raria agora em apartamento, num quinto andar. Lembro-me nitidamente de que quando estava para sair do Grajaú, anunciava orgulhosamente para a professora e os colegas de escola primária que ia morar em Copacabana. Havia um certo ar “aristocrático” em torno do bairro que me privilegiava (p.12).

Dedicado a analisar o que chama de “fenômeno Copacabana” na virada dos

anos 1960-1970, Velho (1989) realizou estudo etnográfico com o objetivo de entender

as motivações e, especialmente, a origem dos moradores daquele bairro. A partir da-

queles anos, Copacabana já assinalava um caráter de “mistura social” que decerto foi

preponderante para que as classes dominantes da Zona Sul se deslocassem de lá

para Ipanema e Leblon, dando continuidade ao vetor de expansão litorânea rumo à

Barra da Tijuca nos anos 1980. Neste sentido, Velho (1989) procurava compreender

de que maneira as classes médias que chegavam a Copacabana se apropriavam da-

quele local a partir de suas visões de mundo, de seus valores e de como representa-

vam socialmente a si mesmas e aos outros.

Utilizando como primeira amostra etnográfica o edifício em que o próprio pes-

quisador residiu durante os primeiros anos de matrimônio – um edifício de perfil popu-

lar chamado “Estrela” –, Velho (1989) procurou comparar o perfil dos moradores “no-

vatos” com o de outros que vivessem em diferentes áreas deste e que supostamente

seriam ocupantes de posições sociais mais elevadas, como a dos white collars. É

imprescindível assinalar que a ascensão do grupo dos white collars, no Brasil, a exem-

plo dos profissionais liberais, executivos, funcionários públicos, empregados de escri-

tório etc., foi reflexo justamente dos avanços do crescimento econômico associados à

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expansão industrial iniciada nos anos 1930 e que deu forma e perfil ao que o econo-

mista denomina por classe “modernizante” da sociedade brasileira. Nélson do Valle

Silva (2004) explica que as variações no quadro social do Brasil frente a essas mu-

danças contribuíram para que os estratos da classe média “antiga” ou “tradicional”

(professores, comerciantes, funcionários públicos, militares etc.) – muito presente na

Tijuca – reduzissem sua participação no vértice da hierarquia a favor destes novos

atores e grupos sociais mais voltados a uma atuação “empresarial”, ligada a certo

business.

Este parece ser um dos cenários que, sobretudo a partir de 1960, passaria a

diferenciar ainda mais Copacabana da Tijuca por seus respectivos perfis sociais.

Mesmo assim, Velho (1989) diz que o efeito de lugar da Zona Sul já se mostrava

imperativo antes mesmo deste período ao constatar que haveria uma participação

expressiva da Tijuca como local de origem dos moradores tanto do edifício em estudo

como da amostra populacional externa examinada por ele. Significa que, em escala

temporal, os anos 1940 e 1950 haviam sido primordialmente a época em que parte

destes entrevistados saiu da Tijuca para residir em Copacabana quando investigadas

suas respectivas trajetórias no espaço social carioca:

A Tijuca, assim como no Estrela, tem a maior participação. No edifício estu-dado, nove indivíduos (12%) eram de lá originários, e nos questionários 23 (quase 20%) dos respondentes. É interessante que dos 23 nada menos de 20 eram proprietários, ou seja, cerca de 87%, enquanto dos 142 responden-tes 90 eram proprietários - cerca de 63%. Obviamente, esta proporção indi-caria uma melhor situação econômica dos originários da Tijuca, “tradicional bairro de classe média” da Zona Norte. Além disto, a elevada proporção de tijucanos faz crer que a “imagem” de Copacabana tenha ou teve especial atração sobre estes (p. 60).

Neste entendimento, Velho (1989) mostrou que as insígnias de prestígio e do

status foram fundamentais para que Copacabana se construísse como “fenômeno” no

imaginário coletivo. A sua clássica de que “o mapa da cidade passa a ser um mapa

social onde as pessoas se definem pelo lugar em que moram” (p. 80), mostrava, dessa

forma, os contrastes, as diferenças e as percepções nas quais se moldavam as iden-

tidades e as diversas tomadas de posição de seus entrevistados. Logo, a alegria e o

glamour que caracterizaram, por um lado, a representação dos “anos dourados” da

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Tijuca, por outro são rebatidos indiretamente por um dos entrevistados do antropó-

logo, sintetizando a percepção que os moradores de Copacabana egressos da Tijuca

tinham quanto ao seu local de origem:

Vim para cá há quinze anos. Morava antes na Tijuca. Nasci em Minas. Vim com dezoito anos para o Rio. Trabalhei duro a minha vida toda e continuo trabalhando. Não posso reclamar muito. Tenho melhorado. Morei em São Cristóvão, quando me casei fui para a Tijuca, ali na Haddock Lobo. Não era tão mal, era uma casa de vila. Cheguei a pensar em comprar, mas achamos melhor vir para Copacabana. Para que quero ser dono de uma casa num lugar triste como a Tijuca? (p. 72).

Desta maneira, o espírito “bairrista” atribuído ao tijucano, que, como mostra-

mos, tendia a estar associado a um sentimento de orgulho e de celebração ao reco-

nhecimento de uma unidade espacial socialmente homogênea, quando observado à

luz das transformações sociais, espaciais e culturais em curso no alvorecer dos anos

1960, desvela algumas particularidades que nos redirecionam para outra perspectiva.

Vale refletir que enquanto a Zona Sul ascende e se consolida como “utopia urbana”,

expandindo-se para locais mais afastados de Copacabana, a identidade bairrista dos

tijucanos, para além de um sentimento de “amor-próprio”, prometia se mostrar, na

verdade, como discurso de afirmação da posição social que imaginavam lhes caber

numa hierarquia da qual começavam a perder representatividade.

Assim, a luta pela apropriação dos ganhos de espaço entre tijucanos e mora-

dores da Zona Sul se problematizaria a partir dos anos 1960 numa relação dialética

que, pressupõe-se, tenderia a amalgamar de forma lenta e simbólica as categorias

“Zona Norte” e Subúrbio. Não obstante as distinções expressivas entre essas duas

categorias socioespaciais, o que se fortalecia neste contexto era o assentamento do

poder simbólico da Zona Sul em generalizar o restante da cidade do ponto de vista

redutor das classes dominantes que aí já estavam majoritariamente segregadas. As-

sim, parte-se da premissa de que o efeito de lugar se firmaria, então, como sinônimo

do estigma e da “ocultação” do status, afetando simbolicamente a Tijuca por sua lo-

calização física nessa estrutura urbana somada aos avanços das transformações so-

ciais, culturais e urbanas no decorrer das décadas seguintes tanto na Tijuca como na

cidade como um todo. Recordando Villaça (1998, p. 174),

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vemos uma localização mudar sem alterar sua posição no espaço euclidiano, mas através da teia de relações que a definem enquanto “localização”. A “lo-calização” Tijuca se transformou, ao mesmo tempo e como parte de um pro-cesso mais global de um único todo, segundo os quais mudaram o grupo social a ela associado, a Tijuca enquanto espaço arquitetônico, o centro do Rio, a zona Sul enquanto zona residencial, etc.; tudo isso sem que, evidente-mente, a Tijuca ‘saísse do lugar’”.

Entender como a transformação da “localização” Tijuca se deu simbólica e cro-

nologicamente a partir dos anos 1960 nas representações sociais – isto é, no prisma

do espaço percebido (HARVEY, 2006) – é como veremos nos últimos dois capítulos

deste estudo.

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5 MUDANÇAS NA FISIONOMIA URBANA DA TIJUCA (1960-1970)

Entre morros verdejantes A Tijuca foi crescendo

Nas mansões, saraus e festas E nas ruas serestas

Violões tocando. Pelo ar os sons plangentes

Depois o silêncio vinha Envolvendo em paz

As frias madrugadas De um passado

Que não volta mais. Mas no coração

A Tijuca não mudou Mantém a tradição, a tradição.

Nos idos do ano de 1965, oficializava-se a canção de título “Sempre Tijuca”, categori-

zada como o hino oficial do bairro. Autoria das professoras Lourdes Figueiredo (le-

trista) e Maria Alice Pinto Saraiva (musicista) do Instituto de Educação, o Hino da Ti-

juca foi gravado pela Odeon Records na voz de João Dias e acompanhado da presti-

giada Orquestra Tabajara. Para além das motivações que possivelmente tenham es-

tado por trás da composição de um hino dedicado especificamente a este bairro, é

curioso observar o tom nostálgico presente em cada verso: elementos como o saudo-

sismo e o orgulho são temperados por uma fala passional que sintetiza essa ode à

Tijuca, cujo passado aparentemente glorioso é objeto de representação. Um passado

que, na perspectiva da compositora, se esvaiu, muito embora, no coração, não tenha

sido alterado, pois a Tijuca não mudou / mantém a tradição, a tradição.

Considerando a evolução urbana do Rio de Janeiro por meio de vetores de

crescimento contrários à localização da Tijuca, o objetivo deste capítulo será investi-

gar o modo como esse lugar passou a ser percebido e representado no mapa social

do Rio de Janeiro entre as décadas de 1960 e 1970 através dos jornais. Para Flávio

Villaça (1998), esse período representa o período no qual a Tijuca se transforma em

bairro predominantemente de “classe média” em paralelo ao momento em que sua

localização experimenta uma série de mudanças que remodela a sua fisionomia ur-

bana, ainda afeita aos símbolos de distinção do século XIX e início do século XX.

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5.1 A metodologia de pesquisa

A metodologia empregada nesta parte do trabalho centrou-se numa investiga-

ção bibliográfica em material publicado em jornais entre os 1960 e 2010. Escolheu-se

o jornal como fonte bibliográfica, em primeiro lugar, por seu papel de dominância na

construção de certa opinião pública sobre um determinado assunto (CRUZ, 2011); em

segundo, por ser um veículo de comunicação intermediário em propagar um conheci-

mento encadeado na experiência do espaço vivido de terceiros (e, também, do espaço

vivido do próprio interlocutor, isto é, o jornalista) e, ao mesmo tempo, num outro gal-

gado em sistemas esquematizados de organização de pensamento e do discurso re-

fletidos no texto-reportagem (GEERTZ, 2007). Para além da oportunidade de se ana-

lisar o objeto de pesquisa numa escala cotidiana e, especialmente, temporal, pre-

sume-se que o jornal funcione como um instrumento de comunicação capaz de corre-

lacionar cronológica e construtivamente os tantos significados evidenciados na polifo-

nia de qualidades simbólicas atribuídas à Tijuca no mapa social carioca.

5.1.1 Sobre as fontes bibliográficas: o Jornal O Globo e o Jornal do Brasil (JB)

Escolheu-se estes dois veículos de comunicação por serem os de maior re-

nome na cidade do Rio de Janeiro, e, também, os de circulação mais resistente no

tempo. Sediado no Rio de Janeiro, O Globo foi fundado em 1925 e pertence às Or-

ganizações Globo, um dos maiores conglomerados empresariais no setor de mídia e

telecomunicações. Atualmente, é um dos jornais de maior tiragem do país46. Já o Jor-

nal do Brasil (JB) foi fundado em abril de 1891 e, ao longo da sua história, contou

com diversos proprietários. Devido a uma crise econômica nos anos 2000, o JB pas-

sou por algumas reformulações até encerrar suas atividades como veículo de comu-

nicação impresso no ano de 2010, quando migrou todo o seu conteúdo para a internet.

Segundo informação verbal concedida pela jornalista Luciana Hidalgo (2016),

que trabalhou como repórter tanto no JB como n’O Globo ao longo dos anos 1990 e

2000, ambos os periódicos se destacavam por circularem majoritariamente entre os

estratos altos e médio-altos da população carioca, mas com algumas diferenciações.

46 Disponível em: <http://www.anj.org.br/maiores-jornais-do-brasil/>. Acesso em 14 jul. 2016.

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Para ela, enquanto O Globo se valia de uma orientação política mais conservadora,

que tendia à “extrema-direita”, o JB, na contramão, adotava orientação política mais

progressista, muito embora suas reportagens estivessem direcionadas preponderan-

temente ao dia a dia e à realidade social de um público-alvo inscrito na Zona Sul do

Rio. Além disso, Hidalgo (2016) também sugere que o JB costumava ser lido por um

público com maior capital cultural do que os leitores de O Globo.

5.1.2. Percurso e procedimentos técnicos de investigação

O acesso ao acervo de ambos os jornais foi realizado através de plataformas

digitais. Desde 2013, O Globo disponibiliza para assinantes o conteúdo completo de

seu arquivo, oferecendo um sistema de busca bastante sofisticado e complexo em

sua página na internet47. Nele, há a possibilidade de “garimpar” reportagens por meio

de inúmeros mecanismos de pesquisa. O mesmo vale para o acervo do JB, disponi-

bilizado gratuitamente pela Hemeroteca Digital Brasileira, mantida pela Fundação Bi-

blioteca Nacional. Para este caso, entretanto, os mecanismos de pesquisa se mostra-

ram mais restritos a campos como “data” ou “palavra-chave”, embora não tenham

prejudicado o percurso de coleta de dados.

47 Disponível em: <http://acervo.oglobo.globo.com.br>. Acesso em jan. 2017.

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Figura 12. Apanhado ilustrativo das reportagens analisadas para a pesquisa

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Ao todo, foram lidas e catalogadas 285 reportagens (vide Anexo I no final deste

trabalho), sendo 84 delas publicadas no JB e as outras 201 no jornal O Globo. As

disparidades entre o número de ocorrências para cada periódico muito provavelmente

se explicam pela presença n’O Globo do chamado “Caderno de Bairros”, de circula-

ção semanal-regional. Criado em 1982, este formato é dedicado a abordar o cotidiano

de determinas regiões do Rio de Janeiro por meio de reportagens de interesse forte-

mente local. À “Zona Norte” foi destinado um caderno específico de circulação regional

– Tijuca, Alto da Boa Vista, Maracanã, Grajaú, Praça da Bandeira, Vila Isabel, Andaraí,

Rio Comprido etc. – naquele mesmo ano, razão, portanto, de o porquê da maior ocor-

rência de matérias sobre “tijucanos” em O Globo do que no JB.

Ainda com base na particularidade do Caderno de Bairros de O Globo, é es-

sencial destacar que a análise das reportagens coletadas para este trabalho levou em

conta não apenas os jornais em si, mas especialmente os correspondentes cadernos

em que cada um deles foi publicado. Isto porque o conteúdo e o sentido do discurso

de cada reportagem, dependendo do suplemento ao qual tenha sido destinada, tam-

bém expõem diferenciações importantes sobre como uma representação da Tijuca

pode ter sido realizada de uma maneira no caderno de Cultura, por exemplo, e de

outra na Primeira Página – e, especialmente, no Caderno de Bairros. Vale dizer que

não obstante o lugar de fala seja o mesmo, a forma como o discurso chega a deter-

minados públicos – estratificados pela linha editorial dos cadernos – trouxe elementos

interessantes de análise.

5.2 Os anos de 1960: “a tranquilidade moderna”

O efeito de lugar (BOURDIEU, 1997) parece ter sido determinante para que a

Tijuca da segunda metade do século XX “respirasse” ares diferentes que os de antes.

Segundo Villaça (1998), a nova rodada de homogeneização interna do perfil social de

classe média da Tijuca, iniciado nos anos 1930, se consolidou determinantemente a

partir dos anos 1960. O crescimento da Zona Sul em direção a Ipanema e ao Leblon

e, depois, à Barra da Tijuca (ver Figura 13), foi fundamental para que esse processo

se acelerasse, fazendo com que a localização da Tijuca ficasse simbolicamente em

“desvantagem” no mapa social carioca a partir dos anos 1980, como veremos no pró-

ximo capítulo.

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Nesse período, o Rio de Janeiro foi marcado por uma série de mudanças soci-

ais, políticas e econômicas que impactaram a sua estrutura urbana. Nesse lapso, a

transformação do Distrito Federal em Cidade-Estado da Guanabara – e, a partir de

1974, em capital do Estado do Rio de Janeiro – também incitou mudanças institucio-

nais significativas. Se durante a Reforma Passos o Rio de Janeiro viveu momentos de

transformação pelas vias da estética, a partir da segunda fase do século XX a paisa-

gem de diversos bairros seria remodelada graças à reestruturação viária. Obras urba-

nísticas de grande vulto foram implantadas em áreas estratégicas da cidade, remode-

lando ainda mais a paisagem de diversos bairros com a criação de túneis – Rebouças

e Santa Bárbara – e suas vias expressas. Com as distâncias encurtadas no espaço

físico, viu-se novos impactos nas interações no espaço social.

Figura 13. Vetor de expansão das classes dominantes a partir de 1930

Fonte: Elaboração do autor.

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A sedimentação do modelo rodoviarista de transporte fez com que os bondes

fossem gradativamente abandonados a favor dos ônibus e dos automóveis particula-

res. Símbolo desse período, a gestão do governador Carlos Lacerda (1961-1965) foi

marcante na intervenção direta do Estado a favor da solução do “problema viário”,

que, na concepção de Abreu (2008), tratava-se de um “problema que era na verdade

um falso problema, posto que derivava da crescente concentração de renda nas mãos

de uma minoria da população” (p. 133).

Toda essa conjuntura incidiu no então pacato bairro da Tijuca de modo bastante

decisivo em sua fisionomia urbana, fazendo com que tanto o JB como O Globo es-

tampassem manchetes emblemáticas a respeito de como o progresso “batia à porta”

do bairro. Segundo a geógrafa Maria Therezinha Segadas Soares (1965), um pro-

cesso mais acelerado da substituição das casas por arranha-céus acometeu a Tijuca

nessa época, cuja “tradição de bairro elegante e a existência do subcentro da praça

Saens Peña valorizaram extremamente essa área da cidade” (p. 338). A matéria “Ti-

juca, tradição e progresso”, publicada por O Globo em agosto de 1967, chama aten-

ção para as transformações e a substituição das antigas casas por edifícios “A Praça

Saenz Peña é o centro nervoso da Tijuca, que a cada dia aumenta de importância.

Edifícios surgem mudando a aparência do bairro que, mesmo assim, ainda se mantém

como o mais tradicional do Rio”. A contraposição entre um bairro visto como bucólico

pela literatura de Machado de Assis e outro “moderno”, que se via transformar por

obras públicas e privadas das mais variadas, contribuiu para que O Globo elaborasse

uma série de menções à descrição da geografia e do perfil social do bairro como forma

de sustentar o argumento de que, “apesar dos pesares”, a Tijuca seguia mantendo

firme a sua tradição.

O mesmo discurso foi utilizado pelo JB em setembro daquele mesmo ano na

reportagem “Tijuca, a tranquilidade moderna”, publicada no Caderno B48, que trazia

um panorama das práticas de socialização observadas no bairro a partir de dimensões

intituladas pelo repórter José Benevides Jr. como “Cosmopolitismo e osmose”, “Edu-

cação e política”, “Piscina e bar”, e “Diversão Cultural”. O texto de entrada da matéria

é categórico ao sintetizar o paradoxo atribuído à Tijuca em ver-se afrontada de um

48 O Caderno B do Jornal do Brasil tinha como enfoque o panorama cultural da cidade, abordando, também, assuntos cotidianos e personagens.

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lado pela modernidade, e do outro, pela necessidade de “conservar” determinados

costumes e hábitos:

Ipanema tem seus bares, Copacabana a vida noturna. Depois do túnel, no entender dos ZS mais bairristas “é outra cidade”. Que é a Cidade. Se Ipanema tem seus bares e Copacabana sua vida noturna, a Tijuca tem a tranquilidade de suas casas, de suas vilas tão decantadas como as belas paisagens dos bairros mais cotados nas colunas sociais. A lenda da tranquilidade tijucana, no entanto, começa a ser abalada com os arranha-céus que surgem, com a ânsia da juventude – semelhante a toda juventude – em se descobrir, em descobrir a vida. E a luta de seus pais – iguais a todos os pais – em manter a tradição da família, dos jantares, almoços, “da hora de chegar em casa”, a contradição entre a nova e a velhas formas de viver carioca encontram na aparência calma e bucólica de suas ruas, arborizadas quase sempre, uma de suas maiores expressões49.

A percepção da Tijuca como um bairro socialmente próximo aos bairros da

Zona Sul é sublinhada diversas vezes pelo repórter ao indicar que este não precisava

espelhar-se em Copacabana tampouco em Ipanema para “afirmar-se”. É justamente

com base nessa acepção que Benevides Jr. indaga o porquê de, mesmo assim, os

tijucanos serem mal vistos pelos moradores daqueles bairros ao frequentarem a praia

ou os bares da Zona Sul:

Enquanto o morador da Zona Sul gasta tudo o que ganha só para dizer-se habitante da orla marítima e desfrutar desse título sem usar, por falta de re-cursos, do que a Zona Sul pode proporcionar, o morador da Zona Norte mora mais barato, dentro de suas posses, e tem poupança suficiente para desfru-tar, na Zona Sul, de tudo aquilo que o cosmopolitismo de uma Copacabana, por exemplo, pode oferecer aos que estão longe do mar.

A insinuação de que os tijucanos seriam a verdadeira elite econômica do Rio

em contraposição aos moradores da Zona Sul, que morariam ali apenas de “fachada”

para incorporar o status que tal espaço físico proporcionaria a seus residentes, não

valida uma provável percepção de superioridade social dos moradores da Tijuca, en-

tretanto, quando Benevides Jr. destrincha outros elementos que diferenciariam as prá-

ticas sociais deste bairro com os da orla. Para o repórter, o tijucano estaria “pelo me-

nos dez anos mais atrasado que o habitante de Copacabana”, por exemplo, por ainda

49 Por uma questão de estilo, optou-se por atualizar o texto das citações apresentadas neste capítulo para a reforma ortográfica da língua portuguesa de 2009.

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não haver cedido aos encantos da “astúcia da especulação imobiliária”, que “não con-

seguiu ainda convencer o tijucano a aceitar o quarto-e-sala ou o conjugado”.

Neste ponto de vista, o repórter dá a entender que os tijucanos muito embora

fossem economicamente capazes de incorporarem um estilo de vida mais moderno,

ainda seriam muito arraigados a costumes e pensamentos tidos como ultrapassados.

A preferência pelas casas ao invés dos apartamentos representava até mesmo a difi-

culdade do tijucano em “revolucionar a família”. Para o jornalista, a família moderna

encontraria no apartamento a oportunidade de viabilizar um relacionamento menos

hierárquico, onde a “falta de espaço possibilita que as duas gerações de uma família

se joguem as mesmas verdades na cara com efeito imediato”. E complementa: “Mas

até que essa revolução que caracteriza as grandes concentrações urbanas consiga

se implantar totalmente na Tijuca, muitas casas terão que ser derrubadas”.

Figura 14. Anos 1960: o Maciço da Tijuca com o Morro da Formiga ao fundo, a Rua Uruguai e, à direita, o bairro do Andaraí.

Fonte: Cardoso, Vaz, Pechman et al. (1984, p. 108).

Neste período, Segadas Soares (1965) diferencia a fisionomia da Tijuca e de

suas adjacências com a das demais regiões da cidade, destacando sua aparência

razoavelmente verticalizada, mas ainda com predominância de muitas residências

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unifamiliares, imóveis do século XIX e início do século XX, além da presença de algu-

mas indústrias – o que já não ocorria na Zona Sul. Nas palavras de Segadas Soares

(1965), a Tijuca dos anos 1960 passa a ser representada objetivamente como uma

zona de qualidades intermediárias entre a Zona Sul e os Subúrbios:

Faltam-lhe áreas exclusivas de população abastada e rica, como as da zona sul, ou grandes áreas de população pobre como nos subúrbios. Casas anti-gas e bangalôs modernos em meio a quintais, casas geminadas de frente de ruas, vilas, pequenos prédios de apartamentos são os elementos constantes da fisionomia dessa área, onde faltam as grandes e luxuosas residências e os majestos apartamentos de certas áreas da zona sul (p. 366).

A perspectiva do morador da Tijuca sobre todas essas transformações já havia

sido tema de reportagem do JB publicada apenas dois meses antes no Primeiro Ca-

derno, em que saíam as matérias de maior destaque, intitulada “Tijuca faz 106 anos

com mentalidade de Copacabana e sem tradicionalismo” (JB, 23 jul. 1967). Nesta

reportagem, o editorial sintetizou a Tijuca da fala de seus entrevistados como um lugar

que estava “deixando de ser o bairro mais tradicional da Zona Norte, com belas man-

sões e famílias selecionadas, para se transformar num núcleo de grande expansão

populacional”. Complementaram os moradores antigos ouvidos: “acabará como ‘uma

Copacabana sem praia’”.

É interessante observar para estes dois últimos casos a maneira como o lugar

de fala interfere na construção das ideias e no sentido do discurso. Enquanto o exem-

plo mostrado anteriormente expôs a percepção sobre um bairro que “teimosamente”

não se entregava às benesses que o “estilo carioca de viver” poderia proporcionar a

seus moradores, neste outro, o JB se exime da posição de opinante para mostrar-se

apenas como porta-voz das reivindicações dos tijucanos. A posição antagônica nas

percepções de espaço do JB e dos tijucanos se confirma, portanto, quando estes

últimos se mostram escandalizados com a verticalização do bairro, enquanto aquele

afirma, em outra circunstância, que o tijucano seria “atrasado” por não aceitar tal novo

estilo de vida que se mostrava como dominante. Observa-se, ao mesmo tempo, certa

“solidariedade de classe” na medida em que o JB oferece um espaço de reclame aos

moradores da Tijuca. Neste ponto de vista, apenas o envolvimento de uma proximi-

dade social entre esses dois grupos poderia justificar tamanho destaque dado pelo JB

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à “visão de mundo” do tijucano, abertamente díspar daquela que seria entoada pelo

jornal pouco tempo depois.

A mesma percepção de proximidade social entre os tijucanos e os moradores

da Zona Sul é identificada nas ocorrências coletadas em O Globo, que manteve ao

longo dos anos 1960 duas colunas sociais dedicadas a explorar o dia a dia dos bairros

mais nobres: “Rio, de Bairro em Bairro”, e outra chamada “Rio Norte-Sul”, assinada

por Ruy Porto. Como o próprio nome desta última já sugere, a representatividade da

Tijuca no high society carioca parecia manter-se viva a ponto de que mencionar a

“Zona Norte” no título da coluna não parecia indicar uma completa distorção cognitiva

dos espaços vistos como de elite no Rio. Em suas concorridas linhas, tanto Ruy Porto

como a coluna “Rio, de Bairro em Bairro” (sem autoria) dedicaram-se a falar frequen-

temente sobre a vida clubista do bairro:

Na manhã de domingo, com sol, dava gosto ver o Tijuca Tênis Clube. Crian-ças brincando na sua piscina rasa, brotos de biquíni na piscina maior, ma-mães batendo papo na sombra, as quadras de tênis ocupadas por campões e candidatos a campeões, o campo de “pelada” com uma partida “quente” e os bares e salas de jogos carteados bem concorridos. [...] Ali estava uma bela manhã, um dos encantos desta cidade: a sua excelente vida de clube. Essa vida de clubes que O GLOBO deseja mostrar durante o concurso “Senhorita Rio”, que está começando. Ali, naquelas piscinas, naqueles salões e naque-las quadras estava a família carioca (“Um mundo chamado Tijuca Tênis Clube”, O GLOBO, 6 set. 1967).

Nos anos 1960, O Globo também deu bastante destaque ao evento “Semana

da Tijuca”, capitaneado pelo próprio jornal em parceria com a Administração Regio-

nal da Tijuca e diversas outras entidades:

Começou ontem a “Semana da Tijuca”, dando a todos os pontos do bairro uma festiva movimentação. Da Rua Desembargador Isidro, pela manhã, par-tiu uma caravana de cinqüenta ônibus, numerosas camionetas e automóveis, levando cêrca de mil e quinhentos tijucanos para uma visita às obras do Guandu. Na Praça Saenz Peña, de noite, a Banda de Música dos Fuzileiros Navais executou um concerto (O GLOBO, 17 jul. 1962).

De acordo com o material levantado, a “Semana da Tijuca” ocorria anualmente

em julho e era uma grande celebração narcísica à figura do bairro. Dentre as ativida-

des, realizava-se o concurso da “Rainha da Semana da Tijuca” organizado pela filial

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da Sociedade Civil de Intercâmbio Literário e Artístico (Socila)50 na Praça Saenz Peña,

em que cada clube ou agremiação escolhia sua própria candidata para concorrer a tal

título. Além disto, a “Semana da Tijuca” também promovia ofertas das mais diversas

anunciadas pelos comerciantes locais51, realizava mutirões de limpeza e jardinagem,

exposições de arte, entre outras atividades comunitárias.

Figura 15. Entre a verticalização e a manutenção das antigas casas: um panorama da Rua

Conde de Bonfim (2014)

Créditos: Pedro Paulo M. Bastos.

50 A Socila ficou conhecida durante os anos 1950 e 1970 como uma escola que ensinava boas maneiras e lições de etiqueta para senhoritas. A filial da Praça Saenz Peña existe até os dias de hoje. Para mais informações, ver: <http://oglobo.globo.com/rio/ex-funcionarias-da-socila-mantem-encontros-13685066>. Acesso em 9 fev. 2017. 51 Em anúncio publicado em O Globo (30 jun. 1964) pela Associação Comercial da Tijuca no momento de festejo da “Semana”, dizia um certo Eldyr Souza como porta-voz dos comerciantes: “Julho é o mês da TIJUCA! Todos a postos para as comemorações do nosso querido bairro das belas residências, agradável, limpo, alegre, familiar, homogêneo, progressista. TIJUCA é grande, mas cabe em nossos corações e os enche de ufania. Pagando impostos em dia vamos mostrar a importância de nosso bairro, sua pujança e sua capacidade. Todos pela TIJUCA: impostos pagos fiel e pontualmente”.

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É importante destacar que a parceria de O Globo com essas entidades e agre-

miações do bairro conferia bastante representatividade à Tijuca nas páginas daquele

jornal na forma de um fortalecimento político expressivo à Administração Regional da

Tijuca naquela época em organizar eventos para receber a visita de autoridades pú-

blicas importantes. Seria nesses cortejos organizados pelas agremiações do bairro

onde aqueles influentes tijucanos de outrora fariam reclamações e/ou solicitariam me-

lhorias urbanas, mas dedicando também as maiores atenções e apreços à classe po-

lítica da qual muitos moradores faziam parte, como os militares.

Em 24 de setembro de 1962, O Globo noticiava sob o título de “A Tijuca home-

nageará amanhã os três poderes da Guanabara” evento coordenado para receber a

visita do governador Carlos Lacerda, do deputado Lopo Coelho e do Desembargador

Oscar Tenório, que seriam homenageados pelos “aplausos do povo”. A passagem

desses figurões públicos pelas ruas da Tijuca se deu num carro modelo Lincoln V-12,

o mesmo que, em 1934, três décadas antes, havia transportado o então prefeito Pedro

Ernesto possivelmente pela mesma rota:

O Governador e os presidentes da Assembleia Legislativa e do Tribunal de Justiça passarão, no velho Lincoln conversível, de quatro portas, placa GB-1, pela Praça Saenz Peña, onde uma banda da Polícia Municipal se incorpo-rará ao cortejo, até o palanque armado diante do Tijuca T. C. Terminando o desfile, atletas de clubes cariocas se apresentarão, haverá queima de fogos de artifício e os chefes dos três poderes receberão títulos de sócios honorá-rios do clube (O GLOBO, 24 set. 1962).

Como justificativa, O Globo procurou ouvir a opinião dos tijucanos como forma

de dar maior representatividade a tal iniciativa. Em uníssono, alguns tijucanos disse-

ram:

– As duas características do Governo Lacerda – diz a Senhora Jurema Bastos de Pina –, trabalho e honestidade, são razões bastantes para que se home-nageie o Governador que quer reconquistar para o Rio o título de Cidade Maravilhosa.

O bancário José Antônio, morador na Rua Barão de Mesquita, 148, e funcio-nário do Banco de Crédito Territorial, e a professora Zilda Rocha, moradora na Rua Barão de Pirassununga, 49, manifestaram-se de pleno acordo com a Senhora Jurema Bastos de Pina, pois acham que o Sr. Carlos Lacerda real-mente governa o Estado e trabalha por ele.

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Para além desta parceria entre O Globo e as associações políticas e comerci-

ais da Tijuca, vale a pena mencionar, do mesmo modo, o peso dado ao capital sim-

bólico das escolas da região como “educandários de tradição”. Em “A Tijuca e Seus

Colégios” (“Rio de Bairro em Bairro”, 2 ago. 1967), O Globo dizia que o Instituto La-

Fayette seria “o mais importante colégio particular da Tijuca e um dos melhores do

Rio”, dando destaque, ainda, à história do Colégio Militar e à do Instituto de Educação.

Nesta leitura, nota-se a maneira como se fala não apenas da qualidade destas insti-

tuições, mas da Tijuca como um espaço de representação marcado simbolicamente

por sua “vida estudantil”. O mesmo discurso seria entoado por Benevides Jr. em “Ti-

juca, a tranquilidade moderna” (JB, 06 set. 1967), indicando o papel importante des-

ses colégios na “tarefa de educar o jovem tijucano” e, especialmente, na formação de

possíveis grandes dirigentes:

Na São Francisco Xavier, frente a frente, o Pedro II e o Colégio Militar resu-mem dois modos de educar. Um aluno do primeiro chegou a resumir naquele quarteirão o futuro político do país: “Tudo vai depender de qual dos dois co-légios sairá o maior contingente de dirigentes do Brasil. Se da esquerda ou da direita”. O Colégio Militar fica do lado direito, no sentido da mão de direção da São Francisco Xavier. O Pedro II mantém-se à esquerda.

Como não tenham bares na moda onde decidir dos destinos do País, os jo-vens tijucanos encerram sua atividade política dentro dos colégios, com as limitações naturais impostas por qualquer educandário. Mas, segundo depoi-mento de alguns estudantes, na Tijuca as esquerdas e as direitas coexistem em benefício da unidade do bairro. Há a esquerda amorosa, a direita invisível, o centro moderado. Todos acabam nas festas organizadas pelos clubes do bairro, ou em uma esticada até a Barra, que é da Tijuca, ou até Copacabana.

A falta de “bares na moda onde decidir dos destinos do País” indica a percep-

ção da importância do âmbito escolar da Tijuca como local de formação intelectual e,

sobretudo, de fortalecimento da unidade de uma classe social que não apenas aspi-

rava, mas também se sentia e era vista como predestinada a ocupar cargos de lide-

rança e direção. Da mesma maneira, os clubes são representados como locais impor-

tantes de sociabilidade para os tijucanos, mostrando-se como alternativa às boates

que, em Copacabana, eram justamente estes lugares da moda onde os políticos e

toda a classe de grã-finos “atentos e discretos” se encontravam para falar de trabalho

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e negócios, ou simplesmente para se entreterem com música e bebida (CASTRO,

2015).

Além disto, vale destacar a ideia atribuída à Barra como parte da Tijuca ou

como uma extensão desta. Em outras palavras, o fato de a Tijuca supostamente “pos-

suir” a Barra significaria ratificar a dominância de sua posição social como a de uma

classe que, muito embora habitasse um bairro longe do mar, por outro lado deteria

posse simbólica sobre terras marítimas, vistas como o tipo de espaço físico, por ex-

celência, metonímico das elites já nos anos 1960. O modo como os tijucanos, en-

quanto visitantes, se apropriavam do espaço da Barra, até então uma região subde-

senvolvida, parecia denotar aos olhos de terceiros uma relação de domínio e controle

legitimada principalmente pelo nome: Barra da Tijuca.

5.3 Os anos de 1970: um bairro com vocação para crescer

Os anos de 1970 representaram uma nova fase na evolução urbana da Tijuca

que, decerto, entraram para a história do bairro como um “divisor de águas”. Entre

1970 e 1975, a Tijuca parece ter continuado a viver o clima de anos dourados que

tanto havia caracterizado as suas duas décadas anteriores. A badalada vida dos clu-

bes – a exemplo do Tijuca Tênis Clube, do Montanha Clube (na subida para o Alto da

Boa Vista) e do Country (inaugurado em 1960 junto à encosta da Rua Uruguai) –

também permaneceu sendo retratada diversas vezes pelos jornais como locais de

distinção social. Já a inauguração do primeiro cinema de arte da Zona Norte (O Globo,

07 jul. 1972), o Roma-Tijuca, também aparece nestes documentos como símbolos de

distinção do bairro, que, devido à percepção de que seus moradores e transeuntes

portavam um alto capital cultural dada a presença de “três faculdades” na região, re-

ceberia, por fim, um cinema que fugia “aos objetivos imediatos da programação co-

mercial”. No entanto, o que diferencia este período do anterior parece ter sido inega-

velmente a mudança na fisionomia do bairro, com a intensificação do processo de

verticalização junto a obras de alargamento de calçadas e vias para adaptação ao

fluxo crescente de automóveis.

Para o primeiro caso, foram muitas as ocorrências publicitárias anunciando a

construção de “luxuosos” edifícios residenciais para os padrões da época, além de

muitos outros comerciais e empresariais no entorno da Praça Saenz Peña. Em agosto

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de 1973, o caderno Domingo52 do JB publicou a reportagem “Tijuca, um bairro com

vocação para crescer” (19 ago. 1973), destacando a assombrosa ascensão do mer-

cado imobiliário na região frente à alta de anúncios publicitários contabilizados pelo

próprio JB em suas páginas. “Há um boom? Que ocasiona a ida simultânea de gran-

des incorporadores para a Tijuca?” – era o mote da matéria, encarregada de entrevis-

tar agentes imobiliários, incorporadores, e investidores em geral sobre o tema. O JB

sublinhava, ainda, que era “raro o proprietário de mansão bem localizada no bairro

que não tenha recebido ofertas de construtoras interessadas no terreno”. As potenci-

alidades de crescimento apontadas são unânimes em salientar a Tijuca pelo caráter

de um grande polo comercial com

transporte abundante, numerosas escolas (em 70, era o bairro com maior número de educandários em todo o Estado), excelente localização, uma com-pleta estrutura de serviços médico e odontológico, além da quietude que dá à Tijuca o tão anunciado clima de tranquilidade.

É interessante observar novamente o indicativo do grande número de escolas

como um atributo de qualidade do bairro, o que sobreleva a representação da Tijuca

como a de um lugar habitado predominantemente por famílias convencionais – casal

com filhos – em casas ou apartamentos amplos. De acordo com um dos incorporado-

res entrevistados, “os apartamentos de sala e três quartos têm uma aceitação muito

boa na Tijuca e daí pode-se concluir que a renda familiar média dos compradores está

entre Cr$ 8 mil e Cr$ 12 mil”. Mais uma vez, o tijucano visto como uma “potência

econômica” também voltaria a ganhar espaço, onde os entrevistados procuravam dis-

criminar uma visão de mundo e de costumes próprios aos moradores na forma como

lidavam culturalmente com o dinheiro, aspecto que, por sua vez, conferiria uma rela-

ção de confiabilidade nos negócios firmados entre as construtoras e os clientes:

- A todas as outras vantagens do bairro, acresce a de que o tijucano tem uma excelente renda per capita, um ótimo poder aquisitivo. É um comprador se-guro e um bom pagador. Já tivemos várias oportunidades de constatar tudo isso em oito empreendimentos. Todos eles foram um sucesso: a classe mé-dia, ou B1 e B2, é a mais numerosa e com rendas familiares que oscilam entre Cr$ 5 mil e 10 mil, um excelente mercado para novos lançamentos, pois o tijucano ainda é o maior comprador de imóveis da Tijuca.

52 Caderno de variedades, consumo, comportamento etc. publicado sempre aos domingos.

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Em outra passagem, esta matéria do JB sublinha que a Tijuca estaria para

“Zona Norte” assim como Ipanema estaria para a Zona Sul ao mostrar que moradores

de bairros vizinhos à Tijuca tinham interesse em se mudar para lá da mesma forma

como havia moradores de Copacabana querendo mudar para Ipanema. Segadas So-

ares (1965) explica que especialmente nos idos dos anos 1960 o edifício de aparta-

mentos se constituía como exceção em bairros como Grajaú, Vila Isabel e Andaraí, o

que certamente contribuiu para que o mercado imobiliário de apartamentos na Tijuca

ficasse ainda mais aquecido no início da década seguinte. O símbolo do “progresso”

atraiu as famílias de bairros vizinhos porque também viam “na mudança para um

bairro próximo a conservação do convívio com os amigos, a aquisição de moradia

mais confortável e a eliminação dos problemas decorrentes das mudanças para locais

mais distantes, onde tudo muda, desde a mentalidade dos vizinhos até o número do

telefone” (JB, 19 ago. 1973).

Neste trecho, percebe-se a influência da Tijuca como centralidade simbólica na

“Zona Norte” não só porque os tijucanos detinham “mentalidade parecida” ao de seus

vizinhos do Grajaú ou do Andaraí, mas, além disto, a percepção de que estava numa

posição social mais elevada. Vale dizer que a expansão imobiliária desses bairros,

como reflexo da própria expansão do mercado na Tijuca, esteve, portanto, muito as-

sociada ao apelo da relação de vizinhança que mantinham com os tijucanos. As ma-

nipulações do capital imobiliário em superfaturar a venda de unidades habitacionais

se manifestaram através de artimanhas variadas, fazendo incorporar simbolicamente

logradouros do Andaraí, Grajaú, Maracanã e de Vila Isabel ao bairro da Tijuca como

estratégia imobiliária, surgindo, neste enredo, a “Grande Tijuca”. Este processo já vi-

nha acontecendo pelo menos desde os anos 1950 – ou seja, pelo menos 15 anos

antes à publicação desta matéria no JB – quando uma edição de 1958 da Revista da

Semana (apud CARDOSO; PECHMAN; VAZ et al., 1984, p. 133) apontava que era

“bem dizer que se mora na Tijuca e o nome do bairro também serve de chamariz nos

anúncios de imóveis para venda ou aluguel, quando na verdade querem se referir ao

Andaraí ou a outros bairros vizinhos... A Tijuca conserva sua pontinha de esnobismo”.

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Na primeira metade dos anos 1970, a Tijuca também teria muito da sua carto-

grafia e da sua fisionomia remodelada com a abertura de novas ruas e o prolonga-

mento de outras. A tensão entre preservar a história do bairro e modernizá-lo foi mais

uma vez retratada pelo Jornal O Globo em outras duas ocasiões. Na matéria “Chincha

tem 162 anos; Tijuca quer que ela viva mais” (24 set. 1971), o referido periódico abor-

dava a problemática da derrubada de uma Chincha da índia, árvore centenária plan-

tada na esquina das ruas Padre Elias Gorayeb com Conde de Bonfim, por estar no

caminho das obras de alargamento da rua. Segundo a matéria, a chincha tijucana,

apelidada como “a maior árvore do Rio”, teria sido uma das duas mudas de Sterculia

foetida trazida para o Brasil em 1809: a primeira delas havia sido plantada por D. João

VI no Jardim Botânico e a outra, “não se sabe mais quem plantou nos terrenos da

Chácara de Plantas do Portão Vermelho, na Tijuca”. Líder da mobilização em prol da

árvore, a professora Idalina de Castro Prohman aproveitou o espaço conferido pelo O

Globo para sensibilizar o Departamento de Parques e Jardins, posto que a chincha

tinha “um perfil lindo e aos seus valores históricos devemos acrescentar a estima que

já lhe têm todos os tijucanos”.

Já a reportagem “Onde o progresso não consegue esconder o passado aristo-

crático” (O Globo, 06 ago. 1972), publicada no ano seguinte, a aparição de um certo

caos à Tijuca passa a ser abordado como elemento que parecia tumultuar o dia a dia

do bairro, mas sem prejudicar por completo a sua marca de “bairro nobre”. O problema

do crescimento das favelas na região é contrabalançado pelo repórter (não identifi-

cado) ao dizer que, mesmo com 34 mil habitantes vivendo nas encostas, essas comu-

nidades conseguiam viver harmonicamente com o “ar aristocrático” da Tijuca, sendo,

além disso, local de três escolas de samba que “dividem a preferência dos sambistas

do Rio”.

A favela como “grande problema” passou a ganhar mais representatividade ao

longo dos anos 1970, especialmente como reflexo das políticas de erradicação de

favelas em áreas promissoras de expansão do capital imobiliário na década anterior,

durante a gestão Carlos Lacerda. Vistas como ameaça ao prestígio social de determi-

nadas localidades, as favelas foram alvo de remoção em diversas áreas da Zona Sul,

especialmente no entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas, não tendo havido políticas

mais efetivas de remoção das mesmas localizadas em outras partes da cidade. Na

região da Tijuca, foi erradicada a Favela do Esqueleto no local onde, pouco tempo

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depois, seria construída a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). De todo

modo, é importante sublinhar que as ações promovidas durante a gestão de Carlos

Lacerda contribuíram expressivamente para que o poder simbólico da Zona Sul se

redimensionasse a partir de um processo de higienização social que, por sua vez,

conferiria àquele espaço a “máscara” fisionômica de lugar ambientalmente preservado

e menos afetado pelas mazelas associadas à presença das favelas em relação aos

demais lugares. Na Tijuca, entretanto, cinco grandes favelas já haviam se consolidado

em suas encostas nesse período (Salgueiro, Turano, Borel, Formiga, e Casa Branca).

Ainda usando como referência a reportagem “Onde o progresso não consegue

esconder o passado aristocrático” (O Globo, 06 ago. 1972), a falta de um pronto-so-

corro estatal de qualidade, “apesar das quarenta e cinco clínicas particulares, quatro

federais e duas estaduais, além do Hospital da Ordem Terceira da Penitência”, tam-

bém foi apontada como uma deficiência observada no bairro, seguida de uma série

de outras questões elencadas, segundo O Globo, pelos próprios moradores: a neces-

sidade de se instalar um “pipi-dog” na Praça Saenz Peña; a mudança do sentido do

trânsito nas ruas Valparaíso e Félix da Cunha (“porque da forma que está os acidentes

são constantes”); a poluição do Rio Trapicheiros; o descaso dos policiais, que, ao

invés de patrulharem, “tomavam café num distraído bate-papo” em frente à Drogaria

Granado; entre outros. Sobre esta última questão, vale a pena assinalar relato conce-

dido pelo morador Flávio Firmo Bittencourt à reportagem: “Quando me dirigi a eles e

perguntei como estava a barra, responderam que estava boa. Disse-lhes que, se re-

almente a barra estivesse boa, não era necessário que um cidadão como eu saísse

armado para comprar remédio”.

Diferentemente da relativa calmaria que caracterizou os primeiros cinco anos

da década de 1970, a partir de 1976 a Tijuca experimentaria uma nova fase com o

anúncio da construção de três estações do metrô dentro dos seus limites. Em matéria

de capa publicada pelo JB na sexta-feira 27 de agosto de 1976 intitulada “A cidade

sob o flagelo moderno”, o metrô foi representado como uma “cirurgia urbana feita a

frio, que não se cuidou a tempo de providenciar a anestesia”. Naquela ocasião, as

obras do metrô no Rio já haviam começado em 1970 no Centro e em Botafogo, che-

gando à Tijuca apenas seis anos depois “com um saldo de 517 árvores podadas, 98

ruas e 12 praças atingidas, 1 mil 378 desapropriações, muita poeira, lama, barulho,

aborrecimentos, dramas e manifestações de protesto”. A resistência dos moradores

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da Tijuca contra o metrô foi retratada tanto nesta matéria como em várias outras que

seriam publicadas ao longo da década tanto no JB como n’O Globo. Nesta reporta-

gem em si, o JB se posiciona discursivamente contra o metrô (prestando solidarie-

dade às comunidades de bairros afetados, como Catete, Botafogo e Tijuca), mas des-

tacando, por outro lado, o planejamento estratégico da Companhia do Metropolitano

em conquistar o voto de confiança dos tijucanos ao prometer “passagens gratuitas e

silêncio noturno”, e especialmente, ao difundir uma campanha de glorificação ao sta-

tus do bairro:

“Quando a Tijuca começou, era um verde terreno a perder de vista, do sopé argiloso da montanha até o descampado e Jacarepaguá... Foi pelos trilhos de ferro cravados nas ruas chiques da Tijuca que, em 1859, andaram os pri-meiros bondes do Rio de Janeiro... O bonde constituía mais um título de pri-vilégio para o bairro considerado o primo rico da cidade... Famílias de posse se transferiram para a Tijuca... O metrô é outro benefício que o bairro vai receber, como sempre à frente dos demais, como sempre de forma mereci-damente pioneira”.

O folheto intitulado O Metrô Pede Passagem, distribuído na exposição insta-lada na Praça Saenz Peña, procura confirmar um possível pioneirismo histó-rico e a “elegância” da Tijuca em relação aos demais bairros da cidade. A ideia é vender uma imagem futura que inverteria a atual condição de sacrifi-cada a privilegiada.

Mesmo com “mimos” e com um discurso que procurava envaidecer o ego dos

já orgulhosos tijucanos, a Companhia do Metropolitano não conseguiu a simpatia dos

moradores do bairro, sobretudo por causa dos recorrentes atrasos no cronograma das

obras. Previstas para 1979, as estações Afonso Pena, São Francisco Xavier e Saens

Peña foram entregues somente em 1982. Com isso, a Praça Saenz Peña, principal

espaço de sociabilidade e de consumo da Tijuca, ficou pelo menos seis anos interdi-

tada. A demolição dos remanescentes palacetes e solares e a abertura de novas ruas

– como a Avenida Heitor Beltrão e o prolongamento da Rua Almirante Cochrane com

as ruas Santo Afonso e Antônio Basílio – também fizeram parte do pacote de obras

do metrô, incidindo diretamente no cotidiano e nos “afetos” de quem morava ou fre-

quentava a Tijuca. Vale destacar ainda o megaprojeto rodoviário da Linha Verde, que

pretendia conectar, em seu trecho mais emblemático, o bairro da Tijuca ao da Gávea,

na Zona Sul, sob a montanha. A obra, idealizada para facilitar os deslocamentos, na

verdade, entre a Rodovia Presidente Dutra e a Zona Sul, foi executada parcialmente;

a Avenida Automóvel Clube e o Túnel Noel Rosa são alguns dos trechos que saíram

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do papel. Supõe-se que o custo com as desapropriações tanto na Tijuca como no

Jardim Botânico e na Gávea seria alto demais para dar cabo a um projeto deste porte,

especialmente com o Túnel Rebouças já estando em funcionamento havia poucos

anos.

Consoante às dificuldades econômicas dos anos 1970 com a crise do petróleo,

todo esse cenário contribuiu para que o espaço vivido da Tijuca sofresse impactos

bastante importantes tanto na perspectiva dos tijucanos como na perspectiva dos jor-

nais. Os efeitos da verticalização, que facilitou a chegada de “novos moradores” ao

bairro, e o aumento da percepção da violência também foram sentidos neste enredo.

A reportagem “Tijuca: o chão e a paz golpeados por homens e máquinas”, publicada

no extinto Jornal da Família de O Globo (20 nov. 1977), expôs uma série de contra-

pontos sobre as vantagens e desvantagens da instalação do metrô, e, igualmente,

das consequências sentidas na dinâmica social-urbana da Tijuca. Para isto, os repór-

teres deram voz aos agentes e autoridades públicas, que, através de argumentos téc-

nicos, defendiam a necessidade daquele meio de transporte, pedindo, em contrapar-

tida, “paciência”, como aos próprios tijucanos e comerciantes, os quais se queixavam

e entoavam lembranças de “um bairro de paz”.

Mesmo sendo resultado de um processo de reestruturação urbana descrito por

Villaça (1998) que transcendia as obras do metrô em si como causadoras da ameaça

às marcas de distinção da Tijuca, a percepção do jornal e dos próprios moradores

sobre o desprestígio simbólico do bairro responsabiliza esse marco. A matéria destaca

que, em 1977, por exemplo, os tijucanos já teriam apelidado a Praça Saenz Peña de

“Praça Faz Pena” e a Rua Conde de Bonfim como “Rua do Fim do Conde”. A percep-

ção de uma decadência social da Tijuca é apontada na fala de uma das moradoras,

mas ainda assim baseada na contradição em sentir-se constrangida, por um lado, ao

“dizer onde mora”, e, por outro, reconhecendo o bairro como “a fina flor carioca”:

— Quando me perguntavam onde morava, respondia de boca cheia: Na Ti-juca. Hoje a gente diz baixinho, morrendo de vergonha, para ninguém ouvir. Moro aqui há 41 anos. Isso já foi Tijuca. Hoje são tantos os problemas... [...]

A Tijuca dos velhos casarões e ruas arborizadas, de famílias aristocráticas e muita tranquilidade, de vizinhos que conversavam nas calçadas e de pas-seios pela praça Saens Peña não existe mais. E hoje esta imagem do bairro é apenas uma lembrança para os moradores mais apaixonados, que apesar de todas as mudanças fazem questão de afirmar:

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— É o bairro da fina flor carioca.

Segundo O Globo, foi o crescimento urbano que teria afetado a vida da Tijuca

e o bairrismo de seus moradores:

Primeiro foram os túneis – Santa Bárbara e Rebouças –, estabelecendo uma ligação mais do que geográfica entre a zona norte e a zona sul. Com Rebou-ças, principalmente, descobriu-se que morar na Tijuca era um privilégio. Bairro residencial, comércio próspero e a 15 minutos de Ipanema e Leblon. Edifícios substituíram os velhos casarões, a população cresceu, e o bairro foi perdendo suas características.

Neste trecho, é imperativo apontar a representação positiva atribuída à Tijuca

em função de sua proximidade com a Zona Sul: o bairro “privilegiado e com comércio

próspero” estava apenas “a 15 minutos de Ipanema e Leblon”, demonstrando indire-

tamente uma relação de dependência da Tijuca em se afirmar como bairro “privilegi-

ado” por estar geograficamente próximo à Zona Sul. Neste sentido, percebe-se que

as qualidades conferidas à Tijuca passariam a estar gradualmente mais associadas à

sua localização física na estrutura urbana carioca – isto é, junto às vias que dão

acesso ao lado “chique” da cidade – do que às suas próprias qualidades simbólicas

em si, que vinham se perdendo com o crescimento da população e com o desapare-

cimento da fisionomia urbana de uma Tijuca pretérita, esta sim, de fato, “valorizada”.

Se por um lado os tijucanos deste momento tendiam a estranhar a forma como

o bairro se transformava pelo progresso, isto serviu, por outro, para que novos mora-

dores vislumbrassem a mudança para a Tijuca como uma maneira de ascenderem

socialmente num bairro historicamente “chique”, e, acima de tudo, com infraestrutura

urbana de qualidade. Neste período, o mesmo processo de renovação social que ha-

via acometido o bairro pelo menos 40 anos antes, quando começava a deixar de ser

lugar exclusivo das classes dominantes para atrair as novatas classes médias, se re-

petiria a partir de uma migração interbairros, provocando mudanças sutis no novo per-

fil de classe média que chegava à Tijuca. Assim, a migração dos tijucanos para a Zona

Sul se constituía como reflexo do período descrito por Velho (1989), ao mesmo tempo

que a Tijuca também receberia outros moradores egressos tanto de bairros da “Zona

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Norte” como dos Subúrbios. Formava-se, assim, a escalada de ascensão social inter-

bairros cujas transformações se evidenciariam tanto na paisagem como nas relações

sociais entre os tijucanos “originais” e os tijucanos “novatos”:

— Sempre morei na Tijuca, até 1972, quando casei. E nunca pensei em con-tinuar morando lá. A Tijuca se transformou muito. Hoje verifico que quando era menina o poder aquisitivo dos moradores era alto, sem nenhuma dife-rença para a zona sul. Hoje existe uma invasão do pessoal do subúrbio, que ascendeu um pouco economicamente e que tem como objetivo na vida morar na Tijuca. Não moro mais lá mas meus pais continuam morando. A Tijuca de hoje não tem nada a ver com a Tijuca em que morei. Ela era arborizada, hoje não existem mais árvores, está tudo árido. Era um bairro tranquilo, hoje é uma violência só. Adquiriu todos os defeitos de um bairro de grande cidade sem ter mudado de mentalidade, que ficou atrasada. Basta dizer que no edifício de minha mãe ainda existe a preocupação do “o que é que os vizinhos vão dizer...” (Ana Lúcia Boiteux, 23 anos, moradora do Jardim Botânico).

— Acho a Tijuca um bairro maravilhoso. Moro na Barão de Mesquita, perto do quartel, e por isto não posso me queixar de segurança. As obras do metrô não afetam a minha área mas não resto do bairro os problemas são constan-tes. A Tijuca tem sofrido muitas transformações e piorou em certos aspectos — aumento do barulho, obras, trânsito engarrafado. Uma coisa que tem me-lhorado é o comércio. Está aumentando, novas lojas estão sendo inaugura-das. Não é mais preciso ir à zona sul para fazer compras. O comércio local satisfaz plenamente. O que acho muito deficiente é o setor de diversões e lazer (Ila, 28 anos, moradora da Tijuca há cinco, antiga moradora do Engenho de Dentro) (O GLOBO, 20 nov. 1977).

A deficiência no setor de diversões e lazer ao qual se referia a entrevistada

egressa do Engenho de Dentro seria resultante da percepção do declínio simbólico

da Praça Saenz Peña neste período. A interdição da praça devido às obras do metrô

contribuiu para que muitos dos antigos cinemas fechassem, como o Olinda e o Metro-

Tijuca. Lojas tiveram que reduzir seu horário de atendimento, enquanto outras sim-

plesmente faliram. Os tapumes, a sujeira e a propensão no aumento de roubos a pe-

destres também impactaram no “potencial consumista” da Saenz Peña. Solidário ao

“drama” vivido pela Tijuca, o JB lançou reportagem especial chamada “A Batalha da

Tijuca”, na Revista de Domingo (12 dez. 1976), de modo a estimular os cariocas a

fazerem compras de Natal na Saenz Peña. A introdução da matéria foi categórica em

dizer que “logo agora que a Tijuca começava a florescer com um comércio que tentava

atingir o nível da Zona Sul, surgiu um grande problema: o metrô”53. Neste especial, a

53 Observa-se, novamente, a posição supostamente inferiorizada atribuída ao comércio da Tijuca em não ser completamente equiparado ao da Zona Sul. As equivalências de classe entre estes lugares pareciam resguardar, portanto, percepções de espaço bastante complexas e peculiares.

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repórter Cilea Gropillo destacou um grande mapa do entorno da Praça Saenz Peña,

apontando loja por loja e o que cada uma vendia, preço, perfil de atendimento e van-

tagens, seguido de conselho: “A Rua Conde de Bonfim está irreconhecível, mas, como

os tijucanos se habituaram a fazer compras perto de casa, prevê-se muito movimento.

Não se esqueça de se armar de uma boa dose de paciência”.

Figura 16. O metrô em pauta: a descaracterização da Tijuca

Fonte: JB (14 jun. 1978); JB (27 ago. 1976).

Dois anos depois, em 14 de junho de 1978, o JB deixaria de lado um posicio-

namento otimista ao publicar a matéria “Praça (?) Saens Peña” no Caderno B, dizendo

que, enfim, “a família tijucana perdeu um dos seus pontos de referência para o lazer

dos fins de tarde, dos sábados e domingos”. Valendo-se da mesma estratégia do Jor-

nal O Globo, publicada um ano antes no suplemento Jornal da Família, a repórter

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Emília Silveira, do JB, procurou justificar sua percepção de calamidade pública em

relação à praça através do discurso de quem vivia diariamente aquele espaço:

— É um absurdo alguém não poder comprar cigarro às 8h da noite num bairro residencial – diz Alfredo Kalmann, engenheiro. – As alamedas de pedestres improvisadas são muito mal iluminadas e a Tijuca virou Baixada Fluminense. Escureceu, todo mundo dentro de casa. Quem se atreve a passar pela área do metrô à noite provavelmente vai esbarrar com os pivetes, sempre prontos a conseguir uns trocados, um relógio ou qualquer outro objeto de valor.

Enquanto para o entrevistado acima “a Tijuca havia se transformado em Bai-

xada Fluminense”, dando sinais de seu descontentamento com o suposto “empobre-

cimento” do bairro causado pelas obras do metrô, por outro lado a idealização do me-

trô na Tijuca pelas autoridades públicas trazia uma dimensão relativamente oposta às

percepções correntes. A colocação das estações metroviárias do bairro na Linha Um

ao invés da Linha Dois – caracterizada como a linha da Zona Norte ideológica, ligando

o Centro às “verdadeiras” periferias – é uma possível hipótese a se pensar a respeito

da necessidade de se encurtar as distâncias territoriais entre os bairros percebidos

como próximos no espaço social, a exemplo do que postulou Villaça (1998).

Na medida em que os tijucanos e os jornais viam nas obras do metrô um ato

de violência e de desmoralização do bairro, subalternizando-o frente à sua “respeitada

história” e, especialmente, à sua equivalência social com as demais áreas elitizadas

da cidade, ao mesmo tempo a Linha Um se projetava como fruto de uma política de

transportes idealizada justamente em conferir melhor integração entre essas áreas

elitizadas, nas quais se incluía a própria Tijuca. Assim, para os anos 1980, produzia-

se um novo espaço para a Tijuca a partir do oferecimento aos tijucanos e moradores

da Zona Sul de um melhor controle do tempo sobre os deslocamentos, agora facilita-

dos por um meio de transporte confortável e inovador para os padrões da época.

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6 O DECLÍNIO SIMBÓLICO (1980-2000)

Considerando as representações simbólicas do lugar da Tijuca frente às mudanças

fisionômicas de sua paisagem urbana apresentadas até agora, este capítulo final se

dedica a analisar o período no qual a localização da Tijuca passa a se mostrar “des-

valorizada” no mapa social do Rio de Janeiro. As representações coletadas em O

Globo e no JB durante o intervalo que vai dos anos 1980 aos 2000 encerram a análise

cronológica do lugar da Tijuca nessa estrutura, indicando a evidência de um processo

de declínio simbólico que reduziu o poder de distinção deste bairro frente aos demais

no mapa e no espaço social carioca contemporâneo.

6.1 Os anos de 1980: o capital simbólico da Tijuca se abala

Entre 1980 e 1981, a Tijuca ainda viveria o “pesadelo” das obras do metrô em

sua fase final. A demolição de centenas de imóveis deu espaço a vastos terrenos

baldios localizados em áreas centrais do bairro, fazendo com que diversas associa-

ções de moradores e comerciantes clamassem por uma utilização mais social destes

locais. Conforme o material analisado, os tijucanos entendiam por “utilização social” a

colocação de “praças e áreas verdes”, desmembradas em playgrounds, jardins, qua-

dras poliesportivas etc. “para toda a comunidade”54. A própria Praça Saenz Peña, que

permanecia interditada em 1981, foi local e motivo de protesto através de um passeio

de bicicletas acompanhado por um discurso generalizado de que “a prefeitura dá mais

atenção aos bairros da Zona Sul e esquece os da Zona Norte” (O Globo, 22 jun. 1981).

Dois meses depois, em “Tijucanos querem suas ruas como eram antes” (23 ago.

1981), O Globo reforçaria esta tônica, estampando a seguinte headline:

Literalmente entrincheirados, os moradores da Tijuca estão atravessando o momento mais crítico da história do bairro; se de um lado devem ceder às exigências do progresso, que esburaca ruas, traz poeira, barulho e descon-forto, de outro estão decididos a não abrir mão do velho bairro. Eles querem a Tijuca de volta, com a Praça Saenz Peña original, ruas do bairro desimpe-didas e áreas de lazer. Para isso, estão reunidos num “quartel”, a Associação

54 Nos anos 1980, o termo “comunidade” ainda era utilizado como autorreferência da própria classe média em se designar parte de um grupo social específico de bairro. O “rapto ideológico” deste termo aconteceria na década seguinte ao virar sinônimo de favela ou de área carente.

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dos Moradores e Amigos da Praça (Amoapra), que além de abaixo-assina-dos, já tem engatilhada outra arma na luta por seus direitos: o voto nas pró-ximas eleições.

Ainda no ano de 1981, o JB publicaria em sua Revista de Domingo reportagem

intitulada “Reação a um cerco fatal” (13 set. 1981) em que anunciava “a decadência

da Tijuca”. Tendo como argumento os transtornos causados pelo metrô, o repórter

José Emílio Rondeau relembra a imponência da Tijuca do passado para lamentar a

Tijuca “atravancada e perfurada” daquele longínquo ano de 1981:

Bons tempos, aqueles. Não havia tijucano que não ostentasse o adjetivo com um misto de insolência, orgulho e esnobismo.

[...]

Como talvez nenhum outro bairro do Rio de Janeiro, a Tijuca viu suas feições e hábitos retorcidos pelo tempo, pelo crescimento imposto por fatores exter-nos e pela constante reforma da infraestrutura da cidade. Sua qualidade de vida – de longe uma das melhores do Rio, pelo clima, pela localização, pela vegetação certa vez rica – caiu vertiginosamente. E o bairro expulsou para bem longe até mesmo alguns de seus mais fervorosos devotos. Sua geogra-fia atual desnortearia qualquer antigo morador que se afastasse da Tijuca por um período mais longo. Os limites tornaram-se turvos demais para se saber onde começa e onde acaba a Tijuca. Aos poucos, o bairro está deixando de merecer a denominação para se tornar mais um corredor de passagem.

Sem dúvida um dos maiores vilões da decadência da Tijuca é o metrô. Desde que foi cravada a primeira estaca em plena Rua Doutor Satamini, em agosto de 1976. Três atrasos no cronograma de construção mais tarde, dezenas de desapropriações depois, o que resta agora da ex-residência da Família Real é a sombra do bairro que, há sete anos, era a maior fonte de arrecadação do município.

Inaugurado em maio de 1982, o metrô da Tijuca foi recebido com festas e mui-

tas celebrações nas quais participou o então presidente João Figueiredo, quem dis-

cursou em palanque montado na Praça Saenz Peña junto à primeira-dama Dulce.

Antigo morador do bairro e ex-aluno do Colégio Militar, Figueiredo entoou discursos

afetivos sobre o seu tempo de menino na Tijuca e aproveitou a oportunidade para

agradecer a “compreensão por estes anos de sofrimento e de rebuliços que o metrô

foi obrigado a causar a vocês”. É intrigante notar a contradição entre o sentimento de

desprestígio e de “decadência do bairro” com a visita do Presidente da República –

isto é, o cargo executivo mais alto do país – durante um evento de apelo bastante

localista, quando o próprio Rio de Janeiro já não era mais capital havia pelo menos

duas décadas. Este seria um indício do forte poder político e de reivindicação dos

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tijucanos naquele início dos anos 1980 não obstante a impressão de “decadência”

anunciada pelo JB.

A cobertura completa da chegada do metrô à Tijuca foi destacada em mais de

duas páginas tanto pelo JB como por O Globo. No primeiro, matéria assinada a múl-

tiplas mãos por Bruno Thys, Gloria O. Castro, Luiz Fernando Gomes, Paula Motta,

Samuel Wainer Filho e Sandra Chaves intitulada “Tijuca anda de metrô e aprova” (28

mai. 1982) relatou, passo a passo, aquele dia de celebração e seu desenlace. Mesmo

que o bairro estivesse em clima de festa, é interessante notar a percepção dos repór-

teres sobre o fato de o metrô não ter “lotado” nas estações da Tijuca, sugerindo que

os tijucanos prefeririam construir, primeiramente, uma relação de maior familiaridade

com aquele moderno meio de transporte antes de adotá-lo, assim, de imediato. Essa

relação de familiaridade se construiria não apenas em saber como comprar os tíque-

tes e/ou ter melhor conhecimento sobre a localização das estações no mapa metrovi-

ário, mas também em aprender os códigos sociais de comportamento “adequado” no

metrô:

Três motivos principais levam as pessoas a enfrentar um ônibus lotado, trá-fego e uma viagem de quase 1 hora, quando poderiam se utilizar do metrô: insegurança diante do novo; falta de hábito; e receio de que não funcione tão bem quanto se fala.

Foram estas as razões principais dos viajantes no ônibus da linha 409 (Jardim Botânico-Praça Saenz Peña) que saiu às 18h do ponto próximo à estação do metrô de Botafogo e chegou ao seu ponto final na Praça Gabriel Soares, um pouco depois da estação da Saenz Peña, às 18h50min, com o número de passageiros habitual.

Muito sorridente, enormes brincos de ouro e unhas pintadas de vermelho. Maria Aparecida Gomes, de 37 anos, trabalha como manicure particular na Zona Sul e mora na Conde de Bonfim. Achando muita graça em suas próprias palavras, explica as razões de não ter usado o metrô:

- O Presidente inaugurou hoje né? Eu não peguei o trem porque não estou acostumada e não quero fazer feio. Um dia desses, quando eu não estiver muito apressada, vou dar um pulinho na estação só para ver como funciona. Com coisa nova eu não nego a minha raça. Faço como os matutos do interior. Primeiro dou uma sapeada e depois então eu uso como se andasse sempre.

Por outro lado, havia aqueles que, possivelmente, já acostumados ao metrô,

passariam a se preocupar não mais com os tapumes ou com os transtornos causados

à circulação de pedestres no bairro, mas sim com a “etiqueta” em fazer uso daquele

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meio de transporte de modo que não parecesse estar andando nos trens que saíam

da Central do Brasil rumo aos Subúrbios, visto como deselegante:

— Você viu só? – Queixou-se uma senhora bem vestida ao saltar na estação Saens-Peña ontem às 18h05m, voltando do Centro. ‘Tive de empurrar aquele homem que estava parado na porta, segurando em cima, como se estivesse no trem da Central’.

Ao longo dos anos sequentes, a Tijuca vivenciaria uma etapa que presumivel-

mente colaboraria ainda mais para que o bairro passasse a ser reconhecido como

“decadente” no imaginário coletivo da cidade, tal qual havia anunciado o JB em 1981

(“Reação a um cerco fatal”, 13 set. 1981). A crise social e urbano-metropolitana dessa

época acentuou os focos de violência urbana na cidade, nos quais as favelas passa-

ram a ser ainda mais metaforizadas como lócus da miséria, da insegurança e da ca-

lamidade pública. Ribeiro (2015) enfatiza que os anos 1980 “inauguraram” na cidade

do Rio toda uma conjuntura de informalidade, desemprego, pobreza e inchaço urbano

que implicou na queda da qualidade de vida cotidiana dos bairros em geral. Segundo

o material analisado, essa conjuntura afetou preponderantemente as qualidades ur-

banísticas e “sensoriais” da Praça Saenz Peña, cujos lojistas padeciam de um novo

“mal”: a precariedade na preservação do espaço público junto à concorrência com o

comércio informal, representado pela caricatura dos camelôs. Além do metrô, que

contribuiu para que o fluxo de pedestres aumentasse, um sem-fim de outros proble-

mas fez com que, pouco a pouco, mesmo devolvida à população após seis anos in-

terditada, a Praça Saenz Peña se tornasse motivo de desafetos e novas lamentações.

Em reportagens publicadas entre 1983 e 1986, nota-se que o “excessivo” número de

linhas de ônibus que transitava pela Rua Conde de Bonfim era uma das razões apon-

tadas pelos comerciantes locais para que os camelôs se fortalecessem e a desordem

se instaurasse. Além disso, o crescimento da mendicância e dos assaltos realizados

por “pivetes” se somariam à projeção de representações negativas por parte dos jor-

nalistas, onde um deles sugeriu, por exemplo, que a Saenz Peña havia se transfor-

mado num grande “mercado persa” (O Globo, Tijuca, 3 jun. 1986).

Um diferencial do material jornalístico publicado nos anos 1980 que permitiu a

esta pesquisa obter maior conhecimento sobre o objeto e, em contrapartida, estabe-

lecer correlações com a polifonia de significados simbólicos atribuídos ao bairro, foi,

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sem dúvidas, a criação do caderno de bairros “Tijuca”, do Jornal O Globo. Lançado

em maio de 1982 junto às comemorações da chegada do metrô ao coração da “Zona

Norte”, o caderno “Tijuca” se prestou a retratar com detalhes o dia a dia dos costumes,

das práticas de socialização, das visões de mundo, do patrimônio, e das transforma-

ções na fisionomia urbana pelas quais experimentava a “Grande Tijuca”.

Figura 17. O caderno “Tijuca”, de O Globo: comunicação bairrista entre jornal e público-alvo

Fonte: “Tijuca”, O Globo (06 dez. 1983); “Tijuca”, O Globo (18 fev. 1986).

Um detalhe interessante do caderno “Tijuca” de O Globo foi a veiculação de

inúmeras reportagens que, direta ou indiretamente, buscavam reafirmar o tijucano

como um perfeito exemplar da elite econômica do Rio de Janeiro mesmo consoante

a um momento onde a experiência do espaço vivido da Tijuca já estava colocando em

xeque o seu status de “bairro nobre”. Deste modo, produzia-se um canal de comuni-

cação de teor profundamente bairrista entre O Globo e os tijucanos na medida em

que aquele propagava reportagens “enobrecedoras” direcionadas exclusivamente à

classe social em questão. Logicamente, a atribuição de um status elevado à figura

social do tijucano continuou sendo dada a partir de seu contraste com os equivalentes

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da Zona Sul, mas numa relação de disputa onde o habitus já havia perdido espaço.

Os ganhos de espaço, naquele momento, se dariam a partir da afirmação da posse

de capital econômico e de um abatido capital simbólico, sempre defendido conforme

um determinado contexto. Em 23 de abril de 1985, reportagem assinada por Lucia

Tâmega para o mesmo caderno intitulada “Tijucano tem motivo de sobra para ser

bairrista” dissertava sobre as mil e uma virtudes sociais do morador da Tijuca, sendo

a principal delas o seu “perfil socioeconômico”:

Uma insólita historinha é contada com certo ar de espanto pela bilheteira do cinema Art-Palácio, no coração da Praça Saens Peña: no final de cada se-mana de trabalho Vera contabiliza quase Cr$ 20 mil, um reforço salarial que chega ao seu bolso em forma de gorjeta. A simplicidade dessa rotina da bi-lheteira retrata o perfil socioeconômico do morador da Tijuca, o bairro de maior renda per capita do Rio.

Em 8 de maio de 1984, a reportagem “Em busca de certa tranquilidade, a cor-

rida à Tijuca”, publicada no mesmo caderno pela repórter Marisa Castellani, enaltecia

as qualidades de se morar na Tijuca por destronar “o mito Copacabana” do posto de

recordista em locações no mês de março de 1984, absorvendo 13,9% das locações

feitas na cidade do Rio de Janeiro. Em seu texto, Castellani procurou demonstrar que

a renovação de imóveis na região atraía uma numerosa clientela em busca de tran-

quilidade e do ambiente familiar que marcavam o perfil da Tijuca, cujos preços dos

aluguéis eram “comparáveis aos do Flamengo e de Laranjeiras, porém mais baixos

do que nas áreas da praia”. Não obstante o custo de vida menor, Castellani enfatizava

que o diferencial da Tijuca em relação a Copacabana seria o oferecimento de “prédios

mais modernos” ao contrário deste último, “onde a larga maioria dos imóveis disponí-

veis está envelhecida e com poucas condições de reforma”.

A representação da Tijuca como uma centralidade também foi frequente nesta

época a exemplo da matéria “Zona Sul? Já era. A noite tijucana é o maior barato”

(“Tijuca”, O Globo, 16 jul. 1985), que defendia a capacidade do bairro em gerar lazer

e entretenimento para seus moradores sem que estes tivessem de ir para a Zona Sul.

Tendo como enfoque o perfil boêmio do público jovem da “Zona Norte”, a repórter

procurou expor as razões pelas quais a Tijuca ficava pouco a dever para os programas

noturnos da Zona Sul. Naquele momento, a noite da Tijuca havia sido oxigenada com

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a chegada de um perfil de danceterias, matinês, bares e pubs que, até então, só exis-

tiam “do outro lado do Rebouças”. O assassinato da adolescente Mônica Granuzzo,

estuprada por dois rapazes em boate na Zona Sul pouco tempo antes, é apontado

pelos adolescentes tijucanos como um dos motivos pelos quais seria “muito melhor

ficar na Tijuca, onde ainda não ‘pintaram’ essas confusões”. Nesta matéria, a repre-

sentação de um bairro que celebrava sua vida boêmia entre “iguais” é colocada em

destaque pela repórter como um atributo de sucesso a tantos empreendimentos co-

merciais deste gênero na Tijuca, muito embora houvesse aqueles que, ao se verem

mais identificados com o estilo boêmio da orla, abriam mão do convívio com seus

pares no bairro para atravessarem o túnel. Na fala de uma das entrevistadas, esse

tijucano “tipo Zona Sul”, entretanto, seria malsucedido em suas tentativas de se en-

turmar com a moçada de lá por não ter “a malícia característica” daquela região:

A Tijuca tem dois tipos de jovens: um mais conservador, que tem orgulho do bairro e vai a todos os lugares que abrem por aqui e outro mais “tipo Zona Sul”. Esse só dorme na Tijuca. Trabalha, estuda e frequenta a Zona Sul. De noite vai com seu Scort preto para os bares de lá, abre a porta do carro, põe o som no último volume e faz pose para as gatinhas. Mas todo mundo sabe que ele é tijucano. Ele não tem a malícia característica da Zona Sul.

A noção de autossuficiência da Tijuca se repete em matéria publicada pelo JB

intitulada “Tijucano só deixa o seu bairro para ir à praia” (5 fev. 1984). O motivo pelo

qual o tijucano supostamente não precisava sair de seu bairro para consumir ou se

divertir (senão para ir à praia) é apontado por ambos os repórteres – desta e da última

matéria exemplificada – pela percepção da qualidade compatível dos estabelecimen-

tos comerciais tanto na Zona Sul como na Tijuca, e, também, pela percepção de que

os preços desses serviços seriam mais baratos na Tijuca do que na Zona Sul. Este

detalhe evidencia um atributo que conferia à Tijuca características de um lugar que

procurava ser distinguido por seu “bom custo-benefício”, muito embora as reportagens

que abordavam o mercado imobiliário presumissem a ideia de que a Tijuca era um

bairro “caro” e “com razão”. Assim, a contemporização entre ser um bairro “caro”, mas

ao mesmo tempo, com “bom custo-benefício”, é bastante característica das matérias

veiculadas nesta época sobre as qualidades da Tijuca.

De mais a mais, vale apontar estes dois últimos casos como exemplares de um

paradoxo em se afirmar e reafirmar a posição de “centralidade” da Tijuca através de

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discursos que procurariam apresentar toda uma série de qualidades que, numa aná-

lise crítica, pareciam ser ignoradas pelos leitores pelo modo como eram colocadas. O

tom persuasivo dessas reportagens é notório, indicando a batalha da Tijuca em rei-

vindicar sua posição de bairro “autossuficiente” justo num momento onde essa quali-

dade parecia ver-se cada vez mais “enturvada” pela perspectiva das classes domi-

nantes.

Mas, para além dessas qualidades e virtudes, também havia os defeitos. En-

quanto a Praça Saenz Peña era tomada por camelôs e por um clima de desordem, o

lado ruim de morar na Tijuca teria a ver com o fato de grande parte de suas encostas

já estar monopolizada por favelas. É o que aponta a repórter Lucia Tâmega, na repor-

tagem mencionada anteriormente (“Tijucano tem motivo de sobra para ser bairrista”)

do caderno “Tijuca”, de O Globo (23 abr. 1985):

Mas, nem tudo é de bom tom na vida dos tijucanos. Curiosamente, também, o bairro é o único do Rio com 11 favelas. Dos 260 mil habitantes que povoam a Tijuca, 55 por cento residem em favelas enfrentando os graves problemas da marginalização social; subnutridos, carentes de serviços médicos, de as-sistência social e de saneamento básico.

Neste período, as menções conferidas às favelas incidiam mais sobre a per-

cepção de que elas se tratavam de “problemas sociais” do que espaços “perturbado-

res” do cotidiano da Tijuca – tal como aconteceria na década seguinte –, embora al-

gumas reportagens deem a entender que existiria uma relação bastante protocolar

entre tijucanos e “favelados” ao reconhecerem que cada qual habitava seu próprio

habitat, sem misturas. Vale dizer que as favelas tendiam a ser identificadas como lo-

calidades à parte, embora reconhecidamente inscritas no espaço físico da Tijuca. A

identificação social dos moradores das favelas como “tijucanos” raramente acontecia

senão em circunstâncias pontuais, a exemplo das matérias cuja pauta fosse “carna-

val”. O prestígio detido por algumas escolas de samba, como o Acadêmicos do Sal-

gueiro, originários do morro homônimo, fazia com que se abrissem exceções para a

propagação de epítetos como “a vermelho-e-branco tijucana”, mas mesmo assim de

modo cauteloso. Na reportagem “Quilombo urbano, uma festa para o Salgueiro”, pu-

blicada no Caderno B do JB em 24 de setembro de 1984, a repórter Mara Caballero

apontava os resultados de uma pesquisa que tinha como objeto o Morro do Salgueiro

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e na qual se constatava uma relação de animosidade dos “salgueirenses” para com

os tijucanos por se sentirem discriminados, muito embora estes últimos se orgulhas-

sem das vitórias da escola:

Da mesma forma como a relação com a Tijuca, bairro de classe média, “que sem dúvida carrega preconceitos (raciais, sociais), como observam Elza Cléa e Elite, em relação aos moradores do Salgueiro. Estes, se não mostraram animosidade, confessam alguma estranheza: houve quem dissesse que não se sentia bem na Praça Saenz Peña. Mas há momentos de integração. “Todo tijucano é um pouco salgueirense e orgulha-se das vitórias da escola”, diz Elza Cléa.

Para o caso acima, é curioso notar o aposto “bairro de classe média” para ex-

plicar o que seria a Tijuca. Este reforço de linguagem permaneceria presente a partir

da segunda metade dos anos 1980, apesar de os sintomas da percepção de um de-

clínio simbólico da Tijuca ganhar mais notoriedade até mesmo nas manchetes: “As-

saltos a prédios tiram a tranquilidade dos tijucanos” (O Globo, Tijuca, 02 set. 1986);

“Na Tijuca de hoje, poucos sinais dos ‘anos dourados’” (O Globo, Tijuca, 10 jun. 1986);

“No Montanha, do bom tempo só resta saudade” (O Globo, Tijuca, 19 ago. 1986);

“Tiros na janela. Nem em casa se vive mais seguro” (O Globo, Tijuca, 14 out. 1986);

“Saens Peña: o coração da Tijuca bate mais devagar” (O Globo, Tijuca, 09 ago. 1988);

“Dos ‘bons tempos’, Tijuca de hoje só tem a saudade” (O Globo, Tijuca, 28 abr. 1987).

Curiosamente, todas estas matérias foram publicadas no caderno “Tijuca”, de O

Globo, demonstrando uma outra faceta deste suplemento que seria a de destacar os

problemas pela perspectiva poética de um bairro que era “de um jeito” e estava ficando

“de outro”. Portanto, a notícia nua e crua publicada no caderno “Tijuca” tendia a ser

condescendente com o capital simbólico daquele espaço – isto acontecia quando se

falava dos clubes, por exemplo, que já passavam a ter seus símbolos de distinção e

de prestígio percebidos como “recordações”, apesar de seu status ainda ser colocado

como digno de respeito55.

55 Em entrevista à reportagem “Tijuca Tênis Clube: 70 anos, muita história para contar”, publicada no caderno “Tijuca” (9 jul. 1985), de O Globo, o então presidente do Tijuca Tênis Clube afirmava: “A pre-ocupação de um sócio hoje não é tanto o status, embora o Tijuca ainda represente isso. É o único clube do Rio capaz de manter um baile de gala no aniversário com repercussão extramuros e presença de altas autoridades de expressão social, empresarial e política”.

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Figura 18. A tradição e a modernidade na Tijuca: fotógrafos lambe-lambe próximos à esta-ção Saens Peña do metrô (1986)

Créditos: Alexandre França (Agência O Globo), 30 ago. 1986.

Em meio a um cenário de bairro que, lentamente, começava a desencantar os

seus mais devotos moradores, em 22 de setembro de 1988 reportagem do caderno

“Barra”, de O Globo, dizia que este balneário seria o “doce exílio dos tijucanos”. Na

ocasião, o repórter Luís Eduardo Galvão apontava que os condomínios e prédios es-

palhados nas proximidades da orla da Barra atraíam cada vez mais os moradores da

Tijuca como locais de veraneio. Estes tijucanos, no entanto, na ótica de O Globo, se

viam premidos entre a adoração pelo bairro e o desejo de se mudarem para um lugar

mais tranquilo, próximo à praia:

Eles se constituem em típicas famílias tijucanas da classe média. Têm verda-deira adoração pelas facilidades que lhes proporciona o bairro em que moram e, por isso, jamais pensam em deixá-lo. Apesar do bairrismo que caracteriza o tijucano, a Barra da Tijuca exerce verdadeiro fascínio por essas famílias. Prova disso é que, não satisfeitos em apenas ir à praia, que fica a uma dis-tância de apenas 15 quilômetros, gastando em média não mais do que 20 minutos de carro com o trânsito livre, um número cada vez maior delas man-tém um apartamento na Barra só para passar os fins de semana, feriados e até mesmo as férias.

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Das reportagens publicadas entre 1988 e 1989, muitas delas apontavam ques-

tões interessantes a respeito de como o perfil social do tijucano já se mostrava repre-

sentado de modo um pouco diferente ao anterior. A problemática de o tijucano ser

“confundido” como suburbano foi motivo de pauta, aparentemente pela primeira vez,

em 06 de dezembro de 1988, na qual o caderno “Tijuca”, de O Globo, alegava que

“muito tijucano fica enfezado quando o pessoal da Zona Sul classifica seu bairro como

subúrbio”. A matéria contemporizava essa “terrível” associação recorrendo à definição

de “subúrbio” no dicionário como “áreas livres do sufoco do centro urbano, da poluição

e de todos os transtornos normalmente embutidos na palavra ‘progresso’, sendo regi-

ões, inclusive, consideradas nobres em outros países”. Por fim, concluía que se ser

“suburbano” era tal como apontava o dicionário, a Tijuca poderia ser subúrbio, sim,

“mas até certo ponto”. Outra passagem interessante dizia respeito à percepção rela-

tiva da queda do capital cultural do bairro em matéria intitulada “A difícil arte de achar

bons filmes na Tijuca” (15 nov. 1988), publicada no mesmo caderno. Na ocasião, o

editorial comentava sobre o fato de a Tijuca “estar entregue ao filme americano”, en-

quanto proprietários de redes de cinema diziam que cinema de arte, na Tijuca, seria

sinônimo de “butique em ponto fraco”.

Neste momento, a Tijuca parecia estar qualificada entre os atributos que ainda

a faziam ser reconhecidamente um bairro de elite entre os diversos problemas crôni-

cos – tanto urbanos como sociais – que inquietavam a força do seu capital simbólico.

Um desses problemas urbanos eram as enchentes, que tradicionalmente castigam

toda esta região da “Zona Norte” nos meses mais cálidos. O drama de um “bairro

elitizado” atingido por intempéries do gênero foi destacada pelo JB em 22 de agosto

de 1988; segundo o editorial, as enchentes na Tijuca, na noite anterior, teriam sujei-

tado até mesmo um cirurgião a “pegar na enxada” para limpar a rua onde morava.

Esta cena teria se repetindo por outros logradouros, “de residências de classe média

abastada, onde seus moradores, profissionais liberais na maioria, não pensavam ser

afetados pelo temporal como seus vizinhos menos favorecidos do morro do Borel e

da Formiga”.

Além disto, o perfil de bairro conservador, “considerado um dos últimos redutos

da moral e dos bons costumes na cidade”, também continuou sendo costumeiramente

reforçado pelas matérias publicadas especialmente no JB no fim dos anos 1980. Esta

foi a tônica pela qual o jornal se valeu para falar do escândalo gerado pelo suicídio de

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uma jovem moradora da Rua São Francisco Xavier, que havia se atirado da janela do

apartamento onde morava pelo peso da culpa em entregar-se às “drogas e ao sexo”

com estranhos após noitada (JB, 27 fev. 1989). Para justificar que aquele tipo de acon-

tecimento era incomum à rotina do bairro, o JB publicaria em 14 de março do mesmo

ano matéria intitulada “Tijuca, um calmo cenário”, demonstrando que a noite da Tijuca

era “curta”, onde “dificilmente se encontra um bar aberto depois das 2h”, mas que a

proximidade com os morros tornava fácil “o acesso aos tóxicos”. Se por um lado a

pouca badalação é apontada pelo JB como atributo de qualidade à vida moral do

bairro, por outro, a insatisfação do público jovem se revela na fala dos entrevistados:

“— Ninguém fica mais na Tijuca!” / “— O tijucano é aquele que não conseguiu chegar

até a praia, mas se afastou de Noel Rosa. É uma província que o próprio morador não

gosta de frequentar. Não está nem na Zona Norte nem na Zona Sul, não sabe onde

está”.

Ainda sobre o perfil conservador, em ocasião da apuração dos votos para as

primeiras eleições presidenciais diretas em 1989, manchete do mesmo jornal, só que

meses mais tarde, destacaria o insólito fato de que a Tijuca havia dado preferência a

um candidato de esquerda (JB, 16 nov. 1989):

O conservadorismo tijucano parece estar desaparecendo. Ontem, mais uma vez o bairro surpreendeu ao evidenciar uma nítida preferência pelos candida-tos de esquerda. [...] Bairro de elite da Zona Norte com 200 mil habitantes, a Tijuca surpreendeu politicamente pela primeira vez ano passado, quando deu a Jorge Bittar 25,2% dos votos, superando o liberal Álvaro Valle, morador do bairro, que teve 22,9%.

Foi desta forma como a Tijuca encerrava os anos 1980: sentindo-se – e sendo

vista – como deslocada, mas amplamente reforçada como um bairro que ainda tinha

lá sua distinção perante os demais.

6.2 Os anos de 1990: entre o bairrismo e a vontade de ir embora

A partir de 1990, a sensação da Tijuca como um bairro “em crise” se acentuaria

à medida que a “desordem” alastrada pelo bairro na década anterior se unia, naquele

momento, ao problema da violência urbana. A Praça Saenz Peña passaria a ser re-

presentada tanto por O Globo pelo JB como um lugar que “havia deixado saudades”,

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enquanto, por outro lado, os sintomas de um grupo social bairrista também continua-

vam sendo entoados pelas matérias, especialmente por O Globo e seu caderno de

bairros. A contradição em perceber um espaço tomado pela desordem – aspecto que

parecia desonrar o passado nobre do bairro – e outro onde seus moradores aparen-

temente não queriam sair dali, mesmo insatisfeitos, permaneceu retratada como tal,

mas com algumas ressalvas: sair da Tijuca já começava a se mostrar como opção.

Essa antinomia se mostra bastante presente entre duas matérias publicadas no pri-

meiro semestre de 1990. Em 07 de maio daquele ano, a jornalista Cristiane Costa

estamparia no caderno Cidade do JB reportagem de título “Saudades da Saenz Peña:

especulação imobiliária, metrô e violência destruíram os anos dourados da praça”. A

composição da matéria dispunha de um modelo clássico utilizado por aqueles que

costumavam retratar a Tijuca através de uma memória afetiva. Logo, a recordação do

charme do passado servia de insumo para condenar o “caos” do presente:

Todos os dias, quando desce de seu apartamento em frente à Praça Saenz Peña, Rosalina Mendes de Paiva tem os olhos embaçados pela nostalgia. É impossível não ver a sujeira, os mendigos, a poluição dos ônibus, a confusão dos camelôs, a violência de assaltantes e policiais. Mas nada disso a faz es-quecer o perfume das árvores frondosas da antiga Saenz Peña, com retreta no coreto e linhas de bonde que circulavam por ali quando começou a dar os primeiros passeios, há 70 anos. Uma Tijuca que sobrevive apenas nas lem-branças dos antigos moradores.

[...]

“Hoje não tem mais graça. Meus amigos ou morreram ou foram embora. Meu filho não gosta daqui, mora com meus netos na Zona Sul. Tem medo até que eu desça à praça, por causa de assaltos”, afirma Rosalina. Se antes, ela não frequentava a praça à noite por proibição da mãe, agora o motivo é a violên-cia. “De vez em quando sai até tiro. Ao escurecer, as moças e senhoras vão todas para casa. Pouca gente se arrisca a passear por aqui, nem mesmo os namorados que antigamente disputavam os bancos. Para falar a verdade, nem sei mais como é a praça de noite. Nem da janela eu observo”, revela a mais assídua frequentadora da Saenz Peña.

Na contramão de um bairro que havia ficado diferente e, portanto, “que não

tinha mais graça”, o Segundo Caderno56 de O Globo, em 13 de março de 1990, enfa-

tizava que, apesar dos pesares, o morador da Tijuca seria um “apaixonado radical”. À

despeito das considerações de uma Praça Saenz Peña atacada por um desmorona-

mento simbólico frente ao que havia sido em tempos anteriores, a repórter Cláudia

56 Caderno de cultura, em geral.

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Belém afirmava, categórica, que o tijucano seria um bairrista assumido, que driblava

as piadas maldosas (da Zona Sul) e se orgulhava de morar na “Zona Norte chique”. É

interessante observar as discrepâncias nessas percepções de espaço, pois enquanto

a senhora Rosalina Mendes da Paiva, moradora antiga entrevistada pelo JB, detinha

uma percepção do bairro reforçada pelo editorial, nesta matéria de O Globo, a atriz

da TV Globo Flávia Monteiro informava, entusiasmada, que “o grande programa nas

tardes vazias é passear na Praça Saens Peña”, e que só sairia da Tijuca para morar

em um “superapartamento na Lagoa com vista ampla e em andar alto”. A troca do

bairro pela Zona Sul é colocada por esta reportagem como uma decisão tomada de

modo cauteloso pelos tijucanos, cuja vacilação aconteceria preponderantemente na

vida adulta:

Quando criança, o tijucano passeia na Praça Saens Peña, adora o sorvete do Palheta e do Pinóquio e os sanduíches do Bob's, que ele não trai por ne-nhum McDonald's”. Continuava: “Adolescente, ele sobe ao Alto da Boa Vista para namorar. Adulto, frequenta os teatros da Zona Sul e sonha em morar na Barra, da Tijuca.

[...]

O tijucano é mesmo um apaixonado radical. Mas, depois de descoberta a Zona Sul, o tijucano tem duas opções. Ou fica no bairro e assume sua posição de Zona Norte chique, ou se rende à tentação e se muda para o lado de lá do túnel.

A perspectiva de a Tijuca ser imaginada como um bairro “família” se repete

indiretamente na fala da repórter Cláudia Belém. A contraposição entre a vida infantil

e a vida adulta num bairro que, para aquela fase, oferece espaços de interação e

acolhimento ao passo que nesta outra o exige “sair” dele para encontrar espaços apro-

priados de entretenimento e vida noturna, é marcante. Porém, muito embora a repórter

afirme que “render-se à tentação” seria mudar-se para “o lado de lá” do túnel – isto é,

para a Zona Sul –, o que se viu na Tijuca dos anos 1990 pelos jornais foi o anúncio

da progressiva transferência de seus moradores para o lado de lá, na verdade, do Alto

da Boa Vista: a Barra da Tijuca. Este processo, que já havia começado timidamente

no final dos anos 1980, ganharia força sobretudo a partir de 1993, ano em que tanto

o JB como O Globo noticiavam que a Barra finalmente tornava-se uma “extensão” da

Tijuca:

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Profissional liberal, tijucano, idade entre 25 e 40 anos. Este é o perfil da mai-oria das pessoas que estão lotando, nos finais de semana, os estandes das construtoras com lançamentos na Barra da Tijuca. Embora não haja dados estatísticos, na conversa com seus clientes a maior parte dos corretores que atuam no bairro constata que o principal objetivo não é o investimento: os compradores pretendem ter o imóvel para uso próprio, seja residencial ou comercial (JB, Negócios & Finanças, 12 jul. 1993).

Ao mesmo tempo, o início da migração dos estratos mais dominantes da Tijuca

para a Barra coincidia com um período onde o problema da violência urbana nos bair-

ros mais antigos da cidade do Rio ganhava novos contornos. Esse panorama seria

bastante característico da Tijuca, especialmente a partir de 1992, quando O Globo

publicou reportagem de página inteira intitulada “Tijuca, um bairro refém do crime” (23

fev. 1992) logo no seu primeiro caderno. Segundo a repórter Sofia Cerqueira, quadri-

lhas fariam o loteamento do bairro onde, para cada área, haveria um tipo de assalto

diferente. Na Praça Saenz Peña, por exemplo, atuaria a “gangue do caco de vidro”,

atacando principalmente “mulheres ao volante e pedestres com bolsos largos”. Além

disso, outros tipos comuns de crime no bairro seriam os roubos a residências nas ruas

próximas aos morros; assaltos a determinadas linhas de ônibus, como a 606 (Enge-

nho de Dentro-Rodoviária), cujo trecho da Praça Saenz Peña à Praça da Bandeira era

apelidado de “o trecho da faxina”; furtos de automóveis, e até mesmo abordagens

criminosas dentro dos cinemas:

Nem uma das igrejas mais tradicionais da Tijuca, a São Francisco Xavier, escapou da ação dos pivetes que assaltam no bairro, certos da impunidade e confiantes nos direitos do Estatuto da Criança e do Adolescente. No dia 4 passado, a igreja foi invadida por nove menores. O “arrastão” com os fiéis só não se concretizou porque um dos vigias da São Francisco Xavier conseguiu convencê-los a deixar o local. Segundo padre Juca, nos últimos três anos oito fiéis foram vítimas de assaltos dentro do próprio templo, enquanto rezavam.

A percepção de decadência urbanística do bairro, acompanhada pela própria

insatisfação de parte dos tijucanos em residir num espaço ameaçado em todas as

esferas, se estenderia, agora, ao descontentamento em viver num bairro idolatrado,

mas fortemente inseguro. Nos jornais, a Tijuca seria temática enquadrada lenta e gra-

dualmente ora pelos cadernos policiais, ora pelos cadernos de imóveis no papel de

bairro “deixado de lado” a favor da emergência da Barra da Tijuca na estrutura socio-

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espacial carioca. Assim, enquanto os discursos de um bairro “com qualidades” e “mo-

radores bairristas” e “de elite” iam começando a perder espaço nos cadernos de cir-

culação geral, estas representações, por sua vez, passavam a se restringir cada vez

mais ao caderno “Tijuca”, de O Globo, que procuraria falar dos problemas também,

mas sem deixar que o seu texto se abalasse tanto com eles.

Figura 19. Vista aérea da Praça Saenz Peña (1990)

Fonte: José Vasco (Agência O Globo), 04 jul. 1990.

Entre 1991 e 1995, diversas reportagens publicadas pelo caderno “Tijuca” per-

maneceram na tendência de se reafirmar socialmente o tijucano como uma grande

potência econômica ignorada pela população do Rio de Janeiro. Em “O jeito chique

de se viver no bairro” (26 nov. 1991), a repórter Andrea Magalhães afirmava que a

valorização dos imóveis na Tijuca comprovava o status da região, “refúgio de comer-

ciantes bem-sucedidos, novos ricos e de uma classe média alta, tradicional e conser-

vadora, que investe no conforto e na diversão”. Na ocasião, Magalhães sublinhava

que as ruas mais nobres “passavam bem longe dos morros e dos locais mais movi-

mentados comercialmente”, destacando ainda, curiosamente, “que havia moradores

da Zona Sul querendo se mudar para o bairro” para fugir da violência:

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A Tijuca não é um refúgio de índios – como ironizam alguns moradores da Zona Sul, em relação à floresta existente no bairro – muito menos um bairro onde se concentram pessoas de baixo poder aquisitivo. Para os menos infor-mados, existem na área prédios e casas tão ou mais valorizados que alguns da Barra, Leblon e São Conrado, onde moradores com alto poder de compra se dão ao luxo de, anualmente, importar um carro ou instalar, em suas resi-dências, banheiras de hidromassagem computadorizadas.

Em outubro de 1993, outra reportagem assinada pela mesma repórter seria

categórica em avultar o potencial econômico e o estilo de vida do tijucano como razão

para que o bairro fosse a maior arrecadação de ICMS do Rio e uma das mais altas

rendas per capita do país:

Algumas famílias tijucanas e de bairros vizinhos recebem e frequentam a high society carioca e garantem que não lhes falta know-how e familiaridade com este universo. Segundo Lena Grumbach, diretora comercial da Gorgeous, a tijucana das classes A e B alta, independentemente de sua idade, é uma con-sumidora exigente e que quer estar sempre bem vestida em eventos sociais.

[...]

De raquete em punho, eles começam a chegar ao Tijuca Tênis Clube (TTC) às 6h. Pressa não existe, porque a vida já está ganha. A maioria passou dos 40, admite que pertence às classes B alta ou A, e acha o tênis um esporte sofisticado, elitizado e caro.

[...]

À boca pequena, comenta-se que os tijucanos não gostam de falar a respeito do dinheiro que têm. E há quem brinque dizendo isso que, às vésperas de um cruzeiro para a Europa, são capazes de falar em dificuldades financeiras.

Destaca-se que a repórter Andréa Magalhães foi responsável por publicar uma

série de reportagens deste gênero no período mencionado, apesar de que, em para-

lelo, os cadernos de circulação geral destacavam o cenário oposto àquele, isto é, de

uma Tijuca afetada pela violência e pela consequente migração destes tijucanos

“classe A” para a Barra da Tijuca. Em entrevista concedida a esta pesquisa, Andrea

Magalhães (2017) comentou que muitas destas pautas assinadas por ela haviam sur-

gido como reflexo da própria experiência de espaço vivido da jornalista – quem reside

até hoje no bairro –, apesar de que a linha editorial do caderno de bairros prezasse a

publicação de matérias mais descontraídas e simpáticas ao dia a dia da Tijuca porque

também se constituía como um grande veículo de anúncio e publicidade para lojistas

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tijucanos. Neste sentido, Magalhães (2017) destaca que dificilmente notícias “pesa-

das” sobre o bairro saíam no caderno “Tijuca” porque correriam o risco de prejudicar

a visibilidade que os anunciantes vislumbravam naquele suplemento. De todo modo,

é válido salientar o lugar de fala de Magalhães que, mesmo atribuída de uma posição

cujo discurso passava por um refinamento intelectual, também se valia da sua expe-

riência individual para defender os hábitos, costumes e perfil de uma classe social à

qual ela própria pertencia57.

A partir de 1995, o problema da violência urbana na Tijuca se agravaria ao

evoluir dos assaltos realizados por “gangues do caco de vidro” para os tiroteios entre

confrontos policiais e traficantes de drogas. A tomada das favelas pelo poder paralelo

fez da Tijuca palco de confrontos legendários entre facções criminosas rivais, no qual

a geografia do bairro – em forma de vale – mostrou-se amplamente favorável ao al-

cance das balas perdidas em atingir as janelas e vidraças dos edifícios de classe mé-

dia. Com isso, o desejo de sair do bairro. Nesse ano, circularia no JB um caderno de

bairros parecido com o d’O Globo, mas dedicado a falar exclusivamente de um único

em específico: a Barra da Tijuca. O caderno JB Barra saía às quintas-feiras, quando

na edição de 26 de outubro salientaria que “praia e conforto” atraíam “pessoas que,

em pouco tempo, decidem ficar de vez no bairro”. Essas pessoas seriam, a esmaga-

dora maioria, originárias da Tijuca:

A família do estudante Luís Felipe Garcia passou 14 anos indo todos os fins de semana da Tijuca para o condomínio Barramares, onde tinha um aparta-mento. A possibilidade de se mudar definitivamente dividiu a família. En-quanto Luís Felipe, a mãe e a irmã não viam a hora de arrumar as malas, o pai, Emerson, relutava, em virtude da distância do trabalho, no Centro. Depois de muito insistir, os três conseguiram convencê-lo. Deixaram o apartamento do Barramares com parentes e compraram outro no condomínio Bosque de Marapendi, para onde se mudaram há oito meses. “Hoje, quem mais curte a Barra é meu pai. Nós sempre encarnamos nele por isso”, diz Luís Felipe.

57 Andrea Magalhães (2017) acrescentou, também, outro detalhe interessante que explicita a ideia de proximidade social da Tijuca com a Zona Sul e a Barra através de O Globo. Segundo a jornalista, existiam os seguintes cadernos de bairros em meados dos anos 1990: Tijuca, Zona Sul, Barra, Zona Norte, Zona Oeste, Ilha e Baixada. No processo de produção das matérias, havia aquelas que o editorial categorizava como de “circulação geral”, dedicadas a falar sobre assuntos de saúde, empreendedo-rismo, arte etc. Apesar da produção de matérias específicas para cada caderno, existiriam estas outras reportagens mais genéricas que cobriam possíveis “buracos” em determinadas edições. Segundo An-drea, essas reportagens de circulação geral eram limitadas por conjuntos de cadernos, dos quais o da Tijuca se unia aos da Barra e da Zona Sul. “Se fôssemos falar sobre um empreendedor da Baixada Fluminense, O Globo jamais colocaria essa matéria no caderno ‘Tijuca’, muito menos no caderno ‘Zona Sul’. Mas, se a pauta fosse sobre uma clínica dentária de ponta, por exemplo, na Barra, este tipo de matéria poderia circular facilmente no caderno Tijuca, por uma questão de público-alvo”, explicou.

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Não obstante fosse vista até meados dos anos 1990 como uma “extensão” da

Tijuca, na medida em que os novos moradores se assentavam na Barra e se apropri-

avam daquele espaço, as rivalidades e o preconceito com os tijucanos que ainda mo-

ravam na Tijuca passariam a ascender tanto no espaço social como no espaço físico.

Em 22 de fevereiro de 1996, o caderno “Barra” de O Globo diria que a rivalidade entre

os moradores da Barra e tijucanos seria “antiga e assumida”. Na ocasião, mostrava-

se que a praia da Barra contaria com faixas de areia específicas para “suburbanos”,

tijucanos, moradores da Barra e da Zona Sul, mas que tais fronteiras seriam facilmente

burláveis dependendo da semana, gerando tensões: “— Eu odeio passar pelos tre-

chos de farofeiros, não consigo nem olhar. Também acho que os tijucanos não deviam

nem ter direito de vir à Praia da Barra. Eles estragam o lugar – fala Camilla Torrini,

frequentadora assídua do Pepê”. Na contrapartida, a voz da Tijuca: “— Eu nunca fre-

quentei o Pepê porque acho que lá só tem garota metidinha e homem fresco – revela

a tijucana Marcela Mesquita”.

O desconforto em dividir a praia com “farofeiros” e “tijucanos”, na perspectiva

da moradora da Barra da Tijuca, releva, por um lado, a percepção da diferenciação

social entre os moradores dos Subúrbios – em livre interpretação – e os da Tijuca,

muito embora estivessem categorizados, por outro, como um grupo social generali-

zado e nada bem-vindo àquele local. Essa rixa ficaria ainda mais notória com a aber-

tura da Linha Amarela, em 1997, via expressa ligando os Subúrbios à Barra da Tijuca.

Matéria do JB intitulada “Perfil do Pepê muda com Linha Amarela” (Domingo, 21 dez.

1997) foi emblemática e direta ao apontar que a praia da Barra, “território livre de gente

bonita, cães e frescobol”, estranhava “poluição e chegada de banhistas da Zona

Norte”. Ao mesmo tempo, é curioso observar que a “invasão” não incomodava apenas

os moradores da Barra, mas sobretudo os tijucanos que mantinham “glebas” de areia

cativas para eles e que, naquele momento, passavam a ter de dividi-las com banhistas

oriundos dos bairros vistos como mais humildes:

Frequentadora há 14 anos do Viajandão, reduto dos tijucanos, na Barra, He-lionne Santa Cruz, 29 anos, já se acostumou com a invasão de turistas, e fãs de Romário. Mas ter que dividir o espaço com a nova turma que está apare-cendo nos últimos fins de semana estava fora dos planos.

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Enquanto os tijucanos lutavam contra as pechas pela afirmação de sua distin-

ção em relação às demais classes sociais da Zona Norte na praia da Barra, do outro

lado do Alto da Boa Vista “o medo rondava a [rua] Conde de Bonfim” (JB, Cidade, 17

mai. 1998):

A Rua Conde de Bonfim não é mais a mesma. A principal artéria da Tijuca, o mais tradicional bairro da Zona Norte, está espremida pela guerra do tráfico nas favelas e abalada pela queda de movimento no comércio. Estão longe os dias em que vendia-se bem nas lojas da rua e em que a Praça Saens Peña era um prestigiado ponto de lazer no bairro. Hoje, os traficantes impõem medo aos comerciantes do asfalto, que amargam uma queda de 60% nas vendas, se comparados a 1996. O baque é consequência também do Rio Cidade, que tirou as vagas para carros da rua.

A tônica desta reportagem do JB se embasava na situação calamitosa que “um

bairro de classe média do Rio” enfrentava diariamente, mostrando que uma das es-

tratégias dos comerciantes para “acalmar os ânimos” seria empregar os moradores

da favela. A rotina de tiroteios, entretanto, não abalaria o bairrismo, “mais forte que a

violência”58, apesar de que o descontentamento com a Praça Saenz Peña continuasse

a ser apontado como sinônimo de decadência. No entanto, parecia tratar-se de uma

decadência relativa, já que o comércio “próspero” da Tijuca não havia desaparecido,

mas sim mudado de endereço: o Shopping Center Tijuca e o Shopping Iguatemi, am-

bos inaugurados em 1996 – o primeiro a poucos metros da Saenz Peña e o outro na

fronteira entre o Andaraí e Vila Isabel. Seguindo os padrões de luxo da matriz paulis-

tana, o Iguatemi-Rio procurou apostar na tão propagada alta renda per capita dos

tijucanos, mas acabou vendo sua estratégia malfadar. Além de não ter levado em

conta os hábitos de consumo dos possíveis frequentadores do shopping center – con-

siderando apenas o potencial econômico de compra –, segundo reportagem de O

Globo (Economia, 16 out. 1997), o Iguatemi teria falhado ao levantar suas instalações

fora da Tijuca, apontando percepções sobre a maneira como, apesar da proximidade

territorial, existiria um sutil distanciamento social entre os tijucanos e os moradores

dos bairros vizinhos:

58 “Os tijucanos defendem com unhas e dentes a Rua Conde de Bonfim de todas as reclamações. Não abrem mão de classificá-la como centro do mais tradicional bairro da Zona Norte e ignoram que o perigo está descendo o morro. “A Tijuca é um bairro tranquilo. Não vejo problemas em morar aqui”, diz a advogada Maria Adelina Bernardes da Silveira”.

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O Shopping Iguatemi, em Vila Isabel, no Rio, prepara uma superprodução para conquistar sua vizinhança mais ilustre. Os moradores da Tijuca são o alvo de uma campanha publicitária de R$ 1 milhão que começa neste sábado.

[...]

Uma pesquisa feita pelo Iguatemi detectou que apenas 17% dos frequenta-dores são moradores da Tijuca. A maioria é de Vila Isabel, com 30% dos consumidores. Lojistas das grifes mais sofisticadas reclamam da ausência da classe média tijucana.

A ascensão dos shoppings na Grande Tijuca foi representada pelos jornais

como sendo eles os grandes responsáveis por darem cabo a algumas tradições e

referências locais. O fim da era dos cinemas na Praça Saenz Peña data deste período

com a transferência das salas audiovisuais para as modernas e seguras instalações

destes centros comerciais. Com isto, um novo mix de negócios se apropriou do co-

mércio de rua da Tijuca, sobretudo com o fechamento das fábricas, a exemplo da

Souza Cruz e da Brahma. Na Saenz Peña, brotaria um comércio de subsistência de

perfil “popular”, enquanto os vastos terrenos inutilizados das fábricas dariam lugar a

espaçosos hipermercados de 1999 em diante, seguindo os padrões de consumo da

Barra da Tijuca, inspirados, por sua vez, fortemente num próprio padrão de consumo

de subúrbio estadunidense. O estilo “Barra” de se viver também influenciaria o modelo

dos novos edifícios que vinham sendo levantados nas pacatas ruas residenciais de

casas ainda resistentes aos anos 1990. Em matéria intitulada “Residencial com muita

mordomia” (10 ago. 1999), o JB dizia que, finalmente, a Tijuca teria seu primeiro pré-

dio com serviços, contando com 260 apartamentos, divididos em dois blocos de 13

andares cada. A estratégia da incorporadora e construtora, assumida na matéria, era

reproduzir no bairro da “Zona Norte” um tipo de empreendimento “que vinha dando

certo na Barra”: piscina e cascata artificial, com destaque para guarita, “um dos itens

de segurança do condomínio”.

Já o caderno de Economia de O Globo, em 11 de janeiro de 1999, perceberia

nessas mudanças a oportunidade de dizer que a Tijuca estaria vivendo “tempos de

efervescência econômica” com a chegada de bancos estrangeiros – como o Citibank

e o Bank Boston – e a inauguração de supermercados 24 horas. Neste tópico, o bairro

é representado como possuidor do maior número de famílias com renda mensal su-

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perior a R$ 1.800 do que “Ipanema e Leblon juntos”, com renda média de 10,4 salá-

rios-mínimos, onde 13% da população teria mais de 15 anos de estudo. “A Tijuca

nunca esteve tão distante da lama que dá significado a seu nome nos dicionários de

língua indígena”, afirmava a repórter Flávia Oliveira sobre a Tijuca do fim do segundo

milênio.

6.3 Os anos de 2000: o orgulho ferido pela violência

Nessa nova década, a Tijuca se firmava com um perfil de bairro cujos espaços

públicos estavam sendo cada vez mais preteridos por centros comerciais, enquanto

os gloriosos clubes do passado enfrentavam a concorrência progressiva dos novos

condomínios fechados, que construíam um novo conceito intramuros de moradia bas-

tante afim ao que já se praticava na Barra. Em outra frente, a imagem de bairro con-

servador também começou a sofrer interferência no momento em que o JB (“A revo-

lução das Luluzinhas”, Domingo, 27 fev. 2000) anunciava que o número de alunas já

representaria 47% do total de estudantes do Colégio Militar, fato que exigia mudanças

na rotina e uma inevitável abertura nos seus “rígidos critérios pedagógicos”. Aulas de

educação sexual passaram a fazer parte do “novo” Colégio, onde coincidentemente

uma das alunas, de 16 anos, havia ficado grávida naquele fevereiro de 2000. Não

obstante a solicitação de algumas mães para que a moça fosse expulsa por conside-

rarem-na sinônimo de “mau exemplo”, a escola pensou duas vezes e manteve-a ma-

triculada. O JB destacava, ainda, que, apesar das normas mais flexíveis, algumas

proibições permaneciam tais como as de os alunos uniformizados se beijarem ou fu-

marem na rua ou se envolverem em confusão, posição que continuaria conferindo ao

colégio a “excelência disciplinar” que sempre o caracterizou.

Entretanto, o que de fato perfilou a Tijuca nos anos 2000 foi a associação cada

vez maior de seu espaço como metonímia da violência e das ações criminosas. Esta

percepção seria ainda mais emblemática no ano de 2002, quando O Globo destinaria

pelo menos sete reportagens de capa apontando o estado de sítio vivido pelo bairro.

As manchetes eram curtas e diretas: “Tijuca sob fogo cruzado” (2 abr. 2002); “Favelas

avançam nos morros da região” (25 abr. 2002); “Ladrões fazem reféns na Tijuca” (2

abr. 2002); “Morte em passeio na Tijuca” (22 mar. 2002); “Tijuca refém do medo” (10

ago. 2002); “Uma cidade com medo: pesquisa revela que violência é o principal motivo

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de cariocas desejarem se mudar de bairro” (18 jul. 2002). Na matéria publicada em 13

de abril daquele ano pelos repórteres Célia Costa, Jorge Martins e Laura Antunes, a

manchete “Reage Tijuca” apelaria para aquilo que supostamente representava a “der-

rota” de um bairro de classe média na luta por manter o seu respeito, chegando ao

“fundo do poço” com perseguição, tiros e colisões pelas ruas:

— Parecia cena de cinema. A patrulha perseguia os assaltantes. O marginal que estava no banco do carona se sentou na porta do carro e, com o tronco todo do lado de fora, atirava contra os policiais. Quem estava na calçada se jogou no chão – contou um morador, que não se identificou.

[...]

Os episódios das últimas semanas teriam provocado redução de até 60% nos valores de certos imóveis. Na madrugada de 1º de abril, moradores da Tijuca foram acordados com balas traçantes no céu, rajadas de metralhadoras e explosões de granadas, durante guerra entre quadrilhas dos morros da Casa Branca e da Formiga.

Em agosto de 2002, o comércio da Tijuca seria fechado duas vezes a mando

dos líderes de facções criminosas presentes nas favelas do entorno. Na primeira de-

las, lojas da Muda e da Usina baixaram suas portas em condolências a criminoso

assassinado durante tiroteio com policiais no Morro da Formiga. Na segunda, foi a vez

do outrora e prestigiado comércio da Praça Saenz Peña ver-se obrigado a paralisar

suas atividades em luto forçado por traficante do Morro do Salgueiro morto nas mes-

mas circunstâncias. Assim noticiava a reportagem “Saens Peña sob o domínio do trá-

fico”, publicada na primeira página de O Globo em 20 de agosto de 2002:

O medo tomou conta mais uma vez da Tijuca. Por ordem de traficantes do Morro do Salgueiro, cerca de 20 pessoas, a maioria mulheres e menores, armadas de pedaços de pau e batendo sapatos com salto plataforma, invadi-ram no início da tarde de ontem a Praça Saens Peña e obrigaram comerci-antes do lugar e de ruas próximas a fecharem as portas em sinal de luto por um bandido.

[...]

Os mais de 180 mil moradores da Tijuca, considerada uma região de classe média, vivem acuados pelo tráfico que domina as favelas que cercam o bairro.

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Figura 20. A violência na Tijuca em manchete: capas de O Globo (2002)

Fonte: Em sentido horário, Rio (13 abr. 2002); Rio (22 mar. 2002); Rio (20 ago. 2002); Rio (02 abr. 2002).

Em sua coluna no Segundo Caderno do mesmo jornal (1º set. 2002), o jornalista

Artur Xexéo comentava, assombrado, que ninguém mais tinha “certeza de o comércio

da Praça Saens Peña estar aberto”, porque “uma vez por semana, é decretado feriado

como protesto pela morte de traficante de um dos morros que cercam a Tijuca”. Xexéo

não ficou imune às críticas dos tijucanos, que, seguindo a constatação do JB (17 mai.

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1998) de que o “bairrismo seria mais forte que a violência”, trataram de defender seu

torrão. Os depoimentos foram gentilmente publicados na coluna da semana seguinte:

[...] Acho que exagerei. Outro dia escrevi aqui que “ninguém nunca tem cer-teza de o comércio da Praça Saens Peña estar aberto. Uma vez por semana, é decretado feriado como protesto pela morte de traficantes de um dos mor-ros que cercam a Tijuca”. As queixas não tardaram. “Desta vez você falou besteira. A despeito da barbárie que isso significa, aconteceu apenas uma vez”, assinala Paulo Roberto Granja.

“Nós, moradores deste bairro, não temos conhecimento de que uma vez por semana o comércio da Praça Saens Peña fecha. Só se é aos domingos! Fi-que sabendo que esta foi a primeira vez que isto aconteceu. De outra vez foi na Rua Conde de Bonfim, perto do Borel, e não em toda a Conde de Bonfim como pensa quem lê os jornais. Seria interessante que você viesse ao nosso bairro que é tão violento quanto qualquer outro do Rio ou de outras cidades do Brasil, mesmo acompanhado de seguranças para sua maior tranquilidade, para comprovar que as pessoas aqui levam uma vida normal, andam de ôni-bus, vão às lojas, aos shoppings e, logicamente, saem menos à noite como em todos os demais bairros. Parece que só aqui existe violência, mas leio diariamente notícias sobre assaltos e outros crimes em vários bairros como Botafogo, Barra, Recreio, Copacabana, embora a imprensa não dá o mesmo destaque”, reclama Eugenia Szoor.

“Como o senhor pode dizer uma coisa dessas? Só porque ouviu nas duas últimas semanas essa notícia, já condenou a Tijuca para o ano inteiro? O senhor sabe muito bem quais são os cariocas mais bairristas do Rio: os mo-radores da Ilha do Governador, os tijucanos e, apesar de tecnicamente não serem do Rio, os icaraienses. Então, como tijucano, solicito que esclareça em sua coluna que não foi bem isso o que queria dizer”, exige Roberto Oliveira. Moral da história: com tijucano não se brinca. Portanto, não foi bem isso o que eu queria dizer.

Nesta passagem, vê-se a interessante perspectiva dos moradores do bairro ao

se verem desprestigiados e injustiçados com a maneira com que os veículos de co-

municação, especialmente O Globo, noticiavam os episódios de violência na Tijuca.

É razoável pensar que, neste momento, o estigma da Tijuca em ser vinculada à ima-

gem do tráfico e da marginalidade fosse mais desonrador para o status que o tijucano

reconhecia possuir do que para as suas próprias dificuldades no espaço vivido em

driblar e se proteger desses confrontos. Ao redimir-se, dizendo que “não era bem

aquilo o que queria dizer”, Xexéo confessou-se surpreso, na edição posterior, ao co-

mentar que havia recebido novos e-mails de tijucanos, mas, daquela vez, reafirmando

aquilo que o colunista havia dito anteriormente (Segundo Caderno, 08 set. 2002):

A Tijuca é mesmo uma caixinha de surpresas. Foi só eu voltar atrás e acabar admitindo que o bairro não é tão violento quanto pintam, para aparecerem os

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tijucanos que não acham nada disso, muito pelo contrário. Fala que eu te escuto, Reynaldo Tavares: “Desculpe-me abordá-lo com um tema já comentado, porém, como tijucano, com dois filhos no Colégio Marista São José, praticantes de esportes no Ti-juca Tênis Clube e que estudam inglês também no bairro, quero dizer que não posso entender a posição de avestruz tomada por meus vizinhos e citada por você em sua coluna de domingo, pois tudo que você escreveu ainda é pouco para descrever o calvário em que vivemos no bairro. Quando dizem que a vida está normal pois continuam andando de ônibus, eu digo: e sendo assaltados! A Praça Saenz Peña é, sim, uma praça de guerra até o anoitecer, pois no acender das primeiras luzes é tomada por ambulantes agressivos e protegidos por algum tipo de poder paralelo, pois nada os assusta nem lhes causa respeito. Você não aumentou nada. O inferno é aqui e agora”. Vocês são tijucanos, vocês que se entendam. Eu tô fora. No Bairro Peixoto.

Mais uma vez, é intrigante analisar o discurso pelo qual se vale o leitor Rey-

naldo Tavares para legitimar sua posição social de tijucano como praticante de um

estilo de vida afim com o que se esperava de um “tijucano típico respeitável”. A auto-

legitimação do seu lugar nessa estrutura social é utilizada, em contrapartida, para

conferir a ele mesmo não apenas o poder da anunciação da “verdade”, de que a Tijuca

seria de fato “um calvário” amplamente negado por seus vizinhos, mas especialmente

o poder da oportunidade de expressar como ele, naquela posição social, enfrentava

os dissabores de um bairro que poderia ser tachado como “infernal”. Neste aspecto,

o não reconhecimento entre lugar e posição social se mostra imperativo para compre-

ender os pormenores de uma possível não congruência de status do tijucano a partir

dessa década.

Assim, o estigma da Tijuca em ser visto como o lugar da violência se acentuaria

ainda mais no ano seguinte com o assassinato da adolescente Gabriela Prado Maia

Ribeiro em um dos acessos à estação São Francisco Xavier do metrô. De família de

classe média, a jovem de 14 anos era estritamente proibida pela família de sair sem

companhia até o dia em que, havendo sido finalmente liberada pela mãe para ir à rua

por conta própria, sofreria o infortúnio de ser vítima de bala perdida após um assalto

à bilheteria daquela estação do metrô. A comoção foi nacional, projetando a Tijuca

desta época como lócus da criminalidade no Rio de Janeiro. Essa foi a deixa para

que, em 2004, a associação de moradores da Tijuca lançasse a campanha “Tijucano,

carioca com sobrenome” como objetivo de resgatar, em meio ao sentimento de inse-

gurança, falta de preservação e ineficiência do poder público, a alma do bairro. Se-

gundo matéria intitulada “Um jeito tijucano de ser”, publicada pelo JB em 15 de agosto

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de 2004, mesmo “cercada por 17 favelas, a Tijuca ainda é o que pode se chamar de

uma ilha na Zona Norte”. Como justificativa, o JB afirmava que o Índice de Desenvol-

vimento Humano (IDH) de 0,9 colocava a população do bairro “em pé de igualdade”

com áreas da Zona Sul, como Copacabana, Botafogo, Lagoa e a Barra.

A tentativa da associação de moradores em procurar modificar a representação

social negativa que se fazia da Tijuca, pelo menos para O Globo, já se mostrava

ineficaz. Em 15 de outubro de 2005, o repórter Rubem Berta publicaria, na primeira

capa, manchete afirmando que a Tijuca era um bairro degradado pela favelização.

Segundo a matéria, o bairro teria perdido 8% dos moradores “do asfalto” entre 1991 e

2000 enquanto a queda de população das favelas teria sido dez vezes menor: “Sonho

de consumo da classe média da cidade desde a década de 20, a Tijuca vive um pe-

sadelo. Encravado num vale, o bairro está cercado por favelas, que ocupam principal-

mente as encostas. Segundo dados oficiais, são 13 favelas”.

Notícias sobre assaltos e enchentes na Tijuca continuariam dando continuidade

ao processo de desconstrução das representações de um bairro economicamente es-

tável, privilegiado e tranquilo. O próprio caderno “Tijuca”, de O Globo, adotando linha

editorial diferente à das décadas anteriores – contando com menos texto e mais pro-

paganda –, se desvirtuou das temáticas “bairristas” para abordar em suas matérias

pautas do tipo “denúncia” contra a desordem urbana, a poluição sonora, a necessi-

dade de poda de árvores, entre outros aspectos mais corriqueiros. Ainda assim, o tom

das reportagens publicadas no caderno de bairros continuou se mostrando mais con-

descendente com os problemas do que os cadernos de circulação geral, que adota-

vam posicionamentos mais críticos sobre a dinâmica urbana da Tijuca, principalmente

a partir de 2006. A exceção também ficava por conta do caderno imobiliário “Morar

Bem”, que se abstinha do tom crítico atribuído ao espaço social e físico do bairro de-

vido ao seu perfil voltado ao mercado imobiliário. Isto se percebe, por exemplo, em

matérias dedicadas a abordar o “encanto” de ruas mais “selecionadas” e escondidas

da Tijuca, nas quais ainda imperava certo clima de tranquilidade e distinção social:

Na contramão da desvalorização de imóveis em regiões que sofrem com a violência urbana, a Rua Marechal Taumaturgo de Azevedo, na Tijuca, é ex-ceção na cidade. Localizada na altura do número 528 da Conde de Bonfim - fechada e com guarita de segurança – a rua conta com vista para um morro

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todo plantado. Ela é classificada por seus moradores como um recanto se-guro no bairro e tem cerca de 15 prédios de, no máximo, cinco andares (Morar Bem, O Globo, 23 mai. 2004).

À parte do drama vivido pela Tijuca, nos últimos anos da década de 2000 o JB

também enfrentaria seu próprio drama com o lento, mas notório processo de decai-

mento do jornal, que culminaria em 2010 no fim da sua veiculação impressa. Diversas

reformulações fizeram com que o JB mudasse não apenas o seu formato (adotando

um modelo europeu parecido ao de tabloide), mas também sua linha editorial. No âm-

bito destas reformulações, entre 2008 e 2009 muitas matérias se mostravam mais

simpáticas e/ou abertas a darem espaço à Tijuca, conferindo-lhe mais destaque do

que em O Globo. Dois exemplos importantes que ilustram esta percepção foram a

coluna social assinada pela jornalista Hildegard Angel, ex-moradora do bairro, que

diversas vezes destinou seu espaço para falar das “reivindicações da Tijuca” – espe-

cialmente em ocasião de medida da Secretaria Municipal de Habitação em criar uma

espécie de habitação popular em prédio inutilizado na Rua Conde de Bonfim: “O povo

tijucano está preocupado com a notícia publicada de que o prefeito prometeu transferir

uma comunidade inteirinha para o antigo prédio desativado do Carrefour”, introduziu

Angel (11 set. 2009), em tom de “solidariedade”. O segundo exemplo seria a criação

da coluna fixa de crônicas “Cenas Tijucanas”, assinada pelo advogado e cronista Edu-

ardo Goldenberg, no Caderno B. A bela e indiscutível qualidade literária de Golden-

berg em falar de “sua aldeia”, a Tijuca, deixava antever, por outro lado, uma suposta

pretensão que estes últimos anos do JB vislumbravam em angariar um novo público-

alvo, como o da classe média da Zona Norte. Tudo isto num momento em que O

Globo aparentemente já havia abocanhado grande fatia de mercado dos leitores per-

tencentes às classes média e alta carioca, especialmente a da Zona Sul e da Barra.

Neste contexto, a imagem dominante da Tijuca como um bairro violento seria

consolidada por O Globo através de uma série de reportagens dedicada a falar sobre

o desafio da futura gestão municipal – administrada por Eduardo Paes a partir de 2009

– em solucionar os problemas urbanos de diferentes bairros. Publicada em 04 de ou-

tubro de 2008, a matéria intitulada “Orgulho tijucano ferido pela violência” constituiria

a síntese do que se falava sobre o bairro ao longo da década. Para a repórter Ales-

sandra Duarte, os moradores se esforçavam “para manter o sentimento bairrista ape-

sar da violência, da favelização e do trânsito caótico”:

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São quase 126 mil eleitores de tradição. As eleições, para os tijucanos, re-presentam a esperança de que o próximo prefeito faça algo pela segurança da região - para os moradores, principal fator de decadência de um bairro que começou ocupado pelos jesuítas no século XVI. [...] Se a Tijuca perdeu boa parte de seu glamour pela insegurança, o vizinho Maracanã, com mais 17 mil eleitores, sofre também com o trânsito caótico em torno de um estádio que é peça central da candidatura da cidade para sediar a Copa de 2014.

[...]

Mas a favelização avança na Usina. Ali se concentram os morros do Borel, da Formiga e da Casa Branca. Na Praça Pinheiro Guimarães, por exemplo, boas casas se desvalorizaram devido aos tiroteios constantes na Casa Branca, bem atrás.

— Aqui era, e ainda é, uma das áreas nobres da Tijuca. Há casas com 12 suítes – completa o filho de Ana Maria, Alessandro Zali, de 34 anos. – A Tijuca era um bairro de vivência, agora é bairro de sobrevivência. Os moradores conviviam e tinham seu lazer aqui. Eu, quando novo, só saía da Tijuca para ir à praia.

Embora o aposto “bairro de classe média” utilizado pelos jornalistas para dar

reforço explicativo à ideia de a Tijuca ter perdido espaço nas páginas dos jornais neste

período, a condição simbólica de lugar “tradicional” e “importante” no Rio de Janeiro

continuaria a trazer vantagens ou, pelo menos, a viabilização da oportunidade de se

reconstruir a produção daquele antigo espaço tijucano. Segundo o JB, na matéria in-

titulada “Tijuca vive transformação” (1º fev. 2009), uma conjunção entre mercado imo-

biliário e políticas públicas viabilizaria um “renascimento” da Tijuca para os anos de

2010. Na ocasião, o prefeito Eduardo Paes havia escolhido a Tijuca como bairro-piloto

para a implantação de um programa de choque de ordem que ficaria conhecido como

“Tijucabacana”. A ideia seria transformar a Tijuca em modelo para a cidade, instituindo

inspeção permanente da Secretaria de Ordem Pública (Seop) e a Guarda Municipal a

favor da “ordem urbana”. A expectativa por melhorias foi apontada pelo jornal como

motivo de entusiasmo do setor da construção civil:

Para o presidente da Abadi, Pedro Carsalade, a Tijuca ainda desperta o inte-resse das pessoas.

— Houve episódios de violência no bairro, mas que já estão sendo tratadas. Acredito que se for de interesse político e o choque de ordem for válido, a Tijuca só tem a lucrar – examina o presidente.

— Se o bairro apresentar esta melhora, a Tijuca tem tudo para voltar a ser o que era nos anos 70 – aposta o vice-presidente de condomínios do Secovi, Leonardo Scheneider.

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Para o JB, a incipiente revalorização da Tijuca se comprovava pela velocidade

de locação das unidades ofertadas, ocupando a quinta colocação no ranking dos bair-

ros com maior número de lançamentos em 2008. A estratégia do mercado imobiliário

em realavancar a Tijuca coincidia não só como causa, mas também efeito do encare-

cimento da cidade do Rio na expectativa de sediar as Olimpíadas de 2016. A alta dos

preços nos imóveis tanto para locação como para venda teve como epicentro a Zona

Sul, refletindo-se pouco tempo depois na Tijuca como oportunidade de fazer com que

o bairro se “reinventasse” como alternativa àqueles que não podiam arcar com os altos

custos da orla. A campanha do setor da construção civil e das imobiliárias em prol do

bairro procuraria reavivar um imaginário de lugar “bairrista”, no qual “uma pessoa da

Tijuca dificilmente” sairia “do bairro para morar em outro lugar”. Se por um lado isto

contrariava os fatos de que muitos tijucanos nos anos 1990 haviam migrado para a

Barra da Tijuca, o próprio representante comercial de uma famosa imobiliária justifi-

caria que “até ele” havia voltado para a Tijuca, “pois gostava de tudo” lá.

Com a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) nas favelas do

bairro, em 2010, este cenário seria coroado pela suposta volta da tranquilidade à re-

gião, tão afetada em tempos anteriores. Dar-se-ia início à reprodução de um novo

espaço tijucano, cujo capital simbólico fruto de um passado glorioso certamente con-

tinuaria sendo usado como argumento crucial para que a Tijuca reivindicasse seu des-

taque perante os demais em sua interação com outros bairros no espaço social cari-

oca. Ao mesmo tempo, este mesmo capital simbólico seria usado como estratégia

para investidores extraírem retornos acima da média de um bairro “com demanda re-

primida, que estava disposto a pagar”.

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7 CONCLUSÃO: TIJUCA, UM BAIRRO “MEIO-NÃO-SEI-COMO”

Esta dissertação de mestrado teve como objetivo compreender o lugar da Tijuca no

espaço social e físico carioca. A relevância de se estudar a Tijuca foi justificada pela

participação controversa deste lugar no imaginário de uma cidade estruturada por um

centro e por uma periferia e de suas representações associadas – no caso do Rio, a

dicotomia entre “Zona Sul versus “Zona Norte”/Subúrbios. Com isso, a problemática

desta pesquisa apontou a Tijuca como uma localização cujo simbolismo apresentava

uma polifonia de significados presentes nos discursos e representações que os cario-

cas atribuem à hierarquia que estrutura o seu mapa social.

Na coleta de exemplos que ilustraram a problemática, constatou-se que a Ti-

juca parecia ser socialmente qualificada de um jeito no passado, e, contemporanea-

mente, qualificada de outro tido como inferior, menos prestigiado. Assim, a hipótese

trabalhada foi de que a qualificação social da Tijuca tenha sido ressignificada por um

processo de transformação simbólica desse lugar nas “teias de relações sociais (que

necessariamente têm de se materializar em deslocamentos de pessoas) que definem

uma estrutura espacial urbana” (VILLAÇA, 1998, p. 174). Somada – mas também in-

trinsecamente vinculada – à ideia de efeito de lugar, acreditou-se que a condição de

centralidade da Tijuca atestada pelas Ciências Sociais localizada em um espaço físico

não conectada ao tecido urbano da Zona Sul – e, portanto, dissociada da paisagem

dominante que se faz de um “bairro nobre” no Rio – e territorialmente contíguo aos

Subúrbios acentuava os sintomas de um lugar qualificado como socialmente contro-

verso entre sua realidade objetiva e imaginada, repleto de representações polêmicas

e contraditórias.

Os resultados da pesquisa mostraram que esse processo de transformação da

Tijuca resguardou particularidades interessantes com os desdobramentos do pro-

cesso de segregação residencial em curso na cidade, especialmente de 1960 em di-

ante. Além da revisão de literatura oriunda das Ciências Sociais Aplicadas efetuada

para compor a trajetória simbólica da Tijuca no Rio de Janeiro, esta pesquisa analisou

cerca de 285 matérias e artigos de jornal publicados por O Globo e Jornal do Brasil

entre os anos 1960 e 2000 com o propósito de elucidar cronologicamente as repre-

sentações discursivas a respeito do simbolismo da Tijuca no mapa social carioca até

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o início da presente da década. Desta maneira, estabeleceu-se uma trajetória que

permitiu assinalar, a partir da escala cotidiana abordada por estes jornais, quais fatos,

questões e/ou acontecimentos urbanos evidenciados ao longo daquele período carac-

terizariam a transformação simbólica da Tijuca e, por fim, como eles explicariam a

problemática da percepção de sua posição no espaço social carioca atualmente.

De acordo com os dados coletados, pode-se constatar que o efeito de lugar se

confirma como supressor da conferência de status positivos ao espaço social e físico

da Tijuca, mas com ressalvas. Vale dizer que a hipótese apresentada neste trabalho

se confirma parcialmente, posto que a possível associação dominante da Tijuca a um

bairro “periférico” – isto é, a Tijuca como um bairro suburbano, nos valores pejorativos

conferidos à ideia de subúrbio no Rio (FERNANDES, 2011) – não foi encontrada de

modo relevante no material analisado em O Globo e no JB. Ao partirmos da acepção

de Pierre Bourdieu sobre o papel das classes dominantes em adotarem um ponto de

vista redutor sobre os espaços e grupos sociais que porventura não fizessem parte de

seu “clube” – isto é, a Zona Sul –, presumia-se que a investigação do espaço perce-

bido da Tijuca nos últimos 50 anos pelos jornais – tratando-se, especialmente, de jor-

nais não apenas destinados àquele público-alvo, mas também escritos por ele – po-

deria trazer a dimensão de uma Tijuca representada progressivamente pelos signos

e valores sociais atribuídos aos Subúrbios dada a localização física daquele bairro no

espaço imaginado da periferia, a Zona Norte “ideológica”, e, sobretudo, dado o perfil

do processo de segregação residencial em curso na cidade desde o início do século

XX.

No entanto, o que se evidenciou foi a dimensão de um bairro representado for-

temente por seu capital simbólico de “bairro de classe média” – utilizado como aposto

em diferentes ocasiões pelos jornalistas ao longo do tempo – ser progressivamente

desprestigiado face à percepção de uma decadência urbanística do bairro, e não ne-

cessariamente à percepção de uma decadência social como aponta Villaça (1998). A

decadência social, nestas circunstâncias, teria um impacto mais teórico do que prá-

tico, já que a transformação em bairro que passou a ser habitado por “classes médias”

a partir dos anos 1930 manteria muitas das representações de bairro “nobre” conferi-

das originalmente a ele graças à estreiteza social entre as classes dominantes e as

classes médias no Brasil descrita por Salata (2015).

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De acordo com o que foi lido e analisado, essa decadência urbanística seria,

portanto, a própria percepção de um declínio simbólico explicada: a) pelas mudanças

na fisionomia urbana da Tijuca, cujo “progresso” havia feito desaparecer as marcas

estéticas de um bairro visto como “tranquilo” e “aristocrático”, a exemplo da verticali-

zação e da favelização como problemas; b) pela percepção de uma má experiência

no espaço vivido da Tijuca, em primeiro momento, influenciada por alguns elementos

sociais desabonadores, como a presença do comércio informal e da mendicância na

Praça Saenz Peña, e, em segundo, pelo crescimento da violência urbana. Nas últimas

duas décadas analisadas, o problema da violência marcaria por completo, nos textos,

a representação de “um bairro de classe média” afrontado por toda sorte de absurde-

zas que ilusoriamente não deveria acometer o espaço físico de espaços sociais su-

postamente prestigiados e respeitosos como o da Tijuca. O tom de indignação com a

favelização e a violência esteve presente em todas essas ocorrências, demonstrando,

por outro lado, a força do capital simbólico da Tijuca em se manter representada tanto

pelo aposto “bairro de classe média”, como pela perspectiva atribuída a um bairro cuja

memória afetiva deveria ser recorrentemente abordada como insumo de distinção so-

cial, mesmo no presente.

De mais a mais, os resultados trazidos pela análise efetuada nesta pesquisa

também colaboraram para uma melhor compreensão das diferentes perspectivas de

percepção de espaço apresentadas no Capítulo 2. Em termos teóricos, a não con-

gruência do status do tijucano teria a ver com o que Raymond Boudon (1979) poderia

denominar de mudança de posição social por “arruinamento” simbólico, mas sem que

o tijucano perdesse o habitus que caracterizava o status da Tijuca pretérita, dos tem-

pos aristocráticos. Em outras palavras, não significa dizer que o tijucano de hoje ne-

cessariamente se espelha no estilo de vida da Tijuca de outros tempos. O que se

conclui é que devido à sua condição social ser muito próxima à dos moradores da

Zona Sul ou da Barra – como mostraram os estudos sobre o espaço social carioca

realizados pelo Observatório das Metrópoles –, a predisposição deste agente social

em agir, viver ou pensar de modo mais correlato aos de seus vizinhos residentes no

lado “chique” da cidade parece ser mais alta do que o contrário, isto é, de agir, viver

ou pensar como um “periférico”.

Neste sentido, a predisposição em agir, viver e pensar como um “aristocrata”

seria, supostamente, um mecanismo inconsciente de que se vale os tijucanos para

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seguirem mantendo a posse do capital simbólico de tempos passados conferido ao

lugar que ocupam e, assim, legitimar o sentido de pertencimento às classes sociais

dominantes às quais julgam fazer parte.

Por outro lado, essa predisposição também tende a ser vista pelo olhar jocoso

atribuído a esses agentes sociais em parecerem “insolentes” e “esnobes” por morarem

onde moram, na Zona Norte “ideológica”, num bairro “cercado por favelas”. Assim, o

espaço percebido da Tijuca como um lugar cuja paisagem não é afim ao que se ima-

gina da paisagem de um bairro elitizado é o que aparentemente motiva determinados

grupos a apontarem-na como um bairro “periférico”, “suburbano”, mesmo que seus

moradores pensem o contrário – ou seja, mesmo que não (se) reconheçam como tal.

Isto tende a acontecer especialmente porque as diferenciações socioespaciais entre

o que seria “Zona Norte” e “Subúrbios” parecem estar mais restritas hoje em dia ao

campo das Ciências Sociais Aplicadas e dos instrumentos normativo-administrativos

da Prefeitura do Rio de Janeiro, e, portanto, não se voltam tanto ao cotidiano da po-

pulação.

Por fim, vale destacar que as conclusões aqui apresentadas não encerram a

possibilidade de novas investigações e, muito menos, a possibilidade de se levantar

outras respostas a esse “problema”. Na medida em que este trabalho constatou certa

legitimidade da proximidade social dos tijucanos com as classes dominantes no dis-

curso dos formadores de opinião, é válido sugerir, para trabalhos futuros, a investiga-

ção sobre como se dão as particularidades internas do espaço social tijucano, além

da relação deste espaço com o espaço social suburbano. Em outras palavras, como

os tijucanos veem a si próprios e/ou como se veem em relação aos suburbanos, e

vice-versa? Que outras novas perspectivas podem ser derivadas daí?

Outra hipótese plausível diz respeito ao lugar ocupado pela Barra da Tijuca na

hierarquia urbana carioca nos dias de hoje. Com a transferência de classe da Tijuca

para a Zona Sul e para a Barra da Tijuca, é razoável pensar que a clássica disputa de

espaço entre Tijuca e Zona Sul, no século XX, tenha redirecionado seus “holofotes”

atualmente para a disputa entre a Barra e Zona Sul. À medida que a Tijuca se “peri-

feriza”, mesmo que mais relevantemente em termos simbólicos do que em termos de

classe, mais esse lugar se aproxima das disputas simbólicas contra a própria periferia,

perdendo espaço nos discursos e nos espaços dominantes de representatividade,

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hoje melhor disputados pela Barra da Tijuca por sua posição de classe. A imagem de

bairro “cafona” e “emergente” outorgada à Barra pela Zona Sul (CERZIMBRA; OR-

SINI, 1996) é um indício análogo de como a Tijuca, no século XX, havia sido tachada

de “tradicional” e “conservadora” pelos mesmos grupos. Assim, o poder de distinção

nessas disputas se notabiliza na medida em que a Barra procura mostrar suas quali-

dades diante de uma paridade social com a dominante a Zona Sul, enquanto a Tijuca

luta a favor da sua distinção em relação aos Subúrbios, dos quais se aproximou sim-

bolicamente nas últimas décadas não necessariamente por paridades econômicas e

culturais, mas por certo desprestígio.

Após essa leitura conclusiva, é interessante comentar que alguns dos casos

ilustrados no Capítulo 2 demonstram a razoabilidade da existência de um possível

sentimento de “injustiça” dos suburbanos para com os tijucanos na medida em que

estes teriam maior reconhecimento social do que aqueles, mesmo sendo todos per-

tencentes a um mesmo bloco regional, a Zona Norte. Além disso, destaca-se a própria

percepção dissonante de espaço dos tijucanos em relação ao seu habitat, a Tijuca:

enquanto uns se orgulham fervorosamente do lugar em que vivem, outros não veriam

a hora de sair daquele “Tijuquistão”, nas palavras de Wiltgen (2016). Quais seriam,

então, as motivações e questões envolvidas neste enredo? São pontos meritórios de

reflexão em oportunidades futuras, mesmo conscientes de que respostas prontas não

abrandariam a complexidade da Tijuca ser, nestes termos, um bairro meio-não-sei-

como, “uma amostra magnífica do nosso querido Brasil”, nas conclusões de Aldir

Blanc (1979, p. 179).

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ANEXO I – REFERÊNCIAS DOS DOCUMENTOS ANALISADOS NO JORNAL O GLOBO E JORNAL DO BRASIL POR DÉCADA DÉCADA DE 1960 “Plantão Globo” na Praça Saenz Peña. Jornal O Globo, p. 7, 20 jul. 1968. A “Semana da Tijuca” começou ontem e continua hoje com uma visita do governa-dor ao bairro. Jornal O Globo, p. 29, 13 jul. 1964. A nem sempre doce vida do subúrbio. Jornal do Brasil, Caderno B, pp. 4-5, 25 abr. 1968. A Tijuca e seus colégios. Jornal O Globo, p. 5, seção Rio de Bairro em Bairro, 2 ago. 1967. A Tijuca homenageará amanhã os três poderes da Guanabara. Jornal O Globo, p. 3, 24 set. 1962. Até maio a rua que desafogará a Tijuca. Jornal O Globo, seção Rio de Bairro em Bairro, p. 3, 19 abr. 1967. BARROS, P. Confraternizam os clubes da Tijuca. Jornal O Globo, seção Rio Norte-Sul, p. 3, 17 jul. 1964. BARROS, P. Esta cidade chamada Tijuca: do velho engenho e das histórias de amor ao grande bairro de hoje. Jornal O Globo, p. 13, 18 ago. 1969. BENEVIDES JR., J. Tijuca, a tranquilidade moderna. Jornal do Brasil, Caderno B, p. 4, 6 set. 1967. Chuvas desfiguraram a fisionomia da Tijuca. Jornal O Globo, p. 6, 25 jan. 1967. Devastação, da Tijuca ao Alto da Boa Vista. Jornal O Globo, p. 6, 17 jan. 1966. Inaugurada pelo governador a administração regional da Tijuca. Jornal O Globo, p. 6, 17 jul. 1962.

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Inaugurado na Tijuca o maior centro médico sanitário da América do Sul. Jornal O Globo, p. 6, 14 jul. 1964. Lacerda irá à Tijuca e ao Rio Comprido. Jornal O Globo, seção Rio de Bairro em Bairro, p. 5, 30 jun. 1964. O Estado e a Tijuca. Jornal O Globo, seção Rio de Bairro em Bairro, p. 5, 11 jul. 1967. PORTO, R. Rainha é do Montanha. Jornal O Globo, seção Rio Norte-Sul, p. 3, 16 ago. 1966. Pronto e constituído o Country Club da Tijuca. Jornal do Brasil, 16 dez. 1962. Samba também mora na Tijuca. Jornal O Globo, seção Rio de Bairro em Bairro, p. 5, 17 jul. 1967. SEBASTIÃO, J. Leões à solta. Jornal O Globo, seção Rio de Bairro em Bairro, p. 5, 19 ago. 1969. SEBASTIÃO, J. Rainha surge sexta-feira. Jornal O Globo, seção Rio Norte-Sul, p. 5, 11 ago. 1969. Seresta e inaugurações na Semana da Tijuca. Jornal O Globo, p. 13, 13 jul. 1967. Tentada, há 80 anos, construção de uma cidade-elevada nas montanhas da Tijuca. Jornal O Globo, seção Rio de Bairro em Bairro, p. 5, 9 abr. 1968. Tijuca fala hoje ao “Plantão Globo”. Jornal O Globo, seção Rio de Bairro em Bairro, p. 5, 23 jul. 1968. Tijuca faz 106 anos com mentalidade de Copacabana e sem tradicionalismo. Jornal do Brasil, 1º Caderno, p. 20, 23 jul. 1967. Tijuca movimenta-se para a sua “semana”. Jornal O Globo, p. 5, seção Rio de Bairro em Bairro, 4 abr. 1968.

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Tijuca pede ao “Plantão Globo” a urbanização de suas favelas. Jornal O Globo, se-ção Rio de Bairro em Bairro, p. 5, 24 jul. 1968. Tijuca vai seguindo Copacabana. Jornal O Globo, seção Rio de Bairro em Bairro, p. 5, 24 jul. 1967. Tijuca, amanhã, capital da Guanabara por um dia. Jornal O Globo, p. 11, 21 ago. 1969. Tijuca, tradição e progresso. Jornal O Globo, seção Rio de Bairro em Bairro, p. 3, 19 ago. 1966. Tijuca: uma cidade na cidade. Jornal O Globo, seção Rio de Bairro em Bairro, p. 5, 22 jul. 1968. Tijucana. Jornal do Brasil, Coluna Informe JB, 10 dez. 1967. Um mundo chamado Tijuca Tênis Clube. Jornal O Globo, p. 5, seção Rio de Bairro em Bairro, 6 set. 1967. Uma avenida que ligue a Tijuca diretamente ao Centro da cidade. Jornal O Globo, seção Carta dos Leitores, p. 2, 31 jan. 1962. Uma síntese do que está sendo feito na Tijuca. Jornal O Globo, p. 5, 16 jul. 1964. Vamos ver as relíquias da fundação da cidade? Jornal O Globo, seção Rio de Bairro em Bairro, p. 3, 13 ago. 1966. DÉCADA DE 1970 A Batalha da Tijuca: contra as obras do metrô, prevalece o espírito de Natal. Jornal do Brasil, Domingo, 12 dez. 1976. Cidade Nova será o bairro ideal para a classe média. Jornal O Globo, p. 29, 3 mai. 1971. DER desiste de construir o túnel Gávea-Tijuca. Jornal O Globo, Grande Rio, p. 19, 7 jun. 1979.

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Exposição lembra hoje as tradições da Tijuca. Jornal O Globo, p. 11, 6 jul. 1970. Hospital na Tijuca. Jornal do Brasil, seção Carta dos Leitores, 4 fev. 1970. Metrô adia inauguração da linha até a Tijuca. Jornal O Globo, Grande Rio, p. 11, 1 mai. 1979. Metrô pede aos tijucanos 700 dias de paciência até o subsolo ser desbravado. Jor-nal do Brasil, Cidade, 30 abr. 1976. Montanha Clube: ou como a natureza embeleza a vida. Jornal O Globo, p. 5, 7 ago. 1972. Moradores pedem que metrô ‘devolva’ o bairro. Jornal O Globo, Grande Rio, p. 22, 3 set. 1978. Plantão GLOBO na Tijuca: Onde o progresso não consegue esconder o passado aristocrático. Jornal O Globo, p. 24, 6 ago. 1972. RIBEIRO, A. A cidade sob o flagelo moderno: valerá a pena a violência do metrô? Jornal do Brasil, Caderno B, Capa, 27 ago. 1976. Rua Sesquicentenário. Jornal do Brasil, seção Carta dos Leitores, 28 jan. 1972. Saenz Peña: a rosa do povo. Jornal O Globo, p. 9, 6 jul. 1970. Serviços e compras: Galeria na Tijuca. Jornal do Brasil, Caderno B, p. 9, 16 abr. 1979. SILVEIRA, E. Praça (?) Saens Peña: a comunidade em confronto com o metrô. Jor-nal do Brasil, Caderno B, Capa, 14 jun. 1978. Tijuca aplaude O Globo. Jornal O Globo, Capa, 6 jul. 1970. Tijuca demonstra nas ruas todo seu apreço a “O Globo”. Jornal O Globo, p. 10, 6. jul. 1970.

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Tijuca ganha cinema de arte. Jornal O Globo, p. 7, 7 jul. 1972. Tijuca: Com o Metrô, o fim da tradição. Jornal O Globo, p. 12, 7 mai. 1976. Tijuca: o chão e a paz golpeados por homens e máquinas. Jornal O Globo, Jornal da Família, p. 2, 20 nov. 1977. Tijuca, um bairro com vocação para crescer. Jornal do Brasil, Domingo, Cidade, p. 26, 19 ago. 1973. DÉCADA DE 1980 Com amor (e humor) se salva uma cidade: entrevista a Aldir Blanc. Jornal do Bra-sil, Cidade, p. 6, 22 jul. 1989. Dobro é metade. Jornal do Brasil, Cidade, p. 6, 30 ago. 1981. Instituto Lafayette vai fechar depois de 65 anos. Jornal do Brasil, Cidade, p. 7, 28 nov. 1981. Moradores da Tijuca organizam protesto contra o ‘Brizolão’. Jornal do Brasil, Ci-dade, p. 21, 25 ago. 1985. Nova Esperança. Jornal do Brasil, Cidade, p. 6, 28 mai. 1982. Praça Saenz Peña volta à luta por terreno do Metrô. Jornal do Brasil, Cidade, p. 13, 27 mai. 1984. Sinais de respeito. Jornal do Brasil, Cidade, seção Tópico, p. 6, 28 mai. 1982. Tijuca corta bolo e fala do La-Fayette. Jornal do Brasil, Classificados, p. 6, 24 mar. 1984. Tijuca reclama de buracos e da falta de segurança. Jornal do Brasil, Cidade, p. 7, 1º mai. 1984.

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Tijuca. Jornal do Brasil, Cidade, seção Comunidades, p. 4, 11 abr. 1988. Tijucano aplaude metrô em viagem especial. Jornal do Brasil, Cidade, p. 5, 25 mai. 1982. Tijucanos compram cabina da PM com medo de assaltos. Jornal do Brasil, Cidade, p. 7, 24 jan. 1984. Um edifício igual a muitos. Jornal do Brasil, Cidade, 27 fev. 1989. A difícil arte de achar bons filmes na Tijuca. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), p. 37, 15 nov. 1988. A luta para morar na Tijuca. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), p. 11, 8 abr. 1986. A realidade de poder morar em um lugar calmo, apesar de tudo. Jornal O Globo, Ti-juca (Caderno de Bairros), pp. 16-17, 16 jun. 1987. A Tijuca na era do pós-metrô. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), pp. 8-9, 1 jun. 1982. As mil maneiras de se chegar à Barra. Da Tijuca, claro. Jornal O Globo, Tijuca (Ca-derno de Bairros), Capa, 6 dez. 1983. Assaltos a prédios tiram a tranquilidade dos tijucanos. Jornal O Globo, Tijuca (Ca-derno de Bairros), p. 10, 2 set. 1986. Barra é da Tijuca e dos tijucanos. E é uma barra. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), pp. 10-11, 6 dez. 1983. Cariocas festejam o belo dia de sol. Jornal do Brasil, Cidade, p. 4, 3 nov. 1987. Ciclo Tijuca pós-metrô discute de hoje a sexta como reurbanizar o bairro. Jornal do Brasil, Cidade, p. 7, 18 mai. 1982.

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De volta ao tempo das ‘pharmacias’. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), p. 12, 4 abr. 1989. Dois bairros em pé de guerra: Tijucanos querem suas ruas como eram antes. Jornal O Globo, Capa, 23 ago. 1981. Em busca de certa tranquilidade, a corrida à Tijuca. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), pp. 8-9, 8 mai. 1984. Escalada de invasão de residências assusta a Tijuca. Jornal do Brasil, Cidade, p. 7, 3 mai. 1984. Footing. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), p. 4, 30 nov. 1982. Interesse dos moradores esgota logo a edição do GLOBO-Tijuca. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), p. 13, 24 mar. 1982. Metrô vai estudar colocação de jardineiras na Conde de Bonfim. Jornal O Globo, Grande Rio, p. 9, 9 out. 1980. Na Tijuca de hoje, poucos sinais dos ‘anos dourados’. Jornal O Globo, Tijuca (Ca-derno de Bairros), p. 18, 10 jun. 1986. Na Visconde de Figueiredo, a mais típica feira tijucana. Jornal O Globo, Tijuca (Ca-derno de Bairros), Capa, 18 fev. 1986. No Montanha, do bom tempo só resta saudade. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), p. 18, 19 ago. 1986. Novembro de 56. No rádio, a música lilás... A tradicional (e vigilante) família tijucana. Jornal O Globo, Segundo Caderno, p. 2, 5 mai. 1986. Os tijucanos querem a Praça Saenz Peña de volta. E reclamam num passeio de bici-cletas. Jornal O Globo, Cultura, p. 17, 22 jun. 1981. Praça Saenz Peña, o ‘habitat’ ideal de médicos e dentistas. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), p. 12, 6 set. 1983.

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Que os tijucanos a perdoem. Jornal do Brasil, Domingo, 14 mar. 1989. Quem vê, não diz. Estas praças só têm 3 meses. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), p. 8, 8 fev. 1983. Saens Peña virou mercado persa. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), pp. 10-11, 3 jun. 1986. Saens Peña, entre o bem-estar e o interesse: moradores querem praça, comércio prefere terminal. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), pp. 6-7, 20 ago. 1982. Suburbano? Pode ser, mas até certo ponto. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), p. 17, 6 dez. 1988. Tijuca dá preferência a candidatos de esquerda. Jornal do Brasil, Cidade, p. 3, 16 nov. 1989. Tijuca depois do metrô procura entrar na linha. Jornal do Brasil, Cidade, p. 26, 16 mai. 1982. Tijuca Tênis Clube: 70 anos, com muita história para contar. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), pp. 8-9, 9 jul. 1985. Tijucano, prestigie o comércio de seu bairro. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), p. 13, 6 dez. 1983. Tijucanos conhecem estação da Saenz Peña e passeiam no metrô. Jornal O Globo, Grande Rio, p. 9, 25 mai. 1982. Tijucanos contam com ‘mini-market’. Jornal do Brasil, Cidade, p. 7, 3 abr. 1987. Tijucanos: consumo pode esperar. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), p. 28, 31 jan. 1989. Tiros na janela. Nem em casa se vive mais seguro. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), 14 out. 1986.

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Tudo mudou. Mas na Saens Peña, um pouco do ‘antes’. Jornal O Globo, Tijuca (Ca-derno de Bairros), pp. 8-9, 19 abr. 1983. Um novo problema do Metrô na Tijuca. Prédios ameaçados de desabamento. Jornal O Globo, Grande Rio, p. 14, 13 abr. 1980. Usina e os banhos na floresta da Tijuca. Jornal do Brasil, Cidade, seção Variadas, 4 fev. 1984. Vamos malhar na praça: um projeto democratiza a ginástica na cidade. Jornal do Brasil, Domingo, pp. 30-31, 18 dez. 1988. Zona Sul? Já era. A noite tijucana é o maior barato. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), pp. 8-9, 16 jul. 1985. BARCELLOS, M. Alto ainda tem um jeito de paraíso. Jornal O Globo, Tijuca (Ca-derno de Bairros), pp. 30-31, 9 mai. 1989. BARCELLOS, M. O bom clima de morar na Usina. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), pp. 18-19, 28 fev. 1989. BARCELLOS, M. Por uma Cinelândia tijucana. Desde os ‘poeiras’, o tijucano sempre foi um animado cinéfilo. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), pp. 26-27, 25 abr. 1989. BELCHIOR, F.; CARTIER, B. Obras animam shopping da Tijuca, parado há 9 anos. Jornal do Brasil, Economia/Negócios, 11 abr. 1983. BERNARDES, M. A arte de viver num ‘apertamento’. Jornal O Globo, Tijuca (Ca-derno de Bairros), p. 30, 23 ago. 1988. BRAGA, R. Rio Zona Norte: Tijuca tem 2 ‘baixos’ e um deles é no Alto. Jornal do Brasil, Caderninho B, 12 out. 1984. CABALLERO, M.; FIRME, M.; ASSAF, R.; et al. Cirurgião pega na enxada para lim-par a Tijuca. Jornal do Brasil, Cidade, p. 3, 22 fev. 1988.

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CABALLERO, M. ‘Quilombo urbano’, uma festa para o Salgueiro. Jornal do Brasil, Caderno B, p. 5, 24 set. 1984. CARRASCO, M. Administradores regionais: eles querem voltar a ser ‘prefeitinhos’, com poder decisório. Jornal O Globo, Grande Rio, p. 16, 15 fev. 1981. FIRME, M. P. Rio poderá ter estátua de volta. Jornal do Brasil, Cidade, 15 jan. 1988. FREITAS, K. Edifícios invadem um bairro que foi calmo. E a procura só cresce. Jor-nal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), pp. 6-7, 4 nov. 1983. GALVÃO, L. E. Barra, doce exílio dos tijucanos. Jornal O Globo, Barra (Caderno de Bairros), 22 set. 1988. GOMES, L. F. Tijuca marca inauguração das sete áreas de lazer. Jornal do Brasil, Cidade, p. 7, 6 out. 1982. GUERRA, R. Andaraí: o envergonhado bairro rejeitado por seus moradores. Jornal O Globo, Segundo Caderno, Capa, 28 mar. 1988. KARAM, C.; MARTINS, E. Saens Peña: o coração da Tijuca bate mais devagar. Jor-nal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), pp. 28-29, 9 ago. 1988. MARINHO, F. Teatro a Tijuca quer. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), p. 14, 25 fev. 1986. MARQUEIRO, P. S. Um bairro muito além das tragédias. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), pp. 10-11, 25 mar. 1986. NEPOMUCENO, R. Um tijucano doido por som. Jornal O Globo, Segundo Caderno, p. 3, 31 dez. 1988. NEVES, T. Um álbum de família. Jornal O Globo, Segundo Caderno, Capa, 30 dez. 1989. PESSOA, I. Quem tem medo do metrô?. Jornal O Globo, Segundo Caderno, p. 5, 17 abr. 1988.

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ROCHA, A. R. Cinema, jogos, namoro e lazer na praça. É a noite na Tijuca. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), p. 27, 18 ago. 1983. RONDEAU, J. E. Reação a um cerco fatal: Atravancada e perfurada, a Tijuca briga por seu espaço e seu ritmo e já conta vitórias. Jornal do Brasil, Domingo, pp. 10-14, 13 set. 1981. SIGAUD, P. No Alto da Tijuca, entre borboletas azuis e bem-te-vis, vive a ‘castelã’ Helena. Jornal O Globo, Ela, p. 3, 18 jul. 1987. TÂMEGA, L. Grande Tijuca não comemora ‘Semana’. A situação periga. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), p. 7, 4 jun. 1985. TÂMEGA, L. Na Visconde de Figueiredo, uma feira de encher os olhos. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), p. 8, 18 fev. 1986. TÂMEGA, L. Tijucano tem motivo de sobra para ser bairrista. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), pp. 8-9, 23 abr. 1985. THYS, B.; CASTRO, G. O.; WAINER FILHO, S.; et al. Tijuca recebe metrô com ba-lões e gente nos telhados. Jornal do Brasil, Cidade, p. 5, 28 mai. 1982. VALENTE, M. C. Dos ‘bons tempos’, Tijuca de hoje só tem a saudade. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), pp. 14-15, 28 abr. 1987. VALPORTO, O. Tijuca inaugura com vôlei suas áreas de lazer. Jornal do Brasil, Ci-dade, 18 out. 1982. VALPORTO, O. Tijucano só deixa o seu bairro para ir à praia. Jornal do Brasil, Ci-dade, p. 12, 5 fev. 1984. VILLAS BOAS, A.; NOBRE, C. Aqui, a qualidade de vida resiste. Jornal O Globo, Ti-juca (Caderno de Bairros), p. 10, 15 set. 1987. VITÓRIA, G. Tijuca, calmo cenário. Jornal do Brasil, Cidade, p. 6, 28 fev. 1989.

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DÉCADA DE 1990 A intimidade com o bairro cresce a cada dia: entrevista a Ana Furtado. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), p. 11, 22 fev. 1996. AGUIAR, C. Pernas para o ar. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), p. 2, 6 fev. 1997. AMORA, D. O medo ao volante na Tijuca. Jornal O Globo, Rio, 30 jun. 1999. AMORIM, R. “Demorô, mas abalô”. Jornal do Brasil, Barra (Caderno de Bairros), Capa, 25 jan. 1996. ANSELMO, L. O lado bom de ser bairrista: clientela fiel faz da Tijuca um dos merca-dos imobiliários mais estáveis da cidade. Jornal O Globo, Morar Bem, p. 34, 7 dez. 1997. ANTUNES, L.; GIANOTTI, R. Metrô dá a partida rumo à Barra. Jornal O Globo, Rio, p. 12, 25 nov. 1998. Apartamentos luxuosos e casas amplas na quadra mais nobre e cara da Tijuca. Jor-nal O Globo, Morar Bem, p. 2, 1 nov. 1998. AQUINO, W. Operação Rio frustrou moradores do Borel. Jornal do Brasil, Cidade, p. 27, 4 dez. 1994. ARAÚJO, F. Tijuca perde seu mais antigo cinema. Jornal do Brasil, Cidade, p. 22, 15 abr. 1997. As parabólicas conquistam seu espaço na Tijuca. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), 19 nov. 1991. Baderna na Tijuca. Jornal do Brasil, seção “A opinião dos leitores”, 11 abr. 1998. BELÉM, C. Caso de paixão radical: Bairrista assumido, o tijucano dribla as piadas maldosas e se orgulha de morar na Zona Norte chique. Jornal O Globo, Segundo Caderno, pp. 1-2, 13 mar. 1990. BEZERRA, M. Um condomínio em pé-de-guerra na Tijuca. Jornal O Globo, Rio, p. 21, 18 dez. 1998.

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Exército treina nas ruas da Tijuca. Jornal do Brasil, Cidade, p. 2, 13 set. 1991. FAGUNDES, W.; AQUINO, W. PM é morto em operação em favela da Tijuca. Jornal do Brasil, Cidade, p. 24, 26 jun. 1992. Felicidade é isso aí: dicas sobre a boa trinca do lazer tijucano - clubes, compras e comidas. Jornal do Brasil, Programa, pp. 21-25, 17 a 23 abr. 1998. FIGUEIRA, M. Bangladesh, filial Tijuca. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), p. 18, 7 dez. 1995. KARAM, C. Os problemas da Praça em um vídeo. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), pp. 24-25, 13 fev. 1990. KARAM, C.; FITTIPALDI, M. Um novo visual para a Praça Saens Peña. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), pp. 32-33, 26 jun. 1990. LAU, F. Projeto altera gabarito da Tijuca. Jornal do Brasil, Cidade, 19 out. 1997. LIMA, E.; CONTI, E. Prefeitura vai organizar os camelôs. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), p. 20, 2 jul. 1991. MAÇOS, S. ‘Boom’ imobiliário transforma a Barra em extensão da Tijuca. Jornal do Brasil, Negócios & Finanças, p. 14, 12 jul. 1993. MAGALHÃES, A. A riqueza do lado de cá do Rebouças. Jornal O Globo, Tijuca (Ca-derno de Bairros), pp. 12-13, 19 out. 1993. MAGALHÃES, A. Aplausos para o ‘Zimba’, o teatro da Tijuca. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), pp. 14-15, 13 abr. 1995. MAGALHÃES, A. Em construção, a Tijuca do século XXI. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), pp. 14-15, 20 abr. 1995. MAGALHÃES, A. Nos clubes, espaço para o lazer em família. Jornal O Globo, Ti-juca (Caderno de Bairros), pp. 18-19, 16 jun. 1992. MAGALHÃES, A. O jeito chique de se viver no bairro. Jornal O Globo, Tijuca (Ca-derno de Bairros), pp. 36-37, 26 nov. 1991.

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DÉCADA DE 2000 “Como no Rio de dois séculos atrás”. Vila de sobrados geminados na Tijuca ganha a atenção pela tranquilidade. Jornal O Globo, Morar Bem, p. 3, 9 set. 2001. ALECRIM, M. Estudante morta no metrô. Jornal O Globo, Rio, p. 11, 26 mar. 2003. AMORA, D.; CONTI, L. Dois bons exemplos: Tijuca e Barra ganham mais atenção da polícia e número de crimes cai. Jornal O Globo, Rio, p. 14, 2 jul. 2002. AMORA, D.; VALENTE, L.; ALVES, M.; et al. A Tijuca com medo. Jornal O Globo, Rio, p. 8, 31 mar. 2003. ANGEL, H. Na Tijuca do menino João, 194 mães deixaram de chorar a morte dos fi-lhos este ano. Jornal do Brasil, Caderno B, p. B15, 14 jul. 2008. ANGEL, H. Promessa. Jornal do Brasil, Coluna Hildegard Angel, 11 set. 2009. AÖR, R. Tijucano, com muito orgulho. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), pp. 12-13, 6 jun. 2002. AUTRAN, P. Tijucanos trocam Saens Peña por shoppings. Jornal O Globo, Rio, p. 28, 23 jan. 2000. BERTA, R. Tijuca, um bairro degradado pela favelização. Jornal O Globo, Rio, p. 15, 15 out. 2005. BOTTARI, E. A geografia do crime. Jornal O Globo, Rio, p. 19, 7 out. 2007. BRAGA, R. A violência de volta à Tijuca. Jornal O Globo, Rio, p. 24, 18 out. 2006. BRANDÃO, T. Uma escada aos pés da mais bela vista do Rio. Jornal O Globo, Rio, p. 28, 31 ago. 2008. CANAVARRO, M. Um bairro para toda a cidade. Tijuca passagem de 1% da frota nacional de veículos, recebe moradores de outros lugares em busca de serviços. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), pp. 14-16, 31 ago. 2006.

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Shoppings completam uma década. Jornal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), p. 10, 29 jun. 2006. TABAK, F. Quando a polêmica chega ao limite. Divisas confundem moradores e criam discussões sobre onde começam e terminam os bairros da Grande Tijuca. Jor-nal O Globo, Tijuca (Caderno de Bairros), pp. 8-9, 14 mai. 2009. Uma ilha de tranquilidade na Tijuca. Rua Marechal Taumaturgo de Azevedo tem conselho administrativo formado por síndicos. Jornal O Globo, Morar Bem, p. 3, 23 mai. 2004. WARNBIER, A.; BRAGA, R. Saens Peña sob domínio do tráfico. Jornal O Globo, Rio, p. 15, 20 ago. 2002. XEXÉO, A. Os excluídos do cabelo duro. Como não dormir de touca e enfrentar tiju-canos ofendidos. Jornal O Globo, Segundo Caderno, 1º set. 2002.

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ANEXO II – PANORAMA ILUSTRATIVO DA TIJUCA: PONTOS E LOCAIS DE REFERÊNCIA

Fonte: Elaboração do autor para esta pesquisa.

ZONA SUL

BARRA DA TIJUCA

CENTRO

SUBÚRBIO DA

CENTRAL