Percurso Gerativo Do Sentido - Aplicação (Reparado)

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FACULADADE DA ALDEIA DE CARAPCIUÍBA GISELE RODRIGRES SEMIÓTICA, SEMI-SIMBOLISMO E O POETA LINGUISTA Uma aplicação de um modelo semi-simbólico Trabalho de conclusão de curso Faculdade da Aldeia de Carapicuíba CARAPICUÍBA 2015

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FACULADADE DA ALDEIA DE CARAPCIUÍBA

GISELE RODRIGRES

SEMIÓTICA, SEMI-SIMBOLISMO E O POETA LINGUISTA

Uma aplicação de um modelo semi-simbólico

Trabalho de conclusão de curso –

Faculdade da Aldeia de Carapicuíba

CARAPICUÍBA

2015

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FACULDADE ALDEIA DE CARAPICUÍBA

SEMIÓTICA, SEMI-SIMBOLISMO E O POETA LINGUISTA

Uma aplicação de um modelo semi-simbólico

Trabalho de conclusão de curso –

Faculdade da Aldeia de Carapicuíba

Área:

CARAPICUÍBA

2015

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FACULDADE ALDEIA DE CARAPICUÍBA

SEMIÓTICA, SEMI-SIMBOLISMO E O POETA LINGUISTA

Uma aplicação de um modelo semi-simbólico

Trabalho de conclusão de curso –

Faculdade da Aldeia de Carapicuíba

Área:

Departamento:

Banca Examinadora:

CARAPICUÍBA

2015

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AGRADECIMENTOS

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RESUMO

Tendo em mente que o sentido se faz em um percurso linguístico, este trabalho se

vale da semiótica estrutural (ou greimasina). Greimas recorre às definições de plano do

conteúdo e plano da expressão, de Hjelmslev, para definir seus estudos semióticos. Nos

domínios do plano do conteúdo a significação é descrita pela semiótica no modelo do

percurso gerativo do sentido. Assim, temos num primeiro momento uma semiótica do

conteúdo. Contudo, alguns textos, devido à sua natureza, tem seu plano da expressão

relacionado ao conteúdo, então num segundo momento, a semiótica passa a estudar essas

relações, que chamamos de semi-simbólicas. Tomando a ideia de semi-simbolismo,

desenvolvida principalmente por Floch, analisaremos dois poemas de Arnaldo Antunes,

verificando a possibilidade de relações entre os dois planos na significação de um texto.

Palavras-chave: semi-simbolismo, semiótica, plano da expressão.

ABSTRACT

Having in mind that the meaning is produced in a linguistic process, this paper refers

to the French semiotics. Greimas resorts to Hjelmslev’s definitions of content plane and

expression plane to define his semiotic studies. In the domains of content plane the

signification is described by Semiotics in a meaning generative process. Thus, we have in a

fisrt moment the studies of the content plane. However, some texts, due to its type, relate the

content plane to the expression plane, so in a further moment, Semiotics starts studying

these relations, which got to be called semi-symbolism. Referring to the idea of semi-

symbolism, developed mainly by Floch, we will analyze two poems by Arnaldo Antunes,

confirming the possibility to relate these two planes in the meaning of a text.

Key-words: semi-symbolism, Semiotics, expression plane.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 7

1. SENTIDO E SEMIÓTICA ................................................................................................................ 9

1.1 Bases da semiótica estrutural .................................................................................................. 9

1.2 Sentido e Semiótica ................................................................................................................. 10

2. O percurso Gerativo do Sentido .................................................................................................. 13

2.1 O nível Fundamental ........................................................................................................... 13

2.2 O Nível Narrativo.................................................................................................................. 14

2.3 Nível Discursivo.................................................................................................................... 17

3. PLANO DA MANIFESTAÇÃO E O SEMI-SIMBOLISMO ........................................................ 19

4. OS TIPOS DE POETAS: REGIMES E MODOS DE COESÃO .............................................. 21

5. ANTUNES, O LINGUISTA ............................................................................................................ 23

6. O LINGUISTA E O PLANO DA EXPRESSÃO .......................................................................... 24

6.1 Cromossomos .......................................................................................................................... 24

6.1.1 Expressão e a plasticidade ................................................................................................. 26

6.1.2 Elementos cromáticos e o plano da expressão ............................................................... 27

6.1.3 Expressão e sonoridade ...................................................................................................... 29

6.1.4 Articulação entre semióticas ............................................................................................... 30

6.2 O ir do rio ................................................................................................................................... 31

6.2.1 O percurso (do olhar) do rio(ir) ....................................................................................... 32

6.2.2 Fluxo fonológico do rio(ir) ................................................................................................ 33

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................... 36

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 37

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INTRODUÇÃO

Devemos ter em mente que quando falamos de Semiótica, não falamos de

apenas um, mas diferentes domínios do saber. Aqui, trataremos da Semiótica

elaborada por Greimas (e seus colaboradores). Essa Semiótica tem sua origem a

partir da Semântica estrutural, de A. J. Greimas1 e, atualmente, continua sendo

desenvolvida em algumas frentes de pesquisa.

Do mesmo modo que as primeiras formulações conceituais de F. Saussure

consideráveis modificações, as de A. J. Greimas também. De maneira geral, a

semiótica estuda o sentido que se produz no plano do conteúdo. Porém, há textos

em que, devido a uma organização do plano da expressão, “a expressão produz

sentido” (Barros,1990, p. 81). Para explicar esses fenômenos, a Semiótica elabora a

teoria dos sistemas semi-simbólicos, alcançando assim o plano da expressão, além

do percurso gerativo do sentido. Nessa teoria, a expressão “produz” sentido, quando

uma organização em seu plano entra em relação com uma organização do plano do

conteúdo (Barros, 1990, p. 80-82).

A poesia é um tipo textual que tende levar as possibilidades de articulações

da linguagem a seus extremos. A poesia concreta, especialmente, busca a

exploração da figura, uso do espaço gráfico e recursos tipográficos2. Para ilustrar

essas explorações foi escolhido o poeta Arnaldo Antunes, executor de diversos

trabalhos concretistas3. Dois poemas foram escolhidos para análise semiótica semi-

simbolista: Cromossomos e Rioir.

Neste trabalho, mostraremos, através do modelo semiótico e das relações

semi-simbólicas, a produção do sentido que se constrói, dentro da obra, a partir das

relações que o poeta, engenhosamente, cria entre o plano do conteúdo e o plano da

expressão.

O modelo semiótico foi escolhido para análise para verificar o estatuto dos

estudos de linguagem no que concerne à engenhosidade poética. Com frequência

as questões literárias são preteridas em função de outras. Pietroforte (2011, p.12),

1 Cf. Greimas, s.d.Semântica Estrutural

2 http://educaterra.terra.com.br/literatura/litcont/2003/04/22/001.htm

3 Apesar de a crítica classificá-lo como tal, Antunes acha esse rótulo reducionista, contudo, reconhece as

influências concretistas.

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toma o texto “Conferência sobre lírica e sociedade” alegando que uma teoria literária

baseada nas propostas de Adorno tende a privilegiar a análise ideológica à

engenhosidade literária. A semiótica, então, parece ser um método de análise de

discurso razoável, considerando a autonomia das formas de articulação dos

discursos literários.

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1. SENTIDO E SEMIÓTICA

1.1 Bases da semiótica estrutural

Os estudos semióticos têm como base os estudos linguísticos de Ferdinand

de Saussure4 e Louis Hjelmslev5. Saussure ficou conhecido por perceber relações

dicotômicas na linguagem e pela definição de signo. O linguista francês define signo

como a união de um conceito a uma imagem acústica (SAUSSURE, s.d., p.81).

Para Saussure a língua é uma forma e não substancia. No capítulo quatro do

Curso de Linguística Geral, encontramos como ele explica a articulação entre forma

e substância:

Tomado em si, o pensamento é como uma nebulosa onde nada

está necessariamente delimitado. Não existem idéias preestabelecidas, e

nada é distinto antes do aparecimento da língua. (...) A substância fônica

não é mais fixa, nem mais rígida; não é um molde a cujas formas o

pensamento deve necessariamente acomodar-se, mas uma matéria plástica

que se divide, por sua vez, em partes distintas, para fornecer os

significantes dos quais o pensamento tem necessidade. Podemos, então,

representar o fato lingüístico em seu conjunto, isto é, a língua, como uma

série de subdivisões contíguas marcadas simultaneamente sobre o plano

indefinido das idéias confusas e sobre o plano não menos indeterminado

dos sons. (...) O papel característico da língua frente ao pensamento não é

criar um meio fônico material para a expressão das idéias, mas servir de

intermediário entre o pensamento e o som, em condições tais que uma

união conduza necessariamente a delimitação recíproca de unidades. (...)

Não há, pois, nem materialização do pensamento, nem espiritualização de

sons; trata-se, antes, do fato, de certo modo misterioso, de o “pensamento-

som” implicar divisões e de a língua elaborar suas unidades constituindo-se

entre duas massas amorfas. (Saussure, s. d.: 130-131).

Para ilustrar esse pensamento, Saussure usa a imagem de uma folha de

papel para explicar o funcionamento da articulação de uma língua:

A língua é também comparável a uma folha de papel: o pensamento

é o anverso e o som é o verso; não se pode cortar um sem cortar, ao

mesmo tempo, o outro; assim tampouco, na língua, se poderia isolar o som

do pensamento, ou o pensamento do som; só se chegaria a isso por uma

4 Linguista francês, dito o “pai da linguística (moderna)”

5 Linguista dinamarquês.

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abstração cujo resultado seria fazer Psicologia pura ou Fonologia pura. A

Lingüística trabalha, pois, no terreno limítrofe onde os elementos das duas

ordens se combinam; esta combinação produz uma forma, não uma

substância. (Saussure, s. d.: 131).

Na proposta de Saussure a substância, tanto fônica quanto conceitual,

antecede à língua. Para ele, a forma da língua faz a intermediação de duas

substâncias que são anteriores a ela, ou seja, existem a priori para que a língua

possa realizar-se a posteriori (PIETROFORTE, 2008, p.21). Já Hjelmslev, apesar de

usar dos elementos que Saussure, propõe uma ordem diferente:

(...) nada autoriza que se faça preceder a língua pela “substância do

conteúdo” (pensamento) ou pela “substância da expressão” (cadeia fônica)

ou o contrário, quer seja numa ordem temporal ou numa ordem hierárquica.

Se conservarmos a terminologia de Saussure, temos então de nos dar

conta - e justamente a partir de seus dados - de que a substância depende

exclusivamente da forma e que não se pode, em sentido algum, atribuir-lhe

uma existência independente.

(Hjelmslev, 1975: 55).

Hjelmslev inverte o sentido de uma articulação em que substância precede a

forma para uma articulação em que a forma é que determina a substância. Se a

língua não é “um simples reflexo” e sim “a própria fonte do desenvolvimento dessas

coisas” (Hjelmslev, 1975, p. 1), ela não pode ser o reflexo de quaisquer substâncias.

Ela deve ser uma forma a partir da qual uma substância conceitual e uma substância

fônica podem ser determinadas.

1.2 Sentido e Semiótica

Hjelmslev apresenta a sua definição de sentido no tópico reservado às

questões da expressão e do conteúdo (Hjelmslev, 1975, p. 51-64). Primeiro, ele

define o sentido como um fator comum:

“que é uma grandeza que só se define pela função que a une ao

princípio de estrutura da língua e a todos os fatores que fazem com que as

línguas se distingam umas das outras” (Hjelmslev, 1975, p.55- 56).

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Esse princípio de estrutura da língua é aquele que “comporta a função

semiótica e todas as funções que dela se pode deduzir - princípio que, enquanto tal,

é naturalmente comum a todas as línguas, mas cuja execução é diferente em cada

uma delas” (Hjelmslev, 1975, p. 55). A função semiótica é aquela que está “situada

entre duas grandezas: expressão e conteúdo” (Hjelmslev, 1975, p. 53).

Usando o princípio da isomorfia entre os planos de expressão e conteúdo,

Hjelmslev postula que o conceito de sentido pode ser aplicado também aos

domínios do plano da expressão (Hjelmslev, 1975, p. 60):

Sendo manifestamente a mesma a situação para a expressão e seu

conteúdo, convém ressaltar este paralelismo pelo uso de uma mesma

terminologia para a expressão e para o conteúdo. Seria possível assim falar

de um sentido da expressão, e nada impede de fazê-lo, embora isso seja

algo contrário ao habitual.

No Dicionário de lingüística, organizado por J. Dubois (e outros), encontramos

a seguinte definição de isomorfia:

Diz-se que há isomorfia entre duas estruturas de duas ordens

diferentes de fatos quando ambas apresentam o mesmo tipo de relações

combinatórias. (Dubois e outros, s.d.: 354 apud PIETROFORTE, 2008 p.24)

A estrutura da forma do conteúdo pode ser descrita com o mesmo tipo de

relações combinatórias que a estrutura do plano da expressão. Assim, os resultados

das pesquisas em Semiótica, válidos para o sentido do plano do conteúdo, podem

ser aplicados ao sentido do plano da expressão. Já que para Hjelmslev a língua

deve ser descrita nesses dois planos da linguagem, e não por meio de níveis de

análise, como são os procedimentos da fonologia, da morfologia, da lexicologia, da

sintaxe e da semântica (Hjelmslev, 1975, p. 63).

No Dicionário de semiótica, sentido tem a seguinte definição (Greimas e

Courtés, s.d.: 416-417 apud PIETROFORTE, 2008, P. 29-30):

1. Propriedade comum a todas as semióticas, o conceito de sentido é

indefinível. Intuitivamente ou ingenuamente, duas abordagens do sentido

são possíveis: pode ser considerado quer como aquilo que permite as

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operações de paráfrase ou de transcodificação, quer como aquilo que

fundamenta a atividade humana enquanto intencionalidade. Anteriormente à

sua manifestação sob forma de significação articulada, nada poderia ser

dito do sentido, a não ser que se façam intervir pressupostos metafísicos

carregados de conseqüências.

2. L. Hjelmslev propõe urna definição operatória de sentido, identificando-o

com o “material” primeiro, ou com o “suporte” graças ao qual qualquer

semiótica, enquanto forma, se acha manifestada. Sentido torna-se, assim,

sinônimo de “matéria” (o inglês “purport” subsume as duas palavras): uma e

outra são empregadas indiferentemente, falando-se de dois “manifestantes”:

o do plano da expressão e o do plano do conteúdo. O termo substância é

em seguida utilizado para designar o sentido enquanto algo que é assumido

por uma semiótica, o que permite distinguir então a substancia do conteúdo

da substância da expressão.

Como, conclui Pietroforte (2008, p. 30-32), a Semiótica faz uma abordagem

diferente da de Hjelmslev. Ela investiga os domínios do plano do conteúdo. Greimas

define esse domínio quando trata da correlação entre significantes e significados na

sua Semântica estrutural (Greimas, s.d., p.17-20). Para ele, o mesmo significado

pode manifestar-se em ordens diferentes de significantes.

A Semiótica define o plano de expressão em um nível de manifestação e

estuda o conteúdo isolado do plano da expressão. Portanto, a Semiótica não é uma

teoria linguística ou uma teoria sobre outras ordens de expressão quaisquer, seu

objeto de estudo é a significação. Para Greimas, a Semiótica encarrega-se da

construção de um modelo teórico que traduz a sua proposta de semântica como

linguagem.

Na teoria padrão da Semiótica, o conteúdo pode ser formalizado em um

percurso gerativo do sentido. Neste percurso, a Semiótica define três níveis

homogêneos de análise, de modo que o sentido é gerado a partir de uma semântica

fundamental e se realiza em um determinado discurso. O Percurso gerativo do

sentido será detalhado mais adiante. Para a Semiótica, portanto, o sentido é

investigado nos domínios do plano do conteúdo. Para Hjelmslev, o sentido está

definido tanto nos domínios da expressão quanto do conteúdo, de modo que os

domínios de sua definição não estão restritos ao plano do conteúdo, como faz a

Semiótica. Contudo, em Hjelmslev o sentido está identificado com a substância

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desses planos enquanto suporte de uma forma semiótica, enquanto a Semiótica

estuda o sentido como um processo de formação de uma substância conceitual.

2. O percurso Gerativo do Sentido

Para entender melhor o desenvolvimento da semiótica greimasiana, devemos

olhar para os conceitos e elementos do modelo do percurso gerativo do sentido. “O

percurso gerativo do sentido é uma sucessão de patamares, cada um dos quais

suscetível de receber uma descrição adequada, que mostra como se produz e se

interpreta o sentido, num processo que vai do mais simples ao mais complexo”.

(FIORIN, 2013, p. 20)

O modelo de produção de sentido é constituído de três níveis: o Profundo (ou

Fundamental), Narrativo e o Discursivo. Cada nível é composto por um componente

sintático e outro semântico, que se contrapõem na teoria discurso. O esquema que

segue é retirado de Fiorin (2013 p.20):

Componente

Sintático

Componente

Semântico

Estruturas

semionarrativas

Nível profundo Sintaxe

fundamental

Semântica

Fundamental

Nível de superfície Sintaxe narrativa Semântica

Narrativa

Estruturas

Narrativas

Sintaxe discursiva

Discursivização

(actorialização, temporalização,

espacialização)

Semântica

discursiva

Tematização

Figurativização

2.1 O nível Fundamental

O nível fundamental é o mais simples e abstratos de todos, nele há uma rede

fundamental de relações que estabelecem o sentido. Essas relações se dão por

oposição e negação de categorias fundamentais e podem ser demonstradas no

quadrado semiótico:

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S1 S2

Não-S2 Não-S1

Essa oposição semântica mínima é a primeira condição para a narratividade,

e para fazer essa oposição é necessário que haja um elemento comum aos dois

termos e é sobre esse traço comum que é estabelecida essa diferença, por exemplo,

“Contrapomos /masculinidade/ e /feminilidade/, pois ambos se situam no âmbito da

/sexualidade/” (FIORIN, 2013, p.22).

Ao identificar essas categorias fundamentais, elas recebem qualificações

(semânticas) de foria: /euforia/ versus /desforia/. Ao termo aplicado a qualidade

/euforia/ é considerado o termo positivo; aquele marcado com /disforia/ tem valor

negativo. O valor fórico é inscrito no texto e não pelo leitor, assim, o mesmo termo

pode ser classificado tanto como eufórico quanto como disfórico, isso dependerá do

texto.

Com relação à sintaxe do nível fundamental, são abrangidas duas operações:

a negação e a asserção. Essas relações aparecem ao decorrer do texto posta a

oposição das categorias a versus b:

a) Afirmação de a, negação de a, afirmação de b.

b) Afirmação de b, negação de b, afirmação de a.

2.2 O Nível Narrativo

O segundo nível do percurso gerativo de sentido é o narrativo. É importante

ressaltar que não deve-se confundir narratividade com narração, pois, esta

“concerne a uma determinada classe de textos. Aquela é uma transformação situada

entre dois estados sucessivos e diferentes [...], quando se tem um estado inicial,

uma transformação e um estado final.” (FIORIN, 2013, p. 27). Uma narratividade

mínima ocorre quando há um estado inicial, uma transformação e um estado final. A

narratividade pode subjazer um enunciado, Fiorin exemplifica:

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“Quando o presidente da República, em discurso dirigido à nação, diz

que 1graças aos esforços continuados do governo, a inflação foi contida’,

subjaz a esse enunciado uma narrativa mínima: estado inicial de inflação

descontrolada, estado final ”. (2003, p.28)

Assim, a narratividade é um componente da teoria do discurso, enquanto a

narração é um gênero/classe do discurso, o qual tem uma (ou várias)

narratividade(s) desencadeada(s) por personagens (transformações de estado).

Na sintaxe narrativa, há dois tipos de enunciados elementares:

a) Enunciados de estado: os que estabelecem relação de junção, podendo ser

conjunção ou disjunção entre um sujeito (S) e um objeto de valor (O˅). As

relações de conjunção podem ser representadas da seguinte maneira: (S ˄

O˅) - conjunção; (S ˅ O˅) - disjunção, sendo S: sujeito; O˅: objeto de valor; ˄:

conjunção; ˅: disjunção.

b) Enunciados de fazer: aqueles que apresentam as transformações, mudanças

de estado.

Há a partir desses elementos temos uma narrativa simples descrita na

sequência serÞ fazerÞ ser, que define um programa narrativo.

Considerando que há dois tipos de estado, há dois tipos de narrativa mínima:

a de privação (estado inicial conjunto e um final desconjunto) e a de liquidação de

uma privação (estado inicial disjunto e um final conjunto), esquematizados:

(S˄O)→(S˅O) e (S˅O)→(S˄O).

Fiorin (2013, p.29) lembra que não devemos confundir sujeito com pessoa e

objeto com coisa: “Sujeito e objeto são papeis temáticos que podem ser

representados num nível superficial por coisas, pessoas ou animais.” (FIORIN, 2013,

p.29).

Nas narrativas, formadas por mais de um programa narrativo, o programa

narrativo pode funcionar como um programa de base ou de uso. Nas palavras de

Pietroforte:

“O programa de base descreve a ação principal do sujeito e os

programas de uso as ações subordinadas a esta ação principal. Os

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programas de uso descrevem a aquisição da competência necessária para

a realização da performance descrita no programa de base. A competência

é sistematizada por meio da aquisição de modalidades narrativas querer,

dever, saber e poder. Estas quatro modalidades formalizam os quadros da

competência que deve ser adquirida para a realização da performance, de

modo que elas traduzem, em seu poder de generalização, os diferentes

programas de uso que um sujeito deve realizar essa performance.”

(PIETROFORTE, 2008, pp.31-32)

Os textos, então não são narrativas mínimas, mas, uma serie de enunciados.

Numa narrativa complexa a organização sintática canônica compreende quatro

fases: manipulação (sujeito adquire o querer e/ou o dever ); competência (aquisição

do saber e o poder para realizar a performance); performance (ação); e sanção

(julgamento).

Na manipulação o sujeito- destinador manipula um sujeito-destinatário, que na

ação é o sujeito que se relaciona com o objeto. De acordo com Fiorin há “inúmeros

tipos de manipulação: o pedido, a ordem, etc.” (2013, p.30), os principais são:

tentação (proposta de recompensa ao manipulado);

intimidação (ameaças);

sedução (quando o manipulador apresenta com um valor positivo à

competência do manipulado);

provocação (o manipulador impele valor negativo à competência do

manipulado).

É na fase da competência que o sujeito adquire o saber e o poder fazer.

Esses elementos aparecem de diversas formas no plano superficial do discurso. A

performance é a fase que se dá a transformação central da narrativa. O sujeito entra

em conjunção ou disjunção com o objeto de valor. Na sanção, última fase, ocorre a

constatação de que a performance ocorreu (reconhecimento do sujeito que operou a

ação). É na fase da sanção que os segredos são revelados e as descobertas são

feitas.

Fiorin (2013, pp.32-33) ressalta que a ordem canônica apresentada anterior

pode aparecer de forma não comportada. Muitas fases ficam ocultas e precisam ser

recuperadas por pressuposição. O percurso narrativo pode aparecer numa ordem

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alternativa à apresentada. Uma das fases pode ter mais ênfase (no relato). E, às

vezes, as narrativas não realizam completamente.

Pietroforte (2008, p.32) ressalva que esse modelo é formalizado,

basicamente, “em torno do objeto” e que a “Semiótica das paixões (Greimas e

Fontanille, 1993) mostrou a possibilidade de uma formalização maior no sujeito” e

para além dos “estados das coisas” adiciona “estados da alma” do sujeito narrativo6.

2.3 Nível Discursivo

Se os níveis fundamental e narrativo, identificamos conceitos e formas

abstratas, no nível discursivo há revestimento dessas abstrações por termos que lhe

dão concretude. Assim, se no nível da narratividade tínhamos um sujeito que entra

em conjunção com a riqueza, no plano discursivo podemos ter diferentes formas de

concretizar esse percurso narrativo: o recebimento de uma herança, um roubo,

trabalho árduo, descoberta de uma mina, investimento bem sucedido, bilhete

premiado (da loteria), etc.

Um discurso realiza-se na forma de um enunciado, que, por sua vez, é

produzido por uma enunciação. Esta última é uma instância pressuposta, visto que é

o seu produto o que vemos, o enunciado. O enunciado é a instância do ego – hic –

nunc. Para que haja um enunciado, defini-se um enunciador (eu) e um enunciatário

(tu), e nessa relação cria-se o enunciado. Quando há marcação do enunciador e do

enunciatário através de dêiticos chamamos de enunciado enunciativo, e através da

desinência verbal esse eu e esse tu são localizados num tempo (agora) e por

adjuntos adverbiais num um lugar (aqui). Já quando o eu e o tu não estão implícitos

no enunciado, há o uso da terceira pessoa (ele), chamamos esse enunciado de

enuncivo. O ele é o outro, que, também, é coloca num lugar (lá) e num tempo

(alhures). Esquematicamente podemos representar assim:

6 Cf. GREIMAS & FONTANILLE, J. (1993). Semiótica das paixões. São Paulo, Ática.

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(in: Pietroforte, 2008, p.37)

Cada tipo de enunciação tem, portanto, sistemas pessoas, temporais e

espaciais, cuja colocação no discurso é chamada de debreagem. Até aqui tratamos

da sintaxe discursiva. Esses elementos (ego – hic – nunc) recebem investimentos

semânticos, que podem ser temáticos ou figurativos. Todos os textos tematizam o

nível narrativo que poderá ou não ser figurativizado. Quando um texto apresenta

ideias abstratas temos um texto temático (por exemplo, um texto filosófico), quando

essas ideias aparecem revestidas por figuras textuais, temos um texto figurativo (ex.:

parábola).

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3. PLANO DA MANIFESTAÇÃO E O SEMI-SIMBOLISMO

Até aqui esse percurso cobria o plano do conteúdo. A Semiótica trata, a rigor,

do conteúdo, e deixa o plano da expressão de lado, num primeiro momento.

Todavia, um texto pode manifestar-se de diversas formas, ou seja, o mesmo

conteúdo pode ser expresso de diversas formas. Em muitos textos o plano do

conteúdo serve apenas para veiculação do conteúdo, porém, em alguns casos a

forma ganha “sentido”.

Lembramos que Hjelmslev nos diz que “é em razão da forma do conteúdo e

da forma da expressão, e apenas em razão delas, que existem a substância do

conteúdo e a substância da expressão, que surgem quando se projeta a forma sobre

o sentido, tal como um fio esticado projeta a sua sombra sobre uma superfície

contínua” (Hjelmslev, 1975: 61). Assim, ele mantém a fidelidade ao princípio da

imanência da forma e define o sentido como o fator comum, tanto no plano da

expressão quanto no plano do conteúdo.

Essa expansão dos domínios conceituais da definição de sentido permite que

os dois planos da linguagem passem a ter em um comum a propriedade de ter

sentido, o que permite, com os avanços da Semiótica no estudo do sentido do

conteúdo, a possibilidade de um estudo do sentido da expressão. É preciso

desenvolver essa proposta.

Chama-se relação semi-simbólica quando articulamos uma forma do

conteúdo e uma forma da expressão. Tomando o exemplo dado por Pietroforte

(2004, p.21):

Uma pintura em que o plano do conteúdo é articulado com as

categorias semânticas vida vs. morte, pode ter sua expressão articulada

com as categorias plásticas luz vs. sombra, de modo que a sombra refira-se

à morte e a luz, à vida.

A princípio a teoria semi-simbólica pode ser aplicada em quaisquer sistemas

semióticos, contudo, Pietroforte aponta para um recorte frequente:

[...] embora a teoria do semi-simbolismo possa ser aplicada em

quaisquer sistemas semióticos, ela tem sido aplicada, com mais

regularidade, nos sistemas semióticos visuais, como a pintura e a fotografia.

Basicamente, nas análises semi-simbólicas de textos, o que é homologado

são categorias semânticas do nível fundamental do conteúdo com

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20

categorias fundamentais do plano da expressão, que no caso dos sistemas

visuais são categorias plásticas, como luz vs. sombra, esquerda vs. direita,

englobante vs. englobado, e outras. No sistema semiótico verbal, essa

aplicação raramente é feita. Ela, porém, aparece em poemas como A onda

(Bandeira, 1980: 255), de Manuel Bandeira, em que a categoria de

conteúdo continuidade vs. descontinuidade pode ser homologada com a

categoria de expressão som vs. ruído, com as vogais realizando o termo

som e as consoantes realizando o termo ruído. (PIETROFORTE, 2008,

pp.155-156).

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21

4. OS TIPOS DE POETAS: REGIMES E MODOS DE COESÃO

Pietroforte em O discurso da Poesia concreta: uma abordagem semiótica

propõe uma sistematização dos regimes de realização poética (com base numa

análise feita por Floch7), e ele propõe quatro categorias de poetas a partir da

categoria formal continuidade vs. descontinuidade, aplicados ao sistema verbal e o

discurso.

As categorias de poetas são: o linguista, pregador, arquiteto e conversador. O

regime esquematizado no quadrado semiótico:

Linguista Pregador

Descontinuidade Continuidade

Não-continuidade Não-descontinuidade

Assim:

Cada regime é definido por uma forma de expressão: o linguista

afirma a descontinuidade desmontando o sistema verbal; o conversador

nega a descontinuidade ao respeitar o comportamento lexical sem

desmontá-lo; o pregador afirma a continuidade em suas frases livres; e o

arquiteto nega a continuidade do discurso ao impor sistemas de escansão

para organizar o fluxo entoativo. [...] O poeta linguista, ao insistir na

desmontagem do sistema verbal, tende a trabalhar conteúdos

metalinguísticos, utilizando a linguagem para falar da própria linguagem,

como faz Arnaldo Antunes e os concretistas; O poeta arquiteto também faz

esse trabalho, mas antes de inventar novas formas, reutiliza e inova formas

já consagradas, como Glauco Mattoso faz em o soneto e a literatura de

cordel, e Alice Ruiz, com o Haikai; O poeta pregador os (sic.) insistir no fluxo

discursivo, deriva para conteúdos delirantes, como fazem Roberto Piva e

Jorge Mautner; [...] O poeta conversador, com muitos versos livres, mas

com figuratividade menos abundante, geralmente trata de temas engajados,

como a maioria dos poetas de esquerda – por exemplo, Ferreira Gular – e

7 Floch analisou o percurso dos passageiros do metrô de Paris e sistematizou o comportamento dos

passageiros de acordo com o modo que se comportavam durante a viagem.Floch identificou quatro

/regimes de interação que ele dispôs no quadrado semiótico. Cf. FLOCH, J.M. (1995) Sémiotique,

marketing et communication. 2. ed., Paris, PUE.

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boa parte dos poetas da chamada literatura negra – por exemplo, Cuti.

(PIETROFORTE, 2011, p.30).

Cabe ainda lembrar que esses regimes não são fixos e que muitos poetas

transitam nesses regimes determinados, alguns poetas tendem a serem mais fies,

outros tendem a articular predominantemente mais de um regime. Gostar de um

poeta é se identificar mais com um regime ou outro, para a semiótica é saber

relacionar engenhosamente categorias do plano da expressão e do conteúdo.

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5. ANTUNES, O LINGUISTA

Antunes é um artista contemporâneo conhecido principalmente por seus

trabalhos musicais e sua participação na banda Titãs, ou no trio Tribalistas, ou

mesmo sua carreira solo. Também poeta,

Nome completo: Arnaldo Augusto Nora Antunes Filho, ele nasceu na capital

de São Paulo em 02 de Setembro de 1960. O período de sua infância foi marcado

pela ditadura militar, pelas movimentações contraculturais do final dos 60 e a

fermentação cultural do Tropicalismo no início dos 70.

Ainda bastante novo, durante este período de faculdade, foi um dos poetas

que participou de forma atuante na manifestação literária da época: a Poesia

Marginal. Em 80, larga a universidade para participar ativamente dos Titãs.

Foi aluno de letras na USP, alcançando destaque entre seus professores ao

ser considerado aluno promissor na área; porém, não chegou a concluir o curso.

Sua habilitação era linguística, o que não pode ser ignorado. Antunes é conhecedor

dos estudos de linguagem, o que influencia em sua obra.

Atualmente não tem estado muito presente na mídia. Suas obras poéticas

encontram-se em seu site oficial <http://www.arnaldoantunes.com.br/new/>.

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6. O LINGUISTA E O PLANO DA EXPRESSÃO

Neste trabalho articularemos o semissimbolismo presente no poeta linguista

nos regimes propostos por Pietroforte. Partindo do pressuposto que a significação se

dá gerativamente, mostraremos as associações entre conteúdo e expressão que se

criam dentro dos poemas (concretistas) de Arnaldo Antunes, um poeta “linguista”.

6.1 Cromossomos

Tomemos o poema Cromossomos (2003) de Arnaldo Antunes:

(Cromossomos, Antunes, 2003).

O círculo formado pela sequência

“CROMOSSOMOSCOMOCOSMOSSOMOS”8 disposto em circulo, não espaçado e

8 Não há como saber onde “começa” de fato o poema devido à sua forma. Aqui, optamos por começar por

“cromossomos” visto que é a única palavra que contem uma letra de cor diferenciada; e esta letra se encontra na primeira sílaba de cromossomos.

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com letras semelhantes a formas geométricas (/r/ é a única exceção), fundo preto,

as letras são brancas aparte do /r/ que é vermelho.

No plano do conteúdo discursivo temos as figuras dos cromossomos, do e do

cosmos. Há também um eu (poeta) que se instaura pelo presente simples do

indicativo, expressando uma situação permanente9, isso, partindo da leitura

“cromossomos, como cosmos somos”10. O poeta afirma que somos estruturas

fundamentais e que somos como a unidade maior, o cosmos. No nível fundamental

estas figuras representam as categorias /individualidade/ versus /coletividade/.

Porém, esta oposição não é dual, ela se dá num percurso: afirmação de a, negação

de a, afirmação de b. Temos, então: afirmação da /individualidade/, negação da

/individualidade/, afirmação da coletividade.

Individualidade S1 Coletividade S2

Não-coletividade Não- individualidade

Não-S2 Não-S1

Essas categorias fundamentais se figuram no discurso: cromossomos, que

somos pluralidade/parcialidade; cosmos, comparação a um objeto uno,

unicidade/totalidade:

Individualidade S1 Coletividade S2

Cromossomos Cosmos

Humanidade Humanidade

Não-coletividade Não- individualidade

Não-S2 Não-S1

A humanidade aparece aqui como uma figura complexa das negações.

9 Cf. AZEREDO, J.C. de. Gramática Houaiss da língua Portuguesa. Pubifolha.

10 Outras interpretações são possíveis, como: “somos cromos, somos como cosmos”.

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No nível narrativo, temos um enunciado elementar de estado (sintaxe

narrativa): o poeta (eu) tem um saber: apesar de sermos seres individuais, fazemos

parte de um todo. Ele se dirige ao leitor (tu), integrando o leitor neste saber ao

enunciar implicitamente o “nós”. Temos uma embreagem enunciativa (actancial)

estabelecida pelo uso de “somos”: primeira pessoa do plural do presente do

indicativo: o poeta (eu) está em conjunção com esse saber, quer que seu leitor

compartilhe desse saber, para isso ele manipula esse autor a acreditar e fazer parte

do coletivo. A manipulação é por meio de sedução. O poema é uma forma de

sedução. A sanção não está explícita, porém, podemos aferi-la: se o leitor se

compraz com o poema, e acredita na ideia proferida pelo poeta.

6.1.1 Expressão e a plasticidade

As formas de escrita podem variar, mas, de maneira geral, podem: ou dá

ênfase nas formas do conteúdo, a fim de reproduzir formas semânticas; ou dá

ênfase nas formas da expressão, a fim de reproduzir formas fonológicas. Assim:

“os sinais gráficos são ideogramas quando representam conceitos

semânticos, ou alfabéticos quando representam sílabas ou fonemas. Não se

deve esquecer, porém, que mesmo que os códigos predominantemente

ideogramáticos, há traços alfabéticos, pois alguns sinais são tomados como

representações fonológicas.” (PIETROFORTE, 2011, p. 51).

Seja como for, tratam-se de imagens plásticas associadas à imagens

conceituais ou acústicas de forma arbitrária. Em algumas combinações, as letras do

alfabeto podem formar caligramas (onde, formam-se imagens a partir de letras). No

caso de Cromossomos as letras formam um círculo. Podemos correlacionar formas

semânticas a formas plásticas, “fazendo com que os limites entre as artes verbais e

as artes plásticas sejam dimensionados no texto do poema” (PIETROFORTE, 2011,

pp. 51 e 52).

Podemos associar as formas plásticas menores – letras – com os

cromossomos (estes já associados na análise anterior à /parcialidade/) e o fundo

preto com a /não-parcialidade/, o grande círculo não é continuo, ele representa a

/não-totalidade/ vemos a imagem do céu, que representa o cosmos /totalidade/.

Representação desta relação:

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Plano do conteúdo /parcialidade/ /totalidade/

Plano do conteúdo – fig. /cromossomos/ /cosmos/

Plano da expressão /letras/ /o poema/

Assim, uma categoria semântica é convertida em plástica, por meio de

significação e um traço de conteúdo, revelado no plano da expressão.

Posto no quadrado semiótico:

Parcialidade S1 Totalidade S2

letras poema

Fundo-preto grande círculo

Não-totalidade Não-parcialidade

Outra leitura: as formas circulares têm como característica a continuidade, e

as formas pontiagudas têm como característica a descontinuidade. Assim,

podemos correlacionar as categorias plásticas /circular/ e /pontiagudo/ às categorias

semânticas fundamentais /continuidade/ e /descontinuidade/, respectivamente:

Plano do conteúdo /continuidade/ /descontinuidade/

Plano do conteúdo – fig11. /cosmos/ /cromossomos/

Plano da expressão /circular/ /pontiagudo/

Plano da expressão – fig. /letra “o”/ /letra “m”/ .

6.1.2 Elementos cromáticos e o plano da expressão

Também podemos articular características cromáticas ao plano da expressão.

No poema encontramos três cores: branco, vermelho e preto.

11

Fig. Abreviação de “figura”.

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28

A luz, categoria cromática, é usada frequentemente para representar a vida,

um elemento animado e vivo que pode morrer, logo é algo perecível; associaremos

a luz à categoria semântica fundamental /mortalidade/. Em contrapartida a sombra é

frequentemente usada para representar a morte. Esta última vem para todos os

seres vivos e, em muitas crenças religiosas, leva para uma vida posterior eterna,

logo, podemos associá-la ao imortal. Então, à sombra, associaremos a categoria

fundamental /imortalidade/. Opomos então: /mortalidade/ vs. /imortalidade/. No

poema, o elemento mortal é o cromossomo, e o elemento imortal é o cosmos. Essa

relação pode ser representada:

Plano do conteúdo /mortalidade/ /imortalidade/

Plano do conteúdo – fig. /cromossomos/ /cosmos/

Plano da expressão /luz/ /sombra/

Plano da expressão – fig. /letras brancas/ /fundo preto/

Essa relação de contrariedade não se dá diretamente, ela passa pelos termos

contraditórios. Afirmação de a, negação de a, afirmação de b. Afirmamos a vida,

pelo branco, para negá-la, e afirmar seu contrário, passamos pelo vermelho,

frequentemente usado para representar o sangue. O sangue é elemento essencial

para a vida, contudo, sua presença pode representar a esvaziamento da vida.

Pensamos em pinturas ou relatos de guerra, o vermelho representa a vida sendo

tirada dos guerreiros. No poema, é figurada pela humanidade que o poeta evoca. O

vermelho representa a /não-vida/ (negação de a). Então chegamos ao contrário de

/vida/, que é a morte. No quadrado semiótico:

Mortalidade - cromossomos Imortalidade - Cosmos

Luz - branco Sombra -

Não-luz - vermelho

Não-morte Não-mortilidade - humano

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Esse percurso remete ao ciclo da vida e a plástica articula com a sintaxe

verbal: primeiro é afirmado os cromossomos, depois a comparação ao cosmos. O

cosmos é eterno, o ser humano aspira à imortalidade através da memória (o

humano pode permanecer na memória, um tipo de imortalidade), porém, mesmo

deixando seu legado, o humano morre fisicamente.

6.1.3 Expressão e sonoridade

Além de associações plásticas, podemos fazer associações sonoras. Fiorin

(2013, pp.45-49) exemplifica isso com o poema Chuva de Pedra de Augusto Meyer.

Para ele, a beleza do texto se dava no nível da manifestação: o ritmo do Poe ma é

dado por um esquema acentual periódico de sílabas forte/fraca, que recriam no

plano da expressão a queda das gotas duras sobre a terra.

Em Cromossomos, temos duas vogais [o] e [ó] e quatro consoantes: oclusiva

[k], fricativa [s], nasal [m] e o tepe [ɾ]. As vogais têm como característica a passagem

relativamente mais livre de ar, assim, associaremos a categoria semântica

/continuidade/12. As fricativas tem por característica o estreitamento dos

articuladores, estreitando o trato vocal, de modo que o ar sai provocando fricção –

uma espécie de obstrução parcial; associaremos a categoria /não-continuidade/. As

oclusivas têm são os sons caracterizados pelo bloqueio total do ar (em dado ponto

de articulação) e pela soltura que se assemelha a uma explosão; a esse som

associaremos a categoria /descontinuidade/. A /não-descontinuidade/ será

associada a nasal [m], pois, as nasais têm por características o fechamento da

cavidade oral, entretanto, há abaixamento do véu palatino que permite a saída de ar

pelas cavidades nasais. Assim temos no quadrado semiótico:

/descontinuidade/ /continuidade/

oclusivas vogal

nasal fricativas

Não-continuidade Não-descontinuidade

12

Ignoraremos a variação de vogais, pois, realizações distintas do mesmo fonema /o/.

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A vogal sendo o que é contínuo, semanticamente representa o cosmos, por

oposição, o descontínuo representa os cromossomos. Aquilo que não é

descontínuo, mas não é plenamente contínuo no poema é humanidade invocada

pelo poeta.

Plano do conteúdo /descontinuidade/ /continuidade/

Plano do conteúdo – fig. /cromossomos/ /cosmos/

Plano da expressão /descontinuidade/ /continuidade/

Plano da expressão – fig. /consoante oclusiva / / vogal/

6.1.4 Articulação entre semióticas

Conforme Pietroforte (2011, p.66), tomando as relações semi-simbólicas,

temos a mesma figuratividade expressa (com redundância) nas duas semióticas

envolvidas na manifestação textual do poema. E possível verificar que há processos

semióticos diferentes na expressão sintética.

“O fato de o verbal ancorar o visual só é possível por Havre

autonomia do texto verbal em relação ao visual. [...] Uma vez que o

conteúdo figurativo é tornado o mesmo pela ancoragem, essa autonomia

[...] pode ser buscada no estatuto semiótico conferindo às duas semióticas

envolvidas no sincretismo. Com base na categoria formal identidade vs.

alteridade, aplicada tanto ao conteúdo figurativo, quanto às articulações

entre o verbal e o visual. [...] quando a semiótica verbaç explica a visual

sugerindo redundância absoluta entre o dito e o visto, há identificação entre

os conteúdos, mas há diferenciação – entre as expressões das semióticas

envolvidas”. (PIETROFORTE, 2011, p.66-67).

Assim, com as semióticas diferenciadas, é possível verificar que ambas dizem

respeito ao mesmo conteúdo, mas cada uma no seu respectivo plano da expressão,

ora visual, ora verbal. Pie Articulando no quadrado semiótico a categoria formal

identidade vs. alteridade gera quatro processos de aproximação entre os termos de

comparação: a afirmação da alteridade gera a identificação, e sua negação, a

singularidade; a afirmação da alteridade gera a diferenciação e a sua negaçãa, a

assimilação.

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/fechado/ /aberto/

[h] [o]

[i]

/não-aberto/ /não-fechado/

6.2 O ir do rio

Outro poema de Arnaldo Antunes em que o plano da expressão também

ajuda a resignificar o conteúdo é Riorir (1997):

(Antunes, Rioir, 1997)13

13

Versão disponível no site oficial de Arnaldo Antunes. Outras versões circulam na internet e outros tipos de mídia. Essas versões têm categorias cromáticas diferentes; preto e branco e não azul e branco, que pode comprometer uma análise nas categorias cromáticas (no plano da expressão).

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Nele temos a inscrição “RIOIR” disposta de forma que a letra “O” fique ao

centro, interligando as outras letras. Este “O” (círculo) está cercado por um octógono

formado pelas letras “I”. E temos um terceiro circulo formado por “R”s, alguns deles

se encontram invertidos. Temos ao todo três círculos. Há uma inscrição abaixo da

imagem: “rio: o ir”.

A imagem do rio é muito usada na literatura para simbolizar a fluidez, aquilo

que é contínuo. A fluidez do rio como metáfora da vida está presente em Heráclito:

“tudo flui como um rio”. A inscrição ajuda a interpretar o poema, que sugere que “o

ir” (lido ao contrário = rio) encontra-se no ir, num movimento fluído de ida e volta. A

metáfora da vida que é fluida e em constante curso.

Identificamos, assim, as categorias fundamentais /movimento/ e

/estaticidade/. Não temos uma narrativa completa, neste poema, vemos uma

euforização do /movimento/, as outras etapas podem ser inferidas. Imaginemos, por

exemplo, que a /descontinuidade/ seriam os obstáculos que o rio encontra em seu

curso (ao mar). Temos então no quadrado semiótico:

/estaticidade/ /movimento/ - rio

/não-movimento/ /não-estaticidade/

6.2.1 O percurso (do olhar) do rio(ir)

O texto não se limita ao conteúdo, pois, quando nos atentamos a disposição

do poema, percebemos a genialidade do poeta que transborda o conteúdo na

expressão através, principalmente, das formas plásticas. A forma que o poema está

ordenado provoca uma leitura que vai da borda para o centro, contudo, a inversão

das letras “R” incita a leitura do centro às bordas. Pela inscrição estar disposta várias

vezes, explora a leitura de “ir o” como contrário de “rio”, fazendo com que o leitor

faça o percurso mais de uma vez; uma explicita euforização do movimento.

Page 33: Percurso Gerativo Do Sentido - Aplicação (Reparado)

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Usando /regularidade/ e /irregularidade/14 como categorias plásticas, podemos

estabelecer relações com seu conteúdo. Sendo a forma da letra “R” a mais irregular

por ser composta por diferentes formas, podemos associá-la a categoria

/irregularidade/. Ao círculo, forma mais regular e contínua, associaremos à categoria

/regularidade/. Os “I”s, que formam o octógono, compostos por linhas retas,

entretanto, as linhas são esparsas, a essas formas associaremos à /não-

irregularidade/. Dispondo no quadrado semiótico:

/irregularidade/ /regularidade/

R O

I (linhas)

Não-regularidade Não-irregularidade

As formas plásticas se assemelham ao curso do rio: começa irregular,

descontínuo, vai ganhando força e fluidez até chegar à alta fluidez. Assim, a sintaxe

e o arranjo do poema conversam. O poema em si, é uma alusão ao rio, que

representa o movimento.

Plano do conteúdo /estaticidade/ /movimento/

Plano do conteúdo – fig. /não explícito/ /rio/

Plano da expressão /letras/ /o poema/

6.2.2 Fluxo fonológico do rio(ir)

Podemos também pesar em relações fonológicas. Tomando as categorias

fonológicas /aberto/ e /fechado/. Como já mencionado na análise de Cromossomos,

as vogais tem por característica a passagem (relativamente) livre do ar. A vogal /o/

que é vogal meio-fechado, posterior, não arredondada, associaremos à categoria

14

Mantendo em mente a ideia de continuidade. Aqui se trata de uma questão de harmonia de traços e de continuidade, não de repetição.

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/aberto/. A vogal /i/ associaremos à categoria /fechado/, visto que é uma vogal

fechada, anterior, não arredondada. Apesar de não ser uma categoria comum às

consoantes, pensando na articulação de “R” em “rio” se dá por /h/, que é uma

fricativa velar surda, temos em mente a aproximação dos articuladores, a constrição

do ar, associaremos /h/ à categoria /fechado/. Dispostos no quadrado semiótico:

/fechado/ /aberto/

[h] [o]

[i]

/não-aberto/ /não-fechado/

Assim como a semiótica plástica, a fonologia é análoga à sintaxe

fundamental, percorrendo a afirmação de a, negação de a e afirmação de b.

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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quanto à teoria, vimos que para incluir a forma (plano da expressão), foi

necessário voltar aos postulados de Hjelmslev e incluir as relações semi-simbólicas

na criação de sentido, extrapolando o plano do conteúdo. Sem essas relações certos

textos perdem a apreciação de sua engenhosidade. A partir das análises feitas,

podemos concluir que é possível a aplicação de uma modelo semi-simbólico, que

busca o fazer do sentido, que é criado a partir de relações entre o plano do

conteúdo.

Além disso, também confere que há um método que busca sentido num texto

postos seus elementos internos e que um texto, apesar de se produzido num tempo

e num espaço, e de sofrer influências desse meio, não é mero pano de fundo para

outras análises.

Como conclui Pietroforte (2011, p.211), o aparato formal da semiótica “parece

um bom encaminhamento de análise, uma vez que incide na forma poética em que

tal aparato se realiza”.

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REFERÊNCIAS

ANTUNES, A. Cromossosmos

<http://www.arnaldoantunes.com.br/upload/artes_1/173_g.gif> Acesso: 20/03/15 às

14h30.

ANTUNES, A. Rioir <http://www.arnaldoantunes.com.br/upload/artes_1/204_g.jpeg>

Acesso: 30/04/15 às 19h50.

FIORIN, J. L. (1989). Elementos de análise do discurso. São Paulo,

Contexto/EDUSP.

GREIMAS, A. s.d.. Semântica estrutural. São Paulo, Ática.

HJELMSLEV, L. (1975). Prolegômenos a uma teoria da linguagem. São Paulo,

Perspectiva.

MODRO, N. R. A obra poética de Arnaldo Antunes. Dissertação de Mestrado, UFPR,

Curituba, 1996.

PIETROFORTE, Antônio Vicente. Semiótica visual: os percursos do olhar. São

Paulo: Contexto, 2004.

______________. Retórica e Semiótica. São Paulo: produção acadêmica premiada,

Serviço de Comunicação Social. FFLCH/USP, 2008.

______________. O discurso da poesia concreta: uma abordagem semiótica. São

Paulo: AnnaBlume; FAPESP, 2011.

SAUSSURE, F. de s. d.. Curso de lingüística geral. São Paulo, Cultrix.