pericoronarite.pdf

8
PERICORONARITE E INFECÇÕES DAS VIAS AÉREAS SUPERIORES: revisão Pericoronitis and upper airways infection: a review Heloisa Nogueira Duarte 1 , Fábio Ricardo Loureiro Sato 2 , Márcio de Moraes 3 1 Cirurgiã-Dentista, Piracicaba, SP - Brasil. 2 Mestrando em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofaciais Faculdade de Odontologia de Piracicaba – UNICAMP, Piracicaba, SP - Brasil, e-mail: [email protected] 3 Professor Adjunto da Área de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofaciais Faculdade de Odontologia de Piracicaba – UNICAMP, Piracicaba, SP - Brasil. Resumo As infecções das vias aéreas superiores, em especial as faringites e tonsilites, estão entre os principais problemas de saúde das populações dos países desenvolvidos. As pericoronarites também são de alta prevalência na Odontologia. A ocorrência simultânea dessas condições em diversos pacientes levou à formulação da hipótese de haver uma relação entre ambas as infecções. A literatura sobre o assunto é escassa, sendo que os trabalhos geralmente versam sobre a identificação das bactérias presentes em ambas as infecções. Os resultados apresentam semelhança entre as bactérias. Sugere-se, assim, uma relação entre ambas as infecções, principalmente devido à proximidade das áreas, sendo que tanto as regiões de terceiros molares como as vias aéreas superiores poderiam funcionar como sítio primário da infecção. Nesse trabalho, apresenta-se uma revisão da literatura sobre o assunto. Palavras-chave: Infecções; Pericoronarite; Tonsilites; Faringites; Microorganismos. Abstract Upper respiratory tract infections, especially pharyngitis and tonsillitis, are one of the main health problems in industrialized countries. Pericoronitis is also an oral disease with very high prevalence in dentistry. The simultaneous occurrence of these conditions in some patients led some professionals to formulate the hypothesis that both infections could be connected. Literature about this issue is rare, and the researches are usually about the identification of similar bacterias in the infections sites. Based on the revision of this research, the upper respiratory tract infections and pericoronitis have a relationship based on the proximity of the areas and the similarity of the bacterias type, and both the third molar region and the superior aerial tract could be the primary infection site. A literature review about this subject is presented. Keywords: Infections; Pericoronitis; Tonsilitis; Faringitis; Microorganisms. Rev. Clín. Pesq. Odontol. 2007 maio/ago;3(2):125-132

Transcript of pericoronarite.pdf

Page 1: pericoronarite.pdf

PERICORONARITE E INFECÇÕESDAS VIAS AÉREAS SUPERIORES: revisão

Pericoronitis and upper airways infection: a review

Heloisa Nogueira Duarte1, Fábio Ricardo Loureiro Sato2, Márcio de Moraes3

1 Cirurgiã-Dentista, Piracicaba, SP - Brasil.2 Mestrando em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofaciais Faculdade de Odontologia de Piracicaba – UNICAMP, Piracicaba,

SP - Brasil, e-mail: [email protected] Professor Adjunto da Área de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofaciais Faculdade de Odontologia de Piracicaba –

UNICAMP, Piracicaba, SP - Brasil.

Resumo

As infecções das vias aéreas superiores, em especial as faringites e tonsilites, estão entre os principaisproblemas de saúde das populações dos países desenvolvidos. As pericoronarites também são de altaprevalência na Odontologia. A ocorrência simultânea dessas condições em diversos pacientes levou àformulação da hipótese de haver uma relação entre ambas as infecções. A literatura sobre o assunto éescassa, sendo que os trabalhos geralmente versam sobre a identificação das bactérias presentes emambas as infecções. Os resultados apresentam semelhança entre as bactérias. Sugere-se, assim, umarelação entre ambas as infecções, principalmente devido à proximidade das áreas, sendo que tanto asregiões de terceiros molares como as vias aéreas superiores poderiam funcionar como sítio primárioda infecção. Nesse trabalho, apresenta-se uma revisão da literatura sobre o assunto.

Palavras-chave: Infecções; Pericoronarite; Tonsilites; Faringites; Microorganismos.

Abstract

Upper respiratory tract infections, especially pharyngitis and tonsillitis, are one of the mainhealth problems in industrialized countries. Pericoronitis is also an oral disease with very highprevalence in dentistry. The simultaneous occurrence of these conditions in some patients ledsome professionals to formulate the hypothesis that both infections could be connected. Literatureabout this issue is rare, and the researches are usually about the identification of similar bacteriasin the infections sites. Based on the revision of this research, the upper respiratory tract infectionsand pericoronitis have a relationship based on the proximity of the areas and the similarity ofthe bacterias type, and both the third molar region and the superior aerial tract could be theprimary infection site. A literature review about this subject is presented.

Keywords: Infections; Pericoronitis; Tonsilitis; Faringitis; Microorganisms.

Rev. Clín. Pesq. Odontol. 2007 maio/ago;3(2):125-132

Page 2: pericoronarite.pdf

126 Duarte HN, Sato FRL, Moraes M de.

Rev. Clín. Pesq. Odontol. 2007 maio/ago;3(2):125-132

INTRODUÇÃO

A exposição aos agentes poluentes ealérgenos aos quais a população é submetida écausa de elevação da incidência de infecções dotrato aéreo superior.

A literatura especializada estima queanualmente a população dos países industrializadosseja acometida aproximadamente de dois a quatroepisódios de infecção comprometendo as viasaéreas superiores ao ano (1, 2). Essas infecçõessão predominantemente faringites e tonsilites.

As infecções na região dos terceirosmolares têm prevalência similar, em especial aspericoronarites. A pericoronarite é uma dasinfecções de maior prevalência na boca,estritamente relacionada com o processo deerupção dos terceiros molares, principalmente oslocalizados na mandíbula (3).

Alguns autores levantaram hipótesesrelacionando a ocorrência de pericoronarite cominfecções das vias aéreas superiores. Essa hipótesefoi inicialmente baseada em constataçõesempíricas da prática clínica dos profissionais,que perceberam correlação entre a ocorrência deambas as infecções em seus pacientes.

Apesar de poucos estudos sobre oassunto, fato este que perdura até o momento,algumas hipóteses sobre possíveis causas dessacorrelação foram levantadas.

A primeira hipótese atribui o fenômenoà proximidade anatômica entre os locais deinfecção: o local primário poderia originar essainfecção para outros locais. Dessa forma, tanto aperiocoronarite como a tonsilite/faringitepoderiam ser a origem que, após determinadoperíodo, poderiam infectar áreas adjacentes.

Baseado nesse princípio, as espéciesbacterianas envolvidas deveriam então apresentarsemelhanças ou identidades. A existência de cepasbacterianas semelhantes em ambas as situações éfator favorável para sugerir correlação entre asinfecções, somado ao tempo temporal (infecçõessimultâneas ou temporalmente próximas).

Baseado nesse princípio, as espéciesbacterianas envolvidas deveriam então apresentarsemelhanças ou identidades. A existência de cepasbacterianas semelhantes em ambas as situações éfator favorável para sugerir correlação entre asinfecções, somado ao tempo temporal (infecçõessimultâneas ou temporalmente próximas).

Baseado nesse fato, objetivou-se, comeste trabalho, uma revisão da literatura, para verificaras possíveis interações entre infecções envolvendoos terceiros molares e as vias aéreas superiores.

METODOLOGIA

Revisão sistemática da literatura, bus-cando, nas principais bases de dados, artigos queestudaram o assunto. Além disso, para ilustrar amatéria, realizou-se revisão sobre a etiologia,principais sinais e sintomas e tratamento depericoronarites, tonsilites e faringites.

REVISÃO DA LITERATURA

Pericoronarite

A pericoronarite pode ser definida comoum estado inflamatório de caráter infeccioso ounão, envolvendo o tecido mole localizado aoredor da coroa de um dente, geralmente umterceiro molar inferior em processo de erupçãoou semi-incluso (4).

Sendo assim, dever-se-ia esperar uma altaprevalência de pericoronarites durante a erupção daprimeira e segunda dentição. Entretanto, esta doençararamente ocorre neste período, sendo a incidênciaaumentada somente na adolescência tardia até ajuventude, durante o tempo de erupção dos terceirosmolares (5).

Os terceiros molares muitas vezesapresentam dificuldade na erupção, quenormalmente ocorre entre os 18 e 25 anos de idade.Em um estudo realizado por Nitzan et al. (5), noqual foram avaliados 245 casos, alta prevalência depericoronarite foi encontrada em grupos na faixaetária de 20 a 29 anos, com 81 em 245 casos. Adoença foi raramente vista antes dos 20 anos edepois dos 40 anos. Em 95% dos casos afetados, adoença foi localizada na região de terceiro molarinferior, enquanto os 5% restantes em outros locais.

A superfície oclusal do dente afetado éfreqüentemente revestida por um tecido gengivaldenominado opérculo, o qual favorece o acúmulode alimentos e proliferação bacteriana (cresci-mento microbiano ativo). Além do incômodocausado pelos sinais e sintomas clínicos, comodor, sangramento, halitose e trismo, há risco de

Page 3: pericoronarite.pdf

127Pericoronarite e infecções das vias aéreas superiores

Rev. Clín. Pesq. Odontol. 2007 maio/ago;3(2):125-132

resultar em complicações devido à disseminaçãoda infecção. Em algumas situações mais graves, osnódulos linfáticos adjacentes podem aumentar detamanho e pode ocorrer trismo mandibular...

A pericoronarite também pode surgir apartir de pequenos traumas ocasionados peloterceiro molar superior sobre a mucosa superficialque recobre o terceiro molar inferior parcialmenteincluso, deixando-a edemaciada, o que favoreceainda mais o traumatismo nessa região. Esseciclo só é interrompido com a remoção do terceiromolar superior. A outra causa de pericoronarite éa retenção de alimentos em uma bolsa entre oopérculo e o dente parcialmente incluso. Comoessa bolsa é de difícil higienização, ela é invadidapor bactérias, iniciando a pericoronarite.

Quando corretamente tratada, o processodura normalmente apenas alguns dias; porém,quando negligenciada, há um risco potencial dedisseminação para outras estruturas adjacentes.

Na análise radiográfica, normalmenteobserva-se uma sombra radiolúcida ao redor dacoroa, correspondendo ao folículo, localizando-se a respectiva perda óssea determinada pelainfecção geralmente na face distal da coroa doterceiro molar inferior.

Microorganismos na pericoronarite

Os microorganismos na pericoronaritesão basicamente os mesmos que estão presentesna placa dental, ou seja, ela é causada pelamicrobiota indígena que é encontrada normalmentena cavidade bucal. Trabalhos (6, 7) demonstrarama presença nos sítios de pericoronarite deanaeróbios gram-negativos e formas móveis deespiroquetas. Além dessas cepas de bactérias,outras colônias foram identificadas, como defusobacteria, bacteróides, peptococus, pepto-streptococcus,actinomyces, treponemas, selenomas e eubactérias.

Outros autores demonstraram que asespécies causadoras de pericoronarites sãosemelhantes àquelas encontradas na microflora depacientes com gengivite e periodontite, com exceçãodas espécies Porphyromonas gingivalis, que sãoraramente encontradas nas pericoronarites (8).

Gaetti-Jardim e Pedrini (9) estudaram amicrobiota anaeróbia presente nos casos depericoronarite. Anaeróbios obrigatórios foram osmais encontrados, em especial fusobactérias ebastonetes produtores de pigmentos negros (prevotella

e porphyromonas). Demonstraram que a microbiotaassociada à pericoronarite é muito semelhante àquelaencontrada na doença periodontal.

Tratamento

O tratamento para a pericoronarite variade acordo com o grau da infecção que atinge ostecidos periodontais. Nos casos onde apericoronarite está restrita e bem localizada, semexsudação purulenta e sem dor forte, acompanhadosde febre, linfonodos palpáveis, mal-estar, otratamento a ser adotado é conservador: debrida-mento e irrigação local, visando sanear a bolsaperiocoronária, com digluconato de clorexidina0,12% pelo menos duas vezes ao dia. Alguns autorespropõem como substâncias alternativas para airrigação o soro fisiológico morno, ou água oxigenadaa 10 volumes (em pequenas quantidades, paraembrocação), porém todos de menor efetividadeque a clorexidina.

Nos casos onde a pericoronarite é maissevera, é necessário antibioticoterapia, além dotratamento já proposto anteriormente. As penicilinassão os antibióticos de escolha, em especial aamoxicilina. Em casos de maior gravidade ou quenão respondem inicialmente, acrescenta-semetronidazol, por sua ação contra anaeróbios restritose bactérias produtoras de beta-lactamases (10).

Para os pacientes alérgicos à penicilina, oantibiótico alternativo é a clindamicina, efetiva contrabactérias anaeróbias; porém, o uso prolongado deveser cauteloso, pois são de elevada toxicidade e hárisco de colite pseudomembranosa. As cefalosporinasnão são alternativa devido à sua menor ação contraanaeróbios quando comparados com a penicilina; atetraciclina também não é indicada devido à rápidaformação de patógenos resistentes (11).

Após a fase aguda, impõe-se tratamentodefinitivo para evitar a recorrência da infecção, quepode ser realizada de duas formas: exodontia dodente envolvido ou a ulectomia, que consiste naretirada do opérculo que recobre o dente.Normalmente, a extração é o tratamento de escolhapor ser definitivo e com resultados 100% favoráveisna prevenção da reincidência da infecção.

Ocorrendo traumatismo crônico causadopelo dente antagonista ou se não existir espaçopara que os dentes venham a ocluir, indica-sedesgaste das cúspides ofensivas ou mesmo aextração do antagonista.

Page 4: pericoronarite.pdf

128

Complicações das pericoronarites

O maior risco das pericoronarites é ocomprometimento de estruturas adjacentes peloespalhamento da infecção pelos espaços fasciais.As infecções que acometem a região do terceiromolar, principalmente quando estes se encontramem posição horizontal ou mesioangular, podem seespalhar posteriormente ao músculo milo-hióideoe atingir o espaço ptérigo-mandibular, entre oramo da mandíbula e o músculo pterigóideo medial.

A partir desse espaço, podemos ter umacomunicação com o espaço parafaríngeo. Pacientescom abscessos no espaço pterigomandibular nãomostram evidência externa de edema. Entretanto,o exame intrabucal revelará uma saliên-cia dopalato mole e do arco palatoglosso, com desvio daúvula para o lado não-afetado. O abscessopterigomandibular é geralmente acompanhado portrismo, disfagia e dispnéia.

Essa infecção pode ainda atingir o espaçosublingual, que cruza o plano mediano entre omúsculo genioglosso e a mucosa do soalho da boca,provocando edema, elevação da língua e variadosgraus de dificuldade respiratória. É possível aevolução para uma Angina de Ludwig. Ao alcançaro músculo hioglosso, pode passar lateralmente a elee invadir o espaço submandibular; medialmente,pode alcançar a região de orofaringe, a abertura dalaringe e o espaço faríngeo lateral.

A região é coberta por membranamucosa frouxa e limitada por músculos quetendem a formar barreiras. A propagação é dosespaços teciduais na área que circunda a laringee a faringe. Isso produz edema suficiente paraocasionar dificuldades respiratórias, associado àsevera inflamação, o que caracteriza a celulitedescendente do pescoço. Esta pode iniciar-se noespaço infratemporal e sua rápida propagaçãopode comprometer todos os espaços do pescoço,provocando elevada taxa de morbimortalidade.

O abscesso do espaço submandibularraramente alcança a superfície da pele ou se difundepara outras regiões devido às barreiras anatômicas,das quais a principal é a fáscia cervical.Clinicamente, aparece de forma triangular, começana base da mandíbula e se estende até o nível doosso hióide. Não pode ser confundido com oabscesso bucal ou geniano, porque este é ovóide,começando na base da mandíbula e estendendo-separa cima, ao nível do arco zigomático.

Quando a pressão aumenta muito, o pustoma uma das várias vias possíveis e entra emoutro espaço. A via mais comum é o local onde osvasos faciais perfuram a fáscia cervical e músculoplatisma em direção ao espaço subcutâneo. Outravia é em direção ao espaço sublingual, ou aindaacompanhando a veia retromandibular em direçãoà glândula parótida. Pode também se abrir noespaço parafaríngeo ou no infratemporal.

Do espaço parafaríngeo a infecção podedescer à cavidade torácica ou alcançar a base docrânio por meio de seus forames. Felizmente, istoé raro. A propagação das infecções bucais aregiões profundas da cabeça e do pescoçoconstitui somente uma mínima parcela dos casos.

Outra possível complicação das infecçõesque atingem o complexo maxilofacial são osempiemas. Esses são caracterizados pela presençade material purulento na cavidade pleural rico emneutrófilos, com pH ácido. A detecção do agenteetiológico, mesmo por meio do exame cultural dopus, nem sempre é possível (12).

Sawalha e Ahmad (13) mostraram aspossíveis complicações torácicas decorrentes deprocedimentos dentais. Os autores relataram umcaso de mediastinite com rápido desenvolvimentode empiema pleural bilateral decorrente depericoronarite, sem história de intervençãocirúrgica odontológica.

Outra complicação sistêmica bastanteperigosa é a trombose séptica do seio cavernoso(TSSC). Esta é uma complicação grave dasinfecções da face e do pescoço, que pode evoluirao óbito se não tratada em tempo hábil. Além deletal e rara, é uma doença de difícil diagnósticoclínico em função da semelhança com outrasinfecções que acometem as proximidades da órbita.

Baseado em uma revisão de 35 casosdescritos por Thatai et al. (14), 28 casos foramprovenientes do terço médio da face, 3 de sinusitefrontal, 1 de infecção odontogênica, 1 de infecçãoparavertebral e 2 casos sem focos primáriosdeterminados.

A TSSC, como outros processosinfecciosos, apresenta características clínicas não-específicas, como febre, toxemia, prostração,desidratação, náusea e vômito. Outros sinais esintomas, por sua vez, estão relacionados com oenvolvimento das estruturas anatômicas associadasao seio cavernoso e à cavidade orbital. Dentre estes,observam-se proptose, oftalmoplegia, quemose,

Rev. Clín. Pesq. Odontol. 2007 maio/ago;3(2):125-132

Duarte HN, Sato FRL, Moraes M de.

Page 5: pericoronarite.pdf

129

edema palpebral, cefaléia retro-orbital, diplopia,fotofobia, anestesia dos territórios de inervação dosnervos oftálmico e maxilar, paralisia facial, perda daacuidade visual, diminuição dos reflexos pupilares,sinais de irritação meníngea e meningite.

Uma série de microorganismos tem sidoisolada em culturas de infecções associadas à TSSC,sendo o mais freqüente o Staphylococcus aureus. Outrasbactérias relativamente freqüentes são Pneumococos,Estreptococos, bacilos gram-negativos e anaeróbios.

O tratamento dessa doença inicia-se comantibioticoterapia endovenosa em altas doses.Recomenda-se a utilização de antibióticos de amploespectro como vancomicina e cefalosporinas de 3ªgeração, geralmente associados à metronidazol ouantibioticoterapia empírica baseada no foco primário,que pode ser mudada ou associada de acordo como resultado da cultura e do antibiograma.

Além dos antibióticos, outros fármacossão descritos no tratamento da trombose do seiocavernoso. A administração de antiinflamatóriosesteroidais, assim como o uso de diuréticos, é útilno controle do edema e da pressão intracraniana.

Dentre os sinais e sintomas dessa infecção,alguns menos freqüentes, porém expressivos,merecem destaque pela relevância no diagnóstico:diplopia, oftalmoplegia parcial, envolvendo apenaso nervo abducente e paralisia do nervo facial.Além disso, Palmersheim e Hamilton (15) afirmamque a associação de cefaléia severa, toxemia eproptose de evolução bilateral apresentamcondições patognomônicas de TSSC.

A utilização de exames de imagem é umimportante auxiliar no diagnóstico, pois além deconfirmar sinais de trombose nos seios, podeevidenciar abscessos ou as complicaçõesintracranianas que necessitem de rápida intervençãocirúrgica. Para esses fins, a TC com contraste éconsiderada um exame de bastante precisão, sendoo exame de primeira escolha para alguns autores.Outros defendem o uso da cintilografia e criticam ouso de contraste endovenoso pela possibilidade dedisseminação da infecção para o crânio e extensãoda trombose (16).

Tonsilite

A tonsilite é uma inflamação das tonsilas(amídalas) normalmente causada por umainfecção estreptocócica ou, menos comumente,por uma infecção viral. Portanto, ela é aceita

como uma infecção estreptocócica (principal-mente Streptococcus milleri e outros estreptococosbeta-hemolíticos, Fusobacterium necrophorum ePeptostreptococcus micros) (17).

Os sintomas incluem dor de garganta quepiora com a deglutição. A dor é freqüentementesentida nos ouvidos porque a garganta e os ouvidospossuem inervações semelhantes. As criançasmuito jovens podem não acusar a dor, mas podemrecusar-se a comer. Febre, mal-estar geral, cefaléiae vômito são comuns.

Ao exame clínico, as tonsilas apresentam-se inflamadas e com uma coloração vermelha intensa.O médico pode observar a presença de pus e de umamembrana branca, delgada e limitada à tonsila quepode ser descolada sem causar sangramento.

O tratamento para a tonsilite viral é apenassintomático. Já para a tonsilite estreptocócica, éadministrada a penicilina oral por um período de 10dias, um período consideravelmente maisprolongado que o necessário para o indivíduo sentir-se bem, para assegurar a erradicação das bactérias.A remoção das tonsilas é raramente necessária,exceto quando a tonsilite retorna repetidamente ousomente é controlada pelos antibióticos por umperíodo curto de tempo.

Um estudo realizado por Jeong et al.(18) apresentou uma investigação da floramicrobiana em tonsilites crônicas. Neste foramestudados 824 pacientes e obteve-se que oStaphylococcus aureus foi o patógeno mais comu-mente encontrado (30,3%), seguido porHaemophilus influenzae (15,5%) e o grupo dosStreptococcus beta-hemolíticos (14,4%).

Faringite

O termo faringite inclui qualquer doen-ça na qual ocorram eritema e inflamação daorofaringe. São elas: nasofaringite, na qual osprincipais sinais e sintomas são coriza e eritema;faringite estrita, manifestada por dor de gargantasubjetiva ou objetiva e eritema da parede poste-rior da faringe; faringoamigdalite, com inchaço eeritema das tonsilas, com ou sem exsudados; einfecções de toda a boca com petéquias, vesículasou úlceras, doenças sistêmicas e com diferentesgraus de comprometimento orofaríngeo (19).

Geralmente, começa com uma infecçãoviral (em todos os grupos etários), predispondo àcolonização e infecção por bactérias. Os vírus

Pericoronarite e infecções das vias aéreas superiores

Rev. Clín. Pesq. Odontol. 2007 maio/ago;3(2):125-132

Page 6: pericoronarite.pdf

130

mais freqüentemente implicados são: rinovírus,coronavírus, adenovírus, influenza e parainfluenza.

Entretanto, os vírus que muitas vezesproduzem exsudato tonsilar purulento incluem ovírus Epstein - Barr, Adenovírus e Herpesvírus.Dentre as bactérias, destacam-se o estreptococobeta-hemolítico (GABHS), o pneumococo, oMycoplasma pneumoniae, o Staphylococcus aureus e oHaemophilus influenzae, mas as GABHS são as bac-térias mais comuns causadoras da faringite aguda.

A porta de entrada é oral, pela veiculaçãodos agentes causadores por meio de perdigotos(salpicos de saliva que as pessoas eliminam aofalar, tossir ou espirrar).

A faringite aguda é doença comum queleva quase 1% das crianças e adultos a procurarajuda médica. A principal causa da maioria doscasos de faringite em adultos é viral, comaproximadamente 5% devido a GABHS (20).

O período de incubação da faringiteestreptocócica é 1 a 4 dias, levando a uma inflamaçãoautolimitada, localizada da tonsilofaringe duradourade 3 a 5 dias. Os sintomas incluem dor de garganta,febre e calafrios, mal-estar, e ocasionalmente queixasabdominais e vômitos, especialmente em crianças.

Ambos os sintomas e sinais são muitovariáveis, variando de ligeira dor de gargantacom mínimos achados físicos até febre alta e dor.A dor pode ser associada com intenso eritema einchaço das mucosas e da faringe, com presençade exsudados purulentos na parede posterior dafaringe e tonsila. Faringite exsudativa pode estarassociada com aumento dos linfonodos cervicais.Notável é a ausência de rinorréia e tosse.

Tratamento

O tratamento das faringites deveráaliviar os sintomas da doença aguda, eliminartransmissibilidade e evitar seqüelas supurativas.O antibiótico padrão da terapia são as penicilinas,seguido pelas cefalosporinas, lincosaminas oumacrolídeos.

Dada a ausência de um diagnósticoconfirmado por cultura, dez dias de penicilina é otratamento necessário para alcançar o máximo deredução bacteriológica para a cura da faringite. Oregime de 5 dias com vários tipos de cefalosporinasou azitromicinas demonstrou-se tão eficaz como10 dias de penicilinas por via oral.

Pericoronarites X infecçõesda vias aéreas superiores

Bean e King (21) e Kay (22) foram osprimeiros autores a sugerirem uma possívelassociação entre pericoronarite e as infecções dotrato respiratório. Alguns trabalhos mostraram queocorria aumento da incidência de infecçõesrespiratórias, especialmente de tonsilites e faringites,nas duas semanas prévias ao início de um quadro depericoronarite aguda, assim como na semanaseguinte (23). Além disso, o número total deinfecções respiratórias também teve significativoaumento durante a primeira semana após a extraçãodos terceiros molares. A proximidade anatômicaentre as tonsilas e os terceiros molares inferioresseria a causa para as tonsilas e as pericoronaritesapresentarem semelhanças clínicas e bacteriológicas.

Com relação aos microorganismosexistentes nas tosilites e pericoronarites, e levandoem consideração os microorganismos presentestambém no capuz pericoronal assintomático,pode-se dizer que a diferença morfológica entreesses grupos não são significantes (17).

A pericoronarite é causada por uma floramista, porém na maioria gram negativa anaeróbia (8,9, 24), tais como nos gêneros Streptococcus, Actinomyces,Peptostreptococcus, Eubacterium, Propionibacterium,Veillonella, bacteróides (incluindo Porphyromonas ePrevotella) e Fusobacterium, os quais foram relacionadoscom a periodontite humana, encontrados também nocapuz pericoronal assintomático (25).

Segundo Mitchelmore et al. (26), há umavariação considerável, na literatura, de achados demicroorganismos encontrados em tonsilas;entretanto, ela pode ser considerada basicamentecomo uma infecção estreptocócica. Rajasuo et al.(17) afirma que a tonsilite é uma infecçãopolimicrobiana e esses microorganismos são muitosemelhantes aos mesmos encontrados em bolsaspericoronárias infectadas. Considerando quemorfologicamente a flora bacteriana encontradanas tonsilites e na pericoronarite difere muitopouco, a possibilidade de infecções nestes locaisrelaciona-se com o tamanho do sítio de retençãopara esses microorganismos: quanto maior o sítio,aumenta a possibilidade de infecção.

A fase de erupção dental pode estarrelacionada com tonsil ites, pois a maiorfreqüência dessa infecção é registrada nas faixas

Rev. Clín. Pesq. Odontol. 2007 maio/ago;3(2):125-132

Duarte HN, Sato FRL, Moraes M de.

Page 7: pericoronarite.pdf

131

etárias de 7 a 9 anos e 18 a 25 anos (17). Aerupção de dentes permanentes, incluindo osterceiros molares, ocorre nessas idades, sendoque há aumento na freqüência dos quadros detonsilite durante a erupção dental. Lima et al.(27), em relato de caso, descrevem situação ondeo paciente teve atendimento médico para crisesde tonsilite aguda, sendo identificado um terceiromolar inferior com pericoronarite.

Rasajuo et al. (17) estudaram a relaçãoentre pericoronarite e tonsilite e somenteconseguiram indícios de uma possível relaçãoentre essas duas situações clínicas em nívelmicrobiológico, ressaltando que o transporte e acultura de anaeróbios é altamente complexa ecom grandes possibilidades de erro. Porém osresultados por eles apresentados, achados clínicose o caso exposto enfatizam a necessidade demaiores investigações para determinar se apericoronarite pode predispor um paciente atonsilites ou outras infecções do trato respiratório.

CONCLUSÃO

Baseado nos resultados encontrados naliteratura, pode-se concluir que:

a literatura mostra semelhança entrea microbiota da periocoronarite e datonsilite, principalmente em infec-ções simultâneas, embora classica-mente as tonsilites agudas sejam in-fecções estreptocócicas ou virais,enquanto as pericoronarites são in-fecções causadas por bactérias gram-negativas anaeróbias;a provável relação entre aspericoronarites e as infecções das viasaéreas superiores deve-se provavel-mente à proximidade anatômica, sen-do que o sítio primário não pode serdefinido. Dessa forma, tanto aperiocoronarite como a tonsilite/faringite poderiam ser sítios primári-os da infecção que, após determina-do período, poderiam infectar áreasadjacentes.

REFERÊNCIAS

1. Gwaltney JM, Sydnor A Jr., Sande MA.Etiology and antimicrobial treatment ofacute sinusitis. Ann Otol Rhinol LaryngolSuppl. 1981 May-Jun;90(3 Pt 3):68-71.

2. Van Cauwenberge PB. Epidemiology ofcommon cold. Rhinology. 1985;23(4):273-282.

3. Gutiérrez-Pérez JL. Third molar infections.Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2004;122(5):120-122.

4. Pinto JR, Tanaka EE, Martins LP, StabileGAV, Borges HOI. Pericoronarite relacio-nada com tonsilite recorrente: revisão daliteratura e relato de um caso. OdontoCiência. 2005;20:88-92.

5. Nitzan DW, Tal O, Sela MN, Shteyer A.Pericoronitis: a reappraisal of its clinicaland microbiologic aspects. J Oral Maxil-lofac Surg. 1985;43(7):510-516.

6. Labriola D, Mascaro J, Alpert B. Themicrobiologic flora of orofacial abscess. JOral Maxillofac Surg. 1983;4:711-714.

7. Van Winkelhoff AJ, Van Steenbergen TJM,Graff J. The role of black pigmentedbacteroides in human oral infections. J ClinPeriodontol. 1988;15:145-148.

8. Leung WK, Theilade E, Comfort MB, LimPL. Microbiology of the pericoronal pouchin mandibular third molar pericoronitis. OralMicrobioi Immunol. 1993;8(5):306-312.

9. Gaetti-Jardim E, Pedrini D. Bactériasanaeróbias associadas à pericoronarite. RevGaúcha Odontol. 1996;44:80-82.

10. Quayle AA, Russell C, Hearn B. Organismisolated from severe odontogenic softtissue infections. Br J Oral Maxillofac Surg.1987;25:34-37.

11. Gill Y, Scully C. British oral andmaxil lofacial surgeons’ views on theaetiology and management of acutepericoronaritis. Br J Oral Maxillofac Surg.1991;29(3):180-182.

Pericoronarite e infecções das vias aéreas superiores

Rev. Clín. Pesq. Odontol. 2007 maio/ago;3(2):125-132

Page 8: pericoronarite.pdf

132

12. Soares D, Villar T. Propedêutica Médica.Pneumologia. 1982;2:626-642.

13. Sawalha W, Ahmad M. Bilateral PleuralEmpyema Following Pericoronitis. AnnSaudi Medicine. 2001;21(3-4):228-229.

14. Thatai D, Chandy L, Dhar KL. Septiccavernous sinus thrombophlebitis: a reviewof 35 cases. J Indian Med Assoc.1992;90(11):290-292.

15. Palmersheim LA, Hamilton MK. Fatalcavernous sinus thrombosis secondary tothird molar removal. J Oral MaxillofacSurg. 1982;40(6):371-376.

16. Palestro CJ. Diagnosing deep venousthrombosis: dawn of a new era? J NuclMed. 2000;41(6):1224-1226.

17. Rajasuo A, Meurman JH, Murtomaa H.Periodontopathic bacteria and salivarymicrobes before and after extraction ofpartly erupted third molars. Scand J DentRes. 1993;101(2):87-91.

18. Jeong JH, Lee DW, Ryu RA, Lee YS, LeeSH, Kang JO, Tae K. BacteriologicComparison of Tonsil Core in RecurrentTonsil l it is and Tonsilar Hypertrophy.Laryngoscope. 2007;117(12):2146-2151.

19. Tanz RR, Shulman ST. Streptococcalpharyngitis: the carrier state, definition, andmanagement. Pediatr Ann. 1998;27(5):281-285.

20. Sauver JL, Weaver AL, Orvidas LJ, JacobsonRM, Jacobsen SJ. Population-based prevalenceof repeated group A beta-hemolyticstreptococcal pharyngitis episodes. Mayo ClinProc. 2006;81:1172-1176.

21. Bean LR, King DR. Pericoronitis: its natureand etiology. J Am Dent Assoc. 1971;83(5):1074-1077.

22. Kay LW. Investigations into the nature ofpericoronitis. Br J Oral Surg. 1966;3(3):188-205.

23. Meurman JH, Rajasuo A, Murtomaa H,Savolainen S. Respiratory tract infectionsand concomitant pericoronitis of thewisdom teeth. Br Med J. 1995;310(6983):834-836.

24. Wade WG, Gray AR, Absi EG, Barker GR.Predominant cultivable flora in perico-ronitis. Oral Microbiol Immunol. 1991;6(5):310-312.

25. Mombelli A, Buser D, Lang NP, BertholdH. Suspected periodontopathogens inerupting third molar sites of periodontallyhealthy individuals. J Clin Periodontol.1990;17(1):48-54.

26. Mitchelmore IJ, Prior AJ, Montgomery PQ,Tabaqchali S. Microbiological features andpathogenesis of peritonsillar abscesses. EurJ Clin Microbiol Infect Dis.1995;14(10):870-877.

27. Lima RBQN, Núñez MFPD, Falcão AFP,Motta ACF. Pericoronarite: relato de umcaso clínico. Revista da Faculdade deOdontologia da Universidade Federal daBahia. 2000;20:77-81.

Recebido: 15/03/2007Received: 03/15/2007

Aceito: 25/04/2007Accepted: 04/25/2007

Rev. Clín. Pesq. Odontol. 2007 maio/ago;3(2):125-132

Duarte HN, Sato FRL, Moraes M de.