Perigo subestimado

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Pesquisa FAPESP - Ed. 146

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MAIS POTENTE, A TUBERCULOSE SE ESPALHA

ALUNOS BENEFICIADOS POR ACOES AFIRMATIVAS TÊM BOM DESEMPENHO

PROMESSAS DOSNANOCOSMETICOS´

CARAVELAS-DO-MARMISTERIO NO LITORAL BRASILEIRO

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REVOLUCAO GENÔMICA OS DEBATES DA EXPOSICAOESPECIAL

Abril 2008 ■ Nº 146

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PESQUISA FAPESP 146 ■ ABRIL DE 2008 ■ 3

Michelangelo Buonarroti (1475 – 1564) levou 3 anos para esculpir seu célebre Davi. Retratou-o no momento imediatamente anterior à vitória contra Golias, quando ele se preparava para enfrentar aquela força que parecia indestrutível. Hoje o Davi ostenta fissuras, ainda que quase imperceptíveis, fruto da ação do tempo. Graças a um software batizado de Scan and Solve, desenvolvido por pesquisadores das universidades de Wisconsin-Madison e Internacional da Flórida, Estados Unidos, foi possível mostrar os pontos de fragilidade no mármore, concentrados nas pernas da estátua. Por meio de imagens tridimensionais e sem a necessidade de remoção da escultura, o software calculou onde o risco de desgaste é maior e revelou como esses locais são afetados pelas forças que incidem sobre ele.

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IMAGEM DO MÊS*

O tempo contra Davi

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146 ABRIL 2008

12 18 CAPA

> CAPA

18 Nova linhagem de bactéria, resistência

a medicamentos, pobreza e interação com a Aids agravam quadro da tuberculose

> ENTREVISTA

12 A historiadora Maria Luiza Tucci

Carneiro fala sobre o anti-semitismo

histórico e presente da sociedade brasileira

> ESPECIAL

51 REVOLUÇÃO GENÔMICA

Debates e embates da ciência

> POLÍTICA CIENTÍFICA

E TECNOLÓGICA

30 FOMENTO

Ampliação da produção de etanol no país dependerá de investimentos

em ciência básica e aplicada

34 BIOSSEGURANÇA

Ministro do STF, em voto histórico, defende pesquisas com células-tronco embrionárias

> AMBIENTE

36 ENGENHARIA CIVIL

Resíduos agrícolas podem diminuir o uso de cimento e reduzir

a emissão de CO2

> CIÊNCIA

42 FARMACOLOGIA

Descobertas indicam rumos para auxiliar

o sistema imunológico no combate a infecções generalizadas

> SEÇÕES 3 IMAGEM DO MÊS 6 CARTAS 9 CARTA DA EDITORA 10 MEMÓRIA 24 ESTRATÉGIAS 38 LABORATÓRIO 74 SCIELO NOTÍCIAS .........................

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> EDITORIAS > POLÍTICA C&T > AMBIENTE > CIÊNCIA > TECNOLOGIA > HUMANIDADES WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR

69

46 BIOLOGIA CELULAR

Identificados no núcleo das células

compartimentos que desfazem proteínas

49 GENÉTICA

Ao interromper comunicação celular,

RNA artificial mata verme causador

da esquistossomose

69 ZOOLOGIA

Mistérios das caravelas-do-mar

desafiam médicos e biólogos

> TECNOLOGIA

80 NANOTECNOLOGIA

Rede de pesquisa promove conhecimento e aplicações em nanocosméticos

86 FÍSICA

Nanotubo de carbono aumenta a resolução de microscópio

88 ENGENHARIA QUÍMICA

Empresa desenvolve sistema que recicla componentes das lâmpadas fluorescentes

............................. 76 LINHA DE PRODUÇÃO 110 RESENHA 111 LIVROS 112 FICÇÃO 114 CLASSIFICADOS CAPA MAYUMI OKUYAMA

102

92 METALURGIA

Parceria entre Unicamp e siderúrgica

cria tocha de plasma para melhorar a qualidade do aço

> HUMANIDADES

94 POLÍTICA ACADÊMICA

Estudos comparam desempenho de alunos

beneficiados por ações afirmativas e mostram

como vários obtêm sucesso acadêmico

102 LITERATURA

Reedição de obra completa de Jorge Amado propõe revisão crítica de um dos escritores mais populares do Brasil

106 ANTROPOLOGIA

Pesquisa coloca em xeque motivação real

e resultados de políticas contra tráfico de mulheres

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6 ■ ABRIL DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 146

[email protected]

Incubadoras

Desapontou-me a matéria sobre as incu-badoras de empresas (“Nascedouro de negócios”, edição 145). Dezoito das 20 pessoas entrevistadas estão ligadas a em-presas incubadas ou a instituições que as patrocinam. Não surpreende, por isso, que o tom apologético da matéria não difi ra daquele da mídia comum. Esta des-preza pesquisas científi cas sobre o tema, produzidas no país e no estrangeiro e não está interessada em informar. Tampouco surpreende que só as vozes de duas da-quelas 20 pessoas, as que tratam o tema sem confl ito de interesse (para usar um termo conhecido entre nós), desafi nem em relação ao tom da matéria e ao coro dos demais. Uma delas, a de quem escreve esta carta, foi apontada como uma das “pouquíssimas vozes” dissonantes. O fato de que existem muitos pesquisadores (críticos ou não) que tratam o tema cien-tifi camente e sem envolvimento pode ser aproveitado pela revista para promover um debate qualifi cado, embasado e cons-trutivo, que faça jus ao que dela espera a comunidade de pesquisa e a sociedade.

Renato DagninoGrupo de Análise de Políticas de Inovação/UnicampCampinas, SP

Experimentação animal

Negar que os animais experimentais sal-varam muitas vidas (e ainda o fazem) é, no mínimo, algo sem ética nenhuma (re-

■ Para anunciar

Ligue para: (11) 3838-4008

■ Assinaturas, renovação e mudança de endereço

Envie um e-mail: [email protected] ou ligue: (11) 3038-1434 Mande um fax: (11) 3038-1418

■ Assinaturas de pesquisadores e bolsistas

Envie e-mail para [email protected] ou ligue (11) 3838-4304

■ Números atrasados

Preço atual de capa da revista acrescido do valor de postagem Tel. (11) 3038-1438

■ Site da revista

No endereço eletrônico www.revistapesquisa.fapesp.br você encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arquivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis as reportagens em inglês e espanhol.

■ Opiniões ou sugestões

Envie cartas para a redação de Pesquisa FAPESP Rua Pio XI, 1.500 - São Paulo, SP 05468-901 pelo fax (11) 3838-4181 ou pelo e-mail: [email protected]

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As reportagens de Pesquisa FAPESP mostram a construção do conhecimento essencial ao desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução.

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PESQUISA FAPESP 146 ■ ABRIL DE 2008 ■ 7

portagem “Sem eles não há avanço”, edi-ção 144). Claro que algumas pessoas ex-perimentaram em sua universidade e es-colas sacrifícios de animais para alguns estudos fisiológicos e/ou anatômicos, e que este item deve ser repensado em dois termos básicos: o instrutor (docente) não era bem preparado para o procedimento ou o estudante não estava preparado psi-cologicamente para assistir ao sacrifício animal, e estes últimos acabaram por cri-ticar esta experimentação, por falta de preparo, sem ao menos ter ciência do que é um biotério de instituições sérias de pesquisa e ensino. Mas como nos desven-cilhar da experimentação? Estariam pre-parados os perenes defensores dos ani-mais de experimentação a entregar seus animais de estimação para algum veteri-nário que jamais estudou na prática a anatomia de um canídeo? Estaria prepa-rado, este fiel defensor dos animais de experimentação, para entrar em cirurgia com um médico que nunca viu o que era um coração em estado normal? Óbvio que serei indagado sobre os modelos em medicina, mas esses modelos têm a mes-ma cor ou textura de um órgão normal? Ah, mas e as peças anatômicas que estão formalizadas? Volto à mesma questão: são iguais a um órgão normal? Sem dúvida alguma que uma série de produtos fi nais não apresenta resultados satisfatórios para o uso em humanos, porém há uma forte tendência a se esquecer dos produ-tos finais que apresentaram resultados fabulosos para uso em humanos, como, por exemplo, o captopril (remédio usado contra a hipertensão) e que usou uma série de animais para o seu desenvolvi-mento (sem esquecer das jararacas, donas originais desta fantástica molécula). É necessário ainda lembrar que a experi-mentação animal é usada para uma série de práticas que muitos equipamentos não são capazes de detectar, como por exem-plo avaliar a virulência de um vírus usado em vacinas para seres humanos. Gostaria ainda de dizer que com os animais de ex-perimentação muitas vidas humanas fo-ram salvas e que, quando um dado pro-duto farmacêutico apresenta bons resul-tados, este passa a ser administrado tam-bém em animais. Então, podemos pensar que um animal sacrificado não salvou

apenas vidas humanas, mas muitas vidas animais também. É muito triste, mas os seres humanos quando não entendem e vivem algo tendem a frisar apenas os as-pectos negativos, mas estou certo de que a lite ratura científi ca mostra que há mui-ta coi sa dando certo, e que estes fortes ativistas (políticos e não políticos tam-bém) farão uso destes, sem ao menos ter em mente quantos (e quais animais) fo-ram usados. Mas será que se soubessem fariam uso do produto fi nal?

Luiz Felipe Domingues PasseroFaculdade de Medicina da USPSão Paulo, SP

Aquecimento global

Odo Primavesi, em sua carta sobre aque-cimento global (edição 144), explica ao leitor que as áreas degradadas pelo ser humano contribuem signifi cativamente para as mudanças climáticas, com o que concordo plenamente. Em sua explica-ção, porém, emprega conceitos clássicos, de conhecimento consolidado, de forma a confundir o leitor. É óbvio que os gases em si não geram calor, mas seus efeitos na transmissividade atmosférica em re-lação às ondas longas (calor) levam a um desequilíbrio no balanço de energia da atmosfera cujo resultado é um aumento de temperatura. “A radiação solar na fai-xa do luminoso” que compreende as ondas curtas é a que aquece a superfície terrestre, sendo portanto “calorífi ca” sim, assim como a infravermelha, emitida pe-la superfície aquecida. Esta última não “é impedida de entrar pelos gases de efeito estufa”, mas, pelo contrário, é impedida pelos gases de estufa de SAIR , provocan-do assim o desequilíbrio do balanço ener-gético. As áreas degradadas em si não “geram” calor, suas características de re-fl etividade e de emissividade modifi cadas pelo homem alteram sua emissão de ca-lor. Não podemos responsabilizar essas áreas degradadas por “todas as mudanças climáticas conseqüentes”.

Klaus ReichardtUSPPiracicaba, SP

Terra nua

Relativo à reportagem “Os perigos da ter-ra nua” (edição 143), realmente a fragmen-tação ou redução das matas e principal-mente da vegetação ripária dos rios e lagos por atividades antropogênicas para fi ns de ocupação causam, muitas vezes, danos irreversíveis ao meio ambiente, o que di-fi culta a sobrevivência e o desempenho reprodutivo de muitas espécies locais. Os anfíbios do tipo sapos, rãs e pererecas são os que mais sofrem com essas alterações, pois, com a diminuição da umidade local, além de difi cultar o processo reprodutivo na água, embora existam espécies vivípa-ras, a questão das trocas gasosas através do tecido cutâneo também fi ca bastante complicada, levando a uma redução drás-tica desses seres, provocando um desequi-líbrio ecológico brutal, que pode ser per-cebido com o aumento da população de insetos voadores na região, uma vez que mosquitos e outras espécies do gênero fazem parte da dieta desses anfíbios.

Marte Ferreira da SilvaAtibaia, SP

Tradutores

Leio há anos Pesquisa FAPESP e a cada mês me surpreendo pelo fato de esta publica-ção omitir sistematicamente, em sua seção de resenhas de livros traduzidos para o idioma português, o nome do profi ssional autor da tradução. É incompreensível que os editores da revista não estejam a par da necessidade imperiosa de indicar o nome do tradutor, afi nal este é autor de um tra-balho intelectual. Venho, pois, solicitar que se corrija este grave erro e adote de agora em diante, como norma, a indicação do nome do tradutor em suas resenhas e ou-tras citações de obras traduzidas.

Flávia NascimentoRio de Janeiro, RJ

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail [email protected], pelo fax (11) 3838-4181 ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.

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PESQUISA FAPESP 146 ■ ABRIL DE 2008 ■ 9

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

SECRETARIA DO ENSINO SUPERIOR

CELSO LAFERPRESIDENTE

JOSÉ ARANA VARELAVICE-PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIOR

CELSO LAFER, EDUARDO MOACYR KRIEGER, HORÁCIO LAFER PIVA, JACOBUS CORNELIS VOORWALD, JOSÉ ARANA VARELA, JOSÉ DE SOUZA MARTINS, JOSÉ TADEU JORGE, LUIZ GONZAGA BELLUZZO, SEDI HIRANO, SUELY VILELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO

RICARDO RENZO BRENTANIDIRETOR PRESIDENTE

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZDIRETOR CIENTÍFICO

JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLERDIRETOR ADMINISTRATIVO

CONSELHO EDITORIALLUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENTÍFICO), CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, MÁRIO JOSÉ ABDALLA SAAD, PAULA MONTERO, RICARDO RENZO BRENTANI, WAGNER DO AMARAL, WALTER COLLI

DIRETORA DE REDAÇÃOMARILUCE MOURA

EDITOR CHEFENELDSON MARCOLIN

EDITORA SÊNIORMARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

EDITORES EXECUTIVOSCARLOS HAAG (HUMANIDADES), CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICA), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA), RICARDO ZORZETTO (CIÊNCIA)

EDITORES ESPECIAISCARLOS FIORAVANTI, FABRÍCIO MARQUES, MARCOS PIVETTA (EDIÇÃO ON-LINE) EDITORAS ASSISTENTESDINORAH ERENO, MARIA GUIMARÃES

REVISÃOMÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO

EDITORA DE ARTEMAYUMI OKUYAMA

ARTEARTUR VOLTOLINI, JÚLIA CHEREM, MARIA CECILIA FELLI

FOTÓGRAFOSEDUARDO CESAR, MIGUEL BOYAYAN

SECRETARIA DA REDAÇÃOANDRESSA MATIAS TEL: (11) 3838-4201

COLABORADORESABIURO, ANA LIMA, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), DANIELLE MACIEL, FERNANDO DE ALMEIDA, GEISON MUNHOZ, GONÇALO JÚNIOR, LAURABEATRIZ, LEOZITO COELHO E YURI VASCONCELOS.

OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DA FAPESP

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

GERÊNCIA DE OPERAÇÕESPAULA ILIADIS TEL: (11) 3838-4008e-mail: [email protected]

GERÊNCIA DE CIRCULAÇÃO RUTE ROLLO ARAUJO TEL. (11) 3038-4304 FAX: (11) 3038-1418e-mail: [email protected]

IMPRESSÃOPLURAL EDITORA E GRÁFICA

TIRAGEM: 35.800 EXEMPLARES

DISTRIBUIÇÃODINAP

GESTÃO ADMINISTRATIVAINSTITUTO UNIEMP

FAPESPRUA PIO XI, Nº 1.500, CEP 05468-901ALTO DA LAPA – SÃO PAULO – SP

ISSN 1519-8774

FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO A doença crua e literal

Mariluce Moura - Diretora de Redação

H á coisa de 2 décadas ou pouco mais, sentía-mo-nos perfeitamente confortáveis em imaginar a tuberculose como um mal que

acompanhara a história humana, tornara-se por vias concretas e metafóricas a grande doença do século XIX, estendera sua gravidade até a primei-ra metade do século XX e, então, entrara na ca-tegoria dos flagelos vencidos – por obra e graça de uma criação da cultura, isso que inventa o ser humano que conhecemos e somos. A criação a que me refiro, nesse caso, é conhecimento cien-tífico traduzido em antibióticos que se dissemi-naram no pós-guerra e, desde então, articulados com outros produtos e fatores, alteraram profun-damente as condições de saúde e as possibilida-des de duração da vida humana. Ou conheci-mento traduzido numa vacina como a BCG, de aplicação obrigatória para proteger os frágeis recém-nascidos de nossa espécie dos humores aterrorizantes do bacilo identificado pelo doutor Robert Koch em 1882.

Claro que de vez em quando, dos anos 1960 aos 1990, tínhamos notícia de algum conhecido que contraíra tuberculose, doença ainda assina-lada por um poderoso estigma social, mas está-vamos prontos a confiar no poder da penicilina e assemelhados e a nos refugiar na certeza de que os casos que chegavam a nosso conhecimento faziam parte da exceção, jamais da regra. Assim, nesses muitos anos, podíamos partir para um encontro com a tuberculose de caráter muito mais estético e filosófico, vertiginoso, proposto por Thomas Mann, por exemplo, em seu extra-ordinário A montanha mágica, onde a doença examinada em Davos é também metáfora de um mal insidioso que confronta o homem com o mistério de si, com suas misérias e grandezas, seus limites e sua capacidade de transcender, corroa esse mal as vísceras de um corpo frágil e finito ou sacuda as entranhas de uma sociedade em transformação. Podíamos também tomar a via poética da coragem proposta por Manuel Bandeira em sua luta encarniçada e direta contra a doença que ameaça matá-lo ou a senda dos dramas tecidos por Dinah Silveira de Queiroz em Campos do Jordão no seu sensível Floradas na serra. Fosse qual fosse a escolha, a tuberculo-se tinha uma inequívoca dimensão literária para minha geração e outras próximas.

A Aids mudou isso. E hoje, longe de literária, a tuberculose se apresenta literal em sua crueza de doença. O bacilo que a produz instala-se

anualmente nos pulmões de 9 milhões de pes-soas em todo o mundo, do que resulta a morte de uma delas a cada 15 segundos. No Brasil, são 100 mil casos, com a morte de 5 mil pessoas por ano. É verdade que há 45 anos não se cria um medicamento novo para a doença e que cepas mais e mais resistentes da bactéria que a causa surgem ameaçadoras no horizonte. Mas – eis o dado fundamental – a tuberculose é curável, por que então ela está se transformando de novo num flagelo, inclusive no Brasil? É disso que trata a excelente reportagem do editor especial Carlos Fioravanti, a partir da página 18. É uma contribuição importante para os debates em torno da doença, que tem em 24 de março uma data especial para se refletir a seu respeito.

Nas páginas de humanidades, esta edição ofere-ce outra contribuição significativa, bem calcada em pesquisas, para o debate de questões essen-ciais à definição da sociedade que queremos ser e que estamos construindo neste país. Trata-se de uma bela reportagem do editor especial Fa-brício Marques (página 94) sobre os resultados até aqui dos programas de ação afirmativa para ingresso de estudantes egressos de escolas públi-cas ou ligados a grupos étnicos socialmente des-favorecidos no ensino superior brasileiro. Há dados surpreendentes e vale a pena conferir.

Há muito mais a descobrir nesta edição, inclu-sive em relação à beleza das páginas desenhadas por nossa editora de arte, Mayumi Okuyama (vejam, por exemplo, as páginas 69 a 73). Mas encerro com uma recomendação de atenção pa-ra o primeiro dos encartes especiais relativos às palestras e debates que Pesquisa FAPESP está organizando dentro da exposição Revolução genômica, que até 13 de julho está no Parque do Ibirapuera em São Paulo e depois percorrerá outras cidades do país. A exposição, trazida do Museu de História Natural de Nova York pelo Instituto Sangari, recebeu aqui acréscimos bem brasileiros e está encantando o público. Espe-ramos que as conferências e discussões parale-las, da lavra de brilhantes pesquisadores brasi-leiros e estrangeiros, possam ser uma contri-buição consistente da FAPESP e desta revista para ampliar o contato da sociedade com os temas científicos.

CARTA DA EDITORA

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MEMÓRIA

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Fungo no

Há cem anos Adolpho Lutz publicava dois artigos descrevendo uma nova doença

No começo do século XX, o médico e pesquisador Adolpho Lutz estudou minuciosamente

em dois pacientes de São Paulo uma doença diferente, causadora de graves lesões, que destruíam a mucosa da gengiva, com dolorosa repercussão nos gânglios. Após quase três anos de pesquisa, em abril de 1908 Lutz publicou dois artigos no Brazil-Medico – Revista Semanal de Medicina e Cirurgia, nos quais qualificava a moléstia como micose pseudococcídica, depois de identificar o fungo que a causava e descrever o modo característico de reprodução.

“Lutz fez algo absolutamente notável e raro”, afirma o farmacêutico e bioquímico Cezar Mendes de Assis, pesquisador do Instituto Adolpho Lutz. “Ele descreveu a doença, observou em microscópio seu agente em material clínico, isolou-o em meio de culturas, demonstrou seu dimorfismo (duas formas distintas, bolor a 27ºC e leveduras a 36ºC), descreveu suas características, reproduziu a doença em diferentes animais de laboratório e reisolou o agente.” Além disso, preocupou-se em dizer que estava diante de uma nova doença e alertou sobre a dificuldade de diferenciá-la de moléstias semelhantes.

O nome adotado para a doença desde 1971, após congresso de especialistas na Colômbia, é paracoccidioidomicose, embora tenha tido vários nomes desde 1908 – um

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PESQUISA FAPESP 146 ■ ABRIL DE 2008 ■ 11

Lutz (acima) e com a filha, Bertha (na outra página), no laboratório. Ao lado, em campo, fazendo coleta de caramujos

Edição com o primeiro artigo de Lutz

deles foi “doença de Lutz”. Trata-se de micose causada pelo fungo Paracoccidiodes brasiliensis, presente na área rural, que penetra mais freqüentemente no organismo humano por via inalatória. Quando não diagnosticada e tratada no momento certo, provoca feridas na pele e lesões na boca, pode contaminar pulmões, baço e fígado, se infiltrar nos ossos, nas articulações e no

sistema nervoso central. Algumas das atividades de risco são aquelas ligadas à agricultura, à prática de jardinagem e ao transporte de vegetais. O desmatamento e o preparo do solo para o plantio aumentam o número de partículas do fungo em suspensão. Como a notificação não é compulsória, faltam informações precisas sobre a incidência dessa micose

no Brasil. Dados do Ministério da Saúde mostram 3.181 mortes entre 1980 e 1995, resultando em taxa de mortalidade de 1,45 caso por milhão de habitantes.

O consenso em paracoccidioidomicose, relatório técnico publicado em 2006 pela Revista da Sociedade de Medicina Tropical, mostrou que poucas pessoas, entre as expostas

ao fungo, desenvolvem a doença. Quando a micose se manifesta, no entanto, o problema ganha importância na saúde pública porque a mortalidade é alta – quem não morre freqüentemente fica incapacitado para o trabalho. Por enquanto não existe vacina eficaz.

Depois dos artigos pioneiros de 1908, a micose continuou a ser estudada. O bacteriologista italiano Alfonso Splendore e o micologista paulista Floriano Paulo de Almeida deram contribuições importantes para o seu entendimento. No mesmo ano em que publicou a pesquisa, Lutz (1855-1940) deixou o Instituto Bacteriológico de São Paulo (atual Instituto Adolfo Lutz), que havia dirigido por 15 anos, e voltou para sua cidade natal, o Rio de Janeiro, para atuar exclusivamente como pesquisador. Afeito à solidão dos laboratórios e às coletas em campo, ficou até o fim da vida no Instituto Oswaldo Cruz, onde continuou estudando temas de interesse médico ou puramente biológico.

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ENTREVISTA

Maria Luiza Tucci Carneiro

A raça ‘indesejável’Preocupação com racismo contra negros e índios esconde o anti-semitismo histórico e presente da sociedade brasileira

Eles se fingem de católicos, com cruzes e santinhos, tudo hipo-crisia. Estou apavorado com o progresso dessa gente e revolta-do com a displicência das auto-ridades, não só do Brasil como das Américas”, escreveu um ci-

dadão comum ao Deops avisando so-bre a presença de judeus no país. Deta-lhe: o ano da denúncia é 1947, dois anos após o fim da Segunda Guerra Mundial e da derrocada do nazismo e do Estado Novo. Ainda assim, ajudar refugiados judeus era visto como “crime contra a nação”. Ao mesmo tempo, ao longo da guerra, figuras corajosas como o embai-xador brasileiro em Paris, Luiz Martins Souza Dantas, ou a assistente da Embai-xada do Brasil em Berlim, Aracy Carva-lho (mais tarde, sra. Guimarães Rosa), desobedecendo ordens do regime var-guista, liberaram centenas de vistos para que judeus pudessem vir ao Brasil e so-breviver ao holocausto.

Pouco conhecido, em especial se com parado com a intensa preocupação com o racismo contra negros ou índios, o anti-semitismo brasileiro só aos pou-cos vem sendo trazido à luz. Uma das responsáveis por isso é a historiadora

Carlos Haag

‘ Maria Luiza Tucci Carneiro, da USP, au- tora de Preconceito racial no Brasil Co-lônia: cristãos-novos (Brasiliense, 1982); O anti-semitismo na era Vargas: 1930- 1945 (Brasiliense, 1988, 2ª edição, 1995); O racismo na história do Brasil: mito e realidade (Ática, 1994); O olhar europeu: o negro na iconografia brasi-leira do século XIX (co-autoria Boris Kossoy, Edusp, 1994). Agora, ela é a organizadora do recém-lançado estu-do O anti-semitismo nas Américas (Edusp, 744 páginas, R$ 98), ao mesmo tempo que coor dena o projeto Arquivo Virtual sobre o Holocausto e o Anti-se-mitismo no Brasil, que conta com apoio da FAPESP e está baseado no Labora-tório de Estudos sobre Etnicidade, Ra-cismo e Dis criminação (Leer-USP), do qual ela é diretora. Milhares de docu-mentos serão digitalizados e disponibi-lizados nes se banco de dados, que regis-trará depoimentos de sobreviventes dos cam pos de concentração. Leia, a seguir, trechos da entrevista.

■ O Brasil foi um país racista ou ainda o é ? — O Brasil sempre foi e ainda é um país racista, apesar do “negacionismo” por parte de alguns segmentos da so-

ciedade brasileira, que insistem na vei-culação da imagem do país como um “paraíso racial”. Exatamente por convi-vermos com um racismo camuflado (e eu entendo o anti-semitismo como uma forma de racismo) é que devemos estar atentos aos subterfúgios. Desinforma-ção, interesses políticos, alianças de compadrio, pesquisas históricas distor-cidas e a mídia têm contribuído para fortalecer o senso comum, dificultando o exercício da crítica e o respeito às di-ferenças. O fato de não observarmos em nosso cotidiano agressões físicas e públicas contra negros, judeus ou ciga-nos não quer dizer que não aja racismo no Brasil, que pode variar desde o mais sutil sentimento de desconfiança e de desprezo até o mais violento ato de hos-tilidade física. A existência em São Pau-lo de uma Delegacia de Crimes Raciais, de o Direito brasileiro condenar e repu-diar a prática do racismo e de consta-tarmos, cada vez mais, a adoção de co-tas para negros nas universidades de-mons tra que a nossa realidade, ainda que ex pressiva do fenômeno da mesti-çagem, não é tão cordial assim. Temos o diagnóstico, mas não chegamos ainda à pro filaxia adequada, pontual.

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discurso forjado, seja explicitamente, como ocorre em alguns países do Pri-meiro Mundo. Em meus livros e pes-quisas mais recentes tenho procurado demonstrar que o anti-semitismo é um fenômeno, por excelência, multi-facetado, com capacidade de deformar realidades e de se metamorfosear co-mo um camaleão. Mentira e dubieda-de são componentes comuns aos dis-cursos racistas, que transformam o ódio em normas que todos devem ob-servar. É nesta camuflagem que vejo instalada a “hipocrisia”, atitude carac-terística dos racistas em geral; sendo que a hipocrisia sempre se apresentou como uma ótima aliada da mentira.

■ Quais são as peculiaridades do anti-semitismo brasileiro e quais suas raízes? Como ele se desenvolveu do anti-semitis-mo colonial, calcado no catolicismo da Inquisição, até um modelo mais “moder-no” de segregação?— Para entendermos as tais peculiari-dades do anti-semitismo brasileiro considero importante ressaltar que nem sempre é necessário que haja se-gregação para caracterizarmos um fe-nômeno como anti-semita. A mentira, o exagero, a generalização e a deturpa-ção dos fatos históricos se fazem sem-pre presentes quando o intuito é atiçar o ódio contra os judeus. Daí o emprego de múltiplos conceitos para se caracte-rizar o anti-semitismo como cristão, econômico, popular, científico, político etc. Quando endossado pelo Estado, o anti-semitismo presta-se como instru-mento político, tendo condições até mesmo de subsidiar um plano de exter-mínio por métodos científicos, como aconteceu na Alemanha nazista entre 1933 e 1945, fato único na história da humanidade. No Brasil, essa modalida-de – do anti-semitismo político – exis-tiu enquanto política de bastidores nos governos Vargas (1937-1945) e Dutra (1946-1950), que consideravam o ju-deu como “raça indesejável” para com-por a população brasileira. Para com-preendermos o caso do Brasil devemos buscar as raízes deste fenômeno na pe-nínsula Ibérica do século XIV, tema que desenvolvo em meu livro Preconceito racial em Portugal e Brasil Colônia. Foi com o desejo de abortar o desenvolvi-mento da burguesia cristã-nova que, em 1449, foi proclamada a Sentencia

Estatuto de Toledo, que serviu de base para a construção do mito ariano, ex-pressão da modernidade. Apoiado por homens letrados e pela Igreja Católica, institucionalizou-se o conceito de pu-reza de sangue responsável pela distin-ção entre “raças infectas” e “raças lim-pas de sangue”. Foi com base nesta crença que a Inquisição portuguesa e espanhola mandou prender e/ou quei-mar milhares de cristãos-novos alegan-do que esses descendentes de judeus eram perniciosos pelo “sangue que lhes corria nas veias”. Entre 1500 até 1774, portanto durante o período colonial, persistiu no Brasil esse anti-semitismo tradicional, de fundamentação teológi-ca. Até 1808 percebemos uma retração deste discurso anti-semita sustentado pelo Estado absolutista e Tribunal da Inquisição portugueses, culminando com a diluição do mito da pureza de sangue. Considero o período de 1808 a 1860 como um estado de hibernação do anti-semitismo, que entre 1860 e 1916 reaparece na sua faceta “moder-na”, subsidiado por obras teóricas eu-ropéias que introduzem no Brasil o dar winismo social, o evolucionismo, o arianismo e a eugenia. Estes princí pios serão retomados nas décadas de 1930- 1940 sob a influência do ideário nazi-fascista. Podemos afirmar que entre 1937 e 1948 se processou a radicalização do pensamento anti-semita moderno no Brasil, adotado como instrumento de po der pelo Estado nacional. Este mo-mento condiz, exatamente, com a ado-ção de circulares secretas pelos gover-nos de Vargas e Dutra.

■ No livro Anti-semitismo nas Améri-cas, a pesquisadora Pilar Rahola culpa a mídia e a universidade pelo que chama de “novo anti-semitismo”. Como enten-der essa culpa?— O anti-semitismo citado por Pilar Rahola deve ser interpretado como uma nova forma de intolerância, que se expande pela Europa, Oriente Mé-dio e países das Américas. É um fenô-meno distinto daquele sustentado pe-los nazistas que propunham o exter-mínio das raças impuras fundamenta-dos nos princípios da ciência moder-na. Hoje fala-se numa Alemanha para os alemães e não mais, como nos anos de 1930 e 40, numa Alemanha para os arianos, símbolos da raça pura. Se pro-

■ Como analisar o desenvolvimento do anti-semitismo ao longo da história na-cional, em especial se comparado ao ódio aos judeus em países do Primeiro Mun-do, onde o sentimento é, em geral, mais “abertamente” declarado? A nossa “hi-pocrisia” racial também se repete no anti-semitismo?— Acredito que o anti-semitismo deve ser analisado a partir de três vertentes: das relações de interação/conflito en-tre judeus e não-judeus; enquanto um fenômeno psicológico-cultural carac-terístico dos tempos modernos; e em fases distintas cujas características, muitas vezes, se superpõem. Esta abor-dagem é válida para qualquer país, guardadas as devidas especificidades históricas. As formas e graus de mani-festação do anti-semitismo variam de acordo com as visões de mundo her-dadas de um passado remoto e da per-sistência dos mitos políticos que inter-ferem nas formas de manifestação. É nos momentos de crise aguda que o anti-semitismo encontra condições para se manifestar, seja através de um

Mentira e dubiedade são componentes comuns aos discursos racistas, que transformam o ódio em normas que todos devem observar

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paga a idéia de uma França só de fran-ceses, de uma Espanha sem africanos etc. O Irã propõe uma Palestina “livre de judeus”, ameaça que beira o geno-cídio político e cultural. Enfim, defen-de-se a exclusividade da região para um único grupo que não respeita as diferenças, sejam elas étnicas, religio-sas ou políticas. Retoma-se, de certa forma, o antigo conceito romano de bárbaro: “Aquele que não pertence ao Império e por isso não tem direito de usufuir de seu convívio e de seus be-nefícios”: é um “invasor”.

■ De que forma se organiza esse novo anti-semitismo e como ele se diferencia do tradicional?— Este é um racismo diferente daque-le que norteou a escravidão colonial e o nazismo. O argumento utilizado não é mais o da preservação da raça pura ou superior. Defende-se o direito que cada um tem de ser diferente, mas com um sentido discriminatório: cada um no seu lugar, cada povo no seu país. Sob fundamentos étnicos-políticos argu-menta-se que alguns grupos não têm direito ao território ou que são culpa-dos pelas mortes e pela miséria do “ou-tro”, como acontece nos atuais conflitos no Oriente Médio, onde esse novo anti-semitismo (travestido de anti-sionis-mo) serve de argumento para atos ter-roristas. Nestes momentos o anti-semi-tismo emerge como reação e solução para a instabilidade política, para inte-resses de hegemonia na região e para a explosão demográfica. Como nos ve-lhos tempos inquisitoriais ou nazistas, convém, para alguns poucos, manter viva a imagem de Israel como o “inimi-go político”, apresentado como invasor, usurpador. Por trás está o comércio de armas, as propinas e outros expedientes lucrativos em tempos de guerra. Nem sempre a paz é interessante! Tanto é que algumas nações ocidentais e outras do Oriente Médio reabilitaram a imagem do judeu como eterno caminhante sem direito a um território, conceito inter-pretado à luz dos regimes antidemo-cráticos com conotações políticas. Por-tanto, é através da mídia e da educação que essa e outras tantas mentiras se multiplicam reafirmando a força que as imagens (mentais e visuais) e as pa-lavras têm de interferir na realidade. É neste contexto que, como Rahola, vejo

a mídia, que, em muitos casos, expres-sa as condições limitadas de alguns. Podemos falar em “imagens negocia-das” deturpadas pela ignorância, por interesses econômicos e políticos, im-plicando na parcialidade de julgamen-tos. Quanto à universidade, não pode-mos ignorar a postura de alguns inte-lectuais da academia que não conse-guem separar anti-semitismo de anti-sionismo e antiamericanismo. Lembro que, no passado, os intelectuais ale-mães foram os primeiros a apoiar Hi-tler e que importantes institutos de pesquisa louvaram a expulsão dos ju-deus de seus cargos colocando a ciên-cia a serviço do III Reich.

■ O Estado brasileiro foi o grande promo-tor do anti-semitismo no Brasil. Podemos pensar que o anti-semitismo nacional é mais um produto estatal do que um ge-nuíno sentimento difundido pelos indi-víduos da população brasileira? — Podemos afirmar que a Igreja Cató-lica e o Estado brasileiro foram real-mente um dos promotores do anti-se-mitismo que, entre 1917 e 1932, extra-polaram as fronteiras do discurso lite-

rário folhetinesco e da doutrinação católica, alcançando o saber técnico dos burocratas brasileiros. Neste período autoridades do Estado republicano – preocupadas com os projetos de colo-nização judaica e com o crescente nú-mero de imigrantes judeus russos, tche-cos e poloneses interessados em entrar no país – deram início a uma política restritiva anti-semita, mas ainda assis-temática. Após 1937 esse anti-semitis-mo foi endossado pelas elites política e diplomática brasileiras que não se tor-naram coniventes ou omissas fem face das práticas de extermínio nazista. Mas este, infelizmente, não era um “produto genuíno estatal”. O fel dessa intolerân-cia brotava também do pensamento conservador e nacionalista da direita católica, que, através de seus escritos e sermões, alimentou o ódio contra a co-munidade judaica brasileira. Inúmeros são os intelectuais católicos e também integralistas brasileiros que produzi-ram uma larga literatura anti-semita de matrizes francesas, alemãs e portu-guesas. Durante séculos a Igreja Cató-lica pregou o anti-semitismo através de uma pedagogia própria e de uma lite-ratura instigadora da desconfiança e do desprezo aos judeus. E quanto à popu-lação: expressivas são as cartas de dela-ção contra os judeus refugiados do na-zi-fascismo radicados no Brasil. Nem mesmo a comunidade judaica brasilei-ra tem a devida dimensão do quanto ela foi discriminada, vigiada e excluída pe-las autoridades do Deops/SP e da diplo-macia brasileira. Muitos continuam ofuscados pelos mitos da cordialidade e da hospitalidade brasileira que, por sua vez, mantêm vivo o mito da demo-cracia racial. Em síntese ao nível do imaginário coletivo, o anti-semitismo cristão e popular jamais deixou de se manifestar no Brasil.

■ O governo Lula foi sempre visto com desconfiança pela comunidade judaica por suas simpatias pelo movimento pa-lestino. Como a senhora analisa as rela-ções atuais entre Brasil e Israel? — A desconfiança da comunidade ju-daica tem razão de ser, pois o governo Lula tem se comportado com dubie-dade em relação ao Oriente Médio e principalmente quando o tema diz respeito a Israel e aos países árabes, dentre os quais o Irã. Mas, para enten-

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dermos esta posição dicotômica do atual governo, devemos levar em con-sideração a posição histórica do Brasil ante o Estado de Israel. Um constante clima de tensão marcou, desde o início da Guerra Fria, a postura do governo brasileiro, comprometido, de um lado, com sua tradição anti-semita e, de ou-tro, com os ideais democráticos defen-didos pelos Estados Unidos. Era explí-cito que o governo do presidente Eu-rico Dutra (sucessor de Vargas) não via com bons olhos os rumos tomados pelo recém-criado Estado de Israel, candidato a “satélite comunista”. Inco-modava-o a criação de kibutzim mo-delados pelas práticas socialistas, da mesma forma que estranhava o reco-nhecimento imediato da URSS a Israel, em 1948. A esses fatos somou-se o au-xílio armamentista dado pela Tche-coslováquia, aliada dos israelenses contra os árabes insatisfeitos com a partilha da Palestina. Esse contexto pres sionou o Brasil a retardar para 7 de fevereiro de 1949 seu reconheci-mento oficial ao Estado de Israel e pa-ra 1952 o estabelecimento de delega-

ções diplomáticas. Em maio de 1949, durante a Assembléia-geral da ONU, o Brasil se absteve na votação pela Re-solução nº 273, condicionando seu voto à “estrita implementação de Israel das resoluções relativas à internaciona-lização de Jerusalém e à questão dos re fugiados árabes”. O Brasil, país cató-lico por tradição, não estava interessa-do em se opor ao Vaticano, favorável à internacionalização de Jerusalém; da mesma forma que não pretendia desa-gradar aos países árabes, cujas relações comerciais seriam intensificadas ao longo dos anos 1960 e 70. Em 1975, diante da crise mundial do petróleo, optou por uma postura radical: votou na Assembléia da ONU a favor da Re-solução nº 3.379, que qualificava o “sio nismo como forma de racismo e discriminação racial”.

■ O anti-semitismo diz muito sobre co-mo uma nação vê o estrangeiro, o “outro”. A partir desse contexto, como a senhora avalia o Brasil?— Durante séculos o Estado brasileiro manteve uma postura xenófoba contra determinados grupos de estrangeiros que, por sua “raça” ou idéias políticas, eram considerados “indesejáveis” para compor a população brasileira. Dentre estes estavam os judeus, os negros, os ciganos e os japoneses, que, em distin-tos momentos da história republicana, enfrentaram uma política imigratória restritiva, de cunho racista, fundamen-tada nas teorias eugenistas que prega-vam a homogeneização da população idealizada como branca e católica. Uma farta literatura antinipônica e anti-semita foi produzida por intelectuais brasileiros entre 1917-1950, registran-do a persistência de uma mentalidade intolerante por parte das nossas elites políticas e intelectuais. Esta documen-tação está sendo inventariada por pes-quisadores do Leer e que dará origem ao dicionário histórico-biográfico de obras e autores racistas do Brasil.

■ Um brasileiro, Oswaldo Aranha, par-ticipou ativamente da criação do Estado de Israel. Quais eram as reais motivações por trás desse apoio brasileiro na ONU? — Oswaldo Aranha tem aqui um mé-rito: de ter garantido, enquanto ameri-canófilo convicto, que o Brasil – duran-te a Segunda Guerra Mundial – não

“caísse para o outro lado”, já que a maioria dos homens do governo Var-gas, assim como o próprio Vargas, não ocultava suas simpatias pela política do III Reich e seu ideário anti-semita. En-quanto embaixador do Brasil em Wa-shington (1934-1937), chanceler do Itamaraty (1938-1944), representante do Brasil na ONU (1947) e empresário da Gastal S.A. (desde 1946), Aranha foi um fiel aliado dos Estados Unidos. Tal postura talvez explique o fato de ele ter mantido secretas, enquanto ministro das Relações Exteriores, as circulares anti-semitas em prática desde 1937 a 1948. Não se esforçou para eliminá-las ou denunciá-las, nem favoreceu a ação humanitária daqueles que descum-priam tais regras anti-semitas. Haja vista que, durante a sua gestão, um pro-cesso administrativo “afastou” a bem do serviço público o embaixador Luiz Martins de Souza Dantas, hoje reco-nhecido como um dos justos pelo Yad Vashem. Tanto Vargas como Dutra pre-feriram investir na imagem idílica da Palestina enquanto “Terra Prometida” do que favorecer o acolhimento de ju-deus no território brasileiro. Para o go-verno brasileiro, a formação de um Estado judaico na Palestina extrapolava a idéia de esta ser apenas uma solução para a questão judaica. Os benefícios eram múltiplos: além de expressar o endosso do Brasil às iniciativas huma-nitárias dos Estados Unidos, também se apresentava como uma solução para o fluxo de “judeus indesejáveis”, (re)dire-cionados para o novo lar judaico, o fu-turo Estado de Israel.

■ A senhora acredita no recrudescimento recente do anti-semitismo global? A que atribuir esse incremento? Ao mesmo tempo, há um fascínio crescente pelo na-zismo, por Hitler e seus símbolos. Como a senhora vê isso dentro do contexto do anti-semitismo crescente?— Nestas últimas décadas o mundo foi sacudido por novas ondas de anti-se-mitismo propagado amplamente atra-vés de sites na internet a serviço de gru-pos neonazistas que têm também seus representantes aqui no Brasil. A into-lerância apregoada pelo nazismo foi redimensionada por grupos, partidos e organizações contemporâneas de ex-trema direita e ultradireita, colocando em perigo nossas conquistas democrá-

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ticas, ainda frágeis e em processo de afirmação. Enquanto partidários de um discurso nacionalista e racista fun-dado no culto à violência, no autorita-rismo, na oposição à democracia e ao pluralismo racial devem ser vistos co-mo um perigo real, e muito próximo de todos nós.

■ Uma escola de samba, a Viradouro, ten-tou levar para a avenida o tema do holo-causto e foi proibida. Qual sua visão disso? Foi um ato de censura? Não seria impor-tante levar o tema para mais pessoas? — Não concordo com a proposta da escola de samba Viradouro nem vejo a proibição como um ato de censura. A escola poderia ter pensado outras for-mas de divulgar o holocausto, cuja rememoração não cabe na alegria do sambódromo. Por que não financiar ações positivas como, por exemplo, promover cursos sobre o tema direcio-nados aos seus jovens sambistas ou financiar livros paradidáticos sobre o holocausto e racismo para serem dis-tribuídos nas escolas da periferia do Rio de Janeiro?

■ Num outro registro, a senhora defende a colocação do tema do holocausto na sala de aula. De que forma isso é impor-tante e como se pode fazer isso sem mis-turas ideológicas? — Acredito na educação como forma de criarmos um mundo melhor e uma sociedade mais justa e pluralista. Daí a educação ser uma das frentes de luta para combater a ignorância, estágio da (des)razão propício à fomentação do ódio racial. Desde 2004 temos procu-rado introduzir a história do holo-causto nas salas de aula através da rea-lização de jornadas interdisciplinares em parceria com a B’nai B’rith do Bra-sil, o Programa de Estudos Judaicos da Uerj e as secretarias municipais de Educação de São Paulo, Rio de Janeiro e, dessa vez, somando com Curitiba. Através do Programa Educando para a Democracia e a Cidadania procura-mos conscientizar diretores, professo-res e pais de alunos da necessidade emergente de incorporarmos o debate sobre racismo e anti-semitismo como temas transversais sugeridos pelos Pa-râmetros Curriculares Nacionais. Te-mos sugerido conteúdos e material didático para subsidiá-los na criação

capitalistas e, até mesmo, com falsos atestados de batismo de católicos. Ca-be aqui ressaltar alguns nomes cuja produção acrescentou créditos para a cultura brasileira: Alice Brill, Axl Leskoschek, Claúdia Andujar, Erick Brill, Ernesto de Fiori, Eva Lieblich, Fayga Ostrower, Frans Krajcberg, Franz Josef Weismann, Georg Rado, Gerda Bretani, Samson Flexor, Walter Lewy, Nydia Lícia Pincherle Cardoso, Curt Schulze, Fredi Kleemann, Hans Günter Flieg, Peter Scheier, Anatol Ro-senfeld, Otto Maria Carpeaux, Hebert Caro, Stefan Zweig, Paulo Rónai, Paul Frischauer, Fritz Pinkuss, Mathilde Maier, Paula Ludwig, dentre outros. Outras centenas tiveram seus pedidos de entrada no Brasil indeferidos por serem da “raça semita” e como tais in-desejáveis. Perdemos sempre que o anti-semitismo é acionado como ins-trumento de poder.

■ Qual é o sentido da formação hoje de um arquivo brasileiro do holocausto, já que, para muitos, ocorreu há tanto tem-po e em lugares distantes de nós?— Desde agosto de 2007 desenvolve-mos, com recursos da FAPESP, o pro-jeto de criação de um arquivo virtual sobre holocausto e anti-semitismo. A idéia é de disponibilizarmos on-line cerca de 10 mil documentos diplomá-ticos expressivos da postura do gover-no brasileiro diante do holocausto e dos judeus refugiados do nazi-fascis-mo (1933-1948). Pretendemos tam-bém registrar os nomes e as trajetórias daqueles que fizeram do Brasil a sua terra de acolhimento, registrando nes-te inventário os sobreviventes dos campos de concentração e refugiados radicados no Brasil. A reconstituição das rotas de fuga, das ações anti-semi-tas e genocidas praticadas pelos nazis-tas e países colaboracionistas, os livros de memórias dos sobreviventes podem nos ajudar a combater a ignorância, além de alertar para a fragilidade das democracias que, na contramão da história, se deparam, muitas vezes, com sistemáticas violações dos direi-tos humanos. Informações podem ser enviadas para o [email protected] – um espaço on-line dedicado à história e à memória do holocausto a partir de do cumentos e testemunhos existentes no Brasil. ■

de seu planejamento de trabalho e de uma prática educativa coerente com o compromisso que as escolas têm de favorecer a construção da cidadania. Cabe, através dessas jornadas, eleger a dignidade da pessoa humana e a igual-dade de direitos como princípios que devem orientar a educação escolar. Enfim, consideramos importante transformar a escola não apenas em um espaço de reprodução de conheci-mentos, mas também em espaço de transformação social.

■ Muitos intelectuais e cientistas judeus vieram (ou tentaram vir) para o Brasil durante o nazismo. Qual foi a contribui-ção do pensamento judeu à cultura e ciên-cia nacionais por causa disso? O quanto também perdemos em razão do anti-se-mitismo velado do governo Vargas, que impediu a vinda de mais cabeças pen-santes judaicas?— Centenas de judeus refugiados do nazismo conseguiram visto para o Brasil burlando as regras impostas pe-las Circulares Secretas sustentadas pe-lo Itamaraty entre 1937 e 1948. Muitos entraram com vistos de turistas, vistos

Podemos afirmar que a Igreja Católica e o Estado foram promotores do anti-semitismo que alcançou os burocratas brasileiros

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Nova linhagem de bactéria, resistência a medicamentos, pobreza e interação com Aids agravam quadro da tuberculose

No mês passado ganharam o mundo dois estudos que mostram quão dramático é o quadro de

uma das doenças mais temidas da humanidade, a tubercu-lose. Um deles descreve uma nova linhagem da principal espécie de bactéria causadora de tuberculose, o bacilo Mycobacterium tuberculosis, que apresenta uma perda do genoma uma vez e meia maior que a maior perda já en-contrada em qualquer outra das seis espécies do gênero Mycobacterium que causam tuberculose. Mesmo assim sobreviveu, reforçou a capacidade de escapar das células de defesa do organismo e se tornou a responsável por um em cada três casos de tuberculose registrados no Rio de Janeiro. A infecção por essa linhagem, chamada de RD-Rio por ter sido descoberta lá, está associada com emagre-cimento mais intenso, mais escarro de sangue e mais per-furações no pulmão. O outro trabalho, com laboratórios de nove países, mostra que essa linhagem predomina sobre centenas de outras nos Estados Unidos, na América Cen-tral e na África. Este mês deve sair um terceiro artigo mos-trando que essa mesma variedade causa um terço da tuber-culose registrada também em Belo Horizonte.

“Nossa hipótese é que essa linhagem pode passar des-percebida e se espalhar mais facilmente por ter perdido parte dos genes que levam à produção de proteínas que a denunciariam ao organismo hospedeiro, mas aparen-temente não apresenta mais resistência do que as outras ao tratamento com antibióticos”, diz Luiz Cláudio Lazza-rini de Oliveira, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que voltou ao Brasil no mês passado após 3 anos na Universidade Cornell, Estados Unidos. Esses estudos,

Carlos Fioravanti

de que ele participou, exibem não só um dos mecanis-mos pelos quais a bactéria da tuberculose sobrevive e ganha vigor, mas também o desamparo diante de uma doença que, quando não mata logo, torna a vida uma sucessão de angústias e dores regidas pela sombra da morte, como o poeta pernambucano Manuel Bandeira retratou nas cartas e nos poemas que ilustram esta re-portagem. O Mycobacterium tuberculosis instala-se nos pulmões de 9 milhões de pessoas a cada ano no mundo e mata um indivíduo a cada 15 segundos.

Combatida até 10 anos atrás por meio de campanhas públicas e de exames obrigatórios para ingressar na es-cola ou em qualquer emprego, a tuberculose saiu do con-trole por causa da epidemia da Aids, que deixa o organis-mo mais sensível a microorganismos oportunistas, das variedades de M. tuberculosis que resistem a um ou mais medicamentos e da falta de medicamentos mais eficazes que os atuais. “Há 45 anos não temos nenhum fármaco novo contra a tuberculose”, lamenta Marcus Vinícius Nora de Souza, pesquisador do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Far-Manguinhos), Rio de Janeiro.

Novamente considerada uma das piores ameaças da humanidade, tal qual havia sido no final do século XIX, a tuberculose avança à sombra da desarticulação entre centros de pesquisa, empresas e poder público. Afrânio Kritski, da UFRJ, coordenou uma análise das publicações científicas sobre tuberculose no Brasil de 1986 a 2006 e detectou o abismo entre pesquisa básica e pesquisa apli-

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* Trecho de carta que Bandeira escreveu em 1914 em um sanatório da Suíça, citada por Ângela Porto e Dilene Nascimento no artigo “Tuberculosos e seus itinerários” (História, Ciências, Saúde-Manguinhos, jan-nov. 1994/fev. 1995)

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Manuel Bandeira em 1966

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cada, que dificulta a busca de novos medicamentos, a escassa participação de empresas e a dificuldade, princi-palmente burocrática, em realizar testes clínicos que pos-sam levar a novos tratamentos. Segundo ele, esse traba-lho, publicado no final do ano passado em uma edição especial sobre tuberculose da Revista de Saúde Pública, “sinaliza para onde estamos indo como nação”. “Temos muito paper e pouca coisa de aplicabilidade”, diz. A Rede Brasileira de Pesquisa e Combate à Tuberculose (Rede TB) aflorou há 5 anos com o propósito de aproximar equipes de áreas variadas, evitar visões fragmentadas e deter uma doença que se espalha pelo ar, mas os resulta-dos ainda são essencialmente acadêmicos. “Para contro-lar a tuberculose, temos de trabalhar todos juntos.”

Infecção oportunistaEm um dos centros de aten-dimento a portadores de doenças sexualmente trans-missíveis da Secretaria de Estado da Saúde de São Pau-lo, Leda Fátima Jamal luta para intensificar a quanti-dade e o ritmo dos diagnós-ticos de tuberculose entre pessoas especialmente sus-cetíveis: os portadores do vírus HIV, o causador da Aids. Em outro artigo da Revista de Saúde Pública, Leda e Fábio Moherdaui, do Programa Nacional de Tuberculose, afirmam que a interação entre as duas doenças ameaça as metas do governo para detectar e tratar os casos de tubercu-lose. “Quando o sistema de

defesa do organismo das pessoas com Aids está muito debilitado”, observa Leda, “a tuberculose pode não se ma-nifestar de forma evidente”. O exame de escarro pode levar facilmente a resultados negativos e criar uma dúvi-da que só poderá ser resolvida com outro tipo de exame, a cultura de bactérias, cujo resultado sai depois de 1 mês. Para complicar, um dos antibióticos mais usados, a ri-fampicina, pode reduzir a ação dos anti-retrovirais usa-dos para tratar a Aids.

Duas inovações da equipe do Núcleo de Doenças In-fecciosas (NDI) da Universidade Federal do Espírito San-to (Ufes) talvez possam ajudar na luta para detectar a tuberculose mais cedo. A primeira é um método de dupla filtração do escarro que aumenta de 70% para 90% a

sensibilidade do método mais rápido e barato de detectar a tuberculose. A segunda é uma adapta-ção do meio de cultura de Ogawa, de baixo cus-to, para utilização em maior escala no diagnós-tico da tuberculose. “As cinco prefeituras da Re-gião Metropolitana de Vitória adotaram como rotina a cultura de escar-ro para todos os pacien-tes com suspeita da doen-ça”, diz Reynaldo Dietze, coordenador do NDI. “O percentual de detecção de casos da doença au-mentou em 25%.”

Governos, empresas e fundações internacio-nais gastaram US$ 413 milhões em 2006 na bus- A

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ca de novos diagnósticos, medicamentos ou vacinas para tuberculose, mas ainda não há nada chegando. Uma das dificuldades, explica Dietze, que participa de uma rede internacional de pesquisa clínica, é que os portadores de tuberculose que participam dos testes têm de ser segui-dos por 2 anos depois do tratamento, que demora 6 me-ses, para verificar se a doença reaparecerá. No Brasil tam-bém surgem moléculas com ação contra o M. tuberculo-sis, a exemplo do composto IQG 607, de um laboratório da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul ligado à Rede TB, mas, por muitas razões, seu desen-volvimento dificilmente progride. Em um artigo publi-cado na Médicine Tropicale, Pascal Millet, da Universida-de de Bordeaux 2, considera “hipocrisia, indiferença ou ausência de coordenação” a lentidão de instituições pú-blicas, governos e empresas em desenvolver e testar novos medicamentos que possam deter a expansão mundial das doenças negligenciadas no mundo.

O perigo mora ao lado Novos medicamentos seriam bem-vindos para deter tan-to as bactérias causadoras da tuberculose comum quanto as variedades resistentes a um ou mais medicamentos, que exigem tratamentos mais intensos e incertos. As indo-máveis já ganharam o mundo, em especial a China, a Ín dia e a Federação Russa, que concentram 60% dos 300 mil novos casos de tuberculose multirresistente já registrados e correm também pelo Brasil: desde 2000 apareceram cerca de 2 mil casos de tuberculose resistente a rifampicina e isoniazina, os dois medicamentos mais usados contra a doença. “Temos bacilos multirresistentes porque os fabri-camos, por meio de tratamentos errados ou interrompi-dos”, comenta Fernando Fiuza de Melo, diretor do Insti-tuto Clemente Ferreira, centro médico pioneiro da cidade de São Paulo que detecta em média três novos casos de tuberculose por dia.

Às vezes as bactérias multirresistentes moram ao lado. Joycenea Mendes, da UFRJ, esteve à frente de uma equi-

pe que examinou 63 pessoas com tuberculose, em outu-bro de 2000 e dezembro de 2002, e encontrou oito delas com cepas resistentes a uma ou mais drogas que viviam em alguma das 12 comunidades pobres do chamado Complexo de Manguinhos, ao lado da Fundação Oswal-do Cruz, onde ocorreram as análises laboratoriais. É uma taxa de tuberculose multirresistente semelhante à encon-trada em Moçambique e uma das mais altas do Brasil. Segundo Draurio Barreira, coordenador-geral do pro-grama nacional de controle da tuberculose do Ministério da Saúde, com base nos dados preliminares do segundo levantamento nacional sobre resistência ao tratamento contra tuberculose, os níveis de resistência no Brasil ain-da são mais baixos que o padrão internacional, possivel-mente porque o tratamento é gratuito e as doses dos me -dicamentos são maiores do que em outros países. Os resultados finais da análise de cerca de 10 mil amostras devem sair a partir de agosto deste ano.

O bacilo identificado pelo bacteriologista alemão Ro-bert Koch em 24 de março de 1882 desenvolveu varieda-des ainda mais perigosas, as extramultirresistentes. Ca-pazes de sobreviver a qualquer medicamento, já infecta-ram quase 30 mil pessoas no mundo e apavoram os moradores de alguns países como a África do Sul. “A ex-tramultirresistente ainda não chegou ao Brasil”, acalma Barreira. Tereza Cristina Scatena Villa, professora da Es-cola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), alerta: “Vai chegar”. Vários estudos mostram que as variedades multirresistentes antecipam a chegada das extramúltis, principalmente em países de atendimento médico precário em que podem faltar an-tibióticos adequados para essas situações.

A antiga batalha entre a espécie humana e o bacilo de Koch não deve terminar tão cedo. Barreira assumiu em outubro do ano passado o programa nacional de contro-le da tuberculose e logo começou a batalhar para criar um consenso sobre como tratar desse problema. No final deste mês cada subgrupo de trabalho do comitê

Pneumotórax, do livro Libertinagem

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assessor que ele reavivou, com representantes de uni-versidades e gestores públi-cos, deve apresentar as pro-postas para descentralizar o atendimento (quase me-tade dos novos casos apa-rece em hospitais, não em postos de saúde) e ampliar o acesso ao diagnóstico (o mesmo teste feito em 1 dia em alguns estados pode demorar 2 semanas em ou-tros) e o tratamento, que muitas vezes só começa quando o portador do ba-cilo de Koch está eliminan-do sangue com a tosse e já emagreceu bastante.

Barreira lembra que as taxas de incidência notifi-cadas da tuberculose no Brasil caíram em média 1,8% ao ano durante os a nos 1980 e seguiram está-veis no início da década de 1990. Continuaram a cair ainda mais, em média 2,8% ao ano, mesmo quando a Aids emergiu. “O bacilo causador da tuberculose não está ganhando, mas 5 mil mortes ao ano causadas por uma doença curável é inaceitável”, in-quieta-se. Em paralelo a respeitáveis avanços científicos, a antes chamada peste branca, por causa da extrema pa-lidez dos doentes, continua se espalhando. Por causa das deficiências do atendimento médico e da negligência dos possíveis portadores do M. tuberculosis, que prefe-rem atribuir a tosse persistente ao hábito de fumar, o diagnóstico chega todo ano às mãos de quase cem mil

brasileiros quando normalmen-te a tuberculose se encontra em es tágio avançado e o bacilo pos- sivelmente já infectou outras pes soas. Até ser medicado, um doente pode contaminar dez pes soas, das quais uma desen-volverá a doença anos depois, geralmente depois de passar por situações que impõem desgas-tes físicos ou emocionais inten-sos ou enfraquecem as defesas do organismo.

O tratamento é barato, gra-tuito e, se seguido corretamen-te, eficaz: em 2 ou 3 semanas os sintomas mais notáveis, a tosse contínua e a perda de peso, de-saparecem. O problema é que em média 12% das pessoas, prin cipalmente entre as cama-das mais pobres da população, abandonam o tratamento. Cu-rar essa doença impõe sacrifí-cios como a abstinência alcoóli-ca de 6 a 9 meses e a administra-

ção diária de diferentes combinações de remédios que podem causar náuseas, asma e perda de equilíbrio en-quanto combatem bilhões de M. tuberculosis em repro-dução, em circulação ou latentes no organismo. Embora mais comum entre os mais pobres, o bacilo instalou-se em outros territórios. “Os médicos normalmente escon-dem que tiveram tuberculose”, conta Lucia Penna, profes-sora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Anos atrás, trabalhando em um hospital, ela contraiu tu-berculose e sentiu o estigma e o isolamento social que perseguem quem carrega a doença. No entanto, os vírus

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do sarampo, da hepatite e da pneumonia são muito mais vorazes ao contagiar as pessoas que o bacilo da tubercu-lose, lembra Fiuza de Melo. Ele próprio passou por duas tuberculoses, uma na pleura, a membrana que protege os pulmões, e outra no pâncreas.

Uma carta anônima“Se os médicos de família e os agentes comunitários par-ticipassem mais”, sugere Lucia Penna, “o diagnóstico seria mais rápido e o tratamento seria acompanhado de perto, com garantia de cura”. Fiuza de Melo propõe uma des-centralização hierarquizada: cada posto de saúde deveria descobrir e acompanhar os casos novos, que seriam tra-tados em unidades dotadas de equipes mais bem treina-das. Para ele, seria importante também buscar e tratar os portadores assintomáticos. “Quem transmite mais a doen-ça não são os doentes, mas os indivíduos mais fortes, que tossem mais e emitem mais partículas ressecadas de es-carro com bacilos.”

“Dá para controlar a tuberculose desde que haja com-promisso político de todos os níveis de governo, desde o ministro até secretários municipais de saúde”, diz Tereza Villa, uma das coordenadoras de um levantamento nacional sobre o tratamento supervisionado (os doentes têm de to-mar os remédios na frente de um profissional da saúde). Mesmo um estado pobre como a Paraíba respondeu bem à implantação dessa forma de tratamento: a incidência da tuberculose caiu, mas depois, ao mudarem o governo e as equipes de trabalho em alguns municípios, voltou a subir.

Barreira considera o mo-mento favorável a uma ação intensiva contra a peste bran-ca. Ao lado da dengue, da ma-lária e da hanseníase, a tuber-

culose é hoje uma prioridade do atual governo federal. Desde o ano passado Barreira conta com o reforço de US$ 27 milhões do Fundo Global contra Tuberculose, a ser usado nos próximos 5 anos na expansão do tratamen-to supervisionado, do diagnóstico precoce e conjunto com o da Aids e da participação da sociedade civil. Outro ganho é a possibilidade de usar esse dinheiro extra com agilidade. Barreira conta que há pouco tempo, por causa das leis que regem os gastos do dinheiro público, a com-pra de uma estufa para diagnóstico de tuberculose no Rio demorou quase 1 ano.

Talvez não seja fácil mudar rapidamente a história e os hábitos. Quando dois médicos especialistas em tubercu-lose se encontram, eles próprios dizem, surgem três pro-postas de trabalho. “Somos muito bons em diagnosticar problemas, mas nos perdemos ao tentar resolvê-los”, ob-serva Dietze. Souza, da Fiocruz, alerta que, se a atual inér-cia se mantiver, “corremos o risco de voltar ao início do século XX, quando não havia tratamento eficaz e os doen-tes eram colocados em sanatórios para respirarem ar puro e repousarem”. Inicialmente os sanatórios eram distantes, já que eram construídos para sanear as cidades. Lá por 1908 o médico Clemente Ferreira recebeu uma carta anô-nima ameaçando-o de morte caso instalasse um hospital para tuberculosos na cidade de São Paulo. Ferreira guar-dou a carta e seguiu em frente. ■

Itinerário de Pasárgada

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24 ■ ABRIL DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 146

Harvard, a mais presti-

giada universidade dos

Estados Unidos, mergu-

lhou numa polêmica acer-

ca dos limites da tolerân-

cia com tradições islâmi-

cas. O imbróglio, descrito

em reportagem do jornal

The New York Times, co-

meçou em fevereiro,

quando a direção da ins-

tituição acatou um pedi-

do de seis alunas muçul-

manas e reservou um

dos três maiores giná-

sios do seu campus prin-

cipal exclusivamente

pa ra uso de mulheres,

durante quatro horas por

semana. O grupo de alu-

nas alegou que não se

sentia à vontade usando

roupas de ginástica na frente

de homens, pois isso não é acei-

to pelos costumes muçulmanos.

A temperatura subiu ainda mais

quando, em comemoração à Se-

mana da Consciência Islâmica,

organizada pela associação de

alunos muçulmanos, ecoou du-

rante vários dias, nas escada-

rias da grande biblioteca Wide-

ner, a adhan, chamada para as

orações usualmente recitadas

na parte exterior de mesquitas

ou do alto de seus minaretes.

Três alunos de pós-graduação

criticaram a prática num jornal

da universidade. Classificaram-

na de proselitista e de intole-

rante com outras crenças, por

anunciar Maomé como o mensa-

geiro de Deus. Para Taha Abdul-

Basser, o capelão muçulmano

de Harvard, os episódios decor-

rem do aumento da presença

islâmica nos Estados Unidos.

”Causa desconforto o fato de os

muçulmanos estarem cada vez

mais visíveis”, disse.

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da DNDi, segundo a agência SciDev.Net. A instituição mantém 18 projetos que devem resultar no lançamento de seis a oito medicamentos até 2014. Seus alvos são doenças como o mal de Chagas, a leishmaniose e a malária.

> Espaço para respirar

A Argentina vai investir US$ 150 milhões entre

2008 e 2011 num programa para reforçar sua infra-estrutura em ciência e tecnologia. Serão reformados ou construídos 140 mil metros quadrados de instalações destinadas à pesquisa e ao apoio

de empresas de base tecnológica, num total

de 50 obras espalhadas por 13 províncias. Deverão ser erguidos novos edifícios como o do Instituto de Pesquisa em Catálise e Petroquímica da Universidade Nacional do Litoral, o do Instituto de Astrofísica de La Plata e o do Centro Científico e Tecnológico Tucumán. No rol das reformas destacam-se a do Instituto de Pesquisas Bioquímicas de La Plata e a ampliação em 30% do Instituto de Biologia

> Doenças negligenciadas

O governo espanhol anunciou que irá destinar € 5 milhões para a Iniciativa de Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, na sigla em inglês), programa com sede na Suíça que estimula o desenvolvimento de remédios contra moléstias que afetam sobretudo os países pobres e, por isso, não despertam interesse das indústrias farmacêuticas. O dinheiro será liberado ao longo de 2 anos e representará 10% do orçamento da DNDi. “Isso permitirá que tratamentos efetivos estejam disponíveis para pacientes que precisam deles com urgência”, disse Bernard Pecoul, diretor executivo

A Universidade Européia em São

Petersburgo, na Rússia, foi rea-

berta em março, após seis sema-

nas de interdição. Em janeiro, fis-

cais visitaram a instituição, denunciaram problemas de seguran-

ça e fecharam suas portas. Para os docentes, foi um pretexto

para mascarar a perseguição política. Acontece que a universi-

dade vinha sendo criticada por aceitar US$ 1 milhão da União

Européia para abrigar um projeto de pesquisa sobre as eleições

do país, disputadas em março, e a promoção de seminários para

observadores do pleito. A instituição resistiu a pressões para

suspender o projeto. Em junho, um parlamentar pediu a abertura

de investigação, alegando interferência externa em assuntos

domésticos – crítica disseminada a entidades internacionais que

mo nitoram o respeito aos direitos civis na Rússia. “O governo quer

a submissão do meio acadêmico”, disse Vladimir Gelman, pro fessor

de ciência política da instituição, ao jornal The Washington Post.

INTERDIÇÃO ÀMODA RUSSA

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PESQUISA FAPESP 146 ■ ABRIL DE 2008 ■ 25

Exportadores (Rediex), vinculada ao Ministério da Indústria e Comércio do país. Atualmente há nove instituições estatais e privadas

e Medicina Experimental, em Buenos Aires. “As obras permitirão abrigar os pesquisadores que contratamos nos últimos anos”, disse ao jornal La Nación o ministro argentino da Ciência e Tecnologia, Lino Barañao. “Mas será necessário dobrar esses investimentos quando atingirmos o objetivo de investir 1% do PIB em ciência”, afirmou. Jorge Aliaga, professor da Universidade de Buenos Aires, fez críticas ao plano. Reclamou que apenas a infra-estrutura dos institutos do governo será beneficiada, embora as universidades também careçam de investimentos.

> Paraguai mira biocombustível

Autoridades e empresários do Paraguai querem investir no desenvolvimento de biocombustíveis para reposicionar o setor no mercado internacional. Os alvos são novas variedades de cana-de-açúcar e de sorgo, além da produção de biodiesel a partir de espécies nativas como o pinhão-manso e a macaúba. “A pesquisa também contemplará as misturas de etanol com biodiesel e a fabricação de biodiesel pela rota etílica”, disse à agência SciDev.Net Guillermo Parra, gerente da câmara de biocombustíveis da Rede de Importadores e

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Ataques e ameaças a labora-

tórios na Bélgica, na Espanha e

na Holanda sugerem que os ex-

tremistas britânicos de defesa

dos direitos dos animais estão

descentralizando suas ações

para fugir da pressão policial no

Reino Unido. A favor dessa hi-

pótese há duas evidências, se-

gundo uma reportagem da re-

vista Nature. De um lado, é fato

que o cerco aos ativistas na

Grã-Bretanha cresceu nos últi-

mos anos, a ponto de uma gran-

de operação ter levado 16 deles

à prisão em maio de 2007. O

grupo deve ser levado a julga-

mento neste ano. De outro, des-

pontaram ameaças a pesquisa-

dores e a empresas farmacêu-

ticas em países europeus que

nunca haviam enfrentado esse

tipo de problema. Em janeiro, um laboratório holandês desistiu de investir € 60 milhões num novo

centro de pesquisa biomédica na cidade de Venray, depois de receber centenas de ameaças de

antivivisseccionistas. Um mês depois, o Instituto de Pesquisa Biomédica em Diepenbeek, na Bél-

gica, foi alvo de um incêndio criminoso. Também em fevereiro extremistas atacaram o escritório

em Barcelona da farmacêutica Novartis. “A vida dos ativistas ficou complicada na Inglaterra, então

eles resolveram atacar outros países da Europa”, acredita Simon Festing, diretor da Sociedade de

Defesa da Pesquisa, grupo londrino que reúne pesquisadores da área médica.

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Protesto contra uso de animais em pesquisas em Oxford, na Inglaterra

dedicadas ao estudo dos biocombustíveis no Paraguai, entre universidades, centros tecnológicos, empresas exportadoras e cooperativas. Parte dos estudos está sendo realizada no Departamento de Guairá, no sudeste do país, em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), graças a um acordo celebrado entre os dois vizinhos em 2007.

Pinhão-manso: alvo estratégico

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26 ■ ABRIL DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 146

> O Vaticano se move

O astrônomo italiano Galileu Galilei (1564-1642), perseguido pela Inquisição católica ao proclamar que a Terra não era o centro do Universo, nem sequer do Sistema Solar, ganhará uma estátua de mármore e tamanho natural nos limites do Vaticano. A obra ficará no alto da colina que aponta para a cúpula da Basílica de São Pedro. A homenagem é organizada pela Academia Pontifícia de Ciências, que teve Galileu em seus quadros até que ele, com a ajuda de telescópio revolucionário para a época, confirmou a teoria do polonês Nicolau Copérnico (1473-1543)

A China e a União Européia podem ajudar a mudar o

modelo energético global se atuarem conjuntamente

no desenvolvimento de tecnologias de baixa emissão

de carbono. A proposta é o carro-chefe de um relatório

apresentado pelo instituto britânico Chatham House e

pela Academia Chinesa de Ciências Sociais. O documen-

to destaca os desafios comuns enfrentados pela China

e pela União Européia, a despeito das diferenças de

suas economias. Para seguir crescendo, a China preci-

sará produzir 1.260 gigawatts a mais até 2030, assim

como os países da União Européia deverão substituir

plantas obsoletas responsáveis pela geração de 862

gigawatts. Se as tecnologias convencionais forem usa-

das, os dois blocos ficarão presos a um modelo altamen-

te poluente, diz o relatório. Mas, se trabalharem em

colaboração, poderão criar oportunidades para a tran-

sição rumo a um modelo mais sustentável. Jiang Kejun,

do Instituto de Pesquisa Energética de Pequim, disse

ao site Chemistry World que a questão da propriedade intelec-

tual é uma barreira para a colaboração. “Não é realista esperar

que montadoras de automóveis européias nos repassem suas

tecnologias de graça”, afirmou. “Mas o desafio pode ser supera-

do se, desde o início, atuarmos em parceria para desenvolver a

próxima geração de carros elétricos ou movidos a hidrogênio.”

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ESTRATÉGIAS MUNDO>>sobre a rotação da Terra em torno do Sol. Galileu foi condenado pelos inquisidores em 1633 e se viu obrigado a renegar seu achado para escapar da morte na fogueira. Em 1992, o papa João Paulo II reabilitou oficialmente o cientista, ao cabo de um processo de investigação que demorou 13 anos para ser concluído. Segundo a agência de notícias Ansa, uma fonte da Santa Sé classificou a iniciativa como “uma nova prova de que a Igreja não tem nada contra a ciência”.

> A fila anda na Coréia do Sul

Ko San, especialista em inteligência artificial de 31 anos, perdeu a chance de se tornar o primeiro sul- coreano a ir ao espaço, depois de violar regras da agência espacial russa quando recebia treinamento nos arredores de Moscou. O governo da Coréia do Sul decidiu trocar seu aspirante a astronauta a pedido dos russos, que o denunciaram por levar material de leitura para casa, o que é proibido. No lugar de San, uma mulher irá à Estação Espacial Internacional a bordo de uma nave Soyuz em abril. Trata-se da engenheira Yi So-yeon, de 29 anos, solteira e praticante de tae-kwon-do. Yi já recebia treinamento, pois havia sido escalada como opção a San numa disputa que envolveu 36 mil candidatos.

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Poluição em Shenzou: desafio para o crescimento da China

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PESQUISA FAPESP 146 ■ ABRIL DE 2008 ■ 27

> Constrangimento e protesto

O presidente da FAPESP, Celso Lafer, encaminhou no dia 29 de fevereiro ofício ao embaixador da Espanha no Brasil, Ricardo Peidró Conde, protestando contra as circunstâncias da deportação da física brasileira Patrícia Camargo Magalhães, ocorrida no dia 12 de fevereiro, na Espanha. A aluna do curso de mestrado em física na Universidade de São Paulo e bolsista da FAPESP ficou presa por mais de 50 horas no aeroporto de Madri, quando se dirigia a Lisboa. Na capital portuguesa, Patrícia participaria do Workshop on Scalar Mesons and Related Topics (Scadron 70). “Além de ter sofrido grave constrangimento pessoal e significativa dor moral, [Patrícia] viu-se privada de contribuir para um evento cujo sentido, em evidente contraste com a decisão de sua inadmissão, é aproximar pessoas de diversas nacionalidades em favor do avanço do conhecimento humano”, destacou Celso Lafer.

parcerias externas. “Existem projetos em andamento, mas de forma desarticulada”, afirmou o ministro. Entre as prioridades, busca-se reforçar os acordos com

Os valores de bolsas

ofe recidas pela FA-

PESP foram reajusta-

dos. Os au mentos são

da ordem de 7,25 % ,

abrangem as bolsas

de Iniciação Científica,

Mestrado, Doutorado,

Doutorado Direto e Pós-

Doutorado. Também

se rão reajustadas as

bolsas de Capacitação

de Recursos Humanos

de Apoio a Pesquisa,

Jovem Pesquisador,

Ensino Público, Pipe e

Jornalismo Científico.

“A formação de recur-

sos humanos para a

pesquisa é estratégica

para o desenvolvimen-

to do estado de São Paulo”, disse Carlos Henrique de B rito

Cruz, diretor científico da FAPESP. “De dezembro de 2005 a

dezembro de 2007, o número de bolsistas de Mestrado apoia-

dos pela FAPESP cresceu 67% , passando de 1.4 00 para 2.351.

N o Doutorado, o crescimento foi de 31% , e no Pós-doutorado,

de 4 0% . Ao mesmo tempo, é importante garantir os valores

das bolsas oferecidas, daí a aprovação da nova tabela”, com-

plementa. A tabela está disponível no endereço w w w .fapesp.

br/materia.php?data(id_materia)=3162

países da América do Sul e da África e ampliar as oportunidades de cooperação com a União Européia, Estados Unidos, China e Ucrânia.

> Parcerias internacionais

O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) prometeu disponibilizar R$ 100 milhões ao longo dos próximos 4 anos para investir em projetos de cooperação internacional voltados para fortalecer a pesquisa brasileira em áreas estratégicas como biotecnologia, biodiversidade e nanotecnologia. O anúncio foi feito no Rio de Janeiro pelo ministro Sérgio Rezende, ao empossar os representantes do Conselho Científico Consultivo sobre Assuntos de Cooperação Internacional, vinculado ao MCT. Rezende admitiu que são raros os exemplos bem-sucedidos de parceria com outros países. Em 2006, por exemplo, o MCT comprometeu menos de R$ 2 milhões em projetos científicos e tecnológicos de

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28 ■ ABRIL DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 146

> Mulheres na ciência

Uma cerimônia na sede da Unesco em Paris, no dia 6 de março, marcou o 10º aniversário do prêmio L’Oréal/Unesco for Women in Science, que a cada ano reconhece o trabalho de cinco mulheres cientistas em todos os continentes. As laureadas de 2007, todas da área de Ciências da Vida,

foram as biólogas Ada Yonath, de Israel, e Narry Kim, da Coréia do Sul; a bioquímica Elizabeth Blackburn, dos Estados Unidos, e as geneticistas Ana Belén Elgoyhen, da Argentina, e Lihadh Al-Gazali, dos Emirados Árabes. Ao longo desses 10 anos, três brasileiras foram laureadas: a geneticista da Universidade de São Paulo (USP) Mayana Zatz,

O Conselho Nacional de Desen-

volvimento Científico e Tecnoló-

gico (CN Pq) lançou o edital do

programa de apoio a centros li-

derados por jovens pesquisadores. Serão destinados R$ 36 milhões

para financiar atividades de pesquisadores que estão iniciando a

carreira científica em quaisquer áreas do conhecimento. Podem

apresentar propostas pesquisadores que tenham obtido o título

de Doutor a partir de 2000 e que tenham vínculo de emprego com

instituições de ensino superior, institutos ou centros de pesquisa

públicos ou privados, ou empresas públicas que realizam pesquisa.

As propostas deverão ser enquadradas em uma das duas catego-

rias do edital. A primeira, com um montante total de R$ 28 milhões,

contemplará projetos de no máximo R$ 500 mil em áreas de ciên-

cias experimentais. A segunda categoria, com montante de R$ 8

milhões, destina-se a projetos em áreas não-experimentais, como

matemática, física teórica, humanidades e ciências sociais aplica-

das, com valores de até R$ 120 mil. Os recursos serão desembol-

sados ao longo de 3 anos. As propostas podem ser encaminhadas

até as 18 horas do dia 16 de maio, por meio de um formulário on-

line disponível no endereço http://efomento.cnpq.br/efomento.

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APOIO A JOV ENSPESQUISADORES

em 2001; a bióloga Lúcia Previato, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2004; e a física Belita Koiller, também da UFRJ, em 2005. Elas também estavam em Paris onde participaram de debates na Academia Francesa de Ciência e no Collège de France e, na companhia das outras 37 mulheres já laureadas no programa, assinaram a carta

“For Women in Science”, em que se comprometeram a promover a ciência, apoiar a causa das mulheres, defender a diversidade e a igualdade e modificar a imagem da ciência no mundo.

> Morre W alter B orzani

Morreu em São Paulo, no dia 28 de fevereiro, o engenheiro químico Walter Borzani, aos 83 anos de idade. Professor catedrático da Universidade de São Paulo (USP) de 1953 a 1982, onde atuou na Escola Politécnica, na Faculdade de Ciências Farmacêuticas e no Instituto de Química, Borzani também foi presidente da FAPESP de 1973 a 1975. O período em que esteve à frente da L’Oréal também homenageou jovens pesquisadoras em Paris

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O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Centro Espacial Alemão (DLR)

assinaram no dia 10 de março, em Munique, na Alemanha, um acordo para dar continui-

dade dos trabalhos de desenvolvimento do sistema Mapsar, iniciado em 2001. O proje-

to conjunto busca criar um sistema de monitoramento ambiental baseado num satélite

dotado de um radar. O documento foi assinado pelo diretor do Inpe, Gilberto Câmara, e

pelo diretor do Instituto de Radar do DLR, Alberto Moreira. A nova etapa compreende

o projeto detalhado do sistema, incluindo a configuração do satélite a ser fabricado, e

deve durar um ano e meio. Segundo o Inpe, as vantagens da utilização de radares orbi-

tais são a possibilidade de

captura de imagens à noite

ou através de nuvens e fu-

maça. Tais potencialidades

tornam o Mapsar uma fer-

ramenta importante para

observação da Amazônia.

Hoje o registro de informa-

ções na região é dificultado

pela alta freqüência de nu-

vens e complexidade de

clima. O custo previsto para

o programa é de € 100 mi-

lhões, incluído o lançamen-

to, previsto para 2013.

Fundação foi marcado pelo estímulo a projetos como o Sistema de Recuperação de Informações, sobre auxílios a pesquisa e bolsas, e o Radasp I, que permitiu obter previsões do tempo e ajudou na programação do setor agrícola. Após a aposentadoria na USP, continuava trabalhando como pesquisador na Escola de Engenharia Mauá do Instituto Mauá de Tecnologia e como consultor da Bionext Produtos Biotecnológicos, em São José dos Pinhais (PR).

> Instituições têm novos presidentes

A reitora da Universidade de São Paulo (USP), Suely Vilela, foi eleita presidente da Rede de Macrouniversidades da América Latina e Caribe,

para cumprir mandato de 2 anos. A escolha aconteceu no dia 13 de março, durante a IV Assembléia Geral de Reitores da Rede de Macrouniversidades, realizada na Universidade Nacional da Costa Rica. A rede é composta por 32 universidades e tem como objetivo incentivar

o diálogo e a cooperação entre as instituições. Já o reitor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Marcos Macari, assumiu a presidência do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp), em substituição ao reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge. O mandato é de 12 meses.

Concepção do Mapsar: monitoramento ambiental

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> A evolução em debate

Foi definido o calendário da Semana Nacional da Ciência e Tecnologia, que chega a sua quinta edição em 2008. O evento vai ocorrer no período de 20 a 26 de outubro e será calcado no tema Evolução e Diversidade, em homenagem ao sesquicentenário da teoria do naturalista Charles Darwin. O evento congregará iniciativas espalhadas por todo o país realizadas em espaços variados, como centros culturais e museus, universidades e instituições de pesquisa e praças públicas. Entre as atividades previstas, há visitas a instituições de pesquisa e universidades, festivais e feiras de ciência, noites de astronomia, exibição de filmes e vídeos científicos em locais públicos, palestras e debates sobre temas como evolução da vida, entre outros. O evento é coordenado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Mais informações podem ser obtidas no endereço semanact.mct.gov.br

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A mpliação da produçãode etanol no país dependerá de investimentos em ciência básica e aplicada

A perspectiva de uma redução da oferta de petróleo – cujo preço já oscila acima da mar-ca histórica de US$ 100 o bar-ril –, associada ao esforço glo-bal de redução do uso de com-bustíveis fósseis, desencadeou

uma corrida mundial em busca de no-vas tecnologias que possibilitem a pro-dução eficiente de energia a partir de fontes renováveis com menor impacto sobre o meio ambiente. Nessa disputa, o Brasil entrou em campo com uma vantagem comparativa, já que domina a tecnologia de produção de etanol a partir da cana-de-açúcar desde a déca-da de 1970, quando implantou o pro-grama que ficou conhecido como Proál-cool. Hoje, com uma produção anual de mais de 17 bilhões de litros, o país é o segundo maior produtor mundial, atrás dos Estados Unidos, com cerca de 20 bilhões de litros do biocombustível obtido a partir do milho.

Tanto no caso do Brasil como no dos Estados Unidos, que juntos respon-dem por 70% da produção mundial, o consumo de etanol está restrito ao mer-cado interno. Parte da produção brasi-leira abastece uma frota de mais de 3 milhões de veículos flex fuel (bicom-bustíveis) e a outra parte é usada como aditivo na gasolina. No ano passado, as vendas externas não ultrapassaram US$ 1,4 bilhão, menos de 1% do total ex-portado pelo país. “O mercado interna-cional ainda não existe”, reconheceu recentemente Marcos Jank, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), entidade que, junto com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações (Apex), promete iniciar este ano uma ofensiva internacional para divulgar as vantagens do etanol como substituto da gasolina.

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Nova fronteira

Claudia Izique

>POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA>POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

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nos processos de destilação, entre ou-tros. O problema é que a sacarose re-presenta apenas um terço da energia potencial da cana-de-açúcar. “O grande desafio será utilizar também a celulose da cana-de-açúcar, onde se concentram dois terços da energia”, afirma o diretor científico da FAPESP, ressalvando, no entanto, que palha e bagaço não são de todo desperdiçados: queimados nas caldeiras, geram parte da energia con-sumida nas próprias usinas.

Novas tecnologias - O domínio das tecnologias de utilização da celulose está no centro da corrida mundial pela produção de energia a partir de fontes renováveis. No caso do Brasil, o apro-veitamento da celulose será a alternati-va para consolidar posição de liderança mundial: um amplo estudo realizado por pesquisadores do Núcleo Interdis-ciplinar de Planejamento Estratégico (Nipe), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por solicitação do Cen tro de Gestão e Estudos Estratégi-cos (CGEE), concluiu que o país pode-rá, até 2025, atingir um patamar de produção de etanol de 200 bilhões de litros – volume suficiente para substi-tuir algo entre 5% e 10% de toda a ga-solina consumida no planeta –, desde que multiplique por sete a área planta-da de cana-de-açúcar. Mas, para tanto, terá que ter dominado, num horizonte de no máximo 10 anos, a tecnologia de produção de etanol por rotas termo-químicas e a hidrólise enzimática do bagaço e da palha. “Sem a hidrólise se-ria necessário uma expansão de área muito maior para atingir o mesmo pa-tamar de produção”, enfatiza Mirna Yvonne Gaya Sacandiffio, pesquisado-ra do Nipe que integrou a equipe de coordenação da pesquisa.

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O grande desafio brasileiro é o de aumentar a produção de etanol, ga-nhar escala e convencer o mercado in-ternacional de que a expansão da oferta não comprometerá a produção de grãos, tampouco o meio ambiente. Num país com uma área agricultável de 152,5 mi-lhões de hectares – correspondentes a 18% do território nacional –, dos quais pouco mais da metade é utilizada, há a alternativa de ampliar as lavouras de cana-de-açúcar que ainda ocupam 6 milhões de hectares. “Dá para expandir as lavouras sem deslocar a produção de alimentos”, afirma Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FA-PESP. Mas será preciso muita ciência para obter melhores resultados tanto na área agrícola como na industrial.

Ao longo de 30 anos, os investimen-tos em pesquisa realizados pelo Institu-to Agronômico de Campinas (IAC), pelo Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) – que teve origem no centro de pesquisa da Coopersucar – e pela Em-presa Brasileira de Pesquisa Agropecuá-ria (Embrapa), entre outros, permiti-ram que a produtividade brasileira sal-tasse de 3 mil litros de etanol por hec-tare para 6 mil litros por hectare. “Esse avanço reduziu os custos do etanol em relação aos da gasolina”, lembra Brito Cruz. Em 2000, esses custos estavam equilibrados e hoje o etanol já leva van-tagem em relação ao combustível pro-duzido a partir do petróleo.

A pesquisa agrícola avança – inclu-sive com o auxílio da genômica – e de-verá ampliar ainda mais a quantidade de energia extraída por processo de fer-mentação da sacarose da planta. Há boas perspectivas de ganho de produ-tividade também com o desenvolvi-mento de tecnologias de mecanização da colheita, na agricultura de precisão, U

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As regiões de expansão das lavouras de cana-de-açúcar já foram mapeadas. Pesquisadores do Nipe perscrutaram 80 milhões de hectares do território nacional e concluíram que em pouco mais da metade – precisamente 42 mi-lhões de hectares em 17 áreas nas re-giões do norte do Tocantins, sul do Ma- ranhão, Mato Grosso, Goiás e Triângu-lo Mineiro – a cana cresceria com ín-dices de produtividade semelhantes à média nacional. “Desconsideramos as áreas protegidas, reservas indígenas, a bacia amazônica, a região do Pantanal, entre outras. Priorizamos as áreas onde não há concentração de cana, como São Paulo e a Zona da Mata, assim co-mo as regiões com declive de solo maior que 12%, o que impediria a co-lheita mecanizada. Em nenhum mo-mento pensamos em substituição de cultura”, enfatiza Mirna.

Para garantir um aumento susten-tável da produção de etanol, os pes-quisadores do Nipe conceberam “usi-nas modelo”, intensivas de tecnologia, organizadas em clusters para aprovei-tar ao máximo os alcooldutos que co-meçam a ser projetados pela Petrobras, ou instaladas em áreas que permitis-sem o uso dos transportes ferroviário e hidroviário para o escoamento da produção. “Não faz sentido transpor-tar combustível renovável em cami-nhões”, ela observa.

Esse cenário deixa claro que, se o Brasil quiser ocupar pelo menos 5% do mercado mundial de energia renovável, terá que investir pesado em pesquisa básica e aplicada. Silvio Crestana, pre-sidente da Embrapa, calcula que esse valor teria que se aproximar de R$ 1 bilhão nos próximos 5 anos. O Plano de Ação do Ministério da Ciência e Tec-nologia para o período 2007-2010 – co-

nhecido como PAC da C&T – destina R$ 196,90 milhões para o Programa de C,T&I do Etanol no período.

Nesse esforço de pesquisa, São Pau lo pode ter uma participação importante: o estado é, ao mesmo tempo, responsá-vel por 63% da produção do etanol bra-sileiro e por 55% da produção científica nacional. As três universidades estaduais públicas – Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Cam-pinas (Unicamp) e a Universidade Esta-dual Paulista (Unesp) – e 19 institutos de pesquisa reúnem 40% dos principais pesquisadores brasileiros e foram, em boa parte, responsáveis pelos avanços que garantiram competitividade à ca-deia produtiva de etanol no país.

O diretor científico da FAPESP su-blinha que não se trata de am pliar a produção de etanol no estado, uma vez que a terra disponível para cana já es-tá ocupada, “mas sim reconhecer que essa é uma excelente oportunidade pa-ra a indústria produzir equipamentos e tecnologia que serão utilizados em usinas de todo o país”. Acrescenta, ain-

da, que o etanol só ganhará o mercado – e status de commodity, como é o caso do petróleo – se tiver a adesão de pro-dutores de outros países. “Só assim o combustível será viável, ainda que ou-tros países tenham dificuldades de produzir a custos tão competitivos”, diz Brito Cruz. Essa perspectiva, se-gundo ele, abre um novo mercado também à tecnologia brasileira, desde a fabricação de equipamentos até a de produção do combustível.

Energia x alimento – As perspectivas de ampliação da produção de etanol no Brasil foram apresentadas durante o workshop sobre bioenergia, organizado pela FAPESP em parceria com a Embai-xada Britânica e do Biotechnology and Biological Science Research Council do Reino Unido (BBSRC), no encerramen-to do Ano Brasileiro-Britânico de Ciên-cia e Inovação.

“O Brasil é o único país que tem condições de produzir etanol em escala para atender à demanda mundial”, re-conheceu John Beddington, conselhei-

Colheita mecanizada de

cana-de-açúcar:novas tecnologias

para solucionar obstáculo dos

solos em declive

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ro-chefe para Assuntos Científicos do governo britânico. Ressalvou, no entan-to, que o país também tem que investir na ampliação da produção de alimen-tos e completou: “Isso só será possível se houver pesquisa científica”.

O seu principal argumento é o de que a população mundial deverá cres-cer 50% nas próximas 3 décadas e pres-sionar não apenas a produção de ener-gia, mas também a de alimentos, espe-cialmente a de grãos. “A demanda glo-bal por alimentos vai crescer, sobretudo nos países que começam a investir na redução de seus índices de pobreza”, alertou, incluindo nessa lista o Brasil.

Lembrou que, atualmente, 1,1 bilhão de pessoas vivem com menos de £ 0,50 por dia. “Se essas pessoas tiverem di-nheiro, a dieta muda”, sublinhou. Apre-sentou resultados de estudos que mos-tram que, com uma renda equivalente a até £ 1 por dia, é possível ter acesso ape-nas a produtos agrícolas “básicos”. Mas se a renda aumentar 50% – passando a £ 1,5 diária – cresce o consumo de pro-dutos lácteos e carnes e aumenta a de-

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manda por grãos utilizados em ração animal. “Com mais de £ 5, é possível co-meçar a consumir commodities e aí os preços sobem”, advertiu Beddington.

A demanda por alimentos será ain-da mais forte se a temperatura do pla-neta aumentar 2ºC. “As culturas serão afetadas pela falta de água, sobretudo na África e em alguns países da Améri-ca Latina”, diz o conselheiro-chefe. Esse cenário, observou, coloca um desafio para o Brasil. “Será preciso ciência para responder à demanda por alimentos e por mais energia.”

Steve Visscher, chefe executivo inte-rino do BBSRC, também presente ao encontro, sublinhou que o governo bri-tânico quer ampliar os investimentos em pesquisa na área de agricultura sus-tentável, que, segundo ele, esteve em queda nos últimos anos, em função da retração da demanda. “Bioenergia tam-bém é um tema novo”, acrescentou. Os dois temas estarão na lista de priorida-des dos investimentos britânicos em pesquisa. “Reconhecemos a expertise do Brasil e poderemos ter colaboração fu-tura. Haverá oportunidades de finan-ciamento se pudermos identificar áreas de interesses comuns.”

Centro de Pesquisas - O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) anun-ciou que pretende implantar o Centro de Pesquisas em Bioetanol em Campi-nas, na mesma área onde está instalado o Laboratório Nacional de Luz Síncro-tron (LNLS). A iniciativa está prevista no PAC da Ciência e Tecnologia. “O cen tro realizará pesquisa básica e apli-cada nos campos em que temos defi-ciência de conhecimento”, afirmou Ro-gério Cerqueira Leite, coordenador do projeto. A inauguração está prevista pa-ra o final desse ano.

A idéia, segundo Cerqueira Leite, é criar uma plataforma de pesquisa bá-sica, com capacidade de abrigar entre 150 e 200 pesquisadores, que vai ope-rar em moldes semelhantes aos do LNLS. “Em todo o país, tem muita gen-te trabalhando, por exemplo, com hi-drólise enzimática. Seremos o centro de uma rede de pesquisas com acesso aos nossos laboratórios”, diz o coorde-nador do centro. Na avaliação de Cer-queira Leite, o Brasil avançou muito na área de melhoria agrícola. “Mas fize-mos muito pouco para entender o que acontece na planta quando ela conver-te a energia solar em energia química”, exemplificou.

O centro contará ainda com um “conjunto de laboratórios para pesqui-sa aplicada” que serão instalados num terreno de 25 mil metros já desapro-priado pela Prefeitura Municipal, pró-ximo ao LNLS. “Nesse local ficarão as máquinas mais pesadas como um grande reator de hidrólise enzimática”, exemplificou. Ali, por exemplo, será mon tado e testado o projeto de uma nova colheitadeira, já desenhado por uma equipe de pesquisadores ligados à Unicamp e que está sendo desenvolvido por uma empresa privada. “Queremos introduzir tecnologias avançadas em todas as fase da produção. Na agricul-tura, por exemplo, será preciso mudar a maneira como se faz o plantio e a co-lheita, adotando muita informática e controle automático para uma produ-ção mais adequada.”

“Estamos começando a contratar pessoas”, adiantou Cerqueira Leite. O orçamento do centro ainda não está definido. “Não teremos uma estrutura muito grande. “Um valor entre R$ 20 milhões e R$ 30 milhões anuais seria satisfatório.” ■

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BIOSSEGURANÇA

Em compasso de e s p e r a …

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou em março o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (Adin) proposta em 2005 pelo ex-procurador-geral da República Cláudio Fon teles,

que contesta o uso em pesquisa de cé-lulas-tronco embrionárias. Na Adin, Fonteles argumenta que a Lei de Bios-segurança, promulgada há 3 anos, ao autorizar o uso em pesquisa de em-briões em estágio de blastocisto – com até 5 dias de fecundação –, fere o artigo 5º da Constituição Federal que garante o direito à vida.

O ministro relator, Carlos Ayres Bri-to, e a então presidente do STF, Ellen Gracie, votaram a favor das pesquisas, que, assim, já conta com dois votos dos 11 ministros do tribunal. O julgamen-to foi, no entanto, interrompido por pedido de vista do ministro Carlos Al-berto Direito. “A matéria é extrema-mente controvertida, de alta complexi-dade. É preciso fazer uma reflexão mais profunda para que possam ser sopesa-dos todos os argumentos”, justificou Direito. Pelo regimento do STF, quem pede vista tem prazo de 10 dias, pror-rogáveis duas vezes por igual período, para devolver o processo, que poderá ter que enfrentar fila antes de ser con-cluída a votação.

… Quando começa a vida?A contestação do ex-procurador-geral da República suscitou a primeira au-diência pública da história do STF, que, em maio do ano passado, convidou 22 cientistas para responder à pergunta que está no cerne do questionamento de Fonteles ao tribunal: quando come-ça a vida? A audiência, de caráter “ins-trutório”, teve como objetivo subsidiar o voto que o ministro relator apresen-tou, em março, aos demais membros da Corte, proferido a partir de um docu-mento com 74 páginas.

O ministro Celso de Mello conside-rou a Adin a causa mais importante já julgada pelo STF e o ministro Ayres Brito suspeita que é a primeira vez que um tribunal constitucional enfrenta o questionamento do uso científico-tera-pêutico de células-tronco embrioná-rias, o que confere à decisão um caráter de “interesse de toda a humanidade”.

Em seu voto, Ayres Brito sublinhou, desde logo, que a Constituição brasileira guarda “um silêncio de morte” sobre quando começa a vida humana. “Quan-do fala da ‘dignidade da pessoa humana’, é da pessoa humana naquele sentido ao mesmo tempo notarial, biográfico, mo-ral e espiritual. E quando se reporta aos ‘direitos da pessoa humana’... está falan-do de direitos e garantias do indivíduo-pessoa. Gente. Alguém. De nacionalida-de brasileira ou então estrangeira, mas sempre um ser humano já nascido e que se faz destinatário dos direitos funda-mentais à vida.” Para o ministro, a ques-tão está em saber que “aspectos ou mo-mentos” dessa vida estão efetivamente protegidos pelo direito infraconstitucio-nal, e “em que medida”.

Reporta-se ao Código Civil, que protege, desde a concepção, os direitos do nascituro – definido como “ser já concebido, mas que ainda se encontra no ventre materno” –, à proibição do aborto e à legislação que autoriza o

aborto terapêutico – nos casos em que a gravidez, por exemplo, resulta de es-tupro – para demonstrar que, do ponto de vista da lei, o bem jurídico a ser tu-telado está sempre no interior do corpo feminino. “Não em placa de Petri, cilin-dro metálico ou qualquer outro reci-piente mecânico de embriões que não precisaram de intercurso sexual para eclodir”, enfatizou Ayres Brito.

Reconhece que a possibilidade de “algo” se tornar uma pessoa humana já é suficiente para “acobertá-lo, infra-constitucionalmente, contra tentativas esdrúxulas”. Mas sublinha: “O embrião é o embrião, o feto é o feto, e a pessoa humana é a pessoa humana. Esta não se antecipa à metamorfose dos outros dois organismos. É o produto final des-sa metamorfose”.

… A aritmética do amorEm seu argumento, não nega o que qua-lifica de desconcertante aritmética do amor, em que um mais um é igual a um: o início da vida humana coincide com o “preciso instante da fecundação” de um óvulo por um espermatozóide. Mas des-taca o papel definitivo do útero materno para garantir o futuro do novo ser: “Se toda gestação humana principia com um embrião igualmente humano, nem todo embrião humano desencadeia uma gestação igualmente humana”. É o caso dos embriões a que se refere a Lei de Biossegurança, derivados da fertilização sem o acasalamento humano – “fora da relação sexual” –, do lado externo do corpo da mulher, e do lado de dentro de provetas ou tubos de ensaio.

Não se trata, portanto, de interrom-per uma gravidez humana – “já que nenhuma espécie feminina engravida a distância” –, o que descaracterizaria cri-me de aborto. “Esse modo de irromper em laboratório e permanecer confina-do in vitro é, para o embrião, insuscetí-vel de progressão reprodutiva.” Assim, o embrião viável, obtido pela fecunda-

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Ministro do STF, em voto histórico,

defende pesquisas com células-tronco embrionárias

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ria tratar o gênero feminino por modo desumano ou degradante, em contra-passo ao direito fundamental que se lê no inciso II do artigo 5º da Constitui-ção.” E completa: “O grau de civilização de um povo se mede pelo grau de liber-dade da mulher”.

… Regra constitucional solidáriaÀ luz desses limites legais, o ministro argumentou que restariam à Lei de Bios-segurança três alternativas: condenar os embriões “à perpetuidade da pena de prisão em congelados tubos de ensaio”, deixar que os estabelecimentos médicos de procriação assistida “prosseguissem em sua faina de jogar no lixo tudo quan-to fosse embrião não requestado para o fim da procriação humana”, ou autori-zar o seu uso em pesquisa, conforme previsto em seu artigo 5º. Lembra a re-gra constitucional – de “inspiração fra-ternal ou solidária, prevista no parágra-fo 4º do artigo 199 da Constituição fe-deral – que transfere para a lei ordinária a possibilidade de sair em socorro da preservação da saúde do indivíduo, “primeira das condições de qualificação e continuidade de sua vida”. Socorro que se traduz na legislação que dispõe sobre a morte encefálica para autorizar doações de órgãos. O cérebro humano, para a lei, é uma espécie de divisor de águas: aquela pessoa que preserva as suas funções neurais permanece viva para o direito. Quem já não o consegue transpõe de vez as fronteiras desta vida de aquém-túmulo”, afirmou, citando Mário de Andrade.

A legislação que autoriza as doações de órgãos e o artigo 5º da Lei de Biosse-gurança, que dispõe sobre o uso de cé-lulas-tronco embrionárias, formam, segundo o ministro, o paralelo perfeito. Ao embrião, “faltam-lhe todas as possi-bilidades de ganhar as primeiras termi-nações nervosas que são o anúncio bio-lógico de um cérebro humano em ges-tação. Numa palavra, não há cérebro.

Nem concluído, nem em formação”. E, finalmente, em resposta à inda-

gação suscitada pelo ex-procurador- geral – Onde começa a vida? –, afirma, “e já agora não mais por modo concei-tualmente provisório, porém definiti-vo, a vida humana já rematadamente adornada com o atributo da persona-lidade civil é o fenômeno que transcor-re entre o nascimento com vida e a mor-te cerebral”.

Para Ayres Brito, a escolha da Lei de Biossegurança não significa desprezo ou desapreço pelo embrião in vitro, “menos ainda um frio assassinato”. Trata-se de uma “firme disposição” de superar o in-fortúnio alheio. Nesse ponto, em que ele invoca as conquistas do “constituciona-lismo fraternal”, o seu voto ganha um tom comovente: as vítimas de síndro-mes ou distrofias, que depositam espe-ranças de futuro nas pesquisas com cé-lulas-tronco, ganham nome.

“Como se não bastasse toda essa argumentação em desfavor da proce-dência da Adin sub judice, trago à ribal-ta mais uma invocação de ordem cons-titucional”, afirmou. Invocou mais uma vez a Constituição para lembrar que a saúde é “direito de todos e dever do Es-tado” e que a ciência também faz parte do “catálogo” dos direitos fundamen-tais da pessoa humana. E cita o pará-grafo 1º do artigo 218 da Constituição: “A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, ten-do em vista o bem público e o progres-so das ciências”. ■

Claudia Izique

ção in vitro, “empaca nos primeiros de-graus do que seria a sua evolução gené-tica... por se achar impossibilitado de experimentar as metamorfoses de ho-minização que adviriam de sua eventual nidação”.

Concluída essa parte de sua argu-mentação, Ayres Brito invoca uma série de artigos da Constituição para afirmar que há base constitucional para um ca-sal de adultos recorrer a técnicas de re-produção assistida e que a lei também prevê o planejamento familiar fundado nos princípios da dignidade humana e da paternidade responsável. “Não impor-ta para o direito o processo pelo qual se

viabilize a fertilização do óvulo femini-no. O que importa é possibilitar ao casal superar os percalços de sua concreta infertilidade e, assim, contribuir para a perpetuação da espécie humana.” Acres-centa ainda que, tendo em vista o “inex-cedível modelo jurídico de planejamen-to familiar”, o recurso da fertilização in vitro não obriga a nidação no corpo da mulher de todos os óvulos fecundados. “Até porque tal aproveitamento, à reve-lia do casal, seria extremamente perigo-so para a vida da mulher que passasse pela desdita de uma compulsiva nida-ção de grande número de embriões. Imposição, além do mais, que implica-

“A vida humana é o fenômeno que transcorre entre

o nascimento com vida e a morte

cerebral”

“O embrião é o embrião, o feto é o feto, e a pessoa

humana é a pessoa humana”

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As cinzas do bagaço de cana, da casca de ar-roz e os resíduos da indústria cerâmica são candidatos para entrar na preparação do concreto e diminuir a presença do cimento na elaboração desse produto. A redução do uso e a conseqüente limitação de sua in-dustrialização são um fator importante

para o ambiente porque, além de aproveitar esses materiais que muitas vezes são de difícil descarte e reutilização, contribuem para diminuir a emissão de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. A indústria cimenteira é responsável por 7% das emissões de CO2 no mundo. Segundo dados utilizados pelo Pai-nel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), para cada tonelada (t) de cimento produzido sobra para a atmosfera 1 t de CO2.

“No Brasil esse dado corresponde a 0,67 t porque parte da matéria-prima usada no país para produção de cimento é obtida com o aproveitamento da escó-ria (argila separada do material ferroso) de alto-for-no das siderúrgicas, e a matriz energética, ou a ener-gia elétrica gasta no processo, é renovável, de hidre-létricas”, explica o professor Romildo Toledo Filho, da Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharias (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coordenador da equipe que desenvolveu estudos para a incorporação dos resí-duos ao cimento. Em 2007 foram produzidos 44 milhões de t de cimento no Brasil que resultaram em 29,4 milhões de t de CO2. Toledo calcula que com a incorporação dos resíduos será possível reduzir a emissão brasileira em quase 6 milhões de t ao subs-tituir 20% da produção de cimento.

Os dados levantados pelo grupo da Coppe indi-cam a existência de cerca de 10 milhões de t de resí-duos disponíveis para a utilização pela indústria ci-menteira. Cerca de 1,5 a 2 milhões são de cinzas da queima do bagaço de cana que sobram de caldeiras e geradores para a produção de energia elétrica para abastecimento das próprias usinas. “As cinzas do ba-gaço são ricas em sílica amorfa, diferente da forma cristalina encontrada, por exemplo, na areia. Na for-ma amorfa, ela pode reagir, em temperatura ambien-te, com o hidróxido de cálcio, um dos produtos de

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Resíduos agrícolas podem diminuir o uso de cimento e reduzir a emissão de CO2

O concreto de desenvolvimento sus-tentável é fruto das preocupações mos-tradas tanto no IPCC como nos meca-nismos de desenvolvimento limpo apresentados no Protocolo de Kyoto e aparece num momento em que cresce o consumo de cimento no mundo, principalmente na China, que utiliza 43% do cimento mundial. “Cálculos de pesquisadores da área, baseados no crescimento dos grandes países emer-gentes, indicam que, se o consumo de cimento é de 2,5 bilhões de t por ano, ele saltará para 6,5 bilhões de t em 50 anos, porque é, e continuará sendo, o material mais usado do mundo em infra-estrutura”, diz Toledo.

Elemento ligante - O principal pro-blema da indústria cimenteira é a libe-ração de CO2 durante a queima do car-bonato de cálcio (CaCO3) para trans-formá-lo em óxido de cálcio, que repre-senta 65% da composição do cimento. Também entram como ingredientes óxido de ferro, alumínio e gesso. O ci-mento funciona como elemento ligan-te entre os componentes do concreto, como água, areia e brita.

A incorporação dos resíduos ainda não tem perspectivas de ser absorvida pela indústria cimenteira. “Nosso traba-lho é acadêmico e está buscando soluções. Cabe à indústria implementar es sas solu-ções.” A Região Sudeste é o mai or centro consumidor de cimento e também o maior produtor de resíduos. “Nesse mo-mento estamos realizando um estudo para identificar as áreas produtoras de cinza de bagaço e casca de arroz, da in-dústria de cerâmica e onde estão localiza-das as cimenteiras. Ao final teremos um mapa que poderá facilitar a parte logísti-ca de aproveitamento de resíduos.

A importância dos estudos realiza-dos na Coppe pode ser medida por uma notícia divulgada recentemente no jornal francês Le Monde (13 de mar-ço). Várias cimenteiras do mundo estão desenvolvendo soluções para diminuir a produção de cimento e a conseqüen-te liberação de CO2 na atmosfera. O grupo francês Lafarge, que produziu 135 milhões de t de cimento em 2007, já conseguiu diminuir em 16% as emis-sões de dióxido de carbono de um total de 20% previsto entre 1990 e 2010. Além de fábricas ultramodernas e de melhor desempenho, inclusive na China, a La-farge, como outras cimenteiras, está diminuindo o uso de combustíveis fós-seis para aquecer os enormes fornos onde o cimento é produzido. Para isso, as indústrias utilizam óleos usados va-riados, solventes, pneus, plásticos, casca de noz de palmeiras da Malásia e casca de arroz das Filipinas, na Ásia, casca de café de Uganda, na África, além de fa-rinha animal.

A empresa francesa também intro-duziu na fabricação do cimento, na substituição de parte do carbonato de cálcio, as cinzas das centrais termelétri-cas e as escórias provenientes de usinas siderúrgicas. ■

Corpo-de-prova de concreto (à esquerda) utiliza casca de arroz (ao lado) na forma de sílica (acima)

hidratação do cimento.” Essa mesma estrutura é encontrada na casca de ar-roz calcinada. De cada 1 t de arroz co-lhido sobram 200 quilos de casca. No Brasil, a produção atingiu 11 milhões de t de arroz na safra 2006-2007, por-tanto produziram-se 2,2 milhões de t de casca. “Tanto a cinza do bagaço de cana como a da casca do arroz precisam, para integrar o concreto, passar por um processo de micronização quando o material é reduzido a partículas bem menores.”

A indústria brasileira de cerâmica produz cerca de 5 a 6 milhões de t de resíduos na produção de telhas, tijolos e pisos. Esse material, depois de calci-nado e moído, pode substituir até 20% do total de cimento. Um estudo espe-cífico sobre o aproveitamento dos re-síduos dessa índústria foi realizado pelo grupo da Coppe e apresentado na edição de setembro de 2007 da re-vista científica Cement and Concrete Re search. Outro produto não aprovei-tável que se apresenta como alternati-va, mas atinge um índice menor de substituição do cimento, de 5% a 10%, são as cinzas resultantes do lodo sani-tário queimado obtidas das estações de tratamento de lixo sólido urbano.

Marcos de Oliveira

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Há tempos se conhecem os danos que o estresse

provoca no organismo – por períodos prolongados

favorece o surgimento de diabetes, doenças cardio-

vasculares, depressão e outros males. Agora se en-

contraram evidências de que o estresse também

prejudica a saúde de outras pessoas, além do próprio

estressado. Durante 3 anos, pesquisadores da Univer-

sidade de Rochester, nos Estados Unidos, submeteram

os pais de 169 crianças a testes psiquiátricos semes-

trais para avaliar indicadores de estresse, como an-

siedade e depressão. Também pediram aos pais que

mantivessem registros semanais da saúde dos filhos,

com idade entre 5 e 10 anos. As crianças cujos pais

apresentavam níveis mais elevados de estresse adoe-

ceram mais vezes que as demais, constatou a equipe

de Mary Caserta. Exames de sangue também regis-

traram índices de atividade mais elevados no sistema

imunológico dos filhos de pais altamente estressados,

sinal de que o organismo dessas crianças tentava combater

infecções, segundo artigo publicado na Brain, Behavior and

Immunity. Na opinião de David Jessop, da Universidade de

Bristol, na Inglaterra, estudos futuros deveriam investigar

quais fatores estressantes provocam maior impacto sobre o

sistema imunológico das crianças.

> Mais cedo sobre as pernas

Seis milhões de anos atrás não existiam pessoas como as que vivem no mundo hoje. Mas nossos ancestrais Orrorin tugenensis já andavam de pé por onde agora é o Quênia, diz um artigo publicado em março na Science. A espécie fóssil foi descoberta há 8 anos e descrita como bípede, mas muitos antropólogos não ficaram convencidos com as evidências. Agora os norte-americanos Brian Richmond, da Universidade George Washington, e William Jungers, da Universidade Stony Brook, analisaram a forma do fêmur de Orrorin

e pretendem pôr fim na controvérsia sobre a postura desses pré-humanos. Os pesquisadores viram que o osso da coxa de Orrorin é muito semelhante aos de Australopithecus e de Paranthropus, já consagrados bípedes entre os humanóides. Os ossos mostram também que Orrorin era polivalente. Com braços longos como chimpanzés e dedos fortes, ele provavelmente também freqüentava o alto das árvores. Primeiro bípede de que se tem notícia, a descoberta mostra que andar sobre os pés precedeu em cerca de 4 milhões de anos o aparecimento de indivíduos do gênero Homo, ancestrais diretos dos seres humanos modernos.

> Genética da ponta

Redondos ou ovais, grandes ou pequenos, amarelos ou vermelhos. Foi preciso muito investimento e esforço de agrônomos para criar a grande variedade de tomates que incrementa saladas e molhos. Muitas

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PESQUISA FAPESP 146 ■ ABRIL DE 2008 ■ 39

disse Linda. “O importante é corrigir a literatura.” Harvard vai analisar a retratação, e Linda pediu ao Centro Fred Hutchinson que avalie outras publicações de Zou. Uma das mais prestigiosas publicações científicas do mundo, a Nature tem quatro tipos de reparação: errata, notificação de erro cometido pela revista; correção, quando o erro é dos autores; retratação, no caso de resultados inválidos; e adendo, acréscimo de informação ao artigo.

delas foram encontradas por técnicas tradicionais de melhoramento de plantas, baseadas em tentativa e erro e seleção das características desejadas. Vasculhando o DNA do tomate, a equipe de Esther van der Knaap, do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Agrícola da Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos, descobriu que um gene batizado de Sun determina as formas alongadas. Ele é muito ativo nas variedades pontudas e aparece

do Câncer, Linda vem tentando sem sucesso reproduzir o trabalho. No estudo de 2001 ela e seus colaboradores à época informavam ter mapeado em camundongos as vias neurais do olfato, do nariz ao córtex cerebral. Linda atribui dados e figuras de 2001 ao primeiro autor do estudo, Zhihua Zou, hoje na Universidade do Texas em Galveston. Segundo o site NatureNews, Zou não respondeu aos pedidos de explicação da Nature. “É claro que é desapontador”,

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desligado em tomates redondos. Em tomateiros com frutos redondos, bastou inserir o gene Sun para alongá-los. Em plantas que dão tomates ovais, os pesquisadores fizeram o oposto: inativaram o gene Sun e obtiveram frutos redondos. Na opinião de Esther, a identificação do gene que determina a forma do tomate pode ser um primeiro passo para moldar outros vegetais como pimentas, pepinos e cabaças. O artigofoi capa da revista Science em 14 de março.

Um gene e duas formas: ovais ou redondos

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Medo inato: crianças são ágeis em vercobras

Num passeio pelo campo, muita

gente se encanta com as flores do

caminho. E de repente estaca, com

o corpo inundado pela adrenalina

que avisa: perigo, fuja! Uma cobra serpenteia adiante. Se for

venenosa, avistá-la o quanto antes pode significar a diferença

entre vida e morte. Pensando nisso, as psicólogas Vanessa

LoBue e Judy DeLoache, da Universidade da Virgínia, nos

Estados Unidos, testaram a rapidez de adultos e crianças em

apontar cobras em fotografias numa tela de computador sen-

sível a toque. Surpresa: tanto as crianças com idades entre 3

e 5 anos como seus pais são mais rápidos em reconhecer

cobras na grama do que imagens não ameaçadoras como flo-

res, sapos e taturanas. Os resultados mostram que o golpe de

vista certeiro para evitar o perigo não depende de idade ou

experiência. O trabalho, publicado na edição de março da re-

vista Psychological Science, discute a importância evolutiva

do temor inato. Nos primórdios da humanidade todos viviam

em contato com a natureza. Os distraídos que pisassem em

serpentes não sobreviveriam para deixar descendentes.

CUIDADO COM AS SERPENTES

> Continente partido

Um estudo feito pelos geólogos da Universidade de Londres, Inglaterra, e do Instituto de Pesquisa Polar e Marinha Alfred Wegener, na Alemanha, indica que o supercontinente Gondwana, que dominou o hemisfério Sul do planeta entre 500 milhões e 180 milhões de anos atrás, rompeu-se inicialmente em apenas duas partes antes de originar o que hoje são América do Sul, África, Madagascar, Arábia, Índia, Antártida e Austrália. Eles reuniram informações de anomalias magnéticas e gravitacionais observadas na bacia de Moçambique (África) e no mar Riiser-Larsen (Antártida), os pontos iniciais de ruptura de Gondwana, e simularam a separação usando um programa de computador (Geophysical Journal International). A dupla sugere que continentes tão vastos como Gondwana são inerentemente instáveis.

> Assumir o erro com estilo

Em mensagem à Nature, a pesquisadora Linda Buck, que dividiu com Richard Axel o Nobel de Medicina de 2004, pediu a anulação de um artigo de 2001 do qual foi co-autora. Ela e os outros quatro autores afirmaram ter encontrado falhas que abalaram a confiança nas conclusões do trabalho, elaborado quando atuavam na Escola Médica de Harvard. Hoje no Centro Fred Hutchinson de Pesquisa

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Os pequenos fazendeiros do interior do Pará encontram-se

vulneráveis e desamparados diante das mudanças climáticas, a

julgar pelos eventos dos últimos anos, atestaram os antropólogos

Eduardo Brondizio e Emilio Moran, da Universidade de Indiana,

Estados Unidos. Em 6 anos de levantamentos de campo, eles

verificaram que anomalias climáticas como o El Niño podem

arruinar pequenos fazendeiros e forçá-los a migrar para as cida-

des. Sem recomendações sobre como agir nem informações

sobre as variações locais do tempo, já que as previsões meteo-

rológicas só chegam ao nível regional, esses fazendeiros não

mudam suas práticas agrícolas, ainda que acompanhem as dis-

cussões sobre as mudanças climáticas. Outra constatação: como

o clima se altera muito e rapidamente na Região Norte, eles logo

apagam da memória até os eventos climáticos extremos. Mais

da metade dos entrevistados em 2002 não se lembrava da seca

causada pelo El Niño de 1997-1998, uma das piores já registradas

(Philosophical Transactions of the Royal Society B). Esses agri-

cultores precisam de quem transforme as tendências do clima em

informações que os ajudem a tomar decisões e a prever secas.

> Cantoria interativa

Na tela do computador, sapos, rãs e pererecas cantam e declaram seus costumes no CD Guia interativo dos anfíbios anuros do Cerrado, Campo Rupestre & Pantanal, produzido pelo grupo do zoólogo Célio Haddad,

da Universidade Estadual Paulista em Rio Claro. Cada foto representa uma das 63 espécies incluídas no CD, um terço do total de anfíbios desses ecossistemas. “As espécies mais comuns, que uma pessoa encontrará em seu jardim ou numa caminhada, estão ali”, afirma Haddad. Ao ouvir um canto,

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basta selecionar opções de busca. O som vem do chão, das árvores ou da água? O cantador é grande ou pequeno? É dia ou noite? Ao passar o cursor sobre as possibilidades que se destacam, é possível ouvir os bichos cantarem. Cada faixa do CD traz o canto de uma espécie, recurso valioso para

pesquisadores no campo: a gravação atiça os machos, que respondem, denunciando sua localização. A não perder: “Brejileirinho”, cantoria da Mata Atlântica em forma de rondó que abre o CD. O grupo lançou, também pela editora Neotropica, o livro Anfíbios da Mata Atlântica.

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Cerrado e Campo Rupestre: guia sonoro traz rã-de-vidro e rãzinha-colorida

El Niño (no alto) e La Niña afetam clima na Amazônia

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> Células-tronco nos vasos sangüíneos

Pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), demonstraram que as paredes dos vasos sangüíneos de mais de dez tecidos do corpo humano são fontes para obtenção das chamadas células-tronco mesenquimais, um tipo de célula-tronco adulta com potencial para se diferenciar e formar os tecidos gordurosos, ossos ou músculos. Usualmente, a medula óssea e o cordão umbilical são citados como as fontes por excelência das células mesenquimais. Mas, de acordo com o trabalho da equipe do hematologista Dimas Tadeu Covas, essas células podem ser encontradas também na periferia da parede dos microcapilares sangüíneos, denominados pericitos, que estão distribuídos por todo o organismo humano. Os principais tecidos em que os cientistas identificaram as células mesenquimais foram:

e mental das crianças. Havia tempos não se conhecia a situação específica em Belo Horizonte. Para sanar a falta de informação, Aline Menezes, Edward Silva e Silvio Dolabella, da Universidade Federal de Minas Gerais, avaliaram no final de 2006 a saúde de crianças das unidades municipais de ensino infantil da capital mineira. Realizaram exames de fezes em 472 meninos e meninas com 3 e 6 anos e constataram que um em cada quatro estava contaminado com pelo menos um tipo de parasita (6,6% traziam o ventre infestado com diferentes microorganismos). O mais comum foi o protozoário Entamoeba coli,

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P que não afeta diretamente a saúde, mas indica que as crianças vivem em áreas contaminadas e sem higiene. Em segundo lugar apareceu outro protozoário, Giardia lamblia, que provoca cólica e diarréia intensa. A solução para reduzir a ocorrência de parasitoses vale tanto para Minas quanto para o resto do país: oferecer melhores condições de moradia e acesso a água e esgoto tratados, além de, claro, educação. Mas esta parece uma meta distante. “Inquestionavelmente, o tratamento de parasitas intestinais ainda recebe pouca atenção dos programas de saúde pública”, escreveram os autores do estudo, feito em parceria com Miriam Rocha e Mayrce Freitas e publicado na Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo.

artéria carótida, testículo, fígado, pulmão, timo, tecido adiposo, veia safena, veia e artéria umbilicais e medula óssea. O estudo dos brasileiros foi publicado no dia 4 de março na versão eletrônica da revista científica Experimental Hematology.

> Efeitos da falta de água tratada

Ainda que o número de casos varie de uma região para outra, a infestação por parasitas intestinais ainda é muito comum no Brasil. Em casos raros essas parasitoses chegam a matar, mas geralmente prejudicam o desenvolvimento físico

Mariliasuchus: dieta à base de carne e vegetais

Entre 100 milhões e 65 milhões de anos atrás, uma grande

diversidade de crocodilos primitivos povoava Gondwana, o su-

percontinente que reunia as terras da América do Sul, da Áfri-

ca, da Antártida, da Austrália e da Índia. Um desses répteis era

Mariliasuchus amarali, que, com crânio alto e estreito e focinho curto, era bem diferente dos ja-

carés atuais. Uma equipe da Universidade Federal do Rio de Janeiro examinou crânios

fósseis encontrados nos arredores de Marília, interior de São Paulo, e desenter-

rou os hábitos alimentares dos animais. Eram predadores de mordida forte que

usavam grandes incisivos para dilacerar presas ou carcaças, mas provavelmen-

te também cavoucavam o chão como os porcos fazem, em busca de outros tipos

de alimento como insetos ou raízes. Além disso, mastigavam a comida, ao con-

trário de jacarés e crocodilos atuais, que engolem nacos de carne inteiros. O grupo

examinou também fezes fósseis desses animais, os coprólitos, e encontrou depósitos de potássio,

indicação de uma dieta que, além de carne, incluía vegetais. Esses achados, publicados em janei-

ro na revista Gondwana Research, ajudam a reconstruir a ecologia de uma região que inclui

América do Sul, África, Madagascar e Índia no período geológico chamado Cretáceo Superior.

UM CROCODILO QUE CHAFURDAVA

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Outra fonte: a parede dos capilares

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42 ■ ABRIL DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 146

Guerra nas célulasDescobertas indicam rumos para auxiliar o sistema imunológico no combate a infecções generalizadas

FARMACOLOGIA

CIÊNCIA>

Maria Guimarães

Macrófago (verde) captura bactérias no pulmão

Cuidado ao virar a página. Se cortar o dedo na borda do papel, bactérias entrarão pela ferida e ali se de-sencadeará uma batalha. Nessas situações, as célu-las de defesa dos tecidos, como os macrófagos, de-tectam as bactérias invasoras, as englobam e as matam. Esse processo libera em torno das células uma série de substâncias que indicam – como as

migalhas de pão da história João e Maria – o caminho da lesão para os leucócitos, células de defesa que patrulham o corpo pela corrente sangüínea. Se tudo der certo, a infecção será controlada e passará despercebida. Mas às vezes – por-que há bactérias demais ou porque o sistema imunológico está comprometido – não basta. As bactérias e a inflamação se espalham pelo organismo e causam infecção generalizada, ou sepse. É a segunda causa de morte nas Unidades de Tera-pia Intensiva (UTIs) dos Estados Unidos, onde mais de 700 mil casos são registrados a cada ano – cerca de 30% destes levam à morte. A equipe do farmacologista Fernando de Queiróz Cunha, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto (USP-RP), está desvendan-do a batalha do sistema imunológico contra a sepse e indica rumos para elaborar medicamentos.

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O trabalho de Cunha revela deta-lhes de como funciona a resposta imu-nológica: numa reação inflamatória, as substâncias sinalizadoras avançam até o vaso sangüíneo mais próximo, se li-gam às células da parede e mandam sinais para o interior. Os leucócitos en-tão rolam por dentro da parede do vaso até achar uma brecha, por onde saem. Em seguida seguem a trilha química até o front e juntam-se aos macrófagos pa-ra combater as bactérias, que matam com substâncias como o óxido nítrico. As substâncias liberadas nesse processo também causam uma reação inflama-tória que agride os próprios tecidos.

Quando as bactérias ganham a batalha, se disseminam pelo corpo e geram um quadro de sepse, o sistema imunológico vai atrás. Num esforço extremo para conter a infecção, a pró-pria inflamação se torna generalizada, causa queda de pressão arterial e, ao fim, falência múltipla de órgãos. Esse é o quadro hoje conhecido como sep-se – o termo septicemia está caindo em desuso pelos especialistas. Pelo me-nos metade das pessoas que chegam a esse estado morre.

A grande surpresa para a comunida-de científica internacional, por vol-ta de 10 anos atrás, foi descobrir que

as bactérias invasoras não são o proble-ma mais sério. O grande estrago acon-tece porque o processo inflamatório, arma valiosa quando se trata de com-bater bactérias, se volta contra o pró-prio organismo – o mesmo descontro-le que causa doenças como gota, artrite e esclerose múltipla. Parecia óbvio, bas-tava bloquear a inflamação para conter a sepse. Pesquisadores norte-america-nos tentaram, mas sem a reação infla-matória cessa também o combate ao foco infeccioso e as bactérias se espa-lham sem resistência.

Para encontrar uma forma eficaz de combater a sepse, o grupo de Ribeirão Preto montou um projeto de pesquisa com três vertentes. O médico farmaco-

logista Sérgio Henrique Ferreira, coor-denador do projeto, é responsável por investigar os mecanismos que causam dor diante de um processo inflamató-rio. Detalhar o processo da sepse e a migração de leucócitos para o foco in-feccioso estão a cargo de Cunha.

Ele descobriu que o papel do óxido nítrico, que os leucócitos usam para matar as bactérias, é central no choque séptico. Dentro dos vasos, essa substân-cia contribui para os mecanismos de defesa, pois induz o relaxamento dos músculos vasculares – assim o maior volume de sangue nos vasos leva mais leucócitos para o foco infeccioso. Mas numa situação de sepse a produção de óxido nítrico fica descontrolada e chega a ser mil vezes maior do que o normal,

o que leva à queda drástica na pressão arterial. Descobrir isso sugeriu um tra-tamento: inibir a produção de óxido nítrico no paciente. O que parecia mais uma boa idéia, porém, deu origem a novos problemas. Sem óxido nítrico, os neutrófilos perdem seu principal agen-

te microbicida e já não conseguem com-bater a infecção.

Cunha descobriu mais: óxido nítri-co em excesso também inibe a migra-ção das células. “Os leucócitos não ade-rem à parede dos vasos, não rolam e não respondem ao gradiente de media-dores inflamatórios”, conta. O grupo de Cunha detalhou, em artigos de 2006 nas revistas internacionais Shock, Blood e Critical Care Medicine, como isso acontece. As vias bioquímicas e proteí-

Segunda causa de morte nas Unidades de Terapia

Intensiva nos Estados Unidos, a sepse

também é um problema sério

no Brasil. Em 2003 o sistema de saúde

brasileiro destinou mais de

R$ 17 bilhões aos 400 mil pacientes sépticos.

Com resultados insatisfatórios, já que

cerca de 227 mil desses pacientes

morreram devido à sepse grave.

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nas – que dão às células um movimen-to semelhante ao das lesmas – não fun-cionam na presença de altos teores de óxido nítrico. A equipe de Ribeirão Pre-to demonstrou também, em artigo pu-blicado em 2007 no American Journal of Respiratory and Critical Care Medici-ne, que o óxido nítrico inibe a expres-são de receptores na superfície dos neu-trófilos, que por isso perdem a sensibi-lidade aos mediadores inflamatórios. O sistema imunológico fica assim parali-sado e põe a vida do paciente em risco. Essa descoberta sugeriu rumos à equipe de Cunha. “Se restabelecermos os me-canismos de migração, a infecção é controlada”, diz ele.

É o que seu grupo busca fazer ago-ra. Eles verificaram que uma substân-cia essencial nessa cadeia bioquímica é o ácido sulfídrico, também conheci-do como sulfeto de hidrogênio (H2S), o gás que dá mau cheiro a ovos po-dres. Quando se inibe sua síntese den-tro dos leucócitos, a migração celular se paralisa; ao devolver H2S ao meio celular, os pesquisadores viram que as células de defesa voltam a rolar por den- tro das paredes dos vasos sangüíneos. A estratégia é nova e o farmacologista de Ribeirão Preto está agora prepa-rando o artigo para publicação. Para ele, os resultados são motivo para oti-mismo. Talvez agora a compreensão da sepse esteja mais próxima de per-mitir salvar vidas.

E nquanto isso não acontece, o cho-que séptico permanece um proble-ma de saúde pública sem solução.

Ao contrário, com o envelhecimento da população, a cada ano uma proporção maior dos pacientes de UTIs entra em sepse. Um artigo publicado em 2006 na Endocrine, Metabolic & Immune Disor-ders – Drug Targets, coordenado por Eliézer Silva, médico do Centro de Tera-pia Intensiva do Hospital Israelita Albert Einstein em São Paulo e presidente do Instituto Latino-americano para Estu-dos da Sepse (Ilas), compara o impacto

da sepse em diversos países e mostra que, a cada cem pessoas admitidas nu-ma UTI norte-americana, por volta de dez entram em choque séptico.

N o Brasil, Silva coordenou o estudo conhecido como Bases (Estudo epi-demiológico de sepse no Brasil), que

avaliou 1.383 pacientes internados em cinco UTIs brasileiras e foi publicado em 2004 na Critical Care Medicine. O estudo, um dos mais amplos no país, verificou que por volta de 30% desses pacientes entraram em sepse e metade evoluiu para choque séptico. Os inten-sos cuidados médicos só conseguiram salvar metade dos pacientes com sepse. A Associação Brasileira de Terapia In-tensiva promoveu um outro estudo, conhecido como Sepse Brasil, que exa-minou mais UTIs e obteve resultados semelhantes ao Bases.

Segundo dados divulgados pelo Ilas, em 2003 o sistema de saúde bra-sileiro gastou R$ 41 bilhões com tera-pia intensiva. Desse montante, mais de R$ 17 bilhões foram destinados aos 400 mil pacientes sépticos. Com resul-tados insatisfatórios, já que cerca de 227 mil desses pacientes morreram devido à sepse grave, levando para o túmulo um investimento de quase R$ 10 bilhões.

Para reduzir esses números, em 2005 o Ilas aderiu à campanha interna-cional Sobrevivendo à Sepse. Com o objetivo de reduzir a mortalidade por choque séptico em 25% até 2009, 48 países estão implementando diretrizes internacionais de atendimento a pa-cientes sépticos. Para controlar e otimi-

zar os resultados da campanha, os par-ticipantes enviam informações para um banco de dados internacional. O Brasil, com 50 instituições integradas ao programa, é um dos países que mais contribuíram com dados.

“A principal dificuldade é a mudan-ça cultural”, explica Eliézer Silva, que em 2006 publicou pela editora Atheneu um manual para treinamento de profissio-nais dentro do novo conceito que tem o tempo como ponto central. As novas diretrizes determinam que quando um paciente com sepse grave chega ao pron-to atendimento de um hospital é preciso imediatamente colher uma amostra de sangue para identificar o germe causa-dor da infecção. Em seguida já nas pri-meiras 6 horas é essencial dar ao pacien-te antibióticos, soro fisiológico em gran-de quantidade e medicação para estabi-lizar a pressão arterial. Conforme a pro-gressão nesse período, uma outra série de providências são necessárias até a 24ª hora de tratamento: medicar com corti-cóides e proteína C ativada, controlar a glicemia e, quando o paciente está com dificuldades respiratórias, fornecer ven-tilação para manter a pressão de oxigê-nio em nível adequado. Os dados mais recentes, que ainda não foram publica-dos, indicam que ao longo da campanha a mortalidade por sepse já diminuiu cer-ca de 7%, no mundo todo. Pelo menos no que pode ser facilmente medido.

Segundo Fernando de Queiróz Cu-nha, dar alta ao paciente não equivale a um suspiro de alívio. Ele mostrou, em pesquisa com ratos ainda não publica-da, que a sepse deixa o sistema imuno-lógico debilitado. O farmacologista verificou que, passados 15 dias da crise séptica, basta borrifar bactérias perto do focinho do animal – uma situação não muito diferente de conversar com alguém resfriado – para causar a morte das cobaias. Os trabalhos de Silva e de Cunha deixam clara a necessidade de aliar pesquisa básica, clínica médica e políticas públicas para vencer a batalha contra a sepse. ■

Mediadores envolvidos na gênese da dor e na migração de leucócitos e na sepse

MODALIDADE

Projeto Temático

CO OR DE NA DOR

SERGIO HENRIQUE FERREIRA – USP/Ribeirão Preto

INVESTIMENTO

R$ 2.277.550,31

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46 ■ ABRIL DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 146

Durante os 4 anos em que trabalhou na Escola de Medicina da Universidade Harvard, em Bos-ton, Estados Unidos, e, mais tarde, como profes-sor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, Marcelo Damário Gomes mergulhou em uma linha de pesquisa que mos-trou que o núcleo celular – e não só o citoplasma, a por-ção da célula que envolve o núcleo – abriga comparti-mentos responsáveis pela destruição de proteínas que não deram certo ou já cumpriram seu papel, antes que levem o organismo ao caos. Com trabalhos como esse, Gomes construiu uma trajetória pessoal que conciliou a exploração de espaços científicos e existenciais, ora ínfi-mos, ora amplos, e lhe permitiu contribuir tanto para o refinamento da imagem do núcleo celular quanto para o sonho de uma viagem tripulada a Marte.

O empenho desse e de outros grupos de pesquisa des-faz a imagem mais conhecida do núcleo como o territó-rio exclusivo dos cromossomos, as longas estruturas de proteínas e de DNA, cujas seqüências, os genes, regulam a produção de proteínas que formam os organismos. Não está por lá apenas o nucléolo, uma central de produção de um dos tipos da molécula de RNA que permite a pro-dução de proteínas. Estão por lá também pelo menos dez outros compartimentos – ou organelas. Gomes desco-

briu um deles, o fand. Apresentado em fevereiro na Mo-lecular Biology of the Cell, o fand, curiosamente, limita-se por si mesmo, sem uma membrana externa como a que separa o núcleo do citoplasma. Nos fands encontram-se as proteínas chamadas ubiquitinas que, em conjunto com outras, desfazem as que não servem mais ao orga-nismo. “É uma linha de desmontagem”, compara Gomes, ao explorar a trilha aberta há 3 séculos pelo naturalista, astrônomo e arquiteto inglês Robert Hooke, o primeiro a observar uma célula sob um rudimentar microscópio.

“Nada está parado no núcleo”, assegura. Proteínas que chegam ou saem a todo momento controlam a divisão dos cromossomos, a qualidade e a recombinação dos genes e a formação de outras células – em síntese, a continuidade ou o fim dos seres vivos. Seis anos atrás uma equipe da Universidade de Lisboa havia identificado o primeiro des-ses compartimentos do núcleo com proteínas que elimi-nam outras proteínas, chamado de clastossoma e ocupado por proteínas específicas. Até então subestruturas seme-lhantes haviam sido encontradas apenas no citoplasma, que envolve o núcleo e outros compartimentos da célula.

Conduzido sob o olhar, as recomendações e os palpi-tes de Alfred Lewis Goldberg, um bioquímico norte-americano que há 2 décadas descobriu um dos mecanis-mos essenciais de destruição seletiva de proteínas, o

BIOLOGIA CELULAR

A turma

Identificados no núcleo das células compartimentos que desfazem proteínas

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Carlos Fioravanti

do desmanche

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trabalho conjunto de Gomes e de dois médicos – o nor-te-americano Stewart Harris Lecker e o inglês Thomas Jagoe – ecoou também em outros campos. Em paralelo a um grupo de uma indústria farmacêutica que chegou aos mesmos resultados de modo independente, eles iden-tificaram a enzima atrogina 1, que liga as ubiquitinas às proteínas do músculo, levando à perda da massa muscu-lar, comum em alguns tipos de câncer, doenças renais, diabetes e mesmo quando o braço ou a perna permane-cem engessados durante semanas. Em 2001, quando esse trabalho saiu em uma revista científica, Goldberg e sua equipe já haviam ganho um prêmio da Nasa, a agência espacial norte-americana, por terem mostrado a origem de um problema cuja solução poderia facilitar os alme-jados vôos tripulados para Marte, que tomam 1 ano pa-ra ir e outro para voltar. “Por causa da ausência de gravi-dade no espaço”, conta Gomes, “um astronauta perde 5% da massa muscular por semana”.

Os estudos sobre esses mecanismos de degradação de proteínas se intensificaram especialmente depois de 2004, quando dois cientistas de Israel e um dos Estados Unidos compartilharam o Prêmio Nobel de Química por terem evidenciado o papel da ubiquitina na destruição seletiva de proteínas de plantas e de animais. Chamado de pro-teassoma, esse mecanismo de limpeza só entra em ação

ao identificar proteínas que carregam pelo menos quatro ubiquitinas encadeadas. As ubiquitinas, assim chamadas por serem ubíquas ou onipresentes, funcionam como etiquetas que marcam quem deve morrer (uma anima-ção sobre esse mecanismo, intitulada Beijo da morte, encontra-se em nobelprize.org/nobel_prizes/chemistry/laureates/2004/animation.html). Gomes já havia saído de Harvard quando soube que Goldberg, um dos fortes candidatos ao Nobel por ter ajudado a identificar a ubi-quitina, não estava entre os escolhidos.

Ubiquitina e genes - Formadas no citoplasma, as ubiqui-tinas espalham-se e circulam o tempo todo por todas as células dotadas de núcleo, como a maioria das que for-mam o corpo humano, com exceção das hemáceas, as células vermelhas do sangue. Algumas ubiquitinas que atravessam a membrana do núcleo se convertem em per-sonagens-chave da limpeza do organismo ao formarem o fand. “O proteassoma só reconhece as proteínas que ganharam uma cadeia de pelo menos quatro ubiqui tinas”, diz Gomes. Mas as ubiquitinas não representam apenas o carrasco que leva pela mão os condenados à mor te a uma espécie de triturador. São também essen ciais no controle dos genes e das próprias células. Segundo Gomes, proteí-nas conhecidas como fatores de trans crição suicida, que

Primeira imagem: desenho das células de cortiça vistas por Hooke e publicadas em 1664 no livro Micrographia

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regulam a atividade dos genes, só funcionam depois de ganharem ubiquitinas. “Essa é uma forma de assegurar que os fatores de transcrição terão uma vida curta e serão destruídos depois de cumprirem seu papel apenas uma vez”, diz ele. “Tudo no interior da célula é extremamente regulado.”

A interação entre ubiquitina e proteassoma, o con-junto de proteínas que limpam o organismo do que não serve mais, explica um pouco melhor o desenvolvimen-to de doenças causadas pelo acúmulo de proteínas mal-formadas. É o caso, lembra Gomes, da coréia de Hun-tington, que se agrava à medida que se acumulam os resíduos que o proteassoma não consegue nem reconhe-cer nem desfazer. Em um artigo de revisão publicado em fevereiro deste ano na Cellular & Molecular Biology Let-ters, Halina Ostrowska, bióloga da Universidade de Bialystok, Polônia, mostra como esse mecanismo, por estar ligado à degradação da maioria das proteínas intra-celulares, incluindo as que controlam a multiplicação e a morte das células, representa também um valioso alvo para novos medicamentos contra câncer e doenças infla-matórias. Parece uma possibilidade real: em menos de 10 anos o trabalho de Goldberg e de outros pioneiros nessa área levou ao desenvolvimento de um composto conhe-cido como Bortezomib, aprovado em 2005 para uso con-tra mielomas múltiplos.

A história pessoal de Gomes guarda semelhanças com seus objetos de estudo. Impulsionado pelo pai, descen-dente das primeiras famílias de espanhóis e portugueses que espantaram os índios coroados, derrubaram as ma-tas a machado e iniciaram o plantio de café no noroeste

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O núcleo celular abriga pelo menos dois tipos de compartimentos especializados na destruição seletiva de proteínas: os clastossomas (ao lado, em vermelho) e os fands (à direita, mancha verde maior), cada um com grupos específi cos de proteínas

paulista, Gomes deixou Penápolis, uma cidade que este ano completará cem anos, ao terminar o antigo colegial. Estudou em Londrina, no Paraná, e depois na cidade de São Paulo, mas não se aquietou. O senso atávico de ex-plorador ibérico o levou em seguida ao mais antigo e um dos mais ambiciosos centros de pesquisa biomédica dos Estados Unidos, a Escola de Medicina da Universidade Harvard, em Boston, uma metrópole de quase 5 milhões de habitantes.

Labirintos ubíquos - Gomes voltou de Harvard em abril de 2003 ao lado da mulher, Munira Baqui, então grávida de 3 meses de Olivia, rumo a outros espaços: instalaram-se em Ribeirão Preto, interior paulista, ele como profes-sor recém-contratado, ela como pós-doutora na USP. Gomes, ainda hoje um dos poucos no Brasil a estudar os mecanismos de funcionamento da ubiquitina, nova-mente não se aquietou nem se recusou a navegar em mares desconhecidos. Aos poucos cercou-se de jovens pesquisadores como Adriana Oliveira Manfiolli, Sami Yokoo e Felipe Roberti Teixeira, que conduziram o tra-balho que levou à identificação dos reservatórios de pro-teínas conjugadas à ubiquitina no núcleo celular, e de outros mais experientes como Eduardo Brandt de Oli-veira, bioquímico que ajudou a planejar e a interpretar os experimentos, e Roy Edward Larson, à frente de dois microscópios confocais. Eles sabem que trabalham em uma área de pesquisa extremamente competitiva, ainda mais depois do Nobel de 2004, e labiríntica: conhecemos não mais de uma dúzia das 500 a mil enzimas que regu-lam a atividade da ubiquitina. ■

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GENÉTICA

O seqüestro do carteiroAo interromper comunicação celular, RNA artificial mata verme causador da esquistossomose | Ricardo Zorzetto

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Risco na água: larvas do parasita

penetram no corpo através da pele

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Como em um jogo de espiões em que o objetivo é inter-ceptar a comunicação do inimigo e evitar que suas men-sagens cheguem ao destino, pesquisadores paulistas blo-quearam o mecanismo celular responsável pela produção de uma proteína essencial à vida do parasita Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose. Com uma sessão de tratamento, eles eliminaram um quarto dos vermes

que infestavam camundongos e, assim, podem ter apontado um novo caminho para combater uma das mais graves verminoses conhecidas, que atinge 200 milhões de pessoas no mundo e vem se tornando resistente à ação dos remédios disponíveis.

A principal diferença entre os medicamentos usados para tra-tar a esquistossomose e a terapia experimental desenvolvida pelos pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) está na forma de ani-quilar o parasita. O praziquantel e a oxamniquina abrem buracos

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em suas células, enquanto o tratamento proposto pela equipe paulista é seme-lhante a um serviço de inteligência: co-mo quem seqüestra o carteiro e rasga suas cartas, captura e destrói a receita que orienta tanto a geração de energia necessária para a sobrevivência do Schis-tosoma quanto a multiplicação de suas células. Assim, o parasita se torna inca-paz de repor as células que se deterioram com o tempo e morre.

A geneticista Iscia Lopes Cendes te-ve a idéia de adotar essa estratégia de ataque ao Schistosoma em 2002, quan-do começou a trabalhar com uma téc-nica de biologia molecular criada por Andrew Fire e Craig Mello, dos Estados Unidos. Estudando o verme Caenorhab-ditis elegans, eles observaram que era possível interferir na cadeia de coman-do das células e impedir a produção de uma determinada proteína usando moléculas de ácido ribonucléico (RNA) produzidas em laboratório.

Nas células da maior parte dos seres vivos, vermes inclusive, a informação de como fazer uma proteína está ar-mazenada no gene, um pequeno seg-mento da molécula de ácido deso-xirribonu cléico (DNA), composta por duas cadeias paralelas de bases nitro-genadas que assumem a forma de uma escada em caracol. Sempre que a célula necessita de uma proteína, sua receita é copiada por uma molécula mais sim-ples – o RNA mensageiro, composto de uma só fileira de bases nitrogenadas – e transportada para a região em que se fabricam as proteínas.

Genes em silêncio - Em 1998 Fire e Mello identificaram uma forma de im-pedir o RNA mensageiro de completar o seu serviço. Eles nutriram os vermes com moléculas artificiais de RNA, for-madas por duas fitas em vez de uma. Ao penetrar nas células, o RNA de dupla fita se une a um complexo de proteínas e intercepta o RNA mensageiro. Como resultado, a receita da proteína é des-truída, silenciando o gene. A descober-ta desse fenômeno, que Craig e Mello chamaram de interferência por RNA ou RNAi, rendeu-lhes o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 2006.

“Se funcionou com um verme de vida livre, que absorve as moléculas de RNA através de uma cutícula bastante resistente, pensei, deve dar certo com

vermes de cutícula mais delgada que vivem no organismo de hospedeiros, como o Schistosoma”, diz Iscia. Com os biólogos Tiago Campos Pereira, Viní-cius Bittencourt e Rafael Marchesini, ela procurou uma proteína vital para o Schistosoma, mas cujo RNA mensageiro fosse diferente do existente no camun-dongo. Identificou a hipoxantina-gua-nina fosforribosil-transferase (HGPR-Tase), essencial para a divisão celular e a produção de energia. Com um pro-grama de computador desenvolvido por Pereira e Ivan de Godoy Maia, da Unesp de Botucatu, a equipe de Cam-pinas desenhou e produziu moléculas de RNA de dupla fita específicas para impedir a produção dessa proteína. O passo seguinte foi testá-las contra o Schistosoma.

Iscia queria verificar o efeito da in-terferência por RNA sobre o parasita da esquistossomose em seu ambiente na-tural, os vasos sangüíneos dos animais que os abrigam, e não nas condições artificiais criadas em laboratório. Co-mo ela própria não trabalha com ani-mais de laboratório, pro curou o casal de parasitologistas Eliana e Luiz Augus-to Magalhães, que anos antes haviam desenvolvido um modelo de esquistos-somose em camundongos.

Nesse experimento, os pesquisado-res separaram os camundongos infes-tados pelo Schistosoma em quatro gru-pos. O primeiro recebeu uma injeção na veia de 5 microgramas de moléculas de RNA desenhadas para bloquear a

produção da HGPRTase. Outro grupo tomou uma injeção contendo molécu-las de RNA semelhantes à anterior, mas com pequenas modificações. O terceiro foi tratado com RNA incapaz de iden-tificar a receita de qualquer um de seus genes, enquanto o último grupo rece-beu uma solução de água com sal.

Como já era esperado, apenas o pri-meiro tratamento surtiu efeito contra o Schistosoma: matou 27% dos vermes adultos. Mas era preciso saber se a mor-te dos vermes havia de fato sido provo-cada pelo RNA desenhado pela equipe de Iscia. Ela, então, aplicou as molécu-las que havia fabricado sobre parasitas mantidos em placas de vidro e obser-vou uma redução de 60% na fabrica-ção da HGPRTase, segundo arti go pu-blicado este mês na Experimental Para-sitology. “Pode parecer pouco, mas não é”, diz a geneticista da Unicamp. “Nes-se teste inicial usamos a dosagem mais baixa capaz de produzir algum efeito sobre o parasita.” Segundo Iscia, é pos-sível melhorar esse desempenho com aplicações repetidas ou aumento da dose, que pode ser até dez vezes maior.

Embora os resultados sejam promis-sores, ainda são necessários muitos ou-tros testes – e anos de trabalho – até que se comprove que essa estratégia é viável e segura para tratar a esquistossomose. “Não identificamos efeitos indesejados nos camundongos”, afirma Iscia, “mas ninguém sabe as conseqüên cias da tera-pia de RNAi no longo prazo”. Até o mo-mento não se conhecem os resultados de testes clínicos com seres humanos.

Diante dessas dúvidas, vale a pena investir nesse caminho? Para Iscia, vale, pois o potencial terapêutico dessa estra-tégia vai além do tratamento da esquis-tossomose. Em princípio, pode-se usar o RNAi para combater qualquer doença provocada pelo hiperfuncio namento de um gene ou pela ação de um gene de-feituoso. Além disso, é mais fácil e rápi-do desenhar moléculas de RNA para silenciar um gene e impedir a produção de uma proteína do que buscar na na-tureza ou desenhar moléculas que blo-queiem a ação dessa proteína depois de pronta. E não pode surgir resistência às terapias com moléculas de RNA? “Po-de”, afirma Iscia, “mas em menos de 2 dias conseguimos desenhar e produzir moléculas de RNA que impeçam a pro-dução de outra proteína”. ■

Ainda são

necessários mais

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comprovar que a

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Ciência, embates e debates

especial: revolução genômica i

52 Apresentação

56 Oliver SmithiesA experiência de ser geneticista durante 60 anos

60 Niles EldredgeBiodiversidade e a sexta extinção

63 Miguel NicolelisGenes, circuitos e comportamentos: navegando na fronteira da neurociência

66 Mesa-redondaA contribuição da exposição Revolução genômica para a divulgação da ciência

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Pesquisa FAPESP traz nesta edição de abril de 2008 o primeiro de uma série de encartes especiais relativos às palestras, às mesas-redondas e aos de-bates organizados pela revista como programação cultural paralela à exposição Revolução genômica, cuja realização é de responsabilidade do Instituto Sangari, com apoio de várias empresas e institui-ções, inclusive a FAPESP. Vale registrar que até 13 de julho essa mostra ficará em cartaz em São Pau-lo, no Parque do Ibirapuera, dentro de um dos vários prédios ali projetados pelo arquiteto Oscar Niemeyer – o recém-reformado Pavilhão Enge-nheiro Armando Arruda Pereira –, e em seguida, irá percorrer outras cidades brasileiras. Como re-latamos no mês anterior (ver edição 145), a expo-sição foi montada em 2001 pelo Museu de Histó-ria Natural de Nova York e chega ao Brasil depois de ter sido vista por 800 mil pessoas nos Estados Unidos, China e Nova Zelândia. Ressalte-se que aqui, com uma co-curadoria local, ela ganhou importantes acréscimos referentes tanto à biodi-versidade brasileira quanto às contribuições do país à pesquisa em genômica, incluindo as que se referem à genética dos alimentos.

Enquanto segue a mostra que num total de 2 mil metros quadrados encanta os visitantes de todas as idades, em boa parte das manhãs de do-mingo, tardes de sábado e final da tarde das terças- feiras, no auditório montado no térreo do Pavi-lhão Engenheiro Armando Arruda Pereira, perso-nagens fascinantes, como Oliver Smithies, um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Fisiologia e Me-dicina do ano passado, relatam o que fizeram pa-ra que seus pares tenham considerado sua contri-buição tão decisiva para o avanço do conhecimen-to. Outros contextualizam socialmente, cultural-mente, ou põem em perspectiva histórica con-quistas de cientistas que entendemos que mol-daram ou estão moldando o conhecimento acumulado pela humanidade. Na verdade, as pa-lestras e debates que constituem a programação paralela da Revolução genômica se ordenam por quatro eixos pensados conjuntamente pela equipe da revista, mais o coordenador científico do pro-jeto geral de Pesquisa FAPESP e desse projeto es-pecífico ligado à exposição, Luiz Henrique Lopes dos Santos, professor de filosofia da Universidade de São Paulo (USP), e as co-curadoras brasileiras da exposição, a geneticista Eliana Dessen e a jor-nalista Mônica Teixeira. Esses eixos têm por títu-lo: “Genômica: modelando a biologia do século XXI”; “As ciências do século XX e as novas fron-teiras do conhecimento no século XXI”; “Os de-safios da divulgação de ciência” e “Tecnologias genômicas”. É importante ressaltar que todas as conferências e debates são abertos ao público, portanto com entrada livre e gratuita (vale confe-rir a programação no site da revista: www.revista pesquisa.fapesp.br).

Pois bem, nos encartes especiais que iniciamos agora, o que vamos procurar pôr em cena é a pa-lavra dos respeitados cientistas, dos pesquisadores

Um tempo e um lugar para debates fundamentais

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ligados a múltiplas áreas e dos variados especia-listas que estão fazendo essas palestras e debates. Palavra de quem tem algo significativo a dizer quando o que está em questão são as fronteiras do conhecimento e o lugar da ciência e da tecnologia – ou da tecnociência contemporânea, se preferi-rem – na construção das culturas e das sociedades nas quais já estamos imersos ou que estamos pro-jetando para um lugar chamado futuro. É tam-bém a palavra sensível e bem fundamentada de pensadores num tempo em que ante nossos olhos se põem delicadas questões éticas e espinhosas questões filosóficas, abertas, às vezes, por um cientificismo absoluto, por um “biologismo” ex-cessivo ou um tanto reducionista. Dito de outra forma, esses encartes pretendem abrir espaço pa-ra a palavra que se refere diretamente aos avanços do conhecimento científico, proferida por seus protagonistas, e para a palavra que põe em deba-te a natureza, os limites e o caráter relativo desse conhecimento, dita por seus analistas.

Insisto tanto em dizer “palavra” porque o desafio aqui é, muito mais do que dar notícia das palestras e dos debates, deixar vazar, num texto que necessa-riamente será muito cortado em relação à fala ori-ginal dos conferencistas, o pensamento, as idéias, a reflexão que cada um apresentou. Não é desafio pequeno, dado que ao jornalista que edita o texto cabe aqui uma sombra mais espessa que de hábito para que brilhe o que disse o outro. E ainda bem que os leitores mais sequiosos desse exato espírito das coisas vão poder contar com a íntegra de todas as falas transcritas na versão on-line da revista, assim como vão ter ali mesmo pequenas amostras visuais de como eles falaram, nos vídeos de 2 a 4 minutos que estamos disponibilizando. Vale dizer que as pa-lestras também são objeto da cobertura do progra-ma radiofônico Pesquisa Brasil, resultado de uma

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parceria entre a revista Pesquisa FAPESP e a Rede Eldorado, que já entrou no quarto ano de vigência.

Para encerrar, gostaria de observar que esse front novo de atuação proposto à revista pelo diretor científico da Fundação, Carlos Henrique de Brito Cruz, ou seja, organizar um ciclo extensivo de pa-lestras e debates sobre questões fundamentais rela-tivas ao conhecimento científico e à reflexão a seu respeito, cuidando inclusive da vinda de pesquisa-dores estrangeiros a São Paulo, tem se mostrado, além de estimulante, uma fonte preciosa de apren-dizado sobre as muitas vias possíveis de circulação e difusão social da informação sobre ciência. E é notável, nesse sentido, a disponibilidade dos pesqui-sadores convidados para o encontro direto com o público, sua visível vontade de cooperar com um projeto de difusão científica, a despeito das agendas apertadas. Como é igualmente notável uma predis-posição à colaboração nesse âmbito da difusão, por diferentes atores. Foi assim, por exemplo, que o pro-fessor João Bosco Pesquero, da Universidade Fede-ral de São Paulo (Unifesp), que já estava trazendo Oliver Smithies para um simpósio sobre tecnologias transgênicas em São Paulo, imediatamente se dispôs a falar com ele sobre fazer uma outra conferência no âmbito da programação da Revolução genômica, quando manifestei meu interesse por isso.

Assim, se é verdade que a ciência avança não só via pesquisa incansável, mas também por meio do debate sem concessões a seu respeito, como nos repete sempre o professor Brito Cruz, é igual-mente verdade que a boa difusão ou divulgação científica às vezes depende de muitos sins, de mui-ta convergência de propósitos. E aqui fica um agradecimento verdadeiro a todos que estão criando a cada semana a programação paralela da exposição Revolução genômica, dos palestrantes à equipe do Instituto Sangari.

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Exemplares da biodiversidade

brasileira – o homem entre eles (dir.) –

são atrações à parte na entrada da exposição

Espalhada por 2 mil metros quadrados, a grande mostra Revolução genômica encanta um público curioso, interessado em entender um pouco mais o DNA. Os visitantes podem assistir a palestras de cientistas e fi lmes de fi cção científi ca

Cenas da exposição

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Monitores ajudam

estudantes a extrair DNA de morango

Instrumentos de pesquisa genética (esq.), uma dupla hélice gigante e alimentos usados para explicar conceitos

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Oliver SmithiesPara biólogo ganhador do Nobel, sucesso na carreira científi ca exige paixão pelo que se faz, muito trabalho e persistência diante dos maus resultados

Mariluce Moura

Oliver Smithies dividiu com Mar-tin Evans e Mario Capecchi o Nobel de Fisiologia e Medicina de 2007 por sua “demonstração de que era possível alterar um gene através da introdução de um DNA exterior”. Sem dúvida dá para dizer isso de forma um pouco mais detalhada, ou seja, que esse cientista de 82 anos, hoje professor de patologia e medi-cina laboratorial na Escola de Medi-cina da Universidade da Carolina do Norte, Estados Unidos, conquistou o prêmio junto com os dois colegas por ter desenvolvido um método para introduzir modificações gené-ticas específicas em camundongos usando células-tronco embrioná-rias, o que possibilitou a criação de animais geneticamente modifica-dos, que funcionam como modelos experimentais de doenças.

A explicação mais simples e sin-tética, entretanto, foi oferecida pelo próprio Smithies a um público em grande parte leigo, que o ouvia fas-cinado no final de uma manhã en-solarada no domingo, 12 de março. O local do encontro era o auditório do recém-reformado Pavilhão Ar-mando Arruda Pereira, um dos pré-dios projetados por Oscar Niemeyer no Parque do Ibirapuera em São Paulo. E já se aproximava das 13 ho-ras quando o bem-humorado pes-quisador exortou seus mais jovens ouvintes a escolherem uma área da qual gostassem apaixonadamente, a trabalharem muito, inclusive do-mingos e feriados, e a serem persis-tentes, se quisessem ter de fato su-cesso na carreira científica.

Entre a palestra que preparara, “A experiência de ser geneticista durante 60 anos”, e as respostas às perguntas do público, o professor Oliver Smithies falara por quase 2

horas sobre os momentos mais marcantes de sua trajetória cientí-fica, seus métodos de pesquisa, os grandes desafios que enfrentara, os equipamentos que inventou, e ain-da fez breves referências a aspectos mais pessoais de sua vida. Era como se virasse páginas de seus cadernos de anotações, comparou, e de fato ele apresentou algumas essenciais, como a que resumia os dados do trabalho que levou até o Nobel. Mostrou no final uma foto sua em frente a um pequeno avião – pilotá-los é seu grande hobby – e uma ou-tra de sua mulher, a cientista No-buyo Maeda, muitos anos mais jo-vem do que ele, depois de dizer que “um sábado perfeito inclui pilotar o avião, almoçar com a mulher e, à tarde, trabalhar no laboratório”.

O ponto de partida da fala de Smithies foram as três diferentes formas pelas quais, em sua visão, ocorrem as descobertas científicas: por acidente, oportunidade ou planejamento. “Às vezes, descobre-se algo acidentalmente. Isso ocorre freqüentemente em ciência. Ao se fazer essa descoberta, surge a opor-tunidade para outras, decorrentes do acidente que propiciou a pri-meira. Por fim, embora raramente, se consegue fazer algo que foi pla-nejado.” O pesquisador mostrou alguns exemplos dessas situações em seu trabalho, começando por apresentar sua tese de doutorado, publicada em 1952. “Fiquei muito orgulhoso dela. Vejam que minhas experiências são bastante precisas. Mas ninguém jamais utilizou o método que inventei. Eu não o uti-lizei. Provavelmente, ninguém leu o texto, o que acontece freqüente-mente, mas aprendi a fazer boa ciência.”

O pós-doutoramento, “etapa seguinte da vida de um cientista”, Smithies passou em um laboratório na Universidade de Wisconsin, on-de ficou por dois anos trabalhando na aplicação de quatro métodos pa-ra analisar proteínas. O artigo rela-tivo a essa experiência, ele diz, tam-pouco foi lido ou utilizado por al-guém. Ele não relatava ali nenhuma descoberta, entretanto aprendeu, “assim, a fazer boa ciência”. E alguns fundamentos dos métodos que ex-perimentava serviram, em 1972, quer dizer, quase 20 anos mais tar-de, para Warren Gilson inventar uma pipeta de precisão que o tor-nou milionário.

Pouco tempo depois viria uma descoberta acidental em filtração molecular. “Aqui está a primeira pá-gina de um de meus cadernos, com anotações a lápis. Vejam a data, era 1º de janeiro. Vocês não podem dor-mir, devem trabalhar”, insistiu Smi-thies. Ele estava enfrentando proble-mas com medições de uma proteína (“vejam como ela se parece com um tapete sendo desenrolado”), e lá pa-ra as tantas decidiu se valer de um método que alguns pesquisadores tinham criado com amido em pó, e que permitia à proteína se movi-mentar pela água em torno dos grãos. “Mas era muito difícil deter-minar até onde a proteína tinha se deslocado. Havia que fatiar o amido, separá-lo em muitas fatias para me-dir em cada uma delas a quantidade de proteína”, explicou. As vivências extra-acadêmicas o ajudaram a en-contrar um caminho: “Lembro-me de ajudar minha mãe a lavar roupas quando criança. Antes de lavar pe-ças coloridas, ela cozinhava o amido e preparava uma substância que to-dos vocês devem conhecer: goma. Depois de preparada, essa goma ti-nha consistência de gel. Pensei que poderia cozinhar o amido para pre-parar um gel que poderia ser tingi-do, e assim não teríamos o trabalho de fazer essas 50 fatias”, disse. Foi exatamente essa experiência que Smithies fez, ele contou enquanto exibia imagens da proteína que se movimentava numa finíssima faixa ou banda. Ele fizera um grande avanço, “mas algo inesperado acon-teceu”. Ocorre que é necessária uma grande quantidade de amido para transformá-lo em gel e, dessa for-

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Smithies com João Bosco Pesquero; no estádio do Morumbi, com a camisa do Corinthians; e durante entrevista

ma, o produto terminava ficando muito denso. Um dos resultados disso foi que as moléculas pequenas passaram a se mover rapidamente, enquanto as maiores se moviam mais lentamente, e as proteínas que ele estava pesquisando separaram-se de acordo com seu tamanho. “Acidentalmente, inventei a peneira molecular por eletroforese”, Smi-thies resumiu em meio a um largo sorriso.

Recombinação não-homólogaUm dia – era março de 1954 – , ele abandonou o estudo que vinha conduzindo com aquela proteína e decidiu usar o mesmo procedimen-to para analisar uma amostra de seu próprio sangue. Conseguiu identi-ficar 11 bandas distintas na amostra de sangue. Os métodos disponíveis até então permitiam identificar só cinco bandas. “Compreendi que meu método era bom. Passei a es-tudar proteínas sangüíneas, já que eu sabia que havia descoberto algo inédito.” Smithies mostrou à platéia imagens das proteínas sangüíneas de dois amigos – e suas fotos – para que se observasse a similaridade dos padrões obtidos. Amostras de outras pessoas, incluindo uma mu-lher, foram analisadas e, observan-do os resultados, ele imaginou que deparara com uma importante di-ferença entre homens e mulheres. Tanto que durante alguns dias tes-tou diariamente amostras deles e delas. Aparentemente foi um tiro n’água: não havia diferença no san-gue de homens e mulheres. No en-tanto, Smithies chegara no final de 1954 à conclusão de que a diferença estava na genética, “isto é, tratava-se de uma diferença herdada”, um achado científico importante. Con-tinuou nessa linha de trabalho jun-to com Norma Ford-Walker ao longo de 1955 e concluíram que o padrão mais simples encontrado indicava que havia duas cópias do gene 1, o mais complexo, duas có-pias do gene 2, enquanto o padrão misto indicava que havia uma cópia de cada um dos genes. “Entende-mos bastantes aspectos dessa dife-rença”, ele disse.

A próxima etapa era descobrir as diferença herdadas em proteínas do plasma – e qualquer bom acha-do aí estaria no âmbito daquelas

descobertas que resultam de uma oportunidade. Smithies juntou-se a George Connel e Gordon Dixon em 1961 e primeiro trataram de simpli-ficar o padrão complexo. “Não vou entrar em detalhes porque isso en-volve muita química, mas tivemos que usar uma substância com pés-simo odor”, ele contou. Era beta-mercaptoetanol. Espirituoso, o pes-quisador lembrou que deixou cair um frasco com a substância sobre seus sapatos – um desastre para quem só tinha dois pares. “Eu os coloquei na janela para que o chei-ro saísse e, após uma semana, resol-vi calçá-los. Tive que ir à delegacia de polícia para resolver um assunto e lá duas senhoras conversavam. De repente uma delas disse: ‘Você está sentindo esse cheiro?’, e a outra res-pondeu: ‘Sim, sim! Você acha que é um cadáver?’. Deixei meus sapatos na janela mais um tempo, depois continuei a usá-los.”

Foi usando essa substância mal-cheirosa que os pesquisadores pu-deram mostrar que a diferença ge-nética que haviam descoberto era mais simples do que parecia. Entre-tanto, descobriram também que havia três, e não só dois genes im-plicados na questão que investiga-vam. “Fizemos achados interessan-tes, ainda que não pudéssemos compreender nossos resultados”, disse Smithies, deixando claro o quanto é freqüente no processo da pesquisa científica esse não-saber o que se tem em mãos. Entretanto, as coisas avançam também por entre o desconhecimento. “Um dia, re-pentinamente, descobri o que havia acontecido. Percebi que os dois ge-nes da haptoglobina com que tra-balhávamos de algum modo se uni-ram e formaram um gene mais longo. É o que chamamos de re-combinação.” E nesse ponto ele chamou a atenção para algo que teria relação no futuro com o prê-mio Nobel que iria conquistar: o que haviam observado era uma re-combinação não-homóloga – assim eles a nomearam –, dado que os dois genes haviam se unido por lo-cais diferentes. Àquela altura, bas-tante satisfeitos com seus resulta-dos, os três decidiram ir ao Segundo Congresso Internacional de Gené-tica Humana, que aconteceria em Roma de 6 a 12 de setembro de 1961, FO

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e lá apresentar o trabalho “Genetic and chemical aspects of the hapto-globins” e falar de suas hipóteses. Tinham concordado em fazer um teste antes para determinar o tama-nho das proteínas, imaginando que seriam menores nos genes menores e maior no G2, que era maior, e não observaram nenhuma diferença. Ainda assim decidiram “fazer algo que os cientistas fazem com certa freqüência”, ou seja, expor os resul-tados, a hipótese, a idéia de que os dois genes estavam unidos fazendo um gene maior, comentar os resul-tados dos testes que indicavam que eles não eram diferentes e final-mente dizer que não acreditavam nos resultados. “Acreditávamos que os resultados é que estavam erra-dos, não nós”, Smithies disse com graça, expondo um pouco mais as mal conhecidas entranhas do fazer científico.

Moscas e homologiaEles fizeram exatamente o planeja-do em Roma e Smithies assegurou que trabalharia em um modo de evidenciar as tais diferenças no ta-manho das proteínas. Em 8 de ou-tubro, considerando a hipótese de que num gel mais concentrado as duas moléculas menores iriam au-mentar a velocidade e se movimen-tariam ambas da mesma forma, enquanto a molécula maior se mo-vimentaria de forma diferente, mais lentamente, ele traçou um diagrama do resultado que esperava encon-trar. Na manhã seguinte, seu resul-tado era exatamente o previsto. “Meu novo método mostrou que estávamos corretos e conseqüente-mente descobri por que o outro es-tava errado. Então, entendemos o que estava acontecendo e qual era o processo para não ter as proteínas colando umas nas outras.”

Oliver Smithies lembrou a essa altura que fazia parte do departa-mento de genética da Universidade de Wisconsin. E o chefe do depar-tamento lhe falou sobre um traba-lho com moscas-das-frutas. Os pes-quisadores que se dedicavam a ex-periências genéticas com elas traba-lhavam há cerca de 20 anos para solucionar o seguinte problema: descobrira-se uma mutação que alterava o formato dos olhos da mosca, do oval para uma forma de

barras, fenômeno que foi chamado de bar mutation. Mais tarde, outro pesquisador descobriu que algumas das moscas que tinham olhos estra-nhos eventualmente melhoravam, pois tinham filhotes de olhos nor-mais, e outras pioravam. Isso ocor-ria repetidamente pelo seguinte: olhando-se para o cromossomo da mosca vê-se em determinado pon-to que as normais têm duas bandas, as de olhos estranhos quatro e as que têm os olhos ainda piores têm seis bandas, e pode ocorrer uma variação de duas para até seis ban-das e vice-versa, num fenômeno previsível. Mas o fenômeno a que Smithies quer chegar com esse rela-to é o da recombinação homóloga e ele se vale do movimento de unir as mãos pelas palmas, com diferen-tes posições dos dedos, para dar uma idéia ao público: “Vejam, ao tentar unir os genes que tenho em minha mão direita com os que te-nho em minha mão esquerda, vocês podem observar que de determina-da forma eles não combinam, nu-ma segunda forma também não, mas agora combinam. Isso é o que chamamos de homologia. Quando

isso ocorre, tem-se algo previsível”. Os pesquisadores passaram a com-preender, ele disse, que havia algo que podiam prever muito bem, ou seja, a ocorrência da recombinação homóloga. “Conseguimos observar nas amostras que alguns indivíduos possuíam a mesma proteína dupli-cada e entendemos a diferença.”

A conclusão mais importante foi a de que se poderia utilizar essa previsibilidade, a recombinação homóloga, para alterar um gene. E daí surgiu a pergunta crucial: qual gene escolher para pesquisar isso? Oliver Smithies se detém em algu-mas considerações sobre a anemia falciforme, uma condição em que as hemácias apresentam formas di-ferentes e que ocorre especialmente em afrodescendentes na África, de-vido a uma mutação no gene que produz a hemoglobina. “É interes-sante notar que tal mutação serve como uma proteção contra a malá-ria, que causa milhões de mortes todos os anos. Dessa forma, a fre-qüência de ocorrência do gene da anemia falciforme nessa população aumenta bastante, pois os indiví-duos que o têm estão protegidos,

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Anotações que levaram ao Nobel

sobrevivem, enquanto os outros morrem.” Mas há uma penalidade: quando existem duas cópias do ge-ne, há um resultado negativo, que são essas células deformadas, des-coberta feita em 1910.

Aprendido o isolamento de ge-nes do DNA e o seqüenciamento de genes, os pesquisadores descobri-ram que a diferença entre a hemo-globina normal e a da anemia falci-forme estava na mudança de uma única letra. E a questão que Smi-thies se propôs foi: “Se a alteração de uma única letra faz a diferença entre um gene normal e um que pode causar problemas, não seria interessante fazer a troca do gene defeituoso por uma cópia correta?”. Foi aí que ele teve a idéia de corrigir o gene por meio do que hoje se cha-ma targeting (direcionamento). “Aqui temos o gene errado, com a letra errada, e aqui temos uma par-te do gene correto. Se aproximar-mos o gene correto, ele pode iden-tificar o local exato para se unir. É o que chamamos cruzamento de ho-mólogos”, ele ilustra com as mãos, antes de exibir suas anotações da época. Oliver Smithies acreditava que se pudesse provocar o cruza-mento homólogo conseguiria de fato corrigir o gene errado.

Ele mostra suas anotações numa página de 1982 e em outra de 1985, na verdade as páginas cruciais para a conquista do Nobel. “Aqui havia uma idéia, e eu sabia como testá-la”, ele diz. “Minha idéia era a seguinte: retirar o gene bom de uma célula normal e inseri-lo em uma célula com o gene errado, observando se poderia alterá-lo. Precisaria colocar algo no DNA entrante que não esti-vesse presente no local de inserção, um fragmento recombinante. Se os dois se juntassem, teríamos a re-combinação homóloga. Eu conse-guiria fazer o direcionamento dos genes se conseguisse descobrir em que parte da seqüência os dois se combinavam.” Foi exatamente o que ele tentou nos três anos seguin-tes, ou seja, de 1982 a 1985.

Persistência e vitóriaO primeiro experimento não deu certo. Foi num 23 de junho, “dia de meu aniversário”, Smithies comenta. Para continuar o trabalho ele inven-tou junto com seus colaboradores

novos equipamentos. Ainda estava procurando o fragmento recombi-nante. “Havia um gene que nos aju-daria a realizar a experiência. Tínha-mos que usar células com o gene betaglobina, e era muito difícil pe-netrar neles. Para que fosse possível inserir o DNA, era necessário pulsos de alta voltagem. As células eram colocadas em uma pequena câmara onde se fazia a passagem de corren-te elétrica para abrir pequenos bu-racos na superfície da célula, e assim fazer penetrar o DNA.” Se hoje com-pram-se facilmente os equipamen-tos para esse gênero de experiência, naquele momento havia que fabri-cá-lo. Smithies exibe uma foto de seu equipamento, cuja base era uma banheira para bebê, a que se juntam um suporte para pequenos tubos e alguns dispositivos eletrônicos com-prados em lojas especializadas.

A experiência funcionou. Uma página de caderno atesta o primeiro momento no qual Smithies e sua equipe conseguiram dois resultados positivos. Depois, ao tentar repetir a experiência, ela não deu resultado. Isso aconteceu mais uma vez. “De-veria existir algo diferente nessas duas experiências comparando-as com as que havíamos feito anterior-mente e há uma pequena anotação no pé da página indicando isso”, ele diz, e imediatamente recomenda: “Como cientistas, vocês devem fazer boas anotações, pois pode haver um momento em que estejam repetin-do uma experiência sem resultados

e então será necessário procurar o que está sendo feito de modo dife-rente”. Eles continuaram com a ex-periência e terminaram obtendo o resultado esperado.

“Com os resultados corretos, deveríamos encontrar algumas cé-lulas em que o DNA tivesse um comprimento de 8 mil bases. Com os resultados incorretos, o compri-mento seria de 11 mil bases” , Smi-thies explica e mostra a página de 1985. “Levamos 3 anos entre a pri-meira página e esta página, que é a que explica por que eu recebi o Prêmio Nobel, pois pude demons-trar que era possível alterar um gene através da introdução de um DNA exterior.”

Oliver Smithies fala em seguida sobre a percepção de que a técnica deveria ser utilizada para outros fins que não a terapia genética, porque nesse âmbito era pouco eficiente e muito complicada. É nesse momen-to que começa a se articular sua pesquisa com os trabalhos das célu-las-tronco embrionárias descober-tas por Martin Evans e Matt Kauf-man em 1981. “Ele descobriu que ao se fertilizar um óvulo – de rato neste caso, mas isso ocorreria da mesma forma com humanos – e deixá-lo crescer, essa célula primei-ramente se divide em duas, depois em oito, 16 e continua a aumentar em número. Então, elas começam a sofrer alterações.” A maior parte das células permanece em uma estrutu-ra que se parece com uma bola de FO

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Pela primeira vez na história das espécies, o desaparecimento em massa de várias formas de vida na Terra não será resultado de eventos físicos, de perturbações nos ecos-sistemas derivadas de fenômenos de causa natural. Diferentemente das cinco grandes extinções que ocorreram nos últimos 420 mi-lhões de anos, a sexta será essen-cialmente creditada na conta de um agente biológico: o homem.

“Somos o equivalente atual do me-teoro que matou os dinossauros”, comparou o paleontólogo e biólo-go evolucionista Niles Eldredge, um dos curadores do Museu de História Natural de Nova York, em palestra realizada no dia 1º de mar-ço, dentro do ciclo de eventos cul-turais organizados por Pesquisa FAPESP para a exposição Revolu-ção genômica.

Até agora, as grandes extinções, eventos ainda não totalmente com-preendidos, foram debitadas na conta de enormes ocorrências na-turais, como o movimento das pla-cas tectônicas, a intensa atividade vulcânica ou a queda de corpos ce-lestes na Terra, que mudaram rápi-da e drasticamente o clima e as condições de vida no planeta. A mais mortífera, a terceira grande extinção, varreu do globo 54% das famílias de organismos vivos há 245 milhões de anos, mas perde em fa-ma para a mais recente, a que dizi-mou os dinossauros 65 milhões de anos atrás.

Com o falecido paleontólogo e biólogo evolucionista Stephen Jay Gould, Eldredge formulou a teoria do equilíbrio pontuado, segundo a qual a evolução das espécies não se dá de forma constante, mas alter-nando longos períodos de poucas

Niles EldredgePaleontólogo diz que homemé patrocinador e talvez vítima da sexta grandeextinção das formas de vida da Terra

Marcos Pivetta

tênis oca. Essas células embrioná-rias, ao serem retiradas do embrião e colocadas em uma placa de cultu-ra com algo que possa nutri-las, for-mam pequenas colônias. “Essa foi a descoberta de Evans, com seus estu-dantes e ele demonstrou que, com aquelas células, era possível criar um novo rato.”

Smithies explicou que se as célu-las forem retiradas da placa de cul-tura e, em seguida, implantadas nos blastos de um outro animal e, de-pois, recolocadas no animal como em uma fertilização in vitro, este animal produzirá filhotes a partir dessas células Tais filhotes serão “misturados”, uma parte dos genes virá daqui e a outra parte virá da célula injetada. “Temos, então, ratos criados a partir dessas células-tron-co.” Dessa forma, é possível alterar os genes dessas células e criar ratos geneticamente modificados. Martin, segundo Smithies, levou suas células dentro de um tubo de ensaio no bol-so, em novembro de 1985. “Passa-mos a utilizar essas células para pro-vocar mutações nos ratos. Não en-trarei em detalhes, mas gostaria de dizer que, para tanto, tivemos de in-ventar novos equipamentos, inclu-sive de PCR (reação em cadeia da polimerase)”, ele relatou.

Um dos primeiros modelos que eles criaram foi o da fibrose cística. Depois, ratos com aterosclerose, “que mata cerca de um terço das pessoas nas sociedades modernas”. Smithies continuou seus estudos pesquisando pressão arterial e vie-ram os modelos hipertensos.

Ele chega ao final, conservando a imagem das muitas páginas per-corridas. “O que há na próxima pá-gina? Eu não sei, e é isso que torna a ciência algo tão excitante.” Encerra lendo uma frase escrita por seu pro-fessor Sandy Ogston em um de seus artigos: “Porque a ciência não é so-mente a procura pela verdade, não é somente um jogo desafiador, ou uma profissão. Ela é uma vida levada por diversas pessoas, coletivamente, como em uma escola onde se apren-de a viver em sociedade, da forma mais coletiva possível, onde somos membros uns dos outros”. Acrescen-ta: “Essa foi sua mensagem para mim como um jovem cientista, e essa é a mensagem que deixo para vocês, como um velho cientista”. ■

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mudanças com rápidos saltos trans-formativos. Transformações foram, aliás, o tema central de sua palestra.

“Quando há mudanças muito re-pentinas, as espécies desaparecem”, disse o pesquisador, que, no verão de 1963, morou por três meses na praia de Arembepe, a cerca de 60 quilômetros de Salvador, onde es-tudou a economia da vila local de pescadores. “Gosto de pensar as es-pécies como participantes do jogo da vida.”

Didático, o pesquisador se deu ao trabalho de traduzir para o por-tuguês alguns termos importantes de sua apresentação e estabeleceu uma ponte entre o tema da palestra e o assunto central da exposição. Explicou uma série de conceitos à platéia. Afirmou que a biodiversi-dade pode ser entendida como to-das as espécies presentes em todos os ecossistemas do mundo. Segun-do Eldredge, o conceito de espécie pode ser resumido como um grupo de animais, plantas ou outros seres vivos que partilham um genoma comum. Ecossistemas, nas palavras do paleontólogo, são formados pe-los grupos de espécies que moram numa região e trocam matéria e energia. “Todos os ecossistemas do mundo estão também interconec-tados por fluxos de matéria e ener-gia”, comentou. Para ilustrar esse ponto, Eldredge disse que o funcio-namento do canal do Panamá, na América Central, depende da ma-nutenção das florestas tropicais em sua área de captação de águas. A interdependência também vale, cla-ro, para o Brasil, um país enorme com vários biomas também inter-ligados por essa troca de matéria e energia. Lembrou também que, em última instância, todas as espécies do planeta derivam de um longín-quo ancestral comum, que viveu há 3,5 bilhões de anos.

O avanço sobre a naturezaEldredge estabeleceu um paralelo entre a história evolutiva de nossa espécie e a ameaça que hoje paira sobre boa parte das formas de vida da Terra. Após o surgimento dos primeiros humanos modernos na África há cerca de 100 mil anos, o Homo sapiens começou a se espalhar por todos os continentes e a alterar a paisagem do planeta como nunca

se viu e numa rapidez sem precedentes. Passou a explorar em excesso as espécies da natureza, po-luir o ambiente, desor-ganizar os biomas ao introduzir formas de vi-da de um ecossistema em outro. Desde então, a população humana não parou de crescer, au-mentando ainda mais a pressão sobre os recur-sos globais. “Ninguém quer destruir o planeta, mas estamos destruin-do-o rapidamente”, afir-mou Eldredge, curador da exposição Darwin, ho je em cartaz no Rio de Janeiro depois de ter si do exibida em São Paulo.

Segundo o pesquisador, a sexta extinção – um tema, sem dúvida, sujeito a controvérsias – entrou em sua segunda fase há 10 mil anos, quando o homem, após ter fincado pé nos principais pontos do globo, inventou a agricultura, tornou-se sedentário e mudou drasticamente sua relação com os biomas. Em vez de ser apenas um caçador-coletor, dependente do que a natureza lhe oferecia, como ainda são hoje os índios ianomâmis na Amazônia, o homem começou a plantar os ali-mentos de que necessitava. “Saímos dos ecossistemas locais e passamos a não depender deles para comer”, disse Eldredge. “Começamos a pro-duzir nosso alimento. Não come-mos mais frutas das árvores.”

Um dos principais efeitos do sucesso desse modelo humano de

“Somos o equivalente atual do meteoro que matou os dinossauros. Mas ninguém está desistindo. O primeiro passo para resolver um problema é reconhecê-lo”

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ocupação de espaços é o aumento da população do planeta. Hoje há mais de 6 bilhões de pessoas na Ter-ra. Mas quantos indivíduos o pla-neta pode suportar? “Depende do padrão de vida que escolhermos”, afirmou o paleontólogo. “Se pen-sarmos num padrão de classe mé-dia, mais ou menos confortável, acho que a Terra tem condições de suportar apenas 2 bilhões de pes-soas.” Nesse contexto, cidades ga-nham cada vez mais importância. O homem vive cada vez mais dis-tanciado dos ecossistemas, em cida-des que ele construiu. “O Rio de Janeiro é uma beleza de cidade, mas também é um choque entre a natu-reza e a humanidade. Aliás, como toda cidade”, comentou. Com o passar do tempo, muitos animais passaram a temer a presença des-truidora do homem em suas redon-dezas. Tanto que é comum hoje um elefante, apesar de seu porte avan-tajado, ter medo de humanos, se-gundo Eldredge. Em raros lugares do mundo, onde a presença do Ho-mo sapiens ainda não fez história, os bichos não temem quase que ins-tintivamente a incômoda visita de nossa espécie.

“O primeiro passo para resolver um problema é reconhecê-lo”, salientou.

“Ninguém está desistindo e há mo-tivos para esperanças.” Há pelo me-nos três razões para a humanidade trabalhar pela preservação das es-pécies, de acordo com Eldredge: os organismos vivos prestram serviços aos ecossistemas; muitas espécies podem ser diretamente utilizadas pelo homem; e, por fim, há os “mo-tivos estéticos”. O pesquisador co-mentou que, ao ver um animal ou uma planta bonita, “lembramos que também viemos da natureza”. Pode parecer um argumento frágil, mas, sem dúvida, verdadeiro. Afinal, quem nunca se comoveu diante de uma bela paisagem da natureza?

Para minorar a ameaça às formas de vida da Terra, o paleontólogo de-fendeu a adoção urgente de medidas para conservar os biomas e estabilizar a população do planeta. “Precisamos tratar o vizinho como se a nossa vida dependesse dele”, afirmou. No entan-to, ele reconheceu que o eventual desaparecimento do Homo sapiens não deverá representar literalmente o fim do mundo. Alguma forma de vida, como sempre, escaparia à hipo-tética sexta extinção em massa. ■

Eldredge: planeta comporta apenas 2 bilhões de pessoas com padrão de vida de classe média

O maior aspecto negativo da supremacia do Homo sapiens como espécie dominante na Terra é a cri-se atual da biodiversidade, que, de acordo com algumas estimativas, pode estar levando ao desapareci-mento de 30 mil espécies por ano – e à sexta grande extinção, da qual nossa espécie talvez não escape, se-gundo Eldredge. Mas extinções não fazem parte da história evolutiva, pode-se contra-argumentar? É ver-dade. O sumiço de algumas espé-cies abre caminho para o surgimen-to ou a ascensão de outras. Os ma-míferos sempre viveram na sombra dos dinossauros – ambos os grupos de animais surgiram mais ou me-nos ao mesmo tempo – e só passa-ram a ocupar lugar de destaque no planeta com o desaparecimento dos grandes répteis. Mas também é verdade, como lembrou o paleon-tólogo, que as extinções em massa somente terminam quando a causa central delas desaparece. No caso da sexta extinção, o fator primor-dial que a impulsiona seria o pró-prio homem. Logo...

Mas não se deve pensar que tu-do está perdido, como fez questão de lembrar o próprio pesquisador.

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Miguel NicolelisNeurocientista desvenda linguagem do cérebro e transcende limitações do corpo

Maria Guimarães

Miguel Nicolelis guarda com cari-nho a memória dos jogos de futebol e brincadeiras no parque paulista-no do Ibirapuera quando menino. No dia 11 de março ele voltou ao Ibirapuera, desta vez como neuro-cientista consagrado, para apresen-tar a palestra “Genes, circuitos e comportamentos: navegando na fronteira da neurociência”. Ao lon-go de 1 hora, o professor da Univer-sidade Duke, nos Estados Unidos, recapitulou as contribuições de sua carreira à neurociência, contou co-mo a genética é uma das ferramen-tas que o ajudam a entender circui-tos neurais e os comportamentos que se baseiam neles e incitou a pla-téia a imaginar-se em outro planeta sem sair do lugar.

A pesquisa desenvolvida por Ni-colelis está na linha de frente da neurofisiologia atual. Suas técnicas, que permitem medir a atividade elétrica de centenas de neurônios, vêm mostrando que o cérebro é ca-paz de uma enorme plasticidade na associação entre visão e movimen-to – o sistema visomotor. Ele verifi-cou também que o aprendizado é capaz de alterar os circuitos cere-brais associados a esse sistema.

OrquestraA idéia não é nova. Em 1949, o psi-cólogo canadense Donald Hebb publicou Organização do comporta-mento, segundo Nicolelis um dos livros mais citados e menos lidos da neurociência – é presença quase obrigatória em listas de referências bibliográficas de trabalhos da área, mas as citações se referem sempre a um mesmo parágrafo sobre a “lei do aprendizado”. Mas a contribui-ção de Hebb foi imensamente maior. “Ele foi o primeiro a declarar

que não existe a ditadura do neurô-nio único”, conta Nicolelis. O que existem são circuitos. Como Hebb não tinha provas experimentais de suas teorias, porém, a publicação não teve impacto imediato. “Ele criou uma nova era sem que nin-guém percebesse”, diz o neurocien-tista brasileiro.

Hebb plantou a idéia de que so-nhar, lembrar, ouvir, falar, prever o futuro, mexer-se – tudo depende de um conjunto de neurônios que atuam como uma orquestra, não uma coleção difusa de células.

“Funciona como uma democracia: todos os neurônios votam mas cada voto vale pouco.”

Mesmo assim, entre os anos 1950 e 1970 todos os pesquisadores da área ainda investigavam o fun-cionamento do cérebro registrando a atividade elétrica das células ce-rebrais uma a uma. Nicolelis expli-ca as limitações do método: “Era como ir à ópera e só ouvir a voz da Maria Callas, ou tentar entender a Amazônia olhando uma única fo-lha de cada vez”. Hebb argumentava que era preciso ouvir mais vozes e deixou várias perguntas por serem respondidas. Qual é o número mí-nimo de neurônios necessários pa-ra realizar uma ação? São sempre as mesmas células para cada ativida-de? Quais fatores influenciam a di-nâmica desse sistema? Quais são os parâmetros que os regem? Será que uma população de neurônios pode realizar múltiplas tarefas ao mesmo tempo?

Há quase 20 anos Nicolelis deu um passo essencial para responder a essas perguntas. Durante um pós-doutorado, que iniciou em 1989 nos Estados Unidos, desenvolveu uma técnica para monitorar popu-

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mundongo, que não é corintiano nem nada, ao longo de 1 dia apren-de a calcular as mudanças em ace-leração”, conta o pesquisador pal-meirense. Durante todo o tempo, eletrodos acompanham a ação do cérebro: alguns neurônios não to-mam parte no desafio, outros co-meçam a disparar mais e mais im-pulsos elétricos até acertar o ritmo e outros exageram nas descargas elétricas, mas depois reduzem. Mais do que demonstrar a plasticidade, o experimento detalha como o cére-bro vence os desafios. “O que não se sabia”, conta Nicolelis, “porque ninguém até então tinha registrado tantas células ao mesmo tempo, é até que ponto o cérebro do animal pode aprender a calcular a fração de aceleração”.

Curto-circuitoCom essa abordagem, o neurocien-tista da Duke pretende ajudar a ali-viar sintomas neurológicos de doen- ças como o mal de Parkinson. Ele já conseguiu testar a capacidade de prever os efeitos da atividade neu-ronal durante cirurgias em pacien-tes. Anestesiada, mas consciente, a pessoa fala com a equipe médica ao mesmo tempo que eletrodos me-dem a atividade elétrica em regiões específicas do cérebro. A equipe de Nicolelis verificou que consegue prever com grande confiança as conseqüências da ativação de cada neurônio. “É como ouvir a mesma coisa em duas línguas: a voz do pa-ciente e o cérebro que criou a voz.”

Mas para descobrir os funda-mentos da doença é preciso mais. Aí entram os genes do título da pa-

Nicolelis: DNA é

instrumento para estudar o cérebro e ampliar seu

alcance

Trabalho de equipe Com essas técnicas, Nicolelis já po-de escrever uma continuação para o livro de Hebb, onde descreveria em detalhe a dinâmica dos circuitos neurais e decodificaria a linguagem cerebral que gera comportamentos.

A compreensão de como fun-cionam esses circuitos, que Hebb baseava sobretudo na intuição, já está refinada o suficiente para dis-tinguir como o cérebro lida com situações diferentes. Nicolelis mos-tra – mais uma vez com os inúme-ros quadrados coloridos – a ativi-dade de dezenas de neurônios de camundongos enquanto eles sabem que vão ganhar água açucarada, de-pois bebem a água e registram a memória da experiência. Em outro momento, os pesquisadores frus-traram a expectativa e ofereceram quinino, que tem gosto amargo em vez de adocicado. Depois da expe-riência os roedores também forma-ram uma memória, desta vez um alerta: “Não volte a tomar isso”. De maneira geral o padrão de ativida-de cerebral é semelhante, mas se-gundo Nicolelis os detalhes são di-ferentes. Basta aos especialistas analisar a atividade do cérebro dos camundongos para distinguir entre expectativa, aporte sensorial, me-mória e experiência em si.

Para demonstrar a capacidade que o cérebro de camundongos tem de adaptar-se a novas situações, os pesquisadores desenvolveram uma roda que gira a uma aceleração ca-da vez maior, batizada de Rotarod. Para não perder o equilíbrio, o roe-dor precisa constantemente alterar o próprio ritmo de corrida. “O ca-

lações de até 500 neurônios de uma só vez em tempo real. Ele implanta no cérebro de animais centenas de eletrodos que não interferem nas atividades normais e por anos pas-sam a fazer parte do organismo. Enquanto isso pesquisadores regis-tram sua atividade neural.

E fez mais. O neurocientista instalado na Duke desde 1994 des-vendou a linguagem dos neurônios e conseguiu transformar impulsos elétricos em comandos entendidos por computadores. Essa interface cérebro-máquina, que mostra uma imagem dinâmica de toda a popu-lação do circuito neuronal, surgiu como uma maneira de testar hipó-teses para chegar às respostas que Hebb procurava. As descobertas deram origem, em 1995, a um arti-go na prestigiosa revista Science, no qual Nicolelis analisou populações de neurônios e revelou um funcio-namento inverso do que ao olhar um neurônio de cada vez. “Foi um rebuliço”, lembra. Ele também es-tava criando uma nova era, mas dessa vez a comunidade científica percebeu.

A linguagem dos neurônios é mais uma no repertório lingüístico de Nicolelis. Ele lê uma imagem com inúmeros quadrados colori-dos que ilustram a atividade de 50 neurônios de um camundongo por 10 segundos. “Aqui ele dormiu, de-pois entrou em sono profundo... aqui acordou”, aponta. Os eletrodos monitoravam a região do cérebro responsável por completar o ciclo vigília-sono. “Olhando um neurô-nio de cada vez seria impossível reconstruir essa dinâmica.”

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lestra. A relação de Nicolelis com a genética é de cliente: ele compra camundongos sem o gene respon-sável por produzir uma proteína transportadora de dopamina, substância cuja escassez é caracte-rística do mal de Parkinson. A do-pamina é essencial na transmissão de informação entre neurônios, mas sem as proteínas transporta-doras ela não é reabsorvida depois de lançada para fora do neurônio e se perde. Esses camundongos são, para o palestrante do Ibirapuera,

“um modelo maravilhoso para es-tudar Parkinson”. Ele mostra um vídeo em que o camundongo ge-neticamente modificado está com-pletamente imóvel, um sintoma de Parkinson em estágio avançado. Os animais se recuperam lenta-mente se tratados com L-Dopa, o tratamento comum em pacientes humanos. Mas o efeito do remédio tem duração limitada e não satis-faz o pesquisador.

Depois de 2 anos imerso no problema, o grupo de Nicolelis en-tendeu por que Parkinson causa paralisia. Segundo ele, o importan-te não é quantos disparos elétricos acontecem, mas quando. “O ca-mundongo parkinsoniano na ver-dade sofre uma crise epiléptica de baixa intensidade” – os movimen-tos são bloqueados porque neurô-nios disparam ao mesmo tempo. É como se tanto os músculos que le-vantam o braço quanto os que o abaixam se contraíssem ao mesmo tempo. O braço ficaria parado, sem conseguir subir nem descer. Nico-lelis descobriu que é possível des-sincronizar a atividade neural. Bas-

ta estimular um nervo periférico, no pescoço, e o camundongo co-meça imediatamente a caminhar em busca de algum objetivo – no vídeo demonstrado pelo neuro-cientista, direto para uma garrafa com água doce.

Os resultados mostram que a genética somada à análise de cir-cuitos pode levar a um tratamento inesperado, sem medicamentos, para o mal de Parkinson. Além dis-so, não tem efeitos colaterais e por isso pode ser usado desde o início da doença. Não se trata de cura, entretanto.

Sem fronteirasOutro grupo que deve se beneficiar com o trabalho de Nicolelis são pessoas que perderam o movimen-to por acidente. “Num futuro mui-to próximo”, prevê, “poderemos fazer vestes robóticas para devolver o movimento”. Para desenvolver a comunicação entre o cérebro e a prótese, Nicolelis conta com a assis-tência de macacos como Aurora, que se especializou num jogo de computador em que usava um joystick para movimentar um pon-to que ao atravessar discos que apa-reciam no monitor os fazia desapa-recer. A destreza era bem paga: suco de laranja brasileiro, guloseima al-tamente apreciada por primatas residentes nos Estados Unidos.

Numa madrugada em 2003, um espanhol, um russo e um brasileiro observavam a reação de Aurora quando foi posta diante do jogo sem o joystick. A equipe internacio-nal se surpreendeu com a rapidez da adaptação: a macaca manteve a des-

treza no jogo mesmo sem usar as mãos. Ela pensava os movimentos e um braço robótico comandado por seu cérebro executava a ação. En-quanto jogava, Aurora usava seus braços biológicos para se coçar ou agarrar o pesquisador incauto que passasse por perto. “Em breve a in-terface com máquinas permitirá ao cérebro libertar-se dos limites do corpo”, resume Nicolelis, que com-para a situação à de um tenista que, depois de treinado, passa a conside-rar a raquete uma extensão da re-presentação do próprio corpo.

O neurocientista parece decidi-do a estender cada vez mais as fron-teiras do corpo. No final de 2007, a macaca Idoya aprendeu a caminhar numa esteira rolante instalada no laboratório de Nicolelis em Duke (veja Pesquisa FAPESP, nº 142). Não era uma academia símia qual-quer. Do outro lado do mundo, no laboratório de robótica ATR em Kyoto, no Japão, o robô CBI repro-duzia os passos de Idoya, cuja ativi-dade cerebral era transmitida por uma conexão ultra-rápida – mais rápida do que demoraria para que as instruções chegassem do cérebro às próprias pernas de Idoya. Senso-res nas pernas de CBI, que segundo Nicolelis será em breve mais famo-so na história da robótica do que robôs de filmes de Steven Spielberg, remetiam as sensações da caminha-da de volta para Idoya, que sentia como é andar num laboratório ja-ponês. “CBI podia estar em Vênus ou Marte”, imagina o pesquisador.

“E Idoya podia estar sentada na praia de Ponta Negra em Natal, no Rio Grande do Norte, olhando o FO

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O conjunto de técnicas que permi-tiram seqüenciar o DNA teve grande importância para a biologia, abriu um vasto campo de pesquisa, mas seu impacto se deu com maior in-tensidade na vida cultural. “A mídia apresentou uma versão dos fatos que encantou as pessoas, embora em uma versão muito simplificada e muito simplificadora”, afirmou a co-curadora da exposição Revolu-ção genômica, a jornalista Mônica Teixeira. Ela participou do debate com a outra co-curadora, Eliana Dessen, geneticista do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo, e com Juliana Estefano, gerente de Rela-cionamento do Instituto Sangari, no sábado (8 de março), cujo tema era “A contribuição da exposição Revolução genômica para a divulga-ção da ciência”.

Mônica lembrou que a mídia abraçou o assunto com entusiasmo e transformou o DNA em uma imagem comum. “Isso acabou por se tornar algo que suporta uma fantasia, um grande sonho con-temporâneo”, disse. Mas, ao mesmo tempo, nos desobriga de muita coi-sa. “Dizemos ‘tal característica está

Os desafi os da popularizaçãoCo-curadoras da exposição debatem melhor forma de divulgar a ciência

Neldson Marcolin

mar e ao mesmo tempo sentindo como é caminhar em Vênus.”

As aspirações científicas do bra-sileiro vão além deste planeta, mas ao imaginar a sensação de ter um cérebro que se libertou do corpo ele também sonha com aplicações mais cotidianas. “Seria fantástico poder chamar meu filho do outro lado da casa e ele chegar empurra-do por um braço mecânico!”

Mais do que um avanço cientí-fico, ele vê a possibilidade de próte-ses cerebrais como uma evolução da espécie humana. Nossos ances-trais inventaram ferramentas, co-meçando pela pedra lascada. A tec-nologia aos poucos se sofisticou a ponto de agora ser possível incor-porar a tecnologia – próteses robó-ticas, por exemplo – ao corpo. Pode parecer divagação evolucionista, mas as aplicações clínicas são reais e estão quase ao alcance das mãos. Nos experimentos durante cirurgias para o mal de Parkinson, a equipe de Nicolelis conseguiu reproduzir com um braço robótico os movi-mentos das mãos dos pacientes.

Olhos no futuroEssa tecnologia deverá em breve tomar forma no Instituto Interna-cional de Neurociências de Natal – Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), o centro de pesquisa, educação e saú-de que Nicolelis fundou e preside (veja Pesquisa FAPESP, nº 132). E do qual tem motivos para se orgu-lhar. As instalações de pesquisa que ele criou, com 70% do orçamento proveniente de fundos privados, não devem nada ao laboratório da Duke. A força de trabalho vem de pesquisadores brasileiros, alguns dos quais esperavam no exterior uma chance de retornar, e estran-geiros que buscam aqui novas oportunidades. “É preciso ir ao ex-terior para ouvir que o momento é do Brasil, tanto econômica como cientificamente”, conta. Essa per-cepção fica clara no concurso aber-to recentemente para preencher vagas de pesquisadores no IINN-ELS, em parceria com a Universida-de Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Candidatos do mundo todo se inscreveram para concorrer às 11 vagas de docentes que funda-rão o Departamento de Neurociên-cia da universidade potiguar.

no DNA’. E, se alguma coisa está no DNA, há uma impossibilidade de ser modificado.” A idéia equivoca-da de que a vida parece predetermi-nada a ocorrer de uma única manei-ra acabou se tornando corriqueira. Para ela, esse é um aspecto comple-xo que deveria ter sido contempla-do na exposição. A Revolução genô-mica foi montada originalmente em 2001, quando tudo relacionado à genética tinha uma dimensão maior do que hoje. “A exposição tem um teor elogioso”, diz Mônica.

“Nada contra, mas ela poderia ins-tilar algumas dúvidas nas pessoas.”

Não se trata de afirmar que a ex-posição não faz pensar. “Ela provoca algumas reflexões, especialmente no campo do Centro de Estudos do Ge-noma Humano, nessa área em que as pessoas fazem testes para saber se desenvolverão alguma doença espe-cífica ou se o feto carrega também algum problema que os pais têm”, diz Mônica. “Mas acho que esse é um passo que é mais do indivíduo e menos do conjunto da sociedade.”

Eliana Dessen falou da dificul-dade de transpor o saber do cientis-ta para a divulgação científica, uma missão freqüentemente associada

O IINN-ELS é também um dos maiores esforços privados de edu-cação extracurricular no Brasil. São mil crianças que, depois das aulas na escola pública, à tarde aprendem como a ciência funciona na prática. Pelo microscópio ou pelo telescó-pio, elas descobrem mundos novos e compreendem os fundamentos das ciências. “Não queremos neces-sariamente formar cientistas, mas pessoas mais preparadas de manei-ra geral”, explica o idealizador.

Crianças curiosas e capazes de entender o Universo, deficientes físicos caminhando com próteses robóticas, a paralisia causada pelo mal de Parkinson como um pesa-delo do passado, o corpo liberto de seus limites. Nicolelis não tem me-do de transcender barreiras: “So-nhos assim hoje soam como delí-rios, alucinações científicas. Quero fazer com que novos sonhadores nasçam em áreas onde não havia tradição científica”. ■

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mos esquecer que os grandes mu-seus do exterior investem em expo-sições também para captar dinheiro e reinvestir o lucro em pesquisa e na criação de mais e mais exposi-ções”, afirmou Rizzolo. “Acredito ser possível fazer pequenas exposi-ções sobre temas específicos, com pouco dinheiro, mas inteligentes”, propôs Mônica. “Não é preciso ser uma megaexposição para ser boa.”

O DNA na mídiaJuliana disse que as exposições cien-tíficas atraem bom público – a so-bre Darwin, no ano passado, levou em 10 semanas 175 mil pessoas ao Museu de Arte de São Paulo. “Por mais que a Revolução genômica pa-reça complexa, na verdade é um tema simples de entender”, falou Juliana. As co-curadoras discorda-ram. “Não basta ler uma das infor-mações presentes na exposição, co-mo, por exemplo, ‘todo ser vivo tem DNA’”, disse Eliana. Isso todos sa-bem, leram e ouviram em alguma época. Mas será que foi incorpora-do na rede cognitiva do indivíduo?

“Podemos fazer como teste uma pergunta manjada, ‘Você come DNA?’”. A maioria dos alunos de biologia dizem “não”, embora sai-bam que o ser vivo tem DNA. Isso ocorre porque aquilo não está in-corporado como um significado, embora ele coma alface, tomate, carne. É importante o indivíduo

aos museus de ciência. No Brasil, talvez essa dificuldade seja um pou-co maior. “Grande parte dos mu-seus de ciência foi instalada no Bra-sil na década de 1990 e hoje o papel desses centros de ensino e divulga-ção científica ainda é razoavelmen-te incipiente”, disse. A exposição atual veio do Museu de História Natural de Nova York e tem uma pedagogia tradicional, embora não dispense a pedagogia construtivista e moderna nas partes interativas, de acordo com Eliana.

Durante o debate com o públi-co que assistiu à mesa-redonda sur-giu a questão sobre como se dão as experiências de divulgação científi-ca em museus. Eliana lembrou que os museus tradicionais, como o de Nova York, têm a pesquisa atrelada a eles, além do empenho na popu-larização da ciência. “O cientista não é um especialista em divulga-ção”, ressalvou Eliana. “Ele tenta, embora isso funcione mesmo quando entra em contato com pro-fissionais da área e com outros pes-quisadores.” No Brasil, ela citou o Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), no Rio de Janeiro, vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, como um bom exem-plo brasileiro de instituição que tem pesquisa e cuidado com a edu-cação do público.

Da platéia, o professor da Unesp de Araçatuba Roelf Rizzolo lem-brou que o Museu da Vida, da Fun-dação Oswaldo Cruz (Fiocruz), também no Rio, é uma boa referên-cia. E Mônica falou do museu da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, como sede de boas experiências na área. “Não va-

entender esse significado – é só a partir dele que se pode dizer que a informação foi compreendida.

Equívocos como esse exemplo dado por Eliana ocorrem com a biologia – e com a genética em particular – em razão de essa ser uma área que trata de coisas abs-tratas, que estão na escala do não-visível. Há pesquisas indicando que dentro da biologia a área da genética é a mais difícil para o pro-fessor ensinar e a mais complicada de o aluno entender. Para Mônica, a exposição combina informações básicas de genética, exemplos e ex-plicações sobre genômica com a vida contemporânea. “Mas não há uma tentativa de tornar essas ques-tões simples. Isso ocorre, basica-mente, porque elas não são sim-ples”, afirmou.

Da platéia surgiu a pergunta de como se ter na exposição um qua-dro cultural sobre a noção de DNA. Para Mônica, um modo de se fazer isso seria criar uma seção que mos-trasse a trajetória do DNA na mídia.

“A simples abordagem desse assunto já indicaria uma diferença entre o que é o DNA de fato e o DNA que aparece nos jornais, revistas e TVs”, afirmou. Ao explicitar isso, seria criado um distanciamento crítico.

“Uma exposição é algo motivador, que lança uma isca para fazer o vi-sitante pensar”, explicou. “É genial quando alguém morde essa isca.” ■

Juliana (esq.), Mônica e Eliana: museus do exterior são atrelados

à pesquisa

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DEBATE

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZROBERTO FREIRE08/04, terça-feira, às 17:00(Brito Cruz é físico, diretor científi co da FAPESP. Freire foi senador da República e é presidente do PPS)

> O avanço da ciência faz a humanidade melhor? Por quê? JOSÉ FERNANDO PEREZ15/04, terça-feira, às 17:00(Presidente da Recepta Biopharma, ex-diretor científi co da FAPESP e articulador de projetos em genômica no Brasil)

> Samba, futebol e genômica – a saga do Projeto Genoma brasileiro

LUIZ HILDEBRANDO PEREIRA22/04, terça-feira, às 17:00(Parasitologista, criou e dirige o Instituto de Pesquisa em Patologias Tropicais em Rondônia)

> Revolução genômica e saúde pública

CARLOS JOLY29/04, terça-feira, às 17:00(Biólogo, pesquisador da Unicamp. Foi o idealizador e primeiro coordenador do Programa Biota-FAPESP)

> O Programa Biota-FAPESP: uma referência para estudos de biodiversidade

NIÉDE GUIDON06/05, terça-feira, às 17:00(Arqueóloga e diretora-presidente da Fundação Museu do Homem Americano, no Piauí)

> Primeiros habitantes do Brasil: as descobertas de São Raimundo Nonato

DEBATE

MARIO EDUARDO COSTA PEREIRASIDARTA RIBEIRO13/05, terça-feira, às 17:00(Costa Pereira é psiquiatra, professor do departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Unicamp. Ribeiro é neurocientista e diretor científi co do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra)

> Novos fundamentos neurológicos para a teoria freudiana

REVOLUÇÃO GENÔMICAprogramação cultural | organização PESQUISA FAPESP

As vagas para assistir às apresentações são limitadas e as inscrições devem ser feitas pelo telefone (11) 3468 7400.

Outras apresentações e debates que vão ocorrer de março a julho serão divulgados no site de Pesquisa FAPESP: www.revistapesquisa.fapesp.br

A íntegra das palestras também estará disponível no site.

Genômica: modelando a biologia do século XXI

ALAN TEMPLETON 29/03, sábado, às 15:00, e 30/03, domingo, às 11:00 (Pesquisador da Universidade de Washington, Estados Unidos. Usa conceitos evolutivos para estudar desde biologia básica até usos aplicados como genética clínica)

> A evolução humana nos últimos 2 milhões de anos: genes (sábado)> Usando a biologia evolutiva para estudar doenças arteriais coronarianas (domingo) FERNANDO REINACH 13/04, domingo, às 11:00(Pesquisador em bioquímica e biologia molecular da USP e diretor executivo da Votorantim Novos Negócios. Foi um dos coordenadores do Projeto Genoma da Xylella fastidiosa)

> Impactos da genômica na agricultura brasileira

JAN HOEIJMAKERS18/05, domingo, às 11:00(Pesquisador de genética molecular, professor da Universidade Erasmus, em Roterdã, Holanda. Fez estudos importantes sobre os princípios básicos de organização e processos de reparo de DNA em células vivas)

> Envelhecimento e longevidade: quanto duram seus genes?

As ciências do século XX e as novas fronteiras do conhecimento no século XXI

ESPER ABRÃO CAVALHEIRO 01/04, terça-feira, às 17:00(Neurocientista, é assessor do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, CGEE)

> Tecnologias convergentes e a construção do novo homem

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Naus inesperadas

ZOOLOGIA>

Maria Guimarães | fotos Alvaro E. Migot to

Mistérios das caravelas-do-mar desafiam médicos e biólogos

Tentáculo principal debruado de baterias de nematocistos

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Arsenais em fios e bocas amarelas: predadores em forma de jóias

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Muita gente que foi comemorar a entrada de 2008 no litoral paulista

teve de trocar a praia pelo pronto-socorro para tratar os vergões causados

por bolhas flutuantes repletas de tentáculos. Jornais logo noticiaram uma

invasão de águas-vivas, dando início ao alarmismo que se espalhou pelo

país. Não houve invasão nem eram águas-vivas, especialistas contestam.

Eram caravelas-do-mar, colônias que também incluem águas-vivas.

A parte inflada, o flutuador, é a base da colônia. Desse indivíduo brotam

todos os outros, os zoóides, com formas tão belas e diversas que o conjunto

lembra um carro alegórico de Carnaval. O zoóide parecido com um

saca-rolhas é o tentáculo principal, que esticado pode alcançar presas –

ou banhistas – a 20 metros de distância. Visto de perto, inúmeras contas

ovaladas bordejam uma membrana quase transparente pregueada a ponto

de lembrar os babados que adornavam nobres da Corte francesa no século

XVI. Cada uma dessas contas abriga de centenas a milhares de minúsculas

cápsulas de veneno, os nematocistos. Mais numerosos, tentáculos delicados

parecidos com fios de pérolas formam uma cortina de nematocistos que

imobilizam e matam peixes que passem por perto, consumidos em seguida

pelos gastrozoóides, fios cacheados com uma boca amarela na ponta.

No meio dessa multidão se escondem os reprodutores da colônia,

num aglomerado que lembra uma couve-flor.

Essas alegorias viajam mar afora carregadas por ventos e correntes

marítimas, e por uma conjunção de acasos às vezes formam esquadras

e aportam em praias cheias de gente. O médico Vidal Haddad Júnior é

enfático: não houve invasão. Professor da Universidade Estadual Paulista

(Unesp) de Botucatu e responsável do Instituto Butantan pelo atendimento

a vítimas de acidentes com animais aquáticos, ele explica que a densidade

de caravelas aumentou apenas em algumas praias paulistas, como as de

Praia Grande e Mongaguá, e é um acontecimento periódico normal.

Para Haddad, o problema foi humano, não zoológico. Trazidas por uma

corrente oceânica, as flotilhas de caravelas chegaram a praias apinhadas,

onde encontros eram inevitáveis. Mesmo assim os acidentes foram poucos

ante o número de pessoas que lotavam a região. O médico fincou base em

Praia Grande, onde em meio a 1 milhão de banhistas registrou cerca de

300 acidentes. “Agora sabemos que 99% deles não foram graves, pois não

causaram mais do que uma irritação superficial da pele”, diz Haddad.

Apenas em raros casos o efeito tóxico do veneno dos nematocistos provoca

conseqüências graves, como arritmia cardíaca e parada respiratória.

O alarmismo não era justificado, mas rendeu frutos. “Recolhemos todas

as fichas de atendimento clínico de Praia Grande. Foi a primeira vez que

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uma série de acidentes foi acompanhada e documentada em detalhes”,

conta Haddad, que está analisando os dados para publicá-los em breve.

Ele espera padronizar o atendimento e beneficiar também áreas onde

reclamações são menos freqüentes, como o Nordeste brasileiro.

Quem freqüenta praias nordestinas não se espanta com as flotilhas de

caravelas trazidas do sudeste Atlântico pelos ventos alísios. Mesmo assim,

acidentes lá são menos comuns do que no Sudeste, onde as alegorias

flutuantes são aparições esporádicas. Para entender por quê, os zoólogos

Juliana Bardi e Antonio Carlos Marques, da Universidade de São Paulo,

examinaram exemplares coletados ao longo de mais de 3 mil quilômetros

da costa – do Ceará até São Paulo. Não encontraram diferenças.

O comprimento e a quantidade dos tentáculos das caravelas, além da

densidade e distribuição dos nematocistos, são semelhantes em qualquer

praia brasileira. A disparidade de acidentes continua sem explicação.

O mistério não acaba aí. Até recentemente ninguém tinha investigado

qual das duas espécie conhecidas de caravelas, Physalia physalis e

P. utriculus, freqüenta nossas praias. Elas são reconhecidas pelos tentáculos

principais, aqueles em forma de saca-rolhas: utriculus só tem um, enquanto

physalis traz sempre mais. Marques e Juliana identificaram os espécimes

brasileiros como P. physalis. As conclusões, assim como a descrição

detalhada da espécie, foram publicadas em dezembro na revista gaúcha

Iheringia, especializada em zoologia.

Além de identificar a espécie brasileira, Marques põe em dúvida a

classificação tradicional. “Quando jovem, physalis também pode ter só um

tentáculo”, explica. Ao longo de seu desenvolvimento, a colônia vai

aumentando e mais tentáculos surgem. Em sua opinião, o que é

tradicionalmente reconhecido como duas espécies distintas não passa na

verdade de fases de vida de uma mesma espécie.

Não toque em caravelas-do-mar, elas têm veneno até no

flutuador. Em raríssimos casos essas toxinas podem causar

arritmia cardíaca e insuficiência respiratória. Em acidentes

normais basta aplicar água do mar ou gelo e vinagre.

> O PROJETO Biodiversidade, evolução, endemismo e

conservação dos medusozoa do Atlântico sul-oriental

modalidade Projeto Temático

coordenador ANTONIO CARLOS MARQUES – USP

investimento R$ 570.194,96

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Caravelas (ao lado) capturam peixes na rede de tentáculos venenosos (acima)

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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internetwww.scielo.org

Notícias

Atualmente, o Sistema SciELO de Publicação é utilizado por 27 periódicos da Coleção SciELO Brasil. Desde o início de 2008, nove cursos de capacitação foram realizados. Dez periódicos adotaram o sistema de forma oficial e divulgam os links para submissões de artigos no site de suas sociedades e institutos. O sistema foi aplicado de forma piloto para a BVS Psicologia a partir de janeiro de 2008. Já para os países participantes da Rede SciELO, SciELO Cuba está em fase de implantação e SciELO Chile, SciELO Venezuela e SciELO Colômbia estudam a viabilidade de adoção.

■ História da ciência

Mulheres na agronomia

Em quatro escolas superiores de agricultura estudadas o porcentual de mulheres no corpo discente ou no corpo docente é estatisticamen-te desprezível nas décadas de 1930 e 1940. Ape-sar disso, do ponto de vista dos estudos de gê-nero e da história das ciências, é importante compreender essa presença para entender e re-conhecer o papel das mulheres na sociedade e em particular no meio científico. O propósito do artigo “Ceres, as mulheres e o sertão: repre-sentações sobre o feminino e a agricultura bra-sileira na primeira metade do século XX”, de Graciela de Souza Oliver e Silvia F. de M. Figuei-rôa, da Universidade Estadual de Campinas, não foi o de realizar um balanço aprofundado sobre a carreira seguida pelas engenheiras agrô-nomas. Mas reunir o que falavam sobre elas as poesias, os ofícios, algumas fotos e figuras, rela-cionando essas representações ao processo de institucionalização das ciências agrícolas no Brasil no período.

Cadernos Pagu – nº 29 – Campinas – jul./dez. 2007

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo146/historia.htm

■ Agricultura

Raios X na semente

Entre os problemas envolvidos na produção de sementes de soja destacam-se os danos por umidade, que resultam em perdas de germina-ção e de vigor. A técnica de análise de imagens, por meio do teste de raios X, é um método de precisão que possibilita examinar, com detalhes, a região danificada ou alterada, sua localização e extensão. Por ser um método não destrutivo, as sementes em análise podem ser submetidas a testes fisiológicos e, dessa forma, é possível estabelecer as relações de causa e efeito. O tra-balho “Avaliação de danos por umidade, em sementes de soja, utilizando a técnica da análise

de imagens”, de Taís Leite Ferreira Pinto, Sílvio Moure Cícero e Victor Augusto Forti, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), teve como objetivo avaliar a eficiência da técnica de análise de imagens, por meio do teste de raios X, na identificação dos danos por umidade em sementes de soja, comparativamente ao teste de tetrazólio. Sementes de diferentes lotes de um mesmo cultivar (BRS 184) foram submetidas ao teste de raios X e, posteriormente, destinadas ao teste de primeira contagem de germinação, de forma a relacionar os danos com os possíveis

prejuízos propor-cionados às semen-tes. Paralelamente, foi realizado o tes te de tetrazólio visan-do a comparação com o teste de raios X. Para a análise in-terpretativa do tes- te de raios X foram con sideradas a se-veri dade e a locali-zação dos danos, jun tamente com as

fotografias digitais das plântulas ou sementes mortas resultantes do teste de primeira conta-gem de germinação. Com os resultados obtidos, pode-se afirmar que a análise de imagens mos-trou-se eficiente na detecção dos danos por umidade em sementes de soja.

Revista Brasileira de Sementes – v. 29 – nº 3 – Pelotas – 2007

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo146/agricultura.htm

■ Ensino de medicina

Transtornos em estudantes

Transtornos mentais comuns (TMC) pos-suem alto impacto nos relacionamentos inter-pessoais e na qualidade de vida, sendo poten-ciais substratos para o desenvolvimento de transtornos mais graves. Estudantes de medici-

74-75_Scielo_146.indd 74 31.03.08 20:36:18

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na vêm sendo apresentados como população de risco para o desenvolvimento de TMC. O objetivo do estudo “Transtornos mentais comuns entre estudantes de medi-cina”, de Alessandro de Moura Almeida, Tiana Mascare-nhas Godinho, Almir Galvão Vieira Bitencourt, Marcelo Santos Teles, André Sampaio Silva, Dayanne Costa Fon-seca, Daniel Batista Valente Barbosa, Patrícia Santos Oli-veira, Eduardo Costa-Matos, Cíntia Rocha e Rocha, Alan Miranda Soares, Bárbara Abade e Irismar Reis de Olivei-ra, é estimar a freqüência de TMC em acadêmicos de medicina da Universidade Federal da Bahia e identificar fatores relacionados. Realizou-se estudo transversal entre uma amostra de estudantes de medicina – 223 alunos no total. A prevalência dos transtornos foi de 29,6%, sendo independentemente associada a alterações do padrão do sono, não possuir transporte próprio, não trabalhar e não realizar exercício físico. Estes dados demonstram uma elevada prevalência de TMC na amostra pesquisada e são importantes para subsidiar ações de prevenção de trans-tornos mentais entre futuros médicos e reflexões sobre o modelo curricular vigente nas escolas médicas.

Jornal Brasileiro de Psiquiatria – v. 56 – nº 4 – Rio de Janeiro – 2007

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo146/medicina.htm

■ Cardiologia

Corações partidos

A cardiopatia induzida por estresse (precipitada por estresse emocional), também chamada de balonamento apical transitório do ventrículo esquerdo, síndrome do coração partido e, no Japão, síndrome de takotsubo, é caracterizada pela presença de movimento discinético transitório da parede anterior do ventrículo esquerdo, com acentuação da cinética da base ventricular. O curso clínico da cardiomiopatia de takotsubo pode se asseme-lhar ao do infarto agudo do miocárdio, com dor torácica típica e alterações eletrocardiográficas, sendo a cinean-giocoronariografia realizada para distinguir as duas con-dições na fase aguda. O estudo de caso “Síndrome do coração partido”, de Alessandra Edna Teófilo Lemos, An-tonio Luiz Junior Araújo, Michely Teófilo Lemos, Lucia de Souza Belém, Francisco Juarez C. Vasconcelos Filho e Raimundo Barbosa Barros, do Hospital de Messejana, de Fortaleza, tratou de uma paciente do sexo feminino, com 62 anos, admitida com dor precordial típica iniciada após forte estresse – presenciou o homicídio do marido –, disp-néia grave e sinais de baixo débito (palidez e hipotensão). A despeito da gravidade da doença aguda, a síndrome é transitória e o tratamento é essencialmente baseado em medidas de suporte hemodinâmico.

Arquivo Brasileiro de Cardiologia – v. 90 – nº 1 – São Paulo – jan. 2008

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo146/cardiologia.htm

■ Administração pública

Empreendimentos sociais

O artigo “Mudança social: uma arte? Empreendimentos sociais que utilizam a arte como forma de mudança”, de Mar-celo Tyszler, da Fundação Getúlio Vargas, se propõe a conhe-cer, analisar e sistematizar, crítica e estrategicamente, o que diferencia os empreendimentos sociais que atuam por meio da arte para obter mudança social, a partir de um estudo qualitativo. A parte inicial aborda a fundamentação teórica, enfocando prioritariamente o conceito de empreendedorismo so-cial. Em seguida, o artigo apresenta o segmento a ser estudado, trazendo as principais sistematizações e constata-ções feitas a partir do estudo do ma-terial inicialmente apresentado, em conjunto com uma série de entrevis-tas realizadas com gestores desses empreendimentos e agen-tes de instituições de apoio. As principais características desses empreendimentos são: apelo diferenciado, audiência ampliada, concretização, crença e formação dos gestores, preservação/identidade cultural. Por outro lado, os princi-pais desafios são: consolidação da arte como forma de mu-dança social, mensuração de resultados e atuação em rede.

Revista de Administração Pública – v. 41 – nº 6 – Rio de Janeiro – nov./dez. 2007

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo146/administracao.htm

■ Psicologia social

Pesquisador e informantes

A construção do campo de estudo em pesquisas que en-volvem relações humanas exige mais que técnicas de pesqui-sa. As relações entre pesquisador e seus informantes precisam ser construídas no desenvolvimento do estudo, exigindo sensibilidade e flexibilidade para possibilitar o diálogo entre as partes e o sucesso da pesquisa de campo. O texto “Construindo o campo da pesquisa: reflexões sobre a socia-bilidade estabelecida entre pesquisador e seus informantes”, de Silvana Nair Leite e Maria da Penha Costa Vasconcellos, da Universidade de São Paulo, propõe discutir a experiência desenvolvida no campo de estudo de itinerário terapêutico no âmbito familiar em Itajaí-SC, abordando a construção na perspectiva antropológica, bem como a inserção no univer-so familiar e a relação com os informantes. Para apreender a complexidade das significações e das ações construídas no cotidiano, conclui-se ser fundamental a disposição do pesquisador em estar aberto para apreender “de dentro” as categorias culturais manifestadas pelos sujeitos no campo.

Saúde e Sociedade – v. 16 – nº 3 – São Paulo – set./dez. 2007

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo146/psicologia.htmFOT

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76 ■ ABRIL DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 146

Um belo carro esportivo movido a

hidrogênio, que possui autonomia pa-

ra 400 quilômetros, foi apresentado

em Genebra, em março, durante o

salão do automóvel daquela cidade

suíça. O Lifecar é um veículo conceito

desenvolvido pela empresa Morgan

Motor Company, tradicional monta-

dora britânica de carros, em conjunto

com as universidades Oxford e Cran-

field, além de outras empresas ingle-

sas, como a RiverSimple e QinetiQ, e

a alemã Linde. No lugar do motor con-

vencional existe uma célula a com-

bustível, equipamento que converte

o hidrogênio em eletricidade e faz o

veículo se locomover com emissão

zero de poluentes, expelindo apenas vapor-d’água pelo escapamento. Mais eletricidade é pro-

duzida sempre que o sistema de frenagem é acionado, ao transformar a energia cinética em

elétrica e recarregar as baterias. O projeto, segundo a rede de comunicações BBC, custou cerca

de US$ 3,7 milhões e foi parcialmente financiado pelo governo britânico. Outro carro a hidrogê-

nio também foi lançado recentemente, mas numa feira de brinquedos na Alemanha. Para fun-

cionar, o carrinho da empresa Corgi precisa apenas de água. Desse líquido, uma minúscula célu-

la a combustível retira o hidrogênio para gerar eletricidade.

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três vezes maior do que um cooler convencional mecânico, mesmo tendo apenas um quarto do tamanho dessa espécie de ventilador. Além disso, ele é altamente silencioso – por

não possuir partes móveis –, apresenta baixo consumo energético e quase não necessita de manutenção. A corrente de ar gerada pelo aparelho chega a 2,4 metros por segundo, enquanto a

eficiência de ventilação de exaustores mecânicos é de 0,7 a 1,7 metro por segundo. A nova tecnologia, batizada de RSD5, tem potência para resfriar um chip de 25 watts usando

> Ventilação mais eficiente

Um novo sistema para refrigeração de chips criado pela empresa norte-americana Thorrn Micro Technologies deve revolucionar a maneira como laptops e computadores são resfriados internamente. O dispositivo, um exaustor de estado sólido, não tem partes móveis e produz uma corrente de ar de duas a

O sonho de todo motorista em reverter facil-

mente pequenos amassados na lataria do carro

pode estar próximo de se tornar realidade. Pes-

quisadores norte-americanos das universidades

Northwestern e Boise State anunciaram um novo material metálico capaz

de voltar à forma original depois de deformado. O retorno é feito com uma

força física ou magnética. O metal, formado por uma liga de níquel, mag-

nésio e gálio, é chamado de espuma porque sua estrutura possui pequenos

buracos ou bolhas. A estrutura pode também ser alongada e esticada quan-

do um campo magnético rotativo é aplicado. O material se mostra poten-

cialmente importante para situações que exigem deformação e baixo peso

como a indústria automobilística e nas aplicações espaciais. Lideradas

pelos pesquisadores Peter Mullner e David Dunant, as equipes acreditam

que é possível fazer mais com menos material de ligas espumosas e com

isso promover um desenvolvimento sustentável de novos materiais.

METAL COMBOA MEMÓRIA

Lifecar: parceria para emitir zero de poluição

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LINHA DE PRODUÇÃO MUNDO>>

Metal espuma: estrutura que lembra bolhas

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PESQUISA FAPESP 146 ■ ABRIL DE 2008 ■ 77

para uma nova definição do quilograma, como o watt balance, um método complexo de comparação de forças elétricas e mecânicas de alta exatidão, ou a contagem do número exato de átomos de um cristal de silício. Segundo pesquisadores do Laboratório Nacional Sandia, nos Estados Unidos, a adoção de uma unidade baseada em constantes físicas permitirá melhores medidas no futuro. Eles afirmam que o quilograma permanecerá valendo a mesma coisa – o que estará em questão é a maneira como ele será definido. E isso deve acontecer, na melhor das hipóteses, até 2011.

um dispositivo com menos de 1 centímetro cúbico. A empresa, que recebeu financiamento do programa Small Business Innovation Research (Sbir) de apoio a pequenas empresas da Fundação Nacional de Ciência (NSF), conta que, no futuro, o dispositivo poderá ser integrado ao silício dando origem a chips auto-refrigerados.

> Nova definição do quilograma

O quilograma, a unidade internacional de massa, poderá, em breve, ser redefinido. Hoje a medida de 1 quilo é definida pela massa de uma liga de platina-irídio armazenada na Agência Internacional de Pesos e Medidas (BIPM, da sigla em francês), na cidade de Sèvres, perto de Paris. Vários países têm suas próprias cópias desse protótipo. O problema é que até mesmo a limpeza desses cilindros retira

átomos de sua superfície, alterando seu padrão. Pesquisadores de várias partes do mundo argumentam que o ideal seria redefinir o quilograma tendo por base constantes

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pulsos de laser muito

curtos, pesquisado res

da Universidade de

Rochester, nos Estados

Unidos, conseguiram

criar alumínio doura-

do, platina dourada,

titânio e prata azuis. O

mé todo, desenvolvido

pe lo professor do Ins-

tituto de Óptica, Chun-

lei Guo, e seu assisten-

te, Anatoliy Vorobyev,

per mite fa bri car me-

tais de todas as cores.

Isso é possível porque

a aplicação de pulsos

de laser muito curtos,

mas de alta energia,

cria nanoestruturas e microestruturas sobre a superfície do metal que se quer colorir. Essas

estruturas podem ser trabalhadas de maneira a refletir determinados comprimentos de onda,

fazendo com que o metal fique com uma única cor ou uma combinação de cores. A vantagem é

que as cores não desbotam com o tempo, porque o processo altera as propriedades da superfí-

cie do material sem utilizar nenhum tipo de revestimento. A técnica é a mesma anunciada há

pouco mais de 1 ano pelo mesmo grupo de pesquisa, que resultou na criação de um metal negro,

capaz de absorver a luz em todos os comprimentos de onda do visível. Desde então ela vem

sendo aperfeiçoada para chegar a um metal que reflita praticamente qualquer cor.

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Alumínio dourado, titânio azul e platina dourada

No Sandia, amostra de 1 quilograma

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universais, e não um artefato que pode sofrer algum tipo de dano. O objetivo de redefinir o quilograma, portanto, tem como base a redução de riscos. Existem várias propostas

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78 ■ ABRIL DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 146

a empresa vai construir uma planta de etileno via etanol, com capacidade de produzir 60 mil toneladas por ano, na fábrica que a empresa possui em Santo André, na Grande São Paulo. O fornecimento de etanol está garantido por um acordo assinado com a Cooperativa de Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar). O acordo, com duração de

10 anos, prevê a entrega de cerca de 150 milhões de litros por ano de etanol. O investimento na nova tecnologia faz parte do plano de expansão da empresa, fabricante de PVC e soda cáustica, iniciado em 2006, e prevê a ampliação da capacidade de produção das unidades de Santo André e de Bahía Blanca, na Argentina, da ordem de US$ 300 milhões

> Transformação da glicerina

Um projeto de pesquisa realizado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) poderá transformar a glicerina, produzida como subproduto na industrialização do biodiesel, em gás metano, também conhecido como biogás, combustível usado da mesma forma que o gás natural na indústria e na cozinha. A equipe de pesquisadores do Departamento de Engenharia Química da UFPE identificou um consórcio de bactérias anaeróbicas, que não utilizam oxigênio na reação química, extraídas do esterco bovino. Elas se alimentam de glicerina e produzem o gás num biodigestor. A novidade

> PVC de etanol

A Solvay Indupa vai começar a fabricar o PVC (ou policloreto de vinila), obtido atualmente da nafta, um derivado do petróleo, e utilizado em aplicações nas mais diversas áreas, a partir de etileno, extraído do etanol proveniente da cana-de-açúcar. Para viabilizar a nova linha de produção,

Blocos nutricionais impermeáveis à

base de melaço e outras fontes de

energia, que podem ser deixados no

pasto para suplementar a alimentação

dos rebanhos, foram desenvolvidos e estão sendo produzidos

pela Neoagri – Nutrição Animal, criada em julho de 2006 como

empresa de consultoria em agronegócios e desenvolvimento de

produtos. Durante 10 meses, a empresa ficou hospedada na In-

cubadora de Empresas e Projetos Tecnológicos de Botucatu,

instalada na Fazenda Experimental Lageado da Universidade

Estadual Paulista (Unesp). Para viabilizar a produção dos suple-

mentos nutricionais para animais num ambiente industrial, a

Neoagri transferiu-se para a Incubadora Tradicional de Botucatu,

onde está caracterizada como empresa residente, mas perma-

neceu como associada da incubadora tecnológica. Os blocos

nutricionais, além de oferecer uma dieta mais rica, composta de

óleos essenciais e ácidos graxos essenciais como ômega 3 e 6,

ajudam a diminuir o estresse do animal confinado. A linha de

produtos para ruminantes é constituída por blocos cilíndricos de

10 quilos para serem colocados em pastagens e blocos de cerca

de 2 quilos para animais que vivem em baias.

BLOCOS PARA O REBANHO

LINHA DE PRODUÇÃO BRASIL>>

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Bovinos ganham nova opção de alimentação

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PESQUISA FAPESP 146 ■ ABRIL DE 2008 ■ 79

de fungos filamentosos. O processo desenvolvido e patenteado pela Unicamp utiliza enzimas de leveduras que normalmente são relacionadas à produção de lipídeos e carotenóides.

> Mudanças em premiação

A 11ª edição do Prêmio Finep de Inovação Tecnológica, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), foi anunciada com novidades. A primeira é a mudança de nome para Prêmio Finep de Inovação. Na edição 2008, além do troféu, os vencedores poderão ter acesso a financiamentos para implementação de projetos que variam de R$ 500 mil a R$ 10 milhões. Para ter acesso à linha de financiamento, os vencedores precisam apresentar um projeto, que será analisado em até 90 dias após ser apresentado. As categorias do prêmio também foram modificadas. Nas categorias Produto e Processo, a disputa passará a privilegiar o perfil inovador de empresas e de instituições de ciência e tecnologia. Na categoria Inventores Inovadores, os vencedores serão selecionados pelo banco de dados do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). No total, seis categorias vão disputar a premiação: Média Empresa, Pequena Empresa, Instituição de C&T, Tecnologia Social, Grande Empresa e Inventor Inovador. As inscrições começam no dia 28 de abril.

poderá ser útil num futuro próximo porque de cada litro de biodiesel produzido sobram 300 mililitros (ml) de glicerina, produto que pode ser vendido para as indústrias química, farmacêutica ou de cosméticos. Mas, com o aumento esperado da produção de biodiesel, o nível de glicerina deve aumentar.

> Alimento funcional

Um novo processo para produção de frutooligossacarídeos (FOS), alimento prebiótico utilizado como ingrediente ou complemento de vários produtos, como barras de cereais, derivados lácteos, sucos, doces, preparados em pó e até na formulação de rações para alimentação animal, foi desenvolvido por pesquisadores da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Os FOS são açúcares

As competições de carros tipo baja já se tornaram

uma tradição nas escolas de engenharia do país.

Esses veículos, dotados de soluções técnicas para

competir em circuitos fora-de-estrada ou off-road,

são há muitos anos um verdadeiro laboratório para

futuros engenheiros de montadoras automobilísticas

e da indústria de autopeças do país. A mais recente

aconteceu em março na XIV Competição Baja SAE

Brasil-Petrobras realizada no Esporte Clube Piraci-

cabano de Automobilismo, em Piracicaba, São Pau-

lo. A competição mobilizou 800 estudantes de en-

genharia e a participação de 59 veículos baja cons-

truídos por eles, representando 48 centros univer-

sitários de 12 estados brasileiros. O vencedor foi da

equipe Mitsubishi da Escola de

Engenharia de São Carlos (EESC)

da Universidade de São Paulo

(USP) com 936,34 pontos, em

segundo veio o carro da equipe

Poli Arsenal, da Escola Politécnica

(Poli) da USP. As duas equipes

ganham o direito de participar da

competição promovida pela SAE

Internacional, Sociedade de Enge-

nheiros da Mobilidade, que será

realizada em junho em Montreal,

no Canadá. A terceira colocada, a

equipe FEI Baja 2, do Centro Uni-

versitário da FEI, de São Bernardo

do Campo, na Grande São Paulo,

também poderá participar porque

foi a campeã da competição inter-

nacional do ano passado.

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classificados como alimento funcional prebiótico por apresentar diversas propriedades benéficas ao organismo. Como são fibras solúveis, ajudam a reduzir os níveis de colesterol e

glicemia do sangue. O FOS é utilizado principalmente nos Estados Unidos, Europa e Japão, onde muitos dos processos de produção são desenvolvidos a partir de enzimas provenientes

Baja da USP vencedor da competição

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Page 80: Perigo subestimado

NANOTECNOLOGIA

Beleza

O caminho para os nanocosméticos no mercado mundial foi aberto há 15 anos pela empresa francesa Lancôme, divisão de luxo da L’Oréal, com o lançamento de um creme para o rosto transportado por nanocápsulas de vitamina E pura para combater o envelhecimento da pele. O desenvolvimento nanotecnológico foi feito na Universidade de Paris 11, que patenteou a inovação,

licenciada pela empresa. Desde então vários gigantes do setor de cosméticos mundial investiram em pesquisa para desenvolver produtos nessa linha. No Brasil, o interesse pela nanotecnologia aplicada aos cosméticos é recente, mas tem envolvido cada vez mais empresas e pesquisadores das principais universidades brasileiras. Para um produto cosmético ser classificado como nanocosmético é necessário que contenha estruturas organiza-das e menores que 999 nanômetros (1 nanômetro equivale a 1 milímetro dividido por 1 milhão de vezes). “A identificação de que a cosmética é uma área portadora de futuro para a nano-tecnologia levou o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) a criar e implementar, em 2005, a Rede de Nanocosméticos”, diz a coordenadora Silvia Guterres, professora do Departamento de Produção e Controle de Medicamentos da Faculdade de Farmá-cia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Essa rede faz parte de um pacote de estímulos à nanociência e nanotecnologia implementado em 2001.

A Rede de Nanocosméticos é formada por pesquisadores de universidades e centros de pesquisa brasileiros que também man-têm colaborações científicas com estrangeiros. Entre os parceiros

TECNOLOGIA>

Dinorah Ereno | ilustrações Abiuro

brasileiros estão, além da UFRGS, a Universidade de São Paulo (USP), campus de São Paulo e de Ri-beirão Preto, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), a Universidade Estadual de Campinas (Uni-camp) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os colaboradores internacionais estão vin-culados a universidades da França, Suíça, Suécia, Alemanha, Inglaterra e Holanda. “Nós voltamos o nosso olhar para a cosmética pela oportunidade. Mas a minha formação, como a da maioria dos membros da rede, é na área de medicamentos”, diz a coordenadora. Silvia participou do desenvolvi-mento do primeiro medicamento de base nanotec-nológica brasileiro, um nanoanestésico para a pele da empresa paulistana Incrementha, formada pelas indústrias farmacêuticas Biolab e Eurofarma (leia nas edições 135 e 143 de Pesquisa FAPESP).

Atualmente, a nanotecnologia voltada para a cosmética tem como foco sobretudo os produtos destinados à aplicação na pele do rosto e do corpo, com ação antienvelhecimento e de fotoproteção. “As nanoestruturas são verdadeiros reservatórios que controlam a profundidade de penetração do cosmético na pele e a velocidade com que o ativo será liberado”, explica Silvia. “Concentrações dos ativos liberadas gradualmente não vão atingir limites tóxicos e permitem um fornecimento

fundamentada

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PESQUISA FAPESP 146 ■ ABRIL DE 2008 ■ 81

Grupo de pesquisadores em conjunto com empresas prepara nanocosméticos com aplicações variadas

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Page 82: Perigo subestimado

constante às diferentes camadas da pe-le.” A conseqüência dessa forma de ação é mais eficácia com menores doses.

O interesse das empresas fabricantes de cosméticos pela nanotecnologia pode ser medido pelo sigilo que cerca os con-tratos e convênios fechados com as uni-versidades brasileiras. Aqui, a máxima de que o segredo é a alma do negócio é realmente levada a sério. Não é para me-nos, porque este é um setor em franca expansão no Brasil. Hoje, o país ocupa a terceira posição no ranking mundial de cosméticos, atrás apenas dos Estados Unidos e do Japão. Em apenas 2 anos, 2005 e 2006, deixou para trás mercados tradicionais como França, Alemanha e Inglaterra. “Isso dá uma idéia da impor-tância que o cosmético tem em um país que não é rico”, diz Silvia. Em 2007 o faturamento das indústrias do setor de produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos no mercado interno che-gou a R$ 19,6 bilhões, representando um aumento de 11,5% em relação a 2006. “Estudos mostram que o consumo de cosméticos no Brasil não se diferencia entre os vários estratos sociais”, diz Sil-via. “A parcela que um consumidor da classe A, B, C, D ou E investe do seu montante financeiro em cosmético é ba-sicamente igual. O que muda é o valor investido.”

O mercado cosmético é muito dinâ-mico e renova constantemente os seus produtos, uma realidade bastante diver-sa da área de medicamentos, em que um produto demora muito tempo para ser desenvolvido e se estabelecer no merca-do, onde permanece por muitos anos. “A área cosmética está nos ensinando mui-to, porque na medida em que consegui-mos chegar mais perto do final de um ciclo tecnológico isso se torna muito útil também para o desenvolvimento de me-dicamentos”, diz Silvia. “As duas áreas se nutrem uma da outra.” No Brasil, a pri-meira empresa a desenvolver e colocar no mercado um nanocosmético foi O Boticário, com um creme anti-sinais para a área dos olhos, testa e contorno dos lábios chamado Nanoserum. A com-posição nanoestruturada leva ativos como vitamina A, C e K e um produto para clareamento. A tecnologia, desen-volvida em parceria com o laboratório francês Comucel, teve investimentos de R$ 14 milhões e faz parte da linha Acti-ve, que começou a ser vendida em 2005.

A Natura lançou em 2007 um produto para hidratação corporal, chamado Bru-mas de Leite, com partículas da ordem de 150 nanômetros.

Sistema biocompatível - A tendência é a expansão desse mercado. Para isso, as empresas estão sempre antenadas com as inovações desenvolvidas nas li-nhas de frente de pesquisa. O grupo da professora Maria Helena Andrade San-tana, da Faculdade de Engenharia Química da Unicamp e participante da Rede de Nanocosméticos, por exem plo, trabalha em parceria com a Chemyu-nion, fabricante nacional de matérias-primas para produtos cosméticos e farmacêuticos, no desenvolvimento de produtos de base nanotecnológica. A Agência USP de Inovação está nego-ciando com uma empresa a transferên-cia de tecnologia de um sistema nano-tecnológico inovador e biocompatível, desenvolvido pelo grupo coordenado pela professora Maria Vitória Lopes Badra Bentley, da Faculdade de Ciên-cias Farmacêuticas de Ribeirão Preto da USP e também integrante da rede, que recebeu em 2006 o Prêmio Capes de Tese na área de farmácia, dado pela Coo rdenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

“O sistema desenvolvido, além de carrear, aumenta a penetração cutânea de princípios ativos”, diz a pesquisado-ra. Como o processo legal ainda não foi finalizado, ela não dá detalhes sobre a inovação desse sistema, mas adianta que não se trata de lipossoma (nanoes-trutura semelhante a pequenas esferas

de gordura) nem de nanopartícula só-lida. E dá algumas pistas da inovação. “Conseguimos uma taxa de penetração muito boa na pele utilizando esse siste-ma com peptídeos, que são moléculas relativamente grandes para a penetra-ção cutânea”, diz. “Ele tem uma aplica-ção muito interessante para produtos tanto de ação dermatológica como cos-mética”, completa Maria Vitória, sem poder revelar mais sobre o assunto.

O grupo da pesquisadora também mantém convênios de cooperação com algumas empresas para desenvolver e avaliar a eficácia de novos produtos. “Somos pioneiros no desenvolvimento de metodologia in vitro para avaliação da penetração cutânea de fármacos, cujos resultados podem refletir a segu-rança e a qualidade de um produto tó-pico”, diz. Os testes são feitos com pele de orelha de porco, material muito se-melhante à pele humana. As peles são dissecadas, montadas em peças de vi-dro, chamadas células de difusão, e a formulação é colocada sobre as mes-mas. “Avaliamos a difusão do fármaco através da pele e também em qual ca-mada ficou retido”, explica. Com esse método é possível trabalhar com várias preparações e ter maior reprodutibili-dade nos re sultados. “É mais fácil do que trabalhar com vários animais, já que há menos interferência como es-tresse e outras rea ções fisiológicas, e fa-cilita para identificar a rota de penetra-ção do produto”, diz Maria Vitória. “Sem contar que qual quer produto cosméti-co que tenha utilizado animais não po-de ser registrado na Europa”, ressalta a pesquisadora, que já fez testes de perme-ação cu tânea para a Natura.

Outra área que começa a despontar como promissora em nanocosméticos é a capilar. A pesquisadora Valéria Lon-go, do Laboratório Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica (Liec), inte-grante do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâ-micos e vinculado à Universidade Fe-deral de São Carlos, teve aprovado um projeto pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para desenvolver, em parceria com a empresa Kosmoscience, de Valinhos, uma nanoemulsão para alisamento de cabelos. “Pelo tamanho reduzido das partículas, é possível obter uma emulsão que, além de manter a propriedade constante em toda a exten-

Laboratório multiusuário de caracterização de sistemas de liberação micro e nanodispersos de fármacos

MODALIDADE

Programa Equipamentos Multiusuários

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MARIA VITÓRIA BENTLEY - USP

INVESTIMENTO

R$ 364.287,32 (FAPESP)

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82 ■ ABRIL DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 146

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são do cabelo, vai recobrir com mais eficiência as fibras capilares”, diz Valé-ria. “A vantagem é que a nanoemulsão, diferentemente dos alisantes comuns, não precisará destruir a estrutura exter-na das fibras capilares, chamada de cu-tícula, para penetrar nos fios.” Isso por-que a fibra tem naturalmente microca-nículos que permeiam moléculas pe-quenas como água. O produto no nível nano aproveitaria essa passagem natu-ral que a fibra possui. O grupo da pro-fessora Maria Helena, em parceria com a Chemyunion, desenvolveu uma tec-nologia de produção de nanopartículas de sericina (proteína originária da se-da), utilizada para fabricação de um produto que proporciona selagem das cutículas dos fios danificados, chamado Seriseal. “O produto devolve aos cabe-los a aparência saudável”, diz a pesqui-sadora. O lançamento está previsto pa-ra ocorrer até a metade do ano.

Novas nuances - Os caminhos para utilização das nanopartículas apontam para várias direções. Empresas como a L’Oréal apostam que, no futuro, seu port fólio de produtos de maquiagem será baseado em nanopigmentos. “Serão obtidas tonalidades de cores nunca vis-tas antes, com muito mais nuances”, diz Silvia. O desenvolvimento brasileiro na nanotecnologia passa pela Rede de Na-nocosméticos, grupo de pesquisa vir-tual que tem como objetivo transitar por todos os ciclos de desenvolvimento de um produto, gerando competência brasileira. O modelo escolhido para es-tudo da rede é um filtro solar. “Um gru-po na UFRJ, por exemplo, trabalha com alergenicidade de produtos cutâneos utilizando o modelo de estudo. Dois outros grupos, do IPT e da UFRGS, na outra ponta do ciclo de produção, tra-balham com produção em escala”, rela-ta Silvia. A rede funciona como catali-sadora para impulsionar a aproximação universidade e empresa. Quando a rede surgiu, ela agregou pesquisadores que faziam pesquisas na área de nanotecno-logia e poderiam ter aplicação na área de cosmética”, diz Maria Vitória.

O grupo coordenado pela pesquisa-dora já trabalhava, antes de integrar a rede, no desenvolvimento de produtos tópicos para aplicação na pele com fina-lidade dermatológica e cosmética. Maria Vitória, que há 17 anos se dedica à área

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de permeação cutânea, explica que não há diferença entre encapsular um ativo para uma inflamação cutânea e uma vi-tamina com ação cosmética. No entanto, antes de escolher o sistema nanotecno-lógico mais adequado para transportar um princípio ativo, é necessário saber qual o local de entrega do produto, o tamanho da molécula ativa e outras va-riáveis. “Existem fatores químicos, bio-lógicos, físicos e tecnológicos que estão envolvidos para finalizar um produto com qualidade”, diz Maria Vitória, que recebeu financiamento da FAPESP para compra de equipamentos utilizados em nanotecnologia.

Ação diferenciada - “A definição tra-dicional de cosmético é de um produto que não penetra na pele e tem principal-mente atividade sensorial”, diz Maria Helena. Quando as moléculas dos prin-cípios ativos dos cremes possuem tama-nhos maiores, elas ficam só na superfície da pele, protegendo-a da perda de água. Portanto, têm efeito puramente cosmé-tico. “Só que atualmente está se dando muita ênfase aos dermocosméticos, com ação diferenciada na aplicação.” É exata-mente essa a atuação que se procura para os nanocosméticos. Uma ação mais eficaz em rugas e preenchimentos pela penetração mais profunda das partícu-las na pele, sem o risco de alcançar a corrente sangüínea. “No nosso laborató-rio estamos trabalhando também com nanopartículas poliméricas de ácido hialurônico e lipossomas do tipo elásti-co, ambas com maior poder de penetra-ção na epiderme, mas que não deixam o cosmético atingir a derme, região mais profunda das camadas de pele”, diz.

Os lipossomas funcionam nas mo-dernas estratégias utilizadas em nano-tecnologia como uma cápsula transpor-tadora de princípios ativos. O compo-nente estrutural dos lipossomas são os fosfolipídeos, o mesmo das células do nosso organismo. Para que possam pe-netrar pelos poros da pele, eles têm a superfície modificada com polímeros biocompatíveis, de forma a se tornar flexíveis ou elásticos. Isso ocorre por-que, para carrear uma quantidade sig-nificativa de princípio ativo de creme para uma camada abaixo da pele, é ne-cessário construir partículas de cerca de 100 nanômetros. Como a maioria dos poros da pele tem 30 nanômetros, para o lipossoma passar por eles e penetrar na epiderme tem que se deformar, manten-do a sua integridade. O polímero colo-cado na superfície deve ser altamente hidrofílico, ou seja, captar muita água, estabilizando e protegendo os liposso-mas do atrito ao passar pelo poro. “Esse é um diferencial em relação a outras na-nopartículas e exige conhecimento de engenharia da permeação da partícula em nanoporos, para obtenção do resul-tado desejado”, diz Maria Helena.

Além dos lipossomas, as nanoestru-turas mais utilizadas para encapsular ativos são as nanopartículas poliméricas e as lipídicas sólidas. As nanopartículas poliméricas compreendem dois tipos: as matriciais ou nanoesferas, compostas só de polímeros, e as vesiculares ou na-nocápsulas, feitas de óleo e recobertas com polímero. Ambas são empregadas para encapsular ativos lipofílicos, que apresentam grande afinidade química com gorduras. As nanopartículas lipídi-cas sólidas também se destinam a trans-

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portar compostos lipofílicos. “O grande apelo desse tipo de nanopartículas é a técnica de produção, de fácil escalona-mento para rápida aplicação industrial”, diz a professora Adriana Pohlmann, do Instituto de Química da UFRGS e vice-coordenadora da rede. “Perfumes como o Allure, da Chanel, contêm nanoestru-turas do tipo micelares, que controlam a liberação gradual de alguns aromas e a sua manutenção por mais tempo”, exemplifica Silvia.

As nanopartículas utilizadas nos produtos cosméticos são divididas em dois grupos: lábeis e insolúveis. As lábeis são as que se dissolvem física ou quimi-camente após a sua aplicação sobre a pele, caso dos lipossomas e das nanopar-tículas biodegradáveis, enquanto as par-tículas insolúveis, como fulerenos e na-notubos – estruturas nanométricas feitas de carbono – e pontos quânticos – mi-núsculas partículas semicondutoras – são incapazes de se desestruturar nos meios biológicos. Essa classificação, pro-posta pelo Comitê Científico de Produ-tos para Consumo da União Européia, em 2007, foi criada para diferenciar os riscos das diferentes nanoestruturas e surgiu depois dos questionamentos fei-tos em relação à segurança do uso de óxidos metálicos, como o dióxido de ti-tânio e óxido de zinco, em protetores solares. “A escolha da partícula lábil ou insolúvel é feita no início do processo porque é preciso prever como ela vai en-trar na formulação, de que forma vai li-berar os ativos e o que vai ocorrer depois de completar sua função”, diz Adriana.

Produto seguro - A maioria dos produ-tos que estão no mercado é composta basicamente por nanoestruturas à base de polímeros biodegradáveis ou de fos-folipídeos como a lecitina da soja, bio-compatíveis e biodegradáveis. Quando o produto tem nanopartículas insolú-veis, como ocorre com alguns filtros solares, é preciso verificar a segurança, principalmente nos casos em que as par-tículas têm menos de 100 nanômetros de diâmetro. “Acima disso, a tendência é de que fiquem retidas no estrato córneo, camada superior da epiderme. No pro-cesso de renovação da pele elas são eli-minadas”, diz Adriana. Os filtros solares podem ser químicos ou físicos. Para a obtenção de filtros solares com fator de proteção mais alto, é comum a associa-

ção dos dois. Os químicos são moléculas orgânicas que absorvem a radiação ul-travioleta. Os físicos são partículas inor-gânicas, portanto insolúveis, que refle-tem os raios UV. “Quando a partícula é muito grande e o objetivo é bloquear a radiação solar, o protetor aplicado no corpo cria uma camada esbranquiçada”, diz Adriana. Para conseguir a mesma proteção e um efeito mais transparente, é necessário diminuir o tamanho das partículas. É isso o que as empresas estão fazendo, diminuindo as partículas da escala micrométrica para a nanométrica, mas mantendo a mesma proteção. “Mui-tas vezes essas partículas estão abaixo dos 100 nanômetros e podem entrar na corrente sangüínea”, diz Adriana. Ela res-salta que é possível fazer formulações com menos de 100 nanômetros, desde que sejam feitos ensaios que provem a segurança do produto.

O assunto segurança foi tema do III Diálogo Internacional em Pesquisa Responsável e Desenvolvimento de Na-notecnologia, realizado nos dias 11 e 12 de março deste ano, em Bruxelas, na Bélgica, que contou com a participação de representantes de países da Comu-nidade Européia, dos Estados Unidos, Japão, Austrália, Brasil e outros. “A po-sição mais responsável é considerar o

fato de que há possibilidade de algum risco na utilização de qualquer produto novo, seja ele nanotecnológico ou não”, diz o professor Mario Baibich, coorde-nador-geral de Micro e Nanotecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia. Na reunião também foi ressaltada a im-portância de verificar quanto efetiva-mente um novo produto tem de nano-tecnologia. “Muitos cosméticos são lançados com apelo nanotecnológico quando na verdade possuem tamanho em micrômetro”, ressalta Baibich.

Além dessa verificação, é preciso avaliar, pelo tamanho e composição das partículas, se o produto tem ou não ca-pacidade de penetrar no organismo humano pelas paredes celulares. “Isso torna a nanotecnologia mais cara, por-que quem for responsável vai seguir todos os parâmetros científicos antes de fazer marketing de um novo produ-to”, diz o professor. Uma das formas de ter controle sobre o tamanho das par-tículas que estão sendo fabricadas é pela nanometrologia, trabalho que co-meçou a ser feito recentemente no Bra-sil pelo Instituto Nacional de Metrolo-gia, Normalização e Qualidade Indus-trial (Inmetro).

É difícil fazer uma estimativa de quantos produtos com nanotecnologia existem atualmente no mercado cosmé-tico mundial, porque não há obrigato-riedade legal de informar a presença de nanopartículas em cosméticos. Tam-bém pode ocorrer de a empresa indicar na embalagem que o produto contém partículas de dimensão nanomérica, sem, contudo, verificar o tamanho da partícula. “No Brasil fizemos um levan-tamento de produtos que faziam men-ção à nanotecnologia e verificamos que alguns traziam nas embalagens refe-rências que induziam a acreditar que tinha um componente nanotecnoló-gico, mas pelo preço dava para perceber que isso não era possível”, diz Silvia. “Nanotecnologia impõe certo custo ao produto.” O creme Primordiale, o pri-meiro com nanotecnologia lançado pe-la Lancôme para combater os sinais de idade, custa R$ 289,00 no site da empre-sa. Um produto semelhante da Anna Pegova, chamado Akinésine, fica em R$ 378,00. Preços bem maiores do que os cremes anti-sinais sem nanotecnologia das mesmas empresas são vendidos, em média, por R$ 80,00 a R$ 120,00. ■

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N a ponta da ponta: nanotubo soldado sobre base de silício

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FÍSICA

PARA ENXERGAR O INVISÍVELNanotubo de carbono aumenta a resolução de microscópio

tubo que prontamente aderia ao cone de silício, atraído pelas forças elétricas de Van de Waals, observadas apenas na escala de átomos e moléculas. Mas não funcionava. Extremamente flexível, o na-notubo se dobrava facilmente caso eles o encostassem na superfície a ser mapeada. Mesmo no interior de uma câmera de vácuo, o nanotubo passava a vibrar co-mo uma corda agitada nos ares em con-seqüência da energia térmica, quando ficava muito longo, com mais de mil nanômetros de comprimento.

Outras vezes esse tubo aparente-mente delicado, mas tão resistente à tensão quanto a seda ou o fio da teia de aranha, descolava-se do cone de silício. Denise e Alberto, então, decidiram soldá-lo ao cone, usando o feixe de elé-trons do próprio microscópio. Aponta-do para a região em que o nanotubo toca o cone de silício, esse feixe faz áto-mos de carbono dispersos no vácuo – quase sempre restam impurezas no vácuo criado em laboratório – se acu-mularem no ponto de contato. Mas nem sempre o resultado era bom. “O nanotubo continuava a vibrar e, às ve-zes, se soltava”, conta Denise.

A saída foi melhorar a solda. Denise e Alberto aumentaram o tempo de soldagem de 20 para 60 minu-

tos. Quando olharam novamente a ponta, viram que uma crosta havia se formado em torno do nanotubo. A um só tempo, solucionaram dois proble-mas: fixaram o nanotubo e elimina-ram a vibração indesejada. “O resulta-do foi semelhante ao que se consegue com o concreto usado na construção civil, que é flexível e resistente”, diz o físico Daniel Ugarte, que orientou o trabalho de Denise e desenvolve ins-trumentos nanométricos no LNLS e na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Depois de preparar três pontas, Al-berto, aluno de doutorado da física Mônica Cotta, da Unicamp, as utilizou para fazer imagens da superfície de ma-teriais semicondutores. Para a surpresa

de todos, a mesma ponta produziu mais de 400 imagens, sem sofrer danos nem perder resolução. É uma durabili-dade pelo menos 20 vezes superior à das pontas de microscópio de força atômica comercialmente disponíveis, feitas com silício, que se quebram de-pois de10 ou 20 imagens. “As pontas de silício são frágeis e se partem se tocam por acidente a superfície analisada. Já as pontas de nanotubos, que são flexí-veis, dobram e retornam à posição ori-ginal”, diz Mônica, que agora começa a usar esses equipamentos para investigar sistemas biológicos, como as bactérias Xylella fastidiosa e o biofilme que for-mam no interior dos vasos das laranjei-ras. “As pontas de nanotubo reforçadas não danificam as células”, diz Mônica.

C omo não entendiam ao certo por que a ponta de nanotubo soldada com carbono se tornava mais está-

vel, Mônica, Alberto, Ugarte e Denise tiveram de pedir ajuda a físicos teóri-cos. Procuraram Douglas Galvão e Vi-tor Coluci, também da Unicamp, que usam programas de computador para tentar compreender o que acontece no nível dos átomos. Em uma série de si-mulações, eles notaram que a camada extra de carbono ao redor do nanotubo absorve o impacto do choque contra os obstáculos, como descrevem os pesqui-sadores em artigo a ser publicado na Nano Letters. Como conseqüência, a ponta reforçada é mais estável – e pro-duz imagens mais bem definidas – do que as pontas que outros grupos já construíram apenas com nanotubos.

Se o resultado é tão bom, não vale-ria a pena patentear o método de pro-dução? Para Ugarte, não. “O mercado para esses objetos é restrito e o investi-mento para produzi-los em escala maior, muito alto”, diz. Além do mais, comen-ta, caso consigam pontas que aumen-tem ainda mais a resolução desses mi-croscópios, seria mais vantajoso usá-las em suas próprias pesquisas. “Assim”, diz Ugarte, “conseguiríamos uma vanta-gem durante algum tempo”. ■

Ricardo Zorzet to

D urante meses Denise Nakabayashi e Alberto Moreau passaram várias horas por dia manuseando uma ala-

vanca de joystick como a de um video-game em uma pequena sala do Labora-tório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas. Quem os via até podia pensar que estivessem brincando. Não estavam. Com o joystick conectado a um cubo de metal um pouco menor que uma caixa de sapatos, eles controlavam duas pequeníssimas barras usadas para manipular um cilindro formado por al-guns milhares de átomos de carbono. O objetivo era fixar esse tubo – chamado nanotubo de carbono por ter uns pou-cos nanômetros de diâmetro – ao ápice de um cone de silício centenas de vezes maior e, desse modo, aumentar ainda mais a resolução de um microscópio de força atômica. Esse equipamento torna possível produzir imagens tridimensio-nais da matéria na escala do nanômetro (milionésimos de milímetro) e ainda manipular átomos e moléculas, já que mapeia as superfícies de modo seme-lhante ao dedo de uma pessoa que lê braile. Quanto menor o diâmetro da ponta, mais detalhes detecta.

Foram necessárias dezenas de tenta-tivas, cada uma consumindo de 5 a 6 horas de trabalho, antes que desse certo. Denise e Alberto aproximavam o nano-

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ENGENHARIA QUÍMICA

Iluminação limpaEmpresa desenvolve sistema que recicla componentes das lâmpadas fluorescentes

Yuri Vasconcelos

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O Brasil é um dos campeões mundiais em reciclagem de latas de alumínio com um índice na faixa dos 90% de reaproveitamento. Com as lâmpadas fluorescentes ocorre o contrário. Dos cerca de 100 milhões de lâm-padas produzidos anualmente no país, apenas 6% são reciclados ou descartados em locais apropriados. Na Holanda, o índice de reciclagem chega a 83% e na Ale-

manha, a 50%. A quase totalidade das lâmpadas velhas do Bra-sil é depositada de forma inadequada em lixões e aterros sani-tários. Para tentar reverter essa situação, que provoca sérios danos ao ambiente em razão da contaminação pelo mercúrio presente nas lâmpadas, a Tramppo Recicla desenvolveu uma tecnologia que faz a descontaminação e a reciclagem dos com-ponentes da lâmpada, possibilitando a volta das matérias-pri-mas para as indústrias. Em julho do ano passado, a empresa, criada em 2003 no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), sediado no prédio do Instituto de Pesquisas Energéti-cas e Nucleares (Ipen) na Cidade Universitária da USP, conse-guiu sua licença de operação da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb). No final de março, estava pa-ra concluir uma ampliação de suas instalações em São Paulo, para iniciar o processamento de 90 mil unidades por mês.

O sistema de descontaminação e reciclagem de lâmpadas da Tramppo obedece aos princípios de sustentabilidade e de produ-ção mais limpa. O equipamento, totalmente projetado e desen-volvido na empresa, separa os componentes da lâmpada – vidro, mercúrio, pó fosfórico e terminais de alumínio – e os torna dis-poníveis como matéria-prima para reutilização em vários tipos de indústria. A reciclagem ocorre de forma completa sem a ne-cessidade de descartes em aterros, reduzindo o volume de lixo gerado e, principalmente, evitando a contaminação do meio am-biente. A qualidade do processo é garantida por testes feitos na própria empresa e também conta com a validação do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), parceiro estratégico da Tramppo. Para cada lote de lâmpadas destinadas à reciclagem, a empresa

Na Tramppo: fardo de lâmpadas fluorescentes usadas

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fornecedora das lâmpadas usadas recebe um Certificado de Descontaminação, Reciclagem e Descarte Correto. Entre os principais clientes da Tramppo estão o Hospital do Servidor Público (Iamspe), com um volume anual de 40 mil lâm-padas, Hospital Israelita Albert Eins-tein, 18 mil, a Universidade de São Pau-lo (USP), 15 mil, e o Shopping Center Paulista, 12 mil, todos em São Paulo.

O mercado nacional de reciclagem de lâmpadas fluorescentes ainda é tími-do e disputado por poucas empresas. Segundo a engenheira eletrônica Elaine Menegon, uma das sócias da Tramppo, antes de decidir pelo desenvolvimento de seu próprio sistema operacional, a empresa analisou o custo da máquina de reciclagem da empresa sueca MRT System, uma das líderes mundiais desse setor, e teve a certeza de que a única forma de ser uma empresa de gestão de lâmpadas fluorescentes usadas era de-senvolver a sua própria tecnologia. “A máquina sairia por cerca de € 1 milhão, já instalada. Era muito dinheiro. Vimos, então, a necessidade de desenvolver nos-so próprio equipamento”, conta. Para isso, a empresa obteve recursos no valor de R$ 450 mil do Programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe) da FAPESP. Outros R$ 100 mil

em bolsas do Programa de Capacitação de Recursos Humanos (Rhae) para téc-nicos foram financiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientí-fico e Tecnológico (CNPq), do Minis-tério da Ciência e Tecnologia.

“Nossa máquina é diferente da sue-ca, que tem capacidade de processa-mento de quase 1 milhão de lâmpadas por mês. O equipamento que desenvol-vemos é mais compacto e pode ser montado em vários locais, com distri-buição em vários pontos do território nacional”, diz Elaine. De acordo com o

plano de negócios da Tramppo, aprovado no final de 2007, seis novas unidades deverão entrar em operação até o final de 2011, sendo a maior parte delas nas re-giões Sul e Sudeste do país. “Nos-so objetivo é abrir unidades per-to dos centros geradores de resí-duos, uma vez que o principal custo do processo é a logística pa-ra coleta das lâmpadas a serem recicladas”, explica Elaine.

O equipamento desenvolvi-do pela empresa é composto por três partes principais: uma seção de corte das pontas da lâmpada, um reator de descontaminação, similar a um forno elétrico, que recebe o pó fosfórico, compone-nte que confere a cor esbranqui-çada às lâmpadas, e um tritura-

dor de vidro. Logo que a lâmpada é co-locada no equipamento, uma lâmina separa suas duas extremidades, isolan-do os terminais de alumínio. Em segui-da, um êmbolo é introduzido dentro do tubo de vidro e através de um movi-mento de sopro e sucção do ar é feita a retirada do pó fosfórico. “A maior par-te do mercúrio, o elemento mais tóxico da lâmpada, encontra-se aderido a esse pó”, afirma a farmacêutica e bioquími-ca Atsuko Kumagai Nakazone, pesqui-sadora científica do projeto Pipe.

“Somente quando a lâmpada é ace-sa o mercúrio passa ao estado gasoso, servindo como elemento de condução da luminosidade, como se fosse o fila-mento das lâmpadas incandescentes”, diz ela. Nesse estágio o vidro já está lim-po e segue, automaticamente, para o triturador, enquanto o pó fosfórico é recolhido e encaminhado para um rea-tor onde será feita a descontaminação propriamente dita por meio da separa-ção e retirada do mercúrio. “Essa etapa é realizada por um processo de subli-mação, onde ajustamos os parâmetros de temperatura e pressão dentro do reator. O mercúrio sublimado (que pas-sou do estado sólido para o gasoso) é condensado, num condensador espe-cialmente projetado, em temperatura

Descarte adequado de lâmpadas fluorescentes que contenham mercúrio

MODALIDADE

Programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe)

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ATSUKO KUMAGAI NAKAZONE – Tramppo

INVESTIMENTO

R$ 440.362,00 (FAPESP)

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Mercúrio condensado depois de ser extraído na forma gasosa daslâmpadas fluorescentes

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ambiente e armazenado para posterior comercialização”, conta Atsuko. Por en-quanto, a empresa ainda não está ven-dendo o mercúrio retirado das lâm-padas, porque a quantidade é muito pequena. “O mínimo para comerciali-zação é de 1 quilo, sendo que a cada mil lâm padas só retiramos 8 gramas de mer cúrio, em média.”

O vidro triturado é vendido para uma grande fabricante nacional de vi-dros e o pó fosfórico está sendo nego-ciado para utilização na produção de tintas. Os terminais de alumínio, sepa-rados no início do processo, são desti-nados para uma cooperativa de um conjunto habitacional popular de São Paulo e depois para uma empresa reci-cladora da matéria-prima.

Poder poluidor - Além do mercúrio, vidro, alumínio e pó fosfórico, cerca de outros 20 elementos fazem parte da composição das lâmpadas fluorescentes, entre eles chumbo, argônio, zinco e silí-cio, com diferentes graus de toxicidade. O que mais preocupa no descarte inade-quado desse tipo de lâmpada é mesmo o mercúrio, um metal pesado com alto poder poluidor. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Iluminação (Abilux), apenas 8% dos municípios brasileiros contam com aterros licencia-dos para depósito de resíduos tóxicos preparados para receber lâmpadas fluo-rescentes. Quando descartadas de forma inadequada, elas podem causar sérios danos à saúde humana. Isso porque a degradação ambiental do metal é lenta e persiste por muitas décadas. Ele pode poluir lençóis freáticos, rios, lagos e re-presas, contaminando a água, o solo, as plantas e os peixes do lugar. O consumo desses animais pode acarretar danos ir-reversíveis aos sistemas cardiovascular e nervoso, como paralisia, perda de me-mória, dor de cabeça, fraqueza muscu-lar, dificuldade de fala e distúrbios emo-cionais, entre outros. Dependendo da gravidade, pode levar à morte.

Por conta de seus efeitos tóxicos, existem iniciativas em âmbito global para pôr fim à utilização do mercúrio em processos industriais. Além de uti-lizá-lo como matéria-prima para fabri-cação de lâmpadas fluorescentes, a substância também é empregada na produção de termômetros e na amal-gamação do ouro por garimpeiros.

Apesar de ser uma excelente inicia-tiva do ponto de vista socioambiental, o sucesso comercial da Tramppo vai depender do interesse das empresas, prefeituras e demais instituições em reciclar suas lâmpadas usadas. O obje-tivo da empresa é oferecer um serviço de logística para viabilizar o atendi-mento a empresas que possuam pe-quenos volumes dessas lâmpadas. O sistema funciona assim: a Tramppo retira as lâmpadas queimadas no clien-te, que paga R$ 0,60 a R$ 0,85 por uni-dade, e vende a ele lâmpadas novas a preço de mercado. Esse modelo de ne-gócios, já em atividade, valeu à empre-sa o prêmio de destaque no II Fórum de Investidores em Negócios Susten-táveis do Programa New Ventures Bra-sil em 2005. O prêmio é uma iniciativa do World Resources Institute (WRI), um centro de análise de assuntos am-bientais com sede em Washington re-presentado no país pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Os sócios da Tramppo estão finali-zando a ampliação das instalações da empresa dentro do Cietec, para uma área de 250 metros quadrados, e já pla-nejam construir uma nova unidade no Parque Tecnológico de São Paulo, quan-do ele for inaugurado. “Aqui, no Cietec, vamos centralizar a etapa de desconta-minação do pó fosfórico. Para lá, vamos transferir a operação comercial, a lim-peza da lâmpada e a trituração do vi-dro”, diz o administrador de empresas Carlos Alberto Pachelli, sócio-executivo da Tramppo. Por enquanto, a empresa só recicla lâmpadas fluorescentes tubu-lares, mas, no futuro, pretende proces-sar também as de bulbo, de iluminação pública, e compactas, que ficaram po-pulares na crise energética nacional no início desta década. “A tecnologia para descontaminação e reciclagem desses produtos é a mesma. Serão necessárias algumas adaptações na máquina e rees-truturação dos procedimentos de lim-peza”, diz Pachelli. ■

As lâmpadas são desmontadas,

descontaminadas e cada componente é

separado para venda a outros

setores industriais

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METALURGIA

Têmpera superiorParceria entre Unicamp e siderúrgica cria tocha de plasma para melhorar a qualidade do aço

Fabrício Marques

A linha de produção da Villares Metals, em Sumaré, na Região Metropolitana de Campinas, foi o cenário de um teste, rea-lizado no ano passado, que coroou um projeto de pesqui-sa iniciado no final dos anos

1990 voltado para aperfeiçoar a quali-dade do aço produzido no país. Uma to cha de plasma, capaz de gerar tempe-raturas elevadíssimas transformando energia elétrica em calor transportado por um gás, foi testada na aciaria da em-presa para retardar o processo de res-friamento do aço durante a fase em que o metal, recém-fundido, é convertido em lingotes contínuos. A

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Máquina de lingotamento da Villares: temperatura estável

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A experiência em outros países mostra que a tocha de plasma pode ser usada numa máquina de lingotamento contínuo para melhorar a qualidade do aço. Ela permite manter a temperatura estável no reservatório intermediário, ou distribuidor, da máquina. A tempe-ratura estável neste processo, que dura cerca de 2 horas, garante a produção de aço com menor risco de formação de fragmentos cerâmicos, que podem sur-gir quando o metal esfria. Também pre-vine a segregação de ligas que ocorre quando o metal está superaquecido. Sem o uso do plasma, o superaqueci-mento é necessário para evitar a solidi-ficação do aço no distribuidor.

Esse tipo de tecnologia é utilizada em siderúrgicas de países desenvolvidos, mas quem quiser usá-la aqui precisa comprar no exterior. “O sucesso da ex-periência mostrou que é possível insta-lar uma tocha de plasma numa linha de produção siderúrgica sem a necessidade de contratar uma empresa internacio-nal especializada nessa tecnologia, o que deve baratear custos”, diz Aruy Marotta, coordenador do projeto e pesquisador do Grupo de Física e Tecnologia de Plasma (GFTP) do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp. Celso Barbosa, gerente de Tecnologia, Pesquisa e Desenvolvimento da Villares Metals, destaca os ganhos que a tocha de plasma pode propiciar. “Essa tecno-logia nos interessa porque permitirá aperfeiçoar a produção de aços especiais de alta liga, como os usados em válvulas de motores e na indústria aeronáutica”, afirma. “Temos a expectativa de que, com os ganhos de resistência mecânica, seja possível, por exemplo, diminuir o grau de laminação do aço (mais fino e com a mesma dureza)”, afirma.

As tochas de plasma funcionam co-mo uma espécie de resistência capaz de produzir temperaturas elevadíssimas, de até 70 mil graus Celsius. Na tocha, o plasma é gerado pela formação de um arco elétrico, como uma espécie de re-lâmpago contínuo, através da passagem de corrente num gás ionizado – forma-do por íons (átomos com perda ou ga-nho de elétrons). Entre as vantagens da tocha de plasma destacam-se a alta efi-ciência na conversão de energia elétrica em térmica, que pode chegar até 95%, e a possibilidade de uso de qualquer tipo de gás. “Ao contrário da combustão, a energia térmica independe da vazão de gás, há rapidez de resposta e altíssima densidade de potência, resultando em equipamentos mais eficientes”, diz Ma-rotta. Tochas de plasma são utilizadas desde a década de 1960 na metalurgia, para cortar, soldar ou fundir. Também são fundamentais para promover a de-posição de camadas metálicas e cerâmi-cas – turbinas de aviação são revestidas com superfícies cerâmicas com a ajuda dessa tecnologia. Nos últimos tempos, ganharam importância em processos de destruição de resíduos tóxicos e na sín-tese de novos materiais nanométricos.

O projeto de pesquisa originou-se de uma necessidade da indústria. Uma

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projeto estava próximo de sua conclu-são, a empresa decidiu adiar sua im-plantação, pois isso requereria investi-mentos elevados na alteração da confi-guração da planta industrial. “Temos a expectativa de realizar essa etapa a par-tir de 2010”, diz Celso Barbosa, da Villares Me- tals. Enquanto o projeto era desenvolvido, a em-presa brasileira, que per- tencia à família Villares, foi vendida ao grupo espanhol Sidenor. Atual-mente pertence à mul-tinacional austríaca Böh-ler-Uddeholn. A empre-sa dispõe de apenas uma máquina de lingo-tamento contínuo de aços em produção in-dustrial. Por isso, o sis-tema foi instalado e tes-tado em condi ções reais de operação, mas fora da li nha de produ ção, usan do o mesmo distri-buidor de 3 toneladas de aço líquido.

Apesar do adiamento na implantação, a Villa-res avalia que o projeto foi encerrado com êxito tecnológico. “Trata-se de um projeto tecnoló-gico industrial de gran-de porte. Foi um grande desafio desenvolvê-lo e transferi-lo da bancada dos laboratórios da Uni-

camp para uma planta piloto”, diz Bar-bosa. “A instalação e operação de uma tocha de plasma, desenvolvida por uma equipe brasileira, numa indústria de grande porte é fato inédito no país”, diz Aruy Marotta.

Marotta e sua equipe trabalham atualmente no LPI em um projeto do programa Pesquisa Inovativa na Peque-na e Micro Empresa (Pipe) com a em-presa Siderol, na reciclagem de aço rápi-do contido em resíduos de lama oriunda da indústria de ferramentas. Esse aço, que possui alto valor agregado devido aos elementos de liga, é atualmente des-cartado como rejeito. Em um forno a plasma, o aço é separado da lama que contém óleo e cerâmica abrasiva. Esse projeto é um desdobramento da tecno-logia gerada no projeto Pite. “É de vital importância a continuação e o cresci-mento das atividades do LPI, com cria-ção de recursos humanos e novas tec-nologias para a indústria brasileira”, afirma o pesquisador. ■

carta enviada em 1997 pela Associação Brasileira de Metalurgia e Materiais (ABM) à professora Cecília Zavaglia, da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, fazia uma espécie de chama-da a pesquisadores da instituição cujas investigações pudessem resultar em ga-nhos de competitividade para a indús-tria. O professor Marotta apresentou um conjunto de três projetos sobre uso de plasma térmico, mas o interesse ini-cial da ABM acabou não se materiali-zando. Convencido de que seu projeto poderia ter interesse na indústria, Ma-rotta apresentou à Villares Metals uma versão mais específica de seu projeto e indagou se não havia interesse em que participassem do programa Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite) da FAPESP. A parceria, celebrada em 1998, dependia da construção do Laboratório de Plasma Industrial (LPI) da Unicamp, que só ficou pronto em 2001, graças a recursos da Finep, CNPq, Unicamp e principalmente da FAPESP. “Em um esforço de 1 década foi cons-truída uma estrutura única para pes-quisa e desenvolvimento de tecnologias a plasma de interesse da indústria bra-sileira, área em que o país tem grande carência”, diz Marotta.

Bielo-Rússia - A fase inicial da pesqui-sa, entre 1999 e 2001, apoiou-se na Bielo-Rússia, país da Europa Oriental e ex-república soviética, em laboratórios do Instituto de Transporte de Massa e Calor da Academia de Ciências (HMTI, na sigla em inglês). Marotta, pioneiro nessa linha de investigação no país, mantinha desde meados dos anos 1980 uma produtiva colaboração com pes-quisadores da antiga União Soviética, onde estudou. Essa proximidade im-pulsionou a parceria brasileira com vários pesquisadores soviéticos, que rendeu intenso intercâmbio científico e tecnológico.

A segunda fase do projeto, já na Unicamp, transcorreu entre 2001 e 2003, com o desenvolvimento no LPI de uma fonte de plasma com 500 qui-lovolts-ampère (kVA) de potência, to-chas de plasma e equipamentos corre-latos – talhados para o projeto Pite com a Villares. A última fase previa a mon-tagem e teste de todo o sistema indus-trial a plasma na linha de produção da Villares Metals. Ocorre que, quan do o

Aplicação das tochas de plasma em processos siderúrgicos

MODALIDADE

Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite)

CO OR DE NA DORES

ARUY MAROTTA – Instituto de Física – Unicamp

INVESTIMENTO

R$ 371.403,00 (Villares)R$ 310.500,00 e US$ 305.000,00 (FAPESP)

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Interesse industrial: resistência mecânica

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METALURGIA

Têmpera superiorParceria entre Unicamp e siderúrgica cria tocha de plasma para melhorar a qualidade do aço

Fabrício Marques

A linha de produção da Villares Metals, em Sumaré, na Região Metropolitana de Campinas, foi o cenário de um teste, rea-lizado no ano passado, que coroou um projeto de pesqui-sa iniciado no final dos anos

1990 voltado para aperfeiçoar a quali-dade do aço produzido no país. Uma to cha de plasma, capaz de gerar tempe-raturas elevadíssimas transformando energia elétrica em calor transportado por um gás, foi testada na aciaria da em-presa para retardar o processo de res-friamento do aço durante a fase em que o metal, recém-fundido, é convertido em lingotes contínuos. A

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Máquina de lingotamento da Villares: temperatura estável

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A experiência em outros países mostra que a tocha de plasma pode ser usada numa máquina de lingotamento contínuo para melhorar a qualidade do aço. Ela permite manter a temperatura estável no reservatório intermediário, ou distribuidor, da máquina. A tempe-ratura estável neste processo, que dura cerca de 2 horas, garante a produção de aço com menor risco de formação de fragmentos cerâmicos, que podem sur-gir quando o metal esfria. Também pre-vine a segregação de ligas que ocorre quando o metal está superaquecido. Sem o uso do plasma, o superaqueci-mento é necessário para evitar a solidi-ficação do aço no distribuidor.

Esse tipo de tecnologia é utilizada em siderúrgicas de países desenvolvidos, mas quem quiser usá-la aqui precisa comprar no exterior. “O sucesso da ex-periência mostrou que é possível insta-lar uma tocha de plasma numa linha de produção siderúrgica sem a necessidade de contratar uma empresa internacio-nal especializada nessa tecnologia, o que deve baratear custos”, diz Aruy Marotta, coordenador do projeto e pesquisador do Grupo de Física e Tecnologia de Plasma (GFTP) do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp. Celso Barbosa, gerente de Tecnologia, Pesquisa e Desenvolvimento da Villares Metals, destaca os ganhos que a tocha de plasma pode propiciar. “Essa tecno-logia nos interessa porque permitirá aperfeiçoar a produção de aços especiais de alta liga, como os usados em válvulas de motores e na indústria aeronáutica”, afirma. “Temos a expectativa de que, com os ganhos de resistência mecânica, seja possível, por exemplo, diminuir o grau de laminação do aço (mais fino e com a mesma dureza)”, afirma.

As tochas de plasma funcionam co-mo uma espécie de resistência capaz de produzir temperaturas elevadíssimas, de até 70 mil graus Celsius. Na tocha, o plasma é gerado pela formação de um arco elétrico, como uma espécie de re-lâmpago contínuo, através da passagem de corrente num gás ionizado – forma-do por íons (átomos com perda ou ga-nho de elétrons). Entre as vantagens da tocha de plasma destacam-se a alta efi-ciência na conversão de energia elétrica em térmica, que pode chegar até 95%, e a possibilidade de uso de qualquer tipo de gás. “Ao contrário da combustão, a energia térmica independe da vazão de gás, há rapidez de resposta e altíssima densidade de potência, resultando em equipamentos mais eficientes”, diz Ma-rotta. Tochas de plasma são utilizadas desde a década de 1960 na metalurgia, para cortar, soldar ou fundir. Também são fundamentais para promover a de-posição de camadas metálicas e cerâmi-cas – turbinas de aviação são revestidas com superfícies cerâmicas com a ajuda dessa tecnologia. Nos últimos tempos, ganharam importância em processos de destruição de resíduos tóxicos e na sín-tese de novos materiais nanométricos.

O projeto de pesquisa originou-se de uma necessidade da indústria. Uma

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projeto estava próximo de sua conclu-são, a empresa decidiu adiar sua im-plantação, pois isso requereria investi-mentos elevados na alteração da confi-guração da planta industrial. “Temos a expectativa de realizar essa etapa a par-tir de 2010”, diz Celso Barbosa, da Villares Me- tals. Enquanto o projeto era desenvolvido, a em-presa brasileira, que per- tencia à família Villares, foi vendida ao grupo espanhol Sidenor. Atual-mente pertence à mul-tinacional austríaca Böh-ler-Uddeholn. A empre-sa dispõe de apenas uma máquina de lingo-tamento contínuo de aços em produção in-dustrial. Por isso, o sis-tema foi instalado e tes-tado em condi ções reais de operação, mas fora da li nha de produ ção, usan do o mesmo distri-buidor de 3 toneladas de aço líquido.

Apesar do adiamento na implantação, a Villa-res avalia que o projeto foi encerrado com êxito tecnológico. “Trata-se de um projeto tecnoló-gico industrial de gran-de porte. Foi um grande desafio desenvolvê-lo e transferi-lo da bancada dos laboratórios da Uni-

camp para uma planta piloto”, diz Bar-bosa. “A instalação e operação de uma tocha de plasma, desenvolvida por uma equipe brasileira, numa indústria de grande porte é fato inédito no país”, diz Aruy Marotta.

Marotta e sua equipe trabalham atualmente no LPI em um projeto do programa Pesquisa Inovativa na Peque-na e Micro Empresa (Pipe) com a em-presa Siderol, na reciclagem de aço rápi-do contido em resíduos de lama oriunda da indústria de ferramentas. Esse aço, que possui alto valor agregado devido aos elementos de liga, é atualmente des-cartado como rejeito. Em um forno a plasma, o aço é separado da lama que contém óleo e cerâmica abrasiva. Esse projeto é um desdobramento da tecno-logia gerada no projeto Pite. “É de vital importância a continuação e o cresci-mento das atividades do LPI, com cria-ção de recursos humanos e novas tec-nologias para a indústria brasileira”, afirma o pesquisador. ■

carta enviada em 1997 pela Associação Brasileira de Metalurgia e Materiais (ABM) à professora Cecília Zavaglia, da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, fazia uma espécie de chama-da a pesquisadores da instituição cujas investigações pudessem resultar em ga-nhos de competitividade para a indús-tria. O professor Marotta apresentou um conjunto de três projetos sobre uso de plasma térmico, mas o interesse ini-cial da ABM acabou não se materiali-zando. Convencido de que seu projeto poderia ter interesse na indústria, Ma-rotta apresentou à Villares Metals uma versão mais específica de seu projeto e indagou se não havia interesse em que participassem do programa Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite) da FAPESP. A parceria, celebrada em 1998, dependia da construção do Laboratório de Plasma Industrial (LPI) da Unicamp, que só ficou pronto em 2001, graças a recursos da Finep, CNPq, Unicamp e principalmente da FAPESP. “Em um esforço de 1 década foi cons-truída uma estrutura única para pes-quisa e desenvolvimento de tecnologias a plasma de interesse da indústria bra-sileira, área em que o país tem grande carência”, diz Marotta.

Bielo-Rússia - A fase inicial da pesqui-sa, entre 1999 e 2001, apoiou-se na Bielo-Rússia, país da Europa Oriental e ex-república soviética, em laboratórios do Instituto de Transporte de Massa e Calor da Academia de Ciências (HMTI, na sigla em inglês). Marotta, pioneiro nessa linha de investigação no país, mantinha desde meados dos anos 1980 uma produtiva colaboração com pes-quisadores da antiga União Soviética, onde estudou. Essa proximidade im-pulsionou a parceria brasileira com vários pesquisadores soviéticos, que rendeu intenso intercâmbio científico e tecnológico.

A segunda fase do projeto, já na Unicamp, transcorreu entre 2001 e 2003, com o desenvolvimento no LPI de uma fonte de plasma com 500 qui-lovolts-ampère (kVA) de potência, to-chas de plasma e equipamentos corre-latos – talhados para o projeto Pite com a Villares. A última fase previa a mon-tagem e teste de todo o sistema indus-trial a plasma na linha de produção da Villares Metals. Ocorre que, quan do o

Aplicação das tochas de plasma em processos siderúrgicos

MODALIDADE

Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite)

CO OR DE NA DORES

ARUY MAROTTA – Instituto de Física – Unicamp

INVESTIMENTO

R$ 371.403,00 (Villares)R$ 310.500,00 e US$ 305.000,00 (FAPESP)

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Interesse industrial: resistência mecânica

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Limites desafiados

Estudos comparam desempenho de alunos beneficiados por ações afirmativas e mostram como vários obtêm sucesso acadêmico

>HUMANIDADES POLÍTICA ACADÊMICA

Fabrício Marques

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Há uma novidade no debate so-bre os programas de ação afir-mativa para ingresso no en-sino superior brasileiro. Um conjunto de estudos acadêmi-cos sobre o desempenho dos es tudantes beneficiados, no-

tadamente egressos de escolas públicas e grupos étnicos socialmente desfavo-recidos, começa a avaliar a eficiência das iniciativas adotadas por mais de 40 uni-versidades brasileiras. Os programas se dividem em dois grandes grupos. De um lado há os sistemas de cotas, que em geral reservam porcentuais de vagas nos processos seletivos para alunos pobres e/ou negros e índios. Inaugurados entre 2002 e 2003 em universidades estaduais do Mato Grosso do Sul e do Rio de Ja-neiro, hoje vigoram em dezenas de ins-tituições, sobretudo universidades fe-derais. De outro há um sistema de bo-nificação de pontos no vestibular para alunos de escolas públicas e também os autodeclarados negros, pardos e indí-genas, instituído em 2004 pela Univer-sidade Estadual de Campinas (Uni-camp) e adotado, com variações, pela Universidade de São Paulo (USP), pelas universidades federais Fluminense (UFF), do Rio Grande do Norte (UFRN) e de Pernambuco (UFPE) e pelas facul-dades de tecnologia paulistas, as Fatecs. Tal sistema não estabelece uma quanti-dade mínima de vagas, mas amplia as chances de ingresso desses grupos via vestibular.

Do ponto de vista do desempenho dos alunos, os resultados mais expres-sivos foram os obtidos no sistema da Unicamp. Um artigo publicado em edi-ção recente da Higher Education Mana-gement and Policy, publicação da Orga-nização para a Cooperação e Desenvol-vimento Econômico (OCDE), apresen-ta os dados que embasaram a criação da bonificação de pontos e também seus primeiros resultados. O estudo mostra que para os estudantes que en-traram na Unicamp entre 1994 e 1997 aqueles oriundos de escolas públicas tiveram desempenho acadêmico supe-rior aos egressos de colégios privados, considerando-se para ambos os grupos

jovens que entraram na universidade com notas no vestibular na mesma fai-xa. O fenômeno, chamado de “resiliên-cia educacional”, é conhecido dos edu-cadores e indica a capacidade do aluno de obter sucesso acadêmico e social apesar da exposição a adversidades pes-soais e sociais. Entre as explicações pos-síveis destaca-se o traquejo especial dos alunos pobres, porém bem formados, para enfrentar situações desfavoráveis, uma qualidade valiosa no ambiente competitivo de uma universidade de pesquisa que nem sempre é comparti-lhada com os colegas de classe média, em geral poupados das adversidades por suas famílias.

As evidências sobre esse comporta-mento ajudaram a moldar o Paais (Pro-grama de Ação Afirmativa e Inclusão Social), que a partir de 2004 passou a beneficiar com 30 pontos os egressos de escolas públicas e em mais 10 pontos os negros e índios – esse bônus é apli-cado sobre um referencial de 500 pon-tos, atribuído à média do desempenho de todos os alunos em cada prova. A escolha dessa faixa de pontuação não foi casual. Trata-se de uma espécie de zona de empate técnico do vestibular, dentro da qual a oscilação de desempe-

nho dos candidatos não indica propria-mente uma vantagem – caso os mes-mos candidatos submetam-se a suces-sivos exames, suas colocações costu-mam variar dentro dessa área cinzenta. A idéia, portanto, era privilegiar alunos de escolas públicas, negros e índios ape-nas como critério de desempate dentro de uma amostra de candidatos com rendimentos acadêmicos muito seme-lhantes. “O que os nossos dados mos-travam é que, para além da questão da inclusão social e da promoção da diver-sidade, essa fórmula também interessa-va à Unicamp do ponto de vista acadê-mico, uma vez que historicamente os alunos oriundos da escola pública apre-sentavam um desempenho crescente em relação aos do ensino privado com nível equivalente de conhecimento”, diz Renato Pedrosa, autor principal do ar-tigo e professor do Instituto de Mate-mática, Estatística e Computação Cien-tífica (Imecc) da Unicamp.

Em 2005, primeiro ano de implanta-ção do programa, a admissão na Unicamp de alunos oriundos de es-

colas públicas cresceu de 29,6% do total para 34,1%. E a participação não se li-mitava aos cursos de baixa procura, co-

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mo é habitual. Trinta e quatro dos 110 estudantes admitidos nos cursos mais seletivos, como o de medicina, vieram do ensino público. O ingresso de ne-gros e índios cresceu 44% em relação aos 2 anos anteriores, subindo de 10,9% para 15,7% do total – um índice, po-rém, ainda abaixo dos 23% de matri-culados do ensino médio do estado de São Paulo que pertencem a essas etnias. O dado mais significativo foi o desem-penho dos egressos de escolas públicas no primeiro ano de faculdade. No ranking do vestibular, eles tiveram mé-dias superiores às de colegas formados em escolas privadas em apenas quatro dos 56 cursos. Mas, ao cabo de 1 ano de estudo, as médias desses mesmos jovens já eram superiores em 31 dos cursos quando comparados ao grupo vindo do ensino particular. No curso de me-dicina os egressos da escola pública ti-veram 7,9 de média, enquanto a nota de seus colegas ficou em 7,6. Re sultados preliminares do ano de 2006 e 2007 indicam rendimento equivalente. “Do ponto de vista da formulação de polí-ticas públicas, nossa abordagem é uma clara alternativa aos sistemas de cotas adotados por muitas universidades, pois desenvolve um novo conceito de mérito

que beneficia estudantes de alto poten-cial e garante a diversidade no ambien-te acadêmico”, diz Renato Pedrosa.

Em 2006, a Universidade de São Pau-lo decidiu adotar modelo seme-lhante ao da Unicamp, batizado de

Inclusp, que confere um bônus de 3% nas notas das duas fases do vestibular para candidatos que fizeram todo o en-sino médio em escolas públicas. Das matrículas feitas em 2007, 2.719 foram de alunos vindos do ensino público, o equivalente a 26,7% do total. O índice superou o dos últimos anos – em 2006 foi de 24,7%, o equivalente a 2.448 alu-nos. No curso de direito da USP, por exemplo, o número de alunos egressos da escola pública saltou de 43 em 2006 para 76 em 2007. No curso de medicina foram 28 em 2007, diante de apenas 9 em 2006. Dados sobre o desempenho após o primeiro ano de faculdade mos-tram que os dois grupos, os que recebe-ram bônus e os que não receberam, ti-veram rendimento acadêmico equiva-lente. No curso de medicina, a média da turma do Inclusp foi de 7,2, idêntica à dos demais estudantes. No de direito também houve empate: a nota média dos dois grupos foi de 7,2. Já no desem-

penho geral dos alunos da instituição em 2007 os beneficiados pelos bônus tiveram nota média de 6,3, ante 6,2 dos demais. “Esses resultados mostram que as hipóteses que nortearam o pro-grama fazem sentido, mas ainda preci-samos avaliar mais anos para tirar con-clusões de uma série histórica”, diz Selma Garrido Pimenta, pró-reitora de Graduação da USP. “O Inclusp está aproximando a universidade da rede pública de ensino como queríamos. Muitos alunos de escolas públicas nem sequer cogitavam de participar do nos-so vestibular, como se não tivessem chance. Os primeiros resultados mos-tram que não apenas eles conseguem entrar como têm oportunidade de se adaptar ao ambiente competitivo que rege a universidade.” A USP, que optou por não oferecer bônus para minorias étnicas, vai reforçar ainda mais sua ação afirmativa. No mês passado foi aprova-da a criação de uma avaliação seriada dos alunos dos 3 anos do ensino médio de escolas públicas paulistas. Os estu-dantes que quiserem participar dessas provas anuais e tiverem bom desempe-nho irão ganhar um bônus extra no vestibular regular, além dos 3% conce-didos atualmente.

Tanto a USP como a Unicamp evi-taram adotar sistemas de cotas, por considerá-los inconciliáveis com o consagrado conceito do reconheci-mento por mérito que permeia suas relações acadêmicas. O temor é que o ingresso de estudantes com formação deficiente beneficiados por reservas fixas de vagas cause prejuízos à exce-lência do ensino e da pesquisa – USP e Unicamp são responsáveis por mais de um terço da produção acadêmica do país. “No debate sobre ações afirmati-vas há uma discussão de fundo, que é o papel que universidades de pesquisa como a Unicamp devem desempenhar na sociedade”, afirma Leandro Tessler, coordenador executivo do vestibular da Unicamp e professor do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW). “Tem gente que acha que essa função é pro-mover inclusão social. Nós achamos que o objetivo deve ser atrair os jovens

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mais talentosos, tanto que realizamos o vestibular em 20 cidades em nove estados do país, e garantir a sua diver-sidade”, afirma Tessler.

Os simpatizantes das cotas, natu-ralmente, têm outro ponto de vista. “As experiências com cotas e outras iniciativas parecem mostrar que é pos-sível atrair alunos vindos de escolas pú blicas com qualidade semelhante aos oriundos de escolas privadas, mes-mo que eles não estejam listados no topo do vestibular”, diz Antonio Sergio Alfredo Guimarães, professor da USP, que é um estudioso das ações afirma-tivas e especialista em sociologia das relações raciais. “Em muitos casos, não falta capacidade de aprender, pois a motivação e o desempenho durante o curso compensam deficiências de formação. Nossa sociedade está cada vez mais democrática e há uma ques-tão de princípio: a finalidade é aumen-tar a inclusão e fazer com que a elite intelectual não se confunda com a eli-te econômica, que pessoas talentosas mas po bres não sejam simplesmente barradas. Essa perversão do sistema é o que se busca corrigir.”

Se há um consenso entre os que de-fendem e os que se contrapõem às co-tas, é que a raiz do problema está na péssima formação oferecida pela maio-ria das escolas públicas de ensino fun-damental e médio. Mas os defensores

não vêem sentido em esperar para que essa mazela histórica seja resolvida. “As estatísticas são eloqüentes. O in-gresso ao ensino superior brasileiro é alcançado por apenas 7,1% dos brasi-leiros entre 18 e 25 anos, mas entre os brancos nessa faixa de idade o acesso à universidade chega a 11,2%, enquanto entre os negros não passa de 2,3%”, diz André Brandão, professor da Uni-versidade Federal Fluminense e organi-zador do livro Cotas raciais no Brasil: a primeira avaliação, compilação de ar-tigos com experiências de várias uni-versidades, lançado em 2007.

O desempenho no vestibular dos es-tudantes beneficiados por sistemas de cotas sociais ou raciais é, na

maioria dos exemplos já estudados, inferior ao obtido pelo sistema de bô-nus adotado na Unicamp, com desta-que para os chamados cursos de alto prestígio, em que a disputa por uma vaga é mais acirrada. Mas as avaliações disponíveis não chegam a confirmar o temor de que os cotistas seriam inca-pazes de acompanhar o ritmo dos de-mais estudantes ou de que haveria um impacto imediato na qualidade do en-sino. Um grupo liderado pelo professor Jacques Velloso, da Faculdade de Edu-cação da Universidade de Brasília, acompanha desde 2004 o desempenho de cotistas (20% das vagas são reserva-

das para negros e pardos) e de não-cotistas na instituição e já produziu um robusto conjunto de estudos sobre o tema. A análise da evasão de alunos no ano de 2005 mostra que, ao contrário do esperado, o índice de beneficiados por cotas que abandonaram o curso foi de 9% do total, diante de 16% entre os não-cotistas – o que também pode ser interpretado como uma manifestação da resiliência educacional. “Uma pos-sível explicação é de que o baixo rendi-mento nas disciplinas, em geral a causa da evasão, esteja mais relacionado à desmotivação do aluno do que a uma presumida incapacidade acadêmica para concluir o curso”, diz Claudete Batista Cardoso, em sua dissertação de mestrado que avaliou o sistema de co-tas da UnB, orientada por Velloso. Pa-radoxalmente, o abandono é maior nos cursos de menor prestígio social, justa-mente aqueles procurados pelos negros e pardos, provavelmente pelo escasso retorno financeiro conferido pela car-reira. Nos cursos de menor prestígio (as licenciaturas), a evasão chegou a 17%, ante 10% nos cursos mais valori-zados (os bacharelados).

Na UnB, o índice de rendimento acadêmico dos estudantes que haviam ingressado no segundo semestre de 2004 revelou que o rendimento dos co-tistas é, de modo geral, menor que os de não-cotistas. “Mas igualmente mos-trou que em todos os grupos de cursos há estudantes negros com elevado ren-dimento e que, na maioria dos grupos, entre um terço e quase me tade dos co-tistas tiveram rendimento superior à mediana do curso, atingindo excepcio-nais 70% na medicina”, sustenta Vello-so. “Os dados surpreendem, mas nem tanto, quando se considera que os co-tistas aprovados constituem uma elite social em seu segmento, ainda que uma segunda elite quando comparada à dos não-negros universitários”, diz. Os ne-gros, como se sabe, abandonam a esco-la antes dos brancos e apenas uma par-te deles conclui o ensino médio e se habilita a ingressar na universidade. Segundo dados de 2001 do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), os negros são 12% dos alunos que con-cluem a 4ª série em escolas públicas e privadas. Mas, entre os que concluem o 3º ano do ensino médio, há apenas 6% de alunos que se declaram negros.

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Em 2004 o desempenho médio dos candidatos do sistema de cotas da UnB no vestibular foi inferior ou bastante inferior ao dos demais nas três áreas do conhecimento – Humanidades, Ciên-cias e Saúde. Considerando os grupos de prestígio social mais alto dos cursos em cada uma dessas áreas, as diferen-ças ficaram em torno de 25%. Nos gru-pos de baixo prestígio das três áreas as distâncias foram menores, abaixo de 20%. O panorama do desempenho se alterou drasticamente no vestibular de 2005. As maiores distâncias entre can-didatos de ambos os segmentos passa-ram a ser iguais ou menores que ape-nas 10%. “Nos cursos de alto prestígio das Humanidades as médias das notas dos cotistas foram apenas 1% inferio-res às de seus colegas do sistema uni-versal, ou seja, não houve diferenças com significado substantivo entre am-bos os grupos”, diz Velloso. Uma pos-sível explicação para a mudança foi a

atração de negros com padrão socioe-conômico mais elevado, que se anima-ram a disputar o vestibular estimulados pela cobertura da mídia sobre o progra-ma de cotas.

O s dados disponíveis mostram uma variabilidade de desempenho mui-to grande entre as universidades que

adotaram cotas raciais ou sociais, mas a esperada deterioração do nível acadê-mico parece não ter ocorrido na maio-ria das instituições. É certo que há da-dos preocupantes: no vestibular de 2003 da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em dez cursos, ingres-saram cotistas (cotas para escola públi-ca e, dentro desta, para negros) que obtiveram entre 4 e 7 pontos nos exa-mes, de um total de 110 possíveis. Um estudo feito em 2006 pelo historiador Wilson de Mattos na Universidade do Estado da Bahia (Uneb) chegou a um resultado mais animador ao comparar médias de rendimento no curso dos que optaram pela reserva de vagas para negros com médias dos demais estu-dantes. Numa amostra de 11 departa-mentos dos diversos campi da institui-ção, considerando as médias por depar-tamento e o rendimento no primeiro e segundo semestres de 2003, as notas dos cotistas geralmente se diferencia-vam das dos demais estudantes por apenas alguns décimos de pontos a me-nos. Em dois departamentos as médias dos negros foram superiores às dos de-mais alunos também por alguns déci-mos. Uma pesquisa de opinião feita com 557 docentes de quatro universi-dades que adotaram cotas, a UnB, a Federal de Alagoas (Ufal), a Estadual da Bahia (Uneb) e a Uerj, sugere que o sis-tema foi bem aceito entre os professo-res. Apenas 9,7% consideraram que o nível acadêmico piorou. A maioria, de 79,6%, disse que permaneceu igual e 10,7% acharam que melhorou. A pes-quisa foi feita pelos pesquisadores An-dré Brandão, José Luís Petruccelli e Renato Ferreira, do Laboratório de Po-líticas Públicas da Uerj.

Os exemplos de sistemas de cotas que privilegiam prioritariamente os alunos de escolas públicas despontam como os mais bem aceitos, enquanto os que instituem cotas raciais estão mais sujeitos a controvérsias. Um dos mode-los mais polêmicos é o de cotas raciais

As avaliações não

confirmam o temor

de que os beneficiados

por cotas seriam

incapazes de

acompanhar o ritmo

acadêmico.

A evasão, ao contrário

do esperado, foi

menor entre

cotistas da UnB, em

relação aos demais

estudantes

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da UnB, que, em vez de adotar o crité-rio da autodeclaração de etnia, empre-gava até o ano passado um sistema de avaliação de fotos de candidatos a cotas. O sistema de fotos foi abolido em 2008, mas vigora a ameaça de desclassificação para candidatos cuja declaração de et-nia seja considerada fraudulenta, de-cisão especialmente difícil num país miscigenado como o Brasil. A Ufba op-tou por colocar os autodeclarados ne-gros como uma subcota dentro da cota de 45% de alunos de escolas públicas – e não tem tido dificuldade de ocupar as vagas com esse duplo crivo. “Como estão recrutando pessoas de um mesmo estrato, faz pouca diferença se há exage-ros na autodeclaração”, afirma o profes-sor Antônio Guimarães, da USP. A Uerj e a Universidade Estadual do Norte Flu-

minense (Uenf) modificaram seus sis-temas no ano seguinte à implantação, transformando as cotas de negros em subcotas dos alunos de escolas públicas e exigindo comprovação de carência dos candidatos – houve a percepção de que, no primeiro vestibular, apenas ne-gros de origem socioeconômica privi-legiada haviam obtido êxito no vestibu-lar. As experiências variam de acordo com necessidades regionais. A Univer-sidade Estadual do Mato Grosso do Sul (Uems) reserva 20% de vagas para ne-gros e 10% para indígenas. A Universi-dade Federal de Alagoas também insti-tuiu uma divisão peculiar. Há reserva de 20% das vagas para estudantes ne-gros e pardos que estudaram em escolas públicas, mas há um crivo de gênero – desse total, 60% cabem a mulheres afro-descendentes e 40% a homens.

A experiência internacional mostra que não existe um modelo ideal de ação afirmativa. As cotas raciais

estão cristalizadas em países com forte desigualdade social e tensão racial, ca-so da África do Sul e da Índia. Trata-mentos preferenciais e reservas de va-gas existem em Israel, na China, na Austrália, nas Ilhas Fiji, no Canadá, no Paquistão, na Nova Zelândia e nos Es-tados sucessores da União Soviética. Em Israel, medidas especiais foram ado-tadas para acolher os falashas, judeus de origem etíope. Na Alemanha e na Nigéria existem ações afirmativas para as mulheres; na Colômbia para os de origem indígena; no Canadá para in-dígenas, mulheres e negros. Em Portu-gal há reserva de vagas em universida-des para estudantes oriundos das anti-gas colônias portuguesas da África. Na África do Sul a Constituição de 1996 determina a utilização das políticas de ação afirmativa para garantia de acesso às diversas instâncias para os negros vítimas do regime do apartheid. “Por mais que sejam freqüentes, os progra-mas de ação afirmativa surgem com um caráter provisório, não sendo de-sejável, para a maioria de seus promo-tores, proclamar ações afirmativas co-mo um princípio ou um aspecto per-manente da sociedade”, observou Eglai-sa Pontes Cunha, autora de uma dis-sertação de mestrado sobre o desem-penho de cotistas da UnB, defendida na instituição em 2006.

Nos Estados Unidos, país usualmen-te apontado como patrono de cotas, a situação é bem mais complexa do que sugere o senso comum. A rigor, a reser-va de vagas para minorias étnicas está proibida desde 1978, quando a Supre-ma Corte julgou o rumoroso caso Bakke vs. diretores da Universidade da Cali-fórnia. Depois de ter sido recusado pe-la escola de medicina da Universidade da Califórnia, em Davis, Allan Bakke, um homem branco, moveu ação judi-cial alegando que sofreu discriminação racial. Venceu na Justiça comum e a universidade recorreu. Em 1978, a Su-prema Corte dos Estados Unidos deci-diu em favor de Bakke e classificou como inconstitucionais os programas de admissão que reservam vagas com base na raça. Mas a decisão favoreceu as ações afirmativas, permitindo que as escolas considerem a raça como um dos fatores contemplados nos processos de admissão. Os sistemas de seleção norte-americanos, que variam de estado para estado e de instituição para instituição, admitem o exercício de uma série de ações afirmativas. Boa parte dos esta-dos concede benefícios a seus próprios cidadãos, na forma de pontos e de um preço acessível das mensalidades (lá, o ensino é pago), e mantém esquemas para garantir a diversidade étnica em seus campi. As universidades estaduais da Califórnia, por exemplo, são obriga-das por lei a receber os 12% de estudan-tes formados com as melhores notas em suas escolas públicas estaduais.

No caso brasileiro, uma avaliação mais efetiva de programas de ação afir-mativa só será possível no horizonte de alguns anos. Ocorre que, nos últimos 2 anos, vêm sendo detectadas transfor-mações no perfil da demanda cujos efeitos ainda não são claros. Os dados da Universidade de Brasília sobre o ano de 2006, compilados na dissertação de mestrado defendida no mês passado por Claudete Batista Cardoso, mostram que o porcentual de inscritos para as cotas evoluiu de 15% do total em 2004 para 17% em 2005, caindo abrupta-mente para apenas 10% em 2006. Se-gundo Claudete, uma possível expli-cação para esse comportamento é que ele tenha sofrido influência da forte ex-pansão de vagas no ensino privado no Distrito Federal, associado ao advento do Programa Universidade para Todos

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(ProUni), que distribui bolsas no ensi-no privado para alunos carentes. “Co-mo entre os cotistas uma parcela pon-derável tem nível social bem inferior ao dos não-cotistas, o que influi negativa-mente nas suas chances de aprovação em exames muito competitivos, é pos-sível que muitos dos que pensavam em se inscrever nas cotas da UnB tenham passado a procurar bolsas do ProUni”, afirma Claudete. No vestibular da USP, a despeito do advento do programa de ação afirmativa Inclusp, o número de alunos oriundos da escola pública caiu de 49.340 em 2006 para 46.309 em 2007 – resultado atribuído ao aumento da oferta de vagas na rede privada de en-sino superior e ao sucesso do ProUni.

O utras evidências sugerem, contudo, que os programas de ação afirma-tiva não sofrerão abalo em suas

premissas. Estudos feitos por pesquisa-dores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da UnB sugerem que uma eventual multiplicação do número de vagas nas universidades federais, co-mo promete o Ministério da Educação para os próximos anos, teria pouco efei-to na redução da desigualdade racial. As simulações mostram que, se o número de vagas oferecidas pelas duas institui-ções dobrasse repentinamente e não houvesse cotas, a proporção de negros aprovados praticamente não sofreria alteração. “Essa evidência obtida indica claramente que, mesmo com uma forte

O número de

candidatos

interessados nas

ações afirmativas

caiu no ano passado

em várias

universidades

públicas. Uma

explicação possível

é a concorrência

do ProUni, que

oferece bolsas de

estudo em

faculdades privadas

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ampliação das vagas, as chances de in-gresso de jovens negros pouco se altera-riam”, afirma o professor Jacques Vello-so, da UnB . “A evidência também con-tribui para situar as cotas em sua pers-pectiva, que tem dois lados. Primeiro, elas consistem num ajuste marginal, embora necessário, de desigualdades sociais e raciais pregressas. Segundo, a de que é indispensável democratizar efetivamente a educação básica pública, oferecendo um ensino de qualidade a todos os que, em virtude da cor da pele e de seu estrato social, não costumam ter acesso a ela.”

Como observa o sociólogo José de Souza Martins, professor titular apo-sentado da USP e um crítico de ações afirmativas, cotas e bônus estão longe de tocar no problema principal. “Jus-tiça se faz melhorando a qualidade do ensino e dando oportunidades iguali-tárias para todos, não só para alguns. Expedientes como cotas remendam a desigualdade e não resolvem problema algum”, afirma Martins. “A Lei de Di-retrizes e Bases da Educação estabele-ceu que o Brasil devia instituir a partir de 2002 a escola em tempo integral até o ensino médio. Não aconteceu. No lugar disso, fizeram a discussão sobre cotas. O que se propõe é recrutar estu-dantes com menor potencial e deixar de fora os com maior potencial. O que a sociedade ganha com isso? Não ga-nha nada. Ela faz de conta que fez jus-tiça”, diz o professor. ■

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LITERATURA

Reedição de obra completa propõe revisão crítica de um dos escritores mais populares do Brasil

Olançamento em março dos seis primeiros volumes da reedição completa da obra do escritor baiano Jorge Amado (1912-2001) pela Companhia das Letras – prevista para ser concluída em 2012, com 32 títulos – não é só o mais ambicioso projeto editorial da em-presa como também o mais desafiador. Pretende ser uma bandeira a favor de uma releitura crítica e para

dar ao pai de Gabriela, Tieta e Dona Flor, entre tantos outros personagens, o valor literário que acredita merecer. Depois de 33 anos, Amado deixa a carioca Record e migra para São Pau-lo. Sua nova editora venceu em agosto do ano passado a dis-puta pela obra, cobiçada por outras seis concorrentes.

Atrair a inteligência brasileira custará um investimento paralelo em promoções que vão de palestras e seminários com respeitados escritores e artistas a shows, exibições de fil-mes e até versões em histórias em quadrinhos de alguns ro-mances – no momento, o cartunista Spacca prepara “Jubiabá”, em parceria com Lilia Schwarcz. Lilia, aliás, é a coordenadora editorial da empreitada, ao lado do diplomata e escritor Al-berto da Costa e Silva, considerado a maior autoridade viva

em África no Brasil e um dos mais importantes intelectuais do país.

A estratégia é ambiciosa. Desde meados de março, gran-des livrarias foram ocupadas por expositores de chão e de balcão, além de li vre tos com trechos dos primeiros livros distribuídos como cortesia aos clientes. A frente de ata-que inclui campanha publi-

citária em jornais, revistas e internet, com fotos e depoimen-tos de quem admira seus livros. A editora recorreu ao aval às vezes entusiasmado de nomes como Rubem Fonseca: “Suas esplêndidas histórias retratam de maneira comovente o nos-so país e o nosso povo, com uma universalidade capaz de encantar leitores de todo o mundo”. Ao seu estilo, José Sara-mago observa: “Em Jorge, a arte de fazer-se amar era espon-tânea, nunca premeditada”. O editor Thyago Nogueira obser-va com entusiasmo: “Queremos fazer com que as pessoas leiam seus livros, vamos estimular o debate, por isso também estamos produzindo posfácios especiais para cada livro”. E acrescenta: “Faremos capacitação de professores pelo Brasil, material de apoio escolar, shows etc. Vamos buscar novos lei-tores entre os jovens e não tão jovens. Daí atividades como con-curso para professores e alunos”.

Na verdade, os desafios são dois. Além do respeito crítico, tornar Amado um bom negócio outra vez – embora suas vendas continuem expressivas – junto aos leitores mais jo-vens, como a editora conseguiu fazer com Nelson Rodrigues na década de 1990. Alberto da Costa e Silva sabe que vender o escritor para os formadores de opinião exigirá persistência. Para ele, o aspecto político de seus livros foi importante so-mente em determinada época, bem específica, o que não justifica o rótulo de autor engajado. “Sua criação sobrevive às vicissitudes da política.” Ele prefere lembrar que existe uma aceitação muito grande em determinados setores e épocas. “Sua obra é estimada e admirada por companheiros de sua

Gonçalo Junior

Jorge Amado: ligação eficiente entre literatura e público leitor

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Por que amar Jorge?

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geração e pelos mais importantes auto-res das duas gerações seguintes.”

O diplomata admite que existe sim certa resistência da universidade e de parte da crítica a escritores que fazem sucesso popular. “Sua obra é rica de ma-tizes, cores e até mesmo serve como exemplo de determinada interpretação do Brasil.” A academia, afirma Costa e Silva, tem, na verdade, dificuldade em se debruçar sobre a obra de Amado. “Acon-tece que determinados setores intelec-tuais têm fascínio pelo formalismo e Jor-

ge é antiformalista por natureza. Do mesmo modo que é difícil estudar a poesia de Manuel Bandeira e de Cecília Meireles, é mais fácil se ater a João Ca-bral de Melo Neto, porque ele tem carac-terísticas formais muito claras. Ou seja, há mais chances de se fazer um trabalho brilhante com pouco esforço de um au-tor de altíssima qualidade e com origi-nalidade como Guimarães Rosa.” Jorge entra nesse segundo grupo. “No seu ca-so, é preciso ter profundos conhecimen-tos de sociologia e antropologia. Em seus livros sobressai o Brasil feérico, du-ro, de encontro de misturas a partir de seus desencontros. Os que implicam e até desprezam seus livros não têm a sen-sibilidade especial que se precisa ter com a vida em si e não exclusivamente com a literatura.”

O crítico e escritor José Castello con-corda que Amado pagou um preço alto pela sua militância. “Até hoje,

mesmo morto, continua a pagar. É um caso parecido com o de Saramago, ou-tro comunista declarado. Os dois so-frem a força de preconceitos extraliterá-rios que machucam e diminuem suas literaturas. É muito injusto isso. É claro que se pode não gostar do Amado, ou do Saramago, mas não porque sejam comunistas. Ou porque sejam cristãos, ou islâmicos, ou ateus, ou conservado-res, ou até fascistas. Céline foi fascista e, apesar disso, um gênio.” Castello diz que ocorre que o meio literário, ainda hoje, está muito contaminado por questões e birras ideológicas que se disfarçam sob a capa luxuosa das “posições teóricas”. “As pessoas andam em grupos fechados, só consideram seus pares, só bus cam o igual e a repetição.”

Na academia há também defensores entusiasmados do escritor baiano. O ale-mão Claudius Armbruster, professor de filologia romanística e diretor do Insti-tuto Português-Brasileiro da Universi-dade de Colônia, focou em seu pós-dou-torado sobre literatura brasileira – de-fendida na Universidade Federal da Bahia (UFBA) – o papel da miscigena-ção na obra de Jorge Amado. Ele consi-dera exagerada a tese do preconceito a Amado por causa de sua militância co-munista. “Na realidade, apesar do seu envolvimento com a política, ele sempre foi um escritor de muito êxito, tanto em relação à crítica quanto financeiramen-

Caneta mágica: em seus livros sobressai o Brasil feérico.Ao lado, Jorge e a mulher, a também escritora Zélia Gattai

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te.” O pesquisador aponta de relevante na obra do escritor o fato de expressar seu valor literário por meio da mistura de cultura popular, vozes orais, contex-tos políticos e “legibilidade”.

Mara Rosângela Ferraro Nita, que desenvolve o doutorado “Jogo de espe-lhos: A ilustração e a prosa de ficção de Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Jorge Amado” no Instituto de Artes da Unicamp, tem como objeto central a ilustração literária. Ela conta que havia lido algumas obras de Jorge Amado an-tes de iniciar a pesquisa e sabia do des-caso de grande parte da crítica para com a produção do escritor baiano. “Talvez esta opinião desfavorável não tenha me afetado porque sou uma leitora co-mum, sem formação na área de estudos literários. Confesso ainda que o meu interesse inicial era voltado para as mag-níficas edições ilustradas do autor pu-blicadas pelas editoras Ariel, Record e Martins, especialmente.” No entanto, ao longo do trabalho foi se afeiçoando à prosa de ficção de Jorge Amado.

Em Jorge Amado: romance em tempo de utopia – tese que virou livro pela edi-tora Record, em 1996 –, Eduardo de Assis Duarte faz uma reflexão sobre o contexto de produção das obras de Ama-do e, principalmente, analisa em que medida o pensamento de esquerda in-terferiu na escrita dos primeiros roman-ces, de País do Carnaval (1931) a Os subterrâneos da liberdade (1954). Ele destaca as nuances existentes quanto ao acatamento (ou não) das diretrizes da chamada “estética de partido”. Nos anos 1930, explica ele, a radicalização ideo-lógica impunha aos artistas e intelec-tuais o desafio de se posicionarem po-liticamente. Esse engajamento está presente tanto na crítica social quanto em termos de idealização do povo e da militância, sobretudo seus líderes, co-mo Prestes, O Cavaleiro da Esperança. Ele mostra que Amado não faz “realis-mo socialista” strictu senso. Em Seara vermelha, por exemplo, há fortes críti-cas à auto-suficiência e aos equívocos dos dirigentes na condução da chama-da intentona comunista de 1935.

Jorge Amado, observa Ilana Seltzer Goldstein, seja como militante político no início da carreira, seja como roman-cista que cantava o povo mestiçado, suas festas e seus sabores, sempre dis-cutiu questões ligadas à identidade na-

cional. “Foi essa a motivação que me levou a realizar um estudo sobre ele no âmbito das ciências sociais, enfocando a imagem de Brasil que o escritor baia-no ajudou a construir.” Para sua surpre-sa, encontrou “pouquíssimas” teses e dissertações de sociólogos, antropólo-gos e historiadores brasileiros sobre ele, talvez duas ou três. “Isso só aumentou meu interesse”, observa ela, que, no mo-mento, é consultora da Companhia das Letras para a coleção de Amado.

D e acordo com dados que a editora enviou a Ilana, somente entre 1975 e 1995, o total de exemplares vendi-

dos no Brasil chegava a 20.050.500. Ela ressalta que, além dos romances, Jorge Amado escreveu mais de uma centena de artigos sobre temas os mais variados, como jornalista e colaborador de perió-dicos, e ocupou diversas posições no campo intelectual, entre as quais a de crítico, prefaciador e membro de acade-mias de letras. Sem mencionar as adap-tações de sua obra para a televisão, bem como as homenagens e conferências fo-ra do país, em que o romancista baiano era como uma espécie de embaixador simbólico do Brasil.Tudo isso fez de Jor-ge Amado um grande formador de opi-nião, um homem público cujas idéias tiveram grande penetração em várias camadas da população e em várias re-giões do Brasil e do mundo.

O preconceito em relação a Jorge Amado não existe, na opinião da dou-

tora em história Ana Paula Palamar-tchuk, autora de Os novos bárbaros: es-critores e comunismo no Brasil (1928-1948). Ela admite, no entanto, que há uma memória construída da sua traje-tória que lida mal com sua fase de mi-litância comunista, ora atribuindo um valor excessivo, ora subestimando o pa-pel da militância na sua experiência li-terária. O próprio Amado corroborou nesse sentido, diz ela. O mundo da paz (1952), relato de viagem à URSS, foi publicado “como uma contribuição à luta pela paz. Eu o escrevi como home-nagem de um escritor brasileiro ao ca-marada Stalin, no seu 70º aniversário, sábio dirigente dos povos do mundo na luta pela felicidade do homem sobre a terra”, como escreve o autor.

Anos mais tarde, em seu livro de memórias, Navegação de cabotagem (1992), ele comenta: “Retirei O mundo da paz de circulação, risquei-o da rela-ção de minhas obras, busco esquecê-lo...”. “A militância política, porém, é ato contínuo à sua criação literária, espe-cialmente no período entre 1933, com a publicação de Cacau, e 1954, quando publicou a trilogia Os subterrâneos da liberdade. “No período posterior, quan-do se afasta do Partido Comunista, essa militância política aparece em sua obra como ausência, em uma tentativa de dar outro sentido à sua trajetória ante-rior. Essa ausência é compensada pelo povo e pelo popular que tentam articu-lar o conjunto de sua obra.” ■

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ANTROPOLOGIA

Pátria, substantivo femininoPesquisa coloca em xeque motivação real e resultados de políticas contra tráfico de mulheres

Numa sintomática analogia com as relações cotidianas de gênero, milhares de homens se armam até os dentes e en-tram em guerra para defender a pátria, curiosamente um substantivo feminino, não

apenas em português, tantas vezes re-tratada em vários países como uma mu-lher. Infelizmente, o mesmo entusias-mo dos campos de batalha é repetido em casa quando a guerra termina, num registro análogo das divisões sexuais do dia-a-dia. Basta lembrar como, após a Segunda Guerra Mundial, na Fran ça (para citar apenas um exemplo), milha-res de mulheres que haviam se relacio-nado com soldados alemães foram hu-milhadas em praça pública pelo simples fato de terem amado o inimigo. No en-tanto a maioria dos homens sérios que fizeram negócios lucrativos com os in-vasores escaparam ilesos. Era mais fácil e “lógico” jogar a ira pela pátria ofendi-da sobre as mulheres que haviam “ma-culado” a honra do Estado.

Hoje esse padrão parece estar se re-petindo em outras searas, dessa vez sob o manto de preocupações humanitá-

Carlos Haag

rias. De novelas globais até manchetes contínuas na mídia, o tráfico de mulhe-res está provocando um pânico moral e real. Mas qual será a dimensão desse fenômeno e qual o interesse subjacente a essa questão? Longe de negar a exis-tência do tráfico, um casal de pesquisa-dores, um americano e uma brasileira, Ana Paula da Silva e Thaddeus Blan-chette, ambos doutores pela Universi-dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foram a campo para trazer novos pon-tos de vista à discussão, com resultados inovadores. “A mulher solteira, em es-pecial a jovem, ocupa um espaço privi-legiado nos discursos sobre os perigos da imigração. Ela costuma ser apresen-tada como alguém que seria exposta aos perigos da escravidão sexual, uma vez esteja fora da rede protetora da fa-mília e longe do olhar do governo de seu país de nascimento”, observam os autores, mais conhecidos pelo seu arti-go “Nossa Senhora da Help: sexo, turis-mo e deslocamento transnacional em Copacabana” e que, agora, estão com dois novos artigos, ainda inéditos, fruto de novas pesquisas que problematizam ainda mais a trama que reúne temas

como turismo sexual, prostituição e tráfico de mulheres. Segundo eles, é preciso cautela e rigor científico para tratar do assunto, e não sensacionalis-mo ou paixão sem bases no real, sob pena de transformar luta por direitos humanos em preconceito e repressão.

“Muitas vezes, os projetos imigrató-rios dessas mulheres é tido como algo que representa um perigo a sua pureza e liberdade. Além disso, a jovem imigran-te também é entendida como um perigo à nação”, avisam. “Seu deslocamento in-ternacional representa uma ameaça tan-to para o país de recepção quanto para o país de origem, em que ela é vista ora como fonte de possíveis ‘maus costu-mes’ e/ou ameaças biológicas, ora como amea ça em potencial ao status de seu país de origem, alguém cujo comporta-mento pode macular a reputação de sua terra natal. Com destaque nesse quadro encontra-se a prostituta”, analisam. Proi-bida de deslocar-se, ela atrai todo tipo de vigilância e re pressão, afirmam. “Mas em suas tentativas de controlar as fron-teiras, proteger seus cidadãos e salva-guardar a nação, como é que o Estado pode determinar quem é prostituta e

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LASAR SEGALL, 1891 VILNA – 1957 SÃO PAULO. INTERIOR NO MANGUE, 1949, ÓLEO SOBRE TELA, 71 X 58 CM, COLEÇÃO PARTICULAR, SÃO PAULO

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quem não é. Assim, ao que parece, em vez de descobrir prostitutas em trajetó-rias de imigração, o Estado as inventa, aplicando um conceito moral e político, previamente formado, a uma grande gama de mulheres que podem ou não estar se prostituindo.”

P ara os pesquisadores, a discussão perdeu o rumo e se transformou em pânico moral semelhante àque-

le que tomou conta dos EUA no início do século XX sobre a escravidão bran-ca, por sua vez calcado numa fantasia racial vitoriana que se horrorizava em imaginar mulheres brancas do Império em mãos e camas de colonizados “infe-riores”. “Esses discursos têm renascido porque provêm de uma maneira relati-vamente não contestada de construir filtros adicionais contra o movimento indesejado de imigrantes aos países da Europa Ocidental e América do Norte.” Assim, avisam, a narrativa brasileira do tráfico de mulheres parece estar mais calcada em mitos e estereótipos do que em realidades, já que não existem esta-tísticas confiáveis ou nenhuma indica-ção de que uma quantidade assustado-ra de brasileiras está sendo ludibriada. “Os principais estudos do tráfico no Brasil indicam que a participação de estrangeiros no aliciamento é relativa-mente baixa. Os mesmos números re-velam que se confunde esse problema com a imigração de prostitutas, em que se computam casos de imigração vo-luntária dessas profissionais como ca-sos de tráficos de mulheres, mesmo quando estes não envolvem violações de direitos humanos.”

Os autores advertem que existe uma tendência nesse debate a utilizar termos de denúncia ou acusação como se fos-sem categorias de análise, uma visão que, ressaltam, está longe de considerar essas mulheres como agentes ativas na construção de seus destinos. “Essa pro-cura de vítimas e vilões oculta o funcio-namento das relações que constituem os nexos entre turismo internacional, migração e sexo operando na maioria das grandes cidades brasileiras.” A nota triste nessa possível visão enganadora e enganosa é que “o grosso dos esforços do governo brasileiro, na luta contra o tráfico, parece ser concentrado em im-pedir ou desincentivar as viagens de pessoas consideradas como ‘vulnerá-

veis’ ao tráfico e não habilitar essas pes-soas a viajar com segurança”. Nesse contexto é possível que “a preocupação com a escravidão sexual feminina este-ja sendo mobilizada não para proteger as mulheres em questão, mas para re-primir seus movimentos e proteger a reputação da nação”.

Essa visão pode tanto prejudicar a leitura efetiva do tráfico como das su-postas conseqüências sempre daninhas do turismo sexual. Para os pesquisado-res, nos discursos produzidos por ór-gãos do governo sobre o fenômeno, é comum observar o conceito de turismo sexual como se fosse sinônimo de abu-so de menores sempre ligado à extradi-ção de mulheres para trabalhos força-dos como prostitutas, cuja solução seria a repressão das mulheres e a expulsão dos homens. O lócus de pesquisa inicial para os autores foi a boate Help, em Copacabana, no Rio de Janeiro, ponto de encontro entre garotas de programa e “gringos”. A casa, aliás, acaba de fe-char suas portas e será “purificada” com sua transformação, pelo governo do estado carioca, em sede de um novo Mu-seu da Imagem e do Som. O casal de pesquisadores observou e conversou com clientes e garotas da Help para fa-zer um retrato mais realista do turista sexual e suas razões, descobrindo as motivações que fazem estrangeiros, diante da oferta atual de tantos países, procurar o Brasil. Primeiro, afirmam, há a idealização de que as brasileiras seriam dotadas de uma sexualidade na-tural acentuada, com um detalhe notá-vel e que faria Gilberto Freyre rir-se de gosto, já que, para os turistas, a mistura racial do país seria a razão para essa sexualidade supostamente “à flor da pele”. “Vir ao Rio é como ir a uma da-quelas lojas de sorvetes dos mil e um sabores, sabia? É muito mais excitante vir para cá do que ir para o México ou Cuba, onde vou encontrar uma mistu-ra mais restrita das mulheres”, disse um dos entrevistados.

Outra “quimera” dos turistas é a idéia de que as relações expostas na ci-dade, em especial sobre o papel da mu-lher na família e na sociedade, são típi-cas de um outro tempo, o passado dos países de origem dos gringos. “Aqui as mulheres sabem tratar um homem e são como eram na Europa anos atrás”, afirmou outro turista. Por fim, uma vi-

são da cidade do Rio e do Brasil como “perdedores”, espaços socioeconômicos incapazes de prover adequadamente a maioria de seus habitantes, particular-mente as mulheres, enquanto os estran-geiros teriam dinheiro e status, tendo portanto a capacidade, por meio do noivado e do casamento, de conseguir vistos permanentes para seus pares, tornando-se muito atraentes para as mulheres brasileiras, prostitutas ou não. A partir disso, os pesquisadores foram observar a outra ponta dessa re-lação, a fim de problematizar o discur-so estereotipado sobre turismo sexual e tráfico de mulheres e descobriram que “as mulheres são ativas na manutenção de uma visão de Brasil como campo para as realizações de fantasias sexuais e afetivas”, já que (para dar um exemplo apenas) as prostitutas que fazem o gê-nero “namoradas” são mais bem-suce-didas que suas contrapartidas imedia-tistas de satisfação sexual. “Longe de serem simples vítimas, elas detêm con-trole notável sobre suas ações e repre-sentações, lançando mão de artifícios para construírem uma almejada ascen-são social por meio do forjamento de ligações com estrangeiros itinerantes, sem que isso se configure uma visão simplista dessas mulheres como merce-nárias calculistas.”

T udo é bem mais sutil do que o sur-rado chavão do “o que uma moça como você faz num lugar como es-

te?”, e os pesquisadores questionam o artigo 231 do Código Penal Brasileiro, que define como crime de tráfico de mulheres ajudar qualquer mulher que vá exercer a prostituição no exterior a sair do território nacional. “Tal defini-ção ignora o habitus da prostituição em lugares como Copacabana, em que o amor e o sexo comercializado são duas faces da mesma moeda. Assim, parece-nos muito pouco provável que essa le-gislação possa prevenir o tráfico de mulheres, desde que isso continue a ser definido como sinônimo de viagem internacional de prostituta.” Os pesqui-sadores lembram que, após adesão do Brasil ao Protocolo de Palermo, em 2004, que trata da questão do tráfico, houve poucas e pequenas discussões internas públicas sobre a nova política de enfrentamento da questão, que pre-feriu não ouvir a voz das prostitutas. “O

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enfrentamento parece que vai ficar res-trito ao artigo 231, que estipula que qualquer prostituta em movimento é, ipso facto, uma traficada. Um projeto político de orientação democrática, que supostamente luta contra o tráfico de mulheres, tem sido configurado como um programa autoritário de repressão à prostituição e que busca sua legitimi-dade popular no apelo às ‘responsabi-lidades internacionais do Brasil’ .”

A palavra-chave nesse discurso é a vulnerabilidade, como se as mu-lheres que se deslocam internacio-

nalmente fossem incapazes, sempre, de tomar uma decisão racional e é preciso reprimi-las, impedir seu direito de ir e vir, “para seu próprio bem”. Nesse sen-tido, notam os autores, a prostituta é vista como uma espécie de mulher in-ferior, incapaz, cuja atividade é articu-lada com a ilegalidade, com a ligação com máfias criminosas, ainda que o seu trabalho seja, segundo leis brasileiras, legalmente aceito. “Podemos formular a hipótese de que, na luta para o acú-mulo de status entre as nações, uma das atribuições do Estado é zelar pela pure-za de ‘suas’ cidadãs quando essas viajam além de suas fronteiras, pois o compor-tamento delas, uma vez identificadas étnica ou nacionalmente no exterior, pode ser facilmente atribuível a todas as mulheres daquela sociedade”, adver-tem. Haveria, então, um complexo de valores morais e interesses que subja-zem e informam as ações do Estado, fazendo com que suas ações de “prote-ção” sejam pouco funcionais no com-bate do tráfico real, já que centradas nos discursos de valorização da nação no mundo globalizado. “Mais: é impor-tante lembrar que hoje sabemos muito pouco sobre a prostituição e suas pos-síveis ligações com o tráfico de mulhe-res. Portanto, as narrativas hegemôni-cas no universo antitráfico não se fun-damentam em lógica científica, e sim numa ordem moral e política que se apresenta, enganadoramente, como fruto de pesquisa sociocientífica.”

Como resultado, notam, surgem narrativas hegemônicas duvidosas. A primeira salienta a necessidade de o Brasil demonstrar que é membro res-ponsável da comunidade de nações. A segunda separa as brasileiras em deslo-camento internacional entre as que “po-

dem viajar” e as que “são vulneráveis e não podem viajar, pelo menos por en-quanto”. Por fim, a que situa a prosti-tuição, em geral, como trabalho excep-cionalmente degradante e perigoso, equiparado ao tráfico de drogas. “Esses dados levantam dúvidas sobre um Es-tado que, por um lado, reconhece como seu dever a repressão das violações dos direitos humanos das mulheres e, por outro, é servido por funcionários pú-blicos que entendem as prostitutas co-mo seres essencialmente criminosos e destituídos de direitos.” Logo, a repres-são policial antitráfico continua orien-tando-se pela proibição do movimento de prostituta e não pelo desejo de ga-rantir a essas mulheres (e homens) seus

direitos humanos. Na base de tudo, no-vamente, a ligação entre pureza sexual feminina, Estado e status relativo de grupos sociais. “Numa sociedade onde os símbolos de ‘pureza’ são legíveis para a maioria é fácil dizer quem é ou não ‘pura’. Quando as alianças matrimo-niais acontecem entre sociedades, a pos-sibilidade de discernir a pureza relativa de uma mulher é reduzida, sendo a et-nicidade ou nacionalidade lida como ‘marca’ da qualidade feminina.” Vale recordar, dizem os autores, que a pala-vra “francesa”, no Rio do início do sé-culo XIX, era sinônimo de prostituta, da mesma forma que hoje o mesmo pare-ce estar acontecendo com a palavra “bra-sileira” na Europa e nos EUA. ■

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RESENHA

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A cada página da leitura do livro publicado pela Editora Ouro sobre Azul em parceria com a

FAPESP, organizado por Franklin de Mattos e Sergio Miceli, mais se fortalece uma impressão inteira-mente confirmada ao final: Gil da de Mello e Souza teria gostado mui- to deste livro. Não simplesmente porque ele seja uma homenagem a ela, mas porque é, de fato, muito mais do que isso. Ela tomaria do li-vro antes os assuntos do que a sua própria figura, aqui de corpo intei-ro, e sobre eles discorreria entre en-cantada e distanciada. E o faria com o rigor e a discrição ca racterísticos da grande intelectual que, do mais miúdo ao mais complexo, da obser-vação mais cotidiana à reflexão mais elaborada, procurava sempre pelos fios retos e en viesados que se cruzam nas tramas dos tecidos, das roupas e seus usos, dos modos de ler, escrever, fazer cinema e pintura ou, para ser definitiva, de enfrentar a vida.

O livro fala de Gilda e também de cada um dos seus interlocutores, pois é o que eles continuam sendo. De um modo ou de outro e de mui-tos modos em cada um deles, a con- vivência com os ensaios, livros, e com o jeito muito próprio com que a professora de estética do Depar-tamento de Filosofia da Universi-dade de São Paulo se integrava na sua geração fizeram parte de sua for mação. Os enfoques escolhidos e as obras comentadas, as análises que essas obras instigam, as histó-rias particulares que guardam sem-pre um sentido que vai além do ca ráter episódico meramente bio-

gráfico deixam claro o lugar de Gilda para os interlocuto-res. E os ensaios debruçados sobre seus interesses, méto-dos, resultados críticos e produção de contista dão conta, na verdade, do que ela ainda tem a ensinar.

É duplo, portanto, o privilégio do leitor em cada um dos textos deste belo volume que, no conjunto, traça uma história comum (e também diferenciada), que tem a pre-sença irradiante de Gilda reunindo Bento Prado Júnior, Marilena Chaui, Walnice Nogueira Galvão, Otília Fiori Arantes, Paulo Eduardo Arantes, Heloisa Pontes, Joaquim Alves de Aguiar, Vilma Arêas, Ismail Xavier, Eduardo Es-corel, Roberto Schwarz, Davi Arrigucci Jr., Modesto Ca-rone, Nelson Aguilar, José Miguel Wisnick, Laura de Mello e Souza, e trazendo uma entrevista que concedeu a Nelson Aguilar. “Nossa mestra de estética”, resume Ben-to Prado Júnior.

Tal como o livro nos mostra, enfatizo sua tarefa forma-tiva muito maior do que a permitida pelo contato institu-cional e acadêmico junto aos alunos, amigos e a quem con-viveu com ela. Tarefa que vinha do empenho vital também exigido pelos seus ensaios, e que se mantinha inteiro em conversas onde ela dava a ver seu espírito de indagação constante e permanente, sua disponibilidade para compar-tilhar a mescla decantada de experiência pessoal, profundo enraizamento no particular brasileiro e atenção às teorias e histórias da arte que ajudassem a compreendê-lo melhor. A consideração dos conteúdos inalienáveis da forma per-mitiu que Gilda desse conta de modo preciso, abrindo con-versas que por certo virão e entre outras questões da maior importância, do período de formação da pintura brasileira, da negatividade dilacerada de Macunaíma, do lugar da mu-lher no mundo da produção e da arte ou, ponto dos mais altos, dos impasses do cinema nacional.

Para quem não a conheceu, além de tudo o que ela es-creveu e dos diálogos abertos neste volume instigando ain-da outros, fica a belíssima imagem de Gilda aqui referida por Heloisa Pontes, na entrevista concedida a Carlos Au-gusto Calil e disponível como extra no DVD do filme de Luchino Visconti, Violência e paixão.

Salete de Almeida Cara é professora livre-docente da Facul-dade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (USP) e doutora em Teo ria Literária e Literatura Comparada (USP).

Uma intelectual chamada GildaLivro reúne acadêmicos para homenagear pesquisadora

GildaA paixão pela forma

Organização Sergio Miceli e Franklin de Mattos

FAPESP/ Ouro sobre Azul

252 páginasR$ 39,00

Salete de Almeida Cara

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LIVROS

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O povo de Luzia: em busca dos primeiros americanosWalter Alves Neves, Luís Beethoven PilóEditora Globo336 páginas, R$ 32,00

A partir da narrativa de achados paleonto-lógicos feitos por brasileiros em Lagoa San-ta, MG, o livro traz a saga da ocupação hu-mana nas Américas e os embates científicos sobre o tema. Através de desenhos, mapas, fotos, aborda uma síntese da origem do ho-mem e da teoria darwinista até uma descri-ção da fauna e da flora antigas do continen-te, bem como discussões sobre os possíveis modos de vida de nossos ancestrais.

Editora Globo (11) 3767-7400 www.globolivros.com.br

Na arena de Esculápio: a sociedade de medicina e cirurgia de São Paulo (1895-1913)Luiz Antonio TeixeiraEditora Unesp296 páginas, R$ 49,00

O período efervescente do final do século XIX e início do XX, no qual o crescimento de São Paulo se traduziu em espanto, verti-gem e deslumbramento, envolve esta arena. O livro destaca o papel da sociedade na ins-titucionalização da medicina na capital pau-lista em uma pesquisa sobre sua organiza-ção, funcionamento e atuação.

Editora Unesp (11) 3242-7171 www.editoraunesp.com.br

EinsteinMichel PatyEditora Estação Liberdade152 páginas, R$ 29,40

Einstein dispensa apresentações e esse livro da coleção Figuras do Saber se propõe a fa-lar mais sobre o físico, sua vida e teorias. Michel Paty coloca em evidência a dimen-são “artística” da invenção científica e mos-tra como surgiram, entre outras, a idéia da curvatura do espaço, as teorias da relativi-dade restrita e da relatividade geral.

Editora Estação Liberdade (011) 3661-2881 www.estacaoliberdade.com.br

Machado de Assis: o romance com pessoasJosé Luiz PassosEdusp, Nankin Editorial296 páginas, R$ 35,00

Para José Luiz Passos, os romances de Ma-chado de Assis são sobre a formação da pes-soa moral, e seu objetivo é desvendar o modo pelo qual o romancista compõe as ações de seus protagonistas. O livro aponta um diálo-go com Shakespeare, através de diversos per-sonagens complexos e marcados pelo desa-cordo consigo mesmos.

Edusp (11) 3091-4008 www.edusp.com.br

Uma colônia entre dois impérios: abertura dos portos brasileiros (1800-1808) José Jobson de Andrade ArrudaEDUSC192 páginas, R$ 29,00

Considerado pela tradição historiográfica brasileira o marco inicial da construção do Estado nacional brasileiro, o livro foca a aber-tura dos portos do Brasil. Além dessa perspec-tiva, Uma colônia entre dois impérios aborda o choque franco-britânico, a Convenção Secre-ta de Londres e a colônia entre imperialismos do mercantilismo ao livre-cambismo.

Edusc (14) 2107-7111 www.edusc.com.br

Napoleão Bonaparte: imaginário e política em Portugal (c. 1808-1810)Lúcia Maria Bastos Pereira das NevesAlameda Casa Editorial364 páginas, R$ 48,00

Quando só se fala da vinda da família real portuguesa para o Brasil, a proposta deste livro é outra. A autora retrata um Portugal abandonado, à mercê dos franceses, sacudi do pelas insatisfações populares, em protes tos contraditórios ou polarizados, mas enrai -vecidos contra os ocupadores e seu líder maior, Napoleão Bonaparte. A opção me-todoló gi ca parte do povo como seu objeto.

Alameda Casa Editorial (11) 3862-0850 www.alamedaeditorial.com.brFO

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FICÇÃO...

Antes e depois de C.

M inha vida divide-se em a.C e d.C. A fase de assustar gente passou, agradeço a Deus. Foi ele quem posicio-nou o filho da dotôra aquele dia. Eu aterrorizei o me-

nino, fiz ele espernear de pavor – nenhuma novidade até aí. E o que seria motivo de humilhação para minha surpresa acabou se tornando o estopim da redenção. Tudo isso devo a Carola. Como eu disse, minha vida é antes de Carola e depois de Carola. Valha-me Senhor.

Eu amedrontava as pessoas antes de Carola. Mas este não é o verbo adequado. Eu metia susto, é isso. Eu metia susto quando golpeava o crânio. Medo é exagero.

O primeiro sinal veio aos treze. Eu assistia à novela com a família. Era o último capítulo, iam desvendar a trama. A favela estava muda. Os barracos reluziam o azul da tevê. Quando senti a fisgada no pescoço. A cabeça virou todinha pra esquerda. Foi um golpe automático e súbito, não tive controle. A mãe pulou do chão, que disgreta! Marinéia, Jo-sinéia, Dulcinéia, Jocimar, Ribamar e Itamar se amontoa-ram pra rir de mim. Irmão é cruel. Imagine multiplicado por seis. Eles falaram em possessão. A mãe disse que era dívida com o passado. Quê qui se anda aprontando, fia? Mas permaneci calada, com a região doída. A confusão nos fez perder o assassino. Só soubemos na noite seguinte, quan-do repetiu o final.

O pai tinha um ditado: o pobre são dois braços fortes. Eu não fujo à regra. Sou empregada doméstica desde os dezoito. Na verdade, diarista. Diarista é um termo mais profissional pra dizer a mesma coisa. Ou seja, a quase-escrava que madru-ga, toma dois ônibus, varre e encera assoalho, lava privada, lim-pa janela, lustra móveis, passa roupa, faz almoço e volta feliz com uns trocados a mais. O ditado é válido, mas é preciso força além dos braços para ser pobre. Eu sou uma fortaleza.

Antes de Carola, era um martírio. Eu metia susto nos passageiros, no trocador, no motorista e nos proletários que aguardavam no ponto de ônibus. Havia pouco mercado para mim. Arranjava serviço somente em casas sem crian-ça. Criança é um bichinho sensível. Vê no meu cacoete uma ameaça. Mas nunca tive intenção de assustar nin-guém. Carola sempre soube disso, nem precisei falar. Vo-cê sofre de distonia focal, explicou ela, do tipo torcicolo espasmódico expandido ao movimento mandibular. Eu ouvia com atenção. O consultório da dotôra ia me engo-lindo. Quanto tempo me resta?, perguntei já pingando lá-grima, tremendo toda. Carola me deu água com açúcar. Mulher benta que dói.

Não domino este corpo, é isso. Meu pescoço repuxa a cada meio minuto. A cabeça chicoteia para um lado. A mandíbula, para o outro. O rosto contorce mais que os joelhos. Os dentes avançam para fora da boca, como um gorila enfezado. Daí por que meto susto nos outros. Nin-guém está apto a enfrentar essa careta no meio da rua. Mas isso era antes de Carola, repito.

O pai também dizia: acaso é a pior crendice. A Josinéia, que Deus a tenha, partiu três dias após contar a piada do vinho branco. Ela se estrepou exatamente como a anedota. Escapou do carro vermelho para não ser atropelada quando, então, “vinho branco”. Foi uma lição pra família. A gente é marionete do Senhor. Melhor não duvidar. Toquei nesse as-sunto de propósito. Pois foi destino, e não acaso, quando Marquinhos trepou naquele banco do Parque Municipal. Ele se apavorou comigo ali. Seu berreiro atraiu a mãe e minha salvadora: dotôra Carola. Começou assim a fase d.C.

Ela adulou o Marquinhos até ele quietar. Abriu um esto-jinho metálico e me deu o cartão. Nele estava grafado: Maria

Leozito Coelho

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Carola Bustamante, médica neurologista, especialista em distúrbios do movimento do Departamento de Neurologia do Hospital das Clínicas de Belo Horizonte. Daí a vida mu-dou. Fiz um montão de exames. A dotôra analisou tudo no consultório dela. Um lugar branco de doer a vista. Sem um grão de poeira. A diarista devia ser de boa qualidade. Caro-la foi bem direta: você é distônica, ponto final. Ela trouxe água com açúcar pra mim. Eu não ia morrer, longe disso. Deus dá a vida, brincou ela, e o médico a mantém.

Hoje sou filiada à Associação Brasileira dos Portadores de Distonias. Ajudo nas campanhas nacionais. A gente dis-tribui folhetos ao povo que passa. Às vezes até arrisco uma explicação. Se a pessoa se interessa, disparo toda metida: “Distonia é uma doença neurológica caracterizada por contrações musculares repetitivas. Já foi chamada de coréia tetanóide, espasmo histérico, cãimbra tônica, neurose de torção. É mais conhecida por tique nervoso, mania, trejei-to ou cacoete. O tratamento se faz por toxina botulínica”. Não gaguejo sequer uma vez. Meus colegas admiram isso. Especialmente o Geninho. Ele é um doce. Sorri o tempo todo. Sorri todo pra mim.

A cada três meses, compareço ao Hospital das Clínicas. Lá, o pessoal aplica a toxina nos músculos afetados. Assim eles não mexem sozinhos. E eu não meto susto em nin-guém. A dotôra conta que muita mulher injeta aquilo na cara. Só pra ficar menos velha. Então aproveito e tiro on-da de madame. Que felicidade é essa?, perguntam os amigos. “É nada não, só aplicamento rotineiro de botox, dá aquela renovada...”

Carola é nome de mulher devota e boa. Eu bem o sei. A diarista dela, a “cobrona”, pediu a conta. A dotôra me chamou na hora. O começo foi difícil, é verdade. O Mar-

quinhos não ia comigo. Por causa do trauma. Além disso, havia muita coisa pra limpar: a casona, o consultório, ja-nelas e janelas ainda maiores. Mas, como já disse, sou uma fortaleza. Acabei superando as dificuldades com o tempo. Se bem utilizado, o tempo é uma bênção. Mesmo com a mãozinha do botox. Hoje dou conta da arrumação, faço o trabalho voluntário e estudo à noite. A Carola quer me ver enfermeira. Paga o supletivo com satisfação. Santa Carola, Deus conserve.

Durmo a semana inteira na casa dela. Depois que o pai e a mãe se foram, tudo ruiu lá no barracão. Ribamar e Ita-mar se aliaram a uns rapazes de cabelo oxigenado. As me-ninas andam parindo pelas esquinas. E não importa a ho-ra, há sempre alguém gritando. Aqui é diferente. Marqui-nhos vem e dá boa noite. Seu Edu me ajuda na matemática. Ele é bom de números, constrói pontes com os danados. A Carola também chega perto. Fala dos artigos que tem pu-blicado em revistas científicas. E do novo gene da distonia que encontrou no interior de Minas Gerais. Aí ela se em-polga toda. Diz que se não fosse a ciência eu e Geninho mal cruzaríamos um olhar. Pois torço o pescoço pra esquerda e ele pra direita: íamos sempre nos desencontrar. Agora, não mais. Se a gente quisesse, poderia até beijar demorado. Sem interrupção. Mas essa já é outra história. Ou quem sabe, outra fase. Vai depender do que decidirem lá em cima. É isso.

Leozito Coelho é jornalista e escritor. Já publicou seus contos nas coletâneas Entre duas mortes, Sombras e contos de algi-beira. Em 2008, lança seu primeiro livro: Curto-Circuito – Nar-rativas mínimas para almas transitórias.

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A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e o Instituto Internacional de Neuro-ciências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS) têm o prazer de anunciar a abertura de 11 vagas de docência para constituir o novo Departamento de Neurociência da UFRN/IINN-ELS. Em 2008 a UFRN celebra 50 anos de compromisso com a pesquisa e a educação no Nordeste brasileiro (www.ufrn.br). O IINN-ELS é um centro de pesquisa biomédica e educação científi ca mundialmente reconhecido, com a missão de utilizar a ciência de ponta para promover mudanças sociais no Nordeste (www.natalneuro.org.br). Serão realizados concursos públicos para recrutar 4 Professores Titulares e 7 Professores Adjuntos. Cada candidato selecionado participará na aloca-ção de uma verba de 500 mil reais, provida pelo Governo Federal para a compra de equipamentos e suprimentos. Neurocientistas com produção científi ca de impacto, idealistas e arrojados, com iniciativa e liderança marcantes são requisitados nas seguintes áreas da Neurociência:

Neurociência de sistemas (1 Titular, 4 Adjuntos): Fisiologia de multieletrodos (extracelu-lar e intracelular), microestimulação, imageamento óptico, fotoliberação de compostos neuroativos, camundongos transgênicos de rodopsina;

Neurociência molecular (1 Titular, 1 Adjunto): RNAi, hibridização in situ, matrizes de DNA, células-tronco, modelos transgênicos;

Neurociência celular (1 Titular, 1 Adjunto): Neurogênese e migração celular, sinaptogê-nese, células-tronco, modelos transgênicos;

Imageamento por ressonância magnética funcional (1 Adjunto): Física e computação analítica, imageamento cerebral humano;

Neurociência computacional (1 Adjunto): Redes neurais, sistemas complexos, modela-gem de circuitos.

Prazos para inscrições:Concursos para vagas de Titular: 17 de março a 02 de maio de 2008.Concursos para vagas de Adjunto: 07 de abril a 06 de junho de 2008.

As inscrições podem ser feitas na Secretaria da Pró-Reitoria de Pesquisa da UFRN ou por via postal expressa. As normas dos concursos e seus respectivos Editais estão disponíveis no site www.natalneuro.org.br Para mais informações, escrever para [email protected]

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Os dados abaixo destinam-se exclusivamente à divul-gação, não constituindo texto ofi cial, o qual se encontra publicado no Diário Ofi cial do Estado indicado.Informações detalhadas poderão ser obtidas nos e-mails descritos.

Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto - [email protected] Professor Doutor, referência MS-3, em RDIDP (dedica-ção exclusiva), junto ao Departamento de Análises Clínicas, Toxicológicas e Bromatológicas, na área: Saúde Pública.Inscrições abertas pelo prazo de 60 dias, a partir da pu-blicação. Diário Ofi cial de 04/03/2008.Edital 016/2008

Faculdade de Medicina - [email protected] Professor Titular, referência MS-6, em RTC (24 horas) junto ao Departamento de Pediatria, disciplina de Cirurgia Pediátrica. Inscrições abertas pelo prazo de 180 dias, no período de 08/02 a 05/08/2008. Diário Ofi cial de 1º/02/2008Edital 42/200801 Professor Titular, referência MS-6, em RDIDP (dedica-ção exclusiva) junto ao Departamento de Clínica Médica. Inscrições abertas pelo prazo de 180 dias, no período de 14/03 a 09/09/2008. Diário Ofi cial de 14/03/2008.Edital 81/2008

Faculdade de Odontologia de Bauru - [email protected] Professor Titular, referência MS-6, em RDIDP (dedi-cação exclusiva), junto ao Departamento de Fonoaudio-logia, disciplina de Clínica de Fissura Labiopalatina.Inscrições abertas pelo prazo de 180 dias no período de 20/11/2007 a 17/05/2008. Diário Ofi cial de 15/11/2007.Edital 052/2007 Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos - [email protected] Professor Titular, referência MS-6, em RDIDP (dedi-cação exclusiva), junto ao Departamento de Engenha-ria de Alimentos, área de conhecimento Micotoxicologia de Alimentos.Inscrições abertas pelo prazo de 180 dias, a partir da pu-blicação. Diário Ofi cial de 29/02/2008.Edital 035/2008

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