Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência" - Volume X - A Morte da Terra. P- 46-49.

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1º CICLO - A TERCEIRA POTÊNCIA VOLUME 10 P- 46 - 49

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A história da Terceira Potência em poucas palavras:- O foguete Stardust alcança a Lua e Perry Rhodan descobre a nave exploradora dos arcônidas, que realizou um pouso de emergência (vol. 1).- Instalação da Terceira Potência, contra a resistência das grandes potências terrenas e defesa contra tentativas de invasão extraterrena (vols. 2 a 9).- Primeira intervenção da Terceira Potência nos acontecimentos galácticos. Perry Rhodan defronta-se com os tópsidas e procura solucionar o enigma galático (vols. 10 a 18).- A Stardust-III descobre o planeta Peregrino, e Perry Rhodan alcança a imortalidade relativa (vol. 19).- Perry Rhodan regressa à Terra e luta por Vênus (vols. 20 a 24).- O Supercrânio ataca (vols. 25 a 27).- Chegada dos saltadores, que pretendem eliminar a concorrência potencial da Terra no comércio galáctico (vols. 28 a 37).- Primeiro contato de Perry Rhodan com Árcon e atuação como delegado do cérebro positrônico que exerce o governo no grupo estelar M-13 (vols. 38 a 42).A missão Aralon, durante a qual Perry Rhodan esteve empenhado em obter o remédio contra a peste dos nonus, está concluída. Com isso, a atuação de Rhodan, sócio do cérebro robotizado de Árcon, deveria ter chegado ao fim, ainda mais que com a descoberta da conspiração e a prisão dos conspiradores não há mais nenhum perigo que ameace o Império.Assim acredita Perry Rhodan, que pede férias ao Regente. Mas o segredo da posição da Terra está preste a ser descoberto pelo Regente de Árcon...que decreta: A Morte da Terra...

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1º CICLO - A TERCEIRA POTÊNCIA

VOLUME 10

P- 46 - 49

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O Olho Vermelho do Sistema Beta

Volume 48

A Morte da Terra

Volume 49

Gom Não Responde

Volume 47

Projeto Aço Arcônida

Volume 46

O Herdeiro do

Universo

O Herdeiro do

Universo

O Herdeiro do

Universo

O Herdeiro do

Universo

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Projeto Aço Arcônida

Gom Não Responde O Olho Vermelho do Sistema Beta

A Morte da Terra

1º Ciclo – A Terceira Potência

Volume 10

Episódios: 46 - 49 de 49

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Nº 46

De Kurt Brand

Tradução

Richard Paul Neto Digitalização

Vitório Revisão e novo formato W.Q. Moraes

A história da Terceira Potência em poucas palavras:

- O foguete Stardust alcança a Lua e Perry Rhodan descobre a nave exploradora dos

arcônidas, que realizou um pouso de emergência (vol. 1).

- Instalação da Terceira Potência, contra a resistência das grandes potências terrenas e

defesa contra tentativas de invasão extraterrena (vols. 2 a 9).

- Primeira intervenção da Terceira Potência nos acontecimentos galácticos. Perry

Rhodan defronta-se com os tópsidas e procura solucionar o enigma galático (vols. 10 a

18).

- A Stardust-III descobre o planeta Peregrino, e Perry Rhodan alcança a imortalidade

relativa (vol. 19).

- Perry Rhodan regressa à Terra e luta por Vênus (vols. 20 a 24).

- O Supercrânio ataca (vols. 25 a 27).

- Chegada dos saltadores, que pretendem eliminar a concorrência potencial da Terra

no comércio galáctico (vols. 28 a 37).

- Primeiro contato de Perry Rhodan com Árcon e atuação como delegado do cérebro

positrônico que exerce o governo no grupo estelar M-13 (vols. 38 a 42).

A missão Aralon, durante a qual Perry Rhodan esteve empenhado em obter o remédio

contra a peste dos nonus, está concluída. Com isso, a atuação de Rhodan, sócio do cérebro

robotizado de Árcon, deveria ter chegado ao fim, ainda mais que com a descoberta da

conspiração e a prisão dos conspiradores não há mais nenhum perigo que ameace o

Império.

Assim acredita Perry Rhodan, que pede férias ao Regente. Mas o Projeto Aço Arcônida,

realizado por Perry Rhodan, pode ser tudo, menos férias...

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Aralon, a “fábrica de venenos” do

Império dos Arcônidas, não se deu por

vencida.

Só uma catástrofe de dimensões

planetárias poderia, de uma hora para outra,

imprimir novo rumo a uma evolução

milenar. Aralon, o quarto planeta do sol

amarelo e luminoso de Kesnar, situado a 38

anos-luz de Árcon, nem pensava em desistir

do melhor negócio do Universo pelo simples

motivo de que o tal do Perry Rhodan andava

por aí.

Os aras, verdadeiros gênios em todos os

setores da medicina, eram persistentes como

os mercadores galácticos; na verdade, eram

mercadores galácticos. Vendiam seus

excelentes medicamentos a preços

extorsivos, enquanto cuidavam

discretamente para que em nenhum planeta

desaparecesse qualquer das doenças que

ameaçavam a vida de seus habitantes.

Em última análise, queriam ganhar, e a

ânsia do lucro caracterizava-os como

mercadores galácticos.

De repente viram-se atacados, pela

primeira vez, por uma doença que teria de

levá-los à ruína financeira, se a “infecção”

não pudesse ser detida por meios radicais.

A doença chamava-se Perry Rhodan.

Desde que existiam como negociantes de doenças e

medicamentos, ele lhes infligira a primeira derrota. Os aras

não estavam dispostos a aceitar outra derrota.

O inspetor-chefe Gegul, responsável pela segurança de

Aralon, sobressaltou-se em meio aos seus pensamentos

quando sua assistente Arga Tasla entrou praticamente sem

fazer nenhum ruído e lhe entregou uma mensagem.

Localização

realizada pelos

rastreadores

estruturais:

Tempo 8:75:93 m1;

local 105; localização

combinada 103 e

106.

Às 8:75:03,1 a frota

de Perry Rhodan

realizou uma transição

em direção a Árcon,

vinda de 13,64 graus.

— Arga! — a voz de Gegul vibrava. Não levantou os

olhos. Pensava no nome Perry Rhodan com uma expressão

malévola, enquanto aguçava o ouvido para verificar se

Arga Tasla parara.

— Pois não! — disse esta da porta.

— Chame Ma-elz e Bro-nud. Quero que estes palermas

compareçam dentro de dez minutos.

Ma-elz e Bro-nud, que eram dois homens altos, pararam

em atitude de expectativa, depois de terem entrado.

— Sentem! — resmungou o inspetor-chefe Gegul e fez

um movimento indiferente em direção às poltronas vazias.

Passou diretamente ao assunto: — Rhodan saltou para

Árcon. Por enquanto o perigo

passou. Andaram buzinando nos

nossos ouvidos que Rhodan e o

cérebro robotizado trabalham de

mãos dadas. Como estão as coisas

por aqui? Em Aralon não há mais

uma única nave com doentes! E eu

lhes garanto que a catástrofe se

espalhará aos confins da Galáxia se

não conseguirmos destruir o tal do

Rhodan.

— Ainda não temos naves de

guerra — foi à observação um tanto

prematura de Ma-elz.

— Não precisamos delas —

exclamou Gegul.

— Vamos usar germes? —

balbuciou Bro-nud, erguendo-se da

poltrona.

— De que doença? — perguntou

Ma-elz, endireitando o corpo.

— Será que não poderiam

formular perguntas mais

inteligentes? — escarneceu Gegul

com um sorriso diabólico. — Vocês

só sabem desfiar músicas triviais.

Por que será que ninguém se lembra

da única ideia acertada? Por quê?

Ma-elz e Bro-nud não lhe fizeram o favor de lembrar-se

da ideia acertada. Naquele momento, os dois teriam pago

uma boa soma se pudessem ter uma ligeira ideia das

intenções do inspetor-chefe.

— É claro — disse Gegul depois de alguns segundos de

espera. — A solução mais simples não ocorre a ninguém.

Cheio de arrogância refestelou-se na grandiosidade de

uma idéia e sentiu-se um chefe superinteligente e

condescendente. Inclinou-se para frente, fez sinal para que

Ma-elz e Bro-nud se aproximassem e só começou a falar

quando os auxiliares se encontravam diante de sua

escrivaninha.

— Minha ideia é esta... — principiou, enquanto Ma-elz

e Bro-nud ouviam atônitos.

A ideia do inspetor-chefe Gegul era realmente genial.

Já a essa hora a destruição de Perry Rhodan parecia

inevitável, e com ela a do planeta do qual viera.

* * *

Personagens Principais deste episódio:

Perry Rhodan — Que pede férias ao Regente.

Reginald Bell — O melhor amigo e confidente de Perry Rhodan.

Gegul — Um inspetor-chefe dos aras, que comete um engano. Keklos — Biólogo-chefe dos aras. Talamon — Cuja vida foi salva por Perry Rhodan. Agora o superpesado terá oportunidade de retribuir de igual para igual. Topthor — Chefe de um dos clãs dos superpesados, que fareja um bom negócio.

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Talamon, o superpesado, deu um sorriso gentil para o

mensageiro dos mercadores galácticos. Fazia meia hora que

o homem subira a bordo da nave capitania, “somente para

sondar a opinião de Talamon”.

Os superpesados eram os guerreiros dos mercadores

galácticos. Sempre que os saltadores não conseguiam

controlar uma estrela, sempre que um mundo se obstinasse

em não permitir a escravidão, os superpesados tinham de

cuidar do problema, mediante excelente paga.

Desde cedo começaram a distinguir-se dos saltadores,

porque no mundo por eles habitado reinava uma gravitação

extraordinária. Essa gravitação marcara seu físico. Cada

superpesado pesava até quinhentos quilos, e tinha dois

metros de altura e um e meio de diâmetro; oferecia um

aspecto medonho, embora não pudesse ser considerado

disforme.

Os superpesados dispunham das melhores naves de

guerra, não comparando com as pertencentes ao Império.

Tal qual os saltadores, estavam divididos em clãs, e o chefe

de um desses clãs, Talamon, acabara de receber a visita do

mensageiro dos mercadores, que pretendia sondá-lo.

O clã de Talamon representava alguma coisa. Dispunha

de duzentas naves de guerra. Era só graças a Perry Rhodan

que Talamon ainda as possuía e continuava vivo.

E o mensageiro lhe perguntou o que pensava de Perry

Rhodan.

— Para mim é muita coisa! — resmungou Talamon sem

pestanejar, exibindo uma cara de jogador de pôquer.

O mensageiro poderia ter esperado tudo, menos uma

resposta dessas. Mostrou-se chocado.

Talamon mostrou um sorriso bondoso, em que havia um

pouco de pena.

— Não é possível que o senhor realmente esteja

pensando assim, Talamon.

Talamon moveu seus seiscentos e cinquenta quilos com

uma agilidade de que ninguém o teria julgado capaz. O

rosto de jogador de pôquer desapareceu. Assumiu uma

expressão ameaçadora e sua voz trovejante gritou para o

mensageiro, enchendo a sala de comando:

— Queria que dissesse que Rhodan é uma simples

estrela cadente? Sabe que sua pergunta é uma verdadeira

ousadia? Já se esqueceu que Rhodan fez a frota robotizada

de Árcon trovejar pelo espaço? Eu, Talamon, me vi diante

da destruição juntamente com minha frota. Será que isso

não é nada? Não venha me dizer que alguém que consegue

fazer o que Perry Rhodan fez não é nada.

O mensageiro contorcia-se como um verme.

Talamon viu, mas fez de conta que não estava

percebendo nada. Queria cozinhar o sujeito. Fazia questão

de que o mesmo se abrisse, contando por que realizara

tamanha despesa, entrando em contato pessoal com ele,

Talamon, que se encontrava a dois mil anos-luz de Árcon.

Uma mensagem pelo hipercomunicador teria saído mais

barato.

— Vamos logo, mensageiro! O que desejam? Fale! O

que querem que eu faça? E quanto estão dispostos a pagar?

— Quem me mandou foi Siptar — disse o mensageiro.

— Até parece que este camarada quer viver para sempre

— resmungou Talamon, numa alusão ao fato de que Siptar

era o mais velho dos chefes de clã entre os saltadores.

— Antes disso falei com Vontran. Siptar e Vontran

perderam muitos parentes no planeta de Goszul...

— E daí? — a figura quadrática e esverdeada de

Talamon sorriu e esperou.

— O boato de que Perry Rhodan esteve envolvido na

explosão de bomba ocorrida no planeta de Goszul, quando

os patriarcas haviam comparecido à Grande Assembleia,

continua a circular insistentemente...

A gargalhada descontraída de Talamon fechou a boca

do mensageiro. As lágrimas corriam pela face esverdeada

do superpesado.

Quanto mais ria Talamon, mais perturbado se sentia o

mensageiro. Aborrecido, finalmente, achou que bastava:

— Qual é a graça?

No mesmo instante, Talamon silenciou.

— É verdade — disse, dando razão ao mensageiro, não

sabendo o que pensar de tão surpreso que ficou. — Não há

nada de engraçado. A catástrofe do planeta de Goszul foi

um caso muito triste, mas dali a culpar Perry Rhodan pelo

fato... Mensageiro, quero dizer-lhe uma coisa.

“Há pouco, quando o senhor perguntou o que achava de

Rhodan, eu lhe disse que, para mim, ele é muita coisa”.

“O senhor não gostou. Mas pouco importa que goste ou

deixe de gostar: a resposta só poderia ter sido esta. Perry

Rhodan é um fator que não pode ser desprezado por

ninguém”.

“Agora o senhor me vem com seus boatos. Achei graça.

Sabe por que achei graça? Porque com essas histórias tolas

o senhor reconhece sem querer que os saltadores também

acham que Perry Rhodan é muita coisa. É verdade ou não

é?”

— Pois então estamos de acordo — respondeu o

mensageiro em tom manhoso.

Talamon encarou-o com uma expressão de perplexidade

no rosto.

— Rapaz, está na hora de falar — disse em tom

enfático. — Senão eu lhe explico como são as coisas

quando me torno desagradável. O senhor veio para engajar-

me contra Perry Rhodan. É verdade ou não é?

— É.

— É a primeira resposta clara que o senhor me dá, e é

uma resposta muito interessante. Abra-se com o velho

Talamon. Sou todo ouvidos.

* * *

Com um forte estouro, a Titan e a Ganymed emergiram

do hiperespaço, retornando ao Universo normal.

O cérebro robotizado de Árcon devia ter calculado a

posição com seus rastreadores estruturais supersensíveis,

pois Rhodan escolhera de propósito um setor tranqüilo do

grupo estelar M-13 como ponto final de sua hiper trajetória.

O choque provocado pela transição desvaneceu-se no

organismo de todos os ocupantes das naves. Como sempre,

Perry Rhodan e seu amigo Reginald Bell foram os

primeiros a ter consciência após os efeitos do salto.

Diante deles os sóis do sistema, captados pela

gigantesca tela de visão global da Titan, brilhavam num

esplendor indescritível. A luminescência reluzente e

cintilante, que se refletia em todas as cores e nuances,

constituía a melhor apresentação para quem se aproximasse

do Império dos Arcônidas.

— ...quem dera que não fossem tão dorminhocos —

suspirou Bell.

— Quieto gorducho! — disse Perry Rhodan em voz

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baixa. Atrás dele encontrava-se Crest, o arcônida, e a um

passo deste estava Thora, uma arcônida garbosa, inteligente

e temperamental. Ambos pertenciam às classes mais

elevadas da sociedade do império estelar cujos sóis viam

brilhar naquele instante.

Bell era um sujeito honesto, um tanto esquentado.

Virou-se para Thora. Em seu rosto havia um sorriso de

escárnio.

— Alguma objeção? — perguntou.

— Já está na hora de inventar outra coisa — respondeu

Thora com uma serenidade majestática.

Bell soltou um grunhido.

— Você não ia entrar em contato com aquele montão de

lata para pedir férias? -perguntou, dirigindo-se a Perry

Rhodan.

Chamar o gigantesco cérebro robotizado de Árcon de

montão de lata era uma enorme irreverência. Mas nem

mesmo os dois arcônidas se zangaram com o lugar-tenente

de Rhodan, por ter usado tal expressão.

Gucky, que estava sentado ao lado de Reginald Bell,

chilreou baixinho:

— Montão de lata! Você é um grosso formidável.

No mesmo instante, a sala de comando da Titan encheu-

se de gostosas gargalhadas. Gucky, o ser em forma de rato-

castor que era telepata e mais uma porção de coisas,

acabara de chamar Reginald Bell de grosso formidável. As

lágrimas corriam pelas faces de algumas das pessoas que se

encontravam na sala de comando. Ao todo eram mais de

trinta. Thora soltou uma risada cristalina. Crest não

conseguiu dominar o riso e colocou a mão diante da boca.

Perry Rhodan sacudia-se de tanto rir.

— Seu porcalhão! — rugiu a voz de Bell, superando as

risadas.

Num gesto rápido procurou agarrar Gucky, sua mão

segurou o vazio. Num instante, o rato-castor se afastara por

meio do conhecido salto de teleportação. Chiando em meio

ao silêncio que tomara conta do recinto após o grito de Bell,

aterrissou nos braços de Thora e perguntou:

— Thora, você vai acariciar meu pêlo? Afinal, chamei

esse gorducho de grosso formidável.

Num tom ríspido — que chegava a ser duro demais,

porque esmagava um episódio altamente humano — a voz

do oficial de rádio chamou:

— A frota robotizada OGG-06 pede o sinal de código.

Estas palavras trouxeram todo inundo de volta à

realidade.

Numa velocidade equivalente a 0,8 vezes a da luz, a

Titan deslocava-se juntamente com a Ganymed em direção

ao anel externo de fortificações, que envolvia Árcon I, II e

III, transformando-o numa fortaleza estelar inexpugnável.

Nas entranhas da gigantesca esfera, que era uma obra-

prima da construção astronáutica dos arcônidas, vibravam,

rugiam e zumbiam os conversores, transformadores,

campos magnéticos, máquinas e conjuntos de dimensões

inconcebíveis.

Uma tripulação regular de mil e quinhentos homens

faria da Titan a nave de guerra mais potente e perigosa da

Via Láctea.

O hipercomunicador estava aquecendo.

Chegara a hora em que Perry Rhodan teria de falar com

o cérebro robotizado instalado em Árcon.

Depois de emitido o sinal de identificação, o regente

robotizado confirmou a recepção. O gigantesco cérebro

positrônico, incapaz de qualquer emoção e capaz de reagir

apenas à lógica mais fria e objetiva, estava esperando.

Nem mesmo Perry Rhodan, que se dispunha a

conquistar o Universo para a Terra, faria esperar o cérebro

que ocupava uma área de dez mil quilômetros quadrados.

Perry Rhodan conhecia suas limitações.

Era mais uma qualidade que o destacava em meio aos

demais homens.

Rhodan ofereceu seu relatório ao cérebro instalado em

Árcon. Foram palavras lacônicas, precisas, seguras. Não

disse tudo, mas aquilo que falou devia trazer a marca da

realidade para a lógica fria do gigantesco dispositivo

positrônico.

Nenhum esclarecimento foi solicitado.

O alto-falante do hipercomunicador apenas zumbia.

O regente robotizado estava esperando; o cérebro

dissociou, controlou, examinou e interpretou o relatório de

Rhodan e logo descobriu que a palestra ainda não havia

chegado ao fim.

Depois de ligeira pausa Rhodan prosseguiu:

— Peço permissão para regressar à Terra a bordo da

Titan. Durante o confronto com Talamon, o superpesado,

constatamos que a tripulação prevista de mil e quinhentos

homens não é suficiente. Nos homens vindos do planeta

Terra não podemos esperar o QI com que se costuma contar

em Árcon, muito embora uma pequena percentagem dos

tripulantes da Titan seja capaz de um desempenho acima da

média. Se quisermos fazer desta nave o elemento de força

que seus construtores tiveram em vista, o aumento da

tripulação torna-se absolutamente indispensável. E no

planeta Terra encontrarei os homens de que preciso. Queira

examinar meus argumentos.

Durante três minutos ouviu-se o zumbido do

hipercomunicador. Finalmente veio a resposta do cérebro

robotizado.

— Férias concedidas — soou a voz metálica do alto-

falante.

A Titan desligou.

Perry Rhodan virou a cabeça e encarou Bell. Este exibia

um sorriso satisfeito.

— Então você conseguiu tapear esse montão de lata —

disse em tom satisfeito. — Se ele soubesse... —

subitamente estacou. Lançou um olhar indagador para

Perry. — Não está satisfeito por vê-lo enganado?

— Não. Não temos nenhum motivo para ficarmos

satisfeitos, Bell.

As palavras de Rhodan ressoaram pesadamente pela

sala de comando. Bell lançou um olhar pensativo para o

amigo. Perry tinha razão. Não havia nenhum motivo para

ficarem satisfeitos.

Como uma sombra silenciosa evocada pelos incidentes

ocorridos com os aras, a Terra mais uma vez se

transformara no centro dos acontecimentos. Os aras

também eram mercadores galácticos, e os mercadores

galácticos continuavam a representar um perigo para a

Terra.

Topthor, o superpesado, conhecia a posição do Sistema

Solar; o cérebro gigante de Árcon não a conhecia.

Só no setor do grupo estelar M-13, alguns milhares de

naves dos saltadores cruzavam o espaço. Cada uma delas

era uma verdadeira fortaleza. O que poderia a Terra

contrapor a essa força?

Nada!

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Um dos pontos fortes de Perry Rhodan consistia em

nunca superestimar a própria força. E o ponto que o

preocupava era que dentro em breve os saltadores poderiam

partir para um ataque maciço contra a Terra, para

transformar o “planeta turbulento” num sol que se

consumiria num holocausto nuclear.

Era por isso que pretendia voltar à Terra juntamente

com a Ganymed. A alegação apresentada ao cérebro

robotizado, de que a tripulação da Titan não era suficiente,

desde logo se apresentava com uma fragilidade

transparente. O autômato era muito inteligente para cair

num golpe tão primário. Estava interessado em acompanhar

os saltos da Titan e da Ganymed para descobrir as

coordenadas da Terra. Mas havia um fato que o cérebro

robotizado não conhecia nem devia conhecer. Tanto a Titan

como a Ganymed dispunham do compensador estrutural

inventado pelos mercadores galácticos, que tornaria

impossível o cálculo das transições realizadas por essas

naves.

Bell procurou afastar as preocupações.

— Pois faremos com que esses ciganos espaciais

também não tenham nenhum motivo para ficarem

satisfeitos — disse com a voz zangada. — Vamos preparar

a transição, Perry?

Perry Rhodan limitou-se a acenar com a cabeça.

A figura maciça e esverdeada de Talamon surgiu na tela

e sorriu para Perry Rhodan.

Há poucos minutos o chamado havia sido recebido pela

freqüência de hipercomunicação do superpesado. Agora a

pesada nave de guerra emergia lentamente da escuridão do

espaço e adaptou sua velocidade à da Titan.

— Irei até aí, Perry Rhodan — disse Talamon depois do

ligeiro cumprimento. Sua imagem desfez-se. Na Tal VI, a

comunicação fora interrompida.

— Suspender os preparativos para a transição — disse

Rhodan pelo rádio, dirigindo-se à Ganymed. — Todos os

dados continuam válidos.

Depois, lançou um olhar para Bell.

— Mande que John Marshall e Gucky venham até aqui.

No mesmo instante, uma luminescência surgiu diante de

Rhodan. O rato-castor surgiu. Seu dente roedor solitário

sorria com satisfação. Procurou acomodar-se no colo de

Rhodan.

— Ora, Gucky! — disse Rhodan numa ligeira

recriminação. — Estamos recebendo urna visita oficial.

Gucky planou para o canto mais afastado da sala de

comando. Ninguém riu. Devia haver um motivo importante

para que o superpesado surgisse pouco antes que a Titan e a

Ganymed iniciassem a transição em direção à Terra.

Talamon só se tornara amigo de Perry Rhodan depois da

missão executada no planeta Aralon. Todavia, ainda faltava

dar uma prova dessa amizade.

Será que Talamon vinha como amigo?

Rhodan compreendeu o olhar preocupado de Crest.

Estavam pensando a mesma coisa. Era justamente por isso

que Gucky e John Marshall deviam estar presentes durante

a palestra, a fim de verificar se as intenções de Talamon

eram honestas.

— É uma bela nave — disse o superpesado. Depois de

dar outra olhada pela sala de comando, acrescentou: —

Acontece que dentro de pouco tempo já não será tão bela

assim.

Já estava mostrando as cartas.

Perry Rhodan percebeu o sinal de John Marshall.

Talamon não estava ocultando nada. Realmente viera na

intenção de prevenir Rhodan.

— Um momento, Talamon! — Bell pousou uma das

mãos no ombro de Perry, enquanto a outra movia a chave

que estabelecia contato com o posto de observação da Titan

e da Ganymed. Disse para dentro do microfone: —

Exerçam vigilância rigorosa em todos os setores do espaço.

Liguem os protetores de localização na potência máxima.

Voltando a dirigir-se ao superpesado, que sorria

satisfeito diante das instruções, Reginald Bell disse:

— Mande que sua nave se coloque entre as nossas. Se

quisermos evitar que os outros formulem perguntas

indiscretas, não devemos dar-lhes a menor oportunidade

para isso. Quer fazer o favor de transmitir as instruções

para sua nave?

Um sorriso ainda mais largo cobriu o rosto do

superpesado.

— Se todos os homens do planeta Terra são tipos tão

frios, cautelosos e impetuosos como este, já começo a sentir

pena dos saltadores. É claro que mandarei colocar minha

nave entre as suas.

As grandes telas de visão global da Titan mostraram que

a nave Tal VI, pesadamente armada, descreveu uma curva

silenciosa, e, numa manobra elegante, colocou-se numa

posição em que estaria a salvo da localização.

— Pois bem — disse Talamon em tom indiferente,

contemplando Perry Rhodan numa tensão mal disfarçada.

— Os aras do planeta Aralon estão zangados com vocês.

Do ponto de vista comercial compreendo essa atitude. Mas

desde que fiquei sabendo que esses bandidos da medicina

andam fazendo suas feitiçarias para que a gente pegue tudo

quanto é peste, a fim de poderem vender seus

medicamentos a preços extorsivos, não tenho a menor

simpatia por eles. Em resumo:

“Aralon alarmou os clãs dos aras espalhados pelos

quatro cantos da Galáxia. Sempre há doenças. Os

mercadores galácticos foram submetidos a verdadeira

chantagem. Os aras os ameaçaram de não lhes vender mais

remédios, e por isso viram-se obrigados a concordar em

lançar um ataque à Terra a fim de transformar esse mundo

num sol.”

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— O ataque já foi iniciado? — perguntou Perry Rhodan

em tom tranquilo, fazendo com que os seiscentos e

cinquenta quilos de Talamon saltassem da poltrona e

fitassem o ser terrano.

Perry Rhodan fez pouco caso; Bell estava suando. Era

outro dos blefes de Rhodan. Perry não chegara a afirmar

que qualquer ataque seria rechaçado, mas deixara Talamon

bem menos seguro de si.

— Então, Talamon, os saltadores já iniciaram o ataque?

— disse, insistindo na pergunta.

— Não, os saltadores não se entregam tão depressa. E

uma ação dessa envergadura nunca é iniciada sem uma

reunião dos patriarcas. Mas os aras já conseguiram alguma

coisa. Dentro em breve, haverá uma reunião dos patriarcas.

Ninguém sabe onde. Nem mesmo o mensageiro que me

procurou para saber minha opinião soube dar essa

informação.

— Três aproximações — anunciou o oficial do posto de

observação. — Uma nave está rastreando o espaço.

Distância 0,325 minutos-luz. Velocidade 0,21 abaixo da

luz. Irradiando sinais codificados para outra nave. Sinais

conhecidos. Trata-se de unidades da frota do superpesado

Talamon.

Talamon sorriu por todo o rosto e demonstrou sua

admiração indisfarçada para Rhodan e Bell.

— Estou curioso para ver se minhas naves não acabarão

me encontrando.

Rhodan estendeu a mão num gesto indiferente:

— Aposto minha Titan contra sua nave capitania de

como não nos descobrirão.

O superpesado sacudiu violentamente a cabeça,

escondeu as mãos maciças atrás das costas, deu uma risada

matreira e disse:

— A história de como o senhor se apoderou da Titan já

se espalhou por aí. Não estou com vontade de apostar.

Preciso da minha nave — logo voltou a tornar-se sério.

— O plano dos aras não o deixa preocupado? Não

preciso ser profeta para garantir que os médicos galácticos

obrigarão os saltadores a destruir a Terra. E também não

sou nenhum tagarela. Vim para ajudar o senhor e seu

mundo.

Perry Rhodan viu John Marshall esfregar os dedos.

— Quanto terei de pagar por sua amizade, Talamon? —

perguntou Perry Rhodan com uma risada.

— Ó sublime Via Láctea! — exclamou o superpesado

com um aparente entusiasmo.

— Fomos feitos para sermos sócios um do outro. Nem

mesmo com os arcônidas, tenho conseguido chegar tão

rapidamente ao núcleo do negócio.

— Pois essa gente dorme de pé! — observou Bell.

De repente, os olhos de Talamon começaram a mexer-

se. Caminhavam de um lado para outro, fitando os dois

homens tão diferentes no aspecto e no caráter.

Perry e Bell exibiram seus rostos de jogador de pôquer.

Essa coincidência deu de pensar à raposa de seiscentos e

cinquenta quilos que atendia ao nome de Talamon. Falando

em tom pensativo, disse:

— Aos poucos estou compreendendo por que todos nós,

que temos alguma coisa a ver com o Império de Árcon,

sempre levamos a pior quando lidamos com vocês. Mas

vamos conversar sobre o preço. Afinal, de vez em quando

tenho de alimentar meu clã. E manter duzentas naves em

condições de combate não é nada fácil; custa muito

dinheiro. Nem estou calculando o risco que vou assumir...

Perry Rhodan interrompeu-o em tom penetrante:

— Quando dei ordem à frota de guerra robotizada de

Árcon para que não transformasse as naves do superpesado

Talamon em nuvens de gases, assumi um risco que excedia

qualquer grandeza astronômica. E eu lhe pedi que pagasse

alguma coisa por isso, Talamon?

— Ora essa, Perry Rhodan! — respondeu Talamon em

tom de recriminação. — Não se fala assim com um velho.

— Será que não? — retrucou Rhodan com a mesma voz

penetrante. — Nós, os humanos, gostamos de dizer a

verdade, mesmo que seja dolorosa. Diga seu preço,

Talamon.

John Marshall levantou-se e aproximou-se dos três

homens que estavam discutindo. Rhodan olhou para o mais

competente dos seus telepatas e perguntou:

— O que houve Marshall?

O telepata entendia seu chefe.

— O senhor me pediu que lhe lembrasse de que

pretendia falar com o cérebro robotizado de Árcon.

Essas palavras representavam um código; traduzida em

termos normais, o teor da mensagem seria o seguinte: “Até

aqui não notei nenhum pensamento traiçoeiro em

Talamon.”

Rhodan fez sinal para que Marshall se afastasse.

— Isso não tem pressa. Obrigado. Talamon, que não

perdera uma única palavra, logo tirou suas conclusões.

— O senhor quer recorrer ao auxílio do Império,

Rhodan? Não se esqueça de que os saltadores também são

arcônidas.

— Alguns estão dormindo enquanto outros são

salteadores! — interveio Bell em tom mordaz. — Talamon,

que raça sem finura é a sua? Realmente, vocês nos deixam

preocupados.

O superpesado não teve outra alternativa senão levar a

objeção de Bell a sério. Em sua imaginação, a Terra

transformou-se num único porto espacial e o poder de Perry

Rhodan era imenso.

— Diga seu preço, Talamon! — exigiu Rhodan,

felicitando-se porque Bell estava participando da discussão.

Era ele que descongelava o superpesado, fazendo-o afastar-

se do ponto de vista de que teria de ganhar muito dinheiro.

— Para uma ação sem limite de tempo e com pleno

engajamento de toda minha força de combate... são

exatamente duzentas e dezoito naves, peço dez milhões.

— Quanto vale uma tonelada de aço Árcon-T? —

perguntou Perry.

— Aço Árcon-T? O aço de que são feitas as naves

espaciais? — Talamon aguçara os ouvidos.

— Isso mesmo. Tenho umas trezentas ou quatrocentas

toneladas para vender.

— Quanto?

Perry Rhodan levantou-se. Por enquanto considerava

encerrada a discussão.

— Reflita juntamente com seu clã se minha proposta

representa um negócio interessante para os senhores.

Depois disso, combinaremos um preço entre amigos.

Pagando uma taxa de dez milhões por sua atuação em

defesa da Terra, ainda terei de receber algumas dezenas de

milhões do senhor. Quando voltaremos a encontrar-nos?

* * *

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10

O inspetor-chefe Gegul encontrava-se diante do

Conselho de Médicos de Aralon, ao qual teria de apresentar

seu relatório.

Nos últimos dias, o ara envelhecera alguns anos. Uma

enorme responsabilidade pesava sobre seus ombros.

Recebera a incumbência de exercer pressão contra todos os

clãs dos saltadores, fazendo, sempre que necessário, sua

chantagem contra os patriarcas. O ara diria que, em

determinadas circunstâncias, os fornecimentos de remédios

poderiam ser suspensos.

Gegul teve que recorrer ao Serviço Intergaláctico de

Informações. Sua organização não dispunha de recursos

para “trabalhar” todos os clãs dos mercadores num espaço

de poucos dias.

Apesar dos esforços que o haviam obrigado a passar

várias noites sem dormir, assumia uma atitude orgulhosa

diante do Conselho, cujos membros ouviam sua exposição

com um prazer cada vez maior.

Gegul só falava sobre ações bem sucedidas. Vez por

outra, um sorriso cínico surgia em seu rosto, quando

contava como certo patriarca fora convertido à causa dos

aras com a força do argumento de que nos próximos dias

todo o clã poderia contrair uma doença mortal. Neste caso

os aras se veriam obrigados a recusar o pedido de cura, pois

no futuro só estariam disponíveis para os amigos.

— Quando será realizada a assembléia dos patriarcas, e

onde? — perguntou Dumeh, que estava presidindo o

Conselho de Médicos.

— Dentro de oito dias, em Laros — respondeu Gegul.

— Em Laros? — interveio Santek em tom de surpresa,

lançando um olhar penetrante para Gegul. — Justamente

em Laros, onde realizamos nossas experiências biológicas?

Gegul, você devia ter sido abandonado por todos os deuses

estelares quando lhe deu na cabeça de sugerir a décima

oitava lua do sistema de Gonom como ponto de encontro.

Gegul perdeu parte de sua postura orgulhosa.

— Peço licença para expor os motivos que me levaram

a sugerir Laros como ponto de encontro dos patriarcas dos

saltadores. Parti do fato de que há alguns meses os chefes

de clã dos mercadores galácticos realizaram sua assembléia

geral no planeta Goszul, situado no sistema 221-Tatlira, a

fim de decidir a respeito de Perry Rhodan.

“A assembleia geral terminou numa explosão nuclear”.

“Os saltadores realizaram uma tentativa desesperada de

voltar a fixar-se em Goszul, mas esta resultou numa doença

misteriosa. Só nós, os aras, constatamos que a mesma é

inofensiva. Apesar disso o planeta de Goszul continua a ser

considerada uma estrela proibida”.

“É possível que esses fatos, ainda não esclarecidos,

tenham sido encenados por Perry Rhodan, mas não temos

prova disso”.

“Em Laros dispomos de recursos que nos permitem

impedir qualquer influência indevida sobre a assembleia

dos patriarcas, protegê-la e mesmo destruir quem pretenda

exercer tais influências”.

“Foram estas considerações que me levaram a sugerir a

décima oitava lua do planeta Gom, situado no sistema de

Gonom, como ponto de encontro dos patriarcas e dos

superpesados.”

Gegul sentiu-se aliviado ao notar o sorriso diabólico de

Santek. Também Dumeh demonstrou uma amável

concordância.

— O biólogo chefe Keklos já foi informado, Gegul? —

perguntou Dumeh em tom gentil.

Mais uma vez, o inspetor-chefe inclinou ligeiramente o

corpo:

— O biólogo chefe Keklos foi colocado a par de tudo e

está de acordo com as medidas por mim sugeridas.

Uma expressão de triunfo brilhava nos olhos de Gegul.

* * *

Topthor, amigo de Talamon e inimigo encarniçado de

Rhodan, foram arrancado do sono. Tattoll estava de pé

junto à sua cama.

— Senhor, o quartel-general dos superpesados quer se

comunicar conosco — disse em tom exaltado, continuando

a sacudir o braço do chefe do clã.

— E daí? — resmungou Topthor. — Quem quer falar

comigo deve saber esperar. Diga ao quartel-general que

comparecerei.

Não teve muita pressa em chegar ao aparelho de

hipercomunicação. Vestiu-se tranquilamente. Ficou

refletindo sobre o que o órgão central poderia querer. Tinha

certeza de que não se tratava de uma missão que pudesse

render milhões. Qualquer mensagem desse tipo vem com a

nota de maior urgência.

Caminhou devagar em direção à sala de comando. A

última escotilha abriu-se automaticamente. De longe viu o

tremeluzir da tela: era o sinal típico de transmissão pelo

hipercomunicador.

Fungou enquanto se deixava cair na poltrona do piloto.

— Topthor! — gritou com a voz contrariada.

— Quartel-general! — soou a voz metálica do micro-

alto-falante. O rosto conhecido de Sirger, segundo patriarca

do clã de Darfnur, surgiu na tela.

— Diga logo o que aconteceu, meu filho — insistiu o

gigante esverdeado em tom pouco gentil.

— Nossa mensagem está sendo transmitida pelo

disjuntor, Topthor!

O patriarca aguçou o ouvido. Se o disjuntor e o

hipercomunicador estavam sendo usados ao mesmo tempo,

algo de importante devia ter acontecido. O rosto de Topthor

mostrou certo interesse. Este fato significava algo capital.

Mas os músculos de sua face logo se descontraíram. O

quartel-general anunciou data e local da assembleia dos

patriarcas.

— Teve de acordar-me por isso? — resmungou o velho.

Sirger, que se encontrava no quartel-general dos

superpesados, perguntou em tom indiferente:

— Não está mais interessado em Perry Rhodan?

Se havia um inimigo cujo nome Topthor nunca

esqueceria, esse inimigo era Perry Rhodan.

— O que houve com Rhodan? — berrou para dentro do

microfone com tamanha força que Sirger, que se

encontrava a alguns milhares de anos-luz de distância,

imediatamente reduziu o volume do micro-alto-falante.

— Será que o senhor não sabe o que aconteceu em

Aralon? — perguntou Sirger em tom de espanto. — Na Via

Láctea não se fala em outra coisa.

Era um exagero, pois Topthor não sabia de nada.

— Acha que posso saber de tudo, Sirger? Encontrava-

me com minha frota nas profundezas da Galáxia, a vinte e

oito mil anos-luz de distância, onde tive de liquidar um

assunto. E esse assunto me custou seis naves.

Não disse qual foi o assunto que teve de liquidar, mas

Sirger soube tirar suas conclusões. Em poucas palavras,

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11

contou os maus bocados que Perry Rhodan fizera os aras

passar. Mencionou o nome de Talamon.

— O quê? — voltou a berrar Topthor. — Talamon

fugiu? Você está mentindo!

Sirger não estava disposto a permitir que o chamassem

de mentiroso, motivo por que formulou sua resposta de tal

forma que Topthor começou a engolir em seco. Com a voz

mais amável deste mundo, perguntou o que teria feito se

estivesse no lugar de Talamon e, de repente, se visse

cercado pela frota robotizada de Árcon.

— Árcon se meteu nisso? O regente robotizado resolveu

intervir? — Topthor não estava acreditando. — Você está

me contando isso de maneira muito confusa, Sirger. Fim do

contato.

Topthor interrompeu a comunicação, mas não desligou

o hipercomunicador.

— Quero uma ligação instantânea com Talamon.

A nave capitania de Talamon, Tal VI, não deu sinal de

vida. Apenas uma nave de sua frota respondeu, mas

ninguém sabia onde se encontrava o chefe do clã. Topthor

desligou de vez.

— É estranho — murmurou. — Talamon não indicou o

lugar em que pode ser encontrado e não responde ao

chamado expedido na sua frequência. Alguma coisa não

está certa. Isso não é...

Foi nesse instante que seu receptor captou outra

mensagem de hipercomunicação. Mais uma vez era o

quartel-general; o rosto de Sirger voltou a surgir na tela.

— Será que o senhor pode dizer ao quartel-general onde

poderíamos encontrar seu amigo Talamon?

Topthor lançou um olhar idiota para a tela.

Então também não conseguiam encontrar Talamon? Seu

nervosismo cresceu. Pensava constantemente em Talamon

e em Perry Rhodan.

Estava preocupado com seu amigo Talamon e por causa

de Perry Rhodan.

* * *

Talamon estava voltando depois da terceira conferência

com Perry Rhodan. Seu respeito para com esse homem

crescera quase ao infinito, e não procurava esconder esse

fato diante dos membros de seu clã. Mas nem todos

concordavam com ele; era principalmente Oxcal que se

opunha a toda e qualquer ligação com Rhodan.

— Se Cekztel descobrir seu jogo, dentro de pouco

tempo o clã de Talamon deixará de existir — advertiu.

Talamon respondeu com um sorriso alegre.

— Pois Cekztel não deverá saber — logo se esqueceu

desse detalhe. — Mas você não precisa participar do grande

negócio que fechei com Rhodan, Oxcal.

Acontece que Oxcal queria participar do grande

negócio. Tratava-se de uma quantidade quase inimaginável

de sucata de aço Árcon-T. Se o negócio se concretizasse,

sobraria uma boa quantia para cada membro do clã.

— Onde deveremos buscar o material? — perguntou

Oxcal, demonstrando seu interesse pelo negócio.

Talamon sorriu para cada um dos circunstantes. Estava

curioso para ver suas caras idiotas. Também fizera uma

cara idiota quando Rhodan, respondendo a pergunta

idêntica, lhe dissera:

— Em Honur.

— O quê? Em Honur? — a voz de Cresja vibrava num

tom de pavor.

Talamon sorriu e acenou com a cabeça.

— Será que também devemos pegar a doença? Aquela

maldita peste da alegria? — perguntou Oxcal em tom

incisivo.

— Vocês são uns tolos — respondeu o velho Talamon.

— Até hoje sempre fui eu quem trouxe os negócios mais

gordos. Vocês vieram depois e embolsaram o dinheiro.

Acham que já estou tão esclerosado que não me lembrei da

epidemia de Honur? Acontece que Rhodan também não se

esqueceu dela. Por isso, não assumiu qualquer risco quando

me contou onde está aquela sucata de primeira. Poderemos

dar uma olhada no cemitério de naves existente no planeta

proibido. Por enquanto isso basta. Faremos um inventário,

realizaremos cálculos aproximados e, se entendi as palavras

ditas por Rhodan durante a última conferência, não teremos

que pagar nada. Apenas devemos manter-nos afastados de

cinco naves cargueiras de grande porte e um couraçado

arcônida, que Rhodan pretende reservar para si. Não é um

bom negócio, meus irmãos de clã?

Talamon sentia-se triunfante.

Oxcal lembrou-se da epidemia que atacara setecentos

tripulantes da Titan. Era uma hipereuforia provocada por

ursinhos criados como animais domésticos no planeta de

Honur.

— Rhodan nos fornecerá o antídoto, Oxcal. Já se

esqueceu que esteve em Aralon, e que muitos dos seus

tripulantes haviam contraído a doença? Ainda estão

doentes?

Oxcal lançou um olhar pensativo para seu patriarca.

Não estava gostando do fogo juvenil que brilhava em seus

olhos. Devia contê-lo, pois do contrário levaria todo o clã

para a desgraça.

— Se Cekztel, chefe de todos os clãs, tiver a mais leve

suspeita, ele nos exterminará. E se Topthor tiver a menor

ideia do que se passa, esquecerá quem é seu amigo. Odeia

Perry Rhodan com toda a força do coração.

O rosto de Talamon assumiu um feitio rígido.

— Não quero que ninguém de vocês pense em dar uma

dica a Cekztel e Topthor. Por isso nossos rádios

continuarão em silêncio, tanto na emissão como na

recepção.

Levantou-se e dirigiu-se ao seu camarote. Pensava

menos no grande negócio que em Perry Rhodan.

Talamon compreendia cada vez melhor que em Rhodan

conquistara o mais sincero dos amigos, desde que ele

mesmo continuasse sincero.

* * *

A bordo da Ganymed houve um alarma ligeiro.

Há poucos minutos o coronel Freyt, comandante do

couraçado de 840 metros de comprimento, regressara

depois da conferência com o chefe. Imediatamente

quinhentos homens assumiram seus postos. Na popa da

nave, os conjuntos e os conversores entraram em

funcionamento.

A Ganymed preparava-se para partir.

Só os oficiais da sala de comando conheciam o destino.

O couraçado acelerava lentamente. À distância, que a

separava da nave esférica Titan, foi crescendo. O cérebro

positrônico de bordo controlava a aceleração.

Numa indiferença quase total, o coronel Freyt, sentado

na poltrona do piloto, contemplava a grande tela de visão

global. Fazia dez minutos que a Titan, reduzida a um

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12

pontinho, desaparecera. A nave Tal VI, comandada por

Talamon, estava com todas as luzes apagadas e envolta no

campo protetor de localização da gigantesca nave esférica.

Naquele instante, transmitia uma mensagem

hiperconcentrada pelo super transmissor da nave de

Rhodan.

— Bip! — foi o som que se ouviu quando o receptor da

Ganymed captou a transmissão.

O coronel Freyt virou-se para o oficial incumbido do

cérebro positrônico. Este se limitou a acenar com a cabeça.

Foi só. Freyt não formulou qualquer pergunta. Sabia que as

coordenadas do salto e os dados relativos ao tempo estavam

armazenados no cérebro positrônico, aguardando o

momento de serem utilizados.

— Bip! — voltou a fazer o micro-alto-falante da sala de

comando.

Foi a resposta à mensagem hiperconcentrada da Tal VI.

Uma das naves da frota de Talamon acabara de responder.

A tela de comunicação direta com a sala de rádio

iluminou-se diante de Freyt. O oficial de rádio transmitiu o

texto decodificado da mensagem.

Mais uma vez, o comandante limitou-se a acenar com a

cabeça. A imagem na tela desfez-se e o alto-falante

acoplado nesta foi desligado.

Pouco depois, o dispositivo de localização automática

começou a funcionar. A Ganymed se deslocava a uma

velocidade de 0,74 abaixo da luz.

Mais uma vez, Freyt lançou um olhar indagador para o

oficial incumbido do cérebro positrônico.

— Mais trinta e três minutos, coronel — disse o oficial.

Depois da primeira operação de localização, a Ganymed

modificara o rumo em 8 graus e 32 segundos Pi. Os

potentes neutralizadores de pressão devoravam as energias

que surgiram no momento em que o couraçado saiu

rapidamente do velho rumo, para tomar outro. Só a tela de

visão global revelara a alteração. Alguns sóis

desapareceram acima da extremidade superior, enquanto

outros penetraram pela extremidade inferior.

Nenhum dos homens que se encontravam na sala de

comando teve tempo ou vontade de contemplar o

espetáculo ímpar da cintilância do grupo estelar M-13. Hoje

nada seria capaz de cativar os homens.

Voavam no desempenho de uma missão.

Deslocavam-se exatamente na direção da nave que o

dispositivo de localização mantinha sempre ao alcance dos

instrumentos de medição.

A velocidade da Ganymed aproximava-se da marca de

0,9 abaixo da luz.

O coronel Freyt fumava. Estava reclinado na poltrona

do piloto. Reclinara-se com a mesma tranquilidade quando,

há muitos anos, realizara as missões mais perigosas nos

caças de um homem da frota de Rhodan.

Um lampejo fulgurante chamou Freyt de volta para a

realidade. O dispositivo automático de localização eliminou

a aceleração da Ganymed. O enorme couraçado com as

quatro aletas salientes na popa aproximava-se em queda

livre da nave que acabara de ser localizada por meio do

goniômetro.

Naquele momento, estava sendo captada pelo

dispositivo ótico. Vinha do setor de meia nau. Com nitidez

formidável, a nave cilíndrica surgiu numa tela adicional,

que se encontrava à esquerda de Freyt.

Não demorou a ser identificada. O tenente Feller

informou:

— É a Tal CLIII.

O alarma ensurdecedor abafou todos os outros ruídos a

bordo da nave.

Enquanto isso, o rastreador estrutural rangia.

Vindas do nada, do hiperespaço, três naves surgiram

numa proximidade ameaçadora da Ganymed.

— Era só o que faltava! — disse o coronel Freyt em

tom tranquilo. Mas logo emitiu suas ordens.

— Avisem o chefe!

Estas palavras foram dirigidas à sala de rádio.

— Vamos defender-nos com todas as armas se formos

atacados!

Esta ordem ressoou nos postos de combate. No mesmo

instante, abriram-se as escotilhas dos canhões.

A Ganymed estava preparada para o combate.

Quem seriam esses veículos espaciais que, vindos da

transição, continuavam a aproximar-se do couraçado?

— São naves dos saltadores!

O aviso veio duas vezes, do posto de localização e do

setor de observação ótica.

— Digam à Tal CLIII que dê o fora imediatamente —

berrou no microfone, dirigindo-se à sala de rádio.

— Transição — rangeu a voz do tenente Dreyfus, que

se encontrava no setor de rastreamento estrutural. — A Tal

CLIII acaba de saltar.

— Ataque do verde quarenta e cinco — soou a voz

tranqüila do oficial de tiro de Dora 8. O setor Dora 8

encontrava-se no ângulo em que a aleta de popa número um

se ligava harmonicamente ao envoltório da nave.

Na sala de máquinas do couraçado, as turbinas

começaram a uivar. Milhares de ligações eram feitas e

desfeitas. Os últimos conversores começaram a rugir. As

usinas de força forneceram energia de sobra aos postos de

combate.

Dora 8 disparou durante oito segundos.

— Nosso campo de visão é muito bom — disse Freyt,

elogiando os homens que se encontravam a meia nau e

conseguiram realizar o milagre de colocar simultaneamente

três naves cilíndricas nas telas especiais.

Os artilheiros de Dora 8 também mereciam elogios. A

parte em que ficavam os propulsores de uma das naves dos

saltadores desapareceu. Por menos de meio segundo, ficara

sujeita ao impacto direto de um potente raio de

desintegração.

— Outra transição — fungou o tenente Dreyfus. Sua

surpresa cresceu ainda mais.

— A Tal CLIII voltou...

A mensagem vinda da sala de rádio saiu ruidosamente

do alto-falante:

— Mensagem hiperconcentrada vinda da Tal CLIII. O

texto decodificado será fornecido em seguida.

O coronel Freyt começou a imaginar o motivo por que a

nave de guerra da frota de Talamon voltara e resolvera

intervir na luta.

A nave do clã dos superpesados atacou a Ganymed.

Três enormes raios de desintegração precipitaram-se em

direção à nave de Freyt, mas todos erraram o alvo. Não

chegaram sequer a roçar os campos defensivos do

couraçado de 840 metros de comprimento.

Os homens que guarneciam as posições de artilharia

esbravejavam de raiva e amargura. Não viam mais nada de

bom em Talamon e seu clã.

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A voz do coronel Freyt fez-se ouvir:

— Lancem ataques simulados contra a Tal CLIII. Os

disparos devem passar raspando. Mas quero que essas

canoas dos saltadores sejam transformadas em sucata.

Finalmente a mensagem decodificada da Tal CLIII foi

fornecida pela sala de rádio.

— Realizaremos ataques simulados. Só isso.

No mesmo instante, o campo defensivo da Ganymed foi

sacudido por oito impactos. Cascatas de luz irromperam em

torno da nave e a violência dos raios desintegradores

encurvou os campos energéticos, a fim de que estes

pudessem absorver o enorme volume de energia.

— Que diabo! — esbravejou o oficial de tiro Bredhus,

que se encontrava de serviço em Berta 5, pois a Tal CLIII

se colocara diante de uma das naves dos saltadores,

protegendo-a e impedindo numa fração de segundo que

seus propulsores fossem destruídos.

O coronel Freyt, que acompanhava a batalha com o

maior interesse por meio da tela de visão global, exibiu um

sorriso quase imperceptível. A Tal CLIII estava

desempenhando seu papel com perfeição, tornando a

batalha mais difícil para a Ganymed. As duas naves dos

saltadores que continuavam em condições de manobrar

teriam que acreditar que uma nave dos superpesados se

colocara a seu lado na luta contra a Ganymed.

* * *

Por coincidência, Talamon se encontrava a bordo da

Titan, quando a menos de trinta minutos-luz de distância

irrompeu a batalha espacial entre a Ganymed e as três naves

dos saltadores. A intervenção da Tal CLIII e, antes dela,

seu desaparecimento no hiperespaço e seu reaparecimento,

haviam sido registrados com toda precisão pelos aparelhos

de observação.

— Então? — limitou-se Perry Rhodan a perguntar e

lançou um olhar de esguelha para a figura quadrática de

Talamon, quando a meio bilhão de quilômetros dali a Tal

CLIII disparou três raios de desintegração contra a

Ganymed, errando o alvo.

Talamon ergueu-se ligeiramente.

— Em meu clã não existem traidores, Perry Rhodan!

Esta frase lacônica exprimiu o poder que cada patriarca

exercia sobre seu clã. Qualquer ordem de comando era uma

lei para todos.

— Não acha que o aparecimento das três naves dos

mercadores é uma coincidência muito estranha? —

perguntou Reginald Bell, sem deixar perceber o menor

resquício da jovialidade que tantas vezes gostava de

demonstrar.

Naquele instante, também a Titan captou a mensagem

hipercondensada da Tal CLIII. No momento em que

Talamon se dispunha a dar uma resposta áspera, receberam

o texto decodificado:

— Realizaremos ataques simulados. Num gesto

impulsivo, Bell estendeu a mão ao patriarca.

— Não leve minhas palavras a mal, Talamon. Uma

desconfiança honesta limpa o ambiente.

Talamon pegou a mão e apertou-a cautelosamente.

Respirava com dificuldade.

— Eu mesmo não acreditava no que estava vendo

quando a Tal CLIII lançou o ataque contra a Ganymed,

mas...

— Não há nenhum, mas — interveio Rhodan. — Os

ataques simulados contra a nave de Freyt são o único meio

de enganar os saltadores e evitar que os mesmos

desconfiem de que o senhor colabora comigo. Talamon

acho que ainda seremos bons amigos.

* * *

Enquanto a luta continuava, o coronel Freyt pensava

com frequência cada vez maior na missão que tinha a

cumprir. A Tal CLIII realmente tornava muito difícil

alcançar o fim da batalha desigual. A cada minuto crescia o

perigo de que os saltadores pudessem surgir com outras

unidades de sua frota, pois as duas naves cilíndricas que

ainda estavam em condições de combate emitiam

constantemente seus pedidos de socorro.

Uma ligeira vibração sacudiu a Ganymed. Um abalo

percorreu a gigantesca nave. Oito ou nove posições de

artilharia haviam disparado suas peças ao mesmo tempo. O

espaço escuro transformou-se num plano aberto em leque.

Os dedos luminosos precipitaram-se para as profundezas do

cosmos e atingiram as duas naves dos saltadores.

Duas nuvens alaranjadas espalharam-se para todos os

lados. O metal derretido gotejou, as energias dos

conversores explodiram em terríveis relâmpagos, os

campos magnéticos entraram em colapso em meio a uma

série de curtos-circuitos.

As três naves cilíndricas dos saltadores estavam sem a

popa. Reduzidas a destroços, deslocavam-se em queda livre

descontrolada e seus tripulantes aguardavam o fim.

Era assim que os saltadores costumavam tratar seus

inimigos: só se contentavam com a destruição total.

Por cima de tudo isso, a esfera monstruosa aproximou-

se em meio a um ribombo, vinda das profundezas do

espaço.

A Titan acabara de chegar.

O aparecimento da nave de um quilômetro e meio de

diâmetro devia ter provocado um choque na Tal CLIII.

Afastou-se com uma tremenda aceleração.

Foi este o quadro e a ação que se apresentaram aos

sobreviventes das três naves dos saltadores. Compreendiam

a fuga do superpesado e estavam mais do que nunca

convencidos de que o fim estava próximo.

Mas a Titan e a Ganymed não demonstraram o menor

interesse pelos destroços desgovernados. As naves

aceleraram e não tardaram em desaparecer do raio de

alcance ótico dos náufragos.

Menos de dez minutos depois, quatorze naves

cilíndricas penetraram no setor em que se desenrolara a

luta, vindas do hiperespaço. Realizadas em breves

intervalos, quatorze transições provocaram um abalo

enorme na estrutura espacial.

A Titan, que voltara a acolher a Tal VI em seu campo

superpotente de defesa antilocalização, registrou todas as

transições.

Os olhos de Rhodan chamejavam. Um sorriso

disfarçado brincava em torno de seus lábios. Lançou um

olhar para o setor de localização estrutural. O oficial, que se

encontrava em atitude tensa na poltrona, fez um gesto

rápido com a cabeça.

— Transição dupla! — anunciou, e forneceu as

coordenadas e a direção do salto.

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Agora Perry Rhodan sorria satisfeito. Estava pensando

no cérebro robotizado de Árcon. Ali também fora medido o

salto duplo. O robô gigantesco olhava tudo com algumas

centenas de milhares de relês arcônidas, aguardando o

segundo salto da Titan e da Ganymed. Esperava o momento

de, mediante os cálculos da transição, descobrir o ponto

exato da Galáxia em que ficava a misteriosa Terra, o

mundo de que vinha Perry Rhodan.

E Perry Rhodan conseguira iludir o cérebro positrônico.

Em vez da Titan, a Tal CLIII saltara juntamente com a

Ganymed em direção ao centro da Via Láctea. A Titan,

aproveitando esse tipo de camuflagem, permanecia no

interior do grupo estelar M-13, pois tinha de realizar

algumas tarefas importantes antes de regressar à Terra

ameaçada.

O regente positrônico esperou em vão pelo segundo

hipersalto espacial.

O salto não veio, e o compensador estrutural da

Ganymed absorveu o abalo da estrutura espacial. Enquanto

a Tal CLIII, desenvolvendo sua velocidade normal,

equivalente à da luz, tomava o rumo do seu setor de origem

no grupo estelar, a nave do coronel Freyt executou a

segunda transição. Mas também esta não se dirigia

exatamente para o setor secundário da Via Láctea onde

havia um sistema que incluía o planeta Terra.

O superpesado Topthor recebeu a notícia irradiada por

seu quartel-general: a Titan e a Ganymed, pertencentes à

frota de Perry Rhodan, haviam tomado o rumo do centro da

Galáxia, provavelmente para dirigir-se ao seu sistema solar.

— Sirger — disse o velho de tez verde com um sorriso

feroz — o quartel-general está exalando gentilezas por

todos os poros. Será que já posso saber o que há atrás de

tudo isso?

Não era tão fácil enganar um homem desconfiado como

Topthor.

A figura de Sirger, locutor de comunicações do quartel-

general dos superpesados, projetada na tela, não era nada

agradável.

— Ainda não conseguimos localizar seu amigo

Talamon — disse desanimado.

— Eu também não consegui — resmungou Topthor,

ainda mais aborrecido que antes. Começava a preocupar-se

realmente com o destino de Talamon e de sua frota. —

Ontem não houve uma pequena batalha entre três naves dos

saltadores e a Ganymed de Rhodan? Será que as

informações que recebi não são corretas? Pelo que soube, a

Tal CLIII, que é uma nave de guerra da frota de Talamon,

realizou uma ação corajosa, batendo-se com a Ganymed a

fim de dar aos mercadores uma chance de escapar, mas esse

maldito Rhodan apareceu com a Titan e...

— Tudo isso é verdade, senhor. As informações que

tenho diante de mim dizem a mesma coisa. Mas a Tal CLIII

viu-se obrigada a fugir quando apareceu a Titan, e desde

então não dá mais sinal de vida. Estamos tateando no

escuro.

— Rhodan... — exclamou Topthor em tom de ameaça,

no qual vibrava um ligeiro desespero. — Onde esse sujeito

aparece, sempre há uma porção de acontecimentos

inconcebíveis e de problemas. Fim, Sirger. Obrigado pelo

chamado e por seu interesse.

* * *

Numa viagem-relâmpago, a Ganymed acabara de

regressar à Terra. Depois de três saltos realizados sob a

proteção do compensador estrutural, voltara a ingressar no

espaço normal entre as órbitas da Terra e Marte.

Apoiada sobre as quatro aletas de popa, a gigantesca

Ganymed estendia o corpo enorme em direção ao céu. A

ponta desapareceu nas nuvens densas que pairavam sobre o

deserto de Gobi.

Nuvens sobre Terrânia! Para o coronel Freyt isso não

prenunciava nada de bom, embora não fosse supersticioso.

Terrânia, o minúsculo trampolim situado no deserto de

Gobi, de onde Perry Rhodan se pusera a caminho a fim de

conquistar o Universo para a Terra, era o polo de força da

Terra. Para os homens, representava uma concentração

inconcebível de poder.

O coronel Freyt estava pensando nesse poder enquanto

o carro o fazia passar em velocidade vertiginosa junto aos

cruzadores pesados e à Stardust-III.

Acontece que a Terra possuía menos cruzadores

pesados que os dedos existentes numa única mão de um

homem. Os mercadores galácticos e os superpesados

poderiam lançar mão de mil vezes esse número. E, se o

coronel Freyt ainda se lembrasse do poderio do Império de

Árcon, não poderia fazer outra coisa senão sacudir a

cabeça.

— Nossa chance é de um contra um milhão — disse

com a voz baixa e o desânimo ameaçava apoderar-se de seu

espírito. Mas logo se lembrou das experiências pelas quais

havia passado nos últimos anos juntamente com Perry

Rhodan, e não pôde deixar de murmurar: — Nossas

chances nunca foram melhores. Temos Perry Rhodan, e os

outros não o têm.

Alguma coisa começou a vibrar em seu interior, a

irradiar força para seu espírito. Essa força vinha de uma

distância de 30 mil anos-luz, isto é, do lugar em que Perry

Rhodan se encontrava a bordo da Titan.

Meia hora depois da chegada do coronel Freyt, foi

realizada a primeira conferência.

— Major Nyssen, quando o compensador estrutural

estará instalado na nave Solar System?

Foi assim. Freyt disparou uma pergunta após a outra.

Exigia respostas precisas. A comunicação quase chegou a

aquecer o ambiente. Indagações formuladas aos estaleiros,

laboratórios, estabelecimentos de controle. Mensagens de

Page 15: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência" - Volume X - A Morte da Terra. P- 46-49.

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rádio dirigidas aos estabelecimentos que forneciam os

componentes corriam em redor da Terra. No curso dessa

conferência, Terrânia chegou a bloquear por meia hora dois

terços de todas as comunicações radiofônicas.

Para a Terra este era o primeiro e o único indício de que

havia alguma coisa no ar. Terrânia só fazia uso de seus

direitos irrestritos quando havia um perigo muito grave.

Em todas as estações montadas em satélite foi

instaurado o regime de prontidão rigorosa. A calma

reinante nas bases instaladas em planetas e luas chegou ao

fim.

O coronel Freyt notou um brilho de entusiasmo nos

olhos de seus colaboradores. Não era a favor desse tipo de

heroísmo. Por dez minutos, um filme de Árcon interrompeu

a conferência.

Durante dez minutos, homens perplexos foram

bombardeados pelo poderio de Árcon, que quase chegava a

esmagá-los, a aniquilá-los psiquicamente. O filme de Árcon

martelava impiedosamente a alma de cada um.

— Na melhor das hipóteses nós e a Terra temos uma

chance de um em um milhão — disse o coronel Freyt

depois da representação, familiarizando-os com a realidade.

— As chances não são melhores nem piores do que sempre

foram. Se os aras conseguirem engajar os mercadores

galácticos em prol de seus objetivos, fazendo com que os

saltadores e os superpesados se lancem num ataque à Terra,

e não vejo por que os aras não conseguiriam isso, dentro de

pouco tempo o planeta Terra deixará de existir e nosso

sistema terá dois sóis em vez de um.

“Não procurem pensar que Árcon com seu poderio irá

nos ajudar. Na opinião do chefe, é justamente esse poderio

que representa o maior perigo para a Terra. Se o gigantesco

cérebro positrônico descobrir nossa posição, nada nos

salvará da escravidão, da sujeição a uma máquina. Se não

soubermos defender-nos com nossos próprios meios,

estaremos perdidos. Aguardo suas sugestões amanhã, à

mesma hora.”

* * *

— Bip! — o receptor de hipercomunicação da Titan

emitiu um som.

— Chefe — exclamou o cadete Mengs, que se

encontrava de plantão na sala de rádio. — A frota de

Talamon entrou em posição de mergulho.

Perry Rhodan fez de conta que não tinha ouvido o título

“chefe” com que seu subordinado se dirigira a ele. Sabia

perfeitamente que nas conversas não oficiais todos o

chamavam de chefe, mas não era costume iniciar uma

mensagem com esta palavra.

Virou a cabeça. Bell estava sentado na poltrona do

copiloto.

— Como está o compensador estrutural, Bell?

— Funcionando.

As engrenagens começaram a girar. A Titan estava

preparada para o salto. Todos os preparativos haviam sido

completados. A marca zero chegou. O enorme cérebro

positrônico encarregou-se de todos os detalhes. Não poderia

haver nenhuma falha humana.

A Titan mergulhou no hiperespaço. Mas desta vez não

houve o tremendo abalo estrutural que costumava surgir

quando um objeto se afastava da estrutura espaço-temporal,

e que podia ser medido em qualquer ponto da Galáxia.

A última das grandes invenções dos mercadores

galácticos, que eram inimigos encarniçados de Perry

Rhodan e da Terra, era o compensador estrutural. Esse

aparelho fora instalado no corpo gigantesco da Titan. O

compensador estrutural havia sido descoberto a bordo da

Ganymed, um couraçado construído pelos saltadores e

apresado por Rhodan. Perry introduzira algumas

modificações na nave: colocara quatro aletas de popa e

acrescentara uma ponta de sessenta metros de

comprimento. Lançando mão de todos os recursos de sua

tecnologia, a indústria terrana conseguira copiar esse

produto de uma civilização desconhecida. Todavia, o

compensador que se encontrava a bordo da nave de Rhodan

era o único exemplar. Muito tempo se passaria até que a

Terra pudesse iniciar a fabricação em série.

Num tempo zero, que só podia ser compreendido em

termos matemáticos, a Titan saiu do hiperespaço e passou a

flutuar no silêncio demoníaco e no negrume do Universo.

Estava a 8 mil anos-luz do Império de Árcon, longe de

qualquer grupo estelar, num ponto em que a desolação

infinita oferecia proteção contra a descoberta por qualquer

nave dos saltadores.

O cadete Mengs avisara que a frota de Talamon se

encontrava em posição de mergulho. Num ligeiro impulso

concentrado, o patriarca Talamon avisara a execução dessa

parte do plano. Sua frota de mais de duzentas naves jazia a

mais de oito mil metros de profundidade, no fundo do

oceano de amoníaco. Acima dele, borbulhava a atmosfera

venenosa do gigantesco planeta que tinha oito vezes o

diâmetro de Júpiter e no Império de Árcon era considerado

um dos mundos que devia ser evitado: era a peste espacial.

As naves de Talamon mantiveram-se durante 36 horas

em posição de mergulho. Era o que havia sido combinado

com Rhodan. Com isso, se retiraria a menor justificativa de

qualquer suspeita de que Perry Rhodan ainda se encontrasse

no interior do grupo estelar M-13, ou de que o superpesado

Talamon cooperasse com ele. As instalações de rádio da

Titan haviam captado as mensagens de Topthor, e também

os chamados ininterruptos expedidos pelo quartel-general

dos superpesados, que procuravam localizar Talamon. A

mensagem de Talamon passou despercebida, no momento

em que estava sendo anunciados tempo e lugar da

assembléia dos patriarcas.

Uma explicação plausível foi preparada para justificar a

conduta de Talamon, que se mantivera em posição de

mergulho. Na mesma mensagem se anunciaria que, dentro

em breve, o patriarca poderia oferecer à venda quantidades

enormes de aço Árcon-T.

Dali a algumas horas, quando Perry Rhodan, numa

ronda pelos postos de sua nave passou pela sala de rádio, o

cadete Mengs entregou-lhe uma pilha de mensagens

interceptadas e decifradas. Rhodan passou os olhos por elas

sem maior interesse. Subitamente estacou. Bell estava em

sua companhia.

— Leia isto, gorducho!

Bell recebeu quatro mensagens para ler. Quando estava

na segunda, falou entre os dentes:

— Será que estes fabricantes de venenos já estão

fazendo das suas de novo? — quando tinha tomado

conhecimento da quarta mensagem, seus olhos começaram

a chamejar. — Se eu puser as mãos nesse ara, o Gegul...!

— disse em tom ameaçador. — Os aras são uma raça pior

que o demônio. Nada é sagrado para estes médicos... Que

médicos, que nada! São assassinos. Fazem de conta que

curam e aliviam o sofrimento para realizar seus negócios

Page 16: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência" - Volume X - A Morte da Terra. P- 46-49.

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imundos. Perry, você sabe onde fica o planeta Exsar?

O catalogo estelar dos arcônidas forneceu a informação

desejada. O cérebro positrônico de bordo calculou a

distância do salto. 4.375 anos-luz não representavam nada

para a Titan. Perry Rhodan e Reginald Bell sabiam que esse

salto representava um grande risco para eles. Porém

precisavam certificar-se de que a terrível notícia que

haviam recebido era verdadeira.

Há dezoito horas-luz da órbita de Exsar, o sexto planeta

da série de nove que gravita um torno do pequeno sol

geminado, a Titan emergiu do hiperespaço sem ser notada.

O tenente Tifflor recebeu ordem para apresentar-se ao

chefe.

Perry Rhodan explicou a finalidade da missão.

— ...Não queremos aumentar o risco que corremos,

tenente Tifflor. Por isso levaremos o senhor numa Gazela

até dez minutos-luz de Exsar. Usaremos o transmissor

fictício. O senhor chegara ao planeta pela face oposta ao

sol. E um dos poucos mundos dos saltadores. Tem que

encontrar um meio de pousar sem ser notado. Só o senhor

sairá da nave num traje espacial. No momento, uma doença

está surgindo em Exsar, matando diariamente duzentas mil

pessoas: mercadores galácticos com suas mulheres e filhos.

Esse planeta foi o único que se recusou a mandar um

patriarca para participar da assembleia dos saltadores que

será realizada em breve. Face a isso, os aras desferiram o

golpe. Recorreram a sua arte diabólica para contaminar um

planeta inteiro. Quero saber se este relato inconcebível

corresponde à realidade. Tifflor, quero que o senhor me

traga uma informação segura sobre se estas mensagens de

rádio não são exteriorizações de um doente mental.

Bateu com a palma da mão contra as quatro folhas

dobradas que segurava entre os dedos.

— O cérebro positrônico lhe fornecerá os dados de que

precisa. Não se esqueça de que a Titan está protegida contra

a observação. Tudo entendido, tenente Tifflor?

— Tudo entendido.

O tenente Tifflor, o oficial mais jovem e mais bem

sucedido da Terceira Potência de Perry Rhodan, fez

continência. Era um rapaz que à primeira vista não revelava

nem a audácia nem a impetuosidade. Mas, esta sua maneira

tinha muita semelhança com a do chefe, Perry Rhodan.

* * *

Logo após o pouso em Aralon, o inspetor-chefe Gegul

dirigiu-se apressadamente ao local em que funcionava o

Conselho de Médicos. Já anunciara sua chegada. Quando

entrou na ante-sala, decorada com o símbolo médico dos

aras, bastante original e um tanto brilhante, sua secretária

Arga Tasla já o esperava.

Gegul cumprimentou-a com um ligeiro gesto da cabeça.

Seus movimentos exprimiam a pressa e também certo

triunfo. Estava retornando de uma missão pessoal, e queria

regalar-se com seu triunfo diante do Conselho de Médicos.

Por isso, não parou quando Arga Tasla se aproximou dele.

Quase chegava a encarar a presença dela como um

incômodo.

— O que houve? — perguntou laconicamente.

— Recebemos notícias vindas do planeta Exsar, e...

— Por favor — interrompeu Gegul em tom áspero. De

modo antipático, repeliu-a com um gesto da mão. — Ao

menos agora, poderia deixar-me em paz com essas

ninharias. Venho de Exsar; sei o que está acontecendo lá.

Daqui a oito dias, o planeta Exsar será apenas um mundo

empesteado...

— Ora, inspetor-chefe! — interveio Arga Tasla em tom

quase suplicante. — Todo mundo sabe disso. Mas duvido

que o senhor saiba que sua ação foi observada. Há algumas

horas as mensagens de hipercomunicação são expedidas

para todos os quadrantes da Galáxia, e todas essas

mensagens citam o nome do senhor, dizendo que a peste de

Exsar é obra dos aras de Aralon.

O rosto de Gegul, que ainda há pouco era todo triunfo,

ficou estarrecido. Os olhos arregalados fitaram a secretária.

— O Conselho de Médicos já tomou conhecimento

dessas mensagens de hipercomunicação? — gaguejou.

Antes que Arga Tasla pudesse responder, o ruído

trovejante de uma nave espacial que decolava encheu a

antessala. Gegul encolheu-se sob o ribombar, virou-se

apressadamente para a janela e viu bem ao longe uma nave

que disparava para o céu. Trazia o sinal de Aralon e estava

assinalada como nave-médica.

Num vago pressentimento, perguntou a Tasla:

— Aonde vai?

— Para Exsar, inspetor-chefe. Leva uma carga de

oitenta e quatro mil toneladas de soro g/Z 45. Isso

representa todo o estoque de que dispomos. Três mil e

seiscentos médicos estão a bordo. Há dez minutos todas as

emissoras de Aralon transmitem nosso desmentido; as

mensagens afirmam que não temos nada a ver com a

epidemia surgida em Exsar. Como prova de boa vontade

usaremos todo nosso estoque de g/Z 45 em Exsar sem

cobrar nada. Há meia hora surgiu uma pergunta do cérebro

robotizado de Árcon.

Gegul sabia perfeitamente quanto custava um quilo de

soro g/Z 45. Era um dos medicamentos mais caros

produzidos por Aralon. A epidemia do ritmo de três horas,

que ele mesmo levara para Exsar, possuía o grau mais

elevado de contágio.

Três mil e seiscentos médicos foram enviados a Exsar

pelo Conselho de Médicos de Aralon.

Eram três mil e seiscentos candidatos à morte. Nem um

por cento deles voltariam a ver Aralon. Depois do pouso no

planeta contaminado, a nave ficaria sujeita a uma

quarentena de cinquenta anos.

* * *

Tifflor ouvia no seu receptor a mesma notícia, que era

transmitida ininterruptamente pelo pequeno emissor de

hipercomunicação. Sempre voltavam a ser citadas as

palavras Gegul, Aralon, aras e uma expressão da qual não

sabia o significado: epidemia do ritmo das três horas.

Ninguém tomara conhecimento da Gazela. Quem vê a

morte diante dos olhos não está interessado nas visitas que

possa receber.

Planando menos de quinhentos metros acima da

superfície de Exsar, o tenente Tifflor disparava a cem

quilômetros por hora no seu traje espacial, orientando as

antenas direcionais ininterruptamente na direção do

pequeno hiperemissor, cujas transmissões se tornavam cada

vez mais fortes.

Tiff não precisava preocupar-se de ser descoberto. O

pequenino campo de deflexão que cercava seu traje

tornava-o invisível.

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O campo antigravitacional levantou-o. Que nem uma

folha tangida por uma correnteza de ar, descreveu uma

curva ampla por cima das elevações que se estendiam a

seus pés e descobriu o pequeno povoado que ficava atrás

das mesmas. Era ali que funcionava ininterruptamente um

pequeno transmissor, alarmando o Império de Árcon.

Quando penetrou no edifício baixo com a antena típica

de hipercomunicação sobre o telhado, ninguém o deteve.

Tiff manteve ativado o campo de deflexão. O saltador

que trabalhava no emissor não poderia ver o estranho, pois

do contrário a presença de Perry Rhodan no grupo estelar

M-13 deixaria de ser um segredo.

A porta estava aberta. Tiff sentiu-se curioso quando

penetrou na casa. Era a primeira vez que via como

moravam os mercadores galácticos que não viviam em

naves espaciais.

Aquela residência estranha surpreendeu-o. Aquela casa,

situada numa aldeia, irradiava conforto e bem-estar. Pela

primeira vez, Tifflor sentiu certa simpatia por um saltador.

Quando a porta que dava para a sala em que ficava o

hipertransmissor foi aberta, o mercador virou-se

rapidamente. Por uma questão de precaução, Tiff apontou o

projetor mental sobre ele, desprendeu-se do chão por meio

do campo antigravitacional e planou em direção ao emissor.

Desligou o microfone. Não havia necessidade de que a

conversa entre eles fosse irradiada por toda a Galáxia.

Depois se identificou como arcônida. Quando o

mercador, um homem baixo de cerca de quarenta anos,

lançou-lhe um olhar perplexo, repetiu a mesma coisa em

intercosmo.

— Um arcônida? — perguntou o homem, e baixou

lentamente a mão direita.

Tiff assentiu.

— Por que você se esconde atrás do campo de

deflexão? — perguntou o saltador em tom desconfiado.

Tiff foi diretamente ao assunto. Só permitiu que seu

interlocutor tomasse a palavra quando havia dito tudo.

— Com essa sua desconfiança você quer que a epidemia

mate até o último saltador de Exsar? Será que os mortos

espalhados pelas ruas ainda não bastam? Conte o que viu e

farei o que estiver ao meu alcance para que ao menos

alguns milhões sobrevivam à doença. Depende de você,

meu caro.

Dali a duas horas, Tiff encontrava-se na capital do

continente.

A vida praticamente se extinguira na cidade. Um hálito

pestilento pairava sobre a metrópole. Tiff viu quadros

horripilantes, enquanto planava por cima das casas.

Seu objetivo era a grande estação de hipercomunicação.

Ainda funcionava, mas no gigantesco edifício só havia

mortos e moribundos. Não havia ninguém que pudesse

ajudar Julian Tifflor.

Dentro de uma hora, conseguiu ligar o toca-fitas, cujo

feitio lhe era estranho, ao transmissor. Uma fita sem fim

começou a correr.

O hipertransmissor repetia ininterruptamente sua

transmissão acusadora.

Era uma acusação contra Aralon e os aras.

Era uma acusação pessoal contra o inspetor-chefe,

Gegul de Aralon.

Julian Tifflor partira do pressuposto de que o cérebro

gigante de Árcon teria de ouvir a mensagem transmitida

ininterruptamente pelo hipercomunicador. Sendo um dos

elementos de Perry Rhodan, tivera muitas oportunidades de

testemunhar o funcionamento lógico e preciso do cérebro

positrônico robotizado. Em Aralon, receberiam um pedido

de informações expedido em Árcon. Quando isso

acontecesse os aras não teriam outra alternativa senão fazer

o que estivesse ao seu alcance para deter o avanço mortal

da epidemia.

* * *

Perry Rhodan recebeu um chamado da sala de rádio.

— Permite que lhe transmita uma emissão do arcônida

Dugbox, que está sendo transmitida pelo hipertransmissor

de Exsar?

— Pode mandar — ordenou Perry Rhodan.

Um sorriso aflorou-lhe aos lábios quando logo de inicio

reconheceu a voz de Julian Tifflor. Mas o rosto logo

assumiu uma expressão petrificada. Bell, que estava deitado

confortavelmente no sofá fitando o teto, saltou e disse entre

os dentes:

— Se eu conseguir pôr as mãos no tal do Gegul, esse

cara vai ver uma coisa. Dizem que são médicos, mas não

passam de monstros Perry, por que não transformou esse

mundo infernal de Aralon num sol?

— Porque não sou vingador nem juiz, Bell. Não lemos

o direito de julgar, e sinto-me muito feliz por não carregar

esta responsabilidade comigo.

4

Mal a Gazela voltou a abrigar-se no hangar da Titan, a

imensa nave esférica, recorrendo ao compensador

estrutural, afastou-se do sistema solar a que pertencia o

planeta Exsar sem que ninguém a visse. Ainda sem ser

notada, emergiu do hiperespaço nas proximidades do

planeta de Honur, no interior do grupo estelar M 13.

No catálogo estelar dos arcônidas Honur figurava como

um mundo proibido Não havia nenhuma outra indicação

relativa à proibição. Isso não impediu Perry Rhodan de, há

algum tempo, pousar em Honur. Tivera que pagar o

desrespeito à proibição com uma doença contraída por

todos os tripulantes de sua nave. O fato de que certos

ursinhos engraçados, com menos de trinta centímetros de

comprimento, soltavam através do pelo uma toxina que

envenenava os nervos de quem os tocasse desavisadamente

poderia, quando muito, representar uma catástrofe. Porém

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esses animaizinhos inocentes que segregavam o veneno

eram um produto criado pelos aras. Assim sendo, era um

crime.

Os aras de Aralon não pagaram pelo crime da forma que

a gravidade de seu ato exigia. Embora o tivessem cometido,

eram os médicos mais geniais da Galáxia, e o Império de

Árcon ainda não estava em condições de dispensar sua

colaboração.

Num pouso vertical, a Titan aproximou-se do cemitério

de naves espaciais de Honur. Era um marco terrível deixado

pelas naves que não tinham respeitado a proibição, e cujas

tripulações acabaram sucumbindo num alegre tumulto.

Para Rhodan e seus subordinados, Honur não era um

planeta proibido. Já possuía o antídoto da doença. Os aras

de Aralon tiveram de entregá-lo. Até a extinção de sua raça

não se esqueceriam do primeiro encontro com o ser vindo

do planeta Terra.

Perry Rhodan lançou um olhar pensativo para o amigo.

— Bell, você sabe que para muitas inteligências da Via

Láctea meu nome assume um significado idêntico ao que

na Terra se atribui à palavra diabo?

Bell olhou-o espantado.

— E daí? — perguntou em tom indiferente, mas logo

assumiu um ar sério. — Paciência. É o reverso da medalha.

Você nunca poderá evitar isso. Terá de conformar-se.

Procure não pensar neste fato e o pior já terá passado.

Perry Rhodan também era apenas um homem. Nesse

momento de descanso, sentiu a responsabilidade como uma

carga quase insuportável que lhe comprimia os ombros.

Saíra a fim de conquistar o Universo para a Terra. Já dera o

primeiro passo além do Sistema Solar. Agora temia o

segundo, porque sentia que seu poder repousava em bases

pouco seguras.

A Terra estava sendo ameaçada pelos mercadores

galácticos. Os aras, que eram descendentes dos saltadores,

obrigavam-nos, graças ao monopólio de medicamentos que

detinham, a atacar a Terra.

O ataque seria desencadeado. Perry Rhodan tinha

certeza absoluta. Por isso mandara que o coronel Freyt

regressasse à Terra com a Ganymed, a fim de tomar todos

os preparativos para uma defesa global. E, além da Titan, a

Ganymed era a única nave equipada com um transmissor

fictício.

Havia apenas as duas naves, e não era possível construir

outras do mesmo tipo.

O que significariam dois transmissores fictícios diante

do ataque de duas ou três mil naves de guerra dos

saltadores?

Perry Rhodan reconheceu com uma clareza solar os

limites do poder que detinha. Sabia que a Terra estaria

perdida, se não encontrasse um meio de frustrar o ataque

que estava sendo planejado.

No momento, não via como evitar a desgraça.

Bell sentou a seu lado.

— Tomara que não estejamos esperando demais do

auxílio de Talamon. Há dias não consigo livrar-me de um

terrível pressentimento. Tenho a impressão de que estamos

correndo de olhos abertos para um fato que subitamente nos

atropelará — disse Perry Rhodan, como se estivesse

falando consigo mesmo.

Foi nesse momento que a sala de rádio da Titan

transmitiu a mensagem para o camarote de Rhodan:

— O patriarca Talamon decolou com todas as unidades

de sua frota em direção ao sistema de Gonom. Em Laros,

que é a décima oitava lua do antigo planeta Gom, será

realizada daqui a três dias de Árcon a assembleia dos

saltadores e dos superpesados. Fim da mensagem

hipercondensada... Os dados astronômicos relativos ao

sistema de Gonom são os seguintes...

Rhodan desligou. Levantou-se com um movimento ágil.

O amigo, mais pesado, levantou-se com um movimento

lento.

Com a assembleia que se realizaria dentro de três dias

de Árcon na lua Laros, situada no sistema de Gonom, o

perigo que ameaçava a Terra entraria num estágio muito

mais ameaçador.

Perry Rhodan não estava disposto a permitir que a

reunião decorresse tranquilamente.

* * *

Santek, que estava presidindo o Conselho de Médicos

de Aralon, transmitiu a informação de que a sentença de

morte proferida contra o inspetor-chefe Gegul fora

executada e logo passou à ordem do dia.

Não perdeu uma única palavra com a epidemia do ritmo

de três horas surgida em Exsar. Ele e os outros membros do

Conselho não tinham o menor interesse pelo destino de

milhões de mercadores galácticos.

— Não enviaremos observadores à assembleia. Este

ponto já foi posto em votação ontem. Todos conhecem o

resultado.

“Numa exposição lúcida o biólogo-chefe Keklos

convenceu-nos de que, a partir dos seus laboratórios,

poderá realizar um serviço mais discreto que o mais

disfarçado dos observadores não descobrirá. Em três naves

dos saltadores, surgirão três doenças diferentes nos

sintomas, que provocarão o desassossego de que

precisamos para atingir nossos objetivos”.

“Keklos providenciará imediatamente uma

demonstração de nossa capacidade médica, que eliminará

toda e qualquer suspeita de que estamos empenhados num

proveito material. Convencerá também os saltadores e os

superpesados de que a existência de todos nós só estará

garantida no momento em que Perry Rhodan e a Terra

tiverem deixado de existir”.

“Posso comunicar ao Conselho de Médicos que a

posição do planeta Terra já não é nenhum segredo para nós.

Pelo contrário, está armazenada na memória do cérebro

positrônico instalado a bordo da nave capitania de

Topthor.”

A notícia de Santek produziu o efeito de uma bomba.

Todos reconheceram o enorme valor que possuía. Mas a

desconfiança logo se manifestou. Nakket indagou por que o

superpesado Topthor guardara este conhecimento só para

ele por um tempo tão longo.

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Mal a indagação atingira o ouvido de Santek, o projetor

se iluminou. Numa imagem que correspondia ao quíntuplo

do tamanho natural surgiu o rosto quadrado e esverdeado

de Topthor.

Santek deixou que falasse. Esperava muita coisa da fala

desajeitada do velho.

A voz do superpesado começou a trovejar quando

relatou sua luta mais recente com Perry Rhodan. Falava em

tom realista, sem exageros e numa crítica sadia. Entre

outras coisas, disse o seguinte:

— Minha frota devia ser considerada mais forte que a

de Rhodan. Em minha imaginação já o via destruído. Mas,

de repente, agradeci aos deuses por terem permitido que

escapasse. As outras naves de guerra de minha frota foram

destruídas, e isso de maneira misteriosa. De uma hora para

outra desapareceram por completo. Rhodan pode ter dez

vezes mais inteligência que eu, mas o desaparecimento das

minhas naves nada tem a ver com a inteligência. Rhodan

possui armas que não têm igual no Universo. Sua força

representa uma ameaça para nós. Sua destruição e a de seu

mundo, a Terra, garantirá nossa segurança e a do Império

de Árcon.

A fala de Topthor ainda ressoava na sala quando a

projeção se apagou. Os rostos frios e cínicos dos aras

sorriam uns para os outros. O velho era seu porta-voz; era o

representante dos seus interesses.

Santek prosseguiu tranquilamente:

— Faremos um contrato com os mercadores galácticos

e com os superpesados. Nós, os aras, nos obrigaremos a

prestar ajuda assim que surja qualquer doença perigosa, e a

fornecer-lhes todos os medicamentos constantes de uma

lista nominal com um desconto de cinquenta por cento.

— Também os medicamentos da série 08-KL-56? —

perguntou Mulxc em tom sagaz.

Santek exibiu um sorriso cínico.

— Poderemos ser culpados se, depois da destruição de

Rhodan e da Terra, em todos os pontos surgirem novas

epidemias e pestes, e se nós conseguirmos produzir

rapidamente, mas não rapidamente demais, os respectivos

antídotos? Oficialmente os preparados da série 08-KL-56

só serão fabricados em nossos laboratórios a partir do fim

do ano. Até lá não se falará mais em Perry Rhodan e em sua

ridícula Terra. Os saltadores e os superpesados só terão

uma preocupação: não desejarão contrair qualquer das

doenças.

Fez uma pausa e depois concluiu:

— Afinal, devemos recuperar pela forma mais rápida e

discreta o prejuízo causado por Gegul.

A Titan não provocou o menor ruído ao sair do

hiperespaço. Todos superaram rapidamente o choque da

transição, que se manifestava através da dor na nuca e do

estado de semiconsciência. Na grande tela de visão global,

surgiu o sistema solar de Gonom, iluminando a sala de

comando.

Os últimos controles do salto foram fornecidos pelos

mais diversos setores da nave esférica de 1.500 metros de

diâmetro. O último controle, destinado a verificar se o

compensador estrutural ocultara a imersão e a saída da

Titan no hiperespaço, resultou num “tudo OK” transmitido

à sala de comando.

Há vinte horas-luz do pequeno sol vermelho de Gonom,

a Titan voltara a materializar-se no interior do grupo estelar

M-13.

Gonom ficava a 68 anos-luz de Árcon. O sol-anão,

vermelho e muito feio, possuía um único planeta anotado

no catálogo estelar dos arcônidas com o nome Gom.

O rosto contrariado de Bell revelava o que pensava de

tudo aquilo.

E Bell tinha motivo para não ficar satisfeito com Gom.

O planeta Gom, que era pouco menor que Saturno e

possuía um diâmetro de 68.200 quilômetros, apresentava

uma gravitação de 1.9 g. O fato de que em sua superfície

um objeto que na Terra pesaria cinqüenta quilos quase

chegaria a cem quilos não era tão grave. Mas acontecia que

seu tempo de rotação era idêntico ao tempo de translação

em torno do sol Gonom. E, segundo o catálogo estelar de

Árcon, esse tempo de translação era de 2,4 anos terranos.

Isso significava que, no grande planeta Gom, o dia durava

1,2 anos terranos e a noite durava outro tanto.

— Pois então, boa noite — disse Bell quando Crest, o

arcônida, voltou a lembrar esse fato.

— Ainda há mais, Bell — disse Crest com um sorriso

suspeito, que fez com que Reginald Bell o fitasse

atentamente. — Em Gom prevalecem temperaturas

extremas, furacões terríveis de mais de mil quilômetros por

hora correm furiosamente da face superaquecida voltada

para o sol em direção à face em que reina a noite. Além

disso, Gom ocupa um lugar especial entre os planetas

porque, segundo uma lenda que corre há milênios, nele se

abriga uma forma de vida terrível.

Até Perry Rhodan aguçou o ouvido. Desde que quase

naufragara em Honur, considerava qualquer boato negativo

sobre um planeta desconhecido como informação

extremamente importante.

Reginald Bell não se sentia muito bem.

Page 20: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência" - Volume X - A Morte da Terra. P- 46-49.

20

— Já sei o bastante desse planeta — disse. — O simples

fato de se ter abastecido com dezoito luas o transforma aos

meus olhos numa criatura voraz.

Na tela de visão global, brilhava o sol-anão vermelho de

Gonom, produzindo uma débil cintilância no planeta do

tamanho de Saturno com suas numerosas luas.

Os rastreadores estruturais da Titan registravam

constantemente as naves dos saltadores e dos superpesados

vindas do hiperespaço. Todas elas se dirigiam à décima

oitava lua, denominada Laros.

Laros encontrava-se em oposição ao sol. Rhodan

aguardava uma mensagem codificada de Talamon.

* * *

O biólogo-chefe Keklos chamava a atenção não apenas

pelo seu tamanho reduzido ou pelo reluzente jaleco branco

de plástico com o distintivo que emitia uma pálida

luminosidade, mas principalmente pela maneira de

cumprimentar ou despedir-se de qualquer interlocutor.

Não conseguia aproximar-se a menos de três metros das

pessoas. Se alguém o fizesse por ignorância ou

esquecimento, não deveria admirar-se, pois no mesmo

instante a palestra, por mais interessante que fosse, chegaria

ao fim. Keklos dava bruscamente as costas e se afastava,

calando-se.

Mas esse Keklos, ele mesmo um doente, era o mais

genial dos biólogos e o mais desconhecido de todos. Pouco

mais de três dezenas de médicos dos aras, com exceção

daqueles que trabalhavam na lua de Laros, sabiam quem era

Keklos, o que fazia e o que sabia.

Keklos não se preocupava com isso. Não se preocupava

com coisa alguma, nem mesmo com as leis divinas.

Muitas vezes suas duras experiências representavam a

morte de muitos seres inteligentes. Não se detinha diante

dos arcônidas, nem mesmo diante dos aras, dos saltadores

ou dos superpesados. Se as experiências por ele realizadas

traziam o extermínio de seres inteligentes, isso não o

interessava. Só estava interessado em alcançar seu objetivo.

E até hoje sempre o conseguira.

Muito satisfeito, contemplava os três bios que se

encontravam diante dele, separados por uma parede

invisível de radiações. Representavam os produtos mais

recentes e sofisticados das retortas. Eram figuras de três

metros de altura, de estatura semelhante à dos homens, mas

providos de quatro braços. No lugar da cabeça alongada,

traziam um objeto de formato redondo.

O biólogo continuava a examiná-los com muito

interesse. Não conhecia a menor emoção. Num movimento

lento, pegou a arma de nêutrons, enquanto com a outra mão

movia a chave que desligava a parede das radiações, que

formava uma barreira invisível entre ele e os bios.

Apontou a arma para o bio que se encontrava no centro.

Este sabia o que o aguardava. Um grito inarticulado saiu da

boca redonda, que se abriu como um diafragma. Mas o raio

já estava saindo da arma portátil, atingindo-o em cheio.

Até então o impacto produzido por esta arma, que

funcionava com base em ondas de frequência

extremamente curta, representaria a destruição de qualquer

forma de vida orgânica.

Mas o bio não morreu; apenas se sacudiu, até que

Keklos suspendeu o terrível bombardeio de radiações.

Num gesto discreto, restabeleceu a barreira de

radiações. Ao mesmo tempo chamou seus colaboradores.

Uma porta abriu-se atrás dele e três aras entraram. Pararam

a três metros de distância e aguardaram as instruções do

chefe.

— Vamos realizar o teste de inteligência, a fim de

verificar o grau de imunidade dos bios face às radiações

hipnóticas e mentais. Não há mais necessidade de verificar

a resistência ao fogo. Os resultados já são conhecidos.

Controlem o poder de expressão verbal, e também a

capacidade de armazenamento de dados. Até amanhã de

noite, deverei ter os dados sobre a resistência à tração da

estrutura de tendões, as manifestações de fadiga e...

As instruções mais pavorosas foram transmitidas no

fim, na presença dos bios.

Um deles começou a balbuciar.

Keklos exaltou-se e ordenou com a voz fria:

— Levem estes caras para fora! Chamem Moders!

Moders chegou assim que os médicos-assistentes

haviam desaparecido com os bios.

O gigantesco Moders que chamava a atenção pelos

traços grosseiros de seu rosto parou a três metros do

biólogo-chefe.

— Moders — principiou o cientista, caminhando de um

lado para outro. — As instruções que ministrei em relação

aos bios estão armazenadas. Daqui em diante, o senhor

cuidará do assunto. Devo dar certa atenção aos saltadores e

superpesados que estão realizando uma assembleia por

aqui. Se os resultados do teste, que será realizado amanhã,

forem favoráveis, use todos os meios disponíveis e force a

produção de bios, que deverá atingir cinco mil unidades por

dia. Continuaremos a seguir a orientação de que os bios não

devem receber estrutura óssea. Isso só nos faria perder

tempo. A estrutura de tendões de Sargon nos deu menos dor

de cabeça.

“Cuide para que os suprimentos de matéria-prima sejam

remetidos regularmente de Gom. Não preciso lembrar a

carreira do inspetor-chefe Gegul, que acabou no

conversor”.

“É só, Moders. Pode retirar-se.”

Keklos, o biólogo chefe, era um monstro biológico, um

ara que se esquecera de que em todos os recantos da Via

Láctea existe uma lei que diz: “Cure os doentes, médico,

mas nunca coloque os pacientes em perigo.”

Keklos esperou até que Moders, que se encolhera com

suas palavras, lhe desse as costas. Depois disso, saiu por

uma porta que só se abria por meio da absorção de seu

modelo de vibrações cerebrais.

Uma fita levou-o rapidamente para baixo. Vez por outra

uma luz saía da rocha natural. Seu alcance era apenas de

alguns metros. Ninguém suspeitaria de que essas fontes de

luz isoladas constituíam um sistema de controle altamente

sofisticado, que trabalhava com base nas vibrações

cerebrais e por isso não poderia ser enganado. Junto a cada

fonte de luz ainda havia um conglomerado de mortíferas

armas de radiações, que destruiriam qualquer pessoa não

credenciada que procurasse usar a fita para transportar-se

aos laboratórios mais secretos dos aras.

Uma enorme porta blindada, que também só se abria

diante do modelo de vibrações cerebrais de Keklos, dava

caminho para os laboratórios III e C1. Com o passo

seguinte dado por Keklos, uma camada de ar tremeluzente

desfez-se diante dele. Um campo de radiações mortíferas

fora automaticamente desativado.

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Abriu a porta seguinte, passou por uma comporta onde

foi identificado e penetrou na primeira sala do enorme

complexo que formava o laboratório III.

Não deu a menor atenção aos aras que trabalhavam por

ali. Caminhando pelo amplo corredor central, passou pelas

retortas, pelas incubadoras, por todo o conjunto de

complicados aparelhos médicos. Dirigiu-se à sala em cuja

porta se via o sinal inconfundível de entrada proibida.

Keklos teve de parar diante dessa porta. Comprimiu as

palmas das mãos contra a mesma. Subitamente ela deslizou

para dentro da parede. Keklos passou rápido e ficou parado,

até que a porta voltasse a fechar-se.

Viu-se numa sala cujas paredes estavam revestidas de

plástico azul, inundado por uma luz intensa, também azul,

que o obrigou a fechar os olhos durante um instante. Ao

contrário das outras salas do conjunto que formava o

laboratório III, aqui a temperatura era bastante fresca, quase

fria.

O biólogo Keklos estava sozinho.

Nem mesmo Moders, seu colaborador mais chegado,

fazia a menor ideia do segredo que se ocultava aqui.

Neste recinto, o prolongamento da vida orgânica já se

transformara em realidade.

Em passos apressados, quase precipitados, Keklos

dirigiu-se ao lugar em que havia uma cadeira diante de um

aparelho de aparência primitiva.

Quando sentou, cada um dos seus movimentos exprimia

a tensão e a expectativa. Pegou o microscópio On que se

encontrava à sua direita. No momento em que a pequena

esfera metálica negra que se encontrava na extremidade do

microscópio se dirigia sobre a massa gelatinosa, a luz azul

difusa apagou-se e uma escuridão impenetrável passou a

reinar na sala.

Imóvel, Keklos esperava. Uma coisa cinzenta apareceu,

tornou-se mais luminosa, assumiu contornos definidos e

acabou sendo reconhecida como tela de imagem.

Keklos não fez nenhum movimento. O microscópio On

não exigia qualquer tipo de regulagem. Regulava-se por si

mesmo, mediante sua mini positrônica. Em redor de

Keklos, os campos energéticos formados por feixes de raios

zumbiam e crepitavam. Parecia uma tabuada das bruxas,

resultante da combinação da medicina e da tecnologia dos

aras.

O biólogo-chefe Keklos era o homem que sabia fazer a

mistura genial dos dois ingredientes, para atingir seus

objetivos.

Conteve a respiração. Mais uma vez o microscópio On

desvendava o misterioso processo de envelhecimento das

células, mas aqui...

Keklos era um fanático. Esqueceu-se do tempo e da

hora. Seus olhos não se cansavam de contemplar a tela do

microscópio On para enxergar o milagre da juventude das

células que segundo as leis da biologia já deviam ter

entrado na fase da atrofia.

Keklos manteve-se num silêncio total. Não proferiu

uma palavra, não soltou um suspiro que exprimisse seu

triunfo. Diante de seus olhos estava traçado o caminho que

lhe permitiria prometer a todos os aras, já amanhã, um

prolongamento de trinta por cento em suas vidas.

“Daqui a cem anos”, pensou Keklos, “ainda serei o

biólogo-chefe; e daqui a cem anos já terei descoberto o

segredo da vida eterna. É uma pena que não consegui ficar

com Thora para realizar minhas experiências. Estou muito

interessado em sua estrutura celular. Também gostaria de

saber por que essa mulher, ao contrário da maioria dos

arcônidas, ainda possui certo poder de iniciativa. Para

realizar a nossa série de experiências, não poderei

dispensar os indivíduos do segmento superior da sociedade

arcônida. Amanhã requisitarei dez deles por intermédio de

Aralon. Nos hospitais, há material de sobra...”

Recostou-se e passou a mão pelos olhos cansados. A

primeira fase da experiência de cento e setenta e oito anos

havia chegado ao fim.

Em sua imaginação, o biólogo chefe Keklos já via os

aras como sucessores dos arcônidas, dominando o império

do grupo estelar M-13.

Não julgava necessário incluir Perry Rhodan em seus

cálculos.

* * *

O receptor de hipercomunicação da nave capitania de

Topthor emitiu o sinal de chamada. Por coincidência, o

velho superpesado se encontrava na sala de comando.

Virou-se e verificou que a transmissão estava sendo

recebida na frequência de Talamon. Quando o rosto velho e

sorridente de Talamon surgiu na tela, berrou:

— Por todos os deuses da Galáxia, Talamon, onde foi

que você se meteu com suas naves? Metade da Via Láctea

andou à sua procura, inclusive eu. E o quartel-general

também o procurou.

O sorriso no rosto de Talamon continuou, mas assumiu

um ar matreiro.

— Topthor, vou ligar o deformador. A palavra-chave

será obsian.

Topthor logo aguçou o ouvido. Lançou os olhos em

torno.

— Deem o fora — disse aos membros do clã que se

encontravam por ali.

Mal o último deles havia saído da sala de comando do

couraçado, moveu algumas chaves do acessório do

hipercomunicador, baseando-se na palavra-código obsian.

O relatório de Talamon foi recebido em linguagem

clara. Topthor parecia muito interessado naquilo que seu

melhor amigo tinha a informar. Não ficou zangado com o

fato de que, apesar da transmissão deformada, Talamon se

exprimia com muita cautela e muitas vezes se limitava a

insinuações.

— Será que não posso participar do negócio, Talamon?

— disse, sondando a fonte de ouro de que Talamon lhe

falara por meio de circunlóquios.

— Pois é por isso que estou chamando, meu velho —

disse Talamon, e seu rosto sorria para a sala de comando.

— Basta que você disponha de cem milhões em dinheiro

para ganhar cinco vezes essa soma no prazo de um mês.

O velho Topthor não teve mais vontade de rir.

— Cem milhões? Você só pode estar brincando. Onde

vou arranjar uma soma destas?

Todo mundo conhecia o superpesado Topthor como

uma pessoa que podia fazer tudo, menos exagerar seus

recursos. Ele e seu clã pertenciam aos nababos do grupo

estelar M-13. Bastava-lhe abrir o bolso para tirar cem

milhões, mas o velho manhoso gostava de tudo, menos

gastar dinheiro.

Talamon não disse uma única palavra sobre o aço

Árcon-T que se encontrava em Honur. Recorreu à

explicação que inventara:

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— Topthor, não foi por simples comodidade que deixei

de responder às mensagens. Apesar do deformador, bastaria

que alguém tivesse interceptado nossas mensagens. E se eu

as tivesse respondido, uma única vez que fosse o espia

poderia saber em poucas horas por onde andei com minha

frota. Topthor tenho em mãos o negócio de minha vida.

Reflita, meu velho. Você dispõe de dezoito horas. Fim,

Topthor.

A imagem de Talamon apagou-se na tela. Topthor fitou

a tela com uma expressão pensativa.

Arriscar cem milhões para receber quinhentos, sem

disparar um tiro, sem arriscar uma única nave, deixar de

tirar as castanhas do fogo para os saltadores...

Bastante contrariado, Topthor levantou-se e monologou:

— Por que Talamon não me deu cinco minutos para

pensar? É claro que participarei do negócio. Que droga! Já

não estou gostando nem um pouco desta assembleia.

Ganhar quinhentos milhões num mês sem arriscar a pele!

Meus queridos aras, durante a última visita vocês foram

gentis demais. Terei que decepcioná-los cruelmente. Afinal,

não sou seu leão de chácara. Vocês mesmos terão de ver

como conseguem convencer aquelas cabeças ocas. Eu tenho

coisa mais importante a fazer: ganhar a soma insignificante

de quinhentos milhões. Planetas proibidos e sóis que se

encolhem. Isso até podia fazer com que me esquecesse de

Perry Rhodan. Quem dera que eu soubesse no que consiste

o grande negócio de Talamon.

* * *

Perry Rhodan captou a mensagem de hipercomunicação

expedida por Talamon. A mesma representava o sinal

convencionado de que dentro de uma hora chegaria a

menor das naves de Talamon, para recolher os mutantes

com uma Gazela.

Bell levantou-se do assento do copiloto.

— Vou aprontar-me — disse em tom satisfeito. — Os

mutantes já foram avisados.

Laros, a décima oitava lua do planeta Gom, era um

mundo de oxigênio que, pelo diâmetro e gravitação, se

aproximava das condições reinantes na Terra.

Dois grandes oceanos separavam os continentes baixos.

Em Laros havia apenas oito cidades grandes. Comparados

aos padrões arcônidas, eram cidades sem importância.

Juntamente com seus conjuntos hospitalares apenas serviam

de camuflagem aos centros de pesquisa subterrâneos dos

aras. Numa extensão muito maior que em Aralon, a lua

Laros fora transformada num só conjunto de cavernas. Mais

de três milhões de médicos aras realizavam sob a superfície

aparentemente inofensiva experiências que em hipótese

alguma poderiam chegar ao conhecimento dos habitantes

da Galáxia.

O Conselho Geral, que era a instância suprema da qual

os médicos recebiam ordens, emitira uma diretiva destinada

a proteger Laros e seus laboratórios secretos. Qualquer ara

que pisasse no sistema, ali deveria permanecer até o fim de

seus dias.

Apenas o biólogo chefe Keklos e cinco dos seus

colaboradores mais chegados estavam excluídos dos efeitos

da diretiva.

Os médicos, que trabalhavam nos conjuntos hospitalares

situados na superfície, não tinham a menor ideia de que,

sob seus pés, três milhões de colegas estavam reduzidos à

escravidão perpétua. Os médicos cativos realizavam

experiências cujo objetivo consistia em um dia transformar

o Império de Árcon num mundo pertencente aos aras.

O biólogo chefe Keklos — que oficialmente exercia as

funções de dirigente de todos os estabelecimentos

hospitalares de Laros, nos quais se tratavam com

exclusividade as doenças causadas por perturbações no

metabolismo de minerais — recebeu o bioquímico Tragh,

um homem de rosto desfigurado.

Os olhos de Tragh tremiam. Há trinta dias fora

desterrado para Laros; mal e mal conseguira escapar à pena

de morte. Mas ainda tinha razão para temer a ação da

justiça. Era culpado por mais três crimes, ainda não

esclarecidos. Foi nisso que pensou quando recebeu ordens

para apresentar-se ao biólogo chefe Keklos.

E agora se via diante daquele homem poderoso e

influente, verdadeiro soberano não coroado de Laros.

Keklos não o deixou em dúvida sobre os motivos do

chamado. Lançou-lhe à face os crimes que na opinião do

bioquímico ainda não haviam sido esclarecidos.

— Não fique tremendo, seu desgraçado! — trovejou

Keklos. — Poderia perfeitamente entregá-lo ao conversor,

mas resolvi dar-lhe mais uma chance, Tragh.

“Preste atenção!”

“As naves dos saltadores e dos superpesados chegam

ininterruptamente a Laros. Os tripulantes sabem que com o

pouso estão sujeitos a quarentena. Esta só será suspensa no

momento em que uma junta médica tiver subido a bordo e

constatado que a tripulação está em perfeitas condições de

saúde e que a nave não é portadora de qualquer doença.

Vimo-nos obrigados a adotar este procedimento em virtude

do incidente surgido no planeta Exsar, onde irrompeu a

epidemia do ritmo de três horas, cuja causa foi

inexplicavelmente atribuída aos aras.

“O senhor participará, na qualidade de bioquímico, do

exame das naves que pousarem aqui. Mas sua tarefa

principal não consistirá em ajudar a junta nos seus

trabalhos, e sim em colocar um destes comprimidos nos

aparelhos de ventilação de três naves em cada grupo de

oito.

“Se o senhor se desincumbir dessa tarefa de forma a

deixar-me satisfeito, estarei em condições de entregar-lhe o

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indulto do Conselho Geral”.

“Assim que eu sair desta sala, o senhor se aproximará

de minha escrivaninha, tirará três comprimidos e gravará na

memória todos os detalhes registrados neste quadro

luminoso.”

Keklos concluiu com uma ameaça desumana.

— Se cometer qualquer erro, por menor que seja, terá

uma aventura: será utilizado nas experiências de alguma

das divisões de estudos de epidemias.

Perplexo, Tragh seguiu o homem temível com os olhos.

Não acreditava em nada do que o chefe acabara de

dizer. Já se considerava um homem destinado à morte. Mas

o desespero lhe impôs aquela esperança desarrazoada que

faz com que o homem que se afoga procure agarrar-se a um

cisco.

Correu para junto da escrivaninha, segurou avidamente

os três comprimidos, colocou-os no bolso sem olhá-los e

passou a estudar as indicações constantes do quadro

luminoso. Só então compreendeu o plano terrível do

biólogo-chefe.

* * *

Bell deu o alarma, embora naquele instante tivesse

passado, juntamente com os mutantes, para a menor das

naves de Talamon, que os levaria a Tal VI.

— O que houve? — perguntou Perry com a voz

tranquila.

— Pouca coisa — principiou Bell. Quando começava

assim, sempre havia alguma coisa grave. — Você sabia que

Laros é uma fortaleza dos fabricantes de venenos, Perry?

Quem manda lá são exclusivamente os aras. Por acaso

estou lendo uma dessas ordens de quarentena...

— Um instante, Bell!

Reginald Bell viu na tela que Perry virava a cabeça.

Ouviu a pergunta:

— Crest, o senhor não sabia disso?

Crest, que era um dos líderes científicos do Império de

Árcon, sacudiu a cabeça:

— Há trezentos anos Laros era apenas uma base pouco

importante de Árcon...

Bell ouviu que o amigo respirava pesadamente.

Perry Rhodan voltou a fitar a tela. Seu rosto exprimia

uma tensão mantida sob controle com uma concentração

extrema. Seu instinto infalível farejou a desgraça.

Bell também a farejou. Havia algo de errado nessa

ordem de quarentena. Bell começou a esbravejar. À medida

que lembrava os acontecimentos do planeta Exsar e lia as

frases hipócritas dos aras, sua voz tornava-se cada vez mais

incisiva.

— Quando foi emitida essa ordem de quarentena, Bell?

Reginald Bell compreendeu a finalidade da pergunta.

Perry Rhodan estava desconfiando de Talamon. Por isso

apressou-se em responder:

— Esta ordem ainda não tem cinco minutos. Acaba de

chegar de Laros por meio do hipercomunicador.

— OK! — Perry acenou com a cabeça. — Você já sabe

como deve agir juntamente com os mutantes depois do

pouso.

— Muito bem — disse o gorducho com um sorriso. —

Não estou preocupado por nossa causa, mas gostaria de

saber o que os membros do clã de Talamon vão dizer à

comissão dos aras quando se encontrar diante de nossa

Gazela.

— Você acha que os aras precisam ver a Gazela, Bell?

— perguntou Perry em tom suave e desligou.

O palavrão proferido por Bell não chegou a ser

recebido.

* * *

Laros possuía um espaçoporto de primeira classe, de

dimensões espantosas. Media mais de cem quilômetros de

lado e oferecia lugar para uma frota de tamanho médio. Sua

pavimentação era tão resistente que mesmo as naves

arcônidas da classe Universo poderiam pousar ali sem

recorrer aos campos antigravitacionais.

Bell encontrava-se ao lado do patriarca Talamon e

fitava espantado o enorme espaçoporto. O confidente de

Rhodan tinha suas ideias a respeito do mesmo, mas

contrariamente ao seu costume não as exprimia.

Quem conhecesse Bell saberia que esse silêncio

representava uma ameaça.

O hipercomunicador soou.

Era um chamado de Laros.

“Há ordens para não pousar. Em Laros existe o perigo

de contaminação.”

— Por que está rindo, Bell? — perguntou Talamon, que

das outras vezes costumara mostrar-se tão desconfiado.

Bell escarneceu:

— Estou rindo desse truque desmoralizado. Não é de

admirar que esses misturadores de venenos não tenham tido

uma ideia melhor. Os aras andam ocupados demais para

espalhar as doenças. Tomara que lá embaixo eu consiga

agarrar o Gegul.

Não conseguia esquecer o crime que Gegul cometera

contra Exsar, um dos planetas dos saltadores. Pedira ao

arquivo da Titan todas as informações relativas à terrível

epidemia do ritmo de três horas.

Reginald Bell era uma criatura bonachona. Qualquer

pessoa que conhecesse seu lado fraco o enrolava, mas

bastava sentir a menor intenção criminosa para que

deixasse de lado as brincadeiras. O procedimento de Gegul

foi um dos crimes mais repugnantes de que já tivera

conhecimento, e o desejo de pôr as mãos no criminoso

correspondia à natureza de Bell.

* * *

Quando os robôs de combate dos aras apareceram

diante das enormes comportas da nave dos saltadores Xul

II, os mercadores galácticos e os superpesados afastaram-se

precipitadamente.

Uma nave do serviço médico dos aras aproximou-se

velozmente, pouco acima das naves cilíndricas dos

saltadores. Ininterruptamente ouvia-se o alarma de

epidemia, um sinal conhecido e temido em todo o grupo

estelar M-13.

O alarma, além de ser transmitido por via acústica e

ótica, o era também por meio de vibrações.

A pequena nave do serviço médico ainda não havia

percorrido metade da extensão do campo espacial quando

apareceram cinco naves de grandes dimensões, pararam

acima da Xul III e erigiram um campo protetor em torno do

corpo cilíndrico dessa nave. Pouco depois, surgiu uma nave

gigante dos aras.

Parou exatamente acima da Xul II. Aos poucos, foi-se

abrindo a junta da quilha da nave, que media quase

trezentos metros de comprimento e mais de sessenta metros

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de largura. A abertura se parecia com a boca de um monstro

que estivesse pronto para engolir a nave contaminada, a Xul

II.

A nave gigante desceu lentamente na vertical. Quando

se encontrava cinquenta metros acima da Xul II, a nave

cilíndrica desprendeu-se da superfície do campo de pouso,

foi erguida por potentes raios de tração e introduzida na

abertura da nave gigante.

A junta da quilha voltou a fechar-se silenciosamente.

Uma escotilha após a outra foram se fechando. Era um

quadro fantasmagórico. Era centenas de naves espalhadas

pelo gigantesco espaçoporto, a ação de socorro dos aras foi

acompanhada pelas telas de televisão. O comentador evitou

qualquer autoelogio. A imagem foi transferida para um

laboratório.

Instrumentos brilhantes, cuja finalidade nem os

saltadores nem os superpesados conheciam, apareciam nas

telas. O rosto ascético de um ara surgiu no campo de visão.

Seu olhar hipnotizava os espectadores. Falava lentamente,

às vezes com a voz hesitante. Descreveu a doença que

acabara de ser descoberta a bordo da Xul II.

— Já conhecemos essa doença, e dispomos do

preparado que nos permite curá-la.

O tom de sua voz permaneceu inalterado. Suas palavras

pareciam modestas. Causou enorme impressão nas pessoas

que se encontravam diante das telas.

— Infelizmente vejo-me obrigado a informá-los de que

descobrimos hoje na Xul II o terceiro caso, que nos obrigou

a isolar também esta nave. Mas podemos garantir que

restabeleceremos os três patriarcas, que poderão participar

da assembleia. Peço licença para despedir-me e garantir-

lhes uma feliz estada em Laros.

Foi o fim da transmissão.

Para o bioquímico Tragh, essas palavras também

representaram o fim da carreira e da vida. Quando a junta

médica se retirou, também procurou sair da Xul II para

dirigir-se à nave dos aras que levaria o barco aparentemente

contaminado à ilha de isolamento de Merk.

Porém dois aras o impediram de entrar na comporta. No

mesmo instante, farejou o perigo. Lançou os olhos pelo

amplo convés, à procura de socorro. O corredor da Xul II

estava vazio.

Ninguém ouviu o chiado de duas armas de radiações.

Os assassinos guardaram os instrumentos do crime nos

bolsos e saíram da Xul II com os rostos sorridentes.

Não pertenciam à junta médica.

Eram funcionários do Serviço de Segurança.

Quando entraram no escritório da nave, o maior deles,

com um gesto indiferente, entregou a arma.

— Missão cumprida — disse laconicamente.

— Foi o segundo caso deste ano em que um ara vendeu

medicamentos, ainda não liberados, aos arcônidas. E esse

Tragh o fez quatro vezes. Bem, recebeu a paga por isso.

Estas palavras foram proferidas pelo homem que pegou

a folha de plástico.

* * *

Talamon acabara de pousar em Laros com sua nave

capitania Tal VI.

Topthor fizera o necessário para que o amigo pudesse

descer junto à sua nave.

Naquele momento, a junta médica dos aras se retirava.

Bell e seus mutantes saíram do esconderijo com os rostos

sombrios. Passaram menos de meia hora nos mesmos.

Aquilo que antes do pouso em Laros parecia um perigo

enorme acabara revelando-se uma simples bagatela.

— Foi uma tapeação — resmungou Bell para Talamon.

— Os aras não têm o menor interesse na saúde de vocês. Os

misturadores de venenos só querem fazer boa figura, para

que o fracasso em Exsar caia no esquecimento. Então,

todos vocês foram minuciosamente examinados?

Talamon limitou-se a lançar um olhar perplexo para

Bell. O ímpeto com que o ser da misteriosa Terra se

apresentava diante dele era demasiado. Aos poucos,

começou a compreender por que Perry Rhodan conseguira

levar a Titan de Árcon apenas com um punhado de homens.

Mas ainda não sabia o que seus hóspedes pretendiam fazer

em Laros. Nem Perry Rhodan, nem Bell lhe haviam

contado qualquer coisa a este respeito. Os mutantes, que

estavam sentados atrás dele, sem dizer uma palavra, não

reagiam às suas perguntas.

Talamon compreendia ainda menos o que aquela moça

estaria fazendo entre os seres adultos da Terra. Vivia

olhando para Betty Toufry, e quando isso acontecia,

Talamon, que era pai de mais de uma dezena de filhas,

mostrava um brilho de bondade paternal nos olhos.

Já o mutante Ivã Goratchim com suas duas cabeças lhe

inspirava certo receio. O mesmo acontecia com o negro Ras

Tschubai, que o chocava devido à cor da pele.

— A assembleia será realizada depois de amanhã,

Talamon? A que horas? — perguntou Bell, parando por

acaso diante de um aparelho cuja finalidade lhe era

desconhecida. — O que é isso? — perguntou, apontando

para o aparelho.

Talamon moveu sua massa de muitos quilos,

aproximando-se sem desconfiar de nada. O vulto largo de

Bell encobria o aparelho.

— Isso... — Talamon quase perdeu o fôlego. Com um

movimento instantâneo, moveu uma chave. Com um brilho

esverdeado no rosto, gaguejou: — Quem ligou o

hipercomunicador?

Bell sentiu um calafrio.

Fazia uma hora que conversava abertamente com o

patriarca. Mais de uma centena de vezes mencionara o

nome de Perry Rhodan. Dissera quantos estranhos o

superpesado escondera a bordo da Tal VI, quanto tempo a

Gazela levaria para abrigar-se no hangar secreto e qual era

seu raio de ação.

Bell lançou um olhar de desespero para John Marshall.

Este fez um esforço tremendo para acenar com a cabeça.

Tako Kakuta, o teleportador japonês com rosto de

criança, desapareceu sem que ninguém o percebesse.

— Ninguém de nós ligou o hipercomunicador — disse

Kitai Ishibashi. Realizara um controle instantâneo no

cérebro dos colegas e em nenhum deles encontrara o mais

leve resquício de sentimento de culpa.

Com uma rapidez surpreendente, o superpesado

recuperou a capacidade de ação.

Com uma ligeireza de que ninguém o julgaria capaz

saltou para junto do intercomunicador de bordo:

— Fechar todas as comportas! Ninguém poderá sair!

Bell limitou-se a acenar com a cabeça.

O que estava em jogo não era apenas a vida das pessoas

que se encontravam a bordo, mas a de todos os membros do

clã.

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Mal Talamon desligou o intercomunicador, ouviu-se um

chamado vindo da sala de rádio:

— O patriarca Topthor quer fazer-lhe uma visita.

— Não estou a bordo! — berrou o velho, que não

parava de fungar.

— Senhor, eu disse ao patriarca que Talamon está

presente...

Soltando uma das pragas dos superpesados, Talamon

voltou a desligar para soltar um grito.

O ar começou a tremer diante dele. E em meio ao

tremor, formou-se um ser. Tako Kakuta voltara a

materializar-se diante do superpesado.

Dando todas as mostras de pavor, o velho foi recuando

passo a passo até esbarrar na parede. Fitava aquele homem

pequeno e franzino, que estava apresentando seu relato a

Bell.

―Por onde teria andado ele?‖

―Na central do hipertransmissor da lua Laros?‖

―Quando? Pois há poucos minutos, eu o vi sentado

junto ao negro.‖

— Ó deuses estelares, e o hipercomunicador... — Bell

gritou em meio aos gemidos desesperados de Talamon:

— Desta vez os deuses estelares não meteram os dedos

nisso.

Talamon sempre fora um homem muito cortês. Muitas

vezes não compreendia ou custava a compreender a

linguagem figurada de Bell, cujas metáforas sempre

estavam adaptadas às condições terranas. Nervoso como

estava, também desta vez não compreendeu nada. Talamon,

o ponderado, o inteligente, o honesto, o superpesado que

nunca era abandonado pela presença de espírito. Talamon

explodiu e berrou tão furiosamente para Bell que quase

chegou a derrubá-lo.

Falou nos deuses, dizendo que os mesmos não tinham

dedos, e que não compreendia como alguém podia

blasfemar contra eles numa situação como esta. Talamon

nem se lembrou que não costumava ser muito religioso, e

que muitas vezes a ambição do lucro o fizera esquecer os

deuses.

Naqueles segundos, jurou a plenos pulmões que nunca

mais se desviaria da senda da virtude e da obediência aos

mandamentos dos deuses.

Se não fosse a parede contra a qual se recostava teria

fugido da gargalhada de Bell. Parado diante dele, mal e mal

conseguiu colocar as mãos nos ombros de Talamon e disse:

— Acalme-se, Talamon!

O ser, que para Talamon era um monstrinho amarelo

com olhos de formato estranho, também se encontrava ao

lado de Reginald Bell.

As intenções de Tako Kakuta eram as melhores

possíveis. Apenas queria mostrar-lhe que a arte de

dissolver-se no ar e desaparecer não representava nada de

especial.

Mas Kakuta conseguiu exatamente o contrário. Talamon

procurou segurar-se em Bell. O tremeluzir do ar quase lhe

rouba o juízo.

— Talamon — gritou Bell — a estação de rádio da

Titan deve ter deformado nossa transmissão de

hipercomunicação. Não há outra explicação. Há uma hora

os aras que se encontram na central da grande estação de

hipercomunicação andam que nem uns doidos, porque não

conseguem transmitir nem receber qualquer mensagem

inteligível. Homem será que você ainda anda tapado?

O velho martirizou-se:

— Bell, quem dera que o senhor pudesse falar numa

língua que também eu possa entender. O que significa

andar tapado?

* * *

— Será que esse gorducho enlouqueceu? — berrou

Perry Rhodan e no mesmo instante transformou-se no

“reator instantâneo”.

Agiu. Enquanto as três dezenas de pessoas que se

encontravam a seu lado pareciam ter sofrido um ataque.

O hipercomunicador transmitia a voz de Bell.

E o que não dizia esse sujeito!

Mas não demorou que tudo passasse.

Sem sair do seu assento e sem preocupar-se com a

segurança da Titan, Perry Rhodan fez com que a estação de

hipercomunicação da nave funcionasse como transmissor

de interferência.

De início funcionava apenas na frequência de Talamon,

mas logo os técnicos tiveram de entrar em ação. Rhodan

exigiu que fizessem o impossível. Dali a um minuto,

participou da operação, causando uma admiração irrestrita

no próprio engenheiro-chefe do setor de rádio.

— Nenhuma transmissão de hipercomunicação pode

sair de Laros ou ser recebida lá. Quero que os aras tomem

conhecimento. Bradger, por que não acopla o 16-cento e

quatro ao emissor de frequência circular? Vamos logo!

Deixe o espanto para depois...

A agitação continuou por dez minutos. Rhodan tangia

sua equipe com uma velocidade que fazia com que um após

o outro fossem ficando pelo caminho.

Quando a interferência do emissor da Titan chiava em

todas as frequências, Rhodan enxugou o suor da testa, com

uma calma tremenda acendeu um cigarro e perguntou em

voz baixa:

— Estou curioso para ver por quanto tempo Bell nos

oferecerá este espetáculo.

Sua voz parecia calma como sempre. Seus olhos não

brilhavam, nenhum músculo da face se movia.

Sua calma impôs-se a todos, da mesma maneira que

dera aos técnicos de radio uma demonstração prática de seu

saber.

O chefe voltou para o assento do piloto e acomodou-se.

Na gigantesca sala de comando da Titan, não se ouvia outro

ruído. As outras pessoas, que ali se encontravam,

respiravam silenciosamente e não se atreviam a fazer o

menor movimento.

Gucky, o rato-castor, era o único ser que não conhecia

essa forma de reverência. Teleportou-se para o colo de

Perry, que não parecia muito satisfeito com a visita. Estava

prestes a espantar Gucky com um movimento da mão,

quando este começou a chiar:

— Chefe, você não acha que esses vermes devem estar

roendo o setor de memória do hipercomunicador de Laros e

logo terão passado pelo mesmo?

Era a fala típica de Reginald Bell, e naquele instante

Perry Rhodan também não a entendia. Embora não o

demonstrasse, estava desgastado por dentro. O espetáculo

que Bell lhe oferecera com essa transmissão de

hipercomunicação não tinha igual.

— Gucky, você veio para me chatear?

O rato-castor, que era um excelente telepata, lia a mente

de Perry como num livro aberto. Cochichou baixinho:

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— Perry, os primeiros dez segundos da transmissão de

Bell estão armazenados nos aparelhos dos aras. Se

arrancarem esse estéreo, nossa ação em Laros entrará pelo

cano.

A observação de Gucky expôs o calcanhar de Aquiles

da situação em que se encontravam.

— Chefe, deixe-me saltar! Mostrarei uma coisa aos

aras! Deixe, sim, Perry?

Esse moleque do Gucky sabia implorar que nem uma

criancinha, mas quem dali concluísse as qualidades do rato-

castor, estaria cometendo um engano vergonhoso.

Esse ser em forma de animal, mas que não era nenhum

animal, era inteligente como um homem e dominava a

teleportação, a telecinese, a arte de ler os pensamentos e

outras faculdades que jaziam em seu espírito. Era frio,

impetuoso, esperto e sabia lidar com qualquer situação.

E encontravam-se diante de uma situação que teria de

ser resolvida por Gucky, se não quisessem deixar cair num

abismo tudo que Perry Rhodan conseguira realizar.

— Volte são e salvo, Gucky — disse Perry, dando

permissão para saltar.

No mesmo instante, o rato-castor desapareceu de seu

colo.

Laros ficava a vinte horas-luz da Titan!

* * *

O biólogo chefe Keklos ficou satisfeito ao ouvir que a

grande nave cargueira, repleta de matérias-primas, decolara

de Gom.

“A carga chegou na hora exata para a assembleia dos

patriarcas dos saltadores”, pensou muito feliz e transmitiu

suas instruções.

* * *

Bell estremeceu. Um peso de cinquenta quilos pousara

em seus ombros. Antes que compreendesse o que era, ouviu

a voz fininha de Gucky:

— Gorducho, você me arranjou um trabalho muito

bonito! Os aras já estavam para se atirar em cima da

memória do hipercomunicador, e por pouco não ouvem sua

voz. Fiz umas brincadeiras com esses fazedores de pílulas.

Quando estavam completamente prostrados, na memória do

hipercomunicador não havia outra coisa senão os lamentos

dos dervixes. O chefe ainda anda preocupado, pois não sabe

quem mais pode ter ouvido sua voz por essas estrelas afora.

Até logo mais — Bell não sentia mais aquele peso no

ombro.

Ninguém riu da brincadeira do rato-castor. Ainda

estavam gelados de susto, e foi esta a impressão que Gucky

levou à Titan.

O rato-castor voltou a materializar-se no colo de Perry

Rhodan.

Perry suspirou aliviado. Gucky fez de conta que não

percebia nada, mas no seu íntimo sentiu-se orgulhoso pela

preocupação que o chefe sentira por ele.

— Chefe — chiou — no momento não podemos contar

com o gordo, nem com os outros. Li os pensamentos de

Marshall. Procura desesperadamente descobrir quem lhes

pregou a peça com o hipercomunicador.

— A coisa está começando bem — limitou-se Rhodan a

responder.

* * *

Topthor estava sentado diante de Talamon. Examinava

atentamente o amigo.

Talamon parecia doente. A maneira de cumprimentar

Topthor fora pouco calorosa. Ele não viera para passar

algumas horas conversando, mas sim para colher mais

algumas informações sobre o grande negócio.

Como bom negociante, procurou antes de mais nada

descongelar Talamon.

— Cekztel também deve chegar hoje, meu caro! —

revelou.

Cekztel era chefe de todos os clãs dos superpesados.

Talamon não pensava em outra coisa senão nas

transmissões de hipercomunicação realizadas a partir de sua

nave.

— Ah, é? — disse por uma questão de cortesia.

Topthor tentou a aproximação de outro lado.

— Desta vez Rhodan e a Terra estão perdidos.

— Você acha? — perguntou Talamon.

Topthor esbravejou:

— Será que você só pensa nesse grande negócio?

— Em quê...?

Topthor nunca fora uma pessoa muito bem-humorada,

mas agora seu senso de humor era praticamente nulo. Bateu

com o punho na mesa.

— Diga logo o que houve com você, meu velho. Nem

pensa no seu grande negócio, pouco lhe importa que

Cekztel venha e o fato de que dentro em breve já não

teremos que temer Rhodan e sua Terra não o interessa nem

um pouco. Talamon será que ainda somos amigos?

— Se não fôssemos, eu lhe teria oferecido participação

no meu negócio? — esquivou-se Talamon.

— Você não está respondendo à minha pergunta —

trovejou a velha raposa. — Você tem problemas? Pois

também tenho. Os aras me dão dor de cabeça.

Finalmente Talamon mostrou-se interessado. Inclinou-

se para frente e, embora estivessem a sós, falou aos

cochichos:

— Topthor, em minha nave há um vil traidor. Um

indivíduo do meu clã quer me vender. Se conseguir, a nave

chamada Tal VI deixará de existir.

— Isso tem algo a ver com seu grande negócio? —

indagou Topthor.

— Em parte, Topthor. Por isso no momento não sei se

será conveniente para você ser meu sócio.

O superpesado riu a plenos pulmões.

— Sirvo muito bem para o negocio, Talamon. Sou o

único superpesado que sabe onde pode ser encontrado o

planeta Terra. É isso mesmo, Talamon. Os dados estão no

meu cérebro positrônico de bordo, muito bem armazenados

e... — sua voz reduziu-se a um cochicho. — Quer saber de

uma coisa? Codifiquei o setor de memória de tal maneira

que jamais um ara conseguirá os dados sem meu

consentimento.

Os olhos de Talamon iluminaram-se. Sabia que Topthor

seria incapaz de enganá-lo.

— Quer dizer que você gosta deles tanto quanto eu,

Topthor. Ainda prefiro o tal do Perry Rhodan...

O outro logo mordeu a isca, com tamanha força que

Talamon teve de esforçar-se ao máximo para não trair sua

alegria. O amigo trovejou:

— Eu também! Quase explodi quando ouvi falar no

crime que praticaram contra o planeta Exsar. E quando me

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disseram que Aralon estava lançando uma ação de socorro

gratuita, as vendas me caíram dos olhos. Tenho vontade de

mandar a assembleia para os ares.

— Será que não foi você quem colocou a bomba no

planeta de Goszul? — perguntou Talamon em tom

sarcástico e sentiu que sua disposição de espírito

melhorava.

— Tolice! — resmungou Topthor. — Mas de repente a

idéia de lançar um ataque contra Rhodan não me dá mais o

menor prazer. Diga-me uma coisa: você é fá do Rhodan?

Você não fala mal dele, e isso não corresponde ao seu

gênio.

— Topthor, você acha que a gente deve falar mal de um

ser que teve o direito e a possibilidade de nos matar, mas

não usou esse direito e essa possibilidade? É só por isso que

o clã de Talamon ainda existe, Topthor.

Topthor levantou-se abruptamente.

Lançou um olhar prolongado e pensativo para o amigo.

Este sustentou o olhar. Dois seres, cada um com mais de

seiscentos quilos, ambos velhos, inteligentes e espertos,

endurecidos em muitas batalhas espaciais sangrentas,

acenaram com a cabeça.

Topthor disse em tom grave:

— Se não estou enganado, continuo vivo apenas porque

em certa batalha Rhodan achou preferível não me

transformar numa nuvem de gases. Mas não preciso dormir

em cima disso, Talamon. Agora este Rhodan começa a me

causar preocupações por um lado do qual nunca esperava

qualquer problema. Até amanhã, Talamon, até amanhã.

A estranha rigidez desapareceu do rosto de John

Marshall. Com um gesto que espelhava o cansaço, passou a

mão pela testa, passou os dedos pelos cabelos escuros e

esticou o corpo.

Voltara a ser o velho John Marshall, um dos

colaboradores mais antigos de Perry Rhodan e um de seus

melhores telepatas.

Lançou um olhar eloquente para Reginald Bell.

— E daí?

John Marshall continuou sentado; um sorriso débil

esboçou-se em seus lábios.

— Topthor é o único sobrevivente que conhece a

posição de nosso sistema solar e da Terra.

Bell e seu comando de mutantes ainda se encontravam

no camarote particular de Talamon. Sabiam que naquele

momento aquela raposa sagaz, Topthor, fazia uma visita à

nave. Marshall não deixara passar a oportunidade. Graças à

sua capacidade telepática, “lera” a conversa travada entre

Talamon e Topthor, acoplando sua mente aos pensamentos

dos dois interlocutores. Dessa forma, acabara por descobrir

o segredo mais precioso de Topthor.

Bell não tirava os olhos de John Marshall. Os mutantes

fizeram a mesma coisa. Quase chegaram a esquecer o

terrível incidente com o hipercomunicador. Só Marshall

pensou no caso, pois ao acompanhar a conversa dos

superpesados, sentira a preocupação de Talamon e a

indagação de quem poderia ter ligado o aparelho.

Marshall ofereceu outra parte do segredo de Topthor.

— Os dados astronáuticos da Terra estão guardados no

setor de memória de sua calculadora positrônica.

O sorriso gostoso de Bell fez com que John Marshall se

retirasse, depois de acrescentar apressadamente estas

palavras:

— Topthor garantiu-se por todos os lados.

Reginald Bell, que além de Perry Rhodan era o único

homem que havia recebido o grau mais elevado de

ensinamento arcônida através do processo hipnótico, pediu

que John Marshall lhe fornecesse todos os dados.

Escutava com o rosto inexpressivo. Frio, sem deixar

impressionar-se por qualquer tipo de emoção. Lógico até as

últimas consequências refletiu sobre o problema de como

seus mutantes poderiam aproximar-se do cérebro

positrônico de bordo da nave de Topthor, contornar as

barreiras de segurança e atingir a memória do aparelho.

Em tom lacônico e numa formulação objetiva e

inconfundível, dirigiu outras perguntas a John Marshall. O

telepata concentrou-se ao máximo.

Quando Topthor revelou ao amigo o grande segredo, os

dados sobre a posição da Terra pensara muito satisfeito nos

dispositivos de segurança que mandara colocar para

proteger o saber armazenado contra qualquer pessoa que

quisesse apoderar-se dele indevidamente.

— Está faltando uma coisa, Marshall — disse Reginald

Bell ao telepata australiano. — O último dispositivo de

segurança, essa história da ultrabarreira, representa uma

contradição se não houver algum dispositivo adicional que

a cerca com seus pólos. Topthor deve ter pensado nesse

dispositivo adicional. Procure lembrar-se, Marshall.

Bell insistia. Os mutantes agiam como se nem

estivessem presentes. Kitai Ishibashi, um médico e

psicólogo japonês dotado de poder de sugestão

inacreditável, só em parte se encontrava presente. Por meio

de sua capacidade, colocara-se junto a Topthor, que já saíra

da Tal VI e naquele momento caminhava em direção à sua

nave capitania. Pensava em Perry Rhodan.

Subitamente John Marshall estremeceu como se tivesse

levado uma tremenda pancada. A mesma coisa aconteceu

com Kitai Ishibashi.

Bell notou o que estava acontecendo, mas não sentiu

nada. Não se espantou por isso. Afinal, não possuía as

mesmas capacidades dos dois mutantes.

Muito perturbado, John Marshall gemeu:

— Meu Deus, o que foi isso?

Bell poucas vezes o vira assim, e quando isso acontecia

sempre se encontravam diante de um perigo imenso.

O aspecto de Kitai Ishibashi não era melhor que o de

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John Marshall. O suor porejava na testa do japonês alto e

magro.

— Alguma coisa tentou agarrar-me — disse, explicando

o que acabara de sentir. — Mas quando quis me segurar,

errou o alvo.

Marshall limitou-se a acenar com a cabeça.

— Terá sido sugestão, hipnose, telepatia?

— Não foi nada disso — respondeu Marshall com a voz

pesada. — Foi uma coisa nova, uma coisa que nunca

experimentei. Acredito que seja uma coisa que nos

persegue.

Bell já tomara muitas decisões graves e nunca errara.

Mas o que devia determinar agora, quando ambos os

mutantes não conseguiam caracterizar o perigo que os

ameaçava?

Raciocinou instantaneamente. A conclusão lógica

exprimia-se nesta pergunta:

— Marshall, o senhor já consegue lembrar-se do

dispositivo adicional que Topthor usou para inverter a

polarização da ultrabarreira que protege a memória do

cérebro positrônico?

Esse problema tinha precedência sobre qualquer outro.

A segurança dos homens que se encontravam na nave não

era tão importante. Precisavam aproximar-se do cérebro

positrônico de bordo de Topthor, a fim de remover os dados

astronáuticos.

O sistema de alarma do cérebro de Bell entrou em ação.

Havia um “furo” em seu raciocínio.

A técnica positrônica não permitia que qualquer dado,

uma vez armazenado, fosse removido. Era impossível

apagar qualquer setor da memória do cérebro. Só havia

possibilidade de revisões, mas devia tratar-se realmente de

uma revisão, pois do contrário o cérebro não aceitava os

novos dados, mantendo os que já se encontravam

armazenados.

— Consegui! — exclamou Marshall, arrancando

Reginald Bell de suas reflexões.

— O quê? — perguntou Bell, e essa pergunta o

diferenciava de Perry Rhodan, o reator instantâneo.

— Já sei em que dispositivo adicional da ultrabarreira

andou pensando o velho Topthor...

Por mais que Marshall se esmerasse nas explicações,

Bell não conseguia acompanhá-las. Lançou um olhar para

Wuriu Sengu, o espia. Esse japonês de aspecto

despretensioso, filho de um casal que durante o bombardeio

atômico ao Japão ficara exposto a uma dose quase mortal

de radiações. Agora possuía a capacidade espantosa de, por

meio de um processo de concentração espiritual, aumentar

o poder de visão a tal ponto que podia enxergar através dos

átomos e das moléculas de matéria compacta, reconhecendo

perfeitamente o objetivo visado.

Wuriu Sengu compreendeu o pedido de Reginald Bell.

Concentrou-se e colocou um bloco de papel sobre o

joelho, segurando o lápis na mão. Logo viu o esquema da

parte do cérebro positrônico de Topthor que Bell não

conseguia conceber com a necessária clareza através dos

seus esforços mentais.

O processo demorou menos de dez minutos. Sengu, o

espia, voltou ao normal. Entregou a Bell o esquema de

ligações da ultrabarreira e do dispositivo adicional.

Bell esboçou um sorriso feroz, zombando de sua própria

lerdeza. Um simples olhar para o desenho bastava para que

compreendesse o dispositivo de segurança.

— OK — disse em inglês. — Voltaremos a transferir

nosso quartel-general para a Gazela. Irei depois: ainda

tenho de falar com a Titan. Marshall, o que acha de Beta?

O australiano deu uma risada silenciosa. Lera os

pensamentos de Bell. Sua resposta foi a seguinte:

— Acho que o chefe gostará muito.

* * *

Três patriarcas viram o biólogo chefe Keklos sair da

sala. Depois disso, dois saltadores e um superpesado

trocaram olhares ferozes. Um após o outro sacudiram a

cabeça, em sinal de desaprovação.

Cekztel, chefe de todos os clãs dos superpesados, disse

depois de ter calculado que esse ara com certeza não

conseguiria ouvi-lo mais:

— Se ficar doente um dia, prefiro morrer que ser curado

por este biólogo chefe. Já vi alguns mundos que foram

transformados em sóis sob o efeito das nossas bombas, mas

nunca senti o menor prazer em vê-los destruídos. É bem

verdade que não cheguei a sentir compaixão. Afinal, os

seres que destruímos foram nossos inimigos, mas nunca

maltratei um ser até a morte. Quer apostar que esse Keklos

faz uma coisa dessas?

Siptar, um patriarca muito velho, acenou a cabeça,

muito pensativo. O velho Vontran demonstrou sua

repugnância sem rebuços.

— Amanhã será realizada a conferência... — o velho

Siptar disse mais alguma coisa e lançou um olhar de

expectativa para Cekztel.

O rosto carrancudo e enrugado deste tornou-se ainda

mais furioso. Seu olhar caminhava entre os dois patriarcas

dos saltadores.

— Sem vocês, os mercadores, os superpesados não

atacarão a Terra. Se vocês nos acompanharem com todas as

naves que estiverem bem armadas, nós os

acompanharemos. Do contrário...

Se havia uma voz que pesava, era a de Cekztel. Era o

chefe de todos os patriarcas dos superpesados. Ninguém

sabia quantas naves de guerra comandava. Era provável que

o próprio Cekztel não soubesse. Porém o que se sabia era

que um couraçado espacial dos superpesados equivalia, nos

armamentos, a cinquenta naves bem armadas dos

saltadores.

Siptar, cujos olhos escuros ainda não haviam sido

turvados pela velhice e que era conhecido por sua

inteligência e autodomínio, perguntou tranquilamente:

— Devemos ver nisso uma ameaça, Cekztel?

Cekztel soltou uma estrondosa gargalhada, bateu com o

punho na mesa e gritou:

— Vejam nisso uma chantagem, Siptar. Será que os

saltadores acham que somos idiotas? Um ser como Perry

Rhodan, que consegue roubar o maior couraçado do

Império e apesar disso colabora com o cérebro robotizado

de Árcon, para mim não pode ser considerado um nada. E,

uma vez que ninguém sabe que frota gigantesca Rhodan

possui no setor da Terra, nós, os superpesados, só nos

lançaremos ao ataque se formos acompanhados pelas frotas

dos mercadores galácticos. Então, ainda acham que a

condição imposta por mim representa uma chantagem, ou

já chegaram à conclusão de que apenas é um produto da

lógica aplicada?

— Como você votará amanhã, Cekztel? — perguntou o

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velho e sagaz Siptar.

Os olhos de Cekztel relampejaram.

— Pouco importa que amanhã eu me manifeste a favor

ou contra o ataque à Terra. Tudo depende do que vocês

decidirem. Se também estiverem dispostos a arriscar

alguma coisa, não terão solicitado nosso auxílio em vão.

Vontran teve a impressão de que estas palavras

exprimiam uma exigência pecuniária dos superpesados.

Procurou amarrar Cekztel por meio de uma pergunta

lacônica.

O superpesado reclinou-se confortavelmente e

perguntou com um sorriso matreiro:

— Será que vocês realmente acreditavam que

partiríamos para o ataque de graça? Será que os mercadores

já venderam alguma coisa sem exigir o respectivo

pagamento? Algum de vocês já foi tratado pelos aras e não

recebeu a respectiva conta? Meus caros, vocês estão

ficando muito engraçados. Nosso auxílio custará algumas

centenas de milhões. E, se me lembro de que Topthor é o

único que conhece a posição da Terra, e que Topthor

também é um superpesado, chego à conclusão de que vocês

deveriam pagar o dobro.

— Cekztel! — chiou Siptar. — Você não pode estar

falando sério.

Siptar respondeu em tom frio:

— Não costumo brincar quando se trata de dinheiro.

Fiquem com o dinheiro. Torçam o pescoço de Perry

Rhodan sem recorrer ao nosso auxílio. Muito bem, pedirei a

Topthor que lhes forneça os dados. Partam para a Terra e

ataquem Rhodan. Desejo-lhes muitas felicidades, suas

almas mesquinhas de mercadores.

* * *

O biólogo chefe Keklos recebeu o relatório de Moders.

Este teve o cuidado de não ultrapassar o limite dos três

metros.

— A bioprodução foi iniciada neste momento. Mandei

aquecer as primeiras retortas-autoclaves. Hoje de noite, por

ocasião da mudança de turno, já poderemos verificar se a

produção em massa está correndo sem falhas. Depois disso

mandarei que todas as retortas-autoclaves...

— Espere até que a assembleia dos saltadores chegue ao

fim, Moders — interveio Keklos em tom áspero e não deu a

menor atenção ao espanto de seu colaborador. — A nave

cargueira vinda de Gom já foi descarregada?

— Não.

— Pois dê ordens imediatas para que o descarregamento

não seja iniciado sem nova ordem. Providencie

imediatamente. Porém, antes disso, traga-me um bio.

Moders estava dispensado. Muito confuso, retirou-se do

gabinete do chefe. Não compreendia as instruções de

Keklos. De repente, a produção em massa dos bios não era

mais urgente. Por que a matéria-prima vinda de Gom devia

permanecer na nave que a trouxera?

A fantasia de Moders não tinha bastante agilidade para

estabelecer uma ligação entre o bio, ao qual deu a ordem de

dirigir-se ao gabinete do biólogo-chefe Keklos, e as

instruções que acabara de ouvir.

No momento em que o vulto cinza-fosco, o produto da

retorta de mais de três metros de altura, entrou no gabinete

do chefe, cruzando um par de braços no peito e outro par

nas costas e mantendo-se em atitude de expectativa, Keklos

acabara de entrar em contato pelo rádio com a nave

cargueira que acabara de trazer a matéria-prima de Gom.

Também no cargueiro suas instruções produziram

espanto e perplexidade. E, quando o bio de Keklos entrou

em cena, os oficiais que se encontravam na sala de

comando do cargueiro desistiram dos esforços de encontrar

a solução do mistério.

Mas Keklos sabia perfeitamente o que queria.

* * *

Quatrocentos mil quilômetros acima de Laros, a grande

frota de Talamon se mantinha em posição de espera. A

menor de suas naves de guerra recebera ordens do patriarca

para descer em Laros, passou pelo controle dos médicos

aras e uma hora depois voltara a decolar.

Talamon ainda se sentia congelado até a medula dos

ossos em virtude do incidente com o hipercomunicador. O

que mais o deprimia era o fato de que tinha de ver em

qualquer dos membros de seu clã um traidor. Naquele

instante encontrava-se a caminho do “quartel-general” de

Bell. O gordo instalara o grupo de mutantes na Gazela

abrigada no hangar secreto da nave, e que se mantinha

preparada para decolar a qualquer momento.

Bell não conseguira acalmá-lo. Talamon não se deixou

demover da ideia de que entre seus parentes mais chegados

havia um traidor. Não admitiu a possibilidade de que um

acaso infeliz tivesse estabelecido à ligação do

hipercomunicador. Bell também não acreditava nisso, mas

John Marshall, o telepata, afirmava que as coisas se haviam

passado sem traições. Tivera o trabalho enorme de

examinar um por um os membros da tripulação. O resultado

foi nulo.

De qualquer maneira, o pouso da menor das naves de

Talamon e seu regresso não haviam sido em vão. Essa ida e

vinda não teve outra finalidade senão justificar o tráfego

intenso de mensagens de rádio expedidas pela Tal VI. Uma

vez que esse tráfego se realizava pela frequência de

Talamon, Perry Rhodan o acompanhava automaticamente e

não poderia deixar de espantar-se com o texto das

mensagens.

O superpesado exibiu um sorriso matreiro quando

entrou na Gazela e entregou a Bell a notícia gravada numa

folha de plástico. Segundo esta, a pequena nave de guerra

atingira a frota que se mantinha em posição de espera acima

de Laros.

Bell não demonstrou o menor interesse pelo texto. Sabia

que era obra de Perry e encerrava uma notícia oculta. O

cérebro positrônico da Gazela começou a trabalhar com o

texto. Bell ligou a chave de decifração; o cérebro

transformou a mensagem corriqueira numa série de dados

astronáuticos. Por estes, a Terra era um planeta do setor

Orion, um dos astros que gravitavam em torno do

gigantesco sol Beta. Era o terceiro planeta desse sol

monstruoso. Com estes dados, sofreu um deslocamento de

272 anos-luz da sua posição verdadeira. Para quem se

encontrasse no grupo estelar M-13, a Terra aproximara-se

272 anos-luz dessa nebulosa.

— Não gostaria de percorrer essa distância a pé —

resmungou Bell com um sorriso, sem notar que Talamon já

o havia deixado.

John Marshall aproximou-se, vindo da parte dos fundos

da pequena sala de comando.

— Talamon não nos avisará de que Topthor conhece a

Page 30: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência" - Volume X - A Morte da Terra. P- 46-49.

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posição da Terra, nem nos trairá junto a ele — informou. —

Se continuar fiel à sua opinião, não fará conosco o grande

negócio da sucata que se encontra em Honur. De um lado

sente-se obrigado a Topthor e de outro, a nós. E ainda há a

questão do hipercomunicador.

Bell interrompeu-o com um gesto apressado.

— Deixe-me em paz com isso, Marshall. Insista junto

aos seus colegas para que ninguém formule diante dos

superpesados a mais leve insinuação do que sabemos. O

senhor é capaz de imaginar o que aconteceria se eles

soubessem?

— Sim senhor. Talamon nos procurará para dizer que

avisará Topthor de que estamos de posse do seu segredo e...

— Vamos providenciar para que isso dê um prazer todo

especial a Topthor — interveio Bell com uma risada

contrafeita. — Peça a Tako Kakuta e Ras Tschubai que

venham até aqui. Quero que transformem o segredo de

Topthor numa bolha de sabão.

Keklos não se esqueceu da advertência formulada pelo

inspetor-chefe Gegul, executado no conversor. E agora só

uma noite o separava da assembléia dos patriarcas.

— Biólogo-chefe Keklos — disse Gegul naquela

oportunidade. — O perigo começa com a assembléia. Foi o

que aconteceu no planeta Goszul, e é o que se repetirá em

Laros. Mas saberei impedir a repetição, e aqueles que estão

a soldo de Perry Rhodan cairão nas minhas redes. O senhor

tem alguma idéia do que me servirá de rede, biólogo-chefe?

Keklos já o imaginara quando Gegul formulou a

pergunta e dissera o que estava pensando.

Independentemente de Gegul, prosseguira em suas

experiências na mesma base, e nunca deixava de admirar a

clarividência de Gegul. Aquilo em que este, por intuição e

não em virtude de seu saber, via uma arma, realmente era

uma terrível arma.

Bem, fazia tempo que Gegul não se encontrava entre os

vivos. Esse fato não seria capaz de provocar um simples

sacudir de ombros em Keklos, mas o plano de Gegul

continuava vivo. Transformara-se em realidade.

— Quero que Moders compareça imediatamente —

disse a voz metálica de Keklos no intercomunicador.

Moders não compareceu.

Keklos deu o alarma. Costumava fazê-lo muitas vezes.

E, toda vez que isso acontecia, constatava-se o

desaparecimento de alguém, às vezes de muitos aras.

Ninguém saberia dizer que destino haviam tomado.

Ninguém se atreveria a formular uma indagação oficial.

Moders não compareceu.

O grau mais rigoroso de alarma foi desencadeado no

gigantesco sistema de galerias subterrâneas da lua Laros. O

alarma estendeu-se a toda a lua, em muitos pontos subia à

superfície e propagava-se.

Ninguém conseguia encontrar Moders.

Na cabeça do biólogo chefe Keklos começou a martelar

a advertência profética de Gegul: o perigo começa com a

assembleia.

Naquela noite, morreram muitos doentes, os cirurgiões

largavam seus instrumentos em meio às operações, os

enfermeiros abandonavam suas tarefas, grandes extensões

dos estabelecimentos hospitalares foram paralisadas. Todo

mundo procurava Moders, o colaborador mais chegado do

biólogo chefe Keklos.

Moders não foi encontrado.

* * *

Furioso, Talamon deixou-se cair na poltrona. Ainda

furioso, lançou um olhar para seu amigo Topthor.

— Para que serve essa palhaçada com os robôs de

combate?

Os robôs haviam detido e revistado Talamon diante da

nave de Topthor. Fora detido e revistado antes de entrar na

comporta, e novamente no convés principal, e mais uma

vez diante da escotilha que dava para a sala de comando.

De cada uma dessas vezes, haviam extraído seu modelo de

vibrações cerebrais e irradiaram-no para algum lugar, onde

seria examinado.

Topthor parecia muito bem-humorado.

— Você examinou bem os robôs? — A ênfase foi

colocada na palavra bem.

Talamon começou a imaginar do que se tratava.

— Serão seus?

— São dos aras.

— Como é que você pode concordar com uma coisa

dessas? — gritou Talamon e levantou-se de um salto.

— Sente, meu caro. Os robôs dos aras estão de sentinela

com meu consentimento. Há duas horas, quando estava

escurecendo, foram vistos estranhos no interior da minha

nave. Devem ter sido saltadores.

Topthor viu que o amigo voltou a afundar na enorme

poltrona e ouviu seu gemido:

— Estranhos?

O que Topthor não poderia imaginar eram os

pensamentos que se atropelavam na cabeça de Talamon.

Este acreditava saber quem eram esses estranhos.

— Isso mesmo, Talamon. Estranhos. Estranhos foram

vistos na casa de máquinas da minha nave.

No mesmo instante, Talamon sentiu-se aliviado de um

peso. Supusera que os estranhos tivessem sido vistos na

sala de comando, onde a posição da Terra estava guardada

na memória do cérebro positrônico. Que interesse poderiam

ter pela casa de força? De consciência tranqüila podia

eliminar os homens de Rhodan do grupo dos suspeitos.

Realmente deviam ter sido saltadores.

— O que será que alguém poderia encontrar nas nossas

casas de máquinas? — perguntou com um espanto genuíno.

— Avisei Cekztel, e este transmitiu o aviso ao biólogo

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chefe Keklos. Dali em diante, tropeçamos com os robôs dos

aras a cada passo que damos, mas com isso sinto-me um

pouco melhor. Apenas, não estou gostando da assembleia

de amanhã. Será que esse negócio renderá mesmo

quinhentos milhões para mim, Talamon?

— Pelo menos — respondeu Talamon em tom grave e

lançou um olhar penetrante para seu interlocutor. —

Aconteça o que acontecer, Topthor, você pode e deve

confiar em mim. Mas fique com a boca calada. Se

acontecer alguma coisa, não me faça perguntas. Não

gostaria de ver-me forçado a contar-lhe uma mentira. Posso

fazer o negócio sem você. Foi por minha livre e espontânea

vontade que lhe cedi uma parte. Quero que, se alguma coisa

não der certo, ao menos haja uma pessoa que continue leal

para comigo.

— Para isso você não precisaria presentear-me com um

lucro de quatrocentos milhões, Talamon. Eu... — teve a

impressão de ouvir um ruído estranho às costas. — O que

foi isso? — perguntou e virou-se apressadamente.

* * *

Naquele mesmo instante, Wuriu Sengu que, de olhos

fechados, estava sentado ao lado de Reginald Bell, disse:

— Topthor deve ter ouvido alguma coisa. Virou-se

abruptamente e está fitando o cérebro positrônico. Agora

está de pé. Não, voltou a sentar. Está desconfiando de

alguma coisa. Talamon está fazendo uma pergunta. Não

responde; em compensação está ligando o

intercomunicador e transmite instruções. No momento, não

vejo o menor sinal de Tako Kakuta.

Reginald Bell levantou a cabeça e lançou um olhar

pensativo para Ras Tschubai. Era o segundo teleportador

que, de acordo com os planos, já devia estar na sala de

comando de Topthor para, juntamente com Tako Kakuta,

introduzir algumas modificações nos dados relativos à

Terra armazenados na memória do cérebro positrônico.

Acontece que Tako Kakuta não conseguira penetrar na

sala de comando sem ser notado. Bell esteve a ponto de

fazer uma pergunta a Sengu, o espia, quando os três —

Tschubai, Sengu e ele mesmo — se assustaram com um

estrondo.

Com o estrondo, o teleportador pequeno e franzino

rematerializou-se. O rosto infantil sob a testa abaulada

exprimia contrariedade.

Tako Kakuta caíra durante a rematerialização.

— Foi isso — disse com a voz martirizada. — Foi

exatamente isso que aconteceu quando cheguei à sala de

comando de Topthor.

Ergueu-se lentamente, sacudindo a cabeça.

Kakuta não soube explicar o que acontecera.

— Ishibashi, o senhor percebeu alguma coisa? —

perguntou Bell, dirigindo-se ao sugestor.

— Sim senhor, mas também não sei explicar do que se

trata. A coisa apenas roçou em mim de leve. Quase chego a

pensar que se tratava de uma coisa enfeixada.

— Wuriu Sengu, o quadro, que o senhor viu,

permaneceu nítido durante todo o tempo? — Reginald Bell

aguardava ansiosamente a resposta do espia.

— Bastante nítido! — respondeu Sengu em tom

decidido.

— Pois nesse caso vou falar com Marshall — decidiu

Bell e levantou-se. — A missão “setor de armazenamento”

sofrerá um ligeiro adiamento.

Retirou-se para procurar John Marshall, que nas

missões dos mutantes costumava dirigir os comandos.

* * *

O intercomunicador do gabinete de Keklos emitiu o

sinal de urgência máxima. O biólogo-chefe levantou os

olhos dos documentos que estava examinando e ouviu uma

voz nervosa anunciar que Moders havia sido encontrado.

— Quero um relato preciso, imediatamente — disse

Keklos, cortando a longa introdução.

Cada vez mais interessado, acompanhava o relato. Viu

na tela o estado em que se encontrava Moders. Não ligou a

transmissão de sua própria imagem. Os médicos, em redor

de Moders, que estava inconsciente, não podiam fazer a

menor ideia da satisfação que se espelhava no rosto de

Keklos.

Este não comentou o relatório que acabara de ser

transmitido.

— Tomem as providências que se fazem necessárias —

disse e desligou.

Pouco depois, chamou o bio que Moders lhe enviara há

algumas horas. Quando o produto da retorta entrou pela

segunda vez naquela noite, estremeceu com a voz enérgica

de Keklos. O bio não sabia do pavor que uma aproximação

a menos de três metros causava no biólogo chefe. Não

entendendo as censuras ásperas do ara, o ser artificial feito

de substância biológica deu dois passos apressados para

frente e colocou-se bem diante de seu criador.

O bio ainda chegou a ouvir o grito de pânico de Keklos.

Também viu a mão do biólogo chefe pegar a arma. Mas

entendeu muito tarde os berros desesperados de Keklos:

— Para trás! Para trás!

Quando a arma de impulsos térmicos, que se encontrava

na mão do ara, expeliu seu raio mortífero, destruiu uma

vida artificial que mal começara a existir.

Com os olhos chamejantes, Keklos fitou os restos

fumegantes deixados pelo raio térmico.

Em tom furioso, chiou:

— Agora tenho que arranjar outro transmissor

intermediário e posso começar tudo de novo. Quando

Moders acordar, não ficará nada satisfeito em saber que

pertence ao material de experiências da divisão de doenças

aromáticas. Pensei que fosse mais inteligente. Até o

momento em que desmaiou, não compreendeu os meus

planos. E as indicações que lhe forneci deveriam ter sido

suficientes para isso.

Keklos não esqueceu o menor detalhe. Antes de chamar

outro bio, avisou o setor experimental de doenças

aromáticas de que podia dispor de Moders como material

de ensaio.

Dali a dez minutos, outro bio se encontrava em seu

gabinete. O biólogo chefe transformou-o em transmissor

intermediário.

Através do bio, entrou em contato com a matéria-prima

que a nave cargueira acabara de trazer de Gom, e que em

virtude das instruções de Keklos ainda não havia sido

descarregada.

Foi diante dessa nave cargueira que encontraram

Moders desmaiado.

Keklos sabia por que Moders desmaiara.

* * *

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Wuriu Sengu dera o sinal convencionado a Tako Kakuta

e Ras Tschubai. A força de sua mente permitia-lhe enxergar

a sala de comando de Topthor.

Estava vazia.

Atrás de Sengu o ar começou a tremeluzir em dois

pontos diferentes, e nesse tremeluzir desapareceram os dois

teleportadores.

No mesmo instante, Sengu os viu quando se

esconderam na sala de comando do superpesado, atrás da

cúpula maciça do hipercomunicador.

Os dois teleportadores logo conseguiram orientar-se.

Aproveitaram-se do fato de terem estudado a Tal VI de

Talamon, inclusive a sala de comando. Depois que, graças à

capacidade de Marshall, ficaram sabendo do segredo de

Topthor, examinaram o cérebro positrônico com uma

atenção toda especial. O dispositivo positrônico, que

ocupava quase toda a parede oposta ao assento de

pilotagem, era a reprodução fiel do aparelho existente na

nave de Talamon.

Apesar disso, não era nada fácil reprogramar

determinada área do setor de memória. Graças ao processo

hipnótico dos arcônidas, ambos possuíam o saber de um

especialista de Árcon. Mas, para dominar os princípios da

positrônica na teoria e na prática, precisariam do quociente

intelectual de Perry Rhodan ou Reginald Bell.

O gorducho sabia tudo de cor. Seria o homem indicado

para o serviço. Mas Bell não era teleportador, e, sem essa

faculdade formidável, já teria morrido sob o fogo dos robôs

de combate dos aras, que vigiavam a nave de Topthor em

fila quádrupla.

Mas Ras Tschubai e Tako Kakuta não dependiam

exclusivamente de sua própria capacidade.

Bell, que às vezes assumia grandes riscos, desta vez

agira com a cautela de estrategista frio. Não queria deixar o

menor detalhe por conta do acaso.

Wuriu Sengu via o que se passava na sala de comando

de Topthor e constantemente emitia seus comentários

lacônicos.

Diante dele, estavam sentados John Marshall e Kitai

Ishibashi. Marshall era o telepata mais eficiente de Perry

Rhodan, e Ishibashi era um sugestionador que, por várias

vezes, provara que era capaz de impor sua vontade a

centenas de pessoas num espaço de tempo extremamente

curto. E a impunha de forma tão intensa e duradoura que as

pessoas atingidas se convenciam de que agiam por vontade

própria.

Como último recurso, Bell mantinha em reserva o

telecineta Tama Yokida. A distância entre a Gazela e a sala

de comando de Topthor fora medida com toda a precisão.

Yokida tinha um croqui sobre as pernas. Nele se via a

forma pela qual estava dividida a sala de comando, os

aparelhos existentes, e qual era a distância entre as peças

mais importantes.

Tama Yokida interviria se surgissem robôs. Recorreria à

força de sua vontade e lhes dispensaria um tratamento que

os faria voar pelo ar como se fossem balões e, com um

impacto violento, os transformaria em sucata.

Subitamente a voz de Wuriu Sengu parecia um tanto

nervosa.

— A escotilha está sendo aberta. Topthor está entrando

na sala de comando juntamente com dois membros de seu

clã.

Sengu ainda não havia acabado de falar quando

Marshall e Ishibashi entraram em ação.

Bell se mantinha um tanto afastado. Fumava. Seu olhar

era tranqüilo. E não estava excitado por dentro. Examinava

cuidadosamente seus comandados. Os que haviam entrado

em ação trabalhavam com o máximo de segurança e

concentração.

Kitai Ishibashi procurou atingir a vontade de Topthor.

Penetrou instantaneamente em sua mente e logo descobriu

o ponto de apoio a partir do qual seria mais fácil influenciar

o superpesado. Ishibashi batizara o procedimento com o

nome de método das camadas. Não inundava a vontade de

outra pessoa com a força de uma cachoeira, mas impunha-

lhe sua vontade em camadas progressivas.

John Marshall, que era telepata, não poderia dar apoio

direto à tarefa de Ishibashi. Em compensação, controlava os

pensamentos da vítima e fornecia ao sugestionador

indicações preciosas sobre a maneira de aplicar seu dom.

* * *

Topthor esperou até que a escotilha se fechasse atrás

dele. Em seu rosto velho e esverdeado, havia uma

expressão de contrariedade.

— Sentem — disse em tom rude aos membros de seu

clã.

Os dois jovens superpesados, cuja figura era quadrática

como a do velho, deixaram-se cair nas poltronas. Não

deviam esperar nada de bom; era o que dizia o rosto

zangado de Topthor.

— O tal do Keklos, chefe dos aras em Laros, está

ficando louco. Vocês ficarão de sentinela aqui até que eu

mande revezá-los. O biólogo-chefe está vendo fantasmas.

Quer transformar os estranhos que foram vistos nesta nave

e que infelizmente conseguiram escapar em figuras que

trabalham para Perry Rhodan. O que eu acredito e o que

vocês acreditam é coisa que só diz respeito a nós mesmos.

Keklos exerceu certa coação sobre mim. Colocou-me diante

da alternativa de vigiar a sala de comando através de meus

homens e manter contato audiovisual permanente com ele,

ou então vê-lo colocar meia dúzia de robôs de combate dos

aras na mesma. É isso. Mostrem suas armas.

Um dos membros do clã praguejou. Parecia muito

contrariado. Mas cumpriu a ordem de Topthor, exibindo

suas armas tal qual o outro. Os dois fitaram o velho e

arregalaram os olhos.

Topthor, o velho ranzinza que vivia resmungando, riu.

Piscou animadamente para os dois.

— Instalem-se de modo confortável — disse em tom

bonachão. — Se quiserem dormir um pouco, fiquem à

vontade. Quanto ao contato com Keklos, falarei com ele da

minha cabine. Se continuar a insistir, avisarei.

— Falou, meu senhor — disse o mais alto dos dois com

uma risada e deu um soco nas costelas do outro.

Subitamente parecia muito bem-humorado e guardou todas

as armas no fundo do bolso. — Por todas as estrelas do

Universo, estou cansado como quem atravessou uma

bebedeira de três dias e três noites.

— Pois comigo está acontecendo a mesma coisa —

disse o patriarca e bocejou gostosamente. — Está na hora

de ir para a cama.

Com estas palavras retirou-se.

* * *

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33

Tako Kakuta e Ras Tschubai, que se mantinham

escondidos atrás da enorme instalação de rádio da nave de

Topthor, piscaram alegremente um para o outro.

Desde o momento em que o velho se dispôs a controlar

as armas de seus subordinados, transformara-se de uma

hora para outra num ser totalmente diferente. Ele, que a

bordo de sua nave costumava escrever a palavra disciplina

com letra maiúscula, sugeria que a missão que acabara de

confiar aos dois membros de seu clã não fosse levada muito

a sério.

Os dois teleportadores sabiam quem tinha suas mãos

naquilo, e de onde partia a influência exercida sobre os três

superpesados.

Os passos pesados de Topthor afastaram-se depois que

este fechou a escotilha.

Mais uma vez, os mutantes que se mantinham

agachados atrás das instalações de rádio trocaram um olhar.

Aguçaram o ouvido. Aguardavam os roncos dos

superpesados que estavam sentados nas poltronas.

Silenciosos que nem duas sombras os dois mutantes

saíram de trás das instalações de rádio.

* * *

A menos de três quilômetros de distância, no interior da

pequena cabine da Gazela, Bell deu esta ordem ao

telecineta Tama Yokida:

— Providencie para que nos próximos quinze minutos

ninguém consiga abrir a escotilha que dá para a sala de

comando de Topthor.

Tama Yokida limitou-se a acenar com a cabeça e

liberou suas energias telecinéticas, tangeu-as para a nave de

Topthor e ali desencadeou forças tremendas. Essas forças

atingiram o mecanismo da fechadura da escotilha,

interpuseram-se entre os relês arcônidas, fizeram com que

potentes campos magnéticos entrassem em colapso e

desempenharam o papel de solda indestrutível que ligasse a

escotilha e os trilhos pelos quais a mesma devia deslizar.

* * *

O cérebro positrônico de Topthor estava funcionando.

As duas sentinelas estavam deitadas nas poltronas e

dormiam. Nem Kakuta nem Ras Tschubai viraram-se uma

única vez para eles. Confiavam irrestritamente na

capacidade de Ishibashi.

O setor de memória! Tako Kakuta acabara de ligá-lo,

mas não tinha muita certeza sobre a ligação que deveria

efetuar.

Na sala de comando da Gazela, Marshall dirigiu-se a

Reginald Bell e disse:

— Kakuta não quer arriscar-se em ligar o impulso do

setor de memória. Ainda está hesitando e...

Bell preparara as medidas a serem adotadas se ocorresse

um incidente como este. Kitai Ishibashi teria de suspender

temporariamente seu tratamento sugestivo.

— Ocupe-se com Kakuta. Aqui — apontou para a série

cronológica de ligações. — Foi aqui que ele encalhou.

Ande depressa, Ishibashi!

No momento em que Kakuta ligou o impulso do setor

de memória do cérebro positrônico, nem desconfiou que

Kitai Ishibashi lhe dera ordem para isso a uma distância de

três quilômetros.

— Pronto? — perguntou o africano.

Ras Tschubai já concluíra sua tarefa.

— Um mo...

Naquele instante uma voz berrou atrás deles:

— O que está acontecendo aqui? Uma das sentinelas

acordara.

Ras Tschubai desapareceu diante de Kakuta. O africano

alto e esbelto assumira o risco de teleportar-se em meio ao

chamado. Kakuta preferiu não arriscar-se. Se Tama Yokida,

que se encontrava na Gazela, não desse conta de sua tarefa,

estaria perdido.

Este não teve tempo de informar a Bell. Libertou a

escotilha que dava para a sala de comando das suas

energias telecinéticas para brincar com o jovem

superpesado.

Este, que acabara de despertar do sono hipnótico, mas,

continuava dominado pela vontade estranha, não viu nada

demais em subir de sua poltrona e ficar grudado no teto.

Tama Yokida virará o corpo dele de tal maneira que o peito

ficou encostado no teto. Assim o jovem superpesado não

veria o que se passava embaixo dele.

Apesar do incidente, que poderia assumir uma feição

ameaçadora, Wuriu Sengu, o espia, continuou a transmitir

seus comentários com a voz tranqüila.

— Kitai! — disse Bell com a voz metálica, mas

percebeu pelo gesto do sugestionador que este já havia

entrado em ação.

Sengu informou:

— A escotilha está sendo aberta. Topthor...

Naquele instante, uma força invisível sacudiu a sala de

comando da Gazela. Bell e seus mutantes foram varridos

para um canto. Sengu gemeu. Batera com a cabeça.

Marshall segurava a cabeça com ambas às mãos. Ishibashi,

que se encontrava ao lado de Reginald Bell, logo ficou em

condições de entrar em ação. Comunicaram-se por meio de

olhares.

— Marshall! — chamou Bell em tom enérgico. —

Marshall e Sengu!

Os dois estavam trabalhando jogados ao chão, tal qual

Tama Yokida.

Só agora Bell se deu conta da situação terrível em que

se encontravam.

Quem os atirara contra a parede? Que poder os

descobrira e atacara?

— O que está fazendo o velho Topthor, Sengu? —

perguntou Bell apressadamente.

— Não o vejo — foi a resposta surpreendente e

inacreditável.

Bell fitou-o perplexo, mas no mesmo instante formulou

a pergunta dirigida a Ishibashi.

— Voltou a submeter Topthor ao seu tratamento?

Ishibashi deu de ombros. Bell compreendeu. Pôs-se a

praguejar. Ras Tchubai, o teleportador africano,

materializara-se diante dele.

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— Topthor, a velha raposa, está jogado no convés C e

dorme em cima de bombas arcônidas.

Reginald Bell não demonstrou o menor interesse pela

informação.

— Tschubai, o senhor foi atacado nos últimos minutos

por uma força desconhecida?

— Atacado? — perguntou o africano.

Sengu exclamou em voz alta:

— Kakuta completou a modificação dos dados de

posição. Agora está parado diante do superpesado que caiu

do teto. Parece preocupado, pois tudo indica que o rapaz

está ferido.

— Era só o que faltava — resmungou Bell. —

Ishibashi, sugestione Kakuta para que teleporte o rapaz à

enfermaria, mas só se puder fazê-lo sem assumir qualquer

risco.

Ishibashi concentrou-se. Bell obteve mais alguns

segundos durante os quais pôde refletir tranquilamente.

Só as pessoas que se encontravam na sala de comando

da Gazela haviam sido atiradas ao chão. Ras Tschubai, que

se encontrava a três quilômetros de distância, não havia

percebido nada. Subitamente lembrou-se de que durante a

permanência no camarote particular de Talamon haviam

sentido, com um breve intervalo, dois fenômenos

inexplicáveis.

— Marshall...

Não conseguiu dizer mais nada. Talamon irrompeu na

pequena sala de comando da Gazela, dando mostras de

tremenda exaltação. As notícias que trouxe não foram boas.

Há dois minutos mais de cem robôs de combate dos aras

passavam pelos compartimentos da Tal VI. Eram

acompanhados de quase duzentos aras armados até os

dentes, que se mantinham mudos e revistavam

sistematicamente sala após sala.

Bell lançou um olhar pensativo para o patriarca. A cada

dia que passava gostava mais de Talamon. O velho não

sabia o que era medo, mas nesse instante soltou um grito.

Bem à sua frente Tako Kakuta se materializara. Já

estava abrindo a boca para avisar que a missão fora

cumprida quando viu o superpesado. Controlou-se

imediatamente e soltou a pergunta que abalou as pessoas

que se encontravam na sala de comando:

— Vocês sabem que três naves de guerra estão paradas

em cima da Tal VI?

O Biólogo chefe Keklos tremia de desconfiança. Tinha

diante de si dois relatórios, um da estação de

hipercomunicação e outro sobre o resultado da busca

realizada na última noite a bordo da Tal VI.

Keklos não pensava em nenhum desses relatórios.

Refletia sobre a experiência pela qual ele mesmo passara e

mais uma vez voltou a formular a mesma pergunta:

— Por que Topthor me chamou ontem de noite? E o que

quis conseguir com essa conversa tola?

Ele mesmo fora à nave de Topthor na ultima noite. De

repente, passou a desconfiar da transmissão audiovisual

realizada a partir da sala de comando. Mas na nave de

guerra do superpesado tudo estava em ordem. Numa atitude

triunfante, o velho lhe mostrara parte dos dispositivos de

segurança que colocara em torno do setor de

armazenamento de dados de seu cérebro positrônico.

— Biólogo chefe Keklos, como vê já tomei todas as

providências antes que o senhor determinasse suas medidas

de segurança.

Ontem de noite essa demonstração era boa de ver e de

ouvir, mas então ainda não dispunha dos relatórios.

A exposição fornecida pela estação de

hipercomunicação era inquietante.

De repente quatro técnicos captaram uma estranha

transmissão de hipercomunicação, que, após poucos

segundos foi abafada por uma interferência. Antes que

fosse possível determinar a fonte de interferência, esta se

estendera a todas as frequências. Esse acontecimento

inédito impediu os técnicos de se ocuparem imediatamente

com a parte inteligível da transmissão. Enquanto

procuravam determinar o motivo da interferência, o

suprimento de energia foi suspenso por alguns segundos.

Pouco depois, por algum motivo inexplicável, a grade Me

caiu e o condensador de vácuo explodiu.

Depois de reparadas as avarias, passou-se ao exame da

parte inteligível da transmissão de hipercomunicação. Mas

em vez daquilo que os técnicos haviam ouvido, o setor de

armazenamento reproduziu uma voz chiante, que anunciava

o choro dos dervixes e apresentou uma música infernal,

insuportável para os ouvidos de um ara.

Keklos logo tropeçou sobre a palavra dervixe. Chegou a

consultar Aralon, mas nenhum cientista sabia o que

significava essa palavra.

— Devem ser os demônios das estrelas!

Com estas palavras afastou os relatórios. A busca dada

na Tal VI também não produzira qualquer resultado.

Subitamente Keklos atirou a cabeça para trás. Num

Page 35: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência" - Volume X - A Morte da Terra. P- 46-49.

35

gesto que quase chegava a ser guloso, pegou o relatório

sobre a Tal VI. Observou-o e viu que a busca da enorme

Tal VI durara pouco mais de uma hora. Face a esse período,

extremamente reduzido para uma operação de busca,

concluiu que alguma coisa não estava em ordem.

Examinou atentamente as indicações de tempo.

O que acontecera na última noite a bordo da Tal VI?

Uma frase o incomodava em meio às suas reflexões:

— O perigo começa com a assembleia! A assembleia

dos patriarcas estava próxima ao encerramento. Já se

decidira que Rhodan seria destruído e que seu planeta seria

transformado num sol. Apenas se regateava sobre o preço

que os superpesados exigiam dos saltadores.

Há meia hora Keklos, bastante contrariado, desligara o

aparelho que transmitia os trabalhos da assembleia. Seria

preferível que não o tivesse feito, pois naquele instante

Cekztel, chefe de todos os patriarcas dos superpesados,

levantara-se e, soltando uma praga, dissera:

— Os superpesados não lançarão nenhum ataque contra

Rhodan e seu planeta, a Terra. Estou enojado de toda essa

choradeira por causa de oitenta milhões.

Nem Cekztel, nem Siptar, Vontran ou qualquer dos

outros participantes desconfiavam de que os mutantes de

Perry Rhodan estivessem dando tudo de si para transformar

a assembléia numa bomba explosiva de desunião.

Ao amanhecer, os teleportadores Tako Kakuta e Ras

Tschubai desempenharam o papel de “rebocadores” e,

numa série de excelentes saltos de teleportação, haviam

colocado Bell, Tama Yokida, John Marshall e mais alguns

mutantes em esconderijos seguros no interior do pavilhão

de reuniões.

Não puderam exercer nenhuma influência sobre o

resultado da votação. Contra todas as expectativas, a

deliberação a este respeito foi tomada logo após a abertura

dos trabalhos. Os trinta patriarcas, que estavam contra o

plano da destruição de Rhodan e da Terra, foram vencidos

pela grande maioria.

Porém, no momento em que Cekztel formulou sua

exigência pecuniária, as coisas tomaram aspecto diferente.

Ishibashi incumbira-se da maior parte do trabalho.

Sugestionava os mercadores galácticos, quase fileira por

fileira, para que recusassem a exigência de Cekztel.

Em meio a uma maioria escassa que pretendia pagar o

preço pedido pelo superpesado, soavam vozes cada vez

mais numerosas que gritavam “vigarice” e pretendiam pôr

em dúvida o resultado da votação.

Quando John Marshall e Kitai Ishibashi estavam

próximos ao esgotamento, sendo apoiados constantemente

por Betty Toufry que, segundo o plano de Bell, só devia

intervir no fim com toda a força de sua capacidade

telepática, o superpesado Cekztel levantou-se de repente e

dispôs-se a abandonar a assembléia.

De seu esconderijo Bell contemplou-o e esfregou as

mãos, quando alguma coisa passou, tocando-lhe. Por

pouco, não o faz perder o equilíbrio.

No mesmo instante, John Marshall encolheu-se.

Reginald Bell viu suas costas encurvadas, e também viu

Kitai Ishibashi, que gemia com a voz abafada:

— Ai está de novo!

Reginald Bell compreendeu que ainda faltava muito

para que pudessem considerar-se vitoriosos.

Alguma coisa não identificada vinda do desconhecido

os atingia.

Subitamente o chefe de todos os superpesados teve seus

passos travados em meio ao largo corredor central por

vários robôs de combate dos aras, surgidos de repente.

— Chefe — fungou Tama Yokida — os robôs sabem

exatamente onde estamos. Mais de trinta estão subindo para

cá.

O passo metálico das máquinas de guerra retumbava

pelo grande pavilhão, em que subitamente se instalara o

silêncio.

* * *

O produto da retorta, feio e de um cinza-fosco, estava

parado diante de Keklos.

— Fale logo! — gritou Keklos.

Acabara de saber que na noite anterior, enquanto estava

inspecionando a nave capitania de Topthor, o bio já tentara

falar com ele. Esse bio era seu transmissor intermediário.

Com uma voz surpreendentemente humana, o bio

limitou-se a dizer:

— Foram encontrados.

— Onde? — perguntou Keklos, gritando ainda mais

alto, e, em espírito, condenou à morte os três assistentes

aras, que deixaram de avisá-lo de que o bio procurava falar-

lhe na última noite.

— No lugar em que há muita gente junta e no lugar

onde mais uma vez há muita gente junta.

Só a última parte da resposta não foi muito clara para

Keklos. Deu o alarma para o pavilhão de conferências dos

patriarcas.

— ...onde mais uma vez há muita gente junta.

O biólogo-chefe refletiu ligeiramente. A segunda alusão

só podia dizer respeito à nave capitania de Talamon, a Tal

VI. Já ordenara nova busca, mas depois que formulou outra

pergunta ao bio e obteve a resposta não teve a menor

dúvida.

Alarma para a Tal VI!

Mais uma vez, gritou para o produto da retorta:

— Diga-lhe que deve atacá-los. Destruí-los! Entendeu?

Promete dizer imediatamente?

— Sim senhor, deve destruí-los! — respondeu o

produto da retorta.

Keklos seguiu o bio com os olhos febris. Por um

instante, seus pensamentos vagaram num sonho. Em meio a

esse intervalo, deu-se conta de como poderia entrar em

contato com a matéria-prima de Gom sem recorrer ao

transmissor intermediário.

— Gegul foi parar no conversor algumas semanas antes

da hora — admitiu.

* * *

— São quarenta! — chiou Tama Yokida, o baixote.

Sua voz não tremia.

Quarenta máquinas de guerra dos aras subiam

ruidosamente pela rampa que se elevava em arco livre,

descrevendo duas curvas. Mais de cem robôs espalharam-se

entre os patriarcas, ocuparam imediatamente todas as saídas

e, dirigindo as lentes sobre os saltadores espantados,

mantiveram-se imóveis.

— Vamos retirar-nos! — ordenou Bell, que geralmente

gostava de bancar o impetuoso. Neste momento, uma

mudança discreta de posições era preferível à mais

retumbante das vitórias.

— Chefe — disse John Marshall — sem...

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A força invisível voltou a atingi-los. Bell sentiu-se

agarrado e levantado. Perto dele, a pequena Betty Toufry

foi erguida mais um tanto. Marshall e Yokida estavam

jogados num canto e Ras Tschubai fora forçado a colocar-

se de joelhos. Tako Kakuta foi o único que conseguiu

manter-se no mesmo lugar.

Bell segurou Betty assim que sentiu o chão sob os pés.

A força desconhecida largou-os com uma rapidez igual à

violência com que os agarrara.

— Abandonar o terreno! Fugir! — Bell teve dificuldade

em proferir estas palavras, mas na situação em que se

encontravam qualquer resistência seria uma loucura.

— É tarde — disse Tama Yokida entre os dentes. —

Antes de mais nada, duas dúzias de robôs têm de ser

atirados da rampa para baixo...

Um ligeiro exame convenceu Bell de que os telecinetas

teriam que intervir. Os teleportadores receberam suas

instruções:

— Façam o papel de rebocadores. Estas palavras

representavam uma enorme injustiça para com a capacidade

dos teleportadores. Mas ninguém achou graça.

Tako Kakuta pretendia levar Bell num salto instantâneo

até a Gazela. Este fitou-o com os olhos chamejantes.

Kakuta virou-se abruptamente, pegou a figura alta e magra

de Kitai Ishibashi, concentrou-se, fez o ar tremeluzir em

torno de si e desapareceu com o sugestionador.

Yokida, o telecineta, irrompeu com sua energia que nem

uma tormenta do mundo primitivo sobre as máquinas de

guerra que se aproximavam ruidosamente. Os cinco robôs

que vinham na frente ergueram-se do chão, executaram

uma rotação no ar e bateram nas pernas metálicas dos cinco

robôs que os seguiam.

O impacto das dez máquinas de guerra ressoou na

rampa. Os patriarcas ouviram o barulho, mas do lugar em

que se encontravam não podiam ver o palco dos

acontecimentos.

Dez dos quarenta robôs haviam sido neutralizados por

algum tempo. Porém os trinta restantes, dirigidos

positronicamente, não conheciam o medo nem a

compaixão, obedecendo apenas à sua programação.

Passaram por cima da confusão e entraram na última curva

da rampa.

— Atirá-los-ei por cima da amurada...

Uma força brutal e imensa atingiu Bell e Tama Yokida,

os fez rodopiar loucamente, e soltou-os de repente.

O impacto ruidoso de seus corpos na tribuna foi abafado

pelas pisadas dos robôs. O giro do corpo fizera sangrar o

nariz de Bell. Por muitos segundos, Tama Yokida não

conseguiu enxergar nada. Quando a vista voltou a clarear,

percebeu a cintilância dos robôs pela fenda atrás da qual se

encontrava.

As missões executadas a serviço da Terceira Potência

ensinavam a todo mundo a necessidade de reagir

instantaneamente. Yokida jogou Bell ao chão. Pouco acima

de suas cabeças, um raio térmico chiou e atingiu a parede,

que se gaseificou sob a energia desencadeada.

Bell percebeu o tremeluzir do ar. Fez uma coisa que

nunca mais conseguiu realizar. Pôs a mão no meio do

tremeluzir e arrastou Ras Tschubai, ao chão, em pleno

processo de rematerialização. Uma fração de segundos,

depois disso, também Tako Kakuta se encontrava no chão.

Acreditava que a tribuna fosse um lugar muito perigoso,

então resolvera aterrissar de barriga.

— Segure-se! — berrou a figura grande, esbelta e negra

de Ras Tschubai. Sentiu os braços de Bell enlaçarem seu

peito e desmaterializou-se com um salto em direção à

Gazela.

Mas, no último instante, uma coisa terrível atingiu-o.

Tako Kakuta devia sentir a mesma coisa, pois o japonês

soltou um grito. Bell teve a impressão de que alguém lhe

arrancava os braços.

Mas logo passou. Aterrissaram na sala de comando da

Gazela.

— Foi a salvação no último... — disse Reginald Bell,

mas logo foi atirado num canto juntamente com as outras

pessoas que se encontravam na sala.

Procurou defender-se contra a força invisível, mas não

conseguiu. Ouviu o choro de Betty Toufry.

A moça estava em perigo.

A raiva deu-lhe forças tremendas. Subitamente a força

invisível e estranguladora cessou. Bell logo se pôs de pé.

— Yokida! Toufry! Abram a escotilha de Talamon!

Vamos decolar.

Com um salto, colocou-se no assento de piloto da

Gazela, que, desde o momento em que a Tal VI pousara em

Laros, se mantinha pronta para decolar do interior do

hangar secreto. A Gazela era um veículo em forma de disco

que desenvolvia velocidade superior à da luz. Seu diâmetro

era de trinta metros e o eixo polar media dezoito metros. O

que fazia da nave um veículo respeitável não era o raio de

ação de quinhentos anos-luz, mas o armamento

incrivelmente pesado.

Bell estava prestes a realizar uma decolagem forçada.

De uma hora para outra, a décima oitava lua transformara-

se num verdadeiro inferno. Aqui espreitava-os um perigo

contra o qual não podiam defender-se.

Na Gazela, todas as energias começaram a trabalhar

rapidamente para o desempenho de decolagem. Mas os dois

telecinetas ainda não haviam avisado que haviam forçado

as grandes escotilhas do hangar por meio de sua energia

telecinética.

Subitamente a luz do dia penetrou na sala de comando,

derramada pela tela de imagem. Tama Yokida e Betty

Toufry obrigaram as escotilhas do hangar a abrir-se.

— Desta vez ainda tivemos sorte — berrou Bell em tom

de triunfo. Com uma pancada, colocou o dispositivo

automático de decolagem na posição “ligado”.

Com um silvo agudo, a Gazela saiu do esconderijo e

precipitou-se para o céu.

* * *

Talamon fitou os olhos do biólogo chefe e os membros

do seu estado-maior com uma expressão fria e destemida.

Dez dos mais velhos dentre os superpesados encontravam-

se atrás de seu patriarca. Ameaçavam-no com os olhos e

com sua figura quadrática e maciça.

— Quero provas, Keklos — exigiu Talamon em tom

tranquilo e autoritário. — Prove que ofereci ao pequeno

veículo espacial um esconderijo a bordo de minha nave.

Recomendo-lhe que antes disso dê uma olhada na comporta

do hangar.

As escotilhas da comporta teriam de ser reparadas.

Forças sobre cuja natureza nem mesmo Talamon conseguia

fazer a menor ideia haviam-nas arrombado, e agora elas não

se fechavam mais.

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37

— Mandarei submetê-lo à lavagem cerebral — chiou

Keklos.

O biólogo chefe fora de opinião que a presença de

Topthor conseguiria dar-lhe certo apoio diante de Talamon.

Ao ouvir falar em lavagem cerebral, Topthor

estremeceu por dentro. Na última noite, também acontecera

muita coisa a bordo de sua nave capitania que não

conseguira compreender. Ele mesmo tirara um cochilo em

cima das bombas arcônidas — justamente ele, que podia

passar oito dias sem dormir. E seu neto Grugk estava

recolhido à enfermaria, com um braço quebrado. Nenhum

dos superpesados sabia quando e como Grugk quebrara o

braço, e especialmente o próprio Grugk não soube dar a

menor informação a este respeito. No meio da noite, viu-se

subitamente na enfermaria da nave.

Estas ideias passaram pela cabeça de Topthor. Uma

lavagem cerebral transformava a pessoa num aleijado

mental. Ele mesmo não correria o risco de ser submetido a

esse tipo de lavagem? Pensou no que dissera seu amigo

Talamon: “Se alguma coisa não der certo, quero que ao

menos uma pessoa continue leal para comigo.”

E ainda havia o grande negócio que continuava no ar.

Keklos virou-se abruptamente. Às suas costas, a mais de

três metros de distância, Topthor soltara uma gargalhada.

Seus olhares encontraram-se.

Topthor sacudiu energicamente a enorme cabeça e

trovejou:

— Keklos, o senhor não vai submeter nenhum

superpesado à lavagem cerebral. O senhor não fará nada

disso. Antes que aconteça uma coisa dessas, Laros será

transformada num sol. Antes de mais nada, apresente uma

prova de suas suspeitas.

Keklos era muito inteligente para dar murro em ponta

de faca. Não possuía qualquer prova cabal contra Talamon.

A única prova consistia num dos maiores segredos dos aras:

a matéria-prima de Gom.

Esse fato calou-lhe a boca e acorrentou-lhe as mãos.

Sem dizer uma palavra retirou-se da Tal VI em

companhia da comissão e dos robôs de combate.

Topthor e Talamon seguiram-nos com olhares

indiferentes. Os membros do clã também se foram

afastando. Quando se viram a sós, Topthor colocou a mão

pesada sobre o ombro do companheiro, piscou para ele e

disse:

— Meu velho, agora temos que fazer o negocinho

juntos.

Talamon limitou-se a acenar com a cabeça.

Topthor também acenou.

— Você não quer que eu formule qualquer pergunta,

meu caro, e não perguntarei nada. Só faço uma pergunta

dirigida a mim mesmo, e esta pergunta é a seguinte: o

grande negócio que você pretende realizar não cheira

fortemente a Perry Rhodan?

* * *

— Que diabo, o que está acontecendo agora? — berrou

Bell no assento de piloto da Gazela e fitou o painel.

A Gazela perdeu velocidade e saiu da rota, embora

devesse acelerar a 0,5 luz. Reginald Bell gritou pelo

intercomunicador, dirigindo-se à casa de força. Ali estava

de serviço o mutante de duas cabeças, Goratchim, e Wuriu

Sengu.

Da casa de força, Bell só ouviu um estertor

desarticulado. No mesmo instante, também se sentiu

atingido pela força. Mais uma vez estendeu seus tentáculos,

vindos do desconhecido, e parecia esmagá-lo no assento de

piloto.

Em algum lugar da Gazela, começaram a chiar

aparelhos que nunca haviam emitido qualquer som. No

assento do copiloto Tako Kakuta se encolhera. Bell sentiu-

se desmaiar, quando de uma hora para outra a força o

largou e a bruxaria terminou.

— Paramecânica — fungou Marshall.

Bell só compreendeu pela metade. Seu rosto,

geralmente corado, parecia cinzento e envelhecido.

— A telecinese a uma distância destas? — disse em tom

incrédulo.

A Gazela, mantendo o curso que lhe fora imposto pelo

poder desconhecido, corria vertiginosamente em direção ao

planeta gigante de Gom.

— Temos que transmitir um pedido de socorro à Titan

e...

Bell não conseguiu dizer mais nada. Sentiu-se agarrado,

comprimido e martirizado de dois lados.

“É o fim”, pensou. Numa atitude de desespero reuniu

todas as energias e balbuciou para John Marshall:

— Entre em contato com... com... com Gucky.

A inconsciência caiu rapidamente sobre Bell.

Marshall esqueceu o próprio destino. Algo cresceu em

seu interior. Concentrou-se apesar do medo de morrer,

estabeleceu contato com Gucky, o rato-castor que se

encontrava a bordo da Titan. Conseguiu transmitir ao ser

peludo alguns fragmentos de ideias:

— Data... Terra... O cérebro positrônico de Topthor...

reprogramado para Beta...

Gucky não captou mais nada.

Toda a vida no interior da Gazela entrou na zona

crepuscular da inconsciência. A nave de esclarecimento de

grande alcance corria ininterruptamente em direção ao

planeta Gom, arrastada por forças tremendas, e naquele

instante penetrava nas primeiras camadas rarefeitas da

atmosfera daquele mundo infernal.

Foi à hora mais dura de Perry Rhodan.

Teve que permanecer inativo enquanto perdia seu

melhor amigo, enquanto a Gazela caía com os melhores

dentre seus colaboradores sobre o planeta Gom.

Não devia intervir. O espaço cósmico em torno de

Gonom era uma selva de raios de localização tateantes. As

naves de Laros haviam decolado em enxames para caçar o

pequeno veículo espacial que se ocultara na Tal VI.

O alarma rugiu por toda a Titan. Após alguns segundos

a gigantesca nave esférica estava preparada para entrar em

combate. Perry Rhodan parecia alheio a tudo. Estava

lutando consigo mesmo. Bastava que queresse, e a queda da

Gazela seria detida.

Não poderia fazê-lo. Não devia pensar em si. O destino

da humanidade terrana estava em suas mãos.

Com a voz firme, deu ordem para afastar-se. Apesar da

enorme proteção contra a localização atrás da qual se

ocultava a nave esférica, não se podia excluir a

possibilidade de que uma das inúmeras naves que andavam

por esse setor do espaço a localizasse por acaso.

A ordem de Rhodan não fora inspirada pela coragem

nem pela covardia. A segurança da Terra exigia que ele a

desse.

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Um sorriso feroz passou-lhe pelo rosto quando se

lembrou da alteração dos dados armazenados no cérebro

positrônico de Topthor.

Naquele instante, o rato-castor, que estava agachado a

seu lado, chiou:

— Será que o gorducho nunca mais volta Perry? Ele

tem de voltar, pois do contrário não haverá mais ninguém

que eu possa chatear de verdade...

* * *

Naquele mesmo momento, o coronel Klein,

representante de Perry Rhodan na Terra, avisou Freyt, que

parecia cada vez mais impaciente:

— Amanhã o novo compensador estrutural será

instalado na Solar System. Depois, esse barco poderá partir

com a equipe especial em direção a Honur.

— Prefiro que o cruzador pesado fique aqui —

respondeu Freyt. — Antes de mais nada, gostaria de rever o

chefe o quanto antes. Quando voltei com a Ganymed do

grupo estelar M-13, o céu de Gobi estava coberto de

nuvens. Acho que agora as nuvens se amontoam em torno

do nosso sistema solar. Não sou supersticioso, mas não

consigo livrar-me de um medo terrível. Em algum lugar do

sistema de Árcon, alguma coisa não deu certo. Em algum

lugar... Quando seremos atingidos pelas consequências?

Apenas o cérebro positrônico de uma única nave possui dados sobre a posição galáctica

da Terra. Por isso, torna-se relativamente fácil para os agentes de Perry Rhodan

substituírem os dados corretos por outros, falsos. Mas o que será feito de Reginald Bell e dos

oito mutantes que, depois de uma ação bem sucedida no local da conferência dos aras e

saltadores, têm de se lançar numa fuga precipitada...?

Qual é a origem das forças misteriosas que transformam a Gazela numa bola de

brinquedo...?

No próximo volume da série Perry Rhodan, você saberá por que Gom não Responde: é

este o nome de outra emocionante aventura.

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39

Nº 47

De

Kurt Mahr

Tradução S. Pereira Magalhães Digitalização Arlindo San Nova revisão e formato W.Q. Moraes

Para evitar maiores suspeitas, Bell e os mutantes tiveram de fugir às pressas, a

bordo da Ganymed. Aproximando-se de um planeta pedregoso e estéril, foram

atraídos por uma força irresistível. Eram os gons, uma massa orgânica, seres

insignificantes em si, mas quando agrupados em centenas de milhares tornavam-se

telepatas perigosíssimos...

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40

1

— A sombra já avançou um bom pedaço — disse

Reginald Bell.

Depois de seis horas, a tempestade também terminara.

As plantas carnudas, de folhas azuladas, que alguns

minutos antes da tempestade tinham mergulhado no solo,

como minhocas, tornavam a aparecer. Contorcendo-se,

arrastavam-se para fora de seus esconderijos, alcançavam o

chão e se erguiam na forma em que estavam antes. Depois

continuavam completamente imóveis.

O clarão avermelhado do sol também avançara por uns

palmos. Uma esguia agulha de

pedra, rochosa, esquisita, formada

certamente pela esmagadora atração

da terra de Gom, que estava antes

na sombra, era agora banhada pelo

sol.

Bell e seu grupo estavam saindo

da caverna, onde se abrigaram

durante a intempérie. A primeira

coisa que procuraram ver foram os

destroços da Gazela, com a qual

chegaram até ali. Amassada,

despedaçada e comprimida de

encontro ao solo pelo descomunal

fenômeno de atração, ali estava, a

menos de quinhentos metros da

esguia torre de pedra, a famosa

espaçonave. Fora vítima de Gom e

daquela força misteriosa que a

puxara do espaço, como se fosse

um ímã potentíssimo.

Isto havia acontecido há mais de

um dia, na contagem de tempo da

Terra. Depois disso, não tiveram

mais contato com Perry Rhodan

que, muito longe no espaço, fora

deste sistema, aguardava na nave

capitania Titan o resultado da

missão.

Mais ou menos um dia inteiro

foi o que levaram, do ponto da

queda da espaçonave até o local

onde estavam agora. Tako Kakuta

ficou inconsciente por longas horas

e tiveram que carregá-lo. Das duas

cabeças de Ivã Goratchim, uma

tinha um grande galo, isto é, a de Ivanovitch, o mais moço.

Ivã, o mais idoso, se lamuriava: as dores provocadas pelo

ferimento na cabeça de Ivanovitch, ele as sentia através do

sistema nervoso, que era um só.

A grande surpresa geral foi Betty Toufry. Depois que

todos acabaram de sair dos escombros da Gazela, a opinião

geral era que alguém devia penetrar novamente nos

destroços para procurá-la e trazê-la a salvo, pois certamente

estaria morrendo de medo lá dentro. Mas quando

começaram a sair, um após o outro, do meio daquela

confusão de ferro e plástico, deitando-se em terra para

apalparem o corpo à procura de ferimentos, lá estava Betty,

há muito tempo, sentada numa pedra e sorrindo para eles.

Podia ler-lhes o pensamento e sabia exatamente o que

estavam pensando no momento.

Reginald Bell lhe havia assegurado nunca ter visto uma

jovem tão destemida assim. Betty sorria irônica.

O vento, que soprava constantemente, trazia ondas de

calor de até quinhentos graus absolutos do ponto em que

caíra a Gazela até eles. Por isso, tentaram chegar até um

trecho de penumbra. Primeiro, caminharam de pé, como

homens. Quando notaram que a posição ereta dos

orgulhosos terranos não era nada prática para vencerem o

peso enorme provocado pela forte atração, começaram a

andar de quatro.

Tinham conseguido chegar até a caverna, quando

começou a pesada chuva, ou melhor, a pesada tempestade.

Viram sumir pelo chão adentro as

plantas de folhas grossas e azuladas.

Ficaram surpresos. Dois ou três

minutos depois, a primeira rajada de

vento varreu o planalto e os teria

carregado, não tivessem procurado

abrigo atrás das pontas de pedra no

rochedo. Esconderam-se numa caverna,

esperando seis horas, até acabar a

tempestade.

E agora lá estavam, isolados de

qualquer ligação, num mundo tão

grande como Saturno, cujo ano

planetário tinha a duração de trinta

meses da Terra. Girava em torno de seu

eixo e expunha sempre a mesma face

para o astro central do sistema Gonom.

Sua órbita era, porém, muito

excêntrica, de maneira que fortes

oscilações produziam alterações

periódicas quanto à posição do sol.

Gom era um mundo de oxigênio, com

uma gravitação na superfície de 1,9 e

uma pressão do ar de vinte atmosferas.

Um mundo no qual o homem não

poderia parar de pé mais que dois

minutos e onde precisaria da proteção

de trajes espaciais adequados, para não

ser esmagado pela fortíssima pressão

do ar. Um mundo onde viviam plantas

azuis, de aspecto horrível, semi-

inteligentes, mundo em que num

hemisfério dominava a noite eterna e

no outro, o dia sem fim. Um mundo em

que, quem estivesse na região

crepuscular teria sempre atrás de si a

escuridão e em sua frente nada mais do que um fraco clarão

avermelhado, para toda a eternidade.

Uma verdadeira antessala do inferno.

Assim era Gom.

* * *

— Aí vem alguma coisa — disse John Marshall.

Reginald Bell fixou os olhos para fora da entrada da

caverna.

— Não estou vendo nada — disse ele.

— Não há mesmo nada para ver — comentou Betty. —

Que acha de tudo isso, Mr. Marshall?

Marshall abanou a cabeça.

— Ouve-se, não sei o quê. Ouve-se uma coisa muito

simples.

Personagens Principais deste episódio:

Perry Rhodan — Chegou em Gom

no momento exato...

Reginald Bell — Perdeu o contato

com Rhodan. Encontra-se no mundo louco dos gons.

John Marshall — Observa tudo,

percebe as forças telepáticas dos gons

e consegue entrar em contato com eles. Convence-se de que são

explorados pelos aras.

Ivã Goratchim — O detonador do

Exército de Mutantes. Destruidor de 400 bios.

Betty Toufry — Tem os dons da

telepatia e da telecinese, muito corajosa.

Tako Kakuta — Manifesta-se um gênio técnico, dominando um disco

voador do adversário.

Wuriu Sengu e Ishibashi — Iam

sendo devorados pelos gons, ansiosos por matéria orgânica.

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— Exatamente, semi-inteligente.

— Puxa vida... — lamuriou-se Bell. — Sei que vocês

são telepatas. Mas eu também gostaria de entender alguma

coisa, de saber o que está acontecendo...

John Marshall inclinou a cabeça para frente, como se

estivesse ouvindo qualquer coisa. Remexeu-se e moveu um

pouco os ombros.

— Há impulsos mais fortes que os das plantas. —

explicou ele — mas não se pode dizer que sentido têm.

— Onde estão eles? — queria saber Bell.

— Ali na frente.

Marshall apontou na direção de um rochedo chato,

distante alguns metros da entrada da gruta. Bell ainda

queria perguntar mais alguma coisa, mas no mesmo

instante, seus olhos se arregalaram:

No lusco-fusco avermelhado, vagava alguma coisa em

volta do rochedo. Parecia uma simples mancha escura, de

formato oval, talvez de um metro quadrado. Veio dando

volta pelo rochedo, na direção da caverna.

— Quer vir para cá — sussurrou Marshall.

Bell estava com os olhos fixos na coisa. Não tinha

propriamente contornos. Onde chegava, dava logo a

impressão de que o chão ficava um pouco mais escuro.

Aconteceu que a mancha teve que passar entre duas

daquelas plantas azuladas; mas as folhagens carnudas

pareciam ter mais medo da mancha escura do que da

própria tempestade. Esconderam-se com estranha rapidez e

com um leve ruído de alguma coisa que roçava.

Reginald Bell sacou sua arma térmica e estava

preparado para atirar.

— Nada disso — sussurrou Marshall — é apenas

curiosidade.

Aí surgiu a mancha na frente da entrada da caverna.

Bell ficou novamente olhando. A mancha parecia mais uma

camada de goma-laca marrom-escura. Bell não se sentiu

muito encantado com tudo aquilo e se dirigiu a Marshall.

— O que ela quer?

Marshall abanou a cabeça:

— Nada de extraordinário. Apenas nos está

estranhando.

Com o mesmo leve ruído de algo que está raspando, a

mancha se pôs em movimento. Não voltou pelo mesmo

caminho por que viera. Dobrou para a direita e contornou o

bloco de pedra, onde se localizava a caverna. Minutos após

havia desaparecido dos olhos de Bell.

— Meu Deus do céu... que espécie de mundo é este?

Tama Yokida não parecia muito impressionado.

— Posso ir buscá-la, senhor — disse se oferecendo. —

Se o senhor quiser.

— Deixe-a ir embora. Que serventia tem para nós?

Mal acabara de dizer isto, toda atenção de Bell se

concentrou na atitude de Kitai Ishibashi, que estava perto

da parede da caverna, de olhos fixos nas pedras.

— O que é que há? — queria saber Bell.

Ishibashi gemia e se contorcia.

— Eu estava pensando que lhe podia impor minha

vontade. Mas provavelmente é tão boba, que não pode ser

influenciada.

Bell riu secamente.

— Acho que você tem razão. Não será mais inteligente

que as plantas azuis que se escondem diante da tempestade.

Retirou-se da entrada da caverna. Passando diante de

Marshall, resmungou pela segunda vez:

— Santo Deus... Que mundo horrível.

E Marshall perguntou pensativo, porém, sem esperar

resposta:

— Afinal, que esperava de Gom?

Ivã Ivanovitch Goratchim, o mutante de duas cabeças,

se apresentou, sem cerimônia, para manifestar sua opinião.

— Uísque e belas mulheres — respondeu uma das duas

cabeças, rindo.

Bell virou-se para trás. Ivã, o mais velho, consciente da

falta, virou o rosto para o lado. Ivanovitch, o mais moço,

ergueu a mão, apontando para Ivã.

Bell soltou o ar com os dentes trincados, produzindo o

ruído típico, para que todos ouvissem:

— Descida de emergência num inferno, escoltado por

uma turma de doidos.

* * *

Tentavam entrar em contato com a Titan. A bordo da

supernave estava Gucky, o rato-castor, o mais forte telepata

do Exército de Mutantes da Terra. Betty e John Marshall

conjugavam esforços no sentido de enviarem um sinal a

Gucky, com o fim de o deixar a par do lugar onde estavam

e principalmente da sua difícil situação.

Mas ao invés de uma resposta de Gucky, recebiam

apenas impulsos de pensamentos desconexos, mas de tal

intensidade, que Marshall apostaria se tratar de impulsos de

gons.

— E o que é que o senhor nos propõe, então?

Deveremos ficar residindo aqui? — foi a pergunta irônica

de Bell.

Marshall sorriu.

— O chefe de nosso grupo é você. Pensávamos até que

tivesse uma idéia melhor...

— Ah... deixa de bobagem — resmungou Bell. — Com

somente meu grau de patente, não vamos conseguir nada.

Mas estava pensando que você, com sua superinteligência,

nos fornecesse mais rapidamente uma boa ideia.

Betty Toufry pediu a palavra:

— Acho que não podemos fazer outra coisa, apenas

esperar. Rhodan sabe que estamos em perigo. Pode também

calcular onde nós estamos. Em minha opinião, tudo está

dependendo apenas de que aguentemos até que a Titan

consiga chegar a Gom.

— Se soubesse, ao menos — disse Bell — qual é a

extensão da oscilação? O trecho de penumbra já se

aproximou mais cem metros. Se continuar assim, dentro de

alguns dias podemos sair daqui, aliás, temos que sair daqui.

O halo avermelhado que confinava o trecho do lusco-

fusco havia subido um pouco mais para o céu escuro. Uma

corrente de ar constante aumentava a temperatura na

caverna, de oitenta para cem graus. Os dispositivos de

refrigeração nos trajes espaciais trabalhavam no volume

máximo.

A contar da queda da Gazela, haviam decorrido já

quarenta horas. Este longo tempo fora suportado

relativamente bem, graças à observação das flores azuis,

graças à sensação de expectativa com os impulsos

telepáticos e graças às brincadeiras mútuas.

Daí para frente, porém, a passividade começou a

enervar. E, no entanto, a única coisa que podiam fazer era

esperar.

* * *

Conseguiram dormir um pouco. Quem estava

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incumbido de ficar de vigia era Ivã Goratchim. Tinha que

ficar acordado à entrada da caverna. Mas Ivã, o mais velho,

e Ivanovitch, o mais moço, não chegaram a um acordo

sobre quem deles havia recebido a ordem de ficar de

plantão. Assim, acabaram os dois dormindo.

Felizmente nada aconteceu de anormal.

Bell se arrastou até a saída da caverna e espiou. Seu

primeiro olhar foi para a agulha esguia do rochedo, por

intermédio da qual calculava a marcha da oscilação. O

segundo olhar seria para os escombros da Gazela projetada

ao solo. Tinha que rastejar mais um pouco.

Seus olhos se arregalaram, numa expressão de pânico,

seu pessoal ouviu seu grito rouco de desespero. Esfregou-os

para clarear mais a vista, porém o quadro era o mesmo. Os

destroços tinham desaparecido.

Reginald Bell vacilou um pouco, depois deu ordem a

Wuriu Sengu, o vidente, para que desse uma olhada no

planalto à procura dos destroços da Gazela. Talvez

houvesse em Gom fenômenos vulcânicos que tivessem

aberto uma fenda no solo e, por aí, a espaçonave acidentada

desaparecera. Somente Wuriu Sengu, com suas faculdades

paraóticas, penetrava em qualquer tipo de matéria, como se

esta fosse um vidro bem transparente. Assim poderia

descobrir alguma coisa.

Mas os esforços de Sengu foram inúteis. A Gazela

estava mesmo desaparecida.

Bell, a custo, tomou outra resolução. A contragosto,

porque equivalia a expor a grandes perigos um de seus

auxiliares. Porém, numa situação como aquela, nada era

mais vital do que informações para o controle das

iniciativas.

Bell virou-se para Tako Kakuta, o teleportador.

— Tako, observe as coisas lá fora, mas não se detenha

muito. Basta que você apenas olhe o lugar onde estava a

Gazela. Não faça nenhuma pesquisa mais profunda. Volte o

mais depressa possível para cá.

Num piscar de olhos, Tako Kakuta já não estava mais

ali.

— Não vi nada — murmurou decepcionado Tako. — O

chão está liso, dando a impressão de envernizado. E da

Gazela não existe mais nada.

Quase que eletrizado, Marshall o interrompeu:

— Envernizado, você disse? Que cor?

Tako depois de refletir um pouco:

— Eu diria... marrom escuro ou castanho.

Bell percebeu o fio do pensamento de Marshall.

— Você crê, talvez, que a mancha de verniz engoliu a

Gazela?

— Não sei, não. Mas se o chão está marrom-escuro e

parece envernizado...

— Qual é o tamanho da mancha? — perguntou Bell a

Tako.

— Não cheguei a perceber onde ela terminava.

— Portanto, maior do que o espaço de um metro

quadrado?

— Naturalmente, muito mais.

Bell pretendia perguntar mais coisas, mas neste instante,

levantaram-se Ivã Goratchim, o mutante de duas cabeças,

Kitai Ishibashi, Wuriu Sengu e Tama Yokida no interior da

caverna. De pé, embora um pouco cambaleantes, chegaram

até o grupo dos que discutiam e começaram a abandonar a

caverna.

Tudo se passou tão rápido. Os quatro mutantes

pareciam, com seus movimentos coordenados, como que

transformados em máquinas obedientes. Bell se recuperou

do susto, somente quando os homens já estavam alguns

metros para fora da caverna.

— Parem — gritou ele. — Voltem todos, seus doidos.

Mas os quatro mutantes continuaram andando. Parecia

que nem ouviram as palavras de Bell.

Bell se pôs de imediato a rastejar atrás deles. Mas o

grupo parecia possuído de tal força, que a distância entre

eles e Bell aumentava rapidamente. Os mutantes pararam

no rochedo, onde a mancha de verniz havia aparecido.

Bell gritava e praguejava. Finalmente ficou parado,

puxou a pequena pistola energética e berrou a pleno

pulmão:

— Voltem imediatamente, ou eu atiro. Foi como se não

tivessem ouvido nada.

Continuaram o caminho. Bell engatilhou a arma, mas

antes que pudesse dispará-la, ouviu Marshall que gritava

atrás dele:

— Não, não atire. Eles não têm culpa nenhuma.

Bell virou-se para o lado, de forma que podia ver a

caverna.

— Por quê? Que está acontecendo?

— Influência hipnótica de uma força enorme —

respondeu Marshall. — Eles estão obrigados a obedecer.

— Então faça alguma coisa contra isto, por amor de

Deus! — exclamou Bell.

— Não posso. Estou feliz de que esta força mental não

me apanhou. A força é terrível, não se pode fazer nada

contra.

O mutante de duas cabeças, Ishibashi, Sengu e Yokida

desapareceram atrás do rochedo. Instantes depois,

ressurgiram. Dirigiram-se para a direita, onde estivera até

então a nave acidentada. Caminhavam ainda eretos, firmes.

Bell não os perdia de vista. Depois, lamuriando e

praguejando, virou-se mais uma vez para o lado e voltou à

caverna.

— Desculpe-me — disse a Marshall — se fui um pouco

áspero, mas este mundo doido me deixa também doido.

Marshall apenas sorriu.

— Bobagem, isto é natural. Só gostaria de saber, quem

é que, neste mundo perdido de Deus, dispõe de tanta força

hipnótica.

Bell não respondeu. Observava os mutantes. Estes

andavam sempre eretos no planalto, por entre os rochedos,

como se não existisse aquela elevada atração da terra.

Gritou-lhes muitas vezes, acreditando que através do

receptor do capacete haveriam de ouvi-lo. Mas não houve

resposta.

Depois de dez minutos, parecia que a situação se

transformara. Ivã Goratchim vacilou e caiu de joelhos. Bem

rente dele, também caíram os dois japoneses. Bell lhes

gritava que voltassem.

A seguir, puseram-se em movimento, mas desta vez,

andavam de quatro. Tinham perdido aquela força inicial,

sentiam-se fatigados. Seguiam o comando hipnótico, mas

engatinhando.

— Não adianta nada — disse John Marshall — os

impulsos hipnóticos fortíssimos continuam a controlá-los.

— Você consegue localizá-los? — perguntou Bell.

— Não, com exatidão não. Estes impulsos vêm da

direção onde estava a nave acidentada.

Isto obrigou Bell a refletir um pouco. Tako havia

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afirmado que o lugar em que a Gazela havia caído estava

coberto por uma camada de verniz bem extensa de cor

marrom-escura. Aquela mancha esquisita, que haviam

observado há pouco, parecia com verniz marrom-escuro.

Marshall acompanhou um trecho de seu pensamento. A

mancha era um ser orgânico, semi-inteligente.

Será que Marshall tinha razão? Será que a camada de

verniz que cobria o local da queda da Gazela era realmente

nada mais do que um ser vivo, da mesma espécie? Um ser

que dispunha de grandes energias mentais?

Não se podia fazer nada pelos quatro mutantes, embora

isso causasse tristeza a todos. Levaram uma hora para

atingir o local onde estavam antes os destroços da Gazela.

Um esforço hercúleo, tendo-se em consideração a

pesadíssima atração, que dificultava todo movimento.

Durante todo este tempo, Bell tentou sem cessar se

comunicar com os mutantes, através do rádio do capacete.

Mas o resultado deu em nada.

Quando os mutantes chegaram ao local da queda, notou-

se que com seus trajes espaciais brilhantes se arrastavam de

um canto para o outro, como que procurando alguma coisa.

Bell olhou para Marshall numa expressão de interrogação.

Mas o chefe dos mutantes fez apenas um gesto, dando a

entender que o estado de influencia hipnótico ainda

perdurava, e que seria muito improvável que os mutantes

voltassem ao estado normal pelas próprias forças.

Seu destino, de um momento para o outro, tornara-se

um enigma. Bell bem que lhes havia gritado que

voltassem... mas no mesmo momento desapareceram.

O rosto de Bell estava banhado em suor. Sem olhar para

Marshall, disse-lhe:

— Desaparecidos como a Gazela. Que pensa de tudo

isto, Marshall?

— Já pensei muito a respeito — respondeu Marshall

prontamente. — Plásticos e metais como estes com que a

Gazela era confeccionada, têm um grande teor de

hidrocarbonetos, portanto, substâncias orgânicas, numa taxa

de oitenta e cinco por cento. As ligações metálicas só

servem para maior reforço.

Fez uma pausa. Bell continuou a fitá-lo admirado.

— E daí?

— O monstro lá atrás — Marshall fez um sinal com a

cabeça, apontando a direção, onde estivera antes a Gazela

— está precisando renovar sua substância ou talvez ampliá-

la; por este motivo devora matérias orgânicas, tanto

plastimetais como também seres humanos.

Bell abriu a boca de espanto.

— O senhor tem uma imaginação tétrica.

Marshall encolheu os ombros e Bell lhe confessou em

voz baixa que suas suposições nada tinham de absurdas.

* * *

Passaram duas ou três horas. Falavam pouco entre si.

Estavam sentados, muito apertados, sob a entrada da

caverna e olhavam quase que constantemente para a direção

onde tinham desaparecido os quatro mutantes. Este local

ficava a cerca de seis quilômetros da caverna. Da posição

mais elevada da entrada desta, podia-se ver bem. Notava-se

também a mancha escura, quase sem contornos, da qual

falara Tako Kakuta.

Os mutantes continuavam desaparecidos e todas as

esperanças ainda alimentadas por Bell ruíram.

Houve então uma pequena discussão quando Tako e

Ras Tschubai, o africano assediou Bell pedindo para ir até

ao local da queda, com seus termoirradiadores destruir a

mancha marrom-escura.

Naturalmente Bell se recusava a permitir, depois de

haver consultado Marshall.

— Embora a ordem telepática que domina

completamente os quatro mutantes não está atuando, os

dois teleportadores podem atrair logo uma ordem idêntica,

e sucumbirem — explicou John Marshall. — Quem quer

que seja este desconhecido hipnotizador, conseguiu

penetrar, a seis quilômetros de distância, com impulsos

cerebrais em Ivã, Ishibashi, Sengu e Yokida. Por mero

acaso, nós também não seguimos o mesmo caminho. Mas o

perigo aumenta com a diminuição da distância.

Parecia haver lógica nestas palavras. Kakuta e Tschubai

desistiram do intento.

Marshall e Betty Toufry tentavam repetidas vezes entrar

em contato com Gucky, na Titan, mas a única coisa que

conseguiam ouvir era um confuso murmúrio telepático.

Bell quebrava a cabeça, tentando descobrir um meio

para melhorar sua situação e a dos seus auxiliares. Mas

estes pensamentos pareciam palha seca. Não tinham

nenhum ponto de apoio para nada. Cada idéia parecia mais

absurda que a outra. Não podiam mesmo fazer coisa melhor

do que esperar.

Os dezoito satélites de Gom percorriam suas órbitas

num céu de penumbra, às vezes em grupo de dois, de três,

até mesmo de cinco. Um deles, o maior, era Laros, que

também era o mais distante.

Foi em Laros que os saltadores, em conluio com os aras,

combinaram o ataque à Terra.

Bem longe, a uma distância de vinte horas-luz, estava a

Titan, em expectativa, protegida por seus campos

magnéticos de antirrastreamento.

A questão do alimento começou a preocupar Bell. Cada

traje espacial possuía um recipiente metálico com uma

determinada quantidade de comida, sendo que a própria

pessoa, por meio de um dispositivo adequado, podia se

servir, sem ter que abrir o traje espacial.

A metade ou talvez dois terços da provisão já tinha sido

consumida. No mais tardar dentro de vinte horas, teriam

que encontrar um lugar em que pudessem despir o traje

espacial. Só então, a reserva de víveres, que haviam trazido

dos escombros da Gazela, lhes poderia ser útil.

Bell consultou o relógio de pulso. O ponteiro de

segundos se arrastava como uma lagartixa cega no

mostrador, e os outros dois ponteiros fosforescentes

apontavam para números que não representavam nada para

ninguém ali. Nove e dez... da manhã?... da noite? 28 de

outubro de 1.984, tempo da Terra.

De repente, Marshall deu um pulo. Ao mesmo tempo,

Betty deixou escapar um leve grito de surpresa.

Bell virou-se para o lado, perguntando:

— Que foi que houve?

Marshall levantou a mão como resposta. Esticou a

cabeça para frente, para ouvir alguma coisa.

Ras Tschubai, o teleportador, era quem estava mais

próximo da saída. Virou a cabeça um pouco para trás, para

ver Marshall, depois seus olhos se fixaram em qualquer

coisa lá fora da caverna.

Ras tinha olhos muito penetrantes e não precisava de

binóculo, que Bell estava toda hora comprimindo contra a

viseira do capacete.

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Ras continuava olhando para frente e via mesmo

alguma coisa diferente.

A mancha marrom-escura estava começando a se

mover. Na penumbra do lusco-fusco, sobressaía

nitidamente contra o fundo cinza-claro do rochedo.

Caminhava na direção da caverna.

— Lá na frente — gritou Ras.

Bell observava com o binóculo. Não tinha pressa, ficou

observando com calma, até que chegou à conclusão de que

aquela coisa castanha caminhava firme na direção da

caverna.

— Está procurando, sondando nossa mente — disse

Marshall. — E se encontrar alguém, naturalmente haverá de

impor sua ordem hipnótica.

Bell sentiu um calafrio na espinha dorsal.

A massa marrom — massa é uma palavra muito

imprópria — a “coisa” não era mais que uma fina camada

no rochedo. Agora vinha se arrastando e se aproximava.

De telepatia, Bell não entendia muita coisa. Mas sabia

que um telepata com dons hipnóticos, tinha primeiro que

captar as vibrações mentais do cérebro estranho, para

depois poder influenciá-lo.

A captação de ondas cerebrais não era muito diferente

do processo de seleção de determinada frequência num

rádio receptor; naturalmente não havia dial nem botões de

sintonização. E isso tornava o negócio um pouco mais

difícil.

Apesar de tudo, não tinham muita razão para ficarem

tranquilos. A mancha marrom se aproximava com uma

velocidade que eles, não obstante o empecilho da forte

atração, jamais teriam atingido.

Bell tomou uma decisão rápida.

— Temos que desaparecer daqui.

Marshall concordou:

— Não temos nenhuma chance com este monstro.

Reuniram tudo, os víveres retirados da Gazela, as

armas, os emissores portáteis que tinham maior alcance do

que os transmissores do capacete, e o binóculo.

Foram se arrastando para fora da caverna, dirigiram-se

na direção do rochedo, para dentro da escuridão, e

engatinhavam no chão, o mais rápido que podiam.

Depois de haverem deixado a caverna, nem mesmo Ras

Tschubai conseguia mais ver a mancha marrom-escura.

— Coloquem-me a par do que estiver ocorrendo —

pediu Bell aos dois telepatas. — Avisem-me assim que

houver qualquer alteração.

— Uma coisa está se alterando constantemente —

murmurou Betty — A auscultação dos nossos pensamentos

é cada vez mais nítida. A coisa está sempre mais próxima

de nós.

Bell olhou para trás, mas não conseguiu ver outra coisa

a não ser o planalto com suas agulhas de pedra. Nenhum

sinal da mancha marrom.

Rastejaram uma meia hora. E esta meia hora não rendeu

nem um quilômetro. Betty descansou uns instantes e depois

falou:

— Em minha opinião, vamos poder vê-la logo. Estou

sentindo tão bem como se já estivesse atrás de mim.

Bell estava olhando para um dos maiores rochedos que

havia por ali. Ergueu o braço para apontá-lo.

— Ras, lá em cima, dê uma olhadela.

O afroterrano desapareceu. Durante alguns segundos,

podia-se vê-lo lá em cima do rochedo, olhando fixamente

para o trecho avermelhado da zona de luz. Depois voltou.

— Ainda trezentos metros — anunciou laconicamente.

Bell estava de acordo.

— Não tem mais sentido fugirmos dela. Em poucos

minutos nos alcançará. Vamos nos entrincheirar lá atrás do

rochedo.

Arrastaram-se até lá, para a mesma rocha onde há pouco

estivera o teleportador Ras Tschubai, fazendo sondagem.

Quando já estavam perto, notaram que a rocha se

compunha de duas partes: uma base maciça e uma ponta

esguia que se erguia por igual desde a base. Entre a rocha

propriamente e a ponta esguia havia uma fenda de meio

metro de largura: um parapeito ideal para atacar e defender.

Cada um se ajeitou o mais depressa possível. Betty

acabou descobrindo, uns dois metros mais para cima, no

paredão do rochedo, uma pequena saliência plana, onde se

podia estender com relativo conforto. Apanhou a pistola

térmica, arrastou-se uns metros para cima, com indizível

esforço. Podia, de lá, atirar com facilidade nos que

estivessem embaixo, através da fenda de meio metro.

Bell e Marshall se postaram bem atrás da abertura, de

tal maneira que, durante um tiroteio, os fogos não se

cruzariam. Tako Kakuta e Tschubai estavam de lado. Bell

julgava que, durante um combate, certamente iminente, os

dons parapsicológicos dos dois lhe seria de máxima

utilidade.

Os minutos passavam lentos e pesados. Pareciam-lhes

uma eternidade.

De súbito ouviu-se um grito de Betty.

— Posso ver, vem justamente em nossa direção.

— Que venha — respondeu Bell.

Esticou o braço direito um pouco para fora e esperou.

Por alguns instantes, aquele deserto de pedras continuou

como estava. Mas depois, uma sombra marrom de uma fina

camada de verniz cobriu o chão claro, afastou pedras do

caminho, passou por cima de outras e aproximou-se. Ouvia-

se, concomitantemente, um leve ruído de algo que roçava

ou se esfregava.

— Esperar — murmurou Bell — deixar chegar bem

perto.

Ouvindo Marshall tossir, Bell olhou preocupado para

ele. O telepata percebeu o olhar nervoso do amigo e

sorrindo, lhe disse:

— Nada de novo... cinquenta metros, quarenta, trinta...

Bell olhou mais uma vez para Betty lá em cima. Parecia

não ter medo, calma na saliência da pedra, já mirando com

a arma.

— ...vinte metros, quinze...

— Fogo — gritou Bell.

Ouviu a voz de Marshall ao seu lado e viu os raios

esbranquiçados de sua arma. Reparou bem para onde ele

atirava, a fim de dirigir sua pontaria um pouco para a

esquerda. Betty, de seu esconderijo, atacava outro setor do

adversário, inacessível aos demais atiradores. O verniz se

levantava em bolhas sibilantes e se transformava em

fumaça acinzentada. Mas ondas de outras camadas se

aproximavam, cobrindo o espaço vazio deixado pelo fogo

intenso.

— Tem pelo menos dois quilômetros de comprimento

— exclamou Betty desesperada. — E meio de largura.

Marshall continuou atirando. Bell se levantou na base

do rochedo para dominar melhor toda a topografia e, numa

nova estratégia, para tentar cortar em dois pedaços o campo

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inimigo, de maneira a perderem a ligação um com o outro.

Foi, porém, uma tentativa frustrada, pois a largura era

de mais ou menos meio quilômetro. Os claros deixados por

Bell com seu fogo cerrado, em poucos segundos se

encheram de novo com o marrom-escuro.

Voltou ao seu primeiro posto, quando percebeu que

Marshall sozinho não conseguia impedir que o verniz

chegasse até o rochedo onde estavam. Puxou o gatilho para

frente, o que significava fogo contínuo, e despejou assim

uma enorme descarga de raios térmicos no estranho ser.

Logo após, gritou para os dois teleportadores:

— Vamos, desapareçam e procurem outra linha de

combate.

Tako e Ras esperavam mesmo por esta ordem.

Desapareceram no mesmo momento. E, depois de alguns

segundos, em dois lugares diferentes do planalto, subiam

densos rolos de fumaça de cor cinza-claro, o que

naturalmente era sinal de que os mutantes tinham tido pleno

sucesso na missão.

Mas, não houve mudança substancial no quadro geral.

Parecia que o adversário não se preocupava muito com a

quantidade de verniz que havia perdido em combate, nem

com o calor horrível do solo que devia tostar seu ventre. O

adversário não se desviava do objetivo. Perseguia-o com

obstinação, com obstinação tão grande que Bell já estava

contando nos dedos em quantos minutos

sua posição na rocha seria atacada.

Naquela excitação toda, tinha ele se

esquecido do grande perigo que

representava para eles a força hipnótica

desta coisa esquisita.

— Marshall! — exclamou ele —

arraste-se pela esquerda, contornando a

agulha de pedra e atire de lá. Eu

mantenho esta posição aqui.

Marshall obedeceu. Passou por Bell,

contornou a ponta de pedra e quedou uns

metros para a esquerda. Ali, os

defensores tinham parcialmente

aniquilado a camada do verniz marrom.

Bell ouviu seus gritos de ira, ao rechaçar

o inimigo. Mas parou de repente,

exclamando:

— Aqui há um esconderijo melhor,

venha para cá!

Bell não hesitou muito, fez um sinal

para Betty, que veio se arrastando e com

dificuldade chegou ao lugar onde estava

Marshall. Bell mantinha a posição até que

Betty lhe comunicasse haver chegado

perto de Marshall. Ainda teve tempo,

durante o fogo cerrado, de chamar

também os dois teleportadores.

Depois disso, arrastou-se até lá, o mais rápido que pôde.

Tako Kakuta estava parado diante de uma espécie de

buraco, acenando para ele. Uns poucos metros atrás de Bell,

o misterioso verniz marrom-escuro avançava. Provocava

pequenos estalidos ou um quase roçar de folhas secas.

Passava agora pela rocha onde Bell estava deitado.

Com uma série de tiros, Tako manteve livre a fenda de

saída. Bell o mandou para baixo, enquanto ele próprio se

retirava, sempre atirando.

Até então não tivera tempo para se preocupar com o

novo esconderijo. Agora, porém, que entrara mais com

calma no interior, notou que aquilo era realmente uma

galeria que num ângulo de quase cinquenta graus conduzia

para o fundo da terra, para um lugar bem profundo.

Bell foi atirado e empurrado até que, finalmente, de

pernas para o ar, caiu de costas no grupo daqueles que

haviam descido antes dele.

Alguém deu um grito de dor, mas a Bell não aconteceu

nada.

— Calma, pessoal — ordenou ele.

Virou-se um pouco e esticou a cabeça de tal maneira

que o microfone externo do lado direito ficou na direção da

saída da galeria. Com a respiração presa, tentou ouvir

qualquer ruído lá de fora. Por alguns instantes, estava tudo

silencioso. Mas aos poucos aquele leve roçar de folhas

secas voltou, sempre aumentando. A arma já estava

engatilhada na mão de Bell, quando o ruído estabilizou-se.

Depois de esperar por alguns minutos, sempre atento, Bell

voltou à posição normal.

— Puxa vida, será que ninguém pode acender uma luz?

Acenderam-se duas lâmpadas de capacete e Bell

começou a estudar o ambiente. O local onde estavam não

era outra coisa senão o começo do prolongamento reto da

galeria, que começava no solo do planalto.

Bell acendeu sua própria lanterna e a dirigiu no sentido

da galeria. A luz era forte, mas não dava

para chegar até o fim do corredor, que

era em semicírculo, de piso plano, com

três metros de largura e um e meio de

altura.

— A primeira etapa já foi superada

— disse Bell. — O misterioso marrom-

escuro, provavelmente não terá a

intenção de descer para cá. Temos agora

duas hipóteses. Primeira: Examinar esta

galeria e descobrir se ela tem, em

qualquer parte, uma outra saída.

Segunda: Esperar até que o tal ruído de

folhas secas termine, para retornarmos à

superfície.

Betty pediu a palavra.

— Estou sentindo que a coisa

marrom-escura está à nossa procura. E

não haverá de desistir tão cedo. Talvez

seja melhor darmos uma inspeção nesta

galeria. Enquanto o inimigo estiver atrás

de nós, não podemos mesmo fazer outra

coisa.

Bell aprovou a ideia.

— Então, vamos embora. Não temos

tempo para perder.

Tomou a frente do pequeno grupo.

Recurvados, penetraram mais para o

interior da galeria. A lanterna do capacete de Bell

iluminava o caminho. Dava a impressão de que a galeria

entrava ainda mais para baixo do solo. Seu traçado reto fez

com que Bell, após poucos metros de caminhada, chegasse

à conclusão de que não era obra do acaso, mas sim feita

racionalmente.

Era este o único indício para tal suposição. Por este

motivo, Bell não transmitiu a ninguém sua conclusão,

esquecendo-se, porém, de que John Marshall e Betty

Toufry podiam ler calmamente seu pensamento.

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46

2

A bordo da Titan, o nervosismo aumentava.

Há dias, a gigantesca espaçonave pairava, imóvel, no

espaço, aguardando uma comunicação — ou de Talamon, o

superpesado de Laros, ou de Reginald Bell.

A Titan tinha chegado até aqui para aproveitar a última

oportunidade que se lhe apresentava de evitar o ataque

iminente dos saltadores contra a Terra. Atendendo a um

convite dos aras, raça aparentada com os saltadores, os

patriarcas dos saltadores haviam se reunido em Laros.

O décimo oitavo satélite de Gom era um ponto de

encontro comum dos Aras.

Talamon era o único aliado que Perry Rhodan possuía

entre as nações dos saltadores. O superpesado havia-lhe

informado que não se podia contar de maneira alguma com

uma desistência quanto ao plano de atacar a Terra. Foi por

isso que Rhodan mandou, sob a proteção de Talamon, seu

corpo de mutantes comandado por Bell para Laros. A

missão era impedir a tal conferência dos saltadores.

Bell e seus companheiros já haviam conseguido

abastecer com programação falsa o único posto positrônico

dos saltadores que continha em sua memória os dados sobre

a posição da Terra nas Galáxias. O aparelho era a

positrônica da espaçonave dos saltadores que estava em

mãos do superpesado Topthor. Este era amigo de Talamon,

mas de maneira alguma seu correligionário. Topthor não

podia, naturalmente, imaginar que, quando fosse buscar

dados sobre a Terra, sua positrônica lhe haveria de fornecer

indicações que diziam respeito à direção do sistema de

Beta. Suspeitava, entretanto, de que Talamon não tinha uma

atitude muito sincera em relação aos patriarcas dos

saltadores e aos aras. Aliás, sem contar segredos, Talamon

tinha confessado sua atitude, obrigando, no entanto,

Topthor a manter sigilo, com promessas de enormes lucros.

Bell e os seus, infelizmente foram descobertos. Após

violenta batalha, fugiram de Laros com a Gazela, que a

grande nave de Talamon abrigava em seu bojo. Talamon, o

amigo de Perry, teve realmente muita dificuldade em

explicar aos patriarcas que não sabia nada a respeito da

presença dos estranhos terranos.

Porém, após este triunfo inicial da bem sucedida fuga,

Bell e os mutantes foram vítimas daquela inexplicável força

que puxou a Gazela de encontro ao solo de Gom, como se

fosse um brinquedo. Marshall tinha enviado uma

mensagem telepática urgente a Rhodan, informando sobre

os principais acontecimentos de Laros, incluindo

naturalmente a programação falsa da positrônica de bordo

dos saltadores.

Pela rota da desditosa Gazela, se podia deduzir

facilmente que haveria de aterrissar em Gom. No final de

seu comunicado, Marshall falou que Betty Toufry era de

opinião de que aquele enorme campo energético que

impedia a Gazela de se movimentar era de origem

telecinética.

Esta foi a última comunicação do grupo de Bell.

Rhodan não podia saber se haviam sobrevivido ao

pouso de emergência em Gom. Gucky, o mais poderoso dos

telepatas do Exército de Mutantes, tinha, por mais de uma

vez, julgado ouvir sinais. Porém este setor do espaço estava

tão cheio de vibrações telepáticas, que mesmo Gucky não

conseguia distinguir com segurança estes possíveis sinais

do quase constante rumorejar telepático.

Mas ainda havia esperança.

Depois que Talamon conseguira afastar a suspeita que

havia contra ele, a conferência de Laros continuava em seu

ritmo normal. O prosseguimento da conferência foi ao

mesmo tempo o motivo da permanente inatividade de Perry

Rhodan. Imóvel no espaço, sob a proteção de seus campos

de antilocalização, a Titan estava garantida. Se começasse a

se movimentar, haveria o perigo de ser localizada. E ser

localizada por Laros provocaria uma série de reações de

acontecimentos indesejáveis.

Primeiramente, renovar-se-ia a suspeita contra Talamon.

Depois iriam consultar os dados dos computadores do

cérebro positrônico da espaçonave de Topthor. É verdade

que nenhum cérebro orgânico jamais estaria em condições

de distinguir dois resultados diferentes de computador, em

se tratando de posições das Galáxias. Uma localização

exata nas Galáxias tem três coordenadas de espaço, três de

hiperimpulsos e duas de tempo. Além disso, ela se prende

ainda a assim chamada “determinante de farol” que

equaciona o caminho para o objetivo de qualquer posição

nas Galáxias.

Tudo isto é uma confusão de números e de valores que

ultrapassa a capacidade de qualquer cérebro. Mas se os

saltadores tivessem alguma suspeita, haveriam de consultar

uma outra positrônica maior e então examinar a sequencia

de programações do aparelho de Topthor. Aí, viria à luz a

trapalhada de Bell.

Para o bem de toda a Terra, Rhodan era obrigado a

deixar na mão seu grande amigo Reginald Bell.

* * *

A caminhada continuava sem incidentes, mas com o

tempo foi ficando muito monótona.

John Marshall e Betty Toufry assinalavam que os

impulsos telepáticos se reduziam cada vez mais. Era sinal

evidente de que Bell e seus companheiros se afastavam do

ser marrom de Gom.

Examinaram as paredes do corredor sem emendas e

lisas, confirmaram que continuavam retas e por isso se

lamentavam, temendo não chegar nunca ao fim.

O único que nos últimos trinta minutos parecia ter

descoberto algo de novo, era o próprio Bell. De tempo em

tempo, parava um pouco, obrigando que todos fizessem

uma pausa. Olhava para o pulso. Ninguém — fora os dois

telepatas — poderia dizer se estava olhando para o relógio,

para o regulador de dosagem, para o manômetro ou para o

termômetro. Balançava a cabeça com admiração,

murmurando qualquer coisa que ninguém entendia.

Quando repetiu esta cena pela décima vez, Marshall

sorriu finalmente:

— Por favor, diga a Ras e Tako, de uma vez por todas,

o que lhe causa tanta admiração.

Bell olhou para ele surpreso, fazendo cair na sua face o

clarão da lanterna do capacete.

— Como é que é? Eu já lhe... Ah! É verdade... Diabo

que carregue todos os telepatas.

Olhou então mais uma vez para o pulso.

— Estava observando, há muito tempo — explicou ele

— que a temperatura aqui embaixo é extraordinariamente

baixa e constante ao mesmo tempo. Há meia hora que

estamos com quatorze graus e alguma coisa mais.

Centígrados, naturalmente. Regulei o termostato para o

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máximo de sensibilidade. A estabilidade da temperatura

chega a quatro centésimos de um grau. Acho isto uma coisa

surpreendente.

Marshall percebeu sem dificuldade a sequencia de seu

pensamento.

— E quando se pondera, além disso — disse ele

completando a explicação de Bell; — que a galeria, tem

toda a aparência de ter sido feita artificialmente, chegamos

à conclusão de que não tem outra finalidade a não ser para

guardar alguma coisa, que necessita de quatorze vírgula

seis graus para ser protegida... em virtude da durabilidade

ou por outro motivo qualquer.

Bell o acompanhou com muita concentração. No fim,

fez apenas uma pequena correção:

— Quatorze vírgula três e não seis. Na leitura de

números, você falha um pouco.

Marshall sorriu e indagou:

— Mas, é esta realmente a sua teoria?

— Sim, estou plenamente convencido de que atrás

destes paredões se esconde alguma coisa. O corredor foi

construído por seres inteligentes e devem ter uma

finalidade. Por exemplo, ligar os depósitos subterrâneos

com o mundo lá fora. O corredor mesmo não pode ser um

depósito. Do contrário teríamos encontrado alguma coisa.

Quem sabe se o que está aqui armazenado é uma

mercadoria muito importante, e, por isto, as entradas para o

depósito são muito escondidas? Existe um grande número

de raças nas Galáxias que tem uma predileção muito forte

por portas invisíveis, inteiriças.

Mexeu-se para a esquerda e se arrastou uns metros para

frente, bem rente à parede do corredor. Quando viu que não

conseguiu nada, ficou de pé, ofegante, voltando ereto,

quanto o permitia a altura do corredor. Bateu

intencionalmente com as luvas do traje espacial contra a

parede.

Mas a parede continuou parede. De uma passagem

secreta que levava para um misterioso depósito, não havia o

menor vestígio.

Bell ajoelhou-se, refletindo.

— Quem sabe — disse ele — ainda não atingimos o

objetivo. Este corredor só pode atuar como filtro se tiver o

comprimento suficiente e, também se todas as variações de

temperatura do caminho de entrada até a parte principal da

instalação puderem ser amortecidas.

Olhou para Marshall:

— Correto, vamos penetrar mais, prestando atenção no

termômetro. Quando a temperatura se alterar, é porque já

ultrapassamos o objetivo.

* * *

Três horas mais tarde, a temperatura ainda era 14,3

graus.

O ruído telepático como que apalpante do misterioso

adversário tinha cessado. Podiam agora, sem nenhum

perigo, voltar para o começo da galeria e sair pelo terreno

afora. Mas ninguém pensava nisso. Estavam possuídos pela

febre de achar o tal depósito.

De início foram apenas Marshall e Betty Toufry que

repararam que a situação, tão monótona até então, estava

mudando. Estavam recebendo impulsos de pensamentos,

ainda confusos e pouco definidos, não permitindo uma

compreensão suficiente. Mas, de qualquer maneira,

indicavam que nas proximidades se abrigava um ser ao

menos semi-inteligente.

Infelizmente, a faculdade de Betty e de Marshall para

captar pensamentos estranhos era pouco dependente da

posição, ou seja, da direção. Não podiam dizer mais do que

“estou vendo alguma coisa em algum lugar”. Betty

acreditava que os impulsos vinham “enviesados”.

Bell não sabia como agir. Reduziu o tempo de marcha,

que se deveria chamar antes “tempo de se arrastar”, e

esperou pela orientação dos mutantes.

Betty e Marshall registraram que os impulsos estavam

mais intensos. Mas o corredor, pelo menos até o ponto em

que as lanternas dos capacetes o iluminavam, continuava

ainda vazio.

Bell se sentia, a cada segundo, mais nervoso. Há

instantes já havia sacado da pistola energética e enquanto

caminhava para o interior do corredor, sua mão direita

empunhava, em posição de fogo, a terrível arma.

Assustou-se todo, quando Marshall atrás dele, gritou de

repente:

— Atenção!

De bruços no chão, perguntou Bell:

— Que é que houve agora?

— Alguém ou alguma coisa nos descobriu — respondeu

Marshall afobado. — Sinto uma verdadeira bateria de

impulsos inimigos.

— Com maior nitidez do que ouviu até agora?

— Um pouco. Mas não são ainda pensamentos claros.

— Quer nos atacar?

— Espere um pouco... não, não creio que possa fazer

isso.

— Maravilhoso — disse triunfante. — Com tais...

Alguém o pegou pelo braço. Ras Tschubai, o africano.

— Silêncio — disse ele baixinho. — Estou ouvindo

alguma coisa.

Bell prendeu a respiração. Outros não reagiram tão

rapidamente quanto ele. Em seu receptor do capacete ouviu

o som típico da respiração dos demais. Mais para trás, havia

outros ruídos: de alguma coisa que roçava, como já ouvira

uma vez, quando o monstro de Gom os atacou por umas

duas horas.

— Aí está o verniz de novo — resmungou ele. —

Peguem as armas e prestem atenção para um não atingir o

outro. Vamos para frente.

Estava agora com muita pressa e se arrastava para

dentro da galeria com a maior rapidez possível. As

informações de Marshall vinham regularmente em

intervalos, sempre com aquela voz monótona:

— Mais forte... mais forte...

Dizia respeito aos impulsos dos inimigos. O perigo

estava, pois, iminente.

O que mais irritava Bell, é que o corredor parecia

sempre vazio. O ruído, que tinha ouvido antes, devia vir

mesmo do corredor. Onde estava, porém, o autor do

barulho?

— ...Mais forte... mais forte... mais forte — anunciava

Marshall.

Depois... estacou.

— Onde?

— Ali.

Marshall apontou através dos ombros de Bell. Mas

Reginald não viu outra coisa a não ser um risco preto muito

fino na parede, uns dois metros para trás.

— Que é isto?

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Marshall não respondeu. Empurrou Bell um pouco para

o lado e engatinhou para frente. Na altura do risco preto,

parou e estirou-se.

— Venha aqui — chamou ele. — Olhe isto.

Bell se aproximou e os outros o seguiram.

O risco preto estava um centímetro acima do chão do

corredor. O piso tinha aí um leve desnível e um suave

aclive. Elevação esta que chegava até rente do risco preto e

o tornava ainda mais estranho.

Dava a impressão de que alguém, com um lápis de

ponta muito fina, tivesse traçado na parede clara aquela

linha de mais ou menos meio metro, bem horizontal. Bell

não via nenhum sentido naquilo.

Marshall percebeu seus pensamentos.

— Dissolva a parede, com cuidado, ao longo do risco, aí

você vai ver o que é isto.

Bell apanhou o irradiador térmico, apoiando-se nos

cotovelos, regulou a saída dos raios térmicos para o grau

mais fraco possível e dirigiu a arma para o pequeno

desnível no chão do corredor. Com o fino jato energético

do irradiador, o material se fundiu, escorreu e se espalhou

com fumaça pelo solo.

— Mais para cima — disse Marshall. Fez-se uma

perfuração na parede e Bell pôde ver que o traço penetrava

pela parede adentro como uma camada escura. A arma

continuou trabalhando, abrindo um buraco entre a parede e

o chão de tal dimensão que dava para alguém meter a

cabeça, inclusive com o capacete. O que antes era um risco

mostrava-se agora como uma tampa delgada, marrom-

escura, que fechava o buraco e ainda estava recoberta pela

camada de pedra.

Bell reconheceu logo o que tinha diante de si. Com uma

expressão de surpresa, baixou a arma, desligando-a depois.

— Uma poça de verniz — murmurou. Quando encostou

o capacete no chão, viu com um olho o estranho ser

marrom-escuro. Notou que não se movia, apesar da

temperatura da rocha em sua proximidade atingir talvez

quatro vezes mais o calor de seu ambiente normal.

Sua cabeça formigava de teorias a respeito.

Virou-se para Marshall a fim de saber sua opinião. No

mesmo momento Betty exclamou:

— Atenção, está acontecendo uma coisa diferente.

Ela sentiu — tão nitidamente como John Marshall —

que os odiosos impulsos inimigos que tinham suportado nos

últimos quinze minutos haviam sumido repentinamente.

Em lugar deles, surgiu então algo diferente, indefinível.

Dava a impressão de que o estranho e misterioso ser, de

onde saiam todos os impulsos, estava muito ocupado.

Alguns segundos depois, aquela poça de verniz,

escondida na parede, começou a se mover. Com um leve

chiado foi penetrando parede adentro. Bell tentou detê-la,

mas a superfície lisa fez com que suas grossas luvas

escorregassem. Alguns segundos depois, o ser misterioso

havia desaparecido.

Quase que ao mesmo tempo, soprou uma forte rajada de

vento fresco através do corredor. Veio tão inesperadamente,

que Bell assustado virou para trás, procurando por onde

havia entrado aquele vento forte.

Mas não conseguiu descobrir nada. O vento não veio de

nenhum lugar e era muito fresco, como mostrou o

termômetro. Em consequência do trabalho de Bell com o

irradiador térmico, a temperatura, naquele lugar do

corredor, onde foi descoberta a poça de verniz, tinha

chegado a quarenta graus. O vento fresco que agora soprava

através da galeria fez com que a temperatura baixasse. Em

poucos minutos, desceu para mais ou menos quatorze

graus. O vento cessou e o termômetro voltou aos 14,3

graus, permanecendo neste nível.

A operação foi tão clara, que ninguém precisava quebrar

a cabeça: regulagem automática da temperatura pela adução

de ar de um reservatório.

O que deixou Bell nervoso foi o fato de não saber onde

estava este reservatório e de não ter nenhuma noção de

como este ar foi posto em movimento.

A poça de verniz estava, no momento, desaparecida.

Bell comprimiu o capacete contra o solo, olhou para dentro

da perfuração que abrira com os raios térmicos e tomou

uma resolução:

— Vamos ao encalço da “coisa” misteriosa. Vai dar um

pouco de trabalho, mas teremos que saber finalmente onde

é que viemos parar.

Marshall ainda leu os pensamentos que revolviam a

cabeça do Bell: provavelmente, não haveria nenhuma porta

clandestina nas paredes do corredor. Se a instalação foi

construída pelo ente de Gom, seria suficiente uma

determinada porosidade das pedras para permitir passagem

das partículas do verniz marrom-escuro cuja espessura não

chegava a um décimo de milímetro.

Bell fez um sinal aos outros para que se afastassem um

pouco e começou a alargar o buraco com o irradiador

térmico. Regulou a arma para uns graus a mais, do que na

vez anterior. Como consequência disto, a cavidade se

ampliou muito mais depressa; houve uma outra

compensação de temperatura, provocando um vento tão

forte pelo corredor que era necessário se escorar em alguma

coisa para não ser arrastado.

Betty Toufry e John Marshall revelaram que a sensação

de cansaço e de esforço que o estranho ser transmitia de

qualquer lugar, aumentava substancialmente.

Bell insistia numa determinada direção. A bifurcação do

corredor começava no fundo da galeria e se aprofundava

rapidamente. Depois de ter avançado uns cinco metros,

tornava-se evidente que ele tinha razão: a poça de verniz

reapareceu. Os raios térmicos ampliando a cavidade

deixavam ver com sua cintilância uma parte daquela massa

marrom-escura. Parece que sentia muito a elevada

temperatura ao redor e tentava fugir.

Mas Bell continuava em seu encalço. Metro por metro,

a bifurcação para dentro da rocha ia sendo derretida, sua

largura se estreitava cada vez mais, quando a massa

marrom se agitava.

De repente o feixe dos raios energéticos penetrou no

vazio. A parede da frente da bifurcação mostrava então uma

abertura arredondada. A massa desapareceu por aí,

mergulhando na escuridão que reinava daí para frente.

Bell desligou a arma, quando viu a abertura com bom

tamanho. Sentou-se à beira do buraco, esticando as pernas

para dentro. Depois se inclinou para frente, deixando que a

lanterna do capacete lhe mostrasse o que havia na frente.

O que ele viu foi uma parte de um recinto

aparentemente circular, que, apesar de não ter mais de dois

metros de altura, parecia possuir grande diâmetro. Bell foi

escorregando para frente, porém ainda se apoiando com as

mãos na borda do grande orifício. Depois se deixou cair.

— Podem vir cá para baixo — gritou ele — mas

cuidado ao pular.

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Enquanto um atrás do outro saltava, Bell ia observando

todo o aposento. Reparou que — em oposição com o

corredor, pelo qual haviam passado — a rocha inteiriça

aqui não era vista, pois as paredes e o chão estavam

revestidos de uma camada escura que brilhava ao clarão da

lanterna.

O verniz marrom que os havia seguido, parecia haver

sumido. Bell não mais conseguiu vê-lo em parte alguma.

Não obstante, Marshall ainda constatou:

— Aqui há uma grande concentração de impulsos de

pensamentos, como se estivéssemos marchando através do

cérebro de um ser gigantesco.

— É perigoso? — indagou Bell.

— Não. Não somos nem atingidos por eles.

Ao mesmo tempo, todas as lanternas se acenderam.

Verificou-se então que realmente o espaço era arredondado

e tinha uns trinta metros de diâmetro. Encontrava-se vazio.

Não havia nenhum indício de sua finalidade.

Notava-se que Bell não estava muito contente.

— Caminhamos quase meio dia e com o suor do rosto

penetramos palmo a palmo nesta rocha... só para

terminarmos num recinto subterrâneo vazio? Onde está o

desgraçado verniz marrom que nos trouxe para cá?

Marshall interveio:

— Pode estar muito bem aqui na redondeza. Contra este

fundo escuro, será muito difícil reconhecê-lo.

Bell caminhou de joelhos mais alguns metros para

frente, examinando o solo palmo a palmo. Ras Tschubai e

Tako Kakuta queriam fazer o mesmo, mas neste mesmo

instante ouviu-se um ruído de algo que estalava do teto.

Bell virou-se imediatamente. Viu como uma parte da

camada externa do preto brilhante se desprendia do teto e

caía. No chão, entre Marshall e o japonês, havia uma

extensão de cinco metros quadrados de uma camada muito

fina. No mesmo instante da queda, quebrou-se em quatro

pedaços e os quatro pedaços começaram a se mover. Com o

típico ruído de roçar de folhas secas, transportaram-se do

chão para a parede mais próxima.

Bell, de tanta estupefação, não sabia que decisão tomar.

Ficou olhando para a parede, vendo-as sumir, através da

camada escura, como antes também sumira aquela poça de

verniz, que acabou levando todos para ali.

— Poça de verniz...! — exclamou Bell. — Aqui só

existe verniz.

Virou-se e olhou para o teto. O local de onde caíram os

quatro seres de Gom ainda estava tão escuro como todo o

teto, as paredes e o chão. Mas nada disso prejudicava a

teoria de Bell.

Marshall e os dois teleportadores tinham desistido de

procurar. Marshall continuou escutando, mas não captava

outra coisa senão uma confusão indecifrável de

pensamentos.

— O que você acha disso? — perguntou a Bell.

— Nada de novo — respondeu Bell meio irritado. Estas

manchas de verniz continuam se divertindo, atapetando as

paredes internas deste aposento, com seus próprios corpos.

— E com que finalidade?

— Quem poderá saber?

Marshall sacudiu os ombros. Queria perguntar alguma

coisa, mas Betty o interrompeu:

— Não sei por que — disse ela baixo e meio nervosa,

— mas tenho a impressão de que há uma terceira espécie de

seres aqui na redondeza. Mais ou menos ali.

Apontou com a mão um trecho bem grande da parede.

Bell se interessou imediatamente.

— Marshall?

Abanando a cabeça, Marshall disse:

— Não, não noto nada. Mas não fique preocupado,

Betty sempre foi uma telepata superior a mim.

Bell se arrastou para o local que Betty havia assinalado.

Cansado, levantou a mão para bater na parede. Mas já na

primeira pancada, recuou com um grito meio entalado na

garganta.

A mão não encontrou resistência. Ao tocar na parede,

ouviu-se um ruído como se estivesse rasgando papel de

seda. Com muita facilidade, abriu-se um buraco.

— Aqui — murmurou Bell — aqui continua o caminho.

Atacou outros trechos da parede com o mesmo sucesso.

Bastava bater para provocar riscos que logo se abriam em

duas partes. Em menos de um minuto, já tinha aberto um

rombo suficiente para a passagem de um homem.

Meio desconfiado, perguntou:

— Marshall, não vê nada ainda?

— Nada — respondeu Marshall.

— Esquisito muito esquisito mesmo — murmurou Bell.

Passaram pelo buraco e chegaram a um lugar, que até

nos mínimos detalhes parecia com aquele que haviam

deixado há pouco. Isto só foi observado depois que

percorreram todo o espaço com as lanternas do capacete. A

única diferença era um pequeno desnível no fundo.

— Tenho impressão que vem de lá — disse Betty um

tanto incerta.

Marshall, que estava muito atento, falou:

— É verdade, ela tem razão. Estou sentindo alguma

coisa, como que alguém que está dormindo e tem um

pesadelo.

Bell se arrastou para o trecho do desnível. Depois da

experiência anterior, foi-lhe fácil retirar a camada do chão.

Bell a rebentou com a pesada luva.

A primeira coisa vista foi um pedaço de tecido cinza,

semelhante a couro. Em alguns lugares, tinha ainda restos

de uma camada que brilhava como prata... e isto deixou

Bell meio perplexo.

Com uns golpes mais fortes, apareceu então algo que se

assemelhava muito a um corpo humano. Mais um puxão, e

aí estava uma cabeça, uma cabeça com um capacete. O

vidro da viseira estava um pouco embaçado, mas o rosto da

pessoa não foi difícil de reconhecer.

Era Ivanovitch.

Bell ouviu gritos desesperados atrás de si. Ele mesmo

trabalhava calado e triste. Instantes depois descobriu

também a cabeça de Ivã, o mais velho, sem o capacete, até

que todo o corpo do mutante foi liberado daquele invólucro.

As duas cabeças estavam de olhos fechados, mas podia-

se observar que as narinas tinham um leve movimento

rítmico. O mutante respirava.

Batendo-lhe de leve nos ombros e puxando-o pelas

pernas, Bell tentava despertá-lo. Por fim, Marshall o

interrompeu.

— Acho que não é tão fácil assim, Bell.

Provavelmente está ainda sob a ação de influencia pós-

hipnótico.

— Mas, Santo Deus, como é que veio parar aqui? E

onde estão os outros três, Ishibashi, Sengu e Yokida?

Bell olhou em volta. As lâmpadas dos capacetes

inundavam o ambiente de luz. Não havia mais desníveis no

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chão. Se os três japoneses estivessem ali embaixo, não

estariam naquela peça.

— Olhe para seu traje espacial — falou Marshall. —

Não dá a impressão de que tentaram sugá-lo?

Bell concordou. Tako Kakuta observava os pedaços da

camada escura que Bell rebentara e jogara de lado.

— Camadas de verniz, sem dúvida — afirmou ele. — O

que muito me admira é que o senhor conseguiu rebentá-las

com facilidade.

— Admira, por quê?

Tako apanhou um daqueles pedaços e lhe mostrou:

— Podem ser rasgados só num sentido. Repare... assim.

Em outro sentido é impossível, como, aliás, em certos tipos

de plásticos ou celofane. Só podem ser rasgados numa

direção, e o senhor o fez corretamente.

Bell ouviu tudo muito pensativo. Depois se voltou para

Goratchim e com o auxílio de Marshall o puxou uns dois

metros para o lado. Aí percebeu que o mutante não estava

deitado no chão puro, mas em cima de uma camada

marrom-escura de folhas vivas.

— Mundo esquisito — disse Bell admirado. — Se a

gente ao menos pudesse saber o que pretendem com tudo

isto?

— Talvez haveremos de saber, quando ele voltar a si —

opinou Marshall.

— Temos que levá-lo para fora — constatou Bell. —

Aqui embaixo jamais voltará a si. Quando eu então...

Betty Toufry o interrompeu no meio da frase com um

grito agudo de desespero:

— Cuidado! Estão nos atacando.

Marshall se concentrou e ficou escutando.

— Ela tem razão — disse muito assustado. — Temos

que sair daqui, as solhas querem nos prender.

— Betty, para fora — ordenou Bell. — Todos ou outros

me ajudam aqui com o Ivã.

Betty se arrastou o mais depressa que pôde. Ao chegar à

parede, gritou:

— Não consigo mais achar o risco. E a resposta de Bell

foi:

— Então, faça outro.

Betty se pôs ao trabalho. Porém, ou se deu uma

alteração qualquer com as solhas, ou Betty não estava

preparada para este tipo de trabalho, como Bell.

Quando os homens chegaram com o corpo inerte de

Goratchim, Betty suspirava desesperada:

— Não consigo...

Sem dizer uma palavra, Bell deixou cair o braço do

mutante que estava arrastando, levantou a mão e deu um

grande soco na parede. Sentiu que a parede cedeu com o

pesado golpe. Entretanto como uma película de borracha

elástica levemente esticada, voltou outra vez ao lugar. Bell

se levantou e se lançou com toda força contra a parede. Mas

o resultado não foi melhor.

Alguma coisa havia mudado a substância das solhas

neste meio tempo.

— Afastem-se — ordenou Bell — temos que fazer

fogo.

Antes que estivesse com a arma em posição de atirar,

começou atrás dele um forte ruído de algo que se esfregava.

Bell não se deixou perturbar com isto, mas os outros se

entreolharam e Marshall gritou:

— Elas vêm por trás de nós. Desprendem-se, às dúzias

das paredes, do chão e do teto. Vamos depressa.

Bell atirava. A substância das solhas não estava

preparada para os raios esfuziantes e poderosos da pistola

térmica. Quase que instantaneamente, Bell abriu um rombo

que era suficiente até para o corpo avantajado de

Goratchim. Segundos depois, já estavam todos do outro

lado.

Passaram a ouvir o mesmo ruído ou chiado de sempre,

como no aposento que haviam abandonado há pouco. E

agora, com a luz das lanternas, estavam vendo as solhas em

grandes grupos escorregar do teto ou das paredes e saírem

do chão. E aquele buraco — feito há pouco por Bell —

estava se alargando cada vez mais. Algumas solhas se

desprendiam da fina parede, aumentando assim o rombo,

até o chão. Proporcionavam assim uma passagem cômoda

para as demais solhas que estavam prontas para o ataque.

— Avante! — gritava Bell. — Temos que tentar chegar

até o buraco por onde entramos.

Arrastavam com pressa o mutante de duas cabeças, Bell

não tirava mais da mão a pistola térmica. Por onde que os

seres de Gom avançassem, recebiam o fogo direto de sua

mão firme.

Ainda não se podia imaginar o que pretendiam fazer as

solhas. Não tinham armas, nem naturais, nem mecânicas.

Não tinham braços, nem pernas, nem boca.

Mas todos sabiam que elas conseguiam dominar seus

adversários. Um exemplo disso era o forte Goratchim, com

seu traje espacial semidissolvido.

Puxando o pesado corpo do mutante, chegaram até a

metade do aposento. Betty percorreu com sua lanterna do

capacete todo o recinto. Mas não conseguia mais ver a

abertura pela qual entraram. Marshall foi ajudá-la na

procura, enquanto que Bell e os dois teleportadores se

incumbiam de afastar com as armas de fogo as solhas que

atacavam.

Um minuto depois, não havia mais dúvida: não existia

mais o buraco, as solhas o haviam tapado.

Pelo rosto de Bell, corria o suor.

— Temos que cavar nós mesmos outra galeria, — foi

sua resolução. — Vamos, ponham Ivã ali ao lado da parede.

Ele mesmo foi à frente e começou a trabalhar com sua

pistola. Não se importava com o calor sufocante que se

irradiava da pedra incandescente, que desta vez,

infelizmente não provocava aquela lufada de ar fresco, para

amenizar a quentura. Com a temperatura externa de

trezentos graus centígrados, o calor penetrava no traje

espacial, apesar do dispositivo automático de refrigeração,

atingindo a casa dos quarenta graus.

Mas também para as solhas a temperatura estava

demasiadamente elevada. Formavam um semicírculo em

torno das pessoas que, ou estavam assistindo ao trabalho de

Bell, ou estavam de costas esperando preparadas para atirar,

caso atacassem de novo.

A saída começava a abrir-se metro por metro. Atrás de

Bell, vinha primeiro Goratchim, que era arrastado, e depois

os outros. Quando as solhas começaram a atacar, Marshall

abriu um fogo tão cerrado que matou um grande número

delas. As demais perderam o interesse da perseguição.

Neste meio tempo, Bell estava refletindo que para

atingir o corredor central, devia abrir o trilho um pouco

mais para cima. Calculou bem o ângulo certo e começou

então a escavar degraus na rocha. O trabalho a mais não

tinha importância, já que Marshall estava em condições de

rechaçar as investidas do traiçoeiro adversário.

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51

Betty, no entanto, afirmava que a ordem de ataque era

transmitida telepaticamente a cada instante.

Para evitar qualquer investida de surpresa das solhas,

Marshall ficou parado no primeiro degrau. Cada degrau

fora feito com trinta centímetros de altura e metro e meio

de comprimento. Se Marshall encolhesse um pouco as

pernas, tinha espaço suficiente para deitar-se comodamente.

Acima dele Bell, Betty, os dois teleportadores e Ivã

Goratchim, ainda inconsciente, continuavam o caminho.

Alguns minutos depois, Marshall não percebeu nada mais, a

não ser o jogo de luzes que se cruzavam.

Sua lanterna se dirigia sempre reta para dentro da

galeria. Durante uns quinze minutos, a situação foi de

calma absoluta. Mas após este intervalo, os microfones do

capacete começaram a captar aquele ruído de alguma coisa

que roçava. Outra vez, Marshall intranquilizou-se.

As solhas estavam de volta.

Marshall as observou com calma, quando elas,

hesitando, se aproximavam do reflexo da lâmpada. Não

conseguiu verificar se elas sentiam a claridade. Mas o ruído

continuava o mesmo.

Naturalmente estava de arma em punho, preparado.

Esperava paciente que a primeira solha atingisse a base do

degrau. Já ia apertar o gatilho, pois estava certo de que o

degrau não era nenhum empecilho para elas.

Mas tirou o dedo do gatilho, quando reparou que o ser

esquisito bateu contra a rocha, escorregou alguns

centímetros e quedou imóvel.

Chegaram outras solhas e sendo o corredor um pouco

estreito, vinham umas sobre as outras. Mas a cada uma

delas acontecia o mesmo que à primeira: chocava-se contra

a parede de pedra, escorregavam uns centímetros para trás e

permaneciam imóveis.

Marshall teve uma ideia. Deixou a arma de lado, por

uns momentos, pegou na primeira solha que estava por

cima, observou se as outras não estavam coladas nela, e a

puxou para seu degrau, recuando ele mesmo para o degrau

superior.

Observou que o ser de Gom, pouco menor que a

superfície do degrau, movendo-se um pouco de um lado

para o outro, chocou-se de encontro à rocha a seus pés,

escorregou um pouco para trás. Empurrou-se mais para

frente, até que mais da metade de seu corpo ficou pendendo

no ar. O estranho ser perdeu o equilíbrio e caiu sobre sua

companheira que a esperava embaixo, imobilizando-se.

Marshall pegou-a novamente e trouxe para cima do

degrau. Seu senso científico não lhe permitia tirar uma

conclusão importante de uma só experiência.

Mas sua experiência foi interrompida. Primeiro, julgara

ter ouvido um grito, mas quando o ruído esquisito se

repetiu, notou que se tratava de um sinal telepático. Em

contraste com a confusão de impulsos que vinha dos

aposentos arredondados, em contraste com o comando

inimigo que levava as solhas ao ataque, e em contraste com

os longínquos, mas bem compreensíveis pensamentos de

seus colegas, causava-lhe a impressão de que provinha de

um cérebro, muito semelhante ao do homem.

A mensagem telepática dizia:

— Ajudem-nos, matem os estranhos.

Marshall sabia que Betty também teria ouvido o pedido

de socorro, tão bem como ele. Sabia ainda que Bell poderia

se utilizar de qualquer arma quando o negócio ficasse sério.

Pois Marshall tinha certeza de que o pedido de socorro

partira das solhas, ou melhor, falando do conjunto de todas

as solhas ali reunidas e de que aquele pedido se dirigia a um

cérebro que, como os homens, não entendia nada da

telepatia do ser de Gom.

Com uma descarga, matou as solhas que se tinham

agrupado no degrau inferior. Virou-se para trás, e correu

escada acima. Conversou com Betty. Ela tinha recebido e

compreendido o pedido de socorro das solhas e informou a

Bell de tudo. Mas até o presente momento, não havia

nenhum indício de que alguém tivesse a intenção de vir em

socorro das solhas.

* * *

Bell não tinha mais esperança de atingir o corredor

central, pelo qual haviam penetrado no fundo da rocha. De

repente, porém, sob o fogo de sua pistola térmica, a parede

da frente de sua nova abertura artificial se dissolveu, caindo

em pedaços, deixando à vista um grande rombo escuro. O

espaço lá dentro parecia ter uma pressão atmosférica bem

pequena, pois uma rajada de vento quente quase atirou Bell

através do recém-surgido buraco, levantando poeira e

estilhaços de pedra em redor dele.

No mesmo instante, Betty ouviu o grito desesperado:

— Estão no reservatório do oeste, eles, os estranhos.

Não tinha muita certeza se o que ela tinha entendido

como oeste, era mesmo oeste. Mas foi assim que o

transmitiu a Bell.

— Suponhamos que com as palavras “eles” e “os

estranhos” estão se referindo a nós, então em pouco tempo

vamos ter muito que fazer. Somente quero saber de quem

as solhas lá embaixo estão esperando auxílio.

Não havia ainda acabado de falar as últimas palavras

“esperando auxílio”, quando um jato de luz de uma das

lanternas caiu sobre uma parede lateral do grande salão em

que se encontravam. Em geral, as paredes e o chão eram de

pedra pura, mas neste local, que Ras Tschubai iluminava

agora, havia uma espécie de cortina feita com a substância

de um marrom brilhante do corpo das solhas.

Bell não teve dúvida de que aquela cortina esquisita

encobria uma saída, provavelmente um corredor, que

serviria para o arejamento e para a manutenção de uma

temperatura constante nas instalações subterrâneas.

Lançou um olhar de desânimo sobre o inconsciente

Goratchim, murmurando:

— Não há por onde, temos que continuar a arrastá-lo.

Vamos, para fora.

Apontou para a cortina. Tako Kakuta chegou até lá,

desfechou um enorme soco de mão fechada e teve de

constatar que a massa corpórea do ser de Gom não havia

perdido nada de sua poderosa elasticidade.

Bell, então, usou a pistola térmica e com a rapidez

anterior, as solhas se transformaram em vapor esfuziante e

em gotas que caíam no chão e endureciam. Enquanto

atirava com a mão direita, a esquerda puxava o mutante

inconsciente. O buraco já tinha o tamanho necessário. Via-

se através dele apenas uma escuridão interminável.

Ao se aproximar, recuou com um grito de horror. Vinha

pelo corredor, na direção deles, uma multidão de pernas,

sobre as quais repousavam troncos pesados, de cor cinza-

escuro, troncos com quatro braços e cabeçorras redondas,

de olhos estarrecidos e sem vida.

Apesar da escuridão, Bell percebeu pelo menos uns

vinte, vinham meio agachados, pois tinham três metros de

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altura, enquanto o corredor mal chegava a dois. Estavam

armados, com armas tão pesadas que um ser humano

dificilmente conseguiria carregar.

Eram bios — criaturas repugnantes e artificiais que os

aras criavam em Laros. Bell já os tinha visto uma vez em

Laros e pedira a Deus que nunca tivesse de enfrentá-los.

Neste momento, porém, tinha a certeza de que Deus não

atendera seu pedido.

3

Marshall captou os pensamentos excitados e nervosos

de Bell, enquanto ainda estava descansando no degrau

inferior. Tentou levantar-se e correr, mas os braços e as

pernas não lhe obedeceram. Continuou deitado, tentando

descobrir se o novo adversário emitia algum impulso. Pelos

pensamentos de Bell, podia-se concluir que se tratava de

um grupo de bios dos aras. Os aras, seus criadores e donos,

tinham transmitido a eles certo grau de inteligência,

exatamente tanto quanto necessitavam para servirem como

meros escravos: os bios não possuíam nenhuma pretensão

própria.

Antes disso, porém, Marshall não captara nada, a não

ser muitos pensamentos dos colegas, todos acusando o

horror pelo que viam.

Ao sentir-se um pouco mais resistente, levantou-se.

Com dificuldade venceu dois degraus, tendo que parar para

descansar. E enquanto descansava, percebeu o primeiro

sinal do adversário:

— Estão aqui na nossa frente.

A resposta telepática veio de imediato:

— Matai-os, eles estão destruindo o sistema de

refrigeração.

Chegou a hora do comando de Bell:

— Fogo! Vamos tocá-los daqui para fora.

A primeira investida de Bell deu certo e ele estava

triunfante. Mas Marshall percebeu que não havia

esperanças de uma vitória final. Teve então uma ideia.

Chamou Betty, que respondeu de imediato, embora a luta

recém-iniciada a prendesse totalmente.

— São telepatas muito fracos, Betty, temos que tentar

influenciá-los.

— Será que conseguiremos? — perguntou ela.

— Vamos experimentar.

— Já tentei arrancar as armas de suas mãos horrorosas,

mas possuem força descomunal e eu não estou podendo me

concentrar bem.

Betty possuía realmente dois dons parapsíquicos

distintos: era telepata e telecineta ao mesmo tempo. Se lhe

dessem tempo suficiente, poderia decompor uma montanha

de mil metros de altura, sem botar a mão nela.

Mas, tempo ela não tinha, e os bios seguravam suas

armas com mais firmeza do que o rochedo, os blocos de

pedra.

— Vamos tocá-los para fora do corredor — disse

Marshall, depois de Betty lhe ter descrito a situação. —

Vamos dar-lhes ordem de voltar e deixar Bell sossegado.

Betty concordou, sempre um pouco assustada.

— Bell os rechaçou uns dois metros para trás. Nós

estamos abrigados dos dois lados da entrada, de maneira

que terão que invadir primeiro, se quiserem atirar em nós.

Agora... agora estão atacando de novo.

Marshall fez um esforço para se concentrar.

— Vamos começar, Betty. Faça um grande esforço de

concentração.

* * *

Reginald Bell estava quase certo de que esta seria a

última luta que teria de travar em sua vida.

As armas dos bios eram muito poderosas. Se

conseguissem ao menos uma vez sair do corredor e penetrar

no reservatório, ele, Bell, e todos os seus estariam perdidos.

No primeiro embate, Bell atingiu com tiros certeiros

dois bios, desencorajando com isto os outros atacantes, de

tal maneira que recuaram um pouco. Mas, apesar de todo o

primitivismo de sua inteligência, era apenas uma questão de

tempo, até que chegassem à ideia tão simples de que

abrindo outro corredor pela rocha, chegariam ao

reservatório, sem o perigo de um ataque direto.

— Estão voltando — sussurrou Betty.

Bem perto do chão, Bell esticou a cabeça, protegida

pelo capacete, até o ponto em que podia ver os bios que se

aproximavam. Seguravam as armas com as duas mãos

superiores, enquanto que as duas outras pendiam

livremente, num poderoso, mas disforme e estranho tronco.

Bell enfiou a mão com a arma pelo canto da parede e

deu uma piscadela para os dois telepatas.

— Deixem chegar até cinco metros, rapazes. É o melhor

ponto para um bom tiro. Prestem atenção.

Já estava com o dedo no botão de fogo contínuo. Viu

também que os bios ergueram as armas, já com o dedo no

gatilho.

Mas o primeiro ficou parado de um momento para o

outro. O corredor era tão estreito que tinham que caminhar

um atrás do outro. Aconteceu então que os outros se

chocaram contra ele, que apesar de tudo, não perdeu o

equilíbrio. Abriu a bocarra, como se sentisse falta de ar, e

por uns segundos sua fisionomia simplória dava a

impressão de perplexidade.

Os bios não usavam trajes espaciais. Para seus corpos

abrutalhados e quase sem diferença um do outro, não tinha

a menor importância o local onde estavam, contanto que a

carga mecânica não fosse grande demais.

Bell pôde ver bem nítido como as pernas do primeiro

monstro começaram a tremer. Pesadamente, deu um passo

para o lado e voltou. Bell escutou qualquer coisa articulada,

mas incompreensível. Após isso, toda a tropa deu meia-

volta, afastando-se pela escuridão adentro.

Bell quedou perplexo, de olhos fixos na escuridão, não

entendendo o que se passava. Avançou uns passos na

direção deles e com a luz da lanterna os seguiu, até

sumirem nas trevas.

— Estão indo embora — dizia Betty feliz para

Marshall, por via telepática, de maneira que ninguém

ouviu.

Só então é que Marshall respirou aliviado e teve forças

para subir os outros degraus. Após caminhar uns minutos,

viu claridade em sua frente. Entrou, ofegante, num grande

hall onde Bell e os seus haviam rechaçado aquele ataque

horrível dos bios, de uma maneira que parecia milagre.

Naturalmente Marshall informou a Bell de que maneira

tinha acontecido aquele milagre. Reginald abanou a cabeça

pensativo:

— Como você certamente já notou, eu sou um tanto

céptico em relação a vocês mutantes, mas devo dizer... —

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olhou para Marshall e piscou o olho — ...meus respeitos.

Marshall agradeceu, dizendo:

— Quero ver o que se pode fazer por nós ainda.

Todos estavam prestando atenção.

— Por nós ainda? Será que você já tem algum indício

sobre o paradeiro dos três japoneses, onde as solhas os

esconderam?

Marshall fez sinal negativo com a cabeça.

— Não, não tenho. Acho que não podemos achá-los por

nossa própria força. As instalações são muito extensas.

Fez uma pausa, como se tivesse que pensar.

— Não — continuou. — Estive refletindo um pouco

sobre as solhas. Cá entre nós, deveríamos arranjar um nome

melhor para elas. É verdade que isoladamente são seres, no

máximo, semi-inteligentes. Porém, em conjunto, formam

unidades de qualquer tamanho e são capazes de realizar

coisas importantes, como acabamos de ver, não é?

— Claro — respondeu Bell.

— E mais uma coisa ainda.

— O quê? — perguntou Bell.

— As so... ou então, como devemos chamá-las? Os

gons... estão em contato com os aras de Laros, do contrário

não teriam recebido auxílio de lá.

— Muito bem. E você sabe como isto acontece?

— Não tenho a menor ideia — disse Bell.

— Pense no caso de Goratchim — aconselhou-lhe

Marshall. — Provavelmente as solhas estavam ocupadas

em sugá-lo. Lembre-se daquelas que caíram de repente do

teto. Você também não tem a impressão de que este local é

um viveiro de solhas e os gons ou solhas querem alimentar

seus embriões ou massa de origem com substância

orgânica?

Bell ouvia com toda atenção.

— Pois bem, isto seria uma explicação. Mas continue,

homem sábio.

Marshall sorriu e continuou:

— Os gons ou as solhas são, pois, especialistas na

digestão ou assimilação de substância orgânica. Você se

lembra de como a nossa Gazela desapareceu? Acho que as

solhas adultas também se alimentam da mesma maneira.

Nada seria então mais razoável para os aras do que procurar

neste planeta a substância de que necessitam para a

produção dos bios. Possuem aqui um fornecedor

espontâneo. Em Laros seria muito mais complicado,

precisariam de um mecanismo complexo para obter o

mesmo resultado. Vou mais longe ainda: os aras instalaram

a base dos bios em Laros, só porque têm as solhas bem

próximas.

Seguiu-se um longo silêncio. Depois Bell se

manifestou:

— Acho que você tem toda razão. Tudo que disse,

realmente, tem fundamento. — Levantou bruscamente a

cabeça. — Mas...

— Mas eu havia dito que poderia, sob certas condições,

fazer algo em nosso favor.

— Exatamente a este ponto é que queria chegar.

Marshall tinha simplesmente lido seu pensamento.

Continuou sorrindo.

— Pois bem. Já sabemos que nos encontramos no

reservatório de ar de um sistema de refrigeração.

Provavelmente as solhas se multiplicam melhor sob a

temperatura de 14,3 graus, que constatamos durante umas

duas horas. Ao pensar num sistema de refrigeração, tenho

forçosamente que imaginar que em algum lugar tem de

haver uma câmara de vácuo... para compensar a elevação

da pressão e para descompressão adiabática do ar

superaquecido, não é?

Bell sorriu.

— Seu método é extremamente indutivo. Não se pode

fazer outra coisa do que lhe dar razão.

Com um sorriso tranqüilo, Marshall agradeceu o

cumprimento.

— Essa câmara de vácuo é que temos de encontrar. A

única coisa com que temos de nos acautelar, são os bios.

— Como assim? Não são tão fáceis de serem

influenciados telepaticamente?

— Tão fáceis? — Marshall sorriu. — Betty e eu não

somos sugestores. Sem o auxílio do acaso, não o teríamos

conseguido.

Depois, ficando um pouco mais sério, continuou:

— Não, não acredite que já estamos livres dos bios.

Basta aparecer um grupo um pouco maior, digamos de

cinqüenta, então nós os telepatas não conseguiremos mais

nada.

— Não acredito — disse Bell — que os aras mandem

mais do que este grupo.

— Eu também não, mas não podemos ter certeza.

Bell concordou, mudando de assunto:

— Portanto, podemos ir, não é? Onde supõe que esteja a

câmara de vácuo?

— Em algum lugar por aí. Você naturalmente reparou

que este corredor é mais alto e mais largo que o anterior.

Quem sabe se bifurca mais além e recebe outros ramais?

Temos de examinar estas bifurcações.

De dois em dois, rastejavam-se, um ao lado do outro,

para dentro do corredor. Ras Tschubai e Tako Kakuta

arrastavam com sacrifício o mutante de duas cabeças.

Depois de três quartos de hora, atingiram realmente o

local onde desembocava um corredor mais baixo que vinha

do lado esquerdo. E a luz das lanternas iluminou outra

bifurcação a cem metros daí.

— Muito bem, — disse Bell. — Até aqui sua teoria está

correta, Marshall.

Marshall disse qualquer coisa, concordando, depois

falou:

— Aliás, estou me lembrando de outra coisa.

— Do quê?

— De que maneira os bios vieram de Laros para cá?

Acha que foi a pé?

Bell gostou da pergunta.

— Puxa, você é um homem inteligente. Mas vamos dar

um jeito de, antes, comer alguma coisa. Depois iremos

procurar a espaçonave em que vieram os bios. Se é que

ainda está por aí.

Marshall sorriu. Estava diante da saída da bifurcação.

Bell reparou como ele pegou a pistola térmica e apontou

contra a parede da parte bifurcada, mantendo o fogo por

uns cinco segundos. Bell se aproximou, olhando admirado

para o ponto atingido. No mesmo instante, se sentiu um

vento brando que soprava do trecho bifurcado para o

corredor principal.

— Está vendo, não é o corredor certo. Se houvesse uma

câmara de vácuo em sua extremidade, o vento teria soprado

na direção oposta.

Bell ficou olhando para ele, de olhos arregalados e de

boca aberta.

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— Se você continuar assim — disse Bell — de boa

vontade, terei que lhe ceder meu posto a bordo da Titan.

* * *

O método de Marshall tornava supérfluo ter de

examinar cada ramificação do corredor até seu início. O

método era infalível, como todos estavam vendo. Num

trecho de pouco mais de um quilômetro, ramificavam-se do

corredor principal quinze saídas. Marshall procurava a

décima segunda.

Depois de fazer o tiro de experiência, surgiu um rombo

na parede da entrada, por onde penetraram. Após uma

caminhada mais curta do que pensavam, chegaram a um

lugar onde uma cortina de solhas marrom-escura tapava o

caminho, hermeticamente.

Bell que sempre se mantinha ao lado de Marshall,

pegou a arma para afastar do caminho aquele obstáculo.

Porém Marshall puxou-lhe o braço para baixo.

— Não desse jeito — pediu ele. — Precisamos usar

outra técnica, se quisermos que a câmara de vácuo nos seja

útil.

Marshall sacou a arma, dirigindo-a contra a parede, mas

antes de acioná-la, avisou:

— Esteja preparado. Dependendo das condições,

teremos que atravessar aqui, como as doninhas.

Bell entendeu o que queria dizer. Quando Marshall

começou a trabalhar na parede com a pistola térmica, Bell

estava puxando Goratchim por uma dobra do maltratado

traje espacial. E, ao se levantar a cortina de solhas, para

permitir a passagem da massa de ar quente para as partes do

corredor que estavam com pressão mais baixa, o mutante

foi arrastado tão fortemente, sendo atirado uns metros para

dentro do corredor.

Como já previra Marshall, a cortina se abriu apenas por

poucos segundos, caindo depois ao solo e separando uma

parte do corredor hermeticamente da outra.

Este breve intervalo foi suficiente para o pessoal de

Bell. Sentiam-se arquejantes devido ao esforço que o

movimento mais rápido exigia, principalmente em virtude

da maior atração. Mas já estavam para trás da cortina.

Alguns metros para frente havia outra cortina, idêntica à

anterior, também formada pelas solhas de Gom. Marshall as

obrigou a abrir caminho, do mesmo modo como com as

outras.

Bell consultava com frequência o manômetro de pulso.

Constatou que depois de cada cortina — ao todo cinco — a

pressão do ar era umas duas atmosferas mais baixa do que a

anterior. Depois da quinta seção, a pressão ainda estava a

duas atmosferas e meia. Ainda era alta demais, para que

pudessem tirar os trajes espaciais. Porém se tornara apenas

um décimo da pressão reinante normalmente em Gom.

Após a última cortina, o corredor era muito sinuoso.

Inteligentemente, os gons tinham conseguido com a técnica

mais simples possível, mas ao mesmo tempo muito

eficiente, que, por ocasião de uma repentina compensação

de pressão, a impetuosidade do ar não causasse prejuízos.

Estava obrigada a fazer muitas curvas e com isto perdia em

velocidade.

Já haviam caminhado duas horas, quando, após uma

curva, surgiu novamente uma cortina de solhas. Dava

impressão de ser muito mais volumosa do que todas as

outras pelas quais haviam passado. E quando Bell

experimentou dar o seu possante soco com a luva direita,

notou que aí não havia aquela elasticidade característica das

anteriores, mas antes, parecia uma parede sólida de cimento

armado.

— Nada de extraordinário — disse Marshall — aí atrás

deve estar, provavelmente, a grande câmara de vácuo. Este

paredão tem que suportar uma bela pressão.

A receita patenteada de Marshall iria atuar também aí.

Um rápido bombardeio na parede obrigaria a cortina a

ceder um pouco de lado e o ar aquecido penetraria na

câmara. Devido aos exercícios já repetidos, Bell e os seus

conseguiram entrar antes que se desse a compensação de

temperatura.

Apenas Marshall ficou de fora.

O manômetro de Bell acusava a pressão de 0,05

atmosferas. Os trajes espaciais elásticos, submetidos até

então a uma pressão bem elevada, estavam quase colados à

pele, porém, agora, se estufaram como balões disformes.

— Cinco centésimos! — exclamou Bell para Marshall.

— Precisamos de vinte vezes mais do que isso.

Sob o jato térmico de Marshall, levantou-se de novo a

cortina das solhas, deixando penetrar uma corrente de ar

esfusiante. Bell viu que a pressão, no seu manômetro,

passou de 0,05 para 0,6 atmosferas.

— Só mais um pequeno disparo — pediu ele a

Marshall.

Marshall obedeceu prontamente, arrastou-se pela

terceira vez para a cortina que se reerguia e pôde observar

no seu manômetro que, com o último bombardeio, a

pressão dentro da câmara subiu a 0,97 atmosferas.

Sob a claridade das lanternas do capacete, constatou-se

que a câmara não era tão grande como se supunha. Tinha

uma forma arredondada — aliás, os gons deviam ter

predileção por esse tipo de construção — mais ou menos

vinte metros de altura e quinze de diâmetro.

As paredes não estavam despidas como as das câmaras

de ar rarefeito, onde os bios os atacaram. Três quartos dela

estavam recobertos com as solhas de cor marrom-escura.

Marshall falou categórico:

— Pensei que fossem exatamente assim. Os gons não

possuem um número imenso de câmaras de vácuo. Quando

uma delas se enche de ar, como é o caso desta aqui, então

só lhes resta tentar esvaziá-la novamente. Não dispõem de

meios mecânicos, como nós. Não têm, pois, outro meio de

expulsar o ar a não ser por reações químicas, ou melhor,

reações em série, que consomem o ar.

Bell fez uma fisionomia séria de quem entendia e

aprovava.

— Muito plausível. E as próprias solhas desencadeiam

estas reações?

— Sem dúvida alguma. Dependuram-se como cortinas

nos corredores, por si mesmas, por que então não vão poder

provocar reações químicas nos seus próprios corpos e

conseguir controlá-las? Esperemos um pouco. Conforme

minha teoria, a pressão deve diminuir com o tempo,

provavelmente de maneira lenta, mas contínua.

Bell foi o primeiro a despir, com muito cuidado, o traje

espacial. Sabia que a atmosfera das solhas era quase a

mesma que a da Terra. Porém, não sabia como era a

composição do ar no interior da instalação subterrânea.

Aspirou devagar, olhando calmamente em volta.

— Catinga um pouco — ouviram-no dizer — mas pode-

se respirar.

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Mais do que depressa, tiraram aquela indumentária

plástica, colocando o capacete de lado de tal forma que as

lanternas estavam voltadas contra as paredes, produzindo

uma espécie de iluminação indireta.

Catingava, realmente, isto é: havia um cheiro pouco

comum, de início, desagradável, no ar. Por certo seria

consequência da transpiração das solhas.

A refeição que estavam tomando, era tudo, menos um

banquete. Compunha-se essencialmente de preparados

concentrados que matavam a fome e a sede ao mesmo

tempo e davam ao corpo reserva suficiente para duas

semanas. Como sobremesa, Bell distribuiu uma barra de

chocolate que havia esquecido no bolso de seu traje

espacial.

Ficaram bastante tempo descansando. Tinham a feliz

sensação de, sem os tolhedores trajes plásticos, poderem

respirar um ar fresco, pois o mau cheiro de início, ninguém

mais notava.

Durante estas três horas, em que estiveram descansando

estirados no chão, a pressão na câmara desceu do valor

inicial para 0,75 atmosferas. Os gons que estavam nas

paredes, cobriram-se com uma camada marrom-escura,

sendo que de vez em quando lhes caía um pedaço no chão.

Constatava-se, portanto, no corpo das solhas uma reação à

pressão quando esta diminuía.

— A natureza é mesmo maravilhosa — dizia Marshall

pensativo — criando tais seres. Dentro de sua categoria,

eles são tão completos como o homem.

E olhando em torno e vendo o interesse geral em ouvi-

lo, Marshall continuou:

— Vamos agora resumir tudo que sabemos sobre estes

seres de Gom, ou as solhas, como dizemos. Primeiro: como

indivíduos, são completamente inofensivos para nós. Não

dispõem de nenhum tipo de instrumentos ou armas, são

apenas semi-inteligentes, pelo menos enquanto não forem

influenciados de fora.

“Segundo: o agrupamento ou a fusão de várias solhas

num, digamos, supergom, significa a soma de inteligência e

produz um ser que não apenas é capaz de pensar por si, mas

sem dúvida, pode possuir dons parapsíquicos. Tentem

imaginar, por exemplo, que força telecinética incrível seria

necessária para puxar a Gazela, a milhares de quilômetros

de altura para uma aterrissagem em Gom, mais semelhante

a uma queda.

“Terceiro: a lógica observada pelo supergom é

completamente diferente da dos homens. O supergom,

portanto, não conhecerá nenhuma moral, conforme os

padrões humanos. Não podemos, pois, esperar, só para dar

um exemplo, que nos sejam gratos, à maneira dos homens,

por um serviço prestado. Por outro lado, se lhes fizermos

algum mal, não precisamos nos preocupar de que se

vinguem ou fiquem nossos inimigos”.

“Quarto: O supergom tem a faculdade de se comunicar

com um ser estranho, cujo cérebro seja mais ou menos

semelhante ao nosso. Estou me referindo aos bios. Não

quero fazer nenhuma comparação entre eles e nós. Mas não

há dúvida alguma de que o pouco de cérebro que os bios

possuem é semelhante ao cérebro dos aras e portanto é

construído como o nosso. Por conseguinte, deve haver

também uma possibilidade de nós nos entendermos com os

gons. Temos que encontrá-la.”

Bell era o ouvinte mais atento.

— O que vamos ganhar, realmente, se conseguirmos

este entendimento com os gons?

— Primeiramente, queremos sair daqui. Seria

maravilhoso se conseguíssemos sair daqui sem ter que

cavar a fogo na rocha uma dúzia de buracos. Para isto

precisamos do apoio dos gons. E, em segundo lugar, é

muito provável que os gons tenham ideia de como podemos

deixar este planeta do inferno o mais rápido possível.

Pensem apenas no fato de que, conforme nossa hipótese, os

aras extraem sua matéria-prima orgânica dos gons. Sendo

isto uma realidade, certamente enviam de vez em quando

uma espaçonave para Gom. Talvez nos próximos dias

venha uma e nós podemos tomá-la dos aras, caso os bios já

tenham regressado ou nós não encontremos a que está por

aqui agora.

Bell ficou ainda mais pensativo.

— Combinado — respondeu finalmente. — Acha que

conseguirá entrar em contato com os gons?

— Vou tentar — respondeu Marshall.

— Onde é que está este supergom, na sua opinião?

Todos nós estamos convencidos de que toda esta instalação

é dirigida por um grupo de gons, não é verdade?

— Claro que é — respondeu Marshall. — Não posso

saber de quantos gons se compõe um supergom. Dois ou

três é certamente muito pouco. Mas os que vimos lá

embaixo nos dois aposentos arredondados, não podiam ser

um supergom? São pelo menos dez mil indivíduos.

— É possível — disse Bell. — Mas não é lá tão

interessante. Procure mais um objetivo prático em seus

pensamentos.

Marshall fez um sinal afirmativo e olhou para Betty do

outro lado. Betty entendeu o olhar e virou-se para outro

lado, para não ser prejudicada em sua concentração,

olhando o pobre do Ivã desacordado. Marshall fez o

mesmo. Além disso, se aproximou mais da jovem, para

facilitar o contato telepático.

Não era nada fácil. Marshall acreditava que os gons não

estavam muitos em condições de poder entender

pensamentos terranos, assim como os homens também não

conseguiam bem decifrar seus impulsos mentais. Não era,

portanto, indicado esperar que os gons descobrissem as

intenções de Marshall ou que eles procurassem contato, por

própria iniciativa. Ele tinha que chamá-los, tinha que

chamá-los do mesmo modo como os gons chamaram pelos

bios.

Porém, não havia coisa mais difícil para o cérebro

humano do que criar um pensamento numa forma

determinada. Os próprios órgãos que transmitem os sons da

fala têm tanta dificuldade em articular os fonemas de

línguas estranhas, assim é quase impossível ao cérebro

pensar em “pensamentos” que não sejam humanos.

Mas Marshall estava tentando.

Concentrou-se e pensou:

— Estou chamando você.

O supergom não respondeu. Marshall chamou mais dez

vezes, em espaços iguais e depois da décima vez, teve a

impressão de que um pensamento estranho tentava de

grande distância se entender com ele.

Modulou seu pedido de socorro para uma faixa

diferente e o emitiu pela décima primeira vez. O

pensamento estranho se apresentou de novo, desta vez mais

nítido do que antes.

Marshall continuou modulando e a modulação diferente

parecia influenciar os processos mentais do supergom. A

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resposta parecia cada vez mais nítida.

— Estou aqui, que quer você, meu amigo estranho?

Betty também tinha ouvido e entendido. Olhou para

Marshall, encorajando-o.

— Nós tivemos que lhe causar muitos prejuízos, porque

nos perdemos nesta instalação — pensava Marshall. —

Ficaríamos felizes de não sermos obrigados a repeti-los.

Você não nos pode mostrar uma saída?

A resposta veio de imediato:

— Sim, se eu não conseguir matá-los.

Esta lógica esquisita deixou Marshall tão perplexo, que

precisou de uns instantes para voltar novamente à

modulação certa.

— Por que você nos haveria de matar? Nossa morte não

pode trazer nenhuma vantagem a você. Pelo contrário, nós

nos defenderíamos e destruiríamos suas instalações.

— Isto vocês não conseguem fazer, ela é grande demais.

Vocês são corpos estranhos aqui dentro. Procuro matá-los

para não correr nenhum risco.

— Você não corre risco nenhum, se não nos matar. Não

queremos outra coisa do que deixar esta instalação e este

mundo.

Como resposta, veio uma pergunta de curiosidade:

— De onde chegaram vocês?

— De muito longe — respondeu Marshall despistando.

— Nós não vínhamos para Gom, mas você nos obrigou a

descer.

— É verdade, os aras me deram esta ordem.

— Os aras? São seus amigos?

— Trabalho em sociedade com eles. Forneço-lhes

substância orgânica, em troca eles constróem para mim as

instalações subterrâneas, que me dão possibilidade de

produzir tanta substância orgânica quanto possível.

Marshall percebeu uma leve vibração de hostilidade

contida nestas palavras.

— Os aras nos odeiam — disse Marshall com toda

franqueza — querem atacar nossa pátria e nós,

naturalmente, tentamos nos defender.

Os gons ouviam isto com todo interesse.

— E vocês conseguirão isto?

— Esperamos que sim — respondeu Marshall.

— Vão destruir os aras?

Pergunta inteligente e bem calculada.

— Talvez não exatamente destruir, mas expulsá-los de

sua base em Laros — afirmou Marshall.

Com esta resposta, houve um momento de silêncio.

Marshall notou que os gons deixavam transparecer uma

onda de satisfação. Estava vendo nisto uma confirmação de

suas suposições sobre as relações entre os aras e os gons e

resolveu então explorar a situação.

— Três dos meus companheiros — transmitiu com

muita cautela, — ainda se encontram sob seu poder. Estou

convencido de que não poderão ser úteis a você. Devolva-

os.

Não recebeu resposta. Repetiu o pedido e os gons

continuaram mudos. Marshall refletiu se era conveniente

insistir. Mas neste momento, os gons se manifestaram.

— Vou lhes mostrar o caminho — pensavam como se

não tivessem ouvido a pergunta sobre os três japoneses —

Sigam-no e abandonem esta instalação. Eu vou avisar os

outros — o conceito não foi bem compreendido, podia

significar “irmãos” ou “amigos”, de qualquer maneira

estavam incluídas outras aglomerações de gons — para que

não os incomodem. Quem sabe mesmo, poderão informar

como vocês podem sair deste mundo.

Marshall resolveu não tocar mais no assunto de

Ishibashi, Yokida e Sengu. Provavelmente, os gons não

queriam ouvir falar nisso. No momento, mais importante do

que a libertação dos prisioneiros, era que eles, Bell e os

seus, voltassem ao espaço. Não se devia aborrecer os gons.

O pensamento de Marshall foi curto:

— Eu lhe agradeço.

Mas como já supunha os gons não entenderam a palavra

“agradecer”. Sua mentalidade estava baseada fortemente

nos conceitos objetivos e funcionais. Conceitos como

gratidão, amor, ódio, e ira eram-lhes desconhecidos.

Os gons deram uma descrição do caminho que Bell e os

seus tinham que seguir e garantiram que as cortinas válvula

se abririam no momento exato. Marshall repetiu

pensamento por pensamento, de toda a instrução que

recebera, garantindo-se assim contra possíveis enganos.

Interrompeu-se então a comunicação. Não houve

despedida. Constataram que Marshall havia compreendido

bem as instruções e “desligaram” simplesmente.

Marshall fez muito esforço durante este longo diálogo.

Estava com a cabeça doendo. Virou-se de costas e ficou por

uns instantes deitado, antes de relatar o diálogo a Bell.

Este não fez nenhum comentário. Bateu nas costas de

Marshall e fez-lhe um sinal de agradecimento, foi tudo.

Deu então ordem ao pessoal que vestisse os trajes

espaciais. Já estava na hora. A pressão na câmara não

chegava a 0,6 atmosferas. A respiração já estava tão difícil

como numa montanha de alguns milhares de metros de

altitude.

Os gons deviam saber a hora exata em que o grupo se

pôs em movimento. No mesmo instante, a cortina que

separava a câmara do corredor, começou a abrir devagar. O

equilíbrio de pressão entre a câmara e o setor interno do

corredor restabeleceu-se imediatamente.

A reação das demais cortinas-válvula foi igual. Abriam-

se à aproximação do grupo de Bell. A caminhada foi

tranquila.

Num espaço relativamente curto, chegaram ao corredor

central de dois metros de altura. Dali voltaram até uma

bifurcação onde Bell havia chegado. A bifurcação começou

plana, mas depois começou a subir. Exatamente quatro

horas depois do memorável diálogo com os gons, apareceu

mais distante o foco de luz avermelhada, que o sol Gonom

desenhava no lusco-fusco permanente.

Com suave aclive, o corredor desembocava numa rocha

bem larga e um pouco mais alta que a estatura de um

homem, formando na saída uma caverna afunilada.

Bell procurou orientar-se, mas fora do fato de que o

trecho de penumbra não ia além de oito quilômetros, não

reparou nada conhecido. O planalto, com as pontas de

pedra espalhadas a esmo, com as plantas carnudas azuis,

parecia ser o mesmo em toda parte de Gom.

— Nestas circunstâncias — disse Bell, um tanto

ofegante — acho eu que umas horas de repouso não farão

mal a ninguém. Talvez ao acordarmos, este moço de duas

cabeças terá voltado a si.

Veio mais uma vez para frente da saída da caverna, a

fim de dar uma olhada no ambiente. Devia ser mais um ato

de rotina, como qualquer pessoa de responsabilidade faz ao

deixar os seus quando precisam descansar num local

perigoso.

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Mas, foi mais do que isto.

Nos receptores do capacete, o pessoal o ouviu respirar

forte e com ruído. Ajoelhado como estava ali, tapava a vista

dos outros. Viram, porém, sem saber de onde, uma

claridade ofuscante e sentiram instantes depois que o chão

tremia sob seus pés.

Bell virou para o lado, dizendo:

— Nada de descansar, temos visitas.

Deixou-se cair para frente e se arrastou para o lado, a

fim de que todos pudessem ver. Chegaram mais para frente

e viram viaturas espaciais, em forma de discos

semiesféricos, de porte médio, que desciam às dúzias do

céu quase escuro. Das turbinas da proa partiam fluxos de

partículas incandescentes, freando à descida dos discos e

proporcionando-lhes uma aterrissagem suave.

Num amplo semicírculo, com pequenos intervalos,

estavam postados os discos voadores, em torno do rochedo,

onde Bell e seus companheiros haviam instalado seu

quartel-general. O raio do semicírculo tinha cerca de três

quilômetros.

Por uns instantes, ficou tudo na mesma. Mas depois

começou a movimentação nos discos. Bell pegou o

binóculo e o comprimiu contra a viseira.

O que viu não era lá muito consolador. De cada disco,

desceram cinco daqueles monstros, os bios, que os aras

produziam em Laros. Considerando-se que haviam descido

quarenta discos voadores, não era difícil calcular que o

montante da força de combate era de duzentos destes seres

horríveis.

Parecia que já estavam a par do objetivo, vinham de

todos os lados para um só ponto, distante da caverna apenas

cem metros. Dali, de armas preparadas, partiam em direção

à caverna.

— Parece-me que agora a situação se torna séria —

disse Bell, sem perder a calma, ao menos aparentemente.

4

As relações entre os aras e os gons eram de natureza

mais complicada do que Marshall podia suspeitar.

Para os aras, os gons eram importantíssimos

fornecedores de matérias-primas orgânicas. Os aras não se

contentavam com o que extraiam em condições normais

dos gons, sem prejudicar o conjunto deles. Descobriram as

condições em que as solhas se multiplicavam mais depressa

e instalaram colônias de bios recém-criados, para fazerem

as instalações, que proporcionassem aos gons uma

procriação mais rápida. Assim estes davam aos aras maior

quantidade de matéria orgânica.

As possibilidades de relacionamento dos aras com os

gons eram muito restritas. Os aras não eram telepatas. No

entanto, sabiam que os gons eram dotados destes dons e

ainda outros mais importantes. Também não podiam

ignorar que suas criaturas, os bios, eram feitos da mesma

substância dos gons, também até um certo ponto telepatas.

Os gons se apoderaram da primeira instalação que os

aras construíram. Somente mais tarde é que os aras

reconheceram que através dos bios poderiam manter um

entendimento melhor com os singulares seres de Gom. Mas

começaram a abusar deles.

Foi assim que os aras ficaram sabendo alguma coisa de

positivo sobre estes estranhos seres, com os quais estavam

entrando em contato. Compreenderam que os gons,

mormente quando reunidos em maior número, são tudo,

menos seres primitivos e que, mesmo para eles, os aras,

podiam se tornar, sob determinadas condições,

extremamente perigosos. Em atenção à sua mentalidade

mais elevada, os aras deixaram de tratar os gons como

simples fornecedores de plasma celular. E daquela data em

diante, começaram a ver neles inimigos potenciais,

merecedores de atenção especial, já que se tratava de uma

base tão importante como Laros.

Desde esta época, havia sempre um grupo permanente

de bios em Gom, ao todo vinte destes monstros criados em

provetas, ocupados em terminar a construção do viveiro

subterrâneo das solhas. Pelo menos isto é o que diziam aos

gons. Na realidade, os bios eram para fiscalizar os gons. E

os poderosos aparelhos transmissores embutidos no corpo

dos autômatos de quatro braços, sem que os gons

suspeitassem nada a respeito, mantinham os aras a par de

tudo que se passava no planeta.

O supergom em cada seção da extensa instalação

subterrânea, onde Bell com sua gente havia penetrado,

apelou pelos bios, na hora da dificuldade. Marshall

conseguiu influenciar hipnoticamente os bios, obrigando-os

a retroceder. Ao mesmo tempo, porém, os aras em Laros

ficaram sabendo de tudo através das emissoras automáticas

embutidas nos bios. Da informação até à suspeita de que se

tratava das mesmas pessoas que há pouco tempo atrás

tinham causado tanto rebuliço em Laros e depois da fuga

foram forçados pelos gons a uma aterrissagem forçada em

Gom, era um caminho muito curto.

Os aras colocaram os patriarcas dos saltadores, reunidos

em conferência em Laros, a par de tudo, e estes então

decidiram que o mais prático seria que os aras enviassem

seus bios para prender os fugitivos.

Foi assim que uma pequena frota de naves de patrulha,

com bios a bordo, partiu de Laros e aterrissou exatamente

no local, onde instrumentos de alta sensibilidade

localizaram os mutantes e Bell.

Ninguém se preocupava em Laros com o resultado da

operação. Conheciam Gom e sabiam que os fugitivos não

estavam preparados para aquele ambiente. Já era um grande

milagre o fato de estarem ainda vivos. De qualquer

maneira, não podiam opor nenhuma resistência aos bios,

que se sentiam em casa e estavam equipados com armas

poderosas.

A única dificuldade consistia no fato de que os

patriarcas haviam dado a ordem de que ao menos um

fugitivo devia ser apanhado vivo. Queriam alguém para um

exaustivo interrogatório. E os bios sabiam como deveriam

agir.

* * *

Passou pela mente de Bell retirar-se com os seus para os

corredores de aeração. Também pensou em se apoderar de

um ou dois discos voadores dos inimigos e lhes dar as

costas definitivamente.

Esta última alternativa o levou a permanecer na caverna

o maior tempo possível.

O singular procedimento dos bios, que depois de

estarem a apenas duzentos metros da caverna, ao invés de

iniciarem o ataque e aproveitar a grande chance que tinham

com toda a sua superioridade em número e em material, se

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entrincheiraram atrás dos altos blocos de pedra e depois não

foram mais vistos, vinha de encontro aos planos de Bell.

Marshall e Betty tentaram captar o conteúdo de seus

pensamentos. Mas o cérebro de um bio é tão reduzido, que

não havendo um esforço enorme, não se percebe nenhum

impulso mental, nem a poucos metros de distância. Alguns

impulsos de pensamento chegavam até a caverna, vez por

outra. Isto acontecia quando um dos bios sentia dores, por

ter levado um tombo ou por se ter queimado e a dor

provocava maiores vibrações no cérebro. Outros

pensamentos, não se podia esperar deles.

Muito mais elucidadoras eram as nuvens de poeira que

de vez em quando subiam por detrás dos rochedos, onde os

bios aparentemente se abrigaram. Bell concluiu daí que o

adversário estava preocupado em abrir caminhos

subterrâneos até a caverna. Depois de ter quebrado a cabeça

com esta hipótese inesperada, começou a pensar que talvez

os bios tivessem recebido ordem de apanhá-los vivos, para

serem levados a Laros e submetidos a interrogatório.

Falou a respeito com Marshall, que classificou sua

hipótese de plenamente viável.

— Possuem diversos tipos de armas — constatou Bell.

— Esta nuvem de pó de pedra, lá embaixo, parece ser

causada por desintegrador. Eu diria que em meia hora esses

malucos podem surgir de qualquer lado a nossa frente.

Marshall ponderou, no entanto, que Bell, apesar da

situação inquietante, estava atrasando demais os

preparativos. Designou o lugar para cada um, na entrada da

caverna, chamou a atenção de Betty Toufry para que

olhasse também para trás, porque ninguém poderia saber

onde surgiriam os bios. Falou tão ponderadamente como se

tivesse, entre cada palavra, um mundo de problemas a

resolver.

E tinha mesmo. Marshall seguia pensamentos dele e se

admirou do grau de noção de responsabilidade com que

Bell cautelosamente chegou à conclusão, que muitos já

teriam tomado sem maiores ponderações.

— Tako!

— Pois não, senhor.

— Você consegue chegar e entrar num pulo num destes

discos voadores?

O japonês comprimiu os olhos numa fenda horizontal e

fitou os veículos espaciais do outro lado.

— Se o senhor me der cinco minutos para concentração,

com toda probabilidade, chego.

Bell sorriu contente.

— Bem, então vamos fazê-lo logo. Talvez os discos não

estejam vazios. Suponho que em cada um deles há pelo

menos um bio servindo de vigia, pois os saltadores e os aras

conhecem nossos truques. Leve a arma na mão, quando

saltar.

— Perfeitamente, senhor. Que devo fazer com o disco,

quando o tiver em mãos?

Os olhos de Bell se arregalaram.

— O que que deve fazer? Ora, trazer para cá,

naturalmente, para que possamos dizer adeus a este mundo

infernal.

Tako sorriu amável. Depois, agachou-se num canto, de

onde podia ver uma parte dos discos voadores, para se

concentrar.

Os outros se acomodavam em seus lugares, designados

por Bell. Sem que ninguém lhes falasse, sabiam todos que

tudo dependeria de que Tako conseguisse pegar depressa

um daqueles discos. Para saberem do sim ou do não, tinham

que esperar e não podiam fazer outra coisa do que procurar

se salvar pela fuga.

Marshall escutava com atenção se os gons no fundo da

terra ou em outro lugar emitiam qualquer impulso. Mas

depois de gastar alguns minutos num grande esforço

telepático, sem nada conseguir, veio-lhe o pensamento de

que os gons podiam intervir nesta luta, para benefício deles

mesmos. Concentrou sua atenção na nuvem de vapor e de

poeira que subia aqui e ali, atrás dos imponentes rochedos.

Sentiu que ficava cada vez mais rala, na proporção em que

os bios se aprofundavam no solo.

De repente Tako desapareceu, sem uma palavra, sem

um sinal.

Marshall reparou e fixou os olhos com muita firmeza na

fila dos discos. Naturalmente era difícil olhar todos ao

mesmo tempo. Mas estava convencido que Tako atingira

seu objetivo num só pulo. Não apareceu em nenhum lugar

do planalto pedregoso.

Porém, Bell, muito à frente, não notou o

desaparecimento de Tako, por isso, continuou olhando sem

maior interesse para frente. Reparou assim que uma das

plantas azuis, que crescia à entrada da caverna, começou a

se mover. Olhou em redor e constatou o mesmo fenômeno.

Com movimentos trêmulos, as plantas mergulhavam para

dentro da cavidade, de onde brotavam.

Os olhos de Bell perscrutaram o horizonte e

descobriram no meio do quadrante esquerdo uma faixa

estreita, onde o halo avermelhado que o sol de Gonom

desenhava, estava mais esmaecido ainda do que de

costume. Ali, a claridade parecia se elevar mais, como que

tocada por um longínquo incêndio. Bell virou-se para trás e

bradou para seus colegas:

— É talvez a nossa salvação. Teremos uma tempestade.

O trecho esmaecido cresceu um pouco mais, depois

empalideceu contra o horizonte e, alguns segundos após,

veio o turbilhão de poeira e cascalho fino.

— Todos, dois metros para trás — ordenou Bell. —

Pensem bem que cada pedaço de pedra pesa aqui o dobro

do que na Terra.

Ao se afastar, reparou que Tako havia desaparecido.

Marshall o informou de que o japonês havia desaparecido

há uns cinco minutos.

— Diabo! — resmungou Bell. — E por que só me diz

isto agora? E Tako não dá sinal de vida?

Chamou pelo japonês, mas Tako não respondeu.

Apanhou então o pequeno aparelho de transmissão e o

ligou. Julgava que a força do transmissor do capacete fosse

insuficiente para atingir os pequenos aparelhos espaciais,

principalmente se o envoltório energético de proteção

estivesse ligado.

No momento não chegou a refletir que nesta

eventualidade não poderia esperar resposta do japonês.

Neste mesmo instante o inferno se desprendeu sobre Gom.

Nos segundos anteriores, de tanta excitação pelo japonês

desaparecido, ninguém dera atenção à tempestade iminente.

Mas já estava aí. O rápido, mas violento tremor de terra,

não foi suficiente para alertar os ocupantes da caverna.

Diante da entrada, pairou de repente uma muralha de pó

e pedras. Elevou-se tanto, que não se via mais o céu escuro.

Com estrondo agudo, rolavam os blocos de pedra soltos que

a ventania arrastava para o planalto. Novos turbilhões de

poeira toldaram o resto de claridade que ainda havia.

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O barulho aumentava a cada segundo nos microfones de

capacete de tal forma que Bell teve que dar a ordem:

— Desligar o microfone externo.

Mas a ordem foi somente compreendida, após muita

gesticulação. O silêncio repentino foi muito benéfico. Mas

lá fora, a trepidação do ar era acompanhada de um sibilar

constante.

— Liguem as lanternas — gritou Bell, que não podia

mais calcular o volume da voz.

E as lâmpadas se acenderam, iluminando apenas uns

dois metros através da opacidade da densa poeira levantada

pela tempestade diante da caverna e, em parte, para dentro

dela. Os trajes espaciais estavam recobertos por densa

camada de poeira.

— Não acredito que... — começou Bell, e o resto da

frase devia ser, pelo tom de voz, algo tranquilizador.

Mas um grito de horror de Betty interrompeu Bell.

— Olhem os bios ali.

Na nuvem de poeira que penetrava na gruta, mal se

vislumbrava a figura de Betty, que ocupava um posto na

retaguarda. Bell via-lhe apenas o braço que apontava

enviesado para trás, na direção da caverna. Mas viu bem

nítido, por fração de segundo, entre duas rajadas de poeira,

o rosto redondo de um dos bios.

Instantes após, tinha desaparecido. Mas logo depois, o

braço enegrecido, como tronco de árvore, surgiu da poeira,

girando no ar o cano da arma. Bell se encolerizou.

— Fogo — gritou ele ofegante.

Ele mesmo foi o primeiro a atirar. O raio energético

incandescente penetrou na escuridão da poeira. Um grito

agudo e longo foi a resposta.

— Ali estão outros — disse Betty. — Vêm de todos os

lados.

Bell queria recuar e respirar por uns segundos. Mas, por

toda parte, o clarão da lanterna descobria, com contornos

indecisos, os vultos gigantescos daqueles monstros que se

aproximavam.

Bell atirava, girando o corpo constantemente. Não sabia

que estava gritando como um possesso, sem ouvir, também,

os gritos lancinantes dos atingidos, tão fortes que os

microfones — mesmo estando com o volume baixo —

recebiam e transmitiam. E quando mais tarde se recordou

da situação, achou que foi um milagre não ter atingido um

dos seus, durante a reação desesperada. Não se preocupou

com ninguém naquela hora, nem procurou saber se estavam

conseguindo se defender ou recuar.

A primeira leva de bios estava destruída, enquanto

atacavam. Mas para cada morto, surgiam dois outros para

substituir. O anel se apertava em tomo daquele punhadinho

de desesperados e podia-se prever o momento em que os

gigantes artificiais precisavam apenas avançar para tirar as

armas das mãos de seus reduzidos adversários e terminar a

luta. Se o combate não chegou a este desfecho, foi um

verdadeiro milagre.

Depois de ruírem os paredões da caverna, Bell tinha que

lutar contra dois inimigos simultâneos: contra os bios que

com incrível tenacidade voltavam sempre ao ataque, e

contra a tempestade que ameaçava de arrastá-lo, embora

estivesse sempre deitado e comprimido contra a rocha.

Assim que pôde respirar um pouco, procurou se arrastar

para trás de um bloco de pedra, que lhe parecia

suficientemente forte para aguentar o vento. Mal fizera o

primeiro movimento, quando surgiu em sua frente uma

sombra bem larga. Bell arrancou da arma, mas com o

movimento da cabeça, a lanterna do capacete atingiu a

sombra e deixou ver as duas cabeças.

— Ivã! — gritou Bell, cheio de entusiasmo. — Você

está chegando na hora exata.

Ivã Goratchim parecia não ouvir nada. E, como um

sonâmbulo, levantou-se, deu uns passos para frente e

quedou firme como um rochedo.

Em algum lugar atrás da cortina de trevas, poeira e

cascalhos, faiscou um raio, tão claro que transformou a

escuridão momentaneamente em plena luz do dia. De

algum lugar daquele caos, reboou o trovão, mais forte que

todos os ruídos que haviam chegado ao microfone até

então. Um tufão de ar quente apanhou Bell e os seus,

atirando-os uns metros para o alto e deixando-os cair logo a

seguir no chão.

Depois reinou silêncio, impenetrável silêncio escuro.

* * *

A primeira coisa que Bell sentiu, foi a sensação de que

seu corpo tivesse sido dissecado em centenas de pedaços

doloridos. Assim que voltou a si do desmaio, parecia ter

medo de respirar. Qualquer movimento lhe causava dor.

Abrindo os olhos, viu que em redor deles ainda reinava a

mesma penumbra. Onde estava a tempestade, onde estavam

os bios?

Virou-se de lado, examinando o halo avermelhado do

sol. Mas tudo que viu foi um clarão vermelho no

firmamento e uma muralha negra, impenetrável.

Dos bios não havia vestígios.

— Marshall? Betty...?

Não esperava mesmo uma resposta, mas mal acabara de

pronunciar os nomes, quatro vozes diferentes responderam:

— Estamos aqui, senhor Bell. Está tudo em ordem.

Onde está o senhor?

As vozes soavam alegres e fortes. Bell constatou

satisfeito que estava simplesmente perdido.

— Estou aqui — respondeu. Levantou-se com

dificuldade, gemendo de dores. Apoiou-se numa pedra lisa

e olhou por cima dela. Mais ou menos cinquenta metros

para frente, descobriu Ivã, o mutante de duas cabeças, que

também estava de olhos fixos na estranha muralha negra.

— Já vou indo — disse Bell.

Ao ver Ivã, se lembrou do milagre que havia salvado a

ele e aos seus do ataque dos bios.

Ivã voltou a si de repente, levantou-se, compreendendo

num instante, intuitivamente a situação.

O dom mais importante de Ivã não era o fato de ter duas

cabeças; sua singularidade era a propriedade de poder atuar

como detonador vivo. Era-lhe muito fácil, em virtude de

sua incrível força de vontade, produzir um processo de

fusão dos núcleos atômicos do carbono ou do cálcio. O

resultado era, sempre que se apresentasse uma massa

suficiente de um dos dois elementos, uma explosão

semelhante à da bomba de hidrogênio.

Não restava dúvida nenhuma de que Ivã havia

empregado este meio, para afastar os bios. Sob o domínio

da vontade de Ivã, a força de combate dos aras de duzentos

gigantes armados até os dentes fora reduzida a um facho

atômico. E somente o fato de que as fusões de cálcio e de

carbono se realizam mais lentamente do que os de

hidrogênio é que livrou os colegas de Ivã de ir pelos ares do

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mesmo modo como as criaturas artificiais dos aras.

Enquanto se arrastava com sacrifício na rocha onde

estava o mutante de duas cabeças, Bell ia remoendo estes

pensamentos. Um calafrio lhe percorreu a espinha dorsal,

ao pensar que desta vez, realmente, passara raspando pela

beira de uma terrível catástrofe.

Gastou meia hora para percorrer aqueles cinquenta

metros. Arrastou-se em volta do rochedo, deixando-se

escorregar de costas, para respirar melhor e para aliviar-se

das dores enormes em quase todo corpo. Atrás do rochedo,

se encontravam seus quatro companheiros: Ivã, Marshall,

Betty e Ras Tschubai. Marshall e o africano estavam mais

ou menos sentados, apoiados nas pedras. Ivã e Betty

estavam deitados no chão.

— Na próxima vez — murmurou Bell para o mutante

de duas cabeças, após se haver refeito um pouco do cansaço

daquela caminhada — vocês dois, por favor, acordem meia

hora mais cedo e organizem seu “espetáculo pirotécnico”

enquanto o objetivo estiver a uma distância mais segura,

não é verdade?

Ivã, o mais velho, abriu o rosto num sorriso. Ivanovitch,

o mais moço, no entanto, se sentia meio culpado.

— Eu havia despertado uns segundos antes de Ivã —

disse ele se lamentando — mas o malandro não queria

voltar a si.

— Ah! Vocês estão ouvindo, “o malandro”? Até que

enfim ele concorda que eu sou o mais velho. Terá ainda

que...

— Ah!... deixem de bobagem — interveio Bell. —

Vocês dois foram maravilhosos. Acho que não estaríamos

vivos sem vocês.

Virou-se, dirigindo-se a Marshall:

— Que espécie de paredão é aquilo lá em cima?

Marshall fez uma fisionomia mais séria e retardou a

resposta.

— São os gons — disse finalmente.

— Os gons? — repetiu Bell atônito, de olhos

arregalados. — Que estão fazendo lá?

Até o momento, não tinha dado muita atenção ao

paredão escuro. Reparou então que este se erguia do chão

em suave inclinação, usando os blocos grandes de pedra,

em volta, como pontos de apoio. A borda externa tinha

mais ou menos seis metros acima do solo, num diâmetro de

cerca de dez.

Deitou-se de costas no chão e ficou olhando para o céu.

Aí, então, compreendeu o que pretendiam os gons.

A tempestade continuava com a mesma violência. Por

cima da muralha soprava o tufão, turbilhonando nuvens de

pó e de cascalhos e, se o microfone estivesse ligado com

um pouco mais de volume, poder-se-ia ouvir o intenso

bramido.

A muralha viva dos gons os protegia naquele recorte

entre as rochas. Os gons vieram para que Bell e os seus não

fossem projetados ao longe pelo furacão.

— Surpreendente — disse Bell extasiado — por que

fizeram tudo isto?

— É realmente um pouco difícil de se compreender —

interveio Marshall. — Mantiveram-se em contato comigo,

assim que recuperei os sentidos, e os impulsos estavam

incrivelmente nítidos. Deve ser uma multidão enorme de

gons que aí se reuniram. Mas não disseram nada mais, a

não ser que haviam construído uma barreira contra a

tempestade e ficariam ali até que a mesma terminasse. Se

você quiser saber de mim, a razão por que assim agiram,

está no caminho errado.

— Puxa vida, então pergunte você mesmo.

Marshall sorriu meio sem jeito.

— É isso mesmo. Se lhes perguntar por que fizeram

isso, a resposta será invariavelmente: Para protegê-los

contra a tempestade. Não compreendem que este “por que”

possa ter outra significação.

Bell aceitou a explicação, pensativo.

— Seres misteriosos — balbuciou ele. — Que

aconteceu a vocês? — perguntou, mudando de assunto e se

dirigindo a todos.

Betty foi a primeira a se manifestar:

— Fiz uma bela viagem aérea. Mas devo ter aterrissado

muito brandamente em qualquer lugar. Quando recuperei os

sentidos, estava rente à muralha dos gons. Marshall,

Tschubai e Goratchim já estavam aqui. Por isso vim me

arrastando para cá.

A mesma coisa aconteceu com Marshall, Tschubai e

com o mutante de duas cabeças.

— Felizmente correu tudo bem — suspirou Bell. —

Poderia ter sido muito pior se...

Interrompeu-se no meio da frase, ficou de olhos fixos

no espaço, disfarçando um sentimento mais triste.

Marshall fez um sinal para ele.

— É isso mesmo. Estaria tudo mais ou menos em ordem

se ao menos soubéssemos onde se encontra Tako.

Num gesto sem sentido, Bell deu um tapa na cabeça,

atingindo apenas o capacete.

— Meu Deus! — admirou-se. — Devo ter levado uma

batida na cabeça, do contrário não o teria esquecido.

* * *

No mesmo instante em que aterrissou no pequeno disco

voador, Tako Kakuta percebeu que tinha caído numa cilada.

O espaço interno do veículo era arredondado, como o

próprio disco. Não tinha janela, nem painel de controle.

Tanto o chão, como o teto e as paredes eram lisos, sem

nenhum adorno. Um banco simples corria em volta da

circunferência.

Não havia ninguém dentro. A teoria de Reginald Bell,

de que, dentro de cada aparelho havia pelo menos um bio,

para vigiá-lo, estava, portanto errada.

Tako sentiu o leve abalo, com que o disco voador

começou a se mover, mal tinha entrado. Compreendeu que

algum dispositivo distante registrara sua chegada e o estava

agora transportando para algum lugar.

Tako era calmo e não se precipitou em tomar sua

decisão. Tinha duas opções: sair do disco, tão facilmente

como havia entrado ou permanecer ali, para ver onde ia

terminar a viagem. Momentos depois, Tako achou que seria

um empreendimento inútil, como também perigoso, ver

para onde terminaria a viagem. A pequena nave provinha

de Laros e foi telecomandada de lá. Quem haveria de

duvidar que voltaria para lá?

Mas havia outro argumento que o seduzia. Era técnico

de profissão, trabalhava como técnico antes de se tornar um

dos auxiliares de Perry Rhodan. O que aconteceria se

conseguisse examinar o mecanismo de telecomando, se

desligasse o receptor e dirigisse ele mesmo o disco voador?

A técnica dos aras seria muita diferente da dos terranos?

Seria tão diferente que um terrano não poderia compreendê-

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la?

Tako sabia que não era assim. A técnica dos aras se

baseava na dos arcônidas. E esta, ele conhecia

profundamente.

Resolveu ficar. A pistola térmica que ele mesmo

regulara para fogo de longo alcance — a fim de atingir de

uma vez só todos os bios que se encontrassem a bordo do

disco — foi calibrada agora para raios energéticos de curto

alcance.

Começou então a dissolver as chapas que formavam o

revestimento debaixo do banco circular, separando-as de

seus suportes. Chapa por chapa ia virando e caindo no chão.

E quanto mais progredia a operação, mais convencido

estava do acerto de sua decisão. Diante dele, estava não

apenas o conjunto do mecanismo de tração com o

respectivo receptor, que recebia os sinais do telecomando e

os transformava automaticamente. Havia também o gerador

para produção do campo de gravidade artificial na cabina, a

câmara de televisão que refletia seus impulsos para a tela

do telecomando e, por fim, o conjunto de dois

desintegradores embutidos na carcaça externa da pequena

espaçonave.

Viu que fizera uma grande descoberta. Tratava-se agora

de saber se conseguiria utilizá-la.

A distância de Gom para Laros, numa nave deste tipo,

seria mais ou menos de uma hora. Se não quisesse chegar à

perigosa vizinhança da base, teria que agir depressa.

Com movimentos rápidos e precisos, dissolveu a fiação

para o receptor de telecomando e interrompeu os contatos

de tal forma que o conjunto de propulsão não receberia

mais nenhum impulso de fora.

Depois examinou o próprio conjunto de propulsão e

constatou que, naquele mesmo momento, ele tinha deixado

de funcionar.

A pequena espaçonave se movimentava em queda livre

pelo espaço. Tako chegou à conclusão de que o mais

importante seria saber para onde é que estava se

movimentando.

* * *

Bell ficou meia hora chamando pelo japonês Tako.

Acabou desistindo contrariado. Marshall teve a idéia de que

talvez os gons pudessem saber o que havia acontecido com

Tako. Mas não respondiam à pergunta.

Isto estava ligado ao fato de que, neste momento, eles

estavam muito ocupados. Marshall recebia um grande

número de impulsos, contra os quais seu chamado mais

fraco não podia prevalecer.

Não podia descobrir o que pretendiam os gons. Porém,

momentos depois, chegou a perceber.

A muralha começou a se dissolver. As nuvens de poeira

que a tempestade tinha levantado acima do rochedo,

estavam agora menos densas. A procela acabara e os gons

abandonavam o posto de vigilância.

Marshall regulou o microfone externo para maior

sensibilidade. Pôde ouvir com nitidez o ruído farfalhante

com que as solhas se retiravam do seu aglomeramento nas

rochas. Minutos depois, a muralha não existia mais. Na

direção da flácida luz avermelhada do sol, marchava uma

avalanche enorme, marrom-escura, de solhas que cobriam o

longo desnível do terreno.

Enquanto se arrastavam naquela direção, podia-se ver

que apenas transpunham os desníveis do terreno, sem

retirar nada do caminho. As pedras sobre as quais a

vanguarda do grande manto marrom já havia passado,

surgiam instantes após como estavam antes. Até mesmo os

discos voadores, que haviam trazido os bios, os gons

deixavam intactos.

Bell estava olhando para os aparelhos dos aras.

— Vamos pegar um deles — disse Bell — não confio

muito neles. Até a Titan, levaremos talvez duas ou três

semanas. Mas é melhor do que nada.

— Calcule um pouco mais — falou Marshall — temos

que dar uma volta enorme para escaparmos dos aras e dos

saltadores. Não creio que estes aparelhos estejam armados.

Além disso, vocês não estão reparando nada?

— Não, o quê?

— Eram quarenta aparelhos, agora são trinta e nove.

Bell os contou um por um. Marshall estava certo.

— Quem sabe, um deles foi devorado pelos gons? —

indagou Bell, indeciso.

— Não creio, não — continuou Marshall. — O nosso

japonês é que desapareceu com um deles.

* * *

Assim que Ivã Goratchim fez uso de suas incríveis

faculdades mentais, sabia-se em Laros o terrível destino dos

duzentos bios desintegrados por ele.

A reação dos três patriarcas, Siptar, Vontran e Cekztel

constou apenas de um conselho que deram aos aras, como

bons amigos:

— Realmente, a força que vocês enviaram foi muito

pequena, mandem mil bios, que nós vamos ver como as

coisas se passam.

Os aras ouviram o conselho um tanto cépticos. Embora

não o confessassem perante os saltadores, a perda de

duzentos bios foi um duro golpe para eles. Em Laros não

havia ao todo mais do que setecentos bios. E agora eram só

quinhentos. Não estavam, pois, em condições de seguir o

conselho dos patriarcas dos saltadores. O que também não

deixavam transparecer.

Além de tudo, os aras estavam plenamente conscientes

de que estavam tratando com um adversário que não podia

ser menosprezado. Seu ponto de apoio em Laros, o mais

afastado das grandes rotas espaciais, era-lhes de inestimável

importância — era o grande laboratório e o quartel-general

dos bios, cujo comércio lhes rendia fortunas fabulosas. Por

este motivo, reagiam de uma maneira esquisita quando

alguém se intrometia em seu modo de pensar e de agir.

Mas, nestas circunstâncias, era um pouco diferente.

Alguém aterrissara em Gom. Este alguém não se imiscuía

em seus negócios. Porém dava mostras de que estava

disposto a liquidar seus bios. E o interessante é que este

alguém era um fugitivo desesperado, obrigado a cair e se

esfacelar no solo do planeta, atraído, pelas forças dos gons

a serviço dos próprios aras.

Muitos, entre os aras, desconfiavam de que os gons

tinham se aliado aos fugitivos. Mas era difícil achar provas

contra ou a favor desta suspeita.

Neste estado de coisas, os aras deliberaram enviar

quatrocentos bios para Gom. Entretanto, fizeram uma coisa,

que jamais haviam feito nos longos anos de “cooperação”

com os gons: ordenaram aos gons, sob ameaça de severos

castigos, de prenderem os fugitivos e entregá-los aos bios.

Vários bios transmitiram esta ordem de Laros a Gom

por meio de amplificadores mecânicos para telepatia. O

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tipo de castigo ameaçado pelos aras foi explicado em

palavras claras: destruição, pelo menos da metade, da

substância das solhas, com aplicação de bombas atômicas.

Gom não respondeu. Os aras sabiam, naturalmente, que

uma mensagem deste tipo só poderia ser captada quando os

gons se reunissem em quantidade suficiente para formarem

uma inteligência. Mas a estatística comprovava que estas

reuniões eram muito frequentes em Gom.

Embora a ordem não tivesse tido resposta, os aras

estavam convencidos de que foram compreendidos.

No meio daquela confusão toda e de apuros por que

corriam os aras, passou completamente despercebido um

pequeno incidente: a estação de relês do telecomando

registrou que, pelo menos, uma parcela dos tripulantes

havia regressado num dos discos voadores. Já que o prazo

fixado pelos aras para a operação dos bios em Gom tinha se

esgotado, a estação de relês deu a partida ao disco voador e

o trazia de volta a Laros. Mais ou menos meia hora após a

partida, a pequena nave escapou do telecomando e não foi

mais localizada.

A estação de relês transmitiu a comunicação do

ocorrido. Veio, no entanto, a notícia de Gom de que todos

os duzentos bios foram destruídos pelo inimigo. Assim,

ninguém estava dando importância a uma coisa tão ridícula

como a saída de um único disco voador, onde poderia estar,

no máximo, um tripulante.

5

O problema mais importante e ao mesmo tempo mais

complicado, Tako resolveu da maneira mais simples

possível. De posse do traje espacial protetor, não lhe foi

muito difícil dissolver inúmeras chapas da parte superior do

disco, de forma que ao menos de trinta em trinta graus

havia uma abertura para visibilidade. É verdade que, na

fração de um segundo, todo o ar que havia no interior da

nave, foi expelido. Mas, nenhuma peça dos motores de

propulsão, do sistema de defesa ou dos demais

instrumentos dependia do consumo de ar. Tako havia

tomado todas as providências para não afetar em nada a

estabilidade estática do aparelho.

Constatou que estava bem longe de Gom, conseguindo

ainda ver o enorme planeta do tamanho de uma laranja. Na

frente, no sentido da trajetória do aparelho, havia ainda um

outro corpo celeste um pouco menor, de um branco

amarelado, que Tako identificou como Laros. Conhecendo

bem o tamanho do planeta e de suas dezoito luas, não lhe

foi muito difícil, calcular, com relativa exatidão, que havia

percorrido três quartos da rota Gom-Laros.

Não se preocupou com as dificuldades que surgiriam

com um vôo nestas condições. Preocupava-se apenas em

manter elevado o moral, que naturalmente teria perdido

caso pensasse que um homem, dirigindo uma nave espacial

avariada, sem outros meios a não ser os do olho nu, haveria

forçosamente de fracassar.

Estava tentando botar em marcha os motores de

propulsão.

* * *

Bell e os seus levaram cinco horas para atingir uma das

pequenas espaçonaves. Os gons haviam desaparecido há

muito tempo e não se manifestavam mais.

Também os bios não davam sinal de vida. O céu

cinzento estava livre de corpos estranhos. Só as estrelas

mostravam o brilho opaco.

Ao chegarem a uns duzentos metros de seu objetivo,

Bell deu uma ordem a Betty Toufry:

— Analise um pouco a situação, Betty. Queremos saber

o que há lá dentro.

No seu íntimo, estava calculando a distância entre o

primeiro aparelho e o segundo.

Depois das investigações de Betty, tudo lhe parecia

inútil. A distância de um para o outro era considerável e

precisariam de mais duas horas para atingir o aparelho mais

próximo. Além de tudo, Tschubai estava esgotado para

poder transportá-los, ou melhor, transportá-los para bordo.

Betty se estirou no chão, comprimindo o binóculo

contra a viseira. Passaram-se minutos, sem novidade

alguma.

De repente a nave começou a vibrar. Bell viu quando

uma chapa mal recortada se desprendia da parede lateral da

carcaça e caía no chão aos pedaços.

— Continue — disse ele.

Betty não se deixou perturbar. Sob a poderosa energia

de seus dons telecinéticos, pedaço por pedaço da carcaça do

aparelho se esfarelava no chão, até que o teto, já sem

sustentação, desabou por completo. O espaço interno, agora

já totalmente devassado, estava mesmo vazio.

Bell suspirou triste:

— Podíamos ter evitado isto. Agora só nos resta nos

arrastar mais duas horas até o próximo aparelho.

Marshall notou seus cuidados:

— Não se preocupe com isto. Não ficaríamos tranquilos

enquanto não fizéssemos esta experiência.

— Obrigado, — disse Bell, triste. — Vamos, portanto

continuar.

* * *

Os gons acabaram de receber a mensagem dos aras,

aliás bem nitidamente pois havia muitos deles reunidos —

mais ou menos cem mil — para protegerem os estranhos

contra o tufão. Estes estranhos eram preciosos e tinham

aniquilado os horrorosos bios... compreenderam no mesmo

instante o que significava aquela ordem.

Apesar de não saberem propriamente o que era técnica,

sabiam perfeitamente de que meios técnicos dispunham os

aras. Não ignoravam que o destino da raça dos gons seria

decidido, se não obedecessem à ordem dos aras.

Os gons se apressaram em iniciar a reunião e para isso

se dirigiram a um dos locais de assembleia, que estavam

distribuídos por toda a superfície do planeta.

Recebiam resposta de todos os lados e quando

chegaram ao local, lá encontraram já muitas centenas de

milhares de gons reunidos. De acordo com as instruções,

estavam esperando em locais diferentes; pois era um fato

comprovado pela experiência entre os gons, que, numa

assembleia geral, prevalecia sempre a vontade daquela

parcela que antes da reunião era a maior. No momento,

tudo dependia da consciência daqueles cem mil gons que

haviam recebido a ordem dos aras. Aqueles esperavam pela

chegada dos demais. Iriam se unir a eles, conforme a ordem

de chegada, de tal maneira que o conteúdo da consciência

dos cem mil haveria sempre de dominar.

Desta maneira demorou mais de vinte horas até que se

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formasse um supergom, que era capaz de atuar de acordo

com o que desejavam os aras. Era a maior reunião de que se

lembrava o supergom. Isto representava alguma coisa, pois

a consciência histórica dos gons era coletiva e sob certos

aspectos mais fidedigna do que documentos escritos.

O número total devia ser de um bilhão de gons que se

aglomeraram por ordem dos aras. Estendiam-se por uma

superfície de cerca de mil quilômetros quadrados.

Era o maior poder bélico reunido. Embora a gigantesca

camada marrom-escura, em nenhum lugar, fosse mais

espessa do que um centésimo de milímetro, o solo tremia

quando ela passava.

* * *

Bell tinha se enganado. A tremenda explosão provocada

por Ivã Goratchim, que os atirara pelos quatro cantos como

folhas secas, era a causa de que, após qualquer movimento,

todos se tornavam tão cansados e abatidos. Sentiam-se

como se tivessem andado o dia inteiro.

A caminhada até ao disco voador, desintegrado por

Betty, foi a última que podiam fazer sem uma pausa para

descanso. Bell percebeu a necessidade de um repouso.

Estavam talvez a um quarto do caminho entre o disco

destruído e o próximo, quando Bell ordenou uma parada,

simplesmente porque ninguém mais aguentava.

Pararam onde e como estavam e, quase no mesmo

instante, pegaram no sono.

Acordaram após cinco horas de repouso. Marshall

levantou a cabeça e exclamou:

— Meu Deus, que está acontecendo?! Bell virou-se para

o lado, mas não viu nada de extraordinário. Tinha dormido

como um prego e se sentia mais disposto do que antes.

Instantes mais tarde também despertou Betty, com um

grito angustiante. Levantou-se depressa e perguntou com os

olhos arregalados:

— Que é isto? Que está acontecendo?

Bell se dirigiu a Marshall.

— Santo Deus, mas afinal de contas, que é isto?

Marshall sacudiu a cabeça e olhando para o céu cor de

chumbo disse:

— Acho que é o inferno! Gons, uma multidão tremenda

de gons. Se o ar fosse telepático, já teria explodido de tanto

impulso dos gons.

— E o que você acha disso? — perguntou Bell.

Marshall encolheu os ombros desanimado.

— Você sabe que não consigo compreendê-los quando

não se dirigem diretamente a mim.

— Não se preocupe com isto. Os gons nos salvaram na

hora da tempestade. Por mim, podem se reunir aqui aos

milhões — disse Reginald.

— Você pensa mesmo assim? — perguntou Marshall.

— Quem é que lhe garante que os gons ainda tenham a

mesma impressão a nosso respeito?

Bell já tinha uma resposta galhofeira na boca, mas

engoliu-a prontamente. Lembrou-se de que Marshall já por

duas vezes se mostrou mais a par das coisas dos gons do

que ele. E podia realmente acontecer que tivessem mesmo

mudado de opinião. Ninguém sabia mesmo o que se

passava em Gom e ninguém conhecia bem os gons.

— Está bem. Então vamos tentar chegar ao aparelho o

mais depressa possível. Se os gons mudarem de opinião,

não nos afetará em nada.

Marshall concordou com a ideia. O “desassossego

telepático” no espaço, como ele se expressava, parecia

realmente tremendo.

Arrastaram-se com mais rapidez do que antes. A nave

parecia se aproximar. Durante a caminhada, Marshall

parava de vez em quando para escutar. Comunicou a Bell,

que o “desassossego telepático” aumentava cada vez mais.

— Tenho a impressão de que se vai reunir, não longe

daqui, uma enorme força bélica dos gons. Gostaria de saber

o que pretendem fazer.

Duas horas depois da partida, chegaram ao aparelho.

Bell, premido pela situação, não quis mais perder tempo

investigando se estava ou não vazio. Depois de procurar um

pouco, achou a única escotilha, e, a seguir, o mecanismo

que a descerrava. A porta se abriu, deixando ver uma

câmara espaçosa onde cinco bios caberiam com largueza.

E, muito melhor, Bell e seus quatro companheiros.

A dificuldade consistia em alcançar o degrau da entrada,

que estava a um metro de altura, com os corpos cansados e

sem força. Felizmente, com auxílio de Goratchim,

conseguiram. O mutante de duas cabeças, com sua força

física fora do comum, foi o que menos sofreu com as

peripécias das últimas horas. Mas precisavam de uma hora

ainda para se refazerem. Durante este tempo, o

“desassossego telepático” chegou ao máximo.

— Estou com medo — confessou Marshall. — Se é por

nossa causa, esse movimento todo, estamos perdidos, como

os homens no dilúvio, fora da arca de Noé. Não temos meio

de defesa contra esta inundação.

Bell sabia disto. A princípio pensava que nada lhes

aconteceria, enquanto Ivã Goratchim estivesse atento e

pudesse aplicar seus dons incríveis, quando o perigo se

tornasse maior. Pois os gons se compunham também de

material orgânico, em parte do mesmo material que os bios.

Ivã poderia provocar uma fusão de cálcio no corpo dos

gons e destruí-los. Porém os gons formavam um

conglomerado tão grande, como dizia Marshall, e assim a

explosão atingiria não somente os gons, mas, também o

próprio Ivã, seus companheiros e talvez mesmo o planeta

inteiro, destruindo tudo.

Portanto os dons tremendos de Ivã estavam fora de

cogitação. Sua única esperança eram então as pequenas

armas de raios energéticos e o disco voador onde tinham

penetrado.

No aparelho, havia a mesma gravidade que em Gom. A

esperança de que dentro da nave se sentiriam melhor e

poderiam se mover mais facilmente do que na planície

rochosa, foi destruída num instante.

Com muita dificuldade, Bell e os seus penetraram no

interior da pequena nave e verificaram o que Tako Kakuta

já havia visto há vinte horas atrás: não havia nenhuma

possibilidade de manobrá-la.

A emoção foi tão grande que ficaram prostados no chão,

do mesmo modo como entraram, sem se mexerem.

Bell foi o primeiro a recuperar o ânimo. Foi um ânimo

provocado pela autossugestão, de permeio com o

sentimento que o homem tem quando se sente encurralado.

Bell chegou bem depressa à mesma conclusão de Tako

Kakuta há um dia atrás:

— Deve haver motores de propulsão aqui.

Provavelmente, são telecomandados, mas podemos

desmontar tudo para experimentar. De qualquer maneira,

esse trabalho vai nos ser útil.

A seguir deu as ordens:

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— Não fiquem aí de cabeça caída, pessoal. Vamos,

temos de soltar as chapas que estão sob o banco circular.

Movam-se, por amor de Deus, ou querem morrer aqui

dentro?

E realmente, o que não conseguiria uma ponderada

argumentação, conseguiram gritos de Bell, arrancando-os

da letargia. Levantaram-se com um sorriso de pouca fé.

Prepararam as armas, calibrando-as para raios curtos,

dissolvendo chapa por chapa.

* * *

O relê do telecomando em Laros registrou que depois de

uma pausa de vinte horas alguém havia voltado a outro

disco voador aterrissado em Gom. Desta vez, o relê não

tomou nenhuma iniciativa. Informou ao posto de comando

e recebeu instrução de deixar o aparelho onde estava.

Neste momento de grande excitação a respeito da

decisão tão importante, ninguém se preocupava com um

diminuto disco voador, ou com um ou dois bios que tinham

sobrevivido.

Em contraste com os aras, que aguardavam com

ansiedade a decisão iminente, os saltadores estavam

completamente calmos. Tão calmos que o resto da frota que

havia permanecido em Laros após o regresso dos patriarcas,

já havia recebido ordem de partir.

A saída dos saltadores não parecia desagradar aos aras.

Não podiam mesmo esperar auxílio deles na questão dos

gons. De qualquer maneira, era melhor que não soubessem

de nada, do dilema em que se encontravam a respeito dos

nove fugitivos.

Os aras davam muita importância ao fato de serem

tratados em termos de igualdade nas relações com os

saltadores. Esta igualdade de parceiros equilibrados estaria

arruinada, caso os saltadores viessem a saber, por exemplo,

com que facilidade a posição dos aras estava se

enfraquecendo.

* * *

A retirada do resto da frota foi a primeira novidade

naqueles dias de horrível monotonia em que a Titan ficou

aguardando no espaço. De início, Perry Rhodan estava

muito céptico. Supunha que para substituir a frota que se

retirara de Laros, outra estava sendo esperada. Mas, depois

de registrar grandes abalos estruturais, que não podiam

provir de outra parte, começou a acreditar que a grande

conferência em Laros já havia terminado, e julgou então ter

chegado o momento de se preocupar com os acidentados de

Gom.

Talamon, que tinha deixado Laros com a frota de

Topthor, não havia mais se comunicado. Rhodan, que

acreditava na fidelidade de Talamon, até certo ponto, tomou

isto como uma prova de que os saltadores não estavam

realizando apenas uma troca de tropa de ocupação, mas

estavam mesmo abandonando definitivamente o satélite. O

esforço que Rhodan fizera, quando teve de avançar para o

hiperespaço, saindo do sistema de Árcon, com a Ganymed

e com outra nave pesada da frota de Talamon, para simular

a saída de duas naves terranas, foi plenamente compensado.

Nem os aras, nem os saltadores acreditavam mais em

perigo em sua redondeza.

Não havia dúvida alguma de que a Titan teria sido

descoberta caso se aproximasse de Gom. A proteção dada

pelos campos magnéticos contra a localização não era

absoluta.

Quanto às naves de vigilância dos aras, que se

encontravam no sistema, Rhodan não tinha receio algum.

* * *

Trabalharam dez horas ininterruptas, mas estavam cada

vez mais longe de atingirem o objetivo. A grande

dificuldade era que a fiação e os elementos de contato só

podiam ser tratados por uma só pessoa. O fato de serem

cinco não ajudava em nada.

Marshall tinha experimentado suas forças telepáticas

para saber o que se passava em volta. Mas não conseguiu

saber nada, a não ser que a quantidade de gons aumentava

sempre mais. Por fim, começou a mexer num conjunto que

normalmente servia para dar sinais de localização à estação

de relês. Já que os pequenos aparelhos voadores só eram

utilizados no âmbito dos satélites de Gom, o sinalizador

consistia apenas de um circuito de vibrações comum de

modulação magnética.

Tschubai o ajudava no trabalho. E quando Bell, depois

de dez horas de trabalho, com os olhos ardendo e as mãos

trêmulas, que não mais obedeciam, concluiu que ainda

estava muito longe de seu objetivo, Marshall e o africano

haviam chegado a tal ponto que o sinalizador já emitia

sinais de vários comprimentos.

Marshall estava com a ideia de que podia entrar em

contato com a Titan. É verdade que ela estava a vinte horas-

luz de distância, e os rádio-sinais demorariam relativamente

muito a chegar até ela. Mas de qualquer maneira, era

preferível uma mensagem lenta, a nada.

Queria falar a respeito com Bell, quando este, se

arrastando para fora da cavidade dos motores de tração,

ficou prostrado no chão, completamente exausto.

Mas antes que pudesse abrir a boca, atingiu-o um

pensamento não humano, de tal intensidade, que a dor de

cabeça parecia estourar-lhe o crânio. Tombou, gemendo

alto.

Com Betty se deu a mesma coisa. Mas sua capacidade

sendo maior que a de Marshall, sua dor de cabeça foi

menor. Entendeu a mensagem que lhe dirigiram.

Bell estava prestando atenção em tudo. Arrastou-se até

Marshall e o ajudou a se levantar.

— Os gons...! — murmurou Marshall, com olhos

arregalados. — Dizem que vão nos atacar agora.

Bell franziu a testa, comprimindo os olhos.

— Atacar? A nós? Depois de nos ter salvo da

tempestade?

— É isso mesmo, senhor Bell — reforçou Betty, com

voz trêmula. — Também recebi esta mensagem.

— Pois bem — disse Bell, exteriorizando uma calma

que não era sua. — Então vamos recebê-los. Talvez não

consigamos acionar os motores de propulsão até lá,

portanto, temos que nos defender.

— Mas, temos o transmissor — gritou Marshall. —

Podemos colocar a Titan a par de tudo.

Bell não sabia nada disso. Marshall teve que lhe

explicar tudo em poucas palavras.

— Por mim, pode enviar sua mensagem — disse Bell

meio descrente. — Levará umas vinte horas para alcançar a

Titan. E além de tudo, não se sabe se alguém a bordo vai

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65

dar importância a sinais do alfabeto Morse.

Com o auxílio de Ras Tschubai, Marshall iniciou sua

tentativa. Começou a transmitir em Morse:

ESTAMOS EM PERIGO DE VIDA EM

GOM HEMISFÉRIO NORTE ZONA DE

PENUMBRA POUCOS QUILÔMETROS

DA FAIXA DE LUZ — BELL.

Repetiu a mensagem três vezes. Quando ia começar a

quarta transmissão, ouviu-se um grito de horror. Bell estava

de vigia no degrau externo da escotilha. Ouvia-se ainda seu

berro:

— Não são apenas os gons. Aí vem um grande exército

de bios. Para fora, pessoal, e armas na mão.

* * *

Tako Kakuta não se lembrava de ter trabalhado tanto

tempo em sua vida, sem pausa de um segundo.

Em comparação com Bell, que neste instante ainda

estava ocupado com o mesmo problema, tinha Tako a

grande vantagem de que em seu disco voador, desde que

saíra de Gom, possuía a bordo a gravitação artificial de

Laros. Sob outras condições, jamais teria atingido seu

objetivo.

Já estava tão avançado que podia botar para funcionar o

conjunto de propulsão e, além disso, já podia se utilizar dos

dois desintegradores. Entrementes, o pequeno disco se

aproximava de Gom. Influenciado pela tremenda atração do

grande planeta, o aparelho atingia uma velocidade de cinco

quilômetros por segundo em direção ao centro de gravidade

de Gom. Tako Kakuta aumentou esta velocidade e já estava

preparado para as manobras necessárias, quando o aparelho

chegou às primeiras camadas da atmosfera do enorme

planeta.

* * *

Como que cavalgando numa esteira de partículas

incandescentes, desciam de um céu cor de chumbo e

aterrissavam, quase no mesmo lugar onde Ivã Goratchim

havia destruído a primeira força de combate dos bios,

dezenas e dezenas de discos voadores.

Se Bell ainda tivesse dúvidas de que os gons tomaram a

decisão de comum acordo com os aras, estas dúvidas

desapareceriam agora, sob a evidência dos fatos.

Os bios aterrissaram de tal maneira que, juntamente

com os gons, fecharam um círculo, em cujo centro estavam

suas vítimas.

O quadro foi idêntico ao primeiro ataque. Os bios

deixavam os aparelhos e vinham marchando em fila até o

aparelho onde estava Bell e seus colegas.

Só que desta vez, eram quatrocentos, e, para variar, não

havia nenhum indício de tempestade ou tufão que viesse

favorecer os sitiados.

Desligados os motores e cessando o zunido

ensurdecedor, podia-se ouvir, do outro lado, uma trepidação

permanente, num crescendo gradativo. Eram os gons que

caminhavam de encontro ao alvo. A trepidação do solo

provou que Marshall tinha razão. Era realmente uma

multidão incalculável.

Com os bios, Bell não estava muito preocupado. Desta

vez, Ivã Goratchim não estava desacordado. Bell o chamou

para perto da escotilha e lhe mostrou a fila dos monstros

que se aproximavam. As duas cabeças do mutante

contraíram as fisionomias num sorriso duro de guerra e

poucos instantes depois, naquele lugar onde marchava a ala

direita dos bios, houve uma terrível explosão, da qual subiu

uma nuvem incandescente.

No turbilhão daquela nuvem, a quarta parte dos bios

perdeu sua vida artificial.

Ivã Goratchim queria acertar bem no meio da coluna,

mas neste mesmo instante, Ras Tschubai, que estava de

vigia no ponto mais alto do disco, deu um grito para baixo:

— Os gons estão chegando, eu os estou vendo.

A escotilha se abriu para o lado de onde vinham os bios.

Bell achava que a ameaça dos autômatos, apesar de suas

excelentes armas, era menor do que a outra. Mandou seu

pessoal ficar em cima da pequena nave, onde estava Ras

Tschubai. Para Betty, falou:

— O negócio vai começar a pegar fogo, senhorita, o

melhor é ficar dentro da nave.

Mas Betty olhou zangada para ele:

— Eu gosto de fogo, senhor Bell. Além disso, não gosto

que ninguém diga que sou covarde.

E antes que Bell pudesse responder alguma coisa, já

tinha passado por ele, subindo para o lado de fora do disco.

Bell não podia fazer outra coisa senão acompanhá-la.

Antes que tivesse chegado lá em cima, Ivã Goratchim já

havia fulminado o segundo quarto dos estúpidos bios que

avançavam contra a nave.

De cima, se podia ver que os gons caminhavam a uma

velocidade de uns vinte quilômetros por hora. Moviam-se,

pois, mais lentamente do que depois da tempestade. Bell

queria saber a razão disso.

Quando Bell chegou ao alto, a vanguarda daquela

enorme massa marrom-escura ainda estava a três

quilômetros.

Eram os últimos nove ou dez minutos que restavam a

Bell e a seus companheiros.

— Está vendo — disse Bell a Marshall — neste

momento sua mensagem em Morse já percorreu um

centésimo de sua trajetória. Você acha que vamos

sobreviver aos restantes noventa e nove centésimos?

Depois, mudando o tom da voz:

— Quando estiverem a um quilômetro de nós, comecem

a atirar. Nossas armas atingem esta distância.

* * *

Quando Marshall transmitiu seu pedido de socorro, a

Titan, há muito, já estava a caminho. Escolheu aquele

trecho de Gom, onde havia menos possibilidade de serem

vistos pelos aras.

A mensagem em Morse que Marshall enviara, não

precisou mais que minuto e meio para chegar à supernave.

Aliás, demorou uns segundos até que percebessem os

sinais. Foram registrados pelos receptores automáticos, mas

todos pensavam que eram interferências comuns. Até que

alguém se deu ao trabalho de separar sinais longos e curtos,

chegando à conclusão de que eram sinais Morse.

Perry Rhodan, assim que foi informado, aumentou a

velocidade da espaçonave. Não tinha dúvida de que era

muito difícil encontrar alguém para dizer com mais

exatidão onde se encontravam os companheiros de Bell.

Era realmente difícil encontrá-los numa faixa de penumbra

com mais de cinquenta mil quilômetros de extensão.

* * *

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— Fogo, rapazes, fogo! — gritava Bell, com uma

vontade louca de lutar.

Apontaram as armas térmicas contra o supergom e

começaram a atirar, quando a vanguarda estava a um

quilômetro. A esta distância, as pequenas pistolas de

irradiação tinham uma potência que não podia ser

considerada perigosa para um corpo compacto — como um

bio ou um ser humano. Porém, através da delgada camada

dos gons, os raios penetravam sem dificuldade, impediam o

núcleo central da massa de avançar e faziam com que os

dois flancos se deslocassem para frente, formando um

semicírculo.

Por uns instantes, passou pela cabeça de Bell a ideia de

enviar Ras Tschubai, que entrementes recuperara suas

forças telecinéticas, para um lado ou para outro. Mas

reparou logo que nem ele, nem Ras Tschubai seriam

capazes de dimensionar a extensão daquela massa enorme.

E o pior era que, se errasse o pulo e caísse no meio dos

gons, estaria perdido.

Ivã Goratchim continuava em sua luta gloriosa. Neste

exato momento ainda estavam vivos cinquenta bios. Mas

estavam muito afastados uns dos outros, de maneira que

quando um explodia no ar, os outros continuavam vivos. A

luta agora era individual e os poucos bios se aproximaram

mais depressa, do que Bell calculava.

— Mais depressa, vocês dois aí — disse Bell ao

mutante de duas cabeças. — Nós não temos tempo de nos

preocuparmos com os bios.

Ivã, o mais velho, respondeu:

— Não pode ir mais depressa, senhor Bell, precisamos

de tempo para cada um, a fim de nos concentrarmos.

Bell sabia que Ivã tinha razão. Olhou para o lado

desconfiado, e notou a linha espalhada dos bios.

Queria chamar a atenção de Ivã sobre um bio que estava

muito avançado. Mas neste momento, parece que uma força

invisível pegou o autômato, arrancou-o do chão, atirando-o

para bem alto no ar, caindo depois pesadamente nas pedras,

já sem movimentos.

Bell não se conteve de entusiasmo:

— Bravo, Ivã...!

A mesma coisa aconteceu a outro bio. Foi atirado para o

alto, esborrachando-se depois no chão. Não se levantou

mais.

A expressão no rosto de Bell era de admiração pelo que

presenciava. Olhou para Betty Toufry, que disparava sua

arma, afastando os gons. Não tinha tempo para se

preocupar com evoluções telecinéticas.

Quem era então o autor deste último espetáculo do bio

que dançou no ar e se esborrachou no solo?

Neste momento, surgiram vinte bios em sua retaguarda.

Bell viu, de boca aberta, como eles viraram as costas,

jogaram fora as armas, correndo de volta para a fila dos

discos voadores.

Bell compreendeu de repente o que se passava. Olhou

para o lado e reparou que Ivã e Ivanovitch se concentravam

num dos bios em retirada. Horrorizado, exclamou:

— Não, por amor de Deus, não.

O mutante olhou para ele, desencantado. Bell não deu

importância a isto. Todos podiam ouvir como ele gritava:

— Ishibashi, Sengu, Yokida...! Apresentem-se.

Marshall olhou espantado para ele, mas Bell abanou a

mão, dizendo:

— Continuem atirando.

De alguma parte ouvia-se, um leve murmúrio. Alguma

coisa dava para se entender:

— ...com trajes bem esfarrapados... seiscentos metros de

vocês... estamos chegando.

Logo depois surgiram, detrás de um rochedo baixo, três

pontos que se moviam lentamente para o aparelho ocupado

pelos companheiros de Bell. Provavelmente havia

acontecido aos três japoneses a mesma coisa que a Ivã

Goratchim. Do brilho de prata de seus trajes não se via mais

nada. Era preciso um esforço maior para poder vê-los

naquela penumbra.

Bell tinha mil perguntas na ponta da língua. Mas não

tinha tempo. Virou-se para trás e continuou seu serviço:

causar o maior estrago possível entre os gons.

Os três japoneses levaram meia hora para chegar. Quase

não tinham mais força para subir no aparelho. Seus rostos

estavam pálidos e a voz de Ishibashi parecia embargada

quando tentou falar.

— Muito bem — disse Bell — não temos tempo para

conversa agora. Ajudem-nos contra os gons. Se Sengu

ainda puder, deve ajudar Ivã contra os bios. Vamos,

depressa, pessoal.

Uma cólera incontida se apoderou de Bell, ao refletir

que os três japoneses recuperaram a liberdade só para

caírem de novo nas garras dos gons e acabarem morrendo...

Se não acontecesse um milagre até lá.

* * *

Tako veio em voo baixo. Pouco antes do choque contra

o chão do planeta, conseguiu amortecer a queda e passar

para o vôo horizontal. O fato de estar se movimentando

exatamente no local onde se travava a tremenda batalha foi

uma combinação de acaso e de genialidade técnica de Tako.

Tako voava com a altitude de quatro mil metros, numa

velocidade correspondente a 1,2 à do som. Já que o

aparelho não tinha propriamente asas de sustentação, uma

parcela dos motores de propulsão estava convertida em

força de empuxo, para manter, por meio das válvulas

verticais, esta posição.

Desta altura, relativamente pequena, o japonês podia

supervisionar toda a região de combate. Percebeu logo que

Bell e seus companheiros estavam em perigo, devido aos

gons. Fez uma grande curva, voltou, descendo

gradativamente. Foi até o depósito de armas, confiando em

que a direção se manteria por si, enquanto iria se ocupar

com os dois desintegradores. Regulou o dispositivo de alvo

automático e aguardou até que a nave, agora com a

velocidade reduzida a seiscentos quilômetros por hora, e na

altitude de mil e duzentos metros, se aproximasse do local

da luta, até uma boa distância de tiro.

Reginald Bell viu a pequena espaçonave quando passou

pela primeira vez pelo céu cor de chumbo, iluminada pelo

débil clarão do sol avermelhado. Não deu maior

importância, pois acreditava se tratar de um aparelho

comandado por bios.

Mas a nave tornou a voltar, exatamente quando os

flancos do supergom ameaçavam envolver o ponto de apoio

de Bell e com mais força do que antes. Ele não tinha tempo

para se preocupar com isso. Cada tiro que perdia,

representava dois segundos desperdiçados.

Betty foi a primeira que parou de atirar e ficou olhando

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para o aparelho no ar. Bell olhou para ela e viu que ela lhe

queria dizer alguma coisa. Mas antes que abrisse a boca,

começaram a sair do estranho aparelho dois grossos jatos

de fogo de um verde-claro, em sentido oblíquo, atingindo o

dorso do supergom e abrindo sulcos largos e fumegantes.

— É o japonês! — gritou Bell com voz trêmula. —

Conseguiu dominar o aparelho.

Pararam de atirar para ver as proezas da pequena nave.

Tako Kakuta se era ele, parecia perseguir um objetivo com

seus tiros. Os jatos esverdeados riscavam o dorso do

supergom, com toda a potência dos dois desintegradores.

Mal decorridos dez segundos, haviam aberto um rombo

arredondado de grande dimensão.

Marshall sentiu a confusão que ia à massa enorme dos

gons. Estava curioso para ver como a parte separada pelos

raios dos desintegradores se uniria novamente ao todo. Mas

não houve união. O trecho arredondado separou-se do resto

do corpo gigantesco e caminhou sozinho contra o ponto de

apoio, onde Bell e os seus julgavam, há pouco, ver o fim

daquela massa marrom-escura.

Os desintegradores continuaram sua missão. Pedaço por

pedaço, Tako foi destruindo aqueles trechos que já

ameaçavam a cidadela de Bell. A confusão dos gons

aumentava.

* * *

Nos últimos instantes, Tako percebeu que sua nave se

inclinava um pouco. Largou as armas, o mais depressa que

pôde, correu para o controle da propulsão e viu que o

aparelho, com o funcionamento das válvulas, deslizava de

encontro ao solo. Ainda conseguiu evitar a queda, mas foi-

lhe impossível subir mais com o aparelho. Fez uma curva

fechada, perdendo mais altura ainda, viu os rochedos do

solo que se avizinhavam dele. Deu a última freada e, de

olhos fechados, aguardou o que Deus quisesse.

Ouviu um estrondo surdo, o tinir de metais, viu uma

nuvem de poeira penetrando pelas fendas da carcaça

rebentada e sentiu, por um instante, que o mundo girava em

redor dele.

Não houve mais nada. Nem mesmo chegou a perder os

sentidos. Mas a grande atração de Gom o deixou quase

parado.

Finalmente conseguiu se arrastar para fora. Pela

primeira vez é que notou que o ar estava repleto de ruídos,

tão fortes, que não haveria de ouvir seus companheiros, se o

chamassem. Desligou o microfone externo e sentiu a

vibração que o solo trepidante transmitia ao traje espacial,

apesar de tudo ainda em bom estado.

A enorme nuvem de poeira, provocada pela descida de

emergência, já tinha desaparecido. Tako viu o aparelho em

que Bell e sua gente estava abrigado, a mais ou menos dois

quilômetros de distância.

Atrás de si, viu o clarão de uma violenta explosão.

Assustou-se, escondendo-se à sombra de um grande

rochedo. Não sabia que Ivã Goratchim estava acabando de

destruir o tricentésimo octogésimo sétimo bio.

* * *

O movimento do supergom perdeu a coesão depois que

Tako o retalhou em vários pedaços, com fendas enormes.

Os pedaços não cuidavam mais em se unirem ao resto.

Vinham separados de encontro ao aparelho em que estavam

entrincheirados os companheiros de Bell. Naturalmente, a

ordem dada pelos aras já estava desaparecendo de sua

memória, com o esfacelamento do supergom.

A queda de Tako foi observada do aparelho. Bell

respirou aliviado, quando viu o rapaz sair ileso do disco.

Reparou como ele se resguardou da explosão causada pelo

mutante de duas cabeças e lhe queria gritar alguma coisa.

Mas, neste momento, Marshall pegou em seu braço e

lhe apontou para o lado direito.

— Lá estão os gons! — exclamou ele. Bell ficou

olhando. Era uma parte da grande massa. Tinham visto o

japonês e estavam em vias de atacá-lo. Era um grupo de no

mínimo cinqüenta mil gons, força mais do que suficiente

para dominar Tako.

— Tako, preste atenção, os gons estão chegando.

Tako ouviu o brado de alerta, levantou-se e olhou em

volta. Não viu outra coisa a não ser uma linha escura, a uns

cem metros, num movimento de leve ondulação.

Saiu se arrastando, embora soubesse que os gons eram

mais velozes que ele. Estava com medo. Escutou gritos e

chamados no seu receptor de capacete, mas não deu

importância. A voz de Marshall, zangada, lhe gritou nos

ouvidos!

— Pare e suba no rochedo.

Viu um rochedo íngreme em sua frente e tentou escalá-

lo. Mas no mesmo momento ouviu de novo a voz de

Marshall:

— Não neste, no outro à direita.

Tako desceu, olhou em volta e viu que os gons já

estavam a vinte metros dele. O medo lhe deu uma força

incrível, correu para o rochedo e foi subindo. Podia ter

usado seus dons de teleportador, mas as circunstâncias não

lhe permitiam a necessária concentração.

* * *

— Por que exatamente naquele rochedo? — perguntou

Bell admirado. — Você acha que os gons têm mais

dificuldade de subir naquele rochedo do que no outro?

— Não sobem em nenhum dos dois. Bell parecia

perplexo.

— Como é que você sabe disso?

— Lembra-se, quando deixamos o viveiro dos gons,

fiquei atrás de você, observando essas solhas, quando elas

iam de encontro aos degraus, talhados na rocha, não

conseguindo subir neles. Sentiam apenas que o mundo

acabava ali e ficavam paradas. Sabe como se explica isto?

— Não.

— Os gons são, até certo sentido, seres de duas

dimensões. Só podem sentir o que está no mesmo plano que

seu corpo. Naturalmente isto não pode ser tomado no

sentido absoluto. Acho que seu ângulo de visão vertical ao

plano do corpo atinge mais ou menos uns poucos minutos,

no máximo meio grau. Quando chegam a um objeto que

não está bem vertical em relação ao chão, então percebem

facilmente e podem subir. Mas uma parede vertical é para

eles como uma tábua, onde o mundo acaba. Olhe para lá

agora.

Tako desaparecera de seu campo visual. Os cinqüenta

mil gons tinham cercado o rochedo. Percebia-se em seus

movimentos que não sabiam mais o que fazer. Andaram de

um lado para o outro, depois foram embora, deixando o

rochedo com o japonês para trás.

— Mas... — murmurou Bell, sem compreender.

— Sei no que está pensando — interrompeu-o Marshall.

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— Em maiores aglomerações, quando a inteligência do

supergom ultrapassa determinado nível, podem ser capazes

de sentir a terceira dimensão. Nós vimos, quando fizeram

uma muralha para nos proteger contra a ventania.

“O supergom, que encontramos logo após a descida

forçada da Gazela e do qual fugimos, nos escondendo na

galeria subterrânea, era igual a este que estava cercando o

japonês. Lembra-se de que as solhas não conseguiram achar

a entrada do corredor? Exatamente porque não podem

perceber o que está abaixo ou acima delas. Só enxergam, se

enxergar for o termo certo, o que estiver em sua frente ou

atrás deles”.

“Se calcularmos que o supergom ali na frente se

compõe de cinquenta mil gons, então podemos chegar à

conclusão de que a transição da visão de duas dimensões

para a de três dimensões está oscilando entre cinquenta mil

e cem mil goms.”

— Fantástico! — exclamou Bell.

Sem dizer nada e sem o menor sinal, Marshall se

abaixou, comprimiu o capacete contra o chão, gemendo.

— Que aconteceu de novo?! — exclamou Bell

assustado.

A voz jovial de Betty Toufry entrou de repente em seu

receptor:

— É Gucky — disse ela alegre. — A Titan está se

aproximando. Gucky está dando ordem aos gons para se

retirarem.

* * *

Ninguém havia notado a esfera vermelha, que se

aproximava no horizonte. Mas depois, ouviu-se a voz de

Gucky através do amplificador telepático. Em nome de

Rhodan, informou aos gons de que, dentro de uma hora

deviam se afastar bastante dos sitiados, para que a

gigantesca espaçonave pudesse descer facilmente e apanhar

os seus amigos. Gucky deixou bem claro aos gons que

seriam destruídos se não obedecessem às instruções.

A mensagem do rato-castor foi captada por Marshall e

Betty. Observavam contentes como a enorme esfera de aço

descia lentamente no planalto, estacionando bem próximo a

eles.

A reação do supergom foi extraordinária. Não apenas

desistiu da tentativa de influenciar telepaticamente a Titan,

mas obedeceu de pronto. Com o ruído característico, o ser

gigantesco recuou de todos os lados, bem mais depressa do

que haviam chegado.

Meia hora após a mensagem de Gucky, a Titan

aterrissava tranquila. Bell e seus companheiros foram

levados para bordo. Perry Rhodan fez questão de

cumprimentar todos, apertando a mão de cada um e de

abraçar com afeto seu velho colega de armas.

A Titan se ergueu para o espaço, imediatamente.

Bell e os seus não tiveram um segundo de descanso.

Tinham que contar suas impressões, enquanto ainda

estavam frescas. Os cientistas estavam ansiosos para saber

alguma coisa sobre os gons.

Cada um tinha que dizer o que sabia. Setenta por cento

das informações, porém, provinham de Marshall, que

sempre andava com os olhos bem abertos.

O interessante foi que Kitai Ishibashi, Tama Yokida e

Wuriu Sengu, como também Ivã Goratchim, não sabiam

contar nada. Esqueceram-se de tudo a partir do momento

em que se levantaram do fundo da caverna e caminharam

na direção dos destroços da Gazela. Dos instantes

anteriores, não se recordavam. Constataram depois que

estavam num aposento pequeno, baixo, arredondado e sem

janelas, que tudo em volta era escuridão e ruídos esquisitos.

Para Bell e Marshall era fácil concluir que os três

japoneses, como também Ivã Goratchim, estavam num

viveiro subterrâneo e despertaram quando os gons

subterrâneos saíram para formar o supergom.

Ishibashi, Yokida e Sengu constataram com espanto que

a prata sumiu de seus trajes espaciais e a massa plástica

estava pela metade. Os gons tinham tentado digerir os trajes

e os homens. Mas não tiveram com a matéria viva a mesma

sorte que tiveram, por exemplo, com os destroços da

Gazela, que desapareceram em pouco tempo.

Sengu, procurando entre os rochedos, acabou achando

um caminho e sem dificuldades chegaram os três mutantes

à superfície, ainda a tempo de poderem ajudar na luta.

Sobre os gons, porém, não sabiam dizer muita coisa.

Assim, a impressão predominante sobre a aventura dos

gons não deixava de ser um enigma, um quebra-cabeça.

Apresentaram-se teorias, foram discutidas e rejeitadas. Não

havia unanimidade sobre o assunto. Ninguém podia

concordar com um ser que se deixava destruir pelo fogo ao

invés de usar suas enormes forças parapsicológicas, como

realmente o fizeram no princípio, quando, telepaticamente,

forçaram a Gazela a se espatifar no solo.

Sentia-se estar defronte de um fenômeno — que não

tinha nada em comum com as formas de vida conhecidas —

tão estranho em sua mentalidade, como se fosse de outros

mundos.

Rhodan foi instado a fazer uma aterrissagem em Gom.

Os pedidos vieram de todos os lados... Mas Rhodan

explicou com um sorriso amigo, que nas atuais

circunstâncias, a política era mais importante do que a

ciência; mais tarde, em outra oportunidade, não teria nada a

opor a uma visita científica a Gom.

* * *

Uma hora mais tarde, apareceu a Titan na lua de Laros,

depois de haver passado por uma série de postos avançados

dos aras, sem dar a menor satisfação, destruindo muitas

bases de defesa automática equipadas com bios, armadas

com mísseis nucleares, desintegradores e lança-chamas.

Depositou na lua uma bomba arcônida cujo detonador

estava regulado no grau 14.

A bomba fazia com que os átomos de silício em sua

volta entrassem em fusão aos poucos e se estendessem

sobre toda a área de Laros.

O incêndio atômico que surgiria assim, era lento, mas

nada o conseguiria apagar. Os aras levariam tempo para

perceber o incêndio e depois teriam ainda três meses para

abandonarem Laros. Depois, não haveria mais vida em

Laros.

Seria o fim da base dos aras no sistema Gonom.

* * *

A Titan partiu. Havia estado de alerta contra naves dos

saltadores. Mas não apareceu nenhuma delas.

Assim que saíram do sistema, Bell e seus companheiros

tiveram um descanso de quinze horas de sono repousante.

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69

— Dormiu bastante, meu caro gordo? — perguntou

Rhodan.

— Muito pouco — protestou Bell. — Fiquei quatro dias

em Gom sem pregar os olhos.

— Muito bem, — continuou Rhodan — o principal é

que você está firme. Diga-me uma coisa: Será que os

saltadores não suspeitaram da programação falsa da

positrônica de Topthor?

Bell franziu a testa:

— Acho que não. Por quê?

— Porque... — disse Rhodan sério, sem olhar para Bell

— porque Talamon me comunicou há poucos minutos

por raio direcional de hipercomunicação, que o ataque

Terra está decidido e será logo.

“Se eles entenderem por Terra o que vocês

programaram na positrônica de Topthor, está tudo muito

bem. Voltamos para a Terra e pelo caminho mais rápido.”

A fisionomia de Bell se iluminou de repente, as rugas na

testa desapareceram e lábios armaram um belo sorriso.

— Perry, para a Terra! Você sabe ainda quantos andares

tem o Empire-State-Building e quais são as cores dos

prados de Goshun See?

Os cientistas da Titan gostariam muito de fazer pesquisas mais profundas sobre os

misteriosos e perigosos gons, que por um triz não destruíram Bell e seus companheiros.

Perry Rhodan permaneceu firme em sua opinião. Sabia que não podia retardar sua volta à

Terra. Teria de articular um ardil de dimensão cósmica, ardil este que é ainda o último

recurso para tentar salvar a Terra da destruição. O objetivo deste ardil é convencer os

atacantes de que a Terra seria o terceiro planeta do Sistema Beta.

Os detalhes emocionantes desta incrível estratégia serão narrados em: O Olho Vermelho

do Sistema Beta.

.

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70

Nº 48

De

Clark Darlton

Tradução S. Pereira Magalhães Digitalização Arlindo San Nova revisão e formato W.Q. Moraes

Para dar mais impressão de verdadeira Terra, Rhodan mandara seus dois

cruzadores, Centauro e Terra, para se estabelecerem no planeta Três, se defenderem

dos ataques, simulando que aquele planeta era realmente a invejada Terra dos homens.

Porém o planeta Quatro já estava ocupado pelos tópsidas, os quais...

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71

1

Além dos dois arcônidas Crest e Thora, do rato-castor

Gucky e dos próprios terranos, não havia ninguém, no

Universo inteiro, que pudesse saber a posição do planeta

Terra, com exceção de duas criaturas.

A primeira chamava-se Topthor. Era um comerciante

das Galáxias da estirpe dos Superpesados, 1,60 m de altura

e o mesmo tanto de largura, pele esverdeada e senhor

absoluto de uma respeitável frota de espaçonaves.

A segunda era o cérebro positrônico, instalado na nau

capitania do próprio Topthor, na mesma espaçonave com a

qual tentara atacar a Terra, há meses atrás, ao descobri-la

casualmente. Porém, nem o computador positrônico, nem

Topthor, sabiam que os mutantes de

Perry Rhodan haviam alterado

completamente a programação dos

dados, no setor de alimentação do

computador.

Conforme esta alteração, passou

a ser registrado como Terra o

terceiro planeta do gigantesco sol

Beta, 272 anos-luz do nosso sistema

solar.

Uma alteração que provocaria um

lamentável engano — lamentável

para dois grandes povos das Galáxias

— embora seu grande adversário, um

terrano com o nome de Perry

Rhodan, juntamente com seu

pequeno planeta pátrio, ficariam

excluídos dos dados lançados.

E era exatamente este o objetivo

de Rhodan.

A Terra, isto é, a Humanidade, já

estava evoluída e já havia realizado

em seu planeta o que até então

parecia mero sonho de idealistas.

A unificação da Terra num só

governo não era mais utopia. Todos

os povos da Terra tinham se unido,

fronteiras e barreiras alfandegárias

não mais existiam. O ministro das finanças da Terra,

Homer G. Adams, introduziu um padrão monetário único, o

chamado Solar, moeda de toda a Terra. As grandes nações e

os pequenos estados de outrora tinham sua representação no

Conselho Geral que se reunia periodicamente em Terrânia,

capital do Mundo.

O fantasma da guerra era coisa do passado. O dinheiro

colossal dispendido outrora com armamentos, servia agora

para a construção de uma gigantesca frota espacial,

dependente diretamente do governo mundial. Inicialmente,

as unidades já existentes da frota eram comandadas pelos

homens da Terceira Potência, um organismo estatal

construído com o auxílio dos arcônidas.

Em Terrânia, situada no coração do deserto de Gobi, era

grande a agitação. A megalópole, célula-mater da Terra

unificada, aguardava com ansiedade o relatório de seu

primeiro cidadão, que depois de uma ausência de seis

meses, estava regressando ao planeta pátrio. Ninguém sabia

o que havia sucedido neste meio ano, mas todos sabiam que

a prolongada ausência de Perry Rhodan só podia ter sido

causada por acontecimentos da maior gravidade.

O engenheiro-chefe Kowalski e o técnico de eletrônica

Harper haviam terminado o trabalho do dia e permaneciam

sentados diante da televisão, em seu aposento coletivo, do

qual compartilhavam ainda dois outros colegas, que faziam

serão.

A tela mostrava o espaço. No fundo, estava a Via

Láctea e, mais para frente, a sombra de uma espaçonave em

forma de um torpedo. Uma única palavra indicava a estação

que estava transmitindo: Terrânia.

Qualquer pessoa na Terra sabia que um grande

acontecimento estava iminente. Certamente não havia

ninguém que fosse perder esta transmissão. O governo

mundial falaria a toda a população da Terra, provavelmente

o próprio presidente — Perry Rhodan.

— Acabou de chegar

hoje — disse Kowalski, e

Harper sabia de quem estava

falando. Todo mundo vira a

gigantesca esfera espacial

quando descia. Uma nave,

que a Terra nunca havia visto

igual. Quilômetro e meio era

o diâmetro do gigante do

espaço. Com letras pretas,

lia-se em sua fuselagem o

nome: Titan.

— Estou curioso para

ouvir as novidades que nos

traz.

Ele, Perry Rhodan, o

homem que tinha unificado a

Terra, e a transformado

numa superpotência

galáctica. Era, talvez, o único

homem vivo que não tinha

inimigos — pelo menos na

Terra e entre os homens.

Lá fora, porém, no

infinito do espaço...

— Vamos ver —

murmurou Harper, virando-

se na poltrona. — De

qualquer maneira, uma coisa não mudou ainda: as pausas

na televisão. Parece que vai começar agora.

A cintilante Via Láctea desapareceu da tela, dando lugar

ao rosto de um homem. Era o coronel Albrecht Klein,

substituto de Rhodan. Durante a ausência do presidente,

dirigia os negócios da Terceira Potência e do governo

mundial, com o apoio decidido de Allan D. Mercant.

— Amigos terranos!

O coronel Klein fez uma pausa muito enfática, olhando

com um sorriso afável para a câmera, e, portanto para quase

dois bilhões de homens.

— Perry Rhodan voltou de sua expedição ao espaço e

vai informá-los dos acontecimentos mais importantes,

sucintamente. Um relatório mais detalhado pode ser

esperado para os próximos dias, de maneira que peço

compreensão dos telespectadores, pelo fato de nosso

presidente fazer apenas um resumo dos fatos. Passo assim a

palavra a Perry Rhodan!

Coronel Klein se afastou com um sorriso e sua imagem

desapareceu do vídeo.

— Foi breve e indolor — observou Harper, olhando

Personagens principais deste episódio:

Perry Rhodan — Administrador da Terra e

chefe da Terceira Potência.

Gucky — Contra ordem expressa de Rhodan,

embarca clandestino, levado pela convicção do

grande perigo, acaba salvando a situação.

Al-Khor — Comandante dos tópsidas, não crê

em assombrações.

Major Deringhouse — Comandante do cruzador

Centauro e chefe geral da expedição cuja finalidade é

apresentar um planeta de Beta como sendo a nossa

Terra, para desviar o ataque dos imperialistas

saltadores.

Major McClears — Comandante do cruzador

Terra.

Wor-Lök — Por medo do ditador é assassinado

em pleno Conselho de Guerra.

Page 72: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência" - Volume X - A Morte da Terra. P- 46-49.

72

com interesse quando a câmera ainda apresentava a retirada

de Klein e depois o ambiente onde já se encontravam os

membros do Conselho do Governo, numa mesa em meia-

lua.

— Lá está ele.

Kowalski já havia visto Rhodan há mais tempo. O

uniforme da Frota Espacial, bem talhado, salientava sua

figura esbelta. Levantou-se com um leve sorriso, dirigindo-

se ao estrado dos microfones. Apertou a mão do coronel

Klein e ficou de pé diante da câmera, que levava a imagem

por todas as partes da Terra, até mesmo para o menor

povoado no centro da África. Centenas de tradutores

convertiam suas palavras em todas as línguas da Terra, para

as diversas regiões do mundo. Todos podiam compreendê-

lo, embora falasse em inglês.

— Terranos...

A voz de Rhodan soava um pouco cansada, embora seu

sorriso fosse permanente. Em seus olhos castanhos parecia

cintilar a perenidade do espaço infinito, que realmente se

tornara sua segunda pátria. Mas esta perenidade não tinha o

brilho de sempre; trazia laivos de preocupação no fundo de

sua alma.

— Nestes últimos seis meses, muita coisa mudou, tanto

aqui na Terra como no espaço infinito. Vocês todos se

lembrarão que iniciamos uma expedição para procurarmos

o Império dos Arcônidas nas Galáxias, no conjunto sideral

M-13, distante de nós trinta e quatro mil anos-luz.

Encontramos Árcon, o sistema central, tivemos, porém uma

amarga decepção. Há seis anos, os arcônidas foram

substituídos por um cérebro positrônico de tamanho

inimaginável, maior do que todo cérebro que existiu ou

existe nas Galáxias.

Rhodan fez uma pausa curta, para dar ênfase a suas

palavras. A câmera se afastou um pouco, fotografando

agora os dois arcônidas Crest e Thora bem de perto. Harper

assobiou baixinho, dizendo:

— Que mulher fantástica, esta Thora, alta e esbelta. Os

cabelos brancos e os olhos avermelhados não atrapalham

nada. Não é propriamente bela, mas tem um encanto

especial a que não posso resistir.

Rhodan apareceu de novo no vídeo.

— Conseguimos tomar do Império a maior belonave até

hoje construída no universo, a Titan. Atacado por inimigos

externos, o cérebro positrônico se sentiu ameaçado,

aliando-se a nós. Ajudamos o regente do Império Arcônida

e granjeamos sua confiança, se é que se pode falar em

confiança em se tratando de um cérebro robotizado. No

decorrer das operações, se evidenciou cada vez mais que o

grande Império e a nossa pequena Terra têm um inimigo

comum, que deve ser tomado muito a sério, isto é, os

saltadores. Vocês todos já ouviram falar nesta raça de

humanoides, descendentes dos arcônidas. São também

chamados de comerciantes das Galáxias. Foram eles que,

há tempos, atacaram a Terra e foram rechaçados. O

superpesado Topthor conhece a posição da Terra, ou pelo

menos julga conhecer. Ele e o cérebro positrônico de sua

nave.

“Mas ainda existe alguém que gostaria de saber onde

está a Terra: o gigantesco cérebro robotizado de Árcon.

Terranos, nosso mundo não conhece inimigo mais perigoso

do que este cérebro robotizado, que não suporta competir

com outra potência. E a Terra está em vias de se tornar uma

superpotência das Galáxias.”

Rhodan foi interrompido pelo aplauso geral dos

delegados. Agradeceu-lhes, com um sinal de cabeça e

continuou:

— O cérebro positrônico de Árcon consiste de lógica

fria e total ausência de compromissos. Não vê em nós a não

ser um auxílio oportuno, que pode usar à vontade quando

interessar a seus desígnios. A Terra, porém, não tem

nenhum interesse em ser colônia de Árcon.

Irrompeu novo e vibrante aplauso. Harper e Kowalski

batiam palmas com entusiasmo. A televisão exibia de novo

Crest e Thora que evitavam qualquer manifestação de

sentimento. Imóveis e calmos estavam eles em seus lugares.

Nos olhos de Crest houve brilho breve, mas ninguém

poderia dizer se era de indignação. Thora não deixava um

momento de olhar para Rhodan. Seu olhar estava pregado

em seus lábios, como que aguardando dele uma revelação.

Rhodan esperou até que se fizesse silêncio.

— Volto a insistir na lógica fria do cérebro robotizado.

Quando ele souber de nossa resolução, isto é, de não

querermos mais continuar como seus criados, haverá de

cair sobre nós, sem piedade e destruir-nos. Porém, não sabe

onde se localiza o sistema solar no infinito do espaço...

Ainda não sabe.

“E Topthor não nos pode mais trair, porque nós

alteramos os dados do computador eletrônico, alimentando-

o com dados falsos. Se ele recorrer ao cérebro positrônico

para saber da nossa posição, receberá a resposta de que a

Terra é o terceiro planeta do grande sol Beta, em Orion,

duzentos e setenta e dois anos-luz distante de nós”.

“Penso que os saltadores e talvez até mesmo o cérebro

robotizado de Árcon destruam este terceiro planeta e

acreditem piamente que destruíram a Terra. Conforme os

catálogos dos arcônidas, este terceiro planeta é considerado

inabitado, mas nós cuidaremos de fazer com que ninguém

perceba isto. A Terra, oficialmente, deixará, pois, de existir.

Só depois é que teremos tempo para construirmos nossa

frota espacial, com calma, até que um dia possamos nos

apresentar diante de Árcon de cabeça erguida e impor

nossas condições. Não mais como povo dependente, mas,

ao menos como nação soberana, de igual para igual.”

Novos aplausos, até mesmo por parte dos dois

arcônidas, a quem era sumamente descabível que um robô

dirigisse o grande Império. Harper comentou:

— Que planos tem nosso Rhodan! Acho isto um pouco

difícil. Mas compreendo que não há outra possibilidade.

Portanto, desapareçamos de cena, até ficarmos mais fortes.

— É fácil falar — respondeu Kowalski, olhando para o

relógio. — Foi sucinto e não assustou ninguém, colocando-

nos praticamente diante de fatos consumados. Estou curioso

para ouvir o anunciado relatório. Serão verdadeiros

romances de aventura. Seis meses no espaço não é

brincadeira.

Não sabia como seu palpite estava perto da verdade.

Harper ia responder, mas Rhodan continuou:

— Terranos, eu expus-lhes, em poucas palavras, meu

plano, para que compreendam mais tarde nosso modo de

agir. Ainda esta semana, partirão dois dos nossos grandes

cruzadores em direção a Orion para dar a um planeta não

habitado a impressão de ser habitado. Temos que contar

com o fato de o superpesado Topthor não demorar muito

em destruir a odiada Terra. Que ele faça o que quiser.

Rhodan levantou a mão, cumprimentando. A imagem

desapareceu, voltando o habitual sinal de Terrânia.

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73

Kowalski se levantou, desligando o aparelho. Olhou

para Harper.

— Que diz de tudo isto? Não foi magnificamente

planejado?

— Não sei, não — respondeu Harper, meio duvidoso.

— Num cálculo de aparência perfeita, sempre pode haver

um pequeno engano. E está tudo acabado.

— Bobagem! — Kowalski estava um tanto zangado. —

Perry Rhodan não comete erro.

Harper abanou a cabeça e se levantou.

— É possível, Kowalski, mas desta vez tenho a

impressão de que está cometendo um. Permita Deus que eu

esteja errado. Mas, uma coisa eu digo a você, caro amigo:

se houver uma falha desta vez no cálculo, então... Deus nos

acuda.

Kowalski não respondeu. Olhou calado para o amigo

que desapareceu no outro aposento. Escutou ruído de

talheres. Abriu-se uma garrafa.

O engenheiro-chefe da Polônia franziu a testa. O que

poderia haver de errado no fato de os saltadores destruírem

com sua frota um planeta desabitado, que julgavam ser a

Terra, e isto a quase 300 anos-luz dali? O que poderia haver

de errado em tudo isto?

* * *

— Esta injustiça clama aos céus e eu vou apresentar

minha queixa sobre estes fatos injustos.

A voz era muito estridente e o tom não apenas irritado,

mas de veemente protesto. Porém não parecia exercer muita

influência em Rhodan, pois sorria calmo, sossegando o

interlocutor acariciando-lhe o pelo da nuca.

— Mas Gucky, por que tanta raiva assim? Você não

merece realmente umas férias? Eu também fico por aqui.

Gucky continuava zangado. Estava ao lado da poltrona

de Rhodan, de pé, com toda sua imponência, ostentando sua

estatura de um metro e meio de altura. As orelhas

compridas traíam uma audição acurada; o focinho longo e

afunilado, um olfato fora do comum; o amplo traseiro com

uma cauda volumosa espraiada em leque demonstrava

pouco entusiasmo para longas caminhadas. Gucky também

não tinha necessidade disso. Era teleportador e podia se

locomover para qualquer lugar sem o menor esforço. Podia

também ler os pensamentos, era um grande telepata e, além

de tudo, movia qualquer matéria à distância, graças à sua

força mental, sem usar força física. Faculdade esta

conhecida sob o nome de telecinese.

Gucky era realmente dotado de propriedades tão

extraordinárias que quem o visse pela primeira vez não

achava possível.

— Está certo — disse ele meio zangado, deixando ver

seu dente roedor, cuja ocupação predileta era roer cenouras.

— Mas, dez mutantes voam para o espaço, só eu é que fico

aqui.

— Minha resolução está tomada — disse Rhodan,

cortando qualquer tipo de argumentação, com certa energia.

Virando-se novamente para os homens que estavam

reunidos, acompanhando com interesse o diálogo com

Gucky, falou:

— Major Deringhouse assume o comando da Centauro

e major McClears o da Terra. Cada um dos cruzadores terá

uma tripulação de quatrocentos homens e será equipado

com compensadores estruturais. Ninguém poderá rastrear

os hipersaltos. Além disso, dez membros do corpo de

mutantes tomam parte na expedição. John Marshall é o seu

chefe. Recebe de mim poderes absolutos. Apenas

Deringhouse lhe dará ordens.

Ao lado de Rhodan estava um subordinado, homem

espadaúdo, de cabelos vermelhos e hirsutos, de rosto largo.

Nos seus olhos de um azul-claro pairava uma pergunta não

expressa, quando, quase imperceptivelmente sacudiu a

cabeça. Rhodan percebeu.

— Que há Bell? Alguma objeção?

Reginald Bell, o melhor amigo de Rhodan e seu íntimo

confidente, antigo ministro da segurança da Terceira

Potência, parecia um tanto desconcertado por ser

interpelado assim à queima-roupa.

— Não, está tudo claro. Queria apenas dar razão a

Gucky.

— O que quer dizer isto?

— Acho injusto, quando exatamente nós é que

sobramos. O que é que vamos fazer, quando a trezentos

anos-luz daqui se decide a vida ou a morte da humanidade?

Gucky é o melhor e eu... eu...

— Oh... — e Rhodan começou a sorrir. — E você...?

— Sou de qualquer maneira amigo de Gucky — foi

tudo que Bell pôde alegar a seu favor.

Agachado em sua poltrona, Gucky esticou as orelhas e

seus olhos brilhavam felizes.

— Obrigado, velho companheiro de lutas, muito

obrigado, não vou esquecer isso, mas tenho receio que

nossos esforços sejam inúteis. O plano de combate está

traçado. Desta vez não somos necessários.

Rhodan continuou sorrindo para ele.

— Ainda bem que você compreendeu bem a situação,

Gucky. As duas espaçonaves já estão prontas para decolar e

vão iniciar o vôo para Beta ainda esta noite. Major

Deringhouse, você conhece bem o plano. Juntamente com

McClears você vai simular a defesa do terceiro planeta.

Retire-se e desapareça, assim que o adversário tiver

destruído totalmente o terceiro planeta. Somos obrigados a

sacrificar este mundo, mas ele não possui vida inteligente.

Os saltadores não demorarão a dar como completamente

destruído o mundo dos homens. Até mesmo o cérebro

robotizado de Árcon lhes será grato, do ponto de vista

lógico. É pena, porque eu mesmo já estava me

simpatizando com a cúpula de aço de Árcon.

Os dois cruzadores pesados eram naves esféricas de

duzentos metros de diâmetro. Seus raios de ação eram

praticamente ilimitados. Com saltos através do hiperespaço,

podiam transpor distâncias inimagináveis na rapidez de

segundos. Apenas a aferição positrônica das respectivas

coordenadas consumia maior espaço de tempo que não

estava, aliás, em proporção com a duração da viagem. O

armamento consistia de radiadores de impulsos e de outros

meios de destruição de proveniência arcônida. Poderosos

envoltórios energéticos protegiam os cruzadores de

qualquer ataque. Campos antigravitacionais neutralizavam

quaisquer choques em manobras de frenagem, aterrissagem

ou decolagem.

Crest pigarreou.

— E o que acontece, então? — perguntou em voz baixa.

Rhodan o fitou por um instante:

— Depois que a destruição da Terra for simulada, não é

isto que quer dizer? Quem sabe precisamos então de anos e

anos para atingirmos o objetivo, talvez um decênio. Mas

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74

com toda certeza, só podemos enfrentar Árcon novamente,

quando não precisarmos mais nos esconder, ou seja,

esconder a posição da Terra, de uma Terra que de repente

começa a existir. Uma Terra que esteja em situação de

impor condições ao cérebro robotizado de Árcon. Acho que

isto é interessante para vocês, Crest e Thora.

Os dois arcônidas concordaram.

Bell começou a sorrir de uma hora para outra. Bateu nas

costas de Gucky, deu uma piscadela para Rhodan e

exclamou muito patético:

— Com o nosso renascimento, algumas pessoas ficarão

admiradas...

* * *

Rhodan, Bell, os dois arcônidas e Allan D. Mercant

estavam à beira do espaçoporto quando as possantes esferas

espaciais faziam a contagem regressiva. Os refletores

inundavam o campo de aviação de uma claridade intensa.

Mais ao longe, na outra extremidade do espaçoporto, a

noite caía no deserto. Como imensa campânula, o céu

envolvia os dois pesados cruzadores, incumbidos da mais

extraordinária missão, que nave alguma jamais recebera. A

história da humanidade é um rosário de guerras e missões

de todos os tipos. Mas nunca um planeta foi dado como

sendo a Terra, para ser destruído.

Mercant parecia mais jovem do que realmente era. Mas

Rhodan pôde constatar que, nos últimos meses, o ex-chefe

do Conselho Internacional de Defesa tinha envelhecido

bastante. A tremenda responsabilidade que pesava em seus

ombros consumia suas forças. Os cabelos louros em volta

de sua careca central estavam bem grisalhos.

— Lá vão eles e permita Deus que voltem logo! —

exclamou em tom enfático, tendo o cuidado de não pisar

um escaravelho que se arrastava pelo chão. Mercant, apesar

de sua famosa rigidez no trabalho, ou talvez por este

motivo, era um grande amigo dos animais. — Desta vez,

felizmente, não vou ficar sozinho aqui na Terra.

Rhodan não perdia de vista as duas esferas cintilantes.

— A Titan fica em permanente prontidão, Mercant —

lembrou ele. — Assim que receber qualquer notícia

alarmante de Deringhouse já estarei a caminho.

Mercant contraiu a fisionomia.

— O que poderá acontecer de alarmante?

— Você parece se esquecer de que nós não conhecemos

o sistema Beta. Nossos dados se apoiam nos catálogos dos

arcônidas. Pois bem, o terceiro planeta é um mundo de

florestas virgens, onde talvez, só daqui a milhões de anos

poderá existir vida. O que haverá, porém, no primeiro e no

segundo planeta ou no quarto? Beta é um gigantesco sol

avermelhado. Seu diâmetro é quatrocentas vezes maior que

o do nosso sol. Eu até estranho muito que o terceiro planeta

tenha mesmo ou deva ter vegetação.

“Você é político, meu caro Mercant, não cientista. O

tamanho do sol, nem mesmo sua irradiação de calor, não

têm nenhuma importância, se os planetas estão bem

afastados dele. As regiões de vida de um sistema dependem

da proporção certa das distâncias e do calor irradiado ou

respectivamente recebido. Teremos que aguardar que

surpresas nos reserva esta segunda Terra — olhou para o

relógio. — Em dois minutos eles decolam.”

Bell estava estranhamente calado, sem se mover, parado

no meio da noite, olhando para a Centauro e para Terra.

Rhodan sabia o que se passava em seu íntimo. Bell gostava

de estar presente, quando se tratava de pregar uma peça nos

saltadores. Mas agora tinha que ficar na Terra.

Mais um minuto.

— Se o plano der certo — disse Crest, quebrando o

silêncio — então a Terra venceu mais de uma batalha.

— Esta é a finalidade do nosso plano — concordou

Rhodan.

Os segundos voavam. Nada poderia agora interromper o

rumo da história. Ninguém o pretendia também.

— Agora — disse Crest.

Sem ruído, as duas colossais esferas espaciais se

levantaram e penetraram no céu escuro. Os refletores do

espaçoporto as seguiram por uns instantes. Depois as

esferas reluzentes escaparam do alcance dos faróis e

mergulharam no grande nada.

Rhodan deu um suspiro.

— É isso, agora só nos resta aguardar. Esperamos que

nossos cálculos estejam exatos. Uma fração mínima de erro

seria fatal.

Crest, Thora e Mercant concordaram. Apenas Bell

resmungou:

— Matemática é meu lado fraco, quem sabe eu deveria

ter seguido com eles.

— Para estragar tudo? — disse-lhe Rhodan, sorrindo.

— Não, é mesmo melhor que você cometa seus erros de

cálculo aqui.

Mas esta brincadeira em nada melhorou o mau humor

de Bell, que queria descarregar sua fossa em Gucky, mas

não o encontrou.

2

Depois que a Centauro se materializou, após a transição,

Deringhouse viu uma coisa que lhe fez esquecer

imediatamente a dor de cabeça causada pela transição.

Estava na cúpula de observação, próxima ao equador da

nave. O teto transparente dispensava qualquer tipo de tela

de vídeo. Dava a impressão de se estar pessoalmente no

meio do espaço.

A bombordo surgia a nave gêmea, Terra.

Mas não foi isto que impressionou tanto a Deringhouse,

que, aliás, já conhecia uma grande parte das Galáxias.

Foi a estrela que estava diante das duas naves que

avançavam com a velocidade da luz.

Beta!

Como um olho gigantesco alaranjado, a estrela flutuava

no infinito do Universo, a maior e a mais poderosa de todas

as estrelas que Deringhouse havia visto. Os outros sóis

empalideceram perante o brilho fosco do gigante. Parecia

até que se envergonhavam devido às suas ridículas

claridades.

Era o sol Beta, o gigante vermelho. Se o colocássemos

em lugar do nosso sol, suas protuberâncias chegariam até a

órbita de Marte. Era menos quente que o sol da Terra,

porém suas dimensões inimagináveis compensavam este

fator.

Em volta do sol Beta, gravitam quatorze planetas, cuja

temperatura superficial atinge cerca de dois mil e

quinhentos graus centígrados. Quatorze planetas, dos quais

o terceiro deverá ocupar, falsamente, o lugar da Terra.

Caso Topthor não se lembre de outras coisas, de uma

certamente não se esquecerá: de que a Terra era o terceiro

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planeta do sistema solar. Naturalmente, em pouco tempo

perceberia seu erro, pois como poderia um comerciante das

Galáxias confundir Beta com o sol da Terra? — assim

explicava Rhodan, com um sorriso. — Mas então seria

tarde demais para corrigir o erro.

Um sentimento de angústia se apoderou de

Deringhouse, quando fitou o gigantesco olho vermelho. Até

então nunca tinha dado importância a pressentimentos, mas

desta vez parecia-lhe diferente. Talvez fosse consequência

da singularidade do plano, talvez também das múltiplas

incógnitas da equação; de qualquer modo, Deringhouse

tinha que reunir todas as forças para não sucumbir às suas

dúvidas.

De qualquer maneira, estas dúvidas não adiantavam

nada mesmo. Sentiu um estremecimento e se levantou. Bem

empertigado, deixou o observatório e se dirigiu à central

pela escada rolante, onde seu primeiro oficial, capitão La

manche, já o esperava.

— Terminada a última transição — anunciou o oficial

mais idoso, repetindo, aliás, o óbvio. — O objetivo está há

dois dias-luz da Centauro.

— Obrigado — disse Deringhouse e começou a olhar

para a tela panorâmica. Reproduzia com toda fidelidade o

espaço em volta da nave, caso não se ligasse para

ampliação especial. Mas não era este o caso no momento.

— Está tudo normal?

— Perfeitamente, Senhor.

McClears aguarda suas diretrizes na Terra.

Deringhouse sorriu satisfeito. Havia desaparecido sua

incerteza.

— Ponha-me em contato com ele — foi sua ordem

calma.

Enquanto esperava pelo aquecimento da tela do

telecomunicador, tentou se lembrar do que sabia a respeito

do sistema solar que tinha à sua frente. Não era muito. O

terceiro planeta não era habitado, disso não havia dúvida.

Somente no quarto planeta é que devia haver vida muito

primitiva. Assim, pelo menos, dizia o catálogo sideral. A

superfície era em grande parte coberta de água, o que

impedia a evolução de uma raça verdadeiramente

inteligente. Todas essas afirmações estavam catalogadas.

No entanto, tudo isso eram dados que poderiam estar

certos, mas poderiam também estar desatualizados.

Ninguém tinha a menor ideia de quando os arcônidas

tinham descoberto o sistema Beta e quando o haviam

catalogado. Poderia ter sido já há séculos.

Major McClears apareceu no vídeo.

— Aí estamos — disse ele num tom firme, como se

estivesse descobrindo um novo Universo. — Que sol

imenso, não acha?

— Gigantesco — foi a resposta sucinta de Deringhouse.

Sem o querer, seus olhos pousaram na tela anexa, onde o

olho vermelho cintilava, parecendo observá-lo. — A

gravitação deve ser fantástica.

— Nem tanto, se mantivermos o distanciamento

prescrito, Deringhouse. O terceiro planeta está a alguns

bilhões de quilômetros da superfície da fotosfera.

— O senhor não acha que nós deveríamos visitar antes

o quarto planeta?

— Por que razão?

— Porque existe vida nele. Vida primitiva, mas vida.

McClears deu uma olhada nos mapas.

— O terceiro planeta está bem diante de nós, enquanto

que o quarto está atrás do sol. Seria uma volta muito grande

e, além disso, foi o terceiro planeta que nós...

— Está certo, McClears, vamos combinar uma coisa:

damos uma olhada no terceiro planeta e depois vamos para

o quarto. Gostaria de saber quem vive em nossa vizinhança,

para nos orientarmos quando os saltadores atacarem o

terceiro planeta.

— De acordo, Deringhouse. Permaneçamos com

velocidade inferior à da luz.

— Perfeitamente. Não sou a favor de um salto, porque

quero ver tudo com calma, quando penetrarmos no sistema.

Os saltadores acreditam encontrar aqui a Terra. Quem sabe

já chegaram antes de nós, e estão aí com suas naves.

Devemos ter muita cautela. Talvez nos devamos separar.

Os saltadores sabia Deringhouse, eram os maiores

inimigos no caminho da paz no Universo. A raça dos

saltadores não devia ser classificada como guerreira. Eram

comerciantes muito egoístas e com uma determinação

exagerada de não permitir concorrência. Comerciavam com

tudo e com todos, mas só sob as condições que eles

próprios impusessem. Quem colocasse em risco seu

monopólio seria afastado sem o menor escrúpulo. Para isto

existiam os superpesados, sua tropa de assalto especial.

Mas aí estava Perry Rhodan, para fazer a justiça.

Considerava o comércio pacífico e justo como uma garantia

para a convivência das diversas raças. Exatamente por esta

concepção, se havia transformado em adversário gratuito

dos saltadores, que não tinham propriamente um planeta

como pátrio, mas viviam por toda parte nas Galáxias.

A luta duraria séculos. Com o truque de Rhodan, porém,

devia terminar logo. E então...

— Separar? — perguntou McClears, interrompendo as

divagações de Deringhouse. — Por que isto? Será

necessário?

— Por minha causa, não. Permaneçamos então juntos

— disse Deringhouse, deixando-se convencer. —

Diminuiremos a velocidade nas proximidades do terceiro

planeta, para observarmos um pouco. Depois iremos direto

para o quarto planeta, também para observá-lo. Já que

temos de dar a volta por Beta, sugiro que façamos duas

transições curtas. As coordenadas exatas, darei logo mais.

Vamos ficar em contato, McClears.

A tela apagou, mas as duas centrais de rádio

continuaram ligadas.

Deringhouse virou-se para o capitão Lamanche:

— Manter o curso. Vou para a cúpula de observação.

Diga a Marshall que quero falar com ele.

Lamanche apertou o botão do intercomunicador.

Deringhouse deixou a central de comando e cinco

minutos depois entrou de novo na cúpula de vidro. Embora

não estivesse ligada nenhuma luz, o aposento irradiava leve

clarão avermelhado. Os planetas externos estavam para trás

da Centauro, no espaço infinito. Eram imensos mundos de

gelo, isolados e em eterno crepúsculo, gravitando em suas

órbitas, sem o menor sinal de vida.

O quinto planeta estava mais para frente, a bombordo,

um gigante de reflexos avermelhado, duas vezes maior do

que Júpiter. Análises espectrais mostravam que já estava

fora da zona com possibilidade de vida.

Deringhouse sentou-se. Impressionado, estava ele de

olhos fixos no vazio do gigantesco sistema. Mesmo com a

velocidade da luz, seriam gastas semanas para atravessá-lo.

O sol Beta estava se tornando maior, mas ainda a dias-

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luz de distância. Se Deringhouse quisesse ser sincero, teria

de confessar que a visão não o decepcionou. Era mais ou

menos assim a ideia que fazia do gigantesco sol, quando

ele, há muito tempo, o viu na constelação de Orion, numa

noite tranquila de sua terra natural. Mesmo da longínqua

Terra, o olho vermelho cintilava, com cara de zangado e

ameaçador, através dos espaços infinitos. Durante séculos-

luz sempre exerceu uma grande atração sobre os

espectadores. E o fato de o sol Beta alterar irregularmente

sua luminosidade, dava aos espectadores a impressão de

estar piscando, piscando através da imensidão. Ninguém,

porém, seria capaz de dizer se era uma piscadela de

simpatia, como acontece entre amigos, ou de ameaça, uma

piscadela de admoestação: Cuidado, vermezinho Terra!

Atrás de Deringhouse, abriu-se uma porta.

— O senhor quer falar comigo, major?

John Marshall tinha entrado na cúpula.

Claro que sua pergunta era supérflua, pois era telepata e

sabia tudo que o comandante queria. Mas sempre fazia

esforço para que ninguém percebesse seus dons.

Deringhouse respondeu apenas sacudindo a cabeça, sem

olhar para trás.

— Sente-se, Marshall, aqui, por favor. O que sabe sobre

o sistema Beta?

Marshall sentou-se. Por alguns segundos, ficou

contemplando o espaço vazio entre os planetas. Depois, seu

olhar se deteve no cintilante sol gigantesco.

— O sistema Beta será a grande encruzilhada da história

da Humanidade — murmurou pensativo. — Rhodan não

poderia ter procurado outro sistema solar tão apropriado

para esse evento.

Deringhouse não respondeu nada. Contemplava calado

a estrela cujos raios penetravam na cúpula, filtrados por

grossos vidros, que os deixavam inofensivos. O sol Beta

tinha raios vermelhos e quentes, mas não muito claros, para

ofuscarem a vista.

— O senhor não participa desta opinião? — perguntou o

telepata, embora já soubesse da resposta.

— Claro — confirmou o major. — Penso como você.

Mas o sistema Beta não me parece simpático. Sua aparência

me faz pensar em Marte e os homens fizeram de Marte o

deus da guerra.

— Certo major. Mas o senhor bem sabe que mais tarde

se percebeu o engano. Marte é um mundo pacífico, sem

comparação nenhuma com este inferno de fogo em nossa

frente. Quem sabe sua aparência também engana.

— Esperamos que sim — respondeu Deringhouse, cuja

voz não parecia muito convicta.

Depois, mudando de assunto, continuou:

— Por que tanto cuidado com o sol Beta? Não

pretendemos nada com ele, pois nos interessa apenas o

terceiro planeta.

Marshall começou a sorrir sobre a maneira como seu

superior imediato procurava escapar de seus próprios

pressentimentos.

— E o quarto? — lembrou-o Marshall.

— Claro este de um modo especial. O catálogo dos

arcônidas assinala vida primitiva. Sua superfície deve ser

noventa por cento água. Vamos examinar um pouco o único

continente, atravessar a cadeia de ilhas e depois nos

dirigiremos ao terceiro planeta, onde então esperamos pelos

saltadores. Aposto como este Topthor está crente que este é

o melhor momento para atacar a Terra. Mas vai ter uma

surpresa...

— Esperemos que não tenha mais tempo para esta

surpresa — observou Marshall com alguma dúvida. — Se

perceber cedo demais que está diante de uma Terra falsa, o

plano de Rhodan cai por terra.

Deringhouse sacudiu a cabeça.

— Daremos um jeito de que ele esqueça.

* * *

Era um mundo que lembrava muito Vênus.

Devagar e a baixa altitude, os dois cruzadores

percorriam a superfície do terceiro planeta. Dois

continentes nadavam num imenso mar primitivo, recobertos

de matas virgens bem cerradas, interrompidas raras vezes

por enormes planaltos. Picos de montanhas alcantiladas

penetravam nas nuvens que deslizavam a baixa altura. De

permeio, havia amplos vales.

Parecia mesmo inacreditável que não houvesse aqui

uma vida dotada de inteligência. Mas, por mais que

procurassem, não encontraram o menor vestígio.

É claro que de lá de cima não se podia comprovar nada,

mas uma coisa parecia certa: não havia seres inteligentes no

terceiro planeta.

Apareceu na tela o rosto de McClears.

— Esta é, pois, a Terra II — disse sem grande

entusiasmo. — É pena, realmente, pois daria para outra

coisa.

— Você pensa em fazer dela uma colônia? —

perguntou Deringhouse. — Você tem razão. Mas o plano

de Rhodan é mais importante. Mais importante do que a

existência deste planeta.

McClears pigarreou.

— Vocês querem dar uma olhada no quarto planeta

antes de descermos neste. Acham que devo acompanhá-los

ou que devo ficar por aqui esperando.

Deringhouse fez uma pausa. Depois concordou:

— Quem sabe é uma boa ideia nos separarmos agora.

Em vinte horas, estarei de volta, não preciso mais do que

isto para dar uma olhada neste “mundo d’água”. Assim que

aparecer uma espaçonave dos saltadores, encontramo-nos

na Terra II e agiremos conforme as ordens. Nossas centrais

de rádio continuam ligadas.

McClears respirou aliviado.

— Nesse ínterim eu terei tempo para observar bem a

Terra II — parecia que, com estas palavras, pretendia

consolar Deringhouse. — Assim que estiver de volta, lhe

farei um relatório completo. Acha necessário prepararmos

um ponto de apoio?

— Na Terra II? — Deringhouse sacudiu a cabeça. —

Não, não será preciso. Quando os saltadores atacarem, não

nos devem encontrar na superfície do planeta. Seria muito

perigoso — pensou uns instantes a respeito. — Você pode

mandar um aparelho de telerreconhecimento, tipo Gazela,

se quiser. Com a Terra, porém, é melhor ficar no espaço.

Você não é da mesma opinião?

McClears aceitou a ideia.

Após uma série de instruções, informações e conselhos,

Deringhouse se despediu e partiu com a Centauro para

novo rumo. Rompeu a densa camada de nuvem do terceiro

planeta e desapareceu no espaço infinito. A primeira

transição levou a Centauro para um local, de onde os dois

planetas podiam ser vistos ao lado do sol gigantesco. À

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direita, cintilava branca e resplandecente a camada de

nuvens da Terra II, ao passo que à esquerda o quarto

planeta brilhava numa luz azul-rosa, quase artificial. O

planeta no espaço dava a impressão de uma gota de água do

mar, pairando no infinito.

Enquanto que o cérebro de bordo calculava os dados

para a segunda transição, Deringhouse contemplava aquela

estranha gota d’água. Ao seu lado estava John Marshall,

enquanto que o capitão La manche ocupava-se com os

controles.

— Tem uma aparência maravilhosa — disse Marshall,

lendo os pensamentos do major.

Deringhouse confirmou.

— Como um diamante azul recebendo raios de luz

avermelhada. Um espetáculo magnífico. Planeta quatro do

sistema Beta é uma expressão muito vazia para tanta

beleza, vamos chamá-lo de Aqua?

— O planeta das águas... Por que não? O nome combina

muito bem com ele.

— Portanto, seu nome será Aqua — confirmou

Deringhouse. — Estou curioso para saber o que

encontraremos nele.

— Provavelmente água — chilreou uma voz aguda,

meio tímida, do canto da central de controle. Deringhouse

virou-se lentamente e ficou olhando para o lado escuro,

aguardando que os olhos se adaptassem à escuridão.

John Marshall deu um pulo para trás, como se uma

cobra o tivesse mordido.

Agachado no canto estava Gucky, sorrindo meio

acanhado, com o único dente roedor à mostra, como que

pedindo desculpas com seus suaves olhos castanhos.

— Você?!... — exclamou Deringhouse, quase caindo da

poltrona.

— Eu mesmo — confirmou Gucky, olhando para

Marshall que ainda estava parado, perplexo com a

inesperada aparição. — Não se esqueça de respirar, John,

olha que o ser humano não aguenta mais do que três

minutos sem oxigênio... e seria pena se você...

Marshall respirou profundamente.

— Como é que você entrou aqui?

Gucky se encostou, apoiando-se na parede. Notou que

Marshall estava menos tenso.

— Você não vai acreditar, mas foi com a Centauro.

— Não diga besteira, Gucky. Trouxe nove elementos do

corpo de mutantes e você não constava da lista.

— Que nada, você trouxe dez — disse Gucky tentando

uma desculpa esfarrapada. — Naturalmente, Rhodan não

sabe nada disso. Ficará bobo quando souber.

Marshall levantou-se devagar e caminhou para Gucky.

— Receio que você ficará mais bobo ainda, meu caro.

Por que tem sempre de desobedecer às instruções? Você

entrou clandestino a bordo, quando foi isto?

— Clandestino, não é bem o termo. Naturalmente, eu

me teleportei de Terrânia para cá. Mas somente agora é que

tive coragem de me apresentar. Não fique zangado comigo,

John.

Marshall ficou olhando para o criminoso, que o fitava

suplicante com seus olhos castanhos. O pelo marrom-

ferrugem estava liso, o que demonstrava o ânimo pacato do

rato-castor. Há muito que o dente roedor estava escondido

atrás dos beiços do focinho pontiagudo.

Gucky não sorria mais e isto queria dizer muita coisa.

Marshall fazia grande esforço para se manter sério.

— Você tem que prestar contas a Rhodan, Gucky. Dele

é que vai depender o castigo pela sua desobediência. Eu

não o posso nem prender, pois como se pode deter um

teleportador?

— É verdade, já fiz esta pergunta a mim mesmo —

chilreou Gucky com simplicidade.

Marshall respirava nervosamente.

Deringhouse se levantou, dirigiu-se até a tela

panorâmica, como se não quisesse saber nada do assunto. O

rato-castor pertencia ao corpo de mutantes. Portanto o

incidente com Gucky era da alçada de Marshall.

— Está bem — murmurou o telepata. — Deixemos de

lado o assunto, até que Rhodan decida o que deve ser feito.

Receio que você deva estar preparado para alguma coisa

desagradável.

— Se puder ser útil aqui em alguma coisa, não será tão

sério assim — disse Gucky, parecendo já mais confiante.

Andou um pouco para frente e ao lado de Deringhouse

ficou olhando a tela panorâmica. — Isto é o quarto planeta?

Que que há com ele?

— Nada de especial. E o que poderia haver com ele? —

disse Deringhouse, virando-se para Gucky e o encarando

com severidade.

O pobre Gucky afastou-se assustado, dizendo:

— Foi apenas uma ideia minha, porque você está

olhando para ele de uma tal maneira...

Chamava de você a todos, sem distinção de hierarquia

ou de idade. Isto talvez proviesse do fato de que todos o

chamavam de você, pois ninguém ousaria chamar de senhor

um rato-castor.

— Estou raciocinando — corrigiu-o Deringhouse. — E

espero o sinal para o próximo salto. Será ainda permitido

raciocinar?

Gucky se levantou, olhou rapidamente para Marshall.

— Permitido é sim, major. Mas, como a história da

Humanidade comprova, já saiu uma infinidade de besteira

daí. Bobagens estas que eu teria muito prazer em estudar,

quando estava na Terra, para...

— Pare! — gritou Deringhouse. — Com quem que você

está aprendendo a falar desta maneira? Com estas frases

rebuscadas? Horrível...

— É assim que fala Bell, quando quer se expressar com

elegância — defendeu-se o rato-castor. — Naturalmente me

ensinou também outras coisas, mas...

— É verdade, já ouvi falar disso — murmurou

Deringhouse e se concentrou de novo na imagem da tela.

— Bell não é um homem de maneiras finas e nunca o será.

Por uns instantes Gucky parecia meio desorientado,

depois deixou à vista o dente roedor e voltou para o canto

da central. Fez uma grande curva em tomo de Marshall. O

telepata simulou compaixão e disse:

— Não gostaria de estar na sua pele, quando Rhodan

ficar a par de tudo, Gucky. Acho que desta vez não será tão

complacente como em Aralon. |

— Se eu conseguir salvar vocês todos da desgraça certa,

haverá certamente complacência — disse Gucky com voz

mais pausada e mais grave, estendendo-se no chão, como se

quisesse dormir. — Aceito até entrar calmamente numa

situação de encrenca, aí então vocês precisarão de mim.

Falou e fechou os olhos.

Marshall ficou olhando uns instantes para ele, depois

voltou para sua poltrona junto dos controles. Não reparou

em La manche. O francês soube se manter afastado do caso,

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sem se comprometer nem com um lado, nem com o outro.

— Escute Deringhouse, não acha bom avisarmos

Rhodan? Quem sabe estão procurando Gucky e se

preocupando demasiadamente com ele.

Do canto ouviu-se um gemido. Deringhouse fez um

sinal para Marshall.

— Preocupado? Quem é que vai se preocupar com um

rato-castor tão desobediente? Aposto até que ninguém deu

por falta de Gucky. Ninguém perceberá a ausência dele.

Outro ruído se fez ouvir do canto. Um pouco abafado,

mas dava para se escutar.

— É verdade — continuou Deringhouse — ninguém

sentirá falta dele.

Do seu canto, Gucky ouvia tudo. Seu dente de roedor,

porém, reluzia de tanta vontade de lutar. Ergueu-se e se

plantou diante de Deringhouse:

— Então, ninguém vai sentir falta de mim? E você

ainda quer apostar? Pois bem, apostemos duas arrobas de

cenoura e duas horas de coçar.

— Duas horas de quê? — perguntou Deringhouse

perplexo.

— Duas horas de coçar. Simplesmente coçar, para

aliviar a coceira. De preferência na nuca — explicava o

rato-castor alegre. — Posso permitir o serviço até em

prestações de meia hora. Bell cocou uma vez durante cinco

horas...

— Sim, é verdade. Já ouvi falar nisso — interrompeu o

major, passando a mão pelos ralos cabelos. — Mas eu não

caio nos seus truques. Aposte com quem quiser, mas não

comigo. Virou-se para La manche: — Então, o que há?

Pronto?

— As coordenadas estão aí — disse o francês. —

Podemos saltar.

Gucky voltou ao seu canto. Em outra oportunidade, ele

lembraria Deringhouse da aposta.

* * *

Quando voltaram do hiperespaço para a continuidade do

tempo-espaço, o planeta Aqua estava apenas a dois

minutos-luz deles. O dispositivo de retardamento diminuiu

fortemente a velocidade da Centauro. Deringhouse ligou o

sistema manual, para manobrar melhor a nave.

O planeta azul crescia a olhos vistos. Seu aspecto era de

fato uma coisa nunca vista. Parecia realmente uma imensa

gota d’água pairando no infinito, iluminada por um

ciclópico feixe de luz avermelhada. O sol Beta tinha agora,

aparentemente, o mesmo tamanho do sol da Terra e estava

a muitos bilhões de quilômetros afastado. A luz precisava

de muitas horas para vencer aquela distância.

Deringhouse apertou o botão do intercomunicador e fez

a ligação com o laboratório de bordo.

— Méier, aqui é a central. Providencie, durante o voo, a

mais completa análise do corpo celeste que temos em

frente. Necessito da composição da atmosfera, dados sobre

a rotação, sobre a translação e naturalmente sobre as

estações do ano, dependentes da translação. Apresente-me

os resultados, o mais rápido possível.

— Entendido, comandante — foi à resposta.

Deringhouse desligou e se dirigiu a Marshall:

— Estou curioso sobre o que haveremos de descobrir.

O telepata respondeu com um pequeno gesto.

— Não compreendo bem seu interesse neste planeta,

major. O senhor é o comandante e eu não gostaria de me

intrometer em seus assuntos. Mas, se me permitir uma

pergunta: qual é a razão do grande interesse seu por este

planeta, o quarto, se nossa missão consiste em fazer com

que os saltadores destruam o terceiro?

— Talvez seja mesmo pura curiosidade — respondeu

Deringhouse. — Mas meu pensamento principal é a

segurança. Neste sistema, entram em questão, para seres

inteligentes, apenas dois planetas: o terceiro e o quarto. Se

o terceiro está destinado à destruição, queria apenas saber

se o quarto se presta para ulteriores operações. Isso, você

compreende, Marshall. Além disso, a nossa segurança exige

que estejamos informados sobre as condições neste sistema,

com exatidão. Acho que posso me responsabilizar pelo

pequeno atraso. Não perdemos nada. Se os saltadores

surgirem, receberemos imediatamente o chamado de

McClears.

O telepata constatou que Deringhouse falou exatamente

o que pensava.

— Concordo com o senhor, major. Tem também a

intenção de aterrissar em Aqua?

— Depende das circunstâncias. Se puder contar como

encontrar vida inteligente, tentarei naturalmente contatos...

Ouviu-se um zunido:

— Desculpe, é do laboratório — disse Deringhouse

interrompendo a conversa com Marshall.

Logo a seguir, apertou um botão e se apresentou:

— Aqui é a central.

— Aqui Méier, do laboratório. Os dados já existentes: o

quarto planeta tem um dia de quarenta e oito horas. A

translação em torno do sol Beta leva duzentos e setenta

anos da Terra. A variação das estações do ano é, portanto,

muito lenta e mesmo insignificante, pois quase não existe

eclíptica. Atmosfera, respirável, um tanto pobre em

oxigênio, rica em vapor. Um trecho de terra firme mais ou

menos nas dimensões da Europa forma o único continente,

além de uma série de ilhas menores. O resto da superfície é

de água. O mar não é muito fundo. É isto o que temos até o

momento.

— Obrigado, Méier.

Deringhouse permaneceu calado por uns instantes,

olhando para a tela. O planeta azul já estava bem grande,

enchendo quase todo o campo visual da tela. Ao brilho dos

raios avermelhados do sol, destacavam-se os contornos do

único trecho de terra, perdido na imensidão das águas. Se lá

existissem seres inteligentes, deveriam viver principalmente

do mar e dos seus produtos. Navegação marítima só poderia

existir em pequena escala, pois, por que razão se iria

atravessar o mar, se não havia outras praias? Uma espécie

de civilização, completamente diferente, ter-se-ia

desenvolvido aqui. Deringhouse estava ansioso para

conhecê-la.

— Procuremos no continente um bom local para

aterrissar — resolveu ele, finalmente. — Os habitantes do

planeta não devem conhecer a navegação aérea.

— Quem? Habitantes? — perguntou Marshall,

acentuadamente.

Não obteve resposta.

A Centauro deu uma volta em torno do planeta. Passou

bem próxima do deserto azul das águas e se aproximou

depois do litoral do continente. Os grupos de pequenas ilhas

não demonstravam nenhum indício de civilização. Cobertas

de densas florestas, lembravam as ilhas paradisíacas dos

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Mares do Sul. Enseadas de areia eram um convite para o

repouso, mas Deringhouse não tinha em mente tirar férias.

O que procurava eram seres inteligentes diferentes, e Aqua

tinha que ter vida.

A primeira visão que prendeu a atenção de Deringhouse

foi uma construção baixa, com cúpulas, nas imediações do

litoral, a menos de dois quilômetros da praia. A água devia

ser muito rasa neste trecho, pois se podia ver facilmente o

fundo. A cúpula, na sua parte superior se elevava para fora

d’água, tinha uma plataforma e um corrimão. Como vigias,

as janelas se enfileiravam em redor do edifício, cuja parte

inferior estava imersa na água e certamente iria até o fundo

do mar.

A Centauro diminuiu a velocidade. Deringhouse dirigia

com o olhar fixo no acontecimento. John Marshall chegou

até ele, olhando também para a cúpula. La manche, como

de hábito, ficou alheio ao que se passava. Sua preocupação

eram os controles e realmente ele cuidava que o pesado

cruzador seguisse sua rota.

— Considerável desenvolvimento — disse o telepata.

— Gostaria de saber por que construíram aquilo na água,

quando têm tanto espaço em chão firme.

Deringhouse continuava olhando para o litoral, já bem

próximo.

— Você tem razão. Não se vê nada semelhante em

terra. Eu esperaria, no mínimo, uma cidade por aqui, mas

vejo só mata virgem, litoral arenoso e em parte cheio de

rochas. Misterioso, verdadeiramente misterioso.

A cúpula ficou para trás, ao atingirem o litoral. Foram

penetrando uns quilômetros. A seus pés, terra jamais tocada

por ser inteligente, sem nenhum vestígio de trabalho que

denotasse inteligência; o terreno subia brandamente,

apresentava cadeias de montanha de pequeno porte, grandes

estepes e florestas a perder de vista. De uma civilização,

não se podia falar.

“É uma coisa singular”, pensava Deringhouse, fitando o

continente. “O planeta só tem este continente e a gente

supõe que os habitantes teriam que aproveitar cada metro

quadrado. Devia haver lá embaixo um emaranhado de

casas e instalações, como em nossas capitais. E o que

vemos? Nada, absolutamente nada. Onde estão os

homens?”

— Se não tivéssemos visto a cúpula, eu diria que não há

nada por aqui — disse Marshall sarcástico.

— Mas a cúpula está aí. Existe vida em Aqua e nós

temos que encontrar.

Com esta constatação, apoiou-se no espaldar da

poltrona, parecendo completamente alheio ao que se

passava ao redor dele. Marshall acenou amigavelmente para

Lamanche e deixou a central, seguido por Gucky que lhe

estava lendo os pensamentos. Marshall se dirigiu

diretamente para o local da nave onde estavam reunidos os

dez mutantes.

Mal havia fechado a porta da central, Deringhouse

despertou de sua profunda meditação. Avançou um pouco

mais para frente e postou-se diante da tela panorâmica,

dizendo a seu oficial:

— Qual é sua opinião, La manche?

O francês alteou os ombros, esperou um pouco e falou:

— Não sabemos o que representa aquela cúpula. Quem

sabe se trata até de uma espaçonave derrubada? Devemos

examiná-la, aproximando-nos. Assim se confirmaria minha

tese de que não há vida inteligente por aqui.

Deringhouse não parecia de maneira alguma satisfeito

com esta resposta.

— Espaçonave derrubada ou caída. Puxa, a cúpula é um

edifício, está firme no chão! A minha pergunta é apenas,

por quê? — parou de repente.

La manche levantou os olhos e acompanhou o olhar do

comandante.

Na tela, ainda se via nitidamente a superfície do quarto

planeta. Aos poucos, as cores se tornavam mais naturais.

E La manche viu também, nas bordas do grande

planalto, as pequenas saliências, em forma de cúpulas.

Estas saliências tinham um reflexo avermelhado com os

raios do sol, fulgiam como se fossem de metal. Não

somente seu aspecto, mas também sua disposição simétrica

denunciavam sua origem artificial.

No mesmo instante, a Centauro começou a aterrissar.

* * *

Na reunião dos mutantes houve um grande grito de

surpresa, quando Marshall entrou acompanhado de Gucky.

— Que surpresa agradável! — exclamou Ras Tschubai,

o africano teleportador, todo contente. — Você é a arma

secreta nesta missão?

— Nada de arma secreta — murmurou Marshall — o

malandro penetrou clandestinamente a bordo, contra ordem

expressa de Rhodan.

O africano fez uma cara de espanto:

— Então, Gucky, eu não quero estar na sua pele.

— Ele não tem um pêlo grosso e lindo — disse a jovem

Betty Toufry, inclinando-se, para coçar sua nuca.

Gucky estava feliz. Aliás, gostava muito da jovem

telepata, cujas faculdades paranormais eram muito

semelhantes às suas, pois Betty era também telecineta.

— Rhodan vai desculpar você, Gucky, não se preocupe

— comentou Betty.

— Se você der uma palavra a meu favor, com toda

certeza — disse Gucky, parecendo mais confiante.

O perscrutador japonês Doitsu Ataka sacudiu a cabeça.

— Disciplina é isto: fazer somente o que o chefe manda.

Agora, para mim está bem. A vida não será mais tão

monótona, pois Gucky sempre inventa umas gozações.

Marshall lançou um olhar de desaprovação para o

japonês. O rapaz falou de disciplina e foi o primeiro a

quebrá-la. Mas Gucky aproveitou a situação a seu favor.

— Você tem razão, Ataka — disse ele contente. —

Quem é que sabe até quando estaremos vivos? Por que não

podemos estar alegres? Rhodan quer que nós todos

morramos, naturalmente só aparentemente. Portanto, vamos

morrer, pelo menos, alegres. Proponho um torneio de coçar

e me apresento como voluntário para...

Marshall achou conveniente mudar de assunto.

— Prestem bem atenção ao que vou dizer — disse ele,

cortando todo sorriso. — Acabamos de descobrir, neste

quarto planeta, que o comandante apelidou de Aqua, os

primeiros indícios de vida inteligente. Vamos aterrissar.

Ninguém sabe o que vamos encontrar, uma coisa está fora

de dúvida: isto não tem nada que ver com nossa missão

verdadeira.

Foi, infelizmente, uma dedução falsa, ilógica, mas

Marshall só o percebeu mais tarde, como os outros também.

No momento, não lhes sobrou tempo para pensar.

O alarme tocava por toda a nave. Por uns instantes,

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Marshall parecia paralisado, como que ouvindo a si mesmo;

depois, um estremecimento percorreu todo seu corpo.

— Deringhouse, que está acontecendo? Seus

pensamentos são caóticos e confusos...

Ouviu-se um zumbido estridente.

A tela do intercomunicador, que liga entre si todas as

seções da nave, acendeu. Nela apareceu a imagem de

Deringhouse, com fisionomia de atônito e indeciso.

—Atenção geral — disse com voz áspera. — Prontidão

de emergência. Ocupar todos os postos de defesa. Alguém

está exercendo todos os controles sobre a Centauro e nos

está puxando para baixo. Estamos aterrissando.

Fez uma pausa, como se estivesse pensando, depois

continuou:

— Marshall, seus mutantes devem estar preparados.

Talvez precisemos de seu auxílio.

— Que está se passando com a nave? — perguntou

Marshall. Já experimentou...?

— Inútil, caímos sob a ação de poderosos raios de

atração, que paralisaram todos os nossos controles. Para lhe

ser sincero, Marshall, não tenho intenção de me defender

contra os inimigos. Aguardemos, pois, para saber o que

pretendem de nós.

— Não acha estranho, que uma raça, de cuja atividade

não conseguimos ver nada na superfície de Aqua, tenha

desenvolvido meios técnicos tão avançados de poder

subjugar por forças mentais uma nave tão grande como a

Centauro?

Deringhouse esboçou um leve sorriso.

— É exatamente o que estou querendo descobrir. O que

estamos presenciando é paradoxal e impossível. Que

existisse aqui neste mundo uma civilização não me

admiraria muito. Mas, deste jeito...?

Marshall percebeu como o assoalho a seus pés

estremeceu todo. Depois veio um solavanco que quase o

derrubou. Após o quê, reinou silêncio.

Deringhouse, diante da tela, deu uma olhada para o

lado, antes de se dirigir aos que o viam.

— Já aterrissamos — disse sem expressão na voz. —

Encontramo-nos no meio de um planalto rochoso. Estamos

cercados por cúpulas de metal cintilante. Mas não vejo

armas. De homens ou outros seres vivos, não há nenhum

sinal. Devemos esperar até que os desconhecidos queiram

entrar em contato conosco. Pensem, porém, numa coisa:

não estamos indefesos, meus senhores. Ao menor vestígio

de uma ação hostil do lado oposto, nós nos defendemos

sem consideração. Mas não seremos os primeiros a iniciar a

guerra. Sem o meu comando, não abriremos fogo.

Marshall ouviu como os postos de defesa estavam se

preparando para se manterem de prontidão. Deu algumas

instruções aos mutantes e deixou o aposento para se dirigir

ao posto de comando, de onde se tinha uma vista melhor.

Em caso de emergência, podia-se dali mesmo comandar o

ataque dos mutantes.

Deringhouse estava de pé diante da galeria panorâmica,

observando toda a circunferência da Centauro já ancorada.

Lançou um rápido olhar para Marshall, sem se perturbar em

suas observações. La manche estava sentado fora dos

controles do envoltório energético, que estavam desligados.

— Não podem saber de onde viemos, embora possuam

rastreadores estruturais — disse Deringhouse meio incerto.

— A Centauro e a Terra estão equipadas com os

compensadores correspondentes. Ninguém pode localizar

nossos hipersaltos. Esta arma me tranquiliza.

— Apesar disso, puxaram-nos do espaço — disse o

telepata pensativo.

— Não tem importância, Marshall. Confesso que no

início estávamos impotentes e tínhamos que nos submeter

aos fatos, mas agora, creio eu, já podemos bombardear suas

instalações. Mas não vejo razão para isto. Queremos saber

primeiro como são e quem são eles.

Olhou novamente para a tela, Marshall o acompanhava.

O pesado cruzador estava parado num amplo planalto.

A uma distância de trezentos metros estava a primeira

cúpula metálica, que escondia um trecho da beira da

floresta. No horizonte cintilavam os picos de montanhas

distantes, ao sol do meio-dia. A segunda cúpula estava mais

à direita, depois a terceira e a quarta. Formavam um círculo

em cujo centro estava a Centauro.

La manche acordou de sua letargia.

— Uma verdadeira cilada, uma teia de aranha invisível

— dizia ele acabrunhado.

— Estamos presos, exatamente no foco dos raios de

atração. Jamais teria imaginado que estes fulanos

chegariam a tanto. Por que não se manifestam?

— Devem ter seus motivos — respondeu o comandante.

Estava de olhos fixos num determinado ponto à margem da

floresta. — Acho que nossa curiosidade será satisfeita em

pouco tempo. Lá vem uma viatura.

Os outros dois homens também estavam olhando.

Das sombras das árvores enormes, de conformação

esquisita, despregava-se uma coisa escura, rolando

lentamente pela planície afora. Deringhouse ligou o

dispositivo de ampliação. Agora se via mais nitidamente.

Era uma espécie de carro blindado, embora sem a torre de

artilharia. Em compensação, a cúpula semiesférica era de

um material diáfano. Carros deste tipo eram utilizados

frequentemente para exploração de mundos desconhecidos,

principalmente quando a atmosfera pudesse ser nociva.

Atrás da cúpula viam-se, com pouca nitidez, os

contornos de algumas figuras. A distância não permitia ver

detalhes.

Deringhouse virou-se para trás e olhou para Marshall.

— Nenhuma novidade? Ainda não há impulsos de

pensamentos?

— Sim, mas muito insignificantes. Estão se protegendo,

já tiveram que lidar com telepatas. Talvez sejam também

telepatas e conhecem as medidas de segurança necessárias,

para se protegerem das radiações do cérebro.

Deringhouse mexia na regulagem da ampliação da

imagem e nada respondeu. Notou-se nos seus olhos um

brilho maior quando observava o carro se aproximando.

Queria dizer alguma coisa, mas acabou ficando calado.

Marshall reparou que as mãos do comandante tremiam.

— Gucky!... — enviou sua ordem telepática. —

Teleporte-se imediatamente para a central.

O pensamento ainda não tinha terminado, quando o ar

estremeceu no meio da central e do nada surgiu o rato-

castor. Ouviu a ordem de Marshall e veio no mesmo

instante.

— Que há? — chilreou ele, bem disposto como sempre.

— Estamos entrando em contato com os estranhos,

Gucky. Infelizmente estão protegendo o pensamento.

Temos que saber com quem estamos lidando. Você podia...

— Se posso!... — disse Gucky entusiasmado, mas

continuou com um sorriso malicioso: — não é verdade,

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você vai dizer uma palavrinha a meu favor, quando o

chefe...

— Isto é suborno — disse Deringhouse, sem olhar para

trás. — Mas está bem, eu o defenderei, se você dentro de

dez segundos me disser quem é que se aproxima de nós

naquela viatura. Talvez eu me engane, mas os contornos

daquelas figuras apagadas me parecem conhecidos...

Marshall teve um calafrio.

— Conhecidos... Meu Deus... Eu tive a mesma

impressão com os impulsos dos pensamentos. Será um

acaso?

— Por que discutir? — perguntou Gucky. — Tenho

apenas cinco segundos. Até logo...

Nova cintilação no ar e o lugar onde estava Gucky ficou

vazio.

Dois segundos depois, já estava de volta. No seu

semblante, lia-se grande espanto. Com as orelhas de pé o

pêlo eriçado, sentou-se nas patas traseiras, apoiando-se na

ampla cauda.

— Não, uma coisa desta... — disse, soltando um longo

suspiro. — Quem teria pensado como o mundo é pequeno,

aliás, o mundo, não: como o universo é pequeno!

— Mas o que houve? — insistiu Deringhouse, já

irritado, deixando de lado a tela panorâmica. — Não nos

deixe malucos, Gucky, como são eles?

— Fale logo, Gucky — acudiu Marshall, que não podia

mais se livrar de uma sensação esquisita. Começou a

suspeitar que estavam diante de uma terrível surpresa. —

Você os viu?

O rato-castor fez que sim, vagarosamente.

— Materializei-me no carro, no meio deles. Por motivo

de precaução, mantive a respiração, porque nunca se sabe

se a atmosfera é apropriada para nossos pulmões. Mas meus

cuidados foram inúteis. Respiram o nosso ar. E ficaram

espantados quando me viram.

— Puxa vida, Gucky! — gritou Deringhouse, com o

rosto vermelho. — Quero saber como parecem eles. São

seres da água?

— Que ideia maluca é esta? — perguntou Gucky, que

não perdia a calma. — Você acredita que peixes

inteligentes montaram uma base terrestre aqui? Já se ouviu

besteira maior?

— Gucky — disse Deringhouse, alteando a voz. —

Você talvez não saiba como é importante, mas eu lhe peço

mais uma vez para responder minha pergunta: como é que

parecem os estranhos? E o que quer dizer sua expressão: “o

Universo é tão pequeno”...?

— Vocês não me vão acreditar, mas eles se parecem

com os tópsidas. E se me posso expressar mais claramente,

sem decepcioná-los, gostaria de jurar que são os tópsidas.

Para Deringhouse e para Marshall foi como se uma mão

gelada lhes apertasse o pescoço. É verdade que já se

haviam passado dez anos desde que estes sáurios altamente

desenvolvidos e muito inteligentes tinham sido encontrados

no sistema Vega. Mas as escaramuças com eles ainda

estavam bem impregnadas na memória dos dois homens.

Os tópsidas, de estatura mais ou menos idêntica à do

homem, tinham duas pernas e dois braços, geralmente

utilizados como braços mesmo. Os dedos das mãos eram

seis, o corpo era coberto por uma camada de escamas

marrom-escuras. A cabeça era de um lagarto grande, com a

conformação característica dos sáurios; os olhos redondos,

negros e móveis pareciam ver tudo que acontecia num raio

de 180 graus.

— Tópsidas! — falou Deringhouse, respirando

profundamente. Depois comentou: — É só o que nos

faltava. Estes miseráveis crocodilos devem estar metidos

em toda parte?

— Eles dominam seu pequeno império sideral — disse

Marshall, pensando nervosamente. — Se não me engano,

este império é em algum lugar da Constelação de Orion,

portanto aqui nesta região.

— Sim, afastado da Terra por oitocentos anos-luz. É

bem longe daqui.

— Nem tanto assim — contradisse Marshall. — De

qualquer maneira, está na mesma direção. Não é, pois, de se

estranhar que tenham uma base por aqui.

— Num mundo desabitado? Por que motivo?

Gucky tinha ouvido a conversa de cabeça baixa,

aparentemente sem maior interesse. Mas chegou a hora de

intervir:

— Por que vocês estão quebrando a cabeça com isso?

Perguntem diretamente a eles, o que estão fazendo aqui.

Olhem aí, já estão chegando.

Deringhouse deu a volta para chegar à tela. A viatura

com uma pequena cúpula já estava parada a uns trinta

metros da Centauro. Não havia dúvida de que os sáurios já

sabiam a mais tempo que se tratava de uma belonave dos

arcônidas. Quem sabe, esta circunstância poderia ser

aproveitada de uma maneira ou de outra.

A cúpula da viatura se abriu e dela saíram três sáurios.

Usavam uma espécie de uniforme que lhes encobria

parcialmente o corpo de escamas. Todos traziam o radiador

energético num coldre preso ao cinto. Davam a impressão

de arrogância. A julgar pelas aparências, a superioridade

estava com a tripulação da Centauro, mas Marshall sabia

muito bem que os tópsidas, por índole, não conheciam o

medo. E não conhecendo o medo, estavam acostumados a

lutar até a última gota de sangue, mesmo numa situação

sem saída. O medo de um ditador era maior que o da morte.

— Têm nervos de aço — dizia Deringhouse, que havia

conhecido os tópsidas como comandante dos ágeis caças

espaciais. — Colocam-se simplesmente diante das bocas de

nossos canhões e esperam para ver o que vamos fazer.

Poderíamos transformá-los em átomos.

— ...o que não resultaria em vantagem para ninguém —

permitiu-se La manche observar.

— Querem que eu os faça correr daqui? — ofereceu-se

Gucky prontamente.

— Você ficou maluco? — perguntou Deringhouse. —

Quero saber o que procuram aqui e o que querem de nós.

Marshall, você vai me acompanhar. Vamos dar uma olhada

nos rapazes. Esperamos que entre eles não haja ninguém

que nos conheça.

— Não há possibilidade disso. Para eles, nós parecemos

todos iguais, como eles para nós. Eu não conseguiria

distinguir um do outro. Mas que lhes vamos dizer quando

nos perguntarem quem somos?

Deringhouse deu as últimas instruções a La manche e se

dirigiu para a porta com Marshall.

— Não podem, em hipótese alguma, saber que somos

da Terra. Expliquemos a eles que pertencemos a um ramo

dos saltadores. Provavelmente haverão de acreditar, embora

os saltadores não costumem usar naves esféricas. Acho

bom assim, porque não são muito amigos dos arcônidas e

sabem que também os saltadores não se dão bem com os

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arcônidas.

— Tenho a impressão — dizia Gucky caminhando atrás

dos dois homens — de que aqui começa uma trama.

Esperemos para ver.

La manche ficou olhando para eles.

— Se correr tudo bem, Jean — disse ele para si mesmo

— vou devorar três robôs de combate no almoço. Sem

mostarda.

Ao que Gucky, virando-se na porta, acrescentou:

— Sem mostarda, esta é a condição.

3

Quando a escotilha da saída principal da Centauro se

abriu, a mais de cinquenta metros do solo, John Marshall

percebeu um ruído desagradável no lado de trás.

A escada rolante, brilhando como prata, estirou-se da

escotilha para o chão lá embaixo. Deringhouse apalpou a

coronha da arma, para ver se não estava presa. Depois subiu

no degrau superior, que imediatamente começou a

movimentar-se para baixo.

Marshall o seguiu.

Os três sáurios estavam imóveis diante da gigantesca

nave, esperando, convencidos de sua força. Para eles eram

dois prisioneiros, e seus olhos negros e redondos eram um

misto de expectativa e de malícia. A aparência dos dois

homens parece que não os surpreendeu.

Marshall se lembrou do que acontecera outrora no

sistema Vega. Lá, pela primeira vez, os terranos se

defrontaram com a raça dos sáurios. Rhodan conseguiu tirar

deles a grande belonave arcônida Stardust III. Por fim,

conseguiram expulsar os tópsidas, reinando depois a calma.

E agora se defrontam novamente, aliás, de maneira bem

diversa, pelo menos conforme os planos de Deringhouse.

As mãos dos tópsidas, verdadeiras garras, já

empunhavam as armas. Marshall penetrou-lhes o

pensamento e não achou nada, a não ser curiosidade

misturada com grande atenção. Estavam muito seguros de

si.

Quando Deringhouse saltou da escada rolante e se

encaminhou para os três sáurios, a tensão entre os homens e

os tópsidas parecia uma muralha invisível. O major parou a

dez metros deles, sempre com a mão direita na coronha de

sua pistola energética. Nos lábios, um leve sorriso.

Conhecia bem a mentalidade dos sáurios, para não duvidar

de qualquer emboscada.

Marshall se mantinha a alguns passos atrás de

Deringhouse, tentando decifrar os pensamentos do

adversário e ver suas intenções. O resultado era mínimo.

Antes que os dois terranos pudessem dizer uma palavra,

falou o tópsida em puro intercosmo:

— Os senhores se encontram em território de nossa

soberania e serão, portanto solicitados a ficarem sujeitos às

nossas ordens. Não lhes acontecerá nada, se não quiserem

resistir. Quem são os senhores?

Deringhouse não aparentou a menor surpresa.

— Não tínhamos nenhuma intenção de descer em seu

território, fomos forçados a Isto. Sou um saltador, da estirpe

de Gatzel.

O tópsida fez um sinal com a cabeça.

— É o que estávamos pensando, estranho. Sua

aeronave, no entanto, é de origem arcônida. Conhecemos

bem este tipo.

— Tem razão — respondeu Deringhouse, com um

sorriso calmo. — Tipo cruzador pesado. Nós o tomamos

dos arcônidas, por ocasião de um ataque. O senhor tem

alguma objeção a fazer?

O tópsida começou a sorrir, mas não com

espontaneidade.

— Não, contra isto não temos absolutamente nada. Os

arcônidas não podem ser considerados nossos amigos. Que

pretendem os senhores neste sistema? Não há nada para se

comerciar, e quando houver, nós mesmos o faremos.

Deringhouse ergueu os ombros.

— Estávamos em voo de rotina, quando descobrimos

este mundo. Quem sabe teria vida, pensávamos nós e

começamos a examiná-lo. Não achamos nada, a não ser

estas misteriosas cúpulas.

— Pertencem ao nosso sistema de proteção — explicou

o tópsida. — O planeta das águas foi por nós descoberto há

muitos anos e nós o ocupamos. Serve-nos de base.

— Pelo menos até que alguém se mexa, tudo estará em

ordem — disse Deringhouse com um pouco de cautela. —

E já que parece não existir nativos por aqui...

O tópsida continuava sorrindo.

— Existem alguns. Aceitaram o nosso domínio.

Houve uma curta pausa, depois:

— Não lhes sobrou outra alternativa. Deringhouse não

conseguiu ocultar por mais tempo sua admiração.

— Nativos? Neste mundo? Não vimos nada disto

durante nosso voo.

— Os senhores não têm, certamente, os instrumentos

necessários para observar a vida sob a água.

Na mesma hora, Deringhouse e Marshall

compreenderam tudo. É claro que num mundo como este,

seres inteligentes teriam que se desenvolver na água. E se

os tópsidas julgaram conveniente estabelecer uma base

neste planeta, devia se tratar de um ser vivo que merecesse

mais respeito.

Marshall estava pensando na grande construção das

cúpulas, feita a poucos metros da praia. Seu formato não

tinha relação nenhuma com as instalações habituais dos

tópsidas. Certamente haviam sido construídas na água, para

que os habitantes do mar entrassem em contato com seus

senhores.

Aos poucos, foi se projetando uma imagem mais clara

na mente de Marshall.

— Meu nome é Al-Khor — disse o tópsida do meio. —

Sou comandante da base nesta parte do continente. Posso

lhes pedir o favor de deporem as armas? Não gostaria que,

por um motivo qualquer, surgisse um conflito entre nós e os

saltadores. Assim que eu liberar sua nave, receberão de

volta suas armas.

Deringhouse hesitou um pouco. Uma multidão de idéias

passou por sua cabeça, sem que conseguisse colocá-las em

ordem. Como a pedir socorro, deu uma olhada para

Marshall. O telepata fez sinal que sim. Sabia já há muito

que os tópsidas realmente faziam questão de não pôr em

risco a paz existente entre eles e os saltadores.

— Está certo — respondeu Deringhouse, retirando a

pistola energética da cintura. — Queremos nos submeter às

suas ordens.

Um dos sáurios apanhou a arma com as garras pontudas

e a ficou olhando com interesse. Marshall também entregou

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as armas.

— Como compensação — propôs Deringhouse — dê-

nos a garantia de que o senhor não nos deterá contra nossa

vontade e nos autorize a qualquer momento a pedirmos as

armas de volta e deixarmos este planeta.

Al-Khor continuava sorrindo.

— É claro que lhes damos a garantia, com todo prazer.

Ninguém vai impedi-los de usufruírem de nossa

hospitalidade, se não nos quiserem dar este prazer. Mas

antes, creio eu, devemos conversar um pouco. Certamente o

senhor terá alguma coisa para nos contar. E a vida, creia-me

o senhor, numa base tão solitária como o “mundo d’água” é

muito monótona. Venha, por favor.

— E a minha tripulação? Não gostaria que uma ação

impensada deles...

— Não nos opomos a que o senhor dê instruções à sua

tripulação — interrompeu Al-Khor. — Dê-lhes o conselho

de não abandonarem a nave e de não tomarem nenhuma

iniciativa.

Deringhouse aceitou a ideia e ligou o minitransmissor

de pulso.

— La manche — disse ele em inglês — estamos

aceitando, na aparência, as condições dos tópsidas. Ponha-

se em contato com McClears. Ele deve vir para cá e

aguardar novas ordens. Por enquanto não existe perigo

iminente. Fim.

— Entendido — foi a resposta curta. Al-Khor

comprimiu desconfiado os olhos redondos:

— Por que não falam intercosmo?

— Meu substituto é muito jovem, Al-Khor, só entende o

dialeto de minha estirpe. Disse a ele que ficasse tranquilo e

esperasse a nossa volta.

O tópsida parecia contente. Com a mão estendida, num

sinal de convite, indicou a porta aberta da viatura de cúpula

e deu a preferência para seus hóspedes não voluntários.

Ainda com o carro em movimento, Marshall fez contato

com Gucky e lhe transmitiu o plano de Deringhouse, que

tinha acabado de ler telepaticamente.

* * *

Major McClears pautava seus atos sempre em deduções

lógicas. Quando recebeu a mensagem alarmante de

Lamanche, não pôde deixar de praguejar horrivelmente.

Depois, começou a pensar o que teria acontecido se

Deringhouse não tivesse voado para o quarto planeta. E a

resposta a esta hipótese seria muito simples: teriam

esperado com toda calma, no terceiro planeta, até que os

saltadores aparecessem; atacariam e se retirariam, assim

sucessivamente, como se quisessem defender mesmo a

Terra. A mudança constante de cada ataque daria a

impressão de que se tratava de uma grande frota de

supercruzadores, que de maneira alguma poderiam ser

destruídos. Com o passar do tempo, os saltadores já teriam

chegado à ideia de colocar uma bomba de gravitação na

pátria dos terranos e assim destruí-la parcialmente. Estaria

tudo perfeito... mas, no quarto planeta estavam os tópsidas.

Eis o ponto nevrálgico.

E aí então os pensamentos e especulações de McClears

começaram fluir inconscientemente no mesmo sentido que

os de seu amigo Deringhouse. Por este motivo, teria que

negligenciar sua própria segurança. Mais tarde, quando

Rhodan se recordava deste fato, tinha que conceder que um

ser racional não podia agir de outra maneira, colocando sua

segurança em segundo plano em relação à segurança da

Terra.

E foi assim que uma ação errada de McClears iniciou o

mais genial de todos os lances que Perry Rhodan jamais

empreendeu. Fez apenas o que era necessário para dar um

toque de veracidade à mentira de Deringhouse referente aos

tópsidas.

Seus pensamentos se atropelaram, enquanto dava ao

encarregado do rádio a ordem de chamar de volta o tenente

Tifflor. O mais competente oficial da nova geração de

Rhodan estava exatamente em viagem com a Gazela para

informar-se das condições na superfície. O disco voador

achatado — trinta metros de diâmetro e dezoito de altura —

era a nave ideal para tais empreendimentos. A ordem o

alcançou exatamente quando acabava de aterrissar numa

planície e já ia botando o pé em terra. Não foi com boa

vontade que atendeu à ordem de voltar à espaçonave Terra.

Sua disposição era a melhor do mundo quando se viu frente

a frente com McClears na Central.

— Um planeta maravilhoso, mas infelizmente sem vida

animal. Algo incompreensível para mim, pois não posso

imaginar condições melhores. Ah!... o senhor me mandou

chamar de volta. Suponho que seja por motivos muito

imperiosos.

— Realmente muito imperiosos — respondeu McClears

seco. Ainda não tinha chegado a um ponto final com seus

encrencados pensamentos, mas num particular seu plano já

estava traçado. — Deringhouse aterrissou no quarto

planeta, que batizou de Aqua.

— Nada de extraordinário nisso, não acha?

McClears não perdeu a calma.

— Infelizmente, não foi o primeiro que se enamorou do

“mundo d’água”, tenente Tifflor. Outros chegaram antes

dele: os tópsidas.

— Tópsidas? — Tifflor fez um esforço para se lembrar.

Naquele tempo, era ainda jovem demais e sabia dos

tópsidas só por ouvir falar. Mas lembrou-se vagamente de

um filme a que assistira sobre a invasão dos sáurios do

sistema Vega.

— O senhor não está se referindo àqueles seres

parecidos com crocodilos que pretendiam destruir a Terra e

por engano acabaram caindo em cima dos ferrônios?

— Exatamente deles é que estou falando — disse

McClears.

— O que eles procuraram por aqui?

— Não tenho a menor ideia, recebi uma mensagem

muito curta de Deringhouse de que os tópsidas obrigaram a

Centauro a fazer uma aterrissagem forçada e prenderam o

comandante. Recebemos instruções de nos dirigirmos para

Aqua e lá aguardar novas ordens.

— Como quer Deringhouse dar ordens, se está preso?

— queria saber Tifflor. — Ou se trata apenas de uma prisão

simulada?

— Parece que é mais ou menos isto. De qualquer

maneira, veremos os detalhes em Aqua mesmo. Não me

agrada ter os tópsidas na vizinhança. Mas já que estão aí,

temos que fazer tudo para tirar proveito da situação. Tenho

a impressão de que Deringhouse pensa assim também, pois

do contrário não se deixaria prender tão facilmente.

— O senhor tem algum plano?

— Tenho. Se bem que um tanto vago, mas preste

atenção...

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E McClears começou a explicar seu plano.

Logo depois das primeiras frases, o jovem tenente

compreendeu tudo. Um sorriso iluminava seu semblante,

mas não interrompeu o oficial mais velho, que continuou

explicando, enquanto a Terra já estava na direção certa.

Depois da segunda transição, quando Aqua já despontava

na tela, concluiu com as palavras:

— Estou plenamente certo de que assim matamos dois

coelhos com uma só cajadada. Se soubesse como colocar

Deringhouse a par do meu plano... Estou convencido de que

ele concordaria e pediríamos novas ordens a Rhodan. Sem

consentimento dele, não quero fazer nenhuma ligação

telegráfica com a Terra.

— Os mutantes! — lembrou Tifflor.

— Uma possibilidade — concedeu McClears. —

Infelizmente não temos nenhum telepata a bordo da Terra.

Não vejo outra alternativa a não ser agir separado de

Deringhouse. Deixamos a Terra circulando a grande

altitude de Aqua e descemos com a Gazela para a

superfície.

— E o risco que corremos com isto?

— Está incluído na operação — disse o major. —

Deringhouse vai fazer uma cara de bobo, quando souber

que vencemos depois de uma luta curta, mas violenta.

Espero apenas que não tenha cuidados inúteis por nossa

causa.

— E eu espero — acrescentou Tifflor céptico — que

seus cuidados, se ele os tiver, não sejam realmente inúteis.

— Eu também — concordou McClears.

* * *

Cercado dos outros mutantes, Gucky encontrava-se

agachado no divã da sala dos oficiais. Estava a par dos

acontecimentos pelas mensagens telepáticas que Marshall

lhe enviava. Por sua vez, La manche, que havia assumido o

comando da espaçonave, entrava em contato com eles,

através do intercomunicador. O sistema por via telepática

funcionava muito melhor do que via rádio.

— Estão tratando Deringhouse e Marshall com muita

atenção — disse Gucky, mostrando um lugar nas costas em

que ele queria ser coçado. — Aparentemente dão muita

importância ao fato de manterem com os saltadores boas

relações. Até hoje, as duas raças quase não tiveram relações

entre si. Como Marshall está deduzindo dos pensamentos

do comandante, Deringhouse não tem intenção de

incrementar muito estas relações. Alguém de vocês

consegue compreender isto?

— Eu, não — Ras Tschubai sacudiu a cabeça e olhou

para Ataka, como que pedindo auxílio. — Quanto melhor

forem às relações, tanto maiores serão nossas possibilidades

de sairmos daqui sem encrenca.

— E o que lucraríamos — disse Gucky com ironia — se

sairmos daqui?

— O que você está querendo dizer?

— Penso simplesmente no seguinte: o que nos interessa

se os tópsidas tenham uma boa impressão dos saltadores e

nos deixem sair em paz? Tem isso alguma influência

positiva sobre a missão de que Rhodan nos incumbiu? Não

se esqueçam de que os saltadores pretendem destruir o

terceiro planeta, pensando se tratar da nossa Terra. E aqui

no quarto planeta, estão os tópsidas. E você ainda não está

compreendendo?

Ras Tschubai realmente não estava compreendendo, ao

invés dele, porém, La manche, sentado na central, sem

afastar os olhos da tela panorâmica, ouvia a toda a conversa

da sala dos mutantes.

Pigarreou perceptivelmente, concentrou-se por uns

instantes em seus pensamentos, levantou-se, e abriu a porta

da central de rádio.

— Alguma notícia de McClears? — perguntou ele.

O telegrafista em serviço sacudiu a cabeça:

— Há uma meia hora que não, senhor. A Terra saiu para

uma órbita maior e continua calma. Nós aqui

permanecemos na escuta.

— Avisem-me assim que houver alguma novidade.

— Perfeitamente, senhor. La manche agradeceu

satisfeito, voltou para seu lugar e começou a refletir de

modo mais profundo. Estranhamente, suas especulações se

desenvolviam mais ou menos no mesmo sentido como as

de Deringhouse e as de McClears. Isso era uma prova

evidente de que cérebros que pensam logicamente sempre

chegarão aos mesmos resultados.

* * *

A Gazela saiu dos hangares internos da nave-mãe Terra

e se deixou cair verticalmente. Somente a alguns

quilômetros antes da superfície de Aqua é que o tenente

Tifflor deteve a queda e colocou o aparelho em voo

horizontal. A atmosfera zunia nas paredes externas do

disco, achando pequena resistência.

McClears e Tifflor estavam sentados na apertada

cabina, já com todas as telas ligadas. Acreditaram ter visto

no litoral do enorme e único continente uma espécie de

cúpula brilhante no meio da água, mas não deram maior

importância. Cada vez mais devagar, a Gazela descia com

toda cautela necessária na exploração de um planeta

desconhecido. Os dois tripulantes aguardavam com

curiosidade a primeira reação dos tópsidas.

E esta não se fez esperar.

Bem perto do pico de uma montanha, viu-se um clarão

repentino. A tela mostrou um projétil comprido que, com

velocidade cada vez maior, subia vertical. Parecia ter a

intenção de cruzar a trajetória da Gazela, exatamente no

ponto de encontro dos dois objetos em movimento. Sem

dúvida, era um míssil. Tifflor ligou o envoltório de

proteção e segundos após uma detonação acompanhada de

um forte clarão, causando na Gazela apenas um pequeno

abalo, mostrou que o ataque dos tópsidas tinha fracassado.

O mesmo aconteceu ao segundo projétil.

— E agora? — perguntou Tifflor.

— Muito simples, tenente. Vamos agir como se

fôssemos saltadores — regulou a rota e deu a direção a

Tifflor. — Dê uma volta por cima do cume da montanha e

desça um pouco. O envoltório de proteção continua ligado.

Vou jogar uns explosivos inofensivos para que eles saibam

que temos alguma coisa não muito perigosa a bordo.

Tifflor concordou sorrindo. Os sáurios haveria, por

certo, de acorrer para o local e de tentar pegar vivo o

relativamente inofensivo adversário. Assim estava

arquitetado todo o plano de McClears.

Dez segundos depois, detonou uma bomba lá embaixo

aos pés da montanha, em plena mata virgem. Os estilhaços

abriram pequenas clareiras na vegetação, sem produzir

maiores danos.

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E exatamente dez segundos depois, enguiçou o

comando da Gazela. Tifflor, assustado, tentou recuperar o

controle do disco voador, mas não conseguiu. Devagar, mas

continuamente, o disco foi descendo e com solavanco

maior pousou numa clareira, a menos de dois quilômetros

do litoral.

Como Tifflor pôde constatar, haviam descido no centro

de um círculo, formados por cúpulas de metal, pequenas e

cintilantes.

McClears levou as mãos ao alto.

— Está dando tudo certo, os sáurios vão ficar contentes

de terem feito tão boa caça. Nossos oito homens continuam

a bordo, enquanto nós nos apresentamos ao inimigo.

— Tomara que não nos matem logo de início.

— Não se preocupe isto seria contra sua mentalidade. Já

lhe disse que os tópsidas são extremamente curiosos.

Quererão logo saber com quem estão tratando e por que

motivos viemos para cá. Devem receber estas informações

de nós. E depois você vai ficar admirado de como eles vão

agir.

— Esperar! — exclamou Tifflor duvidoso, que

naturalmente estava pensando o que Deringhouse haveria

de dizer do seu modo arbitrário de agir.

E Rhodan, muito mais.

Aproximou-se da Gazela uma viatura. Saltaram dois

tópsidas e ficaram por uns instantes olhando sua presa de

guerra. De uma das cúpulas metálicas emergiu ameaçador

um negro tubo de canhão, apontando para a Gazela.

— Vamos embora — disse McClears. — Vamos

Tifflor. O negócio é sério. E não se esqueça de que somos a

vanguarda dos saltadores. O grosso da tropa ainda está a

caminho.

Os dois tópsidas olharam para eles com muita calma,

quando saíam da escotilha, sem medo, saltando para a terra.

Atrás deles, a escada de saída se recolheu automaticamente.

Segundos depois, estava ligado de novo o envoltório

energético. Embora os tópsidas pudessem deter o disco e

impedir sua saída, era-lhes impossível destruir o aparelho

ou penetrar nele. Os oito homens da tripulação estavam

completamente a salvo de qualquer ataque por parte dos

tópsidas.

McClears não entregou sua arma voluntariamente,

quando os dois tópsidas lhe pediram. Foi-lhe tirada à força

e McClears não perdeu a oportunidade de dar um soco forte

na cabeça do lagarto. O impacto lhe doeu muito mais do

que ao próprio réptil. Mas isto não tinha importância

alguma.

O tratamento foi correspondente. Enquanto

Deringhouse ainda era tratado como um possível aliado,

declararam McClears e Tifflor como inimigos.

Mas McClears não se deixou intimidar. Enquanto ele e

seu jovem tenente eram obrigados a entrar na estranha

viatura, sacolejando por uma péssima estrada de terra, em

direção do próximo litoral, ia despejando ameaças contra os

tópsidas, prometendo-lhes breve e terrível vingança. Seu

comportamento era um tanto irreal, diante da situação

pouco encorajadora. E assim foi que os dois tópsidas,

aparentemente pouco inteligentes, não deram maior atenção

às ameaças. McClears acabou também desistindo,

esperando poder encontrar depois um exemplar mais

inteligente desta desagradável raça.

Um desejo que se realizou logo, mas não lhe trouxe

maiores vantagens.

A estrada terminou no litoral. Sob as copas de altas

árvores e camuflado por uma cobertura espessa de

folhagem, havia um edifício baixo de metal cintilante. O

fato dava a entender que os tópsidas não possuíam outro

material de construção.

Levaram os dois prisioneiros para um aposento, onde

foram presos e entregues a seus destinos.

Em poucos instantes, McClears se convenceu de que

sem auxílio de terceiros, não conseguiriam sair dali.

Sentou-se num canto, no chão, e começou a meditar.

Tifflor, no entanto tentou se lembrar do

microtransmissor embutido em seu corpo. O

microdispositivo, cujo segredo nenhum cientista humano

conhecia, foi-lhe implantado por cirurgia na cavidade renal

direita.

Qualquer telepata, cuja faixa de onda estivesse em

sintonia com as supervibrações artificiais do transmissor do

corpo de Tifflor, poderia localizar, até uma distância de

dois anos-luz, o seu paradeiro.

Além disso, havia ainda a possibilidade de se concentrar

nos pensamentos de Tifflor, se a distância não fosse grande

demais.

O tenente podia ficar tranquilo, pois tudo quanto

pensasse com concentração, seria recebido pelo telepata

John Marshall. Dispunha ainda adicionalmente de um

diminuto transmissor na laringe.

Tifflor enviava, mas não podia receber nada...

* * *

Al-Khor estava um pouco nervoso quando penetrou na

cela dos dois prisioneiros. Seus olhos redondos faiscavam

ódio. Apenas um resto de ponderação o impediu de mandar

fuzilar imediatamente os supostos saltadores.

— Repita o que o senhor, há pouco estava dizendo aos

meus dois subalternos — disse ele, ríspido, colocando-se na

porta de tal maneira, que os dois sentinelas que o

acompanhavam tinham alvo livre pela frente. — Prometo-

lhes que não vou castigá-los, se disserem a verdade. Mas,

tenho que saber o que aconteceu.

O major sacudiu os ombros:

— Não dê demasiada importância ao que seus

subalternos lhe disseram. Podem ter me compreendido mal.

O que diz a respeito?

— O senhor sabe perfeitamente o que estou pensando,

saltador. Sabe, além disso, que não são os dois únicos

prisioneiros que fizemos. Dominamos um cruzador pesado.

Um tal de major Deringhouse está em nosso poder.

Numa demonstração de horror, muito bem representada,

McClears empalideceu todo, como Tifflor mesmo

constatou, levantou-se e deu dois passos na direção de Al-

Khor.

As armas dos dois vigias se ergueram ameaçadoras. Al-

Khor não se intimidou não se mexeu um centímetro de

onde estava.

— Se o seu depoimento for verdade, suas vidas estão

salvas.

McClears deu um rápido olhar para Tifflor. O tenente

respondeu com um piscar de olho. Podia estar tranqüilo de

que Marshall havia captado todos os impulsos.

— Pode começar a perguntar — disse a Al-Khor.

— Você os ameaçou dizendo que viriam homens para

vingá-los? Falou também aos nossos subalternos qualquer

coisa de uma invasão iminente por parte de sua gente?

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McClears, teatralmente, mordeu a ponta da língua. Uma

gota de sangue banhou os lábios inferiores.

— Na minha cólera... desgraçado, não vale a pena

mentir. Também não sei por que motivo lhe silenciar uma

coisa, que você em poucos minutos saberá plenamente. Os

saltadores supõem existir neste sistema uma base de seu

eterno inimigo. Você não o conhece, portanto seu nome não

tem nenhuma importância no conjunto dos acontecimentos.

De qualquer modo, os superpesados estão alarmados. Deve

saber que eles são a tropa guerreira dos saltadores. Todo o

poderio dos superpesados vai atacar o terceiro e o quarto

planetas deste sistema e destruí-los. Posso lhe dar apenas

um bom conselho: abandone, o mais depressa possível, este

planeta.

— Que nada! Isto é um truque — respondeu Al-Khor.

McClears começou a dar gargalhadas. Riu tanto que

lágrimas lhe corriam dos olhos. Depois, cheio de satisfação

bateu nos ombros cobertos de escama do tópsida:

— Um truque! Meu caro amigo, eu juro pelos meus

antepassados, de que estou dizendo a verdade. Os

saltadores estão ultimando seus preparativos para

despovoar este sistema, completamente. Nada pode detê-los

deste plano, isso eu lhe posso garantir.

— Nada — repetiu Al-Khor encolerizado. Nos seus

olhos havia um brilho misterioso. — Acha que nada

consegue deter os saltadores? Eu acho que há uma coisa

capaz disso. Quando souberem que nós consideramos o

quarto planeta como nossa propriedade, ninguém terá

coragem de...

— Por que não?

— Por que... — Al-Khor hesitou um pouco. — Porque

os comerciantes das Galáxias não têm nenhum motivo de

nos fazer hostilidades. Eles não são bem vistos pelo

Império. Nós, também não. Por que não podemos estar

unidos?

— Por um motivo muito simples, meu caro amigo —

disse-lhe McClears com paciência. — Porque nós somos

obrigados a supor que você é um aliado do nosso ferrenho

inimigo, que tem uma base neste planeta e que praticamente

o povoa.

Quem estava rindo à bandeira despregada agora, era o

próprio Al-Khor.

— Os seres da água? Seus inimigos de morte? É

ridículo. Não é apenas absurdo, mas é também...

— Seres da água? — informou-se cautelosamente

McClears. — Não estou compreendendo o que está falando.

— Neste mundo existe uma raça um tanto inteligente,

que muito raramente aparece em terra e não precisa mesmo

da terra. Por este motivo, pudemos estabelecer nossas

instalações, sem prejudicá-los. Estes seres existem somente

na água e devem possuir suas cidades lá no fundo do

oceano. Fora disso não há nada neste mundo que possa ser

uma ameaça. Se não forem estes seres aquáticos, vocês

saltadores foram vítimas de um engano.

— Nossas informações estão exatas — continuou

McClears. — Estou bem informado sobre os planos dos

nossos patriarcas. Nestes planos consta que os tópsidas têm

uma base pequena no quarto planeta, cuja existência não

precisa ser tomada em consideração. Você está vendo que

as negociações não vão servir para nada. Nossos chefes

consideram vocês aliados do nosso inimigo.

— Puxa vida! — exclamou o tópsida. — Diga-me

finalmente quem é este inimigo figadal.

— Não estou autorizado a fazer isto — respondeu

McClears.

— Então vamos obrigá-los a fazer.

— Mas andem depressa — disse o major com toda

calma. — Nossas unidades de assalto estão chegando a

qualquer momento. E então poderia ser tarde demais para

vocês.

Al-Khor deu um grito ininteligível, fez um sinal para os

guardas e deixou a cela. A porta se fechou com um

estrondo.

McClears olhou para Tifflor, que repetiu baixinho toda

a conversa e assim a transmitiu para Marshall e para

Gucky.

— Então? — perguntou McClears todo triunfante.

— Vamos ver — respondeu Tifflor, meio céptico — se

eles vão agir como criaturas inteligentes e corajosas.

— Claro que vão agir assim. Pode ficar tranquilo.

Infelizmente, não tiveram a oportunidade de averiguar

isto, pois dez minutos mais tarde alguém os apanhou.

Levaram-nos numa pequena viatura diretamente para o

litoral. Aí, entraram numa pequena embarcação que os

transportou para uma ilha de aço. Era a cúpula que há

pouco haviam visto do ar. Mesmo para Deringhouse, teria

parecido igual. Por uma escada lateral, subiram para o

andar superior, cercado por um terraço. Depois um elevador

os levou para baixo. Quem os guiava era um tópsida, muito

bem armado.

Nem McClears nem Tifflor pensavam em fugir. Um

único pensamento os dominava: será que seu truque iria

falhar?

O salão tinha paredes de vidro que, de todos os lados,

davam para o mar. Tinha-se aqui uma visão magnífica

sobre um mundo a dez ou doze metros sob o nível da água.

Comportas de vários tamanhos davam a entender que se

podia atingir o mar aberto sem que a água penetrasse no

salão. Ou vice-versa, podia-se do mar penetrar na cúpula. E

isto parecia ser a única finalidade da instalação.

O tópsida se deteve diante de uma porta. Abriu-a e se

afastou, dizendo:

— Aqui será a nova prisão. Ficarão aqui até que tudo

tenha terminado.

— Terminado o quê? — perguntou McClears, sem

receber resposta.

Penetrou no pequeno cubículo acompanhado de Tifflor

que logo começou a falar no seu transmissor da laringe.

A porta fechou e eles estavam a sós. Mas onde?

Apenas a porta parecia ser de material compacto. Fora

disso, pareciam mergulhados no nada, no meio do mar, cujo

fundo tinha um brilho opaco.

Mas logo perceberam a verdade: estavam numa cela de

vidro, sob a cúpula ou ao lado dela. O cubículo transparente

flutuava. Era água por todos os lados.

McClears sentou-se no chão, bem no canto oposto à

porta, tendo a impressão de estar sentado na água. Olhava

em torno com muita curiosidade.

— Isto é muito interessante — observou com sarcasmo.

— Devemos estudar os segredos do mar, antes que nos

afoguem.

Tifflor se espantou um pouco com a frase.

— Você acha que vão nos matar?

— Que nada! É brincadeira minha. Mas você ouviu

dizer que aqui existem peixes inteligentes ou coisa

semelhante. Acho que deveríamos procurá-los, mas não me

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pergunte o por quê. Pode ser também o contrário: os peixes

devem nos ver, para saberem como parecem os saltadores.

Situação maluca, não é?

— Só queria saber se Marshall teve ocasião de

transmitir minhas informações a Deringhouse. Infelizmente

Deringhouse não é telepata. Mas pelo menos Gucky deve

saber onde estamos.

A água era de um azul-claro com reflexos

avermelhados, em virtude da luz do sol de Beta. Neste

local, o mar não teria talvez vinte metros de profundidade.

Agora que a vista dos dois prisioneiros já se adaptara à

penumbra do estranho ambiente, o olhar deles penetrava

facilmente até o fundo do mar, situado a uns oito metros

abaixo do piso de vidro da singularíssima cela.

Plantas marinhas exóticas dançavam ao ritmo de uma

correnteza invisível, peixes coloridos cintilavam em

grandes cardumes numa determinada direção, como se

estivessem sendo perseguidos por um inimigo oculto. Entre

estes, flutuavam com calma e dignidade seres transparentes,

que lembravam nossas medusas. Pouco mais para frente, o

fundo do mar caía bem íngreme, a água se tornava azul-

escuro e infinito.

E subitamente, Tifflor deu um grito semi-abafado.

De olhos arregalados, apontava ele para o azul-escuro

do mar aberto. McClears seguiu a direção indicada por seu

braço estendido e pela primeira vez olhos humanos

puderam ver os legítimos senhores do planeta das águas.

4

As coisas iam se tornando mais críticas. Deringhouse

quase não reconheceu mais Al-Khor, quando o tópsida

chamou-os.

— Por que razão não me contaram nada do ataque

iminente de sua gente? — perguntou o tópsida com uma

tremenda calma, embora seus olhos resplandeciam

ameaçadores. — Seria obrigação de vocês.

— Obrigação? — questionou Deringhouse admirado. —

Seria também sua obrigação nos manter presos contra nossa

vontade?

— Ninguém os abrigou na condição de prisioneiros.

— Mas, somos realmente prisioneiros. Você quer

também duvidar de que nossa espaçonave...

— Aliás, sua espaçonave... — disse Al-Khor bem

espaçadamente, olhando para Deringhouse com certa

ironia. — De quem vocês diziam, há pouco, tê-la tirado?

Dos arcônidas?

Marshall captou depressa os pensamentos do tópsida e

sabia por que fizera esta pergunta. Esperava que

Deringhouse percebesse o veneno da pergunta, senão teria

que avisá-lo.

— Sim, foi dos arcônidas — disse o major cauteloso. —

Mas eu não sei naturalmente se os arcônidas a tomaram de

outros. Por que esta pergunta?

Al-Khor concordou, aparentemente mais calmo.

— É provável, pois o nome cravado com letras pretas na

fuselagem não está escrito em caracteres arcônidas. Mas

esqueçamos isto. O comandante de uma das naves foi

colocado em local seguro. Estou preocupado sobre o que

devo fazer com eles.

— Deixe-nos ir embora — propôs Deringhouse. O que

você ganha nos retendo aqui?

— Reféns — foi a resposta seca de Al-Khor. — Vocês

devem estar presentes, com todo seu pessoal, quando os

saltadores chegarem para destruir este mundo. E quem

sabe, sob minhas vistas, vocês entram em contato com eles

antes e os põem a par de tudo.

— Isto não vai adiantar muito — disse Deringhouse

com sinceridade. — Não me vão dar ouvidos.

— Então vocês morrerão conosco.

— Bonito — disse o major com um riso forçado. —

Assim, nos tornaríamos de qualquer forma aliados, não é

verdade?

Al-Khor não respondeu. Sem dizer uma palavra, deixou

a cela que servia de domicílio provisório para eles.

Marshall franziu a testa.

— Não me está agradando — disse ele — e aos meus

mutantes, muito menos. Gucky está ansioso para entrar em

ação, isto é, para atacar. É com dificuldade que o estou

segurando.

— Sua hora está quase chegando, — consolou

Deringhouse, enquanto olhava para a parede lisa do

cubículo.

— Que está acontecendo com McClears?

— Está detido com Tifflor, numa cela de vidro, abaixo

do nível do mar.

Deringhouse começou a rir.

— Pelo menos, tem um pouco de distração — julgava

ele. — Portanto, vamos lá, dê nossa posição ao rato-castor.

Ele deve nos localizar e dar um pulo até aqui. Vamos

pregar um grande susto nos crocodilos, eles estão

precisando.

Dois minutos depois, Gucky se materializou contente e

sorridente, tornando o cubículo ainda mais estreito. Trouxe

duas pistolas energéticas de mão e algumas granadas, não

maiores do que nozes comuns, porém de ação terrivelmente

devastadora. Ele mesmo trouxe na cintura uma pistola de

impulsos, cujo peso lhe dava trabalho.

— Aqui estamos nós — chilreou ele feliz da vida. —

Vamos mostrar quem somos.

— Espere um pouco — disse Deringhouse. Virou-se

para Marshall, que no momento cambaleava um pouco,

captando coisa muito importante; simultaneamente,

também a fisionomia de Gucky se transformou numa

expressão de piedade. Parecia ter perdido a disposição para

qualquer iniciativa.

Deringhouse se manteve na expectativa.

Sabia que os dois telepatas estavam recebendo uma

mensagem de Tifflor.

* * *

McClears soltou um grito abafado. De encontro às

paredes de vidro da cela, comprimiam-se dezenas de

torpedos submarinos, enfileirados, como se quisessem

mandar pelos ares toda a instalação de cúpulas. Os corpos

esguios tinham talvez metro e meio de comprimento e

refulgiam como prata sob a luz avermelhada do sol. Jatos

d’água de grande pressão irrompiam da parte traseira dos

terríveis projéteis desfazendo-se logo a seguir.

Só depois de olhar com mais atenção, é que McClears

percebeu seu engano: não eram torpedos artificiais, mas

seres vivos, semelhantes a focas, com boca enorme, sempre

aberta, olhos pequenos, orelhas ovais. A velocidade do

pequeno esquadrão, agora, já era menor. O forte jato de

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água que lançavam para trás já tinha cessado. Que animais

seriam estes? Estavam parados...

Com muita curiosidade, nadavam em torno da cela de

vidro, olhando sempre para os ocupantes do cubículo, com

olhos inteligentes. Um deles chegou bem perto e

comprimiu o focinho contra a parede de vidro. MacClears

fitou-o cara a cara, sentindo então uma forte vibração.

Tifflor descrevia a cena para Marshall e Gucky.

— São assim os peixes-homens — murmurou

McClears. — Vieram para cá como que atirados por jato.

Não se movem como os demais peixes por meio das

nadadeiras, mas têm um sistema próprio: engolem a água,

comprimem-na algum tempo em seu interior, e depois a

expelem. Santo Deus, verdadeiros foguetes submarinos

vivos — colocou a mão direita sobre a parede de vidro. —

Produzem ondas vibratórias — disse pensativo. — Quem

sabe é uma maneira de se comunicarem? Ah! Se

pudéssemos entendê-los...

Marshall captou a mensagem e informou Deringhouse a

respeito.

— Ataka! — disse Gucky.

— Acho que você tem razão, Gucky — disse

Deringhouse. — O japonês decifra ondas sonoras, que

nenhum ouvido humano consegue captar. Mesmo ultra-

som. Se estes seres não são telepatas, e parece que

realmente não o são, devem talvez se comunicar através de

vibrações ou de sons no campo de ação do ultrassom. Ataka

pode constatar isto. Além disso, sua capacidade de

percepção está combinada com uma telepatia inconsciente,

de maneira que poderá entender sons completamente

estranhos para nós. Gucky, vá buscar Ataka.

O rato-castor se levantou, dizendo:

— Cubículo apertado, major! Vocês não vão ficar muito

tempo aqui. Sairemos e vamos libertar McClears. O tempo

de representar já passou. Não precisamos mais nos

camuflar perante os sáurios. Agradeçamos aos deuses do

espaço.

— Como assim? Que pretende fazer, Gucky? —

perguntou Deringhouse, que não compreendeu as palavras

de Gucky.

— Já fiz voar pelos ares robôs e bios — disse o rato-

castor, recordando suas bravuras. — Mas fazer voar um

crocodilo será uma sensação formidável.

Um segundo a mais e ele já haviam desaparecido.

Com voz mais baixa, disse Deringhouse:

— Os tópsidas ficarão surpresos quando souberem que

possuímos armas, mas não podemos subestimá-los.

Morrem, se for preciso, sem piscar um olho. Só há um

ponto em que são muito sensíveis: são muito supersticiosos.

— Então, Gucky é o “homem” certo, major.

— Exatamente — concordou Deringhouse. — E o

malandro sabe disso. De acordo com o regulamento, devia

estar preso.

— Não há prisão para detê-lo — comentava Marshall

uma coisa que todos sabiam. — Em muitos sentidos, Gucky

é um ser maravilhoso.

Houve uma vibração no ar e surgiram Gucky e Ataka. O

japonês se apertou como pôde. Não dava para ninguém se

mexer. A cela era pequena demais. A ventilação também

estava horrível.

— Isso é uma bodega — disse Gucky, com ironia.

— Não por muito tempo — acentuou Deringhouse. —

Gucky, você consegue abrir o cadeado da porta?

O rato-castor pulou para perto da porta e olhou um

pouco o cadeado. A tarefa já era fácil caso se usasse os

dedos... Mas Gucky dispunha ainda de outros dedos

invisíveis movidos por forças telecinéticas. Estas forças

invisíveis do seu pequeno mas incompreensivelmente

poderoso cérebro penetraram no cadeado, examinando o

mecanismo. Depois, com um pequeno ruído, o cadeado

abriu. Deringhouse avançou e empurrou a porta.

— Ótimo Gucky — disse ele sorrindo para o rato-

castor, e apanhando sua pistola energética. — E agora

vamos deixar os tópsidas um pouco nervosos. Eles já

devem ter muito que fazer para se defenderem dos ataques

dos saltadores.

— Mas é preciso esperar um momento até que

estejamos seguros e em condições de agir — disse

Marshall, prevenindo contra um otimismo exagerado. —

Gucky, você está sentindo algo? Há tópsidas aqui perto de

nós?

— Sim, uma grande multidão, lá atrás da porta.

Estavam num corredor comprido, um pouco sinuoso,

deixando supor que passava em torno de alguma cúpula.

Havia duas portas: uma próxima da outra. Do outro lado da

parede, eram janelas. Atrás havia uma paisagem

maravilhosa de uma natureza virgem, com montes e

florestas. No horizonte, bem afastado, via-se a grande

extensão do mar. O sol poente estava exatamente no ponto

divisório entre a água e o céu.

Deringhouse se deteve bem rente à porta indicada por

Gucky e Marshall.

— É aqui? — perguntou por cautela.

Ao sinal de confirmação dos dois telepatas,

Deringhouse ergueu a arma, postou-se de lado, ativou o

botão de combustão. O delgado fio de energia atingiu os

gonzos da porta, soldando todos com o metal derretido. A

porta não se abriria mais.

— Vão cair direitinho na armadilha — disse Ataka

contente.

— Eu preferia fazê-los voar — disse Gucky. — Deve

ser fantástico quando os crocodilos...

— Esperem — disse Deringhouse, caminhando à frente.

Os outros o seguiam. Gucky era o último da fila, pois

quando não se teleportava, suas pernas curtas não lhe

permitiam acompanhar os passos largos dos demais. Para

tentar abafar seu aborrecimento com isto, começou a

assobiar bem alto, como se não houvesse mais tópsidas na

redondeza.

O corredor terminava numa porta que estava apenas

encostada. Depois dela, não havia mais salas, era a

liberdade. Mas que liberdade era esta?

De qualquer maneira, ainda se encontravam em

território dos sáurios. Deringhouse ajeitou sua pistola e

empurrou a porta. Como o empurrão foi bem forte, quase

que a guarita do tópsida virou. O vigia caiu. Levantou-se,

virou-se para trás, com um grunhido de desaprovação. Mas

a desaprovação se transformou em medo, quando notou a

presença de Deringhouse, Marshall e Ataka, passando para

perplexidade quando deu com a figura esquisita de Gucky.

Gucky não gostou da perplexidade, o que Marshall logo

notou, captando também a péssima impressão que o pobre

guarda teve de Gucky.

— O quê? — chilreou o rato-castor. — Eu... um bicho

horroroso? Você vai ter que voar.

E o tópsida voou. Forças telecinéticas o ergueram do

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chão e o fizeram subir verticalmente. O coitado gritava

desesperado. A Ira de Gucky não durou muito. O pobre

vigia, tendo perdido a arma durante suas acrobacias

forçadas, fugiu em disparada. Gucky ainda teve tempo de

colocá-lo no telhado do grande edifício de cúpulas. Lá de

cima, sentado bem na beira, o sáurio não desgarrava os

olhos dos três homens. Entre estes estava um animal

peludo, semelhante aos ratos gigantes dos canais de Topsid.

— Bicho horroroso... que desaforo! — ia ruminando

Gucky, andando por ali, como se não existisse a palavra

perigo.

Deringhouse reconheceu num galpão ao lado algumas

das viaturas, cujo funcionamento tinha observado com

cuidado. Não seria, pois, difícil utilizar um desses carros

para empreender a fuga. Gucky poderia também teleportar

um por um para a Centauro, mas chamaria muito a atenção

dos tópsidas e era necessário que tudo parecesse normal.

— Ali ao lado estão as viaturas — disse ele para Gucky.

— Vamos pegar uma delas, mas antes temos que causar

alguma confusão aqui.

Isto não foi muito difícil, pois os chefes dos tópsidas

estavam presos e no momento não tinham outra

preocupação a não ser dinamitar a porta que Deringhouse

havia soldado. Marshall atirou duas bombas no edifício e

correu atrás de Deringhouse e Ataka que se dirigiam para as

viaturas.

À forte detonação, seguiram altas labaredas que em

poucos instantes derreteram toda a construção de cúpulas.

De uma entrada lateral surgiram alguns tópsidas que

não estavam feridos e começaram a atirar doidamente com

as pistolas de raios energéticos. Foi a oportunidade que

Gucky aguardava para entrar em ação. Enquanto os três

homens tentavam pôr em movimento uma viatura maior,

Gucky começou sua “brincadeira”, como ele chamava esta

atividade, quando podia usar à vontade seus dons

telecinéticos.

Os sáurios não sabiam mais o que se passava com eles.

O chão lhes sumiu de repente sob os pés e começaram a

flutuar no espaço. Ninguém iria supor que o causador

daquele milagre era aquele animal peludo, embora não

parecesse estranho a Al-Khor. O comandante da base dos

tópsidas levitava sem direção sobre as copas das árvores,

quando reconheceu no rato-castor a misteriosa aparição que

vira por um instante a seu lado na viatura.

A situação era de deixar perplexos todos os tópsidas.

Mas Al-Khor não conhecia o medo. O misterioso prodígio

era de carne e osso e, portanto devia ser vulnerável. Ainda

tinha a pistola de raios energéticos. Apesar da situação em

que se encontrava, apontou-a para aquela figura minúscula

de animal, lá embaixo, entre as ruínas do edifício. Apertou

o gatilho, mas o resultado foi diferente do que Al-Khor

imaginava.

Como levitasse, portanto sem peso algum, o choque de

recuo da arma o jogou com grande velocidade para o

espaço adentro. Gucky, atento à iniciativa malograda do

comandante tópsida, ainda deu mais Impulso ao

contrachoque, obrigou Al-Khor a fazer piruetas no ar e

acabou colocando o corajoso guerreiro na copa de uma

árvore bem alta, cujos galhos estavam a mais de vinte

metros do solo. Ele que desse um jeito de descer dali.

Os outros sáurios ainda estavam dançando no ar,

formando um emaranhado confuso. Ninguém tinha

coragem de atirar, com medo de atingir o colega.

Nesse ínterim a viatura de Deringhouse saiu do galpão.

Uma segunda granada destruiu os carros restantes,

provocando um grande incêndio. Os tópsidas teriam agora

de andar a pé, o que não lhes era agradável.

— Faça-os descer agora, Gucky — disse Marshall

acenando para ele, que sentado se divertia fazendo os

sáurios girarem em volta dos escombros da grande cúpula.

— Já receberam o que mereciam, mas eu ainda não —

disse Gucky, deixando os tópsidas caírem uns dez metros,

para depois detê-los.

— Estou notando isso — disse Marshall um tanto

áspero, dando algumas instruções a Deringhouse.

A viatura veio para a direção de Gucky.

— Tenho que dar uma mãozinha — continuou

Marshall, virando-se um pouco para fora da porta da

viatura. Com mão firme apanhou Gucky pelo pescoço, o

levantou e o trouxe para dentro do carro. — E agora, faça o

que lhe mandei.

Por uns instantes Gucky ficou indeciso, depois, olhando

para cima, viu os tópsidas horrorizados, parados e

desarmados, aguardando o que aquela “força divina” ainda

ia fazer com eles. Deu um grande suspiro de resignação e

acabou obedecendo.

Deu novamente uma ordem a seus pensamentos e os

tópsidas se colocaram em formação de esquadrilha e

voaram a toda velocidade para desaparecerem atrás das

copas das árvores. Gucky ainda ficou olhando por uns

instantes e, suspirando, disse a Marshall:

— Está bom?

— Que aconteceu com eles? Você não pode deixá-los

cair de repente.

— Não caíram não, mestre. Estão sentados em qualquer

lugar nas árvores, fazendo ninhos para seus filhotes, caso

não queiram descer mais, o que também é possível.

O mau humor do rato-castor era evidente:

— Que devo fazer agora?

Marshall respirou mais aliviado. O pior já tinha

passado.

— Vamos libertar McClears que está em piores

condições que nós. Está sozinho com Tifflor.

Gucky se concentrou para ouvir alguma coisa.

— Distância exata 37,6 quilômetros, sudoeste. Devo dar

um pulinho até lá?

— Ainda não e quando chegar a hora você deve levar

Ataka. Pois só ele é capaz de entender a linguagem dos

aquas.

— Aquas?

— Sim, senhor, assim chamamos esses estranhos seres.

A ideia é de Deringhouse. Mas não quero que, nos

combates que possam se realizar, se sacrifiquem vidas

inocentes. Ninguém quer isto.

— Que aconteceu com a Centauro? Deringhouse dirigia

a viatura por um caminho estreito que levava ao litoral.

Operava com seu minitransmissor de pulso, que os tópsidas

não lhe haviam tirado, porque não tiveram tempo.

— Capitão Lamanche deve fazer o que pode — dizia o

Major. — Estamos seguindo para o litoral onde

empreenderemos a libertação de McClears, enquanto a

Centauro neutraliza os raios de atração e se encaminha

também para o litoral. Nós nos encontramos logo. Quero

evitar, de qualquer maneira, que os tópsidas tenham a

impressão de que somos seres sobrenaturais. Sabemos por

demais que os saltadores lutam com armas e meios

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convencionais. Portanto, não devemos fazer nada que possa

levantar suspeita. Isto vale principalmente para você,

Gucky.

— Sou, por acaso, um ser sobrenatural? — perguntou

Gucky.

Deringhouse não respondeu. Colocou-se em contato

com La manche.

— Ouça capitão. Ligue o envoltório de proteção e

destrua, depois de breve aviso, as cúpulas metálicas no

centro das quais a Centauro aterrissou. Ali estão, em minha

opinião, os geradores para os raios de atração. E depois vá

embora. Ponha-se em contato conosco, quando já

estivermos no litoral. Aí, então, lhe darei novas instruções.

— Está tudo claro — foi a resposta tranquila de La

manche, objetivo como sempre. — Eu sinto muito ter

ficado aqui, sem fazer nada, como uma galinha choca em

cima dos ovos. Os mutantes estão ansiosos para

enfrentarem os sáurios.

— Os mutantes têm de ficar, infelizmente, em segundo

plano, pois os tópsidas sabem que Perry Rhodan possui um

corpo de mutantes. No entanto, é necessário que eles, os

tópsidas, fiquem com impressão de que estão lidando com

os saltadores. Está claro?

— Já falei, senhor — foi a resposta seca de La manche.

— Encontramo-nos no litoral.

Deringhouse ficou uns instantes olhando para o receptor

emudecido, depois sorriu, colocando a viatura em

movimento.

Não se podia chamar a estrada de boa, mas pelo menos

indicava a direção. O carro com cobertura transparente

tinha bons amortecedores, mas a conformação dos bancos,

feitos não para o corpo humano, obrigava o motorista a

uma posição incômoda. O terreno ia em leve declive. Após

meia hora, avistaram o litoral. À esquerda ou à direita, não

havia uma clareira na floresta virgem, em cuja vegetação

homem algum jamais penetrara. A estrada entrava um

pouco para a esquerda e se dirigia a um ponto que não

podia estar muito afastado do lugar em que, através de dois

quilômetros de água, se alcançava a tal ilha metálica onde

McClears e Tifflor foram presos.

Mas a estrada atingiu a praia um pouco antes. Aqui,

com a areia, a vegetação da mata virgem não achava mais

alimentação, de maneira que sobrou uma faixa livre. Ao

lado desta faixa, a estrada levava exatamente para o leste.

Deringhouse dirigia o carro sob a ramagem protetora de

uma árvore gigantesca. Desligou o motor. Cessou o ruído e,

por uns instantes, só se ouvia o marulhar das ondas e o

farfalhar da vegetação com o vento suave. A visão da

natureza virgem transmitia paz e calma. O mar se espalhava

numa extensão imensa. Ter-se-ia que navegar quase todo o

planeta para se encontrar terra novamente.

— Gostaria de morar aqui — disse Ataka, quase

sonhando. — Como numa ilha desabitada dos Mares do

Sul.

— As aparências enganam — disse Deringhouse

apontando para o céu.

Todos olharam para aquele ponto. Um objeto voador,

pequeno, passou por cima da construção de vidro e

desapareceu.

— Estão fazendo vôos de patrulha, mas talvez não

saibam o que aconteceu. Se a sorte foi nossa amiga, a

instalação de rádio da estação deve estar destruída —

explicou Deringhouse.

Marshall virou-se para o japonês:

— Você acha que daqui desta distância pode entrar em

contato com os aquas? Em caso negativo, você e Gucky

têm que se teleportar para a prisão de McClears, para não

levantar a menor suspeita. Os tópsidas têm que acreditar

que somos saltadores, sem dons espirituais de nenhum tipo.

— Se a descrição de Tifflor for exata, eles se

comunicam por ondas sonoras. Vou tentar entrar em

contato, naturalmente na água. Portanto vou tomar um

banho agora.

Deixou o uniforme no chão, livrou-se da calça e, como

um turista, entrou pelo mar adentro. Gucky olhava para ele,

visivelmente com inveja:

— Arranjou um bom pretexto para um banho de mar.

Nadar um pouco não me prejudicaria.

— Quem sabe você terá que nadar mais depressa do que

pensa — disse-lhe Deringhouse. — E o pior, por muito

mais tempo do que deseja.

— Com o ruído das ondas, ele não ouve nada — disse

Gucky, para mudar de assunto, quando Ataka transpôs as

primeiras ondas mais fortes para penetrar em água mais

funda. Para isso, teve que andar uns cinquenta metros até

que a água lhe chegasse à altura do peito. A onda o

suspendia e ele abanava a mão para terra, todo feliz.

— Está mesmo convencido de que está de férias! —

exclamou Gucky meio invejoso.

De repente, Ataka desapareceu. Mergulhou quase um

minuto. Depois, seu rosto sorridente apareceu fora d’água.

Gesticulou excitado com as duas mãos.

— Ouviu os aquas — disse Marshall, transmitindo a

mensagem telepática de Ataka. — Mas não está entendendo

nada, quem sabe está recebendo um grande número de

impulsos simultâneos que geram uma confusão. De

qualquer maneira já sabemos que eles se comunicam.

— Quem sabe, os aquas são também telepatas? —

indagou Gucky.

— Pouco provável — respondeu Marshall. — Mas

dentro em breve, saberemos isto.

Ataka continuava acenando. Quando o japonês voltou

de outro mergulho, Marshall disse entusiasmado:

— Está sentindo impulsos mais fortes. Já o perceberam

lá embaixo.

Todos ficaram olhando. A uns duzentos metros da praia,

listras de espuma sulcavam a superfície da água. Quatro ou

cinco listras rodeavam Ataka, que parecia estar boiando. As

ondas às vezes lhe chegavam até o pescoço, outras somente

até a cintura. As cinco listras prateadas o cercavam e a

espuma havia desaparecido. Diante de Ataka surgiu então

um corpo comprido, semelhante ao de uma foca, pôs-se em

posição vertical e começou a gesticular com um braço em

forma de nadadeira. Podia-se ver nitidamente a boca oval.

— Aquas! — disse Marshall. — Exatamente como

Tifflor descreveu. Depende agora se Ataka pode

compreendê-los.

Hesitou um pouco, depois confirmou:

— Foi feito o contato, mas... Gucky, dê um pulo na

Centauro e traga-me André Noir.

— Noir? — perguntou Deringhouse. — Que vamos

fazer com um hipno? Será que pretendemos hipnotizar os

aquas?

— Não, mas com o auxílio dele, poderemos nos fazer

compreender. Os homens-peixes não são telepatas e

ninguém entende a linguagem deles. Noir poderá sugerir a

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esses seres nossas intenções.

— Está certo — concordou Deringhouse. — Mas,

cuidado, Gucky. Não se esqueça de que La manche já... —

e parou por aí.

O rato-castor já tinha sumido. Suas pecadas na areia de

repente sumiram. Deringhouse estava furioso.

— Ele nem espera que eu termine minha ordem.

— Realmente não é necessário esperar, se ele pode ler

os pensamentos — disse Marshall. — Além disso, não

temos tempo a perder.

Ataka, nesse ínterim, conversava com os cinco homens-

peixes, mas aparentemente sem resultado. Apontava sempre

para a praia e devagar foi se encaminhando para lá.

Hesitando um pouco, eles o seguiam.

Deringhouse e Marshall olhavam estupefatos. Quando o

japonês atingiu a praia e se virou para trás, os cinco aquas

também pararam. A água lhes chegava até a metade do

corpo. Este brilhava com as escamas prateadas recebendo

os raios do sol da última parte da tarde. Deringhouse

gostaria de saber se possuíam pés.

Ataka acenou para seus novos amigos. Caminharam

mais para frente, desajeitados e vagarosos, até a praia.

Os aquas não possuíam pernas, mas uma possante cauda

para nadar, parar e mudar de direção.

Marshall ficou na escuta. De repente murmurou:

— Seus impulsos mentais são bem fortes. Consigo

receber seus fluxos. Baixo, mas perceptível. Ah! Se Noir já

estivesse aqui. Gostaria de saber por que Gucky demora

tanto.

Ataka na praia apontava mais para cima, onde estavam

Deringhouse e Marshall. Os aquas volveram os olhos

brilhantes na direção dos dois homens, que lhes deviam

parecer completamente estranhos.

— Os aquas podem aguentar duas ou três horas fora da

água — disse Marshall. — São pacíficos, mas não sabem

como chegamos ao seu mundo. Acham que somos seus

aliados e não vão muito com os tópsidas. Já é tempo de nós

lhes dizermos a verdade.

Neste exato momento, Gucky se materializou, trazendo

André Noir.

— Conseguimos sair, antes que La manche partisse. Ele

deu um susto nos tópsidas e aniquilou toda a instalação de

tração magnética — disse o rato-castor.

Deringhouse suspirou contente.

— De novo uma expressão de Bell, se não me engano.

Pois bem, Noir, mostre juntamente com Marshall, que está

fazendo o papel de anfitrião, um congraçamento com os

aquas.

E assim foi feito.

Marshall recebia os impulsos mentais e os traduzia.

André Noir lia o pensamento dos homens-peixes como

uma espécie de quadro mental, que era entendido

facilmente. Era um pouco demorado, mas sempre com

resultado positivo.

— Vocês são estranhos neste mundo?

— Sim, viemos das estrelas, onde está nossa pátria.

— E por que vieram?

Deringhouse que ouvia e dirigia a conversa, mandou

dizer:

— Para avisar vocês e para ajudá-los. Mas permitam

uma pergunta: Os sáurios são seus amigos? Deram

permissão a eles para viver num lugar que pertence a

vocês?

A resposta veio imediatamente:

— Não, não pediram licença. Vieram há muitos dias e

muitas noites e construíram suas casas. Como é que nos

poderiam pedir licença, não nos entendem, nem nós a eles.

— Vocês gostariam que fossem embora daqui?

— Claro que gostaríamos. Mas como podemos expulsá-

los, se não temos armas?

— Podemos ajudar vocês?

Houve então uma pausa e depois a resposta demonstrou

que os aquas eram inteligentes, mas também desconfiados.

— E o que devemos lhes dar em retribuição?

Deringhouse deu uma risada.

— Somente uma coisa: sua amizade. Vamos comerciar

com vocês, trocar mercadorias e construir uma pequena

base para que os sáurios não voltem mais.

— Os sáurios nunca comerciaram conosco. Pois bem,

estamos de acordo. Vamos avisar nossos chefes.

— Mais uma coisa — Deringhouse se lembrou do mais

importante. — Os sáurios prenderam dois dos nossos

homens, queremos libertá-los, mas sem o auxílio de vocês

será difícil. Querem nos ajudar?

— Vimos os prisioneiros, estão no castelo de água dos

sáurios. Vocês podem viver debaixo d’água?

— Não, precisamos de ar para respirar. Debaixo d’água

nós morremos.

— Ar? — veio o impulso de pensamentos e depois: Está

bem. Vamos cuidar disso. Esperem-nos amanhã cedo neste

mesmo local. Quem sabe arranjamos uma solução.

— Quando nossa grande espaçonave chegar, teremos

também uma solução — respondeu Deringhouse. — Está

bem, nos encontraremos amanhã, quando o sol raiar, neste

local. Esperamos por vocês.

— Haveremos de estar aqui — prometeram os aquas,

acenando mais uma vez para os homens, olhando curiosos

por uns instantes a figura do rato-castor. Depois

desapareceram.

Por algum tempo, ainda se podia ver o reflexo prateado

à flor d’água. Quando os homens-peixes mergulharam

definitivamente para o fundo do mar, o brilho sumiu.

Gucky os estava acompanhando:

— Que vida boa que eles levam, nunca sentem sede!

Deringhouse olhou para o horizonte. Grande e

avermelhado, o sol Beta se preparava para desaparecer atrás

das ondas do mar. O céu tinha uma coloração rosa, verde e

roxo. O firmamento se abria como uma cortina de fogo,

num espetáculo completamente diferente do pôr do sol na

Terra.

— Amanhã — disse Deringhouse — amanhã saberemos

mais.

— Ficaremos aqui? — queria saber Marshall.

— Sim, dormiremos no carro.

— Não é necessário — disse o telepata sacudindo a

cabeça. Eu vou com o Gucky buscar a Gazela de McClears.

Temos tempo, à noite toda.

Deringhouse concordou.

— Então, eu e Ataka vamos tomar um banho com

calma, até que vocês voltem. Você também, Noir?

Gucky lançou um olhar desesperado para Marshall, mas

quando este sacudiu a cabeça com seriedade, Gucky

avançou para o telepata e o abraçou, desaparecendo com

ele.

A vida de oito homens estava em jogo.

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5

Antes que ficasse mais escuro, a Gazela aterrissou com

Marshall e Gucky a bordo, bem perto da viatura camuflada.

A ação se deu no momento exato, pois, após a destruição

do primeiro ponto de apoio e da terrificante investida da

Centauro, que transformou todo o planalto em lava

incandescente, os tópsidas deram o alarme geral. Suas

belonaves surgiram de todos os cantos do “mundo d`água”

e se reuniram num ponto a oitenta quilômetros da ilha

metálica.

Logo se deu o ataque à Gazela, que foi naturalmente

repelido. Antes que se iniciasse o segundo, mais pesado,

apareceram Gucky e Marshall. O pequeno aparelho partiu e

desapareceu na penumbra. Como voasse a baixa altitude,

seus perseguidores não o conseguiram localizar no radar.

Deringhouse mandou camuflar o pequeno aparelho

numa clareira da floresta, de sorte que ninguém o

percebesse. Um breve rádio para a Terra era suficiente para

dar a localização exata. Já era noite, Deringhouse fez uma

ligação para a Centauro.

— Alô, Lamanche! Onde é que você está?

— Em órbita, senhor, esperando pela ordem de atacar.

— Não vai ser tão breve. Fique por aí e mantenha

contato com a Terra. Proteja-se dos ataques dos tópsidas,

mas fique onde está. Ainda temos de liquidar uns assuntos

aqui embaixo.

— Entendido, senhor; se precisar de algum auxílio...

— Não se preocupe, Lamanche. Estamos com Gucky

aqui. Fim.

Desligou o aparelho e desceu da Gazela pulando na

areia macia, quase pisando na cauda de Gucky.

O rato-castor estava sentado, calmo. Contemplava o céu

escuro e as primeiras estrelas que cintilavam, formando

constelações diferentes e curiosas, como jamais se poderia

observar da Terra.

— Ora essa, que está fazendo aí? Eu pensava que você

estivesse tomando banho de mar...

O rato-castor deixou aparecer o dente roedor.

— Vou fazê-lo agora. Acho que posso deixá-lo sozinho

por uma meia hora.

— Que é isso? Você está falando como se nós não

agüentássemos sem você...

Gucky foi caminhando para o mar, deixando na areia

um rastro diferente. Depois de uns dez metros, parou, olhou

para trás e chilreou:

— Como seria se vocês não tivessem Gucky... Estou

convencido de que vou receber as duas arrobas de cenoura,

não são?

Falou e desapareceu com um salto corajoso na onda em

rebentação.

Deringhouse sacudiu a cabeça com ar de desaprovação.

Estava suspeitando que Gucky quisesse captar alguma

coisa.

* * *

Vermelho como sangue, o sol se erguia atrás da floresta

virgem e recebia o novo dia com cores festivas.

Marshall que teve o último período de vigília estava

bem próximo da água, olhando para o horizonte longínquo.

Já estava esperando pelas já conhecidas listras prateadas

que anunciavam a chegada dos aquas.

A noite foi calma. A estação de rádio da Gazela, onde

todos haviam dormido, ficou sempre de prontidão, porém,

não houve novidade alguma. Houve, sim, grande

intensidade de rádios entre as várias estações e naves dos

tópsidas, mas a grande maioria cifrados. É verdade que o

cérebro eletrônico conseguira decifrar o código depois de

algum tempo. Mas não adiantou muito, o assunto era

apenas a tomada de várias posições pelos tópsidas.

Marshall captou os primeiros impulsos de pensamento

dos homens-peixes, ainda bem fracos, quando ainda não

eram vistos. Aí é que começou a ver no horizonte as listras

prateadas, ainda bem longe. Aproximavam-se com uma

velocidade quase incrível, nadando em grupo, pois a

formação produzia um enorme sulco que se dirigia no

sentido exato da praia. Podia-se calcular: aproximavam-se

uns cinquenta aquas. A uns vinte metros da areia da praia

cessaram as listras prateadas. O chefe da turma emergiu e

chegou com dificuldade até Marshall. Os outros ficaram na

água. Só as cabeças emergiam. Olhos curiosos

contemplavam os homens.

— Viemos, como havíamos prometido — foi o

pensamento dos homens-peixes. — Mas não conseguimos

nenhuma maneira de fazer com que alguém de vocês

consiga viver dentro d’água.

Marshall já estava chamando Gucky há vinte segundos

e ficou aliviado quando, por fim, teve uma resposta:

— Estou dormindo ainda — eram os sinais de Gucky.

— Que há de novo?

— Mande André Noir, mas depressa! Os aquas estão

aqui.

Nenhuma resposta, mas, poucos segundos depois,

Gucky se materializava bem ao lado de Marshall, que sem

querer se assustou. André Noir descia da Gazela e veio

correndo.

A comunicação com os homens-peixes estava garantida.

— É inútil perder tempo com tais pensamentos, pois

podemos agora permanecer muito tempo sob a água —

dizia Marshall. — Existem uniformes especiais com os

quais se pode viver no espaço, e o espaço é mais perigoso

do que o mar.

— Então vocês podem vir conosco?

— Se vocês forem bem fortes para nos puxar, pois não

nadamos tão bem como vocês.

— Quando?

— Esperem-nos só um pouco, temos que fazer uns

preparativos.

Meia hora mais tarde, os peixes daquele mar raso, no

litoral do único continente do planeta quatro, assistiram a

um espetáculo tão estranho, que nunca mais esqueceram.

Com uniformes espaciais fechados, Marshall e Noir

estavam montados, cada um, no dorso escamoso de um

aqua e se deixavam levar através do verde escuro do mundo

submarino. Uma terceira figura, um pouco menor, estava

no lombo de um terceiro aqua, era Gucky. Uma vanguarda

de uns vinte homens-peixes nadava à frente. O restante

formava a retaguarda da frota.

O mais divertido de todos era, sem dúvida, Gucky. Seu

uniforme especial parecia até fundido com o corpo. A

grande viseira do capacete lhe permitia olhar para todos os

lados e já que o mar não era muito fundo, o rato-castor

viveu pela primeira vez na vida os encantos do mundo

submarino. As pequenas ondulações de areia no fundo,

cobertas de plantas marinhas, pareciam um jardim

gigantesco. Além disso, a infinidade de pequenos peixes

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que vinham de todos os lados. À esquerda e à direita a

visão era limitada. Em cima havia um clarão de lanterna

alaranjada, vindo do sol.

A velocidade era espantosa. Os dois homens

perceberam que os aquas eram verdadeiros foguetes vivos

de propulsão traseira. Aspiravam a água pela boca, num

fluxo contínuo, comprimiam-na no meio do corpo através

de um órgão especial e depois expeliam o forte jato através

de uma válvula traseira, bem abaixo da cauda. A

compressão devia ser muito grande, pois Marshall estava

convencido de que os aquas, em atenção a seus visitantes,

não usavam nem a metade da força que tinham.

Bem acima da estratosfera, moviam-se os dois grandes

cruzadores em suas órbitas. As instalações de rádio estavam

na escuta. Todos se encontravam de prontidão.

Também Deringhouse estava esperando na Gazela,

escondida ainda sob a ramagem densa das árvores enormes.

Achava-se preparada para entrar em ação a qualquer

momento. Bastava que Marshall apertasse o botão

vermelho do seu minitransmissor de pulso. O som já servia

de meio de localização.

Sentados nas prisões de vidro, sem saberem se seus

apelos de socorro chegavam a algum lugar, McClears e

Tifflor também esperavam.

* * *

Depois de grandes esforços, Al-Khor conseguiu sentir

chão firme debaixo dos pés. Escorregou pelo tronco liso da

árvore, esfolando muito a pele e nos últimos cinco metros

caiu diretamente. Foi por isso que destroncou a pesada

cauda coberta de escamas, que lhe doía tremendamente.

Praguejando e mancando de uma perna, foi abrindo

caminho pela vegetação baixa da floresta. Depois de muito

procurar, achou sua pistola de raios energéticos e chegou

afinal à beira da clareira, onde, há pouco, ainda existia a

estação. As granadas de mão dos “saltadores” tinham feito

estrago total. A cúpula estava em ruínas, as viaturas

destruídas e o pessoal: morto ou ferido ou debandado.

Debandado pelo ar.

É claro que a imaginação de Al-Khor trabalhava.

Chegou a uma conclusão, mais ou menos lógica, de que os

“saltadores” haviam aperfeiçoado um aparelho, com o qual

podiam a qualquer momento interromper a lei da gravidade

e fazer então com que os objetos pudessem flutuar à

vontade. Não havia outra explicação para o fenômeno que

ele próprio sentiu na pele: fora um fato sobrenatural.

Andando pelos escombros, encontrou uma viatura mais

ou menos em condições, cujo aparelhamento de rádio ainda

funcionava. Chamou a central das Tropas de Ocupação. Ela

respondeu imediatamente.

— Aqui fala Al-Khor, do Comando Seccional da Costa

Sul. Os “saltadores” presos fugiram e destruíram nossa

estação. Peço socorro imediato. Mandem-me uma nave.

A resposta não foi muito alentadora:

— Estamos em alarme de urgência, Al-Khor, e não

podemos prescindir de nenhuma nave. Procure abrir

caminho no HQ. Perdura o perigo de que os saltadores

consigam mais reforços e nos ataquem.

— A quem você está dizendo isto? — disse Al-Khor

indignado. — Afinal, fui eu quem lhe chamou a atenção

para este fato e...

— Esperamos você no quartel-general.

Ouviu-se o ruído final. Al-Khor praguejando, destruiu o

aparelho com um único soco de sua mão, por assim dizer,

blindada.

— ...eles é que vejam como liquidar os saltadores.

Não tinha pressa alguma. Procurou na viatura alguma

coisa para comer e acabou fazendo sua refeição. Já estava

bem escuro, portanto tinha que preparar um abrigo para

dormir.

Quando rompeu a madrugada, acordou gelado e ficou

contente quando apareceram os primeiros raios do sol para

aquecê-lo. Depois de uma boa refeição matinal, ligou o

carro e começou a rolar por entre as ruínas em direção ao

caminho estreito que levava para o litoral e para o quartel-

general.

Estava com remorsos. Sem suspeitar de nada, passou

bem perto do esconderijo da Gazela, tomou a direção do

leste. Aproximou-se da ilha de aço, antes do litoral, onde o

Estado-Maior dos Tópsidas estava reunido em conselho de

guerra. Um barco levou Al-Khor aos seus colegas que o

receberam admirados, mas com muita reserva. Tinha-se a

impressão de que ele era culpado da evasão dos prisioneiros

e, portanto, era acusado de favorecer o inimigo.

Sem dar atenção à sua chegada, o conselho de guerra

prosseguiu.

— Estaríamos, portanto, unânimes — afirmou Wor-

Lök, comandante-supremo e superior de Al-Khor — em

tentar nos defendermos sozinhos, sem auxílio, de ninguém,

do iminente ataque dos saltadores.

— Isto é pura loucura — disse Al-Khor bem alto, antes

mesmo de tomar seu lugar. — Não podemos cometer erro

maior do que este.

Wor-Lök estremeceu todo e fechou a cara. Exatamente

quem havia fracassado miseravelmente é que se atrevia a

contradizê-lo? Se o ditador de Topsid soubesse disso, Al-

Khor estaria perdido. A sombra da desgraça cairia também

na cabeça do comandante-supremo do “mundo d’água”.

— Então, quer dizer que estou cometendo um erro? —

disse Wor-Lök com cara sinistra. — Talvez o senhor terá a

bondade de nos explicar melhor e dar suas razões.

Al-Khor respirou profundamente:

— Não lhes basta o simples fato de dois destes

saltadores terem mandado pelos ares toda a nossa estação,

depois de haverem fugido da cela fortemente trancada e

vigiada? Não pôde haver reação contra eles, pois possuem

um aparelho com que neutralizam a força da gravidade.

Suponho, além disso, que vão atacar o “mundo d’água”

com uma frota bélica jamais vista, aniquilando-nos nos

primeiros instantes, se formos tão orgulhosos de não

pedirmos auxílio de Topsid.

Houve agitação entre os tópsidas. As palavras de Al-

Khor pareciam conter muita coisa séria. Mas Wor-Lök não

se deixou levar:

— Quem é que lhe garante que haverá um ataque contra

nós?

— Ora, Wor-Lök, o senhor sabe, tão bem como eu, que

corremos perigo. E seu orgulho não nos deixa pedir auxílio.

O senhor quer se transformar em herói. Mas eu e a maioria

de meus colegas preferimos viver.

Um longo aplauso deu-lhe razão. Wor-Lök olhou em

volta, mas só viu caras fechadas para ele. Mesmo assim

perguntou:

— Os senhores são, portanto de opinião de que

devemos expor ao ditador toda a nossa fraqueza?

— Perfeitamente, porque esta fraqueza não é nossa

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culpa. Estamos prestando ainda um favor ao império —

respondeu Al-Khor.

Realmente, não estavam prestando favor nenhum. Mas

Al-Khor não podia saber disso. Ninguém o sabia, nem

mesmo Rhodan.

— Prestando um favor?

Wor-Lök se levantou, olhou para a porta, onde estavam

postados dois guardas com os raios energéticos de mão.

— Sou de opinião contrária e acho que o senhor

fracassou. Agora quer arranjar um pretexto. Isto é

insubordinação e eu vou chamá-lo à responsabilidade.

Guardas, Al-Khor está preso. Levai-o para a prisão

submarina. Al-Khor, deponha as armas.

Por um segundo, Al-Khor parecia petrificado. Depois

veio vida para seu corpo. Mais do que depressa sacou da

arma e dirigiu-a contra o comandante-geral.

— Eu estou preso? E devo depor a arma? Isto é

completamente contra o bom senso. Estamos numa época

em que devemos nos unir se não quisermos desaparecer.

Wor-Lök confiava na sua autoridade em decidir sobre a

vida e a morte.

— Minha decisão não volta atrás. Guardas prendam Al-

Khor. A partir deste momento, ele está rebaixado de todas

as honras militares.

Al-Khor não podia mais hesitar. Com um único tiro

certeiro, prostrou seu adversário, que caiu como fulminado

por um raio. Depois, virou-se para os guardas, ordenando

que voltassem a seus lugares. No seu íntimo, havia um

vulcão de emoções, mas externamente estava sereno.

— Tópsidas, estamos agora sem chefe, mas é necessário

tomarmos decisões rápidas. Continuo com minha proposta

de nos colocarmos imediatamente em contato com Topsid e

expor ao ditador o que está se passando e o que vai

acontecer, se não recebermos reforço imediato. Está

iminente uma invasão dos saltadores. Eles julgam existir

neste planeta uma base de um adversário e pretendem

destruir o terceiro e o quarto planetas. Nós, porém,

queremos colonizar o “mundo d’água” e mais tarde

também o planeta das selvas, temos, portanto, o direito de

prioridade.

“Ainda não notamos nada de um inimigo neste sistema,

fora dos próprios saltadores. Peço, portanto, o

consentimento do conselho para que possa me comunicar

com Topsid.”

A pesada pistola ainda estava firme em sua mão, mas o

cano apontando para o chão. Talvez fosse a visão da

poderosa arma e o reconhecimento de que Al-Khor não

tinha compromissos com ninguém, como tinha comprovado

há pouco, que levou todos os presentes a concordarem

unanimemente. Um deles se levantou e disse:

— Estamos sem comando supremo. Proponho, pois, que

a partir deste momento, Al-Khor tome o cargo de Wor-Lök.

Outra vez, nenhuma voz discordante.

Al-Khor era assim o novo comandante do “mundo

d’água”. E começou a agir imediatamente. Virou-se para

um oficial:

— Providencie que o hipertransmissor faça logo contato

com Topsid. Estarei em poucos instantes na Central de

Rádio e falarei diretamente com o ditador. E os senhores —

olhou para os demais — dirijam-se imediatamente para

suas bases ou naves e aguardem ordens posteriores. O

“planeta das águas” está em estado de sítio. Alguém no

fundo perguntou:

— Que acontecerá com os prisioneiros que se

encontram na cela submarina?

Al-Khor sacudiu a cabeça:

— Ainda bem que você me lembrou. Temos que torná-

los incapazes de reagir, antes que fujam também.

— Talvez nos possam dar mais detalhes sobre a invasão

iminente...

— Não, não temos mais tempo. Além disso, já disseram

tudo que queríamos saber. São muito perigosos para

continuarem vivos. Providenciem execução sumária.

O tópsida do fundo concordou, mas ficou sentado, para

esperar o fim da conferência.

E exatamente isto não se deu.

* * *

Tifflor pensava constantemente naquilo que queria

transmitir a John Marshall. Não podia fazer mais do que

isto. Tinha, porém, esperança de que Marshall captasse seus

pensamentos.

McClears, sentado no canto, no chão de vidro, olhava

pensativo para o fundo do mar, tão próximo, que agora com

a luz do dia ele podia ver tão bem. Os estranhos peixes

haviam desaparecido imediatamente, quando foram

chamados. A fraca esperança do major estava acabando.

Não podiam mais esperar ajuda dos peixes inteligentes. De

quem então? Deringhouse e os mutantes estariam

certamente a caminho para libertá-los.

O principal era que os tópsidas acreditavam na invasão

dos saltadores, a qualquer momento, tomando todas as

providências para a defesa.

Valia a pena fazer um sacrifício para isto. Porém, não o

sacrifício da própria vida, assim pensava sinceramente

McClears. Era um homem honesto, amigo de Rhodan, mas

não um suicida. Somente os loucos é que são suicidas e

heróis que se autodestroem.

— Não dá para ver mais nada, Tifflor? Desde ontem à

tarde que eles não aparecem mais. Será que não se

interessam mais por nós?

— Não sabemos major, quais suas relações com os

tópsidas. Talvez receberam ordens de não aparecer mais

aqui.

— Para que, então, nos prenderam numa cabina de

vidro dentro do mar? Só para que os homens-peixes nos

ficassem contemplando?

— Não sabemos nada certo — dizia Tifflor. — O

melhor a fazer é esperar o que vai acontecer.

Era mais fácil falar do que praticar. Estavam parados ali

desde ontem. Não se ouviu mais nada depois disso,

ninguém pensara em trazer alguma coisa para comer ou

beber. Por muita sorte, McClears ainda achou no bolso uns

tabletes que ajudavam um pouco contra a fome e a sede

aguda.

Ouviram passos, de repente. Sentiram uma vibração e se

levantaram. Achavam que era melhor receber os sáurios de

pé. Quem sabe também era um aviso de subconsciente, que

os levou a isto.

Souberam no mesmo instante em que dois tópsidas

abriram a porta e penetraram na cela de vidro, o que lhes ia

acontecer. As armas apontadas contra eles e os olhares com

sinistra determinação traíam nitidamente suas intenções.

— Vão nos matar — sussurrou Tifflor, se concentrando

para pensar. — Socorro! Marshall, Gucky. Não temos mais

muito tempo. Posição: ilha de metal, diante do litoral, vinte

Page 95: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência" - Volume X - A Morte da Terra. P- 46-49.

95

metros de profundidade. Obrigam-nos a deixar a cela.

Depressa.

Lá fora no corredor, estava claro. Do teto e das paredes,

penetrava luz muito clara, que ofuscava os homens. Os

tópsidas empurravam os prisioneiros para frente com os

canos das armas. Com os lábios bem apertados, McClears e

Tifflor caminhavam para um destino desconhecido.

O corredor fez uma grande curva e terminou numa porta

metálica. Uma roda dava a entender que se tratava de uma

comporta, de ar ou de água?

Um dos guardas girou a roda, a porta gingou devagar

para fora deixando ver um aposento vazio pela frente.

— Podem ir — disse o tópsida em intercosmo — bom

proveito!

McClears ficou parado. Tifflor continuou andando,

repetindo sem interrupção seus gritos mentais de socorro.

Descrevia a situação e esperava que os amigos não

demorassem muito em aparecer. Estava realmente na hora.

McClears não se movia. Cada segundo era precioso.

— Que está acontecendo conosco? — perguntou ele.

O focinho de lagarto se retorceu num sorriso sarcástico:

— Al-Khor, o novo comandante-geral, os condenou à

morte. Vocês não vão sofrer muito. A gente afoga

facilmente.

— Por que devemos morrer? Não dissemos tudo que era

importante para vocês?

— Não fomos nós que demos a sentença — explicou o

tópsida. — Mas eu acho que é justa, vocês causaram muito

estrago. Uma estação foi pelos ares, os outros prisioneiros

fugiram, um grande número de tópsidas foi assassinado.

Vocês merecem a morte. E agora, vamos.

McClears não desistiu.

— Será que nós temos que ser responsáveis pelos atos

dos outros saltadores? Não fomos nós quem ordenou a

invasão.

— Chega de falação, saltador. Vamos. Apontou a arma

para o major. McClears percebeu que não havia mais um

segundo. Virou-se e encaminhou-se para o local em que

Tifflor já o esperava.

— Se quiserem deixar a água entrar aqui — disse ele

baixinho, enquanto a porta pesada se fechava — terão que

abrir a comporta externa. Aí, nós mergulhamos.

— Tenho receio de que haverão de ficar esperando até

que tenhamos nos afogado. Não são tão ingênuos assim,

para não preverem esta hipótese. Podemos apenas prender a

respiração, nada mais. E naturalmente, esperar.

McClears nada respondeu.

Pelo lado do mar, surgiu no chão uma fenda estreita de

onde começou a entrar água na comporta. A fenda foi

aumentando depressa. Já atingia o peito deles.

— A fenda — disse Tifflor, assustado. — Se aumentar

um pouco mais, podemos passar por ela.

Mas a porta vertical estava parada e o nível da água

subia constantemente, atingindo já o pescoço.

— Respirar profundamente — disse McClears —

prender a respiração e procurar chegar até embaixo.

Felicidades, Tifflor, talvez nós tenhamos sorte.

Num borbulho repentino, o mar invadiu a comporta.

Cobriu tudo em fração de segundo. Os dois prisioneiros

seguravam o ar e foram para o fundo. Eles sentiram a

pressão da água, os ouvidos começaram a zumbir e a falta

de oxigênio lhes tolhia os movimentos. McClears tocou

com os dedos a margem superior da fenda, até que deu com

alguma coisa que se movia. Não fosse a água que o

envolvia, teria dado um grito. Mas um pouco do ar

acumulado no pulmão escapou, subindo em bolhas. Mais

um segundo e estaria tudo acabado.

* * *

Os aquas da vanguarda diminuíram a velocidade e

formaram de novo uma espécie de frota bem agrupada.

— Que está acontecendo? — perguntou André Noir,

através de uma imagem mental. Marshall e Gucky

receberam prontamente a resposta:

— A fortaleza d’água dos estranhos. Estamos chegando.

Têm portas especiais que levam daqui lá para dentro.

No mesmo segundo, chegaram os pedidos de socorro de

Tifflor. Gucky se orientou e transmitiu telepaticamente para

Marshall:

— A menos de dez metros de nós. Devo saltar?

— Não, espere. Quem sabe podemos ajudar, sem que os

tópsidas percebam.

Na frente deles, cintilavam, na eterna penumbra do mar,

as paredes da ilha artificial. Apoiavam-se em pilastras

redondas e terminavam a uns vinte metros do nível da água.

Uma fila de muitas fendas indicava a presença das

comportas. Dali em diante, os aquas penetrariam no

domínio dos tópsidas.

— Estão sendo procurados. Marshall fez um sinal com

seu capacete.

Era uma sensação esquisita cavalgar no lombo de um

peixe esguio.

— Orientação, Gucky.

O rato-castor, que em outras circunstâncias estaria se

divertindo muito, conduziu seu animal de sela para perto da

parede escura da ilha de metal. Parou diante de uma

comporta.

— Estão aqui, Tifflor já está na câmera.

Marshall já sabia disso há tempo. Sabia mais:

— Lá em cima, na plataforma, estão dois guardas

armados para o caso de McClears ou Tifflor emergirem...

Noir era um sugestor, naturalmente também um telepata

fraco. Podia compreender bem os impulsos de Marshall e

de Gucky e estava sendo bem informado, transmitindo logo

as instruções aos aquas. Os homens-peixes, sem peso nas

costas, começaram a fazer suas piruetas, como era de

costume. Atiravam-se como setas, de um canto para o

outro, revolvendo toda a superfície do mar, pulando metros

para cima no ar ensolarado e caindo com estrépito em seu

elemento natural.

Os tópsidas abaixaram as armas. Era um espetáculo com

que já estavam acostumados.

— Agora a água está penetrando — pensava Tifflor

para Gucky.

Depois de alguns instantes o rato-castor transmitiu:

— A fenda é estreita demais para McClears e Tifflor

passarem.

Marshall respondeu:

— Gucky, abrir.

O rato-castor se aproximou mais da parede e se

concentrou. Lentamente a parte inferior da comporta foi se

levantando. É claro que a água penetrou imediatamente na

câmera de trás, mas a fenda estava agora bem maior, dando

passagem fácil para os dois homens. Provavelmente

haveriam de compreender o que estava acontecendo. E

compreenderam mesmo.

Page 96: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência" - Volume X - A Morte da Terra. P- 46-49.

96

Gucky fez seu aqua abaixar um pouco mais e meteu a

mão na fenda. Sentiu logo um braço que apalpava e o

puxou para fora. Era McClears. O major tinha os olhos

meio abertos mas parecia não ver nada. Uma grande bolha

de ar saiu de sua boca e subiu rápida para a superfície.

— Depressa, Marshall! Ele pode aguentar ainda dez

segundos. Leve-o bem para frente e depois para cima.

Marshall pegou McClears que não reagia, nem percebia

o que estava acontecendo. Noir retransmitiu a ordem aos

aquas. Marshall teve dificuldade em segurar o corpo de

McClears, de tão forte que era a velocidade com que os

aquas disparavam através do mar.

Gucky não hesitou mais um segundo. Atravessou a

estreita fenda, penetrando na comporta e viu imediatamente

o pobre Tifflor que tinha desistido de fugir e já estava

boiando de encontro ao teto, onde não havia mais um

centímetro cúbico de ar. Gucky deu um pulo e pegou o pé

de Tifflor. O peso do uniforme o fez descer um pouco. O

mais rápido possível, comprimiu Tifflor contra a fenda,

saindo para o mar, onde o aqua que servia a Gucky já

estava esperando. O homem-peixe pegou o corpo do

tenente e saiu em disparada, sem se preocupar com Gucky.

Este, depois de hesitar um pouco, retornou para dentro da

comporta.

Os dois tópsidas que haviam enclausurado McClears e

Tifflor no pequeno dique, ainda estavam diante da porta,

conversando. Depois de dez minutos, a comporta externa

devia ser fechada e esvaziada. Portanto ainda sobrava

tempo. Não perceberam que a roda de regulagem estava

girando, por mãos invisíveis. De repente a porta abriu.

Entrou uma golfada enorme de água que, envolvendo os

dois guardas distraídos, os arrastou.

Gucky abriu também a porta externa, de forma que, em

poucos instantes, toda a parte inferior da estação estava

submersa. Os sáurios que ali se encontravam morreram

afogados. Alguns, que conseguiram escapar, levaram a

trágica notícia para os oficiais que estavam reunidos no

andar superior em importante conselho de guerra.

A água subiu até a altura da plataforma e assim a ilha

metálica não podia mais servir de base de operação.

Gucky passou de novo pela fenda, atingiu o mar, e

tentou sair dali o mais rápido possível, pois o local, em

volta da ilha, se tornava agora perigoso.

Gucky captou os impulsos de Marshall, que estava a

duzentos metros e já havia alcançado a superfície com

McClears. Os tópsidas na plataforma estavam agora

demasiadamente ocupados para se preocuparem com coisas

que estavam acontecendo no mar. A ilha não iria,

propriamente, cair, mas três quartos dela estavam

inundados.

Gucky poderia se utilizar de seus dons telecinéticos,

mas estava adorando nadar debaixo d’água. McClears e

Tifflor já estavam fora de perigo, como lhe dizia

nitidamente a mensagem telepática de Marshall. Os aquas

estavam fazendo tudo para que os dois resgatados do

castelo de vidro saíssem o mais depressa possível da zona

perigosa.

O rato-castor se divertia mergulhando bem fundo, junto

das plantas marinhas. Deu de cara com um enorme peixe

que ao vê-lo disparou assustado.

E assim foi que ele chegou duas horas mais tarde que os

outros para o lugar onde estava a Gazela. Havia tomado o

seu muito desejado banho de mar, mas não se havia

molhado.

6

Perry Rhodan estava conversando com Crest e Thora

sobre a possibilidade de uma colonização interestelar,

quando um zunido muito agudo se fez ouvir. Assustou-se

um pouco, apertou depois o botão de seu aparelho receptor

de pulso.

— Aqui fala Rhodan. O que há?

— Mensagem urgente do sistema Beta senhor. Quer que

eu a receba?

— Comunique-se com Reginald Bell e espere. Vou

atender.

Crest e Thora viram-no sair correndo do local, antes que

lhe pudessem fazer uma pergunta. Levantaram-se para

acompanhá-lo, pois estavam muito interessados em saber o

que acontecera a 272 anos-luz da Terra.

O elevador levou Rhodan em cinco minutos à central de

radiocomunicação. O operador-chefe Eilman fez posição de

sentido e anunciou:

— Major Deringhouse, Centauro, sistema Beta,

solicitou transmissão especial. Distância duzentos e setenta

e dois anos-luz.

— Meu querido Eilman — disse Rhodan — você é o

homem das notícias. Só não compreendo bem por que

repete tanto coisas já conhecidas. De qualquer maneira é

melhor do que inventar novas. Que há com Deringhouse?

— Apresenta-se exatamente dentro de trinta segundos.

Rhodan sorriu e tomou lugar à mesa de controle. Neste

instante, Bell entra porta a dentro, cumprimentou Eilman

com um aceno de mão e sentou-se ao lado de Rhodan.

— Agora, estou realmente ansioso.

— Não é por menos — respondeu Rhodan. — Onde

estará o sujeito?

— Vou lhe puxar os pelos — prometeu Bell, com o que

se tornou claro que falavam do Gucky, cuja ausência lhes

era um problema desde a partida dos dois cruzadores

pesados.

— Espere — recomendou Rhodan tranquilo.

Acendeu uma lâmpada verde à sua frente, ouvindo

então uma voz desfigurada no alto-falante:

— Aqui fala Deringhouse. Estou chamando Terrânia.

Do outro lado, estava Rhodan:

— Como é bom ouvir sua voz, Deringhouse. Antes de

você começar a falar, diga-me uma coisa: você viu Gucky

por algum lugar?

Pequeno intervalo, depois veio a resposta de

Deringhouse:

— Gucky está conosco, senhor.

— Está bem. Dê então as notícias. Os saltadores já se

manifestaram?

— Como posso entender a pergunta, senhor? Nós somos

os “saltadores”. Ao menos para os tópsidas. Além disso, os

verdadeiros...

— Um momento, Deringhouse, você falou tópsidas?

O major começou seu relato. Rhodan e Bell ouviam

compenetrados, sem interrompê-lo uma vez sequer. No fim,

resumiu seu ponto de vista:

— Este foi o plano que cada um de nós dois elaborou

separadamente, sem combinação prévia. Eu presumo que o

senhor concorde com nosso ponto de vista. Naturalmente

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97

que seria muito simples destruir as bases dos tópsidas e

suas naves com o auxílio da Centauro e da Terra, mas não

lucraríamos muito com isto. Assim temos a possibilidade

de matar dois coelhos com uma só cajadada. Merece

atenção especial o fato de que o comandante-geral dos

tópsidas, um tal Al-Khor, há poucas horas atrás enviou uma

mensagem de socorro para Topsid. Pede auxílio ao ditador

e soberano do Reino Estelar dos Tópsidas, para salvar o

sistema Beta do iminente ataque dos saltadores. Este

ditador está revoltado contra o pretendido ataque dos

saltadores e prometeu a Al-Khor de lhe enviar uma

poderosa frota de guerra. Estamos esperando por ela.

Rhodan olhou para Bell, que fitava meio desconcertado

o alto-falante, como se esperasse do aparelho uma sugestão.

— Excelente, Deringhouse — continuou Rhodan. — Se

seu plano funcionar, e eu aposto que vai funcionar,

atingiremos nosso objetivo inicial, sem movermos uma

palha. Os saltadores, que atacarem, haverão de ver nas

espaçonaves dos terríveis e corajosos tópsidas as naves da

Terra ou de seus aliados. Mas os tópsidas têm plena razão

quando consideram os saltadores como saltadores mesmo,

apenas desconhecem a razão do seu ataque. Temos, porém,

que evitar que não haja nenhuma relação mais clara entre os

dois adversários. Infelizmente não recebi ainda nenhuma

notícia sobre Talamon, o superpesado com quem temos

amizade. Não sei se vai tomar parte no ataque.

— Quais são suas ordens, senhor? — perguntou

Deringhouse.

Rhodan começou a sorrir.

— Deve esperar Deringhouse, o melhor é vocês se

retirarem para o terceiro planeta e agir como se ele fosse a

Terra. Quem sabe vocês conseguem até atrair para lá os

tópsidas. Assim este planeta terá maior semelhança com a

Terra.

— Entendido, senhor. Ligarei novamente quando as

coisas se desenrolarem mais.

— Aparecerei logo por aí — prometeu Rhodan — para

recebermos com alegria nossos amigos. — Desta vez, os

tópsidas são nossos aliados. É pena que não saibam nada

disto. Antes de desligar, uma pergunta, Deringhouse: você

deu ordem de prisão individual para o violador da

disciplina, Gucky?

Deringhouse titubeou um pouco, depois falou:

— Sinto muito, senhor, mas nós precisamos muito da

ação do rato-castor. Se quiser ser sincero, sem Gucky não

teríamos conseguido nada. Posso fazer uma observação?

— Claro que sim — disse Rhodan, continuando a sorrir

mais ainda.

Bell acrescentou:

— Estou curioso.

Podia-se ouvir a respiração de Deringhouse.

— Não se deve olhar para o caso de Gucky assim. Foi

simples zelo pelo dever, mas não um desrespeito ao

regulamento por motivos inferiores. É claro que chamei sua

atenção para o erro. Mas depois se comportou

maravilhosamente, chegando mesmo a salvar a vida de

McClears e de Tifflor. Ninguém fora dele, poderia fazer

isto. Portanto, acho que se devia...

— Certo, Deringhouse, diga a Gucky que ele está

perdoado. No próximo semestre, porém, não receberá

cenoura. Quer dizer mais alguma coisa, Deringhouse?

— Senhor, eu acho que isto não causará transtorno a

Gucky.

— Acho que sim. Ele gosta muito de cenoura e vai

sentir muita falta.

— Não sei, tenho que confessar que perdi uma aposta...

Bell começou a dar gargalhada. Estava bem por dentro

destas apostas. Já tinham custado a muita gente uma boa

soma de dinheiro em cenouras e rabanetes... e pontas de

dedo paralisadas de tanto coçar pelo de animal.

— Está certo — ria também Rhodan. — Que ele coma

bastante, mas não deixe comer demais e estragar o

estômago, pois precisamos muito dele contra os tópsidas e

contra os saltadores. Até logo mais, Deringhouse,

saudações a todos os homens e a Gucky. Fim.

Do depósito de víveres da Centauro, os robôs levaram

caixas e mais caixas de cenoura para a cabina de Gucky,

onde o rato-castor estava sentado no sofá como um

verdadeiro paxá, enquanto o major Deringhouse cumpria

sua primeira hora de “coçagem”.

Quem fizesse aposta com Gucky teria sempre cem por

cento de certeza de que ia perder.

A surpreendente descoberta de que os tópsidas, velhos inimigos da Humanidade, tinham

pontos de apoio no sistema Beta, foi incluída estrategicamente na gigantesca manobra de

camuflagem de Perry Rhodan.

Será que os tópsidas continuarão o jogo, depois que as frotas dos saltadores e dos aras

aparecerem?

E Topthor, que já viu com os próprios olhos o sol da Terra! Será que ele não vai

reconhecer, assim que vir o enorme sol Beta, que a positrônica o levou a um alvo errado?

Em A Morte da Terra, Topthor é a figura central de mais uma aventura de Perry Rhodan.

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98

Nº 49

De

K. H. Scheer

Tradução Richard Paul Neto Digitalização Arlindo San Nova revisão e formato W.Q. Moraes

Os saltadores planejaram a destruição da Terra. Essa destruição é também do

interesse de Rhodan. Naturalmente não a destruição da verdadeira Terra, o planeta

pátrio da Humanidade. Mas, sim, o terceiro planeta desabitado do sistema Beta.

A programação alterada da positrônica de bordo da nave de Topthor levou os

saltadores à falsa Terra...

E o espetáculo da destruição da Titan deve ser assistido por todos os seres

inteligentes da Galáxia, para convencê-los realmente que a Terra e Rhodan não

existem mais...

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99

1

Fora da relação tempo-espaço, definida por Einstein,

todas as leis da natureza que conhecemos perdem a

validade no hiperespaço. A noção de tempo desaparece e as

distâncias infinitas se reduzem a um ridículo nada.

No infinito do Universo, decorrera apenas fração de um

segundo, quando Perry Rhodan deu um salto de dez mil

anos-luz com a sua poderosa esfera espacial Titan, para o

interior da Via Láctea.

Num piscar de olho, o Sol se reduziu a uma minúscula

estrela, que apenas os mais sensíveis telescópios eletrônicos

eram capazes de perceber, no emaranhado imenso de

corpos celestes. Mesmo o sol Beta, o olho gigantesco

vermelho, parecia quase apagado. Já estava a 9.728 anos-

luz da Titan, na direção da Terra.

Diante da supernave, porém, jazia o espaço infinito,

com seus sistemas habitados e desabitados... e com seus

perigos.

Perry Rhodan estava sentado

em frente à tela panorâmica que

lhe proporcionava uma visão

simultânea de todo o espaço. A

seu lado, Reginald Bell, seu

melhor amigo e companheiro,

passava a mão na nuca para

minorar a dor da transição.

Depois ajeitou as cerdas eriçadas

de sua cabeleira vermelha e

esfregou os olhos para ver

melhor. A Titan avançava para

dentro do emaranhado de

estrelas, porém, agora quase que

se “arrastando” a uma

velocidade que mal atingia 0,9

da velocidade da luz. Nesta

aceleração, levariam anos para

atingir a próxima estrela.

— Espero que os

interessados tenham ouvido o

estrondo durante a

rematerialização, Bell — disse

Rhodan, acenando na direção da

porta da central de rádio. —

Saberemos em breve.

“Por toda parte, nas Galáxias, existem rastreadores

estruturais, que registram qualquer transição no

hiperespaço. Nós não nos utilizamos do compensador

estrutural durante o salto, portanto devem ter ouvido o

estrondo no mesmo instante, mesmo na distância de dez mil

anos-luz”.

“Agora é que começa o quebra-cabeça das conjeturas,

meu amigo. Os comerciantes das Galáxias pensarão que

somos os terranos, no que, aliás, estão certos. Permita Deus

que os tópsidas, de acordo com os planos, também nos

considerem comerciantes das Galáxias.”

— Vamos reforçar um pouco a opinião deles —

prometeu Bell, que era baixo e meio pesadão. Mas Bell,

realmente, não tinha nada de pesadão e isto valia também

não só no sentido físico. — Os sáurios de Topsid têm de

supor que nós somos saltadores, pois acreditam que viemos

do lado oposto. Com os saltadores é diferente, eles vêm das

profundezas da Via Láctea e acreditam que nossa Terra

esteja no sistema do sol Beta, onde os tópsidas tentam se

estabelecer. Já que os saltadores tencionam destruir a Terra,

os habitantes do sistema Beta vão intervir e atacá-los.

Haverá então uma guerra, a que vamos assistir de camarote,

se quisermos atingir nosso grande objetivo.

Maravilhosamente engendrado, não é?

— Sim, por Deringhouse e McClears, com os quais,

finalmente, temos que manter contato. Onde estarão agora

os dois cruzadores?

Bell Interpretou a pergunta como uma ordem indireta e

se levantou.

— Está bem, vou me informar a respeito. Rádio

cifrado?

— Naturalmente — confirmou Rhodan, e continuou

olhando para o painel panorâmico, embora não houvesse

nada para ver, de maior interesse. — Determinar a posição

e pedir um relatório da situação. Eu irei pessoalmente falar

com Deringhouse. Nada, de imagens, para os

telespectadores clandestinos não pegarem nada. É bom que

a Terra permaneça um pouco no

esquecimento.

— Em compensação, metade

do Universo se movimenta por

causa dela — disse Bell sorrindo,

enquanto atravessava a cabina

semiesférica para entrar na sala

de rádio, que ficava ao lado. —

Alô, Martin, dormiu bem?

O cadete Martin fez um gesto

que sim, sem se virar, estava

sentado diante dos aparelhos,

observando o resultado de alguns

números em escalas coloridas.

Uma tela oval apresentava

reflexos cintilantes que

percorriam a tela convexa,

aparentemente sem sentido. Não

se compreendia nada, naquela

confusão de sinais. De um alto-

falante, ouviam-se estalos.

— Salto bem sucedido,

senhor. Nenhum sinal de rádio

até agora, que se refira a nós.

— Envie uma mensagem por

hiper-rádio a Deringhouse, na

direção de Beta. Em código cifrado sistema H-V trinta e

três, positronicamente. Major Deringhouse deve dar sua

posição e se preparar para fazer um relatório. O chefe quer

falar diretamente com ele. Avise, assim que conseguir

contatá-lo.

— Certo, senhor, tudo será feito.

Bell ainda ficou olhando por uns instantes como o

operador-chefe ligou a instalação, registrou a mensagem no

aparelho de decodificação e depois a gravou em fita

magnética que começou a retransmiti-la. O texto seria

repetido tantas vezes até que viesse resposta na mesma

frequência. Isto poderia levar horas ou apenas minutos.

— A mensagem está correndo — disse Bell a Rhodan,

voltando à sua poltrona de primeiro oficial. — Tomara que

nenhum saltador nos localize.

— Isso é um pouco difícil — sorriu Rhodan. — Sob

certas condições, pode-se determinar a direção das

transmissões por hiper-rádio, mas nunca o seu

Personagens principais deste episódio: Perry Rhodan — Administrador da Terra e

comandante da Titan.

Major Deringhouse — Intrépido comandante do

cruzador Centauro.

Al-Khor — Comandante supremo das forças

tópsidas no sistema Beta.

Ber-Ka — Corajoso e pretensioso oficial tópsida que

derrubou a nave de Topthor.

Cekztel — Quer destruir a Terra, mas confunde-a

com um planeta de Beta.

Topthor — O grande idealizador da guerra de

destruição da Terra.

Gucky — Com três poderes parapsicológicos é uma

peça indispensável da vitória.

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100

distanciamento. Terão que procurar muito até nos

encontrar. Está mais otimista, Bell?

O gorducho murmurou algo ininteligível e passou a se

dedicar com afinco à observação do Universo, como se

nunca tivesse visto uma estrela em sua vida.

Na realidade, tinha visto muito mais estrelas do que

muitos outros homens. Mas Bell pensava sempre em moças

bonitas.

* * *

O cruzador pesado Centauro, uma esfera de duzentos

metros de diâmetro, estava relativamente imóvel no espaço,

aguardando. Bem perto dele, a menos de dois quilômetros,

flutuava a nave gêmea Terra, cujo comandante era o major

McClears.

A bordo da Centauro estavam, além do telepata John

Marshall, nove outros mutantes, sem incluir Gucky, o rato-

castor. A separação de seu amigo do peito, Bell, estava lhe

fazendo muito bem, pelo menos estava deixando de

aprender outras expressões um tanto fortes e tinha que se

contentar com as que já sabia.

Deringhouse tinha dormido algumas horas, e naquele

exato momento estava chegando à cabina de comando, para

substituir seu lugar-tenente capitão La manche.

— Alguma novidade, capitão?

O francês balançou a cabeça.

— Nada, senhor. A distância do sol Beta continua ainda

a de trinta anos-luz. O rastreador estrutural constatou um

grande número de transições nas imediações do sistema

Beta. Os tópsidas estão recebendo realmente o prometido

reforço.

Deringhouse ouvia cansado.

— Está bem, La manche, substitua-me daqui a cinco

horas.

Cinco horas... Deringhouse não foi diretamente para sua

poltrona, mas ficou andando de um lado para o outro na

espaçosa cabina da Centauro. Quanta coisa havia

acontecido nos últimos dias...

O plano de Rhodan de enganar os poderosos inimigos

da Terra estava se tornando cada vez mais concreto. Os

saltadores, unidos a Topthor, tinham em mãos um trunfo

insuperável. O superpesado Topthor sabia onde estava a

Terra. Pelo menos julgava que sabia. O que realmente não

sabia era que os mutantes de Rhodan, já há muito tempo,

haviam alterado os dados no computador de bordo da Top

II, onde estavam armazenados todos os detalhes sobre a

posição da Terra. Quando fosse consultado, o cérebro

eletrônico diria hoje que a Terra é o terceiro planeta do

sistema Beta.

Conforme o plano de Rhodan, os saltadores haveriam de

atacar este terceiro planeta de Beta e destruí-lo, na crença

de que se tratava da Terra.

Com isto estava ganhando tempo para fortalecer o

sistema de defesa da Terra e para se preparar para um

segundo encontro com o cérebro robotizado de Árcon. É

claro que após a destruição da “Terra”, tinha-se de dar a

impressão de que não existiam mais os terranos de Perry

Rhodan.

Deringhouse tinha nos lábios um leve sorriso. Um plano

ousado e prudente que, quando bem sucedido, resolveria

muitos problemas de uma só vez.

O terceiro planeta do sol Beta era um mundo de

florestas virgens inabitado, que seria sacrificado para salvar

a Humanidade. O quarto planeta, porém, o “mundo

d’água”, chamado Aqua, foi uma verdadeira surpresa. No

único continente, que nadava num mar imenso, como uma

pequena ilha, os tópsidas haviam estabelecido uma base. Os

tópsidas ou sáurios possuíam a 815 anos-luz da Terra um

reino estelar, dominado por um ditador. Eram velhos

inimigos de Rhodan. E agora surgiam de repente tão pertos

da “Terra” de novo. Num plano feito na última hora,

Deringhouse e os seus se faziam passar por saltadores e

acabaram revelando aos tópsidas que a força de combate

dos superpesados, uma tropa de assalto de elite dos

saltadores, estava a caminho para destruir a base dos

tópsidas. Outras unidades dos saltadores e dos aras

participariam também do assalto.

A reação foi como se esperava. Os sáurios exigiram

reforços para poderem se defender do assalto. Deringhouse

fugiu e estava a trinta anos-luz de distância, esperando o

sucesso de sua artimanha.

Um zunido muito agudo chegou a seus ouvidos, vindo

da cabina de rádio ao lado. Tenente Fischer estava de

serviço.

O zumbido estridente significava hiper-rádio.

— Rhodan?

Com um pulo, Deringhouse atravessou a cabina de

controle e empurrou a porta da cabina de rádio.

Fischer regulou o volume e procurou o manual dos

códigos. Ligou o aparelho de decodificação e, no mesmo

instante, os sons quase inarticulados se tornaram

compreensíveis:

— ...tauro. Repetindo: Titan para Centauro. Indique

posição, major Deringhouse. O chefe aguarda relatório

completo. Repito mensagem toda: Aqui Titan, posição dez

mil anos-luz da Terra, direção Árcon. Titan para Centauro...

— Apresente-se, Fischer — ordenou Deringhouse —

talvez já estão chamando por nós há mais tempo. Ou você

recebeu o chamado neste instante?

— Não tenho a menor ideia de quando começou o sinal,

senhor.

Demorou mais dois minutos até que a voz de Rhodan se

fez ouvir no alto-falante. Para a cobertura de uma distância

quase inimaginável, ela levou menos de um milésimo de

segundo.

— Aqui fala Rhodan. Estou a nove mil setecentos e

vinte oito anos-luz de vocês, Deringhouse. Transições

contínuas anunciam a concentração da frota dos saltadores.

O número exato não é possível saber. E o que está se

passando por aí?

— As últimas mensagens dos tópsidas puderam ser

decifradas. O ditador de Topsid prometeu enviar para a

base de Aqua uma poderosa esquadrilha militar. Conforme

meus cálculos chegam a uns quinhentos aparelhos, e já

estão a caminho.

— Os saltadores também devem trazer um número mais

ou menos aproximado. A destruição intencionada por nós

do pseudoplaneta Terra se dará, pois, sob tais circunstâncias

dramáticas. Quando os tópsidas e os saltadores se

digladiarem, não sobrará muita coisa. Temos que fazer tudo

para que não cheguem a explicações verbais. Os saltadores

têm de considerar os tópsidas como terranos ou seus

aliados, enquanto que os tópsidas têm de ver nos saltadores

seus inimigos figadais. Se nós aparecermos uma vez ou

outra e permitirmos que eles nos vejam um pouco, a ilusão

será completa. Mais alguma coisa, Deringhouse? Tudo

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101

claro?

— Apenas uma pergunta, senhor.

— Pois não, Deringhouse.

— O senhor vai ficar por aí ou vem nos dar um pouco

de apoio? E ainda mais: Quando devemos voltar para o

terceiro planeta?

A resposta de Rhodan não se fez esperar.

— Vamos agir juntos. Você receberá a ordem de atacar

no mesmo segundo em que a Titan saltar para o terceiro

planeta. Será no momento em que os saltadores caírem em

cima dos tópsidas.

— Será que três espaçonaves apenas bastam para

enganar os dois lados?

— Acho que sim, se não ficarmos sempre no mesmo

lugar. Até logo mais, Deringhouse.

O major olhou para a tela, onde, em condições normais,

a imagem de Rhodan teria aparecido. Voltou depois para a

cabina de comando e ficou refletindo.

“Tomara que os cálculos de Rhodan deem certo. Do

contrário...”

* * *

O segundo parceiro do jogo de xadrez galático era Al-

Khor, o comandante geral dos tópsidas nos planetas do

sistema Beta. Depois de haver eliminado seu inimigo Wor-

Lök, e ter entrado em ligação com Topsid, muita coisa se

havia alterado. A base dos tópsidas no quarto planeta, até

então muito fraca, foi imediatamente reforçada para não ser

derrotada em caso de um ataque. Sem suspeitar de nada,

Al-Khor veio de encontro aos planos de Rhodan. Além

disso, quis o acaso que Al-Khor, através de suas

providências, confirmasse os dados falsos dos saltadores de

que no planeta das matas virgens é que estava a Terra. Al-

Khor transferiu para o terceiro planeta todo o poderio

militar dos tópsidas.

A cada momento chegavam novos reforços da

longínqua pátria dos tópsidas, a mais de quinhentos anos-

luz do sistema Beta. Deringhouse conseguiu registrar as

transições, já estavam acima de quatrocentas.

No planalto, situado acima das matas virgens, os raios

energéticos escavavam enormes cavernas nos rochedos. O

planeta, até então desabitado, virou de uma hora para outra

uma verdadeira fortaleza. Naves de patrulhamento dos

sáurios cruzavam em direções predeterminadas todo o

planeta, fazendo tudo para evitar um ataque de surpresa dos

saltadores. Outras unidades estavam escondidas nas partes

rasas do mar, esperando pela ordem de entrar em ação.

Os tópsidas estavam bem armados para repelir a cobiça

dos saltadores, cujos motivos, porém, não estavam bem

claros desta vez. Se soubessem por que motivos os

saltadores estavam atacando o terceiro planeta, ou se

chegassem a perceber que os saltadores julgavam que se

tratava da Terra, seu procedimento mudaria, e tudo estaria

perdido.

Al-Khor estava a bordo de um dos últimos aparelhos

que haviam deixado Aqua, o planeta das águas. Quando o

mundo azul desapareceu atrás dele, acenou contente para o

comandante do cruzador.

— Os saltadores jamais chegarão à ideia de que nós

estamos mais interessados no quarto planeta do que no

terceiro. E também não terão possibilidade de corrigir o

erro. O ditador me comunicou a pouco, que, exatamente no

momento em que nós estivermos no apogeu do ataque,

mandará uma outra frota de duzentos cruzadores pesados.

Tenho a impressão de que nenhuma espaçonave dos

saltadores escapará da destruição.

— Uma jogada genial — disse o comandante do

cruzador tópsida elogiando. — Seu nome, Al-Khor, ficará

nas páginas da história dos tópsidas.

Al-Khor concordou feliz. Já estava se vendo, em traje

de gala, na parada da vitória, ao lado do ditador que o

condecoraria como herói do Reino das Estrelas.

O cruzador chegou ao terceiro planeta e Al-Khor se

dirigiu ao quartel-general, uma caverna escavada num

morro, nas proximidades do equador. A estação de hiper-

rádio já estava em funcionamento. Em menos de dois

minutos, Al-Khor conseguiu ligação com Topsid. Exigindo

um relato completo da situação, o comandante local das

forças armadas apresentou-se. Depois prometeu

solenemente:

— Pode ficar tranquilo, Al-Khor, os saltadores terão a

maior derrota de sua longa história. O ditador está muito

contente com as providências que você tomou. Envie a

senha, assim que os saltadores atacarem e faça com que

estejamos sempre a par do desenrolar dos acontecimentos.

— Haveremos de vencer! — exclamou Al-Khor

pateticamente.

Houve um momento de silêncio e depois veio a

resposta:

— Temos de vencer, Al-Khor.

* * *

O terceiro parceiro da partida chamava-se Cekztel, o

mais velho patriarca dos superpesados, que mantinha em

suas mãos o comando geral de todas as forças armadas dos

saltadores. Sua figura maciça — pesava mais de seiscentos

e cinquenta quilos — estava sentada numa poltrona especial

diante dos controles da espaçonave, de onde iria dirigir a

estratégia geral. A estratégia que significava a destruição

total de um planeta chamado Terra.

Cekztel era, propriamente, o órgão executivo do

empreendimento, pois o iniciador de tudo chamava-se

Topthor. E por isso, vamos nos ocupar mais dele, pois foi

ele quem um dia descobriu a Terra e registrou no

computador de bordo, com muito cuidado, sua localização.

Como Perry Rhodan se tornava cada vez mais importante,

e, portanto, mais perigoso, o valor deste registro positrônico

era incalculável. Topthor acabou revelando este segredo aos

saltadores, pois estava em jogo sua própria segurança.

Resolveram, então, unidos, acabar com Rhodan, de uma

vez por todas. Seu planeta pátrio teria que ser destruído. A

chave para isto estava com Topthor.

Mas a chave não prestava mais, pois há muito, os

mutantes de Perry Rhodan haviam alterado os dados do

computador de Topthor. A “Terra” agora girava em torno

do sol Beta.

Quanto mais longe, melhor.

O corpanzil de Topthor repousava numa poltrona larga.

Os superpesados tinham vivido por muito tempo num

planeta de elevada gravitação, mas apesar de seu enorme

corpo, eram relativamente ágeis.

— Alô, Regol! Você está cochilando aí no seu posto?

— Cabina de rádio na escuta, Topthor. Não foi possível

ainda fazer a ligação com Talamon.

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102

— Não temos nenhuma frequência secreta?

— Talamon não responde nem mesmo por ela.

Topthor, com um soco da mão direita fechada, fez

funcionar outro botão, interrompendo a ligação com a sala

de rádio. Durante uns dois minutos, ele ficou praguejando

sozinho, antes de ligar o intercomunicador.

— Gatzek deve vir falar comigo, imediatamente.

Gatzek era o segundo oficial da nave Top II, homem de

confiança de Topthor. Os dois superpesados já tinham feito

muitas campanhas juntos e travado muitas batalhas, por

bom dinheiro dos ricos comerciantes das Galáxias. Desta

vez, porém, não se tratava de dinheiro, tratava-se de riscar

do mapa um adversário que se tornara poderoso demais.

Por que Talamon não se manifestou?

Gatzek era relativamente magro, pesava tão somente...

uns quinhentos quilos.

— Qual é a novidade, Top? Ataque?

— Ainda não — murmurou Topthor mal-humorado. —

Cekztel está levando muito tempo. Enquanto isto ocorre um

número muito grande de transições lá por perto da Terra.

Isso me preocupa. Parece que Rhodan foi avisado de

alguma coisa.

Por uns instantes, Gatzek parecia assustado, mas de

repente um sorriso sarcástico inundou seu rosto.

— Quem é que o poderia ter avisado?

Topthor não prosseguiu com suas ideias.

— Não consegui ainda me comunicar com Talamon.

Onde estará o nosso amigo Talamon...?

Era o único saltador que havia feito amizade com

Rhodan, porque este lhe poupara a vida, quando duzentas

naves dos superpesados entraram num beco sem saída.

Além disso, Talamon era devedor de gratidão a Rhodan,

pelo melhor negócio que fizera em sua vida.

Naturalmente, ninguém conhecia estes detalhes, mas

Topthor tinha suas suspeitas e sabia muito bem ler entre as

linhas. Sua última conversa com Talamon o deixou muito

preocupado.

— Ele vai tomar parte no ataque à Terra? — perguntou

Gatzek.

— Quem dos superpesados que não vai tomar parte, ao

menos com uma nave, que seja? — foi a contrapergunta de

Topthor. — Nossa frota de assalto já conta com mais de

oitocentas unidades, mas de Talamon não há nem um

aparelho de pequeno porte. Você tem uma explicação

razoável para isto?

Gatzek sacudiu os poderosos ombros:

— Será que ele está com medo?

Topthor se irritou um pouco com esta hipótese

descabida.

— Medo? Talamon ter medo? Receio que tenha outro

motivo: simpatiza muito com Rhodan.

— Com um terrano que está mais morto do que vivo?

— disse Gatzek sinceramente admirado. Depois deu uma

sonora gargalhada. — Por que nos preocupamos com

Talamon? Se não quiser vir, que fique em casa. Mesmo

sozinhos, somos capazes de liquidar este Rhodan. Não pode

fazer nada contra oitocentas naves poderosíssimas.

No fundo, ele tinha razão, mas felizmente não sabia de

que maneira ele estava acertando.

— Talamon é meu amigo — disse Topthor — e eu não

gostaria que um amigo seguisse caminhos errados, que

acabariam sendo sua ruína. Temos de chamá-lo a atenção.

— E como você vai conseguir isto, se ele não dá sinal

de vida?

Topthor não sabia o que responder. Não tinha também

mais oportunidade de se preocupar com isto, pois neste

momento ouviu-se o estalo característico do alto-falante do

intercomunicador e logo depois soou a voz objetiva de

Regol:

— Acabam de chegar as coordenadas para o salto e o

horário. O ataque à Terra será desfechado exatamente

dentro de trinta minutos.

É claro que ele não usou a palavra minuto, mas

convertido daria mais ou menos o equivalente. Topthor

esqueceu num instante o caso de Talamon. Fazendo um

sinal para seu homem de confiança, Gatzek, perguntou:

— Para onde é que nos leva o salto?

— Para o centro do sistema dos terranos. Uma nave de

patrulhamento colheu informações. Chegaremos a menos

de dois minutos-luz da Terra no superespaço.

— A rapaziada vai arregalar os olhos — continuou

Topthor, pois o superpesado já estivera uma vez na Terra.

Mas, naquela vez, Rhodan o enganara. De qualquer

maneira, Rhodan lhe poupara a vida. Mas Topthor não era

homem para se mostrar grato por uma coisa desta. —

Porém desta feita, vamos acabar com Rhodan.

— Esperamos que sim — observou Gatzek, e já não

parecia tão seguro.

Mas Topthor atribuía seu mau humor a outro motivo:

Talamon. Sabia que seu amigo era um homem muito

perspicaz, que jamais teria tomado uma atitude como esta

sem motivos de grande peso. Se não estava tomando parte

neste ataque, era porque estava duvidando de antemão do

resultado da ação. Por quê? Conhecia ele tão bem assim a

capacidade de Rhodan, para acreditar na vitória dos

terranos? Ou seria sentimento de gratidão que o impedia de

atacar Perry, por lhe haver poupado a vida, há tempos

atrás?

Um saltador superpesado, mas... sentimental...?

Topthor deu uma risada forçada e se dirigiu à sala de

rádio.

— Então, Regol, que é que há com Talamon?

— Os sinais de chamada continuam sem resposta,

Topthor. Seu amigo não aparece e ninguém sabe onde está.

Topthor ficou calado, virou-se bruscamente na direção

da cabina de controle. Deixou-se cair pesadamente na

poltrona que rangeu sob o peso.

Gatzek esperava tranquilo. Percebeu pela fisionomia de

Topthor, que seria melhor ficar calado. Pois nos traços de

Topthor não se via apenas uma curiosidade angustiante,

mas declaradamente a expressão da dúvida.

* * *

Afinal aí estava Talamon, que Topthor procurava tão

desesperadamente. Neste jogo de xadrez galáctico,

representava ele o papel mais insignificante possível, pois

nem aparecia. Mas exatamente isto é que deixava Topthor

tão zangado e incerto.

Porém, Talamon agiu por conta própria, quando deixou

de atender ao pedido de seu patriarca Cekztel, não enviando

nenhum aparelho para o ataque à Terra. Por que razão o

haveria de prejudicar Rhodan? Não foi exatamente Rhodan

que o fizera milionário? Que lhe poupara a vida? Que lhe

provara que também entre raças estranhas existe algo

chamado “código de honra”?

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Não, Talamon não via razão para trair Rhodan.

Estava com sua frota de duzentas unidades em algum

lugar da Via Láctea, não mandou naves de patrulhamento e

sua central de rádio ficou em permanente escuta. Caso fosse

necessário, tinha a firme resolução de ajudar Rhodan. Sua

tentativa de avisar os terranos foi inútil, pelo menos não

havia recebido nenhuma resposta. Ficou acompanhando

todas as transmissões das frotas dos saltadores que se

reuniam e estava muito bem informado sobre tudo.

Também os chamados de Topthor ele havia recebido, sem

respondê-los.

E assim aconteceu que atrás dos bastidores espreitava

uma força militar de envergadura, aguardando o momento

de intervir nos acontecimentos. Uma força de que ninguém

suspeitava.

Nem mesmo Perry Rhodan.

2

Tudo convergia para a Titan.

O operador-chefe Martin acordara de um sono reparador

e já tinha voltado para seu posto, quando o receptor

começou a acusar impulsos fortes demais. Continham

apenas uma palavra no texto: “Rhodan”.

O restante era ininteligível. Martin, que tinha muita

experiência, gravou em fita a mensagem que se repetia e

depois chamou o chefe. Rhodan apareceu logo, bem

disposto depois de um bom repouso.

— O que há, Martin?

O operador ligou a fita gravada. Rhodan ouviu por uns

instantes, sem dizer uma palavra, depois sorriu e apontando

para a instalação de controle positrônico, disse:

— Aplique a chave XX-treze e deixe a fita correr.

Pegue o texto decifrado e me traga na sala de comando. Eu

estou substituindo Bell.

Martin começou seu trabalho enquanto Rhodan abriu a

porta da cabina e entrou. Bell estava na poltrona do

comandante e virou para trás com cara de cansado. Um leve

sorriso tremulou em seus lábios quando fitou Rhodan.

— Já é tempo que alguém me venha substituir. Não

consigo mais ficar de pé. Minhas pernas estão cansadas.

Perry retrucou:

— Se meus conhecimentos de anatomia não estão

errados, você também senta sobre as pernas, mas numa

parte muito especial que você chama de...

— Santo Deus, será que tudo tem que ser tomado ao pé

da letra? — lamentou Bell. — Só queria dizer que estou

muito cansado.

— Então vá dormir Gordo — aconselhou-o Rhodan,

tirando seu amigo da poltrona. — O negócio vai começar

logo e todos os guerreiros estão mesmo cansados.

A brincadeira de Rhodan deixou Bell com melhor

disposição.

— O negócio vai começar? Que negócio? Você se

refere ao ataque?

— Quando é que você vai aprender a falar melhor? — e

apontando na direção da sala de rádio, disse: — Chegou um

rádio há pouco. Se não me engano, vem de Talamon.

— Do superpesado? Que quer de nós?

— Saberemos logo. De qualquer maneira, manteve a

palavra.

Nesse instante entrou Martin.

— Já decifrei o texto, devo...?

— Pode rodar a fita e ligue o som para cá.

Segundos após, a fita estava tocando na sala de rádio, a

mensagem tinha um texto simples e claro.

— Sim — disse Rhodan contente — é sem dúvida o

vozeirão do nosso amigo Talamon. Deve estar muito

apreensivo a nosso respeito, para ter coragem de nos

mandar esta mensagem.

Bell nada disse. Estava atento a cada palavra que saía do

alto-falante:

— Rhodan, aqui fala Talamon. Perigo iminente para a

Terra. Em vinte minutos exatos a Terra será atacada por

uma frota sob o comando de Cekztel e a orientação

astronáutica de Topthor. Posição já conhecida. Estou

esperando suas instruções. Não tomo parte no ataque.

Repito: Rhodan, aqui fala Talamon. Perigo iminente para

Terra. Em vinte minutos exatos...

Bell fazia sinal de aplauso.

— Veja só, iam deles, o supergordo, é sincero e quer

nos avisar. Não esperava isto dele.

— Mais tarde haveremos de nos lembrar dele —

prometeu Rhodan, desligando a instalação de som.

Encostou-se comodamente na poltrona e volvendo-se

para Bell:

— Como é? Não vai dormir? Estava tão cansado?

— Cansado? — suspirou Bell. Seus cabelos vermelhos

estavam arrepiados. — Como posso dormir se a batalha

começa em vinte minutos?

— Você não deve esquecer que esta mensagem foi

recebida por Martin há uns dez minutos — disse Rhodan

bem calmo. — Só a decifragem levou seis minutos.

— Dez minutos!... — os olhos de Bell se arredondaram.

— Isto quer dizer que os saltadores em dez minutos... Puxa

vida! Que estamos fazendo aqui?

— Dez minutos... — Rhodan olhou para o relógio e se

corrigiu. — Nove minutos é um tempo bem grande quando

se sabe aproveitar. — Rhodan apertou um botão. — Martin,

faça-me uma ligação para Deringhouse. Eu vou atender aí.

Desligou o intercomunicador e se levantou.

— A operação está em marcha, mesmo que não

façamos mais nada. Não podemos mais detê-la, o máximo

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104

que podemos fazer é influenciar para o lado positivo e

haveremos de fazê-lo, naturalmente. Você ainda quer ficar

acordado?

Rhodan se dirigiu novamente para a sala de rádio, pois

Deringhouse já estava esperando.

— Atenção, Deringhouse. Última informação — disse

Rhodan, olhando para o relógio. — Os saltadores se

materializam no espaço dentro de sete minutos e trinta

segundos. Temos então que já estar aí, pois não sei qual vai

ser a reação de Topthor, se reconhecer seu erro. Temos que

cuidar que não lhe sobre tempo para uma desculpa. Os

saltadores têm que ver no terceiro planeta a Terra

verdadeira. Topthor é o único ser humanoide que viu o sol

da nossa Terra e guardou sua posição. Os saltadores devem,

portanto ser atacados assim que chegarem.

— Os tópsidas estão esperando por eles — observou

Deringhouse.

— Certo, mas nós devemos ajudar um pouco. Transição

exatamente em sete minutos para o sistema Beta.

Deringhouse ataque a primeira nave dos saltadores que

aparecer. Não espere muito e não fique mais do que um

minuto em cada posição. Transição é mais importante do

que luta. Os saltadores devem ter a impressão de que estão

lutando contra uma grande frota de poderosos cruzadores.

A mesma ordem vale também para McClears. Entendido?

— Entendido, senhor. E o que é que o senhor vai fazer?

— A Titan também vai aparecer. Já que somos as três

únicas naves esféricas, não há perigo de nos enganarmos.

— Por que — perguntou Deringhouse com voz abafada

— não destruímos logo a nave de Topthor, para tirar muito

aborrecimento do caminho? Quando ele e seu computador

de bordo estiverem destruídos, ninguém mais poderá

corrigir o erro.

Rhodan deu um sorriso frio.

— Existem centenas de naves de conformação

cilíndrica, muito semelhantes umas às outras. Você acha

que consegue distinguir a de Topthor das outras?

Depois de curta pausa, Deringhouse ainda perguntou:

— E o que faço, caso eu realmente a distinga?

Agora a pausa era do lado de Rhodan. Refletiu um

pouco, embora soubesse que não haveria outra resposta.

Naturalmente, Deringhouse tinha muita possibilidade de

distinguir a nave de Topthor, pois a bordo da Centauro se

encontrava o corpo de mutantes. E se Topthor já estivesse

morto...

— Se encontrar Topthor, destrua sua nave.

— Obrigado. Vou fazer esforço para isso. Mais alguma

coisa?

Rhodan olhou para o relógio, um movimento que

haveria de repetir ainda muitas vezes, nos próximos

minutos.

— Transição dos saltadores em... três minutos e

cinquenta segundos. Felicidades, Deringhouse.

Rhodan virou-se para trás, quase se chocando com Bell

que o seguia. Passou por ele sem dizer uma palavra e foi na

direção do computador, onde recolheu os dados para o

hipersalto.

— Sente-se, Gordo. Dentro de cinco minutos, você

poderá ver o gigantesco sol de Beta, se tiver tempo para

isto.

* * *

— Quer apostar como acharei a nave de Topthor, em

poucos instantes? — dizia Gucky.

Deringhouse levantou as duas mãos, como se quisesse

se proteger do rato-castor.

— Posso apostar com o diabo, a qualquer momento,

mas nunca mais com você. Meus dedos ainda estão doendo

de tanto coçá-lo. Além disso, ainda tenho de lhe pagar seis

arrobas de cenoura.

— Mesmo assim ainda vou achar Topthor — continuou

Gucky ignorando o pretexto do comandante. — Então,

saltarei em sua nuca e lhe quebrarei o pescoço.

Deringhouse sorriu, enquanto verificava os controles

que realizariam o salto iminente para o sistema Beta.

— Teria prazer em ver isto. Você é telepata,

teleportador, telecineta, mas não sabia que é também

lutador de judô. Prazer em conhecê-lo...

— Você não crê em mim? — disse Gucky, encostando-

se ao sofá, com uma expressão incrível em sua cara cômica.

— Eu já liquidei centenas de robôs.

— Não se trata apenas de Topthor — lembrou-lhe

Deringhouse, empurrando uma alavanca para frente. — Sua

espaçonave inteira deve ser destruída. Você se lembra que

todos os dados sobre a nossa Terra estão ainda registrados

na positrônica de bordo, pois não foram totalmente

suprimidos. Claro, Topthor também é importante, pois o

superpesado não é bobo. Vai perceber logo que está no

planeta errado, que pulou confusamente noutro sistema e

talvez mude de ideia.

John Marshall, chefe do exército de mutantes, entrou na

cabina de controle da Centauro. Cumprimentou Gucky e se

dirigiu a Deringhouse. Como telepata, sabia, naturalmente,

sobre o que os dois estavam conversando.

— Uma das missões do corpo de mutantes será

descobrir a presença de Topthor, major. Por que então não

se utilizar de Gucky, quando ele está tão seguro de sua

competência?

— Não tenho nada contra, se ele tomar a iniciativa —

respondeu Deringhouse cauteloso. — O que não quero é

fazer mais apostas com ele. É meu direito, não é? Não

quero voltar para a Terra pobre e meio aleijado.

Marshall concordou, sorrindo, e Gucky estava feliz

enquanto Deringhouse se sentia aliviado. O rato-castor

concentrou-se então na grande missão que estava prestes a

desempenhar.

Deu-se então o salto da Centauro. Saltou

simultaneamente com sua irmã gêmea, Terra. A cinco

minutos-luz do terceiro planeta, as duas esferas gigantescas

de duzentos metros de diâmetro voltaram ao espaço normal.

Todos os canhões de raios energéticos estavam a plena

carga e os envoltórios de proteção entraram em ação. O

capitão La manche, na central de rádio, estava em grande

atividade, procurando informações das muitas mensagens

captadas, para melhor orientar uma estratégia coordenada.

A bordo da Centauro era grande a agitação, mas o

espaço em volta ainda estava tranquilo. O terceiro planeta

era uma estrela bem nítida à sua frente. O rastreador

estrutural estava ligado e registrava as primeiras transições.

As distâncias eram diferentes, mas logo se evidenciou que

todos partiam do mesmo local.

A frota dos saltadores chegava com um pequeno atraso.

* * *

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105

Os tópsidas estavam esperando em fortificações

subterrâneas. Num trabalho febril nas últimas horas,

aquelas instalações foram montadas para desviarem os

adversários do precioso quarto planeta. Era-lhes preferível

que atacassem um mundo que não apresentava coisa melhor

do que imensas matas virgens e planaltos pedregosos. Neste

mundo de florestas, não existia vida inteligente, fora dos

tópsidas, naturalmente.

Al-Khor, o comandante supremo, achava-se em ligação

permanente com todos os postos de comando. Estava a par

de todos os preparativos de defesa e de outros segredos.

Para o ditador, no sistema tópsida, a 543 anos-luz de

distância, havia um canal permanente de hipercomunicação.

— Cruzador de patrulhamento MV-treze tem mensagem

importante.

Al-Khor fez um sinal para o operador, através do vídeo

de bordo.

— Encaminhe a ligação para cá — ordenou ele.

Suas cerdas na nuca estavam em desalinho e sua

fisionomia demonstrava grande cansaço. O corpo coberto

por escamas estava parcialmente coberto pelo uniforme. No

amplo cinturão, via-se a coronha da pistola de raios

energéticos.

As imagens na tela variavam. Ora a silhueta de uma

nave em forma de torpedo, ora os traços duros de um

tópsida.

— Cruzador MV-treze, comandante Ber-Ka. Mensagem

importante. Primeiros estrondos no espaço a dois minutos-

luz. Os saltadores iniciam o ataque.

— Tente fazer uma contagem dos estrondos — falou

Al-Khor. — Ordene imediatamente outras transições,

dando-lhes a posição. Mandarei logo algumas unidades de

combate para o ponto onde você se encontra. Ataque, Ber-

Ka, somente ações isoladas é que podem desnortear o

adversário.

— Vou atacar, sim — confirmou Ber-Ka. Seu rosto

desapareceu da tela e logo depois surgiu outro tópsida.

Al-Khor não parava mais. O ataque ao terceiro planeta

havia mesmo começado. Mas o cruzador de patrulhamento

MV-treze tinha recebido ordens. Ber-Ka não hesitou em

cumpri-las.

Ber-Ka era ainda muito jovem e vaidoso. Fazia apenas

poucos anos que comandava uma nave de porte maior, uma

nave cilíndrica de duzentos metros de comprimento. Os

armamentos extraordinários lhe proporcionavam uma

sensação de segurança e lhe davam muita coragem para

enfrentar um adversário até mais forte. Empertigou-se todo

e deu ordens a seus oficiais, para que se reunissem com ele,

imediatamente.

— Meus amigos — disse com muita determinação. —

Al-Khor nos deu ampla liberdade de ação. Devemos atacar

os saltadores onde quer que apareçam. Vocês sabem,

melhor do que eu, que nunca teremos oportunidade melhor

do que esta para nos colocar em destaque. Viva o ditador!

— Viva o ditador! — gritaram todos os oficiais, mais ou

menos entusiasmados. Para alguns, a vida tinha mais valor

do que uma condecoração de validade duvidosa. Mas,

desobediência ao comandante significava a morte imediata.

Assim, a possibilidade de sobrevivência em meio à luta era

bem maior.

Na tela da MV-treze, apareceram os pontos luminosos

flutuantes dos saltadores em ataque. Aqui e ali, estes pontos

surgiam, às vezes, do nada, demonstrando assim que as

transições não paravam. Depois de observar melhor, Ber-

Ka não tinha dúvidas de que os saltadores haviam mesmo

escolhido como seu objetivo principal o terceiro planeta.

Era de qualquer maneira surpreendente. Afinal de

contas, o quarto planeta era aquele que servia de base aos

tópsidas e que devia ser atacado. Por que então os

saltadores não se preocupavam com o quarto planeta, mas

se concentravam apenas no terceiro?

Era uma questão que interessava grandemente a Al-

Khor também, neste momento. Mas ninguém tinha resposta

cabível para ela.

Externamente, as naves dos saltadores se assemelhavam

muito com as dos tópsidas, eram, porém, mais rápidas, mais

ágeis e mais bem armadas. Enfim, os superpesados eram a

elite experimentada das tropas de assalto dos comerciantes

das Galáxias, que sempre tinham vivido da guerra. Até

hoje, não tinham conseguido fazer nada por meios

pacíficos. Aliás, nunca lhes passou pela cabeça tentar fazer

alguma coisa sem assaltos e guerra.

Ber-Ka procurou tanto, até que encontrou um ponto

luminoso vagando mais afastado dos outros, a tal distância

que excluísse qualquer cilada. Deu então as ordens ao

piloto, correndo ele para o ponto de comando da artilharia,

para dirigir pessoalmente o ataque.

A vítima selecionada era uma nave relativamente

pequena de um clã desconhecido dos saltadores. O

comandante já tinha ouvido falar de Perry Rhodan e de sua

pátria Terra, achava, porém, que eram referências muito

exageradas. Exatamente por isto, por ter um ponto de vista

errado, é que ele e os seus seriam muito sacrificados.

Ber-Ka se aproximou de sua vítima. O saltador, sem

suspeitar de nada, mantinha seu curso direto para o terceiro

planeta.

As mãos quase humanas do sáurio repousavam sobre os

botões de controle dos canhões de raios energéticos. No

interior do cruzador se acumulava, num zumbido

permanente, as energias necessárias, como que aguardando

o momento de irromperem pelo espaço.

— Ainda a um segundo-luz — disse um oficial quase

trêmulo. O coitado não se sentia bem, embora já tivesse

muita experiência de outras expedições punitivas contra

súditos indefesos. Mas esta agora era diferente. Estavam

pelo menos diante de um adversário à altura deles.

No mínimo.

— Distância, zero vírgula cinco segundos-luz.

A distância diminuía, mas ficou de repente constante,

quando o saltador percebeu o atacante, fazendo uma curva

fechada.

— Atrás dele! Fogo! — gritou Ber-Ka e sentiu como o

solo a seus pés estremeceu todo, quando a rajada de raios

poderosos saiu pela proa.

Não foi difícil aos raios energéticos, com a velocidade

equivalente à da luz, atingir a nave dos saltadores, antes que

pudessem tentar qualquer reação. Raios coloridos

envolveram a diminuta espaçonave, como o envoltório de

proteção se rompeu imediatamente, não oferecendo mais

nenhuma resistência aos ataques dos raios incendiários.

Com um grande clarão esbranquiçado, explodiram os

geradores. A carcaça se arqueou e começou a derreter.

Pedaços de destroços voavam em todas as direções do

espaço. De vez em quando se podia ver grandes vultos com

trajes pressurizados, cujos dispositivos automáticos se

inflavam instantaneamente, procurando colocar a salvo os

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sobreviventes.

Um dos oficiais sáurios não despregava os olhos dos

saltadores que tentavam fugir.

— Não vamos matá-los? — perguntou.

— Não. Sou soldado, mas não assassino.

— Eles nos atacaram, Ber-Ka.

— Falando em tese, você tem razão. Mas estes aí,

fomos nós que atacamos. Deixemos-lhes esta chance e não

nos incomodemos mais com eles.

Ber-Ka voltou para a central de comando. Era ele o

comandante, sua ordem era lei. Os saltadores, em seus

uniformes de emergência, foram se separando e se

perderam no vazio entre os planetas.

Ber-Ka concentrou sua atenção novamente na tela. Os

pontos flutuantes eram cada vez mais numerosos, mas a

uma distância daquela não se podia saber se havia naves

dos tópsidas misturadas com eles. A força principal, no

entanto — Ber-Ka sabia muito bem disto — estava

escondida nas rochas do terceiro planeta, ou como se dizia

nos catálogos dos sáurios: Lira III.

A MV-treze tinha se afastado um pouco do terceiro

planeta e se aproximava da órbita de Aqua. De qualquer

maneira, os atacantes deviam ser impedidos de se

aproximarem do “mundo d’água” onde os restos das bases

abandonadas poderiam despertar atenção.

Os pontos luminosos oscilantes desapareceram todos,

menos um. Dava a impressão de ser um aparelho que não

fazia questão de ser destruído logo no primeiro assalto.

Uma ampliação na tela e uma chamada em código

confirmou a suspeita de Ber-Ka: tratava-se mesmo de uma

nave dos saltadores. E este saltador se dirigia exatamente

para o planeta Aqua.

— Novo curso, operação cubo CO-dezessete-dk —

gritou ele para o oficial navegador, ordenando ao mesmo

tempo prontidão para o ataque.

Devia-se pegar o saltador de surpresa, antes que pudesse

desconfiar de alguma coisa.

— Velocidade ao máximo! Acompanhou com grande

sensação os movimentos do ponto luminoso e acabou

constatando que se tratava de uma belonave dos

superpesados. Claro que muito superior ao cruzador de

patrulhamento.

Na mentalidade de Ber-Ka havia duas forças

polarizantes: orgulho e instinto de conservação.

Podia ainda se afastar um pouco do curso e fazer como

se não tivesse notado o adversário. Por interesse próprio, a

maioria de seus subordinados manteria silêncio. Mas se

houvesse apenas um que quisesse prejudicá-lo ou fazer

carreira, ele estaria perdido. Covardia perante o inimigo era

castigada com a morte.

Foi propriamente o receio de ser denunciado que

obrigou Ber-Ka a prosseguir no ataque. Não estava se

sentindo bem, mas não havia outra opção.

O ponto luminoso aproximou-se e transformou-se numa

sombra alongada na tela, que focalizava muitas estrelas

distantes. Não havia nenhum sinal de que o saltador

houvesse percebido a presença de seu perseguidor.

Continuava indiferente, com rumo fixo. Pela pequena

velocidade, supor-se-ia que ainda tinha duas horas para

chegar até a atmosfera de Aqua.

— Central de rádio — disse Ber-Ka, cedendo a um

impulso repentino — tente ligação com a nave estranha.

— Com o saltador? — foi à reação de espanto.

— Sim, com o saltador. As frequências de chamada

estão no catálogo. Por que se admira? Já tivemos muitos

contatos com os saltadores em outros tempos.

— Sim, mas sob outras circunstâncias.

— Exatamente — disse Ber-Ka rindo.

— É curiosidade minha. Estas circunstâncias me

interessam.

Desligou a tela, colocando a central de rádio

diretamente em ligação com ele. Sem sair do lugar, podia

agora acompanhar melhor os esforços do operador.

Continuava a chamada.

Na outra tela, a sombra alongada da nave estava bem

maior. A MV-treze se aproximava de sua órbita. Num

determinado ponto as duas naves teriam de se encontrar,

caso ambas mantivessem o curso e a velocidade.

Alto-falante e tela permaneciam mudos e apagados. O

saltador não respondia, ou talvez não tivesse ouvido o

chamado. Mas Ber-Ka não cedia tão depressa.

— Continue chamando — ordenou ao oficial do rádio.

— Acrescente que nós pedimos uma conferência.

Isto era contra o regulamento. Propor uma conferência

com um adversário ultrapassava de muito a competência de

um comandante de um pequeno cruzador. Ber-Ka sabia

disto, mas lhe era completamente indiferente. Suspeitava de

algo e queria saber se seu pressentimento estava certo ou

errado. Para ele, isto justificava o risco que assumia.

Não poderia imaginar que, sem querer, estava dando um

passo avante na história. Também não suspeitava quem era

o comandante da nave estranha.

Ao penetrarem nas camadas superiores da atmosfera as

primeiras naves dos saltadores, o comandante supremo do

terceiro planeta, Al-Khor, deu ordem de contra-ataque.

Em todos os cantos, abriram-se pesadas comportas de

metal e canos de canhões de raios energéticos emergiam do

chão para erguerem sua boca de fogo contra o céu.

Hangares subterrâneos despejavam frotas de combate de

aparelhos velozes que galgavam o espaço em ascensão

quase vertical.

Começou a batalha quase suicida, com perdas enormes

para os dois lados. As primeiras bombas atômicas

destruíram uma parte das instalações de defesa. Os foguetes

antiespaciais dirigidos por tópsidas perseguiam as naves

dos saltadores até atingi-las, destruindo-as no espaço. Só

conseguiam escapar se tivessem tempo de efetuar o salto

para o hiperespaço.

Al-Khor estava sentado nas profundezas de um rochedo,

ouvindo as notícias. Fazia uma fisionomia de dor, ao ouvir

os danos que os atacantes lhes infligiam. Mas seu rosto se

iluminava todo sempre que ouvia o relato da destruição de

uma nave inimiga.

No entanto, ele mesmo sabia que era questão de tempo,

até que os saltadores conseguissem, por meio de uma

bomba arcônida ou por uma bomba de gravitação, destruir

completamente o terceiro planeta.

Começou a se surpreender pelo fato de que isto ainda

não acontecera.

— Ligação com Topsid! — gritou ele, desesperado,

naquela caverna no coração da rocha, quando uma

tremenda detonação fez tremer o rochedo e as luzes se

apagaram. — Ligação imediata com o ditador, vamos, antes

que seja tarde.

Por uns instantes, ninguém respondeu. Depois, ouviu-se

a voz do operador de rádio:

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— Falta energia, estamos tentando com os geradores de

emergência.

— Estou esperando — disse Al-Khor. Depois, apoiando

a cabeça nas duas mãos quase humanas, passou a pensar na

morte certa que teria em Topsid, caso os saltadores

vencessem.

Mas... era sua culpa? Culpa por não ter naves

suficientes? Não tinha ele avisado o ditador e pedido que

não subestimassem os comerciantes das Galáxias? Por que

então tinha que morrer?

Porém não pensava nisto. O melhor seria ele se entregar

aos invasores, passaria por traidor, mas continuaria vivo.

Mas isto era uma decisão que não era para aquele

momento.

Levantou-se, tendo nos olhos um brilho perigoso.

— Ligação com Topsid — exclamou o operador. —

Ligue seu aparelho, Al-Khor.

Al-Khor estremeceu, ao ouvir a palavra Topsid. Por uns

instantes, não sabia o que fazer. Depois, criou coragem.

— Aqui fala Al-Khor, Lira III. Começou o ataque dos

saltadores, ditador. O adversário é muito superior a nós.

Sem o auxilio de Topsid, estamos perdidos.

— Então lutem! — disse o ditador friamente. Seus

traços permaneceram duros e inacessíveis, na tela. Seus

olhos frios pareciam penetrar Al-Khor, parecendo poder ler

seus pensamentos. — Mandarei mais duzentos aparelhos,

mas nem um a mais. Lutem e vençam Al-Khor. Ou, nunca

mais volte a Topsid.

— Mas... — Al-Khor não pôde continuar, o ditador

havia interrompido a ligação.

O comandante dos sáurios apoiou-se no espaldar da

poltrona e suspirando profundamente, disse:

— Lutar e vencer... como é fácil falar. Um mundo está

caindo aos pedaços e nós temos de lutar. O que estamos

fazendo, senão lutar? Nossas naves se defendem

valentemente contra um inimigo em grande superioridade,

mas não cedemos, preferimos morrer. E o ditador? Não tem

nem uma palavra de gratidão.

Al-Khor estremeceu, como se tivesse levado uma

chicotada, ao ouvir um forte ruído atrás de si. Passos

pesados que se aproximasse. Ouviu-se uma voz fria, sem a

menor expressão:

— Como poderemos vencer, se o comandante está

hesitando? O que há com você, Al-Khor? Cansado,

desanimado?

Virou-se lentamente, com sua mão escamosa já

segurando a arma energética.

— Ra-Gor, é você! Não podia imaginar. Por que não

está na seção de baterias antiaéreas, tratando de destruir as

naves inimigas? Se quiser ouvir a verdade: o que você está

fazendo agora é crime de alta traição.

O jovem oficial que estava atrás do comandante estava

também com a mão na arma, sorrindo friamente. Nos seus

olhos, havia um misto de orgulho e ódio, de medo com

denodo irrestrito.

— E você, Al-Khor? O que tem feito? Duvidou da

sabedoria de nosso ditador. Você está exigindo o

reconhecimento dele pelo simples cumprimento do nosso

dever. Isto é insubordinação.

Al-Khor virou-se novamente — e devagar — olhando o

painel apagado. Podia ver nitidamente no vidro fosco o

reflexo do jovem oficial que lhe estava às costas.

— Estava apenas pensando, Ra-Gor. Acresce ainda que

guardei meus pensamentos comigo e não os transmiti a

ninguém.

— Não é verdade, transmitiu a mim.

Al-Khor teve que concordar:

— Sem ter intenção de fazê-lo, meu amigo. Você,

agora, por sua culpa, carrega na consciência um

conhecimento que se torna pesado para seus ombros jovens.

Vou ajudá-lo a carregar este peso.

— Não é necessário, Al-Khor, eu consigo carregá-lo

sozinho. O ditador me será muito grato, quando lhe explicar

a covardia de seu comandante supremo.

— O quê?

— Sim, porque você não vai chegar vivo a Topsid. Esta

vergonha deve ser poupada aos oficiais que combatem

corajosamente. Ou você prefere ser fuzilado publicamente?

Al-Khor reconheceu que não tinha alternativa. Foi

sempre um súdito fiel do ditador, embora não estivesse de

acordo com alguns de seus métodos. Mas, agora, ser

delatado por um bobalhão orgulhoso e inexperiente... não,

isto era demais.

Imperceptivelmente sacou a arma, estudou um pouco o

ambiente, podendo ver pelo reflexo do vidro do painel

apagado que Ra-Gor ainda estava hesitando em executar

sua intenção. Será que de repente ficou com medo? Mas já

era muito tarde para isto. Al-Khor não sentiu a menor

compaixão ou piedade, quando, de súbito, se virou contra o

jovem oficial de arma na mão.

— Insubordinação se castiga com a morte, Ra-Gor.

Como comandante tenho o poder de julgá-lo. Condeno-o,

pois, à morte. A pena será executada sumariamente. Você

pode ficar com sua arma e usá-la mesmo...

Mas o sentenciado não chegou a se utilizar da arma,

antes mesmo de sacá-la estava morto.

Al-Khor ficou olhando por uns instantes o cadáver do

jovem oficial, corajoso e idealista, que queria tirar proveito

às suas custas. Depois voltou a manusear os botões de

controle.

Os relatórios das forças em combate chegavam com a

maior confusão. Depois de alguns minutos, Al-Khor já

sabia que a batalha estava perdida. Definitivamente. A

superioridade do adversário era palpável. O que restava era

um fio, quase invisível, de esperança.

Com uma pancada da mão direita, silenciou no rádio as

vozes confusas. Todas as estações passaram

automaticamente para a escuta.

— A todos os oficiais! Aqui fala Al-Khor, o

comandante supremo — fez uma pequena pausa para

respirar. — Neste momento vamos desistir do planeta Lira

III e vamos enfrentar os saltadores no espaço. Ou vencemos

ou morremos. Fim.

Fim! A palavra ainda estava nos ouvidos de Al-Khor,

quando se levantou para tomar as medidas necessárias.

* * *

Quando a Top II se materializou, e apareceu nas telas de

bordo o gigante vermelho de Beta, foi como se Topthor

tivesse levado uma bofetada na cara.

Atônito e sem dizer uma palavra, olhava fixo para o que

tinha diante dos olhos.

Seria este o sol do planeta Terra? Jamais. Este

gigantesco olho vermelho lhe era completamente

desconhecido, totalmente diferente, tão diferente que até

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um cego perceberia a diferença. E Topthor era tudo, menos

cego.

Seu primeiro pensamento foi fazer uma ligação para

Cekztel e explicar o erro. Mas ficou sentado, continuando a

olhar o quadro incrível. Procurava achar uma explicação,

mas não havia. O cérebro positrônico do departamento de

navegação jamais poderia errar. Um erro do computador

estava, pois excluído. Os dados foram lançados no próprio

local da observação. Não podia haver erro.

Topthor pensava sempre objetivamente e assim desistiu

logo de querer procurar uma explicação para o impossível.

Teria tempo mais tarde. No momento, era necessário se

conformar com o fato e ponderar suas consequências.

Primeira consequência: ele se poria em contato com

Cekztel e admitiria ter trazido a frota toda para um lugar

errado. O que aconteceria? Topthor se sentia mal só em

pensar nisso. Todo tipo de recriminação recairia sobre ele,

embora estivesse convencido de não ter culpa alguma. Mas

quem é que queria saber disso? Ninguém. Talvez fosse

expulso e teria doravante de levar vida de pária, sem

amigos e abandonado por todo mundo. Não, Topthor não

pensava mais em dar explicações ao velho Cekztel.

Segunda consequência: procuraria resolver o enigma

por conta própria, descobrir como surgira o engano. Para

isso, tinha primeiramente que se manter calado e deixar

seus colegas na crença de que se tratava mesmo da Terra e

do sistema solar. Certamente não demoraria muito até que

se chegasse a descobrir o erro, pois o sistema solar de

Rhodan não poderia ficar aí, sem defesa nenhuma. Não

parecia haver a mínima reação. Outro erro, como logo se

constataria. E um erro que muito alegraria a Topthor.

A segunda consequência parecia aceitável ao

superpesado.

Mas sua cabeça inteligente não parava de pensar. A

bordo da Top II encontrava-se muita gente que havia visto a

Terra naquela época. Será que ficariam de boca fechada,

quando Topthor lhes contasse a verdade? É certo que eram

amigos do peito, como Regol e Gatzek. Mas...

E ainda havia a possibilidade de uma confusão com

computador.

Levantou-se bruscamente e foi examinar a seção de

navegação. Mandou sair o oficial que estava de vigia e

começou ele mesmo a conferir os dados. Alguns minutos

depois, veio o resultado. Topthor o examinou e sacudiu a

cabeça.

Os dados estavam certos, as coordenadas perfeitas. Era

mesmo ali no sol gigantesco de Beta.

Sem dizer uma palavra e sem explicação, fez sinal ao

oficial de vigia para entrar novamente. Depois voltou para a

sala de comando. Deixou-se cair pesadamente na poltrona,

olhou para a tela do painel e pôs-se a escutar as mensagens

do rádio. O ataque ao terceiro planeta já havia começado.

Estava sorrindo sozinho, quando de repente sua

fisionomia se transformou. Os terranos estavam resistindo

desesperadamente.

Topthor parecia como que atingido por uma descarga

elétrica. Foi a segunda surpresa em menos de dez minutos.

Havia terranos neste estranho sistema? Então ele estava

salvo e ninguém descobriria o engano não intencionado. O

terceiro planeta parecia habitado e estava sendo defendido.

Seguia com muita atenção as informações e respirava

aliviado, embora já não compreendesse o que estava se

passando. Talvez os terranos tenham estabelecido aqui uma

base, que agora defendiam corajosamente. Se a frota

atacante destruísse literalmente o terceiro planeta, os

terranos perderiam apenas uma base, não a pátria de Perry

Rhodan.

Seguindo seu pensamento prudente, resolveu guardar

este segredo só para si e continuar por conta própria suas

investigações. Assim foi que abandonou a rota planejada e

se aproximou do quarto planeta, para, com toda calma,

registrar os dados sobre o sistema e compará-los com as

informações do computador de bordo. O erro estaria

escondido em algum lugar, ele o descobriria.

A localização da verdadeira Terra não poderia ficar

perdida.

* * *

O saltador não respondeu. Ber-Ka, então, não hesitou

mais e mandou abrir fogo de todos os lados.

Para sua surpresa, todos os disparos energéticos se

esfacelaram diante do envoltório de proteção magnética do

adversário. A distância era agora muito pequena e uma

retirada era quase impossível.

A nave dos saltadores alterou o curso e expôs seu lado

mais comprido no sentido da MV-treze. Ber-ka sabia o que

isto significava, mas não tinha mais tempo para modificar

sua posição. Mandou descarregar toda a energia disponível

no seu envoltório de proteção para se defender contra o

ataque iminente.

Mas o saltador, desta vez, não usou raios energéticos, e

sim um torpedo com brilho de prata, que alterando seu

curso automaticamente foi atingir em cheio a MV-treze,

apesar de suas manobras para fugir do alvo, detonando com

um clarão amarelado, perto da popa.

Ber-Ka sentiu o terrível solavanco. De nada adiantou

agarrar-se à poltrona. Foi lançado para fora, rolando no

chão da cabina até chocar-se de encontro à parede.

Ouviram-se vozes, alguém deu um comando. Logo depois

outra detonação e solavanco terrível, apagando toda a luz.

Os campos de gravitação deixaram de funcionar e Ber-Ka

estava flutuando dentro da nave, já em queda livre contra o

planeta Aqua, sem propulsão, nem direção. A parte traseira

devia estar completamente destruída.

Ber-Ka foi impelido contra o teto, incapaz de se

movimentar. A qualquer momento, podia o inimigo dar a

ele e a sua nave o tiro de misericórdia. Mas isto não

aconteceu.

A MV-treze se precipitou de encontro à superfície do

quarto planeta.

* * *

Sentado na cabina, Topthor acompanhava curioso a luta

desigual. Já quando a estranha nave apareceu pela primeira

vez, teve uma suspeita que lhe pareceu tão absurda que

tentou esquecê-la. Mas depois, ficou matutando que toda

aquela ação tinha sido meio maluca. Talvez pudesse

esclarecer um pouco mais o enigma, se conseguisse

conversar com aqueles terranos. Deviam estar

desesperados, é claro. Tinham que estar convencidos de que

se encontravam nas mãos dos vencedores, do contrário

jamais diriam a verdade.

Mas, seriam mesmo terranos?

Topthor ficou olhando a nave alongada, como um

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torpedo, com uma saliência abaulada no centro, caindo ao

lado deles, e ainda dispostos a um novo ataque. Já havia

visto em algum lugar este tipo de construção. Os tópsidas?

Seu império não era nas proximidades da Terra? Ou se

tinham aliado com os terranos?

O ataque não surtiu efeito. Então um torpedo atingiu a

popa do aparelho, destruindo as instalações de propulsão

dos desconhecidos. Sem sua sustentação mecânica, a nave

se precipitou contra o planeta.

Topthor seguia tudo com atenção. Não dava nenhum

sinal de querer socorrer os vencidos ou de pretender

aniquilar os restos de sua nave. Aparentemente imóvel, ele

flutuava ao lado da MV-treze, esperando alguma coisa.

Duas horas se passaram, duas longas horas em que certo

Ber-Ka passou por um verdadeiro inferno e ficou mais

exausto ainda. O planeta já estava maior e através das

nuvens já se via o continente. Podia-se já ouvir o sibilar do

vento nas camadas mais elevadas da atmosfera.

Topthor, então, resolveu agir.

Aproximou-se com a Top II da nave que estava caindo.

Ganchos magnéticos iam saindo lentamente da carcaça da

Top II, envolvendo o bojo da nau destroçada e detendo-lhe

a queda. Voltou então a gravidade, quando as duas naves

começaram a dar volta em torno do planeta, numa leve

parábola. Acabaram aterrissando num planalto, próximo ao

litoral.

Topthor não ficou parado nesse meio tempo. De pé, na

escotilha aberta, esperava, com a pistola de raios na mão, a

saída dos sobreviventes da nave capturada. Mas não havia

contado com a intrepidez suicida dos tópsidas. Ao abrir

uma claraboia do lado direito da MV-treze, provocou

suspeita nos tópsidas. Salvou-se com um pulo imediato

para a escotilha, entrando logo para a cabina de comando,

onde Gatzek havia observado o incidente. Num gesto

rápido, ligou o envoltório magnético de proteção.

Infelizmente com uma fração de segundo de atraso.

Um denso jato energético amarelado partiu da MV-

treze, atingindo a Top II bem no meio. Seguiu-se um

estrondo, como a descarga de um reator e a grande

espaçonave dos saltadores partiu-se, exatamente antes de o

envoltório ser ligado.

De um momento para outro, ali estavam duas naves

arruinadas e, em cada uma delas, o pensamento era o

mesmo: aproveitar um descuido do adversário, para destruí-

lo.

Topthor amaldiçoou sua leviandade, mas depois se

conformou. Olhou calmo para os olhos arregalados de

Gatzek.

— Examinar a instalação de energia, observar a

capacidade de funcionamento da central de navegação e de

rádio, apresentando o resultado imediatamente. Depois do

conserto, testar a possibilidade de manobrar a Top II.

Gatzek, um tanto hesitante:

— Que fazer com este ferro velho aí ao lado, que nos

partiu ao meio? Devo mandar matar os adversários?

— Deixa disso, Gatzek. Quero conversar com estes

rapazes. Acho que vamos ter muitas surpresas.

— Meu estoque de surpresas está abarrotado —

protestou o oficial, deixando a cabina de comando.

Topthor acompanhou-o com um sorriso. Levantou-se e

foi para a central de rádio. Regol estava diante dos

aparelhos, realizando os primeiros controles. Os alto-

falantes emitiam sons ininteligíveis — sinal de que ao

menos isto estava funcionando.

— Ligação com Cekztel? — perguntou Topthor.

Regol sacudiu a cabeça, sem olhar para trás.

— Ainda não. Eles não têm tempo agora, os terranos

entraram em luta renhida, mas acho que vão perder. A

supernave de Rhodan foi localizada muitas vezes.

Topthor quase perdeu a fala:

— A supernave de Rhodan?

Regol concordou espantado:

— Sim, a Titan, como foi batizada a grande nave. Além

dela, estão participando da defesa da Terra dez cruzadores

pesados dos arcônidas.

— E eles estão perdendo? — perguntou Topthor

incrédulo. — Algo não está certo. Tem certeza disso?

— As mensagens o dizem claramente, Topthor. Não há

dúvida de que superestimamos o poderio bélico da Terra.

Aliás, já há muito tempo queria lhe fazer uma pergunta:

você não reparou uma alteração no sol? Se não me engano,

a Terra tinha um sol menor, amarelado. E agora...

— Eu sei — interrompeu-o Topthor impaciente. —

Ainda falaremos mais tarde sobre isto. Agora não temos

tempo, pois há problemas mais importantes que temos de

resolver. Vamos tentar ligação pelo rádio com a nave

abatida aqui ao lado. Regol sorriu malicioso.

— Já estou tentando isto há tempo. Ninguém responde.

Quem sabe o rádio deles foi destruído?

— Então, não há outro meio — disse Topthor — tenho

que me apresentar de novo na escotilha deles, com uma

bandeirinha branca na mão, para lhes mostrar nossa

vontade de paz.

— Não sei se os terranos vão concordar — duvidou

Regol.

Topthor, que já estava na porta, virou-se para trás:

— Quem é que disse que os rapazes da nave ao lado são

terranos?

De olhos arregalados, Regol ficou olhando seu

comandante.

3

O cérebro robotizado da navegação positrônica da

Centauro não parava um instante. Mal o pesado cruzador se

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materializava em qualquer lugar, no meio das naves dos

tópsidas e desfechava uma descarga de raios energéticos,

mais ou menos eficientes, contra as naves atacantes dos

superpesados, já estava na hora de pular para o hiperespaço,

desaparecendo totalmente. Quase que ao mesmo tempo,

aparecia ela em outro lugar.

Major Deringhouse suava, mas entusiasmado com a

operação. Capitão La manche, seu substituto e primeiro-

oficial, gritava sem parar, dando ordens e cuidando que as

transições se processassem o mais rápido possível. Já que

as mesmas manobras eram executadas simultaneamente

também por Rhodan com a Titan e por McClears com a

Terra, os superpesados tinham a impressão de que estavam

em atividade pelo menos três ou quatro belonaves tipo

Império e uns dez cruzadores pesados.

E, no entanto, os “terranos” estavam perdendo. Razão

para isto, eram, em primeiro plano, as naves dos tópsidas,

demasiadamente lentas, não estando pois à altura do ataque

dos saltadores. Se a Titan tivesse aplicado toda sua força, a

luta estaria bem diferente. Mas, compreensivelmente, não

era esta a intenção de Rhodan. Os saltadores deviam vencer

e sair com a convicção de haverem derrotado a Terra. E,

naturalmente, a frota dos terranos.

Deringhouse tirou os olhos dos controles e olhou para

Marshall que estava entrando na cabina.

— Então — perguntou excitado — já obteve algum

resultado?

— Desta vez, você poderia apostar tranquilamente com

Gucky — respondeu o telepata. — Ainda não temos

nenhum indício da presença de Topthor. Estou duvidando

de que tenha tomado parte no ataque.

— Impossível — disse Deringhouse, sacudindo a

cabeça. — Recebemos um rádio informando que Topthor

toma parte no ataque. Você se utilizou somente de Gucky?

— Naturalmente, não. Todos os telepatas se esforçaram

para captar impulsos do superpesado. Ras Tschubai esteve

em várias naves deles, mas não encontrou Topthor. Em

compensação, em cada nave em que chegava o susto da

tripulação em ver surgir do nada um fantasma preto, quase

os enlouquecia.

— Ótimo — disse o major. — Para os atacantes, a

teleportação é prova cabal de que se trata dos homens de

Perry Rhodan.

— Também Gucky se teleportou muitas vezes. Poderia

ter levado de cada vez uma bomba atômica e destruído a

nave inimiga, porém não nos teria adiantado nada. Mas,

falando sinceramente, é doloroso para mim, para nós todos,

ter que perder uma guerra que a gente ganharia com tanta

facilidade.

— A Via Láctea inteira deve estar crente de que fomos

destruídos. Mas para isso, Topthor tem que ser encontrado.

Se ele perder a calma e denunciar a seus amigos que

destruíram um planeta errado, toda nossa astúcia não valeu

de nada. E até agora, tudo funcionou tão bem.

— Vamos continuar procurando — disse Marshall,

encorajando Deringhouse. — Temos de encontrá-lo. Não

pode ficar eternamente escondido.

— Esperamos que não — respondeu Marshall, dando

ordens para o próximo salto que o levou para um choque

entre dois cruzadores dos tópsidas e uma enorme nave

cilíndrica dos saltadores.

* * *

Na escotilha aberta, estava Topthor esperando, olhando

firme para o pequeno aparelho dos desconhecidos. Quem

estaria lá dentro? Terranos?

Tinha quase certeza que não encontraria nenhum terrano

lá dentro. Uma simples consulta no seu catálogo lhe dava

esta quase certeza. Naves deste tipo eram construídas pelos

tópsidas.

Estariam os sáurios realmente aliados aos terranos? Que

sentido teria isto? Será que Rhodan não representava

nenhum perigo para seu império?

Tinha de descobrir isto e só por este motivo é que estava

expondo a vida. Talvez seria respondida também sua outra

pergunta: por que a positrônica de sua nave teria errado

daquele jeito?

Para lá do planalto, começava a floresta virgem. Ia em

declive para a planície. Somente ao longe, no horizonte,

surgia uma nova cadeia de montanhas, limitando a visão.

Mais para a esquerda cintilava o mar que era quase noventa

por cento deste planeta. Era um mundo agradável, pena que

não tinha habitantes inteligentes, com quem se pudesse

tratar.

Ou existiriam? O que faziam, então, aqui os sáurios?

Os olhos de Topthor perceberam um movimento nos

escombros da nave tópsida. Devagar, abriu-se uma

escotilha, como se fosse empurrada à mão. Aparentemente

toda a instalação da nave parecia destruída. Apareceu então

uma espécie de mão. Apesar de Topthor estar mentalmente

preparado, foi grande seu susto. Era a mão de um réptil,

coberta de escamas: a mão de um tópsida.

Até que enfim. Se, nesta horrível batalha, não tivessem

sido vistas naves esféricas de Rhodan, tudo resultaria então

numa hipótese fantástica. Pensando nisto, Topthor sorria

malicioso, pensando estar bem próximo da elucidação da

verdade.

Um tópsida apareceu na escotilha completamente

aberta, de mãos levantadas e desarmada. Topthor também

mostrou as mãos vazias e falou em Intercosmo:

— É melhor pararmos de lutar um contra o outro, do

contrário estamos perdidos. Ninguém nos ajudará. Mas se

nós combinarmos, acharemos um caminho.

Ber-Ka parou desconfiado.

— Por que não nos destruiu já no espaço? Podia ter

feito, sem que pudéssemos nos defender.

Topthor sorriu amavelmente.

— Tenho minhas razões, tópsida. Vamos conversar com

mais calma. Acho que teremos muita surpresa.

— Tinha o mesmo desejo, mesmo antes de atacá-lo.

Topthor ouvia com atenção. Tudo se encaminhava bem.

— Sua instalação de rádio ainda está funcionando?

— Não, foi destruída.

— A minha funciona ainda, ao menos para receber. Não

pudemos ainda examinar o transmissor, mesmo porque não

estamos interessados em que os outros nos descubram.

Venha, tópsida, encontremo-nos ali naquela rocha. Estou

desarmado, mas minha gente está vigiando. Se quiser, pode

tomar também as mesmas providências.

Sem esperar resposta, Topthor desceu os poucos

degraus da escada desdobrada e num pulo atingiu o solo.

Sua cintura estava vazia, porém no fundo do bolso de seu

capote escondia uma minipistola, para qualquer

emergência.

Ber-Ka hesitou um pouco, mas percebeu que não lhe

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restava alternativa, tinha que aceitar a proposta do

superpesado.

Quem sabe, o saltador estava sendo honesto. Levantou

os braços escamados, numa espécie de saudação e gritou

umas ordens para a tripulação de sua nave. Depois saltou

para o solo do planeta das águas, dirigindo-se calmamente

para o ponto de encontro.

Encontraram-se aos pés do rochedo. Topthor examinava

mais detalhadamente o tópsida. Pelo muito que os conhecia,

era um exemplar ainda jovem da estranha raça dos sáurios,

com quem se defrontavam de vez em quando. Não se podia

chamá-los de inimigos, pois de qualquer maneira, tinham

em comum com os saltadores um grande ódio aos

arcônidas. Mais estranho de tudo era esta guerra que se

travava no momento.

— Meu nome é Topthor, sou patriarca de minha estirpe

e comandante desta, outrora, bela nave. — Virou-se para

trás, apontando para o enorme cilindro partido ao meio. —

Devo supor, naturalmente, que você é oficial e comandante

da nave abatida.

Ber-Ka confirmou com a cabeça. Seu sotaque era

perceptível, mas falava corretamente o intercosmo.

— Sou Ber-Ka, comandante do cruzador de

patrulhamento MV-treze, que o senhor obrigou a aterrissar,

tornando-o incapaz de funcionar. O que lucramos com isto?

— O que lucrará alguém desta maldita guerra? —

perguntou Topthor com unção na voz. — Eu sou,

certamente, o último a desejá-la.

— Quem seria então o responsável? Fomos nós que

atacamos, ou foram os saltadores que vieram para cá com a

intenção de destruir todo o sistema?

Ber-Ka estudou a fisionomia do interlocutor e percebeu

nele uma sincera curiosidade. Não compreendia por quê.

— Prendemos, há poucos dias, alguns saltadores, não os

superpesados, e os interrogamos. Confessaram que estavam

planejando um grande ataque ao nosso sistema.

Topthor ficou perplexo.

— Saltadores? Saltadores normais? Não sabemos nada

disso. Ninguém tinha conhecimento desta ação que foi

preparada sob o maior sigilo. Quem teria sido o traidor? Há

algum detalhe deles, Ber-Ka?

— Por que o senhor está tão interessado nisso?

— Porque não pode ter havido traidores e porque o meu

trabalho preferido é explicar o impossível.

Ber-Ka ficou olhando muito tempo para o superpesado

e não descobriu nos seus olhos outra coisa, a não ser

curiosidade.

— Há poucos dias atrás, aterrissaram saltadores neste

planeta. Aliás, não aterrissaram por vontade própria, nós os

forçamos a descer por meio de raios de atração. O

comandante foi aprisionado. Outra nave, bem menor, caiu

também em nosso poder. Acho que o senhor sabe que nós

mantemos uma base neste planeta.

— Cheguei também a este conhecimento agora — disse

Topthor. — Mas continuemos. Quem eram estes

saltadores?

— Não sei exatamente, mas Al-Khor certamente poderá

informar. Ele interrogou os prisioneiros que mais tarde

acabaram fugindo.

— Fugiram? — a confusão de Topthor era grande. — Já

não estou compreendendo mais nada. Como foi possível

fugir?

— Os nativos do fundo do mar os ajudaram. Devem ter

feito aliança com eles.

— Nativos? Você está afirmando que neste “mundo

d’água” há seres inteligentes?

— Animais inofensivos com um vestígio de inteligência

— disse Ber-Ka, tentando diminuir o valor destes animais.

— Não têm a menor importância.

— De qualquer maneira, vocês instalaram esta base aqui

por causa deles, não é verdade? Mas, seja o que for, quero

saber quem eram os saltadores aprisionados que depois

fugiram. As naves não tinham inscrições do clã de origem?

— Não, tinham apenas um nome, mas não sei qual era.

Uma delas era de construção esférica e a outra uma espécie

de disco voador.

— Construção esférica? — repetiu Topthor, destacando

as sílabas. — Construção esférica dos arcônidas ou dos

terranos?

— Terranos?

Topthor deixou de lado a pergunta.

— Não há nenhum saltador que possua nave esférica,

fora alguns milionários extravagantes que se dão ao luxo de

comprarem estas naves conquistadas dos arcônidas. Mas

estes não têm nada a ver com nossa ação.

— No entanto, eram saltadores, eles mesmos o

confessaram. Acho, porém, que agora, depois de responder

de boa vontade todas as suas perguntas, tenho o direito de

lhe fazer algumas.

— Com todo prazer, mas antes, apenas uma

informação: em que planeta os senhores têm sua base, no

quarto ou no terceiro?

— Não há inconveniente algum em o senhor saber isto:

no quarto. Nós defendemos apenas o terceiro planeta, para

afastá-los do precioso “mundo d’água”.

Topthor mergulhou em profundos pensamentos.

— Pergunte o que quiser — disse ele meio aéreo.

Ber-Ka aproveitou a oportunidade.

— Por que os senhores atacaram nosso sistema? De

onde é que sabiam de nossa base?

A resposta de Topthor não veio logo, ele estava tão

ocupados com seus pensamentos, que o tópsida teve que

repetir as duas perguntas.

— Por que atacamos vocês? Meu caro Ber-Ka, não é tão

fácil explicar isto. De início, tenho que dizer que não

sabíamos que aqui havia uma base dos tópsidas. É difícil de

acreditar, mas nós estávamos certos de que aqui seria o

planeta pátrio dos terranos, de quem você já deve ter

ouvido falar. Ou o nome Perry Rhodan não significa nada

para você?

— Perry Rhodan...? — repetiu o tópsida refletindo um

pouco. — Sim, acho que já ouvi falar dele. Uma expedição

nossa se encontrou com ele num sistema nas proximidades

da Terra, acho eu; para falar a verdade, nós julgávamos que

fosse a Terra. Infelizmente não tivemos sorte nesta guerra,

fomos obrigados a fugir.

— Estes saltadores que vocês prenderam, como é que

pareciam?

— Ora, como os saltadores parecem. Humanoides,

esbeltos, falando um intercosmo perfeito.

— Os terranos também falam perfeitamente o

intercosmo.

— Por que teriam de simular outra identidade?

— Esta também é uma pergunta que eu faço Ber-Ka.

Sabe o que estou começando a suspeitar? Estou quase

acreditando que fomos vítimas de uma trapaça muito bem

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arquitetada. Sabe quem eram seus prisioneiros? Não? Então

vou lhe contar: eram terranos, aliás, terranos que vieram

para cá em missão de Rhodan e denunciaram a vocês, que

nós, os saltadores, tencionávamos fazer um ataque aos

tópsidas. Só gostaria de saber como é que eles sabiam da

nossa intenção e por que meios chegaram à conclusão de

que as coordenadas estavam erradas.

— Quais coordenadas?

— As coordenadas da Terra que estavam registradas no

meu computador de bordo.

Ber-Ka se assustou.

— Quer dizer que o senhor conhece a posição do

planeta pátrio de Rhodan?

— Sim, pensava que conhecia, há muito tempo. Mas,

acho que você não me vai acreditar quando eu lhe disser

que estas coordenadas davam este gigantesco sol vermelho

como sendo o sol da Terra. Minha positrônica se enganou,

dando-nos coordenadas falsas. Rhodan já devia saber disso.

— Isto é... — Ber-Ka começou a gaguejar e parou de

falar.

Topthor olhou para ele e continuou:

— Parece coisa impossível, mas é assim mesmo. Não há

outra explicação para o enigma. E enquanto estamos

sentados aqui e procuramos resolver o enigma, lá em cima

no espaço a sua e a minha frota se destroem. Temos que

fazer alguma coisa.

— Minha estação de rádio não funciona — disse o

tópsida.

— Também não tenho certeza se meu rádio está bom.

Mas uma coisa é certa, Ber-Ka: aqueles saltadores, que se

deixaram prender com tanta facilidade, com o único intuito

de enganá-los, eram gente de Rhodan. Terranos. E vocês os

deixaram fugir. Seu comandante devia ser esquartejado por

este crime, pois ele somente é o responsável pelo massacre

que está acontecendo.

— Como assim? — admirou-se Ber-Ka.

— Se os senhores não tivessem atacado, não aconteceria

nada.

Topthor nada respondeu. Olhou para a escotilha da Top

II e viu o rosto de Regol, que fitava medroso pelo canto da

abertura.

— Alô, Regol, como está a instalação de rádio?

— Não funciona, Top. Chamamos uma nave que

passava perto, não houve resposta. Tenho receio de que...

Topthor, suspirando, fez um sinal para Ber-Ka.

— Também tenho receio, tópsida. Tenho receio de que

temos que tirar férias aqui no “mundo d’água”, até que a

sorte da guerra esteja decidida. Mas, qualquer que seja o

resultado, o verdadeiro e único vencedor se chama Rhodan.

É realmente uma vergonha que este homem não seja um

saltador. Como são geniais suas jogadas, que profundidade

tem seu pensamento. De que maneira maravilhosa ele sabe

fomentar intrigas, fazendo com que outros trabalhem para

ele, sem perceberem. Falando a verdade, daria meu braço

esquerdo, se pudesse ter Rhodan como meu aliado.

Parou de repente. Inclinou a cabeça e começou a rir:

— Nem seria necessário dar o braço esquerdo, estou me

lembrando agora. Conheço um superpesado que ganhou

milhões trabalhando com e para Rhodan. Meu amigo

Talamon foi mais prudente do que eu supunha. Agora sei

por que não quis tomar parte no ataque. Mas, espere velho

amigo, teremos que conversar um pouco quando eu voltar.

— Voltar...?

Topthor começou a refletir que sua volta não era tão

fácil assim, nem tão certa.

Rhodan sabia que somente um único saltador é que

podia descobrir o erro que vitimara toda a frota dos

superpesados. E ele, Rhodan, haveria de fazer tudo para que

esta única testemunha não abrisse a boca. Pois Topthor já

sabia todo o plano de Rhodan.

Vir ando-se para Ber-Ka, disse:

— Acho que vamos fazer as pazes, tópsida. Você não

vai ainda compreender bem o porquê de nossa aliança, de

sua raça e da minha. Temos um inimigo comum e não

podemos imaginar outro mais perigoso e traiçoeiro. Um

adversário que até simula derrota, para, na escuridão do

esquecimento, preparar a vingança. Um dia, Rhodan voltará

e esmagará todos os povos da Galáxia que não se tornarem

seus amigos.

— Não estou compreendendo tudo...

— Também não é necessário, Ber-Ka. No momento não

lhe resta outra opção, a não ser aceitar minha proposta.

Tente consertar seu transmissor. Você receberá de nós a

energia necessária. Nosso gerador principal ainda funciona.

Acenou para o jovem sáurio e voltou para sua própria

escotilha.

Ber-Ka ainda ficou parado uns instantes, depois,

arrastando os pés, encaminhou-se para as ruínas de sua

nave. Na cabeça, rodopiavam-lhe milhares de perguntas

sem resposta.

* * *

— Já percorri quase todas as naves, mas não se

consegue ver Topthor.

Gucky estava sentado apático na cabina de comando,

olhando desconsolado para Deringhouse. O fato de não ter

encontrado Topthor o aborrecia menos do que perder uma

aposta, principalmente quando o apostador era

Deringhouse.

— Quem sabe Topthor morreu logo no início da batalha

e sua nave foi destroçada? Então o problema já estaria

automaticamente resolvido.

— Rhodan quer ter certeza — disse Marshall. — Betty

Toufry diz ter recebido, por uns instantes, impulsos que

poderiam ser de Topthor.

— Como é que ela pode reconhecer isto? — duvidou o

rato-castor, esticando as orelhas. Os músculos de suas patas

traseiras se retesaram para o salto. — E em que região ela

ouviu os impulsos?

— Naturalmente no sistema Beta — explicou Marshall.

— Na direção do espaço interestelar.

— Bobagem — disse Gucky. — Na direção do planeta

Aqua. Está bem na direção indicada.

Marshall queria protestar, mas, de repente, seus olhos se

comprimiram. Olhou para Deringhouse demoradamente e

depois virou-se para Gucky.

— Parece que não é bobagem não, meu caro. Vou

conversar com Betty.

— Eu vou junto — ofereceu-se o rato-castor, pulando

de seu sofá. — E se você quiser, ainda estou pronto para

fazer outra aposta.

— Desta vez você não vai arranjar outra vítima, eu lhe

garanto — disse Marshall, desaparecendo no corredor.

Gucky parecia convencido da vitória.

Deringhouse estava olhando para os dois mutantes que

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saíam, quando ouviu o zumbido da instalação de rádio.

Apertou um botão, mas a tela continuou apagada. Mas uma

voz conhecida, apesar de desfigurada pelo dispositivo de

decodificação, falava no alto-falante:

— A derrota dos tópsidas está iminente. Deve-se

esperar que os saltadores destruam até a última nave dos

tópsidas, antes de executarem sua última tarefa que é de

explodirem a suposta Terra. Talvez transformarão o planeta

das matas virgens numa imensa fogueira. Os nossos amigos

aquáticos, os homens-peixes, não terão nada contra, caso a

temperatura média de seu mundo se elevar um pouco.

Informes recém-chegados dão conta de que acabam de

aparecer mais duzentas naves vindas de Topsid. Vai atrasar

a derrota dos sáurios por algumas horas. E vocês, como

vão? Já descobriram Topthor?

— Ainda não, senhor — respondeu Deringhouse

abatido. — Talvez tenhamos achado uma pista. Marshall

saiu para averiguá-la.

— Temos que silenciar Topthor — ordenou Rhodan. —

Não resta dúvida de que não vai ficar de boca fechada. Já é

a segunda vez que este superpesado tenta destruir a Terra.

Se não pudermos prendê-lo, temos de matá-lo, do contrário,

jamais teremos sossego.

— Se o encontrarmos, senhor, haveremos de liquidá-lo.

A voz de Rhodan parecia cansada, quando falou:

— Talvez já tenha morrido em combate, o que me

pouparia muita preocupação. De qualquer maneira, temos

de ter certeza de que está morto. Se ninguém achar este

malandro, toda a ação foi inútil. Topthor é o único que pode

desvendar o segredo e contar tudo aos tópsidas. E isso,

temos de impedir de qualquer maneira. Onde está Gucky?

— Com Marshall, conversando com missToufry.

— Mande chamá-lo, Deringhouse, tenho um plano para

ele.

Menos de dez segundos após, Gucky se materializou na

cabina, e ficou olhando para a tela escura.

— O senhor me chamou chefe? — chilreou Gucky

alegre. Do cansaço que sentia antes, não se via mais nada.

— Acho que descobrimos as pegadas de Topthor.

— Ainda está vivo? — perguntou Rhodan.

— Se as pegadas são quentes, então sim. Por quê?

— Descubra Topthor, Gucky, é muito importante. Toda

esta batalha entre superpesados e tópsidas não terá

nenhuma importância, mesmo a destruição da suposta Terra

não tem interesse algum, se Topthor continuar vivo e

espalhar o segredo do engano. Você me compreendeu?

A voz de Rhodan era séria, mas foi se tornando mais

suave.

— Ouça bem, meu amigo, se você conseguir saber

alguma coisa com certeza sobre Topthor, eu lhe arranjo um

armazém inteiro de cenoura.

Por alguns segundos, o silêncio se fez completo, depois

se ouviu o guincho alegre de Gucky, dançando numa perna

só através da cabina, quase tropeçando nos pés do

comandante.

— Será maravilhoso, durante dois anos não vou mais

precisar fazer apostas e não há coisa que eu odeie tanto

como apostar. Será feito, chefe. Em uma hora, terei Topthor

nas mãos... e o armazém de cenoura.

Rhodan riu à vontade.

— Felicidades, Gucky, para você e para todos nós.

O alto-falante emudeceu.

Gucky ficou ainda um pouco sentado, depois se apoiou

no largo traseiro. Seus olhos leais de cão de fila pousaram

no rosto de Deringhouse. O dente incisivo de roedor estava

à vista, o que significava muito boa disposição por parte de

seu dono.

— Então, Gucky?

Deringhouse se esforçava para parecer sério.

— Quer apostar dois quilos, que você não vai encontrar

Topthor?

O rato-castor foi se retirando sem mesmo responder a

Deringhouse, nem mesmo olhar para ele. Antes de

desaparecer ainda chilreou:

— Dois quilos? Ridículo, para quem já é praticamente

milionário. Puxa, dois quilos, não se compreende como

alguém se atreve a isso...

O resto do protesto acabou. Gucky tinha se teleportado

para não se sabe onde. Por sorte, não para o espaço aberto

lá fora.

* * *

Topthor e Ber-Ka tinham naquele momento feito um

acordo. Entre eles haveria um armistício e ambos aceitavam

a obrigação de procurar ou os saltadores ou os tópsidas para

esclarecê-los sobre o horrível engano.

O transmissor da Top II não podia mais ser consertado e

também para ouvir estava muito difícil para Topthor, se

bem que as notícias não eram nada agradáveis para o infeliz

Ber-Ka. Os tópsidas estavam já derrotados, não havia mais

dúvida. Os míseros restos da frota encontravam-se

encurralados e obrigados à rendição. Muitas naves haviam

se refugiado nas clareiras da floresta virgem, sem atinarem

que exatamente este planeta achava-se condenado à

destruição total.

O reforço de Topsid estava chegando e entrando logo

em combate. Esta leva de forças frescas ainda tinha um

moral bem elevado e conseguiu infligir pesados danos aos

saltadores. Logo, porém, constataram a grande

superioridade dos superpesados. Os tópsidas fugiram, mas

seus perseguidores não tinham piedade, foram derrubando

uma nave após a outra. Somente as esferas espaciais de

Rhodan que apareciam aqui e ali, não eram atingidas.

Topthor e Ber-ka ouviam os relatórios. O tópsida tinha

perdido qualquer esperança e estava resignado. Mas não o

saltador.

— Tem que ser possível conseguir-se um contato com

uma das duas facções, Ber-Ka. Vocês tinham uma base

aqui. Fugiram todos ou ficaram pelo menos os guardas?

— Não sei — lamentou o tópsida. — As providências

tomadas pelo comando supremo nunca chegam ao nosso

conhecimento. Talvez existam ainda estações de rádio em

funcionamento aqui, mas como conseguiremos contato com

elas, se não sabemos onde estão?

O sáurio fez uma pausa, depois sacudiu a cabeça:

— Seria lógico que investigássemos primeiro o antigo

quartel-general. Se há algum sobrevivente, tem de ser lá.

— E onde é este quartel-general?

Ber-Ka apontou na direção do mar.

— Em qualquer lugar ali no litoral, numa ilha artificial

no mar. Mas não sei bem a localização, pois não tenho ideia

nenhuma do local onde aterrissamos. Temos de procurar.

Topthor franziu a testa.

— A explosão do reator destruiu meu porão e com isso

meu planador e minha viatura. Iremos a pé, mas eu acho

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isso impossível.

— Uma viatura nós temos também — disse Ber-Ka,

com um raio de esperança. — O planador infelizmente foi

destruído durante seu ataque. Tentaremos chegar até o mar,

lá a praia é larga e bem firme, para servir de estrada.

Teoricamente temos que dar a volta toda pelo continente,

para chegarmos do outro lado, encontrando a ilha artificial.

— Mas isto é uma excursão muito agradável — disse

Topthor em tom amargo.

Porém compreendia que não havia outro jeito, se não

quisessem ficar ali a vida toda.

— Qual é o tamanho de sua viatura?

— Se quisermos levar bastante mantimento e água

suficiente, proporia uma tripulação de dois homens e,

naturalmente, o armamento correspondente. Não sabemos

por quanto tempo teremos de viajar.

O superpesado ficou pensativo. Depois abanou a

cabeça, concordando:

— Está bem, Ber-Ka.

Olhou para o céu, o sol estava a pino e o calor era

enorme.

— Vamos partir logo, cada hora é preciosa. Embora não

tenha esperança de chegar a tempo. Mas é indispensável

que todos saibam do grande erro, que prejudicará toda a

Via Láctea.

Os preparativos se fizeram em pouco tempo. Abriram

um rombo no bojo da nave tópsida, colocaram umas vigas

para deslizamento e um carro pesado rolou para o chão do

planeta. Tinha rodas e esteira, podia, pois ser utilizado em

qualquer tipo de terreno. Uma pequena metralhadora de

raios energéticos podia girar em todos os sentidos,

oferecendo assim proteção contra os ataques. O diminuto

reator em seu interior tinha energia suficiente para o carro

rodar ininterruptamente por mais de cem anos.

Caixas com mantimentos foram empilhadas e o

reservatório recebeu bastante água. Ber-Ka deu as últimas

instruções à sua tripulação, depois se virou para Topthor.

— Podemos partir. Acho que vamos atingir o litoral em

duas ou três horas. Depois será mais fácil.

— O que há com os habitantes da água?

Ber-Ka tentou despistar.

— Não precisa se preocupar com eles, são pacíficos e

não possuem armas. Nem tomam conhecimento de nós.

Temos apenas que cuidar para que ninguém dos seus ou dos

nossos nos veja e abra fogo sobre nós. Este é o grande

perigo que corremos. O único. Nosso tratado de paz

particular não vale para os outros.

Topthor examinou sua pistola de raios.

— Vamos obrigá-los a fazer a paz — disse ele

ameaçador, entrando na cabina do carro, que dava

normalmente para quatro tópsidas.

Quando Ber-Ka se sentou ao lado dele, todo o espaço

estava ocupado.

— Por todos os espíritos do espaço — disse o tópsida

em tom de brincadeira — não é à toa que todo mundo

chama seu povo de os “superpesados”.

Topthor sorriu amavelmente.

— Somos realmente pesados, mas não apenas no

sentido físico — explicou ele, olhando para a máquina.

Os que ficaram nas duas naves viram a viatura

desaparecer logo na mata virgem, voltando para seus

lugares.

Ber-Ka na direção encontrava sempre uma clareira ou

um trecho com pouca vegetação por baixo, para conseguir

ir rompendo com as poderosas lagartas. E quando lhe havia

pela frente grossos troncos de árvores, que não podiam ser

contornados, entrava em ação o termoradiador de bordo.

Assim foi que diversos montões de cinza fumegante

assinalavam o caminho que Ber-Ka e Topthor iam

seguindo, na primeira hora de viagem, floresta adentro.

Passou a tarde e veio à noite. Detiveram-se numa clareira e

se prepararam para o repouso noturno. É claro que podiam

ter continuado, mas temiam chamar a atenção pelo clarão

do farol.

A calefação espalhava um calor agradável na cabina.

Tão diferentes, os dois indivíduos fizeram sua primeira

refeição e se deitaram para o repouso.

Em volta deles, era o silêncio e a calma. Nenhuma lua

para iluminar as tristes sombras da floresta desconhecida,

onde poderiam estar escondidos inimigos invisíveis. Nada

se movia. Em algum lugar, altas ondas estariam rebentando

no litoral e banhando as pilastras de aço que sustentavam a

ilha artificial. Isto podia ser a uma distância de dez

quilômetros, mas podia também ser a mil quilômetros.

Topthor teve um sono muito perturbado. Acordou

muitas vezes. Ficava então ouvindo a respiração

compassada de seu aliado não intencional, que ele aos

poucos começava a invejar. Quando ele virava a massa

bruta de seu corpo para o outro lado, o carro balançava. É

verdade que o Jovem tópsida não percebia nada disso, seu

sono era profundo.

Afinal clareou o dia. No leste, o céu se coloriu com

todos os matizes do arco-íris. O sol vermelho galgou,

gigantesco, as grimpas das árvores.

Topthor acordou Ber-Ka.

— Já é hora de nos pormos a caminho, já perdemos

muito tempo. Certamente a batalha já terminou, mas

ninguém sabe ao certo o que aconteceu. Você prepara a

refeição matinal?

Enquanto o tópsida preparava uma refeição leve,

Topthor desceu da cabina e deu umas voltas. Estava

convencido de ter ouvido certos ruídos durante a noite. Se

alguém tivesse andado pela redondeza, devia ter deixado

rastros. Estava também intimamente convencido que

tinham errado um pouco o caminho e queria averiguar.

Na clareira não se notava nada de extraordinário.

Nenhum afastamento de galhos ou ramos quebrados levava

à ideia de que alguém tivesse passado por ali. Não havia

animais na floresta, como Ber-Ka havia dito, pelo menos

não animais maiores. O pé de Topthor já estava preparado

para o próximo passo, quando estancou de repente. Ficou

parado com o pé no ar. Seus olhos ficaram estarrecidos,

olhando incrédulos uma pegada de algo que se arrastava,

vindo da floresta para a clareira, dando uma volta em torno

do carro e desaparecendo do outro lado na vegetação baixa.

Nenhum galho quebrado, como se o rastro fosse de algo

que se arrastasse.

Topthor voltou lentamente para a viatura. Ber-Ka já

sabia do que se tratava.

— Não se preocupe Topthor, são os seres da água. Às

vezes vêm à terra, mas voltam logo a seu elemento. Se o

senhor viu o rastro deles lá fora, é sinal que o mar não está

muito longe. Portanto, estamos alcançando o que queremos.

E agora, venha tomar sua refeição para que possamos

continuar.

Topthor olhou mais uma vez para as pegadas e se

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espremeu para entrar pela porta do carro, para ele estreita

demais.

Apesar da perspectiva de alcançar o mar em breve, não

sentiu muito apetite com a comida que o tópsida lhe

preparara, não por causa da comida em si. Talvez fosse a

incerteza do que tinha pela frente, que lhe tirou o apetite.

4

Foi mais ou menos por esta hora que a última nave de

Al-Khor foi destruída. A frota dos tópsidas não existia

mais.

O último comunicado do rádio, que saiu do terceiro

planeta, dava conta ao Ditador do Império Estelar Tópsida

de que suas tropas haviam cumprido seu dever e haviam

resistido ao inimigo invasor até a última gota de sangue.

Topsid não respondeu.

* * *

Rhodan percebeu que alguém entrava na cabina. Era o

Dr. Certch, o psicólogo dos robôs. O pensamento cada vez

mais independente dos cérebros positrônicos e eletrônicos

tornou necessário criar uma especialização científica. Era,

portanto, missão de Certch supervisionar os complicados

processos de pensamento dos robôs e prever como seus

cérebros decidiriam em cada caso concreto.

— Então, doutor, o senhor por aqui? Pensava que o

senhor não se preocuparia com coisas tão pequenas como

batalhas espaciais.

— Não estou realmente preocupado com isso, senhor —

disse Certch sorrindo, mas em sua voz havia um vislumbre

de seriedade, que Rhodan logo percebeu. — Há, no entanto,

acontecimentos que não podem ser menosprezados.

— E quais seriam eles? — perguntou Rhodan,

empurrando as mensagens de rádio para trás, recebidas nos

últimos sessenta minutos. Confirmavam o que já se sabia.

Os superpesados conseguiram a vitória e agora se

preparavam para desfechar o último golpe contra a “Terra”.

Cekztel tinha mandado preparar a bomba arcônida.

— O senhor sabe que construí para mim mesmo um

pequeno cérebro positrônico, a que dei o nome de Max.

Max é uma calculadora, se assim posso me exprimir.

Um psicólogo mecânico que pode prever e calcular

todos os processos de pensamento de seus irmãos maiores.

Estive “conversando” muito tempo com Max.

— E que é que ele diz? — queria saber Rhodan, que

conhecia a profundidade do cientista e a respeitava. Por

mais de uma vez, Dr. Certch tinha provado ser entendido

nos pensamentos lógicos dos cérebros mecânicos. —

Esperamos que sejam previsões boas.

— Max está preocupado por causa do cérebro

positrônico na belonave de Topthor. Temos que supor, de

acordo com o que aconteceu até agora, que o próprio

Topthor está interessado em disfarçar o erro. Há, no

entanto, uma hipótese bem justificada — dizia Max — de

que o cérebro pense diferente e esteja decidido a esclarecer

o erro. E Max ainda é de opinião de que, mais cedo ou mais

tarde, a trapaça dos mutantes será descoberta e a alteração

feita por eles virá à luz. Com outras palavras: os saltadores

haverão de notar que destruíram, não a Terra, mas um

pobre planeta inofensivo.

— Suposto, naturalmente, que Topthor e sua nave não

tenham sido atingidos por uma descarga energética.

Certch confirmou com um movimento da cabeça.

— Naturalmente. Mas não sabemos se ele morreu em

combate. E mesmo que tenha morrido, ainda existe a

possibilidade de que sua nave esteja apenas danificada e

seja um dia encontrada. Então o robô terá tempo suficiente

para esclarecer o enigma. Se o senhor quiser estar bem

convencido de que sua jogada deu certo, então terá de

providenciar para que a nave de Topthor seja

completamente destruída.

— Concordo com o senhor, doutor. Mas antes de tudo,

temos que encontrar Topthor e sua nave. Conforme meus

cálculos, os saltadores ainda estarão ocupados por algum

tempo em salvar seus sobreviventes e colocar a salvo suas

naves ainda aproveitáveis. Somente depois disso é que vão

destruir o terceiro planeta. Depois de se retirarem deste

planeta, será tarde para nós. Temos, portanto, pouco tempo

para eliminar o perigoso Topthor. John Marshall e seus

mutantes estão fazendo todos os esforços para conseguirem

isto. No entanto, até agora, sem resultado.

— Espero que sejam bem sucedidos — disse Certch.

— Tudo depende exclusivamente disto — disse

Rhodan, acenando para Certch que estava deixando a

cabina. Praticamente estava deixando a solução do

problema nas mãos de Marshall que saía da seção dos

mutantes, acompanhado de Betty Toufry, para falar com

Rhodan. Certch, curioso, os seguiu. Sua despedida da

cabina fora muito curta.

— Betty teve impulsos claros de Topthor — disse

Marshall agitado — mas ainda não o conseguiu localizar.

Gucky também está tentando localizá-lo. O interessante é

que nós podemos afirmar com certeza que a nave de

Topthor não estava junto com o grosso da frota.

— Onde, então?

— Se soubéssemos onde, estaria tudo terminado —

respondeu Marshall. — O senhor sabe, chefe, que

distâncias não se podem calcular só por meios telepáticos.

Por isso, Gucky ficou a bordo da Centauro, enquanto Betty

e eu nos transportamos para a Titan. O senhor sabe que

calcular uma distância com auxílio de duas retas dadas e de

um ângulo conhecido, não é mais problema hoje. Aliás, já

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não era há muitos séculos. Completamente novo é

determinar as duas retas somente por meios telepáticos.

Betty e Gucky tentam localizar Topthor. Betty já sabe qual

é à distância. De Gucky ainda não sabemos nada.

— Você tem contato com a Centauro?

— É claro, capitão Lamanche dirige as operações lá de

cima. Deringhouse voa agora para Aqua.

— O planeta das águas? Por que isso?

— Porque os impulsos secretos de Topthor provêm de

lá.

Rhodan comprimiu os olhos e fitou Marshall, muito

pensativo.

— Quer dizer então que está faltando só a orientação de

Gucky?

— Exatamente — respondeu Marshall. — Então

saberemos onde está Topthor. Onde se cruzarem as retas de

Betty e de Gucky, aí está o superpesado.

Soou o intercomunicador e o semblante do cadete

Martin apareceu na pequena tela.

— Marshall está com vocês?

Rhodan fez um sinal para Marshall.

— Sim, está conosco. Você tem notícias de La manche?

— Gucky transmitiu exatamente agora uns dados para

Marshall. Devo repeti-los?

Marshall fez sinal que sim. Estava com lápis e papel na

mão. Betty olhava curiosa para ele. Dr. Certch dava

passadas nervosas de um canto para outro. A ele interessava

sobretudo a destruição da belonave de Topthor, e com isto

também o desaparecimento do perigosíssimo computador

de bordo.

— Leia devagar, por favor.

Marshall anotou as coordenadas e começou a fazer

diagramas. Em passos rápidos, aproximou-se de Rhodan e

pediu:

— O mapa do sistema, senhor. Acho que o palpite de

Gucky estava certo.

E Rhodan, entregando-lhe o mapa:

— Que palpite?

— Que Topthor havia aterrissado em Aqua.

Provavelmente desconfiou e quis ver pessoalmente

“Marte”. Então está na hora de tomarmos iniciativa.

— Centauro chamando, senhor — interrompeu Martin,

desaparecendo da tela.

Por uns trinta segundos, houve silêncio total na cabina.

Todos esperavam meio angustiados o que havia sucedido.

Finalmente acendeu a luz do intercomunicador. Martin

parecia meio apavorado ao falar:

— Foi Deringhouse. Avisou que Gucky desapareceu

completamente.

Rhodan respirava com dificuldade.

— Que quer dizer desaparecer completamente? Onde

está a Centauro?

— Está circunavegando Aqua, senhor. O rato-castor,

assim diz o relatório de Lamanche, falara que tinha ainda

de liquidar um assunto, depois disso desapareceu. No

arsenal está faltando uma pequena bomba atômica.

A fisionomia de Rhodan clareou. Marshall, que estava

pálido como cera, deixou transparecer um leve sorriso:

— Que malandro este Gucky. Ele sabe que o procurado

está no quarto planeta e toma suas próprias decisões. Não é

um pouco apressado, chefe?

Rhodan não conseguiu disfarçar o sorriso:

Um de nós tinha que fazer isto; por que não Gucky?

Prometi-lhe um armazém de cenoura se conseguisse achar

Topthor.

Marshall caiu na poltrona mais próxima.

— Então... — murmurou ele, fechando os olhos com

resignação.

* * *

Uma forte aragem do sul tocava as ondas, sem cessar,

contra a praia arenosa que se estendia reta de leste para

oeste, raramente interrompida por enseadas idílicas. Após

uns cem metros da praia começava a floresta virgem. Estes

cem metros eram tão planos como uma estrada.

Quando Topthor, que dirigia a viatura, viu o mar, parou

sem querer. Encantado, ficou olhando para a superfície

azul, a se perder no horizonte. No céu, o sol alaranjado.

Estava quente, de maneira que a brisa do mar foi-lhes um

grande alívio. A cúpula de vidro do carro estava aberta.

— O melhor é dobrarmos para o leste — disse Ber-Ka,

a quem a visão do mar era coisa comum. — A ilha de aço

está no litoral sul, isto eu sei com certeza. Mais ou menos

na extremidade sudeste do continente.

Topthor se desprendeu do belo panorama. Virando-se

para seu companheiro, disse:

— Agora estou compreendendo porque vocês

instalaram aqui uma base. É realmente um mundo em que

se pode viver bem.

O tópsida nada respondeu. Continuou olhando para o

lado da praia, como se esperasse encontrar alguém. Mas

não conseguiu ver as listras prateadas na superfície do mar

que denunciavam a presença dos seres aquáticos. Os

habitantes de Aqua, como Deringhouse batizara este

mundo, viviam exclusivamente na água. Em terra, não

aguentavam mais do que duas ou três horas.

Movimentavam-se na água como um avião a jato: com a

boca enorme sugavam boa quantidade de água,

comprimiam-na no centro do corpo com um órgão especial,

tocando-a para fora com grande pressão através de uma

válvula traseira. Desta maneira, seu nado atingia enorme

velocidade.

Não apareceram e Ber-Ka estava meio decepcionado.

Topthor não estava mais admirando a beleza primitiva

daquele mundo virgem. As preocupações estavam voltando

à sua cabeça. Acima de tudo, a incerteza sobre o que havia

acontecido. O fraco transmissor do carro não dava para

entrar em contato com a frota. Chamar a Top II também

não fazia sentido, pois não podiam responder.

Uma situação desesperadora. Mas alguém certamente o

acharia e aí então a trapaça de Rhodan viria à luz. Quem

sabe o cérebro positrônico da Top II haveria de corrigir seu

erro e então os saltadores fariam verdadeiro ataque à

verdadeira Terra.

— A ilha...! Estamos chegando.

Topthor viu a construção abaulada, a mais ou menos

dois quilômetros do litoral. Pilastras esguias, apoiadas no

fundo do mar, sustentavam esta estranha ilha. Um parapeito

cercava toda a plataforma, impedindo que alguém caísse ao

mar.

Mas não havia sinal de vida na plataforma. A ilha

artificial parecia morta. Topthor não deu uma palavra.

Andou mais uns dez minutos e depois parou num lugar bem

em frente à ilha. Num porto improvisado, estavam alguns

barcos sem dono.

Ber-Ka apontou-os.

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— Chegaremos à ilha com eles. Vamos, não perca

tempo.

Topthor estava hesitante e disse:

— E se alguém nos viu e está a nossa procura para nos

matar?

— Verão que sou oficial e não atirarão em você sem

mais nem menos, estando ao meu lado. Quem sabe o que já

aconteceu por aqui? Venha Topthor, cada minuto é

precioso.

Um pouco assustado, Topthor abandonou o carro que

até então o protegia bem. A visão da ilha solitária e

estranha não lhe agradava nada, embora fosse o único meio

de tentar contato com sua gente. Dava também a mesma

oportunidade a Ber-Ka.

Se Topthor quisesse ser honesto consigo mesmo, teria

de confessar que, a princípio, não estava confiando muito

no tópsida, quanto ao caminho para a ilha. É certo que os

dois tinham um acordo, feito, porém pela necessidade do

momento e não por simpatia. Estavam convencidos de que

manteriam o contrato, somente enquanto um precisasse do

outro. Quando Ber-Ka encontrasse os seus, não precisaria

mais de Topthor e vice-versa.

Ber-Ka já estava em pé dentro de um barco, como que

convidando para um passeio na ilha.

— Venha Topthor, não temos tempo a perder.

O superpesado se pôs em movimento. Em sua cintura,

balançava a pistola energética. Seus pés entravam fundo na

areia. Não tirava os olhos de Ber-Ka, pois não queria ser

surpreendido com um tiro pelas costas. O momento da

decisão se aproximava inexorável.

O barco balançava bastante, mas com um pequeno ruído

do motor, ia levando os dois para o ancoradouro da ilha,

uma plataforma bem rente ao mar. Neste local, o paredão

liso da ilha era substituído por um portão. Uma roda fazia

as vezes do usual trinco ou alça de abrir.

Ber-Ka amarrou o barco bem firme num gancho e

saltou. Com mãos ágeis abriu o portão, enquanto Topthor

se esforçava para botar o pé no chão da ilha, cujas paredes

se erguiam a mais de vinte metros de altura. Topthor não

conseguia ver o fundo do mar e não sabia, pois, qual era a

profundidade.

O tópsida já tinha entrado e virou-se para trás:

— Venha Topthor, não sei se vamos achar a instalação

funcionando ou a tripulação presente. Mas vamos

experimentar. Isto era nosso quartel-general, porém como

estou vendo, inundaram a parte inferior. Repare que as

escadas estão encobertas pela água. Só aquela é que está

livre. Não tenho nenhuma ideia onde se encontra a cabina

de rádio.

— Se existia uma, ou ainda existe, nós encontraremos

— disse Topthor mais otimista. — Provavelmente nos

andares de cima. Vamos dar uma olhada primeiro na

fortaleza aquática. Estou achando as instalações muito

interessantes, embora não compreenda por que não a

construíram em terra firme. Não havia adversários, não é?

— Devido ao contato com os nativos — explicou Ber-

Ka.

Com Topthor atrás dele, começou a subir.

Tinham levado consigo só as coisas mais importantes, o

restante ficara embaixo. Tudo demonstrava que era

intenção dos tópsidas voltar para o quartel-general logo

após a batalha. Nos armários, ainda estavam guardados os

rolos de fitas magnéticas e os microfilmes sobre o quarto

planeta do sistema Beta. Os olhos de Topthor viam

cobiçosos aqueles tesouros de documentos. Se pudesse

pegaria tudo. Mas depois pensou friamente que os tópsidas

não voltariam mais, pois estavam mortos. Com toda

probabilidade, Ber-Ka era o último tópsida vivo, a entrar

naquela ilha de aço.

A mão de Topthor estava por acaso na coronha da

pistola quando Ber-Ka virou de repente para trás e apontou

para frente, onde havia uma porta aberta. Atrás dela, estava

a instalação de rádio, um salão bem claro.

O superpesado estremeceu todo de susto, como que

apanhado numa ação imoral. Deu um sorriso forçado,

olhando para Ber-Ka.

— Excelente, Ber-Ka, a jogada de Rhodan está

chegando ao fim.

O grande salão estava vazio. Os aparelhos, receptores,

geradores e transmissores estavam em seus lugares. Amplas

janelas deixavam entrar a luz do sol. As poltronas dos

operadores estavam como eles haviam deixado.

A qualquer momento, pensava Topthor, os sáurios

poderiam voltar como se tivessem saído apenas por uns

instantes. Mas depois, achou que estava louco, pois os

tópsidas não tinham sido todos derrotados e mortos?

Ninguém voltaria para ali. Ber-Ka era e continuava sendo o

único tópsida vivo. O último a entrar naqueles tesouros.

— Você entende alguma coisa disso?

— O suficiente para dar conta do recado — afirmou o

jovem oficial, apontando para uma complicada instalação.

— No começo de minha carreira, era operador de rádio.

Espere, em poucos minutos teremos Al-Khor ali na tela.

Topthor franziu as sobrancelhas.

— Por que não Cekztel, meu comandante supremo?

Quem sabe se Al-Khor já está morto, depois que toda sua

frota foi destruída?

— Isto aqui é uma estação dos saltadores ou dos

tópsidas? — perguntou Ber-Ka. — Assim que eu falar com

Al-Khor, a estação fica a sua disposição. Mais, você não

pode exigir.

O superpesado concordou hesitando.

Sua mão estava de novo na cintura.

— Está certo, Ber-Ka, mas sem a minha

magnanimidade você não estaria nesta ilha. Tenho, pois, o

direito de ser o primeiro a falar. Além disso, não adiantaria

nada à sua frota se Al-Khor for cientificado da trapaça de

Rhodan. O importante é que a frota dos saltadores seja

esclarecida. Compreende isto?

Mas Ber-Ka estava possuído por uma idéia fixa. Queria

vingança e queria realizar um feito heróico. Se ele matasse

o saltador e conseguisse que as operações de guerra

recomeçassem, receberia a comenda de bravura do ditador.

Mas este saltador era um adversário ágil e perigoso, que

não se podia menosprezar.

— Talvez o senhor tenha razão — disse ele cauteloso.

— Por favor, use a instalação primeiro. Certamente o

senhor saberá manuseá-la.

— Também Já fui operador de rádio — respondeu

Topthor, passando ao lado de Ber-Ka, em direção à cadeira

livre, já com a arma na mão.

Ao perceber, pela imagem refletida no vidro abaulado

da tela, que o sáurio havia sacado a pistola para matá-lo

pelas costas, sua reação foi espantosa. Fez como se fosse

sentar na poltrona do operador, deu meia-volta e se atirou

no chão, descarregando a arma.

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Ber-Ka foi apanhado de surpresa, morrendo sem um

gemido, com a arma apontada para Topthor. O fluxo

energético cessou, Topthor respirou aliviado, guardando a

arma na cintura. Estava agora livre de qualquer ameaça do

traidor sáurio, que tinha matado em legítima defesa. O

cadáver seria prova disso, da intenção de Ber-Ka de matá-lo

pelas costas. Haveria de deixá-lo como estava.

Topthor se sentou diante dos aparelhos e começou a

estudá-los. A instalação basicamente não era muito

diferente da dos saltadores. Apresentava, porém, algumas

novidades nos controles, com que não estava acostumado.

Estava, porém, convencido que não levaria muito tempo

para fazer tudo funcionar.

Ficou uns dez minutos diante dos aparelhos tentando em

vão, até que esticou a mão direita e empurrou uma

alavanca. Regulou a frequência do transmissor e pegou o

microfone, depois que a tela ficou iluminada.

— Alô, aqui fala Topthor, do quarto planeta do sistema

Beta. Aqui fala Topthor do quartel-general dos tópsidas.

Estou chamando Cekztel, comandante supremo dos

superpesados. Apresente-se, Cekztel. Tenho uma

comunicação importantíssima para lhe fazer. Apresente-se.

Repetiu três vezes seu apelo e depois passou para a

escuta. Não teve que esperar muito, até que apareceu na tela

a imagem desfocada do velho patriarca, os olhos astutos,

como que sobressaindo do nariz chato e da imensa barba,

procuravam, como se não vissem, a imagem de Topthor.

— Alô, Topthor? Aqui fala Cekztel, por que não liga

sua câmara? Minha tela está escura.

— É uma instalação de rádio dos sáurios, que não

domino bem. Mas, não tem importância. Preste atenção,

Cekztel: faça paz imediatamente com os tópsidas.

— Você ficou maluco? Os tópsidas se aliaram com os

terranos e eu devo fazer pazes com eles? Além disso, não

saberia onde encontrar um comandante deles. Somente a

gigantesca nave esférica de Rhodan é que aparece de vez

em quando, junto com pequenas unidades. Naves

cilíndricas não aparecem mais.

— Venha me apanhar aqui, Cekztel, você vai me

encontrar facilmente. No quarto planeta...

— O que está fazendo aí? Não vi sua nave durante todo

o tempo do ataque.

— Eu lhe conto tudo mais tarde, Cekztel. De qualquer

maneira, você ficará boquiaberto quando lhe disser que este

Rhodan nos enganou novamente.

— Não diga besteira, Topthor, ganhamos a batalha e

estamos nos preparando para acabar de destruir a Terra. Só

mais uma hora e...

— Um grande erro — interrompeu-o Topthor, sorrindo,

o que o patriarca não podia naturalmente ver. — Um

grande erro. Você podia poupar sua bomba e...

Topthor parou sem querer, pois neste segundo sua tela

escureceu. A imagem de Cekztel desapareceu e ao mesmo

tempo cessou o leve zumbido da aparelhagem. As lâmpadas

de controle apagaram. A instalação toda havia desligado

por si.

Antes que Topthor pudesse compreender o que se

passava, ouviu uma voz sibilante atrás de si.

— Vire-se, mas tire a mão da pistola.

Topthor obedeceu, virando-se vagarosamente.

* * *

Deringhouse não era tão ingênuo assim.

— O que vamos fazer no planeta Aqua, Gucky? —

perguntou ele cauteloso, hesitando quanto ao próximo

hipersalto. — Lá não existe nada.

— Quem sabe, existe — respondeu o rato-castor,

desenhando um triângulo quase eqüilátero numa folha de

papel. — Quem sabe existe mesmo muita coisa.

— Não compreendo, não, Gucky.

— Então, vou lhe explicar, chefe. O bom Topthor está

em Aqua, para gozar férias especiais. Eu gostaria de

abreviar estas férias, antes que ele faça bobagem.

— Topthor? — perguntou Deringhouse perplexo, como

que atingido por um choque elétrico. — Topthor?

— Exatamente — disse Gucky radiante e ao mesmo

tempo suplicante, no seu olhar de cão fiel. — Você sabe, o

chefe me prometeu uma coisa, se eu encontrasse Topthor.

Sabe o que vou receber, quando o deixar fora de combate e

destruir sua espaçonave?

— Você sozinho? — admirou-se Deringhouse, olhando

já agora para o mapa sideral. — Eu também gosto de ser

amigo de Rhodan.

— O que você vai fazer com uma meia dúzia de

alqueires de cenoura? — perguntou Gucky. — Basta que

nossa nave passe a uns mil quilômetros de Aqua.

— Devo avisar Rhodan...

— Mais tarde, major. Não se pode saber se nesse meio

tempo Topthor já se comunicou com Cekztel.

Deringhouse concordou e apanhou a calculadora.

Três minutos mais tarde, a Centauro surgiu perto de

Aqua, descendo em parábola até se aproximar da camada

atmosférica.

— Então, Gucky? — perguntou Deringhouse, virando-

se para trás. — Você está conten...

O major interrompeu a palavra. Gucky já não estava

mais na cabina, havia desaparecido sem deixar rastro.

Então, Deringhouse não hesitou mais em noticiar tudo

imediatamente a Rhodan.

* * *

Quando o planeta das águas apareceu na tela, Gucky se

concentrou e pulou. Assim que sentiu chão firme debaixo

dos pés, respirou aliviado. Era sempre um grande risco

pular no nada, mas Gucky teve sorte. Estava no alto de um

morro sem vegetação, que emergia íngreme do meio da

mata virgem, proporcionando um magnífico panorama. Isso

não interessava muito a Gucky, mas a busca foi muito

facilitada pelo fato de que Aqua possuía apenas um

continente, que não era tão grande assim.

Olhou para o sol quase a pino, sentou-se numa pedra

lisa e fechou os olhos. Tinha que ouvir o que não podia ver.

Do contrário, não encontraria sua presa.

E sua presa se chamava Topthor. Concentrou-se para

captar os impulsos de pensamento do superpesado, o que

devia ser mais difícil do que no espaço livre. Para sua

surpresa, porém, percebeu logo nos primeiros segundos

partes de pensamentos, que sem dúvida vinham de

saltadores e de tópsidas.

“Saltadores e tópsidas! Na mesma direção?”

Gucky virou a cabeça; a distância, naturalmente, não

podia calcular, mas a direção, sim.

— Puxa, saltador e tópsida em harmoniosa conversa,

que surpresa! Isto tem que ser examinado de perto. Quem

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sabe Topthor pode estar por perto — murmurou.

Procurou localizar bem a direção e se teleportou para o

próximo morro. Depois da terceira teleportação, viu duas

naves: ou melhor, escombros de duas naves, próximas uma

da outra, num planalto pedregoso. Gucky realmente se

espantou:

— Puxa! A Top II, se não me engano. Que coisa

maravilhosa!

Enfiou a mão num bolso de couro da cintura, tirando

dali um objeto metálico, do tamanho de um ovo de galinha,

a bomba atômica. Pegou-a com cuidado, regulou o

detonador, apertou um botão, olhando para que se

mantivesse nesta posição, Se o soltasse, a bomba teria cinco

segundos para explodir. Pulou para dentro da nave e se

materializou na cabina de comando que pertencera a

Topthor. O oficial que estava de plantão, sentado no sofá,

arregalou os olhos espantado e se levantou num pulo para

ver melhor a estranha aparição. Tinha arma na cintura, mas

não fizera menção de usá-la. Olhava horrorizado para o

rato-castor que surgira do nada, segurando um objeto

metálico na mão, como se quisesse atirá-lo.

— Se você for bonzinho, lhe darei uma coisa — disse

Gucky no mais puro intercosmo, que deixou o superpesado

ainda mais perplexo.

Conseguiu apenas balbuciar:

— O que você vai me dar?

— A vida — disse-lhe Gucky triunfante, mostrando-lhe

a bomba. — É poderosíssima, se eu a soltar, explode

imediatamente e haverá então um buraco enorme neste

trecho do planeta. Portanto, não faça bobagem. Vá para o ar

livre lá fora e reúna os outros.

— Os outros? — disse o pobre superpesado, sem

compreender nada. — Quem é você?

— Sou Gucky. Nunca ouviu falar no meu nome? Meu

melhor amigo se chama Perry Rhodan.

— Rhodan...? — exclamou o bem nutrido guarda. —

Rhodan está aqui?

— Na redondeza, bem perto. E agora, chame os outros

lá para fora. Eu queria dizer umas palavras a eles. Chame

também os sáurios. Vocês fizeram aliança com eles?

— Foi ordem de Topthor. Ele disse que a guerra foi um

erro.

— Toda guerra é um erro — continuou Gucky. — Mas

há erros que evitam a guerra.

O superpesado continuava olhando para Gucky, sem

nada compreender. Gucky sorria, mostrando seu dente

roedor.

— Vamos, não temos tempo a perder. Em dois minutos,

quero ver as duas tripulações lá fora. E lhe digo logo que

tenho uma bomba atômica em minhas mãos que detonará

cinco segundos após minha morte, se algum maluco estiver

pensando em me matar.

Levou apenas um minuto. Gucky esperou na escotilha

até que os saltadores e os tópsidas estivessem todos

reunidos lá fora, no planalto. Depois avançou um pouco

mais, com a mão erguida, e gritou bem alto:

— Para ser bem rápido: Rhodan me deu a incumbência

de, com esta bomba atômica, destruir os escombros da

nave. Desapareçam todos daqui, do contrário voarão pelos

ares em pedaços. Têm dez minutos para isto.

Compreendido?

Entenderam perfeitamente, disparando em todas as

direções. Apenas um dos superpesados, com menos de

quatrocentos quilos, ainda antes de entrar na floresta virou

para trás e disse:

— Sem a nave, nós não temos mais abrigo. Temos que

morrer aqui ou alguém virá nos salvar?

Gucky encolheu os ombros.

— Construam seus ninhos — disse ele pilheriando. —

Aliás, onde está Topthor?

O superpesado acabou de desaparecer. Gucky ainda

esperou dez minutos. Depois voltou ao grande aparelho e

procurou o lugar onde estavam os instrumentos de

navegação positrônica. Parou diante daqueles gigantescos

aparelhos, mostrando-lhes a bomba atômica, dizendo

baixinho:

— Agora vocês vão receber um presente especial,

principalmente você, computador de boa memória. Sabe

também por quê? Não? Muitos já morreram sem saber o

porquê. O mesmo vai acontecer a você.

Com muito cuidado, colocou a bomba sobre a mesa de

controle, diante do robô, e deu um passo atrás. O botão

vermelho estava puxado para fora. Gucky se

desmaterializou e, em menos de um segundo, estava no alto

de um morro, a cinco quilômetros dos escombros da Top II.

— Ainda três segundos — disse ele, sentando-se sobre a

volumosa cauda. — Agora!

Lá ao longe, além do teto verdejante da floresta, subiu

ao céu o clarão ofuscante da explosão, apagando quase a

claridade do sol. Um cogumelo de fumaça surgiu lento:

estava tudo acabado.

— Aquela caixa de metal não falará mais — disse para

si mesmo, virando-se para outra direção. — Topthor está

pensando de novo muito alto. Portanto deve estar por perto.

No horizonte, se estendia a imensa superfície do mar,

até se encontrar com as nuvens baixas, à direita da língua

de terra.

— Está falando com Ber-Ka, quem é Ber-Ka? — Gucky

auscultava atento. De repente, levantou-se de um salto, e de

pé, com a cabeça levemente virada, como se assim pudesse

ouvir melhor. — Ele é um assassino? Isto me torna o

serviço mais fácil. Vamos lá, meu caro.

Com “meu caro”, Gucky se referia a si mesmo. O

primeiro salto o deixou na praia, não longe daquele lugar

onde ancoravam os barcos para a travessia. Ali no mar,

estava a ilha de aço. Gucky sondou e percebeu que Topthor

devia estar ali.

O segundo salto levou Gucky para a plataforma da ilha.

Daí em diante, não quis mais se teleportar. Concentrou-se

nos pensamentos de Topthor e achou a direção exata. O

saltador devia estar debaixo da plataforma, na sala de rádio.

Ber-Ka já estava morto e Cekztel estava no aparelho para

falar com Topthor. Não se podia perder mais um segundo.

Gucky desceu as escadas, atravessou o corredor, chegando

a uma porta encostada, que abriu cuidadosamente.

Viu Topthor de costas, olhando para a tela. Ao lado

dele, jazia o cadáver de um sáurio.

— ...erro — dizia Topthor. — Um grande erro. Você

podia poupar sua bomba e...

Gucky emitiu um fluxo de suas forças telecinéticas,

pegando com mão invisível na confusão eletrônica dos fios.

A imagem sumiu da tela, a resistência queimou, não

havendo mais corrente.

— Vire-se — disse Gucky — mas tire a mão da pistola.

Topthor obedeceu imediatamente.

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120

5

Embora os tópsidas tivessem perdido toda sua força

aérea, Al-Khor julgou seu dever continuar lutando até não

haver mais um só saltador no quarto planeta.

Ao aproximar-se da suposta Terra com suas naves de

reconhecimento, Cekztel teve uma surpresa desagradável.

Das fortalezas improvisadas pelos sáurios, saiu uma reação

de fogo antiaéreo tão forte e inesperada que em muitas

naves o envoltório energético não resistiu.

Cekztel viu horrorizado que quase a metade de sua frota

de patrulhamento foi destruída. Arrependeu-se de ter

subestimado os terranos.

A tudo isso ainda acrescia que, exatamente nesta

situação desesperada, surgiam as naves esféricas de

Rhodan, aumentando ainda mais a confusão. Três outras

naves dos saltadores ainda foram destroçadas.

O terceiro planeta se transformara em inferno ignívomo.

A impressão, pelo menos conforme o raciocínio dos

patriarcas dos saltadores era de que os terranos haviam

transformado seu planeta pátrio numa fortaleza subterrânea.

Talvez fosse essa a explicação para o fenômeno que

causara tanta dor de cabeça a Cekztel. Todo planeta

civilizado, assim era o seu raciocínio, devia ter seu cartão

de visita: a superfície. A superfície da “Terra”, no entanto,

constava apenas de uma paisagem rústica que não

apresentava o menor sinal de civilização. Será que os

terranos tinham toda sua civilização em subterrâneos?

Sua última dúvida a respeito de se tratar mesmo da

verdadeira Terra desapareceu com o repentino e violento

contra-ataque subterrâneo.

Suas ordens chegavam a todas as centrais de comando

do restante da frota:

— Retirada imediata. Ponto de encontro em BK

cinqüenta e nove-hf. Temos de sair daqui.

Com uma velocidade incrível, as naves cilíndricas dos

saltadores se atiraram espaço a fora, deixando no planeta

das matas virgens os pobres tópsidas, já mais aliviados.

* * *

Cekztel olhava para a tela vazia, esperando que Topthor

desse sinal de vida. Mas o rádio estava mudo e o

superpesado não dava sinal nenhum. O patriarca franziu a

sobrancelha e um tanto inseguro, virou-se para um dos seus

oficiais:

— O que este Topthor quer dizer com a frase: “Rhodan

nos enganou novamente”? Entenda isto quem quiser. Será

que não estamos em condições de liquidar com este

Rhodan? Não destruímos sua frota e a de seus aliados? É

verdade que a Terra está se defendendo com unhas e dentes

e não pensa em se render. Mas isto vai adiantar alguma

coisa? A bomba arcônida vai produzir um novo sol neste

planeta. E mesmo que não consigamos apanhar Rhodan, o

que ele vai fazer sem seu planeta pátrio? Não pode ficar a

vida toda rodando por aí em sua gigantesca nave esférica.

Então, haveremos de apanhá-lo, quando tentar descer um

dia em um dos nossos mundos.

O oficial, um saltador normal, com menos de cem

quilos de peso, fez como se estivesse de acordo.

— Para mim, seria muito melhor que Rhodan estivesse

morto.

— Para mim, também — esbravejou Cekztel, furioso

contra suas próprias dúvidas. — Para mim também,

acredite, mas já fico mais contente quando a Terra estiver

destruída. A Terra é a incubadora destes novos-ricos

aventureiros, que não respeitam nosso monopólio

comercial. Você vê que até os mais ou menos neutros

tópsidas se tornaram nossos inimigos porque Rhodan

conseguiu influenciá-los. Depois que a Terra for destruída,

teremos uma conversa muito séria com o ditador.

— Quem sabe, foi ele obrigado a tomar esta atitude

contra nós?

— Quem sabe, mas não temos certeza — continuou

Cekztel. Seus olhos ainda continuavam fixos na tela escura.

— Temos que nos preocupar com Topthor. Providencie

para que uma de nossas naves vá buscá-lo. Enquanto isso

eu fico preparando tudo para a destruição da Terra.

O oficial obedeceu e saiu em direção à sala de rádio.

Fez logo uma ligação para certo Bernda, um corpulento

patriarca dos saltadores da estirpe dos chamados

comerciantes de cereais.

— Ordens de Cekztel, Bernda — disse o oficial assim

que o semblante do astuto comerciante apareceu na tela. —

Você deve voar para o quarto planeta do sistema e apanhar

Topthor e sua tripulação. Teve de fazer uma aterrissagem

forçada por lá. A aparelhagem de rádio parece que não

funciona. Mas você vai encontrá-lo com facilidade. O

planeta é completamente inabitado.

— Exatamente Topthor! — disse Bernda, com cara de

poucos amigos. — O desgraçado já me estragou muito

negócio bom na vida.

— Isto não interessa nem a Cekztel nem a mim —

interrompeu o oficial. — O senhor recebeu a ordem de

apanhar Topthor. É muito importante, pois Topthor tem

uma mensagem de muito valor para nós. Espero que o

senhor coloque o bem de nosso povo acima de seus

interesses particulares e diferenças pessoais.

— Não se preocupe — foi a resposta do comerciante de

cereais. — Sei o que tenho que fazer. Devo partir, quando?

— Imediatamente. E não se assuste se o terceiro planeta

se transformar num sol.

— A Terra?

— Sim, a Terra — respondeu o oficial, desaparecendo

da tela de Bernda.

O comerciante ainda ficou olhando por uns instantes

para a tela apagada, depois sua voz possante gritou umas

ordens. Toda a tripulação correu para seus lugares e se

preparou para a nova missão.

A Bern I era uma espaçonave relativamente pequena,

um cilindro de mais ou menos oitenta metros de

comprimento, com poucos meios de defesa, mas muito ágil.

Cekztel não poderia escolher ninguém melhor do que

Bernda, para esta missão. Ele comerciava com cereais e o

seu negócio estava também ligado com a pesquisa da

superfície de outros planetas à procura de vegetação e de

animais. Seu trabalho profissional o obrigava a se utilizar

de uma nave pequena.

— Aceleração até mais ou menos 1G!

A Bern I, depois de descrever um ângulo de 90 graus,

disparou pelo espaço a fora, perdendo de vista em pouco

tempo a frota dos saltadores. Apenas uma vez, notou no

espaço pedaços de aparelhos destruídos, que não

interessavam a ninguém.

Levou mais ou menos uma hora, depois o quarto planeta

ficou tão grande que enchia toda a tela. É claro que Bernda

Page 121: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência" - Volume X - A Morte da Terra. P- 46-49.

121

não ia colocar seu dever de cidadão acima dos seus

interesses particulares.

“Água... A maior parte deste planeta está coberta de

água. Não há muita coisa para se procurar”, pensava ele.

Mas, quem sabe existiriam no continente novas formas

de vida que seriam de grande interesse para incrementar

seus negócios? Se encontrasse logo Topthor, não teria mais

jeito de prolongar sua permanência no quarto planeta. Sua

ausência não ia apressar o desenrolar dos acontecimentos

nem alterá-los.

A Bern I deslizava a poucos metros de altura, sobre a

superfície das águas. Pequenas ilhas anunciavam o

continente, que minutos depois apareceu no horizonte.

Bernda mandou abrir a cúpula de observação e sentou-

se numa poltrona onde mal caberia Gucky. Desta cúpula,

tinha uma ótima visão para todos os lados, mormente para

baixo. Uma direção auxiliar lhe permitia controlar os

movimentos da nave, dali da cúpula mesmo. Uma ligação

direta com a cabina de rádio o punha em contato

permanente com sua tripulação ou com naves próximas.

Bernda se entregou completamente às suas inclinações

comerciais. Como um técnico, contemplava as enormes

árvores da floresta virgem, avaliando seu valor comercial.

Em mundos pobres de florestas, troncos de boa madeira

davam grandes lucros. Principalmente árvores como

aquelas. De qualquer maneira, não ia perder a oportunidade

de arranjar mudas e sementes.

Talvez fosse melhor, primeiro procurar Topthor. Não

gostou muito desta ideia. Mas depois ficou pensando que de

fato ele estava recebendo dinheiro para atuar nesta

campanha, tendo, portanto algumas obrigações a cumprir.

A desgraça é que tinha de salvar exatamente a Topthor.

Casualmente seu olhar deu com uma formação de

nuvens, que não lhe era estranha. Um vento brando já havia

espalhado um pouco o cogumelo que penetrava já bastante

na atmosfera, embora fossem inconfundíveis a larga umbela

e a coluna vertical. Mais para frente, no continente, devia

ter havido, há poucos instantes, uma explosão atômica.

A curiosidade de Bernda cresceu. Aumentou a

velocidade e cinco minutos mais tarde estava chegando à

região calcinada do planalto. Um enorme rombo afunilado

no chão documentava a catástrofe. As bordas da imensa

cavidade redonda tinham um brilho de vidro incandescente.

Na floresta em volta, ainda se viam algumas chamas e os

destroços atirados, mas eram sufocados depressa pela falta

de oxigênio na densa ramagem rasteira.

Bernda não pensou em descer. Por que iria se expor a

perigo sem necessidade? Se Topthor estivesse por aqui, já

estaria morto. Mas, quem teria provocado a explosão e por

quê?

Era impossível arranjar uma resposta na hora, mas o

tempo se encarregaria de trazê-la. Bernda virou a nave e se

dirigiu para o mar, que não estava longe. No momento, não

estava mais pensando em mudas e sementes de árvores,

mas quebrando a cabeça para descobrir o que a explosão

atômica tencionava destruir.

Achou a resposta mais depressa do que esperava: seus

olhos descobriram alguma coisa se movendo no pedregoso

planalto. Baixou bastante a nave e percebeu um corpo

ereto, de um brilho esverdeado, com uma cauda coberta de

escamas.

Um tópsida! Como teria aquele sáurio chegado até

aqui? Bernda desceu ainda mais e já estava para mandar a

tripulação abrir fogo contra o inimigo, quando um calafrio

lhe percorreu a espinha. Viu outra figura, um superpesado.

Saía de trás de um rochedo e ficou parado ao lado de um

tópsida. Ambos olhavam para cima e acenavam. Como se

estivessem esperando, apareceram imediatamente outros

superpesados e outros tópsidas. Agiam como se não fossem

adversários entre si. Bernda já não estava compreendendo

mais nada. Mas foi suficientemente inteligente para

suspender a ordem de fogo.

Aterrissou a uns duzentos metros do estranho grupo e já

estava pronto para pisar em terra firme. Não confiou muito

naquele ambiente tão pacífico, enfiou duas pistolas na

cintura, ordenou que dois guardas bem armados o

seguissem.

A cerca de vinte metros da escotilha aberta, os três

saltadores pararam, esperando os desconhecidos.

— O que você acha? — sussurrou Bernda.

O oficial da direita sacudiu a cabeça:

— Talvez foram derrubados e então suspenderam a luta

— não sabia que realmente estava muito perto da verdade.

— Por que razão têm que se destruir mutuamente, se uns

podem ajudar os outros a se salvarem? Vamos ver em

breve.

— Você quer sempre ir contra o regulamento —

protestou o outro guarda nervoso. Sua mão já estava

segurando a pistola energética. — Os tópsidas foram

declarados aliados de Rhodan e devem ser tratados como

tais.

— Esperemos um pouco — disse Bernda calmamente.

Olhou para os dois superpesados que se aproximavam

acompanhado de dois tópsidas. Observou que estavam

desarmados. O restante dos superpesados e dos tópsidas

ficou aguardando aos pés do rochedo. A delegação parou a

dez metros de Bernda e seus dois guardas. O superpesado

sorria com dificuldade.

— Isto se chama socorro na hora exata — disse,

estendendo a mão a dez metros de distância, como se

quisesse cumprimentar Bernda. — Nós já acreditávamos ter

de passar o resto da vida aqui. O senhor encontrou Topthor

e Ber-Ka?

— Ber-Ka, quem é ele?

O superpesado apontou para seus companheiros:

— O comandante dos tópsidas, cuja nave nós

derrubamos. Infelizmente a Top II ficou danificada, não

podendo mais levantar voo. Os sáurios e nós fizemos então

um armistício, porque não tinha mais sentido nos matarmos

mutuamente.

— Cekztel certamente se alegrará muito com o

procedimento arbitrário de Topthor — disse Bernda, feliz

com a desgraça alheia. — Onde está então Topthor?

— Saiu em companhia de Ber-Ka à procura de uma

estação de rádio, em algum ponto do litoral, numa ilha

artificial.

— Numa ilha artificial? — disse o superpesado,

sacudindo a cabeça.

— Não é possível que o senhor entenda, sem um

relatório mais pormenorizado. Dê-nos primeiro alguma

coisa para comermos e bebermos e depois saberá de tudo.

Mas Bernda estava curioso demais para aceitar

imediatamente a proposta.

— Responda-me primeiro outra pergunta: achamos, a

algumas milhas daqui, uma cratera atômica. Ali houve uma

grande explosão e o que foi propriamente destruído?

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122

— Foi Rhodan — disse o superpesado. — Ao menos

reconhecemos um de seus colaboradores mais íntimos, um

ser esquisito de pelo marrom e de cauda curta, mas muito

larga. Apareceu do nada, atirou uma pequena bomba

atômica e desapareceu de novo.

— E vocês se salvaram como?

— Fomos avisados por ele, que nos deu dez minutos

para nos protegermos.

— E ninguém de vocês tentou impedir este ser estranho

de destruir a belonave? Acho que já posso dizer que nossa

força espacial não se compõe exclusivamente de heróis. E

os tópsidas também não são mais tão corajosos —

comentou Bernda.

— Para impedir? Como assim? O animal, eu acho que

não se pode classificá-lo como tal, tinha uma bomba

atômica na mão — retrucou o oficial.

— E aí, vocês saíram correndo feito cabritos

desnorteados, para todos os lados? Cekztel é quem vai

decidir isto. Eu tenho apenas a missão de encontrar

Topthor, porque ele tem, aparentemente, uma mensagem

muito importante para transmitir.

— Uma mensagem muito importante? — repetiu o

superpesado, tentando descobrir alguma coisa. — Pode ser

mesmo, Topthor e Ber-Ka discutiam muita coisa em

segredo e diziam que a guerra não tinha sentido. Pensavam

que Rhodan nos tinha enganado que tínhamos caído numa

esparrela sem percebermos. Mais eu não sei, não.

— Quem é você?

— Sou Gatzek, o segundo oficial de Topthor.

Bernda concordou aos poucos.

— Bem, então diga ao seu pessoal e também aos sáurios

que mandarei cuidar de vocês todos. Mas depois, espero o

relatório de vocês, dentro de meia hora. Há um grande erro

em tudo isto. Quero descobri-lo.

Viu com sentimento ambíguo que saltadores e tópsidas

se confraternizavam tão simplesmente. Todos misturados,

esparramados pelo chão, à espera de uma refeição.

* * *

A bomba de Árcon era o instrumento de maior poder

destrutivo dos antigos arcônidas. Uma vez ativada,

desencadeava um processo irreversível com o poder de

destruir um planeta. Infelizmente não eram só os arcônidas

que possuíam o segredo desta bomba. Os saltadores

também dispunham desta terrível arma, embora a usassem

muito raramente.

Para destruir a “Terra”, Cekztel lançou mão da bomba

de Árcon.

A frota dos saltadores estava no espaço, a uma distância

suficiente do terceiro planeta, para não sofrer os efeitos da

explosão. Apesar disso, continuavam sendo disparados do

mundo das matas virgens foguetes não tripulados que

atingiam seus alvos automaticamente. O que salvava, às

vezes, as naves dos saltadores era a fuga com uma rápida

transição.

O que Cekztel não sabia era o fato de que toda a defesa

da “Terra” fazia-se apenas por um punhado de tópsidas.

Quase tudo era controlado por robôs. É claro que um

punhado de sáurios estava condenado à morte, embora

Cekztel acreditasse que com a destruição do planeta,

destruiria também uma raça toda, raça que se opusera ao

monopólio dos comerciantes das Galáxias.

Deixou a cabina e foi ter com os especialistas em armas

que estavam regulando o detonador da bomba que seria

lançada pela nave de Cekztel.

— Falta muito ainda para terminar o trabalho?

Um dos oficiais se virou para trás e explicou:

— O detonador terá o curso de uma hora, em seguida

detonará. Acho que este tempo é suficiente para todos se

abrigarem.

— Uma hora...? — continuou Cekztel. — Em

circunstâncias normais é mais do que suficiente. Poderemos

percorrer bilhões de quilômetros. Mas, se alguma coisa não

der certo...

Era uma vaga possibilidade, mas tão vaga que não

passava pela cabeça de ninguém.

— O detonador será ativado pela própria queda da

bomba — explicou o oficial. — Basta apenas jogá-la.

O olhar de Cekztel pairava sobre a bomba. Não era

muito grande, mas seu interior continha um mecanismo

diabólico, desenvolvido por cientistas há muitos milênios e

que até hoje ninguém conseguira aperfeiçoar. A única arma

de destruição que podia concorrer, com ela era a bomba de

gravitação:

— Partiremos em dez minutos — disse Cekztel, se

retirando. Sem dizer uma palavra, voltou à cabina e ligou o

intercomunicador.

Aguardou ainda alguns minutos para que cada um, a

bordo do seu aparelho, pudesse vê-lo e ouvi-lo.

— Chegou a hora decisiva. Correndo tudo dentro da

cronometragem, em setenta minutos começará a destruição

da Terra. Rhodan, pessoalmente nos escapou, mas seus

aliados, os tópsidas, e seus irmãos de raça estarão em breve

mortos no planeta. Vou lançar a bomba em dez minutos. O

tempo para a explosão é de uma hora. Vamos observar os

efeitos da explosão daqui mesmo. Quando este sistema

tiver dois sóis, um gigantesco sol vermelho e um pequeno

sol branco, nossa missão estará cumprida. O planeta Terra

só existirá em nossa recordação.

Fez uma curta pausa e continuou: — Durante meu

regresso, manterei contato com vocês. A ordem de partida,

logo após a explosão, será dada por mim. Até lá estaremos

em estado de alerta. Se surgirem naves de Rhodan, é

necessário atacá-las imediatamente e destruí-las.

Desligou logo após, sem esperar resposta. Por mais de

cinco minutos, ficou parado, imóvel, diante de seus

controles, mas depois recuperou a vivacidade.

Com rápidas manobras, acelerou o vôo e se separou do

resto de sua frota. Como uma ave de rapina, sua nave se

despencou de encontro ao pequeno planeta, que crescia

rapidamente e finalmente encheu a tela toda.

Poços e cavernas até então camuflados na superfície do

planeta, abriram suas possantes bocas de fogo antiaéreo,

atirando raios mortíferos contra o atrevido atacante. Cekztel

acumulou toda a energia disponível no envoltório de

proteção, aproximando-se cada vez mais da atmosfera,

onde finalmente penetrou com um zunido infernal.

A velocidade ainda era elevada demais. Se a bomba

fosse lançada neste momento, poderia se transformar num

satélite qualquer. Mas a velocidade foi diminuindo. A

despeito de todos os perigos, Cekztel baixou mais ainda e

atravessou uma grande cadeia de montanhas. O fogo de

defesa embaixo diminuiu um pouco. Provavelmente os

terranos achavam que nunca poderiam ser atacados pelo

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123

lado das montanhas.

Cekztel ligou o intercomunicador.

— Sala de munições! Lançar a bomba em vinte

segundos. Deve cair sobre o espigão da montanha que nos

está à frente.

Diminuiu ainda mais a velocidade e relacionou-a com a

altura para atingir exatamente o alvo desejado, um planalto

alcantilado.

No exato momento em que foi sobrevoado o pequeno

planalto íngreme, veio a confirmação da sala de munições:

— Bomba atirada. Está caindo sobre o planalto.

Cekztel fez uma pequena curva e subiu. Viu a bomba

cair no ponto desejado. Levantou um pouco de poeira, que

em alguns segundos desapareceu. E ali ficou, numa leve

curva do terreno, com seu brilho prateado.

Agora era só esperar. Mais cinqüenta e nove minutos.

Cekztel deu um último olhar para o pobre mundo

condenado à morte e pegou nos controles com

determinação.

A nave se empinou quase verticalmente e, em

velocidade crescente, perfurou o espaço de um azul-escuro,

perseguida por um míssil teleguiado dos tópsidas, que

surgira inesperadamente. Uma transição de cinco segundos-

luz colocou-a a salvo, pois estes foguetes não iam além de

cem mil quilômetros. Naturalmente, não encontrando seu

alvo, o míssil entrou em órbita e continuaria girando até

que, talvez em milhares de anos, desse de encontro com um

pedaço de matéria e o destruísse. Essa matéria poderia ser

também um meteoro, ou mesmo uma espaçonave

comercial.

Isto ninguém poderia prever e Cekztel também não

tinha nenhuma preocupação a respeito. Sua missão estava

cumprida. Em uma hora estaria de volta para a nebulosa

galáctica M-13.

6

Deringhouse estava olhando para a imagem de Rhodan

na tela panorâmica, embora as duas naves estivessem a

mais de um bilhão de quilômetros uma da outra. As ondas

de rádio atravessavam esta distância toda em um décimo de

segundo, pois iam através do acelerador da estação de

supertransmissão.

— Aconteceu, Deringhouse — falava Rhodan. —

Cekztel já lançou a bomba. No tempo que nos resta de

cinquenta minutos, vou tentar salvar os tópsidas que ainda

estão no terceiro planeta.

— Você ainda dispõe de tanto tempo? — indagou

Deringhouse.

— Ouvi as palavras do patriarca à sua frota —

tranquilizou-o Rhodan. — Não se preocupe, vou dar o fora

a tempo, sem perigo para mim e para a Titan. Realmente é

pena estragar assim um mundo tão romântico, mas sem este

inconveniente, não atingiremos nosso objetivo. Eu já estava

preocupado, pensando que os saltadores desconfiassem,

pois todos imaginam um mundo civilizado de maneira bem

diferente. Por sorte, os tópsidas nos ajudaram,

transformando um planeta desabitado numa verdadeira

fortaleza. Isto deu aos saltadores a certeza de estarem

realmente diante da Terra.

— Devo permanecer nas proximidades de Aqua?

Rhodan refletiu um pouco e depois concordou.

— Sim, tente recolher Gucky. Já deve ter terminado sua

missão. Para agir com mais segurança, eu lhe sugiro

aterrissar em Aqua e procurar por Gucky. Você não está

mais com nenhum telepata a bordo e não poderá assim

entrar em contato com Gucky.

— Gucky levou consigo um pequeno aparelho

transmissor. Pode enviar um sinal para orientação, e o

acharemos logo. É verdade que até agora não deu sinal

nenhum.

Rhodan terminou a conversa:

— Voe para Aqua e espere lá até que o sistema ganhe

outro sol. Procure Gucky e fique então na escuta

permanente, que eu me comunicarei.

Deringhouse desligou e a imagem de Rhodan

desapareceu da tela, que apagou totalmente. Capitão La

manche, sentado diante dos controles de pilotagem,

perguntou:

— Direção Aqua, major?

— Sim, mas primeiro vamos sobrevoar o continente, La

manche, se não acharmos nada, vamos dar uma olhada no

litoral. Em algum lugar, temos de encontrar uma pista do

paradeiro de Gucky e de Topthor.

A Centauro se aproximou do planeta das águas e entrou

logo na atmosfera. A pequena altura dava voltas, sempre

mais amplas sobre o continente, cuja parte central estava

mais ou menos no coração do planeta. Cada vez mais, a

Centauro se aproximava do litoral.

Enquanto La manche pilotava, Deringhouse coordenava

o serviço de busca por instrumentos ópticos, apoiado

naturalmente pela sala de rádio, cujos receptores estavam

regulados para a frequência especial de Gucky. Mas o rato-

castor ainda não havia achado por bem comunicar o lugar

onde estava.

Faltava-lhe possibilidade para isto?

Deringhouse se assustou com o pensamento. Até então

não lhe havia ainda passado pela cabeça que poderia ter

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acontecido alguma coisa estranha a Gucky. Um ente

metafísico, com três poderes parapsicológicos, era

propriamente invulnerável e parecia excluído que não

tivesse apanhado Topthor. Por que, então, não se

comunicava, para que a Centauro o pegasse? Ou estaria ele,

de novo, com os homens-peixes de Aqua, fazendo uma

excursão submarina, como já havia feito uma vez?

Ao ver a cratera, Deringhouse começou a ficar zangado.

Mas logo depois, a ira deu lugar à admiração. Aquela

cratera só podia ser da pequena bomba atômica. Portanto,

Gucky havia encontrado a nave de Topthor e a havia

destruído. Mas onde estariam os dois, o superpesado e

Gucky?

Os pensamentos de Deringhouse davam voltas e não

chegavam a nenhuma conclusão. A cratera afunilada ficara

para trás. Atravessaram um planalto e depois uma extensa

floresta que podia chegar até ao longínquo litoral. Mas

percebeu depois que o litoral não estava tão longe assim. A

longa faixa marítima, à esquerda da direção do voo,

resplandecia num azul-claro.

Lá embaixo tudo era paz e sossego. Deringhouse se

perguntava se haveria ainda sobreviventes da explosão. Não

era do feitio de Gucky matar adversários indefesos, mesmo

que tivessem as piores intenções.

La manche havia ligado o envoltório de proteção

frontal, agindo de acordo com o provérbio “o seguro

morreu de velho”. Os acontecimentos vieram lhe dar razão.

É verdade que Deringhouse percebeu a nave no mesmo

instante, mas antes que tivesse tempo de avisar ao piloto,

este já tinha ligado por conta própria o envoltório. Só

depois disso é que os dois homens foram olhar mais de

perto o seu achado.

A fuselagem alongada da nave dos saltadores estava

numa extremidade do planalto. Vários pontos escuros se

moviam na parte descoberta e pararam, de repente, para

depois saírem correndo em todas as direções. Abrigaram-se

parte na própria nave, parte na floresta vizinha.

— Desça mais, La manche — ordenou Deringhouse. —

Temos que dar uma olhada nestes rapazes. Além de

Topthor, ainda há outros saltadores por aqui.

— Talvez sejam tópsidas — acrescentou o piloto,

enquanto fazia a Centauro descer.

— Eu os estou reconhecendo nitidamente na ampliação

da tela panorâmica.

— Além disso, em pacífica convivência — disse

Deringhouse, remoendo seus pensamentos que poderiam

levar a uma conclusão falsa de graves consequências. —

Desde quando deixaram de ser inimigos?

La manche, sem o saber, tinha um pouco de culpa.

— Talvez o próprio Topthor lhes confessasse o erro em

que tinham caído. Acho que é uma resposta razoável para

sua pergunta, senhor.

Deringhouse concordou, com sinais de preocupação no

rosto.

— Quem sabe é realmente a resposta certa, capitão.

Mas, vamos, abaixe mais, conservando, porém o envoltório

ligado. Vamos olhar de perto os rapazes e lhes fazer

algumas perguntas.

— Perguntas? — disse La manche admirado, mas não

disse mais nada.

De baixo, veio um raio energético de um verde gritante

de encontro à Centauro. Atingiu o envoltório invisível e foi

absorvido. Mas o adversário continuou atirando sempre no

mesmo local para atingir seu objetivo: enfraquecer e

romper a abóbada de proteção magnética.

Deringhouse chamou a sala de munição:

— Sob nós há uma nave dos saltadores. Estamos sendo

atacados, estou direto em seu alvo. Lance uma bomba

atômica.

Era um ato de defesa própria, embora pudesse ser feito

com meios mais brandos. Mas Deringhouse estava

realmente convencido de que aqueles saltadores e tópsidas

estavam a par do grande segredo.

Foi à conclusão falsa de tremenda consequência.

Tremenda consequência, pelo menos para os pobres

sobreviventes tópsidas e saltadores, sobre os quais a morte

se abateu com a velocidade do raio.

* * *

Bernda e Gatzek escaparam.

Os dois saltadores se encontravam a caminho do litoral

para procurar Topthor. Tinham recebido informações dos

tópsidas de que o superpesado devia ter atingido a ilha

artificial em companhia de Ber-Ka. Um princípio de

mensagem de rádio interrompido entre Topthor e Cekztel

comprovava a informação.

Naturalmente, Bernda poderia chegar até perto da ilha

com sua nave, mas preferiu o trator de esteira para ter

oportunidade de fazer uma bela excursão particular. Estava

num mundo diferente e não queria perder a oportunidade

para futuros negócios. Os grossos troncos de árvores

copadas lhe interessavam muito. Suas sementes e mudas

lhe trariam grande fortuna.

Gatzek não suspeitava das intenções comerciais do

magro comerciante, cuja estatura normal lhe lembrava dos

odiados terranos.

Chegaram até o litoral e seguiram o rastro do carro dos

tópsidas, no qual Topthor e Ber-Ka haviam feito no dia

anterior a penosa viagem. Quando surgiu a seus olhos a

construção baixa da ilha artificial, parecia-lhes haver

conseguido tudo. Respirando mais sossegado, Gatzek

reconheceu o carro parado na praia. Estava vazio.

Bernda parou. Com as pernas um pouco doloridas,

pulou para a areia. O superpesado vinha atrás, caminhando

com visível dificuldade. Seus pés penetravam muito na

areia.

— Como chegaram à ilha? — perguntou olhando, com

muito medo, para uma fila de barcos pequenos num

diminuto ancoradouro. — Certamente não foi com uma

casca de noz assim, não é?

— Elas aguentam mais do que se supõe — consolou

Bernda. — Experimente para ver.

Gatzek se encaminhou para o primeiro barco e,

experimentando, botou o pé na popa estreita. Afundou um

pouco, mas as paredes laterais da embarcação não deixaram

que a água penetrasse.

— Acho que podemos ir, Bernda. Queira Deus que

ninguém nos roube o carro neste meio tempo.

— Bobagem, o carro de Topthor ainda está aqui e

ninguém mexeu nele. E aqui não há ninguém para fazer

isso.

Antes que Gatzek pudesse responder, aconteceu algo

que o fez pular de volta na areia.

Bem longe, reluziu um forte clarão por sobre a floresta.

Pouco tempo depois, uma forte compressão do ar varreu as

grimpas da imensa floresta, passando para a vastidão do

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125

mar, onde as ondas se encapelaram. Graças à proteção da

floresta é que os dois saltadores não foram atirados ao solo.

— Que foi isto? — perguntou Bernda, ficando

totalmente pálido. — Não é da direção de onde viemos? A

nave...?

Gatzek tremeu dos pés à cabeça.

— A nave... sim, poderia ser. Que aconteceu?

Tiveram a resposta dez segundos após, ao surgir, sobre

a copa da floresta, uma enorme esfera que se aproximava

deles ameaçadoramente.

— Uma das naves de Rhodan.

Bernda deu um grito alucinante e saiu correndo, sem

pensar no seu companheiro, cuidando apenas de se pôr a

salvo. Antes que a grande nave esférica atingisse a praia, o

franzino comerciante já estava se embrenhando pela mata.

Continuou correndo, até que a respiração o fez parar.

Cansado e sem ar, rolou pelo chão. Acreditava que no

emaranhado da floresta ninguém o acharia. Em volta dele,

os grossos troncos das árvores de copas fechadas. Do céu,

não se via nada.

Minutos a fio, ficou estirado no chão úmido da floresta,

tentando ouvir algum ruído de eventuais perseguidores.

Mas tudo era silêncio. Talvez tivessem perdido suas

pegadas. As copas das árvores eram demasiadamente

espessas para alguém de cima poder vê-lo.

Será que Gatzek estava também em segurança?

Bernda olhou cautelosamente em volta e parecia mais

calmo. Deu com os olhos num caroço alongado, vermelho-

escuro, parecia realmente um caroço. Como sentisse muita

fome, levantou-se e o apanhou. A casca era muito dura.

Com um pedaço de pedra, começou a martelá-lo de

encontro às raízes de uma árvore. Quase que deu um grito

de alegria, pois o “caroço” continha muitas sementes, que

certamente seriam outras tantas árvores mais tarde. Ao

menos umas duzentas sementes havia no seu interior. E

olhando mais em volta, descobriu grande quantidade de

“caroços” deste tipo. Muito contente, começou a apanhá-

los, não tendo, porém, como levá-los. Pobre Bernda.

Não podia compreender como ninguém deste mundo

tinha interesse por aquelas sementes, nem mesmo os

homens-peixes.

Mas Bernda não veria nunca mais outras criaturas em

sua vida, se alguém não o viesse apanhar no quarto planeta.

Esta possibilidade era muito remota.

* * *

Ainda havia quinze minutos para o momento fatídico.

Deringhouse aterrissou na praia, bem perto das duas

viaturas e do pobre Gatzek, quase paralisado de terror. Os

suportes telescópicos da grande nave afundaram na areia

macia, fazendo brotar logo água salgada.

— La manche controle as armas de defesa e atire, se for

necessário. Eu vou sair.

— Leve dois companheiros — gritou o francês,

colocando a mão no botão de controle das armas. — O

gorducho não parece homem de muita iniciativa, mas as

aparências enganam.

— Levo Ras Tschubai comigo, pois assim poderei

desaparecer a qualquer momento. Para que temos

teleportador?

Fez um sinal para La manche e correu para o

departamento dos mutantes.

— Ras, vamos dar um pulo na praia e pregar um susto

num superpesado.

O africano de compleição robusta, um dos mais

competentes teleportadores dos mutantes, olhou para a tela

de controle externo e concordou.

— Segure bem firme, major.

Deringhouse se agarrou bem em Ras e, no mesmo

segundo, estava a dez metros de Gatzek, no macio chão de

areia. Arrancou a pistola da cintura e a apontou contra o

superpesado, cujos olhos se arregalaram de medo.

— Não se mova gorducho.

Foi com dificuldade que Gatzek conseguiu manter sobre

as pernas seu respeitável peso de seiscentos e tantos quilos.

Tinha ouvido falar das misteriosas forças que estavam a

serviço de Rhodan, mas isto estava acima de sua

concepção.

— Estou desarmado — lamentou-o.

— É a sua sorte, meu amigo — consolou-o

Deringhouse, colocando a arma no cinto. — Onde está

Topthor?

Gatzek apontou para a ilha.

— Talvez lá, eu também o estou procurando.

— Por quê? — foi a pergunta direta de Deringhouse. —

Vocês se aliaram com os tópsidas?

— Por que não? — admirou-se Gatzek não sem razão.

— Nós fomos derrubados como eles. Por que deveríamos

nos matar mutuamente? Não havia mais motivo para isto.

Deringhouse compreendeu. Então falou:

— Se você se mantiver pacificamente, nada lhe

acontecerá. Vou dar uma chegada ali na ilha, com meu

amigo, à procura de Topthor. Não tente nenhuma bobagem.

— Posso voltar para minha nave que espera por mim ali

nas montanhas?

— Uma nave dos saltadores? Foi destruída, pois fomos

duramente atacados. Suponho que sua volta é inútil.

Deringhouse se agarrou em Ras, apontando para a ilha.

O africano deu um salto. Materializaram-se na plataforma e

logo acharam o corredor que levava para a cabina de rádio.

Diante do gigantesco painel de controle estava o cadáver de

um tópsida.

Deringhouse estremeceu ao ver Topthor.

7

A bomba arcônida explodiu no minuto exato. Rhodan

estava bem longe no espaço e viu o clarão ofuscante que

haveria de provocar reações em cadeia. Ainda levaria horas,

até que o planeta se transformasse num sol.

A frota dos saltadores estava a uma hora-luz da

explosão. Major McClears os estava observando do

cruzador pesado Terra, enviando informações e imagem

constantemente para a Titan, a fim de deixar Rhodan a par

de tudo.

As primeiras mensagens de Cekztel davam a entender

que as coordenadas para o regresso dos saltadores para M-

13 já estavam calculadas. A missão estava cumprida e a

“Terra” destruída.

Mas todo mundo sabia que Rhodan ainda estava vivo. E

era a única coisa que atrapalhava Rhodan.

Depois de haver feito e discutido vários planos com

Bell, entre os quais havia um já mais ou menos

formalizado, mandou chamar para a sala de comando a

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126

John Marshall.

— A Titan deve ser, aos olhos dos saltadores, destruída

— começou Rhodan, vendo, com um sorriso nos lábios, o

susto estampado no semblante do telepata. — Exatamente

como foi com a Terra. Somente depois disso é que

estaremos convencidos de que nossa grande jogada deu

certo cem por cento. Também o Robô de Árcon deve ficar

convencido de que fomos destruídos. Arquitetamos um

truque de grande efeito, Marshall, para cuja execução, no

entanto, necessitamos de um teleportador: Ras Tschubai ou

Gucky.

— Ambos estão na Centauro, senhor. Deve-se então

avisar a Deringhouse de que...

— Deringhouse estará aqui com seu cruzador em dez

minutos. A frota dos saltadores partirá dentro de trinta

minutos. Neste meio tempo, o truque tem que ser realizado.

— O que vai ser realizado?

Rhodan ainda continuava sorrindo, ao dizer:

— A desintegração total da Titan em meio das naves

reunidas dos saltadores.

Marshall não empalideceu, porque havia lido o

pensamento de Rhodan. Então, ele mesmo começou a rir.

* * *

Com semblante carregado, Deringhouse retornou à

Centauro. Quando se materializou com Ras Tschubai na

praia, o superpesado Gatzek havia sumido. Também ele

tinha preferido buscar abrigo na floresta próxima. De

qualquer maneira seria melhor do que prisão pensaria ele.

Deringhouse não se deu ao trabalho de procurar os dois

fugitivos. Não tinha tempo para isto. Além disso, Aqua lhes

oferecia o necessário para sobreviver. Eles é que cuidassem

de suas vidas. Ele, Deringhouse, tinha outras preocupações.

“Onde estará Gucky?”, pensou, indagando-se.

Topthor já morrera.

Estava sentado na poltrona da cabina de rádio dos

tópsidas, diante do painel de controle, de uma maneira tão

esquisita, com a cabeça caída na mesa. Ou o que sobrou de

sua cabeça. Pois Topthor cometera suicídio, com a pistola

de raios energéticos. A arma, com o cano apontado para a

cabeça, ainda estava presa na mão rígida.

Topthor estava morto e com ele havia findado o

mistério que ameaçava a vida no planeta Terra.

Deringhouse pegou o africano pela mão.

— Para a nave — disse ele. — Onde andará Gucky?

Materializaram-se na cabina. La manche continuava

sentado, olhando para os controles, mas não havia nada

mais para observar. Em seu colo estava, todo feliz, Gucky,

enquanto La manche lhe coçava a nuca. Quando

Deringhouse soltou uma praga meio contida, o rato-castor

sacudiu a cabeça com ar de desaprovação, dizendo:

— Chefe Deringhouse, você, durante o último

hipersalto pelo espaço, deve ter perdido um pouco de sua

boa educação.

— Desde quando está aqui?

— O tempo suficiente para ficar com os cabelos brancos

de tanto esperar por você — disse Gucky. — Você

encontrou Topthor?

— Por que ele se matou, Gucky? Sabe alguma coisa a

respeito?

— Estava cansado da vida, major. Queria matar

primeiro a mim e depois a si mesmo. Apenas trocou a

ordem.

— Foi assim! — comentou Deringhouse admirado.

O operador em serviço entrou e disse:

— Rádio de Rhodan, major. O senhor deve procurar as

coordenadas apresentadas. Os dados são...

— Está bem, vou lá e resolvo isto já. Antes de sair,

Deringhouse olhou para Gucky e lhe disse:

— Esse negócio de trocar a ordem, você vai me explicar

na presença de Rhodan.

Gucky não respondeu nada.

* * *

— É relativamente simples, mas tem de ser feito no

segundo exato — concluiu Rhodan, olhando com

interrogação para Gucky. — Se você quiser, poderá ser

feito também por Ras.

O rato-castor sacudiu a cabeça tão violentamente que as

orelhas esvoaçaram.

— Ras deve ser poupado, chefe. Além de tudo, está na

Centauro com Deringhouse, enquanto eu estou aqui.

Rhodan concordou.

— Quanto à sua explicação barata sobre a morte de

Topthor, é melhor a gente esquecer isto. Mas cá entre nós,

como foi mesmo? — olhou para o relógio. — Ainda temos

dois minutos, conte depressa.

Gucky andava nervoso de um canto para o outro,

olhando muito para Bell, com olhos suplicantes.

— Realmente, eu o surpreendi e o chamei, ele se virou,

já com a arma na mão para me matar. Que devia eu fazer?

Que seria de você, chefe, se eu morresse? E o coitado do

Bell? Não, não consegui deixar que me matasse.

— E depois? — perguntou Rhodan impaciente, olhando

para o relógio.

— Nada! Topthor ergueu a arma para o ouvido e

disparou.

— De qualquer maneira, você é telecineta e pode mover

a matéria sem tocar nela. É isso que deverá fazer com a

bomba atômica.

Gucky olhou para ele com certa tristeza nos olhos.

— Está certo, chefe.

Rhodan olhou pela última vez para o relógio:

— Um depósito cheio de cenoura, eu lhe prometi, e

você receberá, Gucky. Mas, vamos embora, não há mais

tempo a perder. Os saltadores vão desaparecer em cinco

minutos, Gucky. Vamos para a sala de munições, regular o

detonador exatamente para cinco segundos e esperar até

que chegue meu comando. Tudo claro?

— Há muito tempo — disse Gucky e desapareceu.

Bell olhou espantado para o lugar vazio.

O hipercomunicador estava ligado. A primeira

mensagem era cifrada e se destinava a McClears e a

Deringhouse:

— Vocês liguem o compensador e executem dez saltos

antes de voltarem para Terrânia. Lá esperarão por mim.

Tudo em ordem?

— Entendido — foi à resposta dupla.

Vinte segundos depois, não havia mais Centauro nem

Terra no sistema do sol vermelho de Beta. A Titan ficou

sozinha.

Rhodan calculara bem as coordenadas, mas antes de

saltar com a supernave, deixou aquecer o hipertransmissor.

A frequência do cérebro eletrônico foi regulada. Agora,

com a simples pressão de um botão, Rhodan podia entrar

em contato com o regente do Império Arcônida, a mais de

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127

30 mil anos-luz de distância.

Na tela já se podia ver Gucky. Em seus braços, se via

um objeto alongado: a bomba.

— Pronto Gucky?

— Pronto.

— Atenção! Salto!

A Titan se desmaterializou e surgiu, no mesmo

segundo, a menos de dois quilômetros da nave de Cekztel,

no espaço normal. Na redondeza estavam mais de duzentas

unidades que se preparavam para o grande salto de retorno.

Somente devido a esta circunstância foi que levaram tanto

tempo para abrir fogo contra a grande nave esférica.

Antes, porém, aconteceu muita coisa ao mesmo tempo.

Gucky saltou com a bomba atômica através do

hiperespaço e se materializou fora da Titan. Usava um traje

espacial e não podia ser reconhecido na carcaça de brilho

prateado da nave. Comprimiu o botão de ignição. Assim

que largasse o dedo, haveria ainda exatamente cinco

segundos para a detonação. Seus fluxos telepáticos

auscultavam o cérebro de Rhodan, aguardando seu

comando.

Rhodan comprimiu a tecla do transmissor. A ligação

para Árcon estava feita. Não era apenas o cérebro

robotizado de Árcon que ia ouvir a transmissão, mas todo o

mundo, pois Rhodan, de propósito, não usou nenhum

código.

Ao contrário da Centauro e da Terra, o compensador

estrutural estava desligado. Portanto todo rastreador de

estrutura poderia localizar o salto, em toda a Via Láctea.

Em torno da Titan, estava ligado o envoltório magnético de

proteção, principalmente para defender Gucky dos disparos

dos raios energéticos.

O primeiro tiro contra a supernave partiu da nave de

Cekztel. Foi o sinal para todas as outras naves dos

saltadores. E para Rhodan também.

— Aqui fala Perry Rhodan do sistema Terra — gritou

ele no microfone do hipertransmissor, com voz de

desespero. — Os saltadores acabam de destruir o planeta

Terra.

Utilizou-se então da pequena pausa para se concentrar e

poder pensar: “Agora, Gucky”.

Depois continuou e ainda tinha cinco segundos para

falar:

— Eu estou com defeito no gerador do campo

estrutural... quero fugir e saltar para...

Desligou a alavanca do hipertransmissor e com a outra

mão acionou o controle de ligação da instalação de

hipersalto.

A Titan se desmaterializou.

Atrás ficou a bomba, mas a diferença de tempo para sua

detonação foi tão diminuta, que Cekztel foi vítima de um

erro compreensível. Com seus próprios olhos, julgou ter

visto como a Titan, durante a desmaterialização, foi

dissolvida por uma terrível explosão. Simultaneamente,

penetrou em seu ouvido o grito de socorro, enviado por

Rhodan ao cérebro robotizado de Árcon, no entanto

interrompido pela tremenda explosão.

O rastreador estrutural da nave de Cekztel, e com ele

milhares de outros rastreadores em todas as regiões da Via

Láctea, haviam registrado o início do hipersalto da Titan.

Ninguém, porém, registrara o seu aparecimento no espaço

normal. Rhodan tinha sumido no hiperespaço.

Cekztel estava triunfante. Sua mensagem de rádio não

cifrada percorria toda a Galáxia e era recebida em toda

parte, a uma velocidade milhões de vezes superior à da luz:

— Afastamos o maior perigo para o Universo! Rhodan

está morto. O planeta Terra se transformou num sol. O

império não será mais ameaçado. Viva Topthor, a quem

devemos tudo isto.

Mas o pobre Topthor não podia mais ouvir este elogio.

Quando Rhodan, sob a proteção dos compensadores que

absorviam todos os abalos, penetrou no espaço normal e

ouviu o elogio fúnebre de Cekztel, contraiu o rosto num

sorriso irônico.

As coordenadas estavam de novo em ordem. O próximo

salto, com os compensadores ligados, traria a Titan, intacta,

para a Terra. Para uma Terra que por anos ou decênios

mergulharia no mar do esquecimento. Pelo menos pelo

tempo que Rhodan julgasse conveniente. Com toda certeza,

tanto tempo quanto fosse necessário para que o planeta

pudesse se preparar para resistir a qualquer ataque.

Gucky estava feliz e puxava a mão de Bell para lhe

coçar as costas.

— Sabe de uma coisa, Gorducho? — observou ele. —

A vida é tão bela, mas nunca havia pensado que “estar

morto” é ainda mais belo.

— É isto mesmo — disse Bell amavelmente.

Rhodan olhou pensativo para os dois amigos e pôs a

mão no controle central da instalação de hipersalto.

Empurrou-o lentamente.

A supernave deslizou novamente para outro Universo e

não deixou o menor rastro atrás de si, no espaço calculável.

Ao se rematerializar no espaço normal, tinham diante de

si, nas telas da Titan, um sol claro e maravilhoso.

Bem perto, cintilava um corpo celeste pequeno, meio

azulado.

Era o planeta mais lindo do Universo: a Terra.

Graças à sorte e a Gucky, o maravilhoso plano de Perry Rhodan — o qual a Terra teria que dar a

todos os seres inteligentes das Galáxias a impressão de estar destruída — foi bem sucedido. A

Humanidade ganhou assim tempo para um desenvolvimento tranqüilo e para a formação do poderoso

―Império Solar‖.

Os dramáticos acontecimentos, que se desenrolam no ano 2040, lhe permitirão viver uma época

nova da história da Humanidade.

Em Atlan, o Solitário do Tempo, título do próximo volume da série, um encontro de gigantes

acontece e um novo ciclo da série Perry Rhodan se inicia.

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128

Nº 50

De

K. H. Scheer

Tradução Richard Paul Neto Digitalização Denise Bartolo Nova revisão e formato W.Q. Moraes

Aqui começa uma nova série de aventuras de Perry Rhodan. São passados 60 anos

após a guerra atômica que não houve e 56 anos após a falsa destruição da Terra.

Agora, o primeiro obstáculo que Rhodan tem pela frente é superar Atlan, o arcônida

que, além de possuir o dom do sexto sentido, carrega o ativador celular...

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INÍCIO DO IMPÉRIO SOLAR: ANO 2040

O sussurro tornou-se uma autêntica gargalhada. Alguém

dizia que uma besteira tão grande jamais havia sido ouvida.

Entrando na conversa uma voz frágil de mulher, a

gargalhada terminou de repente.

— Com licença? — perguntou um homem assustado. —

Você está afirmando que isto é apenas

uma sombra da verdade?

Havia irritação na voz feminina.

Depois a gargalhada estrondosa

continuou. Somente podia ser Hiob.

Ninguém ria tão alto e por qualquer

ninharia, como ele.

— Conversa fiada — disse outra

voz, mais objetiva.

— Alucinação, ou seja, lá o que for.

Devem ter sido obrigados a uma

aterrissagem forçada. Vocês sabem

como estas coisas acontecem por lá.

Ouviu-se novamente o gargalhar de

Hiob. Se ao menos conseguisse

dominar um pouco sua risada

estrondosa e sem motivo! Nunca o

pude suportar, muito menos agora. Era

um tipo arredondado, de faces

avermelhadas e olhos frios. Se, no meu

setor, acontecia alguma coisa errada,

Hiob Malvers estava certamente por trás dos bastidores.

— Silêncio — disse eu furioso. — Diabos de gente

calem a boca! Primeiro, é completamente indiferente para

nós se a aterrissagem foi voluntária ou não.

— Está certo — resmungou Billy Plichter. — Bom,

então comecemos tudo de novo. Como aconteceu, então,

Olavo? Como é que pode ter dado tudo errado? Que é que

há, então, Olavo? Por que o negócio não está certo, Olavo...

Olavo...!

O barulho aumentou. Tinha a impressão de que

campainhas minúsculas começaram a tocar ao mesmo

tempo dentro de minha cabeça. Escutava a minha resposta,

apesar de não estar falando.

Olavo era eu. Sem dúvida nenhuma era meu nome que

estavam gritando, constantemente, cada vez mais alto.

Sentia que a dor de cabeça aumentava. Billy Plichter não

tinha dó, não parava de insistir. E eu precisava de descanso

e merecia o descanso.

Alguém começou a falar e demorei um pouco a

compreender suas palavras. Vinham de minha própria boca.

Queria rir, mas a dor não deixava.

Ao meu lado houve um ruído. O movimento que

fizeram com minha coxa foi rápido. Um calor agradável

invadiu meu corpo e fiquei admirado de que o médico me

tivesse dado a injeção na presença de outras pessoas.

Fiquei com vergonha. Ali na sala estava Willy

Fergusen. Como me poderiam dar uma injeção na presença

deles? Certamente, viram minha coxa!

Diante dos meus olhos, pairava uma neblina afogueada

e as dores no meu cérebro se transformaram em pontadas

dolorosas. Não estava quase aguentando. Quando a minha

visão ficou mais clara, percebi que Willy Fergusen não

poderia ter estado na sala. Hiob estava rindo novamente,

mas também ele não estava na sala. Na minha frente

cintilava uma grande tela, bem clara.

Estava olhando admirado para o belo quadro colorido.

Meus colaboradores conversavam sobre coisas que me

eram muito familiares, estava no meio deles, e,

paradoxalmente, encontrava-me aqui!

A tela ficou mais nítida de repente. Apareceu nela um

relógio muito moderno para medição dos anos e alguém

anunciou muito solenemente:

— O tempo acabou meu amo.

Quando foi que alguém me chamou

pela última vez de “meu amo”? Com

muito esforço consegui virar a

cabeça.

— Como, por favor? —

perguntei com muita dificuldade.

— O tempo acabou meu amo.

Era a mesma voz que penetrava

no meu ouvido, desta vez, porém,

com menos solenidade, mas com

mais vibração metálica.

O rosto plástico de Rico se

contraiu em rugas. Estava sorrindo.

Levantei a cabeça em sua direção,

até encontrar seus olhos parados.

— Alô, é Rico.

— Sim, é Rico, meu amo. O

tempo acabou, estava obrigado a

acordá-lo. Exatamente sessenta e

nove anos, meu amo.

Não estava gostando desta expressão cerimoniosa. Não

se devia permitir que robôs tão aperfeiçoados assim,

repetissem a toda hora uma expressão tão servil. Mas o que

havia com os tais sessenta e nove anos?

O pensamento sobre isso me deixou aturdido. Tudo se

encontrava como sempre foi. A consciência ia chegando,

porém com muita dor. Tentei me levantar. Rico interveio

imediatamente. Senti a rigidez do aço sob o revestimento

leve de plástico de sua mão. Consegui sufocar meus

gemidos, mas minhas articulações pareciam enferrujadas.

Acabei dando com os olhos novamente no relógio de

medição dos anos, na tela.

— Somente sessenta e nove anos? Tinha regulado pra

setenta. Que houve então?

Rico era tão cabeçudo, como costumam ser todas as

Personagens principais deste episódio:

Perry Rhodan — Primeiro

Administrador do Império Solar.

Atlan — Um arcônida que já se

encontrava na Terra quando da

quase deflagração da guerra

atômica.

Tombe Gmuna — Jovem tenente

de Terrânia.

General Peter Kosnow — Ministro

da Defesa do Império Solar.

5

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130

máquinas.

— Somente sessenta e nove anos, meu amo — disse

imóvel. — Recebi o telecomando exatamente há trinta e

seis horas, três minutos e dezoito segundos.

Quer dizer então que desta vez levaram 36 horas para

me acordar do biossono, uma espécie de hibernação

letárgica.

“Muito tempo, muito tempo”, dizia meu cérebro.

Perguntei, então, a mim mesmo, por que um pequeno

erro de regulagem causou uma diferença de tempo de um

ano? Certamente foi minha culpa. O negócio foi tão rápido

naquela época, quando começaram, lá em cima, com a

loucura da bomba atômica.

Surgiu uma unidade especial de som, que me deixou

muito espantado. O grande relógio desapareceu da tela. O

videotape havia realmente desempenhado sua função, pois

pessoas do meu tipo tinham necessidade de impressões

óticas e acústicas do tempo imediatamente anterior ao

começo do processo do grande sono biomédico. Agora

estava me lembrando de que eu mesmo havia colocado no

aparelho de som e imagem a fita muito bem preparada do

videotape.

O insistente gargalhar de Hiob me ajudou muito. Talvez

sem ele, não teria recuperado minha alegria.

Apareceu na minha frente a cabeça plástica e redonda

de Rico. Rico pertencia aos poucos robôs fabricados

especialmente para o controle e a manutenção das máquinas

da cúpula. Sua capacidade de falar era um jogo

positronicologístico com um setor ultrarrápido de

aproveitamento e conversão de dados matemáticos em sons

inteligíveis. Era um meio para provocar os sentidos que

paulatinamente iam recuperando a vivacidade natural. Mas

agora sentia necessidade de falar, de me comunicar, mesmo

que fosse com uma máquina positrônica. Além do mais, o

vocabulário de Rico era mais ou menos reduzido.

À direita da cama, estava à ducha de ativação tele

controlada pelo computador central. O local parecia uma

sala de operação moderna, com a única diferença de que ali

não existiam médicos. Os estimulantes bioquímicos que

atuavam sobre minhas células, ou eram injetados ou

transmitidos na forma das mais diversas radiações. Na

minha cabeça, ainda estava a touca cintilante do gerador de

vibrações que me havia transmitido aos sentidos as

primeiras impressões.

Fiquei uma hora parado, pensando nos motivos que me

levaram a este sono profundo.

Exatamente há 69 anos, princípios de julho de 1971, os

responsáveis pelos três blocos das grandes potências

perderam a cabeça. Quando começaram a serem lançados

da Ásia os primeiros mísseis atômicos, ainda consegui fugir

para minha cúpula submarina. Escapei da estúpida e inútil

destruição. O que aconteceu, porém, com todos os homens

dos continentes da Terra? Só o fato de querer recordar o

terrível destino de bilhões de homens, fria e objetivamente,

era uma coisa insuportável. Neste momento, eu apenas

sabia que era o único homem na Terra.

— Homem! — disse eu rindo.

Rico se aproximou. Quando a aparelhagem mecânica da

visão percebia alguma coisa, sua reação era instantânea.

Continuei sentado, sentindo as mãos macias de plástico dos

muitos braços da máquina de massagem. A fisioterapia era

indispensável para que eu começasse a obter o controle

sobre o corpo. Ainda levaria umas horas para poder me

levantar. Uma corrente de ar comprimido jorrava dos poros

da espuma de borracha. O colchão no qual, pela posição de

meu corpo durante 69 anos, haviam surgido pequenas

deformações, voltou a ficar normal.

Nu, ainda completamente enfraquecido e abalado por

sentimentos confusos, fui levado por Rico para fora do

quarto. Na antecâmara, um ambiente alegre e aconchegante,

estava funcionando o órgão de cores. Desenhos suaves e

tranqüilizantes inundavam as paredes, enquanto que sons

maviosos de velhas composições penetravam em meus

ouvidos.

Os poucos metros foram terrivelmente cansativos.

Gemendo, deixei-me cair nas almofadas macias da poltrona

vibratória, que continuava de uma maneira muito mais

suave, a massagem pesada feita pelas mãos do robô.

Rico ministrou-me os primeiros alimentos líquidos.

Meu estômago ainda não aceitava substâncias sólidas. De

qualquer maneira, ainda eram necessários três ou quatro

dias para me sentir mais ou menos bem.

Rico puxou mais para perto o grande espelho colorido e

ajeitou a cama. Eu não havia emagrecido sinal de que meu

corpo reagira muito bem à hibernação. Fiz um sinal com a

mão e vi como ele empurrou o espelho para uma cavidade

na parede. Aí, o robô ficou ao meu lado. O rosto de Rico

seria muito mais humano se não fosse aquela palidez que

parecia cera.

— Amigo, não sei o que poderia dar em troca, se, em

lugar de você, estivesse aqui um ser humano de verdade.

Como vão as coisas lá em cima?

— Muita água, meu amo — respondeu meu criado

particular diplomaticamente.

Fiquei observando-o mais a fundo. Sua resposta teria

sido um truque psicológico para dar vazão a sentimentos de

ira reprimidos ou ele não sabia mesmo outra coisa?

— Naturalmente muita água. Estamos no fundo do

Oceano Atlântico, ao sul da ilha açoreana São Miguel. Aqui

começam as célebres fossas oceânicas de uma profundidade

enorme. Portanto, acima de nós, há somente água. No

entanto, eu quero saber como está o continente europeu.

Como é que terminou a guerra atômica na França e na

Espanha.

— Não sei meu amo.

O sangue me subiu então à cabeça. O sorriso plástico,

submisso, de Rico me pareceu de repente como uma

máscara de escárnio.

— Como assim? — exclamei em tom interrogativo.

Minhas cordas vocais começaram a funcionar corretamente.

— Por que razão não se realizou a observação da superfície

que eu determinei?

— Por culpa sua, meu amo. Todas as três estações de

televisão foram destruídas pelos aviões. Fomos informados

ainda de que o lançamento dos satélites seria inútil e sem

sentido, pois a atmosfera do planeta estava coalhada de

máquinas de guerra. Recebemos realmente suas ordens.

Decepção, medo e cólera contra minha própria

imprevidência se abateram contra mim. Naturalmente os

robôs não poderiam ter agido de outra forma, depois que

eu, apressado e estúpido, havia dado as instruções para

observação dos continentes mais importantes. Após o plano

a minha intenção era despertar, ficar a par de tudo o que

acontecera durante a guerra.

Agora estava completamente aéreo, separado de tudo.

Não era apenas o ente mais solitário da Terra, mas também

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o mais ignorante. Acima da abóbada de aço da minha

cúpula pressurizada nas profundezas do Atlântico, pesava

uma tremenda muralha de água. É claro que esta muralha

me havia preservado das radiações mortíferas dos inúmeros

reatores nucleares, mas isto não me adiantou nada.

Uma ânsia premente de ao menos uma palavra saída de

boca humana me avassalou de tal maneira que comecei a

me sentir mal.

Levantei-me gemendo e vi, sem querer, as horríveis

cicatrizes da operação, espalhadas por todos os cantos do

ventre. Não podia fazer mais nada contra isso,

principalmente pelo fato de que perguntas curiosas me

teriam sido mais do que desagradáveis. Além disso, onde

estaria o médico para corrigir os encaroçamentos e rugas da

horrível intervenção cirúrgica? Certamente não existiria

mais em toda a Terra nenhum cirurgião à altura. A

catástrofe atômica se abatera sobre a humanidade há 69

anos. Os médicos recém-formados na época, já deviam ter

morrido há tempo, mesmo na hipótese de haverem

sobrevivido, por circunstâncias milagrosas, à hecatombe

geral, que foi a destruição do mundo.

— Minhas roupas — disse eu ao robô.

— Quais? Meu amo.

— As últimas que estava usando antes de hibernação.

— O senhor ainda está muito fraco, meu amo. Agora é

que começa a segunda fase da convalescença.

Tinha que ficar resignado. Não se pode fazer nada

contra as conclusões lógicas de uma máquina tão preciosa e

perfeita.

Com a ajuda de Rico, meus dedos atingiram as teclas do

painel de controle e eu passei para uma confortável cadeira

giratória. Ponto por ponto, fui percorrendo todas as fases da

convalescença programada. Surgiam na grande tela as

diversas seções de minha cúpula de aço à prova de bombas,

pousada no fundo do mar. Aqui embaixo não se notou nada

da guerra atômica. O fornecimento de energia foi sempre

motivo de muita preocupação. Os reatores II e III estavam

desligados e o I funcionava com apenas 20 por cento de sua

força total.

Liguei a câmara de observação submarina. Os sensores

infravermelhos, montados fora da cúpula mostravam uma

imagem clara e penetrante de minha habitação no fundo do

mar. Diante da escotilha de saída do lado sul, havia se

amontoado uma grande quantidade de lodo. A abertura de

cima, porém, estava normal. Fiz com que o reator I

funcionasse com a velocidade total, para armazenar a

energia suficiente para a projeção.

Pela primeira vez em 69 anos, as grandes máquinas

estavam funcionando. Muito abaixo de meus pés, o ruído

era tremendo. O ronco surdo me penetrava nos nervos. Lá

fora, enorme quantidade de lodo estava se desprendendo da

carcaça.

Um jato concentrado de uma pressão de quarenta mil

toneladas por metro cúbico resolveu a questão. Em poucos

minutos, a escotilha sul estava livre de qualquer sujeira.

Em seguida, procurei entrar em contato com meu

satélite de televisionamento, através do rádio. O corpo

esférico de apenas dois metros de diâmetro, antes do início

da guerra atômica, estava em órbita de duas horas em torno

da Terra. As instalações eram tão perfeitas que permitiam

da guerra atômica, estava em órbita de duas horas em torno

da Terra. As instalações eram tão perfeitas que permitiam

ampliações muito nítidas. Qualquer objeto do tamanho do

corpo humano podia ser visto com clareza. Mas não

consegui ligação nenhuma. O minicomputador embutido no

satélite não se manifestou.

— O TEK-1 foi lançado naquela época, meu amo —

explicou Rico objetivamente. — Isto foi cerca de uns dois

dias depois do início de sua hibernação. Um caça da defesa

espacial soviética tomou nosso satélite como se fosse de

origem americana.

Ouvia tudo sem dizer uma palavra. Fazia censuras a

mim mesmo. Realmente cometi muitos erros quando, com

medo louco de morrer, me escondi afobadamente nas

profundezas do Atlântico.

Estava também separado da superfície. Informei-me no

computador central sobre o estado de coisa em volta de

mim. Se os continentes estavam contaminados pela

radioatividade, então era muito natural que também as

correntes marítimas contivessem partículas nocivas.

— Nenhum perigo nas imediações contíguas com a

cúpula — constatou o cérebro positrônico de minha

residência submarina. Os hipersensores, no entanto, acusam

grande fonte de radiação na fossa do arquipélago de

Açores. O valor oscila, conforme a profundidade, entre seis

e meio e trinta e cinco miliroentgen. Fim.

Suspirei abatido. Trinta e cinco miliroentgen era

extremamente perigoso, pois encontrava-me a uma

profundidade de 285 metros abaixo da superfície do mar.

Procurei fazer um quadro comparativo da intensidade de

radiação entre o mar e a terra firme. Se lá embaixo já havia

trinta e cinco miliroentgen, então mais para cima a coisa

devia ser assustadora.

Que tipo de isótopos radioativos devem ter sidos

empregados? Conforme meus cálculos, a duração média do

tempo de validade da maioria dos isótopos era tão curta,

que não se podia mais contar com o poder de radiação após

69 anos.

Depois de ter examinado todas as instalações de minha

cúpula, cheguei à conclusão de que devia subir à tona o

mais depressa possível. Quem sabe ainda poderia ajudar

muitos sobreviventes com alimentos e remédios?

Encontrava-me com bastantes provisões. Poderia alimentar

vestir e instruir pelo menos mil pessoas. Em certo sentido,

eu poderia dar à Humanidade uma nova possibilidade de

ressurgimento. Tratava-se apenas de saber até que ponto a

radiação nociva havia atingido os sobreviventes. Talvez

tivesse havido mesmo grandes alterações, físicas ou

psíquicas.

Com a cabeça cheia de preocupações, saí do setor de

controle da minha cúpula de aço. Uma coisa estava certa,

tinha que voltar à tona o mais depressa possível, para ver o

que tinha acontecido aos homens.

“Socorrer”! — Ecoava no meu cérebro. Estava

pensando agora nos meus amigos e conhecidos. Mesmo

Hiob Malvers estava entre eles, apesar de me ter deixado

muitas vezes irritado. Apesar de tudo, eu tinha saudade de

sua gargalhada estridente!

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Page 132: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência" - Volume X - A Morte da Terra. P- 46-49.

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Nº 50/51/52/53

Atlan, O Solitário do

Tempo

O Soro da Vida

O Pseudo

Os Condenados de

Isan

O Duelo

De

K. H Scheer Clark Darlton Kurt Mahr e Kurt Brand

No próximo volume Atlan, o imortal, inicia-se um novo ciclo – Atlan e Árcon:

Perry Rhodan encontra-se com Atlan, o Solitário do Tempo. Juntamente com o

arcônida imortal, ele combate os Druufs, seres vindos de outro universo, e protege o

pequeno reino sideral dos terranos dos ataques dos Mercadores galácticos e do Robô

Regente de Árcon.

Atlan, o imortal – Volume 11

2º CICLO – ATLAN E ÁRCON

VOLUME 11

P-50 - 54