Pescado r

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Itamar Bezerra

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Histórias de pescador Para pescadores de

almas

Itamar Santana Bezerra

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História de pescadores para pescadores de almas

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A leitura deste livro é imperativa e indispensável para todos os que desejam conhecer os diversos métodos de evangelização, vistos pelo prisma da pesca. Seu conteúdo é rico, sua abordagem é criativa e seu estilo é atrativo. Sua mensagem é clara, direta, desafiadora e pertinente. O autor, com desenvoltura invulgar, lida com grande destreza com a arte da pescaria à luz das Escrituras, fazendo profundas aplicações espirituais e ousados desafios para a igreja contemporânea. A leitura deste livro o fará caminhar pelas estradas do passado, perlustrar as veredas do presente e vislumbrar os espaçosos horizontes do futuro, desafiando-lhe a engajar-se nesse mais fascinante projeto do Reino, ser um ganhador de almas. Certamente, este livro enriquece a literatura evangélica brasileira, oferece uma prática ferramenta para os pescadores de homens e instrumentaliza uma mensagem eloqüente de um homem que tem vivido o que escreve. Recomendo com grande entusiasmo este livro, na expectativa de que sua vida seja poderosamente abençoada e impactada por esta leitura. Rev. Dr. Hernandes Dias Lopes Escritor e Pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Vitória.

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“A igreja evangélica ganha mais um precioso escritor; um homem de valor, pastor, que vem nos ensinar como ser um frutífero pescador. Quem tinha desculpas de não saber pescar, achou o que precisava: o manual de pescaria que nos conduzirá com ousadia a pescar peixes jamais encontrados”. Rev. Ivonildo Teixeira Escritor e Pastor da Primeira Igreja do Nazareno em Vila Velha – ES. “Pescar pode acabar em banho de minhoca, caso falte conhecimento, habilidade e persistência. Nessa interessante analogia, o Rev. Itamar nos lembra que evangelização é como a pesca, todos podem praticar, mas os resultados são para os que se habilitam. Histórias de pescador para pescadores de almas é uma deliciosa leitura que ajudará pastores, líderes, seminaristas, e a igreja em geral, a repensar seus métodos e propósitos na tarefa inadiável de ganhar almas para Cristo”. Rev. Uedson S. Vieira Personagem do livro e Ministro Presbiteriano “Em histórias de pescador para pescadores de almas, o Rev. Itamar faz um mergulho profundo nas águas da metodologia evangelística brasileira, com interessantes toques de originalidade, que tornam a leitura agradável, reflexiva, crítica, aberta à crítica e necessária”. Rev. Franklin R. D’ávila Personagem do livro e Pastor emérito da Igreja Presbiteriana de Aracaju – SE.

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A Raquel, namorada, companheira e esposa amiga; a André e Ana Ruth, “hílhos” queridos;

ao meu pai Jessé, e d. Amélia, minha sogra, intercessores de todas as horas;

a meus queridos irmãos, cunhados e sobrinhos: Eltom, Hugo e Nete, Alderice e Joseane, Norberto e Cláudia,

Filipe e Camile. Gianini e Huguinho.

À Igreja da mangueira. À memória de minha mãe Áurea, meu filho Itamarzinho,

meus sobrinhos Thaís, Huguinho I e Joelzinho. A todos os pescadores de almas.

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_______________________ Sumário

Apresentação - 7 Sobre o autor - 8 Prefácio - 9 Introdução - 11

CAPÍTULOS Pescando com anzol 16

1. Escolhendo o lugar estratégico - 19 2. Escolhendo a isca certa - 25 3. Peixes ao cesto - 31

4. A hora da reciclagem - 37 Outros tipos de pesca 43

5. Pesca com redes - 45

6. A hora de consertar as redes - 55

7. Pesca com bombas - 62

8. Pesca nas tocas - 68 Conclusão 73

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_________________ Apresentação

istórias de pescador para pescadores de almas” é um texto que certamente fará o seu coração arder de desejo de juntar-se a Jesus na expansão

do Seu Reino em nossos dias. É um texto rico, objetivo e possui uma abordagem original tendo sido escrito com o coração e a vida, na esperança de desafiar a Igreja de Cristo a fazer diferença na terra. O Dr. Kulmann afirma que “... transformar pescadores comuns em pescadores de homens foi, possivelmente, a maior estratégia desenhada por Jesus na terra para a expansão do Seu Reino. É necessário reavivar tais ensinos em nossos dias. Nem tudo o que é novo é bom. A palavra é antiga, os ensinos de Cristo foram transmitidos dois milênios atrás e o Antigo Testamento ainda é inspiração para a Igreja de hoje. E a evangelização é ainda em nossos dias a maneira mais impactante que Deus escolheu para intervir entre nós”. O texto do Rev. Itamar serve de encorajamento e alerta para uma Igreja a qual, influenciada pelo pós-modernismo pragmático que descarta os valores históricos, corre o risco de assumir outras prioridades neste início de milênio, e leva-nos a repensar nossa história, nossos métodos e nossas prioridades. Este livro encerra conceitos que apresentam a pregação do Evangelho, as formas de fazê-lo, as barreiras encontradas e a necessidade de avançar sempre. Deve ser lido com humildade perante o Senhor, na expectativa de ter nossa vida e ministério incendiados pela bíblica possibilidade de, lançando as redes, resgatá-las com almas preciosas para Deus. Leia-o com humildade e desejo de ser você mesmo um pescador de almas.

Rev. Ronaldo Lidório.

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__________ Sobre o autor Iniciando o seu ministério como escritor, o pastor Itamar Santana Bezerra reparte conosco um pouco das suas experiências, reflexões e ideais. Sua mensagem nos desafia para uma reflexão quanto à nossa caminhada cristã, no sentido de mantê-la atualizada com a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Conheço o pastor Itamar há mais uma década. Homem de personalidade rica e talentosa. É cantor, músico, poeta, pregador. Criativo e inteligente. Tem boa comunicação verbal. Seu ministério é amplo e tem se fortalecido, principalmente pela participação especial de sua ilustre esposa, Raquel, grande companheira, amiga e encorajadora do esposo. O que mais me impressiona nesse santo varão é o coração desejoso de agradar ao Senhor Jesus. É bom conhecer quem quer agradar a Deus. É bom conhecer seu pensar e sentir. Assim o pastor Itamar nos concede uma preciosa oportunidade a partir da leitura desse livro. Rev. Jeremias Pereira da Silva Pastor da 8a Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte

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______________________ Prefácio e tantas coisas que Jesus fez e falou destaco uma, apaixonada: sua singular capacidade de contar histórias.

Ele contava histórias sempre. Se havia pessoas em sua volta, se lhe faziam perguntas, se lhe desafiavam, se lhe opunham no secreto do coração, se havia dúvida, temor, fúria, descaso, necessidade, espanto, o Senhor respondia sempre. Comunicava-se com os homens e contava histórias. Sendo Deus, conhecia completamente sua criação: os seres e todas as coisas do mundo, suas semelhanças e suas relações. Sendo homem, andava, comia, dormia, relacionava-se com o povo e falava a sua língua. Assim o Homem Deus teve um ministério profícuo. As multidões o seguiam e Ele as ensinava e nelas fazia discípulos. A eficiência de seu método consistia no que como Deus conhecia de sua criação, e no que como homem era com ela participante. Assim contou parábolas e, na semelhança dos seres com as coisas e das verdades eternas com a realidade diária (das sementes e da terra, das moedas, das vinhas, ou do pescador e suas redes), estabeleceu figuras que não cessam de se ressignificar, cotidianamente, até os dias de hoje. Mas as parábolas não são como as profecias metaforicamente elaboradas do Velho Testamento e do Apocalipse, envolvidas pelo mistério e pela incongruência de figuras fantásticas e pela expectativa do seu cumprimento para que então se entenda claramente. Nem são como as inenarráveis descrições do porvir (nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano...) a que somente João teve acesso, figuras admiráveis que também, misteriosamente, nos aguardam para futura e plena revelação. Não. As parábolas de Jesus não têm nada de grandiloqüente ou extraordinário. Elas são, outrossim, extremamente simples. Do cotidiano dos homens para uma aplicação cotidiana. Metodologia eficaz. Mas elas também trazem mistério. As parábolas são construções intrigantes, pois que são um veículo simples, aparentemente despretensioso, conduzindo “o mistério do reino de Deus”, dado a conhecer somente aos escolhidos. As parábolas permitem ver e não perceber, ouvir e não entender; carregam o segredo que se revela pelo Espírito. Velho artifício divino: o centenário Abraão, esposo da quase centenária Sara, mulher estéril, gerou apenas um filho, mas sua descendência é como a areia da praia, não se pode contar. Dentre os filhos de Jessé, Davi era o mais franzino e imaturo, mas bem o Senhor falara a Samuel a respeito do futuro Rei de Israel: o homem vê o exterior, porém o Senhor, o coração. Certamente, Ele não vê como vê o

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homem. Como pôde seu filho ter nascido entre nós? Como podia ser possível, a não ser pelo Espírito, olhar um carpinteiro de Nazaré e ver o filho de Deus? À semelhança de Jesus, Deus revelado em carne humana, verdades eternas do reino se revelam nas parábolas. Narrativa comum, em linguagem coloquial, publicando “coisas ocultas desde a criação do mundo” (Sl. 78:2, Mt. 13: 34-35). Histórias de Pescador para Pescadores de almas estabelece seu argumento sobre uma figura das mais pertinentes no ministério do Mestre: o mar, os peixes, os pescadores e as redes. Propõe-se a explorar, com minúcia, as implicações e aplicações do símile, na sua relação imediata com a grande comissão. Daí a derivação para outros tipos de pesca, muitas espécies de peixes, águas abundantes ou pequenos riachos, o trabalho dos pescadores (individual ou em equipe), e tantos outros detalhes ou contextos que, naturalmente, se justapõem ao quadro. Verdades eternas aplicadas ao nosso cotidiano de comissionados à pregação do evangelho. “Histórias de Pescador...” é fruto de experiências pessoais e uma reflexão bíblica apoiada em fatos que nós também vivenciamos, que são parte de nossa realidade. Assim, será muito natural que façamos associações com a nossa prática de evangelizadores pessoais, missionários, pregadores, líderes que projetam estratégias de plantação de igrejas, ou de pequenos grupos, ou que pretendem atingir povos ou etnias não alcançados. Homens e mulheres que tentam suas pescarias em sua própria casa, no trabalho, na escola, em comunidades carentes ou grupos elitizados, vão aos sertões, às matas, às universidades, enfrentam o desafio de aprender a língua de um povo distante, de se infiltrar nas culturas de nossos submundos periféricos ou de encarar a indiferença pedante de uma sociedade letrada e pretensamente independente de Deus. Vale ressaltar, por fim, que este livro não esgota as possibilidades interpretativas da analogia. Não é sua pretensão e nem poderia ser, simplesmente por que estas possibilidades são inesgotáveis. Onde houver um crente pregando o evangelho, ali haverá águas, peixes, e sempre uma pescaria. Ponto a favor do autor que, humildemente, entrega o trabalho de aplicação do “mistério do reino” ao Espírito Santo, pois Ele é quem nos guiará sempre na gloriosa tarefa de pescar homens para o Senhor.

Raquel Nery L. Bezerra .

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____________________ Introdução

“A graça de Deus pode salvar almas sem nenhuma pregação, mas nenhuma pregação pode salvar almas sem a graça de Deus” – Billy Graham.

elo Horizonte, agosto de 1998. Estava eu, bem tarde da noite, no quartinho que reservei para os livros e para o meu estudo, quedado

escrevendo um dos meus artigos, aos quais intitulei: “impressões”, que são reflexões gemidas, fruto não apenas da observação criteriosa sobre os fatos da vida, mas, sobretudo da minha própria experiência ministerial, como conselheiro e pastor, quando, de repente, como que do nada, uma luz veloz passou em minha mente e deixou uma semente. Não foi algo sutil e displicente. Embora tenha sido tão rápido, teve a agudez e força de um raio, deixando a sua marca. Veio-me a idéia de escrever algo a respeito de evangelismo, tomando como fulcro a idéia de ter Jesus chamado alguns pescadores para serem seus seguidores, e tê-los feito pescadores de homens. Naquela madrugada fria e silenciosa em que parecia que o universo com todas as suas galáxias havia se alojado naquele quartinho, e que eu e apenas eu confabulava com o Criador num intenso momento de comunhão e intimidade, tudo ia ficando cada vez mais claro. Entendi que não foi sem propósito que o Mestre, andando a beira mar, chamou os filhos de Zebedeu para o seguir, e que se referiu ao mar como sendo o mundo, aos peixes como sendo os homens e à rede como o Evangelho. Ali começava a brotar na minha mente um dilúvio de idéias, baseadas nas minhas andanças como pescador de peixes de verdade, desses de escamas que vivem na água, comparando com as experiências de pregador do Evangelho de Cristo. Ali começava a viagem. Cada cena à beira do rio me levava a uma realidade espiritual correspondente; cada peixe fisgado a uma alma resgatada ao cesto, quer dizer ao reino. Pensei: por que não repartir essa aventura com os meus colegas de ministério, companheiros de pesca? Esses valorosos heróis, guerreiros do Senhor que

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militam incansavelmente na árdua tarefa de resgatar vidas, às vezes em campos ermos e inóspitos, ou ainda que nos grandes centros, mas que estão se sentindo desanimados ou cansados, ou sós, ou inúteis, pelo fato de, ao lançarem as redes, pouco ou nada apanharem. Com isso vêm as pressões, as cobranças, as sentenças, e o ardor missionário que crepita no peito de todo vocacionado fumega. Também reparto com pescadores de redes cheias, cujos ministérios seguem a todo vapor, e servem como fonte de inspiração para muitos. “Histórias de pescador para pescadores de almas” se propõe compartilhar experiências ministeriais, no campo do evangelismo, usando como instrumento de linguagem a analogia. Assim, quero convidá-lo a seguir comigo por essa estrada fantástica, contemplando as ricas paisagens da fé, assim como os caminhos misteriosos, segredos e surpresas que o Evangelho da graça revela. A minha expectativa sincera é que você, ao ler cada página, cada sentença, cada idéia, cada citação, seja levado pelo Espírito de Deus a situações outras, exemplos pertinentes à sua realidade, abrindo outras janelas e portas que dêem acesso a grandes lagos piscosos, rios caudalosos de cardumes abundantes, e haja grande pescaria para a glória de Deus. A pretensão, no entanto, não é ser profundo nem extenso, analítico nem polêmico, mas tentar ajudar aos pescadores de almas a refletir sobre os desafios ministeriais a eles apresentados, encorajando-os a desempenhar essa tarefa com excelência. Se, porventura, há algum pescador pensando em desistir, arrumar as tralhas e ir para casa, por já não mais conseguir resultados como antes, essas histórias o ajudarão a reassumir o seu posto, empunhar o caniço com fé e entusiasmo de novo, reciclar a sua isca, e experimentar um tempo novo com muitos cestos cheios. Então, vamos lá! Ao se abrirem as cortinas, você irá conhecer:

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Histórias de pescador

para pescadores de almas

“Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de

homens”. Mateus 4:19

minha primeira experiência como pescador foi decepcionante. Fui com meu pai e meus irmãos a um rio próximo à minha cidade natal e fiquei

desde cedo pela manhã até o entardecer dando banho na isca, sem nada pegar. Enquanto isso, a toda hora eles fisgavam um peixe; pequenos é verdade, mas pegavam. Lá pelo meio do dia, eu já estava desanimado, cansado, querendo ir embora e pensando: Se o rio é igual para todos, as varas e os anzóis foram preparados igualmente, e os peixes são indiferentes ao nome do pescador, então por que eles pegam e eu não? Achei tudo aquilo maçante e enfadonho e decidi nunca mais sair para pescar com eles ou com qualquer outra pessoa. Seria mais interessante caçar. Em outra ocasião, no entanto, fomos novamente pescar e eu me dei uma nova chance. Os meus irmãos Eltom e Hugo, sabendo do meu desapontamento, deram-me umas dicas que além de mudar o meu conceito de pescaria, fizeram-me pegar o meu primeiro peixe. A sensação foi indescritível, mesmo sendo um peixe pequeno. Durante todo o dia não peguei mais nada, mas a expectativa de pegar o próximo deixou-me aceso o tempo inteiro. A partir daquele dia, pescar tornou-se algo fascinante, emocionante e uma fonte de inspiração para mim.

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Nessa época, depois de outras pescarias bem-sucedidas, procurei uma casa de equipamentos de pesca e fiquei ali meio apaixonado, escolhendo caniços, anzóis, e até comprei um livro chamado: “A bíblia do Pescador”. Começava, assim, um novo tempo na minha vida. Para mim, pescar era mais que sentar, atirar a isca ao peixe e aguardar a fisgada, mas era uma experiência quase espiritual, uma viagem ao mundo da analogia. Descobri que não foi à toa que Jesus chamou pescadores para serem seus discípulos, e mesmo aqueles que não tinham a pesca como profissão, ele os fez pescadores de homens. Há lições belíssimas, jóias preciosas que podemos extrair de uma simples pescaria, e aplicá-las ao Ministério da proclamação da Palavra. Como exemplo, o bom pescador não é aquele que fica assentado em um lugar, lendo um jornal ou uma revista debaixo de um sombreiro, esperando o peixe vir tomar a sua refeição, mas é o que vai ao encontro do peixe, por saber qual espécie pode ser encontrada naquelas águas, a que profundidade, que tipo de comida lhe apetece, qual o horário mais conveniente para lhe servir a refeição, etc. Pelo tipo de rio, pela vegetação que corre às margens, pela coloração e temperatura média da água e outros fatores ambientais, pode-se saber que tipo de peixe corre ali, e, assim, definir a melhor estratégia para fisgá-lo. Tem peixe que só morde a isca num determinado período do dia, outro come o dia inteiro; um só abocanha a isca se esta estiver assentada no fundo do rio, outro só o faz se ela estiver suspensa; uns podem ser ferrados até com o pescador dentro da água e perto deles, para outros tem que se montar uma verdadeira operação secreta para não afugenta-los; tem peixe que só belisca a isca, já outros a engolem com voracidade, tornando-se facílima a ferrada; há aqueles que ao serem ferrados, fogem para o fundo, procurando pedras ou tocas onde se escondam, outros vêm à tona, dando saltos espetaculares. Cada um tem a sua natureza, o seu instinto, a sua peculiaridade, e uma forma própria de ser pescado. O Senhor Jesus, explicando a parábola da grande pesca, disse que o mar é o mundo e os peixes são os homens. Assim, para cada criatura existe uma forma mais apropriada de se abordar com o Evangelho da salvação, e essa é a viagem que você vai fazer comigo agora. Tenho certeza de que você que é amante de uma boa pescaria vai seguir comigo rio abaixo, discernindo cada remanso das associações feitas, e fisgando cada lição que esta mensagem trará ao seu coração, como ferramenta para o seu ministério.

Itamar S. Bezerra.

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Pescando com anzol

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PESCANDO COM ANZOL

“Vai ao mar, lança o anzol, e o primeiro peixe que fisgar, tira-o; e, abrindo-lhe a boca, acharás um estáter. Toma-o e entrega-lhes por mim e por ti”. Mt.17:27

az alguns anos, tive a mais extraordinária e gratificante experiência com pesca de toda a minha vida. Foi um grande presente que uns amigos

meus me deram, quando estive pregando na Igreja Presbiteriana de Cuiabá-MT. O Rev. Uedson, pastor daquela igreja na época, e um irmão membro da referida igreja, chamado Herbert, emprestaram um pequeno avião de quatro lugares, de um amigo deles, e me levaram a uma parte do Pantanal que poucos mato-grossenses conhecem. É uma região cujo acesso só é possível de avião ou de exaustivas horas de barco. Lá fomos nós, bem cedinho, até uma pousada que fica às margens de um dos principais rios de pesca da região. Um lugar muito bonito, cercado de muito verde, onde rebanhos de capivaras pastavam, e um simpático casal de Tuiuiús passeava. Por dois dias, Uedson, Herbert, Lúdio e eu, navegamos pelas águas sinuosas do Pantanal, entre garças, capivaras e muitíssimos jacarés, desfrutando da beleza do lugar, com o coração cheio de esperança de fisgar o maior peixe já pescado na região. Lúdio era o pirangueiro, nativo que conduzia o barco e dava as dicas dos melhores lugares piscosos. Sujeito simpático e de companhia agradável. Em cada lugar que o barco parava, iniciava-se o ritual de preparar os molinetes, iscar o anzol e escolher o melhor local para se arremessar. Cessava-se momentaneamente o bate-papo e ficávamos ali de olhos fixos no movimento da água em torno da linha, aguardando somente a “puxada” do

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peixe. Na realidade, não dava mesmo para permanecer muito tempo olhando somente a água, visto que a beleza do lugar convida insistentemente a uma namoradela. Nunca vou me esquecer de um momento em uma das manhãs, bem cedinho, enquanto nos dirigíamos para um setor onde se imaginava ter muitos dourados. Quando despontamos em uma curva, fomos premiados com uma revoada de garças bem à nossa frente. Eram todas enormes, alvas, contrastando com o imenso verde da vegetação, e o amarelo dourado da água; dezenas, não sei, talvez centenas; tudo ficou branco, era lindo! Gritei: _“rápido Uedson, pegue a máquina, moço, tire uma foto disso!” Mais adiante, bem no meio do rio, uma família de capivaras atravessava a nado, suavemente, em fila indiana, e ao ouvir o barulho do motor uma a uma ia mergulhando num gingado engraçado, reaparecendo depois entre as ondas deixadas pelo barquinho. Um pouco mais à frente, encontramos em uma margem aberta mais de uma dúzia de jacarés, dos grandes, uns em cima dos outros, de boca aberta, totalmente estáticos. Resolvemos “fazer” uma foto. O nosso condutor foi se aproximando, se aproximando, e chegamos mais ou menos a dois metros deles, mas que pelo meu medo pareciam centímetros. Fizemos a foto e seguimos. Numa dessas, enquanto estávamos parados, cercados por jacarés, num local de muitas piranhas, ouvimos um zumbido que vinha chegando e aumentando de intensidade. Parecia uma usina. Era um enxame imenso que passava rasante sobre nós. Ficamos todos encolhidos ali no barco, quietos e orando; não tínhamos nem para onde correr. Era isso mesmo: em cima abelhas, ao redor, jacarés, e embaixo, piranhas. Lembro-me de ter apenas comentado: “Viiiiche!”. Seguimos, então, e chegamos a um lugar aberto de águas mais calmas, onde uns pássaros parecidos com pequenas gaivotas voavam a um palmo da água, e vez por outra mergulhavam em busca de algum alimento. O nosso guia foi encostando o barco, desligando o motor e dizendo: _“vamos parar um pouco aqui para pegar pintado”. Aprontamo-nos e iniciamos a aventura. Não é que em poucos minutos no meu anzol veio um vistoso e irrequieto pintado... O Lúdio recolheu o bicho, pegou um sarrafinho que andava com ele no barco, e crok! na cabeça do coitado. Esse som foi ouvido exaustivamente naqueles dois dias. Mas, espere, como é que ele sabia que ali pegaríamos pintados?

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Um Escolhendo o lugar estratégico

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ESCOLHENDO O LUGAR ESTRATÉGICO “Ficarei, porém, em Éfeso até o Pentecostes; porque uma porta grande e oportuna para o trabalho se me abriu” I Coríntios 16:8,9.

ara quem vislumbra apenas a superfície, o espelho d´água, o rio é rigorosamente igual, não deixando transparecer que aqui ou ali tem peixe

e acolá não. Mas para quem é experimentado no assunto, outros fatores, como: movimento, temperatura e profundidade da água, a vegetação das margens e no fundo do rio, indicam o que pode ser encontrado ali. O nosso pirangueiro encostava o barco num determinado lugar e dizia: _“aqui tem pintado”, ou _“aqui só dá piranha”. Curiosamente, era isso mesmo. Como ele sabia disso, se não dá pra enxergar o fundo? Obviamente, a experiência de muitos anos fazendo a mesma coisa, aliada à observação dos fatores já citados. Quem prega o Evangelho precisa observar atentamente todos esses princípios. Não é a mesma coisa lançar as bases para a plantação de uma igreja na periferia de uma cidade, ou numa favela, e abrir um trabalho num bairro da chamada classe alta, ou ainda numa região de condomínios; é diferente abrir um ponto de pregação num povoado e plantar um trabalho em uma capital, da mesma forma como é diferente pregar o Evangelho para pessoas de pouca instrução, e o mesmo Evangelho para doutores. São peixes diferentes, que vivem em mundos diferentes, seus costumes e valores conflitam, suas necessidades e anseios navegam em paralelo; são culturas de uma cultura; etnias de um mesmo povo; dialetos de um mesmo idioma; povos de uma mesma nação. Assim, começar um trabalho numa determinada região exige uma preliminar investigação sociológica, a fim de identificar os hábitos do lugar, o padrão de vida dos seus moradores, a interação entre os iguais, se há outras igrejas ali e que tipo de abordagem já foi feita, etc. Não é à toa que a Bíblia afirma que os filhos do mundo são mais hábeis na sua geração do que os filhos da luz (Lc. 16:8). Os grandes empresários e investidores, antes de lançar um produto no mercado ou abrir uma loja num determinado lugar, enviam consultores experientes para sondar a viabilidade do negócio ou ainda o melhor momento e o melhor lugar para a execução do seu projeto.

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Sei da história de um senhor, dono de várias lojas de peças para automóveis, que por circunstâncias alheias à sua vontade teve que mudar de cidade e fechar o seu negócio ali. Homem esperto, tarimbado no ramo do comércio, vagou pelas ruas da sua nova cidade observando os pontos fortes e os fracos para compra e venda, e descobriu que havia muitas oficinas e muitíssimas lojas de autopeças. Em sua particular investigação, descobriu que os proprietários de carros da cidade, na sua maioria, eram apaixonados por seus veículos (como todo brasileiro), mas que não tinham condições de trocá-los com facilidade. Com o dinheiro da venda das lojas de peças ele abriu uma oficina que chamou de “tira-grilos” e encheu a cidade de anúncios: “se seu carro mais parece uma escola de samba, o tira-grilos deixa ele durinho de novo”. O sucesso foi tão grande que em pouco tempo aquele senhor precisou abrir filiais para atender aos clientes na cidade e no interior. Existe o lugar estratégico. Quando o Apóstolo Paulo iniciou suas viagens missionárias, navegou em busca de cidades estratégicas, a partir das quais o Evangelho se espalharia com mais rapidez. Tomemos como exemplo a cidade de Éfeso: conhecida como a luz da Ásia, era cidade portuária, onde transitavam pessoas de todas as nações do mundo antigo; por muitos anos foi a sede das forças armadas de Roma; comercialmente próspera e culturalmente florescente, atraía a atenção de romanos e gregos que se beneficiavam do seu esplendor; era a cidade que abrigava uma das maravilhas do mundo: o templo da deusa Diana. Ali Paulo ficou cerca de dois anos, ensinando na escola de Tirano, formando líderes, e pregando o Evangelho com grande poder, enquanto coisas espantosas aconteciam da parte de Deus pelas suas mãos, a ponto de pessoas levarem lenços, aventais e objetos de uso pessoal, diante dos quais as enfermidades fugiam. Nesse período, todos os moradores da Ásia tiveram o ensejo de ouvir a Palavra do Senhor, tanto judeus como gregos (Atos 19:10). Assim foi organizada a igreja de Éfeso, uma das principais da Ásia menor, tendo como seu pastor o jovem Timóteo. (ITim.1:3). Semelhantemente, Corinto, Tessalônica, Colossos e outras cidades evangelizadas pelo Apóstolo, apresentavam características de cidade-sede, que serviam de luz para as circunvizinhas. Assim como há lugares, há também métodos estratégicos. Não foi sem propósito que Deus escolheu e preparou um povo, uma língua e um tempo para enviar o seu Filho como o Redentor dos eleitos. Sob o reinado de Tibério César, sendo Pilatos governador da Judéia, e Herodes tetrarca da Galiléia, a Palestina viveu um longo período de paz, em razão da dominação romana que inibiu os seus inimigos a qualquer conflito armado. As alianças e conquistas eram feitas diplomaticamente. Nesse período, estradas foram abertas e várias

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rotas comerciais estabelecidas, sendo Jerusalém o grande mercado para onde tudo convergia. A Jerusalém dos dias em que Jesus começou a pregar o seu Evangelho era, por assim dizer, um pólo mundial, ou a capital do mundo antigo. O evangelista Lucas diz que “estavam habitando em Jerusalém judeus, homens piedosos, vindos de todas as nações debaixo do céu” (Atos 2:5); e ainda: aqueles que presenciaram nos Apóstolos a descida do Espírito Santo, diziam: “Não são galileus todos esses que estão aí falando? E como os ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna? Somos partos, medos, elamitas e os naturais da Mesopotâmia, Judéia, Capadócia, Ponto e Ásia, da Frigia, da Panfília, do Egito e das regiões da Líbia, nas imediações de Cirene, e romanos que aqui residem, tanto judeus como cretenses e arábios” (2:7-11). Jerusalém era o lugar estratégico. Essa foi uma das razões por que Pilatos escreveu sobre a cruz do Senhor, em hebraico, latim e grego: JESUS NAZARENO, REI DOS JUDEUS. O hebraico (na verdade, trata-se do aramaico, porquanto o hebraico não era mais língua falada naquela época) era o idioma dos judeus na Palestina; o latim era o idioma oficial da administração pública do governo romano, e o grego era o idioma internacional do comércio e da cultura. Isto quer dizer somente uma coisa: o mundo inteiro precisava e precisa saber que Jesus Cristo é o Rei. Há lugares estratégicos. Há lugares onde os peixes estão mordendo a isca e outros não. Quem lançar o anzol, hoje, em alguns países da Europa, como Reino Unido, França, Alemanha, que já foram o berço do protestantismo reformado, tem que levar o banquinho para esperar, e ter muita paciência. Eu ouvi, recentemente, o testemunho de um pastor presbiteriano, missionário residente em Edinburgo, Escócia, que em um ano de trabalho teve a oportunidade de pregar apenas uma vez, e isso pedindo licença; que a maioria dos pastores das igrejas da sua região não tem a experiência do novo nascimento; que falar abertamente de Jesus em uma escola é afrontar a liberdade de escolha religiosa dos alunos (que na maioria são muçulmanos), e dá até detenção; que a realidade da maioria das igrejas é entrar ano e sair ano sem ganhar uma só alma para o Reino dos céus; pelo contrário, anualmente milhares de pessoas abandonam a fé, e os templos vão se tornando agências bancárias, supermercados, casas noturnas e mesquitas para Maomé. Esse mar não está para peixe. Há, no entanto, outros lugares no mundo em que o mover de Deus é visível. É só jogar o anzol e ir puxando os peixes... Não dá nem tempo trocar a isca. São os avivamentos. Como o Dr. Erlo Stiegen, missionário entre os Zulus, narra em seu livro “avivamento na África do sul”:

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_“Vi pessoas chorando, sozinhas, no meio da rua, com o coração arrependido, sem que tivessem ouvido qualquer pregador, mas pelo simples e suave toque do Espírito Santo; famílias inteiras pediam insistentemente ao pastor que as recebessem pelo batismo, por ansiar servir a Cristo com os demais irmãos; as pregações eram sempre muito simples, diretas e bíblicas, e ao final, sem qualquer convite do pregador, havia sempre várias pessoas confessando os seus pecados e se entregando de corpo e alma ao Salvador; curas e milagres extraordinários aconteciam em meio aos cultos, e também nos lugares e momentos mais inesperados. A ênfase, no entanto, era mais a vida do que a reunião de culto”. Assim fica fácil pescar. São dois exemplos extremos. Em vias normais, no entanto, uma pescaria bem sucedida, além do revestimento do alto, exige estratégia, ardil, sutileza. Não é um simples esperar que o peixe venha, mas um planejar inteligente de como chamar a atenção do peixe para a isca que está sendo servida. O bom pescador sabe que não adianta arremessar o anzol com uma bela isca em qualquer lugar, simplesmente porque ali tem água... Assim como os homens, os peixes têm hora certa para a alimentação, descanso e suas conquistas, bem como os ambientes que costumam freqüentar. Geralmente é um remanso, um lugar à sombra, rente às margens, próximo a troncos submersos ou lugares que lhes ofereça escape numa emergência. Às vezes, o lugar ideal é o mais difícil de se chegar ou inacessível, por ser uma região de mata muito fechada, ou de muitos espinhos e urtigas, ou porque os donos da terra proibiram a pesca ali. Um desses lugares, no campo do evangelismo, é a televisão. Difícil para muitos, inacessível para tantos. Que lugar estratégico! O mundo inteiro está ligado na telinha, diariamente e, em alguns casos, em tempo integral. A TV é, inegavelmente, um dos veículos de comunicação de maior impacto na sociedade. Com som e imagem, ela atinge a visão e a audição, a mente e a alma do espectador, alcançando um nível mais eficiente de assimilação da mensagem transmitida, pois alia informação e emoção. A veiculação de uma notícia, uma chamada, um programa, uma entrevista, tem uma abrangência incalculável. Lembro-me de uma reportagem que a tevê Globo realizou na minha cidade natal (Pedrinhas-SE), a respeito da sua câmara de vereadores, por possuir dois presidentes. (coisas da minha terra) Foram entrevistadas algumas pessoas, inclusive o meu pai, cuja fala foi apenas: _ “isso é uma vergonha!”. Foram apenas dois segundos, mas eu recebi telefonemas de vários lugares do Brasil, de gente que o conhece, ou que conhece a mim e já ouviu falar de Pedrinhas, falando que assistiram à reportagem; ou as muitas vezes em que fui abordado na rua por pessoas que me viram em algum programa de entrevista ou debate, mesmo que fosse em uma reprise, alta madrugada.

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Verdadeiramente, um programa evangélico de boa qualidade e bom gosto, produzido por gente competente e criativa, dirigido por pessoas que saibam lidar com as lentes das câmeras, com músicas cujas letras sejam elaboradas e ungidas, os temas abordados reflitam as necessidades do homem moderno, e a mensagem bíblica tenha uma linguagem contextualizada, é um anzol afiadíssimo com uma isca deliciosa, lançado em lugares superpovoados de peixes esfomeados, ávidos por ingerir qualquer coisa. O melhor exemplo disto é o bombástico crescimento numérico das igrejas de linha neopentecostal, como: Universal do Reino de Deus, Renascer em Cristo, Internacional da graça, Mundial do poder de Deus, e outras semelhantes, que mantêm programas regulares no rádio e televisão. Eles estão em lugares estratégicos. É um dos púlpitos de maior alcance que um pregador pode ter. E é também a aplicação do princípio de 2Cor. 9:6 “Aquele que semeia pouco, pouco também ceifará; e o que semeia com fartura, com abundância também ceifará”. De igual modo e impacto, concorre a Internet, agregando o mundo inteiro dentro do seu cinturão globalizado. Uma notícia que é postada agora em qualquer lugar do mundo, em segundos é compartilhada na grande rede por bilhões de internautas. Obviamente que Deus não necessita de nada disto para manifestar a sua graça salvadora entre os homens; ele é soberano e livre, misterioso e criativo em sua forma de agir. O lugar considerado estratégico neste capítulo é do ponto de vista do homem, das possibilidades e critérios naturais, da visão até onde ele consegue enxergar, e os métodos por ele articulados na busca de acertar com a vontade perfeita de Deus, no que seria o lugar verdadeiramente estratégico também do ponto de vista dEle. Ou seja, de cima para baixo o lugar estratégico pode ser em qualquer parte da terra ou em qualquer situação, desde que Deus estenda a sua mão. Como diz a Escritura, pode haver santos até na casa de César ou em Babilônia. Mas, horizontalmente falando, há sinais, indícios, lugares para onde o espírito humano o vai dirigindo, apontando o caminho, mostrando a viabilidade, revelando a estratégia, mesmo sem saber que conta efetivamente com a iluminação do Espírito Santo para tal. Ali é o lugar estratégico; ali as coisas irão acontecer.

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Dois Escolhendo a isca certa

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ESCOLHENDO A ISCA CERTA “Orai por mim, para que me seja dada, no abrir da minha boca, a palavra, para, com intrepidez, fazer conhecido o mistério do Evangelho”. Efésios 6:19

o que se alimenta um salmão, ou um dourado, ou um pacu; mandi, lambari, anchova, piraputanga, jaú, tambaqui? O que apetece uma traíra,

ou uma truta, ou uma piranha; corvina, agulha, barracuda, tilápia e piau? Certamente, um mesmo alimento não serve para todas as espécies. Há peixes, como as piranhas, que comem até carne estragada; peixes como os dourados só comem iscas vivas, e há os que não comem carne. Há peixes que pastam como gado, e outros que se alimentam de sementes como as aves. Há os que comem qualquer coisa (até metais), e os que só se alimentam com carne tenra de filhotes da sua própria espécie. São diferentes os tipos de alimento, tanto quanto os são as espécies que povoam as águas; são diferentes tanto a natureza do alimento como a forma de administrá-lo. Por isso, escolhe-se a isca pelo tipo de peixe que se pretende pegar e lança-a na água da forma que lhe encha os olhos. Tem peixe que é atraído pelo movimento: então arremessamos a isca de forma que caia sobre a água com estardalhaço. Para aqueles que se assustam com o menor movimento, deixamos que o anzol desça suavemente até o fundo da água e aguardamos que ele o morda. Se sabemos que a espécie que se encontra ali é arisca e vai beliscando a isca aos poucos, ficamos com a mão em constante tensão e, ao menor toque na isca, balançamos a vara para executar a ferrada. Mas se o tipo de peixe é dos que carregam a isca, então relaxamos um pouco mais e esperamos que ele a segure bem; aí então, tchum! Está seguro. Assim são os peixes, assim são os homens. Pelo tipo de pessoa que abordamos, devemos encontrar a palavra certa e lançá-la na hora certa e da maneira certa. O proverbialista diz que a palavra dita a seu tempo, quão boa é, e que o coração do sábio conhece o tempo e o modo (Pv.15:23; Ecl.8:5). Há pessoas que, assim como alguns peixes, engolem qualquer coisa; “O simples dá crédito a toda palavra”. Pv. 14:15. E há aquelas que ponderam até as vírgulas: “O coração do sábio medita o que há de responder”. Pv.15:28. Há pessoas desconfiadas, incrédulas,

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decepcionadas com Deus, com a igreja, com líderes espirituais, pessoas amargas, ressentidas, indiferentes aos pregadores; há pessoas ignorantes, alheias, alienadas a tudo que se refere à fé, não lêem a respeito, não freqüentam nada, mas não têm nada contra; há pessoas instruídas em seus dogmas, carolas, teimosas, cheias de preconceitos, fanáticas e herméticas; há pessoas equilibradas, sensatas, boa gente, mente aberta, prontas para aprender; há pessoas chatas, rabugentas, apegadas a detalhes sem valor, contenciosas, doentias; há pessoas simples, quebrantadas, fervorosas, tementes a Deus, terra boa e pronta para o plantio; há pessoas altivas, pedantes, cheias de si, auto-suficientes; há pessoas de toda espécie. Mesmo sendo a Palavra de Deus eterna e imutável, a sua abordagem será personalizada de acordo com a situação e o tipo do sujeito abordado. Vejamos, por exemplo, como Jesus abordou certas pessoas: à mulher samaritana, junto à fonte de Sicar, Ele inicia o seu diálogo pedindo-lhe água. Depois, apresenta-se como a fonte da água da vida. O pedido de água era a isca; a revelação, a fisgada; aos discípulos e circunstantes presentes ao momento da multiplicação dos pães e peixes, revela-se como o pão vivo que desceu do céu: “o que de mim se alimenta, por mim viverá”; no contexto da cura de um cego de nascença, revela-se como a luz do mundo; aos judeus desgarrados, como o bom pastor; na ocasião da morte de Lázaro, como a ressurreição e a vida, e assim por diante. A isca ou chamariz é a porta de acesso à pessoa a quem se pretende apresentar o Evangelho. Pode ser um assunto, uma situação criada, um fato ou qualquer matéria de interesse do interlocutor. Quando tratamos de algo que faz parte do cotidiano da pessoa, ou que está dentro do seu campo de conhecimento e lhe gera interesse, a porta do coração se abre. Consultando um dos nossos dicionários da língua portuguesa, encontrei que interesse significa, dentre outras coisas: o que atrai, seduz; ambição; cobiça; afeição; simpatia; curiosidade; importância; conveniência; lucro; vantagem. Geralmente, as pessoas param para ouvir ou dão atenção apenas àquilo que julgam lhes ser conveniente ou traga algum benefício. Conta-se que o grande físico Sir Isaac Newton tinha um amigo que, como ele, era um grande cientista. Esse amigo, ao contrário de Newton, era descrente, enquanto que Sir Isaac era devoto cristão. Certa ocasião, Sir Isaac conseguiu que um hábil mecânico, seu amigo, fizesse uma réplica do sistema solar. No centro desse modelo em miniatura estava uma bola prata, representando o sol, e, girando em torno dela, havia pequenas bolas, representando os planetas. Essas bolas eram ajustadas com engrenagens e correias que as capacitavam a mover-se em perfeita harmonia, ao girar-se a manivela.

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Um dia, quando Sir Isaac estava sentado, lendo em seu gabinete, com o mecanismo sobre uma grande mesa, o amigo descrente entrou. De relance, reconheceu o que estava diante de si. Aproximando-se do mecanismo, girou lentamente a manivela e, com indisfarçável admiração, observou todos os corpos celestiais, movendo-se em suas respectivas órbitas e exclamou: _ “Puxa! Que coisa extraordinária! Quem o fez?”. Sem tirar os olhos de seu livro, Newton respondeu: _ “Ninguém”. O descrente disse: _ “Evidentemente, Sir Isaac, o senhor não entendeu minha pergunta. Eu perguntei quem fez este aparelho?”. Olhando para ele, Sir Isaac afirmou-lhe que ninguém o havia feito, mas a agregação de matéria tinha simplesmente acontecido e tomado a forma que ali estava. Porém, o estupefato descrente replicou excitado: _ “O senhor deve estar pensando que eu sou um tolo! Certamente alguém o fez e esse alguém é um gênio! Gostaria de conhecê-lo!”. Pondo seu livro de lado, Sir Isaac Newton levantou-se, e, colocando a mão no ombro de seu amigo, disse: _ “Este engenho é apenas uma insignificante imitação de um sistema muitíssimo maior, cujas leis você conhece. Entretanto, você professa crer que o grande original, do qual este modelo é tirado, surgiu sem um plano e sem um autor. Diga-me, por que tipo de raciocínio você chega a uma tal conclusão?” O descrente, imediatamente, foi persuadido. A maquete era a isca; a conclusão, a fisgada. Foi, também, usando esse expediente que Paulo se fez ouvir pelos filósofos epicureus e estóicos no areópago em Atenas, após ser acusado de pregador de estranhos deuses. Dizia ele: “Senhores atenienses! Em tudo vos vejo acentuadamente religiosos; porque, passando e observando os objetos de vosso culto, encontrei também um altar no qual está inscrito: AO DEUS DESCONHECIDO. Pois esse que adorais sem conhecer é precisamente aquele que vos anuncio. O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas”. (Atos 17:22-24). Há que se encontrar a chave, a isca, a estratégia, a palavra certa, na hora certa, do jeito certo à pessoa certa. Como a abordagem de Filipe ao etíope eunuco, alto oficial de Candace, rainha dos etíopes, que fora adorar em Jerusalém. Estava de volta e, assentado no seu carro, ia lendo o profeta Isaías. Enviado pelo Espírito Santo, Filipe aproxima-se e simplesmente pergunta: _ “Entendes o que lês?” (Atos 8:26-40). Essa pergunta caiu como uma luva no anseio do etíope de entender o significado do que ia lendo; era a sua área de interesse e curiosidade. _ “Como poderei entender, se não há quem me

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explique?”. Pronto, a porta se abriu. Filipe, então, sendo convidado para subir ao carro, passou a explicar-lhe todo o desígnio de Deus. Às vezes, uma frase apenas pode abrir muitas portas para a proclamação do Evangelho. Por que todo esse cuidado quanto à abordagem a pessoas com o Evangelho? Obviamente, porque as pessoas são diferentes; pensam, agem e reagem de forma diferente. Tem aquelas que, com uma simples conversa acerca de Jesus, já vão se quebrantando e perguntando mais coisas, e logo vão se entregando sem resistência. Mas há outras que resistem mais que uma muralha; têm sempre uma contra-resposta, um argumento pré-elaborado, irônicas ou céticas, a quem é necessário devotar toda paciência e perseverança, cercar de todos os lados com os melhores e mais profundos arrazoados, do contrário não nos ouvem. Há pessoas tão revoltadas com o Evangelho, que se alguém toca no assunto, leva uma sova. Há outras, no entanto, que são tão convencidas da verdade, embora não freqüentem nada, que dialogam horas dentro do assunto, dão toda a impressão de que já são salvas, mas também não se chega a um acordo. Temos que usar a isca certa ou vamos perder muitos peixes. Você acha que com uma mesma conversa, ou um mesmo argumento, às vezes até decorado, padronizado, é possível conversar com um espírita, uma testemunha de Jeová, um budista, um mórmon, ou um Hare-krishna, nova era, ou alguém ligado ao candomblé? Claro que não. É diferente também se aproximar de alguém que está sofrendo no leito de um hospital, e encontrar alguém que está vindo de uma festa; é diferente testemunhar do Evangelho numa cerimônia fúnebre e pregar o mesmo Evangelho numa cerimônia de casamento; não é a mesma coisa usar uma caixa de som com microfone e pregar numa pracinha suburbana, e usar a tribuna do salão nobre de uma Universidade; distribuir folhetos num calçadão movimentado, e tocar um interfone de um condomínio fechado; falar de Jesus a um adolescente e proclamar as Boas-Novas a um senhor desempregado; levar a mensagem da salvação a alguém que planta batatas, e a um alto executivo; falar ao pobre, e falar ao rico. São peixes diferentes e águas diferentes; logicamente a isca tem de ser diferenciada. É importante começar falando de música com o músico; de arte com o artista; de esportes com o desportista; de livros com quem aprecia a leitura; de filmes com os amantes do cinema, etc. É preciso falar sempre o que é pertinente ao momento e à pessoa; ganhar a confiança, construir pontes, e aí sim, ministrar o Evangelho, de acordo com a necessidade daquele com quem interagimos. Quando digo: de acordo com a necessidade, não quero dizer, com isso, que a mensagem do Evangelho é interpretada de acordo com a

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situação ou conveniência do indivíduo, mas sim apresentada; ou seja, para aquele que se encontra em profunda angústia, deve-se apresentar o Evangelho do Cristo que veio, morreu e ressuscitou para perdoar os pecados e dar vida abundante e paz a quantos nele confiem. Àquele que se encontra em uma vida dissoluta, deve-se apresentar o mesmo plano da salvação, enfatizando-se, no entanto, que aquilo que o homem semear, isso também ceifará; aos indiferentes, é conveniente que lhes faça conhecer o cumprimento das profecias com respeito às últimas coisas, segundo o Evangelho, e assim seguem os exemplos. Um mesmo Evangelho, uma só mensagem, com muitas abordagens.

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Três Peixes ao cesto

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PEIXES AO CESTO “O reino dos céus é semelhante a uma rede que, lançada ao mar, recolhe peixes de toda espécie. E, quando já está cheia, os pescadores arrastam-na para a praia e, assentados, escolhem os bons para os cestos e os ruins deitam fora”. Mateus 13: 47,48

a pescaria há duas sensações indescritíveis: a fisgada de um peixe grande, brigador, que dá trabalho para sair da água, e a contagem final,

num dia de grandes resultados. Lembro-me de quantas vezes saímos para pescar, meu pai, meus irmãos e eu, levando conosco as varas, as iscas, comida, e uma capanga onde seriam colocados os peixes. Separávamo-nos a curta distância ao longo do rio, e ficávamos sempre de olho uns nos outros, para ver quem estava pegando mais. Sempre que dava, guardávamos rapidamente o peixe na capanga, para ver se passava despercebido, a fim de que no final todos tivessem uma surpresa. Mas o meu irmão Hugo sempre nos surpreendia ao derramar a sua capanga... Sempre pegava mais que a gente; no entanto, só vínhamos saber disto no final da pescaria quando mostrávamos o resultado. A contagem final era o grande momento, o troféu, o prêmio. Às vezes, recolhíamos peixes tão pequenos que não sabíamos o que fazer com eles, embora o Hugo sempre dissesse: _ “Tem ôio, dá môio”. Traduzindo: se tem olho dá pro molho. No caso de peixes grandes, o que motiva a escolha são outros fatores, como: medida permitida para abate, quantidade suficiente já pescada de uma determinada espécie, ou carne pouco apreciada. Na já referida pescaria no Pantanal, vi, sem entender, os colegas devolverem à água diversos pintados fora da medida, cachorras, piranhas grandes e abotoados que foram lançados aos jacarés, mesmo por que não tínhamos como levar tudo o que pegamos. Aliás, nem sempre se sabe o que fazer com os peixes pescados. Essa é a grande questão: o que fazer? Há aqueles que pescam, com avidez, apenas por esporte, e depois, sem querer envolvimento, sem querer sujar as mãos, entregam os peixes para que outros cuidem; há os que depois de exaustiva pescaria, ainda no rio, fazem a sua seleção, recolhendo os mais graúdos e

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deitando fora os miúdos, e há os que levam tudo para casa, tratam um por um, salgam, temperam com todo desvelo, e esperam o banquete. Espiritualmente falando, essa também é a grande questão: o que fazer com os convertidos? E a postura de muitos pregadores é idêntica à dos pescadores citados. Primeiramente, encontramos os pregadores profissionais, ou os que se declaram “pregadores do povo”, conferencistas. Geralmente colecionam uma meia dúzia de sermões que pregam por onde passam, têm grande habilidade de levar o auditório a momentos de confronto pessoal, culminando com dramáticos apelos e, geralmente, muitas pessoas, em lágrimas, tomam a decisão de se entregarem a Cristo. Momento seguinte, o pregador “lava as mãos” e entrega os peixes, quer dizer, os novos decididos aos cuidados da liderança local e parte para outra. Não há envolvimento emocional, desprendimento de tempo, ou sequer saber os nomes dos recém-nascidos. Há também aqueles que depois de uma campanha evangelística “bem sucedida”, onde pessoas de diversas classes e níveis atendem positivamente ao apelo do pregador, não conseguem esconder a preferência por esse ou aquele, por lhes parecerem “mais fáceis de se trabalhar”, ou mais parecidos e adaptáveis ao nível e estilo da sua comunidade, ou por outras afinidades. Há líderes espirituais que em suas comunidades não teriam como receber uma prostituta ou um homossexual, por exemplo, porque não saberiam o que fazer com eles. Seria mais fácil ignorá-los e acolher para seu discipulado os “normais”, bonzinhos e, de preferência, os bem remunerados. Há, contudo, os de alma pastoral, os que abraçam e acolhem a todos quantos se achegarem alquebrados, feridos, sujos, desprezados e sem esperança. São todos peixes, vidas preciosas, bem-vindos e desejados. Há lugar para todos eles; há remédio e cura à sua espera. Não são meros pregadores, nem líderes por conveniência, mas verdadeiros pastores de vidas, médicos da alma, sacerdotes aprovados. Quando o texto bíblico citado, que serviu de base para essa reflexão, diz que o reino dos céus é semelhante a uma rede que, lançada ao mar, recolhe peixes de toda a espécie. E, quando já está cheia, os pescadores arrastam-na para a praia e, assentados, escolhem os bons para os cestos e os ruins deitam fora, não está contradizendo o que acabei de ilustrar. A questão é temporal. A rede que é lançada ao mar e recolhe peixes de toda espécie, fala da era da igreja, do tempo da graça, do tempo compreendido entre a chegada do Messias e a sua segunda e gloriosa vinda. Os pescadores assentados, separando os maus dos bons, são os anjos em ação na consumação do século, como indicam os versos seguintes. Portanto, cabe a nós, como pescadores, o recolher peixes de toda espécie, gente de todo tipo, formação, raça, etc. A grande questão é o que fazer com eles.

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Quem sai a pescar e tem perspectiva de grandes resultados tem que se aparelhar, se prevenir, se achegar de instrumentos e recursos para acolher peixes pequenos e grandes. O bom pescador leva sempre consigo anzóis sobressalentes e todo apetrecho necessário às emergências, além de recipientes adequados para acondicionar os pescados. Em certa ocasião, fui pescar em um viveiro, peguei vários peixes grandes, e só depois notei que não tinha onde pô-los. Tomei, então, um galho seco de uma árvore e fiz uma enfileira através da guelra de cada um, e os levei para casa, parecendo os homens das cavernas que são descritos pelos desenhos animados. É algo mais ou menos parecido com o que acontece a alguns Ministros e igrejas: tudo é feito na base do improviso, sem planejamento ou elaboração, confiando tão somente no tino, em nome da inspiração e da ação misteriosa do Espírito Santo. Em muitos casos, tudo não passa de armengue e desorganização; o fazer a obra do Senhor relaxadamente. Não que eu seja contra, despreze ou não reconheça a unção e direção do Espírito nesses casos, pois creio piamente na soberania, poder e liberdade do Deus Eterno, o seu querer e efetuar estas coisas no seu tempo e do seu modo. Porém, entendo que em tudo o que Deus fez e faz há um propósito, um caminho, ordem, métodos e estratégias. É só tomarmos como exemplo a figura da igreja como um corpo: há centenas de órgãos, milhões de células, cada um com sua função específica, agrupados em famílias diferentes, ordenados e perfeitamente harmonizados em uma estrutura que chamamos de corpo. Cada membro tem o seu lugar, cada um tem o seu papel, todos servem, todos são úteis e imprescindíveis ao bom funcionamento do conjunto. Mesmo sendo o corpo a obra prima da criação, a expressão máxima da inspiração do Criador, tudo funciona dentro de uma ordem, a exemplo de todo o universo. As igrejas precisam se organizar, reforçar sua estrutura, aparelhar-se com todo tipo de ferramenta, se realmente pensa em crescimento. Não basta desejar crescer, dobrar ou triplicar o número de sua membresia, ampliar as suas tendas, ganhar visibilidade como igreja ou denominação. É preciso se preparar para isso, pois do contrário onde seriam colocados os peixes, se não há vasilhas suficientes? É preciso criar espaço para novas pessoas nas igrejas, ambiente propício ao seu crescimento, alimento adequado para o seu fortalecimento; pessoas mais antigas hão de repartir o seu lugar no banco com outras, às vezes com vestes estranhas; o pastor já não terá mais todo aquele tempo disponível para lidar com as mesmas pessoas; a dinâmica relacional da comunidade vai se modificando dia após dia; enfim, é o preço ou as dores do crescimento. Com isso, novas classes na Escola Bíblica Dominical devem ser criadas, cultos de ministração específica, muitíssimas horas de aconselhamento pastoral,

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visitação intensa, criação de novos ministérios e grupos de apoio, treinamento de novos líderes, abertura de pontos de pregação e grupos familiares, envio de seminaristas e missionários e, finalmente, um detalhe ultrafundamental: grana, muita grana para que se implemente tudo isto. Um grande ministério se constrói com revestimento do alto, vidas comprometidas, muito trabalho e recursos financeiros. Tudo custa, tudo despende, é preciso investir. Programas na televisão ou no rádio, aquisição de mais bancos para comportar as pessoas, sustento de um número cada vez maior de obreiros, distribuição de Bíblias, folhetos, cartazes e diversos, manutenção do culto e dos prédios, e uma lista sem fim de coisas que dependem diretamente do dinheiro. É aí que entra uma grande palavrinha chamada visão, em que muitos tropeçam. Sonham com coisas grandes, mas emperram nas coisas mínimas; esperam sempre o melhor, mas oferecem sempre as sobras do seu tempo e do seu dinheiro; almejam um crescimento explosivo, muitos peixes no cesto, mas nada fazem para alcançá-lo. A entrega de dízimos e ofertas é sempre algo penoso, constrangedor, limitado, aos empurrões, como se esse assunto não fizesse parte da adoração e culto ao Trino Deus. Há pastores, inclusive, que ao falar sobre esse assunto em suas igrejas, quase pedem perdão, ou não olham nos olhos das pessoas, visivelmente constrangidos ou envergonhados. Isto não está certo. Oferta e dízimo são culto ao SenhoR: “Honra ao Senhor com os teus bens e com as primícias de toda a tua renda” (Pv.3:9). Falar com ousadia sobre esse assunto é tão espiritual quanto falar sobre santidade e fé. Guarde isto: muito peixe tem a ver com investimento. As pessoas precisam entender a importância desse assunto, uma vez que contribuição financeira na igreja é um tema amplamente abordado nas Escrituras, cerca de 2095 vezes, e mexe com o indivíduo como um todo e não apenas no seu bolso. Trata também o seu caráter. Aquele, cujo coração é avarento, indisciplinado e infiel, quando confrontado pela Palavra da verdade e tocado pelo Espírito Santo, torna-se alguém generoso e desapegado aos bens materiais. A alma pródiga revela esse caráter transformado e legitima o discurso do cidadão do reino. É aquela pessoa que entendeu verdadeiramente o que vem a ser o Reino dos céus, seus valores, sua mensagem e sua esperança; que a sua pátria e glória não estão aqui neste planeta, mas nos céus onde habita a justiça; que, indubitavelmente, maior honra e bênção reside em dar em vez de receber, e que ela é instrumento e parte da expansão e consolidação desse reino aqui na terra. Assim, o gesto de caminhar até o altar com uma oferta em dinheiro é um ato de fé, antes de qualquer coisa, e não pode ser diferente. Dizimar e ofertar com alegria e gratidão também libertam o homem do cativeiro marxista e capitalista imposto ao nosso hemisfério. Somente quem acredita no projeto de

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Deus para o mundo através da igreja investe o seu tempo e dinheiro sobejamente. O que ocorre é que as pessoas que nascem sob o signo de Marx, e são infectadas pelo vírus do consumismo, não conseguem enxergar nada além do possuir, ter, conquistar, acercar-se de bens, cultuar a matéria. As lojas brilham, as luzes piscam, cartazes chamativos esbofeteiam os compulsivos: comprem, comprem! E essa sede pelo ter tem ofuscado e engolido o anelo de ser; na inversão das prioridades, o material sobrepuja o espiritual, e gasta-se com o efêmero, com futilidades, sucumbe em dívidas, e nunca encontra reservas para contribuir com as coisas de Deus e do seu Reino. Quando digo reservas, não falo de sobras, porque Deus não aceita sobras, mas primícias, o melhor daquilo que ele mesmo nos tem dado abundantemente. O que não concordo, pessoalmente, é com a idéia tão divulgada nos dias de hoje a respeito do dízimo e da oferta, levando a entender que é preciso entregá-los pontualmente para que Deus abençoe. Conquanto isso aconteça, pois toda bênção, toda boa dádiva vem dele mesmo, esta não é toda a verdade ou não está arredondada, fechada em sua correta aplicação. A Escritura afirma, por exemplo, que mesmo sendo infiéis ele permanece fiel, pois não pode negar a si mesmo. Isto, no entanto, para o crente, servo de Deus que conhece a sua vontade e está disposto a obedecê-lo, não serve como desculpa ou pretexto para a infidelidade e sonegação; pelo contrário, é motivo de respeito e maior amor. Nós não devemos ofertar “para que Deus abençoe”, mas porque ele nos tem abençoado, e em gratidão devolvemos uma parte. Veja que lindo: “Pelo que Davi louvou ao Senhor perante a congregação toda, e disse: Bendito és tu, Senhor, Deus de nosso Pai Israel, de eternidade em eternidade. Tua, Senhor, é a grandeza, e o poder, a honra, a vitória e a majestade; porque teu é tudo quanto há nos céus e na terra; teu, Senhor, é o reino, e tu te exaltaste por chefe sobre todos. Riquezas e glória vêm de ti, tu dominas sobre tudo, na tua mão há força e poder; contido está o engrandecer e a tudo dar força. Agora, pois, ó nosso Deus, graças te damos, e louvamos o teu glorioso nome... Porque tudo vem de ti, e das tuas mãos to damos”. I Crônicas 29:10-14 Esta é a motivação correta: dar porque. O dar para que, faz da fé um negócio lucrativo, e de Deus um gerente à disposição dos nossos caprichos. Deus é soberano e Senhor absoluto, Autor e Consumador da fé salvadora; é ele quem escreve a história, e nós somos seus agentes, co-participantes na edificação do seu corpo chamado igreja. Peixes no cesto tem a ver com tudo isto: desprendimento, trabalho, envolvimento físico, emocional e espiritual, e também investimento financeiro, semeadura farta para uma colheita abundante.

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Quatro A hora da reciclagem

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A HORA DA RECICLAGEM “E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”. Romanos 12:2

as minhas primeiras pescarias isto era muito comum: ficava um tempão ali, quieto, esperando algum movimento, alguma beliscada na isca, e

nada, não obstante haver peixes no local. Meus companheiros de jornada ali, firmes, sempre pegando alguma coisa, e eu, sem entender, parado, apenas segurando o caniço. Até que em certo dia, meu pai me deu a dica: verifique sempre a isca. O que acontecia, na verdade, é que em dado momento algum peixe levava a isca sutilmente, deixando o anzol descoberto. É claro que não podia pegar nada mesmo! Semelhantemente, pescando no Pantanal, várias vezes lançava uma isca viva, e ao menor toque de um peixe, seguia-se um tempo de quietude. Na dúvida, recolhia toda a linha do molinete e, então, vinha a constatação: surgia apenas o rabo do peixinho; uma piranha o destroçara com um “leve” toque. Se eu não verificasse em tempo, poderia ficar um dia inteiro esperando que nada apanharia. É preciso verificar a isca. Sem a menor sombra de dúvidas, essa é uma das causas por que muitos pregadores falam, ensinam, se cansam e nada apanham; a razão por que muitas igrejas têm o desgosto de ver entrar ano e sair ano, e ninguém ser acrescido aos seus róis; ministérios infrutíferos, estéreis; líderes desinformados, desatualizados, respondendo a perguntas que ninguém fez, lucubrando o óbvio; pregadores alienados, empoeirados, gente que dormiu e não viu que o mundo mudou; pastores que se assustam cada vez que vão ministrar a uma classe de jovens ou adolescentes, ou quando participam de uma reunião de

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pais. Chega de ver e ouvir conferencistas eloqüentes falando tanto e tão pouco a respeito de coisas realmente urgentes; em muitos casos, a linguagem não é apropriada, seja por trazer uma erudição morta, ou por ser chula, as citações não conferem ou estão ultrapassadas, as ilustrações são extraídas dos seus livros ainda do tempo em que fizeram seminário, e os argumentos são elaborados em profundidade dois, quase sempre à margem, superficiais. Muitos até gostam de citar chavões consagrados, por achá-los simplesmente bonitos, ou para impressionar o auditório, mas o seu efeito perde-se no vazio, por serem inócuos ou inverídicos. É muito comum, por exemplo, ouvir-se dizer: _ “A sociedade pós-moderna está em declínio moral”; ou: “A igreja que vive a pós-modernidade...” Ora, quem conseguiu acordar sabe que a era pós-moderna é pretérito, e que a sociedade já esteve em declínio moral. Hoje ela flui em ascensão amoral; aliás, a definição que cabe a esta era é a de que vivemos o pós-pós, ou o pós-tudo, a ante-sala do apocalipse. É preciso rever os conceitos e valores presentes nesta geração, confrontando-os com a verdade eterna do Evangelho. Para isso, é preciso muito estudo e pesquisa, informação, mente aberta, contatos, envolvimento sem preconceitos com os habitantes deste mundo, regados por espírito quebrantado e oração. Só assim a mensagem vai ter eco e impacto nos corações vazios e endurecidos. É por conta e culpa de muitos líderes espirituais, mestres, pregadores, professores de escola bíblica e formadores de opinião despreparados, desinformados, que carregamos, como cristãos ocidentais, a triste reputação de gente medíocre, rasa, ausente, indiferente ao que se passa ao seu redor. O pensamento evangélico corrente, que determina a conduta e o estilo de vida dos seus seguidores, nada mais é do que aquilo que os seus representantes apresentam como sendo a interpretação infalível e inerrante do Evangelho em suas implicações diárias e práticas. É preciso rever a isca. É preciso mudar a cultura do quase, do mais ou menos, do “está bom assim”; Faz-se necessário limpar a face do cristianismo perante a sociedade, pois está enlameada pelos “evangélicos”. Quanta vergonha nós passamos ao assistir a um debate no rádio ou na televisão, em que um representante da classe evangélica expõe os seus pensamentos, frente a defensores de outros credos; ou quando emitem suas opiniões sobre questões éticas, científicas ou sociológicas; ou quando presenciamos um estudante universitário, crente, ser emudecido por um colega cético, ou por Testemunhas de Jeová, Mórmons, Espíritas, por não saberem defender a sua fé. É motivo de intensa tristeza saber que o conceito hodierno de crente é o de alguém que não pensa, uma vez que a nossa herança histórica é de riqueza teológica, elevada capacidade intelectual e moral, agudez espiritual e notório impacto na sociedade. Homens como o Apóstolo Paulo,

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santo Agostinho e João Calvino, intérpretes do Evangelho de Jesus Cristo, cuja influência mudou os rumos das sociedades instituídas e seus governos, fazendo chegar até nós, por intermédio de outros do mesmo gabarito, aquilo que foi idealizado pelo Divino Mestre como o padrão de conduta e de vida. As mensagens deixadas pelos reformadores e avivalistas, entre os séculos XVI e XX, são densas em seu conteúdo, profundas em sua análise, precisas, contundentes e pertinentes quanto a sua aplicabilidade, e matéria obrigatória de estudo nas principais e mais famosas universidades da Europa, onde se desenvolveu o movimento. E não se pode falar desse movimento sem se fazer menção aos Puritanos (1560 d.C.), cujos ideais, em elevadíssimo nível, influenciaram o mundo de seu tempo, não somente por ser gente piedosa, mas também um povo que pensa e tem o que dizer; verdadeiros sal e luz em um mundo podre e cego. Estando nós vivendo a era da conquista, da informação e da especialização, não se justifica ver pessoas assumir papéis de influência em posições estratégicas sobre outras, em questões espirituais, sem que estejam devidamente credenciadas, habilitadas e preparadas. Chega de mediocridade. Para os ministros e obreiros, não faltam faculdades teológicas sérias, cursos de especialização, mestrado e doutorado nas mais diversas áreas de ministério, simpósios de treinamento, oficinas, congressos sobre os mais variados temas, livros atuais e relevantes e internet, ferramentas preciosas para que se desempenhe um ministério com excelência. Não se justifica a superficialidade. É preciso reciclar. Semelhantemente, as igrejas precisam se atualizar. A começar de seus templos, em que simplesmente se levantam paredes, sem se observar os mais recentes padrões de arquitetura que visam o bem estar das pessoas, para um melhor aproveitamento. Tudo é feito hoje do jeito era feito ontem. Na verdade, nada é construído pensando nas pessoas. Por exemplo: os bancos são desconfortáveis, pensando-se em duas horas de reunião; o som, quase sempre muito alto, prejudica a audição, distorce, apita, estoura, agride; raramente os templos têm aparelhos de ar condicionado e a ventilação natural é prejudicada, fica difícil concentrar-se no que se está ouvindo, quando o calor é insuportável; não há estacionamentos suficientes; a construção no estilo galpão põe as pessoas mirando as nucas das outras, distanciando-se cada vez mais do altar e do pregador, favorecendo a dispersividade e desinteresse; as classes para crianças são apertadas, quentes, os móveis não são apropriados e a programação é longa e enfadonha. Essas mesmas pessoas freqüentam regularmente lugares como shopping-centers, teatros, cinemas e outros auditórios, onde são bem tratadas, as coisas correm com agilidade, assentam-se

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em poltronas fofas e anatômicas, respiram um ar climatizado e deixam os seus veículos num estacionamento seguro. O mundo de hoje é veloz, prático, dinâmico, não podemos ser fundamentalistas ou judaizantes cegos na questão da reciclagem. Precisamos discernir e viver o nosso tempo, a nossa geração, com as suas expressões e linguagens, sem, contudo, nos afastarmos do conteúdo programático estabelecido por Deus na sua santa Palavra. Gosto muito do slogan da MPC – Mocidade Para Cristo: No compasso dos tempos, ancorados na rocha. Ou seja, não arredamos pé dos valores do Evangelho, mas vivemos lucidamente como em plena luz, aproveitando cada oportunidade que se nos oferecem, a fim de que aquele Evangelho pregado há dois mil anos a um povo diferente de nós, que é o mesmo Evangelho de hoje, seja entendido de igual forma por essa geração avoada e automatizada. É mais ou menos o que a primeira estrofe do hino oficial da União de Mocidade Presbiteriana diz: “Somos jovens num mundo velho, a pregar novos ideais, do mesmo Evangelho que pregaram nossos pais. O mundo muda, mas Cristo não; importa que preguemos a salvação”. Não devemos, no entanto, sob pretexto da modernidade, usar as mesmas armas que os habitantes deste mundo tenebroso usam, pois a sua raiz é podre. Deus nos dará a estratégia. Por volta do ano 600 antes de Cristo, Senaqueribe, rei da Assíria, a qual se tornara o império mais poderoso do mundo antigo por mais de 300 anos, tendo dominado e tornado cativas as principais cidades e reinos vizinhos, inclusive Israel, pôs os olhos sobre Judá, cuja capital era Jerusalém, com o intuito de subjugá-lo. Não conseguindo, porém, diplomaticamente, enviou afrontosamente o seu comandante Rabsaqué com uma missiva ameaçadora, e uma oferta final desmoralizante, mas que tem sido aproveitada por muitos como recurso para prevalecerem em seus projetos de vida e ministério, mesmo sabendo que o diabo não oferece nada sem que depois não tome e use de volta como instrumento de escravidão. Dizia ele: “Ora, pois, empenha-te com meu senhor, rei da Assíria, e dar-te-ei dois mil cavalos, se de tua parte achares cavaleiros para os montar”. II Reis 18:23 Verdadeiramente, o diabo tem oferecido cavalos, instrumentos de guerra, recursos e equipamentos, não para nos fazer vencer, mas para manipular e posteriormente humilhar e destruir. O rei Ezequias não aceitou tal oferta, obviamente, e na terrível noite de aproximação dos exércitos assírios, tomou a

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desonrosa carta, colocou-a no altar de Deus, confessou sua total dependência e pediu a derrota dos seus inimigos. Diz-nos o texto que naquela mesma noite o Anjo do Senhor passou no arraial dos assírios, e amanheceram mortos 185 mil dos seus valentes, fugindo os restantes derrotados. II Reis 18 e 19. As nossas armas não são carnais. Não precisamos burlar nada, nem nos submetermos aos caprichos e senões antiéticos dos que detêm as regras ou exercem autoridade ou ascendência sobre nós; Deus nos dará direção para que sejam cumpridos os desígnios que enalteçam a sua glória. Glória essa impressa na vida e destino dos que lhe são chegados; glória que se traduz por tudo o que é belo e rico, bem feito e completo. Quando a Bíblia diz que fomos criados para o louvor da sua glória, quer dizer que toda a nossa expressão de vida deve navegar num padrão de excelência tão elevado, que ao olhar para nós e para as nossas obras, as pessoas enxerguem a grandeza de Deus: “Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus” Mateus 5:16. Portanto, é preciso abrir os olhos, medir os passos, alargar a mente e avaliar o nosso desempenho como representantes do Rei em um mundo cada vez mais pobre de ideais. Nós, pescadores, precisamos rever a isca; a reciclagem é indispensável e improrrogável.

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Outros tipos de pesca

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OUTROS TIPOS DE PESCA “Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns. Tudo faço por causa do Evangelho, com o fim de me tornar cooperador com ele. I Coríntios 9:22,23

uantas lições preciosas nós podemos extrair de uma simples pescaria! Ali está o cenário perfeito para a meditação, a reflexão, o sonho, a viagem. Quanta coisa bonita Deus pode trazer ao nosso coração... Ar

puro, paisagem, aves livres a cantar, silêncio e paz, dão o tom de uma melodia celestial, em que o Espírito de Deus canta ao nosso espírito. É mais ou menos o que subiu à minha alma, num certo dia, quando pescava em um rio chamado Campo da onça: eu estava assentado em um determinado lugar à beira do rio, contemplando a linda paisagem ao longe, muitas pedras sobre as quais o rio corria, do meu lado esquerdo, e uma formação semelhante a um lago bem à minha frente. Reparando fixamente na superfície da água, observei que quando uma nuvem fazia sombra sobre o rio, a água assumia um aspecto prateado, impedindo-me ver o fundo e os peixes. Quando, porém, a nuvem passava e os raios do sol incidiam sobre o espelho dágua, podia-se ver claramente o fundo, os peixes e o movimento dentro da água. Entendi que o mesmo acontece com respeito à iluminação do Espírito Santo sobre a Palavra de Deus e as coisas espirituais: quando a nuvem da incredulidade tolda a ação do Espírito, só se consegue enxergar a superfície, as letras, o óbvio; quando, porém, o Espírito age diretamente sobre o leitor e a Palavra, pode-se ver claramente e com profundidade o seu significado. Continuando a analogia, apresento, nesta seção, vários outros tipos de pesca e várias formas de se fisgar homens.

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Pescando com redes

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PESCANDO COM REDES “Quando Jesus acabou de falar à multidão, disse a Simão: Faze-te ao largo, e lançai as vossas redes para pescar. Respondeu-lhe Simão: Mestre, havendo trabalhado toda a noite, nada apanhamos, mas sobre a tua palavra lançarei as redes. Isto fazendo, apanharam grande quantidade de peixes; e rompiam-se-lhes as redes. Então fizeram sinais aos companheiros do outro barco, para que fossem ajudá-los. E foram e encheram ambos os barcos ao ponto de quase irem a pique”. Lucas 5: 4-7

minha primeira pescaria com rede foi marcante e diferente de tudo o que eu imaginava. Há uns anos, aceitei o convite de um pastor amigo meu,

Rev. Franklin Ribeiro D’ávila, para pescarmos em uma praia de Aracaju-SE, chamada Aruana, onde residi alguns anos. Os preparativos foram diferentes, a tralha de pesca idem, a linguagem é outra, os horários também não são os mesmos, enfim, é realmente outro tipo de pesca. Seguimos com mais dois irmãos da sua igreja, e estendemos a rede de 70 metros mar adentro, recolhendo tainhas, xaréus, bagres e siris. Dois seguiam pela margem e dois com a água pelos lombos, fechando o cerco aos peixes que se encontravam naquele espaço. Cada vez que arrastávamos a rede para a praia, o coração se enchia de esperança de trazer algum grande peixe. Sendo a primeira vez que pescava assim, ao final do dia eu me encontrava alquebrado e dolorido, mas

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satisfeito. É divertida e cheia de surpresas: a cada lance uma forma de vida surge. Pensando nessas coisas, quero explorar duas ideias sobre esse tipo de pesca, tomando por base o texto de Lucas, citado acima. A primeira relaciona-se com a ordem de Jesus: _ “Faze-te ao largo, e lançai as vossas redes”. Fala do distanciar-se da praia, da pesca em alto mar. Ir pescar longe tem a ver com missões. São outros peixes, outras águas, outras iscas. Espécies difíceis de fisgar, como o Marlim-Azul ou o Marlim-Branco; ariscos como Caranhas, Corvinas e Cavalas; exóticos como Prejerebas, Wahoos e Carapaus. Quem pesca em alto mar está exposto à solidão, ao cansaço, aos constantes perigos e às tempestades e, inclusive, ao risco de não pegar nada, a exemplo do que aconteceu a Pedro e seus companheiros. O pescador de alto mar precisa ser treinado e experimentado, sob pena de perder o seu tempo nessa empreitada. São águas profundas, que escondem segredos e mistérios; outro reino se encontra ali. De vez em quando assisto a documentários pela TV sobre a vida no fundo do mar: quanta riqueza, quanta beleza, que diversidade de seres e de cores, plantas e corais... É um mundo desconhecido, intrigante e fascinante, agitado e silencioso, atrativo e perigoso. Só mesmo a mente do Criador para conceber algo tão extraordinário e rico. Assim são as nações da terra: sua gente, sua língua, sua expressão, seus costumes e valores, suas esquisitices e suas potencialidades. “Há no mundo hoje cerca de 23.500 grupos étnicos distintos, com cerca de 6.400 línguas vivas, levando-se em consideração os dialetos e sub-culturas espalhados por todos os continentes. Dentre estes 23.500 grupos étnicos, há povos com até Um bilhão de pessoas, como é o caso dos chineses e indianos, como também grupos minoritários contendo menos de 40 pessoas como os Tiks-krô (com apenas 21 pessoas) ao sul de Burquina Faso”, Informa-nos o Rev. Ronaldo Lidório. O grande desafio da igreja, hoje, encontra-se espalhado por matas, rochas, montanhas, desertos, ilhas e planícies e grandes centros urbanos. Quem anuncia o Evangelho nessas águas precisa estar devidamente credenciado, preparado e experimentado. Não basta navegar por ali, é necessário conhecer e se enfronhar na cultura daquele a quem se pretende alcançar; é importante checar a sua história, seus hábitos e interesses. Segundo os lexicógrafos, cultura é o conjunto de comportamentos e idéias característicos de um povo, que se transmite de uma geração a outra e que resulta da socialização e aculturação verificadas no decorrer de sua história. Seja ela primitiva ou civilizada, reflete sempre a peculiaridade de um povo, não implicando, no entanto, em ser certo ou errado esse ou aquele comportamento. Se queremos comunicar o Evangelho para um povo cujo

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modo de vida é diferente do nosso, precisamos estar em condições de analisar as razões de sua maneira de pensar, agir e viver. Se tentarmos entender aquele modo de vida através de nossos próprios “óculos culturais”, vamos cometer erros sérios e freqüentes. É aí que entra o papel fundamental do estudo da antropologia por aqueles que se propõem a levar a mensagem da salvação a outros povos. A antropologia é absolutamente indispensável ao preparo para missões transculturais. Essa ciência estuda o ser humano ou, mais especificamente, a cultura humana, grupos humanos, seu comportamento e suas produções. A antropologia abrange uma ampla área de estudo. Divide-se em duas: Física e Cultural. Na primeira, estudam-se os primatas, a genética, a evolução, as medidas do corpo humano e as descrições das características físicas dos povos. Já a segunda estuda as culturas pré-históricas, a etnologia, o folclore, a organização social, a aculturação e a aplicação da antropologia aos problemas humanos. Sejamos honestos, se somente através de uma linguagem pertinente, seja falada, escrita ou gestual, é possível tocar o mundo de alguém, como esperar resultados favoráveis em um campo missionário, onde aqueles que foram enviados desconhecem a língua, os hábitos e a história do lugar? Seria o mesmo que soltar alguém totalmente inexperiente em alto mar, sem os equipamentos essenciais, e lhe dar a ordem: Pesque! De que forma têm sido equipados os nossos missionários transculturais? Aulas de escola dominical? Três meses em ETEDs nas bases de JOCUM? Treinamento intensivo de dez aulas pelas agências missionárias? Não é à toa que somos o país, dentre os cristianizados, com maior índice de abandono do campo missionário. Falta preparo. Raríssimos são os casos como o do Rev. Ronaldo Lidório, ministro presbiteriano, grande pescador, que é Bacharel em Teologia, doutor em Antropologia cultural e Missiologia, Filólogo e escritor, verdadeiro “apóstolo” entre os Komkombas e Chakalis, em Gana, noroeste da África. Que fala, fluentemente, a língua oficial e os vários dialetos presentes ali; em menos de cinco anos traduziu grande parte do Novo Testamento para a língua deles; organizou escolas, ensinou o idioma inglês às crianças, adolescentes e jovens; treinou líderes; fundou várias igrejas em diversas aldeias, e hoje a igreja em Gana conta com mais de três mil membros. Isto é pesca vitoriosa em alto mar. Isto é relevância. Isto é cumprir cabalmente um ministério; levar às últimas conseqüências a grande comissão; honrar um chamado. Não que o preparo acadêmico, em si, como títulos e graduações, seja a chave para o sucesso ministerial, visto que há muitos irmãos leigos que são habilíssimos pescadores de almas, mas especialmente aos que foram

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chamados para essa fantástica aventura além mares, o preparo na área antropológica e lingüística é fundamental. Eu não sei se você, mas eu estou cansado de ver dezenas e dezenas de pessoas atenderem a apelos missionários, em lágrimas, depois de uma conferência em que são apresentados dados, estatísticas, filmes sobre a situação desse ou daquele país; apresentam-se aos conselhos de suas igrejas, e querem ser enviadas imediatamente. Sem convicção de chamado, sem bagagem, sem nada. Usam, como escudo, o famoso chavão: “Deus me falou”. Se alguém questionar, a fim de esclarecer um pouco mais, compra briga. Não são poucos os “vocacionados” estacionados dentro das igrejas, lançando a culpa na sua liderança por não tê-los enviado, e não poucos os que foram e voltaram. Entendo que as igrejas que professam ter visão missionária, e abriga nos seus róis pessoas com evidente chamado, dispostas a entregarem suas vidas integralmente a essa obra, devem investir sem assombro no preparo conveniente desses irmãos, a fim de que se legitime o seu discurso missiológico. Quando digo “conveniente”, refiro-me ao fato de que o preparo do obreiro deve ser compatível com o campo que pretende evangelizar. Ou seja, não há um padrão de preparo missionário, pois cada campo irá exigir uma ênfase diferente. Isto serve também com respeito aos seminaristas, que em muitos casos são enviados aos seminários completamente verdes, inexperientes, sem serem provados em algum campo de sua igreja, e quando recebidos pela direção da casa de profetas, subentende-se que estão acolhendo alguém que está pronto para receber a instrução para se tornar pastor, quando na verdade seminário nenhum forma pastor, apenas o informa. É como se quiséssemos montar a estrutura de um Sedan importado em um Fusca. Com isso, igrejas e concílios recebem de volta pastores defeituosos, ignorantes e vesgos, atrapalhando a obra e causando danos ao aprisco das ovelhas. Melhor seria treiná-los antes, experimentá-los como recomenda a Palavra, e se demonstrarem os sinais evidentes da sagrada vocação, orientá-los e acompanhá-los em toda a caminhada acadêmica e ministerial, até poderem seguir com as próprias pernas revelando os frutos da sua missão. Isto é coisa séria! Não posso deixar também de lançar o meu alerta sobre o que entendo ser um desvio do plano original de Deus para missões. Hoje, no Brasil, falar em missões é falar em África. A grande maioria dos chamados vocacionados tem chamado para a África, ou para a famosa janela 10 x 40. Como ficam os demais continentes? Será que ninguém tem chamado para a Oceania? Ou para o sertão cearense? Ou será que não há eleitos lá? Quem estabelece o grau de importância e urgência? O que Jesus diz é:

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“Sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra”. (Atos 1:8). Tanto em... como em... e até. Missões é um plano integrado elaborado pelo Salvador, para levar o seu Evangelho aos quatro cantos da terra concomitantemente. Enquanto uns vão para a África, outros vão aos índios, e outros a aldeias de pescadores, e ainda outros entre os surdos-mudos. Há povos não alcançados no interior dos Estados, nas capitais, nas universidades... E onde estão os vocacionados? Ou o Espírito de Deus não tem chamado testemunhas para essas localidades? William Carey disse certa vez: “Na mente divina não há distinção entre missões estrangeiras e missões nacionais. Onde houver uma alma perdida, aí está um campo missionário”. É preciso lançar as redes além do nosso tanque, mas o preparo é fundamental. Essa é a primeira idéia extraída do texto. A segunda está ligada à última parte do versículo: “E fizeram sinais para os companheiros do outro barco, para que fossem ajudá-los”. Refere-se ao trabalho em equipe. Quando há muito peixe em jogo, é preciso haver cooperadores. Recentemente, assisti a um filme que me ensinou várias lições. Foi “Mar em fúria” (Perfect Storm), baseado em uma história real, em que um pescador profissional, marinheiro experimentado, monta a sua equipe de pesca e sai para alto mar com a expectativa de trazer a quantidade de atuns jamais pescada por alguém. Depois de algumas semanas de aventura, o compartimento de gelo para guardar os peixes quebra e eles perdem tudo o que haviam pescado. Para não perderem também a viagem, aventuraram-se avançar um pouco mais para uma região de freqüentes furacões, e o barco, embora bem equipado, sofre as primeiras perdas, inclusive o rádio de comunicação. Sem contato com a base naval, eles decidem voltar pelo mesmo caminho, sem saber que uma conjunção de furacões bem no meio de sua rota causaria uma tempestade de proporções gigantescas, tornando impossível alguém rompê-la. Açoitados pelos ventos e engolidos por ondas monstruosas de até 30 metros de altura, tentam avançar e se tornar heróis, mas sucumbem em uma última e intransponível onda. É uma história muito triste e nos faz sair do cinema semideprimidos, mas ficam preciosas lições.

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A importância do capitão em todo o processo, desde a escolha dos seus ajudantes, a orientação quanto aos lugares favoráveis à pesca, na conversa encorajadora quando não se pegava nada, na segurança transmitida quando surgiam dúvidas, e na atitude pro-ativa em todo tempo. Outras ricas lições vêm da dramática luta contra a morte durante a tempestade: na hora da crise alguém tem que responder pelas decisões; desaparecem as diferenças pessoais; a equipe torna-se um; o que é apenas potencial efetiva-se, e a iniciativa torna-se matéria-prima da solução almejada. É um filme que recomendo aos pescadores que trabalham em equipe. Trabalhar em equipe é necessário, em muitos casos, mas não é fácil; é preciso observar algumas regras básicas quando se trata de ministério. Primeira: Líder e liderados precisam ser companheiros. O texto básico diz que Pedro chama os seus “companheiros” para ajudá-lo a recolher os peixes. A palavra grega usada é ( µετοχοιζ ), que quer dizer também: sócio, parceiro. É alguém que tem a mesma lida, convive em um mesmo ambiente, usa a mesma linguagem, compartilha alvos comuns. Quando o líder enxerga e trata os seus companheiros de equipe como subalternos, a relação de confiança e amizade trinca. Não há como conciliar companheirismo e despotismo. No primeiro caso, a relação é entre iguais; no segundo, um manda e o outro obedece. Aurélio Buarque de Holanda, famoso dicionarista, define equipe como: que participa de tarefa comum. Assim, o grupo de indivíduos que trabalham juntos em harmonia para um mesmo fim chama-se equipe; porém aquele em que um ou dois mandam e os outros obedecem, chama-se pelotão. Acho que entendo bem o que Charles H. Spurgeon quis dizer aos seus alunos: “Só o que manda com amor é servido com fidelidade”. Não são poucos os pastores e líderes que se alimentam de vaidade, exigem ser tratados por chefes, patrões, senhores, dominadores dos rebanhos que lhes foram confiados. É a sede de poder; a doce, agradável e perigosa sensação do poder. É algo meio entorpecente, que sobe à cabeça e causa dependência. Ser o destaque, o maior de todos, intocável, inquestionável, não traduz o modelo bíblico de liderança. O evangelista Marcos conta que Tiago e João, filhos de Zebedeu, aproximaram-se de Jesus e lhe pediram que na sua glória (que para eles representava a libertação da Palestina da dominação romana, e Jesus como “O Rei” assentado no trono em lugar de César), lhes fosse concedido sentar um à sua direita e o outro à sua esquerda. Ouvindo isto, os dez se indignaram contra os dois, pois os mesmos furaram a fila. Jesus, então, chama para si os seus discípulos, e diz-lhes:

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“Sabeis que os que são considerados governadores dos povos, têm-nos sob seu domínio, e sobre eles os seus maiorais exercem autoridade. Mas entre vós não é assim; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós, será servo de todos. Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”. (Marcos 10:35-45). Os discípulos eram homens que cresceram debaixo da influência dos Herodes, e da sucessão dos Césares. O modelo de liderança e autoridade, até então impregnado em suas mentes, era o que vinha de Roma. E é Jesus quem bem define o conceito mundano de liderança: “sob seu domínio” e “exercem autoridade”. A palavra usada por Marcos para domínio é (κατακυριευω), que significa ser senhor sobre, controlar, sujeitar, sobrepujar, dominar sobre as pessoas para a desvantagem destas e para a vantagem de quem assim domina; e a palavra (κατεξουσιαζω), significa fazer sentir, exercer pressão sobre; algo de cima para baixo. Em súmula, no modelo dos homens alguém manda; no de Jesus, alguém dá o exemplo; no modelo do mundo a pessoa exerce autoridade; no de Jesus, a pessoa tem autoridade; no modelo de Roma, o líder é servido; no de Jesus, o discípulo é servo. Outras passagens ilustram essa verdade: narrativas como a famosa lição em que Jesus lava os pés dos discípulos; textos em que os discípulos são confundidos com o Mestre, a exemplo do traiçoeiro beijo de Judas para identificar o Salvador. O líder-servo tem que estar identificado com os seus companheiros de ministério, sob pena de fracassarem na missão. São colegas, amigos, ou cooperadores, como Paulo costumava chamar os seus discípulos. É fundamental que o canal esteja sempre aberto para o diálogo, para o compartilhamento saudável, para as críticas construtivas e para o encorajamento mútuo, sinais de um relacionamento maduro e duradouro. Segunda: Líder e liderados devem seguir na mesma direção. O texto não narra isto, mas dá para imaginar os companheiros de Pedro chegando em outro barco, animados pelo resultado da pesca do colega, pulando para dentro do seu barco e agarrando com firmeza as pontas da rede: _ “Que beleza! Vamos lá, turma!” Todos ali puxando a rede e recolhendo dezenas e dezenas de peixes grandes. Mãos e mentes diferentes num esforço comum; companheiros de “barcos diferentes” envolvidos em um mesmo projeto, uma mesma visão. O Apóstolo dos gentios diz aos Filipenses:

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“Vivei, acima de tudo, por modo digno do Evangelho de Cristo, para que, ou indo ver-vos, ou estando ausente, ouça, no tocante a vós outros, que estais firmes em um só espírito, como uma só alma, lutando juntos pela fé evangélica” (Filipenses 1:27). Este mesmo princípio o Apóstolo transmitiu a Timóteo, Tito, Onésimo, seus companheiros de ministério. É preciso trilhar o mesmo caminho, falar a mesma língua, sonhar o mesmo sonho, perseguir o mesmo alvo, já que participam de uma tarefa comum. O que não pode ocorrer no ministério, em hipótese alguma, é o espírito de divisão. As palavras gregas para divisão são: (σκανδαErro! Vínculo não válido.λον) – escândalo, ofensa, causa de tropeço (v. Rm 14:13;16:17), e (σχισµα) – cisão. Descreve a destruição da unidade por meio de força (v. 1Cor 1:10). Isto era algo que Paulo conhecia tão bem, uma vez que veio a separar-se de Barnabé em Antioquia, por causa de um discípulo chamado João Marcos, a quem esse queria consigo, mas Paulo não achava justo levar aquele que se afastara desde a Panfília, não os acompanhando no trabalho. Lucas descreve o fato dizendo que houve entre eles “tal desavença” que vieram a separar-se. A palavra desavença tem a mesma raiz de cisma: (παροξυσµος) - contenda, briga, duas visões. (Atos 15: 36-41) “Andarão dois juntos, se não houver entre eles acordo?” (Amós 3:3). Como harmonizar uma equipe de ministério, quando há duas ou mais cabeças? Ou quando um ruma para o norte e outro para o sul? Quando um crê de uma determinada forma e outro de outra; um toma decisão e o outro a rejeita; as ênfases estão focadas em pontos antagônicos? Na verdade não há como. Se a equipe, em comum acordo, traçou um planejamento estratégico, visível e exeqüível, todos os seus pares devem seguir fielmente aquilo que foi firmado como conduta, para que se alcance o alvo proposto; se o pastor ou pastores auxiliares de uma igreja local aceitam o desafio de servirem sob a supervisão e condução do colega efetivo, então a visão que determina a caminhada da igreja deve ser a daquele que é o responsável-mor, e essa precisa ser clara, coerente e possível; se um colegiado de Presbíteros é eleito para, juntamente com o seu pastor, governar a igreja, estes devem buscar sempre a unidade, visando sempre um fim proveitoso para a comunidade sobre a qual ministram. Unidade, sim, não uniformidade, pois esta lacera a particularidade e a criatividade inerentes a todo indivíduo. Pois onde há maturidade há espaço para posicionamentos contrários enquanto se busca a luz. O sábio Salomão afirma que “onde não há conselho fracassam os projetos, mas com os muitos conselheiros, há bom êxito”. (Pv 15:22) E Filipe Melanchton, pensador e reformador,

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arremata com o seu lema: “Unidade no essencial; liberdade nos não essencial; e caridade em tudo”. Líder e liderados devem caminhar na mesma direção ou o projeto fracassa; um reino dividido não pode subsistir. Assim, quem sai para o alto mar no intuito de lançar as redes e trazer muitos peixes, não pode montar uma equipe de adversários, mas de companheiros leais prontos para o que der e vier.

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Seis A hora de consertar as redes

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A HORA DE CONSERTAR AS REDES “Passando adiante, viu outros dois irmãos, Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, que estavam no barco em companhia de seu pai, consertando as redes; e chamou-os”. Mateus 4:21

ra uma tarde nublada quando saímos para pescar, Rev. Franklin, Maurício e eu, na piscosa praia de Aruana. O esforço seria dobrado,

pois dessa vez éramos apenas três. Mas tão animados estávamos, que qualquer sofrimento seria amainado pelo resultado de excelente pescaria. Nesse dia, além dos perigos que passamos e do cansaço ao limite, pouca coisa pegamos, mas um detalhe chamou-me a atenção e me reservou grande lição. Era um pequeno instrumento, um agulhão que o reverendo usava para refazer os nós e reparar os buracos na rede. Isto se tornou relevante quando num determinado lance sentimos algo pesado bater insistentemente na rede e pressioná-la em sentido contrário. Euforicamente, do lado de fora, o Rev. Franklin gritava: _ “Vamos puxar! Vamos puxar que tem peixe grande!” Para nossa decepção, de repente parou de bater e ficou fácil de puxar a rede para fora. Havia buracos e o peixe foi embora. Depois de nos refazermos da frustração e retirarmos os siris presos no nylon, pacientemente a rede foi consertada e pudemos continuar a nossa pescaria. Pescar com rede furada é desperdiçar tempo, esforço e potencial. Já há muito tempo que venho sendo incomodado por uma situação presente em quase todas as igrejas que conheço, e em todas as cidades pelas quais passei: é o assustador e crescente número de pessoas que se tornaram membros de igrejas locais, das várias denominações existentes, participaram ativamente de ministérios, cantaram nos coros e conjuntos musicais, envolveram-se em programas evangelísticos, contribuíram financeiramente, e depois abandonaram a igreja e a fé. São os desviados. A minha alma se entristece profundamente quando desfilam em minha mente nomes e mais

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nomes de pessoas queridas, muitas delas colegas de infância e juventude, que serviram ao Senhor com alegria e entusiasmo, sem reservas ou condições, sonhando com o crescimento da igreja e o avanço do Reino, e hoje vivem como se nunca tivessem conhecido a verdade. Era o final dos anos sessenta e início dos anos setenta; a mocidade evangélica brasileira foi embalada por um suave vento de avivamento, e no vácuo de uma gigantesca crise moral que se abateu sobre os jovens americanos, herdeiros de Woodstock, promoveu vários movimentos jovens por toda a nação. Surgiu o grupo “Vencedores por Cristo”, liderado pelo pastor Jaime Kemp, missionário da Sepal do Brasil, em 1968. Gravaram seus primeiros LPs em mono: Fale do amor, Novos Caminhos, Deixa de Brincadeira e Se eu fosse contar. Foram reunidos músicos levitas como: Ralph Carmichael, Família Kerr, Aristeu Pires, Sérgio Leoto, Nelson Bomilcar, Sérgio Pimenta, que viajaram pelo país levando a Boa Nova em acampamentos, congressos e igrejas; um novo tempo surgiu para o jovem crente. Numa época em que as igrejas usavam apenas os hinários acompanhados por órgãos de fole e, às vezes, permitiam que a mocidade participasse do culto, cantando um ou dois “corinhos”, que eram pequenos versos ensinados pelos missionários, quando não se usava retroprojetores e transparências; uma onda forte de novos ritmos e melodias elaboradas, com letras contextualizadas e bem brasileiras invadiu a liturgia e a hinologia do evangelicalismo brasileiro. Músicas como: Se eu fosse contar, Muito embora um só Jesus exista, Nas estrelas vejo a sua mão, Cristo é meu, Novos caminhos, Novos dias, De vento em popa, etc. levaram milhares de jovens às praças, movidos por um real ardor evangelístico. Violão, bateria, pandeiro, chocalho e guitarras elétricas alteraram o cenário dos altares e púlpitos. No mesmo embalo despontou MPC (Mocidade Para Cristo), missão internacional no Brasil desde 1952, trazida por Donald Philiph e continuada por Paul Overholdt, na cidade de Campinas – SP, para trabalhar com estudantes nas escolas e faculdades. Essa missão tem hoje a liderança dinâmica e criativa do pastor Marcelo Gualberto, com sede em Belo Horizonte -MG. Naqueles dias, igualmente, surgia com força Jovens da Verdade (JV), fundada pelos pastores Jasiel Botelho e Josafá Vasconcelos, com intensa ênfase evangelística, especialmente nas praças. Assim surgiram inúmeros grupos de rapazes e moças sedentos por levar a Palavra com essa nova roupagem, influenciando e mudando a mentalidade e vida dos jovens crentes dos seus dias. Eu sou fruto dessa geração, assim como muitos pastores e líderes que hoje carregam a tocha do testemunho do Evangelho, também são fruto desse mover. Mas há muitos que experimentaram tanto, e que agora estão navegando sem direção, fora da

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rota, e distantes de Deus. O que terá acontecido? Por que tanta gente fora da igreja? Por que será que a porta dos fundos é tão larga? Um dia desses, enquanto fazia compras em um Supermercado, encontrei um amigo querido que há muito tempo não via. Ele era o líder de um grupo musical evangélico bem sucedido, fruto do ministério de uma das principais igrejas da cidade, nos meados dos anos oitenta. Guardo gratas e doces recordações do tempo em que, como adolescente, assisti a belas e edificantes ministrações desses irmãos que foram inspiração para a minha vida. Hoje, esse varão não freqüenta mais uma igreja, nem quer saber de nada que se refira a Evangelho. Foi muitíssimo triste ver o seu semblante caído e envelhecido, em nada parecido com o lustroso e feliz aspecto de quem anda em paz com Deus e com as pessoas, como no tempo em que servia ao Senhor da igreja; o seu olhar estava inquieto e não conseguia fixar o meu; o seu falar sobre coisas espirituais era desarticulado e amargo; ali estava alguém que trazia a marca da queda; certamente o cumprimento da Palavra do Senhor: “Os que se afastam de Ti, eis que perecem” (Salmo 73:27a). O que quero destacar diante dessa tragédia toda é a desculpa que a grande maioria arranja para justificar a sua desistência: a igreja; problemas de igreja; decepção com líderes espirituais; intrigas e fofocas entre “irmãos”; incoerências; brechas. É raro o caso em que a causa apontada não está nos “erros” da igreja e seus líderes. Sempre que nos assentamos para conversar com alguém que está afastado da igreja, ouvimos poucas e boas; um rosário de lamentos e reclamações a respeito de posturas, atitudes e comportamentos de fulano, beltrano e cicrano. Convenhamos, sendo a igreja uma comunidade formada por gente, seres imperfeitos e limitados, obviamente não se pode esperar perfeição nas nossas relações, o que torna injusta e sem razão a murmuração daqueles que a abandonaram. Todos nós pecamos por palavras, pensamentos e atos. Mas, paremos um pouco para a reflexão: será que do tudo que ouvimos, mesmo em tom de crítica e desabafo, nada é verdadeiro, é tudo balela? Certamente que não. Precisamos ter humildade, sensibilidade e coragem para admitir que realmente há brechas no ministério e na comunidade que apascentamos e frequentamos. São as decisões arbitrárias, destituídas de isenção e neutralidade, que vieram a beneficiar um em detrimento do outro; parcialidades e apadrinhamentos; abuso de poder; manipulações e partidarismo, cartas marcadas; injustiças e retaliações; juízo infamatório, falso testemunho; palavras desprovidas de verdade; escândalos, infidelidades; relacionamentos quebrados, litígio, ódio; fraqueza de caráter, impiedade; enfermidades graves na alma e na

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mente; frieza, indiferença, desamor. São brechas por onde os peixes escapam. Veja o que diz o Senhor aos pastores infiéis de Israel: “Ai dos pastores de Israel que se apascentam a si mesmos! A fraca não fortalecestes, a doente não curastes, a quebrada não ligastes, a desgarrada não tornastes a trazer e a perdida não buscastes; mas dominais sobre elas com rigor e dureza. Assim se espalharam, por não haver pastor, e se tornaram pasto para todas as feras do campo” (Ezequiel 34:1-10). Fracas, doentes, quebradas, desgarradas e perdidas, que vieram a se espalhar por não haver tratamento, pastoreio, cuidado; comunidades problemáticas além do limite suportável; rede de intrigas e malquerenças, ambiente sombrio de desconfiança e temor; congregações de pessoas que não se percebem, não se tocam, não se amam, apenas comparecem em um mesmo lugar. Não é à toa que, em ambientes como esses, pessoas entrem e saiam sem ser ministradas e abençoadas, a despeito de ouvirem uma mensagem eloqüente e bíblica, pois a bênção não está reservada apenas para o momento da pregação ou dos cânticos, mas sim desde o momento em que a pessoa põe o pé no átrio e é recebida com um sorriso aberto e um aperto de mão fraterno e caloroso. Eu escrevi um artigo para o boletim da nossa igreja, em versos, que ilustra bem essa situação:

O VALOR DE UMA IGREJA CALOROSA

Fui a uma igreja disposto a cultuar. Não era a minha igreja, fui lá apenas visitar. Entrei, sentei, orei, pensei: Deus hoje vai operar; Pois quando os crentes se juntam para a Jesus exaltar, A sua promessa se cumpre de em nosso meio estar. Mas logo surgiu o liturgo, impostando a voz pra falar: “Fiquemos todos de pé que o culto vai começar! Não ande ou fale, não se balance, de palmas nem vou falar, Pois o Deus três vezes santo, que domina este lugar, Certamente dessas coisas jamais se agradará”.

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Fiquei quieto observando o silêncio do lugar, Pois com tanta reverência, pelo menos no falar, Parecia que algo santo estava pra começar, Apesar de o ambiente pouco se alterar, Pois os crentes pareciam estar em outro lugar.

Começou a cantoria, e eu ali querendo louvar; Mas perecia dureza fazer o povo cantar. Estava desanimado, vazio, não dá nem pra explicar... Até na hora da oferta poucos foram ao altar. Assim fica difícil Deus se manifestar. Veio então a mensagem: agora Deus vai falar! Mas o homem escalado parecia conversar... Com medo, falando baixo, sem sequer erguer o olhar, Demonstrava insegurança naquilo que foi pregar. Onde já se viu profeta na hora “H” recuar? Chegou o final do culto. “Vamos nos cumprimentar!” Quem disse que minha mão alguém veio apertar? Do jeito que entrei saí sem ninguém me observar. Mesmo lá tendo ido para a Deus glorificar, Com certeza, nessa igreja, não pretendo mais voltar. Igreja é povo de Cristo, povo que veio salvar; Gente santa, corpo vivo, para em tudo o agradar. Frieza e indiferença não combinam com altar, Mas sim corações sinceros, sedentos do derramar Da bênção, da unção divina, querendo querer amar.

A igreja é e precisa ser um lugar de cura para todas as gentes; um jardim regado onde possam crescer plantas viçosas; um regaço aprazível onde flua vida e graça; um ambiente acolhedor e aconchegante, próprio para a convivência e compartilhamento; gente com nome, sobrenome e endereço; olhos que se cruzam, ouvidos atentos, ombros largos, mãos generosas, corações amigos. A igreja que está no coração de Deus é plena de verdade e

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amor, santidade e justiça, e não um ninho de cobras ou um ringue, ou um sombrio pântano de pecados encobertos, mas águas transparentes que correm e levam vida por onde passam. Veja o que Paulo diz aos Colossenses: “Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade. Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, caso alguém tenha motivo da queixa contra outrem. Assim como o Senhor vos perdoou, assim também perdoai vós; acima de tudo isto, porém, esteja o amor, que é o vínculo da perfeição. Seja a paz de Cristo o árbitro em vosso coração, à qual, também, fostes chamados em um só corpo; e sede agradecidos. Habite, ricamente, em vós a Palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração. E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai”.(Col. 3:12-17). Precisamos parar, em meio ao corre-corre, para consertar as redes, apertar os nós e tapar as brechas. A ansiedade de pegar os peixes não justifica deixar para trás tantas pendências e coisas por tratar.

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Sete Pesca com bombas

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PESCA COM BOMBAS “Pois não me envergonho do Evangelho, porque é o poder (δυναµισ) de Deus para a salvação de todo aquele que crê”. Romanos 1:16

rata-se de um estratagema usado por pescadores para, se possível, apanhar um cardume inteiro de uma só vez. Observa-se em um

determinado rio a concentração e trânsito dos cardumes, de acordo com os costumes dessa ou daquela espécie, é colocada uma potente bomba no meio do rio, lá no fundo, bem no lugar onde se imagina que os peixes passarão. O pescador, do lado de fora, tem um dispositivo detonador em sua mão. Agora é só esperar o maior cardume passar por sobre a bomba, e bum! Aqueles que estiverem no raio da explosão são atingidos, mas não morrem, ficam meio anestesiados e flutuam por certo tempo e, depois, se não forem recolhidos, vão embora. É aí que entra em cena o arisco pescador, saltando para a água e ensacando os melhores peixes, deixando ir embora apenas os pequeninos. Na verdade, este tipo de pesca foi proibido pelos órgãos que controlam e supervisionam o meio ambiente, por se tratar de uma ação predatória, uma vez que os pescadores ao ver todos aqueles peixes boiando, ensacam tudo indiscriminadamente, desrespeitando os ciclos de reprodução e a maturidade natural dos peixes. Mesmo assim, à revelia, ainda é uma estratégia muito utilizada por pescadores, especialmente em lagos, represas, e rios que cortam fazendas particulares, ou regiões mais ermas. Sem analisar o mérito dessa questão, quando ouço falar em pesca com bombas só me vem à mente as campanhas evangelísticas comumente empreendidas pelas igrejas locais. Os líderes da igreja agendam um fim de semana estratégico, convidam um pregador de renome e afeito à mensagem de cunho estritamente evangelístico,

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desafiam os seus membros a sair e convidar o maior número de pessoas não crentes possível, preparam os conjuntos musicais e convidam um cantor famoso, distribuem folhetos aos maços, nomeiam uma comissão ou ministério de oração para interceder pelo evento e aguardam o grande momento. Chegado o dia, todos em seus postos, o dirigente saúda a todos, fazendo especial deferência aos convidados, a boa música é tocada, e é passada a palavra ao pregador que, com entusiasmo e ênfase, entrega a mensagem da salvação, falando quase que especificamente à massa de convidados não crentes. Finda a mensagem, toca-se uma música suave pertinente ao que foi dito pelo pregador, e então se irrompe o esperado apelo... BUM! 30, 50, 100 pessoas erguem a mão atendendo ao chamado e vão à frente para receber a oração de confirmação. Depois desse áureo momento, voltam para o banco enxugando as lágrimas e encerra-se o culto. Com o passar dos dias, vai passando também a anestesia, o efeito dos acordes musicais, a força do argumento ouvido e a emoção daquele apelo final, e a pessoa, então, recobrando o seu estado “original”, volta à correnteza do sistema corrompido que sempre a conduziu. Nesse período não recebeu atenção, nem um telefonema, ou uma carta, muito menos uma visita de alguém. Daqueles cem, no máximo dez ficam na igreja e, muitas vezes, porque ali há alguém próximo do seu convívio, ou porque recebeu acolhimento específico de um grupo da igreja, ou por que a pessoa está mesmo decidida e convertida. Essa é a grande realidade, salvo raras exceções. Aliás, eu ouvi uma definição para evento que, embora hilária, expressa a pura verdade: Foi o meu amigo Rev. Ceny Tavares – pastor da igreja Vida Nova em Toronto/Canadá - quem sentenciou: evento, o nome já diz: “é vento”. Nesse sentido, é muitas vezes melhor se desenvolver e impregnar uma mentalidade evangelística nos crentes, do que uma reunião para se evangelizar, quando não se sabe o que fazer com os “evangelizados”; é melhor plantar uma visão missionária e evangelizadora em cada crente, do que laborar num projeto específico de três dias, sem implicações contínuas; é melhor e mais propício para a salvação dos incrédulos uma igreja que vive espontaneamente o Evangelho no seu dia a dia, do que uma que faz do Cristianismo um rito morto, e tropeça nas suas incoerências, buscando atrair pessoas através de artifícios e programas, campanhas e apelos. Uma igreja viva que vive a verdade em amor é o maior apelo que pode haver para a alma sedenta e vazia. Como pode uma igreja que ainda não conseguiu expressar na sua jornada o verdadeiro Evangelho de Cristo, levá-lo a outras pessoas? Certamente uma campanha evangelística não mudará a realidade.

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Imagine comigo o seguinte: estamos presenciando um culto evangelístico na praça X; os moços cantando “a alegria está no coração de quem já conhece a Jesus” e “Jesus Cristo mudou o meu viver” (nem sempre o semblante corresponde à letra da canção); o pregador está dizendo: “Venha para Jesus, pois aquele que o conhece encontra alegria, amor e paz”; os membros da igreja estão ali ao redor, com um sorriso artificial distribuindo folhetos com o endereço da igreja. Dias depois, um daqueles ouvintes vai àquela comunidade na hora marcada para o culto: entra e sai sem ser notado, o pregador está dando um “sabão” na igreja; se a alegria está no coração de quem já conhece a Jesus, pelo menos não está no rosto, e em vez de paz e amor, o que se encontra é litígio e indiferença. Esse não volta mais ali. Agora imaginemos o seguinte: é um dia como outro qualquer, e um culto simples como os demais na vida de uma igreja sã; um membro qualquer é tão abençoado, tão edificado, está tão feliz com a sua igreja, que não se contém e convida o seu parente, ou o seu vizinho, o seu amigo para estar com ele no próximo culto. Ao fazer esse convite, há um brilho diferente no seu olhar, uma verdade incontida, um repartir de bênção adquirida. No dia marcado, lá se vai o convidado. Ao chegar à porta do templo é recebido com um aperto de mão, um sorriso amigo e uma empatia inescondível; sente-se gente; alguém o conduz até um lugar que melhor lhe permita assistir ao culto; a congregação canta com fervor e entusiasmo; alguém, gentilmente, oferece-lhe a Bíblia para a leitura; a mensagem do pregador é bíblica, penetrante e edificante; a liturgia é objetiva e espontânea, não se viu o tempo passar; na saída, mais abraços, “volte sempre, seja bem-vindo, Deus te abençoe”. Esse vai voltar. Entendo que uma campanha evangelística cabe quando dentro do planejamento estratégico de uma igreja que tem uma linguagem e um comportamento evangelístico, fruto da visão missionária que abraçou, e não algo avulso como mero evento. Quando esta última situação ocorre, aliada ao fato de a igreja incluir indivíduos só aparentemente convertidos, a “pescaria” pode tornar-se “predatória” e dispersadora, uma vez que agride a boa fé daqueles que procuram na igreja um lugar de refrigério e cura, e mata a esperança de fazê-los enxergar o que seja a verdadeira comunidade dos santos. Há muitíssimos que não podem ouvir falar de igreja, de forma generalizada, por conta desse tipo de decepção. Que haja campanhas, congressos, movimentos, seminários, simpósios, cruzadas de evangelismo, desde que haja saúde moral, espiritual e relacional no rebanho, acolhimento, discipulado, acompanhamento, orientação, aconselhamento, ajuda, interação, sinergia, ministração.

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Outra situação curiosa que acontece enquanto se pesca com bombas, é quando por inabilidade ou ignorância o pescador (que, aliás, deveria receber outro nome) instala o artefato sem considerar o volume da água em relação à potência da explosão, ou a velocidade da correnteza, ou ainda a distância que os peixes vão passar do explosivo, e o BUM dá em nada. Espana água pra todo lado, revolve toda a areia em redor, faz um barulho tremendo, gera expectativa e nada. Todo o esforço empreendido e os gastos com o equipamento evaporam no apertar de um botão. Da mesma forma, há movimentos espirituais que só fazem barulho, estardalhaço. Nada resta ao final, a não ser a dor de contabilizar os gastos. São movimentos desarticulados, desorganizados e movidos quase sempre pela emoção, sem o devido tempo de maturação para análise e elaboração criteriosa, com propósitos e metas definidos, e pessoas certas no lugar certo com as motivações corretas, como é o lema da Rede Ministerial (movimento que visa encorajar cada crente a descobrir o seu dom espiritual, aplicá-lo e desenvolvê-lo no corpo de Cristo para a sua edificação). São movimentos precipitados, mal planejados e, conseqüentemente, mal executados, com datas que conflitam com outros acontecimentos de maior importância, realizados em lugares de difícil acesso e impraticável sonorização, defeituosa comunicação interna e sofrível divulgação. O encontro realizado, em si, geralmente é artificial, teatral, voltado para impressionar o homem e não para agradar a Deus; as canções são escolhidas de acordo com o ritmo e embalo, para mexer com o emocional do público presente; a mensagem contém mais filosofia e psicologia do que os princípios eternos da Palavra de Deus; algo do homem para o homem. O altar cede lugar ao palco, e o culto ao espetáculo; o quebrantamento dá a sua vez ao entretenimento, e a glória que é para Deus fica com o homem. Resultado: a substituição da Palavra profética por princípios freudianos gera falsas conversões; o entretenimento em vez de quebrantamento leva a uma visão distorcida do caráter santo do Deus vivo e pouca profundidade espiritual; a ausência do verdadeiro culto distancia a criatura do Criador, e a ênfase no homem e não em Deus, os remete a Romanos 1:18-27: “A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detém a verdade pela injustiça... Porquanto, tendo o conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças... Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos... adorando a criatura em lugar do Criador, o qual é bendito eternamente, amém”. Tudo não passa de barulho, lata vazia, gritos ao vento, um bum sem resultados efetivos. Geralmente esse tipo de mensagem de caráter superficial,

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que não confronta o pecado e nem faz exigências morais, antes procura divertir e “levantar o moral” do indivíduo, não produz convicção de pecados e, conseqüentemente, o arrependimento exigido, condição sine-qua-non para se herdar a vida eterna. Nos extraordinários e marcantes avivamentos históricos ocorridos na Europa, entre os séculos XVII e XIX, o sinal entre os sinais que legitimaram o movimento como ação sobrenatural de Deus foi, sem dúvida, o arrependimento. Os cultos eram marcados por densa e extensa pregação da Palavra, e longos períodos de oração de confissão. O grande avivalista Jonathan Edwards, em seu livro “A verdadeira obra do Espírito Santo”, escrito para combater os abusos e distorções dos mais exaltados, aponta para a capacidade de voltar-se para dentro e analisar as vicissitudes da alma, e encontrar espaço para a auto-análise, confissão e arrependimento, como sendo um dos elementos identificadores da ação do Espírito: “Examine-se o homem a si mesmo”. O mover de Deus manifestava-se sem BUM, pelo menos como nós concebemos e lhes apresentamos. Coisas espetaculares aconteciam, mas sem a manipulação do homem; muitas vidas abraçavam ao Evangelho, mas sem fundo musical ou qualquer outro artifício sugestionante; muitos, em muitos lugares, fosse em um culto ou andando na rua, simplesmente sentiam o que foi descrito como “uma tristeza segundo Deus”, ou profunda convicção de pecados diante da visão e consciência da santidade de Deus. Essa postura gerou cristãos piedosos de profunda maturidade cristã, gigantes espirituais. Contrariamente, aqueles afeitos aos shows sem confrontação e boa doutrina, tornam-se caricaturas mal-feitas de crentes sinceros; gente inconstante, melindrosa, rasa no conhecimento e no compromisso com as coisas do Reino, anões espirituais. Essas são as razões por que a pesca com bombas não é recomendada.

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Oito Pesca nas tocas

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PESCA NAS TOCAS. “A criança de peito brincará sobre a toca da áspide, e o já desmamado meterá a mão na cova do basilisco”. Isaías 11:8

coragem de mamar em onça. Só de ouvir falar nas histórias dos pescadores que se aventuram nessa tarefa, me dá um frio na espinha. O

cidadão entra no rio com a água pela cintura ou até à altura do peito, e vai tateando pelos paredões sob as margens em busca das tocas. São buracos ou grutas onde determinados peixes se escondem ou moram. Algumas delas têm mais de metro de comprimento, e em cujo diâmetro cabe apenas o braço. O maluco vai enfiando a mão buraco adentro, esperando algo se mexer para que ele o apanhe. Tudo às cegas. Ali, não raro, são encontradas cobras em vez de peixes. Segundo a descrição de um amigo meu, à medida que a mão vai entrando na toca, a água vai ficando cada vez mais fria e quieta, e o buraco se afunilando: _ “a gente fica esperando só a mordida” _ disse ele _ “mas quando o bicho vem na mão, a sensação é indescritível”. Sem dúvida, é algo à base de pura adrenalina, e causa uma sensação de poder (depois da conquista, é claro). Eu não tenho essa vocação... Prefiro os caniços. Pescar em tocas é o que há de mais específico, perdendo apenas, talvez, para a pesca com arpão. É uma investida arrojada e corajosa em busca de um único peixe; uma invasão de domicílio; um cerco extremo; uma tentativa solitária de capturar o valente no seu reino, no seu domínio. Tocas representam fortalezas, abrigos, refúgios, esconderijos, recônditos, também âmago, recesso. Nessa analogia que vimos trilhando, há muitos peixes, ou seja, muita gente em suas tocas, em seus esconderijos existenciais e espirituais. Há pessoas em lugares inacessíveis e mais resistentes que uma muralha fortificada; são as que, ao menor sinal de aproximação de alguém com

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uma abordagem evangélica, fogem imediatamente para a sua “toca” religiosa. E são poucos os que têm disposição e destreza para enfiar a mão ali em resgate; é mais fácil partir para outra, e considerá-la presa perdida. Não é uma ação normal, é perigoso, inconveniente, super incômodo, e propício a uma mordida ou ferroada de algum bicho. Quantos evangelistas estão dispostos a correr esse risco? Deixe-me ilustrar com um exemplo: há alguns anos, numa igreja onde fui pastor, certo irmão, membro atuante e influente, veio a envolver-se em questões repreensíveis, até chegar a ponto de ser disciplinado pelo Conselho da igreja, depois de uma confusão tremenda. O seu nível de envolvimento com a comunidade era tão intenso que o seu afastamento causou dor, perdas e instabilidade na liderança. Como sempre acontece, esse irmão deixou o convívio do rebanho, ferido, azedo (ou amargo), a própria encarnação da injustiça. Visto que o papel da igreja, a razão da disciplina é sempre restaurar o pecador, cabia a alguém procurá-lo para conversa e acompanhamento. Mas quem desejaria essa incumbência? Adivinhem quem foi o designado para cumprir tal tarefa? Lá vai o Itamar conciliar o inconciliável; admoestar o inadmoestável. Ao me aproximar da sua residência, na minha mente voavam fantasmas, gorgolejavam vozes ferozes, pragas e maldições, raios e trovões; sentia-me como uma ovelha seguindo para o matadouro; era como se a minha missão fosse realmente tirar um espinho da pata infeccionada de um Tiranossauro Rex. Ao chegar lá, engoli seco, respirei fundo, cerrei os dentes e toquei a campainha. O próprio veio atender. Realmente a cara não era das melhores, mas não era o monstro que povoava o meu sonho. O bate-papo não foi lá dos mais agradáveis, mas estava longe das maldições que previ. A muito custo, jeito, perdão sincero e compartilhamento, esse irmão voltou aos pouquinhos à comunhão da igreja. Mas eu experimentei na pele o que o proverbialista quis dizer com: “O irmão ofendido resiste mais do que uma fortaleza; suas contendas são ferrolhos dum castelo”. Provérbios 18:19. Outra situação que exige uma ação mais ousada e corajosa é quando saímos para evangelizar nas “bocas”. Há grupos de evangelização voltados especificamente para marginais, prostitutas e homossexuais, bêbados e drogados que vagam pelas madrugadas, e tudo o que se refere ao submundo social. São pessoas treinadas para o perigo, para as surpresas, para o pior. Esses que vagam sem rumo, fazem da noite o seu domínio, a sua toca; é ali que eles sobrevivem; há uma linguagem particular usada entre eles, regras de conduta, territórios marcados. Assim como aquele pescador, é preciso ter uma

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chamada específica e uma boa dose de coragem para entrar em determinados lugares, Pastor Almir que o diga. Esse santo irmão é pastor já há muitos anos em uma igreja no centro da favela da rocinha, no Rio de Janeiro, a maior da América do sul em extensão, população e problemas. O seu ministério é voltado em grande parte para o trabalho de libertação, dentro da visão da guerra espiritual. Para quem não tem costume, é de arrepiar os cabelos as histórias que ele conta do que acontece semanalmente ali; é uma tarefa pra quem tem sangue no olho. Não que a força exercida e as armas usadas nessa peleja sejam carnais, humanas, pois são espirituais e poderosas em Deus para destruir fortalezas, mas há a instrumentalidade, a participação do homem com o seu desprendimento e arrojo, invadindo o território alheio para saquear o inimigo. Veja o que narra o evangelista Lucas, sobre as palavras de Jesus: “Quando o valente, bem armado, guarda a sua própria casa, ficam em segurança todos os seus bens. Sobrevindo, porém, um mais valente do que ele, vence-o, tira-lhe a armadura em que confiava e lhe divide os despojos” Lucas 11:21,22. Pescar em tocas é meter a mão onde não está vendo, é se expor ao reino das trevas, tocar o desconhecido, mexer com forças espirituais. Ainda segundo o meu amigo, muitos pescadores de tocas se embriagam, “enchem a cara”, a fim de criarem a devida coragem para fazer a obra, e dizem que, nesse estado é mesmo que estar vendo o peixe lá dentro. Com os pescadores de almas não pode ser diferente. Obviamente não falo de embriaguez com bebidas fortes, mas do enchimento do Espírito Santo, o qual aparelha o pregador de intrepidez e clarividência, como Paulo fala aos efésios, no capítulo 5:18. Aquele que está cheio do Espírito Santo é capaz de ver o invisível e tocar o intangível, pois anda unicamente pela fé. Neste sentido, o homem cheio de Deus ao confrontar o império das trevas sabe o que está fazendo e nunca tateia às cegas por mera aventura, para não correr o risco de, em vez de confrontar, ser confrontado como os sete filhos de Ceva, exorcistas ambulantes que tentavam invocar o nome de Jesus sobre espíritos malignos, a quem um desses espíritos respondeu: “Conheço a Jesus e sei quem é Paulo; mas vós, quem sois? E o possesso do espírito maligno saltou sobre eles, subjugando a todos, e, de tal modo prevaleceu contra eles, que, desnudos e feridos, fugiram daquela casa” Atos 19:13-16. Eu vou lhes contar um milagre sem citar os santos, por óbvia questão ética, mas que ilustra bem essa situação. É um caso contemporâneo

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envolvendo dois colegas de ministério muito próximos a mim. Esses irmãos foram chamados para expulsar de um rapaz um espírito maligno que aterrorizava uma família. Ao chegarem ali, encontraram o moço assentado no primeiro andar da residência, aparentemente calmo e consciente. Ao ser abordado pelos pastores com palavras de ordem, o jovem reagiu com sarcasmo e desdém: _ “Quem são vocês, seus fracotes? Por acaso vocês sabem com quem estão falando? Pensam que sou um qualquer desses demoniozinhos sem força?” Então os dois partiram para cima do possesso com toda a artilharia de que dispunham e conheciam: O nome de Jesus, o sangue, a Palavra, o fogo, a obra da cruz, e nada dele sair. De repente, a entidade, falando com outro tipo de voz na boca do rapaz, disse: _ “Estão vendo aquela velha ali na cama?” Eles observaram então que havia alguém deitado e todo enrolado com cobertas sobre uma velha cama, no canto da sala _ “Pois se vocês não pararem com essa palhaçada ridícula eu vou mata-la”, vociferou o farrabaz. Ouvindo isso, os dois aumentaram o seu brado contra aquela força, insistindo que saísse. Pois não é que a anciã sobre a cama, mesmo à distância, começou a se retorcer e engasgar como se alguém estivesse mesmo a sufocá-la? Quando os dois pastores já estavam desesperados, enfraquecidos e confusos, resolveram afastar-se, dar um tempo e buscar respostas em Deus através da oração: _ “Senhor, não estamos entendendo; não nos deixes passar tamanho vexame”. Para completar o seu desapontamento, a entidade, ou seja lá quem fosse, lhes falou calmamente: _“Se vocês não me atrapalharem, daqui a pouco eu vou sair”. De repente começou a recitar a oração do Pai nosso, sob protestos dos pastores, e deixou o corpo do moço, prometendo voltar mais tarde quando lhe conviesse. Somente alguns dias mais tarde é que eles ficaram sabendo que aquela casa era um ponto de encontro dos mais renomados e experientes bruxos da cidade, um santuário para os rituais de magia negra e culto a satã. Há coisas misteriosas, castas de diversos níveis, fortalezas e tocas ocultas que refugiam principados e potestades e todas as forças do mal. Precisamos estar credenciados e revestidos de toda a armadura de Deus para podermos resistir no dia mau, certos de que há graus diferentes de malignidade e uma ordem demoníaca classificada hierarquicamente. Conquanto saibamos que o nome poderoso através do qual se expele o espírito do mal é o mesmo, o nível de resistência varia de acordo com a patente infernal manifesta ali. Há exemplos bíblicos que reforçam essa idéia: primeiramente o que está registrado em Daniel 10, em que o principado da Pérsia resistiu a Daniel por 21 dias, até que Deus enviou Miguel com reforços para romper a barreira e assim a resposta às suas orações pudesse chegar. O segundo exemplo é o

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relato de Mateus 17, sobre um jovem lunático atormentado por uma casta de demônios, aos quais os discípulos não puderam expulsar, não obstante terem usado como estratégia e arma o nome de Jesus. “Esta casta (qualidade, natureza, gênero) não se expele senão por meio de oração e jejum” vs. 21. Com isto não quero afirmar que o nome de Jesus não é suficiente para expelir qualquer ente maligno, independentemente do seu posto, mas apenas o grau de resistência varia. As Escrituras nos ensinam que demônios são seres caídos, limitados, históricos, privados de conhecimento a respeito do futuro, circunscritos à soberania do Todo-Poderoso, e, portanto, não podem ser considerados mais do que são, nem ignorados em seus desígnios. Está bem claro que Jesus, o segundo Adão, rasgou o escrito de dívida que era contra nós, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz, despojou os principados e as potestades, expondo-os ao desprezo, triunfando na cruz, colocando tudo debaixo dos seus pés e entregou à igreja. E ainda: o Apóstolo Paulo escrevendo aos Filipenses diz: “Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo o nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai” Filipenses 2:9-11. O que pode ter ocorrido no caso dos dois colegas citados é o que chamamos popularmente de “carmônio” = carne + demônio. É quando o espírito maligno se aproveita de pessoas que sofrem neuroses ou esquizofrenias, e estão envolvidas com misticismo, satanismo e outras manifestações das trevas. Há uma mistura de personalidades e vontades, gerando confusão e teimosia. Ainda assim, a obra que Cristo realizou na cruz é suficiente, perfeita e eficiente para desfazer todo engano, lançar luz nas trevas, quebrar o jugo do inimigo e trazer a completa libertação daqueles que lhe pertencem. Essa arriscada pescaria exige algo mais que abnegação, unção e coragem: perspicácia, argúcia e discernimento.

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Conclusão “Prega a Palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina. Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres, segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas. Tu, porém, sê sóbrio em todas as coisas, suporta as aflições, faze o trabalho de evangelista, cumpre cabalmente o teu ministério”. II Timóteo 4:2-5

ue privilégio! Que grande honra ser convocado, escolhido, nomeado para servir a Cristo. Deve ser o motivo da maior alegria ser contado como servo, ministro de Cristo, obreiro, despenseiro dos mistérios do

Evangelho, discípulo, pregador e mestre, embaixador, pescador de almas. Para Paulo, o Evangelho para o qual ele foi designado Apóstolo, era o que havia de mais sublime e precioso, e considerou todas as demais coisas como refugo, lixo. O Evangelho da salvação era o grande tesouro guardado em frágil vaso de barro e o conhecimento de Cristo o seu projeto de vida. Escrevendo aos romanos, ele diz que não se envergonha do Evangelho, pois é o poder de Deus para a salvação de todo o que crê; aos coríntios reclama a sua autoridade apostólica, porque também viu o Senhor que lhe comissionou a pregar e

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testemunhar o seu Evangelho entre os gentios, de quem sofreu afrontas e agressões quase fatais, a ponto de carregar no corpo marcas profundas desse sofrimento, mas que considerou tudo como um símbolo do sofrimento de Cristo, a quem quis imitar sempre. “... eu trago no corpo as marcas de Cristo”. Aos gálatas, esse tremendo pescador se revela de tal forma identificado com o seu Mestre, que declara: “Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim...”. Aos efésios ele, certamente em lágrimas, roga aos crentes dali que olhem para as suas algemas e andem de modo digno desse Evangelho pelo qual ele em cadeias dignificava o seu Senhor. Aos filipenses, estando ele ainda na mesma situação, transborda em alegria e gozo, conclamando aqueles irmãos a se regozijarem com ele em face das provações e lutas pelas quais passava, fazendo-os ver que as suas cadeias contribuíam para o progresso do Evangelho, inspirando outros irmãos a pregar com desassombro a Palavra de Deus. “Alegrai-vos comigo, outra vez digo: alegrai-vos”. Aos colossenses, num verso pouco explorado, ele faz uma das declarações mais impressionantes sobre a sua missão: “Agora me regozijo nos meus sofrimentos por vós; e preencho o que resta das aflições de Cristo, na minha carne, a favor do seu corpo, que é a igreja; da qual me tornei ministro de acordo com a dispensação da parte de Deus, que me foi confiada a vosso favor, para dar pleno cumprimento à Palavra de Deus: O mistério que estivera oculto dos séculos e das gerações; agora, todavia, se manifestou aos seus santos”. 1:24-26. Aos tessalonicenses Paulo declara a sua alegria pelo progresso espiritual experimentado ali, e envia seus companheiros e discípulos para incrementar ainda mais a obra, com o seguinte propósito: “... para que a Palavra de Deus se propague, e seja glorificada...”. O Apóstolo dos gentios não conseguia esconder a sua avidez por pregar, ensinar e resgatar vidas; era um obstinado, devotado, apaixonado pelo evangelismo, como, talvez, nenhum outro escritor do Novo Testamento. Dá para se sentir a pulsação do seu coração, a entonação eloqüente e emocionada da sua voz, e a autoridade impactante que emanava dos seus olhos. Olhar para Paulo era como olhar para Jesus; olhar para a sua vida era como enxergar os ensinos de Jesus personificados. Esse homem escreve duas cartas ao seu filho na fé, Timóteo, exortando-o a jamais se apartar dos deveres ministeriais a ele encarregados, e a nunca retroceder nem medrar, “... porque Deus não nos tem dado espírito de covardia, mas de poder, de amor, e de moderação”. Timóteo era tímido, emocionalmente frágil e suscetível a depressões e enfermidades estomacais. Por esta razão Paulo lhe diz:

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“Não te envergonhes do testemunho de nosso Senhor, nem do seu encarcerado que sou eu; pelo contrário, participa comigo dos sofrimentos, a favor do Evangelho, segundo o poder de Deus, que nos salvou e nos chamou com santa vocação... e por isso estou sofrendo estas coisas, todavia não me envergonho; porque sei em quem tenho crido, e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele dia”. II Tm. 8,9,12. Segundo Paulo, o espírito de covardia, temor e moleza não combina com a natureza do evangelismo bíblico, que ele mesmo denominou de guerra espiritual. “Participa comigo como bom soldado de Cristo” _ dizia ele a Timóteo. No final de tudo, quando já sentia as sombras da morte se aproximando, já não tinha todo o vigor da juventude e o seu martírio era certo, juntou forças entranhais para reconhecer que chegara o tempo de passar a tocha para as mãos de outros. O velho guerreiro fizera o seu papel na edificação do reino, na grande pesca de vidas. “Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda”. II Tm. 4:7,8 Ao dizer estas palavras, ele, como homem, não tinha o conhecimento da dimensão e influência do seu ministério e das implicações do seu combate pela fé às futuras gerações; nem imaginava quantas pessoas ainda ouviriam a sua voz e se renderiam ao senhorio de Cristo por intermédio dos seus escritos e testemunho. A sua forma intensa de crer, interpretar e viver o conteúdo dos ensinos de Jesus é, portanto, o modelo de comportamento ministerial a ser seguido por todos os que, como ele, foram chamados para ser testemunhas aqui, ali e além. Hoje, aqui estou eu, como você, herdeiro desse comissionamento, impactado, desafiado e encorajado a assumir uma postura vocacional digna desse Evangelho de heróis; disposto a abrir mão dos confortos e privilégios de uma vida opaca, sem confrontos nem perigos, e fazer brilhar bem forte a luz que bem dentro brilha, a fim de que os que nas trevas andam ligeiro ali achem a trilha; fazer ecoar uma voz doce e forte como que desafiando a morte, mas fiado apenas no consorte que por sua vida mudou a minha sorte, livrando-me inteiramente do terror da morte. Quero gastar os meus dias, servindo-o de coração inteiro... Ah! Como anelo fazê-lo na minha vida o primeiro... Não abrirei mão de tê-lo sempre como parceiro. Se a vida com as suas agruras me vier a alma estorvar, quero silente em seus braços me achegar, pois descanso

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verdadeiro só Jesus o pode dar. Porém, se o inimigo com fúria e força decidir me combater, não, não, não, não posso esmorecer; levantar-me-ei veloz, com todas as armas na mão, embraçando o Evangelho como escudo e brasão; não posso negar o Mestre nem fugir como um cão... Marcharei confiante, pisarei sem temor; com meu Cristo adiante se desfaz todo pavor. Ele é guerreiro valente, conheço bem seu valor; lutando sempre ao seu lado, sou mais do que vencedor. Você, companheiro amigo, que comigo viajou nesta história de vida e se o edificou, abra bem sua alma e deixe Cristo falar, não fique indiferente e comece logo a orar; Deus tem algo em sua vida, coincidência não é; por que enfim o escolheu? São mistérios da fé; abra a boca, erga os olhos, diga: “eis-me aqui, Senhor! Pode fazer de mim um humilde pescador”. Você verá que mais cedo algo novo vai acontecer; lembre-se logo de por tudo agradecer. Pois ele é quem dá a vida, a vitória e tudo mais; será que nos negaria alguma coisa? Nunca! Jamais! Se clamarmos sua bênção para um ministério feliz, ele de pronto dará, é a Bíblia quem diz; por que então não buscar com afinco esse bem, se sabemos que só e somente ele tem? Além do mais é vontade dele também: que sejamos frutíferos a um, a dez e a cem; Vamos logo, despertemos, muitos peixes há no mar, saltitantes e famintos, estão a nos aguardar; de peixes falo de homens; do mar o mundo a vagar; a rede é o Evangelho, a isca o meu falar. E você, o que está esperando pra começar a pescar?