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    Pesquisa-ao:proposio metodolgica para o planejamento das aes nos serviosde ateno primria no contexto da sade ambiental e da sade do trabalhador

    Vanira Matos PessoaRaquel Maria Rigotto

    Carlos Andr Moura ArrudaMaria de Ftima Antero Sousa Machado4

    Mrcia Maria Tavares Machado5

    Maria das Graas Viana Bezerra6

    O Sistema nico de Sade no Brasilprope a operacionalizao de aes desade ambiental e do trabalhador, comvistas a abordar a complexidade doprocesso sade-doena nos territrios.Objetiva-se apresentar a pesquisa-aocomo um percurso metodolgico,facilitador da anlise das complexas

    tramas do desenvolvimento econmico eas implicaes no trabalho, ambiente esade, em comunidades do Nordestebrasileiro. A pesquisa-ao foi concebidacom um grupo de 14 sujeitos e foiconduzida no formato de oficinas. Nafeitura da pesquisa fluram vnculos eelaborao de proposies, a partir dareflexo-teorizao-ao dos sujeitos.Destaca-se que o mtodo apresenta umpotencial para desnudar problemascomplexos relacionados sade ambientale do trabalhador, pois favorece a interaohumana integrada ao lugar em que vive.

    Palavraschave: Pesquisa-ao. Sadeambiental. Sade do trabalhador. Ateno

    primria sade.

    * Elaborado com base emPessoa (2010); pesquisa

    financiada pelo CNPq/Ministrio da Sade: Fundao OswaldoCruz Cear. Avenida

    Santos Dumont, n.5753,Torre Sade, sala 1303,Bairro Papicu. Fortaleza,CE, Brasil. [email protected]

    Departamento deSade Comunitria,

    Faculdade de Medicina,Universidade Federal do

    Cear (UFC). Faculdade de Ensino e

    Cultura do Cear.4 Universidade Regional

    do Cariri.5Pr-Reitorade Extenso

    Universitria, UFC.6 Secretaria Municipal de

    Sade de Eusbio.

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    PESSOA, V. M. et al. Action research:methodological proposal for action planning inprimary care services in the context of environmental health and occupational health.Interface (Botucatu), v.17, n.45, p.301-14, abr./jun. 2013.

    The Brazilian health system proposesactions to operationalize environmentalhealth and worker, in order to addressthe complexity of the disease process inthe territories. The objective is topresent the action research asa methodological approach, facilitatingthe analysis of complex webs of

    economic development andthe implications on labor, environmentand health in communities in BrazilianNortheast. Action research is designedwith a group of 14 subjects andwas conducted in the form ofworkshops. In making the research anddevelopment of linkages flowedpropositions from the theory-reflection-actionsubjects. The method has apotential to denude complex problemsrelated to environmental health andworker, it favors human interaction builtthe place in which he lives.

    Keywords: Action research. Environmentalhealth. Occupational health. Primary

    health care.

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    Introduo

    As transformaes nos territrios locais decorrentes dos processos produtivos ensejam mudanas nomodo de viver das comunidades, sobretudo dos trabalhadores. Alguns estudos, dentre eles, o deRigotto e Augusto (2007), destacam que j so reconhecidas as relaes sistmicas entre as polticaseconmicas em curso e os efeitos socioambientais observados, como o aumento expressivo damorbimortalidade por causas externas decorrentes da violncia, dos processos produtivos e da pressopromovida para adoo de novos padres de consumo.

    A reestruturao produtiva precisa ser compreendida pelos trabalhadores, moradores e profissionaisde sade nos territrios, tendo em vista que este enfoque possibilita a delimitao e caracterizao dapopulao e de seus problemas de sade na Ateno Primria Sade (APS), com vistas aodesenvolvimento de aes e o fortalecimento do acesso a estes servios (Dias et al., 2009). Dessaforma, torna-se essencial a compreenso sistmica dos processos que reorganizam os territrios e a vidadas pessoas sob a responsabilidade sanitria da APS, nos moldes da Estratgia Sade da Famlia (ESF).Cabe, atualmente, ESF efetivar os princpios do Sistema nico de Sade (SUS), por meio dacoordenao do cuidado na rede de servios, constituindo relaes de vnculos e responsabilizao coma populao do territrio, promovendo a integrao das aes programticas e demanda espontnea,articuladas s aes de promoo sade, preveno de agravos, vigilncia sade, tratamento ereabilitao (Brasil, 2011).

    Alm disso, a ESF deve estimular a participao popular e o controle social, pois se acredita que aarticulao das aes de forma transdisciplinar e intersetorial pode garantir o acesso e a organizao dosservios de sade, a continuidade das aes e a longitudinalidade do cuidado aos moradores doterritrio local. Nessa perspectiva, o reconhecimento das necessidades de sade e o planejamento deaes para o territrio local so fundamentais na ESF (Brasil, 2006).

    O reconhecimento dos processos produtivos est em consonncia com as aes da ESF e contribuipara o desenvolvimento da atuao crtica e autnoma dos profissionais de sade no territrio, com basenas necessidades de sade locais, visando melhoria da qualidade de vida, potencializando a cidadaniae a sustentabilidade.

    Para tal, imprescindvel o entendimento dos pressupostos da sade ambiental e do trabalhador naAPS, que esto embasados na compreenso apontada por Santos e Cmara (2002) de que, noambiente, os processos produtivos de desenvolvimento social e econmico interferem nas relaes que

    se desenvolvem nos ecossistemas. Isto porque determinam e contribuem para a existncia de condiesou situaes de risco, que influenciam o padro de sade das populaes que sofrem alteraes no seuperfil de morbimortalidade, a partir de diferentes fontes e modalidades de poluio (acumulao doselementos abiticos causadores de agravos), de contaminao (presena de agentes biolgicos dedoenas), e das formas de constituio de dinmicas ambientais que possibilitem a liberaodescontrolada de formas especficas de energia.

    A conjuntura em que se insere o sistema de sade brasileiro est submetida poltica econmicanuma perspectiva desenvolvimentista, que fortalece a implantao de novos empreendimentos, aexemplo do Programa de Acelerao do Crescimento (PAC). Isto requer do SUS estar atento s novasnecessidades de sade para garantir o acesso e atuar com resolubilidade diante das expectativas dapopulao brasileira. Estes empreendimentos esto centrados na lgica do crescimento econmicocomo substrato para promover mudanas sociais apostando na gerao de emprego e renda, sem,contudo, estarem articulados implantao de polticas pblicas que respondam s novas necessidadesque so produzidas.

    Nesse contexto, o Nordeste brasileiro a macrorregio com maior proporo de pessoas pobres doPas. Ou seja, o percentual da populao com renda familiar per capitade at meio salrio-mnimocorresponde a 52%, apresentando uma diferena de dez pontos percentuais da regio norte, que asegunda colocada, enquanto a mdia nacional de 31%. Em relao ao estado do Cear, local onderealizamos este estudo, a proporo de pobres de 51%, evidenciando a situao de desigualdadesocial, iniquidade social e de sade visvel na Amrica Latina (Brasil, 2012).

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    Assim, para se minimizarem tais desigualdades, tem sido intensificado o investimento estatal, tantopor meio de subsdios e capital poltico, na intencionalidade de ser um polo de atrao da indstria e se

    inserir no contexto nacional e internacional capitalista. A perspectiva da gerao de emprego e rendaconstitui uma estratgia para realar o desenvolvimento econmico do Estado, onde se destaca oagronegcio, o incentivo ao turismo e a industrializao (Cear, 2012).

    Defendemos que as demandas e os impactos sade decorrentes deste processodesenvolvimentista no esto explicitados e no so avaliados sistematicamente no mbito do SUS,sobretudo da APS, para que haja adaptaes e iniciativas, visando a capacidade de prover e garantir, aoscidados, respostas efetivas s necessidades de sade vinculadas relao capital-trabalho.

    Do exposto, acreditamos que a pesquisa-ao na APS, no contexto da sade ambiental e dotrabalhador, apresenta-se como uma estratgia capaz de elaborar novos instrumentos metodolgicoscom sensibilidade para captar as informaes acerca dos processos produtivos e as implicaes sadee ao ambiente. E, ainda, propiciar o reconhecimento das necessidades de sade, garantindo o acessodos usurios aos servios por meio de aes planejadas pela equipe de sade da famlia no territrio,com vistas tomada de deciso.

    Nestas perspectivas, este manuscrito objetiva apresentar a pesquisa-ao na APS como umaproposio metodolgica facilitadora da anlise das complexas tramas que envolvem o acesso sadena inter-relao com o desenvolvimento econmico e as implicaes no trabalho e ambiente emcomunidades no Nordeste brasileiro.

    Mtodo

    A pesquisa-ao como caminho para a investigao

    Este estudo se insere no campo das Cincias Sociais e da Sade e, portanto, como referem Minayo,Deslandes e Gomes (2010, p.15), tem seu objeto essencialmente qualitativo, em que a realidadesocial a cena e o seio do dinamismo da vida individual e coletiva com toda a riqueza de significadosdela transbordante. A pesquisa-ao foi usada na tessitura de uma dissertao de mestrado, comomtodo para estudar o desenvolvimento econmico e as implicaes no trabalho, ambiente e sade emcomunidades na APS no Nordeste brasileiro, com o intuito de elaborar, em parceria com o SUS local,

    um plano de ao em relao sade do trabalhador e sade ambiental a ser implantado na ESF.A escolha deste caminho metodolgico relaciona-se ao fato de este aproximar-se da realidade socialvisando o conhecimento cientfico, sem desconsiderar os significados, crenas, simbologias dosenvolvidos nos processos da vida cotidiana, que passa por transformaes intrinsecamente ligadas aomodo de viver dos moradores e trabalhadores.

    Concordamos com Bosi (2007) quando afirma que o objetivo deste tipo de pesquisa compreendere/ou transformar a realidade. Contudo, sabemos que a escolha da metodologia de investigao jamaispropiciar uma compreenso totalitria da realidade, pelas limitaes e especificidades das diferentesabordagens metodolgicas e da complexidade dos processos envolvendo a relao humana com oambiente, o trabalho e a forma de se compreender sade.

    Minayo, Deslandes e Gomes (2010) assinalam a importncia de trabalharmos com a complexidade, aespecificidade e as diferenciaes internas dos objetos que, segundo os autores, precisam sercontextualizados e tratados na sua singularidade. Corroborando esta ideia, consideramos que a pesquisa-ao favorece o desenvolvimento de um processo de interao entre pesquisadores e os sujeitosparticipantes da pesquisa. Acreditamos que ela apresenta, como potencialidade, aproximar ospesquisadores com os trabalhadores, profissionais do servio de sade e a comunidade, bem como odilogo entre a cincia e a vida.

    Destacamos que a pesquisa-ao entendida, s vezes, como pesquisa participante. Por exemplo,para Haguette (2001), a pesquisa participante envolve um processo de: investigao, educao e ao,consistindo numa pesquisa educacional e orientada para ao. Segundo a autora, nesse tipo de

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    pesquisa, realizam-se, concomitantemente, a investigao e a ao, prezando-se pela construoconjunta de pesquisadores e participantes com vistas s mudanas e transformao social.

    Ao lado disso, Thiollent (2008, p.17) faz uma distino entre pesquisa participante e pesquisa-ao,explicando que

    [...] toda pesquisa-ao participativa, sendo a participao das pessoas implicadas nosproblemas investigados absolutamente necessria, enquanto na pesquisa participante aparticipao sobretudo participao dos pesquisadores e consiste em aparenteidentificao com os valores e os comportamentos que so necessrios para sua aceitaopelo grupo considerado.

    Dessa forma, para o autor, a pesquisa participante nem sempre seria uma pesquisa-ao, sendo estaltima assim definida:

    [...] a pesquisa-ao um tipo de pesquisa social com base emprica que concebida erealizada em estreita associao com uma ao ou com a resoluo de um problema coletivoe no qual os pesquisadores e participantes representativos da situao ou do problema,

    esto envolvidos de modo cooperativo e colaborativo. (Thiollent, 2008, p.16)

    Para fins metodolgicos deste estudo, adotamos a compreenso explicitada por Thiollent(2008),tendo em vista que essas concepes estiveram presentes no decorrer da pesquisa.

    A pesquisa-ao foi realizada no contexto da modernizao agrcola na Chapada do Apodi-Cear.Este cenrio vivencia processos de reestruturao produtiva, centrado no agronegcio, inserindo o Cearno mundo globalizado com severos impactos sade e ao ambiente (Rigotto, 2011). A referidaChapada uma importante produtora de frutas para exportao, destacando-se a produo de melo de78 mil toneladas (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA - IBGE, 2012). Carneiro,Braga, Pessoa (2010) e Pessoa et al. (2011) referem que a percepo das comunidades quanto aocontexto de risco sade evidencia que o crescimento dos monocultivos acontece mediante o usointensivo de agrotxicos pela tcnica de pulverizao area, que acontece nas proximidades dascomunidades e vilarejos, assinalando que a modernizao agrcola tem transformado o modo de vidadas comunidades.

    A escolha deste mtodo relacionou-se sua sensibilidade para indagar, possibilitando a compreensoda complexidade da problemtica da sade, o papel da sociedade e do Estado, visando aotransformadora das populaes marginalizadas e excludas. Para tal, constitumos um grupo de sujeitos,com os quais realizamos oficinas. Ressaltamos que a pesquisa foi desenvolvida conforme os parmetrosda Resoluo n 196/96, do Conselho Nacional de Sade, e aprovada pelo Comit de tica em Pesquisa(CEP) da Universidade Federal do Cear.

    Propusemos desenvolver, nesta pesquisa-ao, os seguintes passos:1 Pesquisa documental:visando apropriar-se de informaes relevantes e conhecer o perfil scio-

    histrico, as condies sociodemogrficas, socioeconmicas e epidemiolgicas do municpio, emespecial, no que se refere ao SUS local, aos problemas ambientais e aos processos produtivos.Utilizamos bases de dados secundrios em sites oficiais, tais como: Instituto Brasileiro de Geografia eEstatstica (IBGE), Portal do Governo do Estado do Cear e da Secretaria de Sade do Estado do Cear(SESA); e Sistemas de Informao em Sade tais como: Sistema de Informao de Mortalidade (SIM),Sistema Nacional de Agravos Notificveis (SINAN), dentre outros.

    2 Visitas exploratrias:

    a) objetivando conversar com informantes-chave (usurios, profissionais da sade e gestores do SUS)e realizar observao livre, registrando, em dirio de campo, as percepes, a fim de obter maisinformaes sobre a realidade local, para identificar a equipe de sade da famlia que comporia o grupode pesquisa-ao;

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    Para selecionarmos uma equipe de sade da famlia que efetivamente atuasse num territrio comproblemas relacionados questo ambiental e do trabalho, indagvamos aos informantes-chave:qual a

    regio do municpio que, na atualidade, mais enfrenta problemas socioambientais relacionados aotrabalho, que tem impactos na sade da populao?Alm disso, elencamos alguns critrios queobservvamos:

    . Se o territrio vivenciava transformaes advindas de processos produtivos, com mudanas na vidada comunidade que requeriam, de forma mais consistente, a interveno/atuao da APS em relao efetivao da sade ambiental e do trabalhador;

    . Interesse dos profissionais de sade, dos movimentos sociais, dos usurios do SUS de efetivaremaes de sade ambiental e do trabalhador;

    . Necessidade da APS, de forma emergencial, de responder s necessidades de sade da populaoe dos trabalhadores no contexto em transformaes socioambientais e culturais;

    . Incipincia da APS no acolhimento das necessidades de sade relacionadas ao trabalho, pordesconhecimento dos processos produtivos locais, e de que forma impactavam a sade;

    . Magnitude dos problemas socioambientais existentes no territrio.b) Identificar como se estruturava a APS, a vigilncia em sade e o controle social;c) Identificar os equipamentos e agentes sociais, conselho municipal de sade (CMS) e de meio

    ambiente, sindicatos, associaes de trabalhadores e cooperativas existentes, e convid-los a participarda pesquisa;

    d) Realizar reunio com a gesto municipal (secretrio de sade, coordenao da APS e da Vigilnciaem Sade), equipes de sade da famlia e CMS, para apresentao da pesquisa, e identificar a equipeque participaria do estudo, seguindo os critrios: equipe sade da famlia de atuao rural-urbana comdisponibilidade para integrar o grupo;

    e) Realizar reunio para apresentao do projeto de pesquisa no territrio de atuao da equipe desade da famlia e definio dos sujeitos que participariam do grupo, mediante a assinatura do Termo deConsentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

    Constituio do grupo

    A constituio do grupo ocorreu em uma reunio com durao de 4 horas, onde contextualizamos o

    problema e definimos: os objetivos, o mtodo do processo de pesquisa, a relevncia da questo para acomunidade e servio de sade, e solicitamos, entre os presentes, voluntrios, que se dispusessem aparticipar das atividades grupais, durante 44 horas de encontros presenciais, com cronograma a serelaborado coletivamente.

    O grupo formado envolveu 14 sujeitos, denominado grupo de pesquisa. Foi constitudo porprofissionais de sade da APS, representados por uma equipe de sade da famlia (mdico, enfermeiro,agente comunitrio de sade, auxiliar de enfermagem e auxiliar de servios gerais da unidade desade); representante da educao (uma professora da escola municipal); representante de usurios doSUS (duas pessoas reconhecidamente usurios do servio local); representante dos trabalhadores (umtrabalhador rural do agronegcio e o presidente da associao dos trabalhadores rurais); representantedo conselho municipal de sade (uma conselheira); representante do poder pblico (um vereador), edois representantes dos movimentos sociais existentes na comunidade.

    Aps constitudo o grupo, pactuamos o cronograma e os critrios de excluso. Alm disso, que odiscurso elaborado no grupo seria entendido e analisado coletivamente, e no como sujeitos isolados. Aagenda de encontros teve um intervalo mdio de 21 dias, sendo que cada encontro do grupocorrespondia a oito horas, totalizando uma carga horria de 44 horas, sendo denominados de oficinas.Quanto excluso do participante, foi definido no faltar trs encontros do grupo.

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    Conduo das oficinas grupais

    Pressupostos tericos

    Compreendemos que a motivao e o engajamento do grupo relacionam-se a fatores intrnsecos eextrnsecos. Com esse entendimento, consideramos que, no trabalho grupal, precisamos estarenvolvidos e comprometidos uns com os outros, e atentos para a relevncia das temticas propostas natransformao do contexto social. Dessa forma, Libnio (2001, p.62) afirma que o grupo consiste no[...] lugar de se aprender a ser e conviver a partir das experincias de vida.

    Tomando como base as ideias do autor e acreditando que o processo desencadeado pela pesquisa-ao desafiaria a nossa capacidade de assumir e conduzir um processo de pesquisa efetivamentegarantindo a participao engajada e promissora, propusemos atividades que fortalecessem a integraodo grupo, tendo em vista o que nos ensina Ribeiro (1993, p.390) sobre grupo: um campo de fora,onde cada um atua sobre o outro e onde um a miniatura de todos, formando assim a matriz grupal,quando trabalhar um, seria trabalhar todos e trabalhar cada elemento individualmente.

    Para a realizao das oficinas, utilizamos os ensinamentos de Paulo Freire (1992, p.114), que nosaponta

    [...] toda compreenso de algo corresponde cedo ou tarde, uma ao. Captado um desafio,compreendido, admitidas as hipteses de resposta o homem age. A natureza da aocorresponde a natureza da compreenso. Se a compreenso crtica oupreponderantemente crtica, ao tambm o ser. Se mgica a compreenso, mgica ser aao.

    Considerando o que pensa Freire (1992) sobre o agir humano, utilizamos, como guia, os seusensinamentos propostos na conduo das oficinas. Evidencia-se que somente um mtodo ativo,dialgico, participante, pode propiciar o debate das situaes desafiadoras postas diante de um grupo, oque nos remeteu problematizao ou ao de problematizar. Nesta perspectiva, um estudo empricorealizado por Zanotto e De Rose (2003, p.48) interpreta o que o educador Paulo Freire prope relativo problematizao.

    O que est sendo enfatizado o sujeito prxico: a ao de problematizar acontece a partirda realidade que cerca o sujeito; a busca de explicao e soluo visa a transformar aquelarealidade, pela ao do prprio sujeito (sua prxis). O sujeito, por sua vez, tambm setransforma na ao de problematizar e passa a detectar novos problemas na sua realidade eassim sucessivamente.

    Desenvolvemos a pesquisa-ao considerando a compreenso Freireana e as sugestes de Thiollent(2008, p.75):

    [...] quem so os atores ou unidade de interveno? Como se relacionam os atores e asinstituies: convergncias, divergncias, conflito aberto? Quais so os objetivos e metastangveis da ao e os critrios de avaliao? Como dar continuidade ao, apesar dasdificuldades? Como assegurar a participao da populao e assegurar suas sugestes?Como controlar o conjunto do processo e avaliar os resultados?

    A despeito desses autores, utilizamos, tambm, a perspectiva construcionista, entendendo tanto osujeito como o objeto como construes scio-histricas que precisam ser problematizadas edesfamiliarizadas, ou seja, implica problematizarmos a realidade (Spink, 1999).

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    Etapas operacionalizadas no desenvolvimento das oficinas

    Considerando os pressupostos tericos apresentados, empregamos, para a conduo das oficinas,trs etapas:A etapa aconsistiu no ato de se submeterem os aspectos terico-metodolgicos elaborados pela

    pesquisadora apreciao crtica dos sujeitos do grupo. Neste momento, o grupo teve a oportunidadede debater e refletir sobre a relevncia do tema a ser abordado, ambiente trabalho no territrio, asimplicaes para o processo de trabalho da APS e da comunidade. Alm disso, consistiu num momentode reformulao dos objetivos e apropriao dos temas centrais para APS e comunidade em relao sade ambiental e do trabalhador, ou seja, a concepo conjunta do objeto de pesquisa.

    A etapa b objetivou a elaborao de mediadores mapas representativos da dinmica social,ambiental e do trabalho no territrio, e a submisso destes crtica dos sujeitos do grupo. Outrossim, ogrupo foi subdividido em dois subgruposque,inicialmente, refletiam sobre o tema proposto, e, emseguida, procediam elaborao de um mapa contendo todos os elementos identificados comointerferentes e essenciais para o entendimento dos problemas. Ainda, apresentavam suas elaboraespara o outro subgrupo, que complementavam e criticavam.

    Na etapa c- problematizao, solicitamos ao grupo que, partindo da anlise dos elementosrepresentados no mapa que caracterizavam o territrio, refletissem e expressassem suas reflexesacerca das seguintes indagaes:

    Na caracterizao do lugar:Quais os marcos histricos vivenciados pela comunidade? Quemforam os primeiros habitantes a chegar? Quais os eventos mais importantes que aconteceram nacomunidade? Que aspectos chamam ateno em relao cultura, sade, educao na comunidade? Oque o grupo observa em relao ao trabalho e a economia na comunidade? Que importncia tem aterritorializao em sade (elaborao de mapas) para o trabalho da Equipe Sade da Famlia?

    Na caracterizao do trabalho:De que forma os processos produtivos tm relao com osproblemas de sade? Qual instituio (pblica ou privada) mais importante para o desenvolvimento dacomunidade? Quais as organizaes e grupos ativos na comunidade? Qual a percepo que o grupotem sobre a atuao dessas instituies? Qual a interao que estas instituies tm entre si? Quais asestratgias de vida adotadas pelas pessoas da comunidade que no tm emprego? Quais os serviosexistentes na comunidade? Quais os critrios para se ingressar nesses servios? Quais os lugares fora dacomunidade e a distncia para onde as pessoas vo para obterem servios? O que significa, para o

    grupo, o acesso a esses servios? E ao trabalho? Quem so as pessoas que esto neste trabalho (sexo,procedncia, idade, escolaridade)?Na caracterizao socioambiental e a relao com a sade:De que forma se d a relao

    trabalho-ambiente no territrio? Quais os riscos sade decorrentes do trabalho? Quais os problemas/agravos sade decorrentes do trabalho? Quais os riscos sade relacionados ao ambiente? Quais osproblemas/agravos sade relacionados ao ambiente? De que forma a equipe sade da famlia podeintervir nesses riscos relacionados ao trabalho e ao ambiente? Qual o papel dos movimentos sociais, dosusurios do servio de sade, do poder pblico no enfrentamento dos problemas locais? De que formapercebem as polticas de sade ambiental e sade do trabalhador na Ateno Primria?

    Deste processo de anlise do territrio, nasceu o plano de ao que contempla aes a seremdesenvolvidas de forma articulada e intersetorial, considerando as dimenses do trabalho e ambiente.As aes planejadas tiveram como base os problemas levantados pelo grupo e que foram consideradoscentrais sua abordagem para dar respostas s questes relacionadas ao ambiente-trabalho na APS. Aseguir, enumeramos as aes propostas:

    I Realizao de um Seminrio sobre sade ambiental e os efeitos causados pelos agrotxicos;II Criao de um grupo intersetorial com pessoas identificadas no Seminrio;III Criao do Conselho Local intersetorial (sade, ambiente, cultura, esportes, educao,

    movimentos sociais, dentre outros);IV Criao de Lei Municipal que regulamente a utilizao dos bens naturais (desmatamentos,

    queimadas...);

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    V Realizar visitas e aes educativas nas escolas visando discutir/prevenir o uso de drogas entre osjovens;

    VI Realizar levantamento/registro dos agravos sade relacionados ao trabalho que chegam UBS;VII Realizar visitas s empresas do agronegcio;VIII Implantar, nas UBS do municpio, horrio noturno semanal para atender os trabalhadores;IX Identificar o fluxo de Ateno Sade do Trabalhador existente (municpio, micro, macrorregio)

    para encaminhamento adequado;X Realizar seminrios com os trabalhadores sobre uso dos Equipamentos de Proteo Individual (EPI);XI Realizar visitas aos prostbulos com intuito de desenvolver ao educativa, com as trabalhadoras

    do sexo, sobre os riscos sade, uso de preservativo e doenas.

    Desvelando a realidade por meio da pesquisa-ao:anlise do material qualitativo

    Realizamos um estudo crtico e aprofundado dos discursos gravados e transcritos, considerando oselementos como a sintaxe, semntica, as metforas, os nveis de percepo e envolvimento dosparticipantes. Em seguida, submetemos os contedos a uma categorizao temtica, reunindo-os emcategorias de anlise, organizadas com suporte em um dilogo aproximado com a literatura revisadapara a pesquisa.

    Utilizamos a Anlise do Discurso (AD) para promovermos a anlise das falas, pois acreditamos queesta consiste na mais adequada das tipologias de anlise para o nosso objeto. Orlandi (2000) relata queo discurso pode ser entendido como o efeito de sentidos entre os locutores e a AD seria um estudoque visa extrair sentido dos textos, considerando que a linguagem no transparente. Ento, procuracompreender a lngua, fazendo sentido enquanto trabalho simblico, parte do trabalho social geral,constitutivo do homem e da sua histria (Orlandi, 2000). Dessa forma, a AD vai alm da transmisso dainformao, pois, para a mesma, no h linearidade na disposio dos elementos da comunicao, comose a mensagem resultasse de um processo. O discurso tem sua singularidade, tem seu funcionamentoque possvel apreender se no opomos o social e o histrico, o sistema e a realizao, o subjetivo aoobjetivo, o processo ao produto (Orlandi, 2000, p.22).

    Essa tcnica atende o que nos propomos e nos possibilitou a inferncia de conhecimentos relativoss condies de produo/recepo das mensagens, nos aproximando dos objetivos do estudo,

    seguindo os ensinamentos de Orlandi (2000, p.61): [...] o analista do discurso [...] no interpreta eletrabalha nos limites da interpretao, no se coloca fora da histria, do simblico ou da ideologia. Ele secoloca em uma posio deslocada que lhe permite contemplar o processo de produo dos sentidos emsuas condies.

    Resultados e discusses

    Neste estudo de pesquisa-ao, os participantes apresentaram um perfil heterogneo em relao idade, escolaridade e ocupao. Quanto ao gnero, eram dez do sexo feminino e quatro masculinos,com idades variando de 18 a 52 anos. A escolaridade variava, desde participantes somentealfabetizados, outros com Ensino Fundamental incompleto, Ensino Mdio, Ensino Superior at ps-graduao. Quanto s suas atividades laborais, declararam realizar: em casa, na igreja, na escola, naagricultura, no posto de sade e na comunidade.

    importante destacar nesta sesso que, para fins deste artigo, apresentamos apenas o recorte que ogrupo apresenta como elementos motivadores, que influenciaram e contriburam para a participao nasoficinas, com destaque para: pontualidade, assiduidade, compromisso e dedicao no decorrer dapesquisa-ao.

    Quanto assiduidade nas oficinas grupais, os participantes apresentaram uma frequncia mdia de87%, sendo que as faltas relacionaram-se a problemas de sade e dificuldade de liberao no trabalho.Na oficina em que houve mais ausncias, estas corresponderam a 21%. No entanto, nenhum dos

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    participantes faltou mais de duas oficinas e no houve nenhuma desistncia. Isso demonstra aresponsabilidade e o compromisso assumido com a pesquisa e, sobretudo, o compromisso coletivo, no

    decorrer do estudo. No ltimo encontro pactuado, 85% dos participantes referiram o desejo decontinuarem com as oficinas grupais com o ajuste de realizarem atividades presenciais bimensais. Essainiciativa nos impulsiona a inferir que as pessoas esto disponveis para participarem ativamente,interagirem e proporem aes coletivas no enfrentamento das questes de sade-ambiente-trabalhono territrio.

    A participao ativa como elemento motivador da pesquisa-ao

    Sabemos que a participao, o envolvimento dos sujeitos em processos participativos, quedemandam disponibilidade de tempo e reorganizao da vida das pessoas, consiste num desafio paraestudos cientficos, o que nos fez questionar por que estes sujeitos permaneceram de forma toexpressiva nesta pesquisa? Que aspectos podem ter sido desencadeados que colaboraram para oenvolvimento dos sujeitos?

    Acreditamos que a participao garantida, o respeito diversidade de saberes, e, sobretudo, avalorizao como sujeitos de direitos e corresponsveis pelos processos de reflexo e tomada dedeciso diante dos problemas vividos, fortaleceram o grupo. No discurso que segue, podemos percebera identidade e o sentimento de pertena que contriburam para o engajamento de todos:

    [...] estou gostando mais da interao do grupo, conhecendo pessoas novas, aparticipao! Todo mundo se empenhando para realizar esse trabalho, que vai ser em prolda comunidade como um todo. Ento, as 15 pessoas que esto aqui esto trabalhando emprol dos dez mil habitantes daqui. So quinze pessoas que esto trabalhando para beneficiara todos. Alm do conhecimento, o que est sendo mais importante essa disponibilidadedas pessoas em estar tentando solucionar esse problema.

    No relato, percebemos a integrao entre os sujeitos pesquisados e pesquisador, quando refere das15 pessoas trabalhando, neste caso, inclui a pesquisadora como membro do grupo. Ou seja, concebe-se uma igualdade e uma responsabilidade coletiva na busca de solues para os problemas. Se expressaa no-neutralidade cientfica, que permeia, de forma concreta, a ao da cincia na promoo de uma

    viso ampliada sobre os processos institudos nos territrios, aproximando a cincia da vida, sendo parteintegrante e consequente da pesquisa-ao.O grupo expe a importncia do conhecimento elaborado e partilhado, afirmando a necessidade de

    compartilhar esse entendimento com outros, demonstrando o movimento interno e o despertar do serproativo:

    Foi de grande valia o que a gente pde aprender e contribuir junto, e no s a questo doconhecimento, mas tambm estar com as pessoas, conhecer outras pessoas e compartilharesse momento com todo mundo.

    Os significados e sentidos so compreendidos numa perspectiva relacional, de reconhecimento dooutro sujeito na histria singular do lugar, e atentando para a relao que este sujeito estabelece com omeio social. A pesquisa-ao contribuiu na redescoberta da interao humana como fundamental paratranspor diversos aspectos fragmentados, dicotomizados, desarticulados da compreenso da realidade,quando expressam foi uma apropriao mesmo do terreno e foi um momento muito rico deconstruo junto com a comunidade:

    [...] no PSF tem aquela estria que voc tem que est apropriado do seu terreno, ento foiuma apropriao mesmo do terreno, de conhecer novas coisas que a gente no sabia.Porque a gente vai para comunidade, s vezes, a gente to atribulada de fazer, vou fazerpr-natal, vou fazer planejamento familiar, que voc no pra para ver outras coisas que

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    esto ao seu redor, embora a gente saiba que a gente tem que ter anlise da situao danossa rea, e tambm, a gente nunca tinha parado para fazer os mapas. Ento, foi um

    momento muito rico de construo junto com a comunidade que a gente fez aqui duranteesses dias.

    Destacamos que, em nenhum momento, realizamos exposio oral ou leitura de textos sobre o lugare os processos de transformao ocorridos no territrio. Apenas elaboramos perguntas que eramlanadas ao grupo. Ento, os sujeitos aprendiam consigo mesmos, e ressignificavam a percepo doterritrio, a partir de uma viso coletiva, na qual se integrava o saber tcnico ao saber popular, como foiexpresso gostei de estudar o lugar que a gente vive, que como se fosse um estudo:

    [...] gostei da gente estudar o lugar que a gente vive, que como se fosse um estudo.Estudar o lugar, a comunidade que voc vive. Gostei de conhecer pessoas novas, pessoasto interessantes. Acho que o mais importante foi essa relao que a gente teve de conhecernovas pessoas.

    [...] discutimos aqui muitas coisas importantes que precisam acontecer e que vai acontecer

    para que as pessoas se sintam melhores na rea da educao, quanto da sade e com certezaesse trabalho vai trazer muitos resultados para c.

    As pessoas envolvidas nesse processo relataram que se sentiram motivadas a se engajarem nogrupo: pelo compromisso com a comunidade e seus problemas; contribuir com a pesquisa; e aoportunidade de colaborar para a melhoria da situao de sade local.

    [...] a oportunidade de ajudar mais a minha comunidade.

    [...] interesse pela sade da nossa gente, em especial a sade dos trabalhadores e sadeambiental.

    Contribuir para a pesquisa e [...] adquirir conhecimentos para melhorar as condies devida desta populao.

    As pessoas demonstraram, em seus discursos, a preocupao com o processo em curso nacomunidade e identificaram a necessidade de assumirem uma postura proativa de contribuio com aqualidade de vida da populao. O grupo afirmou que suas expectativas na vivncia dessa pesquisa-aoestavam relacionadas ao potencial de contribuio que tinham no desenvolvimento da pesquisa, desde aidentificao de sinais e sintomas de agravos sade humana relacionados ao trabalho, at contriburempara a mudana da atual situao de sade, por meio da construo de conhecimentos e aplicabilidadeprtica do que fosse aprendido nos encontros.

    Percebe-se um movimento, um desejo de sair da comodidade e trilhar novos caminhos objetivandoser parte; e, como parte, contribuir para melhorar a sade dos trabalhadores e da populao, bem comopropiciar melhoria da qualidade de vida da comunidade.

    [...] melhorar a qualidade de vida das pessoas [...] ajudar o meio ambiente, a sade [...] nomoro aqui, mas a partir do momento que eu entro na comunidade eu me preocupo [...] como bem-estar deles [...] pensar em harmonia [...].

    Para alcanar suas expectativas, o grupo pontuou os aspectos em que poderiam contribuir com aconstruo de uma nova realidade, como podemos observar nas falas dos sujeitos:

    [...] contribuir com o que conheo sobre a minha comunidade. Participando das reuniespara aprender [...].

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    Aconselhar as pessoas sobre este debate [...] orientar os trabalhadores e [...] a comunidade[...] colocando em prtica o que for aprendido [...] para melhorar a qualidade de vida da

    populao. Denunciando [...].

    De indivduos a grupo: uma elaborao a partir da pesquisa-ao

    O grupo, numa perspectiva colaborativa e cooperativa, constituiu-se por pessoas entusiasmadas, quedemonstraram interesse em participar. Consideramos que a concretude da participao dos sujeitosrelacionou-se ao processo de conduo das oficinas, que se deu nas etapas: a) revisitar os objetivos easpectos terico-metodolgicos; b) elaborao e apresentao dos mapas para apreciao crtica pelossujeitos do grupo: c) problematizao conduzida pela pesquisadora.

    Em relao etapa a, consideramos que o debate sobre os aspectos terico-metodolgicos foifundamental para dar sentido ao, ou seja, vivenciar de forma corresponsvel. O pressuposto daparticipao ativa dos sujeitos embasou toda a pesquisa-ao, e a elaborao coletiva dos significados,percepes e compreenses. Favoreceu o desvelar dessas descobertas, dos sentidos, dos construtosque serviram ao grupo como estruturas de apoio. Portanto, acreditamos que, dentre as etapas dapesquisa-ao, o ato de revisitar os objetivos e os aspectos terico-metodolgicos e interrog-los,propiciou a aproximao e a percepo dos vnculos existentes entre as proposies e o simblico, ovivido, o sentido, o percebido no contexto, e foi de fundamental importncia na / e para a participaodos sujeitos.

    Em relao etapa b, ponderamos que o ato de expressar concretamente, no desenho do mapa, apercepo da realidade social, ambiental e do trabalho no territrio e submet-la anlise crtica dossujeitos do grupo, evidenciava os aspectos a serem complementados e reformulados. A anlise crticados desenhos dos mapas de forma colaborativa e cooperativa, por todos que vivenciavam o processo,fortaleceu a igualdade e a identificao da complementaridade, e a interdependncia de saberesnecessria para se proceder a uma leitura complexa dos problemas do territrio.

    A etapa cpropiciou a reinterpretao da vida no territrio favorecendo a elaborao da ideia e odebruar-se sobre os problemas, as potencialidades, as interfaces da vida na comunidade e a formulaode novos sentidos. A formulao de perguntas indutoras da criticidade acerca da realidade dos sujeitosresultou na transformao dos indivduos e o nascimento do envolvimento do grupo com a questosade-ambiente-trabalho, como visto no trecho que se segue:

    Estou dentro do grupo e quero fortalecer mais ainda e quero trazer mais colegasvereadores para discutir o que ns j discutimos aqui. [...] vou convidar o secretrio deeducao, o secretrio de obras, de agricultura para que possa discutir e fortalecer para quea gente possa trazer bons resultados para c, que o pensamento do grupo. [...] Muitoobrigado.

    Essa pesquisa contribuiu, a partir de uma reflexo crtica durante o processo, para a mudana deatitude e a tomada de deciso. Alm do respeito, valorizao e reconhecimento do saber do grupopelos sujeitos e pela pesquisadora, estas etapas possibilitavam a interao e o compartilhamento dasideias que fizeram com que a concepo do plano de ao em sade ambiental e do trabalhador fosseuma necessidade coletiva, assumida sua implantao mesmo finda a pesquisa, conforme ressaltam:

    Eu vou continuar no grupo com certeza, me identifiquei muito com o grupo, apesar deultimamente ter tido muitos afazeres na escola, mas, acho que minha vida, metade da minhavida isso, fazendo parte desses projetos, dessas coisas para melhorar a minha comunidade,e sem dvida nenhuma valeu a pena realmente a gente est aqui. Conhecimento a genteteve muito, muitas coisas que a gente no sabia que existia e, que agora j sabe, como oCEREST e outras coisas.

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    A gente vai vendo mais aprofundado a realidade da nossa cidade, da nossa comunidade, ea partir da a gente pode mudar as coisas, e quando tem pessoas competentes como todos

    que esto aqui, e, que, realmente quer mudar mais fcil voc levar adiante esse projeto.

    Consideraes finais

    A partir deste ensaio, compreendemos que a pesquisa-ao constitui um aporte capaz de subsidiaro planejamento conjunto, a elaborao de proposies e aes num dilogo crtico e problematizadordas fragilidades, necessidades, mecanismos de superao e adaptao s novas realidades que emergemno contexto de mudanas socioambientais no territrio local, espao de atuao da APS. O carterparticipativo e a ao podem semear mudanas no contexto local numa perspectiva emancipatriados sujeitos.

    Apreendemos que pesquisas socialmente engajadas promovem o fortalecimento e a participao dacomunidade, de profissionais de sade, gestores e trabalhadores, num movimento de produzir cinciana prtica da vida comunitria, fortalecendo o modelo de ateno sade e, sobretudo, a APS.

    Esse tipo de abordagem favorece a percepo ecossistmica dos problemas de sade e o avano naproposio de polticas pblicas de sade que efetivem realmente o vnculo, o acolhimento dasnecessidades de sade, a responsabilidade sanitria pelo territrio e a ao transdisciplinar eintersetorial.

    O envolvimento dos sujeitos com os objetos de pesquisa dos pesquisadores, que so embasados nosproblemas reais, apresenta-se como uma atuao cientfica necessria para a consolidao do SUS. Essaaproximao do acadmico com o emprico, do terico com o prtico, em processos de pesquisa-ao,so potencialmente transformadores de indivduos e coletivos. Esse processo est inter-relacionado coma promoo da afetividade e da criticidade, que so estruturais para a formao de novas prticas emsade. Esse tipo de abordagem propicia aflorar o sentimento de pertena, e, portanto, de compromissocom a mudana, como descrito anteriormente em diversos trechos.

    Evidencia-se que h um espao promissor da criatividade, da autonomia e da inter-relao do sujeitoque se constitui como objeto de estudo, quando estes no so compreendidos somente como fontesde informao, mas como sujeitos ativos, partcipes do conhecimento produzido, e capazes deapreender a transformar a realidade no curso da pesquisa. Ou seja, o processo de pesquisa em si j

    promove mudanas na singularidade de cada indivduo que floresce no grupo. Ento, as aesdecorrentes da elaborao do plano de ao tm outra matriz de significados, porque so concebidas apartir da apropriao do universo prxico em que esto inseridos os sujeitos.

    Nessa perspectiva, realizar pesquisa-ao em sade ambiental e do trabalhador no SUS implicadacom a prxis, garantindo um processo dialgico, embasado na problematizao, fortalece a relaoacademia e servio, contribuindo para a efetivao do direito sade, a participao social e aconstituio de novas prticas de sade na APS.

    Colaboradores

    Os autores trabalharam juntos em todas as etapas de produo do manuscrito. VaniraMatos Pessoa e Carlos Andr Moura Arruda realizaram a reviso final do manuscrito.

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    El sistema gubernamental de salud brasileo (SUS) propone la realizacin de accionespara la salud del medio ambiente y de los trabajadores, con la finalidad de abordar lacomplejidad del proceso salud-enfermedad en los territorios. El objetivo es presentar lainvestigacin-accin como una jornada metodolgica, facilitadora del anlisis de lascomplejas redes de desarrollo econmico y las implicaciones para el trabajo, el medioambiente y la salud en las comunidades de la regin nordeste de Brasil. Lainvestigacin-accin fue diseada con un grupo de 14 personas y realizada bajo laforma de talleres. Durante la investigacin surgieron vnculos y preparacin depropuestas, originadas de la teorizacin-reflexin-accinde los sujetos. Se subraya queel mtodo tiene potencial para plantear los problemas relacionados con la saludambiental y del trabajador, ya que favorece la interaccin humana integrada al lugar enque vive.

    Palabras clave: Investigacin-accin. Salud ambiental. Salud laboral. Atencin primariade salud.

    Recebido em 18/05/12. Aprovado em 08/02/13.