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259 12 PET-SAÚDE: uma experiência de formação pelo trabalho para a saúde Marco José de Oliveira DuarteSobre o PET-Saúde e o PET-Saúde na UERJ O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) é inspi- rado no Programa de Educação Tutorial (PET) do Ministério da Educação (MEC), que é instituído pela Lei nº 11.180/2005 (BRASIL, 2005b). Baseia- -se, também, no Programa de Bolsas para a Educação pelo Trabalho, que tem sua referência na Lei nº 11.129/2005 (BRASIL, 2005c) e na sua própria regulamentação, em uma primeira versão, por meio da Portaria Interminis- terial nº 1.802, de 26 de agosto de 2008, e depois essa é superada pela nova Portaria Interministerial nº 421, de 3 de março de 2010 e na de nº 422, de mesma data, que estabelece as orientações e diretrizes para sua execução. O PET-Saúde prevê ação intersetorial direcionada para o fortalecimento de áreas estratégicas para o Sistema Único de Saúde (SUS) a partir da edu- cação pelo trabalho, remunerando com bolsas individuais os envolvidos: tutores (docentes da saúde), preceptores (profissionais de nível superior dos Assistente Social, Doutor em Serviço Social, Professor Adjunto, Coordenador do PET-Saúde- Redes de Atenção da UERJ, Coordenador do Curso de Especialização Integrado em Saúde Mental na Modalidade Residência Integrada e Multiprofissional em Saúde Mental da UERJ. E-mail: [email protected]. miolo_Livro_servico_social.indd 259 miolo_Livro_servico_social.indd 259 4/11/2014 18:00:12 4/11/2014 18:00:12

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PET-SAÚDE: uma experiência de formação pelo trabalho para a saúde

Marco José de Oliveira Duarte∗

Sobre o PET-Saúde e o PET-Saúde na UERJ

O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) é inspi-rado no Programa de Educação Tutorial (PET) do Ministério da Educação (MEC), que é instituído pela Lei nº 11.180/2005 (BRASIL, 2005b). Baseia--se, também, no Programa de Bolsas para a Educação pelo Trabalho, que tem sua referência na Lei nº 11.129/2005 (BRASIL, 2005c) e na sua própria regulamentação, em uma primeira versão, por meio da Portaria Interminis-terial nº 1.802, de 26 de agosto de 2008, e depois essa é superada pela nova Portaria Interministerial nº 421, de 3 de março de 2010 e na de nº 422, de mesma data, que estabelece as orientações e diretrizes para sua execução.

O PET-Saúde prevê ação intersetorial direcionada para o fortalecimento de áreas estratégicas para o Sistema Único de Saúde (SUS) a partir da edu-cação pelo trabalho, remunerando com bolsas individuais os envolvidos: tutores (docentes da saúde), preceptores (profi ssionais de nível superior dos

∗ Assistente Social, Doutor em Serviço Social, Professor Adjunto, Coordenador do PET-Saúde-Redes de Atenção da UERJ, Coordenador do Curso de Especialização Integrado em Saúde Mental na Modalidade Residência Integrada e Multiprofi ssional em Saúde Mental da UERJ. E-mail: [email protected].

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serviços de saúde) e estudantes de graduação da área da saúde1, denomina-dos monitores, com bolsa de iniciação ao trabalho.

No entanto é necessário afi rmar que essa política de orientação sobre a formação profi ssional em saúde voltada para as necessidades reais de saúde da população e do SUS, por meio do fortalecimento e ampliação dos processos de mudança da graduação da saúde, focada na integração entre instituições de ensino da área de saúde e os serviços de saúde, remonta à década de 1970.

Os estudos sugerem a presença inconstante do tema nos espaços de cons-trução das políticas, embora as limitações do ensino e as inadequações do perfi l profi ssional frente às necessidades de saúde da população já lograrem-se evidentes desde a segunda metade dos anos 70. Ainda assim, há mais de duas décadas as questões relacionadas à formação profi ssional constituem-se objeto de discussão das conferências nacionais de saúde e de recursos humanos e compõem os textos referentes à legislação do Sistema Único de Saúde (SUS) e suas bases normativas (DIAS et al., 2013, p. 1614).

No entanto, nesse contexto, o tema da formação em saúde toma fôlego, impulsionado pelo movimento da Reforma Sanitária, e, em 1981, afi rma--se, nacionalmente, como programa de Integração Docente-Assistencial na Saúde (IDA), que, posteriormente, em 1990, com fi nanciamento da Fun-dação Kellogg, renasce sob o nome de Projeto Uma Nova Iniciativa (UNI).

No entanto, somente a partir de 2003, com a criação da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), no âmbito do Ministério da Saúde, na primeira gestão do governo Lula, que se tomaram novos fôlegos as políticas de gestão da educação em saúde e viabilizou-se, nacionalmente, o desenho político e as diretrizes para reorientar a formação

1 As 14 profi ssões da saúde, reconhecidas pela Resolução nº287/98 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), são: Biologia, Biomedicina, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontolologia, Psicologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional. Destas, na UERJ, só temos 8 (oito). No campo da saúde mental, historicamente, é constituída por 8 (oito) destas, na UERJ neste campo, só temos 6 (seis), mas na relação ensino de graduação-serviço, particularmente, são 4 (quatro): Enfermagem, Medicina, Psicologia e Serviço Social.

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profi ssional para o SUS, intensifi cando, dentre outras ações, o estreitamento das relações entre instituições formadoras e o sistema público de saúde2.

O PET-Saúde é uma das estratégias do Programa Nacional de Reorien-tação da Formação Profi ssional em Saúde (Pró-Saúde), em implementação no país desde 2005, tem como fi o condutor a integração ensino-serviço--comunidade e foi elaborado a partir do diagnóstico de um descompasso entre a formação profi ssional de nível superior da saúde e as diretrizes e necessidades dos SUS.

O Pró-Saúde é um programa que se estrutura a partir de um edital no qual as instituições de nível superior em articulação com as secretarias municipais de saúde concorrem por meio de apresentação de projetos de mudanças no curso de medicina, enfermagem e odontologia3, devendo envolver a criação e/ou ampliação das atividades dos estudantes juntos às equipes da Estratégia de Saúde da Família, de preferência ao longo de todo o curso. São propostos 3 (três) eixos orientadores para a mudança da formação em saúde: orientação teórica, cenários de prática e orientação (BRASIL, 2005).

Há um investimento público, tendo por objetivo a mudança curricu-lar das graduações da saúde, por parte do Ministério da Saúde, incluindo bolsas para os docentes, profi ssionais e estudantes, a contratação de apoio técnico, apoio na realização de seminários, apoio em publicações, obras de ampliação de espaço físico dentre outros, de acordo com o plano de traba-lho organizado por cada projeto/universidade.

Dado o êxito do Pró-Saúde I, editou-se a segunda edição, em 2007, ampliando-se para outros cursos: Biomedicina, Biologia, Educação Física, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina Veterinária, Nutrição, Psicologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional.

O PET-Saúde inaugura-se, em 2008, com o oferecimento do Edital nº 12/2008, no contexto do Pró-Saúde. Nesse, a maioria dos projetos tem a Estratégia de Saúde da Família como cenário de prática estratégica. Por conta disso o PET-Saúde é denominado PET-Saúde da Família até o fi m da

2 Para melhor compreensão desta discussão, ver: Machado (2005), Campos; Pierantoni; Machado (2006), Araújo; Zilbovicius (2008), Campos; Aguiar; Belisário (2008), Pierantoni; Viana (2010) e Haddad (2010).3 Esses foram os cursos prioritários na primeira edição, denominado Pró-Saúde I.

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regência do segundo edital oferecido pelo Ministério, o de nº 18/2009, que foi até 2012.

O programa tem o foco na qualifi cação de estudantes de graduação e de pós-graduação, na rede de serviços, por meio de vivências, estágios, iniciação ao trabalho e programas de aperfeiçoamento e especialização. Evidencia ainda a necessidade de incentivos aos profi ssionais e docentes e destaca a importância das necessidades dos serviços se tornarem objeto de pesquisa e fonte de produção do conhecimento nas instituições acadêmicas (BRASIL, 2008; BRASIL, 2010b).

.A proposta do PET-Saúde é favorecer a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, a constituição de grupos de aprendizagem tutorial, a interdisciplinaridade e a integração ensino-serviço e comunidade, incluindo um plano de pesquisa na atenção básica, em particular nas equipes da Estra-tégia de Saúde da Família (BRASIL, 2008; BRASIL, 2010a). Nesses dois últimos pressupostos residem sua diferenciação com o PET-MEC, tendo em vista a lógica da formação para o trabalho na Saúde.

.Nesse raciocínio de oferecimento de editais para o desenvolvimento de projetos específi cos, o Ministério da Saúde, em 2010, com sua nova refor-mulação do PET-Saúde, cria o Edital do PET-Saúde-Vigilância em Saúde (PET-VS), com duração de dois anos, 2010-2012 e, mais recentemente, em sua última edição, em novo edital, para o período de 2013-2015.

No mesmo ano, em 2010, no contexto da reformulação, o Ministério da Saúde lança o Edital nº 27/2010 para a área de Saúde Mental, com ênfase em crack, álcool e outras drogas. Isso foi de encontro às respostas do Estado brasileiro, por meio dos órgãos públicos, e em particular da saúde, quanto ao fenômeno social do consumo de crack no país, de forma alarmante e sen-sacionalista, identifi cado inclusive como epidemia, o que nunca foi.

Nossa inserção e contato com o PET-Saúde e toda essa trajetória de editais pelo Ministério da Saúde, deveu-se, enormemente, pelo reconheci-mento de nosso trabalho acadêmico-profi ssional, junto ao campo da saúde mental, com outros docentes de outras áreas e unidades acadêmicas da uni-versidade, inclusive por ter fi cado à frente do processo de implantação do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da UERJ.

Neste sentido participaram do Edital, docente da Faculdade de Serviço Social (FSS), Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e Instituto de Psico-

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logia (IP), com 3 (três) projetos, pois para se ter um coordenador, deveria obter aprovação dos três projetos. Destaque que era a primeira vez que tanto a Faculdade de Serviço Social como o Instituto de Psicologia partici-pavam, tendo em vista que sempre a divulgação desses editais fi ca restrita às unidades do Centro Biomédico. Ambas, FSS e IP são, respectivamente, de centros setoriais diferentes na UERJ, apesar de sermos da área de Saúde, uma do Centro de Ciências Sociais e a outra do Centro de Educação e Humanidades. Como nesse último também se localiza o curso de Educa-ção Física, mas que não se tem notícia de sua inserção nos campos de saúde do território que se encontra a universidade.

Neste sentido, foram aprovados 2 (dois) projetos da UERJ no Edital do PET-Saúde-Saúde Mental, na proporção de 1 tutor – 3 preceptores – 12 estudantes. Estávamos contemplados entre os 80 grupos/projetos aprovados pelo Ministério da Saúde. No entanto, diante do compromisso assumido entre a FSS e a FCM, já que pleiteávamos dois projetos/grupos, dividimos nossas bolsas entre os tutores e preceptores para darmos conta da complexi-dade do trabalho e o número de estudantes. Mais à frente, desenvolveremos como se deu o trabalho em saúde no território, na perspectiva dos cenários de aprendizagem na atenção básica.

O PET-Saúde-Saúde Mental, como os outros PET-Saúde, são fruto das parcerias entre a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) e Secretaria de Vigilân-cia em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde, a Secretaria de Educação Superior (SESu) do Ministério da Educação, e por ser tratada a questão das drogas, envolveu-se também a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad/GSI/PR).

A experiência do PET-Saúde-Saúde Mental de 2011-2012 foi condição sine qua non, para que no ano de seu encerramento, 2012, participássemos de forma conjunta com outras unidades acadêmicas da UERJ de um novo Edital do Ministério da Saúde, que o mesmo instituiu de Pró-PET-Saúde, lançado em 2011. Seria, grosso modo, uma forma de articular o Pró-Saúde (fomento público para infraestrutura dos projetos e mais bolsas individuais) e o PET-Saúde (exclusivamente bolsas individuais). Nessa nova modalidade de Edital, os temas eram diversifi cados, mas envolvia o desenvolvimento de projetos específi cos por temas, que poderiam ser qualquer um, seja de pro-

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moção da Saúde, educação em Saúde, vigilância em saúde, saúde mental, saúde do idoso, saúde sexual, habilidades comunicacionais, saúde da famí-lia dentre tantos outros.

Deparamo-nos com um corte ideo-político e paradigmático com relação aos representantes de outras áreas de conhecimento, no campo da saúde, que não eram agregadas ao Centro Biomédico. Nesse sentido, a Educação Física, a Psicologia e o Serviço Social fi caram de fora da disputa. Particu-larmente, o que se observou de todo esse processo foi ver o alinhamento das outras áreas da Saúde ao modelo biomédico de formação nesse campo.

No ano de 2013, abre-se o Edital para o PET-VS, como citado acima, mas o mesmo não foi elaborado de forma conjunta. Procurou-se a FSS para que a mesma pudesse se integrar ao projeto, indicando um docente para a função de tutor. No resultado vindo do Ministério da Saúde, o referido projeto PET-VS da UERJ não foi aprovado na sua integralidade, e como foram somente dois projetos aprovados, sem a presença do coordenador, a FSS não foi convidada a participar de sua implementação. Novamente, a nosso ver, o privilegiamento do modelo biomédico de formação em Saúde organizou os interesses de quem e quais unidades acadêmicas participariam do projeto.

No mesmo ano, em 2013, o Ministério da Saúde lançou, originalmente, um novo Edital, nº 14/2013, especifi camente para a temática das Redes de Atenção à Saúde4. Nessas estão incluídas as seguintes redes prioritárias para o SUS: Rede de cuidados à pessoa com defi ciência; Rede de atenção às pessoas com doenças crônicas; Rede cegonha; Rede de atenção às urgências e emergências; Atenção à aúde indígena e Rede de atenção psicossocial.

Como muitos docentes de unidades acadêmicas da área da saúde encontram-se desenvolvendo seus projetos pelo Edital Pró-PET-Saúde5,

4 Base para a temática sobre as Redes de Atenção tem como referência: A Portaria nº 4.279/GM/MS, de 30 de dezembro de 2010 (BRASIL, 2010a), que estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do SUS e o Decreto nº 7508, de 28 de junho de 2011 (BRASIL, 2011), que regulamenta a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde – SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa (regiões de saúde, rede de ações e serviços de saúde – rede de saúde, gestão compartilhada etc).5 Existem, até o fi nal de 2014, três projetos no Pró-PET-Saúde da UERJ: PET-Idoso (FCM), PET-Sex (FCM) e PET-Habilidades (Faculdade de Enfermagem – FENF).

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como narramos acima, elaboramos o mesmo sozinho, enquanto docente e unidade acadêmica. Mesmo assim, consultei outros docentes que estavam conosco no PET-Saúde-Saúde Mental. Com a recusa, mas não de forma indiferente, seguimos a elaboração do projeto por conta do prazo do Edital. Nos últimos momentos, fomos procurados por um docente da Medicina no sentido de incorporarmos mais um projeto-rede, com duas temáticas: defi ciência e indígena.

Assim, concorremos com um projeto PET-Saúde-Redes da UERJ com 2 (dois) projetos/redes, apesar de todo o desenho teórico-metodológico do texto constituir-se como questão à Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), já que até então era de um só autor e, consequentemente, como desdobramento da experiência anterior, no PET-Saúde-Saúde Mental, desenvolvido no Com-plexo Territorial do Borel através de 2 (duas) unidades de saúde (Centros Municipais de Saúde Carlos Figueiredo Filho e Casa Branca) e suas equipes da Estratégia de Saúde da Família (DUARTE, 2014; DUARTE, 2013).

Cabe destacar que esse processo não é tão simples assim, como pode parecer, independentemente da entrada de outro projeto/rede, como sina-lizado, e, como todo o projeto já estava pronto, seguindo as exigências do Edital, dirigimo-nos para a pactuação do mesmo no espaço do controle social da Saúde, apresentando-o no Conselho Distrital da Saúde da Área Programática (AP) 2.2 (engloba os bairros da Tijuca, Vila Isabel, Andaraí, Praça da Bandeira, Grajaú e Maracanã e diversas comunidades faveladas), território que desenvolvemos na época do PET-Saúde-Saúde Mental e que desenvolveríamos com o PET-Saúde-Redes.

Neste sentido o projeto “A Produção da Rede de Cuidado em Saúde Men-tal no Território: Mapeando e Cuidando de pessoas com transtorno mental na Área Programática em Saúde (AP) 2.2 na Comunidade do Salgueiro” foi pautado, discutido, monitorado e aprovado. Contamos com a parceria de uma docente da Medicina que está conosco no território, esteve à frente do PET-Saúde Mental, e, como nós, desenvolve atividades docente-assis-tenciais em saúde mental também na Policlínica Piquet Carneiro (PPC), à frente do Núcleo de Saúde Mental da instituição, onde nos integramos, representando o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da UERJ, mas esse tem relação autônoma com o Núcleo, já que é um modelo assistencial dife-rente do enquadre ambulatorial, carro-chefe da atenção psicossocial.

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Em seguida outras tantas pactuações e deliberações, com o mesmo pro-jeto acima, no Conselho Municipal de Saúde (CMS) da cidade do Rio de Janeiro, na Comissão Intergestores Bipartite do Rio de Janeiro (CIB), na Comissão Permanente de Integração Ensino-Serviço (CIES) e na Comissão Intergestores Regional da Região Metropolitana I (CIR). Esta reunião foi em Duque de Caxias. Como não houve quorum e a do próximo mês seria em Nova Iguaçu, pautou-se novamente o projeto, mas desta vez com quo-rum teve aprovação.

Muito rico todo esse cenário de debates que o projeto proporcionou-nos, os depoimentos de usuários, gestores e trabalhadores demonstram que a luta por Saúde também se faz na micropolítica dos serviços de Saúde, com seus agentes na produção do cuidado por um SUS público e universal.

Neste sentido, chamou a atenção o fato do esvaziamento de representantes das instituições de ensino na CIES atuais, antigos Polos de Educação Perma-nente. Feuerweker (2014) afi rma que esses espaços “no máximo funcionam como instâncias burocráticas para ‘autorizar’ os movimentos dos diferentes cursos no território – sem contribuir para enriquecer, problematizar e ampliar conexões com os problemas percebidos pelos diferentes atores locais” (op. cit., p. 142).

Todos os documentos que comprovaram a submissão do projeto em pauta, em todas as instâncias, seja no Rio de Janeiro, como em Angra dos Reis, foram anexados ao FormSUS (formulário próprio de envio de dados do sistema de informação do SUS). E com isso o projeto intitulado “Inse-rindo a universidade na Rede de Atenção à Saúde no Território: Mapeando e Cuidando nos Municípios do Rio de Janeiro e Angra dos Reis”, seguiu ao processo de seleção em âmbito nacional. Ressalta-se que no conjunto das documentações seguiram também os Termos de Compromisso que assinam o Reitor da UERJ e o secretário Municipal de Saúde, bem como as Cartas de Apoio das 3 (três) Sub-Reitorias da universidade.

Cabe destacar que o PET-Saúde-Redes tem a seguinte proporção por projeto/grupo: 1 (um) tutor: 6 (seis) preceptores: 12 estudantes. Contudo, o referido projeto que seguiu para o Ministério da Saúde tem que estar com tudo defi nido, para além dos tutores e suas matrículas na universidade, todo o registro em relação aos preceptores, com suas identifi cações civis e loca-lizações por unidades de Saúde, referenciados pelo número no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES).

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Ao sermos contemplados na aprovação e na íntegra do projeto PET--Saúde-Redes da UERJ, dentre os 290 grupos selecionados (116 projetos) em todo país, começamos o processo de seleção dos estudantes, de forma aberta e pública, para as áreas de Enfermagem, Medicina, Psicologia e Serviço Social, bem como mantivemos contato e conversas com todos os profi ssionais já selecionados na época de elaboração do projeto que exerce-riam a função de preceptores, já que agora uma nova etapa se confi gurava, o cadastro nominal de todos os envolvidos no projeto/grupo, no nosso caso, no PET-RAPS.

O PET-Saúde-Redes de Atenção-Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) da UERJ

O começo do projeto, que deveria ter sido em julho, ocorreu em agosto, em decorrência do outro projeto/grupo, já sinalizado acima. O Ministério da Saúde entendeu que no todo, o projeto da UERJ que foi enviado com dois grupos/projetos apresentava 3 (três) redes temáticas: rede de atenção psicossocial, saúde indígena e defi ciência, e o referido projeto PET-Saúde--Redes da UERJ foi aprovado como tendo 3 projetos/grupos, e isso teve sérias consequências.

Primeiro porque até se constituírem enquanto 2 (dois) projetos/grupos levaram muito mais tempo do que o necessário, até porque os responsáveis pelo mesmo desenvolveriam suas atividades em outro município, em Angra dos Reis. Isso signifi caria pactuações com os gestores locais, incluindo os serviços e os seus trabalhadores, como o fez o do Rio de Janeiro. E em par-ticular com as aldeias, já que se tratava de saúde indígena. A contrapartida da universidade na cidade do Rio de Janeiro é uma, em outra cidade de muitos quilômetros de distância, é outra, principalmente quando se trata da dependência de transportes, diárias/ajuda de custo, combustível, hospeda-gem, para citar algumas.

Como não há esse tipo de fi nanciamento por parte do Ministério da Saúde, não estamos tratando de Pró-Saúde nem mesmo do Pró-PET-Saúde (que, até onde se sabe, não houve repasse de verbas por parte do Ministério da Saúde, desde o começo das atividades em 2012, até agora se fi nalizando), está-se referindo ao PET-Saúde (bolsas individuais) criou-se um impasse de concretização dos dois grupos/redes, exceto do PET-RAPS.

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Assim, enquanto o projeto PET-RAPS estava trabalhando, desenvolvendo as atividades planejadas, com todos os seus membros cadastrados, recebendo suas bolsas e sendo avaliados por preceptoria e tutoria, o mesmo não aconte-cia com os outros dois projetos, que não conseguiram contemplar o número de seus membros por rede/projeto, em particular preceptores e estudantes, mas os que estavam cadastrados recebiam suas bolsas sem trabalhar.

Diante desses impasses institucionais e a partir das diversas visitas de representantes do Ministério da Saúde na UERJ, incluindo os cenários de práticas, os dois projetos/grupos/redes foram cancelados, como os dois do PET-VS. Desta forma, o Ministério da Saúde transferiu as bolsas dos dois projetos (2 tutores, 12 preceptores e 24 estudantes) para o PET-RAPS e com isso o docente da FSS tornou-se coordenador do PET-Saúde-Redes da UERJ.

Assim, o atual PET-Saúde-Redes de Atenção à Saúde da UERJ é com-posto de 3 (três) grupos em um único projeto e atua em uma única rede temática, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Diante disso, é constitu-ído por 4 (três) unidades acadêmicas: Faculdade de Serviço Social (FSS), Faculdade de Enfermagem (FENF), Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e Instituto de Psicologia (IP).

A equipe do PET-Saúde-Redes-RAPS é composta de 1 (um) coordena-dor (docente da Faculdade de Serviço Social), 3 (três) tutores (docentes, da Faculdade de Ciências Médicas, Faculdade de Enfermagem e Faculdade de Serviço Social), 18 (dezoito) preceptores (1 da Terapia Ocupacional, 2 do Serviço Social, 3 da Medicina/Psiquiatria, 4 da Enfermagem e 8 da Psicologia) e 43 (quarenta e três) monitores (36 – trinta e seis – bolsistas, sendo 10 da Medicina, 9 da Enfermagem e da Psicologia e 8 do Serviço Social e 7 – sete – voluntários, sendo 1 da Enfermagem e 3 da Psicolo-gia e Medicina), garantindo a perspectiva da interprofi ssionalidade entre as seguintes áreas de conhecimento: Enfermagem, Medicina, Psicologia e Ser-viço Social, tanto entre os tutores e preceptores como entre os monitores. Salienta-se que um dos preceptores de campo é o único terapeuta ocupa-cional na equipe PET-Saúde-Redes/RAPS da UERJ e que pela inexistência deste curso de graduação na universidade não temos docentes e estudantes desta área profi ssional.

No entanto, não se tem somente estudantes de graduação em saúde no PET-Saúde-Redes-RAPS: os 5 (cinco) residentes do segundo ano (R2) do

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Curso de Especialização Integrado na Modalidade Residência Integrada e Multiprofi ssional em Saúde Mental da UERJ6 também participam desse processo de forma conjunta, composto por 2 (duas) assistentes sociais, 2 (duas) psicólogas e 1 (uma) enfermeira.

O PET-Saúde-Redes-RAPS da UERJ desenvolve suas atividades em par-ceria e pactução com a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS-RJ), por meio da Coordenadoria de Ações Programáticas de Saúde − CAP 2.2, Núcleo de Apoio à Saúde da Família − NASF e unidades de Saúde, além das unidades de saúde da própria universidade, tudo articulado com os seus profi ssionais na perspectiva da rede de atenção psicossocial.

Desta forma, o PET-Saúde-Redes-RAPS da UERJ alicerça seus cenários de práticas com um projeto composto de 3 (três) grupos PET-RAPS desen-volvido na AP2.2, especifi camente. Das 8 (oito) unidades básicas de Saúde, operamos em 7 (sete) Centros Municipais de Saúde: Heitor Beltrão (Tijuca, comunidades do Salgueiro, Coreia e Catrambi), Nicola Albano (Alto da Boa Vista), Casa Branca (Comunidade da Casa Branca), Prof. Julio Bar-bosa (Morro da Formiga), Carlos Figueiredo Filho (Complexo Territorial do Borel), Maria Augusta Estrella (Morro dos Macacos) e Parque Vila Isabel (Comunidade do Parque Vila Isabel e parte do Morro dos Macacos), em conjunto com as 17 (dezessete) Equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF), das 21 (vinte e uma) existentes nesse território.

Compõem a equipe, pela parceria e integração, outros serviços, como pontuamos acima, que atuam diretamente, mediado pelo PET-Saúde, nas ESF. Destes, pela UERJ temos: o Centro de Atenção Psicossocial da UERJ (CAPS/UERJ), o Núcleo de Saúde Mental da Policlínica Piquet Carneiro (PPC) da UERJ, o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad/UERJ) e o Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (NEPS/FSS-UERJ); pela SMS-RJ, na lógica da parceria público-privado, com gestão das Organizações Sociais (OS), temos: o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas

6 Fruto de um convênio que celebram a UERJ e a SES-RJ, por meio do processo E-08/10667/10 de 13/12/2010, assinado em 3/2/2012 e publicado no Diário Ofi cial do Estado (DOE) em 27/2/2012. No âmbito da UERJ, a mesma foi criada a partir da Deliberação nº 30, de 10 de outubro de 2012 pelo CSEPE e prevê uma gestão pedagógica compartilhada entre a FSS e o IP – unidades acadêmicas da UERJ, e o CAPS/UERJ como um dos seus cenários de prática.

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Mané Garrincha (CAPSad Mané Garrincha) e o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) da AP2.2.

Para melhor esclarecimento, em conformidade com a lógica do PET-Saúde, cabe ressaltar, que os preceptores que compõem a equipe PET-Saúde-Redes--RAPS da UERJ são vinculados às unidades de saúde e núcleos/serviços da universidade, assim temos, (8) oito são do CAPSad, (3) três do CAPS/UERJ, (3) três de equipes de Estratégia de Saúde da Família (ESF) diferentes, (2) dois do NASF, (1) um do Nepad/UERJ e (1) um do NEPS/UERJ.

O distrito sanitário ou região docente-assistencial da Saúde, descrito acima, tem, então, a seguinte composição, tomando como referência a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), pela gestão da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) em parceria com as organizações sociais e/ou organi-zações não-governamentais de Saúde Mental, temos: (1) um Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas (CAPSad) Mané Garrin-cha, (1) um Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), 1 (um) Centro de Convivência e Cultura (CCC) e 4 (quatro) Serviços Residenciais Tera-pêuticos (SRT). Pela gestão dos serviços de Saúde universitários, temos: (1) um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da UERJ, 1 (um) ambulatório de psiquiatria da Unidade Docente-Assistencial de Psiquiatria do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ e 1 (um) ambulatório de saúde mental, do Núcleo de Saúde Mental da Policlínica Piquet Carneiro (PPC) da UERJ.

Quadro 1. Distribuição das Unidades de Saúde-Equipes da ESF da AP2.2

Unidades de Saúde AP 2.2 Nº de equipes da ESFCMS Carlos Figueiredo Filho 03

CMS Casa Branca 01CMS Maria Augusta Estrella 02

CMS Nicola Albano 02CMS Parque Vila Isabel 03CMS Prof. Júlio Barbosa 02

CMS Heitor Beltrão 04Policlínica Hélio Pellegrino 04

TOTAL: 08 TOTAL: 21

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Sobre a experiência dos PET-Saúde - Saúde Mental e Redes/RAPS no território

Por meio do PET-Saúde-Saúde Mental, Crack, Álcool e outras Drogas da UERJ, entre 2011 e 2012, desenvolvemos nosso trabalho no âmbito 4 (qua-tro) equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF), lidando diretamente com a questão das drogas em um território da cidade do Rio de Janeiro, na AP2.2, o Complexo Territorial do Borel.

A realidade desta ação acadêmico-assistencial de integração ensino-ser-viço-comunidade baseou-se de forma processual na construção de uma rede intersetorial de cuidado para com os usuários de saúde mental, crack, álcool e outras drogas e suas famílias no referido território, de forma dialogada e coordenada com outras instituições governamentais e não-governamentais no cotidiano das comunidades “pacifi cadas”, em que a temática das drogas ainda se colocava na forma da repressão, por um lado, ou mesmo da inter-nação ou recolhimento compulsórios, de outro, em um contexto de alarme sensacionalista pela falsa epidemia do crack.

O entendimento difuso (ALVES, 2009) sobre crack, álcool e outras drogas, observado nos grupos focais7 realizados nas equipes de saúde, demonstrou que, hegemonicamente, baseava-se no senso comum, com forte conteúdo moral, o que apontou a necessidade de educação continuada dos referidos agentes institucionais para com o manejo quanto ao cotidiano do cuidado a esse segmento da população atendida e sua relação com as drogas.

No entanto, não poderíamos nos limitar às unidades de Saúde. Quando esse tema não se circunscreveu, única e exclusivamente, a esta política pública foi imperioso ampliar com outros sujeitos e instituições que se faziam presentes no território, na perspectiva de construção de uma rede de cuidado, para enfrentamento de situações que, na maioria das vezes, era de

7A nossa metodologia partiu da realização de quatro grupos focais junto as Equipes da Estratégia de Saúde da Família, envolvendo os agentes comunitários de Saúde das unidades de Saúde do Borel e Casa Branca. Neste contexto, realizamos também um grupo focal com a escola municipal do entorno da unidade para fi ns de comparação quanto à análise de seu conteúdo. O processo da pesquisa foi pactuado entre as equipes, com anuência dos sujeitos, e submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da SMS-RJ. O processo de análise das mesmas tomou como referência o elenco de temáticas constantes e repetidas, que foram classifi cadas e analisadas sobre a questão.

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cunho socioeconômico (ACSELRAD, 2005), ou seja, de vulnerabilidade social dos usuários e familiares.

Em todo o momento de nossa inserção, nosso olhar sobre o cotidiano do cuidado, do território e o trabalho desenvolvido pautou-se na perspec-tiva da garantia dos direitos e na autonomia dos sujeitos ditos dependentes químicos, muitas vezes, de forma moral, denominados “viciados”, “vaga-bundos”, “sem-vergonha”, “fracos”, “imorais”, “preguiçosos” e “doentes”, assim enunciados pela grande mídia que veicula a criminalização da pobreza e dos usuários de drogas em geral, como um dos males que atinge a sociedade, como se os ditos sujeitos humanos nunca tivessem usado drogas (NERY FILHO, 2012) e reproduzido, culturalmente, de forma discursiva, pela população e alguns agentes da saúde e inclusive por parte de religiosos nas comunidades.

A construção desta rede de cuidados pressupôs a tentativa de inversão da repressão como estratégia (MACHADO; MIRANDA, 2006), que se estrutura em uma única abordagem dominante: a proibicionista. Assim, para uma ação de base cidadã, territorial e comunitária8, envolvendo outros equipamentos sociais presentes no território, de forma dialógica, intersetorial e transversal, referendamo-nos na política de redução de danos (VELOSO, 2003), e, a depender dos casos psicossociais acolhidos. Muitos desses, quando apresentavam comorbidades, exigiam medicação e/ou internação pela via dos leitos de atenção em Saúde Mental no hospital geral9 como possibilidade do trabalho integrado, na forma de curta permanência, acompanhado pela equipe de referência e pela rede do território.

8 Referimo-nos aqui à Portaria 816 do GM/MS de 30 de abril de 2002 que institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o Programa Nacional de Atenção Comunitária Integrada a Usuários de Álcool e Outras Drogas.9 Recentemente, o Ministério da Saúde, por meio da Portaria GM/MS 148, de 31 de janeiro de 2012, defi niu as normas de funcionamento e habilitação do Serviço Hospitalar de Referência para atenção a pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades de saúde decorrentes do uso de álcool, crack e outras drogas, do Componente Hospitalar da Rede de Atenção Psicossocial, e instituiu incentivos fi nanceiros de investimento e de custeio.

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No entanto, nossa inserção no referido território focou o matriciamento10 ou apoio matricial junto às equipes da ESF, incluindo os agentes comunitários de Saúde (ACS), com relação ao tema da saúde mental, crack, álcool e outras drogas, principalmente na possibilidade de um cuidado em rede e no territó-rio. Isso se deve, ao observamos, nos espaços da supervisão juntos as equipes e análise dos dados da pesquisa, a um alto índice de transtornos mentais e usuá-rios com queixas de sofrimento psíquico na atenção básica em Saúde.

Nossa equipe do PET-Saúde-Saúde Mental, composta de profi ssionais--preceptores do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da UERJ e do CAPSad Mané Garrincha, reafi rmava o mandato de cuidado em Saúde Mental no território, por meio da rede de atenção psicossocial (RAPS), tendo a ESF como uma das portas de entrada, pela via do matriciamento, com os serviços sociais públicos presentes, bem como organizações popula-res e de iniciativa privada.

Desta forma, a equipe dos CAPS gerenciava os projetos terapêuticos sin-gulares dos usuários e atuava como apoiadores das equipes básicas de Saúde, oferecendo retaguarda especializada a essas, como um dos principais pontos desta rede, com a discussão de casos e condutas técnicas, atendimento ou consulta conjunta (interconsulta), visitas e atendimentos domiciliares, com a consequente capacitação das equipes da atenção básica numa modalidade de trabalho que envolve a pactuação das ações e o compartilhamento de responsabilidades entre as equipes.

Nesse âmbito, a equipe dos CAPS se torna referência para atenção a essa população adscrita no território, incluindo ou não os usuários nos CAPS, a

10 A respeito da prática do matriciamento e/ou apoio matricial da saúde mental na atenção básica em Saúde, consultar: a) BRASIL. SAS/DAPE/DAB/Coordenação Geral de Saúde Mental; Coordenação de Gestão da Atenção Básica. Saúde Mental e Atenção Básica: O vínculo e o diálogo necessários – Inclusão das ações de saúde mental na atenção básica. Brasília-DF/MS, nº1/2003; b) CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa. “Equipes de referência e apoio especializado matricial: uma proposta de reorganização do trabalho em saúde”. In: Revista Ciência & Saúde Coletiva, vol.4, n.2, pp:393-404, Rio de Janeiro: ABRASCO, 1999; c) CHIAVERINI, Dulce Helena et al. (Orgs). Guia prático de matriciamento em saúde mental. Brasília-DF, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; Centro de Estudo e Pesquisa em Saúde Coletiva/UERJ, 2011; d) COELHO, Daniela Albrecht Marques et al. (Orgs) Sobre o início do matriciamento em Saúde Mental na cidade do Rio de Janeiro: Refl exões, relatos e recomendações. Rio de Janeiro: PCRJ, 2012; e f) BRASIL. Ministério da Saúde. SAS/DAB. Saúde Mental. Cadernos de Atenção Básica, n.34. Brasília: MS, 2013.

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depender de suas demandas e complexidades, ou, conforme for a situação, o acionamento da rede de atenção à Saúde que inclui outros pontos da rede, como os ambulatórios e/ou mesmo as enfermarias, caracterizando-se como uma internação voluntária.

No decorrer de nossa inserção no território, observamos a carga nega-tiva, os tabus, preconceitos, estigmas e moralismos que o tema das drogas envolve. O que aponta para a falta de acesso às informações quanto ao cui-dado a esses usuários (DUARTE, 2013; DUARTE, 2014), tendo em vista que o imaginário popular reforça a internação, a abstinência ou a repressão (a lógica moral-criminal e/ou moral-doença), reproduzindo os discursos de outros organismos públicos e de organizações não-governamentais, com forte conteúdo religioso e moralista para o trato com o consumo e o uso prejudicial de drogas, na maioria das vezes, culpabilizando, ou até mesmo criminalizando, os próprios usuários.

Essas ações da atenção psicossocial são instrumentos de trabalho que pro-movem as ampliações das situações que envolvem os usuários moradores do território, a partir do princípio da integralidade do cuidado. Mas os mesmos poderiam ser pessoas em situação de rua também. Esta Rede de Atenção Psi-cossocial (RAPS) em implementação na cidade do Rio de Janeiro − embora esteja sob a gestão das OSs (Organizações Sociais) em uma perspectiva per-versa de privatização do SUS, na sua parceria público-privado −, precisa ser alargada e ampliada para toda a cidade do Rio de Janeiro, dada a sua comple-xidade urbana e territorial, mas de forma pública e responsável.

Esta experiência acadêmico-assistencial, portanto, aponta que o trabalho integrado e interdisciplinar das equipes, que atuam na atenção básica, no desenvolvimento de suas competências, na realização e operacionalização do cuidado em saúde mental no território, em parceria com os CAPS, junto as ESF, ou mesmo quando de novas modalidades, como os Consultórios na Rua, é pertinente e exitoso, desde que se tenha vontade política para isso.

No entanto, estamos na contramão do que vem sendo promovido pelos gestores municipal e estadual, quando das suas estratégias políticas de com-bate ao crack na cidade do Rio de Janeiro, com a política de internações forçadas, com a remoção da população em situação de rua de forma mas-sifi cada e a associação dessa população à dependência química e abuso de álcool e outras drogas. Distantes da cidade, os espaços ditos de “aco-lhimento” apresentam-se na forma de restrição à liberdade, utilizando-se de protocolos assistenciais questionáveis e denunciados por impetração de torturas e maus-tratos.

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Por outro lado, para além do retorno à higienização da cidade, percebe--se a conturbada parceria público-privada com as comunidades terapêuticas − prevista na Portaria nº 3.088/11, de criação da RAPS (BRASIL, 2011), como serviços de atenção residencial de caráter transitório − caracterizada como instituições totais com explícitas violações dos direitos humanos11.

As comunidades terapêuticas são instituições privadas, grande parte baseadas em práticas religiosas (evangélicas e cristãs, uma afronta aos princípios laicos do Estado) e muitas fi nanciadas pelo próprio Governo Federal. Essa política pública oferta o encarceramento como opção e não tem diálogo com a Rede de Atenção Psicossocial. As comunidades terapêuticas vêm se proliferando e se fortalecendo, e contam com apoio de infl uentes setores políticos. Estas institui-ções não se confi guram como espaços de tratamento, mas sim, de segregação, reeditando o conceito de “tratamento moral” do século XIX, combatido pela reforma psiquiátrica e presente na lei 10.216/01. O investimento fi nanceiro feito em comunidades terapêuticas desvia os recursos de uma política pública afi ançada pelos princípios democráticos, de base comunitária, para equipa-mentos asilares (Frente Nacional de Drogas e Direitos Humanos, 2012)

Essas medidas baseiam-se também na ampliação de leitos psiquiátricos12 em instituições asilares ou fechadas, públicas e privadas, além de reforçar a estigmatização, a privação de liberdade e mais uma vez, a instituciona-

11 Cabe destacar que os equipamentos denominados Abrigos da rede municipal de assistência social do Rio de Janeiro foi objeto de inúmeras visitas técnicas pelos Conselhos Regionais de Serviço Social e Psicologia, bem como pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ e a equipe do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate a Tortura da ALERJ que, em forma de relatórios, denunciam os maus-tratos, violências e violações de direitos desses usuários recolhidos, além de diagnosticar o fenômeno da manicomialização pelo processo de assistencialização da política de seguridade social. Ver VVAA, 2012a e 2012b.12 A ampliação do número de leitos de internação hospitalar/enfermaria especializadas para tratamento de dependentes de crack e outras drogas em 2.500 leitos está explícito no Plano de Enfrentamento no Artigo 5º, §1, Inciso 1, tanto para as iniciativas privadas como de organização da sociedade civil, o que reforça o modelo hospitalocêntrico tão questionado pelo movimento da luta antimanicomial e implantado a partir das diretrizes e políticas do Ministério da Saúde com a redução dos leitos psiquiátricos e o investimento e ampliação da rede de atenção psicossocial no país.

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lização, duramente criticada nessas três décadas do movimento da luta antimanicomial, além de ser contrária ao cumprimento do disposto no Artigo 4º da Lei n° 10.216/2001 (BRASIL, 2001), que estabelece que “a internação, em qualquer de suas modalidades (voluntária, involuntária e compulsória), só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mos-trarem insufi cientes”.

Desta forma, os serviços estratégicos como os CAPS, na atenção psicosso-cial aos seus usuários, que dependem de cuidados intensivos, semi-intensivos e não-intensivos, se diferem para os usuários de álcool e outras drogas, se veem obrigados a dar conta de uma demanda que não conseguem resolver no nível de sua cobertura.

Isso se deve, porque, segundo o anexo I (Matriz Diagnóstica da RAPS) da Portaria em questão, para cada município ou regiões, com população acima de 70 mil habitantes, há 1 (um) CAPS II, e para acima de 200 mil habi-tantes, 1 (um) CAPS III. Em nossa região de saúde no município do Rio de Janeiro, na AP2.2, tem-se aproximadamente 400 mil habitantes, assim, deveria existir, hipoteticamente, 6 (seis) CAPS II ou 1 (um) CAPS III e 3 (três) CAPS II.

O que se observa é que a política de Governo é clara nos seus objetivos, ou seja, por um lado, não investe na ampliação dessa rede desses serviços, e por outro, descaracteriza os princípios da Reforma Psiquiátrica, do SUS e do SUAS (Sistema Único da Assistência Social), quando da lógica de suas políticas públicas, afi rmadas e reafi rmadas nos fóruns máximos do controle social − suas conferências nacionais, além de ferir os compromissos assumi-dos pelo Brasil na prevenção, promoção e proteção da Saúde Mental e dos direitos humanos.

Segundo o Relatório de Visitas aos abrigos da Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro, registra-se que:

Outra preocupação se dá em torno da deliberada confusão entre assistência social e saúde mental. A híbrida distinção entre usuários que são moradores de rua e dependentes de álcool e outras drogas desencadeia em um público de saúde mental muito signifi cativo nos abrigos. À guisa de ilustração, cerca de 80% dos usuários do UMRS da Ilha do Governador seriam pacientes psiquiátricos ou de tratamento de álcool e outras drogas − tal fenômeno tam-

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bém fora observado no Rio Acolhedor de Paciência sendo que este apresenta uma alta rotatividade maior por ser ‘porta de entrada’. Nesse prisma, pode ser destacado o forte risco do processo de institucionalização desses usuários, estando na contramão da reforma psiquiátrica (Lei 10216/01), podendo abrir um precedente para o processo de manicomialização pela via da assistência social (VVAA, 2012a: 26).

Estamos diante de um retrocesso no que concerne a esse tipo de encarce-ramento: retornamos a décadas atrás. Portanto, diante desse cenário, apesar dos avanços legislativos13, são vários os ditos modelos de prevenção que têm sido experimentados ao longo da história, contudo, cabe destacar que o modelo proibicionista, baseado na repressão, reclusão e amedrontamento, e que defende uma sociedade livre das drogas, é que tem recebido maior investimento público e, ao mesmo tempo, o que tem se mostrado, mundial-mente, menos efi caz, pois sequer diminuiu o consumo.

Por outro, temos visto que os problemas de violência aumentaram em decorrência da “guerra às drogas”14, principalmente nas favelas da cidade do Rio de Janeiro, território de nossas ações assistenciais, e elevado os onerosos gastos e repasses de verbas públicas com um dito modelo de recuperação dos usuários com uso prejudicial em instituições fechadas. Muitas destas são conteúdo religioso, que só enriquecem a saúde fi nanceira dos proprie-tários destes estabelecimentos, sejam elas as OSs, comunidades terapêuticas e clínicas de recuperação ou psiquiátrica, que pautam sua intervenção na lógica da internação, do isolamento e da segregação – o modelo manico-mial-hospitalocêntrico − como única forma de atenção a esses sujeitos que nada têm de terapêuticos ou mesmo que garantam práticas cidadãs com projetos terapêuticos singulares.

Por outro lado, cabe salientar que o campo da Saúde,

13 Referimo-nos aqui a um conjunto de leis que vão convergir para a instituição da Política Pública sobre Drogas e que, no momento, pode ser alterado, de forma conservadora, ao que obtivemos no processo histórico, caso seja aprovado um projeto de lei no Congresso Nacional que prevê mais endurecimento, punição e parceria com as comunidades terapêuticas. 14 Em decorrência da criminalização do porte e do consumo de drogas ilícitas tem-se observado uma sobrecarga ao sistema de Justiça, onerando-o tanto pela lotação de unidades prisionais quanto pelo aumento de investimentos fi nanceiros para a militarização das ações policiais de “combate” às drogas. Assim, torna-se secundário a redução da demanda promovida mediante as intervenções de prevenção e tratamento aos dependentes químicos.

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Quando estabeleceu a Política de Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas em 2003, o Ministério da Saúde reconheceu que houve um atraso histórico do Sistema Único de Saúde (SUS) na assunção da res-ponsabilidade pelo enfrentamento de problemas associados ao consumo de álcool e outras drogas. Este atraso remete a dois aspectos que caracterizam a história das intervenções dos governantes brasileiros na área de álcool e outras drogas: as abordagens, intervenções e políticas foram original e predo-minantemente desenvolvidas no campo da Justiça e da segurança pública; e as difi culdades para o enfrentamento dos problemas associados ao con-sumo de álcool e outras drogas, na agenda da saúde pública (MACHADO e MIRANDA, 2006: 802).

Contraditoriamente, o Governo brasileiro continua a se dedicar às ações de repressão ao tráfi co, mas também começa a fomentar ações, embora tímidas e pontuais, sem considerar uma rede psicossocial construída em ter-ritório nacional, para tratamento e reinserção de usuários de álcool e outras drogas (OLIVEIRA, 2004).

Portanto é neste contexto, na forma de continuidade, a partir de 2013, que surge o PET-Saúde-Redes, e em particular, centrando seu enfoque na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), por meio da pesquisa-intervenção e da observação-participante, no enquadre da metodologia qualitativa em saúde, dar visibilidade aos CAPS, quanto à atenção estratégica na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), no sentido deste se fazer presente no território, para além do seu próprio dispositivo técnico-assistencial e jurídico-administra-tivo. Isso signifi ca afi rmá-lo na sua lógica de atenção e cuidado além-muro e, ao mesmo tempo, convocá-lo ao seu mandato no território pelo apoio matricial psicossocial (BRASIL, 2002).

Cabe esclarecer, contudo, que, quando ressaltamos esse mandato, não se está negando ou sendo indiferente à importância, na lógica da organização do modelo assistencial do Sistema Único de Saúde (SUS), da Estratégia de Saúde da Família (ESF) como ordenadora do cuidado no território.

Mas é nítido perceber, tanto na literatura especializada como no traba-lho de campo desenvolvido anteriormente e agora, a distância ou a pouca (ou nenhuma) conversa entre os dois serviços de Saúde em se tratando da questão do sofrimento-existência dos sujeitos no território.

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Se, por um lado, os CAPS se fecham em si com sua lógica de atenção e cuidado, apesar de se dizer com o tal mandato, por outro, as equipes das ESF também não sabem lidar com tais pessoas em sofrimento-existência. Observa-se uma cultura de encaminhamento para os ambulatórios de psi-quiatria, ou mesmo para os CAPS do território e hospitais psiquiátricos de referência territorial, ou quando muito, observa-se, também, uma reade-quação da função do NASF com abertura de agenda de atendimento nas unidades de Saúde da atenção básica.

Temos observado, e a literatura especializada tem ressaltado e enfatizado tal crítica, que o tratamento de tais sujeitos em sofrimento se reduz a uma biopolítica medicalizante, reduzindo a estética da existência do sujeito ao seu sintoma. Essa lógica, de um cuidado que se diz tomar o todo biopsicosso-cial, pauta-se na remissão dos sintomas, como na boa e velha intenção-ação de imprimir ao sujeito a normatização da vida social.

Portanto, o que se observa é que o eixo da determinação social do processo saúde-sofrimento-cuidado não é um ponto da atenção intercessora nesses cenários de cuidado, diferenciando-se, portanto, da lógica que ordenou a invenção dos CAPS desde sua gênese, como expressão clínica e política da Reforma Psiquiátrica brasileira, de base comunitária e territorial.

No entanto, isso não é um impasse para a compreensão e ao mesmo tempo não se vê embotar o desejo de fazer valer a atenção psicossocial como um modelo que não se limita ao dispositivo-CAPS no território, comumente visto como lugar especializado, institucionalizado, disciplinar e normatizador dos loucos, esses identifi cados como pessoas portadoras de transtorno mental grave e persistente e dos usuários de drogas que se enquadram na classifi cação de uso abusivo de álcool e outras drogas, comumente identifi cados de dependentes químicos (expressão biomé-dica, mais uma vez).

O esforço conjunto entre professores, profi ssionais e estudantes no pro-cesso de formação pelo trabalho para a Saúde, a partir da experiência do PET-Saúde-Redes-RAPS, é justamente o de produzir encontros intercesso-res entre esses sujeitos na relação entre e com os usuários.

Assim, como nos afi rmam Abrahão e Merhy (2014), tomamos a forma-ção em Saúde como experimentação, como potência e encontro vivo e em movimento, quando,

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A experiência como elemento dinamizador da formação implica colocar--se à disposição do exercício de apreender com e no mundo do trabalho, enquanto um campo essencialmente micropolítico. A formação nos con-voca a experimentar durante o cuidar, durante o ato do trabalho; despertar sensações e afetos produzindo-se no cuidado. O sentido do cuidar implica processos que se tornem imanentes e referentes às múltiplas possibilidades relativas ao encontro. Imanentes, pois têm como ponto de partida o próprio encontro; múltiplos, pelas diferentes possibilidades de, no mesmo encontro, identifi carmos uma multidão de encontros, que passa pela troca de olhar, pela construção e produção de conhecimento, pelas afecções em geral, entre outros. Encontros que vamos tendo e fazendo durante a vida; de participar, com o outro e consigo, deste movimento de estar vivo. Um processo que avança na medida em que nos reconhecemos no outro – docente-profi ssional de saúde-aluno-usuário – em um único processo de produção [ ] Produção do cuidado. Um cuidado que implica a produção de encontros, de conexões existenciais em aberto. Cuidado entre vivos, com suas singularidades e multi-plicidades, em acontecimento (op. cit.; p. 317).

Para tanto, no cenário de integração entre Saúde Mental e atenção básica, os estranhamentos, diferenças e disputas devem ser tomados como elementos críticos e de aberturas criativas pela micropolítica do trabalho vivo na produção do cuidado.

A falta de clareza dos serviços que são constitutivos da RAPS, em particu-lar da ESF e do NASF, que originariamente não são da Saúde Mental, sobre as especifi cidades dos CAPS e sua lógica de cuidado e vice-versa, sinaliza uma possibilidade de encontro intercessor entre os sujeitos, principalmente com relação ao mandato do cuidado no território.

Isso implica afi rmar que o cuidado na atenção psicossocial é, pode e deve ser compartilhado entre esses serviços, na rede e no território, pois em última instância os trabalhadores estão comprometidos com a defesa da vida, com a singularidade dos sujeitos em suas necessidades de saúde.

Formação em Saúde: a experiência de um processo em movimento

Na perspectiva da formação para a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), tendo como referência as diretrizes ético-políticas do SUS, oriundas do pro-

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tagonismo dos movimentos da Reforma Sanitária e da Reforma Psiquiátrica, em conexão com os ideais da luta antimanicomial, desenhamos um projeto pedagógico junto aos estudantes e preceptores para a vivência e aprendiza-gem no trabalho para a Saúde Mental no território.

Para tanto, em nossa proposta político-pedagógica, concordamos com Ceccim e Feuerweker (2004), quando apontam o quadrilátero da formação em saúde, ao afi rmarem que,

A formação não pode tomar como referência apenas a busca efi ciente de evi-dências ao diagnóstico, cuidado, tratamento, prognóstico, etiologia e profi laxia das doenças e agravos. Deve buscar desenvolver condições de atendimento às necessidades de saúde das pessoas e das populações, da gestão setorial e do controle social em saúde, redimensionando o desenvolvimento da autonomia das pessoas até a condição de infl uência na formulação de políticas do cuidado. A atualização técnico-científi ca é apenas um dos aspectos da qualifi cação das práticas e não seu foco central. A formação engloba aspectos de produção de subjetividade, produção de habilidades técnicas e de pensamento e o adequado conhecimento do SUS. A formação para a área da saúde deveria ter como objetivos a transformação das práticas profi ssionais e da própria organização do trabalho, e estruturar-se a partir da problematização do processo de trabalho e sua capacidade de dar acolhimento e cuidado às várias dimensões e necessida-des de saúde das pessoas, dos coletivos e das populações (op. cit.; p. 43).

Neste sentido, construímos 18 (dezoito) miniequipes, compostas de um preceptor e dois monitores, com a garantia da interprofi ssionalidade, que foram inseridas cada qual em uma das 17 (dezessete) unidades de Saúde para o trabalho investigativo, político-formativo e de apoiadores/matriciado-res da Saúde Mental junto ao cotidiano das ESF, semanalmente, na atenção básica (BRASIL, 2003) .

É necessário ressaltar que há caracterizações diferentes nessas miniequi-pes e apontamos 4 (três) tipos e coordenações:

1 – 3 (três) por profi ssionais orgânicos à própria ESF, em particular, as enfer-meiras especialistas em saúde da família que fazem a gerência das equipes no território;

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2 – 2 (duas) por profi ssionais do NASF, um psiquiatra e uma psicóloga, que semanalmente atendem de forma especializada às demandas de Saúde Men-tal para as equipes da ESF;3 – 10 (dez) por profi ssionais dos 2 (dois) CAPS do território, que, pontual-mente, se faziam presente quando necessários junto às equipes da ESF;4 – 2 (dois) por profi ssionais de núcleos de estudos, pesquisa e extensão da uni-versidade que também atuam na lógica da atenção e cuidado especializado.

Dentro desse universo das miniequipes e de suas inserções no cotidiano do trabalho em Saúde, o cardápio ou a caixa de ferramentas tecnológicas para um trabalho integrativo, colaborador e compartilhado entre a equipe da saúde mental e atenção psicossocial – identifi cada como apoio matri-cial − e a equipe da ESF na atenção básica – identifi cada como equipe de referência – junto aos usuários, famílias e comunidade, são variados, vão das mais complexas as mais simples, dentre as quais podemos enumerar:

a) participação em reuniões da equipe da ESF;b) interconsulta ou consulta conjunta;c) visita domiciliar conjunta;d) elaboração do projeto terapêutico singular;e) contato a distância;f) grupos;g) intervenção breve;h) abordagem familiar;i) ações intersetoriais;j) ofi cinas terapêuticas;k) educação permanente;l) trabalho em redes.

Devido aos limites desse capítulo, não defi niremos e problematizaremos cada um dos itens acima na gestão do processo de trabalho na Saúde, no encontro intercessor entre os sujeitos e seus modos de produção de Saúde em serviço e no território, na lógica da atenção psicossocial. Mas cada um desses dispositivos-ferramentas não pode ser visto como simples repertório técnico-científi co-centrado. Assim, estaríamos atualizando o modelo hege-

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mônico tradicional de organização do trabalho em Saúde, que ainda se opera nas unidades básicas de Saúde como desenho da atenção primária.

Desta forma, ao tomarmos o usuário-centrado no contexto do processo de aprendizagem sobre e no trabalho em Saúde, estamos afi rmando, segundo Abrahão e Merhy (2014), que “formar é estar em formação, é produção, é produzir-se [ ]”. É encontro e sendo assim, “[ ] estamos em produção, produção de diferentes formas de ser no mundo, diferentes formas de cui-dar de si e do outro” (p. 319). E isso só é possível quando nos inserimos no território existencial e das relações sociais daí decorrentes do encontro--formação-cuidado, que se expressa na micropolítica do trabalho vivo em ato entre sujeitos na produção da Saúde.

Neste sentido, o processo de aprendizagem dos estudantes é de se inserir e imergir nos cenários do trabalho em Saúde da rede que eles estão locali-zados. Mesmo sendo privilegiado no processo de formação o trabalho junto às ESF, pela lógica do apoio matricial em Saúde Mental, álcool e outras drogas, relatando essas impressões e vivência em diário de campo sob a supervisão do preceptor e do tutor, os graduandos também fazem visitas técnicas aos dispositivos presentes da RAPS no território, como os CAPS, as enfermarias psiquiátricas, os leitos de atenção integral em Saúde Mental nos hospitais gerais, os ambulatórios, as SRT, o CCC, a emergência psiqui-átrica etc., deixando afetar e sendo afetados por diversas linhas de cuidado no território da RAPS.

Todo esse processo é analisado tanto a partir do diário de campo – a produção viva do sujeito-implicado no processo de aprendizagem − como é sistematizado na formato de relatório, avaliado e discutido com os monito-res ou pelo preceptor e/ou tutor na supervisão da miniequipe ou na reunião geral da equipe do PET-Saúde-Redes-RAPS, incorporado ao seu portfólio. Acrescenta-se a esse produto o banco de imagens – tanto de fotografi as dos cenários como de fi lmagens dos processos de cuidado em rede – que se pretende organizar na forma de vários documentários com uso pedagógico para os cursos de graduação em Saúde.

A proposta dos dispositivos midiáticos ou de comunicação veio da neces-sidade mesmo técnico-operativa de instrumentos de educação na Saúde para os temas que surgiram, emergiram e que foram problematizados nesse período de trabalho de campo do PET-Saúde-Redes-RAPS. Percebeu-se

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junto a esses as vantagens de uso por parte das redes sociais como Facebook e mesmo da construção de um blogue e de um grupo de discussão por e-mail.

Assim, o portfólio é constituído de diários de campo, relatórios de visitas técnicas, resenha de textos técnico-científi cos, relatórios trimestrais e semes-trais, formulários de frequência-atividade, fotografi as, “achados” do trabalho de campo, impressos em geral etc. e o que mais os estudantes queiram inserir tomando como elemento de criatividade do seu processo de aprendizagem no trabalho em Saúde.

No entanto, não se tem somente estudantes de graduação em saúde no PET-Saúde-Redes-RAPS: os 5 (cinco) residentes do segundo ano (R2) do Curso de Especialização Integrado na Modalidade Residên-cia Integrada e Multiprofissional em Saúde Mental da UERJ também participam desse processo de forma conjunta, composto por 2 (duas) assistentes sociais, 2 (duas) psicólogas e 1 (uma) enfermeira. Os CAPS são referência dos seus cenários de práticas, e, a partir desses, o trabalho de apoio matricial em Saúde Mental junto às ESF : atenção básica, super-visionados pelos preceptores dos CAPS que são os mesmos que estão no PET-Saúde-Redes-RAPS no território. Ainda desenvolvem atividades de acompanhamento nas SRT, enfermarias, processo de desinstitucionali-zação, dentre tantos outros.

Há outro dispositivo-formação permanente que se situa, singularmente, nas reuniões semanais entre coordenador, tutores e preceptores, como espaço de supervisão e educação permanente, onde se vivenciam um terri-tório micropolítico de disputas e forças entre esses sujeitos.

As diferenças-em-nós é um processo aberto e intenso, produzido nesse encontro, que a equipe do PET-Saúde-Redes-RAPS produz. São diferen-ças de concepções, signifi cados e projetos, tomando a lógica da atenção psicossocial no território que, sob o signo da multiplicidade, é rico em sua potência de movimentar-se para o foco da formação-cuidado.

Então, é nesse contexto que os conceitos-acontecimentos − como escuta, acolhimento, projeto terapêutico singular, responsabilização, vínculo, território, técnico de referência e equipe de referência, autonomia, contra-tualidade, recepção integrada, ofi cinas e grupos terapêuticos e tantos outros, tem sua origem demarcada no reordenamento do modelo assistencial da saúde mental, expresso enquanto política pública de Estado (BRASIL, 2001)

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− implicam uma proposta de garantia de direitos dos usuários, muito caro para o campo público e político da Saúde Mental e atenção psicossocial.

Neste sentido, ao compartilhar o trabalho do cuidado no território em conjunto com as ESF, apesar dos dois modelos de CAPS distintos – CAPS e CAPSad –, a cobertura é insufi ciente em se tratando de cuidado em Saúde Mental, álcool e outras drogas. E essa não é uma responsabilidade dos traba-lhadores, independentemente dos seus vínculos empregatícios: isso é uma implicação política da gestão municipal da Saúde Mental na cidade.

Por outro lado, apesar do processo de desinstitucionalização em curso no país, é insufi ciente o número de equipamentos e dispositivos da atenção psicossocial na cidade, e em particular, como vimos, em nosso território. Soma-se a isso, também, a baixa quantidade de SRT, de CCC, Unidade de Acolhimento adulto (UAa), infantil (UAi), equipes de consultório na rua (eCR) dentre tantos outros.

Este debate sobre um deserto sanitário em Saúde Mental tem sido travado em espaços de participação do controle social, tanto na última Conferência Municipal de Saúde Mental – intersetorial (na sua modalidade distrital e municipal) fase preparatório da IV Conferência Nacional de Saúde Men-tal – Intersetorial, ocorrida em 2010, como em outros tipos de espaço da esfera pública, ordenado pela gestão municipal, por meio da CAP2.2, como o Fórum de Saúde Mental – Intersetorial. Espaço esse de articulação entre os serviços de Saúde e Saúde Mental do território, que tratam de temas emergentes do cotidiano do trabalho, da formação em serviço, da gestão e do controle social.

Cabe sinalizar que, no território tem-se o Conselho Distrital de Saúde, como dispositivo do controle social da Saúde e no campo da Assistência Social, tem o Fórum da Rede Social da Grande Tijuca, que também opera de forma intersetorial na busca de articulações e propostas de trabalho conjunto entre instituições públicas, privadas, coletivas e de iniciativas da sociedade civil, no sentido de construção de uma rede social na região.

Sinaliza-se também que estamos articulados no campo da militância polí-tica em defesa dos direitos humanos em Saúde e Saúde Mental, por meio do Núcleo Estadual do Movimento da Luta Antimanicomial (NEMLA--RJ) e a Frente Estadual de Drogas e Direitos Humanos (FEDDH-RJ). No entanto, mesmo articulando política e cuidado, estamos orgânicos, na

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lógica do processo de trabalho em Saúde, apostando em sua micropolítica em ato, quando das disputas no campo da produção da atenção e cuidado junto aos usuários.

Neste sentido, a complexidade que nos envolve no processo de formação em Saúde e em particular sua mudança, propiciada pelo PET-Saúde-Redes--RAPS, nenhum dos pontos de conexão de produção do cuidado em Saúde Mental, álcool e outras drogas no território é indiferente na construção da rede, que, produzida em movimento, e, particularmente, na relação profes-sor-trabalhador da saúde-estudante-usuário sinaliza uma rede viva, opera a micropolítica do trabalho, do cuidado, da política, da gestão e da formação, como analisa Feuerwerker (2014).

Do ponto de vista da produção do cuidado, então, abre-se toda uma agenda para olhar os modos como se organizam os serviços e os encontros que preci-sam ser produzidos entre trabalhadores e usuários. E esse é o primeiro ponto para construir uma cadeia de cuidados (op. cit.; p. 107).

Desta forma, seja na relação da Saúde Mental na atenção básica, no apoio matricial de diferentes formas e não somente na unidade de Saúde, mas no domicílio, na escola, dentre outros, onde haja uma necessidade de Saúde por parte de um sujeito, haverá um encontro, uma conexão com a diferença. Esse tem sido o processo de aprendizagem desenvolvido no PET--Saúde na lógica das Redes de Atenção à Saúde e em particular na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).

Considerações Finais

Assim, temos apostado em processos inovadores de aprender, cuidar e produzir conhecimentos, em espaços democráticos, em bons encontros, em refl exões crí-ticas, na produção de subjetividade não-serializada e burocratizada, copiadora e reprodutora do mesmo na educação na Saúde, mas que propicie a integralidade do cuidado, a acessibilidade e o compromisso com a defesa da vida.

Neste sentido, a experiência do PET-Saúde e a indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão “ampliam as relações e a porosidade da universi-dade (e dos serviços de saúde) ao mundo das necessidades de Saúde, das

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produções de vida em outros territórios” (FEUERWERKER, 2014, p. 128), corroborando, assim, com a formação em Saúde, nos cenários de aprendiza-gem em serviço, com todos os sujeitos envolvidos no programa.

Em síntese, as atividades desenvolvidas de 2013-2014 e que continuarão, podendo se ampliadas em 2015, consistem em:

a) Reuniões semanais da equipe do PET-Saúde-Redes-RAPS – grupo de aprendizagem tutorial coletiva e interdisciplinar; miniequipes; super-visão-educação permanente entre professores e trabalhadores.

b) Capacitação teórica a partir dos seguintes temas: atenção primária/atenção básica/saúde da família; políticas de Saúde, Saúde Mental e álcool e outras drogas; apoio matricial/matriciamento em Saúde Mental e atenção psicossocial; redes de atenção à Saúde - rede de atenção psicossocial.

c) Estudo de textos, revisão teórica e pesquisa bibliográfi ca;d) Visitas técnicas aos pontos de atenção da rede RAPS com relatórios.e) Discussão e estudo dos casos acompanhados e supervisão semanais.f) Diário de campo e relatórios a partir das atividades desenvolvidas no

território.g) Visitas domiciliares junto com a equipe de referência do território.h) Reuniões com as equipes da ESF e participação em suas reuniões.i) Capacitação da equipe de agentes comunitários de Saúde (ACS) das

equipes da ESF das unidades de Saúde;j) Participação do Fórum de Saúde Mental – Intersetorial da AP2.2.k) Participação no Fórum da Rede Social da Grande Tijuca.l) Ações intersetoriais nos territórios na perspectiva de construção da

rede de cuidado na lógica da atenção psicossocial.m) Atendimento conjunto e compartilhado com a equipe de referência

para abordagem aos usuários que apresentam transtorno mental ou uso prejudicial de álcool e outras drogas no território dos serviços para construção dos Projetos Terapêuticos Singulares (PTS).

n) Monitoramento sobre instrumentos de pesquisa e trabalho de campo.o) Participação e organização de diversos eventos culturais, sociais, polí-

ticos, técnico-científi cos e acadêmicos – local, regional, municipal, estadual, nacional e internacional.

p) Organização do banco de imagens e outras mídias.

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Todas essas atividades contam com a efetiva participação da equipe na construção, efetivação, monitoramento e avaliação de todo o processo de aprendizagem na perspectiva de saber e lidar com os sujeitos em sofrimento--existência na produção do cuidado e sobre a produção de conhecimento que deriva da experiência singular e coletiva do trabalho e da educação na Saúde que o PET-Saúde-Redes-RAPS pode favorecer como formação profi ssional.

A perspectiva de uma Estratégia de Atenção Psicossocial, segundo Costa--Rosa (2013), Yasui (2010) e Paulon e Neves (2013), é um processo de desinstitucionalização da loucura e de territorialização do cuidado. E neste sentido, o lugar do CAPS é decisivo e estratégico na composição da RAPS por sua lógica assistencial em apostar na gestão do trabalho em equipe não-médico--centrada, com forte base territorial e comunitária, dentre tantas outras.

A inserção da Saúde Mental na atenção básica, por meio da ESF, é de importância estratégica para o avanço da própria Reforma Psiquiátrica no território, no que tange as suas características de igual modo dos CAPS, como responsabilização, contratualidade, proximidade, técnico de referên-cia, vínculos, trabalho em equipe, articulação em redes, dentre outras.

No entanto, apesar de diversos estudos apontarem para um quadro de experiências incipientes, pontuais, desarticuladas, com difi culdades e falta de despreparo por parte das equipes da ESF, temos encontrado, por meio do PET-Saúde-Redes-RAPS, um território em que os trabalhadores, tanto dos CAPS como do NASF e das equipes da ESF, promovem essa conexão e compartilhamento.

Assim, a perspectiva de formação em Saúde, por meio da educação pelo trabalho para a Saúde, tem, nessa singularidade, dentre as disputas micropo-líticas e a gestão privatizante das unidades de Saúde do território, a potência de encontros entre professores-trabalhadores da saúde-estudantes-usuários em diversos cenários e pontos da rede que produzem cuidado em Saúde Mental.

A rede de atenção psicossocial ainda é precária, sucateada e insufi ciente e na articulação com tantos outros serviços também insufi cientes para dar conta de uma realidade tão complexa. Enquanto isso, vemos o fi nancia-mento público, no campo da Saúde Mental, crack, álcool e outras drogas, direcionar-se para a repressão como estratégia, imperativa nas ruas da cidade e em alguns territórios, criminalizando a pobreza.

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É notório que temos uma fragilidade da rede de atenção psicossocial, mas mesmo assim, com o pouco que existe, se opera em consonância com os princípios da atenção integral em Saúde, com a política de redução dos danos e com a política pública de Saúde Mental, visando ao respeito à dig-nidade e à garantia do acesso da população aos seus direitos , não sendo pautada na repressão e na segregação.

É necessário frisar que esse complexo da rede de atenção psicossocial é atravessado por disputas de saberes e poderes, que se apresenta com um cenário de diversas ambiguidades no campo de cuidados e atenção aos seus usuários. No entanto, pensamos como processo, em construção, tanto a rede como os sujeitos implicados com essa direção estratégica de ação ter-ritorial e comunitária quanto a cena da produção do cuidado foca a vida social desses usuários de direitos e cidadania.

Hoje, mais do que nunca, há uma convocação dos sujeitos que se afi liam a esta perspectiva política, de forma articulada entre tantos outros sujeitos e coletivos, apesar das diferenças, em nome da construção e defesa do campo psicossocial a uma resposta pública em defesa da vida singular e coletiva, a partir dos novos cenários de privatização da Saúde, bem como no retrocesso em curso da política pública de Saúde Mental e do próprio SUS.

Todo esse relato de experiência é de importância singular no processo de formação em Saúde, sendo incluída a área de Serviço Social, que tem em seu projeto ético-político de profi ssão a defesa intransigente dos direitos humanos. No entanto, essa sistematização e narrativa poderiam, de igual forma, ser articuladas com outras tantas nessa modalidade PET-Saúde pre-sente nas unidades de formação acadêmica do serviço social no Brasil, na forma de publicação como outras associações de ensino e pesquisa de outras áreas da Saúde fi zeram, no sentido de divulgar as suas experiências de for-mação para o trabalho na Saúde em curso em diversas universidades do país.

Referências

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