Peter Kreeft - Socrates Encontra Marx

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Kreeft

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  • PETER KREEFT

    SCRATESENCONTRA

    MARXO Pai da Filosofia Interrogao Fundador do Comunismo

    Traduo de Pedro Cava

  • Sumrio

    CapaFolha de RostoIntroduo1. O Eu2. A Alegao Abrangente do Marxismo3. O Comeo: Toda a Histria Opresso?4. O Tempo Presente: A Natureza Humana Pode Mudar?5. A Existncia de Santos Refuta o Comunismo?6. A Questo da Liberdade7. O que o Capitalismo Produziu?8. O que o Comunismo Produziu?9. Comunismo Predestinao?10. Propriedade Privada11. Objees ao Comunismo12. Individualidade13. A Natureza Humana Pode Ser Mudada?14. Cultura Comunista: Um Oxmoro?15. A Famlia16. Educao17. Mulheres18. Naes19. Trs Filosofias do Homem20. Materialismo21. As Etapas at o ComunismoAgradecimentosCrditosSobre o AutorSobre a Obra

  • Introduo

    Este livro parte de uma srie de exploraes socrticas dos Grandes Livros.1 Pretende-se que oslivros desta srie sejam curtos, claros, acessveis logo, de fcil compreenso aos iniciantes etambm que introduzam (ou revisem) as questes bsicas presentes nas divises fundamentais dafilosofia (ver os ttulos dos captulos): metafsica, epistemologia, antropologia, tica, lgica emetodologia. Esses livros foram projetados tanto para uso em salas de aula quanto para proveito deautodidatas.

    Os livros da srie Scrates encontra... podem ser lidos e entendidos por completo em si mesmos,embora se possa apreciar melhor cada um deles aps a leitura do pequeno clssico com que travamdilogo.

    A situao um encontro na eternidade entre Scrates e o autor de um Grande Livro no deveintimidar o leitor que no acredite na vida aps a morte, pois, embora as duas personagens e suasfilosofias sejam reais historicamente, seu dilogo certamente no o ; portanto, requer umasuspenso voluntria da descrena.2 No h qualquer razo para que os cticos no estendam talcrena literria tambm situao do livro.

    1 N.T.: Great Books nome dado, em lngua inglesa, aos grandes clssicos da tradio ocidental.2 N.T.: Aluso ao conceito de suspension of disbelief, criado por Samuel Taylor Coleridge.

  • 1O Eu

    MARX: Eu... eu pensei que estava morrendo! E agora eu... eu...SCRATES: Palavrinha profunda essa, Karl. Sabes o que ela significa?MARX: No sei do que falas. Sei de uma coisa, no entanto: no estou morto. Posso ouvir-te e ver-tetambm; em verdade, s o mdico mais feio que j vi.SCRATES: Eu no sou um mdico; sou um filsofo.MARX: Tu te pareces com Scrates.SCRATES: Nesse caso, aparncia e realidade coincidem: eu sou Scrates.MARX: Mas por que tu? No temos nada em comum, tu e eu.SCRATES: Ah, creio que sim penso termos ao menos duas coisas em comum: provavelmentesomos os dois filsofos mais feios da histria e tambm os mais odiados ou amados.MARX: Em que lugar do mundo estamos?SCRATES: Em nenhum lugar do mundo. Estamos no mundo alm.MARX: Que nada! No h nenhum mundo do alm.SCRATES: Ah... desculpa-me, mas o que pensas ser isto?MARX: Um sonho, claro. S pode ser um sonho, pois isso certamente no pode ser real.SCRATES: Ento, quem imaginas que est a sonhar o sonho?MARX: Minha massa cerebral.SCRATES: Minha massa cerebral, dizes? Mas quem este eu que possui massa cerebral?MARX: Sou eu, Karl Marx, idiota!SCRATES: Mas qual o sentido desta palavra que acabas de usar, esta palavrinha que todos usamoscom tanta facilidade a palavra eu?MARX: Certamente no a alma, como tu pensavas que era, Scrates, ou quem raios sejas.SCRATES: Conta-me mais. Caso pudesses ensinar-me onde que errei, seria eternamente grato a ti.MARX: Tua suposta alma um fantasma, um mito, uma iluso; no existem almas. Existir sermaterial. Foste tu, Scrates, quem poluiu, quase s, as guas da filosofia com esse mito lamacento daalma, essa distrao de tudo o que h de real, esse fantasma que disseste habitar a mquina de nossoscorpos. No hei de permitir assombraes em minha filosofia. Exorcizo teu fantasma! Fora, fora,esprito maldito!SCRATES: Ai, parece-me que no poderemos ter a conversa que estamos destinados a ter, at que,primeiro, tenhas sido convencido de um ponto sobremodo elementar: que tu existes, que h um eu,em algum lugar, a coligir todos os membros de teu corpo.MARX: Pois como pretendes argumentar em favor da existncia de tal eu?SCRATES: Bem, talvez para ti um argumento moderno funcione melhor que um antigo. Assim, oque me dizes do famoso argumento de Descartes: Penso, logo existo?MARX: Digo-te que um argumento ridculo.SCRATES: E por qu?

  • MARX: Apenas um idealista como ele, ou como tu, lanaria mo do pensamento para fundamentar aexistncia real. No, a verdade o oposto: a existncia real que fundamenta o pensamento.SCRATES: Ah, concordo plenamente, se por fundamentar queres dizer causar. Somente algoque existe pode pensar, mas pensar no causa a existncia de nada.MARX: Tu me confundes ao concordares comigo.SCRATES: Ento, desfarei a confuso ao discordar de ti. Penso que nossa discordncia no se d emfuno do que causa o que, mas em funo do que prova o que. Suspeito que no concordes que opensamento racional e abstrato (como o argumento de Descartes) possa provar qualquer coisa real.MARX: Nisso, ests certo. Aceito apenas evidncias cientficas, empricas, como prova de qualquercoisa real.SCRATES: Pois tens evidncias empricas, cientficas, que corroborem esse princpio?MARX: No hei de ser distrado por tua lgica abstrata. por isso que desconfio da maioria dosargumentos de vs, filsofos. O penso, logo existo de Descartes completamente abstrato, e nada deconcreto o prova ou refuta.SCRATES: Afirmas, ento, que o eu pensante que Descartes alega ter provado no umarealidade?MARX: Exatamente.SCRATES: O que , pois?MARX: Um sonho.SCRATES: Se o eu um sonho, quem que o sonha?MARX: A massa cerebral, por certo. Prefiro peido, logo existo a penso, logo existo.SCRATES: Logo, o mau cheiro prova melhor que o pensamento?MARX: De fato ! emprico e, portanto, cientfico.SCRATES: Ento sabes que s real no por pensares, mas por perceberes?MARX: Isso.SCRATES: E assim que sabes tambm que uma outra pessoa real, como eu?MARX: .SCRATES: Conheces aos outros, pois, da mesma maneira que conheces a ti mesmo: pelassensaes?MARX: Correto.SCRATES: Conheces meus pensamentos, mesmo antes que eu os diga?MARX: No.SCRATES: Mas conheces agora teus prprios pensamentos, antes de diz-los?MARX: claro.SCRATES: Por qu? Se conheces aos outros da mesma forma que conheces a ti mesmo, por quedeve haver tamanha diferena?MARX: Mas que pergunta simplista!SCRATES: Talvez seja, mas tens uma resposta igualmente simplista para mim?MARX: Sim! Porque os aglomerados de massa que constituem teu crebro e os aglomerados de massaque constituem meu crebro so diferentes, esto separados no espao e no se tocam.SCRATES: Mas, ento, por que...

  • MARX: Espera! Por que estou a discutir filosofia abstrata contigo? O que estou fazendo aqui? Euestava em meu leito, aguardando a morte, e agora estou a discutir filosofia com Scrates em um sonho isso ridculo.SCRATES: No . Isso o que deves fazer; o que todos devem fazer, afinal. Trata-se do primeiromandamento: Conhece-te a ti mesmo. No uma opo, mas um requisito. Conquanto tu pudessesfacilmente te desviar dessa tarefa no outro mundo, isso no permitido aqui por isso que fuienviado para te ensinar. No outro mundo, podias bem evitar-me quer dizer, a tarefa que represento:Conhece-te a ti mesmo; neste mundo, j no tens essa opo.MARX: Se assim, jogarei teu jogo, simplesmente porque no me parece restar outra escolha. Conta-me mais, por favor, acerca deste suposto mundo vindouro; conheces aqui o futuro? O futuro da vida naterra, quero dizer.SCRATES: Sim, algo dele tanto quanto necessrio.MARX: Como?SCRATES: Ainda no ests pronto para aprender isso: seria uma digresso e uma distrao.MARX: Seria uma distrao de qu? O que devo fazer?SCRATES: Deves-te lembrar...MARX: Lembrar no me agrada; prefiro planejar. O futuro me prefervel ao passado.SCRATES: Em outras palavras, preferes os sonhos aos fatos.MARX: No, no, sou um amante dos fatos. Eu sou um cientista. Com efeito, fui o primeiro aencontrar a frmula cientfica para toda a histria humana e achei um sem-nmero de fatos paraprovar minha frmula. Vs, Scrates, assim que um cientista prova suas ideias: com fatos concretos,no com argumentos abstratos como vs, filsofos, fazeis.SCRATES: Pois nossa tarefa aqui examinar tua frmula para toda a histria humana e asevidncias que ofereceste para corrobor-la em teu livro mais famoso, o qual mudou o mundo.MARX: Disseste mesmo o qual mudou o mundo, no foi?SCRATES: Sim. Tu, Karl, fizeste diferena maior para os acontecimentos histricos e para as vidasde um maior nmero de pessoas que qualquer outro ser humano na histria moderna.MARX: Eu sabia! Eu sabia! Ele, o meu grande livro, teve xito, embora eu jamais o tenha terminado.SCRATES: Eu no falava daquele livro demasiado longo e colossalmente enfadonho que OCapital, mas do Manifesto do Partido Comunista.MARX: Minha obra-prima retrica! Eu sabia que ela estava destinada a mudar a face da terra. O quequeres examinar a respeito dela?SCRATES: Oh, s uma coisinha de nada: ela diz a verdade?MARX: A verdade? Mas claro que diz! Ela mudou a face da terra, no foi? No disseste isso? Logo,foi bem sucedida.SCRATES: Ento o sucesso prova da verdade?MARX: Certamente.SCRATES: Mas uma mentira no poderia ser bem sucedida, caso o mentiroso persuadisse outros aacreditarem nela, se seu desejo e sua vontade fossem feitos? Uma mentira tambm no poderia mudaro mundo, desde que as pessoas acreditassem nela?MARX: No a longo prazo, pois a histria me da verdade.SCRATES: E o que exatamente queres dizer com essa imagem?

  • MARX: Quero dizer que a verdade testada pela ao, no pela contemplao, pelo pensamentoabstrato, ou mesmo por argumentos.SCRATES: Ento, com efeito, os argumentos jamais provam que algo verdade?MARX: No, no provam.SCRATES: Sei, pois, que no apresentars argumentos para provar isso, mas poderias explic-lo, aomenos, embora te recuses a prov-lo?MARX: Este o ponto principal, Scrates: o pensamento, em si mesmo, um ato concreto que temlugar na histria e que tem causas materiais; no um fantasma que reside fora do ato, a olh-lo apartir de um ponto de vista transcendente que est fora do tempo e do espao, como vs, idealistas,pensais. Em verdade, esse foi o erro fundamental ao qual deste incio, Scrates o erro do idealismo,a que Plato, e Aristteles, e Agostinho, e Toms de Aquino, e Descartes, e Hegel, e todos os seusrespectivos discpulos ludibriados deram continuidade. uma pena que eu no estivesse presente tuapoca, Scrates; teria dado um basta a esse erro, o qual corrompeu a filosofia por dois mil anos. Teriafeito contigo o que fiz com Hegel: a ti, que estavas de ponta-cabea, eu teria te endireitado etambm a toda tua filosofia.SCRATES: E o que queres dizer com essa imagem? O que uma filosofia que est ereta e o que uma filosofia que est de ponta-cabea? Em uma palavra, qual foi meu erro e o erro de todos essesoutros filsofos?MARX: Em uma palavra, como eu disse em minhas Teses sobre Feuerbach, Os filsofos at agoraapenas interpretaram o mundo, mas o importante mud-lo.

    E eu poderia mudar este mundo tambm, no importa o que ele seja e onde quer que esteja, mesmoque se trate, como presumo, apenas de um sonho, pois mesmo os sonhos ho de tomar emprestado aomundo ao nico mundo que h a parcela de verdade que contm. Hummm... Dize-me algo acercadeste mundo: tendes trabalhadores e empregadores aqui, certo? E certamente precisais de economistase...SCRATES: No. No temos trabalhadores ou empregadores e tambm no precisamos deeconomistas, pois aqui no existe dinheiro. Teu trabalho chegou ao fim.MARX: Mas isso impossvel. Mesmo um sonho devia fazer mais sentido que isso.SCRATES: Talvez pudesses tentar me mostrar porque necessitamos de economistas aqui.MARX: Irei refut-lo com o teu prprio tipo de lgica, Scrates. J que posso te ver, deves ser umaentidade corprea. Se s ser corpreo, deves ter necessidades corporais e, se tens necessidadescorporais, tais necessidades devem ter valores relativos. Se essas tm valores relativos, podem sertrocadas, compradas ou vendidas e, caso sejam trocadas, compradas ou vendidas, precisa-se deeconomistas, pois a economia a cincia dessas coisas. Por exemplo, essa tnica branca que vestes quem a fez, e onde a compraste?SCRATES: , cus! Teremos de lidar com tudo isso antes de explorarmos teu livro?MARX: Mas meu livro sobre isso! Vem, deixa-me ver esta tnica que ests a usar. Tira-a um pouco,por favor.SCRATES: Ela no sai, pois no como os outros tipos de vestes que conheces; ela no me oculta,mas me revela. Esta a terra da luz e do desvelamento, no da ocultao. V, at teu traje sujo nopode ser despido, no importa o quanto o puxes ele revela a alma que veste o corpo que o veste.MARX: Arre! Que sonho insano este!? Socorro!SCRATES: Este precisamente meu propsito aqui: ajudar-te, ou ao menos comear a ajudar-te a

  • sanar alguns dos sonhos insanos que tiveste e ainda tens. Mas no ests sonhando agora, Karl, e simacordando; em verdade, ests agora mais acordado que jamais estiveste.MARX: Ento, que se exploda! Eu no aceito este universo! Irei destru-lo!SCRATES: Aqui, no tens mais o poder de destruir coisa alguma, exceto iluses.MARX: Eu organizarei um partido! Hei de encontrar tuas vtimas. Quem mais oprimes, ditador depensamentos? Unirei tuas vtimas e nos desvencilharemos de teus grilhes; ento, publicarei meumanifesto: Trabalhadores do Mundo dos Sonhos, Uni-vos! Nada tendes a perder seno vossascorrentes, mas tendes um mundo inteiro a ganhar!SCRATES: No precisas gritar; ningum pode ouvir-te alm de mim.MARX: Ento, una-te a mim, Scrates, e juntos iniciemos uma revoluo.SCRATES: Tu no entendes. No h aqui qualquer necessidade a que tua revoluo pudesse sedevotar.MARX: Conservador! Reacionrio! Contra-revolucionrio! Pr-establishment!SCRATES: Terminaste?MARX: No!SCRATES: Sou paciente.MARX: Mas eu no no sou paciente, mas agente. O que pensas ser isto, um hospital para as mentes,onde eu sou o paciente, e tu s o mdico?SCRATES: isso mesmo.MARX: Isso intolervel! Este o inferno!SCRATES: No, meu caro, este apenas o purgatrio purgatrio para ti e paraso para mim,simultaneamente. Um arranjo bem econmico, no?MARX: A que torturas me sujeitars, Doutor Scrates? Vais dissecar-me?SCRATES: No, dissecarei apenas teu livro.MARX: Mas no sabes j com exatido aquilo que est em meu livro?SCRATES: Eu sei, mas tu talvez no.MARX: Como poderia no saber aquilo que eu mesmo escrevi? Se o escrevi, logo o conheo.SCRATES: A maior parte de vs no entende de fato aquilo que escreve, e por isso que precisaisde algo como eu, algo como um espelho. Pois bem, fui enviado aqui para ser teu espelho, emboraainda no para tua alma isso vir depois e sim para teu livro. Um comeo modesto, por certo.MARX: Vejo que tens uma cpia dele em mos, e eu tambm tenho! Como chegaram aqui? Hlivrarias por c?SCRATES: Outra questo distrativa, qual no irei responder.MARX: Bem, se meu livro permanece at no alm, ento verdadeiramente imortal. O que hei defazer com ele?SCRATES: Ele deve passar das tuas mos para dentro da tua cabea.

  • 2A Alegao Abrangente do Marxismo

    SCRATES: Talvez fosse melhor que primeiro introduzisses teu livro, a fim de explicares seucontexto e seu propsito, como estivesses a ensinar em uma sala de aulas na universidade. Penso queests ainda muito mais apto a fazer preleo que a dialogar, de modo que talvez esse mtodo alivie umpouco tua ansiedade.MARX: Realmente esperas que eu aceite convite to insultante quanto esse?SCRATES: Sim.MARX: Por qu?SCRATES: Porque s um egotista e tambm porque no tens escolha: no h mais nada a se fazeraqui.MARX: Ora! Bem, aceitarei teu desafio.

    O livro que estamos prestes a explorar muito curto: trata-se de um panfleto de cerca de 12.000palavras apenas. Porm, ele mudou o mundo, como eu sabia que aconteceria. Esse livro contm,nessas poucas pginas, a essncia do comunismo e todos os meus outros escritos constituemsomente adies a ele ou aprimoramentos do mesmo.

    Escrevi-o aos vinte e nove anos de idade, e Engels no escreveu uma s palavra que est nele,embora tenha produzido algumas das ideias ali contidas: o Manifesto corresponde aos primeiros vintee cinco problemas de seu Catecismo e, o que mais importante, Engels forneceu a maior parte dodinheiro para a publicao do Manifesto.

    Ele um Grande Livro porque, finalmente, soluciona o mistrio que o homem e desvela as leismais fundamentais que, desde sempre, governam o comportamento humano. Fiz pela histria dohomem aquilo que Darwin fez para a histria das espcies animais e Newton para o universoinorgnico. a realizao suprema do pensamento humano: fui o primeiro a tornar a histriaverdadeiramente cientfica.

    Todos os filsofos, de Plato em diante, buscaram a pedra filosofal, o sistema do cosmo, afrmula e todos alegaram t-la encontrado, mas nenhum o fez. Cada vez que o pensamento ficavaestagnado diante da frmula atemporal de um desses filsofos, o mundo prosseguia e a refutava.

    Ento veio Hegel, o qual fez da mudana em si a frmula universal o que era verdadeiro, mas nooriginal: Herclito, mesmo antes de teu tempo, Scrates, vira que tudo flui, tal qual um rio, ebuscara o lgos a lei ou frmula da mudana universal, que, porm, no fora encontrado at avinda de Hegel, que viu, pela primeira vez, que a prpria lgica se move com a histria, que a verdademesma muda de acordo com o padro daquilo que ele chamou de dialtica, segundo a qual uma tesegera sua prpria anttese e, desse conflito perptuo, emerge uma sntese, que ento se torna uma novatese que ir gerar sua prpria anttese, e assim por diante, at a sntese final. Entretanto, Hegel, comestupidez inacreditvel, identificou esse processo com Deus, ou O Absoluto, ou Esprito provavelmente as trs piores palavras existentes no discurso humano e os trs mitos mais prejudiciaispresentes no pensamento do homem.

    Herclito descobriu a universalidade da mudana, ou devir, e Hegel descobriu a forma lgicadesse processo. Mas eu descobri o seu verdadeiro contedo: matria, no esprito. Hegel pensava que

  • as ideias causavam os conflitos histricos; j eu encontrei essas causas no mundo real, das quais asideias so apenas o eco ou o efeito.

    Ademais, encontrei, dentro do mundo real, a fonte da mudana histrica no em caractersticas,escolhas ou paixes individuais, mas no determinismo econmico, o que foi a chave para tornar ahistria uma cincia, pois trata-se de algo previsvel e controlvel.

    As foras da dialtica da histria so as classes econmicas, e o conflito de classes o motor dahistria.

    Tambm fui o primeiro a mostrar como a utopia socialista e livre de classes, to sonhada poroutrem, desabrocharia, qual uma flor, da planta de meu mundo contemporneo, pois, uma vez que onmero de classes fosse reduzido a um o proletariado , o conflito seria reduzido a zero.

    Isso seria alcanado pela eliminao da nica outra classe remanescente, a burguesia. A estprecisamente o significado de minha era: o capitalismo j havia reduzido a pletora de classes quecaracterizavam o feudalismo a duas apenas, a burguesia e o proletariado. Portanto, a revoluocomunista ser o ltimo grande evento da histria, pois eliminar a burguesia, deixando apenas aditadura do proletariado, como eu disse em minha Crtica do Programa de Gotha e em outroslugares, ou seja, deixando apenas uma sociedade de igualdade e justia perfeitas, onde o livredesenvolvimento de cada um a condio do livre desenvolvimento de todos e onde, como eu disseno mesmo livro, tudo flui de cada qual, segundo sua capacidade, a cada qual, segundo suasnecessidades.SCRATES: Fizeste um maravilhoso discurso, Karl! Ele fez exatamente o que tinha de fazer aointroduzir teu livro. Foi admiravelmente claro e simples at eu consegui entend-lo , alm depoderoso e atraente: s verdadeiramente um grande retrico. Por fim, e o que melhor, ele foi curto.MARX: Pois se ests satisfeito, faamos o que ele prega e no apenas pensemos a respeito. Juntar-te-s ao partido?SCRATES: Bem, creio que encontrars algumas dificuldades em organizar esse tipo de coisa poraqui.MARX: No temo desafio algum, mesmo em meus sonhos.SCRATES: Tu no entendes.MARX: Qual o problema?SCRATES: Bem, em adio ao pequeno detalhe de que no estamos em teus sonhos e somosperfeitamente reais, h outra coisinha com a qual temos de lidar antes de podermos pensar em praticartua filosofia.MARX: E o que isso?SCRATES: O que achas? Do que deverias te certificar antes de pr em prtica qualquer filosofia?MARX: De que tenho o dinheiro necessrio. Engels tambm est aqui?SCRATES: No, falo de algo mais bsico que isso.MARX: No h nada mais bsico que isso.SCRATES: Sim, h.MARX: Que eu tenha a base de poder requerida? No temas, hei de cri-la.SCRATES: No, outra coisa.MARX: Camaradas? Habilidades organizacionais?SCRATES: No, trata-se de algo referente filosofia e no a ti. Do que precisas te assegurar que

  • uma filosofia , antes de mais nada?MARX: Dinmica? Radical? Progressiva? No? Ainda fazes que no com tua cabea feia e bulbosa!Desafiadora, engajadora, impelente ao? No? Lisonjeira, talvez? Astuta e esperta e cativante?No? Original? Criativa? Interessante? Ainda no! Por certo no sugeres que deva serconfortavelmente tradicional? No, mais uma vez. O que, ento? Desisto desse jogo degradante decharadas. O que procuras? Dize-me o segredo. Qual a qualidade oculta que exiges de uma filosofiaantes que a coloques em prtica?SCRATES: Tinha em mente sua veracidade.MARX: Ah.SCRATES: Essa tua nica resposta? Uma msera slaba?MARX: Mas a prtica ir revelar sua veracidade, Scrates. A verdade sempre emerge, enfim, doprocesso da histria a dialtica; a verdade no vem fora da ao e anteriormente a ela, mas na ao ecomo resultado dela.SCRATES: Isso fato?MARX: Sim, te asseguro.SCRATES: Ento, verdade que a verdade apenas emerge desse processo?MARX: Sim.SCRATES: Pois estamos no processo agora, ou estamos fora dele e em seu trmino?MARX: Estamos no processo.SCRATES: E a verdade no vem antes desse processo, ou fora dele, mas apenas emerge comoresultado do mesmo?MARX: Foi o que eu disse. Tens a memria muito curta.SCRATES: Portanto, uma vez que estamos apenas no processo e no fora dele, como podemos sabero que est fora do mesmo?MARX: No podemos.SCRATES: Somos como peixes no mar, ento, que no podem voar por sobre o mar qual pssaros.MARX: Correto.SCRATES: Logo, no podemos saber o que est ou no est fora do processo, assim como um peixeno pode saber o que est ou no est fora do mar?MARX: Correto mais uma vez. Comeas a entender-me, Scrates.SCRATES: Ento, como podemos saber que no h verdade fora do processo?MARX: Como? O que disseste?SCRATES: Se os peixes no podem saber o que est fora do mar, tampouco podem saber o que noest fora do mar. Assim, se no podemos conhecer nenhuma verdade que esteja fora do tempo,tampouco podemos saber que no h qualquer verdade fora do tempo. Porm, tu disseste saberprecisamente isto: que no h verdade alguma fora do tempo.MARX: No me deixarei enganar pelo argumento lgico abstrato de filsofos e ser desviado do realpara o ideal. Todas as ideias que tens, Scrates, incluindo tambm essa tua lgica esttica, nada soalm de produtos de tua ordem social pr-industrial, camponesa, aristocrtica e conservadora.SCRATES: E as tuas?MARX: Toda ideia produto de condies sociais.SCRATES: Mas as tuas condies sociais, at mesmo tua educao, eram completamente burguesas.

  • Se todas as ideias nada so alm de produtos de sua ordem social, teu comunismo deve ser uma ideiainteiramente burguesa.MARX: No hei de responder tua lgica desprezvel, Scrates, pois ela impotente. Tentas em vodestruir o rolo compressor da dialtica da histria, usando as palavras como armas. Mas as palavrasso meras sombras, espectros, fantasmas.SCRATES: At mesmo as tuas palavras, Karl? Elas tambm so espectros?MARX: No paras de fazer isso, Scrates! um hbito por demais irritante.SCRATES: Essa imagem a de um espectro no exatamente a que tu usaste ao te referir s tuasprprias palavras, s tuas prprias ideias, isto , ao comunismo, na primeirssima linha de teu livro?Ei-la: Um espectro ronda a Europa o espectro do comunismo.MARX: Devo te alertar, Scrates, de que esse teu hbito de atacar as pessoas com suas prpriaspalavras no ir te conquistar muitos amigos ir conquistar apenas discusses.SCRATES: Meu propsito aqui no ganhar amigos e tampouco argumentos, mas ser teu ajudante,se no teu amigo, ao ser-te um espelho para a mente a fim de que possas conhecer-te a ti mesmo.MARX: s to ingnuo a ponto de esperar que eu creia que s meu ajudante, quando me sujeitas atamanha tortura? E a ponto de esperar que eu aceite isso, como fosse para o meu prprio bem?SCRATES: Sim, por certo. A menos que queiras ser personagem cmica, em vez de sria, pois nadamais cmico posso conceber que uma filosofia que no presta contas de seu prprio criador, umafilosofia sem filsofo isso, sim, um paradoxo.MARX: Tua tarefa aqui dissecar a mim, ou a meu livro?SCRATES: Por hora, apenas teu livro, mas essa tarefa apenas um meio para um fim mais nobre,que conheceres a ti mesmo. Ests pronto para comear?MARX: Vai em frente, faze teu pior, Scrates!SCRATES: No, Karl, obedeo minha me e no a ti: ela sempre me disse para eu fazer o meumelhor.

  • 3O Comeo:Toda a Histria Opresso?

    SCRATES: Ns j citamos o famoso comeo de teu livro...MARX: Mas aquele era apenas o comeo do prembulo, no do livro em si. A frase-chave desse livro a primeira que se encontra aps o prefcio, no captulo I: A histria de todas as sociedades queexistiram at nossos dias tem sido a histria da luta de classes e todo o resto conseqncia disso.SCRATES: Sim, mas o leitor comea pelo prembulo; logo, exploremo-lo em primeiro lugar. Tudisseste:

    Um espectro ronda a Europa o espectro do comunismo. Todas as potncias da velha Europa unem-se numa Santa Alianapara conjur-lo: o papa e o czar, Metternich e Guizot, os radicais da Frana e os policiais da Alemanha. [...] O comunismo j reconhecido como fora por todas as potncias da Europa.

    MARX: Pois ento?SCRATES: Bem, eu te adverti de que ia fazer aquela perguntinha simples, a pergunta que umacriana faria: Mas isso verdadeiro? Com efeito, quando escreveste essas palavras, haviaexatamente dois comunistas na Europa: tu e Engels.MARX: Uma msera tecnicidade.SCRATES: E tambm teu prximo argumento, o que explica o ttulo Manifesto, simplesmenteuma mentira descarada:

    tempo de os comunistas exporem, face do mundo inteiro, seu modo de ver, seus fins e suas tendncias, opondo ummanifesto do prprio partido lenda do espectro do comunismo. Com este fim, reuniram-se, em Londres, comunistas de vriasnacionalidades e redigiram o manifesto seguinte.

    No havia, quando escreveste isso, partido comunista algum em canto nenhum da terra, excetotalvez naquele mundo ideal, aquele mundo de ideias ao qual sempre te referes de forma injuriosa. Domesmo modo, tampouco reuniram-se em Londres algumas pessoas para produzir esse Manifesto ele fruto de teu prprio trabalho solitrio.MARX: Como sabes disso tudo?SCRATES: No te direi; basta saberes que eu sei.MARX: Ento talvez tambm saibas qual ser minha resposta a um filsofo como tu, que me acusapor eu no me conformar a uma verdade abstrata e atemporal que j est estabelecida, como asestrelas, e somente pode ser contemplada. Pois dou mais valor ao que contemplao e digo que averdade superior o futuro histrico e minhas palavras ho de trazer esse futuro; elas produzem averdade, em vez de apenas refleti-la passivamente. Cada palavra de meu livro deve ser interpretada eentendida sob essa luz e avaliada segundo esse critrio; cada palavra calculada para ocasionar umefeito, para criar uma nova verdade sobre a terra. Meu livro trouxe existncia as verdades por eleproferidas ele criou o comunismo.SCRATES: Dizes, pois, que qualquer mentira que se possa contar torna-se verdade quando tem xitoem enganar as pessoas?MARX: No, no, isso no o que quero dizer.SCRATES: O que queres dizer, ento? Tentemos descobrir isso por meio de um experimentomental: tu no crs que Deus algum exista, no ?

  • MARX: No. Deus um mito, um sonho, um entorpecente.SCRATES: Pois bem, supe que eu escrevesse um Manifesto de Deus que afirmasse a Suarealidade e que eu convencesse metade da populao da terra a acreditar Nele; dirs, ento, que tereicriado uma nova verdade a existncia de Deus? Supe que eu incrementasse a mentira com aalegao de que eu sou Deus, o Criador, e de que me encarnei a mim mesmo como criatura. Supe,tambm, que eu conseguisse que metade do mundo me adorasse e me tornasse assim o homem maisinfluente da histria. Terei ento sido bem sucedido em tornar o mito realidade, de acordo com teuscritrios? No terei, assim, trazido o Cristianismo existncia, bem como trouxeste o comunismo existncia? Mas por que tua verdade mais verdadeira que o Cristianismo? Em verdade, por que no o Cristianismo mais verdadeiro, j que mais poderoso, mais bem sucedido, mais ativo e maistransformador com relao ao mundo? Segundo teu critrio de verdade, deverias ser um cristo!MARX: Impossibilidade! Estupidez! Estrume!SCRATES: Essas so novas refutaes lgicas das quais ainda no ouvi dizer?MARX: Tu me entendeste mal. Eu no digo que a mente possa trazer a verdade existncia. No souum filsofo idealista, mas um cientista, e digo que a verdade consiste na correspondncia realidadeobjetiva, que a verdade objetiva.SCRATES: Ah! Ento no concordas com aqueles de teus discpulos que dizem que a verdade apenas uma mscara hipcrita na face do poder poltico?MARX: Com certeza no. Quem so essas pessoas? Por certo, no so meus discpulos eu digo que averdade objetiva.SCRATES: Bom. Ento, podemos continuar a investigar se as afirmaes de teu livro soverdadeiras, j que concordamos acerca do significado de verdade esse um progresso maior do quemuitos filsofos poderiam fazer.

    Comecemos investigando tua primeira frase, que tua frmula de toda histria humana: A histriade todas as sociedades que existiram at nossos dias tem sido a histria das lutas de classes.MARX: E o que queres investigar a respeito dela?SCRATES: Ora, se verdadeira! E verdadeira no sentido simples e comum de verdadeiro sobreo qual acabamos de concordar, no no sentido que usaste poucos minutos atrs, quando disseste queteu Manifesto havia criado a verdade do comunismo.MARX: Mas eu no estava errado em diz-lo. Se meu livro criou o comunismo, ento ele criou o fatode que o comunismo existe, de modo que, embora a assero de que o comunismo existe no fosseverdadeira antes de meu livro ter sido escrito, ela passou a ser verdadeira aps isso. Dessa maneira,ele de fato criou a verdade do comunismo, assim como o nascimento cria a verdade de um novo beb.SCRATES: Eu compreendo. Ento, tambm o Novo Testamento, ou a Igreja, criou a verdade doCristianismo, do mesmo modo. isso que afirmas?MARX: Sim, ele criou a existncia do Cristianismo.SCRATES: Mas tu no acreditas que o que a Bblia diz, ou o que a Igreja diz, seja verdade.MARX: Certo. Eu no acredito.SCRATES: Mas o que o comunismo diz verdade, afirmas.MARX: Sim.SCRATES: Logo, devemos testar essa alegao que o fundamento histrico do comunismo: verdade que toda a histria conflito de classe? Pois esse teu ponto arquimdico. Como sabes,Arquimedes disse: D-me apenas uma alavanca e um fulcro sobre o qual apoi-la e moverei o

  • mundo. Pois eis a teu primeiro ponto, tua premissa, teu fulcro para a alavanca do comunismo, com aqual movers o mundo inteiro. Vejo que acenas teu assentimento. Bem, entendes, ento, que por issoque devemos, antes de mais nada, investigar se verdade que toda a histria conflito de classe.MARX: Sim. E verdade. Por exemplo...SCRATES: No, por favor, no me ds mltiplos exemplos. Eu sei que muitos existem, mas o queprecisamos saber se h tambm contra exemplos.MARX: Por que insistes nisso?SCRATES: Dizes que toda a histria conflito de classe. Porm, nada provamos ao mostrar quealgo da histria conflito de classe, mas, apesar disso, poderamos reprovar essa hiptese aodemonstrar que algo da histria no conflito de classe. Em linguagem lgica, uma proposioafirmativa universal no pode ser provada por uma proposio afirmativa particular, mas pode serrefutada por uma proposio negativa particular.MARX: Eu compreendo as regras da lgica.SCRATES: No entanto, podemos encontrar exatamente tais evidncias contrrias, certo? Comcerteza, as classes cooperaram entre si, algumas vezes por exemplo, contra inimigos estrangeiros oupor razes religiosas. Ademais, certamente a maioria das pessoas, ao longo da histria, apenas seocupou de suas vidas cotidianas, de suas famlias, de seus prazeres e dores, de seus nascimentos emortes sem jamais um pensamento acerca dos conflitos de classe.MARX: Tenho duas respostas para ti, Scrates. A primeira que falo apenas de toda histriaconhecida, da histria registrada, mas pode ter havido algumas sociedades comunistas primitivas dasquais no temos conhecimento.SCRATES: Com efeito, Engels falou precisamente sobre isso em uma nota de rodap a uma edioposterior de teu Manifesto. Mas tua alegao ainda gigantesca, mesmo com esse qualificativo.MARX: Minha segunda resposta que a falta de conscincia acerca do conflito de classe no provasua inexistncia. Uma coisa pode existir quando no se est ciente dela; a verdade objetiva, lembra-te disso.SCRATES: tima observao, Karl. De certo, algum planeta distante ou algum elemento qumicooculto poderiam existir sem que ningum se apercebesse disso, mas como o conflito de classepoderia existir sem que ningum o sentisse? O que poderia luta de classe significar em uma sociedadeem que todos, mesmo as classes inferiores, aceitassem o sistema de classe, um sistema no qual poucaspessoas, ou nenhuma, se sentissem oprimidas ou quisessem depor seus superiores, ou onde sequerquisessem ascender a uma classe superior? Pois muitas sociedades do passado parecem ter sido assim.O que significaria conflito de classe em tal sociedade?MARX: No aceito teu pressuposto de que muitas sociedades foram dessa forma, porm, mesmo quetais sociedades houvessem existido, ainda assim poderiam ter contido conflitos de classe apenas suaconscincia ainda no teria sido iluminada com relao a esse fato. Essas pessoas eram oprimidas,mas por demais estpidas para perceber isso.SCRATES: Mas como eram oprimidas, se eram felizes? Onde h conflito de classe quando ele no sentido por ningum? Isso no seria um oxmoro, como uma guerra entre pacifistas ou a fome entreos saciados?MARX: L minha prxima frase, Scrates. Ela responde tua questo, dizendo onde ocorre o conflitode classe: entre as classes e no necessariamente na mente ou nos sentimentos dos indivduos que ascompem. Conforme escrevi:

  • Homem livre e escravo, patrcio e plebeu, baro e servo, mestre de corporao e companheiro, [...] em constante oposio, tmvivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformaorevolucionria da sociedade inteira, ou pela destruio das duas classes em luta.

    SCRATES: Realmente crs que toda a histria humana assim to lgubre, que no nada alm deopresso, constante e ininterrupta?MARX: Sim, por certo.SCRATES: Ento quando, por exemplo, o mestre de corporao e o companheiro, ou o mestrearteso e o aprendiz, juntavam-se livremente por um contrato mtuo, para benefcio e satisfao deambos, essa relao era na verdade opresso, ainda que ambos a experienciassem como cooperao?MARX: Sim! Pois a opresso estrutural, mas no necessariamente psicolgica; ela existe naestrutura mesma das classes econmicas, ainda quando no sentida nas mentes e desejos dosindivduos.SCRATES: Mas como poderia tal fenmeno amplo e prejudicial, que , em essncia, uma escravidouniversal, no ser captado pelas conscincias das pessoas? Como poderiam os escravos serem felizesem sua escravido? Isso no vai contra a natureza humana?MARX: No creio que haja algo como uma natureza humana universal e imutvel. A naturezahumana criada por condies sociais e modificada por condies sociais; ela uma naturezaradicalmente diferente em uma sociedade do que em outra.SCRATES: Acreditas que as pessoas podem ser felizes quando so oprimidas? Que escravos podemser felizes em sua escravido?MARX: No, no penso isso.SCRATES: No entanto, afirmas que o aprendiz era oprimido ou escravizado pelo mestre?MARX: Sim.SCRATES: Assim, ele no pode ter sido feliz.MARX: Mas no creio que ele fosse feliz. Somente um podia ser o mestre, mas todos gostariam de t-lo sido certamente o aprendiz teria preferido ser o mestre, teria gostado de substitu-lo. Mas nopodia, ao menos no ainda. De certo, essa a nica razo pela qual ele suportava seus grilhes e serviaa seu mestre por interesse prprio, a esperar o momento propcio. Tu no acreditas que ele o faziapor caridade, em vez de por interesse prprio, acreditas?SCRATES: Hum... Tua viso da natureza e dos relacionamentos humanos soa bem similar quela deum outro filsofo que interroguei h pouco tempo, Nicolau Maquiavel. Bem, no creio que os homensajam por caridade o tempo todo, ou mesmo na maior parte do tempo mas tu pareces acreditar queeles no agem assim em momento algum. De qualquer forma, suponhamos que estejas certo, que tantoo aprendiz quanto o mestre so motivados por interesse prprio e nada mais que isso, sem mesmo umacentelha de amizade, lealdade, afeto, respeito ou dever ainda assim, a estrutura mesma dorelacionamento parece propcia a satisfazer o interesse prprio de ambos e no apenas de um deles,pois o aprendiz carece da expertise do mestre, e o mestre necessita do trabalho do aprendiz. Tudisseste que, mesmo que as pessoas no se sentissem oprimidas, as estruturas eram opressivas, masessa estrutura parece ser mais cooperativa que opressiva. Logo, no encontramos essa opressoconstante e ininterrupta nem nas pessoas e nem nas estruturas.MARX: Crs, Scrates, que o relacionamento entre um homem rico e uma prostituta cooperativo eno opressivo porque o homem rico carece dos servios da prostituta e esta precisa de seu dinheiro?SCRATES: Maravilha, Karl! Ests a responder logicamente. E no, no creio nisso. Mas no isso oque tu dizes? Tu no acreditas que o mestre de corporao seja apenas uma prostituta do artesanato e

  • que o professor seja simplesmente uma prostituta intelectual?MARX: Sim exceto sob o comunismo. Vs, tenho no apenas o diagnstico, mas tambm a cura.Assim como uma doena s pode ser curada ao se encontrar sua causa e remov-la, tambm a nicamaneira de eliminar a opresso removendo-lhe a causa, que o sistema de classes.SCRATES: No crs, ento, que a opresso seja causada pelos opressores, isto , por indivduosmalignos e por escolhas malignas?MARX: No. Os opressores so apenas instrumentos do sistema social, do sistema de classes, e porisso que a opresso pode ser eliminada no por apelo virtude e por pregao contra a maldade, masapenas por meio da destruio do sistema de classe, sem que, com isso, ele seja substitudo por umoutro. E isso s pode ser feito pelo comunismo.SCRATES: Essa uma alegao pretensiosa.MARX: De fato.SCRATES: Antes de passarmos ao prximo grande ponto de teu livro, gostaria de compreender quesorte de alegao ests a fazer. O que eu quero dizer : devo olhar para o comunismo como umaespcie de religio ou como uma espcie de cincia?MARX: O comunismo completamente irreligioso e completamente cientfico.SCRATES: Deixa-me ver se estamos entendendo bem um ao outro: por cientfico, queres dizeremprico, ou alguma outra coisa?MARX: Emprico, claro. O que poderia ser essa alguma outra coisa?SCRATES: Bem, algumas pessoas alegam que a teologia uma cincia, conquanto no sejaemprica, porque ela usa demonstraes lgicas.MARX: No, no, uma cincia tem de ser emprica e nada mais que emprica.SCRATES: Acerca disso, entremos em maiores detalhes. Queres dizer que todas as evidncias,verificaes e provas de uma cincia tambm devem ser empricas?MARX: Sim; de outro modo, no seria realmente uma cincia.SCRATES: E queres dizer tambm que, a fim de refutar uma alegao cientfica, igualmente sedevem usar evidncias empricas, assim como se tm de usar evidncias empricas para provar umaalegao?MARX: Certamente.SCRATES: Logo, se algum fizesse uma alegao religiosa por exemplo, que um Deus todo-poderoso, onisciente e dotado de amor absoluto havia criado a ti e estava, neste momento, cuidandoprovidencialmente de tua vida, de modo perfeito , dirias que seria correto chamar essa alegao deno cientfica?MARX: Por certo.SCRATES: Deixa-me ver se tua razo para dizeres isso a mesma que a minha: eu diria que essaalegao a respeito da providncia divina, quer seja verdadeira ou falsa, no cientfica porque ocrente na providncia divina no capaz de responder seguinte questo: Dize-me, crente naprovidncia, como poderia essa tua crena algum dia ser refutada? Por exemplo, se dois de teus bonsamigos, inocentes, morressem repentinamente em um acidente trgico, tal fato emprico refutaria tuacrena em teu Deus e em Sua providncia? Penso que o crente responderia no, no achas?MARX: Sim.SCRATES: E se eu persistisse em meu questionamento e perguntasse ao crente se dez, cem ou mil

  • de tais eventos refutariam sua crena, pensas ento que ele haveria de responder sim?MARX: No, ele diria no, mais uma vez.SCRATES: Por fim, se eu lhe perguntasse quantos desses maus eventos refutariam sua crena emum Deus bom, seria ele capaz de dar-me um nmero?MARX: Penso que ele seria incapaz de dar-te um nmero.SCRATES: E se eu lhe pedisse para descrever qualquer coisa que pudssemos ver neste mundo quelhe provaria que o bom Deus no qual ele cr um mito irreal, o que achas que ele responderia?MARX: Ele seria incapaz de te dar aquilo que pedes.SCRATES: Assim, eu estaria certo em concluir que sua crena no cientfica?MARX: De fato estaria.SCRATES: E isso por que, em princpio, no possvel, mesmo na imaginao, refut-laempiricamente?MARX: Sim. Essa uma crena religiosa, no racional.SCRATES: Bem, ela no cientfica, certamente. Se tudo aquilo que no cientfico, ou seja, queno verificvel ou refutvel empiricamente, , por essa razo, tambm irracional uma questo queainda no investigamos e talvez voltemos a ela mais tarde. Mas no precisamos de pressupor quetudo o que no cientfico tambm no racional; alis, esse um pressuposto do qual muitosdiscordariam. Tudo o que precisamos fazer para mostrar que uma crena no cientfica demonstrarque o crente no permite que qualquer estado de coisas que seja empiricamente observvel a refute.MARX: De acordo. Se uma crena no empiricamente refutvel em princpio, ento ela no cientfica, mas religiosa ou quase religiosa.SCRATES: Pois apliquemos agora esse mesmo princpio frase que dizes ser a frase-chave de teulivro, aquela primeira, a partir da qual todo o resto do livro flui: A histria de todas as sociedades queexistiram at nossos dias tem sido a histria da luta de classes. Na frase seguinte, explicas que issosignifica que todas as relaes sociais so relaes de opresso: Homem livre e escravo, patrcio eplebeu, baro e servo, mestre de corporao e companheiro, [...] em constante oposio, tm vividonuma guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarada.MARX: E continuo a sustentar isso.SCRATES: Quando primeiro citei essa frase, expressei minha surpresa com relao tua crena deque toda a histria humana nada seno opresso e apresentei um exemplo de relao social aquelaque h entre o aprendiz e o mestre de corporao que parecia refutar tua crena, j que se trata de umrelacionamento de cooperao mtua e no de opresso. No entanto, interpretaste tambm essa relaocomo uma relao de opresso e fizeste o mesmo no caso de uma relao entre um professor e umestudante. Assim, agora te pergunto se podes me dizer alguma relao social que poderiapossivelmente no ser opressiva. Que relao se poderia encontrar algures que refutasse tua primeirafrase?MARX: Posso responder a essa pergunta com facilidade, Scrates: todas as relaes de igualdade quecaracterizam uma sociedade comunista so relaes no-opressivas.SCRATES: Mas sociedade comunista alguma havia existido, em tempo algum da histria, antes deteu prprio tempo, no ?MARX: No ainda.SCRATES: Mas tua afirmao, aquela que estamos a investigar, a respeito da histria, do passado,e no do futuro. O que poderamos buscar na histria que refutasse tua afirmao? Podes descrever

  • que coisa refutaria empiricamente tua crena? Supe que pudssemos visitar todas as sociedades quej existiram: encontraramos ento algum exemplo de sociedade que no fosse opressiva e, noobstante, ainda no fosse uma sociedade comunista?MARX: No encontraramos.SCRATES: E isso verdade por que observaramos ser verdade, ou por que definimos que assimantes mesmo de comearmos a observar?MARX: O que queres dizer com essa questo?SCRATES: O que quero dizer : podes imaginar que o que afirmas no seja verdade? Podes escreveruma fantasia acerca de um mundo no qual isso no seja verdade? Uma fantasia imaginvel, tal qualum mundo onde os homens tenham duas cabeas? Ou seria algo literalmente inimaginvel, como ummundo onde os homens no fossem homens?MARX: Suponho que seria possvel imaginar o mundo que propes, mas seria um reino de purafantasia.SCRATES: Ento, por favor dize-me como seria uma sociedade assim na qual no houvesseopresso e, no obstante, no existisse comunismo.MARX: No posso fazer isso impossvel.SCRATES: Pois parece que simplesmente definiste opressivo como no comunista e noopressivo como comunista.MARX: No, uma questo de verdade emprica, no de uso arbitrrio de palavras.SCRATES: Pergunto-me se ests certo. Deixa-me tentar, mais uma vez, test-lo acerca desse ponto.Podes imaginar a possibilidade de que algum historiador descobrisse alguma sociedade comunista dopassado, ou de alguma ilha remota?MARX: Certamente.SCRATES: E tal sociedade seria necessariamente no opressiva?MARX: Sim.SCRATES: Por qu?MARX: Ora, porque ela seria comunista, claro.SCRATES: Haveria alguma outra razo?MARX: No.SCRATES: E todas as outras sociedades do passado ou de algum lugar remoto no presente queporventura descobrssemos tambm elas seriam opressivas caso no fossem sociedades comunistas?MARX: Sim.SCRATES: Simplesmente por no serem comunistas?MARX: Sim.SCRATES: E todas as sociedades que vissemos a criar no futuro, se no fossem sociedadescomunistas, tambm seriam opressivas?MARX: Sim.SCRATES: Necessariamente?MARX: Sim.SCRATES: S por no serem comunistas?MARX: Sim.

  • SCRATES: Logo, parece-me que ests simplesmente a usar esses dois conjuntos de palavras deforma intercambivel e que, com opressivo, no queres dizer nada mais que no comunista.MARX: Isso no verdade.SCRATES: Ento, por favor, conta-me o que queres dizer quando falas de uma sociedadeopressiva. Talvez queiras dizer que uma sociedade assim aquela que suprime os direitos naturaisdas pessoas?MARX: No, eu no creio em direitos naturais universais e imutveis.SCRATES: E uma sociedade que assassina seus cidados simplesmente porque eles no acreditamna filosofia poltica daqueles que esto no poder? Ou que rouba a propriedade de seus cidados? Ouque faz seus cidados infelizes, tanto que precisam ser proibidos de viajar e de deixar seu pas e tmde ser contidos por uma fora policial grande e poderosa que reina pelo terror? Ou simplesmente umaque faz alguma coisa qualquer coisa a seus cidados que eles consideram opressiva? Tu aceitariasqualquer uma dessas coisas como marcas certeiras de uma sociedade opressiva? Afinal, isso o que amaioria das pessoas quer dizer com essa expresso.MARX: E se eu disser que sim?SCRATES: Ento usarei tua resposta para julgar a maioria das sociedades comunistas da histriacomo sendo de fato muito opressivas muito mais ainda que a maior parte das sociedades nocomunistas.MARX: Tu ests a usar tuas prprias definies de opresso para fazer esse julgamento, ento.SCRATES: No, estou usando as tuas, se tu as aceitas.MARX: Mas eu no as aceito!SCRATES: Ento, voltamos onde estvamos alguns instantes atrs: tu no s capaz de especificaroutro sentido palavra opresso que no comunismo; tornas verdade por definio que toda ahistria anterior ao comunismo opresso.MARX: Minha afirmao no apenas uma tautologia vazia; ela verdadeira.SCRATES: Talvez ela no seja apenas uma tautologia, e eu no alego ter provado que ela no sejaverdadeira; alego apenas ter demonstrado que no se trata de uma crena cientfica.MARX: Mas claro que ela cientfica: ela a primeira a tornar a histria em uma cincia.SCRATES: Assim dizes. No entanto, a cincia emprica, ou a posteriori, como dizem os lgicos,mas acabamos de demonstrar que tua crena no assim, que ela uma crena a priori.MARX: Pois o que isso significa, grande lgico?SCRATES: De acordo com os critrios sobre os quais concordamos apenas h uns minutos atrs,isso quer dizer que tua afirmao uma crena religiosa, tal qual a crena de que um Deus bondoso eamoroso existe a despeito da quantia de mal que possamos experienciar no mundo.MARX: Ridculo! Meu sistema cientfico, no religioso; ele emprico.SCRATES: Tu no demonstraste porque tua crena emprica. Porm, tu mostraste algo empricoacerca de tua crena: que ela te fez corar bastante.

  • 4O Tempo Presente:A Natureza Humana Pode Mudar?

    MARX: No corei por ficar envergonhado, Scrates, ou por ser incapaz de te responder corei porestar enraivecido com tua injustia. At agora, tua crtica de minha filosofia da histria ou melhor,apenas de sua primeira frase no foi histrica, mas meramente lgica. Usaste aquela lgica abstratae atemporal que tu inventaste, em vez daquela lgica da histria, concreta e mutvel, que aprendi deHegel, de modo que tua crtica to injusta quanto se criticasses uma dana por no obedecer s leisda pintura.SCRATES: Muito me agrada que comeas a argumentar logicamente, Karl, mesmo ao argumentarescontra a lgica, pois mesmo uma lgica ruim melhor que uma boa propaganda. Tambm me aprazque apeles a uma justia universal e atemporal qual tu esperas que ambos estejamos submetidos,muito embora tua filosofia no aceite a existncia dessa sorte de justia. Tua prtica parececontradizer tua teoria. Assim, talvez devssemos prestar menos ateno tua teoria que tua lgica e o mesmo no referente ao comunismo.MARX: No h qualquer contradio. Sustento tanto minha teoria quanto minha prtica, e igualmenteno que diz respeito ao comunismo.SCRATES: Pois bem, procede ento com tua nova lgica dialtica e desenvolve-me tua filosofia dahistria, assim como uma teia de aranha desenvolvida a partir de seu primeiro fio. Toda a tuafilosofia da histria se origina daquele pressuposto que acabamos de examinar e que descobrimos serquestionvel: que toda histria passada no mais que oposio e conflito de classes. J examinamoso primeiro fio de tua teia, mas ainda no te demos a chance de mostrar-nos o restante dela.MARX: Fazes troa de minha aparncia, Scrates, comparando-me a uma aranha?SCRATES: Eu? Caoar do semblante de outro homem? Olha bem para mim, Karl. Eu te asseguro, jfui chamado de coisas piores que aranha. Mas no, no tive a inteno de zombar de ti, apenas deexaminar teu livro.MARX: Pois faamo-lo, mestre teorista, em vez de apenas falarmos em faz-lo!SCRATES: Touch. Aps resumires toda a histria passada como opresso, resumes tambm asignificncia do tempo em que viveste o sculo dezenove como oportunidade. Por fim, tuprofetizas que o futuro guardar o triunfo do comunismo. Esse um sumrio justo, em trs frases, detua filosofia da histria?MARX: At onde ele vai, sim.SCRATES: Pois agora devemos proceder a teu segundo ponto: a diferena entre todas as eraspassadas e tua era presente. Em uma palavra, em que dizes constituir essa diferena?MARX: Na burguesia. Como escrevi em seguida, Nas primeiras pocas histricas, verificamos, quasepor toda parte, uma completa diviso da sociedade em classes distintas...SCRATES: Perdoa-me por interromper, mas esse ponto me parece digno de nota: quase todas asoutras pessoas, se questionadas acerca da diferena entre a sociedade moderna e as sociedadesanteriores, diriam que a moderna mais complicada mas tu dizes que menos!MARX: Sim, eu digo. E eu apreciaria se no me interrompesses novamente, porque...

  • SCRATES: No posso te prometer isso.MARX: L vens tu outra vez! Como se espera que...SCRATES: Quem pensas que est a esperar algo de ti?MARX: Acabas de me interromper...SCRATES: Novamente. Sim, estou a provocar-te, Karl. Cad teu senso de humor?MARX: O Manifesto uma coisa sria!SCRATES: Oh, sim, de fato terrivelmente sria. Mas esperava encontrar em ti algumas coisasque no encontrei em teu livro, tal como um senso de humor em tua alma.MARX: Encontrars em mim apenas carne, e ossos, e cabelos, e unhas, e crebro, e sistema nervoso mas nenhuma alma.SCRATES: Hum... isso que temo. Mas vem, chega de provocaes. Termina tua leitura; j termineiminhas interrupes.MARX:

    Nas primeiras pocas histricas, verificamos, quase por toda parte, uma completa diviso da sociedade em classes distintas,uma escala graduada de condies sociais. Na Roma antiga encontramos patrcios, cavaleiros, plebeus, escravos; na IdadeMdia, senhores, vassalos, mestres, companheiros, servos; e, em cada uma destas classes, gradaes especiais.

    A sociedade burguesa moderna, que brotou das runas da sociedade feudal, no aboliu os antagonismos de classe. No fezseno substituir novas classes, novas condies de opresso, novas formas de luta s que existiram no passado.

    Entretanto, a nossa poca, a poca da burguesia, caracteriza-se por ter simplificado os antagonismos de classe. A sociedadedivide-se cada vez mais em dois vastos campos opostos, em duas grandes classes diametralmente opostas: a burguesia e oproletariado.

    SCRATES: Consideremos esse ponto antes de passarmos ao que se segue. Essa uma verso maisdetalhada de teu primeiro ponto de que toda a histria a histria dos conflitos de classe , e aspalavras que usas para todas as relaes entre as classes so palavras blicas: antagonismos,opresso, luta e campos opostos.MARX: Ns j discutimos acerca disso. O que h de novo a que a batalha de classes foi reduzida emquantidade: agora existem apenas dois exrcitos.SCRATES: Mas, para avaliarmos teu novo argumento, precisamos entend-lo; a fim de entend-lo,temos de entender seus termos. Logo, por favor, conta-me exatamente o que queres dizer aoempregares estes dois novos termos com os quais defines a situao social de teu tempo: aburguesia e o proletariado.MARX: A burguesia a classe daqueles que detm os meios de produo.SCRATES: Produo de qu?MARX: De riqueza social. E, no capitalismo, esses indivduos so os capitalistas, isto , aqueles quetm capital uma riqueza que est muito alm do necessrio para a sobrevivncia e subsistnciabsica dessas pessoas, e que elas podem investir com juros, tornando-se, assim, mais ricas. Comefeito, no capitalismo, quanto mais rico algum , mais rico pode vir a ser, e mais depressa. Assim, osricos ficam mais ricos e os pobres ficam mais pobres.

    O proletariado, por outro lado, so aqueles que no detm os meios de produo e que, portanto, afim de sobreviverem, tm de vender a si mesmos como trabalhadores em troca de salrios pagos a elespela burguesia, pelos capitalistas. Vs, trata-se da relao mestre-escravo em vocabulrio econmico.SCRATES: Crs que o conflito entre ricos e pobres, entre aqueles que tm e aqueles que notm, inevitvel, ento?MARX: No s entre os ricos e os pobres, isto , entre aqueles que tm riquezas e aqueles que no as

  • tm, mas sobretudo entre aqueles que tm o poder de produzir maiores riquezas e aqueles que no otm.SCRATES: Logo, concentras-te mais no poder que apenas na riqueza e tambm mais no controle dofuturo que no controle do presente.MARX: Pode-se dizer que sim, mas meu ponto principal acerca de meu tempo presente que, a partirde ento, passou a haver apenas uma classe de ricos e uma de pobres, de modo que no h maisconflito dos ricos entre si ou dos pobres entre si, mas apenas o conflito remanescente entre essas duasclasses, e o significado prtico desse fato enorme: pela primeira vez na histria, uma nicarevoluo mundial de proletrios pode abolir a burguesia e, assim, abolir o conflito de classe, que omotor de toda a histria.SCRATES: Ento tal revoluo realmente traria o fim da histria!MARX: Sim.SCRATES: Que alegao extraordinria! Assim, o fim da histria ocorrer em algum momento dahistria.MARX: Isso no uma autocontradio lgica, como parece ser. Na verdade, vers que perfeitamente lgico, se apenas olhares para seu contedo material, em vez de sua forma abstrata emoutras palavras, se fores cientfico, como eu, e no abstratamente filosfico, como tu. A histria mudana; logo, sem mudanas sociais, no h histria. Como a causa das mudanas sociais oconflito de classe, sem conflito de classe tambm no h histria ao removeres a causa, removestambm o efeito. Porm, o conflito de classe s pode cessar se, e somente se, no houver mais classes,e isso s pode ocorrer quando o nmero de classes reduzido a dois, de modo que a eliminao deuma classe pela outra crie uma sociedade sem classes. E isso a revoluo comunista. Portanto, ahistria s pode acabar por meio da ao histrica da revoluo comunista.SCRATES: Essa certamente uma histria fascinante. Resta saber se fato ou fico.MARX: O que queres dizer com fato ou fico?SCRATES: Ora, se o que dizes verdade, claro.MARX: E como pretendes descobrir isso?SCRATES: J que o fim da histria ainda no aconteceu, no podes saber se o que disseste verdadeiro ou falso por observao emprica.MARX: Mas dizer que ele ainda no aconteceu, que ainda no foi observado, no prova que o que eudisse uma fico. Mas o fim da histria ser observado, quando ele ocorrer.SCRATES: No entanto, ainda no podemos observar o futuro e, logo, no podemos verificar ourefutar tua ideia agora.MARX: E, por isso, concluis que ela no uma ideia cientfica?SCRATES: No, eu no disse isso. Mas digo que h uma segunda forma de testar uma ideia, mesmouma ideia cientfica, alm da observao emprica.MARX: Impossvel. Se algo no emprico, tambm no cientfico.SCRATES: Supe que uma teoria cientfica contenha uma autocontradio lgica: isso nocomprovaria a falsidade dessa teoria?MARX: Na verdade, no! A histria feita de contradies ambulantes. Tua lgica rejeita ascontradies porque rejeita a histria, mas a lgica de Hegel, a minha lgica, as acolhe. Isto o quemove a dialtica da histria: a contradio entre tese e anttese.SCRATES: Ah, estou perfeitamente disposto a conceder-te, para fins argumentativos, que Hegel est

  • certo acerca de sua dialtica e que tu tambm ests, mas essa dialtica no envolve contradies e simcontrariedades.MARX: O que queres dizer?SCRATES: Quente e frio, bem e mal, visvel e invisvel so pares de opostos ou de termos contrriose podem facilmente coexistir; por exemplo, um homem pode ser, ao mesmo tempo, bom e mau, ouvisvel (em funo de seu corpo) e invisvel (em funo de sua alma). No so dois termos que podemser contraditrios, ou duas coisas reais designadas por um termo, mas duas proposies e, embora doistermos contraditrios possam estar presentes em um ser real ao mesmo tempo, como quando o bem eo mal esto presentes em um s homem, duas proposies contraditrias no podem ambas serverdadeiras a um s tempo. Por exemplo, conquanto Scrates possa ser bom e mau simultaneamente,que Scrates tenha bondade e que Scrates no tenha bondade no pode ser verdade ao mesmo tempo.MARX: Mas Scrates pode ser bom e mau ao mesmo tempo. Tu mesmo admites isso. Tu podes seressa contradio ambulante.SCRATES: No, isso diferente, isso no uma contradio; por essa razo que precisamos deuma palavra diferente para designar esse fenmeno. Com efeito, na lgica, a palavra tradicional paraele contrariedade, ou oposio, e tu ests equivocado em cham-lo de contradio.MARX: Obrigado, criador da lgica, por tua lio sobre jogos abstratos de palavras.SCRATES: Pois hei de transform-la em uma lio de histria prtica e concreta. Olha s dizesque a histria terminar por razo de uma revoluo comunista. Vs, comunistas, dizeis que essaproposio verdadeira, no ?MARX: Sim.SCRATES: Mas os vossos oponentes, os anticomunistas, dizem que ela falsa, certo?MARX: Sim.SCRATES: Assim, os comunistas e os anticomunistas contradizem uns aos outros, de modo que aproposio na qual alguns acreditam deve ser verdadeira e aquela na qual outros acreditam deve serfalsa.MARX: claro. Nisso, no contradigo o mundo.SCRATES: Mas em que contradizes o mundo? O que falas acerca da histria e da contradio que omundo no sabe?MARX: Que tanto o comunismo quanto o anticomunismo so partes necessrias dialtica e que,portanto, ambos so verdadeiros com relao a seu lugar na histria. Logo, as contradies so tantoverdadeiras quanto necessrias.SCRATES: Talvez ambos sejam necessrios, mas, ento, um ser uma verdade necessria e o outrouma falsidade necessria.MARX: Podes colocar a coisa dessa forma, mas, embora o capitalismo seja falso desde o ponto devista comunista, ele verdadeiro desde o ponto de vista capitalista.SCRATES: Se isso verdade, ento o ponto de vista capitalista, em si mesmo, no verdadeiro, maso ponto de vista comunista . Em outras palavras, o capitalismo falso, mas o comunismo verdadeiro.MARX: Pareces estar concordando comigo, mas no creio que esteja de fato. Suspeito, Scrates, quequando dizes que o capitalismo falso, mas o comunismo verdadeiro, estejas fazendo referncia auma verdade universal, abstrata, atemporal e no histrica. a que divergimos: eu no creio nessetipo de verdade. Eu acredito que a verdade mesma muda ao longo da histria.

  • SCRATES: Negas, pois, que possamos saber que uma teoria cientfica falsa simplesmente por elacontradizer logicamente a si prpria?MARX: D-me um exemplo.SCRATES: Supe que algum proponha a teoria de que Jlio Csar tenha sido assassinado por KarlMarx. Digo que podemos saber que essa teoria falsa pelo simples fato de que contm umaautocontradio, a qual todos podemos reconhecer e por isso que todos sabemos ser falsa essateoria.MARX: Que autocontradio?SCRATES: Todos sabemos que um homem vivo no pode ser assassinado por um homem que noest vivo e todos ns sabemos que Csar foi assassinado quando tu ainda no estavas vivo.MARX: Est certo, ento. Concordo que uma teoria que se contradiga dessa forma deve ser falsa. Noentanto, nada em minha teoria autocontraditria dessa maneira.SCRATES: isso que devemos investigar agora, pois se encontrarmos tal contradio em tua teoria,saberemos que a teoria falsa.MARX: Mas deves interpret-la corretamente, pois muito fcil encontrar contradies aparentes.SCRATES: Deveras. Assim, teremos de compreend-la antes de test-la, e por isso que eu insistoem definir os termos antes de testar as proposies por meio de argumento.MARX: Vai em frente, ento. J me canso de toda essa lgica geral, abstrata e vazia.SCRATES: Pois eis aqui algo denso, concreto e especfico: vejo trs coisas na passagem que leste hpouco que parecem conter contradies. Talvez no contenham de fato; talvez eu no as tenhacompreendido direito. Logo, deves explicar-me o que queres dizer com cada uma delas.MARX: Ficarei feliz em esclarecer-te, Scrates. Se pensas ver qualquer contradio no que falei,tenho certeza de que no o entendeste corretamente.SCRATES: Veremos. Eis minha primeira pergunta: dizes que o conflito somente pode cessar quandotodas as classes forem eliminadas, exceto uma, correto?MARX: Sim.SCRATES: Ento, no pode haver converso, ou mudana de ideia, ou mudana na natureza humana,de belicosa a pacfica, antes de tua revoluo?MARX: No pode haver e no houve.SCRATES: E em teu presente histrico, teu sculo dezenove, encontram-se apenas duas classesremanescentes, a burguesia e o proletariado, correto?MARX: Sim.SCRATES: E o proletariado que h de se levantar e revoltar-se contra seus opressores, correto?MARX: Sim. A burguesia certamente no ir se levantar contra o proletariado, pois ela precisa dele,mas o proletariado no precisa da burguesia. a dialtica senhor-escravo de Hegel: o senhor escravizado por seu escravo, isto , por sua necessidade de seu escravo. Por isso que os senhoresnunca se revoltam contra seus escravos, mas apenas estes contra aqueles.SCRATES: Entendo. Logo, em tua estria, os proletrios so os heris e os burgueses so os viles.MARX: Historicamente falando, poder-se-ia dizer isso. Mas no apelo a qualquer verdade atemporalpara fazer tal juzo.SCRATES: E os homens dessas duas classes tm duas naturezas diferentes, uma boa e a outra m?MARX: No; eles no podem evitar agir da forma que agem.

  • SCRATES: Se pegssemos cada membro da burguesia e os tornssemos proletrios, simplesmenteprivando-lhes de sua posse dos meios de produo, eles agiriam ento como burgueses ou comoproletrios?MARX: Como proletrios.SCRATES: E se pegssemos cada proletrio e o fizssemos um membro da burguesia, dando-lhe aposse dos meios de produo, ele agiria como burgus ou como proletrio?MARX: Como burgus.SCRATES: Logo, os homens no esto divididos entre bons e maus, ou egostas e altrustas, masentre burgueses e proletrios?MARX: Sim. Todos os homens so egostas; eles apenas agem de maneiras diferentes por seremmembros de classes diferentes.SCRATES: Entendo. Portanto, se todos os homens so egostas, e se a natureza humana no semodifica ao mudarmos os homens de classes sociais, ento teu comunismo tambm no ir mudar anatureza humana. Os homens continuaro a ser to egostas e competitivos aps a revoluo quantoeram antes dela. Assim, a histria no terminar, e a luta h de continuar.MARX: No, no, tu no entendeste, Scrates. A natureza humana malevel. Se mudarmos aestrutura de classes, mudamos o contedo dessa natureza, assim como, ao mudarmos as palavras emum documento, mudamos o significado dele. Assim, a revoluo produzir um novo homem,desprovido de conflitos e antagonismos. Como eu disse em minha Crtica do Programa de Gotha, oshomens vivero de uma forma que flua de cada qual, segundo sua capacidade, a cada qual, segundosuas necessidades, e na qual o livre desenvolvimento de cada um a condio do livredesenvolvimento de todos. Ningum ser deixado para trs, ningum ser escravizado ou oprimido.A revoluo mudar radicalmente tanto a natureza humana quanto a histria.SCRATES: Assim, a natureza humana mutvel.MARX: Sim.SCRATES: Por que, ento, ela jamais pode mudar antes da revoluo? Por que um homem egostano poderia se tornar altrusta antes de 1848? J no ocorreu de pecadores virarem santos? E por que omesmo no poderia acontecer a mais de um homem? Por que no uma sociedade inteira de taishomens altrustas e pacficos?MARX: Porque a causa suficiente de tal mudana s vem com a revoluo. Apelos morais e religiososno conseguiram operar essa mutao e nada mais sero que ideais abstratos, no realidades concretas,at que a estrutura social seja alterada radicalmente, pois estruturas sociais egostas produzemindivduos egostas.SCRATES: Pergunto-me se faz sentido usar a palavra egosta para descrever no apenas umhomem, mas uma estrutura social.MARX: No obstante, faz sentido. Uma estrutura social egosta aquela que propicia conflitos declasse; por outro lado, uma estrutura social altrusta aquela que est livre desses mesmos conflitos.SCRATES: Por que no podemos agir de maneira altrusta mesmo quando vivemos em umaestrutura social egosta?MARX: Porque nossas estruturas sociais determinam a forma como agimos.SCRATES: Pois essa alegao que devemos investigar agora.

  • 5A Existncia de SantosRefuta o Comunismo?

    SCRATES: Tu j ouviste falar em santos?MARX: Isso o mesmo que me falar em assombraes, Scrates.SCRATES: Mas a existncia de santos, ao contrrio da existncia de assombraes, um dadoemprico dado, alis, que parece refutar tua teoria. Alguns homens bonssimos viveram emsociedades pssimas; um desses homens, Thomas More, escreveu certa vez: os tempos nunca soruins demais para que no possa um homem bom viver neles.MARX: Essa a opinio dele, mas palavras idealistas nada provam. Minha filosofia baseada emcincia, no religio; em fatos exatos, no em belos sonhos.SCRATES: Ns j tivemos oportunidade de questionar essa alegao uma vez, mas creio seja bomtest-la novamente. Dize-me, Karl, e tu? Viveste em tempos ruins?MARX: De fato vivi.SCRATES: E fizeste o experimento de tentar viver como um santo nesses tempos?MARX: Por que fazes pergunta to tola, Scrates?SCRATES: Porque isso teria te dado ao menos alguns dados experimentais com os quais poderiastestar tua teoria de que tal coisa impossvel.MARX: O que pensas que eu sou, um catlico?SCRATES: Eu pensava que tu havias sido protestante por um tempo, quando eras jovem.MARX: Eu tentei ser quando era jovem e tolo.SCRATES: Mas nasceste judeu, embora jamais tenha tentado ser um, no ?MARX: Meu pai repudiara seu judasmo.SCRATES: Conheo tua histria. Meu ponto que tu no fizeste qualquer experimento nesse sentidoe tampouco te preocupaste em investigar os diversos experimentos feitos por outros, experimentos desantidade, experimentos que produziram sim dados relevantes com relao tua teoria, dados estesque parecem contradiz-la. Mas Thomas More fez justamente esse experimento.MARX: Tu me criticas, ento, por eu no compartilhar de suas crenas idealistas?SCRATES: No, apenas classifico a opinio dele como mais cientfica, j que ela baseada emdados histricos, e rotulo a tua como religiosa, porque ela no .MARX: Isso ultrajante e grosseiramente injusto!SCRATES: Concordo.MARX: Como?SCRATES: Eu concordo que o fato de tu te apropriares do rtulo de cientfico, tirando-o de seulugar adequado a ideia de Thomas More , e reivindicares esse rtulo para tua ideia no testada defato ultrajante e grosseiramente injusto.MARX: No, tu s o ladro que rouba e desloca rtulos. Ainda que minhas ideias no fossemcientficas mas elas so , certamente no so religiosas! (Cospe! Escarra!)

  • SCRATES: Pois bem, testemos, ento, essa tua afirmao.MARX: Tu nunca desistes, no ?SCRATES: Nunca. Dize-me, como definirias uma crena religiosa?MARX: Como um mito idiota, alienante e desumanizador, para mentes entorpecidas e fracas.SCRATES: Talvez devssemos primeiro definir definio, a fim de que possamos distingui-la dedenncia e difamao.MARX: Qual a tua definio, ento?SCRATES: No h nada de meu ou teu em uma definio. As definies no so propriedadesprivadas, mas pblicas.MARX: No h nada em comum entre as definies burguesas dessas ideias-chave e as definiescomunistas.SCRATES: Ento, de acordo com o comunismo, no h nada em comum? Que irnico que tu, ocomunista, torne propriedade privada aquilo que outros dizem ser pblico no mundo das ideias, aomenos.MARX: Ns, comunistas, nos preocupamos com propriedades reais, Scrates; vs, filsofos, que vospreocupais com ideias.SCRATES: Discutiremos a condio das ideias mais adiante, para determinarmos se so reais ouirreais. Por hora, no entanto, devemos terminar o que comeamos: aceitas a definio de crenareligiosa dada pelo dicionrio como uma definio que, ao menos, tida em comum ou aceitaverbalmente?MARX: Digamos que sim, apenas para fins prticos.SCRATES: Pois bem, o dicionrio nos diz que a palavra religio, literalmente, significa querelaciona, ou relao, ou que liga, ou que religa.MARX: Francamente, Scrates, pouco me interesso por religio ou etimologia. Mas e da?SCRATES: E da que isso uma religio, de acordo com o dicionrio, o qual relata como as palavrasde fato so usadas popularmente. Uma crena religiosa uma crena acerca de uma relao com umobjeto religioso, com Deus ou algo divino, seja tal objeto real ou irreal. Essa uma definio aceitvelpara ti?MARX: Sim, mas tambm essencial religio o no ser cientfica; quero incluir tambm essainformao em nossa definio.SCRATES: Est bem. Que tal isto, ento? As crenas religiosas no se permitem ser refutadas porqualquer dado emprico, pois elas no se baseiam neles.MARX: timo. Estou completamente de acordo.SCRATES: Bem, apliquemos, assim, nossa definio acordada questo que estvamos discutindoantes, acerca da crena de Thomas More de que a santidade possvel mesmo em sociedadesperversas questo esta que certamente religiosa, j que trata da relao entre um homem e Deus.More baseava sua crena que a santidade possvel mesmo no pior dos tempos no conhecimentoda sua prpria vida e da vida dos santos que ele estudara. Tu, por outro lado, no baseias tua crenaoposta e referente ao mesmo tema em qualquer dado existente e no permites que aqueles dados, osdados relativos a esse ou outros santos, refutem a tua crena. Logo, concluo que tua crena na hiptesede que todos os homens so determinados por suas estruturas sociais uma crena religiosa.

  • 6A Questo da Liberdade

    MARX: Pouco me importa como classificas minha crena, pois ela verdade.SCRATES: No se ela contm uma contradio.MARX: Que contradio?SCRATES: Tu mesmo, penso.MARX: No compreendo.SCRATES: Creio que tua ideia no preste contas da prpria origem.MARX: Que origem?SCRATES: Tu. Tu escreveste este Manifesto, no ?MARX: Sim.SCRATES: E tu disseste que foste o primeiro a descobrir a frmula fundamental da histria humana,referente opresso passada, oportunidade presente e ao futuro triunfo do comunismo, correto?MARX: Sim.SCRATES: E uma de tuas ideias, um dos princpios de tua filosofia, que todas as ideias sodeterminadas por condies sociais, especialmente pelas estruturas de classe, no verdade?MARX: Correto.SCRATES: E no que as estruturas sejam determinadas pelas ideias, como pensam os idealistas?MARX: Certo mais uma vez.SCRATES: Mas tu nasceste em uma sociedade burguesa e de uma famlia burguesa, uma famliatpica de classe mdia, no foi? E Engels tambm?MARX: Sim.SCRATES: Podes dizer-me um s nome de um pensador ou militante comunista que conheceste emtua poca e cuja origem fosse proletria e no burguesa?MARX: Ah, em sua juventude eles foram burgueses, mas rejeitaram essas origens; eles viram a luz, etu mesmo poderias v-la, Scrates. Serias um grande acrscimo ao nosso movimento.SCRATES: Pareces apelar minha capacidade de livre escolha.MARX: No vais me pegar com isso. A livre escolha uma iluso, e a cincia conhece apenas odeterminismo. No importa o que faamos, escolhamos ou pensemos, ambos somos apenasinstrumentos da histria.SCRATES: Mas h algo disso que no compreendo: tu e todos os comunistas de tua poca vieram daburguesia. No entanto, dizes que os indivduos no tm como evitar o modo como agem, pensam eescolhem, porque sua classe social que determina tudo isso. Assim, se aceitamos as duas premissas,chegamos concluso de que as ideias e as aes comunistas so completamente burguesas!MARX: Essa concluso to nojenta que s posso pensar em uma palavra para descrev-la: ela burguesa!SCRATES: Mas eu no sou dono de qualquer meio de produo de riquezas. Ento, por definio,no posso ser um membro dessa classe odiada; em verdade, fui pobre a minha vida toda.MARX: E?

  • SCRATES: E acabas de chamar minha ideia de que as tuas ideias comunistas devem ser burguesasde uma ideia burguesa.MARX: E?SCRATES: E tu dizes que todas as ideias so determinadas por classes sociais.MARX: De fato so.SCRATES: Ento como minhas ideias burguesas podem ter vindo de minha origem proletria? Ecomo as tuas ideias proletrias vm de tua origem burguesa?MARX: Eu rejeitei minhas origens, e tu rejeitaste as tuas.SCRATES: Pois tua sociedade burguesa, teus professores e teus pais disseram-te para rejeit-las?MARX: claro que no.SCRATES: Eles desejavam que tu te acomodasses, que fosses to burgus quanto eles mesmos.MARX: Sim.SCRATES: Mas tu optaste por rebelar-te.MARX: Sim.SCRATES: Logo, parece que os indivduos tm a capacidade de livre escolha, afinal! Tu mesmo sexemplo disso.MARX: No, isso no procede. Eu escolhi, sim, mas essa escolha era to necessria, to determinadapelo destino da dialtica histrica quanto as escolhas dos demais de permanecerem burgueses.Acontece que o destino escolheu a mim, e no a eles, para ser o instrumento de propagao docomunismo.SCRATES: Ento no h liberdade alguma para ningum, de acordo com tua filosofia?MARX: A coisa no assim; no entanto, a fim de entendermos porque ela no assim, precisamosfazer aquilo que sempre insistes em fazer: temos de definir nossos termos. Estamos a usar a mesmapalavra, mas no com o mesmo significado. Quando dizes liberdade, ests a pensar na liberdadeburguesa, no na liberdade comunista.SCRATES: Pois o que liberdade comunista?MARX: Sob o comunismo, e somente sob o comunismo, todos sero livres: livres de carncias e deguerras, livres de crimes e de desemprego, livres da falta de lar e da pobreza.SCRATES: Eles estaro livres para ter pensamentos no comunistas?MARX: Isso no liberdade verdadeira. Espera, Scrates; antes de responderes a isso, deixa-meexplicar. Tu no entendes a noo comunista de liberdade porque partes de tua pressuposio de umaessncia ou natureza humana universal e imutvel e ento perguntas se essa coisa tem liberdade. Masno h tal natureza humana imutvel, ou tal ser de uma espcie, como eu o chamo.SCRATES: Ento crs que no haja espcies reais, que palavras universais como homem ou rio,em oposio a palavras individuais como Scrates ou Nilo, no se refiram a quaisquer realidadescomuns ou naturezas universais. Logo, s um nominalista; acreditas que a universalidade se encontraapenas nas palavras, em nomina.MARX: Correto. Assim, no existe uma nica liberdade ou justia que seja comum a todas asclasses e estgios da humanidade. Conforme a histria percorre seu caminho dialtico e a sociedademuda suas estruturas de classe, so produzidas diferentes formas de humanidade e, logo, de liberdadee justia, de acordo com as diferentes formas de propriedade.SCRATES: Mas quer a humanidade exista sob uma ou muitas formas, deves falar em formas e,

  • portanto, em universalidade. Mesmo que a humanidade burguesa e a humanidade comunista sejamduas espcies e no uma, ainda assim h espcies, e um comunista se enquadra na mesma espcie queoutro comunista.MARX: Como eu resolvo o problema lgico abstrato dos termos universais no importante; o que importante que cada etapa da histria produz um tipo diferente de liberdade sobre isso queestamos falando agora, afinal.SCRATES: Ento, no capitalismo, no h liberdade da pobreza, de crimes ou da guerra como h nocomunismo.MARX: Correto.SCRATES: E a razo disso que o capitalismo ainda se baseia no conflito de classe.MARX: Sim. Tu entendes, ento.SCRATES: Por outro lado, no comunismo, no h economia de livre mercado, ou livre-comrcio,como h no capitalismo e pelo mesmo motivo: no h classes.MARX: Correto mais uma vez.SCRATES: Pois bem, aceitemos tuas definies e passemos a avali-las. No afirmo saber muitoacerca daquilo que chamas de forma capitalista de liberdade e, logo, no posso julgar se ela boa ouruim, embora, primeira vista, parea ser boa. Mas sei bem que essa liberdade que alegas ser dadapelo comunismo liberdade da pobreza, da criminalidade e da guerra um bem, pois um desejonatural de todo homem so.MARX: Concordas comigo cada vez mais.SCRATES: Mas ainda no sei se ests certo em tua alegao de que, de fato, o comunismo d taisliberdades ao homem e o capitalismo no.

    No obstante, nenhum desses dois tipos de liberdade o que me interessa mais, mas sim umterceiro tipo, o qual eu chamaria de liberdade de pensamento. Assim, pergunto-te se h liberdade depensamento sob o comunismo.MARX: No h.SCRATES: Admites isso livremente?MARX: Sim, mas tambm digo que isso tampouco existe no capitalismo. Trata-se de um fantasma, deum mito, tal qual o prprio pensamento: ele um efeito, no uma causa. O pensamento de qualquersociedade um subproduto de sua estrutura de classes econmicas. Ele no voa livremente, qual umanjo, sem razes em seu solo social.SCRATES: Esse um problema crucial ao qual teremos de retornar mais adiante, no momento emque ele surge em teu livro. Apartamo-nos desse livro j h bastante tempo, mas agora devemos voltara ele. Porm, antes disso, tenho de fazer-te esta pergunta: ainda no entendo como teus pensamentoscomunistas floresceram necessariamente de teu solo social burgus; podes me explicar?MARX: Tentarei esclarec-lo melhor para ti. Nem eu, nem o meu livro e nem os meus pensamentossomos a causa da revoluo ns somos apenas os seus instrumentos, os fsforos que iro acenderaquela chama que h de se espalhar pelo mundo. Mas essa chama se espalhar por necessidade, emfuno de sua prpria natureza, porque as folhas mortas do mundo os produtos moribundos docapitalismo jazem sobre o cho, secas e inertes. O destino delas queimar, pois da naturezamesma do capitalismo ser auto-destrutivo e do comunismo triunfar, porquanto o capitalismo produzseus prprios coveiros, o proletariado.SCRATES: Eu entendo como uma coisa pode destruir a si mesma, creio, seja essa coisa uma mera

  • pessoa ou um sistema social. Porm, no entendo como algo pode criar a si prprio e tu?MARX: claro que no; nada pode criar a si mesmo ou causar a si mesmo. Isso umaimpossibilidade cientfica.SCRATES: Eu concordo. Qual a origem do comunismo, ento? Dizes que apenas necessrio umpequeno fsforo o teu Manifesto e o efeito ser a destruio de todo o mundo capitalista no fogoda revoluo. Mas quem que acendeu o primeiro fsforo? Ele acendeu a si prprio? Ele criou a siprprio? O teu livro escreveu a si prprio?MARX: claro que no.SCRATES: Tu escreveste o livro. Tu acendeste o fsforo. Ento, tu s a causa do fogo.MARX: claro que sou. No entanto, sou apenas um instrumento, um elo na cadeia causal da histria.No creio na teoria histrica do grande homem; no h, entre os homens, um Prometeu, umHrcules, ou um Zeus que move os mundos. Pelo contrrio, ns somos movidos por nosso mundo; nssomos o nosso destino.SCRATES: E o teu destino ser o profeta do comunismo.MARX: Se insistes em usar linguagem religiosa, sim.SCRATES: Ou seja, s o profeta da filosofia que ensina que todos as aes dos homens, e mesmo osseus pensamentos, so determinadas por seu sistema de classes, seu sistema social, seu sistemaeconmico.MARX: Sim.SCRATES: Ento, no existe algo como o pensamento livre; o pensamento apenas um efeito decondies sociais, tanto quanto a riqueza.MARX: Exatamente.SCRATES: Logo, os homens no tm a vontade livre para escolher quais pensamentos tero ou quaisaes realizaro.MARX: Eles tm vontade e escolha, mas essas no so livres; elas no so independentes das cadeiascausais que os atam, e essas cadeias so sociais.SCRATES: Entendo. Portanto, em teu sistema, presta-se contas de tudo, tudo explicado, em funode causas necessrias.MARX: Sim, e por isso que meu sistema cientfico; nada deixo sem causas, nada falta de queprestar contas, nada fica sem explicao.SCRATES: No, eu acho que h uma coisa que tu no explicaste.MARX: O qu?SCRATES: Tu mesmo, enquanto escritor desse livro e pensador desses pensamentos.MARX: Mas eu j te disse, Scrates: eu fui apenas um instrumento. Tanto os pensamentos quanto asaes, e tanto as aes dos homens quanto as dos animais, das plantas e dos minerais, so todosnecessrios, no livres. Tudo predeterminado por correntes causais.SCRATES: Necessariamente, em vez de livremente?MARX: Sim.SCRATES: Logo, se essas correntes constrangem necessariamente e no livremente, ento impossvel que no funcionem, no atem, no produzam seus efeitos?MARX: Sim.SCRATES: Incluindo cada detalhe, mesmo os meios pelos quais esses efeitos ocorrero e quando

  • ocorrero?MARX: At mesmo isso. No pode haver exceo, nenhuma rachadura pela qual possa escorrerqualquer sinuosidade transcendente, incomensurvel...SCRATES: Fala com simplicidade, por favor!MARX: Por exemplo, no podemos dizer que a revoluo inevitvel e no livre, mas, ao mesmotempo, dizer que o momento em que ela acontecer ou o meio pelo qual acontecer livre isso noseria cientfico. Somente podemos conhecer e prever atualmente, algo do futuro; assim, podemossaber que a revoluo acontecer, mas no quando. Mas aquilo que no sabemos tambm acontecerrealmente, e o que quer que acontea h de acontecer por necessidade causal, no independentementedela.SCRATES: Destarte, em teu sistema, no concedes o mais minsculo recanto ou orifcio para a livreescolha?MARX: No, nenhum.SCRATES: Nem mesmo para um pequeno evento?MARX: No.SCRATES: Como o acender um fsforo?MARX: No.SCRATES: Ento, por que acend-lo?MARX: O que queres dizer?SCRATES: Se o fogo da revoluo, seu tempo e seus mais minsculos detalhes so todosnecessrios e imutveis, se nada podes fazer para obstruir a revoluo ou para contribuir para a suainevitabilidade, se tudo est predestinado, por que no apenas comer, beber e ficar feliz, em vez dedevotares tua vida ao comunismo? Por que fazer sacrifcios em nome do comunismo, se nada podepar-lo afinal? Em outras palavras, por que pagar por algo, se podes consegui-lo de graa?MARX: Scrates, eu estava errado.SCRATES: Acerca da liberdade?MARX: No, com relao a ti; pensei que comeavas a entender-me.SCRATES: Ai de mim, acho que ests certo nisso tu ests certo sobre em que erraste: eu no teentendo. esse o meu destino?MARX: Por hora, sim, mas talvez teu destino seja ver a luz e te juntares a mim e, se o fizeres,entenders.SCRATES: Mas, at l, continuarei ignorante?MARX: Provavelmente.SCRATES: Dizes, pois, que mesmo o entendimento significa, para os comunistas, algo diferente doque significa para os no comunistas?MARX: Sim, de fato.SCRATES: Assim, eu teria de me tornar um comunista a fim de entender o comunismo, em vez deentend-lo primeiro e ento decidir se devo me tornar um comunista ou no?MARX: Exatamente.SCRATES: O que falas peculiarmente similar ao que dizem os msticos religiosos, os quais dizemque, antes de mais nada, preciso se tornar um mstico, e s ento ser possvel entender o misticismo e algumas pessoas dizem o mesmo acerca da f religiosa: a no ser que creias, no entenders.

  • MARX: Mas religio idealismo, no cincia materialista; ela entende tudo ao revs. A religioignora que o pensamento e o entendimento so efeitos e no causas. O comunismo enquantorealidade, por outro lado, no um efeito do comunismo enquanto ideia muito pelo contrrio.SCRATES: Logo, a revoluo comunista, e tambm todas as outras revolues, no comea nopensamento?MARX: No, elas comeam nas ruas.SCRATES: Mas por que devem os homens ir s ruas para se revoltarem, a menos que sejamimpelidos a faz-lo por pensarem que tal revoluo boa, sbia ou desejvel? Esses so ospensamentos que eles tm de fato, no so?MARX: Ah, sim, eles tm mesmo tais pensamentos; no entanto, os pensamentos no podem surgir ano ser que, por sua vez, sejam causados por condies materiais reais, e quando os pensamentossurgem de fato, eles no podem causar eventos materiais. Como poderia uma ideia derramar sangue?Como poderia algo como um fantasma apertar os botes de uma mquina qual o corpo humano?SCRATES: Este verdadeiramente um grande mistrio: como nossos pensamentos so capazes decausar eventos fsicos em nossos corpos.MARX: Isso pior que um mistrio: uma irracionalidade completa, uma impossibilidade.SCRATES: Mas tu s cientfico comeas com os dados, no com uma teoria, no verdade?MARX: Sim.SCRATES: No entanto, pareces negar um dado que todos experienciamos: o poder do pensamentoem causar nossas aes e em motivar-nos a agir. Tu rejeitas esse dado misterioso e difcil a fim depreservar tua teoria aparentemente racional de determinismo e materialismo. Assim, concluo, maisuma vez, que teu pensamento no cientfico, que ele mais como uma f religiosa.MARX: Scrates, isso ultrajante.SCRATES: Totalmente.

  • 7O que o Capitalismo Produziu?

    SCRATES: H muito que estamos navegando para longe da terra de teu livro no barco de nossaconversa; devemos, pois, retornar s docas, a fim de trazer a bordo mais provises tiradas do livro.MARX: J tempo, assim como j tempo de pensarmos acerca do tempo, da histria, de eventosreais, em vez de a respeito desses teus argumentos lgicos abstratos. Afinal, devamos estar a discutirmeu livro e minha ideologia, no a tua.SCRATES: O contedo teu; a forma lgica no minha e nem tua, mas universal e inescapvel.Est certo, faamos como sugeres. A prxima etapa no argumento do Manifesto teu sumrio do que,dizes, a burguesia j realizou. E isso algo muito concreto. Escreves: Onde quer que tenhaconquistado o poder, a burguesia calcou aos ps as relaes feudais, patriarcais e idlicas. Todos oscomplexos e variados laos que prendiam o homem feudal a seus superiores naturais ela osdespedaou sem piedade, para s deixar subsistir, de homem para homem, o lao do frio interesse, asduras exigncias do pagamento vista. Esse teu primeiro ponto, que concerne s relaes sociais.

    Afogou os fervores sagrados do xtase religioso, do entusiasmo cavalheiresco, do sentimentalismopequeno-burgus nas guas geladas do clculo egosta. Esse teu segundo ponto, acerca dossentimentos religiosos.

    Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca. Esse teu terceiro ponto, acerca dadignidade pessoal.

    Substituiu as numerosas liberdades, conquistadas com tanto esforo, pela nica e implacvelliberdade de comrcio. Esse teu quarto ponto, acerca da liberdade.

    Em uma palavra, em lugar da explorao velada por iluses religiosas e polticas, a burguesiacolocou uma explorao aberta, cnica, direta e brutal. Creio que esse no um ponto especficonovo, mas apenas teu sumrio geral dos pontos anteriores.

    A burguesia despojou de sua aurola todas as atividades at ento reputadas venerveis eencaradas com piedoso respeito. Do mdico, do jurista, do sacerdote, do poeta, do sbio fez seusservidores assalariados. Esse teu quinto ponto, acerca das profisses.

    A burguesia rasgou o vu de sentimentalismo que envolvia as relaes de famlia e reduziu-as asimples relaes monetrias. Esse teu sexto ponto, acerca da famlia.

    Ento, mais adiante, escreves: A burguesia submeteu o campo cidade. Criou grandes centrosurbanos; aumentou prodigiosamente a populao das cidades em relao dos campos e, com isso,arrancou uma grande parte da populao do embrutecimento da vida rural. Esse teu stimo ponto,acerca da cidade e do campo.

    Do mesmo modo que subordinou o campo cidade, os pases brbaros ou semibrbaros aos pasescivilizados, subordinou os povos camponeses aos povos burgueses, o Oriente ao Ocidente. Esse teuoitavo ponto, acerca da globalizao.MARX: De certo vs porque chamo essas mudanas de revolucionrias; so todas mudanas queobservei em meu mundo, mudanas que j tinham se mostrado revolucionrias, mudanas queacabaram com a sociedade medieval e produziram a sociedade moderna.SCRATES: De fato. No entanto, tenho trs perguntas a respeito da descrio que fazes dela.