PIAGET, VIGOTSKI E A EDUCAÇÃO -...

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PIAGET, VIGOTSKI E A EDUCAÇÃO Elisabeth Rossetto 1 Hélio Clemente Fernandes 2 Introdução O objetivo deste texto é apresentar alguns elementos do pensamento de Jean Piaget e Lev S. Vigotski 3 , no intuito de refletir acerca dos pressupostos teórico- epistemológicos da teoria sócio-interacionista e histórico-cultural, buscando compreender em que medida esses autores contribuem para o campo da educação. A proposta desse diálogo não se orienta pelo intuito de levantar as semelhanças e as diferenças entre os vários elementos que compõem o pensamento de Piaget e Vigotski, mas justifica-se pelo fato de encontrar em alguns conceitos aproximações, como por exemplo, a preocupação com a questão do processo de desenvolvimento e aprendizagem do ser humano. De acordo com Palangana as teorias citadas acima propõem uma inter-relação entre o sujeito que busca conhecer e o objeto a ser conhecido, onde ambas estabelecem relações recíprocas que os modificam concomitantemente. [...] Ocorre que alguns autores, mesmo apostando nesta interação como condição para que o conhecimento se realize, ou seja, mesmo sendo interacionistas, terminam por atribuir ora maior ênfase ao sujeito, ora ao objeto, e ainda, em outros casos, à unidade dialética constituída pelos elementos em questão (2001, p. 133). 1 Docente do Centro de Educação, Comunicação e Artes da UNIOESTE, campus de Cascavel, formação em Psicologia e Doutora em Educação pela UFRGS, Integrante do Grupo de Pesquisa GEPES/UNIOESTE e NEPIE/UFRGS. 2 Professor da Rede Estadual de Educação nas disciplinas de História e Filosofia. Aluno do mestrado em Educação e do curso de Pedagogia da UNIOESTE, campus de Cascavel. Integrante do Grupo de Pesquisa HISTEDOPR. 3 A tradução da grafia se dá de acordo com cada idioma. Em italiano Vygotky, em espanhol é Vygotski, em Francês se escreve Vigotskij. Devido as leituras realizadas e de acordo com os textos estudados, optamos pela grafia Vigotski.

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PIAGET, VIGOTSKI E A EDUCAÇÃO

Elisabeth Rossetto1

Hélio Clemente Fernandes2

Introdução

O objetivo deste texto é apresentar alguns elementos do pensamento de Jean

Piaget e Lev S. Vigotski3, no intuito de refletir acerca dos pressupostos teórico-

epistemológicos da teoria sócio-interacionista e histórico-cultural, buscando

compreender em que medida esses autores contribuem para o campo da educação.

A proposta desse diálogo não se orienta pelo intuito de levantar as semelhanças e

as diferenças entre os vários elementos que compõem o pensamento de Piaget e

Vigotski, mas justifica-se pelo fato de encontrar em alguns conceitos aproximações,

como por exemplo, a preocupação com a questão do processo de desenvolvimento e

aprendizagem do ser humano.

De acordo com Palangana as teorias citadas acima propõem uma inter-relação

entre o sujeito que busca conhecer e o objeto a ser conhecido, onde ambas estabelecem

relações recíprocas que os modificam concomitantemente.

[...] Ocorre que alguns autores, mesmo apostando nesta interação como condição para que o conhecimento se realize, ou seja, mesmo sendo interacionistas, terminam por atribuir ora maior ênfase ao sujeito, ora ao objeto, e ainda, em outros casos, à unidade dialética constituída pelos elementos em questão (2001, p. 133).

1 Docente do Centro de Educação, Comunicação e Artes da UNIOESTE, campus de Cascavel, formação em Psicologia e Doutora em Educação pela UFRGS, Integrante do Grupo de Pesquisa GEPES/UNIOESTE e NEPIE/UFRGS.2 Professor da Rede Estadual de Educação nas disciplinas de História e Filosofia. Aluno do mestrado em Educação e do curso de Pedagogia da UNIOESTE, campus de Cascavel. Integrante do Grupo de Pesquisa HISTEDOPR.3 A tradução da grafia se dá de acordo com cada idioma. Em italiano Vygotky, em espanhol é Vygotski, em Francês se escreve Vigotskij. Devido as leituras realizadas e de acordo com os textos estudados, optamos pela grafia Vigotski.

Piaget e Vigotski, considerados sócio-interacionistas, defendem a relevância do

organismo/sujeito ativo na construção do conhecimento, embora os pressupostos que

deram origem às suas concepções basearam-se em paradigmas diferentes. Por

conseguinte, a abordagem de análise sobre o processo de desenvolvimento e

aprendizagem, as implicações do contexto histórico-social, os aspectos internos e

externos do sujeito, cada um desses aspectos assume um caráter particular para cada um

dos autores em referência. Vigotski se concentrou no estudo das funções psicológicas

superiores, priorizando na relação sujeito objeto um terceiro elemento que é a mediação,

com ênfase no papel da cultura. Piaget, por sua vez, se centrou na constituição de

sistemas estruturais como a chave do desenvolvimento da inteligência, destacando-se os

elementos de cunho mais biológicos.

Vigotski e Piaget, partindo de pressupostos epistemológicos distintos, denotam

semelhanças na compreensão de mundo e de sujeito. Ambos rompem com as teorias

empiristas e aprioristas na busca de uma teoria que pudesse explicar a natureza dos

processos psicológicos humanos. Do mesmo modo, rejeitam os dualismos cartesianos

entre mente/corpo, matéria/ consciência, indivíduo/sociedade. Pensam o mundo, o

sujeito, na perspectiva das relações, numa interdisciplinaridade, não de um

determinismo formal de causa e efeito, se opondo a qualquer reducionismo.

Dessa maneira, na primeira parte do trabalho buscamos discutir algumas

contribuições do pensamento de Piaget para o processo de desenvolvimento e

aprendizagem. Na segunda parte, o foco é o pensamento de Vigotski. Após este

percurso finalizamos com breves considerações sobre estes autores que, embora

apresentem tanto diferenças como aproximações em seus interesses de pesquisa e

metodologia, auxiliam significativamente cada um ao seu modo no campo da educação.

Jean Piaget: a origem e evolução do conhecimento

Nascido em Neuchâtel, na Suíça no ano de 1896, Piaget com dez anos já

realizava estudos sobre um pardal albino em 1906 que lhe valeu mais tarde um convite

para ser assistente do Diretor do Museu de Ciências Naturais de Neuchâtel. Filho

primogênito de Arthur (professor universitário) e Rebeca (doméstica), com dezenove

anos foi licenciado pela Universidade de Neuchâtel. Para Piaget, pensar implicava

escrever, logo, publicou mais de 50 livros e centenas de artigos. Pela precocidade de seu

talento intelectual e pela originalidade e importância de suas pesquisas e teorias sobre o

conhecimento humano foi considerado um gênio.

Com 21 anos doutorou-se em ciências naturais, na Universidade de Neuchâtel. A

relevância deste estudo de Piaget é destacada pelo livro Os Pensadores:

Os estudos de biologia fizeram-no suspeitar de que os processos de conhecimento poderiam depender dos mecanismos de equilíbrio orgânico: por outro lado, Piaget convenceu-se de que tanto as ações externas quanto os processos de pensamento admitem uma organização lógica. Elaborou, então, um ensaio sobre o equilíbrio do todo e suas partes (PIAGET, 1978, p. VIII).

As questões sobre a origem do conhecimento notadamente tem um caráter

filosófico e em Piaget recebeu a denominação de Epistemologia Genética.

Epistemologia refere-se à Teoria do Conhecimento, conjunto de idéias e conceitos que

visam descrever e explicar como se processa o conhecimento. Enquanto epistemólogo,

Piaget dedicou-se a estudar a passagem do conhecimento “menos estruturado” ao estado

de conhecimento “mais estruturado”, procurando entender o desenvolvimento do

conhecimento desde o nascimento do indivíduo até ele se tornar capaz de realizar

raciocínios mais complexos, próprio do cientista e do filósofo.

A teoria de Piaget atribui ao sujeito um papel ativo, epistêmico, faz do

aprendizado uma derivação do próprio desenvolvimento humano. Estruturas lógicas são

explicadas por meio de mecanismos endógenos, em que a atuação externa pode facilitar

ou obstaculizar este processo. Sua postura construtivista conduz a afirmação do papel da

escola como facilitadora na medida em que a criança pode elaborar por si mesma os

saberes contando unicamente com o auxílio dos instrumentos lógicos.

Cumpre destacar que embora a Epistemologia tenha por objeto o conhecimento e

a Psicologia estuda o sujeito humano, estas duas áreas do saber, na perspectiva

piagetiana, não podem ser tratadas de modo independente, na medida em que ambas

relacionam-se intrinsecamente. Vê-se, que para compreender o pensamento de Piaget é

preciso considerar as características de auto-regulação, transformação e totalidade do

sujeito.

[...] um organismo implica uma estrutura que seja receptiva ao meio. A reação de um organismo não é, portanto, simplesmente uma resposta a um estímulo exterior, mas é também a resposta da estrutura subjacente do organismo e só se pode compreender de modo adequado

a natureza de um estímulo depois de analisar a estrutura que está na base da resposta (GOULART, 2005, p. 16).

Enfatiza-se, portanto, a inter-relação que existe entre o sujeito e o meio. Por isso,

observa Piaget (1978) que o desenvolvimento da criança se caracteriza pela sucessão de

estruturas mentais nas quais ela se comporta no sentido de estruturar o meio. O modelo

de compreensão da realidade, a percepção, a linguagem, a afetividade e a estrutura

mental da criança é a forma particular dela abordar o meio e realizar sua resposta. Para

Piaget, o desenvolvimento cognitivo é entendido como um processo de sucessão de

esquemas mentais em que a estrutura mais simples constitui a base das estruturas mais

complexas. Para tanto, o autor criou os estágios de desenvolvimento infantil desde o

momento do nascimento da criança até atingir a vida adulta, ou seja, o sensório-motor

(0 a 2 anos), o pré-operatório (2 a 7 anos), operatório concreto (7 a 11 anos) e operatório

formal (11 anos em diante).

A preocupação principal de Piaget era com a origem do conhecimento, como a

criança constrói seu próprio conhecimento. Dedicando-se através do método clinico,

com o estudo do desenvolvimento da inteligência na criança.

Piaget: o conceito de assimilação e acomodação

Os conceitos de assimilação e acomodação são fundamentais para a

compreensão do pensamento de Piaget. Tomados da biologia, estes dois conceitos

podem contribuir para esclarecer o caráter dialético da construção do conhecimento pelo

homem. A exemplo disso, para entendermos a criança, aqui de modo particular como

construtora ativa do seu conhecimento e, dentro de um processo dialético, tem-se que o

sujeito constrói seu objeto e, ao mesmo tempo é construído por ele, sofrendo

interferências, sejam estas de cunho individual ou social.

A criança, o adolescente, o adulto interagem com o ambiente que os cerca. Ao

alimentarem-se transformam o alimento (ao mastigá-lo, ao dissolvê-lo com a saliva) e

são transformados por este (o alimento se torna parte constitutiva do homem que se

apropria dos nutrientes necessários a sua sobrevivência). Temos aqui o organismo do

homem interagindo com o alimento, processo este chamado por Piaget de assimilação.

De modo similar, os leitores de um texto assimilam conhecimentos novos

constantemente e estes conhecimentos provocam alterações no modo em que o leitor

organizava seus saberes sobre o assunto. Chama-se a isso o processo de acomodação.

Em Piaget, a inteligência é adaptação e seu papel é organizar o universo, tal qual

o organismo busca estruturar o meio ambiente. Essencialmente não há diferenças entre

os seres vivos, “mas somente tipos específicos de problemas que implicam em níveis

diversos de organização. As estruturas da inteligência mudam através da adaptação a

situações novas e tem dois componentes: a assimilação e a acomodação” (PIAGET,

1978, p. X). Neste sentido, pode-se dizer que de acordo com suas estruturas biológicas,

mentais, cada ser humano, responde de modo singular aos estímulos do meio externo.

Conforme Goulart:

[...] A criança é, pois, o próprio agente de seu desenvolvimento; os processos assimilativos gradualmente estendem seu domínio e a acomodação leva a modificações da atividade. Do equilíbrio desses dois processos advém uma adaptação ao mundo cada vez mais adequada e uma conseqüente organização mental, que se designa como equilibração das estruturas mentais (2005, p. 19).

A criança é constantemente desafiada pelas contingências da vida que rompem

com o estado de equilíbrio de seu organismo e iniciam a busca de novas maneiras de

lidar com aquilo que se apresenta de modo novo. Neste processo, o organismo utiliza-se

de suas estruturas mentais e quando estas forem insuficientes, ineficazes, então ele

procura outra forma mais apropriada para lidar com a nova situação. Percebe-se, deste

modo, que o processo global de adaptação diz respeito a dois processos que são

complementares, ou seja, a assimilação e a acomodação.

Segundo Piaget, a assimilação refere-se à ampla “integração de elementos novos

em estruturas ou esquemas já existentes. A noção de assimilação, por um lado, implica a

noção de significação” (1978, p. XI). Por outro lado, ela também expressa o fato

fundamental de que todo conhecimento de um objeto relaciona-se a assimilá-lo dentro

dos padrões, dos esquemas de ação já existentes. Por sua vez, a acomodação é definida

como a necessidade de modificação dos esquemas de assimilação, quando estes já não

dão conta de responder de modo suficiente perante um problema ou a uma nova

situação.

Observa-se que assimilação e acomodação complementam-se, de modo que,

uma não existe sem a outra. Sobre isso Piaget esclarece:

A adaptação do sujeito ocorre através da equilibração entre esses dois mecanismos, não se tratando, porém, de um equilíbrio estático, mas sim essencialmente ativo e dinâmico. Em termos mais precisos, trata-se de sucessões de equilibração cada vez mais amplas, que possibilitam as modificações dos esquemas existentes, a fim de atender à ruptura de equilíbrio, representada pelas situações novas, para as quais não exista um esquema próprio (1978 p. XII).

Ao processo de adaptação intelectual chamamos de assimilação e acomodação,

responsável para possibilitar o crescimento e desenvolvimento do ser humano na

medida em que o sujeito adquire uma flexibilidade cada vez maior para lidar com as

situações da vida prática.

Destaca-se, portanto, dentro da perspectiva sócio-interacionista que o professor

deixou de ser o ‘senhor da verdade’ e tornou-se um facilitador do aprendizado. Devendo

acompanhar o aluno sem restringí-lo, fornecendo os meios para que se desenvolva de

modo espontâneo e provocando conflitos cognitivos para que construa novos

conhecimentos. Ajudá-la a entender o mundo que a rodeia e, a partir disso, suscitar a

motivação pela busca do saber. Este processo precisa ser realizado sempre de comum

acordo entre professor e aluno.

Vigotski e a teoria histórico-cultural

Lev Semionovich Vigotski (1896-1934) nasceu na cidade de Orsha, na Bielo-

Rússia e vítima de tuberculose faleceu com apenas 38 anos de idade. É lembrado como

uma criança precoce e que cresceu sob o sistema tradicional judaico. Segundo filho de

uma família de oito irmãos, casou-se e teve duas filhas. De produção intelectual intensa

elaborou aproximadamente 200 estudos científicos sobre uma variedade de temas e

questões em discussão pela psicologia contemporânea e de modo geral, as ciências

humanas. Suas obras são extremamente densas e complexas. Sua produção é tida como

uma obra aberta, incompleta, em função da sua morte prematura.

[...] O que mais impressiona, dentre vários aspectos, na leitura da obra de Vygotsky é a sua contemporaneidade. Seus escritos, elaborados há aproximadamente sessenta anos, ainda hoje têm o efeito do impacto, da ousadia, da fidelidade à investigação acerca de pontos obscuros e polêmicos no campo científico (REGO, 1999, p. 15).

É importante destacar que Vigotski obteve o título de doutor em psicologia no

ano de 1925/1926, mesmo sem ter defendido a tese em função de seu estado de saúde

agravado. A tese resultou na publicação do livro A Psicologia da Arte, em 1925.

Vigotski viveu a efervescência da Revolução de 1917 e, apesar dos inúmeros

desafios, o autor forneceu um novo paradigma para a compreensão do homem e de

sociedade. Descobriu no pensamento dialético uma fonte científica valiosa, em que

todos os fenômenos podem ser estudados como processos em movimento e em

mudança. Apoiando-se nesse pensamento, via no trabalho humano e no uso de

instrumentos as vias pelas quais o homem transforma a natureza e a si próprio.

Tudo indica que o fato de Vigotski ter sido um marxista convicto e não ter se

submetido aos dogmas ditados pela ciência de Stálin, contribuiu para que a leitura de

seus escritos fosse proibida durante o governo stalinista. Coerente com o pensamento de

Marx, Vigotski reafirmava que os seres humanos, na medida em que são influenciados

pelo ambiente externo, também o modificam, dentro de um processo dialético. Portanto,

podemos afirmar que:

[...] A partir de sua inserção num dado contexto cultural, de sua interação com membros de seu grupo e de sua participação em práticas sociais historicamente construídas, a criança incorpora ativamente as formas de comportamento já consolidadas na experiência humana (REGO, 1999, p. 55).

Ao valorizar a criança, o homem, a pessoa humana em si mesma e de modo

integral, o autor se contrapôs à concepção abstrata do homem que perdura de maneira

inadequada na educação brasileira ao privilegiar o sujeito em detrimento do objeto e

vice-versa. Esta postura inadequada presente no meio escolar, tem consolidado a

existência de posturas objetivistas e subjetivistas, bastante arraigadas em certas

correntes teóricas. Vigotski procurou romper com este dualismo construído

historicamente, alicerçando-se nos princípios do materialismo histórico e dialético.

Buscou superar a dicotomia mente e corpo, social e individual, tendo sempre presente a

realização da síntese. Logo, para compreender Vigotski é fundamental ter presente a

categoria de totalidade e complexidade.

Assim Vigotski, através do estudo da corrente da psicologia soviética

autodenominada histórico-cultural, contribui para o campo da educação na medida em

que discute as características do psiquismo humano, indicando subsídios para novos

olhares acerca do desenvolvimento do indivíduo.

A corrente histórico-cultural de psicologia, cuja figura de proa é Lev S. Vigotski, constitui uma exceção na história do pensamento psicológico, não só porque introduz a cultura no coração da análise, mas sobretudo porque faz dela a “matéria prima” do desenvolvimento humano que em razão disso, é denominado “desenvolvimento cultural”, o qual é concebido como um processo de transformação de um ser biológico num ser cultural (PINO, 2005, p. 52).

A linguagem e o mundo social

Vigostki pesquisou a origem das características psicológicas tipicamente

humanas. Para ele, o homem possui diferentemente dos animais um universo de

conceitos abstratos, desvinculando-se por vezes das impressões imediatas. Além do

conhecimento sensorial ele possui o conhecimento racional.

Rego, nesta perspectiva assinala:

[...] São os instrumentos técnicos e os sistemas de signos, construídos historicamente, que fazem a mediação dos seres humanos entre si e deles com o mundo. A linguagem é um signo mediador por excelência, pois ela carrega em si os conceitos generalizados e elaborados pela cultura humana (1999, p. 42).

Compreende-se, deste modo, que para Vigotski, o instrumento linguístico e a

interação social são decisivos para compreender o desenvolvimento cognitivo. Pode-se

dizer que é dentro de processos interativos entre os seres humanos que a linguagem

adquire significado. Entretanto, é conveniente destacar os apontamentos de Morato,

para um estudo mais aprofundado deste autor, quando afirma que pensar Vigotski, na

atualidade, implica em

pensar a historicidade radical da relação entre linguagem e cognição como forma de reação à maneira como a tradição ocidental tem pensado o sentido, isto é, em termos de uma não-linguagem, ou de um obstáculo epistemológico para se pensar a linguagem em sua relação com a cognição e com o mundo (2000, p. 152).

Entende-se que o desenvolvimento das funções intelectuais, em Vigotski, é

mediado pelos signos e pelo outro dentro de um processo de interação social. Assim, a

criança ao internalizar as experiências recebidas do meio cultural, acolhe

individualmente e reconstrói seu mundo interior, aprendendo a organizar sua atividade

mental dentro destas relações histórico-culturais. Gradualmente a criança deixa de se

basear em signos externos e passa a se utilizar de recursos internalizados como, por

exemplo, o conceito, as representações mentais, as imagens, etc.

Conforme Luria, Leontiev, Vigotski et al (1977), para uma compreensão dos

conceitos, é necessária à base psicológica que favoreça a construção da relação que

existe entre a palavra e a imagem, entre os componentes abstratos do pensamento com o

concreto. Sendo assim, “o professor tem que recorrer ao material visual como base para

a formação de conceitos; caso contrário, dar-se-á uma assimilação puramente formal das

noções” (1977, p. 12). Acrescenta-se, ainda, que a utilização da diversidade do material

usado também contribui com a formação dos conceitos e isto implica na relevância da

variação do material concreto para facilitar de modo correto o processo de abstração.

Portanto, é importante insistir na importância da utilização dos recursos visuais,

na realização de experiências de laboratório e em passeios sistematizados. A criança

precisa ser estimulada a conhecer e constantemente buscar o conhecimento. Nesta

perspectiva, Castorina, destaca:

a teoria de Vigostski aparece como uma teoria histórico-social do desenvolvimento que, pela primeira vez, propõe uma visão da formação das funções psíquicas superiores como ‘internalizaçao’ mediada da cultura e, portanto, postula um sujeito social que não é apenas ativo mas sobretudo interativo (2002, p. 12).

Vigotski mostrou que existe um lugar crucial para a intervenção dos sistemas de

signos na constituição da subjetividade humana, não reduzindo o ser humano aos

aspectos biológicos apoiados na evolução filogenética e que estava na origem das

funções “naturais”. Enfatizava, por conseguinte, a importância das questões sociais e

culturais no processo de desenvolvimento e formação do psiquismo humano.

Vigotski e o processo de desenvolvimento humano

Para explicar o processo de desenvolvimento, Vigotski faz uso do conceito de

nível de desenvolvimento atual e nível de desenvolvimento proximal. Afirma que ao

analisar o desenvolvimento de uma criança, é necessário não se deter naquilo que já

amadureceu, mas no que está em processo de formação. Para tanto, trabalha com o nível

de desenvolvimento atual (em algumas traduções aparece como real ou efetivo) e com o

nível de desenvolvimento proximal. O primeiro diz respeito aos problemas que a

criança resolve de forma independente, autônoma. O segundo se refere a problemas que

a criança soluciona com ajuda, com a colaboração do adulto ou de uma criança mais

experiente.

De acordo com Duarte (2001), “[...] o nível de desenvolvimento de uma criança

é caracterizado por aquilo que ela consegue fazer de forma independente e por aquilo

que ela consegue fazer com a ajuda de outras pessoas” (p. 96). A educação deve

desempenhar a função de produzir conexões entre estes dois níveis do desenvolvimento.

Vigotski (1982), ao fazer a relação entre desenvolvimento e aprendizagem,

critica a aprendizagem que se limita ao nível do desenvolvimento atual, justificando que

o bom ensino é aquele que trabalha com a zona de desenvolvimento próximo, uma vez

que ensinar uma criança a fazer o que já é capaz de realizar sozinha é tão infrutífero

quanto tentar ensinar-lhe aquilo que, no momento, ela ainda não possui capacidade de

aprender.

Entendemos que o que provoca o desenvolvimento da criança é o fato de serem

exigidas dela capacidades que se encontram em formação, que se situam na zona de

desenvolvimento próximo, ou seja, as funções que estão em processo de

amadurecimento. Assim, o bom ensino deve se adiantar ao desenvolvimento infantil e

transmitir à criança os conteúdos historicamente produzidos pela sociedade e auxiliar o

aluno na internalização de conceitos científicos e conhecimentos mais elaborados.

Saviani (1994) considera que a escola deve propiciar condições ao indivíduo de

desenvolver-se, tendo em vista não apenas o aparato biológico do qual é dotado ao

nascer, mas também, por meio da apropriação do saber acumulado pelas gerações.

Para Vigotski (1982), o desenvolvimento do indivíduo não se dá em um curso

linear, no qual se valorizam somente as mudanças progressivas, de maneira que um

desvio do curso esperado caracteriza uma interrupção. Ao contrário, essas ocorrências

fazem parte do processo de transformação, uma vez que o termo desenvolvimento,

concebido como história e movimento, implica evolução, involução, revolução e, além

de tudo, voltado para o futuro. Caracteriza-se, pois, como um processo sistêmico que

conecta várias funções e se dá pela interação entre os elementos que compõem um

sistema.

Segundo o autor, existe um percurso de desenvolvimento, que em parte tem o

suporte do processo de maturação do organismo individual, inerente à espécie humana,

mas são as situações de aprendizagem que propiciam o despertar de processos internos

de desenvolvimento que, se não houvesse o contato do indivíduo com determinado

ambiente cultural, não aconteceria.

Entende-se que para Vigotski, a essência do desenvolvimento dá-se no encontro

entre a “ordem na natureza”, onde a criança nasce, e a “ordem da cultura”, onde ela se

desenvolve. O biológico é transformado sob a ação do cultural, assim como o cultural

prescinde do biológico para constituir-se, existindo, ao mesmo tempo, o que Vigotski

chamou de continuidade e ruptura entre esses dois elementos que acompanham o ser

humano ao longo de toda sua trajetória de vida.

Desse modo, ao estudarmos o processo de desenvolvimento do psiquismo

humano, é importante o entendimento de que este não é resultado somente das

características biológicas, mas é resultado de um processo de aprendizagem

determinado por todas as circunstâncias do desenvolvimento da criança em seu meio.

Desde o nascimento, ela é rodeada por um mundo concreto criado pelos mais velhos, do

qual aos poucos vai se apropriando. Para constituir-se como ser social, desde os

primórdios da humanidade, o homem passou por um processo de desenvolvimento de

suas funções psíquicas, que foram sendo transformadas de geração para geração e

aprimoradas no decorrer de toda sua história, de acordo com as demandas do meio e

para atender suas necessidades.

Nesse contexto, Vigotski acreditava em uma teoria do desenvolvimento

psicológico humano, baseada na noção de que a essência da vida humana é cultural.

Dessa maneira, o ser humano é constituído por uma dupla série de funções: as naturais,

regidas por mecanismos biológicos, e as culturais, regidas por leis históricas4. O

homem, então, nasce dotado de funções psicológicas elementares, que são de origem

biológica, presentes no ser humano e nos animais desde o nascimento, como, por

exemplo, os reflexos, os processos espontâneos e rudimentares. Essas funções são

determinadas imediatamente e automaticamente pelos estímulos externos (o ambiente) e

pelos estímulos internos baseados nas necessidades biológicas. No decorrer do seu

desenvolvimento, essas funções básicas se fundem para formar as funções psicológicas

superiores, que são tipicamente humanas: ações conscientemente controladas como o

pensamento, o raciocínio, a atenção, a percepção, à vontade, entre outras. Portanto,

podemos dizer que na perspectiva vigotskiniana, tanto a evolução biológica como a

social contribuíram para a constituição do ser humano.

4 Muitas vezes, tais funções aparecem com a nomenclatura de funções elementares e funções superiores, respectivamente.

Considerações finais

No intuito de concluir este trabalho, podemos dizer que as contribuições de

Piaget e Vigotski, fornecem na atualidade uma base teórica para a compreensão da

prática educacional na área da educação. Tanto Piaget como Vigotski destacam-se como

precursores importantes ao proporem uma nova psicologia com mudanças na concepção

de sujeito e de mundo.

Os autores nos convidam a refletir sobre o modo com se dá processo de

aprendizagem e desenvolvimento, bem como, enfatizam a importância do papel do

professor. Em Vigotski como mediador e em Piaget como facilitador. Para ambos,

entende-se que o professor deve compreender seu papel articulado aos aspectos sociais,

políticos, ideológicos e econômicos da sociedade vigente e do atual momento histórico.

Bem como, entendemos que nessa perspectiva cabe ao professor fazer intervenções no

sentido de contribuir no processo de aprendizagem e desenvolvimento de seus alunos,

com vistas a sujeitos autônomos e criativos na construção do próprio conhecimento.

Logo, entendemos que o papel do professor vai além do papel de mediador ou

facilitador entre os alunos e os objetos do conhecimento, mas deve estar constantemente

estudando e aperfeiçoando sua prática pedagógica.

E, finalmente, dizer que o estudo aqui realizado não apresenta uma leitura

concluída da teoria de Piaget e de Vigotski. Teve por objetivo provocar uma reflexão

acerca da importância do pensamento desses autores para o trabalho no campo da

educação, assim, nos detivemos em alguns elementos considerados disparadores quando

se discute o processo de desenvolvimento e aprendizagem do ser humano.

Referências

CASTORINA, José Antonio. O debate Piaget-Vigotski, a busca de um critério para sua avaliação. In: CASTORINA, José Antonio; FERREIRO, Emilia; LERNER, Delia; OLIVEIRA, Marta Kohl de. PIAGET – VYGOTSKY, Novas Contribuições para o debate, São Paulo, SP: Editora Ática, 2002.

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GOULART, Iris Barbosa. Piaget: experiências básicas para utilização pelo professor. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.

LURIA, LEONTIEV, VIGOTSKI ET al. Psicologia e Pedagogia II. Tradução de Maria Flor Marques Simões, Lisboa: Editora Estampa, Ltda, 1977.

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PALANGANA, Isilda Campaner. Desenvolvimento e aprendizagem em Piaget e Vygotsky: (a relevância do social). São Paulo: Summus, 2001.

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PINO, Angel. As marcas do humano: às origens da constituição cultural da criança na perspectiva de Lev S. Vigotski. São Paulo: Cortez, 2005.

REGO, Tereza Cristina. Vygotsky: Uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1999.

SAVIANI, Demerval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas: Autores Associados, 1994.

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