Planejamento e Ordenamento a serviço do capital

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Planejamento e Ordenamento: Instrumentos a Serviço do Capital! ? Carlos Henrique Marinho Branco * Resumo Este trabalho apresenta uma proposta de discussão teórica sobre os conceitos de território, planejamento, desenvolvimento e ordenamento. No segundo momento procurou- se identificar a forma de como é utilizado o planejamento por parte do Estado, este utilizando de ferramentas institucionais, buscando instrumentalizar o território para o grande capital. Por fim abordaremos a forma de ação do Estado frente ao território no Brasil e seus desdobramentos sócio-espaciais. Palavras-Chave: Planejamento. Estado. Espaço Regional. Território. Abstract This paper presents a proposal for discussion on the theoretical concepts of territory, planning, development and planning. In the second time sought to identify how it is used for the planning by the state, using the tools of institutional, seeking exploit the territory for big * Professor Licenciado em Geografia especialista em Geografia da Amazônia: Sociedade e gestão dos recursos naturais. Email – [email protected]

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Planejamento e Ordenamento: Instrumentos a Serviço do Capital! ?

Carlos Henrique Marinho Branco*

Resumo

Este trabalho apresenta uma proposta de discussão teórica sobre os conceitos de

território, planejamento, desenvolvimento e ordenamento. No segundo momento

procurou-se identificar a forma de como é utilizado o planejamento por parte do Estado,

este utilizando de ferramentas institucionais, buscando instrumentalizar o território para

o grande capital. Por fim abordaremos a forma de ação do Estado frente ao território no

Brasil e seus desdobramentos sócio-espaciais.

Palavras-Chave: Planejamento. Estado. Espaço Regional. Território.

Abstract

This paper presents a proposal for discussion on the theoretical concepts of territory,

planning, development and planning. In the second time sought to identify how it is

used for the planning by the state, using the tools of institutional, seeking exploit the

territory for big business. Finally we discuss how to share the state facing the territory

in Brazil and its socio-spatial developments.

Keywords: Planning. State. Regional Space. Territory.

* Professor Licenciado em Geografia especialista em Geografia da Amazônia: Sociedade e gestão dos recursos naturais. Email – [email protected]

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1 – INTRODUÇÃO

A retomada da discussão em torno do desenvolvimento regional vem no bojo

do processo de globalização e dos poderes hegemônicos atuais, que reforçam a

necessidade de respostas nacionais e locais, a fim de inserir novos elementos no sistema

impetrante de expansão e acumulação capitalista, revalorizando os processos de

desenvolvimento local, com ênfase no planejamento participativo e descentralizado.

A heterogeneidade do sistema econômico mundial demonstra a existência de

dois segmentos distintos e vinculados com o núcleo globalizado. O primeiro deles as

grandes e médias empresas, grupos transnacionais, com intensa articulação e o seguinte,

consubstanciado pela economia camponesa, informal e de subsistência, as pequenas e

médias empresas, de reduzida inserção, apresentando lógicas distintas de

funcionalidade, mas ambas importantes para explicar o desenvolvimento na sua

amplitude.

Por outro lado, a globalização levou a um “redescobrimento” da dimensão

territorial, uma vez que foi capaz de provocar uma redistribuição geral das atividades no

território. Esse processo provoca uma transformação dos territórios sub-nacionais, em

espaços da economia internacional, determinando uma nova divisão social do trabalho,

que pode obedecer a distintas lógicas em função de uma divisão horizontal ou vertical

dos territórios, segundo suas conexões com outros lugares do mundo (lógica vertical) ou

segundo a sua capacidade de construção de redes e organizações dentro do mesmo

território (lógica horizontal).

As políticas públicas de desenvolvimento regional, não podem centrar-se em

medidas compensatórias e assistencialistas em vista das dinâmicas regionais ou locais.

Elas devem sim, promover estratégias de desenvolvimento endógeno, de forma mais

consistente e sustentável, onde o Estado juntamente com os atores territoriais, sejam os

animadores e catalisadores deste processo, criando regiões inovadoras e

impulsionadoras do desenvolvimento. Este é o aspecto fundamental, que deve fazer

parte das políticas de desenvolvimento regional em qualquer escala territorial.

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É neste contexto, que buscamos contribuir, no sentido de reinventar a política

pública de desenvolvimento regional (territorial), como oportunidade para a sociedade

na sua construção social, já que hoje ela é ainda tratada de forma marginal e de pouca

importância, numa negativa da sua capacidade, para contribuir nos processos de

distribuição da renda intra-inter-regional.

2 - Planejamento e Ordenamento: Instrumentos a Serviço do Capital!?

As técnicas e práticas do planejamento foram essenciais para o

desenvolvimento desde seu inicio. Neste sentido, o planejamento deu legitimidade à

tarefa do desenvolvimento, alimentando esperanças. De forma conceitual, o

planejamento implica em mudanças de ordem sócio – econômica podem ser forjadas e

dirigidas, ou até mesmo produzidas. Dessa forma, os países pobres seriam capazes de

progredir com certa tranqüilidade, foi sempre aceita como uma verdade incontestável.

Talvez no mundo não haja uma imposição tão bem aceita por todos como o

planejamento.

Na primeira metade do século XIX, capitalismo e a Revolução Industrial

provocaram rápidas mudanças nas cidades fabris, no continente europeu. No período

entre 1800 e 1950, é que ocorreram à introdução de formas de administração e de

controle da sociedade. O planejamento cientifico, atinge a maturidade nos anos 20 e 30,

com a mobilização da produção nacional durante a Segunda Grande Guerra, e no

período do após-guerra. Arturo Escobar (1999) cita que: “no despertar da era do

desenvolvimento no Terceiro Mundo, no final da década de 40, o sonho de desenhar as

sociedades através do planejamento encontrou um terreno ainda mais fértil”.

Segundo o autor na América Latina e na Ásia, a criação de uma “sociedade em

desenvolvimento”. Neste sentido, podemos tecer algumas considerações a respeito às

políticas desenvolvidas nesses continentes. Para introduzir o “planejamento” nos países

do Terceiro Mundo, foi necessário estabelecer certas condições estruturais e

comportamentais nessas sociedades. Neste sentido, entende-se que era necessário

moldar essas sociedades para um “estágio moderno”, o que exterminaria às “tradições”

nesses lugares. Pela lógica e ordem econômica do sistema capitalista, o planejamento

estabeleceria o subsidio para a produção e reprodução do capital nesses países.

No final da década de 50, a maioria dos países do Terceiro mundo já estavam

envolvidos em atividades de planejamento. Portanto, ao lançar a primeira “década do

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desenvolvimento”, no começo dos anos 60, as Nações Unidas já estavam

suficientemente confiantes para declarar ao mundo que:

Já foi preparado o terreno para uma consideração não-doutrinária dos verdadeiros problemas do desenvolvimento, ou seja, poupança, treinamento, planejamento e ações que os implementem. Em particular, as vantagens de lidar com esses vários problemas em uma abordagem que os considerem em conjunto, através de um planejamento minucioso para o desenvolvimento, e não como fatores isolados, ficam mais evidentes...Um planejamento cuidadoso para o desenvolvimento pode ser um instrumento poderoso na mobilização...De recursos latentes (que contribuam) para uma solução racional dos problemas em questão1.

Sobre a proposta de implementação do planejamento nas nações

subdesenvolvidas, o presidente americano John Kennedy, discursou na ONU sobre a

ação planejadora dos países desenvolvidos com relação às nações do terceiro mundo:

O mundo está muito diferente nos dias de hoje. Pois o homem tem, em suas mãos o poder de abolir todas as formas de pobreza humana e todas as formas de vida humana...Para aqueles que vivem nos casebres e aldeias de metade do globo, lutando para romper os grilhões da miséria generalizada...Fazemos uma promessa – converter nossos votos de boa vontade em boas ações – em uma nova aliança para o progresso – para ajudar homens livres e governos livres a se libertarem dos grilhões da pobreza2

Declarações como essa do presidente americano reduziram e ainda reduzem –

haja vista que o discurso não mudou – a vida no Terceiro Mundo. Os países da periferia

do sistema são reduzidos a miseráveis, ignorando tradições, estilos de vida e conquistas

históricas nessas nações. Sob análise dos planejadores e dos desenvolvimentistas as

nações subdesenvolvidas precisavam de uma intervenção em seus modelos de

desenvolvimento, para superarem o atraso e a miséria. Parece que o Primeiro mundo

tinha pronto e acabado o receituário contra a miséria nos países subdesenvolvidos.

Cooptaram dessas nações menos abastadas a possibilidade de criação de um modelo

próprio de desenvolvimento, implementando ações exógenas de desenvolvimento

nesses países.

A forma de como produzir esse desenvolvimento, os planejadores acreditavam

em um sistema infalível. Segundo eles o Estado planeja, a economia produz, e os

trabalhadores concentram-se em suas atividades afins. Para produzir essa forma de

1 United Nations, Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais, The United Nations Development Decade: Proposals for Action, Nova Iorque, United Nations, 1962, p.210.2 Discurso presidencial, 20 de Janeiro de 1961.

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planejamento, precisava-se unir com os interesses das elites do Terceiro Mundo para

que o processo fosse completo. Criar junto a essas elites a idéia de progresso, de

ascensão econômica e social era fundamental. De forma sintetizada o planejamento

garante a operacionalização de um poder que depende de um tipo de realidade que

certamente não é a das populações menos favorecidas. Sobre a forma de produção do

planejamento nos países, Escobar (1999) tece as seguintes reflexões:

Como sistema de representação, o planejamento precisa, assim, fazer com que as pessoas esqueçam as origens de sua história. [...] O planejamento, portanto, depende de varias práticas consideradas racionais e objetivas, mas que, na realidade, são altamente ideológicas e políticas, e é através delas que se desenvolvem. Antes de tudo, como em outras áreas relacionadas como o desenvolvimento, o conhecimento sobre o Terceiro Mundo que é produzido no Primeiro, dá uma certa visibilidade a algumas realidades especificas de países “subdesenvolvidos”, fazendo com que essas realidades se transformem em alvos do poder. (ESCOBAR, 1999. p. 221).

As práticas institucionais como o planejamento e a implementação de projetos,

por outro lado, nos dá a impressão de que as políticas públicas são fruto de atos

racionais e isolados, e não de um processo de aceitação de interesses conflitantes, um

processo no qual se fazem escolhas, efetuam-se exclusões, além de impor sua própria

visão de mundo. Conforme análise do autor, podemos considerar que as

“problematizações” indicadas por Washington, se apresentam de tal maneira que a única

forma de resolvê-los seria a aceitação de um programa para o desenvolvimento. Neste

sentido as propostas fundamentadas pelas nações desenvolvidas em prol de “ajudar” aos

seus pares menos abastados, não mais é do que política de cunho ideológico, que visa

operacionalizar o poder e a influência do capital em grandes áreas do globo, sobretudo,

as que dispõem de recursos.

3 - Conceitual sobre o Ordenamento Territorial

No cerne dos processos de planejamento está a prática de ordenamento do

território, e seus desdobramentos atuais. O processo de ordenamento territorial tem sido

objeto de diversas interpretações. Para alguns autores que o definem como: “a expressão

espacial da política econômica, social, cultural e ideológica”. Para outros autores

constitui-se como “uma disciplina cientifica, uma técnica administrativa e uma política

de ação”.

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Como não há um consenso com relação à conceitualização de Ordenamento

Territorial, podemos afirmar que ainda é um conceito em construção de inúmeros

sentidos, sofrendo diversas interpretações. No caso do ordenamento territorial, temos os

seguintes objetivos: desenvolvimento socioeconômico equilibrado das regiões; melhoria

da qualidade de vida; gestão responsável dos recursos naturais e a proteção do meio

ambiente e utilização racional do território. Ao se propor os objetivos de ordenar o

território, se impõem três questões centrais: O que ordenar? Para que ordenar? Como

ordenar? Essas seriam as principais questões sobre a forma de pensar e implementar

ações planejadoras sobre o (s) território (s).

Ordenar o território exige a superação de ultrapassadas concepções do

desenvolvimento: da sustentabilidade ambiental ao crescimento da melhoria da

qualidade de vida das sociedades. Trata-se de um imperativo global que chegou para

ficar. Como diz o economista chileno, Osvaldo Sunkel, “este é um tema que as classes

dirigentes de nossa região não poderão adiar sob pena de sofrer graves conflitos internos

e sérias dificuldades internacionais”.

Neste sentido entendemos que implementação de ações planejadoras e que

visem ordenar o território está intrinsecamente ligada aos interesses das grandes

incorporações internacionais que visam otimizar a forma de produção nesses espaços.

Foi somente há 70 anos, que surgiu a idéia de intervenção deliberada do poder público

para induzir a localização de atividades, ou seja, ordenar territórios. No decorrer das

décadas, houve um intenso processo de aperfeiçoamento de ações de planejamento por

parte do Estado, além da própria diversificação de ação do poder público em função,

sobretudo, das necessidades especificas de cada região. Essas especificidades regionais

trouxeram uma gama de instrumentos de ação planejadora por parte dos estados nações.

Todos os países adaptaram suas formas de atuação frente ao território, levando em

consideração os agentes presentes no mesmo. O ordenamento territorial passou a ter,

portanto, sentido bem mais preciso, em seu bojo, visa organizar o processo de

desenvolvimento no território. Segundo Ruckert (2001), há pelo menos quatro fatores

que explicam essa volta do território ao domínio da ação pública3:

Primeiramente, ele está no centro estratégico que visam à competitividade e atração econômica; é nele que pode ser feita e reforçada a coerção social; é

3 Em sua obra, “A reforma do Estado e tendências de reestruturação territorial”, Ruckert analisa a forma de produção espacial nos territórios, assim como a ação estatal nos mesmos. Sua tese de doutorado buscou entender como o processo de reestruturação do parelho estatal iria se comportar frete aos novos processos de (re) configuração territorial corrente nesta época.

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o melhor instrumento de modernização das políticas públicas. São nos territórios que permanecem o domínio de ação de instâncias hierárquicas superiores regidas por acordos regionais e supranacionais. (RUCKERT, 2001, p. 136).

O século XX mostrou que o Estado pode produzir a interiorização do

desenvolvimento de diversas regiões, porém, a eficiência econômica dessa intervenção

não esta provada, ou seja, o Estado como indutor de planejamento do desenvolvimento

através de ferramentas técnicas buscando a otimização da produção espacial, porém, os

resultados nem sempre são satisfatórios, ou atingem os objetivos almejados. No Brasil a

implementação de ações estatais com relação ao território, vem sendo amplamente

discutida e utilizada, como uma ferramenta política, econômica e social.

O grande papel do (s) Estado (s) nos dias atuais é: ordenar os territórios na era

da globalização. Sobre ação estatal frente ao processo continuo de globalização sobre os

territórios e a soberania dos estados nações neste processo, o geógrafo Milton Santos,

em sua obra Economia Espacial (2000, p. 80) descreve e analisa que:

No mundo globalizado, o espaço geográfico ganha novos contornos, novas características, e novas definições. E, também, uma nova importância, porque a eficácia das ações está estreitamente relacionada a sua localização. Os atores mais poderosos se reservam os melhores pedaços do território e deixam o resto para os outros (SANTOS, 2000, p. 80).

Pretendo acrescentar sobre a análise de Milton Santos sobre a forma

planejadora estatal na qual serve, entre outras coisas, para reservar potenciais usos do

território de forma presente, de para o futuro pelos agentes capitalistas. Neste sentido, o

Estado é um indutor de desenvolvimento, sobretudo, no que diz respeito a

implementação de estruturas físicas, estas servindo como insumo básico de atração de

empresas para as regiões. O referido autor utiliza o termo de “regiões iluminadas” para

designar partes dos territórios que servem ou são utilizados de maneira mais forte pelo

capital. Para as outras regiões, o autor as chama de “regiões opacas, turvas”, ou seja, são

pedaços do território-mundo que não é – pelo menos ainda – atrativa a inserção do

capital. A incessante busca do capital por lugares produtivos é que produz ações com

relação ao território.

O papel dos Estados é justamente este, de “selecionar” as potencialidades

naturais, através de instrumentos institucionais, que na maioria dos casos de

transvertem-se em projetos e modelos de ação. O Ordenamento Territorial nasce nessa

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concepção de buscar otimizar a extração, produção e circulação de recursos. Os

modelos de regionalização implementados em diversos lugares não surtiram os efeitos

desejados. O problema que se coloca, então é como regionalizar em um mundo

envolvido numa dinâmica constante de desterritorialização, em que convivem lado a

lado “múltiplos territórios” é aquilo que se denomina fenômeno da

“multiterritorialidade” (HAESBAERT, 2001, 2002 a). Os agentes de produção espacial,

em sua dinâmica de produção criam territórios, desterritorializam estes, os

reterritorializando-os em outra ação. Nesta dinâmica de relação e produção no espaço é

que o Ordenamento Territorial está inserido.

O papel desempenhado por grupos empresariais no controle de determinadas

atividades econômicas no território acaba, por sua vez, fazendo com que ocorram

conflitos pelas disputas de projetos a serem efetivados nos territórios. Segundo Milton

Santos e Maria Laura Silveira (2001), “de modo geral, e como resultado da globalização

da economia, o espaço nacional e organizado para servir às grandes empresas

hegemônicas e paga por isso um preço, tornando-se fragmentado, incoerente, anárquico

para todos os demais atores” (SANTOS E SILVEIRA, 2001, p. 258).

Para Palheta da Silva (1999), a gestão do território envolve diversos atores

sociais, de maior ou menor poder, num processo dinâmico, bem como o

desenvolvimento de estratégias para envolver atores interessados no destino de um

determinado espaço geográfico de atuação. Segundo o mesmo autor:

Dessa forma, as reações socioeconômicas no território não entrariam em contradição quando tentam conciliar diferentes interesses e mesmo assim promover o bem estar da sociedade, sem prejuízos, sem deixar de perder de vista o desenvolvimento local? E como articular as diferentes relações de poder não segregando parcelas significativas da sociedade e promover o desenvolvimento socioeconômico? Como ter um governo no território que contemple as relações de poder e consiga fazer dessas relações diferenciadas de poder um canal em que a sociedade possa alcançar seus interesses e desenvolver uma gestão que envolva toda a sociedade civil? (PALHETA DA SILVA, 2004, P. 24).

O território, dessa forma, torna-se um palco de relações e processos nos quais

os atores sociais definem suas práticas espaciais de poder e sua territorialidade. O

território aparece de imediato, um campo de forças de poder diferenciado, com graus

distintos de legalidade. Segundo Claude Raffestin (1993),

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O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator “territorializa” o espaço. Evidentemente, o território se apóia no espaço, mas não é o espaço. É uma produção, a partir do espaço... Qualquer projeto no espaço que é expresso por uma representação revela a imagem desejada de um território, de um local de relações (RAFFESTIN, 1993, p. 143-144).

Os múltiplos atores que compõem a constituição de um território que pelo seu

próprio processo de produção, os diferenciam do espaço em si.

4 - A INTERVENÇÃO ESTATAL BRASILEIRA NO TERRITÓRIO

A posse e o controle do território tem classicamente sustentado a contração do

Estado brasileiro. Esse processo de formação de estruturas estatais antecedeu até mesmo

a formação da nação, nos tornamos um território sem concepção de nação. Vamos nos

atentar a analisar o processo de ação do aparelho estatal com relação ao território, pós-

30, que marca a implementação no Brasil do Estado-desenvolvimentista, que

implementa as principais obras de infra-estrutura no país. A partir da década de 50, o

governo federal substituiu os planos e agências e aposta na ação das Superintendências

nas regiões políticas administrativas do IBGE.

Nesse período são criadas: Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da

Amazônia), Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), Sudeco

(Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste) e a Sudesul (Superintendência

de Desenvolvimento do Sul). Essas autarquias federais tinham a função de gerenciar,

planejar as ações institucionais no território, atraindo investimentos, propondo ações de

fomento ao desenvolvimento regional. A concepção das ações via superintendências

seguem a lógica das teorias produzidas na Europa sobre desenvolvimento de regiões. A

teorização proposta por Perroux (1955) de centralização e polarização do

desenvolvimento, através da criação de pólos4, e estes teria a função de irradiar o

crescimento e desenvolvimento das áreas onde fossem implantados.

A opção de promover o desenvolvimento a partir da teoria de Perroux, fez

sentido pelo fato de atenderem os interesses do grande capital e sua inserção em regiões

periféricas, além de conciliar os interesses e perspectivas da política tecnocrata vigente

4 A Teoria dos pólos de desenvolvimento proposto pelo economista francês François Perroux consistir em promover o desenvolvimento regional através da criação de “Pólos de Desenvolvimento”. A implementação de indústrias, que por ele foram chamadas de motrizes, tinham a função de desencadear o processo de crescimento pois criariam uma rede de produção através de pólos.

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no Brasil dirigido pelos militares. As influências das diretrizes cepalinas5, além da

política keynesiana, encontraram no regime militar seu ápice. Essa política

intervencionista sobre o território que se fez presente no Brasil por décadas até o seu

esgotamento no fim dos anos 80. Sobre a ação do planejamento sobre os territórios,

Santos (2003), tece suas considerações:

A função do planejamento é garantir, dentro da lei e da ordem, um mínimo de segurança e estabilidade [...] De 1945 -1950 o capital já não se baseava unicamente em modelos de produção. O planejamento tem tido um papel a desempenhar nesse processo. Ele é um dos conceitos-chaves criados pelo sistema capitalista como forma de impor por toda a parte o capital em sua face internacionalizada. (SANTOS, 2003. p. 31-32).

Conforme descreve em sua obra “Economia Espacial”, Milton Santos critica

abertamente o processo de globalização tal como ele é. Em sua obra, o autor reforça a

idéia de que os melhores territórios estão sendo cooptados pelo capital, a fim de

otimizar o processo de produção espacial e econômica. Neste sentido, o planejamento,

os ordenamentos territoriais são fundamentais no processo de produção e reprodução do

sistema. O Estado participa como agente regulador e ordenador, em comum acordo com

o capital internacional.

A inserção do capital nos países periféricos, segundo Santos, se deu em três

fases: a primeira foi a penetração pela força. As outras duas pela ideologia. Nos países

da periferia do sistema, a palavra colonização foi substituída pela palavra planejamento.

Implanta-se o que Santos chama de “pobreza planejada”. A análise critica impetrada

pelo autor, fundada em uma visão marxista, demonstra muito bem a forma de como a

instrumentalização estatal serviu para cooptação dos países periféricos. A aceitação do

processo de colonialismo via modelos de planejamento, deram à tônica na política de

desenvolvimento dessas nações em via de desenvolvimento.

Com a crise do petróleo a partir de 1973 e a emergência de um sistema

internacional globalizado provocou na maioria dos países que adotaram modelos de

desenvolvimento, modificando suas economias, das idéias e das instituições (Ruckert,

2006). Com a crise do nacional desenvolvimentista6 e do modelo de planejamento

5 A CEPAL (Comissão de Estudos para a América Latina e Caribe) iniciou os seus trabalhos na década de 60, e tinha como objetivos: propor estudos e ações de desenvolvimento regional para o continente, promover acordos de cooperação entre os países latinos americanos, promoção do crescimento econômico, diminuir as disparidades regionais e promover o Estado do bem-estar-social. 6 No fim dos anos 80, a ação do Estado nacional-desenvolvimentista está em cheque. Com a reformulação e a implementação das políticas neoliberais ao redor do mundo, que aboliram quase em sua totalidade esse modelo de desenvolvimento, pautado, sobretudo, no nacionalismo.

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centralizado, ou seja, aquele gerenciado pelo governo federal, as economias “flexíveis”

e a “flexibilização dos lugares”, pela alta mobilização do capital e a inserção

subordinada dos territórios nacionais periféricos ao processo de globalização. Neste

sentido, o Brasil tinha que se reatualizar suas políticas externa e interna, requalificando

suas opções e necessidades de ordenamento do território.

Segundo a geógrafa, Bertha Becker (1991), o processo político da reforma do

Estado poderia constitui-se como um marco referencial geral a ser considerado para a

construção de uma Política Nacional de Ordenamento Territorial (PNOT). Neste

sentido, seria imprescindível repensar a produção espacial nos territórios. Segundo

Lefebvre em suas análises sobre como se produz espacialmente e a forma de construção

de territórios, o autor, afirma sinteticamente que:

A flexibilização do Estado relaciona-se a múltiplas formas dos territórios emergentes, cujas diversas determinações podem revelar a riqueza de análise das totalidades. O espaço desempenha uma função na estruturação de uma totalidade, sendo como um instrumento político à medida que é apropriado, transformando-se em território. A representação está, assim, sempre a serviço de uma estratégia projetada” (LEFEBVRE, 1976. p. 25-31).

Neste sentido se faz presente à análise de como o planejamento e ordenamento

territorial pelo Estado fomenta o processo de (re) criação de territórios para o capital. A

instrumentalização de ações por parte do Estado cria condições de apropriação espacial

pelas grandes corporações internacionais e nacionais. A criação, por exemplo, das ZEE

´s (Zoneamento Econômico – Ecológico) no território, habilita este a sofrer um processo

de loteamento do seu modo de produção espacial, otimizando suas potencialidades

naturais.

O ZEE implementado na área de influência da BR-163, a rodovia Cuiabá –

Santarém, que liga essas duas cidades, o zoneamento visa criar condições de uso do

solo, das potencialidades naturais daquela área. O mercado da soja, que será quase que

exclusivamente direcionado por esta rodovia7 até o porto na cidade de Santarém, este

ligando aos mercados americano e europeu. O processo de produção espacial

produzindo na Amazônia, sobretudo, a partir da década de 50, com a construção de

rodovias, portos, geração de energia, Becker chama esse processo de “conectividades”

7 Atualmente a rodovia Cuiabá – Santarém (Br-163) estará sendo asfaltada e pavimentada, pois o seu trecho que corta do estado do Pará, a rodovia é de terra batida. O mercado da soja forçou o processo de melhor trafegabilidade, pois a rodovia é um importante corredor para escoar a produção de grãos na região até o porto de Santarém.

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ao grande capital. A pesquisadora analisa a forma de como esses equipamentos serviram

de subsidio para a inserção da região amazônica a economia nacional e a mundial.

Com o processo de reestruturação do Estado, direcionado pelas ações

neoliberais, no caso brasileiro, que a partir da década de 90 buscou reestruturar-se em

com relação às novas demandas impetradas pelo território e seus novos agentes. No

âmbito federal as ações se postaram em grandes projetos como o “Avança Brasil”,

implementado na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso em seus dois

mandatos. O referido programa buscou implementar políticas de fomento a infra-

estruturas no país, investindo em rodovias e de um modo geral na logística instalada.

As ações institucionais foram avançando no Brasil no decorrer da virada do

milênio, diversos autores começaram a ensaiar no que resultou no PNOT (Política

Nacional de Ordenamento Territorial). Entender o território em conjunto com suas

complexidades é essencial para que possamos otimizar as políticas públicas

5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme as suposições levantadas neste trabalho sobre as políticas de

planejamento para o Terceiro Mundo, podemos verificar, que na maioria dos casos, os

resultados desse tipo de planejamento vêm sendo prejudiciais tanto para as populações

como para as economias do Terceiro Mundo. A verdadeira função do desenvolvimento,

que por um lado, articula o Estado com o lucro, a sociedade patriarcal, e sustenta-se

com a ciência e a tecnologia racionalizante.

A criação dos “sonhos” em desenvolver e de alcançar o Ocidente perdem sua

atração inicial à proporção que a violência e sucessivas crises econômicas, ecológicas e

políticas torna-se a ordem do dia. Em suma, a tentativa por parte do Estado de

estabelecer sistemas totalitários de manipulação socioeconômica e cultural através do

desenvolvimento está chegando ao fim.

Objetivamos relacionar as ações planejadoras estatais com a discussão

conceitual de território. Tivemos a preocupação de exauri as análises, haja vista, que

propostas de entendimento sobre território requer um tempo de abordagem maior. este

sendo uma categoria imprescindível para a geografia, assim como para o entendimento

das configurações espaciais. Esperamos ter demonstrado que o planejamento na sua

concepção de implementação nas nações consideradas subdesenvolvidas fundamentou-

se primeiramente, em uma forte política ideológica de ação, que monopolizou

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alternativas de desenvolvimento nesses países, tornando-os presas fáceis as estratégias

dos Estados em comum acordo com o capital.

6- REFERÊNCIAS

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