Planejamento Nacional para Gestão de Riscos - PNGR

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1 Planejamento Nacional para Gestão de Riscos - PNGR Antonio Edesio Jungles Rafael Schadeck Bruna Alinne Clasen Há, no território nacional, uma enorme diversidade de ambientes vulneráveis caracterizados por diferentes formações geológicas, geomorfológicas e hidrológicas. Há também diferentes níveis de desenvolvimento econômico, social e turístico em áreas rurais e urbanas; além de variados processos migratórios, fluxos turísticos, e ritmos de urbanização em pequenas, médias e grandes cidades. Em paralelo a isso, a tendência global de aumento dos desastres associados ao clima e a inexistência de informações organizadas que proporcionem a tomada de ações efetivas para a gestão de riscos de desastres potencializam danos humanos, econômicos e sociais oriundos de eventos adversos. Foi neste contexto que, em 2005, a Conferência Mundial para a Redução de Desastres em Kobe (UN, 2005) 1 chamou a atenção à necessidade de se desenvolver sistemas de indicadores de risco e vulnerabilidade em nível nacional. Dada a complexidade das diferentes dimensões da vulnerabilidade, mensurá-la requer a integração de um grande número de informações relacionadas a uma pluralidade de disciplinas e áreas de conhecimento. 1 UN. World Conference on Disaster Reduction. Kobe: UNGA; janeiro de 2005.

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Planejamento Nacional para Gestão de Riscos - PNGR

Antonio Edesio JunglesRafael Schadeck

Bruna Alinne Clasen

Há, no território nacional, uma enorme diversidade de ambientes vulneráveis caracterizados por diferentes formações geológicas, geomorfológicas e hidrológicas. Há também diferentes níveis de desenvolvimento econômico, social e turístico em áreas rurais e urbanas; além de variados processos migratórios, fluxos turísticos, e ritmos de urbanização em pequenas, médias e grandes cidades.

Em paralelo a isso, a tendência global de aumento dos desastres associados ao clima e a inexistência de informações organizadas que proporcionem a tomada de ações efetivas para a gestão de riscos de desastres potencializam danos humanos, econômicos e sociais oriundos de eventos adversos. Foi neste contexto que, em 2005, a Conferência Mundial para a Redução de Desastres em Kobe (UN, 2005)1 chamou a atenção à necessidade de se desenvolver sistemas de indicadores de risco e vulnerabilidade em nível nacional.

Dada a complexidade das diferentes dimensões da vulnerabilidade, mensurá-la requer a integração de um grande número de informações relacionadas a uma pluralidade de disciplinas e áreas de conhecimento.

Atualmente, não existe em âmbito nacional nenhum tipo de fonte de informações organizada e disponível nas instituições e órgãos relacionados ao assunto. Os esforços e pesquisas são, usualmente, realizados regionalmente, não tendo, em sua maioria, sinergia com outros trabalhos em desenvolvimento ou compatibilidade com a Política Nacional de Defesa Civil.

Tendo em vista esse cenário que ano a ano expõe a fragilidade da população e o despreparo da administração pública no tocante em lidar com situações extremas é que surge a necessidade de realizar a gestão para 1 UN. World Conference on Disaster Reduction. Kobe: UNGA; janeiro de 2005.

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redução de riscos de desastres. Significa buscar, por meio de estudos e pesquisas, a extinção ou redução dos impactos de fenômenos adversos sobre um determinado ambiente. Para que isso ocorra, a carência hoje é de informações sobre desastres que embasem estudos de diversas instituições, tais como de institutos de pesquisa, de órgãos governamentais e de centros universitários.

Neste contexto é que foi pensado o Planejamento Nacional para Gestão de Riscos (PNGR), fruto da cooperação técnica entre o Ministério da Integração Nacional, pela Secretaria Nacional de Defesa Civil, e o Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres da Universidade Federal de Santa Catarina (CEPED UFSC). O projeto tem como objetivo gerar informações por meio da caracterização do cenário nacional de áreas de risco, proporcionando então ferramentas que direcionarão tomadas de decisão que visem à minimização de desastres em âmbito nacional.

Compreendido em três etapas, o projeto teve início em outubro de 2010 com a execução da Etapa 1 denominada “Levantamento e Diagnóstico”. As etapas seguintes estão vinculadas aos resultados da primeira.

Etapa 1 - Levantamento e Diagnóstico

O foco de trabalho nesta etapa consiste na caracterização dos vários tipos de riscos de desastres, incluindo ameaças e vulnerabilidades que os compõem, de maneira que seja possível identificar metodologicamente os riscos de desastres naturais de maior prevalência no Brasil, obtidos por região. Trata-se de mapear todos os tipos de desastres naturais e mistos, objetivando a construção de informações sistematizadas que proporcionem a elaboração de um diagnóstico de utilidade e aplicabilidade à gestão de riscos de desastres em território brasileiro.

Etapa 1:Levantamento e

Diagnóstico

Etapa 2:Método e Trabalho

de Campo

Etapa 3:Desenvolvimento e

Capacitação

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Como produtos esperados ao término da etapa de Levantamento e Diagnóstico têm-se:

Mapeamento dos desastres relevantes em âmbito nacional; Definição dos fatores relevantes (Relevância x Viabilidade) para consideração da avaliação de risco; Mapeamento dos principais fatores sócio-estruturais; Zoneamento das áreas de risco em função da vulnerabilidade versus suscetibilidade a eventos; Estudo das ferramentas de informação; Diagnóstico e hierarquização em função do zoneamento e viabilidade do mapeamento.

Para obtenção das informações que comporão tais produtos, a metodologia de pesquisa segue diretrizes específicas, elaboradas pelos pesquisadores do PNGR, tendo em vista, principalmente, que a execução das etapas seguintes está vinculada aos produtos desta. Assim sendo, constituem-se em ações da Etapa 1:

Levantamento da documentação relativa à ocorrência de desastres

Consolidação de um histórico dos desastres associados a fenômenos naturais ocorridos, no mínimo, nos últimos 10 anos. Para tanto, são realizadas digitalizações de todos os documentos referentes ao registro de ocorrências: AVADAM (Avaliação de Danos Municipais), NOPRED (Notificação Preliminar de Danos), e documentações anteriores tais como relatórios de danos e decretos. Para complementação dos dados utilizam-se documentos disponíveis na Secretaria Nacional de Defesa Civil e Diário Oficial.

Uma equipe de 16 pesquisadores realiza as digitalizações nos órgãos estaduais de Defesa Civil, utilizando-se de aparelhos portáteis de digitalização. Divididos em duplas, parte dos pesquisadores viaja para as capitais brasileiras e outra parte trabalha com o tratamento dos dados, em escritório.

Conversão em planilhas eletrônicas e tabulação

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Os documentos digitalizados são convertidos em planilhas eletrônicas e posteriormente formatados de maneira a adequar os dados para a tabulação. A tabulação permite a quantificação das informações de forma padronizada. Os dados contidos nos documentos, por sua vez, são transformados em atributos a serem utilizados na construção de banco de dados.

Construção de banco de dados

Todos os dados referentes aos desastres, coletados no decorrer da fase de levantamento, constituem-se em um sistema de informações que permite a obtenção de elementos relevantes ao desenvolvimento de estudos e políticas públicas. O desenvolvimento deste banco de dados ocorre em software apropriado, definido de acordo com a melhor adequação às necessidades da Secretaria Nacional de Defesa Civil.

Sistema Integrado de Informações

A sistematização de informações baseia-se na intersecção dos locais onde ocorreram os desastres e seu código ou tipo. Esse cruzamento de informações possibilita que a busca referente aos desastres ocorridos se dê por indicação de local ou tipo. Como produto do PNGR, a consulta ao banco de dados pode ocorrer por acesso online, gerando mapas temáticos estaduais, regionais e municipais.

Indexação dos documentosÉ estabelecida por meio de um software para gerenciamento do banco de dados da documentação levantada, proporcionando uma pesquisa detalhada segundo atributos, descrição e palavras-chaves.

Aplicativo SIGAplicativo destinado à espacialização das informações, gerando mapas temáticos relacionados às informações tabuladas – ocorrências de desastres, histórico de danos humanos e materiais, dentre outros.

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Panorama atual da Etapa 1

As ações de digitalização e tabulação de dados, realizadas em todas as regiões brasileiras, constituem hoje a base de dados do PNGR, ferramenta que permitirá a constituição das séries históricas de desastres no Brasil.

A base de dados conta hoje com quase 41.000 documentos oriundos principalmente dos arquivos das Coordenadorias Estaduais de Defesa Civil, e de fontes secundárias, como imprensa, órgãos de meio ambiente e demais instituições públicas e privadas correlatas. Deste número, estima-se que 10% referem-se a desastres repetidos, o que significa que já foram identificados cerca de 36.900 desastres, com registros desde 1978.

O gráfico abaixo ilustra a quantidade de documentos levantados por região brasileira. Importante ressaltar que os números não indicam a quantidade de desastres por região, mas sim a quantidade de registros identificados na Etapa de Levantamento e Diagnóstico, até o momento processados. Ressalta-se também que este é um panorama parcial, pois as regiões se encaixam em diferentes fases do trabalho.

O trabalho de campo, que se constitui das digitalizações, encontra-se em fase final, com a equipe encerrando os levantamentos nos arquivos federais de Brasília, com o objetivo de sanar as lacunas das informações que não foram obtidas nos Estados. No escritório do CEPED UFSC em Florianópolis, uma equipe de 14 pesquisadores dá continuidade ao trabalho de tratamento de dados, com a conversão dos documentos em planilhas

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eletrônicas e tabulação dos dados, para posterior geração de informações – séries históricas, mapas temáticos, histórico de danos e prejuízos.

A coordenação do projeto assumiu junto ao Ministério da Integração Nacional a conclusão dos produtos da Etapa 1 para junho de 2011, com a entrega do Atlas de Desastres por Região. Em paralelo, os pesquisadores adiantam as ações das etapas seguintes, principalmente no desenvolvimento do software que irá permitir o registro online de desastres e atualização simultânea do Atlas.

O sistema permitirá a geração de diferentes mapas temáticos a partir de uma série de critérios e de cruzamento de informações de fontes diversas como IBGE, por exemplo. Abaixo exemplificamos alguns mapas já trabalhados em outros projetos pelo CEPED UFSC junto a pesquisadores da universidade e que exemplificam superficialmente o novo Sistema Informatizado.

Exemplo de Mapa de Suscetibilidade – Inundações

Fonte: HERRMANN, M. L. P. (ORG.) Atlas de Desastres Naturais do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2007, 148p.

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Exemplo de Mapa de Suscetibilidade – Escorregamento

Fonte: HERRMANN, M. L. P. (ORG.) Atlas de Desastres Naturais do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2007, 148p.

Etapa 2 - Método e trabalho de campo

A partir do diagnóstico realizado na Etapa 1 serão identificadas, com base em critérios desenvolvidos conjuntamente com o Ministério da Integração

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Nacional, as áreas prioritárias para a execução do Mapeamento de Risco. As áreas devem abranger a maior diversidade de tipos de desastres e abarcar o maior número de Estados possíveis. O intuito é construir modelos e processos que contemplem as heterogeneidades regionais e as características técnicas relacionadas às tipologias de desastres.

Como produto concreto da segunda etapa (que está em aguardo de aprovação), oriundo do trabalho de campo, consta o mapeamento de risco de áreas elencadas, a partir do qual são esperados os seguintes resultados:

Desenvolvimento de metodologia para gestão de risco direcionada em função do tipo de desastre mapeado e características locais;

Identificação das principais vulnerabilidades relacionadas à infraestrutura pública (rodovias, pontes, hospitais, escolas etc.);

Elaboração de materiais didáticos e diretrizes para capacitação de agentes de Defesa Civil e profissionais técnicos;

Construção de canais de informação, consolidação de ferramentas e desenvolvimento de indicadores que subsidiem o trabalho de gestão de risco;

Plano de ação com diretrizes para o mapeamento das áreas de risco em território nacional e plano de manutenção dos sistemas de informações construídos.

Etapa 3 - Desenvolvimento e capacitação

Os riscos e as vulnerabilidades são elementos relacionados às características locais, principalmente quando originados ou potencializados por ações antrópicas. Desta forma, entende-se que a percepção e a gestão dos riscos devem ser realizadas de forma tão regional quanto possível.

Embora a padronização de processos para elaboração de ferramentas de gestão de riscos seja responsabilidade de autoridades públicas e de estudiosos de ampla visão, a tarefa de gerir recursos com objetivo de minimização da vulnerabilidade a eventos adversos deve ser atribuída a órgãos locais ou regionais. Isto porque a execução deste trabalho por uma

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única instituição, considerados a diversidade, a dimensão do território brasileiro e o alcance local de ação de um órgão centralizador, é praticamente impossível.

O mapeamento das áreas de risco, por exemplo, é possivelmente a ferramenta mais importante para a sua gestão e minimização. Objetiva-se que ao término das duas primeiras etapas deste projeto, além de já se haver concretizado o mapeamento de áreas significativas, tenha-se gerado conhecimento para a multiplicação de agentes capazes de construir este mapeamento e, consequentemente, elaborar planos para redução de risco em nível regional.

Ao término da identificação dos principais riscos, mapeadas as vulnerabilidades mais importantes, o projeto visa à consolidação do conhecimento gerado, a fim de defini-lo como alicerce para futuras capacitações e processos de conscientização que se fazem necessários.

Enfim, sabe-se que o Brasil é atingido por desastres recorrentes, que usualmente não são de alta magnitude, mas que somados causam danos humanos e materiais significativos. Sua grande dimensão territorial e as grandes diferenças sociais e culturais entre suas regiões são desafios para uma política nacional eficaz de gerenciamento de risco.

Somado ao baixo nível de cultura de risco da população e de grande parte da administração pública, o resultado é a escassez de investimentos em prevenção e que, quando existem, usualmente não são eficazes.

Desta forma, a discussão em torno da elaboração de um plano de ação, com metas bem definidas, que visem ao incremento da cultura de prevenção de desastres, redução de risco e diminuição das vulnerabilidades das comunidades brasileiras, torna-se fundamental para a aplicação eficaz dos recursos humanos e financeiros disponíveis.

Essas ações passam obrigatoriamente pelo diagnóstico do cenário nacional, identificação e avaliação das áreas mais suscetíveis a desastres e preparação e conscientização dos profissionais, governantes e população quanto à redução de riscos, os quais são objetos do planejamento apresentado neste.

AUTORES

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Antonio Edesio Jungles, Dr. é Engenheiro Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Tem especialização em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz e pós-doutorado pela University of Alberta (2000) . É diretor geral do CEPED UFSC e coordenador do projeto PNGR.

Rafael Schadeck, Msc. é Engenheiro Civil e doutorando em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina. No CEPED UFSC exerce a função de Gerente de Projetos e atualmente é o pesquisador sênior do projeto PNGR.

Bruna Alinne Clasen é graduanda em Engenharia Sanitária Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e estagiária do CEPED UFSC para o projeto PNGR.