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Carvalho, Jorge (2004). Plano de Cidade, Sociedade e Território, n.º 37/38, 80-88. 1 PLANO DE CIDADE Jorge Carvalho (2008) Publicado em Sociedade e Território n.º 37/38, pp 80-88 (2004); revisto pelo autor em 2008. RESUMO Este artigo inicia-se com uma retrospetiva relativa aos planos de cidade que foram sendo elaborados em Portugal a partir dos anos quarenta: planos desenho; planos zonamento; planos estratégicos e projectos urbanos. Identifica as potencialidades e as insuficiências de cada uma destas tipologias de plano, especialmente quando reportadas ao momento actual. Defende a necessidade de um plano estrutura/zonamento, com orientações de desenho urbano, contendo opções estratégicas e orientações executórias. Procura explicitar as razões dessa necessidade. Ilustra o conteúdo desses planos, que assume como necessários, com uma apresentação de caso, o PU da Póvoa do Varzim, publicado em 2006 (Resolução do Conselho de Ministros n.º 15/2006, de 27 de Janeiro). ÍNDICE 1. VISÃO 1.1. Retrospectiva. 1.2. Os planos de que actualmente a cidade necessita. 2. APRESENTAÇÃO DE CASO: O P.U. DA PÓVOA DO VARZIM 2.1. Estrutura 2.2. Desenho Urbano 2.3. Intervenções Estratégicas 2.4. Orientações Executórias

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Carvalho, Jorge (2004). Plano de Cidade, Sociedade e Território, n.º 37/38, 80-88. 1

PLANO DE CIDADE

Jorge Carvalho (2008)

Publicado em Sociedade e Território n.º 37/38, pp 80-88 (2004); revisto pelo autor em 2008.

RESUMO

Este artigo inicia-se com uma retrospetiva relativa aos planos de cidade que foram sendo

elaborados em Portugal a partir dos anos quarenta: planos desenho; planos zonamento; planos

estratégicos e projectos urbanos.

Identifica as potencialidades e as insuficiências de cada uma destas tipologias de plano,

especialmente quando reportadas ao momento actual.

Defende a necessidade de um plano estrutura/zonamento, com orientações de desenho

urbano, contendo opções estratégicas e orientações executórias. Procura explicitar as razões

dessa necessidade.

Ilustra o conteúdo desses planos, que assume como necessários, com uma apresentação de

caso, o PU da Póvoa do Varzim, publicado em 2006 (Resolução do Conselho de Ministros n.º

15/2006, de 27 de Janeiro).

ÍNDICE

1. VISÃO

1.1. Retrospectiva.

1.2. Os planos de que actualmente a cidade necessita.

2. APRESENTAÇÃO DE CASO: O P.U. DA PÓVOA DO VARZIM

2.1. Estrutura

2.2. Desenho Urbano

2.3. Intervenções Estratégicas

2.4. Orientações Executórias

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PLANO DE CIDADE

1. VISÃO

1.1. Retrospectiva.

Perspectivar o futuro exige olhar para o passado e aprender com ele. Façamos então uma

rápida retrospectiva sobre a tipologia dos planos que têm vindo a ser praticados e defendidos,

nomeadamente em Portugal.

Situemo-nos nos anos 40, altura em que a realização de planos urbanísticos surge em Portugal

como prática generalizada, na sequência da acção voluntarista de Duarte Pacheco1. Tais

planos, explicitando uma rede viária hierarquizada, áreas terciárias (“oficiais”) e espaços

verdes, abordam as áreas residenciais com grande detalhe, estabelecendo malhas e tipologias

de lotes e edifícios com grande pormenor (muito influenciados pelo conceito de cidade jardim).

Correspondia, cada um deles, a uma ante-visão desenhada do que se pretendia para o

crescimento e transformação da cidade, constituindo o que podemos designar plano-desenho.

Tais planos vieram a ser muito contestados, porque demasiado voluntaristas. Assumindo

horizontes temporais de algumas décadas e não reunindo condições operativas necessárias à

respectiva execução, a sua excessiva pormenorização revelava-se inibidora de dinâmicas que

iam surgindo ao longo do tempo. De facto, quase apenas vieram a ser concretizados nas áreas

em que a Administração Pública interveio directamente, chamando a si o acto de urbanizar

(infra-estruturar e parcelar) após aquisição dos terrenos.

A partir dos anos sessenta, em articulação com alguma aposta política na dinamização da

promoção urbanística privada e da indústria da construção civil, ao mesmo tempo que iam

sendo adoptados os princípios da Carta de Atenas, começaram a ser elaborados

essencialmente planos zonamento2.

Tais planos, mantendo e acentuando a explicitação de uma estrutura viária hierarquizada,

dividiam o território em áreas homogéneas (“zonas”), cada uma delas associada a determinado

uso e sujeita a um conjunto de indicadores urbanísticos, essencialmente quantitativos.

Também estes vieram a ser muito criticados, porque excessivamente monofuncionais, porque

não asseguram uma articulação harmoniosa das várias iniciativas (insuficiência de desenho

urbano), porque excessivamente regulamentadores (dificultando a livre negociação) e porque

pouco operativos (admitindo ou proibindo esta ou aquela ocupação, mas não criando nem

perspectivando mecanismos que assegurem a execução).

Tais críticas articulam-se, naturalmente, com os paradigmas actualmente dominantes:

competitividade e empreendorismo; política de representação de interesses (dos que têm

1 Lôbo, 1995

2 Campos, 1993

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capacidade para se fazer ouvir); contratualização e parcerias; mercado; marketing comercial e

eleitoral.

No que respeita aos instrumentos de planeamento, tem-se vindo a falar, cada vez mais, em

planeamento estratégico e em projecto urbano.

O planeamento estratégico3 sublinha a necessidade de articular ordenamento com

desenvolvimento (aspecto já anteriormente muito defendido em todas as teorias sobre

planeamento integrado), mas também outros aspectos muito importantes:

- a necessidade de distinguir o essencial do secundário, o que passa pela identificação dos

principais problemas e das principais oportunidades e pela identificação de caminhos e de

acções capazes de potenciar saltos quantitativos no processo de desenvolvimento;

- a concepção do planeamento como um processo partilhado, mobilizando os agentes

necessários ao prosseguimento desses caminhos e acções, não só na fase executória mas

também na própria concepção, criando redes de troca de informação, de cooperação, de

criação de um ambiente de cumplicidade e confiança.

O projecto urbano vem procurar dar resposta a duas insuficiências sentidas nos planos

zonamento:

- a necessidade das intervenções serem bem desenhadas (inserção territorial, forma urbana.

espaço público, arquitectura);

- a necessidade de passarem do papel à realidade, de se concretizarem, o que exige a

articulação de programa com desenho e com acção operativa (fundiária, financeira) e

implica mobilização de agentes e organização empresarial

O projecto urbano, com as suas características operativas, é caminho adequado ao processo

de planeamento estratégico.

De notar, no entanto, que a atitude de apenas ir aproveitando iniciativas casuísticas (quase

sempre associadas a processos de forte valorização fundiária), articulada com marketing

político (e consequentes necessidades de espectáculo e rapidez), traduz-se muitas vezes em

intervenções desgarradas, contribuindo para o mau ordenamento do território. Para que

aconteça, de facto, um planeamento integrado e estratégico, é necessária iniciativa pública na

formulação dos programas, na selecção das respectivas áreas de intervenção e na

consequente mobilização de agentes.

De qualquer forma, notando-se alguma dinâmica nestes domínios do planeamento estratégico

e do projecto urbano, e mantendo-se as referidas críticas aos planos zonamento, a verdade é

que estes se vão mantendo e até reforçando, estendendo-se a outros domínios, por exemplo o

do planeamento ambiental.

Na área do ordenamento, os anos 90 em Portugal foram marcado pela cobertura de todo o

território com PDM, planos zonamento à escala municipal, os quais:

3 Pires, 1995

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- apresentam fortes admissibilidades construtivas (dezenas de vezes superiores à dinâmica

construtiva da última década, ela própria muito intensa)4, sem assumirem prioridades ou

estratégias executórias;

- são utilizados directamente no licenciamento das operações urbanísticas, apesar de

apresentarem insuficiente detalhe (como seria de esperar, pela sua própria escala) e de

adoptarem, na sua maior parte, apenas índices urbanísticos quantitativos.

São então praticados, actualmente, em Portugal:

- planos zonamento, que abrangem todo o território;

- metodologias de planeamento estratégico, por enquanto mais discursivas e genéricas do

que orientadoras, consensualizadas e operativas;

- planos desenho, com a figura de plano de pormenor e que, utilizando a sua natureza

regulamentar, são utilizados sobretudo para alterar os PDM;

- processos de projecto urbano, quase sempre com dimensão e espectacularidade, alguns

de iniciativa privada (operações urbanístico/comerciais sustentadas por entidade

financeira), outras de iniciativa pública (nomeadamente os POLIS); perspectivam-se, agora,

parcerias público/privadas, para a reabilitação urbana (atente-se nas SRU) e para

expansões urbanísticas que poderão ser banais (recorrendo a unidades de execução).

Importa, então, considerar estes vários instrumentos e metodologias e confrontá-los com a

realidade, dinâmica, da actual ocupação do território.

Há que não esquecer, antes de mais, a lógica e a influência do mercado fundiário, cujo

funcionamento ostenta grandes deficiências estruturais (numa perspectiva económica)5 e

provoca muitas perversões na ocupação do território. Para o ordenamento do território, e até

para a melhoria do funcionamento do mercado imobiliário, a intervenção pública revela-se

indispensável, não podendo ser apenas enquadratória e licenciadora, mas também percursora,

directa e dinamizadora.

Perante os novos paradigmas de planeamento (nomeadamente planeamento estratégico e

projecto urbano), há que utilizar os seus aspectos positivos e potencialidades, mas que

considerar também os seus limites e até as suas perversões. Importa realçar que grande

investimento não é sinónimo de projecto estratégico. Projectos Urbanos são necessários e

mesmo indispensáveis, mas planeados, servindo objectivos estratégicos, com localizações

adequadas.

Além disso, não é suficiente ordenar apenas com base em projectos urbanos. Não se pode

abandonar a generalidade do território a uma ocupação desordenada que, um dia, sabe-se lá

quando e com que custos, se teria que qualificar. Há que procurar um enquadramento

adequado para cada uma das múltiplas iniciativas, de múltiplos agentes, que ocorrem nesta

cidade alargada com que nos confrontamos.

4 DGOTDU, 1998

5 Carvalho, 2003, p. 274-284

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É esta cidade, emergente, ainda referenciada á cidade antiga, mas já policêntrica, poliforme,

abrangendo áreas até há pouco consideradas rurais, composta por contínuos edificados, mas

também por fragmentos e ocupação dispersa e por uma crescente mobilidade, que necessita

de ser ordenada. Mas, o facto, é que os planos de que dispomos (sobretudo PDM, poucos PU

e alguns PP), não se têm demonstrado adequados para o efeito. Que metodologias, que

instrumentos, então utilizar?

1.2. Os planos de que, actualmente, a cidade necessita

O território e nomeadamente a cidade necessitam de um modelo de desenvolvimento e de um

modelo de ordenamento, articulados entre si e subordinados a uma visão estratégica, capaz de

mobilizar os principais actores locais e com a qual se possa identificar a generalidade da

população.

Tal modelo terá de integrar metodologia e instrumentos que:

- assegurem um diálogo adequado com cada uma das iniciativas espalhadas por todo o

território, enquadrando ou recusando pretensões;

- sejam capazes, paralelamente, de identificar, acolher e/ou dinamizar iniciativas estratégicas,

garantindo a sua concretização.

Para tal, confrontando objectivos, métodos e natureza do planeamento estratégico com o

conteúdo de outros instrumentos de ordenamento, afigura-se fácil concluir que não são

alternativos, mas complementares.

Referenciando-nos às diversas tipologias de plano atrás referidas, afigura-se necessário, para

ordenar a cidade actual, um plano zonamento-estrutura, orientador do desenho urbano, com

opções estratégicas e orientações executórias. Não se trata propriamente de uma atitude

eclética, mas antes de procurar utilizar as potencialidades de cada um, articulando-as num todo

coerente, capaz de dar resposta aos actuais problemas.

A técnica do zonamento, criada por técnicos alemães ainda no século XIX e muito difundida

após a 2.ª Grande Guerra, nasceu de facto monofuncional e quantificadora, mas não tem que o

ser. Tudo dependerá dos critérios de delimitação de cada uma das “zonas” e do conteúdo da

respectiva regulamentação, que poderá ser o que se entender por conveniente: quantitativa,

morfo-tipológica, processual, podendo mesmo ser variável em função de condicionantes ou

oportunidades. A técnica de referenciar regras e/ ou orientações a parcelas do território contém

um enorme potencial que há que aproveitar, constitui como que um receptáculo capaz de

albergar qualquer conteúdo de plano de ordenamento.

Associadas ao plano zonamento, surgem sempre a definição da rede viária e a delimitação de

áreas verdes, sendo que uma e outras apresentam, não raro, muitas insuficiências.

A proposta de novas vias tem correspondido à seguinte sequência:

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- estabelecimento de “espaço-canal”, entendido como corredor de protecção para futura

execução, sem suficientes estudos topográficos e de enquadramento;

- urbanização e edificação posteriores a virarem-lhes as costas;

- construção da via, em futuro incerto, ocorre por vezes com dificuldade e em nada se

articula com a envolvente.

O resultado é que estas vias, estruturantes da cidade, surgem como elementos de ruptura,

estética e funcional, confrontadas com espaços desqualificados.

Também a estrutura ecológica pré-existente no território, tantas vezes desrespeitada, foi

defendida nos recentes PDM através da REN (Reserva Ecológica Nacional), mas constitui

simples servidão, muitas vezes nas traseiras da construção, desperdiçando o seu potencial

estético e funcional.

Rede viária principal e rede ecológica, mas também centralidades, grandes equipamentos e

algumas ocorrências especiais (naturais ou construídas) deverão ser assumidos como

elementos estruturantes da cidade, aproveitando todo o seu potencial ao nível funcional e ao

nível perceptivo6. Para tal, terão que ser bem identificados, articulados entre si em rede

estruturante e suficientemente desenhados para garantir relação harmoniosa com a

envolvente7.

De relembrar, a propósito, a técnica utilizada nos traçados das avenidas barrocas. Esta técnica

poderá ser aplicada a outras formas urbanas, a qualquer uma, bastando para isso que os

projectos urbanístico, viário, paisagístico e arquitectónico sejam concebidos como um todo

coerente e funcional.

O plano zonamento terá que ser complementado com desenho urbano.

Não se trata de regressar aos planos do passado, mas tal preocupação deverá estar presente

para a generalidade do território urbano e especialmente para algumas partes, ou para alguns

eixos, assumindo uma atitude de “regulação variável”. Mais desenhados deverão ser,

exactamente, os elementos identificados como estruturantes e as intervenções que forem

assumidas como prioritárias e/ou como estratégicas, numa perspectiva de desenvolvimento,

Para cada um dos outros espaços urbanos (”zonas”) será suficiente a fixação de uma malha de

referência e de regras morfo-tipológicas capazes de garantir alguma identidade, respeitando-a

quando já exista.

A fixação de regras relativas à forma urbana não prejudica que se continuem a utilizar,

também, parâmetros normalizadores do quanto construir, desde que entre ambos se verifique

compatibilidade. Estes últimos são necessários para uma maior transparência do mercado

fundiário, contrariando a tendência para densidades pontuais excessivas e procurando que

seja a qualidade (do desenho e da execução) e não a carga construtiva a aumentar a

rentabilidade dos empreendimentos.

6 Lynch, 1999, p. 127-144; Lynch, 1960

7 Carvalho, 2003, p. 167-172

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Abrangendo a globalidade da cidade alargada, o plano deverá perspectivar a sua própria

execução e, para isso, deverá considerar e distinguir rotinas de intervenções estratégicas:

- as primeiras, cujo somatório sempre se revela importante, deverão merecer

processamentos-padrão eficazes e transparentes;

- as segundas exigem especial empenhamento da Administração, dinamização, apoio e

orientação, participação e acção directa sempre que necessário8.

Haverá, então, que identificar projectos estratégicos e/ou prioritários que, inevitavelmente,

serão:

- os necessários à estratégia de desenvolvimento que tiver sido formulada;

- os que se traduzam em salto qualitativo relativo ao modelo de ordenamento adoptado

(corresponderão provavelmente à criação ou qualificação dos elementos estruturantes);

- respostas directas a necessidades sociais mais prementes.

Tais projectos deverão mobilizar o essencial do esforço municipal, quer de investimento

directo, quer sobretudo de mobilização e articulação de agentes e respectivos meios,

dinamizando acordos e parcerias. Acontecerá, assim, a articulação entre ordenamento e

planeamento estratégico.

Rotinas de administração urbanística eficazes exigem, antes de mais, regras estáveis, justas

e transparentes. Para tal, afigura-se necessário clareza de desígnios e de princípios e afigura-

se útil a fixação do quanto construir e a adopção de regras perequativas, que corrijam as

desigualdades criadas pelo plano.

É indispensável, também, que o plano seja bem divulgado, para que as pessoas o conheçam e

nele façam confiança, o que será tanto mais fácil quanto sentirem que participam na sua

própria elaboração. Trata-se, aliás, de um processo pedagógico, capaz de desenvolver uma

atitude de cidadania.

Falando ainda de rotinas, o plano deverá apontar para uma mudança significativa no dia a dia

do licenciamento municipal, principal interface entre iniciativa privada e autorização pública e

instrumento decisivo no processo de transformação da cidade.

O licenciamento deveria tornar-se muito mais exigente no domínio do ordenamento:

- partindo das necessidades da cidade existente;

- concentrando-se no espaço público;

- condicionando cada intervenção a uma dimensão adequada e recusando,

consequentemente, um polvilhar de edifícios não articulados entre si;

- favorecendo e pressionando processos associativos entre proprietários.

A tradição portuguesa de cada iniciativa se reportar apenas aos limites da respectiva

propriedade é muito nocivo à qualidade urbana. Terá que ser contrariada de forma progressiva.

Entretanto há que diferenciar o licenciamento por áreas da cidade, adoptando procedimentos-

padrão adequados a cada realidade, que o próprio plano poderá desde logo apontar.

8 Carvalho, 2003, p. 513

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2. APRESENTAÇÃO DE CASO: O PU DA PÓVOA DO VARZIM

Publicado em 2006 (Resolução do Conselho de Ministros n.º 15/2006, de 27 de Janeiro), o PU

da Póvoa do Varzim, de conteúdo essencialmente urbanístico, vai ao encontro do que se atrás

defende, já que articula de forma criteriosa os conceitos de plano estrutura, plano zonamento,

plano desenho, perspectiva estratégica e orientação executória.

No que respeita ao seu processo de elaboração não cumpre totalmente a metodologia mais

recomendável, uma vez que:

- tendo sido elaborado na sequência de Plano Estratégico e procurado ir ao encontro do que

dele decorre, mesmo assim não se articulou suficientemente com agentes e dinâmicas de

desenvolvimento;

- tendo sido objecto de discussão pública animada, mesmo assim não foi tão participado

quanto seria útil, numa perspectiva pedagógica.

Mas no que respeita ao seu conteúdo escrito e desenhado corresponde à concepção atrás

defendida para orientar o desempenho municipal e para enquadrar, articular e animar a

multitude de iniciativas urbanísticas.

São reproduzidas, de seguida, peças do plano ilustrativas do seu conteúdo e, também, do

esforço pedagógico que encerra. Organizam-se nos seguintes temas:

- Estrutura.

- Intervenções Estratégicas.

- Desenho Urbano.

- Orientações Executórias.

2.1. Estrutura (do Relatório do PU, p. 21 e 22)

Um dos objectivos formulados foi o da estruturação da cidade existente e do seu crescimento,

tornando-a globalmente mais funcional e mais perceptível ao cidadão. Tal será conseguido

através do estabelecimento e articulação de uma estrutura viária, de uma estrutura verde, de

centralidades e de equipamentos, os quais, em conjunto, constituirão como que um “esqueleto”

agregativo de toda a restante ocupação, fundamentalmente residencial.

O “esqueleto” proposto é apresentado, esquematicamente, na Figura anexa:

- A estrutura rodoviária assinalada integra vias “colectoras” e “distribuidoras principais”

(conforme a respectiva função) e organiza-as numa malha em que surgem,

fundamentalmente, eixos paralelos e perpendiculares à linha de costa.

Para o estabelecimento da malha pretendida, face às deficiências actuais, é necessário que

sejam construídas um número significativo de novas vias

- Prevendo-se a transformação da actual linha férrea em metro de superfície, propõe-se a

manutenção e qualificação pedonal da actual estação e a construção de uma segunda,

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junto a via colectora, implantando aí um intermodal de transportes associado a funções

comerciais.

- Perante a quase ausência de zonas verdes urbanas e face às fracas referências biofísicas

que as induzam, a estrutura verde a criar terá que ser, em grande parte, voluntariosa. A

proposta assenta em duas manchas verdes ligadas entre si através de um corredor verde

de largura variável. Da referida estrutura partirão alguns outros corredores ou alamedas; a

generalidade destes corredores verdes incluirá percursos pedonais e velocipedistas.

- Das centralidades apontadas, a Área Central corresponde ao reconhecimento do que hoje

existe e se pretende que seja mantido e qualificado. As restantes, traduzem a vontade de

constituição de pequenos centros locais, agrupando, quando possível, espaço público,

funções terciárias e equipamento de apoio à função habitacional. Cada um dos centros

locais encontra-se associado a uma “Parte da Cidade”, sublinhando preexistências, ou

correspondendo a propostas novas, a criar.

- Quanto aos equipamentos, são assinalados na Figura apenas as três grandes

concentrações já existentes e uma quarta, fundamentalmente desportiva, a acontecer junto

ao Parque da Cidade. Outros equipamentos, de menor dimensão, deverão integrar os

centros locais.

Da localização criteriosa e articulada de todos estes elementos surgirá, então, o pretendido

“esqueleto” da Cidade.

Outro objectivo definido foi o da criação de uma recepção e encaminhamento dos visitantes

balneares, que naturalmente procuram usufruto da praia e do mar.

Traduz-se em: criar tal recepção, com estacionamento e equipamento de apoio,

nomeadamente de restauração, junto ao Parque Verde, à entrada da Cidade; organizar o

acesso entre essa área e a Marginal, através de transporte público e percursos pedonais e de

bicicleta, associados a restrições ao acesso automóvel.

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Figura 8: PU Da Póvoa de Varzim: Modelo de Ordenamento, Estrutura

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2.2. Intervenções Estratégicas (do Relatório do PU, p. 43 e 44)

Os PMOTS, tendo a natureza de regulamentos administrativos, abrangem a globalidade do

território a que se reportam.

Mas nem todas as intervenções previstas têm o mesmo grau de prioridade, nem nelas ocorrem

as mesmas oportunidades.

Os PMOTS deverão, então: procurar articular-se com uma perspectiva de planeamento

estratégico, distinguindo o essencial do secundário e identificando agentes a mobilizar;

interpretar o planeamento como um processo dinâmico, onde as oportunidades que entretanto

vão surgindo poderão tornar prioritárias intervenções que hoje não o são.

Nesta perspectiva, identificam-se um conjunto de “intervenções estratégicas e prioritárias”, para

as quais se preconiza canalizar o essencial do investimento municipal e do seu esforço na

dinamização e associação de agentes.”

Da observação da Figura 9 poderá notar-se que correspondem, na sua maioria, a eixos de

intervenção que revelam as carências detectadas e, também, às preocupações estruturantes.

Para cada uma destas intervenções é sugerido, no próprio Regulamento, um programa, um

limite (aproximado) e orientações executórias.

Exemplifica-se com uma delas (assinalada como 8 na Figura)

Art.º 95º - Aver-o-Mar, nova centralidade e percursos afluentes

1 - Esta intervenção estratégica e prioritária obedece ao seguinte programa:

a) construção do prolongamento da Av. Repatriamento dos Poveiros, até ao espaço E3;

urbanização adjacente;

b) construção de prolongamento da Av. Dos Pescadores, ligando-a a um troço da Rua

Domingos P. Viana e, desta, à EN 13; urbanização adjacente;

c) criação de uma nova centralidade (praças e construção marginal) entre o encontro das

duas vias e a Av. N. Sr.ª das Neves;

d) qualificação da Av. N. Sr.ª das Neves, com reforço da função pedonal.

2 - A intervenção está sujeita às seguintes orientações executórias:

a) constituição de unidades de execução por cooperação e/ou imposição administrativa,

procurando que a cada conjunto corresponda um índice de construção igual a 0,5;

b) na situação de propriedades atravessadas pelas vias, sem adquirirem capacidade

construtiva, aquisição pelo Município do terreno necessário.

Conscientes de que as prioridades poderão vir a sofrer modificações, prevê-se, desde logo,

que “atento ao processo de transformação do território e às necessidades da população, o

Município irá definindo, ao longo do tempo, as intervenções que possam desempenhar um

papel estruturante ou multiplicativo no desenvolvimento e ordenamento da Cidade” (artº 85º, nº

1 do Regulamento). Assim, sublinha-se o carácter processual e evolutivo do planeamento, sem

prejuízo da manutenção das orientações globais deste Plano (pelo menos enquanto não for

modificado).

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Figura 9: PU da Póvoa de Varzim - Intervenções Estratégicas e Prioritárias

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>3.5 6.02.5(5)

>3.52.5(5)

2.3. Desenho Urbano (do Relatório do PU, p. 46)

O Modelo adoptado parte do estabelecimento de uma estrutura que, conforme atrás se refere,

articula rede viária, rede verde, centralidades e equipamentos.

Haverá a acrescentar que tal estrutura, mesmo que a Planta de Zonamento surja à escala

1:5000, foi de facto desenhada à escala 1:2000, pelo que não corresponde apenas a uma

mancha aproximada ou a um simples espaço canal, mas traduz já opções de desenho urbano.

Os elementos estruturantes, fixados na Planta de Zonamento, tornam-se vinculativos,

assegurando, desse modo, um “esqueleto de Cidade” articulado e pré-desenhado.

Para além disso, e como é referido (ponto 2.2.3 do Relatório, sobre opções morfo-tipológicas),

cada zona não obedece apenas a índices quantitativos, mas também as orientações morfo-

tipológicas ou até, nalguns casos, as orientações mais pormenorizadas. Assim se procura

contribuir para uma conjugação harmoniosa e identitária das várias intervenções, vizinhas no

território.

A orientação do desenho urbano é feita também através do Regulamento, mesmo para zonas

banais. Exemplificando para duas tipologias, uma correspondente à forma urbana clássica e

outra à forma modernista:

Art.º 53º - Zonas HE2

As Zonas HE2 estão sujeitas às seguintes regras:

a) uso dominantemente habitacional, com ocorrência obrigatória de funções não habitacionais

em pisos térreos confrontantes com alargamento do espaço público;

b) ruas e praças de traçado regular;

c) bandas contínuas de edifícios, formando quarteirões com interior privado;

d) perfil transversal desejável dos arruamentos (cotas em metros):

- no prolongamento de arruamentos preexistentes, o perfil a adoptar pode dar-lhe

continuidade, sem prejuízo de ser garantido o estacionamento necessário, conforme art.º

67º;

e) alargamentos do espaço público: praças regulares, na confluência de vias, sendo que, pelo

menos num dos seus lados, deve ocorrer uma relação directa entre os edifícios e o espaço

pedonal alargado;

f) n.º fogos/ha: 50 a 60, salvo situações de habitação social, em que se admite densidade

superior;

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Carvalho, Jorge (2004). Plano de Cidade, Sociedade e Território, n.º 37/38, 80-88. 14

g) índice bruto de construção: 0,8 a 1,0;

h) os edifícios, organizados em banda contínua, devem ter 2 ou 3 pisos;

i) o interior do quarteirão, livre de construção, não deve ter, em nenhum ponto, largura inferior

a 20 m, salvo situações cadastrais em que tal se demonstre inviável;

j) o interior do quarteirão pode constituir um lote ou fracção condominial dos edifícios que o

marginam, sendo que, neste caso, nele podem ser construídos equipamentos para usufruto

dos residentes;

l) os estacionamentos privados devem localizar-se em cave e podem constituir lote ou

fracção condominial; sendo construídos estacionamentos independentes, as entradas

devem ser contíguas à de lote vizinho.

Art.º 55º - Zonas HE4

As Zonas HE4 estão sujeitas às seguintes regras:

a) uso dominantemente habitacional, com ocorrência obrigatória de funções não habitacionais

no rés-do-chão dos edifícios, salvo se estes forem vazados;

b) conjuntos de edifícios de 4 a 8 pisos, rodeados por espaço público;

c) perfil transversal desejável dos arruamentos (cotas em metros):

d) estacionamento: pode organizar-se em bolsas de desenho regular e muito arborizadas,

com caldeiras para as árvores de largura 1,5 m; pode, em complemento ou alternativa,

situar-se ao longo dos arruamentos, acrescendo ao perfil definido na alínea anterior;

e) os espaços públicos, que devem em todos os casos assumir uma função e uma forma, e

não apenas constituir sobras entre edifícios, devem integrar espaços verdes e áreas com

pavimentos duros, estes associados a funções não habitacionais dos edifícios;

f) estacionamento privado em cave: os seus limites podem ultrapassar os do edifício, mas a

respectiva cota de cobertura não pode ultrapassar a do espaço público envolvente;

g) nº fogos/ha: 60 a 75, salvo situações de habitação social, em que se admite densidade

superior;

h) índice bruto de construção: 1,0 a 1,2.

O Regulamento do Plano prevê ainda, taxativamente, que “todas as urbanizações, edificações,

infra-estruturas, equipamentos e espaços verdes a erigir na Cidade da Póvoa de Varzim,

deverão visar a melhoria formal e funcional do espaço onde se inserem“ e que deverão ser

6.0>5.0 >5.0

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Carvalho, Jorge (2004). Plano de Cidade, Sociedade e Território, n.º 37/38, 80-88. 15

realizados estudos à escala adequada, sempre que tal se mostre necessário para atingir tal

objectivo.

Por último, em anexo ao Plano, juntam-se diversos estudos relativamente pormenorizados,

que se pretendem não vinculativos, exactamente para não condicionarem em excesso, mas

que poderão ir orientando e articulando as diversas iniciativas. Apresentam-se nas figuras

seguintes dois desses desenhos.

O Plano assume, pois, grande preocupação pelo desenho urbano, mas numa perspectiva

variável: uma estrutura já muito desenhada; orientações morfo-tipológicas para as diversas

zonas; exigência de projecto urbano nos momentos executórios.

Figura 10: PU da Póvoa de Varzim - Giesteira, Estudo Urbanístico

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Figura 11: PU da Póvoa de Varzim - Troço da Avenida 25 de Abril, Estudo Urbanístico

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2.4. Orientações Executórias (do Relatório do PU, p. 19)

Os planos de ordenamento nem sempre são justos para as diversas propriedades, quando

afectam (como não podem deixar de o fazer) diferentes usos ao território.

Os planos têm um baixo grau de concretização quando (como tem acontecido ultimamente em

Portugal) ficam muito dependentes das iniciativas individuais de cada proprietário (que

poderão, ou não, acontecer e que raramente surgem articuladas com os vizinhos).

O RJIGT empurra os municípios para uma administração urbanística mais justa e mais eficaz,

que aqui se procurará concretizar através de:

- Mecanismos perequativos entre proprietários.

- Processos associativos entre proprietários, Município e promotores.

- Identificação de intervenções estratégicas, a dinamizar pelo Município.

Do último ponto já atrás se falou.

No que respeita ao desígnio perequativo o plano estipula (Relatório, p. 42 e 43):

“Para efeitos de perequação de benefícios são adoptados mecanismos perequativos para a

totalidade do solo urbano, mas identificando e distinguindo diversas situações;

- Áreas Consolidadas ou a Consolidar: sendo que nelas a transformação ocorrerá,

maioritariamente, através de licenciamentos referenciados a cada propriedade, e sendo

que nelas já existem fortes expectativas edificatórias, o mecanismo perequativo a adoptar

será o da fixação, em Regulamento Municipal, de uma diferenciação das taxas unitárias de

licenciamento (por m2 de ABC) em função do maior ou menor índice de construção.

- Áreas de Grandes Equipamentos: deverão ser adquiridas pela Câmara por valores que,

conforme Código de Expropriações, considerarão a edificabilidade envolvente (0,25 a 0,35

m2 de ABC/m

2 de terreno, conforme respectiva localização).

- Áreas de Expansão Diversificada: a sua viabilidade executória, assim como os princípios

perequativos exigem associações entre proprietários e o estabelecimento de um mesmo

índice médio de utilização.

Assim, nestas áreas, na linha do sugerido pelo art.º 139º, do referido D.L., prevê-se que:

o direito concreto de construir, que através de licenciamento for autorizado em cada

propriedade (ou associação de propriedades), deverá (salvo excepções em que tal não

seja possível e que são enumeradas) ser o mesmo para todas elas (0,5 m2 de ABC/m

2

de terreno);

acontecendo que a edificabilidade (conforme Zonamento) seja superior, os proprietários

deverão ceder o excesso ao Município;

acontecendo que a edificabilidade seja inferior, os proprietários deverão ser

compensados pelo Município.

- Áreas de Expansão HE0: com uma edificabilidade igual à do índice médio das Áreas de

Expansão Diversificada, não necessitam de qualquer mecanismo perequativo adicional.

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Carvalho, Jorge (2004). Plano de Cidade, Sociedade e Território, n.º 37/38, 80-88. 18

Para a perequação dos encargos, na linha do sugerido pelos art.os

141º e 142º do DL 380/99,

de 22 de Setembro, o Regulamento do Plano (art.º 102) estipula:

- encargos de todos os promotores (cedência de terreno + realização de obras de

urbanização + taxa) proporcionais à área bruta de construção (ABC) que lhe for licenciada;

- cedência devida para infra-estruturas gerais (vias colectoras + equipamentos + zonas

verdes) 0,5 m2

de terreno/m2 de ABC; acontecendo, em função do zonamento do Plano,

que a cedência efectiva seja inferior (ou superior), o proprietário compensará (ou será

compensado) de forma adequada;

- taxas estabelecidas em função das obras de urbanização que ficarem a cargo de cada

promotor, funcionando como mecanismo perequativo.

Quanto à dinamização de processos associativos, refere o Relatório, p. 43:

“Os planos, quando não dotados de instrumentos executórios (como tem acontecido

ultimamente em Portugal):

- têm um baixo grau de execução, por ficarem dependentes da iniciativa ou inércia dos

proprietários;

- não garantem soluções harmoniosas, porque cada iniciativa tende a fechar-se no limite da

respectiva propriedade;

- não garantem a articulação espacial e temporal, nem o equilíbrio custos/benefícios entre a

construção dos edifícios e das infra-estruturas.

Para evitar que tal aconteça, o Regulamento do Plano prevê que os processos de urbanização

e construção possam ficar dependentes de associação entre proprietários e/ou destes com o

Município ou, eventualmente, com promotores (art.º 104º, sobre “unidades de execução”).

Prevê, ainda, (art.º 105º) que quando o Município vise a aquisição de terrenos destinados a

equipamentos ou infra-estruturas, situados em propriedades destinadas também à edificação,

deverá:

- convidar os proprietários a promoverem a respectiva urbanização, ou a associarem-se

nesse sentido, cedendo os terrenos devidos para infra-estruturas;

- adquirir, em caso de recusa destes, a globalidade do terreno a urbanizar, gerando os

pretendidos equilíbrios urbanísticos e financeiros.”

O plano contém, também, uma quantificação detalhada de cada um dos investimentos

municipais que preconiza, o que, confrontado com uma previsão sobre a capacidade de

investimento municipal para os próximos 10 anos, demonstra a exequibilidade financeira das

propostas.

Em todos os aspectos, portanto, o plano procura perspectivar a sua própria execução.