Plano de Pormenor Da Gist-Brocades

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Plano de Pormenor da Gist-BrocadesJOAO FONSECA Perito Avaliador de Imveis, aluno do Executive Master de Gesto e Avaliao no Imobilirio na EGE- Atlantic Business School.

Resumo Aps a apresentao dos objectivos do trabalho abordagem de alguns indicadores e parmetros do Plano de Pormenor da Gist-Brocades realizado um pequeno enquadramento histrico da zona de enquadramento do Plano. Refere-se a transformao do espao, de zona ambientalmente dbil para zona residencial de luxo. So levantadas algumas interrogaes quanto ao ndice de utilizao adoptado, questionada a utilizao do espao publico para acesso ao estacionamento privado, a ausncia de estacionamento pblico, a mobilidade, a falta de mistura de usos com consequncias nefastas para a dinamizao da zona comercial da envolvente e tambm a componente ambiental do projecto.

Introduo A disciplina Urbanismo e Territrio pretende disponibilizar aos alunos ferramentas que lhes permitam construir um esprito critico relativamente s problemticas actuais do ordenamento do territrio, nomeadamente na escala urbana, sem perder de vista a evoluo que o urbanismo teve ao longo dos tempos. Do espectro alargado de matria leccionada, foi proposto aos alunos que reflectissem sobre um dos temas abordados na disciplina, estabelecendo uma ponte com o estudo de uma situao que tenham vivenciado ou que pretendem estudar. Cumprindo este objectivo, este trabalho pretende focar a sua ateno na abordagem aos indicadores urbansticos mais utilizados e estabelecer uma comparao com os indicadores urbansticos considerados na elaborao do Plano de Pormenor da Gist-Brocades. A Gist-Brocades A antiga fbrica da Gist-Brocades, em Matosinhos, produzia levedura de panificao para aplicao na indstria alimentar e tambm penicilina. Ocupava uma rea aproximada de trs hectares, numa zona industrial constituda, desde os incios do sculo XX, na zona sul da cidade.

Urbanismo e Territrio- Plano de Pormenor da Gist-Brocades

Tendo laborado durante cinquenta anos, cessou a sua actividade no ano de 2001, fruto da presso exercida no sentido de recuperar e reconverter a zona e tambm de eliminar o forte

impacto ambiental negativo. Neste aspecto, de salientar a forte contaminao dos solos e guas subterrneas1 por derrames de nafta, com origem nos depsitos da empresa, de formaldedo, PAH2 e BTEX3, que acarretou elevados custos de descontaminao. A transformao deste espao deu origem ao empreendimento designado Palcio da Enseada. O Palcio da Enseada A promoo do empreendimento pode ser consultada em www.palaciodaenseada.com, sendo de destacar o enfoque que d existncia de 25.000 metros de reas ajardinadas.

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Fonte: Associao Portuguesa de Engenheiros do Ambiente in Dossier de Recuperao / Requalificao Ambiental 2 Hidrocarbonetos aromticos policclicos 3 BTEX um acrnimo que d nome ao grupo de compostos formado pelos hidrocarbonetos: benzeno, tolueno, etil-benzeno e os xilenos

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O Plano de Pormenor da Gist-Brocades O Plano de Pormenor da Gist-Brocades foi integrado no programa Polis, Programa de Requalificao Urbana e Valorizao Ambiental das Cidades, e encontra-se na rea de interveno do Plano Director Municipal de Matosinhos. Foi regulamentado pela Resoluo do Conselho de Ministros n. 18/2006. da responsabilidade do Arquitecto Alcino Soutinho e articula-se com o Plano de Urbanizao de Matosinhos Sul, do Arquitecto Siza Vieira, e o Plano da Marginal, do Arquitecto Souto de Moura. Um dos aspectos importantes do Plano de Pormenor (PP) a alterao do uso do solo previsto, de rea predominante de servios para rea predominantemente residencial, e do ndice de construo, que passou de 1 para 1,38. Decorre da leitura atenta do regulamento do PP e de vrias visitas ao local que nos deveremos focalizar nos seguintes artigos:Artigo 2 Objectivos e estratgia a) Ligao marginal de Matosinhos e interligao com o Plano de Matosinhos Sul; b) Incremento de uma imagem de modernidade; c) Reforo da habitao e espaos pblicos; d) Eliminao de discordncias e estrangulamentos urbanos; e) Operacionalizao e viabilizao da proposta e seu ajustamento a um plano mais alargado.

Artigo 7 mbito e regime 1 As servides e restries de utilidade pblica existentes na rea do Plano e assinaladas na planta de condicionantes so as seguintes: a) Servides de gs, petrleo liquefeito e produtos refinados oleoduto; --Artigo 14 Espaos verdes 1 Constituem-se como espaos verdes e de utilizao colectiva os espaos verdes e pedonais, os espaos privados de utilizao pblica e os espaos privados de utilizao colectiva, todos identificados na planta de usos e materiais.

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2 - No permitida a vedao dos espaos mencionados no nmero anterior.

Artigo 15 Mobilirio e equipamento urbano O mobilirio e equipamento urbano dever ser alvo de um projecto de espao urbano a aprovar pelas autoridades competentes.

Artigo 17 Configurao geral do edificado --4 O acesso s caves dos edifcios a construir, nomeadamente para efeitos de estacionamento, ser feito por rampas de acesso localizado no exterior, que devero ser convenientemente enquadradas com os arranjos urbansticos e paisagsticos de acordo com o plano, excepto na parcela nova 6, o qual dever ser feito por rampa interior. ---

Anexo I

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O regulamento do Plano Director MunicipalArtigo 11 ndices Nas reas objecto do Artigo anterior, desde que no haja contradio com o seu articulado, a rea bruta total de pisos acima do solo no poder exceder a rea total do terreno afecto ao empreendimento.

Artigo 12 Estacionamento 1 Qualquer nova construo dever assegurar dentro do lote ou parcela que ocupa o estacionamento suficiente para responder s suas prprias necessidades, no mnimo de um lugar por cada 150m2 da rea bruta total de pisos acima do solo, no se incluindo neste valor as reas de arrecadao e de armazenagem. 2 Alm deste estacionamento, qualquer nova construo ou novo loteamento dever criar um nmero de lugares de estacionamento para utilizao pblica, no mnimo de um lugar por cada150m2 da rea bruta total de pisos acima do solo, no se incluindo neste valor as reas de arrecadao e de armazenagem. Exceptuam-se os casos em que, na relao com o espao pblico do lote ou parcela a que respeita, se verifique inequivocamente tal ser possvel ou inconveniente.

ndices e parmetros de referncia Sendo o objectivo deste trabalho focalizar-se essencialmente na anlise dos ndices e parmetros urbansticos associados ao Plano de Pormenor da Gist-Brocades, torna-se relevante a sua explicitao e, tambm, a informao dos valores de referncia para cumprir um dos objectivos do PP, ou seja, incremento de uma imagem de modernidade4

ndice / Parmetro (d) Densidade populacional, em habitantes por hectare (p) Nmero mdio de habitantes por fogo (i) ndice de utilizao, relao entre a rea de construo e a rea de terreno (Cev) Capitao de espaos verdes e equipamentos, em m2 por habitante (Ac) rea de construo habitao (m2) por habitante

Valor 100 3 0,9 40 50

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Artigo 2, b), do Regulamento do Plano de Pormenor da Gist-Brocades

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Anlise crtica Face ao objectivo declarado no PP de criao de 198 fogos, teramos, em funo dos parmetros e indicadores urbansticos atrs referidos, os seguintes valores:

N. total de habitantes: 198 x 3 rea de construo habitao: 594 x 50 m2 Espaos verdes e equipamentos: 594 x 40 m2

594 29.700 23.760

No que diz respeito ao estacionamento, e utilizando como referncia os parmetros descritos no Plano Director Municipal, seriam necessrios a disponibilizao de 198 lugares pblicos de estacionamento. Podemos assim estabelecer o seguinte quadro comparativo, que comparar o que o autor considera correcto para o PP, o que est estabelecido no PP e o que diz o Plano Director Municipal (PDM) , no que for possvel comparar:

Indicador ndice de utilizao rea de construo habitao (m2) Espaos verdes (m2) Estacionamento pblico

Autor 0,9 29.700 23.760 198

PP 1,38 39.625 27.723 545

PDM 1 33.300 198

A criao do Plano de Pormenor da Gist-Brocades vem no seguimento de uma poltica da Cmara Municipal de Matosinhos de obteno de mais valias urbansticas de forma a aproveitar o grande impulso dado ao mercado residencial pela conjuntura econmica e de concesso de crdito para compra de habitao em vigor no incio do sculo. Devemos relembrar que o uso inicial para a zona em estudos era de servios, tendo sido alterado, em sede de PP, para residencial. assim evidente que a poltica urbanstica definida pelos Planos Directores Municipais so sempre ultrapassveis, dependendo do poder de exercer influncia dos promotores. Esta concluso pode ser retirada da anlise dos ndices de utilizao permitidos, que passam de um valor aconselhvel de 0.9, que j est um pouco sobredimensionado, ainda que permita uma s convivncia do beto com a qualidade de vida. No entanto,5

O promotor indica 25.000 m2, o que no verifica o PP

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verificamos ainda que o ndice de utilizao foi aumentado 38% ao que define a poltica geral expressa no Plano Director Municipal. Por outro lado, releva de forma substancial que a rea de construo de habitao supera em 20% o que est institudo em PDM.

Assumindo o autor deste trabalho toda a responsabilidade pela anlise aqui expressa, no pode deixar de correlacionar este facilitismo em ultrapassar a poltica urbanstica municipal, com a atribuio sistemtica destas grandes obras a arquitectos de renome nacional e mundial, em que no so questionados erros ou solues pouco correctas. S assim se compreende que seja possvel que o acesso aos pisos inferiores do empreendimento Palcio da Enseada seja feito em pleno espao pblico, retirando espao

de estacionamento pblico e reduzindo o nmero de estacionamentos disponveis, com a agravante de prejudicar a mobilidade. Reparando-se nas imagens plenamente constatado que existe a tendncia dos automobilistas ocuparem a via pblica criando constrangimentos ao fluxo de trfego. Esta zona , nos meses de vero, sobrecarregada com o trnsito automvel em virtude de se encontrar em zona balnear. Esta soluo adoptada tambm colide, de uma forma significativa, com o objectivo atrs mencionado de incrementar a imagem de modernidade, que no se compreende quando sevii

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empurra os automveis para ocuparem a via pblica em estacionamento indevido e quando prejudica seriamente a fluidez de trfego. Voltando ainda transformao do uso, ser importante reflectir nos condicionalismos que

acarreta para o desenvolvimento do comrcio de rua local (que seria desejvel mas no se verifica, antes pelo contrrio), nomeadamente naquela que era a rua comercial de Matosinhos por excelncia, a Rua Brito Capelo. A existncia de uma zona forte de servios, nomeadamente escritrios, iria trazer para a zona envolvente ao PP um forte fluxo de pessoas que iriam utilizar a zona durante o dia. Desta forma, seria possvel desenvolver uma srie de polticas activas de fomento do comrcio de rua, atendendo a que existiria publico consumidor. A situao existente potencia um efeito contrrio ao desejvel. No caso particular do Plano de Pormenor da Gist-Brocades criou-se um fluxo estimado de 598 habitantes que vo estar fora da zona durante um largo perodo do dia e que s voltam zona quando o comrcio de rua est fechado, ou no estando fechado, no cria condies de conforto e de estacionamento que motivem o seu recurso. So as condies de conforto e de estacionamento que criam as condies para o sucesso das grandes superfcies e centros comerciais. Acresce ainda a este facto o estarmos a segmentar o parque habitacional para a classe mdia-alta que, decididamente, pouco utiliza o Metro como transporte e o comrcio de rua local como opo. Este problema agudizar-se- quando for construda uma nova linha de Metro que vai ligar Matosinhos Sul zona de Boavista, com uma passagem pela zona do Campo Alegre, ambas na cidade do Porto.

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Para um desenvolvimento urbano sustentvel seria essencial que no Plano de Pormenor da Gist-Brocades em particular, e no Plano de Urbanizao de Matosinhos Sul em geral, fosse considerada uma mistura de usos - instituies pblicas e privadas, escritrios, habitao e hotis.

Fotografia Carlos Carneiro / cones de Portugal / Real Companhia Vincola, http://mjfs.wordpress.com/

Por fim, uma breve referncia componente ambiental do projecto. A zona de Matosinhos Sul foi um grande plo industrial em meados do Sculo XX. A uma forte componente de indstria conserveira alis, com imveis de inegvel interesse arquitectnico e histrico que a presso urbanstica e o poder local no souberam (quiseram) preservar, juntava-se a presena de industrias altamente poluentes, como a Gist-Brocades, aqui em estudo, e os reservatrios de armazenagem da industria petrolfera. A reconverso operada na zona conseguiu esconder o problema srio do seu sub-solo Alm de existir uma forte contaminao dos solos, perdura ainda um problema importante relacionado com Servides de gs, petrleo liquefeito e produtos refinados oleoduto6 O abastecimento aos depsitos de armazenamento de Matosinhos Sul, de propriedade das empresas Repsol e BP, faz-se por oleoduto no sub-solo, que atravessa toda a zona. do conhecimento pblico os vrios derrames que existiram e a dificuldade que vai apresentar-se quando, num futuro prximo, as instalaes atrs referidas forem desactivadas.6

Artigo 7 do PP

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No que diz concretamente respeito ao PP, as reas verdes correspondem, em teoria, ao que a legislao recomenda. Se, por um lado, o PP refere uma rea verde superior ao que consideramos recomendvel, por outro lado, o promotor do empreendimento refere cerca de 2.000 m2 menos (25.000 m2 de reas ajardinadas). , no entanto, discutvel o que o PP considera de Espao Verde: Constituem-se comoespaos verdes e de utilizao colectiva os espaos verdes e pedonais, os espaos privados de utilizao pblica e os espaos privados de utilizao colectiva, todos identificados na planta de usos e materiais7

A livre interpretao deste ponto engloba em Espao Verde espaos que de verde nada acrescentam, por exemplo, espaos privados de utilizao pblica. Continuando na anlise desta questo verificamos que o espao de equipamentos pblicos de todo o empreendimento se resumem a quatro bancos de pedra e uma passagem pedonal. De facto, a implantao deste espao est vocacionada para o afastamento do pblico das zonas verdes como forma de garantir o mximo de privacidade aos condminos de um empreendimento que no deixa de ser de luxo.

Todos ns hoje nos desabituamos do trabalho de verificar Ea de Queirs

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Artigo 14 do PP

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