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    PLANTEI MEU SONHO AQUI: O IMPASSE ENTRE A UFU E OS SEM TETO DO

    CAMPI GLRIA EM UBERLNDIA-MG (2012-2014)

    Maria Clara Tomaz Machado1

    Plantei um sonho aqui um documentrio produzido pela Diretoria de Comunicao Social

    e Fundao Rdio e TV Educativa de Uberlndia - RTU, historicizando a ocupao de uma

    parte do Campi do Glria da UFU. Desde 2012 o Movimento do Sem Teto se estabeleceu,

    com o apoio da Pastoral da Terra, em um terreno, em ltima instncia do governo federal. A

    universidade recorreu juridicamente e a deciso final foi pela desocupao da rea, o que pode

    resultar em constrangimento e, quem sabe, violncia das foras policiais. O documentrio foi

    realizado com o intuito de sensibilizar e dar agilidade ao processo. Todavia, h que se buscar

    uma soluo que passa necessariamente pela Prefeitura Municipal de Uberlndia. Os

    personagens do vdeo so os moradores do lugar. Eles expressam os seus sonhos, vislumbram

    um bairro Elisson Prieto com todos os equipamentos sociais j delineados em projeto. O

    traado das ruas, a construo de casas de alvenaria, o comrcio, os terrenos delimitados de

    acordo com as exigncias da Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo, j realidade.

    Desocupar o lugar dos sonhos no alternativa para o movimento. A instituio tem buscado

    por todos os meios possveis uma soluo pela qual a justia social se efetive sem abrir mo

    de um espao que, por prerrogativa, um bem pblico, de toda a sociedade. Fica aberto o

    ltimo captulo onde excludos sociais lutam por seus direitos versus, o direito do poder

    poltico pblico essa terra.

    Palavra Chaves: Moradia. Documentrio. Histria. Movimentos Sociais. Memria.

    Plantei meu sonho aqui um documentrio produzido pela Diretoria de Comunicao

    Social DIRCO e Fundao Rdio e TV Universitria RTU, historicizando a ocupao de

    uma rea do Campi do Glria da UFU pelo Movimento dos Sem Teto do Brasil MSTB.

    Desde 2012 o MSTB se estabeleceu, com o apoio da Pastoral da Terra, em ltima instncia do

    governo federal. O intuito deste filme foi o de sensibilizar o governo federal em busca de

    aprovao da alienao do terreno evitando a violncia e o constrangimento criado pela

    deciso judicial que determinava a desocupao imediata do lugar.

    Viver uma realidade to de perto foi uma experincia inusitada para o historiador.

    Acostumado a lidar com as evidncias escritas e orais, ou mesmo com a histria do presente,

    mas no com a urgncia do momento em que a prpria trama se desenrola. Por isso, o filme se

    1Professora Titular dos Cursos de Graduao e Ps Graduao do Instituto de Histria da Universidade Federal

    de Uberlndia, coordenadora da Diretoria de Comunicao Social (DIRCO). Suas pesquisas concentram-se nas

    reas de cultura popular, cidade e vdeo documentrio e tm diversos livros e artigos publicados sobre as

    referidas temticas.

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    torna a primeira narrativa e suscita a compreenso no s do fenmeno local, porm um olhar

    mais acurado dos movimentos sociais politicamente organizados na nossa

    contemporaneidade.

    No Brasil a urbanizao ocorre a partir do seu processo industrial e as cidades passaram

    a comportar alm dos aparelhos burocrticos do Estado tambm o capital comercial industrial

    e financeiro, sediando todas as contradies e conflitos sociais gerados por uma massa de

    trabalhadores agrcolas que so expulsos ou migraram em busca de novas oportunidades.

    Na verdade, se a base produtiva capitalista no Brasil predominantemente urbana,

    tambm por meio das questes habitacionais que se podero encontrar as chaves que

    permitem no s compreender o presente, porm, sobretudo, as disputas pelo uso do solo, a

    ineficincia de uma poltica social brasileira, e as conturbadas invases/ocupaes que se

    acirraram aps a promulgao da constituio de 19882

    Caminhando num outro vis historiogrfico, importa ainda discutir a questo da

    ordenao do espao urbano no sentido mesmo da disciplinarizao e do controle dos

    annimos sociais que colocam em xeque o discurso do progresso e da ordem. Michelle Perrot

    apresenta uma tese original quando afirma que a inveno da moradia , em princpio, uma

    estratgia do discurso burgus. Amedrontados pela orda de nmades que tinham a rua como o

    lugar para suas manifestaes devem, agora, ser contidos em bairros por meio do desenho

    cartogrfico das intervenes do Estado no espao urbano3

    Segundo Brescian (1998), pelo arqutipo da cidade progresso possvel perceber os

    ardis implcitos nas prticas disciplinares, inclusive aquelas que proporcionaram conforto, tais

    como os equipamentos coletivos: gua, luz, esgoto, telefonia, creches, escolas, transporte e

    posto de sade. Entretanto, cada um e cada coisa em seu lugar, pagando por essas

    comodidades que, por princpio, direito social. Para essa autora:

    [...] necessrio um esforo bem sucedido de retirar o urbanismo e a arquitetura da

    neutralidade a eles atribuda pelos tericos da arquitetura funcional e moderna, pois os

    mltiplos espaos vo sendo convenientemente desenhados e constitudos, tendo em

    vista interesses polticos e econmico, imbudos de uma ordenamento social nem

    sempre explcito.4

    2DURHAN, Eunice. A caminho da cidade. So Paulo: E. Perspectiva, 1978. 3 PERROT, Michelle. Os Excludos da Histria. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1988. 4 BRESCIANI, Maria Stella. Histria e Historiografia das Cidades, Um Percurso. In: FREITAS, Marcos Csar

    de (org.). Historiografia Brasileira em Perspectiva. So Paulo: Contexto, 1998. p. 244.

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    Sevcenko, em seu texto Mosaicos Movedios, retrata como a intencionalidade poltica e

    econmica interferiram de forma decisiva na constituio de diversas cidades, bem como na

    diversidade de atores sociais que compem a trama urbana. Diz ele:

    [...] Por trs da promoo dos potenciais da tcnica e da racionalizao

    administrativa, esto as iniciativas para a eliminao das imagens mais degradantes

    da pobreza urbana, como as tentativas de desfavelizao, projetos de conjuntos

    habitacionais populares afastados para os arrebaldes, procurando impor s cidades

    brasileiras a racionalidade que lhes faltava desde as origens coloniais. (...) As

    cidades brasileiras, veladas, opacas, confusas, desarticuladas e porosas, refletindo a

    instabilidade das comunidades que as esquadrinham (...) resistem a esse sonho

    autocrtico.5

    E essa resistncia hoje, pontuada pela globalizao e informatizao da sociedade,

    permitem um novo cenrio para os movimentos sociais que tenderam a se diversificar e se

    complexificar. O que se percebe hoje que mudou a maneira de se fazer poltica, mltiplas

    so as aes coletivas, diversos so os atores sociais e a grande novidade a transversalidade

    que atravessa as demandas por direitos, a criatividade no engendramento do ativismo e as

    articulaes em rede6. Esses novos movimentos populares em rede descobriram que possvel

    manter sua identidade prpria quando se respeita a diversidade dos objetivos a que se

    propem, porm se tornam mais ativos e fortes quando conseguem se unir em prol da defesa

    de polticas sociais pblicas, nos protestos sociais, manifestaes simblicas e presses

    polticas. Nesse cenrio, muitas vezes contam com o apoio das esferas polticas de esquerda

    no pas, como a sociedade civil organizada, as ONGS, e de setores da prpria Igreja Catlica.

    Vale assinalar que a autonomia entre esses movimentos condio sine qua non para que as

    articulaes em rede se realizem. Tambm h que se ressaltar que dentro dessas redes

    ocorrem divergncias de idias, conflitos e muitas, mas muitas negociaes so necessrias

    para que as relaes estabelecidas, a principio, floresam. Scherer-Warrew nos esclarece

    melhor sobre essa novidade:

    [...] Como resultado de todo esse processo articulatrio vai se constituindo o que

    denominamos, enquanto conceito terico, de rede de movimento social. Essa

    pressupe a identificao de sujeitos coletivos em torno de valores, objetivos ou

    projetos em comum, os quais definem os atores ou situaes sistmicas antagnicas

    que devem ser combatidas e transformadas. Em outras palavras, o movimento social,

    em sentido mais amplo, se constitui de uma identidade ou identificao, da definio

    de adversrios ou opositores e de um projeto ou utopia, num contnuo processo em

    construo e resulta das mltiplas articulaes acima mencionadas.7

    5 SEVCENKO, Nicolau. Mosaicos Movedios: histrias extraordinrias das cidades brasileiras. In: Pindorama

    Revisitada: cultura e sociedade em tempos de virada. So Paulo: Peirpolis, 2000. p. 63-64.

    6 SCHERER-WARREN,Ilse. Das Mobilizaes s Redes de Movimentos Sociais. Revista Sociedade e Estado.

    Braslia, v.21, n.1, 2006. 7 Ibid. p. 113.

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    exatamente neste percurso que o Movimento dos Sem Teto do Brasil-MSTB se

    articula. Fica claro em sua cartilha de princpios:

    [...] Somos um movimento territorial. No e nem foi uma escolha dos

    trabalhadores morarem na periferia. Ao contrrio, o modelo de cidade capitalista

    que joga os mais pobres em regies cada vez mais distantes. Mas isso criou as

    condies para que os trabalhadores se organizem nos territrios perifricos por uma

    srie de reivindicaes comuns. Criou identidades coletivas dos trabalhadores em

    torno destas reivindicaes e de suas lutas.8

    A luta pela moradia no Brasil politicamente organizada tem como demarcao histrica

    o Seminrio Nacional de Habitao e Reforma Agrria ocorrido em 1963, em Petrpolis.

    dessa dcada tambm a criao do Banco Nacional de Habitao-BNH que atuou muito mais

    em favor do financiamento de casas para as classes mdias do Brasil do que para as camadas

    populares9. Em 1985, no contexto da redemocratizao do pas, foi criado o Movimento

    Nacional pela Reforma Urbana.

    Os estudiosos do assunto so unnimes em afirmar que poucos foram os avanos legais

    em relao a conquista de direitos sociais dos movimentos populares urbanos. Entre eles, a

    criao do Estatuto da Cidade e do Ministrio das Cidades, que garantem a funo social de

    terras urbanas. Mas entre a lei e a realidade muito h ainda que caminhar. Por exemplo, a

    criao de comisses para mediao de conflitos em despejos e o aprimoramento de

    normativas do Programa Minha Casa, Minha Vida que vem se arrastando em debates polticos

    e nem sempre so prticas usuais do poder pblico e judicirio.10

    Neste contexto que se situa a cidade de Uberlndia e os movimentos populares do

    MSTB que tem efetuado vrias ocupaes no municpio datados da dcada de 1980, porm

    multiplicados entre os anos de 2000 a 2014. Uberlndia, uma cidade como tantas outras do

    Brasil do Sculo XIX, teve e tem como pressuposto bsico de sua histria a ordem e o

    progresso. Esta cidade moralizada de ponta a ponta pelo iderio burgus aparece no discurso

    de suas elites como ordeira, laboriosa e pacfica, caminhando teleogicamente rumo ao

    desenvolvimento urbano e social. A alterao do seu traado urbano, a estrutura moderna e

    8 CARTILHA DO MSTB, p.02 Disponvel em: http://www.mtst.org/ Acesso em: 25/02/2014 9 MOREIRA, Camilla Fernandes & LEME, Alessandro Andr. Moradia e Desenvolvimento: aspectos jurdicos e

    polticas pblicas setoriais no Brasil. PEA, CODE 2011. Anais do I Circuito de Debates Acadmicos. 10 GAZOLA, Patrcia Marques. Concretizao do Direito Moradia Digna: teoria e prtica. Belo Horizonte:

    frum, 2008.

    http://www.mtst.org/

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    avanada de sua arquitetura, a especulao imobiliria, a situao de plo comercial e

    industrial da regio, so fatos que testemunham seu progresso econmico. Todavia, h que se

    assinalar o contraste com a violncia, o crime, o roubo, a mendicncia, os jogos de azar, o

    favelamento, as greves, o quebra-quebra, como o outro lado desse discurso, deixando entrever

    nos conflitos sociais a recusa ordem estabelecida.11

    Os seus cdigos de posturas, mapas cadastrais, planos diretores, leis orgnicas da

    cidade, os projetos de assistncia social institucionalizada, as campanhas moralizantes no

    arrefeceram os nimos dos que chegaram a Uberlndia atrados pela sua fama de ser uma das

    melhores cidades para se viver no pas. So atores sociais que migraram de cidades prximas

    do Tringulo Mineiro, mas tambm de Gois, Mato Grosso, do Nordeste e do Sul.12 Hoje sua

    populao beira os 670 mil habitantes e o dficit habitacional foi calculado na necessidade de

    50.000 moradias at 2012, sendo a proposta da Prefeitura Municipal de Uberlndia para os

    anos de 2013 a 2016 a construo de apenas 10.000 habitaes. H que se reconhecer aqui o

    fulcro do impasse social que o MSTB regional enfrenta com o apoio da Pastoral da Terra.

    Para Frei Rodrigo13:

    [...] Os vazios urbanos para especulao imobiliria so uma realidade na malha

    urbana de Uberlndia. A cidade cresceu deixando grandes reas vazias, verdadeiras

    fazendas urbanas, que servem de reserva para o mercado imobilirio ilcito, porque

    se realiza desrespeitando o princpio constitucional da funo social da propriedade

    urbana. (...) Os equipamentos pblicos como ruas, asfalto, energia, gua encanada e

    esgoto que circundam esses vazios urbanos e os valorizam so pagos, por todos,

    favorecendo os especuladores. A cidade de Uberlndia, alm das reas fruto de

    grilagem, cresceu estabelecendo vazios urbanos especulativos. A malha urbana

    saltou reas, aumentou distncias preservando o futuro negcio de uns poucos.14

    A grilagem de terras a que se refere o frei Rodrigo se baseia no texto de gino Marcos,

    advogado da Pastoral de Terra em Uberlndia, cujas acusaes contidas so graves e

    merecedoras de investigaes. Com dados de levantamentos cartoriais so acusadas pessoas

    ilustres da cidade como o ex-prefeito Virgilio Galassi, Segismundo Pereira, a Imobiliria

    Tubal Vilela, Rui Castro e a Empresa Agromam LTDA de se apropriarem de forma ilcita de

    terras e inventrio da famlia Costa at hoje inconcluso. Para esse advogado15:

    11 MACHADO, Maria Clara Tomaz. Muito Aqum do Paraso: ordem, progresso no espao urbano burgus.

    Revista Histria e Perspectiva. Uberlndia, UFU, n4, 1991. 12 MACHADO, Maria Clara Tomaz e LOPES, Valria M. Q. C. (Org.). Caminhos das pedras: inventrio

    temtico de fontes documentais (Uberlndia 1900/1980), Uberlndia, EDUFU, 2007. 13 PERET, Frei Rodrigo. As ocupaes dos vazios urbanos em Uberlndia-MG, Uberlndia: Centro de

    Comunicao Diocesano. Elos da F.com 2013. Disponvel em: http://www.elodafe.com/ acesso: 23/05/2015. 14 Ibid. 15 MARCOS, Igno. Sem teto em Uberlndia Denncia de Grilagem. Biblioteca do Blog lisson Prieto, agosto

    2011.

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    [...] Os bairros irregulares de Uberlndia, que foram frutos de ocupaes urbanas, ou

    seja: So Francisco, Dom Almir, Zaire Resende, Joana Darc, Celebridade,

    Prosperidade(...) certamente por serem partes de terras de um inventrio no

    resolvido at hoje, motivou de modo decisivo as invases urbanas nesta regio de

    Uberlndia, pois como muitos sem tetos sabiam dos rolos e injustias ocorridas

    com as terras dos herdeiros Costas, optaram por seguir as lideranas locais que

    ocuparam essas terras de difcil identificao dos proprietrios.16

    Desde 1960 quando a cidade se evidencia no cenrio nacional, pelo seu

    desenvolvimento econmico, possvel perceber o agravamento de seus problemas sociais,

    entre eles a favelizao que at a dcada de 1980 foi tratada como caso de policia.

    Na atualidade, 2010 a 2014, ocorreu no municpio mais de treze invases, muitas delas

    desocupadas por mandatos judiciais, cujos atores sociais migravam para outro acampamento

    como em um jogo de gato e rato, circulando como em uma partida de xadrez, cujo xeque-

    mate pode ser a fazenda Glria de propriedade da Universidade Federal de Uberlndia.17

    O Campus Glria, de propriedade da Universidade Federal de Uberlndia, um projeto

    desenhado desde a dcada de 1970 e somente agora se torna realidade, graas poltica de

    expanso das universidades federais.18 Este espao constitudo por trs glebas distintas,

    equivalendo no seu total a 685 hectares 87 acres e 99 centiacres. Esta rea to importante

    corresponde a 5% do permetro urbano da cidade de Uberlndia e atravessada pela Br-050.

    A primeira gleba (320 hectares) foi doada pela Prefeitura de Uberlndia em 1973 e nela que

    se encontra a poro ocupada pelo MSTB em janeiro de 2012, tambm conhecida como

    Tringulo das Bermudas, com 64 hectares de terra. A segunda, com cerca de 87 hectares,

    foi trocada pela UFU com Pedro Cherulli por um terreno seu no Bairro Lagoinha, onde hoje

    se situa o Parque de exposies do CAMARU e a terceira, com 297 hectares, pertencente

    Fundao de Assistncia, Estudo e Pesquisa de Uberlndia-FAEPU desde 1979.19 Em 2011

    foi aprovado pela UFU sem o plano diretor. Na margem contrria ocupao iniciou-se em

    16 Ibid. 17 Dessas ocupaes propagadas pela mdia local temos conhecimento de locais como o Bairro Shopping Park, Ceasa, Cana, Jardim Clia, Alvorada, Novo Mundo, Pau Furado, Granja Planalto, Tocantins e Glria. Ver

    tambm: Blog do Elsson Prieto. Despejo de Famlias em Uberlndia, 01/08/11; PM negocia reintegrao em

    uma das quatro reas invadidas em Uberlndia. G1. Globo.com/minas-gerais/tringulo mineiro/notcias,

    set.2013; Famlias so Intimiadas a deixar casas invadidas da expanso da Universidade Federal de

    Uberlndia/MG G1. Op.cit. 24/04/2012. 18 PRIETO, lisson & COLESANTI, Marlene T. M. Campus do Glria: os impasses scios ambientais da

    expanso da Universidade Federal de Uberlndia. Revista Sociedade e Natureza. Uberlndia, EDUFU, v. 24,

    2012. 19 PRIETO, lisson. Os desafios Institucionais e Municipais Para Implantao de Uma Cidade Uberlndia: o campus Glria da Universidade Federal de Uberlndia. Uberlndia, UFU, mestrado em Geografia, 2005.

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    2012 a construo de prdios que, provavelmente, ter concluda sua primeira fase prevista

    para 201620.

    Nesta rea a UFU j mantm uma fazenda experimental destinada a produo

    agropecuria e pesquisas vinculadas aos seus cursos de Cincias Agrrias e Biolgicas. L

    tambm encontra-se a sede de um antigo clube dos servidores a ASUFUB, alm de terras de

    reserva ambiental.

    Na ocupao do Glria vivem hoje cerca de 2.480 famlias e 10 mil pessoas. Em 18 de

    junho de 2012 a advocacia geral da unio, representando a UFU, pede reintegrao de posse

    na Justia Federal. Em 20 de junho de 2012 expedida liminar de reintegrao. Entre 22 de

    junho a 11 de julho desse mesmo ano o MSTB fez diversos protestos e o Ministrio das

    Cidades, media o conflito, pede a suspenso da liminar e a justia acata. Em 2012 a UFU

    procede a uma avaliao financeira da rea ocupada pelo MSTB e foi considerada pelo

    Ministrio Pblico implausvel, dado que foi realizado por agentes imobilirios. O preo

    muito baixo poderia esconder interesses especulativos, especialmente porque em futuro bem

    prximo, com a construo do novo campus, ela ter triplicado o seu valor.

    Em 2013, a gesto do atual reitor, Dr. Elmiro Santos Resende, props ao Conselho

    Universitrio uma nova avaliao da rea e em vinte e sete de setembro deste ano, aps uma

    relatoria minuciosa da Dra. Krem Cristina de Sousa Ribeiro, foi aprovada por unanimidade a

    sua alienao cujo valor sobre os 64 hectares foi estipulado pela Caixa Econmica Federal em

    $63 milhes de reais.21 Tal fato foi considerado pelo MSTB, presente nesta reunio, uma

    vitria do movimento.

    Enquanto as negociaes prosseguiam com a Prefeitura Municipal era necessria a

    aprovao do MEC e autorizao Presidencial para que o acordo se realizasse. Que fique claro

    que a verba recebida nessa transao, por fora de uma resoluo do Consun n 6/2010,22

    dever necessariamente ser empregada nos Campi da UFU e prioritariamente em servios de

    infraestrutura e urbanizao do Campus do Glria.

    No meio do caminho tinha uma pedra. No dia quatro de abril de 2014, o Juiz Federal

    Jos Humberto Ferreira determinou a reintegrao de posse da rea ocupada pelo MSTB,

    includo no seu despacho a demolio das construes, cujo cumprimento da ordem ficar a

    20 Plano Diretor do Glria foi aprovado pelo Conselho Universitrio-CONSUN Resoluo 22-, setembro de

    2011. http://www.Campusgloria.ufu.br Acesso: 25/04/2014

    21 Ata da 9 reunio/2013 do Conselho Universitrio da UFU/Resoluo n 15/2013 do Conselho Universitrio

    CONSUN-UFU 22 Resoluo n 6/2010 do Conselho Universitrio -CONSUN- UFU

    http://www.campusgloria.ufu.br/

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    cargo da polcia federal e militar do Estado de Minas Gerais, utilizando a fora s depois de

    esgotados todas as negociaes.23

    Depois de diversos protestos do MSTB na Prefeitura Municipal, de reunies de seus

    representantes na reitoria ficou decidido uma viagem Braslia, em 15 de abril de 2014, onde

    o Reitor, o prefeito, alguns vereadores e deputados, alm de representantes do MSTB,

    tentariam sensibilizar o Governo Dilma Roussef para a autorizao federal de alienao da

    rea de conflito.24 O que parece ter surtido efeito, pois no decreto de doze de agosto de 2014,

    da Presidncia da Repblica, ficou autorizado UFU a alienao do imvel, mediante

    contrato de compra e venda, conquanto o seu produto seja utilizado integralmente no referido

    Campi da UFU.25 Neste interregno o MSTB de Uberlndia e a Pastoral da Terra conseguiram

    importantes aliados, entre eles o Secretrio Nacional de Justia Paulo Abro, filho da terra e o

    vice-presidente da Comisso de Direitos Humanos e Minorias da Cmara dos Deputados

    Federais Nilmrio Miranda, Paulo Abro afirmou imprensa local26 que:

    [...] H um acerto entre a UFU, a Prefeitura de Uberlndia e os Ministrios da

    Educao e da Cidade para que o local seja loteado por meio do Programa Minha

    Casa, Minha Vida. O acordo foi construdo por iniciativa da Procuradoria Geral da

    Repblica. O executivo se engajou por prpria demanda do sistema de justia27.

    Quando visitamos o Campus do Glria para a produo das imagens para o

    documentrio muito nos impressionou o nvel de organizao da ocupao do Glria. Fomos

    recebidos com cortesia pelos coordenadores do MSTB e moradores do lugar. O ponto de

    encontro foi na sede comunitria, uma casa com uma varanda, onde o lugar central das

    decises do coletivo. Logo ouvimos foguetes e comeou a aparecer pessoas de todos os

    lugares, era o sinal: carros, bicicletas, motos, pedestres, famlias inteiras nos acompanharam

    na nossa incurso pelo lugar. Foi nos explicado que todo seu traado urbano e topogrfico foi

    construdo com a ajuda de lisson Pietro, prof. de geografia da UFU, j falecido, por isso o

    seu nome foi escolhido como homenagem para identificar o futuro bairro. Todo

    esquadrinhado, o arruamento, o tamanho dos lotes, as reas de preservao ambiental e locais

    de comrcio e igrejas esto delimitados. Mais de 80% das moradias so de alvenaria: bares,

    23 Ao Juiz Federal publicado 04/04/2014, TRF, Ano VI, n 66, Braslia-DF 24 Viagem realizada em 15/07/14 quando foi apresentado o documentrio intitulado Plantei um Sonho Aqui,

    produzido pela DIRCO/UFU e um lbum de fotografias de autoria de Milton Santos e Fabiano Goulart.

    www.comunica.ufu.br 25 Decreto Presidencial de 12/08/14, impresso no Dirio Oficial de 13/08/14, sesso 1, n 154 de quarta feira. 26 LEAL, Leonardo & LEMOS, Vincius. Panorama das reas ocupadas apresentada as autoridades,

    Uberlndia, Jornal Correio de Uberlndia, 04/08/2014. 27 Ibid.

    http://www.comunica.ufu.br/

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    lojas, supermercados, sacoles de verduras, igrejas, associao comunitria vivem o cotidiano

    com (des)esperana. O depoimento28 de uma de suas moradoras resume a situao:

    [...] O prefeito em campanha prometeu que aqui no ia ser, j era um bairro. Ns

    viemos de todos os cantos do pas, de vrias outras ocupaes. Ns somos

    trabalhadores, no queremos nada de graa, queremos pagar o terreno, o asfalto e

    todas as benfeitorias. Muitos de ns est inscrito no Programa Minha Casa, Minha

    vida. Mas so s 10 mil casas para 50 mil necessitados. Eu e meus companheiros

    Plantei meu sonho aqui, todos nossas economias, investimos tudo que tnhamos,

    no vamos entregar de mo beijada um bairro planejado, muito melhor que outros

    ai.29

    Enquanto no se resolve o impasse a reitoria nomeou uma comisso, cujo presidente, o

    prof. Dr. Leonardo Barbosa30 e Silva explicou sua finalidade:

    [...] Neste primeiro momento ficou acertado que antes de tomar qualquer deciso

    temos que fazer um diagnstico da situao, que englobam as tramitaes na justia

    sobre a ocupao e as tratativas de alienao do terreno. Um dos objetivos centrais

    da comisso garantir o respeito aos direitos humanos quanto desocupao da rea

    e junto aos rgos competentes, uma vez que no local esto assentados cerca de dez

    mil pessoas.31

    O que mais impressiona em todo esse processo o nvel de insatisfao e preconceito

    da sociedade uberlandense em relao a ocupao do Glria. Entre eles, citamos apenas

    alguns entre centenas32:

    [...] Nosso pas muito estranho, um cidado comum tem que pagar aluguel, gua,

    energia e afins pra sobreviver, um bando de parasitas sociais se acham no direito de

    roubar o que lhes d na cabea (sem terra, sem teto, sem vergonha...) t difcil viver,

    tem que endurecer com eles, porque a cidade est enchendo desse tipo de pessoas

    esperando uma oportunidade.33

    O depoimento abaixo assinala:

    Que o mundo acabe em barrancos, para que morra encostado! isso que pensam

    esse povo...

    Cambada de safos!!! No tenho piedade alguma... Pode parecer duro, mas ningum

    tem piedade de mim quando todos os dias tenho que acordar, junto com o sol, e

    trabalhar feito um louco o dia todo para no fim do ms poder pagar minhas contas e

    impostos... Pois caso contrrio, iria para a rua... Pois no sou beneficiado com

    nenhuma bolsa-alguma-coisa por a...

    Pegar na enxada ou puxar carrinho de mo, ningum quer, n? Para que? J que

    posso ficar no barraco, bebendo, assistindo novela e fazendo filhos, pois at o

    governo ajuda. Oportunidades no caem do cu... Se no correr atrs, somente

    poucos ganham de lambuja alguma coisa...

    28 Depoimento em Abril de 2014 para o documentrio Plantei um sonho aqui. 29 Ibid. 30 Portaria R n 642, 30/06/2014 UFU 31 Ibid. 32 Existe uma pluralidade de artigo produzido pelo Jornal Correio de Uberlndia referente temtica. 33 Ibid.

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    E j sei de vrios casos de pessoas bem de vida que construram barracos nesse

    assentamento e pagam um salrio para que pessoas ou famlias ocupem os barracos

    com o compromisso de transferir os ganhos depois. O Ministrio Pblico Federal

    tinha que dar uma voltinha por l, pois muita poeira iria subir.34

    Uma resposta nos surpreendeu:

    Sou morador do glria e ao contrrio de alguns comentrios tenho inscrio no

    Minha Casa/Minha Vida (mcmv) desde 2007. Sou tcnico mecnico, estudo

    engenharia, sou formado em teologia, no sou analfabeto, no tenho passagens, no

    tenho envolvimento poltico, no sou especulador, no sou pobre coitado, etc. s

    estou requerendo um direito meu constitudo e fico revoltado com uns pobres

    coitados manipulados pela mdia e pela burguesia, so omissos e manipulados s

    reclamam e no exercem seus direitos e ainda me chamam de alguns adjetivos que

    no sou. Por sua culpa o Brasil o pas mais desigual dos pases emergentes:

    poucos tem muito, muitos tem pouco... acorda sociedade ainda h tempo.35

    O jogo est jogado. Apesar de difcil resoluo se percebe que quando as ocupaes

    ocorrem em terras pblicas federais, como em uma universidade cujos parmetros a

    democracia e o ensino pblico de qualidade, a busca por um consenso para resolver o impasse

    passa por questes como evitar violncia e as injustias sociais.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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