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PLANTEI MEU SONHO AQUI: O IMPASSE ENTRE A UFU E OS SEM TETO DO
CAMPI GLRIA EM UBERLNDIA-MG (2012-2014)
Maria Clara Tomaz Machado1
Plantei um sonho aqui um documentrio produzido pela Diretoria de Comunicao Social
e Fundao Rdio e TV Educativa de Uberlndia - RTU, historicizando a ocupao de uma
parte do Campi do Glria da UFU. Desde 2012 o Movimento do Sem Teto se estabeleceu,
com o apoio da Pastoral da Terra, em um terreno, em ltima instncia do governo federal. A
universidade recorreu juridicamente e a deciso final foi pela desocupao da rea, o que pode
resultar em constrangimento e, quem sabe, violncia das foras policiais. O documentrio foi
realizado com o intuito de sensibilizar e dar agilidade ao processo. Todavia, h que se buscar
uma soluo que passa necessariamente pela Prefeitura Municipal de Uberlndia. Os
personagens do vdeo so os moradores do lugar. Eles expressam os seus sonhos, vislumbram
um bairro Elisson Prieto com todos os equipamentos sociais j delineados em projeto. O
traado das ruas, a construo de casas de alvenaria, o comrcio, os terrenos delimitados de
acordo com as exigncias da Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo, j realidade.
Desocupar o lugar dos sonhos no alternativa para o movimento. A instituio tem buscado
por todos os meios possveis uma soluo pela qual a justia social se efetive sem abrir mo
de um espao que, por prerrogativa, um bem pblico, de toda a sociedade. Fica aberto o
ltimo captulo onde excludos sociais lutam por seus direitos versus, o direito do poder
poltico pblico essa terra.
Palavra Chaves: Moradia. Documentrio. Histria. Movimentos Sociais. Memria.
Plantei meu sonho aqui um documentrio produzido pela Diretoria de Comunicao
Social DIRCO e Fundao Rdio e TV Universitria RTU, historicizando a ocupao de
uma rea do Campi do Glria da UFU pelo Movimento dos Sem Teto do Brasil MSTB.
Desde 2012 o MSTB se estabeleceu, com o apoio da Pastoral da Terra, em ltima instncia do
governo federal. O intuito deste filme foi o de sensibilizar o governo federal em busca de
aprovao da alienao do terreno evitando a violncia e o constrangimento criado pela
deciso judicial que determinava a desocupao imediata do lugar.
Viver uma realidade to de perto foi uma experincia inusitada para o historiador.
Acostumado a lidar com as evidncias escritas e orais, ou mesmo com a histria do presente,
mas no com a urgncia do momento em que a prpria trama se desenrola. Por isso, o filme se
1Professora Titular dos Cursos de Graduao e Ps Graduao do Instituto de Histria da Universidade Federal
de Uberlndia, coordenadora da Diretoria de Comunicao Social (DIRCO). Suas pesquisas concentram-se nas
reas de cultura popular, cidade e vdeo documentrio e tm diversos livros e artigos publicados sobre as
referidas temticas.
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torna a primeira narrativa e suscita a compreenso no s do fenmeno local, porm um olhar
mais acurado dos movimentos sociais politicamente organizados na nossa
contemporaneidade.
No Brasil a urbanizao ocorre a partir do seu processo industrial e as cidades passaram
a comportar alm dos aparelhos burocrticos do Estado tambm o capital comercial industrial
e financeiro, sediando todas as contradies e conflitos sociais gerados por uma massa de
trabalhadores agrcolas que so expulsos ou migraram em busca de novas oportunidades.
Na verdade, se a base produtiva capitalista no Brasil predominantemente urbana,
tambm por meio das questes habitacionais que se podero encontrar as chaves que
permitem no s compreender o presente, porm, sobretudo, as disputas pelo uso do solo, a
ineficincia de uma poltica social brasileira, e as conturbadas invases/ocupaes que se
acirraram aps a promulgao da constituio de 19882
Caminhando num outro vis historiogrfico, importa ainda discutir a questo da
ordenao do espao urbano no sentido mesmo da disciplinarizao e do controle dos
annimos sociais que colocam em xeque o discurso do progresso e da ordem. Michelle Perrot
apresenta uma tese original quando afirma que a inveno da moradia , em princpio, uma
estratgia do discurso burgus. Amedrontados pela orda de nmades que tinham a rua como o
lugar para suas manifestaes devem, agora, ser contidos em bairros por meio do desenho
cartogrfico das intervenes do Estado no espao urbano3
Segundo Brescian (1998), pelo arqutipo da cidade progresso possvel perceber os
ardis implcitos nas prticas disciplinares, inclusive aquelas que proporcionaram conforto, tais
como os equipamentos coletivos: gua, luz, esgoto, telefonia, creches, escolas, transporte e
posto de sade. Entretanto, cada um e cada coisa em seu lugar, pagando por essas
comodidades que, por princpio, direito social. Para essa autora:
[...] necessrio um esforo bem sucedido de retirar o urbanismo e a arquitetura da
neutralidade a eles atribuda pelos tericos da arquitetura funcional e moderna, pois os
mltiplos espaos vo sendo convenientemente desenhados e constitudos, tendo em
vista interesses polticos e econmico, imbudos de uma ordenamento social nem
sempre explcito.4
2DURHAN, Eunice. A caminho da cidade. So Paulo: E. Perspectiva, 1978. 3 PERROT, Michelle. Os Excludos da Histria. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1988. 4 BRESCIANI, Maria Stella. Histria e Historiografia das Cidades, Um Percurso. In: FREITAS, Marcos Csar
de (org.). Historiografia Brasileira em Perspectiva. So Paulo: Contexto, 1998. p. 244.
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Sevcenko, em seu texto Mosaicos Movedios, retrata como a intencionalidade poltica e
econmica interferiram de forma decisiva na constituio de diversas cidades, bem como na
diversidade de atores sociais que compem a trama urbana. Diz ele:
[...] Por trs da promoo dos potenciais da tcnica e da racionalizao
administrativa, esto as iniciativas para a eliminao das imagens mais degradantes
da pobreza urbana, como as tentativas de desfavelizao, projetos de conjuntos
habitacionais populares afastados para os arrebaldes, procurando impor s cidades
brasileiras a racionalidade que lhes faltava desde as origens coloniais. (...) As
cidades brasileiras, veladas, opacas, confusas, desarticuladas e porosas, refletindo a
instabilidade das comunidades que as esquadrinham (...) resistem a esse sonho
autocrtico.5
E essa resistncia hoje, pontuada pela globalizao e informatizao da sociedade,
permitem um novo cenrio para os movimentos sociais que tenderam a se diversificar e se
complexificar. O que se percebe hoje que mudou a maneira de se fazer poltica, mltiplas
so as aes coletivas, diversos so os atores sociais e a grande novidade a transversalidade
que atravessa as demandas por direitos, a criatividade no engendramento do ativismo e as
articulaes em rede6. Esses novos movimentos populares em rede descobriram que possvel
manter sua identidade prpria quando se respeita a diversidade dos objetivos a que se
propem, porm se tornam mais ativos e fortes quando conseguem se unir em prol da defesa
de polticas sociais pblicas, nos protestos sociais, manifestaes simblicas e presses
polticas. Nesse cenrio, muitas vezes contam com o apoio das esferas polticas de esquerda
no pas, como a sociedade civil organizada, as ONGS, e de setores da prpria Igreja Catlica.
Vale assinalar que a autonomia entre esses movimentos condio sine qua non para que as
articulaes em rede se realizem. Tambm h que se ressaltar que dentro dessas redes
ocorrem divergncias de idias, conflitos e muitas, mas muitas negociaes so necessrias
para que as relaes estabelecidas, a principio, floresam. Scherer-Warrew nos esclarece
melhor sobre essa novidade:
[...] Como resultado de todo esse processo articulatrio vai se constituindo o que
denominamos, enquanto conceito terico, de rede de movimento social. Essa
pressupe a identificao de sujeitos coletivos em torno de valores, objetivos ou
projetos em comum, os quais definem os atores ou situaes sistmicas antagnicas
que devem ser combatidas e transformadas. Em outras palavras, o movimento social,
em sentido mais amplo, se constitui de uma identidade ou identificao, da definio
de adversrios ou opositores e de um projeto ou utopia, num contnuo processo em
construo e resulta das mltiplas articulaes acima mencionadas.7
5 SEVCENKO, Nicolau. Mosaicos Movedios: histrias extraordinrias das cidades brasileiras. In: Pindorama
Revisitada: cultura e sociedade em tempos de virada. So Paulo: Peirpolis, 2000. p. 63-64.
6 SCHERER-WARREN,Ilse. Das Mobilizaes s Redes de Movimentos Sociais. Revista Sociedade e Estado.
Braslia, v.21, n.1, 2006. 7 Ibid. p. 113.
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exatamente neste percurso que o Movimento dos Sem Teto do Brasil-MSTB se
articula. Fica claro em sua cartilha de princpios:
[...] Somos um movimento territorial. No e nem foi uma escolha dos
trabalhadores morarem na periferia. Ao contrrio, o modelo de cidade capitalista
que joga os mais pobres em regies cada vez mais distantes. Mas isso criou as
condies para que os trabalhadores se organizem nos territrios perifricos por uma
srie de reivindicaes comuns. Criou identidades coletivas dos trabalhadores em
torno destas reivindicaes e de suas lutas.8
A luta pela moradia no Brasil politicamente organizada tem como demarcao histrica
o Seminrio Nacional de Habitao e Reforma Agrria ocorrido em 1963, em Petrpolis.
dessa dcada tambm a criao do Banco Nacional de Habitao-BNH que atuou muito mais
em favor do financiamento de casas para as classes mdias do Brasil do que para as camadas
populares9. Em 1985, no contexto da redemocratizao do pas, foi criado o Movimento
Nacional pela Reforma Urbana.
Os estudiosos do assunto so unnimes em afirmar que poucos foram os avanos legais
em relao a conquista de direitos sociais dos movimentos populares urbanos. Entre eles, a
criao do Estatuto da Cidade e do Ministrio das Cidades, que garantem a funo social de
terras urbanas. Mas entre a lei e a realidade muito h ainda que caminhar. Por exemplo, a
criao de comisses para mediao de conflitos em despejos e o aprimoramento de
normativas do Programa Minha Casa, Minha Vida que vem se arrastando em debates polticos
e nem sempre so prticas usuais do poder pblico e judicirio.10
Neste contexto que se situa a cidade de Uberlndia e os movimentos populares do
MSTB que tem efetuado vrias ocupaes no municpio datados da dcada de 1980, porm
multiplicados entre os anos de 2000 a 2014. Uberlndia, uma cidade como tantas outras do
Brasil do Sculo XIX, teve e tem como pressuposto bsico de sua histria a ordem e o
progresso. Esta cidade moralizada de ponta a ponta pelo iderio burgus aparece no discurso
de suas elites como ordeira, laboriosa e pacfica, caminhando teleogicamente rumo ao
desenvolvimento urbano e social. A alterao do seu traado urbano, a estrutura moderna e
8 CARTILHA DO MSTB, p.02 Disponvel em: http://www.mtst.org/ Acesso em: 25/02/2014 9 MOREIRA, Camilla Fernandes & LEME, Alessandro Andr. Moradia e Desenvolvimento: aspectos jurdicos e
polticas pblicas setoriais no Brasil. PEA, CODE 2011. Anais do I Circuito de Debates Acadmicos. 10 GAZOLA, Patrcia Marques. Concretizao do Direito Moradia Digna: teoria e prtica. Belo Horizonte:
frum, 2008.
http://www.mtst.org/
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avanada de sua arquitetura, a especulao imobiliria, a situao de plo comercial e
industrial da regio, so fatos que testemunham seu progresso econmico. Todavia, h que se
assinalar o contraste com a violncia, o crime, o roubo, a mendicncia, os jogos de azar, o
favelamento, as greves, o quebra-quebra, como o outro lado desse discurso, deixando entrever
nos conflitos sociais a recusa ordem estabelecida.11
Os seus cdigos de posturas, mapas cadastrais, planos diretores, leis orgnicas da
cidade, os projetos de assistncia social institucionalizada, as campanhas moralizantes no
arrefeceram os nimos dos que chegaram a Uberlndia atrados pela sua fama de ser uma das
melhores cidades para se viver no pas. So atores sociais que migraram de cidades prximas
do Tringulo Mineiro, mas tambm de Gois, Mato Grosso, do Nordeste e do Sul.12 Hoje sua
populao beira os 670 mil habitantes e o dficit habitacional foi calculado na necessidade de
50.000 moradias at 2012, sendo a proposta da Prefeitura Municipal de Uberlndia para os
anos de 2013 a 2016 a construo de apenas 10.000 habitaes. H que se reconhecer aqui o
fulcro do impasse social que o MSTB regional enfrenta com o apoio da Pastoral da Terra.
Para Frei Rodrigo13:
[...] Os vazios urbanos para especulao imobiliria so uma realidade na malha
urbana de Uberlndia. A cidade cresceu deixando grandes reas vazias, verdadeiras
fazendas urbanas, que servem de reserva para o mercado imobilirio ilcito, porque
se realiza desrespeitando o princpio constitucional da funo social da propriedade
urbana. (...) Os equipamentos pblicos como ruas, asfalto, energia, gua encanada e
esgoto que circundam esses vazios urbanos e os valorizam so pagos, por todos,
favorecendo os especuladores. A cidade de Uberlndia, alm das reas fruto de
grilagem, cresceu estabelecendo vazios urbanos especulativos. A malha urbana
saltou reas, aumentou distncias preservando o futuro negcio de uns poucos.14
A grilagem de terras a que se refere o frei Rodrigo se baseia no texto de gino Marcos,
advogado da Pastoral de Terra em Uberlndia, cujas acusaes contidas so graves e
merecedoras de investigaes. Com dados de levantamentos cartoriais so acusadas pessoas
ilustres da cidade como o ex-prefeito Virgilio Galassi, Segismundo Pereira, a Imobiliria
Tubal Vilela, Rui Castro e a Empresa Agromam LTDA de se apropriarem de forma ilcita de
terras e inventrio da famlia Costa at hoje inconcluso. Para esse advogado15:
11 MACHADO, Maria Clara Tomaz. Muito Aqum do Paraso: ordem, progresso no espao urbano burgus.
Revista Histria e Perspectiva. Uberlndia, UFU, n4, 1991. 12 MACHADO, Maria Clara Tomaz e LOPES, Valria M. Q. C. (Org.). Caminhos das pedras: inventrio
temtico de fontes documentais (Uberlndia 1900/1980), Uberlndia, EDUFU, 2007. 13 PERET, Frei Rodrigo. As ocupaes dos vazios urbanos em Uberlndia-MG, Uberlndia: Centro de
Comunicao Diocesano. Elos da F.com 2013. Disponvel em: http://www.elodafe.com/ acesso: 23/05/2015. 14 Ibid. 15 MARCOS, Igno. Sem teto em Uberlndia Denncia de Grilagem. Biblioteca do Blog lisson Prieto, agosto
2011.
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[...] Os bairros irregulares de Uberlndia, que foram frutos de ocupaes urbanas, ou
seja: So Francisco, Dom Almir, Zaire Resende, Joana Darc, Celebridade,
Prosperidade(...) certamente por serem partes de terras de um inventrio no
resolvido at hoje, motivou de modo decisivo as invases urbanas nesta regio de
Uberlndia, pois como muitos sem tetos sabiam dos rolos e injustias ocorridas
com as terras dos herdeiros Costas, optaram por seguir as lideranas locais que
ocuparam essas terras de difcil identificao dos proprietrios.16
Desde 1960 quando a cidade se evidencia no cenrio nacional, pelo seu
desenvolvimento econmico, possvel perceber o agravamento de seus problemas sociais,
entre eles a favelizao que at a dcada de 1980 foi tratada como caso de policia.
Na atualidade, 2010 a 2014, ocorreu no municpio mais de treze invases, muitas delas
desocupadas por mandatos judiciais, cujos atores sociais migravam para outro acampamento
como em um jogo de gato e rato, circulando como em uma partida de xadrez, cujo xeque-
mate pode ser a fazenda Glria de propriedade da Universidade Federal de Uberlndia.17
O Campus Glria, de propriedade da Universidade Federal de Uberlndia, um projeto
desenhado desde a dcada de 1970 e somente agora se torna realidade, graas poltica de
expanso das universidades federais.18 Este espao constitudo por trs glebas distintas,
equivalendo no seu total a 685 hectares 87 acres e 99 centiacres. Esta rea to importante
corresponde a 5% do permetro urbano da cidade de Uberlndia e atravessada pela Br-050.
A primeira gleba (320 hectares) foi doada pela Prefeitura de Uberlndia em 1973 e nela que
se encontra a poro ocupada pelo MSTB em janeiro de 2012, tambm conhecida como
Tringulo das Bermudas, com 64 hectares de terra. A segunda, com cerca de 87 hectares,
foi trocada pela UFU com Pedro Cherulli por um terreno seu no Bairro Lagoinha, onde hoje
se situa o Parque de exposies do CAMARU e a terceira, com 297 hectares, pertencente
Fundao de Assistncia, Estudo e Pesquisa de Uberlndia-FAEPU desde 1979.19 Em 2011
foi aprovado pela UFU sem o plano diretor. Na margem contrria ocupao iniciou-se em
16 Ibid. 17 Dessas ocupaes propagadas pela mdia local temos conhecimento de locais como o Bairro Shopping Park, Ceasa, Cana, Jardim Clia, Alvorada, Novo Mundo, Pau Furado, Granja Planalto, Tocantins e Glria. Ver
tambm: Blog do Elsson Prieto. Despejo de Famlias em Uberlndia, 01/08/11; PM negocia reintegrao em
uma das quatro reas invadidas em Uberlndia. G1. Globo.com/minas-gerais/tringulo mineiro/notcias,
set.2013; Famlias so Intimiadas a deixar casas invadidas da expanso da Universidade Federal de
Uberlndia/MG G1. Op.cit. 24/04/2012. 18 PRIETO, lisson & COLESANTI, Marlene T. M. Campus do Glria: os impasses scios ambientais da
expanso da Universidade Federal de Uberlndia. Revista Sociedade e Natureza. Uberlndia, EDUFU, v. 24,
2012. 19 PRIETO, lisson. Os desafios Institucionais e Municipais Para Implantao de Uma Cidade Uberlndia: o campus Glria da Universidade Federal de Uberlndia. Uberlndia, UFU, mestrado em Geografia, 2005.
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2012 a construo de prdios que, provavelmente, ter concluda sua primeira fase prevista
para 201620.
Nesta rea a UFU j mantm uma fazenda experimental destinada a produo
agropecuria e pesquisas vinculadas aos seus cursos de Cincias Agrrias e Biolgicas. L
tambm encontra-se a sede de um antigo clube dos servidores a ASUFUB, alm de terras de
reserva ambiental.
Na ocupao do Glria vivem hoje cerca de 2.480 famlias e 10 mil pessoas. Em 18 de
junho de 2012 a advocacia geral da unio, representando a UFU, pede reintegrao de posse
na Justia Federal. Em 20 de junho de 2012 expedida liminar de reintegrao. Entre 22 de
junho a 11 de julho desse mesmo ano o MSTB fez diversos protestos e o Ministrio das
Cidades, media o conflito, pede a suspenso da liminar e a justia acata. Em 2012 a UFU
procede a uma avaliao financeira da rea ocupada pelo MSTB e foi considerada pelo
Ministrio Pblico implausvel, dado que foi realizado por agentes imobilirios. O preo
muito baixo poderia esconder interesses especulativos, especialmente porque em futuro bem
prximo, com a construo do novo campus, ela ter triplicado o seu valor.
Em 2013, a gesto do atual reitor, Dr. Elmiro Santos Resende, props ao Conselho
Universitrio uma nova avaliao da rea e em vinte e sete de setembro deste ano, aps uma
relatoria minuciosa da Dra. Krem Cristina de Sousa Ribeiro, foi aprovada por unanimidade a
sua alienao cujo valor sobre os 64 hectares foi estipulado pela Caixa Econmica Federal em
$63 milhes de reais.21 Tal fato foi considerado pelo MSTB, presente nesta reunio, uma
vitria do movimento.
Enquanto as negociaes prosseguiam com a Prefeitura Municipal era necessria a
aprovao do MEC e autorizao Presidencial para que o acordo se realizasse. Que fique claro
que a verba recebida nessa transao, por fora de uma resoluo do Consun n 6/2010,22
dever necessariamente ser empregada nos Campi da UFU e prioritariamente em servios de
infraestrutura e urbanizao do Campus do Glria.
No meio do caminho tinha uma pedra. No dia quatro de abril de 2014, o Juiz Federal
Jos Humberto Ferreira determinou a reintegrao de posse da rea ocupada pelo MSTB,
includo no seu despacho a demolio das construes, cujo cumprimento da ordem ficar a
20 Plano Diretor do Glria foi aprovado pelo Conselho Universitrio-CONSUN Resoluo 22-, setembro de
2011. http://www.Campusgloria.ufu.br Acesso: 25/04/2014
21 Ata da 9 reunio/2013 do Conselho Universitrio da UFU/Resoluo n 15/2013 do Conselho Universitrio
CONSUN-UFU 22 Resoluo n 6/2010 do Conselho Universitrio -CONSUN- UFU
http://www.campusgloria.ufu.br/
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cargo da polcia federal e militar do Estado de Minas Gerais, utilizando a fora s depois de
esgotados todas as negociaes.23
Depois de diversos protestos do MSTB na Prefeitura Municipal, de reunies de seus
representantes na reitoria ficou decidido uma viagem Braslia, em 15 de abril de 2014, onde
o Reitor, o prefeito, alguns vereadores e deputados, alm de representantes do MSTB,
tentariam sensibilizar o Governo Dilma Roussef para a autorizao federal de alienao da
rea de conflito.24 O que parece ter surtido efeito, pois no decreto de doze de agosto de 2014,
da Presidncia da Repblica, ficou autorizado UFU a alienao do imvel, mediante
contrato de compra e venda, conquanto o seu produto seja utilizado integralmente no referido
Campi da UFU.25 Neste interregno o MSTB de Uberlndia e a Pastoral da Terra conseguiram
importantes aliados, entre eles o Secretrio Nacional de Justia Paulo Abro, filho da terra e o
vice-presidente da Comisso de Direitos Humanos e Minorias da Cmara dos Deputados
Federais Nilmrio Miranda, Paulo Abro afirmou imprensa local26 que:
[...] H um acerto entre a UFU, a Prefeitura de Uberlndia e os Ministrios da
Educao e da Cidade para que o local seja loteado por meio do Programa Minha
Casa, Minha Vida. O acordo foi construdo por iniciativa da Procuradoria Geral da
Repblica. O executivo se engajou por prpria demanda do sistema de justia27.
Quando visitamos o Campus do Glria para a produo das imagens para o
documentrio muito nos impressionou o nvel de organizao da ocupao do Glria. Fomos
recebidos com cortesia pelos coordenadores do MSTB e moradores do lugar. O ponto de
encontro foi na sede comunitria, uma casa com uma varanda, onde o lugar central das
decises do coletivo. Logo ouvimos foguetes e comeou a aparecer pessoas de todos os
lugares, era o sinal: carros, bicicletas, motos, pedestres, famlias inteiras nos acompanharam
na nossa incurso pelo lugar. Foi nos explicado que todo seu traado urbano e topogrfico foi
construdo com a ajuda de lisson Pietro, prof. de geografia da UFU, j falecido, por isso o
seu nome foi escolhido como homenagem para identificar o futuro bairro. Todo
esquadrinhado, o arruamento, o tamanho dos lotes, as reas de preservao ambiental e locais
de comrcio e igrejas esto delimitados. Mais de 80% das moradias so de alvenaria: bares,
23 Ao Juiz Federal publicado 04/04/2014, TRF, Ano VI, n 66, Braslia-DF 24 Viagem realizada em 15/07/14 quando foi apresentado o documentrio intitulado Plantei um Sonho Aqui,
produzido pela DIRCO/UFU e um lbum de fotografias de autoria de Milton Santos e Fabiano Goulart.
www.comunica.ufu.br 25 Decreto Presidencial de 12/08/14, impresso no Dirio Oficial de 13/08/14, sesso 1, n 154 de quarta feira. 26 LEAL, Leonardo & LEMOS, Vincius. Panorama das reas ocupadas apresentada as autoridades,
Uberlndia, Jornal Correio de Uberlndia, 04/08/2014. 27 Ibid.
http://www.comunica.ufu.br/
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lojas, supermercados, sacoles de verduras, igrejas, associao comunitria vivem o cotidiano
com (des)esperana. O depoimento28 de uma de suas moradoras resume a situao:
[...] O prefeito em campanha prometeu que aqui no ia ser, j era um bairro. Ns
viemos de todos os cantos do pas, de vrias outras ocupaes. Ns somos
trabalhadores, no queremos nada de graa, queremos pagar o terreno, o asfalto e
todas as benfeitorias. Muitos de ns est inscrito no Programa Minha Casa, Minha
vida. Mas so s 10 mil casas para 50 mil necessitados. Eu e meus companheiros
Plantei meu sonho aqui, todos nossas economias, investimos tudo que tnhamos,
no vamos entregar de mo beijada um bairro planejado, muito melhor que outros
ai.29
Enquanto no se resolve o impasse a reitoria nomeou uma comisso, cujo presidente, o
prof. Dr. Leonardo Barbosa30 e Silva explicou sua finalidade:
[...] Neste primeiro momento ficou acertado que antes de tomar qualquer deciso
temos que fazer um diagnstico da situao, que englobam as tramitaes na justia
sobre a ocupao e as tratativas de alienao do terreno. Um dos objetivos centrais
da comisso garantir o respeito aos direitos humanos quanto desocupao da rea
e junto aos rgos competentes, uma vez que no local esto assentados cerca de dez
mil pessoas.31
O que mais impressiona em todo esse processo o nvel de insatisfao e preconceito
da sociedade uberlandense em relao a ocupao do Glria. Entre eles, citamos apenas
alguns entre centenas32:
[...] Nosso pas muito estranho, um cidado comum tem que pagar aluguel, gua,
energia e afins pra sobreviver, um bando de parasitas sociais se acham no direito de
roubar o que lhes d na cabea (sem terra, sem teto, sem vergonha...) t difcil viver,
tem que endurecer com eles, porque a cidade est enchendo desse tipo de pessoas
esperando uma oportunidade.33
O depoimento abaixo assinala:
Que o mundo acabe em barrancos, para que morra encostado! isso que pensam
esse povo...
Cambada de safos!!! No tenho piedade alguma... Pode parecer duro, mas ningum
tem piedade de mim quando todos os dias tenho que acordar, junto com o sol, e
trabalhar feito um louco o dia todo para no fim do ms poder pagar minhas contas e
impostos... Pois caso contrrio, iria para a rua... Pois no sou beneficiado com
nenhuma bolsa-alguma-coisa por a...
Pegar na enxada ou puxar carrinho de mo, ningum quer, n? Para que? J que
posso ficar no barraco, bebendo, assistindo novela e fazendo filhos, pois at o
governo ajuda. Oportunidades no caem do cu... Se no correr atrs, somente
poucos ganham de lambuja alguma coisa...
28 Depoimento em Abril de 2014 para o documentrio Plantei um sonho aqui. 29 Ibid. 30 Portaria R n 642, 30/06/2014 UFU 31 Ibid. 32 Existe uma pluralidade de artigo produzido pelo Jornal Correio de Uberlndia referente temtica. 33 Ibid.
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E j sei de vrios casos de pessoas bem de vida que construram barracos nesse
assentamento e pagam um salrio para que pessoas ou famlias ocupem os barracos
com o compromisso de transferir os ganhos depois. O Ministrio Pblico Federal
tinha que dar uma voltinha por l, pois muita poeira iria subir.34
Uma resposta nos surpreendeu:
Sou morador do glria e ao contrrio de alguns comentrios tenho inscrio no
Minha Casa/Minha Vida (mcmv) desde 2007. Sou tcnico mecnico, estudo
engenharia, sou formado em teologia, no sou analfabeto, no tenho passagens, no
tenho envolvimento poltico, no sou especulador, no sou pobre coitado, etc. s
estou requerendo um direito meu constitudo e fico revoltado com uns pobres
coitados manipulados pela mdia e pela burguesia, so omissos e manipulados s
reclamam e no exercem seus direitos e ainda me chamam de alguns adjetivos que
no sou. Por sua culpa o Brasil o pas mais desigual dos pases emergentes:
poucos tem muito, muitos tem pouco... acorda sociedade ainda h tempo.35
O jogo est jogado. Apesar de difcil resoluo se percebe que quando as ocupaes
ocorrem em terras pblicas federais, como em uma universidade cujos parmetros a
democracia e o ensino pblico de qualidade, a busca por um consenso para resolver o impasse
passa por questes como evitar violncia e as injustias sociais.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
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