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A GRANJA | 65 A REMUNERAÇÃO DO PRODUTOR PELOS SERVIÇOS AMBIENTAIS PLANTIO DIRETO Engenheiro Agrônomo e M. Sc. Ronaldo Trecenti, especialista em Integração Lavoura-Pecuária-Floresta e Sistema Plantio Direto, Campo Consultoria e Agronegócios, [email protected] E m primeira instância, é necessá- rio definir o que são serviços am- bientais (SA). Os SA são resultan- tes da capacidade da natureza de forne- cer condições adequadas e de qualidade para a vida dos seres vivos, isto é, ga- rantir que todos tenham acesso a ar puro, água limpa e potável, solos férteis, flo- restas ricas em biodiversidade, alimen- tos nutritivos e abundantes, etc. Ou seja, os recursos naturais, quando bem ma- nejados, prestam serviços para a manu- tenção da vida e de seus processos. Ou- tros exemplos de SA são aqueles produ- zidos pelas plantas como remédios natu- rais, fibras, combustíveis, produção de oxigênio e purificação do ar e a capaci- dade de “produção de água” pelas áreas agrícolas com vegetação ou com solo co- berto por resíduos vegetais, ao possibili- tar a infiltração da água das chuvas, a recarga dos aquíferos e o equilíbrio do ciclo hidrológico, com o controle das en- chentes e das secas. É fundamental que se tenha consci- ência que a continuidade ou manutenção desses serviços, essenciais à sobrevivên- cia de todas as espécies, em especial a do Homo sapiens, depende diretamente de ações voltadas ao uso e conservação dos recursos naturais e à preservação ambiental, bem como de práticas que minimizem os impactos das ações hu- manas sobre o ambiente. Essas ações dedicadas à manutenção dos SA normal- mente geram custos que nem sempre são considerados e entendidos pela socieda- de. Imagine um produtor rural que culti- A adoção do SPD proporciona a redução da erosão laminar, com diminuição de até 90% na perda de solo e, consequentemente, de corretivos e fertilizantes, além de reduzir em até 70% o consumo de combustíveis fósseis Fotos: Ronaldo Trecenti

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A REMUNERAÇÃO DOPRODUTOR PELOS

SERVIÇOS AMBIENTAIS

PLANTIO DIRETO

Engenheiro Agrônomo e M. Sc. Ronaldo Trecenti, especialista em Integração Lavoura-Pecuária-Floresta e Sistema Plantio Direto, CampoConsultoria e Agronegócios, [email protected]

Em primeira instância, é necessá-rio definir o que são serviços am-bientais (SA). Os SA são resultan-

tes da capacidade da natureza de forne-cer condições adequadas e de qualidadepara a vida dos seres vivos, isto é, ga-rantir que todos tenham acesso a ar puro,água limpa e potável, solos férteis, flo-restas ricas em biodiversidade, alimen-tos nutritivos e abundantes, etc. Ou seja,os recursos naturais, quando bem ma-nejados, prestam serviços para a manu-tenção da vida e de seus processos. Ou-tros exemplos de SA são aqueles produ-zidos pelas plantas como remédios natu-rais, fibras, combustíveis, produção deoxigênio e purificação do ar e a capaci-dade de “produção de água” pelas áreasagrícolas com vegetação ou com solo co-berto por resíduos vegetais, ao possibili-tar a infiltração da água das chuvas, arecarga dos aquíferos e o equilíbrio dociclo hidrológico, com o controle das en-chentes e das secas.

É fundamental que se tenha consci-ência que a continuidade ou manutençãodesses serviços, essenciais à sobrevivên-cia de todas as espécies, em especial ado Homo sapiens, depende diretamentede ações voltadas ao uso e conservaçãodos recursos naturais e à preservaçãoambiental, bem como de práticas queminimizem os impactos das ações hu-manas sobre o ambiente. Essas açõesdedicadas à manutenção dos SA normal-mente geram custos que nem sempre sãoconsiderados e entendidos pela socieda-de.

Imagine um produtor rural que culti-

A adoção do SPD proporciona aredução da erosão laminar, com

diminuição de até 90% na perda de soloe, consequentemente, de corretivos efertilizantes, além de reduzir em até

70% o consumo de combustíveis fósseis

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ve o seu solo com osistema de preparoc o n v e n c i o n a l(SPC), ou seja, como uso intensivo dearados e grades parao plantio de alimen-tos, como arroz,feijão, milho ousoja, o que geral-mente causa grandes perdas de solo eágua (erosão), contaminação e assorea-mento de corpos d’água, morte de pei-xes e de animais silvestres. Considere queeste produtor resolva adotar uma tecno-logia menos impactante, como o siste-ma plantio direto (SPD), que consiste naausência de aração e no plantio sobre osrestos culturais da lavoura anterior, narotação de culturas e na cobertura per-manente do solo com resíduos vegetais.

A adoção do SPD proporciona a re-dução da erosão laminar, com diminui-ção de até 90% na perda de solo e, con-sequentemente, de corretivos e fertilizan-tes, além de reduzir em até 70% o con-sumo de combustíveis fósseis em rela-ção ao SPC, contribuindo significativa-mente para a diminuição na emissão degases de efeito estufa (GEE). Parece sim-ples e lógico que o produtor em questãofaça a tão desejada mudança, mas quan-to será que ela lhe custará? Terá ele al-gum incentivo e facilidade de crédito paraadquirir as máquinas especializadas parao SPD, que em geral custam mais queas máquinas para o SPC? Terá ele assis-tência técnica capacitada para lhe orien-tar nas mudanças necessárias?

Considere outro caso, de um peque-no produtor da Região Sul, que cultivatrigo numa região montanhosa, cortadapor um vale com uma nascente que for-ma um riacho, o qual alimenta a represade tratamento de água potável, para abas-tecimento da população da cidade. Esteprodutor é conclamado a adotar o SPD,a manter a mata ciliar em volta da nas-cente e do leito do riacho, a manter aárea de Reserva Legal (20% da área dapropriedade) e, ainda, não cultivar nasáreas com declividade acima de 45%, aÁrea de Proteção Permanente (APP).Tudo isso em prol dos SA a serem gera-dos para beneficiar, em especial, a soci-edade, que mora logo ali na cidade e nemsequer sabe e mesmo se importa com ofato que ele quase não terá área para plan-tar, colher, se alimentar e sobreviver.

Finalmente analise-se o caso de umprodutor do outro extremo do Brasil, quetem 20 hectares de terra na região Ama-zônica, onde o Código Florestal vigenteexige 80% de RL, e assim lhe restaráapenas quatro hectares para desenvolveras atividades de produção de alimentoscom o cultivo de lavouras e pastagens.Não parece justo imputar sobre esses trêscasos hipotéticos de produtores todos osônus para a geração dos SA que benefi-ciarão principalmente a sociedade urba-na. Parece lógico e racional que estamesma sociedade custeie pelo menosparte das despesas dos produtores paraadotarem boas práticas agropecuárias(BPAs), e os remunere pela perda de re-ceita das áreas de RL e APP.

Nova York como exemplo — Des-sa forma está estabelecido o princípio dopagamento por serviços ambientais(PSA), no qual os beneficiários dos mes-mos (sociedade) contribuem financeira-mente para que eles sejam gerados emantidos por outros (produtores rurais).Um dos exemplos mais bem-sucedidosde PSA vem de uma grande metrópole.Há 20 anos, o abastecimento de água de

Nova York, nos Estados Unidos, é ga-rantido por produtores rurais que pos-suem propriedades a um raio de até 200quilômetros de distância da cidade.

Para garantir o abastecimento huma-no, o governo fez acordos com os pro-dutores rurais e passou a pagá-los paraque adotassem práticas menos intensi-vas de manejo do solo, para que reflo-restassem a área ou construíssem siste-mas para armazenar estrume para nãocontaminar a água. No Brasil, a AgênciaNacional de Águas (ANA) tem uma ini-ciativa pioneira de PSA pela produção deágua denominada Programa Produtor deÁgua, que tem como objetivo a reduçãoda erosão e assoreamento dos mananci-ais nas áreas rurais.

O programa, de adesão voluntária,prevê o apoio técnico e financeiro à exe-cução de ações de conservação da águae do solo, como, por exemplo, a cons-trução de terraços e bacias de infiltração,a readequação de estradas vicinais, a re-cuperação e proteção de nascentes, oreflorestamento de APP e RL, o sanea-mento ambiental, etc. Prevê também opagamento de incentivos (ou uma espé-

O produtor precisa ter algumincentivo e facilidade decrédito para adquirir as

máquinas especializadas parao SPD, além de assistênciatécnica capacitada para o

orientar nas mudanças

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cie de compensação financeira) aos pro-dutores rurais que comprovadamentecontribuem para a proteção e recupera-ção de mananciais, gerando benefíciospara a bacia e a população.

A concessão dos incentivos ocorresomente após a implantação, parcial outotal, das ações e práticas conservacio-nistas previamente contratadas e os va-lores a serem pagos são calculados deacordo com os resultados: abatimento daerosão e da sedimentação, redução dapoluição difusa e aumento da infiltraçãode água no solo. O caso mais conhecidoé o dos produtores rurais de Extrema,em Minas Gerais, que compõe a baciado Rio Jaguari, principal manancial doSistema Cantareira, que abastece 8,8milhões de pessoas da Grande São Pau-lo.

Os produtores localizados nas micro-bacias dos sete riachos e/ou ribeirões quecompõem a bacia do Jaguari que ade-rem voluntariamente ao projeto denomi-nado Conservador das Águas recebemum bônus para proteger as nascentes,melhorar o manejo das pastagens, reflo-restar as matas ciliares etc. Enfim, fazera adequação ambiental das propriedades.São parceiros neste projeto a ANA, o Go-verno do Estado de Minas Gerais, a Pre-feitura Municipal, o Instituto Estadual deFlorestas (IEF) e a The Nature Conser-vancy (TNC).

Cultivando Água Boa — Existemoutras iniciativas relevantes, como é ocaso da implantação do PSA na bacia doRibeirão João Leite, que abastece boaparte da população de Goiânia/GO, o qualprevê a criação de um fundo com diver-sas fontes de arrecadação de recursos

para o pagamento dos produtores. O fun-do será administrado por um conselhogestor composto por representantes detodas as instituições envolvidas. Merecedestaque também a iniciativa da Binacio-nal Itaipu, no Paraná, que há alguns anosimplantou o projeto Cultivando Água Boa,em parceria com a Federação Brasileirade Plantio Direto na Palha (Febrapdp),com o Instituto Agronômico do Paraná(Iapar) e com a Emater, que incentiva osprodutores das áreas marginais da represae dos afluentes imediatos do Rio Paranáa adotarem o SPD de qualidade visandoà redução da sedimentação do reserva-tório de água da usina hidrelétrica.

Tramita no Congresso Nacional umprojeto de lei que prevê a criação de umapolítica nacional de PSA. Além disso, emalguns estados existem projetos de lei tra-mitando nas assembléias legislativas comações semelhantes. É fundamental que apesquisa estude e estabeleça parâmetrospara avaliação e mensuração dos servi-ços ambientais gerados no campo, deforma que eles possam ser dimensiona-dos e remunerados devidamente. Tudoisso é louvável e espera-se que num cur-to espaço de tempo os produtores ruraispossam cumprir a sua vocação de pro-duzir alimentos, fibras e agroenergia,sendo os guardiões dos recursos natu-rais e contribuindo para a manutenção emelhoria da qualidade de vida de todasociedade, em especial, dos cidadãosurbanos.