Platão

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Teoria das Ideias, Mundo Sensvel

e Psicologia Filosofia de Plato

O pensar para o Homem o passeio da alma

autor desconhecido

Plato foi o maior filsofo de todos os tempos. Na minha opinio, sua filosofia a mais completa, metafsica e humana que a de Aristteles. Seus escritos em forma de dilogo so de uma beleza incomparvel em relao a qualquer outro filsofo que j tenha existido. Vou analisar a filosofia platnica em seus principais aspectos, como o mundo das Ideias, a psicologia, a existncia de Deus, o domnio da opinio, a moral e a poltica.

A Ideia

No comeo, podemos definir a teoria das Ideias dizendo que o mundo sensvel apenas uma cpia do mundo ideal, e que o objeto da cincia o mundo real das Ideias. O mundo inteligvel estudado na dialtica, e o mundo sensvel o domnio da opinio ( DOXA).

A existncia do mundo Ideal baseada em duas provas, segundo Thonnard: uma de ordem lgica, e outra de ordem ontolgica.

A prova lgica: Plato em nenhum momento pe em dvida a existncia da cincia, que para ele um fato indiscutvel; ento, necessrio um objeto estvel e permanente, que possa permanecer no esprito. Ora, para Plato, esse objeto no se encontra no mundo sensvel, pois ele acredita, como Herclito, que o mundo um infinito e perptuo tecido de movimentos, onde tudo passa como as guas das torrentes, sendo que nada permanece estvel. Surge, ento, a necessidade da cincia encontrar seu objeto: o mundo inteligvel das Ideias.

Prova Ontolgica: Thonnard diz que o mundo sensvel prova a existncia do mundo ideal como sombra da realidade. Sabemos disso pois os objetos desse mundo so mais ou menos perfeitos, e estas participaes supem a existncia de uma fonte que possui a perfeio em estado pleno. Esse o mundo inteligvel, que o objeto da cincia.

A pluralidade das Ideias podem ser provadas de duas maneiras: uma prova direta e outra indireta.

Thonnard assim define essas provas: a prova direta resultado da experincia racional, e o objetivo libertar do mundo sensvel as perfeies estveis. O mundo sensvel no pode apresentar um objeto real que possa ser fonte de um conhecimento cientfico, por isso necessrio pedir auxlio ao mundo das Ideias.

Prova indireta: Sabemos que negar a pluralidade das Ideias destruiria toda a cincia, pois ela um sistema coordenado de juzos. Para a cincia existir so necessrios objetos estveis para um ser inteligvel, e tambm uma pluralidade de Ideias para construir um conjunto de juzos. Sendo assim, Thonnard conclui que deve-se conceder a Herclito que os objetos sensveis esto em perptua variao e misturados com seus contrrios; que devemos rejeitar Parmnides, pois o Ser que tem estabilidade desejada, mas destri todo o juzo pela sua absoluta unidade; por ltimo, Scrates liberta do sensvel perfeies mltiplas, mas estveis, que podem definir-se. O objeto da cincia no o mundo sensvel, mas os gneros que Scrates definiu, tantos os substanciais, como as qualidades, pois esse o mundo das Ideias.

A natureza das Ideias

Plato definiu quatro propriedades:

A espiritualidade, que so de ordem inteligvel, portanto, invisveis aos olhos humanos e apreendidas pela inteligncia.

A realidade, pois para Plato as Ideias no so conceitos abstratos do esprito, nem pensamentos do Esprito divino, mas so realidades subsistentes e individuais, sendo objeto da contemplao cientfica e fonte das realidades da terra. Da realidade, derivam-se duas propriedades:

A imutabilidade, que exclui toda a mudana, pois so eternas;

A pureza, pois realiza a essncia plenamente e sem mistura, e cada uma na sua ordem perfeita.

Mtodo de Plato

No filsofo grego, o mtodo principal o dialtico, com um aspecto lgico, um psicolgico e a doutrina metafsica da participao das Ideias.

O aspecto lgico a continuao do mtodo Socrtico, em que Plato insiste no papel da purificao; prope que a razo incite investigao das essncias graas Dialtica do amor, e conduz o esprito por degraus sucessivos at intuio do mundo ideal.

O mtodo da purificao quele que procura liberar a alma intelectual do peso da matria atravs do domnio do eu. Controlando s paixes desordenadas, submetendo as tendncias inferiores razo, o homem est a caminho das realidades eternas, porque as coisas do mundo sensvel no so mais do que a sombra. Libertando alma do corpo, ela eleva-se at o mundo das Ideias, pois o objetivo do filsofo, segundo Plato, aprender a morrer (Fedon).

O mundo Sensvel e o domnio da opinio

Plato diz no Timeu: O que fixo e imutvel supe razes fixas e imutveis. Quanto imitao do que imutvel, convm falar dela em forma verossmil e analgica Posto que as minhas palavras no tenham mais inverossimilhana que as dos outros, h que nos contentarmos com elasconvm em semelhante matria limitarmo-nos a discursos verossmeis. Thonnard explica que isso sugere explicaes de ordem mtica.

O mundo sensvel possui em primeiro grau as percepes efmeras das coisas sensveis. Thonnard explica que a ateno para ouvir ou recordar-se de belas msicas, procurando a mais harmoniosa, s d origem conjectura.

No segundo grau temos o esforo de estabilizao em que se esboam as definies cientficas; porm, fica incompleto e provisrio porque se baseia em opinies aceitas pelo povo ou transmitidas por poetas e tradies religiosas( mitos como o narrado em Fedro, em que o cavalo-branco representa o corao, e o cavalo negro a concupiscncia).

A existncia de Deus

Plato recorre ao mito para provar a existncia de Deus. Temos duas provas:

Prova baseada na existncia do mundo: Deus o Demiurgo. Plato reconheceu que para uma obra ter origem, necessrio que haja um artfice, e expe o seu Demiurgo em linguagem mtica. Ele, depois de ter contemplado o mundo Ideal, decidiu fazer o universo sua imagem.

Prova baseada no movimento: Deus a alma real. Plato verifica que o mundo est sujeito a um movimento ordenado, como o movimento circular das esferas celestes, que pela sua estabilidade, a prpria imagem da inteligncia. Para que exista o movimento, necessrio um motor. Plato sugere dois motores: um corpreo e a alma. O corpo inerte e sempre movido por um outro antes de se mover, e a alma o motor que tem em si o princpio de seu movimento, e pode comunic-lo sem receber antes( As Leis). a alma domina o corpo que morre.

A psicologia

Para Plato, a alma est acidentalmente unida ao corpo, e uma substncia espiritual completa. Existem trs teorias para estabelecer essa doutrina:

A preexistncia da alma que definida pela teoria da reminiscncia, porque Plato desconhecia a criao ex nihilo do judasmo e cristianismo, de forma que explicar a existncia de ideias presentes em ns desde o nascimento ficava impossvel a no ser por uma vida anterior. Plato explica essa vida anterior por um mito em que as almas cometem certas faltas e so punidas com a unio com o corpo humano.

A unio acidental da alma com o corpo difere a teoria de Aristteles, porque Plato acreditava que o corpo impedia a alma de alcanar sabedoria por imposio de necessidades tirnicas, e que a alma prejudicava o corpo porque investigaes filosficas profundas levavam exausto corporal.

A imortalidade da alma que pode ser demonstrada pela participao no mundo ideal, na Ideia da vida e na necessidade moral.

A moral

Plato quer que a Ideia do bem seja derramada na natureza humana. A felicidade para ele no est identificada com o prazer, pois era isso que os sofistas pregavam. Falta ao prazer estabilidade e plenitude, pois novos desejos levam a novos sofrimentos em um movimento que parece no ter fim. Ele identifica a sabedoria com a felicidade, mas acredita na desigualdade das inclinaes dos homens para a prtica da virtude; uns se contentariam com a coragem, outros com a temperana; poucos, no entanto, buscariam virtude perfeita. Esses possuiriam o germe divino da sabedoria.

O Estado para Plato

A existncia do Estado necessria para a prtica da virtude, mas Plato o concebia como pequenas cidades autnomas. Dividia o povo em classes sociais como os trabalhadores, os guerreiros, os arcontes e os escravos. Nesse ponto ,Plato tem uma vantagem monumental sobre Aristteles, que Thonnard, fiel ao seu aristotelismo dogmtico, no menciona: ele considera a escravido um mal e que deveria ser evitado. Nas penas da vida aps morte do Hades platnico est a de ter possudo escravos. Plato tambm sugeriu a igualdade de homens e mulheres, concedendo uma grande dignidade a essas ltimas. A educao deveria ser igual para ambos os sexos. A forma de governo mais adequada para os cidados a aristocracia ou a monarquia, de preferncia governada por um rei-filsofo. A democracia condenada.

Agora Plato nos narra o seu mito da caverna. Voegelin diz que o mito prepara o conhecimento da PAIDEIA. A educao de um homem incompleta se ele no experimentou a verdade da alma, a PERIAGOGE. Depois do homem ser solto da caverna e ter experimentado a contemplao divina, ele quer ficar l para sempre(517). Esse homem( filsofo) que experimentou a eudaimonia ir sentir-se inclinado a permanecer na contemplao e no ir querer voltar para os seus companheiros prisioneiros. Haveria ento a tentao de esse filsofo tornar-se apoltico. Mas ele deve descer e sacrificar-se polis.

Ele ento desce ( KATABATEON). Scrates desceu para ajudar os prisioneiros da caverna e consegue discernir as sombras (EIDOLA) das coisas reais. Como o filsofo viu o AGATHON, a polis sob seu comando ser governada com uma mente desperta ( HYPAR) em vez de ser conduzida como as outras Plis como num sonho (ONAR)

A filosofia platnica foi adotada pela igreja catlica at o sculo XIII, herdada pelos padres da igreja, especialmente Santo Agostinho. A partir de So Toms de Aquino, e pelas influncias de Aristteles, a posio da igreja em relao mulher muda: a igreja que antes concedia grande liberdade para as mulheres no cristianismo, permitindo at o divrcio, torna-se hostil a essas liberdades, pregando a clausura para as freiras e impedindo algo completamente natural e humano que o divrcio. A mesma filosofia aristotlica que criou dificuldades para So Toms de Aquino em relao escravido, impediu a igreja catlica de oferecer respostas ao gigantesco trfico de seres humanos vindos da frica para as Amricas. Os protestantes ingleses, hostis a Aristteles, e mais abertos a Plato, foram aqueles que iniciaram o movimento abolicionista mundial.

A Ideia do Bem e da Paideia no Pensamento de Plato

A filosofia de Plato a mais bela e completa que existe. Ela aborda desde a criao de um universo como cpia da Ideia, passando por um mundo material que foi criado por um ato de bondade do Bem, at chegarmos ao filsofo que far o papel de intermedirio na comunicao desta obra de perfeio do universo aos homens que ainda esto presos na caverna, a filosofia platnica une a ideia do Bem educao. O Bem est no centro do ensinamento da Paideia de Plato. Sua filosofia uma inverso do princpio dos Sofistas para quem o homem era a medida de todas as coisas. Plato far sua filosofia criar uma teologia verdadeira para o homem. Nela Deus a medida de todas as coisas. O desejo de criar um homem que contemple a ordem da criao e atravs da educao passe a ter domnio de si mesmo representa todo o esforo e a beleza da filosofia platnica.

A filosofia de Plato possui dois temas que esto unidos: a noo de Bem e a Paideia. No pensamento platnico, conforme narrado em A Repblica no mito da caverna, o filsofo como o prisioneiro da caverna que conseguiu libertar-se e contemplou o mundo das Ideias. O Bem contemplado pelo filsofo tambm visvel no universo criado pelo deus-artfice- o Demiurgo-, que no dilogo Timeu fez um cosmos como cpia da Ideia, tendo com intermedirios os Entes matemticos e, por ltimo, a realidade sensvel. A criao um Bem que o filsofo reconhece, s que esse mundo um reflexo sem a perfeio do mundo das Ideias. A bondade da criao e a viso do noumenon o que Plato pretende comunicar aos governantes e populao. Como foi dito acima, o Bem deve ser transmitido aos homens atravs de uma educao( Paideia) que tenha como objetivo formar uma alma bem ordenada. O tema est contido em alguns dos principais dilogos de Plato, porque esse filsofo sempre teve como misso estudar o mundo do phenomenon e do noumenon, ainda que ele pretenda que tenhamos mais ateno ao ltimo, ele tambm v no mundo fsico uma ordenao criada por um ato de bondade do Demiurgo.

O filsofo aquele vai ensinar aos homens o Bem visto no mundo das Ideias, e ir fazer com aqueles que ainda no contemplaram essa realidade passem a fixar, segundo Voegelin (Ordem e Histria, 2009, pg. 172),

o olhar de sua alma no bem em si, e devem us-lo como um paradigma para a ordenao reta da Plis, dos cidados e de si mesmos para o resto de suas vidas. A escolha deste tema importante para um melhor entendimento de como a filosofia platnica pretendia fazer a alma e o corpo do homem serem bons como o universo bom. O Bem e a Paideia precisam ser estudados juntos para que a doutrina de Plato possa ser compreendida com maior profundidade. Como esse um tema rico em possibilidades, um trabalho desse tipo pode ser de grande ajuda.

O Bem

1.O Bem como o modelo do Demiurgo: O Timeu

Plato criou uma narrativa da criao que explica as causas da natureza, a alma e a forma material. O Bem anterior a todas as coisas do Universo. Depois vem o Paradigma Inteligvel. Junto a ele est o Artfice, chamado por Plato de Demiurgo. Segundo Proclo (1997, pg13),

Plato antes dessas coisas investiga as causas principais, ou seja, a causa produtora, o paradigma e a causa final.Ele tambm pe um intelecto demirgico sobre o universo, e uma causa inteligvel na qual o universo subsiste primariamente, e o Bem, que estabelecido de maneira anterior causa produtora na ordem do desejvel.

No dilogo Timeu, Plato elabora um mito a respeito da criao do Universo. Narrado pelo Pitagrico Timeu, o dilogo descreve como o Demiurgo criou o cosmos como uma imagem da Ideia. Timeu abre o seu discurso com estas palavras: tudo o que se gera necessariamente gerado por algo: de fato, impossvel que algo se gere sem ter uma causa. O texto do Timeu diz assim mais adiante : Na minha opinio, em primeiro lugar preciso distinguir as seguintes coisas: o que aquilo que sempre e no devm e o que aquilo que devm, sem nunca ser? Um pode ser apreendido pelo pensamento com o auxlio da razo, pois imutvel. Ao invs, o segundo objeto da opinio acompanhada da irracionalidade dos sentidos e, porque devm e se corrompe, no pode ser nunca. Ora , tudo aquilo que devm inevitvel que devenha por alguma causa, pois impossvel que alguma coisa devenha sem o contributo duma causa. Deste modo, o Demiurgo pe os olhos no que imutvel e que utiliza como arqutipo, quando d a forma e as propriedades ao que cria. inevitvel que tudo aquilo que perfaz deste modo seja belo. Se, pelo contrrio, pusesse os olhos naquilo que devm e tomasse como arqutipo algo deveniente, a sua obra no seria bela. sobre esta estrutura de cpia que se funda a possibilidade de saber algo realmente sobre esse mundo em devir. Proclo (1997,pg 283) fala do Demiurgo como um paradigma com essas palavras:

Plato, portanto, indicando essas coisas, e atravs delas afirmando que a posio do paradigma do Universo no est posicionado entre uma multiplicidade de naturezas eternas, mas a mais eterna de todas elas e primeiramente eterna, chama o mundo o mais belo de fato, mas o Demiurgo o mais excelente.

Mais adiante, Proclo (1997, pg 286) fala sobre o Paradigma:

Plato, de fato, demonstrou que o Demiurgo olhou para um Paradigma, e esse sendo o mais excelente, o fez olhar para o mais divino deles, o qual ele disse que o Universo foi fabricado conforme o Inteligvel. Mas que o universo tambm vencido pela forma e verdadeiramente imita seu Paradigma manifesto pelo que dito agora. Porque se o mundo uma imagem, o universo assimilado ao Inteligvel. Pois o que no diferente mas similar, uma imagem. Voc tem ento o universo sensvel, a mais bela das imagens; o universo intelectual, a melhor das causas, e o universo Inteligvel, o mais divino dos paradigmas.

A ordem csmica que revela-se aos sentidos, s pode ser reproduzida por uma Histria narrada. Um saber que v alm dessa histria estaria em contraste com a nossa natureza humana.4 Passar do no-ser para o ser j o primeiro ato de bondade de Deus. Esse mesmo Deus no de forma alguma invejoso, pois quis que todas as coisas se tornassem ao mximo semelhantes a ele.5 O universo belo, desprovido de toda imperfeio e semelhante ao Artfice. O Demiurgo ento criou o corpo do Cosmos juntando elementos como a gua, o ar, a terra e o fogo, e unindo estes elementos em uma proporo certa, tornou-o imune velhice e s doenas. A figura que melhor se adequou a esse corpo foi a esfrica, com uma revoluo em torno de si mesmo e com rotao circular. Este mundo criado no tinha necessidade de nenhum outro rgo. Na sequncia do dilogo, o Demiurgo cria a alma antes do corpo, pois o elemento mais velho no pode estar submetido ao mais novo. O Artfice viu que a sua criao era boa, uma vez que a alma era eterna, tentou adapt-la ao mundo, porm, viu que era impossvel. Fez, ento, uma eternidade una e imvel que o tempo que progride segundo a lei dos nmeros. Criando os planetas e um Sol que nos ilumina, Deus fez os seres humanos participarem do Nmero.6

1.2.A criao do mundo sensvel.

Plato diz que no incio havia elementos de gua, ar, fogo e terra, porm sem qualquer equilbrio. Elas se encontravam sem razo e sem medida. Quando o Demiurgo comeou a organizar o universo, esses elementos j tinham forma prpria, mas se achavam em uma condio em que era natural que estivessem porque Deus estava ausente. A tarefa do Demiurgo era, portanto, levar tal massa informe da desordem ordem. Segundo Reale7 Deus os produz e os constitui, de modo belo e bom, operando por meio de formas nmeros. O mundo corporal nasce de uma combinao entre necessidade e de inteligncia.8 De acordo com o texto de Reale, Plato criou as seguintes analogias para descrever a matria:

Necessidade, causa errante, receptculo que tudo gera, aquilo em que se gera o que se gera, potncia que no se esgota ao receber vrias coisas que recebe; natureza sempre idntica a si mesma no seu fundamento; realidade amorfa; realidade participante de modo complexo do inteligvel; realidade difcil de compreender, obscura e incompreensvel; realidade em si invisvel, mas visvel nas suas vrias manifestaes; realidade comparvel a uma nutriz, a uma me, ao material de impresso, ao ouro plasmvel, ao material mole modelvel de vrias maneiras e a lquido inodoro que recebe os vrios odores.9

Segundo Proclo (1997, pg 14), a natureza corprea produzida com Formas, e dividida por nmeros divinos; a alma tambm produzida pelo Demiurgo e preenchida com raciocnios harmnicos, e com smbolos divinos e demirgicos.

O corpo tambm possui dignidade por causa da iluminao da alma. De acordo com Proclo (1997, pg 617),

a alma subsiste com propores harmnicas e o Todo da natureza corporal formada est em amizade com ela atravs da analogia, que harmoniosamente composta. Nenhum lao pode ser mais belo, divino e perptuo, pois apesar da alma ter sido gerada antes do corpo, Plato concedeu a este a essncia, a harmonia, a figura, a potncia e o movimento. O Demiurgo quando colocou o Intelecto na alma e a alma no corpo, criou o Universo.

1.3.A Terra e seus elementos geomtricos

O Demiurgo criou o mundo inspirado pelo modelo ideal eterno. Conforme foi estabelecido por Plato acima, aos elementos que formam o universo, como a gua, o fogo, o ar e a terra, ele os associou a elementos geomtricos como o tetraedro (fogo), o hexaedro (terra), o octaedro( ar), o dodecaedro ( modelo dos cosmos) e o icosaedro(gua).10

Na Repblica, Plato vai fazer o filsofo ensinar ao povo que deve-se estudar primeiro quelas coisas que esto no alto. A geometria far parte da Paideia que ser ensinada na Plis. Esta disciplina ser ensinada junto com a astronomia e a estereometria. A cincia deve comear estudando o que est no cu. Scrates diz que a geometria nos faz estudar as coisas celestes. Ela promove a contemplao e faz parte de um programa de estudos que tm como objetivo fazer a alma mirar o Ser e o invisvel, sem o qual a educao no faz sentido.

1.4.O Poder do Demiurgo

Segundo esta passagem do Timeu, o Demiurgo produz o bem ao ordenar o caos dos elementos originais, quando realiza o Bem e o melhor e produz o que belssimo. 11 Plato define isso no dilogo que querer fazer o bem tornar as coisas ordenadas. Ainda no Timeu, o filsofo grego diz que a cincia e a potncia de Deus consiste em misturar os muitos em um. O Deus-Artfice platnico construiu um universo a partir de uma desordem e de sua ao produziu-se o Bem. Em uma passagem do mesmo dilogo, Plato diz que Deus possui de maneira adequada a cincia e, ao mesmo tempo, a potncia para misturar muitas coisas na unidade e de novo dissolv-las da unidade em muitas coisas. Mas no h nenhum dos homens que saiba fazer nem uma coisa nem outra, nem haver no futuro.11 O homem pode contemplar a Criao e tentar, segundo Reale( 2009, pg 530), imitar nesse mundo imagens da Ideia atravs da tcnica e da arte . O homem que primeiro vai fazer essa contemplao do Mundo das Ideias e transmiti-las aos outros homens o filsofo. Isso se dar no dilogo A Repblica.

2.O Filsofo contempla o Bem: A Repblica

Scrates torna-se a figura central que vai expor a doutrina platnica da contemplao do Bem e da Ideia. Em um determinado momento do dilogo, Glauco, ansioso, pergunta a Scrates sobre como ele cr que o homem possa conhecer o Bem12. Scrates, ento, esclarece que existem coisas do mundo visvel que so mltiplas, enquanto a cada uma delas corresponde uma ideia que nica, que chamamos a sua essncia. As primeiras diremos que so visveis, mas no inteligveis, e de outra forma diremos que as Ideias so inteligveis, porm, no visveis.13

Scrates ento pergunta por que meio vemos aquilo que visvel, e ouve como resposta que por meio da viso. Ora, o homem percebe os objetos pela viso por causa da luz, e essa luz tem como causa o fato dela ser gerada por um deus do cu. Esse deus o Sol. Ele o filho do Bem na ordem da criao platnica. O homem, segundo Damscio ( apud Proclo, pg 326), ao aproximar-se do imenso princpio deve contempl-lo em um silncio mstico.

O dilogo prossegue. Scrates explica que quando nossos olhos so iluminados pela luz do Sol, nossa alma passa a ser iluminada pela verdade do Ser ela compreende e conhece. Entretanto, se ela se fixa em objetos na qual se misturam as trevas da noite, ela passa a ter meras opinies sobre aquilo que nasce e morre.14 A viso e a luz no podem ser igualadas ao Sol, da mesma forma que a cincia e a verdade ainda que se assemelhem ao bem, elas no so o Bem em si mesmo. Segundo Eric Voegelin (2009, pg 173),essas so as proposies referentes ao sol que servem como analogon para tornar inteligvel o papel do Agathon no domnio notico (noetos topos).Prossegue Voegelin dizendo que o Agathon no nem intelecto (nous), nem seu objeto (nooumenon), mas aquilo que d aos objetos do conhecimento a sua verdade e ao conhecedor o poder de conhecer.

No Timeu, Plato j havia falado sobre a viso com essas palavras:

em meu entender, a viso foi gerada como causa de maior utilidade para ns, visto que nenhum dos discursos que temos vindo a fazer sobre o universo poderia de algum modo ser proferido sem termos visto os astros, o Sol e o cu. Foi o fato de vermos o dia e a noite, os meses, os circuitos dos anos, os equincios e os solstcios que deu origem aos nmeros que nos proporcionaram a noo de tempo e a investigao sobre a natureza do universo. A partir deles foi-nos aberto o caminho da filosofia, um bem maior do que qualquer outro que veio ou possa vir alguma vez para a espcie mortal, oferecido pelos deuses. Por que razo havemos de celebrar os outros que so inferiores a estes, pelos quais s um no-filsofo choraria, se ficasse cego, com lamentos em vo?15

Comea agora o Mito da Caverna. Scrates quer que imaginemos um grupo de prisioneiros algemados pelas pernas e pescoo.Eles s podem olhar para a parede da caverna e nunca para a sua entrada. Na parede da caverna so refletidas imagens de homens e animais. Essas no passam de sombras de objetos reais de fora da caverna, mas aqueles prisioneiros no sabem disto. Imaginemos ento que um dos prisioneiros conseguisse sair da caverna. A primeira coisa que lhe aconteceria que seus olhos no estariam acostumados luz do sol. O que ele teria que fazer seria primeiro olhar para as sombras dos objetos, depois para os homens e animais e, por ltimo, para as estrelas e a lua no cu. Depois que ele conseguisse fazer isto, a contemplao do Sol seria possvel.16

2.1.O Filsofo desce caverna

Aps ter contemplado o Mundo das Ideias, o prisioneiro que se libertou ( que a imagem do filsofo), tem vontade de ficar fora da caverna para sempre, j que a realidade da mesma no mais o atrai. Porm, este homem deve descer novamente caverna e ensinar aos que ainda no contemplaram a verdade o que ele viu. No uma tarefa simples, pois envolve o risco dele ser mal interpretado. Mas ele tem que comear a ensinar aos seus companheiros o seu programa da Paideia. A caverna uma imagem da Plis, e esta na concepo de Plato tem o direito de exigir o sacrifcio do filsofo porque ela lhe proporcionou educao que deve habilit-los a unir a Plis.17 O filsofo viu o Agathon, e a Plis sob seu comando ser governada com uma mente desperta (hypar) em vez de ser conduzida, como a maioria das Plis de hoje, obscuramente como num sonho (onar).18

3.O Eros como o amor pelo Bem: O Banquete

Este divertido dilogo tem como o tema principal uma discusso sobre o Eros. Vrios so os participantes do banquete, mas o que nos interessa o discurso do Scrates. Vamos a ele. Scrates define primeiramente Eros como o desejo indefinido daquilo que nos falta. Scrates faz o outro participante do dilogo, Agaton, lembrar-se do que havia dito em seu discurso de que Eros carente do belo.19 Questionado por Scrates, Agaton confirma que Eros carente do belo e que o belo o bem. Neste momento do dilogo, Scrates interrompe a conversa com Agaton para relembrar-se de um dilogo que teve com a sacerdotisa Diotima. Essa lhe fez perguntas na ocasio sobre Eros, e Scrates a responde que Eros era belo e que pendia ao bem. Diotima diz, contrariamente a Scrates, que Eros no belo nem bom. Ora, o no-belo no quer dizer que Eros feio, esclarece Diotima.20 Mais adiante, Diotima faz Scrates reconhecer que Eros deseja o bem e o belo, que so coisas que lhe faltam. Eros est entre o mortal e o imortal. Ele um daimon, que um intrprete e mensageiro. Ele leva aos deuses os assuntos humanos e aos humanos ele traz mensagens divinas. Leva preces e sacrifcios e traz respostas aos sacrifcios. Diotima diz que Deus e o homem no se misturam, mas que atravs de Eros que este contato possvel. Mais adiante, Diotima conta a mitologia de Eros, que filho de Penria e Caminho. Ele carente de beleza, mas herdou do pai o pendor por coisas belas e boas. Ele ocupa o meio termo entre o saber e a ignorncia. Deus no filosofa ,pois j sabe de tudo. Os ignorantes no filosofam nem desejam ser sbios. Os ignorantes no filosofam uma vez que no sentem que lhe falta alguma coisa. Scrates ento questiona Diotima sobre quem filosofa. Ela o responde: quem se encontra no meio entre o saber e a ignorncia.21 Eros um deles. Eros a posse perptua do bem. Segundo Jaeger (1995,pg 740), o Eros socrtico o anseio de quem se sabe imperfeito por se formar espiritualmente a si prprio, com os olhos sempre fitos na Ideia. , em rigor, o que Plato entende por filosofia: a aspirao de conseguir modelar dentro do homem o verdadeiro Homem. Agora surge, por fim, o papel do educador. Para terminar esse captulo, uma citao de Voegelin faz-se necessria:

Apontamos antes que permanece um mistrio o modo como o homem, na dimenso temporal do ser (thnetos de Plato), pode experimentar o eterno. H, ento, a necessidade de um mediador que interprete e diga aos deuses o que est acontecendo entre os homens, a aos homens o que est acontecendo entre os deuses. O papel de mediador atribudo por Plato a um esprito muito poderoso, pois todo o reino do espiritual ( pan to daimonion) jaz entre (metaxo) Deus e o homem. Este esprito (daimon) deve misturar, pela fora de sua posio de intermedirio, o que no se mistura, medida que est em confronto objetivo, e os dois polos ele h de fundir num grande todo. O simbolismo discretamente aponta para o cerne da matria: o homem que no simplesmente thnetos, mas experimenta em si mesmo a tenso para o ser divino e, ento, est entre o humano e o divino. Quem quer que tenha esta experincia se eleva acima do mortal e se torna um homem espiritual, o daimonios aner.22

A Paideia

4.A educao como um ato de anamnese: o Menon e o Fdon

Menon pergunta a Scrates: e de que modo procurars, Scrates, aquilo que no sabes exatamente o que ? Pois procurars propondo-te que tipo de coisa, entre as coisas que no conheces? Ou ainda que, no melhor dos casos, a encontres, como sabers que isso aquilo que no conhecias?23 Scrates responde com o argumento de que a alma j renasceu diversas vezes e que quando passou pelo Hades aprendeu muitas coisas, e que quando a alma renasce possvel que ela se lembre daquilo que j viu. Procurar e aprender, para Scrates, so a mesma coisa, ou seja, uma rememorao.Scrates, ento, prope demonstrar a sua tese com o auxlio de um escravo de Menon. Com o auxlio da matemtica, que faz parte do programa da Paideia, Scrates faz o escravo traar desenhos geomtricos no cho, e como no papel de professor, ele vai aos poucos trazendo mente do escravo conceitos que esse ltimo parecia ignorar. Com a sequncia do ensinamento, Scrates leva o escravo aporia. O Filsofo lembra a Menon sobre a ironia que este fez a ele dizendo que ele parecia com um peixe-eltrico que entorpecia quem se aproximava. O fato do escravo estar entorpecido por experimentar a aporia como faria o peixe-eltrico no quer dizer que tenhamos causado algum dano a ele.24 Logo aps este aparente impasse, o escravo rememora a soluo do problema matemtico que Scrates o props. Possuir cincia, para Scrates, relembrar-se do que j sabamos de vidas passadas.

No Fdon, Scrates ensina que o saber uma reminiscncia. Ele d um exemplo: a lira traz mente das pessoas a imagem do amor, dessa maneira quando o apaixonado v um destes instrumentos, ele se lembra da pessoa amada.25 E isso uma forma de anamnese. A alma cada vez que renasce esquece temporariamente o que sabia, e por isso que a Paideia vai fazer o homem instruir-se pelo mtodo da recordao.

5.Paideia sofstica ou Paideia socrtica?26: Protgoras

Scrates surpreendido um dia com o chamado de seu amigo Hipcrates. Esse o avisa que na cidade encontra-se o famoso sofista Protgoras. Scrates percebe a excitao de seu amigo com o fato, mas tenta faz-lo se acalmar com algumas perguntas. Entre elas saber no qu o ensinamento de Protgoras melhora ou transforma a pessoa? Hipcrates o responde dizendo que Protgoras transforma seus alunos em sofistas. Isso no agrada a Scrates. Hipcrates acrescenta que os sofistas ensinam a seus alunos como tornarem-se excelentes oradores, mas Scrates o faz ver que tornar-se orador para defender algo indefinido no ser de muita utilidade, e o adverte que a aula de Protgoras pode colocar sua alma em risco27. Os sofistas no so pessoas em que se possa confiar.

a vez de Protgoras apresentar-se e expor sua doutrina. Ele v os sofistas como pessoas que vestem a roupagem da poesia, da msica e do atletismo. Estas atividades faziam parte da Paideia dos sofistas e isso lhes causava grande orgulho. O objetivo do sofista tornar a pessoa melhor, diz Protgoras. Enquanto outros sofistas ensinam aos seus alunos a arte do quadrivium, Protgoras se preocupa mais com aulas sobre poltica e assuntos do Estado.

Scrates por sua vez acha impossvel que Protgoras possa ensinar a arte da poltica a algum porque os assuntos de Estado podem ser dominados por pessoas de qualquer profisso, e ele prossegue dizendo que muito difcil que o talento poltico do pai possa ser transmitido ao filho, e d como exemplos os filhos de Pricles presentes no dilogo. Protgoras responde observao de Scrates com um mito. No incio, quando os deuses criaram a raa humana, dois Tits, Prometeu e Epimeteu ficaram responsveis por distriburem habilidades aos humanos. Epimeteu ficou com esta responsabilidade e dotou humanos e animais com algumas caractersticas. Porm, o estado do ser humano foi considerado lamentvel por parte de Prometeu. Em um gesto desesperado, ele roubou o fogo divino aos deuses e o deu aos seres humanos. No entanto a arte poltica era desconhecida do homem. Prometeu, ento, roubou o fogo de Hefastos e a arte de Atena e novamente deu aos humanos. Nasceu, assim, a religio. O homem, mesmo assim, continuou a viver em grupos espalhados sendo destrudos por animais selvagens. Faltava-lhes a arte da poltica. Zeus ento enviou Hermes para distribuir justia a todos sem exceo. Todo o ser humano compartilha deste quinho da Justia, caso contrrio no seriam humanos.28

Protgoras insiste no valor da educao e na possibilidade do ensino da virtude dando como exemplo o fato dos pais preocuparem-se tanto com a educao dos filhos, inclusive pagando a professores para essa tarefa. Ele questiona o porqu de Scrates se espantar com tudo isto. Scrates, por sua vez, apenas direciona o dilogo para o problema do saber e do conhecimento. Ele se preocupa com o fato de muitos possurem o saber mas acabarem sendo arrastados e vencidos pelo prazer. A Paideia socrtica acredita que um homem com um conhecimento verdadeiro sobre o mal jamais agir injustamente. Protgoras concorda com a opinio de Scrates de que a sabedoria e o conhecimento so as coisas mais poderosas. Scrates o faz ver que mesmo que isso seja algo que a maioria concorda, isso no faz necessariamente com que vivam desta maneira. A pessoa que recusa o bem aquela que escolhe o mal maior em detrimento do bem menor.29 Ser vencido pelo prazer uma ignorncia, e s age dessa forma quem no tem o conhecimento. Ningum busca voluntariamente o mal. A Paideia socrtica pretende fazer do conhecimento do verdadeiro e do Bem uma maneira de evitar a ignorncia de uma vida vivida pela busca de prazeres.

6.A Paideia como formao do verdadeiro poltico: Grgias

No Grgias uma batalha travada entre dois polticos com formaes diferentes: Scrates e Clicles. O comeo do dilogo um confronto dialtico entre Scrates e dois sofistas, Grgias e Polo. Scrates consegue vencer os dois com relativa facilidade. Presente na cena est o experiente poltico Clicles, que logo pergunta a Querofonte se Scrates no est brincando.30 Ele percebe que o que Scrates ensina pode virar o mundo de cabea para baixo. Scrates o responde dizendo que ele e Clicles esto apaixonados por duas coisas diferentes: ele pela filosofia, e Clicles pelo povo.31 A fria de Clicles deve-se ao fato de Scrates ter dito anteriormente que cometer injustia pior do que sofr-la. Para Clicles, nenhum homem desejaria sofrer injustia a no ser um escravo. Como uma espcie de Nietzsche avant la lettre, ele julga que este tipo de conveno foi feita pelos fracos para dominarem os mais fortes. A lei da natureza implacvel e supe o domnio dos mais fortes sobre os mais fracos. O homem forte rompe com os grilhes da lei e da moral. Clicles julga que Scrates est com o esprito amolecido por causa da filosofia, pois essa tida por ele como sendo adequada apenas juventude, e nunca ao homem amadurecido.32

Segundo Jaeger(1995, pg 668),

este esboo de uma doutrina da sociedade baseada na teoria da luta pela sobrevivncia deixa educao um papel inferior. Scrates opunha a filosofia da educao filosofia da fora. Era a Paideia que era para ele o critrio da felicidade humana, contida na kalokagathia do justo

Clicles possui uma alma tirnica e faz uma espcie de advertncia a Scrates. Se Scrates fosse acusado injustamente por causa de seus ensinamentos filosficos, mesmo que o acusador fosse um patife, Scrates s conseguiria balbuciar palavras desconexas em sua defesa, e se fosse condenado morte, teria necessariamente que morrer. Clicles cr que Scrates seria um daqueles que poderia levar uma bofetada impunemente.

Scrates mantm a calma e faz uma pergunta ao poltico Clicles: a mesma pessoa que ele chama de melhor e superior? o mltiplo superior ao Uno? Clicles responde que sim. Ele acredita que o superior deve ter a cota maior, mas no de coisas como alimentos, bebidas e sapatos como Scrates ironicamente disse, mas sim do poder poltico. Mas e o problema do governo de si mesmo, questiona Scrates. Os melhores teriam mais do que si mesmos. Clicles explode. Nas palavras de Voegelin (Ordem e Histria, 2009,pg 96),um homem no deve governar a si prprio. Ao contrrio, o bem e a justia consistem na satisfao dos desejos. Luxo, licenciosidade e liberdade ( tryphe, akolasia, eleutheria), se tiverem meios para se manter, so virtude e felicidade.

Desta Paideia distorcida pelo poltico Clicles, Scrates ir propor a sua anttese, que a Paideia que tem junto a ela a noo de Bem. A satisfao de nossos desejos s permitida quando algo nos falta quando estamos com sade33. Quando estamos doentes nunca podemos satisfazer nossos desejos das coisas.. A mesma regra, diz Scrates, aplica-se alma. Quando ela no possui inteligncia, indisciplinada, injusta e mpia, torna-se necessrio que refreemos seus instintos para que ela melhore.34 Porque o mal que est na ao procede do falso que est no conhecimento, como diz Proclo (1997, pg 926).Clicles no quer ser disciplinado pela Paideia.O prazeroso e o Bem no andam juntos, conforme Scrates explica, e Clicles v-se obrigado a concordar. O verdadeiro poltico educado pela Paideia respeitar a Deus e aos homens. Essa educao que o poltico ensinar ao povo produzir homens melhores.

7.O Programa da Paideia: A Repblica e As Leis

Em A Repblica, Plato atravs de Scrates vai definir a Paideia de seu Estado ideal. Sabemos que a poesia era muito valorizada pelos Sofistas, principalmente Homero. a partir de uma noo de uma verdadeira teologia que Plato far sua crtica da poesia de seu tempo. Homero ser criticado por suas descries caluniosas do Hades.35 Palavras como as que os poetas usam para descrever este local podem ser bonitas, mas no devem ser ouvidas por homens livres. Nomes terrveis que designam o alm-tmulo, alm de reprodues de gemidos e lamentos devem ser eliminados.36 Da mesma forma, o riso de homens e deuses no podem ser reproduzidos. Plato, cujo pensamento coincide com os dramaturgos squilo e Sfocles, quer que seja ensinada atravs da poesia a bondade dos deuses. Ele reprova Homero por atribuir diversos vcios aos deuses. impossvel que o mal venha deles.37 Uma crtica tambm ser feita imitao. No Estado ideal de Plato, aqueles que forem os guardies devem se ocupar de garantir a liberdade do Estado, portanto no devem imitar outra coisa a no ser a coragem, a pureza, a liberdade e etc. Tudo aquilo que baixo no pode ser imitado. Isto inclui a imitao de escravos, de gemidos, das dores da maternidade, profisses como ferreiros, o relinchar dos cavalos, o murmrio dos rios, etc.38

As profisses devem ser especializadas, evitando que um profissional exera mais de uma atividade.39 Plato ensina que a msica tem uma importncia fundamental na sua Plis. Todo tipo de msica sem harmonia ou que produza uma cidade efeminada so proibidas. A msica deve ser harmoniosa para que a criana cresa com uma alma sadia e amando o Bem. O mal seria odiado desde cedo por causa da sua fealdade. 40 A msica na Plis platnica deve reproduzir o som da msica das esferas celestes41. A harmonia do cu criado pelo Demiurgo a inspirao para a criao de sons que unam a msica astronomia. Este o programa pitagrico. Depois da msica, o jovem deve aplicar-se ginstica, mas a educao musical no deve ser excluda. Algum que s escutasse msica e no exercitasse o corpo ficaria frouxo; aquele que s praticasse exerccios fsicos mas no desse ateno alma ficaria embrutecido. Segundo Jaeger(1995, pg 810)

a sinfonia da alma o resultado de uma combinao acertada de dois elementos: a msica e a ginstica. Esta cultura coloca o esprito em tenso e o alimenta de belos pensamentos e conhecimentos afrouxando as rdeas da parte corajosa por meio de exortaes contnuas e educando-a pela harmonia e o ritmo.

A educao das mulheres assemelha-se dos homens. As mulheres devem estudar msica, ginstica e a arte da guerra.42 Plato reconhece que homens e mulheres tm naturezas distintas. A soluo que ele oferece para a diviso do trabalho que cada profisso ser destinada a determinado sexo de acordo com as aptides de cada um dos dois; porm, se ambos os sexos forem competentes naquele ofcio, o fato da mulher dar luz e do homem procriar ser indiferente.

Nas Leis, Plato prope a sua pedagogia para a infncia.43 As mes devem desde quando estiverem com seus filhos recm-nascidos, comearem a balan-los para que se acalmem e adormeam. Esse balano produziria na alma da criana um frenesi semelhante ao de Baco. Plato preocupa-se com isto porque ele quer eliminar da alma da criana qualquer noo de medo. Mais tarde, a criana, tanto meninos quanto meninas recebero um treinamento sobre o manejo de armas.44

7.1.A Filosofia supera a Poesia como modelo de educao

No livro X da Repblica, Plato faz um ataque ao modelo de Paideia feita pela poesia, modelo esse que era muito utilizado pela sofstica. A principal crtica feita arte da mimese dos poetas. Na mente de Plato, o Artfice aquele que cria as coisas que esto no cu e na terra; aquele que criou os deuses e o Hades e o que existe embaixo da terra. Os objetos criados pelo Artfice foram criados imagem da Ideia. Ora, o marceneiro em sua profisso tambm um Artfice, porque tambm cria um objeto. Porm, um pintor jamais pode ser chamado de Artfice, porquanto apenas um imitador da obra do Artfice. O mesmo se d com o poeta para Plato, que tambm no passa de um produtor de imitaes. Criar ser paradigmtico como o Demiurgo. Imitar apenas energizar. No a mesma coisa criar pela existncia, e energizar pelo conhecimento, diz Proclo (1997,pg 287). Segundo o filsofo de Constantinopla, a alma produz vida pela existncia, mas produz vida artificialmente pelo conhecimento. Criar obra do Demiurgo, porque a gerao a primavera do Ser.45

Plato pela boca de Scrates questiona: qual cidade tornou-se melhor pela poesia de Homero? Era ele um educador de Homens? No, segundo Plato. Jaeger (1995, pg 982) nos ensina sobre este ponto:

o repdio da poesia no significa tanto o seu afastamento violento da vida do homem, como uma delimitao ntida da sua influncia espiritual para quantos aderirem s concluses de Plato. A poesia estraga o esprito dos que a ouvem, se eles no possurem o remdio do conhecimento da verdade. Isto quer dizer que se deve fazer descer a poesia para um degrau mais baixo. Continuar a ser matria de gozo artstico, mas no lhe ser acessvel a dignidade suprema: a de se converter em educadora do homem. O problema de seu valor aborda-se no ponto que necessariamente tinha de ser o decisivo para Plato, o da relao entre a poesia e a realidade, entre a poesia e o verdadeiro Ser.

A filosofia tornar-se- a base da educao. O filsofo aquele que saber tornar os homens melhores e conhece o tema sobre o qual est falando.

8.Deus como a medida de todas as coisas: As Leis

Fazendo um contraponto a Protgoras para quem o homem era a medida de todas as coisas, Plato faz de Deus o centro de sua Paideia. Jaeger escreve: (1995,pg 876) na Repblica, a ideia do Bem a norma absoluta que serve de base noo da filosofia como suprema arte da medida, a qual aparece muito cedo no pensamento platnico e nele se mantm at o final.

No final do dilogo As Leis, Plato conclui que a astronomia, que a cincia abenoada, um meio de contemplao da divindade. Segundo suas palavras :

supondo que todas essas coisas so como dissemos, qual a finalidade de aprend-las? Para dar conta desta questo preciso nos referirmos ao elemento divino presente no mundo gerado, que consiste da espcie mais excelente e mais divina de coisas visveis que a Divindade permitiu aos seres humanos observar. Ele prossegue:precisamos inclusive, deter um conhecimento apurado da exatido do tempo, captar como ele cumpre com preciso todos os fenmenos celestes. Se o fizermos, ento todos os que creem na verdade de nosso raciocnio segundo o qual a alma a uma vez mais velha e mais divina que o corpo devero reconhecer que o adgio tudo est repleto de deuses cabalmente correto e suficiente e, ademais que nunca somos negligenciados devido ao esquecimento ou incria dos seres que nos so superiores.46

9. A Filosofia Platnica e o ensino da beleza do universo atravs da educao

Plato nos ensina que o universo foi criado pelo Bem, que tambm criou o princpio material. O Demiurgo um deus que molda a matria. No cosmos platnico, o mundo bom, pois foi moldado pelo Demiurgo com base no Paradigma Inteligvel. Na criao do homem, a beleza tambm est presente. Isso foi muito enfatizado por Proclo, que no deixa de nos recordar isto, mas sempre mantendo-se fiel concepo do seu mestre Plato de que o corpo no tem a mesma dignidade da alma, o que no quer dizer que haja nele algum elemento de maldade como os gnsticos da era crist pregavam. O platonismo no um sistema pessimista como o gnosticismo. curioso como a filosofia de Plato foi acusada por alguns filsofos cristos de criar uma noo errnea da matria. O que vimos foi que a unio da alma e do corpo algo desejada na ordem de sua filosofia, semelhante ao hilemorfismo aristotlico. A coleo de citaes sobre como o bem est presente na matria citadas por Reale acima demonstram como Plato a tinha em grande estima. A realidade da matria invisvel ao mesmo tempo em que a vemos em suas vrias manifestaes, diz o filsofo grego. Plato muito cientfico, porque mesmo a cincia moderna ainda busca a essncia da matria. A concepo da matria em Plato muito importante de se ter em mente contra aqueles que quiserem fazer da filosofia de Plato uma antecipao do gnosticismo da era crist. Depois de haver descrito essa ordem de maneira to bela, Plato enfatiza que o noumenon deve ser a base do conhecimento para o homem. Plato queria uma cincia no do mundo fsico, mas sim do mundo eterno das Ideias. O que primeiro deve ser feito a libertao do mundo das aparncias do mundo fsico. O homem sem a contemplao da Ideia semelhante a um prisioneiro da caverna que s enxerga as sombras. Quem far a descoberta do mundo das Ideias e as comunicar aos homens que ainda esto presos s aparncias o filsofo. No mito de Eric Voegelin, o filsofo como o daimonios aner, ou seja, o homem espiritual. esta a funo do filsofo em A Repblica, pois ele quem faz a intermediao do mundo divino com o mundo dos homens. Este homem espiritual, entretanto, segundo Voegelin, no poder ser apoltico e viver preso contemplao da Ideia, pois a cidade precisa dele.

A polis platnica necessita de cidados educados, principalmente para o surgimento de governantes com a alma ordenada. Plato, portanto, criou um mtodo de educao que visa a ensinar aos homens o Bem contemplado antes dessa vida, pois seu pensamento exige uma preexistncia da alma. Caindo no mundo fsico, a alma esquece do que j havia aprendido. Com a Paideia, a alma pode recordar-se do que j sabia atravs do mtodo da anmenese. Este mtodo ensinado no dilogo Menon. O mtodo de relembrar-se leva o estudante aporia, que um impasse. Cabe ao professor ensinar ao aluno como sair desta situao, e atravs da resposta, este ltimo encontrar uma soluo de que nada mais do que uma recordao de algo que ele j sabe desde uma vida passada no mito platnico.

A filosofia e a Paideia de Plato so majestosas, pois conseguem unir o espiritual ao mundo fsico sem cair nos problemas que Aristteles enfrentou, pois este tinha muita dificuldade de imaginar uma sobrevivncia da alma sem o corpo. Plato quer que os homens atravs da educao tenham uma alma sadia da mesma forma que o corpo, pois ambos nos recordam da bondade de Deus. O universo bom, a alma unida ao corpo algo desejvel e a harmonia da ordem divina est presente em tudo o que vemos.

Concluso

A criao do universo como cpia da Ideia foi algo bom e belo. Plato apresentou-nos uma teologia em que os deuses so bons.No Timeu, Deus considerado bom (agathos)47, livre de inveja ( Peri oudenos oudepote phthonos)48, melhor das causas(o d`aristos tn aitin)49 e produz o mais belo( to kalliston)50. O homem foi definido como o mais belo dos Inteligveis.51 Sua Paideia cria um homem que desde criana aprende a experimentar o Bem. O trabalho concluiu que o papel do filsofo como educador o de transmitir a beleza da Ideia e do Cosmos queles que ainda so prisioneiros do mundo dos sentidos. A Paideia comea pela contemplao atravs do sentido da viso da Ideia eterna. O papel do educador o de ensinar aos alunos os objetos do intelecto (nooumena) e comear o ensino atravs do processo da anamnese. O trabalho atingiu o seu objetivo de explicar esta ligao entre o Bem e a Paideia. O filsofo, tal como lemos no dilogo O Banquete, aquele que est sempre apaixonado e com os olhos sempre mirando na Ideia. Ele deseja que os membros da Plis tenham em mente o Bem do mundo eterno. A Paideia atinge seu objetivo quando faz do homem, que imperfeito, um ser que deseja aprimorar-se espiritualmente. Este trabalho representou uma grande realizao intelectual para mim. A filosofia de Plato a mais perfeita que existe e ele a grande inspirao para que eu possa exercer o papel de filsofo.

Resumos das principais obras de Plato

Filebo

Filebo um dilogo que trata do prazer. Sou da opinio que antes de ler esse dilogo o leitor j deve ter lido o Parmnides e o Poltico para uma melhor compreenso. Participam do dilogo trs personagens: Scrates, Protarco e Filebo. No incio, Filebo faz a afirmao de que a vida de prazeres mais desejvel do que a vida do saber. Scrates ento sugere que se for demonstrado que o prazer superior e no precisa de nenhum outro bem, ento o prazer ser o vencedor; caso seja o saber, o mesmo acontecer. Uma pequena discusso entre Scrates e Protarco acontece pelo fato desse ltimo no fazer uma diferenciao entre os graus dos prazeres. Depois de algumas perguntas e respostas, Scrates vence o debate.

Comea ento um debate sobre as relaes do Uno e do Mltiplo. Nesse ponto, Giovanni Reale( Para uma nova interpretao de Plato) afirma que depois de ter destacado que a conexo do Uno e dos Mltiplos estabelecida pelo raciocnio encontra-se em toda parte e sempre, em todas as coisas de que se fala, Plato explica que, para superar as dificuldades que isso comporta, necessrio proceder pela via pela qual foram feitas todas as descobertas no mbito das artes. Plato fala sobre o mito do deus Thoth e como ele criou a arte da gramtica, pois o homem com as vogais e consoantes isoladas no podia, por si s, compreend-las. A voz, diz Reale, uma espcie de Ideia e tambm uma multiplicidade ilimitada em cada um e em todos. Com isso obtm-se uma trama lgico-ontolgica traduzvel em nmero, que permite passar, depois, aos sons sensveis individuais.(Reale)

O dilogo fala sobre questes metafsicas na sequncia. Scrates que definir o que ilimitado, o limitado e a mistura para saber a natureza do Uno e do bem, pois uma vida apenas de saber ou de prazer impossvel.Ora, lendo o dilogo entendemos que Scrates fala sobre o que ilimitado, como o so o frio e o quente, e o limitado, que so o dobro e a classe dos nmeros que tudo torna harmonioso, com isso o que lento e rpido formam a harmonia da msica, e o quente e o frio geram as estaes. Scrates ento afirma: Essa deusa, belo Filebo, observando como o excesso e a perversidade universal conquistavam a predominncia, devido ausncia de limite para os prazeres e o seu gozo, instaurou a lei e a ordem, que impem limite. Dirias que ela, com isso, causou dano; eu, ao contrrio, diria que ela promoveu a salvao.

Com isso temos quatro categorias: o limitado, o ilimitado, a mescla entre esses dois e a quarta que a causa dessa mescla e gerao que o Demiurgo. Com isso estabelecido, Scrates reafirma que a inteligncia ( Nous) o nosso rei no cu e na Terra e define o homem como uma mistura de prazer e saber. O livro um pouco parecido com a tica a Nicmaco de Aristteles. O meio-termo buscado durante o dilogo, e o Uno considerado a causa da mistura, a coisa de supremo valor, e que por ser o bem, o Uno transforma a mistura em algo bom tambm( Reale).

Max Pohlenz define de maneira admirvel o que Plato entendia como Medida: Para Plato, a eudaimonia consiste em um prazer puro: a alegria refere-se ao belo sensvel, no qual entram em primeiro lugar as formas geomtricas e o gozo que traz a atividade espiritual() Pode nos parecer estranha a importncia atribuda medida, posta no vrtice da escala de valores: mas na realidade Plato entende por medida o absoluto, e escolhe essa denominao porque o absoluto inclui em si no s o bem entendido em sentido finalstico, mas tambm o belo e um princpio de ordem e de proporo e constitui a causa primeira do seu existir concreto e a norma da sua exata mistura. (citado em Reale)

Poltico

Poltico um dilogo desafiador de Plato pois envolve mitos e diversas metforas. Trata-se da continuao de O Sofista, mas possvel compreender essa obra ( Poltico) mesmo sem ter lido O Sofista. Participam desse dilogo Scrates, Teodoro, o estrangeiro e o jovem Scrates. Esses dois ltimos dominam o dilogo. Podemos dizer que o tema principal determinar como seria o governante ideal da Plis. O Estrangeiro determina que o Rei ser mais terico ( gnostikes) do que prtico, e que durante o dilogo sero unificados o conhecimento poltico e o homem poltico, ou seja, o conhecimento rgio e o Rei. Farei uma exposio do mito dos ciclos csmicos com a ajuda do filsofo Eric Voegelin, que escreveu sobre o Poltico em seu livro Ordem e Histria-Plato e Aristteles.

O mito apresentado pelo Estrangeiro fala de Cronos e seu reinado. Durante um perodo, diz Plato, o prprio Deus acompanha o universo, e depois de um certo perodo em que os crculos completam a medida do tempo, o deus deixa o universo por iniciativa prpria. Isso faz com que o movimento seja feito no sentido contrrio. Plato faz uma observao que a imutabilidade absoluta faz parte das coisas divinas, por isso o corpo no faz parte dessa classe de coisas. Em um determinado momento o universo movido circularmente pelo deus. Em uma parte a causa divina extrnseca, quando lhe retransmitida a vida e a imortalidade a partir do Demiurgo. Em outro momento o universo deixado por conta de si mesmo.Diz Eric Voegelin: a alternncia de movimento afeta no s o domnio da natureza, mas tambm o domnio do homem na sociedade. No primeiro ciclo, o prprio deus supervisiona o Cosmos, enquanto as vrias partes do Cosmos eram colocadas sob a superviso de divindades exteriores. Nesse perodo, diz ainda Voegelin, o prprio Deus era o pastor dos homens; nessa poca no havia governo ( poiliteia). Os homens tudo possuam nessa era de Cronos.

O Estrangeiro fala sobre as mudanas que ocorrem no universo. Em algumas pocas grandes destruies ocorrem aos seres vivos e apenas uma parte dos homens sobrevive. Isso foi causado, segundo Voegelin, pela introduo do elemento corporal na ordem csmica. Isso produziu uma mudana na natureza pois os homens pararam de envelhecer e inverteram o processo, ficando cada vez mais jovens com o passar do tempo. Os homens nessa poca no se reproduziam pelo sexo, mas nasciam da terra. O Estrangeiro lamenta que o relato dos velhos no sejam mais levados a srio. Os mortos voltam vida, pois o processo de nascimento invertido da mesma forma que o movimento circular do universo. S haveria uma exceo que o deus reservou para um outro destino: essa exceo seriam os filsofos. Nesse perodo do reinado de Cronos, o governo foi dividido entre os deuses e os seres vivos eram governados pelos daimons, de maneira que no eram selvagens e nem se devoravam uns aos outros.

O Estrangeiro pergunta ao jovem Scrates qual era a melhor poca para se viver: a de Cronos ou a atual de Zeus? O jovem Scrates pede uma explicao pois no sabe responder. O Estrangeiro diz que supostamente os homens nesse tempo aproveitavam todas as oportunidades para se ocuparem da filosofia e aprenderem com os animais, uma vez que nessa poca essa conversao era possvel. Ora, chegou o momento em que o ciclo de renascimentos chegou ao fim e que o Timoneiro largou o timo e se retirou para o posto de vigia. A era dos homens nascidos da terra chegou ao fim. O universo passou a se mover inversamente. Houve ento uma grande coliso no universo que produziu um aniquilamento dos seres vivos. Depois de um certo tempo o universo se estabilizou e pde recordar os ensinamentos do artfice e pai, no comeo de maneira mais exata, mas depois de uma maneira negligente pela introduo do elemento corpreo em sua composio.

Ento nesse momento, o homem foi abandonado prpria sorte, e ficou exposto s feras selvagens e teve que aprender a cuidar de si. Como escreve Voegelin, Plato rejeita como mito as fbulas dos deuses como Prometeu que teriam ajudado os homens em invenes que fariam avanar a civilizao.Enquanto o timoneiro governava, ele produziu poucos males e grandes bens, diz o Estrangeiro. Nesse momento o mito encerrado pelo fato do Estrangeiro dizer que suficiente a apresentao do governante rgio. O mito da Idade do Ouro rejeitado porque implica uma renncia conscincia filosfica, diz Voegelin.

Plato sugere que a ordem ser restaurada pelo restaurador Rgio, o que se assemelha muito com a concepo de Joaquim de Fiore do dux. No entanto, como observou Voegelin, o dux surge de uma tenso entre uma civilizao em crescimento e uma ideia de declnio, enquanto o governante platnico surge da tenso entre um declnio poltico real e uma nova substncia espiritual. A ideia de Joaquim de Fiore de uma realizao plena com representantes do orgulho civilizacional foi realizada pelos progressistas do sculo XVIII, por Comte, Marx, Mill, Lenin e Hitler, escreve Voegelin, enquanto a realizao platnica feita com uma crescente ordenao espiritual de um mundo em desordem por meio da figura de Alexandre, da ordem imperial romana e de Cristo ( Eric Voegelin, Ordem e Histria, Volume III).

Poltico pretende explicar qual ser a personalidade e as qualidades que o governante rgio dever possuir. No final do captulo que trata do Poltico, Voegelin escreveu essas palavras: O governante rgio o mediador enter a realidade divina da Ideia e as pessoas; ele o Zeus que rejuvenesce a ordem que envelheceu; o mdico que cura as almas fazendo-as renascer no meio celestial ( en daimonio genei); e, ao promover esse renascimento das almas, ele proporciona plis uma nova substncia comunitria ( homonoia) espiritual. suprfluo destacar de forma detalhada o paralelo entre essa evocao platnica e a concepo paulina da comunidade crist, unida num s corpo mstico por meio do renascimento no Esprito de Cristo, que deriva a sua coerncia da harmonia (homonoia) de seus membros e supera a diferena de talentos e caracteres pelo agape. Em vez disso, necessrio enfatizar a diferena fundamental de que o renascimento platnico da comunidade no a salvao da humanidade, mas um retorno juventude do cosmos que ser seguido, de acordo com a lei inescrutvel de Heimarmene, por um novo declnio. ( Eric Voegelin, Ordem e Histria, Volume III).

Parmnides

No h filsofo na histria que escreva melhor do que Plato; pode-se dizer que desde ento a qualidade literria dos filsofos vem em uma longa decadncia. Como foi possvel que um tema to complexo e que poucas pessoas realmente demonstraram interesse em ler e aprender o que Plato queria ensinar, pudesse ser colocado em palavras e dilogos to belos e profundos? Nesse caso, poucos so aqueles que podem dizer que entenderam esse que o mais desafiador dos dilogos de Plato. Se eu dissesse que entendi em profundidade estaria mentindo, por isso, pretendo mais fazer um resumo do que expor a minha opinio.

Participam do dilogo trs personagens principais: Parmnides, filsofo que viveu no sculo V antes de Cristo; Zeno de Eleia, que era contemporneo de Scrates, e o prprio Scrates, aqui em sua juventude. Em um encontro imaginrio entre esses trs filsofos, uma questo se impe: existe uma forma de semelhana por ela mesma e que exista outra que seja oposta primeira forma que todos ns classificamos como mltiplas e participamos dessas duas? Essa a pergunta de Scrates. O jovem filsofo questiona a Zeno se as coisas no so unas na sua unidade e mltiplas na sua multiplicidade. O exemplo de Scrates o seguinte: no podemos dizer que somos mltiplos pelo fato de termos um lado esquerdo e outro direito, da mesma forma que temos nossa frente e nossa traseira? da mesma forma podemos afirmar que somos unos pois no meio de um grupo de pessoas podemos dizer que representamos uma unidade nesse grupo.

Vamos ver quais eram as opinies de Parmnides e de Zeno em termos histricos.

Parmnides acreditava na unidade e imobilidade do Ser, e que esse Ser uno, eterno e imutvel.

Zeno definia Deus como eterno e tendo tambm como atributo a Unidade. Ele no teria atributos da multiplicidade como ser limitado e mvel, nem imvel e ilimitado, pois essas so caractersticas do no-ser.

Voltando ao dilogo, Parmnides questiona Scrates sobre a doutrina desse ltimo sobre as formas. Scrates responde que no est certo de que exista uma forma ideal do ser humano, assim como do fogo e da gua; ele no cr que existam formas ideais de coisas ridculas. Parmnides pergunta a respeito se essas formas seriam unas, e Scrates responde que sim, pois elas manteriam sua unidade mesmo estando em lugares diferentes. Parmnides d o exemplo de uma vela que ilumina vrias pessoas ao mesmo tempo e assim mesmo mantm sua unidade. Scrates concorda. Mas Parmnides questiona sobre a teoria das formas de Scrates a respeito de como outras coisas participariam dessas Formas se delas no podem participar enquanto partes ou enquanto todos. Scrates reconhece que isso no fcil de ser resolvido.

Parmnides acredita que Scrates confunda o Uno com o que grande, com isso o jovem filsofo estaria multiplicando as Formas ao infinito. Scrates responde que cada uma dessas formas seria apenas um pensamento. Elas seriam uma coisa singular pensadas por esse pensamento como sendo algo pertinente a tudo, e como sendo uma forma, diz Parmnides. Scrates afirma que essas Formas existem na natureza como modelo ( paradeigmata), e as outras coisas se assemelham a elas e nada mais.

O dilogo segue com Parmnides fazendo algumas objees teoria das Formas de Scrates e, por fim, diz a ele que os conceitos que ele possui sobre essas Formas e o que belo so ainda precipitados pelo fato dele ser jovem. Parmnides, Scrates , Zeno e um jovem chamado Aristteles ( que no o famoso estagirita) iniciam um novo dilogo com esse ltimo respondendo perguntas desafiadoras de Parmnides.Ele pergunta o seguinte, entre uma multido de outras questes: se o uno existe, no possvel que seja mltiplos, no mesmo? e o que se segue um resumo da doutrina de Parmnides sobre o uno em forma de perguntas e respostas.

Em determinado momento desse jogo entre Parmnides e Aristteles, o primeiro define alguns dos atributos do uno que o ltimo obrigado a reconhecer. Parmnides afirma que o uno participa da existncia e do ser. Como comenta Mrio Ferreira dos Santos a respeito desse dilogo, o Um no est no tempo, pois tudo o que est no tempo sempre da mesma idade; mais velho que si mesmo; mais jovem que si mesmo; por causa disso, o Um atemporal. Explica o filsofo brasileiro: quando ele( Parmnides) diz: Ento o Um no participa do ser de nenhuma maneira ( Oudamos ara to en ousias metexei) refere-se Ousia, que corresponde substantiados Latinos, o que constitui o ser ntico da coisa e tambm a sua essncia, como substncia segunda, como forma. O Um no tem realidade fctica ( de factum, feito), no um ser feito, pois tais seres participam do ser ( ousia). Mas tanto em Plato como em Aristteles, a ousia o que se ope, to me enai, ao no-ser. Se o ser no a substncia ( ousia) seria um no-ser.

um livro fascinante e muito desafiador. Conhecer um pouco da filosofia de Parmnides essencial antes de comear a ler esse dilogo. Nele o jovem Scrates desempenha o papel de aprendiz diante de um imponente Parmnides. Recomendo para entender melhor esse livro, a obra de Mrio Ferreira dos Santos, O Um e o Mltiplo em Plato.

Fedro

Fedro a continuao do tema discutido em O Banquete, ou seja, o tema o amor. O dilogo inicia-se com Fedro se encontrando pelo caminho com Scrates. Fedro voltava da casa de Lsias, que era um mestre da retrica e redigia para ambos os lados nos tribunais. Fedro conversa com Scrates sobre a bela impresso que um discurso que Lsias proferiu em sua casa causou em sua mente. Scrates fica curioso e pede que Fedro o reproduza para que ele possa analis-lo.

O discurso de Lsias versa sobre o amor entre homens como era comum naquele tempo da Grcia clssica. Lsias acredita que a paixo entre dois amantes prejudicial porque nunca satisfeita, e est sujeita a muitas aflies, como o medo da separao e o favorecimento aps a separao ao novo amado, em prejuzo do antigo amante. Ele acredita que quem est apaixonado no consegue manter os seus negcios e nem est em seu juzo normal. Pela conversa entre os amantes, diz Lsias, podemos at saber se j se uniram ou vo se unir sexualmente. O homem que vive pela paixo no s por outras pessoas, mas tambm pelo dinheiro e pelo conhecimento, vivem em constante angstia pela existncia de outros homens que os suplantem em termos financeiros e de conhecimento. Lsias acredita que melhor viver sem se apaixonar, e preferir amizade do que a paixo. Liberto do amor, sou capaz de me dominar, proclama Lsias. Ento comea uma srie de recomendaes de Lsias sobre a vantagem da amizade que no espera o amor em troca, do que a paixo. Dar comida aos mendigos e preferir os amigos que estaro ao seu lado na velhice e no apenas na juventude, so alguns dos conselhos dados pelo orador.

Scrates ouve tudo isso e, ironicamente, diz a Fedro que adorou o discurso. Este ltimo ento pede que ele faa um de seus famosos discursos para que possa compar-lo com o de Lsias. Scrates aceita o desafio. Ele ento explica que o que Lsias definiu no o amor verdadeiro, guiado pela temperana, mas sim a paixo, que uma forma de amor dominada pela intemperana. Esta ltima dominada pela busca do prazer; o primeiro pela busca do que melhor. Scrates define o homem apaixonado como sendo aquele que deseja que o seu amado seja inferior a ele, pois quem movido pela paixo no suporta a ideia da existncia de um homem que lhe seja superior. Mais grave, diz Scrates: o homem apaixonado acaba por fazer o pior ato em relao ao amado, que afast-lo da filosofia. Outro ato que o apaixonado pratica no desejar ou permitir que o amado se case e tenha filhos ( lembremos que o dilogo sobre o amor entre homens). Scrates interrompe seu discurso e Fedro fica decepcionado por esse ter sido to curto.

a que o dilogo muda de tom, pois Scrates possudo nesse momento por um daimonion, o qual faz o filsofo grego se arrepender pelo seu discurso anterior. A partir desse momento, Scrates pretende fazer um elogio a Eros e apresentar sua definio da natureza da alma e o seu destino. Scrates define a alma como imortal porque tudo aquilo que move a si mesmo e no movido por outro imortal. Nesse ponto Scrates conta o mito do cocheiro ( ou carro alado): a alma pode ser comparada a um carro puxado por uma parelha conduzida na sua frente por cavalos e atrs por um cocheiro. A alma divina conduzida por cocheiros e cavalos de boa raa; a dos outros conduzida por cavalos mestios. O que Scrates quer dizer com esse mito? Ele explica o destino das almas e como elas perdem suas asas. A alma quer contemplar o que belo e eterno, pois isso as fazem crescer; do mesmo modo tudo aquilo que mau e feio faz com que as asas diminuam. L no cu, os deuses preparam um banquete. Os carros alados ento comeam a subir por um caminho tortuoso. Nesse momento o carro puxado pelos cavalos de boa raa segue seu caminho sem dificuldade, enquanto a de raa mestia puxa para a Terra. Aqueles conduzidos pelos cavalos de boa raa ento chegam e contemplam o universo. Esses sero aqueles que contemplam a realidade da Ideia, que a cincia perfeita, aps terem passado pela vida e contemplado a cincia e a justia, dessa forma quando seus carros chegam ao cu, o condutor dos cavalos d-lhes nctar como recompensa. Isso o que Scrates define como a vida dos deuses.

Quanto ao destino das almas conduzidas por cavalos mestios, o seu destino no momento da subida, quando os cavalos comeam a tropear, elas passam a olhar somente para baixo, ou seja, para a realidade, perdem parte das penas de suas asas e no contemplam o Ser Absoluto, de modo que elas caem e ficam presas a simples opinio (DOXA). Mais adiante, Scrates fala sobre o conceito da reminiscncia (ANAMNESE). A nica alma que recebe asas a do filsofo, pois esta com a evoluo da alma sempre relembra das verdades eternas que contemplou. pelo fato desse homem praticar essas recordaes que sua vida se assemelha de um deus. Scrates considera o filsofo que ama o que belo como o verdadeiro amante, pois este quer sempre voar para o alto ainda aqui na Terra, sendo tomado nesse instante por uma espcie de loucura. Esse homem que foi iniciado nos mistrios no mais se entregar aos vicos como a pederastia e nem realidade desse mundo. Todo aquele que no foi iniciado ou se corrompeu entregar-se- aos prazeres da carne.

Depois de terminar o seu discurso, Scrates volta realidade, e diz para Fedro que o discurso que fez quando estava sob a influncia do daimonion corrigiu o primeiro, quando ele concordou com o carter negativo do amor da mesma forma que Lsias. O Scrates do segundo discurso fala sobre o amor divino e aos bens espirituais, que so aqueles que ele cr que os homens devam buscar; o primeiro discurso reflete sua certeza de que o amor ao prazer carnal ( pederastia) e s opinies desse mundo so nocivos.

Fedro um livro muito belo e potico, que define de maneira breve algumas das concepes da psicologia de Plato. A teoria da reminiscncia (ANAMNESE) ser discutida novamente no seu dilogo A Repblica. Plato acredita que o verdadeiro amante da sabedoria e amigo dos deuses aquele que relembra o que viu no mundo das Ideias, quando contemplou a verdade e a justia. Quando est nesse mundo, esse homem que vive a vida de filsofo e que pensa e ensina tudo aquilo que um dia viu e aprendeu, tem a obrigao de ensinar aos que ainda esto presos na caverna e s observam as sombras na caverna a respeito das verdades eternas, para que possa libertar queles que ainda vivem a vida da DOXA e do amor intemperante, fazendo dessa forma que o verdadeiro amor possa ser dirigido s questes do esprito, liberando o homem da priso da carne.

Timeu

Timeu o dilogo mais difcil de Plato pelo fato de ser uma espcie de Gnesis dos gregos. O livro apresenta em uma forma resumida pelas palavras do pitagrico Timeu, os conhecimentos de medicina, matemtica, cosmologia e psicologia do tempo de Plato. De fato h uma semelhana com a narrativa bblica porque o Demiurgo platnico cria o mundo e v que ele bom. No Timeu o mundo criado, o homem e os animais so obra de uma inteligncia que tudo criou com bondade e racionalidade. No comeo tudo estava em desordem e ao acaso na natureza, at que ela se deixou persuadir pela Inteligncia. Ento Deus criou tudo de maneira boa e eliminou toda forma de imperfeio. Tudo o que o Demiurgo cria sempre o mais belo segundo o mito da criao platnico.

Em sua cosmologia no existem uma multiplicidade de universos que teriam servido de modelo para a criao Divina. Existe na verdade apenas um cu que foi o modelo do qual Deus fez do nosso uma cpia. Deus criou tambm a alma antes do corpo e a tornou imortal. O cu e o tempo tambm foram criados em semelhana com a eternidade. Antes do nascimento do cu, o tempo e os dias no existiam. O cu, segundo Plato, foi, e ser, seguindo sempre a lei dos nmeros. Os planetas foram criados em forma de esfera e so a divindade visvel.

O Demiurgo cria a alma do ser humano de uma mistura e as dividiu em um nmero igual ao dos astros, ensinando-lhes a natureza do Todo. Nessa parte importante j ter lido o Fedro. Criando as almas, Deus deu a todas o mesmo nascimento e as mesmas paixes, de maneira que se os homens dominassem essas paixes viveriam na justia; se deixassem elas o dominarem, viveriam na injustia. Se vivessem bem, voltariam para o cu onde teriam a vida de um deus; se vivessem na injustia, reencarnariam com forma feminina, e se persistissem, assumiriam um corpo de animal.

Mais adiante, Plato diferencia os homens que vivem da opinio e dos que vivem pelo intelecto. A inteleco ocorre em ns pela ao do pensamento cientfico e da opino somos persuadidos. A inteleco vem acompanhada de uma demonstrao verossmil; a opinio no aceita demonstrao. Todos os homens participam da opinio; da inteleco participam os deuses e apenas uma parte dos homens. Da nasce a realidade que tem forma imutvel e no perceptvel pela vista e que s dado ao intelecto contemplar. A outra realidade est submetida aos sentidos e acessvel opinio unida sensao.

A harmonia necessria entre a alma e o corpo tambm enfatizada no discurso de Timeu. De nada vale se ocupar somente com questes intelectuais se o corpo esquecido; ocupar-se tambm somente do corpo produz uma revoluo nos elementos e produz o que pior em um homem: a ignorncia. Plato fala sobre isso no dilogo Filebo, ou seja, que o homem so uma mistura de saber e prazer. Para tratar da alma, a filosofia recomendada.

As Leis

No livro III de As Leis, o personagem O Ateniense( Plato) pergunta a Clnias qual a origem das constituies. Esse pede ao Ateniense a explicao e esse conta um mito: no princpio, j existiam cidades e constituies, mas o grande dilvio que destruiu o mundo ( que narrado em seu dilogo Crtias) fez desaparecerem as cidades e as constituies. O Ateniense diz que fcil de se presumir que apenas aqueles que viviam nas montanhas, isso , os pastores conseguiram sobreviver.

Depois de algum tempo, a humanidade foi se reunindo novamente, e com a ajuda dos deuses conseguiu recuperar algumas das antigas invenes do homem. Esses homens passaram a se organizar atravs da autoridade do pai, que o primeiro governo que se estabelece com a autoridade pessoal; o segundo a reunio de cls de famlias que se organizaram, e esses formam a aristocracia; o terceiro o Estado misto, que Plato classifica como democracia, e por fim, o quarto que a confederao desses trs Estados associados que formam a nao.

Plato faz algumas observaes sobre os Estados que existiam em sua poca. Aos persas ela reprova o fato de que a educao dos reis desde o reinado de Ciro ter sido confiada a mulheres e eunucos. Com isso o filsofo acredita que os persas desde ento foram dominados pela escravido e pelo despotismo.

O legislador, segundo o discurso do Ateniense, deve procurar a liberdade, a unidade e a racionalidade para o Estado que governa. A liberdade no imprio persa foi perdida pela escravido. Mas e quanto a Atenas? Ser que Plato considerava essa cidade-estado como aquela que alcanou as leis mais justas? No, porque Atenas caiu no erro oposto ao do imprio persa e introduziu a liberdade sem limites, isto , a democracia. Mais uma vez, assim como em A Repblica, Plato conclui que uma excessiva liberdade e revoluo na msica seja a caracterstica de um Estado em que a liberdade destri os costumes e as leis.

Existe nesse dilogo As Leis toda uma srie de recomendaes que o legislador deve impor aos cidados do Estado socialista imaginado por Plato. claro que algumas dessas leis so claramente impraticveis, como a comunho de mulheres e filhos. Isso vai ser descartado por Aristteles em sua Poltica. Plato, no entanto, estava muito preocupado com a harmonia e a beleza dos pais, dos filhos e da sociedade como um todo. por isso que ele vai escrever longamente sobre a educao.

Repetindo algumas das ideias j expostas em A Repblica, Plato concede msica e ao movimento um grande destaque em sua Paidia; inclusive de se espantar que ele considerasse a educao da criana pela forma que sua me agisse durante a gravidez. durante a gravidez e quando o beb ainda est no colo que comea o processo de educao. A criana nesse estgio seria educada pelo movimento da me ao embal-la e com canes de ninar apropriadas para que j nesse estgio adquirisse uma personalidade estvel e corajosa, visto que Plato queria evitar ao mximo que o medo penetrasse na alma de uma criana.

A educao seria igual para meninos e meninas, com ambos aprendendo ginstica, equitao e arco e flecha. Depois de exibir uma misoginia que estava quase que ausente em suas outras obras, Plato se retrata e defende a igualdade de homens e mulheres, pelo menos nesse ponto. As mulheres devem aprender ginstica e a arte da guerra para que quando a cidade fosse atacada elas pudessem se defender e cidade. A educao dessas crianas tambm deveria incluir a matemtica, a poesia e a astronomia. Plato quer que o homem se prepare para a guerra para poder viver em paz. Ele acredita que o homem deva se ocupar de coisas srias, e nada existe de mais srio do que a divindade( Demiurgo). Ora, o homem foi criado como um brinquedo da divindade, e isso a melhor parte; portanto o ser humano deve se preocupar com a melhor parte e divertir-se com os jogos mais excelentes. Devemos, segundo o filsofo, viver sacrificando, cantando e danando, vivendo assim em paz e contemplando alguns lampejos da verdade.

O Estado proposto por Plato em As Leis socialista como em A Repblica, mas em As Leis a religio possui uma importncia muito maior do que na Repblica, e ao contrrio da sociedade imaginada por Scrates nesse dilogo anterior, em As Leis a escravido introduzida e seu funcionamento descrito em detalhes.

As Leis no um livro agradvel de se ler, o que pode parecer estranho para quem est acostumado a ler os dilogos de Plato como o Banquete, Fedro e Poltico. No gostei muito, a no ser quando Plato discute o problema da educao. Nesse momento o dilogo ganha fora.

A Repblica

A poltica e o mito em Plato

O filsofo Eric Voegelin analisou a obra a Repblica, de Plato, na sua obra Ordem e Histria. Primeiramente Scrates busca definir o que um filsofo de verdade. Para ele, o verdadeiro (ALETHINOS) filsofo o homem que ama olhar com admirao (PHILO THEAMONES) para a verdade. Aqueles que conseguem ver o um nas muitas coisas so os verdadeiros filsofos. Voegelin prossegue: apenas o conhecimento do ser em si mesmo pode realmente pretender o ttulo de conhecimento (EPISTEME); o conhecimento do ser na multiplicidade das coisas opinio (DOXA).

A humanidade requer uma teoria verdadeira, pois um homem com uma teologia falsa um homem no verdadeiro. Estar enganado na alma sobre o ser (PERI TA ONTA) verdadeiro significa que a prpria mentira (HOS ALETHOS PSEUDOS) tomou posse da parte mais elevada da pessoa (382). Para a teologia ser verdadeira, Plato destaca duas regras:

1 Deus no o autor de todas as coisas, mas apenas das coisas boas.

2 Os deuses no enganam os homens em palavras ou atos.

A filosofia para Plato acima de tudo um ato de salvao para si mesmo e para os outros, e tambm um ato de julgamento. Para Voegelin, a filosofia de Plato no uma filosofia, mas a forma simblica que uma alma Dionisaca expressa sua ascenso para Deus.

Em seus primeiros anos, Plato ainda estava prximo da concepo Socrtica de virtude que o conhecimento. Agora encontramos uma Sophia que nutrida pela parte racional da alma, o LOGISTIKON, presente em todos os homens, que s despertado quando a sabedoria prevalece sobre as paixes.

Ao todo so quatro as faculdades do conhecimento: EIKASIA, PISTIS, DIANOIA e NOESIS ou EPISTEME. A constituio transcendental da alma pode ser alcanada quando um homem percorre as formas de conhecimento, quando ele ascende do domnio das sombras(EIKASIA) para o domnio das ideias (EPISTEME), e por fim, para a viso do prprio AGATHON (aquilo que d aos objetos do conhecimento a sua verdade a ao conhecedor o poder de conhecer).

A oposio do filsofo aos poetas deve-se ao carter mimtico da sua obra. A mimsis repreensvel por duas razes, segundo Plato: a imitao no o original e o filsofo est em busca do original, da ideia; em segundo lugar o imitador e sua obra o terceiro grau de afastamento( 596-597). A Paideia do filsofo luta contra a Paideia do mito. Em Scrates, a alma do homem encontrou a si mesma. Depois de Scrates, nenhum mito possvel.

Agora Plato nos narra o seu mito da caverna. Voegelin diz que o mito prepara o conhecimento da PAIDEIA. A educao de um homem incompleta se ele no experimentou a verdade da alma, a PERIAGOGE. Depois do homem ser solto da caverna e ter experimentado a contemplao divina, ele quer ficar l para sempre(517). Esse homem ( filsofo) que experimentou a eudaimonia ir sentir-se inclinado a permanecer na contemplao e no querer voltar para os seus companheiros prisioneiros. Haveria ento a tentao de esse filsofo tornar-se apoltico. Mas ele deve descer e sacrificar-se polis.

Ele ento desce ( KATABATEON). Scrates desceu para ajudar os prisioneiros da caverna e consegue discernir as sombras (EIDOLA) das coisas reais. Como o filsofo viu o AGATHON, a polis sob seu comando ser governada com uma mente desperta ( HYPAR) em vez de ser conduzida como as outras Plis como num sonho (ONAR) (520).

A Plis boa quando o LOGISTIKON predomina na alma. Ela uma timocracia quando o PHILOMIKON predomina; e uma oligarquia quando as paixes do EPITHIMETIKON e do PHILOCHREMATON predominam. Plato analisa tambm a transformao da alma democrtica para a desptica. Em sonhos, a parte ruim da personalidade lana-se em assassinatos, incesto e perverses. O homem sbio conhece essa possibilidade, e ento no dormir antes de ter despertado o LOGISTIKON em sua alma. Ele no permitir a oscilao de seus desejos para que a contemplao no seja perturbada. O seu sono no ser perturbado por sonhos ruins( 571). J o homem desptico ir deixar-se dominar pelos seus apetites e a volpia de seus sonhos ir domin-lo em sua vida desperta. Por fim, h o destino da alma. Ela no pode ser destruda por seus prprios males, sendo duradoura e imortal (609), e como imortal sua natureza semelhante ao divino.

A Nova Paidia de Plato em A Repblica

O debate sobre as artes imitativas aparece no livro III da Repblica. Plato acredita que os poetas desvirtuam o povo por sua imitao daquilo que o filsofo considera censurvel, como, por exemplo, a imitao dos gemidos, os lamentos, os risos e os sons dos animais e do tempo. Do ponto de vista de Scrates, as narrativas dos poetas s deveriam mostrar a coragem, a firmeza, em vez de mostrar a ambio e a ganncia. A poesia tambm deveria se preocupar com os atributos dos justos em oposio aos dos injustos. Para Plato, as narrativas de poetas como Homero so verdadeiramente poticas, e, por causa disso, menos deveriam ser escutadas pela populao que pretende ser livre e no escrava(387 a-e). Certas palavras usadas pelos poetas so uma influncia negativa para a educao dos guardies. Plato considera lamentvel que os poetas faam homens respeitveis e deuses serem atacados por acessos de risos(388 a-e). O mal que essas poesias podem causar nos jovens e nos governantes o de fazer crer que os heris no so em nada melhores que os homens. O mal nunca vem dos deuses, lembra-nos Plato. Por causa do costume do jovem ou governante ouvir relatos de maldade dos deuses e heris como os descrevem os poetas, eles( jovens ou governantes) acreditaro em desculpas por suas maldades pois os deuses os precederam(391 a-e). O governante jamais deve ser imitador de algo que os poetas prope, mas sim, da coragem, sensatez, pureza, liberdade e todas as qualidades dessa espcie, que aprenderiam desde a infncia. A humanidade( e a Plis) precisam de uma teologia verdadeira, pois um homem com uma teologia falsa um homem no verdadeiro. Estar enganado na alma sobre o ser verdadeiro( PERI TA ONTA) significa que a prpria mentira (HOS ALETHOS PSEUDOS) tomou posse da parte mais elevada da pessoa( 382 a-e). Para a teologia ser verdadeira, Plato destaca duas regras:

Primeira: Deus no o autor de todas as coisas, mas apenas das coisas boas.

Segunda: os deuses no enganam os homens em palavras ou atos.

A nova Paideia que Plato prope- alm da imitao das virtudes citadas acima-, possui alguns elementos que constituem a sua concepo de educao e de que modo ela deve ser procedida. Na Repblica, a sua Paideia se divide entre classes: agricultores, que devem ser educados para o servio prtico; soldados, que devem ser educados pela ginstica e pela msica, para que tenham agilidade e sensibilidade para a defesa da polis; por fim, tem-se a classe dos governantes, que devem ser educados pela filosofia, pois esta classe que vai determinar os rumos da cidade.

Plato estabelece regras para as letras que tero espao em sua cidade, que ter, por exemplo, de ter a obrigao de ser em primeira pessoa, pois esta forma no oculta o narrador. Depois vem a questo da msica, muito importante na Repblica. A msica dever inspirar sentimentos belos, e combater o vcio, a licena, a baixeza e o indecoro(401 a-e). Com isso, desde a infncia a criana seria educada a amar o belo e a odiar as coisas feias e que no possuem harmonia. A ginstica outra atividade recomendada por Plato, pois depois de haver tratado do esprito necessrio tratar do corpo. Essa ginstica seria simples, e com dois aspectos complementares: a alimentao, que deve ser sem exageros; a medicina, que s deve ser ministrada aos homens sadios. A msica e a ginstica devem ser combinadas para estarem em harmonia, pois quem se dedica somente ginstica fica rude e grosseiro, assim como quem s se dedica msica fica mole e doce em excesso. Por fim, existe a questo de quem governar a Plis? Segundo o livro didtico, entre aqueles educados na proposta apresentada, sero os melhores os mais velhos, com inteligncia autoridade e sentimento patritico. Desde pequenos devero ser postos s provaes, e os que resistirem sero guardies. Existe tambm a polmica questo da eugenia, com sua eliminao dos mais fracos. Scrates tambm prope a questo da mentira necessria: o mito do nascimento humano a partir da terra, que seria contada na infncia do governante. Essa foi minha apresentao da proposta de Plato de uma nova Paideia.

Notas

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Timeu, 28b

Ibid

Reale, pg 445

4 Ibid

5 Timeu, 29e

6 Timeu, 38d

7 Reale, pg 474

8Timeu, 47e

9 Reale, pg 4

10Timeu, 54a

11 Timeu, 68d

12 Repblica, 506a-e

13Repblica,507a-e

14Repblica,508a-e

15 Timeu, 47b

16 Repblica, 514a-516a-e

17 Ordem e Histria, pg 176

18 Ibid

19Banquete, 201b

20 Banquete,201e

21Banquete, 204b

22 Anamnese, pg 406

23Menon, 80d

24Menon, 84b

25Fdon, pg 41

26 Jaeger, pg 620

27 Protgoras,313

28Protgoras,321b-322d

29Protgoras, 355e

30Grgias, 481b

31 Grgias, 481d

32Grgias, 484d

33Grgias, 505a

34Grgias, 505b

35Repblica, 387a-e

36Ibid

37 Repblica, 391a-e

38Repblica, 395-396a-e

39Repblica, 397a-e

40Repblica, 401a-e

41Timeu, 80a

42Repblica, 452

43 Leis, pg 278

44Leis, pg 283

45Proclo, pg 326

46Leis, pg 537

47 Timeu, pg 38

48Ibid

49Ibid

50Ibid

51 Proclo, pg 654

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