PLATÃO COMO ORIGEM DO · PDF filedescreve e orienta para uma ... e qualquer pessoa...

16
Volume 5, Número 5, Ano 5, Março 2012 Revista Pesquisa em Foco: Educação e Filosofia ISSN 1983-3946 60 PLATÃO COMO ORIGEM DO TOTALITARISMO Bernardo Alfredo Mayta Sakamoto 1 RESUMO: Este trabalho pretende encontrar em A República e O Político de Platão alguns antecedentes do Totalitarismo: modificar a natureza humana e controlar totalmente a população. Palavras-chave: Totalitarismo, Platão, Filosofia política. ABSTRACT: This work intends to find in The Republic and The Statesman of Plato some antecedents of the Totalitarianism: to modify the nature human and total control of the population. Keywords : Totalitarianism, Plato, Political philosophy. 1 INTRODUÇÃO Refletir o pensamento político contemporâneo sob a visão dos antigos gregos parece, a primeira impressão, um anacronismo. Mas não é assim. Aristóteles, apesar das limitações de sua época, contribuiu a desenvolver os conceitos da democracia e cidadania. Neste trabalho pretende-se encontrar em A República e O Político de Platão alguns antecedentes do Totalitarismo. No primeiro momento apresentamos a especificidade e características do totalitarismo seguindo Hannah Arendt e, no segundo momento, alguns dos argumentos para consolidar o governo do rei-filósofo em A República ou do pastor em O político de Platão. 2 CARACTERÍSTICAS DO TOTALITARISMO O totalitarismo é o governo que cria instituições políticas inteiramente novas destruindo todas as tradições sociais, legais e políticas do país. Este domínio pretende eliminar todo fundamento da individualidade humana ao destruir as relações entre os cidadãos. Por isso Hannah Arendt (1906-1975) afirma em Origens do Totalitarismo que a finalidade deste domínio é transformar a natureza humana. 1 Doutor em Filosofia. Professor de Ética e Filosofia Política da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste)

Transcript of PLATÃO COMO ORIGEM DO · PDF filedescreve e orienta para uma ... e qualquer pessoa...

Page 1: PLATÃO COMO ORIGEM DO  · PDF filedescreve e orienta para uma ... e qualquer pessoa seja ... correspondentes às três concepções ocidentais básicas de uma vida

Volume 5, Número 5, Ano 5, Março 2012

Revista Pesquisa em Foco: Educação e Filosofia ISSN 1983-3946

60

PLATÃO COMO ORIGEM DO TOTALITARISMO

Bernardo Alfredo Mayta Sakamoto1

RESUMO: Este trabalho pretende encontrar em A República e O Político de Platão alguns

antecedentes do Totalitarismo: modificar a natureza humana e controlar totalmente a

população.

Palavras-chave: Totalitarismo, Platão, Filosofia política.

ABSTRACT: This work intends to find in The Republic and The Statesman of Plato some

antecedents of the Totalitarianism: to modify the nature human and total control of the

population.

Keywords: Totalitarianism, Plato, Political philosophy.

1 INTRODUÇÃO

Refletir o pensamento político contemporâneo sob a visão dos antigos gregos

parece, a primeira impressão, um anacronismo. Mas não é assim. Aristóteles, apesar das

limitações de sua época, contribuiu a desenvolver os conceitos da democracia e cidadania.

Neste trabalho pretende-se encontrar em A República e O Político de Platão

alguns antecedentes do Totalitarismo. No primeiro momento apresentamos a especificidade e

características do totalitarismo seguindo Hannah Arendt e, no segundo momento, alguns dos

argumentos para consolidar o governo do rei-filósofo em A República ou do pastor em O

político de Platão.

2 CARACTERÍSTICAS DO TOTALITARISMO

O totalitarismo é o governo que cria instituições políticas inteiramente novas

destruindo todas as tradições sociais, legais e políticas do país. Este domínio pretende

eliminar todo fundamento da individualidade humana ao destruir as relações entre os

cidadãos. Por isso Hannah Arendt (1906-1975) afirma em Origens do Totalitarismo que a

finalidade deste domínio é transformar a natureza humana.

1 Doutor em Filosofia. Professor de Ética e Filosofia Política da Universidade Estadual do Oeste do Paraná

(Unioeste)

Page 2: PLATÃO COMO ORIGEM DO  · PDF filedescreve e orienta para uma ... e qualquer pessoa seja ... correspondentes às três concepções ocidentais básicas de uma vida

61

O Totalitarismo surgiu no século XX e é representado por dois governos: o

governo alemão de Adolf Hitler (1889-1945), líder do Partido Nacional Socialista dos

Trabalhadores Alemães (NSDAP), Partido Nazista ou Fascista e o governo de Josef Stalin

(1878-1953), Secretário-Geral do Partido Comunista da União Soviética de 1924 até 1953.

a) Condições que originaram o Totalitarismo

O Totalitarismo como forma de domínio do século XX surge em uma sociedade

industrial de massa, um mundo internacional dividido e um avançado desenvolvimento da

tecnologia moderna:

- A industrialização contemporânea produz o ingresso das massas na política,

impondo um incremento decisivo da mobilização política. Ademais, este

desenvolvimento tende a produzir a desvalorização das instituições atomizando os

indivíduos. O Totalitarismo como forma extrema do despotismo moderno criou

coerções para toda a sociedade

- Com presença do imperialismo o s. XX o cenário internacional se mostrava

inseguro e ameaçador. A primeira guerra mundial e o armamentismo

transformaram países inteiros em enormes máquinas de guerra. A anarquia

internacional favorece um crescimento explosivo da penetração-mobilização,

especialmente nos países mais expostos aos perigos externos.

- A tecnologia moderna promoveu os instrumentos da violência, os meios de

comunicação de massa, os meios de transporte, as técnicas de organização, de

registro e de cálculo, as técnicas de vigilância e de controle das policias secretas.

b) Diferenças entre Totalitarismo Fascista e Totalitarismo Comunista

A ideologia comunista é um conjunto de princípios, coerente e elaborado, que

descreve e orienta para uma transformação total da estrutura econômico-social

da sociedade. A ideologia fascista ou nazista é um conjunto de idéias ou de

mitos, bem menos coerente e elaborado, que não prevê nem orienta para uma

transformação total da estrutura econômico-social da comunidade.

A ideologia comunista é humanística, racionalista e universalista: seu ponto de

partida é o homem e sua razão. A ideologia fascista é organicista,

irracionalista e anti-universalista: seu ponto de partida é a raça, concebida

como uma entidade superior ao indivíduo. Esta ideologia apresenta-se com um

Page 3: PLATÃO COMO ORIGEM DO  · PDF filedescreve e orienta para uma ... e qualquer pessoa seja ... correspondentes às três concepções ocidentais básicas de uma vida

62

credo racista que trata com desprezo a idéia ética da unidade do gênero

humano.

A ideologia comunista afirma a bondade e a perfectibilidade humana, visa

instaurar uma sociedade de plena igualdade e liberdade. A “Ditadura do

proletariado” e a violência são instrumentos necessários, mas temporários,

para alcançar o comunismo. A ideologia nazista pressupõe a corrupção do

homem, visa instaurar o domínio absoluto de uma raça acima de todas as

outras. A ditadura, o Führerprinzip, e a violência são princípios permanentes

do governo, indispensáveis para dominar e liquidar as raças inferiores.

A ideologia comunista é revolucionária. É herdeira dos ideais do iluminismo e

da Revolução Francesa pretendendo dar um efetivo conteúdo sócio-econômico

revolucionando a estrutura da sociedade. A ideologia fascista é reacionária. É

herdeira das tendências mais extremas do pensamento contra-revolucionário

do século XIX: é irracionalista, racista e radicalmente antidemocrática. A

ideologia nazista com seus mitos teutônicos, o juramento pessoal perante o

chefe, a ênfase dada à honra, o sangue e a terra, voltam-se para o passado da

antiguidade.

c) O domínio total

O totalitarismo procura reduzir a infinita pluralidade e diversidade dos seres

humanos como se toda a humanidade fosse apenas um indivíduo. Isto é possível quando toda

e qualquer pessoa seja reduzida à mesma identidade de reações. Com este fim, criam-se os

campos de concentração e os campos de extermínio como laboratórios que comprovam a

crença fundamental de que “tudo é possível”, isto é, os campos de concentração procuram

fabricar uma espécie humana cuja única liberdade consista em preservar a espécie. Daqui, por

exemplo, as horrorosas experiências médicas dos campos de concentração relatadas nos

julgamentos contra os médicos do Terceiro Reich.

O domínio totalitário atinge seu objetivo pela doutrinação ideológica da elite

social e pelo terror absoluto nos campos de concentração.

O fanatismo dos altos escalões da elite, através da doutrinação ideológica, é

absolutamente essencial para o funcionamento do movimento nazi: nas pessoas exaltadas se

eliminam os interesses particulares produzindo uma mentalidade coletiva que confunde a

realidade. A propaganda ideológica e o controle da mídia são indispensáveis nesta

Page 4: PLATÃO COMO ORIGEM DO  · PDF filedescreve e orienta para uma ... e qualquer pessoa seja ... correspondentes às três concepções ocidentais básicas de uma vida

63

doutrinação. A atitude da elite gradualmente toma conta de toda a população, cuja vida ou

morte depende, em seus menores detalhes, de decisões políticas.

d) Os campos de concentração

Não são somente centros para exterminar pessoas e degradar os seres humanos,

eles servem para eliminar a espontaneidade e a personalidade como expressões humanas.

Ainda que o isolamento do campo com o mundo exterior não proporcione a completa

compreensão do domínio totalitário, pode-se afirmar que o campo de concentração é a

instituição do poder organizacional totalitário.

- Na União Soviética, os campos de concentração eram para os cidadãos que se

enfrentavam ao regime de Stalin, para “os dissidentes”. O Gulag (Administração

Geral dos Campos de Trabalho Correcional e Colônias) era um sistema de

campos de trabalhos forçados na Sibéria e Ucrânia. Se distinguem três tipos de

campos no Gulag:

Campos de concentração dos condenados ao autêntico trabalho forçado, onde

se vive em relativa liberdade e as sentenças são limitadas.

Campos de concentração nos quais o material humano é impiedosamente

explorado e o índice de mortalidade é extremamente alto, mas que ainda assim

são organizados fundamentalmente para fins de trabalho.

Campos de aniquilação, onde os internos são sistematicamente exterminados

pela fome ou pelo abandono.

O verdadeiro horror dos campos de concentração e de extermínio reside no fato

de que os internos, mesmo que consigam manter-se vivos, estão mais isolados do

mundo dos vivos do que se tivessem morrido, porque o horror compele ao

esquecimento. No mundo concentracionário mata-se um homem tão

impessoalmente como se mata um mosquito.(ARENDT, 1989, p. 492).

- Na Alemanha de Hitler, os judeus e os “indesejados”: Testemunhas de Jeová,

eslavos, polacos, ciganos, negros, homossexuais, deficientes físicos e mentais,

foram perseguidos e exterminados originando o holocausto.

O plano de Hitler sobre “A solução final” da questão judaica foi: de imediato,

reduzi-los como uma minoria não-reconhecida na Alemanha; depois, expulsá-los como

apátridas; finalmente, reagrupá-los em todos os lugares em que passassem a residir para

enviá-los aos campos de extermínio.

Page 5: PLATÃO COMO ORIGEM DO  · PDF filedescreve e orienta para uma ... e qualquer pessoa seja ... correspondentes às três concepções ocidentais básicas de uma vida

64

Segundo Arendt, os campos de concentração podem ser classificados em três tipos

correspondentes às três concepções ocidentais básicas de uma vida após a morte: o Limbo, o

Purgatório e o Inferno.

Ao Limbo correspondem aquelas formas relativamente benignas, que já foram

populares mesmo em países não-totalitários, destinadas a afastar da sociedade

todo tipo de elementos indesejáveis: os refugiados, os apátridas, os marginais e

os desempregados.

O Purgatório representado pelos campos de trabalho da União Soviética, onde

o abandono alia-se ao trabalho forçado e desordenado.

O Inferno representado pelos campos que os nazistas aperfeiçoaram e onde

toda a vida era organizada, completa e sistematicamente, de modo a causar o

maior tormento possível. (ARENDT, 1989, p. 495).

Mas não se faz muita distinção entre o Gulags (rede de campos de concentração

na URSS,) da Auschwitz-Birkenau (Polônia ocupada pela Alemanha nazi):

Não importava que a Rússia de Stálin fosse diferente da Alemanha de Hitler. A

embriaguez e a incompetência, tão comuns em qualquer descrição da Rússia dos

anos 20 e 30 e tão comuns ainda hoje, não representaram qualquer papel

importante na Alemanha nazista, enquanto a indescritível crueldade gratuita dos

campos de concentração e de extermínio alemães parece ter estado geralmente

ausente dos campos russos, onde os prisioneiros morriam de abandono e não de

tortura (ARENDT, 1989, p. 327).

e) Uma nova forma de dominação política

Não se pode confundir Totalitarismo com “Estado Autoritário de Ditadura

Monopartidária”. No regime totalitário, o governo procura controlar a vida privada de seus

cidadãos a ponto de torná-los, compulsoriamente, “reeducados” para passar o resto de suas

vidas sob o regime. Para conseguir este fim se cria o “terror totalitário”, no lugar das leis

positivas o terror do:

- Movimento da história, a história tem uma finalidade: o comunismo, que é a

extinção do Estado e da luta de classes (ideologia marxista-leninista-stalinista).

- Movimento da natureza, a natureza tem uma finalidade: o domínio da raça pura,

dos mais aptos para sobreviver, dos poderosos (ideologia nazista)

Nas ideologias totalitaristas, seguir o movimento da história ou da natureza livra de

obrigações morais com os outros, os militantes desta ideologia justificam assim seus atos:

Culpa e inocência viram conceitos vazios; “culpado” é quem estorva o caminho

do processo natural ou histórico que já emitiu julgamento quanto às “raças

Page 6: PLATÃO COMO ORIGEM DO  · PDF filedescreve e orienta para uma ... e qualquer pessoa seja ... correspondentes às três concepções ocidentais básicas de uma vida

65

inferiores”, quanto a quem é “indigno de viver”, quanto a “classes agonizantes e

povos decadentes”. O terror manda cumprir esses julgamentos, mas no seu

tribunal todos os interessados são subjetivamente inocentes: os assassinados

porque nada fizeram contra o regime, e os assassinos porque realmente não

assassinaram, mas executaram uma sentença de morte pronunciada por um

tribunal superior (ARENDT, 1989, p. 514).

É um ambiente de terror ideológico e policialesco. As polícias secretas da

GESTAPO na Alemanha, a NKVD e a KGB na União Soviética agiam com eficiência e em

segredo produzindo terror entre os cidadãos. O terror totalitário procura “estabilizar” os

homens a fim de liberar as forças da natureza ou da história. O próprio movimento (a natureza

ou a história) seleciona os inimigos da humanidade, é contra estes que se desencadeia o terror.

Não se pode permitir que nenhum princípio ético interfira para com o “inimigo objetivo” da

História ou da Natureza, da classe ou da raça.

f) A propaganda é um instrumento fundamental

Hitler afirmava que era preferível ter um programa antiquado de que permitir uma

discussão de programa. Ele não gostava dos debates e declarou publicamente: “Quando

tomarmos o governo, o programa virá por si mesmo. [...] O primeiro passo deverá ser uma

inconcebível onda de propaganda. Isto é, uma ação política que pouco teria a ver com os

outros problemas do momento” (Cf. ARENDT, 1989, p. 358).

A mentira é muito útil na propaganda ideológica: “Mentir ao mundo inteiro de modo

sistemático e seguro só é possível sob um regime totalitário, no qual a qualidade fictícia da

realidade de cada dia quase dispensa a propaganda” (ARENDT, 1989, p. 462).

g) Monopartidismo

No totalitarismo existe uma completa identificação do Estado com o Partido.

Após a tomada do poder, o Partido se torna uma espécie de organização de propaganda do

governo. O monopartidismo totalitarista apresenta uma rígida hierarquia exaltando o líder

com um “Culto à personalidade”, que engrandece suas virtudes e difunde positivamente sua

figura.

Afirma-se que o feitiço, fascínio ou estranho magnetismo que Hitler irradiava era

devido a que padecia de megalomania: uma doença patológica de superestima fanática sobre

si mesmo. O fascínio que Hitler deve ser definido em termos daqueles que o rodeavam:

A sociedade tende a aceitar uma pessoa pelo que ela pretende ser, de sorte que

um louco que finja ser um gênio sempre tem certa possibilidade de merecer

Page 7: PLATÃO COMO ORIGEM DO  · PDF filedescreve e orienta para uma ... e qualquer pessoa seja ... correspondentes às três concepções ocidentais básicas de uma vida

66

crédito, pelo menos no início. Na sociedade moderna, com a sua falta de

discernimento, essa tendência é ainda maior, de modo que uma pessoa que não

apenas tem certas opiniões, mas as apresenta num tom de inabalável convicção,

não perde facilmente o prestígio, não importa quantas vezes tenha sido

demonstrado o seu erro. Hitler descobriu que o inútil jogo entre as várias

opiniões e a convicção de que tudo é conversa fiada podia ser evitado se se

aderisse a uma das muitas opiniões correntes com “inflexível consistência”

(ARENDT, 1989, p. 339).

3 PLATÃO COMO ANTECEDENTE DO TOTALITARISMO

Karl Popper (1902-1994), em A sociedade aberta e seus inimigos, focalizou que a

“sociedade fechada”, estática e hierárquica, tinha antecedentes na filosofia política de Platão:

A afirmação de que o programa político de Platão é puramente totalitário e as

objeções a essa afirmação [...] levaram-nos a examinar o papel desempenhado,

nesse programa, por idéias morais tais como as de Justiça, Sabedoria, Verdade e

Beleza, O resultado de tal exame foi sempre o mesmo. Verificamos que o papel

dessas idéias é importante, mas que elas não levam Platão além do totalitarismo e do racismo. (POPPER, 1987, p. 100)

3.1. O Político: O pastor e o rebanho

O diálogo O político de Platão define a atividade política, utiliza-se o método

dialético com recursos do mito e da analogia. Esta obra é uma continuação do diálogo O

sofista, por isso estas obras apresentam os mesmos personagens principais: o Estrangeiro de

Eléia e o Jovem Sócrates.

ESTRANGEIRO — Assim se tu não te recusas, muito menos posso eu recusar-

me. Depois do Sofista, penso que devemos agora estudar o Político. Dize-me,

pois: devemos ou não colocar o Político entre os sábios?

JOVEM SÓCRATES — Sim. (PLATÃO, 1972, p. 208, 258b).

Platão recorre a duas imagens para definir o político: “o pastor político” e o

“tecelão real”. Vejamos brevemente como Platão apresenta estas analogias.

a) O pastor político.

A política desde seu início se fundamentou em mitos, fábulas, lendas etc. e fez

uso de termos extraídos das ciências naturais e práticas como medicina, engenharia, biologia e

atividades de comando como a navegação, pastoreio etc.:

Page 8: PLATÃO COMO ORIGEM DO  · PDF filedescreve e orienta para uma ... e qualquer pessoa seja ... correspondentes às três concepções ocidentais básicas de uma vida

67

ESTRANGEIRO — “[...] Mas, voltando ao que se refere aos homens que, então,

não tinham preocupação alguma para viver, esta é a explicação: era o próprio

Deus que pastoreava os homens e os dirigia tal como hoje, os homens (a raça

mais divina) pastoreiam as outras raças animais que lhes são inferiores.

(PLATÃO, 1972, p. 226, 271e).

A atividade do político é parecida à atividade do pastor:

ESTRANGEIRO — Entre as muitas formas da arte de pastorear encontra-se

uma: a política, e vemos qual é o seu rebanho.

JOVEM SÓCRATES — Sim.

ESTRANGEIRO — A discussão não a conceituou como criação de cavalos ou

quaisquer outros animais, e sim como ciência que cuida de homens que vivem

em comunidade.

JOVEM SÓCRATES — Sim. (PLATÃO, 1972, p. 220, 267d).

As funções do pastor são análogas do rei:

ESTRANGEIRO — Uma coisa, porém, sabemos, e que ninguém negará, é que

isso também se estende ao criador de bois. É ele que alimenta o seu rebanho, é ele o médico e só ele escolhe os coitos: tanto na procriação como no nascimento,

é o único parteiro competente. Na medida em que seus animais participam da

sedução da música, nenhum outro é mais capaz de acalmá-los e de consolá-los

por meio de sons. Sabe executar excelentemente a música de que seu rebanho

gosta, seja por intermédio de instrumentos, seja apenas pela voz. O mesmo

poder-se-ia dizer dos demais pastores, ou não?

JOVEM SÓCRATES — Claro.

ESTRANGEIRO — Mas, então, será tão certa e inatacável a nossa teoria sobre o

rei? Nós o consideramos como pastor e alimentador do rebanho humano,

dizendo que é ele mais importante do que 10 000 outros que pretendam sê-lo.

JOVEM SÓCRATES — De nenhum modo. (PLATÃO, 1972, p. 221, 268a-b).

Podemos perceber nestas analogias entre o pastor e o rei que:

a) Esta imagem “pastor-rebanho”, rei-povo, representa o poder do pastor perante

seu rebanho que é o povo considerado como gado, grei que se cuida e protege. A

imagem representa duas espécies naturais:

- “um” pastor (um homem, o regime monárquico) e;

- “o rebanho” (o povo apresentado como conjunto de animais), que precisa do

cuidado e atenção do pastor para viverem bem.

Esta analogia do pastor e seu rebanho encontram-se ainda hoje nas religiões

ocidentais. Por exemplo, nas igrejas o “pastor” conduz o “rebanho de fieis”; o cajado dos

pastores apresenta-se como o báculo nos bispos etc.

Page 9: PLATÃO COMO ORIGEM DO  · PDF filedescreve e orienta para uma ... e qualquer pessoa seja ... correspondentes às três concepções ocidentais básicas de uma vida

68

b) “O pastor é o médico do rebanho”. O rei dá “receitas” ao povo, “amputa

membros” do corpo social, “os doentes são isolados” para não contaminar outros

etc., estas medidas são atribuições do governante, pois só “ele sabe” restaurar a

“saúde” e vigor do povo.

c) “Só ele (o pastor) escolhe os coitos”. Assim como o pastor seleciona os

melhores da espécie para acasalar e aprimorar o rebanho, analogamente o

governante deve intervir até nos casamentos, promovendo uma seleção genética

do povo, para aprimorar os membros da pólis.

d) “Seus animais participam da sedução da música, nenhum outro é mais capaz de

acalmá-los e de consolá-los por meio de sons”. A retórica do governante

apresenta-se como a “música” do pastor. O governante deve saber usar a retórica

para seduzir e acalmar os indivíduos da pólis. O controle dos meios de

propaganda e “o culto da personalidade” apresentam-se como elementos

imprescindíveis de qualquer tirania e do totalitarismo.

e) “Nós o consideramos como pastor e alimentador do rebanho humano, dizendo

que é ele mais importante do que 10 000 outros que pretendam sê-lo”. Justificam-

se os privilégios dos reis ou príncipes por exercer as tarefas mais nobres entre os

humanos: a atividade política. Ainda na democracia pretendem-se justificar os

privilégios de seus representantes políticos, estas regalias devem ser denunciadas

constantemente pela liberdade de imprensa, pois contribui com a transparência

dos gastos e funções dos políticos.

b) O paradigma da tecedura

Outra analogia que utiliza Platão para definir o político é com o artesão que

elabora os tecidos:

ESTRANGEIRO — Não gostaríamos de utilizar nosso paradigma de tecedura

para explicar, por sua vez, a política, agora que possuímos uma visão clara de

todos os gêneros contidos na cidade?

JOVEM SÓCRATES — Certamente.

ESTRANGEIRO — Nesse caso, é a função real de entrelaçamento que é

necessário descrever, ao que parece: sua natureza, sua maneira de entrelaçar, e a

qualidade do tecido que ela assim nos oferece. (PLATÃO, 1972, p. 234, 279a-b).

Com efeito, a arte da tecedura, da construção de cobertas, mantas e vestimenta nos

preserva do frio do inverno, fabricando defesas de lã. O tecedor de lã:

Page 10: PLATÃO COMO ORIGEM DO  · PDF filedescreve e orienta para uma ... e qualquer pessoa seja ... correspondentes às três concepções ocidentais básicas de uma vida

69

ESTRANGEIRO — Eis, pois, a parte da tecedura que nos interessava,

perfeitamente compreensível daqui por diante. Quando a operação de reunião,

que é a parte do trabalho da lã, entrelaçou a urdidura e a trama, de maneira a

formar um tecido, damos, ao conjunto do tecido, o nome de vestimenta de lã, e, à

arte que o produz, o nome de tecedura.

JOVEM SÓCRATES — Muito bem.

ESTRANGEIRO — Bem, mas então por que não dizer logo: „A tecedura é a arte

de entrelaçar a urdidura e a trama‟ em lugar de fazer tantos rodeios e um acervo

de distinções inúteis? (PLATÃO, 1972, p. 238, 283a-b).

O político como tecedor sabe unir o povo utilizando a trama e a urdidura,

estratégias e planos para unir as diversas classes sociais protegendo-os de invasores. O

político conhece a natureza humana e sabe fazer, através de retórica, uma sociedade estável e

homogênea, como o tecelão que produz produtos.

Também, neste diálogo aparece novamente a comparação do político com o

médico, um médico serve para curar muitos doentes, a melhor forma de governo é de um ou

de poucos governantes:

ESTRANGEIRO — Tens razão em lembrar-me. A conclusão, pois, ao que me

parece é de que a forma correta de governo é a de apenas um, de dois, ou de quando muito alguns, se é que esta forma correta possa realizar-se.

JOVEM SÓCRATES — Claro. PLATÃO, 1972, p. 249, 293a)

Ademais, os governantes estão isentos de obedecer às leis do Estado:

ESTRANGEIRO — E quer governem a favor ou contra a vontade do povo; quer

se inspirem ou não em leis escritas; quer sejam ricos ou pobres, é necessário

considerá-los chefes, de acordo com o nosso atual ponto de vista, desde que

governem competentemente por qualquer forma de autoridade que seja. Assim

como aos médicos, quer nos curem contra ou por nossa própria vontade, quer nos

operem, cauterizem ou nos inflijam qualquer outro tratamento doloroso, quer

sigam regras escritas ou as dispensem, quer sejam pobres ou ricos, não hesitamos absolutamente em chamá-los médicos, bastando para isso que suas prescrições

sejam ditadas pela arte; que purificando-nos ou diminuindo nossa gordura por

qualquer modo, ou, ao contrário, aumentando-a, pouco importa, eles o façam

para o bem do corpo, melhorando seu estado, e que, como médicos, assegurem a

saúde dos seres que lhes são confiados. Essa é, a meu ver, a única maneira de

definir corretamente a medicina e qualquer outra arte. JOVEM SÓCRATES —

Certamente. (PLATÃO, 1972, p. 249, 293a-b)

A finalidade do médico é devolver a saúde, a finalidade do político é proteger o

povo. O político, como médico do povo, sabe devolver a vitalidade do povo e, evita

excessivos sofrimentos no povo com medidas e intervenções que ele considera apropriadas.

O político, como o médico, “quer siga regras escritas ou as dispense” é flexível

com respeito às leis. Em realidade, o político está por acima das leis, ele as elabora. Deste

Page 11: PLATÃO COMO ORIGEM DO  · PDF filedescreve e orienta para uma ... e qualquer pessoa seja ... correspondentes às três concepções ocidentais básicas de uma vida

70

modo, o político, perante o povo doente, faz todos os esforços e utilizará qualquer ato para

salvar a vida do povo, ainda poderá mutilar ou sacrificar alguns de seus membros.

Nestas analogias do Político de Platão, podemos perceber que o político como

pastor, tecedor e médico (o povo como rebanho, material para trama e urdidura e, doente) é

um antecedente das formas de governo autoritárias, até totalitárias, sem nenhum traço

democrático.

3.2 A República: a política do rei-filósofo

A República ou da Justiça é considerada a obra-prima de Platão e no livro VII

encontra-se a celebérrima “alegoria da caverna”.

Neste diálogo se trata de conceber a pólis regida pela justiça, descreve-se a forma

de sociedade mais estável e feliz, onde o “rei-filósofo” deve governar.

Platão concebe uma heterogeneidade na natureza humana, entre os homens

existem diferentes naturezas ou aptidões.

SÓCRATES — Não somos iguais por natureza, mas nascemos com disposições

diferentes, cada um com mais jeito para determinado trabalho, não te parece?

ADIMANTO — É também o que eu penso.

SÓCRATES — E então? Como fará alguém trabalho mais perfeito: aplicando-se

ao mesmo tempo a muitas atividades ou dedicando-se apenas a uma?

ADIMANTO — Apenas a uma, respondeu. (PLATÃO, 2000, p. 111, 370b).

A origem da diferenças entre os homem é devido a que em cada um predomina

uma das partes da alma. A alma é constituída por três partes:

a) Parte concupiscível. As baixas paixões onde se localizam os sistemas digestivo,

urinário e reprodutor. Esta parte proporciona os prazeres do sexo, dos alimentos e

das bebidas. Os prazeres que proporciona são intensos, mas efêmeros.

b) Parte irascível. Onde está o coração; órgão que representa a ira, a cólera que

permite “não desistir” quando empreendemos uma tarefa ou luta. Os prazeres que

proporciona está parte da alma são a vitória e o triunfo nas lutas, combates e

guerra.

c) Parte racional. Localizada na cabeça, a parte do corpo humano mais distante da

terra e mais perto do céu, permite elaborar as teorias filosóficas e contemplar as

formas. São os prazeres mais duradouros e úteis para nossa vida.

Page 12: PLATÃO COMO ORIGEM DO  · PDF filedescreve e orienta para uma ... e qualquer pessoa seja ... correspondentes às três concepções ocidentais básicas de uma vida

71

A diversidade de caracteres e atividades entre os homens é originada pela

predominância de uma parte de suas almas. Os camponeses e artesãos são

determinados pelo predomínio da parte concupiscível da alma. Os guerreiros e os

jogadores são determinados pelos prazeres da parte irascível de sua alma. Os

filósofos, os reis-filósofos possuem a predominância da parte racional da alma.

Pela justiça, as partes da alma devem ser comandadas pela parte racional que

determina os limites da parte irascível e concupiscível, assim a parte racional

origina a estabilidade e tranquilidade da alma. Instalada a hierarquia na alma, na

sociedade se determina a hierarquia social: o rei-filósofo deve governar os

guerreiros e os dominados pelas baixas paixões da alma. Os guerreiros ajudam o

rei-filósofo a controlar os apetites e desejos dos numerosos concupiscíveis (o

povo). A classe guerreira e de filósofos não estavam presentes na origem da

sociedade porque não eram indispensáveis, posto que, todos os homens eram

sadios, semelhantes e satisfaziam apenas suas necessidades básicas.

Ao procurar a origem da justiça, Platão concebe que os indivíduos originam a

pólis porque “têm necessidade uns dos outros” (369b-c). Assim a pólis surge para

satisfazer necessidades básicas entre os homens.

Ao ampliar-se a cidade, surge a “pólis de prazer”, pela introdução de necessidades

“artificiais” que originam uma pólis luxuosa e doente (372e). Por exemplo, os

produtos dos padeiros e boleiros seduzem o gosto, o olfato e o visual da gente,

originando doenças pela má alimentação. Está pólis “artificial” necessitará de

guerreiros-guardiões, controladores, que não existiam na origem, “pois se baseava

na satisfação das necessidades essenciais dos homens” (373d).

“Os guardiões devem ser como os cães de raça”, ferozes com os desconhecidos e

obedientes e fiéis com os donos (os governantes) (374e). A formação dos

guardiões exige uma educação (376c). A educação apresenta-se não como

problema menor: o exame da questão educacional poderá determinar a causa da

justiça e da injustiça na pólis (376c-d)

Os guardas devem ser educados através da ginástica para o corpo e música para a

alma (376e). De tal modo que, desde crianças, esta classe deve ser educada: 1º na

música, depois, na ginástica.

As primeiras atividades, inspiradas pelas Musas: são fábulas e relatos. As crianças

devem escutá-las desde a mais tenra idade. Esses relatos são selecionados com

Page 13: PLATÃO COMO ORIGEM DO  · PDF filedescreve e orienta para uma ... e qualquer pessoa seja ... correspondentes às três concepções ocidentais básicas de uma vida

72

muita diligência: contenham os valores que os governantes julguem convenientes

(377b-c).

O comunismo platônico apresenta-se na vida dos guardas, se elimina a

propriedade privada: todas as mulheres são para todos os homens e os filhos são

de todos os adultos. Toda a classe guerreira converte-se numa grande família,

unida por laços sanguíneos:

Todas as mulheres dos nossos guerreiros pertencerão a todos: nenhuma delas

habitará em particular com nenhum deles. Da mesma maneira, os filhos serão

comuns e os pais não conhecerão os seus filhos nem estes os seus pais.

(PLATÃO, 2000, p. 239, 457d).

Depois de estabelecida a pólis, conforme a cidade mais perfeita, estável e feliz,

Platão apela para a censura e controle absoluto dos membros da cidade, com o fim de manter

essa ordem.

a) Educação com censura

Para extirpar-se a injustiça da polis é necessário mudar os textos com os quais se

tem educado sempre na Grécia. Não se permitirá que as crianças escutem os relatos que

contêm mentiras, opiniões e valores contrários aos que se espera deles no futuro. A vida como

desenvolvimento, como fruto das sementes plantadas, A educação que se recebe na mais tenra

idade é “indelével e dificilmente erradicável” (378e), numa passagem da República se

comenta que Hesíodo e Homero contam mentiras:

SÓCRATES — Portanto, parece-me que precisamos começar por vigiar os

criadores de fábulas, separar as suas composições boas das más. Em seguida,

convenceremos as amas e as mães a contarem aos filhos as que tivermos

escolhido e a modelarem-lhes a alma com as suas fábulas muito mais do que o

corpo com as suas mãos. A maioria das que estão presentemente em voga deve

ser rejeitada.

ADIMANTO — Quais?

SÓCRATES — Julgaremos as pequenas pelas grandes, porquanto umas e outras devem ser calcadas nos mesmos moldes e produzir o mesmo efeito; concordas?

ADIMANTO — Concordo. Porém não compreendo quais sejam essas histórias

grandes a que te referes.

SÓCRATES— As que Hesíodo e Homero nos deixaram e outros poetas, pois são

eles os autores das fábulas mentirosas que então contavam aos homens e ainda

contam. (PLATÃO, 2000, p. 123, 377d).

Na pólis científica, estável e feliz governada pelo rei-filósofo não se incentivam

leituras como a Teogonia de Hesíodo nem a Ilíada e Odisséia de Homero. A censura justifica-

se porque estas obras narram mentiras sobre as divindades.

Page 14: PLATÃO COMO ORIGEM DO  · PDF filedescreve e orienta para uma ... e qualquer pessoa seja ... correspondentes às três concepções ocidentais básicas de uma vida

73

b) Controle de natalidade e eugenia

Platão considera que o rei-filósofo deve controlar os casamentos visando melhores

descendentes para a pólis:

SÓCRATES — E então evidente que, depois disto, celebraremos casamentos tão

sagrados quanto pudermos. E os mais sagrados serão os mais vantajosos.

GLAUCO — Sem dúvida.

SÓCRATES — Mas como serão os mais vantajosos, Glauco?

Vejo na tua casa cães de caça e um grande número de nobres aves. Por Zeus!

Prestaste alguma atenção às suas uniões e à maneira como procriam?

GLAUCO — Que queres dizer?

SÓCRATES — Em primeiro lugar, entre esses animais, embora todos sejam de

boa raça, não existem aqueles que são ou se tomam superiores aos outros?

GLAUCO — Existem.

SÓCRATES s — Pretendes ter filhotes de todos ou só te interessa ter dos

melhores?

GLAUCO — Dos melhores. (PLATÃO, 2000, p. 241, 459a)

Como o criador de animais seleciona os melhores da espécie para a obtenção do

melhor rebanho, o rei-filósofo intervém no casamento dos jovens da pólis para possuir uma

cidade sadia e vantajosa:

SÓCRATES — De acordo com os nossos princípios, é necessário tornar as

relações muito freqüentes entre os homens e as mulheres de elite, e, ao contrário,

bastante raras entre os indivíduos inferiores de um e outro sexo; além do mais, é

necessário educar os filhos dos primeiros, e não os dos segundos, se quisermos

que o rebanho atinja a mais elevada perfeição: e todas estas medidas deverão

manter-se secretas, salvo para os magistrados, a fim de que, tanto quanto

possível (PLATÃO, 2000, p. 242, 459e)

O rei-filósofo faz uso de secretos, mentiras e enganos: “é possível que nossos

governantes se vejam obrigados a empregar largamente a mentira e o engano para o bem dos

governados; e já afirmamos que tais práticas eram úteis sob a forma de remédios” (PLATÃO,

2000, p. 242, 459d).

O rei-filósofo pode inventar sorteios, concursos com o fim de acasalar os

melhores da pólis:

SÓCRATES — Organizaremos uma engenhosa modalidade de sorteio, para que os indivíduos medíocres que forem recusados acusem, a cada união, a sorte, e

não os magistrados.

GLAUCO — Perfeitamente (PLATÃO, 2000, p. 243, 460a).

Page 15: PLATÃO COMO ORIGEM DO  · PDF filedescreve e orienta para uma ... e qualquer pessoa seja ... correspondentes às três concepções ocidentais básicas de uma vida

74

O rei-filósofo legislara sobre os casamentos:

SÓCRATES — A mulher parirá para a cidade dos vinte aos quarenta anos; o

homem gerará para a cidade até os cinquenta e cinco anos.

GLAUCO — Realmente, tanto para um como para outro, é o período de maior

vigor do corpo e do espírito. (PLATÃO, 2000, p. 244, 460e).

Com esta legislação sobre os casamentos se controla a população e a eugenia da

pólis. Aqueles filhos que nasçam sem conhecimento do rei-filósofo são rejeitados:

SÓCRATES — Assim, se um cidadão, mais velho ou mais novo, se imiscuir na

obra comum de procriação, nós o declararemos culpado de impiedade e injustiça,

pois fornece ao Estado um filho cujo nascimento secreto não foi colocado sob a

proteção das preces e sacrifícios que as sacerdotisas, os sacerdotes e toda a

cidade oferecerão para cada casamento, a fim de que de homens bons nasçam

filhos melhores, e de homens úteis, filhos ainda mais úteis; tal nascimento, ao

contrário será considerado fruto das trevas e da libertinagem.

Glauco — Está certo.

Sócrates — A mesma lei será aplicada àquele que, ainda na idade da formação, tocar numa mulher também nessa idade, sem que o magistrado os tenha unido.

Declararemos que um homem assim introduz na cidade um bastardo cujo

nascimento não foi nem autorizado, nem santificado. (PLATÃO, 2000, p. 244,

461a).

Podemos perceber que na República de Platão se expõe uma sociedade que possui

como modelo a “forma de pólis”, uma sociedade “científica” a mais justa, estável e feliz.

Nessa pólis duradoura apresentam-se o traço característico do totalitarismo: a modificação da

espécie humana.

Na classe dos guerreiros: o comunismo elimina totalmente a propriedade

privada, criando laços familiares entre todos os guerreiros. O objetivo desta

classe marcial é a vigiar o rebanho e vencer nas guerras.

A educação da criança da classe guerreira, a única a ser educada na pólis,

possui uma censura: determinada música, leitura, fala apropriada na classe sem

propriedade privada etc.

As leis do casamento procuram a eugenia, o controle genético, visando a

melhor classe guerreira.

Page 16: PLATÃO COMO ORIGEM DO  · PDF filedescreve e orienta para uma ... e qualquer pessoa seja ... correspondentes às três concepções ocidentais básicas de uma vida

75

REFERÊNCIAS

ARENDT, H. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

BOBBIO, N. Dicionário de Política. Brasília: UNB, 1994.

__________ Teoria geral da política, a filosofia política e a lição dos clássicos. Rio de

Janeiro: Campus, 2000.

PLATÃO. Diálogos: O banquete - Fédon- Sofista - Político. São Paulo: Abril Cultural,

1972.

________ A república ou sobre a justiça. Belém, EDUFPA, 2000. 3ª edição, tradução

Benedito Nunes.

POPPER, K. A sociedade aberta e seus inimigos. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987.