Pobreza Poltica - Pedro Demo

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POBREZA POLÍTICA (POBREZA HUMANA) Pedro Demo Pobreza política não é outra pobreza, mas o mesmo fenômeno considerado em sua complexidade não linear. A realidade social não se restringe à sua face empírica mensurável, mas inclui outras dimensões metodologicamente mais difíceis de reconstruir, mas, nem por isso, menos relevantes para a vida das sociedades e pessoas. Estamos habituados a ver pobreza como carência material, no plano do ter: é pobre quem não tem renda, emprego, habitação, alimentos, etc. Esta dimensão é crucial e não poderia, em momento algum, ser secundarizada. Mas a dinâmica da pobreza não se restringe à esfera material do ter. Avança na esfera do ser e, possivelmente, alcança aí intensidades ainda mais comprometedoras. Mais drástico do que não ter mínimos materiais para sobreviver é não ser nada na vida. O PNUD, desde o RDH de 1997, maneja o conceito de pobreza humana, para indicar – por mais incipiente que a discussão ainda seja – que, ao lado da pobreza material, existem outras dimensões importantes, sinalizadas na noção de pobreza humana. O aspecto mais desenvolvido até ao momento é o da democracia e regimes democráticos, mas espera-se que este conceito possa desdobrar-se em análises mais pertinentes da complexidade não linear da pobreza e tornar-se referência ainda mais explicativa desta realidade tão desafiadora hoje. Sugere-se que pobreza tem seu fulcro mais renitente na dinâmica política que a envolve, por mais que, à primeira vista, pareça reduzir-se a carências materiais já bem conhecidas nos estudos recorrentes. Cada vez mais se aceita que pobreza tem, por trás, o problema da desigualdade social, o que implica reconhecer que se trata substancialmente de dinâmica política. Ser desigual quer dizer várias coisas, mas o centro mais duro da questão estaria no confronto entre minorias que comandam a cena e maiorias que sustentam os privilégios dessas minorias. Este jargão é, em poucas palavras, o resumo mais consistente da história humana conhecida. Em sociedade não disputamos apenas bens materiais escassos. Disputamos talvez ainda mais poder, prestígio, vantagens, liderança, oportunidades, não só porque somos, biologicamente falando, “score keepers”, mas sobretudo porque historicamente falando nos organizamos em espaços dialéticos de poder. É por isso que muitos abandonam a pretensão de igualdade social, a não ser como utopia crítica negativa, preferindo a noção de igualitarismo. Aquela é exageradamente linear, como se fosse possível alinhar a todos em padrões reversíveis, enquanto este é mais realista, à medida que aceita a unidade de contrários: as pessoas querem ser, simultaneamente, iguais e diferentes. Carência material, em si, não implica necessariamente desigualdade, se for a mesma para todos. Quando há seca, temos carência de chuva, mas não necessariamente desigualdade, a menos que surja a “indústria da seca”, ou seja, a transformação política de

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Pobreza Poltica - Pedro Demo

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POBREZA POLTICA (POBREZA HUMANA)Pedro Demo Pobreza poltica no outra pobreza, mas o mesmo fenmeno considerado em sua complexidadenolinear.Arealidadesocialnoserestringesuafaceemprica mensurvel,mas inclui outrasdimensesmetodologicamente mais difceis de reconstruir, mas,nemporisso,menosrelevantesparaavidadassociedadesepessoas.Estamos habituados a ver pobreza como carncia material, no plano do ter: pobre quem no tem renda,emprego,habitao,alimentos,etc.Estadimensocrucialenopoderia,em momento algum, ser secundarizada. Mas a dinmica da pobreza no se restringe esfera materialdoter.Avanana esferado sere,possivelmente,alcana aintensidades ainda mais comprometedoras. Mais drstico do que no ter mnimos materiais para sobreviver nosernadanavida.OPNUD,desdeoRDHde1997,manejaoconceitodepobreza humana,paraindicar pormais incipiente queadiscusso ainda sejaque,ao ladoda pobreza material, existem outras dimenses importantes, sinalizadas na noo de pobreza humana.Oaspectomaisdesenvolvidoataomomentoodademocraciaeregimes democrticos,masespera-sequeesteconceitopossadesdobrar-seemanlisesmais pertinentesdacomplexidadenolineardapobrezaetornar-serefernciaaindamais explicativa desta realidade to desafiadora hoje.Sugere-sequepobrezatemseufulcromaisrenitentenadinmicapolticaquea envolve,pormaisque,primeiravista,pareareduzir-seacarnciasmateriaisjbem conhecidas nos estudos recorrentes. Cada vez mais se aceita que pobreza tem, por trs, o problema da desigualdade social, o que implica reconhecer que se trata substancialmente dedinmicapoltica.Serdesigualquerdizervriascoisas,masocentromaisduroda questoestarianoconfrontoentreminoriasquecomandamacenaemaioriasque sustentam os privilgios dessas minorias. Este jargo , em poucas palavras, o resumo mais consistentedahistriahumanaconhecida.Emsociedadenodisputamosapenasbens materiaisescassos.Disputamostalvezaindamaispoder,prestgio,vantagens,liderana, oportunidades,nosporquesomos,biologicamentefalando,scorekeepers,mas sobretudo porque historicamente falando nos organizamos em espaos dialticos de poder. por isso que muitos abandonam a pretenso de igualdade social, a no ser como utopia crtica negativa, preferindo a noo de igualitarismo. Aquela exageradamente linear, como se fosse possvel alinhar a todos em padres reversveis, enquanto este mais realista, medida que aceita a unidade de contrrios: as pessoas querem ser, simultaneamente, iguais e diferentes. Carncia material, em si, no implica necessariamente desigualdade, se for a mesma para todos. Quando h seca, temos carncia de chuva, mas no necessariamente desigualdade, a menos que surja a indstria da seca, ou seja, a transformao poltica de uma carncia material em fonte de privilgios para minorias. Para resolver este problema, sequer bastaria fazer chover, porque, mesmo havendo gua para todos, alguns saberiam tornarseuacessoumprivilgiosocial.Teramosquemudartambme,possivelmente, sobretudo,asrelaesdeacessoapoder.Assim,noexiste propriamente desigualdade econmica,porquebensmateriaisnosoagenteshistricosdesigualdadesomente afloraentreagenteshistricosquedisputampodereoutrasdimensescorrelatas,como prestgio, oportunidade, vantagens, liderana.Emeducao,PauloFreirecunhouotermopoliticidade,paradesignarquease trava confronto substancialmente poltico entre includos e excludos, no se restringindo a disputaacoisasmateriais,masimplicandoprincipalmenteahabilidadedeconduzircom autonomia seu prprio destino. Enquanto o oprimido esperar sua libertao do opressor, no ser o construtor e gestor de sua prpria vida, j que oprimido no apenas quem no tem bens materiais, principalmente quem no capaz de se governar. O oprimido no pode, assim,serapenasobjetodedistribuiodebensnacondiodesimplesbeneficirio, porque isto nodesfaz o nmaisdurodestadinmica:sermassade manobra.Porisso, todaestratgiadecombatepobrezasupequeopobresetornesujeitocrucialda alternativa. Enquanto for apenas objeto, est merc de foras polticas que no domina e, muitas vezes, sequer tem idia delas. O conceito de desenvolvimento como oportunidade j acena para esta dimenso e, no por acaso, o indicador primeiro educao. A guinada maisefetivadestaconceituaofoimudaraperspectivadeanliseparadimenses polticas,maisdoqueparadimensesmateriais.Aofundodadinmicadapobrezano existem apenas carncias, mas principalmente rugem confrontos desiguais entre minorias privilegiadasemaioriassubordinadas.Aceitando-seestapoliticidadedarealidadesocial, segue que as sociedades podero ser mais igualitrias, mas no propriamente iguais, o que, alis, sempre foi a pretenso das democracias: instaurar sociedades que sabem negociar as oportunidadesdentroderegrasdejogodeumEstadodedireito.Istosupequetoda democracia gerencia conflitos, no harmonias, mas os gerencia de maneira democrtica, ou seja,dentrodeperspectivasigualitrias.Igualdadedeoportunidades,nofundo,algo contraditrio,porquedesfaz-seanoodeoportunidadequesempreestimersaem expectativas de vantagens relativas. Talvez fosse mais realista, na histria conhecida, falar de igualitarismo de oportunidades: todos tm direito s mesmas chances, mas, mesmo que estas fossem as mesmas, os disputantes e suas condies sociais e pessoais nunca so os mesmos, do que segue que o resultado da disputa sempre diverso e tambm desigual. Isto tambm pode fundamentar o multiculturalismo, medida que se consagra tanto o direito a serigual,quantoaserdiferente.Otermoigualitriopoderiaenfeixarestaidia democrtica:asociedadenaqualaspessoaspodemser,aomesmotempo,iguaise diferentes.Evidentemente,trata-sedeobradamaisrefinadaarteconseguirestetipode negociao,quesupeaautoridadedoargumento,nuncaoargumentodeautoridade. Pode-se convencer sem vencer.Politicidade , entre as razes humanas, talvez a mais humana, porque sinaliza que a histriapodeserrelativamenteprpria,medidaqueforpossvelconquistarautonomia crescente. Nunca somos totalmente autnomos, porque nossa autonomia invariavelmente sechocacomaautonomiadosoutros,sendoesteumdostraosmaisrelevantesdesta complexidadenolinear.Oeurocentrismosemprepretendeuautonomiaexagerada, predatria, s custas da autonomia dos outros. Entretanto, possvel alargar a autonomia humana,pormaisdbiaquesejaestatrajetriahistrica,atravsprincipalmenteda capacidade de aprender e conhecer, ao lado de se organizar politicamente para construir e impor alternativas. Conhecemos principalmente a tecnologia como ttica de dominao da natureza, porque inegvel o quanto soubemos mudar as condies de vida em sociedade em to pequeno espao de tempo: h 40 mil anos habitvamos cavernas; hoje habitamos NovaYork.Aautonomiacresceuastronomicamente,masnopara desfrutedetodos.A estsuaambigidade,porqueestfundada,vastamente,nadinmicadoconhecimento disruptivo e nomenosambguo:quemsabepensar,geralmente noaprecia que outros tambmsaibampensar.A habilidadede mudar sempre foi disputada ferozmente, porque no esto em jogo propriamente a mudana, mas os privilgios da mudana. Saber pensar , possivelmente, o recurso mais escassoedisputado nahistriada humanidade e que determinou,maisqueoutrosfatores,asdesigualdadeshojepersistentesnoplaneta.Por isso,paracombaterapobreza,possivelmente,polticasocialdoconhecimentoser estratgia das mais agudas, porque principalmente neste patamar que se condicionam as oportunidades.Adimensomaterialnosetornasecundria,apenassetomaem considerao a dinmica das desigualdades em sua complexidade no linear. O lado mais alvissareiro desta noo que, tendo sido pobreza forjada na histria, o que histrico pode ser mudado. Mesmo que no possamos, tomando-se em conta a histria conhecida, fundar sociedadesiguais,podemosnegociarsociedadesigualitrias,democrticas,desdeque todos os seus membros possam participar da disputa por oportunidades dentro de regras de jogo que tomam o bem comum como fulcro central, no o mercado. Este essencial, mas meio.Pobreza poltica comea, geralmente, com a ignorncia. No se trata de ignorncia cultural, pois esta no existe, j que todos estamos includos em contextos de patrimnios culturais,possumoslnguaprpriaesaberescompartilhados.Trata-sedaignorncia historicamentecultivada,atravsdaqualsemantmgrandesmaioriascomomassade manobra,cujodestinoestlavradonasustentaodosprivilgiosdeminoriascadavez mais minoritrias. Assim, pobreza pode ser mais bem definida, no como apenas carncia material, mas como represso do acesso a oportunidades disponveis em cada sociedade. , pois, causada, mantida, cultivada historicamente, fazendo parte de legados passados e dinmicas presentes, atravs dos quais se manieta a populao na condio de objeto de manipulao poltica. Politicamente pobre o escravo que se vangloria da riqueza de seu patro, no atinando que esta riqueza lhe devida, pelo menos em parte; o oprimido que espera sua libertao do opressor; o ser humano reduzido a objeto e que mendiga direitos; quemfazahistriadooutro,ariquezadooutro,osprivilgiosdooutroe,comisso, coibidodehistriaprpria.Nosdestitudodeter,principalmentedestitudodeser, ainda que no seja o caso interpor qualquer dicotomia entre ter e ser. Presume-se, porm, que a esferadoser mais profunda e comprometedora, donde segue que o conceito de pobreza poltica certamente mais explicativo desta complexidade. O contrrio de pobreza poltica qualidade poltica, designando em especial a dinmica da cidadania individual e sobretudocoletiva.Entende-seacapacidadedeconstruirconscinciacrticahistrica, organizar-se politicamente de modo a emergir sujeito capaz de histria prpria, e arquitetar e impor projeto alternativo de sociedade. Esses trs passos nutrem-se, em grande parte, da habilidadedesaberpensar,compreendidotantocomocapacidadecrtica,quantocomo capacidade prtica: conceber e realizar alternativas e oportunidades. Mas, para a construo de adequada qualidade poltica existem outras dimenses fundamentais, ao lado do papel da educao e do associativismo, como acesso informao, comunicao social, cultivo deidentidadeseoportunidadesculturaisedeesferapblicadediscussoenegociao democrtica, sem falar no papel do Estado, no como promotor e menos ainda condutor da cidadania, mas como instncia delegada de servio pblico, cuja qualidade depende, antes detudo,docontroledemocrtico.Asociedadequeminimamentecapazdecontrole democrtico pode privilegiar o bem comum acima do mercado e do Estado. Este foi tambm ofeitomaiornoinciodowelfarestate,apardoboomeconmicoprovocadopelo Plano Marshall, quando foi relativamente possvel, em particular pela organizao sindical efetiva e ampla dos trabalhadores, colocar Estado e em particular mercado como meios, no como fins da sociedade.Para definir mais concretamente pobreza poltica, destacam-se algumas dimenses mais proeminentes:a)quempoliticamentepobrenosabequepobreecoibidodesaberque pobre;estsubmetidoaprocessohistricodeignornciacultivadaequetemcomo resultadomaispalpvelumapopulaoimbecilizada,marginalizadaemanipulada;a populaonoimbecil,masimbecilizada,geralmenteatravsdepolticassociais assistencialistas que conseguem, em troca de migalhas materiais, comprar a adeso poltica do pobre; surge a o fenmeno esdrxulo de minorias majoritrias, quando se definem como minoria populaes como negros, mulheres e outros; esta condio de ignorncia permite polticas pobres para os pobres, bem como aceitao de rendas mnimas quase invisveis, sem falar na tendncia de esperar a libertao do prprio algoz; esta ignorncia cultivada devriasmaneiras,desdeaopressodoprofessorbsicoemsistemaseducacionais corruptoseineficientes,passandopelafaltadeinformaoecomunicao,restriese manipulaes do associativismo, at destruio de identidades culturais;b)quempoliticamentepobremassademanobra,objetodemanipulao;isto reflete a tendncia histrica de minorias privilegiadas conseguirem colocar grandes maiorias a servio deprivilgios concentrados,porvezes sob o sarcasmo dos direitos adquiridos; no raro o pobre v a concentrao de riqueza como mrito, sabedoria, superioridade, sem atinar para a parte que lhe deveria tocar, por conta de seu trabalho; a condio de massa de manobra faculta o surgimento e manuteno de famlias reais na esfera poltica, medida que tendencialmente os mesmos se elegem e reelegem, comandam presente, passado e futurodasociedade,reveliadeprocessospretensamentedemocrticosdeacessoao poder;facultatambmilhasdafantasiaemtermosdecondiesdetrabalhoeacesso oramentrio,comosooscasosnotriosdasremuneraesdedeputados,senadores, juzes e seus funcionrios elevados; faculta a corrupo generalizada dos recursos pblicos, porque torna-seimpraticvelmnimo controledemocrtico debaixo para cima; faculta que polticavire,vastamente,politicagem,comousonamaioriadassociedadesem desenvolvimento;c) quem politicamente pobre no cidado, porque no se organiza politicamente parapoder impor mudanas; primeiro, no constri conscincia crtica adequada, porque, em geral, no sabe pensar; segundo, no chega a perceber a importncia do associativismo, parapotencializarasforaseconseguirvolumedepresso;terceiro,noconcebe,nem impealternativas,porqueaindanoseconstituiusujeitocapazdehistriaprpria;tal condiolevaooprimidoaesperaralibertaodoopressoroupelomenosaesperara soluo de um bom prncipe, que v como salvador da ptria; trabalha para os outros, sem contarcomosfrutosdeseutrabalho;sustentaprivilgiosalheios,semcapacidadede reivindicarosmesmosdireitos;odficitdecidadaniaespelha-sefacilmenteempolticas sociaisdecimaparabaixo,detendnciaavassaladoramenteassistencialista,reservando para os pobres sobras oramentrias, enquanto se cuida assdua e subservientemente do mercado;meiosviramfinsefinsvirammeios,porqueonocidado,porfaltadesaber pensar, literalmente pensado por outros;d) quem politicamente pobre massacrado como sujeito, restando-lhe a condio deobjeto,porvezescomomaioriaresidual; comparece assimamaiorindignidade social imaginvel, quando no se permite que as sociedades e pessoas tenham histria prpria, disputem oportunidades, organizem-se como sujeitos; a incluso se d na margem, dentro doprocessodialticodanecessidadedetantospobresparatopoucosricos;opobre emergecomobeneficirioapenas,naartimanhaclssicadeinduzirqueeleaceiteser cuidado peloEstadoegovernos, e mesmo pelaelite;fazparte desta mesma artimanha manipularestatsticasdetalsortequeonmerodepobresesobretudosuacondio marginalizada sejam escamoteados, colocar Estado e governos como patronos da cidadania popular, em particular colocar a elite econmica e poltica como garante da equidade, brincar de transferncia de renda, como se renda estivesse alegremente disponvel, oferecer coisa pobre para o pobre, formular polticas sociais que se destinam acima de tudo a domesticar os pobres; como resultado, o pobre agradece e vota, no mais escancarado po e circo;e) quem pobre politicamente no descobre e tem direitos, porque continua esmoler; porvezes,estacondiotodrstica,queopobreparecepedirpermissoparater direitos,poisconsideranaturalsuaexclusoeatmesmo,porrazesreligiosastortas, merecida;tendeaverpobrezacomosina,destino,vontadedeDeus,ordemnaturaldas coisas; facilmente se resigna, mostrando docilidade histrica assustadora; tem a histria do outro,nelasobreviveeporvezesparasita,semchancedehistriaprpria;por fora dos meios de comunicao, freqente que o pobre tenha escutado sobre direitos e ouvido de politiqueiros usuais, mas no sabe de que se trata efetivamente, sobretudo aguarda que os direitos lhe sejam doados; no constri a noo essencial de que sua libertao s pode ser obra sua, embora isto no descarte outras estratgias, nas quais se inclui o papel do Estado democrticoemprimeirolugar;opobrenoreivindica,pressiona,tomainiciativa,mas esperaquetudoseresolvadecimaparabaixo,caindonaarmadilhamaisindignada sociedade: imbecilizar o marginalizado a ponto de o convencer que seu lugar na margem;f)quempoliticamentepobrevivedecidadaniatutelada,nomximoassistida; cidadania tutelada , em si, sua prpria negao, quando o pobre se submete tutela de elitesqueconservamsuapropensoescravocrataquaseintactanahistria;cidadania assistidapoderepresentarganhohistricodecausa,porqueassistnciapolticasocial necessriaparaenfrentarriscosdesobrevivncia;mas,aorestringir-seaestegesto assistencial,torna-se assistencialista, porque obliteraas expectativasde auto-sustentao (insero no mercado) e autogesto (cidadania); resultado principal deste processo histrico detutelaeassistnciaorefreamentodocontroledemocrticoe,emparticular,o escamoteamentodoconfrontosocial,indispensvel parase combaterapobreza poltica; enquanto Estado e mercado no so controlados, subsiste impvida a sempre mesma elite, com ares de mrito histrico intocvel.Embora seja visvel a recenticidade e incipincia desta discusso, cabe assinalar que poderia desvendar horizontes mais promissores de enfrentamento da pobreza. Em primeiro lugar, torna-se claro que, para enfrentar a pobreza, mister acertar seu fulcro poltico e isto querdizer,semtirarnempor,quenopossvelfugirdoconfronto.Este termoparece excessivamente agressivo, mas quer apenas denotar sua dialtica intrnseca poltica. Se o pobre no souber confrontar-se, entra no cenrio como massa de manobra e disto no sai mais. Confrontar-se a habilidade da cidadania democrtica, feita dentro de regras de jogo do Estado de direito, mas plantada na capacidade do pobre de fazer histria prpria. No se combate a pobreza sem o pobre no comando deste processo. Em segundo lugar, no basta distribuir,imprescindvelredistribuirrenda,tocandodecisivamentenoespectrodas desigualdadesvigentes.Ospobres no so pobres apenas porque produzem pouco, so desqualificados,heterogneos,masprincipalmenteporquesodesiguais,ouseja, espoliados,marginalizados,imbecilizados.precisotocarnestachagaevirarosentido histrico do acesso s oportunidades. Redistribuir renda implica necessariamente retirar de quemtemdemais,equalizaroportunidades,privilegiarosdesprivilegiados,oquecoloca outrosentidoaodebatesobrefocalizaodaspolticassociais.Quandofeitadecima,a focalizao acaba em coisa pobre para o pobre, inapelavelmente. Quando o pobre figura central e comanda a focalizao, pode ter como resultado iniciativas redistributivas de renda e poder.Sobreestepanodefundo,ocombatepobrezapoderiaserorganizadoemtrs dimenses hierrquicas e essenciais: a)primeiro,misterhaver assistncia social,porqueodireito sobrevivncia um direito radical; sem ele, no h nada depois; todavia, o mais imediato nem sempre mais importante;b) segundo, mister haver insero no mercado, para que o pobre se auto-sustente, ande com pernas prprias, tenha projeto de vida; c)terceiro,misterhavercidadania,paraqueopobreassumaseudestinocom devida autonomia.Todos os trs componentes so essenciais, mas h uma hierarquia entre eles: o mais decisivoacidadania,seguindo-seainseronomercado,e,porfim,assistncia.No cenrioatual,polticasocialtendeareduzir-seaassistncia,setanto.Estacapitulao perante o neoliberalismo est na raiz da incapacidade de confronto.