PODER JUDICIÁRIO - TRF5 · pornográficos envolvendo crianças e adolescentes em computador e...

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO ACR Nº 12762 - PE (0005437-84.2014.4.05.8300) APTE : JOSIAS JOSÉ DA SILVA réu preso REPTE : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO APDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ORIGEM : JUÍZO FEDERAL DA 13ª VARA PE (JUIZ FEDERAL SENTENCIANTE DR. CÉSAR ARTHUR CAVALCANTI DE CARVALHO) RELATOR: DES. FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO EMENTA PENAL E PROCESSUAL PENAL. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. AFASTAMENTO. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. NÃO APLICAÇÃO. AMEAÇA (ART. 147 DO CP). ESTUPRO DE VULNERÁVEL (ART. 217-A DO CP). PORNOGRAFIA INFANTIL (ARTS. 240, 241-A E 241-B, DA LEI Nº 8.069/90). AUTORIA E MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. AJUSTE. DESNECESSIDADE. 1. Apelação criminal interposta contra sentença que julgou procedente a denúncia, condenando o réu pela prática dos crimes previstos nos arts. 147 e 217-A do Código Penal e nos arts. 240, 241-A e 241-B, da Lei nº 8.069/90. 2. Dentre os crimes imputados ao réu, constata-se que aquele descrito no art. 241-A da Lei nº 8.069/90 é suficiente para atrair a competência da Justiça Federal para apreciar o caso em tela, tendo em vista que imagens pornográficas envolvendo uma das vítimas atravessou as fronteiras do território brasileiro, sendo descobertas pelo FBI - Federal Bureau of Investigation, nos Estados Unidos da América, quando investigava caso de pornografia infantil naquele país. 3. Lado outro, nos termos da Súmula nº 122/STJ, "compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, ii, "a", do Codigo de Processo Penal". 4. Inocorrência de bis in idem, pois o fato ilícito apurado na ação criminal nº 0187143-22.2012.8.17.0001, que tramita perante a 2ª Vara de Crimes contra a Criança e o Adolescente do Recife/PE, diz respeito ao crime de estupro praticado pelo acusado contra a criança J. S. S. no dia 07/11/2011, enquanto as condutas que lhes foram imputadas neste feito (estupros e outros crimes) foram cometidas em datas e local diferentes do delito objeto daquela actio.

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GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO

ACR Nº 12762 - PE (0005437-84.2014.4.05.8300)APTE : JOSIAS JOSÉ DA SILVA réu presoREPTE : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃOAPDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALORIGEM : JUÍZO FEDERAL DA 13ª VARA – PE (JUIZ FEDERALSENTENCIANTE DR. CÉSAR ARTHUR CAVALCANTI DE CARVALHO)RELATOR: DES. FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. INCOMPETÊNCIA DAJUSTIÇA FEDERAL. AFASTAMENTO. BIS IN IDEM.INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. NÃOAPLICAÇÃO. AMEAÇA (ART. 147 DO CP). ESTUPRO DEVULNERÁVEL (ART. 217-A DO CP). PORNOGRAFIAINFANTIL (ARTS. 240, 241-A E 241-B, DA LEI Nº 8.069/90).AUTORIA E MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO.DOSIMETRIA DA PENA. AJUSTE. DESNECESSIDADE.1. Apelação criminal interposta contra sentença que julgouprocedente a denúncia, condenando o réu pela prática dos crimesprevistos nos arts. 147 e 217-A do Código Penal e nos arts. 240,241-A e 241-B, da Lei nº 8.069/90.2. Dentre os crimes imputados ao réu, constata-se que aqueledescrito no art. 241-A da Lei nº 8.069/90 é suficiente para atraira competência da Justiça Federal para apreciar o caso em tela,tendo em vista que imagens pornográficas envolvendo uma dasvítimas atravessou as fronteiras do território brasileiro, sendodescobertas pelo FBI - Federal Bureau of Investigation, nosEstados Unidos da América, quando investigava caso depornografia infantil naquele país.3. Lado outro, nos termos da Súmula nº 122/STJ, "compete àJustiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimesconexos de competência federal e estadual, não se aplicando aregra do art. 78, ii, "a", do Codigo de Processo Penal".4. Inocorrência de bis in idem, pois o fato ilícito apurado na açãocriminal nº 0187143-22.2012.8.17.0001, que tramita perante a 2ªVara de Crimes contra a Criança e o Adolescente do Recife/PE,diz respeito ao crime de estupro praticado pelo acusado contra acriança J. S. S. no dia 07/11/2011, enquanto as condutas quelhes foram imputadas neste feito (estupros e outros crimes)foram cometidas em datas e local diferentes do delito objetodaquela actio.

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5. Não configurada hipótese de aplicação do princípio daconsunção ao caso em questão, afasta-se a alegação de absorçãodo crime de ameaça pelo delito de estupro, bem como a absorçãodos delitos previstos nos arts. 240 e 241-B da Lei nº 8.069/90pela infração descrita no art. 241-A da mesma Lei.6. Pratica o delito do art. 147 do CP o agente que ameaça acriança vítima de estupro anteriormente contra ela cometido, noafã de assegurar a sua impunidade.7. Acusado que estupra duas crianças, de 03 e 04 anos de idade,e fotografa os atos libidinosos com elas praticados, deveresponder pelos crimes previstos nos arts. 217-A do CP (estuprode vulnerável) e art. 240 do Estatuto da Criança e doAdolescente, respectivamente.8. Comete o crime descrito no art. 241-A do ECA o agente queoferece, troca, disponibiliza, transmite, distribui, publica oudivulga por qualquer meio, inclusive por meio de sistema deinformática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registroque contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendocriança ou adolescente.9. O ato de armazenar milhares de imagens e vídeospornográficos envolvendo crianças e adolescentes emcomputador e mídia digital configura o delito tipificado no art.241-B da Lei nº 8.069/90.10. Demonstradas a materialidade e a autoria dos crimesimputados ao réu, há de ser mantida a sua condenação nas penasrespectivas, em concurso material, não merecendo qualquerajuste a dosimetria das referidas sanções, já que o magistradosopesou de maneira adequada as circunstâncias judiciais do art.59 do CP, inclusive no tocante à pena de multa arbitrada, em querestou observada a condição econômica do réu quando da suafixação.11. Preliminares rejeitadas. Apelação desprovida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que figuram comopartes as acima identificadas,

DECIDE a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ªRegião, por unanimidade, rejeitar as preliminares e, no mérito, negar provimento àapelação, nos termos do Relatório, do Voto do Relator e das Notas Taquigráficasconstantes dos autos, que passam a integrar o presente julgado.

Recife, 27 de agosto de 2015 (data de julgamento).

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PAULO MACHADO CORDEIRODesembargador Federal Relator

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RELATÓRIO

DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADOCORDEIRO (RELATOR):

Trata-se de apelação criminal interposta por JOSIAS JOSÉ DASILVA (réu preso) contra sentença que condenou o réu pelo cometimento dos delitosprevistos nos arts. 147 e 217-A do Código Penal, bem como pelos crimes capituladosnos arts. 240, §2º, II, 241-A e 241-B, todos do Estatuto da Criança e do Adolescente, àsseguintes penas:

a) ameaça: 06 meses de detenção;

b) estupro de vulnerável: 14 anos de reclusão, para cada umdos dois estupros;

c) art. 240 da Lei n 8.069/90: 09 anos e 04 meses de reclusão,para cada um dos dois crimes cometidos, e 150 dias-multa, para cada delito;

d) art. 241-A da Lei nº 8.069/90: 05 anos de reclusão e 100dias-multa;

e) art. 241-B da Lei nº 8.069/90: 03 anos de reclusão e 80dias-multa.

Em face do concurso material, a pena final fixada chegou a 55anos e 02 meses de prisão, a ser cumprida inicialmente em regime fechado (art. 33, §2º,"a", do CP), ao passo que a pena de multa total alcançou 16 salários mínimos, vigentesà época da consumação do delito.

No apelo, o réu alega, em síntese, que é da Justiça Estadual acompetência para processar e julgar o feito ou, subsidiariamente, da Justiça Federal,apenas quanto ao tipo penal do art. 241-A da Lei nº 8.069/90, no tocante a uma dasvítimas, inexistindo elemento que configure essa competência no que diz respeito aosdemais delitos supostamente cometidos contra a outra vítima.

Defende a ocorrência de bis in idem, já que os fatos ilícitosnarrados na denúncia são os mesmos apurados na ação penal nº 0187243-22.2012.8.17.000, com trâmite na 2º Vara de Crimes contra a Criança e o Adolescente.

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Afirma, em seguida, ser necessária a aplicação do princípio daconsunção, pois a suposta ameaça por ele cometida teria sido absorvida pelo delito deestupro de vulnerável, enquanto os delitos previstos nos arts. 240 e 241-B do ECAteriam sido absorvidos pelo crime do art. 241-A do mesmo Diploma Legal.

Pugna, ainda: a) pela sua absolvição em relação ao crime deameaça, sustentando não haver provas da sua prática; b) fixação da pena-base dos delitosno mínimo legal, por lhes serem favoráveis as circunstâncias judiciais a que alude o art.59 do CP; c) pela aplicação da atenuante prevista no art. 65, III, "d", do CP (confissãoespontânea); d) redução do valor da pena de multa, para ser ajustada à sua situaçãoeconômica.

Contrarrazões.

Oficiando como custos legis, nesta Instância, o ilustrerepresentante do Parquet ofertou parecer, em que opinou pelo desprovimento do apelo.

É o relatório. Ao Revisor.

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VOTO

DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADOCORDEIRO (RELATOR):

Trata-se de apelação criminal interposta contra sentença quecondenou o réu (JOSIAS JOSÉ DA SILVA) à pena definitiva de 55 anos e 02 meses deprisão, a ser cumprida inicialmente em regime fechado, e ao pagamento total de 16salários mínimos, pela prática, em concurso material, dos crimes previstos nos arts. 147 e217-A do Código Penal, bem como dos delitos capitulados nos arts. 240, §2º, II, 241-Ae 241-B, do Estatuto da Criança e do Adolescente, in verbis:

Código Penal

Ameaça

Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outromeio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Estupro de vulnerável (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso commenor de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.(Incluído pela Lei nº 12.015,de 2009)

Estatuto da Criança e do Adolescente

Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, porqualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criançaou adolescente:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

(...)

§ 2o Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o agente comete o crime: (...)

II – prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou dehospitalidade ou; (...)

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Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicarou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informáticaou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexoexplícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia,vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito oupornográfica envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

A princípio, há de ser feita uma rápida retrospectiva dos fatosnarrados na denúncia, na qual consta que o apelante concorreu para a prática dos crimesem questão.

Em imóvel situado à rua Canafé, na comunidade Chão deEstrelas, bairro Campina do Barreto, em Recife/PE, em datas incertas, mas situadas entreos meses de agosto de 2010 e julho de 2011, JOSIAS JOSÉ DA SILVA, com vontadelivre e consciente, praticou diversos atos libidinosos com JULLYEMILE DOS SANTOSSILVA e GRAZIELLY DE SOUZA LIMA, que contavam, à época, com 03 e 04 anosde idade, respectivamente, além de ter fotografado as cenas pornográficasprotagonizadas com essas crianças, publicado, disponibilizado e divulgado as imagenspela rede mundial de computadores, pelo menos, em relação às cenas envolvendoJULLYEMILE.

Diz a denúncia que o réu mantinha estreita amizade com diversasfamílias que moravam no citado logradouro, inclusive, por atuar como fotógrafo nasfestas de aniversário realizadas na comunidade, tendo-se valido do fato de possuir duassobrinhas menores de idade para atrair, em datas distintas e separadamente, as vítimas aoimóvel mencionado, sob o pretexto de que elas participariam de uma brincadeira demodelo, na qual ele seria o responsável por tirar as fotos, praticando, na ocasião, atoslibidinosos com ambas as crianças.

Consta da inicial acusatória, ainda, que o réu ameaçouGRAZIELLY de agredi-la e matá-la, se ela contasse para alguém o que ele havia feitocom ela, bem como que, em 18/06/2014, em cumprimento ao mandado de busca eapreensão, o apelante foi flagrado, em sua residência, em Passira/PE, armazenando emseu computador mais de duas mil imagens e seiscentos vídeos pornográficos e de sexoexplícito envolvendo crianças e adolescentes, o que deu ensejo a sua prisão em flagrante.

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Feito esse breve relato, passo ao exame das preliminaressuscitadas pelo réu.

A alegação de que a competência para processar e julgar o feitoseria da Justiça Estadual merece ser rechaçada.

Com efeito, dentre os crimes imputados ao réu, constata-se queaquele descrito no art. 241-A da Lei nº 8.069/90 é suficiente para atrair a competênciada Justiça Federal para apreciar o caso em tela, tendo em vista que imagenspornográficas envolvendo uma das vítimas (JULLYEMILE DOS SANTOS SILVA)atravessou as fronteiras do território brasileiro, sendo descobertas pelo FBI - FederalBureau of Investigation, nos Estados Unidos da América, quando investigava caso depornografia infantil naquele país. É o que se pode verificar, a propósito, das peças doinquérito policial em apenso, às fls. 04/59.

Não bastasse o fato de que as imagens foram divulgadas nainternet e ficaram acessíveis em qualquer ponto do mundo (tanto que foram descobertaspela polícia federal americana, conforme dito acima), impende consignar que aConvenção sobre os Direitos da Criança foi incorporada à legislação brasileira peloDecreto Legislativo nº 28/90 e Decreto nº 99.710/90, sendo certo que o Brasil é adeptodo Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança referente à venda decrianças, à prostituição e à pornografia infantil (Decreto Legislativo nº 230/03 e Decretonº 5007/04).

Embora os demais delitos atribuídos ao apelante (arts. 147 e217-A do CP e arts. 240 e 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente), a rigor,sejam de competência da Justiça Estadual, não se pode deixar de levar em consideraçãoque a conexão probatória existente entre eles e aquele previsto no art. 241-A do ECAexige o julgamento conjunto.

O argumento sustentado pela defesa, no sentido de que não hánenhum elemento que configure a competência da JF para apurar os supostos delitospraticados contra GRAZIELLY DE SOUZA LIMA, igualmente, encontra óbice naconexão, eis que os crimes teriam sido cometidos no mesmo contexto fático e o conjuntoprobatório para demonstrá-los seria o mesmo utilizado para provar as condutas ilícitascometidas contra JULLYEMILE.

E outro não poderia ser o entendimento aqui esposado, diante doque dispõe a Súmula nº 122 do Superior Tribunal de Justiça:

COMPETE A JUSTIÇA FEDERAL O PROCESSO E JULGAMENTO UNIFICADODOS CRIMES CONEXOS DE COMPETENCIA FEDERAL E ESTADUAL, NÃO

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SE APLICANDO A REGRA DO ART. 78, II, "A", DO CODIGO DE PROCESSOPENAL.

Indubitável, portanto, ser competente a Justiça Federal paraapreciar o presente feito.

A defesa do réu sustenta, ainda em preliminar, a ocorrência debis in idem, afirmando que ele está sendo processado pelos mesmos fatos perante a 2ªVara de Crimes contra a Criança e o Adolescente do Recife/PE (ação penal nº 0187143-22.2012.8.17.0001).

Sem razão o apelante. O fato ilícito apurado na referida açãocriminal diz respeito ao crime de estupro praticado contra a Jullyemile dos Santos Silvano dia 07/11/2011, enquanto as condutas que lhes foram imputadas neste feito (estuprose outros crimes) foram cometidas em datas e local diferentes.

Outrossim, não merece prosperar o argumento de que deve seraplicado o princípio da consunção ao caso em tela, pois se depreende dos autos que ointuito do réu, segundo a denúncia, ao ameaçar a vítima Grazielly, foi o de assegurar aimpunibilidade do crime de estupro contra ela anteriormente praticado, intimidando-a,sendo autônomo em relação àquele.

Quanto aos delitos do Estatuto da Criança e do Adolescente,impende destacar os argumentos lançados na sentença, utilizados para rechaçar a tese deaplicação do princípio da consunção (fl. 203):

(...) Por primeiro, destaco que o crime do art. 241-B do ECA foi cometidoem 18/06/14, sendo descoberto apenas no momento da busca e apreensãorealizada pela Polícia Federal com autorização judicial. Esse delito refere-seaos milhares de vídeos e fotos encontrados com o denunciado, não seconfundindo com as imagens das crianças Jullyemile e Grazielly.

Em relação aos dois delitos do art. 240 do ECA, foram decorrentes das fotosdos atos libidinosos praticados contra as menores. Ressalte-se que o bemjurídico protegido por essa tipificação é totalmente distinto dos demais, nãosendo fase essencial da conduta do réu para a divulgação da pornografiainfantil.

Por fim, a tipificação do art. 241-A do ECA aplica-se pela divulgação dasfotos de Jullyemile e de outras imagens de pornografia infantil, ou seja,conduta totalmente diferente, praticada em momento distinto e compropósito próprio. (...)

Superadas essas questões, passo ao exame do mérito.

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1 - Estupro de vulnerável (Jullyemile e Grazielly) - art. 217-A do CP:

A materialidade da infração restou cabalmante comprovada apartir das fotografias acostadas ao Inquérito Policial em apenso (fls. 61, 135, 181 eCD's), nas quais se verifica a prática dos atos libidinosos com as duas crianças, bemcomo pelos depoimentos dos informantes Joseane (mãe de Jullyemile - fls. 162/163/IPLe CD de fl. 128), Gláucia e Anderson (mãe e padrato de Grazielly - fls. 179/180, 187 e188 do IPL e CD de fl. 128), através dos quais foi esclarecida a forma como os abusossexuais eram praticados.

Nesse particular, restou comprovado nos autos que o apelanteatraía as vítimas para uma casa em construção, onde praticava os atos libidinosos, sob opretexto de que iria fotografá-las como se fossem modelos mirins, utilizando-se, apropósito, da sua condição de fotógrafo de festas infantis realizadas na comunidade ondevivia e da circunstância de ter a confiança e amizade de diversas famílias que ali residiam,inclusive das famílias das citadas menores.

A autoria, por sua vez, racai, inegavelmente, sobre o réu, que,tanto perante a autoridade policial quanto em juízo, confessou o cometimento do ilícitocontra ambas as crianças.

Destaque-se, ainda no que diz respeito à autoria, que a vítimaGrazielly relatou a profissional habilitado como o estupro aconteceu (v. fls. 192/194 doIPL).

2 - Ameaça - art. 147 do CP:

A defesa do réu insiste na sua absolviação quanto a esse delito,argumentando que não haveria provas do seu cometimento.

Entendo, todavia, que o crime em questão restou, sim, praticadocontra Grazielly de Souza Lima.

Apesar de tal infração de não deixar vestígios materiais, pelaspróprias circunstâncias em que praticado, já que presentes apenas a vítima e o acusado,as declarações da vítima mostram-se bastante para demonstrar a sua configuração, pelacoerência com que foram relatadas, tendo a criança afirmado, às fls. 192/194 do IPL,que "ele tinha 'um bocado de peixeira' (faca) e por isso não contou a mãe, pois ele diziaque ia matá-la, caso contasse".

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Vale ressaltar que a criança relatou dita ameaça aos seus pais,conforme se extrai dos depoimentos por eles prestados em juízo, constante de mídiadigital acostada à fl. 128.

A sentença, com bastante lucidez, registra que "exigir provamaior do que a apresentada é a certeza da impunidade, tendo em vista a totalimpossibilidade de produção", lembrando, por sinal, que a jurisprudência pátria tem oentendimento segundo o qual, em relação aos crimes sexuais, tem especial relevância apalavra da vítima, exatamente porque esses tipos de crime são cometidos naclandestinidade.

Configurado, pois, o crime de ameaça.

3 - Art. 240 da Lei nº 8.069/90:

A materialidade do crime em tela restou devidamentedemonstrada através das fotografias acostadas aos autos, as quais não deixam margens àdúvida acerca da prática dos atos pornográficos com as menores, conforme se verifica àsfls. 61, 135, 181 do inquérito policial e das mídias digitais juntadas ao processo.

O acusado, por seu turno, não hesitou em confessar, tanto naseara policial quanto em juízo, que fotografou os estupros cometidos contra Grazielly eJullyemile.

No tocante a esse delito, vale lembrar que incide, na hipótese, acausa de aumento prevista no §2º, por ocasião da dosimetria da pena, referente àhospitabilidade dos genitores da criança de que se valeu o réu, para praticá-lo,decorrente da amizade e do convívio com as pessoas residentes na comunidade onderesidia.

4 - Art. 241-A da Lei nº 8.069/90:

No que diz respeito à divulgação das imagens pornográficas, nãohá dúvida de que restaram comprovadas a materialidade delitiva e a autoria.

Com efeito, os documentos de fls. 04/59 do inquérito policialapontam para a certeza de que as cenas pornográficas envolvendo crianças, inclusive amenor Jullyemile, foram lançadas na rede mundial de computadores, sendo descobertas,inicialmente, pela polícia federal americana (FBI), que comunicou a Polícia Federal noBrasil e, a partir daí, a investigação no território brasileiro foi deflagrada.

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A despeito disso, impende salientar que os laudos de fls. 196/206do IPL e de fls. 98/113 destes autos são enfáticos na comprovação da divulgação dasimagens pela internet.

Ademais, o próprio réu, no interrogatório judicial, admitiu queutilizou programas de compartilhamento de dados e a disponibilização das imagens,usando o programa "emule".

5 - Art. 241-B da Lei nº 8.069/90:

Quanto ao crime em comento, insta ressaltar que diz respeito àsimagens (cerca de 17.000) e vídeos (em torno de 600) que estavam armazenadas nocomputador do acusado e que foram objeto de apreensão pela Polícia Federal, quandodo cumprimento do mandado de busca e apreensão expedido pela autoridade judicial, em18/06/2014, na sua residência em Passira/PE.

A materialidade e a autoria desse delito estão concretizadas pelainformação de fls. 09/11 do IPL, pelo depoimento dos policiais federais que realizaram abusca e apreensão (CD de fl. 128) e pela própria confissão do acusado.

Destarte, restando plenamente comprovados os delitospraticados pelo réu, passo à análise da dosimetria da pena.

Nesse aspecto, observo que as circunstâncias do art. 59 do CPforam avaliadas de forma adequada, à vista da indicação concreta de elemento queservisse para fixar a sanção acima do mínimo legal, em relação a cada um dos delitoscometidos pelo denunciado.

Realce-se que o referido dispositivo traz em seu bojo oitocircunstâncias que devem ser reconhecidas e sopesadas pelo julgador quando da fixaçãoda pena-base, a saber: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade doagente, motivos, circunstâncias e consequências do crime, bem como comportamento davítima, todas elas mencionadas no recurso ora analisado.

A culpabilidade é circunstância relacionada ao grau dereprovabilidade da conduta, devendo ser levado em conta tanto as condições sociais doagente quanto a situação de fato que ensejou a prática do delito.

In casu, penso que o juízo de reprovação das condutaspraticadas pelo réu é intenso, porque ele, livre e espontaneamente, estuprou duascrianças que, à época, contavam com 03 e 04 anos de idade. Como se isso não bastasse,ameaçou uma delas para que não contasse a ninguém acerca da violência sofrida e

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fotografou os abusos, além de ter armazenado no seu computador e compartilhado, pelainternet, milhares de imagens e vídeos contendo pornografia infantil e com adolescentes.

No que concerne à personalidade do agente, para se valorarnegativamente essa circunstância, deve existir um elemento concreto capaz de levar ojulgador a identificar o perfil moral do criminoso, de modo a concluir pela suaagressividade, insensibilidade acentuada, maldade, ambição, desonestidade e aperversidade demonstrada e utilizada pelo criminoso na consecução do delito, o que severificou nos autos, já que o conjunto probatório indica ser o réu uma pessoa "articulada,ardilosa, dissimulada, com valores e instintos obscuros e perversos, dignos de severorechaço" (sentença - fl. 212).

Em relação aos motivos dos crimes, de acordo com o que restouconsignado na sentença (fl. 212), a intenção do réu foi de "satisfazer desejos sórdidos,obscuros, perversos e altamente reprováveis, ainda que ao alvedrio da lei e da moral quenorteiam a sociedade".

No que toca às consequências decorrentes dos delitos, impõeregistrar aquelas referentes à falta de controle sobre as imagens e vídeos divulgados narede mundial de computadores, diante da dificuldade, ou, quem sabe, da completaimpossibilidade de retirá-los da internet, e dos embaraços sociais provocados por essadivulgação, não se podendo olvidar, também, dos graves danos psicológicos advindos àsvítimas, relatados por seus genitores.

As circunstâncias das infrações, por sua vez, podem ser assimelencadas: "facilidade de divulgação das imagens, que fora feita mediante a rede mundialde computadores; o número elevado de potenciais acessos e destinatários; a simulaçãoda atividade profissional; (...) a utilização de outras crianças para atrair vítimas (...)",consoante destacado na sentença.

A conduta social do réu também merece ser valoradanegativamente, pois o simples fato de abusar sexualmente de crianças de tenra idade jádemonstra o seu completo desprezo pela sociedade como um todo e, em especial, pelaspessoas com quem convivia.

O comportamento das vítimas em nada influenciou na prática doscrimes cometidos pelo réu.

Por fim, quanto aos antecedentes criminais, vale ressaltar que talcircunstância não deve ser valorada de forma negativa, já que ausentes informaçõesacerca de condenações com trânsito em julgado em seu desfavor.

Devidamente justificadas as circunstâncias sopesadas de formadesfavorável ao apelante, mostra-se perfeitamente possível a fixação das penas dos

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crimes por ele cometidos acima do mínimo legal: a) art. 147 do CP (05 meses dedetenção); b) art. 217-A do CP (14 anos e 06 meses de reclusão, para cada um dos doisestupros praticados); c) art. 240 da Lei nº 8.069/90 (07 anos e 06 meses de reclusão,para cada um dos dois crimes cometidos); d) art. 241-A da Lei nº 8.069/90 (05 anos e 06meses de reclusão); e) art. 241-B da Lei nº 8.069/90 (03 anos e 06 meses de reclusão).

Na segunda fase de fixação da pena, o magistrado, de maneiraescorreita, vislumbrou a presença de circunstância agravante (art. 61, II, "b", CP) emrelação apenas ao crime de ameaça, consistente na finalidade de assegurar a impunidadede outro crime - o de estupro praticado contra a menor Grazielly -, razão pela qual apena foi acrescida em 01 mês.

Por outro lado, restou aplicada a atenuante da confissão notocante a todos os delitos (art. 65, III, "d", CP), exceto ao de ameaça, reduzindo-lhes aspenas em 06 meses de reclusão, também corretamente.

Na terceira fase da dosimetria da pena, somente quanto ao crimeprevisto no art. 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente, restou vislumbrada apresença de causa de aumento de pena (§2º, inciso II), no montante de 1/3, chegando-seà pena de 09 anos e 04 meses de reclusão.

Inexistentes causas de diminuição para todos os delitos, aspenas definitivas alcançaram o seguinte montante:

a) ameaça: 06 meses de detenção;

b) estupro de vulnerável: 14 anos de reclusão, para cada umdos dois estupros;

c) art. 240 da Lei n 8.069/90: 09 anos e 04 meses de reclusão,para cada um dos dois crimes cometidos;

d) art. 241-A da Lei nº 8.069/90: 05 anos de reclusão;

e) art. 241-B da Lei nº 8.069/90: 03 anos de reclusão.

Somadas as penas em razão do concurso material, obteve-se apena total de 55 anos e 02 meses de prisão, a ser cumprida inicialmente em regimefechado, nos termos do art. 33, §2º, "a", do CP, restando impossibilitada ao réu asubstituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, diante do dispostono art. 44, I, do mesmo Diploma Legal.

Por fim, vale consignar que a pena de multa deve guardarproporcionalidade à pena privativa de liberdade aplicada.

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Com efeito, nos moldes dos arts. 49 e 60 do Estatuto Repressor,a pena de multa deve ser calculada em duas fases distintas. Na primeira fase, é fixado onúmero de dias-multa que se situa entre o mínimo de 10 (dez) e o máximo de 360(trezentos e sessenta), levando em conta as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP. Nasegunda, fixa-se a quantia de cada dia-multa, observada a situação econômica docondenado.

Considerando que a pena privativa de liberdade para cada crimedo ECA foi elevada, em razão da avaliação negativa de quase todas as circunstânciasjudiciais do art. 59 do CP, a pena de multa também deve sofrer acréscimo, para que nãohaja discrepância entre a fixação das referidas sanções, agindo coerentemente omagistrado a quo ao arbitrá-la no seguinte importe: a) art. 240 da Lei nº 8.069/90 (150dias-multa, para cada um dos dois crimes perpetrados); b) art. 241-A do Estatuto daCriança e do Adolescente (100 dias-multa); c) art. 241-B da Lei nº 8.069/90 (80 dias-multa).

Vale consignar que, observada a condição econômica do réu,cada dia-multa foi fixado em 1/30 do salário mínimo, tendo-se chegado, com essaoperação, ao total de 16 salário mínimos, vigentes à época da consumação dos delitos,devendo tal valor ser corrigido monetariamente (art. 49, §2º, do CP).

A sentença impugnada, portanto, não merece qualquer reproche.

Por todo o exposto, REJEITO AS PRELIMINARESSUSCITADAS e, no mérito, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO.

É como voto.

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