Poemas Natal

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O meu Natal A noite de Natal. Em meu País, agora O que não vai até romper o dia, a aurora! As mesas de jantar na cidade e na aldeia À luz das velas, ou à luz de uma candeia, Entre risadas de crianças e cristais (de que me chegam até mim só ais, só ais!). Dois milhões de almas e outros tantos corações, Pondo de parte ódios, torturas, aflições, Que o mel suaviza e faz adormecer o vinho: São todas em redor de uma toalha de linho! António Nobre Natal Os joelhos em terra, As mãos erguidas, presas. E Deus o céu descerra Aos murmúrios que rezas. Brilham mais as estrelas. Mais neve o céu derrama. E se por fora gelas, Por dentro és uma chama. Alberto de Serpa PRESÉPIO As estrelas, no Egipto À terra desceram mais... Eram já pontos finais No poema do infinito... Jesus num berço em Belém, Reflectia Deus na terra. Que a lua é grande...porém Um balde de água a encerra A Virgem embevecida Pelo filho que gerou, Ajoelhou-se rendida E ante si própria rezou... Àquela hora, em Belém, Toda a gente deu à luz, No ventre da Virgem Mãe Todos tiveram Jesus!... António Ferro Pastoreia do Natal Este ar frio que vem dos montes Traz consigo um eco de toadas distantes Canção de pastores que sabe a rosmaninho [e a silva brava; Cantigas ao relento No silêncio das noites consteladas Vozes ao longe Há quantos séculos despertando o negrume do tempo Luar de sonho Que banhasse no misticismo da sua claridade O coração dos homens simples. Armando Côrtes-Rodrigues Noite de Natal Na cidade, a Virgem Santa Batera de porta em porta: - “Dai-nos abrigo... Sofremos: Escurece: o frio corta”. E disse palavras novas: Mas ninguém soube entendê-las. Fecham-se as portas, na terra Como, na treva, as estrelas. (...) - Glória! Hossana! Eis Jesus Cristo No presépio de Belém. São José pôs-se a adorá-lo; Adora-O a Virgem Mãe. (...) E, sobre as palhas deitado, O Deus Menino, Jesus Sorri, - de braços abertos, Lembrando a forma da Cruz... Já no berço, - abrindo os braços, - Lembrava a forma da Cruz António Correia de Oliveira ROSAS DE NOSSA SENHORA A Virgem colheu três rosas, Todas três juntas num pé: Colheu uma para Ela, Outra para São José E outra para o menino Que é Jesus de Nazaré. Poesia Popular

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Page 1: Poemas Natal

O meu Natal

A noite de Natal. Em meu País, agora

O que não vai até romper o dia, a aurora!

As mesas de jantar na cidade e na aldeia

À luz das velas, ou à luz de uma candeia,

Entre risadas de crianças e cristais

(de que me chegam até mim só ais, só ais!).

Dois milhões de almas e outros tantos corações,

Pondo de parte ódios, torturas, aflições,

Que o mel suaviza e faz adormecer o vinho:

São todas em redor de uma toalha de linho!

António Nobre

Natal

Os joelhos em terra,

As mãos erguidas, presas.

E Deus o céu descerra

Aos murmúrios que rezas.

Brilham mais as estrelas.

Mais neve o céu derrama.

E se por fora gelas,

Por dentro és uma chama.

Alberto de Serpa

PRESÉPIO

As estrelas, no Egipto

À terra desceram mais...

Eram já pontos finais

No poema do infinito...

Jesus num berço em Belém,

Reflectia Deus na terra.

Que a lua é grande...porém

Um balde de água a encerra

A Virgem embevecida

Pelo filho que gerou,

Ajoelhou-se rendida

E ante si própria rezou...

Àquela hora, em Belém,

Toda a gente deu à luz,

No ventre da Virgem Mãe

Todos tiveram Jesus!...

António Ferro

Pastoreia do Natal

Este ar frio que vem dos montes

Traz consigo um eco de toadas distantes

Canção de pastores que sabe a rosmaninho

[e a silva brava;

Cantigas ao relento

No silêncio das noites consteladas

Vozes ao longe

Há quantos séculos despertando o negrume do tempo

Luar de sonho

Que banhasse no misticismo da sua claridade

O coração dos homens simples.

Armando Côrtes-Rodrigues

Noite de Natal

Na cidade, a Virgem Santa

Batera de porta em porta:

- “Dai-nos abrigo... Sofremos:

Escurece: o frio corta”.

E disse palavras novas:

Mas ninguém soube entendê-las.

Fecham-se as portas, na terra

Como, na treva, as estrelas.

(...)

- Glória! Hossana! – Eis Jesus Cristo

No presépio de Belém.

São José pôs-se a adorá-lo;

Adora-O a Virgem Mãe.

(...)

E, sobre as palhas deitado,

O Deus Menino, Jesus

Sorri, - de braços abertos,

Lembrando a forma da Cruz...

Já no berço, - abrindo os braços, -

Lembrava a forma da Cruz

António Correia de Oliveira

ROSAS DE NOSSA SENHORA

A Virgem colheu três rosas,

Todas três juntas num pé:

Colheu uma para Ela,

Outra para São José

E outra para o menino

Que é Jesus de Nazaré.

Poesia Popular

Page 2: Poemas Natal

DEZEMBRO

Está fosca,

Como uma lente embaciada,

A rua roída de frio.

Passe quem passe,

Tem sempre a melancolia tosca

E enrodilhada

Dum balão vazio.

Nos postais :”Merry Christmas”,

Com neve a fugir dos telhados...

Os meninos

Desenham bonecos

Com seus dedos finos

Nos vidros molhados.

Há consoadas, brinquedos...!

Ao serão,

Joga-se o pinhão

Com os parentes, com os amigos.

E todos estão contentes

Na amizade que os iguala.

(os cinco graus negativos

ardem no fogão da sala...)

Fernanda Botelho

NATAL EM ÁFRICA

Como no longe

Europeu,

Natal –

Mas na província não neva,

Nem arde o fogo

Nas lareiras,

Nem a estrela dos Reis Magos

Brilha neste céu.

Idênticos,

Só mesmo a solidão

E o cansaço.

E toda a esperança,

Como nas terras onde neva,

Se perdeu.

Nuno Bermudes

Nossa Senhora faz meia

Com linha feita de luz,

O novelo é a Lua Cheia,

As meias são para Jesus.

António Nobre

Do Natal à Cruz

Numas palhinhas deitado,

Abrindo os olhos à luz,

Loiro, gordinho, rosado,

Nasce o Menino Jesus.

Uma vaquinha bafeja

Seu lindo corpo divino,

De mansinho, que a mão veja

E não se assuste o Menino!

Meia-noite. Canta o galo.

Por essa Judeia além

Dorme os que hão-de matá-lo

Quando for homem também...

E, pensativa, a Mãe Pura

Ouve, fitando Jesus,

Os rouxinóis na espessura

Dum cedro que há-de ser cruz!...

João Saraiva

Litania para o Natal de 1967

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto

Num sótão num portão numa cave inundada

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto

Dentro de um foguetão reduzido a sucata

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto

Numa casa de Hanói ontem bombardeada

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto

Num presépio de lama e de sangue e de cisco

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto

Para ter amanhã a suspeita que existe

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto

Tem no ano dois mil a idade de Cristo

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto

Vê-lo-emos depois de chicote no templo

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto

E anda já um terror no látego do vento

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto

Para nos pedir contas do nosso tempo

David Mourão-Ferreira

Page 3: Poemas Natal

NATAL TIMOR

Meu Natal Timor

Meu primeiro Natal!

Quantos anos tinha?

Nunca o soube ao certo!

Minha mãe-menina

Fez o seu presépio

Um encosta arrancada a Ramelau

Com uma gruta ausente

Cheia de maromak

E perfume de coco.

Um búfalo e um kuda

E o bafo quente dos seus pulmões.

E o menino sobre palha de arroz

E folhas de cafeeiro.

Um menino branco

Igual aos que chegavam de longe.(...)

- Ele é mais do que todos teu irmão...

- Mas como pode ser um meu irmão?

- É teu irmão : Firma-lhe bem os olhos, meu Amor!

E eu obedecendo

Firmei-me todo nele

E vejo-o desde então

Também da minha cor.

Fernando Sylvan

Natal... Na província neva.

Nos lares aconchegados,

Um sentimento conserva

Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,

Como a família é verdade!

Meu pensamento é profundo,

Estou só e sonho saudade.

E como é branca de graça

A paisagem que não sei,

Vista de trás da vidraça

Do lar que nunca terei!

Fernando Pessoa

NATAL

Ó Menino Jesus,

vem para o nosso colo

a ser a nossa luz

e o nosso consolo.

Mesmo com o mundo agreste

que nos ronda, feroz,

não faltaste – vieste

com teu sorriso a nós.

E aqui, como em criança,

– quantos anos lá vão! –

fica-nos a esperança

em nosso coração.

Alberto de Serpa

NATAL E NÃO DEZEMBRO

Entremos, apressados, friorentos,

numa gruta, no bojo de um navio,

num presépio, num prédio, num presídio,

no prédio que amanhã for demolido...

Entremos, inseguros, mas entremos.

Entremos, e depressa, em qualquer sítio,

porque esta noite chama-se Dezembro,

porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,

duzentos mil, doze milhões de nada.

Procuremos o rastro de uma casa,

a cave, a gruta, o sulco de uma nave...

Entremos, despojados, mas entremos.

Das mãos dadas talvez o fogo nasça,

talvez seja Natal e não Dezembro,

talvez universal a consoada.

David Mourão-Ferreira

A PALAVRA MAIS BELA

Fui ver ao dicionário de sinónimos

A palavra mais bela sem igual

Perfeita como a neve dos Jerónimos...

E o dicionário disse-me NATAL.

Perguntei aos poetas que releio:

Gabriela, Régio, Göethe, Poe, Quental,

Lorca, Olegário... e a resposta veio:

Christmas... Nöel... Natividad... Natal...

Interroguei o firmamento todo!

Cobras, formigas, pássaros, chacal!

O aço em chispa, o "pipe-line", o lodo!

E a voz das coisas respondeu NATAL.

Cânticos, sinos, lágrimas e versos:

Um N, um A, um T, um A, um L...

Perguntei a mim próprio e fiquei mudo...

Qual a mais bela das palavras, qual?

Para que perguntar se tudo, tudo,

Diz Natal, diz Natal, e diz Natal?!

Adolfo Simões Müller

Page 4: Poemas Natal

AMANHÃ É NATAL

A neve ouviu aos ventos: "É Natal!"

E revestiu planícies e montanhas

De brancura ideal.

As árvores sentiram: "É Natal!"

E balançaram ramos resplendentes

Num bailado irreal.

As aves escutaram: "É Natal!"

E envolveram os campos e as almas

Num canto sem igual.

Os astros escreveram: "É Natal!"

E inundaram a terra sua irmã

Duma luz celestial.

Os anjos repetiram: "É Natal!"

E trombetas e vozes se expandiram

Num coro divinal.

Os homens exultaram: "É Natal!"

E comeram, comeram, comeram

Até fazer mal.

Francisco Ventura

NATAL DE 1971

Natal de quê? De quem?

Daqueles que o não têm?

Dos que não são cristãos?

Ou de quem traz às costas

as cinzas de milhões?

Natal de paz agora

nesta terra de sangue?

Natal de liberdade

num mundo de oprimidos?

Natal de uma justiça

roubada sempre a todos?

Natal se ser-se igual

em ser-se concebido,

em de um ventre nascer-se

em por de amor sofrer-se

em de morte morrer-se,

e de ser-se esquecido?

Natal de caridade,

quando a fome ainda mata?

Natal de qual esperança

num mundo todo bombas?

Natal de honesta fé,

com gente que é traição,

vil ódio, mesquinhez,

e até Natal de amor?

Natal de quê? De quem?

Daqueles que o não têm,

ou dos que olhando ao longe

sonham de humana vida

um mundo que não há?

O dos que se torturam

e torturados são

na crença de que os homens

devem estender-se a mão?

Jorge de Sena

NATAL DOS HOMENS

Todos os anos, Jesus

Feito criança, menino,

Transforma a terra em flor.

E em poucos dias, no mundo,

Os homens vivem unidos,

Falando apenas de amor.

Mas, quando o Natal acaba

E os dias são como os outros

Nas cidades e na serra,

Durante o resto do ano

Os homens, já desavindos,

Apenas falam da guerra.

E assim decorrem os anos

Nesta atroz contradição:

– Os homens, podendo amar-se,

Morrem de armas na mão!...

João Patrício

NATAL

Ninguém o viu nascer.

Mas todos acreditam

Que nasceu.

É um menino e é Deus.

Na Páscoa vai morrer, já homem,

Porque entretanto cresceu

E recebeu

A missão singular

De carregar a cruz da nossa redenção.

Agora, nos cueiros da imaginação,

Sorri apenas

A quem vem,

Enquanto a Mãe,

Também

Imaginada,

Com ele ao colo,

Se enternece

E enternece

Os corações,

Cúmplice do milagre, que acontece

Todos os anos e em todas as nações.

Miguel Torga

Page 5: Poemas Natal

NATAL DOS POBRES

Quando a mulher adormeceu

naquela noite de Natal,

o homem foi, pé ante pé,

pôr um sapato (dela, não seu)

com um embrulho de jornal

na lareirinha da chaminé.

Um casal pobre... um ano mau...

Era um pedaço de bacalhau.

Ora alta noite, pela janela,

com fome e frio, entrou um gato

que, no escuro, cheirando aquela

comida boa no sapato,

rasgou o embrulho, comeu, comeu

e, quente e farto, adormeceu.

De manhã cedo, ela acordou,

foi à cozinha e viu o gatinho

adormecido no seu sapato.

Voltando ao quarto, feliz, falou

para o seu homem: – Meu amorzinho,

como soubeste que eu queria um gato?

Leonel Neves

CANTIGA

Branca estais e colorada

Virgem sagrada!

Em Belém, vila do amor,

Da rosa nasceu a flor;

Virgem sagrada!

Em Belém, vila do amor,

Nasceu a rosa do rosal;

Virgem sagrada!

Da rosa nasceu a flor,

Pera nosso Salvador;

Virgem sagrada!

Nasceu a rosa do rosal,

Deus e homem natural,

Virgem sagrada!

Gil Vicente

NATIVIDADE

Arde no coração da noite

A ritual fogueira que anuncia

O eterno milagre

Do nascimento.

Batida pelo vento,

Que da cinza das brasas faz semente,

É um sol sem firmamento,

Directamente

Aceso

E preso

À terra

Por mãos humanas.

De raízes profanas,

Lume de vida a bafejar a vida,

O seu calor aquece

A única certeza que merece

Ser aquecida...

Miguel Torga