Poetas de abril
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Antes e depois da Abril…
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EXPOSIÇÃO
POETAS DE ABRIL
Antes e depois da Abril…
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SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
O Velho Abutre1
O velho abutre é sábio e alisa as suas penas
A podridão lhe agrada e seus discursos
Têm o dom de tornar as almas mais pequenas
In Livro Sexto, 1962
Sophia de Mello Breyner Andresen
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CATARINA EUFÉMIA2
O primeiro tema da reflexão grega é a justiça E eu penso nesse instante em que ficaste exposta Estavas grávida porém não recuaste Porque a tua lição é esta: fazer frente
Pois não deste homem por ti E não ficaste em casa a cozinhar intrigas Segundo o antiquíssimo método oblíquo das mulheres Nem usaste de manobra ou de calúnia E não serviste apenas para chorar os mortos
Tinha chegado o tempo Em que era preciso que alguém não recuasse E a terra bebeu um sangue duas vezes puro Porque eras a mulher e não somente a fêmea Eras a inocência frontal que não recua Antígona poisou a sua mão sobre o teu ombro no instante em que morreste E a busca da justiça continua
2 Catarina Efigénia Sabino Eufémia nasceu em Baleizão, no Alentejo, a 13 de fevereiro de 1928. Dedicou a sua vida ao trabalho rural, como ceifeira, analfabeta. Durante uma greve, a 19 de maio de 1954, foi baleada por
um tenente da Guarda Nacional Republicana. Tinha então 26 anos e carregava ao colo um filho de oito meses, no momento em que é assassinada. Aquele… Poema dedicado a Salgueiro Maia
Revolução — Descobrimento
Revolução isto é: descobrimento Mundo recomeçado a partir da praia pura Como poema a partir da página em branco — Katharsis emergir verdade exposta Tempo terrestre a perguntar seu rosto
in O Nome das Coisas, 1977
Aquele que na hora da vitória Respeitou o vencido
Aquele que deu tudo e não pediu a paga Aquele que na hora da ganância
Perdeu o apetite Aquele que amou os outros e por isso
Não colaborou com a sua ignorância ou vício Aquele que foi «Fiel à palavra dada à ideia tida»
Como antes dele mas também por ele Pessoa disse.
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NATÁLIA CORREIA
SONETO DE ABRIL Evoé! de pâmpano os soldados rompem do tempo em que Evoé! a terra salvé rainha descruzando os braços com seu pé de papiro pisa a fera. Na écloga dos rostos despontados onde dos corvos se retira a treva, de beijo em beijo as ruas são bailados mudam-se as casas para a primavera. Evoé! o povo abre o touril e sai o Sol perfeitamente Abril maravilha da Pátria ressurrecta. Evoé! evoé! Tágides minhas outras vez prateadas campainhas sois na cabeça em fogo do poeta.
(Inédito)
PoemAbril Antologia de autores organizada por Carlos Loures e Manuel Simões Fora do Texto - Cooperativa Editorial de Coimbra, CRL. Coimbra, 1994
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Cântico do País Emerso3 3 Entre 21 e 22 de Janeiro de 1961, o maior e melhor paquete da Companhia Colonial de Navegação, o ‘Santa Maria’ foi tomado de assalto pelo Directório Revolucionário Ibérico de Libertação (DRIL), chefiado pelo
capitão Henrique Galvão e por Jorge de Sottomayor, desencadeando a chamada ‘Operação Dulcineia’. O paquete foi então chamado de ‘Santa Liberdade’.
Os previdentes e os presidentes tomam de ponta Os inocentes que têm pressa de voar Os revoltados fazem de conta, fazem de conta... Os revoltantes fazem as contas de somar. Embebo-me na solidão como uma esponja Por becos que me conduzem a hospitais. O medo é um tenente que faz a ronda E a ronda abre sepulcros fecha portais; Os edifícios são malefícios da conjura Municipal de um desalento e de uma Porta. Salvo a ranhura para sair o funeral Não há inquilinos nos edifícios vistos por fora
(…)
E essa ansiedade de mim mesma me virgula Paula de pátria entressonhada. É um crisol. E, o fruto agreste da linfa ardente que em mim circula Sabe-me a sol. Sabe-me a pássaro. Pássaro ao sol. Entre mim e a cidade se ateia a perspectiva De uma angústia florida em narinas frementes. Apalpo-me estou viva e o tacto subjectiva-me a galope num sonho com espuma nos dentes. E invoco-vos, irmãos, Capitães-Mores do Instinto! Que me acenais do mar com um lenço cor da aurora E com a tinta azulada desse aceno me pinto. O cais é a urgência. O embarque é agora.
Natália Correia
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FERNANDO ASSIS PACHECO
Aqui [em Villanueva do silêncio/ del Fresno]4 Porque o mataram com um tiro nas costas, em Villanueva. Aqui, aqui - não fosse falar. Porque o mataram em Villanueva, isto é, longe. Ficou sem voz. Os olhos parados, girassóis na névoa. Breves pulsos desatados. Em Villanueva, com um tiro nas costas. Não fosse falar, mover-se pelas estradas - isto é, perto. Em Villanueva del Fresno.
4 A 13 de Fevereiro de 1965, em Villanueva del Fresno, Humberto Delgado foi assassinado pela PIDE
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Olha o mapa. É aqui. Este pequeno ponto quase imperceptível. Aqui, aqui - mostro a quem quer ouvir-me. No silêncio do Outono.
Em Villanueva do silêncio del Fresno. Com um tiro.
Assim se mata longe, perto. (Francisco Assis,Pacheco, Poemas Livres 3, Porto, Edição dos
Autores, 1968, 94 páginas. Coordenação dos Autores.
(Francisco Assis,Pacheco, Poemas Livres 3, Porto, Edição dos Autores, 1968, 94 páginas. Coordenação dos Autores. (s/ Depósito Legal; s/ ISBN)).
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MIGUEL TORGA
Lamento
Pátria sem rumo, minha voz parada Diante do futuro! Em que rosa-dos-ventos há um caminho Português? Um brumoso caminho De inédita aventura, Que o poeta, adivinho, Veja com nitidez Da gávea da loucura?
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Ah, Camões, que não sou, afortunado! Também desiludido, Mas ainda lembrado da epopeia... Ah, meu povo traído, Mansa colmeia A que ninguém colhe o mel!... Ah, meu pobre corcel Impaciente, Alado E condenado A choutar nesta praia do Ocidente... Miguel Torga, in Diário XII, 136.(1975)
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MANUEL ALEGRE
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CRÓNICA DE ABRIL (Segundo Fernão Lopes) A rosa a espada o Tempo a lua cheia entre Abril e Abril memória e ato este oculto invisível coração. E a trote dos cavalos os blindados (quem me acorda no meio do meu sono?) «Lisboa está tomada». A rosa e a espada. Subitamente às três da madrugada. Andando o Povo levantado andando Álvaro Pais de rua em rua: «Acudam ao Mestre cá ele é filho d’El-rei. D. Pedro». Entre Abril e Abril. Memória e ato. Verás florir as armas: lua cheia. Saiu de Santarém o Capitão já o Mestre matou o Conde Andeiro e Álvaro Pais nas ruas cavalgando: Matam o Mestre nos Paços da Rainha.
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E o microfone às três e tal. E as gentes que isto ouviram saíram pelas ruas a ver que coisa era. E começando a falar uns com outros começavam a tomar armas. Aqui Posto de Comando. E soavam vozes de arruído pela cidade. E assim como viúva que rei não tinha se moveram todos com mão armada. E Álvaro Pais gritando: Acudamos ao Mestre meus amigos Acudamos que o matam porquê. E o rouxinol cantou. Ouvi dizer que na torre soaram badaladas. O doce cheiro a terra. O respirar da amada. «E sobre cada povo (Nietzche) está suspensa uma tábua de valores». Verás florir o Tempo. A rosa e a espada. Nel mezzo del camin di nostra vita. Subitamente às três da madrugada.
E começava a gente de juntar-se e tanta que era estranha de se ver. Não cabiam nas ruas principais cada um desejando ser primeiro e todos feitos d’um só coração. Não sei se a História tem um fio se não tem. Mas já de Santarém partiu o Capitão. De negro vem vestido em cima da Chaimite. Ouves? É o trote das lagartas. Cavalos e cavalos. O exército da noite e seus blindados. Ó com quanto cuidado e diligência escrever verdade sem outra mistura. Andando o Povo levantando andando um Major aos seus homens perguntando: Adere ou não adere? É só. Mais nada. E o segundo-sargento perfilando-se: Há vinte anos que espero este momento.
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Verás florir o Tempo. E as armas de- sabrochadas: às três da madrugada. Soem às vezes altos feitos ter começo por pessoas cujo azo nenhum povo podia imaginar. E pois assim aveio que em Lisboa um cidadão chamado Álvaro Pais:
Onde matam o Mestre? Que é do Mestre? De cima não faltava quem gritasse que o Mestre estava vivo e o Conde morto. Mas isto já ninguém o queria crer. Continuidade. Descontinuidade. E o que é rutura? E a História? Um caos de acasos. Kairos (dizem os gregos). Conjunturas favoráveis. Verás florir as armas.
E já o Capitão entra na Praça andando o Povo levantado andando apoiando a coluna quando avança para cercar o Carmo às doze e trinta. Traziam uns carqueja e outros lenha alguns pediam escadas e bradavam que viesse lume para porem fogo e queimarem o traidor e a aleivosa. E em tudo isto era o tumulto assim tão grande que uns aos outros não se ouviam e não determinavam coisa alguma. E o trote dos cavalos os blindados. (Quem te acorda no meio do teu sono?) Verás florir o Tempo: rosa e espada. Subitamente às três da madrugada.
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De cortinas corridas está o Carmo. Da torre da Chaimite uma rajada saltam vidros e cal da frontaria e o tempo vai correndo sem resposta. E não parava gente de juntar-se. Onde matam o Mestre? Que é do Mestre? De cima não faltava quem gritasse que o Mestre estava vivo e o Conde morto. Se está vivo mostrai-o e vê-lo-emos. E a gente não parava de juntar-se. Quem fechou estas portas? perguntavam. E já o blindado toma posição. O Capitão olha o relógio e conta e antes que diga três irrompem vivas.
Verás florir o Tempo: espada e rosa. Já saiu a cavalo Álvaro Pais já o Mestre matou o Conde Andeiro está caído no Paço trespassado ó Lisboa prezada venham ver o Capitão em cima do blindado Arraial Arraial. E então o Mestre assomado à varanda a todos diz: Amigos sossegai: estou vivo e são. E o rouxinol cantou. Olhai as armas desabrochadas. Cravo a cravo (ouvi dizer). Andando o Povo levantado. E não vereis na crónica senão (sem falsidade) a certidão da História. Manuel Alegre, Atlântico, 1981
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TROVAS DO MÊS DE ABRIL
Foram dias foram anos a esperar por um só dia.
Alegrias. Desenganos. Foi o tempo que doía
Com seus riscos e seus danos. Foi a noite e foi o dia
Na esperança de um só dia.
Foram batalhas perdidas. Foram derrotas vitórias.
Foi a vida (foram vidas). Foi a História (foram histórias)
Mil encontros despedidas. Foram vidas (foi a vida)
Por um só dia vivida.
Foi o tempo que passava como nunca se passasse.
E uma flauta que cantava como se a noite rasgasse
Toda a vida e uma palavra: liberdade que vivia
Na esperança de um só dia.
Musa minha vem dizer o que nunca então disse
Esse morrer de viver por um dia em que se visse
um só dia e então morrer. Musa minha que tecias
um só dia dos teus dias.
Vem dizer o puro exemplo dos que nunca se cansaram musa minha onde contemplo os dias que se passaram sem nunca passar o tempo. Nesse tempo em que daria a vida por um só dia. Já muitas águas correram já muitos rios secaram batalhas que se perderam batalhas que se ganharam. Só os dias morreram em que era tão curta a vida Por um só dia vivida. E as quatros estações rolaram com seus ritmos e seus ritos. Ventos do Norte levaram festas jogos brincos ditos. E as chamas não se apagaram. Que na ideia a lenha ardia Toda a vida por um dia. Fogos-fátuos cinza fria. Musa minha que cantavas A canção que se vestia com bandeiras nas palavras: Armas que o tempo tecia. Minha vida toda a vida Por um só dia vivida.
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JORGE DE SENA
CANTIGA DE ABRIL Às Forças Armadas e ao povo de Portugal «Não hei-de morrer sem saber qual a cor da liberdade» J. de S. Qual a cor da liberdade? É verde, verde e vermelha. Quase, quase cinquenta anos reinaram neste pais, e conta de tantos danos, de tantos crimes e enganos, chegava até à raiz. Qual a cor da liberdade? É verde, verde e vermelha. Tantos morreram sem ver o dia do despertar! Tantos sem poder saber com que letras escrever, com que palavras gritar! Qual a cor da liberdade?
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É verde, verde e vermelha. Essa paz de cemitério toda prisão ou censura, e o poder feito galdério. sem limite e sem cautério, todo embófia e sinecura. Qual a cor da liberdade? É verde, verde e vermelha. Esses ricos sem vergonha, esses pobres sem futuro, essa emigração medonha, e a tristeza uma peçonha envenenando o ar puro. Qual a cor da liberdade? É verde, verde e vermelha. Essas guerras de além-mar gastando as armas e a gente, esse morrer e matar sem sinal de se acabar por politica demente. Qual a cor da liberdade? É verde, verde e vermelha.
Esse perder-se no mundo o nome de Portugal, essa amargura sem fundo, só miséria sem segundo, só desespero fatal. Qual a cor da liberdade? É verde, verde e vermelha. Quase, quase cinquenta anos durou esta eternidade, numa sombra de gusanos e em negócios de ciganos, entre mentira e maldade. Qual a cor da liberdade? E verde, verde e vermelha. Saem tanques para a rua, sai o povo logo atrás: estala enfim altiva e nua, com força que não recua, a verdade mais veraz. Qual a cor da liberdade? É verde, verde e vermelha. 26-28(?)/4/1974
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JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS
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É preciso dizer-se o que acontece no meu país de sal
há gente que arrefece que arrefece de sol a sol
de mal a mal. É preciso dizer-se o que acontece
no meu país de sal.
Passando o Tejo para além da ponte que não nos liga a nada
só se vê horizonte horizonte
e tristeza queimada.
feita de pus no sangue de lama na barriga
nasce da terra exangue e inimiga
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É preciso dizer-se o que se passa no meu país de treva:
uma fome tão grande que trespassa o ventre de quem a leva.
É preciso dizer-se o que se passa no meu país de treva:
mal finda a noite escurece logo o dia e uma espessa energia
É o vapor da sede é o calor do medo.
a cama do ganhão
a casca do sobredo. É o suor com pão que se come em segredo.
É preciso dizer-se o que nos dão no meu país de boa lavra
aonde um homem morre como um cão
à míngua de palavra: Por cada tronco desnudado um lado
do nosso orgulho ferido e por cada sobreiro despojado
um homem esfomeado e mal parido.
Ah não, filhos da mãe! Ah não, filhos da terra!
Os enjeitados também vão à guerra.
José Carlos Ary dos Santos, “Insofrimento in Sofrimento” (1969)
in Op. Cit., pág. 243-244.
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O FUTURO
Isto vai meus amigos isto vai
um passo atrás são sempre dois em frente
e um povo verdadeiro não se trai
não quer gente mais gente que outra gente
Isto vai meus amigos isto vai
o que é preciso é ter sempre presente
que o presente é um tempo que se vai
e o futuro é o tempo resistente
Depois da tempestade há a bonança
que é verde como a cor que tem a esperança
quando a água de Abril sobre nós cai.
O que é preciso é termos confiança
se fizermos de maio a nossa lança
isto vai meus amigos isto vai