Poética da Obra Aberta

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    M f\-h i't Es f - r t . v f - V . Y e t ' 1(rr ' ~1-- bG )I A POETICA DA OBRA ABERTA

    Entre as recentes produg6es de musica instrumen-tal podemos notar algumas composicoes assinaladas poruma caracteristica COllum: a peculiar

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    grupos entre os quais devera escolher primeiramenteb grupo com 0 qual iniciar, e depois, urn de cada vez,os que devem ser unidos ao anterior; nessa execucao,a liberdade do interprete baseia-se na estrutura "com-binatoria" da pe9a, "montando" autonomamente a su-cessao das frases musicais. 2) Na Sequenza per f lautosolo, de Luciano Berio, 0 interprete acha-se diante deuma partitura que the propoe uma textura musical ondesao dadas a sucessao dos sons e sua intensidade, en-quanta que a duracao de cada nota depende do valorque 0 executante deseje conferir-Ihe no contexto dasconstantes quantidades de espaco, correspondentes aconstantes pulsacoes de metronome. 3) A proposito desua composicao Trocas, assim escreve Henri Pousseur:"Trocas, mais do que uma peca, constituem urn fE!!}-pp de possibilidades, urn convite a escolha. Constamde 16 secoes, Cada uma delas pode ser concatenadacom outras duas, sem que fique prejudicada a continui-dade logic a do devir sonoro: duas secoes, com efeito,sao introduzidas por caracteres semelhantes (a partirdos quais evoluem sucessivamente de forma divergen-te), duas outras podem, ao contrario, convergir parao mesmo ponto. 0 fato de se poder comecar e aca-bar com qualquer uma das secoes torna possivel gran-de variedade de resultados cronol6gicos. Finalmente,as duas secoes iniciadas no mesmo ponto podem sersincronizadas, dando lugar a uma polifonia estruturalmais complex a . .. N ada proibe imaginar que tais pro-postas formais, gravadas em fita magnetica, sejam des-se modo mesmo colocadas a venda. Dispondo de umainstalacao aciistica relativamente dispendiosa, opr6-prio publico poderia entao, gra9as a elas e em suapropria casa, exercitar uma imaginacao musical inedita,uma nova sensibilidade coletiva do material sonoro edo tempo". 4) Na Terceira Sonata para Piano, PierreBoulez preve uma primeira parte iAntiphome, For-mant 1), constituida por 10 secoes, em 10 folhas sepa-radas, combinaveis como fichas (embora nao sejampermitidas todas as combinacoes) ; a segunda parte(Formant 2, Thropes compe-se de quatro secoes deestrutura circular, podendo-se comecar por uma qual-quer e l iga-la a s outras ate se fechar 0 circulo. Nao hapossibilidade de grandes variacoes interpretativas nointerior das secoes, mas uma delas, por exemplo, Pa-

    renthese, inicia-se por urn compasso de tempo especifi-cudo e pros segue com amplos parenteses dentro dosquais 0 tempo e livre. Uma-especie de regra e estabe-lccida pelas indicacoes de Iigacao. entre urn e outro tre-cho ( ex.: sans retenir, enchatner sans interruptionctc.) ..I Em todos esses casos (e trata-se de quatro apenas, ,entre as rnuitos possiveis), impressiona-nos de prontoa diferenca macroscopica entre tais generos de comu-nicacao musical. e aqueles a que a tradicao classica n~shavia acostumado. Em termos elementares, essa di-ferenca pode ser assim formulada: uma obra musicalclassica, uma fuga de Bach, a A ida, ou Le Sacre duPrintemps, consistiam num conjunto de realidades so-noras que 0 autor organizava de forma definida e aca-bada oferecendo-o ao ouvinte, ou entao traduzia emsinais convencionais capazes de guiar 0 executante demaneira que este pudesse reproduzir substancialmentea forma imaginada pelo compositor; as novas obras mu-sicais ao contrario nao consistem numa mensagem- . - ' 2 _ .acabada e definida, numa forma_!!ntvQamentc_orgam-zada, masSim iiuma ___ossibilida-dede varias _organiz,g.-< ; Q y s confi.i!das a inisiativ~ intq~~o--se, Qortag!.9.,_Jl~~.QillQ.....QJ?rasconclulda.1, que pedemP _ ~ E ~~~=~:vlYida$_~_ymn];u:~~.@i~7~s _num~_direcao e : , s -l tDlJy~_c!ada, mas como ~09ras abertas, que sera?fimilizadas pelo intererete no momento em que as fl1!!r_~___teJiQa_ment~;

    Para nao se incorrer em equivocos terminologi-cos, e preciso observar que a definicao de "aberta"dada a essas obras, ainda que sirva magistralmente paradelinear uma nova dialetica entre obra e interprete,

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    deve ser tomada aqui em virtude de uma convencaoque nos permita fazer abstracao de outros significadospossiveis e legitimos da mesma expressao, Tem-se dis-cutido, de fato, em estetica, sobre a "definitude" e a"abertura" de uma obra de arte: e esses dois termosreferem-se a uma situacao frui tiva que todos nos ex-perimentamos e que freqiientemente somos levados ao Mil. definir: isto e,4~Jna obra de arte e um objeto prnduzido~A por urn autor !iue organiza uma s~ de efeitos comu--~ - nicativos de modo que cada :QQsslvelfruidor RossDe-com_preender (atraves do....Qgo..dere~postaLa_onfig.u~r_E:s;aoe efeitos_s.entida-comq stlm_ylQ_: a s~sibiJi-d_rujee pela inteligencia) a mencionada obra, a forma~originariaimaginada pelo auto_r. Nesse sentido, 0 autorproduz uma forma acabada em si, desejando que aforma em questao seja compreendida e fruida tal co-mo a produziu; todavia, no ato de reacao a teia dosestfmulos e de compreensao de suas : relacoes, cadafruidor traz uma situacao existencial concreta, umasensibilidade particularmente condicionada, uma deter-minada cultura, gostos, tendencies, preconceitos pes-soais, de modo que a compreensao da forma origi-naria se verifica segundo uma determinada perspectivaindividual. No fundo, a forma torna-se esteticamentevalida na medidaem que pode ser vista e compreen-dida segundo multiplices perspectivas, manifestando ri-queza de aspectos e ressonancias, sem jamais deixar deser ela propria (urn sinal de transi to, ao inves, so podeser encarado de maneira {mica e inequivoca, e se fortransfigurado por alguma interpretacao fantasiosa deixade ser aquele sinal com aquele significado especffico).Neste sentido, portanto, uma obra de arte, forma aca-bada e [echada em sua perfeicao de organismo perfei-tamente calibrado, e tambem aberta, isto e, passivel

    de mil interpretacoes diferentes, sem que isso redundeem alteracao de sua irreproduzivel singularidade. Cadafruic;aa e , assim; uma intervretaciio e um..a exec~pois em cada fu.ti!;.fuL.1LQ.bI,a_rerixedentro._de umapwc~g inaL

    Mas e claro que obras como as de Berio ou Stock-hausen sao "abertas" numa acepcao menos metatoricae bem mais palpavel; dito vulgarmente, trata-se deobras "inacabadas", que 0 autor, aparentemente desin-teressado de como irao terminar as coisas, entrega aointerprete mais ou menos como as pecas soltas deurn brinquedo de armar. Essa interpretacao dos fatose paradoxal e inexata, porem 0 aspecto mais superfi-cial dessas experiencias musicais da azo, efetivamente, aurn equivoco do genero; equivoco alias produtivo, poiso lado desconcertante de tais experiencias deve levar--nos a indagar por que, hoje em dia, 0 artista sente ne-cessidade de trabalhar nessa direcao; como resultadode que evolucao historica da sensibilidade estetica; emconcomitancia com que fatores culturais de nosso tem-! po; e co~o e ~~terencarar tais experiencias a luz deluma estetlca teQD,Ca.

    A poetica da obra "aberta" tende, como diz Pous-seur", a promover no interprete "atos de liberdadeconsciente", po-lo como centro ativo de uma rede derelacoes inesgotaveis, entre as quais ele instaura suapropria forma, sem ser determinado por uma neces-sidade que lhe prescreva os modos definitivos de orga-nizacao da obra fruida; mas (apoiando-nos naqueIesignificado mais amplo do termo "abertura" que men-cionamos antes) poder-se-ia objetar que qualguer obra@ _ arte, . embora nao se entregue ma,teriaimente ina-cabada, exige uma resposta livre e invint iva, mesmoporque nao podeni ser realmente compreendida se 0interprete nio a(reinventar num ate de congenialidadecom 0 auta[.) Acontece, porem, que essa observacaoconstitni um reconhecimento a que a estetica contem-

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    poranea so chegou depois de teralcan?ado mad:zraconsciencia critic a do que seja a relacao interpretatrva,e 0 artista dos seculos passados decerto estava bernlonge de ser cnticamente consciente dessa reaJid~de;hoje tal consciencia existe, principalmente no artistaque, em lugar de sujeitar-se a "abert~ra" co~o fat~rinevitavel, erige-a em programa produtivo e ate propoea obra de modo a promover a maior abertura pos-sivel, o peso da quota subjetiva na relacao de fruicao (0fato de que a fruicao implica uma relacao interatuanteentre 0 sujeito que "ve" e a obra enquanto dado ob-[etivo) nao passou absolutamente despercebido aos ~n-tigos, mormente em suas dissertacoes sobre artes figu-rativas, Platao, no Sojista, observa, por exemplo, queas pintores pintam as proporcoes, nao segundo umaconveniencia objetiva, mas em relacao ao angulo doqual as figuras sao vistas pelo observador; Vitniviodis tingue entre simetria e eurritmia, entendendo estaultima como adequacao das proporcoes objetivas asexigencies subjetivas da visao; as desenvolvimentos deuma ciencia e da pratica da perspectiva testemunhamo amadurecimento de uma consciencia da funcao dasubjetividade interpretante em face da obra. Contudo,e outrossim ponto pacifico que 'tais conviccoes leva-yam a agir justamente em oposicao a abertura e afavor do fechamento da obra: os varios artificios deperspectiva representavam exatamente outras tantasconcessoes feitas as exigencias da situacionalidade doobservador para levarem-no a ver a figura no unico n _ I O -do certo posslvel, aque le para 0 qual 0 autor (arquite-tando artificios visuais) procurava fazer convergir aconscienc ia do fruidor.

    Tomemos outro exemplo: no medievo desenvolveu--se uma teoria do alegorismo que preve a possibili-dade de se ler a Sagrada Escritura (e mais tarde tam-bern a poesia e as artes figurativas) nao so em seusentido literal, mas em tres outros sentidos, 0 alegorico,o moral e 0 anagogico-r Ta l t eoria tornou-se-nos fa~ni-liar gracas a Dante, mas vamos encontrar suas raizesem Sao Paulo (videmus nunc per speculum in aenigma-te, tunc autem facie ad faciem), e foi desenvolvida parSao Jeronimo, Agostinho, Beda, Escoto Erigeno, Hugoe Ricardo de Sao Vitor, Alain de Lille, Boaventura,

    Tomas e outros, a ponto de constituir 0eixo da poe-, tica medieval, ZUma obra ;:wsim entendida e sem du-l~1\1(A~v.i9.a'1!l1!~_9hrfl...Qpta~ de_cerj~L "aq_~rtu..ra".;___Q_jeitOl:I do . texto sabe_qu_~_gQa frase, cada figyra se abrr

    \para uma__!l !!.gi_f.9!!!!Lq~e de . si~ica

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    do necessano subordina-se um cosmo ordenado, umahierarquia de entes e leis que 0 discurso poetico po-de aclarar em mais niveis, mas que cada qual deveentender da tinica maneira possfvel, que e a instituidapelos logos criador. A ordem da obra de arte e a mes-rna de uma sociedade imperial e teocratica; as regrasde leitura sao regras de um governo autoritario, queguiam 0 homem em cada urn de seus atos, prescreven-do-Ihe os fins e oferecendo-Ihe os meios para realiza-los.Nao que as quatro possibilidades do discurso ale-g6rico sejam quantitativamente mais limitadas do queas muitas possibilidades oferecidas por uma obra "aber-ta" contemporanea: tal como tentaremos mostrar , es-sas experiencias diferentes subentendem uma dierentevisao do Mundo.Num rapido escorco=historico encontramos urn as-Qecto evidente de "abertura" (na moderna ace_p~aodotermo) na "forma aherta" barroca. Nesta, nega-sejustamente .a definitude estatica e inequfvoca da for-ma classica renascentista, do espaco desenvolvido emtorno de urn eixo central, delimitado por linhas. sime-tricas e angulos fechados, convergentes para 0 centro,de modo a sugerir mais uma ideia de etemidade "es-sencial" do que de movimento, A forma barroca, pelocontrario, e dinamica, tende a lima indetermiiJa~ao deefeito (em seu jogo de cheios e vazios, de luz e som-bra, com suas curvas, suas quebras, os angulos nasincl inacoes mais diversas) e sugere uma progressiva di-Iata~J(o.do.espaco; a procura do movimento e da ilusaofaz, com que as massas plasticas barrocas nunca per-mitam uma visao. privilegiada, frontal, definida, masinduzam 0 observador a deslocar-se contmuamente pa-ra ver a obra soh aspectos sempre novos, como se elaestivesse em continua mutacao. Se a espiritualidadebarroca e encarada como a primeira manifestacao clara

    da cultura e da sensibil idade modernas, e porque nelao homem se subtrai, pela primeira vez, ao habito docanonico (garantido pela ordem cosmica e pela esta-bilidade das essencias) e se defronta, na arte como .naciencia, com urn mundo em movimento que exige dele

    atos de invencao. As poeticas do pasmo, do genio, dametaiora, 'visam, no fundo, alem de suas aparenciasbizantinas, a estabelecer essa tarefa inventiva do ho-mem novo, q'u~ vB ua obra de arte., oao, 11m ohiktobaseado em reIa~oes evidente' ., a ser desfrutado comobelo, mas Urn mistririo a jnvesiigar, lima mjssiio a cum-prir, uni. estimulo a vivacidade da imagina

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    Car nous voulons la nuance encore,pas la couleur, rien que la nuance!Oh! la nuance, seule fiancele reve au reve et la flute au corlDe la musique encore et toujours!Que ton vers soit Ia chose envoleequ'on sent qui -fuit d'une arne, en alleevers d'autres deux et d'autres amours.Que ton vers so it la bonne aventureeparse au vent crispe du marinqui va fleurant la menthe et Ie thym ...Et tout le reste est Iitterature.

    f \ A A - l i c : c V ' J U Ainda mais extremas e empenhadas sao as afirma-, - 'foes de Mallarme: "nommer un object c'est suppri-mer les trois quarts de la jouissance du poeme, quiest faite du bonheur de deviner peu a peu: le sug-gerer , .. voila le rsve ... " (- q E preciso evitar gue umS~s.e ..m[lonha de ~M1re: 0 espaco brancoem torno da palavra, 0 jogo tipogranco, a cornposicaoespacial do texto poetico, contribuem para envolver 0termo num halo de indefinicao, para impregna-lo demil sugestoes diversas.

    Com essa poetica da suge~~-tencionalmente aberta a livre reaca.o do_.fruirlor. Aobra que "sugere" realiza-se de cada vez carregando--se das contribuicoes emotivas e irnaginativas do inter-prete. < . Se em cada leitura poetica temos urn mundoI?essoal que tenta adaptar-se fielmente a o . . . . l ! ! J I D , d . Q _ g pte~to, nas obras poeticas d~ib..era.?amente:-"baseadas_n~.sug!,!sHio, 0 texto se propoe estlmlll.!L~JJ!.lill!!lte prfu~~?al do interprete. ;Rara ~ste_~e~traja.._des~._llltenQI!.aaae UIDlL...ISlliI2>tap.rof9P..Q9,_..11tlm!~apar misteriosas consonancies. Alem das intencoes me-tafisicas ou da preciosa e decadente disposicao de es-pirito que move tais poetic as, 0 mecanismo fruitivorevel a esse genera de "abertura".

    Nessa linha, grande parte da literatura contempo-ranea baseia-se no uso do simbolo como comunicacaodo indefinido, aberta a reacoes e compreensoes sem-pre novas. Facilmente podemos pensar na obra de

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    Kafka como uma obra "aberta" por excelencia: pro--cesso, castelo, espera, condenacao, doenca, metamor-fose, tortura, nao sao situacoes a serem entendidas ernseu significado literal imediato. Mas, ao contrario dasconstrucoes alegoricas medievais, aqui os sobre-sen-tidos nao sao dados de modo unfvoco, na o sao ga-rantidos por enciclopedia alguma, nfio repousam sabrenenhuma ordem do mundo. As varias interpretacoes,existencial istas , teol6gicas, clinicas, psicanali ticas dossimbolos kafkianos so em parte esgotam as possibili-dades da obra: na realidade, a obrapermanece ines-i ( ' M \ < . J o , g~!_~~-I1a enguanto " . ~ J : : I l . . . ! ua", ois a urn mun-~ : u . w ~ 9 - 0 o~d~nado s~r;~ leis UViv~flIme~~G.l~.:t ~"!!pSt1tulU-seurn mundo fundado sobre a ambiglli-

    &t1tl'6ijj dade,_quer no sentido negativo de uma carencia de" " P t - ~!!ltr~.Lori~nN.Q.fu)_,. Qu~rno sentido ;Rositivo de umac_Qntinu!L!:e.YisibilidadedQS. alores c.das certeg.Dessa maneira , mesmo onde e diffci l estabelecer sehavia, no autor, intencao simb6lica e tendencia ao in-determinado ou ao ambiguo, certa poetica critica en-carrega-se hoje de ver toda a literatura contempora-nea como estruturada em eficazes aparatos simb6Iicos.Num livro sabre 0 simbolo Iiterario, W. Y. Tindall,atraves da analise das maiores obras da literatura rno-derna, visa a tornar te6rica e experimentalmente de-finitiva a afirmacao de Paul Valery - "il n'y a pasde vrai sens d'un texte" - ate concluir que uma obrade arte .6 uma estrutura que qualquer pessoa, inclu-sive seu autor, pode "usar" como bern entender. Essetipo de critica visa, portanto, a considerar a obra lite-raria como continua possibil idade de aberturas, reservaindefinida de significados; e sob esse prisma cumpreencarar todos os estudos norte-americanos sabre a es-trutura da metafora e sabre os varies "tipos de ambi-

    gliidade" oferecidos pelo discurso poetico r[ )-(E superfluo lembrar aqui ao leitor, como exemplol o Y G t 1 maximo de obra "aberta" - com 0intuito justamentede proporcionar urna imagem de certa condicao exis-- ; . . . . ( 8 ) ) Veja-se w. Y. TindalL 'J;hf! Literarv Sy~. New York, Co-lumbia Un. Press, 1955. Para urn desenvolvimento atual das id6ias deValery , v. Gerard Genette, Figures. Paris, Seuil, 1966 (especialrnente"La Iittera ture c omme teJle"). Para lima analise ~"i . a~_.EQ~iiode ambi,&iiidade,. v. as Im~ortantes obsJLUO\ltJies.....G.i .i3S_ bJQ!.i.QE~.S m Gill'l Dorfles L_!Iivenire deUe_artj,T()[JJm.,

    ti " 195~,",~g; 5l.~~.,~~'47

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    na angustia, mas da mesma ambigtiidade concreta daexistencia social.como cheque de problemas nao resol-vidos, para os quais e preciso encontrar uma solucao.Aqui a obra e "aberta" como e "aberto". um debate: asolucao e esperada e auspiciada, mas deve brotar da aju-I da consdente. do publico. A abertura faz-se instru-...\..mento qe pedagogia revolucionaria.Em todos os fenomenos examinados, a categoriade "abertura" era empregada para definir situacoes ami-iide diversas, mas no conjunto os tipos. de obra estu-dados diferenciam-se todos das obras dos rmisicos pos--weberniaIios que submetemos a exame no inicio. Semduvida, do barroco a s atuais poeticas do simbolo, foi--se definindo cada vez mais um conceito de obra deresultado nao-univoco, mas os exemplos examinadosno paragrafo anterior nos propunham uma "abertura"baseada na colaboracao teoretica, mental, do fruidor,o qual deve interpretar livremente urn ato de arte japroduzido, ja organizado segundo uma c..QID.pletudeS : . .tmtural (ainda que estruturado de forma a tornar-se

    indefini!iament!Unte~l) ..Ao contrario, uma com-posiCao como Trocas, de Pousseur, represent a algo deulterior: enquanto que, ao ouvir uma obra de Webern,o ouvinte reorganiza livremente e frui uma serie derelacoes no ambito do universo sonoro que the e ofe-recido (e ja completamente produzido), em Trocas 0fruidor organiza e estrutura, no proprio campo da pro-ducao e da manualidade, 0 discurso musical. Colaborapara jazer a obra.Nito pretendemos afirmar que essa diferenca subse-qUente qualifique a obra como mais ou menos validaem relacao a s jii jeitas: em todo 0 presente discursoacham-se em questao diversas poeticas avaliadas pelasituacao cultural que refletem e constituem, independen-temente de qualquer juizo de validade estetica dos pro-

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    dutos; e evidente. contudo, qyl:( uma compQg~Q......dof" tipo de TrC! ! !_QS (ou outras jimencionadas) Ievante urnproblema novo, induzindo-nos a reconhecer, no llm-bite das obras "abertas".

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    permitem a existencia de uma gama de cores e a pre-disposicao plastica dos dijipositivos.Por seu turno, 0 ~o~l nos ofercceexemplos menores mas' evidentes de obras em movi-mento com certos objetos de decoracao, lampadas ar-ticuladas, estantes recomponiveis em formas dif'eren-tes, poltronas capazes de metamorfoses de insofl~maveldignidade estil ist ica, permitindo ao homem de hoje pro-duzir e dispor ele pr6prio as formas entre as quais

    vive, conforme 0 seu proprio gosto e as exigenciasde uso., Se nos voltarmos ao setor Iiterario para procurarL i ; t ! ] @ , . . um exemplo deobra em movimento, encontraremos,(ld!A'r- em lugar de urn pendant contemporaneo, uma antecipa-~ ~e). 9aO ja classica: trata-se do Livre de Mallarme, a obracolossal e total, a Obra por excelencia que, para 0poeta, devia constituir nao somente 0 objetivo Ultimode sua propria atividade, mas 0 pr6prio objetivo domundo (Le monde existe pour aboutir a un livre). Mal-larrne nao levou a cabo essa obra, embora nela traba-lhasse a vida inteira, mas existem seus esbocos, recen-temente trazidos a luz pot um sagaz trabalho de filolo-

    gia 12. As intencoes metafisicas subjacentes a essa em-presa sao amplas e discutfveis; permitam-nos po-las delado, para tomar em consideracao tao-so mente 9 - estru-tura dinamica desse objeto artistico, que pretende rea-lizar urn ditame de poetics bem definido: "un livre nicommence ni ne finit; tout au plus fait-il semblant",o Livre devia ser um monumento m6vel, e nao s6 nosentido em que era m6vel e "aberta" uma composicaocomo 0 Coup de des, onde gramatica, sintaxe e dispo-sicao tipografica do texto intrcduziam uma polimorfapluralidade de elementos em relacao nao determinada.1 No Livre as pr6prias paginas nao deveriam obede-cer a urna ordem fixa: deveriam ser agrupaveis emordens diversas, consoante leis de permutadjg. Estabe-l~ida uma sec,e d~ fasNciculosindepe?dentes (nao .~~u-nidos por uma pagmacao que determinasse sua sequen-cia), a primeira e a ultima pagina de urn mesmo fas-ciculo deveriam ser escritas numa unica grande folha,dobrada em dUM, que marcasse 0 inicio e 0 fim do

    Is!

    (12) Jacques Scherer, Le "Livre" de MallarttW (Premieres recherchessur des documents tnedits), Pa ri s, GaUimard , 1957 (v. e spec ia l ment e 0cap . I II , Physique du Livre).52

    fasciculo: no interior dela deslocar-se-iam folhas sol-tas, simples, moveis, intercambiaveis, mas de tal ma-neira que, fosse qual fosse a ordem de sua colocacao,o discurso possuisse um sentido completo, Evidente-mente, 0poeta nao pretendia obter de cada combinacaourn sentido sintatico e um significado discursivo: apr6pria estrutura das frases e das palavras isoladas, ca-da uma delas encarada como capaz de "sugerir" e deentrar em relacao sugestiva com outras frases ou pa-lavras, tornava possfvel a validade de cada permutacaoda ordem, provocando novas possibilidades de rei a-Cao e, portanto, novos horizontes de sugestao, Le vo-lume, malgre l 'impression fixe, devlent, par ce jeu, mo-bile - de mort il devient vie. Uma analise combina-toria eqiiidistante dos jogos da Ultima escolastica (eespecialmente do lullismo) e das tecnicas matematicasmodernas possibilitava ao poeta compreender como,de um mimero Iimitado de elementos estruturais mo-veis, poderia surgir a possibilidade de urn mimero as-tronomico de combinacoes; 0 agruparnento da obraem fasciculos, com certo limite imposto as possfveispermutacoes, embora "abrindo" 0Livre a uma serie 'am-plissima de ordens a escolher, amarrava-o a urn cam-po de sugestividade a que, alias, 0 autor ja visavaatraves do oferecimento de certos elementos verbais e.....da indicacao de sua combinabilidade.o fato de a mecanica combinat6ria por-se aqui aservice de uma revelacao de tipo orfico nao influi narealidade estrutural do livro como objeto m6vel eaberto (nisso, singularmente proximo a outras expe-riencias ja mencionadas e nascidas de outras intencoescomunicativas e formativas): Permitindo a permutabi-lidade de elementos de um texto j a por si so capazde sugerir relacoes abertas, 0 Livre gueria tomar-!;(urn mundo em continua fusao,)que se renova conti-nuamente aos olhos do leitor, mostrando aspectos sem-pre novos daquela poliedricidade do absoluto que ten-cionava, nao diriamos expressar, mas substituir e rea-l izar. Em tal estrutura, nao se deveria encontrar ne-nhum sentido fixo, assim como nao era prevista umaforma definitiva: se uma so passagem do livre tivesseUI11 sentido definido, univoco, inacessivel v a s influen-

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    cias do contexto .permutavel, tal passagem teria blo-queado 0mecanismo todo.A ut6pica facanha de Mallarme, complicada poraspiracoes e ingenuidades verdadeiramente desconcer-tantes, nao foi levada a cabo; e nao sabemos se, umavez acabada, a experiencia seria valida, ou se revelariauma equfvoca encamacao mistica e esoterica de umasensibilidade decadente ao fim de sua parabola. In-

    clinamo-nos para a segunda hip6tese, mas certamentee _ inte~essante encontrar, ao alvorecer de nossa epoca,tao vigorosa sugestao de obra em movimerao, sinalde que certas necessidades pairam no ar e, pelo sim-ples fato de existirem, justificam-se e sao explicadascomo dados de cultura a serem integrados no pano-rama de uma epoca, Por isso se levou em consi-deracao a experiencia de Mallarme, conquanto ligadaa uma problematica bastante ambigua e historicamentebern delimitada, ao passo que as atuais obras em mo-vimento, pelo contrario, procuram estabelecer relacoesde conveniencia harmonicas e concretas e - comoacontece com as recentes experiencias musicais - ti-rocinios da sensibilidade e da imaginacao, sem a pre-tensao de constituir sucedaneos 6rficos do' conheci-mento.

    ( f!gura - modo pelo qual a ciencia ou, seja comofor, a cultura da epoea veem a realidad~.'>A obra fechada e univoca do artista medieval refle-tiu uma concepcao do cosmo como hierarquia de 'or-dens claras e predeterminadas. A obra como mensa-gem pedagogica, como estruturacao monocentrica enecessaria ( inclusive na pr6pria ferrea constricao in-terna de metros e de rimas), reflete uma ciencia silo-gist~ca, uma logica da necessidade, uma consciencia de-

    dutiv~ pela 9ual a real pede manifestar-se aos 'poucos,sem imprevistos e numa unica direcao, part indo dosprincipios primeiros da ciencia que se identificamcom os princlpios primeiros da realidade. A aberturae 0 dinamismo barrocosassinalam, justamente, 0 ad-vento de uma nova consciencia cientifica: a substi-tuicao do tdtil pelo visual, isto e , 0 prevalecer do as-pect~ s~bjetivo, 0. deslocar-se a atencao do ser para aaparencta dos objetos arquitetonicos e pictoricos, porexeT?plo, nos lembra as novas filosofias e psicologiasda Impr~s.siioe da sensacao, 0 empirismo que resolvenuma sene de percepcoes a realidade aristotelica dasubstancia; "e, por outro lado, 0 abandono do centrone~essitante da composicao, do ponto de vista privi-legiado, a,?ompanha a assimilacao da visao copernicia-na d? universe, que eliminou definitivamente 0 geo-centnsmo e todos as seus corolarios metafisicos: nouniverso cientifico moderno, assim como na constru-~ao ou na pintura barrocas, as partes aparecem todasdotadas de igual valor e autoridade, e 0 todo aspira adilatar-se ate 0 infinito, nao encontrando limites ouf~e.iosem nenhuma regra ideal do mundo, mas parti-cipando de uma geral aspiracao a descoberta e aocontato sempre renovado com a realidade.

    A "abertura" dos simbolistas decadentes reflete aseu modo, urn novo trabalho da cultura que vern des-cobrindo horizontes inesperados; e cumpre Iembrar co-mo certos projetos mallarmeanos sobre a decomponi-bilidade polidimensional do livro (que de bloco uni-tario deveria cindir-se em pIanos reversiveis e gerado-res de novas profundidades atraves da decomposicaoem blocos menores, por sua vez moveis e decomponi-veis) trazem a memoria 0 universo das novas geome-trias nao-euclidianas.

    ~ Com efeito, e sempre arriscado sustentar que a me-I tafora ou 0 simbolo poetico, 'a realidade sonora au aforma plastica constituem instrumentos de conheci-mento do real mais profundos do que os instrumen-tos proporcionados pela logica, 0 conhecimento domundo tern na ciencia seu canal autorizado, e todaaspiracao do artista a videncia, ainda que poeticamen-te produtiva, contem sempre algo de equfvoco. A arte,mais do que conhecer 0 mundo, produz. complemen-tos do mundo, formas autonomas que se acrescentama s existentes, exibindo leis proprias e vida pessoal.Entretanto, (tOOa forma arttstica. pode peneitam.ente

    a S~(_,j~J!Q:fI.!'.ill!~,~nill?_Q.Qn!.9 substituto do conhecimentor,\i!k'f>\tlfl:l cientifico, .como mW_Qra epistenw16gica: isso significaf'r li~.t11I '1'() que, em cada seClllo, 0 mQd.D_~lllll as forml!Ld_a! I d ' y w " arte se estruturam reflete - a ~isa de similitude,__de_metaforiza~iiol resgluao _justamen.re,_do_

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    IllilS cowo aspecto inelitttimlvel de toda verificaao cien-t if ica e como co.tnportamento yerifidyel e insofisma-vel do mundo subatomico.>Do Livre de Mallarme ate certas composicoes mu-sicais examinadas, notamos a tendencia a fazer comque cada execucao da obra nunca coincida com umadefinicao ultima dessa obra; cada execucao a explicamas nao a esgota, cada execucao realiza a obra mastodas sao complement ares entre si, enfim, cada execu-C;aonos da a obra de maneira completa e satisfatoriamas ao mesmo tempo no-la c ia incompleta, pois naonos oferece simultaneamente todos as demais resultadoscom que a obra poderia identificar-se. Seda casual 0fato de tais poeticas serem contemporaneas ao princ}- lAiNJ

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    Falou-se acima de ambigilidade como disposicaomoral e contraste problematicc: e hoje, tanto a psicolo-, ", .gia como a fenomenologia falam tambern de a.mh igUida-

    J l . , f I ' a , I i > O I 1 7 J \ - T J " ibilid d d 1 '--~ des verceptlvas como pOSSI11 a es e co oear-se aquemda convencionalidade do conhecer habitual para colhero mundo com 0 vice de possibi lidades que antecede.J cada estabilizacao devida ao uso e ao habito. Ja Hus-f~ILCl)PCi\" serl advertia que "cada momenta de vida de conscienciatern urn horizonte que varia com 0 mudar da sua eone-xao de consciencia e com 0mudar da sua fase de desen-volvimento. . . Por exemplo, em cada percepcao exter-na, os dados propriamente percebidos do objeto depercepcao contem uma indicacao dos lados ainda so-mente entendidos de maneira secundaria, nao aindapercebidos mas apenas antecipados no modo da expec-tativa e tambem na ausencia de toda intuicao - comoaspectos que ainda estao 'por vir' na percepcao, Eesta uma protensiio continua, que adquire urn sentidonovo em cada fase da percepcao. Alem disso, a percep-gao possui horizontes que contam__.out.J;.a-s-~bilidadesde Rercepc;:ao,e sao aquelas possibilidades que poderfa-mos ter se dirigissemos 0 processo da percepcao emoutro sentido, isto e , se dirigissemos 0 olha nao deste,mas outro modo, se fOssemos para a frente, oupara 0lado, e assim por diante">", E Sartre lembraque 0existente nao pode reduzir-se a uma serie finita demanifestacoes, pois cada uma delas esta em relacao comurn sujeito em continua mutacao. Assim, urn objetonao somente apresenta diversas A bschattungen (ou per-fis), mas sao possfveis diversos pontos de vista sobreuma unica Abschattung, 0 objeto, para ser definido,deve ser transcendido em direcao a serie total da qualele, enquanto uma das possiveis aparicoes, e membra.Nesse sentido,~.E dualismo tradicional de ser e ea:[e-~~titui-se umapi:QQlaridade de finito e infinito,de J_~ moqo ue_~W!ili2...~~ no Rroprio cGra!(ao

    (IS) Edmund Husser), Meditazioni Cartesiane, trad. F. Costa, Mila-no, Bompiani, 1960, pag, 91. Ha em Husserl, vivfssima, a nocao deurn obieto qu e e forma acabada, individuavef como tal e contudo "aber-ta"; "0 cubo, por, exernplo, deixa aberta uma variedade de determi-nar;Oes, pelos lados que nao SaO atualmente vistos, entre tanto e apre-endido exatarnente Conto um cubo, especrficamente como colorldo, asperoetc., mesmo antes de explicitacoes ulteriores, e cada deterrninacao em queele e apreendido deixa sempre abertas outras tantas deterrninacoes par-t icul ar es , ~ st e 'deixar ab~. e, antes m~!l10 das efetiv . .. . detetwi-

    1 , nacOes Ulteriore.s Q.ue t alvez nqnca sejaw . fe it~, --um m_g_rm:J. Jt J: l~dono relativo momentode consciencia .... e lustamente 0 que con.titui_o".horlwnte" (p~~. 92). "58

    ' ~ ' Ig~r lOL~~~de. -)C: :~~ \ ', { l)~~~ __ .~(~_~.J" N t/E A? 'T iA I' :; , ,.

    ggj_inito) Este tipo de "abertura" esta na base mesmade cada ato perceptive e caracter iza cada momento denossa experiencia cognoscitiva: c~a fenomeno parece-ria assim "habitado" por certa potencia, a "potencia deser desenvolvido numa serle de apariQ~~ais ou pos-siveis". 0 problema da relacao do fen6meno com seufii i: ldamento ontol6gico, dentro de uma perspectiva deabertura perceptiva, transforrna-se no problema de re-lacao do fenomeno com a plurivalencia das percepcoesque dele podemos ter16 Esta situacao acentua-se noI . . , pensamento de Merleau-Ponty: "como podera entao \- pergunta-se 0 filosofo - uma coisa apresentar-severdadeiramente a nos, ja que a sintese nunca se com-pleta. . . QQmQ_pgsso ter a experiencia dQ mundo co-mo de urn individuo existente em a~ao, quando nenh1!,-rna d!STtP5::rsE!:c~~ggndo as-9!lais 0 vei,?_consegge}esgota- 0 e guando .9.L!!-ti?onte~slii.o semere aber- O s ? . . . A crenca na coisa e no mundo nao pode senao\I subentender a presuncao de uma sintese acabada - e

    t\ entretanto este acabamento torna-se impossivel pela pro-pria natureza das perspectivas a correlacionar, pais cadauma delas remete contmuamente atraves de seus hori-zontes a outras perspectivas. .. A contradicao que en-contramos entre a realidade do mundo e seu inacaba-mento e a propria contradicao entre a ~~~~daconsciencia e seu engajar-se num campo de presenca ...Essa ambi g: ii id ar le na .o .. _t l ima imp.erfei

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    Poder-se-ia perfeitamente pensar que esta fuga danecessidade segura e solida e esta tendencia ao ambi-guo e ao indeterminado refletem uma condicao de crisedo nosso tempo; ou entao; ao contrario, que estas poe-ticas, em harmonia com a ciencia de hoje, exprirnern aspossibilidades positivas de urn homem aberto a umarenovacao continua de seus esquemas de vida e saber,produtivamente empenhado num progresso de suas fa-culdades e de seus horizontes, Seja-nos permitido sub-trair-nos a esta contraposicao tao facil e maniquefsta,e limitemo-nos, aqui a apontar concordancias, ou pelomenos, consonancias; consonancies que revelam umacorrespondencia de problemas dos mais diversos seto-res da cultura contemporanea, indicando as elementoscomuns de uma nova visao do mundo,

    L:Trata-se de uma convergencia de problemas e deexigencies que as formas da arte refletem atraves doque poderiamos definir como analogj_as tk es trutura ,sem que, _contudo, se devam ou se possam instaurarparalelos rigorosos=. Acontece assim que fen6menoscomo os das obras em movimento reflitam ao mes-mo tempo si tuacoes epi st emologicas contrastantes entresi, contradit6rias ou ainda nfio conciliadas. Acontece,por exemplo, que, en.9uanto abertura - e dinamismo !euma obra lembram asno&oes de inde termjnaao_e_d~

    (cQuti!lllli["qqt._ w i 1 n . r j, g _ a . . .. . d L . f is i c . a .J l l l _ a n t i ~ a . . .. na , mesm_gsfenomenos aparecem simultaneamente como irnagws

    " s~glvas de alggmas situacoes da fislc'leinsteinirula.)o mundo multipolar de uma composicao serial= ~onde 0 fruidor, nao condicionado por urn centro abso---:;.. (19) Esta fora de duvida que e pe ri goso est abel ece r simple s a na-logias; rna. e Igualmente per igos a recusar a individualizar cer tas reJac(5espor ur na in jus ti fi cada f obl a a s ana logi as, pr opr ias do. espf ri tos simpl esou das inteligencias conservadoras, Gostarfamos de I embrar uma fras ede Roman Jakobsen: "Aque le s que se amedrontam f ac ilmente rom asanal ogi as arr is cadas , r esp onder ei q ue tambe rn det est o fa zer ana log i as pe-r ig os as: mas adore as an alogies f ec und as" (Ess,," de lingulstlque g.-""rale. Pa ri s, Ed . de Minu it , 1963, pag . 38) , Uma analogi a delxa deser indevida quando e colocada COmo pon to de partida para uma veri-fica.;ao ulterior: 0 Rfoblema agora CO Ds is te em r ed nz ;r 0 5 ..d.iYet:$OS_ feno-rnenos (esteticos e nM) a mode/Os eslrutur_IJl.Lmais. . . .rj!!Oro~Q$ pam..nelesIndividuar nlio mais analogies mas homolog/as de est.-utura . .. se.tl!:Y.ts amos nSClOS 0 a 0 que as pesquisas este Iivro aindaestjio aquem de uma for rnal izacao de tal genera, que requer urn metodomais rigoroso, a renuncia a numerosos ntvets da obra, a coragem deernpobrecer ulteriormente os fenomenos para deles obter Urn modelemats manuseav el, Cont inuamos pen sando nes tes ensal os c omo nur na int ro -duCiio geral a urn trabalho assim.

    ( 20) Sob re est e "!!cl at ern ent mu lt idi rec ti onel d es st ruct ure s" v. tam-bern A, Boucourechliev, "Problernes de la musique modems", NRF,dezembro de 1960 - janeiro de 1961.60

    luto, constitui seu sistema de relacoes fazendo-o erner-gir de urn continuo sonoro, em que nao existern pontosprivil egiados mas todas as perspec tivas sao igualmentevalidas e ricas de possibilidades - parece muito pro-, - k A ximo do universo espacio-temporal imaginado por~~~Einstein, no qual "tudo aquilo que para cada urn denos constitui 0 passado, 0 presente, 0 futuro e dadoem bloco, e 0 conjunto dos acontecimentos sucess ivos(do nosso ponto de vista) que constirui a existenciade uma partfcula material e representado por uma H-nha, a linha de universo da particula. .. Cada obser-vador, com 0 passarde seu tempo, descobre, por assimdizer , novas porcoes do espaco-tempo.vque se the apre-sentam como aspectos sucessivosdo mundo material,embora, na realidade, 0conjunto dos eventos que cons-tituem 0 espaco-tempo ja existisse antes de ser conhe-cido'@I 0que di ferenc ia a visao einste iniana da epi stemo-llogia quantica e, no fundo, justamente essa confianca na(tota lidade do' universo, urn universo em que desconti-.nuidade e indeterminacao podem, em ultima analise,desconcertar-nos com sua imprevista aparicao, mas quena realidade, para usarmos as palavras de Einstein, naopressupoem urn Deus que joga dados, mas 0Deus deSpinoza, que rege 0mundo com leis perfeitas. Nesteuniverse , a re lat ividade e consti tuida pe la infini ta varia -bfudade da experiencia. p@ i !! fi !! idade das mensJ, l-ra~6es e das perspectivas posslvei .&. mas a objetividade.~ do todo reside na invariancia das ydesqi\{oes simples"lformais (das s:gua>;oes ~~e_:lilitam.ent.La...rclatiridade.-das_,m.ensuraxoes empiric~s.Aqui nao nos cabe julgar da validade cientifica dessaimplici ta metaffs ica einsteiniana; mas 0 fato e que exis-te uma sugestiva analogia entre esse universoe 0uni-ve rso da obra em movimento. 0 Deus de Spinoza, quena metafisica einsteiniana IS somente urn dado de con-fianca extra-experimental, para a obra de arte torna-seuma realidade de fate e coincide com a obra ordenado-ra do autor. Este, numa poetics da obra em movimen-to, pode perfeitamente produzir em vista de urn convi-te a liberdade interpretativa, a fel iz indeterrninacao dosresultados, a descontinua imprevisibi lidade das escolhas-'>(21) Louis de Broglie, "L'opera scientifiea di A_ Einstein"; em A.E. scienziato e filosoio, cit., pag. 64.

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    subtraidas a necessidade, mas esta possibilidade para aqual se abre a obra e tal no ambito de urn campo derelacoes. Como no universo einsteiniano na obra em. 'movimento 0 negar que haja uma unica experiencia~privilegiada nao impl ica 0 caos das relacoes, mas a~ero, regra qu~ permitea organi~a_

    A Sequenza de Berio executada por dois flautistasdiferentes, 0 Klavierstiick XI de Stockhausen ou osMobiles de Pous.seur executados por diferentes pianis-tas (ou tocados duas vezes pelos mesmos executantes)nunca parecerao iguais, mas jamais serao algo de ab-rOl'\MA_\S.olut~mente gratuito.

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    genero da especie "obra em movimento") existem aque-las ohras que, ja completadas ftsicamente, permanecemcontudo "abertas" a uma germinacao continua de re-lacoes internas que 0 fruidor deve descobrir e esco-lher no ate de percepcao da totalidade dos estimulos;3) cada obra de arte, ainda que produzida em confer-midade com uma explic ita ou impl :ic ita poe tica da neces-sidade, e substancialmente aherta a uma ser ie virtual-mente infinita de leituras possfveis, cada uma das quaisleva a obra a reviver, segundo uma perspectiva, urngos to , uma execuciio pessoal.)

    Tres nfveis de intensidade em que se apresenta umunico problema; 0 terce-ira nivel e que interessa aestetica como formulacao de definicoes formais; e sO-bre esse tipo de abertura, de iniinidade da obra aca-bada, a estetica contemporanea muito insistiu. Vejam--se, por exemplo, estas affrmacoes extraidas das .quejulgamos entre as mais validas paginas de fenomenolo-gia da interpretacao: "A obra de arte ... e uma forma,i sto e , urn movimento conc luido, 0 que equivale a di-zer urn infinite colhido numa definitude; sua tot alida-de resulta de urna conclusao, e exige, portanto, ser COD-siderada nao como 0 fecho de uma realidade ~icae im6vel, mas como a abertura de urn Infinito gye se~ inteiro abfigando-se numa forma. A obra, portan-to, tem infiilltos aspectos, que nao sao somente 'partes'ou fragmentos, pois cad a urn deles contem a obra in-teira, e a revela numa determinada perspectiva. Avariedade das execucoes possui, pois, seu fund amen tona complexa natureza tanto da pessoa do interpretequanta da obra a executar. .. Os infinitos pant~evista dos interpretes e as infinjtos a~ect~s da obrase correspondem e se enc.Q!l tr .am e_se esclarecem red.:RfOcamente, de manei raq]Je deter.mjnaQQ Qonta de vis-t ta cOr1se~e revelE:- a a..QJ:a_intcir.a..somente-s~irc_apta-Ia nasue le sey_@icula~s.!m_2.spe.s!o, assim~~m?em urn ~pe~1Q_~r da obEa, gue' a des'IT_ndemtelra sob uma nova i l l ? ; deve~~p~Lar ~o Q.Q!!!ode vistaC]'IMIZ de ci1.mB9..,.5'.!.Qj~ta-Jo'.

    Pode-se afirmar, portanto, que "todas as in-terpretacoes sao definitivas, no sentido de que cadaurna delas e , para 0 interprete, a propria obra, e provi-sorias, no sentido de que cada interprete sabe da ne-

    cessidade de aprofundar coatmuamente a propria inter-pretacao, Enquanto definitivas, as interpretacoes saoparalelas, de modo que uma exclui as outras, sem con-tudo nega-las ... '~.

    Tais assertivas, feitas do ponto de vista teorico daestetica, sao aplicaveis a todo fenomeno de arte, aobras de todos os tempos; mas nao e imitil notar quenao e casual 0 fato de que justamente hoje a esteticasinta e desenvolva uma problematica da "abertura".Em certo sentido, estas exigencies que a estetica, deseu ponto de vista, impoe a cada tipo de obra de artesao as mesmas que a P.Q.et icaga obra "aberta" manifestade modo mais explicito e decidido. Isso porem nao sig-nifica que a existencia de obras "abertas" e de ohmsem movimento nao acrescente absolutamente nada anossa experienciavpois tudo ja estava presente no to-do, desde 0tempo dos tempos, assim como cada des-coberta pareee ja ter sido fei ta pe los chineses. 1?_!ec isoagui distinguir 0 nix.eJ teadeo e definit6rio da e$teticat;.}lquanto discielina filos6fica,. do myel operativo e aJ;'-t icipante das pot iicas enqu.anto programas de produ~ao.{\ estet ica, val idando uma exigelJcia par tiy_larmente vj-v~ em nosstipo.._~~12Q.Ssibilidades de urnce!J;9.Jigo.de ~nWht..pl~lU.J.p_QQ_pL9JlutQ .~.k, inge-p~ntemente dos criterios oper@vos _gue pregjdiUijil~1ll! :. .J! Iodu!(ao;aS I loet icas (e a pra,t ica) dag obras emmovimento sept!OillLe.a.possibi lidade como voca

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    poetica da obra em movirnenio (como em parte a poe-tica da obra "aberta") mstaura urn novo tipo de rela-c;oes entre artista e publico, uma nova mecanica dapercepcao estetica, uma diferente posicao do produtoartistico na sociedade; abre uma pagina de sociologiae de pedagogia, alern de abrir uma pagina da hist6riada arte. Levanta novos problemas praticos, criando si-tuacoes comunicativas, instaura uma(nova relacao en-~e contempia{:fio e uso da obra de arte.>

    Esclarecida em seus pressupostos hist6ricos e no j6-go de referencias e analogias que a aparentam com va-rios aspectos da visao contemporanea do mundo, esta S 1 -tuacao da arte e agora urna situacao em via de desen-volvimento, que, longe de estar completamente explica-da e catalogada, oferece uma problernatica em maisniveis. Em suma, uma situacao aberta e em movimento.

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