Poética de Natal

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POÉTICA

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Poemas sobre o natal.

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POÉ TICA

Presépio

Nuzinho sobre as palhas,

nuzinho - e em Dezembro!

Que pintores tão cruéis,

Menino, te pintaram!

O calor do seu corpo,

pra que o quer tua Mãe?

Tão cruéis os pintores!

(Tão injustos contigo,

Senhora!)

Só a vaca e a mula

com seu bafo te aquecem...

- Quem as pôs na pintura?

(Sebastião da Gama, “Pelo sonho é que vamos”)

NATAL À BEIRA-RIO

É o braço do abeto a bater na vidraça?

E o ponteiro pequeno a caminho da meta!

Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,

A trazer-me da água a infância ressurrecta.

Da casa onde nasci via-se perto o rio.

Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!

E o Menino nascia a bordo de um navio

Que ficava, no cais, à noite iluminado...

Ó noite de Natal, que travo a maresia!

Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.

E quanto mais na terra a terra me envolvia

E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra.

Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me

À beira desse cais onde Jesus nascia...

Serei dos que afinal, errando em terra firme,

Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?

David Mourão-Ferreira, Obra Poética 1948-

1988

FALAVAM-ME DE AMOR

Quando um ramo de doze badaladas

se espalhava nos móveis e tu vinhas

solstício de mel pelas escadas

de um sentimento com nozes e com pinhas,

menino eras de lenha e crepitavas

porque do fogo o nome antigo tinhas

e em sua eternidade colocavas

o que a infância pedia às andorinhas.

Depois nas folhas secas te envolvias

de trezentos e muitos lerdos dias

e eras um sol na sombra flagelado.

O fel que por nós bebes te liberta

e no manso natal que te conserta

só tu ficaste a ti acostumado.

Natália Correia, O Dilúvio e a Pomba

Chove. É dia de Natal.

Chove. É dia de Natal.

Lá para o Norte é melhor:

Há a neve que faz mal,

E o frio que ainda é pior.

E toda a gente é contente

Porque é dia de o ficar.

Chove no Natal presente.

Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse

O Natal da convenção,

Quando o corpo me arrefece

Tenho o frio e Natal não.

Deixo sentir a quem quadra

E o Natal a quem o fez,

Pois se escrevo ainda outra quadra

Fico gelado dos pés.

Fernando Pessoa

NATAL...

Natal... Na província neva.

Nos lares aconchegados,

Um sentimento conserva

Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,

Como a família é verdade!

Meu pensamento é profundo,

'Stou só e sonho saudade.

E como é branca de graça

A paisagem que não sei,

Vista de trás da vidraça

Do lar que nunca terei! Fernando Pessoa

A NOITE DE NATAL

Em a noite de Natal

Alegram-se os pequenitos;

Pois sabem que o bom Jesus

Costuma dar-lhes bonitos.

Vão se deitar os lindinhos

Mas nem dormem de

contentes

E somente às dez horas

Adormecem inocentes.

Perguntam logo à criada

Quando acorde de manhã

Se Jesus lhes não deu nada.

– Deu-lhes sim, muitos

bonitos.

– Queremo-nos já levantar

Respondem os pequenitos.

Mário de Sá-Carneiro

HISTÓRIA ANTIGA

Era uma vez, lá na Judeia, um rei.

Feio bicho, de resto:

Uma cara de burro sem cabresto

E duas grandes tranças.

A gente olhava, reparava, e via

Que naquela figura não havia

Olhos de quem gosta de crianças.

E, na verdade, assim acontecia.

Porque um dia,

O malvado,

Só por ter o poder de quem é rei

Por não ter coração,

Sem mais nem menos,

Mandou matar quantos eram pequenos

Nas cidades e aldeias da Nação.

Mas,

Por acaso ou milagre, aconteceu

Que, num burrinho pela areia fora,

Fugiu

Daquelas mãos de sangue um pequenito

Que o vivo sol da vida acarinhou;

E bastou

Esse palmo de sonho

Para encher este mundo de alegria;

Para crescer, ser Deus;

E meter no inferno o tal das tranças,

Só porque ele não gostava de crianças.

Miguel Torga

Antologia Poética

Natal

Devia ser neve humana

A que caia no mundo

Nessa noite de amargura

Que se foi fazendo doce...

Um frio que nos pedia

Calor irmão, nem que fosse

De bichos de estrebaria.

Miguel Torga

LITANIA DO NATAL

A noite fora longa, escura, fria.

Ai noites de Natal que dáveis luz,

Que sombra dessa luz nos alumia?

Vim a mim dum mau sono, e disse: «Meu Jesus…»

Sem bem saber, sequer, porque o dizia.

E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»

Na cama em que jazia,

De joelhos me pus

E as mãos erguia.

Comigo repetia: «Meu Jesus…»

Que então me recordei do santo dia.

E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»

Ai dias de Natal a transbordar de luz,

Onde a vossa alegria?

Todo o dia eu gemia: «Meu Jesus…»

E a tarde descaiu, lenta e sombria.

E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»

De novo a noite, longa, escura, fria,

Sobre a terra caiu, como um capuz

Que a engolia.

Deitando-me de novo, eu disse: «Meu Jesus…»

E assim, mais uma vez, Jesus nascia.

José Régio

Natal

Nem pareces o mesmo,

Deus menino

Exposto

Num presépio de gesso!

E nunca foi tão santa no teu rosto

Esta paz que me dás e não mereço.

É fingida também a neve

Que te gela a nudez.

Mas gosto dela assim,

A ser tão branca em mim

Pela primeira vez. Miguel Torga

A NOITE DE NATAL

Em a noite de Natal

Alegram-se os pequenitos;

Pois sabem que o bom Jesus

Costuma dar-lhes bonitos.

Vão se deitar os lindinhos

Mas nem dormem de contentes

E somente às dez horas

Adormecem inocentes.

Perguntam logo à criada

Quando acorde de manhã

Se Jesus lhes não deu nada.

– Deu-lhes sim, muitos bonitos.

– Queremo-nos já levantar

Respondem os pequenitos. Mário de Sá-Carneiro

ROSAS DE INVERNO

Corolas, que floristes

Ao sol do inverno, avaro,

Tão plácido e tão claro

Por estas manhãs tristes.

Gloriosa floração,

Surdida, por engano,

No agonizar do ano,

Tão fora da estação!

Sorrindo-vos amigas,

Nos ásperos caminhos,

Aos olhos dos velhinhos,

Às almas das mendigas!

Desse Natal de inválidos

Transmito-vos a bênção,

Com que vos recompensam

Os seus sorrisos pálidos. Camilo Pessanha

Natal

Se considero o triste abatimento

Em que me faz jazer minha desgraça,

A desesperação me despedaça,

No mesmo instante, o frágil sofrimento.

Mas súbito me diz o pensamento,

Para aplacar-me a dor que me traspassa,

Que Este que trouxe ao mundo a Lei da Graça,

Teve num vil presepe o nascimento.

Vejo na palha o Redentor chorando,

Ao lado a Mãe, prostrados os pastores,

A milagrosa estrela os reis guiando.

Vejo-O morrer depois, ó pecadores,

Por nós, e fecho os olhos, adorando

Os castigos do Céu como favores.

Manuel Maria Barbosa du Bocage

Ao menino Jesus

Hoje é dia de Natal

Mas o menino Jesus

Nem sequer tem uma cama,

Dorme na palha onde o pus.

Recebi cinco brinquedos

Mais um casaco comprido.

Pobre menino Jesus,

Faz anos e está despido.

Comi bacalhau e bolos,

Peru, pinhões e pudim.

Só ele não comeu nada

Do que me deram a mim.

Os reis de longe trazem

Tesouros, incenso e mirra.

Se me dessem tais presentes,

Eu cá fazia uma birra.

Às escondidas de todos

Vou pegar-lhe pela mão

E sentá-lo no meu colo

Para ver televisão.

Luísa Ducla Soares