POÉTICAS DO DESLOCAMENTO NA LITERATURA HISPANO...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO POÉTICAS DO DESLOCAMENTO NA LITERATURA HISPANO-CANADENSE CONTEMPORÂNEA: A OBRA DE JOSÉ LEANDRO URBINA Claudia Sulami Ferraz Neustadt Rio de Janeiro 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

POÉTICAS DO DESLOCAMENTO NA LITERATURA

HISPANO-CANADENSE CONTEMPORÂNEA:

A OBRA DE JOSÉ LEANDRO URBINA

Claudia Sulami Ferraz Neustadt

Rio de Janeiro

2015

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POÉTICAS DO DESLOCAMENTO

NA LITERATURA HISPANO-CANADENSE CONTEMPORÂNEA:

A OBRA DE JOSÉ LEANDRO URBINA

Por

Claudia Sulami Ferraz Neustadt

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da

Universidade Federal do Rio de Janeiro como

quesito para a obtenção do Título de Mestre em

Letras Neolatinas (Estudos Literários Neolatinos –

Literatura Hispânica)

Orientadora: Professora Doutora Elena Cristina

Palmero González.

Março de 2015

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FICHA CATALOGRÁFICA

Neustadt, Claudia Sulami Ferraz.

Poéticas do deslocamento na literatura hispano-canadense con-

temporânea: a obra de José Leandro Urbina/ Claudia Sulami Ferraz

Neustadt – Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2015.

xi, 97f; 30cm.

Orientadora: Elena Palmero González.

Dissertação (mestrado) – UFRJ/Faculdade de Letras/Programa

de Pós-graduação em Letras Neolatinas, 2015.

Referências Bibliográficas: f. 89-97.

1. José Leandro Urbina 2. Literatura hispano-canadense con-

temporânea. I. González, Elena Palmero. II. Universidade Federal

do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, III. Poéticas do desloca-

mento na literatura hispano-canadense contemporânea: a obra de

José Leandro Urbina.

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Aos meus pais, Emilio e Raquel, por me

ensinarem o caminho onde eu deveria andar.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu Deus, razão do meu viver, sem Ele, certamente eu não conseguiria chegar até

aqui.

A minha orientadora, mentora Elena Palmero González, por sua paciência,

compreensão, carinho, por acreditar em mim e por sempre me incentivar a seguir em

frente.

Aos meus pais Emilio Neustadt e Raquel Neustadt que tanto me encorajaram nesta

caminhada.

A minha irmã Mariana Barros que mesmo estando distante geograficamente, sempre me

apoiou, ao meu cunhado Jorge Barros e ao meu sobrinho Jorge III.

A minha família: avós (in memorian), tios, tias, primos e primas.

A todos os meus amigos.

À Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Aos professores que me deram aula na graduação e no mestrado.

Aos meus colegas mestrandos.

Às professoras Dra. Silvia Cárcamo e Dra. Elena Palmero que me ajudaram a adquirir fontes

para a pesquisa.

Aos membros da banca examinadora.

A CAPES pela concessão da bolsa de estudos.

Enfim, a todos que contribuíram de alguma forma para a realização deste trabalho.

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No tengo que verlas para reconstruir sus

imágenes en mi mente, basta con cerrar los

ojos y aparecen con mayor claridad. (José

Leandro Urbina)

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RESUMO

NEUSTADT, Claudia Sulami Ferraz. Poéticas do deslocamento na literatura

hispano-canadense contemporânea: a obra de José Leandro Urbina. Rio de Janeiro,

UFRJ, Faculdade de Letras, 2015. Dissertação de mestrado em Literaturas Hispânicas.

Esta pesquisa propõe mostrar como a escrita do autor José Leandro Urbina, em

permanente deslocamento, produz temas e um modo de escrever muito singular.

Através da análise dos romances Cobro revertido (2003), Las memorias del Baruni

(2009) e El basurario del Baruni (2011) busco uma caracterização geral da práxis

artística do escritor, centrada no tratamento dado ao tema da memória, no problema do

gênero literário e no problema da auto-representação do autor. Tentamos verificar como

a construção e a representação da memória em sua obra, expressa as profundas

influências da mobilidade; também damos atenção ao diálogo intergenérico entre

romance, autobiografia e memórias que o escritor desenvolve em seus textos; além de

examinar os procedimentos de elaboração das figuras do autor, do narrador e da

personagem, em seus jogos de ambiguidade e na órbita do deslocamento genérico. Os

pressupostos teóricos que alicerçam a pesquisa estão em M. Alberca (1996), A.

Apadurai (2001), G. Agamben (2007), J. Amícola (2007), L. Arfuch (2010), R. Barthes

(1984), J. Baudrillard (1991), N. Catelli (2007), M. Foucault (1992), N. García Canclini

(1997), J. Clifford (1995), S. Hall (2003), L. Hutcheon (1989), J. Le Goff (2003), P.

Lejeune (2008), J. Philippe Miraux (2005), S. Molloy (1996), E. Palmero (2010, 2011,

2012), A. Pizarro (2004), J. María Pozuelo (2010), P. Ricoeur (2007), S. Santiago

(2000) e G. Speranza (2008).

Palavras-chave: José Leandro Urbina; literatura hispano-canadense; deslocamento

cultural.

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RESUMEN

NEUSTADT, Claudia Sulami Ferraz. Poéticas do deslocamento na literatura

hispano-canadense contemporânea: a obra de José Leandro Urbina. Rio de Janeiro,

UFRJ, Faculdade de Letras, 2015. Tesis de maestría en Literaturas Hispánicas.

Esta pesquisa propone señalar como la escrita del autor José Leandro Urbina, en

permanente desplazamiento, produce temas y un modo de escribir muy singular. A

través del análisis de las novelas Cobro revertido (2003), Las memorias del Baruni

(2009) y El basurario del Baruni (2011) intento obtener una caracterización general de

la praxis artística del escritor, centrada en el tratamiento dado al tema de la memoria, el

problema del género literario y el problema de la autorepresentación del autor.

Intentamos verificar como la construcción y la representación de la memoria en su obra,

expresa las profundas influencias de la mobilidad; también ponemos atención al dialogo

intergenérico entre romance, autobiografía y memorias que el escritor desarrolla en sus

textos; además de examinar los procedimientos de elaboración de las figuras del autor,

el narrador y el personaje, en sus juegos de ambiguidad y en la órbita del

desplazamiento genérico. Los presupuestos teóricos que basan la pesquisa están en M.

Alberca (1996), A. Apadurai (2001), G. Agamben (2007), J. Amícola (2007), L. Arfuch

(2010), R. Barthes (1984), J. Baudrillard (1991), N. Catelli (2007), M. Foucault (1992),

N. García Canclini (1997), J. Clifford (1995), S. Hall (2003), L. Hutcheon (1989), J. Le

Goff (2003), P. Lejeune (2008), J. Philippe Miraux (2005), S. Molloy (1996), E.

Palmero (2010, 2011, 2012), A. Pizarro (2004), J. María Pozuelo (2010), P. Ricoeur

(2007), S. Santiago (2000) y G. Speranza (2008).

Palabras clave: José Leandro Urbina; literatura hispano-canadiense; desplazamiento

cultural.

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ABSTRACT

NEUSTADT, Claudia Sulami Ferraz. Poéticas do deslocamento na literatura

hispano-canadense contemporânea: a obra de José Leandro Urbina. Rio de Janeiro,

UFRJ, Faculdade de Letras, 2015. Master Thesis in Hispanic Literature.

This reseach proposes to show how the writings of author José Leandro Urbina, in

continuous displacement, haveproduced topics and a very singular way of writing.

Through the analysis of the novels Cobro revertido (2003), Las memorias del Baruni

(2009) and El basurario del Baruni (2011) I looked for the general characterization of

the author‟s praxis, centered in the topic of memory, in the problem of the literacy

gender, and in the problem of the author‟s representation. We attemped to verify how

the construction and representation of memory in Lubina‟s works express the great

influence of displacement; we also gave attention to the intergeneric dialogue between

the novel, autobiography, and the memory the author describes in his works; we also

examined the procedures involved in the creation of the author, the narrator, and the

character, in their ambiguity and genetic displacement. The foundation for this research

can be found in em M. Alberca (1996), A. Apadurai (2001), G. Agamben (2007), J.

Amícola (2007), L. Arfuch (2010), R. Barthes (1984), J. Baudrillard (1991), N. Catelli

(2007), M. Foucault (1992), N. García Canclini (1997), J. Clifford (1995), S. Hall

(2003), L. Hutcheon (1989), J. Le Goff (2003), P. Lejeune (2008), J. Philippe Miraux

(2005), S. Molloy (1996), E. Palmero (2010, 2011, 2012), A. Pizarro (2004), J. María

Pozuelo (2010), P. Ricoeur (2007), S. Santiago (2000) and G. Speranza (2008).

Keywords: José Leandro Urbina; hispanic-canadian literature; cultural displacement.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO----------------------------------------------------------------------------12

I – LITERATURAS EM DESLOCAMENTO: A OBRA DE JOSÉ LEANDRO

URBINA NO CONTEXTO HISPANO-CANADENSE------------------------------------17

1.1 – Deslocamento cultural: generalidades---------------------------------------------------18

1.2 – A literatura hispano-canadense: coordenadas históricas------------------------------23

1.3 – A literatura hispano-canadense: poéticas do deslocamento--------------------------32

1.4 – A obra de José Leandro Urbina no contexto da literatura hispano-canadense-----35

II – MEMÓRIA, GÊNERO E AUTOFIGURAÇÃO AUTORAL EM COBRO

REVERTIDO: PARA UMA CARACTERIZAÇÃO DE UMA POÉTICA DO

DESLOCAMENTO------------------------------------------------------------------------------41

2.1 – A representação da memória em Cobro revertido-------------------------------------42

2.2 – O gênero literário em Cobro revertido--------------------------------------------------47

2.3 – A figuração do autor em Cobro revertido----------------------------------------------56

III – MEMÓRIA, GÊNERO E AUTOFIGURAÇÃO AUTORAL EM LAS MEMORIAS

DEL BARUNI E EL BASURARIO DEL BARUNI: PARA UMA CARACTERIZAÇÃO

DE UMA POÉTICA DO DESLOCAMENTO-----------------------------------------------62

3.1 – A representação da memória na saga de Baruni/Urbina------------------------------63

3.2 – O gênero literário na saga de Baruni/Urbina-------------------------------------------68

3.3 – A figuração do autor na saga de Baruni/Urbina----------------------------------------82

CONCLUSÕES-----------------------------------------------------------------------------------87

REFERÊNCIAS-------------------------------------------------------------------------------------------89

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INTRODUÇÃO

Esta investigação pretende colaborar para uma caracterização geral da literatura

produzida por uma comunidade emigrada de origem hispânica no âmbito do Canadá.

Este trabalho se iniciou no segundo semestre de 2010 quando fui apresentada a Profa.

Dra. Elena Palmero González por intermédio do Prof. Dr. Júlio Daloz. Tornei-me, então

aluna bolsista de Iniciação Científica do CNPQ e também passei a integrar o projeto de

pesquisa Deslocamento cultural e processos literários nas letras hispânicas

contemporâneas: a literatura hispano-canadense, organizado por Palmero González.

Minha participação nesse projeto se sustenta no estudo da obra de José Leandro Urbina,

um escritor chileno que produz a maior parte de sua obra no Canadá. Atualmente faço

parte desse projeto como aluna do Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas,

mas, meu primeiro contato com a literatura hispano-canadense se deu sendo bolsista de

iniciação científica, período em que me dediquei a estudar as antologias literárias de

escritores hispano-canadenses. Esse trabalho com antologias, como fonte de

historiografia literária e lugar de memória cultural, ofereceu subsídios ao projeto geral

do qual participava e ainda teve resultados individuais, que foram apresentados em

jornadas científicas. Não obstante, na medida em que me debruçava na pesquisa foi

preciso desenvolver recortes científicos. Foi assim que percebi que seria conveniente

focalizar o estudo na obra de um escritor de singular relevância no universo hispano-

canadense, a obra do autor José Leandro Urbina.

Estudo assim nesta dissertação a obra de José Leandro Urbina,

especificadamente nos seus romances intitulados Cobro revertido (2003), Las memorias

del Baruni (2009) e El basurario del Baruni (2011), tendo como o objeto caracterizar na

escrita do autor alguns rasgos do que Elena Palmero (2010,2011,2012) define como

uma poética do deslocamento.

As profundas mudanças do mundo contemporâneo, trazidas pelo

desenvolvimento acelerado dos meios de comunicação e a mobilidade de grandes

grupos humanos, tem transformado nossa sociedade e consequentemente nossa

subjetividade (Appadurai, 2001). O próprio conceito de cultura tem se enriquecido ao

incorporar outras maneiras de pensar a fixação e o movimento. A ideia de cultura

baseada no deslocamento corresponde a uma noção de identidade que não se refere a

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um local, ela está necessariamente relacionada ao deslocamento e à relocalização

(Clifford, 1995). Nesse contexto, escritores latino-americanos, como Leandro Urbina,

que vivem a experiência do deslocamento, assumem um lugar enunciativo híbrido e

produzem uma obra marcada pelo transcultural. O ponto de vista na obra desses autores

é impuro como aponta o conceito de hibridismo (Canclini, 1995). Diante dessa

realidade, nos perguntamos: como se articulam os processos da memória e da

imaginação, as dinâmicas da fixação e do movimento, os questionamentos identitários

numa escrita produzida em condições de mobilidade cultural? Como caracterizar essa

escrita partindo do estudo dos romances Cobro revertido (2003), Las memorias del

Baruni (2009) e El basurario del Baruni (2011) do escritor Leandro Urbina?

Em relação às hipóteses desta pesquisa pode-se dizer que os procedimentos de

elaboração das figuras do autor, do narrador e da personagem nos romances Cobro

revertido (2003), Las memorias del Baruni (2009) e El basurario del Baruni (2011)

podem ser estudados na órbita do deslocamento genérico. Interessa nesta pesquisa

vincular essa singularidade escritural a uma poética geral do deslocamento. Romance,

memórias, autobiografia e autoficção são gêneros narrativos colocados em questão a

partir de um produtivo exercício auto-reflexivo e metaficcional. Nesse jogo de ficções, a

figura autoral e suas experiências vitais aparecem textualizadas, podendo ser

interpretadas à luz de uma poética do deslocamento. Na mesma direção, vinculamos o

tratamento dado ao tema da memória a essa poética escritural, considerando que a

memória funciona nestes textos no jogo ambíguo da lembrança e do esquecimento, no

permanente movimento de apagamento e elaboração criativa, pois a memória, como em

todo sujeito deslocado, é para Urbina, um exercício criativo.

Para atender essas hipóteses, foram delimitados os seguintes objetivos gerais:

Desenvolver um trabalho com fontes teóricas e críticas, na órbita das poéticas do

deslocamento e colaborar com nosso estudo para uma caracterização geral da literatura

produzida por uma comunidade emigrada de origem hispânica no âmbito do Canadá.

Quanto aos objetivos específicos, estes estiveram centrados em: Analisar os romances

Cobro Revertido, Las memorias del Baruni e El basurario del Baruni, em algumas de

suas coordenadas temáticas, compositivas e comunicativas, assim como integrar análise

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dos textos ao exercício interpretativo, procedendo ao estudo das obras na órbita das

poéticas do deslocamento.

A escrita de José Jeandro Urbina em permanente deslocamento gera temas e

uma maneira de escrever muito particular, essas são questões que despertaram o meu

interesse. Dentro de uma caracterização geral dessa poética escritural, irei nesta

dissertação centrar em três problemas: o tratamento dado ao tema da memória, o

problema do gênero literário e o problema da auto-representação autoral. Estes três

problemas Palmero González (2011, 2012) e outros críticos como Luis Torres (2002) e

Hugh Hazelton (2007) associam como uma poética das escritas em deslocamento. Para

desenvolver uma discussão em torno a esses problemas preparei três capítulos, um

primeiro capítulo de contextualização da obra de José Leandro Urbina, e os outros dois

de análise da sua obra narrativa, um dedicado à análise do romance Cobro revertido

(2003) e outro em que analiso conjuntamente Las memorias del Baruni e El basurario

del Baruni. Reúno estes dois romances num mesmo capítulo pelo fato de que ambos os

textos têm sido sistematicamente apresentados pelo escritor como partes de uma saga.

Trata-se de uma coleção de volumes que integram as memórias do personagem José

Luiz Baruni, editadas por Leandro Urbina.

No primeiro capítulo desta dissertação, em sua parte introdutória, apresento uma

caracterização geral do mundo contemporâneo - marcado pelos intensos fluxos

migratórios humanos e pelo trânsito acelerado de imagens, informações e ideias - isto

porque minha pesquisa se insere a esse contexto histórico e cultural. Para apoiar essa

caracterização recorri a importantes teóricos da cultura como Homi K. Bhabha (1998),

Jesús Martín-Barbero (1997) e Zygmunt Bauman (2001). Para uma caracterização do

pós-modernismo, como estética que se corresponde ao período histórico da pós-

modernidade acudi à crítica canadense Linda Hutcheon em seu livro Poética do Pós-

modernismo (1991).

Entrando propriamente no tema do deslocamento cultural, recorri ao

pensamento da ensaísta Elena Palmero González, quem considera que o deslocamento

cultural, além de ser uma maneira de estar no mundo e consequentemente um lugar de

enunciação, pode-se constituir também em uma metodologia de trabalho crítico e

historiográfico e em uma poética da escrita. Essas considerações são amplamente

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discutidas no verbete „Deslocamento‟, que a autora preparou para o Diccionario das

mobilidades culturais: percursos americanos (Bernd, 2010, p. 57-81) e em outros de

seus estudos críticos. Nesse âmbito do deslocamento acudi a escritores como Arjun

Appadurai (2001), quem argumenta que a sociedade contemporânea gerou uma nova

subjetividade profundamente marcada pelo desenvolvimento acelerado dos meios de

comunicação e pela intensidade dos movimentos migratórios de caráter global; ao

antropólogo James Clifford (1995), quem articulou o deslocamento a todo seu

pensamento sobre a cultura; ao teórico jamaicano Stuart Hall (2003), quem estuda o

conceito de diáspora nas atuais condições de translocalidade; ao crítico argentino Nestor

García Canclini, (1997) e sua teorização das culturas híbridas e ao crítico literário

Silviano Santiago (2000), quem lê a cultura latino-americana e o lugar do intelectual

latino-americano desde o entre-lugar. É nesse entre-lugar definido por Santiago que os

escritores latino-americanos que viveram a experiência do deslocamento se situam.

Sob a ótica do pensamento de tais teóricos podemos entender como o

deslocamento interfere na escrita de muitos escritores que vivenciam essa experiência.

Para visualizar algumas características particulares na literatura desses escritores,

observamos um corpus muito singular, a literatura hispano-canadense, um sistema

literário que se configurou a partir dos processos migratórios que caracterizam os

últimos cinquenta anos do século XX. Começando pelas coordenadas históricas da

literatura hispano-canadense exponho como hoje já podemos verificar três gerações

dentro do âmbito da literatura hispano-canadense; isso nos possibilitará ver escritores

com diferentes perspectivas, também nos permitirá distinguir, por exemplo, variações

de temas e distintas influências estéticas. A fim de verificar essas distintas perspectivas

apresento um panorama atendendo as observações de Hugh Halzeton no seu ensaio La

soledad del exilio: marginalidad y aislamiento en la literatura latinocanadiense (2005)

e um panorama mais recente apoiado nos comentários segundo Norman Cheadle em El

Canadá americano de Alejandro Saraiva (2011) ensaio em que o crítico estuda uma

geração hispano-canadense mais nova, sem vínculos diretos com o tema do exílio, nem

com o país de origem. Este panorama histórico nos permite avançar em nossa reflexão,

para caracterizar, as poéticas e as práticas de escritura dominantes na atual literatura

hispano-canadense. Neste contexto apresento o estudo desenvolvido por Palmero

González (2011) intitulado Desplazamiento cultural y procesos literarios en las letras

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hispanoamericanas contemporáneas: la literatura hispano-canadiense. A ensaísta

estuda o tema de uma topografia imaginária na obra de escritores hispano-canadenses,

como um dos traços que caracterizariam essa poética. Terminado este tópico apresento

uma caracterização geral da obra de Leandro Urbina no contexto hispano-canadense e

um rápido balanço da crítica sobre a obra de Urbina.

No segundo capítulo analiso o romance Cobro revertido a partir de três

problemas fundamentais que vinculo à caracterização de uma poética do deslocamento:

o tema da memória e sua representação ficcional, o problema do gênero literário,

híbrido e ambíguo neste caso e o problema da auto-representação do autor.

O terceiro capítulo está dedicado ao estudo de Las memorias del Baruni e El

basurario del Baruni . Aqui reitero o plano de estudo desenvolvido no capítulo anterior,

no referido ao tratamento dado ao tema da memória, ao problema do gênero literário e

ao problema da autofiguração autoral, no intuito de completar uma caracterização da

poética escritural de Urbina, vinculando seu proceder estético ao que alguns críticos

caracterizam como uma poética do deslocamento.

Espero que este trabalho contribua com o desenvolvimento da crítica da

literatura hispano-canadense e da obra de Leandro Urbina no Brasil, assim como com o

trabalho de caracterização crítica e historiográfica da atual literatura latino-americana

que se produz em condições de deslocamento cultural.

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Literaturas em deslocamento: a obra de José Leandro

Urbina no contexto hispano-canadense

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1.1 DESLOCAMENTO CULTURAL: GENERALIDADES

O período histórico que chamamos de pós-modernidade ficou caracterizado na

história da cultura por ser um momento de grandes mudanças. A economia, a sociedade

e a tecnologia experimentaram transformações aceleradas. A ciência e a cultura

vivenciaram um período extraordinário de desenvolvimento e fecundidade; enquanto

que a arte e a literatura têm se submetido ao impacto dos novos meios de comunicação e

à mobilidade de grandes grupos humanos, provocando uma verdadeira transformação

nas identidades de grupos e na própria percepção do identitário.

No intuito de apresentar uma caracterização geral do mundo contemporâneo, isto

porque minha pesquisa se insere a esse contexto histórico, recorro a importantes autores

que teorizaram sobre várias questões que se vinculam ao tema do deslocamento cultural.

Considerando as importantes argumentações do teórico indiano Homi K. Bhabha

em seu livro O local da cultura (1998), colocar a questão da cultura no âmbito do além

é a metáfora dos tempos atuais. A existência é hoje evidenciada por uma sensação de

viver nas fronteiras do “presente”, para as quais parece existir somente o atual e

controverso deslizamento do prefixo “pós”.

De acordo com o autor, “é na emergência dos interstícios [...] que as

experiências intersubjetivas e coletivas de nação, o interesse comum ou o valor cultural

são negociados” (BHABHA, 1998, p. 20). O ensaísta questiona de que maneira os

sujeitos são formados nos “entre-lugares”, nos excedentes da soma das partes da

diferença usualmente expressas como raça, classe, gênero e etc. A força dessa questão é

corroborada pela linguagem de recentes crises sociais detonadas por histórias de

diferença cultural. A articulação social da diferença, da perspectiva da minoria, é uma

negociação complexa, em andamento, que busca dar autoridade aos hibridismos

culturais emergentes em momentos de mudança histórica.

Enfim, conforme exprime Bhabha estar no além, é habitar um espaço

intermediário como qualquer dicionário poderá informar, porém residir no além é ainda

ser parte de um tempo revisionário, um regresso ao presente para redescrever a

contemporaneidade cultural; reinscrever a comunalidade humana histórica; tocar o

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futuro em seu lado de cá. Dessa maneira, o espaço intermediário além se torna um

espaço de intervenção no aqui e no agora. Bhabha descreve:

O trabalho fronteiriço da cultura exige um encontro com “o novo” que

não seja parte do continuum de passado e presente. Ele cria uma ideia do novo

como ato insurgente de tradução cultural. Essa arte não apenas retoma o

passado como causa social ou precedente estético; ela renova o passado,

refigurando-o como um “entre-lugar” contigente, que inova e interrompe a

atuação do presente. O “passado-presente” torna-se parte da necessidade, e não

da nostalgia, de viver (Bhabha, 1998, p. 20).

O filósofo espanhol-colombiano Jesús Martín-Barbero, pesquisador das relações

entre comunicação e cultura e um dos expoentes nos estudos culturais contemporâneos,

em seu livro Dos meios às mediações (1997) reflete sobre a cultura vinculando-a a

aspectos da política, da sociedade e dos costumes sociais. Barbero seleciona as

mediações em contraposição aos meios. Para o autor, o que é significativo é entender o

processo comunicativo, em sua obscuridade e em suas singularidades. A comunicação

deve ser utilizada como um meio de pensar e enfrentar as questões da atualidade.

De acordo com Barbero, os fatos recorrentes, os processos sociais da América

Latina alteraram o objeto de estudo dos investigadores da comunicação e da cultura. A

questão transnacional designa uma fase dentro da dinâmica do capitalismo, na qual o

âmbito da comunicação passa a ter papel decisivo, que é a guinada para a

internacionalização de um modelo político. Assim afirma:

Como a transnacionalização opera principalmente no campo das

tecnologias de comunicação, é no campo da comunicação que a questão

nacional encontra o seu ponto de fusão. E isto ocorre tanto na esfera das

relações entre classes quanto no âmbito das relações entre os povos e as etnias,

que convertem a Nação em palco de contradições e conflitos inéditos, cuja

validez social não cabe mais nas fórmulas políticas tradicionais, já que estão

trazendo à luz novos atores sociais que questionam a cultura política

tradicional tanto da esquerda quanto da direita (BARBERO, 1997, p. 283).

Nesta caracterização da sociedade contemporânea que tento expor de maneira

rápida e preliminar, não é possível deixar de mencionar o trabalho do filósofo polonês

Zygmunt Bauman (2001), em sua obra Modernidade Líquida examina as

transformações que a sociedade contemporânea experimentou em relação ao

individualismo, também em relação ao convívio nas esferas do trabalho, família e em

comunidade, num cenário onde o tempo e espaço tornaram-se líquidos e relativos. O

principal propósito dessa ideia de liquidez proposta por Bauman é a substituição de

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regras e padrões das relações sociais desenvolvidas de forma deficiente para trocá-las

por novos padrões sociais. Para Bauman, a modernidade líquida é um momento em que

a sociabilidade humana experimenta uma transformação assinalada pelo desapego;

provisoriedade e um ligeiro processo de individualização.

Essa modernidade líquida, que outros autores chamam de pós-modernidade, se

expressa em todos os âmbitos da vida social, e consequentemente na criação artística e

cultural. Nesse sentido, podemos falar de uma poética do pós-modernismo. Segundo a

crítica canadense Linda Hutcheon em seu livro Poética do Pós-modernismo (1991), o

pós-modernismo é um fenômeno antagônico, “que usa e abusa, instala e depois

subverte” (HUTCHEON, 1991, p.19), os mesmos conceitos que enfrenta. Aquilo que a

autora quer chamar de pós-modernismo é:

[...] fundamentalmente contraditório, deliberadamente histórico e

inevitavelmente político. Suas contradições podem muito bem a ser as mesmas

da sociedade governada pelo capitalismo recente, mas, seja qual for o motivo,

sem dúvida essas contradições se manifestam no importante conceito pós-

moderno da “presença do passado”. Não é um retorno nostálgico; é uma

reavaliação crítica, um diálogo irônico com o passado da arte e da sociedade, a

ressurreição de um vocábulo de formas arquitetônicas criticamente

compartilhado (HUTCHEON, 1991, p. 20).

Hutcheon considera o pós-modernismo como um processo ou como uma

atividade cultural em processo. Para a autora, o que necessitamos é de uma poética, uma

estrutura teórica aberta, em constante transformação, com a qual possamos ordenar

nosso conhecimento cultural e nossos procedimentos críticos (HUTCHEON, 1991, p.

31-32).

O deslocamento cultural é sem dúvidas um dos temas chave do mundo

contemporâneo. Imperante em um mundo como o que vivemos hoje, marcado pelo

paradigma do transnacional, podemos percebê-lo como uma realidade cultural, como

uma metodologia de trabalho, essencial para estudar hoje processos culturais, além de

articular também poéticas da criação. Com razão, Elena Palmero González argumenta

que o deslocamento cultural, além de ser uma maneira de estar no mundo e,

consequentemente, um lugar de enunciação, pode-se constituir também em uma

metodologia de trabalho crítico e historiográfico e em uma poética da escrita (Palmero

González, 2010, p. 57).

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O deslocamento no âmbito dos estudos culturais permite remetermos a

diferentes formas de mobilidade: física, espiritual, linguística; a práticas coincidentes de

emigração, mas não equivalentes como exílio, diáspora, êxodos, nomadismos, e está

ligada a uma noção de identidade também vista na esfera da mobilidade. Ainda pode ser

compreendido como vivência dos sujeitos, sendo assim um conceito essencial nos

estudos a respeito do imaginário e da memória cultural (Palmero González, 2010, p.57-

58).

O conceito de deslocamento é importante para se estudar nossa “modernidade

desbordada”. Segundo o teórico da cultura Arjun Appadurai, a sociedade

contemporânea gerou uma nova subjetividade, profundamente marcada pelo

desenvolvimento acelerado dos meios de comunicação e pela intensidade dos

movimentos migratórios de caráter global (Appadurai, 2001). Ambos elementos

geraram um movimento (de pessoas, de imagens, de informações) sem igual na história

da cultura, daí que, para Appadurai, o signo do nosso tempo seja o deslocamento.

Não por acaso, o antropólogo James Clifford, articula ao deslocamento todo seu

pensamento sobre a cultura. Em sua obra Dilemas de la cultura. Antropología,

literatura y arte en la perspectiva posmoderna (1995), o autor estuda variadas práticas

de mobilidade para concluir que todas as culturas foram originariamente nômades. O

pensamento de Clifford sobre a ideia de cultura baseada no deslocamento tem

equivalência a uma noção de identidade também vista na órbita da mobilidade. De

acordo com o autor, a identidade não se refere somente a um local; está necessariamente

relacionada ao deslocamento e à relocalização, por esse motivo é plural e possui várias

faces. Além disso, podemos afirmar que os pensamentos de Clifford nos levam a

perceber que as identidades diaspóricas, fronteiriças e híbridas têm como tendência a

união de idiomas, tradições, imaginários de maneira totalmente criativa.

Na perspectiva cultural do teórico jamaicano Stuart Hall (2003) o conceito

fechado de diáspora entra em crise. Segundo Hall, não é possível identificar uma origem

homogênea e autêntica, principalmente para o mundo americano. Para o autor, a cultura

que a todo momento estamos produzindo, construindo, está relacionada ao lado móvel e

criativo do conceito. De acordo com Hall, as estéticas das diásporas não são puras, estas

reutilizam matérias primas, recodificam linguagens, num processo de interação com as

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culturas de adoção, delas se alimentam e a elas alimentam, sendo assim estéticas da

fertilização.

O teórico argentino Nestor García Canclini, que desenvolveu um importante

estudo sobre culturas híbridas nas últimas décadas do século XX (1997), discute os

cruzamentos culturais nascidos da experiência dos exílios e das novas raízes. O autor

destaca que o deslocamento cultural tão discutido hoje em dia, não é realmente um

fenômeno novo na cultura latino-americana, este já era uma realidade para nossos

escritores modernos que produziram sua obra no exílio. O ponto de vista expresso nas

obras destes escritores não é homogêneo, é ao contrário impuro como propõe o conceito

de hibridismo. Porém, o verdadeiramente novo seria a forma multiplicada e extensiva

com que essa realidade toma conta dos escritores contemporâneos latino-americanos.

Já para o crítico literário Silviano Santiago o lugar da cultura latino-americana e

do intelectual latino-americano tem sido desde sempre o entre-lugar. O entre-lugar de

Santiago (2000) desprivilegia uma ideia homogênea do nacional ao priorizar as diversas

exclusões. Santiago articula o local, o nacional e o global com indiferença ao

eurocentrismo. Elimina a primazia do conceito de origem, critica os conceitos de

unidade e pureza na cultura e possui uma visão de proliferação e fecundação do

continente latino-americano. É nesse entre-lugar definido por Santiago que os escritores

latino-americanos, que viveram a experiência do deslocamento se situam. Nesse lugar

intermediário, esses escritores perdem um pouco de sua cultura, mas em contrapartida

ganham da nova cultura que estão em contato. Santiago afirma:

La mayor contribuición de América Latina a la cultura occidental

viene de la destrucción sistemática de los conceptos de unidad y de pureza:

estos dos conceptos pierden el contorno exacto de su significado, pierden su

peso opresor, su signo de superioridad cultural, a medida que el trabajo de

contaminación de los latinoamericanos se afirma, se muestra cada vez más

eficaz. América Latina instituye su lugar en el mapa de la civilización

occidental gracias al movimiento de desvío de la norma, activo y destructivo,

que transfigura los elementos acabados y inmutables que los europeos

exportaban al Nuevo Mundo (SANTIAGO, 2000, p. 67-68).

Estas delimitações teóricas nos permitem visualizar o deslocamento como traço

definitório do nosso tempo. As práticas culturais dos sujeitos que vivenciam o

deslocamento estão definitivamente marcadas por ele, assim como os sistemas literários

que se desenvolvem em condições de mobilidade e novos enraizamentos. Para

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aprofundar neste tema, me detenho a seguir na caracterização de um corpus literário

muito singular no contexto das Américas, trata-se da literatura hispano-canadense.

1.2 A LITERATURA HISPANO-CANADENSE: COORDENADAS HISTÓRICAS

Ana Pizarro (2004), em sua caracterização das áreas culturais da América

Latina, enfatiza a necessidade de se considerar uma zona cultural de natureza

extraterritorial, transnacional e multilíngue que se desenha claramente a partir da

migração de cidadãos latino-americanos para os EUA no século XX. Elena Palmero

González (2011), por sua parte, insiste na necessidade de estender os limites dessa área

e pensar também na literatura produzida por escritores latino-americanos no Canadá.

A literatura hispano-canadense é um sistema literário que se configurou a partir

dos processos migratórios que caracterizam os últimos cinquenta anos do século XX.

Suas origens se remontam à chegada de emigrados espanhóis do franquismo a terras

canadenses, porém, foi a emigração de cidadãos latino-americanos nos anos sessenta do

século XX que deu um perfil mais homogêneo e definitivo à literatura hispano-

canadense.

Inicialmente a literatura hispano-canadense se concentrou na produção dos

exilados políticos chilenos e argentinos dessa época, porém mais tarde com as

imigrações em massa dos anos 70 e 80 de latino-americanos provenientes de outros

países, as letras hispano-canadenses começam a tomar grandes dimensões. Hoje, o

panorama é bem dinâmico, pois articula a essas duas camadas geracionais anteriores, a

produção literária de uma geração que emigrou muito jovem (filhos dos primeiros

emigrados políticos) ou que nasceu no Canadá.

As primeiras publicações em espanhol de escritores latino-americanos no

Canadá saem no final dos anos 70 e inícios dos 80. Atualmente existem várias editoras

no Canadá produzindo material que compreende os principais gêneros literários.

Notoriamente a literatura hispano-canadense vem se institucionalizando no Canadá,

sobretudo a partir do momento em que a própria crítica hispano-canadense começa dar

atenção a esse corpus literário e quando essa literatura se torna presente nos meios

acadêmicos canadenses e norte-americanos. Infelizmente, em ambientes hispânicos da

América Latina a crítica não tem demonstrado o mesmo interesse que as academias

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norte-americanas e canadenses por essa literatura. No Brasil, essa reflexão crítica é

relativamente recente e está articulada, fundamentalmente ao trabalho do GT/ANPOLL

Relações Literárias Interamericanas, assim como a produção científica de alguns

programas de pós-graduação do país.

Os escritores que emigraram nos anos 60, fundamentalmente exilados políticos

dos regimes ditatoriais do Cone Sul, desenvolveram uma literatura ambientada quase

que totalmente no seu país de origem clamando de maneira comovente por uma justiça

econômica e social. Para estes escritores o Canadá era apenas um país de abrigo pelo

qual eles não tinham nenhum vínculo cultural. Para alguns deles a dura realidade

traumática da repressão ainda está muito viva, por isso ainda que estejam fisicamente no

Canadá, vivem com o pensamento em seu país natal.

Já no caso dos escritores que emigram a partir dos anos oitenta, as razões da

emigração são mais variadas e se observa neles outro grau de identificação com o

ambiente multicultural de Canadá.

Deve observar-se que a literatura hispano-canadense se desenvolve

paralelamente às literaturas já existentes nos idiomas oficiais do Canadá. Alguns

escritores passam a escrever ou traduzir suas obras ao inglês e ao francês, porém nem

todos abandonam a língua espanhola. Assim a literatura hispano-canadense se

desenvolve dentro de um ambiente no qual o multicultural é dominante.

Como explica Palmero González (2011), a literatura hispano-canadense

apresenta-se na sua constituição, como um corpus heterogêneo. Apesar de existir uma

unidade linguística que dá coerência a esse corpus literário, similares experiências de

emigração e diáspora, assim como afinidades estéticas ostensivas entre os escritores que

participam dessa práxis, é evidente nessa literatura a diversidade. Em primeiro lugar,

pela origem dos escritores, procedentes de diversos países de língua espanhola, estes

chegam ao Canadá formados em diferentes tradições literárias. Além disso, existem

relações naturais com outras literaturas produzidas por comunidades latino-americanas

não hispânicas como é o caso de brasileiros, caribenhos, francófonos e inclusive com

comunidades que não possuem um tronco latino, mas que estão ali compartilhando a

experiência da imigração no Canadá. Considera-se ainda que o estabelecimento destes

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escritores se produz num país com dois eixos culturais dominantes, anglófono e

francófono, eixos com os quais os escritores hispano-canadenses têm tido que manter

uma relação de negociação cultural. Sem falar no eixo temporal já referido, das

diferentes camadas geracionais dentro da literatura hispano-canadense.

Ocorre nesse contexto uma grande integração cultural entre eles, o que resultará

num ambiente literário rico, onde o conceito fechado de cultura, língua e literatura

nacional num sentido homogêneo é posto em crise.

Hoje já podemos verificar três gerações dentro do âmbito da literatura hispano-

canadense; isso nos possibilitará ver escritores com diferentes perspectivas, também nos

permitirá distinguir, por exemplo, variações de temas e distintas influências estéticas. A

circunstância temporal permite suscitar nos escritores mais antigos temas de violência

política, a nostalgia da terra natal e a síndrome de Ulisses. Já nos escritores que

chegaram mais recentemente pode-se verificar uma visão mais harmônica do exilado,

onde o ato de se apropriar do intercultural se converte em elemento identitário.

Com relação aos escritores mais jovens pode-se dizer que o deslocamento é

assimilado como estado natural, pois o tema da imigração não é central nas suas

produções literárias, nem mesmo o protagonista desses textos se mostra em crise com

relação a sua identidade exilada ao se assumir como alguém que vive uma nova cultura.

A vivência diaspórica vai se transformando com o acelerado desenvolvimento dos

meios de comunicação, com as novas subjetividades que surgem, enfim com as novas

formas de imaginação.

Também é importante mencionar que já é possível visualizar uma nova geração

de escritores de origem hispano-americana que nasceram no Canadá ou que migraram

ainda menino. Nestes a condição bicultural é assumida naturalmente e sem traumas.

O crítico literário da literatura hispano-canadense Hugh Hazelton no seu ensaio

La soledad del exilio: marginalidad y aislamiento en la literatura latinocanadiense

(2005) faz um balanço histórico e explica que para os primeiros emigrados, nos

primeiros dez anos de sua vida no Canadá era típica uma orientação temática quase que

total para seu país de origem, com uma indiferença contundente pelo novo. De acordo

com o pensamento de Hazelton, o autor dessa geração vive no exílio, com poucos elos

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com o seu país de adoção, porém com uma visão bastante assimilada do seu país de

origem; fisicamente está no novo ambiente, mas mentalmente está no antigo.

De acordo com Hazelton, alguns escritores começam a se distanciar desse

desapego pelo país de origem antes que outros. É o caso, por exemplo, do contista

chileno Hernan Barrios. Em seu primeiro livro de contos, Landed Immigrant (1990),

Barrios insiste no tema da nostalgia do país de origem, assim como o desejo de retornar

a sua amada pátria, escrevendo contos ambientados no Canadá, vividos por personagens

latinos, formando uma só realidade. “Las noctilucas” ilustra bem esse aspecto, quando o

autor relata a alegria de um pai chileno que encontra um plâncton fosforescente que

conheceu no Chile, durante uma viagem a praia no estado de Maine. O pai vê o

plâncton como um vínculo que liga seus filhos canadenses a realidade chilena,

diminuindo assim sua alienação e solidão.

Hazelton explica que a aceitação da dualidade pode sofrer oposições, como é o

caso do escritor e dramaturgo espanhol Alberto Kurapel. Residindo vários anos em

Montreal, Kurapel transforma seu exílio na metáfora principal de sua obra, mesmo

tendo conseguido adaptar-se com mais êxito do que Barrios à literatura quebequense.

Kurapel, por exemplo, conseguiu conquistar tanto financiamento como público e

interesse por sua obra, tanto em Quebec como no Canadá de língua inglesa. Mas mesmo

assim, se concentrou no tema da luta para liberar sua pátria, da alienação, e do

isolamento do exilado.

Para Kurapel, o exílio se transformou em símbolo universal da solidão

existencial do ser humano, como se poderá ver em escritos posteriores, influenciados

por Artaud e Brecht, e com uma estampa experimental e vanguardista. Em 1997,

Kurapel volta ao Chile, e mesmo assim rejeita firmemente a possibilidade de integração

a todo tipo de sociedade, com exceção de suas primeiras obras literárias. Seu grupo de

teatro, por exemplo, se chamava “La Compagnie des Arts Exilio”.

Também existem muitos autores que elegem um caminho artístico que não passa

pelo exame do exílio. O romancista mexicano Gilberto Flores Patiño, por exemplo,

ambienta seus escritos no México, seu país de origem. A totalidade de sua obra, muito

reconhecida nas letras quebequenses, acontece no México.

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Outros autores, diferentemente de Patiño, receberam uma influência por uma

militância social mais extremada, denunciando assim o autoritarismo de seu próprio

país, e se adaptando ao discurso político de seu país adotivo. O escritor Alfredo

Lavergne, um poeta chileno que vive em Quebec e Ontario, dirige boa parte de sua obra,

composta de doze volumes, ao tema da injustiça social canadense, tornando-se assim

um exemplo dessa adaptação ao discurso político de seu país adotivo.

No entanto, em suas mais recentes obras, Lavergne tem começado a projetar sua

eterna militância, em direção ao dilema do exílio, de maneira cômica. No poema “Y en

la radio...Marjo cantaba”, por exemplo, um imigrante norte-americano faz amor com

uma jovem quebequense, na tentativa de superar seu isolamento. É interessante observar

que em El Puente (1995), há uma série de poemas muito maior sobre o exílio, que

relatam como o sujeito enunciador, neste caso uma representação do próprio autor,

aventura-se em uma viagem ao seu país de origem, mas acaba não encontrando um

espaço físico ou psicológico que seja verdadeiramente seu. Este então percebe que após

passar vários anos longe de sua terra natal, tornou-se um estrangeiro na mesma.

A aceitação filosófica da solidão essencial da existência é a ponte que transcende

a angústia do exílio, em seu poema final, o sujeito enunciador conclui que todos os

habitantes das Américas são “transterrados”. Este neologismo implica tanto o

desarraigamento quanto a busca de novos territórios. Espera-se que ao atravessar esta

ponte, o exilado descubra finalmente um lugar, concluindo, então que sua verdadeira

pátria reside no seu foro interior.

Hazelton ainda acrescenta o exemplo da escritora chilena de Vanvouver, Carmen

Rodriguez, quem escreve sobre a angústia e aceitação do exílio. Rodriguez possui uma

grande afinidade com a língua e a literatura inglesa. O golpe de estado no Chile em

1973, fez com que esta autora imigrasse para o Canadá. Lá, a mesma se especializou em

inglês, chegando a ensinar o idioma no Chile, Bolívia, e Argentina. Hoje está engajada

em projetos de alfabetização adulta no Canadá, assim como no comitê de redação da

revista bilíngue Aquelarre, que se concentra na condição feminina nas Américas.

Rodriguez faz “versões” de seus poemas e contos em inglês e espanhol. Seu

poemario Guerra prolongada/Protected War saiu em edição bilíngue em 1992 em

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Toronto. Sua coleção de contos foi publicada primeiro em espanhol (1997) com o título

De cuerpo intero, e em inglês, alguns meses depois como And a Body to Remember

with. Muito sugestivas são as afirmações de Rodriguez, que Hazelton cita e traduz:

[...] en los últimos diez años he movido de chilena a chileno-guión-

canadiense. Vivo aquí, trabajo aquí, lucho aquí, escribo aquí. [...] Pero no

puedo olvidar de donde soy. Mi corazón vive aquí también, pero siempre mira

al sur. Por eso he llegado a la conclusión de que vivo en un guión" (apud

Hazelton, 2005, p. 05).

De acordo com Hazelton, Rodriguez trata do enigma do exílio, assim como a

paixão angustiante de voltar à pátria de origem através de seus contos. O melhor

exemplo encontra-se em “Agujero negro”, que examina a ambiguidade que subjaze da

decisão de um casal chileno de imigrar ao Canadá. Neste conto, Estela, a esposa se

identifica com certas imagens que havia visto em um antigo número da National

Geographic.

Neste conto podemos encontrar inúmeros diálogos entre Estela e sua mãe que

reside no Chile. Próximo ao fim, a mãe interrompe uma visita a sua filha e família, e

regressa ao Chile, de onde escreve:

Siento una pena muy honda, la gente no entiende el significado de

la palabra "exilio". El pelo de Manuel, totalmente blanco, y el dolor que tú

llevas en los ojos, hija, no quise decirte nada cuando estuve allá, pero no

puedo guardármelo más. [...] Te ves bien, pero tus ojos están tan tristes. Yo

te conozco, Estela, por algo eres mi hija, y sé que algo murió adentro tuyo

(apud Hazelton, 2005, p.06).

Após seis anos, a mãe liga para Estela e lhe dá a feliz notícia de que seu nome, e

de seu marido não se encontram mais na lista negra dos militares. A partir de então,

Estela começa a recuperar seus costumes e ritos chilenos, chegando a sonhar durante a

noite que caminha por lugares oníricos que misturam as praias chilenas e as ruas de

Vancouver. Porém, uma noite ela sonha que se encontra rodeada por buracos negros, e

cai de costas dentro de um deles.

[...] sin tener de qué agarrarse, ni una cara, ni un tulipán, ni una

montaña, porque las efímeras imágenes que se le aparecían se borroneaban

al instante transformándose en más y más negrura. Gritó desesperada con

los brazos y las manos extendidas. Al darse cuenta de que estaba rodeada

por la nada, quiso abrazar su propio cuerpo, sólo que entonces se dio cuenta

de que su cuerpo era el agujero y el agujero era ella. Lo único nítido en

medio de la negrura total fue su voz, atrapada ahora en su garganta, tratando

de recordar cómo se pide auxilio... pero, ¿en qué idioma? (apud Hazelton,

2005, p. 07).

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Por muitos anos, Estela reprimia contradições que a mesma não percebia, porém

foram imediatamente detectadas por sua mãe. Neste momento lhe sobrevém uma

apoteose de angústia e insegurança. Ela percebe que está sozinha, uma náufraga em

nenhuma parte.

O dilema complexo da aceitação do exílio tem sido expressado através de

metáforas ambíguas por dois autores hispano-canadenses muito distintos entre si. O

primeiro deles é Jorge Etcheverry, um poeta, prosista, crítico e artista visual chileno que

se instalou em Ottawa nos anos setenta. Etcheverry teve dificuldades em adaptar-se a

vida despolitizada e anti-séptica do Norte, assim como a uma tradição literária

completamente alheia, a um estilo anglo-canadense de poesia direta e narrativa, afim às

tendências experimentais da poesia chilena dos setenta. O romance De chacharas y

largavistas, publicado em Ottawa em 1993 é um dos resultados desta marginalização

literário-cultural. Pedro Jorquera, o protagonista, é um exilado chileno que vive sozinho

em Ottawa. Um dia ele descobre um excelente binóculo aparentemente abandonado

num centro comercial, e passa a usá-los para observar sua vizinha, desenvolvendo

assim, o desejo de entrar em sua vida. O amigo de Jorquera, Patrick Philmore dá

complemento a metáfora do exilado totalmente isolado da sociedade dominante. Na

verdade, Patrick Philmore, é um pseudônimo anglo-canadense que Etcheverry usa para

publicar em inglês.

O outro exemplo é Yvonne Truque, uma colombiana que se erradicou em

Montreal em meados dos anos oitenta e morreu em 2001. Truque, embora tenha

atingido uma afinidade mais estreita com o norte, reconhecia que sua qualidade de

imigrante sempre lhe causaria dor. No final de sua vida, sua obra se orientava muito

mais ao Norte do que ao Sul, tal fato pode ter ocorrido devido ao fato de que os anos

vividos em Quebec tenham se igualado aos anos vividos na Colômbia. Em entrevista

concedida a Hazelton, Truque afirma que:

"Volver al país de origen después de tantos años es de alguna

manera ser extranjero en su propia tierra... Creo que mi país es hoy un

recuerdo, una fotografía de infancia que siempre me acompaña con sus

sabores, sus músicas y sus colores. Una raíz entre tantas, un poco debilitada

en su 'pertenecer', muy enrabiada en su 'ser', muy enriquecida y afirmada en

su 'andar” (apud Hazelton, 2005).

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Mesmo tendo conseguido este equilíbrio e afinidade com o país adotivo, a

angústia do exílio não deixa de aparecer em suas obras. Em seu poema inédito “La

misma estrella”, um menino pobre visita o sujeito exilado em seus sonhos, menino este

que é vítima das guerras latino-americanas de contra-insurgência, e que busca seu calor

e proteção. Em seu poema VII (1986), dedicado a sua filha, é possível ver todo seu

questionamento e pena do imigrante, independente de seu grau de adaptação.

Na conclusão de seu ensaio Hazelton declara que na geração de escritores que

emigraram nos anos sessenta e setenta, fundamentalmente por razões políticas, o

estigma do exílio é ainda forte. Mesmo aceitado, o exílio ainda gera emoções antitéticas.

A tristeza, o rasgamento e a solidão fazem parte desses escritores. Porém, nem o próprio

exilado nota o quanto através de suas dores e traumas contribui e enriquece

culturalmente seu novo país.

Já Norman Cheadle no seu ensaio intitulado El Canadá americano de Alejandro

Saraiva (2011) estuda outra geração de escritores, a que emigra nos oitenta, muito mais

integrada ao universo canadense e também muito mais expressivas do mundo

transnacional de hoje. Cheadle centraliza seu estudo na obra de Alejandro Saraiva, um

escritor boliviano-canadense que tem conseguido interpelar com sua obra tanto aos

leitores canadenses anglófonos, como os canadenses francófonos, além dos hispanos

radicados no Canadá. A obra de Saraiva também tem conseguido uma ótima inserção no

âmbito da crítica especializada sobre a literatura e a identidade canadense.

Alejandro Saraiva desenvolve toda a sua obra nos ambientes de Montreal.

Cheadle expõe que Saraiva no seu poemário Lettres de Nootka (2008) tenta

reterritorializar a língua castelhana no vasto território canadense, invocando

navegantes espanhóis e novohispanos na costa do que hoje se chama British Columbia

(província canadense que faz costa com o Oceano Pacífico).

De acordo com Cheadle, Saraiva se tornou um escritor autenticamente

canadense. Saraiva não se ateve a ser um escritor hispano-americano exilado que não

conseguiu assimilar bem a nova cultura. Saraiva por ter se tornado um escritor

canadense, amplia o horizonte do que pode ser a identidade canadense, também à

América Latina.

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No romance autobiográfico Rojo, amarillo y verde (2003) denuncia as

ditaduras militares bolivianas, mas também ao imperialismo econômico dos EUA que

alenta tais ditaduras. A originalidade de Saraiva está na curiosidade pela nova terra.

Sua atitude aberta, ainda que crítica está sempre caracterizada por um sincero

interesse no que tem sido e continuará sendo do Canadá. Essa atitude somada ao

domínio de Saraiva na língua inglesa e francesa constitui a originalidade da obra de

Saraiva, sobretudo no poemário Letrees de Nootka.

Na visão de Cheadle, Saraiva conhece o país verdadeiramente, tendo uma

exata ideia da imensidão e da multiplicidade do Canadá. Seu conhecimento da

literatura canadense é vasto, em sua obra alude de maneira frequente, direta ou

indiretamente, a vários autores da tradição literária canadense, especialmente à do

francófono Louis Riel, conhecido por ser um autor histórico muito questionado.

No primeiro poema de Lettres de Nootka, “L‟amoureuse de Côte-des-Neiges”,

Cheadle a remete a Voltaire, e ao poeta de Montreal Émile Nelligan (1879-1941). Já o

título recorda o poema “Notre-Damedes-Neiges” (1952), porém são os versos de

Saraiva que mais falam de “des cartes géographiques / sur sa paume, sur la neige qui

neigait / dans les rues de Côte-des-Neiges” (apud CHEADLE, 2011, p. 117).

Em Rojo, amarillo y verde, Saraiva cita a um importante autor de Montreal, o

anglófono Hugh MacLennan, autor de Two Solitudes (1945). O título de MacLennan

referencia às culturas francesa e inglesa, historicamente paralelas e incomunicadas,

tema que logo se transformou em tópico da literatura canadense. O que chama a

atenção de Cheadle é que Saraiva evita mencionar a este romance de MacLennan,

muito provavelmente porque não diz respeito a sua experiência em Montreal. Ao

invés, Saraiva opta por citar outro romance do autor o The Watch That Ends the Night

(1958).

Segundo Cheadle, o Norte tem sido uma ideologia central do projeto

identitário canadense, e Saravia evidencia isso em vários poemas. O recém chegado a

Montreal diz: “je marche dans cette ville... mes yeux venus d‟ailleurs ... rivés dans les

géographies du sang ... loyaux au nord magnétique” (apud CHEADLE, 2011, p. 122).

Saraiva elabora, com uma sensibilidade muito canadense, a noção de Norte

trascendental, atemporal e originário em “View from the Tundra”: “Facing the tundra

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alone, alone / We are a shadow free from the cave / An illustrated echo, a lost

Descartes // Here we stand, naked, without Reason / No History, nor Language or

Name” (apud CHEADLE, 2011, p. 122). Saraiva trama uma pluralidade de

perspectivas sobre o norte, articulando a típica percepção canadense a outra mais

pessoal e transculturada. Ao final do poema Sedna, Saraiva vincula a deusa inuit com

um ente mítico boliviano: “Sedna herida que se hunde en el metal helado del Ártico ...

no sabe que también es hermana del Tío / del dios andino y minero” (apud

CHEADLE, 2011, p. 124) Dessa forma, se abre uma perspectiva interamericana, que

intervém produtivamente no recente diálogo da escrita nas três Américas. Para

Cheadle, a obra de Saraiva:

nos permite vislumbrar un Canadá que, pese al lastre de su historia

colonial y más allá de su (auto) subyugación al imperialismo

estadounidense, lleva dentro de sí las semillas de un Canadá americano, ni

neocolonial ni neocolonizador. Un Canadá que, dando la bienvenida a la

“fragrante novia” hispanoamericana, le extienda una mano fraternal, por

encima del gigante de al lado, a las naciones sureñas de estas Américas

(CLEADLE, 2011, p. 126).

.

Como se pode notar, a obra de Alejandro Saraiva se apresenta sem vínculos

diretos com o tema do exílio, nem como o país de origem. Saraiva fala em três línguas,

transita comodamente pela cultura latino-americana e canadense. Nesse sentido,

Norman Cheadle define ao escritor como o verdadeiro sujeito interamericano dos

nossos tempos.

É importante mencionar que existe um consenso em delimitar dentro da

literatura hispano-canadense uma primeira geração de escritores (emigrados dos anos

60-70) mais vinculada ao exílio político; uma geração intermediária (emigrados dos

anos 80-90), vinculada à migração econômica e à violência desses anos,

fundamentalmente na América Central, e ainda uma geração atual, do XXI, que

expressa muito bem ao indivíduo transcultural pós-moderno, o sujeito híbrido e fluído

do nosso tempo como podemos observar em Alejandro Saraiva. Uma geração nascida

no Canadá ou que chegou muito jovem completaria esse panorama. Sobre esse corpus

começam a aparecer agora os primeiros estudos críticos.

1.3. A LITERATURA HISPANO-CANADENSE: POÉTICA DO DESLOCAMENTO

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Este panorama histórico nos permite avançar em nossa reflexão, para

caracterizar, a seguir, as poéticas e as práticas de escritura dominantes na atual literatura

hispano-canadense.

Elena Palmero González vem sistematizando estudos em torno do tema, no

intuito de caracterizar essa práxis escritural, mas também no interesse de definir uma

poética do deslocamento a partir desse corpus literário específico. Palmero González

(2001) estuda o tema de uma topografia imaginária na obra de escritores hispano-

canadenses, como um dos traços que caracterizariam essa poética. A autora observa na

obra desses escritores uma marcada presença de uma cronotopia imaginária, que

entrecruza tempos e espaços diversos. Nessa cronotopia imaginada pode-se ver a terra

de origem e a terra de acolhida; a memória e o esquecimento; o passado e o presente se

interceptando; com a presença constante dos tópicos da viagem, do regresso e dos

sonhos. Assim, podemos encontrar textos que circulam pelos arquetípicos tópicos da

viagem, do regresso, ou dos sonhos, isto através de imagens que reconstroem um

paraíso perdido, em referência talvez mais imediata a uma origem; textos que atestam

tempos e espaços contemporâneos de trânsito como, por exemplo, aeroportos, chamadas

telefônicas, salas on-line de redes sociais; também textos que toda referência a uma

origem é totalmente apagada. Nestes últimos, segundo Palmero González, os

cronotopos do corpo e da própria escrita ocupam um lugar central.

As reescritas míticas da terra de origem ou a criação utópica de cidades

imaginárias se desenvolvem no contexto de uma literatura centrada no retorno à terra

natal. Dessa maneira, para Palmero González, é possível verificar assim uma Plata

mítica nos textos de Nela Rio ou uma selva ilusória no romance Silver (1993), de Pablo

Urbanyi. Também a reinvenção da viagem como espaço habitável pode ser vista na

experiência poética de Yvonne Truque, em Recorriendo la distancia/Franchir la

distance (2007), onde o motivo de habitar a distância nos conecta com um sujeito

assumidamente híbrido, protagonista de uma viagem transcultural, sem início nem fim,

viagem em si mesmo (Palmero González, 2011, p.72).

Segundo Palmero González, o exame do regresso alcança vôo poético nas obras

El exilio y las ruinas (2000) de Luis Torres, ao tematizar a volta à terra natal e os

contraditórios modos de ser estrangeiro na própria terra, voltando à pergunta de todo

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emigrado: a que lugar realmente retornamos? Palmero destaca o poema “Las

preguntas”: “¿Encontrará su forma el cuerpo?/ ¿Será otra vez lo que ya fuera?/ Exiliado

de sí mismo, cuerpo en ruinas, / ¿entrará su cuerpo en otro cuerpo al volver?” (apud

Palmero, 2011 p.73)

Para a ensaísta, o tópico auto-reflexivo do corpo, isto é, um corpo assumido

como lugar de reconciliação e reconhecimento identitário; não como expulsão e exílio,

toma consistência poética nesta cronotopia imaginária. Nesse sentido, estuda o universo

poético da escritora Nela Rio. No ensaio El Cuerpo torturado, mutilado en la obra

poética de Nela Rio (2006), Palmero explica que o corpo torturado, mutilado,

envelhecido, mas amado e dotado de poder, se instaura no sistema poético de Nela Rio.

Este se revela como um lugar de enunciação privilegiado por onde decorrera um

autêntico discurso da identidade.

Também a própria escritura, insistentemente metaforizada como espaço de

liberação, de resistência e de vida, é motivo recorrente na obra de Nela Rio. Através da

leitura de dois livros de Nela rio [(Tunel de proa verde/Tunnel of the green prow (1998)

e Cuerpo Amado/ Beloved Body (2002)] Palmero tenta alcançar o sistema metapoético e

auto-reflexivo da autora. Em seu estudo Desplazamiento cultural y procesos literarios

en las letras hispanoamericanas contemporáneas: la literatura hispano-canadense

(2011), Palmero González completa o ensaio anterior e afirma que a escrita, como tema

e matéria poética, ocupa um lugar dominante na práxis literária hispano-canadense,

verificando a recorrência nesse corpus das invenções de autor, dos travestismos

literários, dos palimpsestos, das reescritas.

Em Los espejos hacen preguntas (1999) de Nela Rio, Palmero destaca que a

obra se apresenta como um excelente exercício palimpsesto e travestismo literário.

Nesta obra, Nela Rio, explicitamente toma o lugar, as vestes e o discurso de Sor Leonor

de Ovando, nossa primeira poeta em terras americanas, e desenvolve um livro

especular, onde aparecem ecos de Santa Teresa de Jesus “tan grande tu amor por ella/

que por ella sola murieras/ y por marte ella tanto/ al divino fuego abrazara/ y contigo

ella muriera”, (apud Palmero, 211, p. 74) ou San Juan de la Cruz : Cuando, todavía

oscuro/ el horizonte aludía a la mañana/ iba a tu encuentro alborozada, (apud Palmero,

2011, p. 74). Assim notamos que o jogo de reescrita revela a natureza palimpsestuosa de

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todo ato escritural. Segundo Palmero, a escritora cria um lugar habitável em sua própria

genealogia poética nessas transmigrações literárias. Palmero acredita que as narrativas

autobiográficas, as metalepses de autor ganham espaço nessa práxis, mostrando um

sujeito de múltiplos centros, transitando entre a realidade e a ficção. Aqui Palmero faz

referência aos romances Cobro revertido (2003) e Las memorias del Baruni (2009), de

José Leandro Urbina

Segundo Palmero, a imersão na prática da auto-reflexividade transforma a

própria língua em um lugar instável e fluído, onde os efeitos da negociação cultural são

mais evidentes. No livro, Extraterritorial (2002), o autor George Steiner cunhou o

termo para se referir ao paradigma estético que se cria em condiçoes de deslocamento

linguístico. Segundo Steiner, escritores plurilíngues instauram uma nova poética

escritural quando escrevem em outros idiomas, e abandonam o materno. Nesse sentido,

o Extraterritorial pode ser visto como uma poética da criação, e não somente como uma

realidade cultural e linguística. Por outro lado, Steven Kellamn (2010) estuda a

imaginação translinguística em escritores que se movem por vários universos

linguísticos, considerando que essas posições entre línguas lhes permite desafiar os

próprios limites da literatura, criando uma mobilidade na mesma.

Segundo Palmero, uma vez que a extraterritorialidade e o translinguismos são

assumidos como poéticas, abre-se espaço para a legitimação estética do spanglish em

artistas hispano-canadenses que, ponderando a poeticidade da linguagem, não fazem

mais do que expressar o deslocamento como realidade vivida que precisa ser

discursivizada. Assim cita a obra de David Rozoto ou a escrita translingual de

Alejandro Saraiva.

Palmero ainda faz referência ao caminho inverso do escritor quebequense de

origem chilena Mauricio Segura. Em seu romance Cote-des-negres (1998), ele faz do

espanhol e do creole dois universos linguísticos que deslizam sobre o francês

quebequense.

1.4. A OBRA DE JOSÉ LEANDRO URBINA NO CONTEXTO HISPANO-

CANADENSE

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No contexto da literatura hispano-canadense, a obra de José Leandro Urbina é

uma referência inegável. Ela vem se desenvolvendo de maneira consistente desde os

anos noventa e resulta um exemplo eloquente de como o deslocamento, como

experiência do escritor, impacta também a criação artística.

José Leandro Urbina nasceu em Santiago do Chile no bairro Independencia em

1948 e se exilou em 1974, devido o regime militar de Augusto Pinochet, passando a

residir no Canadá no ano de 1977. No Canadá, além de escrever, Urbina deu aulas na

universidade, foi tradutor, diretor de cinema e jornalista. Também residiu nos Estados

Unidos, onde fez um doutorado na Universidade Católica de Washington D. C. se

especializando em literatura latino-americana. Recentemente retornou ao Chile. Em

Santiago, Urbina trabalha no Departamento de Lengua y Literatura da Universidade

Alberto Hurtado, está publicando em editoras chilenas e sua obra está tendo uma ótima

recepção crítica tanto no âmbito chileno como no âmbito canadense.

Escreveu o romance Cobro revertido, publicado em 1992 e reeditado em 2003

pela editora Lom. O romance também foi publicado em inglês em 1999 com o título

Collect call. Através de Cobro revertido, Urbina ganhou o Prêmio do Conselho

Nacional do Livro e da Leitura do Chile, em 1993 e se destacou entre os finalistas no

concurso Planeta Argentino; em 2000, publicou a coleção de contos Las Malas Juntas.

Mais recentemente em 2009, Urbina publicou o romance Las memorias del Baruni e em

2011 o romance El basurario del Baruni.

Minha investigação se concentra especificadamente, no estudo dos romances

Cobro revertido (2003) Las memorias del Baruni (2009) e El basurario del Baruni

(2011). Nesse corpus, discuto o problema da construção memorial, da autofiguração

autoral e da ambiguidade do gênero literário, como elementos caracterizadores de uma

poética do deslocamento.

A crítica a respeito da obra de José Leandro Urbina se constitui através do

pensamento de nomes como Grinor Rojo, Norman Cleadle, Roberto Castillo, Patrick L.

O' Connell, Rodrigo Hidalgo, Juan Manuel Silva, Lucero de Vivanco, Gonzalo León,

Graciela McEvoy, entre outros. No âmbito brasileiro a obra de Leandro Urbina tem sido

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estudada por Sonia Torres, professora da UFF e por alunos vinculados aos projetos da

professora. Exponho aqui as ideias de alguns desses autores.

Em Contraputeo de Don Latino y doña Canadiense: transculturación narrativa

em Cobro revertido (1992) de José Leandro Urbina y Exile (2002) de Ann Ireland

(2004), Cheadle caracteriza a obra de Urbina a partir da poética da transculturação

desenvolvida por Ángel Rama. Remetendo ao crítico uruguaio, mas antes ao

antropólogo cubano Fernando Ortiz (1949), Cheadle afirma que o protagonista de

Cobro revertido será “don Tabaco amargo y aromático, y intelectual y machista”

(CHEADLE, 2004, p. 04), mas seus antagonistas femininos não se adéquam ao “patrón

don Azúcar” (CHEADLE, 2004, p. 04). Quanto à linguagem Cheadle explica que

Cobro revertido é um texto transculturador de acordo com a concepção de Ángel Rama

(1982). Está escrito num espanhol típico do Chile que por sua vez se divide em vários

registros. A prosa é desordenada, excessiva, embriagadora, “una prosa tabaco” como se

refere Cheadle (CHEADLE, 2004, p. 05), utilizando-se de giros verbais das duas

línguas oficiais do Canadá e até mesmo hispanizando vocábulos como quebecuá.

Cheadle afirma que no romance a soberania cultural criolla se move

comodamente no contexto canadense. A linguagem popular se cruza com outros

registros da linguagem culta e acadêmica e o espaço cultural de Montreal se apresenta

como um lugar de trânsito livre entre as culturas anglófona, francófona e hispânica.

Montreal começa a lhe inspirar algo novo, criando outro discurso diferente do tecido

cultural canadense.

Patrick L. O‟ Connell no seu ensaio intitulado Una llamada (colectiva) por

cobrar: El perpetuo exilio en Cobro revertido (2001), exprime que a interpretação

crítica que se dirige ao estudo de Cobro revertido está focada numa crise da

representação literária, isto é, esta centra na relação entre o problema da memória de um

lado e do outro lado a invocação da experiência do exílio. Segundo O‟ Connell, algumas

pessoas que saíram do Chile desejam um dia regressar, já outras preferem o exílio no

Canadá. O‟ Connell se refere neste ensaio sobre uma de tais histórias. Na visão de O‟

Connell, os personagens do romance serão vistos como separados da dialética natural

que vivem de cara a sua história. O romance é estudado partindo da seguinte

proposição, constitui uma memória dentro de uma sequência de outras memórias. As

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histórias pessoais se combinam por meio desta duplicação narrativa, com a finalidade de

formar uma história coletiva de deslocamento e desarraigamento, em última instância

não existe outra solução para os personagens senão viver das suas próprias recordações.

O crítico Grinor Rojo (1993) em seu ensaio Cuatro Lecturas para la primera

novela de José Leandro Urbina, manifesta que Cobro Revertido é um romance de

vastas projeções. Nesta narrativa ocorre uma inversão do modelo europeu. A viagem do

protagonista vai da barbárie à civilização e não ao contrário da civilização à barbárie.

Mas, Rojo explica que não sabe ao certo se Leandro Urbina faz essa inversão

conscientemente. Segundo Rojo, desde as primeiras páginas da obra, Urbina dirige a

história com três variáveis e não com duas variáveis que constituem ao paradigma

europeu que lhe serve de base. O carnaval caribenho introduz um Terceiro Mundo no

repertório semântico deste romance. Ou seja, introduz um sistema de referências

culturais de outra ordem. Outro ponto no romance é que o vínculo que existe entre o

protagonista e a mãe se desgasta pela distância, mas, este distanciamento não desfaz

este vínculo. O que ocorre é que esse distanciamento produz uma falsa sensação de

liberdade.

Rodrigo Hidalgo em seu texto intitulado Acerca de “Las memorias del Baruni”

de José Leandro Urbina (2009), menciona que Urbina ou Baruni, quem quer que seja

que tenha escrito esta obra, desempenha esse papel com bastante desembaraço. Para

Hidalgo, as memórias de Baruni nos conduz ao despertar sexual deste adolescente antes

e durante a Unidade popular. Este adolescente começa a buscar clareza sobre o seu

futuro no meio de um país efervescente, porém, sobretudo cresceu no seio de uma

família simples e comum do bairro Independencia, na tradicional rua Maruri. De acordo

com Hidalgo, assistimos à vida de uma classe média emergente tentando demonstrar

algo que não é, acrescido de uma cômica diversidade de personagens que se

multiplicam entre os numerosos parentes, entre os quais o protagonista, rodeado,

sobretudo de suas tias costureiras, que são objeto de seus desejos sexuais. Este é o ardor

que rege ao gordo Baruni acima de incipientes convicções filosóficas ou políticas.

Hidalgo resume expondo que o tom picaresco convém a esta paisagem de vidas íntimas.

Juan Manuel Silva em Las memorias del Baruni y uno que otro problema del

realismo (2010), afirma que José Leandro Urbina organiza os escritos de Baruni, ante a

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categoria de editor de los textos, nos recordando aos Los siete locos y Los lanzallamas,

a Jan Potocki y Don Quijote. Porém, o romance não só propõe um assunto de gêneros

ou estatutos de ficção. Também não é apenas uma disputa entre crônica, romance ou

história recente. Trata-se do despertar sexual do romance francês e da narrativa realista

chilena. Este romance, segundo Juan Manuel Silva, traça um desordenado mapa de

relações entre a questão dos Barunis serem estrangeiros, a mistura de religiões e

costumes, a diversidade de sentidos do espaço urbano em Santiago e a corrupção de

uma ética de trabalho entre outros aspectos.

Lucero de Vivanco em En busca del barrio perdido (con nostalgia y buen

humor): sobre “El basurario del Baruni” (2012) opina que José Leandro Urbina, em

El basurario del Baruni parece ter sua própria definição de bairro. Esta definição seria

que o bairro é o lugar de amigos callejeros onde um fica sabendo da vida pessoal do

outro. Segundo Vivanco, o texto é muito mais que personagens e situações. A

verdadeira aposta imaginária se alça sobre a linguagem seus traços de oralidade, onde os

versos de Neruda são transportados pelas criações espontâneas de poetas callejeros e

pelas rimas picarescas dos “curaos”. Finalizando, o autor afirma que a convocatória

musical que Urbina faz para construir o mundo do texto merece uma valorização, pois

compõe-se de: cumbias y cantos gregorianos, pasodobles y música popular chilena,

Elvis y los Beatles (“¡lav, lav mi du!”), el rock del mundial y el twist del esqueleto. Y

siempre con la avidez de un “¡uan mor taim!” tras cada hit del momento.

Juan Manuel Silva (2013) em seu texto sobre o El basurario del Baruni expõe

que esta narração mostra como se relaciona e vive uma coletividade nos arredores do

bairro Independencia e da rua Maruri. O grupo de amigos dos niños Baruni, las

consiguientes niñas, el Tarzán del cine y las vecinas cahuineras y ladronas, que se

enquadram neste relato a vozes fantástico sobre os gatos de uma vizinha defunta

compõe as peças de um quebra-cabeça ou uma vasilha, como diria Walter Benjamin,

que ainda conserva as impressões de quem as fez.

Muito se tem escrito ultimamente sobre a obra do escritor José Leandro Urbina,

seus textos têm chamado a atenção de vários estudiosos, destacando-se assim dentro do

universo literário hispano-canadense e fora dele. Tais considerações são apenas uma

breve descrição a respeito do que a crítica tem manifestado sobre a obra de Leandro

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Urbina, especificamente em seus romances Cobro revertido, Las memorias del Baruni e

El basurario del Baruni.

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Memória, gênero e autofiguração autoral em Cobro

revertido: para uma caracterização de uma poética do

deslocamento.

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2.1 A REPRESENTAÇÃO DA MEMÓRIA EM COBRO REVERTIDO

O romance Cobro revertido, cujo título pode traduzir-se ao português por

Chamada a cobrar, desenvolve-se a partir de uma chamada telefônica, informando o

falecimento da mãe do protagonista. A partir desse momento, origina-se uma sequência

de recordações no personagem, que compreendem desde sua infância até seu exílio em

Montreal. A narração se desenvolve em 24 horas e se centra na decisão do personagem

de regressar ao seu país de origem com a finalidade de ir ao funeral de sua mãe, mesmo

correndo riscos, devido ao fato de no passado, ter sido um integrante do Movimento

Estudantil.

O retorno à terra natal realiza-se somente na imaginação do personagem, isto é, é

meramente simbólico. Este não consegue sair de sua cidade, embora tenha prometido ao

tio que iria regressar. O protagonista se arrepende de tal promessa, prometer voltar foi

uma atitude precipitada e mesmo sabendo que deveria cumprir com o dever de ir ao

funeral da mãe, não o quis fazer. Deixar o país adotivo e retornar ao seu país de origem

constitui-se algo impossível na narrativa. A experiência traumática que viveu no Chile

foi muito intensa para que um desejo de retorno falasse mais alto.

O narrador de Cobro revertido é autodiegético, isto é, relata a história como

sendo seu protagonista. Este narrador-personagem, um sociólogo anônimo, é

cosmopolita e instruído. No entanto, está fracassado, abandonou os estudos, a carreira

está paralisada, deve dinheiro a muitos e sobrevive fazendo alguns trabalhos manuais.

Trata-se de um sujeito indisciplinado que acabou buscando refúgio no alcoolismo e que

vive na promiscuidade. O estado caótico físico e emocional deste não o permite

controlar sua vida. Vejam-se alguns fragmentos:

Estaba tratando de forzar la cerradura con la llave cambiada, mierda, y

le dolía el costado, la puntada de un golpe de un puñetazo recibido entre los

gritos y los insultos para el expulsado de la fiesta [...] el borracho calavera

ydespreciable, hediendo a cerveza y cigarrillos nauseabundos, que se

mantenía en pie a pura fuerza de orgullo. Porque a él nunca nadie lo había

visto en cuatro patas, no, señor [...] Dame un cigarrillo, le ordenó él,

volviendo a sentarse con todo el cuerpo adolorido. Aquí você nao fuma,

sacana, levantó la voz el outro e hizo un gesto sucio con su mano gorda

(URBINA, 2003, p. 09-10).

A memória é um elemento estruturador no romance Cobro revertido (2003).

Através das recordações podemos visualizar as experiências do personagem principal

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em sua infância e juventude no Chile e ainda podemos visualizar suas experiências a

partir de seu exílio no Canadá.

A memória sempre esteve em debate em muitos campos do conhecimento, no

decorrer da história da humanidade. É através das memórias que articulamos o passado

ao presente, que recuperamos nossas experiências vividas, descrevendo nossas

sensações e emoções. Segundo Paul Ricoeur (2007) o melhor e único meio para termos

acesso a uma experiência anterior é através da memória. Nas palavras do autor:

A meu ver, importa abordar a descrição dos fenômenos mnemônicos

do ponto de vista das capacidades das quais eles constituem a efetuação 'bem

sucedida'. [...] o que justifica essa preferência pela memória 'certa' é a

convicção de não termos outro recurso a respeito da referência ao passado,

senão a própria memória [...] (RICOEUR, 2007, p. 40).

Quando rememoramos podemos recriar as coisas e a nós mesmos. No processo

da escrita de memórias o sujeito reconstrói papéis e posições identitárias por meio da

sua subjetividade.

Podemos observar no romance Cobro revertido (2003) como o narrador

ficcional articula a escrita de suas memórias no Chile, seu país de origem. Depois de ser

informado pelo seu companheiro de quarto que o haviam chamado do Chile para dar a

notícia que sua mãe estava muito mal, o sociólogo, personagem protagonista e narrador

da história, se dá conta que sua mãe havia morrido. Em seu quarto, o protagonista

começa a refletir, recordando sua vida, e desse modo, na sua mente, inicia-se um

deslocamento do personagem, indo e voltando do Chile, entrando ora no passado ora no

presente por meio de suas recordações de infância ao lado de sua mãe até seu exílio em

Montreal.

Podemos verificar o passado e o presente se cruzando logo no início do

romance. O protagonista recorda sua mãe com almejo e angústia. Pode-se dizer que o

amor do protagonista para com sua mãe, alude de maneira linear ao seu amor pelo lar,

pela terra, nesse sentido a figura da mãe pode ser lida também como a pátria, com quem

o personagem tem uma relação de amor e de conflito. Dessa forma, a morte de sua mãe

pode ser lida também como o verdadeiro corte que marcará a distância da terra de

origem. Os contraditórios sonhos do protagonista são eloquentes:

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podía ver su cara en el vidrio del gran acuario con el que dividían las

dos habitaciones. Siempre que me ocultaba en ese sector de la casa y apagaba

las luces para estar a solas y observar los peces que se movían lentos,

suspendidos entre las algas, como colgando de largos cabellos invisibles, ella

aparecia [...] escuchaba mi nombre y miraba el acuario y ahí estaba la cara de

mi madre balanceándose ante mí como una luna con unos ojos grandes y sus

dientes de coneja sonriéndome con sus trenzas orejonas y yo no sabía si estaba

detrás de mi o al otro lado del acuario, pues su cara se achataba sobre una hoja

de aluminio enceguedor, ondulando que daba miedo, como si se hubiera

metido en silencio, con ropa y todo, dentro del acuario con las bolsas de la

verdura y ahora flotara feliz con el pelo suelto como algas por todas partes,

echando burbujas por la boca mientras se reía, bocanadas de burbujas,

intentando hablarme con los ojos achinados [...] el agua se iba poniendo

amarilla como una sopa salada con un sonido de mar amenazante y a mi se me

apretaba el estómago y empezaba a oler a levadura añeja y la cara de mi madre

nebulosa se agrandaba y allá atrás comenzaban a soltar-se también sus medias

y sus zapatos, y su nariz y su boca se apretaban contra el vidrio hasta que yo no

aguantaba más y le gritaba como verraco que parara y el acuario entero

comenzaba a quebrarse soltando el agua como una catarata (URBINA, 2003, p.

10-11).

Essa dualidade também aparece quando o protagonista se lembra de três ou

quatro fotografias que guardava em uma caixa encima da cômoda. Tais fotografias

estimulam as recordações do protagonista. Estas servem para desencadear as

recordações do sociólogo. "No tengo que verlas para reconstruir sus imágenes en mi

mente, basta con cerrar los ojos y aparecen con mayor claridad" (URBINA, 2003, p.17).

Ocorre uma oscilação do foco narrativo quer na terceira pessoa representando o

presente, quer na primeira pessoa representando o passado. A entrada do sociólogo em

um bar marca o tempo presente e real da narrativa, porém durante as diversas discussões

com o seu grupo de amigos, o protagonista permite que o seu pensamento vague de

volta ao passado, recordando sua mãe, para, então, voltar a se integrar ao presente.

As lembranças do protagonista se centram, principalmente, em quatro mulheres:

sua mãe chamada María Serrano; sua primeira namorada, Magdalena; sua ex-mulher

canadense, Megan; e a atual amante, a quebequense Marcia. María, Magdalena e Megan

correspondem a distintos momentos no passado da personagem principal, também a

passagens históricas do Chile e ao processo de inserção da personagem no Canadá. A

presença de Marcia nos pensamentos do protagonista corresponde a um novo momento

de assimilação, momento em que aquela identidade chilena, única e fechada, está sendo

superada por uma identidade muito mais móvel e impura.

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Pode-se observar que o sociólogo recorda a sua ex mulher Megan, na língua

inglesa, também recorda a sua namorada quebequense Marcia, na língua francesa e

ainda recorda ao personagem João Roberto, seu companheiro de quarto, de ascendência

angolana e cuja família reside em Portugal, em português. Podemos conferir aqui como

a representação da memória do sujeito deslocado e a linguagem se articulam

produtivamente.

Esse transitar entre línguas, reiterado no romance, é um procedimento estético

que pode caracterizar uma poética do deslocamento na sua escrita. Eis alguns exemplos

de deslocamento linguístico: “que ele estava trabalhando porque, qué vergonha, teu

papá perguntou la hora de aquí y dijo que tentaria ligar mas tarde y que nao chamasse

porque tenía que salir y nao sabía quando estaria de volta” (Urbina, 2003, p.10).

O autor estetiza o trânsito entre a língua portuguesa e a língua espanhola na fala

do personagem João. Veja-se também como a língua espanhola e a língua francesa se

apresentam como universos deslizantes no fragmento seguinte: “Él quiso decirle algo al

oído pero ella se retiró y seguía sonriendo, moi j‟ai toujours bon espoir” (Urbina, 2003,

p. 157), ou a língua espanhola e a língua inglesa no trecho: “el resto de la tarde en las

calles de Montreal, killtherabbit, killtherabbit y siguen al Alegre Monarca de la muerte”

(Urbina, 2003, p.102).

A imagem do regresso à terra natal aparece associada à lembrança, de maneira

que a recordação desempenha a função de um retorno metafórico ao lar, mas ao mesmo

tempo, os amigos exilados chilenos são descritos a partir de estereótipos como: “gordos

grandalhões e bigodudos”. Veja-se o protagonista descrevendo seus amigos:

gordos grandotes y bigotudos, con pinta de camioneros y vistiendo

elegantes chaquetas de tweed académico, el viejo señor de lo más afeitado, que

parece un funcionario de correos; la señora flacuchenta, indudable profesora

primaria; el padre con su hijo son bien peinados contadores públicos, con

lentes culo de botella; el tipo cadavérico, profesor de filosofía (URBINA, 2003,

p.36).

Urbina assim os descreve no intuito de se colocar de fora, olhando o próprio

desde outro lugar. Esse distanciamento expressa a profunda contradição do sujeito

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deslocado: por uma parte, a lembrança, por outra a necessidade de se distanciar e até de

esquecer um país, no qual, ainda que volte, já sempre será estrangeiro.

Paul Ricoeur em seu livro A memória, a história e o esquecimento (2007), trata

esse tema da relação entre lembrar e esquecer, propondo estabelecer uma política da

“justa memória”, resultado do equilíbrio entre lembrar e esquecer. Ricoeur sugere uma

política da memória equilibrada sem excessos de memórias e sem exagero de

esquecimentos como, por exemplo, nos casos de experiências traumáticas. O autor

manifesta:

O esquecimento não seria, portanto, sob todos os aspectos, o inimigo

da memória, e a memória deveria negociar com o esquecimento para achar, às

cegas, a medida exata de seu equilíbrio com ele? E essa justa memória teria

alguma coisa em comum com a renúncia à reflexão total? Uma memória sem

esquecimento seria o último fantasma, a última representação dessa reflexão

total que combatemos obstinadamente em todos os registros de hermenêutica

da condição histórica? (RICOEUR, 2007, p.424).

Ainda sobre a questão do esquecimento considero pertinente atender ao

pensamento de Jean Philippe Miraux a respeito da memória nas autobiografias, tema

tratado em La autobiografia: las escrituras del yo (2005). O esquecimento permite que

a imaginação seja despertada e evidencia a relação entre o fato relatado e o imaginário

que o reproduz. O sujeito não poderá contar sua história de vida, no entanto, refere-se a

um esquecimento que é proveitoso, uma vez que é feita uma seleção do que é essencial

e é apagado o que é secundário. Segundo Miraux, “no es la exactitud de los hechos lo

que importa, sino el encuentro del hecho relatado y del imaginario, que lo reproduce”

(MIRAUX, 2005, p.70).

O sujeito deslocado de Cobro revertido vive entre lembrar e esquecer as suas

experiências do passado e o seu país de origem, essa é a sua contradição. Porém, se

atentarmos ao pensamento de Ricoeur devemos buscar um equilíbrio, sem muitas

lembranças, mas também sem muitos esquecimentos. Sendo assim, o esquecimento não

é um inimigo da memória como afirma Ricoeur, ao contrário, se remetermos a Miraux o

esquecimento produzirá um terreno fértil para que possamos desenvolver nossa

imaginação.

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2.2 A QUESTÃO DO GÊNERO EM COBRO REVERTIDO

Outro elemento que considero de relevância no romance estudado, que poderia

ser vinculado a uma caracterização geral de uma poética do deslocamento é a

ambiguidade genérica que exibe o texto.

No romance Cobro revertido é possível verificar que a figura do autor faz-se

presente na instância do protagonista, pois Leandro Urbina deixa pistas reconhecíveis de

sua própria biografia no decorrer da trama. Nesse sentido, leio o texto no âmbito das

escritas de si.

O processo de escrever sobre si não é um tema recente, com os anos tornou-se

um importante objeto de estudo em muitas áreas das ciências. As escritas de si são

escritas individuais, são escritas que exploram a subjetividade, isto é, o espaço íntimo

do indivíduo. Nestas narrativas é peculiar voltar-se para dentro de si, mergulhar em seu

próprio interior, analisar as experiências que foram vividas pelo indivíduo. Trata-se de

um movimento introspectivo realizado pelo próprio autor através de suas experiências.

Para a professora, escritora e crítica literária argentina Sylvia Molloy que

investiga o gênero autobiografia em seu livro Vale o escrito: a escrita autobiográfica na

América hispânica (2003), a escrita de si é uma história recontada ou uma volta à

narração, uma vez que para a autora a vida em si mesma é um relato. Nas palavras de

Molloy: “a autobiografia é sempre uma representação, ou seja, um tornar a contar, pois

a vida a que supostamente se refere é por si mesma, uma construção narrativa”

(MOLLOY, 2003, p. 27). A autora estuda nesta obra as chamadas cenas de leitura nas

autobiografias hispano-americanas e expõe que: “o passado evocado molda-se por uma

auto-imagem sustentada no presente, a imagem que o autobiógrafo tem, aquela que ele

ou ela deseja projetar ou aquela que o público pede” (MOLLOY. 2003, p. 22). Isto é, a

visão do passado rememorado está sendo moldada pelo tempo presente da escrita de

acordo com o que o autor quer contar.

A experiência narrada em Cobro revertido é um inventário da vida do

personagem principal. O protagonista descreve sua vida por meio de uma paródia da

área pessoal, da área política e da área literária do exílio. Urbina em Cobro

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revertido, como exercício no processo de recriar a memória, mostra os efeitos da

ditadura de Pinochet na subjetividade fragmentada do exilado. Veja-se um trecho do

romance:

En ciertas ocasiones se le confundía el mapa y no sabía muy bien

dónde estaba ni qué estaba haciendo en esta ciudad, y escuchaba hablar a la

gente y, le parecía que hablaban español y pensaba que a veces sería cosa de

doblar una esquina y encontrarse con su casa en Santiago y abrir la puerta, ir a

su pieza y tirarse por fin a dormir en su propia cama, descansar sin ninguma

preocupación y despertar cuando su madre lo llamara a comer, “ ya pues, flojo,

a la mesa, que está servido”(URBINA, 2003, p.155).

A escritora e crítica literária argentina Nora Catelli (2007), em seu livro En la

era de la intimidad também reflete sobre o tema da escrita de si. Nesta obra, a autora

recorre às obras de vários autores que contribuíram de maneira significativa para o

debate no campo dos estudos autobiográficos. Catelli logo no início de seu texto

esclarece sobre o signo da era da intimidade. Segundo a autora só tem valor de

veracidade no discurso o que torna evidente o sujeito, mas não se dispõe de um

instrumento definitivo para reter esse sujeito: este é signo da era da intimidade. De

acordo com Catelli:

Lo subjetivo, la vivencia, la experiencia encarnada en la confesión o el

testimonio expresan esa medida común de veracidad que el discurso propone y

que sólo puede traducirse, como figura de la interioridad, en lo íntimo,

transformado en prueba de una certeza que se basa en la fiabilidad textual de su

localización y, al mismo tiempo, de manera contradictoria, en la convicción de

su inaccesibilidad existencial. (CATELLI, 2007, p.09)

Sendo assim, considerando o pensamento de Catelli, esse valor de veracidade

possui alcances limitados, pois no íntimo não reside a verdade da história, mas uma via,

hoje privilegiada, para compreender a história como sintoma. Atualmente a

hermenêutica sugere apreender seus significados nas flexões indiretas da intimidade.

Em Catelli, o íntimo é:

el espacio autobiográfico convertido en señal de peligro y, a la vez, de

frontera; en lugar de paso y posibilidad de superar o transgredir la oposición

entre público y privado. Es un espacio pero también una posición en ese

espacio; es el lugar del sujeto moderno, su conquista y su estigma, y al tiempo

es algo que permite que esa posición sea necesariamente inestable. (CATELLI,

2007, p.10)

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Leandro Urbina expõe através de sua escrita em Cobro revertido sua

subjetividade, sua interioridade, sua intimidade. O escritor manifesta suas experiências

de vida, sua vivência no exílio, recorda momentos vividos em seu país de origem.

Porém, como apontou Catelli no íntimo não reside a verdade. Urbina ao relatar fatos de

sua história, ao contá-los não se limita a veracidade dos fatos, o que existe é a

verossimilhança desses acontecimentos. Um fato quando é contado, narrado já perde o

seu valor de verdade. Sendo assim, pode-se pensar que a narrativa de Urbina incorpora

o relato autobiográfico ao romance. Os relatos narrados na obra participam dessa

ambiguidade genérica.

Para Catelli, pelo menos duas conclusões podem ser extraídas a partir das

considerações citadas por diversos estudiosos como Lévinas e Ricouer a Riesman e

Rieff, Beatriz Sarlo e Álvarez Uría sobre o movimento hoje vigente em direção a

centralidade do eu e as consequências nos discursos da intimidade. São elas:

El giro subjetivo llevaría a basar la transmisión del conocimiento

histórico y la comprensión de las formas literarias en una experiencia del sujeto

en el discurso susceptible de captación indirecta, por indicios como diría

Michel de Certeau, de una intimidad discursiva. Segundo, que la

psicologización llevaría a una absolutización de la esfera individual de esa

experiencia, lo cual supone la sustracción de la experiencia colectiva, su

adelgazamiento. Se trata de una tendencia que produce tensiones entre

disciplinas diversas – historia, teoría literaria, historia de las ideas – y, al

mismo tiempo, de una fuente de cambios directamente observables en la

flexión discursiva literaria o no literaria (CATELLI, 2007, p.19).

Catelli analisando Paul De Man em El espacio autobiográfico (1991), mostra

como o autor entende a categoria de sujeito. De acordo com De Man, a autobiografia é a

prosopopéia da voz e do homem. Catelli manifesta:

¿Qué decía De Man? No existe un yo previo, sino que el yo resulta,

arbitrariamente, del relato de la propia vida, del mismo modo que durante la

representación teatral la máscara oculta algo que no pertenece a la escena, una

entidad ‒ el rostro del actor ‒ que le es ajena y a la que, de hecho, ni siquiera

sabemos cómo atribuir una forma. Y, aunque se la atribuyésemos, esa forma

sería irrelevante o impertinente. Por eso, De Man afirmaba que la autobiografía

no es un género sino un movimiento por el cual lo informe ‒ lo irrelevante, lo

impertinente ‒ sufre una desfiguración ‒ en principio, impuesta por el tiempo

‒. (CATELLI, 2007, p.34)

Catelli seguindo a proposição de De man recobra as duas metáforas para a

autobiografia: torniquete e porta giratória. De Man propõe que o torniquete ou a porta

giratória sejam figuras de leitura e entendimento que se dão em qualquer texto. A leitura

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é o instante de desfalecimento, o momento da experiência abismal em qualquer texto.

Suporta-se o abismo porque é parcial. De Man expressa que:

El momento autobiográfico tiene lugar como alienación entre los dos

sujetos implicados en el proceso de lectura, en el cual se determinan

mutuamente en una sustitución reflexiva mutua”, lo cual supone una

“estructura especular” interiorizada en cualquier texto en el que el autor se

declara sujeto de su propio entendimiento (apud Catelli, p.38-39).

Catelli ainda manifesta que se De Man e igualmente Michel de Certeau servem-

se da leitura como correspondente universal da experiência intersubjetiva, nasce, deste

uso, outro modo de refletir sobre o autobiográfico vinculando sua crescente presença

genérica com a leitura mesma e com o desenvolvimento histórico de sua

universalização. Possivelmente, leitura e autobiografia unem no tempo da história como

caras opostas de um mesmo processo, complicado e discordante, de subjetivação e

individualização da experiência coletiva (CATELLI, 2007, p. 41-42).

Catelli também reflete neste livro que, a prosopopéia fundamenta-se em colocar

em cena aos ausentes, aos mortos, aos seres sobrenaturais ou aos inanimados. Basa-se

também em fazê-los falar, atuar e responder; em convertê-los em testemunhas, fiador,

acusadores, vingadores ou juízes. É uma figura da retórica clássica, uma figura do

pensamento: existe sempre nela um jogo entre dois tempos, dois espaços, duas

entidades animadas ou inanimadas, pertencentes a das classes diferentes de seres

(CATELLI, 2007, p. 224).

De acordo com Catelli, a partir de De Man, o sentido de narrar a própria história

resulta da necessidade de dotar de um eu, mediante o relato, a aquele que previamente

precisa de um eu. O eu não é assim um ponto de partida, mas o que provém do relato da

própria vida, da mesma maneira que durante a representação teatral a máscara oculta

algo que não pertence à cena, uma entidade que lhe é alheia e a qual de fato, nem sequer

sabemos se conceder uma forma (CATELLI, 2007, p. 226).

Outro ponto destacado por Catelli é que a identidade entre autor, narrador e

personagem principal postulada por Lejeune (2008), constitui-se segundo a autora,

mediante uma lógica cifrada na assinatura e no contrato. A identidade somente se

formará uma via que permita vincular os rasgos do autor com o narrador e o

personagem mediante uma lógica cifrada na assinatura e no contrato. Catelli rejeita esta

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identidade apontada por Lejeune, porque segundo a autora, o autor pertence à realidade

concreta, que não pode se identificar com elementos da ficção.

Diferentemente de Lejeune como foi já mencionado, Catelli não aceita a

identidade que possa existir entre autor e protagonista. No romance Cobro revertido é

possível verificar tal identidade proposta por Lejeune que atesta que a obra é um relato

autobiográfico, mas, em Catelli teremos que recorrer a outros elementos.

Por fim, de acordo com Catelli, a autobiografia põe em suspenso a existência do

outro, porque o autobiográfico deve postular o jogo do eu presente no instante da

escritura com o eu pressuposto ou imaginado no passado: seja personagem, máscara ou

vazio da prosopopéia, ou ausência ocultada de figura.

Verifiquemos como a identidade entre autor e personagem principal no romance

Cobro revertido pode ser confirmada, considerando os estudos do teórico e crítico

francês Philippe Lejeune.

O autor em seu livro O Pacto Autobiográfico (2008) faz a seguinte indagação:

suponhamos que todas as autobiografias sejam escritas em primeira pessoa, mesmo

nesse caso, como se manifesta a identidade do autor e narrador? Segundo o autor o

pronome pessoal “eu” remete ao enunciador da instância de discurso na qual o eu está

presente, porém o enunciador também pode ser designado por um nome [quer se trate

de um substantivo comum, determinado de diferentes maneiras, ou de um nome

próprio] (LEJEUNE, 2008, p.22,25).

Para Lejeune, é no nome próprio que pessoa e discurso se articulam, antes de se

articularem na primeira pessoa. De acordo com o autor, a autobiografia pressupõe que

haja identidade de nome entre o autor, o qual o nome está estampado na capa, o

narrador e a pessoa de quem se fala. No caso do nome fictício (isto é, diferente do nome

do autor) dado a um personagem que conta sua vida, o leitor pode ter razão de pensar

que a história vivida pelo personagem é exatamente a do autor: seja por comparação

com outros textos, seja por informações externas ou até mesmo pela própria leitura da

narrativa que não parece ser ficção. O pacto autobiográfico é a afirmação no texto, dessa

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identidade, remetendo, em ultima instância, ao nome do autor, escrito na capa do livro

(LEJEUNE, 2008, p. 26-30).

No romance Cobro revertido, o auto-reflexivo, o ficcional e o autobiográfico

exibem fronteiras difusas. Urbina simula de maneira sutil um jogo autofictivo através do

personagem protagonista sem nome, referido como sociólogo.

O romance enfatiza o auto-reflexivo. Urbina faz uma reflexão de sua própria

experiência de vida, e na sua subjetividade percebe-se e se constrói. Assim, pode-se

dizer que no relato de Urbina a escrita autobiográfica se mostra como um instrumento

de reflexão de vida, de exploração do nosso ser interior, construindo nossa visão de

mundo como entende Jean Philippe Miraux (2005).

La ecritura autobiográfica, erigida como monumento ejemplar, reviste

entonces dos funciones: volviéndose hacia el pasado, describe los episódios

importantes de una vida particularmente rica en acontecimientos y en

relaciones. Volcada hacia el porvenir, se basa en la singularidad de las

experiencias vividas para proponer interpretaciones del mundo y enfoques

ampliados y nuevos de las sociedades humanas (MIRAUX, 2005, p: 48).

Outro nome que também investiga essa tendência que há na sociedade

contemporânea de colocar como eixo central de reflexão o indivíduo na sua própria

experiência e reflexão é a escritora argentina Leonor Arfuch. Em seu livro O espaço

biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea (2002) a autora expõe que as

biografias, as autobiografias convivem na cultura contemporânea juntamente com o

aparecimento de múltiplas formas de relatos: entrevistas, conversas, perfis, retratos,

anedotários, testemunhos, histórias de vida, relatos de auto-ajuda, variantes do show –

talk show, reality show... Arfuch no início da apresentação de seu livro expõe que:

A simples menção do “biográfico” remete, em primeira instância, a

um universo de gêneros discursivos consagrados que tentam apreender a

qualidade evanescente da vida opondo, à repetição cansativa dos dias, aos

desfalecimentos da memória, o registro minucioso do acontecer, o relato das

vicissitudes ou a nota fulgurante da vivência, capaz de iluminar o instante e a

totalidade. Biografias, autobiografias, confissões, memórias, diários íntimos,

correspondências dão conta, há pouco mais de dois séculos dessa obsessão por

deixar impressões, rastros, inscrições, dessa ênfase na singularidade, que é ao

mesmo tempo busca de transcendência (ARFUCH, 2010, p.15).

Tais formas surgidas na contemporaneidade disputam, com os gêneros

canônicos, o mesmo espaço, ampliando grandemente um “espaço biográfico”

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considerado como horizonte de inteligibilidade e não como simples somatória de

gêneros já conformados noutro lugar. É a partir desse espaço que Arfuch irá propor uma

leitura transversal, simbólica, cultural e política das narrativas do eu e de seus inúmeros

desdobramentos na cena contemporânea (ARFUCH, 2010, p. 16).

Arfuch integra de modo decisivo aos seus estudos a teoria de Bakhtin a respeito

dos gêneros discursivos: “como agrupamentos marcados constitutivamente pela

heterogeneidade e submetidos à constante hibridação no processo da interdiscursividade

social, e também a consideração do outro como figura determinante de toda

interlocução” (ARFUCH, 2010, p. 29). É através da teoria bakhtiniana que Arfuch se

afasta do pensamento de Lejeune. Arfuch manifesta que:

não há identidade possível entre autor e personagem, nem mesmo na

autobiografia, porque não existe coincidência entre a experiência vivencial e a

totalidade artística. Essa postura assinala, em primeiro lugar o estranhamento

do enunciador a respeito de sua própria história; em segundo lugar, coloca o

problema da temporalidade como um desacordo entre enunciação e história,

que trabalha inclusive nos procedimentos de auto-representação (ARFUCH,

2010, p. 55).

Neste espaço autobiográfico contemporâneo proposto por Arfuch a narrativa de

Cobro revertido se localiza. Distante da tradicionalidade do gênero autobiográfico,

Leandro Urbina desenvolve sua obra, utilizando-se de elementos ficcionais para narrar

suas experiências vitais. Urbina constrói assim uma autobiografia com elementos

fictícios, ou ainda pode-se dizer cria uma narrativa ficcional com dados reais, onde a

identidade entre autor-narrador-personagem é posta em dúvida como nos alerta Arfuch.

Arfuch ainda fará uso do conceito bakthiniano de valor biográfico. Segundo

Bakthin: “um valor biográfico não só pode organizar uma narração sobre a vida do

outro, mas também ordena a vivência da vida mesma e a narração da nossa própria vida,

esse valor pode ser a forma de compreensão, visão e expressão da própria vida” (apud

ARFUCH, 2010, p.55).

Segundo o pensamento de Arfuch, o que está em jogo não é se um relato

autobiográfico é verdadeiro ou se não é verdadeiro. O pensamento de Arfuch se

assemelha ao de Lejeune, no quesito no qual a referencialidade se assumirá como

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verdade pelo leitor conforme a sua própria leitura. Um fato ao ser contado torna-se

ficção, um relato não é uma tradução fiel da experiência.

Por fim, de acordo com Arfuch, um autor ao dar o seu nome a um personagem

ou a narrar a si mesmo em segunda ou terceira pessoa, produz um relato fictício com

dados verdadeiros ou ao contrário, inventa para si mesmo outra história, escreve com

outros nomes etc. Segundo Arfuch, são deslizamentos sem fim, que podem assumir o

nome de autoficçao, pois postulam de modo explícito um relato de si mesmo consciente

da ficcionalidade e deixando de lado, portanto, o pacto de referencialidade biográfica

(ARFUCH, 2010, p.127).

O conceito de autoficção consegue explicitar esse jogo que existe entre realidade

e ficção. O ponto de partida são as experiências vivenciadas pelo autor. O autor escreve

livremente, criando e recriando experiências vitais. A autoficção é marcada por um

espaço intermediário, por um entre-lugar entre autobiografia e romance. Na obra de

Leandro Urbina as fronteiras entre o ficcional e o autobiográfico são imprecisas.

Também se pode dizer que na autoficção o autor não segue uma linha

cronológica. Parte do fragmento, não exige linerialidade no discurso diferentemente da

autobiografia que tem uma forma mais linear. José María Pozuelo Yvancos (2010) em

Figuraciones del yo en la narrativa: Javier Marías y Enrique Vila- Matas, analisando

Serge Doubrovsky expõe que:

Al contrario de la autobiografía, explicativa y unificante, que quiere

recuperar y volver a trazar los hilos de un destino, la autoficción no percibe la

vida como un todo. Ella no tiene ante si más que fragmentos disjuntos, pedazos

de existencia rotos, un sujeto troceado que no coincide consigo mismo (apud

Pozuelo, 2010, p.12).

Urbina mascara o fato de que sua autobiografia é um relato feito a partir de

recortes de memória. Esse caráter fragmentário possibilita ao protagonista do romance

Cobro revertido se deslocar através do passado, em suas recordações de infância e

juventude, e do presente na metrópole Montreal, Canadá.

O termo autoficção foi criado em 1977 por Doubrovsky, porém o investigador

do gênero na literatura espanhola e hispano-americana Manuel Alberca preferiria

traduzi-lo para a língua espanhola como “autonovela”.

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A autoficção é um neologismo utilizado para se referir ao pacto ambíguo entre a

autobiografia e a ficção. A autoficção se caracteriza por ter uma aparência

autobiográfica, isso se confirma pela identidade nominal de autor, narrador e

personagem. No entanto, se apresenta como romance, ou melhor, como ficção, ou até

mesmo sem gênero, mas jamais se apresenta como autobiografia ou memórias. O texto

ficcional deverá ser sempre lido como romance, mesmo que exista a identidade entre

autor, narrador e personagem principal.

Segundo Alberca (1996), a indeterminação genérica de autoficção provém de

sua posição liminar entre a autobiografia e o romance autobiográfico. A autoficção

provoca um choque de pactos antitéticos que desencadeia a perplexidade e a

ambiguidade ao não saber a principio qual dos dois pactos devemos atender

(ALBERCA, 1996, p. 9-19).

Entre o pacto autobiográfico e o pacto romanesco, existe uma grande variedade

de formas e estratégias e, portanto uma infinidade de possibilidades e graus de

ambiguidade. A autoficção é um romance que simula um discurso autobiográfico. Os

leitores podem optar em lê-la de maneira fictícia, mas sem nenhuma certeza, já que a

princípio também não podem afirmar que não seja autobiográfica. O autor joga assim

com o leitor confundindo-o.

De acordo com esta ambígua proposta de leitura as autoficções têm sido

interpretadas segundo cada um dos pactos que a cercam: o pacto autobiográfico e o

pacto de ficção. Alberca propõe uma tipologia da autoficção se baseando na implicação,

integração ou superposição do discurso fictício no discurso autobiográfico e vice-versa.

Enumerando três tipos de autoficção: a “referencial-biográfica”, na qual o imaginário é

reduzido ao máximo por uma vontade de expressar a verdade; a “reflexivo-especular”

ou metalepse discursiva do autor em um relato de ficção com fins paródicos,

humorísticos ou megalômano e, por fim a “figurativa ou fantástica”, que é a que dá mais

importância e a que melhor se enquadra com a definição geral de autoficção que elabora

Vicent Colonna.

Em suma, a autoficção pretende fazer uma ruptura com os esquemas receptivos

do leitor, pois lhe propõe um tipo de leitura ambígua: de um lado parece lhe anunciar

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um pacto romanesco, do outro a identidade de autor, narrador e personagem lhe sugere

uma leitura autobiográfica. Esta identidade ambígua gera uma fecundidade do gênero,

pois, apesar de autor e personagem serem a mesma pessoa, o texto geralmente não

pressupõe uma interpretação autobiográfica explícita.

Em Cobro revertido, José Leandro Urbina utiliza-se de elementos autofictivos

para a construção de sua narrativa. Esse jogo autofictivo é incorporado ao romance por

meio do protagonista ao relatar sua história pessoal. Alguns desses elementos

autofictivos são: o entrecruzamento da memória e do espaço narrativo que se dá por

meio da alternância do foco narrativo, o narrador usa a primeira e a terceira pessoa, a

primeira pessoa representa o passado, a terceira representa o presente. Outro elemento é

que a imagem do regresso ao Chile aparece vinculada a lembrança, a recordação faz um

regresso simbólico ao lar.

Como podemos verificar no romance Cobro revertido de Leandro Urbina há um

deslocamento de gêneros, isto é, as fronteiras entre os gêneros se apagam. A narrativa

compõe-se de elementos autobiográficos, o escritor escreve sobre si próprio. Porém, ao

mesmo tempo esses relatos não são fidedignos permitindo assim uma abertura para o

ficcional. O autor inventa fatos de sua vida, cria personagens, utiliza-se assim de vários

meios para instaurar a ficcionalidade da narrativa.

2.3 A FIGURAÇÃO DO AUTOR EM COBRO REVERTIDO

Por trás do narrador autodiegético de Cobro revertido, aparece a figura do autor,

fugidia, inominada, mas integrada à ficção de tal maneira que não podemos ler o texto

sem pensar no escritor Leandro Urbina. Trata-se, sem dúvidas, de uma figuração

implícita do autor. Personagem, narrador e autoria coincidem na figura de um

inominado sociólogo, emigrado, chileno, que vive em Montreal. Dados todos esses

coincidentes com a biografia do escritor. A experiência traumática que vive o

personagem a partir do golpe de Estado de Augusto Pinochet e a experiência de seu

exílio no Canadá são também experiências de vida de José Leandro Urbina. Mas, esses

elementos ficam expressos num jogo ambíguo, o escritor usa estratégias narrativas que

lhe permitem deixar pistas da autoria no romance, porém sem marcar uma identidade

nominal.

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A distinção entre escritor e autor pode ser estudada na obra de Michel Foucault

(1992), quem se encarrega de sublinhar a impossibilidade de identificar duas figuras que

atuam em series diferentes: o escritor, na serie da vida e o autor, no texto. Veja-se o que

expressa Foucault em O que é um autor:

A função autor está ligada ao sistema jurídico e institucional que

encerra, determina, articula o universo dos discursos; não se exerce

uniformemente e da mesma maneira sobre todos os discursos, em todas as

épocas e em todas as formas de civilização; não se define pela atribuição

espontânea de um discurso ao seu produtor, mas através de uma série de

operações específicas e complexas; não reenvia pura e simplesmente para um

indivíduo real, podendo dar lugar a vários “eus” em simultâneo, a várias

posições-sujeitos que classes diferentes de indivíduos podem ocupar.

(Foucault, 1992, p. 56-57)

Considerando o pensamento de Foucault, a noção de autor pode ser entendida a

partir da relação do autor com o texto, a partir da forma com que o texto aponta para

essa figura que lhe é exterior e anterior. Foucault trata de dois temas, o primeiro foi

formulado tomando emprestado de Beckett: “que importa quem fala”. Nessa indiferença

Foucault afirma que é necessário reconhecer um dos princípios éticos fundamentais da

escrita contemporânea. O autor observa que existe uma espécie de regra imanente que

domina a escrita como prática.

O segundo tema de acordo com Foucault seria o parentesco da escrita com a

morte. Para o autor, a escrita hoje se liga ao sacrifício da vida; apagamento voluntário

que não deve se representar nos livros. Essa associação da escrita com a morte também

se apresenta no desaparecimento das características individuais do sujeito que escreve.

Foucault declara: “o sujeito que escreve despista todos os signos de sua individualidade

particular; a marca do escritor não é mais do que a singularidade de sua ausência; é

preciso que ele faça o papel do morto no jogo da escrita” (FOUCAULT, 1992, p. 36-

37).

Intimamente ligada à figura do autor está a da obra. Foucault conclui que tratar a

obra enquanto conceito é tão complexo quanto tratar da individualidade do autor. Nas

palavras do autor: “a palavra obra e a unidade que ela designa são provavelmente tão

problemáticas quanto a individualidade do autor” (FOUCAULT, 1992, p. 39). Veja-se

como Foucault percebe tal complexidade:

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Quando se pretende publicar, por exemplo, as obras de Nietzsche,

onde é preciso parar? É preciso publicar tudo, certamente, mas o que quer dizer

esse "tudo"? Tudo o que o próprio Nietzsche publicou, certamente. Os

rascunhos de suas obras? Evidentemente. Os projetos dos aforismos? Sim. Da

mesma forma as rasuras, as notas nas cadernetas? Sim. Mas quando, no interior

de uma caderneta repleta de aforismos, encontra-se uma referenda, a indicação

de um encontro ou de um endereço, uma nota de lavanderia: obra, ou não?

Mas, por qué não? E isso infinitamente (FOUCAULT, 1992, p.39).

Foucault analisa a obra em relação ao seu autor. Para Foucault, o nome de um

autor não é qualquer nome próprio. O nome de autor possibilita classificar-se uma série

de textos através de relação entre eles ou de distinção diante de outros. Além disso, o

nome do autor opera para caracterizar um certo modo de ser do discurso. Segundo

Foucault, “a função-autor é, portanto, característica do modo de existência, de

circulação e de funcionamento de certos discursos no interior de uma sociedade”

(FOUCAULT, 1992, p. 42).

Foucault reconhece quatro características fundamentais na função autor são elas:

os textos, os livros e os discursos começam a ter autores na medida em que o autor é

objeto de punição, ou seja, na medida em que os discursos se tornaram transgressores; a

função autor não se exerce de um modo universal e constante em todos os discursos, em

todas as épocas e em todas as civilizações. Alguns discursos circulam, são valorizados

sem recorrer a um autor (na Idade Média, o valor científico de um texto provinha de seu

autor, mas a partir do século XVII e no XVIII começou-se a aceitar os discursos

científicos por eles mesmos), mas no campo da literatura os discursos literários não

podem mais ser aceitos senão quando providos da função autor.

A terceira característica dessa função autor não é definida pela atribuição

espontânea a seu produtor, é antes, resultado de uma série de operações específicas e

complexas que constrói certo ser de razão a que chamamos de autor. Para Foucault,

parece que a maneira como a crítica literária define o autor deriva diretamente da

maneira pela qual a tradição cristã determinou e autentificou os textos dos quais

dispunha. Isto é, para encontrar o autor na obra, a crítica moderna utiliza esquemas

muito próximos da exegese cristã quando esta queria provar o valor de um texto através

da santidade do autor. Sendo assim, o autor é o que permite explicar tão bem a presença

de certos fatos em uma obra, sua transformação, sua deformação, igualmente também

confere certa unidade aos discursos, permite superar as contradições.

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Em relação à última característica apresentada por Foucault, seria falso buscar o

autor tanto ao lado do indivíduo real quanto ao lado do locutor fictício: a função autor é

efetuada na própria cisão – nessa divisão, e nessa distância. A função autor pode dar

lugar simultaneamente a vários “eus”.

O escritor francês Roland Barthes possui uma crítica ideológica que se

assemelha a de Foucault. Em A morte do autor (1984), Barthes expõe seu pensamento

sobre a morte do autor através de Balzac em Sarrasine, questionando quem é a voz que

escreve. Para Barthes, é impossível saber quem escreve uma vez que a escrita destrói

toda voz, toda origem. Segundo o autor, “a escrita é: esse neutro, esse compósito, esse

oblíquo para onde foge o nosso sujeito, o preto-e-branco aonde vem perder-se toda a

identidade, a começar precisamente pela do corpo que escreve” (BARTHES, 1984,

p.49).

De acordo com Barthes, o autor é um personagem moderno, produzido por nossa

sociedade, na medida em que esta descobre o valor do indivíduo. Neste sentido, Barthes

afirma que é lógico que na literatura o positivismo resultante da ideologia capitalista

tenha concedido máxima importância à pessoa do autor. A imagem da literatura que se

encontra na cultura comum possui seu centro no autor, sua pessoa, sua história, seus

gostos, suas paixões. Barthes manifesta que: “a explicação da obra é sempre procurada

do lado de quem a produziu, como se, através da alegoria mais ou menos transparente

da ficção, fosse sempre afinal a voz de uma só e mesma pessoa, o autor, que nos

entregasse a sua confidência” (BARTHES, 1984, p. 50).

Para Barthes, linguisticamente o autor é só aquele que escreve, é aquele que diz

“eu”. A linguagem conhece um “sujeito”, não uma “pessoa”, e que esse “sujeito”, vazio

fora da própria enunciação que o define, é suficiente para esgotar a própria linguagem.

Barthes elucida que o autor é aquele que nutre ao livro, isto é, que existe antes dele, que

pensa, sofre e vive para ele. Já o escritor moderno segundo Barthes:

nasce ao mesmo tempo que o seu texto; não está de modo algum

provido de um ser que precederia ou excederia a sua escrita, não é de modo

algum o sujeito de que o seu livro seria o predicado; não existe outro tempo

além do da enunciação, e todo tempo é escrito eternamente aqui e agora

(BARTHES, 1984, p,51).

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Por fim, Barthes aponta uma diminuição de poder do autor e um aumento do

poder do leitor. Este último é o responsável pelos distintos modos de se ler um texto.

Nas palavras de Barthes: “o leitor é um homem sem história, sem biografia, sem

psicologia; ele é tão somente esse alguém que mantém reunidas em um mesmo campo

todas as pistas que constituem o escrito” (BARTHES, 1984, p.53). Barthes propõe um

equilíbrio entre autor e leitor, estes dois são os que produzem o texto, mas o nascimento

do leitor se paga com a morte do autor.

Igualmente ao leitor, o escritor não possui história, biografia, psicologia. Há

diferenças entre ambos, há uma cisão entre autor e escritor. Essas relações entre autor,

escritor, narrador, personagem e ainda leitor podem ser estudadas em Cobro revertido.

O escritor Urbina se distancia dessa figura, desse sujeito que se manifesta em vários

“eus”.

Um eu, por exemplo, que no seu drama interior de exilado, cheio de sentimentos

confusos inspirados pelo Chile, carece de direção, vivendo uma vida de indisciplina.

Veja-se um trecho da narrativa quando o protagonista chega a casa, casa essa que ele

divide com o personagem português João, depois de uma noite de diversão e de

embriaguez, na qual foi expulso de uma festa:

Estaba tratando de forzar la cerradura con la llave cambiada, mierda, y

le dolía el costado, la puntada de un golpe de un puñetazo recibido entre los

gritos y los insultos para el expulsado de la fiesta…a lo lejos sonaba la sirena

de una ambulancia... al otro lado de la puerta y la respiración pesada, los

quejidos del portugués que compartía su apartamento haciendo la rutina de

flexiones matinales hasta que su famosa tetera de aluminio barato pifiara desde

la cocina dando señal para finalizar el martirio…a preparar un café aguado que

luego dejaría esfriar en una taza mientras se duchaba (Urbina, 2003, p.09) .

Pode-se verificar uma decadência progressiva do sociólogo representada no seu

corpo físico, o personagem é descrito como: “bañado de sudor alcohólico, un borracho

calavera y despreciable, hediendo a cerveza y cigarrillos nauseabundos” (URBINA,

2003, p.09).

Porém, também é possível verificar na narrativa, a vida cotidiana na metrópole

canadense de um eu estudioso da sociedade – num processo de assimilação com essa

nova cultura, onde um pouco da sua cultura originária foi perdida, mas também um

pouco dessa cultura que está em contato foi adquirida – percorrendo as ruas da

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sociedade canadense, percorrendo espaços públicos como restaurantes, bares, praças

etc. Possível será ainda verificar muitos eus na narrativa de Urbina, e o leitor é o

responsável pelas distintas maneiras de se ler um texto.

Podemos observar que em Cobro revertido existe um jogo da figura do autor,

estabelecendo uma relação entre autor-narrador-personagem. Esse jogo mostra a

ficcionalidade da narrativa, mostra que existe uma entrada para o ficcional, pois o autor

se tornou personagem desses relatos. Essa proposta de Leandro Urbina de se

transformar em um personagem ficcional, de fazer de si próprio o personagem principal,

o permite transitar assim entre um mundo real e um mundo de ficção.

Urbina possui a liberdade de criar os relatos desta narrativa da forma que desejar

através da sua subjetividade. Existe também para Urbina a possibilidade de externar

seus sentimentos através da sua escrita. Seja num sentido de nostalgia pelo país perdido,

seja num sentido de uma constante ansiedade gerada pelo dilema de um retorno a sua

terra natal ou um total esquecimento de suas raízes ou ainda de um sentimento de um

bem-estar gerado pela abertura de um novo horizonte na sua vida que foi o de entrar em

contato com outras culturas e assim se enriquecer interiormente e de viver num lugar

onde oportunidades se abriram e que talvez em sua terra natal não as pudesse

experimentar. Seja ainda da maneira que o leitor conceber esses relatos. É dessa forma

indireta que o escritor Leandro Urbina pode converter-se em vários eus, se distanciando,

se ocultando, nesse sujeito inventado, criado por ele mesmo que desempenhará a função

de manifestar-se de várias formas e de vários eus.

Esse caráter ficcional da obra, onde o autor é um elemento pertencente à ficção,

permite ao escritor José Leandro Urbina escrever uma ficção autobiográfica. Dito de

outra forma, Leandro Urbina cria um ambiente onde o referente autobiográfico faz-se

ficção. Trata-se assim de um relato autobiográfico dentro do romance.

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Memória, gênero e autofiguração autoral em Las

memorias del Baruni e El basurario del Baruni: para uma

caracterização de uma poética do deslocamento.

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3.1 A REPRESENTAÇÃO DA MEMÓRIA NA SAGA DE BARUNI / URBINA

Las memorias del Baruni e El basurario del Baruni tem sido apresentadas ao

público leitor como partes de uma saga. Existe já a promessa de que outros tomos virão,

pois o escritor em uma entrevista ao site Terra assim nos revelou (Fevereiro de 2013).

Trata-se das memórias do gordo Baruni cotejadas e editadas por Urbina, um amigo a

quem Baruni deixou a encomenda de organizar e publicar seus escritos depois de sua

morte. A unidade temática e a própria informação paratextual que se dá no início do

primeiro livro permitem fazer um estudo integrado, considerando ambas as obras como

um texto em partes.

A narrativa de Las memorias del Baruni se desenvolve nos anos 60 que

antecederam ao golpe de estado, entre os anos 1961 a 1973. Centra-se na infância e

juventude do personagem Baruni, basicamente descreve o ambiente de uma família de

estrangeiros (Os Barunis) de classe média baixa do bairro Independencia em Santiago

do Chile. O despertar sexual do personagem, seus múltiplos encontros amorosos

parecem ir se contraponto à efervescência política que o país vai vivendo

progressivamente. Baruni vive a verdade de um estudioso jovem que reflete a ruína ao

invés de se harmonizar com o progresso nacional do país.

Trata-se de uma narrativa que expressa um universo predominantemente

masculino, mostrando o despertar sexual do menino Baruni, graças as suas tias, mas,

também mostrando o despertar político do jovem Baruni graças ao mundo que o rodeia

como, por exemplo, família, amigos, namoradas, vizinhos... Em Las memorias del

Baruni reina o fetichismo sexual vinculado ao progresso intelectual e político do

protagonista. Veja-se nesse trecho:

Laurita vino a quedarse con tía Carlota y conmigo. Yo estudiaba,

encerrado, las nauseabundas asignaturas de geometría y química para los

exámenes finales. Era noviembre, la primavera me erizaba los pelos [...] Al

mediodía, harto de ángulos, bajé a la cocina a estirar las piernas y buscar un

vaso de agua fresca. Ahí me encuentro a la tía Carlota con su amiga, muertas

de la risa, preparando el almuerzo, rellenando un pollito, bebiendo vino blanco

frío. En el umbral quedé abobado. La vista de esas batas de algodón cortas, sin

mangas y escotadas que dejaban al descubierto los hombros y la juntura de los

senos, que se pegaban a la mitad del muslo, me producía siempre pajarito

doloroso. Gotas de sudor les cubrían la frente y sus cuerpos emanaban una laxa

energía felina. Laura se acercó a recibirme con un beso, señor estudiante,

cuchillo en mano. Se va a quedar ciego de tanto leer, mira qué ojos tan

hermosos tienes, su boca tibia cerca de mi boca y su cuerpo rozando levemente

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al mío. Tómate un vinito con nosotras, lindo, y ríe alegremente. La tía Carlota,

muy seria, déjalo Laura, cuchillo en mano, tiene que recuperar seis meses de

tiempo perdido. Voy a tomarme un recreo, digo yo, sacando hielo del

refrigerador. Laura me arrebata un cubito y se lo pasa por la frente y los brazos

[...]El resto de la preparación y durante el almuerzo se lo pasó Laura dándome

miraditas discretas, haciendo bromas de doble sentido y señitas coquetas a

espaldas de mi tía [...] Casi a las dos de la tarde retiramos los platos. Mientras

Carlota servía el café le dijo a Laura que tenía que ir de compras y si podía

acompañarla [...] Creo que preferiría dormir una siesta [...] Mientras lavábamos

y secábamos nuestras tazas de café, en un momento en que mi tía entró al

comedor a guardar una vajilla, Laurita me dijo en un susurro: Ven a dormir la

siesta conmigo [...] Laurita había dejado su puerta entreabierta. Del interior

salió a recibirme un leve aroma del incienso que ella quemaba por las noches y

los hipnóticos sonidos de la cítara de Ravi Shankar. Me quedé observándola

desde la puerta, sin atreverme a entrar, pero gozando cada minuto de los leves

movimientos de su cuerpo en la penumbra. Estaba tendida sobre la cama y se

había desabotonado todo el frente de la bata. La había abierto para exhibirse

medianamente desnuda, controlando con la pierna los pliegues suaves del

género. Cuando me adivinó espiándola, levantó una mano lenta y me llamó a

su lado. Lindo mío, estoy tan floja con este calor y el vino, que me cuesta

terriblemente abrir los ojos. Encantado fui a tenderme junto a ella y la miraba a

mis anchas, como a una princesa dormida... (Urbina, 2009, p. 87-92).

El basurario del Baruni é uma continuação de Las memorias del Baruni. A

narrativa deste segundo tomo também é ambientada nos arredores do bairro

Independencia e na rua Maruri em Santiago do Chile. Trata-se de um mundo em um

bairro. A narrativa se constrói basicamente de contos e personagens neste bairro na

década dos anos 60. A privacidade da vida neste bairro é desfeita pela boca da

vizinhança, o íntimo, o privado é exteriorizado até se tornar público. Podemos verificar

na narrativa vários personagens que estão ao redor de Baruni: o Gorila Pietro, Arévalo,

Tarzán, o Turco Musalem, Dino Maserati e Beto. Também podemos observar relatos de

sexo, festas, tardes de cinema, encontros em bilheterias, além de relatos fantásticos de

gatos canibais e zumbis de uma vizinha já falecida. Vejam-se nestes fragmentos:

La señora Yolanda se perdió por cinco días. Al sexto don Herminio

Pietro, el panadero, más su hijo y socio, Cesar Gorila Pietro, se preocuparon

porque no había pasado a buscar el pan y embutidos que ellos le regalaban y

que ella compartía con sus gatos [...] Gorila fue el encargado de investigar la

extraña ausencia de Yolita [...] Golpearon la puerta insistentemente [...] Desde

lo alto pudo contemplar el terrible espectáculo. Doña Yolanda yacía tirada boca

abajo, al lado del canasto de la ropa limpia, rodeada de cerca por sus gatos.

Ante su presencia los animales se abrieron y él pudo observar que le habían

comido una mano y parte del brazo a la difunta [...] Olía mal en el patio. El

cuerpo de la mujer estaba tieso, con toda ropa en orden, las medias de lana y

los zapatos en su lugar. Luego venía la mano destrozada por los mordiscos de

los gatos (URBINA, 2011, p. 20-21).

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A personagem Urbina expõe nas primeiras páginas do livro que numa noite na

qual estava compartilhando uma garrafa de vinho com seus amigos, ele e seus amigos

resolveram fazer uma revisão dos escritos de Baruni que tinham sido jogados numa

lixeira que Urbina havia comprado especialmente para isto, era el basurero de Baruni.

Porém, seus amigos resgataram certa quantidade de relatos e somados aos que Urbina já

havia selecionado lhe sugeriram publicar com o título de El basurario del Baruni, assim

de acordo com Urbina nasceu esta obra.

No romance Las memorias del Baruni encontramos um narrador em primeira

pessoa, o personagem principal José Luiz Baruni, mediado por seu editor José Leandro

Urbina. Já no segundo tomo El basurario del Baruni podemos observar outras vozes, -

sendo estas de personagens secundários como os amigos de Baruni e seus irmãos,

vizinhos, o Tarzan do cinema ... - ainda que a primeira parte seja narrada pelo próprio

Baruni. Veja-se:

Yo, Amigos, nací en Santiago en el barrio Independencia, uno de los Barrios

más ilustres de la capital. Mi padre se llamaba Miroslav Baruni, natural de

esta misma ciudad, fue de oficio de vendedor [...] Mi madre se llama Suzana

Azanja, tuvo seis hijos. Fue siempre dueña de casa, a pesar de haber tenido

aspiraciones artísticas [...] Yo José Luis Baruni, soy su segundo hijo nacido el

5 de enero en mi propia casa, en un sillón del comedor [...] fue un parto

doloroso. Creo que mi mamá quedó un poco resentida conmigo por las penas

que la hice pasar. Ninguno de los otros hijos le dio problemas [...] Nadie me

há querido contar cómo fue en realidad mi entrada al mundo, pero pienso que

mi cuerpo estaba mal posicionado en su vientre. (Urbina, 2011, p.11-12).

O historiador Jacques Le Goff em História e Memória (2003) expõe que a

memória é essencial para que possamos compreender a vida, além disso, a atividade

mnêmica é um continuum tanto nas culturas escritas como nas orais (LE GOFF, 2003,

p. 423). Le Goff, analisando os filósofos Platão e Aristóteles, argumenta que a memória

constitui-se um elemento da alma, que se manifesta tanto no nível intelectual como na

sensibilidade do ser humano. Para Aristóteles, a memória percorre distintos caminhos, o

caminho de guardar as recordações e o caminho de resgatar tais memórias. Nas palavras

de Le Goff: “a mnemê, mera faculdade de conservar o passado, e a reminiscência,

amamnesi, faculdade de evocar voluntariamente esse passado” (LE GOFF, 2003, p.

435).

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Por fim, Le Goff explica: “a memória penetra profundamente no homem

interior, no seio da dialética cristã do interior e do exterior, de onde saíram o exame de

consciência, a introspecção, e também a psicanálise” (LE GOFF, 2003, p. 441).

Feitas tais considerações, passemos a análise da memória na saga de José

Leandro Urbina. A narrativa nos apresenta a Baruni, quem deitado num leito de um

hospital, em estado terminal rememora suas experiências vividas em Santiago do Chile,

mais precisamente no bairro Independencia, na rua Maruri e em seus arredores. Baruni

até o seu último suspiro escreve um romance sobre sua vida.

As memórias são retratadas no romance através de um calamitoso regozijo

sessenteiro que culminará com o golpe militar e as consequências desastrosas que

viveram os que experimentaram o exílio e toda uma geração que contemplou mutilados

os seus projetos. Baruni, um intelectual de esquerda, era um daqueles que criam durante

os anos sessenta na utopia de uma sociedade mais justa. Baruni fazia parte de uma

família grande de imigrantes que se radicaram no Chile e mais tarde regressa ao Chile

depois de permanecer anos no Canadá. Vejam-se os fragmentos abaixo:

Mi papá tomaba cuba libre sentado a la cabecera de la mesa,

escuchando la radio con toda la familia, y de pronto Pancho se para de un salto

y lanza un grito de simio vencedor de una batalla y sale del comedor y vuelve

con una bandera chilena y besa a mi padre y le dice. Yo voy al centro. Y mi

madre grita: Tú no vas a ninguna parte, y mi padre: Vaya, nomás. El triunfo es

de Ustedes. Se escuchan gritos en la calle y golpean la puerta. Pancho, Pancho,

Pancho. Yo también voy, le digo a mi papá y corro a buscar mi chaqueta. En la

calle, frente a la casa, había como cuarenta personas con bandera y cuando

salimos se oyó nuevamente el grito de la tribu. Entonces marchamos todos por

Independencia hacia el centro y en la esquina de Rivera estaba Ledesma en

silla de ruedas con el Caco gritando: viva Allende, viva Chile, mierda[...] esta

noche no se repetirá en nuestras vidas . Y agarran al cojo con silla y todo y le

pasan la bandera para que encabece el desfile que crece a cada instante. La

juventud de la patria fue vanguardia en esta gran batalla, que no fue la lucha de

un hombre, sino la lucha de un pueblo; ella es la victoria de Chile, alcanzada

limpiamente esta tarde. Allende habla desde un balcón de la Fech y a mi se me

aprieta la garganta [...] En ese momento, Pancho me toma fuerte del brazo. Lo

miro y tiene los ojos llenos de lágrimas. Ése es mi padre, dice apuntando con el

dedo hacia el balcón. Ese hombre es mi verdadero padre. Yo me llamo Juan

Francisco Allende (URBINA, 2009, p. 108-109).

As lembranças de Baruni são marcadas por um ambiente repleto de mulheres:

sua mãe “llamaba a mi madre para que [...] viniera a estar un rato conmigo, Ella parecía

haberme olvidado [...] la mamá está haciendo dormir a tu hermano, está dándole pecho a

tu hermano, está cambiando pañales a tu hermano, está lavando la ropa de tu hermano”

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(URBINA, 2009, p.22). Suas tias “mi crié rodeado de mujeres católicas mi madre y sus

tres hermanas” (URBINA, 2009, p. 31); as clientes de suas tias costureiras, que

confeccionavam vestidos para mulheres ricas e estas mulheres iniciaram ao menino

Baruni nas matérias relacionadas com a carne “ mis tías eran modistas de gran prestigio

[...] Por el salón de pruebas desfilaban decenas de clientas buscando ese toque de

elegancia de revista extranjera [...] espiaba por la cerradura [...] el silencio caer de las

faldas, volar de las enaguas, vestirse y desvertirse” (URBINA. 2009. p.35).

Como recordações da infância de Baruni poderia citar as primeiras leituras, a

aficção pela arte, além de seu convívio com sua família: pais, tias, tios, irmãos, estas

também seriam recordações familiares.

Já as lembranças de juventude são principalmente constituídas pelo despertar

sexual de Baruni e, também os seus muitos amores tortuosos. Baruni menciona

mulheres que passaram por sua vida como, por exemplo, uma mulher que cheirava a

cebola e salsa, a qual foi sua primeira experiência sexual. Veja-se: “Por aquel tiempo,

fui desvirginado y medianamente instruido en las amplias posibilidades de la

fornicación por una sirvienta de treinta e cinco años que olía a cebolla y perejil”

(URBINA, 2009, p.69). Também menciona Laurita, a amiga de sua tia Carlota. Veja-se

este fragmento: “comenzó a indicarme delicadamente sus preferencias. Con una

pequeña maniobra puso sus pezones entre las junturas de mis dedos y me hacía

apretarlos y soltarlos con un tenue movimiento de tijeras mientras mis manos se

apropiaban del resto de sus senos” (URBINA, 2009, p.93).

E ainda Marisol, sua tia: “Mi frecuencia sexual, en aquel momento, se reducía a

mis encuentros frenéticos y poco amoroso con mi tía Marisol. Ella era la hermana

menor de mi tio Pedro, primo de mi padre, un tipo bajito y bonachón casado con mi tía

Lulú” (URBINA, 2009, p.105). Além da personagem Carla “Carla, se llamaba la

paloma. Estaba sentada, suculenta, sobre un cojín rojo oscuro, con una minifalda [...]

Yo me enamoré instantáneamente” (URBINA, 2009, p. 76) e Marta, que militava no

mesmo partido político de Baruni “Ella era un año mayor que yo y de una inteligencia

aguzada como un cuchillo [...] Cada vez que discutíamos de política o de arte, su

tendencia al rigor ortodoxo daba miedo. Nunca me dejaba especular” (URBINA, 2009,

p. 104).

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Em El Basurario del Baruni existe uma variedade de relatos urbanos que

evidenciam as memórias do bairro Independencia e seus arredores, são relatos

narrativos bem articulados, podemos observar o cotidiano de Baruni cercado de vários

personagens: seus amigos e os amigos de seus irmãos, seus vizinhos, enfim, as figuras

daquele bairro. Sobre seu bairro exprime Baruni que: “Muchas cosas pasaban en este

barrio [...] pasados los años de enciero de la infancia [...] comenzamos salir a la calle

[...] nos encontramos con hitorias inimaginables. De todo eso, de la gente y del barrio de

entonces, no queda nada” (URBINA, 2011, p. 19). Baruni nessa fala demonstra um

gesto nostálgico por um lugar e uma época que foi perdida e nunca mais voltará.

O escritor José Leandro Urbina escreve essas memórias quando retorna a sua

terra natal, poderíamos assim chamar uma literatura de retorno. Veja-se o que diz o

escritor numa entrevista concedida ao site Terra em fevereiro de 2013: “¿Cómo es para

ti vivir día a día en la misma calle que paralelamente estás recordando? Leandro Urbina

responde: Extraño. Muchas de las cosas que constituían ese mundo están ahí, otras han

sido borradas por las retroexcavadoras. La gente ya no es la misma, aunque quedan

algunos viejos. Este es un barrio de inmigrantes. A veces violento. Se acabó el

vecindario. A veces cuesta sobrepasar esa realidad y recuperar ese mundo que fue

liquidado por la dictadura militar (Entrevista pessoal).

3.2 O GÊNERO LITERÁRIO NA SAGA DE BARUNI / URBINA

Considerando que ambos os livros se autodeclaram memórias, dedico as páginas

que seguem a análise do gênero memórias. Segundo informa a bibliografia sobre o

tema, nas memórias se mostram acontecimentos vividos pelo autor, isto é, se relatam

fatos do passado retidos na memória. Neste gênero, o autor se desdobra em narrador e

personagem e emprega-se geralmente a primeira pessoa Os fatos são narrados a partir das

lembranças do autor, mas existe uma liberdade para que esses relatos sejam recriados, a

realidade servirá de apoio para que possamos analisar o passado e assim possamos

compreender e atribuir novos significados ao presente, expressando assim a construção de uma

identidade.

Mas na verdade, a obra de Urbina deve ser percebida como um simulacro de

memórias. Em La autobiografía, las escrituras del yo (2005) – livro no qual Jean

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Philippe Miraux revela as abordagens teóricas mais conhecidas a respeito do gênero

autobiográfico e das escrituras do eu – Miraux expõe que segundo o escritor francês

Stendhal é impossível a um autor contar sua vida como um relato fiel do passado. Para o

autor não é possível oferecer ao leitor a realidade dos acontecimentos, somente a

sombra destes. Ora, a escritura autobiográfica é a presença de simulacros.

Sendo assim, poderíamos conjecturar que Leandro Urbina conta suas memórias

através de um simulacro de memórias. As memórias de Baruni são memórias que

Urbina almejou escrever, faço essa afirmação uma vez que Urbina nos deixa pistas de

sua própria biografia como, por exemplo, o espaço no qual Urbina escreve, ou melhor,

edita tais memórias e que se desenvolvem as ações do relato de Baruni (a rua Maruri e

seus arredores) assemelham-se com o espaço em que Urbina viveu sua infância e

juventude tal como Baruni.

Urbina em Las memorias del Baruni e em El basurario del Baruni, se mascara

como editor, se propõe a simular a realidade, o autor se mascara como editor, vai

recriando-se e, em consequência, transforma-se no simulacro de José Luiz Baruni. O

autor nesta narrativa produz um jogo de simulações através do personagem principal.

Jean Baudrillard em seu livro Simulacros e simulação, escrito em 1981

argumenta que hoje o real já não possui origem nem realidade. Para o autor “a

simulação já não é a simulação de um território, de um ser referencial, de uma

substância. É a geração pelos modelos de um real sem origem nem realidade: hiper-

real” (BAUDRILLAR, 1991, p.08). O simulacro não se encontra fora da realidade,

tampouco constitui outra realidade. Este pertence ao real e é apoiado nele que pode ser

classificado como simulacro. Baudrillard considera:

é praticamente impossível isolar o processo de simulação, pela força

de inércia do real que nos rodeia, o inverso também é verdadeiro (e esta mesma

reversibilidade faz parte do dispositivo de simulação e de impotência do

poder): a saber que é doravante impossível isolar o processo do real e provar o

real (BAUDRILLARD, 1991, p. 31).

José Leandro Urbina, tanto em Las memorias del Baruni como em El basurario

del Baruni, informa aos seus leitores que ele é tão somente o editor ad honorem y reacio

heredero do tão confuso manuscrito deixado por José Luiz Baruni, segundo Urbina, o

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autor de fato de tais memórias. Porém, essas memórias são memórias ficcionais, Urbina

propõe assim uma simulação de intimidade. Veja-se a simulação proposta por Urbina no

prólogo da obra:

Hace mucho tiempo que no escribo [...] Hoy vuelvo a escribir, no

porque me guste sino porque tengo una deuda con el Guatón Baruni y con su

viuda. Él me entregó parte del maldito libro que ustedes van a leer a

continuación. Sabía que me cargaría leerlo y editarlo, pero quería que pagara

así lo que consideraba mis pequeñas traiciones. El resto del material me lo

entregó Neka, antes querida amiga, hoy una desconocida [...] El texto, sopecho,

fue concebido para ser publicado en aquel papel continuo de las viejas

impresoras o en un rollo de papel higiénico. No hay capitulación, los relatos se

siguen sin orden temporal. [...] no hay fechas, las fechas las puse yo calculando

[...] Los mismos nombres de los personajes aparecían cambiados, un hermano

se llamaba Francisco en una página más tarde se llamaba Juan [...] El libro lo

publica La Calabaza del Diablo de puro buenas personas. Hay más, hay mucho

más. Que lo perdonen Dios y los lectores (URBINA, 2009, p. 09-11).

Também podemos verificar a simulação proposta por José Leandro Urbina no

prefácio de sua obra, agora no segundo tomo El basurario del Baruni. Vejam-se estes

fragmentos:

Creo haberlos oportunamente informado, si alguna vez cayó en sus

manos o tomo I de las Memorias del Baruni, que yo, como editor ad honorem y

reacio heredero de tan confuso manuscrito, solo soy la mano que limpia y

ordena [...] Mis amigos rescataron una cierta cantidad de relatos que, sumados

al par que yo había seleccionado, me sugirieron publicara bajo el nombre de El

basurario del Baruni [...] He vuelto, entonces, a golpear la puerta de la

Calabaza del Diablo. Mis amigos creen que la seriedad de la editorial puede

atenuar los defectos del libro (URBINA, 2011, p.07-09).

O conceito de simulação dito por Baudrillard é analisado por Gérard Genette

(1982) à luz de sua teoria dos gêneros paródicos. À busca de uma conceitualização da

paródia, verificamos em Linda Hutcheon (1991) que a paródia é considerada um

fenômeno central no pós-modernismo. A paródia tem uma ampla gama de formas e

propósitos: do ridículo desdenhoso, passam pelo festivamente lúdico, até o seriamente

respeitoso. A paródia pós-moderna seria uma releitura do passado que confirma e

subverte ao mesmo tempo o poder das representações da história.

Em Uma teoria da paródia: ensinamentos das formas de arte do século XX

(1985), Hutcheon afasta-se da concepção de paródia como um recurso estilístico que

deforma o discurso com o qual dialoga (HUTCHEON, 1985, p. 54). De acordo com a

autora a paródia é repetição que inclui diferença. Veja-se:

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A paródia é, pois, repetição, mas repetição que inclui diferença; é

imitação com distância crítica, cuja ironia pode beneficiar e prejudicar ao

mesmo tempo. Versões irônicas de “transcontextualização” e inversão são os

seus principais operadores formais, e o âmbito de ethos pragmático vai do

ridículo desdenhoso à homenagem reverencial (HUTCHEON, 1985, p. 54).

Segundo Hutcheon, a paródia se tornou na contemporaneidade a própria via

predominante da criação artística. A inversão irônica é o seu modo de operar, mas a sua

essência está na “auto-reflexividade” (HUTCHEON, 1985, p.13). Essa é uma tendência

que não afeta somente o âmbito artístico, compreendendo ademais outras formas de

conhecimento. Para Hutcheon, “a paródia constitui-se uma das formas mais importantes

da moderna auto-reflexividade, e uma forma de discurso interartístico da literatura

metaficcional” (HUTCHEON, 1985, p.13).

O que se deve notar sobre o modelo paródico do século XX, o qual Linda

Hutcheon desenvolveu seus estudos, são as subversões realizadas em relação às

convenções da forma parodiada e a abordagem criativa/produtiva da tradição e que

permite o estabelecimento das diferenças a partir da semelhança. Sendo assim, a paródia

não se trata de uma questão de imitação nostálgica de modelos passados, mas um

fenômeno que compreende a recontextualização de modelos e a decorrente alteração

dos sentidos. Não há integração de um novo contexto que possa evitar a alteração do

sentido (HUTCHEON, 1985, p. 19).

De acordo com Hutcheon, a paródia atua numa vasta gama de dimensões

textuais: nas convenções de todo um gênero, no estilo seja de um período ou

movimento, bem como num artista específico, onde encontraremos paródias a obras

individuais ou a parte delas, ademais a modos estéticos característicos a obra desse

artista. As dimensões físicas da paródia podem compreender a abrangência de um livro

(como Ulysses de Joyce) ou somente a modificação de uma letra ou ainda uma palavra

de um texto (HUTCHEON, 1985, p.29).

Segundo Hutcheon, o tipo de paródia produzida a partir do século XX possui

identidade estrutural própria e hermenêutica própria, criando uma forma alargada que

pode ser considerada como um gênero, e não uma técnica (HUTCHEON, 1985, p.30).

Finalizando, Linda Hutcheon observa que, ainda que não seja o único, a paródia é sem

dúvida um modo notável de auto-referencialidade e sua aplicação corresponde ao atual

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interesse pelas modalidades de auto-reflexividade na arte moderna e em estudos críticos

sobre a intertextualidade ou transtextualidade (HUTCHEON, 1985, p.31).

O pastiche é um conceito próximo da paródia. Segundo Hutcheon, a

“transcontextualização” irônica distingue a paródia do pastiche. A autora afirma que a

paródia subverte o texto original sem o ridicularizar, questionando-o e trazendo-o para

um novo contexto. Já Friedric Jameson (1996) difere do pensamento de Hutcheon. Para

Jameson, a paródia ridiculariza o texto original, o autor expõe que:

O pastiche, assim como a paródia, é a imitação de um estilo peculiar e

único, o uso de uma máscara estilística, o discurso em uma língua morta; no

entanto, ele é uma prática neutra de tal mímica, desprovida do motivo oculto da

paródia, sem o impulso satírico, sem o riso, sem aquele sentimento ainda

latente de que existe algo normal, em comparação com o qual aquilo que é

imitado é cômico. O pastiche é a paródia pálida, a paródia que perdeu seu

senso de humor (JAMESON, 1996, p. 21-23).

Através do estudo abordado por Hutcheon podemos refletir que o modo lúdico

de Urbina escrever, brincando com a própria figura autoral, uma vez que trabalha com

falsas memórias, autobiografia escondida trata-se de uma construção paródica. Urbina

com uma máscara ficcional de editor se propõe a escrever um livro de memórias, livro

este que é um palimpsesto da forma das memórias tradicionais. Urbina ainda anuncia de

maneira lúdica uma saga de cinco volumes (o segundo já publicado El Basurario del

Baruni, o terceiro será El Baruni va a la escuela, existe outro basurario que será o

quarto e o quinto El Baruni casi huérfano).

Pergunto-me a qual gênero literário pertence a saga Las memorias del Baruni

(2009) e El basurario del Baruni (2011) de José Leandro Urbina? Para responder a essa

pergunta é necessário algumas considerações:

Na contemporaneidade, as fronteiras entre os gêneros literários, se alteram

fazendo-se correntes. Existe uma dificuldade de especificar limites, os limites entre os

gêneros se apagam. Segundo a crítica canadense Linda Hutcheon, uma das marcas mais

evidentes da pós-modernidade é o fato de que “as fronteiras entre os gêneros literários

tornam-se fluídas” (HUTCHEON, 1991, p.26).

Nesse contexto, pode-se ressaltar que não estamos tratando de um gênero

específico, no qual podemos verificar traços pontuais. O que se caracteriza aqui é

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heterogeneidade, hibridação, cruzamento de gêneros em lugar de um gênero puro.

Nessa órbita, pode-se considerar que na narrativa de Urbina não há um gênero fixo, ao

contrário verificam-se gêneros distintos como, por exemplo, romance, autobiografia e

autoficção.

Romance, memórias, autobiografia e autoficção são gêneros narrativos

colocados em questão a partir de um produtivo exercício auto-reflexivo e metaficcional.

Num jogo de ficções, a figura autoral e suas experiências vitais aparecem textualizadas.

Urbina, um sujeito híbrido, translocal, de múltiplos centros, cria universos narrativos

nos quais se articulam livremente o mundo real e o da ficção. A figura autoral entra na

textualidade, inventando ficções de si mesmo. Podemos verificar nesse trecho:

A pesar de la intensidad vigorosa que me roía el alma, yo me había

transformado en un ser oscuro y replegado. En las fiestas buscaba los rincones,

y me vestía de gris, como un viejo oficinista. Aprendía de memoria trozos de

“La Ilíada” y los salmos de David, que a veces recitaba en la mesa para

consternación de mis padres y la burla de mi hermano. Me gustaba la física

vectorial y me entretenían las clases sobre poleas y garruchas. Comencé a jugar

con los peores tipos de barrio y me lo tomé tan rabiosamente en serio que al

cabo de un año mis muslos se habián engrosado de forma visible (URBINA,

2009, p.69).

As escrituras autobiográficas abrangem várias modalidades literárias

denominadas escritas de si. Para tratarmos desse tema, consulto a Phillipe Lejeune em

seu livro O pacto autobiográfico (2008). Lejeune é um grande nome da pesquisa

autobiográfica na contemporaneidade, o autor coloca em discussão o funcionamento do

texto autobiográfico.

Lejeune no capítulo intitulado O pacto autobiográfico afirma que para que haja

autobiografia é preciso que exista relação de identidade entre o autor, o narrador e o

personagem (LEJEUNE, 2008, p.18). A identidade narrador - personagem principal é

geralmente marcada pelo uso da primeira pessoa, denominada por Gérard Genette

narração “autodiegética”. Entretanto, o autor esclarece que pode haver narrativa em

primeira pessoa sem que o narrador seja a mesma pessoa que o personagem principal.

Além disso, a segunda e a terceira pessoa também podem aparecer em autobiografias,

porém é algo mais raro de ocorrer.

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Sendo assim, é em relação ao nome próprio que devem se situar os problemas da

autobiografia (LEJEUNE, 2008, p. 26). A autobiografia supõe que exista identidade de

nome entre o autor, o narrador e a pessoa de quem se fala (LEJEUNE, 2008, p. 28).

Nesse tipo de texto, o leitor suspeita que exista identidade entre autor e personagem,

porém o autor optou por não afirmá-la. O pacto autobiográfico é a afirmação no texto

dessa identidade, remetendo em última instância ao nome do autor escrito na capa do

livro (LEJEUNE, 2008, p. 30).

Essa identidade de nome entre autor, narrador e personagem pode se instaurar de

duas formas: a primeira de maneira implícita na ligação autor-narrador no momento do

pacto autobiográfico e de maneira patente em relação ao nome assumido pelo narrador-

personagem na própria narrativa, assemelhando-se com o nome do autor impresso na

capa do livro (LEJEUNE, 2008, p. 31).

Segundo Lejeune é necessário que a identidade seja estabelecida pelo menos

através de um desses meios, mas ocorre com frequência que ambos sejam mobilizados

(LEJEUNE, 2008, p.32). É como acontece no romance Las memorias del Baruni (2009)

de Leandro Urbina.

Neste romance, Urbina opta por um discurso memorial declarado e se auto-

representa no rol de escritor-editor, pois o autor assegura ter conhecido Baruni, um

desenhista de modas com pretensões literárias que ao falecer lhe deixa um legado: as

suas memórias. Urbina diferentemente de Cervantes e Borges utiliza esse antigo

recurso, porém o exibe de forma clara. Urbina por meio de nota de rodapé e na

introdução do livro sabota seu amigo, colocando em dúvida a qualidade do material que

tem tido que organizar e editar. Veja-se:

Guatón, tienes talento pero eres inconsistente, le decía yo. Escribes

como si te siguiera el diablo. Soy chileno y exilado decía él. Viva Chile.

Nunca posó, eso quiero dejarlo claro. Nunca posó de escritor, de artista, como

outros que yo conozco y que no voy a nombrar. El Gordo era aficionado a

escribir. Escribía en cantidades, sin estitiquez. Este manuscrito se perdió una

vez, y su recuperación le acarretó más de una desgracia. Él insistia en

continuarlo lo disfrazaba de novela, de autobiografía, de testimonio, de fábula

moral. Dicen que en el pasado pintaba y que no era mal pintor, pero lo dejó sin

ninguna explicación (URBINA, 2009, p. 10-11).

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O desdobramento como editor se dá de maneira simples, Urbina somente se

esconderá no anagrama de (Baruni/Urbina), explicitando um documento que na verdade

sabemos tratar-se de falsas memórias. O pacto autobiográfico, eloquentemente

caraterizado por Lejeune afirma no texto a identidade entre autor e personagem,

remetendo ao nome do autor e essa identidade de nome poderá se instaurar

assemelhando-se ao nome do autor como fez Urbina ao reorganizar as letras de seu

nome. Veja-se como o nome e o sobrenome se assemelham ao do autor José Leandro

Urbina “Yo soy José Luis Baruni, soy su segundo hijo, nacido el 05 de enero en mi

propia casa, en un sillón del comedor” (URBINA, 2011, p. 11).

Em Las memorias del Baruni a identidade entre autor, narrador e personagem se

confirma e esse é um requisito segundo Lejeune para que haja autobiografia. O autor

define autobiografia como uma narrativa em prosa que uma pessoa real faz de sua

própria existência, quando focaliza sua história individual, em particular a história de

sua personalidade. Nessa definição entram em jogo alguns elementos pertencentes a

quatro categorias distintas (LEJEUNE, 2008, p.16).

Quanto à categoria situação do autor já constatamos que há identidade do autor,

o qual o nome remete a uma pessoa real, e do narrador. Com relação à categoria posição

do narrador também já verificamos que há identidade do narrador e do personagem

principal. Analisemos agora as demais categorias.

O texto de Urbina é uma narrativa em prosa, sendo assim, as exigências

referentes aos elementos de mais uma categoria são cumpridas. Outra exigência

atendida nesta obra é que esta possui perspectiva retrospectiva, a infância e a juventude

do personagem Baruni são narradas na obra. Por fim, sobre a categoria assunto tratado,

os requisitos de vida individual, história de uma personalidade também são preenchidos.

Lejeune vai mostrando que gêneros vizinhos como, por exemplo, o gênero memórias e

outros, não cumprem todas as quatro categorias que a autobiografia põe em jogo. No

gênero memórias o tema que é tratado não é a vida individual, não é a história de uma

personalidade (LEJEUNE, 2008, p.17).

A narrativa de Urbina possui todos os traços analisados por Lejeune em relação

à autobiografia, porém outras formas também são incluídas, outros gêneros também se

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apresentam: romance, memórias, autoficção. Na narrativa de Urbina os gêneros se

misturam, as formas se modificam e o autor escreve um texto cuja estrutura é híbrida.

Urbina com um disfarce de editor vai conspirando nesta narração autobiográfica.

Além do pacto autobiográfico Lejeune também cria o conceito pacto referencial

com a intenção de que não se confunda romance autobiográfico e autobiografia.

Segundo o autor, o pacto referencial, no caso da autobiografia, é geralmente

coextensivo ao pacto autobiográfico, sendo difícil dissociá-los (LEJEUNE, 2008, p.43).

A autobiografia de acordo com Lejeune se opõe a todas as formas de ficção porque são

textos referenciais que se propõe a dar informações sobre uma realidade externa ao

texto e a se submeter a uma prova de verificação. O objetivo não é simplesmente

verossimilhança, mas a semelhança com o verdadeiro (LEJEUNE, 2008, p.43).

A impossibilidade de se representar a realidade de forma plena, ocorre pelo fato

da ficção se apossar da autobiografia. Para Lejeune, o pacto referencial assegura a

veracidade do relato. No entanto, Lejeune reconhece que um autor pode fingir o pacto

referencial, deixando-o de lado, fingindo dizer a verdade. Esse jogo segundo Lejeune

pode ser imitado num romance. É nesse contexto que romance e aubiografia se

relacionam, um tem relação com outro. De acordo com Lejeune, o que é revelador é o

espaço no qual se inscrevem as duas categorias de textos, que não pode ser reduzido a

nenhuma delas. Esse efeito de relevo obtido por esse processo é a criação, para o leitor,

de um “espaço autobiográfico” (LEJEUNE, 2008, p.51). Nesse espaço onde o romance

encontra novas formas está a saga Las memorias del Baruni e El basurario del Baruni.

José Amícola em Autobiografía como autofiguración. Estrategias discursivas

del yo y cuestiones del género (2007), apresenta um minucioso trabalho de investigação

sobre autobiografia como gênero literário a qual ele inicia com (A). Esta investigação se

vincula com os processos de identificação do eu que busca sua própria subjetividade.

Tais processos se ligam com a maneira como o sujeito se percebe no mundo.

Amícola começa seu texto com a leitura da epígrafe – Esto no es autobiografia –

do livro de Pierre Bourdieu Esquema para un autoanálisis (2004) e com a frase – Esto

no es una pipa – de um quadro de René Magritte. Amícola por meio dessas citações

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explica que a A enquanto gênero literário está no ponto central da representação

(AMÍCOLA, 2007, p.11).

Segundo Amícola, a restrita separação entre a vida privada e a pública, a

crescente conscientização da situação do homem como um ser solitário, a consciência

de si, o valor da introspecção, a busca identitária e o fortalecimento da ideia do sujeito,

constituem algumas das condições que possibilitam o verdadeiro progresso de um

gênero escriturário intimista como a A, cujo nascimento mais singular se dá, não por

acaso, no século XVIII (AMÍCOLA, 2007, p.15).

De acordo com Amícola, a lei que rege as histórias de vida e que aos poucos foi

se construindo possibilita que a narração se expanda e se mescle com subgêneros que

propõem todos certa objetivação do eu. Nesse espectro de tratamento exclusivo do

sujeito a A não está sozinha. Amícola expõe que:

Podemos encontrar un amplio repertorio de narrativas del yo con

distintos matices, que empiezan a desgajarse del espíritu de cierto

individualismo burgués germinal de la época renacentista. Así, desde el

Renacimiento en delante encontramos relatos no directamente ficcionales en

los que puede tratarse de un yo que cuente su experiencia vivencial a partir de

claves convencionales: ese espectro de historias de vida va desde las memorias

(de un periodo determinante de la vida del narrador), pasando por el diario

íntimo (que cubrirá siempre un trayecto muy acotado en el tiempo), hasta llegar

al afán ficcional de la novela autobiográfica, o aquella con algunos rasgos de

vida (AMÍCOLA, 2007, p.15-16).

Para Amícola, resulta claro nos nossos dias que os textos autobiográficos de

Cellini, Cardano e Montaigne balizam o século XVI, aprofundando num conhecimento

psicológico inusitado em períodos anteriores de modo que possamos admitir que esse

tipo de percepção humana ganha com eles uma marca tanto prática, como atravessada

por uma reflexão para uma filosofia de vida e um ensino da que o próprio escritor tira

partido e que logo será o legado de Rosseau, o qual para a crítica francesa aparece como

pioneiro da observação psicológica (AMÍCOLA, 2007, p. 63).

Amícola afirma que Rosseau aparece como uma figura emblemática para o

gênero da A, isto porque seu texto consegue um nível de auto-reflexividade que não

havia sido concebido anteriormente. Rosseau partiu de um questionamento fundamental

para escrever sua A. Essa pergunta seria: ¿Quién soy? e Rosseau responde com a frase:

Yo siento mi corazón, abrindo assim a batalha dos autores sentimentalistas contra o

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próprio século da razão ao que eles também pertenciam por direito próprio (AMÍCOLA,

2007, p.74).

Amícola recapitula na segunda parte deste livro um pouco da teoria de Paul de

Man. De man dirigia críticas à relação entre a autobiografia e a ficcão. Este tema é o

que mais atenção tem recebido nos últimos tempos graças também a própria

contribuição dos deconstrutivistas. Estes têm promovido direta ou indiretamente a

aparição do termo autoficcão, um domínio que teria amplos cultores conectados com o

Río de la Plata se nos atermos a inclusão de textos os quais aparece o nome do autor

coincidindo com o nome do protagonista (Colonna, 2004 apud Amícola, 2007).

A crítica argentina Graciela Speranza (2008) em seu ensaio ¿Dónde está el

autor?, expõe que a marca genética da autoficção, o choque de pactos antitéticos ,isto

é, o ficcional e o autobiográfico, aniquila o último reduto do realismo, o nome próprio

(SPERANZA, 2008, p.10). Na saga Las memorias del Baruni e El basurario del

Baruni de Leandro Urbina podemos observar que o nome próprio é um dos recursos

utilizado para apresentar a ficcionalidade da narrativa. Urbina se oculta, se distancia da

autoria da obra, apresentando os nomes e os sobrenomes dos membros da família de

Baruni como avós, pais, irmãos, tios e, sobretudo no nome próprio do personagem

principal Baruni anagrama de Urbina verifiquemos nos seguintes fragmentos: “Yo soy

José Luis Baruni, [...] Mi padre se llamaba Miroslav Baruni [...] Mi madre se llama

Suzana Azanja” (URBINA, 2011, p.11); “mi tio Juan Azanja [...] Mi abuelo Deda

Baruni [...] La família Baruni Azanja, hijos: Juan Francisco Baruni (Pancho), José Luis

Baruni (el Gordo), Gustabo Baruni (Tabo), Ramón Baruni (Moncho), Aurelio Baruni

(Cucho), Sebastián Baruni” (URBINA, 2009, p. 19,27, 28).

Segundo Speranza, a impossibilidade de decidir quem disse eu desperta o leitor,

comodamente instalado entre os limites reconhecíveis da autobiografia e da ficção,

produz perguntas sem respostas e complica o juízo estético e moral. No tremor do pacto

enganoso com o leitor, o estatuto de verdade do gênero desequilibra-se e revela-se a

natureza romanesca de toda escritura do eu (SPERANZA, 2008, p. 08).

De acordo com Speranza, na autoficção “Las vidas reales conviven con las

imaginarias en una mezcla que da mayor o menor consistencia a la persona del autor y

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produce efectos contraditorios” (SPERANZA, 2008 p.09). Speranza na sua concepção

declara ainda que: “El pacto autoficcional [...] da paso libre en la aduana de la escritura

personal, dejando al autor al resguardo de cualquier acusación, ante el menor riesgo de

daño, se alegará que se trata de una licencia de la ficción” (SPERANZA, 2008, p. 11).

Speranza manifesta que: “De la vencidad entre autoficción e autofricción

Doubrovsky quería extraer una forma que confía el lenguaje [...] o híbrido, si a química

funciona, debería dar vibración al lenguaje que avanza también a tientas por la cuerda

trenzada del yo” (SPERANZA, 2008, p. 11).

O caráter ficcional na escrita autobiográfica de Leandro Urbina é evidente. A

narrativa se localiza assim entre o autobiográfico e o ficcional. Em Las memorias del

Baruni e em El basurario del Baruni, Urbina passa a fazer parte da narrativa na pessoa

do protagonista. Pode-se dizer que essa é uma das vias de entrada do ficcional na

narrativa. Tal referencialidade permite a Urbina se ocultar no que diz respeito à autoria

da obra. Esse jogo, esse entrecruzamento entre ficção e realidade resulta no que

chamamos autoficção. Veja-se como exemplo um trecho de Las memorias del Baruni:

En esos días me enamoraba pateticamente hasta de los pájaros. Me

encantaban las actrices de Hollywood, soñaba con besar a Natalie Wood, la de

“Esplendor de la hierba”. Te juro que la habría llevado a vivir lejos, conmigo.

A un bosque junto. Mi Hermano se reía de mis confesiones. ! Qué romántico!

¿Y de qué vivirían, de cazar conejos? Pescaríamos, contestaba yo y él lloraba

de la risa. Lo odiaba, y al mismo tiempo odiaba enamorarme, me ponía

demasiado nervioso. Confuso, pero sin reconocerlo abiertamente, se me ocurría

que mi destino era ser cura como mis tios, ser misionero mártir y aparecer en

“Vidas ejemplares” (URBINA, 2009, p.68).

Amícola argumenta que tomando como ponto de partida uma passagem célebre

da obra de Proust, Paul de Man afirma que a A parece pertencer a um mundo

extremamente simples de referencialidade. De man também afirma que a A não seria

um gênero nem um modo, mas uma figura de leitura ou de compreensão e se poria em

evidência em todo tipo de textos (apud Amícola, 2007, p. 116).

Haveria também na A uma peculiaridade que consistiria em que o autor

exerceria em seu texto uma função de reflexo. Por isso, contra a postura simplista de

Philippe Lejeune, Paul de Man atesta também que cada livro com um título em sua

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portada estaria funcionando como autobiográfico, pois remeteria às experiências de um

autor (apud Amícola, 2007, p. 116).

Sylvia Molloy inicia seu texto crítico Acto de Presencia. La escritura

autobiográfica en Hispanoamérica (1996), expondo que a prosopopéia é a figura que

rege a autobiografia. Assim, escrever sobre si mesmo seria esse esforço, sempre

renovado e sempre falido, de dar voz aquele que não fala, de dar vida aquele que está

morto, dotando-o de uma máscara textual. Molloy declara que se propõe – seus estudos

se restringem aos séculos XIX e XX, embora tenha noção que os relatos em primeira

pessoa na literatura colonial são abundantes – refletir sobre textos que pretendem

realizar o impossível, isto é, narrar a história de uma primeira pessoa que só existe no

presente de sua enunciação (MOLLOY, 1996, p. 11). Molloy define a autobiografia

hispano-americana como:

La autobiografía es siempre una representación, esto es, un volver a

contar, ya que la vida a la que supuestamente se refiere es, de por sí, una suerte

de construcción narrativa. La vida es siempre, necesariamente, relato: relato

que nos contamos a nosotros mismos, como sujetos, a través de la

rememoración; relato que oímos contar o que leemos, cuando se trata de vidas

ajenas. Por lo tanto, decir que la autobiografía es el más referencial de los

géneros entendiendo por referencia un remitir ingenuo a una “realidad a hechos

concretos y verificables es, en cierto sentido, plantear mal la cuestión. La

autobiografía no depende de los sucesos sino de la articulación de esos

sucesos, almacenados en la memoria y reproducidos mediante el recuerdo y su

verbalización (Molloy, 1996, p.15-16).

Nesta visão na qual Molloy define a autobiografia, Urbina em Las memorias del

Baruni e em El basurario del Baruni apresenta a ficcionalidade do seu relato

autobiográfico, enfim, de toda a sua narrativa. Entre o autêntico e entre o verossímil,

entre esses dois extremos, Leandro Urbina situa a saga. Tal definição de Molloy motiva

a não se buscar uma referencialidade singular remetida a uma única realidade, Urbina

nesta direção desenvolve sua narrativa, transitando entre o mundo real da vida e entre o

mundo imaginário narrado. Para Molloy, não existe a possibilidade de o real coincidir

com o ficcional, pois o real não será representado. Veja-se neste fragmento o mundo

real e o mundo ficcional se cruzando nestas recordações do bairro onde Leandro Urbina

viveu sua infância e juventude:

En el barrio se funcionaba la cervecería de los Ebner, la Compañía

Cervecerías Unidas. En las mañanas el aire se iba impregnando de un olor a

cebada que despertaba el apetito. Me gustaba el desayuno, en el verano, cuando

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abrían las puertas del comedor y entraba luz a raudales y una brisa fresquita.

Era el tiempo en que nos sentábamos alrededor de la mesa, toda la familia

conversando (URBINA. 2011, p.18).

Segundo Molloy “el lenguaje es la única forma que dispongo para ver mi

existencia, En cierta forma, ya he sido, relatado por la misma historia que estoy

narrando” (MOLLOY, 1996, p. 16). Urbina relata sua biografia pessoal na saga,

construindo-se a si mesmo de maneira ficcional. Urbina constrói esse caráter de

ficcionalidade através do gordo Baruni, um personagem fracassado, frustrado, sem

brilhantismo como ele mesmo declara nos fragmentos de um preâmbulo inconcluso:

Cada vez que duermo y despierto, estoy más gordo. La ansiedad me

devora. Es difícil comenzar, decir las cosas que uno quire decir . Revelar la

intimidad sin ser sometido a la burla pública, es oficio de hipócritas. Yo y mis

compañeros tenemos fama de pudicos, mientras no se nos suelta la lengua.

Hasta el momento, eso me ha impedido hacer ciertas declaraciones, pero como

en verdad no tengo nada que perder, quiero decir sin modestia alguma, que

muy a pesar de la gente que murmura a mis espaldas que tengo en mi pasado

más de una historia nebulosa, yo siento que solo he tenido el privilegio de ser

testigo de felices y trágicos acontecimientos. He sido actor de proyectos

humanos fracasados pero sublimes, y en el plano de lo trivial, por mi aficción a

las faldas, tratan de desprestigiarme los más pudibundos carcomidos por la

envidia. Mi consciencia está tranquila, en lo que se refiere a la incoherencia de

mis actitudes fundamentales. (URBINA, 2009, p. 13).

Podemos dizer que tal falta de capacidade de produzir e a falta de disciplina do

protagonista e de seus amigos, que acaba o submetendo a zombaria nos seus numerosos

encontros amorosos, na não aceitação de um trabalho honesto e regrado, se manifesta

como objeto de leitura crítica do cenário da realidade chilena, refletindo a direção que o

passar dos anos tomou de queda, de ruína, de destruição e degradação. Tal realidade

chilena coincide com a época e com contexto político em que viveu Leandro Urbina

antes do ser exilado. Molloy explica sobre esse movimento de retorno ao passado,

segundo a autora:

La evocación del pasado está condicionada por la autofiguración del

sujeto en el presente: la imagen que el autobiógrafo tiene de sí, la que desea

proyectar o la que el público exige. Como Ña Cleme, la vieja mendiga de

Recuerdos de províncias de Sarmiento quien, gozando de su fama de bruja,

trabajada en sus conversaciones para cimentar la prestigiosa imagen con la que

ya comenzaba a identificarse, el autobiógrafo trabaja en su memoria con la

misma finalidad. Aun cuando menos definida que la de Ña Cleme la imagen de

sí existe como impulso que gobierna el proyecto autobiográfico. Además de

fabricación individual, esa imagen es artefacto social, tan revelador de una

psique como de una cultura (MOLLOY, 1996, p. 19).

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Molloy ainda analisando os escritos autobiográficos de Sarmiento mostra que:

como Ña Cleme (uma índia anciã de San Juan de sua infância), Sarmiento trabalha em

suas conversas para conservar uma imagem bajuladora de si, sobre a qual já conta que

sustenta seu esforço autobiográfico. Molloy segue exprimindo que:

Si bien la meta de autobiógrafo parecería ser el descubrimiento o,

mejor dicho, la construcción del yo, el proceso en realidad sigue el camino

inverso. La autorepresentación es el producto final, pero es también la figura

inicial que rige el desarrollo de la autobiografía. Se recrea el pasado para

satisfacer las exigencias del presente: las exigencias de mi propia imagen, de la

imagen que supongo otros esperan de mí, del grupo al cual pertenezco

(Molloy, 1996, p. 199).

Finalizando, segundo Molloy, uma postura marcadamente testemunhal

caracteriza os textos autobiográficos hispano-americanos. Inclusive quando nem sempre

se enxergam a si mesmo como historiadores, esse conceito vai perdendo terreno a

medida que a demarcação de gêneros se torna mais específica. De acordo com Molloy:

“El hecho de que este testimonio a menudo revista el aura de las visiones últimas – el

autobiógrafo da testimonio de lo que ya no existe –, no sólo agranda la figura individual

del autor sino refleja las dimensiones colectivas que se reclaman para el ejercicio

autobiográfico” (MOLLOY, 1996, p, 20).

3.3. A FIGURAÇÃO DO AUTOR NA SAGA DE BARUNI/URBINA

Como dito anteriormente, tanto em Las memorias del Baruni como em El

basurario del Baruni, o escritor Leandro Urbina se representa no protagonista do

romance, isto é, o escritor Leandro Urbina se projeta na figura do personagem principal,

Baruni. Mas, também podemos interpretar que o escritor, além de se representar e de se

projetar na figura de Baruni. Ele mesmo resolve entrar na textualidade, Leandro Urbina

assim se textualiza como o editor que escreve as memórias deixadas por Baruni. Ou

seja, Leandro Urbina escritor cria uma personagem que também se chama Leandro

Urbina, que é o autor das memórias do amigo.

Podemos observar na trama as experiências vitais do escritor Urbina, podemos

observar dados da biografia do próprio autor como, por exemplo, o bairro e seus

arredores onde se dão os relatos coincidem com o bairro onde Urbina cresceu e viveu

sua mocidade no Chile.

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O escritor Leandro Urbina se oculta apenas através do anagrama Baruni /

Urbina, usando uma máscara ficcional de editor das memórias do gordo Baruni, trata-se

de uma figuração explícita do autor. Porém, também podemos compreender que o

escritor Urbina na pessoa do personagem chamado Leandro Urbina (o editor) se mostra

ainda mais abertamente, este faz questão de prefaciar ambos os livros, explicando que é

o editor responsável por organizar as memórias de Baruni. Verificamos na narrativa um

interessante jogo de espelhos.

Na terceira parte do livro Autobiografia como autofiguración. Estrategias

discursivas del yo y cuestiones del género (2007), Amícola abordando sobre o tema da

figuração do autor manifesta que os textos de Victoria Ocampo aparecem marcados por

um afã de autofiguração, no sentido de uma representação autobiográfica que se esmera

em coincidir com um ideal introduzido de si mesmo. Sylvia Molloy também observa a

autofiguração de Victoria Ocampo vinculada de maneira absoluta ao ato de um sair a

escena, pois:

La presencia de lo teatral en la escena de lectura de Ocampo a partir

de la niña que posa con un libro, pasando por el deslumbrante

autoreconocimiento de L‟Aiglon, hacia la incesante búsqueda de su propio

argumento y su propio personaje, pone de manifiesto la obsesiva preocupacíon

de Ocampo con la autorepresentación, preocupación que guia su obra y refleja

la difícil problemática del género dentro de la cultura de una época (apud

Amícola, 2007, p. 253).

Assim como Ocampo, os textos de Leandro Urbina também estão marcados pelo

afã de autofiguração no mesmo sentido proposto pela autora de uma representação

autobiográfica coincidente com um ideal de si próprio. Tanto em Ocampo como em

Leandro Urbina há uma preocupação em se auto-representar. Leandro Urbina introduz

na sua saga dados de sua própria biografia se auto-representando e mantendo a

ficcionalidade da narrativa.

José María Pozuelo (2010) em Figuraciones del yo en la narrativa: Javier

Marías y Enrique Vila- Matas, considera em suas análises que um eu figurado é um

narrador que tem enfatizado precisamente os mecanismos irônicos, em seu sentido

literário mais nobre, que marcam a distância de quem escreve até tornar a converter a

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voz pessoal em uma voz fantasiada, figurada e intrinsecamente ficcionalizada. Para

Pozuelo, é essencial vincularmos o conceito de figuração “con la idea de dibujo

imaginativo, fantasía de algo o bien su representación, algo que sin serlo, o sin ser de

una manera determinada, lo suplanta o figura, esto es, representa imaginariamente como

tal” (POZUELO, 2010, p.23).

Para aprofundar nesta questão do autor nas obras estudadas, recorro ao filósofo

italiano Giorgio Agamben, na sua visão de gesto de autor. Agamben em seu livro de

ensaios Profanações (2007) assume de maneira evidente a tarefa de alargar o trabalho

de Michel Foucault. Os ensaios reunidos nesta obra são dedicados ao deus latino

Genius, este deveria proteger cada homem desde o seu nascimento. Agamben expõe que

Genius jamais pode ter forma de um eu e muito menos de um autor. Diz Agamben:

“Escrevemos para nos tornarmos impessoais, para nos tornarmos geniais e, todavia, ao

escrever, identificamo-nos como autores desta ou daquela obra, afastamo-nos de

Genius, que nunca pode ter a forma de eu e, muito menos, de um autor” (AGAMBEN,

2007, p. 16).

No ensaio O autor como gesto, Agamben logo no início do texto, menciona a

citação de Beckett - o que importa quem fala, alguém disse, o que importa quem fala –

utilizada por Foucault para formular a indiferença a respeito do autor como mote ou

princípio fundamental da ética da escritura contemporânea. Foucault através desse

recurso fundamenta a distinção entre duas noções que constantemente se confundem são

elas: o autor como indivíduo real que ficará fora de campo, e a função-autor, que

centralizará as análises de Foucault (AGAMBEN, 2007, p.49).

No entanto, Agamben expõe que a citação de Beckett apresenta uma contradição

em seu enunciado. Segundo Agamben, existe alguém que proferiu o enunciado ainda

que anônimo e sem rosto, alguém sem o qual a tese, que nega a importância de quem

fala, não poderia ter sido formulada. O mesmo gesto que nega qualquer relevância à

identidade do autor afirma, contudo, a sua irredutível necessidade (AGAMBEN, 2007,

p.49).

Agamben destaca ainda a obra de Foucault intitulada A vida dos homens

infames, um prefácio de uma antologia de documentos de arquivo, registro de

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internação. Para Agamben, é possível que este texto de 1982 assemelhe-se com a chave

de leitura da conferência sobre Foucault, que a vida infame constitua de alguma maneira

o modelo da presença- ausência do autor na obra. Agamben afirma:

Se chamarmos de gesto o que continua inexpresso em cada ato de

expressão, poderíamos afirmar então que, exatamente como o infame, o autor

está presente no texto apenas em um gesto, que possibilita a expressão na

mesma medida em que nela instala um vazio central. O gesto nesse sentido

aparece como instrumento que articula o pensar e anula a intenção

(AGAMBEN, 2007, p. 52).

De acordo com Agamben: “o autor nada pode fazer além de continuar, na obra,

não realizado e não dito. Ele é o ilegível que torna possível a leitura, o vazio lendário de

que procedem a escritura e o discurso” (AGAMBEN, 2007, p. 55). Para Agamben, “tão

ilegítima quanto a tentativa de construir a personalidade do autor através da obra é a de

tornar seu gesto a chave secreta da leitura” (AGAMBEM, 2007, p 56).

Agamben examinando o lugar do autor, da escrita e do leitor exprime ao evocar

a poesia que o lugar, melhor dizendo, o ter lugar do poema não está no texto, nem no

autor, tampouco no leitor. Está no gesto no qual autor e leitor se põem em jogo no texto

e, ao mesmo tempo, infinitamente fogem disso. O autor não é senão a testemunha, o

fiador da própria falta na obra em que foi jogado; e o leitor não pode senão voltar a

soletrar esse testemunho, não pode senão, por sua vez, deixar de tornar-se fiador do

próprio inesgotável ato de jogar de faltar, de não se ser suficiente (Agamben, 2007, p.

56).

Enfim, Agamben manifesta que assim como o autor deve seguir não expresso na

obra e, no entanto, precisamente dessa forma testemunha a própria presença inflexível,

igualmente a subjetividade se mostra e resiste mais fortemente no ponto no qual os

dispositivos a capturam e põem em jogo. Uma subjetividade gera-se onde o sujeito, ao

encontrar a linguagem e se pondo sem reservas nela, mostra em um gesto a própria

irredutibilidade a ela (AGAMBEN, 2007, p.56-57).

O gesto constitui-se o meio pelo qual o sujeito consegue se expressar. Pode-se

dizer também que o gesto atinge o que a linguagem não atingiu. O gesto de Giorgio

Agamben em Las memorias del Baruni e em El basurario del Baruni aponta a

ficcionalidade da narrativa. Essa maneira como a narrativa foi construída, evidenciando

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um caráter ficcional, nos permite fazer a afirmação de que a obra é apresentada como

uma paródia do gênero autobiográfico, também como uma paródia do gênero memórias

literárias. Ainda mais, podemos também afirmar que essa intenção de fazer paródia é

um gesto que José Leandro Urbina procura instituir no romance.

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CONCLUSÕES

Após a análise da obra de José Leandro Urbina, em seus romances Cobro

revertido (2003), Las memorias del Baruni (2009) e El basurario del Baruni (2011),

tentarei desenvolver um raciocínio conclusivo. Para isto, proponho responder a seguinte

indagação: Como caracterizar a escrita de Leandro Urbina, partindo dos romances

Cobro revertido (2003), Las memorias del Baruni (2009) e El basurario del Baruni

(2011), vinculando essa produção artística a uma poética do deslocamento?

Um conjunto de elementos sobressai e recircula nas obras estudadas, que

analisados sistematicamente podem colaborar para uma caracterização de uma poética

do deslocamento no âmbito da literatura hispano-candense. Em primeiro lugar se

destaca o trabalho com a memória. O escritor que produz sua obra em condições de

deslocamento cultural manifesta uma extraordinária criatividade na atividade

mnemônica. Digamos que a distância produz um distanciamento dos fatos narrados que

permite ricos jogos de esquecimento e lembrança, apagamento e rememoração, mas,

sobretudo, invenção fictiva sobre os fatos rememorados. Leandro Urbina instaura a

memória do personagem principal de Cobro revertido no jogo dialético de lembrar-se e

de esquecer-se de seu país de origem, de seus amigos, de sua história. Além disso,

pudemos verificar a memória se entrelaçando ao espaço narrativo. Urbina vincula as

lembranças do personagem Baruni ao bairro onde nasceu, cresceu e viveu antes do seu

exílio ao Canadá. O autor também vinculou as recordações a sua rua Maruri e aos

arredores do bairro Independencia em Santiago do Chile. Propenso aos jogos de

ambiguidade e deslocalização, Urbina apela ao deslocamento genérico em seus textos.

Romances que lembram autoficções, autobiografias romanceadas, falsas memórias, se

entrecruzam e se interpelam nos textos estudados. O simulacro e o paródico, como

gêneros da duplicidade, enriquecem o trabalho lúdico com o gênero. Nessa

desestabilização se perdem também os limites entre a realidade e a ficção. O escritor

quebra qualquer compromisso de veracidade, instaurando um mundo sem margens

definidos entre a ficção e a vida.

Parece que Urbina brinca com as coisas mais caras a um escritor: sua própria

vida, sua memória, a escrita, o gênero literário e finalmente, a própria autoria. Se a pós-

modernidade instaurou a exposição da pessoa no texto, Urbina transcende esse

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pressuposto e se expõe, se auto-representa, mas no jogo paródico e inventivo da criação

da figura de um editor, no caso da saga de Baruni ou nas pistas autobiográficas deixadas

em Cobro revertido, que precisam da ativa participação do leitor.

A desconstrução dos lugares mais estáveis do texto (autor, editor, personagem),

a ambiguidade genérica, os jogos de lembrança e esquecimento na reconstrução

memorial, a ruptura de fronteiras entre o mundo da ficção e mundo da vida, enfim, a

preferência pelo entre-lugar na escrita são elementos na obra de Urbina que podemos

vincular ao intento de caracterização de uma poética do deslocamento.

Através desta pesquisa acredito ter colaborado para o trabalho coletivo que se

desenvolve em torno ao projeto Deslocamento cultural e processos literários nas letras

hispânicas contemporâneas: a literatura hispano-canadense do Programa de Pós-

graduação de Letras Neolatinas da UFRJ referido à caracterização das poéticas do

deslocamento na literatura produzida por uma comunidade emigrada de origem

hispânica no âmbito do Canadá, cumprindo assim com os objetivos pretendidos nessa

dissertação.

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