Politecnia no Ensino Médio

download Politecnia no Ensino Médio

of 143

Transcript of Politecnia no Ensino Médio

POLITECNIA NO ENSINO MDIO

Presidente da Repblica: Fernando Affonso Collor de Mello Ministro da Educao: Carlos Alberto Gomes Chiarelli Secretrio Executivo: Jos Luitgard Moura Figueiredo Secretria Nacional da Educao Bsica: Ledja Austrilino

Esta publicao realizada dentro do Projeto BRA/86/002 sob o patrocnio do Convnio MEC/SENEB/PNUD.

Luclia R. de Souza Machado Pe. Leandro Rossa Paulo Guimares Octavio Elsio Anna Bernardes Jorge Hage Jos Luis Sanfelice Cndido Gomes Walter Garcia Clio da Cunha

POLITECNIA NO ENSINO MDIO

POLITECNIA NO ENSINO MDIO Cadernos SENEB 5 Comisso organizadora: Clio da Cunha, Heliane Morais do Nascimento, Maria Helena Alves Garcia, Nabiha Gebrim de Souza e Walter Garcia. Capa: Carlos Clmen Secretaria grfica: Eunice de Oliveira F. Santos, Maria da Paz F. Lima Reviso: Maria de Lourdes de Almeida, Simone Brito de Arajo Superviso editorial: Antonio de Paulo SilvaDados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Brasil. Ministrio da Educao. Secretaria Nacional de Educao Bsica. Politecnia no ensino mdio / [ Walter Garcia, Clio da Cunha coordenadores). So Paulo : Cortez ; Braslia: SENEB, 1991. (Cadernos SENEB ; 5). Bibliografia. ISBN 85-249-0441-0 1. Cincias - Estudo e ensino (1- grau) 2. Cincias - Estudo e ensino (2- grau) 3. Educao profissiona] - Estudo e ensino (1grau) 4. Educao profissional - Estudo e ensino (2- grau) 5. Educao tcnica - Brasil I. Garcia, Walter II. Cunha, Clio da, 1943 UI. Ttulo. IV. Srie. CDD-370.1130981 -372.8 -373.2460981 -607.81

91-1577

Indices para catlogo sistemtico: 1. Brasil : Educao profissional 370.1130981 2. Brasil : Educao profissional : Ensino de 1grau 372.80981 3. Brasil : Educao profissional : Ensino de 2grau 373.2460981

4. Brasil: Educao tcnica 607.81 Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorizao expressa dos autores e do editor. 1991 by Autores e SENEB/MEC Direitos para esta edio CORTEZ EDITORA Rua Bartira, 387 - Tel.: (011) 864-0111 05009 - So Paulo - SP Impresso no Brasil - agosto de 1991

SumrioApresentao Luclia R. de Souza Machado Painel I. A Politecnia no ensino mdio Coordenao: Walter Garcia Proposta para o ensino mdio na nova LDB Pe. Leandro Rossa LDB proposta apresentada pelo MEC Paulo Guimares Projeto de lei n. 1.258/88 Octavio Elsio LDB proposta apresentada pelo Conselho Federal de Educao Anna Bernardes A nova LDB Jorge Hage Painel II. Ensino Mdio: em busca de uma concepo politcnica Coordenao: Clio da Cunha Politecnia no ensino de segundo grau Luclia de Souza Machado 51 13 19 29 7

34 43

A politecnia no ensino mdio jos Luis Sanfelice Ensino mdio: em busca de uma concepo politcnica Cndido Gomes Painel III. Ensino mdio: uma nova concepo unificadora de cincia, tcnica e ensino Coordenao: Nabiha Gebrim de Souza Tereza Roserley Neubauer da Silva Maria Aparecida Ciavatta Franco Accia Z. Kuenzer

65 73

97 106 113

ApresentaoLuclia de Souza MachadoA "Politecnia no Ensino Mdio", tema central desta publicao, Cadernos SENEB, organizada pela Secretaria Nacional de Educao Bsica MEC e editada pela Cortez Editora, constituiu objeto de discusso de trs importantes painis realizados em Braslia, em maio de 1989, por ocasio do Seminrio "Propostas para o ensino mdio na nova LDB", organizado pela ento Secretaria de Ensino de 2. Grau e o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB). A preocupao bsica de todos os painelistas girou em torno das seguintes questes: Qual a estrutura de conhecimentos mais adequada formao de 2. grau na atualidade e como esta necessidade se expressa na sociedade brasileira? Que papel ocupam e que relaes devem ter entre si a formao terica geral e a tcnica-instrumental? Que tipo de formao responde s necessidades individuais e sociais diante do desafio da rpida obsolescncia tcnica, da necessidade de gerao da capacidade endgena de desenvolvimento do pas e das exigncias de democratizao do sistema educacional e da sociedade? A concepo pedaggica baseada no trabalho como princpio educativo, na idia de escola unitria e de ensino politcnico atual, responde a

estas necessidades e pode ser aplicada no sistema de ensino brasileiro, particularmente no 2." grau? A dificuldade de definio do carter de ensino mdio tem se manifestado ao longo da histria da educao escolar em todos os pases. Algumas exposies identificaram este problema, que tende a se tornar cada vez mais crucial com a crise da escola, decorrente de sua separao do mundo da cincia e da produo, e com as transformaes nos padres de qualificao humana a partir das mudanas tcnicas e organizacionais em curso no mundo. Percebe-se nas anlises desenvolvidas pelos painelistas e debatedores um relativo consenso acerca de alguns pontos bsicos, com variaes de nfase e at de enfoques. Essas diferenas constituem um importante dado, pois trata-se de uma questo complexa, que exige vrios desdobramentos tericos e prticos. De modo geral, constata-se a preocupao por uma definio de 2." grau superadora da viso de profissionalizao estreita e do reducionismo do mercado de trabalho, em favor de uma alternativa educacional realmente formativa e de negao da reproduo das desigualdades sociais realizada pela escola. Essa preocupao se volta tambm para a necessidade de criao de uma nova conscincia coletiva, que rompa com o imediatismo do senso comum na relao entre trabalho e educao, partilhado pela populao de modo geral e inclusive por grande parte dos educadores brasileiros. O acesso ao ensino mdio como direito de todos a idia bsica a qualquer proposta de democratizao deste nvel de ensino. No entanto, conforme denncias de vrios painelistas e debatedores, no Brasil, este direito pertence a uma pequenssima minoria e no se observa uma verdadeira vontade poltica para a mudana desta realidade. Como parte deste direito, enfatizada a importncia de uma educao integral, que garanta a cada um o domnio dos instru-

mentos de compreenso da realidade, atravs da apropriao da praxis social e da sua relao mais fundamental, o trabalho social. A proposta de ensino politcnico vem ao encontro desta preocupao, salientando no s a necessidade desta compreenso crtica, mas a importncia do domnio das formas do fazer, dos recursos instrumentais, metodolgicos e tcnicos de utilizao prtica dos conhecimentos adquiridos. O carter politcnico, dado pela base comum necessria formao de perfil amplo, omnilateral, requer o domnio de uma cultura cientfico-tcnica bsica integralizadora e totalizadora de forma a propiciar a emergncia da criatividade e da autonomia de cada um. Neste sentido, sua importncia se estende para todo o sistema de ensino e ganha espao destacado nas discusses sobre o 2. grau, na medida em que incorpora as preocupaes com a formao geral e especfica, dentro de uma perspectiva sinttica ao privilegiar o domnio dos fundamentos terico-prticos das cincias modernas comuns s aplicaes nas principais funes produtivas e de servios. Diversos aspectos desta concepo foram discutidos bem como as exigncias que ela coloca em termos de reordenamento do processo acadmico, da relao entre a escola e a sociedade, das formas de trabalho escolar, das questes metodolgicas e de contedo, do aumento da atividade prtica dos alunos etc. Trs dificuldades, entretanto, mereceram um maior destaque: o obstculo oferecido pelo carter capitalista do sistema social brasileiro, a necessidade de suportes infra-estruturais em termos de recursos materiais e a questo da formao docente correspondente a este tipo de ensino. Neste sentido, haveria necessidade de requalificar a prpria escola e suas condies tcnicas e organizacionais de produo e este pressuposto, por si, j aponta para transformaes estruturais amplas da sociedade, dadas as limitaes impostas pelo regime vigente, limitaes estas que

podem inviabilizar, com risco de desmoralizao, uma proposta pedaggica to inovadora. Estes painis, ao lado de outros debates semelhantes organizados para discutir a nova lei das diretrizes e bases da educao nacional, tm o mrito de aguar estas preocupaes, tendo em vista a compreenso dos alcances e limites da legislao. Percebe-se, no entanto, conforme expresso de alguns dos participantes deste Seminrio, a ausncia dos principais interessados, os trabalhadores e suas entidades de representao. Que a divulgao destas discusses faa com que as idias aqui discutidas cheguem at eles! Luclia Regina de Souza Machado Profa. da UFMG

Painel I A politecnia no ensino mdioCoordenao: Walter Garcia CNPqPe. Leandro Rossa Paulo Guimares Ana Bernardes Jorge Hage

Proposta para o ensino mdio na nova LDBPe. Leandro RossaAssoc. de Educ. Catlica do Brasil

O tema que vamos debater hoje, embora muito especfico dentro da globalidade do ensino brasileiro, tem uma referncia necessria a um projeto de Nao mais amplo, realidade brasileira. A Associao de Educao Catlica no uma associao de escolas. Ns no associamos escolas catlicas. Somos uma associao de educao. Os nossos associados so educadores. No temos uma vinculao mais especfica e exclusiva com a escola catlica. Portanto, o que falamos aqui hoje no o pensamento das escolas catlicas do Brasil, o pensamento de alguns educadores catlicos que se reuniram, pensaram e aprofundaram o problema da educao no momento atual. Na nossa proposta h quatro artigos sobre o ensino mdio na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional. No art. 43 ns dizemos o seguinte:

"A educao mdia visa consecuo mais ampla dos objetivos propostos para a educao fundamental". Gostaramos de retomar os fins que propomos para o ensino fundamental. "A educao fundamental visa ao desenvolvimento integral do educando, a valorizao e a promoo da vida." Achamos que um dos objetivos fundamentais da educao a promoo e a celebrao da vida. Parece-me que a educao perdeu essa dimenso na atualidade e ns vemos muitas escolas, centros educacionais, onde no se cultiva realmente a vida, no se celebra a vida. H muita criana, muito adolescente, que no capaz de perceber que um centro educacional tambm um centro de promoo e celebrao do gosto de viver. No se tem o gosto de viver. Por esses dias, visitando uma famlia que tem duas crianas, uma na 4.a srie e outra na l.a srie, percebemos que as crianas estavam contentssimas porque havia greves. Perguntamos a elas por que estavam to contentes, e elas responderam: porque ir escola realmente chato! Ento, preciso novamente colocar como objetivo fundamental celebrar a vida, promover a vida, despertar o gosto de viver, que parece no existir mais ou existir em pequeno grau. O ensino fundamental tambm tem esse objetivo. Outro ponto o domnio dos instrumentos de compreenso crtica da realidade j no ensino fundamental. Gostaramos de enfatizar que muito mais importante do que o processo ensino-aprendizagem o processo social, e a educao deve ter como uma das suas finalidades ajudar as crianas, os adolescentes, a compreenderem criticamente

sociedade na qual vivem e, talvez, quem sabe, ajudar tambm na transformao dessa realidade. Portanto, visa o domnio dos instrumentos de compreenso crtica da realidade, da auto-expresso e da comunicao com os seus semelhantes. A educao visa a formao para a cidadania, a integrao e participao na convivncia humana. Se no contribuir para formar o novo cidado, no estar realizando aquilo que lhe deve ser especfico. Colocamos como horizonte da educao a convivncia comunitria, um tipo de sociedade que ns gostaramos que fosse democrtica e participativa. Portanto, esse princpio deve permear toda a organizao e os fins da educao, a participao como um contedo e como uma metodologia constante dentro do ensino e, portanto, como um objetivo a ser alcanado: que o ensino tanto do 1. quanto do 2. Grau seja uma oportunidade para criar mentalidades cada vez mais participativas e, portanto, cada vez mais comunitrias. A educao visa tambm a compreenso inicial do mundo do trabalho, j no 1. Grau. No se trata s de compreender o processo de produo, mas todos os relacionamentos sociais que esse processo de produo implica. Quando falamos dessa expresso "inicial do mundo do trabalho" queremos colocar como fonte primeira e fundamental o trabalho e dizer que s tem direito de participar das decises aquelas pessoas que conseguiram participar no trabalho. Achamos que a educao deve ser uma forma constante de produo do mundo produo conjunta desse mundo e a produo do mundo se faz atravs do trabalho. Ento, um dos objetivos da educao ser esse. Visa tambm a descoberta e o cultivo do sentido transcendente da existncia humana. Achamos que a existncia humana no termina totalmente aqui, mas que ela tem uma dimenso de transcendncia que deve ser cultivada,

no somente a dimenso de transcendncia histrica, mas tambm aquela que vai alm da histria da humanidade. Achamos que uma das finalidades da educao deve ser esta. A educao mdia tentaria levar para a frente esses fins e ampli-los com a aquisio de conhecimentos que constituem o patrimnio cultural da humanidade e de mtodos que permitam a cada pessoa prosseguir no seu aperfeioamento, sobretudo intelectual, no desenvolvimento de atitudes e habilidades para o comprometimento criativo no mundo do trabalho. Ns no gostaramos que o trabalho entrasse simplesmente porque temos indstrias a serem alimentadas com mo-de-obra, mas como elemento fundamental na construo de um projeto de Nao, construo essa sobre o trabalho e no sobre o capital; a educao que temos a, profissionalizante, favorece o capital e no uma educao profissionalizante sobre o trabalho como uma dimenso realmente pedaggica da pessoa humana. Quem trabalha e constri o prprio mundo merece viver nele. Ento, achamos que esse comprometimento criativo no mundo do trabalho fundamental ao exerccio consciente da cidadania e ao compromisso com a organizao comunitria. Estes so fins que ns propomos. Alm do artigo sobre os fins, propomos mais trs artigos. "Art. 44. A educao mdia ser realizada, no mnimo, em 2.400 horas de trabalho escolar efetivo." Achamos que no 2. Grau j no h necessidade de estabelecer seriaes, porque o mais importante em todo o processo educativo no a Secretaria de Educao, no nem mesmo o Ministrio da Educao, mas aquele que est realizando o processo educativo no centro educacional onde se faz realmente a educao. E ns propomos que a autonomia que as universidades pleiteiam para si, com tanta

ora com todo o direito, devem pleitear uma autonomia cada vez maior deve ser dada s escolas de l.e2. Graus. Seno comearamos a fazer discriminaes o que anticonstitucional dentro do mesmo processo educativo. Se ns no conseguirmos dar a mesma confiana ao educador que trabalha no ensino de 1. e 2. Graus que damos ao educador de 3. Grau e, por isso, a ele confiamos a possibilidade de um ensino autnomo, estaremos introduzindo dentro da mesma lei de ensino a discriminao proibida pela Constituio. Gostaramos que os centros educativos tivessem realmente tal autonomia que organizassem o 2. grau em trs sries, duas sries, uma srie e meia, como a escola achasse conveniente, dependendo das circunstncias locais e geogrficas onde estivesse situada, e dependendo, tambm, das necessidades da clientela da escola. Por isso, colocamos s o nmero de aulas que j um elemento limitativo. Por nossa vontade no se colocaria nem isso, mas um dado necessrio. A nica limitao, portanto, seria a observncia de, pelo menos, 2.400 horas no ensino mdio. "Pargrafo nico. Para ingressar no ensino mdio ser exigida a concluso do ensino fundamental." Isso no significa, porm, que as pessoas no possam, atravs de outros canais, chegar ao ensino mdio. E o terceiro artigo: "Os poderes pblicos estabelecero, na rea de sua respectiva competncia, programas que visem estender progressivamente a obrigatoriedade e gratuidade ao ensino mdio". Por que s quatro artigos? Porque pensamos esta lei em mbito nacional. a Lei de Diretrizes e Bases da Edu-

cao Nacional. Amarradas a esta lei deveriam estar, depois, as leis do sistema federal, estadual e municipal de educao. Os trs sistemas se inspirariam nesta grande lei que orienta toda a educao no plano nacional. Por isso no descemos a pormenores do ensino de 2." Grau, que deveriam ser deixados para os sistemas estaduais, os quais vo elaborar, tambm, a sua Lei de Diretrizes e Bases da Educao Estadual, e para os sistemas municipais, caso tenham tambm o 2 Grau, de tal maneira que se respeitasse um princpio, a nosso ver fundamental, para se constituir uma sociedade participativa, isto , o princpio da subsidiariedade dos rgos. Portanto, deixar a cada nvel a responsabilidade total de pensar o processo educativo na sua globalidade e no se furtar desse dever de cidadania. O princpio que adotamos e achamos fundamental dentro da educao o de caminhar para uma sociedade participativa. A sociedade jamais ser centralizadora, mas estamos atualmente num sistema de ensino altamente centralizador. Comeamos a fazer isso a partir de 1930 com a criao do Ministrio da Educao e Cultura, quando foi tirada a autonomia dos Estados e a educao cada vez mais centrada em mbito federal. Isto teve algumas vantagens, mas devemos tambm reconhecer que, talvez, os maiores males da educao brasileira, no momento, sejam devidos exatamente a essa centralizao exagerada de que ns todos padecemos, no somente na educao, mas tambm nos outros setores da atividade da nossa Nao.

LDB proposta apresentada pelo MECPaulo GuimaresINEP (MEC)

No estamos representando o Ministrio da Educao, mas, como educador, trazemos algumas idias e certas linhas que orientaram o projeto do MEC e uma concepo pessoal de educao que, evidentemente, esto incorporadas ao projeto e sero objeto de debate interno no Ministrio. O pano de fundo do projeto do MEC estabelecer uma viso bastante clara de que a educao no tem nenhum objetivo em si. Quem tem objetivos a sociedade, o Estado, a cidadania, que estabelecem os objetivos, as metas e as prioridades do projeto nacional de educao. Educao no algo que se "ponha debaixo do brao" e se escreva no papel, mas uma inteno da confiana poltica coletiva da sociedade, de todos os segmentos nos quais ela tem uma funo precpua de definir princpios e fins sobre os quais a sociedade, o Estado e a cidadania pretendam se assentar. Em primeiro lugar, procuramos definir esses princpios e fins dentro dos quais iramos inserir a educao como

eixo das mediaes da consolidao do Estado democrtico de direito, da soberania nacional, da cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais da civilizao, do trabalho e do lazer, do pluralismo poltico fundamental. A educao uma poderosa arma poltica na mo do povo, na mo da sociedade e na mo do Estado preciso que isso fique bem claro e, sobretudo, o pluralismo poltico, que a instncia em que se assentam todas as propostas e ideologias dos partidos, a circulao social do conhecimento, sua disseminao e produo bruta nacional e o sistema poltico. No se trata, pois, de estabelecer diretrizes de uma educao, mas antes de procurar conhecer em que bases essa educao deve ser operacionalizada para da surgirem as diretrizes fundamentadas nos princpios do Estado democrtico de direito e de cidadania a que nos referimos. No projeto, procuramos colocar a educao como mediadora da promoo humana, do desenvolvimento nacional, da promoo da cincia e da tecnologia, da cultura, dos valores, da arte, da filosofia, enfim, de todas as reas do saber; ela o eixo dialtico permanente, que realimenta e se alimenta da realidade dos fatos, da economia, do processo poltico, dos valores nacionais, essa inter-relao dialtica entre a escola, a universidade, esse conhecimento mediado com a realidade que ns queremos transformar com a sociedade que queremos construir. O projeto sugere a criao de um sistema nacional de educao. Participamos de reunies e debates em que se argumentou que o sistema nacional de educao inconstitucional, no existe. Existe, sim, o poder do municpio, o poder do Estado, o poder da Unio, do Distrito Federal, Territrios, que devem ser articulados entre si. O prprio sistema nacional, previsto na articulao e cooperao do sistema de ensino, passa a ser gerido por uma poltica na-

cional, em que se integram e se definem as metas, que estabelecem um plano nacional de educao no qual a produo intelectual bruta da Nao vai-se operacionalizar a partir dos nveis de ensino. Essa articulao e realimentao dos nveis de ensino e do processo produtivo intelectual, atualizadas e permanentes, devem ser visualizadas por algum rgo de mbito nacional para podermos averiguar o desempenho da produo intelectual nacional, o estoque de educao medido em anos de estudo de cada brasileiro, a nossa produo, os pontos fracos e fortes, onde o Pas est precisando de reforo e onde no est em termos de formao de recursos humanos, de produo da pesquisa cientfica e tecnolgica e do desenvolvimento cultural, intimamente ligado ao processo cultural. Esse sistema nacional de educao tem a finalidade de promover e articular a colaborao entre os diferentes sistemas de ensino: da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, a incluindo todas as agncias educacionais que prestam servio educativo sociedade, mas que estejam dentro dos princpios, dos fins e das normas estabelecidas em mbito nacional bem como de cada sistema de ensino. Ao lado disso, procuramos ver que mecanismo temos para colocar isso em prtica. No adianta apenas conceber planos, porque todos os projetos de lei de educao nacional, de Francisco Campos at hoje que ns conhecemos desde 1931, foram reformas sem princpio nenhum. A lei comeou a operacionalizar uma concepo de educao independentemente de saber para que serve, que objetivos tinha, em que princpios se sustentava e aonde queria chegar com uma produo intelectual bruta da Nao em termos de conhecimento. O que procuramos evitar, inclusive analisando o desempenho do sistema nacional de educao, foi fazer mais

uma lei entre tantas outras que ai esto e que trouxeram esse desastre que conhecemos como nosso sistema de educao. A crise do Estado brasileiro jogou o sistema nacional de educao no fundo do poo, criou mecanismos de desigualdade no s social, mas tambm regional, mecanismos esses de reforo dessas desigualdades. O sistema nacional de educao, hoje, concebido na sua posio intelectual bruta e no seu atendimento, o maior instrumento de reforo das desigualdades deste Pas. E isto pode ser analisado dentro das categorias coletivas daqueles que entram e so jogados para fora, dos que no conseguem entrar, em todas essas concepes mobralescas que esto a, da educao do pobre e da educao do rico, desse dualismo que realmente precisa acabar e conceber, como concebeu a Constituio, uma sociedade cidad. Procuramos estabelecer esses mecanismos e, fundamentalmente, a gesto democrtica desse sistema nacional de educao que se opera no plano dos sistemas e das instituies educacionais. H um debate muito grande quanto ao problema da gesto democrtica. Em todos os projetos que conhecemos, o problema da gesto est colocado; no projeto do MEC, procuramos conceber o que uma gesto democrtica, se realmente quisermos colocar a educao no eixo de desenvolvimento nacional. A primeira coisa garantir rgos colegiados e conselhos escolares, abrangendo o conjunto de atividades e decises de cada instituio ou sistema de ensina. Cada instituio educacional deve estabelecer os seus objetivos, metas e prioridades semestrais ou anuais, como garantia do padro de qualidade. preciso que a escola tenha um projeto. No fim do ano, faz um relatrio dizendo se atingiu ou no seus propsitos. Claro que h metas que so para dois, trs, quatro anos, mas o processo de avalia-

o permanente, e no esse "cada um faz o que quer", sem relatrios, sem cobranas, sem avaliaes, e a gesto democrtica desloca-se para o processo de eleio de dirigentes, ou seja, paridade, no qual aluno, funcionrio e professor tm que estar no mesmo nvel de igualdade. Ora, isso uma coisa que no existe em lugar algum do mundo. preciso que se diga isso com todas as palavras, porque o processo da gesto , fundamentalmente, participativo, mas tambm qualitativo; ele da produo, ligado s atividades que garantem a qualidade do ensino. Avaliao dos resultados das atividades de ensino, inclusive nas escolas de 1. Grau e nas creches Sobre a avaliao dos resultados, bem como do recebimento e aplicao dos recursos que a escola e a instituio recebem, devem ser assegurado s comunidades internas e externas escola o acesso s informaes. A comunidade tem que receber um relatrio do que a escola produziu, o que a instituio produziu e avali-lo. Se uma gesto democrtica, se a educao faz mediao com a sociedade, no pode trancar-se, fechar-se e no transmitir sociedade os resultados daquilo para que ela remunerada; a escola recebe recursos da prpria sociedade para prestar esses servios. A composio dos rgos colegiados, normativos e deliberativos deve ter participao majoritria dos professores. A instituio educacional tem que ser dirigida por professor, no por aluno nem por funcionrio. Isso no existe em lugar algum do mundo. claro que pode haver discordncias, mas isso uma formulao que fiz pessoalmente com toda a convico, como professor, como pesquisador, como ex-conselheiro, como ex-diretor de faculdade, e com a vivncia do processo educativo naquilo que ele tem de mais

nobre, isto , quem produz o conhecimento tem que ter poder de deciso na instituio. A instituio docente, de pesquisa, de produo de conhecimentos e no de populismo barato, no sentido de confundir suas funes e de ter segmentos que no produzem conhecimento a dominar a instituio. H participao majoritria de professores e proporcional de estudantes, funcionrios e pais ou responsveis, no caso da escola de 1. grau, de acordo com a lei do Estado e de acordo com o estatuto de regimento, no caso das universidades que gozam de autonomia. Mas h um princpio fundamental. Quanto a mtodos participativos na escolha de dirigentes, ressalvamos a opo por concursos pblicos. Por exemplo, um diretor em So Paulo designado aps um concurso pblico de ttulos e provas. Como vamos eleger um diretor se h uma lei estadual? Se o Estado quer fazer uma lei ou no problema dele, mas o concurso pblico, de que tanto falamos, deve ser respeitado quando se trata de selecionar competncia e selecionar pessoas que disputem cargos nessa funo. E, evidentemente, ressalvar no sistema de ensino, porque colocamos a gesto democrtica tambm nos conselhos de educao, no s nas escolas. Os sistemas de ensino e os conselhos tm que ter tambm representao da sociedade, porque hoje os conselhos de educao funcionam como meros cartrios e articuladores de interesses e de lobbies, evidentemente com excees. Fundamentalmente, esta a gesto democrtica que concebemos. Estamos falando em tese, mas achamos que esses mecanismos tm que ser colocados no projeto do MEC. O outro princpio para reger todo o sistema nacional de educao, dentro da gesto democrtica, como mecanismo de operacionalizao, a transformao do Conselho Federal de Educao num Conselho Nacional de Educao,

que passa a ser um rgo para pensar a educao nacional, avaliar os resultados de todos os investimentos intelectuais que se fazem no Pas. E, claro, mudar tambm toda a sua composio, incluindo quem est produzindo conhecimento, sejam associaes representando os secretrios de educao, os representantes dos municpios na rea de educao, as associaes cientficas, os rgos sindicais que defendam os interesses dos professores, os representantes, por exemplo, de um conselho de ensino superior que radicalmente colocamos no projeto como outra inovao para garantir unidade e avaliao permanente do sistema de educao. Outro mecanismo para garantir isso o Conselho de Ensino Superior. O que este Conselho vai fazer? Primeiro, h a autonomia das universidades. Estamos criando um Conselho de Ensino Superior que ser gerido por representantes das prprias universidades brasileiras e estabelecimentos de ensino superior. Este Conselho ter, fundamentalmente, a funo de estabelecer currculos mnimos dos cursos superiores. Hoje, o Conselho Federal de Educao faz isso de uma maneira meramente formal. No caso da Engenharia, por exemplo, so os pesquisadores, os professores de Engenharia que vo reunir-se para esse fim e discutir qual o melhor currculo para o Pas em termos de cursos de Engenharia e, a partir da, passar informaes para o Conselho que baixar normas de currculo mnimo. E assim sucessivamente na Medicina, na Biologia, na Matemtica, na Fsica, enfim, em todos os cursos de nvel superior. Na verdade, o estabelecimento de currculo mnimo, da maneira formal como est, foi convico da Comisso e ns que levantamos este problema. um poderoso controle social do Pas. Precisamos criar uma dinmica em que o desenvolvimento do conhecimento, da cincia e da tecnologia seja periodicamente avaliado para se saber o que est acontecendo l fora, no mundo desenvolvido, e, a partir da, no s saberemos qual o contedo de ensino, mas tambm

estabeleceremos currculos mnimos. Este Conselho discutir, tambm, os contedos com seus pares, com seus pesquisadores, evidentemente trazendo para o Pas um salto do ponto de vista do que h de melhor na rea, pelo menos o que se espera. Ele tambm vai elaborar as normas gerais da psgraduao. A ps-graduao uma rea que precisa ser avaliada permanentemente. Quem far essa avaliao? So os pesquisadores das reas dos cursos existentes. Vo se reunir em equipes, em comisses designadas por este Conselho e dizer quais os melhores cursos, que tipo de avaliao, de melhoria, quais as reas a serem expandidas, quais as que no devem ser expandidas. Ele passa a operacionalizar a qualidade e tambm os contedos e os currculos desses cursos como normas gerais da ps-graduao. E, fundamentalmente, propomos que este Conselho seja constitudo por representantes das reas de cincias exatas e da terra, da cincia biolgica, das engenharias, das cincias da sade, porque no se trata de fazer um Conselho onde seus membros so recrutados por influncia poltica; preciso colocar neste Conselho o cientista, o pesquisador, enfim, quem est pensando o Brasil. Procurou-se fazer a representao no Conselho de todas as reas do conhecimento, resultando mais ou menos 24 membros. Com esta concepo vamos, ento, operacionalizar os nveis e modalidades de ensino, que fazem parte de uma conscincia poltica nacional. Quem estudou um pouco de educao sabe, por exemplo, que os gregos trataram a educao na poltica. Aps as duas grandes guerras mundiais, a educao tornou-se um problema poltico do mundo contemporneo. No um problema tcnico, no um problema de pedagogos no sentido de se operacionalizar currculos e tudo o mais, mas um projeto nacional.

Como conceber o ensino mdio? Fundamentalmente centrado no trabalho como princpio educativo. Quem conhece um pouco de Sociologia sabe que, na estrutura social, a classe mdia que sustenta a classe alta e que a classe baixa quer subir. Ento, ela no deixa subir, e descer ningum quer. Este nvel intermedirio centrado no trabalho, caracterizado como ensino de educao geral e tambm como opo para a formao tcnica e profissional, com os seguintes objetivos: a consolidao e o aprofundamento dos conhecimentos produzidos pela humanidade ao longo de sua Histria. Seria o conhecimento histrico socialmente sistematizado, preparando o aluno para a continuidade dos estudos e para a insero no mundo do trabalho; a compreenso das relaes sociais que se estabelecem no processo produtivo e dos princpios que as fundamentam, contribuindo para que o aluno aprenda criticamente o carter histrico da sociedade em que vive. E ser, evidentemente, assegurada a formao tcnico-profissional das chamadas escolas tcnicas. O projeto abre todo esse tipo de experincia, porque exatamente a concepo de educao mdia. Essa extenso gradativa no superior e no educao obrigatria fundamental, apesar de a lei acenar com essa obrigatoriedade relativa. Como conceber isso? Vai depender da concepo de educao que vamos desenvolver em funo, em primeiro lugar, do modelo de desenvolvimento que temos. A cincia e a tecnologia tm uma correlao permanente de causa e efeito. Nos pases subdesenvolvidos, principalmente no Brasil, fazemos muita cincia e pouca tecnologia que se d, fundamentalmente, no processo produtivo. Quando se estu-

dam os problemas da cincia preciso laboratrios, livros. A tecnologia, porm, no tem como estudar a no ser dentro do processo produtivo. As nossas escolas, com as excees que conhecemos, tm experincias muito boas, mas no grosso da produo esto alienadas, no tm conscincia poltica do nosso modelo de dependncia cientfica e tecnolgica. Ento, claro, h uma crise, porque a crise do Estado brasileiro jogou a educao no fundo do poo. Precisamos resgatar essa nova viso de sociedade a partir de um desenvolvimento da cincia e da tecnologia, principalmente nesse nvel intermedirio no qual o processo produtivo seja realmente a escola daqueles que faam opo por ele.

Projeto de lei n 1.258/88Octavio ElsioDeputado Federal PSDB-MG

No tenho dvida alguma de que uma das questes ais polmicas que tenho encontrado na discusso do Projeto exatamente a questo do 2. Grau. Por causa disto, gostaria de, com a experincia de vocs, colher subsdios para aperfeioamento do Projeto de Lei de Diretrizes e Bases que apresentei e que j est indo para a quarta verso. Passei a lidar com posies que eram minhas, no incio da discusso do projeto, e outras que foram, na caminhada, sendo adquiridas pela discusso permanente que temos tido. Tenho encontrado muitos pontos polmicos, mas gostaria que a questo do 2. Grau fosse realmente prioritria. Algumas dvidas tm sido levantadas sobre o Projeto de Lei, porm no s sobre meu projeto, especificamente, mas tambm com relao questo do 2. Grau. A principal dvida que se tem colocado a questo da politecnia, ou seja, que o ensino de 2. Grau estaria amarrado a um compromisso com o ensino politcnico. O meu projeto assumiu

at agora esse compromisso, originrio de uma sugesto do Prof. Saviani, de que a educao do 2. Grau seria uma educao politcnica. Tenho proferido vrias crticas a esta posio. Em primeiro lugar, de um modo geral, h um certo preconceito com relao questo da politecnia. Freqentemente se associa a questo da politecnia, de um lado, a experincias educacionais anteriores, como a questo do ginsio orientado para o trabalho e do PREMEN. A rejeio da proposta da politecnia est associada a essas duas experincias. De outro lado, h uma resistncia questo da politecnia por parte das escolas tcnicas. A se organiza um lobby extremamente forte, em que as escolas tcnicas se acham efetivamente eliminadas do quadro educacional brasileiro pelo fato de o Projeto de Lei de Diretrizes e Bases assumir o compromisso com o ensino de 2 Grau politcnico. Por outro lado, h uma crtica feita ao meu projeto quando ele estabelece, no seu art. 47, que o ensino de 2. Grau constitui a segunda etapa do ensino bsico e tem como objetivo propiciar aos jovens a formao politcnica necessria compreenso terica e prtica dos fundamentos cientficos das mltiplas tcnicas utilizadas no processo produtivo, suas relaes com a sociedade, bem como o conhecimento do processo de formao da sociedade brasileira. H uma crtica muito vigorosa ao projeto de que ele extremamente tecnicista ao estabelecer este compromisso com o ensino de 2. Grau. O projeto tem sido, inclusive, chamado de obreirista e tecnicista, com o que concordo em parte. De fato, o projeto assume muito pouco compromisso com o entendimento de que o 2. Grau um nvel de ensino no qual o acesso cultura e a questo da cincia deveriam ser efetivamente mais valorizados. A sugesto tem de ser alterada. A questo que se coloca o problema da politec-

nia. At que ponto, realmente, o projeto tem de definir, no plano de 2." Grau, um compromisso politcnico, e o conflito desse compromisso com a educao mdia politcnica e o chamado 2. Grau Profissionalizante. O meu projeto assume, no art. 47, o compromisso com a formao politcnica e, por outro lado, no prprio artigo, no 3., define duas modalidades de ensino de 2." Grau: a formao geral e a formao profissionalizante. O conflito entre estas duas posturas no projeto tambm tem sido, com freqncia, colocado. No que se refere discusso do 2 Grau, alm da politecnia discute-se a questo da escola normal. O projeto assume o compromisso com o retorno da escola normal, considerando que a Lei n. 5.692/71, ao generalizar a questo da profissionalizao, criou o 2 Grau com habilitaes, dentre elas a habilitao magistrio, e isso, na minha opinio, responsvel pela destruio da profissionalizao do professor de ensino de 1." a 4.a sries com um reflexo bastante forte sobre a qualidade desse ensino. Confesso o desejo de privilegiar o ensino normal; o fato de ter sido secretrio de Educao me d vontade de ver o retorno da escola normal. A outra questo discutida quanto ao projeto o problema de a Lei de Diretrizes e Bases trazer alguma lngua, pelo menos em termos curriculares. E, ao fazer isso, no apenas no ensino de 1. Grau, mas tambm no ensino de 2. Grau, tem se levantado uma discusso muito grande do que deve ou no estar nesse chamado currculo mnimo. O projeto, at agora, chamou de currculo mnimo, mas estou alterando isso, retomando um pouco a orientao da prpria Constituio de, em vez de falar em currculo mnimo, falar em ncleo bsico do currculo, tanto no que se refere ao 1. quanto ao 2 Grau. O que curioso que, quando se discute currculo, a componente corporativa nessa discus-

so assume uma fora muito grande e imediatamente vrias pessoas j se sentem ameaadas ou querem garantir uma reserva de mercado profissional. Portanto, discutem a questo curricular com uma distoro bastante forte. Eu, pessoalmente, acho que seria importante para a Lei de Diretrizes e Bases definir este ncleo bsico dos currculos nas escolas de 1. e 2. Graus. O quarto ponto a questo da educao de jovens e adultos. A Constituio, ao definir o compromisso com o ensino obrigatrio alm de uma faixa etria definida como acontecia antes, estabeleceu o compromisso com a educao de jovens e adultos. Essa educao est, de um certo modo, diluda no meu projeto, no ensino de 1. e 2. Graus. H uma tendncia agora, depois de muita discusso a respeito, de se dar um tratamento especfico no projeto a essa questo. No que se refere a essa questo especificamente, h vrios pontos sendo discutidos. O primeiro o tratamento privilegiado educao de jovens e adultos, entendendo que, garantindo o compromisso de qualidade, ele deve ser diferente da educao dada ao aluno que cursa a escola. A educao de jovens e adultos, portanto, na medida em que tenha um tratamento especfico dentro do projeto ter que enfrentar algumas questes, como, por exemplo, o atendimento de jovens e adultos no ensino chamado regular. No que se refere ao 1. Grau, esta questo se coloca com muita fora. No que se refere ao 2. Grau, parece surgir com menor importncia. Para mim questo relevante, da colocar experincias de algumas discusses com pessoas ligadas ao ensino de 2. Grau ainda na poca em que fui secretrio de Educao; a idia que o ensino de jovens e adultos, especialmente o noturno, mas mesmo sendo dado durante o dia, para uma clientela que traz para a escola a sua experincia de trabalho, no pode ser igual quele que atende o jovem ou a criana que no compartilha a sua experincia escolar com a de trabalho.

Essas so algumas das questes discutidas com muita nfase no meu projeto e acho que no so diferentes das que tm surgido quando se discute o 2. Grau. Acho que o debate do 2 Grau est fortemente associado educao para o trabalho. A comunidade educacional aqueles que refletem a questo do 2. Grau com a seriedade pedaggica recusa terminantemente o ensino profissionalizante como um ensino formador de mo-de-obra adestrada a servir ao capital. Alm disso, h o temor de que o projeto venha simplesmente consagrar o direito universidade a alguns privilegiados e nos tranqilizar de que o filho do trabalhador possa ter acesso ao ensino profissionalizante em mbito de 2. Grau. Acho que estas questes esto por trs do desafio da discusso de um novo ensino de 2 Grau. Quero confessar a vocs a minha expectativa de que, nesta discusso, pelo menos comecemos a aprofundar alguns desses pontos. Quero efetivamente me ater a alguns pontos e trazer dvidas, conflitos surgidos em torno da discusso do 2. Grau. E espero que possamos esclarecer esses pontos que marcam a discusso do Projeto de Lei de Diretrizes e Bases, no que se refere questo do 2. Grau.

LDB proposta apresentada pelo Conselho Federal de EducaoAnna BernardesConselho Federal de Educao

Sem dvida o 2. Grau foi o nvel de ensino mais negligenciado, quer em termos de discusses efetivas para a sua orientao no passado, quer em termos de recursos destinados sua expanso e ao seu aperfeioamento; parece que esse nvel de ensino encontra agora uma oportunidade nova para que o reabilitemos desses problemas, tendo em vista que nunca, no Pas, como neste momento, se esteve discutindo to acirradamente o problema das relaes entre educao e trabalho. Gostaria de situar algumas preliminares com relao a isto, para que reflitamos em que o trabalho parte da vida do homem e que nenhum homem se realiza plenamente se no se dedicar ao trabalho. E que em nossa sociedade, especialmente, essa necessidade humana no se satisfaz to simplesmente como seria de desejar em face da prpria necessidade humana de se aplicar ao trabalho. que o trabalho, queiramos ou no, est associado escolarizao. Quanto maior a complexidade do trabalho, maior

o nvel de escolarizao se exige para a formao do profissional e maior o seu salrio. Da ser justo que toda a sociedade esteja buscando, cada vez mais, alar a um nvel mais alto na busca de educao, porque realmente as profisses melhor remuneradas so aquelas outorgadas no nvel do ensino superior. De qualquer modo, isso no significa que o trabalho esteja comeando neste nvel, ou que sequer esteja comeando no 2. Grau. De outro lado, a mudana rpida que se est verificando tanto em termos de avano cientfico e tecnolgico como em termos da prpria dinmica social tem feito com que a prpria funo profissional esteja permanentemente sendo posta em xeque e isso faz com que todos ns estejamos argindo a escola sobre quando e como ela realmente prepara para o trabalho ou para uma profisso. Recentemente, no 8. Congresso Internacional de Educao, focalizava-se a necessidade de os sistemas educacionais se prepararem para receber, permanentemente, jovens e adultos que precisavam reciclar-se para melhor desempenho no mundo do trabalho ou, at, para uma reorientao de atividade de trabalho na sociedade. De qualquer modo, hoje o trabalho envolve a todos e, no Brasil, at crianas numa faixa em que rigorosamente no deveriam se empenhar em nenhuma ocupao. De outro lado, preciso entender que o prprio desenvolvimento do Pas, da sociedade, no se faz sem que o trabalho esteja sendo considerado profundamente e sem que ocorra, de fato, uma relao pertinente entre as necessidades para o desenvolvimento e o nvel e tipo de profissional que est sendo preparado. De qualquer sorte, o trabalho est inteiramente associado nossa cultura. Quando criticamos o fato de crianas pobres terem orientao para o trabalho e crianas ricas no, me parece que poderamos colocar dois pontos: o primeiro o de que ns temos comeado a orientar para o trabalho muito cedo e o segundo o de que ns estamos considerando que disciplinas de formao especial e de cultura geral

no integram o conhecimento como um todo, no fazem parte do conhecimento ou, pelo menos, esto dentro do conhecimento de forma hierarquizada; umas so mais importantes, outras so menos importantes. Realmente, na medida em que tomemos esse tipo de considerao, pode ser que estejamos empenhados em dosar, em relao classe social do indivduo, o quanto de uma determinada orientao e o quanto de outra ele pode ter. O processo educativo no deveria funcionar com tais preconceitos, mas com a viso do homem e da sociedade que realmente ns desejamos construir. Certamente, a nossa viso a de que trabalho matria para todos e ele se diversifica e se acentua cada vez mais em nossa sociedade. No comea num determinado momento do processo educativo, mas o trabalho, como tal, est presente na formao e educao do homem, a partir do momento em que essa educao se inicia. Todos ns sabemos que nascemos dotados de razo, mas que a nossa razo s se desenvolve em contato com os objetos, coisas, pessoas, idias etc. A partir do momento em que estejamos promovendo esses convvios, esses contatos para o desenvolvimento da razo do homem, ns j estamos, de alguma maneira, preparando o homem para o trabalho. Creio que no no momento em que o mdico pensa em decidir-se por ser um cirurgio que v comear a trabalhar os pequenos msculos e o desenvolvimento destas suas possibilidades. Realmente, isso desenvolvido j desde o jardim da infncia, quando ensinamos s crianas dar o lao no cordo do sapato, ou quando ensinamos criana introduzir um boto na casa, desenvolvendo a coordenao motora, e quando ensinamos a escrever, promovendo o desenvolvimento dos pequenos msculos e da coordenao necessria. Quanto s habilidades que se desenvolvem em determinadas profisses, deveriam ser objeto j de preocupao

muito antes de algum pensar em se profissionalizar. Isso significa que ns no podemos ter um ensino inteiramente desvinculado da prtica efetiva, porque se defende hoje que teoria e prtica esto intimamente relacionadas e que uma constri a outra, uma aperfeioa a outra e, portanto, no h como dissoci-las. Tenho observado, na minha experincia como professora que em face de muitas discusses hoje correntes na escola sobre a sua funo, admitiu-se que ela deve ter a funo de transmissora, de renovadora de cultura etc, mas de uma cultura que no parte para a aplicao; ensina-se higiene s crianas, por exemplo, e faz-se com que elas aprendam a limpar as unhas. Ao fazer a avaliao disto, esta incide sobre um preenchimento de lacunas. Devemos manter nossas unhas (pontinhos) para o aluno escrever "limpas". Se ele escreve limpas, certo, ento ele dominou o saber. Mas o saber no apenas isso. Ningum aprende s para saber repetir. Se o professor examina se as crianas mantm as unhas limpas diariamente, dir-se- que isso no funo da escola. funo da escola, sim, porque o saber da criana no ser completo se ela no o estiver aplicando efetivamente. Portanto, temos a um problema de valores mais do que outro qualquer, no enfoque desse caso da educao para o trabalho, e esse problema de valores est associado exatamente a que ns no temos considerado os valores sociais, individuais, cientficos, tecnolgicos que a escola deve desenvolver no aluno, com a mesma preocupao e a mesma grandeza. D. Loureno de Almeida Prado associou o problema do trabalho arte. a forma de liberao do homem, a forma de criao do homem e o trabalho s verdadeiro, de fato, quando deixa de ser proposto pela escola ou como um adestramento para determinada atividade ocupacional,

ou como pretenso de formao de estoques para que o salrio ou para que o custo do trabalho possa ser menor em face do aumento da oferta. Ao contrrio, ele admite que a natureza artstica que caracteriza o trabalho humano, diferenciando-o do trabalho animal ou da mquina. E esta qualidade do trabalho humano exige que a preparao para ele, especialmente a preparao escolar, se faa comeando pela formao da inteligncia, que a fonte criadora, e no pela simples aquisio de habilidades manuais, meros automatismos, cuja aquisio representa pouco mais de supresso de entraves. A necessidade de promovermos esta atividade profissional como uma arte que vai exatamente caracterizar as respostas que damos pela relao ao nosso trabalho. Quando nos perguntam o que fazemos, ou que profisso ns temos, via de regra no respondemos: eu fao isto, ou no respondemos: a minha profisso esta. Geralmente, ns dizemos: eu sou professora, ou eu sou engenheiro, ou eu sou mdico. Ns nos traduzimos pela profisso que temos, porque ela expressa, de fato, a nossa produo, aquilo que manifestao da nossa maneira de ser. Todavia esta expresso no tem sido to bem focalizada pela escola como seria desejvel. Recentemente, uma comisso americana, estudando a educao para o ano 2000, nos Estados Unidos, levantou o problema de que matemtica, cincia e tecnologia seriam os trs pontos essenciais a serem propostos para uma reviso e aperfeioamento do ensino. A SESG recentemente desenvolveu, atravs da Fundao Carlos Chagas, um estudo em mbito nacional sobre o ensino de matemtica, de portugus, de cincias etc. Esse estudo preliminar, apesar das crticas pela forma como foram feitos os testes, no nos deixa dvidas a respeito dos seus resultados. Os resultados em matemtica so muito inferiores aos obtidos em lngua portuguesa, que tambm no so bons, mas, em todo caso, muito superiores aos de matemtica e cincias, o que mostra que

tambm no ensino brasileiro esses so dois pontos de estrangulamento muito srios. Estamos levantando este problema exatamente para lembrar que o 2. Grau politcnico, ou profissional ou de cultura geral, no pode ser examinado isoladamente do contexto do 1. Grau, porque muito pouco se poder tambm fazer em matria de avano em cincia e tecnologia no ensino de 2. Grau, se no 1. Grau no tivermos desenvolvido suficientemente bem essas disciplinas preparadoras para o bom desempenho no trabalho. Pedro Demo levantou o problema da relao entre trabalho e cidadania para mostrar que a formao do cidado se faz por via da formao para o trabalho e que formar um cidado significa coloc-lo frente situao de trabalho de modo que ele seja capaz de entender o que significa trabalho para a sociedade, para o desenvolvimento social e econmico do Pas, bem como sua participao e contribuio em relao a ele. Portanto, trabalho e cidadania estariam muito prximos. Todas estas preocupaes e muitas outras perpassaram as discusses do Conselho. De outra parte, estivemos tambm considerando a nossa realidade, a nossa histria, a nossa tradio em matria de decises polticas no ensino de nvel mdio. Verificamos que ainda estamos em um nvel de desenvolvimento que exige atividade profissional no muito complexa e que pode ser desenvolvida em nvel de segundo grau. Estive visitando o Japo e procurei uma escola agrcola em Tquio ou nas proximidades. E a informao que obtive l foi a de que eles no dispunham de escolas agrcolas de nvel mdio. No dispunham porque a complexidade tecnolgica que punham em ao para o desenvolvimento da agricultura no Japo, em face de todas as adversidades com que eles contam, no possibilitava o embasamento cientfico ao domnio da tecnologia em nvel de segundo grau, porque j haviam avanado muito. Tinham tido esco-

las, e muitas, e ainda havia algumas no interior, no passado, mas naquele momento j haviam avanado e passado a formao do profissional para o ensino superior. O mesmo estava acontecendo com o ensino tcnico industrial. Estavam to sofisticados em matria de tecnologia industrial que s tive condio de visitar uma escola ainda em funcionamento, na qual os alunos trabalhavam na fabricao de utenslios plsticos. Quero crer que no Brasil ns ainda no tenhamos atingido esse desempenho, essa complexidade, e que tenhamos ainda muito tempo pela frente com a necessidade at de atividade artesanal em matria de agricultura. No cabe lanar somente para o nvel superior a formao de certos profissionais. Na rea de servios, por exemplo, muito natural que ainda possamos e ainda devamos profissionalizar em nvel de 2 Grau. Eu tambm defendo a presena da escola normal, a sua melhoria. Entendo que um pas que ainda tem o nmero de professores leigos que temos e o nmero de universidades e de cursos preparando professores de nvel superior para as quatro primeiras sries, no pode eliminar a profissionalizao do professor em nvel de 2 Grau para admitir que ela s possa ocorrer no nvel superior. Seria admitir que a lei devesse ser inteiramente irrealstica, fora de propsito, e voltasse a ser uma lei para nortear rumos a serem perseguidos por um prazo que ningum sabe quando vai acabar. E me parece que a Lei de Diretrizes e Bases no pode ser realmente uma lei que no tenha nenhum compromisso com sua efetividade no seio da sociedade nacional. De sorte que entendo que ainda devemos ter a preparao para o trabalho, a formao profissional, no nvel de 2. Grau. Por isso, o Conselho Federal de Educao, na sua proposta, admitiu esta orientao e admitiu tambm a existncia de escolas que mesmo no profissionalizando para o

ensino mdio no podem deixar de comportar a preparao para o trabalho, o que significa o estudo da natureza do trabalho e dos problemas ocorrentes na vida do trabalho, o estudo das relaes pessoais, institucionais e legais existentes no trabalho, os princpios de toda natureza que orientam a vida do trabalho e orientam a vida do trabalhador; as diferentes naturezas do trabalho; os problemas de trabalho e capital numa sociedade como a nossa; os problemas relacionados a salrios e direitos do trabalhador e os problemas relacionados s diferentes tecnologias, hoje postas no mercado de trabalho, na produo e, portanto, dependentes de pessoal capacitado que possa realmente desenvolv-las. Tudo isso, porm, h que ser feito sem que ocorra, de um lado, o prejuzo da classe trabalhadora, que est tendo acesso escola hoje. O ensino fundamental brasileiro cresceu nos ltimos anos muito mais do que tem crescido a populao brasileira. Ele hoje atende 8 5 % da demanda, o que significa um crescimento e um avano significativos, embora no satisfatrios inteiramente. De qualquer modo, houve uma acelerao. A escola brasileira de ensino fundamental est recebendo uma demanda que no recebia anteriormente. Esto chegando escola das quatro ltimas sries os que antes a ela no tinham acesso, porque o ensino dessas sries era feito por via de concurso vestibular, que elitizava intelectualmente os alunos. O ensino de nvel mdio est se abrindo para receber tambm uma demanda, no da elite brasileira. Portanto, h que ocorrer uma mudana no enfoque das necessidades. fora de dvida que se continuarmos tratando o trabalhador da classe pobre com um simples adestramento, ele vai continuar tendo como diferena, em relao a um engenheiro formado no nvel superior, o fato de que ele no se adapta a uma nova mquina porque no conhece os princpios que

orientam o seu funcionamento, ao passo que, para o engenheiro, muito mais fcil qualquer tipo de adaptao. E ele, portanto, estar sempre, em matria de trabalho, em situao inferior. O importante que tenhamos a confiana de que um curso profissional de nvel mdio tem, forosamente, que adotar caractersticas que possibilitem aos seus concluintes a continuidade de estudos em igualdade de condies com qualquer outro. Essa escola no pode ser diferente no sentido de que elimine a possibilidade de continuidade de estudos. E isso tem que ver tambm com o fato de que o nosso 2 Grau acolhe hoje mais de 70% dos alunos em cursos noturnos. E esses cursos noturnos certamente tm de sofrer uma reviso, especialmente se so profissionalizantes, para que ns no tenhamos cursos de transformao transformados em cursos de adestramento, cursos que fazem tudo menos educar, cursos que fazem tudo menos preparar exclusivamente para o trabalho no nvel social em que nos encontramos. Creio que outro ponto ainda no considerado o aproveitamento das experincias dos alunos obtidas no trabalho. Essas experincias, via de regra, no so creditadas ao currculo escolar dos alunos; a escola parte do pressuposto de que ela tem o seu programa e ignora certas realidades, no valoriza esse tipo de saber, que um saber to bom quanto qualquer outro, apenas diferente, e nessa linha que temos de situar alguma reflexo a respeito dos estudos que se venham a fazer sobre o ensino de 2 Grau. Esses problemas, que no podem ser tratados na lei, devem ser matria de fato que, a partir da lei, possam ser objeto de preocupao dos educadores.

A nova LDBJorge HageDeputado Federal PSDB-BA

Quero apresentar uma rpida idia sobre o trabalho da Xomisso de Educao da Cmara. Estamos com cerca de 40 entidades listadas num calendrio seguido desde o ms de abril que envolve reunies em dois ou trs dias da semana. Temos mais de 20 instituies ouvidas em longos depoimentos. Temos ouvido duas ou trs instituies por dia. Essas instituies incluem desde o Conselho Federal de Educao, que foi o primeiro a ser ouvido, at entidades que renem categorias de professores universitrios, a Confederao Nacional dos Trabalhadores da Educao, rgos do MEC, a SESu, a Associao de Educao Catlica, a ANPEd, a ANDE, a ANPAE, a SBPC, a Secretaria de Ensino Bsico do Ministrio da Educao, a CBE, o Conselho de Escolas Tcnicas Federais, o Conselho de Escolas Agrotcnicas Federais, as fundaes de apoio s universidades, enfim, realmente toda essa variedade de instituies e rgos que compem a comunidade educacional brasileira.

A idia juntar todas as contribuies trazidas nesses depoimentos e os projetos apresentados por parlamentares e por instituies, alm do projeto do Deputado Octavio Elsio, projetos dos Deputados Osvaldo Sobrinho, Agripino Lima Filho, tambm projetos completos de Lei de Diretrizes e Bases e temos projetos trazidos como contribuio de instituies, o projeto da AEC, o projeto do CFE; estamos aguardando ansiosamente, para os prximos dias, o projeto do Ministrio da Educao, que ainda no sabemos se ser trazido como contribuio ou ser apresentado como Mensagem do Poder Executivo, temos j contribuies, ainda no completas, mas tambm sob a forma de projetos, de outras entidades, como o caso da ANDE, do Conselho de Escolas Tcnicas e uma infinidade de propostas, nem sempre sob a forma de projetos. O tema central deste debate, Politecnia e Ensino Mdio, , a meu ver, seguramente o mais complexo, o menos amadurecido, ou o que requer um debate talvez mais profundo de todos quantos sejam os temas polmicos sobre os quais ns temos nos debruado na Comisso e nos debates extracomisso. De fato, entendo que a complexidade e a seriedade deste tema se deve ao fato de que ele, como alguns outros temas envolvidos no debate educacional, de modo muito particular, vai alm da rea educacional. Ele vai mexer e questionar pontos de vista mais amplos sobre os quais e em torno dos quais a reflexo e o debate se tornam mais complexos. Esta questo mexe com a relao entre a educao e o trabalho. Ao mexer nesta relao, coloca, antes de mais nada, uma questo preliminar: queremos ou no transformar a sociedade em que vivemos? Esta, para mim, uma preliminar da discusso deste problema.

Supondo resolvida a questo de querermos transformar de fato a sociedade em que vivemos, superar determinadas caractersticas do modelo de sistema econmico social capitalista em que vivemos, no sentido de aperfeio-la como sociedade humana, vem a segunda questo: quem transforma quem? A escola transforma a sociedade ou no transforma? Ou a sociedade que tem de ser transformada para transformar a escola? uma relao biunvoca e uma via de dois sentidos? Se o , at que ponto dentro dos marcos do sistema capitalista assentado na diviso do trabalho e refletido na diviso da escola podemos comear a mexer isso a partir da escola e, nesse sentido, ser transformadores conseqentes sem correr o risco de, na busca de inovar, aumentar o grau de ausncia de sintonia entre a escola e a realidade? At que ponto j podemos, ou devemos imaginar que podemos, transpor a problemtica da formao profissional no nosso Pas para nveis mais elevados no sistema educacional? At que ponto devemos, ainda, depender do ensino mdio para a formao profissional? uma outra dimenso da mais alta relevncia, posta pela Prof. Anna Bernardes. Por fim, at que ponto as transformaes e a modernizao do mundo, das sociedades modernas, mantm vlidas ainda as concepes originais em torno da politecnia? Essas so algumas questes que, me parece, transbordam da rea eminente e estritamente educacional e nos foram a ampliar esse debate com horizontes mais largos. Isso posto dentro de um calendrio, de um Cronograma, como se quer, para a elaborao da Lei, de fato parece de dimenses inteiramente incompatveis. A dimenso da discusso, da reflexo que cabe e que precisa ser feita a dimenso cronogramtica dos procedimentos que a Comisso de Educao pretende adotar para elaborar o projeto. extremamente difcil imaginar que seja possvel fazer-se

essa discusso com a amplitude que ela precisa nestes prazos. Apenas para ilustrar o grau de dificuldade extrema que pe o debate desta questo, quero trazer-lhes algumas das posies colhidas somente hoje de quatro entidades e um punhado de pessoas. So apenas as questes levantadas inicialmente pelo Conselho de Diretores das Escolas Tcnicas e Agrotcnicas Federais, como contribuio ao debate sobre a politecnia. Depois de enumerar diferentes correntes de pensamento, os integrantes dessa comunidade de escolas tcnicas enumeraram os seguintes pontos: em sntese, poderamos dizer que, primeiro, o carter politcnico do ensino decorre da dimenso de um desenvolvimento total das possibilidades humanas. A organizao bsica da escola politcnica envolve o desenvolvimento intelectual, fsico, a formao cientfica, tecnolgica e a indissociabilidade do ensino junto ao trabalho produtivo. A concepo do homem omnilateral, deriva do trabalho produtivo e da articulao entre o trabalho manual e intelectual. As mudanas sociais que dimensionaram a politecnia. A politecnia uma experincia social coletiva, vista a partir da tica do trabalhador. Em seguida a esta colocao, questionamos: primeiro, como viabilizar a perspectiva da politecnia, cujo sentido mais radical engendra a construo omnilateral do homem numa sociedade cuja caracterstica a diferenciao, a diviso social do trabalho e a hierarquizao? Segundo, como organizar um processo educativo que relacione trabalho e educao, transcendendo o reducionismo do mercado de trabalho e o imediatismo do senso comum de grande parte dos profissionais que atuam no sistema educativo e das populaes que demandam a escola? Terceiro, entendemos que, estrategicamente, no cabe enfatizar na LDB os pressupostos acima aludidos. a opi-

nio do Conselho de Diretores das Escolas Tcnicas. Parecenos politicamente mais eficaz buscar ver como esse horizonte pode avanar mediante a garantia de um conjunto de aspectos ligados ao currculo, quantidade e qualidade do ensino, ao aparelhamento bsico do ensino fundamental e mdio, avanos concretos na direo da escola pblica. Diante dos enfoques citados, julgamos que o trabalho educativo desenvolvido pelas escolas tcnicas e agrotcnicas federais possa ser o incio da politcnica, to discutida e buscada por todos os educadores comprometidos com o processo de mudanas para toda a sociedade. Assim sendo, parece mais adequado que o ensino mdio, a partir de uma base comum de trs anos, possibilite tanto a continuidade de estudos em nvel superior quanto, paralela a essa base comum, a formao tcnico-profissional e reas de especialidade. Esta uma viso, um ponto de vista de um dos segmentos da comunidade educacional que tem participado deste debate. Vou-lhes dar um outro trazido pelo secretrio da SESu, Prof. Edson Machado de Souza, quando instado por ns a se manifestar tambm sobre o assunto. Entende ele que devemos partir do que est disposto nos incisos II e III do art. 206 da nova Constituio, que prevem a pluralidade de concepes pedaggicas, de experincias etc. preciso evitar modelos nicos. Tudo vlido: ensino tcnico especializado, geral, acadmico, todas as concepes de educao tm que coexistir, e a opo tem que ficar a cargo da famlia e do educando. Mas indago: esta multiplicidade de ofertas de opes propicia, de fato, possibilidades de escolhas reais, concretas, democrticas, em nossa sociedade? O que est hoje a, a ttulo de pluralismo, de liberdade, de concepes e de variedade de ofertas tem levado a qu? Algum pode negar que, a despeito de uma suposta liberdade de concepes e plura-

lidade de escolas, como a que mantemos, os pobres esto nas escolas dos pobres, e os ricos esto nas escolas dos ricos? a contra-indicao que ponho, sem pretender tambm, ainda, ter respostas. Outro entende que h um espao para o ensino politcnico e para o ensino profissionalizante e que a lei deve fortalecer a experincia das atuais escolas tcnicas que no tm feito, diz ele, adestramento, conforme a crtica que lhes feita. Outro faz referncia a pases como a Unio Sovitica que j esto, h mais de duas dcadas, revendo as concepes bsicas originais em torno da politecnia e que esta viso corresponderia hoje a uma viso pouco moderna, a uma viso defasada da modernidade, do mundo em que ns vivemos. Eu fiz apenas esse apanhado, que traz um pouco da contradio que est a posta em debate, evidentemente que sem a riqueza do debate em si, no momento em que ele se trava, para lhes dizer que esta, para ns, ainda uma questo aberta. Ns vamos continuar buscando colher o maior volume de subsdios possveis, at chegarmos definio de como vai ser a opo, que partido o Projeto de Lei da Comisso vai tomar, na forma de encarar o problema do ensino mdio e da politecnia, convencidos de que se resolvermos essa questo, teremos, provavelmente, resolvido a problemtica da educao em seu conjunto, uma vez que na escola mdia que est o calcanhar-de-aquiles, estou cada vez mais convencido disso. Ao resolv-la, teremos resolvido inmeras outras questes que nos tm atormentado: articulao do ensino mdio com o superior, o prprio ensino superior, o prprio ensino fundamental, via formao de professores, toda a problemtica comea, a meu ver, na questo da vocao, do sentido, do objetivo do ensino mdio neste pas.

Painel II Ensino Mdio: em busca de uma concepo politcnicaCoordenao: Clio da CunhaLuclia de Souza Machado Jos Luiz Sanfelice Cndido Antonio Gomes Debatedores: Fabola Aguiar Nunes Luciano D'ngelo Carneiro

Politecnia no ensino de segundo grauLuclia de Souza MachadoFac. Educao-UFMG

Inicio tentando lembrar os problemas bsicos da relao entre educao e trabalho no ensino de 2. Grau. Todos ns j estamos suficientemente informados dessa discusso, mas, a ttulo de introduo, dividirei minha fala numa parte sobre o histrico dos dilemas, em funo das leis educacionais, e uma segunda parte relativa s questes que permanecem em relao a esses dilemas, as perguntas bsicas, as principais colocaes que so feitas, a favor da adoo da concepo politcnica. A questo da profissionalizao surge, particularmente, a partir de 1971, com a Lei n. 5.692, que definiu a profissionalizao geral compulsria no 2. Grau e a sondagem de aptides no 1. Grau. Esta discusso foi ampliada a partir de dois pareceres sucessivos: em 1972, com o Parecer 45, e em 1975, com o Parecer 76 marcados por orientaes diferentes. O primeiro inspirado no modelo das escolas tcnicas industriais, visava

fundamentalmente formao de tcnicos e auxiliares tcnicos, pretendia negar a dualidade do ensino propedutico e do ensino profissional, teve a qualidade de despertar uma discusso muito intensa, na medida em que levava para uma diferenciao muito grande do ensino de 2. Grau cerca de 130 opes, alm de outras que poderiam surgir em funo das adaptaes regionais aos interesses do mercado de trabalho enfim, uma diferenciao do ensino de 2. Grau extremamente grande em termos de opes profissionalizantes. Como este parecer provocou uma srie de debates, trs anos depois, em 1975, surgiu o Parecer 76, que no definia a preparao especfica, mas a preparao bsica; no para uma ocupao definida, mas para reas de atividades. Introduzia duas noes diferentes: preparao bsica e rea de atividades. Houve uma reinterpretao do conceito de habilitao profissional, em termos de habilitaes bsicas definidas em nmero de dez por rea de atividade. Proclamava a necessidade da unidade do pensamento e da ao. Um dos problemas bsicos que se discutiu de crtica a esse parecer foi o fato de que ele teria diludo a problemtica do trabalho. Se outro implantava uma diferenciao sem precedentes, o Parecer 76 ensejaria uma formao genrica sem levar profissionalizao. Depois veio, em 1982, a Lei n. 7.044 e toda uma discusso em torno da questo da profissionalizao, que substituiu a noo de qualificao profissional pela de preparao para o trabalho. Essa noo de preparao ficou tambm bastante obscura, mas basicamente eliminou o carter compulsrio e universal da profissionalizao que passou a ser facultativa para os estabelecimentos de ensino. O resultado que hoje temos diferentes noes de profissionalizao porque estas opes foram mantidas, sem que uma no eliminasse a outra. Eliminou-se entretanto o carter compulsrio universal da profissionalizao do ensino, que rezava a Lei n. 5.692. Permanece uma multiplicidade de enfoques e noes a respeito da profissionali-

zao e das formas de faz-la. Ento, o que temos no Brasil essa realidade produzida historicamente. Como agora ns vamos discutir a questo da LDB, como podemos sair dessa realidade, partir dessa realidade em que se tem orientaes, as mais diferentes para o ensino de 2 Grau, para uma poltica definida com um carter unitrio? Esta uma grande discusso, uma vez que est posta toda essa situao problemtica em termos de diferena de orientaes. E as questes que permanecem so bastante intrigantes com relao a esse dilema. Volta-se a perguntar: Qual a funo do ensino de 2 Grau? Que tipo de saber objeto do ensino de 2. Grau? O saber cientfico, que leva s funes de concepo? O saber operacional, que leva s funes de execuo? O saber gestonrio, que leva s funes de administrao? Como articular a atividade de pensamento e a atividade prtica no ensino do 2 Grau? Como romper com o intelectualismo? Como romper com a concepo reificada de cincia no ensino de 2. Grau? O ensino de 2 Grau deve ser diferenciado? A partir de que critrios e com que objetivos? possvel uma diferenciao tcnica nesse ensino em nossa sociedade, livre das deformaes da desigualdade social? Como neutralizar, em alguma medida a determinao da diferenciao social sobre a diferenciao tcnica? Como integrar a escola tcnica, a escola de 2 Grau na problemtica do trabalho? Entendido o trabalho no sentido mais amplo, o trabalho como produo da prpria existncia humana; o trabalho com possibilidade de transformao da realidade natural e social; o trabalho como dimenso fundamental da vida humana; o trabalho como cultura, como atividade reflexiva; o trabalho como fundamento do processo de elaborao do conhecimento; o trabalho como contradio, porque uma realidade em que se apresentam pelo menos duas grandes contradies: entre homem e natureza e entre os homens, principalmente pelo

fato de vivermos numa sociedade em que se processam vrias formas de subordinao humana na realidade do trabalho. Enfim, essa noo mais ampla do sentido do trabalho que nos inquieta numa realidade cheia de contradies como a nossa. Outras perguntas tambm so feitas: Qual a relao da escola de 2 Grau com o movimento de produo, reproduo, expropriao e apropriao do saber? Qual a relao da escola de 2. Grau com a realidade de trabalho dos alunos que muitas vezes j esto trabalhando, que j vivem essa realidade? Enfim, voltam as mesmas perguntas, mas de forma e dimenso um pouco mais complexas. So perguntas relativas questo dos objetivos do ensino de 2. Grau, da estrutura desse ensino, dos currculos, dos mtodos etc. Quer dizer, volta-se a perguntar tudo de novo sobre as questes fundamentais. No contexto em que essas discusses so postas, a pergunta que se faz a seguinte: h lugar e oportuna a questo do princpio politcnico nessa discusso? Quer dizer, a questo da politecnia, o princpio politcnico tem lugar nessa discusso? Como se trata de uma questo que exige certos pressupostos, eu responderei que h lugar, e oportuna essa discusso, embora faltem certas condies para implementao. Em primeiro lugar, o senso comum toma o conceito de politecnia, de uma forma mais elementar, vendo a etimologia do termo poli, mltiplas, vrias, e tecnia, tcnicas, concluindo que seria o ensino que trabalharia vrias tcnicas. a noo mais corrente, mas se formos vasculhar um pouco mais a noo de politecnia dentro da teoria da educao, vamos verificar que um conceito mais amplo. Na verdade a palavra tecnia est dentro da questo da politecnia no sentido de construo. Vem do grego tecnia e significa construo. Poli realmente isso, vrias, mltiplas. Quando uti-

lizamos a expresso ensino politcnico, estamos adjetivando a palavra ensino. um ensino que tem por objetivo permitir um processo amplo, de mltiplas construes; um ensino que permite formar o homem em mltiplas dimenses. Esse o sentido mais exato da palavra politcnico, o ensino capaz de fazer com que o homem desenvolva as suas potencialidades, que ele se construa na sua dimenso intelectual, ativa, fsica, tica, artstica etc. Nesse sentido, a palavra tecnologia tambm tem de ser vista numa outra dimenso. No a dimenso usual do termo, muitas vezes identificado com tcnica, mas a tecnologia como estudo das tcnicas, o estudo terico-prtico, das tcnicas, quer dizer, uma viso terica das tcnicas, uma compreenso do fenmeno tecnologia, inclusive como elo de ligao entre as cincias naturais e as cincias humanas e sociais. Alm disso, no senso comum, a tecnologia vista como algo que se atem apenas s cincias da natureza, mas na verdade no isso. A tecnologia expressa mais, expressa a relao do homem com a natureza e a sua produo, enquanto um ser que se relaciona com os seus instrumentos, com suas ferramentas, com outros seres humanos na relao de trabalho. Ento, esse conceito tem mltiplas dimenses. A pergunta bsica a seguinte: Existem condies objetivas na realidade social que fazem com que essa discusso seja posta? Eu acredito que sim, destaco pelo menos trs necessidades objetivas que apontam para que esse ensino, se no implantado j, pelo menos comece a ser discutido. Acho que h muitas dificuldades para tentarmos realmente viabiliz-lo enquanto projeto, mas existem necessidades objetivas que apontam para a necessidade de pelo menos discutirmos e sanarmos os obstculos bsicos para a implementao de uma proposta como esta. A primeira necessidade a da revoluo cientfico-tcnica. A revoluo cientfico-tcnica um fenmeno que se manifesta em todos os pases desenvolvidos. Com o socialismo, a revoluo social

pode permitir que essa revoluo cientfico-tcnica atinja um objetivo muito amplo, de uma verdadeira revoluo produtiva. As contradies inerentes ao regime social que vigora em nossa sociedade impem dificuldades para que essa revoluo cientfico-tcnica se realize de uma forma plena, e a a gente v que essa questo da relao entre educao e trabalho um desses problemas provocados pelas contradies estruturais da sociedade. Ento, no podemos deslocar a questo da relao trabalho e educao sem discutir caminhos, alternativas de desenvolvimento cientfico e tecnolgico para a sociedade, e a relao que isso tem com as relaes sociais de produo. O que caracteriza, basicamente, a revoluo cientficotcnica? uma mudana de conhecimentos e no s de quantidade de tcnicas novas, mas de qualidade no sistema moderno da cincia e da tcnica, abarcando todos os aspectos das relaes tecnolgicas. No s uma questo de equipamento, de maquinrio, alm disso; toda uma relao do homem com o trabalho, onde a tcnica entra numa nova etapa de seu desenvolvimento, introduzindo-se inclusive a automatizao. Surgem novos mtodos, novos ramos de conhecimento, inclusive integrados como, por exemplo, a bioqumica, a biofsica criando novos materiais, novas substncias artificiais, novas formas de energia, enfim, vivncias com relao a novas formas de organizao e de formao do homem. E essas modificaes provocam mudanas no papel e no lugar do homem na produo, no contedo do trabalho, no contedo profissional, na esfera da gesto. Tudo isso muito interessante e nos leva a ficar muito perplexos quando a gente est na rea da educao e v que a escola no est acompanhando esse processo e nos leva, de certa forma, a idealizar a revoluo cientfico-tcnica no sentido de que ela provocaria uma influncia muito grande em termos da formao do homem, para a prepara-

o de uma sociedade nova. De fato, no devemos idealizar esse processo de transformao esperando que mecanicamente houvesse mudana na escola. Acho que o que ocorre, efetivamente, uma contradio entre os requerimentos que essa revoluo provoca e a transformao do homem a passo de tartaruga, na minha opinio. Ento, se de um lado, h um desenvolvimento das foras produtivas com um carter liberador, questionador; de outro lado, este desenvolvimento carrega no seu bojo, no seu interior, todas as contradies da sociedade brasileira, pelo fato, principalmente, de que a revoluo cientfico-tcnica, toda esta modernizao estar vindo, fundamentalmente, para maximizar os lucros, aumentar a mais-valia e coisas do gnero. Ento no um processo de liberao de todos, mas de submisso da cincia a interesses particularistas. A outra necessidade que eu vejo a da base tcnica material da sociedade. Ou seja, quais as tarefas e o contedo do ensino que so postos hoje, porque isso varivel, muda com as vrias pocas histricas. Que exigncias so colocadas pela poca atual? Acho que a gente tem um problema srio em relao questo do desenvolvimento do pas, a necessidade de romper com o subdesenvolvimento, a dependncia tecnolgica. Acho importante que essa questo da formao do 2. Grau seja posta dentro de um contexto poltico, em termos de desenvolvimento do Pas, e no se ater, de forma mecnica e formal, questo do imediatismo do mercado de trabalho. Trata-se da formao da juventude para integrar um processo em que se rompa com as cadeias do subdesenvolvimento e da dependncia. A tendncia objetiva das transformaes produtivas requer uma mudana no conceito de qualificao na direo da fuso das especialidades. H uma exigncia de profissionais de perfil amplo, uma transformao que ocorre tambm no setor de servios. O modelo de desenvolvimento tecnolgico dependente, que impe linhas de expanso e de restrio, precisa ser discuti-

do para entendermos o que deve ser processado no 2. Grau. Ns no dispomos, mas temos que adquirir uma autonomia poltica para deliberarmos em relao questo da tecnologia no Pas, que um problema nevrlgico do ponto de vista das relaes internacionais. Isto precisa ser discutido, porque no d para se definir a formao do 2. Grau sem pr a questo da independncia tecnolgica do Pas e da possibilidade de produzir uma tecnologia voltada para as necessidades sociais inerentes nossa realidade. A terceira necessidade que eu vejo a do desenvolvimento do indivduo; conseqncia das duas necessidades bsicas colocadas anteriormente. a necessidade de preparar para a adaptao dos indivduos s mudanas de mtodos de trabalho, resultantes do progresso tcnico, a necessidade de desenvolver as faculdades da inveno tcnica, do esprito criador e da atividade empreendedora, a necessidade de propiciar a base que permita ao indivduo alcanar a sua autonomia para prosseguir o seu desenvolvimento. a necessidade de desenvolvimento de uma cidadania livre, consciente e ativa, a necessidade de que cada um desenvolva, no s suas qualidades intelectuais, mas tambm as capacidades de aplicao e que tenha tambm acesso a um saber gestionrio. a necessidade de desenvolver a capacidade de intervir na reorganizao da sociedade, com a criao de novas formas de organizao, novas habilidades de trabalho coletivo. Que a juventude possa realmente colocar a perspectiva de intervir na reorganizao da sociedade, na busca de solues dos problemas da sociedade em que vivemos. Ento, so necessidades sociais que acho fundamentais e que fundamentam a questo da politecnia. Mas vejo que existem circunstncias que condicionam, limitam e restringem a possibilidade de aplicao da politecnia no ensino. Em primeiro lugar, trata-se do regime social. predominante em nossa sociedade, que condiciona e limi-

ta as possibilidades de incorporarmos a dimenso social do trabalho. A politecnia pressupe o conceito de trabalho social, enquanto na nossa sociedade o que vigora o carter privado do trabalho. Isso uma contradio muito aguda que, de certo modo, impe restries utilizao desse referencial numa realidade como a nossa. Outras circunstncias que condicionam so o estgio do desenvolvimento da economia nacional, o desenvolvimento da base material e tcnica da sociedade, as condies da poltica cientfica e tecnolgica, o estgio de desenvolvimento da poltica do trabalho, os rumos da poltica escolar estatal e as possibilidades efetivas de um desenvolvimento planificado da escola e do ensino, o estgio da formao cientfica e o desenvolvimento geral dos alunos e dos professores, que no esto formados dentro dessa perspectiva, e a possibilidade efetiva de aplicao dos conhecimentos tericos nessa dimenso da politecnia, a disponibilidade de recursos materiais, equipamentos, instalaes, as condies subjetivas de internalizao das necessidades presentes. Ser que todo mundo est desenvolvendo as suas condies subjetivas para entender uma nova proposta de ensino como essa? Trata-se de um problema relativo ao desenvolvimento da conscincia social. Em sntese, acho que a politecnia se coloca no limite, est no mbito entre a transio do velho para o novo, um caminho que abre possibilidades, uma proposta aberta. Nesse sentido, ela interessante porque abre caminhos. Como eu vejo a questo da politecnia, quais so os objetivos de um ensino politcnico? Em primeiro lugar, a compreenso terico-prtica das bases das cincias contemporneas, sejam elas cincias da natureza ou cincias humanas. No podemos continuar pensando conforme a viso positivista de cincia herdada do sculo passado. Compreenso terico-prtica dos princpios gerais das tcnicas e da

tecnologia; compreenso terico-prtica das particularidades, dos mtodos tecnolgicos; dos princpios da organizao da produo e da economia, situando historicamente esta organizao da produo e da economia, os processos atravs dos quais ocorrem a reproduo e a transformao criativa da natureza; os fundamentos da estrutura e da dinmica da formao social brasileira e as relaes entre o processo produtivo e a sociedade, dentro de uma abordagem histrico-crtica. O desafio grande, mas uma proposta que realmente aponta para uma perspectiva muito interessante. E no s isso, no somente compreenso terico-prtica, aquisio de hbitos, habilidades fsicas e mentais necessrias ao desenvolvimento do trabalho socialmente til. a aquisio do manejo de instrumentos requeridos pelo desempenho dessas funes, os instrumentos mais usuais. a aquisio da capacidade de orientao que o jovem precisa ter, para que ele se oriente no sistema produtivo, no sistema da produo social, decidindo-se como vai se inserir neste contexto. Que implicaes tem a politecnia para a estrutura do ensino? Esta concepo aponta para uma estrutura unitria. No possvel discutir politecnia sem discutir a concepo unitria de educao, que pressupe a superao da clssica dicotomia entre ensino propedutico e ensino profissional, de forma a no ser reproduzida, no ensino, a diviso de trabalho que ocorre no interior dos processos produtivos, entre concepo, execuo e superviso. Quanto estrutura, tenho uma proposta de um curso de 2 Grau de quatro anos. J temos vrios cursos de 2. Grau tcnicos, a escola normal de quatro anos; j existe uma realidade colocando essa perspectiva de quatro anos. Trata-se de uma proposta de quatro anos com dois ciclos, cada ciclo com dois anos. Os dois primeiros anos, o primeiro ciclo, teriam uma abordagem politcnica geral, comum a todos. O segundo ciclo

incluiria a introduo de uma certa diferenciao por algumas reas, grandes reas da atividade econmica, mantendo-se a orientao politcnica. Com relao ao setor de servios vejo trs grandes reas: sade, administrao e formao dos professores das quatro primeiras sries. Na rea do setor produtivo, vejo quatro: agropecuria, indstria, construo e comunicaes. O currculo na perspectiva do ensino politcnico pressupe a articulao dos contedos sob novos contornos que envolvem, basicamente, trs dimenses: a primeira, os objetos do trabalho humano; a segunda, os instrumentos, as mquinas e os mecanismos; a terceira, as relaes da organizao social e do trabalho. A cultura geral requer ser redefinida luz da idia de que o geral est contido em cada parte, em contraposio viso abstrata que tem predominado. Busca-se compreender os fundamentos cientficos das tcnicas nos quadros da atual revoluo cientfica, mas entendendo seu desenrolar histrico dentro de uma viso histrica. Discute-se o desenvolvimento das tecnologias contrapondo-as s necessidades da sociedade em que se vive. Procura-se compreender a linguagem cientfica, atendendo aos conceitos e s leis fundamentais. Envolve-se com os princpios da construo dos equipamentos tecnolgicos e com manejos mais elementares dos diversos ramos, analisando-se seus desdobramentos e aperfeioamentos, desenvolvendo-se habilidades laborais e especficas. So discutidos os processos de trabalho, as alternativas para sua reorganizao e os princpios da gesto participativa. Procura-se uma articulao entre as diversas disciplinas e sua complementao, no que se refere ao contedo, formao de hbitos e habilidades e ao emprego dos mtodos cientficos. A questo central no criar novas disciplinas, mas politecnizar as que j existem e prever contedos e enfo-

ques que tratem da tecnologia como fenmeno social, terico e prtico. Tambm no se trata de aumentar mecanicamente o volume dos conhecimentos, mas de redefinir os mtodos de abordagem. Fundamentalmente, uma viso diferente de cincia. Das implicaes, no nvel metodolgico, a principal a seguinte: o princpio metodolgico fundamental a unidade terico-prtica, entendida como uma articulao de pensamento e ao, ensino com carter investigativo e cientfico. Entende-se por ao no qualquer atividade, mas o trabalho socialmente til, como uma prtica social fundamental que se d no cotidiano das pessoas. Ento, nesse sentido, o ponto de partida e o referencial constante para o dilogo entre os conceitos e a prtica so as diferenas culturais e de trabalho que os alunos vivem ou viveram, conhecem ou conheceram. Na segunda etapa do 2. Grau, o politcnico especfico, os alunos se envolveriam diretamente com as atividades socialmente teis, pertencentes aos ramos das atividades econmicas escolhidos. Isso tendo em vista explorar o relacionamento entre o que se aprende na escola com o que se faz na atividade de trabalho em questo. Descobrir o que se pode fazer no trabalho com o que se aprende na escola. E descobrir tambm o que se pode fazer na escola, que no feito, com o que se aprende no trabalho. Nessas duas etapas do 2. Grau, e mais especialmente do segundo ciclo, a atividade do trabalho tem que ser considerada como critrio fundamental para interligao das disciplinas, por isso no se referem clssica diviso entre formao geral e formao especfica, que deixa de ter sentido. O que importante que em ambos os ciclos, no primeiro e no segundo, a dialtica entre o geral e o especfico, o universal e o particular, passe a ser uma constante, como desdobramento necessrio da articulao terico-prtica. Cada fato, cada problema, situaes concretas da atividade humana, per-

tencem a uma estrutura de relaes das quais so partes constitutivas de um todo. Esse pertencer e essas implicaes do todo com relao aos fatos, problemas, situaes precisam ser esclarecidos, explicados e discutidos. Ento, o confronto permanente entre teoria e prtica, entre o geral e o especfico, entre natureza e sociedade que essa proposta envolve, vai se encarregando de mostrar ao aluno que a prtica humana muito complexa e que ela precisa ser compreendida seriamente, e que o trabalho tem que ser compreendido com muita seriedade, que uma coisa muito complexa e importante na vida das pessoas. Outra coisa muito importante que as cincias, sejam naturais, humanas, sociais e do pensamento, so provisrias, no esto consolidadas, esto num processo de mutao e pertencem ao movimento histrico humano e esto relacionadas com a questo da atividade prtica das pessoas, com a vida. Isso eu acho importante formar na cabea das crianas e dos jovens, uma viso desreificada da cincia, de que o homem como criador do conhecimento, tambm capaz de intervir e de provocar mudanas nesse processo. Tal o sentido mais importante e mais profundo que a politecnia traz, o de entender o significado real, provisrio, supervel da cincia e da realidade como movimento e o trabalho numa dimenso no idealizada, mas como realidade complexa e contraditria que faz parte da vida de todas as pessoas. Acho que a est a questo: a politecnia j surge como uma reivindicao, uma bandeira, uma proposta, o que ? Acho que ela tem elementos das trs questes, que uma bandeira no sentido de acenar com uma perspectiva de uma escola diferente. uma reivindicao porque j tem gente querendo esse ensino, querendo que a escola funcione dessa forma. E no ainda proposta porque a gente ainda est no incio da conversa. Acho que o assunto precisa ainda ser melhor, discutido. Nesse sentido, eu a vejo como

princpio. Ento como princpio significa o qu? uma idia que guia, uma regra fundamental de conduta, uma expresso da necessidade; eu a entendo mais como princpio condutor do que realmente como uma proposta que j tenha plenas condies de ser implementada.

A politecnia no ensino mdioJos Luis SanfeliceFac. Educao-Unicamp

Tentei fazer uma leitura conjuntural, eu diria, da legislao j disponvel na rea educacional, a partir do texto constitucional para inserir a temtica da politecnia no ensino mdio, e por conta disso uma srie de dvidas me ocorrem, uma srie de perguntas surgem, ao fazer ou ao tentar fazer esse tipo de leitura conjuntural. Tomando por referncia, em primeiro lugar, o prprio texto da Constituio, vamos encontrar l, no seu captulo dedicado educao, cultura e desporto, o art. 205 que estabeleceu que a educao direito de todos, dever do Estado e da famlia e ser promovida e incentivada com a colaborao da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exerc