POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: UMA BREVE ANÁLISE...

12
1 POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: UMA BREVE ANÁLISE DE SEUS AVANÇOS E RETROCESSOS Sonia Aparecida da Silva de Souza 1 Suélen Felipe Gonçalves RESUMO: O artigo tem como objetivo situar a trajetória histórica da assistência social no Brasil, no que tange seu marco legal. Realizamos uma reflexão acerca do direito à assistência social como política de proteção social, identificando a herança assistencialista na construção e efetivação do Estado Providência brasileiro, bem como, os avanços na construção das políticas sociais. O trabalho é resultado de um estudo bibliográfico que revelou os paradoxos presentes na efetivação da Política de Assistência Social brasileira. PALAVRAS-CHAVE: Políticas Sociais; Proteção Social; Assistência Social; Assistencialismo. INTRODUÇÃO Tratar de políticas de proteção social pressupõe uma breve contextualização dos modelos de proteção implantados em países desenvolvidos e o necessário contraponto com o modelo de proteção social brasileiro. É importante salientar, que o histórico das políticas sociais no Brasil se difere desde seu princípio dos modelos de Proteção Social de países desenvolvidos, estes, tiveram em seu germe o protagonismo das classes trabalhadoras na elaboração e efetivação dessas políticas. Ao considerarmos tais afirmações, entendemos que há uma dicotomia no que se refere á implementação e efetivação dessas políticas em países considerados referências em políticas de bem estar social e o contexto político social brasileiro no que se refere à garantia ampliada de direitos. Nos países com efetivo estado de bem estar social, o campo das políticas sociais se configurou num histórico de lutas dos trabalhadores, por melhores condições de trabalho e acesso aos bens socialmente produzidos, compreendendo o ser social em sua totalidade, materializado em um modelo efetivo de ampla proteção. Ponderamos que as reivindicações da classe trabalhadora nesses países foram em grande medida atendidas pela classe dominante e 1 Estudante do curso de graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina UFSC, e- mail: [email protected]

Transcript of POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: UMA BREVE ANÁLISE...

Page 1: POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: UMA BREVE ANÁLISE …cac-php.unioeste.br/eventos/Anais/servico-social/anais/TC_POL... · Sendo assim, a década de 1930 é o marco inicial de uma

1

POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: UMA BREVE ANÁLISE DE SEUS

AVANÇOS E RETROCESSOS

Sonia Aparecida da Silva de Souza1

Suélen Felipe Gonçalves

RESUMO: O artigo tem como objetivo situar a trajetória histórica da assistência social no Brasil, no

que tange seu marco legal. Realizamos uma reflexão acerca do direito à assistência social como

política de proteção social, identificando a herança assistencialista na construção e efetivação do

Estado Providência brasileiro, bem como, os avanços na construção das políticas sociais. O trabalho é

resultado de um estudo bibliográfico que revelou os paradoxos presentes na efetivação da Política de

Assistência Social brasileira.

PALAVRAS-CHAVE: Políticas Sociais; Proteção Social; Assistência Social; Assistencialismo.

INTRODUÇÃO

Tratar de políticas de proteção social pressupõe uma breve contextualização dos

modelos de proteção implantados em países desenvolvidos e o necessário contraponto com o

modelo de proteção social brasileiro.

É importante salientar, que o histórico das políticas sociais no Brasil se difere desde

seu princípio dos modelos de Proteção Social de países desenvolvidos, estes, tiveram em seu

germe o protagonismo das classes trabalhadoras na elaboração e efetivação dessas políticas.

Ao considerarmos tais afirmações, entendemos que há uma dicotomia no que se refere á

implementação e efetivação dessas políticas em países considerados referências em políticas

de bem estar social e o contexto político social brasileiro no que se refere à garantia ampliada

de direitos.

Nos países com efetivo estado de bem estar social, o campo das políticas sociais se

configurou num histórico de lutas dos trabalhadores, por melhores condições de trabalho e

acesso aos bens socialmente produzidos, compreendendo o ser social em sua totalidade,

materializado em um modelo efetivo de ampla proteção. Ponderamos que as reivindicações da

classe trabalhadora nesses países foram em grande medida atendidas pela classe dominante e

1 Estudante do curso de graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, e-

mail: [email protected]

Page 2: POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: UMA BREVE ANÁLISE …cac-php.unioeste.br/eventos/Anais/servico-social/anais/TC_POL... · Sendo assim, a década de 1930 é o marco inicial de uma

2

materializadas em políticas sociais abrangentes como forma de manutenção do sistema

capitalista.

No Brasil, o processo de efetivação de direitos foi e vem sendo dirigido de forma

inversa. A conjuntura política social brasileira se estabeleceu por meio de uma histórica

cultura paternalista, coronelista e populista, que por um longo tempo desconsiderou e ainda

desconsidera a garantia social de direitos, como forma de proteção social e acesso a cidadania.

Nesse contexto abordaremos um breve histórico da política de assistência social

brasileira resgatando aspectos peculiares de nossa cultura política, como a herança

assistencialista e filantrópica na construção e efetivação de nosso estado de bem-estar em

consonância com o direito e cidadania na contemporaneidade, sem deixar de considerar os

avanços na implementação das políticas sociais.

O ESTADO BRASILEIRO E A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: UMA

BREVE ANÁLISE

A política social na conjuntura histórica brasileira está relacionada à configuração da

questão social, produzida pelas contradições da reprodução do capitalismo que se estabeleceu

a partir da correlação de forças entre os interesses do capital e o interesse das classes

trabalhadoras. Essa relação antagônica de compra e venda de força de trabalho que suscita de

um lado acumulação de capital por parte dos detentores dos meios de produção, e do outro, a

venda da força de trabalho por um valor tão ínfimo, que mal dá para suprir as necessidades

básicas dos indivíduos e suas famílias, culminou no crescimento brusco e ininterrupto da

pobreza.

Diante desse jogo de forças e conflitos, e de uma eminente revolta fomentada pela

classe trabalhadora, o Estado em articulação com a influência religiosa busca atenuar esses

conflitos. Sendo assim, a década de 1930 é o marco inicial de uma mudança no papel do

Estado brasileiro, uma vez que é nesse período que surgem as primeiras medidas de proteção

social no Brasil.

Tivemos a elaboração de uma série de legislações trabalhistas que asseguravam

direitos apenas ao trabalhador que estivesse devidamente legalizado, configurando-se como

Page 3: POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: UMA BREVE ANÁLISE …cac-php.unioeste.br/eventos/Anais/servico-social/anais/TC_POL... · Sendo assim, a década de 1930 é o marco inicial de uma

3

uma proteção de caráter contributivo, materializado com as Caixas de Aposentadoria e

Pensões – CAPS e em seguida com os Institutos de Aposentadorias e Pensões - IAPS.

Embora essas concessões estivessem relacionadas diretamente com alguns direitos

trabalhistas, ainda assim, observamos o caráter contraditório das políticas sociais no âmbito

do sistema capitalista.

Esse modelo de proteção social contributivo excluía toda a população que não possuía

vínculo empregatício, restando apenas os serviços assistenciais. A assistência social não era

uma das preocupações do governo e as ações assistenciais eram desenvolvidas, sobretudo pela

Igreja, de forma descontínua e com caráter de benemerência.

Ressaltamos que a Igreja exerceu um papel fundamental no desenvolvimento de

formas assistencialistas de enfrentamento da questão social, utilizando como recurso

fundamental um discurso moralizador e educador das famílias, reforçando o modelo de

família nuclear burguesa, como pontua YAZBEK (2009) a respeito do modelo familiar

destacando “sua perfectibilidade, sua capacidade de desenvolver potencialidades; a natural

sociabilidade do homem para realizar o bem comum (como bem de todos) e a necessidade da

autoridade para cuidar da justiça geral”. (YAZBEK, 2009, p.05)

No que se refere às iniciativas do Estado no âmbito da assistência social nessa época

foi a criação da Legião Brasileira de Assistência – LBA, sendo criada inicialmente para

atender os pracinhas da segunda guerra mundial em 1942, em seguida se transformando em

sociedade civil sem fins econômicos, voltada para desenvolver ações de assistência social sem

se desvincular da ideia de assistencialismo.

Já no período ditatorial, compreendido entre as décadas de 1960 e 1980, a assistência

social continuava articulada a ações clientelistas, assistencialistas, controladoras e

disciplinadoras voltadas para o ajuste social.

Foi com a Constituição Federal de 1988 que a política de assistência social foi

consolidada como direito, sendo descaracterizada de sua forma assistencialista compondo o

tripé da seguridade social brasileira. Este foi um dos grandes avanços da política de

assistência consolidada constitucionalmente no campo dos direitos.

No ano de 1993 tivemos a implantação da Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS, em

2004 foi elaborada a Política Nacional de Assistência Social – PNAS, e em 2005 foi proposto o

Page 4: POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: UMA BREVE ANÁLISE …cac-php.unioeste.br/eventos/Anais/servico-social/anais/TC_POL... · Sendo assim, a década de 1930 é o marco inicial de uma

4

Sistema Único de Assistência Social - SUAS com o objetivo de organizar as redes de serviços

dispostos na política de assistência social de forma descentraliza, participativa e hierarquizada.

Pontuamos que as décadas de 1990 e 2000 supracitadas foram marcadas pelo novo

modelo de acumulação capitalista concretizado no avanço do projeto neoliberal que varreu a

América Latina descaracterizando e ameaçando direitos conquistados. No campo das políticas

de direito, o Estado vem atuando de forma focalizada e seletiva subordinando as políticas

sociais á lógica do capital financeiro, proporcionando grandes lucros ao capital.

UMA REFLEXÃO DOS AVANÇOS NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

BRASILEIRA

A trajetória da política de assistência social brasileira vem atravessando períodos de

avanços e retrocessos. Dentre os avanços, avaliamos que o mais significativo foi a aprovação

da Política Nacional de Assistência Social – PNAS em 2004, tendo como marco a

Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 194 propõe a compreensão de seguridade

social, contendo em seu tripé a política de saúde, previdência e assistência social,

configurando-o como uma proposta de construção de um sistema de proteção social e de

direitos, que assim expressa:

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos

Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à

previdência e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade

social, com base nos seguintes objetivos:

I - universalidade da cobertura e do atendimento;

II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;

III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;

V - eqüidade na forma de participação no custeio;

VI - diversidade da base de financiamento;

VII - caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da

comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados.

VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão

quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do

Governo nos órgãos colegiados. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de

1998). (BRASIL, Capítulo II, da Seguridade Social).

Compondo o tripé da seguridade social, a política de assistência social se configura

como uma forma de proteção social àqueles que dela necessitarem, constituindo-se como

Page 5: POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: UMA BREVE ANÁLISE …cac-php.unioeste.br/eventos/Anais/servico-social/anais/TC_POL... · Sendo assim, a década de 1930 é o marco inicial de uma

5

política não contributiva de caráter universal. Assim como as outras políticas que compõe o

tripé da seguridade social, a assistência social é um direito constitucionalmente estabelecido,

se configurando como política de estado, tendo sua base na constituição federal nos artigos

203 e 204, perpassando por debates promovidos entre a sociedade civil, entidades de

atendimento e diversas representações do Serviço Social.

Para isso destacamos as considerações tecidas por LOPES (2006), onde a autora

menciona que

O Sistema Único de Assistência Social, em construção no país, é a materialização de uma

agenda democrática cuja biografia tem raízes históricas nas lutas e contradições que

compõem esse direito social, que foram e são objeto da atenção de intelectuais, da atuação

de militantes e da ação de trabalhadores sociais em todo o país. Esse processo histórico de

alguma duração, perto de quatro décadas, continua a requisitar muita atenção, já que

aparece como referência para a montagem da nova condição da política de assistência

social em curso. Esta justa “retrovisão” assessora o enfrentamento dos desafios colossais

que envolve o projeto e o processo desse inédito sistema e garante a manutenção do seu

compromisso central, que é solapar o flagrante desmonte do sistema de direitos sociais

arduamente conquistados, que andava em curso no Brasil até 2003. (LOPES, 2006, p.77).

Nesse sentido é importante salientar que essa articulação com os movimentos sociais

trouxe um avanço expressivo, colocando a Assistência Social no campo do direito e

responsabilidade do Estado ainda que esta responsabilidade seja compartilhada com a

sociedade civil, atuando de forma mínima dando continuidade ao ranço do assistencialismo

materializado nas entidades filantrópicas.

Além disso, a Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS (1993), disposta na Lei nº.

8.742/93, “definiu os objetivos, as diretrizes e estabeleceu um padrão de operacionalização

criando os Conselhos, os Planos e Fundos da política de assistência social.” (NEGRI, 2011, p.

109), como previsto em seu artigo 1º:

A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é política de seguridade social

não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado

de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades

básicas. (BRASIL, LOAS, 1993).

Desta maneira,

Com a LOAS a política de assistência social teve sua concepção transformada, avançando

na superação de sua percepção assistencialista, passando para o campo da política pública

de responsabilidade do Estado. Isso ocorreu através das estratégias da descentralização

político-administrativa, da instituição do comando único e na constituição dos Conselhos,

Page 6: POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: UMA BREVE ANÁLISE …cac-php.unioeste.br/eventos/Anais/servico-social/anais/TC_POL... · Sendo assim, a década de 1930 é o marco inicial de uma

6

Conferências, Fóruns, Planos e Fundos, promovendo o controle social sobre a política de

assistência social. (NEGRI, 2011, p. 110).

A PNAS vai materializar as diretrizes da LOAS, padronizando, ampliando e

implementando através de seu texto, os serviços de assistência social com uma organização

em todo âmbito territorial brasileiro.

Já, a construção do SUAS foi um grande salto na organização da Política de

assistência social, trazendo de forma descentralizada, hierarquizada e participativa uma nova

forma de gestar a política. Ressaltamos que a participação dos usuários nos conselhos de

assistência social é considerada um dos grandes avanços nesse processo, colocando o usuário

como protagonista da Política de assistência social, dando vez e voz a quem era considerado

mero receptor de ações assistencialistas.

Este novo sistema de gestão da Política de Assistência Social respeita as diferenças

entre os municípios e a realidade da população urbana e a rural, sendo que, determina os

níveis de gestão dos municípios de acordo com proteção social que é ofertada (Básica e

especial), normatizando os padrões de serviços, estabelecendo qualidade no atendimento e

indicadores de avaliação, assim como as funções de proteção social e vigilância

socioassistencial.

Diante do exposto, verificamos que a construção do SUAS presume a ruptura do

assistencialismo, da benesse, de ações do primeiro-damismo e outras ações que são

perpassadas pelo ranço coronelistas, paternalista e personalista brasileiro, constituindo-se

assim como um grande avanço na política de assistência social brasileira.

AS DIFICULDADES E DESAFIOS NA EFETIVIDADE DA POLÍTICA DE

ASSISTÊNCIA SOCIAL

As dificuldades da efetividade das políticas sociais no contexto brasileiro insere-se

diretamente no modelo societário capitalista neoliberal de priorização do mercado financeiro.

Compreendemos que a políticas públicas são combinadas por políticas econômicas e sociais,

tendo o Estado como seu formulador e executor.

No Brasil, historicamente, as políticas sociais estiveram submetidas às necessidades das

políticas econômicas e a serviço dos interesses da classe dominante. Nessa perspectiva BEHRING

Page 7: POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: UMA BREVE ANÁLISE …cac-php.unioeste.br/eventos/Anais/servico-social/anais/TC_POL... · Sendo assim, a década de 1930 é o marco inicial de uma

7

e BOSCHETTI (2008) afirmam que as políticas sociais “podem assumir tanto um caráter de

espaço de concretização de direitos dos trabalhadores, quanto ser funcional à acumulação do

capital e à manutenção do status vigente”. (BEHRING e BOSCHETTI, 2008, p. 195).

Dessa forma, entendemos que há, portanto um conflito macrossocietário, e isso se

expressa nos documentos que regulamentam a política de assistência social. Esse conflito é

explicitado na existência de programas de transferência de renda extremamente focalizados e

seletivos, tornando a política de assistência social contraditória.

Se por um lado, a política de assistência social se fundamenta no pilar da seguridade

social caracterizada como política de proteção social, por outro, em sua efetivação, esta se

torna uma política restritiva e excludente, alcançando apenas aqueles sujeitos que estiverem

em extrema pobreza.

Dessa feita, compreendemos a seletividade e focalização da pobreza como um grande

fator de dificuldade na efetividade da política de assistência social. Ao identificarmos esse

fator é inevitável o seguinte questionamento: O que resta àquela parcela da sociedade que se

encontra, por vezes, com alguns centavos a cima da linha da pobreza? Para a “resolução”

desta problemática, que alguns pesquisadores chamam de hiato social, vai restar a filantropia

materializada nas ações das ONGs, que na sua grande maioria atua na lógica da benevolência

e da caridade, por um viés muitas vezes fundamentado no ideário religioso.

Partindo do pressuposto que um dos grandes avanços da política de assistência social

foi romper com a forma de tratar as expressões da questão social através da lógica

assistencialista, pondera-se que a tentativa de resolver essas questões por meio da filantropia é

um verdadeiro retrocesso no âmbito da Política de assistência social, visto que, deixar uma

parcela dos cidadãos desprotegidos dá ao Estado, respaldo, à continuidade de formas

assistencialistas para enfrentar a pobreza.

As formas focalizadas de atuação das políticas sociais através dos programas de

transferência de renda são resultado da política neoliberal que dá preferência em manter em

equilíbrio o capital financeiro. Sendo assim, as políticas sociais, na lógica burguesa, estarão

sempre sofrendo desmontes ou restrições, que fazem parte da relação de poder em defesa de

interesses distintos.

Page 8: POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: UMA BREVE ANÁLISE …cac-php.unioeste.br/eventos/Anais/servico-social/anais/TC_POL... · Sendo assim, a década de 1930 é o marco inicial de uma

8

No que diz respeito à participação e protagonismo dos usuários previsto e disposto na

proposta do SUAS, questionamos se há de fato esta participação, e se há conhecimento por

parte dos usuários sobre o seu papel participativo na efetivação da política de assistência

social. O que vemos na maioria das vezes é que quando existe essa participação, ela se mostra

débil, fragilizada, pouco representativa. Isso implica na efetividade dessa participação que

muitas vezes é considerada apenas para contar quórum e não como forma de emancipação

política e cidadã sendo esse fator um grande desafio no que tange a participação dos usuários.

Ao se falar em emancipação enfatizamos ser este outro desafio relevante. Por ser a

emancipação dos usuários um dos objetivos preconizados na política de assistência social,

verificamos dessa forma, uma contradição na própria política. Assim, fazemos uma reflexão

sobre a natureza desta emancipação.

Partimos da idéia de que o caráter de emancipação não deve ser considerado apenas do

ponto de vista econômico, pois dessa maneira estaríamos colocando a proteção social sob a

égide da proteção do mercado, ou do trabalho por assim dizer.

Nesse sentido frisamos que, o que há propagado na política, é uma proposta de

emancipação econômica, de inclusão produtiva, porém, sabe-se que o sentido da emancipação

incide na politização e na participação política, tendo como produto a liberdade dos sujeitos

sociais. Ou seja, essa emancipação se dá pela fomentação dos usuários, nos espaços de

controle social, com a participação em conferências e conselhos, por exemplo.

Além disso, destacamos outra dificuldade no âmbito da efetividade da política de

assistência social, relacionada ao lugar que a família ocupa no campo da PNAS. Para isso,

destacamos o aspecto da matricialidade sociofamiliar, focalizando a família como centro da

política. Se partirmos do pressuposto de que antes da consolidação da política de assistência

social os serviços assistenciais estavam voltados aos segmentos sociais, avaliamos que a

matricialidade sociofamiliar é um avanço. Porém, interpretamos que a forma como a família é

responsabilizada, a política de assistência social se torna contraditória, transformando-se em

uma armadilha. Proteger as famílias de forma ampla, não há nenhum mal nisso, pelo contrário

é dever do Estado. O grande perigo esta em responsabilizá-las pelas mazelas que as assolam.

Esta responsabilização esta explicitada na forma que a política de assistência social direciona

Page 9: POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: UMA BREVE ANÁLISE …cac-php.unioeste.br/eventos/Anais/servico-social/anais/TC_POL... · Sendo assim, a década de 1930 é o marco inicial de uma

9

estas famílias, manifestando-se nos programas interfamiliares como forma normatizadora de

ajustar as famílias no âmbito do sistema vigente.

A nosso ver, além de uma tentativa de ajuste sócio familiar, a questão da

matricialidade traz à tona a proteção pensada para o âmbito da família, tornando o sistema de

proteção social com um caráter pluralista articulado á família, ao mercado (com a

emancipação econômica) e a sociedade, na provisão do bem estar social.

Dessa forma, a política do Estado mínimo contribui com a ideia de independência

familiar disposta na “redução da dependência em relação aos serviços públicos e para

‘redescoberta’ da autonomia familiar enquanto possibilidade de resolver seus problemas e

atender suas necessidades”. (MIOTO, 2008, p.139).

Nessa perspectiva percebemos que a matricialidade sociofamiliar analisada de forma

mais aprofundada, direciona cada vez mais a família para a sua independência no que se

refere aos serviços públicos, induzindo á família a buscar autonomia para a resolução de seus

problemas. Apontamos ser este também um grande retrocesso, que dificulta a eficácia das

políticas de proteção em sua integralidade.

CONCLUSÃO

Ao fazermos uma análise documental e bibliográfica a respeito da política de

assistência social no Brasil, observamos que esta, tem alcançado muitos avanços, superando o

aspecto assistencialista de caráter esmolado que era reconhecido antes das mudanças

constitucionais da década de 1988. Essas mudanças colocaram a assistência social no tripé da

seguridade social, caracterizando-a como um direito do cidadão assim como as demais

políticas sociais concernentes a saúde e a previdência.

No entanto, observamos que apesar do avanço na consolidação e na efetividade da

política de assistência social no Brasil, ela ainda encontra-se permeada por avanços e

retrocessos. Dentre os retrocessos, evidenciamos a dificuldade de inserção dos usuários nos

espaços de participação, como por exemplo, nos fóruns, conferências e nos conselhos,

compreendendo assim, que não há uma participação efetiva em que o usuário possa tomar

Page 10: POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: UMA BREVE ANÁLISE …cac-php.unioeste.br/eventos/Anais/servico-social/anais/TC_POL... · Sendo assim, a década de 1930 é o marco inicial de uma

10

posse de seu protagonismo encaminhando-se para uma autonomia que o leve para uma

liberdade política emancipatória.

Além disso, pontuamos que a eficácia da política de assistência social não decorre da

existência dela em si mesma. Isto é, para que as políticas sociais obtenham êxito em suas

formulações e implantações, é necessário que ocorra a intersetorialidade, articulando-a com a

saúde, educação, habitação e previdência social. Sem deixar de lado a compreensão de que a

realidade está em constante movimento e que os sujeitos devem ser compreendidos em sua

totalidade, tendo claro que estes sujeitos estão inseridos num sistema desigual e que as

expressões da questão social estão postas.

Dessa forma, sinalizamos que os profissionais que atuam na política de assistência

social não devem se limitar á mera execução do que consta nos documentos, e sim, relativizar

as situações apresentadas, buscando a emancipação dos sujeitos.

Ressaltamos ainda, que a forma que os programas e serviços vêm sendo executados no

que diz respeito a sua focalização e seletividade, faz com que se devolva um caráter

esmolatório da assistência social, apresentada como uma política voltada apenas para pobres

tornando os usuários do sistema estigmatizados. Salientamos que, mesmo diante de inúmeros

avanços concernentes à política de assistência social como direito de cidadania, ainda assim

há muito que se avançar.

Por fim, sinalizemos o que NICOMEDES (2007) problematiza acerca do direito. Segundo

este autor, quando pensamos ou falamos em direito, se faz uma relação direta á seguridade social

legitimando a questão da proteção social no âmbito do direito e da cidadania.

Sendo assim, entendemos que para as políticas sociais se tornarem mais eficazes e efetivas

em suas formulações é necessário que a responsabilidade social se torne um compromisso e um

dever, sobretudo no que tange a participação dos usuários das redes socioassistenciais avançando

assim, na possibilidade de construção de um novo projeto societário.

Page 11: POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: UMA BREVE ANÁLISE …cac-php.unioeste.br/eventos/Anais/servico-social/anais/TC_POL... · Sendo assim, a década de 1930 é o marco inicial de uma

11

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Iraci. Usuários da Assistência Social: incluídos pela exclusão. In: Território e

Assistência Social: uma análise do Serviço Social a partir da produção social do espaço.

Tese de Doutorado. Porto Alegre: PUC, 2012. (pág. 100 - 104).

ANDRADE, Iraci. O novo modelo de gestão da PNAS. In: Território e Assistência Social:

uma análise do Serviço Social a partir da produção social do espaço. Tese de Doutorado.

Porto Alegre: PUC, 2012. (pág. 69 – 85).

BRASIL. Lei n. 8742, de 07 de dezembro de 1993. Lei Orgânica da Assistência Social

(LOAS). Dispõe sobre a organização da assistência social e dá outras providências. Brasília, 7

de dezembro de 1993. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm>.

Acesso em: 23 de maio de 2014.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de

Assistência Social. Norma Operacional Básica: NOB/SUAS: construindo as bases para a

implantação do Sistema Único de Assistência Social. Brasília, DF, 2005.

_______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de

Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social. Brasília, DF, 2004.

________. Norma Operacional Básica – NOB/SUAS. Ministério do Desenvolvimento Social

e Combate à Fome. Brasília, DF, 2012.

________. Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais. Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Brasília, DF, 2009.

________. Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS. Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Brasília, DF, 2006.

CFESS (Conselho Federal de Serviço Social). Parâmetros para Atuação de Assistentes

Sociais na Política de Assistência Social. Brasília: CFESS, 2009.

COUTO, Berenice Rojas. Os Direitos Socioassistenciais: balizas fundamentais à garantia da

assistência social como política pública. Caderno de Textos. VI Conferência Nacional de

Assistência Social. Brasília, 2007. (pág. 23 – 26).

_______, Berenice Rojas. Assistência Social em Debate: Direito ou Assistencialização?

Seminário Nacional – O Trabalho do/a Assistente Social no SUAS. Brasília: CFESS,

2011. (pág. 52 – 64).

LOPES, Márcia Helena Carvalho O tempo do SUAS. Revista Serviço Social e Sociedade, n°

87 ano XXVI Especial 2006 São Paulo Cortez, 2006.

Page 12: POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: UMA BREVE ANÁLISE …cac-php.unioeste.br/eventos/Anais/servico-social/anais/TC_POL... · Sendo assim, a década de 1930 é o marco inicial de uma

12

MIOTO, R.C.T. Família e Políticas Sociais. In BOSCHETTI,I; BHERING, E.R.; SANTOS,

S.M.M.; MIOTO, R.C.T. Política Social no Capitalismo: Tendências contemporâneas. São

Paulo: Cortez Editora/CAPES, 2008.

NEGRI, Fabiana Luiza. Um Breve Relato Sócio-Histórico da Assistência Social no Brasil. In:

O Exercício Profissional do Assistente Social e a Precarização no Mundo do Trabalho:

Ensaios sobre sua inserção no Sistema Único de Assistência Social. Dissertação de

Mestrado. Florianópolis: UFSC, Centro Sócio-Econômico, Programa de Pós-Graduação em

Serviço Social, 2011 (pág. 108 – 115).

_______, Fabiana Luiza. SUAS: Construindo a Política de Assistência Social Brasileira. In:

Exercício Profissional do Assistente Social e a Precarização no Mundo do Trabalho:

Ensaios sobre sua inserção no Sistema Único de Assistência Social. Dissertação de

Mestrado. Florianópolis: UFSC, Centro Sócio-Econômico, Programa de Pós-Graduação em

Serviço Social, 2011 (pág. 115 - 130).

NICOMEDES, Sebastião. Os direitos Socioassistenciais sob a ótica dos usuários. Caderno de

Textos. VI Conferência Nacional de Assistência Social. Brasília, 2007. pág. 11 – 16.

PEREIRA, Potyara Amazoneida Pereira. Mudanças estruturais, política social e papel da

família: crítica ao pluralismo de bem-estar. In: SALES, M. et al. (orgs.) Política Social,

família e juventude: uma questão de direitos. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2006. p. 25-42.

SANTOS, P. R. P. dos, BEHRING, E. R., BOSCHET, I., & Ribeiro, L. (2013). Política

Social: Fundamentos e História. Revista ORG & DEMO,14(2).

YASBEK, M.. C. Sistema Único de Assistência Social e a Política de Assistência Social no

governo Lula. Edição de 24 de dezembro de 2004. Caderno Especial nº 5. Disponível em:

<http://www.assistentesocial.com.br/cadespecial34.pdf> Acesso em: 10 de maio de 2014.

YAZBEK, Maria Carmelita. Os fundamentos históricos e teórico-metodológicos do Serviço

Social brasileiro na contemporaneidade. CFESS; ABEPSS. SERVIÇO SOCIAL: Direitos

Sociais e Competências Profissionais. Brasília: DF. CFESS/ABEPSS, 2009.