Política e Desenvolvimento - O Caso Brasileiro

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    Poltica e desenvolvimento: o caso brasileiro1

    ANTNIO OCTVIO CINTRA

    E

    FBIO WANDERLEY REIS

    I

    Oaspecto poltico da vida dos pases subdesenvolvidos um doselementos decisivos a comporem a prpria situao de subdesenvolvi-mento. Numerosos trabalhos recentes no campo da sociologia chamam a

    ateno para a peculiaridade das condies que caracterizam osubdesenvolvimento, permitindo situ-lo como estdio intermedirio entreos termos da clssica dicotomia que ope sociedades industriais esociedades tradicionais. Nesse ponto de passagem, as tenses engendradas

    pelas demandas provenientes de um "potencial poltico" novo,2 que sedefronta com um poder estabelecido de caractersticas tradicionais,constituem varivel estratgica para a elucidao da problemtica geral emque se debatem os pases subdesenvolvidos.

    A fonte de tais tenses deve ser procurada no fenmeno que KarlDeutsch designou pelo vocbulo mobilizao.3 Anteriormente aos abalosque deram origem s condies hoje indicadas pela expresso"subdesenvolvimento", a sociedade internacional tendia a apresentar ostraos prprios de uma estrutura de castas. A regra era o insulamento dos

    pases, com a escassez de contatos e comunicaes traduzindo-se nadesateno dos nacionais de cada pas com respeito aos demais e naimpossibilidade da atuao do mecanismo conhecido como "efeito

    de demonstrao". A expanso do processo de industrializao dos pasesatualmente desenvolvidos para alm da rea que corresponde ao chamado

    1Publicado inicialmente emAmrica Latina, ano 9, n. 3, julho-setembro de 1966, e reproduzido em

    Convivium, vol. X, n. 5, setembro-outubro de 1967. Acreditanto que o texto faz jus a esta nova

    divulgao, os autores registram uma nota de autocrtica pela pouca nfase dada ao contexto

    internacional da Guerra Fria e a sua relevncia para os eventos polticos de 1964.

    2A propsito da noo de "potencial poltico", v. Heintz, 1964.

    3

    Cf. Deutsch, 1961.

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    "Ocidente" veio alterar esse quadro, possibilitando a "abertura" do sistemainternacional atravs da intensificao de contatos de todo tipo e, em

    particular, atravs da atuao universalizante dos meios de comunicaode massa. Um fenmeno de fundamental importncia, a urbanizao

    desencadeada nos pases de estrutura tradicional, responde pela eficciaparticular deste ltimo fator: arrancando do isolamento e da dispersorurais um nmero crescente de indivduos e juntando-os nas cidades, aurbanizao vem expor tais indivduos ao dos meios de comunicaode massa e, atravs destes, ao contato com condies de vida prprias de

    pases em fases mais avancadas de desenvolvimento. O deslocamento ea concentrao geogrfica das pessoas se faz acompanhar, assim, por sua"mobilizao" psquica. A consequncia a elevao geral das aspiraes

    e a difuso do desejo de participao crescente no consumo de bensmateriais e culturais de todo tipo. Tais aspiraes, colocando-se em avanocom respeito s possibilidades limitadas da estrutura econmica tradicionalou subdesenvolvida, redundam, consequentemente, em presses cada vezmais amplas no sentido da promoo do desenvolvimento e damodernizao das economias em questo. A "revoluo das aspiraes"se inscreve, assim, no quadro da situao de subdesenvolvimento comouma de suas caractersticas bsicas, permitindo distingui-la da situao

    tradicional pelo descompasso entre expectativas de consumo em elevao eo aparelho tcnico-econmico existente.

    Ora, as presses criadas por tal descompasso se do num quadro emque o poder poltico (ao qual, como nico agente capaz de mobilizar osrecursos necessrios, se encaminham as expectativas de desenvolvimento emelhoria geral das condies de vida) , via de regra, um poder queencontra suas bases e sua sustentao nos aspectos tradicionais daeconomia e da sociedade. Trata-se de um poder exercido, em geral, por

    uma elite tradicional, que deriva sua dominao da propriedade da terra eque a baseia numa legitimidade de tipo semifeudal. Promover o desen-volvimento do pas significa, portanto, em princpio, solapar o fundamentomesmo do controle do poder por parte dessas elites. Por outro lado,

    promover o desenvolvimento corresponde tambm a uma necessidadeindisfarvel, dadas a elevao geral das expectativas de consumo da

    populao e as presses que da resultam. O panorama se completa selevamos em conta a alterao profunda trazida s regras tradicionais do

    jogo poltico pela fora poltica nova representada pelas massas rurais

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    deslocadas. Nos centros urbanos, sero elas objeto de uma socializaopoltica tendente a estruturar as aspiraes que se criam e a catalis-las emproveito de lideranas de diversos tipos que se opem, em maior ou menormedida, estrutura tradicional de poder.4

    Assim, o problema poltico bsico dos pases subdesenvolvidos sesitua em torno das eventualidades de uma luta entre duas tendncias: arealizao de seu desenvolvimento econmico, por um lado, e, por outro, oempenho das elites tradicionais na manuteno de condies compatveiscom a continuidade de sua dominao. Consideremos a definio desistema poltico adotada por Gabriel Almond: "... aquele sistema deinteraes, encontrado em todas as sociedades independentes, que cumpreas funes de integrao e adaptao (tanto internamente quanto perante

    outras sociedades) atravs do empregoou ameaa de empregodacompulso fsica mais ou menos legtima".5 Se tomamos as funes deintegrao e de adaptao na conotao original que temos no trabalho deParsons e Bales, o problema nuclear da situao de subdesenvolvimento

    pode ser visto, luz dessa definio, em termos da contradioespecialmente aguda que a se apresenta entre as duas funes, com asdificuldades que surgem ao cumprimento simultneo de ambas: ocumprimento da funo de adaptao (correspondendo basicamente ao

    aspecto econmico da vida de qualquer sistema e a se identificar, em nossocaso, com a promoo do desenvolvimento) comprometeria a realizao dafuno integrativa (correspondente ao aspecto poltico, em sentido estrito,que se identifica com a manuteno do sistema).

    Mas no basta dizer que o sistema poltico aquele que cumpre asfunes de integrao e adaptao. A realizao dessas funes bsicas sefaz, por sua vez, atravs de mecanismos funcionais determinados, entre osquais podemos destacar, em termos do esquema conceitual do mesmo

    Almond, a articulao e a agregao de interesses. Desse ponto de vista, osistema poltico se mostra tambem como a esfera institucional qualchegam, vindos da sociedade, os diversos interesses, visando transformar-se em medidas de poder que os conservem ou promovam. Umaconsequncia necessria que ele dever passar por reordenaes mais ou

    4Para uma viso sistemtica dos problemas relacionados ao confronto

    entre poder tradicional e massas mobilizadas nas sociedades em transio, ver Heintz, 1964b.

    5Cf. Almond, 1961, p. 7.

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    menos profundas diante das mudanas trazidas pela mobilizao social epelo desenvolvimento econmico.

    A problemtica situada pelo dilema bsico desenvolvimento-manuteno do sistema se esclarece em suas implicaes se consideramos

    as transformaes e o destino dos sistemas polticos, tendo em conta oconfronto de interesses diversos, luz das relaes entre legitimidade,eficcia e conflito social, cuja fecundidade se revela nas anlises de Lipsetem seuPolitical Man (1963).A questo central a de saber como osistema poltico responde s mudanas que se operam na economia e nasociedade, que capacidade tem de atender aos novos interesses, tornandosua poltica aceitvel tanto para as novas quanto para as antigasconstelaes de poder. Em outras palavras, trata-se de saber como pode ele

    manter-se estvel pela institucionalizao das mudanas e inovaes que sedo a partir da transformao de sua base econmica, entendendo-se porestabilidade de um sistema poltico a capacidade que demonstre deadaptao gradual sem uso de violncia. Especificamente, caberia indagar:como aceita a atuao do Estado no favorecimento do desenvolvimentoeconmico e no atendimento dos novos interesses? Como se encaram osnovos e os antigos atores dentro do sistema politico? At que ponto estodispostos os grupos tradicionais a aceitar um jogo poltico de participao

    ampliada, implicando diviso dos ganhos econmicos? Em que medida osgrupos novos se satisfazem com a participao que lhes facultada? Enfim,at que ponto vai a disposio dos diferentes atores de sujeitar-se s regrasdo jogo quando os resultados no lhes sejam totalmente favorveis?

    II

    Em estudo dedicado aos "sistemas, processos e aspectos polticos do

    desenvolvimento econmico",6 David Apter, baseando sua anlise narelao entre desenvolvimento econmico e manuteno do sistema,elabora uma tipologia til para a compreenso da dinmica das relaesentre governo e sociedade no quadro do subdesenvolvimento. A questocentral, nas palavras de Apter, "a capacidade que tem cada tipo deabsorver a mudana e engendrar a inovao de maneira continua".7

    6

    Apter, 1963.

    7Apter, 1963, p. 133.

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    Trs so os tipos de sistema distinguidos por Apter: o sistema demobilizao, o sistema de comunidade ou "consociacional" e o sistema deautocracia moderna (mobilization system, consociational system,modernizing autocracy), que se diferenciam com base em variveis

    estruturais e em variveis relativas aos processos polticos prprios a cadaum deles. Sucintamente, o sistema de mobilizao caracterizaria os pasessubdesenvolvidos que passaram por revolues de tipo socialista.Corresponde, portanto, a casos que escapam problemtica tpica doconfronto entre um poder tradicional e um potencial poltico novo acimaesboada. Seu trao fundamental estaria na nfase posta nos objetivos dodesenvolvimento econmico por parte do poder estabelecido. Exercendo-sede forma hierrquica e unitria e contando com amplas possibilidades de

    coero, veria ele nas mudancas tecnolgicas e no desenvolvimento umaforma de justificao ideolgica, revestindo-os de importncia simblicacomo imagens antecipadas dos benefcios sociais a serem efetivados.

    J o sistema consociacional se caracterizaria pela forma piramidal daautoridade exercida, repartida de maneira pluralstica, bem como pelaexistncia de lealdades mltiplas (em contraposio fidelidade totalreclamada pelo poder no sistema de mobilizao) e pela necessidadeconsequente de compromissos no tocante s decises governamentais. Em

    tais sistemasque podem ser ilustrados pelos casos em que o poder, numregime federativo, repartido entre as diferentes unidades e/ou distribudoentre rgos executivos e assemblias representativas, os objetivos dodesenvolvimento, em vez de imagens do futuro, so uma resultante dainformao de que dispe o governo e da articulao de interesses easpiraes diversas. "Encontra-se a, diz Apter, (...) um respeito muito maisacentuado pelos particularismos locais do que nos sistemas de mobilizao.

    Na medida em que a comunidade limitada em suas possibilidades de

    deciso pela necessidade de encontrar um menor denominador comumaceitvel para todos os elementos constitutivos, os progressos na direodos objetivos do desenvolvimento econmico so moderados, assim comoos prprios objetivos".8 O exerccio do poder se faz, alm disso, emcondies incompatveis com a prtica da coero, sendo inerentes aosistema consociacional as restries ao poder governamental. A Indiailustraria este caso.8 Cf. Apter, 1963, p. 137.

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    Finalmente, a autocracia moderna se aparenta ao sistema demobilizao por alguns aspectos, mas dele se distingue "pela importncia aatribuda estabilidade, num contexto de crescimento econmico rpido".9Contando com a estrutura de autoridade hierrquica e exercida de forma

    unitria, como no sistema de mobilizao, e exigindo uma lealdadeexclusivista, apresenta, contudo, maior flexibilidade estratgica no que serefere s decises governamentais, inspirando-se numa ideologia de tiponeotradicionalista. As instituies tradicionais se revestem de importncia

    primordial e condicionam a urgncia dos objetivos correspondentes aodesenvolvimento econmico, os quais no devem representar uma ameaa

    para aquelas instituies. "... os objetivos do desenvolvimento econmicose filtram atravs do pano de fundo das instituies tradicionais. Para que

    um objetivo econmico seja aceito,deve relacionar-se positivamente, dealgum modo, com o sistema de autoridade tal como existe".10 O Japo e oPaquisto seriam exemplos de formas diferentes de autocracias modernas,tradicional o primeiro e secular o ltimo.

    O caso do sistema de mobilizao, como indicamos acima, pareceriaser estranho ao marco geral apresentado como caracterstico da situao desubdesenvolvimento, em que se d o confronto de um potencial polticonovo com um poder tradicional. Contudo, o sistema de mobilizao no

    corresponde seno a uma das alternativas que podem resultar daqueleconfronto, ou seja, aquela em que ele se resolve pela eliminao do podertradicional, aplainando-se violentamente o caminho para o desenvolvi-mento econmico. Alm de ser essa uma sada potencial sempre presente ecuja considerao se impe no estudo de qualquer caso particular desubdesenvolvimento, as caractersticas apresentadas pelas relaes entre ogoverno e a sociedade no sistema de mobilizao permitem esclarecer, porcontraste, as feies assumidas por tais relaes naqueles casos em que o

    poder tradicional se mantm com maior ou menor solidez.

    III

    Uma das teses a serem formuladas adiante a de que o casobrasileiro poderia ser descrito como correspondendo a um sistema

    9 Cf. Apter, 1963, p. 137.10Cf. Apter, 1963, p. 138.

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    consociacional de mbito limitado. Comearemos, assim, por apresentar asforas sociais e polticas que atuam no cenrio brasileiro, para poderdiscutir, em seguida, as formas assumidas pelo jogo poltico que entre elasse estabelece de sorte a justificar essa caracterizao.

    , naturalmente, invivel pretender enquadrar os principais gruposque compem a estrutura social brasileira em qualquer modelo simples deestrutura de classes, tal como a clssica distino entre burguesia,

    proletariado e classes mdias, que pode corresponder mais ou menos bemao caso exemplar de certos pases "ocidentais". Qualquer modelo desse tipono poderia ter em conta o fenmeno, caracterstico do subdesenvol-vimento, que alguns autores tm designado como a "coexistncia do no-contemporneo". Com efeito, os desequilbrios engendrados pelo desigual

    desenvolvimento brasileiro acarretam que a estrutura de classes do pas secaracterize por grande complexidade, tornando-a rebelde a qualquertentativa de apreenso obediente a esquemas conceituais rgidos.

    Contudo, entre os autores existe consenso em apontar a extremapolarizao da estrutura tradicional do pas durante todo o perodo anteriorao incio do processo de industrializao, que ocorre a partir da dcada de1920. O caracterstico desse perodo a diviso da estrutura social emduas camadas nicas separadas por um amplo hiato socioeconmico. De

    um lado se encontrava o que tem sido chamado classe latifundiriamercantil, composta dos proprietrios de terras que controlavam a

    produo agrcola e dos grandes comerciantes dedicados atividade deexportao e importao. De outro lado, em violento contraste, encontrava-se a massa destituda de qualquer posse e formada, em sua maioria, pela

    populao escrava ou, posteriormente, por pessoas egressas do trabalhoescravo. No havia propriamente uma classe mdia, uma vez que o sistemaeconmico no oferecia oportunidades intermedirias onde se pudessem

    situar os no-proprietrios dotados de recursos de qualquer tipo.Praticamente, apenas o trabalho manual existia para os indivduosdestitudos de posses; mas a existncia da escravido tinha efeitosdegradantes sobre o trabalho manual, aviltando social e economicamente osque o praticavam. Aos que no eram proprietrios e no exerciam um taltrabalho apenas restavam formas intersticiais de integrao na estruturasocial, representadas principalmente, durante longo tempo, por atividades

    prprias dos ncleos urbanos de pequeno porte. Estes proliferavam, por

    mente, eassim dizer espuriam consequncia da preferncia sunturia da

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    classe superior pela residncia nas cidades, que lhe era facultada pelosexcedentes de renda obtidos com o gradual crescimento da economiaagrcola de exportao. Posteriormente, o surgimento da minerao nocentro-sul do pas e a implantao e a expanso correlatas de um aparelho

    burocrtico destinado defesa dos interesses portugueses nela envolvidosvm propiciar oportunidades novas de expanso de uma camadaintermediria. Tem origem a um fenmeno que persiste, em seguida, atos nossos dias: o "emprego publico" como forma tpica de integrao dasclasses mdias na estrutura econmica do pas, expandindo-se o aparelhoestatal alm de suas necessidades funcionais em decorrncia da barganha

    poltica estabelecida em torno dele.Essa evoluo nos permite destacar trs das foras sociais presentes

    hoje, em diversos graus e formas, no jogo poltico nacional: a oligarquiarural, a populao camponesa e as classes mdias. A deflagrao dodesenvolvimento industrial do pas permitealm da expanso dos gruposde classe mdia, que puderam se encaminhar para cargos tcnicos e

    burocrticos no mbito privadoo surgimento de novos grupos: oproletariado urbano e industrial e a burguesia industrial e financeira.

    A elite rural corresponde classe tradicionalmente no comandopoltico da sociedade, tendo podido encontrar formas de preservao de sua

    posio privilegiada mesmo no momento em que o processo deindustrializao veio deslocar o centro de gravidade da economia brasileira.Esse processo se iniciou com a crise surgida na economia agrcola deexportao em decorrncia das duas guerras mundiais e da grandedepresso de 1929. Desorganizando o intercmbio brasileiro com os pasesocidentais, dos quais se importavam os artigos industriais destinados aoconsumo da populao, aqueles eventos criaram no pas uma demandainsatisfeita de bens industriais que veio coincidir com a disponibilidade de

    capitais anteriormente encaminhados para a produo agrcola,particularmente de caf. Essas condies facultaram, assim, a amplaparticipao, na reestruturao da economia brasileira, da elite ruraltradicional, a qual, sem detrimento de seus interesses agrcolas, pdeinvestir suas poupanas nas novas atividades industriais.

    Quanto s "massas rurais", a estrutura da sociedade rural brasileirano permitiu, at recentemente, que constitussem elas um foco deinteresses polticos distintos, sob a forma de um "potencial poltico". O

    sistema de relaes sociais apresentava caractersticas semi-feudais,

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    dispondo as camadas de subculturas prprias e cimentando-se as relaesentre elas pelos vnculos de compadrio. As camadas baixas, dispersasterritorialmente nos grandes latifndios, no tinham condies dedesenvolver em maior grau as relaes intra-grupais necessrias para a

    formao de uma conscincia de grupo. Somente em data recente, emalgumas partes do pas, como o Nordeste, conjugaram-se os fatores pararomper o quadro tradicional e permitir populao camponesa escapar aoslido sistema de poder estabelecido.11

    Com respeito burguesia brasileira, o fato saliente a destacarquevai ter grande importncia no condicionamento da atuao poltica dessacamada da populao que a classe industrial no emergiu na estruturasocial atravs de uma luta contra as foras da sociedade tradicional. Como

    vimos acima, grande parte dos investimentos industriais surgiu comoinvestimentos alternativos dos mesmos setores que operavam a produoagrcola da exportao, em consequncia da crise desta ltima. O desloca-mento do eixo da economia brasileira da agricultura para a indstria no sefez, consequentemente, em oposio elite ou s suas custas, mas, aocontrrio, em escala aprecivel, em associao com ela. Disso decorre atendncia adeso a padres tradicionais tanto na organizao do trabalhoquanto no que se refere s inclinaes polticas do grupo considerado, o

    que tem consequncias que adiante se vero.Quanto camada designada como proletariado urbano e industrial,

    parece-nos importante atentar para a dupla qualificao desse grupo, ou deparcelas distintas dele, como "industrial", por um lado, e simplesmente"urbano", por outro. Com efeito, apenas uma frao relativamente reduzidadessa camada encontra a possibilidade de integrao mais efetiva, sob aforma de trabalho industrial ou de outras ocupaes regulares e estveis, nova estrutura social que se cria com a industrializao. Grande parte do

    proletariado urbano composto, diversamente, de indivduos que sedeslocam para as grandes cidades em levas sucessivas, conduzidas pelaesperana difusade melhoria geral das condies de vida, e que a se irosituar perifericamente estrutura socioeconmica, habitando em condies

    precrias e dedicando-se a formas marginais e instveis de atividade. Coma concentrao nas cidades dessa massa crescente de populao, o

    proletariado urbano passa a representar, com sua composio heterognea,o cerne do potencial poltico novo, caracterstico da situao de

    11A esse respeito, ver Furtado, 1964.

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    subdesenvolvimento. Cada vez mais, tem ele um peso decisivo nocondicionamento das feies assumidas pelo cenrio poltico do pais. Almda presso objetiva e subjetiva que engendra no sentido dodesenvolvimento econmico, representa uma fora eleitoral e um objeto de

    manobra para lideranas carismticas ou populistas, aptas a lhe capitali-zarem as aspiraes de melhores condies de vida e a psicologia prpria,marcada por suas origens rurais recentes, que o sujeita facilmente amanipulaes de tipo paternalista.

    J as classes mdias constituem, desde h muito, um grupo designificativo papel poltico. Apesar de reduzido numericamente (osocilogo Costa Pinto, tomando dados do censo brasileiro de 1950,calculou que os estratos mdios representariam 8% do total de grupos

    scio-ocupacionais),12 esse grupo ocupa, entretanto, posio estratgica naestrutura social, estando junto aos centros de poder, nas grandes cidades, erepresentando um fator crucial do qual depende a popularidade e alegitimidade das lideranas polticas. Por outro lado, uma dasconsequncias importantes do processo de industrializao brasileirocorresponde aos efeitos sobre a psicologia e as predisposies polticas dasclasses mdias da perda de "status" que para elas resulta da proximidade deum proletariado urbano em expanso, aliada aos efeitos corrosivos que tem

    sobre o seu padro de vida a espiral inflacionria associada aodesenvolvimento. Tais condies predispem essa camada da populao aoapoio a linhas polticas tendentes a resistir incorporao do novo

    potencial poltico em formao vida politica do pas.Nosso quadro estar suficientemente completo, para os efeitos da

    presente anlise, se acrescentarmos algo sobre dois grupos especiais quecorrespondem, em ampla medida, a setores particulares da "classe mdia":os intelectuais e os militares. No que se refere aos primeiros, os grupos

    intelectuais brasileiros parecem confirmar as teorias que ligam aagressividade social e o radicalismo politico a posies sociaisestruturalmente desequilibradas. Havendo desequilbrio entre as diversasdimenses que compem o "status" pessoaltais como a renda, aeducao, o prestgio ocupacional, uma das consequncias possveis seriaa radicalizao poltica. Tal desequilbrio se daria, no que se refere aosintelectuais, entre a alta posio ocupada na dimenso educacional e areduzida influncia junto aos centros de deciso poltica ou, muitas vezes,

    12Cf. Costa Pinto, 1964.

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    as exguas oportunidades de empregos remuneradores que faam jus altaqualificao profissional do grupo. No caso brasileiro, isso parece ser

    particularmente verdadeiro para categorias como os artistas, os cientistassociais, os jornalistas, os professores e, de modo muito especial, os

    estudantes. As dificuldades, trazidas pela situao desequilibrada, de que osgrupos considerados tenham uma viso mais neutra e menos afetiva dos

    problemas parecem constituir o ponto central na avaliao dasconsequncias polticas dessa situao. Essas dificuldades tendem afavorecer o conhecimento ideolgico desprovido de gradualismo e dacapacidade de levar em conta os vrios fatores envolvidos em qualquersituao problemtica e, em consequncia, a atribuir participao polticados intelectuais, muitas vezes, um contedo altamente irracional.

    Quanto s foras armadas, o carter oscilante de sua atuao comoagrupao relevante no jogo poltico ser objeto, adiante, de consideraesmais oportunas. Por ora, cabe assinalar que as fontes de recrutamento deseus quadros tendem a ser bastante amplas no que se refere a seu principalcomponente, o exrcito, revelando-se mais aristocrticas e fechadas no casoda marinha. A norma do comportamento militar brasileiro, pelo menosdesde a queda de Getlio Vargas, tem apresentado duas faces. Por um lado,a tendncia ao respeito legalidade; por outro, a disposio de interveno

    na vida poltica sempre que se d um impasse maior: algo como um "podermoderador". Isso acarreta uma alternncia de posies em que perodos deapoio militar a polticas de tipo nacionalista e desenvolvimentista, porexemplo, sustentadas por foras que poderiam ser designadas como de"centro-esquerda", so sucedidos por perodos de enrijecimento quando tais

    polticas so percebidas como ultrapassando um limite ameaador.Contudo, essa oscilao no se deve a uma adeso monoltica das forasarmadas viso "moderadora" do papel que lhes seria reservado, sendo

    importante reconhecer a existncia, no interior delas, de grupos deorientaes diversas, cujo predomnio circunstancial as encaminha num ounoutro sentido.

    IV

    O desenvolvimento poltico de pases como o Brasil apresentaaspectos singulares em comparao com o das democracias ocidentais. Um

    primeiro desses aspectos tem a ver com o acesso dos grupos novos arena

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    poltica. Nos pases atualmente desenvolvidos, a luta dos grupos novos foipouco a pouco institucionalizada, aceitando-se a articulao associacionalde novos interesses pelo sindicato e canalizando-se esses interesses para aesfera poltica atravs dos partidos socialistas e trabalhistas. Conquanto

    essa forma de legitimao nem sempre se tenha dado sem agudos conflitos,dependendo da maior ou menor rigidez que a estrutura tradicionaldemonstrou em se abrir aos novos participantes, o fato inegvel que ossistemas polticos desses pases contam hoje com grande legitimidade,estando os prprios conflitos de classe regulados no plano dasinstituies.13

    Nos pases subdesenvolvidos, quando desencadeada a mobilizaosocial, a entrada dos grupos novos na vida poltica no segue, em geral, o

    mesmo padro. Em lugar de uma organizao dos grupos novos em que aslideranas principais so recrutadas dentro do prprio grupo e em que, seh participao de lideranas de elite, esta deve dar-se lado a lado com aslideranaas populares (padro do partido socialista europeu), as condiesfavorecem a constituio de movimentos do tipo nacional-populista.Estruturalmente, tais movimentos apresentam a superposio de umaliderana recrutada de quadros de elite (intelligentzia, militares ou mesmoelementos da elite tradicional) massa mobilizada. A relao da elite com a

    massa apresenta grande distncia social, nutrindo-se de vinculaescarismticas e demaggicas. O elemento ideolgico, mesmo quando omovimento se defina formalmente como marxista ou comunista, nasconotaes europias dos termos, predominantemente nacionalista eapresenta forte coloraoafetiva.14

    Como ocorreu nos pases europeus, no sculo passado e no comeodeste, tambm nos pases subdesenvolvidos os sistemas polticostradicionais devem apresentar, de uma forma ou de outra, uma resposta aos

    novos focos de poder. A varivel bsica para se entender a dinmica que seestabelece vem a ser a abertura ou o fechamento que apresente a estruturasocial, com seu correspondente sistema de participao e de decises

    polticas, aos grupos mobilizados para a vida moderna. Se existe, por

    13A esse respeito, v. as anlises de Lipset, 1963, passim.

    14Sobre as caractersticas estruturais dos movimentos nacional-populistas, confrontando-os com os

    partidos operrios do tipo europeu, vide Di Tella, 1965; tambm Kautsky, 1962. Para a caracterizao

    das variveis bsicas que, dentro da situao de subdesenvolvimento, condicionam os movimentos

    nacional-populistas, vide Heintz, 1964.

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    exemplo, uma ditadura tradicional, contando com a lealdade dos aparelhosmilitares, muito provvel que o movimento nacional-populista tenhaamplo componente de elite vindo da intelligentzia e que visualize comonica sada a revoluo social. H, porm, outro modelo possvel, quando

    ao menos algumas fraes das elites dominantes se abrem para o "potencialpoltico" mobilizado e enquadram-no, atravs de concesses simblicas ouefetivas, na legitimidade vigente.

    No caso brasileiro, ambos os modelos tiveram alguma forma derealidade; incontestavelmente, porm, predominou, at data muito recente,a segunda forma. Analisaremos mais detidamente, adiante, suasimplicaes para a legitimidade e a estabilidade do sistema poltico. Porora, deixemos assinalado que a participao sab a forma do primeiro

    modelo foi sempre uma possibilidade latente, que se atualizava com maiorvigor sempre que o sistema poltico apresentava sinais de fechamento, emgeral nas situaes de crise econmica.

    Outro aspecto que singulariza o desenvolvimento politico de umasociedade como a brasileira, se comparado com o das democraciasocidentais, o da ausncia histrica de uma revoluo burguesa como

    primeira forma de dinamizao da sociedade, antecedendo o surgimentodos movimentos operrios. Aqui, a revoluo das expectativas gerada pela

    mobilizao social antecede consideravelmente o surgimento dos gruposburgueses.

    Se houve movimentos de oposio dominao exclusiva dasoligarquias rurais, antes da configurao de um potencial poltico pelasmassas mobilizadas, estes no foram promovidos por grupos que

    pudssemos identificar com uma "burguesia brasileira": foram movimentosde grupos urbanos de classe mdia. Mas no de uma classe mdia rica:recrutavam-se principalmente nos escales militares mdios e na

    intelligentzia. Tendo em conta a teoria que localiza estruturamente asfontes de agresso ao sistema nas posies marginais,15 cabe vincular amarginalidade desses grupos no ao desajuste entre alto poder econmico ereduzida participao no poder polticoo que caracterizaria as camadas

    burguesas europias revolucionrias,mas sim ao que se d com altaposio na varivel educacional no acompanhada de posies equivalentesnas escalas de poder e prestgio estabelecidas pela sociedade tradicional.

    15V. Galtung, 1964.

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    Esses grupos lograramantes do surgimento de um potencialpoltico constitudo pelas massas mobilizadasimportantes transformaesdo sistema poltico. Entretanto, as elites tradicionais ainda continuaramdominantes; importantes fraes dessas elites souberam aliar-se com os

    grupos novos em ascenso e conseguiram alijar do poder os setores que nocaptaram as mudanas em andamento. Reforou-se o poder central, contrao poder dos estados-membros, como exigncia poltica das transformaeseconmicas pelas quais j passava a sociedade ao influxo da crise mundialde 1929. A metamorfose do sistema poltico torna-o capaz de antecipar-se consequncia das transformaes econmicas que ocorriam, ou seja, aconstituio de movimentos de carter nacional-populista que ameaassemos fundamentos da dominao tradicional. Os velhos movimentos

    operrios, que, ainda vinculados s tradies socialistas e anarquistaseuropias, conseguiram existir antes de 1930, sucumbiram sob o fluxocontnuo das massas que migravam do campo para a cidade, ao mesmotempo que sob a represso do aparelho estatal. Nao havia concorrncia

    possvel, ainda que no se tivesse usado a represso policial, diante doseficazes mecanismos de enquadramento dos novos grupos que o Estadocontrolava.

    Que mecanismos foram esses? Criou-se uma mquina sindical ligada

    ao Estado, imps-se uma legislao trabalhista paternalista, mas em que seimpediam as greves, e deu-se s massas um lider carismtico na pessoa do

    proprio chefe de Estado, Vargas. A isso se acrescentou, no aps-guerra,com o advento do sistema representativo, o importante Partido TrabalhistaBrasileiropresidido pelo ditador deposto, como forma de mantereficazmente o enquadramento poltico numa poca em que a relativaliberalizao da sociedade trazia o risco de formao de novas liderancas

    populares ao lado da corrente principal, ou mesmo contra ela.

    Dessa forma, o sistema poltico conseguiu legitimar-se diante dos gruposnovos que poderiam ameaar os seus fundamentos, ao mesmo tempo emque lhes fixava os limites de participao na esfera poltica.

    Evidentemente, essa dupla legitimao repousavae este o nguloque nos interessa presentementena capacidade de desempenhar o sistema

    poltico o papel que historicamente lhe atribuam as massas mobilizadas eos setores ligados indstria nascente no enfrentamento dos problemas"adaptativos" maiores: os problemas de fazer o desenvolvimento

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    econmico andar mais clere que o crescimento demogrfico e a revoluodas expectativas de consumo.

    V

    Tomando as sugestes de Apter comentadas anteriormente, pareceacertado dizer que a sociedade brasileira caminhou no sentido de umaordenao poltica do tipo consociacional, em substituio poltica dasociedade tradicional em que dominavam, com excluso dos demaisgrupos, as oligarquias regionais ligadas agricultura e ao comrcio. Nessacaminhada, a ditadura varguista teria constitudo uma etapa intermediria,marcada pela imposio autocrticade parte das fraes da elite que

    mantiveram o poder e da nova burocracia estataldo novo condomniopoltico. O pleno funcionamento do sistema se deu aps a queda de Vargas,e teve, talvez, o seu auge durante o governo de Kubitschek.

    Lembrando que uma das caractersticas bsicas do sistemaconsociacional reside na capacidade de conciliar os diversos interessesatravs de um mnimo de recurso coero, vemos que isso foi possvel

    porque os estmulos ao desenvolvimento, at perodo bem recente, residiamprincipalmente no setor externo da economia. Bastava ao Estado uma rea

    mnima de exerccio do poder de deciso para controlar efetivamente ocrescimento econmico e permitir, paralelamente, o aumento da

    participao das massas mobilizadas na renda, sem necessidade de colidircom os interesses rurais ou de tolher a expanso dos grupos industriais. Asanlises dos economistas mostram que o controle de dois ou trs rgosestratgicos da administrao federal, como o Banco do Brasil ou aSuperintendncia da Moeda e do Credito (SUMOC), ligados ao comrcioexterior, davam ao Estado, atravs de algumas medidas de natureza

    cambial, excepcionais condies de interveno na economia, semnecessidade de atacar em profundidade o processo interno de formao da

    poupana ou de distribuio da riqueza. O mnimo de eficcia operacionaldas instituies polticas constitua o respaldo indispensvel para a manu-teno do sistema, de sua legitimidade e estabilidade. Tenses agudas dasituao de transio puderam ser resolvidas por meio de inovaesgraduais e sem uso de violncia.

    Se, obviamente, nem todos os participantes do jogo poltico na fase

    consociacional poderiam ser vistos como objetiva ou subjetivamente

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    Gradativamente, deveu o Estado ir assumindo tambm os encargosde criar o "capital social bsico",17 na medida em que os empreendimentos

    privados se viam tolhidos em sua expanso. Longe de uma ao planejada alongo prazo, as obrigaes de atendimento e conciliao de gama to ampla

    de interesses levavam o Estado, durante a maior parte do perodo analisado,a intervenes tpicas; os planos de ao s se impuseram quando os

    problemas se acumularam. No entanto, como se lograram, ao longo doperodo, razoveis taxas de desenvolvimento, seria errneo ver nesse tipode poltica consociacional uma "poltica de paliativos" no sentido proposto

    por Heintz:18 no s as instituies polticas no apresentavam obstculosdefinitivos ao desenvolvimento como, ao contrrio, na resultante final,

    parecem haver logrado relativa eficcia.

    VI

    Se, entretanto, olhamos o sistema consociacional, na formabrasileira, de uma perspectiva de longo prazo e luz de acontecimentoscomo o movimento de abril de 1964, podemos ver os limites estruturais econjunturais que sua legitimidade apresentava.

    Estruturalmente, ela assentava numa sobrevivncia demasiado

    prolongada dos grupos rurais tradicionais. Estes grupos continuavamdesfrutando de um poder poltico que j no correspondia a sua importnciaeconmica. Solidamente assentadas no parlamento nacional, continham odesenvolvimento econmico afastado do campo. A expanso do mercadointerno para as indstrias encontrava na estrutura rural um obstculoverdadeiramente intransponvel. Assim, as condies por eles impostas

    para aceitarem as regras do jogo poltico tornavam-se cada vez maisonerosas para os demais participantes.

    Conjunturalmente, o sistema denotava fraqueza nos momentoscrticos, como os das sucesses presidenciais, em que se temia que o

    potencial poltico das massas mobilizadas ganhasse maior poder, ou oprprio poder. Pareciam, ento, dar-se as condies de constituio de um

    com o desenvolvimento econmico, sustenta Jaguaribe que se verificaria, no Brasil de aps 1930, uma

    feliz convergncia entre os dois atributos das ideologias, de sorte que lutar pelo desenvolvimento seria,

    para cada classe, a melhor forma de lutar pelos seus prprios interesses. Cf. Jaguaribe, 1958, pp. 48-50.

    17

    Para uma anlise em profundidade, vide Ianni, 1965.

    18Para a noo de poltica de paliativos, vide Heintz, 1964b.

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    nacional-populismo de bases radicais, e os grupos da esquerda intelectualpareciam encontrar a justificao para advogarem como nica soluo arevoluo que levasse o pas ao sistema poltico do tipo "mobilizao"(dentro da tipologia de Apter). Sobretudo, pairava nesses momentos sobre a

    sociedade a possibilidade da interveno militar como nico mecanismoeficiente de soluo das crises em favor de um ou outro dos polosconflitantes.

    Para que se entenda melhor o mecanismo das tenses de quefalamos, preciso ter presente que, no perodo analisadodiversamente domodelo das democracias ocidentais descrito por Almond e Lipset, nas quaisos interesses se "articulam" nas associaes e sindicatos e so "agregados"atravs de partidos que, no parlamento, se dispem ao longo de dimenso

    "esquerda-direita", os choques e enfrentamentos principais da polticabrasileira no se do no seio do parlamento. Apesar de que fosse possivel,dentro da Cmara dos Deputados, distinguir correntes mais e correntesmenos "desenvolvimentistas", grupos mais e grupos menos voltados para o

    potencial poltico mobilizado, o poder legislativo, no seu conjunto e emconfronto com o poder executivo, pode ser visto predominantemente comoa fortaleza dos grandes interesses da sociedade brasileira tradicional. queos mecanismos eleitorais super-representam no legislativo as regies mais

    atrasadas, de dominao oligrquica, mas nas eleies majoritrias, para apresidncia e a vice-presidncia da Repblica, do s regies mais desen-volvidas e urbanizadas o seu verdadeiro peso.19 O chefe do executivodeveria, portanto, dentro do sistema poltico consociacional, ser muito maissensvel aos interesses urbanos. Entretanto, para atender s exigncias dedesenvolvimento, necessitava contar com o apoio parlamentar.

    A conciliao de interesses acima descrita, na forma de uma polticaeconmica bastante hbil, que procurava contentar aos vrios "atores" do

    19 A fixao dos quocientes eleitorais tem por circunscrio os estados-membros. Em cada estado, o

    nmero de cadeiras parlamentares a preencher proporcional populao. Dividindo-se o nmero de

    votos vlidos apurados pelo nmero de cadeiras a preencher, obtm-se o quociente eleitoral. Quanto

    maior for a proporo de analfabetos na populao do estado, menor ser o seu eleitorado; portanto,

    menor ser o quociente eleitoral necessrio para eleger um deputado. Como os estados com maior

    proporo de analfabetos so tambm os mais atrasados, a concluso que estes sero super-

    representados no legislativo. J os estados mais desenvolvidos, onde o eleitorado proporcionalmente

    maior e, portanto, o quociente eleitoral mais elevado, sero sub-representados. No ano de 1959, por

    exemplo, 64% dosdeputados federais provinham dos estados mais atrasados,que contavamcom 52%do eleitorado nacional, ao passo que apenas 36% dos deputados provinham dos estados mais

    desenvolvidos, nos quais se concentravam 48% do eleitorado nacional.

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    sistema, se concretizava atravs das transaes mais ou menosinstitucionalizadas entre o executivo e o legislativo. Em troca do apoio

    parlamentar, o executivo fazia amplas concesses aos grupos representadosno legislativo. Ganhava-se tempo, lanavam-se as bases do Brasil

    industrial, mas acumulavam-se grandes problemas para o futuro. Ofenmeno j foi bastante analisado por estudiosos como Cndido Mendesde Almeida, Celso Furtado, Hlio Jaguaribe.20 Furtado, por exemplo,observa em trabalho recente: "Todas as iniciativas visando a modificar omarco institucional em que se apia o sistema de poder ou a alterar adistribuio da renda, seja de iniciativa do executivo ou de algum

    parlamentar, so anuladas nas comisses do Congresso. Um inquritorecente indicou a existncia, nas gavetas dessas comisses, de mais de duas

    centenas de projetos de reforma agrria. Por outro lado, o preenchimentodos cargos de direo dos rgos-chave deve ser discutido em cada casocom as foras polticas dominantes, ou seja, com a classe dirigentetradicional. Em alguns setores de importncia decisiva, o poder executivotem uma capacidade de ao legalmente limitada. Assim, o rgo queformula a poltica do caf est sob o controle dos prprios interessescafeicultores, diretamenteou por intermdio de representantes de governosestaduais".21Por outro lado, Cndido Mendes mostra que a opo pela

    alternativa de um desenvolvimento com fontes inflacionrias definanciamento das obras se deveu sobretudo resistncia legislativa emaprovar a indispensvel reforma tributria. O mesmo autor mostra que, namedida mesma em que o Estado era obrigado a empenhar-se em obras demaior vulto econmico, crescia o seu poder de barganha diante dolegislativo, pois aumentava a sua capacidade de concesses velha ordem:criavam-se empregos para atender-lhe a "clientela", favoreciam-se gruposnos contratos de obras pblicas, valorizavam-se propriedades particulares

    em consequncia dessas mesmas obras, etc. tambm conhecido que, parainstrumentalizar a administrao federal na poltica de desenvolvimento,era o executivo obrigado a superpor a velhos rgos, que abrigavam asclientelas das oligarquias, novas entidades pblicas sob a forma deautarquias, sociedades de economia mista, etc. Em consequncia disso, fato corriqueiro na administrao brasileira encontrarem-se vrios rgosformalmente colimando os mesmos fins, diferindo no grau de controle que

    20

    Vide Mentes de Almeida, 1962; Jaguaribe, 1962; Furtado, 1965.

    21Furtado, 1965, p. 142.

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    sobre eles tenham os interesses do desenvolvimento ou os interessestradicionais.

    VII

    Enquanto fatores positivos de crescimento econmico compensavamos nus cada vez maiores da forma de condomnio poltico estabelecida,esta podia manter-se. Chegava, porm, o momento em que as ordenaesinstitucionais alcanavam o limite de elasticidade possvel. Os nus

    passaram ento a sobrepesar os beneficios tanto polticos (estabilidade dosistema) quanto econmicos (taxas elevadas de crescimento).

    A eficcia do sistema na promoo do desenvolvimento e no rateio

    dos ganhos econmicos entre os diversos grupos presentes na arena polticaesteve baseada, em grande medida, no recurso necessrio importaocomo forma de se obterem, durante a fase de industrializao mais acele-rada, equipamentos, matrias-primas e combustveis indispensveis continuidade do processo. Contudo, esta se via cada vez mais ameaada

    pelo declnio da capacidade para importar, em consequncia da queda dospreos das materias-primas exportveis, configurando-se uma criseda balana externa em que a reduo gradativa do valor das exportaes

    coincidia com elevados compromissos com o exterior. Com amanuteno dessa situao crtica implicando o aumento da inflaoquese ia tornando insuportvel, a partir de certo ponto, para ofuncionamento normal da economia, o sistema se via colocado face a umdilema claro e inevitvel: ou se abria para linhas de poltica econmicacontrrias ao nacional-populismo vigente, implicando o combateenrgico inflao e a criao de maiores facilidades para a participao decapitais estrangeiros no processo de desenvolvimento econmico; ou,

    se se quisesse manter, em bases nacionais, o ritmo sustentadodeste ltimo, impunha-se uma reponderao decidida dasrepresentaes institucionais dos interesses econmicos.

    Fundamentalmente, impunha-se, neste ltimo caso, o ataque sbases do poder rural (o que no necessariamente significaria umaexpropriao violenta de terras, pois a simples capitalizao da economiarural teria consequncias imensas nas relaes de poder existentesno campo) e s formas internas de redistribuio da renda e formao da

    poupana, atravs, por exemplo, de uma reforma tributria substancial.

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    A crise do sistema atingia suas culminncias nos governos de Quadros eGoulart, e ficava cada vez mais claro que profundas reordenaes setornavam necessrias. Ja os ganhos econmicos estavam longe deser seguros: o estancamento do mercado interno, a dvida externa crescente,

    os financiamentos inflacionrios, elevando as emisses monetrias anveis absurdos, tudo conflua na paralisao do desenvolvimento. Namedida em que se deu a percepo generalizada, por parte dos grupos emconfronto, de que as transformaes necessrias implicariam a super-

    ponderao poltica dos grupos populares, e na medida em que seevidenciava, particularmente com Goulart, a convico das lideranasnacional-populistas quanto possibilidade efetiva de se levarem a caboaquelas transformaes, perderam os diversos "jogadores" a

    capacidade de negociar, na base de mtuas concesses, novas regraspara o jogo poltico-econmico.

    A legitimidade do sistema viu seus prprios fundamentospostos em questo. Os grupos rurais, ante a acumulao de presses sbases de seu poderinclusive, em numerosas partes do pas, com oaparecimento de novo potencial poltico nas populaes componesas, emlugar de se abrirem para concesses essenciais, encastelaram-se na defesade seus privilgios. A intelligentzia de esquerda parecia encontrarcomo

    em crises anteriores de conjunturaa situao favorvel radicalizao dopotencial poltico no sentido de uma revoluo popular. Fosse ou norealista a viso, contribuiu para afastar dos quadros polticos dirigentesos importantes suportes "burgueses", na medida em que aqueles quadros,numa primeira fase, se manifestavam indecisos sobre os rumos a seguir e,logo depois, passavam a justificar a percepo de que romperiam o impasseem favor do potencial poltico. A "burguesia" brasileira, dadas suasestreitas vinculaes histricas com grupos tradicionais e a pouca

    maturidade como classe social, parecia no querer correr os riscos dedeflagar um processo revolucionrio que alijasse definitivamente do

    poder as elites tradicionais, porque temia perder-lhe as rdeas. Finalmente,os grupos de classe mdiacom exceo da maior parte da intelligentzia

    j haviam de h muito retirado do sistema qualquer aceitao. Comocostuma ocorrer nas pocas de crise, em que teme perder o "status", aclasse mdia fechou-se em grande hostilidade aos movimentos da massamobilizada e aderiu planamente ao poder tradicional. O equilbrio

    consolacional chegava ao fim.

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    Carentes as estruturas polticas de legitimidade e de eficcia mnima,a articulao de interesses passou a dar-se de forma predominantemente"anmica".22 No momento em que a crise veio a atingir o prprio cerne daorganizao militar, completou-se a configurao de condies para que se

    dilussem as fronteiras entre sociedade e poltica, passando os gruposinstitucionais, particularmente o militar, a desempenhar diretamente naesfera poltica as funes de articulao e agregao de interesses.O "pretorianismo", no sentido que d Huntington expressoou seja, aconfuso das esferas social e poltica pela traduo imediata no mbito dasdecises de poder dos interesses vindos da sociedade, sem passar pelaarticulao atravs dos grupos associacionais e pela agregao atravs dergos especificamente polticos,23 fora uma possibilidade latente no

    passado prximo, mas nenhum grupo civil havia podido contar com a foranecessria para impor-se diretamente e sem resistncias na esfera dasdecises polticas, prescindindo das vias normais de articulao eagregao de interesses. Durante os perodos de eficcia do sistema, a

    balana pesara o mais das vezes para o lado das elites nacional-populistasaliadas s massas mobilizadas. Nunca, porm, foi desconhecida a presenade importantes correntes militaresconcentradas sobretudo na marinha ena aeronutica, mas ponderveis tambm no exrcitoque dificilmente

    aceitavam a legitimidade do sistema consociacional, tendo visto semprecomo espria a aliana de uma frao da elite com o potential poltico.

    22A expresso "anmico" utilizada aqui no sentido proposto por Almond (1961, p. 34), designando

    irrupes espontneas na cena politica (motins, manifestaes) que servem como meio de articulao

    de interesses na carncia de meios institucionalizados.

    23O conceito de " pretorianismo", bem como o de " sociedade pretoriana", foi apresentado pelo

    professor Samuel Huntington, de Harvard, em conferncia proferida na Faculdade de Cincias

    Econmicas da Uni-versidade Federal de Minas Gerais, em outubro de 1965, sob o ttulo "Political

    Development and Political Decay". Denotaria a situao de uma sociedade em que as fronteiras entre

    poltica e sociedade estivessem diludas e na qual diversos organismos institucionais (universidade,

    igreja, exrcito), ao lado de funcpes especficas, ou em detrimento delas, passassem a exercer funes

    polticas. A nfase maior estaria no desempenho de funes polticas por parte de corporaes

    militares. Por outro lado, a noo de "grupos institucionais'' a mesma usada na tipologia dos grupos

    polticos elaborada por Almond (1961) : os grupos institucionais no so especializados no desempenho

    de funes. Ligam-se "sociedade", no "poltica". No so, portanto, aptos para articular e agregar os

    interesses no plano poltico. Nisso se especializam, nos sistemas polticos mais avanados, os grupos

    "associacionais", tais como os sindicatos e os partidos. Quando os grupos institucionais passam a

    desempenhar as funes polticas, o sistema deixa de promover o balanceamento ou a conciliao das

    demandas conflitantes vindas da sociedade.

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    Particularmente no que se refere aos escales mdios da hierarquia militar,as estreitas ligaespelo recrutamento, a situao social e a ideologiaque esses grupos mantm com a classe mdia os expem aos mesmosmecanismos psicolgicos que acima apontamos como caractersticos desta

    ltima e que derivam da perda de "status" acarretada pelo processoinflacionrio e pela reduo da distncia social que a separa das camadas

    proletrias.24 Essa afinidade levava os grupos militares em questo a seidentificarem com orientaes polticas prprias da classe mdia e,

    portanto, a uma deslealdade latente liderana, no sistema consociacional,das elites nacional-populistas. Exercendo-se tal liderana com base naassociao com as massas mobilizadas e orientando-se, no plano da polticaexterna, por linhas tendentes ao neutralismo e aproximao com pases da

    rea socialista, era ela responsabilizada pelas ameaas de perda de "status",que se evidenciavam a esses grupos no rumo tomado pelo sistemaconsociacional. Dentro da viso que da derivavaa qual contava, talvez,com um elemento de reforo na peculiaridade da formao ideolgica

    prpria das corporaes militares no aps-guerra, caracterizada pelacolocao do problema da segurana nacional em termos de umalinhamento inevitvel com o bloco ocidental, o potencial poltico interno sociedade representaria a feio nacional do conflito internacional: seria o

    elemento-chave da "guerra revolucionria". Quando a evoluo mesma dosistema o levara minimizao de sua eficcia e ao esgotamento das fontesde legitimidade e quando, culminando a crise, os riscos de perda de "status"

    passaram a se manifestar dramaticamente dentro da prpria organizaomilitaratravs de sucessivos movimentos rebeldes de parte dos escalesinferiores, tratados em termos de "massa" pela liderana nacional-populista

    , tornou-se possvel a generalizao do descontentamento existente. Nofoi difcil s foras armadas, ento, tomar os centros de deciso poltica,

    solucionando o impasse em favor de um dos polos em confronto.Configurou-se, portanto, claramente, a situao de uma reordenao

    das instituies polticas a partir de uma crise estrutural do sistema. Talcomo veio a se efetivar atravs da interveno militar, essa reordenao,resultando no "pretorianismo" atual como resposta aos indcios deencaminhamento do sistema no sentido do modelo de "mobilizao", pode

    24Para um estudo das formas de integrao dos aparelhos coercitivos, vistos como organizaes

    burocrticas, com as diversas camadas sociais, e das consequncias polticas variveis da decorrentes,

    ver Heintz, 1964b, em particular pp. 112 e seguintes.

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    ser considerada como a implantao de formas que se aproximam domodelo de "autocracias modernas", de Apter, pelo ngulo da nfase naestabilidade e do reforo e enrijecimento da estrutura de autoridade. Estaltima, no entanto, diversamente do modelo de Apter, no se fundamenta

    numa legitimidade de tipo tradicional, mas sim militarista. A situaopresente tambm se aparta daquele modelo pela carncia de maiorempenho desenvolvimentista, podendo ser vista, em termos das funes

    bsicas destacadas por Almond como prprias de qualquer sistema poltico,como correspondendo ao favorecimento desproporcional, por parte dosgrupos no poder, da pura funo "integrativa", com nfase na "manutenodo sistema", em detrimento da funo "adaptativa" correspondente aodesenvolvimento econmico. Por outro lado, na medida em que o sistema

    poltico se fecha a grupos sociais importantes, que vinham lograndoparticipao crescente, e ope fortes obstculos livre agregao deinteresses, a presente situao s pode ser vista como um caso de "politicaldecay", na terminologia de Huntington.25

    VIIIQuando se faz o balano de solues histricas, permanece sempre a

    dvida sobre se as solues alternativas que o analista prope, a posteriori,tm outro valor que no o meramente terico. Apesar dessa dvida, comono presente caso nossa anlise se refere a um passado recente, do qualmuitos dos problemas ainda esto agora pendentes, tal balano pode ser til

    para facilitar a compreenso do presente e alguma prospeco do futuro.J foi referido que o sistema consociacional, como soluo poltica

    para os desequilbrios da situao transicional, no pode ser vistosimplesmente como uma poltica de paliativos, despojada de eficcia. As

    taxas de crescimento do produto nacional bruto, durante quase quinze anos,atingiram nveis superiores aos previstos pela carta de Punta del Este paraos pases latino-americanos. O produto interno bruto cresceu entre 1947 e1961 taxa de 5,8% ao ano, ou seja 3% per capita. No auge da vigncia dosistema consociacional, que correspondeu, em nossa opinio, ao governoKubitschek, este crescimento alcanou 7% ao ano, segundo os dados do

    Plano TrienaldeDesenvolvimento Econmico e Social, 1964-1965. Apesardos nus antes apontados, o saldo foi bastante positivo.25

    Ver nota 22.

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    Entretanto, numa perspectiva de mdio e longo prazo, a forma docondomnio politico estudada tendeu a adiar asoluo de graves

    problemas, que se foram acumulando. Se, do ponto de vista econmico,pode-se talvez dizer que no havia outras alternativas, o fato inegvel

    que, do ponto de vista poltico, impediu-se a criao dos mecanismos queteriam permitido, no futuro, encontrar solues institucionais menos rgidas

    para os impasses do desenvolvimento econmico. Mas, tambmrelativamente a esses mecanismos, permanece a questo de se teria sido

    possvel sua criao, dados os condicionantes prprios situao desubdesenvolvimento. Pensamos aqui principalmente na funo positiva doconflito social, quando desenvolvido em todas as suas fases,26 noamadurecimento dos grupos sociais conflitantes.

    A cultura poltica brasileira, at data recente, foi marcada deverdadeiro "horror ao conflito". Quando este surgiu, veio sob a forma deuma polarizao ultra-radical entre grupos historicamente imaturos. Osgrupos no se haviam formado numa tradio de lutas e de instituciona-lizao delas, de forma que os impasses maiores pudessem encontrarsolues reguladas. Em lugar de virem os mecanismos de arbitragem dosconflitos da prpria sociedade civil, de instituies e regras do jogosuperiores s parcelas litigantes, as solues vieram sempre, em ltima ins-

    tncia, da corporao militar. Esta, em lugar de transcender a luta, estavacomprometida visceralmente nela. Os grupos civis se irresponsabilizavamda soluo final, transferindo-a ao poder militar. Com isso, lancavam-se as

    bases do pretorianismo presente.A imaturidade foi, em certo sentido, mais grave de parte dos grupos

    novosas massas mobilizadas e as elites a elas aliadas, porque, comoparticipantes novos do sistema, teriam muito maior necessidade de umaestratgia racional diante dos velhos grupos. Suprimido prematuramente o

    conflito, nas formas estudadas de integrao do potencial poltico aosistema, no estava esta parcela da sociedade preparada para as disputasmaiores que haveriam de vir. Quando elas surgissem, seria previsvel afcil aceitao, de parte do potencial politico, das lideranas intelectuaisestruturalmente desequilibradas e do tipo de ideologia por elas proposto,com exigncias absolutas, difusas e radicais de implantao da

    26Vide Coser, 1961; tambm Coleman, 1957.

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    ordem socialista, atravs de uma revoluo popular, sem perceporealista das foras com que se contava e do poder dos adversrios e,consequentemente, sem uma estratgia racional de ao.

    Como muito difcil, dadas as prprias razes sociais do potencial

    poltico, imaginar a possibilidade de outras formas de integrao dele sociedade poltica, no podem ser muito otimistas as projees de nossodesenvolvimento poltico para o curto prazo, enquanto continuarem operan-tes as condies que levaram situao atual. As ltimas dcadas de nossavida poltica mostram que a relativa estabilidade de que se gozou veiomuito menos de slidas instituies polticas e de um alto grau de consensosobre valores bsicos do que das excepcionais condies de eficcia que osistema logrou. As mudanas na estrutura social que, a partir de certo

    ponto, a manuteno de tal eficcia implicaria, e as grandes resistncias aelas opostas, indicam que a estrutura social ainda permanece muito rgida eos grupos sociais pouco dispostos aos riscos das solues pluralistas naconduo do desenvolvimento econmico.

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