Política e Gestão Cultural

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1 Apropriação e construções simbólicas na Gestão de Cultura Rever os conceitos sobre cultura e sobre a arte nas políticas públicas hoje é fundamental para o entendimento das relações e diferenças numa dimensão global das sociedades ditas democráticas. A partir das reflexões e proposições de que nem tudo é cultura e que as mais diversas atividades da vida humana se caracterizam pelo hábito e homogeneização do gosto (COELHO, 2008, p. 27), desta forma, as políticas públicas de cultura as que se caracterizam pela reprodutibilidade tendem a não considerar as particularidades de cada território mantendo uma visão ultrapassada e totalitarista considerada apenas a ideia de retorno ao estado inicial dos saberes que são reproduzidos. O processo de concepção de políticas culturais totalitárias congela o desenvolvimento cultural/artístico, quando se observa que o Estado e os governos já não são capazes de cuidar de todas as demandas, não respondendo as exigências específicas por não conceber o nível de complexidade que difere do sentido de multiplicação aplicado muitas vezes aos programas e projetos culturais. Esta visão excludente que não considera a possibilidade do novo, da nova dinâmica entre os grupos sociais, caminha para o que (Appadurai , 2009, p.17) chamará de o pequeno número as minorias estigmatizadas pelas maiorias que se escondem sobre um ethos nacional, podendo levar a violência contra as minorias que são os grupos menos favorecidos. A primeira situação que se apresenta ao considerarmos a cultura como “processo” é o conceito de tradição onde muitas vezes encoberto por estes mesmos princípios totalitários e universalistas não compreendem a cultura como performance social que permite a composição harmônica entre culturas distintas e desmistifica as classificações como por exemplo, culturas superiores e culturas inferiores. Esta configuração processual da cultura globalizada conforme Teixeira Coelho (2008) se baseia numa abordagem funcional que estuda o presente dialogando em justaposição considerando as diferenças, e não como fusão e sobreposição de um pensamento sobre outro. Felipe Gregório

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Apropriação e construções simbólicas

na Gestão de Cultura

Rever os conceitos sobre cultura e sobre a arte nas políticas públicas

hoje é fundamental para o entendimento das relações e diferenças numa

dimensão global das sociedades ditas democráticas.

A partir das reflexões e proposições de que nem tudo é cultura e que as

mais diversas atividades da vida humana se caracterizam pelo hábito e

homogeneização do gosto (COELHO, 2008, p. 27), desta forma, as políticas

públicas de cultura as que se caracterizam pela reprodutibilidade tendem a não

considerar as particularidades de cada território mantendo uma visão

ultrapassada e totalitarista considerada apenas a ideia de retorno ao estado

inicial dos saberes que são reproduzidos.

O processo de concepção de políticas culturais totalitárias congela o

desenvolvimento cultural/artístico, quando se observa que o Estado e os

governos já não são capazes de cuidar de todas as demandas, não

respondendo as exigências específicas por não conceber o nível de

complexidade que difere do sentido de multiplicação aplicado muitas vezes aos

programas e projetos culturais.

Esta visão excludente que não considera a possibilidade do novo, da

nova dinâmica entre os grupos sociais, caminha para o que (Appadurai , 2009,

p.17) chamará de o pequeno número as minorias estigmatizadas pelas

maiorias que se escondem sobre um ethos nacional, podendo levar a violência

contra as minorias que são os grupos menos favorecidos.

A primeira situação que se apresenta ao considerarmos a cultura como

“processo” é o conceito de tradição onde muitas vezes encoberto por estes

mesmos princípios totalitários e universalistas não compreendem a cultura

como performance social que permite a composição harmônica entre culturas

distintas e desmistifica as classificações como por exemplo, culturas superiores

e culturas inferiores.

Esta configuração processual da cultura globalizada conforme Teixeira

Coelho (2008) se baseia numa abordagem funcional que estuda o presente

dialogando em justaposição considerando as diferenças, e não como fusão e

sobreposição de um pensamento sobre outro.

Felipe Gregório

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Várias situações ainda de ordem conceitual permeiam este seguimento

quando o que está em jogo é a expansão, a ampliação da esfera da presença

do “Ser” (Mostesquieu) ao passo da concentração, da perseverança do ser.

Onde aqui, talvez possamos comparar conforme Boaventura de Souza Santos

onde este diz que: “devemos lutar pela igualdade sempre que a diferença nos

inferioriza. Mas devemos lutar pela diferença sempre que a igualdade nos

descaracteriza”.

Entende-se também que a tradição neste sentido não sobrevive sem a

densidade identitária que lhe é atribuída através de um reforço, outras vezes

por invenção, onde se percebe que em certos momentos históricos o que é

cultura hoje, num outro tempo torna-se hábito.

Ainda em relação à cultura como processo, ou a cultura como “invenção”

um exemplo de aproximação ou apropriação da arte pela invenção cultural,

seria o relato de vida do artista visual alemão Joseph Beuys (1921), que como

dizem foi um piloto da aeronáutica que caiu em uma aldeia indígena; sendo

amparado por estes com uma manta e gordura animal consegue sobreviver.

Esta experiência, até onde sei não é comprovada de fato, e estes dois

elementos, a gordura e a manta por ele ressignificada em “feltro”, transforma-

se em sua linguagem estética/artística que lhe atribui automaticamente

identificação, e identidade. Ou num primeiro momento identidade,

posteriormente identificação.

A ideia da cultura como esterco, ou a lâmina do arado, (COELHO, 2008,

p. 18) deposita o sentido existencial numa relação recíproca de troca entre

cada elemento e sua função. Onde a cultura (num discurso fenomenológico e

imagético: ideia como a força de uma imagem poética) e o instrumento de

arado como análise deste fenômeno ou ação, são utilizados e vivenciados pelo

indivíduo antes ao coletivo ou fundamento social como potencialidades em

direção à elevação e aprimoramento do ser.

Nesta análise, esclarece-se como o caminho para as proposições de

políticas culturais pautadas na subjetividade do indivíduo, quando se diz que a

cultura é individual e subjetiva, são oportunas quanto ao desenvolvimento da

educação estética se considerar as aproximações com a proposta essencial da

arte.

Pois:

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“A alienação do espectador em proveito do objeto

contemplado (que é o resultado da sua própria atividade

inconsciente) exprime-se assim: quanto mais ele

contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se

nas imagens dominantes da necessidade, menos ele

compreende a sua própria existência e o seu próprio

desejo. A exterioridade do espetáculo em relação ao

homem que age aparece nisto, os seus próprios gestos já

não são seus, mas de um outro que lhes apresenta. Eis

porque o espectador não se sente em casa em parte

alguma, porque o espetáculo está em toda a parte”.

(DEBORD, 2003, p. 19)

Este pensamento é fundamental para esclarecer a confusão entre arte e

cultura, e na atual política cultural que identifica estas como desespero de

causa às crises assistencialistas, sustentáveis, econômicas, etc. conforme nos

apresenta Teixeira Coelho. De maneira direta, a partir da citação acima se

observa que os modos reprodutivos da cultura (necessária) não oferecem a

reflexão e os processos de identificação libertários que a arte (desejo)

transforma em condições significantes para que as pessoas inventem seus

próprios fins. Objeto central da ação cultural.

Neste ponto encontra-se a meu ver o principal problema para o gestor

cultural que é a identificação do que leva as pessoas a findarem suas

convicções em determinadas culturas para assim promover o que é ou pode

ser necessário numa política cultural ou para a arte.

Visto que o principal programa para a cultura, sendo afirmação de

modelos estabelecidos, e para a arte, a negação dos processos históricos para

a experimentação estética/sensorial e atualizações constantes às novas

descobertas científicas, biológicas, e tecnológicas; as distinções entre políticas

culturais e políticas para as artes são mais visíveis do que as aproximações

destes num campo teórico.

Ainda, noutro ponto de vista a dificuldade seria identificar um único

conceito transversal, se assim for a convenção, em arte ou em cultura para a

afirmação desta e a negação desta última.

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Com isto, observa-se que as construções simbólicas ou os discursos

sobre e das obras de cultura como das artes forneceriam outras condições

para a criação de novos espaços sociais não mais aqueles interiorizados e

denominados de civilização.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

APPADURAI, Arjun. O medo ao pequeno número: Ensaio sobre a geografia

da raiva. Iluminuras/Observatório Itaú Cultural. São Paulo, 2009.

COELHO, Teixeira. A Cultura e Seu Contrário. Iluminuras/Observatório Itaú

Cultura. São Paulo, 2008.

DEBORD, GUY. A Sociedade do Espetáculo. Coletivo Periferia- E Books.

2003.

SANTOS, Boaventura de Souza [org.]. A Globalização e as Ciências Sociais.

3ª Ed.- Editora Cortez, 2005.

TENDLER, Silvio. O mundo Global visto do lado de cá. Encontros com

Milton Santos [Filme-Vídeo].