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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE BIGUAÇU CURSO DE DIREITO POLÍTICA NACIONAL SOBRE DROGAS: a (in) efetividade das alterações feitas pela Lei n. 11.343/06, no âmbito penal, no combate ao tráfico de drogas EDUARDO MACHADO DE BRITO Biguaçu (SC), 10 novembro de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE BIGUAÇU CURSO DE DIREITO

POLÍTICA NACIONAL SOBRE DROGAS: a (in) efetividade das alterações feitas pela Lei n. 11.343/06, no âmbito penal, no

combate ao tráfico de drogas

EDUARDO MACHADO DE BRITO

Biguaçu (SC), 10 novembro de 2008

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE BIGUAÇU CURSO DE DIREITO

POLÍTICA NACIONAL SOBRE DROGAS: a (in) efetividade das alterações feitas pela Lei n. 11.343/06, no âmbito penal, no

combate ao tráfico de drogas

EDUARDO MACHADO DE BRITO

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Professora Esp. Marilene do Espírito Santo

Biguaçu (SC), 10 novembro de 2008

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Biguaçu, 10 de novembro de 2008.

Eduardo Machado de Brito Graduando

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Eduardo Machado de Brito, sob o

título: Política Nacional sobre drogas: a (in) efetividade das alterações feitas pela

Lei n. 11.343/06, no âmbito penal, no combate ao tráfico de drogas, foi submetida

em ______ de outubro de 2008 à banca examinadora composta pelos seguintes

professores:_________________________ e aprovada.

Biguaçu, 10 de novembro de 2008.

Professora Esp. Marilene do Espírito Santo Orientadora e Presidente da Banca

Professor Coordenação da Monografia

Dedico este trabalho:

Aos meus pais, irmão e minha noiva, propulsores da realização de um

sonho, minha eterna gratidão.

AGRADECIMENTO

Talvez mais difícil do que escrever o trabalho seja agradecer a todos aqueles

que, indireta ou diretamente, contribuíram para que o objetivo fosse alcançado.

Primeiramente, agradeço a Deus, o único que não tem ninguém acima por ter

sido um amigo fiel em todas as horas.

Aos meus pais, Nilton Machado de Brito e Marly Izabel de Brito,

especialmente, pelo exemplo de caráter, dedicação, desprendimento e amor que

sempre dispensaram a mim e ao meu irmão na certeza de que somos,

independentes de posições e opiniões diversas, uma bela família, agradeço e reitero

meu amor e orgulho por tê-los como genitores. Não só agradeço como reafirmo

minha admiração, pelas excelentes pessoas que são, na certeza de que nossos

caminhos sempre estarão interligados pelo amor e pela história que compartilhamos.

A minha saudosa noiva, Karina de Almeida Pizzolatti, também determinada e

encorajadora, lutadora, podendo aqui elogiá-la com todos os adjetivos possíveis.

Aos meus colegas de classe que, com seu companheirismo e amizade

tornaram esses cinco anos inesquecíveis, especialmente ao Juan Diego Angélico e

a Isolete Cristóvão. Certamente o convívio fraterno e os ótimos momentos jamais se

apagarão.

A todos os professores que contribuíram para minha formação acadêmica,

pessoal, cujas memórias de alegria e ensinamentos jamais poderão ser retribuídos

integralmente.

A todos os meus familiares e parentes pelo incentivo, apoio e crença

depositados em mim. Mas, sobretudo, pelo amor inquestionável e pelos exemplos

de vida.

ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AMPERJ - Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

ART. – Artigo

CAPS-AD - Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas

CRFB – Constituição Federal

CONFEN - Conselho Federal de Entorpecentes

CP – Código Penal

CPP - Código de Processo Penal

DIMED - Diretoria Nacional de Vigilância Sanitária de Medicamentos

Ed. – Edição

FUNAD – Fundo Nacional Anti-droga

FUNCAB - Fundo de Prevenção, Recuperação e de Combate às Drogas de Abuso

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

OBID - Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas

OMS – Organização Mundial de Saúde

ONU – Organização das Nações Unidas

ORG. – Organizador

PND - Política Nacional de Drogas

SC – Santa Catarina

SENAD - Secretaria Nacional Anti-drogas

SISNAD - Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas

STF - Supremo Tribunal Federal

STJ – Superior Trribunade Justiça

SUS – Sistema Único de Saúde

SVS/MS - Serviço de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde

TCO – Termo Circunstanciado de Ocorrência

TJSP – Tribunal de Justiça de São Paulo

Trad. - Tradução

ROL DE CATEGORIAS

DROGAS

A droga é definida como “substância química capaz de produzir

efeito farmacológico, isto é, que provoca alterações somáticas ou funcionais no

organismo”1.

ENTORPECENTES

Entorpecente é uma substância que no organismo seja capaz

de provocar entorpecimento ou torpor, isto é, diminuição da atividade orgânica2.

TRÀFICO DE DROGAS

Tráfico de droga, segundo a legislação vigente, consiste em

importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à

venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever,

ministrar, entregar ao consumo ou fornecer drogas ainda que gratuitamente, sem

autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar3:

TRAFICANTE

O traficante é aquele que importa, exporta, remete, prepara,

produz, fabrica, adquiri, vende, expõe à venda, oferece, tem em depósito, transporta,

traz consigo, guarda, prescreve, ministra, entrega ao consumo ou fornece drogas

ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal

ou regulamentar4:

1 UTYAMA, Iwa K. A et al Matemática aplicada à enfermagem: cálculo de dosagens. São Paulo: Atheneu, 2003, p. 33, 2 ISSY, Jamil. PREVIDA: Programa de Prevenção, Educação e Vida. 3. ed. Goiânia: Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Goiás, 1992, p. 10. 3 BRASIL Lei Federal n. 11.343 de 23 de agosto de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br> Acessado em out/2008. 4 BRASIL Lei Federal n. 11.343 de 23 de agosto de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br> Acessado em out/2008.

USUÁRIO

O usuário é aquele que faz uso freqüente, porém sem que haja

ruptura afetiva, social ou profissional, nem perda de controle5.

DEPENDENTE

O dependente é aquele que não consegue largar a droga,

porque o organismo se acostumou com a substância e sua ausência provoca

sintomas físicos, e/ou porque se acostumou a viver sob os efeitos da droga sentindo

um grande impulso de usá-la com freqüência6.

5 ANDREUCCI, Ricardo A Legislação penal especial. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 3. 6 ANDREUCCI, Ricardo A Legislação penal especial, 2007, p. 3.

SUMÁRIO

Resumo......................................................................................................................X

Abstract.....................................................................................................................XI

INTRODUÇÃO...........................................................................................................12

CAPÍTULO 1: A POLÍTICA NACIONAL SOBRE DROGAS: EVOLUÇÃO HISTÓRICA................................................................................................................15

1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS...............................................................................15

1.2 O TRÁFICO DE DROGAS E A EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE

COMBATE NO MUNDO.............................................................................................16

1.3 A POLITICA NACIONAL DE COMBATE AS DROGAS.......................................25

1.4 CONCEITOS E OBJETIVOS DA POLÍTICA NACIONAL SOBRE DROGAS.......32

CAPÍTULO 2: AS ALTERAÇÕES: COMPARAÇÃO ENTRE AS HIPÓTESES TÍPICAS DO ART. 12 DA LEI 6.368/76 E DO ART. 33 DA LEI 11.343/06...............34

2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS...............................................................................34

2.2 A LEI 6.368/76......................................................................................................35

2.3 A LEI N. 11.343/06...............................................................................................40

2.4 A COMPARAÇÃO DOS DIPLOMAS LEGISTATIVOS.........................................43

CAPÍTULO 3: A (IN)EFETIVIDADE DAS ALTERAÇÕES FEITAS PELA LEI 11.343/06, NO ÂMBITO PENAL, NO COMBATE AO TRÁFICO NO QUE DIZ RESPEITO AOS OBJETIVOS TRAÇADOS PELA POLÍTICA NACIONAL SOBRE DROGAS....................................................................................................................55

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS...............................................................................55

3.2 O SISTEMA NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE DROGAS............56

3.3 O BALANÇO DAS MUDANÇAS NO CONTEXTO DA POLÍTICA NACIONAL

SOBRE DROGAS......................................................................................................64

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................71

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS.................................................................73

RESUMO

Embora o consumo e o tráfico de drogas datem de tempos bem

remotos, atualmente, os efeitos deste problema vem preocupando os governantes

de todo o mundo, visto que este mal vem assolando uma parcela cada vez maior da

sociedade. Diante deste problema, políticas de combate ao uso e ao tráfico de

drogas têm sido implantadas por todas as nações, tanto no âmbito interno, quanto

no internacional, com o fim de minimizar os efeitos nocivos que o problema produz.

Neste sentido, o Brasil também tem mostrado a sua preocupação com este

problema, de modo que desde a década de 1970 vem de maneira mais efetiva

implantando medidas para combater o uso e o tráfico de drogas. No entanto,

observa-se que as primeiras medidas tinham um cunho mais repressivo, do que

preventivo. No entanto, a Lei Anti-droga (Lei n. 11.343/02006) que, hoje, está em

vigor apresenta uma política de combate mais humanista do problema, fundando-se

(pelo menos teoricamente) na perspectiva da prevenção, de forma que propõe o

tratamento médico/psicológico ao usuário e medidas mais robustas aos traficantes.

Todavia, tem se verificado que tal política ainda não vem apresentando os

resultados previstos. Nesta visão, este trabalho estabeleceu como seu objetivo:

analisar a (in)efetividade das alterações propostas pela Lei n. 11.343/06 no âmbito

penal, no tocante a política nacional de combate às drogas. Para tanto foi realizada

uma pesquisa exploratória sobre o tema utilizando o método indutivo apoiado na

técnica bibliográfica. Como resultado deste estudo percebe-se que, apesar da Lei

Anti-droga adotar a prevenção como um de seus alicerces ainda falta muito para que

se realmente alcance o sucesso, uma vez que se observou que a raiz do problema

reside, na maioria das vezes, nos efeitos da exclusão social decorrente da ausência

de políticas públicas direcionadas principalmente as famílias e aos jovens.

Palavras-chaves: Prevenção. Lei Anti-droga. Política Nacional de Combate as

Drogas.

.

ABSTRACT

Although the consumption and trafficking of drugs from time

DATEMI remote well, actually, the effects of this problem comes while the leaders of

the world, as that evil has struck a growing portion of society. Facing this problem,

policies to combat use and drug trafficking have been deployed by all nations, both

under internal, as in the international arena, so as to minimize adverse effects which

produces the problem. In this sense, Brazil has also shown its concern about this

issue, so that since the 1970s has been more effectively implementing measures to

combat the use and trafficking of drugs. However, it appears that the first steps had a

stamp more repressive than preventative. However, the Anti-Drug (Law

11.343/02006) that now is in place presents a more humane polici to combat the

problem, found themselves (at least theoretically) in view of prevention, so that

suggests medical treatment / psychological to the user and more robust measures to

traffickers. However, it has been that this policy has not yet showing the expected

results. In this vision, this work has as its goal: to analyze the effectiveness of the

amendments proposed by the Law 11.343/06 under criminal, in respect of national

polici to combat drugs. To that end was made an exploratory research on the topic

using the inductive method supported by the technical literature. As a result of this

study we find that although the Anti-Drug adopt prevention as one of its foundations

still lack much so that we really reach success, since it appears that the root of the

problem is, most of the time On the effects of social exclusion due to the absence of

public policies directed mainly families and young people.

Key words: Prevention. Anti-drug. National polici to combat drugs

12

INTRODUÇÃO

No mundo todo cresce a violência decorrente de um dos

problemas que mais vem preocupando as nações: o uso e o tráfico de drogas. Os

meios de comunicação deixam claro que o tráfico de drogas não é um crime isolado

na marginalidade e que a cada dia está se aprimorando, se organizando e,

principalmente financiando ações criminosas e violentas1.

Neste contexto, observa-se que os investimentos financeiros no

combate a este crime têm crescido na mesma proporção que os traficantes e

usuários. Políticas públicas vêm sendo implantadas buscando minimizar os efeitos

produzidos pelo uso de drogas ilícitas na saúde e na violência urbana2.

Entretanto, os resultados positivos ainda estão longe de serem

obtidos. Neste cenário, no Brasil é possível constatar leis, ora brandas demais, ora

com falhas técnicas que levam a sua não aplicabilidade, sem contar com a

ineficácia, cada dia mais visível do Código Penal brasileiro.

Assim, percebe-se a importância de se refletir sobre o crime de

tráfico de drogas e seus efeitos, sendo a necessidade priori o seu combate. Todavia,

para equacionar este problema é preciso que sejam adotadas políticas públicas

dinâmicas e efetivas, que contemplem todas as facetas deste problema,

principalmente as causas.

Fundando-se nesta perspectiva, este trabalho se propõe a

lançar uma luz sobre a legislação brasileira, mais precisamente sob a atual Lei anti-

drogas (Lei n. 11.343/2006), no tocante as políticas de combate ao consumo e ao

tráfico de drogas. Neste sentido, este trabalho estabelece como seu objetivo:

analisar a efetividade das alterações propostas pela Lei n. 11.343/06 no âmbito

penal, no que tange a política nacional de combate às drogas.

1 PEREIRA, Camila; CORREA, Rafael. O poder nas mãos dos bandidos. Veja. São Paulo: Abril, ed. 1965, ano 39, n.28, 19/jul/2006, p..47-52. 2 ALMEIDA, Gervan C. Modernos movimentos de política criminal e seus reflexos na legislação brasileira. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 8.

13

Para tanto foi realizada uma pesquisa exploratória com a

utilização do método indutivo que, segundo Pasold, é um método que busca

pesquisar e identificar as partes de um fenômeno, colecionando-as de modo a ter

uma percepção ou uma conclusão geral3.

Cabe destacar que as pesquisas exploratórias, de acordo com

Gil,

[...] são desenvolvidas com o objetivo de proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato. Esse tipo de pesquisa é realizado especialmente quando o tema escolhido é pouco explorado e torna-se difícil sobre ele formular hipóteses precisas e operacionalizáveis4.

Para fundamentar o estudo foi realizada uma pesquisa

bibliográfica onde foram examinados livros de doutrina penal, documentos

eletrônicos e jurisprudências, além da legislação pertinente.

A pesquisa bibliográfica

[...] é a que se desenvolve tentando explicar um problema, utilizando o conhecimento disponível a partir das teorias publicadas em livros ou obras congêneres. Na pesquisa bibliográfica o investigador irá levantar o conhecimento disponível na área, identificando as teorias produzidas, analisando-as e avaliando sua contribuição para avaliar a compreender ou explicar o problema objeto de investigação5.

Com o intuito de sustentar esta pesquisa, o presente trabalho

foi dividido em três capítulos. Inicia-se com, a introdução, onde se contextualiza o

tema, justificando sua escolha. Também estabelece o objetivo do estudo e a

metodologia para alcançá-lo.

O primeiro capítulo traz a evolução das políticas para o

combate ao uso e ao tráfico de drogas no mundo e no Brasil, começando com um

breve histórico sobre o consumo e o tráfico de drogas no mundo.

3 PASOLD, César L. Prática da pesquisa jurídica. 8. ed. Florianópolis: OAB/SC, 2003, p. 103. 4 GIL, Antonio. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1991, p. 45. 5 KOCHE, J C. Fundamentos de metodologia científica: teoria da ciência e prática de pesquisa. 14. ed. Petrópolis : Vozes, 1997, p. 122.

14

O segundo capítulo inicia com uma breve explanação sobre as

Leis, 6.348/76 e a 11.343/2006, seguida de uma comparação dos dois diplomas

legais, principalmente no tocante aos artigos que definem o crime de tráfico de

drogas e o consumo da droga.

O terceiro capítulo aborda a (in) efetividade da Lei n.11.343/06

diante as políticas públicas de combate ao consumo e ao tráfico de drogas.

O último tópico deste trabalho apresenta as considerações

finais da pesquisa realizada, além das recomendações para que sejam realizados

trabalhos futuros, nesta mesma temática, visto que a sua importância é vital não só

para o Direito, mas para toda a sociedade.

Problema: A estrutura do poder judiciário e o programa de

tratamento de dependentes químicos.

Hipótese: A grande conscientização populacional, diante os

“doentes” e não marginais, assim diminuindo a super lotação nos sistemas prisionais

e no sistema judiciário.

15

CAPÍTULO 1

A POLÍTICA NACIONAL SOBRE DROGAS: EVOLUÇÃO HISTÓRICA

1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O cenário mundial tem mostrado cada dia um maior

desenvolvimento tecnológico e cultural, no entanto, observa-se que, na mesma

proporção, vem crescendo um dos problemas que mais tem preocupado a

humanidade: o consumo e, por conseguinte, o tráfico de drogas.

O tráfico de drogas ocorre no mundo todo, sem distinções, não

poupando ricos, pobres, cultos, incultos, crianças, adultos, homens e mulheres.

Neste contexto, as nações têm buscado políticas para o combate deste problema,

mas ainda parece que há um descompasso entre as estratégias adotadas para este

combate e o seu real e geométrico crescimento.

De acordo com Barrionuevo, hoje, o Brasil é o segundo maior

consumidor mundial de cocaína, atrás somente dos Estados Unidos.

O aumento no uso da droga é alimentado por fronteiras porosas, dificuldades econômicas e, mais recentemente, pela eliminação das restrições ao cultivo da coca na Bolívia, desde que o presidente Evo Morales assumiu o governo, em 2006. O resultado foi à democratização da cocaína nesta parte da América do Sul, que se tornou uma área de despejo de cocaína mais barata e de qualidade inferior6.

Assim, verifica-se a persistência do problema com as drogas,

apesar dos investimentos governamentais no combate a ele. No entanto, Gomes et

al advertem que parece não afetar o suporte público as políticas fracassadas de

criminalização de usuários e traficantes. Esse paradoxo indica a importância de se

analisar e avaliar as políticas estatais que, muitas vezes, estão fundadas tão 6 BARRIONUEVO, Alexei (trad.). Enxurrada de cocaína invade Brasil e Argentina. New York Times. 23/fev/2008. Disponível em: <http://www.uol.com.br> Acessado em out/2008.

16

somente no combate a desordem social que o usuário e/ou o traficante de drogas

deflagra7.

Logo, percebe-se a necessidade de uma política de combate

ao tráfico de drogas que seja eficiente. Neste contexto, este capítulo aborda a

evolução do tráfico de drogas e as políticas públicas desenvolvidas para combatê-lo.

1.2 O TRÁFICO DE DROGAS E A EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE NO MUNDO

De acordo com Lima o emprego de drogas pelo homem não é

um acontecimento dos dias atuais, visto que o seu uso remonta aos primórdios da

humanidade. Ao estudar a cultura grega observa-se que Homero, na Odisséia, já

relatara a utilização de uma droga, que seria a “bebida da hospitalidade” e Heródoto

fizera referência ao uso da maconha8.

O Manual de Polícia de Repressão às Drogas de Abuso

informa o ópio é utilizado pelo homem desde antes do nascimento de Cristo.

Ressalta-se que esta droga era usada, tanto para fins medicinais quanto como forma

de se obter prazer9.

Segundo Zaluar et al, a sociedade européia dos séculos XVI e

XVII “não via com bons olhos o consumo — a princípio secreto e posteriormente

desinibido — do açúcar, do álcool, do chocolate e do tabaco produzidos no Novo

Mundo”, ou seja, na América10.

Neste contexto, Coggiola explica que desde os primeiros

tempos o comércio de drogas esteve ligado à expansão internacional do capitalismo.

Em 1840, a Guerra do Ópio já mostrava a postura da Inglaterra como promotora do tráfico de ópio na China, principalmente com a cidade chinesa de Lintim, sendo que com este procedimento a Inglaterra auferia lucros da ordem de US$ 11 milhões, enquanto que

7 ZALUAR, Alba et al. Drogas e cidadania. São Paulo: Brasiliense, 1999, p. 130. 8 LIMA, Paulo C. A. Repressão aos tóxicos. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1977, p. 13. 9 BRASIL. Manual de polícia de repressão ás drogas de abuso. Brasília: UNDCP, 1992. 10 ZALUAR, Alba et al. Drogas e cidadania, 1999, p. 130.

17

o volume de comércio de outros produtos não ultrapassava a cifra de US$ 6 milhões11.

Cabe enfatizar que o crescente consumo de ópio já

preocupava as autoridades governamentais asiáticas, de modo que, em 1903, a

Comissão Filipina do Ópio e, posteriormente a Comissão de Xangai, de 1909,

tratavam desta questão, somente sob o ponto de vista da regulamentação das

exportações anglo-indianas do ópio para a China12.

Bastos e Gonçalves lembram estas duas Comissões foram às

precursoras da atual legislação internacional que objetiva erradicar todo uso de

substância psicotrópica, exceto do uso médico e o científico13.

Para esses autores a difusão do consumo do ópio na Inglaterra

do século XIX, foi um sintoma da crise do colonialismo inglês. No entanto, esta

situação levou este país a promover, em 1909, uma conferência internacional, a

Opium Commission, em Xangai, com a participação de treze países. O resultado foi

a Convenção Internacional do Ópio, assinada em Haia em 1912, visando ao controle

da produção de drogas narcóticas14.

Bastos e Gonçalves informam que:

[...] até outubro de 1910, o problema do ópio significava também um conflito geopolítico entre a Inglaterra e Estados Unidos, tanto como relação ao lucro puro e simples, quanto em termos de estilos políticos drasticamente diferentes, que colidiam no Extremo Oriente. Colonialismo tradicional de um lado e capitalismo moderno do outro, mas com relação a tentativas de controle internacional, o ópio em sua forma bruta e suas diversas preparações, era o objeto de discussão dos dois países15.

11 COGGIOLA, Osvaldo. O tráfico internacional de drogas e a influência do capitalismo. Revista Adusp. Universidade São Paulo, ago/1996, p. 50. 12 BASTOS, Francisco I.; GONÇALVES, Odair D. (orgs) Drogas: é legal? um debate autorizado. Rio de Janeiro: Imago, 1993, p.170. 13 BASTOS, Francisco I.; GONÇALVES, Odair D. (orgs) Drogas: é legal? um debate autorizado, 1993,. p. 170. 14 BASTOS, Francisco I.; GONÇALVES, Odair D. (orgs) Drogas: é legal? Um debate autorizado, 1993, p. 170. 15 BASTOS, Francisco I.; GONÇALVES, Odair D. (orgs) Drogas: é legal? Um debate autorizado, 1993, p. 171.

18

Nesta época aconteceram muitos encontros entre a Inglaterra,

França, Alemanha, Holanda e os Estados Unidos objetivando buscar limites e

formas de controlar a exportação do ópio e da folha de cocaína, restringindo o uso

destas substâncias somente para fins farmacêuticos. Entretanto, em 1914 eclodiu a

Primeira Grande Guerra, e o suprimento de matéria-prima para a produção de

medicamentos, principalmente o ópio e as folhas de cocaína, estavam muito

baixos16.

Assim, em 1916, quando a Primeira Grande Guerra se

intensificou e os suprimentos estavam acabando, foi emitido um decreto sobre o ópio

que objetivava apreender todo o ópio e morfina disponível no território alemão17.

Passado este período de guerra,

[...] em 1923, a maioria dos países reconheceu a possibilidade de abuso que apresentavam estas drogas e, assim trataram de estabelecer leis e restrições para o seu controle, no entanto, todos estes esforços alcançaram pouco êxito e, como resultado, os Estados Unidos se converteram no maior centro de abuso do mundo18.

Neste período, se observava nos Estados Unidos um

movimento contra os imigrantes chineses:

Cruzadas moralistas de forte conotações racistas — os migrantes chineses eram vistos como inveterados consumidores de ópio. Em contrapartida a profissionalização da medicina e da farmácia resultaram na regulação legal do uso e comercialização de narcóticos nas primeiras décadas do século XX19.

Todavia, Del Olmo assevera que nos anos 50 a droga não era

vista como problema político-econômico como é hoje. Naquela época, a droga era

vinculada a grupos marginais da sociedade. A mesma visão era difundida na

16 BASTOS, Francisco I.; GONÇALVES, Odair D. (orgs) Drogas: é legal? Um debate autorizado, 1993, p. 171. 17 BASTOS, Francisco I.; GONÇALVES, Odair D. (orgs) Drogas: é legal? Um debate autorizado, 1993, p. 171. 18 BRASIL. Manual de polícia de repressão ás drogas de abuso, 1992, p. 130. 19 ZALUAR, Alba et al. Drogas e cidadania, 1999, p. 130.

19

América Latina, ou seja, a droga estava associada à violência, à classe baixa e,

especialmente, a delinqüência20.

Destaca-se que na década de 50 o consumo de drogas era

considerado uma patologia ou vício,

[...] por isso, eram muito escassas, nesta época as advertências educativas. Havia o temor de que as drogas se tornassem atraentes. Difundia-se um discurso em termos de perversão moral e os consumidores eram considerados degenerados ou criminosos viciados, dados a orgias sexuais, porque predominava a associação drogas-sexo. Seu controle se limitava à proibição e seu tratamento a penas severas nos famosos hospitais-prisão21.

Ainda, conforme a autora, a década de 1960 seguiu o modelo

médico-sanitário, considerando o uso da droga uma dependência do organismo do

usuário. É importante frisar que, historicamente o mundo presenciava a rebeldia

juvenil. Segundo Del Olmo,

[...] era o momento do estouro da droga e também da indústria farmacêutica nos países desenvolvidos, especialmente nos Estados Unidos. Surgiam às drogas psicodélicas como o LSD22 com todas as suas implicações, e em meados da década de 60 aumentou, violentamente, o consumo de maconha, já não só entre os trabalhadores mexicanos, mas também entre os jovens de classe média e alta23.

Diante deste cenário, a droga começou a chamar a atenção

das autoridades, tendo em vista que ela não mais se restringia aos jovens da

periferia dos centros, mas chegava à classe média americana.

Conforme Del Olmo, em fevereiro de 1966, foi aprovada nos

Estados Unidos o Narcotic Addict Rehabilitation Act, pelo qual, por lei se permitia ao

20 DEL OLMO, Rosa. A face oculta da droga. (trad. Teresa Ottoni). Rio de Janeiro: Revan, 1990, p. 33. 21 DEL OLMO, Rosa. A face oculta da droga. Rio de Janeiro: Revan, 1990, p. 30. 22 É uma droga alucinógena encontrada na forma de tabletes, cápsulas ou líquido. Seus efeitos são percebidos até 12 horas após sua ingestão. Esta droga, na fase inicial, intensifica as percepções sensoriais, produzindo alucinações. 23 DEL OLMO, Rosa. A face oculta da droga, 1990, p. 33.

20

consumidor optar por uma sanção civil, ou seja, escolher entre o tratamento e a

reabilitação ou a prisão24.

Del Olmo assevera que na década de 1970 o governo dos

Estados Unidos intensificou o combate ao uso de drogas, já que crescia o consumo

entre os jovens americanos, principalmente de heroína25. Neste sentido, em 1973 foi

publicada a Primeira Estratégia Norte-americana para combater este mal:

[...], onde a prioridade do combate se centrou na heroína. Um ano antes havia sido lançada a famosa operação contra a papoula, na Turquia, com o propósito de substituir seu cultivo. Para esta política foram assignados 35 milhões de dólares. Por sua vez, se programou a Operação Cactus, no México, contra a maconha e outras drogas. Este país, ironicamente, serviria de base para aumentar o negócio da heroína, deflagrada à operação contra a Turquia26.

No mesmo compasso seguiu a América Latina, nos primeiros

anos da década de setenta, quando foram promulgadas várias leis e criadas várias

comissões para estudar a questão.

Destaca-se que nesta época, na América Latina, os discursos

veiculados pelos meios de comunicação sobre as drogas se referiam apenas a

maconha, já que esta era a droga de maior consumo e considerada problema,

porque eram os jovens que começavam a consumi-la, muitas vezes por imitação27.

Todavia, na América Latina também se consumiam pílulas de

anfetaminas, barbitúricos, dentre outras drogas, embora em uma menor

quantidade28.

Com o passar do tempo o tráfico internacional de drogas

cresceu sendo que a partir da década de 1980 atingiu cifras altíssimas com o

envolvimento de um número de países cada vez maior29.

24 DEL OLMO, Rosa. A face oculta da droga, 1990, p. 43. 25 DEL OLMO, Rosa. A face oculta da droga, 1990, p. 43. 26 DEL OLMO, Rosa. A face oculta da droga, 1990, p. 43. 27 DEL OLMO, Rosa. A face oculta da droga, 1990, p. 45. 28 DEL OLMO, Rosa. A face oculta da droga, 1990, p. 45. 29 COGGIOLA, Osvaldo. O tráfico internacional de drogas e a influência do capitalismo, ago/1996, p. 51.

21

Segundo Coggiola,

[...] o narcotráfico determina as economias dos países produtores de coca, cujos principais produtos de exportação têm sofrido sucessivas quedas em seus preços (ainda que a maior parte dos lucros não fique nesses países) e, ao mesmo tempo, favorece principalmente o sistema financeiro mundial. O dinheiro oriundo da droga corresponde à lógica do sistema financeiro, que é eminentemente especulativo. Este necessita, cada vez mais, de capital "livre" para girar, e o tráfico de drogas promove o "aparecimento mágico" desse capital que se acumula muito rápido e se move velozmente30.

Neste período crescia, nos Estados Unidos, o número de

consumidores de droga, principalmente de maconha e cocaína, por conseguinte

também aumentava o tráfico de drogas, o que deflagrou em uma mudança na

abordagem do problema.

Os aspectos da saúde pública já não são tão graves, mesmo quando a morbilidade e a mortalidade aumentam por causa da cocaína. Mas, sim o impacto desorganizador dos bilhões de cocadólares nas nações produtoras e consumidoras, que produz um nível de corrupção, violência e desmoralização que prejudica a todos31.

Em 1982 a maconha chegou a ser a terceira colheita mais

rentável dos Estados Unidos, alcançando, aproximadamente, o valor de 10 bilhões

de dólares, sendo cultivada em onze Estados. Em 1983 foram colhidas duas mil

toneladas de maconha em solo americano, embora alguns especialistas alertassem

que esta produção era muito maior. O registro deste volume de produção fez com

que os Estados Unidos superasse a Jamaica (país conhecido pela grande produção

e pelo grande consumo da maconha) só perdendo para a Colômbia32.

Estes números fizeram dos Estados Unidos um grande

exportador de maconha nos anos oitenta. Todavia, a maconha não era o grande

vilão do tráfico.

De acordo com Del Olmo,

30 COGGIOLA, Osvaldo. O tráfico internacional de drogas e a influência do capitalismo. ago/1996. p. 45. 31 DEL OLMO, Rosa. A face oculta da droga, 1990, p. 56. 32 DEL OLMO, Rosa. A face oculta da droga, 1990, p. 56.

22

[...] os colombianos são acusados de responsáveis pelo tráfico de cocaína para os Estados Unidos, conhecidos como Cocaine Cowboys, ocultando, deste modo o caráter transnacional do negócio da cocaína no mundo contemporâneo. Oculta-se, por razões políticas, a participação de cubanos exilados em Miami na distribuição; bem como a intervenção neo-nazista na Bolívia que facilitou sua industrialização, assim como a colaboração de uma série de membros das Forças Armadas do continente, e os numerosos pilotos norte-americanos detidos ao buscarem a cocaína em países produtores. 33

Diante deste panorama, os Estados Unidos, em abril de 1986,

assinou uma Diretiva de Segurança Nacional, definindo o narcotráfico como

"ameaça para a segurança nacional", autorizando as forças armadas a participarem

da "guerra contra as drogas"34.

Nesta perspectiva, uma nova diretiva, editada em 1989,

apresentou novas regras a Diretiva de 1986, dentre elas a autorização para as

forças especiais "acompanhar as forças locais de países hospedeiros no

patrulhamento anti-narcóticos". Com o fim de preparar os militares para esta missão,

foram ministrados cursos "para combater guerrilheiros e narcotraficantes", na Escola

das Américas de Fort Benning35.

Já, a América Latina nos anos oitenta se tornava a maior

produtora mundial de cocaína, onde a Colômbia detinha o controle da maior parte do

tráfico internacional36. Coggiola adverte que:

A cocaína gera "dependência" não apenas em indivíduos, mas também em grupos econômicos e até mesmo nas economias de alguns países, como por exemplo, nos bancos da Flórida, em algumas ilhas do Caribe ou nos principais países produtores — Peru, Bolívia e Colômbia, para citar apenas os casos de maior destaque. Com relação aos três últimos, os dados são impressionantes37.

33 DEL OLMO, Rosa. A face oculta da droga, 1990, p. 60. 34 AMENDOLA NETO, Vicente. Tráfico de entorpecentes. Campinas: Julex, 1999, p. 15. 35 AMENDOLA NETO, Vicente. Tráfico de entorpecentes, 1999, p. 15. 36 COGGIOLA, Osvaldo. O tráfico internacional de drogas e a influência do capitalismo, ago/1996, p. 46. 37 COGGIOLA, Osvaldo. O tráfico internacional de drogas e a influência do capitalismo, ago/1996, p. 46.

23

Assim, observa-se que na Bolívia, os lucros com o narcotráfico

chegavam a US$ 1,5 bilhão contra US$ 2,5 bilhões das exportações legais. Na

Colômbia, o narcotráfico gerava de US$ 2 a 4 bilhões, enquanto as exportações

oficiais geravam US$ 5,25 bilhões. Como fruto desta distorção econômica, observa-

se como fator coadjuvante: à corrupção. Nestes países os narcotraficantes

controlam o governo, as forças armadas, o corpo diplomático e até as unidades

encarregadas do combate ao tráfico38.

O Escritório das Nações Unidas Contra Drogas e Crime informa

que:

[...] as vendas de drogas ilícitas ao consumidor final geram cerca de US$ 322 bilhões, o que equivale a 0,9% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. Esse mercado consumidor está estimado em cerca de 200 milhões de pessoas, e sua lucratividade está concentrada nas operações de varejo. O produtor fica com apenas 4% do valor das vendas ao consumidor final (US$ 12,8 bilhões). As vendas no atacado totalizam US$ 94 bilhões39.

No Peru e na Bolívia, ainda hoje, parte da produção de coca é

legal, já que seu consumo faz parte da tradição do país. Nestas localidades a

mastigação das folhas de coca ajuda a combater os efeitos da altitude, além disso,

este produto é industrializado e comercializado na forma de chás e medicamentos.

Além disso, observa-se que no Peru a coca é responsável por

uma parcela importante das exportações do país, visto que o país exporta,

aproximadamente 700 toneladas de folhas de coca por ano para a Coca-cola. De

acordo com a Organização Mundial de Saúde , o Peru é o maior produtor mundial de

coca, onde se estima que 100 mil camponeses cultivam 300 mil hectares de coca40.

No entanto, Coggiola adverte que “apenas 5% dessa produção

é utilizada para fins legais. Com o resto, o tráfico abastece 60% do mercado

38 COGGIOLA, Osvaldo. O tráfico internacional de drogas e a influência do capitalismo, ago/1996, p. 48. 39 UNODC. Escritório das Nações Unidas Contra Drogas e Crimes. UNODC lança relatório global

sobre drogas. 29/05/2005. Disponível em: <http://www.unodc.org/brazil/pt>/ Acessado em out/2008. 40 Organização Mundial de Saúde apud COGGIOLA, Osvaldo. O tráfico internacional de drogas e a influência do capitalismo, ago/1996, p. 48.

24

mundial. Destaca-se que esses camponeses são massacrados, alternadamente,

pela guerrilha, pela máfia e pelas tropas de repressão ao tráfico” 41.

Com o passar do tempo foram se diversificando o número e

tipos de drogas psicoativas oferecidas aos consumidores, o que dificulta ainda mais

o combate ao tráfico.

[...] o chamado problema das drogas refere-se a um enorme número de substâncias psicoativas diferentes, e tem como objetivo que o controle internacional de drogas implique na restrição ao uso destas, a ser limitado apenas às necessidades médicas e científicas (princípios americanos). Essa política, gerada em relação ao problema anglo-indiano-chinês com o ópio, originalmente limitava-se ao ópio, talvez com um olho posto na morfina e na heroína, mas não mais que isso. A inclusão da cocaína na lista de substâncias a serem colocadas sob controle internacional foi instrumental na transformação do problema do ópio no problema das drogas, que domina o discurso oficial contemporâneo42.

Entretanto, atualmente se observa que o mercado de tóxico

articula atividades agroindustriais nos países do Terceiro Mundo produtores,

processadores e exportadores de insumos e mercadorias, e importadoras e

distribuidoras nos Estados Unidos e na Europa ocidental, sem contar a rápida

expansão do consumo “local” em áreas de produção43.

Segundo Utsch, o cultivo da maconha é tão comum em

algumas localidades na América Latina que, hoje, já se reconhece os bóias-frias da

maconha44.

Eles trabalham na região de Capitán Bado (Paraguai), dividida apenas por uma rua com a brasileira, Coronel Sapucaia, em Mato Grosso do Sul. No meio da maioria paraguaia, há muitos brasileiros, segundo os moradores da região. Eles costumam passar 15, 20 dias

41 COGGIOLA, Osvaldo. O tráfico internacional de drogas e a influência do capitalismo, ago/1996, p. 48. 42 BASTOS, Francisco I.; GONÇALVES, Odair D. (orgs) Drogas: é legal? Um debate autorizado, 1993, p. 188. 43 ZALUAR, Alba et al. Drogas e cidadania. São Paulo: Brasiliense, 1999, p. 132. 44 UTSCH, Sergio. Cultivo de maconha vira fonte de sobrevivência para bóias-frias paraguaios. Mar/2008. Disponível em: <http://www.uol.com.br>. Acessado em out/2008.

25

no meio do mato. Para cada dia de trabalho, ganham entre R$ 5 e R$ 1045.

O autor acrescenta que esta é a região que concentra a maior

produção de maconha da América do Sul, sendo que, aproximadamente, 60% dos

habitantes da região trabalham nesta atividade, tanto como produtores como

traficantes. O autor explica que o comprador paraguaio vende para os traficantes

brasileiros46.

Desta maneira, observa-se que o tráfico de drogas há muito

tempo vem ocorrendo, todavia como movimenta elevadas cifras e envolve países

economicamente inexpressivos, o seu combate fica a cada dia mais complexo. O

próximo item apresenta a evolução das políticas de combate as drogas, no Brasil.

1.3 A POLITICA NACIONAL DE COMBATE AS DROGAS

Nas primeiras décadas do século XX, membros da elite e

intelectuais brasileiros consumiram fartamente éter, cocaína e morfina, sendo que a

maconha era desprezada como “ópio do pobre”, embora desde 1921, o porte e a

venda de drogas sejam criminalizados no Brasil47.

No entanto, Zaluar et al esclarecem que a repressão autoritária

no Brasil não impediu que, desde meados de 1910, a maconha se tornasse hábito

entre os jovens de classe média, sendo que na década seguinte, a cocaína passou a

ser consumida também48.

Assim, buscando combater o uso de drogas no país, em 1915

o Governo Federal promulgou o Decreto n. 11.481, ratificando a Convenção de Haia.

Esta foi à primeira medida imposta pelo Brasil49.

45 UTSCH, Sergio. Cultivo de maconha vira fonte de sobrevivência para bóias-frias paraguaios. Mar/2008 46 UTSCH, Sergio. Cultivo de maconha vira fonte de sobrevivência para bóias-frias paraguaios. Mar/2008. 47 ZALUAR, Alba et al. Drogas e cidadania, 1999, p. 131. 48 ZALUAR, Alba et al. Drogas e cidadania, 1999, p. 131. 49 CARVALHO, Hilário V.; SEGRE, Marco. Tóxicos: comentários à recente lei nº. 6.368/76 São Paulo: Jalovi, 1978, p. 12.

26

Em 6 de julho de 1921, face a grande difusão do uso do ópio e

da cocaína no mundo, o Brasil editou o Decreto n. 4.294, criminalizando o porte e a

venda de drogas.

Na ordem interna, a partir de 1921, foram promulgadas numerosas leis visando à repressão ao comércio clandestino de tóxicos. Destaca-se entre estas, o Decreto-lei nº. 891, de 25 de novembro de 1938, que enumerou as substâncias entorpecentes em geral, dispôs sobre a sua produção, tráfico e consumo, regulou a internação e interdição civil dos toxicômanos, definiu os crimes e as penas, estabeleceu a competência da Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes e deu outras providências50.

Ressalta-se que o Decreto-lei n. 891/38 foi um reflexo da

Convenção de Genebra de 193651.

Em 1940, o Decreto-lei n. 891 de 1938 foi substituído pelo

artigo 281 do Código Penal (Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940), que

proibia o comércio clandestino ou facilitação de uso de entorpecentes52.

Dadas as dificuldades de importação de drogas para uso

terapêutico, ocorridas no curso da Segunda Guerra Mundial, foi assinado o Decreto-

lei n. 4.720, de 21 de setembro de 1942, permitindo que empresas particulares

cultivassem plantas entorpecentes, bem como a extração e a exploração de seus

princípios ativos com finalidade terapêutica53.

Em 1954, os produtos à base de anfetaminas (bolinhas)

passaram a ter a sua venda controlada, visto que, até então, as anfetaminas tinham

venda livre54.

No entanto, no Brasil, de acordo com Lima, as autoridades

começaram a preocupar-se mais atentamente, com o problema das drogas na

50 CRUZ, João C. O. Tráfico e uso de entorpecentes. São Paulo: Forense, 1973, p. 13. 51 CRUZ, João C. O. Tráfico e uso de entorpecentes, 1973, p. 13. 52 CRUZ, João C. O. Tráfico e uso de entorpecentes, 1973, p. 13. 53 LIMA, Paulo C. A. Repressão aos tóxicos, 1977, p. 26. 54 LIMA, Paulo C. A. Repressão aos tóxicos, 1977, p. 26.

27

década de 60, visto que já se observavam reflexos no comportamento de parte da

juventude55.

Nesta época, se temia que o Brasil se tornasse rota

internacional do tráfico de drogas.

Registram-se temores de que o Brasil, em futuro próximo, seja o país visado para a fixação das rotas internacionais, por apresentar condições geográficas propícias ao tráfico de drogas e um campo adequado para a disseminação de tóxicos, dada a sua extensão territorial, o seu desenvolvimento, os hiatos populacionais em grandes trechos, suas condições geográficas, as dificuldades de policiamento ao longo da costa56.

Neste sentido, as autoridades governamentais estavam

conscientes da necessidade do Brasil de celebrar acordos bilaterais com países

fronteiriços, tendo por fim o combate às drogas, principalmente com aqueles de onde

elas procedem, para, por esse meio, intensificar as medidas preventivas a esse tipo

de delinqüência57.

Segundo Lima, nesses acordos deveriam ser estabelecidas

medidas necessárias à consecução de estreita colaboração e um intercâmbio eficaz

de informações em tudo que diga respeito à luta contra o tráfico ilícito e o uso

indevido de entorpecentes e psicotrópicos, tais como: designação de um órgão

nacional sem a responsabilidade de coordenar as ações policiais; o controle e a

repressão ao tráfico ilícito; a cooperação entre os órgãos nacionais de segurança; a

harmonização das normas criminais; a uniformização das disposições

administrativas que regulam a produção e a venda; a prevenção das toxicomanias

mediante tratamento e reabilitação de toxicômanos; e a orientação educacional

sobre os malefícios provocados pelo uso indevido das drogas58.

No entanto, de acordo com Thums e Pacheco Filho, com o

passar dos tempos à situação brasileira não se mostrou nada alvissareira: de mero

roteiro do tráfico internacional:

55 LIMA, Paulo C. A. Repressão aos tóxicos, 1977, p. 13. 56 LIMA, Paulo C. A. Repressão aos tóxicos, 1977, p. 16. 57 LIMA, Paulo C. A. Repressão aos tóxicos, 1977, p. 16. 58 LIMA, Paulo C. A. Repressão aos tóxicos, 1977, p. 11.

28

[...] o Brasil passou à condição pouco interessante de vigoroso produtor de maconha e, malgrado a instabilidade econômica, firma-se paulatinamente como mercado promissor para as mais diversas espécies de psicotrópicos, tais quais: a heroína, o crack, e o L.SD59.

Com a adesão do Brasil, em 1964, à Convenção Única sobre

Entorpecentes, realizada em Nova Iorque, o país avançou no caminho ao combate

ao uso abusivo de medicamentos a base de anfetaminas e em 10 de fevereiro de

1967, por meio do Decreto-lei n. 159, foram criadas normas limitando e fiscalizando

a produção e o consumo de substâncias psicotrópicas60.

Seguindo esta perspectiva, em 1968, buscando abarcar

aqueles que utilizavam à premissa de que portar pequenas quantidades de droga

destinava-se ao próprio consumo, foi promulgado o Decreto-lei n. 385, que deu nova

redação ao art. 281 do Código Penal, uma vez que introduziu como figura penal

típica: “trazer consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine

dependência física ou psíquica”61.

Além disso, neste mesmo ano o Serviço Nacional de

Fiscalização da Medicina e Farmácia regulamentou a extração, produção,

fabricação, transformação, preparação, manipulação, purificação, fracionamento,

embalagem, importação, exportação, armazenamento, expedição, compra, venda,

troca e oferta, cessão, prescrição e uso de substâncias capazes de determinar

dependência física ou psíquica62.

Nesta seqüência de medidas governamentais, em 11 de agosto

de 1969, o Decreto-lei n. 753, veio complementar as disposições sobre o controle da

produção, manipulação, distribuição e depósito de substâncias tóxicas63.

No entanto, estas providências não foram suficientes, e o

consumo de drogas crescia no Brasil, diante deste problema o corpo legislativo

brasileiro editou a Lei n. 5.726, em 29 de outubro de 1971, que ficou conhecida

59 THUMS, Gilberto; PACHECO FILHO, Vilmar V. Leis antitóxicos: crimes, investigação e processo. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p. 9. 60 LIMA, Paulo C. A. Repressão aos tóxicos, 1977, p. 26. 61 CRUZ, João C. O. Tráfico e uso de entorpecentes, 1973, p. 14-15. 62 CRUZ, João C. O. Tráfico e uso de entorpecentes, 1973, p. 27. 63CRUZ, João C. O. Tráfico e uso de entorpecentes, 1973, p. 27.

29

como Lei Anti-tóxicos. Ela modificou o artigo 281 do Código Penal vigente,

determinando um sistema processual próprio, de rito sumário, e que seria apenas

subsidiado pelo Código de Processo Penal64.

A Lei n. 5.726/71 criou medidas preventivas e repressivas ao

tráfico e uso de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física

ou psíquica. Todavia, este diploma legislativo não alcançou seus objetivos, uma vez

que para resolver o problema apontava a internação dos dependentes de drogas,

aqui chamados de “viciados”, como a solução. Entretanto, o Estado não provia da

infra-estrutura necessária os hospitais para que suportassem a grande quantidade

de dependentes65.

Assim, em 21 de outubro de 1976, foi editada a Lei n. 6.368,

que se propôs a combater o tráfico de substâncias entorpecentes ou que

determinem dependência física ou psíquica, com uma legislação especial que

adotou rito processual próprio, visando agilizar a conclusão dos feitos. Esta Lei

procurou abranger o máximo das ações vinculadas a substâncias que geram

dependência física e química66.

Em 2 de outubro de1980 foi editado o Decreto-lei n. 85.110 que

dispôs sobre o Sistema Nacional de Prevenção, Fiscalização e Repreensão de

Entorpecentes. O Conselho Federal de Entorpecentes aprovou, em julho de 1986, o

texto relativo a uma Proposta para uma política nacional a respeito da questão das

drogas. Esse texto serviu de base, com pequenos aditamentos e supressões, à

Política Nacional na questão das drogas, publicado pelo próprio Conselho, em junho

de 1988. Na “Introdução” desse texto era enfatizada a urgência de que se operasse

uma verdadeira e necessária mudança de mentalidade pertinente ao tratamento do

assunto67.

Em outubro deste mesmo ano foi baixada a Portaria n. 28, da

Diretoria Nacional de Vigilância Sanitária de Medicamentos com instruções sobre a 64 CARVALHO, Hilário V.; SEGRE, Marco. Tóxicos: comentários à recente lei nº. 6.368/76, 1978, p. 12. 65 CARVALHO, Hilário V.; SEGRE, Marco. Tóxicos: comentários à recente lei nº. 6.368/76, 1978, p. 12. 66 BEZZERRA FILHO, Aluízio. Lei de tóxicos anotada e interpretada pelos Tribunais: doutrina, jurisprudência e processo penal. Curitiba: Juruá, 1999, p. 27. 67 ZALUAR, Alba et al. Drogas e cidadania, 1999, p. 149.

30

produção, comercialização, importação, exportação, prescrição e uso de drogas e

especialidades capazes de produzir modificações nas funções nervosas superiores

ou por exigirem efetiva orientação médica continuada devido à possibilidade de

induzirem efeitos colaterais indesejáveis68.

Em dezembro de 1986, por meio da Lei n. 7.560, criou o Fundo

de Prevenção, Recuperação e de Combate às Drogas de Abuso que dispõe sobre

os bens apreendidos e adquiridos com produtos de tráfico Ilícito de drogas ou

atividades correlatas69.

Ao entrar em vigor a Constituição Federal de 1988 verificou-se

que o tratamento diferenciado para os traficantes continuava, todavia o tráfico ilícito

de entorpecentes e drogas afins passou a ser inafiançável e insuscetível de graça ou

indulto70.

Além disso, com a entrada em vigor da Lei n. 8.072/ 90 (Lei dos

Crimes Hediondos) foi proibida a concessão de liberdade provisória aos acusados

por tráfico, determinando que esses cumpram a pena restritiva da liberdade

integralmente sob regime fechado, dispondo ainda que somente possa requerer

livramento condicional o condenado por tal infração quando já tiver cumprido mais

de dois terços da pena71.

Em 1990, com o fim de formular uma Política Nacional de

Drogas, o CONFEN produziu documentos que foram utilizados como fontes oficiais.

São eles72:

• Proposta para uma política nacional a respeito da questão das drogas;

• Mutirão da prevenção: Relatório Final;

• Orientação para o processo de revisão da Lei n.6.368, de 21.10.1976;

68 THUMS, Gilberto; PACHECO FILHO, Vilmar V. Leis antitóxicos: crimes, investigação e processo, 2005, p. 11. 69BEZZERRA FILHO, Aluízio. Lei de tóxicos anotada e interpretada pelos tribunais: doutrina, jurisprudência e processo penal, 1999, p. 503. 70 THUMS, Gilberto; PACHECO FILHO, Vilmar V. Leis antitóxicos: crimes, investigação e processo, 2005, p. 11. 71 THUMS, Gilberto; PACHECO FILHO, Vilmar V. Leis antitóxicos: crimes, investigação e processo, 2005, p. 11. 72 ZALUAR, Alba et al. Drogas e cidadania, 1999, p. 151.

31

• Política nacional na questão das drogas;

• Números sobre o consumo de drogas no Brasil;

• Levantamento nacional sobre o uso de psicotrópicos em estudantes do

Ensino Médio e Fundamental;

• Sugestões para programas de prevenção ao abuso de drogas no Brasil.

Em 20 de dezembro de 1993, a Lei n. 8.764 criou a Secretaria

Nacional de Entorpecentes, com o fim de fiscalizar, supervisionar e acompanhar a

execução das normas estabelecidas pelo Conselho Federal de Entorpecentes73.

Embora tivessem sido criados todos estes diplomas legais ao

longo do tempo, a política anti-drogas concentrava-se na punição dos viciados e de

pequenos traficantes, deixando progredir geometricamente o grande comércio das

drogas74.

Na tentativa de acabar com o problema das drogas no Brasil,

entrou em vigor, em 2002, mais um diploma legal: a Lei n. 10.409, que dispôs sobre

a prevenção, o tratamento, a fiscalização, o controle e a repressão à produção, ao

uso e ao trato ilícitos de produtos, substâncias ou drogas ilícitas que causem

dependência física ou psíquica. E, posteriormente, mais especificamente em 08 de

outubro de 2006, entrou em vigor a Lei n. 11.34375.

A nova Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas

sobre Drogas. A criação de tal Sistema vai ao encontro de uma política criminal de

drogas mais consentânea com aquelas modernamente recomendadas. A Lei n.

11.343/06 dispõe que o SISNAD deve ter como finalidade: articular, integrar,

organizar e coordenar as atividades relacionadas com a prevenção do uso indevido

73 BEZZERRA FILHO, Aluízio. Lei de tóxicos anotada e interpretada pelos Tribunais: doutrina, jurisprudência e processo penal, 1999, p. 540. 74 THUMS, Gilberto; PACHECO FILHO, Vilmar V. Leis antitóxicos: crimes, investigação e processo, 2005, p. 21. 75 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 32.

32

de drogas, bem como com a promoção da re-inserção social de usuários e

dependentes de drogas76.

1.4 CONCEITOS E OBJETIVOS DA POLÍTICA NACIONAL SOBRE DROGAS

Hoje, como se percebe o tóxico é problema a ser tratado por

meio de política pública, sendo que as sociedades modernas escolheram a

repressão legal como instrumento de regulação de custos externos atribuídos a

opções morais de usuários e estratégias empresariais de traficantes77.

Thums e Pacheco Filho destacam que a prevenção e a

repressão ao tráfico e uso de drogas tem se manifestado como uma das maiores

preocupações do mundo contemporâneo, exigindo ampla mobilização dos mais

diversos Estados, entre eles incluídos os grandes produtores da Ásia e da América

Latina e aqueles da América do Norte e da Europa, detentores dos grandes

mercados consumidores78.

Segundo Zaluar et al, a política de repressão legal é fundada

em dois pressupostos:

1. O objetivo da lei penal e, conseqüentemente, do controle estatal de atos

privados;

2. A consideração dos elementos instrumentais e simbólicos que afetam a

formação e a implementação de políticas públicas.

De acordo com esses autores, o uso e tráfico de drogas são

atos categorizados como crimes nos Códigos Penais modernos. A lógica da

criminalização apóia-se na postulação da natureza criminógena das drogas e dos

custos externos correspondentes ao vício privado. Todavia, eles explicam que: “se é

crime, deve haver alguma vítima que ofereça queixa à polícia; se não há vítima que

se queixe do traficante ou da banca, não há crime”79.

76 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 32. 77 ZALUAR, Alba et al. Drogas e cidadania, 1999, p. 129. 78 THUMS, Gilberto; PACHECO FILHO, Vilmar V. Leis anti-tóxicos: crimes, investigação e processo, 2005, p. 9. 79 ZALUAR, Alba et al. Drogas e cidadania, 1999, p. 132.

33

Assim, a perspectiva repressiva indicaria simplesmente a sobrevivência do fundamentalismo “antigo” no Direito Penal moderno: “crimes sem vítimas” não são crimes porque são resultados de deliberação consciente de decisores autônomos com conseqüências sociais irrelevantes — o problema real, afirmam os liberais, não é o vício, mas a prisão e a estigmatização do viciado. A criminalização do vício representa intromissão indevida do Estado na vida privada dos indivíduos80.

Para Zaluar et al, adota uma política de criminalização de

certas drogas, uma vez que o álcool não é incluído neste rol, cristalizada num

sistema “auto-referencial” que se reproduz ideológica e materialmente81.

A esse sistema basicamente informado pela visão jurídico-

penal está associada à perspectiva médico-psiquiátrica. De tudo isso resulta que o

problema de drogas é compreendido nessa “política” como sendo sempre um “caso

de polícia” ou de “doença mental”82.

No entanto, Delmanto defende que uma política voltada ao

combate ao uso e ao tráfico de drogas deve estar preocupada com a saúde física e

moral da sociedade. O autor ainda explica que:

Reconhecendo que o uso médico dos entorpecentes continua indispensável para o alívio da dor e do sofrimento e que medidas adequadas devem ser tomadas para garantir a disponibilidade de entorpecentes para tais fins. Reconhecendo que a toxicomania é um mal para o indivíduo e constitui um perigo social e econômico para a humanidade, conscientes de seu dever de prevenir e combater esse mal, considerando que as medidas contra o uso indébito de entorpecentes, para serem eficazes, exigem uma ação conjunta e universal83.

Assim, este capítulo se encerra esperando ter apresentado a

evolução das políticas anti-drogas. O próximo capítulo aborda a comparação da Lei

n. 6.368/76 e a Lei n. 11.343/06, mais especificamente do artigo que define o tráfico

de drogas. 80 ZALUAR, Alba et al. Drogas e cidadania, 1999, p. 134. 81 ZALUAR, Alba et al. Drogas e cidadania, 1999, p. 147. 82 ZALUAR, Alba et al. Drogas e cidadania, 1999, p. 147. 83 DELMANTO, Celso. Tóxicos. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 170.

34

CAPÍTULO 2

AS ALTERAÇÕES: COMPARAÇÃO ENTRE AS HIPÓTESES TÍPICAS DO ART. 12 DA LEI 6.368/76 E DO ART. 33 DA LEI 11.343/06

2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Como foi observado, o crime de tráfico de drogas há muito

assola o Brasil, todavia a legislação pátria somente se propôs a combater de

maneira mais efetiva tal crime a partir de 1976, com a promulgação da Lei. n. 6.368.

Entretanto, com este diploma os problemas não foram resolvidos, de modo que o

crime de tráfico de droga não foi extinto, nem mesmo reduzido.

Desta maneira, procurando aperfeiçoar a legislação especial,

em 2002, foi promulgada, a Lei Anti-tóxico, Lei n. 10.409. Verificou-se, no entanto,

que também, esta lei não resolveu o problema, uma vez que se restringia a alterar

somente os procedimentos.

Neste sentido, buscando corrigir tais falhas, em 22 de agosto

de 2006, entrou em vigor a Lei Anti-drogas, Lei n. 11.343, com o objetivo de efetivar

o combate ao tráfico de drogas através de um tratamento mais humanitário ao

usuário e mais severo ao traficante.

Interessante informar que existem algumas peculiaridades

entre as Leis de 1976 e a de 2006, principalmente no que tange a definição do crime

tráfico de drogas.

Assim, este capítulo aborda uma comparação entre estes dois

diplomas legislativos, concentrando as atenções no artigo 12 da Lei de 1976 e o

artigo 33 da atual Lei Anti-drogas, para tanto, inicialmente se faz uma breve

explanação sobre os dois diplomas legais.

35

2.2 A LEI 6.368/76

A Lei 6.368, de 1976, conhecida como a Lei dos

Entorpecentes, define o crime de tráfico de entorpecentes nos arts. 12, 13 e 14.

Em seu artigo 12, dispõe que:

Art. 12: Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena: reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

§ 1º: Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente:

I – importa ou exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda ou oferece, fornece ainda que gratuitamente, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda matéria-prima destinada à preparação de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica.

II - semeia, cultiva, ou faz a colheita de plantas destinadas à preparação de entorpecentes ou que determine dependência física ou psíquica.

§ 2º: Nas mesmas penas incorre, ainda quem:

I – induz, instiga ou auxilia alguém a usar entorpecente ou substância que determine dependência física ou psíquica;

II – utiliza local de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dela se utilize, ainda que gratuitamente, para uso indevido ou tráfico ilícito de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica;

36

III – contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica.

Assim, Thums e Pacheco Filho explicam que para Lei n.

6.368/76 é crime induzir, instigar ou auxiliar alguém a usar entorpecente ou

substância que determine dependência física ou psíquica. É o caso de alguém que

oferece um cigarro de maconha a um indivíduo, com a intenção de torná-lo viciado.

Cabe dizer que, mesmo que o entorpecente seja oferecido gratuitamente e em

pequena quantidade, ainda assim se configurará crime84.

O acórdão do Supremo Tribunal Federal demonstra esta

disposição:

O art. 12 da Lei n. 6.368/76, não distingue, na configuração do delito, o tráfico de quantidade maior ou menor de maconha. A repressão ao uso e tráfico de substâncias entorpecentes capazes de causar dependência física ou psíquica, que a lei tutela, não visa ao dano estritamente individual, mas ao coletivo, pela traficância que possa despertar ou ocasionar. Sua punição leva em conta o perigo que as substâncias entorpecentes representam para a saúde pública, e não a lesividade comprovada em caso concreto. (STF – RE 109.435 – 4 – rel. Célio Borja – RT 618/407)85.

Almeida informa que é necessário compreender os verbos

pontuados em tal artigo. Neste sentido, preconiza que86:

• Importar: introduzir, fazer entrar no território nacional;

• Exportar: é fazer sair do território nacional;

• Remeter: enviar, mandar, mesmo por via postal;

• Preparar: compor a droga ilícita mediante a junção de outras drogas ou

substâncias ilícitas ou não;

• Produzir: fabricar, criar, seja em pequena ou em grande quantidade. Está

associado à extração, até mesmo a plantação de droga ilícita;

84 THUMS, Gilberto; PACHECO FILHO, Vilmar V. Leis anti-tóxicos: crimes, investigação e processo, 2005, p. 13. 85 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 32. 86 ALMEIDA, Gervan C. Modernos movimentos de política criminal e seus reflexos na legislação brasileira. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 259.

37

• Fabricar: é o mesmo que produzir, só que escala industrial;

• Adquirir: obter, conseguir a título oneroso (comprar) ou gratuito;

• Vender: alienar a título oneroso, mediante contraprestação, geralmente em

pecúnia, no entanto, não se exclui a permuta de qualquer bem que tenha

valor ou por outra substância entorpecente;

• Oferecer: ofertar, apresentar para despertar o interesse da aquisição;

• Fornecer: prover, suprir, dar, proporcionar a título oneroso ou não;

• Ter em depósito: reter a coisa a sua disposição ou guardar;

• Transportar: remoção de substância entorpecente de um lugar para outro,

servindo-se o agente de um meio de transporte (automóvel, avião, barco,

trem);

• Trazer consigo: transportar junto ao corpo, por exemplo, no bolso, isto é, o

transporte pessoal do entorpecente;

• Prescrever: receitar, indicar a droga ilícita como produto medicinal;

• Ministrar: aplicar a droga. É introduzi-la no organismo de outra pessoa;

• Entregar de qualquer forma: inclui toda conduta que envolva as drogas ilícitas.

Ressalta-se que a Lei n. 6.368/76 ao usar a palavra,

indevidamente, buscou deixar explícito que poderá, em alguns casos, haver

autorização do órgão competente: o Ministério da Saúde87.

Neste contexto, verifica-se que este artigo ao tentar contemplar

as mais diferentes formas de envolvimento do homem com a droga ilícita, busca

deixar claro que a tipificação do crime, tanto para o infrator, como para a autoridade

policial que constatar tal crime.

Além disso, cabe mencionar que o art. 37 da Lei n. 6.368/76,

dita que para haver a caracterização do crime se faz necessário obedecer a certos

fatores como: quantidade da droga apreendida, local e condições da apreensão. No

entanto, observa-se que, embora seja claro, é bastante criticado pela doutrina88.

87 BEZZERRA FILHO, Aluízio. Lei de tóxicos anotada e interpretada pelos tribunais: doutrina, jurisprudência e processo penal. Curitiba: Juruá, 1999, p. 31. 88 BEZZERRA FILHO, Aluízio. Lei de tóxicos anotada e interpretada pelos tribunais: doutrina, jurisprudência e processo penal, 1999, p. 33.

38

Art. 37: Para efeito de caracterização dos crimes definidos nesta lei, a autoridade atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

Parágrafo único: A autoridade deverá justificar em despacho fundamentado, as razões que a levaram a classificação legal do fato, mencionando concretamente as circunstâncias referidas neste artigo, sem prejuízo de posterior alteração da classificação pelo Ministério Público ou pelo juiz.

Sobre este artigo Rodrigues informa que os critérios legais

previstos nele para a classificação do crime devem ser considerados em conjunto e

não separadamente, destacando que, em juízo poderão ocorrer modificações na

classificação, porém os critérios devem permanecer os mesmos89.

Além disso, cumpre dizer que a autoridade a que se refere o

artigo é o policial que efetivar a prisão, de modo que a sua classificação de crime,

embora possa parecer num primeiro momento precipitada, já que se espera a

existência de prova pericial da droga apreendida, ela é necessária para os efeitos de

concessão de fiança90.

No entanto, Greco Filho atenta quanto a possibilidade da

autoridade policial poder, mesmo que provisoriamente, classificar o delito,

fundamentando-se na quantidade de droga apreendida pára se declarar se o preso é

traficante ou usuário91.

Observa-se que a Lei n. 6.368/76 não pune somente o usuário

dependente físico ou químico do tóxico. Sobre este tema, Thums e Pacheco Filho

destacam que:

[...] não deixa escapar nenhuma situação decorrente do trato com os tóxicos, não punindo, apenas, a conduta “usar”. Assim, ninguém pode ser condenado por usar tóxicos, pois a lei não tipifica esta

89 RODRIGUES, João G. Tóxicos: abordagem crítica da Lei n. 6.368/76. Campinas: Bookseller, 2001, p. 25. 90 RODRIGUES, João G. Tóxicos: abordagem crítica da Lei n. 6.368/76, p. 25.. 91 GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos: prevenção – repressão. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 181.

39

situação, mas pode ser por porte da substância, mesmo que para uso próprio92.

Todavia, os autores esclarecem que a Lei n. 6.368/76 tutela a

saúde pública, como bem trans-individual, da coletividade. Portanto, no caso de se

vender droga a alguém para consumo próprio, o adquirente não é a vítima do tráfico,

mas sim o Estado (saúde pública), que figura como sujeito passivo imediato, eis que

a conduta “adquirir para uso próprio” também constitui crime. Logo, a preocupação

da Lei não é a de evitar os males causados pela droga àqueles que a consomem,

mas o de evitar o risco à integridade social que os entorpecentes acarretam a

sociedade93.

Thums e Pacheco Filho acrescentam que, de acordo com a Lei

n. 6.368/76:

[...] enquanto o agente traz a droga consigo para uso próprio, há possibilidade de fornecimento à terceiro, em tese, representando um perigo à saúde pública, mas, no momento em que a droga começa a ser “usada” pelo próprio agente, não há que se falar em conduta típica, porque deixa de existir o verbo “trazer consigo” para dar lugar ao “usar”94.

Além disso, se alguém for surpreendido semeando ou colhendo

plantas de natureza tóxica, sem autorização, será punido, bem como aquele que

fabrica, vende ou compra, sem autorização, instrumentos que possam ser usados

para a fabricação da substância tóxica 95.

O artigo 13 desta Lei dita que:

Art. 13: Fabricar, adquirir, vender, fornecer ainda que gratuitamente, possuir ou guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de substancias entorpecente ou que determine

92 THUMS, Gilberto; PACHECO FILHO, Vilmar V. Leis anti-tóxicos: crimes, investigação e processo, 2005, p. 13. 93 THUMS, Gilberto; PACHECO FILHO, Vilmar V. Leis antitóxicos: crimes, investigação e processo, 2005, p. 4. 94 THUMS, Gilberto; PACHECO FILHO, Vilmar V. Leis antitóxicos: crimes, investigação e processo, 2005, p. 9. 95 THUMS, Gilberto; PACHECO FILHO, Vilmar V. Leis antitóxicos: crimes, investigação e processo, 2005, p. 13.

40

dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Pena: Reclusão de três a dez anos e pagamento de 50 a 360 dias-multa.

Neste contexto, Andreucci adverte que para a caracterização

do delito, portanto, a fim de que não se incrimine injustamente se houver destinação

inocente, há necessidade de que, no caso concreto, fique demonstrado que

determinados aparelhos, maquinismos, instrumentos ou objetos estejam

efetivamente destinados à preparação, produção ou transformação de substância

proibida96.

Cumpre dizer que, segundo a Lei 6.368/76, a droga ilícita ao

ser apreendida deve passar por perícia, com o fim de constatar se a substância é

realmente entorpecente capaz de determinar dependência física ou psíquica97.

Neste sentido, ainda cabe mencionar que o crime contemplado

no artigo 12 da Lei de Entorpecentes é material, com exceção somente do item –

induzimento, instigação e auxílio ao uso da droga, uma vez que para ser

caracterizado o crime, é necessário que à droga ilícita, seja comprovada pela

perícia98.

2.3 A LEI N. 11.343/06

A Lei n. 11.343 foi publicada em 24 de agosto de 2006 e entrou

em vigor em 8 de outubro deste ano, ela dispõe sobre medidas para prevenção do

uso indevido, atenção e re-inserção social do usuário e dependentes de drogas.

Segundo Andreucci, esta Lei estabelece normas para repressão à produção não

autorizada e ao tráfico ilícito de drogas99.

Capez acrescenta que o mencionado diploma legal tem

aplicação no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,

96 ANDREUCCI, Ricardo A Legislação penal especial. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 65. 97 ALMEIDA, Gervan C. Modernos movimentos de política criminal e seus reflexos na legislação brasileira, 2002, p. 269. 98 ALMEIDA, Gervan C. Modernos movimentos de política criminal e seus reflexos na legislação brasileira, 2002, p. 269. 99 ANDREUCCI, Ricardo A Legislação penal especial, 2007, p. 1.

41

tratando-se, portanto, de diploma legislativo de caráter nacional e não apenas

federal. Assim, a Lei n. 11.343/2006 também100:

• Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD);

• Prevê os novos crimes relativos às drogas;

• Estabeleceu o novo procedimento criminal.

Gomes et al apontam como eixos centrais da Lei 11.343/06101:

• Pretensão de se introduzir no Brasil uma sólida política de prevenção ao uso

de drogas, de assistência e de re-inserção social do usuário;

• Eliminação da pena de prisão ao usuário, isto é, aquele que for apreendido

em posse de droga para consumo pessoal;

• Rigor punitivo contra o traficante e financiador do tráfico;

• Clara distinção entre o traficante “profissional” e o ocasional;

• Clareza na configuração do rito procedimental;

• Inequívoco intuito de que sejam apreendidos, arrecadados e, quando o caso,

leiloados os bens e vantagens obtidos com os delitos de drogas.

Neste contexto, segundo Gomes et al, os objetivos desta Lei

são: introduzir no Brasil uma política sólida de prevenção ao uso de drogas, de

assistência e de ressocialização do usuário de drogas; eliminar a pena de prisão

para aquele que tem posse de droga para uso próprio; punição rigorosa para o

traficante e financiador do tráfico; distinguir o traficante ocasional do profissional;

clareza na configuração do rito procedimental102.

A Lei n. 11.343/06 trata mais especificamente da descrição das

condutas consideradas delituosas, bem como das respectivas penas, nos artigos 33

a 39.

100 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. V. 4. 2. ed. São Paulo:Saraiva, 2007, p. 680. 101 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 7. 102 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 8.

42

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena — reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

Segundo Capez, o objeto jurídico desse crime é a saúde

pública, e não doente, bem como acontecia nas leis anti-drogas que antecederam

este diploma legal103.

A lei não reprime penalmente o vício, uma vez que não tipifica a conduta de “usar”, mas apenas a detenção ou manutenção da droga para consumo pessoal. Dessa maneira, o que se quer evitar é o perigo social que representa a detenção ilegal do tóxico, ante a possibilidade de circulação da substância, com a conseqüente disseminação104.

Nesta visão, o sujeito ativo do crime, na Lei n. 11.343/06 é

qualquer pessoa, já que se trata de crime comum. E o sujeito passivo é a

coletividade, uma vez que se pune o perigo a que fica exposta com a detenção ilegal

da substância tóxica, ainda que a finalidade seja a de consumo pessoal105.

É possível ilustrar este entendimento por meio da decisão

jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

A repressão ao uso e tráfico de substâncias entorpecentes, capazes de causar dependência física ou psíquica, não visa ao dano estritamente pessoal, ou seja, ao mal ou males causados ao usuário. Sua punição leva em conta o perigo que elas representam para a saúde pública (TJSP — RT, 569/306)106.

Finalizando cabe esclarecer que diante da Lei n. 11.343 de

2006, para fins penais, entende-se por usuário de drogas quem adquire, guarda, tem

103 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, 2007, p. 682. 104 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, 2007, p. 682. 105 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, 2007, p. 683. 106 ANDREUCCI, Ricardo A Legislação penal especial, 2007, p. 65.

43

em depósito, transporta ou traz consigo, para consumo pessoal, qualquer tipo de

droga proibida.

Neste contexto, o usuário não se confunde, de modo algum,

com o traficante ou financiador do tráfico, sendo que para determinar se a droga

destina-se a consumo pessoal, o juiz analisará a natureza e a quantidade da

substância apreendida, o local e as condições em que se desenvolveu a ação, as

circunstâncias sociais e pessoais, bem como a conduta e os antecedentes do

agente.

2.4 A COMPARAÇÃO DOS DIPLOMAS LEGISTATIVOS

O art. 75 da Lei n. 11.343/06 revogou tanto a Lei 6.368/76

como a Lei 10.409/2002, no entanto, para Gomes et al isso não significa abolitio

criminis, visto que todas as atividades criminosas previstas nas leis anteriores foram

contempladas no novo diploma legal, de maneira que ocorreu a continuidade

normativo–típica, em outras palavras: o que era proibido antes continua proibido na

nova Lei107.

Embora a doutrina sustente que Lei n. 11.343/06 deu

continuidade ao que a Lei n. 6.368/76 proibia, ou melhor, normatizava, observam-se

distinções claras entre elas.

A primeira delas funda-se numa questão etimológica, visto que

o novo diploma legal passou a usar o vocábulo “droga” no lugar de “substância

entorpecente” ou que determine dependência física ou psíquica (usada pelas Leis:

6.368/76 e 10.409/2002). Assim, hoje,

Drogas, de acordo com o conceito legal, são substâncias ou produtos capazes de causar dependência, e que estejam especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas, de forma periódica, pelo Poder Executivo da União108.

Diante desta conceituação, percebe-se que mesmo que uma

substância cause dependência, mas não faça parte da lista proposta pelo Poder

107 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 9. 108 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 26.

44

Executivo da União não haverá a tipificação do crime. Para Gomes et al isto se trata

de uma norma penal em branco, elemento bastante criticado por significativa parcela

da doutrina.

Segundo pensam, melhor seria, considerando o caso concreto, comprovar-ser, através de competente laudo, a capacidade, ou não, da substancia produzir dependência. [...] que se dizer dos produtos estrangeiros que entram no país clandestinamente e são traficados, mas que por não serem aqui comercializados nunca figurarão em nenhuma portaria de qualquer órgão administrativo109.

No entanto, Andreucci rebate afirmando que a Lei n. 11.343/06

ao adotar o termo droga se espelhou na terminologia adotada pela OMS,

devolvendo a responsabilidade para o Ministério de Saúde que, por sua vez, deverá

manter atualizada, periodicamente a lista das substâncias capazes de causar

dependência110.

Já, segundo Franco, entorpecente é:

[...] tudo aquilo que entorpece, ou qualquer substância tóxica que produz uma espécie de inibição dos centros nervosos, da qual advém um estado de inércia física e moral; estupefaciente111.

Desta feita, Gomes et al sustentam que excluindo da lista certa

substância configura-se a abolitio criminis, extinguindo-se a punibilidade do agente,

condenando pelo diploma legal anterior, ainda que o feito esteja em fase de

execução, ou mesmo após o trânsito em julgado112.

Sobre este tema Capez informa que, de acordo com o art. 66

da Lei n. 11.343/06: “Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1° desta Lei,

até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-

se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob

109 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 178-179. 110 ANDREUCCI, Ricardo A Legislação penal especial, 2007, p. 2. 111 FRANCO, Paulo A Tóxico: tráfico e porte. 2. ed. Leme: Editora de Direito, 2001, p. 29. 112 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 179.

45

controle especial, da Portaria do Serviço de Vigilância Sanitária do Ministério da

Saúde n. 344, de 12 de maio de 1998”113.

O autor explica que como a referida Lei adotou o sistema de

das normas penais em branco, ou seja, a substância que não estiver incluída na lista

do Ministério da Saúde não é considerada uma droga ilícita, torna atípica a conduta,

de modo que “[...] os tipos penais da Lei n. 11.343/2006 são, portanto, normas

penais em branco heterogêneas, ou seja, dispositivos em que a descrição da

conduta é completada por norma infra-legal”114.

Além disso, cabe dizer que é necessário também que a

substância enumerada pelo Ministério da Saúde apresente o princípio ativo no caso

concreto, de maneira que folhas e galhos de maconha não constituem objeto

material de crime115.

Andreucci informa que a Lei n. 11.343/06 se ocupa mais com a

prevenção ao uso de drogas e a re-inserção social de usuários do que as Leis:

6.368/76 e 10.409/02. Além disso, traz também uma nítida distinção entre usuário,

dependente e traficante, embora a nova Lei tenha mantido os tipos penais existentes

na Lei n. 6.368/76, com uma majoração significativa da pena116.

Assim, os dezoito verbos elencados no art. 12 da Lei 6.368/76

foram mantidos, sem acréscimos, no artigo 33 da nova Lei.

O art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, descreve 18 formas diferentes de se praticar o tráfico ilícito de entorpecentes, tratando-se, assim, de um tipo misto. A prática de mais de uma conduta prevista nesse tipo incriminador, por parte do agente, pode configurar crime único ou concurso material entre as condutas, dependendo da existência de nexo causal entre elas. [...] na revogada Lei, são 18 os núcleos do tipo contidos no caput do art. 12, descrevendo condutas que podem ser praticadas de forma isolada ou seqüencial. Algumas poderiam configurar atos preparatórios de outras, e estas, por sua

113 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, 2007, p. 683. 114 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, 2007, p. 758. 115 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, 2007, p. 759. 116 ANDREUCCI, Ricardo A Legislação penal especial, 2007, p. 4.

46

vez, exaurimento de anteriores. A intenção do legislador, porém, é a de dar a proteção social mais ampla possível117.

A Lei n. 6.368/76 tipifica como crime: adquirir, guardar ou trazer

consigo, mesmo uso próprio, substância entorpecente

Art. 16: Adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena — Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa.

O artigo 16 da Lei n. 6.368/76, embora não dispusesse em seu

texto original sobre a descriminalização do delito fundando-se na quantidade de

droga apreendida com o indivíduo no momento da apreensão, observam-se várias

decisões jurisprudenciais baseadas nesta premissa.

Com o fim de ilustrar este contexto, segue uma decisão do

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

A detenção transitória de ínfima quantidade de maconha, que se estava a consumir, não caracteriza o porte ilegal de entorpecente, eis que este só tem relevância quando ainda persiste o risco à Saúde Pública. A lei penal não pune o vício, e o agente, ao consumir a droga, lesa apenas a si mesmo, desaparecendo a potencialidade de dano social e o perigo de disseminação do tráfico. Apelação provida para absolver o réu, face à atipicidade da conduta (TJSP — RT, 736/63 5)118.

Sobre esta questão, Greco Filho acrescenta que:

Os aspectos subjetivos de uma conduta, porém só podem ser aferidos através de circunstâncias objetivas, que o artigo enumera com a finalidade de orientação do juiz. Na verdade, o dispositivo nada acrescenta, mas tem uma intenção que o justifica, qual seja a de chamar a atenção do magistrado para que aprecie todas as

117 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, 2007, p. 694. 118 ANDREUCCI, Ricardo A Legislação penal especial, 2007, p. 35.

47

circunstâncias do crime e não apenas a quantidade de droga apreendida, critério simplista e único, até então119.

Desta maneira, a quantidade da droga apreendida, não pode

ser o único critério para classificar o delito.

Na Lei n. 11.343/2006 a quantidade da droga é um fator

importante, mas não exclusivo para a comprovação da finalidade de uso.

Art. 28: Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, portar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

[...]

§ 2°: Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

Observa-se, assim, a adoção do critério de reconhecimento

judicial e não o critério da quantificação legal. Caberá ao juiz, dentro desse quadro,

avaliar se a droga destinava-se ou não ao consumo pessoal, não se levando em

conta apenas a quantidade da droga, mas inúmeros outros fatores.

Além disso, deve-se levar em conta a decisão do Superior

Tribunal de Justiça, “a pequena quantidade de droga apreendida não descaracteriza

o delito de tráfico de entorpecentes, se existentes outros elementos capazes de

orientar a convicção do Julgador, no sentido da ocorrência do referido delito”120.

Conforme a Lei n. 11.343/06, o usuário de drogas não poderá

ser preso. O infrator será enviado aos Juizados Especiais Criminais, sendo que na

audiência preliminar é possível a transação penal, aplicando-se as penas

alternativas do art. 28.

119 GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos: prevenção e repressão, 1992, p. 181. 120 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, 2007, p. 687.

48

Art. 28: Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, portar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I advertência sobre os efeitos das drogas;

II prestação de serviços à comunidade;

III medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

[...]

§ 5º A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.

De acordo com Camargo, é relevante esclarecer que, embora

não haja a prisão em flagrante, o usuário não está livre de se conduzido às

autoridades competentes, todavia não será lavrado o auto de prisão em flagrante121.

Ao comparar a Lei n. 11.343/2006 com o diploma legal de 1976

observa-se que a Lei 6.368/76 punia todo aquele que “portasse” entorpecente uma

vez que essa conduta era tipificada como crime, já para a nova Lei:

Ao usuário não se comina a pena de prisão. Pretende-se que ele nem sequer passe pela polícia. O infrator da Lei será enviado diretamente aos Juizados Criminais, salvo onde inexistem tais Juizados em regime de plantão (art. 48, § 2º). Não há que se falar,

121 CAMARGO, Márcia C. O direito de recorrer em liberdade e a vedação da liberdade provisória para os acusados de tráfico de drogas. Boletim Jurídico, 2006. Disponível em: <http:www.boletimjuridico.com.br>. Acessado em out/2008

49

de outro lado, em inquérito policial, sim em Termo Circunstanciado de Ocorrência122.

Assim, percebe-se que a Lei n. 11.343/2006 aboliu o caráter

“criminoso” da posse de drogas para consumo pessoal. Esse fato deixou de ser

legalmente considerado “crime” embora continue sendo um ilícito sui generis, um ato

contrário ao direito123.

Neste contexto, Gomes et al argumentam que:

Ora, se legalmente — no Brasil — “crime” é a infração penal punida com reclusão ou detenção (quer isolada, cumulativa ou alternativamente com multa), não há dúvida que a posse de droga para consumo pessoal (com a nova lei) deixou de ser “crime” do ponto de vista formal porque as sanções impostas para essa conduta (advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programas educativos) não conduzem a nenhum tipo de prisão. Aliás, justamente por isso, tampouco essa conduta passou a ser contravenção penal (que se caracteriza pela imposição de prisão simples ou multa)124.

Logo, o usuário não pode ser chamado de criminoso. A referida

Lei prevê penas alternativas para os usuários, como prestação de serviços à

comunidade. Ressalta-se que embora muito se tenha argumentado sobre a matéria,

cabe dizer que esta lei não descriminaliza qualquer tipo de droga. Sobre esta

questão, Volpe Filho assevera que:

A Lei Anti-drogas não descriminalizou a conduta de porte de entorpecente para uso próprio, como quer alguns doutrinadores. Apenas, diminuiu a carga punitiva. A sanção penal, como é sabido, possui como uma das espécies a pena 125.

Além disso, Volpe Filho adverte que a Constituição Federal de

1988 é bastante clara ao prever penas outras, diferentes, sendo que esta é a Lei

maior e mais atual, tendo em vista que a Lei de Introdução do Código Penal é de

122 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 26. 123 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 121. 124 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 122. 125 VOLPE FILHO, Clóvis A Considerações pontuais sobre a nova Lei Anti-drogas. Direito Net. 06/set/2006. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/publicacoes/regras/> Acessado em out/2008.

50

1940, lembrando, ainda a existência de outros ilícitos penais punidos por penas

alternativas, que por sua vez segue a tendência moderna de não encarceramento126.

O tráfico e outros delitos graves seguirão o procedimento penal

clássico. Assim, a Lei n. 11.343/06 para distinguir o usuário do traficante funda-se

no caso concreto. Além disso, Andreucci lembra que, neste caso, deve-se levar em

conta a natureza da droga, sua quantidade, o local e condições da prisão, modo de

vida do agente, seus antecedentes, etc.127.

Ressalta-se que o elemento normativo dos crimes de tóxicos

(porte e tráfico de drogas) está descrito na expressão: “sem autorização” ou “em

desacordo com determinação legal ou regulamentar”. Neste sentido, somente

haverá crime previsto na Lei n. 11.343/2006, se ‘a conduta descrita no tipo se der

em desacordo com as disposições legais e regulamentares, ou seja, sem

autorização do Poder Público128.

A Lei n. 11.343/2006 trouxe ainda algumas modificações,

quando comparada a Lei n. 6.368/76, no que relaciona ao tráfico de matéria-

prima129:

• Modificou a redação do artigo, de forma que a expressão “ainda que

gratuitamente” não se relaciona mais apenas à conduta de fornecer;.

• No tocante ao objeto material do crime, inseriu, ao lado da matéria-prima, o

insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas.

Art. 33: Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar ao consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

[...]

126 VOLPE FILHO, Clóvis A Considerações pontuais sobre a nova Lei Anti-drogas, 2006. 127 ANDREUCCI, Ricardo A Legislação penal especial, 2007, p. 5. 128 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, 2007, p. 683. 129 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, 2007, p. 706.

51

§ 1° Nas mesmas penas incorre quem:

I — importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas.

Capez acrescenta que este diploma legal tem caráter

punitivista em relação ao traficante, uma vez que alterou a pena mínima, que passou

de 3 para 5 anos, além de proibir: fiança, indulto, sursis, anistia, liberdade provisória,

penas substitutivas e direito de apelar em liberdade, e ainda impor uma multa mais

pesada (500 a 1500 dias-multa)130.

No entanto, Camargo alerta que o art. 44, caput, da Lei n.

11.343/06 apenas reiterou a norma contida no art. 2º da Lei 8.072/90, que já proibia

a concessão de liberdade provisória aos acusados pelos crimes hediondos. Embora,

tal disposição é positiva, tendo em vista, que tal matéria era motivo de discordância

entre os juristas131.

Art. 44: Os crimes previstos nos arts: 33, caput e § 1º, e 34 e 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.

Parágrafo único. Nos crimes previstos no caput deste artigo, dar-se-á o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico.

Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:

I - anistia, graça e indulto;

II - fiança e liberdade provisória.

130 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, 2007, p. 694. 131 CAMARGO, Márcia C. O direito de recorrer em liberdade e a vedação da liberdade provisória para os acusados de tráfico de drogas. Boletim Jurídico, 2006. Disponível em: <http:www.boletimjuridico.com.br>. Acessado em out/2008

52

§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado.

§ 2º Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.

§ 3º A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei n. 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de trinta dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.

Observa-se que o legislador objetivou penalizar de forma mais

severa o crime de tráfico de drogas, no entanto, D´Urso alerta que na doutrina

corrente e mesmo nos Tribunais que esta Lei acabou por igualar o grande traficante

internacional de cocaína com aquele que tem em seu poder um único cigarro de

maconha, o que torna esta lei inconstitucional132.

Nesta visão, D´Urso explica que:

[...] sua lei própria, não faz distinção entre um mega-traficante profissional, que introduz no país uma tonelada de cocaína, do jovem que entrega um cigarro de maconha para o seu colega. Pela lei, estamos diante de dois crimes hediondos, sem direito a liberdade provisória, sem fiança, sem opção de responder ao processo em liberdade, o que constitui uma injustiça133.

Camargo completa afirmando que ainda há divergências, visto

que, muitas vezes, se confunde tal disposição com a primariedade e os bons

antecedentes do condenado no momento de pleitear a liberdade condicional134.

A nova Lei Anti-droga também tipifica como crime o

financiamento ao tráfico, prevendo para esse delito a pena de oito a 20 anos de

132 D´URSO, Luis F. B. Crime hediondo: a necessária adequação constitucional. 21/08/2004.

Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/asp/palavra_preidente/> Acessado em out/2008. 133 D´URSO, Luis F. B. Crime hediondo: a necessária adequação constitucional, 2004. 134 CAMARGO, Márcia C. O direito de recorrer em liberdade e a vedação da liberdade provisória para os acusados de tráfico de drogas, 2006.

53

reclusão. Neste sentido, ela cria a figura do "capitalista do tráfico", que é aquele que

obtém lucro ao financiar a produção, o comércio e a distribuição de drogas135.

Art. 36: Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos artigos 33, caput e § 1º, e 34 desta lei.

Pena reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa.

Segundo Silva, o tratamento distinto que a nova Lei anti-droga

dispensa ao usuário e ao traficante, funda-se nos princípios fundamentais, pilares da

Constituição Federal136.

Do princípio da igualdade, corolário da dignidade da pessoa humana, decorre necessário tratamento diferenciado para pessoas em situações diferentes diante da mesma Lei penal. Nesse diapasão se houve o legislador preferiu dar tratamento distinto ao usuário, aplicando-lhe sanção mais branda do que a do traficante que, aliás, terá uma resposta penal mais severa a partir da vigência da nova Lei137.

Outro ponto que merece destaque na comparação entre a Lei

n. 6.368/76 e a nova legislação assinala, segundo Volpe Filho, o fim de uma

anomalia existente na antiga lei, tendo em vista que antes, o sujeito que cultivasse

uma planta de maconha para uso próprio, poderia responder pelo crime de tráfico,

visto que essa conduta não o diferenciava daquele que plantava para o tráfico, o que

para muitos doutrinadores chegava a ferir o princípio da legalidade, tipificando tal

conduta no art. 16, da Lei n. 6.368/76, justamente para harmonizar a conduta com a

sanção138.

Entretanto, é possível mencionar decisão jurisprudencial que

discorda desta disposição, como a que foi pronunciada pelo Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo:

135 PIMENTA, Paulo. Nova lei de drogas é marco histórico para o país. 01/09/2006. Disponível em: <http://www.informes.org.br>. Acessado em out/2008. 136 SILVA, André C. Do tratamento diferenciado dado ao usuário de drogas: medida despenalizadora mista. Jus navegantis. Teresina, ano 10, n. 1175, 19/set/2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?/ Acesso em set/2006. 137 SILVA, André C. Do tratamento diferenciado dado ao usuário de drogas: medida despenalizadora mista, 2006. 138 VOLPE FILHO, Clóvis A Considerações pontuais sobre a nova Lei Anti-drogas, 2006.

54

Seria severidade desproporcional condenar-se nas penas do art. 12 da Lei n. 6.368/76 o agente que cultivasse ou reproduzisse quantidade reduzida de droga, suficiente apenas para seu uso próprio (TJSP — RT, 573/363)139.

Na Lei n. 11.343/2006 a tipificação ficou distinta, já que aquele

que semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena

quantidade de droga, para consumo pessoal, não mais recebe pena privativa de

liberdade, tendo em vista que tal delito equiparou-se a conduta de posse de drogas

para consumo próprio140.

Art. 33: Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar ao consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

[...]

II — semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;

Diante destes apontamentos observa-se que tudo da lei

precedente, ou seja, da Lei n. 6.368/76 que não foi revogado pela Lei posterior

continuou vigente. Com isso, de acordo com Gomes et al, fez com que a legislação

brasileira sobre drogas passasse a ser o resultado de uma justaposição entre leis141.

No entanto, a maior alteração percebida na Lei Anti-droga

situa-se na mudança de paradigma consistente na eliminação da pena de prisão

para o usuário de drogas.

O próximo capítulo aborda de uma maneira, mais específica à

política de combate ao uso e ao tráfico de drogas deflagrada pela Lei n. 11.343/06.

139http://ultimainstancia.uol.com.br/ensaios/ler_noticia.php?idNoticia=2032. 140 VOLPE FILHO, Clóvis A Considerações pontuais sobre a nova Lei Anti-drogas, 2006. 141 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 117.

55

CAPÍTULO 3

A (IN)EFETIVIDADE DAS ALTERAÇÕES FEITAS PELA LEI 11.343/06, NO ÂMBITO PENAL, NO COMBATE AO TRÁFICO NO

QUE DIZ RESPEITO AOS OBJETIVOS TRAÇADOS PELA POLÍTICA NACIONAL SOBRE DROGAS

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Lei n. 11.343/06, embora seja muito criticada, trouxe uma

nova maneira de conceber o problema do uso indevido de drogas, partindo da

adoção de uma política de combate a este mal, mais humana, uma vez que propõe

um novo tratamento ao usuário, ao mesmo tempo em que fica mais rigorosa no trato

do tráfico de drogas.

No entanto, percebe-se que ainda não há indícios de uma

melhora no cenário nacional no que tange a este problema. O tráfico de drogas

cresce e com ele a violência urbana. Logo, observa-se que a tão discutida Lei Anti-

droga não vem alcançando seu propósito.

É certo que o referido diploma legislativo é novo, todavia é

importante ter em mente que muitos dispositivos seguem o que as leis especiais que

o antecederam já tratavam, de modo que, talvez, este “insucesso” resida na política

traçada para o combate as drogas.

Em outras palavras, o fracasso observado no combate a este

mal que vem “devorando” a sociedade pode ter raiz na falta de estrutura social

brasileira, onde se verifica a escassez de investimentos governamentais em:

educação, trabalho, lazer e saúde.

Sob esta perspectiva, este capítulo aborda a (in) efetividade

das alterações propostas pela Lei n. 11.343/06 diante dos objetivos traçados pela

política nacional sobre drogas.

56

3.2 O SISTEMA NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE DROGAS

O artigo 1° da Lei n. 11.343/2006 criou o Sistema Nacional de

Políticas Públicas sobre Drogas, com o intuito de promover políticas públicas que

atendam os dependentes químicos e suas famílias.

O Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas é integrado pelo

o Conselho Nacional Anti-drogas, que por sua vez é um órgão normativo e de

deliberação coletiva do sistema, vinculado ao Gabinete de Segurança Institucional

da Presidência da República.

Além disso, faz parte do SISNAD:

• A Secretaria Nacional Anti-drogas: secretaria-executiva do colegiado;

• O conjunto de órgãos e entidades públicos que exerçam atividades de que

tratam os incisos I e II do art, 1°, ou seja, órgãos do Poder Executivo federal,

dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal;

• As organizações, instituições ou entidades da sociedade civil que atuam nas

áreas da atenção à saúde e da assistência social e atendam usuários ou

dependentes de drogas e respectivos familiares, mediante ajustes

específicos.

Gomes et al alerta que os órgãos e entidades acima

relacionados devem atentar para o disposto no art. 15, do Dec. 5.912/2006:

I) o alinhamento das suas respectivas políticas públicas setoriais ao disposto nos princípios e objetivos do SISNAD os arts. 4.° e 5.° da Lei 11.343, de 2006; II) as orientações e normas emanadas do CONAD; e III) a colaboração nas atividades de prevenção do uso indevido, atenção e re-inserção social de usuários e dependentes de drogas142.

142 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 33.

57

As finalidades do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre

Drogas são descritas na Lei n. 11.343 de 2006, no Título II, artigo 3°.

Art. 3º: O SISNAD tem a finalidade de articular, integrar, organizar e coordenar as atividades relacionadas com:

I a prevenção do uso indevido, a atenção e a re-inserção social de usuários e dependentes de drogas;

II a repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas.

De acordo com o referido artigo, o SISNAD possui duas

finalidades, sendo que uma vinculada à prevenção, de modo que se dirige

diretamente ao consumidor de drogas, seja este dependente ou não. A outra está

ligada à repressão, e envolve os que produzem drogas sem autorização ou as

trafiquem ilicitamente.

Segundo Gomes et al,

Ambas as finalidades a Lei atribui à mesma importância, tanto que, expressamente, o inciso X do art. 4° faz referência à necessária observância do equilíbrio entre as atividades de prevenção do uso indevido, atenção e re-inserção social de usuários e dependentes de drogas e de repressão à sua produção não autorizada e ao seu tráfico ilícito, visando a garantir a estabilidade e o bem-estar social143.

Para o cumprimento destas finalidades, o SISNAD conta com,

além dos órgãos e entidades anteriormente mencionados, também com os

Ministérios: da Saúde, da Educação, da Justiça e com o Gabinete de Segurança

Institucional.

Neste contexto, cabe ao Ministério da Saúde144:

• Publicar listas atualizadas periodicamente das substâncias ou produtos

capazes de causar dependência;

143 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 33. 144 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 34.

58

• Baixar instruções de caráter geral ou específico sobre limitação, fiscalização e

controle da produção, do comércio e do uso das drogas;

• Autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais dos quais possam ser

extraídas ou produzidas drogas, exclusivamente para fins medicinais ou

científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização,

ressalvadas as hipóteses de autorização Legal ou regulamentar;

• Assegurar a emissão da indispensável licença prévia, pela autoridade

sanitária competente, para produzir, extrair, fabricar, transformar, preparar,

possuir, manter em depósito, importar, exportar, reexportar, remeter,

transportar, expor, oferecer, vender, comprar, trocar, ceder ou adquirir, para

qualquer fim, drogas ou matéria-prima destinada à sua preparação, sendo

observadas as demais exigências legais;

• Disciplinar a política de atenção aos usuários e dependentes de drogas, bem

como aos seus familiares, junto à rede do Sistema Único de Saúde (SUS);

• Disciplinar as atividades que visem à redução de danos e riscos sociais e à

saúde;

• Disciplinar os serviços públicos e privados que desenvolvam ações de

atenção às pessoas que façam uso, ou, sejam dependentes de drogas e seus

familiares;

• Gerir, em articulação com a SENAD, o banco de dados das instituições de

atenção á saúde e de assistência social que atendam usuários ou

dependentes de drogas.

O Ministério da Educação tem a responsabilidade145:

• Propor e implementar, em articulação com o Ministério da Saúde, a Secretaria

Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e a SENAD,

145 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 34.

59

políticas de formação continuada para os profissionais de educação nos três

níveis de ensino que abordem a prevenção ao uso indevido de drogas;

• Apoiar os dirigentes das instituições de ensino público e privado na

elaboração de projetos pedagógicos alinhados às Diretrizes Curriculares

Nacionais e aos princípios de prevenção do uso indevido de drogas, de

atenção e re-inserção social de usuários e dependentes, bem como seus

familiares.

O Ministério da Justiça colabora com o SISNAD através de146:

• Articular e coordenar as atividades de repressão da produção não autorizada

e do tráfico ilícito de drogas;

• Propor a atualização da política nacional sobre drogas na esfera de sua

competência;

• Instituir e gerenciar o sistema nacional de dados estatísticos de repressão ao

tráfico ilícito de drogas;

• Manter a SENAD informada acerca dos dados relativos a bens móveis e

imóveis, valores apreendidos e direitos constritos em decorrência dos crimes

capitulados na Lei 11.343, de 2006.

O Gabinete de Segurança Institucional colabora com o SISNAD

por intermédio da SENAD, no sentido de147:

• Articular e coordenar as atividades de prevenção do uso indevido, a atenção

e a re-inserção social de usuários e dependentes de drogas;

• Propor a atualização da política nacional sobre drogas na esfera de sua

competência;

• Gerir o Fundo Nacional Anti-droga (FUNAD) e o Observatório Brasileiro de

Informações sobre Drogas (OBID). 146 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 35. 147 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 35.

60

Além dos Ministérios, o SISNAD conta com os órgãos

formuladores de políticas sociais, no tocante a identificação e regulamentação da

rede nacional das instituições da sociedade civil, sem fins lucrativos, que atendam

usuários ou dependentes de drogas e respectivos familiares.

Importa informar que compete ao CONAD como órgão superior

e alinhado ao Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas148:

• Acompanhar e atualizar a política nacional sobre drogas, consolidada pela

SENAD;

• Exercer orientação normativa sobre as atividades previstas no art. 1°;

• Acompanhar e avaliar a gestão dos recursos do Fundo Nacional Anti-drogas e

o desempenho dos planos e programas da política nacional sobre drogas;

• Propor alterações em seu Regimento Interno;

• Promover a integração ao SISNAD dos Órgãos e entidades congêneres dos

Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

As atividades desenvolvidas pelo SISNAD refletem seus onze

norteadores que por sua vez são descritos no artigo 4° da Lei n. 11.343/2006, são

eles149:

1. O respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente

quanto à sua autonomia e à sua liberdade;

2. O respeito à diversidade e às especificidades populacionais existentes;

3. A promoção dos valores éticos, culturais e de cidadania do povo brasileiro,

reconhecendo-os como fatores de proteção para o uso indevido de drogas e

outros comportamentos correlacionados;

4. A promoção de consensos nacionais, de ampla participação social, para o

estabelecimento dos fundamentos e estratégias do SISNAD; 148 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 46. 149 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 36.

61

5. A promoção da responsabilidade compartilhada entre Estado e Sociedade,

reconhecendo a importância da participação social nas atividades do

SISNAD;

6. O reconhecimento da inter-setorialidade dos fatores correlacionados com o

uso indevido de drogas, com a sua produção não autorizada e o seu tráfico

ilícito;

7. A integração das estratégias nacionais e internacionais de prevenção do uso

indevido, atenção e re-inserção social de usuários e dependentes de drogas e

de repressão à sua produção não autorizada e ao seu tráfico ilícito;

8. A articulação com os órgãos do Ministério Público e dos Poderes Legislativo e

Judiciário visando à cooperação mútua nas atividades do SISNAD;

9. A adoção de abordagem multidisciplnar que reconheça a interdependência e

a natureza complementar das atividades de prevenção do uso indevido,

atenção e re-inserção social de usuários e dependentes de drogas, repressão

da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas;

10. A observância do equilíbrio entre as atividades de prevenção do uso indevido,

atenção e re-inserção social de usuários e dependentes de drogas e de

repressão à sua produção não autorizada e ao seu tráfico ilícito, visando a

garantir a estabilidade e o bem-estar social;

11. A observância às orientações e normas emanadas do Conselho Nacional

Anti-drogas.

Ressalta-se que todos os onze princípios elencados são de

fundamental importância para a realização das políticas de drogas, sendo que o

respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente quanto à sua

autonomia e à sua liberdade. Nesta visão, observa-se que este princípio retrata uma

nova mentalidade acerca da problemática que envolve o usuário de drogas.

De acordo com Bianchini,

Ele está em conformidade com as tendências criminológicas modernas, nas quais o enfoque estereotipado do consumidor-doente,

62

cede lugar à autonomia da vontade, respeitando e permitindo que o sujeito envolvido com drogas deixe a situação passiva, para passar a participar do processo que envolve o uso ou a dependência da droga. Expressam as preocupações com a liberdade e com a tolerância150.

Assim, verifica-se que o princípio da liberdade decorre da

concepção de Estado democrático, onde há o reconhecimento, por parte do Estado,

de determinado âmbito de autodeterminação individual cuja penetração lhe é

proibida.

A promoção de consensos nacionais com ampla participação

da sociedade é uma medida de extrema importância, já que se tem conhecimento

que o tema drogas é daqueles que exigem uma ampla participação e envolvimento

da sociedade, para que se lhe possa conduzir melhor.

A preocupação com a conjugação de esforços entre governo e

sociedade aparece em diversos momentos na Política Nacional sobre Drogas,

elaborado pelo CONAD:

Fundamentar, no principio da responsabilidade compartilhada, a coordenação de esforços entre os diversos segmentos do governo e da sociedade, em todos os níveis, buscando efetividade e sinergia no resultado das ações, no sentido de obter redução da oferta e do consumo151.

Assim, verifica-se que o tema drogas exige compartilhamento

do conhecimento e uma estrita ligação entre as especialidades de vários setores.

Os estudos realizados na esfera sanitária (medicina, psiquiatria e farmacologia), bem como as pesquisas desenvolvidas na área das ciências humanas (antropologia, sociologia, história, psicanálise, psicologia),por exemplo, têm sido fundamentais no trato da questão152.

Os objetivos do SISNAD, segundo a Lei n. 11.343/2006:

150 BIANCHINI, Alice In GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 36. 151 ANDREUCCI, Ricardo A Legislação penal especial, 2007, p. 5. 152 ANDREUCCI, Ricardo A Legislação penal especial, 2007, p. 5.

63

• Contribuir para a inclusão social do cidadão, visando a torná-lo menos

vulnerável a assumir comportamentos de risco para o uso indevido de drogas,

seu tráfico ilícito e outros comportamentos correlacionados;

• Promover a construção e a socialização do conhecimento sobre drogas no

país;

• Promover a integração entre as políticas de prevenção do uso indevido,

atenção e re-inserção social de usuários e dependentes de drogas e de

repressão à sua produção não autorizada e ao tráfico ilícito e as políticas

públicas setoriais dos órgãos do Poder Executivo da União, Distrito Federal,

Estados e Municípios;

• Assegurar as condições para a coordenação, a integração e a articulação das

atividades de que trata o art. 30 da Lei n. 11.343/06.

Observa-se, assim, que a política nacional de combate as

drogas deflagrada pela Lei n. 11.343/06 percebe a necessidade de se consultar e

promover estudos acerca do consumo, da produção e da comercialização de drogas,

visto que eles estão estreitamente vinculados a fatores de vulnerabilidade do

indivíduo.

Segundo Sudbrack,

São os denominados fatores de risco, representados por circunstâncias sociais ou características da pessoa que a tornam mais vulneráveis a assumir comportamentos arriscados, como usar drogas e que se contrapõem aos fatores de proteção, que são aqueles que contrabalançam as vulnerabilidades, tornando a pessoa com menos chances de assumir esses comportamentos. Tanto um quanto outro são comuns ao indivíduo, na família, junto aos amigos, no trabalho, na escolha, enfim, na comunidade que habita ou freqüenta153.

De acordo com Gomes et al, a possibilidade de virem a ser

elaboradas, pelo SISNAD, ações descentralizadas constitui decisão com chance de

153 SUDBRACK, Maria F. Abordagem interdisciplinar. Disponível em: <http://obid.senad.gov.br/OBID>. Acessado em out/2008.

64

resultados práticos mais acentuados, visto que o problema relativo a drogas

necessita tanto de soluções de cunho nacional como de ações voltadas às

realidades locais, a partir de diagnósticos elaborados na região154.

3.3 O BALANÇO DAS MUDANÇAS NO CONTEXTO DA POLÍTICA NACIONAL SOBRE DROGAS

Gomes et al enfatizam que ao lado do reconhecimento dos

fatores de risco que levam o indivíduo ao uso das drogas há que se ressaltar a

importância da identificação dos fatores de proteção, os quais, se bem conhecidos e

se houver investimento para que eles se viabilizem, podem representar ganhos

significativos de prevenção155.

Neste sentido, tem-se a real intenção da Lei n. 11.343/06 ao

criar o SISNAD e ao modificar o paradigma que direcionava a legislação, até então,

ao combate as drogas. A prevenção foi frisada pelo legislador em várias passagens,

de maneira que uma política de combate eficiente e eficaz deve valorizar e buscar

reconhecer e (se possível abrandar) os fatores de risco que levam um indivíduo a

utilizar as drogas.

Para Pimenta a Lei n. 11.343/06:

[...] muda a concepção da política de combate às drogas no país, que tinha um cunho majoritariamente repressivo. Com a nova Lei foram aprimorados não apenas os mecanismos de repressão ao tráfico, mas instituídas diretrizes para uma verdadeira política de prevenção ao uso de drogas. Essa política tem como pontos básicos os princípios da redução do dano. Ou seja, a preocupação será, antes de tudo, com a prevenção e o tratamento dos usuários e dependentes, reconhecendo que o uso de drogas é, principalmente, um problema social e de saúde pública156.

Neste sentido, percebe-se que a referida Lei tenta implantar

uma substituição daquele punitivo, até então, vigente. Diante desta perspectiva,

Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro afirma que o usuário

154 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 53. 155 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 40. 156 PIMENTA, Paulo. Nova lei de drogas é marco histórico para o país, 2006.

65

que for flagrado com droga poderá ser obrigado também a comparecer a programas

ou cursos educativos. De acordo com esta Associação157:

A Lei determina que o Sistema Único de Saúde garanta atendimento aos viciados. O SISNAD será responsável pela coordenação das atividades de prevenção, tratamento e re-inserção social de usuários e dependentes de drogas, e também a repressão ao tráfico158.

Entretanto, o que se verifica na prática é a ausência de lugares

e mesmo de profissionais especializados para estar este tipo de atendimento. Desta

maneira, observa-se uma contradição da Lei n. 11.343/06, tendo em vista que não

há uma sintonia entre o disposto no diploma legal e as unidades de saúde.

Além disso, Sudbrack alerta que o fato de a dependência de

drogas representar uma questão de saúde,

[...] não significa que se trata apenas de um problema com causas físicas, orgânicas. A dimensão psíquica ou emocional, assim como os fatores de contexto, incluindo fatores sociais, culturais, familiares são igualmente importantes159.

Desta forma, verifica-se que uma política de combate às drogas

deve trabalhar com uma perspectiva transdisciplinar, ou seja, com a leitura de todas

as dimensões que envolvem o problema.

Nesta ótica, o SISNAD promove suas ações fundando-se me

informações dos Ministérios da Saúde, Educação, Justiça e de outros órgãos a fins,

buscando considerar uma diversidade de situações sem perder de vista a

globalidade do fenômeno e a singularidade de suas manifestações em cada sujeito

que se apresenta como dependente160.

A nova percepção legal vem ao encontro das conclusões de pesquisadores de várias áreas voltadas ao tema. O problema das drogas poderia ser amenizado, ou melhor, equacionado, quando os profissionais envolvidos articularem-se em um projeto comum,

157 AMPERJ. Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Usuários de drogas terão pena alternativa, 2006. Disponível em: <http://www.amperj.org.br> Acessado em out/2008. 158 AMPERJ. Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Usuários de drogas terão pena alternativa, 2006. 159 SUDBRACK, Maria F. Abordagem interdisciplinar. 160 SUDBRACK, Maria F. Abordagem interdisciplinar.

66

levando em conta a complexidade do assunto, da sociedade, do humano161.

Além disso, os dados estatísticos sobre o consumo e do tráfico

de drogas são indispensáveis para a elaboração de políticas tendentes à sua

redução. A confecção de um banco de dados é de extrema valia, pois, por meio

dele, pode-se verificar a eficácia das diversas ações realizadas, bem como a

extensão dos resultados.

Carvalho acrescenta que a orientação transdisciplinar e a visão

plural e complexa da sociedade e da rede de interações que envolve a questão das

drogas permitiu ultrapassar a histórica adoção de sistemas valorativos unívocos que,

em realidade, apenas reforçam determinados projetos morais. Assim, ao estudar o

homem, relacionado com seu ambiente plural, muda-se o foco para a prevenção, e

“[...] a repressão e fiscalização estarão dirigidas ao produto, à droga e à

regulamentação ou proibição da oferta’”162.

Gomes et al ressaltam que a preocupação com o equilíbrio

entre prevenção e repressão é perceptível, na Lei n. 11.343/2006, de inúmeros

dispositivos que rompem com a lógica repressiva. É o que ocorre em relação aos

arts. 1 a 30, 67,68 e 73163.

Segundo a referida Lei, cabe ainda lembrar que Estados e

Municípios, com apoio do governo, deveriam ampliar os serviços públicos para os

usuários de drogas. O próprio governo Federal se comprometerá, até o final de

2006, implantar 140 mil Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas

(CAPS-AD), todavia não se tem informação sobre estas realizações164.

Corroborando com estas críticas a Lei n. 11.343/06 encontram

as realizadas por profissionais da área de saúde, mais especificamente a

Associação Brasileira de Psiquiatria que adverte que na prática, são necessários

grandes investimentos para tratamento adequado dos dependentes químicos, tendo

161 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 44. 162 CARVALHO, Salo. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminologico e dogmático. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006, p. 149. 163 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 45. 164 PIMENTA, Paulo. Nova lei de drogas é marco histórico para o país, 2006.

67

em vista que a nova legislação, discriminalizou o porte de entorpecente para

consumo próprio deixa de ser crime165.

Esta Associação complementa afirmando que:

É evidente que o legislador pretendeu com a medida “humanizar” a relação do usuário com a sociedade, a fim de evitar a marginalização do dependente, todavia ficaram faltando os subsídios para o tratamento do dependente químico166.

Neste sentido, percebe-se que a parceria Estado e sociedade ë

muito válida para o sucesso de políticas de drogas. É importante atribuir e conhecer

responsabilidades, bem como as suas limitações e, principalmente, ter-se em conta

os aspectos sociais de risco em relação ao uso e ao abuso de drogas. Assim, um

trabalho conjunto Estado e sociedade minimizariam os riscos de um indivíduo iniciar

seu caminho nas drogas.

Dimenstein lembra ao considerar o crescente aumento no

consumo de drogas entre os jovens que: ”[...] a droga pega, de fato, jovens sem

projeto de vida, sem sonhos, com baixa auto-estima, que vivem em lares

desestruturados — contexto que atinge uma parcela cada vez maior dos

adolescentes”. Logo políticas sociais de inclusão e redução da desigualdade social

são de suma importância para prevenir o uso da droga167.

Além disso, o autor acrescenta que:

[...] a ampla participação de jovens no mercado ilícito da droga também é verificada no tráfico paulista, onde os micro-traficantes são em sua maioria jovens entre 16 e 27 anos, que atuam como autônomos, e vivem basicamente da venda da maconha e crack. Constituem cerca de 80% dos presos por tráfico168.

Pesquisa encomendada pela Organização Internacional do

Trabalho, realizada no Rio de Janeiro, diagnosticou que as crianças estão sendo 165 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA. Crítica social: lei anti-droga é ridícula. Ago/2006. Disponível em: <http://www.abpbrasil.org.br>. Acessado out/2008. 166 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA. Crítica social: lei anti-droga é ridícula, 2006. 167 DIMENSTEIN, Gilberto. Soninha dá uma boa lição aos nossos filhos? Talvez. Folha de São Paulo. Cotidiano. 25/nov/2001, p. C8. 168 DIMENSTEIN, Gilberto. Soninha dá uma boa lição aos nossos filhos? Talvez, 2001, p. C8.

68

recrutadas para trabalhar no tráfico de drogas a partir de oito anos. Segundo a

pesquisa, a maioria dos menores de idade que ingressam no tráfico no Rio de

Janeiro tem 13 anos, sendo que os principais motivos que os levam ao tráfico são: a

identidade com o grupo, a adrenalina gerada pela atividade, a possibilidade de

ganhar muito dinheiro e os desejos de poder e consumo169.

Diante destes resultados Carvalho assevera que as medidas de

inclusão devem ser, normalmente, realizadas nas zonas consideradas de risco e são

tão mais eficazes quanto mais próximos os agentes públicos ou privados ligados às

ações preventivas estiverem dos grupos vulneráveis170.

A riqueza e a pluralidade das manifestações do mundo real demonstraram que a percepção e o impacto de determinadas experiências são sentidas de forma diversa, estabelecendo condutas distintas em cada indivíduo. Não por outro motivo que os grandes projetos que buscaram uniformizar respostas aos fenômenos das drogas e da violência fracassaram no choque com a diversidade do real171.

O conhecimento acerca das situações pessoais que levaram ao

abuso no uso de drogas é de fundamental importância para que se possa minimizar

ou anular os danos.

Neste contexto, Gomes et al complementam:

No lugar de buscar a imunização do sujeito às drogas, por obstáculo ou castigo, a Lei n. 11.343/2006 elege como um dos objetos de prevenção tomá-lo menos vulnerável a assumir comportamentos de risco, numa demonstração de maior consciência acerca dos aspectos que envolvem o tema172.

Assim, observa-se que a integração entre as políticas de

prevenção e de repressão previstas na Lei e as políticas públicas promovidas por

169 CARVALHO, Salo. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático, 2006, p. 138. 170 CARVALHO, Salo. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático, 2006, p. 138. 171 CARVALHO, Salo. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático, 2006, p. 138. 172 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 50.

69

órgãos do Poder Executivo constitui objetivo do SISNAD. Esta integração permite

dar mais eficácia às políticas desenvolvidas pelos diversos setores envolvidos.

Ainda sobre a eficácia das políticas públicas dirigidas ao

combate ao uso indevido e ao tráfico de drogas Gomes et al salientam que a Lei

6.368/76 representou um dos casos em que ocorreu uma incorporação irrefletida de

políticas de drogas de agências centrais, sem que houvesse uma preocupação com

o ambiente social local173.

Em outras palavras esta Lei adotou medidas distantes da

realidade nacional, logo não surtiram os efeitos esperados. Um exemplo disso foi à

premissa de promover o tratamento médico e psicológico do dependente de drogas,

visto que, no Brasil, são poucas as instituições gratuitas que prestam este serviço.

Neste sentido, estes autores atentam que, embora seja importante conhecer e se

integrar a estratégias internacionais para a re-inserção social do dependente é

necessário adequá-las a realidade nacional174.

No chamado tráfico ocasional a lei nova prevê uma causa de

diminuição da pena, que tem incidência retroativa.

Há, assim, que se fazer um esforço de alcançar o equilíbrio

entre as experiências internacionais no trato das drogas e a realidade nacional, a fim

de se efetivarem ações eficazes no combate ao uso indevido de drogas e, por

conseguinte ao tráfico de drogas.

Diante dos pontos discutidos neste capítulo, observa-se que o

papel do Estado nesse campo deve ser repensado. É notório que não há como

abandonar completamente a repressão, principalmente no que tange ao tráfico,

tendo em vista que este deve ser controlado e desestimulado. Todavia, mais

coerente será à conscientização geral da população em relação aos efeitos nefastos

que a droga traz para saúde e para a sociedade de um modo geral. É importante ter

em mente que quem alimenta o tráfico é o usuário, logo, pouco adianta prender o

173 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 43. 174 GOMES, Luiz F. et al Lei de drogas comentada, 2007, p. 43.

70

traficante, se a demanda continua em alta. Neste sentido, políticas sociais ajudarão

a prevenir o uso da droga.

71

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observou-se que no decorrer deste trabalho foram

apresentados conceitos e argumentações sobre o uso e o tráfico de drogas e a

evolução legislativa sobre esta temática no Brasil, com vistas ao seu combate.

O crime de tráfico de drogas, bem como o consumo da droga,

há muito tempo vem assolando a sociedade mundial, talvez num menor grau.

Todavia, após a década de 1960, verificou-se um aumento “espantoso” no número

de usuários de droga e, consequentemente, de traficantes.

Neste sentido, para o combate deste delito a grande maioria

dos países tem dedicado vastos investimentos financeiros. No Brasil constata-se que

o tráfico de drogas a cada dia arrasta um número maior de pessoas a criminalidade,

principalmente os jovens, no entanto tem se verificado que muito pouco tem sido

realizado para o combate efetivo deste problema.

A legislação brasileira, embora tenha, nos últimos anos,

buscado se atualizar diante do cenário internacional, ainda fica muito aquém do

esperado, uma vez que as políticas públicas direcionadas ao combate ao uso e ao

tráfico de droga tenham sido meramente repressivas. Em outras palavras, têm se

combatido os efeitos, danosos e violentos, do problema, sem se preocupar com as

suas causas.

A nova Lei Anti-droga, Lei n. 11.343/06, que entrou em vigor

em outubro de 2006 se mostrou polêmica, visto que deflagrou algumas divergências

de interpretação entre os doutrinadores, embora ainda seja cedo para se concluir se

a fadada lei é eficaz ou não no combate ao tráfico de drogas. Todavia, ela implantou

um novo paradigma no que tange a política publica de combate ao problema, uma

vez que, fundando-se em um modelo médico-psicológico, procura amenizar as

causas do problema, ou seja, quer tratar do usuário de drogas e punir o traficante.

Entretanto, cabe dizer que a política nacional de combate ao

uso e ao tráfico de drogas, em muitos casos, deixa de contemplar, ou mesmo, de dar

condições para que as medidas realmente sejam efetivadas, principalmente nos

72

pontos alusivos ao tratamento efetivo ao usuário, tendo em vista o sistema de saúde

precário que o Brasil oferece a sua população.

Neste sentido, o legislador, mesmo com o intuito de humanizar

o tratamento ao usuário, não equacionou as condições “reais” oferecidas pela

estrutura estatal de saúde, o que torna, aos olhos de muitos, uma lacuna, ou mesmo

uma utopia a aplicação de tal dispositivo.

É evidente que a Lei n. 11.343/06 traduz um avanço para

legislação, já que suplantaria a necessidade de colocar na prisão, exatamente o

criminoso e no hospital o “doente”. Porém, também é evidente que o Brasil carece

de mecanismos eficientes que lhe sustente nesta empreitada. Logo, a aplicação da

política nacional de combate ao uso e ao tráfico de drogas atual fica distante da

realidade nacional.

Ainda é relevante salientar que o cunho preventivo que a nova

política de combate a este problema adota deveria focalizar suas ações também e

principalmente, no plano social, isto é, o Estado deve prover as necessidades

referentes à saúde, a educação, ao trabalho com o fim de evitar que o jovem

“experimente” a droga, talvez isso custaria menos aos cofres públicos, do que o

cuidado aos traficantes que “circulam” no sistema carcerário nacional.

Diante de um tema tão polêmico e urgente para a sociedade,

este estudo recomenda como tema para trabalhos futuros o aprofundamento e os

efeitos, na sociedade, da aplicação da Lei n. 11.343/2006, bem como da política

pública de combate às drogas adotada.

Portanto, este trabalho espera ter contribuído para uma

reflexão sobre um tema que, embora muito discutido tem encontrado muitas

dificuldades para sua efetiva solução.

73

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