Políticas de Avaliação Em Larga Escala Na Educação Básica

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Políticas de avaliação em larga escala na educação básica: do controle de resultados à intervenção nos processos de operacionalização do ensino Flávia Obino Corrêa Werle* * Dra. em Educação; professora, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). E-mail: [email protected] Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 769-792, out./dez. 2011 Resumo Este artigo discute o panorama da educação brasileira, destacando os processos de avaliação em larga escala implementados nas décadas de 1990 e 2000. Faz referência aos três níveis (federal, estadual, municipal) em que estas avaliações operam, e sua abrangência desde os segmentos iniciais da Educação Básica até a Pós-graduação. Analisa os últimos cinco anos como fase de síntese, estruturação e consolidação de um quadro geral de ação política referente a processos externos de avaliação em larga escala no Brasil, o qual passa de um nível de diagnóstico, para o de significados pautados pelo pragmatismo e operacionalização. Palavras-chave: Avaliação externa. Sistema de ensino. Políticas públicas. Policies of large-scale assessment in basic education: from the control of the results to intervention in cases of operationalization of teaching Abstract This article discusses the panorama of education in Brazil, highlighting the processes of large-scale assessments implemented in the 1990s and 2000s. It refers to the three levels in which these assessments are operating (federal, state and municipal or macro, meso and micro), and their coverage from the initial segments of Basic Education to Postgraduate studies. It analyzes the last five years as a stage of synthesis, structure and consolidation of a general

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Políticas de Avaliação Em Larga Escala Na Educação Básica

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  • Polticas de avaliao em largaescala na educao bsica: docontrole de resultados interveno nos processos deoperacionalizao do ensinoFlvia Obino Corra Werle*

    * Dra. em Educao; professora, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).E-mail: [email protected]

    Ensaio: aval. pol. pbl. Educ., Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 769-792, out./dez. 2011

    ResumoEste artigo discute o panorama da educao brasileira, destacando os processos deavaliao em larga escala implementados nas dcadas de 1990 e 2000. Faz refernciaaos trs nveis (federal, estadual, municipal) em que estas avaliaes operam, e suaabrangncia desde os segmentos iniciais da Educao Bsica at a Ps-graduao.Analisa os ltimos cinco anos como fase de sntese, estruturao e consolidao deum quadro geral de ao poltica referente a processos externos de avaliao emlarga escala no Brasil, o qual passa de um nvel de diagnstico, para o de significadospautados pelo pragmatismo e operacionalizao.Palavras-chave: Avaliao externa. Sistema de ensino. Polticas pblicas.

    Policies of large-scale assessment in basiceducation: from the control of the results tointervention in cases of operationalization ofteachingAbstractThis article discusses the panorama of education in Brazil, highlighting theprocesses of large-scale assessments implemented in the 1990s and 2000s. Itrefers to the three levels in which these assessments are operating (federal,state and municipal or macro, meso and micro), and their coverage from theinitial segments of Basic Education to Postgraduate studies. It analyzes the lastfive years as a stage of synthesis, structure and consolidation of a general

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    framework for political action related to external processes of large-scaleassessment in Brazil, from a diagnostic level to the meanings guided bypragmatism and operationalization .Keywords: External evaluation. Education system. Public policies.

    Polticas de evaluacin en larga escala en laeducacin bsica: del control de resultados a laintervercin en los procesos de operacionalizacinde la enseanzaResumenEste artculo discute el panorama de la educacin brasilea y destaca los procesosde evaluacin en larga escala implementados en las dcadas de 1990 y 2000. Serefiere a tres niveles (federal, provincial y municipal) en que estas evaluacionesactan y su alcance desde los segmentos iniciales de la Educacin Bsica hasta elPosgrado. Analiza los ltimos cinco aos como fase de sntesis, estructuracin yconsolidacin de un cuadro general de accin poltica referente a procesos externosde evaluacin en larga escala en Brasil, el cual pasa de un nivel de diagnstico paraotro de significados pautados por el pragmatismo y la operacionalizacin.Palabras-clave: Evaluacin externa. Sistema de enseanza. Polticas pblicas.

    IntroduoProponho uma discusso1 acerca do Estado e suas manifestaes quais sejam, as

    polticas pblicas. Explico melhor, inspirada em Muller e Surel (2004), entendo que,nos dias de hoje, o Estado percebido atravs de sua ao. Estudar o Estado analisar a sua ao pblica, compreender suas lgicas de interveno, identificarsuas dinmicas articulaes com a sociedade. Falar do Estado referir-se a proces-sos e dispositivos poltico-administrativos que so tanto normativos como voltadospara a ao e coordenados ao redor de objetivos.

    A noo de quadro geral das polticas pblicas envolve duas dimenses ou duaslgicas, uma focada na ao e a outra, no sentido. Um programa de ao em polticaspblicas compreende uma combinao especfica de leis, de atribuies de crditos,de administraes e de pessoal voltados para a realizao de um conjunto de objetivosmais ou menos claramente definidos, enquanto que uma estrutura de sentido envol-ve a mobilizao de elementos de valor e de conhecimento, assim como instrumen-tos de ao particulares, com o fim de realizar objetivos construdos pelas trocasentre os atores pblicos e privados (MULLER; SUREL, 2004, p. 18-19).

    1 Uma primeira verso deste artigo foi apresentada em evento da Universidade Integrada Regional (URI)Frederico Westphalen, em 23 de julho de 2010.

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    Minha inteno traar o quadro geral das polticas pblicas brasileiras docampo da educao, rememorando as aes empreendidas, identificando a insti-tuio de polticas e estratgias de ao, e o sentido que pode ser apreendido doconjunto. Indico o panorama das polticas educacionais nas ltimas dcadas paraento apresentar o diferencial daquelas que operacionalizam e efetivam a realiza-o de objetivos educacionais proclamados nos ltimos anos. O foco principal soas aes do Estado relacionadas com a avaliao em larga escala da EducaoBsica. Refiro-me ao Estado brasileiro nos ltimos anos, especialmente conside-rando as aes estabelecidas, predominantemente, a partir de 2005, identificado-o com o sentido de modernizao, racionalidade e eficcia - eficcia, porqueassente na monoracionalidade, impe-se de forma independente dos contextosinstitucionais e organizacionais (LIMA; AFONSO, 2002, p. 23).

    Retomando aspectos legaisCom a finalidade de lembrar importantes elementos do quadro legal da educa-

    o brasileira e as modificaes scio-histricas que os tm impactado, apenas trsaspectos aqui sero considerados, a faixa de obrigatoriedade, as questes participa-tivas na educao e os procedimentos de avaliao em larga escala.

    Ampliao da faixa de obrigatoriedadeNos anos sessenta, com a Lei n. 4.024 (BRASIL, 1961), o ensino obrigatrio

    abrangia as quatro primeiras sries do primrio. O ingresso no ciclo ginasial exigiaaprovao em exame de admisso, o qual constitua barreira para a continuidadede estudos. Na dcada de 1970, com a Lei n. 5.692 (BRASIL, 1971), a obrigato-riedade passou para a faixa etria de 7 a 14 anos, abrangendo o ensino de 1.Grau, do qual j havia sido eliminado o exame de admisso, mas que enfrentava odesafio (apenas para citar um deles) de integrar e ofertar iniciao para o traba-lho articulada educao geral a todos os alunos.

    A dcada de 1980 caracteriza-se pelo processo de abertura poltica; no fim daditadura militar, incio dos anos oitenta, o Brasil convivia com alta inflao e um perodode estagnao econmica. O tecnicismo e a profissionalizao compulsria no ensino desegundo grau e a desarticulao entre os trs graus de ensino haviam chegado ao seulimite. A proposta de integrar a educao geral e a formao para o trabalho desde oprimeiro grau no atingira seus objetivos. A exigncia de profissionalizao em todos oscursos do ensino de segundo grau provocara desqualificao da formao de nvelmdio. A nao clamava por redemocratizao e desencadeava tal processo. Era mo-mento de intensas expectativas de participao e abertura dos processos de gesto daeducao, mobilizando a sociedade e os educadores. Em 1988, uma nova ConstituioFederal (BRASIL, 1988), a Constituio Cidad - deu espao para intenes e projetosabafados h muito, contemplando demandas de democratizao.

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    Se a dcada de oitenta foi de abertura poltica e de democratizao, a dcada de1990 foi de reformas do Estado, de parcerias entre Estado e sociedade civil, priva-tizaes e emergncia do Terceiro Setor. Ter presente este cenrio importantepara acompanhar as aes do Estado na educao ao longo deste perodo.

    A Constituio (BRASIL, 1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da EducaoNacional (LDBEN), Lei n. 9.394 (BRASIL, 1996), reafirmam o Ensino Funda-mental obrigatrio e gratuito, assegurando sua oferta para jovens e adultos quea ele no tiveram acesso, bem como a progressiva universalizao do EnsinoMdio gratuito. Avanando e dando sentido concreto a esta expectativa deextenso progressiva da obrigatoriedade para o Ensino Mdio, a Emenda Cons-titucional n. 59 (BRASIL, 2009) amplia a faixa de obrigatoriedade e gratuidadeestendendo-a dos 4 aos 17 anos. Verifica-se, portanto, que nos ltimos cin-quenta anos ocorreu uma considervel ampliao na faixa de responsabilizaodo Estado brasileiro quanto oferta de ensino obrigatrio e gratuito: anossessenta de 7 a 10 anos e, em 2009, passa a abranger dos 4 aos 17 anos.

    Quadro 1 Ampliao da faixa de obrigatoriedade do ensino no Brasil -1961 2010.

    Fonte: A autora (2010).

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    Gesto democrtica e garantia de padro dequalidade como principios da educao

    No que se refere ao processo de democratizao da educao cabe lembrar umdos captulos da Constituio (BRASIL, 1988), o terceiro, que explicita aes no cam-po educacional, proclama princpios de igualdade de acesso e permanncia na escola,gratuidade, liberdade, garantia de padro de qualidade e gesto democrtica.

    A Constituio (BRASIL, 1988) inova fortemente na afirmao da gesto demo-crtica e no tratamento dos componentes da federao para os quais ela defineparidade, simetria, entre os trs entes federados, Estados, Municpios e Unio. Ouseja, a possibilidade dos municpios constiturem seus sistemas de ensino de formamais autnoma, embora referenciados ao quadro regulatrio nacional, uma foraemergente importante a partir da Constituio Federal (BRASIL, 1988):

    Art. 211 - A Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpiosorganizaro em regime de colaborao seus sistemas de ensino. 1 A Unio organizar o sistema federal de ensino e o dosTerritrios, financiar as instituies de ensino pblicas fe-derais e exercer, em matria educacional, funo redistri-butiva e supletiva, de forma a garantir equalizao de opor-tunidades educacionais e padro mnimo de qualidade doensino mediante assistncia tcnica e financeira aos Esta-dos, ao Distrito Federal e aos Municpios. 2 Os Municpios atuaro prioritariamente no ensino fun-damental e na educao infantil. 3 Os Estados e o Distrito Federal atuaro prioritariamenteno ensino fundamental e mdio. 4 Na organizao de seus sistemas de ensino, os Estadose os Municpios definiro formas de colaborao, de modoa assegurar a universalizao do ensino obrigatrio.

    Obrigatoriedade mais extensiva e o incentivo gesto democrtica so elemen-tos importantes, mas preciso tambm ressaltar a grande responsabilidade da Unio,mencionada na Constituio Federal (BRASIL, 1988), no que se refere a assegurarum padro mnimo de qualidade. Na Lei n. 9.394 (BRASIL, 1996), o tema da qua-lidade reafirmado e enfatizado. A ampliao da obrigatoriedade tem implicaesno padro mnimo de qualidade, o qual especificado na LDBEN (BRASIL, 1996),artigo 4, inciso IX, quando refere o dever do Estado em garantir

    IX - padres mnimos de qualidade de ensino, definidoscomo a variedade e quantidade mnimas, por aluno, deinsumos indispensveis ao desenvolvimento do processode ensino-aprendizagem.

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    Gesto democrtica, obrigatoriedade e qualidade do ensino so aspectos cen-trais da ao do Estado na Educao Bsica brasileira o que exige, para sua efetiva-o, a colaborao entre os entes federados2. A Unio reafirmada como a instn-cia coordenadora da poltica educacional, o que fica explicitado no artigo 8 daLDBEN (BRASIL, 1996). Dentre suas incumbncias est a de assegurar o processonacional de avaliao do rendimento escolar no ensino Fundamental, Mdio e Supe-rior, em colaborao com os sistemas de ensino, objetivando a definio de priori-dades e a melhoria da qualidade do ensino, bem como assegurar processo nacionalde avaliao das instituies de Educao Superior, a avaliao de cursos das IES,para o que dever ter acesso a todos os dados e informaes necessrios de todosos estabelecimentos e rgos educacionais (BRASIL, 1996, artigo 9, incisos VI, VIII, 2). Portanto, no que se refere avaliao a Unio tem um papel determinante nocontexto da organizao federativa nacional.

    Avaliao em larga escala: retrospecto deiniciativas

    no ano de 1988 que so ensaiadas as experincias de avaliao em larga escala naEducao Bsica que, com reformulaes importantes, ainda hoje esto em vigor. O Mi-nistrio da Educao (MEC) realiza uma aplicao piloto do Sistema Nacional de Avaliaodo Ensino Pblico (Saep) de 1 grau, nos estados do Paran e Rio Grande do Norte. Ora,duas eram as foras impelindo a educao no sentido de fortalecer os procedimentos deavaliao. Por um lado, o Banco Mundial demandava a anlise de impacto do ProjetoNordeste realizado no mbito do acordo entre o MEC e o Banco Internacional para Re-construo e Desenvolvimento (Bird)3 e, por outro, o MEC tinha interesse em realizar umaavaliao mais ampla do ensino pblico. Como afirma Bonamino (2002, p. 94), haviainteresses e uma certa paternidade dos agentes internos sobre este sistema de avaliao,com o que Peroni (2003) tambm concorda por identificar nas discusses sobre a educa-o nos anos oitenta os temas de democratizao, transparncia de gesto e qualidade.

    Em 1990, inicia o 1 ciclo Saep, desenvolvido de forma descentralizada pelosestados e municpios. Com a participao ativa de professores e tcnicos das Secre-tarias de Educao, desenvolvem-se os ciclos de 1990 e 1993, tanto no tratamentocomo na anlise dos dados, conforme princpio de descentralizao operacional eorganizativa. a partir de 1992 que a avaliao externa em larga escala passa pararesponsabilidade do Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais AnsioTeixeira (Inep), rgo do MEC. Nesta poca, paralelamente, iniciam as primeirasexperincias de avaliaes em nvel estadual (BONAMINO, 2002, p. 64).

    2 Mais adiante neste texto, demonstra-se que, alm do regime de colaborao entre a Unio, os Estadose os Municpios e Distrito Federal, as organizaes no governamentais se constituem tambm comoagentes no espao das polticas educacionais brasileiras.

    3 International Bank for Reconstruction and Development que constitui com outros organismosde ajudae desenvolvimento internacional o Banco Mundial.

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    No ano de 1993, desenvolve-se o 2 ciclo Saep, mantendo a perspectiva participa-va da fase anterior. Nesta fase, o Inep convoca especialistas em gesto escolar, curr-culo e docncia de Universidades para analisar o sistema de avaliao, buscando assimlegitimidade acadmica e reconhecimento social (BONAMINO, 2002, p. 100).

    no ano de 1995, entretanto, que o sistema de avaliao assume um novo perfilreforado por emprstimos com o Banco Mundial (BM), e pela a terceirizao deoperaes tcnicas, passando a chamar-se Sistema de Avaliao da Educao Bsica(Saeb). A partir da, as funes do MEC se restringem definio dos objetivos geraisdo Sistema de Avaliao, os professores da Universidade passam a ter posio subal-terna, bem como as administraes locais veem reduzida sua ao ao simples apoiologstico na fase de aplicao das provas. A partir de 1995, portanto, ocorre umareordenao na avaliao em larga escala da educao bsica na direo de umacentralizao de decises na Unio e um correspondente afastamento da participaodos Estados o que refora que estes criem suas prprias estruturas avaliativas.

    A avaliao passa a ocorrer de dois em dois anos, focando dois componentes curricu-lares: Portugus (leitura) e Matemtica (soluo de problemas). A caracterstica do Saeb ser uma avaliao amostral de 4 e 8 sries do Ensino Fundamental e de 3 ano do EnsinoMdio, envolvendo estudantes das redes pblicas e privada, de zonas urbanas e rurais,oferecendo informaes passveis de serem tratadas por localizao rural ou urbana, pordependncia administrativa, por unidade da federao, por regio e na totalidade do pas.

    Cabe ressaltar que, no final do ano de 1996, a Lei N. 9.394 (BRASIL, 1996) promulgada, reafirmando o papel da avaliao externa e tornando imperativo oprocesso de avaliao, exigindo sua universalizao, conforme contedo do

    Art. 87. instituda a Dcada da Educao, a iniciar-se umano a partir da publicao desta Lei. [...] 3 Cada Munic-pio e, supletivamente, o Estado e a Unio, dever: [...] IV -integrar todos os estabelecimentos de ensino fundamentaldo seu territrio ao sistema nacional de avaliao do rendi-mento escolar (BRASIL, 1996).

    No ano de 1996, outro importante passo foi dado, agora no sentido do financiamentoda Educao Bsica, assegurando condies para a qualidade da educao e o provimentode insumos insdispensveis em quantidade e variedade. Trata-se da Emenda Constitucional14 (BRASIL, 1996a), que cria o Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fun-damental e de Valorizao do Magistrio (Fundef), implementado em 1998 com vignciaat 2006, visando garantir um valor por aluno, correspondente a um padro mnimo dequalidade de ensino, o qual, definido nacionalmente, assegura tambm recursos para opagamento de professores em efetivo exerccio no magistrio no ensino fundamental. Dezanos depois, considerando a expectativa de ampliao da obrigatoriedade ao Ensino Mdio

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    e Educao Infantil, a Emenda Constitucional n. 53 (BRASIL, 2006) cria o Fundo deManuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de Valorizao dos Profissionais daEducao (Fundeb), regulamentado pela Lei n. 11.494 (BRASIL, 2007) e pelo Decreto n.6.253 (BRASIL, 2007), com vigncia de 2007 at 2020.

    Os mecanismos de financiamento do ensino so relevantes por asseguraremrecursos para o cumprimento da orbigatoriedade, a melhoria da qualidade do ensi-no, a qualificao da Educao Bsica, um valor por aluno e incremento da remune-rao docente. Ou seja, estes mecanismos do sentido aos princpios declarados naconstituuio (BRASIL, 1988) e na LDBEN (BRASIL, 1996), pois so uma dimensoque possibilita a valorizao do professor, das escolas e da educao.

    O sistema de avaliao vinha, portanto, se desenvolvendo ao longo da dcada de1990, e, paralelamente, a ele contribuindo para sua consolidao e revises os me-canismos de financiamento se consolidaram na legislao educacional.

    A avaliao em larga escala, entretanto, na dcada de 1990 se desdobra em mul-tiplas modalidades. A avaliao da Educao Bsica, que se reduzia ao Saeb, amostral,focado em competncias em leitura e matemtica, passa a contar, em 1998, comoutro instrumento, agora institudo com o objetivo de verificar o comportamento desada do ensino mdio, o Exame Nacional do Ensino Mdio (Enem). Este extrapola oobjetivo de avaliar as aprendizagens realizadas pelos concluintes do Ensino Mdio nomomento em que subsidia a engrenagem organizada nacionalmente para o ingressono sistema federal de Educao Superior pblica, substituindo, em muitos casos, aprtica do vestibular como forma de seleo para o ingresso no Ensino Superior.

    O Enem foi recebido, inicialmente, com descrdito por parte das Universidades, ecom reaes contrrias, inclusive por parte dos estudantes. Uma das dificuldades erao pagamento de taxas para sua realizao, frente ao que algumas secretarias de edu-cao se dispuseram a arcar com os custos de inscrio dos estudantes das escolaspblicas. Entretanto, o Enem foi progressivamente adquirindo espao e fora emdecorrncia de trs eixos de questes. Primeiro, com a adeso de Universidades quepassaram a considerar os resultados obtidos pelos estudantes para o ingresso noEnsino Superior, em segundo lugar, com o Programa Universidade para Todos (ProU-ni) cujo critrio de ingresso no Ensino Superior apenas considera os resultados doEnem e, em terceiro lugar, com a implantao do Sistema de Seleo Unificada (Sisu)4.

    4 O Sisu gerenciado pelo MEC. Por meio deste sistema informatizado, so selecionados candidatos a vagas emcursos de graduao disponibilizadas pelas instituies pblicas de Educao Superior participantes. As IESassinam um Termo de Participao que o instrumento por meio do qual a instituio pblica de educaosuperior formaliza sua opo pelo Sisu para a seleo e a ocupao das vagas nele inseridas. As IES que participamdo Sisu utilizam a nota do Enem como nica fase de seu processo seletivo. Os candidatos podem escolher at duasopes de curso de IES participantes do Sisu. Ao final do prazo de inscrio, o sistema seleciona automaticamenteos candidatos melhor classificados em cada curso, de acordo com suas notas no Enem. So selecionados somenteos candidatos classificados dentro do nmero de vagas ofertadas pelo Sisu em cada curso.

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    O Sisu, criado e gerenciado pelo MEC uma estratgia importante de fortalecimentoe institucionalizao do Enem. O Sisu consolida os resultados do Enem como prova nicade seleo para instituies de Ensino Superior. Cada vez mais Instituies de EnsinoSuperior (IES) pblicas, Universidades Federais, Universidades Estaduais e Institutos fede-rais de educao, cincia e tecnologia, bem como IES particulares adotam o Enem comoprocesso de seleo para ingresso em seus cursos de graduao. Os candidatos aos cursosdas IES pblicas participantes do SISU submetem-se a um processo centralizado de ofertade vagas, o que passa a configurar um sistema nacional de Ensino Superior pblico.

    No ano de 1999, o Saeb inclui, alm de Leitura e Matemtica, a avaliao em dois outroscomponentes curriculares, Histria e Geografia, o que no foi sustentado ao longo dos anos.Ademais, alm de instrumentos cognitivos, provas, a avaliao envolve instrumentos contex-tuais, questionrios, cujo contedo inclui a escola e a infraestrutura, equipamentos e mate-riais, o perfil diretor e os mecanismos de gesto, os professores, seu perfil e suas prticas e,quanto aos alunos, suas caractersticas socioculturais e sua habilidade de estudo.

    Concomitantemente, nos anos de 1997 e 1998, verifica-se a participao do Brasilem projetos internacionais de avaliao em larga escala sob a coordenao da Oficina daUnesco-Orelac5, prenunciando nova fase na sistemtica de avaliao da Educao Bsi-ca. no ano 2000 que o Brasil passa a participar do Programa Internacional de Avaliaode Estudantes (Pisa)6, organizado pela Organizao para a Cooperao e o Desenvolvi-mento Econmico (OCDE, o qual se realiza, a partir desta data, de trs em trs anos.

    Nos anos noventa, portanto, os processos de avaliao em larga escala se difun-dem e passam a operar em sistemas educativos de vrios pases. Se, no final dosanos oitenta e incio dos noventa os procedimentos de avaliao eram incipientes eo MEC neles envolvia agentes dos sistemas de ensino e docentes do ensino superior,aps 1995 a avaliao reforada, terceirizada e consolidada como ao do poderpblico federal separando os diferentes nveis em que a avaliao da Educao B-sica se processa. Apesar da centralizao no Inep do sistema de avaliao, os Estadoscriam suas prprias modalidades de avaliao, assim como alguns municipios.

    5 A Unesco um organismo especializado do sistema das Naes Unidas. A Unesco fundou-se a 16 denovembro de 1945 com o objetivo de contribuir para a paz e a segurana no mundo mediante aeducao, a cincia, a cultura e as comunicaes. Seu principal objetivo reduzir o analfabetismo nomundo. Incluem-se entre seus objetivos: a formao de professores, a criao de escolas, pesquisaspara orientar a explorao dos recursos naturais, programas de preservao do patrimnio cultural ebens naturais alm do desenvolvimento dos meios de comunicao. A Unesco atua em 112 pases.Oficina Regional de Educacin para Amrica Latina y el Caribe (Orelac)

    6 Programme International Student Assessment (Pisa) avalia jovens de 15 anos, no final da escolaridadeobrigatria, qualquer que seja o tipo de escola em que estudem, focando temas que estes jovensnecessitaro no futuro e avaliando como os jovens operam com os conhecimentos e aprendizagens. Ocontedo corresponde s reas da leitura, matemtica e cincias. O Pisa uma prova que aplicada acada trs anos, com um enfoque dominante em cada aplicao: em 2000 a nfase esteve na leitura; em2003, na matemtica; em 2006, em cincias; em 2009, novamente na leitura. A nfase em determi-nada rea se d pelo fato de que dois teros da parte do tempo da avaliao (2 horas) est destinada aessa rea. O Pisa no objetiva [...] medir o alcance da formao geral moderna ou delinear o perfil deum currculo internacional (AMARAL, 2008, p. 38).

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    Na entrada do sculo XXI, o Brasil submete-se a avaliaes internacionais e, justamente no incio deste sculo que a avaliao fortemente includa nos proces-sos de planejamento educacional.

    Avaliao em larga escala: refernciasdo Plano Nacional de Educao

    No ano de 2001, promulgado, pela Lei n. 10.172 (BRASIL, 2001), o PlanoNacional de Educao (PNE), elaborado com a participao da sociedade, de associ-aes e entidades de educadores e que, embora com criticas, foi concebido numprocesso de discusso democrtica. O PNE desde a introduo anuncia a importn-cia dos sistemas de avaliao em todos os nveis de ensino. A proposta umaavaliao definida como prioridade associada ao desenvolvimento de sistemas deinformao e de avaliao em todos os nveis e modalidades de ensino, de forma aaperfeioar os processos de coleta e difuso dos dados e de aprimoramento dagesto e melhoria do ensino.

    Nas diretrizes para o Ensino Fundamental, o PNE reafirma a necessidade deconsolidar e aperfeioar o Censo Escolar e o Saeb e de criar sistemas complementa-res nos estados e municpios, explicitando, dentre seus objetivos e suas metas, anecessidade de articular as atuais funes de superviso e inspeo no sistema deavaliao, bem como a importncia de:

    Assegurar a elevao progressiva do nvel de desempenhodos alunos, mediante a implantao, em todos os sistemasde ensino, de um programa de monitoramento que utilizeos indicadores do Sistema Nacional de Avaliao da Edu-cao Bsica e dos sistemas de avaliao dos estados emunicpios que venham a ser desenvolvidos (BRASIL, 2001,no paginado, grifo nosso).

    Com relao a diretrizes para o Ensino Mdio, o PNE destaca que essencial parao acompanhamento de resultados e correo de equvocos o estabelecimento deum sistema de avaliao semelhana daquele do ensino fundamental, pois o Saeb,o Enem e os demais sistemas estatsticos so importantes mecanismos para promo-ver a eficincia e a igualdade no Ensino Mdio. Destaca-se que o Enem tinha sidocriado recentemente, em 1998, quando da aprovao do PNE, em 2001, e neste oEnem saia reforado, assim como o Saeb, mais antigo e consolidado como propostade avaliao externa da educao.

    Quanto ao Ensino Superior, o Plano (BRASIL, 2001) define metas relativas suaexpanso, alm de recomendaes de institucionalizao de um amplo sistema deavaliao associado ampliao dos programas de ps-graduao. Prope tambm

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    a criao de programas de fomento para que as prprias instituies de EnsinoSuperior constituam seus sistemas de avaliao institucional e de cursos, de formaa elevar os padres de qualidade do ensino, da extenso e da pesquisa, programasestes, na medida do possvel, nacionalmente articulados. O objetivo era associar aautonomia das Instituies, o reconhecimento e recredenciamento de cursos aosresultados das avaliaes.

    H que ressaltar que o Ensino Superior, anteriormente ao PNE, desde 1996,vinha sendo avaliado pelo Exame Nacional de Cursos (ENC), usualmente chamado deProvo. Portanto, quando da aprovao do PNE, j existiam estratgias de avaliaode ampla envergadura relativas ao Ensino Fundamental, Mdio e Superior Saeb,Enem, ENC/Provo. O PNE refora todos estes mecanismos de avaliao e, ao indi-car objetivos e metas, direciona e encaminha para a sua operacionalizao.

    Quanto formao de professores e valorizao do magistrio, o PNE apresenta umamplo cenrio, destacando a importncia da avaliao do desempenho dos professo-res na configurao da carreira do magistrio. Dentre os objetivos e as metas para aformao de professores, inclui a promoo, em colaborao com os Municpios, Esta-dos e Unio, de avaliao peridica da qualidade da atuao dos professores para ofere-cer subsdios que possam orientar programas de formao continuada de docentes.

    Da mesma forma, no tpico de Financiamento e Gesto, estava anunciada arelevncia da avaliao e do aprimoramento dos sistemas de informao, das basesde dados educacionais, dos processos de coleta e armazenamento de dados censit-rios e de estatsticas da educao nacional.

    Desta maneira, poder-se- consolidar um sistema de avali-ao indispensvel para verificar a eficcia das polticaspblicas em matria de educao. A adoo de ambos ossistemas [de informao e de avaliao] requer a formaode recursos humanos qualificados e a informatizao dosservios, inicialmente das secretarias, mas com o objetivode conect-las em rede com suas escolas e com o MEC(BRASIL, 2001, no paginado).

    Dentre os objetivos e as metas de gesto e financiamento, o PNE especifica que preciso estabelecer programas de formao de pessoal tcnico para os setores deinformao, de estatsticas educacionais, de planejamento e de avaliao.

    38. Consolidar e aperfeioar o Sistema Nacional de Avalia-o da Educao Bsica SAEB e o censo escolar. [...] 39.Estabelecer, nos Estados, em cinco anos, com a colabora-o tcnica e financeira da Unio, um programa de avalia-o de desempenho que atinja, pelo menos, todas as esco-

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    las de mais de 50 alunos do ensino fundamental e Mdio.[...] 40. Estabelecer, nos Municpios, em cinco anos, pro-gramas de acompanhamento e avaliao dos estabeleci-mentos de educao infantil. 41. Definir padres mnimosde qualidade da aprendizagem na Educao Bsica numaConferncia Nacional de Educao, que envolva a comuni-dade educacional (BRASIL, 2001, no paginado).

    A prpria avaliao do PNE (BRASIL, 2001, no paginado) deve valer-se de

    [...] dados e anlises qualitativas e quantitativas fornecidospelo sistema de avaliao j operado pelo Ministrio daEducao, nos diferentes nveis, como os do Sistema deAvaliao da Educao Bsica SAEB; do Exame Nacionaldo Ensino Mdio ENEM; do Sistema de Avaliao do Ensi-no Superior (Comisso de Especialistas, Exame Nacional deCursos, Comisso de Autorizao e Reconhecimento), ava-liao conduzida pela Fundao/Coordenao de Aperfei-oamento de Pessoal de Nvel Superior CAPES.

    Os destaques acima reafirmam o quanto o PNE, no inicio da dcada de 2000, acentuao reforamento de sistemas de avaliao em larga escala j em andamento no pas, incen-tiva todas as instncias do Estado e estabelecimentos de Ensino Superior a desenvolversistemas prprios de avaliao e aponta para a importncia de integrar e aproveitar infor-maes acumuladas nos bancos de dados do MEC decorrentes das avaliaes j efetivadasdo ensino fundamental ps-graduao. Por outro lado, o PNE anuncia, tambm, queoutras estratgias de avaliao seriam propostas com objetivos mais focados em escolas ecursos; que funes de superviso e inspeo seriam articuladas a mecanismos de avalia-o e que estratgias de monitoramento seriam criadas para assegurar a elevao do nvelde desempenho dos estudantes e para verificar a eficcia das polticas educacionais.

    Ademais, na avaliao do Plano, est indicada a recomendao de envolvimentoda sociedade civil e dos grupos diretamente interessadas e responsveis pelos direi-tos da criana e do adolescente, de forma a realizarem o acompanhamento e aavaliao do Plano Nacional de Educao. Ora, esta referncia expressa elementosdecorrentes das reformas do Estado ocorridas na dcada de 1990 em direo suaarticulao com o terceiro setor, com a sociedade civil e o fomento de parcerias.

    O PNE, portanto, em suas diretrizes, suas metas e seus objetivos indicava proces-sos extensivos de avaliao em todos os nveis e delineava formas de operacionaliz-los, indicando aes que, no decnio, foram sendo desenvolvidas e implementadas.

    Argumentamos at agora que, nos anos oitenta, grandes foram as demandas pordemocratizao da sociedade brasileira e da educao, que o acesso escola e a concepo

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    de faixa etria de obrigatoriedade foi sendo revista e que mecanismos de avaliao externaforam se estruturando, consolidando e diversificando de forma a envolver todos os nveisde ensino. O Estado em ao, portanto, apresentou um movimento de democratizao,incluso e atendimento mais amplo acompanhado de preocupaes com a gesto, avalia-o e acompanhamento da qualidade do ensino. Modificava-se, entretanto, a composiodos agentes que promoviam as polticas publicas e aes do Estado.

    Articulaes da sociedade com as questes daeducao

    A articulao com a sociedade civil sugerida como mecanismo para acompanha-mento e avaliao do PNE vinha j ocorrendo, de forma ampla e diversificada, nosanos noventa, sendo incrementada, especialmente nos anos 2000, tanto pela prolife-rao de fundaes, de organizaes no governamentais (ONGs) e outros tipos deorganizaes da sociedade civil envolvidas com a educao, como pela ampliao doespao da mdia como interlocutora e difusora da ao do Estado. No demaislembrar que, em 1998, foi criado o Programa dos Voluntrios das Naes Unidas noBrasil, administrado pelo Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (Pnud),dentro do sistema da Organizao das Naes Unidas (ONU). tambm o Pnud que,para aferir o grau de desenvolvimento do pas, utiliza o ndice de DesenvolvimentoHumano (IDH), e que lana, em 1998, o Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil,com o IDH de todos os municpios brasileiros. Esta referncia explicita uma parte datrama de relaes de agncias nacionais e internacionais e a progressiva incorporaode indicadores e propostas relacionadas ao voluntariado e ao solidarismo em polticasde ao do Estado, seja no mbito dos sistemas de ensino, seja no das escolas.Soexemplos de envolvimento da iniciativa privada e da sociedade civil em aes de esco-las pblicas brasileiras as aes do Instituto Ayrton Senna7, incluindo Programas comoAcelera Brasil lanado em 1997 -, Se Liga, Circuito Campeo, Gesto Nota 10,SuperAo Jovem, Educao pela Arte, Educao pelo Esporte, Escola Conectada, dentreoutros. O projeto Amigos da Escola8 da Rede Globo em parceria com o Instituto Brasil

    7 O Instituto Ayrton Senna uma Organizao no-governamental (ONG ), sem fins lucrativos, fundadaem 1994 com o objetivo de promover o desenvolvimento humano de crianas e jovens, em cooperaocom empresas, governos, prefeituras, escolas, universidade e ONGs. So aliados do Instituto AyrtonSenna: Brasil Telecom, Intel, Microsoft, Nvea, Oracle, Siemens, Suzano Celulose e Papel, Vale,Instituto Votorantin, Instituto Unibanco, Instituto Vivo, Instituto Coca-Cola do Brasil, Copersucar,Credicard, Grendene, dentre outros. O Instituto cria, implementa, avalia e sistematiza tecnologiassociais voltadas para a educao formal, educao complementar e educao e tecnologias. Os progra-mas do Instituto Ayrton Senna apresentam-se como solues educacionais em grande escala paraajudar a combater os principais problemas da educao pblica do Pas e muitos deles so institudoscomo polticas pblicas em redes de ensino do pas. A Organizao das Naes Unidas para a Educao,Cincia e Cultura (Unesco) concedeu, em 2003, o ttulo de Ctedra em Educao e DesenvolvimentoHumano ao Instituto Ayrton Senna devido ao trabalho de criao, implementao, avaliao e disse-minao em larga escala de tecnologias sociais em desenvolvimento humano.

    8 Amigos da Escola um projeto criado pela Rede Globo de televiso e parceiros, com o objetivo decontribuir para o fortalecimento da educao e da escola pblica de educao bsica, procurandoenvolver especialmente pais e pessoas da comunidade em aes dentro das escolas pblicas.

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    Voluntrio - Faa Parte9, Conselho Nacional de Secretrios de Educao (Consed), eUnio Nacional dos Dirigentes Municipais de Educao (Undime), outro exemplo.Aes da sociedade civil vm, progressivamente, se multiplicando na forma de parce-rias pblico-privadas, voluntariado, fundaes voltadas para o desenvolvimento e paraa educao, dentre outras formas.

    Dentre as iniciativas da sociedade civil intervenientes na educao escolar, desta-ca-se o movimento Todos Pela Educao que articula representantes da sociedadecivil, da iniciativa privada, organizaes sociais, educadores e gestores da educaopblica com a proposta de garantir Educao Bsica de qualidade para todos os bra-sileiros at 2022, bicentenrio da independncia do Pas. Este movimento foi iniciadoem 2005, por figuras de destaque do mundo empresarial, tendo sido nacional e ofici-almente lanado em setembro de 2006. O Todos Pela Educao (2010) se auto-referecomo um projeto de nao e no como projeto de uma organizao especfica. Omovimento definiu cinco metas para a educao a serem alcanadas at 2022, quaissejam: 1) Toda criana e jovem de 4 a 17 anos estar na escola10; 2) At 2010, 80% e,at 2022, 100% das crianas de 8 anos de idade estaro plenamente alfabetizadas; 3)Todo aluno aprender o que apropriado para a sua srie11; 4) Todo aluno concluir oEnsino Fundamental at os 16 anos de idade e o Ensino Mdio at os 19 anos; 5) Oinvestimento em educao deve ser garantido e gerido de forma eficiente e tica.

    A articulao das aes do Estado com a sociedade civil propiciou mdia ocu-par, progressivamente, espao e legitimidade na divulgao de polticas, informa-es, projetos e aes relativas educao. Um momento tpico do espao ocupadopela mdia na divulgao de polticas educacionais foi o lanamento do Plano deDesenvolvimento da Educao (PDE), em abril de 2007. Ao lado de notcias emjornais e revistas de grande circulao, o site do MEC informava as 28 estratgias doPDE com cones apresentando imagens simples, estilizadas e infantilizadas, as quaisconduziam a textos breves, em linguagem simples, assinados por jornalistas. Ouseja, a prtica de autoridades da hierarquia e nomes respeitados da educao naci-

    9 O Instituto Brasil Voluntrio tem sede em So Paulo; mantido pelo Banco Ita, Banco Real, Dpaschoal,Coteminas, Goodyear, MEC, Consed, Amigos da Escola, Unesco, Undime, TAM. O Instituto Faa Partefundado em 2001, tem como patrocinadores o Banco Ita, Coteminas, Dpaschoal, Goodyear, TAM ecomo parceiros Amigos da Escola, ONU, MEC, Pnud, Undime, Consed, Fundao Ita Social. O InstitutoBrasil Solidrio (IBS) - uma organizao sem fins lucrativos, ou seja, uma Organizao da SociedadeCivil de Interesse Pblico (Oscip) - que tem como objetivo o desenvolvimento de programas sociais emcomunidades desfavorecidas e com baixo ndice de Desenvolvimento Humano (IDH). Objetiva o desen-volvimento territorial sustentvel, atravs da educao com foco na alfabetizao, sade, preservaodo meio-ambiente, incentivo cultura, arte, crdito e empreendedorismo.

    10 Destaca-se que apenas em 2009, com a Emenda Constitucional 59 (BRASIL, 2009), esta ampliao dafaixa etria foi incorporada na legislao.

    11 O impacto do movimento Todos Pela Educao na ao dos sistemas escolares e polticas educacionaispode ser avaliado, por exemplo, na seguinte especificao: O movimento Todos Pela Educao definiu,a partir da anlise de especialistas em avaliao educacional, a pontuao mnima considerada adequa-da s sries: 4 srie EF - Lngua Portuguesa: acima de 200 pontos. Matemtica: acima de 225 pontos;8 srie EF - Lngua Portuguesa: acima de 275 pontos. Matemtica: acima de 300 pontos; 3 srie EM- Lngua Portuguesa: acima de 300 pontos. Matemtica: acima de 350 pontos (TODOS PELA EDUCA-O, 2010).

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    onal apresentar as aes de polticas, legitimando-as, d lugar linguagem corri-queira, expressa em estratgia segmentada para todos os pblicos. A divulgao doExame Nacional de Ingresso no Magistrio, em 24 de maio de 2010, seguiu estrat-gia semelhante. O mundo educacional e acadmico foi surpreendido com a infor-mao de que havia sido instituda uma prova para avaliar profissionais que tives-sem concludo ou estivessem em vias de concluso de cursos de formao inicialpara a docncia e que desejassem ingressar na carreira do magistrio, tomandoconhecimento pela divulgao que foi dada pelos meios de comunicao. As prti-cas de discusso com associaes de profissionais da educao do contedo daspolticas e de divulgao para o corpo profissional dos sistemas de ensino, medianteestratgias planejadas com foco neste pblico especfico, que tem responsabilidadeimportante em tornar ato as polticas educacionais formuladas pela hierarquia dossistemas, so abandonadas na primeira dcada do sculo XXI.

    Esta explicao referente ao papel dos movimentos da sociedade civil relevan-te, pois atualmente as aes de polticas pblicas e, portanto do Estado, esto pro-gressivamente a eles articuladas. O Estado abre a estas organizaes espao parainterveno nos processos escolares enquanto que, como poder pblico, assume,delimita e aprofunda aes de regulao.

    Avaliao em larga escala: aes da dcada de 2000Na primeira dcada do sculo XXI, os sistemas de avaliao em larga escala no

    Brasil continuaram em sua dinmica, alguns sofrendo reformulaes, outros tendocontinuidade e alguns ainda criados como inovaes. O quadro que segue estrutura,numa linha de tempo a partir da dcada de 1960, os principais documentos legaisvinculados educao, a situao geral do pas e os perodos de ditadura e demo-cratizao, bem como os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz IncioLula da Silva. Simboliza com retngulos levemente arredondados os principais eventosrelativos aos sistemas de avaliao e polticas publicas educacionais mais recentes.

    Quadro 2 Educao brasileira: linha do tempo com destaque avaliao em larga escala.

    Fonte: A autora (2010).

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    Desde os anos setenta, a ps-graduao brasileira estruturou um sistema deavaliao que hoje reconhecido internacionalmente e que abrange a todas as reasde conhecimento. O processo de avaliao do Ensino Superior voltado para cursosde graduao, se estruturou, mais fortemente, no final da dcada de 1990, rece-bendo da mdia grande espao de divulgao.

    O Provo era uma avaliao extensiva a todo o formando de curso de graduaopresencial, com o objetivo de verificar os resultados do processo de ensino-apren-dizagem, mediante provas de contedos especficos para cada curso superior. OENC- Provo - que estava em curso desde 1996, vigente at 2003, foi reestrutura-do, dando lugar ao Sistema Nacional de Avaliao da Educao Superior (Sinaes).Este foi criado pela Lei n. 10.861 (BRASIL, 2004), seguindo uma proposta maisabrangente, lanando um olhar integrador para todas as dimenses envolvidas noEnsino Superior, ou seja, avaliando as instituies, os cursos e o desempenho dosestudantes, bem como o ensino, a pesquisa, a extenso, a responsabilidade social, agesto da instituio, o corpo docente e as instalaes. Quanto avaliao do de-sempenho dos estudantes o Sinaes inclui o Exame Nacional de Desempenho deEstudantes (Enade), o qual tem como objetivo avaliar o rendimento dos alunos doscursos de graduao em relao aos contedos programticos, suas habilidades esuas competncias.

    Medidas de operacionalizao: dando sentidopragmtico aos dados das avaliaes

    O quadro abaixo uma tentativa de apresentar, sinteticamente, numa dimen-so sincrnica e diacrnica as principais polticas publicas voltadas para a avalia-o externa dos sistemas educativos. Ele representa, esquematicamente, as aesrelativas a avaliaes externas programadas pelas polticas publicas, agrupando asespecificamente focadas na educao bsica e as voltadas para o ensino superior.A seta que finaliza o esquema simboliza o que designamos de Medidas de opera-cionalizao, ou seja, polticas voltadas para a interveno no funcionamento egesto dos sistemas de ensino e escolas, as quase sero a seguir comentadas nesteartigo. Embora os Quadros 2 e 3 no contenham as mesmas informaes, eles sotentativas de representar sinttica e graficamente as ideias argumentadas nesteartigo. Assim as polticas que ocupam o quadrante direito inferior do Quadro 2,localizadas por sobre um retngulo sombreado, esto representadas no Quadro 3pela seta inferior Medidas de operacionalizao. Estas medidas de operaciona-lizao, em nosso entender, so as que do sentido (MULLER; SUREL, 2004)agrupam um conjunto de polticas que no so especificamente de avaliao, masque se utilizam dos dados produzidos por estas, ou seja, mobilizam aes especi-ficas criadas pelo Estado e outros atores para realizar os valores mais amplosinspiradores de todo o sistema.

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    Polticas de avaliao em larga escala na educao bsica: do controlede resultados interveno nos processos de operacionalizao do ensino 785

    Quadro 3 Representao das polticas pblicas voltadas para a educao bsica epara a educao superior em perspectiva sincrnica e diacrnica.

    Fonte: A autora (2010).

    O ano de 2005 foi prdigo de inovaes na sistemtica de avaliao oriundas depropostas do Governo Federal. Foram criados a Prova Brasil e institucionalizado oPrograma Universidade para Todos (Prouni). A Prova Brasil d condies de instau-rao de criativas e inovadoras Medidas de Operacionalizao e o Prouni j materi-aliza uma poltica de operacionalizao de ideias anunciadas com o Enem.

    O Prouni12 uma modalidade de ingresso em cursos de graduao de institui-es de Ensino Superior privadas, que utiliza, exclusivamente, a nota obtida noEnem. O Prouni , pois, um instrumento que d um sentido pragmtico, funcionalaos resultados do Enem, atribuindo importncia participao neste exame, forta-lecendo-o como instrumento de poltica e de interao entre Estado e sociedade.Igualmente, no ano de 2009, o Sisu fortalece ainda mais o Enem, pois pelas notas doEnem os alunos so selecionados para ingresso em IES pblicas.

    O Sistema de Seleo Unificada (Sisu) criado e gerenciado pelo Ministrio da Educao- uma estratgia importante de fortalecimento e institucionalizao do Enem pois con-solida os resultados de tal exame adotado como prova nica de seleo para instituies de

    12 O Prouni, criado pelo Governo Federal em 2004, e institucionalizado em janeiro de 2005, pela Lei n11.096 (BRASIL, 2005), prov apoio para o Ensino Superior para pessoas de baixa renda frequentarem,com bolsas de estudo, integrais ou parciais, cursos de graduao de instituies de ensino superior privadas.

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    Ensino Superior. Progressivamente, um maior numero de Instituies de Ensino Superiorpblicas, Universidades Federais, Universidades Estaduais e Institutos federais de educao,cincia e tecnologia, bem como IES particulares adotam o Enem como processo de seleopara ingresso em seus cursos de graduao. Os candidatos aos cursos das IES pblicasparticipantes do SiSU submetem-se a um processo centralizado de oferta de vagas o quepassa a configurar um sistema nacional de Ensino Superior pblico.

    Se o processo de ingresso no Ensino Superior foi alterado com a utilizao dosresultados do Enem e a criao do Prouni e Sisu, e se a avaliao de cursos einstituies de Ensino Superior foi reforada pelo Sinaes e Enade, na Educao B-sica, outros processos avaliativos foram introduzidos, como a Prova Brasil.

    A Prova Brasil, criada em 2005 e aplicada de dois em dois anos, avalia, tal comoo Saeb, habilidades de leitura e de resoluo de problemas, mas diferencia-se da-quela, em sua abrangncia universal a todos os alunos de 4 e 8 sries do EnsinoFundamental de escolas pblicas situadas em zonas urbanas, contanto que perten-am a turmas de 20 alunos ou mais. A informao oficial que, por ser universal -abrange todos os estudantes das sries indicadas, expande o alcance dos resultadosoferecidos pelo Saeb (INEP, 2009), com a vantagem de apresentar informaesque discriminam os resultados para cada municpio e cada escola participante.

    Igualmente, no ano de 2005, surgem as primeiras iniciativas do movimento TodosPela Educao, mencionado anteriormente, o qual institucionalizado em 2006. Noano seguinte, o governo federal o resignifica e rearticula no PDE, dando origem aoCompromisso Todos Pela Educao13. Assim, uma ao marcante no direcionamentodas polticas de avaliao fazendo com que elas operem - produzam efeitos e noapenas nmeros -, nos sistemas escolares a criao do PDE - e com ele do ndice deDesenvolvimento da Educao Bsica (Ideb). portanto, no ano de 2007, que sorearticuladas muitas aes de polticas de forma a atribuir um sentido mais operaci-onal s avaliaes que vinham sendo realizadas nos diferentes nveis escolares.

    O PDE, lanado em 24 de abril de 2007, abrange metas a Educao Infantil, EnsinoFundamental, Educao Profissional, Educao de Jovens e Adultos, Formao de Pro-fessores, dentre outras reas. Sua concepo marcada pelo predomnio do executivo,centralizao e vis neoliberal no que toca a preocupao com a modernizao e aeficcia do Estado, valorizao do aparato tcnico, controle e centralizao. Nele forteo eixo de emulao e controle dos sistemas de ensino (WERLE, 2009).

    13 O Compromisso Todos pela Educao representado pelo governo federal como um plano de metas quecompe o Plano de Desenvolvimento da Educao e que tem por base o regime de colaborao a partirda conjugao dos esforos da Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios. O Compromisso funcionacomo um contrato de gesto entre a Unio e os Estados, os Municpios e o Distrito Federal, possibilitandoo repasse de recursos e a assistncia tcnica vinculados a metas e ao atendimento a diretrizes detrabalho, tendo em vista a melhoria do ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica (Ideb).

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    O Ideb, elemento central do PDE, calculado a partir dos resultados da Prova Brasil e dofluxo escolar indicado pelo censo educacional. O Ideb, no apenas situa o nvel alcanado pelaescola e pela respectiva rede de ensino, mas, no contexto do PDE e do Compromisso TodosPela Educao, possibilita o exerccio de prospeco de metas a serem alcanadas em direo melhoria da qualidade de ensino, tendo em vista um nvel considerado mnimo a seratingido em 2021, o que converge com a perspectiva temporal do movimento Todos PelaEducao. Ora, a criao do Ideb s foi possvel mediante as informaes oferecidas pelaProva Brasil. Mas a articulao de dados oriundos do Censo e da Prova Brasil permitiram aconstruo de um indicador que se torna meta a ser obtida pelos sistemas de ensino.

    Um programa estratgico do PDE o Plano de Metas Compromisso Todos pelaEducao14, institudo pelo Decreto n. 6.094 (BRASIL, 2007), que enfatiza o regimede colaborao entre os entes federados, envolvendo primordialmente a decisopoltica, a ao tcnica e o atendimento da demanda educacional, tendo em vista osobjetivos de melhoria dos indicadores educacionais.

    Em 2007, criado e implementado, em 2008, o Programa Mais Educao pelaPortaria Interministerial n 17/2007 (EDUCAO, 2007), cujo objetivo a amplia-o da oferta de atividades educativas nas escolas pblicas. constitudo por ativi-dades optativas, oferecidas ao estudante no contra-turno, abrangendo vrios cam-pos de ao, tais como acompanhamento pedaggico, meio ambiente, esporte elazer, direitos humanos, cultura e artes, cultura digital, preveno e promoo dasade, educomunicao, educao cientfica e educao econmica. Estas ativida-des complementares atuam no sentido de fortalecer a influencia da escola em ter-mos de melhoria da cultura da comunidade e a qualificao do ensino.

    O programa visa a fomentar atividades para melhorar o ambien-te escolar, tendo como base estudos desenvolvidos pelo Fundodas Naes Unidas para a Infncia (UNICEF), utilizando os resul-tados da Prova Brasil de 2005. Nesses estudos destacou-se ouso do ndice de Efeito Escola IEE, indicador do impacto quea escola pode ter na vida e no aprendizado do estudante, cru-zando-se informaes socioeconmicas do municpio no quala escola est localizada (EDUCAO, 2007, no paginado).

    No atendimento da proposta includa no Compromisso Todos Pela Educaoreferente a alfabetizar as crianas at, no mximo, os oito anos de idade, aferindoos resultados por exame peridico especfico, no ano de 2008, instituda a Provi-nha Brasil, que se constitui em mais um instrumento de avaliao, agora focando osresultados das sries iniciais do Ensino Fundamental.

    14 O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educao composto de trs partes. A primeira enfoca a gestoeducacional e inclui 18 programas, a segunda a formao de professores e de profissionais da educao,envolvendo 21 programas e a terceira refere-se a infraestrutura e apoio educacional, com 25 programas.

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    tambm, em 2008, institudo o ndice Geral de Cursos (IGC), o qual, como oSaeb, Prova Brasil, Enem, Provinha Brasil, Enade e Sinaes, articulado pelo Inep. OIGC um indicador de qualidade de instituies de Educao Superior que agregainformaes obtidas mediante outros instrumentos de avaliao, considerando, emsua composio, a qualidade dos cursos de graduao e de ps-graduao (mestra-do e doutorado). Ou seja, o IGC agrega dados das avaliaes Enade e dos cursos deps-graduao das Instituies de Ensino Superior, conforme os critrios da Coor-denao de Aperfeioamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes).

    No mesmo ano de 2008, outro desdobramento importante articulado ao PDE eaos resultados obtidos na Prova Brasil e no Censo Escolar, sintetizados no Ideb,comea a operar na educao brasileira. Trata-se do Plano de Aes Articuladas(PAR) que vincula todas as transferncias voluntrias e assistncia tcnica do MECaos municpios, estados e Distrito Federal adeso ao Plano de Metas CompromissoTodos pela Educao e ao Plano de Aes Articuladas. O PAR dentro de uma pro-posta de gesto estratgica e transparncia de aes (est disponvel para consultapblica na internet) envolve na forma de uma autoavaliao dos sistemas o preen-chimento de fichas diretamente num sistema informatizado gerenciado pelo MEC.O PAR est organizado em diferentes eixos (Gesto educacional, Formao de pro-fessores e dos profissionais de servio e apoio escolar; Prticas pedaggicas e ava-liao e Infra-estrutura fsica e recursos pedaggicos), cada um dos quais desdo-brados em reas de atuao, indicadores e critrios. O preenchimento deste instru-mento resulta em diversos elementos: um diagnstico, o detalhamento de aesnecessrias para superar as deficincias, a indicao das necessidades de apoio tc-nico do MEC (termo de cooperao) do que resultam aes que geraram convnio,ou seja, a liberao de recursos financeiros.

    Em 2009, o MEC lana o Programa Segundo Tempo (PST), para incrementar aprtica de esportes e com isto ampliar o tempo de permanncia dos alunos na escola,no que se articula com o Programa Mais Educao, criado em 2007. Ambos, portanto,tm como objetivo qualificar a Educao Bsica na linha de uma educao em tempointegral, embora estas iniciativas no sejam extensivas a todas as escolas do pas.

    No ano de 2010, instituda nova estratgia de avaliao, agora focando o corpodocente. Trata-se do Exame Nacional de Ingresso na Carreira Docente, institudo pelaPortaria Normativa no. 14, de 21 de maio de 2010, cujos objetivos so a avaliao deconhecimentos, competncias e habilidades para subsidiar a contratao de docentespara a educao bsica no mbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios;oferecer um diagnstico dos conhecimentos, competncias e habilidades dos futu-ros professores para subsidiar as polticas pblicas de formao continuada e cons-truir um indicador qualitativo que possa ser incorporado avaliao de polticas p-blicas de formao inicial de docentes (Artigos 1 e 2 da Portaria Normativa 14/

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    2010). Este novo mecanismo de avaliao parece responder, no mbito brasileiro, proposta da Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE),para um programa de avaliao de professores que verifica a atmosfera de aprendiza-gem, as relaes professor-aluno, a qualidade e o estilo de ensino, para o qual, comoafirma Amaral (2008, p. 45ss) em capitulo intitulado Depois do PISA, PITA, sendoPita a sigla para Programa Internacional de Avaliao de Professores - ProgrammeInternational Teachers Assessment, mais de vinte pases j confirmaram sua partici-pao na comparao de conhecimento, competncia e cultura dos professores.

    Encaminhando conclusesO quadro geral de polticas pblicas de educao apresenta uma estrutura de avaliao

    implementada no final dos anos oitenta e incrementada a partir de 1995 pelo Saeb. Alm doSaeb, vrios outros instrumentos de avaliao vo sendo criados com objetivos especficos emais delimitados. O ENC-Provo, focalizando cursos de graduao de Nvel Superior, em1996, e, com foco no desempenho de concluintes do Ensino Mdio, o Enem, em 1998. Aavaliao em larga escala , no sistema educacional brasileiro, uma proposta com origem nogoverno federal, nos estados, em alguns municpios e tambm com origem internacional.Com o ano 2000, o Brasil participa do Pisa. Internamente, continua mantendo a diversifica-o de suas propostas de avaliao de larga escala. Em 2004, o ENC se reestrutura na formade Enade e Sinaes, e, em 2005, ocorre a primeira aplicao da Prova Brasil, que constitui ummarco importante por possibilitar a especificao de informaes por municpio e escola.

    nesta fase que as metas formuladas no PNE15 e os dados das avaliaes em largaescala so rearticulados e alados para um nvel mais operativo, favorecendo aes maispragmticas e interventivas nos sistemas de ensino. Trata-se do Prouni e Sisu, queutilizam os dados do Enem, modificando a prtica de vestibulares e fortalecendo demaneira mais definitiva o Enem. Trata-se tambm do PDE, IDEB, PAR, Mais Educao ePST, que do um sentido mais operativo aos dados das avaliaes e propem estratgiasconcretas de interferncia no quadro da educao bsica. Trata-se tambm do IGC, qued novo sentido aos resultados da avaliao da Capes, do Enade e Sinaes.

    Este estudo demonstra as

    [...] intertextualidades promovidas por uma espcde novosenso comum educacional, produzido por agncias e orga-nismos internacionais, difundido atravs de recomendaesrelatrios ou livros brancos, e especialmente recontextuali-zados pela comunicao social de massas e por instituiesde mbito nacional (LIMA; AFONSO, 2002, p. 8).

    15 Durante os 10 anos de vigncia do Plano Nacional de Educao no houve um processo continuo e amplo deavaliao de suas metas. Entretanto, seu contedo continuava sendo perseguido e muitas das aes propostasno final da primeira dcada do sculo XXI desdobram e operacionalizam objetivos nele formulados.

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    Nosso argumento neste estudo , portanto, que o projeto de avaliao em largaescala em desenvolvimento desde o final da dcada de 1980, desdobrado ao longode vinte anos, reforado a partir de 2005. Reforado por receber importantelegitimao a partir de aes pragmticas vinculadas ao rankeamento de institui-es, escolas, redes municipais e estaduais, liberao de recursos, valorizao datransparncia para a sociedade e necessidade de qualificao da educao. Re-forado pela criao de novos ndices e sistemas de seleo que valorizam os resul-tados de outras avaliaes, que instituem novos parmetros de comparaes entreas instituies do sistema educacional. Pode-se levantar a hiptese de que as polti-cas de avaliao no estejam presentes no cenrio educacional brasileiro simples-mente para produzir comparaes e emulao, mas para responder a estratgiasgerencialistas de modernizao e racionalizao voltadas para resultados.

    O panorama das polticas educacionais evidencia tambm a emergncia de tecnolo-gias digitais na administrao da educao e a centralizao do controle que elas pro-porcionam. A padronizao de reas, indicadores e critrios presente nos instrumentosde coleta de dados retira a escola de um patamar de autoidentidade formulada a partirde seu prprio olhar para lan-la como organizao caracterizada por uma linguagempadro universalizante e unificadora. Lima (2002, p. 17) fala-nos das perspectivas neo-taylorianas presentes nas estratgias de polticas educacionais atuais. O PAR evidencia otaylorismo informtico referido por Lima. A crena na capacidade reguladora dosnmeros e ndices produzidos pelas avaliaes reforada por estratgias de planeja-mento como o PAR e outras modalidades de ao discutidas neste artigo.

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    Recebido em: 14/03/2011Aceito para publicao em: 30/08/2011