Politicas Publicas e Praticas Sociais
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NIVALDO VIEIRA DE SANTANA
POLTICAS PBLICAS E PRTICAS SOCIAIS DIRECIONADAS A
INCLUSO DAS PESSOAS COM DEFICINCIA: RETRATO DA
REALIDADE DO ESTADO DA BAHIA, INCIO DO SCULO XXI.
DOUTORADO EM CINCIAS SOCIAIS
PUC - SO PAULO 2008
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NIVALDO VIEIRA DE SANTANA
POLTICAS PBLICAS E PRTICAS SOCIAIS DIRECIONADAS A
INCLUSO DAS PESSOAS COM DEFICINCIA: RETRATO DA
REALIDADE DO ESTADO DA BAHIA, INCIO DO SCULO XXI.
Tese apresentada Banca Examinadora da
Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como
exigncia parcial para obteno do ttulo de Doutor
em Cincias Sociais, sob a orientao da Prof Dra.
Caterina Koltai.
PUC - SO PAULO 2008
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COMISSO JULGADORA
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A minha me Maria Luiza Vieira de Santana in
memoriam, pela sua insistncia em pedir a Deus
para me proteger nas viagens para So Paulo, por
apelar aos espritos de luz para iluminar os meus
passos. Por ter ficado muito ntima de Deus, foi
embora deste mundo sem esperar os resultados de
seus apelos. Dedico a minha companheira de luta
Zlia Santana, aos meus filhos Fernando, Leila,
Hugo, Anna Alice e Anna Luiza, e por extenso a
todos os meus netos e meus irmos Ademir, Rodolfo
e Csar.
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AGRADECIMENTOS
As estradas que o mundo nos apresenta dispem de muitos caminhos a nos
exigir que estejamos dispostos a desprender sucessivos passos, independente de
nossas foras para caminhar. Por caminhos distintos somos sempre conduzidos a
encontros e desencontros com o outro. Contudo, os caminhos ficam muito mais
claros quando nos dada a possibilidade de compartilharmos nossas labutas com
os que se apresentam como parceiros, cmplices, ou camaradas. Todavia, s
desfruta desse privilgio quem se expe e se submete ao exerccio da convivncia
com os humanos sem distino. Agradecer aos amigos e camaradas um rito
sedutor para quem agradece, pois nos oferece a chance de historicizar nossa
caminhada.
Ao meu amigo e camarada Prof. Dr. Itamar Aguiar da Universidade Estadual
do Sudoeste da Bahia UESB, que pela sua capacidade pessoal de construir e
preservar amizades conduziu minha proposta de estudos PUC de So Paulo.
Prof. Dra. Maria Helena Villas Boas Concone que com a sua pacincia no
hesitou em abrir as portas do Programa das Cincias Sociais da PUC de So Paulo
para a minha entrada.
Prof. Dra. Caterina Koltai, da Pontifcia Universidade Catlica de So
Paulo, por ter aceitado meu problema de pesquisa, e sem apego a sua competncia
terica resolveu me orientar e compartilhar comigo a produo desta tese.
Prof. Dr. Edimilson Antnio Bizelli por no se limitar apenas a me guiar nos
fundamentos da sociologia, mas tambm por dividir comigo parte de suas
experincias.
Prof. Dr. Reginaldo Souza Silva por ter estado constantemente me
estimulando a fazer o Doutorado.
Aos professores Marcelo e Dulce Machado pela amizade e hospitalidade que
sempre me dedicaram durante o perodo de pesquisas em Vitria da Conquista.
Prof. Maria do Socorro Almeida Aguiar no s pela amizade, mas pelo
incentivo e fora para concluir a tese.
Prof. Ana M Loureiro do Instituto de Cegos da Bahia.
Prof. Elisngela Reis da Secretaria Municipal de Educao de Serrinha
Ba.
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Aos colegas do Departamento de Filosofia e Cincias Humanas e da rea de
Educao da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UESB, agradeo pela
compreenso em relao ao meu afastamento para estudos.
Agradeo s Doutoras Lvia Diana Magalhes, Ana Palmira Bittencourt
Santos Casimiro e Ana Elizabete Santos Alves, coordenadoras do Museu
Pedaggico da UESB, do projeto PQI/CAPES.
Ao Prof. Carlos Alberto Gomes dos Santos pelas correes em relao
estrutura da lngua portuguesa.
Ao Programa de Estudos Ps Graduados em Cincias Sociais da PUC-SP,
todos os meus colegas de Doutorado, agradeo o tratamento, a solidariedade e
aquilo que aprendi nesta fase de minha caminhada.
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Mas, nesta tentativa primordial para encontrar uma
linguagem fascinante, caminham as cegas pois
oriento-me somente pela forma abstrata e vazia de
minha objetividade para o outro sequer posso
conceber que efeitos tero meus gestos e atitudes,
j que sempre sero retomados e fundamentados
por uma liberdade que ir transcend-los e s
podem ter significao caso esta liberdade lhes
confira uma. (SARTRE, 1997 p 465)
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RESUMO
Essa tese o resultado de uma pesquisa que teve por objetivo identificar, analisar e compreender a prxis dos processos que direcionam a insero/incluso das pessoas com deficincia entendidas como aquelas que tm impedimentos de natureza fsica, intelectual ou sensorial, no Estado da Bahia, neste incio do sculo XXI.
Parte-se da hiptese de que o processo incluso/insero e/ou excluso desse segmento da populao , enquanto fenmeno sociocultural, atravessado pelos processos polticos, de maneira que em virtude do sentido dado a determinados modos de pensamento, as perspectivas de convivncia social podem reafirmar processos discriminativos e preconceituosos, influindo para que os modos institucionais de transmisso de valores culturais se tornem insuficientes para garantir o pertencimento poltico e social dos mesmos.
Para comprov-la, se realiza um estudo interpretativo, crtico e histrico atravs de levantamentos tericos, anlise de documentos oficiais intercalados com pesquisa de campo em trs municpios baianos: Salvador, enquanto capital e precursora das polticas do Estado; Serrinha, que passa por um estado de absoluta ausncia de polticas compatveis com o processo de incluso; e Vitria da Conquista, que conta com polticas de atendimento razoveis. Culmina com o diagnstico circunstancial do fenmeno, cujos dados e interpretaes serviram para entender o sentido dado realidade das pessoas com deficincia quando submetidas ordem jurdica e contratos sociais, o que levou a inventariar e analisar documentos a respeito de normas em relao s condies de vida e formas de convivncia das pessoas nomeadas como deficientes.
A tese composta por trs captulos. O primeiro apresenta um arcabouo terico conceitual, constitudo por autores tais como Berger e Luckmann, Hannah Arendt, Norberto Bobbio e Pierre Bourdieu. O segundo apresenta um inventrio e anlise de documentos relacionados ordem jurdica e contratos sociais com o objetivo de identificar e contextualizar os modos como se constri o pensamento sociocultural que funda a idia e o ideal inclusivista; e o ltimo apresenta um diagnstico circunstancial, fruto da pesquisa de campo fundada na observao participante e em entrevistas semi-estruturadas.
Conclui-se que h modificaes de sentidos quando as normas e determinaes legais so submetidas realidade que se expressa na prtica social, o que leva a entender que os modos e as formas institucionais de construo e transmisso de concepes sobre o processo inclusivista, alm de no assegurarem mudanas na realidade sociopoltica, econmica e material, so insuficientes para garantir o pertencimento social dos mesmos.
Palavras-chave: modos e formas, incluso, discriminao, deficincia.
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ABSTRACT
This thesis is the result of a research which had the aim of identifying, analyzing and understanding the praxis of the processes which lead the insertion/inclusion of handicapped people understood as those who have hindrances of physical, intellectual or sensorial nature, in the State of Bahia, in this beginning of the 21st century.
One starts from the hypothesis that the inclusion/insertion and/or exclusion process of this population segment is, as a sociocultural phenomenon, crossed by political processes, so that, because of the sense given to certain ways of thinking, the perspectives of social coexistence can reaffirm discriminative and prejudiced processes, thus influencing so that institutional ways of conveying cultural values become insufficient to guarantee their political and social belonging.
In order to prove it, one carries out an interpretative, critical and historical study by means of theoretical surveys, analysis of official documents intercalated with field research in three municipalities in Bahia: Salvador, the capital and the precursor of the State policies; Serrinha, which lives a state of absolute absence of policies compatible with the inclusion process; and Vitria da Conquista, which counts on reasonable attendance policies. Thus, one gets to a circumstantial diagnosis of the phenomenon, whose data and interpretations served to understand the sense given to the reality of the handicapped when submitted to jurisprudence and social contracts, which leads us to inventory and analyze documents for laws in relation to the life conditions and ways of coexistence of the so called handicapped.
The thesis is made up of three chapters. The first one presents a theoretical conceptual outline constituted by authors such as Berger and Luckmann, Hannah Arendt, Norberto Bobbio and Pierre Bourdieu. The second one presents an inventory and analysis of documents related to the jurisprudence and social contracts with the purpose of identifying and contextualizing the modes how the sociocultural thought which founds the idea and the inclusivist ideal is constructed; and the last one presents a circumstantial diagnosis, a result of field research founded on participant observation and on semi-structured interviews.
It is concluded that there are changes of meaning when laws and legal determinations are submitted to the reality which expresses itself in the social practice, which leads to understand that the modes and the institutional ways of building and conveying conceptions about the inclusivist process, besides not assuring changes in the sociopolitical, economical and material reality, are insufficient to guarantee their social belonging.
Key-words: modes and ways, inclusion, discrimination, disability.
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SUMRIO
INTRODUO 10 METODOLOGIA 11
O perfil da pesquisa, a conduo do estudo e da metodologia 14
Caracterizao da metodologia 16
Organizao, desenvolvimento e apresentao de estudos 18
CAPTULO I
O Sentido Dado aos Processos Inclusivistas 21
O sentido do preconceito e da discriminao amparados pela cultura 30
CAPTULO II
O Estado Liberal, as Concepes de Direito e Polticas Inclusivistas 35
O sentido dado ao ordenamento jurdico e contratos sociais 43
As Pessoas com Deficincia e o Estado Democrtico de Direito 55 Benefcio de Ao Continuada enquanto direito fundamental 60
O Dito e o Interdito das Nomeaes e Conceituaes 65
CAPTULO III
O trabalho de campo, relato e contextualizao da experincia 82 Organizao e mtodos utilizados para o diagnstico circunstancial 82
Desenvolvimento do trabalho de campo 86
Os impasses e dificuldades enfrentadas 86
Contextualizao dos dados e informaes levantadas 89
Os sentidos dados aos contratos sociais, normas e determinaes
quando submetidos prtica social 90
As relaes polticas entre os sujeitos envolvidos com os processos 95
Barreiras oramentrias e recursos financeiros 97
Barreiras relacionadas gesto e a burocracia do Estado 100
Barreiras relacionadas ao acesso a educao enquanto direito social 105
Barreiras ao acesso de pessoas com deficincia ao trabalho 109
CONCLUSES 112
REFERNCIAS 117
ANEXO A 126
ANEXO B 133
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INTRODUO
Retratar a realidade social e poltica de pessoas com deficincia1, no Estado
da Bahia, implicou desfigurar para entender a conjuntura histrica de relaes
sociais em que as pessoas, por se apresentarem diferentes nas suas caractersticas
e condio humana, transitam no interior da sociedade amparada pela ordem do
divino, da bondade, da gratido que ameniza culpa social atravs de ddivas
caridosas por piedade ou compaixo do diferente.
Mas tambm implicou desvelar como se funda o pensamento poltico no
poder pblico no Estado liberal ao instaurar suas concepes de proteo s
liberdades e dignidade humana, que na tentativa de inserir e incluir indivduos
diferentes, caracterizados como pessoas com deficincia subordinando-os a uma
determinada ordem social e poltica que legitima e d suporte s relaes
estabelecidas com base na dependncia, no protecionismo, assistncia enquanto
forma de reparaes e compensaes de maneira a equilibrar as distores sociais
entre indivduos diferentes.
A inspirao para tratar esse tema nasce da constatao de que quando se
trata de relaes entre pessoas diferentes inseridas em um mesmo contexto social,
as perspectivas de igualdade e oportunidades estabelecidas atravs do
ordenamento jurdico ao ser submetido, a prtica social no contempla as
especificidades e singularidades da pessoa enquanto indivduo nico, dotado de
particularidades. Nem tampouco as especificidades dos grupos e subgrupos em que
eles so colocados atravs das nomeaes e tipificaes, questo que se evidencia
nas relaes estabelecidas nos ltimos vinte e oito anos de trabalho junto s
pessoas com deficincia diretamente ou atravs de setores do Estado e
organizaes da sociedade civil, cuja experincia emprica tem levado a defender a
suposio de que h um efetivo e permanente distanciamento entre os modos de
conceber o pensamento poltico que estabelece as polticas de estado em relao s
1 Nessa tese o termo pessoa com deficincia deve ser entendido como determinado na Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia: Pessoas com deficincia so aquelas que tm impedimentos de natureza fsica, intelectual ou sensorial, as quais, em interao com diversas barreiras, podem obstruir sua participao plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
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formas de viabilizar as prticas sociais estabelecidas pela sociedade quando se trata
de insero ou incluso social de pessoas com deficincia.
Tal conjectura se solidifica ao desempenhar a funo de docente da
Universidadeb do Estado da Bahia UNEB, localizada em Salvador capital do
Estado, em 1997, e percebe-se a inexistncia de polticas pblicas compatveis com
as determinaes e exigncias dos acordos internacionais em que o Brasil vem
sendo signatrio, bem como o desconhecimento e/ou conhecimento e a no
aplicao do ordenamento jurdico brasileiro direcionado defesa das concepes
de igualdades, oportunidades e dignidade humana das pessoas com deficincia.
A suposio se solidifica quando no ano de 2000, ao ser nomeado como
servidor pblico do Estado da Bahia na condio de docente da Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia UESB, localizada no municpio de Vitria da
Conquista, foi possvel organizar e desenvolver o Programa Oficina Permanente
Sobre Polticas Pblicas e Prticas Sociais Direcionadas aos Portadores de
Necessidades Especiais, o qual, na condio de iniciativa primeira na regio do
Sudoeste da Bahia, possibilitou estreitar as relaes entre os setores da sociedade
civil organizada o poder pblico do Estado e municpios circunvizinhos; proposta que
possibilitou aprofundar a viso do problema ao inserir a UESB, na condio de
universidade pblica, dotada legalmente de autonomia acadmica, financeira e
administrativa, nas suas responsabilidades polticas e sociais e com as questes
relacionadas insero e incluso de pessoas com deficincia.
O programa que tinha como objetivo principal interceder a favor da igualdade
de oportunidades s pessoas com deficincia, no contexto socioeconmico e poltico
da Regio Sudoeste do Estado da Bahia, culminou com a criao de um Frum
permanente formado por instituies e organizaes da regio, de maneira a discutir
e intervir coletivamente sobre direitos sociais das pessoas com deficincia.
Note-se que essa demanda suscitou a necessidade de aprofundamento
terico/conceitual no sentido de ampliar o enfoque sobre a questo dos processos
inclusivistas e evidenciar novas formas de desdobramento da proposta, levando-se
em conta o ambiente acadmico, o que culminou com a conduo da questo
enquanto problema de pesquisa ao Programa de Estudos Ps-Graduados em
Cincias Sociais da Pontifcia Universidade Catlica PUC de So Paulo em
2004, o que desenbocou na tese aqui apresentada.
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O marco terico e conceitual obedeceu trajetria histrica dos pesquisados
e foi adensado pelos saberes e discusses estabelecidas durante o curso de
doutorado a partir de disciplinas ministradas atravs do Programa de Estudos Ps-
Graduados em Cincias Sociais da Pontifcia Universidade Catlica PUC de So
Paulo sob orientao da Professora Dr. Caterina Koltai, nas disciplinas: Uma
Questo To Delicada; Fundamentos da Antropologia; Uma Questo To Delicada
II; Fundamentos da Sociologia; Mapeando a Ideologia (disciplina do programa de
Ps-graduao em Psicologia Social); Mal-Estar na Ps-Modernidade e Seminrio
Doutoral, o que culminou com a qualificao para continuidade dos estudos em
funo da apresentao da tese.
Esta tese traz os resultados de estudos e anlise sobre as relaes entre
Estado, sociedade e segmento das pessoas com deficincia, e almejou verificar o
sentido dado s concepes inclusivistas no incio do sculo XXI e o grau de
dependncia dos sujeitos envolvidos com o processo. Tal verificao foi realizada
aps delineamento do marco terico que consolida e estabelece os contratos sociais
atravs das convenes em que o Brasil signatrio e a ordem jurdica que d
sustentao s propostas de proteo dos direitos sociais e polticos do segmento.
A pesquisa de caracterstica qualitativa apresentada no presente texto no
tem carter conclusivo em relao aos modos e formas de convivncia das pessoas
com deficincia enquanto fenmeno sociocultural, mesmo porque a dinmica das
relaes entre sujeitos marcadamente diferentes no pode se limitar a um nico
olhar, ou a ideaes precisas em relao a esse tipo de fenmeno. Entretanto, o
documento finalizado com o levantamento de questes acerca dos modos como
se estabelecem as formas e condies de vida das pessoas com deficincia.
Todo exerccio intelectual teve como propsito trazer tona uma discusso
terica das categorias de pesquisa. Inicia-se com a exposio do contexto onde se
estabelecem as relaes entre indivduos diferentes e se estende s razes que
sustentam as idias de proteo, amparo, dignidade, liberdades e direitos enquanto
objeto desse estudo para culminar com a constatao de que o avano da idia de
Estado Democrtico de Direito conduz o associativismo a reproduzir concepes
que reafirmam as idias de dignidade humana.
As incertezas e as mudanas rpidas nas formas de vida vislumbram com
perspectivas de insero/incluso social a partir de reformas polticas e sociais,
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compensatrias, reparadoras, mas que apoiadas no avano do liberalismo
econmico alimenta o capitalismo modernamente adaptado, vislumbrando a idia de
incluso, atravs da nomeao de indivduos, fragmentao de identidades,
redimensionando inclusive o lugar e o perfil das realidades, onde deve se situar um
exrcito de excludos que na luta por direitos e liberdades se apropriam de
benefcios e privilgios contraditrios.
de dentro desse cenrio e espao plural e diverso que sujeitos sociais
imbudos de valores e interesses diferentes e divergentes alimentam a apologia de
que o Estado Democrtico de Direito garante a possibilidade de universalizao de
direitos polticos e sociais a partir de consensos normativos capazes de regular a
vida coletiva sem evidenciar que na realidade concreta so distintos os padres de
democracia, da mesma forma que so distintos os interesses e o tratamento pelo
Estado em relao aos diferentes segmentos sociais. Este trabalho traz a
compreenso de que ao refletir sobre incluir implica em indagar onde? Porque ? E
em que condies? Isso esgota qualquer possibilidade de contrapor a idia de
incluso versus a idia de excluso.
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METODOLOGIA
O Perfil da Pesquisa, a Conduo do Estudo e da Metodologia
A metodologia teve com referncia o entendimento de que as questes
relacionadas incluso/insero e/ou excluso de pessoas com deficincia so
estabelecidas nos processos de relaes entre pessoas e se efetivam enquanto
fenmeno sociocultural dentro de uma determinada realidade. E, por se tratarem de
pertencimento cultural e convivncia poltica de um determinado segmento social,
fez-se necessrio caracterizar e identificar o fenmeno, tanto em relao ao
pensamento social, quanto em relao s prticas sociais estabelecidas num
determinado tempo e espao poltico.
Para Berger e Luckmann (2005), a realidade da vida cotidiana se organiza no
aqui e agora, na qual se situa o corpo do indivduo, dentro de uma determinada
sociedade. Para eles a percepo da situao do corpo o real da conscincia do
indivduo. Tomo deles a concepo de realidade, por conceituarem como a
qualidade prpria dos fenmenos, com suas caractersticas especficas, que se
reconhece como independentes de nossa prpria evoluo e conhecimento.
E, por entender que a realidade da vida cotidiana no uma abstrao sem
sentido, capaz de ser reduzida ditadura de uma determinada forma de
pensamento, ou mesmo a um modelo de vida no mundo, busca-se outras formas de
reinterpretar as verdades apresentadas sobre problema. A recorrncia s cincias
sociais se deve compreenso de que na condio de disciplina dependente de
outros modos/formas de conhecimentos, as cincias sociais possibilitam
questionamentos sobre suas prprias verdades e contribuem para outras
interpretaes do fenmeno.
Entende-se que a compreenso da realidade poltica e social das pessoas
com deficincia se apresenta como expresso clara dos modos e formas de pensar
o outro o no-conhecido ou o conhecido como diferente em um determinado
contexto social, o que no anula a histria das relaes sociais no mundo, nem a
histria de outros segmentos sociais; ao contrrio, propicia melhor compresso da
vida em sociedade e permite novas interpretaes dos processos de convivncia
humana.
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Com essa abordagem se definiu o principal problema de pesquisa a
identificao, a anlise e a compreenso da prxis dos processos que direcionam a
insero/incluso poltica, social e econmica das pessoas com deficincia neste
incio de sculo. O objetivo principal, portanto, foi investigar, analisar e inventariar
como se concebem e em que se fundamentam o iderio, as concepes, e as
prticas de insero/incluso das pessoas com deficincia, quando estabelecidas
mediante trocas entre o poder pblico, a sociedade civil organizada e as prprias
pessoas com deficincia.
Ao eleger como objeto de estudos os modos de construo e as formas e
apresentao dos processos de insero/incluso ou excluso poltico-social das
pessoas com deficincia, tornou-se possvel a identificao e descrio do sentido
dado ao fenmeno social, mas tambm a um conjunto de significados que se
expressam atravs de subjetividades, e outras questes objetivas apresentadas de
maneira inesperada, o que rompe com qualquer perspectiva terica que tenha como
enfoque a universalizao ou hierarquizao dos problemas sociais.
O estudo tenta demonstrar que h um aprofundamento da questo quando
determinados setores da sociedade civil e do Estado, no desdobramento de suas
concepes e prticas, ignoram ou negligenciam os avanos nos nveis de
conscincia cultural, historicamente consignados como avanos e expresso das
novas formas de vida em sociedade; e estabelece como uma das perspectivas de
convivncia humana a idia de igualdade de oportunidades para proporcionar
eqidade, direitos, liberdades e dignidade humana, sem conceber participao plena
das pessoas com deficincia na vida social, poltica e econmica.
Coaduno com a idia de que as pesquisas partem sempre de um problema e
se inscrevem em uma problemtica2. Nesse sentido, as leituras e a interpretao da
realidade no so uma inquietao intil, mas, o que mobiliza a mente humana so
problemas, ou seja, a busca de maior entendimento de questes postas pelo real, ou
ainda, a busca de solues para problemas nele existentes (LAVILLE & DIONE,
1999, p. 85).
2Para Dionne & Laville, (1999, p, 336), problemtica o conjunto dos saberes (factuais, conceituais, tericos) e dos valores que influenciam nosso modo de abordar um problema de pesquisa e que forma o seu quadro.
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Essa abordagem possibilitou esquivar da preocupao em adequar o objeto
de pesquisa a qualquer lgica dedutiva capaz de contribuir com a soluo do
problema, situ-lo na anlise de uma problemtica atual e abordar a questo com
base nas formas e modos de convivncia, tomando como uma das referncias
sociologia do conhecimento.
Berger e Luckmann (2005) induzem a utilizar a teoria do conhecimento ao
explicarem que em virtude de todo conhecimento ser humano, ser desenvolvido,
transmitido e mantido em situaes sociais, cabe sociologia do conhecimento
buscar formas de compreenso e anlise de como se do os processos de
construo social da realidade; que cabe ao socilogo indagar e pesquisar quais so
as diferenas entre uma e outra realidade, se essas diferenas podem ser
identificada em outras sociedades.
O estudo justifica-se por identificar os rumos dos processos inclusivistas, com
seus limites, possibilidades e conseqncias a partir de encaminhamentos atuais
previstos em normas, ordem jurdica e contratos sociais, por interpretar criticamente
o fenmeno e negar a possibilidade de contraposio entre excluso e incluso de
pessoas com deficincia, e ousar dar nova verso para os modos de construo e as
formas de viabilizao das aes direcionadas insero/incluso social, ao tempo
em que se justificaram por servirem de base terica para a criao de um ncleo de
pesquisa social, no Estado da Bahia, capaz de se caracterizar como observatrio
permanente sobre polticas pblicas e prticas sociais.
Caracterizao da metodologia
A proposta foi desenvolvida com base na compreenso de dois aspectos que
do fundamento a esse tipo de problema, a saber: o primeiro foi observado a partir
dos modos3 enquanto carter ou costume como se relacionam s instituies,
organizaes e os setores sociais quando assimilam o compromisso de inserir/incluir
politicamente as pessoas com deficincia no contexto histrico da vida social.
3 Modo aqui deve ser entendido como a maneira de pensar, expressar posicionamento, desejos, certezas ou concepes a respeito do processo de convivncia e insero/ incluso poltica e social das pessoas com deficincia.
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A inteno foi identificar como se constroem e quais so as bases de
sustentao que o Estado e a sociedade civil organizada enquanto mentores e
idealizadores do processo buscam para ampliar as formas de convivncia social.
O segundo aspecto foi a observao da forma4 no sentido de configurao
de como se efetivam os referidos processos, evidenciando ento as questes
objetivas que se concretizam na convivncia, tambm as questes subjetivas como
os interesses, as expectativas, nveis de confiana e relaes de poder que se
explicitam a partir de relaes entre sujeitos diferentes, inseridos em uma mesma
realidade e contexto poltico social.
A pressuposio foi de que os modos e as formas institucionais de construo
e transmisso de concepes tericas, filosficas e ideolgicas sobre processos de
excluso/insero/incluso das pessoas com deficincia alm de no assegurarem
mudanas na realidade sociopoltica e econmica, so insuficientes para garantir
"participao plena" na vida em sociedade.
Isso d ensejo caracterizao do estudo como interpretativo, crtico e
histrico. O estudo pode ser considerado interpretativo por fazer uso das
possibilidades apresentadas pela sociologia do conhecimento e outras concepes
tericas para interpretar a realidade das pessoas com deficincia e suas relaes
com o Estado e a sociedade. critico e histrico por registrar as marcas de uma
cultura que se estabelece no incio do terceiro milnio, momento em que as idias
de conivncia, tolerncia e intolerncia se contrapem ou se sobrepe s
possibilidades e impossibilidades de pertencimento a um contexto poltico, social e
econmico marcado historicamente por processos excludentes.
Os estudos sobre polticas pblicas e prticas sociais direcionadas incluso
das pessoas com deficincia: retrato da realidade do Estado da Bahia no incio do
sculo XXI se base ou em quatro etapas: a) reviso de literatura em funo de
arcabouo terico conceitual; b) inventrio e anlise de documentos, aqui
caracterizados como ordem jurdica e contratos sociais; c) visita ao campo em
funo de um diagnstico circunstancial, com base em observao participante e
entrevistas semi-estruturadas; e) comunicao escrita.
4Forma aqui deve ser entendida como a maneira em que a ideao se explicita, se apresenta ou se manifesta para a efetivao dos processos de insero/incluso das pessoas com deficincia.
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Com base na disposio dos passos acima descritos, os estudos foram
edificados da seguinte maneira: em um primeiro momento, foi feita uma reviso de
literatura que contribuiu significativamente com o aprofundamento do arcabouo
terico conceitual em relao ao problema.
Em um segundo momento, foi feito o levantamento, seleo e anlise de
documentos relacionados ordem jurdica e contratos sociais que tratam da questo
com o objetivo especfico de identificar e contextualizar os modos com que se
constri o pensamento poltico e social que funda a idia e o ideal de
insero/incluso das pessoas com deficincia, enquanto bases do pensamento
inclusivista.
Em um terceiro momento, foi feito um diagnstico circunstancial atravs de
visitas ao campo de maneira a levantar dados, informaes, e depoimentos sobre as
condies de vida e formas de participao poltica das pessoas com deficincia. E
por se tratarem de estudos sobre as prxis das relaes entre sujeitos diferentes,
estabelecidas em uma mesma cultura, fenmeno social que s se explicita a partir
da vida em sociedade, sempre atravessado por concepes de humanidades, teve-
se como propsito evidenciar os possveis arranjos, adequaes e conexes entre o
pensamento social que funda a idia e o ideal de insero poltica e social das
pessoas com deficincia e a realidade vivida pelas pessoas envolvidas com o
processo, aqui descritas sob o ttulo: relato de experincias.
No que se referem ao tratamento dos dados, os mesmos foram
sistematizados, interpretados e analisados, mediante critrios que se interligam e se
completam entre si. So eles: a) identificao das concepes filosficas, tericas e
ideolgicas subjacentes aos documentos analisados, com base em referencial
terico anteriormente estudado; b) identificao e anlise contextualizada dos
modos e das formas institucionais de construo e transmisso dos valores culturais
inclusivistas; c) identificao dos modos e formas de adequao, de princpios,
objetivos, interesses, arranjos e relaes de poder expresso de forma objetiva e
subjetiva nesse tipo de fenmeno social.
Com essa perspectiva constituiu-se como categorias de anlise o sentido
dado prxis das relaes estabelecidas entre sujeitos diferentes; a liberdade e a
poltica enquanto necessidade para expresso da condio humana; a discriminao
e o preconceito enquanto expresso mediadora da cultura; as subjetividades
expressas a partir das relaes estabelecidas entre sujeitos diferentes; e as
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subjetividades implcitas em princpios que expressam as idias de igualdade,
eqidade e dignidade humana.
Organizao, desenvolvimento e apresentao de estudos
A comunicao escrita foi organizada a partir de trs captulos com objetivos
e objetos delimitados, onde os aprofundamentos tericos permitiram ampliar o olhar
sobre o problema para culminar com concluses finais e sugestes a respeito das
questes e problemtica inicialmente levantadas e outras que apareceram durante o
processo de estudos. Tomou-se como base quatro vertentes que, apesar de se
localizarem em circunstncias diferentes, esto interligadas e interagindo,
possibilitando assim um olhar sobre o fenmeno a partir de ngulos ainda no
explorados. a) O sentido da deficincia na cultura e na sociedade; b) O sentido dado
ao ordenamento jurdico e contratos sociais. c) O sentido dado s formas e
condies de vida das pessoas com deficincia.
O arcabouo terico utilizado, os documentos analisados e os autores
estudados demonstram que a passagem das concepes tericas para as aes
inclusivistas tem sentidos que transitam de acordo com princpios tericos filosficos
e ideolgicos. Apesar de no se eximirem das contradies humanas impostas ou
constitudas pela cultura de um tempo e pela realidade da vida em sociedade.
Busquei suporte em Berger e Lukmann (2005), Paulo Freire (1981), por
explicarem que a realidade se constri socialmente. Eles ajudaram a compreender o
quanto a teoria do conhecimento pode contribuir para a elucidao de teorias
sociolgicas e psicolgicas.
Em Arendt (2004) a e (2004)b, busquei sustentao terica para ressaltar a
poltica enquanto uma das atividades bsicas para a existncia humana e
fundamentar a idia de que a condio humana decorre de aspectos polticos que se
explicitam na vida social. A autora contribui com as anlises e reflexes em relao
aos limites dos textos e documentos legais relacionados aos processos inclusivistas,
ao conceber teoricamente que a idia de liberdade sempre antecede a idia de
justia, e que a atividade poltica no pode ser regulada atravs de concesses
legais, pois a lei ordena interditando movimentos e aes, sem garantia de sua
prpria manuteno.
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Norberto Bobbio (1987), (2002) e (2003), por conceber o direito como um dos
ordenamentos de relaes sociais e estabelecer diferenas entre a sociedade de
iguais e a de desiguais, possibilitando assim melhor anlise dos mecanismos
jurdicos e contratos sociais que tm como inteno normatizar as condies de vida
das pessoas instituindo e modificando relaes de poder por haver ajudado a
compreender que o sentido dado s concepes de discriminao e preconceito
sofre modificaes quando se trata de relaes entre indivduos diferentes que
tentam se estabelecer como sujeitos polticos dentro de uma mesma realidade
sociocultural; mas, por refletir sobre as concepes de igualdade/desigualdade sem
contraposio entre uma e outra.
As bases interpretativas utilizadas para inventariar os modos de construo
do pensamento poltico e social que fundam as idias de insero/incluso das
pessoas com deficincia referenciaram nas concepes de eqidade, direitos,
liberdades e dignidade humana, explcitos em documentos que regulamentam as
polticas para a integrao da pessoa com deficincia. Entre os documentos
analisados destacam-se a Carta sobre Direitos Humanos, a Constituio Brasileira,
Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, Decreto n. 3.298 que regulamenta
a Poltica Nacional para Integrao da Pessoa Portadora de Deficincia, Conveno
sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia da ONU em que o Brasil foi
signatrio em 2007, e outros.
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CAPTULO I
O SENTIDO DADO AOS PROCESSOS INCLUSIVISTAS
Neste captulo, se estabelece o arcabouo terico conceitual com o objetivo
de identificar, analisar e compreender a prxis dos processos que direcionam a
insero/incluso das pessoas com deficincia enquanto fenmeno sociocultural de
maneira a subsidiar anlises sobre o pertencimento social dos mesmos. A hiptese
de que se trata de relaes entre sujeitos diferentes que convivem em um mesmo
contexto social, de maneira que o referido processo estar sempre atravessado por
aspectos polticos em virtude do sentido dado a determinados modos de
pensamento; as perspectivas de convivncia social podem reafirmar processos
discriminativos e preconceituosos, influindo nos modos institucionais de transmisso
de valores culturais e nas formas de convivncia.
Busca-se inventariar e reexaminar a multiplicidade de elementos simblicos,
epistemolgicos, filosficos e ideolgicos que direcionam e permeiam o pensamento
da sociedade sobre os modos e as formas de insero/incluso das pessoas com
deficincia, alm de evidenciar as relaes dessas pessoas com os modos de
construo e com as formas de apresentao dos processos de convivncia e o
direito de pertencer.
Pretende-se situar a questo e demonstrar que esses processos tm sentido
prprio e, como tais, exercem certa transitoriedade de acordo com as circunstncias,
com o tempo e o espao em que eles se estabelecem. Em seguida, expe-se a
respeito do sentido da realidade da pessoa com deficincia, no contexto da cultura e
da sociedade, tomando como fundamento a idia de que a realidade se constri
socialmente para da, ento, evidenciar o sentido dado ao preconceito e
discriminao, quando amparados pela cultura e pela sociedade.
O conceito de cultura que eu defendo [...], essencialmente semitico. Acreditando, como Max Weber, que o homem um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua anlise; portanto, no como uma cincia experimental em busca de leis, mas como uma cincia interpretativa, a procura do significado. justamente uma explicao que eu procuro, ao construir expresses sociais enigmticas na sua superfcie (GEERTZ, 1989 p. 15).
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A tese consiste em demonstrar que as perspectivas de insero e convivncia
das pessoas com deficincia so atravessadas por processos discriminativos e
preconceituosos que tm sentido prprio, conforme j dito.
O termo sentido deve ser entendido como a ideao, ou seja, a matriz da
idia que se estrutura em fundamentos simblicos, epistemolgicos, filosficos e
ideolgicos com a finalidade de direcionar motivaes e intenes a respeito dos
processos de convivncia, os quais envolvem as pessoas com deficincia.
O pressuposto inicial o de que, nas relaes entre sujeitos caracterizados
como diferentes, em uma mesma cultura e no mesmo espao social, a ideao
sobre as diferenas sejam elas fsicas, sensoriais, motoras e outras sempre
culminam com uma determinada ao, embora ela no se explicite de imediato com
clareza. Ou seja, a ideao sempre precede a ao que culmina com uma nova
ideao. Logo, ideao e ao sempre estaro juntas quando se trata de relaes
com o outro, o diferente; aquele que, apesar de percebido, no deve ser
reconhecido e, caso seja reconhecido, no deve ser identificado, sobretudo se o
outro for nomeado na cultura como pessoa com deficincia.
Da a idia de que, quando se trata de modos e formas de convivncia com o
diferente, a ideao e a ao se apresentaro juntas. Por isso, elas tero sempre
implcito ou explcito um determinado sentido; supe-se, pois, que os processos
sempre se complementam, dando origem a uma ao, independente dos modos e
formas de apresentao e se configuram como prxis no contexto das relaes
sociais entre os sujeitos, no exerccio das formas e modos de convivncia,
independente das caractersticas de cada indivduo.
Isso acontece com os sujeitos que se silenciam diante dos atos
discriminativos e preconceituosos; com outros que se organizam e idealizam formas
de discriminar e exercitar preconceitos; com os discriminados independentemente
dos motivos; ou mesmo com aqueles que permitem serem alvos de discriminao,
porque se adaptam ao cativeiro.
Prope-se, ainda, evidenciar que o sentido da realidade da pessoa com
deficincia no contexto da cultura e da sociedade exerce certa transitoriedade de
acordo com as circunstncias, com o tempo e com o espao em que as relaes se
estabelecem. Importa ressaltar que ser percebido como diferente no uma
prerrogativa da pessoa com deficincia, at porque as pessoas so realmente
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diferentes e, em qualquer sociedade, o outro sempre ser percebido como o
diferente.
Embora as percepes ou a forma de perceber impossibilitem que as
diferenas fiquem explcitas de imediato, a cultura se encarregar de contribuir para
que os sujeitos assimilem que o outro diferente. O problema que, quando se
trata das pessoas com deficincia, por serem percebidas imediatamente como
diferentes, as limitaes tanto por parte do indivduo deficiente quanto por parte da
sociedade impedem uma melhor compreenso das peculiaridades das pessoas com
deficincia em razo dos modos e das formas de convivncia social.
Em ambos os casos, a objetividade das limitaes mascara e confunde a
assimilao das peculiaridades explcitas nos tipos e formas de apresentao das
deficincias. Por vezes, os integrantes/membros da sociedade e a prpria pessoa
com deficincia no tm conscincia ou ajustam suas conscincias dentro dos
limites e possibilidades de convivncia com as diferenas. Por isso, h dificuldade
em identificar as prprias necessidades, fazendo com que a pessoa com deficincia,
ao se apresentar como o outro, seja percebida, mas no reconhecida na sua
condio humana.
Hannah Arendt (2004), ao analisar as questes relacionadas condio
humana, orienta que nenhuma vida humana possvel sem a presena de um
mundo que direta ou indiretamente testemunhe a presena de outros seres
humanos. Ela acredita que todas as atividades humanas so condicionadas pela
necessidade de os homens viverem juntos, e tudo aquilo com o qual eles entram em
contato torna-se imediatamente uma condio de sua existncia. No entanto, a ao
humana a nica condio que no pode sequer ser imaginada fora da sociedade
dos homens; isso porque a condio humana compreende algo mais que as
circunstncias nas quais a vida foi dada ao homem.
Berger e Luckmann (2005) admitem que a socializao humana no se
processa automtica ou acidentalmente e entendem a socializao como o estado
de humanizao a que se submetem todos aqueles que obrigatoriamente vivem em
sociedade. Os referidos autores concebem a socializao como um processo pelo
qual o indivduo se humaniza por participar em sociedade e por conviver com outros
homens. Fica, ento, evidente que qualquer homem, ao ser introduzido na
sociedade, busca socializao e, nessa busca, tenta entender as vrias esferas da
realidade, ao tempo em que confronta com elas.
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Portanto, as suas teorias parecem negar as perspectivas mecanicistas e
intuitivas de insero/integrao social por entenderem que, quando o indivduo
adquire papis em uma determinada sociedade, ele tambm adquire certa
concepo de si mesmo e incorpora o processo de socializao por contar com
possibilidades que lhe so apresentadas; de maneira que Berger e Luckmann
partem do pressuposto de que a realidade se constri socialmente a ponto da vida
cotidiana se organizar ao redor do aqui e agora em que o corpo se situa. Essa
percepo o real da conscincia do indivduo, da conceituarem realidade como
qualidade prpria dos fenmenos que reconhecemos como independentes de nosso
conhecimento.
Ao tomarem como pressuposto que todo conhecimento humano e como tal
se modifica, se transmite e se mantm em situaes sociais, Berger e Luckmann
realam que possvel o conhecimento se ocupar de anlises referentes
construo social da realidade e defendem a tese de que importante identificar e
entender as variaes empricas do conhecimento nas sociedades eu diria as
variaes do sentido dado ao conhecimento na sociedade de maneira a
compreender como se estabelecem socialmente.
Eles defendem a idia de que cabe ao homem, a partir do conhecimento,
estabelecer o perfil das formas e do jeito de ser humano. Todavia, no acreditam na
possibilidade de se preestabelecer maneiras ou formas de convivncia humana e se
limitam a identificar como o conhecimento pode contribuir para construo ou
reconstruo da realidade.
Fica ento estabelecida a indicao de que as circunstncias em que se d a
experincia de convivncia humana que vo subsidiar o experimento individual ou
coletivo, redirecionando ou reedificando o conjunto de verdades, significados e
significantes descritos e apresentados pelo prprio homem.
possvel afirmar que a cultura proclamada em um determinado tempo raiz
e fruto do que os homens concebem consciente ou inconscientemente, e tende a
manifestar-se como valores, crenas e verdades, por meio de ato5 que pode ser
compatvel ou incompatvel com a condio humana do outro, do desconhecido ou
do conhecido e negado.
5 Ato aqui deve ser concebido, como descrito por Houaiss, quando afirma que ato pode ser entendido como ao guiada por uma conscincia livre e consciente.
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Entende-se que, quando os autores apelam para o conhecimento humano,
admitindo que s os homens produzem conhecimentos e lutam pela proteo e
manuteno dos mesmos, esto negando a possibilidade de o homem ser sujeito
de si e para si, isoladamente, at porque o conhecimento s se efetiva
coletivamente. O fato de o homem se sentir com o privilgio de ser consciente e
dono da razo e ser capaz de expressar os seus desejos, no lhe garante a
capacidade de convivncia humana, se no estabelecer relaes empricas com
outros homens.
Pelo contrrio, o experimento contribui para que o indivduo expresse os seus
conhecimentos, sentimentos, desejos e outras formas de expresso humana, com
base na sua histria interior, sempre que aguada pelos valores expressos na
cultura e no lugar onde ele se encontra. E isso se d mediante as relaes polticas,
ou seja, das relaes entre sujeitos. De qualquer forma, as relaes polticas s
podero ser efetivadas concretamente por indivduos que se reconhecem como
sujeitos.
Mesmo admitindo que as relaes polticas expressem apenas sinais de uma
determinada realidade incompleta, da mesma forma que o homem inconcluso,
concordo com Berger e Luckmann (2005), por afirmarem que o homem se constri
socialmente e, ao se construir, produz a sua prpria natureza, ou seja, se produz a si
prprio.
Paulo Freire (1981) compartilha com essa idia quando afirma que sendo a
realidade uma criao humana, o homem enquanto ser histrico ao produzir a
realidade, tambm se produz enquanto homem. Ao tempo em que, enquanto
produtor da realidade, pode modific-la e, quando a modifica, ele tambm se
transforma. Da o entendimento de que o sentido dado realidade da pessoa com
deficincia, no contexto da sociedade, construdo concomitantemente pelas
pessoas com deficincia, ou seja, no h contraposio entre excluso e incluso;
os processos no se contrapem; pelo contrrio, podem at se completar.
com a idia de que a pessoa com deficincia autor e tambm produtor de
uma determinada realidade, capaz de dar sentido e forma s suas condies de
vida, que se entende a importncia da trajetria histrica e trajetria interior que
pode at ser compreendida como a realidade interna de cada pessoa, para
viabilizao de novas formas de convivncia e pertencimento. Contudo, o sentido de
realidade s se completar por meio de experimentos do sujeito na convivncia em
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sociedade e ter sempre como aluso os valores expressos nos comportamentos,
crenas e na linguagem.
A discriminao e o preconceito, traduzidos pelo protecionismo, isolamento
poltico ou mesmo o clientelismo, ao se apresentarem como valores explcitos e
ajustados s culturas deste tempo, impossibilitam as experincias de convivncia
humana das pessoas com deficincia e impedem a tentativa de reconstruo do
modelo social. Porm, entende-se que o assujeitamento a que se submete esse
segmento social faz parte da construo de um novo modelo de relaes em
sociedade, tambm compatvel com os valores desse tempo histrico.
Berger e Luckmann (2005), ao analisarem a questo da conscincia em favor
da socializao, deixam claro que a conscincia sempre intencional, isto , tem
objetivos e esses se apresentam constitudos em diferentes esferas da realidade.
Entretanto, a realidade da vida cotidiana aquela que aparece todos os dias
mostra-se s nossas conscincias j objetivadas pelas representaes6. Fica, ento,
evidente que a realidade exposta todos os dias s pessoas com deficincia, no
cotidiano da vida em sociedade, uma realidade concreta, objetivada; no se trata
de sonhos, tampouco de imaginaes.
A realidade vivida pelas pessoas com deficincia no se esgota no aqui e
agora apresentado pela sociedade, uma vez que, dependendo do tempo e do
espao em que o grupo se situe, as realidades mudam; os modos de produzir os
princpios e valores que norteiam a forma, os modos de pensamento podem alterar
ou no essa realidade. Contudo, necessrio destacar que a realidade da vida
cotidiana das pessoas com deficincia, por vezes, j se encontra objetivada nos
valores e, quando no acontece algo que possa contrast-los, h um
estrangulamento das perspectivas de modificaes e, por conseguinte, do processo
de socializao e convivncia.
O sentido dado s relaes estabelecidas no transcurso das concepes para
as aes desenvolvidas em estruturas que alimentam o clientelismo,
assistencialismo, protecionismo, por vezes reafirmam e ampliam os nveis de
subordinao, de dependncia nas relaes scio-polticas entre o Estado, a
sociedade e as prprias pessoas com deficincia.
6 Entendem-se aqui por representaes os contedos concretos apreendidos pelos sentidos, imaginao e memria, ou pelo pensamento.
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As prticas clientelistas tendem a conduzir as polticas pblicas e as prticas
sociais a se inviabilizarem e, por vezes, anulam algumas perspectivas de
reconhecimento e avano no processo de democratizao dos direitos e formas de
convivncia humana, inclusive aqueles compreendidos como direitos de pertencer a
uma determinada sociedade, at porque o cliente no pertence ao mesmo
seguimento social, mas quase sempre est subordinado e na dependncia de
determinados grupos sociais.
As propostas de conciliaes entre Estado e sociedade civil muitas vezes
distanciam os que amadureceram o direito de pertencer dos que almejam ser
includos, ao tempo em que sujeitam os menos esclarecidos, reconduzindo-os
realimentao do processo de protecionismo atravs da assistncia e dependncia.
O que evidencia o pertencimento da pessoa com deficincia a um espao
sociocultural no mais difcil, nem mais fcil, que os mecanismos de pertencimento
dos indivduos oriundos de outros grupos e outras culturas, ou identificados por
outras formas de distino, como os grupos tnicos, religiosos, ou mesmo aqueles
aproximados por questes de gnero, idade ou condio econmica.
Contudo, entender o sentido dado realidade da pessoa com deficincia no
contexto da cultura e da sociedade, pressupe compreender as diferentes formas de
convivncia e de pertencimento. Nesse caso, o fenmeno se diferencia porque sua
perspectiva de pertencimento inicialmente estabelecida a partir de vnculos
imediatos com os valores da cultura em que ele est inserido, perpassando pela
biografia particular do indivduo, enquanto membro da sociedade, para ancorar na
forma como ele enquanto indivduo singular objetiva sua conscincia,
processando os elementos que lhe so apresentados.
Vale ressaltar que a objetivao da conscincia desse grupo social se
estabelece e se completa, por um lado, pelos elementos que ele capaz de
perceber e entender, seja pelos sentidos, pela imaginao, pelo conhecimento ou
mesmo pelas condies de sua existncia, dependendo do tipo e do nvel de
deficincia, limitao ou impedimento. E por outro lado, pelo sentido dado aos
atributos que os outros lhe conferem, ou deixam de conferir, independentemente das
razes ou da compreenso de suas limitaes e impedimentos.
No entanto, mesmo admitindo que as particularidades e singularidades da
pessoa com deficincia so indescritveis e, como tais, no podem ser simbolizadas
ou descritas na cultura, em sua totalidade. Compreende-se que a labuta dessas
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pessoas em tentar extern-las e, de forma concomitante a labuta da sociedade em
tentar compreend-las, ou neg-las, fundamental para perceber e entender o
contexto sociocultural em que elas esto inseridas e as nuances das relaes
sociais de um determinado tempo histrico, mesmo que essas tentativas se limitem
a estabelecer apenas sinais de uma determinada realidade.
Em algumas situaes, a acepo de determinadas realidades j est posta,
cabendo apenas uma leitura e interpretao, isso significa que a percepo e
compreenso de quem tenta isoladamente ler a realidade a partir de um
determinado momento, influencia muito pouco na modificao do quadro. Vide a
formulao das polticas direcionadas aos direitos sociais e polticos das pessoas
com deficincia que, alm de no atenderem os desejos e expectativas dessas
pessoas, no respeitam as mnimas peculiaridades de cada subgrupo.
As condies de existncia da pessoa com deficincia aliada ao sentido dado
aos atributos que os membros da sociedade lhe conferem, ou deixam de conferir,
ofuscam a evidncia de outros problemas, quase sempre de carter poltico, que
ficam na obscuridade. Da o entendimento de que os modos de construo e as
formas de apresentao dos processos de convivncia, assim como o direito de
pertencer, tm sentido prprio, e adquirem certa transitoriedade de acordo com as
circunstncias, com o tempo e o espao em que eles se estabelecem.
O fato de existirem instituies de reabilitao/habilitao e escolas assistindo
as pessoas com deficincia, ou mesmo a idia de transporte coletivo para os
mesmos, no significa que a convivncia institucional e a escolarizao, enquanto
atividades humanas, defendidas pela sociedade como condies para existncia
desse segmento, lhes garantam desfrutar a idia de condio humana como descrita
por Hannah Arendt (2004).
A tendncia que as necessidades especiais externas da pessoa com
deficincia e as polticas sociais se instalem sem que se aprofundem questes
relacionadas s necessidades internas do indivduo. Da o entendimento de que a
compreenso da cultura e da estrutura social em que se insere a pessoa com
deficincia relevante para entender a realidade da vida cotidiana de tais pessoas.
S assim possvel compreender o sentido que dado a categorias como
discriminao e preconceito, quando se trata de processos de socializao para
convivncia entre diferentes.
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Nas relaes entre indivduos no-deficientes com os deficientes, a
realidade apresentada j foi apreendida pelos sentidos dos que se envolvem no
processo e interpretada por meio da acumulao seletiva de experincias,
conhecimento e percepo dos membros da sociedade a respeito do processo de
socializao. Cabe aos indivduos no-deficientes entenderem que o outro possui
particularidades que o caracterizam como diferente em determinados aspectos
enquanto pessoa deficiente, e estabelecerem, por meio da prpria escolha, modos e
formas de convivncia. O pertencimento das pessoas deficientes ao segmento das
pessoas no-deficientes enquanto um dos aspectos da socializao de
convivncia j estar efetivado por essa vontade expressa sobre as motivaes e
intenes, independente da concepo de convivncia humana.
Entretanto, no caso das pessoas com deficincia, a busca de entendimento
tripla, pois elas tm que entender a realidade enquanto indivduos capazes que
procuram ser socializados; tm de entender como esto sendo compreendidos na
realidade cultural em que vivem. Ademais, precisam tentar entender os
impedimentos determinados pela sociedade, assim como as razes desses em
relao a seu processo de socializao e ainda correr o risco de vir tona resqucios
da maneira como se constituram os fundamentos simblicos e ideolgicos, as
representaes e sentimentos gerados nas relaes histricas de pessoas com
deficincia e a cultura.
Nesse tipo de relao, as limitaes, impedimentos e incapacidades de
ambas as partes estaro sempre em evidncia. A complexidade do problema
envolve questes do seguinte tipo: o cego, apesar de ser nomeado como pessoa
com deficincia, enquanto integrante de um segmento social, no surdo, nem
portador de paralisia cerebral; logo, a sociedade, aps nome-lo por intermdio do
conhecimento ter que tentar apreender como ele se sente enquanto pessoa com
deficincia; como ele se apresenta perante o subgrupo a que pertence; como o
grupo o identifica; e como a sociedade o identifica.
O entendimento de que os modos como um indivduo descreve o outro, a
maneira como ele tipifica, como o concebe nas suas objetivaes o acervo social
de conhecimentos acumulados, traduzidos pela cultura e expressos na sociedade;
isso que vai dar sentido s intenes de relaes entre um sujeito e o outro o
desconhecido estabelecendo, assim, um processo de convivncia humana,
transitrio, de acordo com as circunstncias, com o tempo e o espao em que se
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estabelece. Contudo, pela experincia de convivncia humana que o sentido se
completa, acelerando ou distanciando as aproximaes.
O sentido do preconceito e da discriminao amparados pela cultura
Ao expor sobre a natureza do preconceito, Bobbio (2002, p. 103) afirma que
devemos entender como preconceito uma opinio ou um conjunto de opinies, ou
ainda, uma doutrina, possvel de ser admitida de forma acrtica, ou passivamente,
por conta da tradio da cultura ou determinao de uma autoridade que os
indivduos aceitam como precursora de ordens indiscutveis.
Por discriminao, de acordo com autor, deve-se entender as formas de
diferenciao que se apresentam injustas e sem legitimidade por irem de encontro
ao princpio fundamental da justia, que garante a todos a possibilidade de serem
tratados de modo igual queles que so iguais. E aproveita para conceituar
discriminao como: "qualquer coisa a mais do que a diferena ou distino, pois
sempre usada com uma conotao pejorativa" (BOBBIO, 2002, p. 107).
Segundo ele, todo preconceito fruto de uma opinio. Contudo, h uma
distino clara entre opinio errnea e preconceito, qual seja. Enquanto o
preconceito tomado como uma opinio verdadeira, impossvel de ser submetida a
reflexes, a opinio errnea oferece a possibilidade de ser submetida reflexo e
ser revista, recuperando o curso da razo.
O preconceito construdo por opinies falsas resistentes a correes,
capazes de mobilizar desejos, paixes e interesses e que, por temor, ignorncia ou
por medo do desconhecido, se situam sempre como um conjunto de crenas e
criaes que nascem na esfera do no-racional e na convivncia entre os indivduos.
Os preconceitos so difceis de serem refutados e perduram, pois, no interior da
cultura.
Bobbio identifica duas maneiras de apresentao dos preconceitos: os
individuais, cujos limites esto nas relaes entre os indivduos, sem perigo coletivo;
e preconceitos coletivos, aqueles absorvidos por todo um grupo social que, de forma
prtica, identifica, dirige e julga, de maneira direta ou indireta, o outro grupo social.
Reitera que tais preconceitos do ensejo a que o modo distorcido de compreenso
dos valores de outro grupo possa culminar com incompreenses, desprezo, escrnio
e outras formas de distino.
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Em contrapartida, entende que o juzo de valor distorcido estabelecido de
forma recproca por ambas as partes, pois a identificao individual de cada membro
de um determinado grupo com o seu prprio grupo faz com que os indivduos
percebam o outro como diverso, ou mesmo como hostil, de tal sorte que a opinio
errnea a construda propicie aos integrantes de ambos os grupos estabelecerem
juzo negativo em relao s caractersticas do grupo concorrente.
Ao estabelecer uma ponte entre o preconceito e a discriminao, o autor
afirma que a conseqncia nociva do preconceito de grupo est na discriminao,
com base na distino entre os grupos que se discriminam de modo recproco.
interessante destacar que quase sempre h contraposio na maneira como um
determinado grupo v o outro e como o prprio grupo se v. Todavia, os modos de
ver o outro so constitudos quase sempre por idias que se apresentam em forma
de opinies.
Entende-se que essa predisposio da pessoa em aceitar como verdadeira
uma opinio falsa, sem reflexes, sem ateno s argumentaes, que oferece a
moldura para determinados tipos de preconceito. Porm, a moldura preconceituosa
no se instala de repente; ela se funda na cultura e se explicita na sociedade na qual
recebe adeses daqueles mais favorveis em aceitar as vrias formas de
apresentao das idias preconceituosas, ou mesmo daqueles que se propem a se
calar perante as determinadas opinies.
Ao dissecar as formas como as discriminaes se estabelecem, Bobbio
assegura que, em um primeiro momento, a discriminao se fundamenta em um
juzo de fato, ou seja, demonstra apenas a diversidade existente entre um homem
em relao ao outro homem e entre um grupo em relao a outro grupo, reafirmando
a constatao de que os homens so realmente diferentes entre si. Todavia,
acredita que a confirmao de que os homens no so iguais no emana um juzo
discriminante perante o outro. Por sua vez, o juzo discriminante pressupe um tipo
de raciocnio subseqente que, por no se satisfazer com a existncia da
diversidade entre os homens, o juzo de valor em relao ao outro se estabelece em
segundo plano.
Ao ser estabelecido o juzo de valor, surgem critrios de distino de cunho
valorativo, enfatizando a superioridade de um grupo sobre o outro. Da a idia de
que um grupo pode ser considerado como civilizado, contrapondo com o que
considerado brbaro. Em determinados casos, a idia de superioridade de um grupo
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em relao ao outro faz com que um seja considerado superior em dotes
intelectuais, morais em contraposio ao outro. Para o autor, "a discriminao
repousa sobre a observao de uma diversidade ou desigualdade entre indivduo e
indivduo, entre grupo e grupo" (BOBBIO, 2002, p.112).
Da mesma maneira que as outras formas de discriminaes descritas por ele,
as discriminaes em relao aos portadores de deficincia vm sempre revestidas
inicialmente de um juzo de fato, ou seja, a pessoa com deficincia, enquanto
homem, diferente; mesmo porque no se pode negar as evidncias que
diferenciam um cego de um vidente, ou mesmo um surdo de um ouvinte, ou ainda
de um paraplgico, em cadeira de rodas, de um andante. Essa uma constatao
bvia que se estrutura em um primeiro plano, realmente, como juzo de fato.
Ao fazer distino entre desigualdade social e desigualdade natural, Bobbio
ajuda a compreender a problemtica das pessoas com deficincia em relao a sua
convivncia social, ao afirmar que a distino entre desigualdade natural e
desigualdade social relativa e no absoluta, mas que no se pode negligenciar em
que as desigualdades se fundamentam.
Ele caracteriza como igualdade natural a diferena entre homem e mulher,
enquanto desigualdade social e histrica a possibilidade de um homem ou uma
mulher falarem idiomas diferentes. Na verdade, Bobbio reflete que, quando se trata
de desigualdade natural, as possibilidades humanas de modificao da realidade
so difceis, por vezes impossveis. Ao passo que, quando se trata de desigualdade
social, aquela criada historicamente pelo prprio homem, passvel de ser
perseguida.
O crdito de que as pessoas com deficincia so diferentes dos indivduos
no-deficientes significa que se est diante da comprovao de um quadro de
desigualdade natural, possvel ou no de ser modificado durante o curso da histria.
A tecnologia pode at apresentar alguma proposio para a modificao do quadro;
todavia, o fato de esse segmento social no ter efetiva participao poltica no
contexto da sociedade leva de encontro a um quadro de desigualdade social,
produto de um determinado tipo de preconceito.
Esse, sim, conduz luta pela modificao das relaes polticas
estabelecidas no seio da sociedade. Ao se naturalizar esse tipo de desigualdade
social ou dar outro sentido aos processos discriminativos e, conseqentemente, aos
processos preconceituosos, se solidifica a impossibilidade de convivncia humana.
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Alis, este um dos riscos assumidos pelas sociedades democrticas deste tempo
histrico. Em ambos os casos, a opinio fruto de uma ideao, capaz de ser
revista ou no. Dito de outra forma: a opinio um ato voluntrio do sujeito poltico.
Quando se trata de pessoa com deficincia, observa-se que ela
diferenciada inicialmente perante os membros da famlia; em seguida, ante o
subgrupo que caracteriza o tipo de deficincia, ou seja, cegos, surdos, portadores de
paralisia cerebral ou outros; depois, diante da sociedade em que vive; e por ltimo,
perante a sociedade por inteiro, por intermdio das instituies que do direo ao
modelo social, de tal modo que ela, em vrias situaes, apresenta-se como diversa
por natureza e tende a ser vista a partir de esteretipos privados da liberdade de
ser como construdos no curso da sua prpria histria e na histria da
humanidade por opinies errneas e s vezes impossveis de serem desconstrudas
ou decodificadas.
Hannah Arendt (1998) ao dispor sobre a convivncia humana parte do
raciocnio de que o sentido da poltica a liberdade e como tal tem como base de
sustentao a diversidade humana. Mesmo admitindo que os homens apresentem
interesses diferentes, ela acredita que s a poltica e a liberdade podem estabelecer
mediaes em relao ao conjunto de interesses divergentes e diversos que
acompanham a historicidade de cada homem.
A autora parece reafirmar a idia de experincia como complemento das
formas de convivncia humana, mediante a poltica como expresso de liberdade;
porm, tanto a concepo de pluralidade quanto a coexistncia de diferenas podem
ser desarticuladas por opinies errneas ou por preconceitos, impedindo assim as
possibilidades de expresso poltica.
Contudo, fica evidente que, em qualquer situao, tanto no caso das opinies
errneas, quanto no caso do preconceito, a ideao culmina com um ato que
completa o sentido da inteno de quem busca politicamente formas de convivncia,
mesmo que o ato no seja explicitado com argumentos compreensveis por toda a
sociedade, ou suas instituies, nas relaes entre os sujeitos diferentes. O ato
discriminativo sempre fruto de uma determinada ideao, com base em
preconceitos, sentimentos, sejam eles favorveis ou desfavorveis e culminar
sempre com uma pressuposio crtica e ter sempre um sentido e, como tal, ser
viabilizado, independente de modos e formas de expresso.
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Particularmente, quando se trata de pessoas com deficincia, os atos
discriminativos podem se apresentar por intermdio de olhares, elogios, silncio,
indiferena e outras formas de expresso, de maneira que a inteno seja sempre
efetivada. possvel afirmar que a construo de sentido, ou sentidos, para
expressar a possibilidade ou a impossibilidade de convivncia com o outro, no
depende apenas das intenes ticas dos sujeitos; depende tambm das
perspectivas revisionistas para reverter opinies errneas, e isso s ser possvel
com xito se estabelecer nveis e formas de convivncia que permitam a
identificao dos equvocos que deram origem a determinados tipos de opinio.
Quando isso no acontece, a opinio errnea oferece moldura para o
preconceito e a discriminao, o que impede o experimento de novas formas de
convivncia. O preconceito e a discriminao podem at nascer em outro lugar;
contudo, pelo fato de os processos de socializao serem polticos, o sentido dado
aos mesmos inicialmente no pode ser tratado fora da realidade que lhe deu origem,
sob pena de se descaracterizar, a ponto de no ser percebido ou mesmo
compreendido.
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CAPTULO II
O Estado Liberal, as Concepes de Direito e Polticas Inclusivistas
Neste captulo toma-se como objeto de estudos o sentido dado ao
ordenamento jurdico e contratos sociais no Estado Liberal. Tem-se como objetivo
inventariar e refletir sobre o conjunto de concepes filosficas, tericas e
ideolgicas, subjacentes a documentos que tratam de polticas de insero/incluso
social de pessoas com deficincia.
A pressuposio inicial de que no Estado Liberal Burgus as formas
institucionais de construo e transmisso de valores culturais estabelecem
politicamente os modos de convivncia humana, a partir da definio e
determinao de direitos e deveres, ordenados com base em consensos
convencionais, leis e normas de adequao, que sujeitam, impem e subordinam as
pessoas envolvidas no processo. Esses modos de pensar formas de convivncia
alm de dissimular interesses e objetivos, mascaram desejos, sentimentos, emoes
e subjetividades que s se expressam no contexto da realidade social.
O captulo encontra-se delineado da seguinte forma: inicialmente
apresentado um prembulo sobre o Estado Liberal Burgus, localizando o universo
dos direitos humanos e as concepes tericas que se estabelecem como eixo da
histria poltica e sociocultural das pessoas com deficincia. Conjuntamente
descrito o sentido dado ao ordenamento jurdico e contratos sociais, concentrando-
se nos princpios e concepes que direcionam o pensamento social sobre
liberdades, direitos, proteo e dignidade humana. E por ltimo, apresentado um
inventrio reflexivo em torno do que dito e do que est interdito, a partir das
nomeaes que designam sujeitos polticos como pessoas deficientes em funo do
acesso aos direitos sociais.
A descrio da trajetria poltica e sociocultural das pessoas com deficincia,
no Brasil, impe estabelecer reflexes sobre em que realidade poltica se expressa a
vontade de convivncia humana da sociedade; e como se funda e estabelece o
universo dos direitos humanos enquanto concepes tericas e ideolgicas que do
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sentido s intenes de igualdade, liberdade e convivncia humana em
estrutura poltica e econmica que tem como base de sustentao os princpios
liberais.
A evoluo dos princpios liberais exerce funo primordial tanto nos modos
de pensar as concepes democrticas em sociedades capitalistas, quanto na
consolidao das democracias modernas, ao solidificar a universalizao das
concepes de direitos humanos. Trata-se de concepes que surgem logo aps a
Revoluo Fancesa quando a Assemblia Nacional Constituinte da Frana aprovou
em agosto de 1789 a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, solidificando
assim os ideais libertrios e liberais da primeira fase da Revoluo Francesa.
Em 1793, a Declarao reformulada, originando a segunda verso. J em
1848, a Declarao serve de inspirao e influncia s constituies francesas da
Segunda Republica e referncia para a Declarao Universal dos Direitos Humanos
promulgada pela Organizao das Naes Unidas (ONU) de maneira que a ideao
do que poderia ser determinado ou compreendido como direitos humanos surge de
dentro do Estado Liberal Burgus. Trata-se de um modelo de Estado que se funda
enquanto reao poltica e social dos capitalistas caracterizados como burguesia
em ascenso no final do sculo XVIII e se contrape ao Estado Monrquico
Absolutista.
Coube ao Estado Liberal no decorrer da sua trajetria subsidiar o regime
econmico, poltico e social capitalista, propiciando assim a distribuio e controle
do poder poltico, em funo da concentrao do poder econmico, de maneira a
direcionar modos e formas institucionais de construo e transmisso de valores
culturais, definindo inclusive formas de convivncia humana.
Ressalta-se que o Estado Liberal se constituiu no sculo XVIII como o primeiro
regime poltico e jurdico da democracia burguesa e objetivou estabelecer novas
relaes a partir das idias de liberdade, igualdade e fraternidade para ampliao
dos seus empreendimentos econmicos e lucros. No plano poltico e econmico, o
Estado Liberal objetivava a mnima interveno do Estado e regulao da economia
de mercado, alm da expanso dos seus domnios econmicos, enquanto que no
plano poltico-social visava a igualdade jurdica em funo de melhor insero e
definio de posio social, de maneira a barrar o processo discriminatrio em
relao igualdade de privilgios perante as outras classes sociais que compunham
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o regime absolutista e religioso. A concepo de fraternidade apresentava-se como
expresso de apoio dos demais setores sociais ao processo revolucionrio.
Essa concepo de Estado permitiu que os capitalistas em plena ascenso
econmica pudessem estabelecer relaes de poder poltico e econmico capazes
de determinar os rumos da economia em funo da ampliao dos seus interesses.
E assim, criam a idia moderna de Constituio como um instrumento capaz de
limitar o poder governamental e regular a garantia de igualdade, liberdade e direitos
individuais para a obteno de lucro.
No iderio do Estado Liberal, a idia de igualdade se funda como uma
possibilidade de submisso de todas as pessoas lei, com base em um nico
ordenamento jurdico e textos legais, de maneira que o sentido dado igualdade se
caracteriza como igualdade perante a lei. Mesmo porque o Estado Liberal, ao
subsidiar um ordenamento jurdico generalista, obriga que todas as pessoas se
submetam aos seus princpios gerais a partir de uma idia de igualdade
essencialmente formal e abstrata, impossvel de se concretizar na vida social por
falta de sustentao material.
Essa distoro fez com que o Estado Liberal, no avano de suas concepes,
evolusse para a construo de novas categorias, momento em que cria a idia de
Estado de Direito com o objetivo de regular as atividades polticas e impedir que o
direito subjetivo fosse aplicado apenas nas relaes entre indivduos, enquanto
garantia de igualdade. E para estabelecer o Estado de Direito, cria a idia de
Constituio como instrumento normativo e regulador das relaes polticas e
sociais, capaz de garantir o modelo de Estado e limitar os poderes dos governantes.
E justamente a partir do Estado de Direito que surge a figura jurdica do
Direito Subjetivo Pblico que reconhece o indivduo como titular de direito e lhe
permite exigir seus direitos junto ao Estado. Com base nessa evoluo, o Estado
Liberal compreende a existncia de direitos fundamentais e cria o que foi designado
direitos de primeira gerao, de contedo civil e poltico, voltado para o indivduo
enquanto pessoa humana, evocando a idia de liberdade, concepo de
propriedade, vida e segurana, na tentativa de conduzir o pensamento social de
parte da sociedade mundial a uma nova viso das relaes sociais, reafirmando
assim os interesses e objetivos do Estado Liberal.
A compreenso de direitos humanos surge com a idia de direitos de primeira
gerao e traz na sua essncia a tarefa de universalizar normas e procedimentos
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incutindo valores e crenas, e ao mesmo tempo, a universalizao dos princpios
liberais, criando expectativa de igualdade, e eqidade que atravessa o milnio.
Independente de qualquer juzo de valor os direitos humanos, na verdade uma
construo histrica que, possibilita o controle poltico e social e cria a existncia dos
estados democrticos liberais.
O sculo XIX marcado pelas concepes de igualdade social e
universalizao de direitos para atender a classe operria e mant-la sobre controle
poltico do Estado e ao mesmo tempo compensar as mazelas e distores geradas
pelo sistema capitalista, o que d origem segunda gerao de Direitos Humanos,
comprometidos em garantir direitos individuais e coletivos que se caracterizam como
direitos econmicos e sociais visando o bem-estar social.
A concepo liberal de que a universalizao de direitos distribui riquezas
sem necessidade de modificar os princpios que fundam e justificam o modelo
econmico poltico e social capitalista. Na verdade, os direitos de segunda gerao
tm como objetivo habilitar os indivduos, a tornarem-se aptos ao exerccio de
determinados direitos, que os indivduos se reconheam e sejam reconhecidos como
o titular. Assumindo assim a condio de cidado detentor de direitos tutelados pelo
Estado.
Apesar dos direitos de segunda gerao terem influenciado os textos
constitucionais das democracias liberais de vrios estados - nao, no que se
referem ao ordenamento jurdico brasileiro os mesmos s comeam a serem
incorporados a partir da Constituio promulgada em julho de 1934, logo aps o
governo provisrio da dcada de trinta. Apesar de ter vigorado por pouco tempo, a
referida constituio caracterizou-se por reafirmar os princpios liberais e
federalistas, fortalecendo o Estado enquanto condutor da esfera econmica.
Em termos polticos, o texto constitucional inaugura direitos, ao garantir a
participao das mulheres na condio de eleitoras com direito a votar e serem
votadas, portanto com a possibilidade de eleio ao Congresso Nacional, e reafirma
politicamente a garantia dos direitos civis e liberdade de expresso. Esses fatos
foram importantes para a trajetria poltica das pessoas com deficincia, por garantir
ao indivduo a possibilidade de dizer o que sente e emitir desejos em relao a sua
vida em sociedade.
Contudo, no obstante os esforos do Estado Liberal em tentar incluir setores
da sociedade na participao poltica e social, o advento da Revoluo Industrial,
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amplia o leque de explorao do sistema capitalista, criando assim situaes sociais
que aumentam a degradao humana, de maneira que as idias de igualdade formal
e Estado de Direito tornam-se insuficientes para atender os problemas sociais da
classe trabalhadora, possibilitando o surgimento do Estado Social. necessrio
destacar que o uso da mquina com o advento da Revoluo Industrial contribui
para acentuar os quadros de limitaes e impedimentos fsicos sensoriais e motores.
A idia de Estado Social se caracteriza por dar continuidade ao projeto
capitalista. Desta feita, o pensamento liberal se volta para admitir a interveno do
Estado na economia, de maneira a ampliar a idia de igualdade e impedir os
avanos dos processos revolucionrios que reagem contra as condies precrias
dos trabalhadores.
O Estado Social se situa em um novo princpio de justia social, com a
perspectiva de garantir acesso dos trabalhadores aos bens materiais, produzidos por
eles mesmos, a partir das relaes de trabalho dentro da viso dos modos de
produo capitalista. No Estado Social, a idia de Estado de Direito se estende
regulando tanto as atividades polticas, quanto as atividades dos governos, e com
base na idia de bem-estar social compromete-se em determinar deveres do Estado
para com a sociedade, admitindo inclusive que a sociedade utilize o Estado de
Direito para garantia de liberdades, ampliando os direitos sociais.
dentro desse clima de acerto entre Estado e sociedade que se aprofundam
as relaes capitalistas e ao mesmo tempo se cultua a idia de proteger os
explorados pelo sistema, dando origem assim aos denominados direitos sociais
como direito ao trabalho, educao, sade, ao lazer e outros, com a
possibilidade de garantir o mnimo de bem-estar social, com a perspectiva jurdica
de que os indivduos alm de serem sujeitos de direitos, passariam a ter direitos.
Essa concepo aprimora a idia de diviso de classe social na sociedade
moderna pela contraposio entre a idia de ter e ser, pois a ordem e as normas
jurdicas atuam veladamente no sentido de que os indivduos precisam ter o mnimo
de bens materiais acumulados para serem reconhecidos e pertencerem ao contexto
poltico-social e usufrurem de direitos civis e polticos garantidos pelo Estado.
No que se refere histria poltica e sociocultural das pessoas com
deficincia, a contraposio entre ter e ser contribui para definir a idia de
pertencimento poltico e social dos mesmos, pois os direitos sociais se interligam em
funo de legitimar o pertencimento social e garantia de direitos civis, polticos e
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sociais. Dentro de uma determinada lgica de pertencimento social capitalista, para
alguns setores sociais ter educao significa ter qualificao e ou certificao social,
o que possibilita acesso ao trabalho assalariado para quem tem condies fsicas,
intelectuais, sensoriais e motoras, e est em idade produtiva.
Na verdade, o pertencimento social tem ligao direta com a possibilidade ou
impossibilidade de dispor de direitos individuais e coletivos, sobretudo direitos
caracterizados como direitos sociais; no basta que o indivduo se reconhea, ou
seja reconhecido como titular de direitos, para que ele tenha garantido o seu
pertencimento social.
Todavia, a universalizao de direitos humanos enquanto concepes
tericas e ideolgicas que do sentido s intenes de igualdade e dignidade
humana, mesmo protegida pelo ordenamento jurdico, so insuficientes para garantir
a eqidade de oportunidades. Por outro lado, as relaes amistosas entre Estado e
sociedade no garantem a todos os segmentos sociais a prerrogativa de exercitar e
desfrutar dos direitos sociais. O Estado de Direito no garantia suficiente para a
igualdade social.
Para exemplificar essa situao, vejamos: se uma pessoa nasce com uma
determinada deficincia ou limitao, nasce com a garantia de igualdade com base
no Estado de Direito, logo, tem direito educao e ao trabalho enquanto direitos
sociais previstos constitucionalmente. Mas, se por quaisquer razes o Estado no
lhe garantir polticas pblicas no campo da educao e qualificao para o trabalho,
compatveis com suas limitaes, ou impedimentos, o indivduo fica sem acesso ao
trabalho, porque o sistema produtivo exige pessoas qualificadas e certificadas para o
trabalho. A idia de igualdade com base no Estado de Direito no alterada;
contudo, a pessoa individualmente perde o acesso a vrios direitos sociais,
compreendidos como direitos fundamentais do homem moderno.
Apesar da Constituio Brasileira, ao fazer referncia aos direitos e garantias
fundamentais, afianar que todos so iguais perante a lei sem distino de qualquer
natureza; determinar a educao, a sade e o trabalho como direitos sociais; alm
de nutrir a expectativa de que a educao direito de todos e dever da famlia, da
sociedade e do Estado assegurar com prioridade entre outros direitos, o direito a
educao e a profissionalizao, as pessoas com deficincia no tm garantias a
tais benefcios.
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No ter acesso educao implica no ter acesso ao trabalho, mas tambm
a um conjunto de direitos e deveres constitudos, inclusive direito a ser includo no
sistema previdencirio na condio de contribuinte. Nessa situao, a pessoa deixa
de ser inserido e pertencer ao sistema social universalmente concebido em
condies de igualdade.
Em outra situao, se o indivduo j pertence ao mercado de trabalho formal,
supe-se tem garantido uma srie de direitos sociais. Mas, se por qualquer razo
interrompe sua trajetria de vida e torna-se uma pessoa nomeada como pessoa com
deficincia, ele no deixa de ser sujeito de direitos; contudo, dependendo de sua
situao, corre o risco de perder direitos sociais e polticos constitucionalmente
adquiridos, e em algumas situaes, dependendo do perfil das polticas pblicas,
perde os direitos que anteriormente desfrutava como o direito a continuidade de
seus estudos e reingresso ao mercado de trabalho, mesmo porque a mesma
constituio que determina o trabalho como direito social, defende no seu Art. 5
inciso XIII que livre o exerccio de qualquer trabalho, ofcio ou profisso, atendidas
as qualificaes profissionais que a lei estabelecer.
Deixa claro que a formao ou qualificao oficial determinante para acesso
ao trabalho em condies legais. O que demonstra que a idia de universalizao de
direitos dentro de um clima de legalidade, ao dar sentido s intenes de igualdade
e dignidade humana, enquanto prerrogativa do Estado Social Liberal, insuficiente
para garantir pertencimento poltico de todos e instaurar a justia social como
conseqncia da vida democrtica.
Fica claro tambm que a pessoa individualmente est impossibilitada de
desfrutar de direitos que atendam a sua vontade poltica, mesmo que se trate de
direitos individuais constitucionalmente estabelecido