Poluição do ar em São Paulo: um panorama

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1 Trabalho de Conclusão de Curso Jornalismo Poluição do ar em São Paulo: um panorama Alexandre Soares Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes – USP 2009

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ResumoEste é meu Trabalho de Conclusão de Curso de jornalismo, defendido na Escola de Comunicações e Artes da USP. Ele traz um panorama jornalístico da poluição atmosférica local na RegiãoMetropolitana de São Paulo. Ele apresenta uma breve história da poluição do ar, oque os poluentes causam na saúde humana, uma lista os poluentes mais estudados esuas fontes emissoras e, por fim, traz propostas para diminuir os impactos da poluiçãoatmosférica na saúde pública.ABSTRACTThis work brings a journalistic panorama of local atmospheric pollution in MetropolitanRegion of São Paulo. It presents: a brief history of air’s pollution; what polluents causein human’s health; a list of the most researched polluents and its’ sources and, at last,suggestions for mitigation of pollution’s impact in public health.key-words: atmospheric pollution, local air pollution, health effects of air pollution.

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Trabalho de Conclusão de Curso

Jornalismo

Poluição do ar em São Paulo:

um panorama

Alexandre Soares

Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes – USP

2009

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Orientador: Professor Dr. Wilson da Costa Bueno

Autor: Alexandre Soares da Silva n° USP: 4978777

email: [email protected]

Novembro de 2009.

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Entrevistados:

Fabio Luiz T. Gonçalves – Professor do Departamento de Ciências Atmosféricas do IAG-USP (Instituto de Astrofísica, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo) e coordenador do Instituto Nacional de Avaliação de Risco Ambiental (lnaira).

Maria de Fátima Andrade – Professora do IAG-USP e coordenadora do Inaira.

Fabio Feldmann – advogado e consultor em meio ambiente e sustentabilidade; ex-Secretário Estadual do Meio Ambiente e ex-deputado federal.

Chin An Lin – médico pneumologista; pesquisador do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da USP (FM-USP); Professor colaborador do Departamento de Clínica Médica da FM-USP e Médico Assitente-Doutor na Clínica Geral do Hospital das Clínicas da mesma faculdade.

Francisco E. B. Nigro – pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) do estado de São Paulo e professor da Escola Politécnica da USP.

Amanda Previdelli – estudante

Amanda Demétrio – jornalista

Citados:

Paulo H.N. Saldiva – patologista; professor titular da FM-USP e coordenador do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da FM-USP; coordenador geral do Inaira.

Cândido Malta Campos Filho – arquiteto e urbanista; professor aposentado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

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SIGLAS

RMSP – Região Metropolitana de São Paulo.

IAG-USP – Instituto de Astrofísica, Geofísica e Meteorologia da Universidade de São Paulo

USEPA ou EPA – United States Environmental Protection Agency (Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos)

Inaira - Instituto Nacional de Avaliação de Risco Ambiental.

IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do estado de São Paulo.

PROCONVE - Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores

CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente

GLOSSÁRIO

Álcool anidro – álcool puro, desidratado, que é usado como aditivo para a gasolina (para aumentar sua octanagem). Substituiu o chumbo utilizado como aditivo na década de 1980.

Antropogênico – “produzido pelo ser humano”.

Biomassa – em termos de combustíveis,é todo vegetal ou resíduo biológico que pode ser utilizado para produzir energia (lenha, cana-de-açúcar, dendê, bagaço da cana etc)

Inversão térmica – o ar quente sempre sobe para as camadas mais frias da atmosfera. Porém, algumas vezes, o solo resfria-se rapidamente e esfria o ar em contato com ele.

Isso faz com que a camada superior da atmosfera esteja mais quente que o ar junto ao solo – o ar fica “paralisado” como numa panela tampada. Com ele ficam os poluentes, que se dispersariam sem a inversão térmica.

O fenômeno é desfeito quando o sol nasce e aquece o ar próximo ao solo.

Óleo fóssil – petróleo.

Poluentes globais – são os gases do efeito estufa, que afetam o planeta globalmente, aumentando sua temperatura média.

Poluentes locais – poluentes que prejudicam a saúde por si mesmos; o termo é usado em oposição ao “poluentes globais”.

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Agradecimentos

A meus pais e irmã, pelo amor e provimento,

A Eliza Miranda, pelo re-norteamento,

E, pelo “disciplinamento” e amor, a Isabel.

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Índice

Resumo 7

Introdução 8

Uma breve história da poluição do ar 12

O ar que faz mal 27

Os poluentes e suas fontes emissoras 34

Abordagens para o problema 44

Bibliografia 59

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RESUMO

Este trabalho traz um panorama jornalístico da poluição atmosférica local na Região Metropolitana de São Paulo. Ele apresenta uma breve história da poluição do ar, o que os poluentes causam na saúde humana, uma lista os poluentes mais estudados e suas fontes emissoras e, por fim, traz propostas para diminuir os impactos da poluição atmosférica na saúde pública.

palavras-chave: poluição atmosférica, poluição local, história da poluição atmosférica, efeitos da poluição do ar na saúde.

ABSTRACT

This work brings a journalistic panorama of local atmospheric pollution in Metropolitan Region of São Paulo. It presents: a brief history of air’s pollution; what polluents cause in human’s health; a list of the most researched polluents and its’ sources and, at last, suggestions for mitigation of pollution’s impact in public health.

key-words: atmospheric pollution, local air pollution, health effects of air pollution.

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crédito:Alexandre S

oares

Aeroporto de Congonhas

Introdução

Até agora pouco, 18h26 do dia 4 de novembro de 2009, eu olhava para a

janela do cômodo onde escrevo. Ela dá visão para o aeroporto de Congonhas,

na cidade de São Paulo; meus olhos ardem levemente e o céu tem uma

coloração amarelo-pálida e embaçada:

Os prédios – em perspectiva, logo após o aeroporto – encontram-se atrás de

uma neblina branco-amarelada de aspecto suavemente metálico. O aeroporto

é até bem visível, mas não tanto quando num momento pós-chuva – quando o

ar está límpido e pode-se ver o céu azul.

Acesso, então, o mapa de qualidade do ar1 no sítio da CETESB (Companhia

do Meio Ambiente de São Paulo), como tenho feito habitualmente após a

1 http://www.cetesb.sp.gov.br/ar/mapa_qualidade/mapa_qualidade_rmsp.asp

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escolha do tema do meu trabalho de conclusão de curso. Estou curioso para

saber se a ardência nos olhos tem relação com a qualidade do ar em

Congonhas.

O registro dos diversos pontos monitorados é das 17h: a Região Metropolitana

de São Paulo (RMSP) está “inadequada” para a respiração – embora a região

de Congonhas registre qualidade do ar apenas “regular”.

O horizonte parece estar coberto pela chamada neblina fotoquímica. A neblina

fotoquímica é produzida por diversas reações que ocorrem entre o oxigênio do

ar (O2) e hidrocarbonetos (HCs) ou óxidos de nitrogênio (NOx). Os HCs são

emitidos principalmente por automóveis e motos movidos à gasolina; a fonte

por excelência2 dos NOx são caminhões que utilizam diesel como combustível.

Seguindo este perfil, a provável fonte maior dos poluentes que produziriam

uma neblina como essa é a Avenida dos Bandeirantes e outras grandes

avenidas que a cruzam.

De maneira simplificada: os raios ultravioleta que atravessam a camada de

ozônio dividem as moléculas dos NOx e HCs de Congonhas, gerando átomos

de oxigênio livres e altamente reativos. Estes se recombinam com O2, gerando

o ozônio (O3) próximo do solo – o poluente que causa o ardor no olho. Sinta-se

em casa!

Em entrevista concedida no mês de novembro de 2009, o professor Fábio Luiz

Teixeira Gonçalves, pesquisador do IAG3-USP e um dos coordenadores do

Inaira4, já me dissera que “na Avenida dos Bandeirantes tem de tudo!”

enquanto falava sobre poluentes que ultrapassam os limites de qualidade do ar

na RMSP. Então, perguntei se seria bom alguém descer a Bandeirantes

fazendo um cooper: o professor disse que não tinha certeza “se os benefícios

do esporte compensam o risco” de inalar toda aquela massa de poluentes.

2 fonte: entrevista com a Professora Maria de Fátima, do IAG-USP.3 Instituto de Astrofísica, Geofísica e Ciências Atmosféricas4 Instituto Nacional de Análise Integrada do Risco Ambiental

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Quando a CETESB qualifica o ar como “inadequado”, isso significa que respirar

na área oferece riscos à população:

“Efeitos à saúde: Pessoas com doenças respiratórias, como asma, e crianças têm os

sintomas agravados. População em geral pode apresentar sintomas como ardor nos

olhos, nariz e garganta, tosse seca e cansaço.” 5

Após a classificação da qualidade do ar, a mesma seção do site da CETESB

fornece dicas de como proteger a saúde:

“Reduzir o esforço físico pesado ao ar livre, principalmente pessoas com doenças

cardíacas ou pulmonares, idosos e crianças”.6

Ou seja, em São Paulo, quando a qualidade do ar está “inadequada”, não se

deve fazer atividade física. Para manter a saúde, deve-se ficar parado!

Por que escrever sobre poluição na RMSP?

Falar sobre a poluição atmosférica é falar de algo que afeta emissores e não-

emissores indiscriminadamente.

É discutir sobre nosso bem estar, que fontes de energia usamos para sustentar

nosso estilo de vida e que destino queremos dar ao nosso planeta Terra -

porque a poluição do ar tem ligação com alguns problemas persistentes e

ameaçadores:

1. doenças respiratórias e cardiovasculares, relacionadas à poluentes

chamados locais – que são estudados, normalmente, dentro de uma

“bacia aérea”7;

5 Seção ar do site da CETESB.6 Idem.7 “Bacia aérea” é o termo usado para delimitar uma região influenciada pelas mesmas fontes poluidoras. Apesar de fazer analogia às bacias hidrográficas, o conceito é sempre utilizado para referir-se à poluição atmosférica.

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2. aquecimento global, relacionado aos poluentes globais (gases

causadores do efeito estufa).

O aquecimento global, um dos problemas mais graves que os agrupamentos

humanos enfrentarão nas próximas décadas e cujas conseqüências a médio e

longo prazo podem ser devastadoras, não será tratado por aqui. Acredito que

seus efeitos já são propalados com bastante intensidade em diversas mídias.

Neste trabalho de conclusão de curso, apresento um panorama da poluição

atmosférica da RMSP, ao tratar de:

uma breve história da poluição do ar e seus marcos regulatórios;

os poluentes mais estudados;

os efeitos da poluição do ar sobre a saúde humana;

o que pode ser feito para a melhora do ar na RMSP.

Por fim, discutir a poluição do ar da RMSP é falar de algo que se comenta

muito, mas pouco é posto em prática: seja o tema das ciclovias em grandes

avenidas, da maior eficiência na fiscalização de veículos, da adoção de

tecnologias mais limpas pelas montadoras, ou até mesmo da redução do

percentual de enxofre do diesel pela Petrobrás.

Sendo assim, a determinação do perfil da poluição atmosférica na RMSP e a

análise das medidas atuais de controle são fundamentais para estabelecer uma

visão crítica de um problema histórico, cuja solução futura depende de avanços

técnicos, políticos e sociais.

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crédito: U.S

.Geological S

urvey/Cascades V

olcano Observatory

Uma breve história da poluição do ar

Poluição8 do ar é qualquer partícula ou gás presente na atmosfera que causa

efeitos adversos na saúde de humanos, animais, vegetações ou danos a

materiais inorgânicos. Ela pode ser resultado da atividade humana ou das

8 A lei 997 de 31 de maio de 1976 do estado de São Paulo conceitua a poluição ambiental em seu artigo 2º: “[...] a presença, o lançamento ou a liberação, nas águas, no ar ou no solo, de toda e qualquer forma de matéria ou energia, com intensidade, em quantidade, de concentração ou com características em desacordo com as que forem estabelecidas em decorrência desta lei, ou que possam tornar as águas, o ar ou o solo: I – impróprios, nocivos ou ofensivos à saúde; II – inconvenientes ao bem-estar público; III –danosos aos materiais, à fauna e a à flora; IV – prejudiciais à segurança, ao uso e gozo da propriedade e às atividades normais da comunidade.”

O vulcão Pinatubo em erupção nas Filipinas

(1991)

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atividades naturais (geológicas, climáticas etc) do planeta. Quando é produzida

pelo ser humano, é classificada como antropogênica.

Por exemplo, pesquisadores do IPCC9 consideram o fenômeno do

aquecimento global – o excesso de gases do efeito estufa na atual atmosfera

terrestre – antropogênico.

Ele seria uma consequência da queima de combustível fóssil para produção de

energia – uma demanda que nunca parou de crescer nas sociedades

urbanoindustriais. Por outro lado, um vulcão em erupção é resultado da

atividade geológica natural da Terra e também despeja uma quantidade

enorme de poluentes globais e locais na atmosfera.

Este é o caso da erupção do vulcão Pinatubo nas Filipinas (arquipélago nas

proximidades de Taiwan, sudeste da Ásia), que aconteceu em junho de 1991.

Ela descarregou quase 20 toneladas de dióxido de enxofre (SO2) na atmosfera;

os gases e material particulado ultrapassaram a troposfera – a camada da

atmosfera que fica em contato com o solo – e chegaram à estratosfera.

Os ventos fortes da estratosfera espalharam os detritos da erupção por todo o

globo, e o enxofre com material particulado em suspensão causaram uma

queda de 0,5°C na temperatura média do planeta Terra nos dois anos

seguintes.10

A história do monte Pinatubo ilustra a capacidade que a atividade natural da

Terra tem de afetar drasticamente sua atmosfera; capacidade essa, hoje,

rivalizada pelo ser humano.

Primórdios da fumaça preta

Os seres humanos poluem o ar em uma escala diminuta desde que

começaram a usar o fogo de diversas maneiras: como fonte de energia, para

9 Intergovernmental Panel on Climate Change, Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas.10 Nasa’s Earth Observatory - Global Effects of Mount Pinatubo (sítio).

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afugentar predadores, para limpar o solo antes de semeá-lo, para preparar

alimentos, preparar adubo e fabricar ferramentas. Num primeiro momento,

usamos apenas lenha (biomassa, que continua a ser utilizada); depois, o

carvão, uma fonte de energia mais compacta e duradoura. E isso é apenas a

pré-história e um pedaço da antiguidade da historiografia humana.

Há milênios a poluição atmosférica é um problema em agrupamentos

humanos. Em 900 a.C., no Egito, o Rei Tikulti reclamou do odor desagradável

de uma manufatura que manipulava betume, asfalto usado em construções na

antiguidade. Quinhentos anos mais tarde, Hipócrates relacionou o mesmo

cheiro a doenças de habitantes do local.

Na Grécia e Roma antigas, há registros de reclamações sobre o cheiro da

fumaça “irritante e desagradável” resultante da queima de carvão – Sêneca

escreveu sobre o “ar pesado” de Roma em 61 d.C.: “Logo que saí (...) do fedor

das chaminés e da pestilência, vapores e fuligem do ar, eu senti uma alteração

na minha disposição.” 11

A revista científica Science publicou, em 1994, um artigo12 de cientistas que

encontraram chumbo com dois mil anos de idade no gelo da Groelândia. O

metal, altamente tóxico, teria sido um resultado direto das atividades

manufatureiras da civilização Greco-romana.

Londres, um caso emblemático

“Um dos elementos que mais tem sido agredido pelo homem é o ar.

Indispensável para a vida (...) provavelmente não recebeu maior atenção

por ser abundante, invisível e inodoro. Porém, ao longo da história do

progresso da humanidade, suas características foram mudando.”13

11 VALLERO, Daniel A. Paradigms lost: learning from environmental mistakes, mishaps, and misdeeds.Elsevier Butterworth-Heinemann, 200512 HONG, et al., Greenland ice evidence of hemispheric lead pollution two millenniaago by Greek and Roman Civilizations, Science, 265, 1994.13 Braga A, Pereira L, Saldiva P. Poluição Atmosférica e seus Efeitos na Saúde Humana: os próximos 20 anos. Campinas, 2002.

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A capital da Inglaterra é um exemplo de como a poluição atmosférica resultante

da atividade humana pode atingir um extremo inadvertidamente suicida.

Na Idade Média, a principal poluição do ar londrino era produzida pela queima

de carvalho (madeira; portanto, biomassa) nas fornalhas de pedra calcária, que

era o combustível usado para fazer cal virgem. Num determinado momento, a

escassez de carvalho fez com que indústrias variadas – incluindo aqui a de cal

virgem – e o aquecimento das casas passasse a ser feito com carvão mineral.

Da combustão do carvão mineral, resultam os seguintes poluentes: dióxido de

enxofre, monóxido de carbono, dióxido de carbono, óxido nítrico, fuligem e

material particulado fino.

Em 1306, a situação chegou a tal ponto o rei Edward I baniu o uso de carvão

mineral em fornalhas de calcário. Essa medida, que visava remediar a poluição

severa da cidade, foi promulgada por sugestão da primeira comissão criada

para analisar a poluição atmosférica da história – mas a lei “não pegou”.

Em 1661, John Evelyn escreveu “Fumifugium, or the Inconvieniencie of the Aer

and the Smoake of London Dissipated”, onde diz que “mais cedo se sente o

cheiro do que se enxerga a cidade”, e sugere limites ao uso de carvão mineral,

realocação de indústrias, desenvolvimento de novos combustíveis e o cultivo

de “cinturões verdes” ao redor de Londres.

No século XVIII, durante a Revolução Industrial, a quantidade de carvão

queimada em Londres aumentou 100 vezes, mas não foi dada a devida

importância para o fato. A poluição era considerada um mal necessário para o

progresso da civilização, e não havia parâmetros sobre a toxicidade dos

resíduos das combustões ou uma estimativa de seu impacto ambiental.

Durante este período de progresso industrial, econômico e deterioração

ambiental, estima-se que a poluição atmosférica tenha matado

percentualmente sete vezes mais pessoas na Grã Bretanha que em outros

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países menos poluídos. E foi justamente esse modelo industrial que se

espalhou pelo resto da Europa, EUA, Japão, Rússia e África do Sul.

Tragédias anunciadas

Em dezembro de 1930, uma neblina venenosa tomou conta de parte do vale

Meuse, na Bélgica. Numa faixa de 20 km de comprimento, entre as cidades de

Huy e Liège, o smog estacionou junto ao solo por cinco dias, aliado a uma

inversão térmica duradoura. Para se ter uma idéia da grande concentração

geográfica de fontes poluidoras da região, por lá se encontravam quatro

siderúrgicas, três metalúrgicas, quatro centrais de produção de energia elétrica

e suas minas de carvão, seis indústrias de cerâmica e vidro que utilizavam

fornos a carvão ou gasogênio, três indústrias de cimento, três indústrias de

transformação química de minerais, uma carvoaria, uma fábrica de pólvora,

uma fábrica de ácido sulfúrico e uma fábrica de adubos.

Durante o smog e nas duas semanas seguintes, 63 pessoas morreram de

problemas respiratórios – principalmente idosos e debilitados –, um número

muito mais elevado que a mortalidade esperada para a população local. Outras

seis mil pessoas tiveram sintomas agudos de intoxicação por poluentes

atmosféricos (falta de ar, dores no peito, tosse forte e irritação nos olhos).

Donora, na Pensilvânia (EUA), uma cidade industrial que queimava

abundantemente carvão mineral para fabricação de ferro, vidro e aço, sofreu

uma situação muito similar à do vale do Meuse: em outubro de 1948, após uma

inversão térmica, o smog instalou-se por cinco dias próximo ao solo da cidade.

Até o vento dispersar a neblina venenosa, vinte pessoas morreram e em torno

de seis mil habitantes locais procuraram serviços médicos com os sintomas

clássicos de intoxicação por poluentes.

SMOG - trocadilho formado com smoke

(fumaça, em inglês) e fog, neblina.

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Nosso maior exemplo, Londres: em 1952, ficou durante 5 dias sob um smog

denso, venenoso e malcheiroso, composto principalmente por material

particulado e dióxido de enxofre (que tem cheiro de ovo podre), numa

concentração até nove vezes maior que a média.

O smog aconteceu à noite, durante uma inversão térmica que concentrou o

material particulado (fumaça preta) e os óxidos de enxofre junto à cidade. A

neblina era tão espessa que, à frente dos ônibus, pessoas seguravam

lanternas para iluminar o caminho.

Em sete dias, estima-se que mais de 4.000 pessoas tenham morrido por causa

da exposição à poluição, um número muito mais elevado que a mortalidade

esperada para a cidade. Idosos e enfermos foram as principais vítimas.

Esses episódios – vale do Meuse, Donora e Londres –marcaram uma mudança

na percepção política dos poluentes atmosféricos: a poluição do ar não era

mais um mal necessário e obrigatoriamente suportável em nome do progresso,

mas um problema de saúde pública nacional.

The turning point14

Nos EUA, em 1955, o Congresso liberou 5 milhões de dólares para pesquisas

sobre o impacto da poluição do ar sobre a saúde e a economia com o Air

Pollution Control Act. Em 1963, com o primeiro Clean Air Act, a administração

federal organizou um programa de pesquisa e controle da poluição atmosférica,

que responsabilizou os estados pelo controle deste tipo de poluição.

Contudo, novos episódios de aumento súbito da poluição provaram a ineficácia

desse mecanismo político: Nova York ficou durante quatro dias em estado de

alerta em dezembro de 1966 e oito pessoas morreram de problemas

respiratórios. A realidade era que a imensa maioria dos estados não estava

preparada para controlar a poluição atmosférica.

14 O momento da virada.

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18

Diante dessa conjuntura, os EUA estabeleceram padrões de qualidade do ar

em 1967, com emendas ao Clean Air Act de 1963. As emendas estabeleciam

os seis poluentes atmosféricos que deveriam ser controlados: partículas totais,

dióxido de enxofre (SO2), monóxido de carbono (CO), dióxido de nitrogênio

(NO2), ozônio (O3) e chumbo (Pb). Para efetivar este controle, foi criada a

USEPA (Environmental Protection Agency, Agência de Proteção Ambiental) e

regulamentadas as fontes de emissão móvel (veículos) e estacionárias

(termelétricas e aquecedores a carvão, por exemplo).

Os financiamentos governamentais dos EUA estimularam pesquisas que

subsidiaram (e inspiraram) legislações de controle da qualidade do ar no

mundo todo. É natural, portanto, que a legislação mais famosa deste tipo seja a

norte-americana, cujos indicadores são feitos EPA:

Padrões de qualidade do ar para os principais poluentes segundo a

Environmental Protection Agency (EPA), EUA

Poluentes Concentrações Tempo médio

Partículas inaláveis

(PM10)

150 µg/m3

50 µg/m3

Nível limite para 24h

Média aritmética anual

Ozônio (O3) 0,12 ppm (235 µg/m3) Média de 1h máxima diária

Dióxido de Enxofre

(SO2)

0,014 ppm (365 µg/m3)

0,03 ppm (80 µg/m3)

Nível máximo em 24h

Média aritmética anual

Monóxido de carbono

(CO)

9 ppm (10 µg/m3))

35 ppm (40 µg/m3)

Média máxima de 8h

Nível máximo em 1h

Dióxido de nitrogênio 0,053 ppm (100 µg/m3) Média aritmética anual

A tabela estabelece limites máximos de concentração de poluentes; acima

destes limites, a população pode sofrer danos à saúde.

Em 1990, a EPA ganhou o poder de determinar nacionalmente os critérios

técnicos de controle das substâncias tóxicas no ar, com base nos seus

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impactos na saúde humana. No entanto, em 1991, 87 milhões de pessoas nos

EUA ainda eram expostas a níveis superiores aos padrões de qualidade

determinados pela agência.

Sobre Londres: a cidade já havia produzido outros três smogs muito sérios

durante o século XIX, que causaram quase mil mortes cada um. Contudo, só o

smog de 1952 - cujos efeitos sobre uma população foram os mais

devastadores da história da poluição atmosférica até aquele momento - fez

com que o Parlamento inglês produzisse os dois Clean Air Acts (Leis do Ar

Puro).

O de 1956 delimitou as áreas onde o risco de acúmulo de fumaça preta era

maior, obrigando os habitantes locais a trocarem os sistemas de calefação a

carvão de suas casas por sistemas elétricos, a gás ou a óleo diesel. Para isso,

o governo ofereceu subsídios para a mudança dos sistemas.

No setor industrial, houve grande resistência em cumprir as metas para

emissão de poluentes, cuja regulamentação e fiscalização foram intensificadas,

posteriormente, com o Clean Air Act de 1968. Porém, o controle da poluição

atmosférica só progrediu decisivamente quando a Inglaterra entrou no Mercado

Comum Europeu, pois a Comunidade Européia “já no início dos anos 70,

demonstrou através de propostas e discussões de medidas de controle, estar

suficientemente convencida das existência de danos à saúde causados pelas

altas concentrações de poluentes atmosféricos.”15 Portanto, a Inglaterra foi

obrigada a adequar sua legislação ambiental à do bloco comercial do qual

participou a partir de 1963.

Com um atraso de séculos, diriam alguns, ao lembrarem-se do rei Edward e

sua malfadada lei de 1306, que tentou controlar, sem sucesso, a queima

indiscriminada de carvão em Londres.

15Braga A, Pereira L, Saldiva P. Poluição Atmosférica e seus Efeitos na Saúde Humana: os próximos 20 anos. Campinas, 2002.

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Bhopal, Índia – um caso não resolvido

Na década de 1970, os países desenvolvidos vivam um momento de cerco

regulatório e fiscalizatório contra indústrias poluentes. Parte destas indústrias,

então, migrou para países em desenvolvimento, onde os investimentos eram

uma necessidade premente e as leis ambientais eram permissivas ou

praticamente não existiam. Foi assim que a subsidiária indiana da indústria

norte-americana Union Carbide (hoje, parte da empresa Dow Chemical) entrou

para a história.

Na década de 80, sua fábrica de agrotóxicos em Bhopal, na Índia, sofreu um

vazamento de 40 toneladas de metil-isocianato (MIC), gás que se espalhou por

toda a cidade. O MIC, quando inspirado por alguém, reage com a água do

pulmão e causa um edema intenso (acúmulo de líquido dentro do órgão). Esta

reação química causou a morte de 15.000 a 20.000 habitantes de Bhopal e

deixou mais de 100.000 com seqüelas graves nos pulmões e, por

conseqüência, dificuldades respiratórias.

De acordo com o Greenpeace16 e a Enciclopédia Britânica online, no começo

do século XXI ainda havia 400 toneladas de dejetos industriais no local do

acidente e a contaminação da água e do solo eram responsáveis pela

malformação de bebês e problemas crônicos de saúde da população. Nem a

Dow Chemical ou o governo indiano dispuseram-se a limpar a ex-fábrica; a

empresa nega até hoje a responsabilidade sobre o vazamento, atribuindo-o a

uma sabotagem.

São Paulo: locomotiva irresponsável

No início do século XX – em especial, a partir de 1910 – a industrialização

crescente fez aumentar a poluição atmosférica de grande impacto ambiental na

RMSP, fenômeno intensificado na década de 1950. O cenário era de

16 http://www.greenpeace.org/usa/campaigns/toxics/justice-for-bhopal

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crescimento econômico aliado a explosão demográfica e ocupação geográfica

voraz e desordenada, principalmente da região do ABC.

Para as indústrias que se instalaram na cidade, poluir o ar não era um

problema, e essa noção perdurou pela década de 1970, durante os anos do

“milagre econômico” da ditadura militar. O desenvolvimentismo que inspirava a

industrialização brasileira do período considerava poluição um sinônimo de

progresso – o que era um atraso conceitual e prático de décadas em relação à

percepção da poluição atmosférica nos países desenvolvidos.

Obviamente, isso contribuiu para a deterioração da qualidade do ar na cidade,

enquanto agências do meio ambiente de outros países já esboçavam limites

máximos para as concentrações de poluentes. Um artigo17 de 2004 do atual

Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, publicado no jornal “O Globo”,

relembra uma propaganda brasileira num outdoor em Paris, “em que o governo

ditatorial e ufanista exibia exuberante foto da Floresta Amazônica com os

dizeres: ‘Venham poluir-nos’”.

Outra demonstração da despreocupação das autoridades pode ser lida na

sétima edição da revista Veja, de 1968, numa matéria18 sobre as novas

regulamentações dos EUA, que obrigam os fabricantes de automóveis a

diminuírem as emissões dos veículos fabricados:

"Em São Paulo [...] os automóveis lançam ao ar quatro vezes mais [que nos EUA] e

não há qualquer controle [...] As autoridades dizem que os veículos motorizados

lançam cerca de duas mil toneladas de monóxido de carbono e 540 toneladas de

hidrocarbonetos por dia, sem contar as fábricas, mas minimizam a importância desses

dados, alegando que 'os ventos levam tudo'."

No sítio da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), na

seção “Ar”, há um texto onde são citadas reportagens das décadas de 1960 e

17 Minc,Carlos. Por que perdemos empregos. O Globo, 2004.18 Revista Veja. São Paulo é uma das cidades mais sujas do mundo: a culpa é dos automóveis. ed. Abril, 1968

Page 22: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

22

1970 com relatos de episódios agudos de poluição do ar na RMSP, “que

levaram a população ao pânico devido aos fortes odores (...) causando mal-

estar e lotando os serviços médicos de emergência”.

Iniciativas regulatórias

Embora seja ruim, a problema da poluição do ar na RMSP já foi imensamente

pior.

Os responsáveis por essa melhora foram uma empresa do estado de São

Paulo, a CETESB – com seu monitoramento da qualidade do ar – e três

programas governamentais: o rodízio municipal de veículos, o Pró-álcool e o

PROCONVE.

No início dos anos 60, os episódios frequentes de elevação da poluição

atmosférica levaram à criação da Comissão Intermunicipal de Controle da

Poluição das Águas (CICPAA), por iniciativa conjunta dos municípios de Santo

André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Mauá. O CICPAA foi

depois transferido para a Superintendência de Saneamento Ambiental do

estado de São Paulo, cujas funções seriam incorporadas ao novo Centro

Tecnológico de Saneamento Básico (CETESB).

Em 1972, a CETESB passou a monitorar a qualidade do ar da RMSP, quando

a poluição de dióxido de enxofre (SO2), fumaça preta (material particulado) e

chumbo eram problemas sérios da área. Foi no fim dos anos 70, nos

laboratórios da CETESB que mediam as emissões veiculares, que surgiu a

idéia que se transformaria no Programa de Controle da Poluição do Ar por

Veículos Automotores (PROCONVE) federal.

É fundamental ter metas

Em 1986, a Secretaria Federal de Meio Ambiente viabilizou o funcionamento do

Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), um colegiado constituído por

representantes de diversos setores da sociedade: órgãos federais (Ministérios

Page 23: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

23

da República), estaduais e municipais, setor empresarial e sociedade civil

(movimentos de trabalhadores, ONGs relacionadas ao meio ambiente e outros

atores sociais). As resoluções do CONAMA têm poder de lei federal.

Foi uma destas resoluções que implantou, em 1986, o Programa de Controle

da Poluição do Ar por Veículos Automotores (PROCONVE), idealizado

naquelas medições de poluentes veiculares da CETESB.

O Brasil foi o primeiro país não pertencente ao grupo dos desenvolvidos a

instituir um programa bem-sucedido de controle das emissões automotivas:

“Antes do PROCONVE, um veículo brasileiro emitia, em média, 54 gramas de CO por

quilômetro percorrido. Hoje, a emissão fica em torno de 0,3 gramas. Para acompanhar

o avanço tecnológico da indústria automobilística brasileira, o Brasil reavaliou a

qualidade de seu combustível. Foi o primeiro país a banir o chumbo da gasolina,

propondo-se a reduzir gradativamente o teor de enxofre existente na gasolina e no

diesel.” 19

O programa funciona por fases, que estabeleceram (e ainda hoje estabelecem)

limites máximos de emissão de poluentes para novos veículos e motores.

Estes limites foram gradativamente rebaixados, para que as novas levas de

veículos emitissem cada vez menos poluentes.

Cada fase especificava uma forma de cumprir o objetivo: por exemplo,

aumentos de eficiência do motor, implantação de novas tecnologias

(catalisadores e injeção eletrônica) e aprimoramento de combustíveis.

Ultrapassar uma fase do PROCONVE é, portanto, fazer a tecnologia de

veículos e combustíveis nacionais avançar.

À época da implantação do programa, a poluição de chumbo abundava na

RMSP. O metal pesado servia de aditivo da gasolina, para dar maior eficiência

ao motor do carro - só que o chumbo acumula-se no corpo humano, podendo

causar problemas neurológicos e câncer.

19 Proconve comemora 20 anos. Agência de notícias Envolverde (internet), 2006

Page 24: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

24

Os novos catalisadores implantados pelo PROCONVE eram inutilizados pelo

chumbo aditivo. Isto era inaceitável: o catalisador era uma tecnologia

fundamental para que as metas das fases dois e seguintes do programa

fossem alcançadas. Por isso, após testes bem-sucedidos em laboratório, o

chumbo foi substituído por álcool anidro como aditivo da gasolina. Por si só,

isso resolveu gradualmente o problema grave de poluição por chumbo no ar da

RMSP e diminuiu as emissões de monóxido de carbono. Adicionar álcool à

gasolina já estava nos planos do Pró-álcool - o PROCONVE fez disso uma lei.

O PROCONVE atravessou cinco mandatos presidenciais sem sofrer qualquer

alteração ou interrupção em suas fases e metas. Contudo, no ano de 2009,

pela primeira vez, uma fase do programa foi adiada: a P6, que entraria em

vigor em janeiro de 2009 e define concentrações menores de enxofre no diesel

vendido nos postos brasileiros. Para atenuar os efeitos do atraso desta fase, a

próxima foi adiantada.

O Programa Nacional do Álcool

Na década de 80, o chumbo que era usado como aditivo da foi eliminado da

gasolina por conta de um programa que começou na década anterior: o

Programa Nacional do Álcool (pró-álcool), que mais tarde transformaria o

etanol no principal combustível para veículos leves no Brasil.

Apesar de o álcool ser um combustível menos poluente que a gasolina, tanto

em nível global (gases do efeito estufa) como localmente (gases que afetam a

saúde pública), o Programa Nacional do Álcool (Pró-Álcool) não fora elaborado

para diminuir poluição: os choques do petróleo da década de 1970 fizeram o

governo militar investir em pesquisa para diminuir a dependência brasileira das

importações do óleo fóssil.

Em 1975, foi estabelecido Pró-álcool, que visava adicionar álcool anidro à

gasolina. Com o segundo choque do petróleo, em 1979, o objetivo tornou-se

Page 25: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

25

usar o etanol para substituir a gasolina por completo nos veículos leves. Ele foi

introduzido em 1980 como combustível veicular.

Quando o preço do petróleo no mercado internacional voltou a estabilizar-se,

em meados de 1986, o etanol combustível foi relegado a segundo plano. O

mercado de etanol passou por um período de estagnação até voltar a ser o

principal combustível veicular brasileiro no final da década de 1990 – depois de

uma nova subida de preços do barril de petróleo e o lançamento dos veículos

flexfuel.

Um alívio passageiro

O último programa governamental responsável por uma redução das

intoxicações por poluentes na RMSP foi o rodízio municipal de veículos de São

Paulo. Ele foi implantado pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente de São

Paulo em 1997, combinado com o Transporte Solidário - um programa que

preconizava “caronas solidárias, onde o motorista baixava um programa da

internet e se cadastrava no sistema do governo para oferecer caronas.

O rodízio tinha por objetivo diminuir a poluição nos horários de pico. Um estudo

de 2001, conduzido no Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da

Faculdade de Medicina da USP, concluiu que “houve uma redução dos níveis

médios de todos os poluentes desde a implantação do rodízio, com exceção do

O3”.20

Tirar carros da rua também diminuía o trânsito e aumentava da velocidade

média dos veículos, uma das condições para o sucesso rodízio. A lógica:

menos carros na rua significava menos poluição; os carros que estão na rua,

mas rodando em maior velocidade, também emitem menos poluentes (em

marcha lenta, o veículo polui mais).

20 MARTINS L; LATORRE M; SALDIVA P and BRAGA A. Relação entre poluição atmosférica e atendimentos por infecção de vias aéreas superiores no município de São Paulo: avaliação do rodízio de veículos. Rev. bras. epidemiol. [online]. 2001, vol.4, n.3, pp. 220-229. ISSN 1415-790X

Page 26: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

26

Como o rodízio fora lançado pelo estado, a Secretaria Estadual do Meio

Ambiente temia que houvesse um conflito de competências – pois controle do

tráfego é de competência do município – o que se demonstrou apenas um

excesso de zelo. “Esse era nosso grande receio, na época, que houvesse um

questionamento. Mas acho que hoje essas questões estão superadas”, diz

Fábio Feldmann, Secretário Estadual do Meio Ambiente de São Paulo de 1995

a 1998. O rodízio foi transformado em operação municipal em 1998, o mesmo

ano em que o Transporte Solidário foi “extinto” por não ter mais verbas.

No capítulo 5, o rodízio será abordado novamente, com propostas de avanço

do controle político da poluição. No próximo capítulo, conheça os principais

efeitos da poluição atmosférica sobre a saúde humana.

Page 27: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

27

O ar que faz mal

“Ao menos a partir do ponto de vista de quanto podemos durar em

sua ausência, o ar é a mais crítica de todas as necessidades

humanas. Podemos sobreviver por semanas sem comida, dias

sem água, mas apenas minutos sem ar.”21

Respiração é um processo de combustão, do qual extraímos energia para

sobreviver. Como toda combustão, a respiração utiliza o oxigênio para

“queimar” (metabolizar) seu combustível – que são as moléculas de alimentos

(carboidratos, gorduras, aminoácidos) – para transformá-las no ATP

(adenosina-trifosfato), unidade de energia que nosso corpo utiliza para manter-

se.

Segundo o Professor Chin An Lin, da FM-USP22, “A respiração é um processo

metabólico típico de seres vivos altamente complexos, com suas organizações

estruturais que necessitam do oxigênio para sobreviver”.

Este oxigênio é retirado do ar que:

21 VALLERO, Daniel A. Paradigms lost: learning from environmental mistakes, mishaps, and misdeeds. pag 109 - Elsevier Butterworth-Heinemann, 2005

22 Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Page 28: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

28

crédito:aula 18, Profa. D

ra. Ilana Cam

argo

O sistema respiratório é dividido em sistema respiratório superior, que

compreende a parte fora do tórax (até a laringe); e sistema respiratório inferior,

dentro do tórax.

Este ar que entra por nossas vias respiratórias superiores pode conter uma

miríade de componentes agressivos ao organismo. Pode ser que você esteja

numa região altamente urbanizada, com indústrias poluentes e tráfego veicular

pesado, ou você pode estar no interior em suas férias, mas durante o período

das queimadas de cana. Não importa – você estará sempre em contato com o

que se denomina “massa de poluentes”.

Frágeis defesas

Desde a década de 60, muitas pesquisas têm estabelecido relações de causa e

efeito entre a presença de poluição do ar e doenças respiratórias e

cardiovasculares. A relação é mais evidente quando há um salto na taxa de

mortalidade de uma população, após um aumento súbito da concentração de

poluentes – como ocorreu em Londres em 1952.

Entra pelas narinas e boca

é filtrado pelos cílios e pelo

muco da cavidade nasal

atravessa faringe, laringe e

traquéia é filtrado pelos

cílios e pelo muco de toda

árvore brônquica penetra

os brônquios chega aos

alvéolos pulmonares os

vasos sanguíneos alveolares

retiram o oxigênio e devolvem

dióxido de carbono para o

alvéolo (CO2) o ar faz o

caminho inverso para sair do

corpo.

Page 29: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

29

Na maior parte do tempo, porém, a poluição fica abaixo dos níveis de atenção

preconizados pelas tabelas de referência, e seus efeitos agudos (de curto

prazo) são pouco perceptíveis ou inexistentes. Quem acaba sofrendo são

pessoas mais suscetíveis: doentes – cujo sistema imunológico está

sobrecarregado ou comprometido –, idosos e crianças

Os idosos, de acordo com o Professor Lin, sofrem mais porque “o sistema

respiratório vai envelhecendo, e suas funções de defesa e de limpeza vão

piorando. Alem disso, é comum que o idoso já esteja sendo afetado por alguma

doença respiratória, e seu sistema imunológico responda pior às agressões da

poluição.”

A criança está no outro extremo da vida: seus sistemas respiratório e

imunológico estão em processo de crescimento. Por isso, suas defesas

pulmonares são insuficientes para protegê-la das agressões provocadas pelos

poluentes.

Este era o caso de Amanda Previdelli, estudante, 20 anos, que sempre morou

nos arredores do cruzamento entre av. dos Bandeirantes e av. Santo Amaro:

“Quando criança, meus olhos ardiam e meu irmão mais novo tinha

‘oficialmente’ bronquite. Na época, o médico afirmou que uma das causas para

sua bronquite era poluição.”

O patologista e professor da Faculdade de Medicina da USP, Paulo Saldiva,

numa entrevista23 à revista Veja, disse que “a quantidade de poluentes numa

avenida de tráfego intenso é cerca de 30% maior que a média da cidade. Do

ponto de vista prático, ninguém deveria morar a menos de 100 metros de

distância de uma avenida, mas infelizmente isso não acontece.”

23Bordinão, Andréa. Em São Paulo, poluição mata mais que trânsito. Revista Veja, ed. Abril, 2008.

Page 30: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

30

Todos os dias, Amanda trafega entre a Av. dos bandeirantes e Marginal

Pinheiros. Hoje, ela tem rinite - “só em São Paulo” – e enxaqueca. Os dois são,

segundo seu médico, influenciados pela quantidade de fumaça que ela inala

diariamente, além de outros fatores.

Ao comparar o ar da cidade de São Paulo com o de Itatiba (interior do estado

de São Paulo), onde sua família tem uma casa de férias, Amanda diz que

sempre sente uma diferença brutal: “em Itatiba, eu nunca tenho dor de cabeça

ou rinite, mas é só voltar a São Paulo que começo a espirrar”.

Há algum culpado pela qualidade do ar na RMSP? Ela acha que “o único

responsável, que pode fazer alguma coisa a respeito – como mais metrôs,

linhas de ônibus mais eficientes, para que as pessoas comprem menos carros

– é o governo”.

Já Amanda Demétrio, jornalista de 21 anos, teve uma forte pneumonia quando

criança. Sabe-se atualmente que a poluição do ar pode minar a eficiência das

defesas pulmonares, propiciando a ação de germes oportunistas.

Contudo, não se pode relacionar a pneumonia de Amanda ao fato dela morar

em São Paulo num apartamento próximo à Marginal Pinheiros, respirando um

ar bastante poluído - pois, à época, nenhum médico sugeriu tal causa em seu

diagnóstico.

Em contrapartida, as doenças respiratórias que apresenta hoje são

relacionadas diretamente à poluição atmosférica e, segundo ela, afetam muito

seu bem estar: “eu tenho asma, bronquite e rinite alérgica. O trajeto entre o

trabalho e minha casa tem tráfego intenso de caminhões; fico com fumaça na

cara o tempo todo. Quando o ar fica muito seco, a rinite ataca, então durmo

com o umidificador ao meu lado.”

Questionada se ela sentia diferença entre o ar de São Paulo e de algum lugar

para o qual ela viaje, disse que “quando vou minha cidade natal, São José dos

Page 31: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

31

Campos, eu sinto muita diferença ao respirar o ar no trajeto – principalmente

em termos de umidade.”

Efeitos agudos e crônicos dos poluentes

Durante o inverno, nos dias mais secos, a tendência é que a concentração de

poluentes próxima ao solo aumente. Como as chuvas são raras, há calmaria

(pouco vento) e as inversões térmicas noturnas são frequentes, os poluentes

são dispersados mais lentamente que no verão.

Nessas situações, é comum que pessoas fragilizadas ou geneticamente

propensas sofram os sintomas agudos (de curto prazo) da intoxicação por

poluentes do ar. Estes sintomas são comumente relacionados a uma breve

exposição ao ar muito poluído.

Por exemplo, quando um motorista saudável começa a espirrar e sente a

garganta doer após ficar 1h na Marginal Tietê engarrafada num dia de sol e

pouco vento, ele está sofrendo alguns dos sintomas agudos da intoxicação por

poluentes.

Há algumas estimativas das consequências do aumento da poluição

atmosférica e seus efeitos agudos na RMSP: nos dias mais poluídos, uma em

cada cinco consultas nos prontos-socorros da cidade é ligada aos problemas

causados pela péssima qualidade do ar; um entre dez infartos também é

causado pela poluição.

Suponhamos que o mesmo motorista anterior more nas proximidades da

Avenida do Estado e da Radial Leste Oeste. Após anos respirando ar poluído

(por partículas inaláveis, óxidos de nitrogênio e enxofre, compostos aromáticos

etc), ele desenvolve câncer de pulmão. A doença é, então, um efeito da

intoxicação crônica por poluentes.

A intoxicação crônica é parecida com os efeitos experimentados pelos

fumantes, pois “respirar em São Paulo equivale a fumar dois cigarros por dia”,

Page 32: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

32

afirmou o Professor Paulo Saldiva numa matéria24 para a Vya Stelar (revista

eletrônica do UOL). Ele estima, em outra entrevista25, que na cidade de São

Paulo, de cada 100 casos de câncer do pulmão, oito são consequência da

poluição. Outros efeitos da exposição ao ar poluído são o envelhecimento

precoce da função pulmonar e as doenças de pele – embora elas não

acarretem diminuição da expectativa de vida.

A poluição ameaça a vida e o bem estar

As gestantes também sofrem de problemas específicos causados pela poluição

do ar: aumenta o risco de parto prematuro; aumentam as chances de sofrerem

um aborto nos primeiros seis meses de gestação; e os bebês das áreas de ar

mais poluído nascem com menor peso que bebês de áreas mais limpas.

Na entrevista26 à revista Veja, o Professor Paulo Saldiva diz que “estima-se que

o nível de poluição atmosférica em São Paulo reduza, em média, a expectativa

de vida da população em dois anos. (...) Por ano, a poluição leva 4.000

pessoas à morte. O que é mais que o trânsito (em 2007, segundo a Secretaria

Municipal de Saúde de São Paulo, aconteceram 1.641 mortes no trânsito).”

É inegável que pessoas com tendências genéticas sofrerão mais com a

poluição – como alguém que convive com um fumante e desenvolve câncer,

enquanto o próprio fumante passa incólume. Na verdade, quem não tem carro

em São Paulo é como o fumante passivo que mora com um fumante em casa.

Portanto, nem todas as pessoas que respiram ar poluído sofrerão dos mesmos

sintomas ou ficarão doentes, mas uma parte expressiva da população terá

sintomas e doenças diretamente relacionados à qualidade do ar que respiram.

O Professor Saldiva cita27 estatísticas que relacionam diretamente à poluição

24 Contato com poluição corresponde a fumar dois cigarros por dia, Vya Estelar, 2008.25 BORDINHÃO, Andréa. Em São Paulo, poluição mata mais que trânsito. Revista Veja, São Paulo, 2008: Ed. Abril.26 Idem.27Idem.

Page 33: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

33

atmosférica 10% da mortalidade de idosos com doenças cardiovasculares e

respiratórias.

Por todas as ligações estabelecidas entre os poluentes e problemas de saúde,

o campo tem recebido atenção crescente dos pesquisadores brasileiros nos

últimos 20 anos – e muitas destas pesquisas ajudaram a estabelecer critérios

para controle dos principais poluentes, que são o tema do próximo capítulo.

Page 34: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

34

Os poluentes e suas fontes emissoras

Fábio Feldmann, ex-Secretário do Meio Ambiente do estado de São Paulo e

atual consultor de questões ambientais e sustentabilidade, é categórico: “o

grande problema do ar de São Paulo é poluição veicular, que muitas vezes é

encarado como um problema ambiental, mas é principalmente um problema

grave de saúde pública”.

De acordo com Feldmann, “há também poluição do ar de origem industrial em

menor escala na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), embora ela não

seja tão problemática como era – por uma série de fatores, desde novas

tecnologias até a mudança de diversas fábricas para o interior do estado”.

Motos, carros e caminhões que queimam combustível fóssil para rodar: estas

são as fontes principais de poluição do ar na RMSP, e todos os especialistas e

os diversos artigos científicos consultados são unânimes em apontá-las como

os grandes vilões da saúde atmosférica.

Na bacia aérea da RMSP, encontra-se uma gama extensa e diversificada de

poluentes locais; sabe-se que alguns deles – como ozônio, óxidos de nitrogênio

e material particulado – contribuem decisivamente para diminuir nossa

sensação de bem-estar no ambiente urbano.

Vomumente chamada de “Grande São Paulo”, a RMSP é formada por 39

municípios – incluindo-se a capital do estado – e tem quase 20 milhões de

habitantes28. Segundo uma nota de rodapé da tese29 de doutorado de Márcia

Elaine Teodoro, a bacia aérea da RMSP é delimitada pela Serra da Cantareira

28 Dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (São Paulo).29 TEODORO, Márcia Elaine. Estudo da poluição atmosférica gerada por fontes móveis na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). 150 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

Page 35: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

35

ao norte, pela Serra de Itapeti ao leste, pela Serra do Mar ao sul e pelos

maciços elevados de Itapecerica - São Roque.

É dentro destes limites que pesquisadores e a CETESB fazem suas medições

de poluentes e formulam técnicas para diminuir impacto da poluição sobre a

vida das pessoas.

Padrões de qualidade do ar e índices

No Brasil, a Portaria Normativa n° 348 de 1990 do Instituto Brasileiro do Meio

Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) – que se tornou uma

resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) no mesmo ano

– estabeleceu dois padrões de qualidade do ar:

1. Padrões primários – concentrações de poluentes tais que, quando

ultrapassadas, poderão acarretar danos à saúde da população

2. Padrões secundários – quando a concentração de poluentes está num

volume tal que se espera efeitos mínimos sobre a saúde da população.

Os textos da Portaria e da resolução definem que os padrões primários devem

ser o objetivo a curto prazo, e a longo prazo, os padrões secundários devem

ser a meta. Na resolução do CONAMA, há também uma lista das

concentrações exatas que correspondem aos níveis primários e secundários de

poluentes, baseada no Polution Standard Index (PSI), da Environmental

Proctection Agency (EPA) dos EUA:

Page 36: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

36

Padrões nacionais de qualidade do ar30

(Resolução CONAMA nº 03 de 28/06/90)

Poluente Tempo deAmostragem

PadrãoPrimárioµg/m³

PadrãoSecundário

µg/m³

Método deMedição

partículas totaisem suspensão

24 horas1

MGA224080

15060

amostrador degrandes volumes

partículas inaláveis 24 horas1

MAA315050

15050

separaçãoinercial/filtração

fumaça 24 horas1

MAA315060

10040 Refletância

dióxido de enxofre 24 horas1

MAA336580

10040 Pararosanilina

dióxido de nitrogênio 1 hora1

MAA3320100

190100 Quimiluminescência

monóxido de carbono

1 hora1

8 horas1

40.00035 ppm10.0009 ppm

40.00035 ppm10.0009 ppm

infravermelhonão dispersivo

ozônio 1 hora1 160 160 Quimiluminescência

1 - Não deve ser excedido mais que uma vez ao ano. 2 - Média geométrica anual. 3 - Média aritmética anual.

Baseado em artigos científicos, entrevistas de especialistas para órgãos de

imprensa, entrevistas concedidas ao autor deste trabalho e informações

contidas no site da CETESB e da EPA, este capítulo descreverá alguns

poluentes que foram priorizados no controle da qualidade do ar.

Os principais poluentes

Estes são os poluentes mais estudados por seu impacto na saúde pública no

mundo todo – principalmente, por seus efeitos agudos na saúde, durante e

após uma elevação súbita de sua concentração na atmosfera. Eles são

chamados de poluentes locais, em oposição aos poluentes globais, causadores

do efeito estufa (como o CO2).

Em cada ficha de um poluente, há uma estimativa dos riscos que ele

representa à saúde. Entretanto, é preciso fazer ressalvas, pois especialistas

como o Professor Chin An Lin31 alertam para o fato de ser “muito difícil

individualizar a culpa de cada poluente, porque a intoxicação por diferentes

poluentes pode causar os mesmos sintomas”.

30 Retirada da seção “Ar” do site da CETESB.31 Pneumologista e Professor Doutor associado da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Page 37: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

37

MATERIAL PARTICULADO

1 µm (micrometro ou mícron) = 0,000001 metro.

MP10 e MP2,5

São partículas líquidas e gasosas misturadas em suspensão no ar, que variam

em composição e tamanho conforme as fontes emissoras.

Elas são classificadas em:

1. Partículas grossas, com diâmetros entre 2,5 µm e 10 µm (MP2,5-10),

2. Partículas finas, com diâmetros menores que 2,5 µm (MP2,5)

A utilização do diâmetro como medida não significa que as partículas são

esféricas, mas apenas que, para fins de pesquisa, imaginam-se uma forma

ideal: as partículas compactadas em formato esférico, com velocidade de

sedimentação equivalente a da partícula existente.

No Brasil, só é monitorado oficialmente o material particulado inalável, aquele

com diâmetro igual ou menor que 10 µm (MP10). Isso coloca partículas muito

menores no mesmo balaio que o MP10 – por exemplo, MP0,5-1,0 ou MP1,0-2,5.

O material particulado (MP2,5) fino tem sido identificado como o mais danosos

dos poluentes; a falta de monitoramento regulamentado para o MP2,5 no Brasil

é discutida no capítulo seguinte.

Fontes emissoras na RMSP - As principais origens do PM10 são a dispersão

mecânica do solo (grãos de areia e poeira, que são levados pelo vento), pólen

e outras partículas de origem biológica. Já o MP2,5 é produzido essencialmente

pela queima de combustível em motos, caminhões e carros; reações químicas

naturais da atmosfera também produzem partículas finas.

Por que é prejudicial ao organismo? - As partículas maiores do MP10 atingem o

sistema respiratório superior e causam coriza, espirros e irritação na garganta.

Page 38: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

38

As partículas finas (MP2,5) estão relacionadas à asma, doenças

cardiorrespiratórias e ao câncer. O MP2,5 chega às porções mais profundas do

sistema respiratório inferior, como se fossem um carvão microscópico coberto

por metais pesados e outras substâncias agressivas – “como um ‘pacote’ que

leva coisas que não deveriam ser inaladas e que ficam em contato com as

membranas dos pulmões”, segundo o Professor Paulo Saldiva em entrevista

para a revista Veja.

Situação atual do poluente na RMSP - O MP2,5-10 encontra-se sob controle. O

MP2,5, em médias anuais, está estacionado num nível de regular a inadequado

dos índices de qualidade do ar, segundo relatório32 de 2007 da CETESB.

MATERIAL GASOSO

Ozônio (O3)

“Em São Paulo, hoje, o grande problema é o ozônio”, afirma o Professor Fábio

Luiz Teixeira Gonçalves, do IAG-USP33, sobre o fato de o poluente ser o que

transgride mais frequentemente os índices de qualidade do ar utilizados pelo

monitoramento da CETESB.

Na estratosfera, que fica entre 25 e 30 km acima da crosta terrestre, a camada

de ozônio protege seres vivos dos raios ultravioleta do sol e tem papel

importante na degradação de compostos tóxicos. Próximo ao solo, na camada

da atmosfera onde respiramos (troposfera), o ozônio também ocorre

naturalmente, em concentração muito menor que na estratosfera. Porém, em

altas concentrações, ele tem impactos na saúde, descritos no item “Por que é

prejudicial ao organismo?”.

32 CETESB. Material particulado inalável fino (MP2,5) e grosso (MP2,5 – 10) na atmosfera da Região Metropolitana de São Paulo (2000 – 2006). São Paulo 2008.33 Instituto de Astrofísica, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo.

Page 39: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

39

Fontes emissoras na RMSP - A principal origem do ozônio em ambientes

urbanos são as reações fotoquímicas entre os compostos produzidos pela

queima de combustível veicular e moléculas presentes naturalmente na

atmosfera.

Funciona assim: a queima de combustível veicular produz óxidos de nitrogênio

(NOX - diesel, principalmente) e hidrocarbonetos (HCs – todos os

combustíveis). Estes compostos são precursores do O3, que reagem com

outras substâncias presentes no ar para formar ozônio. Todas estas reações

são fotoquímicas - catalisadas, “auxiliadas” pela luz do sol.

É comum encontrar O3, portanto, nas proximidades das fontes emissoras de

NOX – apenas distante o suficiente para que as reações possam ter se

executado.

Em locais arborizados, especialmente com pinheiros e eucaliptos, há

compostos orgânicos originários nas árvores que servem também como

catalisadores da reação que forma o ozônio. É o que acontece no parque

Ibirapuera quando, por exemplo, os limites de qualidade do ar da CETESB são

ultrapassados pelas altas concentrações de O3 troposférico.

Por que é prejudicial ao organismo? - Em altas concentrações, o O3 provoca

ardência nos olhos e garganta; ele também provoca crises de asma.

Em menor escala, o O3 está relacionado ao infarto do miocárdio – quando suas

moléculas atingem os alvéolos pulmonares (estrutura onde acontecem as

trocas gasosas – veja o sistema respiratório no capítulo 3).

Mas, segundo o Professor Chin An Lin, o “O3 é muito irritante, então sua ação

acaba não sendo tão profunda.”

Situação atual do poluente na RMSP - O relatório de 2008 da CETESB sobre a

qualidade do ar na RMSP registrou “saturação severa” para o poluente ozônio.

Page 40: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

40

Dióxido de enxofre (SO2) e aerossóis ácidos

São moléculas que contêm enxofre e estão dispersas na atmosfera, dissolvidas

em gotículas de água ou impregnadas no material particulado fino (PM2,5).

Dependendo do tempo que permanecer no ar, se estiver em condições ideais

de temperatura e umidade, o dióxido de enxofre pode ligar-se ao oxigênio e à

água e transformar-se em ácido sulfúrico.

Fontes emissoras na RMSP - O enxofre tem origem na queima de combustível

fóssil (carvão mineral, petróleo).

Na RMSP, de acordo com a professora Maria de Fátima Andrade, do IAG-USP,

40% do SO2 é emitido por indústrias (queima de combustível fóssil em

caldeiras, por exemplo). O restante é produzido principalmente pela queima do

diesel nos caminhões e, em menor escala, pela gasolina de motos e carros.

Por que é prejudicial ao organismo? - A maior parte do dióxido de enxofre

inalado por uma pessoa em repouso é absorvido na cavidade nasal, laringe,

faringe e traquéia, não chegando aos pulmões.

Quando a pessoa faz exercícios físicos, porém, ele chega aos alvéolos

pulmonares e traz desconforto respiratório, além de poder desencadear uma

crise de asma e agravamento de doenças respiratórias e cardiovasculares.

O ácido sulfúrico (H2SO4), produto da reação do SO2 com água (H2O) e

oxigênio (O2), é o aerossol mais irritante para o aparelho respiratório, pois é

muito ácido (Ph menor que 1). Está relacionado a crises de asma e doenças

cardiovasculares.

Situação atual do poluente na RMSP - Está sob controle, pois suas

concentrações mantêm-se abaixo dos padrões de qualidade do ar. Porém,

Page 41: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

41

pesquisas indicam que mesmo concentrações de ¼ das recomendadas pela

legislação ambiental podem ser prejudiciais à saúde.

Monóxido de carbono (CO)

Numa combustão ideal, os produtos seriam somente dióxido de carbono (CO2)

e água (H2O).

No mundo real, a queima de combustível produz, além de CO2, carbono (C) e

monóxido de carbono (CO) – além de outros poluentes que dependerão da

fonte de emissões estudada.

Fontes emissoras na RMSP - 85% a 90% do CO presente no ar de São Paulo

tem origem na queima de combustível de veículos leves (carros e motos):

etanol, gasolina e gás natural veicular. A combustão de etanol libera menos

CO.

Por que é prejudicial ao organismo? - Quando é inalado, o CO substitui o

oxigênio na troca gasosa da respiração e liga-se à hemoglobina. O grande

problema é que a afinidade do CO com a hemoglobina é 240 vezes maior que

a do oxigênio, o que faz com que muito poucas moléculas de CO consigam

saturar muitas células rapidamente.

Dessa forma, ele diminui a absorção de oxigênio nos tecidos e produz efeitos

no sistema nervoso central, cardiovascular, pulmonar etc; pode levar à perda

de destreza manual e dificuldade para realizar tarefas complexas.

Os sintomas são comuns em pessoas dentro de túneis com tráfego parado e

muitos veículos ligados, queimando combustível: sente-se sonolência quando o

sangue começa a ficar saturado.

Page 42: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

42

Num ambiente fechado, com altíssimas concentrações, o CO pode matar; por

isso, recomenda-se que não se ligue o carro e o mantenha ligado numa

garagem fechada, por exemplo.

Situação atual do poluente na RMSP - Está sob controle. As proximidades de

avenidas muito movimentadas apresentam concentrações maiores de CO.

Óxidos de nitrogênio (NOX)

Os óxidos de nitrogênio – NO (óxido nítrico) e NO2 (dióxido de nitrogênio) – são

os principais precursores do ozônio (O3) presente na troposfera, como já

explicado na ficha do O3. Isso significa que suas moléculas originarão o ozônio

mediante reações químicas catalisada pela luz solar, em presença de oxigênio

(O2).

Quando dão origem ao ácido nítrico, também são responsáveis por uma parte

da acidez da chuva de São Paulo – que já foi mais ácida, quando o SO2 estava

fora de controle (até a primeira metade da década de 90).

Fontes emissoras na RMSP - 85% dos óxidos de nitrogênio em suspensão no

ar da RMSP são produzidos pelos motores de veículos pesados (caminhões)

que queimam diesel para rodar. O restante tem origens diversas, mas

principalmente queima de combustíveis fósseis.

Por que é prejudicial ao organismo? - Com odor forte e muito irritante, o NO2

pode formar de ácido nítrico, nitratos (os quais contribuem para o aumento das

partículas inaláveis na atmosfera) e compostos orgânicos tóxicos.

Além de irritar as mucosas, o NOX provoca uma espécie de enfisema pulmonar:

ele pode se transformar em nitrosaminas nos pulmões, sendo algumas delas

consideradas cancerígenas.

Page 43: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

43

Um dos impactos mais relevantes dos NOX à saúde pública é seu papel de

precursores do ozônio, considerado em descontrole na RMSP, segundo os

parâmetros de qualidade do ar da legislação ambiental brasileira.

Situação atual do poluente na RMSP - As concentrações de óxidos de

nitrogênio estão mais controladas que as de O3; porém, por vezes o gás

ultrapassa os padrões de qualidade do ar – principalmente no monitoramento

feito em Congonhas34.

No próximo capítulo, serão discutidos alguns pontos críticos sobre a poluição

da RMSP e seu monitoramento.

34 CETESB. Relatório de qualidade do ar no estado de São Paulo 2008. São Paulo, 2009.

Page 44: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

44

Abordagens para o problema

Num vídeo do seminário "O Impacto da Poluição na Saúde Pública”,

organizado pela ONG Nossa São Paulo no Dia Mundial Sem Carro, Eduardo

Jorge Sobrinho, atual Secretário do Verde e do Meio Ambiente do município de

São Paulo, diz que “não há um remédio heróico, uma solução única” para

afastar os males da poluição atmosférica. É um problema complexo: resultado

de uma multiplicidade de fontes – reações atmosféricas, biológicas, mecânicas,

antropogênicas –, ela parece um problema sem solução.

No mesmo seminário, o Professor Paulo Saldiva35 cita um documento

produzido numa reunião de especialistas da Associação Médica Mundial, cuja

conclusão é “a poluição atmosférica e o aquecimento global serão o maior

problema de saúde pública do século XXI.”

“O grande desafio, na minha opinião, é que tem se dado muita ênfase no

transporte individual e no automóvel – e, portanto, há problemas gravíssimos

de poluição e congestionamento”, afirmou o consultor ambiental Fábio

Feldmann36 em entrevista ao autor.

Neste trabalho de conclusão de curso, percorremos a história da poluição

atmosférica, soubemos dos seus efeitos na saúde humana e conhecemos os

poluentes mais estudados por pesquisadores da área de Saúde Pública e de

35 Professor Titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), coordenador do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da FM-USP e do Instituto Nacional de Avaliação de Risco Ambiental (Inaira).36 ex-Secretário do Meio Ambiente do estado de São Paulo.

Page 45: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

45

Ciências Atmosféricas. Agora, é hora de enfrentar os pontos que precisam ser

melhorados.

Este capítulo traz algumas abordagens da poluição atmosférica na RMSP para

serem debatidas e aperfeiçoadas. As idéias aqui foram sugeridas por

especialistas em entrevistas, reportagens, debates e artigos científicos, além

de um pouco de opinião pessoal do autor deste trabalho. Os subtópicos estão

divididos em três grandes tópicos: “o controle técnico da poluição veicular”, “o

controle político-social da poluição veicular” e a “evolução dos parâmetros

técnicos para o controle da qualidade do ar”.

1. O CONTROLE TÉCNICO DA POLUIÇÃO VEICULAR

Os veículos – motos, carros e caminhões –, como já apresentado em capítulos

anteriores, são a principal fonte dos poluentes da RMSP. Segundo Fábio

Feldmann, tecnicamente, o problema da poluição veicular deve ser atacado em

três frentes: tecnologia do veículo, qualidade do combustível e inspeção

veicular eficiente.

A tecnologia do veículo – “até pode-se colocar a tecnologias como comando de

válvula variável, regulação de gás de escape; porém, o mercado de carros

brasileiro é um mercado de carros baratos”, diz o pesquisador do IPT37 e

especialista em engenharia automotiva Francisco Nigro38. Ele explica porque é

difícil aplicar novas tecnologias, menos poluentes, aos motores dos veículos

leves.

Suponha-se que o carro tenha vida média (antes de ser revendido) de quatro

anos: se vai ser colocada nele uma tecnologia que economize 5% de

combustível, o preço do carro não pode ser 6% mais caro. Mesmo que ele

polua menos, o consumidor comprará da marca que oferecer a mesma

potência por um preço menor.

37 Instituto de Pesquisas Tecnológicas38 Também professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.

Page 46: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

46

“Agora, o mercado de veículos pesados é diferente. Qualquer variação ínfima

de eficiência do motor ganha o consumidor, porque um caminhão roda muito

mais que um veículo leve e, por conseqüência, consome muito mais

combustível”, afirma o Dr. Nigro. Isso quer dizer que o proprietário pagará mais

caro por um veículo menos poluente, contanto que o veículo ande mais

consumindo menos diesel.

Para o pesquisador, o poder público é quem faz a tecnologia avançar em

carros populares: “o engenheiro tá lá para deixar quase no limite da lei – não

vai ultrapassar, mas fica quase lá”, perto dos limites preconizados pela fase do

PROCONVE do momento.

Portanto, para fazer a tecnologia dos motores avançar, são necessários:

1. Legislação específica da parte do poder público, que aumente as

exigências de eficiência do motor;

2. Que os custos de fabricação sejam estritamente controlados da parte

dos fabricantes, pois o mercado consumidor de veículos leves brasileiro

é sensível a variações mínimas de preço.

Segundo o Dr. Nigro, o governo poderia dar incentivos fiscais para os veículos

menos poluentes. O Ministério da Fazenda criou há pouco um grupo de

trabalho para estimular fabricantes de automóveis a adotar tecnologias de

baixo impacto no meio ambiente: melhorar a eficiência dos motores flex,

avançar no uso de energias renováveis etc.

Quando perguntei sobre o carro elétrico, o Dr. Nigro foi categórico: “isso é uma

solução para países ricos. Aqui, temos a melhor solução do mundo em termos

de combustível para veículos leves – o etanol”.

A qualidade do combustível – Aqui, o Professor Chin An Lin39, o Dr. Nigro e

Feldmann são unânimes quanto à solução para a qualidade dos combustíveis:

utilizar os biocombustíveis, energia renovável fabricada a partir da biomassa.

39 Professor associado da FM-USP e pesquisador do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental.

Page 47: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

47

Como citado no tópico anterior, o Professor Nigro acredita que o Brasil tem o

melhor combustível do mundo para veículos leves – o etanol: “ele é renovável,

polui menos localmente (menos poluentes que afetam a saúde pública) e é

muito melhor que a gasolina em termos globais (emissão de gases do efeito

estufa).”

O pesquisador Fábio Luiz40 explica que o ciclo do álcool é muito mais fechado

que o da gasolina e, portanto, o etanol é muito mais vantajoso para diminuição

das emissões de CO2: “enquanto a gasolina pega o carbono estocado na terra

e joga direto no ar, a cana usa o CO2 do ar para crescer; então, sua conta de

poluentes globais é quase neutra”.

“Ainda há o fato de sermos muito mais compatíveis biologicamente com o

etanol que com a gasolina: podemos até tomar um alcoolzinho com açúcar de

vez em quando; agora, vai beber gasolina!”, diz em tom jocoso o Professor

Nigro. “Na verdade, a gasolina emite 25% de compostos aromáticos, que são

ligados ao surgimento de câncer do pulmão”, afirma.

O Professor Lin endossa o etanol, embora seja mais contido e alerte: “diesel,

gasolina e etanol emitem hidrocarbonetos (HCs) quando queimados. Estes

compostos orgânicos não são monitorados, e estudos também têm relacionado

os HCs ao câncer de pulmão. Ainda assim, o etanol produz menos HCs, sendo

um combustível melhor para a saúde pública que a gasolina”.

Já a versão renovável do diesel, o biodiesel, está numa situação bem pior que

a do etanol – economicamente dizendo. De acordo com o Francisco Nigro, os

problemas são:

seu processo de fabricação é ineficiente: gasta-se 66% da unidade de

energia do diesel para produzi-la; para fazer etanol, gasta-se apenas

15% de sua unidade de energia.

40Do Instituto de Astrofísica, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP e coordenador do Inaira.

Page 48: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

48

o preço final do biocombustível é muito mais alto que o do refinado do

petróleo: “o diesel comum custa R$ 2,00 por litro; o biodiesel, R$ 3,00.”,

diz o pesquisador.

Os motores de caminhões mais velhos são incompatíveis com grandes

quantidades de biodiesel – por isso a mistura nacional é de apenas 5%

de biodiesel no diesel comum. Uma comparação direta: a gasolina tem

25% de álcool anidro (não hidratado – o etanol combustível é hidratado).

“Colocar mais biodiesel na mistura faz aumentar o risco do motor velho

quebrar; aí, sim, vai poluir muito mais do que já polui”.

Mas sua adoção em larga escala traria benefícios para a qualidade do ar:

1. a queima de biodiesel emite menos material particulado fino (MP2,5), e

compostos aromáticos que a do diesel comum;

2. Não emite enxofre quando queimado;

3. Caso o processo de fabricação atingisse níveis de eficiência próximos

dos do etanol, ele contribuiria decisivamente para a diminuição das

emissões de gases efeito estufa do Brasil.

Por isso, os grandes desafios do biodiesel são a melhora de seu processo de

fabricação - ou a adoção de novos processos – e a renovação da frota

brasileira de veículos pesados. A empresa norte-americana Amyris

Biotechnologies vem desenvolvendo a fabricação do biodiesel a partir da cana

de açúcar em parceria com diversas empresas brasileiras. Em outubro de

2009, captavam recursos para abrir usina própria no Brasil.

Há uma outra ameaça, mais incerta, ao futuro do biodiesel: a exploração do

petróleo no pré-sal. Segundo estimativas de um artigo41 do portal BiodieselBR,

para cada emprego necessário para explorar a energia presente nos 90 bilhões

de barris de petróleo do Pré-sal, seriam necessários 152 empregos para a

produção da mesma quantidade de energia na indústria do etanol, com a

produtividade atual. O autor argumenta que, por isso, a energia da biomassa

41 GAZZONI, Décio. O tesouro da superfície. BiodieselBR.com, 2009.

Page 49: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

49

geraria emprego e renda para muito mais pessoas; caso se estabeleça um

fabricação gere um número próximo de empregos.

“Criou-se uma mística em torno do pré-sal, de que ele seria o passaporte para

o desenvolvimento do Brasil em todos os sentidos. E eu acho que o petróleo é

o combustível dos séculos XIX e XX – e, com a exploração do pré-sal, o Brasil

está na contramão da história.”, defende Fábio Feldmann, para quem o

dinheiro a ser investido no pré-sal estaria melhor aplicado em desenvolvimento

de tecnologias limpas e educação.

Inspeção veicular – Eduardo Jorge, no seminário citado no início deste

capítulo, afirmou que “nos países do hemisfério norte, a inspeção veicular,

quando feita rigorosamente, mostrou poder reduzir as emissões de poluentes

veiculares em até 30%”.

Os veículos brasileiros, hoje, são muito mais eficientes que há 20 anos. Porém,

segundo o Professor Nigro, “a frota brasileira é velha; carros velhos e sem

inspeção poluem muito mais.” O professor dá um exemplo: um catalisador dura

80.000 km; depois disso, começa a perder eficiência e deve ser trocado.

Para garantir emissões baixas, o dono do carro deve arcar com o preço da

troca, estimada, para carros populares, em R$ 500,00. Só que o indivíduo que

chega aos 80.000 km e continua utilizando o carro acaba por considerar um

gasto desnecessário com um carro já envelhecido e cujo valor decaiu.

“Então, um carro velho chega a poluir vinte vezes mais que um carro novo. O

que adianta colocar inspeção para os carros novos, se os carros velhos são os

verdadeiros vilões da poluição atmosférica?”, questiona Nigro. Ele sugere que

se adote no Brasil um IPVA invertido, em termos de cobrança: “como no Japão,

o carro vai ficando velho e paga cada vez mais imposto. Aí, o cara é obrigado a

trocar; aqui no Brasil, não paga nada e polui um monte!”

processo de produção de biodiesel similar ao do etanol, é provável que sua

Page 50: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

50

O Professor Lin concorda com Francisco Nigro: “não adianta ficar

inspecionando carros novos - o problema são os veículos velhos, muito mais

poluentes. O que tem que ser feito é tirar os carros antigos de circulação.”

2. O CONTROLE POLÍTICO-SOCIAL DA POLUIÇÃO VEICULAR

O rodízio municipal de veículos é um exemplo de medida política adotada para

redução da poluição atmosférica na RMSP. Porém, hoje, após 12 anos de

implantação, seus efeitos foram anulados pelo crescimento da frota veicular –

ela dobrou neste período, e seus efeitos sobre a qualidade do ar só não são

piores porque veículos novos poluem menos.

Há alguns anos, administradores públicos têm pensado em medidas além do

rodízio para diminuir o impacto da poluição do ar sobre a população da RMSP.

Elas têm em comum o método: tirar o excesso de carros das ruas.

Pedágio urbano – “Tentamos colocar o pedágio urbano recentemente duas

vezes: uma na Política Municipal de Mudanças Climáticas, e outra na Política

Estadual de Mudança do Clima, que foi sancionada recentemente”, conta Fábio

Feldmann.

A Política Municipal de Mudança Climática de São Paulo foi criada para

diminuir as emissões de poluentes globais da cidade em até 30%. Seu texto

original previa “planejamento e implantação de sistemas de tráfego tarifado, por

meio de lei específica, em áreas saturadas de trânsito, com vistas à redução da

emissão de gases de efeito estufa". De acordo com o projeto, a arrecadação

seria destinada "obrigatoriamente para a ampliação da oferta de transporte

público”.

Na Política Estadual de Mudança do Clima, a meta é de 20% de redução das

emissões de gases do efeito estufa. O pedágio seria cobrado no centro

expandido de São Paulo, na área que hoje funciona o rodízio de veículos.

Porém, não saiu do papel.

Page 51: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

51

De acordo com Feldmann, “nós pusemos o pedágio pra começar essa

discussão no Brasil, mas a reação da imprensa contra a lei foi tão grande que

tanto Gilberto Kassab (Prefeito da São Paulo) quanto José Serra (atual

Governador do estado) retiraram o trecho sobre o pedágio. Se não retirassem,

a aprovação da lei inteira estaria comprometida.”

Numa reportagem42 do portal G1, especialistas em planejamento urbano

discutiram o pedágio urbano e foram unânimes em relação aos seus benefícios

que traria para a cidade: “Para Cândido Malta Campos Filho, professor de

planejamento urbano da Universidade de São Paulo (USP), com investimentos

no metrô, microônibus de qualidade, repovoamento do centro e implementação

de pedágio urbano, a cidade pode ser outra em 10 anos. ‘Se tudo for feito

certinho e começar logo, em 10 anos o problema estaria resolvido e a cidade

funcionaria como se fosse planejada’, conta.

Para o professor, o ponto chave para o início das mudanças é o pedágio

urbano. ‘Sem ele, não vamos conseguir sair da situação existente hoje. Ele tem

dupla função: desestimula o automóvel e gera dinheiro para uma implantação

mais acelerada do metrô’.”

Investimentos no transporte público - Na mesma reportagem do portal G1, o

professor Cândido Malta estima que o dinheiro arrecadado com o pedágio

urbano serviria para construir 160 km de linhas de metrô em 10 anos –

segundo ele, as pessoas sentiriam uma espécie de revolução.

Entre engenheiros de tráfego, urbanistas, ambientalistas e médicos, é ponto

pacífico: para que a RMSP reduza as concentrações de poluentes locais e as

emissões de gases do efeito estufa, é imprescindível que se invista pesado

numa malha extensa de metrô e as linhas de ônibus tornem-se mais eficientes

– pois a redução do tráfego é, obviamente, redução da poluição emitida por

veículos.

42Cardilli, Juliana. Especialistas apontam pedágio urbano como solução para o trânsito. portal G1, 2008.

Page 52: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

52

“O grande desafio, em minha opinião, é a ênfase dada ao transporte individual

e ao automóvel no Brasil – e, portanto, temos problemas gravíssimos de

poluição e congestionamento.”, afirma Feldmann. Ele considera inevitável a

transição do automóvel individual para o transporte publico por causa do

congestionamento na RMSP, que atinge recorde após recorde. “O tamanho da

frota no Brasil cresceu muito nos últimos anos e o congestionamento virou um

grande problema; o transporte publico eficiente, barato e não poluidor terá que

ser implantado”, diz ele.

A sugestão de Feldmann é que a expansão do sistema de transporte público

seja financiada por um “imposto de uso do carro” (o pedágio urbano teria uma

consequência parecida): “parte do IPVA - que é um imposto estadual - é

destinada para os municípios; portanto, de maneira geral, os administradores

públicos vêem com bons olhos o aumento da frota, pois aumenta a

arrecadação. E acho que temos que mudar esse modelo: com o tempo, nós

teremos que promover uma tributação sobre o uso do automóvel combinada

IPVA, para poder desestimular o uso do automóvel em determinados horários.”

O Professor Chin An Lin dá o exemplo bem sucedido de Bogotá, embora faça

ressalvas quanto à possibilidade de aplicação do modelo na cidade de São

Paulo: “promoveram a venda de bicicletas; para que o cara saísse de casa de

bicicleta e chegasse tarde, o governo teve que iluminar as ruas, colocar mais

efetivo de policiais para patrulhá-lhas. As pessoas, então, se sentiram seguras

e começaram a deixar os carros em casa.”

Para o Professor Lin, há pessoas dispostas a usar a bicicleta em São Paulo: o

que falta é o estímulo. Contudo, ele condiciona o sucesso do programa à

presença de metrô: “As subprefeituras poderiam organizar algo do tipo, mas

Bogotá é um bairro de São Paulo (em termos de tamanho). O metrô é

necessário, porque em algum momento o ciclista terá que pegar um transporte

mais eficiente – um cara que mora na Cidade Dutra não irá até o centro apenas

de bicicleta.”

Page 53: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

53

Carona solidária - Para diminuir os congestionamentos e, por conseqüência, a

emissão de poluentes locais e globais, o Transporte Solidário, de 1997, é uma

idéia que pode ser reciclada, pois exige um curto prazo e baixos custos de

implantação (em comparação com um metrô).

Há diversos argumentos em prol da carona solidária: as empresas não

precisam oferecer tantas vagas de estacionamento; a taxa média de ocupação

dos veículos em São Paulo é 1,6 (maioria dos veículos com apenas uma e

duas pessoas); com menos carros nas ruas, o trânsito fluiria mais rapidamente

e isso ajudaria a diminuir a emissão de poluentes locais e globais – pois

automóveis em marcha lenta emitem mais poluição que a altos giros de motor.

Fábio Feldmann dá idéias para o estímulo da carona solidária: vagas

específicas para caroneiros em Shopping Centers e em áreas públicas, além

de faixas exclusivas nas ruas. “A carona solidária poderia ser uma solução

emergencial de uso coletivo do carro, enquanto não há maiores linhas de

metrô”, diz Feldmann.

O Professo Lin também acha a carona solidária uma boa opção: “sua

organização devia ser centralizada pelo poder público ou por uma ONG que

cadastrasse voluntários, para funcionar”. E completa: “às vezes, os vizinhos

vão para o mesmo lugar e nem se conhecem!”.

3. EVOLUÇÃO DOS PARÂMETROS TÉCNICOS PARA O CONTROLE DA

QUALIDADE DO AR

Descompasso entre conhecimento e práticas - A tabela dos limites máximos de

concentração de poluentes para o controle da qualidade do ar, que a CETESB

utiliza no estado de São Paulo para fazer o monitoramento e classificar a

qualidade do ar, data da década de 1990. Porém, estudos indicam que mesmo

¼ da concentração por período preconizada para o SO2, por exemplo, já

afetam o funcionamento do sistema mucociliar, deixando os cílios mais lentos,

aumentando o muco e tornando a expulsão de partículas inaláveis mais difícil.

Page 54: Poluição do ar em São Paulo: um panorama

54

Em entrevistas, o Professor Paulo Saldiva já disse que “estamos 20 anos

atrasados” em relação ao controle de qualidade do ar versus conhecimentos

produzidos sobre a poluição do ar e seus efeitos na saúde. Um estudo43 de

2001 do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental (já citado em outro

capítulo), que avaliou o impacto do rodízio municipal de veículos na cidade de

São Paulo, afirma que “[...] mesmo os poluentes atmosféricos estando dentro

dos padrões permitidos de qualidade do ar, continuam afetando a morbidade e

mortalidade por problemas respiratórios. Sugere-se que esses limites de

qualidade do ar sejam reavaliados.”

É necessário, portanto, que sejam estabelecidos limites mais restritivos para as

concentrações de poluentes na legislação ambiental brasileira, baseados nas

pesquisas mais recentes.

Ausência de padrões de qualidade do ar para o material particulado inalável

fino (MP2,5)

Desde o ano 2000, a cada seis dias, a CETESB monitora o material particulado

fino (MP2,5) em 4 pontos da cidade de São Paulo, com “o intuito de avaliar de

forma mais sistemática os níveis desse parâmetro na RMSP”44. Porém, como já

especificado no capítulo que descreve os principais poluentes, ainda não há

um padrão de qualidade do ar para o MP2,5 na legislação brasileira e, portanto,

ele não é objeto de controle específico.

A US Environmental Protection Agency (Agência de Proteção Ambiental dos

EUA) foi a primeira agência ambiental do mundo a adotar padrões de qualidade

do ar para o MP2,5, em 1997; em 2006, ela atualizou os padrões diários para

valores mais restritivos. A Organização Mundial da Saúde também adotou

índices de qualidade do ar para o MP2,5 em 2005.

43 MARTINS, Lourdes Conceição; LATORRE, Maria do Rosário Dias de Oliveira; SALDIVA, Paulo Paulo Hilário Nascimento and BRAGA, Alfésio Luís Ferreira. Relação entre poluição atmosférica e atendimentos por infecção de vias aéreas superiores no município de São Paulo: avaliação do rodízio de veículos. Rev. bras. epidemiol. [online]. 2001, vol.4, n.3, pp. 220-229.44CETESB. Material particulado inalável fino (MP2,5) e grosso (MP2,5 – 10) na atmosfera da RegiãoMetropolitana de São Paulo (2000 – 2006). São Paulo 2008

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55

No capítulo anterior, já foi exposto que o MP10 compreende todas as partículas

iguais ou menores que 10 µm, o que faz com que o material particulado fino

esteja dentro do espectro deste padrão. O MP10 é monitorado há décadas na

RMSP; contudo, pesquisas indicam que é necessário fazer o monitoramento

específico para o MP2,5 (partículas menores que 2,5µm), pois quanto menor a

partícula, mais profundamente ela penetra no sistema respiratório e pode

causar mais estragos.

Enquanto a maior parte do MP2,5-10 é expelido do sistema respiratório ainda nas

vias superiores, o MP2,5 pode chegar aos alvéolos pulmonares e trazer

substâncias tóxicas (sulfatos, nitratos, ácidos, compostos orgânicos) para a

corrente sanguínea. Segundo um relatório da CETESB45: “Cronicamente, a

mortalidade por doenças cardiovasculares está diretamente relacionada com a

concentração média de MP2,5 do local de moradia do indivíduo (...) A redução,

mesmo pequena, nos níveis do MP2,5, pode trazer benefícios substanciais à

saúde da população. Por exemplo, nos Estados Unidos, em áreas

metropolitanas de tamanho médio que conseguiram reduzir a concentração

média anual de 15,5 μg/m³ para 15 μg/m³, estima-se uma redução de 25 a 50

mortes por ano”.

Ainda de acordo com o relatório da CETESB, “as concentrações médias anuais

de MP2,5 (da RMSP) são bastante elevadas se comparadas aos padrões de

qualidade do ar dos Estados Unidos ou ao valor guia da Organização Mundial

da Saúde. As sobredoses alcançam valores elevados e chegam a até 48% do

padrão anual americano e a 100% do valor guia anual proposto pela OMS.”

A OMS considera as concentrações de MP2,5 um melhor índice de risco à

saúde da população justamente por sua ligação com problemas

cardiovasculares e respiratórios. As concentrações de MP10 não são

consideradas um bom índice de risco, visto que boa parte do material

particulado grosso (MP2,5-10) é expelido pelo corpo nas vias respiratórias

superiores; além disso, muito do MP2,5-10 não é gerado pela atividade humana.

45 CETESB. Material particulado inalável fino (MP2,5) e grosso (MP2,5 – 10) na atmosfera da RegiãoMetropolitana de São Paulo (2000 – 2006). São Paulo 2008.

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56

O MP2,5, por outro lado, é emitido essencialmente por fontes antropogênicas

como a queima de combustível fóssil. É algo, em tese, passível de ser

regulamentado e controlado.

Por isso, deve haver legislação que estabeleça os níveis máximos do material

particulado fino, para que se possa desenhar políticas eficientes de controle de

suas emissões. Além de sugerir a regulamentação do MP2,5, o relatório da

CETESB recomenda “a transferência do transporte individual para um

transporte público de qualidade, acompanhado por avaliações dos possíveis

ganhos ambientais como a redução do MP2,5 na atmosfera.”

Ausência de monitoramento de outros compostos não-regulamentados

Além dos óxidos de nitrogênio, compostos orgânicos como os hidrocarbonetos

(HCs), derivados da queima de combustíveis veiculares, são precursores do

ozônio, de substâncias agressivas (genericamente chamados de oxidantes

fotoquímicos) e de aerossóis ácidos (parte das partículas finas, MP2,5). A

redução das emissões destes compostos orgânicos é, portanto, fundamental

para controlar tanto o ozônio troposférico quanto MP2,5. Só que HCs não fazem

parte da tabela de padrões de qualidade do ar da legislação brasileira.

Segundo o Professor Chin An Lin, os compostos aromáticos (com anéis como

o benzeno) produzidos pela queima de combustível fóssil também não são

monitorados. “O problema é que são ligados ao câncer do pulmão”, afirma o

Professor, para quem eles deviam estar na lista de controle da qualidade do ar

da CETESB, juntamente com os HCs.

CONCLUSÃO

A poluição do ar é um problema político, pois depende de negociação e

acordos sociais para ser controlada. Ela está envolvida num emaranhado de

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interesses e necessidades econômicas e opções históricas de desenvolvimento

econômico-urbano.

A opção pelo transporte individual (e por veículos em geral) é clara no plano

urbanístico da cidade de São Paulo, com suas muitas grandes avenidas e vias

expressas. O problema é este mesmo modelo continuar pautando as opções

políticas das administrações pública municipal e estadual – como construção

de novas faixas nas vias expressas e novas pontes estaiadas. Serão novos

caminhos (ou alargados) que conduzirão o veículo até o próximo gargalo

entupido de carros.

Quem vai pagar a conta, no fim, seremos nós. Não só eu ou o leitor, mas

principalmente a população mais pobre, que não pode andar de carro com um

bom filtro e condicionador de ar. Que fica nos pontos de ônibus respirando ar

poluído, de preferência nas avenidas mais movimentadas.

De acordo com um estudo feito pelo Laboratório de Poluição Atmosférica

Experimental em seis capitais brasileiras – Rio de Janeiro, Belo Horizonte,

Porto Alegre, Curitiba, Recife e São Paulo –, os gastos de saúde (públicos e

privados) com a intoxicação por material particulado fino (MP2,5) são de R$

14,00 por segundo. Isso dá R$ 459,2 milhões anuais.

Com base neste estudo, o Ministério Público de São Paulo move uma ação civil

pública contra a Petrobrás e mais 13 montadoras. A refinaria é

responsabilizada porque o MP2,5 vem essencialmente da queima de

combustível veicular e carrega diversas substâncias tóxicas impregnadas a ele;

as montadoras, porque fabricam a fonte principal da poluição atmosférica

urbana, no Brasil.

O problema da poluição já foi muito mais grave nas décadas de 70 e 80 do

século passado. Ainda assim, há margem de manobra para fazer mais

politicamente e tecnicamente.

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A exploração do petróleo no pré-sal será um momento exemplar no país: o

Brasil tem a maior matriz energética renovável do mundo e, com a quantidade

de combustível fóssil encontrado por lá, o país periga sujar sua matriz

energética – por causa do grande lobby internacional do petróleo, pelo qual a

Petrobrás é beneficiada. Substituir por novas tecnologias e novas práticas

antigos hábitos é mais difícil do que ter que desenvolver o novo, sempre mais

custoso e sofrido.

Considero fundamental que grande parte do lucro que resultará dos negócios

do pré-sal tenha um fim claro: pesquisa básica e aplicada em desenvolvimento

de energias renováveis, para que seja firme o objetivo brasileiro de não mais

depender do óleo fóssil para mover seu crescimento econômico. Nunca é

demais lembrar: os derivados do petróleo (diesel e gasolina), quando

queimados como combustível, produzem a maior parte da poluição local das

cidades brasileiras.

Que seja firme e claro, também, o compromisso dos governos estadual e

municipal de São Paulo com o transporte público barato, de baixo consumo

energético e não-poluente. Há uma iniciativa na Secretaria de Transportes

municipais no sentido de tornar o transporte público municipal mais

sustentável, que prevê, a cada ano, um aumento de 10% na utilização de

combustíveis renováveis pela frota de ônibus.

E reiterando o que quase todas as fontes recomendam: compromisso de longo

prazo e ininterrupto com investimentos no metrô, para que possamos, cada vez

mais, deixar de lado nossos carros quando formos ao trabalho ou quisermos

passear por São Paulo ou pelas cidades vizinhas.

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