PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO ......personalidade, a fim de embasar a inserção...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Iara Pereira Ribeiro
Direito à imagem: conceito jurídico pleno da própria imagem
DOUTORADO EM DIREITO
SÃO PAULO 2013
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Iara Pereira Ribeiro
Direito à imagem: conceito jurídico pleno da própria imagem
DOUTORADO EM DIREITO
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito sob a orientação da Profa. Dra. Rosa Maria de Andrade Nery.
SÃO PAULO 2013
Banca Examinadora
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Ao meu pai, Elias Profeta Ribeiro, porque se orgulhava de mim.
À minha mãe, Vera Augusta Pereira Ribeiro, porque me orgulho dela.
AGRADECIMENTOS
Muito obrigada:
À querida orientadora Profa. Rosa Maria de Andrade Nery,
Às companheiras de doutorado Tarcisa Marques Porto, Mariana
Mencio e Thais Novais Cavalcanti.
Às amigas Clarice von Oertzen de Araujo e Eloísa Aragão.
Ao Centro Universitário FIEO (UNIFIEO), de maneira especial à
bibliotecária Andreia Máximo.
A todos os colaboradores da Escola Villas-Bôas, especialmente, na
pessoa de Clarice Stenke.
Às amigas de sempre Ana Elisa Nonato, Márcia Assis, Patrícia
Mauro Diez, Renata Aguiar e Valéria Immediato.
Ao meu amor, Roberto Rosano, por TUDO.
Friné em frente ao Areópago
(Jean-Léon Gérôme, óleo sobre tela, 80 x 128 cm, 1861).
O Juízo Final (Michelangelo – afresco pintado na parede do altar da Capela Sistina,13,7 m por 12,2 m - 1536 a 1541).
Biagio de Cesano como Minos (detalhe da direita inferior do afresco O Juízo Final).
RESUMO
A tese pretende demonstrar que para a Ciência Jurídica a imagem
da pessoa compreende o original e a reprodução e que essa imagem é um
todo constituído de matéria e forma, que abrange as características físicas, o
corpo, a voz, os gestos, os modos, etc. Considerando esse conceito pleno de
imagem se examinou as várias teorias sobre o direito à imagem para defini-lo
como um direito autônomo e suas características, analisando seus elementos:
o sujeito de direito (imagem do nascituro e da pessoa jurídica), o objeto
(imagem científica e imagem das coisas) e o conteúdo que consiste no direito
de dispor, limites do uso do direito à imagem e sua extinção. E por fim, tratou-
se o tema da responsabilidade civil sob a ótica do direito à imagem, para
demonstrar que os denominados danos estético e institucional são
simplesmente: dano à imagem. O dano à imagem é distinto do material e do
moral, permitindo cumulação.
Palavras-chave: Imagem. Direito à própria imagem. Conceito pleno. Dano à
imagem.
ABSTRACT
The thesis aims to show that the image of person for Juridical
Science understands the original and the reproduction and that this image is a
whole composed of matter and form, which encompasses the physic, body,
voice, gestures, moods, etc. Considering the full image concept is examined
various theories about the right of the image to define it as an autonomous right
and its characteristics the legal concept fully developed in this thesis, examined
the various theories on the image to the law to define it as an autonomous right
and their characteristics, analyze its elements: the subject of law (image of
unborn and legal entity image), the object (scientific image and picture of things)
and the content that is the right to dispose, the limits of the right to use his
image and extinction. And finally, it was the subject of tort law from the
perspective of the image, to show that the so called institutional and aesthetic
damage are simply: damage to the image. And this damage is distinct from the
material and moral, allowing overlapping.
Keywords: Image. Image rights. Full Concept. Damage to the image.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 12
1. CONCEITO DE PESSOA, PERSONALIDADE E NATUREZA HUMANA ... 15
1.1. Conceito filosófico de pessoa ................................................................ 15
1.2. Conceito jurídico de pessoa ................................................................... 22
1.2.1. Características da personalidade .............................................................. 27
1.2.1.1. Capacidade ....................................................................................... 27
1.2.1.2. Estado individual, familiar e político ............................................... 28
1.2.1.3. Nome ................................................................................................. 31
1.2.1.4. Domicílio ........................................................................................... 33
1.2.1.5. Fama .................................................................................................. 35
1.3. Natureza humana .................................................................................... 36
2. DIREITOS DA PERSONALIDADE .............................................................. 41
2.1. Considerações sobre direitos da personalidade, direitos humanos e direitos fundamentais .................................................................................... 41
2.2. Da dignidade da pessoa humana ........................................................... 43
2.3. Eficácia do princípio da dignidade humana no âmbito do direito privado ............................................................................................................ 49
2.4. Noções de sistema dos direitos da personalidade .............................. 52
2.5. Rol aberto dos direitos da personalidade ............................................. 55
2.6. Os direitos da personalidade no Código Civil de 2002 ........................ 61
2.7. Da denominação “Direitos da Personalidade” ..................................... 63
3. DIREITO À IMAGEM ................................................................................... 66
3.1. Contextualização histórica ..................................................................... 66
3.2. O direito à imagem na legislação brasileira .......................................... 71
3.3. A palavra “imagem” ................................................................................ 75
3.4. A imagem e o direito ............................................................................... 78
3.4.1. Imagem original .......................................................................................... 83
3.5. A imagem e a Constituição Federal de 1988 ......................................... 85
3.5.1. Considerações sobre a denominação imagem-retrato e imagem-atributo ............................................................................................................................... 90
4. DA AUTONOMIA DO DIREITO À IMAGEM ................................................ 95
4.1. Teorias sobre a natureza jurídica do direito à imagem ........................ 95
4.1.1. Teoria negativista ....................................................................................... 95
4.1.2. Teoria do direito à imagem como direito à honra .................................... 97
4.1.3. Teoria do direito à imagem como expressão do direito à intimidade ... 102
4.1.4. Teoria do direito à imagem como manifestação do direito ao próprio corpo ................................................................................................................... 106
4.1.5. Teoria do direito à imagem como direito relacionado com a liberdade 107
4.1.6. Teoria do direito à imagem como patrimônio moral da pessoa ............ 108
4.1.7. Teoria do direito à imagem como manifestação do direito à identidade pessoal ................................................................................................................ 109
4.1.8. Teoria da autonomia do direito à imagem .............................................. 113
4.2. Características do direito à imagem ................................................ 115
4.3. Proteção jurídica da imagem ................................................................ 119
4.4. Sujeitos do direito à imagem ................................................................ 124
4.4.1. Imagem do nascituro ............................................................................... 125
4.4.2. Imagem da Pessoa Jurídica ..................................................................... 127
4.5. Objeto do Direito à Imagem .................................................................. 135
4.5.1. Imagem-científica ..................................................................................... 143
4.5.2. A imagem das coisas ............................................................................... 144
4.6. Conteúdo do direito de imagem ........................................................... 147
5. RESPONSABILIDADE CIVIL E O DIREITO À IMAGEM .......................... 166
CONCLUSÃO ................................................................................................ 180
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 184
12
INTRODUÇÃO
Em razão dos tempos midiáticos da atualidade, pode-se afirmar que
a sociedade nunca foi tão visual. A vida de uma pessoa é captada por lentes e
câmeras em numerosas ocasiões.
Os bebês ainda no ventre materno são fotografados e filmados.
Alguns em seus primeiros instantes de vida se tornam protagonistas do
primeiro dos muitos filmes de que irão participar ao longo da vida ― o filme de
seu nascimento. E, assim, carinhosamente serão constrangidos a rever aquela
cena em suas festas de aniversário e na de seu casamento na presença de
muitos convidados. Um recém-nascido de poucas horas possivelmente será
visto e conhecido por um inimaginável número de pessoas, antes mesmo que
ele tenha oportunidade de conhecer a própria mãe.
Tal qual como o início da vida, as lentes das câmeras também
podem captar a morte. Quase diariamente divulgam-se imagens de brigas,
assaltos ou acidentes em que o resultado é a morte de uma, várias ou de todas
as pessoas que figuram na filmagem.
O desenvolvimento tecnológico transformou o modo como a
sociedade transmite sua memória para as gerações futuras. Até bem pouco
tempo, os feitos dos antepassados eram conhecidos, em grande proporção,
por meio da transmissão oral ou escrita, ao passo que na atualidade essa
memória é construída, quase de modo exclusivo, visualmente1.
Por serem corriqueiros o registro e a utilização da imagem da
pessoa humana, deixa-se de dar a devida atenção para a complexidade
jurídica da imagem. O presente trabalho tem como objetivo elucidar o conceito
de imagem no âmbito da ciência do direito. Para tanto pretende responder o
1 Sobre o tema: Régis DEBRAY, Manifestos midiológicos, Petrópolis: Vozes, 1995.
13
que é a imagem da pessoa humana e em que consiste o seu direito a essa
imagem?
Com o fim de responder a essa questão inicial, buscou-se no
Capítulo 1 definir os conceitos de pessoa e natureza humana, distinguindo do
conceito de sujeito de direito, personalidade jurídica e suas características.
No Capítulo 2, desenvolveu-se o estudo dos direitos da
personalidade, a fim de embasar a inserção do bem jurídico da imagem dentre
esses direitos.
A imagem como objeto do direito foi analisado no Capítulo 3,
reportando a sua contextualização histórica e a maneira pela qual a legislação
brasileira tratou o tema. A partir daí expusemos o significado do que é imagem,
a amplitude de seu conceito, como se insere no Direito e na Constituição
Federal de 1988 e considerações sobre a denominação imagem-retrato e
imagem-atributo. Respondendo, desse modo, à questão inicial proposta,
explicitamos que imagem é uma percepção de um ser ou objeto que
compreende o original (exemplar) e sua reprodução (reflexo). Denominamos ―
apenas para elucidação ― a primeira de imagem original (matriz) e a segunda
de imagem decorrente (retrato).
Demonstramos, igualmente, que tal percepção não se limita apenas
ao aspecto físico da pessoa humana, mas ao conjunto de elementos que a
torna digna de humanidade.
No Capítulo 4, examinamos as várias teorias que buscaram explicar
o direito à imagem na perspectiva de reflexo de outro bem jurídico, até a teoria
prevalecente da autonomia do direito à imagem, apresentando as
características do direito à imagem, a proteção jurídica desse direito e seus
elementos.
Quanto aos elementos, definimos quem é o sujeito do direito à
imagem, considerando a imagem do nascituro e da pessoa jurídica. No que diz
respeito ao objeto, analisamos os vários meios em que a imagem se manifesta
e que repercutem no direito, destacando a reflexão sobre a imagem das coisas
14
e a científica. E a respeito do conteúdo, fundamentado no Art. 20 do Código
Civil de 2002, ponderamos sobre o direito de dispor da própria imagem, o limite
desse direito e a sua extinção.
No Capítulo 5, tratamos da responsabilidade civil no âmbito do
direito à imagem, sob a perspectiva do conceito de imagem proposto no
trabalho, de imagem original e imagem decorrente, analisando os atentados à
imagem, seus danos e como ocorre sua reparação.
15
1. CONCEITO DE PESSOA, PERSONALIDADE E NATUREZA HUMANA
Para a elaboração deste trabalho o ponto de partida é a
determinação do conceito de pessoa, pois é conceito fundamental para a teoria
geral do direito privado, já que é valor-fonte2 de todo o Direito. Desse modo, se
todo o sistema jurídico é centrado na pessoa, imprescindível então que antes
de tudo seja fixado o seu conceito.
1.1. Conceito filosófico de pessoa
O conceito de pessoa é relevante para a filosofia, a ética, a
dramaturgia, a psicologia e especialmente para o Direito. Em cada uma dessas
áreas do pensamento humano, o conceito possui uma acepção própria. No
sentido comum do termo, pessoa refere-se ao “homem em suas relações com
o mundo e consigo mesmo” e em sentido específico a “um sujeito de relações”
3.
Antônio HOUAISS cita em relação à origem etimológica do verbete
“pessoa” a palavra latina persona, no sentido de “máscara de teatro”, de “papel
atribuído a essa máscara, caráter, personagem” 4. Também DE PLÁCIDO E
SILVA ao explicar o verbete “pessoa” afirma: “Persona, de per (por, através) e
sono (som), exprime, primitivamente, a máscara usada pelos atores nas
2 Miguel REALE, Teoria tridimensional do Direito, p. 95.
3 Nicola ABBAGNANO, verbete Pessoa, in Dicionário de filosofia, p. 888.
4 Pessoa (verbete), Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 2201.
16
representações teatrais5” (e também São Tomás de Aquino faz uma referência
ao termo6).
Da etimologia da palavra se deduz que pessoa é aquele que
representa um papel. A máscara cênica dos gregos (persona) indica os papéis
representados pelo homem no decorrer da vida. Pessoa, portanto, delimita uma
individualidade e expressa a relação dessa individualidade com o meio e os
demais.
Na Antiguidade, nem todos os homens eram tidos como pessoas,
porque para os gregos e os romanos a condição de pessoa era vinculada à
situação de ser cidadão. Naquelas sociedades os escravos, por exemplo, não
eram considerados pessoas.
O pensamento cristão transformou essa distinção com a
personificação do homem, para a qual encontramos a afirmação de que “com a
expressão pessoa obteve-se a extensão moral do caráter de ser humano a
todos os homens, considerados iguais perante Deus7”.
Sobre a importância do pensamento cristão no estudo sobre pessoa
explica Edvino A. RABUSKE: “Para o desenvolvimento do conceito de pessoa
contribuiu decisivamente a Teologia Cristã. (...) a relação única de Jesus Cristo
com Deus tinha que ser expressa de tal modo que, dum lado, se pudesse falar
duma divindade real de Cristo, sem pôr em perigo a unidade de Deus e, doutro
lado, se pudesse aceitar uma humanidade irrestrita em Cristo, sem o separar
5 DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário jurídico, p. 1039.
6 Acrescente-se, a título de curiosidade, que a referência a essa origem grega da palavra
encontra-se na Suma teológica de São Tomás de Aquino na questão 29, artigo 3, objeção 2, p. 528: “ALÉM DISSO, Boécio diz: ‘O termo pessoa parece derivar das máscaras que representavam personagens humanas nas comédias ou tragédias: pessoa, com efeito, vem de per-sonare ressoar, porque necessitava-se de uma concavidade para que o som se tornasse mais forte. Os gregos chamam estas máscaras prósopa, porque colocam-nas sobre a face e diante dos olhos para esconder o rosto’. (...)”. Boécio viveu entre os anos de 480 a 524.
7 Tércio Sampaio FERRAZ Jr., Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação,
p. 125 e Carlos Enric FLORENSA TOMÀS, Persona Fisica, in Nueva enciclopedia jurídica, p. 614.
17
de Deus e introduzir nele uma separação interna. (...)” 8. Entre os filósofos
cristãos que se debruçaram sobre o tema pessoa para explicar os mistérios da
fé católica está Tomás de Aquino (1225 a 1274).
Para o tema, vale-se da importância de Tomás de Aquino, pois nele
se encontra o resgate do pensamento de Aristóteles (ao qual chamava de “o
Filósofo”), juntamente com as reflexões e os ensinamentos da fé cristã. Na
história da filosofia, os estudos tomistas pertencem à chamada Escolástica,
desenvolvida do século XI ao século XV na Europa por meio de um trabalho
coletivo em que colaboraram diversos pensadores. A sua inspiração inicial é
platônico-agostiniana, mas à medida que a obra de Aristóteles é traduzida para
o latim, primeiro do árabe e depois diretamente do grego, novos horizontes ao
pensamento medieval se avistaram, e entre aqueles que se puseram a estudá-
lo estão Alberto Magno e seu discípulo Tomás de Aquino9.
Na construção de seu pensamento10, Tomás de Aquino, enquanto
estudioso e homem de seu tempo, exerceu seu ofício (professor e teólogo)
recorrendo às Escrituras bíblicas e aos filósofos que lhe precederam, a
exemplo de Platão, Aristóteles e Santo Agostinho. E, embora não tivesse a
pretensão de ser original, Tomás de Aquino inovou as teses que defendeu.
Entre as teses de origem tomista de grande importância ― e de
interesse para este trabalho ― destaca-se o estudo sobre pessoa. Embora o
objetivo do pensamento tomista seja explicar o dogma do mistério da
Santíssima Trindade, segundo o qual a essência divina existe em três pessoas
com coerência racional, o esforço filosófico de Tomás de Aquino e da
Escolástica produziu reflexão original sobre pessoa e natureza11.
8 Continua o autor: “Em outros termos: que em Deus há uma natureza em três pessoas, que
em Cristo há duas naturezas numa só pessoa”. Edvino A. RABUSKE, Antropologia filosófica: um estudo sistemático, p. 207.
9 Marie-Joseph NICOLAS, Introdução à Suma Teológica, in Suma teológica: teologia, Deus,
Trindade. V. 1. Parte I – Questões 1- 43, p. 24. Nobert HORN, Introdução à ciência do Direito e à filosofia jurídica, p. 257 e segs.
10 Marie-Joseph NICOLAS, op. cit., p. 32.
11 Walter MORAES, Concepção Tomista de Pessoa: um contributo para a teoria do direito da
personalidade, in Doutrinas essenciais: Responsabilidade Civil, v. 1. Teoria Geral, p. 823.
18
Na Suma Teológica no Artigo 1, da Questão 29, define-se pessoa
como “a substância individual de natureza racional”12.
Por substância deve-se entender o ente enquanto sujeito apto a
existir por si. Existir por si significa ser o próprio sujeito do ato indivisível, e por
isso mesmo ser constituído em um “ser em si”. Portanto, substância é aquilo
que é em si, que não necessita de outro para existir, que é essencialmente
independente.
O termo substância foi emprestado de Aristóteles, mas adquiriu
novos contornos nos estudos tomistas; a sua definição é relativa à essência,
não no sentido coisificado, de substância da coisa, presente em Aristóteles,
mas no sentido de ato de ser. Nesse sentido, pessoa é a substância cuja
essência (ser) é de natureza racional13.
Essa substância é individual porque, como ensina Tomás de Aquino,
as substâncias racionais têm o domínio de seus atos, contudo o ato só pode
ser realizado pelo indivíduo. O termo indivíduo para definir pessoa é
empregado para designar o modo em que essa substância subsiste. Em outras
palavras, é individualmente que a substância exerce o ato de existir por si
mesma.
Explica ainda Tomás de Aquino que é mais conveniente definir
pessoa como ser de natureza racional, e não de essência racional, porque é
essa natureza aquela capaz de ser racional, de distinguir e, assim, tornar a
substância singular, individualizando-a14. Nas palavras precisas do autor: “Ora,
o indivíduo é o que é indiviso em si e distinto dos outros. Portanto a pessoa, em
qualquer natureza, significa o que é distinto nessa natureza” 15.
12
Essa clássica definição de pessoa é de Boécio e está presente no livro Sobre as duas naturezas, conforme esclarece o próprio Santo Tomás (Suma teológica: Parte I, q. 29, artigo 1, p. 522).
13 Marie-Joseph NICOLAS, Vocabulário da Suma Teológica, in Suma teológica: teologia,
Deus, Trindade. V. 1. Parte I – Questões 1- 43, p. 99.
14 Tomás de AQUINO, Suma teológica: Parte I, q. 29, artigo 1, r. 4, p. 524.
15 Tomás de AQUINO, Suma teológica: Parte I, q. 29, artigo 4, p. 532.
19
Essa visão metafísica dos estudos tomistas a respeito do conceito
de pessoa é analisada por Walter MORAES16, que ensina que aquilo que é em
si, que não necessita de outro para existir, que é essencialmente independente,
denomina-se Substância; esta independência contida na Substância é a
Subsistência que significa a aptidão para ser sem dependência; a Substância
perfeitamente subsistente denomina-se Suposto. Assim, considerando que a
existência de um indivíduo é independente, livre de qualquer outro, sua
existência inicia e acaba nele mesmo, na terminologia apresentada, esse
indivíduo é um Suposto, por ser uma substância singular perfeitamente
subsistente e incomunicável. O Suposto de indivíduo chama-se pessoa.
Pessoa é, portanto, aquilo que existe por si só. É o ser com fins
próprios, ou ainda, é o ente que tem a possibilidade de desenvolver e realizar
por meio de sua liberdade e vontade os seus fins próprios.
Jean-Hervé NICOLAS explica a opção tomista de definir pessoa com
base no entendimento de substância: se pessoa não fosse uma substância - e
uma substância individualizada -, não seria real, pois o que a singulariza é que
a natureza que nela se realiza é uma natureza racional, conferindo-lhe uma
superioridade de grau e de ordem em relação a todos os outros entes. Essa
superioridade que deriva da racionalidade manifesta-se pela prerrogativa da
liberdade, apresentada como o poder de dirigir-se a si mesmo, conduzir-se, em
vez de passivamente estar submetido às forças exteriores – que, todavia, agem
também sobre ela, mas não sem que possa agir para diminuir ou impedir os
seus efeitos. Conhecimento e liberdade, eis o que caracteriza a pessoa17.
Por isso, continua NICOLAS, todas as riquezas que evocam as
palavras consciência e liberdade seriam irreais, apenas uma ideia abstrata, não
pertencendo de fato a um ente se Tomás de Aquino não tivesse iniciado pela
concepção de substância da definição de pessoa. E conclui: “(...) para ser
16
Walter MORAES, Concepção Tomista de Pessoa: um contributo para a teoria do direito da personalidade, in Doutrinas essenciais: Responsabilidade Civil, v. 1. Teoria Geral, p. 824.
17 Notas de rodapé de Jean-Hervé NICOLAS à questão 29, artigo 1º da Suma teológica:
teologia, Deus, Trindade. V. 1. Parte I – Questões 1- 43, p. 523.
20
realmente um centro de consciência e uma fonte de liberdade, é lhe preciso
primeiramente ser”18.
Na concepção tomista, pessoa é o que há de mais perfeito, e à
perfeição dá-se o nome de Deus, portanto é correto dizer que Deus é pessoa19
(o que justifica o pensamento teológico). Mas não apenas Ele, o homem
também é pessoa, mesmo que imperfeito, pois é “substância individual de
natureza racional”.
Conforme referido neste trabalho, a origem da palavra pessoa deriva
das máscaras que os atores gregos utilizavam para fazer soar mais forte suas
vozes quando representavam personagens humanos, e, nesse sentido, o termo
não parece ser apropriado para designar Deus. Contudo, Tomás de Aquino
responde a essa questão afastando do significado da palavra pessoa o sentido
de máscara, mas dando a ela um novo sentido, já presente em seu tempo, o de
“aquele que é constituído de dignidade”. Ora, subsistir em uma natureza
racional é uma grande dignidade, por isso dá-se o nome de pessoa a todo
indivíduo dessa natureza racional, e como a dignidade da natureza divina
ultrapassa toda dignidade, o nome de pessoa convém também a Deus20.
O estudo tomista apresentado explica o significado filosófico da
palavra pessoa (a substância individual que subsiste em uma natureza
racional) e porque esta palavra serve para designar Deus. Contudo, se o nome
pessoa convém a Deus, porque é o que de mais perfeito existe em toda
natureza, por que se dá ao homem o nome de pessoa?
Continuando a analisar o tema pela perspectiva tomista, o homem é
pessoa porque é feito à imagem de Deus. A preposição “a” indica que existe
uma aproximação, não uma igualdade, o que significa que há algo divino na
natureza humana, mas que a natureza continua a ser humana, e esse algo é o
18
Idem, ibidem.
19 Tomás de AQUINO, Suma teológica: Parte I, q. 29, artigo 3, p. 529.
20 Tomás de AQUINO, Suma teológica: Parte I, q. 29, artigo 3, r. 2, p. 530.
21
de ter o indivíduo humano uma natureza racional. É em razão dessa natureza
racional que pode se dar ao homem o nome de pessoa, de pessoa humana21.
Jean-Hervé NICOLAS ao comentar o artigo 3 da questão 29 da
Suma explica:
“Só se pode fazer essa transposição, é evidente, respeitando-
se as leis da analogia: a condição de pessoa em Deus só pode ser
atingida por nosso conhecimento como fonte de tudo o que diz
respeito à condição de pessoa, por negação de todas as formas
imperfeitas nas quais se realiza no homem a condição de pessoa, por
exaltação ao infinito de tudo o que existe de positivo nessas
realizações, e que faz a dignidade singular da pessoa entre todos os
entes, apesar dessas imperfeições. Por meio disso, Santo Tomás
refuta de antemão os filósofos modernos que recusam a Deus a
condição de pessoa, em virtude dos limites que esta apresenta no
homem, não é a condição de pessoa como tal que é imperfeita, é o
homem que é imperfeitamente pessoa, embora o sendo
verdadeiramente”22
.
A filosofia tomista contribuiu com a ciência jurídica ao concluir que o
que faz que um homem (ser humano) seja pessoa é a sua natureza: a mesma
entre todos os seres humanos, em qualquer tempo ou lugar, o que implica dizer
que cada ser humano é distinto de qualquer outro, mas todos têm em comum o
fato de serem seres humanos.
Nas palavras de Maire-Joseph NICOLAS:
“Sempre se reconhecerá no homem, quaisquer que sejam a
raça, o tempo e o meio, o que é propriamente humano: um
pensamento, uma razão, que só atua mediante os sentidos, mediante
um enraizamento biológico: o espirito encarnado. A partir daí quanta
diversidade em sua maneira de ser e estar no mundo, de acordo com
21
Tomás de AQUINO, Suma teológica: Parte I, q. 29, artigo 3, r. 2, p. 530.
22 Nota de rodapé “i”, referente à questão 29, artigo 3, in Tomás de Aquino, Suma teológica:
Parte I – Questões 1 a 43, p. 529.
22
o que conhece, com sua maneira de conhecê-lo e,
consequentemente, segundo a maneira de ser e de reagir!”23
.
Michel VILLEY entende que repousam também no pensamento
tomista as origens das liberdades individuais do direito moderno, como
liberdade de consciência e de opinião, pois ao demonstrar que o ser humano é
gênero de uma mesma natureza, dá a cada indivíduo uma dignidade própria,
de modo que ele não faz parte apenas do coletivo, da polis, como diziam os
gregos, mas responde também à sua própria existência24.
Para Walter MORAES, o sentido filosófico de pessoa desenvolvido
pela escolástica de ser aquele que age na natureza, de ser o sujeito primeiro
de atribuição da natureza racional, coincide com os conceitos jurídicos de
pessoa e personalidade a serem desenvolvidos neste trabalho. Por isso,
MORAES entende que neste aspecto das definições de pessoa e
personalidade os conceitos ontológicos e éticos se equiparam25.
1.2. Conceito jurídico de pessoa
De acordo com PONTES DE MIRANDA, o ponto de partida para a
análise do conceito de pessoa deve ser precedido pelo estudo dos sujeitos de
direitos, pois para a Ciência Jurídica “ser pessoa é apenas a possibilidade de
ser sujeito de direito”26.
Ser sujeito de direito é estar na posição de titular de direito (ou,
como igualmente correto, na posição de titular da pretensão, titular da ação,
titular da exceção27) em uma situação jurídica. Em outras palavras, sujeito de
23
Introdução à Suma Teológica, In Suma teológica: teologia, Deus, Trindade. V. 1. Parte I – Questões 1 a 43, p. 48.
24 Michel VILLEY, A formação do pensamento jurídico moderno, p. 51.
25 Walter MORAES, Concepção Tomista de Pessoa: um contributo para a teoria do direito da
personalidade, in Doutrinas essenciais: Responsabilidade Civil, v. 1. Teoria Geral, p. 827.
26 Pontes de MIRANDA, Tratado de direito privado, Tomo I, § 47, 1, p. 243.
27 Pontes de MIRANDA ensina que “(...) quando dizemos ‘sujeito de direitos’ pessoa
(‘personalidade’), usamos, legitimamente, forma elíptica; isto é, dizemo-lo, em vez de ‘sujeito
23
direito é o ente que pode figurar tanto no polo ativo quanto passivo de uma
relação jurídica.
Destaca Tercio Sampaio FERRAZ Jr. que o uso mais tradicional do
termo sujeito tende a vê-lo como o ser humano concreto. Para o autor a base
ideológica dessa concepção está na noção de que cabe ao direito objetivo
garantir e proteger o titular da propriedade privada. O ser humano tem o seu
próprio corpo como uma propriedade primeira, que utiliza como fonte de
trabalho e, por essa razão, o ser humano é por excelência sujeito jurídico28.
Esta utilização mais tradicional, referida por Tercio Sampaio
FERRAZ Jr., era a disposta no Art. 2º do Código Civil de 1916 que utilizava a
palavra “homem”, evidentemente no sentido de ente integrante do gênero
humano, como o sujeito capaz de direitos e obrigações.
O Código Civil de 2002 alterou a palavra “homem” para “pessoa”, e
muito embora não defina o que seja “pessoa”, é certo que se compreenda
como “ser humano”, como qualquer ser humano. Essa percepção decorre da
própria sistematização do Código Civil que dispõe o Art. 1.º (“toda pessoa é
capaz de direitos e deveres na ordem civil”), no livro Das Pessoas, no título
Das Pessoas Naturais.
No entanto, o escopo do dispositivo legal é tratar de sujeito de
direito. Na definição de Tercio Sampaio FERRAZ Jr., o sujeito de direito “é o
ponto geométrico de confluência de diversas normas. Esse ponto pode ser uma
pessoa, física ou jurídica, mas também um patrimônio”29, por exemplo, as
heranças jacente e vacante (disciplinadas nos Arts. 1819 a 1823 do Código
Civil), pois, embora não possua personalidade jurídica, a lei permite que possa
comparecer em juízo, tanto de forma ativa quanto passiva (CPC, Art. 12, IV),
ou ainda, o espólio (CPC, Art. 12, V), e, desse modo, apesar de não serem
pessoas, são sujeitos de direito.
de direito, pretensões, ações e exceções, deveres, obrigações e situações passivas nas ações e exceções’, (...)’’. Op. cit., § 81, 2, p. 317.
28 Tercio Sampaio FERRAZ JR., Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,
dominação, p. 125.
29 Tercio Sampaio FERRAZ JR., op. cit., p. 127.
24
Os autores que atualizaram o Tratado de Direito Privado, tomo I, de
PONTES DE MIRANDA, afirmam: “Do ponto de vista lógico, o adequado seria
o Código Civil preceituar, no Art. 1º, que todo sujeito de direito é titular de
direitos e deveres na ordem civil (...)”30. Contudo, os próprios atualizadores
admitem que a alteração de “pessoa” para “sujeito” pode conduzir a outros
novos problemas, pois alguns doutrinadores têm reivindicado a extensão da
condição de sujeito aos animais, o que é incompatível com o ordenamento
jurídico brasileiro31.
Certo é que toda pessoa é sujeito de direito, pois pode figurar tanto
no polo ativo quanto passivo de uma relação jurídica, pode, portanto, pôr a
máscara para entrar no teatro do mundo jurídico e desempenhar o papel de
sujeito de direito32.
A existência da pessoa para a Ciência Jurídica decorre de duas
perspectivas: da eficácia do fato jurídico stricto sensu de nascer o ser humano
vivo no caso da pessoa natural; e do ato jurídico de registro de ato constitutivo
no órgão competente para as pessoas jurídicas33.
Ao comentar o Art. 1º do Código Civil, Rosa Maria de Andrade
NERY ensina que pessoa é o ente dotado de personalidade34.
30
Judith Martins-COSTA, Gustavo HAICAL e Jorge Cesa Ferreira da SILVA, Panorama Atual pelos Atualizadores, § 50. B – Doutrina, in op. cit., p. 260.
31 Idem, p. 263. Entre os autores que defendem essa concepção está Fernando Araújo, no livro
A hora dos direitos dos animais. Coimbra: Almadina, 2003. O jornal Folha de S.Paulo, em 11 de março de 2012, na seção Ciência, divulgou notícia intitulada “Quase humanos”, em que registrava que o “(...) parque aquático Sea World, nos EUA, foi processado por confinar cinco membros de sua equipe em um espaço diminuto e obrigá-los a fazer rotineiramente apresentações para o público. As autoras da ação? Um grupo de cinco orcas. Elas foram representadas por uma ONG de direitos dos animais, que entrou com o pedido. Embora o juiz tenha optado por não levar o caso adiante, essa foi a primeira vez que um tribunal federal americano chegou a analisar algo do tipo”. Segundo o texto jornalístico há um movimento de cientistas e organizações que se mobilizam para o reconhecimento dos cetáceos (que inclui golfinhos e baleias) como “pessoas não humanas”. Disponível: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/31897-quase-humano.shtml>. Acesso 29.01.2013.
32 Pontes de MIRANDA, Tratado de direito privado, Tomo I, § 50, 2, p. 254.
33 Marco Bernardes de MELO, Teoria do fato jurídico: plano da existência, p.119 e Teoria do
fato jurídico: plano da eficácia, p. 140.
34 Rosa Maria de Andrade NERY e Nelson NERY JR., Código Civil comentado, comentário 2
do Art. 1º, p. 205.
25
A personalidade é a qualidade de ser a pessoa um ente
individualizado, é o que a caracteriza como aquilo que existe por si. Não se
adquire personalidade, se é. Como atributo inseparável da pessoa, existe
independente de qualquer requisito, decorre simplesmente da existência.
Assim, até mesmo um bebê recém-nascido, um deficiente mental ou alguém
com enfermidade, que têm impedidos o devido discernimento sobre os seus
atos ou a possibilidade de expressão de sua vontade, possuem personalidade
e, portanto, têm aptidão para ser pessoa. E são, consequentemente, sujeitos
de direito.
Pessoa e personalidade são conceitos interligados, pois se pessoa é
sujeito (quem atua), personalidade é a qualidade que torna o ente pessoa. Em
outras palavras, a personalidade é a capacidade para ser pessoa, “é o quid que
faz com que algo seja pessoa”35.
O legislador no Código Civil entrelaça esses conceitos de sujeito de
direito, pessoa e personalidade ao dispor no livro Das Pessoas, ao tratar das
pessoas naturais, no Art. 2º, quando ressalta: “A personalidade civil da pessoa
começa do nascimento com vida; (...)”. E no Art. 1º ao registrar que “(...) toda
pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.
Pessoa natural é, nesse sentido, a transposição ao âmbito jurídico
da qualidade humana36 e é ela quem adquire personalidade civil no momento
de seu nascimento com vida e, por conseguinte, a aptidão para ser sujeito de
direito.
A existência da personalidade é que permite à pessoa ser capaz de
direitos ou deveres. Ensina José de Oliveira ASCENÇÃO que conceito nada diz
sobre a extensão dessa titularidade, se uma pessoa tem poucos ou muitos
direitos, mas somente que os pode ter37. Se for pessoa tem personalidade, e
somente quem é dotado de personalidade pode ser titular de direitos,
35
Walter MORAES, Concepção Tomista de Pessoa: um contributo para a teoria do direito da personalidade, in Doutrinas essenciais: Responsabilidade Civil, v. 1. Teoria Geral, p. 820.
36 Carlos Enric FLORENSA TOMÀS, Persona Fisica, in Nueva enciclopedia jurídica, p. 614.
37 Direito Civil: teoria geral, introdução, as pessoas, os bens, p. 110.
26
pretensões, ações e exceções e também de deveres, obrigações, ações e
exceções38.
É preciso destacar que personalidade se distingue de capacidade. A
capacidade é um atributo da personalidade. Para José de Oliveira
ASCENÇÃO, a capacidade é quantitativa. Esse autor define capacidade como
a medida das situações jurídicas de que uma pessoa pode ser titular ou que
pode atuar, pois “pode-se ser mais ou menos capaz, mas não se é mais ou
menos pessoa”39.
Personalidade também não deve ser confundida com direitos da
personalidade, uma vez que a distância jurídica entre eles é enorme. Enquanto
personalidade é um valor jurídico derivado da condição de ser pessoa natural
ou jurídica, os denominados direitos da personalidade, que serão analisados no
próximo capítulo, são efetivamente direitos subjetivos próprios da pessoa
natural, previstos em caráter exemplificativo na legislação e extensíveis,
apenas parcialmente e, por analogia, às pessoas jurídicas.
Finalmente, a pessoa humana é sujeito, fundamento e fim do Direito.
Como sujeito de direito, evidentemente não se quer dizer que o ser
humano é de forma exclusiva, porque outros entes também o são (como a
pessoa jurídica obviamente), mas que não pode deixar de ser. Ele é sujeito de
direito por excelência, pois apenas atuando na vida jurídica pode exprimir na
vida social sua autonomia. Como fundamento e fim porque o Direito existe em
consequência de ter sido uma criação do homem. É na realidade da pessoa
que se encontra a justificação profunda do Direito e é para a realização da
pessoa que a ordem jurídica existe40.
38
Pontes de MIRANDA, Tratado de direito privado, Tomo I, § 48, 1, p. 245.
39 Op. cit., p. 116-117.
40 José de Oliveira ASCENÇÃO, Pessoa, Direitos Fundamentais e Direito da Personalidade, in
Revista Mestrado em Direito UNIFIEO, ano 6, nº 1, 2006, p.160.
27
1.2.1. Características da personalidade
Sendo a personalidade a aptidão para ser pessoa, porque é o que
reveste o sujeito de individualidade, o que lhe faz único, Rosa NERY destaca
cinco características da personalidade, às quais denomina de atributos da
personalidade41, que à luz da Teoria Geral do Direito Privado permitem a
individualização da pessoa como sujeito de direito42.
Essas características são capacidade, status (estado), nome,
domicílio e fama. Todas elas fundem-se à pessoa de modo que sua
individualização seja reconhecida, diferenciando-a dos demais membros da
coletividade.
1.2.1.1. Capacidade
A característica da Capacidade é a possibilidade de a pessoa
adquirir ou de exercer direito e deveres; por vezes é confundida com o conceito
de personalidade, mas como visto o conceito de personalidade refere-se à
existência da pessoa, já capacidade é aptidão da pessoa para a realização de
atos civis.
A capacidade pode ser de direito ou de fato. A capacidade de direito
é a aquisição de direitos atribuída indistintamente a todas as pessoas.
Capacidade de fato (ou de exercício de direito) não é própria de toda pessoa,
mas apenas dos sujeitos de direitos que estão aptos para os atos da vida civil e
para a maneira de exercê-los.
A capacidade de exercer direitos das pessoas jurídicas é plena, sem
limitação, enquanto as pessoas físicas ou naturais poderão sofrer limitação em
sua capacidade de exercício, de modo absoluto ou relativo em razão da idade
41
Também utilizam essa denominação Limongi FRANÇA, Manual de direito civil. v. 1, p. 145 e Louis JOSSERAND, Derecho Civil: Tomo I, v. 1. p. 193.
42 Rosa Maria de Andrade NERY, Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do
direito privado, p. 277.
28
(Art. 3º, I e Art. 4º, I do CC) ou em razão de estado de saúde física ou mental
permanente ou temporária, mais grave ou menos grave (Art. 3, II e III e Art. 4º,
II, III, e IV do CC).
Ressalte-se que as hipóteses de limitação da capacidade de
exercício da pessoa natural em nada afetam a sua personalidade, pois, o
menor de idade, o enfermo que não puder exprimir sua vontade, o doente
mental, o pródigo, o interditado civilmente, conservam integralmente sua
individualidade.
A limitação da capacidade de exercício dessas pessoas, nessas
situações, está no exercício de sua capacidade na vida jurídica, e para cada
situação jurídica há uma solução jurídica possível (são representados ou
assistidos, conforme seja a incapacidade absoluta ou relativa). Isso porque o
exercício é limitado, mas não é restringido, uma vez que se houvesse restrição
se atingiria a própria qualidade de pessoa. Nota-se que a capacidade é a regra,
a incapacidade, exceção.
A capacidade se justifica como característica da personalidade, pois
se fosse negada à pessoa, como sujeito de direito, a capacidade de adquirir
direitos (e, por consequência, deveres) e de exercício de direitos, o resultado
seria a negação da existência de pessoa no mundo jurídico. Nesse sentido,
Rosa NERY aponta que a capacidade, assim como os demais atributos, está
intimamente relacionada com exercício, negação ou diminuição da cidadania43.
É esta condição de atributo que torna impossível à pessoa renunciar ou
declarar reduzida sua capacidade44.
1.2.1.2. Estado individual, familiar e político
43
Idem, p. 278.
44 Caio Mario da Silva PEREIRA, Instituições de direito civil: v. I, p. 265.
29
A formulação do conceito de capacidade, no direito antigo, se
organizou em torno do conceito de “status”45, pois quem reunia as qualidades
jurídicas específicas do status libertatis, do status civitatis e do status familiae
gozava de capacidade plena46. A falta desses estados acarretava a capitis
diminutio, máxima, média e mínima, respectivamente47.
Caio Mário da Silva PEREIRA explica que o estado da pessoa
“relaciona-se com a personalidade, porque é uma forma de sua integração, e
articula-se com a capacidade porque influi sobre ela48”, uma vez que o estado
político importa para o exercício de direitos na ordem política, enquanto o
estado civil interfere no exercício de direitos na ordem civil.
O estado (status) é característica da personalidade, que traduz a
qualificação jurídica da pessoa no grupo social no qual está inserida, seja no
âmbito individual, familiar ou político.
As pessoas são qualificadas pelo seu estado individual (status
personalis)49 que corresponde à maneira de ser da pessoa quanto ao gênero
(masculino/feminino), quanto à idade, que pode ser modificada pelo fator tempo
(maioridade ou menoridade), quanto à saúde mental (livre de qualquer das
hipóteses previstas nos arts. 3º e 4º do CC).
A qualificação do estado ocorre também pelo status familiae que
corresponde ao papel, ou melhor, papéis, que a pessoa exerce no núcleo
familiar, derivado de fato natural, como o nascimento, ou de fato jurídico, como
a adoção ou casamento. Esses papéis podem ser o de pai, mãe, filho, irmão,
avô/avó, neto, tio, sobrinho, sogro/a, genro, nora, cunhado. Cada um desses
papéis produz uma enorme gama de direitos e obrigações, assumidos pela
45
Rosa Maria de Andrade NERY, Noções preliminares de direito civil, p. 155.
46 Carlos Roberto GONÇALVES, Direito civil brasileiro: parte geral, p. 168.
47 Silvio de Salvo VENOSA, Direito civil: parte geral, p. 129.
48 Instituições de direito civil: v. I, p. 265. No mesmo trecho o autor ensina: “O direito romano
atentava para o fato de o individuo ser ou não cidadão, ou ser livre ou escravo, para conceder-lhe ou recusar-lhe a capacidade de direito, e a isto chamava-se status civitatis e status libertatis. O direito moderno indaga se o homem é casado, solteiro ou viúvo; se é separado ou divorciado, se é nacional ou estrangeiro (...)”.
49 Caio Mário da Silva PEREIRA, op. cit., p. 265.
30
pessoa em razão de estar em determinada posição jurídica ― assim como um
filho tem direitos e deveres próprios dessa condição de filho e os pais direitos e
deveres inerentes a esse status50. As normas referentes ao estado familiar são
próprias do direito de família, mas repercutem no direito das coisas, das
obrigações e das sucessões.
Maria Helena DINIZ destaca que os efeitos dos estados individual e
familiar são de grande importância, a ponto de o Art. 9º do CC exigir o registro
público, de nascimento, casamento, óbito, emancipação, interdição e de
sentença declaratória de ausência e de morte presumida, e o Art. 10 requerer a
averbação em registro público de alterações dessas situações51.
A qualificação da pessoa também ocorre pelo estado político (status
civitatis) que identifica a pessoa perante a ordem política, em seu estado de
nacional, estrangeiro ou apátrida, ou, ainda, de nato ou naturalizado. A
identificação do status político da pessoa diante do Estado influi na sua
condição de ser ou não cidadão, estabelecendo direitos e obrigações
referentes à situação exercida.
Sendo o estado individual, familiar e político um atributo da
personalidade, portanto vinculado à condição de pessoa, ele é indivisível,
indisponível e imprescritível. Indivisível porque a pessoa está impedida de ser
titular simultaneamente de condições incompatíveis, como ser maior de idade e
menor de idade; ser casado e solteiro; ser brasileiro e estrangeiro (salvo
exceção legal da dupla nacionalidade). Indisponível, pois a pessoa não pode
renunciar ou transacionar sua condição de filho, de brasileiro etc. É possível
apenas a modificação que, todavia, não é arbitrária, visto que sempre ocorrerá
na maneira prevista por lei. Finalmente é imprescritível, uma vez que a inércia
da pessoa no tempo em nada interfere na aquisição ou perda do estado que
lhe compete, por exemplo, uma vida de décadas em união estável, não altera o 50
Rosa Maria de Andrade NERY, Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado, p. 280.
51 Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro: Teoria Geral de Direito Civil, p. 242.
Rosa Maria de Andrade NERY chama a atenção para a exigência legal de intervenção do Ministério Público, conforme os Art. 82, II e Art. 472 do CPC, nas ações judiciais, denominadas ações de estado, que tem por objeto preservar, alterar ou reconhecer estado individual, familiar ou político de alguém, em Noções preliminares de Direito Civil, p. 156.
31
estado das pessoas para casado porque a celebração do casamento é ato
essencial e solene de validade. Outro exemplo: o estado de filho pode ser
pleiteado em qualquer tempo52.
O estado como elemento integrante da personalidade nasce com a
pessoa e com ela desaparece, por ocasião de seu falecimento53, podendo ser
modificado apenas de acordo com a lei.
PONTES DE MIRANDA relata que houve quem classificasse o
“status” como um direito da personalidade, contudo a qualificação da pessoa
quanto à nacionalidade, à cidadania, ao estado civil, à filiação, não se irradia da
sua natureza humana, mas de fato jurídico. Exemplifica o autor: “(...) se o
exposto nunca veio a conhecer a sua origem, paterna ou materna, nem por
isso se pode entender que algo perdeu da sua pessoa”, ou “tão-pouco perde
em sua pessoa o que nasce sem pátria, ou fica sem pátria: o apátrida é
pessoa, como o que tem pátria”54. Ou seja, ainda que não se conheça
ascendentes ou nacionalidade a que pertence a pessoa, inalterável a sua
natureza humana suporte fáticos dos direitos da personalidade.
Portanto, o “status” prende-se à personalidade como característica
desta, e não aos denominados direitos da personalidade, que se referem à
natureza da pessoa.
1.2.1.3. Nome
PONTES DE MIRANDA explica: “(...) o direito ao nome é atribuído à
pessoa ― possibilidade de ser sujeito de direitos e deveres exige que se adote
e se tenha direito ao nome. Se esse direito implica o uso exclusivo, ou se
apenas dá pretensão e ação a não ser lesado por nome igual, depende do
sistema jurídico”55. Muito embora os recursos linguísticos sejam limitados para
52
Caio Mário da Silva PEREIRA, Instituições de direito civil: v. I, p. 266 e 267.
53 Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil, p. 244.
54 PONTES DE MIRANDA, Tratado de direito privado: Parte Especial: tomo VII, p. 62.
55 PONTES DE MIRANDA, Tratado de direito privado: Parte Especial: tomo VII, p. 138.
32
possibilitar um nome único para cada indivíduo, é por meio dele que a pessoa é
individualizada.
O nome das pessoas naturais compreende o prenome, o sobrenome
e o agnome, se houver. O prenome é a identificação individual, o sobrenome a
identificação da família, da origem familiar do indivíduo; e o agnome, utilizado
para distinguir parentes que possuem o mesmo nome (prenome e sobrenome),
por exemplo “júnior”, “neto”, “sobrinho”.
Limongi FRANÇA explica ainda que o nome seja escolhido apenas
no momento do registro do nascimento; o rebento é identificado, chamado,
denominado de algum modo, como “bebê”, “nenê”, e nas maternidades como
“a criança número tal" ou “a criança Tal (nome da mãe)”, sem o que muitas das
suas atividades essenciais para garantir-lhe ao próprio direito à vida (como
alimentação, higiene, tratamento médico) não podem ser atendidas de modo
regular56.
A doutrina ensina que, por ser característica da personalidade, o
nome é inalienável, imprescritível, portanto protegido judicialmente57. Todavia,
a compreensão do nome como característica da personalidade, parte da
percepção de que o sujeito está impedido de renunciar a ser nominado, pois o
nome tem função identificativa.
A função identificativa do nome não implica que o nome seja em si
imutável e inalterável. Alteração do prenome, do sobrenome ou do nome
completo é possível, nos termos da legislação específica ou no caso de ato
ilícito como utilização de nomes falsos. Há sempre a necessidade de um nome
qualquer, o sujeito deve ser identificado de alguma maneira.
A esse respeito há um exemplo curioso, ocorrido em 1993 com o
cantor norte-americano Prince, que travou uma briga judicial em defesa dos
direitos de suas músicas com a Warner Bros., gravadora que comercializava o
trabalho dele. Em razão desse conflito, Prince mudou seu nome para um
56
Limongi FRANÇA, Do nome das pessoas naturais, p. 139.
57 Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil, p. 230.
33
símbolo impronunciável, que unia caracteres masculinos e femininos. Pelo fato
de não ter como pronunciar o símbolo, o cantor exigia que o chamassem de “o
artista anteriormente conhecido como Prince” ou de “o Artista”, e somente
voltou a utilizar seu nome em 16 de maio de 2000, quando o seu contrato com
a gravadora expirou58. Esse período foi o de menor sucesso comercial da
carreira do cantor, talvez pela falta de nome. De qualquer forma, apesar da
excentricidade e contrariando a vontade do cantor, ele continuou a ser Prince
nesse período, mesmo que não atendesse a quem assim o chamasse.
O nome é a designação ou sinal exterior pelo qual a pessoa
identifica-se no seio da família e da sociedade59. O nome independe da
vontade da pessoa, que o adquire com o nascimento e o carrega consigo até
seu falecimento. Em suma, não há pessoa sem nome.
1.2.1.4. Domicílio
O domicílio constitui uma característica da personalidade, porque a
dimensão espaço60 é inerente à existência da pessoa, a existência não ocorre
no vazio, no nada. A pessoa está sempre em algum lugar e apenas em um
58
“Prince Roger Nelson (nascido em 7 de junho de 1958, em Minneapolis, nos Estados Unidos) é um multi-instrumentista, músico e dançarino. Sua música mescla diversos gêneros musicais como funk, R&B, soul, new wave, jazz, rock psicodélico, pop, hip hop. Foi considerado o 33º melhor guitarrista de todos os tempos pela revista norte-americana Rolling Stone. Prince tem a habilidade de juntar elementos de todos estes estilos musicais fazendo uso de sintetizadores e bateria eletrônica, desde o início de sua carreira, no fim dos anos 70, tornando conhecido o som de Minneapolis, que influencia muitos artistas até hoje. Já vendeu mais de 100 milhões de álbuns em todo o mundo. O álbum duplo Sign O’The Times, lançado em 1987, entrou para a lista dos 100 melhores álbuns de todos os tempos da Rolling Stone e da revista Time, sendo eleito o melhor dos anos 80. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Prince>. Acesso em: 30 de janeiro de 2013.
59 Carlos Roberto GONÇALVES, Direito civil brasileiro, vol. 1 p. 148.
60 Conforme ABBAGNANO, no Dicionário de Filosofia, no verbete “Espaço”: o termo deu
origem a três ordens de problema: 1º, a respeito da sua natureza; 2º, da sua realidade; 3º, da sua estrutura métrica. Neste trabalho interessa o problema da natureza, que compreende espaço como lugar, como recipiente e como campo. A concepção de espaço como lugar prevaleceu na Antiguidade e na Idade Média e era entendido como atributo, como propriedade da substância. Como recipiente, era a tese defendida por Newton e prevaleceu por todo séc. XIX. Finalmente, a concepção de espaço como campo foi apresentada por Einstein no séc. XX. Essa concepção tem o mérito de retornar à teoria clássica, mas de acrescentar outro aspecto, o tempo. (Nicola ABBAGNANO, Dicionário de Filosofia, p. 406 a 411.)
34
lugar. A essa dimensão espacial da pessoa deu-se no campo jurídico a
denominação de domicílio.
A sua importância encontra origem na Antiguidade, momento no
qual se exigia que o cidadão, para poder participar dos assuntos do mundo,
deveria possuir uma casa, um lugar que fosse propriamente seu61.
O domicílio é definido pelo direito romano como o local onde alguém
constitui o seu lar, bem como a sede de seus negócios62. É, em linguagem
mais moderna, “(...) a sede jurídica da pessoa, onde ela se presume presente
para efeitos de direito e onde exerce ou pratica, habitualmente, seus atos e
negócios jurídicos63”.
A normatização do instituto no Brasil está no Código Civil de 2002,
nos artigos 70 a 78, que dispõe sobre o domicílio da pessoa natural e jurídica,
da mudança, das espécies - voluntário, legal (necessário) e de eleição. O
instituto produz consequências em diversas áreas do direito, tanto na esfera
material quanto processual.
Prescreve o artigo 70 do Código Civil de 2002: “(...) o domicílio da
pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo
definitivo”. Segundo Carlos Roberto GONÇALVES o conceito de domicílio civil
se compõe de dois elementos: “(...) o objetivo, que é a residência, mero estado
de fato material; e o subjetivo, de caráter psicológico, consistente no ânimo
definitivo, na intenção de aí fixar-se de modo permanente64”. O conjunto desses
dois elementos forma o domicílio civil.
O aspecto que se quer ressaltar, no entanto, é o de compreendê-lo
como característica da personalidade. A fixação espacial da pessoa independe
de sua disposição de vontade, tanto que, mesmo que não tenha residência
61
Hannah ARENDT, A condição humana, p. 35. A autora alerta, no entanto, que o sentido não é de riqueza, de propriedade, mas de limites entre esfera pública e privada.
62 “Ubi quis larem rerumque ac fortunarum suarum summan constituit” in Caio Mario da Silva
PEREIRA, Instituições de direito civil: v. I, p. 369.
63 Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 244.
64 Direito civil brasileiro: parte geral, p. 173.
35
habitual ― por ser nômade, como os ciganos, ou desprovido de recursos,
como os moradores de rua, ou, ainda, porque passa a vida viajando, sem um
ponto central de negócios ―, terá por domicílio o local em que for encontrada
(Art. 73 do CC e Art. 94, §2º do CPC). Conclui-se que toda pessoa possui
domicílio, pois sua existência ocupa um espaço.
1.2.1.5. Fama
Toda pessoa traz consigo características e qualidades que a tornam
única e irrepetível, porque a individualizam.
Individualizar significa diferenciar, tornar singular. A singularidade de
cada pessoa é composta de infinitos elementos que conjuntamente a
identificam, a fazem única e a tornam conhecida em seu ambiente social. A
este conjunto de traços distintivos dá-se o nome de fama.
A fama tem assim a função de fazer alguém ser conhecido ou
reconhecido por suas características (qualidades, defeitos, méritos),
singularizando-o. É, portanto, mais um critério de identificação do sujeito,
juntamente com a capacidade, o estado, o nome e o domicilio, compõe o
conjunto das características da personalidade.
A fama, como atributo da personalidade, não se confunde com a
fama no sentido de reputação. Como atributo da personalidade, ela limita-se a
identificar o sujeito, por exemplo: “Fulano da Silva, empresário do ramo
agropecuário...”. Quando se passa a qualificar a pessoa de Fulano da Silva
referindo à sua fama (reputação) de bom ou mau empresário, pode-se atingir a
integridade moral ou profissional dessa pessoa, causando-lhe prejuízos tanto
morais quanto materiais.
Nesse sentido, Rosa NERY alerta que se a referência à fama não for
a de identificação, mas de qualificação, de avaliação (boa ou ruim), então se
sairá do campo do atributo da personalidade para adentrar a esfera dos
36
chamados direitos da personalidade, pois adquirirá o caráter de objeto, pois se
referirá à natureza do homem, à humanidade do ser, como a autoestima65.
1.3. Natureza humana
A fim de fixar parâmetros para o trabalho que aqui desenvolvemos,
importa conhecer e identificar a natureza humana, pois reconhecer que o
homem (ser humano) é pessoa não explica, todavia, o que significa ser
homem, ou, de outro modo, o que significa o ente com a natureza humana. A
compreensão do significado do que seja ser homem não se encontra no
sentido de pessoa, mas no de natureza humana.
Saber em que consiste a natureza humana é mais uma das
contribuições tomistas à história do pensamento filosófico. Tomás de AQUINO
ensina que a natureza é a diferença específica que informa cada coisa.
Conhecer essa diferença é conhecer a natureza do objeto, e a função da
natureza é a de completar a definição da coisa66.
Desse modo, compreender a natureza humana importa para
determinar o que faz o homem ser homem (ou ser humano, se assim se
preferir), ou, em outras palavras, o que no homem o diferencia de Deus e dos
demais seres vivos, “o que” o caracteriza.
Na concepção aristotélica, Natureza é o movimento que todas as
coisas existentes possuem67, sendo “ao mesmo tempo, término e princípio do
movimento que resulta naquilo ‘que nasce’, ‘que é gerado’”68. Tomás de Aquino
recupera esse sentido de movimento, de agir para um fim, para explicar que
65
Rosa Maria de Andrade NERY, Noções preliminares de direito civil, p. 160.
66 Tomás de AQUINO, Suma teológica: Parte I – Questões 1 a 43, q. 29, a. 1, r. 4, p. 524.
67 As expressões “Permitir a ação da natureza”, “Entregar-se à natureza” ou “Seguir a natureza”
decorrem desse conceito, conforme o verbete “Natureza” do Dicionário de Filosofia, de Nicola ABBAGNANO, p. 814.
68 Marie-Joseph NICOLAS, Verbete: Natureza, Vocabulário da Suma teológica, in: Suma
teológica: teologia, Deus, Trindade. V. 1. Parte I – Questões 1- 43, p. 88.
37
natureza é o que age para que o ser realize seu fim69. Para que seja o que se
é, causa e fim.
Assim, dizer “natureza” é revelar o que é, ou qual é a essência do
ser.
Para Tomás de Aquino, ser significa existir70. Existir em uma forma,
para que se situe esse ser em uma espécie determinada, e existir no ato que
lhe dá origem, na sua essência. O que significa que cada ente tem sua própria
essência e que deve existir conforme essa essência.
Mas natureza e essência são conceitos distintos. A essência que
existe do ser é estática, enquanto a natureza como “aquilo que age” é
dinâmica. Daí que os conceitos se complementam para significar que cada
ente deve agir de acordo com a sua natureza, com seus limites, suas
particularidades, suas possíveis deficiências71.
A natureza humana é um composto de matéria e forma. Matéria
significa, no sentido aristotélico, “puro princípio de indeterminação, de
pluralidade e de dispersão72”, matéria pode ser assim qualquer coisa. Já forma
significa “princípio de determinação, de atualização e de especificação”73. A
forma é no ser vivo o princípio vital que dá à matéria específica unidade,
autonomia e espontaneidade, que faz com que deixe de ser indeterminada.
A concepção tomista de que o homem é um composto de matéria e
forma é a aplicação ao ser humano do hilomorfismo grego, que afirma que tudo
que é compõe-se de matéria e forma74. Nesse sentido, uma não existe sem a
outra; para a existência de uma coisa qualquer é necessário a união da matéria
69
Marie-Joseph NICOLAS, Verbete: Natureza..., p. 88.
70 Marie-Joseph NICOLAS, Verbete: Ser (Esse, ens)..., p. 97.
71 Maire-Joseph NICOLAS, Introdução à Suma teológica, In Suma teológica: teologia, Deus,
Trindade. V. 1. Parte I – Questões 1- 43, p. 43.
72 Maire-Joseph NICOLAS, op. cit., p. 46 e Nicola ABBAGNANO, verbete Matéria, in Dicionário
de Filosofia, p. 744.
73 Maire-Joseph NICOLAS, idem, ibidem.
74 Nicola ABBAGNANO, verbete Hilomorfismo, in Dicionário de Filosofia, p. 580.
38
com a forma. Transportando essa ideia de hilomorfismo para compreender a
natureza humana, significa que, como um composto de matéria e forma, o ser
humano não é apenas uma coisa ou outra, ele é a unidade de matéria e forma.
O homem é corpo75 e espírito.
De modo que “quando o homem pensa, é o composto inteiro que
pensa, embora seja pela atividade própria e espiritual da alma que, pensando,
se torna livre da matéria que ela informa, mas não a ponto de abrir mão dela e
das atividades de que é inseparável”76.
Ao explicar a intrínseca relação entre esses dois elementos, Edvino
A. RABUSKE comenta: “(...) é difícil encontrar a terminologia adequada. Não
posso dizer simplesmente: ‘eu sou o meu corpo’, porque sou mais que isto.
Também não é exato dizer: ’Eu tenho um corpo’. O verbo ‘ter’ não é apropriado
para exprimir a relação de transcendência e de imanência do espírito com o
corpo. Igualmente é insuficiente falar em ‘expressão ‘ ou ‘verbalização’: que o
espírito ‘se exprime’, ‘se verbaliza’ no corpo”77.
Para Tomás de Aquino, espírito significa consciência e liberdade
(livre-arbítrio). Consciência é conhecer e pensar, para compreender o ser em
sua amplitude, e por consequência, amar. Liberdade é ser livre para agir e
querer. De modo que, por meio de atos intelectivos e volitivos, o espírito
humano se manifesta.
Como ato intelectivo, a antropologia aponta a consciência, que se
caracteriza pela percepção do “eu”, que simultaneamente percebe que não é o
outro ― essa consciência produz o conhecimento que se realiza pelo ato de
pensar. Mas não é apenas a consciência e o pensamento que definem o
75
Para José de Oliveira ASCENSÃO corpo humano é tudo o que é expresso pelo mesmo genoma. (Dignidade da pessoa e o fundamento dos direitos humanos, In: Revista Mestrado em Direito, p. 88).
76 Maire-Joseph NICOLAS, op. cit., p. 47.
77 Antropologia filosófica: um estudo sistemático, p. 82.
39
espírito, pois ele também se manifesta pela vontade, e a característica
fundamental da vontade é a liberdade78.
Assim, a natureza humana é espiritual, pode pensar e é livre para
agir. Muito diferente das outras naturezas, como a dos animais e vegetais79,
que não possuem escolha e, assim, estão fadadas a agir conforme sua
natureza. Conclui, então, Maire-Joseph NICOLAS: “(...) daí vem que a natureza
humana, mesmo única e constante nas pessoas e através dos tempos, é capaz
de diversificações mais profundas que as das naturezas puramente
materiais”80.
Possuir consciência e liberdade permite ao homem escapar do
determinismo do universo, porque ele é responsável pelo seu próprio destino, e
esta diferença específica o distingue dos animais. Graças à razão e à
liberdade, o homem é o único ser dotado de inteligência e vontade capaz de, a
partir da sua interioridade, buscar e realizar os valores que sua natureza lhe
permite realizar81. Essa diferença específica faz com que o homem seja
pessoa.
Mas o que faz do homem ser humano? Se, para os estudos
tomistas, pessoa é o que há de mais perfeito em toda a natureza82, e, por isso,
é o nome que cabe para designar Deus, o que faz a pessoa humana ser
humana?
A resposta encontra-se também na natureza, nessa diferença
específica que caracteriza o homem como o ser a se realizar, o homem em
toda a sua magnífica imperfeição.
78
Edvino A. RABUSKE, Antropologia filosófica: um estudo sistemático, p. 68 e 87.
79 Na concepção aristotélica-tomista todos os seres vivos são matéria e forma, mas como
explica Maire-Joseph NICOLAS no animal a forma é um princípio psíquico, que dá lhe a sensibilidade, a aptidão para captar as qualidades das coisas sem ser modificado por elas, mas também sem retirá-las de seu condicionamento material. Enquanto no homem a forma é espiritual. (Introdução à Suma teológica, In Suma teológica: teologia, Deus, Trindade. V. 1. Parte I – Questões 1- 43, p. 46.).
80 Op. cit., p. 48.
81 Jacy de Souza MENDONÇA, Introdução ao estudo do direito, p. 180.
82 Tomás de AQUINO, Suma teológica: Parte I – Questões 1 a 43, q. 29, a. 3, p. 529.
40
Como demonstrado nos parágrafos anteriores, o homem é composto
de duas substâncias incompletas: espírito (anima, psique, eu, consciência) e
matéria (corpo). A união dessas substâncias forma o ser humano, é essa sua
natureza. E é tal união de espírito/matéria que possibilita a vida, o movimento,
ele é o que é (causa), e o que se torna (fim).
Tornar-se o que já se é, é ser em essência ou ter a potência (a
faculdade, a capacidade)83 de ser.
As potências, conforme a classificação, podem ser vegetativa,
sensitiva e intelectiva. A potência vegetativa corresponde ao poder de nutrição,
crescimento e procriação dos seres vivos; a potência sensitiva é própria dos
animais e compreende a sensibilidade ― sensação, percepção, imaginação e
memória; e a potência intelectiva abrange atenção, ideia, juízo e raciocínio. A
potência sensitiva realiza-se em atos de instinto, prazer e dor, já a potência
intelectiva realiza-se em atos de vontade (apetite e desejo) e de intelecto,
propriamente dito.
Evidentemente que no ser humano todas as potências (vegetativa,
sensitiva e intelectiva) estão presentes, porque é um ser vivo (potência
vegetativa), porque pertence como espécie ao reino dos animais (potência
sensitiva), mas é a potência intelectiva, como potência característica dos seres
humanos, que o faz o ser admirável que é. A vontade como ato da potência
intelectiva tem como propriedade essencial a liberdade. O que significa que o
ser humano ao ser livre para conhecer, agir e querer tornar-se aquilo que já é,
cumpre com sua natureza.
Assim, o que há de mais humano no homem é ser em potência, é
ser um ser a se realizar. Destaca-se que a potência é potencialmente infinita,
mas cada homem está de algum modo limitado em sua potência. De modo que
para a compreensão da natureza humana é necessário entender que ela
somente se realiza na pluralidade, em si ilimitada, de indivíduos.
83
Aqui as palavras “faculdade” e “capacidade” são utilizadas em sentido filosófico e não no sentido jurídico.
41
2. DIREITOS DA PERSONALIDADE
No capítulo I, destacou-se que o sujeito de direito para atuar no
mundo jurídico é individualizado pela capacidade, nome, estado, domicílio e
fama. Esses elementos característicos da personalidade referem-se à pessoa,
em outras palavras, ao ente dotado de personalidade.
A proposta do presente capítulo é analisar o sentido daquilo que a
doutrina identifica como Direitos da Personalidade.
2.1. Considerações sobre direitos da personalidade, direitos
humanos e direitos fundamentais
Os direitos da personalidade são direitos inerentes à pessoa em
razão de sua natureza84 humana, sendo o seu bem jurídico o resguardo da
natureza humana nas relações privadas. O valor que fundamenta os direitos da
personalidade é a dignidade da pessoa humana.
O conteúdo dos direitos da personalidade insere-se nos direitos
fundamentais e nos direitos humanos85. Embora sustentem seu fundamento no
mesmo valor que os direitos da personalidade, com ele não se confundem86.
A denominação “direitos humanos” se refere aos documentos de
direito internacional que tratam da regulação da proteção da dignidade humana
no âmbito internacional, no qual a Declaração Universal dos Direitos Humanos
de 1948 é exemplo máximo, pois inaugurou uma época em que se tornou
84
Roberto Senise LISBOA, Manual de direito civil: teoria geral do direito civil, v. 1, p. 204.
85 Francisco AMARAL, Direito Civil: Introdução, p. 285; Anderson SCHREIBER, Direitos da
personalidade, p. 13.
86 Roberto Senise LISBOA, Idem, ibidem. Anderson SCHREIBER, op. cit., p. 12 e Ingo
Wolfgang SARLET, A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 27-35.
42
possível implementar mecanismos jurídicos de proteção à pessoa humana em
face da soberania do Estado87.
Já a denominação “direitos fundamentais” é utilizada para designar
os direitos positivados, que tratam desse conteúdo, no texto constitucional de
um determinado Estado; é a terminologia apropriada para tratar da proteção da
pessoa humana no plano interno, no âmbito do direito constitucional positivo88.
Direitos fundamentais são todas aquelas posições jurídicas concernentes às
pessoas, que, por seu conteúdo e importância, foram previstas
constitucionalmente, ou que, como ensina Ingo Wolfgang SARLET, por seu
conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se também à
Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal89.
Os direitos fundamentais são fundados no pacto constituinte e
limitam o poder das maiorias parlamentares para qualquer alteração normativa
que o atinja, enquanto os direitos humanos são direitos supraestatais, com
validade universal, e são vinculativos até mesmo em relação às maiorias
constituintes90.
A distinção entre direitos fundamentais e direitos de personalidade é
destacada por José de Oliveira ASCENSÃO ao afirmar que não há
equivalência entre os direitos91, pois cada um tem uma preocupação diferente.
O texto constitucional, por sua vez, tem em vista a posição do indivíduo em
face do Estado, o direito da personalidade atende às emanações da natureza
humana em si.
Quanto à abrangência dos direitos fundamentais e da personalidade
é preciso observar que o catálogo dos direitos fundamentais contempla
proteção a outros bens de caráter patrimonial (por exemplo, direito de herança
e direito de propriedade) ou de caráter coletivo (como o direito de greve), que
87
Ingo Wolfgang SARLET, op. cit., p. 29.
88 Anderson SCHEIBER, op. cit., p. 13.
89 Ingo Wolfgang SARLET, op. cit., p. 77.
90 Ingo Wolfgang SARLET, op. cit., p. 30.
91Jose de Oliveira ASCENSÃO, Direito Civil, p. 61.
43
evidentemente não tratam da natureza humana, portanto não podem ser
considerados direitos da personalidade92.
Com isso os direitos da personalidade regulam a proteção da
natureza humana no âmbito das relações privadas, presente também o seu
conteúdo nos direitos fundamentais e nos direitos humanos, tendo nas relações
jurídicas e no âmbito de vigência seus traços de distinção.
2.2. Da dignidade da pessoa humana
A tarefa de distinguir os direitos fundamentais dos direitos da
personalidade produz nova indagação, uma vez que se há necessidade de
distinguir é porque certamente em algum aspecto parecem se assemelhar.
Ora, o valor que ambos regulam é o da dignidade da pessoa
humana, o que impõe ao menos breve reflexão sobre o que esta expressão
significa.
Contudo, essa não é tarefa fácil. Anderson SCHREIBER ao se
debruçar sobre o tema constata que o valor “dignidade humana” tem sido
invocado nos debates acadêmicos, nas motivações das decisões judicias, nas
peças advocatícias, em decisões administrativas, nos debates parlamentares,
em justificativas de projetos de lei e em outras tantas oportunidades, mas
curiosamente raramente ele é conceituado93.
Para exemplificar que a invocação desse valor em um grau elevado
de abstração assume pouco ou nenhum significado e que o uso indiscriminado
92
Para Ingo Wolfgang SARLET, os direitos fundamentais compreendem direitos das quatro dimensões. Os direitos de primeira e segunda dimensão são facilmente reconhecidos na constituição, que acolheu tanto os direitos tradicionais da vida, liberdade e propriedade, quanto o princípio da igualdade e os direitos e garantias políticas; quanto aos direitos de terceira e quarta dimensão o autor entende que a interpretação deve ser mais cautelosa, mas também é possível considerar como direitos fundamentais o “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” (mesmo que a sua previsão constitucional ― Art. 225 ― localiza-se fora do título dos direitos fundamentais), a proteção do consumidor (Art. 5º, inc. XXXII), o direito a informações prestadas pelos órgãos públicos (Art. 5º, XXXIII), entre outros exemplos. Op. cit., p. 67.
93 Anderson SCHREIBER, Direitos da personalidade, p. 7.
44
pode permitir a banalização de conceito que ocupa posição central na ordem
jurídica contemporânea, o autor reproduz o discurso de Jorge Rafael Videla,
ditador argentino, que disse: “Para nós, o respeito aos direitos humanos não
nasce somente do mandamento da lei ou das declarações internacionais, mas
é resultante da nossa cristã e profunda convicção de que a dignidade do
homem representa um valor fundamental”94.
José de Oliveira ASCENSÃO constata que a afirmação retórica da
dignidade da pessoa humana é compatível com entendimentos contraditórios e
que esconde dentro dela o vazio quanto ao conteúdo que se atribui à pessoa
em que a dignidade é proclamada95. Para o autor, a dignidade da pessoa
humana não lhe é atribuída de fora, mas decorre de sua capacidade de
realizar-se, de construir-se; a pessoa humana “não é apenas um ser biológico
ou um ser ao sabor do arbítrio: É um ser com fins de realização próprios. É
responsável pela condução da sua vida. Nisso reside a sua dignidade”96. Desse
modo, continua o autor, o homem é digno porque é pessoa97.
Para Ingo Wolfgang SARLET, a primeira consideração a ser
realizada é que a dignidade da pessoa humana apenas existe em relação à
pessoa humana individualmente determinada. A expressão não se confunde
com “dignidade humana”, pois esta é relativa à humanidade e não à pessoa.
Sarlet ainda destaca que a Constituição Federal de 1988 acolhe esta distinção
em virtude de consagrar o princípio da dignidade da pessoa humana (e não da
humanidade) como princípio fundamental em Art. 1º, inciso III98.
A dignidade reside na própria condição de ser pessoa humana. É
elemento integrante dessa natureza, e, por isso, não pode ser concedido à
pessoa, mas somente reconhecido, respeitado e protegido.
94
Op. cit., p. 8.
95 Jose de Oliveira ASCENSÃO, Dignidade da pessoa e o fundamento dos direitos humanos, in
Revista Mestrado em Direito, p. 82.
96 Op. cit., p. 95.
97 Idem, ibidem.
98 Ingo Wolfgang SARLET, A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos
direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 102.
45
Nesse sentido, a dignidade impõe um dever de abstenção (respeito)
por parte do Estado, sendo um limite a esse poder, mas simultaneamente
impõe ao mesmo a obrigação de realização de tarefas, de condutas positivas
para efetivamente proteger a dignidade da pessoa humana. Ela é assim tanto
“um fundamento para limitação dos direitos fundamentais (restringem-se
direitos em prol da garantia da dignidade) quanto de um limite dos limites, ou
seja, de uma barreira contra limitações efetuadas em proveitos de outros bens
fundamentais”99.
Dessa forma, ensina Ingo Wolfgang SARLET que a normatização da
dignidade da pessoa humana deve englobar respeito e proteção à integridade
física e corporal do ser humano, garantia de condições justas e adequadas de
vida, como a proteção da pessoa contras as necessidades de ordem material,
garantia de isonomia entre todos os seres humanos, garantia de identidade,
garantia ao direito de autodeterminação sobre assuntos de esfera particular,
bem como garantia a um espaço privativo100.
A Constituição Federal de 1988, logo em seu primeiro artigo,
consagrou a dignidade da pessoa humana como fundamento da República
Federativa do Brasil (Art. 1º, III). Mas não se limitou a este dispositivo. A
dignidade foi tratada também em outros artigos da Constituição, como no Art.
170, caput, em que se determinou que a existência digna fosse finalidade a ser
alcançada pela ordem econômica fundada na valorização do trabalho e na livre
iniciativa; também no § 7º do Art. 226 ao dispor que o princípio da dignidade da
pessoa humana juntamente com a paternidade responsável deve ser a base do
99
Ingo Wolfgang SARLET, op. cit., p.106.
100 Ingo Wolfgang SARLET, A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos
direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 104. O mesmo autor desenvolve uma definição que merece ser reproduzida, uma vez que se deteve profundamente sobre o tema e porque mais de uma vez a reformulou. Assim, ele conceitua a dignidade da pessoa humana como “a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida”. (Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, p. 73).
46
planejamento familiar; bem como ao assegurar à criança e ao adolescente o
direito à dignidade (Art. 227, caput). E, ainda, ao estabelecer como dever da
família, da sociedade e do Estado defender a dignidade da pessoa idosa (Art.
230).
A existência de todos esses dispositivos, no texto constitucional,
permite afirmar que a dignidade da pessoa humana é um valor fundamental.
Valor e princípio, no entanto, embora estejam intimamente
relacionados, possuem diferenças importantes. Os valores pertencem ao plano
axiológico e apenas qualificam (como bom, justo, social, democrático, liberal
etc.) um determinado objeto. Ao passo que os princípios estabelecem a
obrigatoriedade da realização de condutas necessárias à promoção de uma
finalidade; eles se situam no plano deontológico (do dever ser)101.
A definição de princípios é de serem normas imediatamente
finalísticas, que estabelecem uma orientação prática para alcançar um
conteúdo previamente estabelecido. Nas palavras de Humberto ÁVILA são
“normas finalísticas que exigem delimitação de um estado ideal de coisas a ser
buscado por meio de comportamentos necessários a essa realização”102, e,
com isso, afasta-se da concepção muito difundida de que princípios são
normas de elevado grau de abstração e generalidade e que por esse motivo é
preciso para sua aplicação alto grau de subjetividade.
É nessa perspectiva que deve ocorrer à análise do sentido da
dignidade da pessoa humana, tendo em vista que ela não é apenas um valor
filosófico ou constitucional dependente da escala de valores do intérprete ou do
aplicador do Direito.
A dignidade da pessoa humana é um princípio, portanto norma, e
como tal obrigatória, mas igualmente exerce função integradora e
hermenêutica. Por ser a pessoa humana o fim de todo o sistema jurídico, é
101
Robert ALEXY, Teoria dos direitos fundamentais, p. 145.
102 Humberto ÁVILA, Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos,
p. 91.
47
sempre sujeito de direito, jamais objeto103. Portanto, o princípio da dignidade da
pessoa humana é fundamento axiológico do direito, parâmetro para a
aplicação, interpretação e integração não apenas dos direitos fundamentais e
das demais normas constitucionais, mas de todo o ordenamento jurídico,
dando ao sistema uma coerência interna104.
No mesmo sentido, Rosa Maria de Andrade NERY afirma que o
princípio da dignidade da pessoa humana se bastaria sozinho para estruturar o
sistema jurídico, pois não é apenas uma arma de argumentação ou uma tábua
de salvação105, ele é a razão de ser do direito.
Quanto à eficácia dos princípios, ensina Humberto ÁVILA, pode ser
externa (objetiva ou subjetiva) e interna (de forma direta ou indireta). A eficácia
externa significa que o princípio atua na compreensão dos fatos e das provas
produzidas, para que a aplicação da norma ocorra no sentido de alcançar o fim
desejado no princípio106.
O que interessa neste trabalho, contudo, é a eficácia interna dos
princípios. Conforme afirmado no parágrafo anterior, a eficácia interna do
princípio pode ser direta ou indireta. A eficácia interna direta dos princípios
indica que exercem uma função integrativa para agregar elementos não
previstos em subprincípios ou regras. Já a eficácia interna indireta é a atuação
do princípio por meio de outro princípio, subprincípio ou regra, e pode ocorrer
para definir o alcance de outro princípio axiologicamente superior (função
definitória), para restringir ou ampliar o sentido de normas construídas sobre
textos normativos expressos (função interpretativa), e, finalmente, para afastar
103
Nelson NERY Jr. e Rosa Maria de Andrade NERY, Constituição Federal comentada e legislação constitucional, p. 151.
104 Ingo Wolfgang SARLET, A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos
direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 107.
105 Noções preliminares de direito civil, p. 114. É este também o entendimento do Supremo
Tribunal Federal: “A dignidade da pessoa humana é princípio central do sistema jurídico, sendo significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional.” (STF, HC 85988/PA, decisão monocrática, j. 7.6.2005, rel. Min. Celso de Mello, DJU 10.6.2005).
106 Humberto ÁVILA, Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos,
p. 97 e 99.
48
elementos expressamente previstos que sejam incompatíveis com o estado de
coisa a ser promovido (função bloqueadora)107.
O princípio da dignidade da pessoa humana está expressamente
previsto no ordenamento jurídico em outros subprincípios. Vários dispositivos
dos direitos fundamentais são, por meio dessa perspectiva, subprincípios
desse princípio maior que é o da dignidade da pessoa humana. Assim, em
relação a eles exerceria as funções interpretativa e bloqueadora.
O constituinte deu à dignidade da pessoa humana o status jurídico
normativo de princípio, mas não a incluiu no rol dos direitos e garantias
fundamentais.
A primeira consequência lógica a ser destacada é que o princípio da
dignidade da pessoa humana não é um direito, mas norma108. Como princípio
não impõe um direito à dignidade. Esta posição converge com a
fundamentação filosófica realizada de que a noção de dignidade repousa na
própria condição de ser pessoa humana (livre e racional): é o fato de ser
pessoa humana que o faz digno, não é o ordenamento jurídico que confere
essa qualidade a pessoa. O que o ordenamento e o sistema jurídico podem é
estabelecer o direito ao reconhecimento, ao respeito, à proteção e à promoção
da dignidade.
A construção pelo intérprete do sentido normativo do dispositivo
impõe a conclusão que não é apenas pela sua formulação ou localização que
um artigo será qualificado como princípio. É necessário, portanto, construir
esse entendimento e compreendê-lo com base na estrutura do sistema, para
só então compreender sua eficácia. No rol dos direitos fundamentais, na
Constituição brasileira, há dispositivos que não versam de forma direta sobre a
107
Humberto ÁVILA, op. cit., p. 98.
108 Humberto ÁVILA explica que há uma distinção entre dispositivo e norma. O dispositivo é o
texto, o artigo em si, que é objeto de análise, enquanto que norma são os sentidos construídos por meio de uma interpretação sistemática dos textos normativos. O autor exemplifica que há normas sem dispositivo, por exemplo, o princípio da segurança jurídica e da certeza do Direito, como há dispositivos que não são normas, o exemplo dado é o enunciado constitucional que prevê a proteção a Deus. (Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 30).
49
dignidade da pessoa humana, por exemplo a imposição do 13º salário (Art. 7º,
inc. VIII) 109.
2.3. Eficácia do princípio da dignidade humana no âmbito do
direito privado
O reconhecimento da dignidade da pessoa humana como
fundamento constitucional, como princípio normativo que tem um fim a ser
atingido, permite que a doutrina admita de forma implícita – já que nesse
sentido existe uma omissão constitucional – a consagração de um direito ao
livre desenvolvimento da personalidade110.
De modo que o direito fundamental de inviolabilidade da intimidade,
da vida privada, honra e imagem (Art. 5, X), por exemplo, em que cada qual é
objeto dos direitos da personalidade, deve ser interpretado e aplicado de forma
conjunta: dignidade da pessoa humana, direitos e garantias fundamentais e
direito da personalidade, para que efetivamente reconheça-se o conteúdo
normativo do texto constitucional e se cumpra o princípio determinado no Art. 1
inc. III, da Constituição Federal.
Dessa forma, ocorre a chamada irradiação das normas de direitos
fundamentais a todo o sistema jurídico111. A irradiação do direito constitucional
para os demais ramos do direito pode, à primeira vista, parecer trivial, mas é
uma construção historicamente recente no estudo do direito privado, que
tradicionalmente ao codificar assumiu um caráter patrimonialista e
fundamentou seus dispositivos na autonomia privada.
No que se refere à irradiação das normas constitucionais quanto aos
direitos fundamentais, significa dizer que estes direitos não se restringem
apenas à relação Estado/cidadão, mas igualmente às relações
109
Ingo Wolfgang SARLET, Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, p. 93.
110 Ingo Wolfgang SARLET, op. cit., p. 103.
111 Robert ALEXY, Teoria dos direitos fundamentais, p. 524.
50
cidadão/cidadão. A esse efeito deu-se o nome de “efeito perante terceiro” ou de
“efeito horizontal dos direitos fundamentais”112.
Este efeito é relevante para o Tribunal Constitucional Alemão,
consagrado no chamado Caso Lüth (Erich Lüth em 15 de janeiro de1958)113.
Entretanto, no Brasil deve ser considerado com ressalvas, porque da análise
da Constituição de 1988 verifica-se que certos direitos são compreendidos no
âmbito da relação entre cidadão/cidadão, como os direitos relativos à
intimidade, à vida privada, à honra e à imagem (Art. 5º, X), que são oponíveis
contra possíveis violações oriundas de atos de particulares e a previsão de que
a liberdade de expressão (Art. 5º, IV) está sujeita ao direito de resposta (Art. 5º,
V). Isso permite o entendimento de que sua aplicação ocorre na relação entre
particulares114.
Para Rosa NERY chama-se eficácia civil dos direitos fundamentais
“o fenômeno de as disciplinas do direito privado respeitarem os direitos
fundamentais insculpidos na Constituição e todos os regramentos que ela
adota, como maneira de realização do bem comum de produção de efeitos
jurídicos compatíveis com o respeito aos direitos fundamentais, essenciais à
preservação da dignidade do ser humano”115.
112
Robert ALEXY, op. cit., p. 523.
113 Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão, p.
381/382. Nas palavras de Virgílio Afonso da SILVA: “Em 1950, Erich Lüth, presidente de uma associação de imprensa em Hamburgo, na Alemanha, em uma conferência na presença de diversos produtores e distribuidores de filmes para cinema, defendeu um boicote ao filme Unsterbliche Geliebte (Amantes imortais), do diretor Veit Harlan, que, na época do regime nazista, havia dirigido filmes antissemitas e de cunho propagandístico para o regime em vigor. Diante disso, o produtor do filme ajuizou ação, considerada procedente pelas instâncias inferiores, contra Lüth, com o intuito de exigir indenização e proibi-lo de continuar defendendo tal boicote, com base no § 826 do Código Civil alemão, segundo o qual “aquele que, de forma contrária aos bons costumes, causa prejuízo a outrem, fica obrigado a indenizá-lo”. Em face do resultado, Lüth recorreu ao Tribunal Constitucional, que anulou as decisões inferiores, sustentando que elas feriam a livre manifestação do pensamento de Lüth. Mas a decisão não se fundou em uma aplicabilidade direta do direito à manifestação do pensamento ao caso concreto, mas em uma exigência de interpretação do próprio § 826 do Código Civil alemão, especialmente do conceito de bons costumes, pois, segundo o Tribunal, “toda [disposição de direto privado] deve ser interpretada sob a luz dos direitos fundamentais” (A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares, p. 80).
114 Virgílio Afonso da SILVA, op. cit., p. 22.
115 Rosa Maria de Andrade NERY, Introdução ao pensamento jurídico e teoria geral do
direito privado, p. 280.
51
O reconhecimento da superioridade hierárquica do dispositivo
constitucional e de que os princípios constitucionais irradiam em todos os
setores da ordem jurídica, inclusive sobre as situações civis, não significa, no
entanto, que se adotou a tese de existência de um “direito civil
constitucional”116.
A expressão “direito civil constitucional” pode indicar a existência de
um sub-ramo de direito constitucional, um novo ramo de direito civil, e até um
terceiro ramo do direito que envolva aspectos civis e constitucionais. Nenhuma
dessas acepções é aceitável, pois as normas de direito civil não deixam de ter
natureza civilista apenas porque podem, eventualmente, estar presentes no
texto constitucional.
Ao se qualificar o direito civil como “constitucional”, pressupõe-se
que há uma parte do direito civil “não constitucional”, no sentido de que há um
direito civil que está ao largo da Constituição117, o que também é inaceitável.
Isso porque o sistema jurídico deve ser visto como um todo harmonioso, em
que as diversas normas se integram.
Assim, não há um novo ramo do direito civil (direito civil
constitucional) ou novo ramo do direito constitucional (direito constitucional
civil). O direito civil continua a ser a fonte imediata no domínio das situações
civis, mas deve ser interpretada levando em conta as diretrizes constitucionais,
como, aliás, deve ocorrer com toda a regra jurídica, independente do ramo do
direito ao qual está inserida.
116
José Oliveira Ascenção explica a razão e a origem dessa expressão: “(...) foi desenvolvida na Itália a tese da existência de um Direito Civil Constitucional. (...) A tese teve grande repercussão no Brasil, por meio de juristas de relevo, como Gustavo Tepedino. Haverá uma circunstância que explica esta aceitação da doutrina italiana. Num caso e noutro, uma nova ordem constitucional entrava em choque com um Código Civil que não refletia os valores constitucionais, pois fora elaborado em regime político diferente. O Código Civil italiano é de 1942: é um documento notável, mas fora aprovado em pleno regime fascista. Algo semelhante acontece no Brasil, mesmo perante o Código Civil de 2002, uma vez que o Projeto, embora em si muito valioso, datava de 1975”. Panorama e perspectivas do direito civil na União Europeia, in V Jornada de Direito Civil, p. 32.
117 Virgílio Afonso da SILVA, A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas
relações entre particulares, p. 172.
52
A delimitação entre o direito privado e o direito constitucional,
embora muito criticada, guarda bastante relevância, até mesmo para preservar
suas respectivas forças normativas, pois se cabe ao direito privado a tarefa de
regular as situações jurídicas privadas, o faz com base em leis, que, por sua
vez, são produto do processo legislativo que parte de uma legitimidade
democrática, criada e autorizada constitucionalmente.
A constitucionalização de todo o ordenamento enfraquece o direito
constitucional, que perde sua força normativa de servir de parâmetro de
controle da instância política legislativa (do Poder Legislativo) em face das
diretrizes firmadas no texto constitucional, comprometendo sua autonomia e o
cumprimento de função118.
2.4. Noções de sistema dos direitos da personalidade
O desenvolvimento dos estudos e da legislação dos denominados
direitos da personalidade trilhou caminho diverso da maioria dos institutos do
direito privado. Os civilistas se habituaram a encontrar no direito grego e
principalmente no direito romano a fonte de suas teorias e a justificação da
evolução dos institutos119. Contudo, no caso dos direitos da personalidade esse
mecanismo de análise pouco acrescenta, pois embora seja possível encontrar
suas raízes históricas no direito grego e romano mediante normas de proteção
a bens como vida, corpo, honra ou liberdade, não constituiu um sistema. Isso
porque foi necessária para sua sistematização a consolidação das ideias de
118
Leonardo MARTINS, Introdução à jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão, in Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão, p. 96.
119 Sobre o interesse na história dos institutos jurídicos Franz WIEACKAR alerta que sistemas,
princípios e conceitos têm, na verdade, pouca história, tais como as leis da natureza ou os princípios lógicos. A chamada “evolução” consiste “em mutações na consciência, nas convicções e nas regras de comportamento dos ‘corpos’ históricos dos juristas. Só a conexão da atual dogmática com as anteriores, operada através da tradição, provoca a ilusão de que a dogmática teria uma história”. História do Direito Privado moderno, p. 6.
53
direitos inatos, de direitos fundamentais e de direitos subjetivos, que
floresceram a partir do séc. XVIII120.
Outra consideração histórica é que a proteção dos bens objeto dos
direitos da personalidade se desenvolveu primeiramente sob o ponto de vista
do direito público. Para Milton FERNANDES, o excepcional destaque atribuído
ao tema no direito constitucional, penal e administrativo contribuiu para que os
civilistas o considerassem matéria de direito público, ignorando sua importância
no âmbito privado, sendo esta a razão pela omissão legislativa por tanto tempo
nos códigos civis121 e pelo tardio e ainda insatisfatório desenvolvimento
doutrinário.
O interesse pelos direitos da personalidade é recente, do ponto de
vista histórico. Por isso, não se justifica a busca em um passado longínquo dos
fundamentos desse direito, mesmo porque a grande intensidade de situações
conflituosas que necessitaram de solução jurídica para proteger bens próprios
dos direitos da personalidade é resultado da vida moderna122. Exemplo desse
fenômeno é o direito de imagem que, antes do advento da tecnologia de
captação da imagem (conhecida hoje como fotografia), praticamente não era
atingida.
Até mesmo o conceito de vida privada sofreu alterações importantes
ao longo da história, tendo raízes modernas123 o direito à privacidade. Na
120
Rabindranath Valentino Aleixo CAPELO DE SOUZA, O Direito geral da personalidade, p. 91. No primeiro capítulo do livro, o autor realiza um amplo estudo sobre a evolução da tutela da personalidade que, embora interessante, ultrapassa os limites do trabalho aqui por nós desenvolvido.
121 Os Direitos da Personalidade, in Estudos jurídicos em homenagem ao professor Caio
Mário da Silva Pereira, p. 135 a 138. Limongi FRANÇA ensina que o primeiro diploma normativo a tratar de um direito da personalidade no âmbito privado foi a lei romena sobre direito ao nome, de 18 mar.1895, seguido pelo Código Alemão em 1900 e o Código Civil Suíço em 1907, que também trataram da tutela do direito ao nome. Apenas com o Código Italiano em 1942 que se passou a prever a tutela de outros direitos da personalidade como o próprio corpo e a imagem, por exemplo. (Direito da Personalidade I, in Enciclopédia Saraiva do Direito: v. 28, Direito processual/ dissolução de sociedade anônima, p. 142/143).
122 Adriano de CUPIS, Os direitos da personalidade, p.23 a 28. Tércio Sampaio FERRAZ Jr.,
Sigilo de dados: o Direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado, in Sigilo fiscal e bancário, p. 18. Nota-se, porém que a afirmação do autor refere-se ao direito à privacidade.
123 Tércio Sampaio FERRAZ Jr., idem, p. 18.
54
Antiguidade, ao contrário, a esfera do público significava a atividade exercida
pelo cidadão livre no âmbito da polis (da cidade) entre iguais para realizar uma
ação política (governança), e a esfera privada significava as atividades
exercidas pelo homem para atender às exigências próprias da sua condição de
animal (comer, dormir, procriar etc.) no âmbito familiar. Na era moderna, a
distinção dessas esferas de atuação do homem foi embaralhada pela ideia de
que o homem era um animal social124. O termo “social” serve para qualificar a
atuação humana tanto na esfera pública quanto na esfera privada.
A esfera do “social público” é própria da política, da criação do
Estado, já a esfera do “social privado” produz a noção de sociedade. Ora,
sociedade é diferente de indivíduo. É essa a raiz dos direitos humanos
modernos, uma vez que a atividade humana não se realiza mais como na
Antiguidade, no âmbito da polis (para os cidadãos) e em âmbito doméstico-
familiar: ela ocorre no Estado, na sociedade e com os indivíduos. É nesse
contexto que surge o direito de privacidade.
Essas transformações da atividade humana no âmbito público-
político, social-privado e individual, que modificaram de forma decisiva as
circunstâncias sociais, econômicas e técnicas da vida em comum dos homens,
alcançou o direito privado, que necessitou, e ainda necessita encontrar
mecanismos e uma metodologia segura para a solução dos conflitos que
afligem as pessoas.
Nessa perspectiva histórica recente de transformação é que se
desenvolvem os direitos da personalidade. Em primeiro lugar, em razão do
surgimento de situações jurídicas próprias desse novo tempo, e, em segundo,
diante da necessidade de solução civilista e não apenas penal e constitucional
para esses conflitos.
124
Hannah ARENDT explica em A condição humana, p. 27, que a palavra “social” é de origem romana e não tem equivalente na língua ou no pensamento grego, mas a tradução de zoon politikon de Aristóteles como animal socialis na tradução consagrada por São Tomás de Aquino de que “o homem é, por natureza politico, isto é, social” (homo est naturaliter politicus, id est, socialis) revela que a original compreensão grega da política se perdeu, transformando profundamente o significado das esferas públicas e privadas.
55
Com o escopo de conhecer os direitos da personalidade, os
doutrinadores têm se dedicado a caracterizá-los e a classificá-los. Quanto às
características, afirmam em regra que esses direitos são absolutos,
extrapatrimoniais, originários, vitalícios, imprescindíveis, indisponíveis,
imprescritíveis, irrenunciáveis e intransmissíveis125.
2.5. Rol aberto dos direitos da personalidade
Quanto à classificação, interessou-se a doutrina em estabelecer um
rol dos direitos da personalidade e separá-los em espécies. Nessa tarefa
doutrinária, cada autor criou seu próprio método classificatório e reconheceu
diferentes bens ou situações jurídicas próprias dos direitos da personalidade.
No âmbito nacional, uma classificação que se tornou clássica é a de
Limongi FRANÇA. Ele entendeu que, embora o traço comum entre os diversos
direitos era o de ser todos direitos privados da personalidade, cada um deles
correspondia a aspectos determinados da personalidade, devendo ser
agrupados conforme esses aspectos, que, em seu modo de ver, são três:
aspecto físico, aspecto intelectual e aspecto moral. Utilizando os aspectos
como critério, classificou os direitos da personalidade em direito à integridade
física, direito à integridade intelectual e direito à integridade moral. Direito à
integridade física abrange, entre outros direitos, o direito à vida e ao próprio
corpo; direito à integridade intelectual o direito de autor científico, artístico e de
invenção; e direito à integridade moral. E, também entre outros direitos, os
direitos à honra, ao segredo, à imagem e à identidade pessoal126.
125
Na realização deste trabalho optou-se em não analisar cada uma das características, pois o direito da personalidade não é o objeto principal. As características próprias do direito de imagem serão analisadas em item próprio.
126 Direitos da personalidade: coordenadas fundamentais, in RT 567, janeiro de 1983, p. 12 e
13. O rol de direitos apontados foi o primeiro elaborado pelo autor, que embora tenha mantido o critério da tríplice divisão em aspectos físicos, intelectual e moral, especificou esse rol alcançando o número de 63 direitos (Op. cit., p. 14).
56
Outra classificação clássica é a proposta por Heinrich HUBMANN127,
que divide os bens jurídicos da personalidade em três grandes grupos
estabelecidos com base em um critério de valores. Adotando como valores
desejar (aspirar) e criar, o primeiro grupo é o do direito ao desenvolvimento da
personalidade que inclui as liberdades em geral (liberdade de agir, de reunir, de
associar-se, de trabalhar, de escolher a profissão, de ir e vir, de pensar, de
religião etc.). O segundo grupo trata do que chamou de direito da
personalidade, usando como critério de valor o que há de comum nos seres
humanos em geral, como a existência (direito à vida, à sua manutenção, à
saúde, ao corpo), o espírito (direito de autor), a vontade, a vida sentimental,
entre outros itens. O terceiro grupo tratou da individualidade do homem,
dividindo em três subgrupos, ao qual chamou de esferas: individual, privada e
secreta. A esfera individual tutela o homem na sua unicidade, no seu modo de
ser próprio, incluindo, assim, o direito à identidade, ao nome, à honra, à
imagem física, à imagem de vida, à imagem do caráter, e à palavra falada ou
escrita. A esfera privada tutela a vida privada para salvaguardar as relações
humanas de círculo determinado ou limitado de pessoas. E a esfera secreta
protege ações, expressões e pensamentos aos quais ninguém deve ter
conhecimento e aqueles que o possuem cabe o dever, se não jurídico, mas
moral de guardar segredo128.
A respeito das variadas classificações propostas pela doutrina,
Milton FERNANDES reconhece que, a seu ver, não possuem bases sólidas de
apoio e não produzem resultados verdadeiramente úteis129. A função delas,
127
O autor alemão do livro Das Persönlichkeitsrecht (1967) foi estudado de forma indireta pelos escritos de Rabindranath V. A. Capelo de SOUZA, em Direitos gerais da personalidade. A importância de sua proposta para o nosso trabalho é o de ser fonte para a doutrina nacional no que se convencionou chamar de Teoria das Esferas e em relação ao conceito de desenvolvimento da personalidade. Em virtude do não acesso ao texto original, o presente estudo se limitou a citar a proposta, sem criticá-la ou adotá-la.
128 Rabindranath V. A. Capelo de SOUZA em Direitos gerais da personalidade, p.147 e148.
A esse respeito, vale citar as palavras de Jacques MARITAIN: “(...) o homem encontra-se a si próprio subordinando-se ao grupo, e o grupo não atinge sua finalidade senão servindo o homem e sabendo que o homem tem segredos que escapam ao grupo e uma vocação que o grupo não contém”. (Os direitos do homem e a lei natural, p. 29).
129 O autor não somente faz a crítica como também propõe sua própria classificação: a) direito
à vida e à integridade física (inclui direito à saúde e ao corpo vivo ou morto); b) direito à integridade moral (liberdade de opinião, de honra, identidade pessoal – nome, sobrenome e pseudônimo –, imagem e direito moral do autor; c) direito à vida privada (segredo – epistolar, profissional ou doméstico; inédito – escrito não literário; e investigação médica e psicológica
57
afirma, é apenas a de enumerar esses direitos ― cujo elenco é por vezes ainda
desconhecido ― e agrupá-los em espécies que possuem algum ponto de
contato130.
Para Walter MORAES, a quantidade e variedade dos direitos de
personalidade, a singularidade e a sutileza de muitos deles, produzem “a
sensação ora de algo muito sofisticado dentro do campo jurídico, ora de uma
doutrina desorientada ou perdida em dimensão cujas bases ainda não logrou
encontrar”131.
Para encontrar o que há de comum entre esses direitos, o autor
refuta teses e expressões como “esfera da própria personalidade”, “direito da
personalidade como tal”, “modo de ser da pessoa” e “emanações da
personalidade”, por serem imprecisas e vagas e por não distinguirem os
conceitos de pessoa e personalidade. Esclarece o autor, conforme já
desenvolvido neste trabalho: pessoa é sujeito de direito; personalidade é
aptidão para ser pessoa; e a utilização do termo “personalidade” para compor
os chamados direitos da personalidade não se refere à personalidade e a suas
características, mas apenas a uma utilização analógica do termo para se referir
aos bens próprios da natureza humana.
Dessa forma, afirma que o ponto em comum dessa variedade de
direitos guardados sob o manto dos direitos da personalidade é que todos se
referem à existência do indivíduo da espécie humana, seja na sua
corporificação (matéria, corpo humano), seja na sua psique (anima),
considerada em si mesma e também na sua essência (vida), potências
(vegetativa, sensitiva, locomotiva, apetitiva e intelectiva) e atos (potência
realizada)132.
não autorizada). O curioso desta classificação é que o autor observa que a violação ao direito à imagem é uma invasão de privacidade, mas que não se exaure nela, por isso prefere classificá-la em categoria mais ampla, como o direito à integridade moral. (Os Direitos da Personalidade, in Estudos jurídicos em homenagem ao professor Caio Mário da Silva Pereira, p. 149.).
130 Op. cit., p. 145.
131 Concepção Tomista de Pessoa: um contributo para a teoria do direito da personalidade, in
Doutrinas essenciais: Responsabilidade Civil, v. 1. Teoria Geral, p. 818.
132 Op. cit., p. 827.
58
Esses componentes da natureza humana vão se convertendo em
bens jurídicos à medida que se tornam relevantes nas relações intersubjetivas.
Assim, retomando o exemplo de parágrafos anteriores, o bem “imagem” é
próprio da existência humana, pois é a corporificação da pessoa, sem ela não
há existência. Mas enquanto não existiu tecnologia para captação da imagem,
não havia um direito sobre ela. O surgimento e desenvolvimento do direito de
imagem ocorrem apenas quando a imagem passa a ser objeto das ações
judiciais.
O mesmo ocorre com a vida privada ou a privacidade. A existência
humana realiza muitos de seus atos na solidão ou na companhia de poucas
pessoas; enquanto os atos humanos privados não atraíam interesse público,
não se falava em direito à vida privada ou em direito à privacidade. Esses
direitos surgem quando os sujeitos passam a se ressentir do desfazimento das
fronteiras das esferas pública e privada dos atos humanos133.
Em tese, cada um dos componentes humanos pode ser convertido
em objeto de direitos subjetivos, denominados, pela maior parte da doutrina, de
direitos da personalidade.
A proposta metodológica de Walter MORAES para a identificação
dos objetos dos direitos da personalidade aponta quais os objetos da extensa
lista134, proposta por vários doutrinadores, que devem ser excluídos; no seu
entendimento são aqueles que extravasam o limite da individualidade
humana135.
O rol dos direitos da personalidade é, portanto, aberto, de modo a
permitir que novas situações que afetam a individualidade humana possam ser
protegidas por esse mecanismo legal. Ser aberto, no entanto, não significa
ilimitado, em que tudo se é permitido, pois isso faria com que perdesse sua 133
Tércio Sampaio FERRAZ Jr., Sigilo de dados: o Direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado, in Sigilo fiscal e bancário, p. 18.
134 Limongi FRANÇA inclui entre os direitos da personalidade os direitos à alimentação, à
habitação, à educação, ao trabalho, ao transporte adequado, à segurança física, à proteção médica e hospitalar, ao meio ambiente ecológico, entre outros. Direitos da personalidade: coordenadas fundamentais, in RT 567, janeiro de 1983, p. 14.
135 Op. cit., p. 835.
59
força. Há um critério para determinar esse limite, e esse critério é reconhecer
se a violação afeta um bem jurídico pertencente à natureza humana.
Contudo, é pertinente considerar neste aspecto a posição de
Heirinch HUBMANN136, quando situa a personalidade (no sentido de “total
existência humana em todos os domínios do viver”137) em espaço ético que
reúne três elementos: a dignidade humana, a individualidade e a
pessoalidade138.
A reunião desses elementos éticos dá origem a uma existência, a
uma personalidade, que deve realizar-se. Ao homem, como único ser dotado
de liberdade e razão, cabe à tarefa ética de usar sua liberdade para construir
sua personalidade, que representa a sua própria realização como ser
espiritual139.
A realização da personalidade é transformar-se naquilo que se é em
essência, ou, ainda, é realizar em atos as potencialidades próprias, mas para
tanto necessita de um elemento essencial: o outro.
136
Neste ponto o pensamento do autor do livro Das Persönlichkeitsrecht (1967) é estudado de forma indireta pelos escritos de Rabindranath V. A. Capelo de SOUZA, em Direitos gerais da personalidade, e de Rosa Maria de Andrade NERY, no Código Civil comentado e na Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado. A importância do pensamento Heirinch HUBMANN é o de incluir nos elementos éticos da personalidade a sua realização mediante o reconhecimento da existência do outro.
137 Rabindranath V. A. Capelo de SOUZA, Direitos gerais da personalidade, nota de rodapé
n. 2º, p. 14.
138 Dignidade humana é a predominância do homem no Universo, em face dos demais seres,
decorrente da estrutura espiritual comum presente em todos os homens. Individualidade é a realização da existência una e total de cada ser para desempenhar a tarefa ética de aspirar aos valores gerais da humanidade e de realizar em si mesmo esses valores. Pessoalidade consiste na qualidade do indivíduo humano de afirmar e defender sua autonomia mesmo em relacionamentos com outros seres humanos, com o mundo exterior, com ele mesmo e com os valores éticos. (Rabindranath V. A. Capelo de SOUZA, Op. cit., p. 144, e Rosa Maria de Andrade NERY, Código Civil comentado, comentário do Art. 10, item 13 (Direitos da Humanidade), p. 224.)
139 José de Oliveira ASCENÇÃO, A dignidade da pessoa e os fundamentos dos direitos
humanos, in Revista Mestrado em Direito UNIFIEO, ano 8, nº 2, p. 95. No mesmo sentido é o pensamento de Hubmann, que enfatiza ser cada homem a imagem singular de Deus, e caber a cada um realizar-se para aproximar-se dessa imagem ideal, para nessa realização tornar-se gradualmente mais parecido consigo mesmo. (Rabindranath V. A. Capelo de SOUZA, Direitos gerais da personalidade, p. 145.)
60
Cada homem é uma substância, um universo completo, mas só se
realiza espiritualmente com os outros e para os outros, é um ser em relação140.
Essa relação impõe direito, mas também deveres. Se até aqui abordamos o
reconhecimento dos direitos da personalidade, agora é importante verificar os
deveres.
A existência de outros, de muitos indivíduos que possuem tantos
direitos como um em especial, representa um obstáculo à ideia de ter direitos,
que se solucionam com a fórmula tantas vezes anunciada: “A liberdade de um
cessa quando se inicia a liberdade do outro”. Esclarece José de Oliveira
ASCENÇÃO, contudo, que nessa acepção o outro fica reduzido a
desempenhar uma função negativa141, a realizar um dever geral de abstenção,
que, embora seja o contraposto do direito da personalidade, não é suficiente,
no entendimento desse autor.
Para ASCENÇÃO, a ligação com o outro é de comunhão, de tal
ordem que a realização humana não é egoística, um abandono ao arbítrio ou
um isolamento social, é uma realização que passa necessariamente pela
realização do outro, trazendo uma valoração ética e uma responsabilização de
cada um pelos fins da comunidade142.
O direito de realizar suas potencialidades impõe à pessoa humana o
dever de exercê-las em comunhão com os outros, tendo por base a
solidariedade. O dever não é uma exceção, é uma categoria tão normal quanto
à do direito.
Na opinião de José Oliveira ASCENÇÃO, reconhecer que os
deveres não são anomalias, mas emanações vindas da solidariedade, permitirá
um sistema coerente, “que enquadrará a pessoa como ente que se constrói a si
mesmo na prossecução de fins próprios, integrado solidariamente em
140
José de Oliveira ASCENÇÃO, A dignidade da pessoa e os fundamentos dos direitos humanos, in Revista Mestrado em Direito UNIFIEO, ano 8, nº 2, p. 96.
141 José de Oliveira ASCENÇÃO, op. cit., p. 96.
142 Op. cit., p. 97.
61
comunidade com outras pessoas”143. Para que ao lado do reconhecimento dos
direitos da personalidade (próprios da natureza humana) reconheça-se o dever,
também componente da humanidade, de realização do outro. Um mínimo ético
que garanta condições a possibilitar a vida de todos em igualdade e
oportunidade144.
2.6. Os direitos da personalidade no Código Civil de 2002
O Código Civil de 2002 regulou os direitos da personalidade em
onze artigos (arts. 11 a 21), dispondo sobre direito ao próprio corpo, ao nome,
à honra, à imagem e à privacidade.
Dentre esses artigos, de acordo com Gustavo TEPEDINO dois
possuem a categoria de cláusulas gerais: o Art. 12 que autoriza, juntamente
com o ressarcimento pelos danos causados, a tomada de medidas necessárias
para cessar ameaça ou lesão aos direitos da personalidade e o Art. 21 que
impõe ao juiz, desde que requerido pelo interessado, o dever de autorizar as
providências necessárias a impedir ou cessar ato de violação à vida privada da
pessoa natural145.
Esses dispositivos devem ser interpretados sob a perspectiva do
texto constitucional. Nele se determina que a lei não excluirá, da apreciação do
Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito (Art. 5º, XXXV), que admite a
expansão do rol dos direitos fundamentais para incluir outros direitos e
garantias não expressos que decorrerem do regime ou dos princípios adotados
pela Constituição (Art. 1º, III e Art. 3º, III, dignidade da pessoa humana e
igualdade). E, ainda, os que decorrem dos tratados internacionais ao qual o
Brasil é signatário (Art. 5º, §2º)146, para ir além da tipificação do Código Civil, a
143
Pessoa, Direitos fundamentais e Direito da Personalidade, in Revista de Mestrado em Direito Unifieo, ano 6, nº1, p. 167.
144 Rosa Maria de Andrade NERY, Código Civil comentado, comentário do Art. 10, item 13
(Direitos da Humanidade), p. 224.
145 Crise das fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do Código Civil de 2001, in
Temas de Direito Civil, p. 10.
146 Gustavo TEPEDINO, op. cit., p. 9.
62
fim de ampliar a tutela da pessoa humana, admitindo outros direitos subjetivos
próprios da natureza humana que não foram previstos pelo legislador
codificador.
O modelo adotado no Código Civil de tipificação dos direitos da
personalidade é criticado pela doutrina, uma vez que ela o considera
insuficiente para atender às possíveis situações jurídicas que dele reclamarem
proteção. Como bem observou Gustavo TEPEDINO, a personalidade humana
é insuscetível “de redução a uma situação jurídica-tipo ou a um elenco de
direitos subjetivos típicos, de modo a se proteger eficaz e efetivamente as
múltiplas e renovadas situações em que a pessoa venha a se encontrar,
envolta em suas próprias e variadas circunstancias”147.
Deve-se considerar, portanto, que os direitos da personalidade
referem-se a um rol de direitos subjetivos próprios da pessoa humana,
previstos em caráter exemplificativo no Código Civil nos artigos 11 a 21148, uma
vez que não esgota o seu número, sendo impossível pensar em um numerus
clausus em direito da personalidade. Ademais, devido aos avanços
tecnológicos novas ameaças a esses direitos próprios da pessoa humana
podem vir à existência, necessitando sempre de uma atualização legislativa e
jurisprudencial149.
Os artigos 12 e 21 autorizam a tomada das medidas necessárias
para cessar a ameaça ou lesão aos direitos da personalidade, bem como ao
ressarcimento pelos danos causados. O ressarcimento dos danos compreende
tanto o dano material quanto o moral, conforme a Súmula 37 do Superior
147
Idem, p. 11.
148 “(...) a matéria é objeto do Capítulo II, do Título I, da Parte Geral, (...) sendo que o art. 11
estabelece as características básicas dos direitos da personalidade, a intransmissibilidade, a irrenunciabilidade e a sua indisponibilidade; no art. 12, referência se faz à defesa e sanção patrimonial em caso de violação; nos arts. 13 a15, normas sobre o direito ao corpo, com a possibilidade de disposição gratuita do corpo humano, vivo ou morto, e a proibição de constrangimento a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica; nos arts. 16 as 19, o direito ao nome, à identidade pessoal, familiar e social; no art. 20, a direito à integridade intelectual, nela se compreendendo a liberdade de pensamento e os direitos de autor e de inventor. Finalmente, no art. 21, o direito à integridade moral, como o direito ao recato e à proteção da vida privada”. Francisco AMARAL, Direito civil: introdução, p. 292 e 293.
149 Carlos Roberto GONÇALVES, Direito civil brasileiro: parte geral, p.189.
63
Tribunal de Justiça150. Para a verificação do dano moral não é necessário
existência de sentimentos humanos desagradáveis, como dor ou sofrimento,
bastando punição da violação ou a proteção da dignidade da pessoa
humana151.
2.7. Da denominação “Direitos da Personalidade”
Para Walter MORAES, a denominação direito de personalidade,
embora assimilada pela doutrina, não objetiva a personalidade nem bens que a
integrem. O termo “personalidade” é utilizado de modo analógico para designar
realidade diversa152.
Explica o autor que personalidade se refere ao “sujeito”, enquanto
direitos da personalidade como “objeto” referem-se à natureza humana.
Recorrendo ao conceito de bem no sentido da Ética153, aquele de “ciência do
fim para o qual a conduta dos homens deve ser orientada e dos meios para
atingir tal fim, deduzindo tanto o fim quanto os meios da natureza do
homem”154. O bem é, portanto, o fim a que o homem tende para a satisfação de
uma necessidade ou de um desejo.
Nessa acepção, bens éticos são aqueles aos quais o homem não
pode deixar de possuir. Em outras palavras: “(...) constituem-se em bens, para
um sujeito, as substâncias, essências, potências, atos e propriedades que
integram o seu composto natural, pela suficiente razão de carecer delas o
150
“São cumuláveis as indenizações por dano material e moral oriundos do mesmo fato.”
151 Nesse sentido foi aprovado o Enunciado 445 da V Jornada de Direito Civil: “O dano moral
indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento”.
152 Walter MORAES, Concepção Tomista de Pessoa: um contributo para a teoria do direito da
personalidade, in Doutrinas essenciais: Responsabilidade Civil, v. 1. Teoria Geral, p. 835.
153 Nicola ABBAGNANO, Dicionário de Filosofia, verbete Bem, p. 123.
154 Nicola ABBAGNANO, Dicionário de Filosofia, verbete Ética, p. 443.
64
homem, como é evidente”155. Em suma, os bens que constituem o objeto dos
direitos de personalidade, são parte integrante do homem “in natura”.
Estes componentes da natureza humana (substâncias, essências,
potências, atos e propriedade) convertem-se em objeto de direito para a
pessoa, tendo em vista que se tornam relevantes motivos de relações
intersubjetivas. A qualquer desses bens éticos pode ser conferida proteção
específica, por meio da ordem jurídica; qualquer deles pode ser reconhecido
como objeto de direitos subjetivos.
Dessa forma, Walter MORAES entende que o objeto dos direitos da
personalidade deve encontrar seu limite na individualidade humana. Muito
embora ele não enumere taxativamente, considera como tais bens: o
corpo/saúde (substância), a psique/integridade psíquica (substância), a vida
(essência da psique), a obra dita do espírito (ato de potência intelectiva), a
imagem (propriedade do corpo), a condição de família (propriedade da potência
generativa), a liberdade (propriedade da anima/potência intelectiva), a
dignidade (propriedade da anima/potência intelectiva), a
intimidade/incomunicabilidade ontológica e a identidade/verdade pessoal/nome
que são propriedades de todo ser humano156.
Deve-se observar que o termo propriedade não é aqui utilizado no
sentido jurídico, que permite seja o bem adquirido e alienado pelos modos
comuns do direito, mas no sentido de ser o que é próprio ao ser humano.
Assim, parece correta a análise desenvolvida por Walter Moraes. No
Código Civil de 2002, os direitos da personalidade estão previstos do Art. 11 ao
Art. 21 e tratam de direito ao próprio corpo (integridade física), à honra, à
imagem, à privacidade, ao nome (à identidade pessoal) e ao direito de autor, e,
ainda que esse rol não seja taxativo, é possível observar que todos os bens
protegidos são componentes da natureza humana e não de pessoa.
155
Walter MORAES, op. cit., p. 834.
156 Idem, ibidem.
65
Reconhecendo que a natureza humana é uma unidade composta de
espírito e matéria (anima e corpo), a ofensa ao chamado direitos da
personalidade consiste em quebra dessa unidade157, de modo que a ofensa, a
violação, não atinge a personalidade jurídica ― no sentido de que é o atributo
que faz do ente sujeito de direito ―, mas a natureza humana dessa pessoa.
Por essa razão, Rosa NERY critica o uso da expressão consagrada
“direito da personalidade”, pois o termo confunde dois conceitos, o de pessoa
(ente com personalidade) e o de natureza humana (essências e potências da
humanidade do ser). E a autora igualmente afirma que, como os direitos da
personalidade se referem à natureza do homem (humanitas = humanidade),
isto é, a sua humanidade, e não exatamente à personalidade, a denominação
mais técnica deveria ser “direito de humanidade”158.
Rosa NERY ressalta ainda que o legislador poderia ter tratado dos
direitos da personalidade na parte especial do Código Civil, em livro próprio,
como fez com obrigações, empresa, coisas, família e sucessões, já que não
tratam de sujeito (pessoa/personalidade), mas de direito, de objeto159. Do
mesmo rigor técnico é o entendimento Limongi FRANÇA, embora se refira ao
Código Civil de 1916160.
157
Rosa Maria de Andrade NERY, Noções preliminares de direito civil, p.135.
158 Rosa Maria de Andrade NERY, Noções preliminares de direito civil, p.143 e também
Nelson NERY Jr e Rosa Maria de Andrade NERY, Código Civil comentado, comentário do Art. 10, item 9: Direito de personalidade. Direito de humanidade, p. 223.
159 Rosa Maria de Andrade NERY, Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do
direito privado, p. 272.
160 Afirma o autor no verbete Direito da Personalidade I, in Enciclopédia Saraiva do Direito: v.
28: (direito processual – dissolução de sociedade anônima), p. 141: “A nosso ver, a matéria deve ser inserida na Parte Especial, antes do Livro ‘Dos direitos de família’, juntamente com os institutos de proteção à personalidade, a saber, a tutela, a curatela, e, sob certos aspectos, a adoção, a legitimação adotiva e a afiliação (instituto este do direito italiano)” (grifo nosso). Ressalte-se que, além de compreender que o objeto dos direitos da personalidade não se confunde exatamente com pessoa (utiliza a ideia de “aspectos da própria pessoa”), o autor inclui outros institutos que originariamente pertencem ao direito de família, mas que possuem intrínseca relação com a natureza humana.
66
3. DIREITO À IMAGEM
3.1. Contextualização histórica
A maior ocorrência das questões sobre o direito à imagem resulta do
desenvolvimento tecnológico ocorrido a partir do séc. XIX, mas é possível
apontar em tempos remotos situações que envolveram o tema.
Na Grécia Antiga durante o século IV a.C., Frineia, uma cortesã
famosa por sua beleza foi levada a julgamento por difamações de um
admirador rejeitado. Em sua defesa o orador grego Hipérides, sem argumentos
suficientes para persuadir os juízes, a despiu a fim de que vissem sua imagem
e se convencessem de sua inocência, pois tanta beleza só poderia ser
atribuída a um favor dos deuses161.
Outro acontecimento envolvendo imagem ocorreu na época do
Renascimento. Sem ter recebido autorização, o artista Michelangelo pintou o
mestre de cerimônia papal Sr. Biagio de Cesano (Braz de Casena) — que
criticava o trabalho do pintor na Capela Sistina, em Roma —, reproduzindo sua
figura na pintura do fundo da sala da Capela em que retratava o afresco
intitulado O Juízo Final, colocando-o no inferno na figura de Minos com uma
grande serpente enrolada nas pernas, fazendo que o próprio fosse reclamar
diretamente ao Papa162.
Entretanto, as primeiras decisões judiciais oriundas de um poder
jurisdicional sobre o tema da imagem datam da metade do século XIX na
França, envolvendo questões de retrato e fotografia.
161
Exemplo citado por Jacqueline Sarmento DIAS, O direito à imagem, p. 65, e por Álvaro Antonio do Cabo Notaroberto BARBOSA, Direito à própria imagem: aspectos fundamentais, p. 2. Fato narrado por Olavo Bilac em seu poema “O Julgamento de Frineia” (Sarças de Fogo, in Poesias, 14ª ed., Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1930).
162 Silma BERTI, Direito à própria imagem, p. 86 e 87.
67
Segundo Silma BERTI, a primeira decisão judicial sobre proteção à
imagem ocorreu em 16 de junho de 1858, ocasião em que o Tribunal de Seine
julgou o caso da reprodução em desenho da fotografia de uma célebre atriz e
comediante francesa da época, Elisa Felix — conhecida pelo nome artístico de
Rachel —, no seu leito de morte. No caso examinado pelo Tribunal, os
fotógrafos contratados pela família permitiram que uma pintora reproduzisse
em desenho a fotografia póstuma da famosa atriz e os comercializasse.
Inconformada com a divulgação, a família da comediante reclamou alegando
que os fotógrafos descumpriram o compromisso de resguardo. O Tribunal deu
razão aos familiares, determinando a apreensão e a destruição do negativo e
das cópias, declarando que a reprodução e a publicação dos traços
fisionômicos de uma pessoa em seu leito de morte apenas podiam ser
realizadas com a autorização da família, ainda que a pessoa fosse — no modo
de dizer de hoje — uma celebridade163.
Nota-se que esse primeiro enfrentamento judicial sobre o direito de
resguardar a imagem ocorreu em razão da invenção da fotografia, um modo de
reproduzir imagem utilizando-se de um equipamento específico de captação de
luz, ou seja, de tecnologia. Antes de tal invento, a reprodução dos traços
fisionômicos de uma pessoa ficava a cargo de pintores, que normalmente
possuíam autorização do retratado no momento do ato de pintar.
A invenção da fotografia não é atribuída a uma única pessoa. Ao
longo do século XIX, vários cientistas se interessaram em desenvolver um
mecanismo de captação e fixação de imagem. O primeiro a obter êxito foi o
francês Joseph Nicèphore Niépce, em 1826 (ou em 1827; não se conhece o
ano de modo preciso), mas apesar do reconhecimento histórico a imagem
obtida era de pouca qualidade — os contornos só eram percebidos se
observados por ângulo específico e com luz adequada —, de modo que o
próprio autor não ficou satisfeito com o resultado. Assim, continuou com as
pesquisas e em 1829 firmou sociedade com o também francês Louis Jacques
Mandé Daguerre, e juntos trabalharam para obter uma reprodução de imagem
163
Silma BERTI, Direito à própria imagem, p. 20. O mesmo episódio é citado com maior riqueza de detalhes, mas sem indicação de fonte, por Serrano NEVES no livro A tutela penal da solidão, p. 151.
68
com nitidez e fixação, o que aconteceu meio por acaso após a morte de
Nicèphore Niépce, em 1837, sendo a descoberta anunciada na Academia de
Ciência de Paris em 7 de janeiro de 1839164.
O sucesso de Daguerre deixou para trás muitos outros cientistas que
desenvolviam o mesmo projeto, dentre eles a história da fotografia destaca os
ingleses Willian Fox Talbot e John William Frederick Herschel, que
conseguiram desenvolver a técnica para a reprodução em papel, embora com
imagem ruim. O francês Hercules Florence, tendo vivido no Brasil entre 1824 e
1879, na Vila de São Carlos (atualmente a cidade de Campinas), também se
dedicou a encontrar um meio de capturar e fixar imagem, e, se não conseguiu
a notoriedade dos demais, ao menos se deve a ele o nome da técnica, a
origem da palavra “fotografia” 165.
A popularidade da fotografia, contudo, ocorreu apenas a partir de
1888, quando o inglês George Eastman conseguiu reproduzir imagem em uma
base flexível de nitrocelulose que poderia ser enrolada e colocada dentro de
câmara apropriada. Assim, foi possível a captação de várias imagens.
Eastman fez em laboratório a revelação positiva dessas imagens,
possibilitando-lhe criar o filme em rolo e a câmara fotográfica própria para seu
invento, ao qual chamou de Kodak166.
Com seu invento George Eastman conseguiu unir praticidade na
captação da imagem, qualidade da imagem e possibilidade de reprodução,
tornando todos os outros processos obsoletos. E com eficiente discurso de
marketing, enfatizando que qualquer pessoa poderia fotografar – “você aperta o
164
Filipe SALLES, Breve história da fotografia. Escrito: seg., 22 de Setembro de 2008, 09:56. Disponível em: < http://mnemocine.art.br/index.php/fotografia/33-fotohistoria/168-histfoto>. Acesso em 19/mar./2013.
165 Consta que Florence resolveu investigar os efeitos de materiais fotossensíveis para
encontrar uma maneira de reproduzir tipos gráficos. Desenvolveu um método de impressão em papel por contato em negativo que foi chamado de Fotografia, nome dado por ele e por um colaborador, o boticário Joaquim Corrêa de Mello. Segundo consta, foi a primeira vez que se utilizou o termo e, ao que tudo indica, cabe a ele o mérito da nomenclatura. Conforme Filipe Salles, idem.
166 De acordo com Filipe SALLES, reza a lenda que o nome Kodak é uma onomatopeia, pois
reproduz o som que a câmara fazia ao disparar o obturador.
69
botão, nós fazemos o resto” foi o anúncio por ele divulgado –, a fotografia
tornou-se popular167.
Em pouco mais de 60 anos, 1826 (27) a 1888, passou-se do borrão
à nitidez, da imagem única à possibilidade de reproduções infinitas. E foi
justamente no final do século XIX que a doutrina jurídica começou a se
debruçar sobre o tema.
Voltando aos exemplos do julgamento de Frineia e do episódio do
pintor renascentista Michelangelo, é preciso ressaltar, no entanto, que a
proteção da imagem não se restringe à fotografia, mas também à pintura, à
escultura ou a qualquer outro modo de captura da imagem, pois como bem
alertou Adriano de CUPIS sob o ponto de vista jurídico é indiferente o modo de
confecção do retrato da pessoa168.
O primeiro trabalho tradicionalmente reconhecido como o precursor
dos estudos sobre o direito à imagem é o do jurista alemão KEYSSNER, que
publicou a monografia Das Recht em eigenen Bilde em 1896. Walter MORAES
e Silma BERTI, entretanto, apontam outros escritos anteriores, como os de
BIGEON (La photographie devant la loi et la jurisprudence, 1892; e La
photographie et le Droit, 1893), Joseph KOHLER (Autorrecht, 1880, e Das
individualrecht als Namenrecht, 1895?) e VAUNOIS (La liberté du portrait,
1894)169. Já Manuel GITRAMA GONZÁLEZ170 cita vários outros autores que
ainda no século XIX e antes de Keyssner analisaram o assunto.
167
Filipe SALLES, idem.
168 Adriano de CUPIS, Os direitos da personalidade, p. 144.
169 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 65, e Silma BERTI,
Direito à própria imagem, p. 21.
170 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ cita os autores: AMAR, Dei diritti degli autori di opera
dell’ingegno, Turin, 1874; BREDIF, Étude théorique et pratique sur la protectiondes aeuvres photographiques, Paris, 1894; COPINGER, The law of copyright, Londres, 1893; FERRARI Y ZAMBELLINI, Principes et limites de la protection légale due aux produits de la photographie, Milão, 1892; FRAIPONT, La photographie au Palais de Justice, Bruxelas, 1890; KRAMER, Ueber das Recht in Besug auf den menschlichen Körper, Berlim, 1887; LENTNER, Das Recht der Photographie nach dem Gewerbe- Press- und Nachdrucksgesetz, Viena, 1886; ROMANELLI, N., Il diritto di proprietà sul ritratto, in Foro Napolitano, 1897, p. 84 e seg.; ROSMINI, Le droit d’àuteur, 1893 e Se si possa fare, esporre e vender il ritratto di uma persona senza il consenso di essa o dei suoi eredi, in Monitore dei Tribunali, Milão, 1894; SAUVEL, La propriété artistique em photographie, spécialement em matiére de portaits, Paris, 1897;
70
No curso do século XX, o tema obteve ainda mais interesse com a
invenção do cinema, em que a imagem em movimento pôde ser captada e
utilizada para publicidade e divulgação de bens e ideias. As questões jurídicas
tornaram-se mais frequentes nos Tribunais e a doutrina não se furtou em
desempenhar seu papel de elaboração teórica. No Brasil, merecem destaque
os estudos de Walter Moraes e Antonio Chaves.
A legislação sobre o direito à imagem se expandiu acompanhando a
positivação do direito do autor. Ensina Walter MORAES que a primeira lei que
dispôs sobre fotografia foi de origem alemã, datada de 10 de janeiro de
1899171. GITRAMA GONZÁLEZ destaca, ainda no século XIX, as leis sobre
propriedade intelectual da Bélgica (22 mar. 1886) e do Japão (04 mar. 1899), e
no século XX as da Áustria (9 abr. 1936), do Uruguai (17 dez. 1937), da Grã-
Bretanha (7 nov. 1956) e do México (20 dez. 1956). E em relação ao direito de
autor, as leis da Alemanha (9 jan. 1907), da Suíça (7 dez 1922), dos Estados
Unidos (Estado de Nova Iorque, em 1930), da Argentina (26 set. 1933), da
Itália (22 abr. 1941), da Bulgária (12 nov. 1951), da Checoslováquia (22 dez
1953) e do Egito (24 jun. 1954)172.
Antonio CHAVES menciona especialmente o Código Civil Italiano de
1942, que, ao tratar do abuso da imagem alheia, no Art. 10, engendrou
produção bibliográfica sobre o tema173.
Em geral, todos esses diplomas legais possuem a mesma estrutura.
Primeiramente, proíbem a reprodução, a divulgação e a exposição de retrato
sem o consentimento da pessoa retratada. Em seguida, estabelecem o rol dos
sucessores neste direito de consentir e finalmente estabelecem a hipótese em
SCHEELE, Das Deutsche Urheberrecht na literarischen, künstlerischen und photographischen Werken, Leipzig, 1892; SCHRANK, Des Schutz des Urheberrechts an Photographien, Halle, 1893; SHAEFER, Das Recht am eigenen Bilde, in Gewerbliche Rechtschutz und Urheberrecht, 1897, t. II, p. 206 e seg.; STOLZE, Zum Schutze der Photographie, in Photographische Nachrichten, 1891, p. 449 e segs. WAECHTER, Das Recht der Briefe und Photographien, Berlin, 1863. Verbete: Imagen (Derecho a la propia). In: Nueva enciclopedia jurídica. T. 11, p. 371 a 376.
171 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 66.
172 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, Imagen (Derecho a la propia). In: Nueva enciclopedia
jurídica. T. 11, p. 369 a 371.
173 Tratado de direito civil, p. 539.
71
que o consentimento é dispensado (como interesse judicial, policial, artístico e
científico, fotografado em local público, ou, ainda, se for pessoa que goza de
grande notoriedade em razão de função pública ou de interesse do público) e a
hipótese em que é presumido em favor do autor do retrato, por exemplo no
caso de remuneração do retratado174.
Nas hipóteses em que essa legislação previu a dispensa do
consentimento há, no entanto, a ressalva: a honra, a reputação, o decoro ou
qualquer outro legítimo interesse deverão sempre ser resguardados, como se
verifica na legislação acima referida da Alemanha, do Egito, da Itália, do
México e da antiga Checoslováquia175.
É certo que a curiosidade da Ciência do Direito a respeito do tema
do direito à imagem foi aguçada pelo desenvolvimento tecnológico. Mas ainda
que pareça ser a tecnologia o ponto de partida para as questões jurídicas sobre
imagem, não é nela que se encontra o direito e tampouco não é na tecnologia
que se encontrará o limite. O estudo do direito à imagem não significa apenas
e tão somente direito à fotografia ou ao retrato.
3.2. O direito à imagem na legislação brasileira
No Brasil, o legislador seguiu caminho parecido ao das legislações
alienígenas ao tratar da proteção à imagem. Fez isso por meio do capítulo
referente ao direito do autor. O Código Civil de 1916, no Art. 666, inc. X
conferia à pessoa retratada e a seus sucessores o direito a opor-se à
reprodução ou à exposição pública de seu retrato ou busto. E, igualmente,
174
Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 66.
175 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, Imagen (Derecho a la propia). In: Nueva enciclopedia
jurídica. T. 11, p. 369 a 371.
72
permitia ao proprietário de retrato ou busto encomendado o direito de
reprodução em detrimento do direito de autor176.
Embora perceptível no dispositivo legal que o direito à própria
imagem prevalece ao direito do autor, pois este apenas pode exercer sua
função mediante a existência e autorização do outro, o que o legislador
verdadeiramente trata é do chamado “direito moral” do autor de ser
reconhecido pelo seu trabalho e não do direito do titular da imagem. Tanto é
verdade que a hipótese prevista é a de realização de retrato ou busto por
encomenda. Se não houver encomenda, não haverá direito do autor.
Walter MORAES destaca que a redação do inc. X do Art. 666 do
CC/16 é imprecisa, pois em primeira leitura parece que tanto o autor quanto o
terceiro que encomendou o retrato ou busto estão autorizados a reproduzir ou
a expor o objeto encomendado (retrato ou busto), desde que o sujeito
representado não se oponha177. Ora, não está claro se o autor ou terceiro que
encomendou o trabalho necessitam de autorização para realizá-lo. Ou, ainda,
se ao retratado é assegurado além do direito de proibir também o direito de
consentir.
Ainda assim, a primeira decisão judicial brasileira de que se tem
notícia sobre direito à própria imagem foi proferida com fundamento nesse
dispositivo pelo Juiz Octávio Kelly, da antiga Capital Federal, então no Rio de
Janeiro, em 28 de maio de 1923, com a finalidade de resguardar os direitos da
Miss Brasil de 1922, Zezé Leone, que havia sido filmada sem ter dado
autorização178.
Essa decisão é de relevante interesse histórico-jurídico para a
proteção do direito à própria imagem, pois, nas palavras de Walter MORAES:
“(...) primeiro, colocou o problema no terreno do direito da personalidade;
176
Art. 666. Não se considera ofensa aos direitos de autor: X- A reprodução de retratos ou bustos de encomenda particular, quando feita pelo proprietário dos objetos encomendados. A pessoa representada e seus sucessores imediatamente podem opor-se à reprodução ou pública exposição do retrato ou busto.
177 Walter MORAES, Direito à própria imagem (II), in RT 444, out. 1972, p. 12.
178 Antonio CHAVES, Tratado de direito civil, p. 542.
73
segundo, reconheceu a tutela dos próprios traços físicos originais do sujeito
(...); terceiro, compreendeu a necessidade do consentimento para ser filmado e
a eficácia da oposição ao ato de filmar (...); quarto, estendeu a tutela jurídica à
imagem dinâmica (...); quinto, encontrou fundamento para tudo isso no Art.
666, X, do CC”179.
Ainda sob o ponto de vista do direito do autor, o legislador tratou do
tema no Art. 49, I, f da Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973180,
posteriormente revogado pela Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que
dispôs o mesmo conteúdo no Art. 46, I, c, apenas com a alteração da palavra
“efígie” por “imagem”. Essa mesma Lei nº 9.610/98 também revogou
expressamente o Art. 666 do CC/16.
Mas antes mesmo de lei específica sobre o direito do autor, o
legislador já havia feito referência à imagem, quando legislou sobre
propriedade industrial (Art. 65, item 12 da Lei nº 5.772, de 21 de dezembro de
1971)181 e manteve dispositivo parecido na lei revogadora de nº 9.279, de 14
de maio de 1996, no Art. 124, XV182. Nota-se novamente que o legislador
utilizou na lei mais antiga a palavra “efígie” e na mais recente a palavra
“imagem”.
Deve ser observado, no entanto, que essas legislações (o Código
Civil de 1916, a Lei de Direito do Autor e a Lei de Propriedade Industrial) ao se
referirem a “retrato”, “efígie” ou “imagem” não salvaguardam o direito da
179
Op. cit, p. 22. Apesar dos elogios que Walter Moraes faz à decisão chamando-a de “luminosa” por estar de acordo com a melhor doutrina sobre direito à própria imagem, ele a critica por não ter concedido também a apreensão do filme, porque sempre haverá a possibilidade de o autor utilizá-la. Entende assim que, nesse aspecto, a decisão se aproxima do direito do autor, afastando-se do direito à própria imagem.
180 Art. 49. Não constitui ofensa aos direitos do autor: I – a reprodução: f) de retratos, ou de
outra forma de representação da efígie, feitos sob encomenda, quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles representada ou de seus herdeiros. (Destaque nosso.)
181 Art. 65. Não é registrável como marca: 12) nome civil, ou pseudônimo notório, e efígie de
terceiro salvo com expresso consentimento do titular ou de seus sucessores diretos. (Destaque nosso.)
182 Art. 124. Não são registráveis como marca: XV - nome civil ou sua assinatura, nome de
família ou patronímico e imagem de terceiros, salvo com consentimento do titular, herdeiros ou sucessores. (Destaque nosso.)
74
pessoa à própria imagem – o objetivo é proteger o direito moral do autor e de
regular o registro de marcas e patentes.
Com o advento da Constituição Federal, promulgada em 5 de
outubro de 1988, foi pela primeira vez prevista a proteção do direito à própria
imagem.
A Constituição Federal de 1988 elegeu como princípio fundamental
do Estado brasileiro a dignidade da pessoa humana, e estabeleceu no Título II
direitos e garantias fundamentais que têm por objetivo justamente proteger a
dignidade da pessoa humana em todas as suas dimensões, seja no âmbito
individual, seja no coletivo, social, político ou relativo à nacionalidade. Os
direitos fundamentais individuais e coletivos estão previstos no Art. 5º “caput” e
seus 78 (setenta e oito) incisos. Entre esses incisos, há três que se referem à
proteção da imagem. São eles, incisos V, X e XXVIII, a183.
Após a Constituição Federal, o legislador produziu outras normas
infraconstitucionais que também se referem ao direito à imagem, como os Arts.
17 e 247, § 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069, de 13 de
julho de 1990) 184, o Art. 7, IV da Lei de Proteção à Vítima e à Testemunha (Lei
nº 9.807, 13 de julho de 1999) 185 e o Art. 10, § 2º da lei que instituiu o Estatuto
do Idoso (Lei nº 10.741, 1 de outubro de 2003) 186.
183
Art. 5º, inc. V: é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; inc. X: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; inc. XXVIII, a: são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas.
184 Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e
moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Art. 247. § 1. Incorre na mesma pena quem exibe, total ou parcialmente, fotografia de criança ou adolescente envolvido em ato infracional, ou qualquer ilustração que lhe diga respeito ou se refira a atos que lhe sejam atribuídos, de forma a permitir sua identificação, direta ou indiretamente.
185 Art. 7, IV: preservação da identidade, imagem e dados pessoais;
186 Art. 10, § 2. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e
moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, ideais e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais.
75
Contudo, a grande novidade legislativa quanto ao direito de imagem
ocorreu com a vigência do Novo Código Civil de 2002 que tratou dos direitos da
personalidade e dispôs no Art. 20 que a publicação, a exposição ou a utilização
da imagem de uma pessoa poderá ser proibida, a seu requerimento e sem
prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade ou, ainda, se destinadas a fins comerciais, salvo,
evidentemente, se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça
ou à manutenção da ordem pública.
3.3. A palavra “imagem”
Antonio CHAVES escreveu certa vez: “Dentre todos os direitos da
personalidade não existe outro tão humano, profundo e apaixonante como o
direito à própria imagem. Mas o que é que vem a ser imagem?”187.
A conceituação de imagem, de acordo com o verbete no dicionário
Houaiss, sinaliza que não é tarefa fácil a delimitação de seu conteúdo
semântico, pois aponta várias acepções para a palavra, dentre elas as de que
é “representação da forma188 ou do aspecto do ser ou objeto por meios
artísticos”, de “aspecto particular pelo qual um ser ou um objeto é percebido” e
“reprodução invertida de um ser ou de um objeto, transmitida por uma
superfície refletora”189.
Esses três sentidos da palavra “imagem” limitam-se apenas à
assimilação do ente ou da coisa por meio da representação, percepção e
reflexo. Em outras palavras, comporta o que o sujeito vê, o que o outro percebe
e como pode ser representado.
187
Antonio CHAVES, Direito à própria imagem, in RT 451, maio de 1973, p. 11.
188 A palavra “forma” é utilizada em seu significado de “aquilo que pertence à essência ou
substância da coisa, por isso, essencial, substancial, atual”. (Nicola ABBAGNANO, verbete Formal, in Dicionário de Filosofia, p. 545).
189 Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 1573.
76
Para Nicola ABBAGNANO imagem é “semelhança ou signo das
coisas, que pode conservar-se independentemente das coisas”190. Portanto,
imagem é composta de duas ideias: a primeira é que existe uma coisa (ou um
ente) e a segunda é que existe a representação deste. O mesmo autor ensina
que os epicuristas191 desenvolveram conceito igual ao admitirem a verdade de
todas as imagens produzidas pelas coisas, pois o que não existe não produz
nada192.
Também Lucia SANTAELLA e Winfried NÖTH ensinam que o
mundo das imagens se divide em dois domínios que estão inextricavelmente
ligados em sua gênese: o domínio das imagens como representações visuais
(desenhos, pinturas, gravuras, fotografias e as imagens cinematográficas,
televisivas, holo e infográficas) e o domínio imaterial das imagens em nossa
mente como representações mentais que tem origem no mundo concreto dos
objetos visuais193.
É comum denominar de imagem a representação que se tem das
coisas ou entes. Com isso, os termos imagem e representação são
empregados com o mesmo significado194. Tomás de AQUINO, no entanto,
afirma que para compreender imagem é preciso, antes, estabelecer
considerações sobre origem e semelhança195.
Sobre a ideia de origem, Tomás de AQUINO cita Santo Agostinho
190
Nicola ABBAGNANO, verbete Imagem, in Dicionário de Filosofia, p. 620.
191 Escola filosófica fundada por Epicuro de Samos no ano de 300 aC em Atenas (Nicola
ABBAGNANO, verbete Epicurismo, op. cit., p. 390).
192 Nicola ABBAGNANO, idem, ibidem.
193 Lucia SANTAELLA e Winfried NÖTH, Imagem: cognição, semiótica, mídia, p. 15.
194 José FERRATER Mora, verbete Imagen, in Diccionario de FilosofÍa, p. 1625.
195 São Tomás de Aquino trata do tema Imagem na Questão 35, em dois artigos, e na Questão
93, em nove artigos, ambas da Parte I da Suma teológica. A importância do tema para Tomás de Aquino se justifica para explicar a Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo – se os dois últimos são imagem do primeiro) e para esclarecer o que significa ser o homem produzido “à imagem e à semelhança de Deus”.
77
para explicar que “um ovo não é a imagem de outro ovo, porque ele é sua não
expressão196. Para que algo seja verdadeiramente imagem, requer-se que
proceda de outro de maneira a se assemelhar na espécie, ou pelo menos em
um sinal da espécie”197. Nesse sentido, para existir imagem é necessário existir
dois objetos separados pelo tempo, uma vez que a existência de um é anterior
ao do outro, mas unidos pela origem em que o último deriva do primeiro.
Quanto à semelhança, explica que para compreender se algo é
imagem de outro é preciso considerar se há semelhança, não qualquer
semelhança, mas a contida na espécie da coisa ou em algum sinal da espécie
que justifique a ideia de imagem. Afirma AQUINO, por exemplo, que o sinal da
espécie para as coisas corpóreas parece ser a figura, e esclarece: “Vemos,
com efeito, que os animais de espécies diferentes têm figuras diferentes, mas
não cores diferentes. Por isso, se se pinta sobre a parede a cor de alguma
coisa não se chama a isso imagem, mas somente se se pinta sua figura”198.
Tomás de AQUINO denomina de “exemplar” o objeto (coisa,
suporte, elemento) original e de imagem o que procede à sua semelhança. O
conceito de exemplar é o que funciona como modelo ou arquétipo, no sentido
de ser objeto de imitação. É causa formal199 ou ideal daquilo que a imitação
produz 200.
A distinção é muito oportuna para o desenvolvimento deste trabalho.
Isso porque as indagações sobre o direito à imagem ora versam sobre o
“exemplar” – mais tecnicamente à “tutela da imagem original” –, ora se referem
à imagem propriamente dita que são as representações, percepções ou
reflexos do ente ou coisa, materializados por vários meios, como pintura,
196
A palavra “expressão” tem em um dos seus sentidos filosóficos o de “manifestação por meio de símbolos ou comportamentos simbólicos” (Nicola ABBAGNANO, verbete Expressão, in Dicionário de Filosofia, p. 484). Antonio HOUAISS cita para o verbete os seguintes sinônimos: “(...) 3. fisionomia: semblante; 4. manifestação; 5. personificação: encarnação, exemplar, modelo, protótipo; 6. revelação: demonstração, exibição, exteriorização” (Dicionário Houaiss de sinônimos e antônimos, p. 311.).
197 Suma teológica: Parte I, questão 35, artigo 1 (resposta), p. 588.
198 Op. cit., p. 587.
199 Vide nota 188 deste trabalho.
200 Nicola ABBAGNANO, verbete Exemplar, in Dicionário de Filosofia, p. 463.
78
desenho, caricatura, fotografia, filme ficcional ou documental, gravação de voz
falada ou cantada e outros meios que vierem a ser desenvolvidos com base em
avanços tecnológicos.
3.4. A imagem e o direito
O aspecto obscuro do estudo do direito à imagem é o enfrentamento
do tema alusivo a como a doutrina define o que é imagem: se essa
compreende a coisa reproduzida (a fotografia, a tela, entre outras
possibilidades) e/ou a forma corporal perceptível, para o mundo exterior, da
personalidade do ente (o exemplar, o original).
No propósito de determinar o objeto, Paolo VERCELLONE partiu da
observação de que toda matéria, até mesmo o corpo humano, quando exposto
à luz pode ser visto por outra pessoa. E tal visão é individual e variada, porque
é a percepção de quem vê no momento em que esse ato se realiza. Conclui
que um mesmo corpo pode produzir uma infinidade de imagens, em que cada
uma corresponde a uma sensação visual e, por esse motivo, não haveria
direito à imagem, pois, se a sensação é do outro, não seria possível para
aquele que é o “visto” ter direito à sensação do outro201. Em seu entendimento,
o que existe é apenas um direito do retratado ao retrato, como produto
resultante do ato de fotografar.
Nesse sentido, defendeu VERCELLONE que deveria ser afastada a
denominação “direito à imagem” para se adotar como mais correto e preciso o
termo “direito ao retrato”, definindo como retrato a obra de arte figurativa ou a
fotografia em que se reconhece o semblante de uma pessoa determinada,
distanciando as hipóteses de retrato falado ou literário202.
Do mesmo entendimento compartilhou, em certa medida, GITRAMA
GONZÁLEZ. Todavia, entende que a denominação “direito à imagem” é
201
Il diritto sul proprio ritrato, p. 10.
202 Op. cit., p.10 e11.
79
correta, pois imagem é a reprodução, em oposição à figura física do homem
em si. Tal qual Vercellone, afirma que imagem é a reprodução da figura e sua
fixação em uma res material que denomina retrato. E define como imagem, ou
retrato, a obra de arte figurativa ou a fotografia que reproduz de forma
reconhecível os traços, as feições, de uma pessoa203.
Na doutrina civilista brasileira, vários autores acompanham esse
entendimento. Entre eles, Pontes de MIRANDA considera: “(...) direito à
imagem é direito de personalidade quando tem como conteúdo a reprodução
das formas, ou da voz, ou dos gestos, identificativamente”204. Francisco
AMARAL enfatiza: “O direito à imagem é o direito que a pessoa tem de não ver
divulgado seu retrato sem sua autorização, salvo nos casos de notoriedade ou
exigência de ordem pública”205. No mesmo sentido, continua Rene Ariel DOTTI:
“(...) para os efeitos jurídicos o bem personalíssimo da imagem deve ser
definido como a representação gráfica, plástica ou fotográfica de um ser
humano”206. Maria Helena DINIZ ensina: “Direito à imagem é o de ninguém ver
sua efígie exposta em público ou mercantilizada sem o seu consenso e o de
não ter a sua personalidade alterada material ou intelectualmente, causando
dano à sua reputação”207. De modo contundente Edilsom Pereira de FARIAS
registra: “Entretanto, para a ordem jurídica, a ideia de imagem não é
assegurada nesse sentido lato, restringe-se à reprodução dos traços físicos da
figura humana sobre um suporte material qualquer”208. No mesmo tom é dada a
ênfase por Roxana Cardoso Brasileiro BORGES: “Através do direito à imagem,
protege-se a representação física de uma pessoa, seja esta fixada em fotos,
filmes, vídeos, pinturas e outros meios que reproduzem o rosto da pessoa ou
203
Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, “Imagen” (Derecho a la propia), in Nueva enciclopedia jurídica, Tomo XI, p. 304 e 305.
204 Tratado de direito privado: parte especial: tomo VII, § 738, p. 111.
205 Francisco AMARAL, Direito civil: introdução, p. 307.
206 Rene Ariel DOTTI, O Direito ao esquecimento e a proteção do Habeas Data, in Habeas
Data, p. 310.
207 Continua a autora “Abrange o direito: à própria imagem; ao uso ou difusão da imagem; a
imagem das coisas próprias e a imagem em coisas e publicação; de obter imagem ou de consentir em sua captação por qualquer meio tecnológico”, Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 146 e 147.
208 Edilsom Pereira de FARIAS, Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a
imagem versus a liberdade de expressão e informação, p. 148.
80
partes de seu corpo, sinais físicos ou gestos que possam servir à identificação
e reconhecimento”209. Assim como ressalta Jacqueline Sarmento DIAS: “O
direito à imagem é aquele direito subjetivo pelo qual o titular possui uma
faculdade de permitir ou não a divulgação, publicação e reprodução de sua
imagem conforme o seu desejo”210. E Silvio de Salvo VENOSA se preocupa
com o abuso da divulgação, afirmando: “O uso indevido da imagem traz, de
fato, situações de prejuízo e constrangimento, no entanto, em cada situação é
preciso avaliar se, de fato, há abuso na divulgação da imagem. Nem sempre a
simples divulgação da imagem é indevida, doutra forma seria inviável noticiário
televisivo, jornalístico ou similar”211 (grifos nossos).
Esses autores apresentam como objeto do direito à imagem a
imagem reproduzida, denominada também de imagem decorrente ou derivada,
ressalvando a relevância para o Direito se essa imagem é divulgada com ou
sem consentimento da pessoa retratada. Não admitem ou não mencionam que
para ter imagem é necessário existir o exemplar (imagem primitiva, original ou
matriz).
Entretanto, há doutrinadores que mencionam o exemplar. Miguel
Maria De Serpa LOPES enuncia: “A imagem humana é a matéria prima
originária, que se distingue notoriamente das projeções ou reflexos artísticos
produzidos pelos meios técnicos de manipulação, transformação ou
reprodução”212. O autor considera que a fotografia é espécie da qual a imagem
é gênero, uma vez que é apenas um dos objetos ao qual recai o direito à
imagem.
Carlos Affonso Pereira De SOUZA afirma: “(...) o entendimento de
que a imagem tutelada pelo Direito apenas compreende a representação
gráfica, particulariza em excesso o escopo da proteção, deixando descoberta
209
Roxana Cardoso Brasileiro BORGES, Dos Direitos da Personalidade, in Teoria geral do direito civil, p. 267.
210 Jacqueline Sarmento DIAS, O direito à imagem, p. 125.
211 Silvio De Salvo VENOSA, Direito civil: parte geral, p. 205.
212 Curso de Direito civil: introdução, parte geral e teoria dos negócios jurídicos, vol. 1, p. 273
e 274.
81
uma série de hipóteses em que a imagem da pessoa é violada sem que se
elabore uma reprodução gráfica da mesma”213.
O constitucionalista Luiz Alberto David de ARAUJO expõe: “A nosso
ver, a imagem apresenta duas faces: a de matriz, que deve ser preservada e é
objeto de cuidados e proteção, e a, assim chamada, imagem decorrente, ou
seja, a reproduzida por qualquer dos meios já mencionados. Há, dessa forma,
uma imagem a ser preservada, considerando os traços essenciais e especiais
de um determinado indivíduo, e a imagem que é decorrência da primeira, por
força de uma reprodução. Podemos, inclusive, denominar a primeira de
imagem primitiva, e a segunda de imagem derivada, posto que reproduzida”214.
O entendimento de imagem para esses autores não se limita apenas
e tão somente à imagem retratada. Ademais, considerar como imagem apenas
a reprodução ou imagem decorrente, gera uma omissão quanto à proteção da
imagem original da pessoa.
Walter MORAES reconhece que a ideia de imagem para os estudos
jurídicos refere-se quase sempre “(...) à tutela jurídica da representação
figurativa da pessoa tão-somente, e não da imagem como forma e aspecto
corporal do sujeito”215. E argumenta: tanto é verdade que a percepção visual de
uma figura qualquer é de quem vê e está sujeita a diversas circunstâncias,
quanto é também verdadeiro que porque existe de forma sensível e
identificável pode ser visto216. O que a câmara fotográfica capta é algo que
existe reconhecível e identificável, pois se há imagem, há o original.
Desse modo, a corrente doutrinária que admite a existência da
imagem original (primitiva, matriz) possui uma percepção completa do bem
jurídico do direito à imagem. A proteção da imagem compreende, portanto, a
213
Contornos atuais do direito à Imagem, in Revista Trimestral de Direito Civil, p. 36.
214 A proteção constitucional da própria imagem: pessoa física, pessoa jurídica e produto, p.
30.
215 Direito à própria imagem (I), in RT 443, setembro de 1972, p. 74.
216 Direito à própria imagem (I), in RT 443, setembro de 1972, p. 75.
82
proteção da pessoa enquanto imagem original, e a representação, que é o seu
retrato.
Luiz Alberto David de ARAUJO embora reconheça as duas espécies
de imagem, afirma que é desnecessária a distinção, pois em seu entendimento
elas constituem momentos diferentes do mesmo direito217, posição
acompanhada por Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona218.
Em que pese o entendimento desses autores, a compreensão da
importância da imagem original objetiva destacar que o bem jurídico do direito
à imagem não se limita à reprodução e à casuística da autorização e
divulgação da imagem decorrente. Considerar, como afirma ARAUJO, da
desnecessidade da distinção promove omissão doutrinária sobre a proteção da
imagem original, tornando incompleto o conteúdo do bem jurídico do direito à
imagem.
A imagem da pessoa pode ser atingida sem envolver a sua imagem
reproduzida ou decorrente. Por exemplo, um cirurgião plástico que deforma um
indivíduo, não obstante as regras do contrato de prestação de serviço,
ocasiona um dano à imagem original dessa pessoa. E ainda que essa
alteração não seja deformadora, basta não alcançar as expectativas pactuadas
para que a imagem original seja atingida. Não há de se falar que o bem
atingido é o da integridade física, porque eventualmente pode o indivíduo ficar
até mais formoso. Se a alteração, no entanto, causar o seu não
reconhecimento, caracterizado está o dano à sua imagem original. Como será
exposta em item apropriado, a imagem original da pessoa não se resume ao
aspecto físico, mas também a sua forma.
O que se poderia dizer é que esse dano à imagem original é de
difícil aferição ou de significância econômica reduzida, dependendo da
casuística. Esse é outro argumento detectado por Walter MORAES para
217
A proteção constitucional da própria imagem: pessoa física, pessoa jurídica e produto, p. 30.
218 Novo curso de direito civil: parte geral, p. 174.
83
justificar o porquê de a doutrina não enfrentar a questão da existência da
imagem original219.
O fato da imagem original não possuir a mesma repercussão
econômica, ocorrência e frequência da imagem reproduzida em nossos
Tribunais, não torna a proteção da imagem original irrelevante, porque
concluiríamos que para o Direito só haveria proteção daquilo que fosse
frequente e economicamente aferível. A ciência jurídica tem como escopo
aprofundar o estudo do Direito, buscando uma nova dimensão daquilo que a
comunidade jurídica tem como conceito comum.
3.4.1. Imagem original
Visto que o direito à imagem também compreende a proteção da
imagem original, é necessário determinar em que consiste essa imagem matriz.
É preciso destacar que a imagem original não se restringe à
aparência física, cor de olhos, cabelos, pele, sinais ou marcas, formatos de
rosto, nariz, boca ou olhos e mais tantas outras particularidades. Esses
elementos compõem a aparência, uma vez que envolvem o corpo, mas a
imagem humana não se limita ao corpo.
Conforme exposto no primeiro capítulo, a pessoa humana é um
composto de matéria e forma. Matéria é o corpo humano e forma é o que
especifica, determina esse corpo. O que individualiza não é a matéria, mas a
forma. A matéria identifica a espécie humana, a forma individualiza e especifica
cada ser humano, evidenciando sua originalidade.
É o que há de espiritual, psíquico, moral da natureza humana que
juntamente com a matéria produz a imagem humana.
219
Nas palavras do autor: “Não é de estranhar, todavia, a ausência da figura original do homem na mente dos legisladores. Não é a imagem, como forma indivisível em si, alvo quase inatingível dos interesses aparentes que acende diretamente conflitos e pretensões concretas, senão as suas expressões pegadas a corpos comerciáveis”. Direito à própria imagem (II), in RT 444, outubro de 1972, p. 18.
84
Nesse sentido, a primeira decisão judicial sobre direito à imagem no
Brasil, proferida pelo Juiz Octávio Kelly é exemplo:
“Funda-se essa tutela jurídica, no dever, que tem o Estado de,
assim como lhe defende o nome, a reputação e demais direitos,
amparar a personalidade física ou artística do indivíduo, revelada nos
seus traços fisionômicos naturais ou no emprego de sua inteligência e
esforço, para os tornar mais apreciáveis pela originalidade em si ou
pelo êxito da educação de suas maneiras e gestos, como
frequentemente sucede com os atores de teatro ou cinematográfico,
nas chamadas criações prediletas”220
. (Grifo nosso.)
A imagem para o direito é definida por MORAES como “forma em si
de uma personalidade (física e também moral, na expressão psíquica do
semblante, por exemplo) que, recobrindo, embora, um corpo humano, é
destacável do 8esmo, suscetível de existência múltipla e independente do seu
suporte original (conquanto nunca dispense algum suporte físico) através de
processos figurativos artísticos e mecânicos, e, como tal, uma abstração”221.
A fim de ilustrar essa definição, é oportuno analisar o caso do norte-
americano Richard Lee Norris que, após um acidente com arma de fogo, teve
seu rosto completamente desfigurado. Esse fato por si demonstra que a
aparência da figura humana compõe o bem jurídico da imagem, pois Richard
Norris relata que durante quinze anos viveu recluso, escondido atrás de uma
máscara cirúrgica, realizando suas atividades como compras apenas no
período da noite, para que não fosse visto.
220
Decisão anteriormente citada em nota 178. (Direito à própria imagem (II), in RT 444, outubro de 1972, p. 22.)
221 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), RT 443, setembro de 1972, p. 76. Do mesmo
entendimento compartilha Pascual QUINTANA: “(...) en la imagen encontramos un aspecto corpóreo y otro espiritual; por un lado, constituye la envoltura del cuerpo y como tal participa de la naturaleza de éste como conjunto de huesos, músculos y epidermis, y por otro se nos presenta bajo un aspecto psicológico. La imagen toma individualidad propia formada por elementos psicológicos; por tanto, para la construcción del concepto de la imagen humana no podemos prescindir de los elementos, tanto físicos como psíquicos, y goza de los dos estados; es un bien inmaterial de la persona en tanto y cuanto es un signo de identidad, y es inmaterial en cuanto representa la individualidad de ésta y su espíritu, y, como tales factores psíquicos, nos dan la explicación de la diferente sustancia de la imagen respecto al cuerpo, lo cual le imprime un sello de inmaterialidad”, PASCUAL QUINTANA, J. M., El derecho a la propia imagen, em “Revista de la Facultad de Derecho de Madri”, núm. 17, 1949, p. 138. Apud Gitrama González, op. cit., p. 317.
85
Em março de 2012, no Centro Médico da Universidade de Maryland,
por meio de uma cirurgia de transplante, a partir do rosto de um doador,
Richard Lee obteve um novo semblante. Contudo, curiosamente, embora tenha
recebido a doação de um “rosto”, o próprio médico que realizou a cirurgia,
Eduardo Rodriguez, afirma que eles não se parecem, tendo o resultado sido
uma combinação de dois indivíduos. Não é o exterior, a matéria, que determina
unicamente a aparência: há algo do próprio indivíduo que a determina. O novo
rosto de Richard Lee Norris, embora tenha em certa medida sido de outra
pessoa, é dele e só dele, o representa, é o “sinal sensível da sua
personalidade”222. Esse é um caso que bem exemplifica a complexidade da
imagem223.
Assim, a imagem humana é tanto o que envolve o corpo – e como
tal participa da sua natureza física, única e irrepetível –, como também a sua
individualidade em sua complexidade psicológica. A imagem traduz para o
mundo exterior o ser imaterial da personalidade, delineia-a, dá-lhe forma224.
3.5. A imagem e a Constituição Federal de 1988
Nesse ponto do trabalho é importante situar como a imagem está
prevista na Constituição Federal de 1988.
O inciso V, do Art. 5º225, prevê indenização por dano à imagem em
razão de agressão originada pela liberdade de manifestação do pensamento,
desde que o sujeito que manifesta o pensamento se identifique, para que seja
222
Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), RT 443, setembro de 1972, p. 76.
223 A notícia do transplante e as fotos do “antes, durante e depois” foram amplamente
divulgadas em jornais, revistas e telejornais. A fonte deste trabalho são as matérias da Folha de S. Paulo dos dias 27/3/2012 “Americano recebe transplante de rosto depois de ser deformado por tiro” e 17/10/2012 “Americano exibe rosto recuperado sete meses após transplante”. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1170550-americano-exibe-rosto-recuperado-sete-meses-apos-transplante.shtml>. Acesso em 23/10/2012.
224 Walter MORAES, Op. cit., p 76.
225 Art. 5º, inc. V: é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da
indenização por dano material, moral ou à imagem.
86
responsabilizado por eventual dano a terceiro (esse dano pode ser material,
moral ou em relação à imagem) e para que seja destinatário de eventual direito
de resposta daquele que se sentiu atingido pelo pensamento manifestado. No
referido inciso há, portanto, um confronto entre dois direitos fundamentais.
A doutrina constitucionalista destaca como conteúdo do inciso V o
direito de resposta, e ressalta que é assegurada indenização por dano material,
moral e à imagem. Entretanto não aprofunda sobre o que significa a previsão
constitucional de indenização por dano à imagem226, afirmando por vezes que
o dano à imagem está ligado ao dano moral227.
Os autores Luiz Alberto David ARAUJO e Vidal Serrano NUNES Jr.
afirmam até mesmo que a inclusão do dano à imagem não se trata de um novo
tipo de dano, mas apenas de facilitação da reparação, bastando comprovação
da lesão à imagem para permitir ao juiz a fixação por arbitramento da
indenização228. Contudo, os mesmos autores ao tratarem da previsão
constitucional do inciso X do mesmo Art. 5ª sobre direito à imagem destacam
como “derivativo do direito à imagem, o direito à integridade da imagem, o que
faz com que se indenize o dano estético” 229.
Ora, o constituinte ao incluir o dano à imagem não o fez para facilitar
a indenização de dano material e moral, o que fez foi reconhecer a existência
de outro dano independente dos outros dois, que incide sobre um bem jurídico
autônomo que é a imagem. Nelson NERY Jr. e Rosa Maria de Andrade NERY
em comentários ao referido inciso enunciam: “O texto não deixa dúvida quanto
à categoria do dano à imagem, distinta do dano material e moral”230.
226
Celso Ribeiro BASTOS, Comentários à Constituição do Brasil, 2º vol. (arts. 5º a17), p. 45 e 46. José CRETELLA Jr, Comentários à Constituição brasileira de 1988, vol. 1 (Art. 1º a 5º, I a LXVII), p. 213. Uadi Lammêgo BULOS, Constituição Federal anotada, p. 93.
227 É esse o entendimento de José CRETELLA Jr, Comentários à Constituição brasileira de
1988, vol. 1 (Art. 1º a 5º, I a LXVII), p. 215.
228 Curso de direito constitucional, p. 121.
229 Op. cit., p. 126.
230 Constituição Federal comentada e legislação constitucional, item 17, p. 176.
87
No que se refere à existência de dano estético, é curioso o
entendimento: o dispositivo constitucional ao explicitamente tratar do dano à
imagem não o reconheceu e, por outro lado, admitiu a existência de outra
espécie de dano, denominado estético, sem qualquer previsão constitucional.
Já o inciso X do Art. 5º231 tornou inviolável a imagem das pessoas,
bem como a intimidade, a vida privada e a honra. Para o constitucionalista José
Afonso da SILVA, esse inciso pretende assegurar o direito à privacidade232 que
compreende todas as manifestações da esfera privada e íntima consagradas
pelo texto constitucional.
Cumpre esclarecer que o termo “privacidade” trata-se de um
anglicismo originário do termo em inglês “privacy”, assimilado na língua
portuguesa, falada no Brasil, a partir da década de 1970, é utilizado com
significado de vida privada, particular e íntima233, sendo sinônimo de
intimidade234. Ressalta-se que a expressão “direito à privacidade” é criação
doutrinária, uma vez que tanto a Constituição Federal (Art. 5º, X) quanto o
Código Civil (Art. 20 e Art. 21) tratam de intimidade, imagem, vida privada e
honra e não empregam essa expressão.
Tércio Sampaio FERRAZ Jr. ao analisar o inciso X adota a
denominação de “direito à privacidade”. Entende, no entanto, que a intimidade
e a imagem, bem como, o nome e a reputação pertencem a esse direito com
gradações distintas235.
O autor demonstra que ao longo da história a distinção entre esfera
pública e privada existente na civilização greco-romana transformou-se,
perdendo suas delimitações nítidas quando se desenvolveu a ideia do social, e
231
Art. 5º, inc. X: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
232 Esclarece o autor que utiliza a expressão “direito à privacidade” em sentido genérico e
amplo por lhe parecer a que melhor explica todos os bens protegidos pelo inciso (intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas). Curso de direito constitucional positivo, p. 206.
233 Dicionário Houaiss da língua portuguesa, verbete Privacidade, p. 2300.
234 Dicionário Houaiss de sinônimos e antônimos, verbete Intimidade, p. 391.
235 Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado, in
Sigilo fiscal e bancário, p. 20.
88
foram criadas as esferas do social-público (área da política), do social-privado
(área econômica, do mercado) e a do totalmente privado (a do indivíduo)236.
Cada uma dessas esferas é marcada por um princípio característico: a esfera
social-pública é marcada pelo princípio da transparência e da igualdade;
enquanto a do social-privado caracteriza-se pelo princípio da diferenciação
(direito de ser diferente) e a da individualidade privativa pelo princípio da
exclusividade.
Para o desenvolvimento deste trabalho interessa a reflexão do autor
sobre o princípio da exclusividade. Sua função é assegurar ao indivíduo sua
identidade protegendo-o das pressões sociais e do poder público, garantindo-
lhe como exclusivas as ações e decisões pessoais que se dirigem a si mesmo
e que independem da ordem normativa ou de padrões sociais. Como
características dessa exclusividade destacam-se a solidão (fundamento do
chamado direito de estar só237), o segredo (que impõe a exigência de sigilo) e a
autonomia (que se caracteriza pela liberdade de decidir sobre si mesmo como
centro produtor de informações). É o princípio da exclusividade que rege o
direito à privacidade, e se define em ser o direito do indivíduo de excluir do
conhecimento de terceiros o que só a si mesmo é pertinente e que diga
respeito a seu modo de ser exclusivo no âmbito de sua vida privativa238.
Tércio Sampaio FERRAZ Jr. analisa sob essa perspectiva a
intimidade e a imagem. Aponta que a intimidade é no âmbito privativo o mais
exclusivo dos direitos, uma vez que não envolve terceiros e caracteriza-se pelo
desejo de estar só (atributo da solidão, acima referido)239.
Já a imagem (e também, o nome e a reputação) é própria do
indivíduo, mas só tem importância perante o outro, porque ninguém tem
imagem (nome ou reputação) para si mesmo, mas como condição de
236
Idem, p. 19.
237 Tema desenvolvido pelos criminalistas Paulo José da COSTA Jr. (O direito de estar só:
tutela penal da intimidade. São Paulo: RT, 1995) e Francisco de Assis Serrano NEVES (A tutela penal da solidão. Rio de Janeiro: Ed. Trabalhistas, 1981).
238Tércio Sampaio FERRAZ Jr, Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites à função
fiscalizadora do Estado, in Sigilo fiscal e bancário, p. 17.
239 Op. cit., p. 20.
89
comunicação. Para o autor, o direito à imagem tem um sentido comunicacional
que inevitavelmente envolve terceiros, pois se caracteriza em ser o direito de
não ver a própria imagem mercantilizada, usada, sem o seu exclusivo
consentimento, em proveito de outros interesses que não os próprios. O
princípio da exclusividade incide sobre ele no atributo da autonomia240 para, na
esfera privativa, proteger a imagem a fim de que situações e informações
avaliadas como negativas pelo seu titular ou que este não deseja ver explorada
por terceiro seja mantida ao abrigo de sua única e discricionária decisão.
Em que pese a opinião do autor, para considerar que imagem tem
um sentido comunicacional é necessário, primeiro, considerar a sua existência.
A imagem não tem apenas função comunicacional, mas também existencial, o
direito não está na relação comunicacional, mas na existência do bem jurídico.
A pessoa é livre para construir, modificar, alterar ou preservar a sua imagem
por sua vontade, por exemplo, a aparência física importa tanto para o outro,
quanto e principalmente para o titular que a reconhece como sua imagem e a
seu critério pode modificá-la por ato próprio (como se barbear) ou de outrem
(cortar e tingir os cabelos) e impedir que outros sem sua autorização o façam.
A imagem da pessoa é, por conseguinte, constitucionalmente
protegida para ser respeitada em sua integridade, sendo que a sua violação
acarretará direito a indenização por dano material e moral241.
Quanto ao inciso XXVIII, a,242 refere-se a uma situação específica
própria do direito do autor e ao denominado direito de arena. Alguns indivíduos
emprestam sua imagem para a criação de obras coletivas ou de eventos
esportivos — nesses casos caberá eventualmente pagamento pela utilização
de sua imagem. Como bem afirma Luiz Alberto David ARAUJO, o inciso não
240
Idem, p. 30.
241 O inciso X do Art. 5º da Constituição diz “dano material ou moral”, mas o STJ já se
manifestou sobre o tema entendendo que “são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato” (Súmula nº 37).
242 Art. 5º, inc. XXVIII, a: são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações
individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas.
90
traz regra nova, apenas esmiúça o direito elencado de forma genérica no inciso
X243.
Nota-se que os incisos referem-se a situações jurídicas distintas. O
inciso V trata do dano à imagem, o inciso X da inviolabilidade da imagem e o
inciso XXVIII, a, da reprodução da imagem. Nesses termos, o direito à imagem
é um direito subjetivo fundamental, abarcando um conceito de imagem que
abrange imagem original e reprodução. Essa compreensão decorre do disposto
no inciso III, do artigo 1º da Constituição Federal, que prescreve como um dos
fundamentos do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa
humana, que impõe ao Estado e aos particulares o dever de respeitar e não
atingir a imagem original da pessoa.
A Constituição Federal de 1988 ao apresentar esse conceito
completo de imagem, produz duas causas distintas de pretensão. A pretensão
cominatória para que proíba ou determine que cesse por parte do Estado ou do
particular dano, existente ou eminente à imagem original, e a indenizatória de
ressarcir os danos materiais e morais que a pessoa sofreu em relação à sua
imagem.
3.5.1. Considerações sobre a denominação imagem-retrato e imagem-atributo
Na interpretação do texto constitucional, Luiz Alberto David ARAUJO
entende que os incisos que tratam do direito à imagem não se referem a
apenas uma ideia de imagem, mas a imagens, em duas ideias diferentes.
Nessa perspectiva, adjetivou o conceito de imagem, denominando um aspecto,
de imagem-retrato, e o outro, de imagem-atributo244.
O autor identifica como imagem-retrato o conceito que afirma ser o
da tradição civilista, desenvolvido no Brasil por Antonio Chaves, Walter Moraes
243
A proteção constitucional da própria imagem, p. 108.
244 A proteção constitucional da própria imagem, p. 27.
91
e Hermano Durval e, na Itália, por Adriano De Cupis245, em que imagem é
compreendida como um direito da personalidade que engloba tanto o aspecto
físico, quanto qualquer outra expressão formal e sensível da personalidade,
como voz e gestos.
O conceito de imagem-atributo decorre, na opinião do autor, do
desenvolvimento das relações sociais. É uma consequência da vida em
sociedade, em que o sujeito “quer em seu ambiente familiar, profissional ou
mesmo em suas relações de lazer, tende a ser visto de determinada forma pela
sociedade que o cerca246”, e essa imagem pode ser atingida sem que haja
qualquer violação à imagem-retrato. Assim, exemplificando, o pai de família
tem uma imagem a ser assegurada em seu âmbito familiar, como também o
tem o profissional em relação a sua profissão, a seus clientes, fornecedores,
colegas, entre outras pessoas.
Define, assim, como imagem-atributo “o conjunto de característicos
apresentados socialmente por determinado indivíduo247” e, nesse sentido,
afirma que o conceito impõe a proteção da imagem social248 da pessoa, seja
como integrante de uma família, seja como profissional, líder religioso, político,
síndico predial etc..
Desse modo, continua o autor, o conceito de imagem-atributo
possibilita que expressões como “a imagem do Poder Judiciário” ou “a imagem
do Presidente da República” tenham sentido juridicamente, pois tutela esse
conceito social do indivíduo, permitindo até mesmo, portanto, a proteção da
imagem da pessoa jurídica, bem como seus produtos e serviços249.
A denominação “imagem-atributo” é criticada por Regina Beatriz
Tavares da SILVA, porque entende que a ideia de imagem-atributo se
245
Op. cit., p. 27 a 29.
246 Op. cit., p. 31.
247 Op. cit., p. 32.
248 Uadi Lammêgo BULOS segue o entendimento de Luiz Alberto David de Araujo. Contudo,
denomina de imagem social o que Araujo chamou de imagem-atributo, e de imagem física, a imagem-retrato. (Constituição Federal anotada, p. 97).
249 Op. cit., p. 32.
92
confunde com a honra, e afirma: “Se o legislador constituinte confundiu a honra
com a imagem no Art. 5º, V, da Lei Maior, descabe ao intérprete perpetuar a
confusão com tais denominações”250.
Apesar de a autora ter feito a crítica a respeito da denominação de
“imagem-atributo”, e do pretenso ineditismo de Luiz Alberto David ARAUJO em
criá-la, o fato é que há referências na doutrina alienígena de expressões como
“imagem de vida”, “imagem de caráter”, “imagem moral” e até “retrato moral”251.
O conceito de imagem moral é colocado por Rabindranath V. A. Capelo de
SOUZA como “conjunto das expressões instintivas, das inibições e complexos
interiores, das capacidades, talentos e deficiências espirituais, artísticas e
laborais, da consciência ética, do carácter, do temperamento e dos objetivos
existenciais de cada indivíduo”252.
Sobre a imagem-atributo ser confundida com a honra, o próprio Luiz
Alberto David ARAUJO cita exemplo em que a imagem de alguém pode ser
abalada, sem que necessariamente seja atingida a sua honra, na hipótese de
se noticiar que um grande lutador se dedique a tricotar, fato que em nada
atinge à sua honra, mas que abala enormemente a sua imagem de
“matador”253.
Observa-se que a palavra imagem é empregada pelo autor no
sentido de reputação, que significa “conceito de que alguém ou algo goza num
grupo humano” ou “renome, estima, fama”254. Esse sentido é muito próximo
também da palavra “consideração”, cujo significado é “respeito ou estima que
250
Regina Beatriz Tavares da SILVA, Sistema protetivo dos direitos da personalidade, in: Responsabilidade civil na internet e nos demais meios de comunicação, p. 25 e 26.
251 Rabindranath V. A. Capelo de SOUZA em Direitos gerais da personalidade cita essas
expressões nas páginas 148, 247 e 248 (as duas últimas em nota de rodapé). Ao mencionar esses conceitos Capelo de Souza aponta especialmente os estudos de Heinrich HUBMANN (Das Persönlichkeitsrecht, Colonia: Böhlau, 1967, p. 302 e segs.), entre outros.
252 Direitos gerais da personalidade, p. 247.
253 Op. cit., p. 120
254 O texto entre aspas são os significados do verbete Reputação citados no Dicionário
Houaiss da língua portuguesa, p. 2434. Curiosamente no verbete Imagem, entre as tantas acepções da palavra imagem, consta: “fig. opinião (contra ou a favor) que o público pode ter de uma instituição, organização, personalidade de renome, marca, produto etc.; conceito de que uma pessoa goza junto a outrem (um político precisa cuidar de sua i.) (teve a i. abalada pelo escândalo)”, p. 1573.
93
se demonstra por algo ou alguém, deferência"255. A utilização da palavra
imagem nesses sentidos indica que ARAUJO está correto em afirmar que não
se confunde com a honra.
Em que pesem os argumentos de Regina Beatriz Tavares da Silva
sobre o constituinte ter confundido imagem com honra no inciso V, do Art. 5º da
Constituição, temos um consideração diferente. Entendemos que isso não faz
sentido, porque afinal no inciso X do mesmo artigo são utilizadas as palavras
honra e imagem, o que significa que o constituinte reconheceu a diferença
entre elas. Ademais, se trocasse no inciso V o dano à imagem por honra, em
que esta se distinguiria do dano moral? A crítica da autora representa mais um
incômodo pelo constituinte ter à primeira vista criado outra espécie de dano,
além de material e moral, do que realmente ao equívoco de chamar honra de
imagem.
Retomando as ideias de imagem-retrato e imagem-atributo, vale
observar que o texto constitucional não faz essa distinção, apenas utiliza
“imagem”. Portanto, o esforço do exegeta deve se dar na direção de explicar
qual é o significado da palavra imagem, e por consequência o conteúdo do
direito à imagem.
Como afirmado anteriormente, imagem é a representação exterior
de uma pessoa; sua figura é um composto de matéria e forma, que não se
limita aos ossos, músculos, pele e tantas outras características físicas. Vai
além delas, incluindo a própria anima, cujo significado é a “forma substancial
de um ser vivo”256. Forma, contudo, não deve ser compreendida como forma
externa (disposição externa das linhas e dos volumes de um ser material), mas
como o princípio animador de todo o ser vivo257.
Assim, a imagem de uma pessoa não é apenas sua aparência física,
mas também a sua aparência. Quando se vê os olhos de uma pessoa, o que
255
Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 808.
256 Marie-Joseph NICOLAS, Vocabulário da Suma Teológica, in: Suma Teológica: teologia,
Deus, Trindade. V. 1. Parte I – Questões 1- 43, verbete Alma (anima), p. 73.
257 Idem, verbete Forma, p. 83. Retoma-se nesse ponto ao conceito do hilomorfismo grego
desenvolvido no item 1.3.”Natureza Humana”.
94
se nota é muito além da cor, formato ou marcas, o que se nota é o brilho, o
mistério, a tristeza desses olhos. O mesmo se diz do sorriso: o que se observa
não são exatamente os dentes ou o formato da boca, mas a alegria, o modo de
sorrir. A própria indústria da moda, da publicidade, da televisão ou do cinema
reconhece essa característica. Embora a beleza física seja importante para
essa indústria, o recrutamento do modelo não se dá apenas pela estética, mas
principalmente pela sua personalidade, pela mensagem que sua figura
transmite.
Dessa maneira, Luiz Alberto David ARAUJO ao distinguir imagem-
retrato e imagem-atributo tem o mérito de notar que a imagem não se limita à
aparência física, que há algo mais. Tal distinção foi aceita ou atendeu as
expectativas da comunidade jurídica até o momento. Contudo, se defende
nesse estudo que a distinção de imagem-atributo e imagem-retrato é
desnecessária porque o significado de imagem forçosamente contém esses
dois sentidos.
A fim de ilustração, obsta-se à distinção de imagem-atributo e
imagem-retrato porque não resolve o problema da imagem de crianças, pois é
evidente que esta tem direito à imagem retrato. Mas teria em relação à imagem
atributo, se esta é definida como aquela reconhecida socialmente? Ora, qual é
o reconhecimento social de uma criança pequena?
O ilustre constitucionalista adjetiva o bem jurídico imagem. O que se
deve compreender, no entanto, é que esse bem jurídico possui duas espécies,
repetindo: a imagem original (exemplar ou matriz) e a imagem decorrente
(reprodução, refletida). As duas espécies de imagem (original e decorrente)
possuem o mesmo atributo, não há dissociação da imagem original com o seu
retrato — o que o sujeito é, transparece em sua figura.
95
4. DA AUTONOMIA DO DIREITO À IMAGEM
O direito à imagem, antes de ser considerado um direito autônomo,
esteve submisso a outras teorias que definiam o bem jurídico e a natureza
jurídica do direito à imagem. Para um direito ser considerado autônomo, é
necessário verificar se o bem jurídico que constitui objeto desse direito é
independente de outro bem jurídico.
Na pesquisa sobre o bem jurídico do direito à imagem, o espanhol
Gitrama González identificou sete teorias. A primeira foi de caráter negativista,
que sequer reconheceu a existência do direito à imagem. As demais teorias
pretenderam estabelecer os contornos de definição desse bem jurídico atrelado
a outros bens jurídicos, como: honra; intimidade; manifestação do direito ao
próprio corpo; liberdade, patrimônio moral da pessoa e identidade pessoal258.
4.1. Teorias sobre a natureza jurídica do direito à imagem
4.1.1. Teoria negativista
No final do século XIX e início do século XX predominava a teoria
que negava a existência do direito à própria imagem. Evidentemente, esta é
uma teoria superada, específica de uma época em que não era possível
perceber a dimensão que a tecnologia alcançaria no mundo contemporâneo,
notadamente na captura de imagem e da reprodução da figura humana.
258
Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, “Imagen” (Derecho a la propia), in Nueva enciclopedia jurídica: Tomo XI, p. 320 a 329.
96
GITRAMA González destacou três argumentos dos autores da
época para negar o direito à própria imagem259.
O primeiro deles afirmava que a proteção da própria imagem
impediria a manifestação artística e o seu desenvolvimento. Argumento
refutado pelo autor, pois a arte figurativa se desenvolveu muito bem apesar da
proteção jurídica da imagem. A proteção da imagem não impede a
manifestação artística, apenas obriga que o modelo dê o seu consentimento
para a captura de sua imagem, porque “é a arte que deve estar a serviço da
pessoa, e não o contrário”260.
O segundo argumento para a negação partia da premissa de que a
imagem da pessoa nasce com ela – e, portanto, não é resultado de um esforço
seu –, até concluir que a proteção jurídica deveria caber a quem captura a
imagem. Para essa teoria o que prevaleceria era o direito de autor. Argumento
também afastado por Gitrama González: ao afirmar que entender que o bem
jurídico da imagem centra-se apenas no direito de autor é considerar que a
imagem só é relevante para quem captura ou cria essa imagem, relegando a
imagem em si. Se tal raciocínio fosse plausível, continua o autor, poderia se
admitir que o direito à vida é irrelevante em relação ao direito do fabricante de
armas261. Com isso, estaria o ordenamento jurídico abandonando bens
jurídicos como a imagem, a vida, por outros bens relacionados com a criação
humana e a propriedade.
Um último argumento partia da premissa de que se as pessoas
podem ser vistas umas pelas outras, quem fotografa alguém na rua, com ou
sem autorização, não fere nenhum direito, pois quem se expõe visivelmente a
seus semelhantes, permite que seja visto. Assim, não importa se quem vê
imprima a imagem de maneira fugaz na retina ou de maneira duradoura em
uma fotografia. A esse argumento GITRAMA responde que as câmeras
259
Autores citados por Gitrama González são: SCHUSTER; KOHLER (1903); GALLEMKAMP (1903); COVIELLO, ROSMINI, PIOLA CASELLI (1904); VENZI (1928) e PACCHIONI (1905).
260 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, “Imagen” (Derecho a la propia), in Nueva enciclopedia
jurídica, p. 320.
261 Idem, ibidem.
97
fotográficas são providas de lentes teleobjetivas que captam imagens
imperceptíveis para o olhar humano262.
4.1.2. Teoria do direito à imagem como direito à honra
No âmbito do direito à honra, o direito à imagem encontrou suas
primeiras soluções jurisprudenciais no séc. XIX, especialmente nos tribunais
franceses, alemães e norte-americanos. Essas primeiras decisões de direito à
imagem referiam-se ao retrato com fundamento na proteção da honra263. Isso
se deu simplesmente porque a questão jurídica sobre a honra ocorre desde a
Antiguidade, e a da imagem relaciona-se ao mundo moderno.
A honra é um bem jurídico previsto desde as Leis de Manu, que
puniam as imputações difamatórias e as expressões injuriosas, passando pelos
gregos na legislação de Sólon e os romanos que puniam qualquer ofensa
intencional e ilegítima à personalidade, dentre elas a honra264. Também na
Idade Média, o direito canônico se ocupou da ofensa à honra e à fama265 e
igualmente o fez, em época mais recente, o direito francês mediante o Código
de Napoleão, e o direito alemão por intermédio do Código de 1870266, apenas
para citar as legislações que mais influenciaram o nosso sistema267.
O jurista Alfredo ORGAZ afirma que a imagem não é protegida em si
mesma, somente será protegida quando houver prejuízo à honra objetiva ou
262
Idem, ibidem.
263 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 68.
264 Nélson HUNGRIA, Comentários ao Código Penal, p. 32.
265 Tomas de AQUINO, Suma teológica: Seção II da Parte II, q. 72 e q 73, p. 208 e ss.
266 Nélson HUNGRIA, Comentários ao Código Penal, p. 33.
267 Na legislação portuguesa por longo período as ofensas à honra eram resolvidas pelas
armas. No tempo do rei D. Afonso IV, no entanto, as ações judiciais em razão da injúria já eram populares, tanto que foi necessário editar a Lei de 12 de março de 1393, determinando que apenas se admitisse ação de injúria se o autor desse fiança para indenizar o réu caso não provasse o alegado, e mandava punir a injúria verbal com pena arbitrária e pecuniária (Ord. Liv. 1, Tit. 65, §25) e reputava maior e mais grave a injúria feita em lugar público (Ord. Liv. 5, Tit. 36, §1, Tit. 63, §1 e Tit. 89, §5). JORDÃO, Levy Maria. Commentario ao Codigo Penal Portuguez. Tomo IV. Typografia de José Baptista Morando: Lisboa, 1854, p. 210.
98
subjetiva. Trata-se de uma manifestação singular de proteção da honra contra
exibições ou publicações injuriosas, compreendendo também todo o prejuízo
ou lesão a qualquer interesse moral digno de consideração268.
Na legislação brasileira, a proteção da honra pela via penal ocorre
na figura dos tipos penais da injúria, difamação e calúnia. Sua finalidade é
proteger os interesses jurídicos dos cidadãos, consistindo na preservação da
própria honra, pois esta lhe é útil, como também há o fim mediato de preservar
a sociedade de animosidades que podem levar a inimizades, ódios e violência.
Sendo a honra objeto jurídico tutelado pelo direito penal, foi
amplamente analisada pelos penalistas, que a definiram: “Em sua acepção
objetiva é a honra o valor que tem a pessoa na sociedade, a consideração ou
reputação que adquire pela sua conduta privada ou pública, pelo
preenchimento dos deveres que a posição impõe. Pressupõe, primeiramente, o
valor moral da pessoa, sua probidade, retidão, lealdade, caráter íntegro, e
depois o valor ou o preenchimento dos deveres que a posição impõe”269. (A
ortografia foi atualizada.)
A doutrina distinguiu, portanto, duas espécies de honra. Uma que se
caracteriza como o sentimento da própria dignidade, denominada honra interna
ou subjetiva. A outra é caracterizada pelo reconhecimento e respeito dirigido ao
sujeito por aqueles que o cercam. Seu objeto é a reputação, a boa-fama, e tal
espécie é denominada honra externa ou objetiva.
As duas espécies identificadas se complementam. A necessidade
humana de viver em uma sociedade impõe ao indivíduo o desejo de ser aceito
e reconhecido em seu grupo social. A sua reputação é, portanto, um bem
precioso, e esse reconhecimento que lhe traz satisfação, permite que construa
internamente a consciência de seu próprio valor moral e social, de sua própria
dignidade. Como explica Nélson HUNGRIA: “A vigilante consciência da
utilidade que ao indivíduo, no convívio social, advém da estima e favorável
268
Alfredo ORGAZ, Personas individuales, p. 163 e 164.
269 Galdino SIQUEIRA, Projecto de Codigo Penal Brazileiro, p.109.
99
opinião dos outros (honra objetiva), é que apura e exalta o sentimento íntimo
da dignidade pessoal (honra subjetiva)”270.
O mesmo autor ensina que a honra pode ser atingida por meio da
linguagem falada, escrita ou mímica271. Pela fala entende-se a ofensa emitida
diretamente ou reproduzida por qualquer meio mecânico, como telefone, rádio,
alto-falante, televisão, entre outros veículos. Pela escrita é a ofensa
manuscrita, datilografada, impressa ou digitada; e pela mímica por meio
simbólico ou figurativo, como pintura, escultura, fotografia, filme, caricatura,
entre outros suportes272.
Logo, a fotografia seria um dos modos de atingir o direito à honra e
de modo bastante efetivo, pois a visualização de uma cena é usualmente mais
impactante ao sujeito que recebe a mensagem do que o ouvir dizer, além de
que a imagem fotográfica tem a característica da presunção de que a cena
fotografada é real273.
E são muitas as hipóteses em que uma fotografia pode atingir a
honra do indivíduo, por exemplo, é possível por meio de montagens,
adulteração ou truques fotográficos realizar uma imagem ofensiva ao indivíduo.
Mesmo uma fotografia sem nenhuma modificação pode ser ofensiva, se captar
um gesto ou uma expressão não condizente com o prestígio da pessoa
fotografada, como também pode ser ofensiva à honra uma fotografia
verdadeira em que a pessoa retratada faz uma pose bonita, mas a fotografia é
exibida ou divulgada em local inapropriado.
Justamente em razão dessas hipóteses de ataque à honra do
indivíduo por meio de sua imagem, e na ausência de qualquer legislação que
270
Nélson HUNGRIA, Comentários ao Código Penal: vol. VI – arts. 137 a 154, p. 37.
271 Nélson HUNGRIA, op. cit., p. 36.
272 Esclarecimento: o autor utiliza a palavra “mímica” no sentido de representação em geral e
não apenas no sentido de imitação.
273A lei portuguesa de 26 de abril de 1435, editada por D. Diniz, já reconhecia que a injúria
escrita por meio de pasquins ou cartazes difamatórios era mais grave que a injúria verbal, sendo punida com pena maior que a injúria verbal. Essa lei foi compilada tanto pelas Ordenações Afonsinas (Liv. 5, Tit. 117) quanto pelas Filipinas (Liv. 5, Tit. 84). Levy Maria JORDÃO, Commentario ao Codigo Penal Portuguez, Tomo IV, p. 210.
100
tratasse de um direito à própria imagem, houve a necessidade de a doutrina
desenvolver a tese de que o direito à própria imagem era apenas uma faceta
do direito à honra274, o que foi aceito prontamente pela jurisprudência.
Neste trabalho, já apresentamos a denominação imagem-atributo275.
Retomando esse tema, à primeira vista ela poderia ser entendida como parte
do direito à honra, uma vez que imagem-atributo consiste “no conjunto de
características apresentadas socialmente por determinado indivíduo”276.
Entretanto, ela não pode ser confundida com a honra-objetiva277, pois a honra é
um valor moral, enquanto a imagem-atributo é uma construção.
Cada indivíduo, a seu modo, constrói uma imagem social que não
está necessariamente ligada à sua honra, por exemplo, a de ser ateu, religioso,
comunista, feminista, moderno, conservador, profissional, entre outras
possibilidades. Essas características compõem a sua imagem e em nada se
referem à honra.
Comenta Levy Maria JORDÃO, penalista português, a distinção que
o antigo Código Penal Português fez entre “honra” e “consideração”, ao tipificar
os crimes de difamação e calúnia como a imputação a alguém de um fato
determinado ofensivo a sua honra ou a sua consideração. O autor narra
discussão parlamentar sobre o tema em que se concluiu: “A consideração
entende-se especialmente da estima que cada um pode ter adquirido no estado
que exerce, estima que é para ele uma propriedade preciosa, e que a
difamação poderia atacar sem ofender a sua honra, mas pode sê-lo nas outras
qualidades morais que o fazem considerar na opinião pública como bom
negociante, bom advogado, bom médico etc.”278. (A ortografia foi atualizada.)
274
Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, op. cit., p. 323.
275 Vide item 3.5.1. “Considerações sobre a denominação imagem-retrato e imagem-atributo”.
276 Luiz Alberto David de ARAÚJO, A proteção constitucional da própria imagem, p. 32.
277 Luiz Alberto David de Araújo indaga em um primeiro momento se a imagem-atributo seria
um conceito coincidente com a honra-subjetiva, para afastar a hipótese logo em seguida (Op. cit., p. 34 e 35).
278 Levy Maria JORDÃO, Commentario ao Codigo Penal Portuguez. Tomo IV, p. 207.
101
O bem denominado “consideração”, tutelado pelo Código Penal
português do séc. XIX, parece ser o que Luiz Alberto David ARAUJO
denominou de “imagem-atributo”, que é distinto do conceito de honra.
A tese da honra é comum, mas não esclarecedora. Muito embora a
violação ao direito à imagem possa ferir a honra, atrelar uma a outra é, nas
palavras de Walter MORAES, uma construção teórica “’suicida’, pois quer
instituir um direito sem objeto próprio, um direito à imagem cujo bem tutelado é
a honra”279.
Para Walter MORAES, essa teoria não se justifica nem mesmo
como tese para fundamentar a proteção jurídica da imagem, pois não explica
hipóteses em que a pessoa vê sua imagem divulgada, exposta em situações
que não atingem sua honra, por exemplo na utilização de fotografia de outro
como se fosse sua própria, ou na promoção comercial em que se exalta a sua
beleza, que, ao contrário de ofender, elogia280.
A teoria do direito à imagem ligada ao direito à honra é na verdade a
teoria negativista atenuada281 ou, nas palavras de Santos CIFUENTES, uma
evolução da teoria negativa282. GITRAMA González explica que, para os
defensores da teoria, a imagem não é um objeto do direito, mas um meio pelo
qual se pode violar um direito, especialmente o direito à honra283. Enfim, não é
a imagem em si mesma que recebe proteção, e sim a honra.
Tal teoria, embora superada pela doutrina, até hoje é motivo de
fundamento de muitas decisões judiciais sobre o direito à imagem. Mesmo para
aqueles que admitem a autonomia do direito à imagem, é difícil abandonar a
associação com o direito à honra. Como ilustração dessa conduta, houve o
julgado do TST que, ao analisar pleito de indenização por dano moral pela
279
Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 69.
280 Idem. Do mesmo entendimento: Gustavo TEPEDINO, Código Civil interpretado: conforme
a Constituição da República, v. 1, p. 55, e Carlos Affonso Pereira de SOUZA, Contornos atuais do direito à imagem, p. 51.
281 Silma BERTI, Direito à própria imagem, p. 85.
282 Derechos personalísimos, p. 504.
283 Op. cit., p. 323.
102
veiculação da imagem de empregado que trabalhava como segurança de
programa de televisão que exibia brigas de cônjuges traídos, justificou a
decisão negando provimento ao Agravo de Instrumento:
“(...) ‘há direito de indenização se a divulgação da imagem ferir a
honra, boa fama ou respeitabilidade do indivíduo, ou se for utilizada
para fins comerciais’, hipóteses que não restaram configuradas na
situação dos autos. Portanto, o tribunal a quo, ao negar o pedido de
condenação da reclamada no pagamento de indenização por danos
morais, aplicou os artigos supracitados”. (Art. 5, X, da CF e Art. 20 do
CC) 284
. (Grifo nosso.)
Ressalte-se que na análise do acórdão a decisão do TST nos parece
adequada, mas por outro motivo: o do consentimento tácito do empregado que
desde sua contratação sabia que o programa era levado ao ar no modo em que
era gravado, e sua função era de estar presente no evento para garantir a
integridade física dos participantes apartando eventuais brigas.
4.1.3. Teoria do direito à imagem como expressão do direito à intimidade
Muitas vezes o direito à própria imagem aproxima-se da intimidade,
uma vez que, ao se fotografar, retratar, filmar alguém, captura-se o instante, a
fração de tempo, vivida por aquela pessoa (evidente que nesse caso não se
trata de profissionais, modelos ou atores, no exercício de suas funções). Esse
momento único e irrepetível se eterniza por meio da imagem captada. Esse
momento em tese só deve interessar àquele que o vivencia. Ao se captar a
imagem de alguém sem o seu consentimento em situações vividas em âmbito
particular invade-se a sua intimidade.
284
TST, AIRR, 37240-76.2007.5.02.0202, 2ª Turma, Rel. Renato de Lacerda Paiva, j. 09.02.2011.
103
Santos CIFUENTES sustenta que intimidade e privacidade285 são
conceitos equivalentes, assim como a distinção de que a intimidade
compreende situações mais reservadas e privacidade de situações que não
são públicas, tão pouco íntimas286, constitui apenas no esmiuçar de um
fenômeno inteiro e único que é a intimidade287.
A intimidade, na definição de Walter Moraes, “compreende esfera
exclusiva da vida privada de cada um, velada à indiscrição alheia288”, e a
própria imagem participa desta esfera privada assim como o segredo e a
correspondência. Desse modo, se a própria imagem é componente da
intimidade individual, quem capta imagem de outrem sem o seu consentimento,
invade sua intimidade.
Esse entendimento segundo a crítica de Walter Moraes é “uma
teoria algo mais convincente que a da honra”289 e encontrou também grande
aceitação na jurisprudência francesa290 e na doutrina. GITRAMA González
ensina que esse é o entendimento denominado right of privacy do sistema
anglo-americano, ou diritto alla riservatezza da doutrina italiana, ou, ainda, o
“direito da esfera secreta da própria pessoa” da doutrina alemã291.
285
Sobre “privacidade”, vide oitavo parágrafo do item 3.5. “Imagem e a Constituição Federal de 1988” desse trabalho.
286 Para ilustrar essa situação, Vazquez FERREYRA exemplifica, no caso dos praticantes de
esportes no clube no fim de semana, que não se trata de uma situação íntima, mas pertence a sua vida privada (Responsabilidad Civil por Lesión a los Derechos de la Personalidad, in Derecho de daños: segunda parte. Buenos Aires: La Rocca, 1996). O exemplo é citado indiretamente por Celso Ribeiro BASTOS, Comentários à Constituição do Brasil: Arts. 5º a 17, p. 64; expressamente por Santos CIFUENTES (Derechos personalísimos, p. 547) e por Antonio Jeová SANTOS (Dano moral na internet, p. 178).
287 O tema também foi desenvolvido no item 3.5. “A imagem e a Constituição Federal de 1988”.
288 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 70.
289 Ibidem, p. 70.
290 Cf. Silma BERTI, Direito de imagem, p. 75.
291 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, op. cit., p. 326.
104
Entre os autores que adotaram este posicionamento, encontra-se
Adriano de CUPIS292, para quem o direito à imagem é uma das manifestações
do direito de resguardo, e a violação a esse direito não atinge o corpo ou altera
qualquer das suas funções (alusão do autor à teoria que entende o direito à
imagem como manifestação ao próprio corpo), mas promove uma mudança na
reserva ou discrição pessoal que se torna exposta pela violação. Assim, em
razão da necessidade do sujeito proteger sua individualidade, cria-se o direito
próprio de resguardar a sua imagem293.
Em que pese a reflexão doutrinária de ligar direito à própria imagem
ao direito à intimidade, a própria teoria cria numerosas exceções para afastar
uma da outra e permitir a divulgação da imagem em alguns casos, por exemplo
interesse público, artístico ou científico, consentimento implícito da pessoa
pública ou famosa, consentimento tácito de quem está em área pública etc.
Esse entendimento também não explica a hipótese da usurpação de
imagem já levantada na teoria da honra, em que o indivíduo utiliza-se de
imagem de outrem como se sua fosse, pois esta situação não afeta a
intimidade, e mesmo assim é proibida294.
Outra crítica de Walter Moraes que merece ser considerada: se a
imagem estiver ligada à intimidade, quando se autoriza a exposição e
divulgação da própria imagem também se autoriza a exposição e divulgação da
intimidade. Assim, não será possível posteriormente pretender proibir a
292
Contudo, antes de analisar o posicionamento do autor é preciso fazer breve referência ao significado da palavra “riservatezza”. O tradutor brasileiro da obra para o português preferiu a palavra “resguardo” como a mais apropriada para expressar a ideia (Adriano de Cupis, Os direitos da personalidade, p. 140, nota do tradutor). Mas outros autores, como Serrano Neves, comentam a obra de Adriano Cupis utilizando-se da expressão “reserva pessoal” (A tutela penal da solidão, p. 71). Já Walter Moraes preferiu a palavra “intimidade” (Op. cit., p. 70), denominação esta adotada neste trabalho. E Gitrama González utiliza-se da expressão “reserva da vida privada” (Op. cit., p. 326).
293 Adriano de CUPIS, Os direitos da personalidade, p. 140. Do mesmo entendimento: Luis
DIEZ-PICASO e Antonio GULLON, Sistema de Derecho civil: introducción, derecho de la persona, negocio jurídico, p. 324. Antonio CHAVES, Tratado de direito civil: Parte Geral, vol. I, p. 540. Pontes de MIRANDA, por sua vez, rejeita expressamente o posicionamento de Adriano de Cupis (Tratado de direito privado: parte especial: tomo VII, p. 115).
294 Art. 307 do Código Penal Brasileiro: “Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para
obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem: Pena –detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave”.
105
exposição e divulgação dessa imagem, porque afinal a intimidade já foi
devassada, não existe mais295.
Em que pese o entendimento doutrinário de essa teoria ter sido
superada, a jurisprudência do STJ associa o direito à imagem com a
intimidade, conforme acórdão que não conheceu do recurso no caso de
divulgação, em jornal de grande circulação, de fotografia obtida sem
autorização de banhista de topless em praia de Santa Catarina296.
Ora, o bem jurídico da imagem é independente da intimidade (ou
privacidade). Se a pessoa se expõe em um ambiente não se presume que
autorize a divulgação de sua imagem na mídia. Ao fazer topless na praia, a
mulher pode querer se expor ao sol e se bronzear sem deixar marcas, provocar
os outros populares com seu comportamento ou até mesmo achar natural essa
prática que é aceita em muitos lugares do mundo. Ao realizar o topless, aceita
e assume os contratempos do local em que se encontra, mas isso não
significa, no entanto, que autoriza sua exposição além daqueles limites. Até
porque, como afirma a melhor doutrina, o consentimento para captação,
divulgação e exposição, deve ter interpretação restritiva297.
O que se constata, por fim, é que a proteção da imagem não está
atrelada à proteção da intimidade298. A teoria que afirma uma abranger a outra,
a intimidade abarcar a imagem, cria um direito sem objeto.
295
Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 71. No mesmo entendimento inclui-se Edilsom Pereira de FARIAS, Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação, p.150.
296 “DIREITO CIVIL. DIREITO DE IMAGEM. TOPLESS PRATICADO EM CENÁRIO PÚBLICO.
Não se pode cometer o delírio de, em nome do direito de privacidade, estabelecer-se uma redoma protetora em torno de uma pessoa para torná-la imune de qualquer veiculação atinente a sua imagem. Se a demandante expõe sua imagem em cenário público, não é ilícita ou indevida sua reprodução pela imprensa, uma vez que a proteção à privacidade encontra limite na própria exposição realizada. Recurso especial não conhecido”. (REsp 595600/SC: Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 4ª Turma, j. 18.03.2004, DJ 13/09/2004 p. 259).
297 Fábio Siebeneichler de ANDRADE, Considerações sobre a Tutela dos Direitos da
Personalidade no Código Civil de 2002, in O novo Código Civil e a Constituição, p.113. Anderson SCHREIBER, Direitos da personalidade, p. 114.
298 Ementa: “I- A proteção à imagem, consagrada no art. 5º, inciso X, última figura da
Constituição Federal, se estende não só às reproduções corpóreas, através de fotografias ou filmagens, mas a todas as características pessoais do lesado, desde o seu nome até sua conduta ético-social. II- O resguardo à imagem, vedando sua utilização não autorizada para
106
4.1.4. Teoria do direito à imagem como manifestação do direito ao próprio corpo
Essa teoria supera, na opinião de Walter Moraes, todas as outras
em originalidade e profundidade299, pois é a primeira que se afasta do
casuísmo de retratos e bustos para voltar-se à imagem da pessoa em si,
elegendo o corpo físico do ser humano como objeto de proteção jurídica.
Para essa teoria, se o ser humano tem direito sobre o seu próprio
corpo, também tem sobre a imagem dele. Nesse sentido, o direito ao próprio
corpo engloba a estrutura física em si (o corpo físico, propriamente dito) e a
imagem que este produz, entendida como manifestação do corpo ou como
parte dele.
Santos CIFUENTES explica que, para essa teoria, do mesmo modo
que a pessoa tem direito a seu próprio corpo, deve ter sobre a própria imagem,
a qual é sua fiel reprodução, tal qual a sua sombra300.
GITRAMA González critica a teoria afirmando que, a despeito da
opinião dos autores que a defendem301, toda e qualquer legislação que
reconheceu o direito à própria imagem não o fez com intenção de tutelar o
corpo humano, pois quando se infringe a proibição de reproduzir imagem
alheia, não significa em absoluto que houve ofensa física ao corpo da
pessoa302.
fins mercantis, nada tem a ver com a proteção à intimidade. São valores distintos, ainda que protegidos pelo mesmo dispositivo constitucional. III- A circunstância de o autor ser pessoa de conduta extrovertida, na qual se destacam as bravuras sexuais, não autoriza que, em revista destinada a voyeurs, se use sua imagem para aumentar, através do envolvimento não autorizado de seu nome, a vendagem da publicação”. (Grifo nosso.) Decisão do TJRJ, Einf. 149/99, 9º CC., Rel. Des. Bernardo Garcez Neto, j. 27/05/1999. REV. DIREITO DO T.J.E.R.J., vol. 42/155.
299 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 73.
300 Derechos personalísimos, p. 503.
301 Gitrama González cita entre os autores que defendem a teoria do direito à imagem como
manifestação do próprio corpo: AMAR, CAMPOGRANDE, FADDA y BENSA, GAREIS, DEGNI e CARNELUTTI. Op. cit., p. 325. Santos CIFUENTES cita também KEYSSNER e ROMANELLI. (Idem, ibidem.)
302 Ibidem.
107
Igualmente é a posição de Walter Moraes ao afirmar que imagem é
a forma em si de uma personalidade que embora recubra um corpo humano,
se destaca dele, visto que, por meio de processos figurativos e mecânicos, a
imagem passa a ter existência múltipla e independente desse suporte
original303.
Portanto, o direito à própria imagem não é parte do direito ao próprio
corpo, vez que a imagem não é algo físico, mas abstrato – é um bem ligado
aos direitos da personalidade, embasado na dignidade humana, e não no corpo
físico.
4.1.5. Teoria do direito à imagem como direito relacionado com a liberdade
Essa teoria sustenta que o sujeito titular da imagem retratada tem
direito à liberdade de permitir ou não divulgação de sua imagem. Assim, aquele
que divulga imagem de outrem sem a sua autorização atinge o direito deste de
ser livre para manifestar sua imagem quando quiser, pois é direito de cada
indivíduo limitar ou não o seu contato com a sociedade, não cabendo a terceiro
ampliá-lo.
GITRAMA González ensina que para os autores que defenderam
essa teoria304 a ideia de liberdade comporta a permissão de cada pessoa
escolher com quem e em qual grau quer relacionar-se. Na hipótese de uma
pessoa querer manter-se incógnita, a publicação de sua imagem sem
autorização violará essa sua vontade, pois outras pessoas, que não aquelas,
que deseja, conhecerão sua figura.
O mérito dessa teoria consiste no entendimento do direito à própria
imagem dissociada da ideia de injúria e de ofensa, bastando a publicação sem
autorização para caracterizar a violação ao direito.
303
Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972 p. 74.
304 Gitrama González cita OSTERRIETH, DEL VECHIO e RICCA BARBERIS, Op. cit., p. 328.
108
Contudo, Walter MORAES critica a teoria ao afirmar que a liberdade
pode ser circunstância que envolve o direito à imagem, mas não objeto desse
direito, vez que a publicação sem autorização não cerceia a liberdade do
indivíduo, não a atinge: apenas contraria a faculdade que o indivíduo tem de
uso exclusivo da sua própria figura, o que, nas suas palavras, “são coisas
muito diferentes” 305.
4.1.6. Teoria do direito à imagem como patrimônio moral da pessoa
A tese parte da ideia de que existem direitos patrimoniais e
extrapatrimoniais, em que o primeiro se define como conjunto de direitos e
obrigações de uma pessoa apreciável economicamente e, o último,
consequentemente, como o que não tem valor econômico. Esses direitos
extrapatrimoniais constituiriam, então, um patrimônio moral da pessoa306.
Para a doutrina clássica inexiste pessoa sem patrimônio, pois toda
pessoa que vive em sociedade participa de situações jurídicas apreciáveis
economicamente. Ensina Caio Mario da Silva PEREIRA que pessoa e
patrimônio são ideias indissociáveis, e por essa razão patrimônio é definido
como projeção da personalidade civil307. O autor define projeção da
personalidade como um complexo de relações jurídicas308, e é nesse sentido
que direitos e bens compõem o patrimônio apreciável economicamente ou não.
A teoria parte da concepção de patrimônio que compreende o direito
à imagem como patrimônio moral. Conforme explica GITRAMA González,
aqueles que desenvolveram a teoria afirmam que se o patrimônio é uma noção
abstrata que implica na íntima relação deste com a personalidade, é lógico
concluir que as características que são vinculadas à personalidade, que
305
Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 74.
306 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, op. cit., p. 329.
307 Instituições de direito civil, v. 1, p. 393.
308 Idem, ibidem.
109
emanam dela, incluem-se nessa noção de patrimônio309. De tal modo que o
direito à imagem pertenceria, assim, a esse patrimônio moral, juntamente com
outros direitos de personalidade.
Justamente por servir a qualquer direito de personalidade, Walter
MORAES entende carecer a essa teoria conteúdo que a sustente, pois o objeto
do direito analisado é a imagem e é sobre esse bem jurídico que a ordem
normativa disciplina. Em sua opinião, não há necessidade de “se buscar
paradigma na figura das categorias patrimoniais”310.
4.1.7. Teoria do direito à imagem como manifestação do direito à identidade pessoal
Essa teoria traça um paralelo com o direito ao nome. Se o nome é
um signo de identificação, a imagem também o é311, e com muito mais eficácia,
porque é possível que a própria pessoa esqueça o seu nome em razão de
perda parcial ou total da memória, mas sempre possuirá uma imagem, uma
figura.
A imagem da pessoa a identifica, a faz reconhecida, tanto por ela
mesma quanto por outros. Cada pessoa é um ser único e por consequência
diferente de outro. Essa identificação importa em individualização. Haverá
violação ao direito à própria imagem quando houver usurpação, adulteração ou
qualquer outra lesão a essa identidade pessoal. Nesse sentido, haveria lesão
ao direito à própria imagem quando se utiliza a imagem de outrem como se
fosse sua, ou quando se nega ser a imagem da pessoa dela mesma.
309
Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, op. cit., p. 329.
310 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 74.
311 Idem, p. 71.
110
Pontes de MIRANDA exemplifica: tanto viola o direito à imagem
quem vende retrato de A, como sendo de B, quanto o que nega que o retrato
de A seja de A, ou o que usa o retrato de A como seu312.
Entende o autor que o direito à própria imagem tem natureza de
direito da personalidade quando a imagem é utilizada para identificação
pessoal (tal qual o nome). À primeira vista, essa afirmação parece conter uma
verdade verificável, contudo falta precisão ao significado de “imagem”313.
Na imprecisão está o equívoco de Pontes de Miranda, porque toda a
construção de seu pensamento quanto ao direito à imagem repousa nas
características visíveis do indivíduo que servem à sua identificação, tanto que a
compara ao nome (que tem certamente função identificativa314). Porém, a
identidade em si é uma coisa, já a imagem, objetivamente considerada, é outra
e da identidade se distingue.
Referindo a essa função identificadora Walter MORAES escreve:
“Não há como negar o valor especificamente individualizador da imagem da
pessoa no conjunto dos sinais que a distinguem das demais. A aparência
exterior, ou a forma corporal do homem, é, aliás, o primeiro e mais relevante
dado da identidade de qualquer indivíduo”315.
Nesse sentido, também GITRAMA González afirma que a figura
humana é um atributo antropológico, pois é um elemento que individualiza e
identifica cada um distinguindo-o dos demais316, tanto que é possível “imaginar
uma pessoa sem nome, mas não sem fisionomia317”. E é ainda mais eficaz
para a identificação que o nome e o domicílio. Como o mesmo autor
312
Pontes de MIRANDA, Tratado de direito privado: parte especial: tomo VII, p. 111.
313 Conforme exposto no trabalho, o estudo do direito à imagem compreende imagem-original
(matriz) e imagem-reprodução (decorrente).
314 Pontes de Miranda distingue o direito ao nome do direito a ter nome (Tratado de direito
privado: parte especial: tomo VII, § 742, p. 136).
315 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p.72.
316 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, Imagen (Derecho a la propia), in Nueva enciclopedia
jurídica, p. 307.
317 KEYSSNER, Das Recht an eigenen Bilde, Berlin, 1896, p. 23 apud Manuel GITRAMA
GONZÁLEZ, op. cit., p. 307.
111
exemplifica, na hipótese de um morador de rua, sem documentos, sofrendo de
amnésia e sem nenhuma pessoa que possa dar informação de seu nome ou
domicílio, ainda assim ele poderá ser identificado e reconhecido por sua figura.
Ou ainda, continua GITRAMA, em outra situação corriqueira: “Quantas vezes
saudamos na rua, em qualquer lugar público, pessoas que conhecemos – por
sua figura, por sua imagem –, mesmo que não nos recordemos de seu
nome”318.
A importância da imagem reproduzida no suporte físico é tão
eficiente que a utilização de fotografia no documento de identidade tornou-se
imprescindível em todos os sistemas de identificação. No Brasil, por exemplo,
apesar de o documento de inscrição na Justiça Eleitoral – o título de eleitor –
não necessitar de fotografia, para o eleitor votar precisa apresentar outro
documento com foto. Ora, se bastasse o nome para identificação, este requisito
não seria necessário, pois o mesário só permite o acesso à urna eletrônica de
votação após verificar (leia-se: olhar) se o rosto do eleitor está de acordo com o
retrato contido no documento apresentado, que não o título de eleitor. Assim, o
direito fundamental de votar apenas pode ser exercido se houver identificação
do sujeito por meio de sua figura ou por outros sinais externos captados e
reconhecidos pelo sistema de identificação biométrico319.
Pontes de MIRANDA considera o uso da imagem de alguém para se
identificar ou identificar terceiro ofensa ao direito de personalidade à própria
imagem. Já utilizar a imagem para indicar coisa ou usar cópias de um retrato
deixa de ser ofensa ao direito da personalidade, para ser de direito de dispor
do uso da imagem320. A distinção produz como efeito do “direito de
318
Ibidem.
319 Esse sistema, em fase de implementação no Brasil pela Justiça Eleitoral, tem por objetivo
tornar mais eficiente o procedimento de identificação. A biometria nada mais é que um mecanismo de individualização da pessoa de forma automática através do reconhecimento de medidas biológicas (anatômicas e fisiológicas), sendo as mais comuns as impressões digitais, reconhecimento de face, íris, assinatura e até a geometria das mãos. Porém, há muitas outras modalidades em fase de desenvolvimento e estudos.
320 Nas palavras do autor “o direito de afixar, publicar ou difundir o retrato (a imagem) pertence
à pessoa identificada, porém não é direito da personalidade; é direito que toca à pessoa por ter interesse em que não se use, a líbito, a sua imagem. Daí precisar-se do consentimento do retratado (...)”. Pontes de MIRANDA, Tratado de direito privado: parte especial: tomo VII, p. 112.
112
personalidade de direito à própria imagem” ser esta intransmissível,
irrenunciável e inalienável, visto que A não pode autorizar que B se identifique
como A. Ao passo que o direito à imagem sem ser direito da personalidade
autorizaria a utilização da imagem de alguém mediante seu consentimento ou
nos casos previstos na lei.
Walter MORAES constata que para essa teoria apenas ocorreria
ofensa à imagem se a identidade fosse atingida, porque não haveria violação
do direito à imagem na reprodução e difusão de retrato alheio autêntico, o que
contrariaria a concepção de ser direito do sujeito impedir, proibir, que sua
imagem seja distribuída e divulgada sem sua autorização321. Ora, se a imagem
da pessoa é bem que pertence à sua natureza humana e se o direito a este
bem é absoluto, não há por que distinguir hipóteses em que o exercício desse
direito não seja de personalidade.
O direito que liga o sujeito à sua imagem como modo de
identificação, do outro que o liga à sua imagem para o exercício exclusivo do
seu uso, é o mesmo. A relação jurídica é a mesma322.
É certo que a imagem é meio de identificação, mas isto é uma
consequência da característica própria da imagem: ser modo da
individualização.
Identificação e individualização não se confundem. A identificação
pessoal tem por objetivo o interesse coletivo de reconhecer o indivíduo,
enquanto o direito de imagem sustenta-se no interesse pessoal de
individualizar-se323.
E raciocinar sobre imagem apenas como identificação levaria a
conclusão de que a identificação por impressões digitais utilizadas há mais de
321
Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 72.
322 Idem, p. 72.
323 Idem, ibidem. No mesmo sentido, Santos CIFUENTES: “La identificación personal nace de
un interés social de reconocer al individuo, tal cual es; de la imagen nace un interés preponderantemente personal de individualizarse, hacerse individuo” (Derechos personalísimos, p. 507).
113
um século constituiria a imagem de alguém, o que nenhum autor ousaria
afirmar. Portanto, direito à imagem é diferente de identificação.
4.1.8. Teoria da autonomia do direito à imagem
As teorias expostas nos itens anteriores demonstram que o bem
jurídico do direito à imagem aproxima-se de bens jurídicos próprios dos direitos
da personalidade, porém com eles não se confundem. Isso porque há
situações jurídicas em que a proteção do bem jurídico da imagem não se
enquadra nas hipóteses das teorias. Assim, somente considerando-o um bem
autônomo é que se fará a proteção dele em sua totalidade e suas
circunstâncias.
A imagem definida como o sinal sensível do direito da
personalidade324 é uma propriedade do homem, no sentido de ser própria do
homem, da sua natureza humana. O Direito não atribui imagem ao homem: é a
sua natureza de ser humano que o faz um ser único e irrepetível, provido de
uma imagem própria. O que cabe ao Direito é produzir norma jurídica que
reconheça essa faculdade humana, essa potência em ser o que se é.
Sendo a imagem aquilo que é próprio da pessoa, ela é um bem
jurídico seu, porque é o seu modo de ser, é o que a faz ser conhecida e
reconhecida como ser que é. Ela lhe é necessária e útil, pois faz da pessoa
exclusiva, um ser próprio, no sentido apresentado por Goffredo TELLES Jr.:
“Nada é mais próprio de um ser do que ele próprio”325.
Como algo próprio da pessoa, que lhe é necessário e útil, a imagem
reúne os requisitos clássicos que a colocam como objeto de direito subjetivo.
Assim, o direito à imagem consiste no direito subjetivo de defender o
que lhe é próprio. Não é um direito de ter imagem, de permissão a uma
324
Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), RT 443, setembro de 1972, p. 76.
325 Goffredo TELLES Junior, Direito Subjetivo, in Enciclopédia Saraiva do Direito, p. 316.
114
imagem, mas de defender, proteger o bem que traduz para o mundo exterior o
que se é, que o distingue de qualquer outro indivíduo.
Nesse sentido, Santos CIFUENTES diz que a autonomia do direito à
imagem consiste na proteção da exibição, divulgação e, especialmente, na
defesa da apropriação da imagem (captação da imagem), uma vez que a razão
motivadora da proteção está em não permitir que se capte a imagem da
pessoa. De tal modo que o amparo deve ser anterior caso se queira assegurar
os meios de se evitarem condutas antijurídicas326.
Para o exercício do direito à imagem é desnecessária qualquer
motivação ou violação a outro direito de personalidade — a sua defesa basta
por si mesma. A simples usurpação da exclusividade de disposição da pessoa
da sua imagem constitui ato ilícito, ainda que não haja qualquer outro dano,
porque o dano em si consiste na própria ausência de respeito devido à
personalidade do indivíduo que teve sua imagem violada a contragosto327.
Walter MORAES exemplifica a razão prática da autonomia do direito
à imagem: se entendermos que o sujeito não pode impedir divulgação ou
exploração comercial da própria imagem porque não fere a sua identidade
pessoal, é porque se reduziu o conceito de imagem ao de identidade; ou se
não puder, porque não feriu sua intimidade, é porque se reduziu o conceito à
intimidade; e se alguém está impedido de publicar ou divulgar figura de outrem
se isto lhe trouxer algum prejuízo à honra, à boa fama ou à respeitabilidade, o
que se protege é a honra, não é a imagem328.
Continua o autor: se o direito à imagem for reduzido a um capítulo
do direito à honra, do direito ao próprio corpo, à intimidade, à identidade, à
liberdade, confundindo-se com cada um deles, não será um bem jurídico
autônomo o que contrariaria toda a edificação teórica sobre o tema329. De
326
Derechos personalísimos, p. 513.
327 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 78.
328 Idem, p. 67.
329 Idem, ibidem.
115
acordo com Santos CIFUENTES, também contraria a legislação sobre o bem,
que o tem considerado como autônomo330.
Luiz Alberto David ARAUJO afirma que a questão da natureza
jurídica do direito à imagem foi superada após a promulgação da Constituição
Federal de 1988, e que a análise das várias teorias elaboradas tem a função
apenas de reforçar o aspecto histórico331. Todavia, as decisões dos Tribunais
ainda são influenciadas por essas teorias, principalmente a da intimidade e a
da honra.
O Código Civil de 2002 no Art. 20332 trouxe para o ordenamento
dispositivo expresso sobre o direito à imagem. A redação um tanto confusa do
texto, porém, deu margem a certo retorno de teorias superadas, ao inserir a
hipótese de proteção da própria imagem quando a veiculação atingir a honra, a
boa fama ou a respeitabilidade. Mas como se verá em item 4.3. “Proteção
jurídica da imagem” preservou-se a autonomia do bem jurídico da imagem, pois
esta somente poderá ser alterada, modificada e capturada com o
consentimento da pessoa.
4.2. Características do direito à imagem
O direito à imagem é um direito da personalidade, e como tal
caracteriza-se pelos mesmos traços mencionados no parágrafo último do item
2.4 deste trabalho. Todavia, apresenta especificidades interessantes em
relação às características gerais dos direitos da personalidade, uma vez que há
duas acepções para o conceito de imagem, conforme anteriormente
330
Exemplifica com a análise dos Arts. 10 do Código Italiano, os Arts. 22 a 24 da lei alemã de 9/1/1907 derrogado pelo Art. 141 da Lei de 9/9/1965 (direitos de autor sobre obras de arte plástica e de fotografia), Art. 162 do Anteprojeto Francês e por meio da Lei Argentina 11.733. (Op. cit., p. 510).
331 A proteção constitucional da própria imagem, p. 32.
332 Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à
manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade ou se forem destinadas a fins comerciais.
116
explicamos. São elas: imagem original, matriz ou exemplar; e imagem
decorrente, reprodução ou refletida.
A primeira característica do direito à imagem é o de ser coisa
consubstancial à pessoa333. Em outras palavras, a imagem compõe a pessoa.
A imagem corporifica, materializa a pessoa. É por meio de sua imagem que a
pessoa é percebida no mundo, de modo que apenas por meio dela a pessoa
pode ser reconhecida.
Cada ser humano se apresenta ao mundo com uma figura composta
de forma e matéria. Esse conjunto é sua imagem, que compreende pele, carne,
ossos e músculos, mas também de gestos, voz, ações... Assim como é por
meio dos sentidos (visão, tato, olfato, audição e paladar) que ele é percebido.
A íntima conexão da imagem com a personalidade humana, ou de
outro modo, do corpo físico com a forma do ente, é o que justificou a antiga
ideia de que o recém-nascido devia ter a aparência humana. Esta teoria foi
superada justamente porque se reconheceu que se “o nascido é homem,
humana é a sua figura, pois a forma não pode determinar a substância, embora
lhe seja essencial” 334.
A essencialidade da forma para materializar a pessoa, faz da
imagem um bem inato, pois pessoa nasce para o direito, já revestida de uma
aparência que lhe compõe naturalmente a sua personalidade335. O direito inato
não tem por objeto um bem ou uma coisa exterior: é algo íntimo e único da
pessoa336. E como bem intrínseco da existência humana por óbvio que é
também irrenunciável, intransmissível, inalienável, pois há a impossibilidade
lógica e física de deixar de ter ou de transferir a própria imagem (aparência).
333
Walter MORAES, Direito à própria imagem, in Enciclopédia Saraiva de Direito: vol. 25, p. 351.
334 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 80.
335 Walter MORAES, Direito à própria imagem (II), in RT 444, out. 1972, p. 11.
336 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, Imagen (Derecho a la propia). In: Nueva enciclopedia
jurídica. T. 11, p. 331.
117
No que tange à intransmissibilidade, GITRAMA GONZÁLEZ aponta
que a mesma ocorre na causa mortis, porque concebe a imagem apenas como
reprodução (retrato). O autor afirma que a herança é o patrimônio do de cujus e
caso se pense que os direitos da personalidade não formam parte desse
patrimônio, logo a imagem não é transmitida pela herança337, muito embora os
herdeiros possam defender a honra e a memória do falecido.
O conceito do que é imagem, como já expusemos neste trabalho,
amplia a compreensão da natureza e das características do direito à imagem. A
imagem seja original ou decorrente não é transmissível ― a confusão está no
fato da divulgação da imagem original ou decorrente. No âmbito da divulgação,
é possível fazer a comercialização da imagem, mas isso não pressupõe que
uma pessoa recebeu como sua a imagem de outrem, de tal modo que o centro
da questão está na divulgação da imagem. A característica da
intransmissibilidade da imagem é presente em vida ou causa mortis: ninguém
pode transmitir para outrem aquilo que é só seu.
O mesmo raciocínio se aplica à inalienabilidade da imagem. No que
diz respeito ao aspecto da divulgação, não se aliena a imagem, o que se aliena
são os direitos da divulgação de uma imagem. Isso pode parecer, num primeiro
momento, um jogo de palavras. Contém, no entanto, um sentido lógico, posto
que a imagem ou a vida não se alienam como se aliena outro bem jurídico
material, podendo ser dado a esse qualquer destino. Como bem ensina
GITRAMA GONZÁLEZ, imagem é um bem que se identifica com os bens mais
elevados da pessoa, e, assim, o titular do direito à imagem não pode
desprender-se plenamente deste direito338.
No que se refere à irrenunciabilidade do direito à imagem, é
necessário analisar com cautela essa característica, porque renúncia parece
significar a abdicação de um direito de forma definitiva e irreversível.
Alguns autores fazem distinção entre a renúncia a um direito e a
renúncia ao exercício desse direito. Também enfatizam que somente no
337
Imagen (Derecho a la propia). In: Nueva enciclopedia jurídica. T. 11, p. 337.
338 Idem, p. 336.
118
segundo caso a renúncia seria possível. Essa distinção, para Virgílio Afonso da
SILVA, é desprovida de qualquer finalidade, por exemplo quanto ao direito à
propriedade. Este é notoriamente um direito próprio do direito privado, mas
também é um direito fundamental. E, assim, esse autor explica que quando o
Código Civil, em seu Art. 1275, II, prevê a renúncia como um dos modos de
perda do direito de propriedade, certamente não o faz no sentido de que seja
possível por meio de declaração de vontade renunciar à possibilidade de nunca
mais exercer o direito de propriedade. A renúncia a que se refere o artigo é
determinada à propriedade de um bem339.
Quando se faz menção à renúncia aos direitos da personalidade, ou
outro tipo de transação que os envolva, quer se afirmar que em uma relação
determinada com uma situação jurídica específica existe a possibilidade de
renúncia ou transação do direito de personalidade, mas, contudo, os efeitos
dessa renúncia ou transação se limitam a esta situação específica. E em
hipótese alguma se pretende dizer que seja possível, mediante declaração de
vontade, abdicar ao direito em si e a toda e qualquer possibilidade futura de
exercê-lo.
Evidentemente que também é imprescritível, pois se não se pode
despojar-se da própria imagem (aparência), por toda a sua vida a pessoa terá
direito de agir: a imagem da pessoa faz parte dela até a sua morte. E mesmo
após a morte a imagem da pessoa “A” continuará sendo da pessoa “A” porque
a forma que corporifica a substância, a aparência que envolve a pessoa, que a
faz ser conhecida e reconhecida no mundo, é um atributo físico personalíssimo
que não poderá integrar outra personalidade.
Em que pese o esforço doutrinário de apontar essas características
próprias dos direitos da personalidade no direito à imagem, elas pouco
acrescentam ao estudo do tema, pois nas palavras sempre precisas de Walter
MORAES são “estas as qualidades que se costumam enumerar como
339
A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares, p. 63.
119
características do direto à própria imagem, muito embora não representem
senão corolário da essencialidade do bem da imagem”340.
O direito à imagem é um direito absoluto porque é inerente a toda
pessoa humana, possui caráter geral e oponível contra todos os demais341 e o
próprio Estado. E continua Walter MORAES: “A relação jurídica que se verifica
entre o sujeito titular da imagem e o dever universal de abstenção, respeito e
preservação, em razão do objeto imagem, é uma relação de direito
absoluto”342.
Dizer que o direito à imagem é um direito absoluto não significa
afirmar que é um direito real. A imagem, ao exprimir uma individualidade, é tão
exclusiva quanto a propriedade. Entretanto, apesar de apresentar traço de
semelhança com o direito de propriedade, não é correto concluir que o direito à
imagem constitui um direito de propriedade, porque o valor da propriedade está
no mundo exterior, material ou imaterial, ao passo que o valor da imagem se
encontra em bem jurídico inerente à personalidade do titular, sem nenhuma
expressão de valor econômico, tal como é a vida. Não se mensura
economicamente a vida humana, e assim, do mesmo modo, a imagem.
O caráter absoluto do direito à imagem o exclui dos direitos pessoais
que são relativos, transitórios, subordinados a uma obrigação de dar, fazer e
não fazer, os quais são exclusivamente patrimoniais.
4.3. Proteção jurídica da imagem
A Ciência do Direito quanto ao direito à imagem tem dirigido seus
esforços em estudar a imagem sob a vertente da imagem decorrente,
concentrando no retrato e na sua divulgação a incidência dos estudos e
340
Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 81.
341 Carlos Roberto GONÇALVES, Direito civil brasileiro: parte geral, vol. 1, p. 188.
342 Walter MORAES, op. cit., p. 80.
120
comentários. É necessário, contudo, observar o conceito da imagem de modo
amplo, compreendendo todos os aspectos que integram seu conjunto.
Conforme já citamos neste trabalho, Paulo VERCELLONE e
GITRAMA González compreendem ser a imagem apenas aquela decorrente,
reprodução ou refletida (retrato). Os mesmos não vislumbram a proteção
jurídica da imagem original (exemplar), restringindo a proteção jurídica da
imagem decorrente ao direito de opor-se a divulgação do retrato343.
Walter MORAES distingue três categorias de fatos que demonstram
a proteção direta da imagem original:
1) Na faculdade de auferir proveito pecuniário da própria imagem,
por meio de contrato. O ato de servir de modelo, de posar para propaganda,
publicidade, cinema ou qualquer outra situação similar, consiste no ato de
disposição direta da própria imagem original. Nesse fato está demarcada a
objetividade jurídica da imagem original, que é amparada pelo direito do sujeito
ao ato de dispor de sua imagem e do dever do ato de respeito dos demais,
compondo uma relação de direito da personalidade344.
O conteúdo econômico desse contrato é a figura original do
retratado, é o modelo ou artista em si. Isso porque as suas reproduções só
valem, só apresentam repercussão econômica enquanto extensão de sua
respectiva imagem original. É Pontes de MIRANDA quem ressalta: “Sem o
modelo, o artista reprodutor não logra a figura. Só modelo poderia permitir a
figura. O modelo é o dono da figura”345.
E o objeto desse contrato é a cessão dessa imagem original, um
direito a algo que pode retornar ao sujeito a qualquer tempo. Ademais a cessão
de uso e gozo não é privativa desse direito, mas exclusiva dele, ou seja, o
titular da imagem não se priva de usar e fruir dela. Por essa razão, podemos
dizer que esse objeto não é de locação de coisas ou serviços ou empreitada, 343
Il diritto sul proprio ritrato, p. 10; “Imagen” (Derecho a la propia), in Nueva enciclopedia jurídica, Tomo XI, p. 304 e 305.
344 Direito à própria imagem (II), in RT 444, out. 1972, p. 18.
345 Tratado de direito privado: parte especial: tomo VII, § 738, p. 117.
121
porque nesses o uso e gozo do bem é privativo de quem é locatário ou tomador
dos serviços, o que não ocorre com a cessão da imagem: o cessionário nunca
é dono da imagem do cedente346.
2) Nos atos de modificação da imagem que competem
exclusivamente ao sujeito titular da imagem original. Nas palavras de
MORAES: “Não há lei que diga isso talvez por desnecessidade, talvez pela
obediência instintiva a esse respeito”347. A pessoa é a dona de sua aparência e
mais ninguém.
Pelo consentimento do titular da imagem original e por ato próprio ou
de terceiro, a pessoa pode modificar a sua imagem. Qualquer alteração
executada por terceiro, sem consentimento do titular da imagem ou fora dos
limites, é ato ensejador de responsabilidade civil.
O Tribunal Constitucional Português enfrenta a questão sobre
imagem original ao decidir sobre a conduta de um cobrador de transporte
público que descumpriu o dever de apresentar-se ao trabalho uniformizado e
barbeado. Ele foi trabalhar com barba por fazer de um dia, alegando
sensibilidade de sua pele que sangrava quando barbeava todos os dias,
fundamentando seu pedido no direito à imagem. Apesar de o Tribunal em sua
decisão ter considerado que o ordenamento jurídico português não protege a
imagem, mas sim o retrato, eis um aspecto curioso: a decisão incorporou a
distinção entre eles.
Parece fora de dúvida que a infracção de que o arguido é
acusado, não pode encontrar qualquer proteção ao direito à imagem
consagrado no nº 1 do artigo 26º da Constituição da República 348
.
Com efeito, a referência que nesse artigo se faz à imagem, sem
qualquer definição, leva-nos a pensar que se quis considerar o que a
346
Walter MORAES, Direito à própria imagem (II), in RT 444, out. 1972, p. 19.
347 Op. cit., p. 19.
348 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA DE 1976: ARTIGO 26º (Outros direitos
pessoais): 1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.
122
seu respeito se dispõe no nosso Código Civil, e só isso. E basta uma
leitura do artigo 79º do Código Civil349
, para se concluir que a
proteção legal da imagem tem a ver não com aspecto da pessoa e a
imagem que dela se tenha, mas sim e apenas com a imagem no
sentido de retrato, seja em pintura, simples desenho, fotografia, slide
ou filme impedindo a sua exposição ou o seu lançamento no
comércio, sem autorização do retratado, ou das pessoas citadas no
nº 2 do artigo 71º do mesmo Código, se este já tiver falecido,
dispensando-se o consentimento nos casos especiais que o nº 2 do
citado artigo 79º contempla. Quer dizer: o artigo 79º do Código Civil
tem em vista proteger a pessoa contra a utilização abusiva da sua
imagem, e não o conceder o direito, bem distinto daquele da pessoa
determinar a sua própria aparência externa, que é sem dúvida um
direito de acolher, mas que não pode ser isento de limitações,
designadamente as que tenham por objeto a proteção dos direitos
dos outros, impedindo a sua ofensa. ACÓRDÃO nº 6/84. Processo nº
42/83, 2ª Secção Tribunal Constitucional. Relator: Conselheiro
Magalhães Godinho. Lisboa, 18 de janeiro de 1984.
É importante elucidar que os fundamentos do Tribunal Constitucional
Português não se aplicam ao ordenamento jurídico brasileiro, pois o legislador
quando quis tratar de reprodução o fez de forma expressa, no inciso XXVIII, a,
do Art. 5º da Constituição Federal e no § 2º, do Art. 90 da Lei nº 9.610/98 (Lei
dos Direitos Autorais) e de fotografia no § 1º, Art. 245 da Lei nº 8.069/90
(Estatuto da Criança e do Adolescente). Nos dispositivos em que tratou de
direito, usou apenas a palavra imagem (inciso X do Art. 5º da CF, Art. 17 do
ECA, inciso IV, Art. 7º da Lei de Proteção a Vítima e a Testemunha, e § 2º do
349
CÓDIGO CIVIL PORTUGUÊS: ARTIGO 79º (Direito à imagem)
1. O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no nº 2 do artigo 71º, segundo a ordem nele indicada.
2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.
350 Acórdão disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19840006.html .
Acesso em 01 mar. 2013.
123
Art. 10 do Estatuto do Idoso)351. Portanto, as duas acepções de imagem
existem na legislação brasileira.
O ato de modificar a imagem pressupõe que seja a da imagem
original, porque a imagem decorrente quando modificada se caracterizará
como uma manifestação artística ou um ilícito civil ou penal.
3) No consentimento tácito da captação da imagem, mas não de sua
reprodução. Destaca Walter MORAES que captação e reprodução são atos
sucessivos e distintos352. A imagem captada por meio da câmera fotográfica,
por exemplo, transforma-se em um objeto de propriedade do autor da
captação. Contudo, a reprodução e posterior multiplicação dessa imagem só
podem ocorrer mediante autorização daquele que foi fotografado, pois é sua
imagem que está contida na fotografia.
Ressalta-se que para se captar a imagem não é necessário
consentimento expresso, admite-se o tácito.
A principal proteção da imagem original está no construir livremente
sua própria imagem e de se opor a sua captação. A pessoa pode proteger sua
imagem de eventual ingerência ou captação por meio de uma proteção
cominatória, sendo a reprodução e a divulgação um fato posterior que gera
uma proteção proibitória ou indenizatória.
Uma das consequências jurídicas dessas considerações a respeito
da imagem original implica na abstenção do Estado de produzir legislação ou
atos que interfira ou impeça a livre construção da própria imagem353.
351
A transcrição desses dispositivos consta em notas de rodapé do item 3.2. “O direito à imagem na legislação brasileira”.
352 Walter MORAES, Direito à própria imagem (II), in RT 444, out. 1972, p. 21.
353 Ementa: Ação declaratória - Concurso público - Exclusão do candidato por portar tatuagem.
Inadmissibilidade. Ofensa à dignidade da pessoa humana. Exigência desarrazoada que ofende os princípios da isonomia e da impessoalidade, por discriminar candidato sem qualquer razão plausível que poderia influenciar no exercício de suas atribuições militares. Sentença de improcedência. Recurso provido para anular o ato e reintegrá-lo às fileiras militares." (TJSP 0011940-17.2011.8.26.0053, 7ª Câmara de Direito Público, Rel. Guerrieri Rezende, j. 28/01/2013.).
124
E ainda, com fundamento na dignidade da pessoa humana (Art. 1º,
III da Constituição Federal), implica no dever do Estado de, por meio de atos e
políticas públicas, possibilitar às pessoas ter uma imagem apreciável, porque
aquele que tem uma imagem desagradável pode ter afetado sua autoestima e
seu convívio social, ferindo a sua dignidade. A esse respeito Antonio CHAVES
defendeu ser dever do Estado a recomposição de feições das pessoas com
malformação lábio-palatal354. Os Tribunais enfrentam a questão ao tratarem
das cirurgias reparadoras (por exemplo, a bariátrica e a de mama355) que tem
por escopo não apenas a saúde do paciente, tampouco a beleza (que pode
ocorrer ou não), mas a autoestima, reconstruindo uma imagem original356.
4.4. Sujeitos do direito à imagem
O titular de um direito é o sujeito, que é toda e qualquer pessoa,
física ou jurídica, brasileira ou estrangeira, residente ou não no país.
O direito à imagem é um dos direitos fundamentais da pessoa,
previsto nos incisos V, X e XXVIII, a, do Art. 5º da Constituição Federal de
354
Tratado de direito civil: parte geral, p. 537.
355 Lei nº 9.797, de 6 de Maio de 1999 dispõe sobre a obrigatoriedade da cirurgia plástica
reparadora da mama pela rede de unidades integrantes do Sistema Único de Saúde - SUS nos casos de mutilação decorrentes de tratamento de câncer. A justificação do Projeto de Lei n. 3.769, de 1997 que lhe deu origem enuncia: “A reparação estética poderia trazer para muitas delas um importante e imprescindível suporte psicológico e um inestimável apoio à sua recomposição moral, especialmente para a mulher pobre” (grifo nosso) (DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Sexta-feira, 14, novembro de 1997, p. 36.585).
Há ainda em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2.784 de 2008 de alteração da Lei nº 9797/99 para garantir à mulher que a reconstrução ocorra no mesmo tempo cirúrgico da mastectomia se houver condições técnicas e na impossibilidade garantir a realização da cirurgia assim que possível. A justificação esclarece: “É evidente a importância da aparência física inclusive para estimular a recuperação, uma vez que já é sobejamente conhecida a relação entre o estado de espírito e a superação de enfermidades, especialmente sobre o câncer”.
356 Ementa: SAÚDE. Idosa portadora de "abdômen em avental com flacidez e excesso de pele"
decorrente de cirurgia bariátrica a que foi submetida anteriormente. Pretensão à cirurgia reparadora abdominal. Pedido amparado no artigo 196 da Constituição Federal. Inexistência de infração às normas e princípios que informam a Administração, o orçamento e o SUS. Necessidade da cirurgia comprovada nos autos. Sentença que julgou a ação procedente. Recurso não provido, convertida, de ofício, em reais a multa diária cominada com salário mínimo. (TJSP, Apel:. 0032473-53.2006.8.26.0576, 10ª Câmara de Direito Público Rel. Antonio Carlos Villen, j. 15/10/2012).
125
1988. O caput do referido artigo dispõe que os direitos fundamentais se dirigem
aos brasileiros e estrangeiros residentes no país. Entretanto, a doutrina
estende aos não residentes a salvaguarda desses direitos em razão da
dignidade da pessoa humana ser princípio fundamental do Estado brasileiro357.
É razoável e perfeito o entendimento da extensão dos direitos
fundamentais a todas as pessoas, visto que a dignidade da pessoa humana é
consagrada pela ordem internacional e não admite excepcionalidades por
motivo de nacionalidade ou de transitoriedade. Se a pessoa humana está no
território brasileiro, o Estado protege e garante os seus direitos fundamentais,
independente de qualquer outro motivo.
Com isso, são titulares do direito à imagem homens, mulheres,
idosos, crianças e bebês. Como já expusemos neste trabalho, não se concebe
uma pessoa humana sem uma imagem: se há existência, tem-se imagem.
Questões relativas à pessoa jurídica e ao nascituro serão analisadas
a seguir.
4.4.1. Imagem do nascituro
O desenvolvimento tecnológico permite a realização de imagem
(filmagem ou fotografia) da vida intrauterina. Essa imagem que no final do séc.
XX era um borrão indecifrável para os leigos, tornou-se nítida permitindo
atualmente que a mãe conheça a face do filho antes mesmo do nascimento.
Contudo, a personalidade civil da pessoa para a legislação brasileira
começa a partir do nascimento com vida, resguardada desde a concepção os
direitos do nascituro (Art. 2º do Código Civil). Dentre esses direitos estaria
também o de imagem?
357
José Afonso da SILVA, Curso de direito constitucional positivo, p. 193.
126
Na primeira Jornada de Direito Civil da Justiça Federal foi aprovado
enunciado no sentido de entender que os direitos da personalidade, entre eles
o de imagem, alcança tanto o nascituro quanto o natimorto358.
Esse também é o entendimento de Maria Helena DINIZ ao afirmar
que “na vida intrauterina, tem o nascituro personalidade jurídica formal, no que
atina aos direitos personalíssimos e aos da personalidade, passando a ter
personalidade jurídica material e alcançando os direitos patrimoniais que
permaneciam em estado potencial somente com o nascimento com vida”359.
O direito à imagem não é mera expectativa de direito, porque com a
captação pelo ultrassom a imagem do nascituro já existe para o mundo, o bem
jurídico está formado.
O exercício do direito à imagem não depende do nascimento com
vida. Ora, mesmo que eventualmente esse nascituro não venha a nascer, sua
imagem não pode ser usurpada, não pode ser utilizada, por exemplo, por outra
pessoa, como se fosse a do seu próprio nascituro. Tampouco é possível
alegar, nesse caso, que a imagem pertence à sua genitora, porque não
pertence. Embora vivesse dentro dela é a imagem de outro ser que por
qualquer circunstância não nasceu.
A condição humana antecede ao nascimento. Aquele que ainda não
nasceu, mas vive no ventre materno, existe na sua forma única e singular,
possui uma figura que será só sua e de mais ninguém. Se anteriormente essa
figura só poderia ser conhecida após o nascimento, e atualmente pode ser
vista antes, esta é apenas uma questão tecnológica e não jurídica.
Muito embora os Tribunais ainda não tenham se manifestado a
respeito, já existe no Brasil decisão judicial sobre o tema, no caso que ficou
conhecido como “a falsa grávida de quadrigêmeos de Taubaté”. Em janeiro de
2012, Maria Verônica Aparecida Santos tornou-se notícia em todo o país ao
358
Enunciado nº 01: “Art. 2º: A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome, imagem e sepultura”.
359 Maria Helena Diniz, O estado atual do biodireito, p.126 e 408.
127
afirmar que estava grávida de quadrigêmeos, aparecendo em entrevistas para
jornais e programas de televisão com uma barriga enorme e mostrando
imagens de seu ultrassom. As imagens, no entanto, eram do filho de Ana Paula
Mückenberger Alves, de Blumenau (SC), que as publicou em seu blog com o
intuito de compartilhar com internautas as experiências da maternidade360.
Descobriu-se então que Maria Verônica sequer estava grávida, e entre as
consequências jurídicas de sua farsa respondeu pelo uso da imagem de
ultrassom de outra pessoa, concordando em audiência de conciliação pagar
R$4.000,00 (quatro mil reais) a título de indenização por danos morais361.
4.4.2. Imagem da Pessoa Jurídica
Neste trabalho, o estudo de direito à imagem voltou a atenção à
imagem da pessoa humana. Todavia, é mister analisar se o direito à imagem
cabe igualmente à pessoa jurídica.
Pessoa Jurídica é uma reunião de pessoas ou de patrimônio
constituído conforme legislação para uma determinada finalidade (objeto
social), detendo personalidade jurídica para contrair e exercer direitos e
obrigações, atuando na vida jurídica com personalidade diversa das pessoas
que a compõe362. A pessoa jurídica, quanto à sua órbita de atuação, pode ser
de direito público (interno e externo) e de direito privado, que são as
corporações (associações e sociedades) e as fundações. Essas pessoas
jurídicas podem ter fins econômicos (sociedade) ou não econômicos
(associações e fundações).
O Direito reconhece a pessoa jurídica como sujeito de direito em
razão de ser ela essencial para a realização de fins, apenas possíveis de
360
Conferir: < http://anabinhoepietro.blogspot.com.br/ > Acesso em 13/mar./2013.
361 Verificar: < http://oglobo.globo.com/pais/falsa-gravida-de-taubate-pagara-indenizacao-por-
usar-ultrassom-4978330-gravida-de-taubate-pagara-indenizacao-por-usar-ultrassom-4978330 > Acesso em 13/mar./2013.
362 Carlos Roberto GONÇALVES, Direito civil brasileiro: parte geral, vol. 1, p. 216.
128
serem alcançados com o somatório de pessoas e patrimônio. Além disso, a
pessoa jurídica é um mecanismo de transformação e inserção de benefícios
para toda a sociedade. O Código Civil de 2002 disciplinou sobre a matéria nos
Arts. 40 a 69 (disposições gerais, associações e fundações) e no Livro II – Do
Direito de Empresa (Arts. 966 a 1195). Dentre esses artigos, interessa a
análise do Art. 52 que dispõe: “Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a
proteção dos direitos da personalidade”.
O direito à imagem é um dos direitos da personalidade. Esse direito
caberia naqueles direitos da personalidade extensíveis à pessoa jurídica? De
outro modo, a pessoa jurídica tem imagem? E, por consequência, tem direito à
imagem?
Walter MORAES entende que o direito à imagem se restringe à
figura humana, não podendo uma pessoa jurídica pleitear a tutela desse direito,
pois o que possui não é imagem, mas símbolos363.
Contudo, é necessário contextualizar a afirmação do autor em
relação ao tempo em que fez esta afirmação, muitos anos antes da
Constituição Federal de 1988, tempo este em que o principal dispositivo sobre
imagem se restringia ao Art. 666 do Código Civil de 1916.
Todavia, a atual Constituição Federal ao garantir a inviolabilidade da
imagem no inciso X, do Art. 5º e ao dispor sobre direito de resposta e
indenização por dano à imagem, no inciso V, do Art. 5º, não excetuou a pessoa
jurídica.
Luiz Alberto David ARAUJO, de acordo com sua distinção de
imagem-retrato e imagem-atributo, afirma que, enquanto a imagem-retrato é
própria das pessoas naturais (inciso X), a imagem-atributo pode envolver além
da pessoa natural, a pessoa jurídica (inciso V)364.
363
Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 65.
364 A proteção constitucional da própria imagem, p. 119.
129
Explica o autor que o constituinte, ao garantir direito de resposta e
indenização ao dano à imagem, reconheceu que os meios de comunicação por
intermédio de mentiras e principalmente de meias-verdades podem causar um
imenso prejuízo material e moral às pessoas, sejam elas naturais, sejam
jurídicas. E por meio do dano à imagem o constituinte facilitou a comprovação
desse prejuízo, pois não é preciso demonstrar redução patrimonial (dano
material) ou existência de dor profunda (dano moral), basta demonstração de
existência de dano à imagem para requerer direito de resposta e
indenização365.
É preciso, porém, compreender em que consiste essa imagem da
pessoa jurídica.
Déborah Regina Lambach Ferreira da COSTA afirma que a pessoa
jurídica possui, além de um patrimônio material, um patrimônio imaterial que
compreende a sua credibilidade, a reputação que goza no meio social em que
desenvolve sua atividade, e eventual lesão a essa imagem pode até mesmo
inviabilizar a realização das atividades para qual foi criada366, como fundações
ou associações, que por serem pessoas jurídicas que não visam lucro,
necessitam resguardar bem sua imagem (confiança, credibilidade, reputação)
perante a comunidade para continuarem a angariar fundos com o fim de
exercer a atividade para o qual foram criadas.
Não obstante, a designação da autora sobre o que é patrimônio
imaterial, é oportuno repassar o estudo dos bens classificados em corpóreos
(materiais) e incorpóreos (imateriais). Os bens corpóreos são aqueles que têm
existência material perceptível pelos sentidos, podendo ser móveis ou imóveis.
Os bens incorpóreos são os de existência abstrata ou ideal, mas de valor
econômico; são criações da mente, reconhecidos pela ordem jurídica367. São
eles: o crédito, a sucessão aberta, o nome, o fundo de comércio (aviamento e
365
Op. cit., p. 122 e 124.
366 Reparação do dano à imagem das pessoas jurídicas. Tese. (Doutorado em Direito Civil
comparado com orientação de Maria Helena Diniz) Faculdade de Direito. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2010, p. 214.
367 Carlos Roberto GONÇALVES, Direito civil brasileiro: parte geral, vol. 1, p. 278. Pablo
STOLZE e Rodolfo PAMPLONA, Novo curso de direito civil: parte geral, p. 260.
130
clientela), o direito de autor, as patentes, os desenhos industriais, as marcas
etc.
Na perspectiva de Luiz Alberto David ARAUJO, sob o ponto de vista
tradicional do estudo do tema não se admite que a pessoa jurídica possa
pleitear direito à própria imagem. Sustenta, todavia, que imagem-atributo,
denominação então por ele dada, é extensível à pessoa jurídica368.
Porém, o conceito de imagem-atributo, criado por Luiz Alberto David
ARAUJO, refere-se à reputação, ao prestígio da pessoa jurídica, e não a uma
representação que os outros possuem dela, pois há pessoas jurídicas que
gozam de reputação e prestígio em seus atos e atividades369 e nem por isso
possuem imagem, uma vez que as mesmas não são individualizadas por
nenhuma representação perceptível.
De acordo com o que já expusemos neste trabalho, uma das
acepções da palavra imagem é de aspecto particular, pelo qual um ser ou um
objeto é percebido370. Assim, é possível inferir que algumas pessoas jurídicas
têm uma percepção uniforme pela sociedade. Essa percepção da pessoa
jurídica é a sua imagem construída e desenvolvida ao longo da realização de
seus fins sociais.
Essa imagem construída não é o produto, a marca ou o logotipo
(símbolos), tão pouco o slogan. Também, não é a fotografia da fachada do
estabelecimento. Todos eles são meios de identificação ou obtenção do fim
social da pessoa jurídica.
A imagem da pessoa jurídica é resultado daquilo que ela constrói
como conteúdo de sua mensagem institucional veiculada por slogans,
propagandas e produtos tornados perceptíveis às pessoas humanas. Não se
pode negar que a Empresa Coca-Cola possui uma imagem que vai além dos
368
Op. cit., p. 121.
369 Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade NERY ensina que “A vontade realizada do sujeito
se manifesta [...] no direito civil, essencialmente, pelos atos; no direito mercantil, pela atividade”. (Ato e atividade, in Revista de Direito Privado, nº 22, p. 10.)
370 Vide item 3.3. “A palavra ‘imagem’.”
131
produtos que essa comercializa; as pessoas desconhecem seu nome
(denominação), seu tipo societário, seu estabelecimento (fábricas), seus
prepostos e até mesmo a composição de seus produtos, ou seja, não
identificam de modo completo a empresa. Mas a maioria possui uma
percepção do que seja a Coca-Cola, porque seus comerciais, com raras
exceções, não vendem os produtos, mas constroem uma ideia de um ente, são
as chamadas propagandas institucionais ou corporativas371, as quais visam
incutir nas pessoas a sensação de que existe algo mais além da fabricação e
comercialização de refrigerantes ali veiculada naquela propaganda. Tanto que
a Coca-Cola pode representar moda, arte (Andy Warhol), diversão, calor, ou
nos termos de seu slogan de 1983: “Coke is it” (Coca-Cola é isso aí!)372.
Ressalte-se que a imagem não é o slogan porque esse pode mudar
com o tempo373, mas sim o conteúdo que o mesmo transmite e é percebido
pelas pessoas. Logicamente, essa percepção advém da repetida influência de
comerciais, da insistência da aparição na vida cotidiana e das sensações que
os produtos ou serviços proporcionam às pessoas.
A Ministra Nancy ANDRIGHI do Superior Tribunal de Justiça ao
decidir sobre pedido de dano moral da pessoa jurídica em razão de falsificação
reconhece o direito à imagem da pessoa jurídica, distinguindo-o do direito de
371
José Benedito PINHO diferencia a propaganda institucional da corporativa: a propaganda institucional denominada por alguns autores americanos de ‘propaganda de relações públicas’, pois é uma área em que as atividades de relações públicas e de propaganda interagem, seu propósito é preencher as necessidades legítimas da empresa, não apenas a de vender um produto ou serviço; a propaganda corporativa é a divulgação institucional de uma empresa, tem, entre seus propósitos específicos, o objetivo de divulgar e informar ao público as políticas, funções e normas da companhia; de construir uma opinião favorável sobre a companhia, e de criar uma imagem de confiabilidade para os investimentos em ações da companhia ou para desenvolver uma estrutura financeira. (Propaganda Institucional: uso e funções da propaganda em relações públicas, p. 23).
372 Outros exemplos: APPLE - “THINK DIFERENT” (Pense Diferente); Rede GLOBO “A gente
se liga em você”; McDonald’s – “Amo muito tudo isso”.
373 Outros slogans da Coca-Cola no Brasil: 1942: "A pausa que refresca"; 1952: "Isto faz um
bem"; 1957: "Signo de bom gosto"; 1960: "Coca-Cola refresca melhor"; 1964: "Tudo vai melhor com Coca-Cola"; 1970: "Isso é que é"; 1976: "Coca-Cola dá mais vida"; 1979: "Abra um sorriso. Coca-Cola dá mais vida"; 1982: "Coca-Cola é isso aí"; 1988: "Emoção pra valer!"; 1993: "Sempre Coca-Cola"; 2000: "Curta"; 2001: "Gostoso é viver"; 2003: "Essa é a real"; 2004: "Viva o que é bom"; 2006: "O lado Coca-Cola da vida"; 2007: "Viva o lado Coca-Cola da música"; 2008: "Cada gota vale a pena"; 2009: "Abra a Felicidade"; 2010: "Viva Positivamente"; 2011: "Os Bons são a Maioria"; 2012: “Existe razões para acreditar”. (Disponível em <http://nerdnaogeek.blogspot.com.br/ e http://jipemania.com/coke/slogans.htm> Acesso em 25/fev./2013)
132
marca, ao esclarecer que marca apenas designa um produto e a sua violação
produz dano material374, enquanto a falsificação pode ter outras consequências
além da diferença entre o que foi vendido e o que poderia ter sido
comercializado. Em suas palavras: “A vulgarização do produto e a depreciação
da reputação comercial do titular da marca, efeitos da prática de falsificação,
constituem elementos suficientes a lesar o direito à imagem do titular da marca,
o que autoriza, em consequência, a reparação por danos morais”375.
A violação do direto à imagem da pessoa jurídica pode gerar um
prejuízo material, moral ou de imagem. Gustavo TEPEDINO refuta a ideia de
dano moral da pessoa jurídica por entender que não é admissível atribuir-lhe a
noção de dignidade, mas reconhece que a credibilidade da pessoa jurídica é
elemento imprescindível para o sucesso da sua atividade devendo, portanto,
ser objeto de proteção jurídica. Todavia, essa proteção deve se dar por meio
do ressarcimento por danos materiais e institucionais376.
A fim de explicar o que chama de dano institucional, o autor
diferencia a pessoa jurídica com fins lucrativos e sem fins lucrativos. A proteção
da pessoa jurídica com fins lucrativos resume-se a uma preocupação dos
aspectos pecuniários derivados de um eventual ataque à sua atuação no
mercado, repercutindo em sua capacidade de produzir riqueza, no âmbito da
atividade econômica por ela desenvolvida, traduzindo em diminuição de seus
resultados econômicos, gerando dano material. As pessoas jurídicas sem fins
lucrativos quando atingidas em sua credibilidade ou reputação não sofrem, a
374
REsp 1032014/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/5/2009, DJe 4/6/2009). Esclarece-se que nesse julgado o STJ entendeu que o bem atingido pela falsificação foi o do direito à identidade.
Ementa: “[...] Certos direitos de personalidade são extensíveis às pessoas jurídicas, nos termos do art. 52 do CC/02 e, entre eles, se encontra a identidade. Compensam-se os danos morais do fabricante que teve seu direito de identidade lesado pela contrafação de seus produtos”.
375 Nota-se que o caso julgado versa sobre a falsificação de bolsas para consumidores de alta
renda e que importa é a imagem de exclusividade dos produtos; nesse sentido é o teor da Ementa: “(...) A prática de falsificação, em razão dos efeitos que irradia, fere o direito à imagem do titular da marca, o que autoriza, em consequência, a reparação por danos morais.” (REsp 466.761/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, j. 03/04/2003, DJ 4/8/2003, p. 295). Ressalta-se que os Acórdãos foram analisados conjuntamente, pois a ministra relatora faz referência de um no outro.
376 Gustavo TEPEDINO, A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional
brasileiro, in Temas de direito civil, p. 56.
133
seu ver, exatamente dano material, porque não produzem riqueza, e tampouco
sofrem dano moral – o ato lesivo é contra a instituição –, sofrendo, por isso,
dano institucional377.
Em que pese o entendimento do autor, a violação do direito à
imagem repercute na percepção construída pela instituição, independente do
prejuízo material (diminuição de receita) ou moral (reputação, credibilidade). E
não está relacionada com a finalidade econômica ou não da pessoa jurídica.
Isso porque há corporações que têm uma imagem não associada a seu fim
econômico. O dano institucional é um dano à imagem da pessoa jurídica.
A questão do dano moral da pessoa jurídica foi superada pela
Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça: “A pessoa jurídica pode sofrer
dano moral”.
A pessoa jurídica tem um patrimônio material e moral, este último
associado a sua identidade de empresa, reputação e lisura nas suas relações.
A imagem não é a moral da pessoa jurídica, porque a atividade pode ser
moralmente reprovável, não significando necessariamente que a imagem foi
atingida. Por exemplo, a notícia de que fornecedores da loja de roupas ZARA
atuam em sistema de trabalho análogo ao escravo traz reprovação à loja
quanto a moralidade da escolha de seus fornecedores, quando na busca do
lucro se opta por vantagens competitivas oriundas de ilicitudes de terceiro,
afetando até a sua reputação. No entanto, tais fatos não tornaram os produtos
que comercializa e suas lojas, caracterizados por decoração e localização
diferenciados, menos interessantes ou elegantes, nem sequer afetou a
percepção de que a ZARA é um negócio de moda. O mesmo poderia se dizer
da APPLE que tem gadgets378 manufaturados na China, com vantagens
competitivas fruto de trabalho sem direitos e garantias consagrados no âmbito
do direito internacional do trabalho, e nem por isso sua imagem de empresa de
produtos inovadores, diferentes, é abalada por isso. [
377
Op. cit., p. 57.
378 Dispositivos eletrônicos portáteis como PDAs, celulares, smartphones, leitores de mp3,
entre outros.
134
A imagem da pessoa jurídica é atingida quando por ato lícito ou
ilícito de terceiro se atinge a percepção construída dessa pessoa, assim como
pode ocorrer no caso já referido da falsificação de produto que afeta a imagem
de exclusividade dos produtos ou serviços da pessoa jurídica.
Exemplo de como a imagem da pessoa jurídica pode ser atingida
por ato lícito ocorreu com o documentário sobre a rede de lanchonetes Mc
Donald’s. O diretor Morgan Spurlock no filme “Super size me: A dieta do
palhaço”, indicado ao Oscar de melhor documentário longa-metragem em
2004, demonstrou que se uma pessoa se alimentasse apenas em restaurantes
da rede, realizando três refeições diárias por um mês ficaria obesa e doente.
Ora, o filme pode até não ter causado dano material à empresa, mas
certamente atingiu a imagem que o McDonald’s possui de ser um lugar para
comer supostamente rápido, saboroso, agradável, alegre. Veja que não se trata
de moral, mas da percepção que as pessoas têm do que seja o McDonald’s.
A resposta da corporação a esse documentário foi inserir nos
produtos uma mensagem de alerta. Nela, avisa-se que os lanches não são
refeição e informam-se os ingredientes e as especificações calóricas. Além
disso, a empresa atualmente comercializa saladas de vegetais e mais
recentemente incluiu a opção de frutas como sobremesa nos lanches infantis.
Tudo para não afetar a imagem construída de lugar agradável em que se
vende comida rápida.
As considerações sobre imagem da pessoa jurídica de direito
privado também se aplicam à pessoa jurídica de direito público, especialmente,
mas com algumas ressalvas, as do § 1º do Art. 37 da Constituição Federal de
1988, que dispõe: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e
campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de
orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que
caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”. (Grifo
nosso.)
O Estado democrático de Direito pressupõe uma periodicidade e
alternância de poder, de modo que cada governo tende a construir uma
135
imagem de sua gestão, que acaba sendo a percepção que os cidadãos
possuem da pessoa jurídica de direito público. O dispositivo constitucional (Art.
37, §1º) apresenta os parâmetros do conteúdo dessa construção, pois
diferentemente do particular, o Estado só faz aquilo que a lei permite. Dessa
maneira, o legislador proíbe a imagem do agente público, dissociando da
imagem da pessoa jurídica. Para o mesmo fim, a Lei 9.504, de 30 de setembro
de 1997, veda a publicidade institucional em período eleitoral.
Em síntese, tem se que por força do artigo 52 do Código Civil de
2002, a pessoa jurídica tem direitos da personalidade. Dentre esses direitos,
está o direito à imagem.
4.5. Objeto do Direito à Imagem
Na doutrina, é pacífica a consideração de que o direito à imagem é
um direito da personalidade. Há, no entanto, divergência quanto à classificação
desses direitos: se a imagem é bem jurídico que se situa como direito moral ou
físico da personalidade.
Ensina Carlos Alberto BITTAR: os direitos morais procuram
preservar as qualidades da pessoa em sua valoração pessoal, e os direitos
físicos são os que consideram a pessoa em seus dotes físicos ou atributos
naturais379. Para o autor, a imagem deve ser considerada bem jurídico dos
direitos físicos380, entendimento compartilhado por Roberto Senise LISBOA381.
Entre aqueles que possuem posicionamento contrário, que admitem
ser a imagem bem jurídico dos direitos morais, estão Walter MORAES, Limongi
FRANÇA, Francisco AMARAL, Milton FERNANDES, Pablo STOLZE e Rodolfo
PAMPLONA382. Integridade moral compreende a parte não material do
379
Curso de direito civil: v. 1, p. 68.
380 Idem, ibidem.
381 Manual de direito civil: Teoria Geral do Direito Civil, p. 210.
382 Nesse sentido, Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 74;
Limongi FRANÇA, verbete Direitos da Personalidade I, in Enciclopédia Saraiva do Direito, p.
136
indivíduo, do seu eu psíquico, espiritual, que faz dele exatamente o que é, de
modo exclusivo, permitindo-lhe ter a expressão dessa característica na vida
social e na vida pública383.
Na classificação proposta por Santos CIFUENTES, os direitos que
compõem a integridade física são os que compreendem a existência vital do
corpo, do corpo e de suas partes, da saúde e dos meios de preservá-la e obtê-
la, e o destino do cadáver384. Para o autor, os direitos à imagem, bem como os
direitos à honra, à intimidade, à identidade e ao segredo pertencem ao que
denominou integridade espiritual385.
Pondera CIFUENTES que a estrutura espiritual e corporal do
homem exige considerar as manifestações humanas que se originam em
fenômenos anímicos, estéticos e morais, e os direitos da personalidade não
podem deixar à margem essas manifestações imateriais, daí concluir pela
integridade espiritual da pessoa386.
O emprego da palavra “espiritual” não deve causar estranheza, pois
é uma das acepções da palavra “moral” quando utilizada como adjetivo, por
exemplo na expressão “ciências morais”, que são as “ciências do espírito”387. A
despeito de não ser essa a denominação dos juristas brasileiros, os quais
preferem chamar de direitos morais (ou integridade moral), consideramos
apropriada a expressão cunhada por Cifuentes.
146; Francisco AMARAL, Direito Civil: introdução, p. 295; Milton FERNANDES, Os Direitos da Personalidade, in Estudos jurídicos em homenagem ao professor Caio Mário da Silva Pereira, p. 149. Pablo STOLZE e Rodolfo PAMPLONA, Novo curso de direito civil: parte geral, p. 174.
383 Tércio Sampaio FERRAZ Jr, Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites à função
fiscalizadora do Estado, in Sigilo fiscal e bancário, p. 21.
384 Derechos personalísimos, p. 229.
385 Idem, ibidem. Ressalta-se que o autor propõe uma divisão tríplice dos direitos da
personalidade, além da integridade física e da integridade espiritual, também da liberdade que inclui os direitos de ir e vir, de expressão de opinião e pensamento, sexual, de procriação (p. 443 a 452).
386 Derechos personalísimos, p. 453.
387 Nicola ABBAGNANO, verbete Moral (2), Dicionário de Filosofia, p. 795. Conforme o
verbete, o adjetivo Moral passou a ter significado genérico de “espiritual” principalmente nas línguas inglesa, francesa e italiana.
137
O objeto de um direito é o bem protegido, que tanto pode ser uma
coisa ou um interesse. No caso do direto à imagem, o bem protegido é a
imagem da pessoa, que compreende o original e a reprodução.
Conforme os ensinamentos de Walter Moraes, imagem para o
Direito é “toda expressão formal e sensível da personalidade de um homem”388,
de tal modo que o bem jurídico imagem é objeto do direito nas mais variadas
manifestações, como a estática (pintura, retrato, fotografia, caricatura, molde) e
a dinâmica, com gestos e voz (filme, show, teatro, circo, palestra).
A imagem dinâmica é resultado direto do desenvolvimento
tecnológico que, além da captação da figura humana, tornou possível captar e
reproduzir a imagem do ser humano em movimento389, como também permitiu
gravar a sua voz.
Adriano de CUPIS reconhece a existência da proteção da imagem
dinâmica, por ele denominada de reprodução cinematográfica, que consiste na
reprodução da própria pessoa diretamente sobre a película, pois a única
diferença desta para a pintura ou fotografia é que na imagem dinâmica a
pessoa é reproduzida em movimento390.
Também considera que há proteção legal na reprodução teatral ou
cinematográfica, em que um artista reproduz na cena ou película a figura, os
gestos, a atitude de uma pessoa. Esta representação da pessoa em um
espetáculo público é chamada de máscara cênica. Nela, a figura propriamente
dita, a voz e os gestos compõem uma reprodução do retratado ainda mais
expressiva que uma simples fotografia, o que assegura ao indivíduo a defesa
contra este modo de difusão de sua imagem391.
388
Op. cit., p. 64.
389 Conforme citado neste trabalho, já em 1922 o Juiz Octávio Kelly reconheceu os direitos da,
à época, Miss Brasil Zezé, que sem ter autorizado teve sua imagem, saindo do mar, captada em um filme de atualidade.
390 Adriano de CUPIS, Os direitos da personalidade, p. 144.
391 Adriano de CUPIS, op. cit., p. 144.
138
Quanto ao momento da execução da imagem dinâmica, ele pode ser
imediato (ao vivo como teatro, show ou transmissão on-line), ou mediato,
quando as mesmas manifestações são gravadas mas apresentadas em
momento posterior (filme).
A imagem engloba a figura total do ser humano e também as partes
destacadas dele, como olhos, nariz, mãos, pés, entre outras.
Walter MORAES afirma: com o fim de as partes do corpo humano
serem protegidas pelo direito à própria imagem é necessário ser possível
reconhecer por meio delas o indivíduo392. Quanto a essa afirmação é preciso
considerar que, se o todo compreende a parte, a parte traz consigo o todo, ou
seja, se a figura humana possui mãos, essas mãos compõem um ser único e
individualizado. Portanto, a captação de sua imagem somente pode ocorrer se
ela for autorizada.
Sobre a necessidade de condicionar a proteção do direito à
possibilidade de reconhecimento, basta que o próprio titular da imagem se
reconheça. Assim sendo, não é necessário que terceiros o façam, pois
algumas partes do corpo, como mãos e pés, por exemplo, são de grande
interesse para a indústria da propaganda e, ainda que o público em geral não
consiga reconhecer de quem são aquelas mãos ou aqueles pés, o indivíduo
que reconhece parte de seu corpo em publicidade, não tendo dado autorização
para tanto, pode reclamar a violação do seu direito à própria imagem.
Quanto à voz, Adriano de CUPIS afirma ser ilegítima a reprodução
isolada da voz de uma pessoa sem o seu consentimento e, por analogia ao
direito de imagem, é possível construir o direito à voz393. Já Roberto Senise
392
Idem, p. 65.
393 Os direitos da personalidade, p. 155. Mesmo entendimento de Alfredo ORGAZ, Personas
individuales, p. 169 e Luis DIEZ-PICASO, Antonio GULLON, Sistema de derecho civil: introducción, derecho de la persona, negocio jurídico, p. 325.
139
LISBOA não trata de analogia, mas de direitos distintos: direito à imagem e
direito à voz394.
Para Pontes de MIRANDA, há um equívoco no entendimento de que
a garantia ao direito à voz ocorre por analogia ao direito à imagem, pois
entende que a voz está contida no conteúdo do direito à própria imagem395.
Pelo mesmo motivo, equivoca-se LISBOA, uma vez que é desnecessário um
novo direito porque um contém o outro. A voz é componente da imagem396.
É mister considerar, porém, em favor dos que admitem um direito à
voz, o dispositivo constitucional que assegura a proteção à reprodução da
imagem e voz humanas, até mesmo nas atividades desportivas (inc. XXVIII, a,
do Art. 5º). Contudo, a partir da perspectiva adotada neste trabalho, a exegese
do inciso não permite afirmar que há um direito autônomo à voz, mas que o
direito de arena (o tema tratado no inciso) compreende também a voz397.
A questão sobre se a voz pertence ao conteúdo do direito à imagem,
se sua proteção deve ser construída por analogia, ou se é um direito
autônomo, retoma ao conceito do que é imagem. Isso porque se fixamos o
sentido de que imagem é a forma da personalidade398, evidentemente que a
voz compõe o seu conteúdo, porque além do componente identificador
(aspecto este que fundamenta o entendimento de Pontes de Miranda), a voz,
como o olhar, expressa o espírito. 394
Manual de direito civil: teoria geral do direito civil, v. 1, p. 226. No mesmo sentido é o entendimento de Roxana Cardoso Brasileiro BORGES, Dos direitos da personalidade, in Teoria geral do direito civil, p. 268.
395 Tratado de direito privado: parte especial: tomo VII, § 738, p. 111.
396 No mesmo sentido é o entendimento de Antonio CHAVES quando exemplifica a hipótese de
usurpação de voz alheia para fins comerciais no caso ocorrido com a atriz norte-americana Katharine Hepburn, a qual exigiu indenização por danos morais na corte federal de Nova York contra uma agência de publicidade que em propaganda de rádio usou uma voz como se fosse a dela, para anunciar um produto. (Direito à própria imagem, in RT 451, maio de 1972, p. 19.)
397 A mesma interpretação deve ser dada ao disposto no Art. 90, §2º da Lei n. 9610, de 19-2-
1998, sobre direitos autorais, ao estabelecer que “A proteção aos artistas intérpretes ou executantes estende-se à reprodução da voz e imagem, quando associadas às suas atuações”.
398 Walter MORAES ao analisar o pensamento de G. PUGLIESE constrói uma frase que explica
o sentido do que se quer afirmar: a imagem é a misteriosa e quase divina emanação da personalidade (Il preteso diritto alla riservatezza e le indiscrezioni cinematografiche, p. 118, in Foro Italiano, Roma: SEP, 1954 apud, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 87.)
140
O direito à própria imagem envolve também a caricatura. A
caricatura, tal qual o retrato obtido por meio de pintura ou de fotografia, permite
o reconhecimento e pode até mesmo exprimir mais sobre o interior da pessoa
que os outros meios399. Observa Pontes de MIRANDA que a caricatura tem
grande valor identificativo, não podendo ser atribuída a outrem sem ofender à
identidade pessoal400.
A despeito de a caricatura ser considerada imagem, há certa
tolerância no seu uso, pois frequentemente é utilizada como charge para
informar e criticar com humor acontecimentos cotidianos e políticos. A
aceitação da caricatura por meio da charge é admitida pela doutrina401, que
ressalva, no entanto, a necessidade da imposição de limites.
Esses limites encontram-se determinados no Art. 20 do Código Civil
ao dispor que a utilização da imagem alheia pode ser proibida se atingir a
honra, a boa fama ou a respeitabilidade do titular ou se, não autorizada, se
destinar a fins comercias. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro apreciou a
questão de violação de direito à imagem por meio de caricatura em que pessoa
mundialmente conhecida era representada utilizando vaso sanitário, que
conforme consta no texto do acórdão “não retrata o autor em situação
agradável, muito embora corriqueira na intimidade”. Além desse fato, a
caricatura fora colocada na porta de banheiro de bar de propriedade de pessoa
também mundialmente conhecida, trazendo para o empreendimento ampla
divulgação na imprensa, o que para o Tribunal “constitui uso da imagem do
primeiro recorrente, para fim de lucro, caracterizando o dano material”402.
399
Pontes de MIRANDA, Tratado de direito privado: parte especial: tomo VII, § 738, item 7, p.119.
400 Idem, ibidem. Ressalta-se que Pontes de Miranda entende que o direito à imagem é
manifestação do direito à identidade pessoal, conforme item 4.1.7.
401 GITRAMA González, Op. cit., p. 305. Jacqueline Sarmento DIAS afirma: “Acreditamos no
profissionalismo dos chargistas e eles fazem de sua arte um meio de representar o dia a dia. Os humoristas profissionais fazem do riso o meio de vida e da imagem alheia a sua inspiração”. (O direito à imagem, p. 77).
402 Ementa: AÇÃO INDENIZATÓRIA. CARICATURA ADORNANDO PORTA DE BANHEIRO
DE BAR TEMÁTICO. MÁCULA À IMAGEM DO AUTOR E SEU USO PARA DIVULGAÇÃO DO BAR, APROVEITANDO-SE DA NOTORIEDADE DAS PESSOAS ENVOLVIDAS. (...). DANOS MATERIAIS E MORAIS INEGÁVEIS. (...). (TJRJ, 15ª CC, Ap. 2001.001.15055, DES. GALDINO SIQUEIRA NETTO, j. 26.03.2003).
141
Mister se faz considerar que a caricatura não se limita a charges. O
desenvolvimento tecnológico permite realizar caricaturas e desenhos a partir de
fotografias403, o que reafirma ser a caricatura meio de representação da
imagem da pessoa.
A imitação é outra maneira de se atingir o direito à imagem. Maria
Luiza Andrade Figueira de Sabóia CAMPOS, ao analisar o direito à imagem na
propaganda, cita casos ocorridos nos Estados Unidos que ilustram como a
imagem é atingida por meio de imitação. O primeiro exemplo ocorreu em
outubro de 1981 quando o Tribunal Federal de Manhattan (Nova Iorque)
declarou ter o musical da Broadway “A Day in Hollywood/A Night in the
Ukraine” violado o direito à imagem dos três Irmãos Marx (Harpo, Groucho e
Chico) ao imitá-los sem prévia permissão de seus herdeiros. O segundo caso,
até mais interessante, envolveu Jacqueline Onassis versus Christian Dior New
York, Inc., que teve reconhecido seu direito à imagem com o objetivo de
impedir que Barbara Reynolds (uma secretária que se parecia muito com ela)
de aparecer como se ela (Jacqueline Onassis) fosse. Esse caso, segundo a
autora, restringiu o uso de sócias na propaganda404. No Brasil, sempre há
notícia das disputas judiciais sobre as imitações do apresentador de televisão
Silvio Santos, que vê seus gestos, seu modo de vestir (notadamente o terno
com o microfone na gravata), sua risada, seu cabelo, sua voz, enfim sua
imagem (como conjunto de todos esses elementos), utilizados nas mais
diversas situações, principalmente em programas humorísticos concorrentes a
seu canal de televisão.
A doutrina diverge sobre se viola o direito à imagem os escritos ou a
narração sobre a pessoa, ainda que o autor da obra faça pequenas alterações,
403
Ementa: Ação Indenizatória. Dano à imagem. Foto da autora e de seu filho menor, alterada por meio de desenho caricatural, baseado em foto que ilustrou reportagem veiculada na revista “VEJA RIO”, utilizado em campanha publicitária para divulgação de empreendimento imobiliário, sem expressa autorização. A mera exposição da imagem de alguém, sem sua autorização expressa e prévia, por si só, caracteriza agravo ao direito personalíssimo da imagem desta pessoa, independente de outras ofensas subseqüentes, que lhe maculem a honra, o bom nome, sua fama, intimidade ou privacidade. Dano moral configurado. (...). (TJRJ, 9ª CC, Ap. nº 2008.001.58117, Des. Sérgio Jerônimo Abreu Da Silveira, j. 03.03.2009.). (Negrito nosso.)
404 Direito à imagem na propaganda, in Revista de Direito Civil: Imobiliário, agrário e
empresarial, p. 131 e 132.
142
como mudança de nome e de localização. GITRAMA Gonzalez denomina essa
situação de “retrato literário” e a define como obra artística em que o autor
descreve determinadas circunstâncias da vida e de traços característicos da
identidade que permitem o reconhecimento da pessoa. Para o autor, essa
situação não é própria do direito à imagem. Evidentemente, faz a ressalva de
que eventual dano ou prejuízo decorrente de ataque à honra ou à reputação
deve ser admitido405.
O ponto de vista de GITRAMA sustenta-se em sua delimitação do
“tema do direito a própria imagem, que – insistimos – não é a propriamente
imaginativa ou psicológica, mas na plasmação real ou material da figura da
pessoa em forma reconhecível, por exemplo, em um retrato a óleo ou uma
fotografia”406. Em razão dos mesmos motivos o autor afirma que o retrato
falado não é objeto do direito à imagem407.
No entanto, a interpretação do Art. 20 do Código Civil permite outro
entendimento, pois se atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade ou
se destinados a fins comercias, a divulgação de escritos, a transmissão da
palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem podem ser
proibidas, ressalvadas as hipóteses de autorização ou se necessárias à
administração da justiça ou à manutenção da ordem pública. Nesse sentido
decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro sobre litígio em que
características físicas e fatos da vida pessoal de determinada pessoa foram
mencionados em obra literária e, posteriormente, em filme sem sua
autorização, apesar da utilização de nome fictício408. O Tribunal concluiu que
405
Imagen (Derecho a la propia), in Nueva enciclopedia jurídica, p. 305
406 Idem, ibidem.
407 Ibidem.
408 Ementa: Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização, envolvendo a obra literária "MEU
NOME NÃO É JOHNNY" - Menção, na obra literária e no filme, sobre a pessoa do autor, inclusive com relação as suas dificuldades sexuais por ser o mesmo paraplégico, valendo-se de personagem com o nome fictício de Alex, sem autorização. Conjunto probatório que demonstra que a obra em questão retrata não só o personagem principal da história, João Estrela, como seus amigos, familiares e companheiros de empreitada criminosa, dentre estes últimos, o personagem Alex, que, pelos elementos constantes das narrativas, permitem a perfeita identificação do autor do presente litígio. Conflito entre direitos fundamentais previstos constitucionalmente - O direito à livre expressão da atividade intelectual e de comunicação não pode ser exercido abusivamente, mas, muito pelo contrário, deve respeitar os estreitos limites impostos pela Lei Maior, sob pena de violar valores essenciais, de idêntica estatura jurídica e
143
houve uso indevido da imagem, além de violação, por outras razões, à
intimidade e à vida privada.
Há ainda o entendimento de que a violação do direito à imagem
também pode ocorrer por meio de biografias. Com o escopo de alterar os
artigos 20 e 21 do Código Civil, a Associação Nacional dos Editores de Livro
(Anel) propôs, em 5 de julho de 2012, Ação Direta de Inconstitucionalidade
(Adin 4815) junto ao Supremo Tribunal Federal com o fundamento que
infringem os incisos IV, IX e XIV do Art. 5º da Constituição Federal. Para a
Associação, a legislação brasileira só permite a biografia com autorização
prévia do biografado, o que, segundo a Associação, não ocorre em outros
países ocidentais onde “a publicação de biografias não encontra tantas
barreiras, o que faz do caso brasileiro uma espécie de jabuticaba do universo
editorial”.
4.5.1. Imagem-científica
Maria Helena DINIZ ao analisar vários aspectos sobre biodireito
menciona a existência e a importância jurídica sobre o que chamou de
imagem-científica. A autora define como imagem-científica o DNA, uma vez
que o DNA carrega o material humano de determinado sujeito de modo
absolutamente único, pois contém todos os caracteres genóticos do indivíduo.
Essa imagem-científica, para Maria Helena DINIZ, pode ser atingida
por exemplo na hipótese de investigação histórico-genética em que, por meio
de manipulação genética de restos cadavéricos, seja possível conhecer
igualmente protegidos pelo ordenamento constitucional, em especial a intimidade, a vida privada e a honra das pessoas. No mesmo sentido o artigo 20 do Código Civil. Obra intelectual que se destina a exploração comercial e econômica, não obstante o interesse social e a referência pedagógica - Ausência de autorização expressa do autor - Dano moral configurado -Sucumbência recíproca - Provimento parcial do recurso. – TJRJ, Apel. 0028427-24.2008.8.19.0001, PRIMEIRA CAMARA CIVEL, Rel. CAMILO RIBEIRO RULIERE, j. 5/10/2010.
144
debilidades ou enfermidades hereditárias de personalidade histórica admirada,
atingindo a sua imagem-atributo409.
Entende, assim, que a imagem-científica deve ser preservada da
mera curiosidade; exames e rastreamento genéticos devem ser realizados
apenas por razões terapêuticas e com autorização da pessoa ou de seus
familiares.
Outra hipótese levantada pela autora é se juridicamente seria
possível a clonagem humana. Em seu entendimento os incisos V e X do Art. 5º
da Constituição Federal, ao resguardarem o direito de imagem, impedem a
técnica da clonagem humana, pois, uma vez que os genes carregam todas as
características do indivíduo, elas seriam completamente transferidas ao clone,
constituindo, assim, violação à imagem-científica. Clonar um ser humano é, em
sua opinião, a mais violenta das invasões do direito de imagem410.
Ressalte-se, porém, que tanto o conceito quanto a denominação
“imagem-científica” ainda carecem de maior precisão técnica. Na quinta
Jornada de Direito Civil, por exemplo, foi aprovado enunciado que afirma que
as informações genéticas são parte da vida privada411.
A denominação imagem-científica para proteção das informações
genéticas é pouco apropriada, pois o que existe é um código genético exclusivo
e único de cada um, em que seu conhecimento e cópia violam o segredo de
cada ser humano.
4.5.2. A imagem das coisas
409
O estado atual do biodireito, p. 374.
410 Maria Helena DINIZ, op. cit., p. 440.
411 Enunciado 405: Art. 21: As informações genéticas são parte da vida privada e não podem
ser utilizadas para fins diversos daqueles que motivaram seu armazenamento, registro ou uso, salvo com autorização do titular. V Jornada de Direito Civil, realizada pelo Conselho da Justiça Federal, nos dias 9, 10 e 11 de novembro de 2011, em Brasília.
145
A definição da palavra imagem engloba a representação, a
percepção ou o reflexo de um ser ou um objeto (coisa)412, o que significa dizer
que os objetos (as coisas) possuem imagem. Esse objeto é protegido pelo
direito à imagem?
Exemplificando, o proprietário de uma casa ou morador de um
edifício de algum modo notável, seja porque é bem cuidado, com um lindo
jardim, ou mal cuidado, ou, ainda, porque é arquitetonicamente interessante ―
por razões históricas, por traços de beleza ou ousadia ―, pode impedir a
reprodução e divulgação da imagem dessa casa, jardim ou edifício?
Gitrama GONZÁLEZ responde à questão afirmando que se o
interesse é arquitetônico, a obra criativa está protegida pelo direito de autor, tal
qual uma obra de arte exposta em um museu. Desse modo, apenas com a
autorização do autor a obra pode ser fotografada e reproduzida413. Se, todavia
o objeto pode ser observado da via pública e o interesse seja, por exemplo,
estético, nada impede que seja fotografado, o que não ocorre na hipótese de o
fotógrafo necessitar escalar muro para fotografar, pois, nesse caso, infringirá
direito de propriedade.
É possível que uma pessoa deseje impedir a divulgação da imagem
de sua residência por razões de segurança ― ainda mais nos dias de hoje, em
que é possível se obter imagem fotográfica por via satélite ou avião, e
disponibilizá-la na rede mundial de computadores como o Google Earth ou
Google Maps414. Nesse caso, haveria um direito à imagem da própria casa? O
melhor entendimento é negativo: o bem tutelado atingido não é o de imagem
da pessoa, mas o da intimidade, vida privada ou honra415.
412
Vide segundo parágrafo do item 3.3. “A palavra ‘imagem’”.
413 Imagen (Derecho a la propia), in Nueva enciclopedia jurídica, p. 308.
414 Ambos são aplicativos de localização.
415 Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL - Dano moral - Google Maps - Serviço da ré que
disponibilizou na 'internet' imagem da residência do autor vinculada a seus dados pessoais? Alegação de impossibilidade técnica para impedir a ocorrência de fatos como esse que não convence? Ademais, irrelevante prova dessa impossibilidade ante a teoria do risco da atividade - Ofensa aos direitos à privacidade e segurança do autor - Devida indenização por dano moral - Redução do valor arbitrado na origem em observância aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e modicidade - Desprovido apelo do autor e provido em parte
146
O mesmo acontece em relação a um automóvel que, por ser
identificado pelo emplacamento ao ser fotografado, pode indicar os hábitos de
seu motorista. Afastada a hipótese de utilização dessas imagens para solução
de crimes ou de multas de trânsito, a placa do automóvel não deve ser
identificada em razão de direito à privacidade.
Quanto aos animais, principalmente àqueles que recebem afeto de
seus donos, tratados como ente familiar, há direito à imagem?
Muitos animais são utilizados como modelos de campanha
publicitária ou participam de obra cinematográfica ou de televisão, e, para
tanto, sua imagem deve ser autorizada pelo seu proprietário. Contudo, se o
animal for fotografado sem autorização do dono e se for considerado por seu
dono como um ente familiar, o bem jurídico atingido certamente não é o da
imagem do animal416, mas talvez o da intimidade de seu proprietário. Fazendo
uma aproximação para melhor entender o caso, seria como se o guarda-roupa
de alguém fosse fotografado sem autorização. Há bens e objetos que se deseja
preservar dos olhos alheios, que pertencem à esfera privada, e os animais de
estimação são exemplos deles.
Desse modo, não é possível admitir um direito à imagem das
próprias coisas como extensão do direito à própria imagem da pessoa417, o que
apelo da ré, apenas para baixar valor da indenização. TJSP, Apel.: 0195078-74.2010.8.26.0100, 6ª Câmara de Direito Privado, Rel. Costabilè e Solimene, j. 20/10/2011. (Negrito nosso.)
Ementa: Responsabilidade civil. Direito à informação. Liberdade de imprensa. Notícia veiculada em jornal. Exibição de fotografia da residência da autora indicando ser a residência de criminoso ligado ao tráfico de entorpecentes. Informação inverídica. Negligência do meio de comunicação ao exibir notícia de interesse público sem a necessária cautela limitações ao direito de informar. Violação de direito da personalidade. Honra ofendida. Dano moral caracterizado. Publicação de errata não descaracteriza a ofensa. "Quantum" indenizatório que comporta redução. Recurso parcialmente provido. TJSP, Apel. 0124004-37.2008.8.26.0000. 10ª Câmara de Direito Privado, Rel. Coelho Mendes, j 11/12/2012. (Negrito nosso.)
416 Ementa: Responsabilidade civil - Uso indevido da imagem de gata - Indenização indevida,
pois o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal protege apenas o direito da personalidade da pessoa humana e não dos animais - Caso em que inexistiu o dano apontado - Recurso improvido. TJSP, Apel.: 9193014-25.2002.8.26.0000. 9ª Câmara de Direito Privado. Rel. José Luiz Gavião de Almeida, j. 16/3/2010.
417 DANO À IMAGEM. Fachada de Casas. Divulgação de Fotos em Stand de Vendas, Violação
dos Direitos à Imagem e à Intimidade. Inocorrência. O Direito à imagem, por ser personalíssimo, exclusivo da pessoa física, não se estende a coisas e animais, pelo que
147
ocorre é direito de propriedade sobre a coisa, ou direito de autor, ou ainda
direito à intimidade (ou privacidade), a vida privada, à honra.
4.6. Conteúdo do direito de imagem
O direito à imagem apresenta conteúdo positivo e negativo418. O
conteúdo positivo consiste no direito de dispor do uso da imagem de maneira
ampla, compreendendo a faculdade de fruição, exposição, reprodução e
modificação da própria imagem. O conteúdo negativo dá-se pela oposição ou
proibição do uso da imagem com fulcro de defendê-la e preservá-la contra a
usurpação, falsidade, adulteração ou transformação e na reprodução não
consentida419.
Logo, o conteúdo do direito de imagem consiste na faculdade
específica atribuída ao titular de constranger os outros ao respeito e de manter
para si a decisão de divulgação ou não de sua imagem.
4.6.1. Direito de dispor da imagem
O titular do direito à imagem tem o direito de dispor da sua imagem,
ressalta-se que dispor não é privar-se, e, sim, destinar, fazer da coisa o que
bem entender, ressalvado eventuais limitações previstas no ordenamento. O
aspecto central do ato de dispor está na vontade do titular de dar destinação a
não se pode falar em dano moral pelo simples fato de terem sido divulgadas fotos de casas residenciais no stand de vendas da empresa construtora, sem violação da intimidade nem da vida privada dos seus proprietários ou moradores. Inocorre, igualmente, dano material se as fotos divulgadas não acarretaram nenhuma redução patrimonial para os autores, mas, pelo contrário, até valorização do imóvel. Desprovimento do recurso. TJRJ, Apel.: 2004.001.06005, 2ª Câmara Cível, Rel. SERGIO CAVALIERI FILHO, j. 20/04/2004. (Negrito nosso.)
418 Miguel Maria de Serpa LOPES, Curso de direito civil: introdução, parte geral e teoria dos
negócios jurídicos, vol. 1, p. 274.
419 Idem, ibidem.
148
esse bem jurídico. Na faculdade de autorizar ou consentir revela-se o seu
direito de dispor420.
Essa declaração da vontade pode se manifestar de modo expresso
ou tácito. Manifestação expressa de vontade pode se dar por meio de escrita,
fala ou mímica (gestos). A manifestação tácita consiste em comportamento da
pessoa que indica a exteriorização da vontade, podendo ocorrer até mesmo
pelo silêncio quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem e quando não
for exigível declaração de vontade expressa (Art. 111 do Código Civil).
Entre os direitos de dispor da imagem está o de permitir que esta
seja capturada. Essa captação pode ocorrer pelo consentimento tácito em
relação à pessoa natural, afinal a não ser que viva absolutamente isolada, há
sempre autorização para que o outro capture sua imagem por meio dos
sentidos, mais comumente pela visão421. Quanto à pessoa jurídica, é difícil
imaginar situação hipotética que se admita o consentimento tácito, pois
necessita sempre de manifestação expressa de seus representantes, já que
suas manifestações de vontade exigem conformidade com seu ato constitutivo
(conforme Art. 46, III, Art. 47 e Art. 48 do Código Civil).
Antonio CHAVES ponderando sobre o exercício do direito à imagem
enumera cinco situações: uso gratuito da imagem mediante consentimento
tácito; uso gratuito mediante consentimento expresso; uso mediante
pagamento; uso contra a vontade do interessado e uso ofensivo e torpe422.
Não obstante a proveitosa percepção do autor sobre as situações
referidas, observa-se que se dividem em uso consentido e sem consentimento.
Na análise dessas situações, adotamos neste trabalho a terminologia de
420
Walter MORAES, Direito à própria imagem (II), in RT 444, outubro de 1972, p. 16.
421 Vide item 4.3. Proteção jurídica da imagem. O exemplo do diálogo do transeunte com
fotógrafo ilustra essa situação: Diz o transeunte: ― Eu não quero prestar-me a nenhuma espécie de retrato; e creio que posso pretender que ninguém se atreva a fixar o meu semblante contra a minha vontade. Responde o fotógrafo: ― A tua vontade me é indiferente. Posso ver-te, logo, posso fotografar-te. (o exemplo é de Karl Von Gareis – Das Recht am eigenen bilde (1902) -, mas citado e comentado por diversos doutrinadores, entre eles Walter Moraes, Direito à própria imagem I e II, p. 78 e p. 21).
422 Antonio CHAVES, Tratado de direito civil: parte geral, p. 540 a 545.
149
cessão do uso da imagem para as situações em que há consentimento, ainda
que seja tácito.
A cessão de uso do direito à imagem tem caráter excepcional, visto
que a imagem é bem jurídico pertencente aos direitos da personalidade, razão
pela qual a interpretação da cessão de uso deve ser restritiva. Essa cessão de
uso da imagem permite divulgação, reprodução, multiplicação e até
comercialização da imagem.
Cessão do uso gratuito da imagem mediante consentimento tácito:
partindo da ideia de que imagem é reprodução por meio de fotografia,
escultura, caricatura, pintura etc., Antonio CHAVES admite a divulgação da
imagem por consentimento tácito. Ilustra seu entendimento em dois exemplos:
O das fotografias expostas em vitrine dos antigos estúdios fotográficos, que
serviam como decoração e propaganda do trabalho do fotógrafo, que em vez
de aborrecer, lisonjeavam o retratado. E, ainda, na situação em que um
cidadão comparece em público em companhia de um personagem célebre, que
sofre pela sua notoriedade uma limitação do seu direito a imagem, sendo lógico
que o acompanhante conhecedor dessa popularidade aceite as consequências
que possam decorrer sobre a sua pessoa423.
Há de se realizar, no entanto, algumas considerações a respeito
desse entendimento. O autor confunde nos exemplos dados dois momentos
distintos: o da captação e o da divulgação da imagem. Para a captação não
resta dúvida ser admissível o consentimento tácito, pelas razões expostas nos
parágrafos acima, mas para a publicação, a divulgação e a exposição da
imagem, embora seja consequência da captação, são independentes entre si.
O exemplo dos estúdios fotográficos que exibiam as fotos de seus
clientes pode ser considerado na atualidade, singelo, inocente, romântico. Com
o advento e a popularização das câmaras digitais, da internet e das redes de
relacionamento, a exposição da imagem na rede mundial de computadores
pode ser autorizada tacitamente? Essa é uma situação excepcional, apesar de
423
Tratado de direito civil: parte geral, p. 540.
150
numerosa. A exposição da imagem de outrem no álbum virtual de fotos de
amigos que pertencem à mesma rede de relacionamento pode ocorrer por
consentimento tácito, contudo alerta-se que essa autorização não comporta em
comercialização, divulgação em outras páginas da rede ou mesmo em
alterações digitais dessa imagem.
Quanto ao exemplo dado por Chaves de que aquele que acompanha
pessoa notória aceita tacitamente o uso da sua imagem em consequência da
notoriedade do outro, isso não é mais admissível. A tecnologia permite que o
fotógrafo desfoque (borre) a imagem da pessoa que não goza de notoriedade,
resguardando seu direito à imagem, e, no caso do exemplo, resguarde o direito
à vida privada.
Decisão judicial de interesse sobre o tema é o conhecido Caso do
Topless424. Comenta Anderson SCHREIBER que o Superior Tribunal de Justiça
presumiu que o comportamento da jovem de estar em pé em praia lotada
ensejou o entendimento de que houve o seu consentimento tácito para a
captação e difusão de sua imagem para público imensamente superior aos
presentes no local425. O autor critica esse posicionamento para destacar que a
autorização, especialmente a tácita, deve ser interpretada restritivamente426.
Cessão de uso gratuito mediante consentimento expresso: é
situação em que pessoa aceita ou tolera a divulgação de sua imagem. Nessa
situação não se cogita em violação a qualquer direito, pois o foco de atenção
reside no fim determinado consentido pela pessoa, de modo que não se podem
ultrapassar as delimitações expressas do consentimento427.
Sobre consentimento expresso é curioso o caso de atriz e modelo
que disse em entrevista: “Eu queria aproveitar essa entrevista para agradecer a
todos os fotógrafos e redatores, para continuarem tirando fotos de mim as mais
424
Referido neste trabalho no item 4.1.3. Teoria do direito à imagem como expressão do direito à intimidade. (REsp 595600/SC: Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 4ª Turma, j. 18.03.2004, DJ 13/9/2004, p. 259)
425 Direitos da personalidade, p. 114.
426 Idem, ibidem.
427 Op. cit., p. 541.
151
ousadas possíveis, escrever as coisas mais absurdas para chocar todo o
mundo, para botar o Brasil inteiro a falar de mim. Quanto mais eles fizerem
isso, mais popular eu fico”. O STJ entendeu que a publicação de fotografia da
atriz/modelo em revista foi consentida de forma expressa428.
Cessão do uso mediante pagamento: A profissão de modelo e
manequim é exemplo dessa situação, mas não se restringe a essa profissão e
tampouco se restringe à necessidade de ser profissional. Toda pessoa mesmo
sem ter como fonte de renda a sua imagem está autorizada a ceder seu uso
mediante pagamento.
Cessão do uso da imagem mediante pagamento não se restringe à
reprodução. Parte dos ganhos de uma “celebridade” é a sua participação em
eventos como festas de debutantes, inauguração de lojas e restaurantes,
festas de lançamento de produtos, presença em camarotes corporativos, e
tantos outros, em que é remunerada apenas pela sua presença, não
importando, em muitos casos, no compromisso de posar para fotos ou filmes.
Ainda sobre a cessão de uso da imagem mediante pagamento, é
oportuno analisar o direito de arena, no qual o atleta profissional, notadamente
o de futebol, é contratado para jogar, mas para exercer sua profissão deve se
exibir em público com as cores e símbolos de seu empregador, podendo o
evento esportivo ser televisionado e exibido por todo o país e até pelo
mundo429. Essa cessão de uso da imagem do atleta em eventos esportivos é
denominada Direito de Arena, previsto constitucionalmente no Art. 5º, XXVIII,
a430.
428
REsp 230.306/RJ, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 18/5/2000, DJ 07/08/2000, p. 113.
429 Jorge Miguel Acosta SOARES, Direito de imagem e direito de arena no contrato de
trabalho do atleta profissional, p. 79. Sobre o tema: Silmara Juny CHINELATO, Direito de arena, direito de autor e direito à imagem, in Estudos de direito de autor, direito da personalidade, direito do consumidor e danos morais. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 3 a 24.
430 O Direito de Arena foi regulamentado pelo Art. 42 da Lei 9.615 de 1998, conhecido como Lei
Pelé, que prescreve ser a entidade esportiva o titular desse direito. (Art. 42: Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão
152
No direito de arena há a cessão de uso da imagem mediante
pagamento de modo indireto, uma vez que o atleta profissional cede o uso de
sua imagem gratuitamente ao empregador (entidade desportiva), recebendo
posteriormente um repasse em dinheiro da entidade sindical, que tem uma
porcentagem do valor negociado pela entidade desportiva431.
Ressalte-se que o direito de arena não é direito à imagem, porque o
titular do direito de arena é a entidade desportiva. O atleta continua a ser o
titular do direito à sua própria imagem.
Antonio CHAVES ainda identifica as situações de uso contra a
vontade do interessado e uso ofensivo ou torpe: são aquelas que ensejam os
atos de conteúdo negativo do direito de dispor da própria imagem, a fim de
defendê-la e preservá-la.
Uso contra a vontade do interessado compreende qualquer
reprodução da imagem alheia e por qualquer meio (retratos pintados a mão,
reprodução de imagens por meio de fotos, filmes, mudos ou falados, imagens
em alto ou baixo relevo, figuras de gesso, madeira, mármore, acrílico, vidro,
metal, cimento, massa, barro cozido etc.432, e, ainda, como já apontado no
trabalho, caricatura e bibliografia).
Considera-se uso contra a vontade do interessado se, ainda que
eventualmente tenha sido autorizado, ultrapassar a finalidade, o tempo, o
veículo ou o modo estabelecido pelo titular da imagem433.
Uso ofensivo ou torpe ocorre quando por meio da imagem da
pessoa se objetiva atingir a sua honra, boa fama ou respeitabilidade434. O Art.
ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem.)
431 § 1º, do Art. 42: Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da
receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011.)
432 Antonio CHAVES, Tratado de direito civil: parte geral, p. 542.
433 Roxana Cardoso Brasileiro BORGES, Dos Direitos da Personalidade, in Teoria geral do
direito civil, p. 268.
153
20 do Código Civil prescreve essas finalidades como causa para o exercício do
direito de proibir o uso da imagem, além de eventual indenização.
4.6.2. Limites ao direito à imagem
O reverso do direito de dispor da imagem encontra-se em
circunstâncias em que o interesse geral se sobrepõe aos interesses do titular
do direito à imagem, permitindo o uso da imagem alheia, mesmo sem o
consentimento. Essas circunstâncias são limites ao direito à imagem que
neutralizam a proteção desse direito435.
Walter MORAES elucida que os limites do direito à imagem
decorrem de sua própria natureza de direito essencial e da prevalência do
interesse público436.
Como decorrência da proteção de um bem jurídico essencial, a
pessoa titular pode exercer sobre a imagem os atos de disposição que lhe
aprouver, salvo os que implicam em privar-se dela437. Indubitável que a pessoa
pode expor, divulgar, multiplicar e até comercializar o uso de sua imagem,
como também poderá impor os limites a essas faculdades, entretanto não
poderá destruir a sua imagem original, uma vez que deixará de existir.
Oportuno é conjecturar sobre as circunstâncias dissociadas da
vontade do titular do exercício do direito à imagem, que implicam em limitações
ou restrições ao exercício do respectivo direito.
434
Antonio CHAVES cita acordão do TJSP da 6ª Cam. Civ., que em 1/4/1949 decidiu sobre caso de fotografia não autorizada e com finalidade maliciosa: “O retrato é uma emanação da pessoa, e sua representação por meio físico ou mecânico. Ninguém pode ser fotografado contra sua vontade, especialmente para ser pivô de escândalos” (Revista do Tribunais, vol. 180/161). Op. cit., p. 545.
435 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, Imagen (Derecho a la propia), in Nueva enciclopedia
jurídica. T. 11, p. 350.
436 Direito à própria imagem (II), in RT 444, p. 23.
437 Idem, ibidem.
154
Walter MORAES identifica quatro circunstâncias limitativas do direito
de dispor do titular da imagem que possibilitam a livre difusão dela, que são:
notoriedade do sujeito, interesse de ordem pública, interesse cultural e a
presença de pessoa (sujeito) em cenário público438. GITRAMA GONZÁLEZ
aponta: a popularidade da pessoa, necessidades de justiça, finalidade
científica, didática e cultural, fatos de interesse público ou eventos púbicos439.
Adriano de CUPIS expõe as seguintes circunstâncias conforme a lei italiana da
época: notoriedade da pessoa, cargo público exercido, necessidade de justiça
ou de polícia, fins científicos, didáticos ou culturais, repercussão relacionada
com fatos, acontecimentos, cerimônias de interesse público ou ocorridas em
público440. Já Zulmar Antonio FACHIN apresenta as seguintes circunstâncias:
interesse da segurança nacional, interesse da investigação criminal, interesse
histórico, interesse da saúde pública, interesse sobre figuras públicas, interesse
sobre eventos públicos, interesse de informação e pelo consentimento do
interessado441. Apesar das várias circunstâncias, ressalva FACHIN que se trata
de rol exemplificativo, uma vez que o interesse público pode se inserir em
novas causas não elencadas.
Quanto às circunstâncias citadas pelos referidos autores, cabe
algumas considerações.
A qualidade de ser a pessoa, popular, pública ou notória442, por si só
não elide a proteção à sua imagem. Como bem destaca Anderson
SCHREIBER há um falso parâmetro de pessoa pública, pois “pessoas são
privadas por definição”443. A ideia de que as pessoas ditas celebridades têm
438
As limitações apontadas por Walter Moraes resultam de pesquisa em legislações estrangeiras, visto que a legislação brasileira à sua época não dispunha sobre o tema (Direito à própria imagem (II), in Revista dos Tribunais n. 444, p. 23 e 24). Sobre essa legislação estrangeira, vide item. 3.1. “Contextualização histórica”.
439 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, Imagen (Derecho a la propia). In: Nueva enciclopedia
jurídica. T. 11, p. 349 a 355.
440 Direitos da personalidade, p. 147.
441 Zulmar Antonio FACHIN, A proteção jurídica da imagem, p. 109.
442 Popular: aquele que tem aprovação ou afeto pelo público em geral (artistas, esportistas
etc.); público: aquele que pertence ao Governo de um país, estado ou cidade (agente público); notório: aquele que possui fama proveniente de ações, opiniões, conhecimentos considerados valorosos pela sociedade.
443 Anderson SCHREIBER, Direitos da personalidade, p. 107.
155
mitigado o seu direito à imagem é equivocada, uma vez que “o fato de a
pessoa retratada ser célebre ou notória pode, quando muito, sugerir que há
algum grau de interesse do público em ter acesso à imagem, pela só razão de
dizer respeito àquela pessoa”444. A proteção ao direito à imagem dessas
pessoas é tão relevante quanto à de qualquer um; o seu direito à imagem não
pode ser afetado em razão de sua popularidade ou notoriedade.
GITRAMA GONZÁLEZ esclarece sobre a notoriedade da pessoa ou
interesse em relação a figuras públicas que para existir essa limitação devem
concorrer três requisitos: ser a imagem de pessoa popular, pública ou notória; a
divulgação ter o fim público de informação; e a imagem não se referir à vida
privada445. A falta de qualquer dos requisitos gera a ilicitude do uso da imagem.
Nesse sentido, Antonio CHAVES diz “que as leis não afirmaram
simplesmente ser lícito à divulgação do retrato das pessoas notórias;
estabeleceram, sim, que a divulgação é livre quando justificada pela
notoriedade, justificação essa que concerne a limitações do interesse privado,
colocadas em prol do interesse público, e não de outras particularidades”446.
O entendimento de que a presença de pessoa em cenário público é
causa de limitação ao seu direito à imagem, retoma a concepção superada de
que o direito à imagem é oriundo do direito à intimidade ou de vida privada.
Direito à imagem não está restrito a quatro paredes. Anderson SCHREIBER
enfatiza: “O caráter público do lugar não pode, de modo algum, ser tomado
como um salvo-conduto para a captação de imagens. O que se deve examinar
é, antes, o contexto em que a imagem é captada, a expectativa das pessoas
envolvidas e o grau de individualização de sua imagem”447.
Em relação a esse ponto, vale considerar os casos mencionados por
SCHREIBER, como os do cantor e compositor Chico Buarque namorando na
444
Anderson SCHREIBER, op. cit., p. 108.
445 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, Imagen (Derecho a la propia). In: Nueva enciclopedia
jurídica. T. 11, p. 350.
446 Direito à própria imagem, in RT 451, maio de 1973, p. 20.
447 Anderson SCHREIBER, Direitos da personalidade, p. 107.
156
praia do Leblon com mulher desconhecida do grande público, no qual a
imprensa alegou que se tratava de local público e de pessoa pública448. O
mesmo ocorreu com a modelo e apresentadora Daniela Cicarelli, flagrada em
cenas íntimas em praias espanholas, divulgadas por meio de filme no site
Youtube; aqueles que desaprovaram a atitude da modelo alegaram que ela
estava em local público.
Ora, deve-se concordar com SCHREIBER ao afirmar que é preciso
considerar o peso desempenhado pela tecnologia na captação da imagem. Por
meio de lentes de longa distância, de edição para melhoramento de luz e
cortes específicos, condutas até discretas no local público passam a ter clareza
e definição impactantes449.
A circunstância da presença de pessoa em eventos de interesse
público só é limite ao direito à imagem quando a utilização da imagem tiver
como finalidade a notícia de um evento, ou melhor, a imagem da pessoa for
usada no contexto do evento ou acontecimento. Se na utilização da imagem for
destacada a presença da pessoa em detrimento do evento, ocorrerá uma
violação ao direito à imagem450.
448
Op. cit., p. 108. As fotos foram divulgadas pelas revistas Contigo! da Editora Abril e Quem da Editora Globo em março de 2005. Sobre a polêmica que se instaurou na época se era dever da imprensa informar sobre o namoro e publicar as fotos, ver: Paulo de Souza, Operação Abafa, in Revista Veja, Edição 1895, 9 de março de 2005. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/090305/p_075.html>. Acesso em: 5/mar./2013.
449 Op. cit., p. 121 a 123. Afirma o autor sobre o vídeo: “Em análise fria do vídeo revela que os
frequentadores da praia parecem não perceber a troca de intimidade entre Daniela e seu namorado. Reforça-se a suspeita de que a coisa toda aconteceu de modo bem mais discreto do que sugere o filme, (...).”, p. 123.
O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu a favor do casal. Ementa: Ação inibitória fundada em violação do direito à imagem, privacidade e intimidade de pessoas fotografadas e filmadas em posições amorosas em areia e mar espanhóis. - Esfera íntima que goza de proteção absoluta, ainda que um dos personagens tenha alguma notoriedade, por não se tolerar invasão de intimidades [cenas de sexo] de artista ou apresentadora de TV. - Inexistência de interesse público para se manter a ofensa aos direitos individuais fundamentais [artigos 1o, III e 5o, V e X, da CF]. - Manutenção da tutela antecipada expedida no agravo de instrumento n° 472.738-4 e confirmada no julgamento do agravo de instrumento n° 488.184-4/3. - Provimento para fazer cessar a divulgação dos filmes e fotografias em web-sites, por não ter ocorrido consentimento para a publicação. - Interpretação do art. 461, do CPC e 12 e 21, do CC, preservada a multa diária de R$ 250.000,00, para inibir transgressão ao comando de abstenção. TJSP, Apelação Cível Nº 0120050-80.2008.8.26.0000, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Enio Zuliani, j. 12/6/2008.
450 Zulmar Antonio FACHIN, A proteção jurídica da imagem, p. 117.
157
A Ministra Nancy ANDRIGHI, em voto de acórdão que decidiu sobre
dano moral por publicação em portal de notícia de fotografia não autorizada de
mãe e filho como apoiadores de uma passeata, traçou parâmetros para a
reprodução de fotografias retiradas em ambiente público:
Não é necessário, para informar sobre o movimento de apoio à
causa LGBT, que se fotografem os participantes em close de
rosto. Fotografias amplas, mostrando a extensão do
movimento, as faixas exibidas, a seriedade da causa, são
suficientes. Fotos individuais dos manifestantes somente
poderiam ser exibidas pelos veículos de comunicação se delas
resultar inequívoca a ciência quanto ao fato de que são
fotografados e de que concordam com a divulgação. Ou,
alternativamente, na hipótese em que sua imagem, na
passeata, contém elementos que indiquem o desejo de
aparecer, como ocorre quando há inscrições de apoio nas
camisetas que vestem, elementos em sua fantasia que
justifiquem a reprodução da imagem ou quando portam
cartazes com palavras de ordem. Fora dessas situações, a
reprodução das fotos em close é desnecessária e, portanto,
sua publicação implica acentuado risco de lesão de direitos. (p.
07)451
. (Grifo nosso.)
A limitação do direito à imagem em razão de interesse cultural
engloba para Walter MORAES e GITRAMA GONZÁLEZ os de interesses
científicos, didáticos, educativos ou artísticos452. Para Jacqueline Sarmento
DIAS essa limitação somente ocorrerá se o uso da imagem alheia servir a
propósito cultural como objetivo principal e não a finalidade lucrativa453, mas
alerta a autora que é vedada a publicação de imagens que em nome desses
interesses culturais, científicos e didáticos servirem apenas para alimentar
curiosidades mórbidas454 ou violar outros direitos da personalidade.
451
Ementa: DIREITO CIVIL. DIREITO DE IMAGEM. REPRODUÇÃO NÃO AUTORIZADA DE FOTOGRAFIA DO AUTOR, NA PASSEATA LGBT, EM SÃO PAULO. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO. PROCEDÊNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO. (STJ, REsp 1135543/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, 3º TURMA, j. 22/5/2012, DJe 7/11/2012).
452 MORAES, Direito à própria imagem (II), op. cit., p. 24; GITRAMA, op. cit., p. 354.
453 O Direito à imagem, p. 135.
454 Op. cit., p. 137.
158
O Superior Tribunal de Justiça decidiu um caso relativo a uma
propaganda veiculada em televisão. Com o pretexto de ensinar o público a
escolher um bom prestador de serviço e a conhecer seus direitos como
consumidor, um programa de TV preparou uma “pegadinha” que consistia na
troca de um fusível em perfeito estado, por outro queimado em uma televisão
nova. Uma atriz, interpretando uma dona de casa, chamava técnicos de
televisão e ouvia vários diagnósticos apresentavam-lhe diferentes orçamentos
para solucionar o problema, enquanto o apresentador do programa e um
convidado, personagem que representava o superintendente do Procon do
Estado do Rio de Janeiro faziam comentários à cena. Apesar do argumento da
emissora de televisão de que a matéria jornalística tinha o intuito didático e
educativo, o Tribunal condenou a emissora por uso de imagem alheia sem
consentimento455.
Quanto à limitação do direito à imagem baseada no interesse
histórico afirma Zulmar Antonio FACHIN que “quem teve uma vida notabilizada
por grandes feitos não pode exigir reserva absoluta de sua imagem”456. O
autor, no entanto, não define o que é histórico.
A vida de um cantor famoso, chamado até de Rei, tem importância
histórica? Ou esse interesse se restringe a fatos da história política do país? No
primeiro caso, as decisões judicias têm proibido as biografias não-autorizadas,
resguardando a imagem de artistas e esportistas. Quanto à segunda hipótese
as decisões do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, seguem sentido
contrário, como sobre a imagem de guerrilheiro no filme “O que é isso
companheiro”457, ou da imagem de ex-comandante do Batalhão de Operações
Especiais (Bope) no filme documentário “Ônibus 174”458.
455
Ementa: (...) 2. Na hipótese, não obstante o direito de informação da empresa de comunicação e o perceptível caráter de interesse público do quadro retratado no programa televisivo, está clara a ofensa ao direito à imagem do recorrido, pela utilização econômica desta, sem a proteção dos recursos de editoração de voz e de imagem para ocultar a pessoa, evitando-se a perfeita identificação do entrevistado, à revelia de autorização expressa deste, o que constitui ato ilícito indenizável. (...). (REsp 794.586/RJ, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, 4ª TURMA, j. 15/3/2012, DJe 21/03/2012).
456 Zulmar Antonio FACHIN, A proteção jurídica da imagem, p. 112.
457 Filme de Bruno Barreto que narra episódio do sequestro do embaixador dos Estados Unidos
no Brasil, Charles Burke Elbrick, em setembro de 1969, por integrantes dos grupos
159
Quanto à causa de limitação do direito à imagem no interesse de
saúde, Luiz Alberto David ARAUJO entende que “dentre ainda das razões
autorizadoras do limite ao direito à imagem, surge o interesse da saúde
pública. O interesse em destaque deve, certamente, sobrepor-se ao interesse
individual, consubstanciado no direito à imagem”459 e para tanto cria exemplo
hipotético:
O indivíduo que sofre de doença gravíssima de fácil
transmissão e não tem conhecimento, pondo em risco toda a
sociedade, não pode impedir ou pretender indenização por afixação,
pelos órgãos de saúde pública, de cartazes noticiando tal fato. Não
houve violação da imagem. O retratado não pode, com certeza,
pretender a indenização por uso indevido de sua imagem. O retrato do
indivíduo, justamente em benefício da saúde pública, deve ser
divulgado, não se cogitando do direito à imagem, nesse caso460
.
Em que pese o interesse geral de saúde pública, o Estado dispõe de
outros mecanismos para alertar a população e encontrar a pessoa doente, sem
precisar divulgar seu retrato.
A limitação, apontada por ZACHIN, em razão de interesse à
segurança nacional461 traz consigo expressão que alude a um período de
exceção do Estado brasileiro.
A Constituição Federal de 1988 prevê o estado de defesa e de sítio
(Art. 136 a 141), mas como fenômenos excepcionais e sempre sob a
fiscalização e limites impostos pelo Congresso Nacional. Apesar de nesses
guerrilheiros de esquerda "MR-8" e "Ação Libertadora Nacional - ALN". STJ, REsp 750.698/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, 4ª TURMA, julgado em 19/4/2012, DJe 24/5/2012, que determinou o retorno dos autos à instância de origem para a prolação de novo acórdão.
458 Filme de José Padilha que narra o episódio em que um assaltante faz os passageiros do
ônibus refém e que culminou com a morte dele e de uma refém. Apel. Proc. Nº 0006916-43.2003.8.19.0001, 7ª Câmara Cível, Rel.. Caetano E. da Fonseca Costa, j. 10/3/2010.
459 Luiz Alberto David ARAUJO, A proteção constitucional da própria imagem, p. 96.
460 Idem, ibidem.
461 Op. cit., p. 110. Sobre o tema: Luiz Alberto David ARAUJO, A proteção constitucional da
própria imagem, p. 95 e René Ariel DOTTI, Proteção da vida privada e liberdade de informação, p. 197.
160
estados o constituinte ter autorizado a restrição de alguns direitos462, dentre
eles não se encontra o direito à imagem.
Essa hipótese de limitação ao direito à imagem é incompatível com o
estado democrático de Direito. Segurança Nacional é diferente de manutenção
da ordem pública (prevista no Art. 20 do Código Civil), e, ainda assim,
respeitando os Direitos de Personalidade e Direitos Humanos, que são os
“escudos protetores” da pessoa humana diante do Poder Constituído do
Estado.
O limite do direito à imagem em razão de interesse de investigação
criminal consiste na divulgação de retrato de suspeito ou condenado foragido.
Essa divulgação da imagem pode ocorrer por meio de fotografia, desenho
(retrato falado), gravação de câmara de segurança, filmes, com o intuito de que
a sociedade perceba a pessoa procurada e informe a autoridade policial para
localizá-la.
Nota-se que o uso da imagem nessa circunstância somente se
justifica para identificar pessoa não conhecida ou localizar foragidos, e não
para execração pública ou para envaidecer os agentes públicos.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça julgou habeas corpus
impetrado contra acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e
Territórios, que extinguiu o processo lá impetrado sem exame do mérito, que se
insurgia contra “denúncia com a expressão ‘ação penal condenatória' na folha
de rosto e digitalização da fotografia do réu por meio eletrônico na própria
denúncia”. O STJ concedeu a ordem de habeas corpus parcialmente
determinando que a fotografia do denunciado fosse riscada463.
462
Art. 136, § 1º, I da Constituição Federal: a) reunião, ainda que exercida no seio das associações; b) sigilo de correspondência; c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica.
463 Ementa: HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. DENÚNCIA. UTILIZAÇÃO DA
TITULAÇÃO AÇÃO PENAL CONDENATÓRIA E INSERÇÃO DA FOTOGRAFIA DO ACUSADO. INEXISTÊNCIA DE LESÃO OU AMEAÇA DE LESÃO À LIBERDADE DE IR, VIR E PERMANECER DO PACIENTE. INADMISSIBILIDADE DA VIA ELEITA. (...) 7. A inserção da fotografia do acusado na vestibular viola diferentes normas constitucionais, dentre as quais o direito à honra, à imagem e também o princípio matriz de toda a ordem constitucional: o da dignidade da pessoa humana. (...) 9. É desnecessária a digitalização de foto já constante nos autos da ação penal para, novamente, colocá-la na peça acusatória. Isso porque se efetivou,
161
Analisadas as circunstâncias limitativas do direito à imagem
proposta pela doutrina, se faz necessário considerar a determinação do Art. 20
do Código Civil de 2002, que é o marco legal sobre o tema.
O artigo dispõe que a imagem alheia pode ser usada sem
autorização se for necessária para administração da justiça ou para a
manutenção da ordem pública. Anderson SCHREIBER critica o dispositivo
porque não é sempre que essas situações podem autorizar a veiculação da
imagem alheia464, de tal modo que é preciso existir uma finalidade justificável
para o uso da imagem.
A redação do artigo também é criticada por Silmara Juny
CHINELLATO, pois induz ao entendimento de que a imagem alheia pode ser
usada sem o consentimento do titular, desde que sua honra, fama ou
reputação não seja atingida ou que não tenha fins econômicos465. Com o fim de
confirmar a pertinência da crítica de CHINELLATO à redação do artigo
colaciona-se decisão da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça:
“Não é cabível indenização por dano moral na hipótese de
uso da imagem da pessoa natural para divulgação de jogos
universitários da faculdade para a qual trabalhava, ainda que não tenha
havido sua expressa autorização, visto que as fotografias divulgadas
não ferem a integridade física ou moral do recorrido, não o expõe a
situação vexatória, tampouco foram utilizadas para fins econômicos”
466. (Grifo nosso.)
Ora, em que pese o entendimento na decisão referida acima, direito
à imagem é um direito autônomo, que pode ser atingido independentemente de
atingir outros bens jurídicos ou de auferir vantagem econômica.
num momento anterior, a devida identificação – civil e criminal – do investigado. 10. Ordem parcialmente concedida, com o intuito de determinar ao Juiz do processo que tome providências no sentido de riscar da denúncia a parte em que consta a fotografia do ora paciente. HABEAS CORPUS Nº 88.448 - DF (2007/0183303-6) Rel. MIN. OG FERNANDES, j. 6/5/2010, DJe: 2/8/2010.
464 Anderson SCHREIBER, Direitos da personalidade, p. 103.
465 Código Civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo, p. 45.
466 REsp 803.129/RS, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, 4ª TURMA, j. 29/9/2009, DJe
13/10/2009.
162
O consentimento da pessoa interessada é causa de limitação do uso
da imagem se visto sob o aspecto de que a pessoa ao autorizar a cessão de
uso de sua imagem impõe os limites dessa cessão. Walter MORAES ensina
que é direito exclusivo do titular da imagem autorizar a reprodução pública de
seu retrato467, mas tal direito não é ilimitado e é direcionado ao terceiro que se
utiliza desse retrato. De acordo com Zulmar Antonio FACHIN, “o consentimento
da pessoa torna lícito o uso que terceiro faz de sua imagem. Extrapolados os
limites, o uso é ilícito e acarreta o dever de indenizar” 468.
As limitações ao direito à imagem previstas no Art. 20 do Código
Civil (consentimento, administração da justiça ou manutenção da ordem
pública) não são circunstâncias que por si só limitam o direito à imagem. A
limitação encontra-se na finalidade existente em cada uma dessas situações.
O consentimento para a utilização da própria imagem tem uma
finalidade particular que interessa ao titular da imagem, qualquer utilização
além do pactuado é um desvio de finalidade, eivado de ilicitude.
A administração da justiça ou manutenção da ordem pública objetiva
o interesse público. O uso da imagem alheia para essa finalidade não pode ser
considerado de modo absoluto, na sua ocorrência deve ser ponderado o caso
específico, outros bem jurídicos envolvidos (como honra, intimidade, etc.) e o
impacto na própria imagem da pessoa, pois a finalidade do interesse público
não pode atingir os direitos da personalidade.
4. 7. Extinção do direito à imagem
A imagem acompanha a pessoa da gestação à morte. Não há
pessoa sem imagem. O direito à própria imagem é conservado por toda a vida
da pessoa. Logo, o direito à imagem é vitalício, pois a pessoa pode exercê-lo
467
Direito à própria imagem (II), in RT 444, p. 13.
468 Zulmar Antonio FACHIN, A proteção jurídica da imagem, p. 120.
163
enquanto viver469. Walter MORAES prefere enfatizar que o direito à imagem é
inextinguível, ou seja, que não se extingue enquanto não se extinguir a
personalidade jurídica do sujeito470. Francisco AMARAL prefere dizer que é um
direito permanente, uma vez que nasce com a pessoa e a acompanha por toda
a sua existência471.
A existência da pessoa natural termina com a morte, extinguindo a
sua personalidade jurídica (Art. 6º do Código Civil). A imagem acaba com a
morte? Walter MORAES assegura: “morto o sujeito, subsiste-lhe a imagem
física por algum tempo, e as reproduções dela indefinidamente”472.
Entretanto, a morte finda o direito à própria imagem. É causa
absoluta de extinção desse direito473.
O direito à imagem tem como uma de suas características a
intransmissibilidade, a morte não transfere para os herdeiros a imagem do
falecido. Não há como pensar que os direitos da personalidade de uma pessoa
são transferidos para os herdeiros. Como bem ensina MORAES: “as leis
atribuem aos sucessores um direito a estas reproduções ou ainda ao modelo
morto, de direito de conteúdo imaterial que evidentemente não é direito de
personalidade porque não é direito a própria imagem”474.
Quanto à proteção da imagem após a morte, é oportuno citar a
dedicatória da obra literária de Machado de Assis:
Ao verme
que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver
dedico como saudosa lembrança estas
469
Leonardo Estevam de Assis ZANINI, Direitos da Personalidade, p. 190; Carlos Roberto GONÇALVES, Direito civil brasileiro: parte geral, p. 190; Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro: teoria geral de direito civil, p. 136.
470 Walter MORAES, Direito à própria imagem (II), in RT 444, out. 1972, p. 26.
471 Francisco AMARAL, Direito civil: introdução, p. 285.
472 Idem, ibidem.
473 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, “Imagen” (Derecho a la propia), in Nueva enciclopedia
jurídica: Tomo XI, p. 361.
474 Op. cit., p. 26.
164
memórias póstumas.475
O fundamento da proteção encontra-se na chamada “teoria do
direito dos vivos” que consiste na proteção dos sucessores que são afetados
por atos ofensivos à memória do falecido476.
O Código Civil no parágrafo único do Art. 20 estabelece que em se
tratando de morto ou de ausente são partes legítimas para proibir divulgação
de escritos, transmissão da palavra ou publicação, exposição, utilização da
imagem, sem prejuízo de indenização que couber: o cônjuge, os ascendentes e
os descendentes. Já o parágrafo único do Art. 12 inclui entre os legitimados
para requerer que cesse a ameaça ou lesão a direito a personalidade, e
reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei
qualquer parente colateral até o quarto grau. Ambos dispositivos deixam de
mencionar o companheiro, todavia é sustentável admitir que, por interpretação
extensiva, ele possa ser incluído no rol dos legitimados.
Sobre o parágrafo único do Art. 12 do Código Civil comentam Nelson
NERY e Rosa Maria de Andrade NERY:
“Pode dar a falsa impressão de que o titular do direito a
fazer cessar a ameaça, ou de postular a indenização seja a pessoa
morta, cujo direito de personalidade tenha sido ferido. Isto não é
possível, a não ser que já estivesse em andamento pretensão nesse
sentido, em cujo procedimento processual os herdeiros do lesado
pudessem se habilitar. Entretanto o importante é observar que, caso o
lesado venha a falecer após ter sofrido a ofensa, evidentemente, o que
se protege é o direito de sucessão dos herdeiros ao recebimento de
indenização ou à cessação da ofensa sofrida por aquele de quem são
herdeiros. Essas pretensões podem ser, também, postuladas pelos
herdeiros do morto, ou por quem demonstrar interesse jurídico para
tanto, em nome pessoal, se invocada ofensa a direito de personalidade
próprio, consistente em resguardo da potência sensitiva (autoestima,
memória) do familiar do lesado”.477
475
Machado de ASSIS, Memórias póstumas de Brás Cubas.
476 Leonardo Estevam de Assis ZANINI, Direitos da personalidade, p. 193.
477 Código civil comentado, item 16. Pessoas Mortas, p. 227.
165
Desse modo, os legitimados defendem em nome próprio a imagem
do falecido, para autorizar ou proibir o seu uso 478.
Em suma, a morte põe fim ao exercício do direito à imagem. A
imagem original perdurará por algum tempo até a sua decomposição e o
desaparecimento de sua percepção. Persistirá a imagem enquanto reprodução,
estática ou dinâmica, se houver, desde que preservada, pois se por ventura
todas as reproduções desaparecerem, com elas desaparecerá a imagem.
A extinção do exercício do direito à imagem decorre da
intransmissibilidade desse direito; os legitimados terão os direitos imateriais de
proteção de tudo aquilo que representava, significava ou materializava a
imagem do falecido, ou melhor, todos os aspectos de moral, memória e
reputação que continham a imagem do falecido. Buscarão preservar os seus
direitos decorrentes de serem sucessores de tudo o que essa imagem
representava.
E, ainda, os sucessores serão os legitimados para responderem
pelos direitos e deveres das obrigações decorrentes da cessão do uso da
imagem vigente à época do falecimento, que, nesse caso, só poderá recair
sobre a imagem decorrente.
478
EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL. ÁLBUM DE FIGURINHAS (“HERÓIS DO TRI”) SOBRE A CAMPANHA DO BRASIL NAS COPAS DE 1958, 1962 E 1970. USO DE FOTOGRAFIA DE JOGADOR SEM AUTORIZAÇÃO DOS SUCESSORES. DIREITO DE IMAGEM. VIOLAÇÃO. LEI N. 5.988, DE 14.12.1973, ART. 100. EXEGESE. LEGITIMIDADE ATIVA DA VIÚVA MEEIRA E HERDEIROS. CPC, ARTS. 12, V, E 991, I. CONTRARIEDADE INOCORRENTE. I. A viúva e os herdeiros do jogador falecido são parte legitimada ativamente para promoverem ação de indenização pelo uso indevido da imagem do de cujus, se não chegou a ser formalmente constituído espólio ante a inexistência de bens a inventariar. II. Constitui violação ao Direito de Imagem, que não se confunde com o de Arena, a publicação, carente de autorização dos sucessores do de cujus, de fotografia do jogador em álbum de figurinhas alusivo à campanha do tricampeonato mundial de futebol, devida, em consequência, a respectiva indenização, ainda que elogiosa a publicação. III. Recurso especial não conhecido.(REsp 113.963/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 20/9/2005, DJ 10/10/2005, p. 369)
166
5. RESPONSABILIDADE CIVIL E O DIREITO À IMAGEM
Neste item, o desafio é enfocar a responsabilidade civil no âmbito do
direito à imagem e sua importância para a reparação da lesão à imagem.
Inicialmente, cabe apresentar breve distinção entre obrigação e
responsabilidade. Segundo Carlos Roberto GONÇALVES, essa distinção teve
início na Alemanha, na análise da relação obrigacional, discriminando-se dois
momentos, que são o débito (schuld), que consiste na obrigação de realizar a
prestação dependente sempre da ação ou omissão do devedor e o da
responsabilidade (haftung), que consiste na faculdade do credor de executar o
patrimônio do devedor para obter o pagamento devido ou indenização pelos
prejuízos causados pela inadimplência479. Com isso, tem-se que do
inadimplemento da obrigação surge a responsabilidade, a consequência
jurídica patrimonial do descumprimento da obrigação480. Para Maria Helena
DINIZ sua função é de garantir o direito do lesado à segurança e servir como
sanção civil, de natureza compensatória, mediante a reparação do dano
causado à vítima, punindo o lesante e desestimulando a prática de atos
lesivos481.
Desse modo, pode se dizer que responsabilidade civil é decorrente
de uma ação ou omissão de um agente que com culpa ou dolo, por meio de
uma relação de causalidade, provoca um dano a outrem.
Maria Helena DINIZ classifica a responsabilidade civil em várias
espécies, dependendo da perspectiva examinada. Quanto ao fato gerador pode
ser contratual482, oriunda de uma obrigação de dar, fazer ou não fazer, ou
479
Direito civil brasileiro: responsabilidade civil, p. 21.
480 Idem, p. 20.
481 Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, p. 25.
482 Art. 389 a 420 (Do inadimplemento das obrigações) do Código Civil de 2002.
167
extracontratual483, decorrente de uma ação ou omissão sem qualquer vínculo
obrigacional. Quanto ao fundamento pode ser subjetiva, que necessita de culpa
ou de dolo na ação ou omissão, ou objetiva, por determinação legal, prescinde
da culpa ou de dolo, bastando relação causal entre ação ou omissão e o dano,
classificação essa que se refere ao ônus probatório da ação de indenização. E
por fim, quanto ao agente pode ser direta, quando o próprio é o executor do
ato, ou indireta quando a execução do ato é realizada por terceiros ou por
animais conforme sua vontade ou determinação484.
José de Aguiar DIAS, em síntese, une responsabilidade contratual e
extracontratual em princípios comuns, que são: a) o dano, que deve ser certo,
podendo ser material ou moral; b) a relação de causalidade, relação direta de
causa a efeito entre o fato gerador da responsabilidade e o dano são
pressupostos indispensáveis (a causalidade é exigência, não se admite a mera
coincidência entre o dano e a ação ou omissão do suposto responsável); c) a
força maior e a exclusiva culpa da vítima suprimem a relação de causa e efeito;
e d) as autorizações judiciárias e administrativas não constituem motivo de
exoneração de responsabilidade485, pois o agente não pode alegar isenção de
responsabilidade por ter cumprido exigência judiciária ou administrativa, por
exemplo, quem tem carteira de habilitação para dirigir não se exime de culpa
em acidente de veículo porque foi aprovado em exame ou, um dono de
estabelecimento que explodiu não pode se valer da respectiva licença de
funcionamento para se eximir de responsabilidade.
No direito à imagem, a responsabilidade civil surge da ação ou
omissão de um agente que causa lesão à imagem alheia. A aparência do titular
do direito à imagem pode ser alterada, modificada, transformada por ato
próprio ou de outrem, autorizada ou não. O ato de se barbear é uma alteração
na aparência física realizada pelo próprio titular, já o corte de cabelo ou a
tatuagem são ações autorizadas realizadas por outras pessoas.
483
Art. 186 a 188 (Dos atos ilícitos) e Art. 927 a 954 (Da Responsabilidade civil) do Código Civil de 2002.
484 Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, p. 144 e 145.
485 Da responsabilidade civil, p. 107.
168
A integridade da imagem da pessoa pode ser atingida por ato ilícito
de forma direta ou indireta. A lesão à imagem original de forma direta pode
ocorrer, por exemplo, na hipótese de uma intervenção cirúrgica malsucedida
que por negligência ou imprudência do médico cirurgião ou de sua equipe
deforma a aparência física do paciente causando-lhe dano à imagem. O
responsável pelo ato poderá responder por dano moral e material no âmbito
civil, como também, se for o caso, criminalmente por lesão corporal de
natureza grave (inc. III e IV, § 2º do Art. 129 do Código Penal).
Mas a imagem original também pode ser atingida de forma indireta,
por exemplo, em razão da morte do marido por ato ilícito a viúva passa a ter
uma aparência envelhecida486, ou, ainda, como consequência indireta de um
trauma provocado em decorrência de ato ilícito a pessoa passa a engordar,
pesando vinte, trinta quilos a mais do que possuía antes do acontecimento.
A integridade da imagem da pessoa alcança também a voz e a
faculdade de se mover. Atentados à voz ou à faculdade de se movimentar
podem resultar, a nosso ver, em um dano à imagem. Nesse sentido, Jean
CARRARD exemplifica: “a vítima, que possuía uma voz quente e sedutora, não
tem mais, em consequência das lesões, do que uma voz estridente; a vítima
que se movia com graça, não pode mais fazer senão movimentos irregulares e
sacudidos”487.
486
O Supremo Tribunal de Justiça português considerou expressamente este aspecto no acórdão SJ200406030035272, Rel. LUCAS COELHO, j. 3/6/2004: “I - É conforme à equidade, à luz do artigo 496.º, n.º 3, última parte, do Código Civil, a indemnização de 3 500 contos pelos danos morais que sofreu a viúva de ciclomotorista falecido em acidente de viação por culpa do condutor do veículo segurado na ré, provando-se, nomeadamente, que marido e mulher constituíam um casal feliz, nutrindo um pelo outro um forte amor conjugal; que a morte interrompeu esta afectividade furtando à esposa a alegria de viver e envelhecendo-a física e psiquicamente; que o falecimento do marido a impediu de partilhar com ele o que de bom lhes trouxe o nascimento da filha (...) cerca de um mês e meio antes, passando a sofrer sozinha as vicissitudes e dificuldades de a criar e educar sem o acompanhamento do pai;” (grifo nosso – mantida a ortografia utilizada no acórdão). Disponível em: <http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/22bbafa4ca2fadf080256ec20055bb19?OpenDocument&Highlight=0,dano,existencial>. Acesso em: 15/ mar./ 2013. (Referência a esse acórdão encontra-se no artigo de Hidemberg Alves da FROTA e Fernanda Leite BIÃO, A dimensão existencial da pessoa humana, o dano existencial e o dano ao projeto de vida: reflexões à luz do direito comparado, in Revista Forense, v. 411, p. 108 e 109.).
487 Ressalta-se, porém, que Jean Carrard ao exemplificar refere-se a dano estético. (O dano
estético e sua reparação, in Revista Forense, vol. LXXXIII, p. 405).
169
A lesão à imagem não ocorre apenas sob o aspecto da imagem
original, também a imagem decorrente pode sofrer com atentados como
montagens (imagem estática), edições (imagem dinâmica)488, etc..
Várias são as situações que podem atingir a imagem da pessoa,
considerando o conceito jurídico de imagem desenvolvido neste trabalho489,
apresenta-se o seguinte rol exemplificativo de atentados à imagem:
a) na alteração da aparência física, por ato lícito ou ilícito, que
implique modificação ou transformação da imagem da pessoa;
independentemente da relação jurídica envolvida (por exemplo, no âmbito das
relações trabalhistas, das relações de consumo, civis, contratuais – serviços
médicos, estéticos, transportes – até mesmo no âmbito das relações
familiares).
b) na captação da imagem sem ciência do titular da imagem,
ressalta-se que não se trata de consentimento, mas de prévia ciência de que
algo ou alguém está captando a sua imagem;
c) no uso da imagem alheia sem o consentimento;
d) no uso da imagem cedida que exorbita as finalidades pactuadas;
e) na divulgação da imagem em meio diverso (revista, jornal, redes
sociais, produtos) do pactuado;
f) na divulgação de imagem falsa em relação à pessoa ou em
relação a fato ou situação falsa, ou mesmo que verídica já esquecida ou
superada sem nenhum contexto razoável ou justificável;
g) na reprodução, pública ou privada; da imagem, por meio de
fotografia, filme, caricatura, biografia, sem o consentimento do titular da
imagem490;
488
Tema desenvolvido no oitavo e nono parágrafo do item 4.5. “Objeto do direito à imagem”.
489 Vide item 3.4. “A imagem e o direito”.
170
h) na reprodução da imagem com alteração do retrato por meio de
montagens (photoshop), caricatura ou desenho etc.491;
i) na reprodução da imagem em contexto diverso da captação492;
j) na multiplicação da imagem sem o consentimento;
l) na comercialização sem o consentimento ou se autorizado sem
auferir os respectivos vencimentos;
m) na usurpação da imagem, que consiste em se apropriar da
imagem de outrem como se sua fosse para auferir ou não vantagem.
Outros atentados à imagem que merecem destaque são os previstos
nos artigos 240 a 241-E493 do Estatuto da Criança e Adolescente (Lei nº
8.069/1990). Estes artigos são tipos penais que independentemente da
responsabilidade criminal, pressupõem uma responsabilidade civil. Tais
dispositivos têm como objetividade jurídica combater a pedofilia e a exploração
sexual de menores, por seus vários meios, como fotografias, internet, filmes, e
indiretamente protegem o uso da imagem da criança e do adolescente.
Todos esses atentados são violações ao direito à imagem podendo
gerar dano. José Aguiar DIAS ensina que para haver responsabilidade civil
necessita existir o dano, por ser este requisito para indenização, afinal não
haverá obrigação de ressarcimento se não houver o que se reparar494.
Daí a importância da divisão dos danos em patrimoniais (materiais) e
morais (imateriais)495. Por um lado, danos patrimoniais consistem em prejuízo
490
Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, p. 192.
491 Maria Helena DINIZ, op. cit., p. 196.
492 Idem, ibidem.
493 A redação dos artigos 240 e 241 foram alteradas pela Lei nº 11829, de 25 de novembro de
2008, que na mesma oportunidade incluiu os artigos 241-A, 241-B, 241-C, 241-D e 241-E.
494 Da responsabilidade civil, p. 819.
495 Idem, p. 822.
171
econômico. Por outro, danos extrapatrimoniais são aqueles morais496 que
consistem em sofrimento psíquico ou moral, exteriorizado pelas dores,
angústias e frustrações infligidas ao ofendido497.
Para Pontes de MIRANDA “dano patrimonial é o dano que atinge o
patrimônio do ofendido; dano não patrimonial é o que, só atingindo o devedor
como ser humano, não lhe atinge o patrimônio”498. Dano material é aquele que
representa prejuízo econômico. Já Orlando GOMES prefere dizer “a expressão
dano moral deve ser reservada exclusivamente para designar o agravo que
não produz qualquer efeito patrimonial. Se há consequência de ordem
patrimonial, ainda que mediante repercussão, o dano deixa de ser
extrapatrimonial”499.
Sobre o tema, Wilson Melo da SILVA ensina que os danos morais
são lesões sofridas pela pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal em
contraposição a patrimônio material. Patrimônio ideal é o conjunto de tudo
aquilo que não seja suscetível de valor econômico500, que consiste em bens
que possuem valor precípuo na vida do homem, como a paz, a tranquilidade de
espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a
honra e os demais sagrados afetos501.
Limongi FRANÇA amplia o entendimento de dano moral para incluir
a pessoa jurídica, conceituando-o como aquele que, direta ou indiretamente, a
pessoa física ou jurídica, bem assim a coletividade, sofre no aspecto não
econômico dos seus bens jurídicos502.
496
Apesar das críticas sobre a imprecisão da expressão “danos morais”, acabou por ser adotada e amplamente aceita pela doutrina a partir do seu uso por Orozimbo Nonato, Aguiar Dias, Pedro Lessa, Clóvis Bevilaqua e Filadelfo Azevedo (Wilson Melo da SILVA, O dano moral e sua reparação, p. 12).
497 Yussef Said CAHALI, Dano moral, p. 21.
498 Tratado do direito privado: parte especial. Tomo XXVI, § 3108, p. 30.
499 Obrigações, n. 195, p. 271.
500 O dano moral e sua reparação, p.11.
501 Yussef Said CAHALI, Dano moral, p. 22.
502 Reparação do dano moral, in RT 631, p. 31.
172
A distinção entre dano patrimonial e dano moral só diz respeito aos
efeitos, não a sua origem, pois o dano é único e indivisível503. Tal afirmação
deriva do fato de o dano se originar de uma ação ou omissão. Mesmo sendo
único repercute em vários âmbitos do direito (civil, penal, administrativo,
ambiental, etc.) e, assim, no ramo civil poderá ter repercussão patrimonial
(material) ou moral (imaterial).
Com isso, existem atentados contra a imagem que provocam dano,
portanto, seria possível dizer que esse dano repercute na própria imagem da
pessoa? Além do dano patrimonial e moral poderia se admitir que exista dano à
imagem?
Uma lesão à imagem original da pessoa, mais especificamente uma
lesão em sua aparência física, como uma cicatriz504 ocasiona um dano à
própria imagem, que pode não voltar a ser a mesma. Nesse caso tem se uma
responsabilização reparatória para devolver o status quo anterior, se não
possível realiza-se uma indenização que represente ou alivie o status quo atual
e futuro.
Atente-se que não se trata de atentados contra a integridade física,
mas de modificações aparentes ou definitivas que transformam ou alteram a
imagem. Não se deve confundir, no entanto, os atentados contra a unidade
corporal da pessoa com aqueles que visam a imagem como bem jurídico a ser
afetado. Pode até acontecer de um atentado à integridade física gerar um dano
à imagem ou à extinção do direito, se ocasionar a morte, mas será sempre uma
consequência e não um fim505.
503
Conforme nota de rodapé nº 1178 do livro de José Aguiar DIAS, Da responsabilidade civil, p. 822, que faz alusão aos estudos de Alfredo MINOZZI (Studio sul danno non patrimoniale. Milão: Società Editrice Libraria, 1901).
504 Jean CARRARD afirma: “Não é possível enumerar todos os atentados (...). Seria preciso,
para isto, escrever um dos capítulos da miséria humana; cicatrizes de todas as naturezas e todas as origens no rosto, ou em outras partes do corpo, deformação de um órgão (por exemplo do nariz, da boca, da orelha, da arcada superciliar); aparição de tumores, de crostas, de colorações, etc., na superfície da pele; perda dos cabelos, das sobrancelhas, dos cílios, dos dentes ou de um órgão qualquer.” O dano estético e sua reparação, in Revista Forense, vol. LXXXIII, p. 405).
505 Jean CARRARD comenta a distinção entre atentado à estética e atentado à integridade
corporal, afirmando que em certos casos, o atentado à estética poderá acarretar um dano bem
173
O Código Civil de 2002 em seus artigos 949 e 950506 dispõe sobre a
lesão à pessoa ensejadora de deformação ou incapacidade laborativa. A
doutrina e a jurisprudência consagram à lesão ensejadora de deformidade,
aleijão ou sequela dolorosa a denominação de dano estético.
Teresa Ancona LOPEZ afirma que dano estético ou “ob
deformitatem” para existir pressupõe um “enfeamento” do ofendido, porque se
acaso mantiver ou melhorar a imagem do ofendido, não há que se falar em
deformidade507. Para a autora, o dano estético é sempre uma espécie de dano
moral que pode ensejar também dano material508 e se caracteriza como
qualquer modificação, certa ou permanente, na integridade física da pessoa,
que torna feia a aparência externa, causando-lhe humilhação, tristezas,
desgostos e constrangimentos509.
Do mesmo entendimento, Carlos Roberto GONÇALVES diz que
para existir dano estético é necessário deformidade, sendo que o que se
indeniza é a tristeza, o vexame, a humilhação. Para o autor, dano estético é o
dano moral que decorre de deformidade física; não se trata de um novo dano,
ao lado do dano material ou moral, mas de um aspecto do dano moral510.
mais elevado do que o atentado à integridade corporal, mas em outros casos, o dano estético será totalmente ou quase inexistente é a vítima deverá contentar-se com uma indenização por ofensa à integridade corporal. (O dano estético e sua reparação, in Revista Forense, vol. LXXXIII, p. 405).
506 Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das
despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.
Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.
Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.
507 Dano estético: responsabilidade civil, p. 53.
508 Op. cit., p. 55.
509 Idem, p. 46 a 54. Para Eneas de Oliveira MATOS apenas caracterizam dano estético os
requisitos: i) qualquer modificação na integridade física e ii) dano certo e permanente. Os requisitos de aparência externa, enfeamento e rejeição social, a seu entender, não podem ser considerados, tendo em vista o atual estágio da doutrina sobre a matéria. (Dano moral e dano estético, p. 184).
510 Direito civil brasileiro: responsabilidade civil, p. 445.
174
Para Yussef Said CAHALI a simples deformação, mesmo que não
seja uma deformidade ou um aleijão, pode representar uma sequela dolorosa,
frustrando expectativas de vida do lesado. O ser humano deve ser protegido na
sua integridade corporal e espiritual511. Explica CAHALI, citando Gubert
Griot512, que cada ser humano vem ao mundo envolvido na forma do seu corpo,
o que constitui a sua aparência física; é por sua aparência que uma pessoa
marca desde o início seu círculo de ação, atraindo simpatia ou antipatia,
favorecendo ou prejudicando o desenvolvimento de sua personalidade, por isso
haverá atentado à existência física não somente em caso de ferimento, de
secção ou fratura de uma parte do corpo, mas também quando atingir a
aparência física, pois para Griot integridade corporal compreende a integridade
da aparência, da imagem, principalmente os traços da face e os movimentos
habituais de uma pessoa513.
Igualmente Wilson Melo da SILVA ensina que na esfera cível o dano
estético não é apenas o aleijão, abrangem deformidades ou deformações
outras, marcas ou defeitos, ainda que mínimos que impliquem sob qualquer
aspecto em “afeamento” da vítima ou que possam constituir para ela em
simples lesão “desgostante” ou ainda em permanente motivo de exposição ao
ridículo ou inferiorizantes complexos514. Qualquer alteração no rosto, mesmo
que possam ser acobertadas, disfarçadas ou dissimuladas, por exemplo, pela
barba ou maquiagem, pode implicar em dano estético na esfera cível, embora
irrelevantes na esfera penal515.
511
Dano moral, p. 202 e 203.
512 Das Recht am eigenen Körper auf Grund des Art. 28 des Schweizerischen
Zivilgesetzbuches. Sarnen: J. Abaecherli, 1921, 89p. (Tese de doutorado defendida na Faculdade de Ciências Políticas da Universidade de Zurique a respeito do “direito sobre o próprio corpo” conforme o Código Suíço vigente). Informações da Rede Virtual de Bibliotecas – RDBI. Disponível: <http://www.senado.gov.br/biblioteca/DetalhaDocumento.action?id=000207494>. Acesso em: 15/mar./2013.
513 Dano moral, p. 203. O mesmo trecho é citado por Artur Marques da Silva Filho, A
responsabilidade civil e dano estético, in RT 689, p. 41, Jean Carrard, O dano estético e sua reparação, in Revista Forense, vol. LXXXIII, p. 408 e Tereza Ancona Lopez, O dano estético: responsabilidade civil, p. 30.
514 O dano estético, in Revista Forense, vol. 194, p. 23.
515 Idem, ibidem.
175
Jean CARRARD enfatiza que o prejuízo estético supõe uma
deformação, todavia o direito a indenização pode surgir mesmo quando a
vítima não é deformada, mas somente transformada516. Exemplifica:
“Um viajante do comércio, outrora possuidor de um nariz
aquilino, é vítima de um acidente; seu nariz é mutilado, a despeito de
todas as maravilhas da cirurgia estética, não é possível restabelecer
seu nariz aquilino; tudo o que o cirurgião pode fazer é um nariz grego.
Na opinião de muitas pessoas, o viajante do comércio tem melhor
fisionomia com seu nariz grego; ele não está, pois, deformado.
Todavia, não está contente: seus clientes que ele visitou depois de
longos anos, não o reconheciam mais, e ele teve que lhes dar longas
explicações para os convencer de que era sempre o mesmo homem;
mas alguns não querem se deixar persuadir e o tomam por um
impostor. No café, onde era uma figura conhecida e popular, onde era
saudado por todo mundo, passa hoje despercebido. Este viajante do
comércio sofre, em virtude da transformação do seu nariz, uma ofensa
ao seu futuro econômico, e talvez um dano moral”.
“Um político afeta, com ajuda de sua barba muito basta e
descuidada, um ar boêmio que lhe dá notoriedade pública – e que
muito agrada aos eleitores de seu partido. Adversários políticos o
assaltam de emboscada e o pelam cuidadosamente. Saído de suas
mãos, o político que não tem mais um fio de barba, tem daí em diante
uma aparência glabra e correta, quase eclesiástica; ele faz pensar em
certos homens de negócios anglo-saxões. Muitos acham que este
político ficou melhor depois que não tem mais barba. Mas nos comícios
populares não o reconhecem mais; não o saúdam mais na rua; ele não
agrada mais como antes. Sua situação política está abalada, este
político terá sofrido talvez uma ofensa ao seu futuro econômico (se ele
vive da política) e muito provavelmente um dano moral517
”.
Os exemplos de CARRARD sintetizam a concepção de que o dano
incide sobre a integridade corporal e espiritual518 do ser humano que compõem
a sua imagem (aparência física).
516
O dano estético e sua reparação, in Revista Forense, vol. LXXXIII, p. 407.
517 Idem, ibidem.
518 Conforme explica Yussef Said CAHALI, Dano moral, p. 203.
176
Observa Rosália Toledo Veiga OMETTO que embora os artigos 949
e 950 do Código Civil de 2002 não explicitem a existência de dano estético,
considera-se sua possibilidade em decorrência do ordenamento como um
todo519.
Cabe fazer algumas considerações sobre a denominação “dano
estético”. O significado da palavra “estético” compreende a ideia do que é
atraente, de identificação e apreciação do que é belo e de embelezamento de
um indivíduo520, e tem como sinônimos: belo, atraente, elegante, harmonioso,
lindo; e antônimos: desarmônico, deselegante, feio. Ora, essa palavra trata de
valor, não de um bem.
Quando os autores se referem ao dano estético, tratam a nosso ver
de imagem. Nesse sentido, Teresa Ancona LOPEZ afirma que o dano estético
é ofensa a um direito da personalidade – o da integridade física pessoal –, que
nomeia como imagem externa521. Contudo, conforme a ideia desenvolvida
neste trabalho, a imagem é um todo (chamamos de imagem original) e
compreende matéria e forma (corpo e essência). Portanto, não há imagem
externa, há apenas imagem.
O bem jurídico protegido é a imagem e o valor encontra-se na
dignidade da pessoa humana, e não na beleza da pessoa humana.
Como exemplo, um modelo pode ser selecionado para realizar
publicidade, não porque é bonito, mas porque é feio. Faz da sua feiura o seu
sustento, a lesão a essa imagem pode trazer certamente dano material, pois
deixará de trabalhar, mas trará também dano à imagem, visto que era daquela
maneira que era conhecido522. Quem determina o dano estético e diz que tal
pessoa ficou mais feia ou mais bonita? O dano é à imagem. Não é necessária
519
Rosália Toledo Veiga OMETTO, Código Civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo, p. 690.
520 Dicionário Houaiss, verbete Estético, p. 1253.
521 Dano estético: responsabilidade civil, p. 55. Nas suas palavras: “Em resumo, diríamos que
o dano estético é a lesão a um direito da personalidade – o direito à integridade física, especialmente na sua aparência externa, na imagem que se apresenta”. (Idem, p. 64).
522 Observa-se que a situação assemelha-se ao exemplo citado acima de Jean CARRARD (O
dano estético e sua reparação, in Revista Forense, vol. LXXXIII, p. 407).
177
a piora, basta que haja a transformação. Sequer é necessário o sofrimento
para caracterizar o dano: muitas pessoas por resiliência, caráter, filosofia de
vida, podem sofrer os maiores infortúnios, como ficarem feias, aleijadas, com
aparência desagradável e mesmo assim continuarem a se sentir bem e
bonitas. Ainda nesse caso existe o dano à imagem.
Teresa Ancona LOPEZ afirma que o dano estético atinge a imagem
social, que define como o modo com que os outros veem a pessoa, fazendo-a
se sentir bem ou mal, e não ao direito da personalidade da própria imagem523.
Todavia, o que os outros veem é a própria imagem da pessoa alterada,
modificada, transformada por um ato lícito ou ilícito. O dano não está em como
o outro vê; a percepção (opinião, atitudes) dos outros (da sociedade) é oriunda
do dano à imagem.
Assim, o prejuízo na imagem da pessoa é a alteração que, em
princípio, não retorna a sua condição anterior, a sua imagem original e suas
reproduções são resultados da sua aparência física atual. Ressalta-se que a
Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5º, inciso V, dispôs sobre a
existência do dano material, moral e à imagem. A nosso ver o que a doutrina e
a jurisprudência denominam de dano estético relacionado a pessoa natural,
trata-se de um dano à imagem.
A fim de esclarecer essa percepção, verifica-se que Teresa Ancona
LOPEZ embora se refira ao dano estético, sustenta a tese de admissão de
cumulação524 de dano moral e de dano estético no inciso V, do Art. 5º da
523
Dano estético: responsabilidade civil, p. 30.
524 Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO. ACIDENTE
OCORRIDO DURANTE A UTILIZAÇÃO DE MÁQUINA DE PASSAR ROUPAS. DANO MORAL E ESTÉTICO. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. É possível a cumulação do dano moral e do dano estético, quando possuem ambos fundamentos distintos, ainda que originários do mesmo fato.2. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 276.023/RJ, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/6/2000, DJ 28/8/2000, p. 68).
178
Constituição Federal525. Ora, o texto do artigo diz “dano à imagem”, então por
que se deve ler “dano estético”526?
Em nosso ponto de vista, a solução encontrada pela doutrina e
jurisprudência decorre do sentido estrito do entendimento do que significa
direito à imagem. Procurou-se neste trabalho destacar que o direito à própria
imagem compreende tanto os direitos sobre a captação, reprodução e
divulgação da imagem decorrente, como também à sua imagem original
(imagem-matriz).
Assim, os danos patrimoniais, morais e à imagem são todos
passíveis de reparação. A reparação do dano pode ocorrer por diversos meios,
o mais usual é a reparação do equivalente da perda sofrida em dinheiro, mas
também pode se dar pela restituição da coisa perdida específica ou por
equivalente, e ainda por compensação527.
No âmbito do direito à imagem, admite-se que um dano à imagem
seja reparado por meio de restauração, de reintegração e de indenização.
Por exemplo, em acidente do trabalho que cause uma lesão física ao
empregado, e consequentemente à sua imagem, não resta dúvida de que ao
empregador cabe a responsabilidade de restaurar o dano, pela reparação por
meio de cirurgia plástica, desde que o empregado permita a intervenção em
seu próprio corpo. Em lição de Pontes de MIRANDA: “Se a reparação em
natura, na pessoa, é praticável, somente o lesado pode admitir o pagamento
em dinheiro. (...) O tratamento é qualquer processo de recuperação, conforme
a ciência do momento em que dele se cogita. Mesmo se algum tempo após
primeira atividade médica, inclusive cirúrgica, e antes de prescrever a
525
Nas palavras de LOPEZ: “a base legal para admissão da cumulação do dano moral e do dano estético e o Art. 5, V, da nossa Carta Magna, pois a referida norma constitucional admite reparação para três tipos de danos: o material, o moral e o dano à imagem”. Op. cit., p.165.
526 É o que defende Eneas de Oliveira MATOS: “(...): poder-se-ia ler, então, na Constituição
que são reparáveis e cumuláveis os danos material, moral e estético em tal dispositivo, ao invés da literalidade do texto que é danos material, moral e à imagem”. (Dano moral e dano estético, p. 265).
527 Nelson NERY Jr e Rosa Maria de Andrade NERY, Código Civil comentado, p. 787.
179
pretensão, algum meio científico ou técnico se descobre que melhor solução
daria, pode ser exigida a prestação do profissional, à custa do lesante”528.
Exemplo de reparação por meio de reintegração pode ocorrer na
hipótese de fotografia de uma pessoa ter o seu contexto alterado; ao lesado
caberá o direito de requerer que se devolva à situação anterior, para reintegrar
a condição à época da captação da imagem.
Nos exemplos citados, se a restauração ou reintegração não for
possível ou se seu êxito foi limitado, caberá indenização pelo dano à imagem,
independentemente de outras indenizações decorrentes de prejuízos materiais
ou morais.
Do atentado da imagem por publicação sem autorização surge a
questão se para ocorrer reparação é necessário prejuízo econômico. A Súmula
403 do STJ pacificou a questão ao entender que: “Independe de prova do
prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa
com fins econômicos ou comerciais”. A proteção da imagem independe de
seus fins econômicos ou morais, quando o artigo 5º, inc. V, da CF de 1988
elenca três tipos de danos, temos três tipos de interesses que são o
patrimonial, moral e o da dignidade da pessoa humana representado pela
imagem da pessoa.
528
Tratado de Direito Privado: Parte Especial. Tomo LIV: Direitos das obrigações: (...), § 5538, item 6, p. 175.
180
CONCLUSÃO
A imagem é a aparência da pessoa: somente por meio dela a
pessoa pode ser conhecida e reconhecida. Não há pessoa humana sem
imagem. Essa aparência é constituída pela matéria e pela forma.
Nesse sentido, entende-se a definição de que a imagem da pessoa
para o Direito é “toda expressão formal e sensível da personalidade”529, não se
limitando a seus aspectos físicos, mas ao que ela é como um todo (os gestos,
a voz, os modos, juntamente com seu corpo físico).
Essa concepção integral de imagem se opõe à ideia corrente de
que há duas imagens, previstas constitucionalmente: imagem-atributo e
imagem-retrato. Ora, os incisos V e X do Art. 5º da Constituição Federal de
1988 não distinguem imagens, pois esta é um todo – a imagem da pessoa.
O bem jurídico imagem não se confunde com outros bens como a
honra, a intimidade, o corpo (integridade física), a liberdade, o patrimônio moral
ou a identidade. A imagem é um bem jurídico autônomo, porque não é o Direito
que atribui imagem à pessoa, é a sua própria natureza que a faz um ser único
e irrepetível, munida de uma imagem. A função da ordem jurídica é produzir
normas jurídicas para reconhecer e proteger o direito à imagem, que se insere
no rol dos direitos da personalidade.
A imagem não é apenas reprodução em representações visuais
(desenhos, pinturas, gravuras, fotografias e imagens cinematográficas,
televisivas, holo e infográficas).
O direito à imagem compreende o original e a reprodução. Diante do
espelho existe o original e o seu reflexo530. A imagem envolve o original e o
529
Walter MORAES, Direito à própria imagem (II), in RT 444, p.27.
530 A ideia contida entre o original e o espelho é oriunda do mito de Narciso e inspiradora de
várias obras artísticas entre elas, O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde.
181
reflexo, pois o reflexo não existe se não existe o original. Se trocarmos um
espelho por uma câmera fotográfica, teremos o original e a fotografia (retrato);
haverá uma imagem original e uma imagem decorrente. O original será sempre
alterado pela força do tempo, enquanto a decorrente se manterá intacta,
dependendo de sua conservação, ou dos recursos tecnológicos para alterá-la
(photoshop, recursos de rejuvenescimento e envelhecimento).
A pessoa natural é revestida de uma aparência que compõe
naturalmente a sua personalidade. Essa aparência é sua imagem, bem inato e
intrínseco à sua existência, por consequência irrenunciável, intransmissível,
inalienável, pois há a impossibilidade lógica e física de deixar de ter ou de
transferir a própria imagem (aparência).
O direito à imagem da pessoa subsiste mesmo antes do nascimento,
pois em razão dos avanços tecnológicos ela pode ser conhecida e
reconhecida.
O direito à imagem se estende à pessoa jurídica por força do Art. 52
do Código Civil de 2002 e se justifica no entendimento de que imagem é um
todo perceptível, oriundo da veiculação de sua mensagem institucional.
O direito à imagem apresenta conteúdo positivo e negativo. O
conteúdo positivo consiste no direito de dispor do uso da imagem de maneira
ampla, abrangendo a faculdade de fruição, exposição, reprodução e
modificação da própria imagem. O conteúdo negativo dá-se pela oposição ou
proibição do uso da imagem com fulcro de defendê-la e preservá-la contra a
usurpação, falsidade, adulteração ou transformação e na reprodução não
consentida. Logo, o conteúdo do direito à imagem consiste na faculdade
específica atribuída ao titular de constranger os outros ao respeito à sua
própria imagem e de manter para si a decisão de divulgação ou não de sua
imagem.
Ressalta-se que o conteúdo do direito à imagem não está na
proibição de se capturar a imagem, pois em muitos lugares há câmeras
fotográficas ou filmadoras, de tal modo que na sociedade contemporânea
182
quase já não se questiona a demasiada presença delas. A proteção da imagem
está no direito de opor-se à captação da própria imagem, permitindo ao titular
atos de legítima defesa, com a finalidade de nas câmeras analógicas destruir
os filmes e nas câmeras digitais apagar as fotos do cartão de memória, e
consentindo em algumas situações a proibição, e eventual revista, de câmeras
e filmadoras. Opor-se à captação incide também em atos de dissimulação da
própria aparência, como uso de óculos escuros, capuz, bonés, barba, bigodes,
entre outros disfarces, e na tutela jurisdicional de proibir a aproximação do
agente captador.
E se captada a imagem, o titular do direito pode opor-se à
reprodução, divulgação, multiplicação ou comercialização. A proteção da
imagem permite, portanto, duas pretensões, uma cominatória e outra
indenizatória.
Os limites ao direito à imagem são o consentimento, a administração
da justiça ou a manutenção da ordem pública, todos previstos no Art. 20 do
Código Civil. Todavia, para que essas circunstâncias justifiquem o uso da
imagem alheia é necessário verificar o objetivo desse uso. No caso da
utilização autorizada, o consentimento dado de uso da própria imagem tem
escopo particular que interessa ao titular da imagem ― qualquer utilização
além do pactuado é um desvio de finalidade, eivado de ilicitude.
Na hipótese de administração da justiça ou de manutenção da
ordem pública, o objetivo é o interesse público. O uso da imagem alheia para
esse escopo não pode ser considerada de modo absoluto, em sua ocorrência é
necessário ponderar o caso específico, outros bem jurídicos envolvidos (como
honra, intimidade etc.) e o impacto desse uso na imagem da pessoa, uma vez
que a finalidade do interesse público não pode atingir ilimitadamente os direitos
da personalidade.
A extinção do exercício do direito à imagem tem na morte sua única
causa decorrente da intransmissibilidade. Eis mais uma característica desse
direito. Restará para os legitimados preservar os direitos decorrentes de serem
sucessores de tudo o que a imagem do falecido representava.
183
A responsabilidade civil no âmbito do direito à imagem apresenta
pretensões reparatória e indenizatória. A lesão à imagem permite ao lesado
requerer que se repare o dano, além de eventuais outros danos materiais ou
morais.
Deduz-se que o dano estético para o conceito jurídico pleno de
imagem é um dano à imagem porque a lesão ocorre no bem jurídico que é a
própria imagem do indivíduo. Tem-se também que as pessoas jurídicas podem
sofrer danos à sua imagem institucional. O dano institucional é o dano à
imagem da pessoa jurídica.
A ordem jurídica admite a cumulação de danos materiais, morais e à
imagem, visto que são interesses distintos protegidos pelo Direito, imputando
ao agente causador do dano responsabilidade civil.
184
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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