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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Guilherme Peloso Araujo Contribuições: análise constitucional à luz do princípio federativo MESTRADO EM DIREITO São Paulo 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Guilherme Peloso Araujo

Contribuições: análise constitucional à luz do princípio federativo

MESTRADO EM DIREITO

São Paulo 2014

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Guilherme Peloso Araujo

Contribuições: análise constitucional à luz do princípio federativo

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Renato Lopes Becho.

São Paulo 2014

Banca Examinadora __________________________________________ __________________________________________ __________________________________________

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Professor Renato Lopes Becho, que, com muita paciência, atenção e precisão

tem me orientado há alguns anos na vida acadêmica.

Agradeço, novamente, ao Professor Renato Lopes Becho, assim como aos Professores Roque

Antonio Carrazza, Paulo de Barros Carvalho, Luiz Alberto David Araujo, Claudio De Cicco,

Clarice Von Oertzen de Araujo, Robson Maia Lins, Alvaro de Azevedo Gonzaga e Rosana

Oleinik Pasinato, pelos preciosos ensinamentos que me foram lecionados durante as aulas

deste programa de pós-graduação.

Agradeço, por fim, ao amigo Thiago Simões e à querida Marina Farias, meus confidentes do

dia a dia, que tanto suporte me deram, desde o momento em que pretendi ingressar neste pro-

grama até a última revisão de texto deste trabalho.

RESUMO

ARAUJO, Guilherme Peloso. Contribuições: análise constitucional à luz do princípio federa-tivo. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014.

O objeto de estudo deste trabalho é o conteúdo do art. 149 da Constituição Federal de 1988, que outorga competência à União para instituir contribuições, como instrumento para a sua intervenção no domínio econômico, em favor de categorias profissionais ou econômicas e em favor de finalidades sociais. Para conhecer os limites dessa competência, são estudadas as características básicas do princípio federativo e as suas relações com a repartição de rendas entre os entes federados e com a criação de contribuições, em cada uma das Constituições Federais brasileiras até a de 1988. Considerando o texto constitucional de 1988, são demons-tradas algumas incongruências entre a rigidez da repartição de competências para a tributação e o conteúdo interpretativo atribuído ao art. 149, especialmente no que se refere à não neces-sidade de repartição do produto da sua arrecadação e ao desrespeito a uma grande quantidade de regras que limitam o exercício da competência para a criação de impostos. Nesse contexto, com fundamento no conteúdo do princípio federativo são apresentados limites para o exercí-cio da competência para a criação de contribuições, construindo-se o seu arquétipo constitu-cional, que tem como principal característica a escolha de um fato vinculado a uma atuação estatal específica para ocupar a posição de aspecto material da hipótese de incidência deste tributo. Partindo-se, então, desse aspecto material, são determinadas as formas pelas quais os seus contribuintes serão escolhidos e a base de cálculo e alíquota que serão determinadas.

Palavras-chave: tributação; contribuições; Constituição; princípio; federação; União; compe-tência; repartição; rendas; hipótese; incidência; arquétipo; vinculação; atuação; grupo.

ABSTRACT

ARAUJO, Guilherme Peloso. Contribuições: análise constitucional à luz do princípio federa-tivo. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014.

The purpose of this paper is to study the provisions set forth in article 149 of the 1988 Federal Constitution, which grants competence to the Federal Government to institute contributions on economic activities that share common interest in the fields of occupational or economic categories, as well as those socially-driven. In order to learn the extent of that competence, this study will address the basic features of the federative principle and its relations with the allocation of taxation proceeds among the Federal Government, States and Municipalities, as well as with the institution of contributions set out in each of the Brazilian Federal Constitu-tions that have been promulgated up to the one enacted in 1988. Based on the 1988 constitu-tional text some incongruities will be examined, such as those found between the stringency observed in how competence is distributed for taxation purposes and how article 149 of the 1988 Federal Constitution is construed, especially in relation to the non-mandatory require-ment regarding how the proceeds collected should be shared, and the disrespect to a great number of rules that restrict the competence in introducing taxes. Accordingly, based on the federative principle provisions, this paper will present limits on exercising competence in le-vying contributions. Its constitutional archetype will be designed with one main characteristic, i.e., how to choose a triggering event attached to a specific action of the State, which will ul-timately represent the occurrence of a taxable event. In light of the occurrence of any such taxable event, this paper will determine how taxpayers will be chosen, as well as how the re-spective tax base and tax rate will be imposed.

Key words: taxation; contributions; Constitution; principle; federation; Federal Government; competence; allocation; income; case; levy; archetype; relation; action; group.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 9

1 NOTAS PROPEDÊUTICAS ................................................................................................. 11

1.1 O Direito Tributário ........................................................................................................ 11

1.2 O Direito Constitucional Tributário ................................................................................ 13

1.3 Neoconstitucionalismo .................................................................................................... 14

1.3.1 Princípios .................................................................................................................. 16

1.3.2 Função dos princípios............................................................................................... 18

1.4 A interpretação constitucional ........................................................................................ 19

1.5 A norma jurídica: interpretação e jurisprudência ........................................................... 21

1.5.1 A importância do contexto histórico ........................................................................ 24

2 O PRINCÍPIO FEDERATIVO .............................................................................................. 27

2.1. O federalismo como princípio estruturante das normas de atribuição de competência

tributária ................................................................................................................................ 27

2.2 História ............................................................................................................................ 30

2.3 O federalismo norte-americano como modelo ................................................................ 39

2.4 Das características da federação ..................................................................................... 41

2.4.1 Previsão constitucional e indissolubilidade.............................................................. 42

2.4.2 Repartição de competências e autonomia ................................................................ 43

2.4.3 Igualdade entre os entes federados e a repartição de rendas .................................... 46

2.4.4 Corte constitucional e intervenção federal ............................................................... 48

3 O FEDERALISMO BRASILEIRO: HISTÓRIA DAS CONSTITUIÇÕES E SISTEMA

TRIBUTÁRIO .......................................................................................................................... 51

3.1 A federação brasileira ..................................................................................................... 51

3.2 Constituição Federal de 1891.......................................................................................... 52

3.3 Constituições Federais de 1934 e 1937 ........................................................................... 58

3.3.1 A intensa criação de contribuições ........................................................................... 62

3.4 A Constituição Federal de 1946 ...................................................................................... 64

3.4.1 A Emenda Constitucional nº 18, de 1ª de dezembro de 1965, e o Código Tributário

Nacional ............................................................................................................................ 68

3.4.2 Direito Financeiro e Direito Tributário .................................................................... 70

3.4.3 As contribuições (parafiscais) na Constituição Federal de 1946 ............................. 72

3.5 A Constituição Federal de 1967 ...................................................................................... 77

3.5.1 As contribuições na Constituição Federal de 1967 .................................................. 79

3.6 Constituição Federal de 1988.......................................................................................... 84

3.6.1 Repartição das competências para a tributação ........................................................ 89

4 O REFLEXO DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA NA COMPETÊNCIA PARA A

INSTITUIÇAO DE CONTRIBUIÇÕES NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 .......... 93

4.1 A Constituição Federal de 1988 como resultado da evolução dos textos constitucionais

anteriores ............................................................................................................................... 93

4.2 A competência para a criação de contribuições no sistema constitucional tributário de

1988: problematização .......................................................................................................... 96

5 AS CONTRIBUIÇÕES NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ............................... 100

5.1 A diferenciação dos tributos pela Constituição Federal de 1988 .................................. 101

5.1.1 As contribuições na doutrina .................................................................................. 105

5.2 A destinação do produto da arrecadação ...................................................................... 110

5.3 Competência tributária e princípio federativo .............................................................. 114

5.3.1 Contribuições e imunidades genéricas ................................................................... 118

5.3.2 Contribuições e competência impositiva................................................................ 123

5.3.3 Contribuições e repartição de receitas tributárias .................................................. 132

5.3.4 Contribuições e proibição de destinação de impostos ............................................ 138

5.3.5 Contribuições e impostos destinados ..................................................................... 143

5.3.6 Contribuições, contribuição de melhoria e taxas ................................................... 148

6 O ARQUÉTIPO CONSTITUCIONAL DAS CONTRIBUIÇÕES PREVISTAS NO ART.

149 .......................................................................................................................................... 154

6.1 As contribuições como novidade no sistema tributário ................................................ 158

6.1.1 Introdução às nossas considerações sobre a competência outorgada pelo art. 149 da

Constituição Federal de 1988: o federalismo .................................................................. 160

6.1.2 A hipótese de incidência como elemento essencial ............................................... 161

6.2 Contribuição como instrumento de atuação da União Federal ..................................... 164

6.2.1 Contribuição como tributo vinculado ..................................................................... 167

6.2.2 Atuação provocante e atuação provocada .............................................................. 169

6.3 A atividade específica, o grupo e o elemento intermediário ......................................... 172

6.4 A contribuição enquanto tributo vinculado e sua relação com o sistema constitucional

tributário .............................................................................................................................. 177

6.5 O arquétipo constitucional ............................................................................................ 180

6.5.1 Aspecto material da hipótese de incidência das contribuições .............................. 182

6.5.2 Sujeição passiva nas contribuições: o contribuinte ................................................ 187

6.5.3 Aspecto quantitativo da hipótese de incidência das contribuições ........................ 195

CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 206

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 211

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INTRODUÇÃO

A escolha do tema e a elaboração deste trabalho foram inspiradas pela indignação dou-

trinária com a inexistência de um rígido regime para a instituição de contribuições pela União

Federal, em exercício da competência prescrita pelo art. 149 da Constituição Federal de 1988.

É nesse sentido que buscaremos, ao longo das próximas laudas, uma boa explicação para o

regime jurídico que envolve essa competência tributária, sempre na direção de um arquétipo

constitucional das contribuições.

Para isso, serão apresentadas no primeiro capítulo as premissas sobre as quais traba-

lharemos, com especial destaque para a importância do Direito Constitucional e os métodos

que envolvem a sua interpretação, irrigada por princípios. Como assunto interligado à inter-

pretação, deixaremos claro o conceito de norma jurídica adotado e a sua relação com os prin-

cípios e regras.

Apresentada a importância dos princípios no processo de interpretação do texto consti-

tucional, o segundo e o terceiro capítulos tratarão do princípio federativo, que, conforme será

possível perceber, foi por nós considerado o mais importante vetor para a interpretação das

regras de repartição da competência para a instituição de tributos entre os entes federados. No

capítulo segundo, serão analisados aspectos gerais desse princípio, destacando-se a importân-

cia de uma adequada repartição de rendas para a sua manutenção. Já o terceiro capítulo tratará

da sua evolução ao longo de todas as Constituições brasileiras a partir de 1891.

Pretendemos, com a análise histórica das Constituições Federais de 1891 à de 1988,

demonstrar a evolução desse princípio no Estado brasileiro, o que não envolve apenas a forma

pela qual a competência para a tributação foi distribuída – inclusive para a criação de contri-

buições –, mas também as finalidades do pacto federativo, alguns princípio coligados, o tom

da relação entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal e, com certo destaque, a forma

pela qual foi determinada a repartição de rendas para a manutenção da federação. A análise,

portanto, não ficará restrita a elementos de direito tributário, sendo marcada pela interdiscipli-

naridade.

A partir do capítulo quarto, concentraremos esforços para aplicar as conclusões encon-

tradas no estudo do pacto federativo para a delimitação do arquétipo constitucional das con-

tribuições previstas pelo art. 149 da Constituição Federal. O capítulo quarto, nesse contexto,

cumprirá a função de vincular a primeira parte do trabalho à segunda.

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O capítulo quinto terá a função de incentivar a delimitação de um regime jurídico mais

rígido para o exercício da competência para a instituição de contribuições. Faremos isso com

o estudo de alguns pontos que, nitidamente, demonstram contradições na interpretação do

Sistema Tributário Nacional, dada a sua reconhecida rigidez. Compararemos, à luz da doutri-

na e jurisprudência, o regime jurídico dos impostos, taxas, contribuição de melhoria e contri-

buições para enfrentar a tradicional corrente doutrinária que reconduz as contribuições à natu-

reza jurídica de impostos ou taxas. Usaremos nessa comparação as regras de imunidades ge-

néricas, de repartição da competência para a criação de impostos – privativa e residual –, de

proibição de prévia destinação do produto da arrecadação de impostos, de repartição das re-

ceitas tributárias entre os entes federados, de destinação constitucional de impostos e de com-

petência para a criação das taxas e da contribuição de melhoria.

O capítulo sexto, por sua vez, terá o objetivo de, valendo-se de todos os elementos es-

tudados, promover a construção do arquétipo constitucional das contribuições. Depois de es-

tudadas as relações do direito tributário com algumas outras áreas da ciência do direito, busca-

remos purificar o nosso objeto para chegarmos à regra-matriz de incidência padrão, o arquéti-

po constitucional, das contribuições previstas pelo art. 149 da Constituição Federal de 1988.

Para a fundamentação do nosso tema, a análise constitucional das contribuições à luz

do princípio federativo, selecionaremos a obra de autores de direito constitucional como Raul

Machado Horta, José Joaquim Gomes Canotilho, Celso Bastos, Paulo Bonavides e Manoel

Gonçalves Ferreira Filho, de direito tributário, como Roque Antonio Carrazza, Paulo de Bar-

ros Carvalho, Geraldo Ataliba e Renato Lopes Becho e de autores que tratem especificamente

sobre o tema, como Marco Aurélio Greco, Sacha Calmon Navarro Coêlho, Hamilton Dias de

Souza e Susy Gomes Hoffmann.

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1 NOTAS PROPEDÊUTICAS

1.1 O Direito Tributário

Já nas primeiras reflexões sobre o tema proposto, a análise constitucional das contribu-

ições, nos deparamos com a necessidade de estabelecer quais seriam as nossas premissas para

a construção do raciocínio dissertativo e por quais caminhos andaríamos neste estudo. Deve-

mos, então, esclarecer o leitor sobre como o assunto será abordado.

Julgamos importante, para isso, firmar que o Direito Tributário é ramo do Direito se-

parado apenas didaticamente dos demais (BECHO, 2011, p. 26). Há, então, o ramo científico

do direito tributário. Não há, por outro lado, um Direito Positivo Tributário autônomo, mas

um conjunto de normas que mutuamente se envolvem e misturam, imputando deveres e direi-

tos a sujeitos determinados.

É, portanto, tarefa acadêmica apontar o que é o Direito Tributário.

Entendemos, nesse sentido, que o direito tributário (ciência) estuda todas as normas de

Direito Positivo que regulem as relações jurídicas, desde o seu nascimento até a sua extinção,

cujo objeto seja pagar tributo (BECHO, 2009, p. 406).

A obrigação de pagar tributo, por sua vez, decorre de um extenso ciclo de positivação

do Direito (CARVALHO, P., 2006, p. 82), que começa pelos mais gerais e abstratos princí-

pios constitucionais, passando pelas normas constitucionais de atribuição de competências

impositivas, eventualmente por normas gerais veiculadas por lei complementar, por leis ordi-

nárias criadoras do tributo, por leis ordinárias que determinam a conduta fiscal para o lança-

mento e o correspondente processo administrativo, pelos atos administrativos de lançamento

e, muitas vezes, pela norma expedida pelo Poder Judiciário em ação de execução fiscal ou em

ação do contribuinte contra a validade do lançamento.

A reflexão deixa claro que o Direito Tributário, enquanto Direito Positivo, está em di-

plomas legais de todas as hierarquias, desde os mais gerais e abstratos, até os mais individuais

e concretos. Caberá, diante disso, ao estudioso do Direito estabelecer em qual grau de positi-

vação laborará, apontando suas premissas para tanto.

É evidente que quanto mais individual e concreto for o plano de trabalho do cientista,

maior deverá ser a sua atenção com as normas de hierarquia superior, estabelecendo-se as

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premissas de validade para a produção de seu juízo. Nada impede que o cientista estude, por

exemplo, o conteúdo de um ato administrativo tributário.

Independentemente do momento da positivação do Direito Tributário que for escolhi-

do para o estudo científico, nos parece que esse ramo didático do direito guardará sempre in-

tensas relações com os outros ramos. Basta, para isso, reconhecermos que as normas de com-

petência são constitucionais, que as obrigações são reguladas pelo direito civil, que os fatos

tributáveis são, muitas vezes, empresariais, que o lançamento é um ato administrativo prece-

dido de um processo administrativo, que, muitas vezes, desencadeará processos judiciais.

Uma brevíssima reflexão é capaz de nos mostrar quantos ramos do direito estão visceralmente

ligados ao direito tributário, o que atesta sua autonomia meramente didática.

Com essa breve introdução, queremos dizer que estudaremos o Direito Constitucional

Tributário, com foco especial na outorga de competência à União Federal para a criação de

contribuições, nos termos do art. 149.

O nosso estudo, portanto, não se ocupará de relações regidas por leis ordinárias, cria-

das no exercício da competência constitucional. Buscaremos, por outro lado, desvendar o

conceito constitucional de contribuição, trabalho para o qual não nos utilizaremos apenas dos

dispositivos incluídos no capítulo do Sistema Tributário Nacional1, mas em dispositivos que

veiculem princípios e regras espalhados por toda a Constituição.

Deixemos claro, nesse sentido, que a nossa abordagem estará situada em momento an-

terior à produção da lei ordinária que cria o tributo em abstrato, com o estudo da extensão das

normas de competência tributária. Nosso objetivo, então, é entender os limites segundo os

quais será possível a criação de uma contribuição pela União Federal.

Essa tarefa, como parece claro, será desenvolvida a partir do conteúdo de normas

constitucionais expressamente relacionadas ao Direito Tributário ou que com ele guarde rela-

ção. Isso se deve ao fato de todas as normas jurídicas terem o seu fundamento de validade

último no texto constitucional, de modo que o bom entendimento e interpretação do sistema

de Direito Positivo dependerá do conhecimento das normas de Direito Constitucional vigen-

tes.

O caminho científico que percorremos, portanto, partirá do conteúdo das normas cons-

titucionais para somente ao final adentrar em algumas especificações contidas na legislação

ordinária. Sendo logicamente antecedente à legislação ordinária, não interpretaremos as nor-

1 Art. 145 ao art. 156 da Constituição Federal de 1988.

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mas constitucionais de competência a partir das normas ordinárias produzidas em seu exercí-

cio. Retornaremos a essa premissa em momento mais apropriado.

Há, portanto, um Direito Constitucional Tributário, cujo conteúdo se refere à atribui-

ção de competência, e os seus correspondentes limites, aos entes federados para a criação de

tributos. Será sobre esse Direito Tributário que laboraremos. Passemos a ele.

1.2 O Direito Constitucional Tributário

O ordenamento de Direito Positivo é marcado pela coexistência de normas jurídicas

que estão ligadas por relações de coordenação e de subordinação (CARVALHO, P., 2006, p.

77). A relação de subordinação decorre do escalonamento hierárquico do sistema jurídico, de

maneira que cada norma deverá buscar seu pressuposto de validade em norma de hierarquia

superior. A relação de coordenação está ligada à adequada harmonização da coexistência das

normas jurídicas.

Sobre a relação de subordinação, a superioridade hierárquica de uma norma, entende-

mos, poderá ser analisada tanto sob o viés da forma, quanto do conteúdo. Uma norma que

estabelece o procedimento para a criação de outra se impõe pela formalidade. Já as normas

que estabelecem diretrizes, princípios ou regras a serem observados por outras normas se im-

põem pelo conteúdo.

Nesse sentido, as normas de mais alta hierarquia em um Estado de Direito estão em

sua Constituição, que estabelecerá princípios, explicita ou implicitamente, e regras que deve-

rão ser observadas em todas as etapas do ciclo de positivação do Direito, inclusive para a tri-

butação.

Enxergamos, nesse sentido, um Direito Constitucional Tributário, já que o constituinte

brasileiro desceu aos detalhes para promover a repartição da competência para a tributação

entre os entes federados. Como se sabe, a Constituição Federal de 1988 trata de forma porme-

norizada de princípios específicos relacionados à tributação, das faixas de competência para a

criação de tributos e dos seus respectivos limites.

Há, portanto, larga intersecção entre o Direito Tributário e o Direito Constitucional, de

maneira que a boa interpretação das normas ordinárias relacionadas à tributação deverá passar

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pelo necessário conhecimento da Constituição Federal, ou, do Direito Constitucional Tributá-

rio.

Esse conhecimento, contudo, não se resume à ciência das regras constitucionais ex-

pressamente vinculadas à tributação, mas à adequada interpretação de todo o texto constitu-

cional, já que normas aparentemente dissociadas da tributação poderão ter forte influência

sobre as regras de repartição de competência e as suas correspondentes limitações.

A construção do sentido de uma norma constitucional é um dos pontos em que as rela-

ções de subordinação e coordenação entre normas jurídicas têm grande importância. Confor-

me será abaixo apontado, há hierarquia até mesmo entre as normas constitucionais, uma ca-

racterística das Constituições inseridas no contexto do neoconstitucionalismo, que é ampla-

mente irrigado por princípios. Passemos a breves considerações sobre o assunto.

1.3 Neoconstitucionalismo

Para entendermos a forma pela qual os princípios se inserem no ordenamento jurídico

é importante saber que, até que chegássemos aos dias atuais, a forma pela qual o ser humano

vê o Direito passou por inúmeras mudanças, especialmente no que se refere ao embate entre

as correntes filosóficas do jus naturalismo e do jus positivismo.

Não entraremos em discussões histórico-filosóficas sobre o assunto, mas temos que

reconhecer que especialmente após a Revolução Francesa, em 1789, ganhou grande força a

ideia de codificação do Direito. As codificações, naquele momento histórico, tinham a função

de impor limites à atuação estatal, garantindo a liberdade do particular (CICCO, 2013, p.

213). Conforme aponta Norberto Bobbio (2006, p. 65), com tais objetivos, o movimento de

codificação pretendia voltar ao direito natural, de modo que as leis positivas deveriam expres-

sar exatamente o conteúdo das leis naturais.

Não foi o que aconteceu, no entanto. Com a entrada em vigor do Código Civil Francês

em 1804, ganhou força a corrente filosófica conhecida como Escola da exegese, que levava

ao extremo o culto às leis positivadas. Com base no dever do juiz julgar (BOBBIO, 2006, p.

77), essa escola filosófica construiu teoria segundo a qual se reconhecia que somente a lei

seria fonte do Direito, cabendo ao seu aplicador, na inexistência de disposições expressas pela

lei, a busca no próprio sistema de regra que satisfizesse o caso concreto. Deram-se as costas

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para os valores e os princípios, de modo que o Direito passou a ser reconhecido somente pela

validade das normas inseridas em seu sistema, e não por seu conteúdo, principal marca do

positivismo jurídico.

O auge do positivismo jurídico representou a prevalência das noções de completude do

ordenamento jurídico e de existência de regras que atingissem todas as situações fáticas. A

supremacia do texto legal e a sua clareza dispensavam o jurista de interpretá-lo (BECHO,

2009, p. 180). Não havia elemento de controle externo do Direito por seu conteúdo e a mera

validade formal impunha o cumprimento da norma jurídica.

Foi esse Direito Positivo, extremamente formal, que sustentou como legais os regimes

nazista, na Alemanha, e fascista, na Itália, em que nefastas condutas foram praticadas em no-

me da lei.

A legalidade desses regimes causou incômoda crise filosófica após a Segunda Guerra

Mundial. Como seria possível julgar e condenar oficiais que teriam promovido as mais repul-

sivas atrocidades, mas em nome da lei válida e vigente? Vejamos.

Como aponta Renato Lopes Becho (2009, p. 197), essa questão colocou o positivismo

jurídico em crise, já que o Direito Positivo não foi suficiente para a solução dos crimes e con-

flitos decorrentes do estado de guerra. É nesse momento que, em oposição à clareza da lei, os

valores passam a ter importância para o Direito Positivo, exercendo função de controle de

conteúdo para as normas positivadas.

Paulo Bonavides (2008, p. 259) aponta que a segunda metade do século XX foi mar-

cada pela inserção de valores nas Constituições, o que é uma característica do pós-positivismo

ou neoconstitucionalismo. A positivação de valores tem justamente a finalidade de evitar o

reconhecimento do Direito apenas pela forma, mas também por seu conteúdo. O mesmo Bo-

navides (2008, p. 268) afirma que as leis passariam a ter um espírito.

Os valores são colocados no sistema de Direito Positivo, portanto, para que todas as

normas produzidas em seu âmago confluíssem para as finalidades por eles (princípios) deter-

minadas. Perceba-se que a leitura dos primeiros dispositivos da Constituição Federal de 1988

demonstra quais são os valores que condicionam nosso Direito Positivo, por exemplo, repú-

blica, federação, democracia, soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, trabalho,

livre iniciativa, pluralismo político, tripartição de poderes, liberdade, justiça, solidariedade,

igualdade regional e combate à pobreza.

A inserção de valores no Direito coloca novamente em discussão a relação entre o jus

naturalismo e o jus positivismo, de modo, no entanto, que o desenvolvimento do neoconstitu-

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cionalismo adéqua boas qualidades de cada uma dessas correntes, o que é assim demonstrado

por Luís Roberto Barroso (2009, p. 248):

O pós-positivismo2 se apresenta, em certo sentido, como um terceira via entre as concepções positivista e jusnaturalista. Não trata com desimportância as demandas do Direito por clareza, certeza e objetividade, mas não o concebe desconectado de uma filosofia moral e de uma filosofia política. Contesta, assim, o postulado positi-vista de separação entre Direito, moral e política, não para negar a especificidade do objeto de cada um desses domínios, mas para reconhecer a impossibilidade de tratá-los como espaços totalmente segmentados, que não se influenciam mutuamente. Se é inegável a articulação complementar entre eles, a tese da separação, que é central ao positivismo e que dominou o pensamento jurídico por muitas décadas, renda tri-buto a uma hipocrisia.

O mesmo autor afirma (BARROSO, 2009, p. 249), ainda, que o pós-positivismo “bus-

ca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma

leitura moral da Constituição e das leis, mas sem recorrer a categorias metafísicas”, e que a

migração dos valores sociais para o Direito se dá pela via dos princípios abrigados pela Cons-

tituição (BARROSO, 2009, p. 250).

O neoconstitucionalismo, portanto, é marcado pela boa relação entre os valores e o di-

reito positivado, não se entregando a hegemonia a nenhum dos dois. O sistema jurídico passa

a ser construído na segura estrutura positivista e irrigado pelo conteúdo axiológico dos valores

mais importantes a cada sociedade, consubstanciados em princípios.

Perceba-se, portanto, a importância desta categoria jurídica – os princípios – sobre a

qual teceremos alguns comentários a seguir.

1.3.1 Princípios

Não é um de nossos objetivos promover estudo sobre os princípios e os seus aspectos

formais, o que não nos dispensa, no entanto, de apresentar alguns comentários sobre o assun-

to.

Os princípios são normas jurídicas3 que se diferenciam das regras por possuírem em

seu conteúdo uma grande carga axiológica e serem extremamente abstratas e gerais. Sem o

prejuízo do conceito de norma jurídica que será adiante apresentado, reconhecemos que o

2 Conforme esclarece Becho (2009, p. 243), neoconstitucionalismo e pós-positivismo são tratados pela

doutrina como sinônimos. 3 Nesse sentido: ÁVILA, 2004, p. 26; GRAU, 2003, p. 154; BONAVIDES, 2008, p. 271; BARROSO,

2009, p. 317.

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sistema jurídico possui em seu bojo determinações que vão do mais alto grau de abstração e

generalidade até a maior individualização e concretude possível, o que entendemos ser um

dos principais parâmetros para a diferenciação entre princípios e regras.

A norma jurídica, conforme se deixará claro, será conhecida por meio do processo de

interpretação do Direito, de modo que somente será possível apontar a distinção entre um

princípio e uma regra no resultado desse processo (GRAU, 2003, p. 178).

É nesse sentido que todas as normas inseridas no ordenamento jurídico terão princí-

pios (outras normas) como o seu fundamento de validade.4 No ciclo de positivação do direito

(produção de normas com fundamento em outras normas), os princípios são as normas jurídi-

cas que fundamentam a produção das regras, espécie de norma com maior grau de concretu-

de.5

Essas diferentes escalas no ciclo de positivação do Direito fazem, ainda, com que re-

conheçamos a possibilidade de diferenciar princípios de sobreprincípios, conforme aponta

Becho (2011, p. 353), em nítida sugestão de hierarquia entre eles. Os sobreprincípios possuem

o mais alto grau de abstração e generalidade, que fundamentam, inclusive, a existência de

outros princípios. Note-se, por exemplo, que o princípio de progressividade no imposto sobre

a renda é fruto do princípio da capacidade contributiva, que decorre do princípio da igualdade

(para alguns, da solidariedade), que tem como fundamento o princípio republicano.6

Canotilho (1995, p. 180-181) chama esse processo de densificação da norma jurídica.

A partir do máximo da generalidade e abstração, caminhar-se-á em direção à norma individu-

al e concreta. O autor, ao invés de falar de sobreprincípios, fala de princípios estruturantes,

que, para ele, são as traves mestras do ordenamento jurídico. Aponta, no caso português, os

princípios do Estado de direito, democrático e republicano como estruturantes daquele Estado

(CANOTILHO, 1995, p. 180).

4 Consideramos, nesse sentido, que a validade da norma jurídica não se estriba somente em aspectos

formais ou procedimentais, mas também em aspectos materiais, decorrentes da relação entre a norma jurídica produzida e a norma jurídica que a fundamentou.

5 São interessantes, nesse sentido, as palavras de Canotilho (1995, p. 167) sobre o princípio como man-dado de otimização para regras. Eros Roberto Grau (2003, p. 189) também reconhece que regras são aplicações de princípios.

6 São palavras de Humberto Ávila (2004, p. 79) sobre essa classificação: “Em primeiro lugar, relativa-mente às normas mais amplas (sobreprincípios), os princípios exercem uma função definitória, na medida em que delimitam, com mais especificação, o comando mais amplo estabelecido pelo sobreprincípio axiologicamen-te superior. Por exemplo, os subprincípios da proteção da confiança e da boa-fé objetiva deverão especificar, para situações mais concretas, a abrangência do sobreprincípio da segurança jurídica. Em segundo lugar, e agora em relação às normas de abrangência mais restrita, os (sobre)princípios exercem uma função interpretativa, na medida em que servem para interpretar normas construídas a partir de textos normativos expressos, restringindo ou ampliando seus sentidos. [...] Em terceiro lugar, os princípios exercem uma função bloqueadora, porquanto afastam elementos expressamente previstos que sejam incompatíveis com o estado ideal de coisas a ser promo-vido”.

18

Sobre essa relação entre princípios, Roque Antonio Carrazza (2007, p. 37) reconhece

que o sistema de direito positivo é formado por normas que se fundamentam umas nas outras,

de maneira que os princípios são as normas base de todo o ordenamento jurídico, que devem

condicionar a produção de interpretação do direito:

Sistema, pois, é a reunião ordenada das várias partes que formam um todo, de tal sorte que elas se sustentam mutuamente e as últimas explicam-se pelas primeiras. As que dão razão às outras chamam-se princípios, e o sistema é tanto mais perfeito quanto em menor número eles existam. Sendo o princípio, pois, a pedra de fecho do sistema ao qual pertence, desprezá-lo equivale, no mais das vezes, a incidir em erronia inafastável e de efeitos bem previ-síveis: o completo esboroamento da construção intelectual, a exemplo, como lembra Geraldo Ataliba, do que ocorreu com a “Abóbada”, de Alexandre Herculano.

Como o próprio termo princípio sugere, é dos princípios constitucionais que emanará

todo o sistema de direito positivo, inclusive princípios menos gerais e abstratos contidos no

próprio texto constitucional. São eles o coração das Constituições (BONAVIDES, 2008, p.

281).

A partir do conceito de princípio, cabe-nos melhor delimitar suas finalidades.

1.3.2 Função dos princípios

Concluímos, acima, que assim como as regras, os princípios são normas jurídicas. Isso

lhes atribui força necessária para que sua observação seja obrigatória na concretização do Di-

reito, em qualquer de suas fases de positivação.

Chegamos à conclusão, também, de que o ordenamento jurídico emana dos princípios

veiculados pela Constituição, de maneira que a interpretação de todas as regras de Direito

devem ser feita a partir do conteúdo dos princípios.7 Bonavides (2008, p. 261) chega a afirmar

que as regras não são inteligíveis se não houver princípios.

Assim, a unidade, a harmonia, a integração e a sistematização do Direito Positivo es-

tão intimamente ligadas ao teor e à interpretação dos princípios constitucionais que funda-

7 Nesse sentido, são palavras de Carrazza (2007, p. 50): “Sem outros cuidados, podemos, agora, susten-

tar que um princípio jurídico-constitucional, em rigor, não passa de uma norma jurídica qualificada. Qualificada porque, tendo âmbito de validade maior, orienta a atuação de outras normas, mesmo as de nível constitucional. Exerce, tal princípio, uma função axiologicamente mais expressiva, dentro do sistema jurídico (Souto Maior Borges). Tanto que sua desconsideração traz à sirga consequências muito mais danosas que a violação de uma simples regra. Mal comparando, acutilar um princípio constitucional é como destruir os mourões de uma ponte, fato que, por certo, provocará seu desabamento. Já, lanhar uma regra corresponde a comprometer uma grade desta mesma ponte, que, apesar de danificada, continuará de pé”.

19

mentam a validade do sistema. São os princípios, portanto, que estruturam o ordenamento e

lhe entregam coerência (BONAVIDES, 2008, p. 274).

Ricardo Lobo Torres (2000, p. 61), voltando-se ao direito tributário, aponta a impor-

tância dos princípios para a sua estruturação:

O princípio da unidade é importantíssimo para a interpretação do Direto Tributário, porque significa que o intérprete deve buscar sempre a harmonia, a integração e a sintonia entre as normas e os princípios jurídicos. Atua na interpretação da Constitu-ição Tributária, harmonizando os seus diversos subsistemas e compatibilizando-os como os outros sistemas constitucionais, bem como na do Direito Tributário de nível ordinário, equilibrando as suas normas e princípios com os dos outros ramos do Di-reito. O princípio da unidade leva à consideração o Direito Tributário como sistema, mas não como sistema global e fechado de normas e valores.

A função dos princípios, portanto, está diretamente ligada à unidade do sistema de Di-

reito Positivo. Temos, no entanto, que reconhecer que essa unidade decorrerá sempre do pro-

cesso de interpretação dos dispositivos legais, veiculem eles princípios ou regras.

Voltando ao tema deste trabalho, conforme apontamos acima, é nosso objetivo pro-

mover estudo da regra de competência para a instituição de contribuições pela União Federal.

Para isso, tendo considerado a importância dos princípios e a sua finalidade, cumpre-nos a-

pontar como entendemos que deve ser feito o processo de interpretação para a determinação

do conteúdo de uma norma jurídica constitucional.

1.4 A interpretação constitucional

Descendo um pouco mais a fundo no quadro de premissas que estamos construindo,

sendo os princípios constitucionais as normas mais importantes de todo o sistema de Direito

Positivo, uma vez que todas as outras normas serão com base neles interpretadas, temos que

reconhecer que esses mesmos princípios são responsáveis por conferir unidade à Constituição

Federal.

Trata-se de conclusão lógica. Se a Constituição não puder ser interpretada uniforme-

mente, também não o poderá ser a legislação infraconstitucional, o que resultaria no reconhe-

cimento da impossibilidade de harmonização do Direito. As palavras de Celso Ribeiro Bastos

e Carlos Ayres Britto (1982, p. 65-66) deixam isso claro:

Dizendo melhor ainda, o ordenamento constitucional não é resultante de um con-glomerado caótico ou desconectado de normas. Antes, é a própria expressão de um

20

conjunto harmônico, sistemático e unitário, no sentido de que, sem prejuízo da fun-ção particular das suas normas, estas somente adquirem plena significação, a partir da compreensão do todo em que estão insculpidas.

Ao nos depararmos com qualquer dispositivo constitucional, será necessário verificar

o contexto sistemático de sua existência, para que o conteúdo desse dispositivo esteja de acor-

do com os princípios maiores da Constituição.

Nesse sentido, Canotilho sugere que alguns vetores deverão nortear o intérprete do

texto constitucional, que deverá, dentre outros cuidados, se preocupar com a unidade da Cons-

tituição8, com sua máxima efetividade (1995, p. 227) e com sua harmonização (1995, p. 228).

Estabelecemos, aqui, a premissa fundamental deste trabalho. Buscaremos a análise da

Constituição Federal como um todo, caminhando, sem preconceitos, por meio de princípios e

regras que, apesar de muitas vezes não estarem dentro do Capítulo do Sistema Tributário Na-

cional, podem nos auxiliar na explicação das normas de competência tributária.

Reafirmamos, nesse contexto, a repartição meramente didática da ciência do direito

em ramos, de maneira que relativizaremos a rigidez dessa repartição para bebermos da água

de elementos tradicionalmente separados do Direito Tributário. Sobre o assunto, são interes-

santes as palavras de Eros Roberto Grau (2003, item XVIII) ao sustentar a impossibilidade de

se interpretar o direito em “tiras”:

A interpretação do direito é a interpretação do direito, no seu todo, não de textos iso-lados, desprendidos do direito. Não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços. A interpretação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete, sempre, em qual-quer circunstância, o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dele – do texto – até a Constituição. Um texto de direito isolado, destacado, desprendido do sistema jurídico, não expressa significado normativo algum.9

É importante esclarecer, ainda, que tentaremos não explicar o Direito Constitucional

Tributário por meio de disposições infraconstitucionais. Caminharemos sempre pelas trilhas

da própria Constituição Federal em nossa tarefa. Bastos e Ayres Britto (1982, p. 14-15) acon-

selham esse procedimento:

8 “O princípio da unidade da constituição ganha relevo autônomo como princípio interpretativo quando

com ele se quer significar que a constituição deve ser interpretada de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre as suas normas. [...] Daí que o intérprete deva sempre considerar as normas constitucionais não como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de nor-mas e princípios.” (CANOTILHO, 1995, p. 226-227); “[...] É que a Lei Maior, recamada de princípios que se derramam sobre todos os seus dispositivos, conecta de modo mais estreito os respectivos títulos formais e, assim, contra-indica uma interpretação isolada dos institutos, figuras e mandamentos nesses títulos embutidos. Esta a razão da peremptória asserção de Willoughby, traduzida na ideia de que ‘a Constituição corresponde a um todo lógico, onde cada provisão é parte integrante do conjunto, sendo assim logicamente adequado, senão imperativo, interpretar uma parte à luz das provisões de todas as demais partes’.” (BASTOS; BRITTO, 1982, p. 22)

9 Também são interessantes as considerações de Luís Roberto Barroso (2009, p. 302) sobre a unidade constitucional.

21

Já as de índole constitucional sua interpretação se processa, tão-somente, no âmbito interno da Constituição, que é caráter apenas endógeno e particular. [...] Em palavras outras, o que importa reter é a noção de auto-referência constitucional, visto que a interpretação de tais normas não se pode valer de parâmetros, critérios e princípios que não os nela mesma substanciados. É uma especificidade exegética, portanto, ressaída da posição singular assumida pelas regras constitucionais, nos quadrantes do ordenamento jurídico.

Com essas considerações que concernem à interpretação constitucional, deixamos cla-

ro que iniciaremos o processo interpretativo com a análise do princípio de mais alto grau de

generalidade e abstração (princípios de estrutura ou sobreprincípios) relacionado à repartição

de competências para a instituição de tributos. Após, passaremos à análise de princípios me-

nores e de regras, estabelecendo relações de interferência entre dispositivos constitucionais.

Buscaremos, portanto, a estruturação do sistema constitucional.

Esperamos que, neste momento, o leitor esteja ciente das premissas por nós adotadas.

Sendo a Constituição Federal a pedra fundamental do ordenamento jurídico, inclusive para o

Direito Tributário, nosso objeto de estudo será as normas constitucionais. Para isso, por ser

uma decorrência do neoconstitucionalismo, usaremos os princípios para a estruturação do

Direito e das próprias Constituições, de modo que, a partir deles e de outras normas constitu-

cionais, perquiriremos o conceito de contribuições para efeitos de outorga de competência à

União Federal para a tributação.

Para o último dos aspectos metodológicos deste trabalho, são necessárias breves con-

siderações sobre o conceito de norma jurídica.

1.5 A norma jurídica: interpretação e jurisprudência

Não é possível negar que as regras de direito são transmitidas para a sociedade por

meio de linguagem. Assim, o direito posto chegará ao conhecimento público por meio de

símbolos, especificamente signos, que codificam a regra legislada.

A natureza de símbolo da linguagem deixa clara a necessidade de sua interpretação,

sua decodificação. Somente entendendo os signos e suas relações é que será possível o conhe-

cimento do direito posto.

Assim, o trabalho daquele que pretende conhecer o direito começa com a leitura da lei,

o diploma que reúne signos ordenados na intenção de transmissão de uma mensagem. Neste

22

ponto, ao intérprete será necessário o prévio conhecimento sintático e semântico da língua

utilizada pelo legislador.

O texto de lei, por si, não significa nada. Será o intérprete, por meio de seus conheci-

mentos semânticos, que atribuirá significados a cada uma das palavras utilizadas na lei, for-

mando em sua mente o sentido do enunciado veiculado pelo legislador.

Apenas da leitura de um dispositivo de lei e, por vezes, da leitura de uma lei inteira,

será impossível o reconhecimento de uma regra de direito, de modo que o intérprete deverá

buscar em outros diplomas elementos que lhe permitam formar uma regra de direito na pleni-

tude de seu conteúdo. Nesse sentido é muito avançada a doutrina do direito tributário, que

chegou a estabelecer um “esqueleto” para o reconhecimento de uma regra jurídica, a regra-

matriz de incidência tributária (CARVALHO, P., 2008, p. 376).

Pois bem. Reunidos todos os elementos colhidos em textos de lei, fruto da interpreta-

ção realizada, o intérprete deverá organizá-los para com eles formar uma regra que atenda a

estrutura lógica de uma norma jurídica, prevendo uma hipótese (antecedente da norma jurídi-

ca), com a descrição de um fato, que deverá estar ligada por uma relação de imputação a um

consequente, que determinará uma relação jurídica.

A norma jurídica será, destarte, resultado da interpretação dos textos de direito positi-

vo, ordenada e estruturada de forma a enquadrar-se na estrutura lógica determinada para a

aplicação do direito – hipótese e consequência.

Para explicar o caminho do intérprete na geração de sentido da norma, Paulo de Barros

Carvalho (2006, p. 82) aponta que a partir da literalidade da lei, com seus enunciados prescri-

tivos (S1), deve-se formular proposições (S2), que nada mais são que as ideias geradas a partir

da leitura de cada enunciado. Essas ideias, em continuação, deverão ser condensadas em es-

truturas lógicas capazes de determinar um mínimo de sentido de dever-ser, ou seja, um co-

mando que se enquadre no esqueleto lógico com o qual o Direito trabalha. Esse esqueleto

apresenta a descrição de um fato de maneira hipotética e a determinação de uma relação jurí-

dica a ser instaurada a partir da ocorrência desse fato no mundo dos fenômenos (H � C).

Formada a norma jurídica nessa estrutura, ter-se-á o final do S3. A conclusão do procedimen-

to, no entanto, depende da análise da adequação da norma jurídica construída com o sistema

de direito positivo. O autor fala nas relações de subordinação e coordenação com o sistema,

de maneira que o final harmônico do procedimento será o chamado S4.

Sendo essa a explicação meteórica da teoria da construção da norma jurídica para Pau-

lo de Barros Carvalho, entendemos que o trabalho do intérprete no S4 não comporta apenas

23

uma análise de pertinência da norma com o sistema de direito posto (relação de validade),

mas também a análise da adequação da norma criada com os princípios e, por conseguinte,

com as finalidades do ordenamento posto.

Nesse sentido, são palavras do autor (CARVALHO, P., 2006, p. 80):

Num quadro de pluralismo de sistemas positivos, vamos encontrar diretrizes especí-ficas variadas para o desenvolvimento do trabalho hermenêutico de produção de normas. Com efeito, as ordenações jurídico-normativas costumam estabelecer cami-nhos próprios para a realização do percurso construtivo, neles fixando os valores que lhes pareçam convenientes para integrar as múltiplas unidades produzidas. Nesse sentido, a Constituição Federal é até abundante, fazendo constar uma série de esti-mativas sem as quais as regras elaboradas pelo intérprete não encontrarão o devido respaldo de fundamento constitucional.

Se a norma construída não estiver de acordo com os princípios impostos pelo sistema

constitucional vigente, o trabalho do exegeta terá sido em vão, o que muito bem demonstra a

importância dos princípios no sentido de harmonizarem o sistema de direito positivo.10

Esse processo de construção, como se pode notar, é um processo subjetivo, concentra-

do na pessoa do intérprete.11 É a pessoa que toma contato com o texto legal que lhe atribui

significados e o harmoniza com o sistema. Poderiam, então, diferentes normas jurídicas (pro-

duzidas por diferentes intérpretes) serem igualmente válidas? Entendemos que não.

Se a construção da norma jurídica terminasse como resultado labor exclusivamente

subjetivo do intérprete, estaria correto aquele que afirmasse que o sistema de direito positivo é

incapaz de determinar a previsibilidade de relações entre sujeitos, já que diferentes normas

poderão ser construídas a partir de um mesmo texto jurídico.

10 Veja-se, nesse sentido, as palavras de Lenio Luiz Streck (2004, p. 322): “Na contramão, parte consi-

derável da doutrina jurídica (compreendida aqui como o pensamento majoritário no plano daquilo que se entende por dogmática jurídica) tem incorrido no equívoco de tentar compartimentalizar / estanquizar o estudo da Consti-tuição. Ora, é preciso entender que nenhum dispositivo, nenhuma disciplina, enfim, nada que tenha relação com o Direito, pode ser compreendido fora da Constituição. Quanto olho (interpreto) um texto, este já me vem filtra-do a partir da ideia que tenho da Constituição, isto é, minha interpretação está condicionada pela minha pré-compreensão que tenho acerca da Constituição, do constitucionalismo, da teoria do Estado, da sociedade, etc. Desse modo, meus pré-juízos estarão “constitucionalizados” ou não, na medida em que posso estar mergulhado na ‘baixa constitucionalidade’! Esses pré-juízos é que irão condicionar, sempre , o objeto da minha interpreta-ção”. (destaque no original)

11 A afirmação, apesar de condizente com o processo interpretativo, não deve ser reconhecida como ab-soluta. O texto normativo é formado por signos linguísticos sintaticamente ordenados entre si, de maneira que, por isso, expressam uma significação mínima que deve ser reconhecida. O intérprete não tem irrestrita liberdade no processo de interpretação, apesar de, certamente, caber-lhe algumas decisões na construção da significação a partir dos enunciados normativos. Nesse sentido, aponta Streck (2004, p. 312): “E é exatamente por isto que a afirmação ‘a norma é (sempre) produto da interpretação do texto’, ou que o ‘intérprete sempre atribui sentido (Sinngebung) ao texto’, nem de longe pode significar a possibilidade deste – o intérprete – poder ‘dizer qualquer coisa’, atribuindo sentidos de forma arbitrária aos textos, como se texto e norma estivessem separados (e, portan-to, tivessem ‘existência’ autônoma). Daí a necessidade desse esclarecimento, uma vez que, frequentemente, a hermenêutica – na matriz aqui trabalhada – tem sido acusada de relativismo. [...]”

24

Há, por isso, a necessidade de inserirmos um elemento objetivo na construção da nor-

ma jurídica. Esse elemento é a jurisprudência12. Tomamos a liberdade, nesse sentido, de pros-

seguir no processo formador de sentido da norma jurídica, acrescentando a necessidade de,

após o S4, a norma construída ser colocada à prova tendo em vista a jurisprudência.

É neste sentido que Renato Lopes Becho (2011, p. 148) define norma pela equação

“norma = lei + interpretação + jurisprudência”.

É a jurisprudência que permite ao intérprete da mensagem legislada adequar a norma

por ele construída ao sistema de direito positivo. Note-se, nesse sentido, que instabilidades

normativas serão sempre conhecidas pelo Poder Judiciário, a quem caberá dirimi-las13, espe-

cialmente com a utilização de princípios, sobrepondo-os às regras normativas ou usando-os

para sua melhor interpretação.

A partir do texto legal, é o Poder Judiciário que determina quais são as normas jurídi-

cas vigentes. Logo, se é o Judiciário que dirá qual a norma jurídica que deverá ser aplicada, ao

menos em caráter de previsão, o intérprete do direito deverá considerar as posições jurisdicio-

nais sobre o assunto em que pretende construir a norma jurídica. Nesse sentido, Renato Lo-

pes Becho (2011, p. 194):

Entretanto, a jurisprudência continua ganhando terreno. Isso ocorre, inclusive, pela qualidade das leis, muitas vezes mal formuladas, deixando dúvidas, dando margens a interpretações antagônicas e mantendo lacunas que serão supridas pela atuação de juízes e tribunais.

A desconsideração das posições do Judiciário14 submeteu o intérprete ao risco de seu

labor para a formação da norma jurídica ser considerado ineficaz e não aplicável. As tendên-

cias devem ser conhecidas e os casos passados estudados.

1.5.1 A importância do contexto histórico

12 Usarmos o termo jurisprudência em seu sentido estrito, ou seja, posições oficialmente consolidadas

por tribunais, conforme aponta Becho (2011, p. 147). 13 Nesse sentido, são palavras de Humberto Ávila (2004, p. 75): “O segundo passo no exame dos princí-

pios, como já foi mencionado, refere-se à investigação da jurisprudência, especialmente dos Tribunais Superio-res, para verificar, em cada caso paradigmático, quais foram os comportamentos havidos como necessários à realização do princípio objeto de análise”.

14 Misabel Abreu Machado Derzi (2009, passim) analisa detalhadamente o conceito de jurisprudência e precedentes capazes de gerar expectativas normativas; embora a autora tenha direcionado a sua análise para a temática do direito tributário, suas considerações são inatas à teoria geral do direito. Também merece menção a obra de Luiz Guilherme Marinoni (2011, passim), na qual o autor trata com argúcia da evolução dos sistemas de civil law e de common law, demonstrando a sua atual intersecção, causada pela superação da visão do Poder Judiciário como mera boca da lei (possibilidade do Poder Judiciário até mesmo afastar a aplicação da lei) e pelo reconhecimento da importância da necessidade de interpretação do Direito.

25

O processo de construção da norma jurídica ocorrerá sempre em um espaço e tempo,

de modo que o momento conjuntural da sociedade poderá influenciar no resultado do proces-

so de sua interpretação. Isso se deve ao fato do conteúdo dos valores mudarem no tempo e

espaço.

Isso, aliás, é o que permite a atualização do Direito sem que haja necessariamente alte-

rações de textos legais15, garantido ao Direito a condição de ser uma estrutura viva, em cons-

tante mutação e atualização.

O Direito vigente, portanto, é fruto da atuação do tempo e da história (fatos) sobre os

valores e sobre as próprias normas. É por isso que Miguel Reale aponta a necessidade de o

cientista do direito investigar a formação histórica dos conceitos. São palavras do autor (RE-

ALE, 2011, p. 573):

Por isso mesmo recusamo-nos a compreender a força da norma abstraída do proces-so em que ela se constitui e se insere. Uma norma não pode ser erradicada do pro-cesso de que faz parte; deve ser interpretada no âmbito de sua condicionalidade so-cial e histórica, mas, por sua natureza histórica mesmo, não fica presa ou ligada às circunstâncias que originariamente a condicionaram, superando-as.

Miguel Reale, portanto, não vê o direito simplesmente como um conjunto de normas

válidas, mas como uma intensa e indissociável relação entre valores, fatos e normas no cami-

nhar da história.

Respondendo à logicidade de Kelsen, Reale (2011, p. 574) aponta para a relação entre

normas e fins éticos no âmbito do convívio humano, e afirma:

Para nós, a norma, ao contrário, não pode ser compreendida devidamente fora do processo incessante de adequação da realidade às exigência ideais ou da atualização de fins éticos no domínio das relações de convivência, devendo-se ter presente que ela não tem a virtude de superar, absorvendo-os em si e eliminando-os, os elemen-tos que lhe dão ser. O Direito é um processo aberto exatamente porque é próprio dos valores, isto é, das fontes dinamizadoras de todo o ordenamento jurídico, jamais se exaure em soluções normativas de caráter definitivo.

Concordando com as palavras de Reale, este trabalho se ocupará de analisar as condi-

ções históricas que envolveram a distribuição de competências para a tributação entre os entes

federados em cada uma das Constituições brasileiras, assim como a história e evolução da

criação das contribuições no Brasil.

15 Luís Roberto Barroso (2009, p. 122) trata do assunto sob o título de mutação constitucional.

26

Gostaríamos, com isso, de entender a evolução da tributação por contribuições e, ana-

lisando contextos históricos, saber se a interpretação atualmente conferida a esse tipo tributá-

rio está de acordo com os princípios protegidos por nossa Constituição.

Depois de estabelecer o método pelo qual buscaremos atribuir sentido à competência

tributária da União para criar contribuições, cumpre-nos investigar qual o mais amplo princí-

pio que determina que as competências para a tributação sejam repartidas entre diferentes

entes federados. Conhecido o princípio, analisaremos sua evolução histórica através das Cons-

tituições brasileiras até chegarmos à Constituição Federal de 1988, momento em que aplica-

remos o conhecimento adquirido com o estudo histórico-evolutivo na interpretação do seu art.

149 da atual Constituição.

Busquemos, então, o princípio que será o cerne deste trabalho.

27

2 O PRINCÍPIO FEDERATIVO

2.1. O federalismo como princípio estruturante das normas de atribuição de

competência tributária

Conforme reconhecido nas considerações acima, a interpretação do ordenamento jurí-

dico deve ser informada por alguns princípios estruturantes, ou sobreprincípios, que são nor-

mas jurídicas com natureza altamente geral e abstrata, dotadas de conteúdo axiológico. A par-

tir dessas, outras normas, princípios e/ou regras são criadas para sua concretização (processo

de densificação).

Conhecer e entender o princípio estruturante que fundamenta a repartição de compe-

tências para a tributação nos permitirá estabelecer parâmetros dentro dos quais as regras de

competência deverão ser interpretadas. Esses parâmetros determinarão os limites dentro dos

quais será possível o exercício da tributação, assim como as finalidades a serem alcançadas

com a partir das competências tributárias.

É nesse contexto que perguntamos: por que a competência tributária é repartida entre

União, Estados, Municípios e Distrito Federal? Busquemos a resposta entre os mais importan-

tes princípios positivados pela Constituição Federal.

A Constituição, em sua acepção jurídica16, é espécie de diploma normativo que ocupa

o mais alto grau hierárquico em um ordenamento jurídico. Em seu bojo poderão existir nor-

mas reguladoras dos mais variados assuntos, desde princípios estruturantes até regras de alto

grau de individualidade e concretude.

De acordo com a sua função, as normas constitucionais são divididas entre normas

material e formalmente constitucionais. As primeiras são aquelas de suma importância para a

organização e estruturação do Estado e todas as demais normas serão formalmente constitu-

cionais apena por estarem incluídas na Constituição, enquanto diploma legal (SAMPAIO,

1954, p. 16-17).17

16 Sobre o assunto: SILVA, 2007, p. 37 e SAMPAIO, 1954, p. 9. 17 Michel Temer (2000, p. 21) comenta: “ Indubitavelmente, existe um núcleo material nas Constituições

sem o qual não se pode falar em Estado. Se este pressupõe organização e se esta é fornecida por instrumentos normativos cogentes, imperativos, derivam eles do exercício do poder. Assim, é norma substancialmente consti-tucional aquela que identifica o titular do poder”.

28

Nesse contexto, como principais normas, a Constituição Federal brasileira não só criou

a República Federativa do Brasil, cujo poder pertence e é exercido pelo povo, mas veiculou

inúmeros direitos e garantias individuais do cidadão, vinculados aos objetivos e fundamentos

do Estado.

A Assembleia Constituinte, inclusive, determinou que as normas fundamentais de

formação da República Federativa brasileira deveriam se perpetuar no tempo, sem que pudes-

se haver sua alteração. É o que dispõe o art. 60, § 4º, da nossa Constituição:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...] § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. [...]

Note-se que a tendência à abolição das notas básicas do Estado brasileiro não poderão

sequer ser objeto de deliberação pelo Congresso Nacional. A proposta de emenda constitucio-

nal não precisará claramente suprimir algumas das cláusulas pétreas, mas apenas relativizá-las

para que sua tramitação seja interrompida.

O dispositivo é importante elemento para o conhecimento dos princípios que estrutu-

ram o Estado brasileiro. Inegavelmente, seus incisos denotam as mais importantes substâncias

do Estado. Agregue-se a eles, conforme reconhece José Afonso da Silva (2007, p. 66), o prin-

cípio republicano, em seu modo de entender, também protegido pela cláusula de imutabilida-

de.

Sobre a importância desses princípios, Geraldo Ataliba18 produziu célebre obra em que

sustenta o dever de estudo de todo o sistema tributário a partir do princípio republicano, fun-

damento de validade do importante princípio da igualdade.

Se o princípio da igualdade, tão bem estudado por Bandeira de Melo (1999, passim), é

fio condutor para a aplicação concreta do direito tributário, nos parece que o princípio federa-

tivo é a “lupa” pela qual o exercício da competência tributária deve ser estudado.

Conforme será abaixo melhor demonstrado, opondo-se à forma unitária, a federação

pressupõe a repartição de competências entre seus membros, com a proporcional repartição de

rendas para o cumprimento de suas atribuições (ALMEIDA, 2010, p. 15-16).

18 “No Brasil os princípios mais importantes são os da federação e o da república. Por isso, exercem

função capitular da mais transcendental importância, determinando inclusive como se deve interpretar os demais, cuja exegese e aplicação jamais poderão ensejar menoscabo ou detrimento para a força, eficácia e extensão dos primeiros.” (ATALIBA, 2007, p. 36)

29

A repartição de competências para a tributação, nesse contexto, cumpre a função de

distribuir rendas entre os membros da federação, motivo pelo qual o conteúdo do princípio

federativo e, mais importante, o conteúdo do princípio federativo no sistema brasileiro, ditará

normas imprescindíveis para a interpretação das normas de competência, dentre elas, o art.

149, que autoriza a criação de contribuições pela União Federal.

Renato Lopes Becho (2011, p. 363) vê essa importância no princípio federativo, di-

zendo que “O mais significativo efeito do princípio federativo aplicado à tributação é, pois, a

divisão da competência tributária entre União e Estados. [...]”. Roque Antonio Carraza (2007,

p. 124) vai mais longe ao estabelecer que “Para que saibamos de modo seguro e científico até

onde vai a competência tributária da União e dos Estados-membros, devemos conhecer, pre-

liminarmente, as reais dimensões do princípio federativo, no Brasil”.

Será, portanto, principalmente por meio do princípio federativo, e suas densificações

em outros princípios e regras, que analisaremos o regime jurídico constitucional das contribu-

ições. Consideraremos, nesse sentido, os elementos que deram origem a esse princípio e sua

evolução histórica nas Constituições brasileiras, sempre reconhecendo seus reflexos na repar-

tição de rendas entre os entes federados.

Sobre a repartição de rendas, esclarecemos, conforme será adiante demonstrado, que o

federalismo a impõe como condição para a sua manutenção, dividindo-a entre a repartição de

competências para a instituição de tributos e a repartição do produto da arrecadação entre di-

ferentes entes federados, o que será considerado neste estudo.

É importante, por fim, deixarmos claro que a motivação para estudarmos a competên-

cia para a instituição de contribuições nasceu no momento em que percebemos o ruído que a

competência para a sua criação causa no tão bem estruturado Sistema Tributário Nacional, o

que é reconhecido, também, por Becho (2011, p. 305), quando afirma que “As contribuições

estão servindo, atualmente, como uma forma de desorganizar o sistema tributário, tão bem

construído no passado recente”.

Talvez essa desestruturação do sistema tributário decorra da relativização da impor-

tância do princípio federativo, conforme aponta Celso Bastos (BASTOS; MARTINS, 1988, v.

1, p. 214) ao tratar do princípio federativo e republicano:

O princípio federativo juntamente com o republicano são as duas vigas mestras so-bre as quais se eleva o travejamento constitucional. São mesmo tão encarecidos e enfatizados pela Lei Maior a ponto de serem subtraídos da possibilidade de serem alterados até mesmo por via de Emenda Constitucional. No entanto, a realidade não confirma a significação dada à Federação pela Constituição. É muito provável mes-mo que nenhum princípio tenha sido tão fortemente degradado quanto o federativo.

30

Se Bastos fala em degradação do princípio federativo, Raul Machado Horta fala na

dissolução do sentimento a ele relacionado, o que buscaremos reavivar. Nesse sentido, afirma

Horta (1995, p. 355):

A República Federativa Brasileira, desde a sua origem na Constituição de 1891, pro-clama a indissolubilidade do vínculo federativo, que congrega a União e os Estados-Membros. Essa indissolubilidade não se compadece com a dissolução do sentimento federativo, que se realiza na diuturna negação dos fundamentos federais da Constitu-ição, responsável pela indiferença do povo em relação ao destino da forma federal de Estado.

Pensando nas palavras desses autores, envidaremos nossos esforços para devolver ao

princípio federativo a importância que lhe é inerente, buscando em seu conteúdo elementos

para promover uma interpretação da atribuição de competência para a criação de contribui-

ções que não desestruture o Sistema Tributário Nacional e, por conseguinte, o equilíbrio da

federação brasileira.

É através das lentes do princípio federativo, portanto, que promoveremos o estudo dos

limites da atribuição de competência para a União para a instituição de contribuições. Sendo

esse o princípio que fundamenta a repartição de competências entre os entes federados, so-

mente o seu conhecimento nos entregará ferramentas para uma boa análise do tema.

Esse conhecimento será essencial para que se estabeleça a relação entre os limites da

federação brasileira e a forma em que é realizada a repartição de competências para a tributa-

ção e em que é determinada a repartição do produto de arrecadações entre entes federados.

Tais elementos, entendemos, serão importantes vetores para interpretação do Sistema

Constitucional Tributário como um todo, privilegiando uma das premissas por nós adotadas,

qual seja, a de unidade do texto constitucional.

O conceito de federalismo, no entanto, não é rígido e exatamente determinado, tendo

as condições de tempo e espaço grande influência sobre o seu significado. Diante disso, pro-

moveremos, a seguir, seu estudo histórico com objetivo de melhor delimitarmos o seu conte-

údo.

2.2 História

31

O modelo federativo não tem sua origem em textos doutrinários ou em construções ci-

entíficas, mas na interessante história da relação entre as 13 colônias inglesas na América no

Norte.

Em 1776 (KRAMNICK In MADISON; HAMILTON; JAY, 1993, p. 2), após longo

sofrimento com abusos praticados pela metrópole, as colônias inglesas na América do Norte

declararam sua independência. As colônias, então independentes, tinham consciência de que a

declaração constituía apenas um passo necessário para que atingissem sua soberania. Havia a

necessidade da criação de meios para que os novos países pudessem se manter livres da influ-

ência inglesa, ou de outras potências que pretendessem ocupar a posição da antiga metrópole.

Sabia-se que os 13 diferentes países, sob governos diferentes, teriam menos força, e-

conômica e bélica, para combater investidas das potências europeias.

Foi nesse contexto que em 1781 as antigas 13 colônias assinaram um tratado, conheci-

do como Artigos de Confederação, que estabeleceu uma confederação entre eles. Todos os 13

Estados mantiveram sua soberania e independência e se comprometeram à união de esforços

para um mesmo fim. Assuntos de interesse geral eram discutidos em um Congresso, com re-

presentantes de todos os 13 Estados.

A assinatura do tratado e a previsão de um modelo de cooperação entre os novos Esta-

dos, contudo, não foi frutífera como se imaginava.

Os cidadãos desses Estados, recém-independentes, tinham grande aversão ao modelo

de governo praticado na Inglaterra, de modo que a concentração de poderes na mão de uma

mesma pessoa, ainda que eleita, causava desconfianças no povo norte-americano. Isso deter-

minou que esses novos Estados previssem em suas Constituições formas de governo muito

próximas de democracias diretas (KRAMNICK In MADISON; HAMILTON; JAY, 1993, p.

9). Os Congressos de cada Estado eram responsáveis por decidirem questões normalmente

inerentes ao Poder Judiciário e a tomar decisões próprias de um Chefe do Poder Executivo.

O grande fracionamento do poder de decisão e a fragilidade, comum a um tratado in-

ternacional, colocou os novos países no caminho da desordem social, o que fica claro com

alguns eventos ocorridos à época.

A Confederação não tinha receitas próprias. O poder central era mantido com repasses

realizados pelos novos Estados da América do Norte, a serem obtidos mediante requisições.

Ocorre, no entanto, que muitos dos Estados, cientes da impossibilidade de coação pelo ente

central, deixavam de contribuir para sua subsistência, sonegando os repasses devidos. Chega-

32

se a dizer que George Washington teria servido por algum tempo sem receber a sua devida

remuneração (KRAMNICK In MADISON; HAMILTON; JAY, 1993, p. 11).

Alguns dos Estados, especialmente os de vocação rural, passavam por grave crise fi-

nanceira, de modo que eram frequentemente produzidas leis pelos seus próprios Poderes Le-

gislativos (que detinham funções típicas dos Poderes Executivo e Judiciário) perdoando dívi-

das incorridas entre particulares, o que gerava grave clima de insegurança econômica.

Os Estados estavam desprotegidos do contrabando de mercadorias vindas da Europa,

já que era possível a entrada de importações por países com políticas aduaneiras brandas, des-

tinadas a outros Estados, em que os impostos sobre as importações eram mais gravosos.19

Ainda que a desordem tenha se instalado em quase todos os ramos da vida econômica,

social e política dos novos 13 países, foi com conflitos tributários que se percebeu a necessi-

dade de alteração das disposições que então regiam a Confederação. Nesse sentido, dois Esta-

dos, então soberanos, Virgínia e Maryland, disputavam a titularidade da competência para a

tributação de embarques no Rio Potomac e na Baía de Chesapeak. O conflito foi resolvido em

reunião com representantes dos dois Estados como fruto de mediação de James Madison, que,

após tal conflito, convocou representantes de todos os 13 Estados para discutir soluções para

seus problemas de relacionamento em assuntos comerciais (KRAMNICK In MADISON;

HAMILTON; JAY, 1993, p. 21).

Após reuniões sem sucesso (KRAMNICK In MADISON; HAMILTON; JAY, 1993,

p. 21-22), foi designada para 1787, na Filadélfia, uma convenção para rediscutir os Artigos de

Confederação, cujo resultado seria a criação do modelo federativo atualmente conhecido.

Na Convenção, reuniram-se delegados representantes de cada um dos Estados (à exce-

ção de Rhode Island), que apresentaram inúmeras propostas intencionadas a solucionar os

problemas da Confederação. Como resultado de quase quatro meses de trabalho, foi elaborada

a proposta de uma Constituição que unificaria todos os Estados norte americanos em um só,

cuja aprovação dependia da ratificação de cada um dos Estados, que até aquele momento ain-

da eram soberanos.

A ratificação ao documento seria irretratável, pois nele havia cláusula de proibição de

secessão. Aumentava-se a força do poder central, que passaria a ter competências legislativas

e executivas próprias, inclusive para a tributação.

19 James Madison (MADISON; HAMILTON; JAY, 1993, p. 159) se manifesta sobre a crise vivida pe-

los Estados norte americanos: “De fato, pode-se dizer com propriedade que criamos quase ao limite máximo da humilhação nacional. Dificilmente haverá algo capaz de ferir o orgulho ou degradar o caráter de uma nação independente que ainda não experimentamos.”

33

Foi na fase de ratificação do texto constitucional (KRAMNICK In MADISON; HA-

MILTON; JAY, 1993, p. 32) que foram travadas as maiores discussões entre defensores do

modelo vigente e do novo modelo de Estado proposto, abrindo-se debate político sobre as

inovações da proposta de Constituição.

Nesse clima de disputa, inúmeros artigos anônimos20 passaram a ser publicados em

jornais defendendo as ideias sugeridas no texto Constitucional. Posteriormente tais artigos

foram reconhecidos como de autoria de James Madison, Alexander Hamilton e John Jay e

publicados (1993), servindo como um dos mais importantes estudos contemporâneos sobre o

modelo federativo de Estado.

Com o texto constitucional proposto para ratificação dos virtuais signatários e as pu-

blicações de Publius21, se instalou em território norte-americano, intenso debate político sobre

as questões abordadas pela proposta.

Entraram, então, em choque os defensores do modelo de democracia direta praticado

pelos 13 Estados norte americanos após sua independência e os defensores do modelo repu-

blicano, presidencialista e federativo proposto pela nova Constituição. Inúmeros foram os

pontos que afloraram nesse debate.

É significativa, nesse contexto, a aversão que grande parte dos cidadãos norte-

americanos tinha de um poder central forte, em decorrência dos então recentes excessos na

conduta da Inglaterra. Punha-se em questão se a potência desse poder não significaria a troca

de uma dominação por outra. Defendia-se, com essa ideia, a manutenção da democracia dire-

ta.

Por outro lado, os defensores do modelo republicano sustentavam a necessidade de

imposição de força por um poder central, sob pena daqueles novos Estados serem levados à

anarquia.22

Os defensores do novo modelo republicano federal chegaram ao ponto, ainda na Con-

venção da Filadélfia, de propor que o poder central tivesse a prerrogativa de vetar leis produ-

zidas pelos legislativos estaduais (KRAMNICK In MADISON; HAMILTON; JAY, 1993, p.

25), o que não foi admitido pelos delegados presentes na Convenção.

20 Eram assinados com o codinome Publius. 21 Era esse o codinome usado por Madison, Hamilton e Jay para assinar as suas publicações. 22 Kramnick (In MADISON; HAMILTON; JAY, 1993, p. 69), sobre o assunto, cita passagem de escri-

tos Hamilton: “Dizem-nos que é perigoso confiar o poder não importa a quem, que o poder é passível de abuso, e uma variedade de máximas banais do mesmo tipo. É fácil formular proposições gerais dessa natureza, cuja ver-dade não pode ser negada, mas elas raramente transmitem uma ideia precisa. A elas podemos contrapor outras proposições igualmente verdadeira e igualmente indefinidas. Poder-se-ia dizer que um poder pequeno demais é perigoso, conduz à anarquia, e da anarquia ao despotismo [...]. O poder deve ser outorgado, ou a sociedade civil não pode existir; a possibilidade de abuso não é argumento contra isso”.

34

A grande força inicialmente proposta para o ente central demonstra importante nota do

federalismo norte-americano. Discutiu-se intensamente qual seria o limite da entrega de pode-

res dos Estados para o ente central, o que, sendo uma renúncia de poder e soberania, os Esta-

dos o fizeram somente na medida do essencial para a instalação da ordem nacional, a partir de

um governo central.

Resultado disso foi que os Estados mantiveram sua liberdade para autorregulação, mas

submetidos, quando determinado pela Constituição, às normas impostas pelo poder central.

Note-se, nesse sentido, que aos Estados cabia o exercício da competência residual, possibili-

tando ao poder central somente o exercício de competências que expressamente lhe foram

entregues pela Constituição.

Impende reconhecer que a força do poder central estaria ligada à capacidade para regu-

lamentar assuntos de interesse nacional, que influenciassem a boa convivência entre os Esta-

dos, permitindo-lhes seu desenvolvimento econômico. Essa intenção fica clara nas palavras de

Alexander Hamilton (MADISON; HAMILTON; JAY, 1993, p. 128), em um de seus artigos

federalistas. Segundo ele, “Uma firme União seria a oportunidade máxima para a paz e a li-

berdade dos Estados como barreira contra o faccionismo e a insurreição doméstica”.

A união dos Estados decorre, então, da necessidade imposta pela situação do momen-

to. Havia desordem interna em cada um dos Estados, assim como dificuldade de convivência

externa entre eles. A união seria o instrumento para que os Estados pudessem se desenvolver

nesses aspectos, privilegiando o desenvolvimento nacional, especialmente pela via de atos de

comércio, visto como a vocação do povo norte-americano (MADISON; HAMILTON; JAY,

1993, p. 209).

Ainda que pormenorizadamente pensado pelos federalistas, é de se reconhecer que o

modelo federal dos Estados Unidos da América é fruto casuístico de embates travados entre

representantes de duas correntes político-filosóficas da época, uma opinando pela manutenção

do sistema vigente e outra pela criação de um poder central fortíssimo. O resultado foi o inte-

ressante modelo que harmoniza a existência do poder central forte na medida do necessário

para a manutenção da liberdade autorregulatória de cada um dos Estados.

Outro importante fruto desses embates sobre a potência do ente central e do receio que

o povo tinha de ser dominado por um novo déspota foi a segurança que o modelo federativo

35

entregava à população. A forma federativa criada, aliada à tripartição dos poderes, tornou-se

um mecanismo quase instransponível para defesa da república e democracia indireta.23

Sobre esse duplo mecanismo de defesa da república decorrente do federalismo, de

maneira muito interessante, Dallari (1986, p. 37) comenta:

Aqui surge o pensamento de Maquiavel. Nos seus Comentários sobre a primeira dé-cada de Tito Lívio, Maquiavel lembra a classificação dos governos feita por Aristó-teles, aceitando que as hipóteses irredutíveis são exatamente aquelas: o governo de um só, que tinha na monarquia o seu protótipo; o governo de alguns ou aristocracia; o governo de muitos ou democracia. Mas em sua opinião essas formas correspondi-am a diferentes momentos de um ciclo que se repete indefinidamente. Começa-se com um estado de desordem social e então aparece um salvador, que será o gover-nante único. Este sofre as tentações do poder e degenera, obrigando o grupo mais responsável e mais capaz de assumir o governo, surgindo a aristocracia. Esta, depois de algum tempo, também se torna impura e cria privilégios para si. É então que o grande número exige participação no governo, que se torna democrático. Finalmen-te, a democracia também degenera e o resultado é a desordem social, que vai susci-tar o aparecimento de um novo salvador, reiniciando-se o ciclo. E com agudeza de espírito conclui Maquiavel que o ideal seria a conjugação daque-las três possibilidades, pois “numa Constituição em que coexistam a monarquia, a aristocracia e a democracia, cada um destes poderes vigia e impede os abusos dos outros”.

A intensidade da vinculação entre a forma federal de Estado e a tripartição dos poderes

não é assunto oportuno para o momento, mas está aí um dos elementos daquela que tem sido

eleita como a principal função do federalismo na modernidade: a defesa da democracia

(DALLARI, 1986, p. 66; BASTOS, 1985, p. 2).

Há, ainda, um outro ponto que interessa ao presente estudo, discutido nos debates que

resultaram no modelo federal norte-americano: a competência para a tributação.

Uma das causas da falta de êxito no modelo confederativo estava na inexistência de

receitas próprias e pré-determinadas para o poder central. Por depender da boa vontade dos

Estados na remessa de recursos quando de suas requisições, pois o poder central da Confede-

ração padecia em sua insuficiência.24

23 “Primeiro. Numa república simples, todo o poder concedido pelo povo é submetido à administração

de um governo único, e a usurpação é evitada por uma divisão do governo em braços independentes e separados. Na república composta da América, o poder concedido pelo povo é primeiro dividido entre dois governos distin-tos e depois a porção que coube a cada um é subdividida por braços independentes e separados. Disto provém uma dupla segurança para os direitos do povo. Os diferentes governos vão se controlar um ao outro, ao mesmo tempo em que cada um será controlado por si mesmo.” (MADISON in MADISON; HAMILTON; JAY, 1993, p. 351)

24 “A atual Confederação, mesmo sendo tão débil, pretendeu confiar aos Estados Unidos um poder ili-mitado de atender às necessidades pecuniárias da União. Mas, tendo partido de um princípio errôneo, foi elabo-rada de tal modo que frustrou inteiramente essa intenção. O Congresso, segundo os artigos que compõem esse pacto (como já foi dito), está autorizado a determinar e a requisitar quaisquer somas de dinheiro que julgue ne-cessárias para o serviço dos Estados Unidos; e suas requisições, se estiverem de acordo com a regra da distribui-ção proporcional, são obrigatórias para Estados em todos os sentidos constitucionais. Estes não têm nenhum direito de discutir a adequação da exigência; nenhum poder de decisão além do de encontrar formas e meios de

36

Contra o grave problema das requisições, Hamilton (In MADISON; HAMILTON;

JAY, 1993, p. 233) propôs a seguinte solução:

Que remédio pode haver para esta situação, senão uma mudança do sistema que a produziu – uma mudança do sistema falacioso ilusório das cotas e requisições? Que substituto pode ser imaginado para este ignis fatus das finanças, senão a permissão para que o governo federal arrecade suas próprias receitas pelos métodos comuns de tributação autorizados em toda constituição bem ordenada de governo civil? Ho-mens engenhosos conseguem discursar de modo plausível sobre qualquer assunto; mas nenhuma engenhosidade humana é capaz de apontar algum outro expediente pa-ra nos livrar dos inconvenientes e embaraços que resultam naturalmente dos supri-mentos insuficientes do Tesouro público.

Tinha origem, a partir da necessidade de atribuição de competência arrecadatória para

o ente central, a repartição de competências para a tributação entre todos os entes federados.

Atribuiu-se, então, competência tributária própria à União Federal, cuja única compe-

tência privativa se referia aos impostos de importação e exportação (MADISON; HAMIL-

TON; JAY, 1993, p. 243). Há, em todas as outras matérias, competência concorrente dos Es-

tados e União para a criação de tributos. Nesse sentido, Hamilton (MADISON; HAMILTON;

JAY, 1993, p. 247) abre o artigo federalista nº XXXIV com as seguintes palavras:

Espero ter demonstrado claramente em meu último artigo que os vários Estados, sob a Constituição proposta, teriam autoridade igual à da União no tocante à receita, ex-ceto com relação a tarifas sobre artigos importados e exportados. Isto deixa aberta para os Estados, de longe, a maior parte dos recursos da comunidade. Logo, não po-de haver nenhum fundamento para a afirmação de que eles não possuiriam meios tão abundantes quanto seria desejável para atender às próprias necessidades, livre de to-do controle externo. Que o campo é suficientemente amplo ficará mais evidente quando passarmos a expor a parcela insignificante25 das despesas públicas que cabe-rá aos governos dos Estados prover.

A Constituição entregou aos Estados e União meios para prover o seu sustento. Evi-

dente que, se comparada às repartições atualmente realizadas, a forma determinada era precá-

ria e privilegiava, às últimas consequências, a autonomia dos Estados, fruto natural da inde-

pendência que até então eles mantinham entre si.

fornecer as somas pedidas. Mas embora as coisas sejam estrita e verdadeiramente assim, embora a admissão do direito de contestar tais requisições constitua uma infração dos artigos da União, embora tal direito raramente ou nunca tenha sido confessadamente reivindicado – na prática ele foi constantemente exercido e continuaria a sê-lo, enquanto as receitas da Confederação continuassem dependentes da atuação intermediária de seus membros. As consequências deste sistema, que todos conhecem bem, por menos versados que sejam nos assuntos públicos, foram abundantemente expostas em diferentes partes destas investigações. É isto que nos dá amplos motivos de mortificação, e aos nossos inimigos, de triunfo.” (MADISON; HAMILTON; JAY, 1993, p. 232-233)

25 Sendo o Estado liberal (BASTOS, 1985, p. 31; DALLARI, 1986, p. 42), somente as guerras e a ma-nutenção da ordem interna eram ações que demandavam gastos públicos. Diferente é o caso de hoje em que o Estado, além de intervencionista, é social. Como os Estados não atuariam em domínio particular, as principais origens de gastos públicos eram as guerras (MADISON; HAMILTON; JAY, 1993, p. 250), motivo que justifica-va a preocupação com o poder arrecadatório do ente que representava a soberania do Estado.

37

A rígida repartição de receitas entre Estados e União – que faria parte do doutrinaria-

mente chamado federalismo dual – é elemento importante na Constituição norte-americana.

Não obstante, mais importante ainda é o reconhecimento, já naquele momento, de que um dos

sustentáculos do pacto federativo seria a capacidade de cada um dos entes, por si, proverem

seu auto-sustento. Dallari (1986, p. 20) comenta:

Não se pode perder de vista que a distribuição de competências significa uma atri-buição de poderes e, ao mesmo tempo, de encargos, pois quem recebe a competência apara determinado assunto é que deve legislar sobre ele e adotar as providências de que ele necessite no âmbito da administração pública, inclusive a criação e a manu-tenção de serviços. Maior número de competências pode significar mais poder polí-tico, mas significa também maiores encargos, mais responsabilidade. Por esse motivo, é imprescindível que, ao ser feita a distribuição das competências, sejam distribuídas, em medida equivalente, as fontes de recursos financeiros, para que haja equilíbrio entre encargos e rendas. Não havendo tal equilíbrio, duas hipóte-ses podem ocorrer: ou a administração não consegue agir com eficiência, e necessi-dades fundamentais do povo deixam de ser atendidas ou recebem um atendimento deficiente; ou o órgão encarregado do serviço solicita recursos financeiros de outra fonte, criando-se uma dependência financeira que acarreta, fatalmente, a dependên-cia política.

Aparece, aqui, um dos elementos que nortearão o paralelo que se pretende traçar entre

federalismo e tributação. A distribuição de competências federativas é indissociável da repar-

tição adequada de rendas para que um ente não precise se submeter ao outro. O pacto federal

busca garantir a igualdade entre os entes que o compõem, o que somente é possível com a

garantia de igualdade econômica entre eles.

Voltando à história do federalismo, com as discussões acima retratadas e muitas ou-

tras, em cada um dos Estados independentes norte-americanos ocorreram as votações para

permissão da ratificação do texto constitucional, o que foi aprovado em todos eles.

A aprovação das ratificações da Constituição dos Estados Unidos foi tarefa árdua que

a sua unanimidade não faz supor. Apesar de todos os Estados terem aderido à nova Constitui-

ção, formando-se um novo país, em muitos Estados a aprovação da ratificação venceu as elei-

ções por apertadas margens, comprovando-se a importância dos esforços de Madison, Hamil-

ton, Jay e todos os seus aliados. Além disso, a aprovação da referida Constituição por aperta-

das margens em alguns Estados nos faz acreditar que a nova Constituição tenha levado a po-

tência do poder da União Federal até o limite do possível, de maneira que se lhe fossem atri-

buídos maiores poderes, como pretendiam os federalistas, talvez a aprovação do texto não

tivesse acontecido já na primeira tentativa.

A formatação do modelo federal nos Estados Unidos serviu para resolver um problema

real vivido pelas ex-colônias inglesas. Conseguiu-se, com inteligente separação de competên-

38

cias, dentre elas as tributárias, garantir que cada um dos entes mantivesse sua capacidade de

autodeterminação, sem se submeterem à vontade da União Federal.

Esse traço da federação norte-americana seria reafirmado pouco menos de 100 anos

depois da promulgação da Constituição com a Guerra da Secessão, na qual a União mostrou

sua força e a capacidade de manter a unidade nacional, fazendo prevalecer a indissociabilida-

de do Estado federal.

A Guerra da Secessão não alterou paradigmas do modelo federal de Estado, o que vi-

ria a acontecer com a crise de 1929 (DALLARI, 1986, p. 44), que colocou em cheque a postu-

ra liberalista com a qual o Estado se portava perante o domínio econômico particular, adotan-

do a lei do laissez-faire. A falta de um controle mínimo do Estado na atuação econômica

trouxe efeitos nefastos para toda a economia mundial.

A crise atacaria, então, um dos elementos contextuais mais importantes da criação do

modelo federal pela Constituição de 1787, o liberalismo econômico. Para combater a crise e

seus efeitos, a União Federal norte-americana elaborou um plano de ações (New Deal) que

possuía natureza fortemente intervencionista, invadindo competências constitucionalmente

atribuídas aos Estados. Instalou-se, então, significativo conflito entre União e Estados, que

transmutaria um dos pilares básicos do federalismo até então conhecido (DALLARI, 1986, p.

45).

É essencial dizer que a Suprema Corte ocupou papel de destaque nessa delicada situa-

ção.26 A ela foram encaminhados os problemas decorrentes da invasão da competência dos

Estados pela União, sendo que as soluções encontradas se voltaram para a possibilidade de

coexistência de normas federais e locais sobre determinados assuntos, o que inaugurou um

novo tipo de federalismo, o federalismo de cooperação. Nesse sentido, são palavras de Raul

Machado Horta (1958, p. 22):

Nos Estados Unidos, o período de Franklin Roosevelt assinalou o fim do federalis-mo dualista e inaugurou a expansão do federalismo contemporâneo ou new federa-lism.

26 Merece menção a citação em nota de rodapé por Celso Bastos (BASTOS; MARTINS, 1988, v. 1, p.

223-225) de artigo publicado na Revista de Direito Público n 64, p. 103, por Ellis Katz que trata do papel da Suprema Corte dos Estados Unidos na consolidação e modernização do modelo federal naquele Estado. Em seu artigo o autor compara a Constituição Federal a uma âncora, que manterá o país como pretendido por seu povo. A âncora, no entanto, depende da corrente que a liga ao barco para atender sua função de ser. Caso, no entanto, a corrente seja comprida demais, o navio poderá ser levado para longe de seu ancoradouro, caso em que o povo está distante de seus objetivos. Se, por outro lado, a corrente for curta demais, o navio poderá ser afundado pela força da maré, não se atendendo, novamente, o objetivo da ancoragem. Com a metáfora, após dizer que a âncora do Estado é a Constituição, o autor aponta que o comprimento da corrente será determinado sempre pela Supre-ma Corte do país, na medida em que interpretar as disposições constitucionais significa reconhecer a melhor aplicação possível (comprimento da corrente) para o contexto histórico vivido (maré).

39

O federalismo segregador, entrincheirado nas resistências estaduais, cedeu lugar ao federalismo cooperativo, fundado na ajuda financeira federal e na intensidade das relações intergovernamentais. (destaque no original)

Esse importante contexto faria com que fosse superada a rígida divisão de competên-

cias privativas como uma das características básicas do modelo federal de Estado. Passou-se a

admitir que Estados e União não precisassem ter zonas de competências exclusivas, mas que

pudessem unir esforços (e produzir normas) sobre assuntos de interesse comum. Esse marco

inaugurou o federalismo de cooperação.

Esse novo federalismo, e suas implicações no Direito Tributário, será melhor definido

e analisado em momento oportuno deste trabalho, já considerando algumas peculiaridades do

modelo federativo brasileiro, de modo que damos por encerrada a breve síntese do processo

de gênese do federalismo, que formou os Estados Unidos da América e o modelo de federa-

ção amplamente difundido mundo afora.

2.3 O federalismo norte-americano como modelo

Dos debates havidos em momento histórico específico nos Estado Unidos da América

nasceu o modelo federativo por eles praticado, que, conforme brevemente se mostrou, se de-

senvolveu ao longo da história daquele país.

A adequação do modelo, portanto, é ideal para aquele Estado, o que não significa que

suas características podem ser implementadas em outros Estados com mesmo êxito. Note-se

que tanto o regime republicano, quanto a forma federal, foram respostas às necessidades e

anseios do povo norte-americanas no período pós-independência.

O modelo federativo poderá ser praticado em diferentes intensidades. Ainda que sua

característica básica seja a coexistência de duas ordens jurídicas, uma da União e outra dos

Estados, a regulamentação por cada Constituição que o preveja é que, de fato, estabelecerá

suas características específicas.

O modelo federativo, portanto, não é fixo, de modo que diferentes positivações pode-

rão determinar diferentes formas federais. Incorrem em erro aqueles que pretendem a aplica-

ção de um modelo fixo a diferentes países.

O êxito norte-americano na utilização desse modelo decorre de sua “fabricação sob

medida” para aquele país, naquele momento histórico. Embora a criação tenha sido engenho-

40

sa, diferentes contextos culturais e históricos podem fazer com que o modelo tão funcional

nos Estados Unidos da América se torne impraticável em outros Estados.

São nesse sentido as palavras de Dallari27. Incorre em erro o povo que reconhece no

federalismo um fim em si mesmo. O modelo norte-americano deve ser encarado como uma

maleável estrutura que deve ser posta em serviço das pretensões de uma nação.

Pontes de Miranda (1970, t. 1, p. 72) tem opinião no mesmo sentido, reconhecendo

que “[...] Em verdade, há contradição na transformação do Estado unitário em federativo, com

os mesmo princípios norte-americanos, contradição facilmente apontada, que histórica, quer

sociológica, quer juridicamente”.

O autor capta o primeiro elemento essencial ao modelo federativo, a forma de Estado

anteriormente vigente. O modelo norte-americano nasce do intenso debate entre Estados sobe-

ranos, que não pretendiam abandonar seus poderes em favor do fortalecimento da União Fe-

deral. A tensão, naquele caso, se deu para que esses Estados reconhecessem a importância da

renúncia de sua soberania em favor, apenas, de sua autonomia.

É decorrência lógica disso que os Estados, naquele caso, lutaram ao máximo para a

manutenção de seus poderes, renunciando o mínimo possível em favor da União.

Ora, o movimento é diametralmente oposto em Estados já constituídos, que migram da

forma unitária para a forma federal, como no caso brasileiro. Se no caso norte-americano o

movimento foi de centralização, no Brasil, por exemplo, a aplicação do modelo determina a

necessidade de descentralização.28

O contexto histórico da implantação do federalismo, portanto, é elemento importante

para sua interpretação e bom entendimento. Estados previamente unitários, apenas transfor-

mados em federais, possuem, ainda que seu texto constitucional não o diga, diferenças ele-

mentares para o modelo norte-americano, o que acontece no Brasil.

27 “Há uma diferença considerável entre os que acreditam no federalismo como caminho mais propício

para a consecução de certos fins, sem entretanto pretenderem a implantação artificial e irrealista de uma organi-zação federativa, e aqueles que concebem o federalismo como instrumento dócil, que pode ser posto a serviço de um fim determinado em qualquer circunstância. Entre estes últimos é que se encontram os promotores de experi-ências fracassadas de federalismo.” (DALLARI, 1986, p. 57)

28 São interessantes as palavras de Washington Peluso Albino de Souza (1958, p.111-112) sobre a trans-formação do Estado unitário em federal: “Nesta última hipótese temos, segundo os comentadores brasileiros, o caso de nosso país. Um grande número de outras nações também oferece condições semelhantes. Então, o senti-do do poder político central mantém intactas as suas raízes trazidas da fase histórica anterior. A criação dos go-vernos estaduais é que passa a enfrentar o “aprendizado” histórico e administrativo da descentralização. Este período costuma arrastar-se mais ou menos longamente com a tradição de subserviência que chega a se converter na aceitação quase tranquila das invasões ao terreno da soberania do Estado-membro. Entretanto, nos exemplos opostos, vindo dos Estados anteriormente no gozo da plenitude de seu poder, tais penetrações assumem caracte-rística de golpes ou arranhões impostos à soberania estadual e são repelidas mais energicamente”.

41

A ideal implantação do federalismo, portanto, depende de conhecimento da intensida-

de em que deve ocorrer a relação entre as autonomias do poder central e dos Estados-

membros, para que seja elevada à máxima potência os efeitos dessa forma de organização do

Estado.

Esse é o contexto que determina peculiaridades a cada modelo federativo29, de modo

que, ainda que o elemento básico do Estado federal seja o mesmo – a convivência de ordens

jurídicas –, a determinação específica do modelo dependerá da análise de cada Constituição.

Esse motivo torna difícil a eleição de características uniformes para os Estados fede-

rais, de modo que Roque Antonio Carrazza (2007, p. 125) demonstra a dificuldade doutrinária

em delimitar os elementos comuns ao pacto federativo:

Não entram em acordo os autores no apontar os traços característicos do Estado Fe-deral. Assim, v.g., Duguit nele vislumbra a existência de dois governos no mesmo território e a impossibilidade de alterarem as competências de cada um deles, sem a anuência de ambos. Já Hauriou sustenta que, no federalismo, há diversidade de leis e várias soberanias secundárias, sob uma soberania comum. Jellinek, sempre rigoroso, aponta como da essência do Estado Federal a autonomia, salvaguardada pela Consti-tuição, das unidades federadas. Le Fur, de sua parte, considera existente uma Fede-ração quando as unidades federativas entram na formação da vontade do Estado. Kelsen, com sua visão formalista do Direito, distingue o Estado Federal dos demais pela existência, nele, de três ordens jurídicas: duas parciais (a União e as unidades federadas) e uma global (a da Constituição, que as domina, delimitando-lhes a com-petência e encarregando um órgão de fazê-la cumprir).

Sem prejuízo da dificuldade, bem demonstrada por Carrazza, em se determinar uma

regra padrão para o modelo federal, analisaremos a seguir suas características mais comenta-

das, assim como aquelas que possam influenciar, ainda que indiretamente, na interpretação

das normas de competência tributária.

2.4 Das características da federação

Apesar do trecho das lições de Carrazza (2007, p. 125), acima transcrita, importa dei-

xar clara a heterogeneidade das definições de federação. É, pois, elemento comum em todas

29 Pontes de Miranda (1970, t. 1, p. 309), reconhecendo a grande diferença entre federações disse: “Por

isso, a Áustria se acreditava federativo, a Alemanha de 1919 se disse tal, e a União soviética tal se proclama. Para os juristas austríacos, que vinha de sistema unitário, a Constituição nova, após a Primeira Guerra Mundial, foi federalismo; isto é, movimento para nítida descentralização. A estrutura russa mostra que, para o ambiente russo, o unitarismo potencial não desfaz a concepção federativa: trata-se de federalismo com superestrutura. [...]”.

42

elas o reconhecimento da separação do Estado em duas ordens jurídicas diferentes, uma de

titularidade da União Federal e outra de titularidade dos Estados-membros.

Após colher posições de tão abalizada doutrina, o mesmo autor (CARRAZZA, 2007,

p. 127) estabelece sua definição de federação:

De qualquer modo, podemos dizer que Federação (de foedus, foedoris, aliança, pac-to) é uma associação, uma união institucional de Estados, que dá lugar a um novo Estado (o Estado Federal), diverso dos que dele participam (os Estados-membros). Nela, os Estados Federados, sem perderem suas personalidades jurídicas, despem-se de algumas tantas prerrogativas, em benefício da União. A mais relevante delas é a soberania.

A história da federação norte-americana deixa claro que essa forma de Estado teve o-

rigem para viabilizar a convivência entre Estados pré-existentes, estabelecendo que a União

deles teria personalidade jurídica, com competências e capacidades, para perseguir finalidades

de comum interesse dos entes federados.

A regulamentação jurídica de cada federação em concreto é que determinará os limites

e forma da convivência entre os entes que a compuserem, inclusive a União Federal.30 Nesse

sentido, a convivência entre as diferentes ordens que compõem uma federação depende de

alguns elementos básicos necessários para sua caracterização, a seguir analisados.

2.4.1 Previsão constitucional e indissolubilidade

Tendo-se reconhecido que a federação decorre da coexistência entre União e Estados,

é essencial que os elementos materiais para que essa relação se consolide sejam juridicamente

previstos em diplomas legais que não sejam de fácil alteração.

Toma contorno, com isso, a necessidade de a federação ser prevista em uma Constitui-

ção escrita e rígida, impondo regime jurídico estável à forma estabelecida. São nesse sentido

as palavras de Luiz Alberto David Araujo (1995, p. 42):

A divisão de competências entre as vontades do Estado Federal deve ter sede consti-tucional, tornando-se parte de sua essência. Não se pode pensar em uma divisão de

30 São, novamente, interessantes as palavras de Pontes de Miranda (1970, t. 1, p. 309): “A existência

daquilo a que chamamos de federalismo é dependente da intuição que nos dá a ‘soma’ dos poderes deixados aos membros do Estado, quer deixados por se terem enumerado os gerais, que por se terem enumerado os que se lhes deixam. Se a soma é suficientemente enérgica, a intuição surge. Ora, tal intuição depende de se sentir até que ponto é interesse geral efeito a própria divisão”.

43

competências que não estivesse estampada no texto constitucional, já que, como vis-to, nesse ponto reside talvez a tônica mais original do Estado Federal.

Não basta, portanto, que haja divisão de competências entre os entes federados para a

caracterização de uma federação, que somente existirá se essa divisão gozar de solidez. Pontes

de Miranda (1970, t. 1, p. 314) comenta que o federalismo pressupõe a descentralização, mas

nem todo Estado em que haja descentralização pode ser considerado como federal. Basta, para

isso, perceber que o poder de um Estado unitário poderá ser delegado, mas sob a precária

condição de, com a revogação da delegação, voltar a se concentrar. Diferente é o caso de uma

federação em que não deve haver opção de revogação da descentralização, o que é viabilizado

pela rigidez do sistema constitucional.31

Todos os regimes constitucionais brasileiros republicanos, como abaixo se mostrará,

alçaram o federalismo à condição de norma constitucional e sempre estabeleceram detalhadas

normas de repartições de rendas, como uma das formas de manutenção do pacto federativo.

Intimamente ligada à rigidez constitucional está a natureza indissolúvel da federação

(DALLARI, 1986, p. 16-17; ARAUJO, 1995, p. 46), classicamente materializada na proibição

de secessão.

Essa proibição carece de importância quando relacionada a Estados federais como o

Brasil, resultantes da transformação da forma unitária para a forma federal, pois há, nesses

casos, histórica determinação dos limites territoriais suprimindo o ímpeto regional separatista.

Não obstante, a federação não pode ser confundida com confederação, em que, a qualquer

momento, os membros podem dela se retirar.

Dallari (1986, p. 16-17) acusa a existência de federações que não prevejam cláusula de

proibição de secessão, mas reconhece que a federação, formando um Estado, deve ser concre-

tizada com intenções de perenidade, de modo a viabilizar a cooperação entre os entes, uma de

suas razões para existir.

Reconhecido o elemento formal inerente a uma federação, passemos à análise de al-

gumas características que determinam seu conteúdo.

2.4.2 Repartição de competências e autonomia

31 Sobre a comparação entre a delegação em Estados unitários e a descentralização em Estados federais,

Carrazza (2007, p. 136) comenta: “Resumamos. O essencial é que, num Estado Unitário Descentralizado, o le-gislador central pode mutilar (ou até anular) as competências locais, ao posso que, num Estado Federal, o Legis-lativo da União não está autorizado a usurpar as competências estaduais, que, repitamos, estão perfeitamente gizadas, no texto da Constituição”.

44

É a Constituição, em suas disposições, que fará nascer a federação, distribuindo o e-

xercício do poder entre diferentes pessoas de direito público. Essa distribuição será realizada

por meio da repartição de competências entre os entes federados, de modo que cada um deles

será titular de suas parcelas.

O poder não poderá ser de titularidade exclusiva do ente central, caso em que o Estado

seria unitário, mas deverá ser separado entre todos os membros da federação. Para apontar

elementos relacionados à repartição do exercício do poder entre os entes federados, Celso

Bastos (BASTOS; MARTINS, 1988, v. 1, p. 226), valendo-se das lições de Bernard Sch-

wartz, aponta como características da federação:

1.ª) A União de certas entidades políticas autônomas (os Estados) para finalidades comuns. 2.ª) A divisão dos poderes legislativos entre o Governo Federal e os Estados compo-nentes, divisão regida pelo princípio de que o primeiro é um “Governo de poderes enumerados”, enquanto os últimos são governos de “poderes residuais”. 3.ª) A operação direta, na maior parte, de cada um desses centros de governo, dentro de sua esfera específica, sobre todas as pessoas e propriedades compreendidas nos seus limites territoriais. 4.ª) A provisão de cada centro com o completo aparelhamento de execução da lei, quer por parte do Executivo, quer do Judiciário. 5.ª) A supremacia do Governo Federal, dentro de sua esfera específica, sobre qual-quer ponto discutível, do poder estadual.

Após termos reconhecido a impossibilidade de se definir com rigidez o conteúdo mí-

nimo e fixo de uma federação, os elementos apontados por BASTOS parecem ser gerais o

suficiente para que, a partir deles, iniciemos estudo concreto do federalismo.

Somente uma adequada repartição de competências, como forma mínima de organiza-

ção, fará perceber que diferentes entes, Estados-membros e União, poderão coexistir harmo-

nicamente, perseguindo fins comuns eleitos pelo povo. Com os limites determinados pelas

competências é que se poderá dizer que os entes federados serão autônomos.

A extensão dessa autonomia dependerá da regulamentação constitucional específica

do assunto (BASTOS; MARTINS, 1988, v. 1, p. 219), condição para existência de um Estado

federal, logo, não unitário.

É importante reconhecer que a autonomia não é sinônimo de soberania, que será sem-

pre de titularidade de todo o Estado e, em regra, exercida pela União Federal.

A soberania é atributo básico vinculado ao conceito de Estado independente (CAR-

RAZZA, 2007, p. 128). Cada Estado tem capacidade de autodeterminação a ser exercida de

forma independente e livre de influências, não reconhecendo autoridade ou ente algum que

45

seja competente ou capaz para condicionar o exercício desse poder. É ela que determina o

reconhecimento pela comunidade internacional de um Estado, de modo que as prerrogativas

dela decorrentes são oponíveis a todos os outros Estados para manutenção da independência

própria (BASTOS; MARTINS, 1988, v. 1, p. 219).

Para a formação de um Estado federal, então, ou há a união de Estados preexistentes,

que, abrindo mão de sua soberania, formam um novo Estado, este soberano, ou um Estado

preexistente se divide em entes autônomos. Para a comunidade internacional aqueles entes

federados deixam de existir enquanto Estados, para que somente o Estado federado seja reco-

nhecido.32

Qual o significado, então, da autonomia do ente federado?

A autonomia se refere à liberdade de autodeterminação do ente, dentro dos limites au-

torizados pelo Pacto Federativo, sendo-lhe possível o exercício dos Poderes Legislativo, Exe-

cutivo e Judiciário, conforme aponta Temer (2000, p. 62):

Sobre se autoconstituírem, os negócios locais são debatidos, positivados e solucio-nados por autoridades próprias. Daí porque, nas Federações, os Estados (ordens jurídicas parciais) possuem órgão Legislativo, Executivo e Judiciário próprios. 33

É a intensidade dessa autonomia que será o elemento essencial para a caracterização

de um Estado federal ou unitário. Quanto maior for a atribuição de poderes (Executivo, Legis-

lativo e Judiciário) ao Estado-membro, mais importante será a natureza federativa (BASTOS;

MARTINS, 1988, v. 1, p. 227) e, quanto maior for a concentração de poderes no ente central,

maior será a tendência ao unitarismo.

32 Sobre a soberania: “Soberania é a faculdade que, num dado ordenamento jurídico, aparece como su-

prema. Tem soberania quem possui o poder supremo, absoluto e incontrastável, que não reconhece, acima de si, nenhum outro poder. [...]” (CARRAZZA, 2007, p. 127); “A soberania não precisava ser mencionada, porque ela é fundamental do próprio conceito de Estado. [...] Significa poder político supremo e independente [...].” (SIL-VA, 2007, p. 104); “De fato, porém, apesar do progresso verificado, a soberania continua a ser concebida de duas maneiras distintas: como sinônimo de independência, e assim tem sido invocada pelos dirigentes dos esta-dos que desejam afirmar, sobretudo ao seu próprio povo, não serem mais submissos a qualquer potência estran-geira; ou como expressão de poder jurídico mais alto, significando que, dentro dos limites da jurisdição do Esta-do, este é que tem o poder de decisão em última instância, sobre a eficácia de qualquer norma jurídica.” (DAL-LARI, 1981, p. 74); “A autonomia, por outro lado, é a margem de discrição de que uma pessoa goza para decidir sobre os seus negócios, sendo essa margem sempre delimitada pelo próprio direito. Daí porque se falar que os Estados-Membros são autônomos, ou que os municípios são autônomos; ambos atuam dentro de um quadro ou moldura jurídica definida pela Constituição Federal. Autonomia, pois, não é uma amplitude incondicionada ou ilimitada de atuação na ordem jurídica, mas tão-somente, a disponibilidade sobre certas matérias, respeitados, sempre, os princípios fixados na Constituição.” (BASTOS in BASTOS; MARTINS, 1988, v. 1, p. 219-220)

33 No mesmo sentido, José Afonso da Silva (2007, p. 100): “A autonomia federativa assenta-se em dois elementos básicos: (a) na existência de órgãos governamentais próprios, isto é, que não dependam dos órgãos federais quanto à forma de seleção e investidura; (b) na posse de competências exclusivas, um mínimo, ao me-nos, que não seja ridiculamente reduzido”.

46

A maior ou menor autonomia dos entes será reflexo da forma em que foram divididas

as competências pela Constituição. Como se sabe, há diversas técnicas de repartição constitu-

cional de competências (HORTA, 1995, p. 363), de maneira que o seu exercício por cada um

dos entes federados submeterá os cidadãos, concomitantemente, a mais de uma ordem jurídica

(BASTOS; MARTINS, 1988, v. 1, p. 228).

Não será, portanto, o simples nome de federação atribuído a um Estado que lhe dife-

renciará de um Estado unitário, mas a forma como está distribuído o exercício do poder pela

Constituição. Estados podem se chamar de federados e não o serem, como podem não possuí-

rem esse nome e serem exemplos de federalismo.34

Se a autonomia significa a liberdade dos entes para decidirem sobre seus próprios ne-

gócios, de se autodeterminarem, a construção de uma federação deverá estar calçada no equi-

líbrio na distribuição de competências, de forma que um ente não se imponha aos outros, mas

que a todos esteja imposta a Constituição Federal.

Destacaremos, neste trabalho, a importância da forma como estão repartidas as rendas

em uma federação. A forma federativa deverá ser o elemento inicial para interpretação das

normas de competência tributária, que deverão privilegiar a igualdade entre os entes federa-

dos, não permitindo que qualquer deles tenha que se submeter a outro.

Para haver a federação, deverá, portanto, ser garantida a igualdade entre os entes fede-

rados, obedecidos os limites de competências determinados pela Constituição Federal.

2.4.3 Igualdade entre os entes federados e a repartição de rendas

Em aspectos formais, a igualdade entre os entes federados deve significar a liberdade

de exercício de sua capacidade de autodeterminação sem ingerências e subordinação a outros

entes, contexto no qual Carrazza (2007, p. 141) aponta a inexistência de hierarquia entre os

entes federados:

Laboram em erro os que vêem uma relação hierárquica entre o governo central e os governos locais. O que há, na verdade, são, para cada um destas entidades políticas,

34 São palavras de Machado Horta (1964, p. 49) sobre o reflexo da repartição de competências na natu-

reza federal do Estado: “A técnica da repartição é elemento específico e essencial ao sistema federal. E, sob o ângulo da autonomia, a distribuição constitucional da competência entre o governo central e os governos estadu-ais irá conduzir ao conteúdo da atividade autonômica”.

47

campos de ação autônomos e exclusivos, estritamente traçados na Carta Suprema, que lei alguma pode alterar.

No que tange à relação entre os entes federados não cabe, então, sustentar a possibili-

dade de um ente federado ser dominado por outro, supostamente superior ou mais forte.

Foi exatamente na busca da igualdade entre os entes federados que as ex-colônias in-

glesas discutiram a intensidade em que o exercício do poder seria entregue à União Federal.

Dentro dos limites que lhes seriam garantidos pela Constituição, os Estados não admitiriam

nenhuma atuação do governo central, permitindo-lhes o pleno exercício de sua autonomia.

Um importante fato surge aqui.

Ainda que a repartição constitucional de competências faça parecer que os Estados go-

zem de grande autonomia dentro de uma federação, somente uma adequada repartição de ren-

das, das quais as tributárias são as mais importantes, poderá viabilizar o exercício desimpedi-

do das prerrogativas outorgadas como cláusulas federativas.

O exercício do poder, seja ele pelos Estados ou pela União, depende da atribuição de

recursos financeiros, alçando a repartição de rendas a aspecto de destaque na previsão consti-

tucional de regras federativas.

É um dos reflexos da obrigação de adequada repartição de rendas (competências para

a tributação), que este trabalho adiante analisará, já que a sua incorreta realização resulta, in-

variavelmente, na necessidade de os entes menos poderosos buscarem financiamentos perante

o ente economicamente mais forte, incorrendo em grave afronta à liberdade de autodetermi-

nação garantida pelo federalismo.

Isso porque, ao ente mais poderoso será possível intervir indiretamente nos negócios

dos outros entes federados. Sendo o caso, ao ente economicamente privilegiado caberá esco-

lher, conforme critérios próprios (que podem não ser nobres), quais serão os tipos de investi-

mentos beneficiados, os entes federados beneficiados e a forma pela qual eles serão benefici-

ados, criando-se, em alguns casos, uma relação de mendicância e dominação política entre

membros da federação.

Não repartir adequadamente as rendas, especialmente tributárias, implica o enfraque-

cimento do pacto federativo, na medida em que entes federados serão obrigados a se submete-

rem àquele que for privilegiado financeiramente para a obtenção de divisas necessárias para a

realização das suas atribuições constitucionais.

Assim, a repartição da competência tributária entre os entes federados e, eventualmen-

te, do produto de sua arrecadação é ponto fundamental em uma federação. Nesse sentido, Re-

nato Lopes Becho (2011, p. 362) aponta:

48

Um dos pilares básicos do princípio federativo, sem o qual não teríamos uma verda-deira Federação, é o sistema tributário nacional. [...] Mas, além disso, ontologica-mente, o sistema tributário foi criado de forma a garantir receita tributária própria, privativa, para cada um dos entes da Federação.

A autonomia necessária para o estabelecimento de uma federação não é, portanto, de-

terminação retórica. Aos entes federados deverão ser entregues competências próprias, acom-

panhadas de atribuições financeiras proporcionais para seu custeio.35

Essas características atestam a igualdade entre os entes federados, como um dos ele-

mentos essenciais ao pacto federativo. A todos os membros da federação deverão ser entre-

gues condições materiais para sua autodeterminação, de maneira que não haja hierarquia entre

eles.

A supremacia tributária da União faria ruir o federalismo enquanto meio para a auto-

determinação dos Estados. Aos líderes regionais é que deverá ser entregue a competência para

escolher quais investimentos devem ser feitos em seu território, o que deverá ser constitucio-

nalmente viabilizado por meio de previsão de receitas. Não se pode admitir, nesse sentido,

que a União tenha a supremacia econômica no modelo federal, colocando-se em risco a repar-

tição do poder entre diferentes entes.

A repartição de competências, em sua natureza constitucional, e a autonomia dela de-

corrente são elementos essenciais para a formação de um Estado federal. Sem prejuízo da

importância deles, entendemos que há outros importantes elementos necessários para a manu-

tenção do pacto federativo.

2.4.4 Corte constitucional e intervenção federal

Como visto, em uma federação há a concorrência de ordens jurídicas incidentes sobre

a vida do povo, na forma em que as competências tiverem sido repartidas e autorizadas pela

35 Luiz Alberto David Araujo (1995, p. 42-43) reconhece a importância da boa relação entre a repartição

de competências e a repartição de rendas: “A doutrina tem-se preocupado com o fato de, na divisão de compe-tências entre as duas ordens federais, existir um desequilíbrio de rendas. Trata-se de um problema que está inti-mamente ligado ao da repartição constitucional de competências, qual seja, a questão da repartição constitucio-nal de rendas. Muitas vezes, a Carta Magna defere aos entes federados tarefas consubstanciadas nas mais varia-das competências. São encargos que devem ficar sob a responsabilidade dos Estados-membros. A entrega de tais tarefas deve vir acompanhada de renda suficiente para que os Estados-membros possam desempenhar os encar-gos recebidos. O mesmo ocorre com a União. Se tem encargos, deve ter renda própria”.

49

Constituição. Essa repartição, todavia, está sujeita a transgressões por entes federados quando

de seu exercício, o que poderia colocar em risco a rígida separação realizada.

Em matéria tributária, por exemplo, essas transgressões são constantes. É muito co-

mum que entes federados pretendam a tributação de fatos ocorridos em territórios de outros

entes, ou, então, pretendam se apoderar de competências mediante inadequada interpretação

de normas constitucionais.

Para casos como esses, será necessária a existência de uma Corte Judicial que tenha

competência para dirimir conflitos entre os entes federados. Paulo Bonavides (2008, p. 301)

reconhece que o controle de constitucionalidade por órgãos jurisdicionais, ao invés de por

órgãos políticos, melhor se coaduna com o espírito de Constituições rígidas, impassíveis de

alteração por lei ordinária.

Caberá a cada Constituição prever a forma de exercício desse controle, seja pela via

difusa, seja pela via concentrada, seja por ambas, como acontece no caso brasileiro. Importan-

te, no entanto, é que seja possível ao Poder Judiciário promover a guarda do texto constitucio-

nal.36

Além da Corte Constitucional, é necessário para a manutenção do pacto federativo a

previsão de um excepcional dispositivo de segurança: a intervenção federal.

É possível que, com o curso do tempo, um ou mais entes federados promovam ações

que destoem das finalidades perseguidas pela federação, de modo que em alguns casos tais

condutas podem chegar até a colocar em risco a segurança nacional. Para casos como esses,

em que se afronte claramente os alicerces da federação, deve ser possível à União intervir no

ente federado para que seja restabelecida a ordem, conforme ditames constitucionais.37

À União Federal deve ser entregue o dever de zelar pela manutenção da integridade do

pacto federativo, intervindo, em casos extremos, nos entes federados para que seja mantida a

ordem federal. É claro que a autorização para a intervenção não deve ser encarada como carta

branca para o poder central impor aos entes federais sua força e vontades, mas, somente, para

atuar quando magoados os alicerces da federação. Sobre a intervenção, são palavras do minis-

36 Conforme reconhece José Afonso da Silva (2007, p. 558), o Supremo Tribunal Federal não é a única

Corte com competência constitucional no Brasil, já que a todos os juízos singulares e tribunais é autorizada, pela via do controle difuso, o julgamento da constitucionalidade de atos normativos. Reconhecemos, no entanto, que a manutenção de uma estrutura federal (considerando seu aspecto formal, a coexistência de entes autônomos), envolvendo conflitos entre os entes federados, depende, com maior intensidade, da previsão de meios para o controle concentrado da constitucionalidade de atos normativos. Evidentemente, a proteção do cidadão não po-derá ser deixada em segundo plano e será exercida, principalmente, pela via do controle difuso da constituciona-lidade.

37 Nesse sentido, Luiz Alberto David Araujo (1995, p. 49).

50

tro Cézar Peluso em seu voto nos autos de uma representação interventiva (STF, IF 5.179,

Pleno, Rel. Min. Cézar Peluso, decisão por maioria, DJ-e 07-10-2010):

Como é escolar, a base jurídica do Estado Federal está numa Constituição que fixe as atribuições da União e das unidades federadas, mediante distribuição de compe-tências e de rendas38. Por representarem ordenações jurídicas parciais, os entes fede-rados são autônomos na exata medida da possibilidade do exercício de suas compe-tências constitucionalmente consagradas. Ocorre que, para a perseverança dessa repartição de competências e da consequente autonomia político-administrativa das unidades federadas, se faz mister a previsão constitucional de dispositivo de segurança, de índole jurídico-política, que seja idô-neo a garantir ou a restabelecer o equilíbrio do Estado Federal, em circunstâncias excepcionais que denotem grave ameaça à inteira do pacto federativo, suposto ou pressuposto, ou a “elementos considerados, pela Constituição, como essenciais à manutenção de certa ‘ordem’ e permanência das instituições” 39. É esta a clara ra-cionalidade normativa do instituto da intervenção.

As palavras do ministro deixam clara a importância do instituto da intervenção. Isso

não deve ser pretexto, no entanto, para que nos olvidemos do regime de exceção que a envol-

ve. O próprio Supremo Tribunal Federal após a promulgação da Constituição Federal de 1988

não deferiu nenhuma representação interventiva submetida à sua apreciação.40

Sendo essa a nossa brevíssima análise dos elementos históricos e gerais inerentes à fe-

deração, passemos agora à análise histórica da federação brasileira, já que, conforme deixa-

mos claro, cada modelo federativo deverá ser estudado de acordo com as suas notas positiva-

das e as suas peculiaridades históricas.

38 Nota: o texto original do voto faz referência a Dallari, 2005, p. 259. 39 Nota: o texto original do voto faz referência a Tavares, 2010, p. 1.169. 40 A absoluta maioria das representações apresentadas ao Supremo Tribunal Federal estava pauta em ir-

regularidades no regime de pagamento de precatórios. O entendimento comumente praticado nesses casos é de que, sendo a intervenção caso excepcional, a inexistência de conduta dolosa do ente federado afastaria a possibi-lidade do seu deferimento. Nesse sentido: STF, IF 3.977 AgR/SP, Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, decisão por maioria, DJ 30-04-2004; STF, IF 164/SP, Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão por maioria, DJ 14-11-2003.

51

3 O FEDERALISMO BRASILEIRO: HISTÓRIA DAS CONSTITUIÇ ÕES E

SISTEMA TRIBUTÁRIO

Depois de apresentar a análise geral do conteúdo do princípio federativo, é muito im-

portante entender como se deu a sua recepção pelo sistema constitucional brasileiro. A forma

como esse princípio foi positivado em nosso ordenamento jurídico é que deverá nos nortear

na análise das questões tributárias propostas por este trabalho. Paralelamente, também será

objeto da nossa atenção a evolução do sistema constitucional tributário e a sua relação com a

instituição de contribuições.

Julgamos importante, nesse sentido, a apresentação do conteúdo histórico do princípio

federativo brasileiro e seus reflexos nas normas de repartição de rendas entre entes da federa-

ção, para, com esses elementos, explicar o sistema atualmente vigente. Passemos ao estudo.

3.1 A federação brasileira

Conforme se deixou claro acima, apesar de o federalismo possuir elementos essenciais

que o caracterizam, somente a análise da regulamentação constitucional em cada Estado é que

viabilizará o pleno conhecimento dos pormenores daquela federação.

Os elementos acima apontados estarão, em regra, presentes em toda federação, mas

em graduações diferentes. A relação entre autonomias decorrente das atribuições de compe-

tência variam no tempo e espaço, fazendo, por exemplo, com que o exercício do poder seja

muito descentralizado em algumas, enquanto em outras o Estado federal mais parecerá unitá-

rio.

É esse o motivo que nos impõe o estudo do federalismo no Brasil. Temos que reco-

nhecer que nossa Constituição atual é fruto da evolução histórica de nossa nação, o que nos

obriga à análise de suas origens e desenvolvimento, para que possamos melhor entender as

disposições, especialmente sobre direito tributário, contidas na Carta de 1988.

Dentre os elementos inerentes à forma federativa, nos deteremos nas disposições cons-

titucionais relacionadas à repartição de competências, tema deste estudo.

52

Notaremos que em todas as nossas Constituições democráticas um dos pontos que

sempre causou debates intensos foi a repartição da competência para a tributação, sendo que,

a cada nova Constituição, buscava-se soluções para os problemas vividos no regime constitu-

cional anterior.

Será interessante perceber que muitos desses problemas, cuja gravidade já chamava a

atenção na vigência da Constituição de 1891, persistem até hoje, sem soluções que possam

combatê-los de forma contundente.

Em razão da Constituição Federal 1988 ser o resultado da experiência vivida com to-

das as Constituições anteriores, Alcides Jorge Costa41 destaca a importância do estudo históri-

co da evolução constitucional para o correto entendimento do modelo vigente, o que também

é feito por Geraldo Ataliba (1968, p. 40-41), nos seguintes termos:

Com efeito, nesta matéria tão estreitamente vinculada às realidades econômico-financeiras do país e, ao mesmo tempo, tão sensível às suas exigências políticas mais vivas e instantes, nenhum sistema há que possa surgir num passe de mágica, nem aplicar-se de pronto, com sucesso, à infra-estrutura, que é fruto de uma história cheia de vicissitudes e lutas desenvolvida lenta e arduamente em século e meio de paulatina e funda elaboração de fatos políticos, econômicos, sociais e, inclusive, fi-nanceiros. [...] Daí a necessidade de grande esforço para se reencontrar no que foi “feito” o máximo possível de “crescido”, de fruto de evolução, de resultado de maturação natural. Aí a utilidade da meditação sobre as raízes históricas dos principais institutos tribu-tários brasileiros.

Verificaremos como as contribuições nasceram em nosso sistema de Direito Positivo e

como elas foram enfrentadas pela Constituição Federal em suas diversas redações, o que será

feito dando-se destaque às posições firmadas pelo Supremo Tribunal Federal ao longo do

tempo.

Gostaríamos de saber, com isso, se o sistema federal, e sua adequada repartição de

rendas, está sendo obedecido com a instituição e cobranças de contribuições pela União Fede-

ral, ou se esse tributo é usado como escape da rígida repartição de competência tributária, que

é característica do Estado federal brasileiro.

É com essa finalidade que passamos à análise das Constituições brasileiras.

3.2 Constituição Federal de 1891

41 “Fui incumbido de tratar da história da tributação no Brasil. É um aspecto extremamente descurado

entre nós e, no entanto, é interessante examinar o passado, porque à luz do passado se entende muita coisa do presente. É claro que, de certa forma, os senhores vão ouvir uma enumeração de leis, regimentos etc., mas acre-dito que alguma coisa poderá ser de interesse.” (COSTA, 1995, P. 15)

53

Com a queda do imperador e a proclamação da República em 1889, foi inaugurada no

Brasil uma nova ordem jurídica, em que o país passou a ser uma república federativa. A ideia

de federação, naquele momento, já estava presente na mente de muitos pensadores brasileiros,

inclusive daqueles que se encarregaram de proclamar a República. Ocorre, no entanto, que

diferentes correntes surgiram na constituinte, lutando por diferentes formas de federalismo.

Opunham-se, nas discussões, aqueles que pretendiam um poder central mais forte à-

queles que pretendiam a descentralização absoluta, como a praticada pela Constituição norte-

americana. Grande parte dessas discussões estava relacionada à forma pela qual deveria ser

feita a repartição de competências para a tributação (MORAES, 1995, v. 1, p. 131), se deve-

riam ser centralizadas na União, a quem caberia sua aplicação e repartição, ou se deveriam ser

rigidamente divididas. Machado Horta (1995, p. 433) aponta que Rui Barbosa42 já considera-

va a necessidade da concentração de competências na União para posterior repartição:

Aludindo aos problemas financeiros do federalismo, quando predominava o gosto pelos seus problemas políticos e jurídicos, chamava a atenção para a nova tendência que se acentuava nos Estados Unidos: a distribuição dos impostos nas mãos do Go-verno Federal, a fim de incumbi-lo de os repartir entre os Estados.

Rui Barbosa, já naquela Assembleia Constituinte, sustentou que o modelo dualista de

federação não se mostrava uma boa solução sequer nos Estados Unidos da América. Susten-

tava o autor que os entes federados deveriam trabalhar em cooperação, para o que, no entanto,

seria necessário atribuir maior força à União Federal, a quem caberia cuidar de problemas

nacionais, promovendo a igualdade de desenvolvimento entre os Estados brasileiros. São pa-

lavras de Rui Barbosa (ANAIS..., 1890, livro 4, p. 212):

O hábito de lutar contra o regime monárquico nos inspiraram ideias e fórmulas que são hoje anacrônicas, que devemos, por uma educação especial, varrer do nosso es-pírito. Continuamos a falar de governo central, da União Federal, como desse mons-tro assustador contra o qual nos debatemos durante o império, como a entidade dis-tinta dos estados. Estas fórmulas são hoje atrasadas, anacrônicas se injustas. A União não é mais do que a substância de todos os estados, organismo que os compõe, e não é possível querer curar da sorte dos estados, enfraquecendo a União e diminuindo-lhe os meios de vida.

42 São suas palavras: “Pede permissão para falar com franqueza e sinceridade: há incontestavelmente

entre nós sintomas de uma moléstia, moléstia natural nas crises de transição em que as exagerações são sempre pronunciadas e inevitáveis. A ideia federalista assumiu a posse de todos os espíritos, mas o seu domínio exagera-se, perturbando muitas vazes a nossa lucidez na apreciação das questões que a ela se ligam. Há um apetite (per-mita-se-lhe a expressão) desordenado e doentio de federalismo, cujas consequências seriam a perversão e a ruína do princípio federativo”. (BARBOSA in ANAIS..., 1890, livro 4, p. 211)

54

A União é um organismo vivo, dotado de vida fisiológica; não se pode proceder à análise das suas partes como o anatomista nas partes de um cadáver. A União é um organismo, os estados são os órgãos; precisamos nutrir aquele por meio de combinações que devem a vida, o movimento circulatório a todas as suas partes, porque não é possível conceber atividade, energia vital suprimindo centros nervosos que presidem a todos os fenômenos, na nossa organização, das células ner-vosas espelhadas em todo o nosso corpo.

Das intensas discussões resultou uma Constituição que estabelecia a federação, forma-

da pela união indissolúvel da União e Estados. Não se adotou, portanto, o modelo que é atu-

almente conhecido, com os Municípios fazendo parte do pacto federativo.43 Apesar de sua

autonomia ter sido garantida, caberia à legislação estadual a regulamentação do assunto.

A repartição de competências foi feita rigidamente, no melhor exemplo do federalismo

dualista, representado pela Constituição norte-americana de 1786. Foram previstas algumas

competências para a União Federal44, nitidamente relacionadas à segurança, à unidade e à

organização nacional. Todas as outras competências, residuais, portanto, foram entregues aos

Estados.

As hipóteses de intervenção federal eram inicialmente45 restritas, de maneira que se

privilegiava (HORTA, 1964, p. 84-86) às últimas consequências o poder de auto-organização

dos Estados. Coube a cada um dos Estados-membros se auto-organizar da maneira que me-

lhor lhe aprouvesse, com grande liberdade, o que causaria problemas na federação brasileira.

A ampla liberdade de auto-organização fez com que alguns Estados chegassem a falar

em soberania própria, ao invés de autonomia, o que criou clima de rivalidade entre os entes

federados, colocando em risco a unidade da federação brasileira, período que ficaria conheci-

do como o federalismo armado (HORTA, 1964, p. 135). Efeito disso foi a elaboração da E-

menda Constitucional de 1926, com a finalidade de concentrar poderes da União Federal, in-

clusive melhor regulamentando as hipóteses de intervenção federal nos Estados.

A partir de então houve a intensa intervenção da União nos governos locais, o que, nas

palavras de Machado Horta (1964, p. 151), “convertera-se em peça do poder presidencial e

essa aliança entre intervencionismo e presidencialismo desferiu golpes mortais na autonomia

do Estado-membro”.

O problema do nosso primeiro modelo federal, no entanto, não era apenas político,

mas também econômico. Previa o art. 5º daquela Constituição:

43 Não é nossa preocupação entrar no mérito da possibilidade ou não de os Municípios serem considera-

dos membros da federação. Com a assertiva queremos comparar, apenas, a redação das Constituições de 1891 e de 1988, sendo que a primeira não elegia os Municípios como um dos membros da federação.

44 Vide art. 34 daquela Constituição. 45 A Emenda Constitucional, de 3 de setembro de 1926, única alteração naquela Constituição, aumentou

e melhor especificou as condições para intervenção.

55

Art 5º - Incumbe a cada Estado prover, a expensas próprias, as necessidades de seu Governo e administração; a União, porém, prestará socorros ao Estado que, em caso de calamidade pública, os solicitar.

A União auxiliaria financeiramente somente Estados que estivessem em condições de

calamidade pública, se houvesse solicitação. Note-se, a discricionariedade entregue à União,

que socorreria Estados quando entendesse necessário. Isso é um dos reflexos da forma em que

realizada a repartição da competência tributária entre União e Estados46, feita da seguinte

forma:

Art 7º - É da competência exclusiva da União decretar: 1º) impostos sobre a importação de procedência estrangeira; 2º) direitos de entrada, saída e estadia de navios, sendo livre o comércio de cabota-gem às mercadorias nacionais, bem como às estrangeiras que já tenham pago impos-tos de importação; 3º) taxas de selo, salvo a restrição do art. 9º, § 1º, nº I; 4º) taxas dos correios e telégrafos federais. § 1º - Também compete privativamente à União: 1º) a instituição de bancos emissores; 2º) a criação e manutenção de alfândegas. §2º - Os impostos decretados pela União devem ser uniformes para todos os Esta-dos. §3º - As leis da União, os atos e as sentenças de suas autoridades serão executadas em todo o País por funcionários federais, podendo, todavia, a execução das primei-ras ser confiada aos Governos dos Estados, mediante anuência destes. Art 9º - É da competência exclusiva dos Estados decretar impostos: 1º) sobre a exportação de mercadorias de sua própria produção; 2º) sobre Imóveis rurais e urbanos; 3º) sobre transmissão de propriedade; 4º) sobre indústrias e profissões. §1º - Também compete exclusivamente aos Estados decretar: 1º) taxas de selos quanto aos atos emanados de seus respectivos Governos e negó-cios de sua economia; 2º) contribuições concernentes aos seus telégrafos e correios. §2º - É isenta de impostos, no Estado por onde se exportar, a produção dos outros Estados. §3º - Só é lícito a um Estado tributar a importação de mercadorias estrangeiras, quando destinadas ao consumo no seu território, revertendo, porém, o produto do imposto para o Tesouro federal. §4º - Fica salvo aos Estados o direito de estabelecerem linhas telegráficas entre os diversos pontos de seus territórios, entre estes e os de outros Estados, que se não a-charem servidos por linhas federais, podendo a União desapropriá-las quando for de interesse geral.

As competências repartidas rigidamente (MORAES, 1995, v. 1, p. 129) supostamente

favoreciam os Estados, o que justificava o disposto pelo art. 5º. Devemos reconhecer, no en-

tanto, que no estágio de desenvolvimento em que o Brasil se encontrava – com pequena mo-

46 Os Municípios não receberam competência para a criação de tributos.

56

vimentação econômica interna –, os principais fatos tributários eram a importação de produtos

e a utilização de portos, ambos entregues à União Federal.

Havia, também, a competência para a criação de tributos não descritos (residuais), que

poderia ser exercida tanto por Estados, quanto pela União:

Art. 12 - Além das fontes de receita discriminadas nos arts. 7º e 9º, é licito à União como aos Estados, cumulativamente ou não, criar outras quaisquer, não contravindo, o disposto nos arts. 7º, 9º e 11, nº 1.

A competência residual, portanto, poderia ser exercida por todos os entes federados,

de maneira que, na coincidência de tributos, ambos seriam cobrados, constitucionalizando-se

a hipótese de bitributação (ATALIBA, 1968, p. 53).

Foram garantidas pela Constituição, ainda, a imunidade recíproca, os princípios da ir-

retroatividade e a proibição de tributação disforme no território nacional pela União Federal.

A forma como foi realizada a repartição da competência tributária, aliada à rígida con-

dição de calamidade pública para que fosse possível a ajuda financeira da União, muito embo-

ra privilegiasse o modelo norte-americano de federalismo, submeteu os Estados-membros a

uma profunda crise.

Esse é o reflexo de um problema que se manifesta em nosso país até os dias atuais.

Tendo sido atribuída competência para a tributação de fatos ocorridos dentro de seus territó-

rios, aqueles Estados menos desenvolvidos, mais pobres, caiam no seguinte dilema: ou a

competência tributária é exercida e o capital particular não será atraído para o Estado, já que

pagando os mesmos tributos em Estados ricos estar-se-ia em boas condições de desenvolvi-

mento e próximo a mercados de consumo; ou a competência não é exercida, atraindo-se o

capital privado, mas não havendo arrecadação, incidente sobre ele.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2003, p. 175) identifica o problema que envolve o

nível de desenvolvimento do ente federado e o exercício da competência tributária:

Não se levou, então, em conta – sublinhe-se –, na repartição dos fatos geradores, as peculiaridades, o estágio de desenvolvimento e a potencialidade das províncias tor-nadas Estados. Na verdade, à época nem se tinha consciência da importância disto. Ora, consequência, inesperada e indesejada, dessa inatenção foi o fato de que o qua-dro estabelecido propiciou a determinados Estados uma aceleração do desenvolvi-mento, na medida em que da repartição lhe advinham recursos suficientes para de-sempenhar suas competências e assim manter um nível adequado de serviços públi-cos, como educação e transporte. Enquanto outros sofreram a consequência perversa de, não auferindo da referida repartição os recursos necessários, haverem parado de crescer, ou mesmo regredido.

57

O mesmo autor (FERREIRA FILHO, 2003, p. 182) aprofunda as suas considerações

para demonstrar que a repartição da competência para a tributação baseada exclusivamente na

repartição de fatos coloca os entes federados em posição de desigualdade:

Ademais, no afã de separar ao máximo as esferas federativas, o federalismo dualista procura dividir os fatos econômicos suscetíveis de serem considerados como fonte de tributação – os “fatos geradores” no jargão dos tributaristas – para que cada uma possa manter-se, independentemente de qualquer socorro ou auxílio de outra, mor-mente da parte da União. Entretanto, tais fatos não vêm a ocorrer na mesma propor-ção da mesma forma por todo o território nacional, variam de peso de região para região. Portanto, uma vez tributados, podem render muito aqui, nada ali. O que vai evidentemente refletir-se no volume à disposição do ente federativo, para aplicação nas questões de atribuição.

A dificuldade arrecadatória decorrente da forma de partição de competências tributá-

rias e o distanciamento entre a União e os demais entes federados foram tão grandes que em

pouco tempo muitos Estados já estavam endividados com instituições financeiras estrangeiras

(HORTA, 1964, p. 145). Essa crise financeira dos Estados, no contexto em que estava inseri-

da, reforçou a tendência intervencionista da União Federal, o que de fato ocorreu, especial-

mente depois da Emenda Constitucional de 1926. Assim, ainda que aos Estados tenham sido

atribuídas largas competências pela Constituição Federal de 1891, foi a força da União que

prevaleceu em nosso federalismo.

Sobre as contribuições, nesse momento histórico ainda não se falava nelas. O sistema

tributário se desenvolvia com a criação de impostos na esfera de competências residuais. Sob

a égide dessa Constituição foram criados dois dos mais importantes impostos brasileiros, o

imposto sobre vendas mercantis (precursor do ICMS) em 1922 e o imposto sobre a renda em

1924 (COSTA, 1995, p. 38).

As disposições da Constituição Federal de 1891 deixam claro que o Brasil já viveu

tempo em que o federalismo foi levado às últimas consequências, como na Constituição nor-

te-americana. Aos Estados foi garantida a plenitude das competências materiais, mas, como a

experiência mostrou, estas foram inadequadamente correspondidas com competências finan-

ceiras.

O modelo de federalismo dualista, com a repartição rígida de competências, não vin-

gou em nosso país, cuja tradição de governo ainda estava visceralmente ligada à de Estado

unitário, tornando o federalismo praticado apenas retórico.

A disparidade do desenvolvimento econômico regional brasileiro impede que os Esta-

dos menos desenvolvidos tributem com a mesma intensidade que os Estados mais desenvol-

vidos, o que deveria ser compensado com a repartição da arrecadação pela União Federal.

58

Conforme será adiante demonstrado, essa disparidade foi percebida ao longo das Constitui-

ções brasileiras, resultando em moderno sistema de repartição de rendas praticado nos dias

atuais.

A atuação da União Federal com relação a essa repartição, conforme reconheceu Rui

Barbosa (citações acima), era de suma importância para o desenvolvimento econômico uni-

forme brasileiro, mas essa atuação se mostrou carente de boa regulamentação constitucional,

entregando-se enorme poder econômico à União sem que lhe fossem atribuídas os correspon-

dentes encargos. A maioria dos Estados não conseguiu se desenvolver economicamente por

suas próprias forças e não havia regimento constitucional para que a União os ajudasse nesta

tarefa.

O fracasso da experiência constitucional de 1891 inauguraria a tendência de centrali-

zação de competências na União Federal, o que se concretizou já em sua vigência com a E-

menda Constitucional de 1926. O movimento de centralização passaria a ser uma constante

nas Constituições posteriores, conforme a seguir se apresentará.

3.3 Constituições Federais de 1934 e 1937

Fruto da crise instalada política no Brasil e da disputa pela hegemonia no poder federal

pelas elites econômicas dos Estados de São Paulo e Minas Gerais, a política do café com lei-

te47, em 1930 eclodiu uma revolução que destituiria o presidente da República para a instala-

ção de um Governo Provisório (HORTA, 1964, p. 162), momento em que o Brasil voltaria a

ser um Estado unitário, com a total supressão da autonomia dos Estados-membros (HORTA,

1964, p. 160).

O Estado unitário duraria até que fosse promulgada a Constituição de 193448, texto

que veiculou importantíssimas mudanças em relação à Constituição anterior, animadas pelo

espírito renovador que envolveu a sua Assembleia Constituinte (HORTA, 1964, p. 175).

47 Conforme o texto da Constituição Federal de 1891, apesar de se autoproclamar democrático, as restri-

ções de votos eram inúmeras em nosso país, proibindo, por exemplo, os analfabetos, maioria da população na época, de exercerem o mais importante direito decorrente da cidadania, ou seja, o voto. Nesse contexto, o presi-dente da República indicava o seu sucessor, que era votado por uma pequena parcela da população. Resultado disso é que, estando com a máquina política em mãos, era fácil ao Presidente da República eleger seu sucessor, de modo que São Paulo e Minas Gerais, até a Revolução de 1930, trabalharam em conjunto para eleger represen-tantes de seus Estados, alternadamente, como presidentes da República.

48 Promulgada em 16 de julho de 1934.

59

O novo texto constitucional daria especial atenção a direitos sociais (BASTOS;

MARTINS, 1988, v. 1, p. 301) e, em matéria de repartição de competências federais, inaugu-

raria o federalismo cooperativo em nosso país (HORTA, 1964, p. 179). Deu-se, também,

maior importância à autonomia municipal, conferindo aos Municípios competência própria

para a criação de tributos (ATALIBA, 1968, p. 57).

Todas essas importantes alterações na conjuntura econômica, social e política, no en-

tanto, custaram aos Estados considerável perda de sua autonomia e redução de seu campo de

competências residuais, em comparação com o texto constitucional de 1891. Por um lado, a

atuação da União Federal tornou-se muito mais intensa e, por outro, algumas competências

específicas foram entregues aos Municípios.

A nova Constituição, de 1934, apesar de prever as zonas de competências próprias de

cada ente federado, valendo-se da técnica de cooperação entre eles, estabeleceu que a União e

Estados agiriam em conjunto:

Art 10 - Compete concorrentemente à União e aos Estados: I - velar na guarda da Constituição e das leis; II - cuidar da saúde e assistência públicas; III - proteger as belezas naturais e os monumentos de valor histórico ou artístico, podendo impedir a evasão de obras de arte; IV - promover a colonização; V - fiscalizar a aplicação das leis sociais; VI - difundir a instrução pública em todos os seus graus; VII - criar outros impostos, além dos que lhes são atribuídos privativamente. Parágrafo único - A arrecadação dos impostos a que se refere o número VII será fei-ta pelos Estados, que entregarão, dentro do primeiro trimestre do exercício seguinte, trinta por cento à União, e vinte por cento aos Municípios de onde tenham provindo. Se o Estado faltar ao pagamento das cotas devidas à União ou aos Municípios, o lançamento e a arrecadação passarão a ser feitos pelo Governo federal, que atribuirá, nesse caso, trinta por cento ao Estado e vinte por cento aos Municípios.

Além dessas atribuições, coube à União o dever de combater as grandes endemias na-

cionais49 e os efeitos da seca no Nordeste50.

Apesar da concentração de competências nas mãos da União, havia tendência de har-

monização da relação entre os entes federados, preocupação inexistente no regime constitu-

cional anterior.

A estruturação do sistema constitucional tributário da Constituição de 1934, nas pala-

vras de Geraldo Ataliba (1968, p. 60), merecia aplausos:

49 Art 140 - A União organizará o serviço nacional de combate às grandes endemias do País, cabendo-

lhe o custeio, a direção técnica e administrativa nas zonas onde a execução do mesmo exceder as possibilidades dos governos locais.

50 Art 177 - A defesa contra os efeitos das secas nos Estados do Norte obedecerá a um plano sistemáti-co e será permanente, ficando a cargo da União, que dependerá, com as obras e os serviços de assistência, quantia nunca inferior a quatro por cento da sua receita tributária sem aplicação especial.

60

Pelo que se vê, um sistema harmonioso, bem construído, abrangedor das realidades políticas e econômicas, cientificamente informado e extenso bastante para prever e disciplinar quase todos os possíveis problemas de natureza tributária que eventual-mente surgisse.

A competência para a tributação foi repartida51 entre os entes federados de modo a be-

neficiar a União Federal, detentora, também, da maioria das competências federativas. Em

contrapartida, aos Estados seria garantido o rentável imposto sobre vendas e consignações,

precursor do atual ICMS. Aos Municípios seria garantida renda própria. Havia possibilidade

de cobrança da contribuição de melhoria e de taxas por todos os entes.

Apesar da melhor delimitação de zonas privativas de competência de cada um dos en-

tes federais, destaca-se no texto constitucional a solução do problema da bitributação (MO-

51 Art 6º - Compete, também, privativamente à União: I - decretar impostos: a) sobre a importação de

mercadorias de procedência estrangeira; b) de consumo de quaisquer mercadorias, exceto os combustíveis de motor de explosão; c) de renda e proventos de qualquer natureza, excetuada a renda cedular de imóveis; d) de transferência de fundos para o exterior; e) sobre atos emanados do seu Governo, negócios da sua economia e instrumentos de contratos ou atos regulados por lei federal; f) nos Territórios, ainda, os que a Constituição atribui aos Estados; II - cobrar taxas telegráficas, postais e de outros serviços federais; de entrada, saída e estadia de navios e aeronaves, sendo livre o comércio de cabotagem às mercadorias nacionais, e às estrangei-ras que já tenham pago imposto de importação.

Art 7º - Compete privativamente aos Estados: [...] II - prover, a expensas próprias, às necessidades da sua administração, devendo, porém, a União prestar socorros ao Estado que, em caso de calamidade pública, os solicitar; [...]

Art 8º - Também compete privativamente aos Estados: I - decretar impostos sobre: a) propriedade ter-ritorial, exceto a urbana; b) transmissão de propriedade causa mortis; c) transmissão de propriedade imobiliá-ria inter vivos, inclusive a sua incorporação ao capital da sociedade; d) consumo de combustíveis de motor de explosão;e) vendas e consignações efetuadas por comerciantes e produtores, inclusive os industriais, ficando isenta a primeira operação do pequeno produtor, como tal definido na lei estadual; f) exportação das mercado-rias de sua produção até o máximo de dez por cento ad valorem , vedados quaisquer adicionais; g) indústrias e profissões; h) atos emanados do seu governo e negócios da sua economia ou regulados por lei estadual; II - cobrar taxas de serviços estaduais. § 1º - O imposto de vendas será uniforme, sem distinção de procedência, destino ou espécie dos produtos. § 2º - O imposto de indústrias e profissões será lançado pelo Estado e arreca-dado por este e pelo Município em partes iguais. § 3º - Em casos excepcionais, o Senado Federal poderá autori-zar, por tempo determinado, o aumento do imposto de exportação, além do limite fixado na letra f do número I. § 4º - O imposto sobre transmissão de bens corpóreos, cabe ao Estado em cujo território se acham situados; e o de transmissão causa mortis, de bens incorpóreos, inclusive de títulos e créditos, ao Estado onde se tiver aberto a sucessão. Quando esta se haja aberto no exterior, será devido o imposto ao Estado em cujo território os valo-res da herança forem liquidados, ou transferidos aos herdeiros.

Art 13 - Os Municípios serão organizados de forma que lhes fique assegurada a autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse; e especialmente: [...] § 2º - Além daqueles de que participam, ex vi dos arts. 8º, § 2º, e 10, parágrafo único, e dos que lhes forem transferidos pelo Estado, pertencem aos Municí-pios: I - o imposto de licenças; II - os impostos predial e territorial urbanos, cobrado o primeiro sob a forma de décima ou de cédula de renda; III - o imposto sobre diversões públicas; IV - o imposto cedular sobre a renda de imóveis rurais; V - as taxas sobre serviços municipais. [...]

Art 124 - Provada a valorização do imóvel por motivo de obras públicas, a administração, que as tiver efetuado, poderá cobrar dos beneficiados contribuição de melhoria.

Art 11 - É vedada a bitributação, prevalecendo o imposto decretado pela União quando a competência for concorrente. Sem prejuízo do recurso judicial que couber, incumbe ao Senado Federal, ex officio ou medi-ante provocação de qualquer contribuinte, declarar a existência da bitributação e determinar a qual dos dois tributos cabe a prevalência.

61

RAES, 1995, v.1, p. 137) e a previsão de normas relacionadas à repartição de produtos da

arrecadação.

Nos termos do art. 10, VII, caberia à União e Estados a criação de impostos residuais,

sendo que o parágrafo único do mesmo dispositivo previa a repartição do produto de sua arre-

cadação. Aos Municípios também era garantida a parcela de alguns outros tributos arrecada-

dos (art. 13, § 2º).

As normas de partilha do produto da arrecadação romperam a barreira da tradicional

repartição dualista de competências tributárias. Ainda que realizada de forma branda pela

Constituição de 1934, ela constituiu importante inovação do sistema brasileiro.

Ainda considerando as inovações promovidas pela Carta de 1934, em seu art. 121, pe-

la primeira vez, se reconheceu a existência de contribuições para custeio do sistema de previ-

dência social. Nesse sentido, prescrevia o art. 121 desse texto constitucional:

Art 121 - A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do tra-balho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País. [...] h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta des-canso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte; [...]

Voltaremos ao estudo das contribuições na Constituição de 1934. Antes, no entanto,

temos que reconhecer que essa Carta tem pouca importância pragmática em nossa história,

tendo em vista seu pouco tempo de vigência, já que em 10 de novembro de 1937 seria outor-

gada nova Constituição pelo então presidente da República, Getúlio Vargas.

Nessa nova Constituição foi criado o mecanismo do decreto-lei, veículo normativo por

meio do qual era possível ao presidente da República legislar em algumas hipóteses restri-

tas.52

O uso do decreto-lei, de exceção, no entanto, se transformou em regra pela determina-

ção contida no art. 180 da Constituição Federal de 1937. Leia-se:

52 Havia necessidade de autorização pelo Parlamento para matérias que não estivessem relacionadas à

organização da administração federal e o comando das forças armadas (art. 14). Previa-se, ainda, que no reces-so do Parlamento, se houvesse necessidade, o presidente poderia, mediante decreto-lei, legislar sobre matérias que não estivessem relacionadas com (art. 13): a) modificações à Constituição; b) legislação eleitoral; c) orça-mento; d) impostos; e) instituição de monopólios; f) moeda; g) empréstimos públicos; h) alienação e oneração de bens imóveis da União.

62

Art 180 - Enquanto não se reunir o Parlamento nacional, o Presidente da República terá o poder de expedir decretos-leis sobre todas as matérias da competência legisla-tiva da União.

O presidente da República não permitiria, durante seu governo, que o Parlamento na-

cional se reunisse, o que lhe entregou poderes ditatoriais, na medida em que pôde legislar li-

vremente sobre quaisquer matérias por via do decreto-lei. Viveu-se tempo de unitarismo prá-

tico, em detrimento do modelo federal constitucionalmente previsto, período que Machado

Horta (1964, p. 201-203) chama de eclipse do federalismo. Note-se que essa foi a única Cons-

tituição pós-1981 que não inseriu em seu art. 1º que o Brasil era uma federação.

A Constituição de 1937 também manteve a técnica de concorrência no exercício da

competência tributária residual, suprimindo, no entanto, a regra de repartição do produto da

arrecadação (art. 24). Havendo caso de bitributação, prevaleceria o imposto instituído pela

União Federal.

A distribuição de competências privativas nessa Constituição praticamente se manteve

inalterada em relação à Constituição anterior (ATALIBA, 1968, p. 62), realizados apenas pe-

quenos aperfeiçoamentos.

Por fim, como último item digno de nota, aponta-se que a Constituição Federal de

1937 sequer teria gozado de plena eficácia (BASTOS; MATINS, 1988, v. 1, p. 308), pois ele

dependia, nos termos do seu art. 187, da aprovação pela população mediante plebiscito, o que

nunca ocorreu.

Passemos à análise da tributação pelas contribuições sob a égide dessas Constituições.

3.3.1 A intensa criação de contribuições

Foi neste período, durante a vigência das Constituições de 1934 e 1937, sob governo

de Getúlio Vargas, que nosso país viveu seu primeiro surto de criação de contribuições, com

finalidade de levar a cabo medidas sociais para trabalhadores implantadas pelo governo fede-

ral. Muitas dessas contribuições vigem até hoje.

Nesse sentido, por exemplo, o Decreto-Lei nº 5.452/43, a Consolidação das Leis do

Trabalho, prevê em seu art. 578:

Art. 578 - As contribuições devidas aos Sindicatos pelos que participem das catego-rias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas pelas refe-

63

ridas entidades serão, sob a denominação do "imposto sindical", pagas, recolhidas e aplicadas na forma estabelecida neste Capítulo.

Este dispositivo, como se pode notar, usa o termo contribuição em linguagem natural e

não técnica, não representando, portanto, um termo técnico capaz de conotar elementos espe-

cíficos de um tipo tributário, o que era comum a todos os dispositivos legais que tratavam das

contribuições.53 Além das contribuições sindicais, foram criadas as contribuições para o Ser-

viço Nacional de Aprendizagem dos Industriários (“SENAI”), Decreto-Lei nº 4.048/4254, para

as Caixas de Aposentadoria e Pensões55, para a Legião Brasileira de Assistência56, entre inú-

meras outras.

Sempre destinadas a pessoas jurídicas paraestatais, a elas caberia a arrecadação e ad-

ministração dessas receitas, fazendo-se surgir o conceito de contribuições parafiscais em nos-

so sistema financeiro, para denotar aqueles pagamentos compulsórios em virtude de lei, que

não eram arrecadados pela própria União Federal.

Cumpre reconhecer, então, que durante a vigência das Constituições de 1934 e 1937

tomou forma o elemento que seria uma característica do sistema de arrecadação brasileiro, o

intenso uso das contribuições, na época, ainda com exclusiva natureza parafiscal.

Chamava-se de contribuição aquelas obrigações compulsórias cujo titular do produto

da arrecadação não fosse o ente federado, mas pessoa paraestatal, atuante em fins públicos.

Parece-nos ser elemento essencial, nesse contexto, a transferência do produto da arrecadação

para pessoa jurídica diferente daquela que o instituíra57, o que não significa, necessariamente,

a persecução de uma finalidade específica.

53 O termo contribuição era usado em seu aspecto vulgar, não técnico, querendo dizer, apenas, que de-

terminadas pessoas deveriam contribuir para a manutenção de alguns entes paraestatais. 54 Art. 4º Serão os estabelecimentos industriais das modalidades de indústrias enquadradas na Confe-

deração Nacional da Indústria obrigados ao pagamento de uma contribuição mensal para montagem e custeio das escolas de aprendizagem.

55 Decreto-Lei nº 65/37: Art. 1º As contribuições descontadas pelos empregadores, dos salários dos seus empregados, a fim de fazer face às obrigações impostas pelas disposições legais vigentes sobre Institutos e Caixa de Aposentadoria e Pensões e, bem assim, às suas próprias contribuições, devidas na conformidade dessa legislação, serão recolhidas até o último dia do mês subsequente àquele a que corresponderem os salários, ao instituto ou Caixa de Aposentadoria e Pensões, diretamente, ou por intermédio dos seus agentes arrecadadores.

56 Decreto-Lei nº 4.830/42: Art. 2º O Governo assegurará à L.B.A.., por intermédio do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, uma contribuição especial, constituida: a) de uma cota mensal correspondente à percentagem de 0,5% (meio por cento) sobre o salário de contribuição dos segurados de Institutos e Caixas de Aposentadoria e Pensões, e descontada juntamente com a contribuição devida a tais instituições; b) de uma cota mensal a ser paga pelos empregadores, de importância igual àquela prevista na alínea anterior, e recolhida juntamente com a dos respectivos empregados; c) de uma cota paga pela União, de valor igual ao da arrecada-ção a que se refere a alínea a.

57 Cumpre reconhecer, nesse sentido, que as Caixas e Institutos de pensões não eram unificados, de mo-do que caberia a cada um deles se auto-regulamentar (ALVES, 2013, p. 34).

64

Por fim, ressaltamos a coincidência entre o período de Estado unitário e a intensa cria-

ção de contribuições. Durante o período da Constituição de 1937 as competências da União

Federal foram infladas e sua atuação se sobrepôs, incontestavelmente, à atuação dos Estados.

Elemento importante para isso, notadamente, foi o uso das contribuições como fontes finan-

ceiras que escapavam do regime constitucional para a tributação e atribuía receitas para entes

com atuação paralela à União. Já naquele momento ficava clara a predisposição da União para

utilização de contribuições ao invés de impostos residuais.

Promovidas nossas considerações, passemos ao regime constitucional seguinte.

3.4 A Constituição Federal de 1946

Em 18 de setembro de 1946 foi promulgada a nova Constituição brasileira, após o pe-

ríodo de ditadura de Getúlio Vargas. Com o final da Segunda Guerra Mundial teve fim a ten-

são bélica mundial, um dos elementos que sustentara o regime ditatorial instalado em 1937.

O campo de discussões da Assembleia Constituinte de 1946 foi muito fértil para o de-

senvolvimento de ideias vinculadas à forma federal do Estado brasileiro. O período de unita-

rismo não causou a morte do ideal federal do povo brasileiro. Machado Horta (1964, p. 217)

comenta que “o eclipse da autonomia não conduziu ao embotamento do princípio”, de manei-

ra que um dos resultados da Constituinte seria o restabelecimento do federalismo como um de

seus princípios fundamentais.

Antes de iniciarmos o estudo dessa Constituição, é importante voltarmos às primeiras

considerações sobre a aplicação do modelo federal em diferentes países para refletir sobre sua

função no Brasil. Conforme apontado, o Brasil é um país de tendência unitarista, já que o seu

ordenamento jurídico é resultado da descentralização do poder de titularidade de um impera-

dor. O caminho do princípio federativo até a Constituição de 1946 é prova disso, já que a par-

tir de 1891, nitidamente, sua evolução se deu com a concentração de competências nas mãos

da União Federal, processo coroado com a instituição de uma ditadura.

O primeiro movimento de concentração de competências na União (que resultou na di-

tadura Vargas) deixou claro que a maioria dos nossos Estados eram incapazes de exercer sua

autonomia do modelo dual de federalismo, o que foi agravado pela profunda desigualdade

regional vivida em nosso país.

65

Percebemos, por outro lado, que a atuação da União não poderia ser desenfreada, sem

limites rígidos que lhe impusessem caminhos a serem seguidos em benefício do desenvolvi-

mento nacional. Caso contrário seria institucionalizado o poder unitário, com a possibilidade

de atuação do poder central da maneira que lhe fosse conveniente, promovendo tratamento

desigual entre entes federados. Nesse sentido, relembremos que o federalismo é instrumento

eficiente para a manutenção da democracia e repartição do poder entre diferentes entes.

Essas peculiaridades fizeram com que o Constituinte retomasse o texto constitucional

de 1934, nele se baseando para divisão das competências federativas (HORTA, 1964, p. 210),

potencializando a cooperação entre os entes federados. Conforme reconhece Machado Horta

(1964, p. 217), o federalismo brasileiro tem por essência a necessidade de cooperação entre

seus membros, instrumento para o desenvolvimento uniforme em todas regiões.

Como as normas de competência da Constituição de 1946 praticamente reproduziram

a Constituição de 193458, a grande inovação daquela foi com relação à cooperação entre os

entes federados em matéria tributária.

A União, novamente, prevaleceu sobre os Estados e Municípios no que se refere à re-

partição da competência tributária. Apesar disso, previu-se mais intensamente a determinação

de repartição do produto da sua arrecadação entre os demais entes federados, o que também

foi determinado com relação aos impostos residuais, em que somente 20% da arrecadação

pertenceria à União Federal.59

58 Na Constituição Federal de 1946 o rol de competências na União foi praticamente mantido, assim

como as competências concorrentes e as competências Municipais. Manteve-se com os Estados a competência residual (art. 18).

59 São dispositivos na redação original da Constituição de 1946: Art 15 - Compete à União decretar im-postos sobre: I - importação de mercadorias de procedência estrangeira; II - consumo de mercadorias;III - produção, comércio, distribuição e consumo, e bem assim importação e exportação de lubrificantes e de com-bustíveis líquidos ou gasosos de qualquer origem ou natureza, estendendo-se esse regime, no que for aplicável, aos minerais do País e à energia elétrica;IV - renda e proventos de qualquer natureza;V - transferência de fun-dos para o exterior;VI - negócios de sua economia, atos e instrumentos regulados por lei federal.[...]§ 2º - A tributação de que trata o nº III terá a forma de imposto único, que incidirá sobre cada espécie de produto. Da renda resultante, sessenta por cento no mínimo serão entregues aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municí-pios, proporcionalmente à sua superfície, população, consumo e produção, nos termos e para os fins estabeleci-dos em lei federal.[...]§ 4º - A União entregará aos Municípios, excluídos os das Capitais, dez por cento do total que arrecadar do imposto de que trata o nº IV, feita a distribuição em partes iguais e aplicando-se, pelo menos, metade da importância em benefícios de ordem rural. [...]§ 6º - Na iminência, ou no caso de guerra externa, é facultado à União decretar impostos extraordinários, que não serão partilhados na forma do art. 21 e que deve-rão suprimir-se gradualmente, dentro em cinco anos, contados da data da assinatura da paz.

Art 19 - Compete aos Estados decretar impostos sobre: I - propriedade territorial, exceto a urbana;II - transmissão de propriedade causa mortis ; III - transmissão de propriedade imobiliária inter vivos e sua incor-poração ao capital de sociedades; IV - vendas e consignações efetuadas por comerciantes e produtores, inclusi-ve industriais, isenta, porém, a primeira operação do pequeno produtor, conforme o definir a lei estadual;V - exportação de mercadorias de sua produção para o estrangeiro, até o máximo de cinco por cento ad valorem , vedados quaisquer adicionais;VI - os atos regulados por lei estadual, os do serviço de sua Justiça e os negócios de sua economia. [...]

66

As Emendas nº 5/61 e 10/64 na Constituição de 1946 distribuiriam alguns novos fatos

nos róis de competências privativas e aumentariam as parcelas de participações em produtos

de arrecadação.

A nova ordem constitucional, então, se valeu de normas de direito financeiro – as re-

partições de receitas – para ajustar o sistema tributário nacional, fracassado em seu modelo

dualista, obrigando a União e Estados a repartirem entre si os resultados de arrecadação.

A técnica adotada pela Constituição de 1946, distribuindo competências privativas e

produtos de arrecadação, potencializou o modelo federativo, enquanto ferramenta para o de-

senvolvimento nacional uniforme. Isso porque, por meio das competências privativas, se ga-

rantiu a manutenção da força de cada ente, independentemente da realização dos repasses

constitucionalmente devidos, viabilizando sua autonomia de fato. Por outro lado, a repartição

do produto da arrecadação permitiria que entes tradicionalmente mais pobres obtivessem re-

ceitas. No que tange à partilha do produto da arrecadação de tributos entre os entes federados,

são palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2003, p. 182):

Por isso, o federalismo cooperativo prefere ao sistema de tributos exclusivos - caro ao dualista – o de tributos partilhados. Neste para redistribuir de modo equitativo o produto da arrecadação tributária, estabelece-se um sistema de quotas de participa-ção, em benefício dos mais pobres. Na Constituição atual, embora haja uma distribuição de fatos geradores a ensejar tri-butos exclusivos, estes, na verdade, são tributos exclusivos na sua disciplina jurídica e cobrança, mas o produto dos federais é, de modo geral, repartido com Estados e Municípios, e o os estaduais, com estes últimos.

Ainda que se questione os critérios adotados para a repartição de rendas, inegavelmen-

te, a Constituição Federal de 1946 deu importante passo na concretização do princípio federa-

tivo. Quiçá, um dos mais importantes de nossa história federalista.60

Art 29 - Além da renda que lhes é atribuída por força dos §§ 2.º e 4º do art. 15, e dos impostos que, no

todo ou em parte, lhes forem transferidos pelo Estado, pertencem aos Municípios os impostos: I - predial e terri-torial, urbano; II - de licença; III - de indústrias e profissões; IV - sobre diversões públicas; V - sobre atos de sua economia ou assuntos de sua competência.

Art 21 - A União e os Estados poderão decretar outros tributos além dos que lhe são atribuídos por es-ta Constituição, mas o imposto federal excluirá o estadual idêntico. Os Estados farão a arrecadação de tais impostos e, à medida que ela se efetuar, entregarão vinte por cento do produto à União e quarenta por cento aos Municípios onde se tiver realizado a cobrança.

Art 30 - Compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar: I - contribuição de melhoria, quando se verificar valorização do imóvel, em consequência de obras públicas; II - taxas; III - quaisquer outras rendas que possam provir do exercício de suas atribuições e da utilização de seus bens e servi-ços. Parágrafo único - A contribuição de melhoria não poderá ser exigida em limites superiores à despesa reali-zada, nem ao acréscimo de valor que da obra decorrer para o imóvel beneficiado.

60 Registramos que a repartição do produto da arrecadação não foi novidade na Constituição de 1946, já que nos textos anteriores tributos criados em exercício da competência residual estavam sujeitos à repartição. O grande mérito do texto de 1946 está na intensidade em que as repartições foram promovidas (MORAES, 1995, v. 1, p. 143).

67

Além da distribuição direta da arrecadação tributária, a Constituição de 1946 reforçou

a atuação da União como ente incumbido de reduzir as desigualdades regionais brasileiras,

estabelecendo como seus deveres o combate à seca no Nordeste, com aplicação de pelos me-

nos 3% de sua receita tributária (art. 198), a valorização da Amazônia, com mais 3% de sua

receita tributária (art. 199) e desenvolvimento da bacia do rio São Francisco, com emprego de

pelo menos 1% de sua arrecadação tributária (art. 29, ADCT).

Ainda que não se tenha inserido uma norma expressa naquele texto constitucional de

1946 sobre o combate das desigualdades regionais, os seus dispositivos permitem reconhecê-

la como um princípio implícito daquela Constituição. Dessa forma, dentro de limites constitu-

cionalmente estabelecidos, a União teve a sua importância para a federação majorada. O seu

maior número de competências e a sua prevalência tributária não foram previstas em seu pró-

prio benefício, mas como instrumento de auxílio àqueles entes federados que não tinham con-

dições de se desenvolverem sozinhos.

Ao entregar amplas competências, inclusive tributárias, para a União, entregou-lhe

também deveres específicos em benefício de regiões economicamente desfavorecidas do nos-

so país.

Para o cumprimento do princípio federativo, Raul Machado Horta reconhece a impor-

tância de o próprio texto constitucional veicular obrigações específicas à União como contra-

ponto à sua supercompetência, não deixando margens para decisões que podem ser tomadas

com base em critérios escusos. São suas palavras (1964, p. 308):

A cooperação financeira se compromete quando as discriminações caprichosas do arbítrio reclamam atos de vassalagem, certamente incompatíveis com o harmonioso convívio federativo. [...] A cooperação financeira, na base de decisões unilaterais do Governo Federal, pode eletrocutar a autonomia. Por isso impõe-se fortalecê-la com o desenvolvimento do sistema de relações intergovernamentais capaz de elaborar decisões fundadas na par-ticipação e no assentimento recíproco das partes diretamente interessadas na convi-vência federativa.

Em nosso ponto de vista, a prevalência da técnica cooperativa impõe a necessidade de

mudança na postura interpretativa do princípio federativo, que nasceu apenas para viabilizar a

coexistência isolada dos entes federados. A cada um destes caberiam sua autodeterminação e

administração, entregando-se à União somente aquelas competências necessárias para a ma-

nutenção da unidade nacional.

68

Esse modelo federativo, então, deveria privilegiar a autonomia como sinônimo de in-

dependência de cada ente, o que, como apontado, levou alguns Estados brasileiros, durante a

vigência da Carta de 1891, a buscar empréstimos em instituições financeiras estrangeiras.

Diferente é o caso do federalismo inaugurado, mas não praticado, pela Constituição de

193461 e potencializado pela Constituição de 1946, em que a atuação arrecadatória dos entes

estão imbricadas, em exercício de técnica cooperativa. A conduta adotada por um ente tem

imediato reflexo nos demais, majorando ou reduzindo suas receitas. O exercício da competên-

cia tributária pelos entes federados não lhes será plena, mas repartida entre os demais, dando

azo ao combate das desigualdades regionais.

Portanto, a interpretação desse modelo federal, de acordo com a Constituição de 1946,

deve ser outra. Os entes federados passaram a ser interdependentes, unidos e integrados, de

maneira que as suas condutas em matéria tributária teriam importantes reflexos entre si. O

cerne do federalismo, assim, se desloca da autonomia como condição de coexistência para a

autonomia como instrumento para o desenvolvimento econômico conjunto.

3.4.1 A Emenda Constitucional nº 18, de 1ª de dezembro de 1965, e o Código Tributário

Nacional

O sistema constitucional tributário prescrito pela Constituição Federal de 1946 era ob-

jeto de críticas (MORAES, 1995, v. 1, p. 150) por repartir competências por meio de fatos

jurídicos, que não representavam, necessariamente, fatos econômicos. Isso tornava a interpre-

tação da repartição de competências trabalhosa, sendo que muitos dos fatos sequer represen-

tavam fontes substanciais de arrecadação.

Analisando as normas de competência daquela Constituição, Rubens Gomes de Sousa

(1963, p. 14) reconhece que o imposto sobre consumo (federal), vendas e consignações (esta-

dual) e indústria e profissões (municipal) incidiam sobre o mesmo fato econômico, um exem-

plo para a necessidade de reforma do sistema tributário então vigente. Sobre a reforma, em

seu ponto de vista, a competência para tributar deveria ser dividida por meio de fatos econô-

micos (1963, p. 17): “de resto, tratando-se de uma medida de conteúdo financeiro, também

financeiro deveria ser o critério básico, ao qual o elemento jurídico serviria de mecanismo”.

61 Tendo em vista seu pequeno período de vigência, até a Constituição de 1937.

69

O aumento do interesse pela matéria tributária e os defeitos da Constituição de 1946

fizeram com que nascesse a ideia de elaboração de uma codificação que veiculasse regras que

melhor explicitassem o sistema constitucional tributário. Sabendo disso, em 1953 o ministro

da Fazenda, Osvaldo Aranha, solicitou a Rubens Gomes de Sousa a elaboração de um ante-

projeto de Código Tributário Nacional, que seria produzido em poucos dias (BALEEIRO,

1995, p. 13). Em trâmite no Congresso Nacional, depois de muitas propostas de emenda, o

projeto não foi convertido em lei.

Ainda com interesse na modernização do sistema de tributação, já no regime militar,

que inicialmente manteve a vigência da Constituição de 1946, convocou-se comissão para

elaborar proposta de emenda à Constituição, como medida vinculada à reestruturação finan-

ceira nacional, sob a relatoria de Rubens Gomes de Sousa. O resultado do trabalho seria a

promulgação da Emenda Constitucional nº 18/1965.

Nas palavras de Bernardo Ribeiro de Moraes (1995, v. 1, p. 153):

A Emenda Constitucional n.º 18, de 1965, trouxe ao país uma autêntica reforma tri-butária, fazendo revisão e mudanças completas no antigo sistema tributário. Embora decorridos mais de 75 anos, entre a primeira Constituição republicana e a referida Emenda Constitucional n.º 18, o sistema tributário anterior permanecia quase o mesmo, fiel à sistemática preconizada pela Constituição de 1891, salvo uma ou outra exceção. Desde 1891 a discriminação de rendas tributárias vinha sendo repetida nas Constituições que se seguiram (1934, 1937, 1949), sem a menor imaginação, alte-rando-se apenas a parte relativa à competência tributária das entidades políticas, ou melhor, modificando-se as pessoas de direito público titulares de cada imposto. A Emenda Constitucional n.º 18, de 1965, não mais copiou, comodamente, a técnica anterior, realizando uma reforma de essência, pois, além de alterar a discriminação de competência tributária, a Emenda adotou uma classificação de imposto baseada em nomenclatura econômica, procurando solucionar, ainda, outros problemas, inclu-sive os dos efeitos econômicos dos impostos.

Tal Emenda Constitucional, de fato, promoveu profunda alteração nas normas de

competência tributária privativa dos entes federados. Dividiram-se fatos por seu conteúdo

econômico, separando-se os impostos sobre o comércio exterior, patrimônio e renda, produ-

ção e circulação de bens e prestação de serviços, ao invés da antiga repartição entre, por e-

xemplo, licenças, indústrias e profissões, diversões públicas, negócios de sua economia, etc.

Concentraram-se competências para a instituição de impostos nas mãos da União que,

em termos parecidos com a redação original da Constituição de 1946, seria obrigada a repartir

parte do produto de sua arrecadação, de acordo com as regras determinadas pela Emenda,

entre os Estados e os Municípios.

De acordo com Bernardo Ribeiro de Moraes (1995, v. 1, p. 156) e Rubens Gomes de

Sousa (1963, p. 19), o novo sistema constitucional tributário, veiculado pela Emenda Consti-

70

tucional nº 18/1965, privilegiava a unidade nacional como um de seus princípios fundamen-

tais. A competência para instituição e arrecadação de impostos estava concentrada nas mãos

da União para que, mediante distribuição, todos os entes federados pudessem partilhar da tri-

butação da riqueza nacional. Nesse sentido, são palavras de Gomes de Sousa (1963, p. 18-19):

Sua legislação e arrecadação são centralizadas por motivos de óbvia conveniência técnica, mas não em decorrência de uma atribuição específica de poder de tributário. A repartição do seu produto não é um auxílio financeiro, inconciliável com a própria essência da autonomia política, mas uma consequência lógica e necessária do reco-nhecimento de que todos os governos compartilham do direito, inerente à soberania, de utilizar a riqueza nacional para os objetivos que a cada um competem no quadro da parte que lhe toca na sua missão comum de administrar o país. Ao lado deste as-pecto político, com suas inferências jurídicas, a nacionalização do sistema tributário responde, também, a uma verdade econômica e aos seus reflexos financeiros. O princípio da unidade econômica do país repousa sobre uma verdade elementar, a de que a capacidade contributiva individual é uma só para atender aos reclamos de três poderes tributantes e para sofrer o impacto, simultâneo ou sucessivo, porém sempre completivo, dos tributos próprios de cada um deles.

A Emenda Constitucional nº 18/1965, ainda extinguiu a possibilidade de criação de

impostos residuais, sistematizou princípios, silenciou sobre as contribuições, autorizou a cria-

ção de empréstimos compulsórios e manteve os conceitos de impostos, taxas e contribuição

de melhoria. Também foi importante inovação a determinação de uso de lei complementar

para tratamento de certas matérias, melhor organizando a produção legislativa infraconstitu-

cional.

Com base nessa Emenda, foram realizados ajustes no anteprojeto do Código Tributário

Nacional de 1953, que daria origem à Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.

As considerações finais do tópico anterior sobre a cooperação federativa no Direito

Tributário são plenamente aplicáveis ao sistema constitucional criado pela Emenda nº

18/1965. Entrega-se à União Federal o papel de promover a integração econômica nacional,

de maneira que parte da competência tributária que lhe é outorgada não lhe é exclusivamente

própria, mas de todos os entes federados. Não seria mais possível separar rigidamente União,

Estados e Municípios, pois a força dos dois últimos passa a depender, em grande parte, da boa

atuação do governo federal.

3.4.2 Direito Financeiro e Direito Tributário

71

Um adendo nos parece muito importante. Na Constituição Federal de 1946, inclusive

com a redação dada pela Emenda nº 18/1965, tornou ainda mais intensa a relação entre o Di-

reito Tributário e o Direito Financeiro.

Sobre essa relação, cumpre rememorar a lição de Baleeiro (1995, p. 6-7):

O Direito Financeiro é compreensivo do conjunto das normas sobre todas as institui-ções financeiras – receitas, despesas, orçamento, crédito e processo fiscal – ao passo que o Direito Fiscal, sinônimo de Direito Tributário, aplica-se contemporaneamente, e a despeito de qualquer contra-indicação etimológica, ao campo restrito das receitas de caráter compulsório. Regula precipuamente as relações jurídicas entre o Fisco, como sujeito ativo, e o contribuinte, ou terceiros com sujeitos passivos.

Portanto, a repartição didática do Direito, por vezes, acaba por nos confundir e obscu-

recer a nossa visão do sistema jurídico como um todo, contra o que parecem militar as regras

constitucionais de 1946. Isso porque, conforme aponta o próprio Rubens Gomes de Sousa

(1963, p. 18-19), a repartição de competências privativas, de fato, não foi realizada para colo-

car os entes federados em pé de igualdade, mas para que fizesse prevalecer a arrecadação fi-

nanceira pelos cofres da União.

Diferente do que possa parecer, o benefício da União não configura uma ofensa ao

princípio federativo, mas aponta para a busca pela unidade econômica nacional, já que grande

parte das receitas da União deveria ser repartida entre os demais entes federados, seguindo

determinações de normas de Direito Financeiro.

Assim, se quisermos nos despir de uma postura purista, reconhecemos que a explica-

ção para a técnica de repartição dos fatos tributáveis também está nas normas de Direito Fi-

nanceiro, que cuidam da repartição do produto da arrecadação tributária.

Não estamos, aqui, tratando da relação jurídica tributária em que dois sujeitos são li-

gados pelo dever de pagar tributo. Estamos preocupados, sim, com a forma em que deve ser

exercida a competência para a tributação, o que, conforme estamos percebendo, sofre a influ-

ência das normas de repartição de receitas.

Fique claro, desde já, que a destinação efetiva do produto da arrecadação, seja por for-

ça das regras de repartição, seja por força da destinação ínsita às contribuições, não nos inte-

ressará. Queremos saber, por outro lado, qual o verdadeiro sentido que essas normas de Direi-

to Financeiro guardam em si e qual a sua relação com o Direito Tributário.

Não diremos, portanto, que o Direito Tributário e o Direito Financeiro se confundem,

mas, como será explorado adiante, queremos reconhecer que, considerando a unidade do texto

constitucional e as diretrizes do novo federalismo, que pressupõe a cooperação entre os entes

72

federados superando o originário dualismo, as normas de repartição de receitas têm importan-

te papel na interpretação dos limites do uso da competência tributária pela União Federal.

Nosso estudo, portanto, não se refere ao Direito Financeiro, mas somente ao Direito

Tributário, em suas normas constitucionais de repartição de competências. O conhecimento

dessas normas de Direito Tributário, no entanto, não será pleno se não passarmos por alguns

princípios e regas que regem o Direito Financeiro.

Reiteramos que as regras específicas do Direito Financeiro não nos interessam neste

estudo, pois nos deteremos apenas na análise das normas gerais constitucionais relacionadas a

esse Direito e os seus reflexos sobre as normas de Direito Tributário.

Conforme será melhor explorado adiante, há elementos da ciência das finanças que

são aceitos pelos estudiosos do direito tributário sem grandes dificuldades, o que demonstra a

intensa relação entre esses ramos científicos. Veja-se: para instituir um imposto devem ser

considerados os limites da capacidade econômica do contribuinte e os limites da tributação

com efeitos confiscatórios, dados estritamente financeiros; para a instituição de uma taxa,

deve haver conhecimento da atuação estatal a ser retribuída; e para a instituição de uma con-

tribuição de melhoria deve ser medida a valorização imobiliária decorrente de obra pública e

estabelecida a sua relação com o custo total da atuação do estatal.

Fique claro, desde já, que não assumiremos em momento algum que a destinação do

produto da arrecadação comporá a regra matriz de incidência de algum tributo, mas, entende-

mos, que poderá ser elemento importante para a explicação dos limites para o uso da compe-

tência tributária, no caso, pela União Federal.

3.4.3 As contribuições (parafiscais) na Constituição Federal de 1946

Dando seguimento à tendência inaugurada por Vargas sob a vigência da Constituição

de 1946, os tributos instituídos com destinação a fundos e pessoas jurídicas paraestatais conti-

nuaram a se multiplicar (MORAES, 1995, v. 1, p. 147). Ainda assim, o sistema constitucional

tributário inaugurado não regulou a importante questão das contribuições.

A exemplo dos textos legais anteriores à sua promulgação, a Constituição de 1946 u-

sou o termo contribuição em sua função coloquial, não expressando figura técnica própria do

Direito Tributário:

73

Art. 157 - A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão nos seguin-tes preceitos, além de outros que visem à melhoria da condição dos trabalhadores: [...] XVI - previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da maternidade e contra as consequências da doença, da velhice, da invali-dez e da morte; [...]

Nessa época, já existiam em nosso ordenamento jurídico inúmeras contribuições, sen-

do as mais importantes aquelas destinadas às caixas e aos fundos de previdência. Entretanto,

não havia regulamentação constitucional do assunto, explicitando condições e regime jurídico

para sua criação.

A qualificação constitucional das contribuições deveria, então, ser enfrentada de al-

guma maneira, para que, ao menos, fosse determinado o regime jurídico dessas obrigações

compulsórias. Havia dúvida, inclusive, sobre a natureza jurídica das contribuições, ou seja, se

seriam tributos ou não, momento em que se iniciaram as manifestações do Supremo Tribunal

Federal sobre essa qualificação.

Com relação à necessidade de delimitação do regime jurídico das contribuições pelo

Supremo Tribunal Federal, Aliomar Baleeiro (1995, p. 10) aponta que o pós-Segunda Guerra

marcaria o início do interesse brasileiro pelo Direito Tributário, que passaria a ser estudado

por nossos juristas como ramo didaticamente autônomo, entregando-se maior importância ao

estudo das contribuições.

Não havia, no entanto, unanimidade sobre o significado das contribuições. Instado a se

manifestar sobre esse assunto, o Supremo Tribunal Federal não especificava com precisão o

regime jurídico ao qual as contribuições estariam sujeitas.

Reconhecia-se, por vezes, que as contribuições não tinham natureza tributária:

RECURSO ORDINÁRIO DE DECISÃO DENEGATÓRIA DE MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÕES COBRADAS DAS EMPRESAS AEROVIÁ-RIAS PELA UTILIZAÇÃO DAS INSTALAÇÕES E SERVIÇOS DE AEROPOR-TOS. CONSTITUINDO ELAS PREÇOS PÚBLICOS E NÃO TAXAS NÃO SE INCLUEM NA CONCEITUAÇÃO GENÉRICA DE TRIBUTOS. (STF, MS 1.558/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Rocha Lagoa, DJ 24-07-1952) INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 141, PAR 34, DA CONSTITUIÇÃO. AS CON-TRIBUIÇÕES ESTABELECIDAS PELO INSTITUTO DO AÇÚCAR E DO ÁL-COOL PARA DEFESA DA PRODUÇÃO AÇUCAREIRA NÃO CONSTITUEM TRIBUTO. (STF, RMS 4.063, Tribunal Pleno, Rel. Min. Rocha Lagoa, decisão por maioria, julgado em 20-05-1957)

É excerto do voto do ministro relator no julgamento por último ementado:

74

É arguida a inconstitucionalidade do diploma que possibilita ao Instituto recorrido estabelecer a cobrança de contribuições destinadas a facilitar a execução dos planos de equilíbrio e defesa das safras, apontando-se como postergado o § 34 do art. 141 da Constituição, segundo o qual nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça. Levanta-se assim a questão de ser ou não tal contribuição um tributo. Tenho para mim que não, pois não tem ela caráter fiscal, sendo simples expediente indispensá-vel à execução de um plano econômico, destinado à defesa de produto que constitui a principal riqueza de vasta região do país. Trata-se, assim, de mera providência de política interna, destinada à proteção do açúcar, o que não colide com a normas re-guladoras do regímen vigente [...].

Mas, por vezes, também se declarava sua natureza tributária:

A contribuição especial é um tributo destinado a obter os necessários meios para sa-tisfazer certos gastos administrativos do governo. A causa jurídica de imposto. (STF, RMS, 3.884, Pleno, Rel. Min. Cândido Motta, DJ 16-11-1956) TAXA DE ÁGUA E ESGOTO. É UMA TAXA TÍPICA, COMO TAL APONTA-DA PELA GENERALIDADE DOS MESTRES DE DIREITO FINANCEIRO E DIREITO TRIBUTÁRIO; ASSIM, SUA MAJORAÇÃO DEPENDE DE LEI. DE-LEGAÇÕES LEGISLATIVAS ADMITEM-SE EM MATÉRIA ECONÔMICA (TABELAMENTO DE PREÇOS, ETC.), NÃO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA. A POSSIBILIDADE DE DELEGAÇÕES LEGISLATIVAS NA ÓRBITA TRIBU-TÁRIA ESTÁ EXCLUÍDA NÃO SÓ PELA REGRA CONTIDA NO ART. 36, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO, MAS DE MODO ESPECIAL E ENFÁTICO PELO § 34 DO ART. 141, O QUAL, NO TOCANTE AOS TRIBUTOS (IMPOSTOS, CON-TRIBUIÇÕES E TAXAS), DISPÕE QUE NENHUM SERÁ EXIGIDO OU AU-MENTADO SEM QUE A LEI O ESTABELEÇA E NENHUM SERÁ COBRADO EM CADA EXERCÍCIO SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO ORÇAMENTÁRIA, RESSALVADOS APENAS O IMPOSTO POR MOTIVO DE GUERRA E A TA-RIFA ADUANEIRA. NEM HOUVE, NO CASO, DELEGAÇÃO AO PODER E-XECUTIVO, POIS O DEC.LEI ESTADUAL 1.413 DE 13.7.46, INVOCADO PE-LO RECORRIDO, E ANTERIOR À CONSTITUIÇÃO DE 1946 E DÁ COMPE-TÊNCIA AO CHEFE DO GOVERNO, MAS ISSO A UM TEMPO EM QUE O CHEFE DO GOVERNO ACUMULAVA AS FUNÇÕES EXECUTIVAS E LE-GISLATIVAS. DIFERENÇA ENTRE TAXAS E PREÇOS CONTRATUAIS DE SERVIÇOS PÚBLICOS (TARIFAS). O PROBLEMA NÃO SE MODIFICA POR SE TRATAR DE UMA AUTARQUIA, PORQUE, AO CONSTITUÍ-LA O ESTA-DO PERSONIFICOU ESSE ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL, HOUVE UMA DESCENTRALIZAÇÃO, MAS COM ISSO NÃO SE ALIENOU O CARÁ-TER PÚBLICO DO SERVIÇO TRATA-SE DE ÓRGÃO PARAESTATAL, A QUEM O ESTADO CEDE UMA PARTE DO SEU IMPERIUM. A DESTINAÇÃO ESPECIAL, NÃO DESCARATERIZA OS TRIBUTOS. TORNAM-SE ENTÃO TRIBUTOS LIGADOS, CONFORME E TERMINOLOGIA ALEMÃ. O FATO DE SER DELEGADO O TRIBUTO A UM SERVIÇO DESCENTRALIZADO, A UMA AUTARQUIA, NÃO LHE ALTERA A NATUREZA. SE A TAXA NÃO DEIXA DE O SER PELO FATO DE SÓ SE TORNAR DEVIDA QUANDO VO-LUNTARIAMENTE UTILIZADO O SERVIÇO, FORÇA E CONCORDAR QUE, QUANDO IMPOSTA POR MOTIVOS DE INTERESSE PÚBLICO (SAÚDE, HI-GIENE, ETC.) INDEPENDENTEMENTE DAQUELA UTILIZAÇÃO, O SEU CARÁTER TRIBUTÁRIO SE TORNA INDISCUTÍVEL. NA TAXA HÁ UM BENEFÍCIO ESPECIAL MENSURÁVEL E UM INTERESSE PREDOMINANTE. NO PREÇO PÚBLICO, O PAGAMENTO É FEITO POR UM SERVIÇO OU MERCADORIA DO GOVERNO, EM PRIMEIRO LUGAR PARA UM BENEFÍ-CIO ESPECIAL DO INDIVÍDUO E SECUNDARIAMENTE NO INTERESSE DA COMUNIDADE. NÃO HÁ COMO EQUIPARAR A TAXA DE ÁGUA E ESGO-TO AS CHAMADAS TAXAS CORRESPONDENTES À UTILIZAÇÃO DE AE-ROPORTO (DECRETO-LEI N 9.792 DE 1946), QUE O SUPREMO TRIBUNAL

75

CONSIDEROU PREÇOS PÚBLICOS (TARIFAS), CONFORME AS DENOMINA O PRÓPRIO DEC.LEI EM VÁRIOS DOS SEUS PRECEITOS. (STF, RE 54.194/PE. 1ª T., Rel. Min. Luiz Gallotti, un., DJ 28-11-1963) (grifamos)

É excerto do voto proferido pelo ministro relator do julgado representado pela primei-

ra ementa, em que se reconhece que as contribuições são tributos destinados a satisfazerem

gastos específicos do governo:

Entre os tributos modernos alinha-se hoje em dia a contribuição especial, que é um tributo destinado a obter necessários meios para satisfazer certos gastos administra-tivos do governo [...]. Não encontro, assim, no art. 3º da lei n. 1.474, de 20/11/51, nenhuma violência à Constituição. Consequentemente, não há direito algum líquido e certo a ser ampara-do por mandado de segurança.

Da mesma maneira, reconhecendo a natureza tributária da contribuição, é excerto do

voto proferido nos autos do Mandado de Segurança nº 4.20062 pelo ministro Ribeiro da Costa,

que também via nas contribuições um tributo destinado a satisfazer gastos específicos:

A questão de fundo apresenta aspecto jurídico relevante, envolvendo ato do Sr. Mi-nistro do Trabalho, exorbitante de sua competência, ao instituir, tributos, desde que tal atribuição só é deferida pela Constituição ao Poder Legislativo. E dúvida não remanesce sobre a natureza dessa contribuição, que por seu objetivo, finalidade e aplicação, tendendo a satisfazer encargos restritos à assistência social, é tributo que não reveste as características de imposto, mas de taxa. Por essa razão, as contribuições parafiscais são tributos, assim compreendidos na disciplina de princípios estatuídos na Constituição Federal [...].

Até o texto Constitucional de 1946, inclusive em sua vigência, o conceito de contribu-

ição estava visceralmente vinculado ao conceito de parafiscalidade, ou seja, de entrega do

produto da arrecadação para entes federados que não fossem a pessoa política tributante. Con-

forme reconhece Baleeiro (1978, p. 267), as contribuições seriam meros impostos ou taxas

criados em benefícios de entes paraestatais, posição doutrinária esta relevante até os dias atu-

ais, conforme será demonstrado em momento apropriado.

Ao considerar as contribuições meros impostos ou taxas com destinação específica, o

Supremo Tribunal Federal a elas imputava o regime constitucional daqueles tributos, reco-

nhecendo-se, por exemplo, a submissão das contribuições enquanto impostos às normas de

isenção de imposto. Nesse sentido, foi decisão do Pleno em recurso de embargos de divergên-

cia:

TAXA DE RENOVAÇÃO DA MARINHA MERCANTE. A RENOVAÇÃO DA FROTA DA MARINHA MERCANTE, A RIGOR, NÃO IMPORTA EM SERVI-

62 STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Antonio Villas Boas, decisão por maioria, DJ 02-06-1958. Ementa:

MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO.

76

ÇO ESPECIFICO OFERECIDO AO CONTRIBUINTE. TRATA-SE, ASSIM, DE VERDADEIRO IMPOSTO COM APLICAÇÃO ESPECIAL. EM CONSEQUÊN-CIA, NÃO É EXIGÍVEL DOS MINERADORES E DOS EXPORTADORES DE MINERAIS, EX VI O DISPOSTO NO ARTIGO 1, PARÁGRAFO 1, DA L. 4.425, DE 1964. EMBARGOS RECEBIDOS, A FIM DE SER RESTABELECIDA A DE-CISÃO DE 1. INSTÂNCIA. (STF, RMS 18.224 embargos / GB, Pleno, Rel. Min. Djaci Falcão, decisão por maioria, DJ 21-05-1971)

Ainda como impostos ou taxas, as contribuições poderiam ser criadas livremente pelos

Estados e Municípios, detentores de competência tributária. Novamente por seu Pleno, deci-

diu o STF:

RECURSO DE MANDADO DE SEGURANÇA. INTELIGÊNCIA DO ART. 89 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ. NO CONCEITO DOUTRI-NÁRIO MODERNO, A TAXA NÃO É EXCLUSIVAMENTE REMUNERATÓ-RIA DE SERVIÇOS DIRETAMENTE RECEBIDOS PELO CONTRIBUINTE, PODENDO OCORRER QUE O BENEFICIÁRIO SEJA A COLETIVIDADE OU UM GRUPO DE CIDADÃOS. CONSIDERAM-SE ASSIM TAXAS AS CONTRI-BUIÇÕES DESTINADAS AO CUSTEIO DE ATIVIDADES ESPECIFICAS DO ESTADO OU DO MUNICÍPIO POR CONVENIÊNCIAS DE CARÁTER GERAL OU DE DETERMINADO GRUPO DE PESSOAS. (STF, RMS 1.965, Pleno, Rel. Min. Rocha Lagoa, un., DJ 30-04-1956)

Em trecho de seu voto, o Relator estabeleceu parâmetro para incluir a contribuição

discutida no conceito de taxa:

Não é assim a taxa encarada apenas como a contraprestação de um serviço recebido individualmente pelo contribuinte, porquanto pode ocorrer que o beneficiário seja a coletividade ou um grupo de cidadãos.

Assim, no Supremo Tribunal Federal, durante a vigência da Constituição Federla de

1946, era majoritário o entendimento de que a contribuição significava apenas um tributo des-

tinado. O regime jurídico deveria ser exatamente o de imposto ou de taxa. A contribuição, em

si, não existia como um tipo tributário, mas impunha apenas uma norma de Direito Financei-

ro: a entrega de valores a cofres específicos.

Com a inexistência de proibição pela Constituição de 1946 de prévia destinação do

produto da arrecadação de impostos, não havia óbice para a existência das contribuições para-

fiscais. Aliás, o art. 141, § 3463, da Constituição Federal de 1946 impunha a obrigação de ela-

boração de lei orçamentária anual em que seriam apontados os tributos a serem cobrados no

exercício seguinte, para satisfação das receitas previstas. Assim, dentro de determinados limi-

tes, todo tributo estava sujeito à prévia destinação de seu produto.

63 Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabili-

dade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguin-tes: [...] § 34 - Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça; nenhum será cobrado em cada exercício sem prévia autorização orçamentária, ressalvada, porém, a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra. [...]

77

O Código Tributário Nacional enfrentaria a questão da destinação, com muita proprie-

dade, em seu art. 4º:

Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: [...] II - a destinação legal do produto da sua arrecadação.

Este art. 4º, até hoje é muito debatido, o que deixa claro que o fato de o produto da ar-

recadação não ficar com os cofres gerais da pessoa política que o instituíra não desqualificaria

a qualidade de imposto, taxa ou contribuição de melhoria do tributo instituído.

Já naquele regime constitucional a tributação pelas contribuições parafiscais resultava

em uma contradição. A União Federal, criando contribuições, poderia beneficiar-se de arreca-

dação sem obedecer às regras de repartição de receitas e investimentos percentuais obrigató-

rios, enfraquecendo sobremaneira a força com a qual o texto constitucional defendia o federa-

lismo de cooperação.

Esse problema persiste nos dias atuais e voltará a ser enfrentado com a análise do texto

constitucional de 1988, de maneira que passaremos à análise da Constituição de 1967.

3.5 A Constituição Federal de 1967

A Constituição Federal de 196764 nasce no contexto do regime militar brasilei-

ro, iniciado em 1964. Ao assumir o poder, os representantes do movimento chamado de revo-

lução conferiram aos representantes ditos revolucionários para ditarem as regras que passari-

am a ser vigentes na nova ordem estatal.

Com a autorização, foi baixado pelos representantes da revolução (chefes do Exército,

Marinha e Aeronáutica) o Ato Institucional nº 1/64, mantendo a vigência da Constituição Fe-

deral de 1946. O mesmo Ato Institucional, alterando alguns dispositivos constitucionais, en-

tregou maiores poderes ao Chefe do Poder Executivo, em detrimento do Congresso Nacional

e do Poder Judiciário.

Com o decorrer do regime militar, novos Atos Institucionais foram produzidos, de

modo que, em 7 de dezembro de 1966, foi baixado o Ato Institucional nº 4 convocando extra-

ordinariamente o Congresso Nacional para que entre 12 de dezembro de 1966 e 24 de janeiro

64 Promulgada em 27 de janeiro de 1967.

78

de 1967 fosse discutido e votado projeto de nova Constituição Federal, enviado ao Congresso

Nacional pelo então residente da República, o general Castello Branco, projeto que seria a-

provado sem grandes alterações.

A vida dessa Constituição, no entanto, foi curta. Em 13 de dezembro de 1968 foi edi-

tado o Ato Institucional nº 5, que entregou ao Chefe do Executivo a competência de declarar o

recesso do Congresso Nacional e, em seu lugar, legislar sobre quaisquer assuntos, tornando

sem efeito o regime decorrente da Constituição recém-promulgada, em 1967. Já em 17 de

outubro de 1969, em recesso do Congresso Nacional determinado pelo presidente da Repúbli-

ca, foi baixada a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, que reformou todo o texto da Constitu-

ição de 1967. A partir desse momento seu texto original deixaria de existir. Sobre o assunto,

José Afonso da Silva (2010, p. 33)

Teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova Constituição. A e-menda só serviu como mecanismo de outorga, uma vez que verdadeiramente se promulgou texto integralmente reformulado, a começar pela denominação que se lhe deu: Constituição da República Federativa do Brasil, enquanto a de 1967 se chama-va apenas Constituição do Brasil.

O contexto vivido pelo Brasil na época dá pistas sobre como seria o conteúdo da

Constituição de 1967. O referido poder revolucionário entendia ser necessário afastar nosso

país de algumas ameaças subversivas, segundo eles, perigosas.

É verdade, no entanto, que a redação original da Constituição de 1967 não entregou

instrumentos para que o Poder Executivo Federal promovesse os conhecidos anos de chumbo,

o que aconteceria com o Ato Institucional nº 5 de 1968, e, depois, com a Emenda Constitu-

cional nº 1 de 1969.

No que interessa ao Direito Tributário, é importante relembrar que de 1964 e 1967 foi

mantida a vigência da Constituição Federal de 1946, período no qual foi promulgada a Emen-

da Constitucional nº 18/65, reformando todo o sistema tributário nacional.

A repartição de competências prevista pela Emenda Constitucional nº 18/65 foi manti-

da pela Constituição de 1967 e Emenda de 1969, sem grandes alterações, à exceção da entrega

da competência para a criação de impostos residuais para a União Federal, não sujeitos à re-

partição do produto da arrecadação (MORAES, 1995, v. 1, p. 164). Como medida centraliza-

dora, foi autorizada pela Constituição de 1967 a concessão de isenções heterônomas pela Uni-

ão Federal.

Como ponto que mais interessa a este trabalho, finalmente uma Constituição brasileira

enfrentaria o tema das contribuições no Direito Tributário. Passemos à sua análise.

79

3.5.1 As contribuições na Constituição Federal de 1967

É interessante analisar a evolução da regulamentação das contribuições nos dispositi-

vos constitucionais desta Carta. Em sua redação original a Constituição Federal de 1967 de-

terminava:

Art. 18 – O sistema tributário nacional compõe-se de impostos, taxas e contribuições de melhoria e é regido pelo disposto neste Capítulo em leis complementares, em re-soluções do Senado e, nos limites das respectivas competências, em leis federais, es-taduais e municipais. Art. 157 - A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios: [...] § 8º - São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de deter-minada indústria ou atividade, mediante lei da União, quando indispensável por mo-tivos de segurança nacional, ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficiência no regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais. § 9º - Para atender à intervenção no domínio econômico, de que trata o parágrafo an-terior, poderá a União instituir contribuições destinadas ao custeio dos respectivos serviços e encargos, na forma que a lei estabelecer. [...] Art. 158 - A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria, de sua condição social: [...] § 2º - A parte da União no custeio dos encargos a que se refere o nº XVI deste artigo será atendida mediante dotação orçamentária, ou com o produto de contribuições de previdência arrecadadas, com caráter geral, na forma da lei. [...]

A Emenda Constitucional nº 1/1969, por sua vez, seria mais específica ao tratar das

contribuições, determinando:

Art. 21. Compete à União instituir imposto sobre: [...] § 2º A União pode instituir: [...] I - contribuições, nos termos do item I deste artigo, tendo em vista intervenção no domínio econômico e o interesse da previdência social ou de categorias profissio-nais; e

A Emenda Constitucional nº 8, de 14 de abril de 1977, alteraria o inciso para a seguin-

te redação:

80

I - contribuições, observada a faculdade prevista no item I deste artigo, tendo em vista intervenção no domínio econômico ou o interesse de categorias profissionais e para atender diretamente a parte da União no custeio dos encargos da previdência social.

A mesma emenda também inseriu o inciso X no art. 43:

Art. 43. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente: I - tributos, arrecadação e distribuição de rendas; [...] X - Contribuições sociais para custear os encargos previstos nos artigos 165, itens II, V, XIII, XVI e XIX 65, 166, § 1º66, 175, § 4º67 e 17868.

Muito embora as alterações promovidas pela Emenda nº 8/77, alterando a redação do

art. 21, § 2º, I, e inserindo o inciso X no art. 43, possam parecer sutis, o seu teor causaria

grande alteração no entendimento jurisprudencial sobre a natureza jurídica das contribuições.

A inserção do inciso X no art. 43 fez com que o Supremo Tribunal Federal diferenciasse os

tributos, objeto do inciso I do mesmo artigo, das contribuições, objeto do inciso X, atribuindo-

se às últimas a natureza não tributária. Analisaremos esse entendimento do Supremo Tribunal

Federal adiante.

Fato é que, com a regulamentação constitucional expressa das contribuições, passou a

existir critério de diferenciação entre elas e os demais tipos tributários, de maneira que o seu

regime jurídico não precisaria mais corresponder àquele atribuído aos impostos, entendimento

que seria consolidado a partir da redação dada pela Emenda Constitucional nº 1/1969 ao art.

21.

65 Art. 165. A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos

termos da lei, visem à melhoria de sua condição social: [...] II - salário-família aos seus dependentes; [...] V - integração na vida e no desenvolvimento da emprêsa, com participação nos lucros e, excepcionalmente, na gestão, segundo fôr estabelecido em lei; [...] XIII - estabilidade, com indenização ao trabalhador despedido ou fundo de garantia equivalente; [...] XVI - previdência social nos casos de doença, velhice, invalidez e morte, seguro-desemprêgo, seguro contra acidentes do trabalho e proteção da maternidade, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado; [...] XIX - aposentadoria para a mulher, aos trinta anos de trabalho, com salário integral; e [...]

66 Art. 166. É livre a associação profissional ou sindical; a sua constituição, a representação legal nas convenções coletivas de trabalho e o exercício de funções delegadas de poder público serão regulados em lei. § 1º Entre as funções delegadas a que se refere este artigo, compreende-se a de arrecadar, na forma da lei, con-tribuições para custeio da atividade dos órgãos sindicais e profissionais e para a execução de programas de interesse das categorias por eles representadas. [...]

67 Art. 175. A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos. [...] § 4º Lei especial disporá sobre a assistência à maternidade, à infância e à adolescência e sobre a educação de excepcionais.

68 Art. 178. As empresas comerciais, industriais e agrícolas são obrigadas a manter o ensino primário gratuito de seus empregados e o ensino dos filhos destes, entre os sete e os quatorze anos, ou a concorrer para aquele fim, mediante a contribuição do salário-educação, na forma que a lei estabelecer.

81

Este novo dispositivo causou a primeira grande mudança interpretativa sobre as con-

tribuições no Supremo Tribunal Federal. No regime inaugurado em 1969, as contribuições

não coincidiriam mais com os impostos ou taxas, possuindo regime próprio para si.

A análise da incidência da contribuição à luz de uma norma de imunidade ou isenção

explica muito bem a comparação entre impostos e contribuições. Conforme se mostrou acima,

o Supremo Tribunal Federal, no regime constitucional anterior (Constituição de 1946), decla-

rou que as isenções de impostos seriam oponíveis às contribuições. Com a análise do novo

regime, no entanto, o entendimento foi outro. É decisão da Corte Constitucional por seu Ple-

nário:

ADICIONAL AO FRETE PARA RENOVAÇÃO DA MARINHA MERCANTE. II. NÃO CONSTITUI TAXA, NEM IMPOSTO, COM DESTINAÇÃO ESPECIAL. E ELE UMA CONTRIBUIÇÃO PARAFISCAL, TENDO EM VISTA A INTER-VENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO, NOS TERMOS DO ART. 21, PAR. 2, I, C.C. O ART. 163 E SEU PARÁGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO (EMEN-DA N. 1/69) E DECORRE DA LEI N. 3.381/58 E DECRETOS-LEIS NS. 362/68, 432 E 799/69. III. LEGAL, POIS, A EXIGÊNCIA DESTA CONTRIBUIÇÃO, A QUAL, PORQUE NÃO CONSTITUI IMPOSTO, PODE SER COBRADA MES-MO DAQUELES QUE GOZAM DA IMUNIDADE A QUE SE REFERE O ART. 19, III, D, DA CARTA CITADA, ONDE SE INCLUI A RECORRIDA. IV. RE-CURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO, PARA CASSAR A SEGURANÇA. (STF, RE 75.972/SP, Pleno, Rel. Min. Thompson Flores, decisão por maioria, DJ 17-05-1974)

Em seu voto, o relator, ministro Thompson Flores, explica a mudança do entendimen-

to sobre a natureza de impostos ou taxas das contribuições apresentado no RMS 18.224, cuja

ementa encontra-se acima transcrita:

Considerei que, a teor do art. 18 da Constituição de 1967, o sistema tributário brasi-leiro não comportava tributos outros, além das taxas, contribuição de melhoria e im-postos. E, como não poderia a chamada taxa de melhoramento de portos conceitua-se nas duas primeiras categorias, restava-lhe a última – imposto especial -, mas sempre im-posto, dela estava livre a embargante, como empresa de mineração, como dispunha o art. 1º da Lei n. 4.425/64 (Constituição, art. 22, § 5º; § 2º do art. 15 da Constitui-ção de 1946). Todavia, penso que o presente recurso comporta solução diversa daquele ultima-mente comentado. É que neste, diversamente daquele, os fatos que originaram a controvérsia passaram-se todos, e por inteiro, quando já em vigor a Constituição atual, Emenda n. 1/69, como acentuei antes. E, como também já fiz notar, ampliado ficou o sistema de arrecadação da União. Assim, além de taxas, impostos e contribuição de melhoria, admitiu ela a instituição prevista nos incisos I e II, do § 2º do art. 21, verbis: [...] Preceitos outros, do mesmo Estatuto, evidenciam que não se cuida de taxa, como re-conheceu o julgado referido, nem, a meu ver, de imposto especial, como o admitiu. É que não é ela recolhida as Tesouro, não tem destinação genérica dos tributos, vi-sando atender indistintamente às necessidades públicas.

82

Antes, já na forma de incidir; já na de arrecadar; já na de recolher, por fim, na de destinar, voltando a beneficiar a todos os que dos transportes se servem, e em espe-cial, aos armadores e embarcadores ou donos da carga, afasta a possibilidade de ser ela admitida como tal.

Ao relator se opôs o ministro Aliomar Baleeiro, sustentando que as contribuições con-

tinuariam sendo impostos ou taxas:

Como naquele RMS 18742, assinalo, de começo, as datas para fixação do Direito vigente à época. Naquele feito, o m.s. fora pedido em 1966, antes da C.F. de 1967. Nestes autos, a impetração é de 1970, já sob a vigência da Emenda n. 1/69. [...] De então para cá, o Direito mudou e discutido tribunal continua grávido de proble-mas, que devemos enfrentar nessa oportunidade, pondo termo a outros litígios que consomem tempo e dinheiro da Nação e das empresas editoras, além de sobrecarre-garem os Tribunais já congestionados de serviços. [...] À primeira vista, isso esdruxulamente chamado de “adicional ao frete” é imposto fe-deral sobre transportes intermunicipais, previsto no art. 21, VII, da Emenda 1/69. Nesse caso, a União pode exigi-lo de todos, exceto dos que gozam de imunidade, como editores de jornais e livros, os Estados e Municípios, enfim os beneficiados pelo art. 19, III, da C.F.. Teria razão a Recorrida. Mas, desde a C.F. de 1967, ficou expresso que a União pode decretar contribuições especiais ou parafiscais, princípio hoje consagrado pelos art. 21, § 2º, I; 163, pará-grafo único; 165, XVI; e 166, § 1º, da Emenda 1/69. É isso que nos coloca em posi-ção absolutamente diversa daquela dos RMS 18.742 e 18.221, RTJ 46/644 e 57/742, quando diferente se apresentava nosso Direito Constitucional na espécie. Mas nem por isso cessaram as dificuldades inerentes à interpretação de todo o Direi-to Positivo novo, em sua fase inaugural, quando ainda não se cristalizaram a doutri-na e a jurisprudência. Daí a importância da decisão que o STF vai proferir neste ca-so. [...] A contribuição especial, a meu ver, está sujeita às limitações constitucionais da lega-lidade, anualidade, competência específica, imunidades expressas, enfim, aos princí-pios da C.F. e do C.T.N. sobre tributos em geral. A União não poderá instituir con-tribuição usando fato gerador ou base de cálculo de imposto estranho à sua compe-tência (art. 21 e 22 da C.F.).

Foi vencedor, na oportunidade, o voto do ministro Thompson Flores, que desvinculou

a contribuição dos impostos ou taxas. Reconheceu-se que disposições sobre impostos não

condicionariam as contribuições, que teriam forma própria de incidir e serem arrecadadas.

Não se apontou, todavia, como seriam determinadas essas formas próprias de incidir e arreca-

dar.

Um primeiro passo na diferenciação das contribuições foi, então, dado. Para o Supre-

mo Tribunal Federal a previsão constitucional da competência para a criação de contribuições

fez muita diferença, de modo que elas deixaram de ser impostos.

A grande questão que se põe, objeto deste trabalho, é saber se a previsão constitucio-

nal da contribuição não lhe atribuiu regime jurídico próprio, especialmente com pressupostos

diferentes dos impostos e taxas para sua criação e cobrança, questão que será melhor analisa-

da adiante.

83

Fato é que as contribuições e os impostos passaram a ser diferenciados pelo Supremo

Tribunal Federal.

A diferenciação entre impostos e contribuições, formulada a partir do texto constitu-

cional de 1967, seria levada ao extremo com a interpretação da Emenda Constitucional nº

8/77. Com base nas modificações dos arts. 21 e 43 dessa Constituição, o Supremo Tribunal

Federal passou a entender que as contribuições não mais se submetiam ao regime jurídico

tributário.

Nesse sentido, são decisões da nossa Suprema Corte:

PREVIDÊNCIA SOCIAL. CONTRIBUIÇÃO RELATIVA A PERÍODO ULTERI-OR À VIGÊNCIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 8-77, EM FACE DA QUAL PERDEU O SEU CARÁTER TRIBUTÁRIO. PRECEDENTES DO STF. RECURSO PROVIDO, PARA AFASTAR A DECADÊNCIA QUINQUENAL (ART. 173 DO COD. TRIB. NACIONAL). (STF, RE 110.828/SP, 1ª T., Rel. Min. Octavio Gallotti, un., DJ 25-03-1988) CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. DÍVIDA CORRESPONDENTE A E-XERCÍCIO POSTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL N. 8/77. NÃO ES-TÃO SUJEITAS ÀS NORMAS DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, NÃO SE LHES APLICANDO A PRESCRIÇÃO QUINQUENAL, NELE PREVISTA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (STF, RE 115.181/SP, 2ª T., Rel. Min. Carlos Madeira, un., DJ 04-03-1988)

O ministro Moreira Alves reconheceu as mudanças (voto no RE 86.595, Pleno, Rel.

Min. Xavier de Albuquerque, un., DJ 30-06-1978):

Do exame a que procedi, concluo que, realmente, sua natureza é tributária. Já o era, aliás, desde o Decreto-lei 27, que alterou a redação do art. 217 do C.T.N., para ressalvar a incidência e a exigibilidade da contribuição sindical, das quotas de previdências e outras exações para-fiscais, inclusive a devida ao FUNRURAL. Nes-se sentido, é incisiva a lição de BALEEIRO (Direito Tributário Brasileiro, 9ª. ed., págs. 69 e 584). Reafirmou-o a Emenda Constitucional nº 1/69, que, no capítulo concernente ao sistema tributário (art. 21, § 2º, I), aludiu às contribuições que têm em vista o interesse da previdência social. Por isso mesmo, e para retirar delas o ca-ráter de tributo, a emenda Constitucional nº 8/77 alterou a redação desse inciso, substituindo a expressão “e o interesse da previdência social” por “e para atender di-retamente à parte da União no custeio dos encargos da previdência social”, tendo, par disso, e com o mesmo objetivo, acrescentado um inciso – o X – ao artigo 43 da Emenda nº 1/69 (“Art. 43. [...]) o que indica, sem qualquer dúvida, que essas contri-buições não se enquadram entre os tributos, aos quais já aludia, e continua aludindo, o inciso I desse mesmo artigo 43.

Estabeleceu-se, então, três diferentes fases para as contribuições. Até 1967 as contri-

buições eram apenas impostos ou taxas parafiscais, entre 1967 e 1977 as contribuições passa-

ram a ser um tipo tributário que não se confundia com impostos ou taxas, e a partir de 1977 as

contribuições deixaram de ser tributos. Tudo isso sem que suas leis instituidoras mudassem.

A ausência de rigor para a criação de uma contribuição chegou, com isso, em seu pon-

to máximo. Obrigações compulsórias poderiam ser impostas sem que o rígido regime jurídico

84

tributário fosse obedecido. Por interpretação do art. 20, § 2º, I, sequer havia necessidade de

produção de lei para tanto.

Os efeitos, então, da inserção do termo contribuição na Constituição Federal de 1967

(consideradas as suas emendas) não foram dos melhores. Fixou-se brando regime para sua

instituição e cobrança, entregando-se carta branca para o Chefe do Poder Executivo Federal.

Esse novo regime jurídico foi de grande valia para a centralização do poder brasileiro

nas mãos da União Federal, único ente político competente para a instituição de contribuições,

que poderia criá-las à revelia de todo o sistema constitucional tributário.

A última crise do federalismo brasileiro, vivida no regime militar, coincidiria, então,

com o novo regime das contribuições, que passou a ser, nitidamente, uma rota de fuga para a

União da rigidez constitucional, desobrigando-a das repartições de receitas e dos requisitos

necessários para a instituição de impostos.

Cumpre-nos pontuar, por fim, que o Supremo Tribunal Federal, em todas essas varia-

ções de entendimento, não declarou o regime jurídico e os requisitos necessários para a insti-

tuição de uma contribuição. Para que fosse chamada de contribuição, a prestação pecuniária

compulsória deveria ter apenas uma destinação certa? Quaisquer fatos poderiam fazer nascer

a obrigação de seu pagamento? Quaisquer pessoas poderiam ser alçadas à condição de contri-

buinte? Havia algum limite para sua incidência?

Buscaremos tais respostas já no sistema constitucional de 1988, de maneira que pas-

samos ao seu estudo.

3.6 Constituição Federal de 1988

A Constituição de 198869 foi promulgada como medida de redemocratização brasilei-

ra. Não houve, no entanto, convocação do povo, mediante eleições para representantes, para

participação da Assembleia Constituinte, que foi instituída com os representantes já eleitos

para o Congresso Nacional, conforme teor da Emenda nº 26/85 à Constituição de 196770.

69 Promulgada em 6 de outubro de 1988. 70 Art. 1º Os Membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal reunir-se-ão, unicameralmente,

em Assembleia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional.

85

Durante a vigência da Constituição de 1967, com redação dada pela Emenda nº

1/1969, o Brasil viveu anos de plenitude de competências e força da União Federal, fato que

seria essencial para a produção do novo texto constitucional, cuja função foi restabelecer o

regime federativo no Estado brasileiro. Machado Horta (1995, p. 522), nesse sentido, aponta

que:

O constituinte de 1988 teve a consciência da crise do federalismo e se empenhou na retomada dos fundamentos definidores do Estado Federal. É nesse retorno às fontes republicanas do federalismo constitucional que reside a relevante tarefa de recons-trução do federalismo, mérito inegável da Constituição de 1988.

Apontando que à sua geração coube “reedificar a República Federal” (HORTA, 1995,

p. 361), o mesmo autor festeja a modernização nas normas de repartição de competências

promovida pela Constituição de 1998 (HORTA, 1995, p. 523).

Ainda que as competências da União Federal tenham se mantido extensas (HORTA,

1995, p. 368), temos que reconhecer que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu um re-

gime de cooperação entre os entes da federação, determinando, além das competências pró-

prias de cada um deles, o dever de sua atuação conjunta. É o disposto pelo art. 23 dessa Cons-

tituição:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e con-servar o patrimônio público; II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portado-ras de deficiência; III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora; VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar; IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições ha-bitacionais e de saneamento básico; X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a in-tegração social dos setores desfavorecidos; XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e explo-ração de recursos hídricos e minerais em seus territórios; XII - estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito. Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a U-nião e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.71

71 Redação do parágrafo único dada pela Emenda Constitucional nº 53/2006.

86

A Constituição Federal de 1988, ainda que tenha concentrado inúmeras competências

privativas e exclusivas nas mãos da União Federal, abre a extensa possibilidade de atuação

dos Estados e Municípios, em conjunto com a União Federal. Determina-se, expressamente, a

cooperação entre os entes da federação.

Nesse sentido, conforme aponta Paulo Bonavides (2008, p. 369), a Constituição Fede-

ral de 1988 representa a evolução da forma de atuação estatal apresentada nas Constituições

de 1934 e 1946.

Ainda que não se refira diretamente ao Direito Tributário, a determinação de coopera-

ção prescrita pela Constituição de 1988 exerce consideráveis influxos em matéria financeira.

A cooperação não quer dizer apenas ações legislativas conjuntas, mas também atuações con-

cretas, executivas, nas quais haverá transferência de receitas entre os entes cooperados.

Além da preocupação da inclusão dos Estados e Municípios na atuação perante os ci-

dadãos, a Constituição Federal de 1988 atribuiu grande importância ao combate das desigual-

dades regionais, o que influenciou a repartição das competências tributárias entre os membros

da federação. Pela primeira vez, o texto constitucional elegeu este como um dos objetivos do

Estado:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e re-gionais; [...]

Voltamos aos termos iniciais deste trabalho para reconhecer que o Direito não deve ser

interpretado em tiras, mas como um todo. Isso, a nosso ver, significa a necessidade de adotar

os primeiros dispositivos da nossa Constituição, e os valores por eles positivados, como im-

portantes vetores para interpretação de todo o resto do Texto.

A redução das desigualdades regionais é objetivo que se liga diretamente ao federa-

lismo de cooperação, com a união72 de todos os entes em favor do desenvolvimento econômi-

co e social uniforme. Aliás, o desenvolvimento econômico uniforme, como acima se mostrou,

é princípio implícito em outras Constituições brasileiras, de maneira que a de 1988 o elevou

ao mais alto patamar dentre as finalidades do Estado brasileiro.

72 Nas palavras de Washington Peluso Albino de Souza (1958, p. 124), “Os elementos participação e au-

tonomia, que deverão integrar uma teoria do federalismo, estão imbuídos de um rico colorido econômico e jul-gamos de grande importância que este aspecto não seja descurado, sempre que se tenha por mira estabelecer os princípios gerais federalistas”.

87

No que concerne ao combate das desigualdades regionais, são lições de Paulo Bonavi-

des (2008, p. 358), o que enfatiza sobre as prescrições da Constituição de 1988 quanto ao re-

levo dado ao desenvolvimento econômico das regiões. Vejamos:

Todavia, insistimos na asserção de que a constitucionalização administrativa das Regiões representou já significativo avanço ou abertura. Seus horizontes se alargam consideravelmente se atentarmos que toda a matéria disciplinada no art. 4373 da Constituição cresce de importância excepcional, uma vez vinculada ao mandamento do inciso III do art. 3º, que fez um dos objetivos fundamentais da República Federa-tiva do Brasil reduzir as desigualdades regionais, e à regra do inciso VII, do art. 17074, onde tal redução de desigualdades avulta como um dos princípios da ordem econômica.

O autor reconhece a importância desse desenvolvimento e aplaude a forma com que a

Constituição Federal o enfrenta (BONAVIDES, 2008, p. 357-358), o que nos leva a concluir

que a redução das desigualdades regionais deve ser um dos importantes elementos para a in-

terpretação da atual forma federativa do Estado brasileiro.

Impende reconhecer, conforme advertiu Machado Horta75, que a atuação da União em

cooperação com outros entes federados deverá ser constitucionalmente norteada, com finali-

dade de evitar abusos de poder e desvios de função pelos representantes do poder central.

As normas constitucionais deverão ser interpretadas no sentido de promover melhor

equilíbrio possível entre os entes da federação. Recordemos, nesse ponto, que a forma federa-

tiva pressupõe a igualdade entre os entes que a compõem, não sendo possível a dominação de

um sobre o outro. A autonomia deverá ser garantida.

Sobre o equilíbrio econômico entre as regiões pretendido pela Constituição Federal de

1988, são comentários de Dircêo Tordesillas Ramos (1998, p. 88-89):

Equilíbrio entre tarefas e recursos. No Estado federal cada ente recebe tarefas e re-cursos para a execução das mesmas. Quando ocorre o desequilíbrio entre as obriga-ções e os meios financeiros, chegamos ao que se convencionou chamar de “crise de

73 Art. 43. Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo ge-

oeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais. § 1º - Lei com-plementar disporá sobre: I - as condições para integração de regiões em desenvolvimento; II - a composição dos organismos regionais que executarão, na forma da lei, os planos regionais, integrantes dos planos nacio-nais de desenvolvimento econômico e social, aprovados juntamente com estes. § 2º - Os incentivos regionais compreenderão, além de outros, na forma da lei: I - igualdade de tarifas, fretes, seguros e outros itens de custos e preços de responsabilidade do Poder Público; II - juros favorecidos para financiamento de atividades priori-tárias; III - isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas; IV - prioridade para o aproveitamento econômico e social dos rios e das massas de água represadas ou represáveis nas regiões de baixa renda, sujeitas a secas periódicas. § 3º - Nas áreas a que se refere o § 2º, IV, a União incentivará a recuperação de terras áridas e cooperará com os pequenos e médios proprietários rurais para o estabelecimento, em suas glebas, de fontes de água e de pequena irrigação.

74 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes prin-cípios: [...] VII - redução das desigualdades regionais e sociais; [...]

75 1964, p. 308. Citação transcrita nos comentários à Constituição Federal de 1946.

88

sobrecarga”. Verificamos que uma das razões para o sucesso do federalismo é um balanceamento geográfico, do tamanho do Estado, da riqueza, da população. No Brasil há uma disparidade em relação a esses requisitos, com acentuada desigualda-de. Surge aí a necessidade de corrigir o defeito. A solução encontrada, não só entre nós, mas já preocupando outros países como a Suíça, Espanha, Estados Unidos, é a busca do equilíbrio, a cooperação, através de: a) divisões regionais, por grupos de Estados; b) divisão de tributos; c) criação de incentivos fiscais ou outras modalida-des e a redistribuição de receitas. [...] Estes arranjos são o que chamamos de federa-lismo Assimétrico. (destaque no original)

A evolução constitucional brasileira mostra a tendência à repartição de receitas tributá-

rias. Esse caminho foi iniciado com a determinação de repartição do produto da arrecadação

de impostos residuais, seguida pela tímida repartição de impostos privativos, chegando-se à

larga repartição dos grandes impostos federais e estaduais.

De acordo com as palavras de Tordesillas Ramos e conforme tentamos demonstrar es-

pecialmente nos comentários à Constituição Federal de 1946, a repartição do produto da arre-

cadação é eficaz instrumento para a correção de desigualdades econômicas entre Estados da

federação, pois a repartição privativa não é capaz de fazer com que haja arrecadação onde não

exista circulação de riquezas.

Novamente, são palavras de Tordesillas Ramos (1998, p. 267):

Devido as grandes diferenças econômicas entre os Estados e Regiões a Constituição dispõe de repartição de receitas tributárias, de forma diferençada nos arts. 157 e 162, para recompor as desigualdades diminuindo-as. Ao fazê-lo, reconhece não só os Es-tados mais carentes, mas também Regiões de Estados com alocação de recursos pró-prios da União e dos Estados, a eles e aos municípios.

É em razão das grandes diferenças econômicas regionais que, com muita razão, a

Constituição Federal de 1988 determina a repartição do produto da arrecadação tributária,

conforme redação dos já muito emendados arts. 157, 158 e 159. São tributos repartidos pela

União: os impostos sobre a renda, propriedade territorial rural e produtos industrializados, os

impostos criados em exercício de competência residual e a contribuição prevista pelo art. 177

dessa Constituição, cuja repartição foi determinada pela Emenda Constitucional nº 44/2004.

Já os Estados repartirão os impostos sobre a propriedade de veículos automotores, circulação

de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte intermunicipal e interestadual e

de comunicação.

Merece destaque, nesse sentido, a importância econômica dos impostos sujeitos à re-

partição entre os entes federados. Dentre os repartidos pela União está o imposto sobre a ren-

da e, dentre os repartidos pelos Estados, está o imposto sobre circulação de mercadorias.

Apesar de o sistema de repartição de receitas tributárias não ser inovação da Constitui-

ção de 1988, é importante reconhecermos que assim como a repartição das competências para

89

a instituição de tributos, as normas de partilha do produto da arrecadação são importantes sus-

tentáculos do federalismo, já que são instrumentos para a garantia da autonomia e igualdade

entre os entes federados, assim como para a redução das desigualdades regionais.

Ainda sobre as receitas tributárias, a Constituição Federal de 1988 previu a impossibi-

lidade de prévia vinculação de produto da arrecadação de impostos a qualquer finalidade:

Art. 167. São vedados: [...] IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a re-partição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manuten-ção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 21276 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo;77 [...]

Este dispositivo constitui importante inovação constitucional. Até a Constituição de

1988 vigia o princípio da anualidade tributária, segundo o qual, lei ordinária deveria prever os

tributos que seriam cobrados no exercício seguinte, sendo possível, inclusive, que as receitas

da arrecadação já fossem direcionadas para finalidades escolhidas.

A questão importante que se põe, agora, é saber em que medida a repartição do produ-

to da arrecadação pode influenciar a interpretação das normas de competência para a institui-

ção e cobrança de tributos.

Passemos a essa análise, iniciando-a pela forma como é repartida a competência para a

instituição de tributos pela Constituição Federal de 1988.

3.6.1 Repartição das competências para a tributação

A Constituição Federal de 1988 seguiu, basicamente, a repartição de competências

promovida pela Emenda nº 18/1965 à Constituição de 1946. O sistema constitucional se estru-

tura sobre o disposto no art. 145 da Constituição, que entrega aos entes federados a competên-

cia para a criação de impostos, taxas e contribuição de melhoria.

76 Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e

os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a provenien-te de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

77 Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42/2003.

90

A competência para a criação das taxas e da contribuição de melhoria é comum a to-

dos os entes federados sem repartição prévia de fatos. Caberá ao ente federado que prestar o

serviço público ou exercer o poder de polícia a sua retribuição por taxa e, também, ao ente

que realizar obra pública que resulte em valorização imobiliária a instituição de contribuição

de melhoria.

Já a competência para a criação de impostos, apesar de também ser comum, é dividida

por fatos, de maneira que cada ente poderá tributar por impostos somente aqueles fatos que

lhe forem autorizados pela própria Constituição, que o faz nos arts. 153, 155 e 156.

Todos os entes federados, portanto, possuem competência para a criação de impostos.

Seu exercício, contudo, deverá ocorrer dentro dos exatos limites estabelecidos pela Constitui-

ção, cabendo faixas privativas a cada um deles. Aliás, nossa doutrina reconhece que a reparti-

ção da competência para a criação de impostos além de privativa, será indelegável, incaducá-

vel, inalterável, irrenunciável e de exercício facultativo (BECHO, 2011, p. 235; CARRAZZA,

2007, p. 621).78

A competência para a criação de impostos, taxas e contribuição de melhoria é comum

a todos os entes federados. Há, no entanto, outras competências que devem ser analisadas.

Caberá, nesse sentido, à União (art. 154, I) a criação de impostos incidentes sobre fa-

tos não descritos pela Constituição Federal de 1988, ou seja, a competência impositiva resi-

dual. Esse competência, no entanto, somente poderá ser exercida pela via da lei complemen-

tar, impondo-se à União restrição procedimental para criação de impostos sobre fatos que não

lhe tenham sido expressamente entregues.

O mesmo art. 154 dessa Constituição, em seu inciso II, também entrega à União com-

petência para a criação de impostos extraordinários, em caso de guerra externa ou de sua imi-

nência, assegurada sua supressão gradativa. A criação desses impostos não está sujeita às fai-

xas privativas de competência dos Estados e Municípios, sendo possível sua instituição sobre

qualquer fato que se entenda pertinente.

O regime de exceção, neste caso, não é procedimental, mas material. Se a dificuldade

do exercício da competência residual está no uso da lei complementar, para os impostos ex-

traordinários o regime de exceção está na necessidade de haver guerra externa ou sua iminên-

cia para o exercício da competência.

78 Paulo de Barros Carvalho (2008, p. 239), reconhecendo exceções nas características da privatividade,

inalterabilidade e facultatividade, aponta como características das normas de competência tributária apenas a indelegabilidade, incaducabilidade e a irrenunciabilidade.

91

A guerra externa, também é pressuposto material para a criação de empréstimos com-

pulsórios, mais um tributo entregue pela Constituição somente à União Federal. A criação dos

empréstimos compulsórios, sempre por lei complementar, dependerá de guerra externa ou sua

iminência, de casos de calamidade pública (art. 148, I) ou investimentos públicos de caráter

urgente e relevante para o interesse nacional (art. 149, II). Esses tributos se caracterizam pela

previsão legal de sua restituição.

Note-se, mais uma vez, o regime de exceção ao qual a União está submetida para a

criação dos empréstimos compulsórios, sujeita tanto às condições materiais (guerra, calami-

dade, relevante e urgente interesse público), quanto ao uso da lei complementar.

Por último, o art. 149 da Constituição Federal de 1988 entrega, novamente só à Uni-

ão79, a competência para a instituição de contribuições, como instrumento de atuação social,

no domínio econômico e em interesse de categorias profissionais ou econômicas.

Em uma perfunctória análise, o acidente que diferencia as contribuições dos demais

tributos acima referidos é o fato de esse tipo tributário servir de instrumento para atuação nas

áreas apontadas pelo próprio art. 149, o que resulta nas ideias de finalidade e destinação do

produto da arrecadação.80

A amplitude dos significados dos vocábulos social, ordem econômica e categorias

profissionais e econômicas entrega à União um ilimitado campo de atuação, que não lhe im-

põe, pelo menos aparentemente, grave limitação material para a instituição de contribuições,

diferentemente do que ocorreu com todos os demais tributos que não são comuns a todos os

entes federados.

Ainda sobre a competência para a instituição de contribuições, não são bem determi-

nados os fatos sobre os quais as contribuições poderão incidir, bem como o veículo legal ne-

79 Duas observações são importantes. A primeira delas se refere à possibilidade de os Estados, Municí-

pios e Distrito Federal, nos termos do art. 40 da Constituição Federal, criarem contribuições incidentes sobre os proventos dos seus servidores para custeio dos regimes próprios de previdência. A segunda observação se refere à possibilidade de instituição de contribuição para custeio do serviço de iluminação pública pelos Municípios, nos termos do art. 149-A da Constituição Federal de 1988. A União, portanto, não é o único ente federado com-petente para a criação de contribuições, mas é o ente que possui tal competência como regra, sendo excepcionais as restritas possibilidades de sua criação por Estados, Municípios e Distrito Federal.

80 Queremos, aqui, romper com a tradicional ligação entre os conceitos de contribuição e parafiscalida-de. Conforme apontado na evolução histórica das contribuições, sua gênese se deve primordialmente à destina-ção física do produto da arrecadação, ou seja, instituía-se o tributo, mas quem teria a titularidade de sua arreca-dação e aplicação seria pessoa jurídica diferente daquela que o instituiu. Não há, no regime constitucional, ne-nhuma ligação necessária entre contribuições e parafiscalidade, enquanto transmissão do produto da arrecadação. Prova disso é o fato de inúmeras contribuições serem instituídas e cobradas pela própria União Federal, o que, no entanto, não retira o dever de determinação de uma finalidade para a sua instituição e arrecadação. Queremos dizer, com isso, que interessa às contribuições a aplicação do produto da arrecadação na finalidade pré-determinada, seja pela pessoa jurídica que a instituiu, seja por outra pessoa jurídica (parafiscalidade). Em cada caso concreto, a contribuição poderá, ou não, ser parafiscal, dependendo de disposições legais.

92

cessário para sua instituição (se lei complementar ou ordinária), o que causa gravíssimo pro-

blema na repartição de competências para a tributação, conforme enfrentaremos adiante.

93

4 O REFLEXO DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA NA COMPETÊNCIA PA RA A

INSTITUIÇAO DE CONTRIBUIÇÕES NA CONSTITUIÇÃO FEDERA L DE 1988

4.1 A Constituição Federal de 1988 como resultado da evolução dos textos

constitucionais anteriores

Com a finalidade de conferir unidade ao texto deste estudo, julgamos importante pro-

mover uma breve transição entre a sua parte geral e a sua parte específica, justificando, prin-

cipalmente, a análise histórica realizada da evolução do princípio federativo e os seus influxos

nas normas de repartição de competência para a tributação.

Para essa tarefa, reafirmamos o nosso compromisso de trabalhar sobre normas consti-

tucionais de repartição de competências tributárias, a partir do mais importante princípio que

as fundamenta, o princípio federativo.

A importância desse principio é o primeiro ponto que justifica a análise histórica pro-

movida. A forma federativa, embora adotada em muitos países a partir da experiência norte-

americana, possui regras próprias em cada uma das Constituições que a veiculem, inclusive

nas Constituições brasileiras de 1891 a 1988.

A experiência federalista brasileira nasceu em 1891 como cópia do sistema norte-

americano, com rígida separação de competências entre União e Estados, que conviviam pra-

ticamente independentes entre si. Resultado disso foi uma grave crise política e econômica,

em que os membros da federação, ao invés de se ajudarem, buscaram financiamentos em ins-

tituições financeiras estrangeiras. Como se mostrou, uma das causas dessa crise econômica foi

a forma exclusivamente privativa em que foi repartida a competência tributária entre os mem-

bros da federação.

Cumpre relembrar que a repartição exclusivamente privativa de competências tributá-

rias coloca os entes federados mais pobres em difícil situação: ou se exerce a competência e

não se atrai o capital particular ou, se não exerce a competência, tais entes atraem o capital,

mas sem arrecadação tributária.

A forma federativa, a partir da mal sucedida experiência de 1891, passaria por mudan-

ças em cada uma das novas Constituições brasileiras, caminhando no sentido de estabelecer a

94

intensa cooperação entre os entes federados para que o desenvolvimento econômico pudesse

chegar uniformemente em todas as nossas regiões.

Nesse regime de cooperação entre os entes federados, o papel fundamental seria entre-

gue à União Federal. Ao invés de os entes agirem isoladamente, a cada novo texto constitu-

cional previam-se mais casos de atuação conjunta dos entes federados, entregando-se à União

a tarefa de uniformizar o desenvolvimento econômico nacional, com regras de repartição e

aplicação de receitas em regiões menos desenvolvidas do país. Além de casos de atuação es-

pecífica, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu como um dos objetivos do Estado Fede-

ral o combate às desigualdades econômicas regionais.

O princípio federativo deixa, portanto, de ser o instrumento para a rígida separação en-

tre os entes federados, para ser o fundamento da intensa cooperação entre eles. A conduta de

cada ente passa a ter reflexos em todos os demais, já que há inúmeras relações constitucio-

nalmente determinadas entre eles.

A evolução do princípio federativo nos sugere que o seu objetivo deixou de ser a via-

bilização da coexistência harmônica, para assumir o caráter de parceria e o desenvolvimento

conjunto dos membros da federação, tarefa a ser capitaneada pela União Federal. Para isso, a

federação, em sua acepção moderna, é sustentada financeiramente por dois importantes pila-

res: o da repartição privativa de competências para a tributação e o da repartição do produto

da arrecadação entre os entes federados. O primeiro garante aos entes federados a arrecadação

tributária própria, por meio da criação dos tributos que lhe foram constitucionalmente autori-

zados; já o segundo garante a obtenção de receitas transferidas especialmente pela União Fe-

deral na inversa proporção do grau de desenvolvimento econômico do ente federado benefici-

ário.

É preciso, com isso, notar que as normas de repartição de competências tributárias es-

tão inseridas em um complexo contexto de manutenção da forma federal do Estado brasileiro,

de maneira que a interpretação das referidas normas receberá influxos de todas as outras nor-

mas inseridas nesse mesmo contexto. É por esse motivo que uma das premissas deste trabalho

para o processo de interpretação enfoca a unidade do texto constitucional.

Limitar o Direito Constitucional Tributário às disposições contidas entre os arts. 145 e

156 da Constituição Federal de 1988 resultaria na injustificada separação de elementos indis-

sociáveis. Interessa-nos, quanto ao nosso tema, o princípio federativo, insculpido no art. 1º da

Constituição de 1988, o seu art. 3º, que prescreve os objetivos do nosso Estado, as normas de

ações cooperativas entre os entes, as normas de repartição de arrecadação tributária e todas as

95

demais que direta ou indiretamente estejam imbricadas com o conteúdo do Sistema Tributário

Nacional (capitulo I do título VI da Constituição Federal de 1988).

Queremos, a partir da interpretação da Constituição como um todo, traçar o arquétipo

constitucional para a criação de contribuições. Note-se que o nosso estudo não partirá de con-

tribuições criadas em concreto, mas da competência para a sua instituição.

Nessa tarefa, utilizaremos todas as normas constitucionais que julgarmos necessárias

para traçar a regra-matriz constitucional das contribuições, apontando os fatos por elas tribu-

táveis, seus contribuintes, sua intensidade, etc. É importante, assim, reconhecer que não é ob-

jeto deste trabalho estudar relações tributárias concretas, nascidas a partir da ocorrência de

fatos descritos em hipóteses legais e, tampouco, a administração de produtos de arrecadação.

Queremos, apenas, entender a forma pela qual a competência outorgada pelo art. 149 da

Constituição Federal de 1988 deverá ser utilizada.

É por esse motivo que a repartição concreta do produto da arrecadação não nos inte-

ressará. Estamos, por outra via, interessados na finalidade pela qual as rendas são repartidas e

nos limites que essa repartição pode impor ao exercício da competência para a tributação pe-

las contribuições.

Para nos expressarmos melhor, os efeitos que as normas constitucionais de repartição

do produto da arrecadação podem causar na interpretação das normas de repartição da compe-

tência tributária ficam mais claros percebendo-se que a supremacia das competências privati-

vas da União tem correspondência na maior intensidade em que determinada a repartição do

produto de sua arrecadação dos seus tributos. O uso constitucionalmente adequado dessas

competências está ligado à boa relação com as normas de repartição de rendas. Nesse sentido,

são interessantes as palavras de José Cretella Júnior (1992, v. 7, p. 3.711):

Vigora, desse modo, no Brasil, um sistema tributário informado pelo princípio da participação de entidades políticas locais, em imposto federal, instrumento jurídico-econômico destinado a minimizar as diferenças de nível de vida entre regiões do mesmo Estado, mediante a captação de impostos, arrecadados das regiões economi-camente fortes e canalizando-os para regiões menos favorecidas. (destaques no ori-ginal)

Os sustentáculos financeiros da federação, portanto, se comunicam, de modo que a au-

tonomia dos entes federados e a cooperação entre eles, em nome do desenvolvimento econô-

mico, estão intimamente ligadas à boa relação entre as normas tributárias e, nesse caso, as

financeiras.

96

É essencial, diante disso, a ciência de que o sistema federal foi construído para que

nenhum ente federado seja superior aos demais, cânone que norteará a nossa interpretação da

competência para a criação de contribuições.

Voltando à evolução das Constituições brasileiras, a repartição de rendas somente foi

prevista no momento em que se percebeu a incapacidade de os entes federados manterem a

sua autonomia apenas com as competências tributárias privativas. Por outro lado, ainda quan-

to aos aspectos históricos, a intensa criação de contribuições esteve ligada aos períodos em

que o federalismo brasileiro foi um princípio meramente retórico, subjugado por regimes dita-

toriais. Foi na vigência da Constituição de 1937 que as contribuições foram amplamente inse-

ridas em nosso sistema infraconstitucional e foi na vigência da Constituição Federal de 1967,

com alterações em 1969 e 1977, que se pretendeu (com êxito) isentar as contribuições de toda

a rigidez inerente à criação e arrecadação de tributos.

Toda essa tradição e história jurídica desembocam na Constituição Federal de 1988,

que, sendo produzida por um Congresso Nacional empossado durante o regime da Constitui-

ção de 196781, pode ter sequelas antifederalistas decorrentes da ordem anteriormente vigente

que devem ser combatidas, sob pena de hegemonia da União Federal em detrimento dos de-

mais entes federados.

Para a interpretação dos limites da competência para a instituição das contribuições

trabalharemos, portanto, sobre a rígida premissa do equilíbrio federativo, que, repetimos, é

financeiramente mantido por dois pilares, o das competências tributárias próprias e o da repar-

tição do produto da arrecadação. Se um desses pilares estiver muito maior que o outro, não

haverá sustentação do princípio federativo, e a única forma de saber se os pilares são simétri-

cos, aptos a sustentar o federalismo, é comparando-os, o que justifica a análise, ainda que su-

perficial, da repartição constitucional de rendas.

Destarte, é reconhecendo o texto constitucional em sua integralidade que nos envere-

daremos na análise da competência para criação de contribuições, comparando o teor, princi-

palmente, do art. 149 da Constituição Federal de 1988 com outras normas constitucionais.

4.2 A competência para a criação de contribuições no sistema constitucional tributário

de 1988: problematização

81 Não houve eleições específicas para a Assembleia Constituinte, poder para o qual os membros eleitos

para o Congresso Nacional naquela legislatura foram investidos.

97

Ainda antes de entrarmos na análise do tema proposto, a extensão da competência para

a criação das contribuições pela União Federal, cumpre-nos apontar o motivo que nos levou a

escolher esse assunto como o tema deste trabalho. Para isso, é importante começar pela leitura

do caput do art. 149 da Constituição Federal de 1988. É a sua redação:

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de inter-venção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econô-micas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativa-mente às contribuições a que alude o dispositivo.

A partir da redação deste artigo, queremos saber se existe um limite para a escolha pe-

lo legislador infraconstitucional dos fatos que serão objeto de tributação pelas contribuições,

ou seja, o aspecto material de sua hipótese de incidência, além de outros limites constitucio-

nais impostos ao legislador nesse exercício.

O interesse nesse estudo decorre da desordem que a interpretação do art. 149 da Cons-

tituição de 1988 tem causado no Sistema Tributário Nacional. Conforme será adiante estuda-

do, às contribuições não é imputado um regime de exceção como ocorre nos tributos exclusi-

vos da União Federal. Já apontamos que há inúmeros requisitos formais e materiais para a

instituição de impostos residuais e extraordinários e empréstimos compulsórios, o que não

acontece, atualmente, com as contribuições.

Tem-se admitido a criação de contribuições sobre fatos que não estejam incluídos na

faixa de competência privativa da União por via de lei ordinária, desprivilegiando a determi-

nação para a criação de impostos residuais por via de lei complementar. Nesses casos, além

do meio para produção legal pela União ser facilitado, este ente federado também se aproveita

da desnecessidade de repartir o produto da arrecadação com os Estados, regra vinculada aos

impostos residuais.

Essa conduta da União é admitida com fundamento no reconhecimento de que as con-

tribuições não são impostos. A sedimentação desse entendimento, usado também para susten-

tar que as contribuições não se sujeitam às imunidades genéricas de impostos previstas pelo

art. 150 da Constituição de 1988, nos causa temor. Seria possível, então, que a União criasse

contribuições sobre fatos de competência privativa dos Estados, Municípios e Distrito Fede-

ral? Sendo as competências privativas distribuídas entre os entes federados apenas para a cria-

ção de impostos, de acordo com esse entendimento, isso seria possível, o que nos parece um

absurdo.

98

Ainda sobre a desorganização do sistema tributário, chegamos a ponto de a União Fe-

deral substituir a incidência parcial do imposto de renda sobre remessas para o exterior por

contribuição de intervenção no domínio econômico, conforme teor da Lei nº 10.168/2000, que

cria contribuição incidente sobre pagamento de royalties para o exterior, mas reduz a alíquota

do imposto de renda incidente sobre essas remessas, na proporção em que foi criada a contri-

buição.

Prevalecendo a constitucionalidade da substituição do imposto por contribuição, seria

possível, então, que a União substituísse todos os seus impostos sujeitos à repartição de recei-

tas por contribuições, excluindo sua arrecadação da partilha entre os entes federados. Mais

uma vez, estamos diante de uma hipótese que nos parece um absurdo, pois a União estaria

livre de promover a partilha das suas receitas tributárias com os demais entes.

Esses são alguns exemplos de contradições que envolvem a relação entre a criação de

contribuições e outros tributos que nos incomodam. Ainda que saibamos que algumas das

hipóteses ventiladas acima sejam absurdas (uso de lei ordinária, desrespeito às faixas de com-

petência, não repartição do produto da arrecadação, etc.), não temos fundamentos jurídicos

para refutá-las, afastando a sua constitucionalidade, o que é fruto da imperfeita interpretação

praticada sobre a competência para a criação de contribuições.

É por esse motivo que entendemos que a rigidez do Sistema Constitucional Tributário

não admite a facilidade e ausência de limites com que a União tem usado a competência para

a criação de contribuições.

Investigaremos se o simples fato de se atribuir uma finalidade para o produto da arre-

cadação de um imposto, transformando-o em contribuição, retira esse tributo de um grande

número de exigências promovidas pelo Sistema Tributário Nacional.

Na tarefa de apresentar uma interpretação para o art. 149 da Constituição Federal de

1988 que o harmonize com todo o Sistema Tributário Nacional, iremos compará-lo com di-

versas outras normas constitucionais, tributárias ou não, para saber se há limites mais rígidos

para a instituição de contribuições ou se o sistema atualmente vigente está correto. Analisa-

remos, nesse sentido, as normas de atribuição de competências para todos os outros tributos

previstos por essa Constituição, as normas de imunidade, as normas de competência privativa,

as normas de repartição de produtos da arrecadação, a proibição de destinação prévia de im-

postos e, é claro, sua adequação ao princípio federativo.

99

Pretendemos, ao final deste estudo, estabelecer qual é o regime jurídico que deve ser

obedecido pela União Federal para o exercício da competência tributária que lhe é outorgada

pelo art. 149 da Constituição Federal de 1988 para a criação de contribuições.

100

5 AS CONTRIBUIÇÕES NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A análise do princípio federativo, além de melhor definir o seu conteúdo, teve a finali-

dade de exaltar a sua importância para o bom entendimento das regras constitucionais de re-

partição da competência tributária.

Por outro lado, a evolução histórica das nossas Constituições deixa claro que a institu-

ição de contribuições, por muito tempo, foi assunto sobre o qual o constituinte silenciou. A

omissão constitucional causou, ao longo da história, incontáveis controvérsias sobre esse tipo

tributário, que, inclusive, deixou de ser tributo durante a vigência da Constituição de 1967,

após alterações realizadas pela Emenda nº 1/1969.

A partir desses dois elementos, ou seja, o princípio federativo e a evolução histórica

das Constituições Federais brasileiras, a nossa pretensão é cotejar a regra de competência para

instituição de contribuições entregue à União Federal pelo art. 149 da Constituição Federal de

1988 com outras normas constitucionais, tributárias ou não, em busca de um arquétipo genéri-

co desse tipo tributário.

Conforme já deixamos claro anteriormente, a nossa análise estará sempre pautada em

elementos constitucionais, de modo que desceremos à legislação ordinária, que cria tributos

em abstrato, apenas para a apresentação, quando for o caso, de exemplos relacionados ao e-

xercício da competência constitucional para a criação de contribuições.

Destacamos, sobre a importância da análise preponderantemente constitucional do Di-

reito Tributário, as palavras de Geraldo Ataliba (2008, p. 46):

A raiz das deficiências da nossa literatura, legislação e jurisprudência está na equi-vocada premissa da autonomia do direito tributário, que tanto atraso causou ao de-senvolvimento de nossa prática, pela insegurança jurídica que aqui se instaurou. A consequência dessa posição tem sido o olvido da raiz constitucional desse ramo do direito administrativo e a incapacidade da doutrina de colocar adequadamente os problemas, para, então, oferecer-lhes solução, sempre a partir de dados positivos constitucionais.

Deixamos claro, além disso, que o nosso estudo sobre a competência para a instituição

de contribuições não está condicionado por nenhuma das correntes de classificação das espé-

cies tributárias. O nosso real interesse é investigar a forma pela qual a competência da União

para a criação de contribuições deverá ser exercida, estabelecendo-se, com isso, quais fatos

podem ser tributados, quem deve ser o seu contribuinte e qual a forma de mensurar a intensi-

dade da tributação individualizada.

101

Propositalmente, não apresentaremos definições prontas e acabadas do conceito de

contribuição, mas, por meio de comparações, tentaremos reconhecer os limites aos quais esse

tributo está sujeito.

5.1 A diferenciação dos tributos pela Constituição Federal de 1988

Não será nosso objetivo estudar cada um dos tipos tributários veiculados por essa

Constituição Federal, o que, no entanto, não nos impede de reconhecer que a nossa Carta pre-

vê competência para a criação de alguns tributos diferentes, sendo os principais deles os im-

postos, as taxas, a contribuição de melhoria, as contribuições e os empréstimos compulsórios.

A primeira questão que nos vem à mente, a partir desse considerável número de dife-

rentes tributos, se refere ao motivo pelo qual essa diferenciação entre tipos tributários foi fei-

ta.

A resposta para a questão parece estar no princípio da igualdade. Se deixarmos de lado

o grau de desenvolvimento do Direito Tributário e a nossa familiaridade com esses tributos,

seria sustentável a possibilidade de o Estado cobrar apenas impostos, custeando toda a sua

atividade administrativa com o produto da sua arrecadação.

Se somente fosse possível ao Estado criar impostos, todos os serviços públicos por ele

prestados, ainda que aproveitáveis por cidadãos definidos, seriam custeados por toda a coleti-

vidade. Foi esse o ponto que forçou a criação e o desenvolvimento de diferentes formas de

tributação. Em casos, por exemplo, de serviços públicos específicos e divisíveis, somente o

cidadão por ele beneficiado deverá recolher tributo aos cofres públicos, nesse caso, como

forma de retribuição pela atuação estatal.

Sobre a diferenciação dos tributos, Luis Eduardo Schoueri sustenta que cada tipo tri-

butário possui uma justificação teleológica que o difere dos demais. De acordo com o autor

(SCHOUERI, 2012, p. 166):

A importância da busca de uma justificação está no princípio da igualdade. Confor-me será discutido no Capítulo VII, este princípio impõe que haja uma fundamenta-ção para toda diferenciação entre contribuintes. Pois bem: essa fundamentação é a própria justificação. Quando se procura uma fundamentação para uma diferenciação, quer-se responder à seguinte pergunta: por que razão determinado contribuinte, den-tre todos os membros daquela comunidade, foi o escolhido para pagar aquele tribu-to? O que justifica sua escolha? Por que não outros? O que o faz alvo de um trata-mento diferenciado (ou que faz os outros ao pagarem aquilo a que ele está sujeito)?

102

A partir da justificação como reflexo da igualdade para a diferenciação dos tributos,

Schoueri promove a sua classificação das espécies tributárias. Ainda que não entremos con-

cretamente na classificação desse autor, nos parece importante reconhecer que todo tributo,

realmente, atende a uma finalidade.

É essa finalidade, nas palavras de Schoueri, sua justificação, que estabelecerá o regime

jurídico constitucional de cada tributo, a ser observado pelo legislador ordinário. Note-se,

nesse sentido, que o elemento teleológico como pressuposto para a tributação não tem relação

exclusiva com as contribuições, mas com todos os tributos (SCHOUERI, 2012, p. 161).

Não serão somente as contribuições que poderão ser instituídas como forma de concre-

tizar uma finalidade, mas também os impostos, as taxas, a contribuição de melhoria, os em-

préstimos compulsórios ou qualquer outro tributo diferentemente nomeado pela Constituição

Federal.

As lições do autor, de fato, nos entregam importante instrumento para o estudo da tri-

butação, um sólido ponto de partida para o conhecimento do arquétipo constitucional de cada

tributo. A partir delas, caminharemos na direção da concretude das normas de competência

para sabermos com melhores parâmetros como o legislador ordinário deverá se comportar na

instituição de uma contribuição.

Também é caminhando para análise da concretude das normas de competência tributá-

ria que Sacha Calmon Navarro Coêlho (2007, p. 19) assume postura no sentido de afastar as

finalidades gerais como o principal elemento para conhecimento do regime constitucional de

cada tributo, já que, para ele, a finalidade do tributo não está em sua hipótese de incidência

(COÊLHO, 2007, p. 32).

Para o autor, somente a análise da vinculação da hipótese de incidência interessará pa-

ra o estudo das normas de competência tributária. O autor reconhece (COÊLHO, 2005, p.

142), inclusive, a constitucionalização da teoria doutrinária da vinculação da hipótese de inci-

dência:

O constituinte de 1988, como de resto ocorreu com a Constituição de 1967, adotou, em sede doutrinária, a teoria jurídica dos tributos vinculados e não vinculados a um a atuação estatal para operar a resolução do problema da repartição das competên-cias tributárias, utilizando-a com grande maestria.

A determinação constitucional para que um tributo tenha a hipótese de incidência vin-

culada ou não a uma prestação estatal parece ser mais um passo em direção à concretude das

normas de competência tributária. Unindo as lições de Schoueri e Coêlho, o aspecto teleológi-

103

co de cada tributo terá como um de seus reflexos a determinação constitucional de vinculação,

ou não, da sua hipótese de incidência a uma prestação estatal.

Com base nestes dois elementos, finalidade e vinculação, é questão relativamente sim-

ples o reconhecimento no plano constitucional da diferença entre impostos e taxas, clássicos

representantes dos tributos não vinculados e vinculados a uma prestação estatal.

A mais importante questão que pretendemos ver resolvida, nesse sentido, é saber se as

contribuições previstas pelo art. 149 da Constituição Federal de 1988 se diferenciam dos im-

postos e das taxas de tal forma que lhes sejam determinadas regras próprias para sua criação

em abstrato pelo legislador ordinário.

Essa análise da competência tributária a partir da vinculação da hipótese de incidência

demanda que o suposto divórcio entre o Direito Tributário e o Direito Financeiro seja repen-

sado. Conforme reconhece Luciano Amaro (2004, p. 64), a autorização para a criação de tri-

butos sobre fatos vinculados ou não a uma prestação estatal tem origem financeira. Foi a par-

tir da análise dos gastos com serviços públicos específicos e divisíveis que apareceu a possibi-

lidade de diferenciação de contribuintes, de modo que somente aqueles que se beneficiassem

do serviço prestado deveriam pagar taxas.

Geraldo Ataliba, no mesmo sentido, alerta que o Direito Tributário se vale de alguns

elementos das ciências das finanças para a diferenciação entre as espécies de tributo, cabendo

ao seu intérprete reconhecer os elementos daquela ciência positivados pelo Direito. O autor

(ATALIBA, 2008, p. 126) exemplifica a relação entre a ciência das finanças e o Direito Tri-

butário exatamente no que se refere às contribuições:

A classificação dos tributos, segundo critérios jurídicos, é uma sombra da classifica-ção financeira. Assim como a ciência do direito elaborou um conceito próprio de tri-buto, assim, também, com critérios próprios, elaborou uma classificação, com vali-dade absoluta, no seu campo. As considerações metajurídicas (de ciência das finan-ças) podem, quando muito coadjuvar em certos pontos em que as decisões constitu-intes foram menos explícitas, o que, no Brasil, deu-se em raras passagens (como é o caso das contribuições).

Este excerto da obra de Ataliba esclarece a existência da intersecção entre as ciências

das finanças e o Direito Tributário e usa como exemplo dessa intersecção a classificação das

espécies tributárias. Reconhecemos a importância do exemplo do autor, mas reiteramos o nos-

so não interesse em promover a classificação das espécies tributárias. É importante, entretan-

to, reconhecer a importância da regra de vinculação para que se determine a amplitude da

104

liberdade para que o legislador infraconstitucional exerça a competência que lhe é outorga-

da.82

É importante reconhecer, sobre o exercício da competência tributária, que o regime de

instituição de tributos vinculados a uma prestação estatal é mais rigoroso que aquele determi-

nado aos tributos não vinculados, cuja principal regra está na determinação de observação da

capacidade contributiva.

A rigidez se refere à necessidade da base de cálculo do tributo ser uma mensuração

econômica do aspecto material da sua hipótese de incidência, conforme reconhece Paulo de

Barros Carvalho (2009, p. 618), ao apontar que “Em outras palavras, a base de cálculo há de

ter uma correlação lógica e direta com a hipótese de incidência do tributo”.83

Veja-se, por exemplo, as lições de Roque Carrazza (2007, p. 531) sobre os limites para

a instituição de taxas:

Sempre acerca das taxas, temos que seu princípio informador, como observou Ge-raldo Ataliba, é o da retributividade. [...] Em nome da segurança jurídica não pode-mos aceitar que, só porque a pessoa política realizou uma atuação estatal, está auto-rizada a cobrar uma taxa no valor que quiser e de quem quiser. [...] Pelo contrário, só poderá exigir a taxa daquela pessoa diretamente alcançada pela atuação estatal e desde que o tributo tenha por base de cálculo o custo da atuação.

Sobre a contribuição de melhoria, tributo também vinculado a uma prestação estatal, o

mesmo autor (CARRAZZA, 2007, p. 544) leciona:

Avançando um pouco, temos que a base de cálculo da contribuição de melhoria, como acenado, pode chegar, de acordo com o estipulado em lei, até o quantum da valorização experimentada pelo imóvel em decorrência, tão-somente, da obra públi-ca concluída em suas imediações.

Os tributos vinculados a uma atuação estatal, portanto, têm o escopo de retribuir o Es-

tado pelos serviços prestados a determinados contribuintes. A prestação estatal ocupa posição

de destaque na relação tributária, de maneira que o tributo exigido não poderá ultrapassar os

limites de seu custo.84 O próprio art. 145, §2º, da Constituição Federal de 1988, muito didati-

camente determina que “as taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos”.

Notemos, mais uma vez, os elementos de Direito Financeiro limitando a competência

para a instituição de tributos. Somente o adequado cálculo do custo do serviço e/ou da valori-

zação imobiliária permitirá a constitucional tributação por exações vinculadas a uma presta-

ção estatal.

82 Renato Lopes Becho (2009, p. 378) também reconhece a utilidade da repartição dos tributos entre

vinculados e não vinculados, mas entende que esta é uma classificação doutrinária e não constitucional. 83 No mesmo sentido: ATALIBA, 2008, p. 108; BECHO, 2011, p. 134. 84 A questão será analisada com mais detalhes adiante.

105

Será importante, então, saber se as contribuições previstas pelo art. 149 são tributos

vinculados ou não a uma prestação estatal. Ataliba (2008, p. 131) responde:

Pode-se dizer, portanto, que são tributos (1) vinculados aqueles cuja hipótese de in-cidência consiste na descrição de uma atuação estatal (ou uma consequência desta). Neste caso, a lei põe uma atuação estatal no aspecto material da h.i. São tributos (2) não vinculados aqueles cuja h.i. consiste na descrição de um fato qualquer que não seja atuação estatal. Isto é, a lei põe, como aspecto material da h.i., um fato qualquer não consistente em atividade estatal.

Vejamos, então, algumas definições doutrinárias de contribuições.

5.1.1 As contribuições na doutrina

A definição doutrinária de contribuição não é tema pacífico entre os estudiosos do Di-

reito Tributário, de maneira que principalmente duas correntes se destacam nessa divergência.

A primeira delas aponta que as contribuições são tributos vinculados a uma prestação estatal e

a segunda reconhece que as contribuições poderão ou não ser tributos vinculados a uma pres-

tação estatal, a depender da hipótese de incidência utilizada pelo legislador ordinário.

Comecemos por Geraldo Ataliba (2008, p. 147), que define contribuição como tributo

vinculado a uma prestação estatal, nos seguintes termos:

Nas contribuições, pelo contrário, não basta a atuação estatal. Só há contribuição quando, entre a atuação estatal e o obrigado, a lei coloca um termo intermediário, que estabelece a referibilidade entre a própria atuação e o obrigado. Daí o distinguir-se a taxa da contribuição pelo caráter (direto ou indireto) da referibilidade entre a a-tuação e o obrigado.

O autor (ATALIBA, 2008, p. 201), seguindo em suas lições, após apontar rígido regi-

me para a criação de contribuições, pragmaticamente reconhece que no Brasil inexistem “ver-

dadeiras contribuições”, admitindo que as contribuições têm sido qualificadas pela mera pré-

via destinação de seu produto de arrecadação.

Aparentemente, o autor se incomoda com a forma pela qual a competência para cria-

ção de contribuições é exercida no Brasil, qualificando-a, em regra, como meros impostos

destinados. Nesse sentido, Ataliba (2008, p. 183) promove severa crítica à doutrina:

Mesmo entre os autores que são pela autonomia das contribuições diante das demais espécies tributárias, os argumentos usados para sustentar essa posição são, em geral, não jurídicos. Embora todos os verdadeiros juristas (que são poucos) proclamem que

106

o que define os tributos é sua h.i., não se vê na literatura qual é a h.i. genérica das contribuições.85

A lição de tão importante autor é o que nos leva a buscar um arquétipo constitucional

para as contribuições previstas no art. 149 da Constituição de 1988. Entendemos que a norma

de competência configura mandamento insuperável, de maneira que não nos sentimos confor-

táveis em reconhecer tão brando regime para a instituição de uma contribuição, se considera-

do o rígido regime constitucional de repartição de competências. Não cabe ao legislador ordi-

nário escolher o que será uma contribuição com tão ampla liberdade, mas sim seguir o regime

constitucional para tanto.

Em atualização da obra Direito tributário brasileiro, de Aliomar Baleeiro (2013, p.

56), Misabel Abreu Machado Derzi reconhece a importância de voltarmos às lições de Geral-

do Ataliba para melhor definir o conceito constitucional de contribuição:

Entretanto, a posição que, então, assumimos não nos parece hoje suficiente. É neces-sário, se quisermos tornar efetivos os grandes princípios da Constituição, retornar à teoria de GERALDO ATALIBA, tão bem exposta em seu clássico Hipótese de inci-dência tributaria (São Paulo: Malheiros, 1995), obra na qual demonstra que as con-tribuições são também tributos vinculados a uma atuação estatal relacionada ao o-brigado, embora de forma mediata e indireta.

A autora, apesar de se render às lições de Ataliba, reconhecendo nas contribuições tri-

butos vinculados a uma prestação estatal, aponta que a Constituição de 1988 teria, em seu art.

195, misturado conceitos de contribuições e impostos, de modo que a competência outorgada

pelo artigo seria para a criação de impostos destinados, e não contribuições. São palavras de

Derzi nessa sua atualização da obra de Baleeiro (2013, p. 43):

Ora, é evidente que tais despesas pressupõem os atos estatais dela causadores, em prol da habitação, da educação e da seguridade; os atos estatais de intervenção no domínio econômico e, finalmente, as entidades e sua atividade no interesse de cate-gorias profissionais ou econômicas. Veremos que a exceção reside nas contribui-ções, regradas pelo art. 195 da Constituição, em tudo, quanto à sua natureza jurídica, verdadeiros impostos com destinação específica. Tais impostos, não obstante, estão, por expressa equiparação constitucional, integrados ao regime geral das contribu-ições especiais. (destaque no original)

A separação promovida por essa autora entre contribuições verdadeiras e impostos

previamente destinados será objeto de análise posterior. Por enquanto, cumpre-nos prosseguir

na pesquisa doutrinária sobre o conceito de contribuições, apontando que Sacha Calmon Na-

85 Logo após, Ataliba (2008, p. 201) repete: “Já tivemos a oportunidade de deixar explícito nosso pen-

samento: a h.i. das contribuições é uma atuação estatal indireta e mediatamente referida ao obrigado (e referida mediante um elemento ou circunstância intermediária, quer dizer [...]”.

107

varro Coêlho (2005, p. 144) leciona que as contribuições são tributos vinculados a uma pres-

tação estatal:

Sendo tributos vinculados a uma atuação estatal, com a destinação de sua arrecada-ção previamente determinada pelo legislador, as contribuições exigem, para que não se tornem impostos vinculados a um fim (o que é vedado pelo art. 167, IV, da Cons-tituição de 1988), que haja uma contraprestação do Estado voltada àqueles que pa-gam o tributo.

Este autor (COÊLHO, 2005, p. 482), a partir das materialidades previstas pelo art. 195

da Constituição Federal de 1988, promove considerações parecidas com as de Misabel Derzi,

apontando que as contribuições previdenciárias do empregador são verdadeiros impostos pré-

via e constitucionalmente vinculados a uma finalidade específica.

Também partilhando das lições de Ataliba, José Eduardo Soares de Melo (2010, p. 85)

comenta sobre as contribuições:

Conceitualmente, contribuição é o “tributo vinculado cuja hipótese de incidência consiste numa atuação estatal indireta e mediatamente (mediante uma circunstância intermediária) referida ao obrigado. Embora entenda que “nenhum tributo até agora designado contribuição, no Brasil, - salvo a de melhoria -, é contribuição verdadeira, no rigoroso significado do concei-to”, Ataliba aceita que “a Constituição de 1988 resgatou a boa doutrina tradicional e restaurou a certeza quanto à inquestionabilidade do cunho tributário das contribui-ções (parafiscais ou não)”. Aduz que o “o uso da expressão ‘contribuição’ induz o prestígio de um mínimo, pelo menos, daqueles elementos que constam da elabora-ção da Ciência das Finanças. Ou seja, há uma sugestão mínima que indica que as contribuições são tributos que não se confundem com os impostos ou com as taxas, na caradura geral e funcionalidade”.

Ressalvada a exceção apontada por Derzi e Coêlho, que atribuem a natureza de impos-

tos destinados aos tributos previstos pelo art. 195 da Constituição de 1988, os doutrinadores

até agora apresentados se posicionaram pela vinculação das contribuições a uma prestação

estatal. Renato Lopes Becho (2009, p. 355), em dissidência, reconhece que, apesar de destina-

das ao custeio de atuações específicas, a principal nota das contribuições é a destinação do

produto da sua arrecadação. Segundo o autor “as contribuições são tributos destinados a fazer

frente a serviços públicos específicos, sendo arrecadados pelas pessoas jurídicas encarregadas

de executá-los”.

Esse autor, após a definição, deixa claro, no entanto, que a hipótese para a incidência

das contribuições poderá ser idêntica à hipótese para a incidência de impostos, o que se com-

prova com a comparação entre as regras-matrizes de incidência do imposto sobre a renda da

pessoa jurídica e a contribuição social sobre o lucro (BECHO, 2009, p. 384).

108

O regime jurídico e os limites para a determinação de hipóteses para a incidência serão

objetos de análise posterior neste trabalho. Continuemos, pois, com a análise de posições dou-

trinárias dos autores que se seguem sobre a definição do conceito das contribuições.

Fabio Fanucchi (1975, v. 1, p. 49) assim define as contribuições:

Contribuições – são as cobranças justificadas por uma atividade onde se manifesta preponderantemente o interesse do Estado, mas considerando que dessa atividade decorre, não para indivíduo mas para uma determinada classe ou categoria de indi-víduos, uma vantagem genérica. O caso: o Estado desenvolve atividades que lhe são, também, exclusivas (construção de estradas, açudes, etc.) e cujo exercício inte-ressa a todos mas que, por proximidade da obra com imóveis de particulares, acaba por beneficiar a todos os proprietários desses imóveis. (destaques no original)

Fabio Fanucchi, como se pode notar, insere na definição de contribuição o elemento

grupo. Para ele, o tributo deverá ser instituído e arrecadado em favor de um grupo que se be-

neficiará de prestações estatais custeadas com o produto da arrecadação. Esse elemento, o

grupo, será importante mais adiante neste trabalho.

Também são interessantes as lições de Luciano Amaro (2004, p. 84), que também co-

menta sobre as contribuições:

Um terceiro grupo de tributos é composto pelas exações cuja tônica não está nem no objetivo de custear as funções gerais e indivisíveis do Estado (como ocorre com os impostos) nem numa utilidade divisível produzida pelo Estado e fruível pelo indiví-duo (como ocorre com os tributos conhecidos como taxa, pedágio e contribuição de melhoria, que reunimos no segundo grupo). [...] Têm-se aqui atividades específicas (do Estado ou de outras entidades) onde a nota da divisibilidade (em relação aos indivíduos) não é relevante para a caracterização da figura tributária específica. (destaques no original)

O autor define as contribuições a partir de uma comparação com as demais espécies

tributárias, também sob o aspecto da vinculação, ou seja, o imposto é o tributo que independe

de qualquer prestação para a sua instituição, já a taxa é o tributo que depende da prestação de

um serviço específico e divisível, e a contribuição é o tributo que depende da realização de

uma atividade específica.

Notamos na definição do autor uma boa comparação entre os tipos de atividade estatal

tomadas como causa para a criação de tributos. O serviço que viabiliza a criação de uma taxa

é divisível, permitindo a determinação de cada um dos cidadãos por ele beneficiados; se é

divisível, invariavelmente o serviço deverá ser específico. A divisibilidade pressupõe a espe-

cificidade. Por sua vez, alguns serviços específicos podem não ser divisíveis, de maneira que

cada um dos beneficiados não poderá ser individualmente determinado, caso em que somente

será possível reconhecer a qual grupo de cidadãos tal serviço estará relacionado. Assim, são

109

esses os serviços que poderão ser custeadas por contribuições. Perceba-se, então, que é a esca-

la da divisibilidade do serviço que marca a definição de contribuição pra esse autor.

Cumpre-nos, ainda, apontar o sentido da lição de Roque Antonio Carrazza (2007, p.

568), que não reconhece uma determinação constitucional para a vinculação ou não da hipóte-

se de incidência a uma atuação estatal para a instituição das contribuições, o que o autor espe-

cifica no excerto a seguir:

Portanto, estas “contribuições” são verdadeiros tributos (embora qualificados pela finalidade que devem alcançar). Conforme as hipóteses de incidência e bases de cál-culo que tiverem, podem revestir a natureza jurídica de imposto ou de taxa.

Para Carrazza, portanto, as contribuições são tributos qualificados apenas pela imputa-

ção de uma finalidade constitucional, o que não geraria regras próprias para a determinação da

sua hipótese de incidência, escolha delegada ao legislador infraconstitucional, ou seja, em se

pretendendo escolher uma hipótese desvinculada de uma prestação estatal, o regime a ser se-

guindo será dos impostos; se vinculada, o regime será das taxas, de modo que a contribuição

se qualifica apenas pela prévia destinação do produto da sua arrecadação.

Merece destaque, por fim, a visão de Marco Aurélio Greco. Em sua obra, Greco

(2000, p. 80) coloca em dúvida a natureza tributária das contribuições, reconhecendo, no en-

tanto, a posição firmada pelo Supremo Tribunal Federal pela sua natureza tributária.

Para promover a sua análise, o autor estabelece que a Constituição Federal de 1988

usa diferentes técnicas para a repartição de competências, uma condicional e outra finalística

(GRECO, 2000, p. 123). O grupo das competências condicionais é formado pela simples au-

torização da tributação de fatos pelas pessoas políticas, o que ocorre com os impostos discri-

minados, os residuais, as taxas e a contribuição de melhoria. Já a criação dos impostos extra-

ordinários, dos empréstimos compulsórios e das contribuições é autorizada especificamente

para o atendimento de determinadas finalidades.

Para Greco (2000, p. 147), a constitucionalidade das contribuições depende, inicial-

mente, do atendimento à finalidade determinada, de modo que a hipótese de incidência e a

base de cálculo somente infirmarão a sua constitucionalidade se distorcerem a finalidade

constitucionalmente prevista.

O autor (GRECO, 2000, p. 124), no entanto, se apressa em afirmar que a validação

constitucional pela finalidade não é carta branca para que o legislador ordinário tribute com

irrestrita liberdade sob o pretexto de atender à finalidade constitucionalmente posta. Enten-

demos que Greco (2000, p. 83, 84, 152, 204, 238, 240 e 242) reconhece como o principal li-

mitador do exercício da competência o grupo de contribuintes e sua relação com os demais

110

aspectos da hipótese de incidência do tributo. De acordo com a sua lição (GRECO, 2000, p.

83-84), deve haver relação entre um grupo determinado de cidadãos e a contribuição a ser

criada, a partir da finalidade constitucional que justifica essa criação:

Um segundo conceito vai definir a estrutura das contribuições. Para os impostos, es-te segundo conceito é o de manifestação da capacidade contributiva; para as taxas é a fruição individual da atividade estatal e, para as contribuições, é a qualificação de uma finalidade a partir da qual é possível identificar quem se encontra numa situa-ção diferenciada pelo ato de o contribuinte pertencer ou participar de um certo grupo (social, econômico, profissional). Isto leva à identificação de uma razão de ser dife-rente para cada uma das figuras.

A delimitação de um grupo é essencial na construção do perfil das contribuições, se-

gundo Greco. São elementos de relação entre o grupo e a finalidade pretendida que permitirão

determinar os contribuintes (que deverão ser membros do grupo) e a intensidade da tributa-

ção.

O autor separa a contribuição dos impostos e taxas (GRECO, 2000, p. 144), negando a

necessidade das contribuições serem mensuradas pela capacidade contributiva. Não exclui, no

entanto, a possibilidade do uso desta quando possível, considerada a finalidade pretendida. O

autor substitui a ideia de capacidade contributiva pelas ideias de proporcionalidade, necessi-

dade e adequação para a tributação pelas contribuições (GRECO, 2000, p. 125-126).

Ainda que não se refiram a modelos iguais, julgamos possível traçar um paralelo entre

as lições de Ataliba e Greco. Apesar de o segundo autor afastar a vinculação a uma prestação

estatal como pressuposto para a instituição e cobrança de uma contribuição, aparentemente,

ambos reconhecem que a determinação dos contribuintes e a medida da tributação pelas con-

tribuições deverão estar intimamente ligados à finalidade com ela perseguida.

Como se pode notar, a nossa doutrina é rica em definições para as contribuições, mui-

tas delas, contudo, contraditórias entre si. Entendemos, nesse sentido, que há necessidade de

verificar se as contribuições se qualificam pela mera destinação do produto de sua arrecada-

ção ou se podemos reconhecer que há um regime constitucional que lhes determine um arqué-

tipo genérico a ser seguindo pelo legislador ordinário federal.

Para prosseguir no estudo, então, é essencial definir o nosso entendimento sobre as

implicações da prévia destinação do produto da arrecadação.

5.2 A destinação do produto da arrecadação

111

Este é, certamente, um dos assuntos que mais tem causado controvérsias entre os estu-

diosos do Direito Tributário brasileiro, especialmente no que se refere à classificação das es-

pécies tributárias, assunto que já deixamos claro não ser de nosso interesse.

Sem prejuízo do fato de não pretendermos promover uma classificação das espécies

tributárias, cumpre-nos refletir sobre a possibilidade de a destinação do produto da arrecada-

ção ter influências na escolha do fato a ser eleito como hipótese para a incidência do tributo.

Nossa preocupação, nesse sentido, não será de saber se novas espécies tributárias devem, ou

não, ser reconhecidas a partir da destinação do produto da arrecadação, mas se essa destinação

estabelecerá um regime mais rígido para a instituição da contribuição.

No primeiro capítulo deste trabalho, pretendemos deixar claro o conceito de Direito

Tributário com o qual trabalhamos. Direito Tributário é o conjunto de normas que regram o

nascimento, os conflitos e a extinção da obrigação de pagar tributo. Após a extinção da obri-

gação tributária, as normas que regulamentam o uso do produto da arrecadação não compõem

o grupo de normas que reconhecemos como Direito Tributário.

Queremos dizer, com isso, que a destinação prática do produto da arrecadação não in-

teressa ao Direito Tributário e, portanto, não será considerado neste trabalho. Se a lei institui-

dora de uma contribuição determinar que o produto da sua arrecadação será destinado aos

cofres “x”, mas o agente público não o fizer, estará ele sujeito às sanções administrativas e

criminais cabíveis. A obrigação tributária, no entanto, restará intocável, já extinta, no passado.

Sacha Calmon Navarro Coêlho (2005, p. 145) partilha desse entendimento ao reco-

nhecer que a utilização do produto da arrecadação tributária não é objeto do Direito Tributá-

rio, mas de outros ramos do Direito. Vejamos:

[...] Não há que se perquirir, portanto, se os recursos estão ou não sendo destinados, na prática, a um eventual fundo que a lei preveja, ou se estão sendo integralmente aplicados como determinou o legislador. Neste ponto, não há espaço para análise da questão à luz do Direito Tributário (que se ocupará da definição da constitucionali-dade ou não da contribuição nos limites do Direito positivo), mas sim para a aplica-ção do Direito Penal, que existe para punir os administradores que desviam recursos legalmente destinados a outros fins (vide art. 31586 do Código Penal). (destaques no original)

Para comprovar a não relação entre o Direito Tributário e a correta destinação do pro-

duto da arrecadação, Renato Lopes Becho (2009, p. 400) aponta que se essa destinação fosse

matéria de Direito Tributário, por exemplo, o Código Tributário Nacional deveria prever den-

86 Art. 315 - Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei: Pena - deten-

ção, de um a três meses, ou multa.

112

tre as hipóteses de extinção da obrigação tributária o momento da correta aplicação dos recur-

sos arrecadados.

Os autores têm razão. A relação jurídica tributária deve ter seu fim com a extinção do

crédito pelo contribuinte em uma das formas autorizadas pela lei87, de maneira que a correta

aplicação do produto dessa arrecadação estará sujeita a controle, mas por normas de Direito

Administrativo88 e Penal.89 Enfim, o que acontece com o produto da arrecadação depois da

extinção da obrigação é elemento estranho ao Direito Tributário.

A questão da destinação, contudo, pode ser analisada sob outro viés. A destinação do

produto da arrecadação, concordamos, depois do pagamento não interessa ao Direito Tributá-

rio. Inquirimos, no entanto, se ela não pode ser uma limitação para o exercício da competên-

cia tributária.

A destinação como elemento de limitação para o exercício da competência foi breve-

mente analisado anteriormente. Ao reconhecermos que a instituição das taxas e da contribui-

ção de melhoria pode estar limitada ao montante do gasto incorrido com a prestação relacio-

nada (direta ou indiretamente) ao contribuinte, admitimos a possibilidade de usar um elemen-

to financeiro para a designação de limites para o exercício da competência para a tributação.

Não seria o caso de, também para as contribuições previstas pelo art. 149 da Constituição Fe-

deral de 1988, reconhecer que a destinação do produto da arrecadação impõe limites para o

exercício da competência tributária? Pode ser que sim.

Essa é a posição de Coêlho (2000, p. 144), que reconhece que a destinação prática

(posterior) não interfere no Direito Tributário, mas a previsão de destinação deve ser vista

87 O art. 156 do Código Tributário Nacional, a Lei nº 5.172/1966, determina os atos próprios para a ex-

tinção do crédito tributário. 88 Atualmente, o controle administrativo dos gastos públicos é regulamentado, principalmente, pela Lei

Complementar nº 101/2000, que proíbe a aplicação do produto de tributo previamente vinculado à finalidade diversa daquela que determinada por lei (art. 8º, parágrafo único) e estabelece regras contábeis para diferencia-ção dessas receitas (art. 50, I), o que também é feito pelo art. 71 da Lei nº 4.320/64. A sanção para descumpri-mento dos dispositivos é determinada pela Lei nº 8.443/92, que em seu art. 58 autoriza a aplicação de multa ao responsável pela irregularidade no tratamento dessas receitas. Promovemos breve pesquisa no banco de dados do Tribunal de Contas da União de acórdãos sobre o assunto, mas não encontramos condenações contra o Poder Executivo Federal decorrente da incorreta aplicação do produto da arrecadação de contribuições.

89 Merece menção, ainda, o fato de o STF ter declarado a sua competência para julgamento, em controle concentrado de constitucionalidade, de leis orçamentárias. A questão foi decidida nos autos da ADI 2.925-8 (STF, AI 2925/DF, Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. para Acórdão Min. Marco Aurélio, decisão por maioria, DJ 04-03-2005) em que se discutia suposta incorreta destinação do produto da arrecadação da Cide-Combustíveis. Reconheceu-se, ao final, a irregularidade da lei orçamentária, declarando-se, parcialmente, a sua inconstitucionalidade. São interessantes, nesse sentido, as palavras do Min. CARLOS VELLOSO em seu voto: “A interpretação preconizada, a começar pelo Ministro Carlos Britto, parece-me razoável. Evidentemente que não estou mandando o Governo gastar. A realização de despesas depende de políticas públicas. O que digo é que o Governo não pode gastar o produto da arrecadação da CIDE fora do que estabelece a Constituição Federal, art. 177, § 4º, II. Noutras palavras, o Governo somente poderá gastar o produto da arrecadação da mencionada con-tribuição no que estabelecido na Constituição, art. 177, § 4º, II”.

113

como a vinculação da hipótese de incidência a uma prestação estatal. A destinação do produto

da arrecadação é consequência da referência da obrigação tributária a uma atuação estatal e é

esta que deverá ser considerada na hipótese de incidência tributária.

Para sermos mais claro, recorremos às palavras de Luciano Amaro (2004, p. 75), que

manifesta sua posição em sentido parecido:

O próprio critério da destinação do tributo (tão vilipendiado por alguns autores e a-parentemente excomungado pelo art. 4º, II, do Código Tributário Nacional) está na base de todas as classificações dos tributos, inclusive nos modelos bipartidos, embo-ra se apresente transcodificado no plano normativo (pela referibilidade do tributo a um “dever correspectivo do Estado”, ou a um “fato social”, ou a uma “atuação esta-tal divisível”).

Ainda no que tange ao reconhecimento da destinação do produto da arrecadação como

uma limitação para o exercício da competência tributária, Misabel Derzi, em notas de atuali-

zação de Baleeiro (2013, p. 42), aponta que as finalidades constitucionais podem ter reflexos

no fato gerador da obrigação tributária:

A Constituição de 1988 disciplina tributos “finalisticamente” afetados, que são as contribuições e os empréstimos compulsórios, dando à destinação que lhes é própria relevância não apenas do ponto de vista do Direito Financeiro ou Administrativo, mas igualmente do ponto de vista do Direito Tributário. É que a Constituição con-verte os atos que realizam a finalidade constitucional em fato gerador da obriga-ção.90

Esta determinação de finalidades que permitem a instituição de contribuições não deve

ser vista apenas como a autorização para a destinação prévia do produto da arrecadação, mas

também como elemento que determina uma relação entre a instituição da contribuição e a

atividade estatal que será custeada com o produto da sua arrecadação.

Note-se, nesse sentido, que a destinação, enquanto aplicação do produto da arrecada-

ção, continua a não nos interessar. O que nos parece de importante consideração é o reflexo

dessa destinação (custeio da atividade estatal) para efeitos de estabelecimento de limites para

o exercício da competência tributária.

Não é suficiente, portanto, dizer que a contribuição é apenas uma autorização para

destinar previamente o produto da arrecadação, fugindo-se da regra-padrão dos impostos. Po-

de ser que a competência para a instituição de contribuições pressuponha a destinação do pro-

duto da arrecadação, mas, talvez, o mais importante elemento para a sua instituição esteja na

forma como o tributo instituído se relacionará com a finalidade que ensejara a sua criação. 90 A autora deixa claro na mesma obra de atualização de Baleeiro (2013, p. 42) que a destinação pode

não ser elemento essencial para a definição das espécies tributárias, conforme determina o art. 4º do Código Tributário Nacional, mas é elemento jurídico que deve ser considerado, por representar a vinculação da hipótese de incidência a um ato estatal.

114

Voltaremos à questão da destinação do produto da arrecadação como uma limitação ao

exercício da competência tributária adiante. Sem prejuízo, deixamos clara nossa posição no

sentido de que pouco importa ao Direito Tributário o que acontece depois do pagamento do

crédito pelo contribuinte, ou seja, a destinação de fato do produto da arrecadação. Não obstan-

te, importa ao Direito Tributário, para efeitos de determinação das regras de competência para

as contribuições, saber qual será a atividade para a qual o tributo será instituído, de modo que

se viabilize o conhecimento dos aspectos possíveis para a sua hipótese de incidência.

Seguindo em nossa tarefa de estudo das contribuições, passaremos a analisar o dispos-

to no art. 149 da Constituição Federal de 1988 à luz de outras disposições constitucionais,

tributárias ou não.

5.3 Competência tributária e princípio federativo

Conforme demonstrado no capítulo que trata dos aspectos gerais do princípio federati-

vo e da sua evolução através das Constituições brasileiras, o poder de tributar é um dos ele-

mentos necessários à manutenção do Estado, intimamente ligado ao modelo federalista, já que

a concentração de arrecadação pode fazer ruir a autonomia dos entes federados, que o Estado

federativo pressupõe.

A partir da Constituição de 1891, todas as nossas Constituições veicularam normas

que detalharam o sistema de tributação nacional, distribuindo a competência entre os mem-

bros da federação. Do modelo adotado pela primeira Constituição Federal, em 1891, até a

Constituição Federal de 1988 muitas mudanças ocorreram, fruto dos efeitos das alterações na

conjuntura política do país.

No primeiro dos modelos, adotado em 1891, houve rígida repartição dos campos de

competência da União e Estados, de modo que pouca cooperação entre os entes federados

seria possível. Prova disso é o fato de muitos dos Estados brasileiros, durante esse período,

terem se endividado com instituições financeiras estrangeiras, ao invés de se socorrerem com

a União Federal.

Os textos constitucionais subsequentes a 1891 caminharam no sentido de fortalecer a

União Federal em matéria tributária, impondo-lhe, em contrapartida, o dever de atuar em mui-

tas questões regionais do país. Iniciou-se a pretensão de redistribuição regional da riqueza. A

115

arrecadação tributária de impostos em Estados pouco desenvolvidos é consideravelmente in-

ferior à arrecadação nos Estados mais desenvolvidos da federação, de modo que garantir à

União maior faixa de competência seria uma das formas de viabilizar a transferência de rique-

zas para as regiões marginalizadas.

Isso ocorreu com a repartição da competência para a tributação por impostos, de modo

que, principalmente a partir da Constituição Federal de 1946, ao Sistema Tributário Nacional

seguiam-se inúmeras regras de repartição do produto da arrecadação tributária.

Conforme também apontado, esse tipo de conduta configura elemento essencial do fe-

deralismo de cooperação, em que todos os entes federados tendem a buscar, em regime de

parceria, a realização das finalidades constitucionalmente previstas.

Mas qual a relação do tipo de federalismo com as normas de competência tributária e a

competência para a tributação por contribuições previstas pelo art. 149 da Constituição Fede-

ral de 1988? Vejamos.

Após o estudo histórico realizado, pudemos perceber que a repartição das competên-

cias para a tributação sempre foi reflexo da fase pela qual passava o sentimento federalista

brasileiro. Em períodos de governo unitário, restrições foram feitas às competências – inclusi-

ve tributárias – dos Estados, Municípios e Distrito Federal, em favor da extensão dos poderes

da União.

A Constituição Federal de 1988, por sua vez, tem a finalidade de resgatar parte da au-

tonomia dos entes federados, em detrimento da larga competência da União Federal após o

regime instituído com a Emenda Constitucional nº 1/1969. Como apontado, sua elaboração e

promulgação foi realizada pelo Congresso Nacional investido ainda durante o regime militar,

o que pode ser um indício da existência de resquícios antifederalistas em seu texto.

Um desses resquícios talvez seja a competência da União Federal para a tributação por

contribuições. Melhor dizendo: talvez o resquício seja a interpretação que temos dado à regra

de competência para a instituição de contribuições.

A rigidez da repartição da competência para a tributação é uma característica histórica

da nossa federação que foi mantida pela Constituição Federal de 1988. A separação dos fatos

tributáveis por tributos não vinculados a uma prestação estatal é detalhista e tem a finalidade

de entregar fatos para a tributação privativa a cada um dos entes federados. Todos os fatos que

independem de uma atividade estatal e podem ser objeto de tributação privativa pelos Estados

116

estão descritos no art. 155, pelos Municípios no art. 15691 e pela União Federal no art. 153,

artigos estes dessa Constituição.

Se não fosse a outorga da competência residual à União Federal (art. 154, I), os únicos

fatos tributáveis pelos impostos seriam os arrolados nos artigos acima citados.92 O regime

para o exercício da competência residual, no entanto, foi de exceção, sendo possível somente

pela via da lei complementar. Ainda sobre a competência residual, é importante reconhecer

que a liberdade da União para instituir impostos não descritos não lhe beneficiará exclusiva-

mente, pois nos termos do art. 157, II, da Constituição de 1988, 20% do produto de sua arre-

cadação será partilhado com os Estados e o Distrito Federal. A Constituição Federal, portanto,

esgotou as possibilidades de criação dos tributos sem causa promovendo rígida partilha entre

os membros da federação.

Além dos impostos, o art. 145 da Constituição Federal de 1988 entrega competência

para todos os entes federados criarem taxas e contribuição de melhoria, tributos cujas hipóte-

ses de incidência são vinculadas a uma prestação estatal.

Permitiu-se, por meio dessas competências, para as taxas e a contribuição de melhoria,

que todos os entes federados, ao prestarem serviços públicos, exercessem o poder de polícia

ou realizassem obra pública da qual decorresse valorização imobiliária, instituíssem tributos

que tivessem como causa uma prestação estatal.

Destarte, o art. 145 da Constituição Federal de 1988 trata todos os entes federados de

forma igual. Entrega-lhes, igualmente, competência para a criação de impostos, taxas e con-

tribuição de melhoria. Mantém-se, como isso, o equilíbrio federativo.

É importante que saibamos que, por muito tempo, as Constituições brasileiras reco-

nheceram somente estes como tributos, embora na prática as contribuições tenham sempre

existido. Leciona Luciano Amaro (2004, p. 73) que o nascimento das contribuições decorre da

modernização do sistema de tributação, com o que o sistema constitucional teve que lidar pos-

teriormente.

Em nosso ponto de vista, a dificuldade de encaixar o modelo das contribuições no Sis-

tema Constitucional Tributário persiste até os dias atuais. Isso porque, conforme já apresenta-

do, as contribuições não são figuras novas na ordem jurídica brasileira, sendo que a Constitui-

91 Ao Distrito Federal caberá a competência dos art. 155 e 156, cumulativamente. (CARRAZA, 2007, p.

184) 92 Esse era o sistema determinado pela Emenda Constitucional nº 18/1965 à Constituição de 1946, pre-

cursora do atual Sistema Tributário Nacional, que não previa competência para a instituição de impostos residu-ais, tampouco de contribuições.

117

ção de 1988 recebeu esse tipo tributário amplamente usado pela União Federal sem preocupa-

ção com as regras de competência tributária vigentes.

Destacamos, sobre as contribuições, que, desde seu nascimento, até a promulgação da

Constituição de 1988, variaram as posições no Supremo Tribunal Federal, declarando-as ora

como tributos, ora como não tributos.

Voltando ao regime federativo de hoje e a repartição de competências para a tributa-

ção, seria a competência entregue pelo art. 149 da Constituição de 1988 uma arma com a qual

a União Federal poderia implodir todo o resto do Sistema Tributário Nacional? Entendemos

que não.

Nesse sentido, Sacha Calmon Navarro Coêlho (2007, p. 39), analisando especifica-

mente as contribuições de intervenção no domínio econômico, aponta que:

As contribuições interventivas – com o feitio de impostos – só por terem o nome de “contribuição” estariam fora das limitações constitucionais? Seria dar o dito pelo não dito! [...] Não faz sentido a Constituição proibir a afetação de impostos a órgão, fundo, programa ou despesas (art. 167, IV) e submeter severas limitações ao exercí-cio da competência residual para criar impostos e contribuições novas, além dos dis-criminados na Constituição, preservando assim o sistema de repartição das compe-tências tributárias impositivas das pessoas políticas e, ao mesmo tempo, a doutrina e a jurisprudência admitirem, à margem do sistema constitucional, a criação a la dia-ble, de milhares de “contribuições interventivas” e socais em sentido lato (fora do art. 195 da CF.) para os mais variados fins e que são, pela análise de seus fatos gera-dores, verdadeiros impostos instituídos por leis ordinárias. Urge que a inteligência doutrinária e a prudência dos juízes ponham fim nessa patologia tributária que assola o Brasil.

A crítica do autor à utilização da competência para a criação de contribuições é con-

tundente. A Constituição cuidou de estabelecer minuciosamente quais seriam os fatos passí-

veis de tributação por impostos, determinando rígidas restrições para sua modificação (por

exemplo, os impostos de guerra, art. 154, II). Ademais, proibiu a prévia destinação do produto

da arrecadação dos impostos, ou seja, aqueles tributos que independem de uma atuação estatal

pra sua instituição.

O simples fato de prever que o produto da arrecadação será destinado para medidas de

cunho social, de intervenção no domínio econômico ou em interesse de categorias profissio-

nais ou econômicas, em nosso ponto de vista, não permite à União escolher qualquer fato des-

vinculado de sua atuação para a instituição do tributo. Seria esse o absurdo caso de dizer que

para a União as regras de repartição de competências para impostos são meramente sugesti-

vas.

E meramente sugestivas mesmo. Basta, para isso, analisar a extensão dos títulos cons-

titucionais sobre a ordem econômica e sobre a ordem social para perceber a extensão da com-

118

petência que foi outorgada à União Federal para a criação de contribuições. Buscaremos, en-

tão, fundamentos que nos permitam um melhor entendimento sobre as contribuições, o que

faremos a partir da comparação entre a competência para a criação de contribuições e a com-

petência para a criação de impostos residuais (art. 154, I), a proibição de destinação dos im-

postos (art. 167, IV), as normas de repartição de receitas tributárias (arts. 157 a 162), as imu-

nidades genéricas (art. 150, VI), a existência de impostos constitucionalmente destinados, a

competência para a criação de impostos descritos (arts. 153, 155 e 156) e a competência para

a criação de taxas e contribuição melhoria (art. 145, II e III).

Nosso objetivo, conforme temos deixado claro, é reconhecer o regime jurídico consti-

tucional para a criação, em abstrato, de contribuições no exercício da competência outorgada

pelo art. 149 da Constituição Federal de 1988. Entendemos, nesse sentido, que um dos méto-

dos possíveis para investigação dos limites dessa competência é comparar a redação do dispo-

sitivo com outras normas constitucionais relacionadas, ou não, ao Direito Tributário.

5.3.1 Contribuições e imunidades genéricas

A primeira das análises se refere à relação entre as contribuições e as imunidades ge-

néricas veiculadas pelo art. 150, VI, da Constituição Federal de 1988. Conforme apontamos

anteriormente, parte de nossa doutrina define as contribuições previstas no art. 149 apenas

pela observação da finalidade necessária para a sua criação, estabelecendo-se que a peculiari-

dade desse tipo tributário estaria apenas na autorização para a prévia destinação do produto de

sua arrecadação, condição genericamente vedada aos impostos (art. 167, IV, da Constituição

Federal de 1988).

Usamos, conforme citação retro, da autoridade de Roque Antonio Carrazza (2007, p.

568) para representar essa corrente doutrinária, que entrega ampla liberdade para o legislador

ordinário escolher o aspecto material da hipótese de incidência das contribuições. De acordo

com a escolha realizada, a contribuição criada em abstrato tomará contornos de tributo vincu-

lado ou não vinculado a uma prestação estatal.

Note-se, com isso, que a criação de impostos, chamados de tributos sem causa (CAR-

RAZZA, 2007, p. 509), tem como fundamento para sua instituição apenas a competência tri-

butária do Estado. Nas palavras de Schoueri (2012, p. 190) “existe uma justificativa (uma

119

causa) para que se cobrem os impostos: a necessidade financeira do Estado”. Por esse motivo,

a Constituição Federal de 1988 se preocupou em estabelecer inúmeros limites para a ampla

liberdade da qual o Estado dispõe para a tributação por impostos, estabelecendo, dentre elas,

as imunidades tributárias.

A hipótese para a incidência dos impostos, que a princípio estaria condicionada apenas

à capacidade econômica do contribuinte (art. 145, §1º), sofre limitações constitucionais para

que o Estado, ao exercer sua competência, não a use como arma para destruir o particular e/ou

os demais entes federados.

É nesse contexto que indagamos: será que as contribuições, se adotarem hipótese de

incidência típica de impostos, estarão sujeitas às normas de imunidades tributárias? Vejamos.

Para análise da questão, é importante a leitura do art. 150 da Constituição:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou fun-ção por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; III - cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; IV - utilizar tributo com efeito de confisco; V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos inte-restaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público; VI - instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a la-ser.93

Até o inciso VI, que trata das imunidades, o dispositivo dispôs sobre regime aplicável

a todos os tributos. Não foi, no entanto, o que aconteceu no inciso VI, que tratou expressa-

mente das imunidades para impostos. Ainda que a interpretação não deva se apegar exclusi-

93 Alínea incluída pela Emenda Constitucional nº 75/2013.

120

vamente à literalidade de dispositivos legais, a Constituição Federal de 1988 promoveu dife-

renciação específica e, em nosso ponto de vista, rigorosa, entre impostos, contribuições e tri-

butos. Reconhecer, em casos como este, que uma coisa é idêntica à outra (contribuição = im-

posto) configuraria afronta ao princípio lógico da identidade (ECHAVE; URQUIJO; GUI-

BOURG, 2008, p. 83), segundo o qual coisas diferentes não podem ser dadas por iguais.

Roque Antonio Carrazza (2007, p. 708) reconhece que as imunidades previstas no art.

150, VI, da Constituição Federal de 1988, são aplicáveis apenas aos impostos, caso este que

também é defendido por Renato Lopes Becho (2011, p. 470).

Admitir, portanto, que as contribuições possam ter natureza de impostos, impondo ao

cidadão obrigações pecuniárias a partir da ocorrência de fatos não vinculados a uma prestação

estatal, sem qualquer outro tipo de restrição, significa dizer que situações e pessoas que são

protegidas da incidência de impostos pelas imunidades genéricas estão sujeitas à tributação

por meio das contribuições.

Destacamos: se esse for o regime jurídico próprio das contribuições, basta que a União

altere o nome de qualquer de seus tributos e impute-lhe destinação prévia para que todos os

casos de imunidade restem superados.

Reconhecemos que o exemplo cuida de situação absurda, mas reconhecemos, também,

que não temos resposta jurídico-constitucional para invalidá-lo. Poderíamos pensar que seri-

am invocáveis os princípios protegidos pelas imunidades (acesso à cultura, liberdade religio-

sa, federalismo, etc.) se a União os ferisse por meio das contribuições. Qual seria, no entanto,

o limite da afronta a esses princípios? Como saber o momento em que a União extrapolaria

sua competência de tributação pelas contribuições? A resposta para as questões nos parece ser

apenas uma: conhecendo-se o regime constitucional para a instituição de contribuições.

O entendimento de que às contribuições não se aplicam as imunidades previstas pelo

art. 150, VI, da Constituição Federal de 1988, é adotado, também, pelo Supremo Tribunal

Federal:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. COFINS. IMU-NIDADE. LIVROS. 1. A imunidade tributária prevista na alínea "d" do inciso VI do artigo 150 da Constituição do Brasil não alcança as contribuições para a seguridade social, não obstante sua natureza tributária, vez que imunidade diz respeito apenas a impostos. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, RE 342.336 AgR/RS, 2ª T., un., Rel. Min. Eros Grau, DJ 11-05-2007) Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. COFINS. Imunidade. Livros. Art. 150, VI, d, da CF 3. É firme a jurisprudência de ambas as Turmas e do Pleno no sen-tido de que as imunidades vinculadas a "impostos" não se estendem às "contribui-ções". 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, RE 332.963 AgR/RS, 2ª T., un., Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 16-06-2006)

121

RECURSO EXTRAORDINÁRIO - OUTORGA DE EFEITO SUSPENSIVO - SU-PERVENIÊNCIA DE JULGAMENTO EMANADO DO PLENÁRIO DO SU-PREMO TRIBUNAL FEDERAL - DESCARACTERIZAÇÃO DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DE PROVIMENTO CAUTELAR ANTERIORMENTE DE-FERIDO - IMPOSSIBILIDADE DE ESTADOS-MEMBROS E MUNICÍPIOS DESLIGAREM-SE, UNILATERALMENTE, DO DEVER DE RECOLHIMENTO DA CONTRIBUIÇÃOPERTINENTE AO PASEP - QUESTÃO DE ORDEM QUE SE RESOLVE NO SENTIDO DA CASSAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR AN-TERIORMENTE CONCEDIDA. - O Plenário do Supremo Tribunal Federal assen-tou o entendimento de que, em tema de contribuição ao PASEP, os Estados-membros e os Municípios não podem invocar a prerrogativa constitucional da auto-nomia, que lhes é inerente, em ordem a legitimar, com apoio em unilateral manifes-tação de sua própria vontade, o desligamento da obrigação de recolher essa especial exação de caráter tributário. A contribuição pertinente ao PASEP - por qualificar-se como contribuição social - não se expõe, por efeito de sua própria natureza jurídica, às limitações fundadas na garantia constitucional da imunidade tributária recíproca, que se aplica, unicamente, enquanto espécie de imunidade tributária genérica, aos impostos (RTJ 136/846 - RTJ 174/303-304), consoante prescreve, em cláusula ex-pressa, a própria Constituição da República (art. 150, VI, "a"). Precedente: ACO 471/PR, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, Pleno. - Cassação, na espécie, da decisão concessiva de medida liminar, em face da descaracterização dos requisitos autoriza-dores do provimento cautelar, motivada pela superveniência do julgamento plenário da ACO 471/PR. (STF, Pet 2.466 ED-QO/PR, 2ª T., un., Rel. Min. Celso de Mello, DJ 24-11-2006) AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. EC Nº 01/69. FINSOCIAL. NATUREZA TRIBUTÁRIA. IMUNIDADE ASSEGURADA AO LIVRO, AO JORNAL, AO PERIÓDICO E AO PAPEL DESTINADO À SUA IM-PRESSÃO. 1. A jurisprudência desta Corte, à luz da Constituição pretérita, reconhe-ceu a natureza tributária do FINSOCIAL e a amplitude da imunidade assegurada ao livro, ao jornal, ao periódico e ao papel destinado à sua impressão, estendendo-a à fase de comercialização dos mesmos. 2. O FINSOCIAL, na presente ordem consti-tucional, é modalidade de tributo que não se enquadra na de imposto. É contribuição para a seguridade social, não estando abrangido pela imunidade prevista no artigo 150, VI, "d" da Carta Federal. Agravo regimental não provido. (STF, RE 278.636 AgR/SP, 2ª T., un., Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 01-06-2001) Recurso extraordinário. Contribuição Social. COFINS. Incidência. Inconstituciona-lidade. 2. A imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, alínea "d", da Constitui-ção Federal, refere-se exclusivamente a impostos e não a contribuição social sobre o faturamento. 3. Espécie contributiva filiada ao art. 195, I, da CF/88, inconfundível com o gênero dos impostos e das taxas. Precedentes. 4. Recurso extraordinário não conhecido. (STF, RE 211.782/PR, 2ª T., un., Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 24-03-2000)

Merece destaque o fato, demonstrado na análise histórica retro, de que antes da inclu-

são técnica do termo contribuição no texto constitucional, o Supremo Tribunal Federal reco-

nhecia que esse tipo tributário realmente assumia a qualidade de imposto ou taxa e atribuía-

lhe o regime específico de cada um destes tributos. Reconheceu-se na época, por exemplo,

que isenção do pagamento de impostos era aplicável às contribuições.

Após a constitucionalização das contribuições, conforme demonstram os julgados an-

teriores, o Supremo Tribunal Federal passou a diferenciá-las dos impostos e taxas, causa ime-

diata do reconhecimento da não aplicação das imunidades. Em contrapartida, o que deveria ter

122

sido feito, mas não foi, era se reconhecer o regime constitucional aplicável às contribuições. A

ausência de um regime constitucional próprio para a instituição das contribuições beneficia a

União, em detrimento de contribuintes e dos demais entes federados, já que lhe entrega ini-

gualável instrumento para tributação, isento de grande parte das restrições constitucionais ao

poder de tributar.

Marco Aurélio Greco (2000, p. 225) também defende a não inclusão das contribuições

nas hipóteses de imunidades do art. 150, VI, mas, em contrapartida, defende um regime mais

rígido para sua instituição e cobrança (GRECO, 2000, passim).

Não podemos reconhecer que a competência constitucional para a criação de contri-

buições seria o grande meio para superar todos os rígidos limites para a instituição de impos-

tos. A diferenciação entre contribuições e impostos para os casos de imunidades pode ter re-

sultados ainda mais sérios. Veja-se, por exemplo, o caso da capacidade contributiva, que será

mencionado mais algumas vezes neste trabalho. Ao determinar que os impostos serão infor-

mados por este princípio (art. 145, §1º), em interpretação similar ao caso das imunidades, po-

deremos reconhecer que não será obrigatória a sua observação no caso de instituição de uma

contribuição. É o que Greco (2000, p. 195), por exemplo, reconhece. Poderia a União, então,

além de ultrapassar as imunidades apenas destinando o produto da arrecadação de um impos-

to, retirá-lo da necessária observância do princípio da capacidade contributiva.

São por essas causas, e por outras que apresentaremos abaixo, que entendemos neces-

sário conhecer melhor os limites da competência entregue pelo art. 149 à União Federal. Mui-

to humildemente, entendemos que se a contribuição fosse imposto (a depender da sua mate-

rialidade), o simples fato de o produto de sua arrecadação ser previamente destinado não po-

deria ser capaz de autorizar que os limites para a tributação por impostos fossem superados.

Veja-se, por exemplo, a comparação do imposto sobre a renda da pessoa jurídica e da

contribuição social sobre o lucro. Apesar das materialidades serem as mesmas (BECHO,

2009, p. 384), a contribuição social não está sujeita às regras genéricas de imunidade (faça-se

ressalva à imunidade específica prevista pelo art. 195, § 7º) e ao princípio da capacidade con-

tributiva, isso pelo simples fato de o produto de sua arrecadação ser destinado ao custeio do

Sistema de Seguridade Social. As ementas colacionadas acima deixam essa posição clara. O

fato de o tributo ser denominado contribuição o retira das hipóteses de imunidade referidas

aos impostos.

Em face do exposto, à luz das regras de imunidades genéricas, o regime jurídico cons-

titucional para a instituição das contribuições deve ser melhor delimitado sob pena de permi-

123

tir-se à União Federal o fácil desrespeito a essas imunidades, já que apenas mudando o nome

de imposto para contribuição e prevendo a destinação do produto da sua arrecadação, mesmo

com o uso de mesma hipótese de incidência, tal tributo não estaria sujeito às limitações im-

postas pelo art. 150, VI, da Constituição Federal de 1988.

5.3.2 Contribuições e competência impositiva

Antes de iniciarmos mais um item comparando a competência para instituição de im-

postos e contribuições, julgamos importante repetir que a nossa intenção é reconhecer funda-

mentos que nos permitam apontar especificidades da competência outorgada para a União

Federal pelo art. 149 para a criação de contribuições.

Nesse contexto, cumpre-nos comparar a regra de competência para a criação de con-

tribuições com as regras de competência para a criação de impostos. Como já dito, os impos-

tos são tributos que têm como hipótese de incidência fatos desvinculados de uma prestação

estatal, ou seja, sua instituição e cobrança se fundam apenas na competência entregue pela

Constituição Federal de 1988.

Seguindo as lições de Coêlho (2007, p. 9), um dos grandes princípios informadores

dos impostos é a solidariedade94, já que, para que se atenda à capacidade contributiva, aqueles

que maiores riquezas possuírem terão que participar em maior proporção no pagamento de

impostos, sem ter garantias de que o produto da arrecadação será revertido em prestações es-

tatais que lhes beneficie. Como aponta Derzi em seus comentários à obra de Baleeiro (2013,

p. 267), os impostos têm a finalidade última de redistribuir riquezas.95

É por esse motivo que a instituição de um imposto não guarda relação alguma com

qualquer tipo de atuação estatal, mas apenas com atos ou estados de pessoas que expressem

capacidade econômica.

94 Analisaremos, adiante, se a solidariedade pode fundamentar, também, a instituição de contribuições. 95 Cumpre esclarecer que a solidariedade é um princípio intensamente aplicado no exercício da compe-

tência impositiva, tendo em vista o conteúdo do princípio da capacidade contributiva, de modo que, no seu exer-cício vigorará a premissa segundo a qual aqueles que possuírem maior capacidade econômica deverão contribuir em maior proporção para a manutenção da máquina estatal, que, em suas atuações não específicas, em grande parte, beneficiará aqueles que não possuem capacidade financeira (e, portanto, devem pagar menos impostos). Há, assim, o deslocamento da riqueza, custeando-se atuações gerais em favor dos menos afortunados com im-postos arrecadados em maior proporção daqueles que tenham maior capacidade contributiva.

124

Os impostos têm como justificativa para a sua criação apenas a competência entregue

pela Constituição Federal (CARRAZZA, 2007, p. 509) e a necessidade de abastecimento fi-

nanceiro do Estado (SCHOUERI, 2012, p. 190) para a sua atuação, o que justifica a possibili-

dade de qualquer fato que expresse riqueza (BECKER, 1998, p. 263; CARRAZZA, 2007, p.

513) ser tomado como hipótese para a sua incidência.

A competência para a criação de impostos, por sua vez, é rigidamente descrita pela

Constituição Federal de 1988, que arrola nos arts. 153, 155 e 156 os fatos passíveis de tributa-

ção pela União, Estados e Municípios, respectivamente (o Distrito Federal acumula as compe-

tências dos Estados e Municípios).

A repartição constitucional de competências impositivas é elemento essencial para a

caracterização do federalismo, já que é essa repartição que garante aos entes federados recei-

tas financeiras próprias para a sua manutenção. Note-se, conforme apresentado acima, que a

repartição privativa (dualista) é a técnica tradicional dos modelos federalistas, mas que passa

por alguma relativização por meio das regras do federalismo de cooperação.

Ao dividir privativamente os fatos passíveis de tributação por impostos, a Constituição

garante a igualdade entre os entes federados, que, com o exercício dessa competência, teriam

condições financeiras para sua própria manutenção, sem que lhes fosse necessário se socorrer

de outros entes federados. Conforme já apontado, a insuficiência desse modelo financeiro,

fundado exclusivamente na repartição de competências para a tributação, fez com que normas

de repartição das receitas tributárias entre os entes federados fossem previstas constitucional-

mente, o que será objeto de melhor análise adiante.

Concentremo-nos na repartição das competências para tributação por impostos.

Além da competência privativa, que foi equilibradamente dividida entre todos os entes

federados, a Constituição Federal de 1988 entregou à União, também, a competência para a

criação de impostos residuais. É a redação do dispositivo constitucional:

Art. 154. A União poderá instituir: I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição; [...]

Diferentemente da histórica tradição federalista de entregar as competências residuais

para os Estados-membros, a Constituição Federal de 1988 segue o modelo de competência

125

impositiva residual previsto pela Constituição Federal de 1967, já que o textos constitucionais

anteriores a este repartiram a competência residual entre União e Estados.96

Esse dispositivo autoriza a criação de impostos, cuja hipótese de incidência não tenha

sido prevista pela Constituição Federal de 1988, desde que observados o princípio da não-

cumulatividade e o rito legislativo de lei complementar.

Reconhecemos, com isso, a rigidez com a qual a Constituição de 1988 trata dos impos-

tos. A cada um dos entes federados foram entregues competências privativas97 e à União foi

permitida a criação de tributos não arrolados dentre os privativos, por meio de lei complemen-

tar. Ainda sobre a competência residual da União, sem prejuízo de melhor análise que será

adiante realizada, além do regime de exceção para a sua instituição, essa Constituição deter-

mina, também, que 20% do produto de sua arrecadação seja repartido entre os Estados e o

Distrito Federal (art. 157, II).

Logo, apesar do exercício da competência residual ser privativo da União, não será es-

ta a titular da totalidade do produto da arrecadação, que será partilhado com outros entes da

federação.

A análise exclusiva da competência para a instituição de impostos sugere que a Cons-

tituição Federal de 1988 esteve atenta ao princípio federativo ao repartir as competências en-

tre os membros da federação. A cada destes um foi garantida a exclusiva possibilidade de

instituição de impostos que não poderá ser objeto de delegação, renúncia ou caducidade

(CARRAZZA, 2007, p. 628; BECHO, 2011, p. 235). Se, por outro lado, for criado imposto

sobre fato não descrito nessa Constituição, o produto da sua arrecadação deverá ser partilha-

do.

À luz do federalismo, a rígida repartição de competências tem como finalidade a ma-

nutenção da autonomia e da igualdade entre os entes federados, de modo que um não possa

dominar os demais pela via financeira.

Cabe-nos, então, relacionar a competência para a instituição de impostos com a com-

petência para a instituição de contribuições.

Da mesma forma que o art. 154, I, o art. 149 da Constituição Federal de 1988 não des-

creveu os fatos possíveis de serem tributados pelas contribuições, não fez, também, referência

96 A Emenda nº 18/1965 à Constituição de 1946, base para o atual Sistema Tributário Nacional, extin-

guiu a competência residual para a instituição de impostos, que voltaria a ser prevista na Constituição outorgada durante o regime militar brasileiro.

97 Anotamos a crítica de Paulo de Barros Carvalho (2008, p. 240) à privatividade como atributo das normas de competência para a criação de impostos. Para o autor, a autorização para invadir o campo de compe-tência dos entes federados pela União Federal, conforme teor do art. 154, II, infirmaria a regra da privatividade.

126

às regras de repartição da competência para instituição de impostos. A questão, portanto, é

saber os limites para a escolha de fatos elegíveis como hipóteses para a incidência de contri-

buições.

Aproveitamos, para isso, o fato de que, por tratarem de impostos, as regras de imuni-

dades genéricas não são aplicáveis às contribuições. Destacamos, com isso, conforme apre-

sentando anteriormente, que no tocante às imunidades firmou-se que as contribuições não são

impostos, já que não precisam respeitar as regras do art. 150, VI, da Constituição de 1988.

Queremos saber, então, se para criar contribuições sobre fatos não descritos na Consti-

tuição, a União precisa observar a regra determinada pelo art. 154, I. Explicamos: se a União

pretender criar contribuição cuja hipótese de incidência seja fato desvinculado de uma atuação

estatal e esteja além dos limites da competência outorgada pelo art. 153, deveria ela se valer

de lei complementar?

Além disso, devemos, ainda, nos preocupar com as regras de repartição dos impostos

descritos. Observe-se, sobre o caso, que a Constituição Federal de 1988, em seus arts. 153,

155 e 156, distribui competências privativas apenas para a criação de impostos. Poderia a U-

nião criar contribuições incidentes sobre fatos de competência dos Estados, dos Municípios e

do Distrito Federal? Analisemos.

Entendemos que boas respostas para essas indagações são cruciais para se saber se a

interpretação do art. 149 está em harmonia com o restante das normas de repartição de com-

petências para a tributação.

É importante deixar claro que, pensando em indagações como as acima apresentadas, a

nossa doutrina tem se preocupado com a forma de exercício da competência para a criação de

contribuições. Vejamos as considerações destes especialistas: Renato Lopes Becho (2011, p.

305) aponta que as contribuições estão sendo usadas para desorganizar o sistema constitucio-

nal tributário; de acordo com Greco (2000, p. 48), a atual interpretação do dispositivo causa

insegurança e incerteza; Coêlho (2007, p. 39) chama o caso de patologia tributária e convoca

os aplicadores do Direito para envidarem esforços em sua solução; Derzi (1991, p. 202) suge-

re um vício de interpretação da Constituição, nesse caso; Carrazza (2007, p. 577) sustenta que

a competência para a criação de contribuições não é a senha para a criação de qualquer tributo

e, por fim, Ataliba (2008, p. 198) questiona a existência de verdadeiras contribuições à luz de

seu regime constitucional.

A insatisfação doutrinária tem íntima relação com o assunto tratado neste tópico, a re-

lação entre contribuições e competência impositiva, pois, se mantida a interpretação pela

127

completa diferenciação entre impostos e contribuições adotada no caso das imunidades gené-

ricas, a União teria competência para adotar qualquer fato como hipótese para a incidência das

contribuições, inclusive aqueles entregues aos Estados, Municípios e Distrito Federal, sem

uso de lei complementar. É o que acontece atualmente.

Em outras palavras, as regras de competências privativas e residuais tratam exclusi-

vamente dos impostos, da mesma forma que as regras de imunidades genéricas o fazem. O

tratamento doutrinário dos assuntos, no entanto, é divergente, já que no caso das imunidades

se reconhece a diferença entre imposto e contribuição e, para efeitos de repartição de compe-

tência para instituição de impostos, não.

De acordo com a lição de Ataliba (2008, p. 202), há obrigação de respeito da compe-

tência impositiva descrita na criação das contribuições:

Não tem sentido admitir que a Constituição deu uma competência aos Estados e Municípios (nos arts. 155 e 156) e a retirou em outra disposição (art. 149). Seria des-figurar a Constituição e entender que ela consente que a invocação da palavra “con-tribuição” afaste todos os obstáculos à legislação da União, inclusive os circunscrito-res de seu campo material de competência.

No que diz respeito às regras para utilização da competência residual, são palavras de

Carrazza (2007, p. 577):

Se as contribuições interventivas tiverem hipótese de incidência de algum imposto da chamada “competência residual” da União (art. 154, I, da CF). deverão ser insti-tuídas por lei complementar, não poderão ter hipótese de incidência ou base de cál-culo iguais às de qualquer dos impostos elencados nos art. 153, 155 e 156 da CF e precisão observar o princípio da não-cumulatividade. Já, se tiverem hipótese de in-cidência de imposto da “competência explícita” da União (art. 153, I a VII, da CF), deverão ser criadas por lei ordinária e, é claro, poderão ser cumulativas.

Antes mesmo de apresentarmos o nosso ponto de vista sobre a relação entre a compe-

tência impositiva descrita e residual e a criação de contribuições, é importante reconhecer que

o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre ambas as controvérsias, declarando a des-

necessidade de observação do art. 154, I, e a possibilidade de invasão das faixas de competên-

cia privativa pela União Federal.

Nesse sentido, é voto do ministro Carlos Velloso, em Recurso Extraordinário julgado

pelo Pleno daquela Corte (STF, RE 396.266/SC, Pleno, decisão por maioria, Rel. Min. Carlos

Velloso, DJ 27-02-2004):

Todavia, as contribuições do art. 149 da C.F., de regra, podem ser instituídas por lei ordinária. O que acontece é que, submetidas à lei complementar do art. 146, III, C.F., são definidas como tributo. Por não serem impostos, não há necessidade de que a lei complementar defina o seu fato gerador, base de cálculo e contribuintes (C.F., art. 146, III, a).

128

O julgado foi assim ementado:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO: SEBRAE: CONTRIBU-IÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. Lei 8.029, de 12.4.1990, art. 8º, § 3º. Lei 8.154, de 28.12.1990. Lei 10.668, de 14.5.2003. C.F., art. 146, III; art. 149; art. 154, I; art. 195, § 4º. I. - As contribuições do art. 149, C.F. - contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de cate-gorias profissionais ou econômicas - posto estarem sujeitas à lei complementar do art. 146, III, C.F., isto não quer dizer que deverão ser instituídas por lei complemen-tar. A contribuição social do art. 195, § 4º, C.F., decorrente de "outras fontes", é que, para a sua instituição, será observada a técnica da competência residual da União: C.F., art. 154, I, ex vi do disposto no art. 195, § 4º. A contribuição não é imposto. Por isso, não se exige que a lei complementar defina a sua hipótese de incidência, a base imponível e contribuintes: C.F., art. 146, III, a. Precedentes: RE 138.284/CE, Ministro Carlos Velloso, RTJ 143/313; RE 146.733/SP, Ministro Moreira Alves, RTJ 143/684. II. - A contribuição do SEBRAE - Lei 8.029/90, art. 8º, § 3º, redação das Leis 8.154/90 e 10.668/2003 - é contribuição de intervenção no domínio econô-mico, não obstante a lei a ela se referir como adicional às alíquotas das contribuições sociais gerais relativas às entidades de que trata o art. 1º do D.L. 2.318/86, SESI, SENAI, SESC, SENAC. Não se inclui, portanto, a contribuição do SEBRAE, no rol do art. 240, C.F. III. - Constitucionalidade da contribuição do SEBRAE. Constitu-cionalidade, portanto, do § 3º, do art. 8º, da Lei 8.029/90, com a redação das Leis 8.154/90 e 10.668/2003. IV. - R.E. conhecido, mas improvido.

O entendimento acima esposado é sedimentado:

DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INS-TRUMENTO. CONTRIBUIÇÃO PARA O SEBRAE. ENTIDADE DE GRANDE PORTE. OBRIGATORIEDADE. EDIÇÃO DE LEI COMPLEMENTAR. DESNE-CESSIDADE 1. Autonomia da contribuição para o SEBRAE alcançando mesmo en-tidades que estão fora do seu âmbito de atuação, dado o caráter de intervenção no domínio econômico de que goza. Precedentes. 2. É legítima a disciplinação normati-va mediante lei ordinária, dado o tratamento dispensado à contribuição. 3. Agravo regimental improvido. (STF, AI 650.194 AgR/PR, 2ª T., un., Rel. Min. Ellen Gracie, DJe 27-08-2009) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRIBUI-ÇÕES DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO E DE INTERESSE DAS CATEGORIAS PROFISSIONAIS. CRIAÇÃO. DISPENSABILIDADE DE LEI COMPLEMENTAR. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sen-tido da dispensabilidade de lei complementar para a criação das contribuições de in-tervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais. Prece-dente. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, AI 739.715 AgR/TJ, 2ª T., un., Rel. Min. Eros Grau, DJe 18-06-2009) CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. CONTRI-BUIÇÕES INCIDENTES SOBRE O LUCRO DAS PESSOAS JURIDICAS. Lei n. 7.689, de 15.12.88. I. – Contribuições parafiscais: contribuições sociais, contribui-ções de intervenção e contribuições corporativas. C.F., art. 149. Contribuições soci-ais de seguridade social. C.F., arts. 149 e 195. As diversas espécies de contribuições sociais. II. - A contribuição da Lei 7.689, de 15.12.88, e uma contribuição social ins-tituída com base no art. 195, I, da Constituição. As contribuições do art. 195, I, II, II-I, da Constituição, não exigem, para a sua instituição, lei complementar. Apenas a contribuição do parag. 4. do mesmo art. 195 e que exige, para a sua instituição, lei complementar, dado que essa instituição deverá observar a técnica da competência residual da União (C.F., art. 195, parag. 4.; C.F., art. 154, I). Posto estarem sujeitas à lei complementar do art. 146, III, da Constituição, porque não são impostos, não há

129

necessidade de que a lei complementar defina o seu fato gerador, base de calculo e contribuintes (C.F., art. 146, III, "a"). III. - Adicional ao imposto de renda: classifi-cação desarrazoada. IV. - Irrelevância do fato de a receita integrar o orçamento fiscal da União. O que importa e que ela se destina ao financiamento da seguridade social (Lei 7.689/88, art. 1.). V. - Inconstitucionalidade do art. 8., da Lei 7.689/88, por o-fender o princípio da irretroatividade (C.F., art, 150, III, "a") qualificado pela inexi-gibilidade da contribuição dentro no prazo de noventa dias da publicação da lei (C.F., art. 195, parag. 6). Vigência e eficácia da lei: distinção. VI. - Recurso Extra-ordinário conhecido, mas improvido, declarada a inconstitucionalidade apenas do ar-tigo 8. da Lei 7.689, de 1988. (STF, RE 138.284/CE, Pleno, un., Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 28-08-1992)

Essas decisões do Supremo Tribunal Federal reconhecem a desnecessidade da utiliza-

ção de lei complementar para instituição de contribuições que não tenham a sua hipótese de

incidência descrita pela Constituição Federal. Trata-se, entendemos, de posição coerente com

a adotada no caso das imunidades genéricas sobre as contribuições.

Voltamos ao caso das imunidades para repetir que enquanto o tipo tributário contribu-

ição não foi tecnicamente constitucionalizado, o que somente aconteceu na Constituição Fe-

deral de 1967, a tendência do Supremo Tribunal Federal foi reconhecer as contribuições como

um dos tipos tributário que existiam na Constituição, o imposto ou a taxa.

Contudo, a partir da existência de previsão constitucional das contribuições, a Corte

passou a considerá-las tributo diferente dos impostos e taxas. A posição nos parece um indício

de que as contribuições possuem um regime constitucional próprio, que não se confunde sim-

plesmente com o de um imposto destinado, de modo que procuramos entendê-lo, já que até o

presente momento, com o suporte da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a prévia

destinação do produto da arrecadação de um imposto tem sido a libertação de todas as regras

constitucionais para a sua instituição.

A última das ementas acima transcritas (RE 138.284/CE98) representou um grande

passo no entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a relação entre impostos e contri-

buições. Naquela oportunidade seria firmado o entendimento de que as contribuições não são

impostos, nem taxas. É excerto do voto do ministro Carlos Velloso, relator do processo:

As diversas espécies tributárias, determinadas pela hipótese de incidência ou pelo fa-to gerador da respectiva obrigação (CTN, art. 4º), são as seguintes: a) os impostos (C.F., arts. 145, I, 153, 154, 155 e 156); b) as taxas (C.F., art. 145, II); c) as contri-buições, que podem er assim classificadas: c.1. de melhoria (C.F., art. 145, III); c.2. parafiscais (C.F., art. 149), que são: c.2.1. sociais; c.2.1.1. de seguridade social (C.F., art. 195, I, II, III), c.2.1.2. outras de seguridade social (C.F., art. 195, § 4º),

98 O recurso é originário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, onde, na época, foi relatado pelo

então desembargador Hugo de Brito Machado, acórdão que seria reformado no julgamento do recurso extraordi-nário.

130

c.2.1.3. sociais gerais (o FGTS99, o salário-educação, C.F. art. 212, parág. 5º, contri-buições para o SESI, SENAI, SENAC, C.F., art. 240), c.3. especiais: c.3.1. de inter-venção no domínio econômico (C.F., art. 149) e c.3.2. corporativas (C.F., art. 149). Constituem, ainda, espécie tributária: d) os empréstimos compulsórios (C.F., art. 148).

Assim como fez Ataliba (2008, p. 148), o Supremo Tribunal Federal reconhece que a

contribuição de melhoria está submetida ao regime geral das contribuições, o que pode ser um

bom caminho para a definição do regime constitucional das contribuições, já que é abundante

a literatura sobre esse tributo, apesar de sua rara utilização.

O referido acórdão (RE 138.284/CE), relatado pelo ministro Carlos Velloso, serviu de

base para o julgamento do RE 177.137/RS (STF, Pleno, un., Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 18-

04-1997), que foi assim ementado:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ADICIONAL AO FRETE PARA RENO-VAÇÃO DA MARINHA MERCANTE - AFRMM : CONTRIBUIÇÃO PARAFIS-CAL OU ESPECIAL DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. C.F. ART. 149, ART. 155, § 2º, IX. ADCT, ART. 36. I. - Adicional ao frete para renova-ção da marinha mercante - AFRMM - é uma contribuição parafiscal ou especial, contribuição de intervenção no domínio econômico, terceiro gênero tributário, dis-tinta do imposto e da taxa. (C.F., art. 149). II. - O AFRMM não é incompatível com a norma do art. 155, § 2º, IX, da Constituição. Irrelevância, sob o aspecto tributário, da alegação no sentido de que o Fundo da Marinha Mercante teria sido extinto, na forma do disposto no art. 36, ADCT. III. - Recurso extraordinário não conhecido.

A controvérsia discutida nos autos tratava da constitucionalidade da instituição pela

União Federal de contribuição incidente sobre o valor de serviços de transporte, fato entregue

à tributação privativa por impostos aos Estados e Distrito Federal, conforme teor do art. 155,

2º, IX, da Constituição Federal de 1988100. São palavras do Relator em seu voto sobre a su-

posta invasão de competência impositiva com a criação de contribuição:

99 É muito importante uma breve anotação sobre a atual jurisprudência sobre a contribuição para o

FGTS, que não o tem considerado um tributo. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 100.249/SP (STF, RE 100.249/SP, Pleno, Rel. Min. Oscar Corrêa, decisão por maioria, DJ 01-07-1988), antes da entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, entendeu que a contribuição para o FGTS não possuiria natureza tributária, pois estaria enquadrada no regime geral das contribuições, que, naquele momento, não eram consideradas tribu-tos pela Corte (conforme apresentado acima). Pautando-se nesse julgado, o Superior Tribunal de Justiça tem aplicado em larga escala o entendimento de que a contribuição para o FGTS não é tributo, desconsiderando a natureza das contribuições no regime constitucional iniciado em 1988. O fato foi percebido por André Felipe de Barros Cordeiro (2008, p. 7) e merece cuidadosa revisão. São exemplos de decisões do STJ: EREsp 885.803/SP, 1ª Seção, Rel. Min. José Delgado, un., DJ 10-12-2007; REsp 313.369/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, un., DJ 11-03-2002; REsp 923.503/MS, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, decisão por unanimidade, DJ 19-02-2009.

100 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...] II - operações re-lativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; [...] § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: [...] IX - incidirá também: [...] a) sobre a entrada de bem ou mercadoria im-portados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qual-quer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço; [..]

131

A contribuição parafiscal ou especial é um terceiro gênero. Vale dizer, não é impos-to e não é taxa. Quando do julgamento do RE 138.284-CE, de que fui relator, exa-minei o tema em pormenor (RTJ 143/313). A ele me reporto. O argumento básico da recorrente, em sentido contrário, é este: o AFRMM não teria sido recebido pela Constituição vigente, por isso que, se tal houvesse acontecido, es-tia correndo “invasão de competência da União, através da cobrança” do citado adi-cional “sobre o frete de transporte marítimo internacional porto a porto, campo de incidência do ICMS, imposto de competência dos Estados e do Distrito Federal.” (C.F. art. 155, § 2º, IX, “a”). O argumento não me parece procedente. Assentado está que o AFRMM é uma contribuição de intervenção no domínio eco-nômico (C.F., art. 149). Não é, portanto, nem taxa nem imposto, mas um terceiro gênero tributário, ou uma subespécie da espécie tributária contribuição RE 138.284-CE, RTJ 143/313. A contribuição, não obstante um tributo, não está sujeita à limita-ção inscrita no § 2º do art. 145 da Constituição. Também não se aplicam a ela as li-mitações a que estão sujeitos os impostos, em decorrência da competência privativa dos entes políticos para instituí-los (C.F., arts. 153, 155 e 156), a impedir a bi-tributação. A técnica da competência residual da União para instituir imposto (C.F., art. 154, I), aplicável às contribuições socais de seguridade social, no tocante às “ou-tras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social” (C.F, art. 195, § 4º), não é invocável, no caso (C.F., art. 149).

Sendo fiel à sua premissa, segundo a qual a contribuição não é um imposto, o Supre-

mo Tribunal Federal declarou ser constitucional a instituição de contribuições sobre fato de

competência impositiva privativa dos Estados e Distrito Federal.

As decisões do STF sugerem qual será a sua posição em casos de conflitos que envol-

vam uma suposta invasão de competências privativas para instituição de impostos pela União

Federal com a instituição de contribuições. De acordo com a interpretação que se consolidou

na Corte, a invasão seria declarada constitucional.

O desenrolar deste tópico, sobre a relação entre a competência impositiva e a compe-

tência para a criação de contribuições, nos faz considerar a possibilidade de a doutrina e a

jurisprudência estarem adotando posições absolutamente dissonantes, conforme se pode per-

ceber com a comparação entre as lições de Ataliba e Carrazza anteriormente transcritas e as

posições firmadas pelo Supremo Tribunal Federal.

Ainda, no entanto, que as posições sejam opostas, enxergamos a possibilidade de sua

harmonização, se promovida a adequada construção do regime constitucional para a institui-

ção das contribuições previstas no art. 149, o que, repetimos, parecia ser a intenção de Ataliba

(2008, p. 182), pois segundo ele:

Nenhum tributo, até agora, designado contribuição, no Brasil – salvo a de melhoria – é contribuição verdadeira, no rigoroso significado do conceito, que se centra na ma-terialidade da h.i. (v. §§ 59.4 e 60.7), mas, se o legislador quiser – e tiver boa asses-soria – poderá estruturar contribuição pura.

132

Pensando nas lições de Ataliba, talvez seja o caso de os estudiosos do Direito Consti-

tucional Tributário melhor delimitarem o conteúdo de uma verdadeira contribuição, como

apontou Misabel Derzi em suas notas de atualização de Baleeiro (2013, p. 56). Note-se que a

classificação das espécies tributárias por Ataliba (2008, p. 125 e 132) é muito próxima daque-

la promovida pelo Supremo Tribunal Federal, separando os tributos em impostos, taxas e con-

tribuições (o STF adiciona o empréstimo compulsório como espécie tributária).

O que não podemos admitir, novamente com Geraldo Ataliba (2008, p. 202), é que a

rigidez e a minúcia com que a Constituição tratou o Sistema Tributário Nacional sucumbam

perante a competência para a instituição de contribuições. A demonstrada indignação doutri-

nária deve ter como resultado uma melhor interpretação da competência veiculada pelo art.

149 da Constituição Federal de 1988.

Não queremos nos conformar com a real possibilidade de a União Federal destruir o

principal sustentáculo do federalismo brasileiro por meio do inadequado uso de um dispositi-

vo constitucional (art. 149). Exercer a competência para a instituição de contribuições sem a

observação das regras de competência para a instituição de impostos e sem um adequado re-

gime inerente às contribuições transforma a União Federal em incomparável potência na fede-

ração brasileira, capaz de subjugar todos os demais entes federados.

Parece-nos importante, para o fim de reconhecer o regime jurídico das contribuições,

considerar o entendimento que tem sido praticado pelo Supremo Tribunal Federal, que dife-

rencia impostos, taxas e contribuições. Pretendemos, como adiante ficará claro, harmonizar o

entendimento jurisprudencial com a doutrina que parte de Geraldo Ataliba para traçar o arqué-

tipo genérico das contribuições previstas pelo art. 149 da Constituição Federal de 1988.

Antes, no entanto, prosseguiremos na análise de algumas incoerências que resultam do

atual regime constitucional atribuído às contribuições.

5.3.3 Contribuições e repartição de receitas tributárias

Ao analisarmos os aspectos gerais do princípio federativo, deixamos claro que um dos

principais elementos necessários para a sua concretização e manutenção é a adequada reparti-

ção de receitas entre os membros da federação. A cada membro devem ser garantidos meios

133

financeiros que lhe permitam o exercício de sua autonomia livre de influências de outros en-

tes.

A justificativa para uma adequada repartição de receitas é simples. Se a federação for

estruturada de maneira que um dos entes federados tenha capacidade financeira maior que a

dos demais, a este será possível influenciar a liberdade de autodeterminação dos membros da

federação por meio de barganhas financeiras. A autonomia dos entes federados, nesse caso,

sofreria graves danos, passíveis de reflexos até mesmo no princípio democrático.101

Sobre a atribuição de capacidade econômica para os entes federados, cumpre-nos re-

cordar que a experiência federalista brasileira, em cada um de suas fases, teve importantes

reflexos nas normas constitucionais de Direito Financeiro, dentre as quais estão incluídas as

de Direito Tributário. Conforme já deixamos claro, em nossa primeira experiência, com a

Constituição Federal de 1891, houve rígida repartição de competências, determinando-se co-

mo a principal fonte de receita dos entes federados apenas os tributos que lhes eram privati-

vos. Essa técnica, conforme já retratado algumas vezes neste trabalho, mostrou-se ineficiente

para viabilizar o desenvolvimento das regiões menos ricas do país.

Já, a partir da Constituição de 1934, iniciou-se a tendência de concentração de compe-

tências tributárias nas mãos da União Federal, com a determinação, em contrapartida, de re-

partição de grande parte do produto de sua arrecadação com os demais membros da federação.

É de suma importância, com isso, reconhecer que, de acordo com os preceitos federa-

listas, não cabe à União a pura e simples soberania econômica, se comparada aos demais entes

federados. A ela foram entregues mais fontes de receitas, mas, por outro lado, lhe foi determi-

nada a repartição do produto de sua arrecadação e a realização de investimentos regionais.

Foram edificados, portanto, os dois pilares de sustentação financeira do federalismo

brasileiro. Ou seja, parte das receitas de cada ente é auferida diretamente, por meio dos tribu-

tos próprios instituídos e arrecadados, e parte é recebida por transferência de outros entes.

Novamente, aplaudimos a técnica adotada pela Constituição, que tem a finalidade de

promover a eficiente repartição de rendas no território nacional, de modo que receitas de regi-

ões mais desenvolvidas possam ser aplicadas em favor de regiões marginalizadas.

O estudo pormenorizado da repartição da receita da arrecadação tributária, certamente,

é tema afeto ao Direito Financeiro, de modo que não nos cabe descer aos seus detalhes, pro-

movendo análise da forma pela qual a repartição é realizada. O que nos interessa, nesse caso,

101 Ao analisarmos os aspectos gerais do princípio federativo, apontamos que o seu conteúdo, moder-

namente, tem sido reconhecido como uma das garantias ao bom exercício da democracia, já que viabiliza a regi-onalização do poder, permitindo aos cidadãos a escolha de representantes que dele estejam mais perto.

134

é reconhecer que o sistema de tributação e o sistema de repartição de receitas tributárias, até

certo ponto, se explicam e se relacionam, de maneira que podemos encontrar alguns outros

indícios sobre o regime constitucional das contribuições nas normas constitucionais de repar-

tição do produto da arrecadação de tributos.102

Como já deixamos claro, este estudo da competência outorgada pelo art. 149 da Cons-

tituição Federal de 1988 tem o princípio federativo como ponto de partida. Por entendemos

que esse princípio é o fundamento da repartição da competência tributária, a nossa tarefa é

interpretar a competência para a instituição de contribuições de forma a privilegiar o modelo

federativo de Estado. Nesse sentido, não podemos admitir interpretação do sistema constitu-

cional que entregue à União Federal poder absolutamente superior ao dos demais entes, sem

que para isso existam contrapartidas constitucionais. A supremacia da União, queremos dizer,

não pode ser injustificada. Um bom exemplo para o caso é o seu privilégio no que diz respeito

à competência para a instituição de impostos, que é imediatamente equilibrada com o seu de-

ver de repartição de parte do produto da sua arrecadação.

Os arts. 157, 158 e 159 da Constituição Federal de 1988 tratam da repartição do pro-

duto da arrecadação tributária entre os entes federados. Repartir o produto da arrecadação não

é dever exclusivo da União, de modo que algumas regras também determinam aos Estados

que partilhem receitas tributárias com os Municípios.

Esses dispositivos, em sua redação original, determinavam apenas que as receitas de

impostos fossem repartidas, não abarcando regras referentes a contribuições, o que foi feito

pela Emenda Constitucional nº 42/2003, que inseriu o inciso III no art. 159.103 Qual seria o

motivo, então, para que as contribuições estivessem de fora das regras de repartição do produ-

to da arrecadação tributária?

A resposta é clara. As contribuições, conforme regra do art. 149, devem ter o produto

da sua arrecadação previamente destinado. A própria instituição das contribuições, portanto,

102 Estamos cientes de que autores de renome apontam a absoluta separação entre as normas constitu-

cionais de repartição do produto da arrecadação e as normas constitucionais tributárias (CARRAZZA, 2007, p. 677; COÊLHO, 2005, p. 439). Repetimos, em resposta, que não analisaremos os pormenores das regras de repar-tição, mas buscaremos apenas em sua essência elementos que possam dar explicações sobre o regime jurídico constitucional das contribuições.

103 A redação dada pela Emenda foi a seguinte: III - do produto da arrecadação da contribuição de in-tervenção no domínio econômico prevista no art. 177, § 4º, vinte e cinco por cento para os Estados e o Distrito Federal, distribuídos na forma da lei, observada a destinação a que refere o inciso II, c, do referido parágrafo. Seu texto, no entanto, foi reformado pela Emenda Constitucional nº 44/2004 para que a redação passasse para os seguintes termos: III - do produto da arrecadação da contribuição de intervenção no domínio econômico previs-ta no art. 177, § 4º, 29% (vinte e nove por cento) para os Estados e o Distrito Federal, distribuídos na forma da lei, observada a destinação a que se refere o inciso II, c, do referido parágrafo.

135

pressupõe uma regra de Direito Financeiro que se refere à destinação do produto de sua arre-

cadação.

Essa resposta, no entanto, não nos satisfaz.

Se reconhecermos que as contribuições possam ter hipóteses de incidência típica de

impostos, ainda que a União atue somente dentro de sua faixa de competências privativas, ser-

lhe-ia possível substituir todos os seus impostos por contribuições. Bastaria, para isso, alterar

os nomes dos tributos e empregar-lhes alguma das finalidades previstas pelo art. 149 da Cons-

tituição Federal. Os impostos passariam a ser contribuições e ficariam a salvo da partilha com

os demais entes federados.

Muito embora a situação possa parecer esdrúxula, é o caso ocorrido com a contribui-

ção criada pela Lei nº 10.168/2000, a Cide-Royalties, que substitui parcialmente a alíquota do

imposto sobre a renda incidente sobre remessas específicas para o exterior. Ainda que os valo-

res nesse caso possam não ser significativos, a União Federal abre caminho para substituir

impostos por contribuições.

Ressaltamos, nesse sentido, que a competência para instituição de impostos é, em re-

gra, facultativa (CARRAZZA, 2007, p. 648; BECHO, 2011, p. 236), de modo que não haveria

impedimentos constitucionais para que a União substituísse seus impostos sujeitos à partilha

por contribuições. Haveria, no entanto, gravíssima afronta ao princípio federativo.

Apesar da clareza dessa afronta, não seria fácil comprová-la e combatê-la com normas

de maior concretude, já que a União se valeria de expediente possível à luz da atual interpre-

tação da competência para a instituição de impostos e de contribuições.

A falta de rigidez e sistematização na interpretação do art. 149 da Constituição Federal

de 1988 coloca em risco os pilares de sustentação financeira do federalismo brasileiro. À Uni-

ão é entregue nítida supremacia se comparada aos demais entes federados sem que lhe sejam

atribuídos correspondentes ônus. Permite-se, ainda, ao Ente Central que retire dos demais

entes a possibilidade de participação no produto de sua arrecadação, bastando, para isso, que

destine seus impostos e mude seus nomes para contribuições. O exemplo é absurdo, mas as

condições materiais para a sua realização estão reunidas.

Os problemas decorrentes da relação entre as contribuições e as normas de repartição

de receitas tributárias não se esgotam com a possibilidade de substituição de impostos descri-

tos por contribuições. Conforme observa Hugo de Brito Machado Segundo (2005, p. 151), a

falta de rigidez da atual interpretação do regime constitucional para a instituição de contribui-

ções também colabora para a não utilização pela União da competência impositiva residual.

136

Não há, no Brasil, tradição no uso da competência impositiva residual, apesar da sua

previsão em quase todos os textos constitucionais (à exceção da Constituição de 1946, pós

Emenda nº 18/1965). A atual interpretação da competência para a instituição das contribui-

ções, por sua vez, colabora com a manutenção da inatividade da competência impositiva resi-

dual, conforme reconhece Paulo de Barros Carvalho (2009, p. 241), nos seguintes termos:

Ajeita-se aqui uma observação de cunho histórico, mas que nos parece procedente: há muito que a União dispõe de faixa residual de competência tributária. Em vez de movimentá-la, nas ocasiões em que necessitou, preferiu servir-se de expedientes de-saconselháveis, como a singela mudança de nomes (chamando impostos pela desig-nação de taxas, empréstimos compulsórios, contribuições e uma sorte de epítetos ex-travagantes). E a competência residual permaneceu inativa, decorando a tábua de possibilidades legiferantes do ente federal.

De fato, não temos ciência de nenhum imposto atualmente existente que tenha sido

criado em exercício da competência impositiva residual, outorgada pela Constituição Federal

de 1988. Por outro lado, como é notório, frequentemente novas contribuições são criadas pela

União, conforme apontou Barros Carvalho, em expediente historicamente adotado em nosso

país.

Além de estar submetida à restrição procedimental (uso de lei complementar), a insti-

tuição de impostos em exercício da competência residual sujeita a União à repartição de 20%

do produto da sua arrecadação com os Estados e Distrito Federal (art. 157, II).

Ao se valer dos expedientes apontados por Barros Carvalho, portanto, a União escapa

da necessidade de produção de lei complementar e da necessidade de repartição de parte do

produto da arrecadação do novo tributo.

O fato de estarmos nos acostumando com a lógica adotada pela União para a institui-

ção de verdadeiros impostos não descritos, é a causa da elaboração de um grande número de

emendas constitucionais com finalidade de atender à pretensão dos demais entes federados de

também participarem da festa das contribuições.

Duas emendas, principalmente, isso demonstram. A primeira delas, a Emenda nº

42/2003, já mencionada, incluiu o inciso III no art. 159 para determinar a partilha com Esta-

dos e Distrito Federal do produto da arrecadação de contribuição de intervenção no domínio

econômico. A contribuição partilhada teve sua materialidade detalhada na Constituição pela

Emenda nº 33/2001, que promoveu inclusões no art. 177. Note-se o conjunto de inadequados

remendos: a instituição de contribuição de intervenção no domínio econômico foi precedida

de Emenda que a autorizasse expressamente (para evitar conflitos com a competência para

instituição de cobrança do ICMS pelos Estados e Distrito Federal e a restrição imposta pelo

137

art. 155, § 3º, da Constituição Federal de 1988) e, embora constitucionalmente destinada, por

nova Emenda teve parte do produto de sua arrecadação distribuído entre Estados e Distrito

Federal.

Os Municípios também conseguiram sua participação nas largas possibilidades de ins-

tituição de contribuições com a Emenda Constitucional nº 39/2002, que incluiu o art. 149-A,

para a eles (e Distrito Federal) autorizar a criação da contribuição para custeio do serviço de

iluminação pública, o que foi objeto de crítica por Coêlho (2005, p. 70):

O art. 149-A tem dois defeitos: o primeiro é que ele foi feito para desmerecer a ju-risprudência do STF que repudiava, reiteradamente, as taxas de iluminação pública, por serem indivisíveis. O segundo defeito é que ele quebra o sistema de repartição de competências tributárias entre as pessoas políticas.

O tipo tributário contribuição tornou-se meio eficiente para ultrapassar os limites de-

terminados pelas regras de competência tributária. Ao perceberem isso, os demais entes fede-

rados passaram a buscar formas de se beneficiarem da possibilidade de majoração de receitas

sem que as rígidas regras para a instituição de impostos fossem obedecidas.

A cada nova emenda constitucional, o tão bem elaborado Sistema Tributário Nacional

perde suas características originais, marcadas pela rigidez da repartição de competências entre

os membros da federação, em nosso ponto de vista, graças à interpretação que tem sido atribu-

ída ao seu art. 149.

Se as contribuições forem, de fato, verdadeiros impostos, nos parece correto que o

produto de sua arrecadação seja partilhado, como acontece com os impostos residuais. O fato,

no entanto, de a redação original da Constituição não tê-las tratado assim é um importante

indício de que o regime de instituição das contribuições pode não ser tão parecido com o dos

impostos. Criar um tributo incidente sobre fato desvinculado de uma atuação estatal e atribuir-

lhe destinação é um meio muito fácil e simples de serem contornadas as regras de repartição

do produto da arrecadação de impostos residuais entre os entes federados. Há, entendemos,

grave afronta ao federalismo, que deve ser combatida a partir do melhor estudo da regra de

competência prevista pelo art. 149 da Constituição Federal de 1988.

Como também observa Machado Segundo (2005, p. 153), o maior absurdo ainda não

está nesses casos, mas no conteúdo da Emenda Constitucional nº 27/2000, que incluiu o art.

76 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para desvincular 20% do produto da

arrecadação de contribuições das destinações que lhes foram prévia e legalmente atribuídas. A

desvinculação tinha prazo de validade (de 2000 a 2003), mas tem sido reeditada ao final de

138

cada período para a sua renovação, sendo que, atualmente, a desvinculação vige até dezembro

de 2015, por força da redação dada a esse dispositivo pela Emenda nº 68/2011.

A perspicácia da União Federal é digna de aplauso!

Ao invés de exercer a sua competência para a instituição de impostos residuais, a Uni-

ão Federal abusa da criação e majoração de contribuições, escapando, com isso, da necessida-

de de manejo da lei complementar e da repartição parcial do produto da arrecadação.

A troca da criação de impostos residuais pela criação de contribuições faz com que a

União tenha um altíssimo percentual de sua arrecadação já vinculado a destinações específi-

cas. Diante da necessidade, no entanto, de cobrir gastos diferentes daqueles para os quais as

contribuições são destinadas, editam-se emendas constitucionais que autorizem a desvincula-

ção do produto da arrecadação. Esse é o atestado da ruína do sistema constitucional tributário

no que se refere às contribuições. A finalidade que teria justificado a instituição da contribui-

ção deixa de ser perseguida para deixar claro que este tipo tributário tem sido usado apenas

com finalidade arrecadatória, burlando-se o regime constitucional do verdadeiro tributo que

deveria ser usado para esse fim, ou seja, o imposto.

Reconhecer que as contribuições são apenas impostos destinados não condiz, portanto,

com a rigidez inerente às normas constitucionais de competência para a criação de impostos e

à determinação de repartição do produto de sua arrecadação, novamente colocando a estrutura

da federação contra a parede.

5.3.4 Contribuições e proibição de destinação de impostos

Temos trabalhado nos itens anteriores com os efeitos decorrentes do fato de a contri-

buição ser considerada apenas um imposto qualificado pela destinação do produto de sua ar-

recadação. Essa análise decorre do entendimento que reconhece a possibilidade de a contri-

buição assumir a natureza de imposto ou taxa, dependendo da hipótese de incidência escolhi-

da pelo legislador. Conforme referência já realizada neste trabalho, Renato Lopes Becho

(2009, p. 384) compara as hipóteses de incidência do imposto sobre a renda da pessoa jurídica

e a contribuição social sobre o lucro para chegar à conclusão de que se tratam exatamente do

mesmo tributo, excetuada a prévia destinação do produto da arrecadação da segunda.

139

Assumimos como verdadeira nos itens anteriores a possibilidade de a União escolher

entre criar um imposto ou uma contribuição em face de uma determinada materialidade.

Supondo que a União perceba um novo fato econômico passível de tributação, ela po-

derá escolher tributá-lo por um imposto autorizado pela competência residual, mediante lei

complementar e repartindo-se 20% do produto da sua arrecadação com os Estados e Distrito

Federal; ou poderá criar uma contribuição, por via de lei ordinária, sem necessidade de repar-

tição do produto da arrecadação, mas prevendo-se na lei criadora da exação a destinação do

produto da arrecadação em favor de uma das finalidades elencadas no art. 149 da Constituição

de 1988.

Impende analisar, no entanto, se à luz do disposto pelo art. 167, IV, desta Constituição,

a União teria tão ampla liberdade. É o dispositivo em sua redação original:

Art. 167. São vedados: [...] IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a re-partição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino, como de-terminado pelo art. 212, e a prestação de garantias às operações de crédito por ante-cipação de receita, previstas no art. 165, § 8º; [...]

Depois de inúmeras reformas, a Emenda Constitucional nº 42/2003 determinou esta

redação do inciso, que é vigente:

IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a re-partição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manuten-ção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previs-tas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo;

Este dispositivo proíbe todas as pessoas políticas de vincularem o produto da arreca-

dação de tributos a órgãos, fundos e despesas, ressalvadas as situações descritas no próprio

dispositivo. A vedação, evidentemente, se refere a destinações legais prévias à arrecadação,

desconformes com a regulamentação constitucional para produção de leis orçamentárias.

Misabel Derzi, comentando a obra de Aliomar Baleeiro (2013, p. 269), registra o pou-

co interesse doutrinário no estudo da proibição de destinação prévia dos impostos e reconhece

duas finalidades de grande importância que justificam a existência desse dispositivo. A pri-

meira delas, de acordo com Derzi, nas notas de atualização de Baleeiro (2013, p. 267), se refe-

re ao fato de a pessoa política poder anualmente se preparar para seus gastos e programar seus

investimentos. Quanto maior for a prévia vinculação, menor será a liberdade de planejamento

140

do ente federado. É exatamente o que acontece com a União Federal, que precisa de constan-

tes reformas no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para desvincular a prévia

destinação de grande parte de sua arrecadação. A segunda função apontada pela autora, em

suas notas de atualização de Baleeiro (2013, p. 269), se refere à proteção do princípio demo-

crático e da natureza redistributiva de renda dos impostos. De acordo com sua lição, as recei-

tas dos impostos, na maior medida possível, devem estar livres para que os representantes do

povo escolham a melhor forma de sua aplicação.

A vedação de vinculação foi inserida pela primeira vez em nosso sistema pela Emenda

Constitucional nº 1/1969. Até então, a prévia vinculação do produto da arrecadação de impos-

tos era livre a qualquer ente federado (DERZI, 1991, p. 206).

Assim, até e entrada em vigor da Emenda nº 1/1969 qualquer imposto poderia ser cri-

ado, inclusive em exercício da competência residual pela União (que não dependia de lei

complementar), sendo-lhe determinada a destinação para o produto da arrecadação. Não havia

dispositivo constitucional que proibisse tal vinculação.

Percebamos a diferença.

No regime da Constituição Federal de 1988, uma das principais notas que qualificam o

imposto – depois, evidentemente, da não vinculação a uma atuação estatal da sua hipótese de

incidência – é a impossibilidade da prévia vinculação do produto de sua arrecadação. Para

grande parte de nossa doutrina, por sua vez, a principal nota que qualifica uma contribuição é

a prévia destinação do produto de sua arrecadação, já que sua hipótese de incidência poderia

ser um fato vinculado ou não a uma prestação estatal.

Esses, no entanto, são elementos novos em nosso sistema constitucional. Até a entrada

em vigor da Emenda nº 1/1969, quando já estava consolidada a tradição federal de tributação

por contribuições, os impostos podiam ser livremente destinados, sem que lhes fossem retira-

do, inclusive, o nome de imposto. As contribuições, por sua vez, tinham a parafiscalidade

como a sua principal característica.

A distinção entre os regimes pré e pós Emenda nº 1/1969 sobre a vinculação de impos-

tos é nítida e merece atenção.

Sob o regime constitucional anterior a 1969 havia ampla liberdade para a União Fede-

ral tributar quaisquer fatos não vinculados a uma prestação sua, tanto dentro, como fora, dos

limites da sua competência impositiva descrita (respeitados a faixa de competência dos de-

mais entes). Ainda no regime pré-Emenda nº 1/1969, a União Federal podia, tendo em vista a

141

inexistência de proibição constitucional, destinar previamente o produto de sua arrecadação, o

que não retiraria do tributo a qualidade de imposto.

Assim, antes da Emenda Constitucional nº 1/1969, veicular prévia destinação para um

imposto, ainda que com isso lhe fosse atribuído o nome de contribuição, não retirava do tribu-

to a natureza de imposto. Havia plena liberdade para disposição sobre a destinação do produto

da arrecadação. A contribuição, nesse contexto, realmente era um imposto. Mais que isso:

considerando apenas a destinação do produto da arrecadação como critério de discrímen, não

havia diferença constitucional entre contribuição e imposto.

Até 1969, portanto, parecia um pouco mais adequado104 sustentar que as contribuições

eram apenas impostos destinados. Os impostos podiam ser destinados.

Diferente, no entanto, é o regime de proibição de vinculação do produto da arrecada-

ção de impostos após a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 1/1969. Ao determinar

que impostos não tenham o produto da sua arrecadação previamente destinado, não nos pare-

ce mais tão simples concluir que basta à União mudar o nome do tributo para contribuição e,

destinando o seu produto da arrecadação, poder adotar hipóteses de incidência típicas de im-

postos (não vinculadas a uma prestação estatal).

Pensemos em silogismo: (i) a Constituição discrimina detalhadamente a competência

para a instituição de impostos, tributos cuja hipótese de incidência não se vincula a uma pres-

tação estatal; (ii) a Constituição proíbe a destinação do produto da arrecadação dos impostos;

(iii) sempre que for um imposto, portanto, o produto da arrecadação não poderá ser destinado.

E como saber se estamos diante de um imposto? Por regra, se a sua hipótese de inci-

dência for um fato não vinculado a uma prestação estatal. Mas, evidentemente, a regra consti-

tucional pode ser excepcionada por outras regras de mesma hierarquia. Caberia, nesse sentido,

a interpelação de que a própria Constituição Federal de 1988, no art. 149, autorizaria a desti-

nação do produto da arrecadação para tributos não vinculados a uma prestação estatal desde

que revertido para uma das finalidades previstas pelo dispositivo. Analisemos, pois, a regra

constitucional.

Conforme já apontado, o regime de repartição de competências tributárias é marcado

por sua rigidez (ÁVILA, 2006, p. 109), de modo que as competências de cada ente federado

encontram-se nitidamente demarcadas na Constituição de 1988. Com relação aos impostos, o

regime constitucional foi restritíssimo, estabelecendo-se as competências privativas de cada

104 Ainda naquele contexto, entendemos que a destinação indiscriminada de impostos poderia ferir o

princípio federativo, na medida em que retiraria dos demais entes federados a garantia constitucional de partici-pação no produto da arrecadação dos impostos federais.

142

um dos entes e, entregando à União a competência para a tributação de fatos não descritos,

mas por meio de lei complementar. Esse regime constitucional de restrição estrutura, portanto,

o sistema tributário.

Estabelece-se, por fim, que os impostos não poderão ter o produto de sua arrecadação

vinculado a nenhum fundo ou finalidade, em dispositivo que menciona as exceções a essa

regra, dentre as quais não se encontra a competência para a instituição de contribuições.

Destacamos: o art. 167, IV, da Constituição Federal de 1988, aponta quais são as pou-

cas exceções à proibição de vinculação, determinando os casos pontuais, ou seja, as previsões

constitucionais específicas que excetuam a regra geral para autorizar a destinação prévia de

impostos.

Seria possível, então, que, neste regime da Constituição de 1988, de regras claras e

poucas exceções, o art. 149 excepcionasse a regra do art. 167, IV, com tamanha amplitude? É

evidente que não. As disposições constitucionais sobre a ordem social e econômica abarcam

tantos assuntos que acabariam por transformar a exceção em regra. Humberto Ávila (2006, p.

260), nesse sentido, aponta que as únicas vinculações possíveis para impostos são aquelas

referidas no próprio art. 167, IV, da Constituição Federal.

Se o art. 153 da Constituição de 1988 entrega à União fatos a serem tributados por im-

postos, com sua inerente proibição de destinação, não nos parece possível que apenas mudan-

do o nome do tributo para contribuição seja possível a adoção do mesmo fato como hipótese

de incidência do tributo, cujo produto da arrecadação deverá ser destinado.

Voltamos às elementares lições de direito tributário para, com Ataliba (2008, p. 139),

recordar que não é o nome, mas os elementos de cada tributo que lhe determinam a sua natu-

reza e o regime jurídico, lição doutrinária positivada pelo art. 4º do Código Tributário Nacio-

nal.

Se a Constituição proibiu que os tributos não vinculados a uma prestação estatal tives-

sem o produto de sua arrecadação previamente destinado, não há como sustentar, pura e sim-

plesmente, que contribuições possam ser meros impostos destinados, permitindo-se que, me-

diante a mudança do nome do tributo, seja burlada a regra constitucional com as suas caracte-

rísticas notas de rigidez.

Reconhecendo a rigidez do Sistema Tributário Nacional, Humberto Ávila (2006, p.

254) sustenta que o processo de interpretação deverá ser marcado pelo respeito aos limites

constitucionais:

143

[...] Equivale dizer que a limitação das competências é preocupação primordial da Constituição de 1988. [...] Essa constatação é muito importante para o exame das contribuições. Isso porque o Sistema Tributário Nacional caracteriza-se pela rigidez com que delimita as competências da União, dos Estados e dos Municípios e pela especificidade com que indica as hipóteses em que as contribuições podem ser insti-tuídas. O intérprete não pode, portanto, romper os limites traçados pela Constituição e optar pela falta de limites nas hipóteses em que a Constituição escolhe a fixação de limites [...].

Note-se, portanto, que entregar às contribuições a natureza de imposto destinado não

fere somente a regra do art. 167, IV, da Constituição Federal de 1988. Fere também, como

demonstramos, as regra de imunidades genéricas, as regras de repartição de competências

privativas, o princípio da capacidade contributiva, a exceção do regime para instituição de

impostos residuais e a repartição do produto da arrecadação de impostos entre os entes fede-

rados.

Sacha Calmon Navarro Coêlho (2007, p. 124) é enfático ao criticar o atual entendi-

mento sobre os limites para a instituição de contribuições:

[...] Some pelo ralo da leniência o rigor da Constituição e abrem-se ensanchas para a Fazenda Federal aumentar incessantemente a carga tributária. Em segundo lugar, pe-la virualidade mágica da palavra, o nomen contribuição é suficiente – mesmo que o fato gerador seja de imposto – para ladear o art. 167, IV da Constituição – cujo obje-to é mesmo o de evitar “impostos vinculados a fins específicos”, justo o que a maio-ria das contribuições significa. Qualquer jurista estrangeiro não duvidaria em apon-tar neste entrecho de nossa Constituição antinomia sistêmica e sua eliminação, me-diante uma interpretação conforme a Constituição [...].

A atual interpretação da norma de competência para a criação de contribuições previs-

ta pela Constituição Federal de 1988 entrega à União eficiente arma para fazer ruir o tão bem

desenhado Sistema Tributário Nacional e, com ele, o princípio federativo. A possibilidade de

contorno da vedação da destinação de impostos por meio da instituição de contribuições, con-

forme apresentado neste tópico, é uma das provas disso. Urge, portanto, conhecer melhor a

competência para a instituição de contribuições. Para isso, sigamos em nossa análise.

5.3.5 Contribuições e impostos destinados

Neste tópico analisaremos se há na Constituição Federal de 1988 casos de impostos

que tenham sido constitucionalmente destinados e como esses impostos se relacionam com as

contribuições.

144

Temos tratado no decorrer deste estudo de problemas referentes ao baralhamento dos

regimes jurídicos dos impostos e das contribuições. Estamos apontando as incoerências insu-

peráveis causadas pelo reconhecimento de que contribuições são meros impostos afetados à

luz dos ditames do princípio federativo, fundamento último da rigidez com a qual a Constitui-

ção Federal de 1988 realizou a repartição das competências para a instituição de tributos.

A leitura dos argumentos até agora apresentados deixa claro que a nossa comparação

entre impostos e contribuições sempre se deu a partir dos efeitos decorrentes da possível atri-

buição do regime de impostos destinados às contribuições.

A investigação que propomos, agora, é diferente. Queremos saber se a Constituição de

1988 ao usar o termo contribuição não foi imprecisa, de modo que devemos interpretar o ter-

mo contribuição apenas como “imposto afetado a determinada finalidade”.

Para responder à essa indagação é muito importante reconhecer que, apesar de se ad-

mitir que o constituinte possa ter cometido erros no uso de termos técnicos (BASTOS; BRIT-

TO, 1982, p. 19), ao longo das disposições do Sistema Tributário Nacional, em alguns dispo-

sitivos, foi promovida consciente diferenciação entre impostos e contribuições. O constituinte

de 1988 poderia, se fosse o caso, redigir o caput do art. 149 utilizando o termo imposto, ao

invés do termo contribuição.

Devemos, diante disso, procurar entender o motivo dessa diferenciação promovida pe-

lo constituinte.

A utilização de termos diferentes para nomear objetos aparentemente iguais foi obser-

vada por Humberto Ávila (2006, p. 88), que aponta a obrigação de o interprete estar atento a

esses casos, sujeitando-se às diferenciações de categorias promovidas pelo texto constitucio-

nal. São palavras do autor (ÁVILA, 2006, p. 88):

[...] Não se trata, aqui, de mero verbalismo, mas da exigência de clareza conceitual: se existem diferentes espécies de exames concretos, aconselha-se que esses exames sejam denominados também de modo diverso. A necessidade de clareza conceitual torna-se ainda maior, quanto mais dificuldades existirem para examinar e controlar os parâmetros constitucionais. O princípio do Estado de Direito pressupõe o controle do poder de tributar e do Poder Judiciário. Sem clareza conceitual, isso não pode ser atingido. [...]

Com relação a essa clareza conceitual, Hamilton Dias De Souza (2000, p. 508) susten-

ta a necessidade de respeito a um conteúdo mínimo do termo contribuição, tendo em vista a

opção de sua utilização, ao invés do termo imposto.

145

Adotando as lições de Ávila e Souza, há um caminho a ser trilhado para verificar se,

de fato, o termo contribuição possui significado próprio, além do sentido de imposto afetado a

uma finalidade.

Todos os argumentos apontados em itens anteriores deste trabalho já têm o condão de

atestar a diferença entre esses dois tipos constitucionais tributários, sugerindo a diferença en-

tre eles. Sem prejuízo, analisaremos, agora, se o texto constitucional não tratou, quando assim

pretendeu, de impostos destinados.

Para sermos mais claro, queremos saber se em detrimento da regra geral de impossibi-

lidade de destinação do produto da arrecadação dos impostos, não houve casos em que a

Constituição 1988 vinculou o produto da arrecadação de impostos. Sobre o caso, por exem-

plo, Marco Aurélio Greco (2000, p. 144) enxerga na norma de competência para a instituição

de impostos extraordinários (art. 154, II) a previsão de impostos cujo produto da arrecadação

se encontra vinculado a uma atuação estatal.

O próprio art. 167, IV, faz menção a casos em que a Constituição Federal de 1988

previu a obrigação de prévia destinação do produto da arrecadação de impostos, conforme

redação dos art. 198 e 202:

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguin-tes diretrizes: [...] § 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: I - no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3º; II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impos-tos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos im-postos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inci-so I, alínea b e § 3º. § 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabele-cerá: I - os percentuais de que trata o § 2º; [...] Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita re-sultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

146

Além disso, mais uma vez por meio de Emenda Constitucional105, incluiu-se no Ato

das Disposições Constitucionais Transitórias a obrigação de destinação de produtos da arreca-

dação de impostos para composição do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza:

Art. 80. Compõem o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza: II - a parcela do produto da arrecadação correspondente a um adicional de cinco pontos percentuais na alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, ou do imposto que vier a substituí-lo, incidente sobre produtos supérfluos e aplicável até a extinção do Fundo; III - o produto da arrecadação do imposto de que trata o art. 153, inciso VII, da Constituição; § 1º Aos recursos integrantes do Fundo de que trata este artigo não se aplica o dis-posto nos arts. 159 e 167, inciso IV, da Constituição, assim como qualquer desvin-culação de recursos orçamentários

O texto constitucional, portanto, diferencia casos em que impostos terão o produto da

sua arrecadação destinado para finalidades específicas, qualificação esta que coincidiria com a

definição de contribuição que as iguala aos impostos. Ora, não podemos dar por iguais coisas

que a Constituição Federal distinguiu, conforme sustenta Greco (2000, p. 144):

Pretender reduzir a contribuição a um imposto ou a uma taxa é negar a qualificação constitucionalmente adotada; é confundir no que a Constituição distingue. Quando a Constituição quis prever um impostos de escopo, ela o fez expressamente (impostos extraordinários), vinculando explicitamente a figura do imposto, que se tipifica por ser caracterizado em função da materialidade do seu fato gerador, a uma determina-da finalidade constitucionalmente qualificada. [...] Em suma, contribuição é categoria autônoma que não se confunde com o imposto ou a taxa. Não é um impostos com destinação específica. Sustentar o contrário é adotar postura simplista, arraigada na doutrina estrangeira e totalmente distanciada dos pre-ceitos constitucionais que regem a figura.

Cumpre-nos concluir, com amparo nas lições de Greco, que as contribuições não são

impostos destinados, como todas as inconsistências acima demonstradas já comprovavam.

Assumimos, portanto, que ao se referir à contribuição a Constituição de 1988 não autoriza a

criação de um tributo que tenha as mesmas qualidades de um imposto, com exceção da regra

de proibição da prévia destinação do produto de sua arrecadação. Se o regime da contribuição,

portanto, não será o mesmo do imposto, devemos perquirir qual será o regime constitucional

para exercício da competência para a instituição de contribuições.

Antes de dar o presente item sobre impostos destinados por concluído, é muito impor-

tante analisar a posição de Sacha Calmon Navarro Coêlho cujas lições, ao lado das de Marco

Aurélio Greco, têm influenciado sobremaneira o presente estudo.

105 Emenda Constitucional nº 31/2000.

147

Esses autores reconhecem a distinção constitucional entre impostos e contribuições e a

existência de impostos finalísticos, desde que previstos constitucionalmente (COÊLHO, 2007,

p. 37; GRECO, 2000, p. 144). Deve-se, com isso, buscar na própria Constituição, o regime

próprio das contribuições, que as distancia de meros impostos destinados (COÊLHO, 2007, p.

39).

O que há de peculiar na posição desse autor está no entendimento de que as contribui-

ções do empregador para custeio da seguridade social (art. 195, I) são verdadeiros impostos.

A conclusão se fundamenta na importância que o autor entrega à análise da base de cálculo do

tributo para efeitos de determinação da sua natureza jurídica (COÊLHO, 2007, p. 60). Como o

art. 195, I, da Constituição de 1988 prevê bases tipicamente impositivas, isso determinaria

àqueles tributos (chamados pela Constituição de contribuições) a qualidade de impostos. So-

bre as contribuições do empregador, são as palavras do autor (COÊLHO, 2000, p. 94):

As contribuições dos empregadores, como vimos, são impostos pelos fatos gerado-res e bases de cálculo, mas finalísticos pela vinculação da arrecadação aos fins da seguridade. [...] Aliás, foi a razão solidarista que autorizou a criação de tantos im-postos em prol dos desassistidos, onerando praticamente a sociedade inteira, por-quanto são impostos – repita-se à exaustão – o PIS, a COFINS, a CSSL, o imposto sobre jogos, o impostos incidente sobre as folhas de salários e pagas diversas e o impostos sobre movimentações financeiras, criado após o encerramento da Assem-bleia Nacional Constituinte originária. São impostos finalísticos, por determinação constitucional, originária ou derivada, com o nomen juris de contribuições, para gáudio do art. 4º do CTN, cuja justeza e sabedoria são notáveis.

Não havíamos mencionado o art. 195 até o presente momento propositalmente, justa-

mente pelo fato de não aderirmos plenamente à posição de Coêlho. Conforme será oportuna-

mente analisado, Greco (2000, p 142) e Coêlho (2007, p. 39), antes de estudarem as normas

de competência para a criação de contribuições, manifestam o seu inconformismo com a atual

interpretação que é a elas dispensada, mas conduzem suas análises por caminhos diferentes,

chegando a conclusões até certo ponto comparáveis. Um dos pontos de divergência entre os

autores está relacionado ao conteúdo do art. 195, I, da Constituição Federal de 1988.

Mantemos, sobre o significado do termo contribuição usado no art. 195, I, a nossa

predisposição para enfatizar o que esta Constituição distinguiu, como também o fez Hamilton

Dias de Souza (2000, p. 508):

Realmente, o regime jurídico das contribuições para a seguridade social é extraído das normas constantes dos art. 149 e 195 e sem perder de vistas os objetivos traça-dos na norma programática constante do art. 194 da Constituição. Além disso,deverá o intérprete necessariamente não se afastar do conteúdo mínimo da expressão “con-tribuição”, visto que, como referido, houve expressa opção do contribuinte por in-cluir tais exações sob um modelo que a doutrina vem desenvolvimento de acordo com os elementos conceituais expostos na primeira parte deste estudo. [...]

148

A nossa opção por não aderir à posição de Coêlho, também aceita por Derzi (1991, p.

206) e Schoueri (2012, p. 205), que reconhece no tributo previsto no art. 195, I, da Constitui-

ção Federal de 1988, um imposto, será melhor desenvolvida quando da análise do que enten-

demos pela norma de competência para a instituição de contribuições. Por ora, firmemos ape-

nas a posição de que a Constituição, em todos os casos, ao dizer contribuição não quis se refe-

rir a impostos destinados.

5.3.6 Contribuições, contribuição de melhoria e taxas

Temos apresentado considerações sobre as contribuições comparando-as com impos-

tos. Fazemos isso para melhor analisar as consequências do regime jurídico predominante-

mente aceito pela doutrina brasileira, que aponta que as contribuições, de acordo com a hipó-

tese para a sua incidência escolhida pelo legislador ordinário, assumirão a condição de impos-

to ou taxa.

Tratamos principalmente da comparação das contribuições com impostos pelo fato de

as contribuições criadas em nosso ordenamento, muito comumente, terem como aspecto mate-

rial de sua hipótese um fato desvinculado da atuação estatal, o que lhes atribuiria a condição,

por regra, de imposto. Trata-se, como temos apontado, de expediente comum do legislador

federal para fugir da rigidez constitucional da competência impositiva.

Contudo, apesar da pragmática demonstrar que as contribuições são criadas, na esma-

gadora maioria das vezes, sobre fatos típicos de tributação por impostos, cumpre-nos, ainda

que brevemente, analisar a sua relação com as taxas e a contribuição de melhoria, os outros

tipos tributários previstos pelo art. 145 da Constituição Federal de 1988.

Iniciemos pela contribuição de melhoria.

Assim como faremos com as taxas, o nosso objetivo não será estudar detalhes do re-

gime jurídico da contribuição de melhoria, tributo assim definido por Carrazza (2007, p. 540):

A contribuição de melhoria é um tipo de tributo que tem por hipótese de incidência uma atuação estatal indiretamente referida ao contribuinte (Geraldo Ataliba). Esta atuação estatal – porque assim o exige o art. 145, III, da Constituição da Repú-blica – só pode consistir numa obra pública que causa valorização imobiliária, isto é, que aumenta o valor de mercado dos imóveis localizados em suas imediações. Já estamos percebendo, pois, que a contribuição de melhoria, embora decorra da obra pública, depende, para nascer, de um fator intermediário: a valorização do imóvel do

149

contribuinte, em razão desta atuação estatal. É por isso que é considerada um tributo indiretamente vinculado a uma atuação estatal, que, no caso, é a obra pública.

Carrazza (2007, p. 542) aponta, ainda, que a hipótese de incidência da contribuição de

melhoria não poderá ser típica de imposto, que para a mensuração de sua carga o legislador

está sujeito ao limite da valorização aproveitada pelo contribuinte (CARRAZZA, 2007, p.

544), mas não ao limite do custo total da obra (CARRAZZA, 2007, p.547). Ainda sobre a

contribuição de melhoria, Becho (2011, p. 293) aponta que as restrições impostas pelo CTN

tornam a sua instituição quase impossível, o que Schoueri (2012, p. 176) reconhece na prática

e, discordando da posição de Carrazza, aponta a necessidade de, além do limite individual, a

tributação pela contribuição de melhoria não poder ultrapassar o custo total da obra (S-

CHOUERI, 2012, p. 185).

Os autores concordam com a justiça que a instituição da contribuição de melhoria

concretiza (CARRAZZA, 2007, p. 545; BECHO, 2011, p. 288; ATALIBA, 2008, p. 176;

SCHOUERI, 2012, p. 182). Pretende-se, com a contribuição de melhoria que o particular

(contribuinte), ou um grupo de particulares, não se beneficie especialmente de obra custeada

por toda a coletividade.

Merece destaque o grande número de restrições apontadas pela doutrina para a institu-

ição da contribuição de melhoria, que é um tributo vinculado a uma prestação estatal, sujeito a

limites da valorização imobiliária do contribuinte e custo da obra (há divergências quanto a

esse limite) que ensejou sua cobrança.

O que nos interessa, especificamente com relação à contribuição de melhoria e as con-

tribuições do art. 149 da Constituição de 1988 é saber se esses tipos tributários, tendo o mes-

mo nome, não podem ter entre si coincidência de regime jurídico. Não queremos dizer que as

contribuições tenham mesmo regime jurídico constitucional da contribuição de melhoria, mas

a utilização de mesmo nome pelo constituinte pode ser um indício de uma parcial identidade.

Não faria mais sentido buscar o verdadeiro regime jurídico das contribuições em um

tributo homônimo, como é o caso da contribuição de melhoria, do que reconhecer que as con-

tribuições são impostos ou taxas afetados a determinadas finalidades? Vejamos.

Roque Carrazza (2007, p. 568) afasta a possibilidade de similaridade entre as contribu-

ições e a contribuição de melhoria sob o fundamento de que as finalidades previstas no art.

149 não poderiam se encaixar na sistemática de valorização imobiliária decorrente de obra

pública.

Sacha Calmon Navarro Coêlho (2005, p. 488), por seu turno, reconhece um certo grau

de parentesco entre a contribuição de melhoria e as contribuições. Geraldo Ataliba (2008, p.

150

148), mais direto, afirma que “exemplo típico de contribuição é a de melhoria”. No mesmo

sentido, foi a posição firmada pelo Supremo Tribunal Federal, quando instado a analisar ques-

tão que dependia indiretamente da classificação das espécies tributárias, conforme voto do

ministro relator, Carlos Velloso (STF, RE 138.284/CE, Pleno, un., Rel. Min. Carlos Velloso,

DJ 28-08-1992).

Entendemos que os limites para a instituição e mensuração da carga tributária da con-

tribuição de melhoria pode ser aplicado, ainda que genericamente, às contribuições previstas

pelo art. 149, o que pode ser uma das chaves para a solução do problema que estamos estu-

dando, estabelecendo parâmetros mais rígidos para a interpretação desse dispositivo.

Essa possível similaridade entre as contribuições e a contribuição de melhoria estaria

de acordo com o argumento de que devemos um mínimo de respeito aos termos usados pelo

constituinte, que, ainda que possa não ser técnico, tinha a opção de escolher outros vocábulos

para designar as regras de competência para a instituição de tributos. Ao invés de tratarmos as

contribuições como impostos ou taxas, a depender da sua materialidade, temos que reconhe-

cer a existência de outro tipo tributário, cujo regime constitucional é claramente determinado,

que poderá oferecer elementos para a interpretação do art. 149.

Não definiremos a nossa posição neste momento, mas aventamos a possibilidade de a

diferença entre a competência para a instituição da contribuição de melhoria e das contribui-

ções ser apenas a qualificação da atuação estatal. O art. 145, III, da Constituição Federal de

1988, trata de contribuição exigível caso haja proveito do cidadão decorrente de uma atuação

estatal específica, a obra pública. Será que não podemos interpretar o art. 149 reconhecendo

que ele não qualifica a atuação estatal específica, mas os fins que ela deverá atingir? Nesse

caso, da mesma forma que a contribuição de melhoria, as contribuições previstas no art. 149

estariam sujeitas à atuação (que não é qualificada materialmente, mas pelo fim que deve atin-

gir), ao proveito do contribuinte e a um grau de referibilidade entre os dois primeiros elemen-

tos.

Estamos, por ora, apenas considerando possibilidades, de maneira que a nossa posição

sobre a relação entre as contribuições e a contribuição de melhoria será afirmada adiante. Pas-

semos à comparação das contribuições com as taxas, deixando claro, novamente, que não é

nossa intenção realizar pormenorizada análise desse tributo.

Roque Carrazza (2007, p. 515) deixa claro que “a taxa é o tipo de tributo que segura-

mente mais divergências suscita entre os estudiosos”. Não entraremos, portanto, em questões

controversas sobre esse tipo tributário, trazendo à baila apenas as notas básicas para a sua

151

instituição que sejam suficientes para a comparação entre elas e os demais tipos tributários.

Carrazza (2007, p. 515) assim define as taxas:

[...] taxas são tributos que têm por hipótese de incidência uma atuação estatal dire-tamente referida ao contribuinte. Esta atuação estatal – consoante reza o art. 145, II, da CF (que traça a regra-matriz das taxas) – pode consistir ou num serviço público (vale dizer, as taxas que têm por pressuposto a realização de serviços públicos) das taxas de polícia (ou seja, que nascem em virtude da prática, pelo Poder Público, de atos de polícia).

As taxas de serviço poderão ter por hipótese apenas serviços públicos específicos e di-

visíveis (CARRAZZA, 2007, p. 516), ou seja, aqueles em que se possa identificar o benefici-

ado, com grau de certeza absoluto, de maneira que a base de cálculo desse tributo deverá ser

sempre o custo da atuação estatal (ATALIBA, 2008, p. 152). Já as taxas de polícia podem ser

instituídas sempre que houver um agir concreto e específico do Estado no exercício do poder

de polícia (CARRAZZA, 2007, p. 519).

Muito didaticamente, a Constituição Federal de 1988 (art. 145, § 2º) proíbe que as ta-

xas tenham base de cálculo própria de impostos, ou seja, desvinculada da prestação estatal

que enseja a sua cobrança. A determinação constitucional deixa ainda mais claro que o princí-

pio informador das taxas deverá ser a retributividade (CARRAZZA, 2007, p. 531; ATALI-

BA, 2008, p. 152; SCHOUERI, 2012, p. 167), determinando que o beneficiado pela prestação

estatal a retribua na medida de seu custo. Sobre esse princípio informador, leciona Becho

(2011, p. 284):

Isso é o princípio da retribuição, que está a informar a cobrança das taxas, que não tem relação, dessa forma, com o princípio da capacidade contributiva. Sendo a base de cálculo das taxas o valor mais próximo possível do custo do serviço estatal, não há que se perquirir a capacidade contributiva de seus contribuintes.

Para que uma taxa seja instituída, é necessário que o aspecto quantitativo da sua hipó-

tese de incidência considere o custo da atuação estatal diretamente referida ao contribuinte,

cujo proveito do benefício decorrente da atuação é reconhecível.

A natureza básica da taxa, portanto, impede que serviços públicos indivisíveis sejam

tributados por taxas. Se não for possível a perfeita individualização do beneficiário do serviço

público, a taxa não poderá existir. Sendo determinável o indivíduo, a quantificação da taxa

deverá, invariavelmente, mensurar o custo da atuação estatal.

É isso que faz ser impossível a adoção de uma hipótese de incidência típica de imposto

para as taxas. Os impostos incidem sobre fato, ato ou estado incorrido pelo contribuinte, que

expresse capacidade econômica. Se a mensuração estiver ligada ao contribuinte, não poderá

152

expressar o custo do serviço. Justifica-se, com isso, a importante disposição do art. 145, § 2º,

da Constituição Federal de 1988.

Assim, as contribuições somente serão taxas se seguirem esse rigoroso regime consti-

tucional. Isso nos dirige à seguinte dúvida: a contribuição previdenciária do empregado é ta-

xa? Luciano Amaro (2004, p. 85) é direto na resposta:

Aliás, a afirmação de que, por exemplo, a contribuição previdenciária seria taxa de serviço (para o trabalhador) e imposto (para o empregador) não se harmoniza com o próprio conceito legal de taxa de serviço. Se, no dizer do art. 77 do Código Tributá-rio Nacional, o fato gerador dessa taxa é a utilização do serviço público, como sus-tentar que a contribuição do trabalhador é taxa, se o fato gerador dessa contribuição é o trabalho remunerado e não a atuação do Estado?

A razão está com Amaro. Não há como sustentar a existência de uma taxa que negue

todos os elementos constitucionais básicos necessários para a sua instituição. O serviço de

previdência social, apesar de específico, não é divisível, de modo que não é possível mensurar

o seu custo referente a cada indivíduo, o que impõe a necessidade da adoção de aspecto quan-

titativo, típico de imposto, que é o rendimento decorrente do trabalho.106 Mais: as alíquotas

variam de acordo com o montante do rendimento, em grande similaridade com a progressivi-

dade inerente ao imposto sobre a renda.107 Não há divisibilidade e não há respeito à determi-

nação do art. 145, § 2º.

Não é possível conceber, portanto, que uma taxa tenha aspecto material que não seja

uma prestação estatal divisível e base de cálculo típica de imposto. Destarte, da mesma forma

que apresentamos alguns argumentos para que as contribuições não sejam consideradas im-

postos, concluímos que as contribuições também não poderão ser taxas (considerando o e-

xemplo da contribuição classicamente identificada como taxa).

Ataliba (2008, p. 185) estuda o contraste das contribuições com as taxas, apontando:

Na maioria das vezes, no Brasil, quando o legislador “sente” ou intui que o tributo que vai instituir não é bem nem taxa nem imposto, dá-lhe o nome de contribuição. Ao exegeta fica a tarefa de determinar a espécie criada, independentemente do no-men iuris adotado e com abstração dos aspectos financeiros (pré-legislativos), ainda que transparentes no próprio texto legal. [...] Só haverá verdadeira contribuição quando a base designada pela lei for uma medida (um aspecto dimensível) do elemento intermediário, posto como causa ou efeito da atuação estatal.

Coêlho também tece crítica sobre outras taxas que não se adéquam ao regime constitu-

cional:

106 Ver art. 28, I, da Lei nº 8.212/91. 107 Ver art. 20 da Lei nº 8.212/91.

153

A questão surge quando se cobram taxas pelo valor do bem, contrato, transação ou interesse (registros públicos, notas e protestos) e quando se cobra taxa judiciária pe-lo valor da causa (ou seja, da pretensão do litigante) e noutros casos assemelhados. Nesses exemplos, a base de cálculo da taxa não mede a atuação estatal; mede ato do contribuinte ou interesse seu a partir de signos presuntivos de capacidade contributi-va, o que só calha nos impostos. [...]

Considerado, então, a norma de competência para a instituição de taxas, chegamos à

conclusão que as contribuições com elas não se identificam. Se o legislador criar uma taxa,

independentemente do seu nome, o tributo será uma taxa. Por outro lado, não podemos admi-

tir que a competência para a criação de contribuições seja uma forma de relativizar as regras

para a instituição de taxas, de modo que, por mais esse motivo, é necessário delimitar o ver-

dadeiro sentido da competência outorgada pelo art. 149 da Constituição Federal de 1988.

Cumpre-nos, ainda com relação às competências para instituição de taxas e contribui-

ção de melhoria, promover mais uma observação, que se refere ao suposto divórcio entre o

Direito Tributário e o Direito Financeiro.

Percebemos a íntima relação entre a escolha do aspecto quantitativo da hipótese de in-

cidência das taxas e da contribuição de melhoria e elementos financeiros. Para que se institua

uma taxa constitucional é preciso saber o custo do serviço ou da atuação em exercício do po-

der de polícia e para que se institua uma contribuição de melhoria é necessário aferir a valori-

zação do imóvel, elementos claramente não afetos ao Direito Tributário e à tecnologia da in-

cidência tributária. Sem seu conhecimento, no entanto, será impossível ao estudioso do Direi-

to Tributário criticar a constitucionalidade de uma taxa ou contribuição de melhoria.

A unidade do texto constitucional não permite ao seu intérprete a prerrogativa de situ-

ar-se exclusivamente em uma das áreas didaticamente autônomas da ciência do direito. Se o

objeto de estudo do cientista for apenas a fenomenologia da incidência, estará ele vinculado a

questões puramente afetas à ciência do direito tributário. Se, por sua vez, o objeto de estudo

do cientista do direito for o limite para o exercício das regras de competência, há necessidade

da abordagem das normas de Direito Constitucional, didaticamente estudadas por outras áreas

da ciência do direito.

154

6 O ARQUÉTIPO CONSTITUCIONAL DAS CONTRIBUIÇÕES PREV ISTAS NO

ART. 149

Até o presente momento, o nosso propósito foi apresentar uma reflexão sobre alguns

aspectos relacionados ao indefinido regime jurídico constitucional das contribuições previstas

pelo art. 149 da Constituição Federal de 1988.

Buscamos fazê-lo à luz do princípio federativo e de elementos tradicionalmente não

estudados pela ciência do direito tributário, colocando em questão a extensão da competência

para a instituição de contribuições, que infirmaria a rigidez da competência para a instituição

de impostos. Consideramos, inclusive, a necessidade do uso de lei complementar para o exer-

cício da competência residual e a repartição do produto da arrecadação de impostos federais

entre os entes federados.

Também mereceram a nossa atenção: as relações entre a instituição de contribuições e

(i) a vedação constitucional de destinação prévia do produto da arrecadação de impostos; (ii)

as regras de imunidades genéricas para impostos previstas pelo art. 150, VI, da Constituição

Federal de 1988; (iii) a existência de impostos destinados no texto constitucional; (iv) os re-

quisitos para instituição de taxas; e (v) os requisitos para instituição da contribuição de melho-

ria.

É importante que fique claro que o nosso objetivo não foi promover críticas gratuitas a

posições doutrinárias sobre a competência para a instituição de contribuições, muito menos

aos seus autores, que são os mestres que nos inspiram diariamente para o estudo do Direito

Tributário. Queríamos, por outro lado, apontar contradições que decorrem da grande liberdade

com a qual a competência entregue pelo art. 149 da Constituição Federal de 1988 é interpre-

tada.

Esperamos que tenha ficado claro, ao longo deste estudo, que o princípio federativo

impõe a necessidade de uma melhor interpretação desse artigo, que tem sido utilizado para

driblar inúmeras disposições constitucionais que estruturam as finanças da federação, ponto

de equilíbrio entre os entes federados que a compõem.

Repetimos, nesse sentido, que é ínsito à experiência federalista repartir, e não agluti-

nar, forças entre os membros. Esclarecemos, sobre o federalismo, que não relevamos a histó-

ria centralizadora do modelo brasileiro, mas também percebemos a tendência constitucional,

155

especialmente inspirada nos textos constitucionais de 1934 e 1946, de estimular a cooperação

entre os membros da federação, entregando maior autonomia aos Estados e Municípios.

Parece-nos claro, ainda sobre a relação entre o federalismo e a tributação, que a Cons-

tituição Federal de 1988 possui em seu bojo algumas sequelas advindas do regime militar que

a precedeu, do que é um indício o fato de não ter sido convocada uma Assembleia Constituin-

te para a sua elaboração, poder que foi outorgado ao Congresso Nacional investido sob a égi-

de da Constituição de 1967.

Se alguns fantasmas ainda pairam sobre a Carta de 1988, parece-nos que o seu próprio

texto entrega inúmeros instrumentos para afastá-los. É nesse contexto que damos grande im-

portância ao fato de Sistema Tributário Nacional ter sido rigidamente estruturado sobre faixas

de competências privativas, capazes de garantir a cada um dos entes federados a possibilidade

de promover seu autossustento.

Há, notoriamente, uma supremacia da União Federal, se comparadas apenas as faixas

de competência privativa de cada um dos entes, mas, também como um poderoso alicerce do

federalismo brasileiro, a Constituição Federal estabelece pormenorizadas regras para partilha

de rendas entre os entes federados, especialmente as da União, sendo esta também obrigada a

promover investimentos de caráter regional.

Conforme chegamos a repetir algumas vezes no curso deste trabalho, a soma das duas

técnicas de repartição de rendas, uma dual e outra cooperativa, viabiliza a autonomia de cada

um dos entes federados e dá passos no sentido de combater as profundas desigualdades regio-

nais brasileiras. Essa soma, em nosso ponto de vista, é o modo pelo qual o princípio federati-

vo deve ser entendido, como fundamento para as regras constitucionais de repartição de ren-

das.

Assim, é a partir do princípio federativo que julgamos injustificada a possibilidade de

interpretar o art. 149 da Constituição de modo que não privilegie a rigidez da repartição da

competência para a tributação. A Constituição, à luz desse princípio, deve ser interpretada no

sentido de harmonizar e equilibrar as forças dos entes federados.

Vale destacar que a interpretação que harmoniza e equilibra o sistema tributário com o

restante do texto constitucional não é aquela que nega a supremacia arrecadatória da União

Federal, mas aquela que sustenta essa supremacia somente à luz de claras contrapartidas cons-

titucionais. Não é isso, entretanto, que acontece com algumas interpretações sobre a regra

veiculada pelo art. 149, o que esperamos ter demonstrado.

156

A rigidez e a restrição que norteiam a repartição de competências não se compadecem

da interpretação do art. 149 da Constituição Federal de 1988 no sentido de não existir um cla-

ro regime constitucional para a instituição das contribuições.

Estamos cientes de que o método que adotamos para o nosso estudo – promover a aná-

lise sistêmica da Constituição Federal – por vezes desbordou os limites do Direito Tributário,

ingressando, especialmente, em disposições didaticamente classificadas como de Direito Fi-

nanceiro.

O objetivo, no entanto, nunca foi baralhar essas duas áreas da ciência do direito, mas,

a partir da interpretação sistemática, reconhecer que o conteúdo que temos atribuído às con-

tribuições (ou que não temos atribuído), além de colocar o sistema de tributação em contradi-

ções, infringe, também, outras normas constitucionais, dentre elas algumas de Direito Finan-

ceiro. A infração, conforme sempre nos esforçamos para demonstrar, vai além e arranha o

princípio federativo.

Sobre os caminhos para a interpretação, no que se refere ao Direito Tributário infra-

constitucional, deixamos claro no início deste trabalho que não negamos a necessidade de

estudo das relações jurídico-tributárias a partir da regra matriz de incidência de cada tributo.

O Direito Tributário que nasce das disposições veiculadas por diplomas normativos infracons-

titucionais, de fato, está restrito à incidência, ao lançamento, ao pagamento e aos ruídos de-

correntes desses fatos, que marcam a relação jurídica cujo objeto é o pagamento de tributo.

O Direito Tributário que está na Constituição, no entanto, não é o mesmo Direito Tri-

butário veiculado por leis. Este estabelece os aspectos necessários para que nasça a obrigação

tributária. Aquele, como uma norma essencial para a formação do Estado, estabelece os limi-

tes para que o legislador competente crie tributos em abstrato.

Esse simples fato, entendemos, impõe ao intérprete das normas de competência a obri-

gatória consideração de inúmeros elementos dispensáveis para a interpretação do Direito Tri-

butário infraconstitucional. Entender a extensão das normas de competência depende da inter-

pretação de normas constitucionais, irrigadas por inúmeros princípios e imbricadas entre si,

independentemente do assunto didático ao qual se refira.

A Constituição não deve ser entendida como um diploma legal segmentado por assun-

tos, mas como um texto uno e harmônico. Assumindo, portanto, que é impossível a sua inter-

pretação em tiras, nos permitimos analisar a relação entre o Direito Constitucional Tributário

e outros “Direitos Constitucionais”.

157

O resultado desse processo, conforme nos manifestamos ao final de cada tópico, é a

necessidade de melhor estabelecer os limites do arquétipo constitucional para a instituição de

contribuições.

A dificuldade que enfrentamos para o estudo das contribuições, sabemos disso, é his-

tórica. Durante um longo tempo as contribuições foram instituídas sem que houvesse previsão

constitucional expressa sobre elas. Conforme demonstramos, esse período foi marcado pelo

reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal da natureza de imposto ou taxa, únicos tribu-

tos previstos por nossas mais antigas Constituições, determinando às contribuições o exato

regime constitucional do tipo tributário em que estas se enquadrassem. As discussões sobre

esse tributo sempre foram acaloradas e suscitam divergências entre os ministros, de modo que

algumas vezes as divergências chegaram ao ponto de questionar a natureza jurídica das con-

tribuições. Com a previsão constitucional de competência para a instituição desse tributo, as

controvérsias se restabeleceram, inclusive sobre a sua natureza, se tributária ou não.

Como demonstramos em nossa análise histórica, a partir da previsão constitucional pa-

ra criação de contribuições, o Supremo Tribunal Federal se divorciou definitivamente da in-

terpretação de que as contribuições seriam impostos ou taxas.

A evolução das disposições constitucionais sobre a tributação tem importante intersec-

ção com o regime totalitário vivido no Brasil entre 1964 e 1988. O atual Sistema Tributário

Nacional, com poucas alterações, reproduz as regras veiculadas pela Emenda nº 18/1965 à

Constituição Federal de 1946, já promulgada no contexto do regime militar. Notemos, com

isso, que a experiência doutrinária e jurisprudencial sobre o “novo” sistema tributário teve sua

concepção e desenvolvimento em meio à superpotência da União Federal em um regime tota-

litário.

Entendimentos e posições que carregamos desde aquele momento podem ter, como já

deixamos claro, influências daquele contexto autoritário, sendo que os objetivos, princípios e

regras financeiras do Estado brasileiro pós-1988 certamente já não os admitem mais.

Nesse contexto de evolução constitucional destacamos, como já fizemos páginas atrás,

que mesmo depois do Supremo Tribunal Federal ter firmado e reafirmado que as contribui-

ções são um tipo tributário que não se confunde com os impostos e taxas, pouca doutrina se

produziu sobre quais seriam as regras constitucionais para a sua instituição no exercício da

competência veiculada pelo art. 149 da Constituição Federal de 1988.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a propósito, é elemento que merece

obrigatória consideração para o estudo das contribuições. As discussões plenárias sobre ques-

158

tões relacionadas a esse tributo quase nunca resultaram em decisões unânimes (vide referên-

cias bibliográficas), o que sinaliza a ainda atual imprecisão desse tema. Não queremos pro-

mover comentários sobre o art. 149 que sejam absolutamente dissonantes das importantes

manifestações da Suprema Corte sobre este dispositivo. Tentaremos, na medida do possível,

coadunar doutrina e jurisprudência, para reconhecer aquele que entendemos ser o arquétipo

constitucional das contribuições.

6.1 As contribuições como novidade no sistema tributário

As contribuições não foram criadas, inicialmente, a partir de uma competência consti-

tucional específica. Nasceram por via de lei, com natureza jurídica indefinida e tendo como

marca fundamental a parafiscalidade. Desde então, são grandes as divergências doutrinárias e

jurisprudenciais que a envolvem.

Sua criação, portanto, não teve como origem as normas constitucionais de outorga de

competência tributária, de modo que um hercúleo esforço passou a ser feito para enquadrá-las

nos tipos tributários constitucionalmente previstos.

Ao se instituírem as contribuições não havia preocupação com o seu perfeito enqua-

dramento nas notas constitucionais básicas dos impostos e das taxas, tributos classicamente

reconhecidos pelo nosso ordenamento constitucional. A falta de comprometimento com os

modelos clássicos colocou a doutrina e o Judiciário em difícil situação, já que havia a neces-

sidade de se reconhecer a natureza e o regime jurídico desse minotauro jurídico.

A dificuldade, entendemos, está escondida no fato de a teoria doutrinária da vincula-

ção ou não da hipótese de incidência do tributo ter sido encampada pela Constituição Federal

de 1988 (COÊLHO, 2005, p. 142), na qual não é tarefa das mais simples enquadrar as contri-

buições.108

108 São palavras de Coêlho (2005, p. 475): “Certamente a teoria dos tributos vinculados ou não a uma

atuação estatal é um excelente ferramenta para a análise jurídica do tributo e de suas espécies. O fato gerador e a base de cálculo, por outro lado, são decisivos para elucidar a natureza jurídica específica do tributo. Ocorre, todavia, que alguns fatores a estão colocando em crise, em parte pela tola discussão entre dicotomistas (vide Becker) e tricotomistas. Podemos arrolar alguns. Primus – a insegurança dos doutrinadores e dos intérpretes da ordem jurídica quando se deparam com figuras tributárias previstas pelo legislador aparentemente distanciadas dos modelos teóricos da dicotomia ou da tricotomia. Secundus – a atecnalidade, o oportunismo, a polissemia da linguagem-do-objeto (posta pelo legislador, inclusive o constituinte) quando se põe a narrar o tributo, os impos-tos, as contribuições e as taxas. Tertius – as oscilações da jurisprudência nas considerações sobre o tributo e suas espécies, mormente as que ocorrem no corpo dos acórdãos expedidos pelos supremos órgãos do Poder Judiciá-

159

Luciano Amaro (2004, p. 73) também aponta a novidade que a tributação por contri-

buições impôs à sistemática da vinculação ou não da hipótese de incidência, o que fica ainda

mais claro com as palavras de Greco (2000, p. 139-140):

Uma das grandes dificuldades que a figura das contribuições tem gerado para os o-peradores do Direito é a de não existir, amplamente difundida, uma tecnologia espe-cífica para estudar e compreender as exigências que são validadas finalisticamente. Impostos, e demais tributos validados condicionalmente em função de certa materia-lidade, por serem figuras que existem há séculos, permitiram a formação de um con-junto de estudos doutrinários e a vivência de experiências legislativas e jurispruden-ciais que levaram à estruturação de um modelo de compreensão desse tipo de fenô-meno. [...]

Como se percebe, Greco dá indícios do seu entendimento sobre as contribuições e dei-

xa claro que a novidade desse tipo tributário nos coloca em dificuldade para delimitar seus

elementos essenciais.

Essa dificuldade não pode ser justificativa para que admitamos que qualquer tributo

seja criado com o nome de contribuição e tenha sua instituição validada. Cabe-nos, conforme

reconhece Susy Hoffmann (1996, p. 113) em estudo específico sobre o tema, o esforço de

entender como uma contribuição poderá ser instituída, a partir dos termos e limites permitidos

pelas normas constitucionais de competência.

Valemo-nos novamente das palavras de Greco (2000, p. 141-142) para apontar que a

novidade que a competência para instituição de contribuições encerra e a dificuldade doutri-

nária para lidar com o assunto não podem justificar a instituição desregrada desse tributo. São

suas palavras:

Com efeito, na contribuição, a validação constitucional é dada pela finalidade visa-da. Diante deste quadro duas posturas podem ser assumidas. Uma, a meu ver inacei-tável, é a de sustentar que, tratando-se de validação finalística, todo e qualquer pres-suposto escolhido pelo legislador ordinário estaria validado. Ou seja, a de que a con-tribuição poderia conter qualquer tipo de previsão sem que isto implicasse inconsti-tucionalidade que, portanto, desde que os recursos fossem destinados à finalidade constitucional, a legislação seria válida. Esta postura, a meu ver, é uma forma disfar-çada de afirma que “os fins justificam os meios” e que todo e qualquer meio seria válido, desde que fosse para atender à finalidade consagrada. Além disso, esta visão leva à concessão de um verdadeiro “cheque em branco” ao legislador que, em tese, poderia dispor como bem lhe aprouvesse, escolhendo fatos econômicos, ou não, a serem onerados, sem que houvesse impugnação possível.109

rio, sejam cortes constitucionais à moda européia, sejam cortes judiciárias de topo, como é o caso da Suprema Corte americana ou do Supremo Tribunal Federal da República Federativa do Brasil”.

109 São interessantes, também, as palavras de Susy Hoffmann (1996, p. 30-31) sobre o significado de contribuição: “Como consequência disso, há um problema relevante a ser solucionado, qual seja, saber o que é contribuição. A importância da questão reside no fato de que a falta de rigidez no tratamento do instituto leva o legislador infraconstitucional a criar tributos com a roupagem de contribuição, mas que, na verdade, são tributos das espécies taxa ou imposto, que devem possuir hipóteses de incidência e bases de cálculo de acordo com o definido ou limitado, regidamente, pela Constituição Federal. Enquanto não se atribuir um significado ao termo “contribuições” com respeito aos ditames constitucionais, os abusos continuarão ocorrendo por meio da institui-

160

Somente, então, o reconhecimento do verdadeiro regime jurídico constitucional das

contribuições assegurará à federação e contribuintes a segurança que a Constituição Federal

se esforça para oferecer em matéria tributária.

6.1.1 Introdução às nossas considerações sobre a competência outorgada pelo art. 149 da

Constituição Federal de 1988: o federalismo

Estamos chegando ao ponto crucial deste estudo: a análise daquele que julgamos ser o

arquétipo constitucional das contribuições. Ou seja, buscaremos demonstrar os limites consti-

tucionais para a instituição desse tipo tributário, objeto de tanta divergência doutrinária e ju-

risprudencial.

Aplicaremos, nesse contexto, todos os elementos, doutrinas e dados históricos aos

quais nos referimos no curso deste estudo, sem nos prendermos a preconceitos, mas nos preo-

cupando em estabelecer um regime que seja praticável, considerando, na maior medida possí-

vel, as posições firmadas pelo Supremo Tribunal Federal sobre o assunto.

Reafirmamos, para isso, o nosso compromisso com a melhor aplicação do princípio

federativo, fundamento para a repartição de rendas entre os membros da federação, contexto

no qual a distribuição das competências para a instituição de tributos ocupa posição destaca-

da.

Ainda em nome do federalismo, e a partir das comparações com outras normas consti-

tucionais acima realizadas, firmamos que o mero reconhecimento de que a contribuição pode-

rá ser um imposto ou taxa, a depender da vontade do legislador ordinário, não se coaduna com

a rigidez do Sistema Tributário Nacional e com o equilíbrio da potência financeira entre Uni-

ão e demais entes federados.

Repetimos, com isso, que estamos despreocupados com a classificação das espécies

tributárias, o que não é objeto deste trabalho, que se resume, apenas, à competência outorgada

pelo art. 149 da Constituição Federal de 1988. Não nos esqueceremos, entretanto, da teoria da

vinculação da hipótese de incidência a uma prestação estatal. A Constituição, ao encampar

ção e contribuições com bases de cálculo próprias dos impostos ou das taxas, incorrendo, como consequência, na maioria das vezes, na ilegitimidade de tais cobranças”.

161

essa teoria como um elemento para diferenciar tipos tributários, nos obriga a considerá-la

(COÊLHO, 2005, p. 477).

A teoria da vinculação é um meio para estabelecer um critério de isonomia (SCHOU-

ERI, 2012, p. 166; SOUZA, H., 2000, p. 498) para a diferenciação entre contribuições e parti-

cipação no custeio das atividades estatais. Note-se que todos os tributos, invariavelmente, são

instituídos para custear as atividades do Estado, de maneira que tais atividades cujo benefício

não poderá ser individualizado entre os cidadãos deverão ser custeadas por impostos, já aque-

las atividades cujos beneficiários sejam determináveis deverão ser custeadas por outros tribu-

tos, de acordo com nosso entendimento, por taxas ou contribuições, conforme será adiante

demonstrado.

O critério para repartição da carga tributária parece-nos muito claro: se o Estado se

movimenta em favor de grupos ou de pessoas, e não em favor da coletividade (que é indivisí-

vel), esses membros da sociedade, na medida do possível, deverão custear a atividade estatal

promovida. Trata-se de elemento inerente ao próprio sentido de república (CARRAZZA,

2007, p. 76), que pressupõe a proibição de benefícios injustificados a pessoas ou classes de

pessoas.

Envidaremos esforços, portanto, no sentido de reconhecer o verdadeiro sentido consti-

tucional das contribuições previstas no art. 149.

6.1.2 A hipótese de incidência como elemento essencial

Em algumas oportunidades deste trabalho deixamos claro que adotamos a premissa

segundo a qual a análise da extensão das normas constitucionais de outorga de competência

para a tributação deve ser feita à luz de todo o texto constitucional. E foi o que fizemos, com-

parando-as com princípios e regras não necessariamente referidos ao Direito Tributário.

O objetivo, como também dissemos, não é estender os limites do Direito Tributário,

mas reconhecer a verdadeira competência para a instituição de contribuições. Há, nesta afir-

mação, elemento importantíssimo para o desenrolar do que se segue.

Saímos do Direito Tributário para a ele retornar. Buscar os limites da competência pa-

ra a tributação por contribuições significa buscar aqueles fatos passíveis de tributação por

contribuições. Queremos entender, por conseguinte, como deverá ser a estrutura interna de

162

uma norma que estabeleça a hipótese de incidência de uma contribuição. Isso quer dizer que

nos esforçaremos, especialmente, para verificar à luz do art. 149 da Constituição de 1988

quais fatos podem ser alçados à condição de aspecto material da hipótese para a incidência

das contribuições e como deve ser sua relação com os aspectos quantitativo e pessoal (passi-

vo), que também são elementos básicos da regra-matriz de incidência tributária (CARVA-

LHO, P., 2008, p. 377).

É nesse contexto que reconhecemos a importância da finalidade para a qual a contribu-

ição é instituída, mas damos mais valor à tecnologia que deverá embasar a previsão legal da

hipótese de incidência do tributo.

Esclarecemos. Em uma das obras muito citadas neste trabalho, Contribuições (uma fi-

gura “sui generis”) de Marco Aurélio Greco (2000), o autor reconhece as contribuições a

partir da diferente técnica utilizada pelo constituinte para outorgar competência à União para a

sua instituição. Nas palavras de Greco, a outorga de competência para a tributação é feita por

normas que permitem a instituição de exações sobre fatos determinados, em fechado esquema

de rigidez, e normas que outorgam competência para a tributação visando a que sejam atendi-

das determinadas finalidades. A primeira, chamada pelo autor de competência condicional se

legitima pelo “por que” da instituição do tributo, verificando-se nela a mera relação de possi-

bilidade de instituição (GRECO, 2000, p. 118). A segunda, chamada de competência finalísti-

ca, legitima-se pelo atendimento às finalidades constitucionalmente previstas, segundo o au-

tor, devendo atender o “para que” da norma de competência (GRECO, 2000, p. 119).

Sobre esse pressuposto o autor erige seu estudo. Ocorre, no entanto, que como o pró-

prio autor percebe (GRECO, 2000, p. 141-142), o atendimento à finalidade constitucional-

mente prevista não é carta branca para que as contribuições sejam instituídas à margem da

rigidez que evolve as normas de competência tributária, esforçando-se para apontar (GRECO,

2000, p. 125-126) quais regras deverão ser obedecidas quando da escolha dos aspectos da

hipótese de incidência de uma contribuição, lições estas que nos serão de extrema valia, de

maneira que a elas nos reportaremos adiante.

A importância da finalidade para a escolha da regra-matriz de incidência do tributo é

relativizada por Navarro Coêlho, que entende que o atendimento ou não da finalidade é estudo

que se situa fora do Direito Tributário, com o que concordamos. As palavras do autor são in-

cisivas, mas merecem transcrição (COÊLHO, 2007, p. 19):

A crítica procede. Os sujeitos da relação jurídica, assim como a prestação, são con-sequências que promanam ou decorrem da realização do fato jurígeno, com este não se confundindo. Recentemente, diversos autores em posição diametralmente oposta

163

a que vimos de criticar estão recheando o DEVER JURÍDICO TRIBUTÁRIO, que exsurge da realização do fato jurígeno de elementos estanhos às normas de dever, tais como FINALIDADE e o PROCESSO de lançamento do Tributo. Neste ensaio, o objetivo é o de expurgar da norma tributária a finalidade, para situá-la noutro tipo de norma, a de competência, mas com o fito de controlar o poder de tributar ao invés de libertar o velho Leviatã. (destaques no original)

A desconsideração da finalidade constitucional para a instituição de contribuições é

ponto é delicado e, por isso, merece melhores explicações. Não negamos a importância da

finalidade para a qual a contribuição é criada. Trata-se do mais importante elemento constitu-

cional condicionante do exercício da competência tributária. Essa finalidade em si, no entanto,

não ocupará posição na hipótese de incidência do tributo, mas apenas exercerá alguma influ-

ência sobre ela. Vejamos.

Não nos caberá reconhecer, por exemplo, se a intervenção no domínio econômico pre-

tendida com a criação de uma contribuição de fato se concretizou, mas precisaremos saber se

para aquela intervenção foi escolhida uma hipótese de incidência adequada e, principalmente,

se a estrutura dessa hipótese foi construída corretamente com a pertinência entre o aspecto

material, a base de cálculo e os contribuintes.

A finalidade que autoriza a criação da contribuição, portanto, está na Constituição e

condiciona o exercício da competência tributária, mas não está na hipótese de incidência do

tributo, que apenas a refletirá em seu aspecto material (e suas relações com os demais aspec-

tos da hipótese). Deve, portanto, haver regras para a escolha do aspecto material das contribu-

ições, a partir da competência outorgada pelo art. 149 da Constituição de 1988110.

Ainda sobre o caminho que pretendemos trilhar com relação às contribuições, como a

nossa proposta é reconhecer os elementos necessários para a instituição de qualquer das con-

tribuições autorizadas pelo art. 149, não ingressaremos em análises específicas sobre o conte-

údo das finalidades constitucionais de benefício da ordem social, da intervenção no domínio

econômico e do interesse de categorias profissionais e econômicas. Buscaremos, dessa forma,

o sentido geral do tributo contribuição.

É importante esclarecer, nesse sentido, que, por considerarmos que o art. 195 da Cons-

tituição entrega à União competência para a criação de contribuições sociais, já referidas no

110 São interessantes as palavras de Greco (2006, passim) que, partindo de suas premissas que privilegi-

am a finalidade constitucional para a criação de contribuições, estabelece uma relação entre o motivo, a exigên-cia tributária e a finalidade constitucional. Para o autor, o motivo representa a atividade concreta da União que enseja a criação de uma contribuição (exigência), de modo que deverá haver uma relação de congruência (pro-porcionalidade) entre esses três elementos. As lições são importantes para que seja estabelecido o método de controle para a criação do tributo, já que a exigência deverá conter elementos que a tornem adequada à luz do motivo que determinou a sua criação, o que tentaremos demonstrar adiante, valendo-nos de lições sobre a regra-matriz de incidência tributária.

164

art. 149, analisamos o dispositivo apenas dentro do limite do necessário para entendermos a

extensão da competência da União para a criação de contribuições.

Passemos, então, à análise do art. 149 da Constituição Federal de 1988.

6.2 Contribuição como instrumento de atuação da União Federal

É de suma importância iniciar o estudo do arquétipo das contribuições a partir da locu-

ção que julgamos ser o núcleo do disposto no art. 149 da Constituição Federal de 1988, de-

terminando que as contribuições podem ser instituídas pela União “como instrumento de sua

atuação nas respectivas áreas” (social, intervenção no domínio econômico, interesse de cate-

gorias profissionais e econômicas).

A própria redação do dispositivo entrega à contribuição uma natureza instrumental,

sendo ela meio para a persecução dos fins elencados no caput do dispositivo (ÁVILA, 2006,

p. 259). Partindo da ideia de instrumento, cumpre-nos indagar se a própria instituição da con-

tribuição pode se caracterizar como a atuação referida no dispositivo ou se essa atuação deve

ser promovida a partir da arrecadação da contribuição, instituída como seu instrumento.

A resposta deve ser pela necessidade de aplicação do produto da arrecadação na fina-

lidade escolhida para a atuação da União. É sob esse fundamento que se erige o reconheci-

mento de que as contribuições têm como elemento básico a destinação prédeterminada do

produto de sua arrecadação.

Cabe-nos apontar, no entanto, que Marco Aurélio Greco (2000, p. 235) excepciona es-

se entendimento para apontar que as contribuições podem ser o próprio elemento de atuação,

por exemplo, com uma contribuição de intervenção no domínio econômico que tenha a finali-

dade de promover adequações de mercado.

O mesmo autor, no entanto, não nega a destinação do produto da arrecadação da con-

tribuição como um de seus elementos essenciais (GRECO, 2000, p. 239), apontando, inclusi-

ve, a necessidade de que este produto seja revertido em favor da finalidade para a qual a con-

tribuição tenha sido criada. A ressalva feita pelo autor, entendemos, confirma a regra de que

as contribuições devem ter o produto de sua arrecadação revertido para a atuação estatal rela-

cionada às finalidades previstas pelo art. 149 da Constituição Federal de 1988, que justifica a

sua instituição.

165

Sobre a atuação do Estado, Dias de Souza (2000, p. 497-498) aponta elemento interes-

sante, reconhecendo que ela deverá sempre ter por fim o interesse geral, mas que acidental-

mente beneficiará determinados grupos de pessoas. O Estado, portanto, agirá na persecução

de uma das finalidades elencadas no art. 149, mas beneficiará pessoas específicas. Segundo o

autor (SOUZA, H., 2000, p. 497-498) “[...] o que caracteriza a contribuição é a vantagem di-

ferencial em que se coloca o contribuinte em face de determinada atividade administrativa,

que, todavia, é desenvolvida em função do interesse geral”.

A criação de uma contribuição, portanto, deverá ter como o seu pressuposto uma atua-

ção estatal ligada a uma das finalidades previstas no caput do art. 149 da Constituição Federal

de 1988.

Queremos dizer, com isso, que a determinação constitucional de utilização das contri-

buições como instrumento de sua atuação não autoriza à União a mera instituição desse tribu-

to sem que haja uma atuação específica que o justifique. Explicamos.

Uma das finalidades previstas no art. 149 deverá ser o fundamento de validade para a

atuação da União. A atuação, por sua vez, justificará a instituição da contribuição. Há, portan-

to, uma escala lógica a ser seguida, de modo que a instituição da contribuição não será justifi-

cada apenas pelo interesse social ou pela intervenção no domínio econômico, mas por ações

específicas da União Federal nessas áreas.

O fundamento último, remoto, mediato, para a instituição de uma contribuição será,

dessa maneira, o interesse social, a intervenção no domínio econômico ou o interesse de cate-

gorias profissionais ou econômicas. O fundamento primeiro, próximo, imediato, por outro

lado, será a atuação estatal específica voltada à persecução dessas finalidades.

Queremos deixar claro, também, que o simples fato de o Estado agir não pode ser con-

siderado o sentido completo da locução como instrumento de sua atuação. Conforme aponta-

do anteriormente, os impostos também são instrumento para custeio da atuação estatal, carac-

terizada pela sua natureza genérica e indivisível. A finalidade que justifica a instituição de

impostos, portanto, é o custeio de atividades gerais do Estado. Diferente, por outro lado, é a

finalidade que justifica a instituição de uma taxa, já que com ela se pretende que o contribuin-

te retribua ao Estado a medida do custo da atuação a ele (contribuinte) diretamente referida.

Luciano Amaro (2004, p. 81-88) observa esse fato. Para o autor, a Constituição se va-

leu da teoria da vinculação da hipótese de incidência a uma atividade estatal, de modo que é

perfeitamente possível diferenciar os impostos, das taxas e das contribuições. Para o autor, os

impostos são tributos cujo fato gerador não se vincula a uma atividade estatal por inexistir

166

previsão prévia de uma atividade determinável que fundamente a sua instituição. Diferente é o

caso das taxas, já que o fundamento para a sua instituição está na prestação de um serviço

público divisível, ou seja, cujos beneficiários são individualmente determináveis. Deve ser

possível, para a cobrança de uma taxa, a ciência exata daquele cidadão que tenha se benefici-

ado da prestação estatal.

As contribuições ocupariam posição intermediária nesse critério. Note-se que a relação

de vinculação da hipótese de incidência a uma prestação estatal passa de inexistente (impos-

tos) para específica e divisível (taxas). Não haveria, nesse sentido, prestações estatais apenas

específicas? O autor entende que sim, e que elas seriam custeadas por contribuições. São suas

palavras (AMARO, 2004, p. 84):

Um terceiro grupo de tributos é composto pelas exações cuja tônica não está nem no objetivo de custear as funções gerais e indivisíveis do Estado (como ocorre nos im-postos) nem numa utilidade divisível produzida pelo Estado e fruível pelo indivíduo (como ocorre com os tributos conhecidos como taxa, pedágio e contribuição de me-lhoria, que reunimos no segundo grupo. A característica peculiar do regime jurídico deste terceiro grupo de exações está na destinação a determinada atividade, exercitável por entidade estatal ou paraestatal, ou por entidade não estatal reconhecida pelo Estado como necessário ou útil à rea-lização de uma função de interesse público. [...] Têm-se aqui atividades específicas (do Estado ou de outras entidades) onde a nota da divisibilidade (em relação aos indivíduos) não é relevante para a caracterização da figura tributária específica. [...] (destaques no original)

A divisibilidade da atuação estatal, necessária para a instituição de uma taxa, pressu-

põe a especificidade do serviço. É necessário que o serviço seja primeiramente determinável

para que depois os seus beneficiários individuais sejam reconhecidos. Todo serviço divisível,

portanto, é específico. A recíproca, no entanto, não é verdadeira.

Há atuações estatais que podem possuir a nota de especificidade, mas sem que seja

possível a mensuração do benefício individual de cada cidadão. Em grande parte dessas atua-

ções estatais será possível perceber um grupo de cidadãos que tenham dela se beneficiado.

Esta é a atividade estatal que poderá ensejar a cobrança de uma contribuição.

Para a instituição de uma contribuição, em nome de qualquer das finalidades previstas

no art. 149 da Constituição de 1988, haverá a necessidade de uma prestação estatal específica,

cujo custeio será promovido pelo pagamento das contribuições pelos membros de um grupo

determinado.

É importante, nesse sentido, reconhecer que a locução instrumento de atuação deve

significar mais que apenas a destinação do produto da arrecadação. Conforme apresentamos

acima, a impossibilidade de serem previstas destinações prévias para o produto da sua arreca-

dação (art. 167, IV, da Constituição Federal de 1988) faz parte da sistemática constitucional

167

dos impostos, de modo que atribuir somente esse significado ao conteúdo do art. 149 resulta-

ria em nítido conflito entre normas. Se fosse esse o caso, a Constituição teria autorizado a

criação de impostos, que, na verdade, estariam isentos de todas as restrições constitucionais

inerentes a esse tipo tributário.

Destarte, não é suficiente para a instituição de uma contribuição a mera escolha de um

destino para o produto da arrecadação. É importante perceber, por outro lado, que a justifica-

tiva para essa destinação é uma prestação estatal específica.

Essa afirmação sobre a relação entre as contribuições e atuações estatais depende, ain-

da, de desenvolvimento. Continuemos.

6.2.1 Contribuição como tributo vinculado

Se a Constituição Federal de 1988 fala em atuação estatal, certamente é mais adequado

pensar a contribuição como um tributo cuja hipótese de incidência se liga a essa atuação, e

não simplesmente como um tributo que tenha o produto da sua arrecadação destinado para o

custeio da atuação. A assertiva pode soar como preciosismo, mas não o é.

O regime jurídico constitucional das contribuições tem sido objeto de tantas críticas

justamente pelo fato de inexistir uma adequada delimitação do significado dessa atuação. Se

reconhecermos que o elemento que diferencia uma contribuição de um imposto é apenas a

destinação do produto da arrecadação e nos esquecermos da própria atuação que será financi-

ada com essa receita, torna-se plenamente possível admitirmos quaisquer fatos como hipóte-

ses de incidência de uma contribuição.

Queremos dizer que se a marca da contribuição fosse somente a destinação da produto

da arrecadação, realmente não haveria peculiaridade nesse tipo tributário que o diferenciasse

dos impostos e das taxas. Deixamos claro nos tópicos anteriores, no entanto, o quanto isso é

danoso para o Sistema Tributário Nacional e para a manutenção do princípio federativo.

Deslocar, por outro lado, o núcleo da contribuição para a atuação estatal (este é o ter-

mo usado pela Constituição) nos fará perceber inúmeros elementos necessários para a sua

instituição.

Muito embora tenhamos tentado demonstrar no curso deste trabalho que as normas de

Direito Financeiro são um dos vetores para a interpretação das regras de competência tributá-

168

ria, realmente, a destinação do produto da arrecadação não é elemento passível de inserção na

hipótese de incidência tributária. Diferente é o caso da atuação estatal, com o que o sistema

constitucional tributário se preocupa, já que esse é um dos principais critérios eleitos para a

discriminação de competências.

A instituição de uma taxa tem íntima relação com a destinação do produto da sua arre-

cadação, da mesma forma que a instituição de uma contribuição de melhoria. Contudo, nesses

dois casos, os dados financeiros foram traduzidos para um código captado (e positivado) pelo

Direito Constitucional Tributário, a vinculação a uma atuação estatal.

Por que o elemento de principal interesse na contribuição de melhoria, nesses termos,

não é a destinação do produto da arrecadação? Seria possível negar o parentesco das contribu-

ições com a contribuição de melhoria? Não há um mínimo de significado comum no termo

contribuição? As respostas para estas perguntas foram dadas por Geraldo Ataliba.

Em diversas passagens de sua obra, o autor (ATALIBA, 2008) aponta que as contribu-

ições são tributos vinculados a uma prestação estatal. São excertos:

A h.i. da contribuição é uma atuação estatal indiretamente (mediatamente) referida ao obrigado [...] (p. 147) Exemplo típico de contribuição é a de melhoria. [...] (p. 185) É sistemático ao condicionar a exigibilidade das contribuições a ações sociais, inte-resse de categorias profissionais ou econômicas (art. 149), sempre circunscritas a círculo especial de contribuintes. [...] (p. 159) Não é difícil reconhecer as diferenças entre imposto e contribuição. Basta recordar que o primeiro é tributo não vinculado e a segunda é tributo vinculado. (p. 184)

Ataliba, dessa forma, elege a atuação estatal, referida no art. 149, como o elemento

que diferencia as contribuições dos demais tipos tributários. Hoffmann (1996, p. 108), após

análise das lições de Ataliba, reconhece a íntima relação entre as contribuições e a contribui-

ção de melhoria, apontando, apenas, que para esta última a Constituição já teria previsto a

atuação estatal específica necessária para a sua instituição. É justamente esse o entendimento

de Ataliba sobre a relação entre as contribuições e a contribuição de melhoria.

Importante notar, nesse caso, que o art. 149 da Constituição de 1988 não qualifica hi-

póteses de incidência, mas apenas que a contribuição poderá ser instituída em referência a

uma atuação do Estado em favor de determinadas finalidades. A União é livre para escolher

como atuará (qual será a sua atividade) em nome dessas finalidades. O sentido do termo con-

tribuição, enquanto usado pelo art. 145, III, e pelo art. 149, seria o mesmo, denotando um tri-

buto cuja hipótese de incidência deve estar indiretamente vinculada a uma atuação estatal.

169

Ataliba (2008, p. 170) é categórico, nesse sentido, ao dizer que a contribuição de melhoria é o

melhor exemplo de uma verdadeira contribuição.

Ao entregarmos fulcral importância para a atuação estatal, elegendo-a como o pressu-

posto para a criação de uma contribuição, é nosso dever colocá-la como o elemento que deve

ocupar a posição de aspecto material da sua hipótese de incidência, de modo que os demais

aspectos deverão estar a ela relacionados.111

Destarte, somente será possível a atribuição de limites ao exercício da competência pa-

ra a criação de contribuições se observado o regime jurídico de um tributo que tenha uma atu-

ação estatal como a sua hipótese de incidência.112 As contribuições são, portanto, tributos vin-

culados a uma prestação estatal, de modo que a elas caberá todas as restrições inerentes à cri-

ação de uma norma jurídica com esse aspecto material, com possibilidades de escolha de con-

tribuintes e intensidade da tributação muito menos amplas que no caso dos tributos não vincu-

lados a uma atuação estatal.

Não negamos a importância do atendimento à finalidade constitucionalmente determi-

nada e da destinação do produto da arrecadação, mas estamos convictos que serão refletidos

somente na escolha do aspecto material da hipótese de incidência do tributo que, dessa forma,

deverá ser uma prestação estatal, o que impõe rígidos limites à escolha dos demais aspetos da

regra-matriz de incidência tributária pelo legislador infraconstitucional.113

Passemos, então, à análise da forma pela qual essa vinculação do aspecto material da

hipótese de incidência de uma contribuição deverá ser entendida.

6.2.2 Atuação provocante e atuação provocada

111 São palavras de Coêlho (2005, p. 144): “Sendo tributos vinculados a uma atuação estatal, com a des-

tinação de sua arrecadação previamente determinada pelo legislador, as contribuições exigem, para que não se tornem impostos vinculados a um fim (o que é vedado pelo art. 167, IV, da Constituição de 1988), que haja uma contraprestação do Estado voltada àqueles que pagam o tributo.”

112 Marco Aurélio Greco (2000, p. 147) reconhece a existência dessa relação e a importância da sua ob-servação, no entanto entende que a relação de controle, embora possível, não será de natureza constitucional, já que a constitucionalidade estaria observada com o atendimento das finalidades arroladas no art. 149. Fazendo parte do regime constitucional para instituição do tributo, ousamos discordar do autor para reconhecer a natureza constitucional desse controle.

113 É digno de nota o fato de Geraldo Ataliba (2000, p. 182, 198, 201), após delimitar a extensão da competência para a instituição das contribuições, ter apontado que no Brasil inexistem verdadeiras contribuições, assumindo a possibilidade de esse tributo ser transformado em meros impostos destinados. Com todo o respeito e grande admiração pela obra do autor, julgamos imprescindível nos manter firmes na busca do regime constitu-cional para a instituição das contribuições, sem assumir a possibilidade das contribuições serem impostos.

170

Para que uma contribuição seja instituída, há necessidade de que o Estado atue em

nome de alguma das finalidades arroladas pelo art. 149 da Constituição Federal de 1988. A

persecução ou não da finalidade com a atuação estatal, realmente, é tema cuja crítica não cabe

à ciência do direito tributário, mas a outros ramos da ciência do direito. Não é este, no entan-

to, o entendimento que deve ser praticado com relação à atuação114 e à criação do tributo que

a tenha por origem.

O fato de o aspecto material da hipótese de incidência de uma contribuição ter que ser

preenchido por uma atuação estatal impõe limites ao legislador para a determinação de todos

os demais aspectos necessários para a incidência do tributo, especialmente o quantitativo e o

pessoal.

Se a atuação estatal ocupa posição de destaque na norma de competência para a insti-

tuição de uma contribuição, devemos buscar algumas notas sobre ela. Conforme apresentamos

acima, a atuação estatal uti universi, geral, deverá ser custeada por impostos, e não por contri-

buições. Já as atuações estatais (serviços públicos e exercício do poder de polícia) divisíveis

poderão ser custeadas por taxas. As atuações estatais somente específicas, mas indivisíveis,

poderão ser custeadas por contribuições.115

A autuação estatal nas contribuições, portanto, não deve se referir ao contribuinte, mas

a um grupo de cidadãos aos quais ela foi direcionada, atributo decorrente da especificidade do

serviço que enseja a sua instituição. Essa atuação específica, como observa Geraldo Ataliba

(2008, p. 186), pode ser de iniciativa do próprio poder público, ou pode ter sido provocada

por um grupo de cidadãos, em sua definição, as atividades provocantes e provocadas, respec-

tivamente. São os seus comentários as modalidades de atividades estatais que autorizariam a

criação de uma contribuição:

114 Desculpando-nos pela repetição, reiteramos que o art. 149 da Constituição Federal de 1988 autoriza

a criação de contribuições como instrumento de atuação da União Federal. 115 É pertinente a comparação entre o tipo de atuação do Estado e os tipos de direitos coletivos protegi-

dos por nosso ordenamento, conforme definição do art. 81 da Lei nº 8.078/90: Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Pa-rágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. A doutrina do direito consumerista (MARINONI, 2005, p. 711) é desenvolvida sobre os tipos de fatos e as suas relações com coletividades. Há fatos que atingem a sociedade em geral (difusos), há outros que apesar de sua grande extensão atingem grupos deter-minados, mas de impossível individualização (coletivos) e outros que atingem da mesma forma um grande nú-mero de pessoas, mas que podem mensurar individualmente os efeitos causados pelo fato em seu plexo de direi-tos (individuais homogêneos). Pensamos que essa construção, com as necessárias reservas, pode ser aplicada à teoria da atuação estatal para efeitos da instituição de impostos, contribuições ou taxas.

171

No primeiro caso, a atuação estatal provoca uma consequência (elemento intermedi-ário), a qual se refere (se liga) ao obrigado. É nitidamente o caso da contribuição de melhoria, como já vimos. No segundo caso, atuação estatal é provocada por uma situação, fato, acontecimento (elemento intermediário), o qual se refere (se liga) ao obrigado. No primeiro caso, a atuação estatal provoca um efeito (valorização) que atine o imó-vel do contribuinte, que será o obrigado na relação tributária. A lei faz a valorização (elemento intermediário) ser o ponto de contato necessário entre a atuação e o obri-gado. No segundo caso, o obrigado desenvolve uma atividade que causa uma situação, a qual, por sua vez, provoca uma atuação pública. Aqui, também, o contribuinte se re-laciona à atuação mediante a situação que provocou (elemento intermediário).

As lições de Ataliba, ainda que não o façam diretamente, desmistificam a suposta ne-

cessidade de benefício de um grupo decorrente de uma atuação estatal para a instituição de

uma contribuição. O benefício, evidentemente, poderá existir, mas não será essencial para que

estejam reunidas as condições para a instituição de uma contribuição.

Se, por um lado, a atividade estatal que fundamenta a criação de uma contribuição é

provocante, o benefício estará presente, ou seja, o Estado agirá em nome de uma das finalida-

des previstas no art. 149 e, com isso, causará especial benefício a uma classe de pessoas. Por

outro, há grande chance de não existir benefício na atuação estatal provocada, caso em que o

pagamento da contribuição será justificado pela necessidade de concorrência para custeio do

gasto público ao qual o grupo de pessoas tenha dado causa. Assumir que a atividade deve ser

provocante ou provocada não quer dizer que o contribuinte deverá ter necessariamente uma

vantagem decorrente da atuação do Estado.

O Estado pode ser obrigado a atuar (atuação provocada) em casos que uma determina-

da classe de cidadãos (econômica, regional, profissional, social, de tecnologia, desportiva,

habitacional, etc.) esteja promovendo algum desequilíbrio que deve ser combatido segundo

uma das finalidades previstas no art. 149 da Constituição Federal de 1988. Ao ser obrigado a

atuar em um caso como este, a atuação poderá ser custeada por aqueles que a ela deram ense-

jo, por meio de uma contribuição.

A atividade estatal, portanto, é elemento indispensável para a instituição de uma con-

tribuição. O benefício decorrente dessa atuação, não. O que, ao lado da atuação estatal, é ne-

cessário para a instituição da contribuição é a relação entre a atuação estatal e um determinado

grupo de pessoas, que dela tenham se beneficiado ou que a ela tenham dado causa.

A questão envolve o princípio da igualdade, de maneira que aqueles membros da so-

ciedade que causaram uma atuação especial do Estado deverão concorrer para o seu custeio,

assim como aqueles especialmente beneficiados por uma atuação poderão retribuir a socieda-

172

de com uma parcela de seu ganho. Nesse sentido, são palavras de Dias de Souza (2000, p.

498):

Penso, como Giannini, que não só a vantagem diferencial, mas também a maior des-pesa causada pelo particular, são pressupostos da contribuição. [...] De fato, parece que ambas as características hão de ser aplicáveis às contribuições, sobretudo se não se perder de vista a razão da classificação procedida pela Ciência das Finanças em face da equânime distribuição dos encargos públicos. Ora, se tanto o que tem vanta-gem quanto o que provoca um maior gasto público estão em posição diversa dos demais cidadãos, é justo que, a par de impostos, fiquem sujeitos também a contribu-ições.

O grupo de pessoas deverá ser reconhecido como medida de igualdade e esse será o

caminho para a instituição de uma contribuição. O caminhar do assunto, na trilha da delimita-

ção de um arquétipo constitucional para as contribuições, depende de algumas considerações

sobre a relação entre atuação e grupo. Passemos a elas.

6.3 A atividade específica, o grupo e o elemento intermediário

A ideia de grupo de pessoas está visceralmente ligada às condições para a instituição

das contribuições, de modo que inúmeros autores a analisam, especialmente sob o prisma do

princípio da igualdade.116 Os impostos não comportam a ideia de grupos por serem informa-

dos pela capacidade contributiva, princípio ligado à solidariedade; as taxas também não, pelo

fato de seus beneficiários serem individualizáveis; as contribuições sim, conforme veremos.

Valemo-nos das palavras de Marco Aurélio Greco (2000), para introduzirmos a rela-

ção contribuições versus grupo:

[...] para as contribuições, é a qualificação de uma finalidade a partir da qual é pos-sível identificar quem se encontra numa situação diferenciada pelo fato de o contri-buinte pertencer ou participar de um certo grupo (social, econômico, profissional). [...] (p.83-84) A contribuição supõe a integração do sujeito passivo num grupo, o que, por defini-ção, é uma forma de discriminação entre grupos. Quando, por exemplo, é instituída uma contribuição específica para o setor da borracha atingindo os que, de algum modo, atuam nessa área, há uma discriminação em relação aos demais setores que não foram atingidos pela exação. O mesmo se diga em relação a uma contribuição sobre café, para quem estiver no setor de café, e assim por diante. Isto significa que não há tratamento igual em função de um parâmetro que anteceda a própria defini-ção do universo atingido. Este parâmetro antecedente existe em relação aos impos-

116 Vide ATALIBA, 2008, p. 194; COÊLHO, 2007, p. 36; AMARO, 2004, p. 84; SOUZA, H., 2000, p.

498; SCHOUERI, 2012, p. 215; BARRETO, 2006, p. 124.

173

tos, e corresponde à capacidade contributiva. Nas contribuições, o critério é a identi-ficação de um grupo específico, em relação ao qual a União vai exercer sua atuação. (p. 204)

A percepção de Greco é perfeita e está de acordo com a construção até agora realizada.

O art. 149 da Constituição de 1988 autoriza a tributação por contribuições como instrumento

para a atuação do Estado. Conforme deixamos claro, essa atuação estatal não poderá ser ge-

ral, caso em que o seu custeio ocorreria por impostos (hipóteses de incidência desvinculadas

de atuações), e tampouco divisível, caso típico para a instituição de taxas.

A atuação referida no art. 149 é específica na persecução de alguma das finalidades e-

leitas por esse dispositivo. Por sua vez, essa especificidade não permite a individualização do

proveito decorrente da atividade estatal, mas, frisamos, permite o reconhecimento de grupos

ou que dela se beneficiaram ou que a provocaram.

Perceba-se a evolução do raciocínio sobre a atividade estatal apta a ensejar a criação

de uma contribuição: para que uma contribuição seja instituída (i) deverá haver uma atuação

estatal, que ocupará a posição de aspecto material da sua hipótese de incidência; e (ii) essa

atuação deverá ser específica, de modo que seja possível determinar o grupo de pessoas que

dela se beneficiou ou que a provocou.

O objetivo primeiro da atuação estatal capaz de ensejar a criação de uma contribuição

não é beneficiar cidadãos específicos, mas atingir uma das finalidades previstas pelo art. 149

da Constituição de 1988. Tal atuação, no entanto, poderá resultar em benefícios específicos

para determinados grupos, o que poderá ser retribuído ao Estado pela via da tributação por

contribuições; da mesma forma, se possível for, caberá ao Estado identificar aqueles grupos

que causaram a sua atuação, para com eles dividir o seu custo, novamente por via das contri-

buições.

A ideia de grupo é importantíssima para que diferenciemos as contribuições dos im-

postos. Se não for possível a identificação de beneficiários ou causadores específicos, estare-

mos diante de atuações gerais do Estado, possíveis de custeio somente por impostos, confor-

me sabido.

O reconhecimento da importância do grupo para a instituição de uma contribuição

confirma a necessidade de uma atuação estatal específica ser o pressuposto para a instituição

deste tributo.

Muito embora o art. 149 da Constituição de 1988 tenha dado ênfase nas finalidades a

serem perseguidas por meio das contribuições, não caberá à União instituir uma contribuição

cujo objeto seja apenas, por exemplo, a intervenção no domínio econômico. Será necessário,

174

portanto, que a lei instituidora do tributo preveja como a União intervirá no domínio econô-

mico, ou seja, quais serão as suas atuações específicas para a persecução dessa finalidade

constitucional (intervenção).

A causa mediata para a instituição de uma contribuição, portanto, será sempre uma das

finalidades previstas pelo art. 149 da Constituição Federal de 1988. A causa imediata, contu-

do, será a atuação – a ser custeada pela arrecadação das contribuições – por meio da qual as

finalidades previstas pelo art. 149 serão atendidas.

O grupo, por sua vez, será determinado pela causa imediata da instituição da contri-

buição, a atuação estatal, por meio de um critério de vinculação que o ligue à atividade estatal

que, conforme já apontamos, será provocante ou provocada.

É necessário, então, afinar a relação entre esses dois elementos, isto é, o grupo e ativi-

dade estatal. O reconhecimento de um grupo ligado à atuação estatal já pressupõe a ciência de

alguma relação entre eles (grupo-atuação), seja pelo benefício, seja pela provocação. São os

elementos dessa relação que deverão nortear o legislador federal na escolha dos aspectos da

regra-matriz de incidência da contribuição.

As medidas de intensidade e a determinação de contribuintes deverão ser percebidas

pelo legislador dentro dessa relação grupo-atuação, elegendo-as em condições que relacionem

as condutas do contribuinte à atuação do Estado. O critério utilizado por Ataliba, provocação,

é importantíssimo, já que o próprio ato de provocar (ou ser provocado) pressupõe uma relação

que pode ser medida.

É nesse sentido que dentro do provocar, Geraldo Ataliba procura por um elemento que

viabilize a repartição da tributação pelas contribuições entre indivíduos, já que, apesar de tra-

tar de atividade estatal apenas específica, relacionada a um grupo, o tributo deverá ser pago

sempre por contribuintes individuais.

É a partir disso que o autor insere em suas lições os conceitos de referibilidade e ele-

mento intermediário. Somente com a percepção de um elemento que ligue a atuação do estado

aos membros, individualmente considerados, do grupo é que será possível a instituição de

uma contribuição. Ataliba (2008, p. 185) assim define o que é elemento intermediário:

O elemento intermediário é que estabelece a conexão entre a atuação e o obrigado. Este elemento – que, ao fornecer a base imponível, dá entidade à contribuição como categoria jurídica – pode ser, na verdade, causador, deflagrador, provocador da ati-vidade estatal posta no núcleo da h.i. ou, pelo contrário, pode ser seu efeito ou consequência.

175

Não é possível, logicamente, que o Estado promova a sua atuação, apure o seu custo, e

o partilhe em exatas proporções por um grupo, cuja quantidade de membros, inclusive, pode

ser indeterminada. Haverá a necessidade, diante disso, de buscar um elemento que ligue o

membro do grupo à atuação estatal que este tenha provocado ou da qual tal grupo tenha se

beneficiado.

Mais uma vez a isonomia (GRECO, 2000, p. 205-206) assumirá posição de destaque.

Somente um grupo específico deverá ser chamado para pagar contribuições pelo fato de terem

recebido um benefício especial da atuação estatal ou a terem demandado. Nesse grupo, contu-

do, haverá membros que tenham uma maior ou menor relação com a consequência ou com a

causa da atividade estatal, de maneira que, com base nisso, deverá ser graduada a intensidade

da participação de cada contribuinte no pagamento da contribuição criada.

Há, aí, a necessidade de boa percepção do elemento intermediário, o que constitui tare-

fa fácil, por exemplo, na contribuição de melhoria, na qual a tributação é norteada pela valori-

zação individual de cada imóvel em razão da obra pública. Essa percepção do elemento in-

termediário somente estará correta se forem adequadamente cotejadas a atuação estatal e o

benefício ou causa que vincule o grupo específico ao pagamento do tributo.

Não há, certamente, critérios e elementos fixos para a escolha desse elemento interme-

diário, como reconhece Greco (2000, p. 206), que após dar alguns exemplos de critérios para

discriminação dos contribuintes, aponta que “outros critérios ainda podem ser imaginados e o

legislador tem buscado encontrá-los na medida em que o grupo específico apresente feição,

dificuldades ou distinções peculiares”.

O elemento intermediário, portanto, é o meio para relacionar a atuação estatal, o grupo

e os seus integrantes por uma medida que represente uma relação, ainda que indireta, entre os

membros do grupo e o gasto com a atividade estatal, sendo necessária a sua previsão pelo

legislador ordinário, quando da criação de uma contribuição.

Esse critério para a diferenciação dos contribuintes dentro de um mesmo grupo poderá

não ser a capacidade contributiva. Destacamos: poderá não ser. Entendemos que não há uma

forma predeterminada para cálculo da repartição da carga de tributação pelas contribuições

dentro do grupo escolhido, o que dependerá de boa técnica do legislador para, dependendo de

cada atuação estatal, escolher a forma que melhor represente a relação entre serviço, grupo e

referibilidade (elemento intermediário).

Voltaremos a tratar da capacidade contributiva adiante. Antes disso, no entanto, cum-

pre-nos enfrentar a corrente que reconhece a solidariedade como princípio informador desse

176

tipo tributário. Sobre a questão, BECHO (2011, p. 305) reconhece que esse princípio poderá

informar algumas contribuições, mas há dificuldade em estendê-lo a todos os tipos de contri-

buições, indiscriminadamente.

Concordamos com o autor. A solidariedade poderá ser princípio a ser considerado para

informar alguns tipos de contribuições, a depender da atuação estatal prevista como sua hipó-

tese de incidência. Parece-nos possível, nesse sentido, que contribuições estribadas em atua-

ções provocadas por grupos, mais comumente, estejam pautadas nesse princípio. Greco (2000,

p. 195-196) admite essa possibilidade e reconhece que, nesses casos, a concretização da soli-

dariedade na tributação pelas contribuições poderá autorizar o uso da capacidade contributiva

para discriminação entre contribuintes.

Reconhecemos, contudo, em companhia de Coêlho (2007, p. 9), que a solidariedade é

princípio típico dos impostos, que são pagos em decorrência do poder de império do Estado e

quando da manifestação da capacidade contributiva. Esse princípio da solidariedade, realmen-

te, tem a máxima força na tributação por impostos, já que aqueles que manifestam maiores

fatos signos presuntivos de riqueza deverão pagar o tributo em maiores proporções que os

menos afortunados.

O princípio da solidariedade nas contribuições se resumirá, quando existir, na solidari-

edade com o grupo (SCHOUERI, 2012, p. 203). E somente poderá ser exercida quando o tipo

de atuação estatal e a sua vinculação com o grupo assim permitirem. Assim, a solidariedade

não é princípio informador das contribuições, sendo possível a sua consideração somente em

casos específicos em que a atuação estatal que figure no aspecto material da hipótese isso au-

torize.

Perceba-se, portanto, que a instituição de uma contribuição deverá estar fundada no

custeio de uma atuação estatal, de modo que a sua carga deverá ser repartida entre aqueles

sujeitos que componham o grupo que se relacione com a atividade estatal. Essa repartição

deverá ser feita a partir de um critério (elemento intermediário) que segregue os contribuintes

de acordo com a graduação da sua relação pessoal com a atuação estatal que justificou a insti-

tuição da contribuição.

Esta conclusão sobre a relação entre a instituição de uma contribuições e a atividade

estatal pode causar no leitor a sensação de ser impossível a criação de uma contribuição em

que grupo, contribuintes e contribuição estejam corretamente relacionados. Reconhecemos a

177

complexidade da tecnologia para a criação deste tributo, mas temos certeza da capacidade da

União de concretizá-la, conforme demonstraremos adiante.117

6.4 A contribuição enquanto tributo vinculado e sua relação com o sistema

constitucional tributário

Repetimos, mais uma vez, que a nossa intenção não é promover uma classificação das

espécies tributárias. Reconhecer os atributos básicos de uma contribuição, no entanto, deman-

da a comparação com elementos de outros tipos tributários e outras normas constitucionais,

como temos feito ao longo deste trabalho.

Temos sustentado que o princípio federativo e a rigidez ínsita ao Sistema Tributário

Nacional não admitem que a competência para instituição das contribuições previstas no art.

149 da Constituição Federal de 1988 seja apenas uma autorização para a criação de impostos

destinados, hipótese que consumaria o desmoronamento da bem arquitetada repartição de

competências tributárias entre os entes federados.

Admitir as contribuições como tributos vinculados a uma atuação da União Federal,

fazendo prevalecer o sentido de instrumento para a sua atuação, parece ser uma boa solução

para o caso. Isso porque, se dependente da atuação do Estado, a escolha dos sujeitos passivos

e do aspecto quantitativo do tributo estará, ainda que indiretamente, relacionada à atividade

estatal, o que é um grande limitador para o exercício da competência para a instituição das

contribuições.

A diferenciação das contribuições por sua hipótese de incidência, conforme as lições

de Geraldo Ataliba, indiretamente vinculada a uma atuação estatal, desloca o critério de dis-

crímen desse tipo tributário para a sua hipótese de incidência constitucionalmente qualificada,

retirando a importância entregue à destinação do produto da arrecadação como o seu principal

elemento diferenciador dos impostos.

Após termos nos valido de dispositivos constitucionais das mais variadas matérias pa-

ra atribuir às contribuições o significado constitucional que elas demandam, é possível, agora,

117 Veja-se, por exemplo, o fator acidentário de prevenção (FAP) criado pela Lei nº 10.666/03, que es-

tabelece critérios para individualizar a participação de cada empresa no pagamento de benefícios pela previdên-cia social decorrentes de acidentes do trabalho e a consequente majoração da alíquota da contribuição previden-ciária do empregador. A tecnologia para a repartição da tributação promovida pelo FAP é bem analisada por Thiago Simões (2013, p. 127) e voltaremos a ela adiante.

178

purificar o Direito Tributário com relação a elas, atestando a não importância da destinação do

produto da arrecadação para efeitos de diferenciação entre impostos e contribuições.

Já deixamos claro que a destinação do produto da arrecadação, para nós, sempre foi

elemento estranho ao Direito Tributário.118 Em adição ao argumento de que a aplicação da

receita não tem reflexos na hipótese de incidência e na obrigação tributária, reconhecemos,

agora, que há um arquétipo constitucional específico para as contribuições, que impõe a ado-

ção de uma atuação estatal como o aspecto material da sua hipótese de incidência. A diferen-

ciação das taxas, nesse caso, será feita pelo tipo da atuação estatal, que será específica, mas

não divisível.

Assim, o controle das contribuições, sob o viés do Direito Tributário, não dependerá

da análise da destinação do produto da sua arrecadação, mas da adequada relação entre a atu-

ação a ser custeada, os membros do grupo beneficiário ou causador e a intensidade da tributa-

ção. Trata-se de tipo de controle semelhante ao atualmente desenvolvido nas taxas.

O mesmo argumento que utilizamos para infirmar a definição de contribuições pela

destinação do produto da arrecadação será válido, também, para contrariar a suposta inexis-

tência de um arquétipo constitucional próprio para este tipo tributário, como sustenta sólida

corrente doutrinária, que reconhece as contribuições como meros impostos ou taxas (CAR-

RAZA, 2007, p. 568; CARVALHO, P., 2008, p. 43; BECHO, 2009, p. 406).

O aspecto material da hipótese de incidência de uma contribuição deverá ser a atuação

estatal cujo custeio se pretende, o que afasta, definitivamente, a possibilidade da sua compa-

ração com impostos. Essa atuação estatal não será qualificada pela nota da divisibilidade, o

que também afasta, à luz da hipótese de incidência possível, a suposta de identidade entre taxa

e contribuição.

As contribuições, nesse contexto, não são impostos nem taxas. Conforme apontado no

capítulo anterior, assumir essa hipótese seria entregar carta branca à União Federal para que

crie impostos à margem de todo o rigor inerente à repartição da competência para a sua insti-

tuição. A clara tendência do Supremo Tribunal Federal, conforme se demonstrou, é diferenci-

ar os impostos das contribuições, não se aplicando às últimas as disposições constitucionais

expressamente referidas aos primeiros.119

118 Não podemos deixar de reconhecer a importância da corrente doutrinária que define as contribuições

a partir deste elemento: a destinação do produto da arrecadação (BARRETO, 2006, p. 72; TOMÉ, 2002, p. 99). 119 Geraldo Ataliba, como já dissemos, percebeu as contribuições como tributos vinculados a uma atua-

ção estatal, mas assumiu a possibilidade de criação de impostos destinados, desde que submetidos ao regime próprio dos impostos. São suas palavras (ATALIBA, 2008, p. 208): “A esse propósito, é imprescindível conside-rar que a adoção pelo legislador ordinário federal de hipóteses de incidência de impostos que têm regime especi-

179

Não podemos admitir, no entanto, que a exclusão das contribuições do regime jurídico

dos impostos sirva, apenas, para superar a rigidez constitucional que envolve o exercício da

competência impositiva, interpretação absolutamente contrária à unidade sistemática da Cons-

tituição Federal de 1988. Há, como temos apontado, um arquétipo genérico das contribuições,

que deve ser melhor conhecido, conforme aponta Coêlho (2007, p. 160):

A dispersão jurisprudencial demonstra quão importante é esse tema das contribui-ções, a exigir urgente dogmatização, sob pena de vivermos o que de pior pode nos oferecer a jurisprudência: casuísmo, incongruência (pois o direito é côngruo), des-conexão aplicativa do direito, fundamentos meta-jurídicos, “solidarismo”, ideologia, incerteza e insegurança jurídica, em prejuízo da dogmática constitucional do tribu-to. (destaque no original)

Reconhecer que contribuição não é (nem pode ser) imposto significa assumir a posição

de que o regime constitucional dos tributos não vinculados não se aplica às contribuições.

Embora essa assertiva possa parecer ousada, dois importantes pontos estão ligados a ela: (i) o

fato de as contribuições não serem impostos já está firmado pelo Supremo Tribunal Federal; e

(ii) assumir essa postura nos permitirá estabelecer o regime jurídico constitucional para a sua

criação, reconhecendo as limitações inerentes a esse tipo tributário, que não são atualmente

praticadas.

Convivemos, hoje, somente com os malefícios decorrentes das contribuições não se-

rem impostos. Ao fecharmos os olhos para a existência de um regime constitucional para a

sua instituição, entregamos carta branca para a União criar impostos sem obedecer a quais-

quer regras a eles inerentes. Supera-se, com isso, a repartição privativa de fatos tributáveis, as

normas de imunidade, a capacidade contributiva como princípio informador, a regra de insti-

tuição de impostos residuais e a repartição do produto da sua arrecadação.

Pode ser que a atribuição do regime jurídico de tributo vinculado às contribuições não

resolva de imediato todos os problemas atuais que envolvem a sua utilização, mas, certamen-

te, abrirá caminho para isso.

A vinculação da hipótese de incidência a uma atuação estatal, por si só, determina rí-

gido regime para a instituição do tributo, conforme já demonstrado. Não haveria, nesse senti-

do, liberdade para o exercício da ampla pretensão arrecadatória sem respeito a limites decor-

al – por força de preceitos constitucionais – obriga-o (ao legislador) a respeitar esse regime. E se ele o não fizer, o intérprete assim interpretará a lei, em acatamento à Constituição. Se isso não for possível ao intérprete, então a lei deve ser considerada inconstitucional”. A ressalva feita por Ataliba permitiu que somente uma parcela da sua afirmação fosse seguida, sendo comum a criação de contribuições para burlar as dificuldades inerentes à criação de impostos. A solução do problema, como também reconhece Ataliba (2008, p. 183) e que temos sustentado ao longo deste trabalho, é reconhecer o arquétipo constitucional genérico desse tipo tributário para que sejam admi-tidas em nosso ordenamento somente verdadeiras contribuições.

180

rentes da adequada repartição do encargo entre contribuintes, diferentemente do que temos

visto acontecer.

A verdadeira contribuição, nesse sentido, não precisará respeitar (como já acontece) as

regras de imunidade, as competências privativas, a repartição de receitas e as normas de com-

petência residual porque terá como hipótese de incidência uma atuação estatal, cujo custo será

partilhado, à luz do princípio da proporcionalidade (GRECO, 2000, p. 125-126), entre o grupo

de seus beneficiários ou de seus causadores.

Sob o pretexto de intervir no domínio econômico ou de atuar em área social, não pode-

rá a União Federal tributar desmedidamente por via das contribuições, apenas porque prevê

uma destinação para o produto da sua arrecadação. A instituição de uma contribuição deman-

dará a consideração do custo da atuação estatal120, de modo que a sua carga deverá ser ade-

quadamente repartida entre os membros do grupo que se relaciona a essa atuação.

Cumpre-nos, diante das nossas considerações sobre a relação entre contribuições e a-

tuação estatal, apresentar uma melhor definição do arquétipo constitucional desse tributo.

6.5 O arquétipo constitucional

A exaustividade e a rigidez com a qual a Constituição Federal de 1988 trata a reparti-

ção da competência para a tributação levam ao reconhecimento de regras padrões para a insti-

tuição de tributos. Não cabe ao legislador ordinário a instituição desregrada de exações, pelo

contrário. O conjunto de normas e princípios constitucionais lhe impõe insuperáveis limites

para a escolha dos aspectos da regra-matriz de instituição de cada tributo.

O reconhecimento desses limites, em suas especificidades para cada tributo, é a garan-

tia aos cidadãos de não serem tributados além do autorizado pela Constituição de 1988. Trata-

se, portanto, de questão de primeira importância para o Direito Tributário.

Para sermos mais claro quanto à importância das limitações constitucionais para o e-

xercício da competência tributária, transcrevemos a lição de Roque Antonio Carrazza (2007,

p. 494-496) sobre o assunto:

A Constituição, ao discriminar as competências tributárias, estabeleceu – ainda que, por vezes, de modo implícito e com uma certa margem de liberdade para legislador

120 Não queremos dizer, com isso, que haverá um limite máximo para a arrecadação das contribuições.

O tema será melhor analisado adiante.

181

– a norma-padrão de incidência (o arquétipo, a regra-matriz) de cada exação. Nou-tros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o legislador, ao exercitar a compe-tência tributária, deverá ser fiel à norma-padrão de incidência do tributo pré-traçada na Constituição. O legislador (federal, estadual, municipal ou distrital), enquanto cria o tributo, não pode fugir deste arquétipo constitucional. Portanto, o Constituinte estabeleceu, de modo peremptório, alguns enunciados que necessariamente deverão compor as normas jurídicas instituidoras dos tributos. Estes enunciados formam o mínimo necessário (o átomo), de cada tributo. São o ponto de partida inafastável do processo de criação in abstracto dos tributos. (destaques no original)

Reconhecer o arquétipo constitucional do tributo, portanto, significa interpretar as re-

gras constitucionais de competência tributária formulando-se verdadeiras normas básicas para

a criação de cada um dos tributos constitucionalmente previstos. Essa norma básica é o que

deverá nortear o legislador na criação do tributo e o Poder Judiciário na análise da sua consti-

tucionalidade, o que deixa ainda mais clara a sua importância.

Nossa tarefa, então, é constituir, de acordo com os elementos até aqui apresentados, o

arquétipo constitucional das contribuições previstas pelo art. 149 da Constituição Federal d

1988. Já apresentamos anteriormente, nesse sentido, a crítica de Geraldo Ataliba (2008, p.

183) à ausência de preocupação doutrinária com a construção do arquétipo desse tipo tributá-

rio, com o que pretendemos contribuir.

Após criticar a inexistência de uma previsão doutrinária da uma regra-matriz padrão

das contribuições, Ataliba (2008, p. 183) aponta:

Já tivemos oportunidade de deixar explícito nosso pensamento: a h.i. das contribui-ções é uma atuação estatal indireta e mediatamente referida ao obrigado (e referida mediante um elemento ou circunstância intermediária), quer dizer: ou (1) é uma con-sequência ou efeito da ação estatal que toca o obrigado, estabelecendo o nexo que o vincula a ela (ação estatal), ou (2) uma decorrência da situação, status, ou atividade do obrigado (sujeito passivo da contribuição) que exige ou provoca a ação estatal que estabelece o nexo entre esta (ação) e aquele (o obrigado).

As palavras do autor serão o nosso norte para os próximos itens, nos quais pretende-

mos apontar quais as regras que o legislador ordinário deverá obedecer para escolher o aspec-

to material, o aspecto quantitativo e o aspecto pessoal passivo da hipótese de incidência pa-

drão (arquétipo) das contribuições.121

Para a tarefa de delimitação do arquétipo constitucional das contribuições, propomos

nova leitura do caput do art. 149 da Constituição Federal de 1988, cuja transcrição segue:

121 Trataremos apenas desses três aspectos por os considerarmos os mais importantes e controvertidos

dentre os aspectos da regra-matriz de incidência tributária.

182

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de inter-venção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econô-micas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativa-mente às contribuições a que alude o dispositivo.

A partir da interpretação deste dispositivo em conformidade com todos os argumentos

anteriormente apresentados, passaremos, a seguir, a estudar aquele que entendemos ser o ar-

quétipo constitucional das contribuições.

6.5.1 Aspecto material da hipótese de incidência das contribuições

A finalidade que autoriza a instituição de uma contribuição, sem dúvida, é elemento

importantíssimo para o Direito, mas não para o Direito Tributário. Saber se o Estado conse-

guiu atingir objetivos perseguidos com a criação de contribuições na área social, na interven-

ção no domínio econômico ou em favor do interesse de categorias profissionais ou econômi-

cas não será objeto da nossa preocupação.

Adotaremos, nesse sentido, a posição de Sacha Calmon Navarro Coêlho, que, apesar

de reconhecer a importância das finalidades previstas no art. 149 (COÊLHO, 2007, p. 73),

aponta que a sua análise está situada no campo do Direito Constitucional, e não do Direito

Tributário, de modo que importa ao cientista deste ramo perquirir se o tributo é ou não vincu-

lado a uma prestação estatal (COÊLHO, 2005, p. 476).

A finalidade constitucional que embasa a criação de uma contribuição, portanto, não

será elemento de essencial análise para o cientista do direito tributário. Nesse sentido, até

mesmo Marco Aurélio Greco, que entrega larga importância à finalidade da norma constitu-

cional, reconhece que o suposto atendimento a uma finalidade constitucional não é suficiente

para a instituição de uma contribuição (GRECO, 2003, p. 134):

Mas a existência de uma finalidade buscada não é suficiente para legitimar a cobran-ça da contribuição. A qualificação de fins não exclui a existência de meios para atin-gi-los, nem afasta as garantias que a própria Constituição prevê em relação a tais meios. Os fins não justificam quaisquer meios. Portanto, os fins não bastam para jus-tificar a cobrança de toda e qualquer contribuição. Mister que, além da finalidade, a instituição da contribuição atenda aos dois outros elementos mencionados (atuação e congruência).

183

Seguindo a linha de raciocínio do autor, a contribuição será o meio para a atuação do

Estado. Deverá custear, ou seja, viabilizar uma atuação estatal voltada para uma das finalida-

des constitucionalmente autorizadas.

Diferentemente do que acontece quanto aos impostos, o pressuposto para a instituição

de uma contribuição é a atuação estatal em favor de uma de suas finalidades constitucionais.

É diferente, também, da atuação estatal das taxas, que é qualificada pela sua divisibilidade. O

que não se pode negar, mesmo com as diferenças, é que há determinação constitucional para

que a instituição de uma contribuição esteja vinculada a uma atuação estatal.

Ao analisar a natureza vinculada da contribuição, deixamos claro que não será qual-

quer atuação estatal que justificará sua instituição e cobrança. O tipo de atuação, diferente

daquela que justifica os impostos, não poderá ser geral, inespecífica. A atuação que se refira à

sociedade como um todo não poderá ser fundamento para a criação de uma contribuição. O

tipo de atuação, também diferente das taxas, não será divisível, mas impassível de perfeita

individualização, caso contrário o tributo a ser criado, definitivamente, será uma taxa.

Logo, a atuação, ainda que validada pelo interesse público (uma das hipóteses do art.

149), deverá ser específica, condição que permitirá a percepção de uma relação entre a atua-

ção estatal e um determinado grupo de cidadãos ou pessoas jurídicas.

A abertura da norma de competência (art. 149) entrega grande liberdade ao legislador

ordinário para escolher qual será a atuação do Estado em favor da ordem social, para inter-

venção no domínio econômico ou em benefício de categorias profissionais ou econômicas. Os

grupos, nesse sentido, poderão ser os mais variados possíveis.

A amplitude fica clara ao notarmos, por exemplo, quais são as preocupações da ordem

social, além do Sistema de Seguridade Social: a educação (art. 206 ao art. 214); o desporto

(art. 217); a cultura (arts. 215 e 216); a ciência e a tecnologia (arts. 218 e 219); a comunicação

social (art. 220 ao art. 224); o meio ambiente (art. 225); a família, criança, adolescente e idoso

(art. 226 ao art. 230); e os índios (art. 231). Atuações estatais que sejam praticadas em favor

dessas áreas, se específicas, poderão ser custeadas por contribuições.

É importante reiterar a desnecessidade de a atuação estatal resultar em benefício para

um grupo, uma das possibilidades de caracterização da sua especificidade. É possível, con-

forme deixamos claro ao analisarmos as atividades provocantes e provocadas, que o grupo

seja determinável dentre aqueles que demandem a atuação estatal (seus causadores).

A contribuição, portanto, será um instrumento pelo qual um determinado grupo retri-

buirá (ainda que não em valores exatos) o benefício especial que a atuação do Estado lhe en-

184

tregou ou um determinado grupo custeará (também dispensada a exatidão) a atuação estatal

especial por este causada. Em ambos os casos a atuação deverá promover uma das finalidades

elencadas no art. 149.

O ponto de partida para a instituição e cobrança de uma contribuição, portanto, é a a-

tuação estatal específica que deverá ser custeada pelo produto da arrecadação. Assim como

nas taxas, é essa atuação que condicionará a eleição de todos os demais aspectos da regra ma-

triz de incidência do tributo.

Portanto, o aspecto material de uma contribuição deverá ser a atuação estatal específi-

ca que beneficia o grupo ou é causada por este.122

É importante, neste ponto, descermos à pragmática. Assumir que o aspecto material de

uma contribuição é uma atuação estatal significa dizer, por exemplo, que o aspecto material

da hipótese de incidência da contribuição previdenciária, por exemplo, é prestar o serviço de

seguro social ou para os empregados ou para os empregadores.

Sabemos, nesse sentido, que o empregado tem um serviço prestado em seu favor, que

é indivisível, impossibilitando o seu custeio por taxa, mas específico. O aspecto material deste

tributo, portanto, é ser beneficiário do sistema de previdência social, e não meramente receber

remuneração. Há cidadãos que recebem remuneração, mas não são segurados, de modo que

não precisam contribuir; há cidadãos que recebem remuneração, mas não contribuem para o

sistema geral de previdência; há carência para recebimento de benefícios; cidadãos que não

contribuem não fazem jus ao recebimento do benefício. A contribuição liga-se, perfeitamente,

ao serviço público prestado, sem que seja possível dividir exatamente o seu custo.

Podemos dizer o mesmo das contribuições dos empregadores. O aspecto material da

sua hipótese de incidência é a prestação do serviço de seguridade social por eles demandado.

Socorremo-nos dos comentários de Hamilton Dias de Souza (2000) para explicar a relação

das contribuições do empregador com uma prestação estatal:

[...] Na do empregador, entretanto, parece a muitos que não há referibilidade entre o que se exige e a atuação estatal. Todavia, não se nega, modernamente, que o empre-gador tenha especial interesse no bem-estar de seus empregados, de forma que, se a seguridade social a estes se liga de maneira muito íntima, é claro que também diz respeito aos primeiros. [...] (p. 509-510) A contribuição do empregador tem por pressuposto a vantagem ou especial interesse que tem ele nas pessoas com as quais se relaciona diretamente, que são seus empre-gados [...]. (p.512)

122 Nesse sentido, com pequenas divergências: ATALIBA, 2008, p. 185; COÊLHO, 2007, p. 53;

HOFFMANN, 1996, p. 136; SOUZA, H., 2000, p. 502. Em nossa opinião, Amaro (2004, p. 84) também se junta a esse grupo, apesar de não dizê-lo expressamente.

185

Geraldo Ataliba (2008, p. 205) e Susy Gomes Hoffmann (1996, p. 156) manifestam

opinião semelhante à de Dias de Souza com relação à contribuição do empregador. Os três

autores têm como fundamentação dos seus argumentos a lição de Wagner Balera (1989, p.

53), que a seguir transcrevemos:

Há um vinculo que une o empregador ao sistema de proteção social organizado e mantido pelo estado. Esse vínculo é estabelecido pela própria Constituição. [...] Por via reflexa, também o empregador acaba por se beneficiar dessa vantagem pro-porcionada ao trabalhador, pois é por meio dela que o obreiro adquire segurança quanto à situação física, mental e financeira de sua própria pessoa e de seus depen-dentes, assim no presente como no futuro. É óbvio que essa segurança colabora na melhor performance do obreiro por força de mecanismos psicológicos que não cabe ao jurista perscrutar, mas que saltam à vista. A contribuição é um tertium genus na categoria dos tributos. Situada numa zona cin-zenta entre o imposto e a taxa (como mostrava a conceituação de Gomes de Sousa, antes referida) ela é cobrada do empregador, em benefício do universo de trabalha-dores que lhe prestam serviço e,p ara além desse universo, em favor da coletividade protegida.

Portanto, como se pode verificar, o empregador depende da saúde e da sensação de se-

gurança dos seus empregados, ambas decorrentes dos serviços incluídos nas ações do Sistema

de Seguridade Social. Para perceber que essas atuações são específicas e mensuráveis, basta

imaginar que o Estado poderia não prover o serviço de previdência e saúde, mas ordenar que

os empregadores os contratassem em favor dos seus empregados. Ao contratarem esses servi-

ços de um ente particular (seguros saúde, planos de previdência privada, seguros contra aci-

dentes do trabalho, etc.) seria possível a perfeita mensuração de seu custo, para a sua cobran-

ça.123

O mesmo pode ser dito do serviço de assistência social. Esse serviço tem a finalidade

de proteger os economicamente excluídos, os carentes (BALERA, 2004, p. 74), que se situam

fora das relações de circulação do capital, prejudicados pelo movimento de concentração de

renda (BALERA, 2004, p. 24). A causa do serviço de assistência social, portanto, é a domina-

ção do ambiente financeiro por pessoas e empresas que possuem os meios de produção de

riqueza.

O fato de somente as entidades beneficentes de assistência social gozarem de imuni-

dade para essas contribuições protesta em favor de uma atuação estatal figurar como aspecto

material da hipótese de incidência das contribuições. As contribuições analisadas visam cus-

tear a atuação estatal do Estado em favor dos desequilíbrios causados pelo desenvolvimento 123 O Estado brasileiro atua em outros ramos assecuratórios, cujo prêmio é uma prestação pecuniária

compulsória, como é o caso do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres, ou por sua Carga, a Pessoas Transportadas ou Não (Seguro DPVAT), criado pela Lei n° 6.194/74. Na há discussões no Supremo Tribunal Federal sobre a sua natureza tributária ou não do DPVAT.

186

das atividades econômicas ínsitas ao modelo capitalista de Estado. O empregador custeia o

serviço que repara os danos sociais por ele causados. Nada mais correto, sobre esse reparo de

danos, que entes privados que atuem gratuitamente em favor do Estado na prestação de servi-

ços assistenciais a serem custeados pela contribuição não estejam sujeitos à incidência deste

tributo. É o que determina o art. 195, § 7º, da Constituição Federal de 1988124, com disposição

concretizada em nítida interpretação extensiva pela Lei nº 12.101/2009, que garante o gozo da

imunidade para reconhecer como atividades de assistência social a saúde, educação e assis-

tência social em sentido estrito.125 Perceba-se que não se trata de questão de capacidade con-

tributiva ou de outros valores constitucionais garantidos pelas imunidades genéricas, mas da

própria prestação estatal.

As contribuições do empregador, por conseguinte, também têm como aspecto material

da sua hipótese de incidência uma atuação estatal, que visa garantir a higidez de seus traba-

lhadores, o que confirma a regras das contribuições como tributos vinculados. Isso faz com

que consideremos os fatos descritos pelo art. 195, I, da Constituição Federal de 1988, apenas a

base de cálculo dessas contribuições, conforme será analisado oportunamente.

As contribuições para custeio do Sistema de Seguridade Social, portanto, são tributos

vinculados a atuações estatais específicas com finalidade social. É possível delimitar, exata-

mente, os grupos de beneficiários ou causadores da atuação do Estado, o que ficava ainda

mais claro na redação original da Constituição Federal de 1988, em que o art. 195, I, limitava

as contribuições aos empregadores, o que foi alterado pela Emenda Constitucional nº 20/98

para determinar que empregadores, empresas e entidades equiparadas fossem contribuintes

desse tributo.

Além de serem as contribuições economicamente mais significativas para a União Fe-

deral, a análise desses tributos envolve maiores dificuldades devido ao diferente tratamento

constitucional a elas dispensado. Em despeito do tratamento genérico promovido pelo art.

149, o art. 195 condiciona a atuação do legislador infraconstitucional, estipulando as bases de

cálculo e outros elementos a serem observados para a instituição desse tributo.

124 Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos

termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: [...] § 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.

125 Art. 1o A certificação das entidades beneficentes de assistência social e a isenção de contribuições para a seguridade social serão concedidas às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, reconhe-cidas como entidades beneficentes de assistência social com a finalidade de prestação de serviços nas áreas de assistência social, saúde ou educação, e que atendam ao disposto nesta Lei.

187

Esse regime diferenciado, contudo, não é óbice para que tais tributos sejam reconheci-

damente contribuições (SOUZA, H., 2000, p. 508), já que o constituinte decidiu por assim

tratá-los, quando teria a opção, por exemplo, de chamá-los de impostos. Destacamos, para

essa conclusão, a vinculação do aspecto material da hipótese de incidência anteriormente de-

monstrada, sendo que as supostas dificuldades decorrentes da escolha das bases de cálculo

pelo constituinte serão adiante analisadas.

Ao contrário do que acontece nas contribuições para custeio do Sistema de Seguridade

Social, com seu rígido e detalhado tratamento constitucional, ao exercer a competência outor-

gada pelo art. 149, a União Federal terá maior liberdade para a criação da regra-matriz de in-

cidência, sempre obedecendo à natureza da contribuição de tributo vinculado a uma atuação

estatal.

6.5.2 Sujeição passiva nas contribuições: o contribuinte

A relação jurídica tributária, como toda outra relação jurídica, é estabelecida entre dois

sujeitos, de modo que o sujeito ativo tem o direito subjetivo de promover a cobrança do tribu-

to e o sujeito passivo tem o dever jurídico de pagá-lo. O sujeito passivo, portanto, é a pessoa

de quem a prestação poderá ser exigida.

O principal sujeito passivo da obrigação tributária será sempre o contribuinte, que nos

termos do Código Tributário Nacional (art. 121, parágrafo único, I) é a pessoa que tiver rela-

ção “pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador”.

Sem prejuízo da importância do contribuinte, também poderão ser eleitos responsá-

veis e substitutos para ocuparem o polo passivo da obrigação tributária. O próprio Código

Tributário Nacional aponta inúmeros casos de responsabilidade (de terceiros, por sucessão e

por infrações) e autoriza a lei ordinária a prever, de modo expresso, casos específicos, desde

que o responsável eleito esteja vinculado ao fato gerador da obrigação pela qual será respon-

sabilizado (art. 128).

O sujeito passivo comum da obrigação tributária, portanto, é o contribuinte. Todos os

demais possíveis sujeitos passivos se enquadram em exceções expressamente previstas por

lei.

188

É pelo fato de o contribuinte ser o primeiro e principal sujeito passivo da obrigação

tributária que este terá importância para o arquétipo constitucional de qualquer tributo. Na

regra que entrega a competência tributária para o ente federado devem ser percebidas, tam-

bém, quais as pessoas que poderão se submeter à condição de contribuinte do tributo. Trata-se

de garantia de tributação somente em caso de relação pessoal com o fato descrito no aspecto

material da hipótese de incidência, o que também deverá ser aplicado às contribuições.

Com relação a essa conexão entre sujeito passivo e atuação estatal, Geraldo Ataliba

(2008, p. 89) tece seus comentários:

De modo geral, certa conexão fática (provocar, requerer, exigir, utilizar) entre uma pessoa e a atuação posta no núcleo da h.i. – nos tributos vinculados – autoriza o le-gislador a colocá-la como sujeito passivo da correspondente obrigação tributária. Como o princípio básico da tributação é a isonomia, a equivalência é o critério do legislador e do intérprete da lei tributária.126

Seguindo as lições do autor, nos tributos vinculados – caso das contribuições –, a posi-

ção de sujeito passivo deverá ser ocupada somente por aqueles que guardem conexão com a

atuação estatal eleita como aspecto material da hipótese de incidência.

Já deixamos claro que nesses tributos a atuação estatal não se referirá diretamente a

pessoas, mas a grupos delas, que tenham ensejado ou se beneficiado da atuação estatal. São os

membros desses grupos que poderão ocupar a posição de sujeitos passivos das contribui-

ções127.

Dessa forma, o primeiro passo que o legislador deve dar para promover a escolha do

sujeito passivo da contribuição está no reconhecimento do grupo ao qual a atuação estatal se

refira. Voltamos aqui à ideia de atuação provocante ou provocada, segundo a qual o grupo

poderá ser selecionado por ter obtido especial vantagem de uma atuação estatal fundada em

uma das finalidades do art. 149 da Constituição Federal de 1988 ou, de acordo com as mes-

mas finalidades, ter demandado especial atuação a ele relacionada.

126 O autor prossegue sobre a relação entre sujeição passiva e atuação estatal (ATALIBA, 2008, p. 89):

“O legislador aqui é orientado por critérios pré-jurídicos de ciência das finanças. Os princípios constitucionais implícitos servem de limite à sua faculdade, nesta matéria. Efetivamente, a sistemática constitucional exige que o legislador ponha, como sujeito passivo dos tributos vinculados, só as pessoas que se relacionam, de algum modo, com a atuação estatal que figura no núcleo da respectiva h.i. Não tem, nesta matéria, nenhum arbítrio o legisla-dor. Seu guia é o princípio da equivalência (nas taxas) ou da compensação (nas contribuições)”.

127 Nesse sentido, são as palavras do ministro Cézar Peluso em seu voto na ADI 3.105/DF (Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. para Acórdão Min. Cézar Peluso, decisão por maioria, DJ 18-02-2005): “O sujeito passi-vo não se define como tal na relação jurídico-tributária da contribuição por manifestar capacidade de contributi-va, como se dá nos impostos, nem por auferir benefício ou contraprestação do Estado, como se passa com as taxas, mas apenas por pertencer a um determinado grupo social ou econômico, identificável em função da finali-dade constitucional específico do tributo de que se cuide”.

189

Não é possível, repetimos, mensurar a exata referência da atuação estatal a cada um

dos membros do grupo, caso típico para a criação de uma taxa, mas como elemento inserido

no grupo, presumir-se-á sua concorrência para a causa ou proveito do benefício.

Ainda que as finalidades para as quais uma contribuição possa ser criada estejam ex-

pressamente previstas no art. 149, não há limite para a criatividade do legislador para a espe-

cificação dos grupos atingidos pela atividade estatal, desde que a escolha seja adequada à luz

da atuação que a justifique. A determinação do grupo ao qual a contribuição estará relaciona-

da, portanto, dependerá sempre da atuação escolhida como o aspecto material da hipótese de

incidência do tributo e não da finalidade constitucional por ela perseguida.

O critério de discrímen, portanto, está na atuação estatal. Deverá haver nítida relação

de referibilidade entre a atuação do Estado e um grupo, ou por ele ter sido o causador da atua-

ção, ou por ter sido o seu beneficiário.

A correta definição do grupo, como reconhece Dias de Souza (2000, p. 498), é questão

inerente à equânime distribuição dos encargos públicos. Ainda que por atividades estatais

gerais alguns grupos tenham sido especialmente beneficiados, estes deverão contribuir para o

seu custeio.

O uso da equidade usada por Dias de Souza nos remete às lições de Celso Antônio

Bandeira de Mello (1999, p. 17, p. 37), que reconhece que qualquer elemento situado nas coi-

sas, pessoas ou situações poderá ser utilizado pela lei para a determinação de regimes jurídi-

cos discriminatórios. O que não poderá acontecer, no entanto, é o elemento de discriminação

não possuir adequado nexo com o regime jurídico discriminante e esse regime não guardar

relação com ditames constitucionais.

Queremos reiterar, com isso, que qualquer grupo poderá ser alçado à condição de be-

neficiado ou causador desde que realmente o seja (relação com a atuação). Uma contribuição

social, não necessariamente, deverá discriminar os seus contribuintes por grupos sociais, mas

perceber aquele grupo que realmente tenha relação com a atuação estatal. 128

A ideia se ajusta, por exemplo, à impossibilidade de aplicação das imunidades genéri-

cas à instituição e incidência das contribuições, colocando em situação de igualdade todos

128 É a lição de Geraldo Ataliba (2008, p. 207): “O que parece de total evidência é que a lei não poderá –

sob pena de inconstitucionalidade – estabelecer encargos dessa natureza para uma coletividade, retirando-a de outra, sem que haja correlação entre ambas, ou entre elas e a atividade sustentada pelos recursos assim auferidos. Nem pode impor contribuição a uma espécie ou faixa de pessoas, para ocorrer a despesas com outra categoria, sem a evidente presença de nítida correlação entre contribuintes e beneficiários, destinatários da atividade ou organismo assim custeado”.

190

aqueles que tenham especial relação com a atuação estatal, independentemente da sua condi-

ção pessoal.

A importância do grupo para a determinação do contribuinte das contribuições não es-

capa da análise de Marco Aurélio Greco (2000, p. 242), que leciona:

Esta participação traz várias consequências em relação à identificação do sujeito passivo da contribuição. Realmente, ser parte do grupo é requisito para a escolha dos contribuintes. Na medida em que a contribuição volta-se ao grupo, só tem sentido que alcance alguém que dele faça parte. Sendo essencial, disto decorre que a parti-ção de ser efetiva e não ficta. Ou seja, a lei não pode, a pretexto de escolher o con-tribuinte, conter disposição contraditória à premissa em que se apóia; o referencial é o grupo, portanto, o contribuinte deve fazer parte efetiva dele, e não ser um terceiro sem relação com o grupo, que a lei pretende alcançar pela simples força do poder de imperito. Se isto ocorrer, estará sendo negada a essência da figura da contribuição e instituída uma exação que não será verdadeira contribuição.

Não há, como já dissemos, grupos predeterminados relacionados com as finalidades

eleitas pelo art. 149 da Constituição Federal de 1988. De acordo com a atuação estatal prati-

cada, deverá ser percebido o grupo que dela se beneficiou ou que a causou para que seja reco-

nhecido o universo de possíveis contribuintes da contribuição instituída.129 A condição de

participante do grupo relacionado à atuação estatal é o que permitirá o conhecimento dos con-

tribuintes para a contribuição que tenha sido instituída.

A repartição da intensidade da carga da contribuição entre os membros do grupo, por

sua vez, será feita a partir de elementos que ajustem o aspecto quantitativo da hipótese de in-

cidência da contribuição ao custeio proporcional por cada contribuinte, conforme será adiante

apresentado.

Contudo, antes de passarmos à análise do aspecto quantitativo da hipótese de incidên-

cia, é importante apresentar algumas considerações pragmáticas sobre o grupo que se relacio-

na à atuação estatal como o universo de possíveis contribuintes para o tributo.

O mais singelo exemplo da importância do grupo está nas contribuições de interesse

de categorias profissionais. Se as atividades da Ordem dos Advogados do Brasil são exercidas

em benefício dos advogados, somente este grupo de pessoas poderá ocupar a posição de con-

tribuinte desse tributo. O mesmo exemplo vale para todas as demais atividades profissionais e

os seus respectivos Conselhos.

129 Destacamos, nesse sentido, a já tratada menor importância da finalidade constitucional, se compara-

da à atuação estatal. Caberá ao constitucionalista verificar se mediante determina atuação estatal uma das finali-dades do art. 149 foi atendida. Caberá, por sua vez, ao cientista do direito tributário, investigar se a contribuição foi adequadamente criada à luz da atuação estatal que a justificou. É importante repetir que não negamos a im-portância da finalidade, mas reconhecemos que ela se encontra fora do campo de análise da ciência do direito tributário.

191

Também são separados por grupos os contribuintes das contribuições para o SENAI130

e SENAC131, por exemplo. Empresas que exerçam atividades industriais contribuirão para o

primeiro e empresas com atividades comerciárias para o segundo. Há, no Poder Judiciário,

tendência de reconhecimento de que empresas que não se enquadrem nas atividades de co-

mércio e indústria não estejam sujeitas ao pagamento da contribuição. Veja-se, a título de

exemplo, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. VIOLA-ÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. CONTRIBUIÇÕES AO SESC E SENAC. SOCIEDADE PRESTADORA DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. COR-REÇÃO MONETÁRIA. JUROS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. [...] 2. Se-gundo a classificação do quadro anexo ao artigo 577 da CLT, a entidade de direito privado, prestadora de serviços advocatícios, enquadra-se na categoria econômica vinculada à Confederação Nacional das Profissões Liberais. Não pode, portanto, ser considerada como comercial e, não sendo comercial, não se caracteriza como con-tribuinte dos serviços autônomos, por não preencher o requisito indispensável à exi-gibilidade da exação, que é o enquadramento no plano sindical da Confederação Nacional do Comércio. [...] (STJ, REsp 1044456/SP, 1ª T., un., Rel. Min. Teori Al-bino Zavascki, DJe 16-06-2008)

Outra interessante discussão que envolve a relação entre grupo e atuação estatal está

ligada à contribuição para o SEBRAE132, pessoa jurídica que atua em favor da criação e sub-

sistência das micro e pequenas empresas. A controvérsia sobre essa contribuição estava na

possibilidade de empresas que não fossem micro ou pequenas serem alçadas à condição de

contribuintes. A questão foi resolvida pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, que reconhe-

ceu que não somente os beneficiários diretos da atuação estatal deveriam ser seus contribuin-

tes (pequenas e médias empresas), mas também as grandes empresas. É a ementa do julgado

(STF, RE 396.266-SC, Pleno, decisão por maioria, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 27-02-2004):

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO: SEBRAE: CONTRIBU-IÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. Lei 8.029, de 12.4.1990, art. 8º, § 3º. Lei 8.154, de 28.12.1990. Lei 10.668, de 14.5.2003. C.F., art. 146, III; art. 149; art. 154, I; art. 195, § 4º. I. - As contribuições do art. 149, C.F. - contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de cate-gorias profissionais ou econômicas - posto estarem sujeitas à lei complementar do art. 146, III, C.F., isto não quer dizer que deverão ser instituídas por lei complemen-tar. A contribuição social do art. 195, § 4º, C.F., decorrente de "outras fontes", é que, para a sua instituição, será observada a técnica da competência residual da União: C.F., art. 154, I, ex vi do disposto no art. 195, § 4º. A contribuição não é imposto. Por isso, não se exige que a lei complementar defina a sua hipótese de incidência, a base imponível e contribuintes: C.F., art. 146, III, a. Precedentes: RE 138.284/CE, Ministro Carlos Velloso, RTJ 143/313; RE 146.733/SP, Ministro Moreira Alves, RTJ 143/684. II. - A contribuição do SEBRAE - Lei 8.029/90, art. 8º, § 3º, redação das Leis 8.154/90 e 10.668/2003 - é contribuição de intervenção no domínio econô-

130 Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial. 131 Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial. 132 Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.

192

mico, não obstante a lei a ela se referir como adicional às alíquotas das contribuições sociais gerais relativas às entidades de que trata o art. 1º do D.L. 2.318/86, SESI, SENAI, SESC, SENAC. Não se inclui, portanto, a contribuição do SEBRAE, no rol do art. 240, C.F. III. - Constitucionalidade da contribuição do SEBRAE. Constitu-cionalidade, portanto, do § 3º, do art. 8º, da Lei 8.029/90, com a redação das Leis 8.154/90 e 10.668/2003. IV. - R.E. conhecido, mas improvido.

A solução do STF parece-nos adequada, embora não concordemos com os seus fun-

damentos. Para justificar a cobrança das contribuições de grandes empresas, apontou-se que

(i) não há necessidade de se auferir um benefício decorrente da atuação estatal para ser sujeito

passivo de uma contribuição e que (ii) o vínculo decorreria da solidariedade entre as empresas

de diferentes portes.

Esse precedente jurisprudencial ficaria marcado como a decisão que reconheceu a

desnecessidade de vinculação a um benefício decorrente da atuação estatal para que haja o

dever de pagamento da contribuição, tendo sido utilizado como fundamento para inúmeros

outros acórdãos daquela Corte.133

À luz do que temos exposto, realmente não há necessidade de benefício pela atuação

estatal, o que não é carta branca, no entanto, para que os contribuintes das contribuições sejam

eleitos aleatoriamente ou por simplesmente manifestarem capacidade contributiva. A relação

entre contribuinte e atuação estatal não foi adequadamente enfrentada nesta decisão, oportu-

nidade em que se deveria ter reconhecido que a causa da existência do SEBRAE é justamente

a potência econômica das grandes empresas. Se os variados ramos de atividades econômicas

não fossem dominados por gigantes, não haveria causa para a existência do SEBRAE.

Não é a solidariedade que justifica a cobrança, mas a própria condição de dominação

praticada pelas grandes empresas atuantes em atividades econômicas, o que deixa clara a ideia

de causa para a atuação estatal com a finalidade de intervenção no domínio econômico. É esse

o verdadeiro fundamento que justifica a cobrança desta contribuição de grandes empresas,

ficando clara a invariável relação de causa ou de benefício em relação a um grupo para a insti-

tuição de contribuições.

As funções do SEBRAE, especificadas pelo Decreto nº 99.570/1990, deixam a causa

para a atuação estatal ainda mais evidente134. O verdadeiro fundamento para a sua existência é

133 STF, RE 451.915 AgR / PR, 2ª T., un., Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 01-12-2006; STF, RE 389.016

AgR / SC, 1ª T., un., Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 13-08-2004; STF, RE 389.020 AgR / PR, 2ª T., un., Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 10-12-2004.

134 Art. 2º Compete ao Sebrae planejar, coordenar e orientar programas técnicos, projetos e atividades de apoio às micro e pequenas empresas, em conformidade com as políticas nacionais de desenvolvimento, parti-cularmente as relativas às áreas industrial, comercial e tecnológica.

Art. 7º Caberá ao Conselho Deliberativo do Sebrae a gestão dos recursos de que trata o artigo anteri-or. § 1º Os recursos arrecadados terão como objetivo primordial apoiar o desenvolvimento das micro e peque-

193

a necessidade de qualificação das micro e pequenas empresas para atuação no mercado con-

correncial, o que é uma preocupação constitucional (art. 170, IX). É importante, nesse sentido,

reconhecer que grandes empresas são ininterruptamente assessoradas por consultores qualifi-

cados para ampliar a sua dominação econômica, o que não acontece com as pequenas empre-

sas que não possuem capacidade financeira para a contratação desses profissionais. Esse papel

é ocupado pelo SEBRAE, que atua em favor da qualificação do micro e pequeno empreende-

dor, visando à sua sobrevivência no domínio econômico, marcado pelo poder de grandes em-

presas. Se houvesse equilíbrio concorrencial não existiria a causa para a criação do SEBRAE.

Sacha Calmon Navarro Coêlho (2007, p. 160) percebe a dispersão de entendimentos

sobre a contribuição para o SEBRAE e, a partir dessa percepção, aponta a necessidade do

reconhecimento de um regime mais rígido para instituição das contribuições.

Discussão similar é travada hoje no Supremo Tribunal Federal sobre os contribuintes

da contribuição para o INCRA, incidente sobre a folha de salários do empregador. Em uma

primeira análise, a Corte chegou a decidir pela ausência de repercussão geral do assunto135,

entendimento que não foi mantido em uma segunda oportunidade de análise do caso136, quan-

do se declarou a necessidade de análise da existência de referibilidade entre a atuação estatal

pelo INCRA e seu custeio por empresas urbanas.137 O processo aguarda julgamento.

nas empresas por meio de projetos que visem ao seu aperfeiçoamento técnico, racionalização, modernização e capacitação gerencial. § 2º Os recursos terão a seguinte destinação: a) quarenta e cinco por cento serão apli-cados nos Estados e Distrito Federal, sendo metade proporcional ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o restante proporcional ao número de habitantes, de acordo com as diretrizes e prioridades regionais estabelecidas pelos Conselhos Deliberativos dos Sebrae em consonância com as orientações do Con-selho Deliberativo do Sebrae; b) quarenta e cinco por cento serão aplicados de acordo com as políticas e dire-trizes estabelecidas pelo Conselho Deliberativo do Sebrae, buscando ter uma atuação em conjunto com outras entidades congêneres e contribuindo para redução das desigualdades regionais; c) até cinco por cento serão utilizados para o atendimento das despesas de custeio do Sebrae; e d) cinco por cento serão utilizados para o atendimento das despesas de custeio dos Sebrae. § 3º A metade dos recursos aplicados, na forma das alíneas a e b do parágrafo anterior, destinar-se-ão à modernização das empresas, em especial as tecnologicamente dinâmi-cas com preferência às localizadas em áreas de parques tecnológicos.§ 4º Os recursos de que trata a alínea a do § 2º serão liberados pelo Sebrae mediante apresentação pelos Sebrae dos projetos a serem desenvolvidos e indicação dos recursos necessários. § 5º Os recursos referidos na alínea do § 2º, serão assim distribuídos: a) três por cento igualmente entre os Sebrae; e b) dois por cento de acordo com a arrecadação do ICMS na res-pectiva unidade federativa.

135 “DIREITO TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DESTINADA AO INCRA. EXIGIBILI-DADE DAS EMPRESAS URBANAS. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.” (STF, RE 578.635 RG / RS, Pleno, decisão por maioria, Rel. Min. Menezes Direito, DJe-197, 18-10-2008)

136 “DIREITO TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DESTINADA AO INCRA. REFERIBILIDADE. RECEPÇÃO PELA CF/88. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 33/01. NATUREZA JURÍDICA. EXISTÊN-CIA DE REPERCUSSÃO GERAL.” (STF, RE 630.898 RG / RS, Pleno, un., Rel. Min. Dias Toffolli, DJe 126, 27-06-2012)

137 Reconhecemos a tendência do STF de declarar a constitucionalidade da sujeição de empresas urba-nas à contribuição para o INCRA (Vide precedente: STF, RE 372.811 ED / SC, 2ª T., un., Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe-185, 19-09-2012), cumpre-nos rememorar, no entanto, que aquela Corte já reconheceu que a con-tribuição para o serviço social rural deveria ser custeada apenas por empresas rurais por questão de referibilidade com o serviço prestado (STF, RE 75.316 / SP, 1ª T., un., Rel. Min. Oswaldo Trigueiro, DJ 02-01-1974), sendo

194

Para que passemos por mais alguns exemplos, ainda que o grupo que se relacione à a-

tuação estatal não seja qualificado por uma característica pessoal dos seus elementos, ele o

poderá ser por atos que esses elementos pratiquem, como é o caso da Cide-Royalties, criada

pela Lei nº 10.168/2000, que tem como fundamento o incentivo da pesquisa científica e tec-

nológica. Conforme reconhece Marco Aurélio Greco (2003, p. 151) em parecer sobre o assun-

to, sendo a contribuição dada a custear a atividade estatal ligada à tecnologia, somente opera-

ções que envolvam o pagamento de royalties por transferência de tecnologia é que poderão

ser objeto dessa tributação. Esse grupo, portanto, é formado pelas pessoas jurídicas que prati-

quem essas operações.138

Caminhando para o final deste item sobre a sujeição passiva nas contribuições, anali-

semos a relação de grupo em mais um tipo de contribuição, as contribuições para custeio do

Sistema de Seguridade Social, previstas pelo art. 195, I, da Constituição Federal de 1988.

Já manifestamos a nossa opinião no sentido dessas contribuições serem tributos vincu-

lados a atuações estatais, quais sejam, a previdência, a assistência social e a prestação do ser-

viço de saúde pública. A grande controvérsia que essas contribuições guardam com a regra do

grupo é que, a princípio, não existiria um grupo de contribuintes, já que toda a sociedade ocu-

paria a posição de sujeito passivo dessa contribuição.

A afirmação não parece absolutamente correta. Em sua redação original, o art. 195, I,

da Constituição Federal de 1988, tratava da contribuição dos empregadores, o que foi expan-

dido pela Emenda Constitucional nº 20/1998 para a contribuição do empregador, da empresa

e da entidade a ela equiparada na forma da lei. Conforme já tivemos a oportunidade de sus-

tentar, as ações compreendidas no Sistema de Seguridade Social estão diretamente ligadas ao

valor social do trabalho (art. 1º, IV, da Constituição Federal de 1988), de modo que a condi-

ção de empregador, realmente, parece adequada para a determinação da sujeição passiva. A

referibilidade entre grupo e atuação estatal, inerente ao regime de instituição da contribuição,

portanto, não teria sido respeita pela Emenda nº 20/1998, que estendeu a categoria de contri-

buições da contribuição para custeio do Sistema de Seguridade Social.

palavras do ministro relator: “Como é óbvio, o Serviço Social Rural somente pode ser custeado pelas indústrias situadas o meio rural, onde ele realiza seus objetivos assistenciais. Consequentemente, não é admissível esten-der-se a contribuição em causa às indústrias dos centros urbanos, cujos empregados são assistidos por outras entidades e por forma diversa”.

138 Coêlho (2007, p. 135) promove contundentes crítica a essa contribuição, cuja hipótese de incidência não condiz com a possível hipótese para uma verdadeira contribuição. Para a sua instituição não foi demonstrada claramente a relação entre o grupo (pagadores de royalties) e a atuação estatal, nem em relação de benefício, nem em relação de causa.

195

Diante disso, apesar de a Constituição Federal de 1988 determinar que o Sistema de

Seguridade Social seria custeado por toda a sociedade, o próprio texto constitucional determi-

nou qual o grupo que teria relação com esses serviços por ser o seu especial causador, os em-

pregadores, atribuindo a estes a condição de grupo contribuinte dessa contribuição.

A estipulação do sujeito passivo de uma contribuição depende, portanto, da real per-

cepção do grupo ao qual a atividade específica que enseja sua instituição se refira. Os mem-

bros desse grupo é que poderão ser alçados à condição de contribuinte do tributo instituído.

Conhecendo o grupo ao qual a atuação estatal se refira, é possível conotar os contribu-

intes que comporão a relação jurídica tributária, o que, contudo, não é suficiente para a inci-

dência da contribuição. É possível que os membros do grupo (contribuintes) tenham relações

de intensidade diferentes com a atuação estatal que ensejou a cobrança da contribuição, de

modo que a repartição individual da carga do tributo deverá considerar uma medida da rela-

ção (benefício / causa) entre contribuinte e atuação estatal.

Essa sintonia fina nas contribuições deverá ser feita por meio do aspecto quantitativo

da hipótese de incidência, conforme passamos a expor.

6.5.3 Aspecto quantitativo da hipótese de incidência das contribuições

O último dos aspectos do arquétipo constitucional das contribuições que analisaremos

é o que guarda maiores dificuldades e detalhes, além de possuir central importância no es-

quema de incidência tributária.

O aspecto quantitativo está logicamente alocado no consequente da regra-matriz de in-

cidência tributária139 e deverá estabelecer os elementos necessários para a quantificação da

obrigação de pagamento do tributo, que, lembramos, é sempre uma prestação pecuniária (art.

3º, Código Tributário Nacional).

Esse aspecto se desmembra em dois elementos, a base de cálculo e a alíquota.

139 Adotamos a posição de Paulo de Barros Carvalho (2008, p. 376) sobre a estrutura lógica da regra-

matriz de incidência tributária, alocando os aspectos material, espacial e temporal no seu antecedente e os aspec-tos pessoal e quantitativo no seu consequente. Sem prejuízo, reconhecemos a existência de diferentes posições, que tratam, principalmente, de diferentes estruturações da regra-matriz de incidência tributária. Veja-se, por exemplo, que Renato Lopes Becho (2011, p. 141) assume a possibilidade dos aspectos material, espacial, tempo-ral, pessoal e quantitativo estarem localizados na hipótese da norma, sendo o consequente composto apenas pela relação jurídica; que Sacha Calmon Navarro Coêlho (2007, p. 14) sustenta a alocação do aspecto pessoal na hipótese da norma; e que o próprio Geraldo Ataliba (2008, p. 119), dividindo a norma em hipótese de incidência e mandamento, aloca somente a alíquota no mandamento.

196

A base de cálculo deverá ser a escolha legal de um elemento que represente uma di-

mensão, em regra financeira, do aspecto material da hipótese de incidência tributária. É uma

mensuração do fato que fará nascer a obrigação de pagar o tributo. Nas palavras de Geraldo

Ataliba (2008, p. 108) é “uma perspectiva dimensível do aspecto material da h.i. que a lei

qualifica, com a finalidade de fixar critério para a determinação, em cada obrigação tributária

concreta, do quantum debeatur”.

A doutrina confere grande importância à previsão legal da base de cálculo para a inci-

dência tributária. Alfredo Augusto Becker (1998, p. 373) a elege como o aspecto mais impor-

tante da hipótese de incidência tributária, de modo que a natureza jurídica do tributo será por

ela determinada. Paulo de Barros Carvalho (2008, p. 363), a partir das lições de Becker, tam-

bém reconhece a grande importância da base de cálculo, imputando-lhe a função de confir-

mar, afirmar ou infirmar o aspecto material da hipótese de incidência. Para Barros Carvalho, o

correto conhecimento do tributo depende da análise da relação entre o aspecto material e a

respectiva base de cálculo.

A base de cálculo, portanto, deverá estar em harmonia com o fato que enseja o nasci-

mento da obrigação tributaria, devendo ser uma medida deste. É importante, nesse ponto, re-

conhecer que a base de cálculo não precisa ser a medida do aspecto material, mas uma medi-

da, conforme Geraldo Ataliba (2008, p. 111) reconhece, ao lecionar que “Assim, um estado de

fato pode ter diversos atributos dimensíveis; a base imponível estabelecida pelo legislador

pode considerar somente um, ou alguns – e não necessariamente todos”.

Assim, a base de cálculo será a previsão de elementos que representem uma dimensão

do fato eleito como aspecto material para a incidência do tributo. Essa dimensão poderá atin-

gir apenas parcialidades do fato. Em regra, será adotado um elemento financeiro para dimen-

sionar o fato do aspecto material, mas nada impede que o legislador escolha outros elementos

inerentes ao fato tributável, por exemplo, o peso, a quantidade, o volume, etc.

Além da base de cálculo, para que seja possível a quantificação da prestação objeto da

relação jurídica tributária, há necessidade da previsão de uma alíquota que expresse uma fra-

ção da base de cálculo, que deverá ser objeto de entrega ao Estado a título de tributo.

Na contramão do pouco interesse doutrinário que envolve o estudo da alíquota, este é

um importantíssimo elemento na hipótese de incidência tributária, que deverá obedecer a i-

números ditames constitucionais cambiantes, a depender do tributo a ser instituído.

É na alíquota, por exemplo, que se consubstancia a regra da progressividade, o mais

importante desdobramento do princípio da capacidade contributiva. É a alíquota, também, o

197

objeto do princípio constitucional da seletividade e, em grande parte, do princípio da proibi-

ção do uso do tributo para efeitos de confisco. E a importância da alíquota para as contribui-

ções não será menor.

A instituição de verdadeiras contribuições, em muitos casos, dependerá do uso de alí-

quotas variantes para que a carga da tributação seja repartida entre os membros do grupo refe-

rido à atuação estatal de forma equânime, na medida da relação indireta do contribuinte com o

aspecto material da hipótese de incidência do tributo.

Voltando à teoria da alíquota, considerando que a base de cálculo, geralmente, expres-

sa uma medida financeira do aspecto material, em regra, a alíquota será uma percentagem.

Nada impede, no entanto, que a alíquota seja um valor fixo, relacionado à medida da base de

cálculo, v.g., uma taxa de fiscalização alfandegária poderia ser instituída à razão de R$ XXX

por m³ de capacidade do contêiner fiscalizado.

Promovida a análise de aspectos gerais da base de cálculo e da alíquota nos tributos,

passemos à sua aplicação ao caso das contribuições.

Conforme temos sustentado, uma contribuição deve ter uma atuação estatal como as-

pecto material da sua hipótese de incidência. Essa atuação, por sua vez, deverá ser específica,

mas não divisível, de modo que será possível perceber a sua relação com uma classe de cida-

dãos. A relação com um grupo, conforme já apontado, é direta. O contribuinte do tributo, no

entanto, não poderá ser o grupo em si, mas elementos que dele façam parte.

Cada elemento do grupo será, portanto, um beneficiário ou causador da atividade esta-

tal, de modo que ele será chamado a ocupar a posição de contribuinte na relação jurídica tri-

butária. O simples fato de compor um grupo, no entanto, não significa a igualdade de proveito

ou de concorrência para a causa entre os seus elementos, o que impõe a necessidade de que

seja estabelecido um critério de mensuração interna para diferenciá-los na medida da sua rela-

ção com a atividade estatal, o que deverá ser refletido, diretamente, na intensidade da tributa-

ção sobre cada um dos elementos.

Marco Aurélio Greco (2000, p. 205) aponta que, assim como na escolha do grupo, é o

princípio da igualdade que fundamenta a adequada repartição da intensidade da tributação

pela contribuição entre os componentes de um grupo. Mais adiante em sua obra, o autor

(GRECO, 2000, p. 245) aponta que a distribuição individual da contribuição deverá atender à

proporcionalidade. São suas palavras:

De todo o exposto, resulta claramente existir uma relação de proporcionalidade ine-rente à ideia de contribuição. Esta proporcionalidade assume três níveis distintos de

198

aferição, tomando como elemento comparativo o montante individualmente exigido. Cumpre aferir a proporcionalidade do montante individual em relação: a) à atuação da União na respectiva área; b) aos efeitos objetivados com tal atuação; e c) à participação do sujeito passivo no grupo visado pela contribuição. Disto se extrai que o montante individual cobrado não pode ser aleatório, nem a co-brança ter função meramente arrecadatória.

O autor trabalha com a proporcionalidade como elemento capaz de viabilizar a correta

distribuição do custo da atuação estatal por meio de uma contribuição, considerando a relação

entre a atuação, seus efeitos e a participação do elemento no grupo. A posição de Greco é per-

feita, mas de difícil aplicação, já que a cultura jurídica brasileira não tem considerado adequa-

damente valores tão abstratos. Veja-se, nesse sentido, como o Poder Executivo tem trabalhado

com a significação da relevância e urgência (art. 62, da Constituição Federal de 1988) neces-

sárias para a adoção de medidas provisórias.140

Queremos, por isso, chegar ao plano menos abstrato possível, de modo que devemos

caminhar um pouco mais no estudo da proporcionalidade reconhecida por Greco.

O primeiro dos elementos a ser considerado para distribuição do encargo da contribui-

ção dentro de um grupo é a própria atuação estatal. Nesse sentido, duas correntes se levantam,

uma que aponta o custo da atuação estatal como um limite objetivo para a arrecadação das

contribuições (SOUZA, H., 2000, p. 499) e outra que não admite essa limitação (HOFF-

MANN, 1996, p. 144). Transcrevemos as lições de Dias se Souza (2000, p. 499) no que se

refere ao custo da atuação estatal como um limite para a cobrança das contribuições:

Nesse caso, não há como aferir o benefício de cada um, embora seja claro o benefí-cio do grupo. A lei, consoante seus critérios, já de estabelecer o sacrifício de cada um a partir de uma vantagem presumida. Note-se, porém, que a soma dos indivíduos atingidos não poderá contribuir mais do que o necessário para o exercício da ativi-dade pública, pois deverá haver adequação entre a atividade desenvolvida e o grupo de indivíduos beneficiado. [...] O certo, porém, é que sem essa referibilidade entre a atividade do Estado e a vantagem de um indivíduo ou grupo de indivíduos não há contribuição. (destaque no original)

A discussão sobre o custo da atuação como limite para a cobrança das contribuições

toma o mesmo contorno daquela que envolve os possíveis limites para a cobrança da contri-

buição de melhoria, ou seja, se a limitação para a cobrança deve estar no benefício individual

ou, além dele, no custo da atuação.

A natureza da atuação estatal capaz de ensejar a criação de uma contribuição não per-

mite a aplicação de uma referibilidade direta ao contribuinte, de modo que não é possível

140 Como é notório, as medidas provisórias deixaram de ser instrumento de uso excepcional, passando a

ser usadas pelo chefe do Poder Executivo Federal nitidamente sem a observância dos pressupostos de relevância e urgência.

199

mensurar, exatamente, o custo que represente o seu quinhão da atividade estatal, caso típico

da criação de uma taxa.

Essa impossibilidade de individualização faz com que o legislador tenha que estabele-

cer padrões para quantificar a contribuição individual de cada contribuinte, o que poderá ser

feito, como reconhece o próprio Dias de Souza, por meio de presunções. A natureza da atua-

ção relacionada à instituição de uma contribuição, pela impossibilidade da sua individualiza-

ção, não pode ser um limite insuperável para a arrecadação total da contribuição instituída.

Não sendo possível repartir exatamente o custo da atuação, é possível que os valores arreca-

dados fiquem além ou aquém do dispêndio da União.

A impossibilidade de exatidão na individualização não significa, no entanto, que a U-

nião Federal seja livre para exigir contribuições que, em seu valor global de arrecadação, niti-

damente ultrapassem o custo da atuação por ela promovida. Esse é o ponto em que a propor-

cionalidade invocada por Greco tem aplicação.

A arrecadação final, acidentalmente, poderá estar acima ou abaixo do custo da atuação

estatal, mas a instituição do tributo deverá considerar tal custo inicialmente, a ponto de reco-

nhecer quanto o grupo beneficiário ou causador da atividade deverá desembolsar a título de

contribuição. Repetimos, o custo da atuação como limite para a arrecadação não é vinculativo,

mas grandes desvios não devem ser permitidos.

O custo da atuação, portanto, é elemento que deve ser considerado para a instituição

de uma contribuição, o que permite, inclusive, a sua diferenciação dos impostos, tributo cuja

arrecadação é limitada apenas pela capacidade contributiva do contribuinte, independente-

mente de qualquer atuação estatal. Veja-se: nos impostos o limite está em um fato praticado

pelo contribuinte (sua capacidade financeira), já nas contribuições o limite está em um fato

praticado pelo Estado, qual seja, um padrão de custo da atuação a ser custeada.

Muito embora o custo da atuação configure um padrão para a quantificação das con-

tribuições, não será somente o custo o elemento que permitirá individualizar a carga incidente

sobre cada membro do grupo beneficiário ou causador. Para essa individualização, Susy

Hoffmann (1996, p. 144) e Misabel Derzi (em atualização de BALEEIRO, 2013, p. 56) invo-

cam a necessidade de (re)estudo das lições de Geraldo Ataliba.

De acordo com Ataliba, a individualização da carga tributária incidente sobre cada

contribuinte também será feita com base em um elemento intermediário escolhido pelo legis-

lador. Reiteramos, portanto, que o elemento intermediário é aquilo que liga o contribuinte à

200

atuação estatal, transcendendo a relação da atuação com o grupo, para referi-la a uma única

pessoa.

Esse elemento deverá ser uma medida – ainda que não exata, como é próprio da atua-

ção custeada pelas contribuições – da relação de causa ou efeito entre a atuação estatal e o

contribuinte. Haverá relação de causa enquanto a atuação for causada pelo grupo e haverá

relação de efeito quando da atividade geral do Estado decorrer especial benefício para o gru-

po.

Se a contribuição for criada para custeio pelo grupo especialmente beneficiado pela

atuação estatal, o elemento intermediário será uma medida desse benefício, como ocorre na

contribuição de melhoria. Veja-se que para a instituição de uma contribuição de melhoria de-

ve haver obra pública que causa um especial benefício a um grupo. Esse benefício é a valori-

zação imobiliária e será o elemento que permitirá quantificar a contribuição devida por cada

componente do grupo.

Da mesma forma que na contribuição de melhoria, o elemento intermediário deve ser

encontrado em todas as outras contribuições. No caso da contribuição previdenciária do em-

pregado, por exemplo, esse elemento estará ligados a alguns cálculos atuariais. Perceba-se,

sobre a contribuição do empregado, que qualquer cidadão pode se dirigir a uma instituição

financeira para aderir a planos de previdência privados, para o que tais cálculos serão realiza-

dos, apurando-se o valor da contribuição que deverá ser vertida para o custeio do futuro bene-

fício. Presumimos, portanto, que a Lei nº 8.212/91 tenha se fundado em cálculos, e não ape-

nas em um critério aleatório, para determinar a variação de alíquotas da contribuição do em-

pregado.

Apesar de não se tratar de uma contribuição, é muito interessante o exemplo da taxa de

conservação rodoviária, criada pela Lei nº 8.155/1991, que foi declarada inconstitucional nos

autos da ação direta de inconstitucionalidade nº 447/DF (STF, ADI 447/DF, Pleno, decisão

por maioria, Rel. Min. Octávio Gallotti, DJ 05-03-1993). Aquela lei previa o rateio do custo

com o serviço de conservação de rodovias do ano anterior, a partir da quilometragem rodada

por cada veículo. Essa quilometragem seria calculada a partir do consumo de cada tipo veícu-

lo e a quantidade de combustível adquirida ao longo do ano.

O principal fundamento para a inconstitucionalidade da taxa foi a indivisibilidade da

atuação estatal que seria por ela custeada, decisão que nos pareceu acertada.

O mecanismo utilizado pela Lei nº 8.155/1991, apesar de inconstitucional por não afe-

to às taxas, é excelente exemplo de como uma verdadeira contribuição deverá ser instituída. A

201

própria lei levou em consideração o custo da atuação estatal no ano anterior e elegeu um ele-

mento intermediário que representasse uma medida na concorrência para a causa daquela atu-

ação, a quantidade de quilômetros rodados (presumida a partir do consumo do veículo e a

quantidade de combustível adquirida).

O exemplo da taxa de conservação rodoviária serve como introdução para a delicada

análise de outras contribuições em que a percepção da referibilidade pode ser um pouco mais

nebulosa. Já deixamos claro que a criação de uma contribuição não se justifica, necessaria-

mente, pelo especial benefício de um grupo, mas também por um grupo ter dado causa a uma

especial atuação estatal.

As contribuições criadas para custear a atuação estatal a partir de um especial benefí-

cio são de mais fácil mensuração. O quantum individual da contribuição deverá ser uma par-

cela ou uma retribuição pelo benefício auferido, como ocorre na contribuição de melhoria ou

na contribuição previdenciária do empregado. Em casos desse tipo, a base de cálculo da con-

tribuição deverá ser um aspecto econômico que represente o benefício auferido, sendo aplicá-

vel sobre ele a alíquota escolhida por lei.

Não se descarta, ainda, a possibilidade de contribuições fixas, que representem quotas

da atuação estatal repartidas entre os membros do grupo. Veja, por exemplo, as contribuições

de categorias profissionais pra custeio das atividades de seus órgãos de classe, pagas, geral-

mente, em valores fixos anuais.

A análise da concorrência para custeio de atuações estatais causadas pelo grupo de

contribuintes parte dos mesmos princípios, mas requer um pouco mais de cuidados. O ele-

mento intermediário, nesses casos, deverá ser uma medida da causa que ensejou a atuação do

Estado.

A atuação estatal causada por um grupo sempre estará pautada em algum tipo de de-

manda, especialmente econômica ou social, de modo que será possível discriminar compo-

nentes dentro do grupo que concorram mais ou menos para a causa da atuação estatal. Aque-

les que menos concorrerem, evidentemente, deverão contribuir em menor parcela.

A própria justificativa da atuação (ou um elemento dela) é o que permitirá diferenciar

contribuintes dentro do grupo, modulando a intensidade da tributação. No entanto, essa dife-

renciação não é a base de cálculo da contribuição, mas uma forma de adequá-la à situação

específica de cada membro do grupo. Assim, a base de cálculo deverá ser uma medida finan-

ceira, sendo possível, inclusive, que ela seja um fato do contribuinte, como o faturamento ou a

folha de salários, desde haja outros critérios para a sua adequação à atuação estatal.

202

Expliquemo-nos melhor. Alguns tipos de atuação estatal podem não guardar em si a

possibilidade de eleição de um fato econômico sobre o qual o seu custeio possa ser promovi-

do, tornando-se possível que, tendo por base a estimativa de custo da atuação, a sua individua-

lização seja feita a partir de fatos de riqueza do contribuinte, como o faturamento.

Isso não significa, repetimos, que não há limite para a instituição e cobrança da contri-

buição, que nestes casos deverá considerar, ainda mais rigidamente, o custo da atuação estatal

como seu limite total, sob pena de criação de um imposto, e não de uma contribuição.

É nesse contexto que Marco Aurélio Greco (2000, p. 197) admite a capacidade contri-

butiva como um critério de rateio possível para as contribuições. São suas palavras:

Isto, porém, não exclui a possibilidade de, definido o grupo a ser alcançado pela contribuição, a lei, ao disciplinar o critério de rateio do respectivo encargo, utilizar a capacidade contributiva como critério. Este é um critério que pode vir a ser adotado, mas não é o único teoricamente possível de ser utilizado para fins de rateio. Assim, não repugna que certas contribuições adotem como critério um rateio per capita (ti-po poll tax); também não repugna que certas contribuições que, de algum modo su-ponham o número de horas de trabalho, possam ser dimensionadas em valores fixos por hora trabalhada, e assim por diante.

A lição de Greco se adéqua à possibilidade de adoção de um fato econômico do con-

tribuinte para ocupar a posição de base de cálculo do tributo. Cumpre deixar claro, mais uma

vez, que isso não pode significar a liberdade para a União tributar somente conforme a capa-

cidade contributiva do contribuinte, estando, ainda, limitada pelo custo da atuação estatal que

ensejou a criação da contribuição.

É justamente em casos em que se adotem fatos econômicos do contribuinte como base

de cálculo da contribuição que a determinação da alíquota deverá ser objeto de especial aten-

ção. Muito embora admitamos a adoção de fatos econômicos como base para a contribuição,

em nosso ponto de vista, ainda assim deverá ser encontrado um elemento intermediário que

dimensione a relação do contribuinte com a atividade estatal, o que deverá ser inserido na

hipótese de incidência da contribuição por meio da adequada modulação da alíquota.

A discussão de maior importância, nesse contexto, se refere às contribuições do em-

pregador para custeio do Sistema de Seguridade Social, incidentes sobre a folha de salários, o

faturamento e o lucro (art. 195, I, da Constituição Federal de 1988), todos, portanto, fatos e-

conômicos do contribuinte.

A intensidade da tributação pelas contribuições previdenciárias do empregador foi ob-

jeto de estudo de Thiago Taborda Simões (2013, passim), que reconheceu como elemento

intermediário entre a atuação do Estado (serviço de previdência) e os empregadores o risco da

atividade desenvolvida. São palavras do autor (SIMÕES, 2013, p. 81-82):

203

O risco é o verdadeiro fator a ser mensurado nas relações em que é necessária a pro-visão de um montante em dinheiro para responder por futura e incerta prestação. Partindo dessa assertiva, o caixa do SSS deve ser abastecido por meio de contribui-ções socais na medida em que o risco contido no critério material de sua hipótese de incidência concorra para a probabilidade de geração de necessidade social dos segu-rados envolvidos naquela relação. N´outras palavras, a mensuração da tributação por meio de contribuições sociais de-ve se pautar pelo risco de necessidade social (pois dela decorre a cobertura pelo a-tendimento) gerado pelo comportamento do contribuinte.

Destaquemos o nexo entre os elementos. A prestação estatal é a manutenção do servi-

ço de previdência. Quanto maior a quantidade, a frequência e o custo das ocorrências aciden-

tárias de cada atividade econômica, maior será o dispêndio da União. Assim, quanto maior for

o risco ao qual o empregador submete os seus empregados, maior deverá ser a sua parcela de

contribuição.

Note-se que esta é a determinação do próprio art. 195, § 9º, da Constituição Federal de

1988:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da Uni-ão, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: [...] § 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da u-tilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho. [...]

Ainda que o dispositivo não determine a modulação direta em razão do risco ao qual

os empregados estão submetidos, parece ser essa a sua intenção. A atividade econômica, a

utilização intensiva de mão de obra, o porte e a condição estrutural do mercado de trabalho

são critérios adequados para o rateio das contribuições previdenciárias.

Duas observações são importantes sobre o dispositivo.

A primeira delas é que a contribuição prevista no art. 22, II, da Lei nº 8.212/1991141,

fez bom uso dos critérios determinados pela Constituição, assim como o fez a Lei nº

141 Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art.

23, é de: [...] II - para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segura-dos empregados e trabalhadores avulsos: a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponde-rante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve; b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio; c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.

204

10.666/2003142. A determinação da alíquota efetiva da contribuição do empregador dependerá

do reconhecimento do verdadeiro risco ao qual os seus empregados estão submetidos, de ma-

neira que, quanto maior o risco da sua atividade gerar benefícios previdenciários, maior será a

sua parcela de contribuição para custeio do Sistema de Seguridade Social.

A segunda das observações se refere à pouca importância que é dada pela doutrina e

jurisprudência ao § 9º do art. 195 da Constituição Federal de 1988. O poderá da dicção do

artigo não consubstancia mera sugestão ao legislador ordinário, que deverá sempre observar o

seu conteúdo na instituição e modificação das contribuições previstas pelo art. 195, I, da

Constituição Federal.

Reconhecemos, no tocante às regras constitucionais abstratas, que o legislador brasi-

leiro não é preocupado com a observação dos mais importantes princípios tributários. Veja-

mos, por exemplo, a progressividade no imposto sobre a renda da pessoa jurídica, com apenas

duas faixas de alíquotas ou o princípio da seletividade praticamente não aplicado no ICMS.

Não queremos admitir a mesma inanição para as contribuições. Ainda que sem o devi-

do reconhecimento doutrinário, há início de um bom exercício da competência para institui-

ção das contribuições para custeio do Sistema de Seguridade Social pelo legislador.

Destacamos, com esses exemplos, a importância da alíquota para contribuições em

que a base de cálculo não seja uma medida da atuação estatal. Nesses casos, a alíquota terá a

função de individualizar a participação de cada membro do grupo no custeio da atividade es-

tatal.

Ainda com relação às contribuições sociais do empregador, os critérios veiculados pe-

lo art. 195, § 9º, da Constituição Federal de 1988, devem ser utilizados como elementos de

modulação de alíquotas e bases de cálculo não só das contribuições para custeio do serviço de

previdência. Poderão ser usados, também, para melhor adequação do rateio de contribuições

que sejam vinculadas à prestação de saúde pública ou ao serviço de assistência social.

A regulamentação constitucional das contribuições para custeio do Sistema de Seguri-

dade Social faz transparecer mais um elemento ínsito às contribuições, já tratado anteriormen-

te, a sua relação com o custo da atuação estatal. É a redação do dispositivo:

142 Art. 10. A alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do be-

nefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinquenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de frequência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social.

205

Art. 195. [...] § 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total. [...]

Em meio às disposições constitucionais sobre a forma de custeio das atuações englo-

badas pelo Sistema de Seguridade Social, o § 5º do art. 195 da Constituição de 1988 determi-

na a necessidade de consideração do custo da atuação para a veiculação contribuições. É ver-

dade que tal artigo trata da extensão dos benefícios da previdência social, mas, analisando-o

por via reversa, o seu conteúdo estabelece a necessidade de observação do custo da atuação

para a tributação pelas contribuições, o que pode ser visto como um tipo de proibição de ex-

cesso na instituição dessas contribuições.

Cumpre-nos concluir, então, que a base de cálculo, como reconhecido pela teoria geral

do Direito Tributário, mantém a sua importância nas contribuições, mas tem ao seu lado o

regime de discriminação de alíquotas como importante elemento para a identificação de uma

verdadeira contribuição.

206

CONCLUSÃO

Desde o início deste estudo sobre o arquétipo constitucional das contribuições nos em-

penhamos em demonstrar o ruído que a forma de utilização da competência para a criação de

contribuições pela União Federal tem causado no pacto federativo brasileiro, reflexo de infra-

ções a inúmeros dispositivos constitucionais, relacionados ou não ao Direito Tributário.

No primeiro passo da nossa análise reconhecemos que o Direito Tributário, no que se

refere à repartição da competência para a instituição de tributos, compõe o Direito Constitu-

cional, de maneira que deverá ser interpretado conforme os cânones a ele inerentes, entregan-

do-se harmonia e unidade às suas disposições, tarefa a ser cumprida a partir da densificação

dos princípios. As normas jurídicas analisadas não foram, portanto, aquelas decorrentes de lei

ordinária, mas decorrentes da própria Constituição Federal de 1988, que é marcada pela gran-

de quantidade de princípios por ela positivados.

Nesse contexto, chegamos à conclusão de que o mais importante princípio que infor-

ma a estruturação do sistema de repartição de competências é o princípio federativo, nosso

ponto de partida para o estudo das contribuições. A federação, uma das formas de organização

estatal, tem como a sua principal característica a manutenção de ordens jurídicas autônomas,

produzidas por cada um dos seus membros, que detém capacidade de autodeterminação. Em-

bora a soberania seja atributo único do Estado como um todo, a cada um dos entes federados é

garantida a autonomia perante os outros entes. A questão que ganha importante destaque, nes-

se sentido, é a necessidade de uma adequada repartição de receitas entre os entes federados,

condição para a não dominação entre eles.

A análise dos aspectos gerais do princípio federativo, no entanto, não é suficiente, já

que caberá à Constituição de cada Estado determinar as suas notas básicas e peculiaridades.

Juntando-se isso ao reconhecimento do Direito como fruto da evolução histórica, analisamos a

evolução do federalismo ao longo das Constituições brasileiras a partir da sua primeira previ-

são, em 1891. Do estudo histórico sugiram importantes observações.

O federalismo brasileiro nasceu em 1891, juntamente com o regime republicano, como

forma de garantir a absoluta separação entre os entes federados, tornando a União e os Esta-

dos-membros incomunicáveis. A repartição de competências, inclusive tributárias, represen-

tou a melhor acepção do federalismo dualista. A única fonte de receitas dos membros da fede-

ração eram os seus tributos privativos, o que causou um grave problema para os Estados me-

207

nos desenvolvidos. Isso porque lhes cabia a opção de ou exercer a competência para a institu-

ição de tributos, e não atrair o capital privado que, pagando os mesmos tributos, mantinha-se

concentrado nos Estados desenvolvidos, ou não exercer a sua competência para atrair o capi-

tal privado, mas não obter arrecadação. Essa peculiaridade da repartição constitucional de

rendas praticada pela Constituição Federal de 1891 colocou muitos Estados brasileiros em

grave crise financeira, de modo que muitos deles se endividaram com instituições financeiras

internacionais.

Fruto desse contexto já a partir da Constituição Federal de 1934 iniciou-se movimento

para estruturar o federalismo, em seu aspecto financeiro, não só sobre a repartição de compe-

tências para a instituição de tributos, mas também sobre a repartição do produto da arrecada-

ção entre os entes federados, o que culminou em detalhadas regras previstas pela Constituição

Federal de 1988 para a repartição da arrecadação tributária entre os entes federados.

É, ainda, importante dado da análise histórica o fato de somente a partir da Constitui-

ção Federal de 1967 o tipo tributário contribuição ter sido tecnicamente constitucionalizado, o

que mudaria as perspectivas de análise desse tributo pelo Supremo Tribunal Federal.

Enquanto os tributos constitucionalmente previstos eram apenas os impostos, as taxas

e a contribuição de melhoria, sempre que diante de uma contribuição, o Supremo Tribunal

Federal lhe determinava a natureza e o regime jurídico de um desses tributos. A partir, no

entanto, da expressa previsão constitucional, o Supremo Tribunal Federal passou a reconhecer

as contribuições como um tipo tributário próprio, que não se enquadrava, necessariamente,

nos conceitos de impostos ou taxas. A mudança da posição da Corte, contudo, não motivou a

doutrina a procurar o real regime jurídico das contribuições, mantendo a antiga posição da sua

natureza de impostos ou taxas, o que causou a dissonância neste estudo discutida.

Ausente um regime jurídico padrão para a instituição de contribuições, a União Fede-

ral tem se valido da competência entregue pelo art. 149 da Constituição Federal de 1988 para

a criação de verdadeiros impostos que não respeitam as regras constitucionais básicas para a

sua instituição. Chegamos a essa conclusão ao percebermos que, criando um mesmo tributo

com o nome de contribuição, ao invés de imposto, a União não estaria sujeita: (i) às regras de

imunidade previstas pelo art. 150, VI; (ii) às faixas de competência privativas; (iii) às restri-

ções para uso da competência residual; (iv) às regras de partilha do produto da arrecadação;

(v) e à proibição de destinação do produto da arrecadação de impostos. Bastaria, para isso,

que a União alterasse o nome do tributo e determinasse a forma de aplicação do produto da

sua arrecadação.

208

O art. 149 tem servido, portanto, como porta pela qual a União foge de toda a rigidez

do Sistema Tributário Nacional, burlando as mais importantes regras de exercício da compe-

tência impositiva. Resultado disso é o intenso desequilíbrio do pacto federativo. A maior parte

das receitas da União Federal, hoje, advém da arrecadação de contribuições, que não estão

sujeitas à repartição entre os demais membros da federação, que são obrigados a constante-

mente mendigarem por ajuda financeira ao ente central, que se tornou hegemônico, colocando

o Brasil à beira de um federalismo meramente retórico.

Uma melhor interpretação dos limites para o exercício da competência outorgada pelo

art. 149 da Constituição Federal de 1988 é, portanto, importante condição para a manutenção

do federalismo brasileiro. A forma de isso ser feito, entendemos, é por meio da delimitação do

arquétipo constitucional das contribuições, a regra-matriz de incidência básica que poderá ser

adotada pelo legislador ordinário para a sua instituição.

A construção do arquétipo constitucional das contribuições tem como alicerce o senti-

do de instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, locução usada pelo art. 149 dessa

Constituição Federal. A instituição de uma contribuição deve pressupor, portanto, uma atua-

ção estatal que justifique a sua cobrança, o que alça esse tipo tributário à condição de tributo

cujo aspecto material da hipótese de incidência deverá ser vinculado a uma atuação estatal.

Ainda sobre a atuação, é importante reconhecer que atuar não significa apenas prever

uma destinação específica para o produto da arrecadação do tributo, o que, em nosso ponto de

vista, não configura elemento essencial para a caracterização de uma contribuição. Uma con-

tribuição somente poderá ser criada mediante vinculação a uma atuação estatal específica.

Veja-se a diferença: destinar pode não significar, necessariamente, atuar.

Essa atuação estatal, contudo, não será divisível, caso em que a contribuição se con-

fundiria com uma taxa. A atuação será apenas específica, de modo que, em nome do interesse

social, da intervenção no domínio econômico ou do interesse de categorias profissionais ou

econômicas, um grupo de pessoas estará diretamente relacionado a essa atuação. Não será

possível, portanto, determinar a relação individual direta entre cidadão e atuação; a relação

direta do indivíduo será com o grupo, apenas.

A relação entre a atuação estatal e o grupo decorre da causa que ensejou a instituição

da contribuição. O tributo poderá ter sido instituído como meio para que o grupo retribua o

Estado por um especial benefício advindo da sua atuação, ou, então, o grupo pode ser chama-

do a pagar uma contribuição para custear uma atuação estatal à qual tenha dado causa. A rela-

ção entre a atuação estatal e o contribuinte é informada por critério de isonomia, já que pesso-

209

as que se beneficiem especialmente de uma atuação estatal podem ser chamadas a partilhar do

seu custeio, assim como pessoas que imponham ao Estado a necessidade de uma atuação se-

jam chamadas a dividir o seu custo.

Assumir que as contribuições possuem a natureza de tributo vinculado impõe contun-

dentes limites ao legislador ordinário para a sua criação. Prevista qual será a atuação estatal

inserida no aspecto material da hipótese, deverá ser reconhecido qual o grupo de pessoas ao

qual ela se refere. Este será o universo de possíveis contribuintes para o tributo. Somente os

cidadãos (ou pessoas jurídicas) que mantiverem relação de causa ou efeito com a atuação es-

tatal é que poderão ser chamados a participar do seu custeio.

O aspecto quantitativo da hipótese de incidência também será diretamente influencia-

do pela vinculação da contribuição a uma atuação estatal. O primeiro dos elementos a ser con-

siderado quanto ao aspecto quantitativo pelo legislador é o custo da atuação estatal. Uma con-

tribuição não deve servir para a desmedida arrecadação da União, mas para fazer frente à atu-

ação estatal descrita no aspecto material da hipótese para a tributação. A indivisibilidade da

atuação estatal, no entanto, inviabiliza a determinação de valores exatos para a sua retribui-

ção, de modo que o seu custo deverá representar apenas um padrão a ser considerado para a

instituição do tributo. Com a ciência do quantum a ser arrecadado do grupo ao qual a atuação

se refere, deve-se prever a forma da sua partilha entre os seus elementos.

A intensidade da tributação individual entre os membros do grupo também será infor-

mada por um critério de isonomia. Quanto maior for o benefício do indivíduo ou a sua con-

corrência na causa para a instituição da contribuição, maior deverá ser a sua participação no

custeio. Caberá ao legislador, considerando esses elementos, usar da criatividade para estipu-

lar bases de cálculo e alíquotas que respeitem a verdadeira natureza das contribuições.

Isso poderá ser feito estipulando-se como base de cálculo uma medida relacionada ao

benefício auferido pelo membro do grupo, determinando-se modelos de tributação fixa, esta-

belecendo-se bases de cálculo que não sejam financeiras acompanhadas de alíquotas fixas, ou,

até mesmo, tomando-se um fato econômico do contribuinte como base para a tributação.

O último dos exemplos para a base de cálculo da contribuição, no entanto, merece im-

portante observação. Assumir um fato econômico do particular como base de cálculo impõe a

necessidade de previsão de alíquotas que diferenciem os membros do grupo na medida da sua

relação com a atuação estatal.

Não há, portanto, uma fórmula exata para a definição dos aspectos da hipótese de inci-

dência de uma contribuição, o que não resulta em permissão para admitir que inexista um

210

regime jurídico constitucional para a criação de contribuições. À União Federal foi entregue

competência para a criação de tributo para fazer frente às suas atuações voltadas ao benefício

social, à intervenção no domínio econômico ou para a defesa de interesses de categorias pro-

fissionais ou econômicas, de modo que a medida da tributação pela contribuição deverá estar

intimamente ligada ao custo, beneficiários e causadores da atuação que pressupôs a instituição

do tributo.

O art. 149 da Constituição Federal de 1988, portanto, não abriu uma porta para a fuga

da rigidez do Sistema Tributário Nacional, mas apenas autorizou a União a instituir um tributo

como forma de custear atuações voltadas a finalidades de especial interesse, expressamente

eleitas pelo constituinte.

Essa interpretação da competência para a instituição das contribuições estabelece mais

rígidos pressupostos para a sua instituição, de modo a reduzir a possibilidade da sua utilização

pela União Federal como instrumento meramente arrecadatório. Assim como todas as outras

competências tributárias que não são comuns a todos os entes federados, a instituição das con-

tribuições deve ser vista como exceção em um regime constitucional marcado pela rigidez,

atendendo-se, portanto, a princípios e regras constitucionais que minimizem a preponderância

da União Federal sobre os seus pares no pacto federativo.

211

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