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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP MARIA ANGÉLICA SALES A NOTÍCIA COMO ELA É: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DE MANCHETES ONLINE MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA SÃO PAULO 2017

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

MARIA ANGÉLICA SALES

A NOTÍCIA COMO ELA É: UMA ANÁLISE DO DISCURSO

DE MANCHETES ONLINE

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

SÃO PAULO

2017

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

MARIA ANGÉLICA SALES

A NOTÍCIA COMO ELA É: UMA ANÁLISE DO DISCURSO

DE MANCHETES ONLINE

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Língua Portuguesa, sob orientação da Professora Doutora Mercedes Fátima de Canha Crescitelli.

SÃO PAULO

2017

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BANCA EXAMINADORA

___________________________________

___________________________________

___________________________________

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A meu marido, Álvaro, pelo amor iluminado,

encorajador e extraordinariamente paciente.

A meus filhos, Rafik e Arthur, a quem espero orgulhar

pelas inquietações que me trouxeram à academia.

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Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal

de Nível Superior (Capes) pelo apoio financeiro, sem o qual

a concretização desta pesquisa não seria possível.

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AGRADECIMENTOS

À Professora Doutora Mercedes Fátima de Canha Crescitelli, pela orientação dedicada, a

cuidadosa condução deste trabalho, a disponibilidade e, sobretudo, por incentivar e acreditar

na superação de meus limites.

À Professora Doutora Ana Rosa Ferreira Dias, pela leitura atenta desta pesquisa, pelas

valiosas críticas e sugestões no Exame de Qualificação e por fazer parte da Banca de

Defesa.

Ao Professor Doutor Paulo Eduardo Ramos, por integrar a Banca de Defesa, assim como

aos Professores Doutores Karlene do Socorro da Rocha Campos e Sandro Luís da Silva,

pela participação como suplentes da banca examinadora.

A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Língua Portuguesa da PUC-SP,

em especial àqueles que compartilharam seu conhecimento em sala de aula: Dieli Vesaro

Palma, Ana Rosa Ferreira Dias, Luiz Antonio da Silva, João Hilton Sayeg de Siqueira, Neusa

Barbosa Bastos – esta última, juntamente com o professor catedrático Armando Jorge

Lopes. Suas aulas inspiradoras me tocaram profundamente!

A todos os colegas de curso, os quais não posso nomear sob o risco de algum

esquecimento imperdoável. Sua parceria, companheirismo e acolhimento foram

fundamentais no processo de elaboração desta pesquisa.

Ao Programa de Pós-Graduação em Língua Portuguesa da PUC-SP, em especial à

secretária da coordenação, Lourdes Scaglione, pelo apoio institucional.

Agradeço, ainda, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)

pelo financiamento desta pesquisa de Mestrado.

E também...

À minha mãe, Leonor, e a meu pai, Raimundo (in memorian), tão sábios do alto de sua

simplicidade. Desde sempre, vocês me mostraram que a educação é o maior legado que se

pode deixar a um filho. Pai, o senhor nos deixou no meio desta trajetória, mas só eu sei o

tamanho do seu orgulho neste momento.

Aos meus irmãos, Marina e Adão, pelo amor fraterno.

Ao meu marido, Álvaro, por se sobrecarregar de trabalho para que eu pudesse me dedicar

ao desafio desta pesquisa.

Aos meus filhos, Rafik e Arthur, por transbordarem minha vida de alegria e sentido.

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“Os jornalistas têm os seus óculos particulares

através dos quais veem certas coisas e não

outras, e veem de uma certa maneira as coisas

que veem. Operam uma seleção e uma construção

daquilo que é selecionado”

(Bourdieu, 1997, p. 12)

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RESUMO

SALES, Maria Angélica (2017). A notícia como ela é: uma análise do discurso de manchetes online. Dissertação de Mestrado (Língua Portuguesa). São Paulo: PUC-SP.

Nesta pesquisa temos por objetivo investigar o uso e a recorrência dos recursos

linguístico-discursivos na constituição de manchetes jornalísticas em um portal de

notícias da Internet. Tendo como base a linguagem verbal utilizada na plataforma

digital, procuramos, ainda, analisar como certos modos discursivos utilizados nos

títulos (como o fato e o dito relatados, a modalização, entre outros) têm o intuito de

tornar a notícia mais atraente para o leitor. Selecionamos, como corpus de análise,

13 manchetes do portal UOL, no período de 27 de agosto de 2016 a 3 de setembro

de 2016, intervalo que compreende o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff

(dia 31 de agosto), além de três dias antes (27 a 30 de agosto) e três dias depois (1

a 3 de setembro) desse episódio. Os referenciais teóricos deste trabalho inserem-se

sobretudo na Análise do Discurso, com ênfase nos princípios de embreagem

enunciativa, discursos direto e indireto e enunciados destacados propostos por

Maingueneau (2013), apoiado em Bakhtin (2006). Recorremos, também, às

estratégias de encenação da informação apresentadas por Charaudeau (2010).

Buscamos, com este trabalho, contribuir não apenas para estudos acerca das

peculiaridades da imprensa no suporte digital, como aprofundar a reflexão do

mercado sobre o fazer jornalístico. Os resultados obtidos demonstraram que há um

compromisso visível de divulgar conteúdos relevantes e/ou exclusivos acerca do

principal acontecimento do período estudado (o impeachment), mas há situações em

que esse compromisso é rompido pelo uso de enunciados que priorizam a captação

ao fato. Muitas escolhas linguísticas e discursivas utilizadas nas manchetes se

justificam pela tentativa de mobilizar o interesse do público. Por meio desse

expediente, o portal de Internet procede a uma encenação sutil do discurso da

informação, em que a interpretação do jornalista se sobressai à notícia de fato.

Palavras-chave: Jornalismo Digital; Manchete; Internet; Notícia; Análise do

Discurso.

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ABSTRACT

SALES, Maria Angélica (2017). A notícia como ela é: uma análise do discurso de manchetes online. Dissertação de Mestrado (Língua Portuguesa). São Paulo: PUC-SP.

This research has the objective of investigating the usage and recurrence of

linguistic-discursive resources in the constitution of news headlines on an Internet

portal. Based on the verbal language used on the digital platform, we have also

analyzed how certain discursive modes utilized in the titles (such as the fact or

speech reported, modalization, among others) intend to make the news story more

attractive to the reader. As our corpus, we have selected 13 headlines from the News

portal UOL published between August 27th, 2016, and September 3rd, 2016, period in

which the impeachment of former president Dilma Rousseff occurred (31st of August),

with the addition of the three days prior to event (from August 27th to 30th) and the

three days after it (From September 1st to 3rd). The theoretical references of this

dissertation are mainly situated in the field of Discourse Analysis, with emphasis on

the principles of the enunciative clutch concept, direct and indirect discourse and

detached enunciation proposed by Maingueneau (2013), supported on Bakhtin

(2006). We have also resorted to the information staging strategies presented by

Charaudeau (2010). We intend, with this research, to contribute not only to the

studies on the peculiarities of the press online, but also to deepen the reflection of

the market on how journalism is done. The results obtained demonstrate that there is

a visible commitment to divulge relevant and/or exclusive content on the main event

of the period studied (the impeachment), but there are situations when this

commitment is broken by the usage of statements which prioritize the spectacle over

the fact. Many linguistic and discursive choices used in the headlines are justifiable

as attempts to mobilize the public interest. By such means, the Internet portal

conducts a subtle staging of the information discourse, in which the journalist’s

interpretation surpasses the actual news.

Keywords: Digital Journalism; Headlines; Internet; News; Discourse Analysis.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Pirâmide invertida .................................................................................. 54

Figura 2: Pirâmide deitada .................................................................................... 55

Figura 3: Homepage UOL. Data: 27/08/16 – 10h ................................................. 87

Figura 4: Recorte de reportagem do UOL. Data: 26/08/16 ................................... 90

Figura 5: Reportagem UOL. Data: 26/08/16 ......................................................... 92

Figura 6: Reportagem Estadão.com. Data: 26/08/16 ........................................... 94

Figura 7: Homepage UOL. Data: 29/08/16 – 10h ................................................. 96

Figura 8: Homepage UOL. Data: 29/08/16 – 12h ................................................. 97

Figura 9: Homepage UOL. Data: 29/08/16 – 17h ................................................. 98

Figura 10: Homepage UOL. Data: 29/08/16 – 23h ............................................... 99

Figura 11: Homepage UOL. Data: 30/08/16 – 10h............................................... 103

Figura 12: Homepage UOL. Data: 30/08/16 – 12h .............................................. 106

Figura 13: Recorte da homepage UOL – 30/08/16 – 12h .................................... 109

Figura 14: Homepage UOL. Data: 30/08/16 – 17h ............................................. 110

Figura 15: Homepage UOL. Data: 30/08/16 – 23h ............................................. 111

Figura 16: Homepage UOL. Data: 31/08/16 – 10h ............................................. 114

Figura 17: Homepage UOL. Data: 31/08/16 – 12h ............................................. 117

Figura 18: Recorte da homepage UOL – 31/08/16 – 12h ................................... 118

Figura 19: Homepage UOL. Data: 31/08/16 – 17h .............................................. 120

Figura 20: Recorte ‘A’ de reportagem do UOL. Data: 31/08/16 ........................... 123

Figura 21: Homepage UOL – Data: 31/08/16 – 23h ............................................ 125

Figura 22: Recorte ‘B’ de reportagem do UOL. Data: 31/08/16 .......................... 126

Figura 23: Homepage UOL – Data: 01/09/16 – 10h ........................................... 130

Figura 24: Homepage UOL – Data: 01/09/16 – 12h ........................................... 133

Figura 25: Homepage UOL – Data: 01/09/16 – 17h ........................................... 134

Figura 26: Homepage UOL – Data: 02/09/16 – 10h ........................................... 137

Figura 27: Recorte de reportagem do UOL. Data: 02/09/16 ............................... 138

Figura 28: Homepage UOL. Data: 03/09/16 – 10h ............................................ 141

Figura 29: Homepage UOL. Data: 03/09/16 – 12h ............................................ 142

Figura 30: Homepage UOL. Data: 03/09/16 – 17h ............................................ 143

Figura 31: Homepage UOL. Data: 03/09/16 – 23h ............................................ 144

Figura 32: Recorte de reportagem do UOL. Data: 03/09/16 .............................. 147

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Circulação médias dos principais jornais do país ................................. 16

Tabela 2: Média de assinatura das edições digitais dos principais jornais do país....................................................................................................................... 17

Tabela 3: Portais mais acessados do país .......................................................... 24

Tabela 4: Manchetes do dia 16 de março no portal UOL .................................... 43

Tabela 5: Embreantes e cotexto .......................................................................... 75

Tabela 6: Manchetes selecionadas para análise ................................................. 86

Tabela 7: Aplicação de categorias na Manchete 1 .............................................. 91

Tabela 8: Aplicação de categorias na Manchete 2 ............................................. 102

Tabela 9: Aplicação de categorias na Manchete 3 ............................................. 105

Tabela 10: Aplicação de categorias na Manchete 4 ........................................... 109

Tabela 11: Aplicação de categorias na Manchete 5 ........................................... 113

Tabela 12: Aplicação de categorias na Manchete 6 ........................................... 116

Tabela 13: Aplicação de categorias na Manchete 7............................................ 119

Tabela 14: Aplicação de categorias na Manchete 8 ........................................... 124

Tabela 15: Aplicação de categorias na Manchete 9 ........................................... 129

Tabela 16: Aplicação de categorias na Manchete 10 ......................................... 132

Tabela 17: Aplicação de categorias na Manchete 11 ......................................... 136

Tabela 18: Aplicação de categorias na Manchete 12 ......................................... 140

Tabela 19. Aplicação de categorias na Manchete 13 ......................................... 147

Tabela 20. Quadro final de análise ..................................................................... 148

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS .................................................................... 13

CAPÍTULO 1 – METODOLOGIA E CORPUS ........................................... 22

CAPÍTULO 2 – JORNALISMO DIGITAL .................................................. 27

2.1 Criação da Internet ................................................................... 28

2.2 Jornalismo digital ou webjornalismo ......................................... 30

2.2.1 Fases ................................................................................ 33

2.2.2 Marcas distintivas ............................................................. 35

2.3 Surgimento dos portais eletrônicos no Brasil ............................ 39

2.3.1. Portal UOL ....................................................................... 41

2.4 Redes sociais ............................................................................ 44

CAPÍTULO 3 – COMUNICAÇÃO, MÍDIAS DIGITAIS E DISCURSO........ 46

3.1 Comunicação ............................................................................ 47

3.2 Mídias digitais ........................................................................... 51

3.2.1 Nova concepção de pirâmide ......................................... 54

3.3 Língua e discurso ..................................................................... 59

3.3.1 Contrato de comunicação ............................................... 59

3.3.2 Estratégias de encenação da informação ....................... 61

3.3.3 Modos de organização do discurso ................................. 64

3.3.4 Embreagem Enunciativa .................................................. 73

3.3.5 Discurso direto e discurso indireto ................................... 77

3.3.6 Enunciados destacados ................................................... 80

CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DO CORPUS .................................................... 84

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 154

BIBLIOGRAFIA .......................................................................................... 158

APÊNDICES ............................................................................................... 161

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

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Ao acordar, antes mesmo de o cidadão comum de uma grande cidade brasileira conseguir

checar o horário pelo smartphone, os aplicativos de notícias já bombardearam a tela de seu

aparelho com os alertas dos principais acontecimentos das últimas horas. Surgem

freneticamente na tela as notificações dos e-mails e mensagens recebidos durante a

madrugada. Ao longo do dia, entre uma atividade e outra, ele vai recorrer, além de celulares,

a computadores pessoais, tablets ou notebooks para tarefas tão distintas como checar o

resultado de um jogo de futebol ou teclar com um desconhecido em uma rede social.

As tecnologias digitais, de modo geral, e a Internet, em particular, enredam-se em nossa

vida de maneira tão intensa e crescente que mal nos damos conta das profundas

transformações sociais que elas inscrevem ao nosso redor. No Brasil, aliás, a WWW (World

Wide Web)1 alcança números cada vez mais impressionantes.

De acordo com o Suplemento de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) da

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2015, realizada pelo Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística (IBGE), o percentual de brasileiros que acessaram a Internet em

2015 alcançou 57,5% da população de 10 anos ou mais de idade – o que corresponde a

102,1 milhões de pessoas2.

Quando se consideram faixas etárias específicas, o acesso à Internet é ainda maior: entre

os jovens de 18 e 19 anos, por exemplo, a utilização chega a 82,9%; de 15 a 17 anos, a

82%; de 20 a 24 anos, a 80,7%. Outro dado relevante da Pnad 2015 indica que, quanto

mais escolarizados, maior é o acesso à rede mundial de computadores. O percentual mais

alto de utilização da Internet foi observado na população com 15 anos ou mais de estudo,

chegando a 92,3%. Esse dado condiz com o fato inquestionável de que a introdução da

linguagem “digital” implica, necessariamente, o domínio de novas competências narrativas,

linguísticas, iconográficas e estéticas.

Todos os números de acesso à Internet mencionados podem levar, num primeiro momento,

a um cenário de entusiasmo com a informatização da sociedade – mas é preciso cautela na

interpretação. O filósofo e estudioso da cibercultura Pierre Lévy (2010) defende, apesar de

seu otimismo com a rede, que a Internet não resolverá, num passe de mágica, todos os

problemas culturais e sociais do planeta. É preciso, segundo o autor, reconhecer dois fatos:

1 Rede do tamanho do mundo, em tradução livre. 2 Projeção da população brasileira em 18/03/2017, segundo o IBGE: 207.231.245 pessoas (acesso às 20h20).

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Em primeiro lugar, que o crescimento do ciberespaço resulta de um movimento internacional de jovens ávidos para experimentar, coletivamente, formas de comunicação diferentes daquelas que as mídias clássicas nos propõem. Em segundo lugar, que estamos vivendo a abertura de um novo espaço de comunicação, e cabe apenas a nós explorar as potencialidades mais positivas deste espaço nos campos econômico, político, cultural e humano. (LÉVY, 2010, p. 11)

Também para Crystal (2001), o fenômeno da rede não pode e nem deve ser confundido

apenas como um fator de transformação das rotinas cotidianas. É mais do que isso: “Apesar

das notáveis conquistas tecnológicas e de um estilo marcante de apresentação visual, o que

é óbvio quando se aproxima de qualquer função da Internet é o seu caráter linguístico.

Portanto, se a Internet é uma revolução, trata-se de uma revolução linguística” (CRYSTAL,

2001, p. 8)3. Estudioso dos gêneros textuais que emergem no contexto da tecnologia digital

em ambientes virtuais, Marcuschi (2010, p.24) complementa que a Internet não é

“necessariamente um novo objeto linguístico, mas uma nova forma de uso da língua

enquanto prática interativa”.

Nesse contexto, ao pensar a web como um exercício inequívoco de interação linguística,

elegemos como objeto de nossa pesquisa a investigação da Internet como um dos principais

canais de informação dos brasileiros. Na concepção de Santaella, o ambiente ciberespacial

codificou-se em rotas e sítios sinalizados com uma organização interna que, nos serviços

que disponibiliza, apresenta alguns tipos de comunicação já estratificados, tais como:

a. O correio eletrônico que pode também conduzir a voz mais rapidamente do que a escrita, que exige mais esforço;

b. Os grupos de discussão que se constituem tanto nos fóruns que congregam grupos reunidos em torno de interesses comuns, quanto nos grupos de discussão em tempo real, Internet Relay Chats;.

c. A busca de informações na Internet, que se tornou uma das vias privilegiadas para a pesquisa científica, para a publicação de revistas on-line e para uma série inumerável de outros serviços de disponibilização de informações;

d. O comércio e a publicidade eletrônica que igualmente povoam esses ambientes. (SANTAELLA, 2011, p. 44).

Em relação à busca de informações na web, nos respaldamos também em outro

levantamento: a Pesquisa Brasileira de Mídia 2015 (SCPR)4, que revelou que 67% das

pessoas utilizam a rede para se informar. Ainda assim, podemos observar que, em sua

edição 2016, a mesma pesquisa, com novo enfoque, tenha diagnosticado o baixo o grau de

3 Tradução nossa. O trecho vem do original em inglês: “Notwithstanding the remarkable technological

achievements and the visual panache of screen presentation, what is immediately obvious when engaging in any of the Internet’s functions is its linguistic character. If the Internet is a revolution, therefore, it is like to be a linguistic revolution”. 4 Secretaria de Comunicação da Presidência da República.

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confiança nas informações que circulam na Internet: apesar da audiência crescente, a

maioria dos usuários afirmou que confia poucas vezes ou nunca confia nas notícias de sites,

de blogs e de redes sociais.

Essa desconfiança se inverte quando a pesquisa aborda as notícias veiculadas pelos

principais jornais impressos do país. Nesse caso, a Pesquisa Brasileira de Mídia 2016 revela

que quase 60% dos leitores confia sempre ou muitas vezes nesse meio. A credibilidade dos

jornais da chamada mídia tradicional, contudo, não pôde deter o movimento de queda nas

vendas que vem se desenhando nos últimos 15 anos – coincidentemente ou não, período

em que a Internet já se consolidava como um novo suporte do fazer jornalístico.

Assim, na tabela 1, a partir de dados obtidos exclusivamente para esta pesquisa junto ao

Instituto Verificador de Comunicação (IVC)5, podemos observar a circulação média dos

principais jornais brasileiros de 2000 a 2015, em intervalos de cinco anos. A queda nas

vendas, que se acentuou até 20146, foi parcialmente revertida em 2015, ainda que com

números inferiores aos verificados em 2000:

Tabela 1 - Circulação média diária dos principais jornais do país7

PUBLICAÇÃO JAN-DEZ/2000 JAN-DEZ/2005 JAN-DEZ/2010 JAN-DEZ/2015

Folha de S.Paulo 440.655 307.937 281.238 335.895

O Globo 322.474 274.934 261.006 311.222

O Estado de S. Paulo 399.019 230.860 231.023 236.171

Diário de S.Paulo 139.421 72.782 41.223 34.432

Fonte: Instituto Verificador de Comunicação (IVC) – Dados fornecidos em 2017

Embora o objetivo neste nosso estudo não seja o de relacionar o avanço da Internet no

Brasil com o impacto na circulação dos jornais impressos, consideramos relevante

apresentar este cenário para contextualizar um ambiente marcado pelas transformações dos

meios de produção de linguagens. Muitos teóricos, inclusive, postulam que os novos meios

se conectam aos já existentes. Especialista em Comunicação e Semiótica, além de

desenvolver trabalhos voltados para a caracterização das transformações culturais,

estéticas e psíquicas resultantes da revolução digital, Santaella (2008, p. 95) diz:

Longe de se excluírem mutuamente, a tendência dos meios é cumulativa e integrativa. Os novos meios vão chegando, levando os anteriores a uma refuncionalização e provocando uma reacomodação geral na paisagem midiática.

5 Em março de 2015, o então Instituto Verificador de Circulação (IVC) passou a adotar o nome Instituto Verificador de Comunicação (mantendo a sigla IVC). 6 Em 2014, de acordo com dados do IVC, a circulação média dos jornais Folha de S.Paulo, O Globo, O Estado de S.Paulo e Diário de S.Paulo foi, respectivamente, de 217.155, 212.958, 172.085 e 41.439. 7 A circulação considera apenas as edições impressas. As edições digitais dos jornais, portanto, não estão computadas.

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Para a autora, “a emergência de um novo sistema não apaga o que veio antes, mas adere

como uma nova camada, tornando a ecologia midiática ainda mais estratificada”

(SANTAELLA, 2008, p. 95). Marcuschi (2010, p. 46) corrobora: “Em comunicação, parece

que as tecnologias mais colaboram do que competem”. E, seguindo a mesma linha de

raciocínio, é o que também defende o teórico Pierre Lévy (2010), para quem é muito pouco

provável que um novo modo de comunicação ou de expressão suplante completamente os

suportes que o antecederam. Ele afirma:

Nem os dispositivos de comunicação, nem os modos de conhecimentos, nem os gêneros característicos da cibercultura irão pura e simplesmente substituir os modos e gêneros anteriores. Irão, antes, por um lado, influenciá-los e, por outro lado, forçá-los a encontrar seu ‘nicho’ específico dentro da nova ecologia cognitiva. (LÉVY, 2010, p. 225, grifo do autor).

Foi assim com a imprensa escrita tradicional, que vislumbrou na Internet uma estratégia de

negócio que poderia estancar a crise que afetara a venda nas bancas e a queda na

publicidade. O investimento nas edições digitais8 dos jornais, aliás, legitima tal hipótese. De

acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia 2016, o percentual de leitores que preferem

acessar as versões online cresceu de 10% em 2015 para 30% em 2016 – a preferência

pelos impressos ainda é nítida, mas caiu de 79% para 66%.

Na tabela 2, é possível verificar que, em geral, a média de assinaturas digitais dos jornais

vem crescendo nos últimos anos, ainda que tenha ocorrido uma ligeira baixa de O Globo

entre 2014 e 2015, que voltou a se recuperar em 2016, e outra queda, desta vez de O

Estado de S. Paulo, de cerca de 2,5% entre 2015 e 2016. A Folha de S.Paulo, por sua vez,

que também é o jornal mais vendido do país, vem numa sequência crescente desde 2014:

Tabela 2. Média de assinaturas das edições digitais dos principais jornais do país PUBLICAÇÃO 2014 2015 2016

Folha de S.Paulo 134.591 146.496 150.464 O Globo 120.903 115.767 132.552 O Estado de S. Paulo 65.816 78.410 76.468

Fonte: Instituto Verificador de Comunicação (IVC) – Dados fornecidos em 2017

Muitas publicações passaram a comercializar assinaturas digitais específicas para tablets.

Na edição 2012 do International Symposium on Online Journalism, Pedro Doria, editor da

plataforma digital do jornal O Globo, defendeu que as notícias para tablet se destinam

8 As edições digitais são negociadas como a assinatura do jornal convencional. A diferença é que, além de poder acessar o jornal impresso pelo computador ou celular, por exemplo, o assinante tem acesso a conteúdos exclusivos, arquivos e ferramentas de interatividade.

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sobretudo ao consumidor que “quer a informação atualizada no final do dia e, se possível,

enriquecida com alguns conteúdos multimídia”9.

As versões digitais dos jornais impressos brasileiros – que começaram nos anos 90 de

forma tímida, como sites que muitas vezes restringiam-se à mera transposição de conteúdo

de um meio para outro, como veremos adiante – foram, certamente, uma aposta dos

conglomerados de mídia para se adaptar às novas possibilidades da rede. Mais do que isso,

foram o primeiro passo na direção de uma nova linguagem de mídia, marcada não só pelo

texto, mas pelo som, as imagens (inclusive em movimento) e uma impressionante

capacidade de interagir em tempo real com o leitor.

“A interatividade, sobretudo nos seus níveis mais altos, rompe com a tradição do utilizador

passivo, uma marca característica dos mass media10”, diz Canavilhas (2014, p.5). Outra

característica da rede são as ferramentas de medição de audiência da Internet (os

chamados click-counters ou contadores de cliques)11 levam a possibilidade de ter a resposta

do leitor a uma dimensão jamais imaginada pelos profissionais da mídia. A esse respeito,

Vizeu (2005, p. 39) afirma que “os jornalistas constroem antecipadamente a audiência”. Diz

o autor:

A construção da audiência é feita a partir da cultura profissional, da organização do trabalho, dos processos produtivos, dos códigos particulares (as regras de construção), da língua e das regras do campo das linguagens para, no trabalho da enunciação, produzirem discursos.

Especificamente no que se refere às escolhas linguísticas feitas pelo jornalista nos portais,

também nos valemos dos estudos de Teun A. van Dijk (1988), sobretudo aquele voltado ao

discurso jornalístico e denominado Discurso da Notícia. O autor holandês afirma que

mesmo uma reportagem genuinamente noticiosa pode conter opiniões, apesar da crença de

muitos profissionais da imprensa de que eles estão apenas “narrando os fatos” (VAN DIJK,

1988, p. 5)12. O autor afirma, ainda:

9 Informação disponível em: CANAVILHAS, João. Jornalismo para dispositivos móveis: informação hipermultimediática e personalizada. Actas do IV CILCS (Congreso Internacional Latina de Comunicación), 2012, p.13. 10 Em Portugal, a expressão “utilizador” refere-se a usuário da Internet ou internauta. Já os mass media são os meios de comunicação de massa. 11 Contadores de cliques ou conta-cliques (click-counters) são ferramentas que permitem conferir o volume de acessos de um site (no caso de um portal de notícias, é possível medir os acessos de todos os canais, como da manchete principal, de notas menores, galerias de fotos, colunas, etc.) de forma síncrona. As estatísticas podem considerar, por exemplo, os cliques do último minuto, dos últimos 15 minutos, da última hora ou das últimas 24 horas. 12

Tradução nossa. Do original em inglês. “Genuine news articles may feature opinions, despite the ideological belief of many journalists that news only gives the facts and not opinion.”

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Nós não temos ideia de como acontece uma reunião editorial - quem decide o que e quando. O mesmo acontece em relação à edição de notícias e aos contatos entre os repórteres e suas fontes. Não sabemos como o jornalista interpreta o contexto das notícias e como tais interpretações moldam a cobertura de um acontecimento e seu discurso informativo. Precisamos de um olhar mais profundo, de uma microanálise do processo de produção de notícias (VAN DIJK, 1988, p. 7)13

Acreditamos que os jornalistas utilizam a linguagem verbal como meio para construir

sentidos nas notícias, em especial nas manchetes. Desta maneira, atraem a atenção de

leitor e, no caso da Internet, alcançam o objetivo de aumentar a audiência do site ou portal.

Para Bucci (2003, p. 12), essa é uma característica das mídias que precede a questão da

plataforma. Para ele, “o discurso jornalístico é um fator ordenador daquilo a que chamamos,

por algum resíduo de inocência imperdoável, de realidade”. E complementa: “Ora, e o que é

a realidade, senão aquela que é dada pela mídia – ou pelas reações à mídia, o que dá no

mesmo?”

Ao escrever as manchetes que vão estampar um site de notícias, o jornalista abre caminho

para o que a visão bakhtiniana classifica como “atitude responsiva” do leitor (ou ouvinte). Ao

clicar nesta e não naquela notícia, o internauta, então, está dizendo o que ele quer saber,

está assumindo uma ativa posição responsiva. Para o filósofo russo,

o ouvinte14, ao perceber e compreender o significado (linguístico) do discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição responsiva: concorda ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo etc. [...] Toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante. (BAKHTIN, 2006, p. 271)

O falante, que neste estudo se apresenta sob a condição de jornalista, aguarda tal reação.

Mais do que isso, nossa hipótese é que ele formula sua manchete de tal forma que o

enunciado atenda às expectativas que ele atribui a seu leitor: “A escolha de todos os

recursos linguísticos é feita pelo falante sob maior ou menor influência do destinatário e da

sua resposta antecipada” (BAKHTIN, 2006, p. 306, grifo do autor).

A escolha pelas manchetes deve-se, como explicitamos no capítulo dedicado à metodologia

e ao corpus, ao fato de que esta é a primeira unidade informativa com que o leitor de um site

13

Tradução nossa. Do original em inglês: “We still have no idea exactly how an editorial meeting takes place - who says what and when. The same is true for news gattering activities during the beat or for the contacts between reporters and their sources. We still ignore how the journalist interpret these news environments and how such interpretations shape his or her reproduction of news events and news discourse. We need a still closer look, a microanalysis of news production processes.” 14

Bakhtin esclarece, em seguida, que suas considerações se referem também ao discurso escrito: “Tudo o que aqui dissemos refere-se igualmente, mutatis mutandis, ao discurso escrito e ao lido” (BAKHTIN, 2006, p. 272).

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ou portal tem contato. É no título principal que o jornalista utiliza mecanismos linguístico-

discursivos para atrair a atenção do leitor. Em um estudo sobre o jornal Notícias

Populares15, mas em uma premissa que podemos perfeitamente aplicar à proposta de nossa

pesquisa, Dias (2008, p. 108-109) afirma que

(...) existe uma diferença, por vezes profunda, entre a linguagem das manchetes e as notícias que a elas se referem no NP. A manchete contém a macroinformação, cuja função é despertar o interesse do leitor para certos pontos que, espera-se, sejam desenvolvidos no corpo da notícia. Há um encaminhamento da leitura, no sentido de que a ordem de relevância dada, muitas vezes, a um mero pormenor, sirva para atrair a atenção do leitor, conduzindo seu interesse, naquilo que o jornal julga ser o mais importante e levando-o a uma leitura predeterminada.

Considerando que sites e portais estão inseridos numa sociedade de livre concorrência, e

que o número de page views16 e de visitantes únicos17 são fatores determinantes para a

valorização de um produto digital, nosso objetivo nesta pesquisa é investigar de que

maneira os jornalistas que atuam na Internet utilizam a linguagem verbal para atrair leitores.

Mais do que isso, pretendemos identificar quais são as estratégias linguístico-discursivas

mais recorrentes na plataforma digital.

Para isso, buscamos responder às seguintes perguntas:

• De que recursos os jornalistas se valem na elaboração de manchetes online para

atrair leitores?

• Quais modos discursivos foram mais recorrentes nas manchetes formuladas pelo

UOL no período do impeachment?

Para responder a essas questões, analisamos o portal UOL, no ar há 20 anos e com média

de 76,9 milhões de visitantes únicos por mês18. A avaliação crítica é feita sobretudo à luz da

Análise do Discurso de linha francesa – em especial utilizando-se os princípios de

embreagem enunciativa, discursos direto e indireto e enunciados destacados desenvolvidos

por Maingueneau (2013), apoiado em Bakhtin (2006). Também recorremos às estratégias

de encenação da informação propostas por Charaudeau (2010).

15

Noticias Populares ou NP foi um jornal do Grupo Folha que circulou entre 1963 e 2001, conhecido por seu estilo sensacionalista, cujo enfoque principal eram notícias sobre sexo e violência. 16

Page view é um parâmetro utilizado pelos servidores web para medir a visibilidade de um site ou grupo de arquivos ou parte de um portal de internet. Quanto mais page views (acessos) uma página tem, maior sua visibilidade na Internet. 17

De acordo com a empresa comScore, a expressão “visitante único” (Total Unique Visitors) refere-se ao “número estimado de indivíduos distintos que visitaram qualquer conteúdo de um website, uma categoria, um canal, ou um aplicativo durante o período reportado”.

18 Dados de abril de 2017. Ver tabela 3 à página 24.

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Foram analisadas quatro manchetes por dia durante sete dias de 2016, totalizando

inicialmente 28 títulos. Esse número foi reduzido para 13 em razão de critérios que

explicitamos no primeiro dos quatro capítulos desta dissertação. O capítulo 1 é dedicado ao

detalhamento do corpus e da metodologia utilizada para sua análise. Esclarecemos também

nossos critérios de seleção.

A história da Internet no Brasil, a criação dos primeiros sites jornalísticos e portais

eletrônicos do país e as características do jornalismo online são o foco do nosso segundo

capítulo, com entrevistas que contribuem para o entendimento dos primórdios da revolução

digital. Também fazemos a apresentação do portal UOL, nosso objeto de estudo, com base

em nossas pesquisas em arquivos e entrevista com o gerente de produtos editoriais da

empresa.

O terceiro capítulo da dissertação é dedicado à fundamentação teórica, que dividimos em

três campos de estudo: as teorias de comunicação, em especial sob a perspectiva de Wolf

(2008) e os conceitos de NewsMaking e Valores-Notícia; as teorias das mídias digitais,

ancoradas nos estudos de pensadores como Lévy (2010) e Canavilhas (2016, 2014, 2012,

2006a, 2006b, 2004, 2001) e, finalmente, as teorias de linguagem, em que recorremos,

como dissemos anteriormente, aos estudos de Maingueneau (2013) e Charaudeau (2010),

ambos baseados na Análise do Discurso francesa.

No quarto capítulo, analisamos o corpus seguindo os critérios das teorias apresentadas nos

capítulos precedentes, apontando como os jornalistas usam os mecanismos linguístico-

discursivos na construção de sentidos e na busca pela atenção do leitor.

Por fim, na última parte deste estudo, apresentamos as nossas conclusões a respeito do

fazer jornalístico na Internet.

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CAPÍTULO 1

METODOLOGIA E CORPUS

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Nossa pesquisa pode ser caracterizada como de caráter analítico, tendo como base inicial

28 manchetes extraídas de um portal brasileiro de Internet pelo período de 7 dias, no ano de

2016. Este estudo se insere dentro das perspectivas da Escola Francesa de Análise do

Discurso, notadamente nas propostas do teórico francês Maingueneau (2013). Os princípios

dessa corrente fazem referência a elementos que podem contribuir para a compreensão dos

efeitos de sentido que o principal título de um site busca produzir, tais como a embreagem

enunciativa, os discursos direto e indireto e os enunciados destacados.

Além disso, ancoramos nosso estudo nas estratégias de encenação da informação de

Charaudeau (2010), para quem o universo da informação midiática não é um simples reflexo

do que acontece no espaço público – antes, sim, um universo construído. Do autor,

utilizamos, entre outros, os conceitos de Fato Relatado e Dito Relatado.

Lembramos que a Escola Francesa de Análise do Discurso, segundo Charaudeau e

Maingueneau (2008, p. 202), permite designar a corrente da análise do discurso dominante

na França nos anos 60 e 70. Os autores alertam, contudo, que a partir dos anos 1980 essa

corrente foi progressivamente marginalizada. “Não se pode mais falar em Escola Francesa;

existem, indubitavelmente, tendências francesas da análise do discurso”, afirmam. Essas

tendências se caracterizam por: 1) Interesse por corpora relativamente restritos; 2)

Preocupação de não mais se interessar somente pela função discursiva das unidades, mas

pelas suas propriedades como unidades da língua; 3) Relação privilegiada com as teorias

da enunciação linguística; 4) Importância que elas concedem ao interdiscurso; e 5) Reflexão

sobre os modos de inscrição do sujeito em seu discurso.

Em relação à linguagem das mídias, Charaudeau (2010) chama a atenção para seu caráter

ao mesmo tempo racional e sedutor. Segundo o autor, para chegar a um número grande de

pessoas, a imprensa precisa “despertar o interesse tocando a afetividade do destinatário da

informação”. A respeito dos títulos, objeto de nossa análise, o pensador francês autor afirma

que “às vezes, para melhor dramatizar as notícias, (as mídias) pelo menos ao anunciá-las

(na titulagem), chegam a transformar as informações de origem” (CHARAUDEAU, 2010, p.

272).

No campo propriamente da comunicação, vamos discorrer sobre os conceitos de

NewsMaking e Valores-Notícia, apresentados pelo sociólogo italiano Wolf (2008) e, por fim,

abordamos os princípios levantados por pensadores das mídias digitais, como Lévy (2010) e

Canavilhas (2016, 2014, 2012, 2006a, 2006b, 2004, 2001).

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Em nosso estudo, que busca identificar como os jornalistas utilizam a linguagem verbal na

formulação das manchetes para, com isso, atrair leitores na Internet, elegemos como corpus

documentos primários (manchetes do portal UOL), extraídos do arquivo online da

empresa19. No total, foram selecionadas inicialmente 28 manchetes por um período de sete

dias.

As orientações que guiaram a delimitação de nosso corpus são o fato de que o UOL é o

mais antigo e, atualmente, um dos mais acessados portais do país. Embora não seja

exclusivamente uma empresa jornalística, tendo como outros focos de interesse seus canais

de entretenimento e serviços, consideramos pertinente a escolha dada a representatividade

de sua audiência em seu segmento, além do fato de os portais, atualmente, terem assumido

o comportamento de mídia de massa, com manchetes pautadas pela temperatura do

noticiário.

Na tabela 3, elaborada com dados disponibilizados pela empresa comScore20, é possível

comparar a audiência dos principais portais brasileiros nos meses de abril de 2016 e abril de

2017, em número de visitantes únicos21:

Tabela 3. Portais mais acessados do país ABRIL/2016 ABRIL/2017

PORTAIS

MÉDIA DE VISITANTES ÚNICOS

PORTAIS

MÉDIA DE VISITANTES ÚNICOS

1. UOL 64.767.000 1. Globo 80.751.000 2. Globo22 64.533.000 2. UOL 76.929.000 3. R7 Portal 63.782.000 3. Microsoft Sites 63.013.000 4. Microsoft Sites23 60.494.000 4. R7 Portal 62.215.000 5. Yahoo Sites 49.708.000 5. Yahoo Sites 54.799.000 6. Terra Networks 38.864.000 6. Terra Networks 44.402.000 7. IG Portal 38.415.000 7. IG Portal 34.861.000 8. ClicRBS 13.589.000 8. ClicRBS 13.372.000 9. AOL, Inc. 8.168.000 9. Uai 7.923.000 10. POP Sites 7.250.000 10. AOL, Inc. 7.510.000

Fonte: ComScore (audiência de computadores pessoais + celulares no Brasil) – 2017

Esclarecida a escolha pelo portal UOL, cabe-nos também explicitar a opção pela análise

específica das manchetes – e não do texto completo da reportagem, por exemplo. Essa

decisão deve-se ao fato de que o gênero em questão é o principal título de um veículo e,

19 Acesso disponível em: https://noticias.uol.com.br/arquivohome/ 20 A comScore é uma empresa norte-americana, líder mundial em análise de mídias digitais, que realiza a

medição de audiência online em vários países do mundo, inclusive no Brasil. 21 Em milhares. 22

Os sites da Globo são todos aqueles administrados pela empresa, por exemplo: G1, GShow, Globo.com e todos os específicos da programação da emissora. 23

Aqui vale a mesma consideração: os sites da Microsoft são todos aqueles que pertencem à empresa, como o MSN, Windows e o de produtos como Office, Outlook, Word, Excel, Skype, etc

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portanto, a primeira unidade informativa com que o internauta terá contato ao acessar o

portal. É nesse principal título que o jornalista deve lançar mão das estratégias linguístico-

discursivas para fisgar o leitor. E esse movimento, o manejo do chamado “discurso

eletrônico”, é precisamente o foco de nosso interesse.

O período escolhido para nossa investigação coincide com o impeachment da ex-presidente

Dilma Rousseff. Além da data específica de seu afastamento, 31 de agosto de 2016,

estudamos as manchetes dos três dias anteriores e dos três dias posteriores ao episódio,

escolha feita em razão da relevância histórica do momento. A inquietação que nos moveu foi

observar o comportamento discursivo da mídia digital (neste trabalho, especificamente o

portal UOL) diante de um evento extraordinário, transmitido em tempo real por todos os

outros meios (no caso dos jornais impressos, em seus endereços eletrônicos). É importante

ressaltar que, naquele momento, o Brasil vivia um claro período de polaridade política,

propício ao acirramento das paixões ideológicas – e, portanto, um campo fértil para a

exploração de possíveis parcialidades e tendências no discurso jornalístico.

Isto posto, delimitamos o período de sete dias para investigação. Em cada um desses dias,

foram estudadas quatro manchetes, sempre nos seguintes horários: 10h, 12h, 17h e 23h24:

o que produziu um total inicial de 28 títulos principais. Em algumas situações, esses títulos

se repetiram, casos em que optamos por uma análise em bloco. Além disso, duas

manchetes se referiam a acontecimentos esportivos e outras cinco a temas que não

tratavam diretamente do episódio “impeachment”, razão pela qual o total de análises

restringiu-se a 13 manchetes.

Assim, o período de investigação teve como foco central o dia 31 de agosto de 2016, data

do impeachment. A partir daí, selecionamos para estudo três dias antes (27, 29 e 30 de

agosto de 2016) e três dias depois (1º, 2 e 3 de setembro de 2016).

Convém esclarecer que, em relação aos dias anteriores ao afastamento da ex-presidente,

optamos por não analisar a data de 28 de agosto por tratar-se de um domingo. A decisão foi

tomada em razão de a cobertura dominical dos sites e portais, tradicionalmente, ser

marcada pelo noticiário esportivo, o que poderia comprometer nossa análise.

Também serão utilizados neste trabalho os resultados da entrevista realizada com Murilo

Garavello, Gerente-Geral de Inovação e Produtos Editoriais do UOL. Ele explica, entre

outras coisas, quais os critérios para formulação das manchetes, como busca atender às

24 São estes os quatro horários disponíveis para pesquisa no arquivo da home do UOL.

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preferências do leitor e de que maneira o portal procura se diferenciar da concorrência para,

com isso, manter a liderança de mercado.

Outras duas entrevistas, com os jornalistas Sérgio Charlab e Caio Túlio Costa, foram por

nós realizadas e são utilizadas como material de apoio no próximo capítulo, dedicado à

história da Internet e do jornalismo digital. Charlab montou o primeiro site jornalístico do

país, o JB Online, em 1995. No ano seguinte, Costa fundou o portal UOL, o primeiro do

Brasil. Ambos contam suas experiências à frente dos negócios e são instados a falar sobre

os fatores que pautam as decisões editoriais.

A respeito especificamente dos assuntos de interesse do leitor do UOL, fizemos também um

exercício aleatório, nos dias 1º de agosto e 30 de setembro de 2016 (um mês antes e um

mês depois do impeachment), para tentar entender o comportamento do internauta-leitor do

UOL. Utilizamos como base de estudo somente as notícias mais acessadas naquelas datas

(mediante a lista das Mais Lidas, disposta no final da homepage). O resultado, disponível no

Apêndice 1, ajuda a traçar um perfil das preferências do leitor do portal.

Nos moldes como as páginas eletrônicas funcionam hoje, a busca pela liderança no

segmento se explica por uma lógica simples: qualquer site ou portal privado, como é o caso

do UOL, tem uma estrutura empresarial de mídia, por sua vez regida pela economia de

mercado. Para alcançar credibilidade junto aos anunciantes, o site ou portal precisa se

destacar pelo número de visitantes únicos e page views. Quanto maior a audiência virtual,

mais valorizado torna-se aquele espaço para a publicidade. Entre as estratégias para

alcançar essa audiência, os jornalistas recorrem, sobretudo, a modos discursivos operados

por meio da linguagem verbal, como veremos adiante.

É fundamental pontuar que, na condição de profissional da imprensa há mais de 25 anos,

acreditamos poder fazer uma observação atenta e privilegiada de nosso objeto de estudo.

Ressaltamos que a maior parte de nossa experiência jornalística foi dedicada à mídia

escrita, mas a breve passagem por uma grande redação online foi suficientemente marcante

para suscitar a ideia de projeto que nos trouxe à academia. Dessa forma, esperamos que

esta experiência profissional possa abreviar nosso percurso rumo aos objetivos deste

trabalho, quais sejam contribuir para estudos futuros sobre a imprensa e apresentar uma

reflexão para o próprio mercado profissional.

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CAPÍTULO 2

JORNALISMO DIGITAL

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Neste capítulo, dedicamo-nos a abordar rapidamente a história da Internet no mundo, sua

chegada ao Brasil e a criação dos primeiros sites jornalísticos e portais brasileiros.

Apresentamos, ainda, as características do jornalismo online e reproduzimos trechos de

entrevistas que realizamos com o intuito de refletir sobre jornalismo e Internet no país. Por

fim, apresentamos o portal UOL, nosso objeto de estudo, com base em pesquisas em

arquivos e entrevista com o gerente de produtos editoriais da empresa.

2.1 Criação da Internet

Quando foi criada nos Estados Unidos, em 1969, no auge da Guerra Fria, a Internet tinha

como objetivo interligar laboratórios de pesquisa. Naquela época, muito tempo antes de

suscitar tamanha revolução de costumes, a rede foi uma ferramenta concebida pelo

Departamento de Defesa norte-americano com foco nas informações para o serviço militar.

Naquele ano, um professor da Universidade da Califórnia enviou a um amigo em Stanford o

primeiro e-mail da história.

Chamada de Arpanet (Advanced Research Projects Agency), a rede nacional de

computadores era uma alternativa para garantir comunicação emergencial na eventualidade

de os Estados Unidos serem atacados por outro país. Para o governo americano, a Arpanet

era uma garantia de que a comunicação entre militares e cientistas seria mantida, mesmo

em caso de bombardeio. Eram pontos que funcionavam independentemente de um deles

apresentar problemas.

Lévy (2010, p. 232) confirma que a estrutura descentralizada da rede foi pensada para

resistir da melhor forma possível aos ataques nucleares do inimigo, mas que “(...) essa

mesma estrutura descentralizada serve hoje para um funcionamento cooperativo e

descentralizado”. Paradoxalmente, conclui o teórico, talvez a Internet “não seja ‘anarquista’

apesar de sua origem militar, mas devido a essa origem” (grifos do autor).

A fase militar começou a mudar um pouco a partir de 1982, quando o uso da então Arpanet

foi disseminado no âmbito acadêmico – primeiramente, com uso restrito aos Estados

Unidos, depois expandindo-se para outros países, como Holanda, Dinamarca e Suécia.

Nesse período, passou a chamar-se Internet. “Por quase duas décadas, apenas os meios

acadêmico e científico tiveram acesso à rede. Em 1987, pela primeira vez foi liberado seu

uso comercial nos EUA”, informava reportagem da Folha de S.Paulo publicada em 12 de

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agosto de 200125. A revolução operada pela informática ocorre, segundo Lévy (2010, p.33),

porque ela reúne “técnicas que permitem digitalizar a informação (entrada), armazená-la

(memória), tratá-la automaticamente, transportá-la e colocá-la à disposição de um usuário

final, humano ou mecânico (saída)”.

Ferrari (2004, p. 16), em seu livro Jornalismo Digital, nos conta um pouco sobre o período

inicial da Internet:

O cenário do final dos anos 80 era este: muitos computadores conectados, mas principalmente computadores acadêmicos instalados em laboratórios e centros de pesquisa. A Internet não tinha a cara amigável que todos conhecem hoje. Era uma interface simples e muito parecida com os menus dos BBS. Mas, enquanto o número de universidades e investimentos aumentava em progressão geométrica, tanto na capacidade dos hardwares como dos softwares usados nas grandes redes de computadores, outro núcleo de pesquisadores, até bem modesto, criava silenciosamente a World Wide Web (Rede de Abrangência Mundial), baseada em hipertexto e sistemas de recursos para a Internet.

Ainda a respeito desse período, Lévy afirma:

No final dos anos 80 e início dos anos 90, um novo movimento sociocultural originado pelos jovens profissionais das grandes metrópoles e dos campi americanos tomou rapidamente uma dimensão mundial. Sem que nenhuma instância dirigisse esse processo, as diferentes redes de computadores que se formaram desde o final dos anos 70 se juntaram umas às outras enquanto o número de pessoas de computadores conectados à inter-rede começou a crescer de forma exponencial. Como no caso da invenção do computador pessoal, uma corrente cultural espontânea e imprevisível impôs um novo curso ao desenvolvimento tecnoeconômico. As tecnologias digitais surgiram, então, como a infraestrutura do ciberespaço, novo espaço de comunicação, de sociabilidade, de organização e de transação, mas também novo mercado da informação e do conhecimento. (LÉVY, 2010, p. 32)

O fenômeno seria sentido também no Brasil. Mas, por aqui, o acesso do cidadão comum à

Internet demorou um pouco mais que nos Estados Unidos e países da Europa. Embora

instituições acadêmicas como a UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e a

UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) estivessem conectadas à rede desde 1989

– e a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo) a partir de 1990 –, a

exploração comercial só foi liberada em 1995.

25 FOLHA DE SÃO PAULO. Internet foi criada em 1969 com o nome de “Arpanet” nos EUA. Texto de Leonardo Werner Silva, de 12/08/2001. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u34809.shtml

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Enquanto isso, a rede vicejava nos Estados Unidos. Naquele país, várias empresas

provedoras de acesso à Internet começaram a surgir já a partir de 1992. Desde então, sua

difusão tem sido enorme. De acordo com o mais recente relatório de acesso à Internet

divulgado pelo Facebook, em 2015 havia 3,2 bilhões de usuários de Internet em todo o

mundo. Nesse levantamento, que estuda o caso da conectividade global, de um total de 202

países, o Brasil ocupava o 78º lugar com maior cobertura da rede.

2.2 Jornalismo digital ou webjornalismo

Como vemos a seguir, a revolução tecnológica atingiu também a imprensa e mudou, a partir

de então, a maneira de fazer e de pensar o jornalismo. Palacios e Ribas (2007, p. 36)

esclarecem:

Em termos de clara ruptura em relação aos suportes anteriores há apenas uma a ser salientada: pela primeira vez na História do Jornalismo, sua prática se dá em um suporte que não limita seu exercício nem em termos de espaço físico (como no jornal e nos impressos em geral), nem em termos de espaço temporal (como rádio e TV). Os limites passam a ser a capacidade humana de gerar, disponibilizar e interligar informação, bem como de selecioná-la para consumo, numa situação em que a escassez não é mais crono-espacial, mas está regida pela ‘economia da atenção’: vivemos uma era de pós-escassez de informação e escassez de ‘consumidores possíveis’ para o imenso volume de material cultural, de todo tipo, produzido e disponibilizado na web.

Professor e estudioso de comunicação, Marcondes Filho (2002, p. 36) aprofunda a análise

sobre a transformação das mídias. Para o autor, as novas tecnologias introduziram o que

ele classifica como “imaterialidade jornalística”, expressão para designar tanto o texto

jornalístico, que passa a ser “permanentemente provisório, nunca terminado”, quanto o

próprio jornal, cada vez mais editado online. Sobre o impacto da revolução digital na

imprensa, o teórico afirma:

A adoção de computadores, sistemas em rede, acesso on line à Internet, fusão e mixagem de produtos na tela conduziram as empresas jornalísticas a uma reformulação completa de seu sistema de trabalho, adaptando em seu interior a alta velocidade de circulação de informações, exigindo que o homem passasse a trabalhar na velocidade do sistema. Jornalismo tornou-se um disciplinamento técnico, antes que uma habilidade investigativa ou linguística.

As primeiras experimentações no jornalismo eletrônico foram feitas nos Estados Unidos e na

Grã-Bretanha. O norte-americano San Jose Mercury News (EUA) é considerado o primeiro

serviço de informação jornalística na web, conforme defende Lima Junior (2007, p. 4):

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Um dos passos mais significativos no desenvolvimento dos jornais online vieram do Mercury Center. O jornal local, The San Jose Mercury News, surgiu online em 1993 e continua na posição de linha de frente no editorial de jornalismo eletrônico. O jornal foi pioneiro nos serviços adicionais, tais como arquivo de informações jornalísticas desde 1985, expandiu as notícias locais e mural eletrônico para que leitores se comunicassem entre si e com a equipe. De caráter inovador, o jornal também incorporou um serviço personalizado de notícias, no qual os leitores escolhiam palavras chaves, graduadas pelos leitores em termos de nível de relevância, recebendo então os artigos enviados por e-mail.

Outro pioneiro, o The Eletronic Telegraph, versão online do The Daily Telegraph, foi o

primeiro jornal em rede da Grã-Bretanha. Sua primeira edição na Internet surgiu em

novembro de 1984 e a empresa adotou desde cedo a política de edição e reformulação das

notícias para o internauta. Já o também britânico The Times26 tinha lançado o ST: Online em

setembro de 1984, mas o endereço digital oferecia apenas um serviço de texto, embora

contivesse um fórum de discussão interativo. As edições completas na rede do The Times

só foram lançadas em 1º de janeiro de 1996 – os sites dos jornais do grupo foram os

primeiros a incluir o texto completo das versões impressas na Grã-Bretanha.

É importante ressaltar, contudo, que antes dessa corrente de jornais online, muitos norte-

americanos já estavam familiarizados com ferramentas de busca e informação via uma rede

conectada. Eram os clientes das chamadas BBS’s (Bulletin Board System), um sistema que

interligava computadores a um servidor via linha de telefone. Essas foram as primeiras

pessoas a migrar para a Internet no meio dos anos 90. “O primeiro acordo entre uma BBS e

um produtor de conteúdo tradicional, mas que tinha uma base de dados digitais para

consulta dos seus jornalistas, foi entre a America Online e o jornal New York Times”, afirma

Lima Júnior (2007, p. 5).

Com efeito, o New York Times (NYT) começou a ser publicado também na Internet a partir

de 22 de janeiro de 1996. Na ocasião, o site assim explicava a que vinha: “A edição web do

Times é a mais nova de dezenas de jornais disponíveis para uma audiência global no

serviço de crescimento mais rápido da Internet (a Web), que permite aos usuários de

computadores verem publicações eletrônicas consistidas de texto, fotos e, em alguns casos,

vídeos e sons"27. Desde então, por conta dos experimentos no meio online, o NYT tornou-se

uma referência para conteúdo digital em todo o mundo.

26 O jornal The Times e o dominical Sunday Times pertencem ao mesmo grupo, a Times Newspapers. 27

Informação extraída do site Jornalistas na Web. Disponível em: https://www.jornalistasdaweb.com.br/2011/01/ 24/4661/

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No Brasil, de acordo com Ferrari, os sites de conteúdo nasceram dentro das empresas

jornalísticas. “Alguns deles nem tinham a concepção de portal e evoluíram posteriormente”

(FERRARI, 2004, p. 25). A autora afirma que o primeiro site jornalístico brasileiro foi o do

Jornal do Brasil, criado em maio de 1995, seguido pela versão eletrônica do jornal O Globo.

Nessa mesma época, a Agência Estado, agência de notícias do Grupo Estado, também

colocou na Internet sua página.

Ferrari (2004, p. 25) refere ainda que, para entender o surgimento dos portais brasileiros, na

segunda metade da década de 90, é necessário olhar um pouco a história da imprensa

brasileira, composta por grandes conglomerados de mídia, na maioria oriundos de empresas

familiares. “Esses mesmo grupos detêm, também, a liderança entre os portais – e por isso

são informalmente chamados de ‘barões da Internet brasileira’”, diz.

A respeito da iniciativa pioneira do Jornal do Brasil, Palacios e Machado (1996, p. 5-6)

afirmam:

Primeiro jornal brasileiro a adentrar com uma cobertura completa no ciberespaço, em 28 de maio de 1995, o Jornal do Brasil (http://www.ibase.br/~jb/)28, apresentava uma interface pouco interativa, sendo quase uma cópia resumida do jornal tradicional. (...)Menos de dois meses depois vários outros jornais têm suas home-pages registradas na WWW, como Estado de S. Paulo, a Folha de S. Paulo (julho), O Globo (setembro), O Estado de Minas, o Zero Hora (julho), o Diário de Pernambuco e o Diário do Nordeste (julho).

O próprio Sérgio Charlab, em entrevista exclusiva para esta pesquisa29, conta um pouco

sobre sua aventura naquela época. “Comecei a montar o site na sala da minha casa,

utilizando um PC 386 e a Internet de linha discada”, lembra. O jornalista era um dos poucos

usuários da rede via Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), primeiro

serviço de Internet brasileira não-acadêmica e não-governamental. “Era um trabalho solitário

e quase braçal, que eu fazia diariamente, por cerca de 1h30”, lembra.

Charlab recorda, aos risos, que era apontado nos corredores da redação do JB como uma

espécie de “Professor Pardal” – ninguém entendia muito bem o que era a Internet em

meados dos anos 90. “Lembro de chamar os repórteres, um a um, e mostrar as matérias

publicadas na rede, com o nome deles, acessíveis em qualquer parte do mundo. Para eles,

era uma descoberta fantástica”, conta. Aos poucos, passou a ministrar uma oficina informal

de jornalismo digital para os colegas.

28 Endereço eletrônico do JB à época. Hoje o site pode ser acessado no endereço www.jb.com.br. 29 Entrevista concedida por telefone no dia 14 de fevereiro de 2017. A conversa foi condensada num texto que pode ser conferido no Apêndice 2 (página 167).

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Pouco depois, por volta de abril de 1995, quem se engajou no projeto foi um dos editores do

JB, Rosental Calmon Alves. Ele fez a ponte entre Charlab e o dono do jornal, José Antônio

Nascimento Brito. No dia da reunião entre eles, o editor conta que Charlab encontrou no

empresário “um interlocutor que já estava esperando por algo dessa natureza”. “(No início)

Estava com medo da reação dele. Eu mesmo disse que só colocaríamos o jornal (o site) no

ar às 10h da manhã seguinte para não prejudicar as vendas nas bancas. Mas José Antônio

disse que poderíamos publicar o JB na Internet à meia-noite, antes mesmo de a versão

impressa chegar aos leitores”, afirma Calmon Alves.30

Charlab confirma que a conversa, ocorrida numa quarta-feira, foi tão boa que o site estreou

oficialmente no domingo seguinte. “O dono do jornal ficou maravilhado e finalmente

entendeu porque seus filhos e amigos, que estavam fora do país, falavam tanto do site que

ele não conhecia. Ele aprovou o projeto na hora”.

A iniciativa de Charlab foi seguida logo depois por gigantes da imprensa brasileira, como a

Folha de S.Paulo, a Agência Estado31 e O Globo – dando início no país, assim, ao que

autores como Murad e Canavilhas classificam como webjornalismo: “De certa forma, o

conceito de jornalismo encontra-se relacionado com o suporte técnico e com o meio que

permite a difusão das notícias. Daí derivam conceitos como jornalismo impresso,

telejornalismo e radiojornalismo”, explica Murad (1999, p. 4). “É, pois, com naturalidade que

se introduz agora o conceito de webjornalismo e não de jornalismo online”.

Neste trabalho, contudo, optamos por não engessar essa modalidade em um único rótulo.

Assim, poderão ser encontradas ao longo do estudo, além de webjornalismo, expressões

como jornalismo online, ciberjornalismo e jornalismo digital – sempre relacionadas ao

conceito de jornalismo praticado na Internet.

2.2.1 Fases

Se houvesse uma linha do tempo para a incursão da imprensa na web, ela poderia ser

dividida, até agora, em três fases históricas distintas propostas por Mielniczuk (2001). O

primeiro momento, para ela, foi o transpositivo: aquele em que “os produtos oferecidos, em

30 As declarações foram retiradas do artigo Mundo digital: Jornal do Brasil na Internet no tempo do PC 386, da professora doutora Maria José Baldessar, da Universidade Federal de Santa Catarina (2009). A autora, por sua vez, extraiu o depoimento de Rosental Calmon Alves do especial multimídia comemorativo dos 10 anos do JB On-Line (atualmente indisponível nos arquivos do site). 31 Vinculada ao grupo O Estado de S. Paulo.

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sua maioria, eram reproduções de partes dos grandes jornais impressos”. Esse material era

atualizado a cada 24 horas, de acordo com o fechamento das edições do impresso.

Já o segundo momento foi o da “metáfora”, fase em que, “mesmo atrelados ao modelo do

jornal impresso, os produtos começaram a apresentar experiências na tentativa de explorar

as características oferecidas pela rede” (MIELNICZUK, 2001). Assim, surgiam links com

chamadas para outras matérias, o email passou a ser utilizado como um canal de

comunicação entre o jornalista e o leitor e as notícias começavam, timidamente, a utilizar os

recursos do hipertexto.

A terceira fase ocorre quando surgem iniciativas tanto empresariais quanto editoriais

destinadas exclusivamente para a Internet. Diz a estudiosa:

São sites jornalísticos que extrapolam a ideia de uma simples versão para a web de um jornal impresso e passam a explorar de forma melhor as potencialidades oferecidas pela rede. Tem-se, então, o webjornalismo. Este terceiro, e atual, momento também corresponde a um estágio mais avançado de toda uma estrutura técnica relativa às redes telemáticas e aos microcomputadores pessoais, permitindo uma transmissão mais rápida de sons e imagens. (MIELNICZUK, 2001, p. 2 e 3).

Valendo-se de Cabrera González (2001, p. 75-76), Canavilhas (2006, p. 1) também aponta

para a existência de quatro modelos de jornal online, que correspondem a diferentes fases

de sua evolução. São eles:

a) Fac-símile: correspondente à reprodução simples de páginas da versão impressa de um jornal, quer por meio de sua digitalização, quer por um PDF;

b) Modelo adaptado: fase em que os conteúdos ainda são os mesmos das versões escritas dos jornais, mas a informação é apresentada num layout próprio. Nesse momento, links começam a ser integrados aos textos;

c) Modelo digital: os jornais têm um layout pensado e criado para o meio online. A utilização do hipertexto e a possibilidade de comentar são presença obrigatória e as notícias de última hora passam a ser um fato de diferenciação em relação às versões em papel;

d) Modelo multimídia32: fase em que as publicações fazem aproveitamento máximo das características do meio, nomeadamente a interatividade e a possibilidade de integrar som, vídeo e animações nas notícias.

A descrição tanto do modelo Transpositivo de Mielniczuk quanto do Fac-Símile de Cabrera

González revela como o tempo impôs, gradualmente, uma adaptação do jornalismo ao novo

suporte. Como lembram Palacios e Machado (1996), a mera transposição do conteúdo da

versão impressa de um jornal para a digital constituía um erro. Segundo eles, a prática

implicava “ignorar as potencialidades do hipertexto”:

32 Chamada por Canavilhas de “Multimédia”.

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Trata-se da escrita de uma nova forma de mídia e o problema é que, como já foi dito por alguém (McLuhan?), “quando muda a mídia, voltamos a nos tornar analfabetos”. É necessário, portanto, um aprendizado e sobretudo muita pesquisa e experimentação para que se chegue a formas eficientes de utilização do hipertexto. (PALACIOS e MACHADO, 1996, p.4)

Foi assim que, aos poucos, os jornais tradicionais perceberam que podiam oferecer ao

internauta um conteúdo mais atraente do que vislumbravam suas velhas páginas de papel.

Conforme afirma Ferrari (2004, p. 22), a web passou “a moldar produtos editoriais interativos

com qualidades convidativas: custo zero, grande abrangência de temas e personalização”.

Para o internauta, o momento era de apropriação do “hipertexto” – o instrumento que, de

acordo com Palacios e Machado (1996), “torna a cibermídia utilizável”. Dizem os autores:

A cibermídia pode ser definida como “uma vasta quantidade de informação eletrônica, armazenada de forma incremental”, possibilitando que o usuário, usando seu próprio discernimento, constitua qualquer sequência ou conjunto de blocos informativos, satisfazendo suas necessidades, sem fronteiras de assunto, autores ou formas convencionais de estruturação do texto impresso. (PALACIOS e MACHADO, 1996, p. 4)

2.2.2 Marcas distintivas

Em relação às características do jornalismo desenvolvido na Internet, Bardoel e Deuze

(2001) relaciona quatro elementos: interatividade, customização de conteúdo,

hipertextualidade e multimidialidade. Já Palacios (1999) estabelece cinco padrões:

multimidialidade/ convergência, interatividade, hipertextualidade, personalização e memória.

Mielniczuk (2002), por sua vez, acrescenta às cinco características apresentadas uma sexta:

a instantaneidade.

Baseadas na seleção de traços distintivos do webjornalismo feita por Mielniczuk, passamos

a descrever brevemente cada uma dessas características. Consideramos essa descrição

relevante porque ela vai respaldar, nos próximos capítulos, a análise do corpus. Sendo

assim, seguem as marcas típicas do jornalismo praticado na Internet:

1. Interatividade – Segundo BARDOEL e DEUZE (2001), a notícia online possui a capacidade de fazer com que o leitor se sinta parte do processo. Isso pode ocorrer via troca de e-mails, nos sites que possuem fóruns de discussão e em chats com jornalistas. MACHADO (1997) acrescenta que a própria navegação pelo hipertexto constitui também uma situação interativa.

2. Multimidialidade/ Convergência – A multimidialidade ocorre na convergência

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dos formatos das mídias tradicionais (imagem, texto e som). “A convergência torna-se possível em função do processo de digitalização da informação e sua posterior circulação e/ou disponibilização em múltiplas plataformas e suportes, numa situação de agregação e complementaridade” (PALACIOS, 2002, p.2). Em pesquisa com leitores para avaliar as particularidades das notícias veiculadas na Internet, Canavilhas (2014, p. 10) destacou o comentário de um entrevistado, que afirmou que “o uso incomum da multimídia embutida no texto realça a experiência do leitor”.

3. Customização de conteúdo/ Personalização – Também denominada “individualização”, consiste na “existência de produtos jornalísticos configurados de acordo com os interesses individuais do usuário” (MIELNICZUK, 2002). A autora acrescenta que também é possível considerar personalização o percurso individualizado de leitura de cada internauta durante a navegação pelo hipertexto.

4. Hipertextualidade – Específica dos textos de Internet, permite interconectar blocos de textos por meio de links. Canavilhas (2001) e Bardoel & Deuze (2001) chamam a atenção para a possibilidade de, no texto noticioso, fazer links para “várias pirâmides invertidas da notícia”, bem como para textos complementares (fotos, sons, vídeos, animações etc), outros sites relacionados ao assunto, material de arquivo dos jornais etc. Essa característica permite ao leitor decidir avançar sua leitura do modo como quiser, sem ser obrigado a seguir uma ordem linear.

5. Memória - Palacios (2002) refere que o acúmulo de informações é mais viável técnica e economicamente na web do que em outras mídias. Com isso, o volume de informação diretamente disponível ao leitor é muito maior na Internet, em que há espaço praticamente ilimitado para o material noticioso. Segundo o autor, o “jornalismo tem na web a sua primeira forma de memória múltipla, instantânea e cumulativa”.

6. Instantaneidade – A rapidez do acesso, combinada com a facilidade de produção e de disponibilização, propiciadas pela digitalização da informação e pelas tecnologias telemáticas, permitem, segundo Palacios (2002), extrema agilidade de atualização do material nos jornais da web. A atualização contínua, em tempo real, possui, na web, “um caráter cumulativo que a diferencia dos outros meios” (MIELNICZUK, 2002).

Ainda no que se refere à hipertextualidade, Crescitelli e Mangilli (2014, p. 363) postulam que

o hipertexto eletrônico possui uma estrutura flexível – e, com base nessa flexibilidade, “o

leitor constrói seu percurso de leitura por meio de buscas, descobertas e escolhas que irão

levá-lo à produção de um sentido possível, entre muitos”. As autoras afirmam:

As escolhas a serem feitas pelos leitores do hipertexto devem ser supostas pelo produtor e os links, previstos. O produtor/autor de um sistema hipermidiático objetiva proporcionar ao leitor um acesso complexo ao hipertexto, estabelecendo entre seus nós ligações de sentido. Para tanto, vai projetar não só possibilidades de acesso, pelo leitor, ao sistema como também os interesses que ele possa ter na navegação. (CRESCITELLI e MANGILLI, 2014, p. 363).

Diante das opções apresentadas pela rede, as autoras referem, por fim, que “o hiperleitor

define seu caminho, faz escolhas, navega por assim dizer de modo customizado”. E

completam: “A ele cabe também construir a coerência entre porções/blocos de sentido, bem

como definir o que é relevante. Para isso, precisará de habilidades que lhe permitam seguir

as pistas oferecidas” (p. 364).

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Além das seis características formais do jornalismo na web, julgamos imprescindível

destacar que a linguagem, matéria-prima de nosso estudo, também atende a critérios

particulares na plataforma digital. Como se trata de novo suporte, é natural que tenha

singularidades e diferentes modos de “pensar” o produto noticioso. Ferrari (2004, p. 48)

afirma:

Os repórteres de mídias impressas, por exemplo, privilegiam a informação: os de TV buscam cenas emocionantes, sons e imagens para serem transmitidos junto com o texto da notícia. Já os jornalistas online precisam sempre pensar em elementos diferentes e em como eles podem ser complementados. Isto é, procurar palavras para certas imagens, recursos de áudio e vídeo para frases, dados que poderão virar recursos interativos e assim por diante.

Segundo a autora, “um bom texto de mídia eletrônica usa sentenças concisas, simples e

declarativas, que se atêm a apenas uma ideia”. Deve-se evitar longos períodos e frases na

voz passiva. De acordo com DUBE (apud FERRARI, 2004), “usar esses conceitos na escrita

on-line facilita a leitura e prende de forma mais eficaz a atenção dos leitores. Use e abuse

de verbos fortes, que o ajudarão a escrever um texto vivo, arejado e alegre.”33

Os textos da Internet também são irreverentes, raramente podem ser considerados sisudos.

“A web tem humor. O público on-line é mais receptivo para estilos não convencionais, já que

o leitor não tem tanto compromisso ao navegar, ele ‘zapeia’ pelos canais, ficando pouco

tempo mesmo na notícia que lhe interessa” (FERRARI, 2004, p. 49, grifo da autora).

Já Marcondes Filho (2002) utiliza um relato do Centro de Formação e de Aperfeiçoamento

dos Jornalistas (CPFJ) para referir-se à legibilidade dos textos sobre a web e às adaptações

próprias à escrita online:

(...) O vocabulário da escrita online deverá ser simples. O princípio do sobrevoo do documento não suporta nem uma sintaxe nem um vocabulário complexos. A escrita se aparenta mais à linguagem falada, evitando-se a gíria e as repetições. O estilo é mais direto, menos literário que no suporte escrito. A qualidade da informação é reduzida ao essencial (LAIMÉ apud MARCONDES FILHO, 2002, p. 157)34

Em relação especificamente aos títulos da web, que aliás compõem a essência de nosso

corpus, há funções e características próprias do gênero, como refere Ramón Salaverría,

33 Fonte citada pela autora: Jonathan Dube, editor e Publisher do Instituto Americano de Imprensa, em um chat de discussão do Poynter Institute, da Flórida. 34 Bibliografia utilizada pelo autor: LAIMÉ, Marc. Nouveaux barbares de l’information em ligne. Le Monde diplomatique, julho de 1999, p. 24.

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professor da Universidade de Navarra, em um texto sobre redação jornalística na Internet.

Salaverría (2005) propõe três funções do título nos meios tradicionais e acrescenta uma

quarta finalidade, exclusiva para o ambiente ciberjornalístico. São elas:

a) Função identificativa: o título deve individualizar um texto jornalístico frente a outros;

b) Função informativa: o título deve fazer uma síntese do conteúdo do texto jornalístico que encabeça;

c) Função apelativa: o título deve suscitar o interesse e, junto com os eventuais elementos gráficos que possam acompanhar o texto, cumprir uma função de primeira linkagem para o olho do leitor;

d) Função hipertextual: o título serve como elemento-chave para a navegação nos cibermeios, pois ali está situado o link que permitirá o acesso ao bloco que contém a informação. (SALAVERRÍA, 2005, p. 79-80)35

Julgamos relevante relembrar que nossa hipótese nesta pesquisa é justamente mostrar que

os recursos linguístico-discursivos utilizados pelo jornalista influenciam firmemente a

decisão do leitor sobre o que deve ser lido. Saber identificar as preferências do leitor,

portanto, é um dos principais desafios da imprensa. Ferrari (2004, p. 47) afirma:

Como oferecer algo mais para o leitor? Como agarrá-lo e tornar o ato de visitar diariamente determinado portal um trunfo editorial? Se os fornecedores de conteúdo são os mesmos, como criar a fidelidade do internauta? Não tenho a menor dúvida de que é pela informação bem trabalhada, explorando ao máximo os recursos de hipermídia. Não existe segredo: o leitor percebe quando encontra uma página completa ou outra “rasa”.

Na web, sendo assim, como observa MOURA (2002), quem decide o que deve ser lido é o

usuário – ou seja, o leitor, o consumidor:

Se ele não gosta, não vai ao site. Se o site não é visitado, é esquecido. Se é esquecido, não se estabelece como um padrão de funcionamento ou como um belo exemplo a ser seguido na rede. Sobrevivem os mais fortes. Justa adaptação. (MOURA, 2002, p.27)

Fazendo uma análise a partir da perspectiva histórica da Internet, essa também é a

convicção de Lévy (2010, p. 228), para quem o movimento social da cibercultura fez da web

o sucesso atual: “A World Wide Web não foi inventada, nem difundida, nem alimentada por

macroatores midiáticos (...), mas pelos próprios cibernautas”.

35

Tradução nossa. Do original em espanhol: “En los medios tradicionales, los titulares han venido cumpliendo tres funciones: a) Función identificativa: sirven como recurso para individualizar un texto periodístico frente a otros; b) Función informativa: sintetizan el contenido del texto periodístico que encabezan; c) Función apelativa: sirven para suscitar el interés y, junto con los eventuales elementos gráficos que puedan acompanhar al texto, cumplen uma función de primer anclaje para el ojo del lector; d) Función hipertextual: sirven como elemento clave para la navegación em los cibermedios, pues em los titulares se sitúa de ordinario el hipervínculo que permitirá desplegar el nodo que contiene el texto de la información.”

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2.3 Surgimento dos portais eletrônicos no Brasil

No Brasil, de acordo com Ferrari (2004), o surgimento dos portais gratuitos, aliado à

expansão da rede de telefonia fixa, fez o número de internautas dar um salto repentino. Foi

diferente do que ocorreu, por exemplo, nos Estados Unidos, onde a proliferação de

empresas de Internet foi gradativa e sempre proporcional ao número de usuários. Só no ano

2000, de acordo com a autora, pesquisa realizada pelo Ibope demonstrava que o número de

usuários brasileiros de Internet havia crescido 1,2 milhão nos dois primeiros meses do ano.

Ferrari atribui a expansão à diversidade de temas dos portais:

Os portais tentam atrair e manter a atenção do internauta ao apresentar, na página inicial, chamadas para conteúdos díspares, de várias áreas e de várias origens. A solução ajuda a formar “comunidades” de leitores digitais, reunidas em torno de um determinado tema e interessadas no detalhamento da categoria de conteúdo em questão e seus respectivos hyperlinks, que surgem em novas janelas de browser. (FERRARI, 2004, p. 30, grifos da autora)

Moura (2002, p. 31) concorda e vai além. Para ele, “o portal é a solução mais prática e fácil

de ser aplicada para reunir em uma só página a maior quantidade de informação possível

para satisfazer o internauta de maneira mais rápida”. Segundo o autor, “o que irrita os

usuários da rede, hoje, é a necessidade de muitos cliques para achar o que se quer”. Ele

ainda acrescenta:

(...) A quantidade de informação gerada por um portal é imensa. Além disso, os portais estão se tornando pontos-chave na grande rede. Como vimos, surgiram para dar ao internauta um referencial, um local de partida para a navegação e otimizar a informação em uma só página. E os portais disputam tráfego e assinantes. Quanto mais gente passa por um site, maior exposição ele tem no mercado publicitário. Consequentemente, maior é o número de anúncios em formato de banners e pop ups. Todos, é claro, desenvolvidos de maneira textual e visual que funcionam especialmente para a web. (MOURA, 2002, p. 32)

Outra característica dos portais, segundo Ferrari (2004, p. 30), é que o conteúdo jornalístico

tem sido seu principal chamariz. Ou seja, embora ofereçam uma grande variedade de

serviços e canais, suas manchetes invariavelmente são pautadas pelo noticiário do dia.

Dessa forma, explica a autora, os portais brasileiros acabaram se tornando exemplos da

nova empresa jornalística, que passou a “transformar e adaptar o seu produto básico aos

novos meios” (FERRARI, 2004, p. 77).

O primeiro portal brasileiro foi o UOL (Universo On Line), lançado pelo Grupo Folha (que

edita a Folha de S. Paulo) em 28 de abril de 1996. O serviço tinha como espelho

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experiências bem-sucedidas nos EUA, como a Compuserve e a American Online. Em

entrevista exclusiva para esta pesquisa, o jornalista Caio Túlio Costa, fundador e ex-diretor-

geral do UOL, conta:

O portal subiu na madrugada do dia 28 de abril, um domingo, e os internautas ficaram especialmente encantados com o chat. Foi quando vi que minha determinação em só inaugurar o portal com o Bate-Papo foi uma das melhores decisões que poderiam ser tomadas. As pessoas acharam “maravilhoso” poder ler notícias e ter um lugar de entretenimento tão amigável quanto as salas de bate-papo.36

Segundo Freitas (1999, p. 59), desde o início ficou claro que o UOL não era apenas o site

de uma empresa de comunicação. Diz o autor:

O Grupo Folha almejava com o Universo Online explorar o mercado de serviços online do País, o qual ele mesmo criara, juntamente com o seu concorrente, Brasil Online, do Grupo Abril. Este, aliás, do ponto de vista cronológico, foi o primeiro serviço online introduzido no País. O Brasil Online foi criado no dia 25 de abril, três dias antes do Universo Online.

Caio Túlio Costa conta que, além do chat, o UOL entrou no ar com a edição diária da Folha

de S.Paulo, reportagens traduzidas do The New York Times, edições dos jornais Notícias

Populares e Folha da Tarde (hoje extintos), o conteúdo da revista IstoÉ, classificados,

roteiros e área de saúde. Em mais de 20 anos, o portal nunca deixou de crescer e tornou-se

referência, como já atestava Moura em 2002:

No Brasil, o UOL (Universo On Line) firma-se como o maior de todos os portais, com o maior número de page views por dia. O UOL é um dos mais acessados portais do mundo, graças a suas salas de chat (pioneiras na Internet do Brasil e, até hoje, as mais badaladas), à sua capacidade de estar em dia com a notícia e com as novidades para a rede (a TV UOL é uma delas) e a seus diferenciais no mercado: revistas, jornais e outras publicações na rede que, muitas vezes, só quem pode ler são os próprios assinantes do UOL. (MOURA, 2002, p. 32, grifo do autor)

Ferrari (2014, p. 19) refere que, após o boom dos anos 2000, o portal foi aos poucos

perdendo espaço para outras plataformas, em especial as redes sociais. Para ela, o

“formato portal” foi importante para formar leitores mais antenados – mas as redes sociais

mudaram o comportamento do usuário. “E, consequentemente, o design de conteúdo, a

interface e a absorção de conteúdo nos portais”, explica. Ainda assim, entre os brasileiros os

portais eletrônicos ainda gozam de certo prestígio e audiência. “Aliás, o fenômeno portal é

36 Entrevista respondida por email no dia 9 de março de 2017. A íntegra pode ser conferida no Apêndice 3 (página 170).

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41

muito particular no Brasil, pois o restante do globo já abriu mão desse formato há pelo

menos quatro anos”, afirma Ferrari.

Vale destacar que a “fidelidade” dos brasileiros aos portais, o pioneirismo e a audiência do

UOL – que não é tão grande se comparada ao número total de internautas no Brasil, mas

significativa em seu segmento – foram fatores preponderantes para a escolha desse veículo

para a constituição de nosso corpus.

2.3.1 Portal UOL

Material de divulgação do próprio UOL o apresenta como “a maior empresa brasileira de

conteúdo online, serviços e produtos da Internet”. Segundo o texto com o histórico do

portal, “sete em cada dez internautas brasileiros acessam o UOL: são mais de 7,4 bilhões

de visualizações em nossas páginas todos os meses”37. A assessoria de imprensa do UOL

informa, ainda, que sua homepage recebe mais de 80 milhões de visitantes únicos por mês

(números de 2017). Os números, que impressionam à primeira vista, devem contudo ser

observados à luz do volume de internautas brasileiros – que, como referimos anteriormente,

é de 102,1 milhões de pessoas, segundo dados do IBGE de 2015 (mais da metade da

população brasileira). De acordo com a pesquisas mais recente da Alexa, esse contingente

tem como domínios preferidos o Google, o YouTube e o Facebook38.

Quando surgiu, em 1996, o UOL se destacava principalmente pelas salas de bate-papo. O

jornalista Caio Túlio Costa, fundador do portal, conta que os internautas também se

interessavam por hardnews39 e por assuntos relacionados a celebridades. Na época, diz

Costa, já havia instrumentos para medir os cliques em tempo real – e, com isso, era possível

“produzir conteúdos que tinham audiência”.

O projeto do UOL, segundo Costa, começou a ser trabalhado cerca de um ano antes de seu

lançamento. A ideia, de acordo com o jornalista, era “mesclar conteúdo, entretenimento e

interação (o chat) com provimento de acesso”. A receita funcionou e, como conta Costa em

entrevista exclusiva, a receptividade do público foi “a melhor possível”.

37 Disponível em: http://sobreuol.noticias.uol.com.br/historia.jhtm 38

Levantamento da Alexa, site de análise da Internet da Amazon, divulgado em junho de 2017, demonstrou que os domínios mais acessados pelos brasileiros são: Google, YouTube e Facebook (a lista completa tem 50 sites; o Uol está em 6º lugar). Disponível em: https://exame.abril.com.br/tecnologia/os-50-sites-mais-acessados-do-brasil-e-do-mundo/ 39 Notícias importantes divulgadas em tempo real.

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42

Era natural, portanto, que as preferências do usuário ditassem paulatinamente eventuais

mudanças no portal. “O internauta, primeiro com as ferramentas de bate-papo, e depois com

os blogs e as redes sociais, empoderou-se, passou a ter poder de mídia. Para o bem, ao

replicar ou comentar conteúdos sérios; e para o mal, ao replicar ou comentar conteúdos

fakes e disseminar preconceitos”, explica Costa.

Lima Júnior (2007, p. 9) refere que a grande contribuição do UOL foi ser responsável pelos

primeiros experimentos com vídeos na Internet brasileira. “É importante ressaltar que não

havia tecnologias consolidadas para produção e transmissão de vídeo”, afirma.

Aliás, o primeiro episódio relevante do portal foi registrado em 1997, quando foi lançada a

TV UOL, “a primeira TV feita especialmente para a Internet no Brasil”40, como se

apresentava. A plataforma foi pioneira na transmissão de conteúdos ao vivo, na interligação

com a TV aberta, na interatividade e na construção de vídeos sob demanda.

No ano 2000, o serviço UOL wap permitiu aos usuários de telefonia móvel ter acesso ao

conteúdo do UOL a qualquer hora e em qualquer lugar. Em 2002, outro momento histórico:

o portal transmitiu ao vivo para seus assinantes um amistoso da seleção brasileira de

futebol, direto de Barcelona. Era a primeira vez que a seleção tinha um jogo exibido via

Internet.

Confirmando sua vocação de canal de notícias, o portal também fez história em 2010, ao

transmitir o primeiro debate presidencial exclusivo para Internet do Brasil. O evento foi

promovido pelo UOL e o jornal Folha de S.Paulo e reuniu os três candidatos com maior

índice de intenção de votos na época (Dilma Rousseff/PT, José Serra/PT e Marina

Silva/PV41). Mais de 1,4 milhão de pessoas acompanharam o chamado “debate online” em

127 países diferentes, de acordo com dados divulgados pelo portal42.

Em 2016, a homepage do UOL bateu seu recorde de audiência no dia 16 de março, quando

foram divulgados os diálogos entre o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e a então

presidente do Brasil e sua sucessora, Dilma Rousseff, ambos do PT: foram 6,8 milhões de

visitantes únicos e mais de 54,9 milhões de carregamentos ao longo do dia. Naquele dia, as

quatro principais manchetes do portal foram as seguintes43:

40

Disponível em: https://sobreuol.noticias.uol.com.br/historia.jhtm 41 Hoje, a política e ambientalista Marina Silva está filiada à Rede Sustentabilidade. 42

Disponível em: https://sobreuol.noticias.uol.com.br/historia.jhtm 43 Disponível no arquivo do portal: https://noticias.uol.com.br/arquivohome/

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43

Tabela 4. Manchetes do dia 16 de março no portal UOL HORÁRIO TÍTULO

10h Delcídio afirma que é “profeta do caos” e chama Mercadante de “amigo da onça” 12h Lula aceita convite de Dilma e assumirá Ministério da Casa Civil 17h Dilma destaca “compromisso” de Lula com controle fiscal e nega troca no BC

23h

Manchete extra: Noite de protestos – Após nomeação de Lula e grampo da PF, 15 Estados e PF registram atos contra Dilma Manchete principal: Grampo sugere que Dilma tentou evitar prisão de Lula; presidente vai à Justiça Fonte: Arquivo do UOL (Acesso em 10/04/2017, disponível na homepage)

No UOL, as ferramentas de medição de audiência são cruciais no dia a dia do trabalho

jornalístico. São elas que, muitas vezes, orientam a formulação dos títulos de manchetes e

outras matérias com “chamada” na homepage. Embora admita o valor inestimável desse

instrumento, o gerente-geral de Inovação de Produtos Editoriais do UOL, Murilo Garavello,

ressalva que essa orientação não pode, jamais, esbarrar no compromisso com a verdade.

Segundo ele, a premissa, indispensável, é “de que o leitor não se decepcionará depois de

clicar. Não podemos prometer o que não vamos entregar”, diz Garavello, em entrevista

exclusiva à autora desta dissertação44.

De acordo com Garavello, as métricas de audiência ajudam o jornalista a aprimorar os

títulos, de forma a escolher as palavras “mais adequadas”. Por “mais adequadas”,

depreendemos, segundo sua entrevista, que sejam aquelas que fazem “com que o público

acesse o conteúdo”. Mesmo assim, o executivo do UOL argumenta que fundamental mesmo

é que esse conteúdo seja “relevante, interessante, indispensável e que o público não

encontre facilmente em outro lugar”, afirma.

Garavello minimiza a importância do ranking das notícias mais lidas do portal. “Só existe (a

lista), no pé da home, porque há essa curiosidade (e, como são notícias que interessam ao

público, o módulo tem uma quantidade boa de cliques)”, diz. De modo geral, esclarece o

jornalista, as notícias mais acessadas pelos internautas referem-se a matérias de esportes,

celebridades, televisão e assuntos que afetam o dia a dia das pessoas.

Mas não é só a audiência que pauta a escolha dos temas publicados. “O UOL hoje faz

pouco conteúdo de nicho. Em linhas gerais, produz-se sempre para o maior número

possível de pessoas interessadas nos assuntos. O foco é justamente na abrangência, em

fazer pautas que não interessem apenas a segmentos restritos”, explica Garavello.

44

Ver entrevista na íntegra no Apêndice 4 (página 174).

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44

A clássica “corrida pelo furo” é relativizada pelo jornalista. Segundo ele, a agilidade e a

rapidez são fundamentais. Mas pondera: “É preciso um balanço com a responsabilidade

pela correção das informações”. Garavello acrescenta que as notícias são melhoradas

constantemente, à medida que a apuração avança ou ocorrem desdobramentos.

O jornalista confirma que o UOL, como outros sites e portais, utiliza com frequência recursos

linguísticos que chamam a atenção para as potencialidades da Internet (como “veja agora”

ou “acompanhe em tempo real”), mas não se trata de um uso indiscriminado e gratuito. “O

único intuito de formulações como essas, quando ocorrem, é informar melhor o que o leitor

vai encontrar ao clicar.”

A íntegra da entrevista com Murilo Garavello, realizada em abril de 2017, pode ser conferida

à página 174.

2.4 Redes sociais

Se a Internet trouxe uma revolução para o campo da comunicação, as redes sociais foram

uma revolução dentro da revolução. Elas começaram a aparecer timidamente em meados

dos anos 1990 e, a partir de 2000, se expandiram rapidamente. Seu propósito é inter-

relacionar pessoas ou empresas, conectadas pelas mais diversas preferências e

particularidades. As redes sociais são, portanto, uma ligação social, uma conexão entre

pessoas.

A primeira rede social surgiu em 1995 nos Estados Unidos e Canadá. Chamava-se

ClassMates e seu objetivo era promover reencontros entre ex-colegas de escolas e

faculdades. A partir de então, as redes sociais se popularizaram, com o lançamento de

plataformas de música, fotos e vídeos. Foram criadas, por exemplo, as redes Friendster

(2002), MySpace e Linkedin (ambas em 2003).

O grande salto das redes sociais, contudo, ocorreu em 2004: foi neste ano que surgiu tanto

o Orkut (que encerrou as atividades em 2014) quanto o Facebook, que no início funcionou

apenas de forma restrita para os estudantes da Universidade de Harvard, nos Estados

Unidos.

O Orkut disponibilizava perfis, álbuns para fotos e comunidades em que os internautas

aficionados por temas em comum podiam trocar ideias. Logo foi adquirido pelo Google e se

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tornou uma febre. Mas a plataforma não teve fôlego para competir com o Facebook, que em

2006 liberou a rede social para qualquer pessoa acima de 13 anos.

Atualmente, o Facebook é a maior rede social do mundo, com 2 bilhões de usuários ativos45.

Já foi tema de filme, vende ações na Bolsa de Valores dos Estados Unidos e é uma das

companhias mais bem-sucedidas do mundo. O número de usuários do Facebook o colocou

no topo de um levantamento das consultorias de marketing digital We Are Social e

Hootsuite, divulgado em agosto de 2017 pelo Tecmundo46, que mostrou que 40% da

população global já usa alguma rede social ativamente pelo menos uma vez por mês. Isso

representa pouco mais de 3 bilhões de indivíduos conectados a essas plataformas.

Primeiro da lista, o Facebook é seguido pelo canal de vídeos YouTube, que registrou 1,5

milhão de usuários ativos. Plataformas menores, como o Instagram (700 milhões de

usuários ativos/mês), o Tumblr (357 milhões), o Twitter (328 milhões) e o Pinterest (175

milhões), também aparecem no levantamento. Entre os motivos apontados para o

crescimento da adesão às redes sociais estão a expansão da cobertura da Internet móvel e

o aumento do uso de smartphones em todo o mundo.

Embora as redes sociais não sejam o foco desta pesquisa, é fundamental acrescentar que,

ao longo do tempo, o Facebook também tornou-se “uma poderosa ferramenta de divulgação

de conteúdos que as empresas em geral, os meios de comunicação e os ciberjonais, em

particular, não ignoram e têm explorado de diversas formas” (FONSECA, 2011, p. 43).

A autora acrescenta que muitos internautas recorrem ao Google e às redes sociais para se

informar. Por isso é “indispensável, em primeiro lugar, marcar presença nesses meios e

desenvolver mecanismos para sobressair relativamente aos concorrentes, comunicando de

forma eficaz, num constante apelo ao clique” (FONSECA, 2011, p. 115).

Com efeito, as redes sociais permitem uma comunicação direta com o público, sem o filtro

do jornalismo tradicional, o que revolucionou a forma como as empresas e as pessoas se

conectam. Assim, a quantidade de “likes” ou “curtidas” e o número de visualizações,

comentários e compartilhamentos de uma postagem podem propagar qualquer informação

de forma meteórica. Razão pela qual toda a imprensa hoje também distribui seu conteúdo

por meio dessas plataformas. 45

Dados divulgados pela empresa em junho de 2017. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/tec/2017/06/1896428-facebook-atinge-marca-de-2-bilhoes-de-usuarios-anuncia-zuckerberg.shtml 46

Disponível em: https://www.tecmundo.com.br/internet/120484-3-bilhoes-cerca-40-populacao-mundial-usa-redes-sociais-ativamente.htm

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46

CAPÍTULO 3 COMUNICAÇÃO, MÍDIAS DIGITAIS

E DISCURSO

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47

Neste capítulo, discorremos acerca das bases teóricas utilizadas na realização da pesquisa.

Consideramos pertinente dividir a apresentação em três correntes distintas. Na primeira

delas, debruçamo-nos sobre as teorias da comunicação, com especial destaque para os

conceitos de Newsmaking e Valores-Notícia, com base nas perspectivas de Wolf (2008).

Em seguida, dada a escolha de nosso objeto de pesquisa por textos veiculados na Internet,

passamos a apresentar as teorias das mídias digitais, notadamente os trabalhos propostos

pelos pensadores Pierre Lévy (2010) e João Canavilhas (2016, 2014, 2012, 2006a, 2006b,

2004, 2001).

É importante esclarecer que, mais do que oferecer subsídios para categorizar nossa análise,

os conceitos e princípios dos teóricos de comunicação e de mídias digitais foram

fundamentais para tecer o pano de fundo desta pesquisa, situando os dilemas do fazer

jornalístico sob a perspectiva de um novo suporte.

Por fim, tratamos das teorias da linguagem e do discurso, concentradas sobretudo nos

princípios da Análise do Discurso de linha francesa. Os estudos de Maingueneau (2013) –

este claramente influenciado por Bakhtin (2006) – e de Charaudeau,(2010) constituem o

escopo de nossa análise. A contribuição de Charaudeau fundamenta-se nas estratégias de

encenação da informação. Já em Maingueneau recorremos principalmente aos conceitos de

embreagem enunciativa, discursos direto e indireto e enunciados destacados.

3.1 Comunicação

Nossa proposta é utilizar dois conceitos das teorias da comunicação, ambos postulados pelo

teórico italiano Mauro Wolf: o primeiro deles é o Newsmaking, instrumento que contribui

para o entendimento de que o jornalismo ajuda a “construir a realidade”, não sendo

simplesmente mero reprodutor daquilo que acontece.

De acordo com Wolf (2008), a teoria do Newsmaking aponta a existência de uma espécie de

rotina de trabalho na imprensa que define o que deve ou não ser divulgado. Isso acontece

porque há uma superabundância de fatos no cotidiano e, sem a organização do trabalho

jornalístico, seria impossível produzir notícias. Assim, o processo de “produção da notícia” é

planejado de acordo com uma lógica quase industrial, que implica retirar um fato da vida

cotidiana e introduzi-lo no universo simbólico da notícia.

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A partir dessa constatação, o autor dedica-se à busca por explicações sobre os diversos

fatores e critérios que envolvem a transformação de um fato em notícia. Inicialmente

valendo-se de Tuchman (1977), Wolf afirma que o objetivo declarado de qualquer órgão de

informação é fornecer relatos de acontecimentos significativos. Diz Tuchman (1977, p. 43,

grifo do autor):

Mesmo em se tratando evidentemente de um propósito claro, como muitos outros fenômenos simples em aparência, esse objetivo é inextricavelmente complexo. O mundo da vida cotidiana – a fonte das notícias – é formado por uma ‘superabundância de acontecimentos’ (...) São esses acontecimentos que o aparato de informação deve selecionar.

A fim de contribuir para esse processo de seleção, Tuchman (1977, p. 45) afirma

que os órgãos de informação, para produzirem notícias, estão sujeitos a três

obrigações:

1. Devem tornar possível o reconhecimento de um fato desconhecido (inclusive os que são excepcionais) como acontecimento notável;

2. Devem elaborar formas de relatar os acontecimentos que não tenham em conta a pretensão de cada fato ocorrido a um tratamento idiossincrásico;

3. Devem organizar, temporal e espacialmente, o trabalho de modo que os acontecimentos noticiáveis possam afluir e ser trabalhados de uma forma planificada. Estas obrigações estão relacionadas entre si.

Durante a elaboração do texto jornalístico, o produto da mídia, o Newsmaking considera os

chamados critérios de noticiabilidade (aqui entendidos como fatores que determinam se um

assunto é suficientemente relevante para tornar-se uma notícia). Tais critérios, por sua vez,

são formados pelo conjunto de elementos, operações e instrumentos que por fim definem,

em meio a uma infinidade de fatos do cotidiano, o que é digno – ou não – de ser divulgado.

Nesse momento, quando “escolhe” o que deve ser do conhecimento da coletividade, o

jornalista constrói uma espécie de “realidade social”.

Segundo Wolf (2008, p. 195), a noticiabilidade (newsworthiness) de um evento está

relacionada diretamente à sua “aptidão” para ser transformado em notícia. Diz ainda o

teórico italiano:

A noticiabilidade é constituída pelo complexo de requisitos que se exigem para os eventos – do ponto de vista da estrutura do trabalho nos aparatos informativos e do ponto de vista do profissionalismo dos jornalistas – para adquirir a existência pública de notícia. Tudo o que não responde a esses requisitos é ‘selecionado’, uma vez que não se mostra adequado às rotinas de produção e aos cânones da cultura profissional: não conquistando o estatuto público de notícia, permanece simplesmente um evento que se perde na ‘matéria-prima’ que o aparato informativo não consegue transformar

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e, portanto, não deverá fazer parte dos conhecimentos de mundo, adquiridos pelo público por meio de comunicação de massa. (WOLF, 2008, p. 195-196)

A respeito da notícia, o autor conclui, com base nos estudos de Altheide (1976)47, que se

trata do “produto de um processo organizado, que implica uma perspectiva prática sobre os

eventos, voltada a representá-los, a dar estimativas simples e diretas sobre suas relações, e

a fazer isso de modo que consiga atrair a atenção dos espectadores” (WOLF, 2008, p.197,

grifo do autor).

O segundo conceito que nos interessa na presente dissertação são os chamados Valores-

Notícia (news values), que podem ser definidos como um componente da noticiabilidade.

“Eles representam a resposta à seguinte pergunta: quais acontecimentos são considerados

suficientemente interessantes, significativos, relevantes, para serem transformados em

notícias?” (WOLF, 2008, p. 202). O autor afirma, ainda, que os Valores-Notícia são “critérios

de relevância difundidos ao longo de todo o processo de produção: sendo assim, estão

presentes não apenas na seleção das notícias, mas também permeiam os procedimentos

posteriores, porém com importância diferente” (WOLF, 2008, p. 202).

O autor se refere, portanto, ao processo de seleção dos acontecimentos e também ao

processo de elaboração do texto, que seria a “construção da notícia”. Por esta razão, o

teórico italiano estabeleceu a distinção entre os Valores-Notícia de seleção e os Valores-

Notícia de construção. Para Wolf, os Valores-Notícia não são neutros e podem estar muito

mais presentes no relato do que propriamente nos fatos. Não sendo naturais, esses

elementos podem ser considerados frutos da cultura jornalística e de uma intenção prévia –

esta, por sua vez, pode originar-se em um nível pessoal, organizacional, social, econômico

ou ideológico.

A seleção e a produção do texto jornalístico são atividades especialmente relevantes para

esta dissertação, uma vez que se relacionam diretamente ao nosso objeto de estudo:

quando o jornalista “seleciona” a frase, o dado ou a informação que vão para a manchete,

por exemplo, está “construindo” uma realidade. O mesmo ocorre quando, ainda no título, ele

omite ou realça algum aspecto do acontecimento48.

47 Bibliografia utilizada pelo autor: ALTHEIDE, D. Creating Reality. How TV Distorts Events, Sage, Beverly Hills, 1976. 48 Sobre esse aspecto, vale destacar como diferentes sites e portais divulgam a mesma notícia: não raro, o título carrega um tanto da política editorial daquela empresa jornalística.

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Em seus estudos, Wolf (2008, p. 207-228) organiza os Valores-Notícia como descrito a

seguir:

1) Critérios substantivos, relativos ao conteúdo das notícias

Eles se articulariam em dois fatores: interesse e importância (esta última pode ser medida pelo grau e nível hierárquico das pessoas envolvidas no acontecimento; pelo impacto sobre a nação e interesse nacional; pela quantidade de pessoas envolvidas e pela relevância do acontecimento quanto à evolução futura de uma determinada situação);

2) Critérios relativos à disponibilidade do material e ao produto informativo A disponibilidade do material diz respeito a quão acessível é um acontecimento, o quanto é tratável na forma técnica (demanda ou não o gasto de muitos meios para a cobertura). Os critérios relativos ao produto são aqueles em consonância com os procedimentos de produção, com as possibilidades técnicas e organizacionais, com as restrições de realização e com os limites próprios do meio. Incluem-se aí, também, critérios como a brevidade, a ideologia, a atualidade, a qualidade da história e o equilíbrio.

3) Critérios relativos ao meio de comunicação A notícia nesse critério não está ligada somente ao conteúdo, mas ao material de boa qualidade que será veiculado. Também estão incluídos a frequência do acontecimento (deve ser similar à frequência do meio de comunicação) e o formato da notícia (deve enquadrar-se no limite espaço-temporal daquele meio);

4) Critérios relativos ao público Dizem respeito à imagem que os jornalistas têm do seu público (no caso específico da Internet, esse perfil é muito bem delineado pelas ferramentas de medição de audiência), levando-os a inferir o que seria do interesse do leitor. Esses critérios poderiam ser resumidos em estrutura narrativa, capacidade de atração do material filmado que acompanha a notícia, entretenimento e importância da notícia. Outro critério é a proteção, que ocorre quando um fato não é noticiado devido à presunção de que sua veiculação poderia causar traumas ou ansiedade no público ou, ainda, de que poderia ferir sua sensibilidade ou seus gostos (por exemplo, existe um acordo tácito entre os veículos de comunicação segundo o qual não se deve divulgar casos de suicídio);

5) Critérios relativos à concorrência A competição entre os veículos dá origem a três tendências que se refletem sobre os Valores-Notícia, reforçando-os. A primeira tendência destaca que os veículos competem na obtenção de “furos jornalísticos”, na invenção de novas rubricas e na feitura de pequenos boxes sobre os pormenores. Isso leva à fragmentação, ao foco nas personalidades de elite e a todos os outros fatores de distorção informativa que preterem uma visão articulada e global da realidade social. A segunda tendência é a geração de expectativas recíprocas (as notícias são selecionadas porque se espera que os concorrentes façam o mesmo). Já a terceira tendência indica que as expectativas recíprocas desencorajam a inovação na seleção das notícias, uma vez que essas inovações poderiam suscitar objeções por parte dos níveis hierárquicos superiores.

Em seus estudos na área de comunicação, Traquina49 formulou sua própria teoria a respeito

dos Valores-Notícia. Baseado sobretudo em Wolf, ele afirma que é essencial distinguir os

Valores-Notícia de seleção dos Valores-Notícia de construção. Os primeiros, como vimos

anteriormente, referem-se à decisão de escolher os fatos que vão se tornar notícia. Os

segundos dizem respeito à redação e à edição do material, sugerindo o que deve ser

realçado, omitido ou priorizado.

49 Nelson Traquina realizou uma série de pesquisas acerca da imprensa. Ele nasceu nos Estados Unidos, onde se tornou mestre em Política Internacional pela Universidade de Denver. Na França, foi diplomado em Ciências da Informação e em Comunicação Política e Social, além de ter feito doutorado em Sociologia. Correspondente internacional em Portugal, acabou fazendo carreira na Universidade Nova de Lisboa, onde se notabilizou, ao longo de 30 anos, pelo ensino e a pesquisa em jornalismo.

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Especificamente em relação ao processo de seleção dos acontecimentos, ele afirma que se

trata de uma atividade fortemente influenciada pela “política editorial da empresa

jornalística”, o que pode ocorrer por diversas formas. Diz o autor:

A política editorial influencia a disposição dos recursos da organização e a própria existência de espaços específicos dentro do produto jornalístico através de sua política de suplementos e sobretudo de rubricas. A criação de espaços regulares, como suplementos e rubricas/seções, tem consequências diretas sobre o produto jornalístico de uma empresa porque a existência de espaços específicos sobre certos assuntos ou temas estimula mais notícias sobre esses assuntos ou temas, porque tais espaços precisam ser preenchidos. [...] Segundo Golding e Elliot50, a especialização temática constitui “um índice significativo do modo como os Valores-Notícia se traduzem em práticas organizativas” (TRAQUINA, 2013, p. 90).

Consideramos que os mecanismos de seleção e construção da notícia à luz dos preceitos

levantados por Wolf (2008) também são fundamentais para o entendimento do fazer

jornalístico nas matérias veiculadas na Internet. Por essa razão, buscamos investigar como

se opera a produção de sentidos engendrada pelos jornalistas na formulação das

manchetes no ambiente online, tanto nos níveis linguísticos quanto nos discursivos.

3.2 Mídias digitais

Neste tópico, ancoramos nosso trabalho nos postulados de pensadores das novas mídias,

em especial os teóricos Pierre Lévy (2010) e João Canavilhas (2016, 2014, 2012, 2006a,

2006b, 2004, 2001). Lévy, por seu pioneirismo nos estudos acerca das tecnologias na

esfera da comunicação. Canavilhas, por ser um estudioso da narrativa jornalística na web.

Ciberespaço

Para o entendimento de nosso estudo, passamos a expor definições relevantes a respeito

do impacto das tecnologias na comunicação. Inicialmente, nos ancoramos em Lévy (2010),

que descreve os termos ciberespaço e cibercultura do seguinte modo:

O ciberespaço (que também chamarei de “rede”) é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores

50 Bibliografia utilizada pelo autor: GOLDING, P.; ELLIOTT, P. Making the News. London: Longman, 1978.

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que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço. (LÉVY, 2010, p. 17, grifos do autor)

Ele considera que um dos mais significativos diferenciais do ciberespaço é o fato de que

“encoraja um estilo de relacionamento quase independente dos lugares geográficos

(telecomunicação, telepresença) e da coincidência dos tempos (comunicação assíncrona)”

(LÉVY, 2010, p. 51). E acrescenta:

Não chega a ser uma novidade absoluta, uma vez que o telefone já nos habituou a uma comunicação interativa. Com o correio (ou a escrita em geral), chegamos a ter uma tradição bastante antiga de comunicação recíproca, assíncrona e a distância. Contudo, apenas as particularidades técnicas do ciberespaço permitem que os membros de um grupo humano (que podem ser tantos quanto se quiser) se coordenem, cooperem, alimentem e consultem uma memória comum, e isto quase em tempo real, apesar da distribuição geográfica e da diferença de horários. O que nos conduz à virtualização das organizações que, com a ajuda das ferramentas da cibercultura, tornam-se cada vez menos dependentes de lugares determinados, de horários de trabalho fixos e de planejamentos a longo prazo. Da mesma forma, ao continuar no ciberespaço, as transações econômicas e financeiras acentuam ainda mais o caráter virtual que possuem desde a invenção da moeda e dos bancos. (LÉVY, 2010, p. 51, grifo do autor)

Assim, de acordo com o teórico, a extensão do ciberespaço acompanha e acelera uma

virtualização geral da economia e da sociedade. Mas esse movimento é positivo ou

negativo? E para onde ele pode nos levar? Lévy (2010, p. 207-208) não tem respostas

concretas a estas questões, mas lança para reflexão impressões gerais, como a de que a

rede “é um espaço livre de comunicação interativa e comunitário, um instrumento mundial

de inteligência coletiva”, e outras menos nobres, como as de Bill Gates, presidente da

Microsoft, para quem “o ciberespaço deve tornar-se um imenso mercado planetário e

transparente de bens e serviços”, e de outros vendedores de conteúdo (grandes estúdios de

cinema, cadeias de TV, distribuidores de videogames etc) – que apostam no ciberespaço

como uma espécie de “banco de dados universal”, no qual todo tipo de informação ou de

jogos poderia ser comprado.

Apesar disso, o autor é, de modo geral, um entusiasta da revolução digital e afirma que o

ciberespaço propõe “um estilo de comunicação não midiática por construção” – já que é

“comunitário, transversal e recíproco” (LÉVY, 2010, p. 230).

O teórico admite em muitos momentos que o desenvolvimento do ciberespaço não pode

resolver os problemas sociais e econômicos da atualidade, mas acredita que a rede abre

novos planos de existência. São eles:

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53

• Nos modos de relação: comunicação interativa e comunitária de todos no centro de espaços informacionais reconstruídos coletivamente e continuamente;

• Nos modos de conhecimento, de aprendizagem e de pensamento: simulações, navegações transversais em espaços de informação abertos, inteligência coletiva;

• Nos gêneros literários e artísticos: hiperdocumentos, obras interativas, ambientes virtuais, criação coletiva distribuída. (LÉVY, 2010, p. 225)

Ao situar o ciberespaço no campo da comunicação, área específica de nosso estudo, Lévy

(2010, p. 209-210) esclarece que a Internet apresenta-se, justamente, como alternativa para

as mídias de massa clássicas:

De fato, permite que os indivíduos e os grupos encontrem as informações que lhes interessam e também que difundam sua versão dos fatos (inclusive com imagens) sem passar pela intermediação dos jornalistas. O ciberespaço encoraja uma troca recíproca e comunitária, enquanto as mídias clássicas praticam uma comunicação unidirecional na qual os receptores estão isolados uns dos outros.

O autor aponta ainda que, embora as mídias e a cibercultura ofereçam ao público reflexos

deformados uma da outra, isso não impede “que alguns jornalistas utilizem

apaixonadamente todos os recursos da Internet, e não proíbe de forma alguma que a maior

parte das grandes mídias ofereça uma versão on-line de seus serviços” (LÉVY, 2010, p.

210) – exatamente como foi observado na introdução desta dissertação51.

Quando discorre sobre os primórdios da Internet, Lévy lembra que seu crescimento resultou

de um movimento de estudantes e pesquisadores envolvidos em práticas consideradas

“utópicas” por ele, pois se baseavam em trocas comunitárias e de democracia na relação

com o saber. Em relação à rede, conclui:

Sua extensão não foi decidida por nenhuma grande empresa, nenhum Estado, ainda que o governo americano e algumas grandes empresas tenham acompanhado o movimento. Essa construção cooperativa e espontânea de um gigantesco sistema internacional de correio eletrônico paralelo só foi descoberta pelo público no final dos anos 80. A partir daí a rede começou a ser explorada por negociantes que disputaram entre si a venda do acesso, a organização das visitas, a pilhagem do conteúdo, sua transformação em um novo local para publicidade e transações econômicas. Resumindo, há negócios, e grandes, a fazer no ciberespaço. (LEVY, 2010, p. 232)

51 Ver tabela 2 com dados sobre o crescimento das assinaturas das edições digitais dos principais jornais do país (página 4).

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54

Tal constatação, feita por Lévy ainda no final dos anos 90, ao lançar sua obra

“Cibercultura”52, acabaria por mostrar-se verdadeira em praticamente todos os segmentos

comerciais de que se tem notícia. E não poderia ser diferente em relação às empresas

jornalísticas.

Conforme exposto no capítulo 1, os sites e portais da Internet são considerados mais

atraentes para o mercado publicitário quanto maior for sua visibilidade – medida, por sua

vez, pelas ferramentas de audiência. Mais uma vez, cumpre ressaltar que nossa hipótese

para este caso é que, na briga pela liderança em seu segmento, os chamados

webjornalistas lançam mão de estratégias linguísticas para chamar a atenção de seu leitor.

3.2.1 Nova concepção de pirâmide

Um dos mais clássicos conceitos do jornalismo contemporâneo diz respeito à figura da

pirâmide invertida: uma técnica que consiste em estruturar o texto noticioso inserindo no

topo os fatos mais importantes (o chamado “lide”), enquanto os detalhes menos relevantes

aparecem na sequência. Esse modelo transmite a notícia de forma mais clara e direta,

situação que não ocorre, por exemplo, em contos e novelas.

Para o português Canavilhas (2006b, p.5), estudioso das práticas jornalísticas na Internet, a

técnica da pirâmide invertida pode assim resumir-se:

“A redação de uma notícia começa pelos dados mais importantes – a resposta às perguntas: O quê, quem, onde, como, quando e por quê –, seguido de informações complementares organizadas em blocos decrescentes de interesse.”

O autor ilustra a técnica como segue:

Figura 1. Pirâmide invertida

Fonte: CANAVILHAS (2006b, p. 5)

52 Ver bibliografia à página 81.

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55

Embora funcional, essa arquitetura noticiosa, alerta Canavilhas, tende a transformar o

trabalho jornalístico numa rotina, deixando pouco espaço à criatividade e tornando a leitura

pouco atraente, razão pela qual a técnica tem sido objeto de muitas polêmicas. A discussão

ganhou novo fôlego com o advento do jornalismo online.

De acordo com o autor, as características do texto digital corrompem a lógica da pirâmide

invertida e põem em xeque os pressupostos que levaram os profissionais da imprensa a

adotar este modelo. Isto em razão das próprias características da web: primeiro, porque o

espaço na rede não é finito (ou seja, o jornalista não precisa condensar seu texto – que

tradicionalmente, no meio impresso, estaria sujeito a cortes do editor); segundo, porque o

hipertexto permite ao leitor fazer seu próprio percurso de leitura (diante de vários blocos de

textos ligados por meio de links, é natural que não se faça a leitura linear proposta pela

pirâmide invertida).

Canavilhas afirma que a técnica pode até funcionar no caso das notícias de última hora,

mas é limitadora quando se trata de outros gêneros jornalísticos – que, afinal, podem tirar

melhor proveito das potencialidades do hipertexto. A proposta de Canavilhas para os textos

na Internet é um modelo que ele classifica como “pirâmide deitada”, assim ilustrada pelo

autor:

Figura 2. Pirâmide deitada

Fonte: CANAVILHAS (2006b, p. 15)

Tal técnica, segundo a concepção do teórico português, oferece quatro níveis de leitura: a

Unidade Base (o lead) responderá ao essencial: O quê, Quando, Quem e Onde. “Este texto

inicial pode ser uma notícia de última hora que, dependendo dos desenvolvimentos, pode

evoluir ou não para um formato mais elaborado”, explica Canavilhas (2006b, p.15).

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O próximo passo é o Nível de Explicação, que responde ao Por Quê e ao Como,

completando a informação essencial sobre o acontecimento. “No Nível de Contextualização

é oferecida mais informação – em formato textual, vídeo, som ou infografia animada – sobre

cada um dos W’s53”, diz Canavilhas (2006b, p.15). O Nível de Exploração, o último, liga a

notícia ao arquivo da publicação ou a arquivos externos. Palacios e Machado (2003, p. 15-

16, aspas dos autores):

Da mesma forma que a ‘quebra dos limites físicos’ na web possibilita a utilização de um espaço praticamente ilimitado para disponibilização de material noticioso, sob os mais variados formatos (multi)mediáticos, abre-se a possibilidade de disponibilização online de toda a informação anteriormente produzida e armazenada, através de arquivos digitais, com sistemas sofisticados de indexação e recuperação de informação” (CANAVILHAS, 2006b, p.15-16, aspas do autor).

O teórico português postula que esta nova arquitetura é libertadora para os internautas –

mas ainda mais para os jornalistas. “Se o utilizador tem a possibilidade de navegar dentro

da notícia, fazendo uma leitura pessoal, o jornalista tem ao seu dispor um conjunto de

recursos estilísticos que, em conjunto com novos conteúdos multimédia, permitem

reinventar o webjornalismo em cada nova notícia.” (CANAVILHAS, 2006b, p. 15).

SEO e audiência online

Juntamente com Torres e Luna, Canavilhas (2016) realizou um estudo relevante no campo

do debate sobre a influência das métricas de audiência online na prática jornalística. Os

estudiosos se valem de entrevistas com jornalistas dos sites de cinco organizações

jornalísticas de Portugal e do Brasil54 para aferir em que medida a audiência influencia as

decisões.

Os autores esclarecem, num primeiro momento, que a finalidade da primeira página de um

jornal em papel é idêntica à das homepages dos jornais: “classificar os acontecimentos

noticiáveis e apontar as principais notícias através de uma hierarquia de apresentação dos

conteúdos” (CANAVILHAS, TORRES e LUNA, 2016, p. 136). A diferença básica é que, no

papel, o objetivo é convencer o leitor a comprar o jornal, enquanto na Internet acessar a

homepage é apenas uma das formas de interagir com o site em questão.

53 Referência aos termos em inglês: What, When, Who, Where e Why. 54 Da amostra fizeram parte editores e jornalistas dos jornais portugueses Correio da Manhã, Observador e Público; e dos brasileiros Zero Hora (Porto Alegre/RS) e iBahia.

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Em seus apontamentos, os autores destacam, ainda, o papel de dois profissionais: os

gestores de comunidades e os analistas digitais, estes também conhecidos como

especialistas em SEO. Esses profissionais dividem a redação com os jornalistas e são

responsáveis por interpretar dados e preparar relatórios com as informações sobre a

audiência (não só as notícias mais lidas, mas o número total de leitores, a plataforma de

origem dos internautas e o tempo médio de permanência no site, entre outros dados). Eles

acrescentam:

O aparecimento de novos profissionais nos jornais (...) é um exemplo da mudança organizacional com impacto no processo de escolha da informação que deve ser rejeitada. Equipes de monitoramento, como especialistas em SEO, designers e programadores, ganham força nas decisões editoriais que acontecem em redações de todo o mundo. (CANAVILHAS, TORRES e LUNA, 2016, p. 140, grifo dos autores)

SEO é a sigla em inglês para Search Engine Optimization, algo como Otimização para

Ferramentas de Buscas. O especialista em SEO utiliza técnicas e estratégias para

potencializar e melhorar o posicionamento de um site nos mecanismos de busca. De acordo

com o site Tecmundo55, “trata-se do trabalho de otimizar uma página web, ou mesmo um

site inteiro, de modo que ele fique mais amigável ou acessível aos sites de buscas”. O

objetivo das técnicas de SEO é, portanto, aumentar a probabilidade de crescimento do

número de acessos de uma determinada página da Internet.

Canavilhas (et al, 2014, p.93) chama a esses novos profissionais de “tecnoatores” e afirma

que, apesar de o jornalista ainda ter o lugar central no funcionamento da redação, “é

evidente que a sua dependência em relação aos tecnoatores está crescendo”56.

Para os autores, parece claro que o público interfere nos processos de produção das

notícias. Eles concluem que, ao determinar a visibilidade da notícia, a audiência assume o

papel de uma espécie de “editor de conteúdos”: “O papel social de comentar e redistribuir

conteúdos coloca a audiência perante uma certa ‘autoridade editorial’ em relação aos

conteúdos que circulam dentro da sua comunidade de referência nas redes sociais”

(CANAVILHAS, TORRES e LUNA, 2016, p. 141).

Com base nas entrevistas realizadas neste trabalho, os autores puderam constatar,

inicialmente, que existe hoje “uma pressão resultante da aplicação de modelos de produção

guiados por métricas de audiência”. Vamos destacar, a seguir, alguns trechos das

entrevistas que consideramos emblemáticos desse ponto de vista:

55

Disponível em: https://www.tecmundo.com.br/blog/2770-o-que-e-seo-.htm 56 Bibliografia utilizada pelos autores: CANAVILHAS, João., SATUF, Ivan, LUNA, Diógenes e TORRES, Vitor. Jornalistas e tecnoatores: Dois mundos, duas culturas, um objetivo. Esferas. 3 (5), 85-95, 2014.

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“(...) Hoje há o cuidado a fazer títulos para que eles sejam apanhados pelos motores de busca. Perde-se em poesia, mas ganha-se em eficiência” (jornalista do Público) “Nós temos metas: recirculação, meta de capa, cliques... todos os repórteres do ‘digital’ tem consciência disso, precisam estar ‘por dentro’ (...)” (jornalista do Zero Hora) “Métricas de audiência, no meu entender e como víamos na redação, são dados que balizam o desempenho do site e também sua produção de conteúdos” (editor do iBahia) “Hoje o repórter não só escreve, não pensa somente na história que vai contar, ele também precisa estar preocupado se deu certo, se é preciso mudar o título para melhorar o SEO, melhorar minha colocação nas buscas” (jornalista do Zero Hora)

Em outros trechos, contudo, os entrevistados relativizam a importância das métricas, como

podemos acompanhar aqui:

“(...) Na escolha dos destaques na homepage procuramos sempre criar alguma dinâmica entre os temas que nós achamos muito importantes para as pessoas e aqueles temas que nós sabemos que as pessoas querem. Isso permite-nos fazer uma grelha mais diversificada do que se não tivéssemos o analytics” (editor do Observador) “(...) O jornal onde trabalho tem escolhas editoriais muito próprias e, portanto, uma ação desse gênero (decisões editoriais guiadas por métricas) muitas vezes entra em conflito com a política editorial” (jornalista do Público) “(...) Acredito que há temas mais leves que as pessoas gostam de ler e há temas mais sólidos que menos pessoas gostam de ler, mas nós achamos importantes oferece-los para aquelas pessoas que efetivamente queiram (...) É nesse cruzamento de coisas que nós decidimos o dia a dia” (editor do Observador)

Em suas considerações finais no referido estudo, os autores vislumbram um modelo de

produção de notícias caracterizado pelo equilíbrio entre as decisões editoriais (critérios de

noticiabilidade tradicionais e cultura profissional jornalística) e as decisões orientadas pelas

métricas de audiência online.

Ainda em relação à audiência, os autores afirmam:

Os jornais na Web já dedicam parte de sua atenção a esta participação da audiência quando incluem tops de “notícias mais lidas” e “mais partilhadas”, começando a planejar as estratégias de produção de notícias de acordo com as métricas de audiência. (CANAVILHAS, TORRES e LUNA, 2016, p.140, grifos dos autores)

Sobre a Lista das Notícias Mais Lidas Lidas – no UOL denominada simplesmente Mais

Lidas –, Canavilhas (2001, p.3) afirma que muitos sites utilizam esse recurso para despertar

o interesse dos leitores para aquilo que está sendo mais lido naquele momento – e, assim,

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alcançar mais cliques. O autor menciona uma pesquisa realizada pelo Media Effects

Research Laboratory, que revela haver uma espécie de “efeito multidão” que conduz os

leitores para notícias com grande número de visitas. “Os leitores acreditam que a um grande

número de visitas corresponde uma notícia importante.”

3.3 Língua e discurso

Apresentamos, neste tópico, referenciais teóricos inseridos na Análise de Discurso de linha

francesa. Inicialmente com Charaudeau (2008, 2010), que discorre sobre o contrato de

comunicação e fundamenta as chamadas estratégias de encenação da informação. Por fim,

com Maingueneau (2013), de quem utilizamos sobretudo os princípios de embreagem

enunciativa, discursos direto e indireto e enunciados destacados.

3.3.1 Contrato de comunicação

Considerando que nosso estudo se baseia na interferência da medição de audiência na

linguagem utilizada pelos jornalistas da mídia digital, propomos, no campo dos estudos da

linguagem, um olhar sobre os trabalhos do linguista francês Patrick Charaudeau,

especialista em Análise do Discurso. Para o autor, o universo da informação midiática não é

um simples reflexo do que acontece no espaço público, mas antes um “universo construído”.

A partir dessa constatação, Charaudeau (2010) revela a linguagem ao mesmo tempo

racional e sedutora das mídias – que, para chegar a um grande número de pessoas, precisa

“despertar o interesse tocando a afetividade do destinatário da informação”.

Para dar início ao que o autor classifica de “discurso das mídias”, cabe destacar um de seus

primeiros apontamentos sobre o tema: não se pode confundir língua e discurso – muito

embora, como lembra o próprio Charaudeau (2010), seja a língua a ferramenta com que se

constrói o discurso, e este “num efeito de retorno, a modifique”. Diz o teórico francês:

A língua é voltada para sua própria organização, em diversos sistemas que registram os tipos de relação que se instauram entre as formas (morfologia), suas combinações (sintaxe) e o sentido, mais ou menos estável e prototípico de que essas formas são portadoras segundo suas redes de relações (semântica). Descrever a língua é, de um modo ou de outro, descrever regras de conformidade, a serem repertoriadas em gramáticas e dicionários. (CHARAUDEAU, 2010, p. 40)

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Já o discurso, segundo o estudioso, está voltado para outra coisa além das regras de uso da

língua:

Resulta da combinação das circunstâncias em que se fala ou escreve (a identidade daquele que fala e daquele a quem este se dirige, a relação de intencionalidade que os liga e as condições físicas da troca) com a maneira pela qual se fala. É, pois, a imbricação das condições extradiscursivas e das realizações intradiscursivas que produz sentido. Descrever sentido de discurso consiste, portanto, em proceder a uma correlação entre dois polos. (CHARAUDEAU, 2010, p. 40)

Quando se fala no discurso da informação, o autor chama a atenção para a “mecânica de

construção” do sentido. Segundo Charaudeau (2010, p. 41, grifos do autor), o sentido nunca

é dado antecipadamente. Ele é, na verdade, “construído” pela ação linguageira do homem

em situação de troca social: “Toda forma remete a sentido, todo sentido remete a forma,

numa relação de solidariedade recíproca. O sentido se constrói ao término de um duplo

processo de semiotização: de transformação e de transação”.

Portanto, defende o teórico francês, todo discurso, antes de representar o mundo,

representa uma relação, ou, mais exatamente, “representa o mundo ao representar uma

relação”. Não é diferente no discurso da notícia – e, justamente por isso, é inútil pensar nos

textos jornalísticos em termos de fidelidade aos fatos ou a uma fonte de informação.

“Nenhuma informação pode pretender, por definição, à transparência, à neutralidade ou à

factualidade”, afirma (CHARAUDEAU, 2010, p. 42). Sendo também um ato de transação, o

sucesso da informação vai depender do tipo de alvo que o informador escolhe e da

coincidência ou não deste com o tipo de receptor que interpretará a informação dada.

De acordo com os postulados de Charaudeau, os indivíduos que desejam estabelecer uma

comunicação entre si têm de considerar os dados da situação de comunicação. Assim, não

só o locutor deve submeter-se às suas restrições, mas também deve supor que seu

interlocutor (ou destinatário) tem a capacidade de reconhecer essas mesmas restrições. Da

mesma forma, o interlocutor (ou leitor de um texto) deve supor que aquele que se dirige a

ele tem consciência dessas restrições. É assim, segundo o teórico francês, que se constrói

o que os filósofos de linguagem classificam como “cointencionalidade”. Para o autor, toda

troca linguageira se realiza num quadro de cointencionalidade, cuja garantia são as

restrições da situação de comunicação. Diz o autor:

O necessário reconhecimento recíproco das restrições da situação pelos parceiros da troca linguageira nos leva a dizer que estes estão ligados por uma espécie de acordo prévio sobre os dados desse quadro de referência. Eles se encontram na situação de dever subscrever, antes de qualquer intenção e estratégia, a um contrato de reconhecimento das condições de

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realização da troca linguageira em que estão envolvidos: um contrato de comunicação. Este resulta das características próprias à situação de troca, os dados externos, e das características discursivas decorrentes, os dados internos. (CHARAUDEAU, 2010, p. 68)

A finalidade desse contrato de comunicação midiática encontra-se numa tensão entre duas

visadas, que correspondem, cada uma delas, a uma lógica particular: uma visada de fazer

saber (a visada de informação), ou seja, o dever cívico de informar o cidadão; e uma visada

de fazer sentir (a visada de captação), que busca produzir um objeto de consumo que capte

as massas para sobreviver à concorrência.

Segundo defende Charaudeau (2010, p.90), “as mídias, em sua visada de informação, estão

em confronto permanente com um problema de credibilidade, porque baseiam sua

legitimidade no ‘fazer crer que o que é dito é verdadeiro’” (grifos do autor). O dilema reside

no fato de que, em nome da posição que ocupa institucionalmente no espaço público, cada

organização jornalística tem o dever de informar, o mais corretamente possível, o conjunto

dos cidadãos. Mas o mesmo organismo de informação está em concorrência com os

demais, o que o coloca num campo de luta comercial por sua própria sobrevivência

econômica. É nesse momento que se abre caminho para a visada de captação. Explica o

autor:

A instância midiática acha-se, então, “condenada” a procurar emocionar seu público, a mobilizar sua afetividade, a fim de desencadear o interesse e a paixão pela informação que lhe é transmitida. O efeito produzido por essa visada encontra-se no extremo oposto ao efeito de racionalidade que deveria direcionar a visada de informação. (CHARAUDEAU 2010, p. 92, grifo do autor)

O teórico francês refere que, para satisfazer esse princípio de emoção, a instância midiática

procede a uma “encenação sutil do discurso da informação”. Como resultado, relata um

acontecimento “segundo um modo discursivo que descreve os fatos com minúcia,

produzindo um efeito de objetividade, mas também com uma descrição dramatizante,

produzindo um efeito emocional suscetível de despertar, naquele que se informa, instintos

de voyeurismo ou de medo” (CHARAUDEAU, 2010, p. 129).

As mídias não ignoram a tensão existente entre os polos de credibilidade e captação: “Seu

jogo consiste em navegar entre esses dois polos ao sabor de sua ideologia e da natureza

dos acontecimentos”, conclui Charaudeau (2010, p. 93).

3.3.2 Estratégias de encenação da informação

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Se os acontecimentos produzidos no mundo são em número bem mais elevado àqueles

noticiados pelas mídias, o que define a escolha do que deve ser noticiado? Para além das

discussões acerca de Newsmaking e Valores-Notícia, tratados anteriormente neste capítulo,

Charaudeau (2010), em outra perspectiva de estudo, propõe que as mídias fazem essa

“seleção” com base em dados mais ou menos objetivos na relação com o tempo, o espaço e

a hierarquia.

Em relação ao tempo, o autor afirma que cada suporte de difusão tem seu próprio quadro

temporal que define a notícia como “atualidade”. Embora não mencionada em seu trabalho,

a Internet, dada sua possibilidade de atualização constante, é, talvez, a plataforma em que

essa estratégia mais pode ser explorada. “A atualidade é, pois, o que responde à pergunta:

“o que se passa neste momento?” É o que dá à notícia seu caráter factual desprovido, em

seu princípio, de qualquer qualificação subjetiva e de qualquer tentativa de explicação de

sua razão de ser” (CHARAUDEAU, 2010, p. 133, grifo do autor).

De acordo com Charaudeau, “a notícia só tem licença para aparecer nos organismos de

informação enquanto estiver inscrita numa atualidade que se renova pelo acréscimo de pelo

menos um elemento novo”. O autor acrescenta: “É preciso que esse elemento novo seja

portador de uma forte carga de inesperado para evitar o que as mídias mais temem – e que

depende da representação que têm a esse respeito, – a saber: a saturação”

(CHARAUDEAU, 2010, p. 134).

Vale ressaltar também que é na Internet que a imprensa melhor pode praticar a urgência na

transmissão de informação. Uma vez concluído o ato de informar, “produz-se um vazio que

deve ser preenchido o mais rapidamente possível por uma outra urgência; assim, de vazios

em urgências constrói-se atualidade com uma sucessão de notícias novas, num avançar

sem fim (...)” (CHARAUDEAU, 2010, p. 134).

No que se refere ao espaço, o teórico francês alerta para a estratégia de proximidade

espacial: essa característica confere à notícia um caráter de interesse particular quando o

fato ocorreu no mesmo espaço físico que o da instância de recepção. Ao desenvolver uma

cidadania da proximidade, a mídia volta-se para o que o autor chama de “aldeia”. Já o

afastamento espacial do acontecimento obriga a instância midiática a se dotar de meios

para descobri-lo e alcancá-lo (por exemplo, por meio de agências de notícias,

correspondentes e fontes oficiais ou oficiosas). Leva o público, assim, a uma sensação de

ubiquidade, pois este passa a ver, ouvir e ler o que se passa em diversos pontos do mundo

ao mesmo tempo. A mídia volta-se, desta vez, para o “planeta”.

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Mas Charaudeau (2010, p. 136) lembra que a imprensa sabe como gerenciar a atenção do

público, e assim pode tornar mais próximos assuntos que, originalmente, não despertariam

seu interesse. “É, pois, mais uma vez, o modo de tratamento da notícia que faz com que o

lugar do acontecimento esteja próximo ou longínquo”, diz o autor.

A hierarquia dos acontecimentos pressupõe dois critérios de seleção: um interno e outro

externo. Os critérios externos podem ser de três tipos: o acontecimento surge em sua

factualidade, com um caráter de inesperado (por exemplo, catástrofes naturais); o

acontecimento programado pelo existência de um calendário da vida social (por exemplo, as

Olimpíadas ou a transmissão de um debate presidencial); e o acontecimento suscitado por

um setor institucional (por exemplo, quando o poder público revela à imprensa um

escândalo para encobrir outro).

Já os critérios internos obedecem às representações que as mídias têm sobre o que pode

interessar ou emocionar o público.

O acidente, segundo Charaudeau, é outro aspecto saliente de que as mídias tiram partido:

Não é o acidente enquanto tal que interessa às mídias, mas o que ele comporta de drama humano. Quer sejam fatos de caráter político, fatos de sociedade, de justiça, ou mesmo os fait divers, todos devem ser tratados segundo categorias próprias a evocar os dramas do destino humano: o insólito, que desafia as normas da lógica; o enorme, que ultrapassa as da quantidade, obrigando o ser humano a se reconhecer como pequeno e frágil; o misterioso, que remete ao além como lugar de poder, muito mais das forças do mal que do bem; o repetitivo, que transforma o aleatório em fatalidade; o acaso, que faz coincidir duas lógicas em princípio estranhas uma à outra, obrigando-nos a pensar nessa coincidência; o trágico, que descreve o conflito entre paixão e razão, entre pulsões de vida e pulsões de morte; o horror, enfim, que conjuga exacerbação do espetáculo da morte com frieza no processo de exterminação. Tais categorias mostram claramente dois estados mundo: um estado de desordem e um estado de triunfo da ordem social. (CHARAUDEAU, 2010, p. 140-141, grifos do autor).

Em relação à estruturação midiática do espaço social, Charaudeau (2010, p. 142) refere que

o problema do recorte do mundo operado pelas mídias coloca-se de maneira diferente se o

considerarmos em sua origem (na busca e seleção dos acontecimentos) ou em seu término

(como a imprensa apresenta a notícia) – nos dois casos, alerta o autor, essas escolhas

propõem à instância de recepção uma certa grade de leitura dos acontecimentos do mundo.

“A estruturação do espaço social depende da instância fornecedora de informação, que é

obrigada a construir seu propósito gerenciando a visibilidade pública dos acontecimentos de

que trata”, afirma Charaudeau (2010, p. 143).

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A instância midiática, então, procede a uma repartição do espaço público em categorias, o

que deveria permitir aos atores que participam da vida pública reconhecer e compreender

essas categorias, além de reagir diante delas. “São essas categorias – e não os fatos em si

mesmos – que são apresentadas para serem consumidas”, diz Charaudeau (2010, p. 143).

Tais categorias, postula o autor, concernem, por um lado, ao modo de repartição do mundo

em espaços de ação e de representação (chamados por Charaudeau de “domínios de

atividade”, que refletem a maneira pela qual cada grupo social representa o conjunto das

atividades realizadas por seus membros). Por outro lado, concerne à natureza dos atores

que adquirem o direito de acesso às mídias.

Os atores sociais são, de acordo com Charaudeau (2010, p. 144), aqueles “considerados

dignos, pelas mídias, de se tornarem visíveis”. Os critérios empregados para definir um

personagem como tal ora correspondem a objetivos de credibilidade, ora a objetivos de

captação. São eles:

• O critério de notoriedade (atores do espaço público que estejam mais em foco, que

tenham responsabilidades coletivas);

• O critério de representatividade (atores que pertençam a grupos reconhecidos como

detentores de poder ou contrapoder, como representantes do governo, da oposição,

dos sindicatos, de diferentes associações, entre outros);

• O critério de expressão (mais justificado pelo processo de captação; em geral,

pessoas falem com clareza e simplicidade, que saibam fazer-se entender pelas

massas);

• O critério de polêmica (também se justifica pela captação; decorre da necessidade

de confrontos entre pessoas que têm posições antagônicas – o que explica o gosto

das mídias por declarações bombásticas e falas populistas).

3.3.3 Modos de organização do discurso

Especialmente relevantes para a análise que fazemos nesta dissertação são os chamados

modos de organização do discurso de informação. Segundo o teórico francês, o

acontecimento midiático constrói-se segundo três tipos de critérios: de atualidade, de

expectativa e de socialidade. A maneira de contar esse acontecimento, por sua vez, pode

ser feita por meio da descrição, da narração ou da argumentação. Cada um desses modos é

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usado de acordo com o objetivo discursivo do sujeito comunicante. Além destes, existem as

categorias particulares, que Charaudeau chama de “modos discursivos”, que correspondem

à especificidade das instruções dadas por cada situação de comunicação, no caso, a

situação de comunicação midiática. São elas:

• Relatar o que acontece ou aconteceu no espaço público, construindo um espaço de mediação que chamamos de “acontecimento relatado” (AR). Tal acontecimento é constituído por fatos e ações dos atores que aí se acham implicados: trata-se, nesse caso, de “fato relatado” (FR); mas também de palavras com declarações e demais reações verbais dos atores da vida pública: é o que chamamos de “dito relatado” (DR).

• Comentar o porquê e o como do acontecimento relatado por análises e pontos de vista diversos mais ou menos especializados e justificar eventualmente seus próprios posicionamentos. A explicação dada pode incidir tanto sobre o fato relatado quanto sobre o dito relatado. É o que chamamos de “acontecimento comentado” (AC).

• Provocar o confronto de ideias, com o auxílio de diferentes dispositivos, tais como as tribunas de opinião (TO), entrevistas (E) ou debates (D) para contribuir para a deliberação social. É o que chamamos de “acontecimento provocado” (AP). (CHARAUDEAU, 2010, p. 150-151, grifos do autor).

A partir da apresentação dessas categorias, o teórico francês defende, como já foi

mencionado anteriormente, que o universo da informação midiática é efetivamente um

universo construído. “Não é, como se diz às vezes, o reflexo do que acontece no espaço

público, mas sim o resultado de uma construção”, diz Charaudeau (2010, p. 151).

O acontecimento não é transmitido em seu estado bruto porque, antes de ser noticiado, é

submetido a diferentes critérios de seleção. “Assim, a instância midiática impõe ao cidadão

uma visão de mundo previamente articulada, sendo que tal visão é apresentada como se

fosse a visão natural do mundo.”

Após “selecionar” o acontecimento, o jornalista procede ao seu relato. Relatar um

acontecimento tem como consequência construí-lo midiaticamente. Diz Charaudeau (2010,

p. 152) que, no mesmo instante em que algo é relatado, “constrói-se uma notícia no espaço

temático de uma rubrica”. A notícia, ele continua, é objeto de um tratamento discursivo

desenvolvido sob diferentes formas textuais: de anúncios (títulos, como veremos nesta

dissertação), de notificação (notas), de relatório (artigo) etc. É a isso que o autor denomina

“acontecimento relatado”.

O acontecimento relatado de que trata Charaudeau compreende fatos e ditos. Os fatos

podem ter relação com o comportamento dos indivíduos e suas ações e também com as

forças da natureza, como as catástrofes naturais. Já os ditos têm relação com declarações e

pronunciamentos diversos.

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Fato Relatado (FR)

Segundo Charaudeau, o fato relatado é objeto de uma descrição, de uma explicação e de

reações. “Descrever um fato depende, por um lado, de seu ‘potencial diegético’, por outro,

da encenação discursiva operada pelo sujeito que relata o acontecimento e, ao mesmo

tempo, constrói uma ‘diegese narrativa’.” (CHARAUDEAU, 2010, p. 152). Nesse caso, o

problema que se coloca à imprensa é o da autenticidade ou da verossimilhança dos fatos

que descreve. Isso pode ser obtido recorrendo a diversos meios linguísticos e semiológicos

que remetem a três tipos de procedimentos:

1) De designação identificadora – consiste em exibir as provas de que o fato realmente existiu.

É essencialmente graças à imagem (fixa ou animada), pela designação de uma realidade que se desenrola sob nossos olhos ou de documentos que provam sua existência, que é acionado esse procedimento;

2) De analogia – quando não se pode mostrar o fato diretamente, consiste em reconstituí-lo da maneira mais realista possível, com profusão de detalhes na descrição, comparações etc.

3) De visualização – consiste em fazer ver o que não é visível a olho nu (graças ainda à imagem: mapas, maquetes, panoramas, closes, esquemas etc), em fazer ouvir o que geralmente não se ouve (sonoridades obtidas com o auxílio de aparelhos especiais e de técnicas de gravação específicas). Um bom exemplo são as previsões meteorológicas, que permitem visualizar fenômenos invisíveis a olho nu, com o auxílio de mapas, fotos aéreas e de animação enviadas por satélites.

Já “explicar um fato” é, nas palavras de Charaudeau (2010, p. 154), “tentar dizer o que o

motivou, quais foram as intenções de seus atores, as circunstâncias que o tornaram

possível, segundo qual lógica de encadeamento, enfim, que consequências podem ocorrer”.

Isso porque toda narrativa se fundamenta não na simples lógica dos fatos, mas na

conceitualização intencional construída em torno de diferentes questões:

• a da origem (“por que as coisas são assim?”),

• a da finalidade (“para onde vão as coisas?”) e

• a do lugar do homem no universo (“por que eu sou assim no meio dessas coisas?”).

Com efeito, são as respostas (ou tentativas de respostas) a essas questões que tornam o

mundo inteligível e que dão sentido aos destinos humanos. É por isso que, entre os

procedimentos necessários ao relato, são esperadas explicações sobre o “por que é assim?”

e sobre o “como é possível?”.

As explicações, de acordo com Charaudeau (2010, p.155), fornecem as causas e

consequências que estão direta ou estreitamente ligadas ao fato, sem que haja análise ou

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comentários globais propriamente ditos. Por exemplo: “Pressionado pelo governo, ministro

pede demissão” e “Uma velha cabana de madeira perdida na montanha salvou os alpinistas

da morte” são títulos que incluem causa, consequência e circunstância – mas não

constituem uma análise.

A outra categoria comum ao fato relatado é “descrever as reações” a um fato. Trata-se de

uma tarefa igualmente necessária, pois todo acontecimento que se produz no espaço

público concerne a todos os cidadãos e particularmente àqueles que, de uma maneira ou de

outra, têm uma responsabilidade social ou política. “É esse jogo de inter-relações entre os

diferentes atores sociais que as mídias têm por obrigação descrever, porque interfere no

funcionamento democrático da sociedade”, diz Charaudeau (2010, p. 155). As reações

podem tomar a forma de uma declaração (oral ou escrita) ou de um ato.

Como declaração, a reação mostra o interesse que os atores atribuem ao fato que acaba de

ocorrer, qualquer que tenha sido a maneira pela qual souberam do ocorrido. Não reagir seria

dar a entender que não se tem nada a ver com o fato, o que é negativo para um responsável

político. Afirma Charaudeau (2010, p. 155):

A reação-declaração consiste em emitir um julgamento que pode ser uma opinião pessoal ou oficial (favorável ou desfavorável), em fazer uma confissão ou uma denúncia, se for o caso. Ela pode converter-se num miniacontecimento associado ao precedente, e acabar por suplantá-lo.

Ainda sobre o Fato Relatado, cabe inserir as proposições apresentadas por Bucci (2003).

Para o autor, o fato – ao contrário da teoria de que ele é mero retrato da realidade – já

nasce como relato: “Os fatos acontecem, no instante em que acontecem, já como relatos.

Ou, se quisermos, como elementos discursivos” (BUCCI, 2003, p. 9). E acrescenta:

Um fato ambiciona a condição de relato – pois só o relato dará a ele, mero fato, um

sentido narrativo. Não há, portanto, fato jornalístico sem o relato jornalístico. O que

pretendo dizer, enfim, é que o relato jornalístico ordena e, por definição, constitui a

realidade que ele mesmo apresenta como sendo a realidade feita de fatos. (BUCCI,

2003, p. 9).

Assim, para o autor, a notícia acontece como elo do discurso, como elemento discursivo –

que pode tender tanto para um lado quanto para outro. E o que chamamos de realidade, na

verdade, é sempre uma realidade discursiva.

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Dito Relatado (DR)

A palavra do outro está sempre presente em todo ato de enunciação de um sujeito falante,

instituindo uma espécie de dialogismo permanente entre o outro e o sujeito que fala,

fazendo de todo discurso um discurso heterogêneo por definição, uma vez que se compõe

frequentemente dos traços das enunciações do outro. Segundo Charaudeau (2010, p. 161),

entretanto, “a palavra do outro aparece sob diferentes formas, de maneira mais ou menos

explícita, com significações diversas, daí porque seja necessário distinguir diferentes tipos

de heterogeneidade, dentre os quais o discurso relatado”.

O “discurso relatado” é o ato de enunciação pelo qual um locutor relata o que foi dito por um

outro locutor, dirigindo-se a um interlocutor que, em princípio, não é o interlocutor de origem.

Essa figura caracteriza-se, então, pelo encaixe de um dito num outro dito, pela manifestação

da heterogeneidade do discurso. A heterogeneidade está marcada por índices que apontam

que uma parte, pelo menos, do que é dito, deve ser atribuída a um locutor diferente daquele

que fala – essas marcas por vezes são discretas e surge, então, o problema da fronteira

entre “discurso relatado” e “interdiscursividade”57.

A descrição do dito relatado se baseia em três tipos de operação: a seleção feita a partir do

dito de origem (Do), a identificação dos elementos dos quais depende o Do e a maneira de

relatar.

A seleção pode ser total ou parcial. Total, quando apresenta o dito in-extenso, o que produz

um efeito de objetivação, de apagamento do locutor-relator e de autenticação do dito.

Parcial, quando apresenta o dito relatada de maneira truncada (em trechos), o que produz

um efeito de subjetivação na medida em que apenas uma parte do dito de origem é imposta

ao interlocutor.

A identificação dos elementos dos quais depende a enunciação do dito de origem pode ser

também total (todos os elementos), parcial (apenas alguns elementos) ou não existir.

Quanto mais o locutor que relata identifica, mais ele produz uma garantia de autenticidade

ao que foi dito.

Já a maneira de relatar pode ser de diferentes formas:

• Citando o dito de origem que é relatado, mais ou menos integralmente, numa construção que se apresenta como a reprodução fiel do que foi enunciado, com marcas de autonomia

57 Segundo Maingueneau (2010, p. 162), trata-se do “fenômeno geral de inserção de fragmentos de discursos uns nos outros, não necessariamente explicitada”.

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no dizer do locutor que relata (as marcas mais comuns são os dois pontos e as aspas); • Integrando parcialmente o dito de origem, na terceira pessoa, ao dizer daquele que relata,

com modificações no enunciado de origem: os pronomes e o tempo verbal dependem não do momento de enunciação de origem, mas do momento de enunciação do locutor que relata;

• Narrativizando o dito de origem que é relatado, de tal maneira que se integre totalmente, ou mesmo desapareça, no dito de quem relata. O locutor do dito de origem torna-se agente de um ato de dizer (Exemplo: A frase “Eu te amo” poderá ser relatada como “Ele lhe declarou seu amor”);

• Evocando (a alusão) o dito de origem, que aparece apenas como uma evocação do que o locutor de origem disse ou costuma dizer. Essa maneira costuma ser marcada por uma palavra ou um grupo de palavras entre aspas, travessões ou parênteses e corresponde a algo como “como você diz” ou “como se diz neste momento”.

Assim como acontece com o fato relatado, as mídias são levadas a expor as reações dos

atores do mundo político ou dos simples cidadãos quando estes são diretamente implicados

pelas declarações. “Mas quando se trata de um dito de reação, supõe-se que sejam réplicas

que correspondam a uma espécie de direito de resposta social”, explica Charaudeau (2010,

p. 167, grifos do autor).

Além das figuras do Fato Relatado (FR) e do Dito Relatado (DR), Charaudeau (2010)

debruça-se também sobre os atos de comentar o acontecimento e provocar o

acontecimento. Para o autor, “comentar o mundo constitui uma atividade discursiva,

complementar ao relato, que consiste em exercer suas faculdades de raciocínio para

analisar o porquê e o como dos seres que se acham no mundo e dos fatos que aí se

produzem” (CHARAUDEAU, 2010, p. 175).

O autor diz que o comentário põe o leitor em questão, ou seja, “exige uma atividade

intelectiva, um trabalho de raciocínio, uma tomada de posição contra ou a favor, e desta

atividade não há ninguém, no fim da troca, que saia incólume” (CHARAUDEAU, 2010, p.

176). No dilema entre a credibilidade e a captação, o jornalista tende a preferir modos de

raciocínio simples e motivadores.

O “fazer simples”, de acordo com Charaudeau, pode ser alcançado principalmente por meio

da “restrição” (fazer uma afirmação para corrigi-la em seguida, utilizando, por exemplo, mas,

entretanto, embora), da “alternativa” (consiste em contrapor duas afirmações, focalizá-las

alternadamente e colocá-las em deliberação) e da comparação (aproxima o fato particular

de um fato próximo à experiência humana amplamente compartilhada). Para ser motivador,

por sua vez, o jornalista utiliza argumentos escolhidos em função de seu valor de crença,

mais do que de conhecimento, pois as crenças são amplamente compartilhadas pelo grande

público.

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Já o ato de provocar o acontecimento advém da necessidade que a mídia tem de não

apenas relatar as falas que circulam no espaço público. A imprensa contribui de maneira

muito mais ativa para o debate social, criando dispositivos que proporcionam o surgimento e

confronto de falas diversas. Para Charaudeau (2010, p. 188-189), esse surgimento e esse

confronto não são espontâneos ou ao sabor do debate social que se instaura no espaço

público. A esse respeito ,diz o autor:

Trata-se, ao contrário, de uma encenação organizada de tal maneira que os confrontos de falas tornam-se, por si, um acontecimento notável (saliente). O acontecimento é proveniente, aqui, de um dizer que não é um simples recurso para descrever o mundo (a fala do apresentador, do jornalista ou da testemunha), mas uma construção com fins de revelação de uma determinada verdade sobre o mundo. Essa construção é, então, exibida (na imprensa, no rádio, na televisão), e para tanto ela é objeto, como no teatro, de uma mise-em-scène nos dispositivos instalados pelas mídias. (CHARAUDEAU, 2010, p. 189, grifo do autor).

Ante o exposto, acreditamos que, em todos os diferentes formatos do trabalho das mídias

(fato relatado, dito relatado, acontecimento comentado e acontecimento provocado), é

possível encontrar, nos textos jornalísticos, marcas de posicionamento do locutor-relator.

Esses traços serão utilizados em nossa análise no próximo capítulo.

Características e leis do discurso

Além da concepção de discurso apresentada anteriormente de Charaudeau (2010), é

importante também o fato de Maingueneau (2013, p.58-62, grifos do autor) acrescentar o

que entende serem suas principais características:

• O discurso é uma organização situada para além da frase: “Isto não quer dizer que todo discurso se manifeste por sequências de palavras de dimensões obrigatoriamente superiores à frase, mas sim que ele mobiliza estruturas de uma outra ordem que as da frase”

• O discurso é orientado: “Não somente porque é concebido em função de uma perspectiva assumida pelo locutor, mas também porque se desenvolve no tempo, de maneira linear. O discurso se constrói, com efeito, em função de uma finalidade, devendo, supostamente, dirigir-se para algum lugar. Mas ele pode se desviar em seu curso (digressões...), retomar sua direção inicial, mudar de direção etc”

• O discurso é uma forma de ação: “Falar é uma forma de ação sobre o outro e não apenas uma representação do mundo. A problemática dos “atos de linguagem” (ou “atos de fala”, ou ainda “atos de discurso”), desenvolvida a partir dos anos sessenta por filósofos como J. L. Austin (Quando dizer é fazer, 1962) e J. R. Searle (Os atos de linguagem, 1969), mostrou que toda enunciação constitui um ato (prometer, sugerir, afirmar, interrogar...) que visa modificar uma situação”

• O discurso é interativo: “A atividade verbal é, na realidade, uma inter-atividade entre dois parceiros, cuja marca nos enunciados encontra-se no

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binômio EU-VOCÊ da troca verbal. A manifestação mais evidente da interatividade é a interação oral, a conversação, em que os dois locutores coordenam suas enunciações, enunciam em função da atitude do outro e percebem imediatamente o efeito de suas palavras sobre o outro (...) Toda enunciação, mesmo produzida sem a presença de um destinatário58, é, de fato, marcada por uma interatividade constitutiva (fala-se também de dialogismo), é uma troca, explícita ou implícita, com outros enunciadores, virtuais ou reais, e supõe sempre a presença de uma outra instância de enunciação à qual se dirige o enunciador e com relação à qual constrói seu próprio discurso”

• O discurso é contextualizado: “Não diremos que o discurso intervém em um contexto, como se o contexto fosse somente uma moldura, um cenário; na realidade, não existe discurso senão contextualizado (...) Não se pode verdadeiramente atribuir um sentido a um enunciado fora de contexto; o ‘mesmo’ enunciado em dois lugares distintos corresponde a dois discursos distintos. Além disso, o discurso contribui para definir seu contexto, podendo modificá-lo no curso da enunciação”.

• O discurso é assumido por um sujeito: “O discurso só é discurso enquanto remete a um sujeito, um EU, que se coloca como fonte de referências pessoais, temporais, espaciais e, ao mesmo tempo, indica que atitude está tomando em relação àquilo que diz e em relação a seu coenunciador (fenômeno de ‘modalização’)”.

• O discurso é regido por normas: “A atividade verbal se inscreve na vasta instituição da fala e, como todo comportamento, é regida por normas. Cada ato de linguagem implica normas particulares. (...) Fundamentalmente, nenhum ato de enunciação pode efetuar-se sem justificar, de uma maneira ou de outra, seu direito a apresentar-se da forma como se apresenta. Um trabalho de legitimação inseparável do exercício da palavra.”

• O discurso é considerado no bojo de um interdiscurso: “O discurso só adquire sentido no interior de um universo de outros discursos, lugar no qual ele deve traçar seu caminho. Para interpretar qualquer enunciado, é preciso relacioná-lo a muitos outros – outros enunciados que são comentados, parodiados, citados... Cada gênero de discurso tem sua maneira de tratar a multiplicidade das relações interdiscursivas”.

É importante ressaltar que, para fazer referência às produções verbais, os linguistas não

dispõem apenas do termo “discurso”. Recorrem, também, a “enunciado” e “texto”. Entre as

muitas definições que as duas expressões recebem, selecionamos o que Maingueneau

(2013, p. 63) destaca:

• Enunciado se opõe a enunciação da mesma forma que o produto se opõe ao ato de

produzir. Nesta perspectiva, o enunciado é a marca verbal do acontecimento, que é

a enunciação;

• Alguns linguistas definem o enunciado como uma “unidade elementar da

comunicação verbal”, uma sequência dotada de sentido e sintaticamente completa;

• Outros opõem a “frase”, considerada fora de qualquer contexto, à diversidade de

enunciados que lhe correspondem, segundo a variedade de contextos em que essa

frase pode figurar;

58 Casos da escrita ou de um programa de rádio, por exemplo.

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• Emprega-se também “enunciado” para designar uma sequência verbal que forma

uma unidade de comunicação completa no âmbito de um determinado gênero de

discurso: um boletim meteorológico, um romance, um artigo de jornal etc. são, desse

modo, enunciados. Um enunciado se prende à orientação comunicativa de seu

gênero de discurso. Nesta acepção, “enunciado” possui, portanto, um valor quase

equivalente ao de “texto”;

• “Texto” emprega-se igualmente com um valor mais preciso, quando se trata de

apreender o enunciado como um todo, como constituindo uma totalidade coerente. O

ramo da linguística que estuda essa coerência chama-se “linguística textual”. Tende-

se a falar de “texto” quando se trata de produções verbais orais ou escritas,

estruturadas de forma a perdurarem, a se repetirem, a circularem longe de seu

contexto original.

De acordo com os estudos de Maingueneau (2013, p. 22, grifos do autor), “todo ato de

enunciação é fundamentalmente assimétrico: a pessoa que interpreta o enunciado

reconstrói seu sentido a partir de indicações presentes no enunciado produzido, mas nada

garante que o que ela reconstrói coincida com as representações do enunciador”.

Isto porque, segundo o autor, compreender um enunciado não é somente referir-se a uma

gramática e a um dicionário: é mobilizar saberes muito diversos, fazer hipóteses, raciocinar,

construindo um contexto que não é um dado preestabelecido e estável. Para o estudioso, a

própria ideia de um enunciado que possua um sentido fixo fora de contexto é insustentável.

Tal regra vale também para os textos jornalísticos, independentemente da plataforma em

que estão inseridos. Nesse caso, o leitor, ou coenunciador, precisa ativar seus

conhecimentos linguísticos e de mundo, sempre levando em conta o contexto situacional,

para “construir” o sentido a respeito de determinada notícia. Essa interação entre enunciador

e coenunciador é visível principalmente na superfície da matéria jornalística, uma vez que o

jornalismo se manifesta por meio da língua, sendo, portanto, dialógico.

Maingueneau (2013) cita o princípio da cooperação para explicar que o leitor de um jornal,

por exemplo, deve supor que o produtor do enunciado (no caso, o jornalista) respeita certas

“regras do jogo” da comunicação – entre elas, que o enunciado é “sério” e que aquele

conteúdo diz respeito e interessa àqueles a quem foi dirigido. A essas regras o autor dá o

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nome de “leis do discurso”59, que, por sua vez, estão subordinadas ao referido princípio da

cooperação.

As principais leis do discurso, conforme postula Maingueneau (2013, p. 37-41), podem ser

assim classificadas:

Lei da Pertinência Intuitivamente, estipula que uma enunciação deve ser o máximo possível adequada ao contexto em que acontece: deve interessar ao destinatário, fornecendo-lhe informações que modifiquem a situação Lei da Sinceridade Diz respeito ao engajamento do enunciador no ato de fala que realiza. Cada ato de fala (prometer, afirmar, ordenar, desejar...) implica um determinado número de condições, de regras do jogo. A lei da sinceridade não será respeitada se o enunciador enuncia um desejo que não quer ver realizado, se afirma algo que sabe ser falso etc Lei da Informatividade Incide sobre o conteúdo dos enunciados e estipula que não se deve falar para não dizer nada, que os enunciados devem fornecer informações novas ao destinatário Lei da Exaustividade Especifica que o enunciador deve dar a informação máxima, considerando-se a situação. Exige também que não se esconda uma informação importante Leis da Modalidade Um determinado número de leis da modalidade prescreve clareza (na pronúncia, na escolha das palavras, na complexidade das frases etc) e, principalmente, economia (procurar a formulação mais direta).

Para o autor, o discurso jornalístico é antecipadamente legitimado – afinal, foi o próprio leitor

quem o comprou. Por seu lado, o jornal procura apresentar-se como representante desse

leitor, a quem deve responder a demandas, explícitas ou não. “Quando o jornal propõe uma

seção ‘Sua saúde’ ou ‘Resultados esportivos’, ele valoriza a face positiva do leitor,

interessando-se pelas suas preferências ou necessidades, aceitando-as como legítimas ao

satisfazê-las; ele valoriza também sua própria face positiva de locutor, ao mostrar-se

preocupado com o bem-estar de seus leitores”. (MAINGUENEAU, 2010, p. 44).

3.3.4 Embreagem enunciativa

A enunciação se manifesta por meio de diferentes marcas linguísticas, como a modalidade,

o tempo ou a figura da pessoa (ou não pessoa). Em seus estudos acerca dos textos de

comunicação, Maingueneau (2013) relaciona inúmeras situações em que é possível

identificar essas marcas na atividade enunciativa.

59 Classificadas como “máximas conversacionais” pelo filósofo da linguagem Paul Grice, mencionado por Maingueneau (2013, p.34).

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Segundo o autor, todo enunciado possui, por exemplo, traços de modalidade que indicam a

atitude do enunciador em relação a seu enunciado ou a seu coenunciador. “O fato de todo

enunciado ter um valor modal, de ser modalizado pelo enunciador, mostra que a palavra só

pode representar o mundo se o enunciador, direta ou indiretamente, marcar sua presença

através do que diz”, afirma o teórico.

Nesta dissertação, vamos nos restringir a algumas dessas marcas, que serão utilizadas

como categorias em nossa análise. Uma delas é a embreagem enunciativa, sobre a qual

vamos discorrer a seguir.

Embreagem e embreantes

Segundo Maingueneau (2013, p. 129), chama-se embreagem “o conjunto das operações

pelas quais um enunciado se ancora na sua situação de enunciação”, e embreantes

(também chamados de elementos dêiticos), “os elementos que no enunciado marcam essa

embreagem”.

No que se refere aos embreantes de pessoa, temos:

a) os tradicionais pronomes pessoais de primeira e segunda pessoa; eu, tu/você, nós,

vós/vocês;

b) os determinantes meu/teu, nosso/vosso, seu e suas formas no feminino e no plural;

c) os pronomes o meu, o teu (o seu) / o nosso, o vosso (o seu) e suas formas no

feminino e no plural.

Mas há, ainda, outros embreantes, temporais e espaciais, geralmente chamados de dêiticos

espaciais e dêiticos temporais:

• As marcas de presente, passado e futuro acrescentadas ao radical do verbo, ou as palavras e grupos de palavras com valor temporal como ontem, amanhã, hoje, há dois dias, dentro de um ano etc., que têm como ponto de referência o momento de sua enunciação. Com efeito, dentro de um ano designa uma duração de um ano a partir do momento em que se fala; o advérbio ontem designa o dia anterior; hoje designa o próprio dia da enunciação;

• Os embreantes espaciais são menos numerosos; eles se distribuem a partir do ponto de referência constituído pelo lugar onde se dá a enunciação: aqui designa o espaço onde falam os coenunciadores; lá, um lugar distante; isto, um objeto inanimado mostrado pelo enunciador etc. Ao lado desses puros embreantes espaciais encontram-se também grupos nominais determinados por este, esse (“esta estante”, “essa cidade”...) que associam uma embreagem como este/esse e um substantivo (“estante”, “cidade”) portador de significado independentemente da situação de enunciação. (MAINGUENEAU, 2013, p. 130, grifos do autor)

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É importante lembrar que nem todos os indicadores de tempo ou de lugar são embreantes.

Maingueneau (2013, p. 132) usa o seguinte texto para exemplificar:

Ele explica que “véspera” tem como ponto de referência “15 de maio”, isto é, um elemento

do texto – e não o momento da enunciação. Da mesma forma, o pronome “ele” não é um

embreante, pois o seu referente está relacionado ao antecedente “Paul”, ou seja, graças ao

cotexto. Assim, é possível dizer que o coenunciador pode apoiar-se na situação de

enunciação (embreantes) ou em elementos do enunciado (cotexto).

Seguem exemplos de embreantes de tempo:

Tabela 5. Embreantes e cotexto

A referência é a enunciação (embreantes)

A referência é o enunciado (cotexto)

Agora Naquele momento Hoje Naquele dia

Ontem Na véspera Há dois dias Dois dias antes

Amanhã No dia seguinte Daqui a três meses Três meses depois

Fonte: Maingueneau (2013, p.132)

A maioria dos enunciados comporta embreantes. Esses enunciados se encontram, portanto,

em relação com sua situação de enunciação. Fala-se, então, de “enunciado embreado”. Mas

quando o enunciado está desprovido de embreantes, como se estivesse isolado da situação

de enunciação, fala-se de “enunciado não embreado” – por exemplo, um texto que trate de

um acontecimento histórico do passado, textos literários ou científicos (sem referências ao

par eu-você e sem verbos no presente dêitico).

Em relação aos verbos, é relevante destacar estudo de Marcuschi (2007) sobre o que ele

classifica como Ação dos Verbos Introdutores de Opinião. Para o autor, o verbo é uma das

formas linguísticas mais frequentes de relatar opiniões. Ele afirma:

Ao se informar a opinião de alguém é possível levá-lo a dizer algo que não disse. Esta manipulação sutil, feita com recurso de um verbo, é o que caracterizamos como interpretação implícita. Muitas vezes alguém levantou uma hipótese e o redator já nos faz ver uma declaração; outras vezes um político expressa uma posição mais dura e o redator transforma aquilo em uma ameaça; em outros casos alguém faz uma ressalva e o redator nos faz ver uma ênfase. É interessante notar como as palavras de fontes do Governo

Paul chegou no dia 15 de maio. Na véspera ele tinha corrido uma maratona.

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são hoje apresentadas como declarações, recomendações, advertências e outras afins. (MARCUSCHI, 2007, p. 151)

Marcuschi (2007, p. 166) refere, ainda, que os verbos introdutores de opiniões exercem uma

ação direta sobre o sentido do discurso relatado e cumprem uma função reordenadora do

texto dentro da economia jornalística. Nesse sentido, o autor considera três aspectos:

a) Os verbos exercem uma ação sobre o dito relatado;

b) Os verbos organizam o discurso relatado numa ordem e numa estrutura

própria;

c) Na reordenação discursiva que processam, esses verbos preservam sua

ação interpretativa anterior.

Modalidade - Como se viu anteriormente, um enunciado embreado se organiza em torno do

locutor, designado por “eu”, que desempenha papel de “centro dêitico” na medida em que

serve de referência aos dêiticos espaciais e temporais. Mas Maingueneau (2013, p. 146)

alerta que a subjetividade da língua não se manifesta apenas através dos dêiticos. Por esta

razão, é preciso considerar também os casos de modalização, ou seja, a relação que o

locutor mantém com aquilo que ele diz. “O locutor pode fazer julgamentos de valor ou indicar

se ele adere ou não ao dito”, diz o autor.

Mas assim como o locutor pode manifestar sua presença no plano modal em um enunciado

embreado, também um enunciado não embreado pode conter formas de modalização. Em

relação à modalidade, Maingueneau apresenta, portanto, quatro possibilidades distintas:

1 – Textos embreados modalizados (= subjetivos) 2 - Textos embreados não modalizados (=objetivos) 3 - Textos não embreados modalizados (=subjetivos) 4 – Textos não embreados não modalizados (=objetivos)

Ainda sobre a modalização, convém recorrer a Charaudeau (2010, p. 171), para quem esse

elemento refere-se ao “meio de que dispõe o locutor-relator para expressar a atitude de

crença para com a veracidade dos propósitos do locutor de origem”. Essa escolha, de

acordo com o autor, se reflete na escola dos verbos que descrevem o modo de declaração

(diz, declara, informa, relata, anuncia, indigna-se etc) – ou ainda nas diversas marcas de

distanciamento (segundo, de acordo com, emprego do condicional etc).

Para a análise do discurso, a consideração da modalização é crucial porque, por definição,

“lida com enunciações pelas quais os locutores, ao mesmo tempo, instituem uma certa

relação com outros sujeitos falantes e com sua própria fala” (Charaudeau e Maingueneau,

2008, p. 336). Os autores complementam: “A modalização pode ser explicitada por marcas

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particulares, ou manter-se no implícito do discurso, mas ela está sempre presente, indicando

a atitude do sujeito falante frente a seu interlocutor, a si mesmo e a seu próprio enunciado”.

3.3.5 Discurso direto e discurso indireto

Quando falamos em discurso relatado, estamos falando de uma enunciação sobre outra

enunciação. Põem-se em relação dois acontecimentos enunciativos: uma enunciação

citante e uma enunciação citada. No jornalismo, a forma mais simples e comum de um

enunciador indicar que não é o responsável por um enunciado é utilizar um marcador

específico. É o que Maingueneau chama de “modalização em discurso segundo”. Exemplos

dessa modalização podem ser vistos nas seguintes frases:

“Segundo X, a França prepara uma represália...” “A França, segundo fontes bem informadas, prepara uma represália...” “A França, parece, prepara uma represália...” “A França prepararia uma represália...”

Além desse modelo de relato, o jornalista também pode recorrer ao discurso direto e

indireto, como veremos a seguir.

No caso do discurso direto (DD), diferentemente da modalização em discurso segundo, o

jornalista não se contenta em eximir o enunciador de qualquer responsabilidade, “mas ainda

simula restituir as falas citadas e se caracteriza pelo fato de dissociar claramente as duas

situações de enunciação: a do discurso citante e a do discurso citado” (Maingueneau, 2013,

p. 181, grifos do autor).

Em geral, a citação em DD é apresentada como a exata reprodução das palavras do

enunciador citado. Os jornalistas costumam recorrer a esse modelo por três motivos:

1) criar autenticidade, indicando que as palavras relatadas são aquelas realmente

proferidas;

2) distanciar-se, seja porque o enunciador citante não adere ao que é dito e não quer

misturar esse dito com aquilo que ele efetivamente assume; seja porque o

enunciador quer explicitar, por intermédio do discurso direto, sua adesão respeitosa

ao dito, fazendo ver o desnível entre palavras prestigiosas, irretocáveis e as suas

próprias palavras (citação de autoridade);

3) mostrar-se objetivo, sério.

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Mas, para Maingueneau, a prática é, na verdade, uma encenação visando criar um efeito de

autenticidade. Isto porque, segundo o autor, não há como comparar uma ocorrência de fala

efetiva (com entonação, gestos, reação de um auditório) com um enunciado citado entre

aspas em um contexto totalmente diverso. “Como a situação de enunciação citada é

reconstruída pelo sujeito que a relata, é essa descrição necessariamente subjetiva que

condiciona a interpretação do discurso citado”, diz Maingueneau (2013, p. 182).

Para introduzir o discurso direto, os jornalistas, especificamente, devem atender a duas

exigências do leitor: indicar que houve um ato de fala; e marcar a fronteira que os separa do

discurso citado. Esta última pode ser satisfeita de várias formas, sobretudo as tipográficas

(dois pontos, travessões, aspas e itálico, por exemplo). Já a primeira exigência pode ser

cumprida por meio de verbos cujo significado indica que há enunciação (colocados antes do

discurso direto, colocados em oração intercalada no interior do discurso citado ou colocados

no final) e por meio de grupos preposicionais (à semelhança do que ocorre com a

modalização em discurso segundo, aqui os grupos assinalam que houve uma mudança de

ponto de vista: “segundo X”, “para X”, “conforme X”).

Para Maingueneau, os introdutores de discurso direto não são neutros, mas trazem consigo

um enfoque subjetivo. O verbo introdutor, por exemplo, fornece um certo quadro no interior

do qual será interpretado o discurso citado. “Se um verbo como ‘dizer’, uma preposição

como ‘segundo’ podem parecer neutros, não é esse o caso de ‘confessar’ por exemplo, que

implica que a fala relatada constitui um erro” (MAINGUENEAU, 2013, p. 186, grifos do

autor).

O segundo modo de citação que trataremos nesta dissertação é o discurso indireto (DI),

que também funciona segundo regimes enunciativos próprios. Nesse modelo, o enunciador

citante tem uma infinidade de maneiras de traduzir as falas citadas, pois não são as

palavras exatas que são relatadas, mas sim o “conteúdo do pensamento”. Em geral, a

imprensa contemporânea privilegia o discurso direto em relação ao indireto, talvez uma

tentativa de se aproximar ao máximo dos atores da cena midiática e pela preocupação com

a objetividade. Mas, segundo Maingueneau, o discurso direto não é mais objetivo que o

indireto.

No caso do discurso indireto, há apenas uma situação de enunciação: as pessoas e os

dêiticos espaçotemporais do discurso citado são identificados, com efeito, em relação à

situação de enunciação do discurso citante. No exemplo “Há três dias Paulo disse que você

viria amanhã” temos: “você” é o coenunciador do discurso citante e “amanhã” refere-se ao

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dia posterior ao da enunciação citante (Paulo não pôde dizer “amanhã”). Já o verbo “viria”

corresponderia, no discurso direto, a “virá”. Trata-se de uma manifestação do que o autor

chama de “concordância temporal”, pelo qual uma citação no discurso indireto perde sua

autonomia enunciativa, tornando-se dependente do verbo introdutor.

É possível encontrar, no discurso indireto, formas híbridas de citação. Sobre este assunto,

Maingueneau (2013) menciona as ilhas textuais e discurso direto com “que”. Um caso de

ilha textual pode ser observado no seguinte exemplo:

O presidente francês afirmou que aquilo poderia ter “consequências sobre a vida” dos soldados franceses.60

Nesse DI, o enunciador citante isolou em itálico e entre aspas um fragmento que, ao mesmo

tempo, ele utiliza e menciona, emprega e cita. “Temos, então, uma forma um tanto híbrida:

mesmo em se tratando de discurso indireto, este contém algumas palavras atribuídas aos

enunciadores citados. O fragmento assim atribuído ao enunciado do discurso citado recebe

o nome de ilha textual” (MAINGUENEAU, 2013, p. 193). A ilha, no caso, é indicada pelas

aspas e pelo itálico, procedimento frequente na imprensa.

Já o “discurso direto com que” ocorre quando se encontram ocorrências de DD após

introdutores de DI (verbo + que). Como no exemplo abaixo:

Preso a uma onda de lembranças que ressurge, este último conta que o momento “era muito duro de suportar. Eu não tinha mais reflexo.

Tinha me tornado espectador”.61

Nessa frase, um fragmento entre aspas que apresenta as características do DD vem depois

de “que”. Os embreantes são os do discurso citado. O jornalista coloca “conta que” diante do

fragmento citado, sem modificá-lo. Para Maingueneau, nesse tipo de discurso relatado, os

jornalistas buscam atuar em duas frentes: mantêm uma certa distância em relação aos

indivíduos de quem falam, mas tentam “colar-se” à sua linguagem e ao seu ponto de vista.

Não apenas comentam acontecimentos e relatam a realidade – eles querem restituir o ponto

de vista e as palavras dos atores.

60 Exemplo utilizado pelo autor, retirado do jornal Le Monde de 13 de setembro de 2006, p. 5. 61 Exemplo utilizado pelo autor, retirado do jornal France-Soir de 19 de março de 1997.

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3.3.6 Enunciados destacados

Os casos clássicos de citação são aqueles em que um fragmento é inserido na continuidade

de um novo texto. Mas Maingueneau (2013, p. 226) alerta para as situações em que as

citações funcionam justamente como enunciados, que o autor classifica como “enunciados

destacados”. Essa fórmula, bastante comum nas redações, não é adotada ao acaso. “(...)

Com efeito, no texto do qual são extraídos (numerosos enunciados) eles já se apresentam

como fragmentos destacáveis, destinados a circular fora de seu texto de origem”, explica

Maingueneau (2013, p. 226).

A “destacabilidade” de certos fragmentos pode ser indicada de diversos modos e muitos

desses índices são cumulativos. O autor destaca, em particular, as seguintes situações:

• Se o fragmento possui um valor generalizante;

• Se está colocado em uma posição que o torna particularmente visível, sobretudo

no início ou fim do texto; posições que frequentemente indicam a condensação do

sentido do conjunto em questão;

• Se sua enunciação mostra uma “amplificação” da figura do enunciador, que parece

mais enfática, que mostra sua posição sobre um problema debatido;

• Se sua organização interna é forte; isto torna o enunciado destacável mais atraente e

mais facilmente memorizável, por exemplo, uma construção sintática simétrica, uma

metáfora, um trocadilho, um paradoxo etc;

• Por fim, se um comentário do enunciador acentua o estatuto privilegiado desse

fragmento: “Esta verdade essencial: ...”, “Para mim, o ponto-chave é...”.

Destacamos em negrito a segunda situação, que refere-se à utilização do enunciado

destacado em posição visível, porque ela se encaixa perfeitamente ao nosso objeto de

estudo (as manchetes de um portal de notícias). Sempre que uma “pequena frase” aparece

no título, temos um exemplo bem-acabado de enunciado destacado.

Maingueneau (2013, p.227) refere que, acerca deste caso, não se pode falar de citação.

“Trata-se somente de realçar um trecho do enunciado em relação aos demais”, afirma. O

autor designa este tipo de fenômeno de “sobreasseveração”. Assim, um fragmento que se

apresenta como destacável é “sobreasseverado”.

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Especificamente em relação às manchetes 9 e 14 (respectivamente “Golpista é você” e “As

40 pessoas que quebram carro”, diz Temer sobre atos contra o impeachment), temos casos

clássicos de fragmentos sobreasseverados. Nos dois exemplos, destacam-se as

sobreasseverações de um locutor considerado importante (o presidente recém-empossado

Michel Temer). Além disso, sua “frase de impacto” foi transformada em título e colocada na

posição de maior visibilidade do portal: a manchete.

No que diz respeito aos destacamentos, podemos distinguir os do tipo “forte” e os do tipo

“fraco”. Segundo Maingueneau (2013, p. 231-232), o destacamento forte é aquele que é

separado do texto do qual foi extraído (por exemplo, algumas revistas destacam as “frases

da semana” – e, a menos que se faça uma pesquisa, ninguém vai procurar a entrevista

original para “conferir” aquele enunciado). Já o destacamento fraco encontra-se no paratexto

do texto do qual é extraído, ou seja, o enunciado destacado permanece vizinho do texto de

origem – sem, no entanto, implicar uma total fidelidade (é o que acontece com o fragmento

“pinçado” de uma matéria jornalística e elevado à manchete, por exemplo).

Nos dois casos, o fenômeno da sobreasseveração permite notar a figura do enunciador que

não apenas diz, mas mostra o que diz – e aquilo que diz carrega uma mensagem forte,

induz a uma interpretação. Assim, produz-se um efeito de evidência no enunciado: por um

lado, trata-se de algo incontestável, visto que foi dito pelo enunciador de origem, mas, por

outro, orienta o leitor para a construção de novos sentidos.

Maingueneau trata, ainda, de outra figura recorrente na esfera midiática relacionada aos

enunciados destacados: são as aforizações, ou seja, as modificações do dito. No caso dos

destacamentos fracos, é mais fácil perceber as alterações do enunciado porque a frase

original está no próprio texto. São casos em que o enunciador produz enunciados

sobreasseverados com vistas a obter uma boa chamada para suas notícias. Um bom

exemplo é o enunciado abaixo, utilizado como título no site do jornal Folha de S.Paulo no

dia 14 de julho de 201762:

Ora, a placa em questão, colocada na porta do quarto do papa Francisco na Casa Santa

Marta, no Vaticano, traz, originalmente, como é possível visualizar na foto logo abaixo do

título, a seguinte inscrição63:

62 Disponível em: http://f5.folha.uol.com.br/voceviu/2017/07/papa-coloca-um-aviso-em-sua-porta-e-proibido-reclamar.shtml. 63 Do original em italiano: Vietato lamentarsi.

Placa na sala do papa veta ‘mimimi’

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Neste caso, o enunciador utiliza “mimimi” no título como se fosse a expressão literal da

placa. Somente ao ler a matéria é que ficamos sabendo que a frase, tirada do contexto, é

outra. Para Maingueneau (2013), muitas vezes a imprensa utiliza uma frase generalizante,

quase em tom de sentença, promovendo uma espécie de “destextualização” – ou seja, não

estamos mais falando de uma citação, mas de uma enfatização em relação ao “entorno

textual” É, afinal, o que ele chama de sobreasseveração.

O autor utiliza vários exemplos para mostrar como uma frase pode ser completamente

transformada na mídia. É o caso de uma entrevista de quatro páginas concedida pelo casal

Olivier e Alexandra, os primeiros vencedores do reality show Le Bachelor64, à revista Télé

Star de 10 de agosto de 2003. Nela, o título informa:

O texto de origem, na página seguinte, propõe uma outra versão. O locutor, aliás, é apenas

Oliver, e não o casal, como sugere o título da matéria:

De acordo com os postulados de Maingueneau (2013, p.235), essa transformação “visa

claramente reforçar a autonomia e o caráter lapidar do enunciado, como se quiséssemos

convertê-lo retrospectivamente em sobreasseveração”. Assim, o autor mostra que nada

impede que um jornalista, por uma manipulação apropriada, converta soberanamente em

“pequena frase” um fragmento que não foi sobreasseverado, fabricando, por exemplo,

“pequenas frases” a partir de várias frases. E o locutor de origem, por sua vez, se torna

frequentemente “sobreasseverador” de enunciados que ele não formulou como tais. Para

Maingueneau, “o paradoxo da aforização é que ela implica uma descontextualização do

enunciado aforizado, que só tem sentido no novo contexto onde ele é colocado” (2013,

p.236).

Muitas são, segundo o autor, as motivações para o uso das aforizações. Numa sociedade

dominada pelas mídias audiovisuais, ele destaca as seguintes:

64 Trata-se de um reality show de encontros amorosos produzido originalmente pela rede de TV norte-americana ABC, desde 2002. O programa tornou-se uma franquia exibida em vários países do mundo, como a França (caso do exemplo citado pelo autor).

É proibido reclamar

Olivier e Alexandra: “Se a coisa não for bem entre nós, contaremos para vocês”

Olivier: “Se um dia a coisa estiver menos bem entre nós também não vamos esconder”

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• A aforização tem por efeito personalizar os enunciados, autenticá-los de

algum modo. Em uma máquina midiática particularmente voltada para o testemunho direto, é preferível citar um enunciado atestado que ler um texto;

• Tem também um efeito de dramatização: um enunciado enfático, que engaja uma tomada de posição forte, convém particularmente à espetacularização midiática;

• Permite chamar a atenção do público: atrai o olhar sobre uma página de jornal ou de revista, serve de ponto de partida para uma reportagem ou para uma entrevista televisiva;

• É econômica: o enunciado destacado deve condensar a mensagem da pessoa evocada. Ora, a questão do número dos enunciados é crucial nas mídias, que são rigorosamente formatadas;

• Inscreve-se na evolução atual da imprensa escrita, que vai no sentido do estilhaçamento do texto em módulos curtos e do desenvolvimento do visual. O enunciado destacado constitui um módulo elementar dessas páginas fragmentadas, simultaneamente lidas e vistas. (MAINGUENEAU, 2013, p.237)

O enunciador de uma aforização se coloca, nos dizeres do autor, além dos encadeamentos

de argumentos. “Ele fala do alto, ele mostra o ethos de um homem autorizado, em contato

com uma fonte transcendente” (MAINGUENEAU, 2013, p. 238). Além disso, a presença de

fotos dos locutores ao lado das aforizações não é acidental: o rosto do locutor funciona

como autenticador da aforização como sendo sua fala.

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CAPÍTULO 4 ANÁLISE DO CORPUS

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Neste capítulo, apresentamos a análise das manchetes do portal UOL, selecionadas no

período de 27 de agosto de 2016 a 3 de setembro de 2016, à luz dos fundamentos teóricos

já apresentados.

Para efeito de análise, vamos considerar as seguintes categorias, que serão destacadas em

um quadro ao final de cada texto analítico (um ‘X’ vai indicar quais categorias se aplicam

àquela manchete):

A – Características do Jornalismo Digital (JD): interatividade, multimidialidade (ou

convergência), personalização (ou customização de conteúdo), hipertextualidade, memória

e instantaneidade65;

B – Discurso Direto (DD);

C – Discurso Indireto (DI);

D – Ilha Texual (IT);

E – Modalização (MOD);

F – Estratégias de Encenação da Informação (EI);

G – Dito Relatado (DR);

H – Fato Relatado (FR);

I – Embreagem Enunciativa (EE);

J – Enunciado Destacado (ED).

Cabe acrescentar que duas das análises contemplam dois títulos cada, ambas no dia 31 de

agosto. Isso aconteceu imediatamente após o resultado do impeachment, em que o UOL,

dada a relevância do acontecimento, optou por uma diagramação diferenciada, com duas

manchetes: uma extra (com corpo de texto maior) e a convencional, logo abaixo. Essa

situação ocorreu às 17h e se repetiu às 23h. Assim, as manchetes 8 e 9 tem dois títulos

cada.

Cumpre lembrar ainda que, embora inicialmente o corpus fosse composto por 28

manchetes, chegamos ao final de nosso trabalho com o número fechado de 13 títulos: isso

aconteceu porque, em alguns dias, o mesmo título se repetiu ou se manteve quase idêntico.

Foi o caso, por exemplo, do dia 29 de agosto, em que as quatro manchetes foram as

seguintes:

10 h – Dilma depõe agora sobre processo de impeachment; veja

12 h – Após discurso, Dilma responde a senadores; assista 65

Vale ressaltar que um enunciado pode ter uma ou mais características do jornalismo digital. Nos quadros de

análise, elas serão discriminadas por meio de asteriscos.

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17 h – Dilma responde a senadores durante julgamento; assista

23 h – Dilma responde a senadores durante julgamento; assista

Nessa situação específica, optamos por fazer uma avaliação única, em bloco. Também

eliminamos da lista de análise duas manchetes relacionadas a assuntos esportivos e outras

cinco que não tinham relação com o evento “Impeachment de Dilma”. Com isso, chegamos

ao total de 13 unidades de análise, que apresentamos na tabela 7. Em seguida, passamos à

análise propriamente dita.

Tabela 6. Manchetes selecionadas para análise

DATA 1986

TÍTULO

1 27/08 (10 h) Lula diz que indiciamento no caso do tríplex é “factoide” contra candidatura

2

29/08 (10 h/ 12 h/

17 h/ 23 h)

Dilma depõe agora sobre processo de impeachment; veja Após discurso, Dilma responde a senadores; assista Dilma responde a senadores durante julgamento; assista

3 30/08 (10 h) Julgamento de Dilma segue hoje; veja as etapas

4 30/08 (12 h) Reale Júnior discursa contra Dilma no Senado

5 30/08 (17 h/ 23 h) Senadores falam sobre processo contra Dilma; veja

6 31/08 (10 h) Reeleita com apoio de 53 senadores, hoje Dilma luta para reunir 28 votos

7 31/08 (12 h) Lewandowski decide se vai separar votação

8

31/08 (17 h)

Temer presidente66 Dilma promete “incansável oposição” a Temer

9

31/08 (23 h)

‘Golpista é você’ 67 Temer cita reformas da Previdência e trabalhista na TV

10 01/09 (10 h) Temer terá trégua breve para fazer reformas urgentes

11 01/09 (12 h/ 17 h) Dilma pede que STF anule sessão do Senado

12 02/09 (10 h) Temer minimiza decisão de manter direitos de Dilma

13 03/09 (10 h/ 12 h/ 17 h/ 23 h)

‘As 40 pessoas que quebram carro?’, diz Temer sobre atos contra o impeachment

Passemos, então, a apresentar a análise.

66 Há dois títulos porque o UOL optou por utilizar uma manchete extra, além da convencional. 67 A opção por duas manchetes se repete nesta análise.

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MANCHETE 1 – 27/08/16 – SÁBADO

Figura 3. Homepage UOL – Data: 27/08/16 – 10h

Fonte: Arquivo UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/arquivohome/

10 h – Lula diz que indiciamento no caso do tríplex é “factoide” contra candidatura

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O primeiro dia escolhido para análise foi o sábado, 27 de agosto, com o julgamento do

impeachment de Dilma Rousseff já em andamento no Senado (havia começado na quinta,

25 de agosto). Na referida data, nenhuma das quatro manchetes disponíveis no arquivo

tratava diretamente do tema (uma delas versava sobre esportes; outras duas, iguais,

abordavam levantamento sobre uso de recursos por parte dos municípios brasileiros; por

fim, uma delas trazia reação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a seu indiciamento

pela Polícia Federal na véspera). Selecionamos para análise apenas a manchete referente

ao ex-presidente Lula porque entendemos que, apesar de não abordar de forma direta o

impeachment, os assuntos estão relacionados, uma vez que o ex-presidente não é apenas

antecessor como também padrinho político de Dilma.

Em meio ao julgamento do impeachment da então presidente Dilma Rousseff, a notícia do

indiciamento do ex-presidente Lula pela Polícia Federal68 repercutiu de forma extraordinária

em Brasília e contribuiu para o acirramento do debate político. Para muitos, o episódio foi

interpretado como um enfraquecimento do PT (partido político ao qual pertencem Lula e

Dilma) e aumentou a tensão em relação à situação da então presidente. Previsivelmente, ao

noticiar o caso, a imprensa de modo geral não deixou de relacionar os fatos. O indiciamento

ocorreu na sexta-feira, dia 26 de agosto, e, no dia seguinte, a reação do ex-presidente Lula

à notícia ainda repercutia na mídia. No caso do UOL, esse era o assunto da manchete 1,

feito com material da agência de notícias Estadão Conteúdo, às 10h do dia 27 de agosto.

O enunciado em questão permite observar, ao primeiro olhar, que estamos diante de um

caso de Dito Relatado (DR) – ou seja, temos uma enunciação sobre outra enunciação. É

possível ver, portanto, que há dois acontecimentos enunciativos: uma enunciação citante (a

do jornalista que noticia a reação do ex-presidente Lula a seu indiciamento) e uma

enunciação citada (a do locutor de origem, no caso, o ex-presidente Lula). De acordo com

os preceitos de Charaudeau (2010), o enunciado em questão atende às operações previstas

na descrição do Dito Relatado (DR): a seleção, a identificação e a maneira de relatar.

A seleção ocorre, na manchete 1, de forma parcial. Isso porque apresenta apenas um trecho

do dito, causando um efeito de subjetivação uma vez que apenas parte do que o ex-

presidente disse foi selecionado para ser lido no portal.

68 Na ocasião, o ex-presidente e outras quatro pessoas foram indiciadas em inquérito sobre a compra de um tríplex no Guarujá.

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Podemos observar a operação de identificação precisamente no início do título, que traz o

personagem (Lula) seguido do complemento “diz que”. Ao identificar o locutor de origem, o

enunciador citante (o jornalista) “autentica” seu enunciado: é quase uma garantia de

legitimidade do dito. É, também, uma maneira de marcar a fronteira entre o que o locutor

disse e aquilo que o jornalista efetivamente acredita. Numa análise mais aprofundada, esse

distanciamento pode indicar que o enunciador citante não incorpora aquele discurso.

Finalmente, a maneira de relatar utilizada na manchete 1 mostra que o UOL faz uma

espécie de “citação”, inclusive com uma expressão entre aspas (“factoide”), buscando

indicar que aquele enunciado foi transcrito em sua literalidade. Estamos diante, mais uma

vez, de uma construção linguística que busca mostrar certa reserva em relação ao dito,

quase como se o enunciador dissesse: “É ele (Lula) quem está dizendo que seu

indiciamento é um factoide”.

Temos, também, na manchete 1, o recurso ao discurso indireto. Diferentemente do discurso

direto, em que o enunciador citante restitui as palavras exatas do locutor de origem, no

discurso indireto o que se restitui é o sentido daquilo que o locutor disse. O UOL optou por

usar no título um verbo neutro, “diz”, possivelmente para criar efeito de objetividade.

Além disso, ao isolar entre aspas um fragmento do título (“factoide”), o portal se utiliza

também de uma figura classificada por Maingueneau (2013) como “ilha textual”, uma forma

híbrida de discurso, que neste caso mesclou o discurso indireto com uma palavra

supostamente atribuída ao enunciador citado. Com esse recurso, verificamos, mais uma

vez, que esse trecho do título não é assumido pelo UOL.

Ao ler a reportagem na íntegra, é possível entender a razão: o jornalista não ouviu o ex-

presidente Lula. A matéria foi redigida com base nas declarações de dois senadores do PT,

com quem Lula teria conversado após saber do indiciamento. Todas as frases atribuídas ao

ex-presidente foram relatadas por esses interlocutores. A palavra “factoide”, aliás, aparece

apenas no primeiro parágrafo, com o seguinte enunciado: Na avaliação de Lula, trata-se de

mais um "factoide", na tentativa de impedir sua candidatura à eleição presidencial de 2018.

A reportagem é assinada pela agência de notícias Estadão Conteúdo e também foi

publicada no site do jornal O Estado de S. Paulo. No texto original do Estadão, a jornalista

também não utiliza a frase na íntegra com a expressão “factoide” – ou seja, não é possível

afirmar que se trata de uma expressão que o ex-presidente efetivamente utilizou. Além

disso, para o leitor que tiver o cuidado de verificar, tampouco os nomes dos senadores que

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deram entrevista aparecem nas matérias: em ambos os textos, o jornalista informa que a

citação foi feita por Lula “de acordo com relato de dois senadores do PT”. No final das

matérias, aparecem os nomes de quatro senadores que estiveram com Lula, mas não se

sabe quem deu entrevista à agência de notícias (os anexos das duas matérias, UOL e

Estadão, podem ser conferidos ao final desta análise).

O UOL foi ainda mais longe em sua dramatização, ao destacar no meio da reportagem uma

caixa de texto com a seguinte frase:

Figura 4. Recorte de reportagem do UOL. Data: 26/08/16

Fonte: UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-

estado/2016/08/26/lula-diz-que-seu-indiciamento-e-um-factoide.htm

Da forma como esse destaque é colocado, em letras maiores no meio do texto, parece claro

que o ex-presidente Lula realmente deu uma entrevista ao portal. Ao procurar essa fala na

matéria, no entanto, notamos que ela simplesmente não existe. Para descobrir sua origem,

fomos à reportagem do Estadão. Lá, a frase destacada do UOL aparece integrada ao texto,

com o seguinte complemento: “disse Lula no último dia 29, ao participar da conferência

nacional dos bancários, em São Paulo”. Ou seja, trata-se de uma citação feita por Lula

quase um mês antes e destacada pelo UOL de forma a fazer o leitor acreditar que é um

novo enunciado, numa tentativa de legitimar o texto do dia.

Toda essa dramatização enquadra a manchete 1 também como um exemplo do uso das

estratégias de encenação da informação teorizadas por Charaudeau (2010). Quando aborda

os modos de organização do discurso de informação (2010, p. 150), o autor esclarece que o

acontecimento midiático constrói-se segundo três tipos de critérios, que neste caso são

atendidos: a atualidade, a expectativa (a informação midiática deve captar o interesse e a

atenção do sujeito alvo) e a socialidade (a notícia deve tratar daquilo que surge no espaço

público, cujo compartilhamento e visibilidade devem ser assegurados).

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No entanto, embora se volte para o que ocorre no espaço público, a instância midiática não

opera um reflexo daquilo que acontece. No caso específico da manchete 1, a maneira como

o jornalista manejou o enunciado reforça a natureza de “construção midiática”. A esse

respeito, diz Charaudeau (2010, p. 151):

O acontecimento não é jamais transmitido em seu estado bruto, pois, antes

de ser transmitido, ele se torna objeto de racionalizações: pelos critérios de

seleção dos fatos e dos atores, pela maneira de encerrá-los em categorias de

entendimento, pelos modos de visibilidade escolhidos.

Com efeito, empreendendo essa encenação da informação, entendemos que a imprensa

impõe ao leitor uma visão de mundo previamente articulada, levando-o a acreditar que

aquela é a visão natural do mundo.

Ante o exposto, chegamos ao fim desta análise com o preenchimento das seguintes

categorias:

Manchete 1: Lula diz que indiciamento no caso do tríplex é “factoide” contra

candidatura

Tabela 7. Aplicação de categorias na manchete 1

Jornalismo Digital (JD)

Discurso Direto (DD)

Discurso Indireto (DI) X

Ilha Textual (IT) X

Modalização (MOD)

Encenação da Informação (EI) X

Dito Relatado (DR) X

Fato Relatado (FR)

Embreagem Enunciativa (EE)

Enunciado Destacado (ED)

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UOL – 26/08/16

Figura 5. Reportagem UOL – Data: 26/08/16

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Fonte: UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-

estado/2016/08/26/lula-diz-que-seu-indiciamento-e-um-factoide.htm

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ESTADÃO – 26/08/2016

Figura 6. Reportagem Estadão.com – Data: 26/08/16

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Fonte: Estadão.com. Disponível em http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,lula-

diz-que-seu-indiciamento-e-um-factoide,10000072313

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MANCHETE 2 – 29/08/16 – SEGUNDA-FEIRA

Figura 7. Homepage UOL – Data: 29/08/16 – 10h

Fonte: Arquivo UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/arquivohome/

10 h – Dilma depõe agora sobre processo de impeachment; veja

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CONT. MANCHETE 2 – 29/08/16 – SEGUNDA-FEIRA

Figura 8. Homepage UOL – Data: 29/08/16 – 12h

Fonte: Arquivo UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/arquivohome/

12 h – Após discurso, Dilma responde a senadores; assista

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CONT. MANCHETE 2 – 29/08/16 – SEGUNDA-FEIRA

Figura 9. Homepage UOL – Data: 29/08/16 – 17h

Fonte: Arquivo UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/arquivohome/

17 h – Dilma responde a senadores durante julgamento; assista

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CONT. MANCHETE 2 – 29/08/16 – SEGUNDA-FEIRA

Figura 10. Homepage UOL – Data: 29/08/16 – 23h

Fonte: Arquivo UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/arquivohome/

23 h – Dilma responde a senadores durante julgamento; assista

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No dia 29 de agosto, antevéspera da votação do impeachment no Senado, as quatro

manchetes do UOL versavam sobre o tema e buscavam retratar, em tempo real, as

atividades na Casa. Com formulações muito similares (as duas últimas, por exemplo, são

idênticas), optamos por fazer uma análise em bloco, pois as estratégias linguísticas se

repetem.

No calor do debate em torno do julgamento do impeachment da então presidente Dilma

Rousseff, o país experimentava um momento ímpar de polarização política, propício ao

embate ideológico, o que era possível observar sobremaneira nas redes sociais. Nos dias

que antecederam a votação do Senado que acabaria por tirar o cargo de Dilma, a imprensa

acompanhou avidamente cada passo do processo a fim de tirar proveito desse período e

captar a atenção do leitor. Não foi diferente no UOL.

Em 29 de agosto de 2016, o portal estampou quatro manchetes similares ao longo do dia

para mostrar aos internautas que monitorava de perto os acontecimentos em Brasília. Para

isso, não abriu mão de explorar ao máximo as potencialidades oferecidas pela Internet, a

saber: a multimidialidade, a hipertextualidade, a interatividade e, principalmente, a

instantaneidade. Esta última característica pode ser observada claramente nos fragmentos

“veja” e “assista”, em que é possível perceber a intenção de mostrar ao leitor que ali, no

portal, ele pode acompanhar o fato em tempo real. Como referimos no capítulo 2, Mielniczuk

(2002) postula que a atualização contínua “possui, na web, um caráter cumulativo que o

diferencia dos outros meios”.

A multimidialidade neste caso se processa na convergência dos formatos das mídias

tradicionais: no portal, além do texto, é possível ver imagens, vídeos e sons da sessão no

Senado. Quando diz ao leitor “assista”, o UOL informa ao leitor que ele pode visualizar a

transmissão ao vivo. Já a hipertextualidade se caracteriza pela possibilidade de

interconexão com outros blocos de textos. É possível antever esses blocos nas pequenas

“chamadas” logo abaixo da manchete (por exemplo, “No plenário, petista cita prisão na

ditadura em discurso a senadores” e “Pelo menos 49 parlamentares se inscreveram para

fazer questões”). Essas pistas já indicam ao internauta que ele pode “assistir” à sessão no

Senado ou simplesmente fazer outros percursos de leitura sobre o mesmo tema.

Para alguns autores, a própria liberdade de navegar pelos blocos de texto que desejar

também caracteriza a interatividade nos textos de Internet. No bloco de títulos da manchete

2, o caráter interativo pode se processar também pela “conversa” proposta pelo enunciador:

“veja” e “assista” são expressões que convidam o leitor a se sentir parte do processo. Além

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disso, os internautas têm à disposição a seção de comentários reservada ao debate daquela

notícia.

Do ponto de vista da linguagem, destacamos a figura da “atualidade” preconizada por

Charaudeau (2010) em seu estudo sobre as estratégias de encenação da informação. Para

o autor, a noção de atualidade guia as escolhas temáticas e cria uma espécie de obsessão

pelo “presente”. Ao narrar um acontecimento relevante como o julgamento do impeachment,

deixando claro que essa cobertura é feita em tempo real, o UOL mostra que está em

sintonia com este preceito.

Os enunciados da manchete 2 constituem, ainda, modelos de Fato Relatado (FR). Nos

quatro títulos que compõem este bloco de análise, temos a descrição do acontecimento

(“Dilma depõe”, “Dilma responde a senadores”). Para autenticar sua veracidade, o UOL

apresenta, na sequência, a possibilidade de “ver” e “assistir” aquilo que a manchete

descreve.

O portal também atende a outros dois filtros descritos por Charaudeau: a proximidade e a

importância. Ora, o impeachment da então presidente Dilma era tanto um acontecimento

cuja proximidade espacial interessava a todos os brasileiros quanto um fato de inegável

relevância também para toda a sociedade.

Acrescentemos a isso a estratégia de utilizar verbos “fortes” para descrever o

acontecimento: “Dilma depõe agora sobre processo de impeachment” está muito mais

propenso a atrair um leitor do que simplesmente “Dilma fala agora sobre processo de

impeachment”. A modalização do verbo dicendi faz com que a narrativa midiática

empreenda uma espécie de “dramatização”, possivelmente para atender à visada de

captação.

Ainda em relação à linguagem, identificamos na manchete 2 casos de embreagem

enunciativa. Encontramos no primeiro título o seguinte: “Dilma depõe agora sobre processo

de impeachment”. O dêitico temporal “agora” mostra que a referência é a enunciação. Além

disso, o tempo nos verbos utilizados (“Dilma depõe”; “Dilma responde”) constitui um

presente dêitico próprio ao plano embreado, ou seja, designa o próprio momento em que se

produz o enunciado que contém esse presente.

Os chamados embreantes de pessoa também estão sugeridos nos títulos, por meio do

pronome pessoal “tu/ você”. Quando o enunciado convida a “ver” e “assistir” o

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acontecimento que está relatando, também se ancora na situação de enunciação e fala

diretamente ao leitor.

Neste fim de análise, chegamos às seguintes categorias:

Manchete 2: Dilma depõe agora sobre processo de impeachment; veja / Após

discurso, Dilma responde a senadores; assista / Dilma responde a senadores durante

julgamento; assista

Tabela 8. Aplicação de categorias na manchete 2

Jornalismo Digital (JD)* X

Discurso Direto (DD)

Discurso Indireto (DI)

Ilha Textual (IT)

Modalização (MOD) X

Encenação da Informação (EI) X

Dito Relatado (DR)

Fato Relatado (FR) X

Embreagem Enunciativa (EE) X

Enunciado Destacado (ED)

* Multimidialidade, hipertextualidade, interatividade e instantaneidade

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MANCHETE 3 - 30/08/16 – Terça-feira

Figura 11. Homepage UOL – Data: 30/08/16 – 10h

Fonte: Arquivo UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/arquivohome/

10h – Julgamento de Dilma segue hoje; veja as etapas

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Previsivelmente, a temperatura do noticiário político continuou se impondo na véspera da

votação do impeachment. No dia 30 de agosto, as quatro manchetes abordaram o assunto,

com predominância de construções linguísticas que convidavam o leitor a acompanhar os

acontecimentos no Senado em tempo real. Como veremos nas análises que se seguem, a

manchete das 17h manteve-se às 23h (os dois títulos, portanto, serão estudados em um

único bloco); já as manchetes das 10h e das 12h serão examinadas separadamente.

Seguindo a tendência que já se verificara no dia anterior, o UOL continua explorando as

potencialidades da Internet ao longo do dia 30. A manchete 3, no ar às 10h daquele dia, é

pródiga nesse aspecto. É possível identificar nessa unidade de texto elementos de

interatividade, multimidialidade, hipertextualidade e instantaneidade.

O ambiente digital, como já vimos, permite a disponibilização de um conteúdo em múltiplas

plataformas – não apenas no texto. A manchete 3 deixa sua marca de multimidialidade ao

convidar o leitor a acompanhar as etapas do julgamento de Dilma Rousseff. Ao clicar na

reportagem, além do texto, o leitor pode assistir a dois vídeos: o discurso da ex-presidente

ao Senado e uma análise política do jornalista Josias de Souza.

As marcas de hipertextualidade são visíveis nos links que permitem ao leitor clicar em outros

blocos de texto. Acima da manchete 3, há uma chamada com fundo vermelho: “Da Redação

– Acompanhe as últimas notícias sobre o julgamento de Dilma”. Abaixo da manchete, a

seguinte linha fina: “Dilma nega crimes e enfatiza tese de golpe”. À direita, uma galeria de

imagens tem cinco reportagens relacionadas ao episódio impeachment. Matérias abaixo da

manchete – com análises, noticiário sobre protestos e desdobramentos jurídicos do caso –

terminam por mostrar ao leitor que ele tem à disposição uma variada oferta de leitura.

A instantaneidade da manchete 3 pode ser observada no fragmento “veja”, logo após o

enunciado informar ao leitor que o julgamento de Dilma “segue hoje”. Mais uma vez, o título

mostra que o suporte digital permite a atualização contínua dos fatos.

O mesmo fragmento “veja” também se aplica à marca de interatividade da manchete 3, uma

vez que incita o leitor a interagir com o texto – lendo, assistindo aos vídeos ou tecendo

comentários na seção reservada a este fim.

Com base no trabalho de Charaudeau (2010) referente à seleção dos fatos (uma das

chamadas estratégias de encenação da informação), temos inicialmente, na manchete 3, o

elemento “atualidade”, um dos filtros dessa escolha. Mais uma vez, a obsessão pelo

presente se manifesta no enunciado: “Julgamento de Dilma segue hoje; veja as etapas”.

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Ora, se a notícia é, por definição, efêmera – nas palavras de Charaudeau (2010, p. 134),

“dura tanto quanto um relâmpago” –, é preciso ir além dela. Nesse caso, a manchete não

apenas anuncia o evento marcado para o dia, como informa ao leitor que ele pode

acompanhar o passo a passo do julgamento imediatamente, ao clicar naquela reportagem.

Ainda em relação à seleção dos fatos, a manchete atende aos filtros de espaço – no caso, a

proximidade – e importância do acontecimento. Como já observamos na manchete 2, o

julgamento do impeachment desperta interesse em todos os brasileiros, tanto do ponto de

vista geográfico quanto de relevância política. A virtual queda de uma presidente da

República, não há dúvida, diz respeito a todos os estratos sociais do país.

Mais uma vez, o uso de palavras fortes contribui para a dramatização da notícia.

“Julgamento” de Dilma é, certamente, mais impactante para o leitor do que anunciar

simplesmente a continuidade da “sessão do Senado”. Como diz Charaudeau (2010, p. 131-

132), “para que o acontecimento exista é preciso nomeá-lo. O acontecimento não significa

em si. O acontecimento só significa enquanto acontecimento em um discurso”.

Por fim, do ponto de vista da linguagem, identificamos na manchete 3 exemplos de

embreagem enunciativa. O fragmento “hoje” é um embreante, ou seja, um elemento dêitico:

sua referência é o momento de enunciação. Também o presente dêitico dos verbos

utilizados pelo jornalista (“Julgamento de Dilma segue hoje; veja as etapas”) indica o plano

embreado. Há, ainda, o embreante de pessoa “tu/você” sugerido no enunciado: embora não

esteja textualmente explícito, ele é claramente interpretado (“Julgamento de Dilma segue

hoje; veja as etapas”). O leitor não tem dúvidas: aquele trecho do enunciado é dirigido a ele.

Ao fim desta análise, podemos assim categorizar essa unidade textual:

Manchete 3: Julgamento de Dilma segue hoje; veja as etapas

Tabela 9. Aplicação de categorias na manchete 3

Jornalismo Digital (JD)* X

Discurso Direto (DD)

Discurso Indireto (DI)

Ilha Textual (IT)

Modalização (MOD)

Encenação da Informação (EI) X

Dito Relatado (DR)

Fato Relatado (FR)

Embreagem Enunciativa (EE) X

Enunciado Destacado (ED)

* Multimidialidade, hipertextualidade, interatividade e instantaneidade

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MANCHETE 4 – 30/08/16 – Terça-feira

Figura 12. Homepage UOL – Data: 30/08/16 – 12h

Fonte: Arquivo UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/arquivohome/

12 h – Reale Júnior discursa contra Dilma no Senado

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Durante a cobertura do julgamento do impeachment no Senado, o público se acostumou a

ver no noticiário a menção a personagens emblemáticos do episódio, não necessariamente

políticos. Foi o caso, por exemplo, de artistas que se posicionaram (e participaram de atos

no próprio Senado) a favor de Dilma Rousseff, assim como de líderes e representantes de

movimentos populares que bradavam pelo afastamento da presidente. Advogados que

defendiam os interesses de cada lado, inevitavelmente, também ganharam os holofotes.

Um desses personagens é a figura principal da manchete 4: Miguel Reale Júnior, um dos

autores do pedido de impeachment contra Dilma Rousseff. Ocorre que Reale Júnior não era,

àquela altura, apenas o advogado de acusação no julgamento. Jurista, professor da

Universidade de São Paulo, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública em

São Paulo (pouco importava saber, naquele momento, que ele era também filiado ao

PSDB69 e se alinhava aos interesses da oposição), seu nome era representativo de

autoridade inegável e dava ainda mais legitimidade às acusações contra Dilma.

Isto posto, é compreensível que o UOL tenha preferido, na manchete 4, grafar “Reale

Júnior discursa contra Dilma no Senado” em vez de, simplesmente, “Advogado de

acusação discursa contra Dilma”. O advogado não tinha obtido projeção recente – já era,

como vimos, um nome respeitado no meio jurídico.

Essa escolha sutil atende aos critérios que Charaudeau (2010, p. 144) apresenta para que

um personagem possa ser encarado como um “ator social”, em seu estudo sobre as

estratégias de encenação da informação. Os atores sociais são, segundo o autor, aqueles

“considerados dignos, pelas mídias, de se tornarem visíveis”. No caso da manchete 4,

podemos dizer que “Reale Júnior” atende aos quatro critérios postulados por Charaudeau:

de notoriedade (atores do espaço público que estejam mais em foco), de representatividade

(atores que pertencem a grupos reconhecidos como detentores de poder ou contrapoder),

critério de expressão (mais justificado pelo processo de captação; em geral, pessoas que

saibam fazer-se entender pelas massas), e critério de polêmica (também se justifica pela

captação; decorre da necessidade de confrontos entre posições antagônicas).

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Reale Júnior deixou o PSDB em junho de 2017, depois que o partido decidiu manter apoio ao presidente

Michel Temer mesmo após a revelação de uma sucessão de denúncias contra ele.

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Também aponta para outro elemento de “construção da notícia” o fragmento “discursa”

presente na manchete 4. Mais uma vez, o jornalista preferiu um verbo mais impactante do

que simplesmente “fala”, revelando uma modalização por meio do verbo introdutor. A

respeito do trabalho jornalístico, diz Charaudeau (2010, p. 129):

Ele deve levar em conta os componentes da situação de comunicação, sem o que não seria compreendido, mas, ao mesmo tempo, pode jogar com tais componentes, combiná-los de uma maneira particular e apresentá-los de diversas formas. Ou seja, ele pode usar de estratégias em função dos desafios de credibilidade e de captação que escolhe para si.

Ainda sob o ponto de vista linguístico, observamos que a manchete 4 também representa

um modelo de Fato Relatado (FR) – no caso, a descrição de um acontecimento em tempo

real. Com o julgamento em andamento, a manchete em questão remetia a um bloco de

notas atualizadas de minuto em minuto. Para comprovar a autenticidade daquilo que narra,

o UOL estampa, à esquerda do título, uma foto de Reale Júnior falando no Senado.

Outra marca linguística presente na manchete 4 é a embreagem enunciativa, por meio do

presente dêitico (“discursa”). Por se tratar de notícia atualizada minuto a minuto, pode-se

considerar até um dêitico temporal implícito (“agora”: afinal, a imagem de Reale Júnior ao

lado do título não deixa dúvida que seu pronunciamento ocorre naquele exato momento),

em mais uma demonstração de que o enunciado se ancora na sua situação de enunciação.

Por fim, cabe destacar os traços próprios ao jornalismo digital presentes na manchete 4, a

saber: a hipertextualidade e a instantaneidade. Os blocos de textos que permitem diferentes

percursos de leitura estão não apenas nos links apresentados após o clique no título, como

na própria homepage, no entorno da manchete: há diversas reportagens sobre o tema e até

uma galeria de imagens com outras matérias acerca do julgamento.

A instantaneidade, por sua vez, pode ser constatada principalmente pelos elementos visuais

que indicam ao leitor que aquela é uma cobertura em tempo real. Uma delas, como

dissemos anteriormente, é a foto de Reale Júnior ao lado do título principal. Também há

uma tarja em vermelho logo acima da manchete com a seguinte chamada: “Ao vivo:

Comentaristas da Jovem Pan falam sobre o julgamento de Dilma”. A este enunciado se

segue outro elemento típico das transmissões ao vivo: o símbolo “play”, como vemos a

seguir:

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Figura 13. Recorte da homepage UOL – 30/08/16 – 12h

Fonte: Arquivo UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/arquivohome/

Com base nessa análise, a manchete 4 pode assim ser classificada:

Tabela 10. Aplicação de categorias na manchete 4

Jornalismo Digital (JD)* X

Discurso Direto (DD)

Discurso Indireto (DI)

Ilha Textual (IT)

Modalização (MOD) X

Encenação da Informação (EI) X

Dito Relatado (DR)

Fato Relatado (FR) X

Embreagem Enunciativa (EE) X

Enunciado Destacado (ED)

* Hipertextualidade e instantaneidade

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MANCHETE 5 – 30/08/16 – Terça-feira

Figura 14. Homepage UOL – Data: 30/08/16 – 17h

Fonte: Arquivo UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/arquivohome/

17 h – Senadores falam sobre processo contra Dilma; veja

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CONT. MANCHETE 5 – 30/08/16 – Terça-feira

Figura 15. Homepage UOL – Data: 30/08/16 – 23h

Fonte: Arquivo UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/arquivohome/

23 h – Senadores falam sobre processo contra Dilma; veja

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Na véspera do julgamento do impeachment, a fase final dos trabalhos no Senado teve o

pronunciamento de parlamentares que se inscreveram para discutir o objeto da acusação,

por até 10 minutos cada um. Era essa a etapa do processo na vigência da manchete 5, com

idêntico enunciado às 17h e às 23h – embora o conteúdo fosse, mais uma vez, atualizado

por meio de notas de minuto em minuto.

Os traços distintivos do jornalismo digital são a primeira característica a chamar a atenção

na manchete 5. No enunciado, observamos elementos de multimidialidade,

hipertextualidade, interatividade e instantaneidade. Como vimos anteriormente, a

multimidialidade ocorre na convergência dos formatos das mídias convencionais (imagem,

texto e som). A manchete em questão traz texto e imagem – mas, ao clicar na matéria,

atualizada em tempo real, há vídeos com o conteúdo mais recente do julgamento.

Mais uma vez, a hipertextualidade apresenta-se em todo o entorno da manchete 5: há uma

série de matérias, galeria de imagens com outras reportagens e, dentro do próprio texto,

links para vídeos e outros materiais de apoio sobre o tema. Conforme postulam Crescitelli e

Mangilli (2014, p. 363), o hipertexto eletrônico possui uma estrutura flexível – e, com base

nessa flexibilidade, “o leitor constrói seu percurso de leitura por meio de buscas,

descobertas e escolhas que irão levá-lo à produção de um sentido possível, entre muitos”.

Se a notícia online possui a capacidade de fazer com que o leitor se sinta parte do processo,

o que caracteriza a interatividade, a manchete 5 mostra isso de forma explícita: o fragmento

“veja” é um convite claro ao leitor para que acompanhe o andamento do julgamento no

Senado. Esse leitor também pode interagir assistindo aos vídeos da matéria e até fazendo

comentários ao final da reportagem.

O mesmo fragmento “veja” pode ser utilizado para comprovar a instantaneidade da

manchete 5: ele informa de forma inequívoca que é possível saber o que acontece no

Senado em tempo real. O elemento visual com o símbolo de “play”, ao final do enunciado,

reforça o caráter instantâneo da notícia. Além disso, ao clicar na matéria, fotos, vídeos e

notas atualizadas de minuto em minuto não deixam dúvidas sobre a cobertura ao vivo.

Também os verbos no presente dêitico (“falam”; “veja”) fortalecem a ideia do “ao vivo”.

Eles mostram que o enunciado da manchete 5 se apóia na situação de enunciação, em

mais um exemplo de embreagem enunciativa. Como refere Maingueneau (2013, p. 129),

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“um verbo empregado no presente designa o próprio momento em que se produz o

enunciado que contém esse presente”.

A manchete 5 pode, ainda, ser classificada como um exemplo de Fato Relatado (FR). Trata-

se do relato de um acontecimento em tempo real. Segundo Charaudeau (2010, p. 152),

“relatar o acontecimento tem como consequência construí-lo midiaticamente: no instante

mesmo em que ele é relatado, constrói-se uma notícia, no espaço temático de uma rubrica”.

Nesse caso, o fato relatado é objeto de uma descrição. Ao mesmo tempo em que busca

relatar fielmente o acontecimento, o jornalista não prescinde da visada de captação: faz isso

ao dar a notícia objetivamente para, em seguida, sugerir que só ali, naquele texto, o leitor

poderá aprofundar-se sobre os desdobramentos do caso em tempo real.

Ante o exposto, chegamos ao seguinte quadro de categorias em relação a este enunciado:

Manchete 5: Senadores falam sobre processo contra Dilma; veja

Tabela 11. Aplicação de categorias na manchete 5

Jornalismo Digital (JD)* X

Discurso Direto (DD)

Discurso Indireto (DI)

Ilha Textual (IT)

Modalização (MOD)

Encenação da Informação (EI)

Dito Relatado (DR)

Fato Relatado (FR) X

Embreagem Enunciativa (EE) X

Enunciado Destacado (ED)

* Multimidialidade, hipertextualidade, interatividade e instantaneidade

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MANCHETE 6 – 31/08/16 – Quarta-feira

Figura 16. Homepage UOL – Data: 31/08/16 – 10h

Fonte: Arquivo UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/arquivohome/

10 h – Reeleita com apoio de 53 senadores, hoje Dilma

luta para reunir 28 votos

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Todo o Brasil amanheceu em clima de expectativa naquele 31 de agosto. E não se podia

esperar nada menos da imprensa do que uma cobertura ampla, dinâmica e integral dos

acontecimentos em Brasília. Na Internet, o desafio que se colocava era como competir com

a TV, por exemplo, que fazia transmissões ao vivo ininterruptamente desde a madrugada –

a fase de discursos dos senadores se arrastara até as 2h30 do dia 31. De modo geral, a

principal estratégia ao longo do dia foi explorar as potencialidades da rede, como a

hipertextualidade, a multimidialidade, a interatividade, a instantaneidade e a memória.

No caso específico da manchete 6, no ar às 10h, como a sessão no Senado ainda não havia

sido retomada (o que só ocorreu às 11h), o enunciado não tem a marca da instantaneidade

e da interatividade. Mas é possível encontrar elementos de hipertextualidade. Como diz

Salaverría (2005, p. 80), uma das funções do título na Internet é justamente a de propiciar a

hipertextualidade. “O título serve como elemento-chave para a navegação nos cibermeios,

pois ali está situado o link que permitirá o acesso ao bloco que contém a informação”, afirma

o autor.

Além dos links disponíveis na matéria, há diversos textos de apoio no entorno da manchete

6. Na tarja vermelha acima do título principal, temos: “Da redação – Veja os comentários e

análises sobre o julgamento de Dilma”. Na linha fina logo abaixo da manchete: “Após debate

na madrugada, votação do impeachment começa às 11h” – cada qual remetendo a

diferentes textos, com links que levam a outros blocos informativos. Outras reportagens

acerca do assunto, fotos, galerias de imagens e artigos de opinião preenchem a parte de

cima da homepage.

Do ponto de vista linguístico, o enunciado da manchete 6 permite observar dois elementos

próprios à embreagem enunciativa: tanto o dêitico temporal “hoje” quanto o presente dêitico

“luta” têm como ponto de referência o momento de sua enunciação. Da maneira como

foram combinadas, essas marcas linguísticas também reforçam ao leitor a relevância

daquele momento político.

Por fim, em seu estudo sobre as estratégias de encenação da informação, Charaudeau

(2010) trata das figuras mais recorrentes na mídia, como o Fato Relatado (FR) e o Dito

Relatado (DR), e aborda outras situações, como os atos de comentar o acontecimento e

provocar o acontecimento. Na manchete 6, estamos diante de um caso de acontecimento

comentado. O jornalista traz ao leitor, ao mesmo tempo, uma informação e uma análise. Ele

não apenas anuncia a parte final do julgamento no Senado, como sugere que Dilma

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Rousseff, outrora com prestígio entre os parlamentares, terá muita dificuldade para escapar

do impeachment. A respeito de situações como essa, diz Charaudeau (2010, p. 180-181):

O comentador sabe que precisa ser credível, mas sabe também que nenhuma análise ou argumentação terá impacto se não despertar o interesse do consumidor de informação e se não tocar sua afetividade. Assim, o jornalista, preso entre o martelo (credibilidade) e a bigorna (captação), tenderá a preferir modos de raciocínio que julgará simples e motivadores.

O “fazer simples”, de acordo com Charaudeau, pode ser alcançado com procedimentos

como a restrição, a alternativa e – como é o caso da manchete 6 – a comparação. No

enunciado, o jornalista compara o período em que Dilma foi reeleita, quando teve o apoio de

53 senadores, com o atual, em que ela “luta para reunir 28 votos”. O próprio verbo “luta”

contribui firmemente para uma construção de sentido orientada a sugerir que Dilma

provavelmente será afastada da Presidência da República.

Após a análise acima, podemos enquadrar a manchete 6 da seguinte maneira:

Manchete 6: Reeleita com apoio de 53 senadores, hoje Dilma luta para reunir

28 votos

Tabela 12. Aplicação de categorias na manchete 6

Jornalismo Digital (JD)* X

Discurso Direto (DD)

Discurso Indireto (DI)

Ilha Textual (IT)

Modalização (MOD)

Encenação da Informação (EI) X

Dito Relatado (DR)

Fato Relatado (FR)

Embreagem Enunciativa (EE) X

Enunciado Destacado (ED)

* Hipertextualidade

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MANCHETE 7 – 31/08/16 – Quarta-feira

Figura 17. Homepage UOL – Data: 31/08/16 – 12h

Fonte: Arquivo UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/arquivohome/

12 h – Lewandovski decide se vai separar votação

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No início dos trabalhos no Senado na manhã de 31 de agosto, o PT entrou com

requerimento pedindo a divisão da votação entre a condenação de Dilma Rousseff por crime

de responsabilidade e a sua habilitação para exercer funções públicas. O ministro do STF

(Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandovski, que assumira a presidência do processo

de impeachment em maio, comandava essa etapa do processo – razão pela qual liderava a

sessão do julgamento. Coube a Lewandowski decidir se acataria ou não o “fatiamento”.

Com a cobertura da sessão em tempo real no UOL, era esse o teor da manchete 7, no ar às

12h do dia 31 (a sessão no Senado havia começado por volta de 11h e o requerimento foi

apresentado na abertura dos trabalhos)70. O clima de expectativa era grande dada a

proximidade da votação do impeachment, razão pela qual até essa etapa protocolar era

acompanhada com avidez pelo público.

Como já vimos, a transmissão ao vivo é um dos mais atraentes componentes noticiosos de

uma reportagem na Internet. Na manchete 7, podemos depreender esse “trunfo” sobretudo

com base no símbolo “play” ao final do título (ver abaixo). Mas não é só isso: o UOL também

recorre a algumas características do jornalismo digital para chamar a atenção do leitor. São

elas: a hipertextualidade, a multimidialidade e a instantaneidade.

Figura 18. Recorte da homepage UOL – 31/08/16 – 12h

Fonte: Arquivo UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/arquivohome/

A hipertextualidade, mais uma vez, pode ser observada sob a forma de links no texto interno

(composto por notas atualizadas de minuto em minuto, com novas informações, vídeos e

70

Lewandowski anunciou sua decisão pouco após as 12h. Ele atendeu ao pedido do PT para que as penas de

cassação e de suspensão dos direitos políticos fossem votadas separadamente.

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fotos) e nas matérias que aparecem no entorno da manchete 7: há matérias com dirigentes

do PT, repercussão internacional do julgamento, análises políticas e a galeria de imagens,

que leva a outros textos sobre o tema, dando ao leitor uma oferta de leitura extensa e

variada.

De acordo com Crescitelli e Mangilli (2014, p. 364), diante das opções apresentadas pela

rede, “o hiperleitor define seu caminho, faz escolhas, navega por assim dizer de modo

customizado”. E completam: “A ele cabe também construir a coerência entre porções/blocos

de sentido, bem como definir o que é relevante. Para isso, precisará de habilidades que lhe

permitam seguir as pistas oferecidas.”

Com conteúdo repleto de notas informativas, imagens e vídeos, a manchete 7 também

reúne elementos de diferentes formatos das mídias tradicionais, o que evidencia seu traço

de multimidialidade – característica que prevê justamente essa convergência.

Por fim, em relação às marcas do jornalismo digital, também destacamos a instantaneidade

da manchete 7: além do símbolo “play” de que tratamos anteriormente, a estrutura do texto

que sustenta a manchete é composta por notas atualizadas de minuto em minuto. Ao

contrário da TV ou do rádio, o leitor da Internet, caso tenha perdido alguma atualização,

pode simplesmente “correr” o cursor para baixo e se informar acerca do que houve nos

últimos minutos, reforçando o caráter cumulativo de que fala Mielniczuk (2002).

Sob o ponto de vista linguístico, destacamos, ainda, o tempo verbal no presente dêitico no

fragmento “decide” – em mais um episódio de embreagem enunciativa, em que a

referência é a situação de enunciação.

Chegamos ao fim da análise da manchete 7 com o seguinte quadro:

Tabela 13. Aplicação de categorias na manchete 7

Jornalismo Digital (JD)* X

Discurso Direto (DD)

Discurso Indireto (DI)

Ilha Textual (IT)

Modalização (MOD)

Encenação da Informação (EI)

Dito Relatado (DR)

Fato Relatado (FR)

Embreagem Enunciativa (EE) X

Enunciado Destacado (ED)

* Hipertextualidade, multimidialidade e instantaneidade

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MANCHETE 8 – 31/08/16 – Quarta-feira

Figura 19. Homepage UOL – Data: 31/08/16 – 17h

Fonte: Arquivo UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/arquivohome/

17 h – Temer presidente

Dilma promete “incansável oposição” a Temer

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Depois de seis dias de sessão e mais de 60 horas de debates, o Senado Federal decidiu, na

tarde de 31 de agosto de 201671, condenar Dilma Rousseff, por 61 votos a 20, por crime de

responsabilidade. Assim, ela perdeu o mandato de presidente da República. Em uma

segunda votação, por 42 votos a 36, os senadores decidiram manter os direitos políticos de

Dilma – eram necessários dois terços (54 votos) para que ela ficasse impedida de exercer

cargos públicos por oito anos.

Michel Temer, que ocupava até então o posto de presidente em exercício, foi empossado no

mesmo dia, pouco antes das 17h, no plenário do próprio Senado. Toda a imprensa

acompanhava ininterruptamente o passo a passo final do julgamento e cada novo

movimento ou repercussão na Casa era divulgado com estardalhaço.

O UOL utilizou, na manchete 8 – no ar às 17h do dia 31 – uma diagramação diferenciada,

como pedia o teor extraordinário dos acontecimentos: foi feito um título maior, no alto da

homepage, com a inscrição Temer presidente sobre a imagem de Temer de dedo em riste,

que chamaremos de manchete extra. Mais abaixo, a manchete convencional, com o

seguinte enunciado: Dilma promete “incansável oposição” a Temer.

Em relação à manchete extra, não resta dúvida que, embora seja um breve enunciado

(Temer presidente), sem a presença de um verbo – que tradicionalmente acompanha os

títulos da imprensa –, trata-se de um exemplo claro de Fato Relatado (FR). Nesse caso

específico, de acordo com os preceitos de Charaudeau (2010, p. 152), é um “anúncio”. O

autor afirma: “A notícia é objeto de um tratamento discursivo desenvolvido sob diferentes

formas textuais: de anúncio (os títulos), de notificação (as notas), de relatório (artigo) etc.”.

Para legitimar o fato que relata, o UOL exibe junto ao título a imagem de Temer durante seu

primeiro pronunciamento após assumir a Presidência da República em definitivo. A foto, a

frase curta – mas contundente – e as reações ao episódio nas demais matérias que

aparecem na homepage dão seu recado. Diz Charaudeau (2010, p. 157): “A posição do

jornalista é a da testemunha esclarecida, o que aumenta sua responsabilidade em relatar

fielmente os acontecimentos e, ao mesmo tempo, o compromete, pois a narrativa que

constrói não pode prescindir da visada de captação”.

Ao Fato Relatado (FR) da manchete extra, segue-se o Dito Relatado (DR) da manchete

convencional. No enunciado Dilma promete “incansável oposição” a Temer, observamos

71

O resultado da condenação foi divulgado pouco antes das 14h.

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que são atendidas as três operações previstas na descrição do DR, conforme a proposição

de Charaudeau (2010): a seleção, a identificação e a maneira de relatar. A seleção do dito

operada pelo UOL, nesse caso, é parcial, pois apenas um trecho do pronunciamento de

Dilma Rousseff foi recortado para o título.

A identificação é explícita: Dilma é a primeira palavra do título e, dada sua importância e

relevância dos acontecimentos recentes, dispensa maiores apresentações. O fato de o

portal identificar imediatamente o locutor de origem é uma forma de autenticar a veracidade

da informação que está divulgando. Já em relação à maneira de relatar, o UOL optou pela

integração parcial do dito de origem, recorrendo à terceira pessoa e colocando aspas

somente um trecho específico (“incansável oposição”).

Cabe destacar, ainda, que o tipo de construção utilizada pelo UOL na manchete

convencional configura um exemplo de discurso indireto. Como diz Maingueneau (2013, p.

191), “com o discurso indireto, o enunciador citante tem uma infinidade de maneiras para

traduzir as falas citadas, pois não são as palavras exatas que são relatadas, mas sim o

conteúdo do pensamento”. Convém observar, contudo, que a manchete em questão

também contém a figura da “ilha textual”, que ocorre quando o enunciador isola um

fragmento em itálico ou entre aspas, numa forma híbrida de discurso. Assim, embora a

manchete convencional represente globalmente um discurso indireto, este contém palavras

(“incansável oposição”) atribuídas ao enunciador citado.

Também chama a atenção a escolha do verbo introdutor utilizado pelo UOL (“promete”),

pois ele condiciona o a interpretação, dando um certo direcionamento ao discurso citado:

Dilma não está apenas dizendo que vai fazer oposição ao novo governo, ela promete, dá

sua palavra a todos os brasileiros que assim o fará. Assim, o verbo dicendi escolhido pelo

UOL revela uma modalização, ou seja, “o meio de que dispõe o locutor-relator para

expressar a atitude de crença para com a veracidade dos propósitos do locutor de origem”

(CHARAUDEAU, 2010, p. 171). Vale notar que, em seu pronunciamento após o julgamento

do impeachment, Dilma não usa a palavra “prometer”. A frase recortada foi extraída do

seguinte trecho:

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Figura 20. Recorte ‘A’ de reportagem do UOL. Data: 31/08/16

Fonte: UOL. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-

noticias/2016/08/31/eles-pensam-que-nos-venceram-mas-voltaremos-diz-dilma-sobre-

impeachment.htm

A operação de seleção de um trecho do pronunciamento de Dilma Rousseff expõe, por fim,

uma estratégia de encenação da informação, conforme os fundamentos apresentados por

Charaudeau (2010). De acordo com o autor, o recorte de mundo operado pelas mídias pode

ocorrer na origem (quando se seleciona um acontecimento) ou no seu término (o modo

como será apresentada a notícia selecionada).

A reação de Dilma ao impeachment não foi um fato selecionado (a seleção ocorreu, sim, em

relação ao fragmento recortado do discurso da ex-presidente), uma vez que sua importância

se impôs a toda a imprensa. O recorte que nos interessa aqui, então, foi o modo de

apresentação da notícia: primeiro, no alto da página, a notícia principal (Temer presidente),

e, abaixo, o trecho selecionado do pronunciamento de Dilma (Dilma promete “incansável

oposição” a Temer). A esse respeito, Charaudeau (2010, p. 147, grifos do autor) afirma:

As operações de distribuição em rubricas e de repartição temáticas são importantes, pois constituem a configuração temática do espaço público construído pelas mídias. Revelam como cada organismo de informação trata os temas, os subtemas e os atores que integram uma mesma notícia, logo, a maneira pela qual cada um desses organismos constrói a “cobertura temática” do acontecimento. Isso permite, ao descrever tal “cobertura”, que se tenha uma visão do conjunto, raramente percebido pelo leitor ou telespectador médio.

É por meio desse “universo construído”, conclui Charaudeau, que a instância midiática

impõe ao público uma visão de mundo previamente articulada, “sendo que tal visão é

apresentada como se fosse a visão natural do mundo” (CHARAUDEAU, 2010, P. 151).

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Com base nos últimos apontamentos, a manchete 8 chega ao final desta análise assim

estruturada:

Manchete 8: Temer presidente

Dilma promete “incansável oposição” a Temer

Tabela 14. Aplicação de categorias na manchete 8

Jornalismo Digital (JD)

Discurso Direto (DD)

Discurso Indireto (DI) X

Ilha Textual (IT) X

Modalização (MOD) X

Encenação da Informação (EI) X

Dito Relatado (DR) X

Fato Relatado (FR) X

Embreagem Enunciativa (EE)

Enunciado Destacado (ED)

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MANCHETE 9 – 31/08/16 – Quarta-feira

Figura 21. Homepage UOL – Data: 31/08/16 – 23h

Fonte: Arquivo UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/arquivohome/

23 h – ‘Golpista é você’

Temer cita reformas da Previdência e trabalhista na TV

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Três horas depois de o Senado afastar definitivamente Dilma Rousseff do comando do

Palácio do Planalto, Michel Temer foi empossado presidente do Brasil, numa solenidade de

apenas 11 minutos. Durante a rápida cerimônia, que aconteceu no plenário do Senado,

Temer prestou o juramento no qual prometeu cumprir a Constituição. Em seguida, assinou o

compromisso de posse diante dos convidados e o evento foi encerrado.

A solenidade não produziu as frases de efeito que a instância midiática tanto esperava –

razão pela qual os passos do presidente após a posse foram acompanhados de perto para

manter aceso o interesse do público. O novo presidente optou por fazer uma espécie de

“discurso de posse” em sua primeira reunião ministerial no Palácio do Planalto, aberta à

imprensa, logo após a posse.

Foi justamente durante a reunião que Temer fez a declaração que ganhou as manchetes

dos sites jornalísticos e a atenção da TV imediatamente. Em resposta à propalada acusação

feita pelos petistas, de que o impeachment não passava de um golpe parlamentar, ele

afirmou:

Figura 22. Recorte ‘B’ de reportagem do UOL. Data: 31/08/16

Fonte: UOL. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-

noticias/2016/08/31/golpista-e-voce-diz-temer.htm

O primeiro enunciado a ser analisado, que chamaremos de manchete extra (‘Golpista é

você’), se apresenta como discurso direto: não apenas exime o enunciador de qualquer

responsabilidade sobre o dito, mas ainda simula restituir a fala citada. Nesse caso

específico, o enunciador citante utiliza um marcador típico dos textos jornalísticos: as aspas.

Embora o enunciador citado não esteja no título, não há dúvida sobre sua identidade: a

frase foi colocada sobre a imagem de um sorridente Michel Temer.

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Além disso, o enunciado da manchete extra apresenta-se também como um exemplo de

Dito Relatado (DR). Nesse caso, o UOL operou uma seleção parcial (trata-se de apenas um

trecho do dito original, com um certo efeito de “opinião”, pois o locutor expressa uma

apreciação dos fatos), com a identificação subentendida (como dissemos anteriormente, o

título foi colocado sobre a foto de Temer e a natureza da resposta, dada a insistência com

que ele vinha sendo acusado de golpista pelos partidários de Dilma, não deixa dúvidas

sobre quem é o autor da frase) e a maneira de relatar escolhida é a citação quase integral,

numa construção que se apresenta como a reprodução fiel do que foi enunciado.

Ainda em relação ao Dito Relatado, cabe ressaltar que a frase de Temer pode ser

classificada como uma “reação” ou, como diz Charaudeau (2010, p. 167), uma espécie de

“direito de resposta social”, em que os atores do mundo político são diretamente implicados

por alguma declaração.

O fato de o título ser só um recorte da frase original é o que Maingueneau (2013, p. 182)

considera uma encenação, “visando criar um efeito de autenticidade, de uma espécie de

imitação”. Para ele, não há como comparar uma ocorrência de fala efetiva e um enunciado

citado entre aspas em contexto totalmente diverso. “Por mais que seja fiel, o discurso direto

é sempre apenas um fragmento de texto submetido ao enunciador do discurso citante, que

dispõe de múltiplos meios para lhe dar um enfoque pessoal”, diz Maingueneau (2013, p.

182).

Ainda em relação ao trecho recortado (‘Golpista é você’), observamos mais uma marca

discursiva estudada por Maingueneau (2013): o enunciado destacado. Trata-se de uma

citação alçada à condição de enunciado independente. O autor afirma: “Numerosos

enunciados destacados não o são por acaso; com efeito, no texto do qual são extraídos eles

já se apresentam como fragmentos destacáveis, destinados a circular fora de seu texto de

origem” (MAINGUENEAU, 2013, p. 226).

A “destacabilidade” de um fragmento pode ser indicada de diversos modos. No caso da

manchete extra aqui estudada, podemos dizer que: 1) O fragmento está colocado na

manchete, ou seja, em uma posição que o torna particularmente visível; 2) Sua enunciação

mostra uma “amplificação” da figura do enunciador; e 3) Sua organização interna é forte, ou

seja, o fragmento destacado é atraente e facilmente memorizável.

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Nesse caso, de acordo com os fundamentos de Maingueneau (2013), não se trata de

citação. Ao realçar um trecho do enunciado em relação aos demais, o autor diz que o

enunciador citante está fazendo uma “sobreasseveração”.

O enunciado da manchete extra também pode ser enquadrado nos estudos de Charaudeau

(2010) sobre as estratégias de encenação da informação. Nesse caso, chama a atenção a

disposição visual do enunciado: a frase ‘Golpista é você’ está inserida na área de maior

destaque da homepage, sobre a imagem do presidente Michel Temer sorrindo, numa

expressão que poderia até ser descrita como escárnio.

Logo abaixo, a linha fina: “Em 1ª reunião ministerial, Temer rebate acusação de que seu

governo seria ilegítimo”. A frase não explicita a quem se dirige o recado, mas todos os

brasileiros sabem: a Dilma Rousseff, que não cansou de acusá-lo de promover o golpe.

Dramatizado, o título é uma resposta, o aviso de um embate. A frase pinçada do enunciado

transforma-se numa espécie de “fala de combate”. O UOL estabelece, assim, o modo

discursivo classificado por Charaudeau como a prática de provocar o acontecimento.

No caso específico da manchete extra, trata-se de um confronto provocado pela imprensa,

de modo a tornar a notícia (que talvez não fosse notícia) mais surpreendente. Como diz

Charaudeau (2010, p. 199): “São esses os efeitos perversos da máquina midiática: atores

que são álibis para uma argumentação bloqueada numa encenação que está a serviço do

espetacular. É o que se pode chamar de um simulacro de democracia.” Trata-se do

“universo construído” de que também fala Charaudeau: ou seja, a notícia não é o reflexo do

que acontece no espaço público, mas a realidade “produzida” pelas mídias.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, temos o questionamento de Bucci (2003, p. 12):

“Ora, e o que é a realidade, senão aquela que é dada pela mídia – ou pelas reações à

mídia, o que dá no mesmo?” E completa: “O que é a realidade senão a composição de

sentidos e de significados tal como ela pode acontecer nos termos da comunicação social?”

A segunda parte desta análise refere-se à manchete convencional, disposta logo abaixo da

manchete extra. No enunciado Temer cita reformas da Previdência e trabalhista na TV,

ocorre mais um exemplo de Fato Relatado (FR). O UOL faz uma descrição do que

considerou mais relevante no primeiro pronunciamento de Temer em cadeia nacional de

rádio e TV: a defesa das duas reformas no Congresso (temas que encontram resistência

entre o público e os próprios parlamentares). Para isso, pede que o país se una e coloque

“os interesses nacionais acima dos interesses de grupos”.

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129

Para legitimar o fato que relata, condição de autenticidade prevista por Charaudeau (2010),

o UOL traz, ainda na homepage, a foto de Temer durante o pronunciamento. Além disso, o

conteúdo interno da matéria começa com o vídeo de cinco minutos em que o presidente fala

em cadeia nacional. A escolha pelo recorte feito no título (a necessidade das reformas,

assunto considerado polêmico pela população) parece ser uma narrativa construída com o

intuito de alcançar a visada de captação.

Por fim, em relação à segunda parte da manchete 9, o UOL recorre, mais uma vez, ao

presente dêitico (“cita”), que indica o plano embreado do enunciado. O título designa o

próprio momento em que se produz o enunciado que contém esse presente, conforme a

descrição de embreagem enunciativa feita por Maingueneau (2013, p. 130).

A manchete 9, portanto, termina assim categorizada:

Tabela 15. Aplicação de categorias na manchete 9

Jornalismo Digital (JD)

Discurso Direto (DD) X

Discurso Indireto (DI)

Ilha Textual (IT)

Modalização (MOD)

Encenação da Informação (EI) X

Dito Relatado (DR) X

Fato Relatado (FR) X

Embreagem Enunciativa (EE) X

Enunciado Destacado (ED) X

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130

MANCHETE 10 – 01/09/16 – Quinta-feira

Figura 23. Homepage UOL – Data: 01/09/16 – 10h

Fonte: Arquivo UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/arquivohome/

10 h – Temer terá trégua breve para fazer reformas urgentes

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131

Horas depois de ser oficialmente empossado presidente da República, Michel Temer

transmitiu interinamente o cargo ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.

Isso aconteceu porque Temer viajou, ainda na noite da posse (31 de agosto), para a China,

para participar da reunião de Cúpula do G-20.

Sem o novo protagonista do cenário político no país, a imprensa se dedicou sobretudo a

fazer análises sobre o impeachment e a elucubrar sobre as mudanças de gestão do governo

Michel Temer. Na manchete 10, no ar às 10h do dia 1º de setembro, o UOL convida o leitor

a fazer uma reflexão sobre essas mudanças. Para isso, a reportagem ouviu especialistas de

diferentes segmentos da sociedade para traçar uma conjuntura do cenário político para os

meses seguintes.

Assim, o enunciado “Temer terá trégua breve para fazer reformas urgentes” é a

compilação de opiniões de 25 especialistas de áreas distintas, como cientistas políticos,

economistas, empresários, políticos e representantes de movimentos populares, entre

outros. O fragmento “trégua breve”, por exemplo, está diretamente associado à proximidade

das eleições municipais (o primeiro turno ocorreria cerca de um mês depois, no dia 2 de

outubro): a expectativa geral era de que, nesse período, Temer gozaria de um período de

relativa tranquilidade nas esferas política, econômica e social. Já o trecho “reformas

urgentes” mostra uma certa adesão do UOL à necessidade de aprovação de reformas

fiscais e administrativas (reformas trabalhista e da Previdência e teto de gastos públicos).

A síntese do enunciado compreende alguns dos elementos estudados por Charaudeau

(2010) em seu trabalho sobre as estratégias de encenação da informação – em especial o

modo discursivo de provocar o acontecimento. Como se sabe, as mídias não apenas

relatam as falas que circulam no espaço público – elas contribuem ativamente para o debate

social. Fazem isso por meio de dispositivos que promovem o confronto de falas diversas. As

polêmicas provocadas pela imprensa são, para Charaudeau (2010, p. 189), “uma

encenação organizada de tal maneira que os confrontos de falas tornam-se, por si, um

acontecimento notável (saliente)”.

É exatamente o que o UOL parece fazer na manchete 10: uma construção com fins de

revelação de uma determinada verdade sobre o mundo. De acordo com os fundamentos

propostos por Charaudeau (2010, p. 189), o enunciado atende a todas as características

gerais do acontecimento provocado, a saber: 1) As falas provocadas devem ser exteriores à

mídia (no caso, foram ouvidos representantes de variados setores da sociedade); 2) As falas

são motivadas por um tema da atualidade (após o impeachment, a grande questão que se

apresentou aos brasileiros era: O que muda agora no cenário político, econômico e social do

país? A reportagem pretende responder a essa questão); 3) As falas são justificadas pela

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identidade daqueles que falam (como dissemos, foram ouvidos membros de diferentes

segmentos, todos considerados especialistas ou líderes em sua área de atuação; é

importante ponderar, contudo, que as mídias não deixam de estabelecer preferências entre

os atores convidados a debater um tema); 4) As falas são apresentadas por um

representante das mídias (no caso, o UOL, que desempenha um papel fundamental na

encenação: os jornalistas do portal constroem e gerenciam o discurso com base nas

entrevistas realizadas) num espaço de visibilidade apropriado (a manchete).

Deste modo, podemos assim categorizar a manchete 10:

Manchete 10: Temer terá trégua breve para fazer reformas urgentes

Tabela 16. Aplicação de categorias na manchete 10

Jornalismo Digital (JD)

Discurso Direto (DD)

Discurso Indireto (DI)

Ilha Textual (IT)

Modalização (MOD)

Encenação da Informação (EI) X

Dito Relatado (DR)

Fato Relatado (FR)

Embreagem Enunciativa (EE)

Enunciado Destacado (ED)

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133

MANCHETE 11 – 01/09/16 – Quinta-feira

Figura 24. Homepage UOL – Data: 01/09/16 – 12h

Fonte: Arquivo UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/arquivohome/

12 h – Dilma pede que STF anule sessão do Senado

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CONT. MANCHETE 11 – 01/09/16 – Quinta-feira

Figura 25. Homepage UOL – Data: 01/09/16 – 17h

Fonte: Arquivo UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/arquivohome/

17 h – Dilma pede que STF anule sessão do Senado

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Um dia depois do impeachment, a defesa da ex-presidente Dilma Rousseff entrou com um

mandado de segurança no STF (Supremo Tribunal Federal) pleiteando a anulação da

sessão em que o Senado decidiu por seu afastamento. Os advogados de Dilma pediam,

ainda, a realização de um novo julgamento. O principal argumento da defesa é que a

denúncia contra a ex-presidente foi fundamentada em dispositivos legais da Lei dos Crimes

de Responsabilidade (de 1950) que estariam em colisão com a Constituição Federal (de

1988).

A tentativa de suspender os efeitos do impeachment mobilizou toda a imprensa. Em pouco

tempo, não só a defesa de todos os envolvidos (Dilma Rousseff e Michel Temer) passou a

se manifestar nos veículos de comunicação e nas redes sociais, como verdadeiros embates

jurídicos foram travados pela mídia, com diferentes juristas opinando sobre o recurso.

Dada a importância do acontecimento, a manchete 11 (feita com conteúdo do jornal Folha

de S.Paulo, que pertence ao conglomerado de mídia Grupo Folha, assim como o UOL)

estava no ar às 12h e foi mantida às 17h. Algumas atualizações sobre o assunto foram

feitas nas demais chamadas da homepage ao longo do dia.

O enunciado Dilma pede que STF anule sessão do Senado revela, ao primeiro olhar,

características do Fato Relatado (FR), à luz dos estudos sobre o assunto feitos por

Charaudeau (2010). Neste caso, o fato tem relação com o comportamento dos indivíduos e

com as ações que estes empreendem (o recurso jurídico apresentado pelos advogados de

Dilma). Além disso, trata-se da descrição de um acontecimento. Para comprovar a

autenticidade do fato relatado, o UOL apresenta, no conteúdo da reportagem, entrevista

com o principal advogado da ex-presidente, José Eduardo Cardozo, trechos do mandado de

segurança e ainda informa que o relator da ação no STF é o ministro Teori Zavascki72.

Outra característica da manchete 11 é que seu enunciado configura a utilização de discurso

indireto. Ao contrário do discurso direto, que busca reproduzir as palavras citadas pelo

sujeito, no discurso indireto o que se restitui é o sentido. O verbo introdutor utilizado pelo

UOL (“pede”) demonstra certa neutralidade em relação ao grau de envolvimento do

narrador com o discurso que ele reporta. Ao verbo, segue-se a conjunção “que”, partícula

típica do discurso indireto. Trata-se de um modelo de discurso indireto que analisa o

conteúdo, ou seja, elimina os elementos emocionais para criar um efeito de objetividade.

72

Teori Zavascki negou o pedido da defesa de Dilma em outubro de 2016.

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136

Temos, finalmente, na manchete 11 mais um exemplo de embreagem enunciativa, de

acordo com os critérios estabelecidos por Maingueneau (2013). O enunciado utiliza, mais

uma vez, o verbo no presente dêitico (“pede”). A marca de presente demonstra que o título

tem como ponto de referência o momento de sua enunciação.

Com isso, concluímos a análise da manchete 11 e podemos assim enquadrá-la:

Manchete 11: Dilma pede que STF anule sessão do Senado

Tabela 17. Aplicação de categorias na manchete 11

Jornalismo Digital (JD)

Discurso Direto (DD)

Discurso Indireto (DI) X

Ilha Textual (IT)

Modalização (MOD)

Encenação da Informação (EI)

Dito Relatado (DR)

Fato Relatado (FR) X

Embreagem Enunciativa (EE) X

Enunciado Destacado (ED)

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MANCHETE 12 – 02/09/16 – Sexta-feira

Figura 26. Homepage UOL – Data: 02/09/16 – 10h

Fonte: Arquivo UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/arquivohome/

10 h – Temer minimiza decisão de manter direitos de Dilma

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Em seu primeiro compromisso oficial em Xangai, na China, para onde foi a fim de participar

da Cúpula do G-20, o presidente Michel Temer deu uma rápida entrevista à Folha de

S.Paulo, que havia despachado uma enviada especial ao país. Era manhã de sexta-feira

(02/09) na China, mas ainda noite de quinta-feira (01/09) no Brasil73. A entrevista resultou

na reportagem que embasou o enunciado da manchete 12 do UOL, no ar às 10h de sexta-

feira. Como dissemos anteriormente, tanto a Folha de S.Paulo quanto o UOL pertencem ao

mesmo conglomerado de mídia (o Grupo Folha), razão pela qual boa parte do conteúdo

jornalístico do portal provém do jornal parceiro.

Inicialmente, o enunciado Temer minimiza decisão de manter direitos de Dilma remete a

um modelo de discurso indireto. Ou seja, o enunciador citante une o discurso citado ao seu,

restituindo o sentido da fala de Temer (e não reproduzindo fielmente suas palavras, caso do

discurso direto). O verbo introdutor escolhido (“minimiza”) mostra haver um discurso

relatado e revela o nível de envolvimento do narrador com o discurso que ele reporta: a

escolha por “minimizar” dá um certo direcionamento ao discurso citado, de certa maneira

marca o distanciamento do jornalista em relação à fala que ele relata.

Como é comum ao discurso indireto, a manchete 12 cria um efeito de sentido. Afinal, o

enunciado foi construído com base no seguinte trecho da entrevista, em que Temer

responde se a opção por manter a ex-presidente Dilma Rousseff habilitada para ocupar

cargos públicos foi uma manobra política:

Figura 27. Recorte de reportagem do UOL. Data: 02/09/16

Fonte: UOL. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/09/1809497-na-

china-temer-diz-que-embaracos-com-base-aliada-serao-superados.shtml

73

O fuso horário da China é de 10 horas adiantadas em relação ao horário de Brasília – portanto, a manhã de sexta-feira (02/09) na China ainda era noite de quinta (01/09) no Brasil.

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Assim, o jornalista interpretou, de certa forma, o conteúdo do pensamento de Temer e

transmitiu sua fala com as suas palavras (do jornalista). É curioso observar que a matéria da

Folha de S.Paulo optou por outro trecho da entrevista para fazer seu título: “Na China,

Temer diz que ‘embaraços’ com base aliada serão superados” – talvez buscando criar um

efeito de maior objetividade em relação ao discurso relatado.

Construída com base na entrevista de Temer, a manchete 12 também configura um caso de

Dito Relatado (DR), ou seja, uma enunciação sobre outra enunciação. O enunciado atende

às três operações previstas por Charaudeau (2010) na descrição do DR: a seleção, a

identificação e a maneira de relatar. A seleção, nesse caso específico, é parcial, uma vez

que apenas um trecho do dito foi selecionado – e, ainda assim, não foi reproduzido na

íntegra.

A identificação é total e está na abertura do enunciado: o nome “Temer” está no título e

vem seguido do verbo introdutor “minimiza”. À esquerda da manchete, a foto de Temer

desembarcando em Xangai não deixa dúvidas que ele é o locutor de origem. Já a maneira

de relatar escolhida foi a “narrativização”, em que o dito de origem é relatado de tal maneira

que se integra ao dito de quem relata. A esse respeito, é fundamental pontuar que, nesse

caso, o dito de origem sofre uma dupla transformação: além de ser integrado ao discurso

citante, ele é “interpretado” pelo jornalista por um verbo de modalização (“minimiza”). A

modalização, que se soma às categorias anteriormente descritas, mostra um distanciamento

em relação ao discurso citado.

A respeito do verbo utilizado (“minimiza”), também recorremos ao estudo de Marcuschi

(2007) sobre seu papel na introdução de opiniões. Para o autor, muitas vezes a escolha de

um verbo dá uma dimensão explícita à opinião – o que parece ser o caso da manchete 12.

Temer, aparentemente, quer desviar do assunto. Mas, ao usar o fragmento “minimiza”, o

UOL atribui à opinião do presidente certas intenções que, segundo Marcuschi (2007, p.

159), são “inferências dentro de um contexto de não-dito”.

Além disso, a modalidade de enunciação marcada pelo verbo utilizado (“minimiza”) reforça,

ainda, que o jornalista recorreu às estratégias de encenação da informação descritas por

Charaudeau (2010). Segundo o autor, o jornalista “pode usar de estratégias em função dos

desafios de credibilidade e de captação que escolhe para si” (CHARAUDEAU, 2010, p. 129).

Assim, ao fazer um recorte da entrevista de Temer, interpretar esse fragmento e transformá-

lo em notícia, o jornalista empreende, por meio de modos discursivos que ele combina de

maneira particular, uma “construção da notícia”. A esse respeito, diz Charaudeau (2010, p.

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131): “Não há captura da realidade empírica que não passe pelo filtro de um ponto de vista

particular, o qual constrói um objeto particular que é dado como um fragmento do real”.

Ao estudar os modos de recorte midiático do espaço social, o autor refere que o recorte de

mundo operado pelas mídias pode ocorrer na origem (na seleção da notícia) ou no seu

término (como a notícia será apresentada ao público), sendo esta última característica

visível no enunciado da manchete 12. Além disso, ao questionar o presidente a respeito de

uma decisão que beneficiou Dilma Rousseff, o jornalista expõe a intenção de polemizar,

com o claro intuito de produzir impacto junto ao público.

A presença da embreagem enunciativa na manchete 12, finalmente, se manifesta por meio

do uso do verbo introdutor no presente dêitico (“minimiza”). A opção mostra que o

enunciado se ancora na sua situação de enunciação. Como diz Maingueneau (2013, p.

129), “a atividade enunciativa se mostra essencialmente reflexiva: ela fala do mundo

apontando, de algum modo, para sua própria atividade de fala”.

Concluímos a análise da manchete 12 da seguinte maneira:

Manchete 12: Temer minimiza decisão de manter direitos de Dilma

Tabela 18. Aplicação de categorias na manchete 12

Jornalismo Digital (JD)

Discurso Direto (DD)

Discurso Indireto (DI) X

Ilha Textual (IT)

Modalização (MOD) X

Encenação da Informação (EI) X

Dito Relatado (DR) X

Fato Relatado (FR)

Embreagem Enunciativa (EE) X

Enunciado Destacado (ED)

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MANCHETE 13 – 03/09/16 – Sábado

Figura 28. Homepage UOL – Data: 03/09/16 – 10h

Fonte: Arquivo UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/arquivohome/

10 h – ‘As 40 pessoas que quebram carro?’, diz Temer sobre atos contra o impeachment

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CONT. MANCHETE 13 – 03/09/16 – Sábado

Figura 29. Homepage UOL – Data: 03/09/16 – 12h

Fonte: Arquivo UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/arquivohome/

12 h – ‘As 40 pessoas que quebram carro?’, diz Temer sobre atos contra o impeachment

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CONT. MANCHETE 13 – 03/09/16 – Sábado

Figura 30. Homepage UOL – Data: 03/09/16 – 17h

Fonte: Arquivo UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/arquivohome/

17 h – ‘As 40 pessoas que quebram carro?’, diz Temer sobre atos contra o impeachment

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CONT. MANCHETE 13 – 03/09/16 – Sábado

Figura 31. Homepage UOL – Data: 03/09/16 – 23h

Fonte: Arquivo UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/arquivohome/

23h – ‘As 40 pessoas que quebram carro?’, diz Temer sobre atos contra o impeachment

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Em 3 de setembro de 2016, três dias depois do impeachment da presidente Dilma Rousseff,

os protestos em todo o país, que haviam começado ainda durante o julgamento, seguiam

como notícia na imprensa. Em São Paulo, o número de participantes não foi divulgado pela

Polícia Militar, mas manifestações no centro e na zona oeste registraram episódios de

violência e de depredação de lojas. A repercussão dos atos chegou ao presidente recém-

empossado, Michel Temer – que estava na China para participar da Cúpula do G-20. De lá

partiu o trecho da entrevista que resultou na manchete do portal UOL, feita com base em

entrevista realizada pela enviada especial da Folha de S.Paulo àquele país. O enunciado foi

mantido na manchete ao longo de todo o dia.

Em uma primeira avaliação, é possível enxergar um caso clássico do Dito Relatado (DR), de

acordo com os fundamentos propostos por Charaudeau. A manchete em questão atende

aos três tipos de operação previstos na descrição do DR: a seleção, a identificação e a

maneira de relatar.

A seleção, nesse caso, é parcial, uma vez que apresenta o “dito” de maneira truncada (em

trechos). Isso significa dizer que o texto produz um efeito de subjetivação, já que apenas

uma parte do dito foi selecionada para o título.

Já a identificação ocorre logo após o trecho citado, em que o portal utiliza o modalizador

“diz” para, em seguida, apontar quem deu tal declaração (o presidente Michel Temer). Como

vimos anteriormente em outras manchetes analisadas, identificar o locutor de origem é,

além de uma espécie de garantia de “autenticidade”, uma forma de distanciamento, uma

“discordância” em relação àquele enunciado.

Por fim, em relação à maneira de relatar, o UOL optou pela citação com aspas, uma

construção que se apresenta como reprodução fiel do que foi enunciado – mais uma vez,

uma forma de legitimar a veracidade da notícia e, ao mesmo tempo, de se eximir da

responsabilidade pelo dito.

A manchete também “explica” a causa do dito relatado: “(...) diz Temer sobre atos contra o

impeachment”. Ao esclarecer a causa, o enunciado igualmente apresenta a citação como

uma “reação” a algo. Ora, o presidente reagiu aos protestos contra o impeachment – e que o

levaram a assumir o cargo – com uma declaração que minimiza e ironiza aqueles que

saíram às ruas bradando “Fora, Temer!”. É o que Charaudeau (2010, p. 167) chama de

“direito de resposta social” e que se aplica perfeitamente à situação.

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Também encontramos marcas discursivas à luz dos fundamentos de Maingueneau (2013).

A manchete 14 apresenta-se como um exemplar de discurso direto, com uma citação entre

aspas e, ao final, o modalizador “diz”, típico verbo introdutor do discurso direto utilizado pela

imprensa. Mais uma vez, também para Maingueneau, recorrer a este modelo linguístico visa

criar autenticidade, distanciar-se (seja porque o enunciador não adere ao que é dito; seja

porque o enunciador quer explicitar sua adesão respeitosa ao dito), e mostrar-se objetivo. A

análise do contexto do enunciado nesse caso permite supor que o UOL não quer misturar o

dito de origem com aquilo que ele (o enunciador citante) efetivamente assume.

Em outro conceito utilizado por Maingueneau (2013, p. 226, grifo do autor), temos na

manchete 14 um perfeito modelo de enunciado destacado. Como explica o teórico, “a

máquina midiática é grande consumidora desse tipo de citação, sejam as ‘pequenas frases’

dos políticos, ou as inúmeras citações que servem de títulos ou figuram nas margens dos

artigos da imprensa escrita”.

O enunciado não foi, obviamente, escolhido ao acaso. Sua “destacabilidade” pode ser

conferida principalmente porque: 1) O fragmento possui um valor generalizante; 2) Foi

colocado na manchete, posição que o torna particularmente visível; e 3) Sua enunciação

cria uma espécie de “amplificação” da figura do enunciador, que chega a parecer mais

enfática. Maingueneau chama de “sobreasseverado” esse tipo de fragmento em que o título,

no caso, realça um trecho do enunciado em relação aos demais (outros trechos da

entrevista do presidente Michel Temer são colocados no corpo da reportagem).

Em um nível mais elaborado de análise, não seria exagero afirmar também que o fato de o

presidente “minimizar” os protestos populares são uma espécie de ironia do enunciador

citante – que, aliás, logo acima da manchete, insere a seguinte rubrica: “Houve confrontos e

depredações”.

Além disso, a foto logo abaixo do título traz o presidente Temer sorridente aparentemente

dando entrevista a uma jornalista chinesa. Um pouco mais abaixo, uma galeria de fotos

apresenta contundentes imagens de manifestações no Brasil. Com protestos registrados em

várias regiões e episódios violentos ocorridos especialmente em São Paulo, cidade de

residência de Michel Temer, parece natural que a frase tenha sido escolhida exatamente

para desqualificar o dito de origem.

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Além das características acima abordadas, é possível afirmar ainda que o enunciado da

manchete 13 se enquadra no modo discursivo descrito por Charaudeau como a prática de

provocar o acontecimento, na demonstração de mais uma estratégia de encenação da

informação. Nesse caso, a busca pelo embate e a polêmica é clara: Temer não fez um

pronunciamento sobre as manifestações, não deu uma entrevista coletiva a respeito. Ele foi

instado a falar sobre o assunto pela jornalista da Folha de S. Paulo. A esse respeito,

Charaudeau (2010, p. 190) diz que certas personalidades só são ouvidas pela imprensa “por

causa da fala que produzem, uma fala que vem confirmar, do exterior, que o que está no

centro da atualidade e do debate social é exatamente o que as mídias põem em cena”.

Ainda a esse respeito, cabe ressaltar que apenas um trecho da frase foi utilizado na

manchete. O enunciado de Temer na íntegra foi o seguinte:

Figura 32. Recorte de reportagem do UOL. Data: 03/09/16

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/09/1809971-as-40-pessoas-

que-quebram-carro-diz-temer-sobre-manifestacoes-contra-o-impeachment.shtml

Com base na análise acima exposta, chegamos às seguintes categorias:

Manchete 14: ‘As 40 pessoas que quebram carro?’, diz Temer sobre atos contra o

impeachment

Tabela 19. Aplicação de categorias na manchete 13

Jornalismo Digital (JD)

Discurso Direto (DD) X

Discurso Indireto (DI)

Ilha Textual (IT)

Modalização (MOD)

Encenação da Informação (EI) X

Dito Relatado (DR) X

Fato Relatado (FR)

Embreagem Enunciativa (EE)

Enunciado Destacado (ED) X

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DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DA ANÁLISE

As 13 manchetes do UOL foram examinadas à luz de dez categorias principais. Ao fim da

análise dessas unidades informativas, chegamos a um bloco final de interpretação que

permite observar quais expedientes registraram maior número de ocorrências no período

estudado. O resultado pode ser conferido abaixo:

Tabela 20. Quadro final de análise

Categorias

M1 M2 M3 M4 M5 M6 M7 M8 M9 M10 M11 M12 M13 Total

JD X X X X X X 6 DD X X 2 DI X X X X 4 IT X X 2

MOD X X X X 4 EI X X X X X X X X X X 10 DR X X X X X 5 FR X X X X X X 6 EE X X X X X X X X X 9 ED X X 2

Legendas:

M1 a M13 – Manchete 1 a Manchete 13

JD – Jornalismo Digital (características) DD – Discurso Direto DI – Discurso Indireto IT – Ilha Textual MOD – Modalização EI – Estratégias de Encenação da Informação DR – Discurso Relatado FR – Fato Relatado EE – Embreagem Enunciativa ED – Enunciado Destacado

Os números do quadro final de análise demonstram que as estratégias de encenação da

informação preconizadas por Charaudeau (2010) foram o recurso mais empregado pelo

UOL no período estudado, com 10 ocorrências para um total de 13 manchetes. Sobre esses

mecanismos, o autor enumera uma série de situações em que a instância midiática combina

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diferentes componentes para apresentar uma notícia, de acordo com os desafios de

credibilidade (informar) e de captação (seduzir) que o jornalista escolhe para si.

Assim, há episódios em que o UOL recorre à figura do acontecimento provocado, casos das

manchetes 9 (Manchete Extra: ‘Golpista é você’), 10 (Temer terá trégua breve para fazer

reformas urgentes) e 13 (‘As 40 pessoas que quebram carro?’, diz Temer sobre atos

contra o impeachment). Esses enunciados são exemplos de como a imprensa alimenta o

debate social promovendo o confronto de falas diversas. Ao criar determinadas polêmicas, a

mídia produz “uma encenação organizada de tal maneira que os confrontos de falas tornam-

se, por si, um acontecimento notável (saliente)” (CHARAUDEAU, 2010, p. 189).

Na manchete 9, por exemplo, o fragmento selecionado para o título foi recortado de seu

contexto, fazendo com que a frase ganhasse uma dimensão mais incisiva, como uma

espécie de fala de combate. Em outro exemplo, o enunciado da manchete 10 transforma em

notícia uma análise sobre o cenário político feita, a pedido do UOL, por especialistas de

diferentes segmentos. O título resulta numa construção com fins de revelação de uma

determinada verdade sobre o mundo.

Também foram identificados casos de acontecimento comentado, como na manchete 6

(Reeleita com apoio de 53 senadores, hoje Dilma luta para reunir 28 votos), seleção

dos fatos (Manchete 3: Julgamento de Dilma segue hoje; veja as etapas) e filtros como

os de atualidade, proximidade e importância (Manchete 2: Dilma depõe agora sobre

processo de impeachment; veja / Após discurso, Dilma responde a senadores; assista

/ Dilma responde a senadores durante julgamento; assista). Na maioria desses

exemplos, temos o que Charaudeau (2010) chama de “obsessão pelo presente”: o UOL não

está apenas dando a notícia do dia, como convida o leitor a acompanhar os

desdobramentos do caso em tempo real. Estratégia que entendemos como mais uma forma

de sedução do leitor.

Na sequência dos resultados, houve 9 ocorrências de embreagem enunciativa, uma figura

que, de certa forma, também possui traços que marcam a mesma “busca pela atualidade”

de que falamos anteriormente. Todos os enunciados que se valeram desse recurso

apresentam o presente dêitico, entre eles as manchetes 4 (Reale Júnior discursa contra

Dilma no Senado), 5 (Senadores falam sobre processo contra Dilma; veja), 7

(Lewandowski decide se vai separar votação) e 11 (Dilma pede que STF anule sessão

do Senado).

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Vale destacar que um dos títulos da manchete 2 (Dilma depõe agora sobre processo de

impeachment; veja) têm, além do tempo verbal (depõe; veja), outra marca de presente: o

embreante temporal agora. Esses elementos, como se vê, marcam a maneira pela qual o

enunciado se ancora na situação de enunciação. Desta forma, inscrevem-se

automaticamente no filtro de atualidade imposto pela instância midiática. Funcionam, por

fim, como uma espécie de justificativa: Esse fato está acontecendo agora, por isso está

sendo noticiado.

Como refere Maingueneau (2013, p. 129), um verbo empregado no presente designa “o

próprio momento em que se produz o enunciado que contém esse presente”. Assim, dada a

vocação da Internet para informar e atualizar notícias em tempo real, é natural que o uso da

embreagem enunciativa nesse suporte, particularmente por meio de dêiticos temporais, seja

relativamente previsível.

Dando prosseguimento à análise, as ocorrências de Fato Relatado e de características

próprias ao jornalismo digital computaram seis registros cada. Os casos de Fato Relatado

coincidem principalmente com a cobertura ao vivo do julgamento do impeachment, em que o

UOL narra os acontecimentos do Senado em tempo real. É o caso, por exemplo, das

manchetes 2 (Dilma depõe agora sobre processo de impeachment; veja / Após

discurso, Dilma responde a senadores; assista / Dilma responde a senadores durante

julgamento; assista), 4 (Reale Júnior discursa contra Dilma no Senado) e 5

(Senadores falam sobre processo contra Dilma; veja). Mas essa técnica também é

utilizada para descrever os desdobramentos pós-impeachment, como nas manchetes 9

(Manchete convencional: Temer cita reformas da Previdência e trabalhista na TV) e 11

(Dilma pede que STF anule sessão do Senado).

Por se tratar de uma pesquisa no âmbito da plataforma digital, acreditamos inicialmente que

a categoria que abrange as características do jornalismo online seria a mais recorrente

neste estudo. No entanto, assim como aconteceu com as ocorrências referentes ao Fato

Relatado, essas marcas limitaram-se ao período decisivo do julgamento do impeachment,

em que a cobertura ao vivo exigia a exploração desse tipo de recurso. Assim, o intervalo

compreendido entre segunda e quarta-feira (29 a 31 de agosto de 2016) foi o mais

significativo para esse tipo de característica.

É o que podemos ver, por exemplo, nas manchetes 2 (Dilma depõe agora sobre processo

de impeachment; veja / Após discurso, Dilma responde a senadores; assista / Dilma

responde a senadores durante julgamento; assista), 3 (Julgamento de Dilma segue

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hoje; veja as etapas) e 5 (

principais marcas presentes nos títulos são a instantaneidade, a multimidialidade e a

interatividade.

No caso da instantaneidade, o UOL recor

verbal, por meio do

reforçar informação de que se tratava de cobertura ao vivo.

Com cinco ocorrências no

1 (Lula diz que indiciamento no caso do tríplex é “factoide” contra candidatura

(Manchete convencional: Dilma promete “incansável oposição” a Temer

extra: ‘Golpista é você’), 12 (

(‘As 40 pessoas que quebram carro?’, diz Temer sobre atos contra o impeachment

Charaudeau (2010, p. 161

porque

a palavra do outro está sempre presente em todo ato de enunciação de um

sujeito fa

que fala, fazendo de todo discurso um discurso heterogêneo por definição,

uma vez que se compõe frequentemente dos traços das enunciações do

outro

Em nossa análise, percebemos que

parcial nas cinco manchetes

para compor o enunciado. A identificação foi total em três delas

(‘Golpista é você’) ficou subente

Temer como autor da frase. Já a maneira de relatar foi a citação em três casos (manchetes

1, 9 e 13), integração parcial na manchete 8 (o título

emprego de aspas, “incansável oposição”

(o dito de origem desaparece no dito de quem relata).

Na sequência dos resultados

alguma maneira relaciona

casos de discurso indireto as

é “factoide” contra candidatura

oposição” a Temer), 11 (

minimiza decisão de manter direitos de Dilma

maneiras para traduzir as falas citadas

palavras do locutor de origem

151

e 5 (Senadores falam sobre processo contra Dilma

principais marcas presentes nos títulos são a instantaneidade, a multimidialidade e a

No caso da instantaneidade, o UOL recorreu algumas vezes à l

verbal, por meio do símbolo à esquerda (play) ao final do enunciado, para

reforçar informação de que se tratava de cobertura ao vivo.

quadro final de análise, o Dito Relatado apareceu nas manchet

Lula diz que indiciamento no caso do tríplex é “factoide” contra candidatura

Dilma promete “incansável oposição” a Temer

), 12 (Temer minimiza decisão de manter direitos de Dilma

(‘As 40 pessoas que quebram carro?’, diz Temer sobre atos contra o impeachment

, p. 161) refere que o Dito Relatado é muito frequente na imprensa

a palavra do outro está sempre presente em todo ato de enunciação de um

sujeito falante, instituindo um dialogismo permanente entre o outro e o sujeito

que fala, fazendo de todo discurso um discurso heterogêneo por definição,

uma vez que se compõe frequentemente dos traços das enunciações do

outro.

Em nossa análise, percebemos que a operação de seleção prevista no Dito Relatado foi

manchetes – ou seja, apenas um trecho do que foi dito foi selecionado

para compor o enunciado. A identificação foi total em três delas – apenas a manchete 9

ficou subentendida, pois não nomeou explicitamente o presidente Michel

Temer como autor da frase. Já a maneira de relatar foi a citação em três casos (manchetes

1, 9 e 13), integração parcial na manchete 8 (o título integra um trecho do dito

cansável oposição”, ao enunciado) e narrativização na manchete 12

(o dito de origem desaparece no dito de quem relata).

Na sequência dos resultados, duas categorias computaram quatro ocorrências cada, de

alguma maneira relacionadas entre si: o discurso indireto e a modalização. Configuram

discurso indireto as manchetes 1 (Lula diz que indiciamento no caso do tríplex

é “factoide” contra candidatura), 8 (Manchete convencional: Dilma promete “incansável

), 11 (Dilma pede que STF anule sessão do Senado

decisão de manter direitos de Dilma), em que o jornalista se vale de diferentes

maneiras para traduzir as falas citadas – afinal, o relato feito não é

do locutor de origem, mas o que seria supostamente o

sobre processo contra Dilma; veja). As

principais marcas presentes nos títulos são a instantaneidade, a multimidialidade e a

reu algumas vezes à linguagem não

) ao final do enunciado, para

quadro final de análise, o Dito Relatado apareceu nas manchetes

Lula diz que indiciamento no caso do tríplex é “factoide” contra candidatura), 8

Dilma promete “incansável oposição” a Temer), 9 (Manchete

Temer minimiza decisão de manter direitos de Dilma) e 13

(‘As 40 pessoas que quebram carro?’, diz Temer sobre atos contra o impeachment).

) refere que o Dito Relatado é muito frequente na imprensa

a palavra do outro está sempre presente em todo ato de enunciação de um

instituindo um dialogismo permanente entre o outro e o sujeito

que fala, fazendo de todo discurso um discurso heterogêneo por definição,

uma vez que se compõe frequentemente dos traços das enunciações do

prevista no Dito Relatado foi

ou seja, apenas um trecho do que foi dito foi selecionado

apenas a manchete 9

ndida, pois não nomeou explicitamente o presidente Michel

Temer como autor da frase. Já a maneira de relatar foi a citação em três casos (manchetes

integra um trecho do dito com o

, ao enunciado) e narrativização na manchete 12

categorias computaram quatro ocorrências cada, de

modalização. Configuram

Lula diz que indiciamento no caso do tríplex

Dilma promete “incansável

e sessão do Senado) e 12 (Temer

), em que o jornalista se vale de diferentes

afinal, o relato feito não é a reprodução fiel das

eria supostamente o “conteúdo do seu

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pensamento”. Trata-se de um modelo bastante explorado pela imprensa, logo o resultado

não foi uma surpresa.

As modalizações também foram identificadas em verbos dicendi utilizados pelo UOL em

quatro manchetes: 2 (Dilma depõe agora sobre processo de impeachment; veja), 4

(Reale Júnior discursa contra Dilma no Senado), 8 (Dilma promete “incansável

oposição” a Temer ) e 12 (Temer minimiza decisão de manter direitos de Dilma). Em

todos esses casos, os verbos são utilizados, como diz Charaudeau (2010, p. 171), “para

expressar a atitude de crença para com a veracidade dos propósitos do locutor de origem”.

Marcuschi (2007, p. 147) concorda, ao referir que o uso do verbo é uma das formas

linguísticas de relatar opiniões mais frequentes: “Nesta modalidade, a opinião é introduzida

com algum verbo que antecipa o caráter geral da opinião relatada”. O autor diz, ainda, que

quando o jornalista seleciona uma parte e não outra das opiniões de alguém já está

interpretando o discurso através da omissão.

Embora só tenha havido duas ocorrências caracterizadas como Ilhas Textuais em nossa

análise, elas merecem destaque e atenção. A primeira delas, e certamente a mais relevante

do ponto de vista discursivo, foi identificada na manchete 1 (Lula diz que indiciamento no

caso do tríplex é “factoide” contra candidatura). O fragmento “factoide” entre aspas não

deixa dúvida que se trata de uma ilha textual, uma forma híbrida de discurso que mistura o

uso do discurso indireto com uma palavra supostamente atribuída ao enunciador citado. O

emprego de aspas reforça que esse trecho não é assumido pelo UOL.

Ocorre que, ao ler a matéria na íntegra, descobre-se que a frase atribuída a Lula não foi dita

por ele – e, sim, por dois senadores que teriam se encontrado com o presidente na ocasião

(e que, assim, teriam reproduzido a fala do ex-presidente). Tampouco o jornalista que ouviu

Lula era do UOL, mas da agência Estadão Conteúdo. A manchete do UOL, portanto,

produziu um enunciado com uma frase atribuída ao ex-presidente, que não foi efetivamente

ouvida pela reportagem de origem (Estadão) – veículo que, aliás, também não nomeia os

senadores que teriam dado tal informação. Com efeito, o enunciado promete uma coisa ao

leitor, mas entrega outra. É o que Charaudeau (2010) caracterizaria como um exemplo de

“universo construído”.

A outra ocorrência de Ilha Textual refere-se à manchete 8 (Manchete convencional: Dilma

promete “incansável oposição” a Temer), em que o UOL utilizou um trecho do

pronunciamento da ex-presidente para formular o enunciado. Embora o trecho “incansável

oposição” esteja entre aspas, sugerindo que estas foram as palavras exatas de Dilma, a

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frase foi, na verdade, editada pelo jornalista. A fala pronunciada efetivamente pela ex-

presidente foi: “Haverá contra eles a mais firme, incansável e enérgica oposição que um

governo golpista pode sofrer”. Assim, entendemos que, ao utilizar um recurso que

teoricamente deveria legitimar a fala de Dilma, o jornalista acaba produzindo o efeito

contrário ao adulterar o dito de origem.

Também registraram apenas duas ocorrências os casos de discurso direto, com as

manchetes 9 (Manchete extra: ‘Golpista é você’) e 13 (‘As 40 pessoas que quebram

carro?’, diz Temer sobre atos contra o impeachment). Nossa suposição inicial era que o

julgamento do impeachment produziria inúmeras frases de efeito que poderiam ser

utilizadas nas manchetes, o que não se comprovou na prática. Nas únicas duas vezes em

que isso acontece, os enunciados são atribuídos ao presidente Michel Temer.

As mesmas manchetes 9 e 13 contemplam os dois casos de enunciados destacados, de

acordo com os fundamentos de Maingueneau (2013). Segundo o autor, são os casos em

que as citações são o próprio enunciado. Nesse sentido, o fragmento deixa de ser apenas

uma citação para se tornar um trecho realçado do enunciado. Nas duas manchetes, além

disso, a enunciação cria uma espécie de amplificação da figura do enunciador (Temer),

tornando a frase ainda mais enfática.

Cumpre ressaltar, por fim, que, em relação aos estudos de Wolf (2008) acerca dos valores-

notícia, optamos por não utilizar esses critérios como categorias de estudo porque

acreditamos que todos os enunciados produzidos pela imprensa esbarram automaticamente

nesse filtro, o que não justificaria a análise. Um acontecimento que ganha a condição de

manchete, inevitavelmente, passou pelos critérios de escolha (valores-notícia de seleção) e

de edição (valores-notícia de construção). Os conceitos de Wolf foram fundamentais,

sobretudo, como referencial teórico e ponto de partida para as reflexões que permitiram o

pleno desenvolvimento desta pesquisa.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Ao longo deste trabalho, buscamos examinar como os jornalistas que atuam na mídia digital

se valem da linguagem verbal para atrair leitores na Internet. Para isso, traçamos como

objetivo identificar os mecanismos linguístico-discursivos utilizados na composição de

manchetes do portal eletrônico UOL durante sete dias, período que compreendeu o

julgamento e o pós-julgamento do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, entre

agosto e setembro de 2016.

Em nossa análise, além de observar quais os modos discursivos mais recorrentes nas

manchetes online, tentamos apontar e compreender os efeitos de sentido produzidos em

decorrência desse tipo de expediente.

Sob essa perspectiva, a Escola Francesa de Análise do Discurso nos pareceu a alternativa

mais promissora de pesquisa. Entendemos, no entanto, que seria necessário complementar

a fundamentação teórica com estudos em comunicação. Esse referencial teórico, embora

não tenha se convertido em categorias de análise, foi essencial para a apropriação de

conceitos e princípios da área. Foi, também, importante ponto de partida para as reflexões

sobre o fazer jornalístico, levando a questionamentos que nossa longa trajetória profissional

na imprensa, de tão rotinizada, jamais havia permitido.

Utilizamos, ainda, como arcabouço teórico estudos acerca das mídias digitais. As principais

características do chamado webjornalismo, como a hipertextualidade, a instantaneidade e a

multimidialidade, entre outras, foram subsídios relevantes em nosso quadro de análise.

Revelaram, por exemplo, que seu emprego é mais frequente e eficaz nas coberturas ao

vivo, como aconteceu nas manchetes que transmitiram os desdobramentos do julgamento

do impeachment em tempo real.

Com ferramentas objetivas de pesquisa, a Análise do Discurso, sobretudo os estudos de

Maingueneau (2013) e Charaudeau (2010), contribuiu significativamente para a definição

das categorias analíticas que deram norte a este trabalho. Mais do que isso, essa corrente

de pensamento foi determinante para a maneira como interpretamos a notícia: o que a

manchete diz ou mostra não é tão importante, mas sim como e por que ela diz e mostra.

Assim, o desafio que se apresentou foi o de revelar intenções e “não ditos” no texto

jornalístico – mais especificamente em manchetes –, gênero que, de modo geral, está

encoberto por uma roupagem aparente de objetividade, neutralidade e imparcialidade.

Desta forma, a Análise do Discurso mostrou-se oportuna à investigação proposta ao

comprovar que certas características linguísticas das notícias, como o dito e o fato relatado,

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a embreagem enunciativa, o enunciado destacado e a modalização, entre outras, são

materializações do que Charaudeau (2010) chama de “construção da notícia”.

Para o autor, ao selecionar um fato (ou um dito) e definir a maneira como vai contá-lo, o

jornalista está operando uma construção da realidade. No dilema entre a credibilidade e a

captação do leitor, “ele fica, ao mesmo tempo, preso e livre na encenação de seu discurso,

como um diretor se acha ao mesmo tempo livre e preso na montagem de uma peça de

teatro” (CHARAUDEAU, 2010, p. 129).

Pudemos observar que, no que concerne à notícia, tudo é escolha: não apenas a escolha do

que vai ser divulgado; não apenas a escolha da forma adequada de fazê-lo, dentro dos

critérios da norma culta e da clareza. É precisamente a escolha das estratégias discursivas

com o propósito de produzir efeitos de sentido. O leitor pode não alcançar o exato efeito que

o jornalista buscou produzir – mas também não terá a oportunidade de apreender aquilo que

não foi dito por uma escolha editorial. A esse respeito, diz Charaudeau: “O informador é

obrigado a reconhecer que está permanentemente engajado num jogo em que ora é o erro

que domina, ora a mentira, ora os dois, a menos que seja tão somente a ignorância”

(CHARAUDEAU, 2010, p. 39).

As escolhas identificadas em nossa análise apresentaram-se sob diferentes modos

discursivos. Do total de 13 manchetes, o mais recorrente foram as estratégias de encenação

da informação (10 ocorrências), seguidas pela embreagem enunciativa (9), características

do jornalismo digital e fato relatado (6 cada), dito relatado (5), discurso indireto e

modalização (4 cada), ilha textual e enunciado destacado (2 cada).

Do material examinado, a manchete 1 (Lula diz que indiciamento no caso do tríplex é

“factoide” contra candidatura) rendeu os resultados mais ricos do ponto de vista de

análise. O enunciado englobou quatro categorias (discurso indireto, ilha textual, encenação

da informação e dito relatado) e mostrou como a imprensa se vale da linguagem verbal para

promover uma encenação sutil do discurso da informação. O título, inclusive com um

fragmento entre aspas, leva o leitor a acreditar que o dito foi originalmente proferido pelo ex-

presidente Lula. No entanto, no corpo da matéria a frase atribuída a ele é relatada, na

verdade, por dois senadores ouvidos pela reportagem, mas que não são claramente

identificados. Além disso, uma frase do ex-presidente ouvida um mês antes foi

propositadamente destacada no meio do texto, sem o cuidado de alertar ao leitor que se

tratava de declaração antiga, o que reforçou o engodo. Para o leitor incauto, esse artifício

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pode ser perfeitamente interpretado como a legitimação do enunciado da manchete – que,

como vimos, não se sustenta.

Sem querer estender os exemplos, visto que já nos desbruçamos sobre eles na discussão

dos resultados ao final do capítulo 4, vamos falar rapidamente sobre outra escolha comum

aos enunciados analisados: a modalização dos verbos, como aconteceu nas manchetes 2

(Dilma depõe agora sobre processo de impeachment; veja), 4 (Reale Júnior discursa

contra Dilma no Senado), 8 (Dilma promete “incansável oposição” a Temer) e 12

(Temer minimiza decisão de manter direitos de Dilma).

Em pelo menos duas situações (manchetes 8 e 12), os verbos utilizados não foram

proferidos pelo locutor de origem (Dilma não usou a palavra “prometer”; tampouco Temer

utilizou a expressão “minimizar”), o que condiz com o que Marcuschi (2007, p. 150)

considera uma interpretação explícita (quando há um comentário feito pelo redator da

notícia). Já nas manchetes 2 e 4, a opção foi por verbos impactantes (depor e discursar): o

UOL não deixa de dar a notícia (visada de informação), mas não abre mão da finalidade de

“fazer sentir”, ou seja, de mobilizar a afetividade do público (visada de captação).

Concluímos, com base nos resultados obtidos em nossa pesquisa, que a linguagem verbal é

uma valiosa ferramenta de trabalho para os jornalistas, em especial do UOL, e ela não raro

é manejada de modo que atenda, ao mesmo tempo, aos desafios de credibilidade e de

captação impostos pela máquina midiática. Na cobertura do julgamento do impeachment, é

visível o interesse do portal em informar em tempo real, quando os acontecimentos assim

permitem, mas o compromisso com a informação genuína é rompido por escolhas

linguísticas e discursivas que mobilizam a emoção do leitor, por meio de uma encenação

sutil do discurso da informação. Muitas dessas escolhas, como vimos no exemplo da

manchete 1, não encontram respaldo no princípio de credibilidade e se justificam pela

tentativa de satisfazer o princípio de emoção ao produzir efeitos de dramatização.

Embora os resultados deste estudo não sejam definitivos, esperamos que possam incentivar

novas pesquisas e ampliar o escopo investigativo acerca deste tema. Buscamos, ainda,

poder contribuir para a reflexão, no meio jornalístico, sobre a incômoda e permanente

contradição entre credibilidade e audiência. Por fim, que este trabalho, por meio da

academia, possa chegar ao leitor comum e funcione como um instrumento crítico que

permita a prática de leituras menos ingênuas e mais atentas às possíveis “armadilhas” do

discurso da informação.

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BIBLIOGRAFIA

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Apêndice 1 – Os assuntos preferidos do leitor do UOL

Neste estudo, o objetivo é tentar traçar um perfil das notícias mais acessadas pelos

leitores do UOL sem a interferência de uma grande cobertura jornalística (como o

julgamento do impeachment) – ou seja, se não há um importante acontecimento

sendo noticiado, a ideia é desvelar quais são os temas que, de forma espontânea,

mais dão audiência. O resultado pode ser usado como um parâmetro para entender

as preferências dos internautas.

A amostragem que utilizamos foi a seleção das notícias mais lidas nos dias 1º de

agosto de 2016 (um mês antes do impeachment) e 30 de setembro (um mês depois

do impeachment), nos quatro horários disponíveis para consulta nos arquivos do

UOL: 10h, 12h, 17h e 23h, perfazendo um total inicial de 20 notícias em cada dia (no

dia 1ºde agosto, entretanto, o total foram 22 notícias porque uma matéria esportiva

também tinha informações de entretenimento, o que nos levou a computar um ponto

para cada assunto; o mesmo ocorreu com uma matéria política com informações de

entretenimento).

01/08/2016 - segunda-feira (três manchetes de Esportes com viés político e uma manchete de Política)74

No dia 1º, o UOL estampou a seguinte manchete às 10h e às 12h75:

Nesse período, as notícias mais lidas do portal UOL foram76:

74

É importante ressaltar que as notícias esportivas com teor político foram veiculadas a quatro dias do início das Olimpíadas do Rio de Janeiro. 75

A manchete das 10h e das 12h manteve-se inalterada no dia 01/08/2016. 76

As siglas referem-se a notícias dos seguintes temas: ESP (Esportes), OUT (Outros Assuntos), ENT (Entretenimento) e POL (Política).

10h/12h – Plano de segurança do Rio deixa de lado locais com arrastões e vias importante

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10h Notícias mais lidas

1 Ratinho aparece na Globo e surpreende telespectadores (ENT)

2 Após 16 dias de buscas, corpo de modelo é achado ao lado de carro (OUT)

3 “Não quero torcida de quem só quer me ver de maiô”, diz Ingrid Oliveira (ESP)

4 Abertura da Rio-2016 terá “assalto” a Bündchen e clichês do Brasil (ESP/ENT)

5 Veja classificação do Campeonato Brasileiro após 17ª rodada (ESP)

12h Notícias mais lidas

1 Ratinho aparece na Globo e surpreende telespectadores (ENT)

2 “Não quero torcida de quem só quer me ver de maiô”, diz Ingrid Oliveira (ESP)

3 Após 16 dias de buscas, corpo de modelo é achado ao lado de carro (OUT)

4 Veja classificação do Campeonato Brasileiro após 17ª rodada (ESP)

5 Oito pessoas morrem após queda e explosão de avião no Paraná (OUT)

A seguir, a manchete das 17h e as notícias mais lidas no horário:

17h Notícias mais lidas

1 Ingrid: “Não quero torcida de quem só quer me ver de maiô” (ENT)

2 Ratinho aparece na Globo e surpreende telespectadores (ENT)

3 Após 16 dias, corpo de modelo é achado ao lado de carro em SP (OUT)

4 Velho Chico: Luzia revela que Olívia é filha de estuprador (ENT)

5 Após ser hostilizada em protesto, Letícia Sabatella registra B.O. (POL / ENT)

Por fim, a manchete das 23h e as notícias mais lidas no horário:

17h – Moro manda soltar João Santana e mulher e critica álibi de caixa 2

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23h Notícias mais lidas

1 Ingrid: “Não quero torcida de quem só quer me ver de maiô” (ENT)

2 Ratinho aparece na Globo e surpreende telespectadores (ENT)

3 Após 16 dias, corpo de modelo é achado ao lado de carro em SP (OUT)

4 Holandês viaja 4.500 km para ver namorada virtual e se dá mal (OUT)

5 Velho Chico: Luzia revela que Olívia é filha de estuprador (ENT)

No total, no dia 01/08, as notícias mais lidas assim se constituíam: 8 de

Entretenimento, 7 de Esportes, 6 de Outros Assuntos e 1 de Política (a soma chegou

a 22 porque, como dissemos anteriormente, uma mesma matéria foi pontuada como

Esportes e Entretenimento, por tratar de ambos os temas, e outra foi pontuada como

Política e Entretenimento, pelo mesmo motivo).

30/09/2016 - sexta-feira (três manchetes de Política e uma manchete de Outros Assuntos)

A seguir, as manchetes do UOL às 10h e às 12h:

Naquela manhã, as notícias mais lidas eram as seguintes77:

77

A lista das notícias mais lidas às 10h e às 12h manteve-se inalterada no dia 30/09/2016.

23h – Olimpíada ocorre em país dividido e em crise

sem precedentes, afirma COI

10h – Desemprego sobe a 9,8% e atinge 12 milhões

de pessoas, aponta IBGE

12h – Temer vê pior crise da história e nega culpa por

12 milhões de desempregados

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10h/12h Notícias mais lidas

1 Jandira diz que Globo ‘apoiou o golpe’, toma bronca e vira meme (POL)

2 Bonner deixa Jornal Nacional antes do fim e intriga público (ENT)

3 Com Doria líder, Marta, Haddad e Russomanno duelam por 2º turno (POL)

4 Humorista Carlinhos, do Pânico, perde 17 quilos: “foco e disciplina” (ENT)

5 Conheça o “Expresso Cubano”, o avião mais sequestrado da história (OUT)

A seguir, a manchete das 17h e as notícias mais lidas no horário:

Naquele horário, as notícias mais lidas eram as seguintes:

17h Notícias mais lidas

1 Jandira diz que Globo ‘apoiou o golpe’, toma bronca e vira meme (POL)

2 Bonner deixa Jornal Nacional antes do fim e intriga público (ENT)

3 Mulher pega com outro em despedida de solteira vai casar (OUT)

4 Fernanda Gentil assume namoro com jornalista (ENT)

5 Humorista Carlinhos, do Pânico, perde 17 quilos: “foco e disciplina” (ENT)

Por fim, a manchete das 23h e as notícias mais lidas no horário:

17h – Sem limitar gasto, governo prevê cenário catastrófico

com megarrombo em 2026

23h – Após 32h, gestão Alckmin confirma fuga em

massa de 470 presos após motim

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23h Notícias mais lidas

1 Fernanda Gentil assume namoro com jornalista (ENT)

2 Jandira diz que Globo ‘apoiou o golpe’, toma bronca e vira meme (POL)

3 Bonner deixa Jornal Nacional antes do fim e intriga público (ENT)

4 Mulher pega com outro em despedida de solteira vai casar (OUT)

5 “Terra de ninguém”, Antártida tem crimes nunca solucionados (OUT)

No total, no dia 30/09, as 20 notícias mais lidas assim se constituíam: 9 de

Entretenimento, 6 de Política e 5 de Outros Assuntos.

A partir dos dados relacionados aos dias 01/08/2016 e 30/09/2016, temos o seguinte

cenário:

Os quadros acima demonstram que o tema Entretenimento segue como a principal

preferência do leitor do UOL: aparece em primeiro lugar tanto no dia 1º de agosto

quanto no dia 30 de setembro de 2016. Sobre este tema, não há uma fórmula de

atração: as notícias vão da fofoca sobre a vida real de uma celebridade aos

Temas mais lidos em 01/08

Entretenimento Política Outros Esportes

Temas mais lidos em 30/09

Entretenimento Política Outros

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desdobramentos da trama de uma telenovela. Tudo parece agradar ao internauta,

independentemente do noticiário.

Chama a atenção ainda o fato de que as notícias esportivas foram o segundo tema

mais acessado no dia 1º de agosto, mas sequer aparecem no dia 30 de setembro.

Uma explicação para esse cenário, o que é possível confirmar inclusive mediante a

observação da lista das mais lidas, é que a primeira data é uma segunda-feira, um

dia após os jogos do fim de semana, e muitos leitores interessam-se em checar a

posição de seus clubes na tabela. Além disso, faltavam quatro dias para o início das

Olimpíadas do Rio de Janeiro, e algumas das matérias mais lidas eram justamente

sobre esse tema.

Outro detalhe curioso é que só houve uma matéria de Política entre as mais lidas do

dia 1º de agosto. Em 30 de setembro, no entanto, houve 6. Nesse último caso,

acreditamos que o primeiro turno das eleições municipais, que aconteceu no dia 2

de outubro, influenciou diretamente o resultado da antevéspera.

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Apêndice 2 – Entrevista Sérgio Charlab78

Embora veja com reservas seu protagonismo na história do jornalismo digital (“Aquilo

aconteceria de uma forma ou de outra. E casualmente aconteceu de ser comigo”), Sergio

Charlab79 lembra com entusiasmo da curiosidade e do encanto que o moveram rumo à

criação da primeira versão on-line de um jornal brasileiro, o Jornal do Brasil – conhecido

como JB.

Então editor de projetos especiais da publicação – onde trabalhava desde 1985 –, Charlab

conta que se interessou pela Internet na Eco-92. Durante o evento, ainda que de forma

precária, universidades e organizações conseguiram montar uma estrutura capaz de

mostrar ao mundo as discussões que se desenrolavam no Rio de Janeiro. Dois anos depois,

Charlab viajou para a Califórnia e o Arizona, nos Estados Unidos, onde acompanhou o uso

da rede nas universidades e pôde transitar por fóruns de discussão virtual. “Voltei ao Brasil

determinado a conseguir meu próprio acesso à rede.”

Como não estava associado a nenhuma universidade, Charlab procurou o Ibase (Instituto

Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), que havia aberto a rede ao cidadão comum –

mediante uma taxa de acesso. O jornalista lembra que foi um período de descobertas

fabulosas. “Até que tive a ideia de montar o site do JB. Não me inspirei em nenhum modelo:

apenas achei que seria uma boa ideia”, lembra.

Assim, em novembro de 1994, na sala de sua casa, utilizando a Internet de linha discada em

seu computador pessoal – um PC 386 –, Charlab criou a capa para o site do JB e uma

página para cada editoria. Usava um navegador chamado Mosaic para fazer as páginas em

HTML80 e, para importar o conteúdo publicado no jornal, recorria a um scanner e a um

programa de reconhecimento de caracteres – não havia, na ocasião, possibilidade de

“copiar e colar” os textos do jornal. Aos poucos, mais familiarizado com o processo, ia

aumentando o número de matérias em cada editoria. O trabalho quase braçal era feito

diariamente, por cerca de 1h30.

78

Entrevista concedida por telefone em 14 de fevereiro de 2017.

79 Jornalista responsável pela criação do site do Jornal do Brasil, o primeiro jornal brasileiro a ter uma página na

internet. 80

HyperText Markup Language (ou Linguagem de Marcação de Hipertexto). Trata-se da linguagem utilizada na construção de páginas na web. Os documentos HTML são interpretados por navegadores.

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Não demorou para que o site começasse a ser observado pelo ainda restrito número de

pessoas que acessavam a rede no Brasil, e principalmente fora do país. Emails de

brasileiros no exterior, maravilhados com a novidade, saudavam a iniciativa. O então dono

do jornal, José Antonio do Nascimento Brito – atualmente, o empresário Nelson Tanure é o

arrendatário da marca JB –, cujos filhos estudavam na Suíça, não dava muita importância às

notícias que recebia de que “a página do jornal na Internet era ótima”.

Charlab manteve esse trabalho solitário por alguns meses. Na redação, embora fosse

apontado nos corredores como uma espécie de “Professor Pardal” – mesmo entre os

jornalistas, a Internet ainda era um campo muito pouco explorado –, tentava praticar uma

catequese junto aos colegas. “Lembro de chamar os repórteres, um a um, e mostrar as

matérias publicadas na Internet, com o nome deles, acessíveis em qualquer parte do

mundo. Explicava como aquilo era feito e sobre a relevância do projeto. Para eles, era uma

descoberta fantástica”, conta. Aos poucos, passou a ministrar uma oficina informal de

jornalismo digital – e acabou engajando toda a redação no projeto.

Foi nesse período, por volta de abril de 1995, que Charlab iniciou as conversas com um dos

editores do JB, Rosental Calmon Alves. Este se interessou pela repercussão da versão on-

line do JB e decidiu preparar a empresa para a novidade. Seu apoio foi decisivo nas

tentativas de agendar uma reunião entre Charlab e José Antônio Nascimento Brito – o

encontro tardou, mas decididamente não falhou.

Charlab lembra que a conversa, ocorrida numa quarta-feira, foi tão boa que o site estreou

oficialmente no domingo seguinte. “O dono do jornal ficou maravilhado e finalmente

entendeu porque seus filhos e amigos, que estavam fora do país, falavam tanto do site que

ele não conhecia. Ele aprovou o projeto na hora.”

O empresário se empenhou pessoalmente e envolveu toda a equipe para colocar o projeto

em prática o quanto antes. O único entrave, que era a dificuldade de transpor os textos do

jornal para a Internet (daí a necessidade do scanner), foi resolvido imediatamente por

Nascimento Brito. Um detalhe curioso quando se sabe que, naquela época, o JB já

enfrentava dificuldades financeiras. “Essa situação não teve nenhum efeito sobre meu

esforço no projeto do site”, garante Charlab.

Quatro dias antes do lançamento do JB On-line, todo o material ainda era produzido na sala

do “Professor Pardal”. Ao migrar para a redação, a equipe foi montada rapidamente. “Eu

também tive que orientar o pessoal de TI (Tecnologia da Informação), que não tinha noção

de como trabalhar com a Internet”, diz o jornalista. Quando o site oficial estreou, em maio de

1995, a versão “caseira” de Charlab já estava no ar havia mais de seis meses.

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Mais de 20 anos depois dessa iniciativa pioneira, Charlab minimiza seu papel. “Na verdade,

uma sucessão de circunstâncias me levou àquele momento. O JB tinha poucos recursos e

estrutura e era natural que um projeto desse porte nascesse primeiro nos grandes jornais do

país. Se não tivesse sido eu, teria acontecido pouco tempo depois com algum colega na

concorrência.” Com efeito, os passos do JB foram seguidos pouco tempo depois pela Folha,

a Agência Estado e O Globo.

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Apêndice 3 – Entrevista81 Caio Túlio Costa82

Você foi o fundador do UOL, em abril de 1996. Quanto tempo vocês trabalharam no

projeto antes da implantação e qual era o modelo que vocês buscavam alcançar? O

portal, àquela altura, tinha alguma referência?

Começamos a trabalhar no projeto do UOL em junho de 1995. Nessa época já existia a

Folha Web, mas começamos a elaborar o projeto do portal, no estilo BBS (Bulletin Board

System), em junho e então concebemos um misto de portal de conteúdo e provedor de

Internet. O modelo foi dado basicamente pela AOL, pela Compuserve e pela Prodigy – havia

ainda a MSN, mas muito embrionária. Quem mais nos inspirava na época era mesmo a

AOL, que parecia estar dando muito certo, ao contrário da Compuserve (mais voltada para

interessados em informática) e Prodigy (voltada para o e-commerce). Queríamos mesclar

conteúdo, entretenimento e interação (o chat) com provimento de acesso.

Como foi a receptividade imediata?

A melhor possível. O portal subiu na madrugada do dia 28 de abril, um domingo, e os

internautas ficaram especialmente encantados com o bate-papo, o chat. Foi quando vi que

minha determinação em só inaugurar o portal com o Bate-Papo foi uma das melhores

decisões que poderiam ser tomadas. As pessoas acharam “maravilhoso” poder ler notícias e

ter um lugar de entretenimento tão amigável quanto as salas de bate-papo.

Quais canais/seções havia na época (cite os mais importantes ou de maior

audiência)?

Além das salas de Bate-Papo, o portal subiu na rede com a edição diária da Folha de S.

Paulo, com a possibilidade de pesquisar os arquivos da Folha (via sistema Folio), com

reportagens do The New York Times traduzidas para o português) mais as edições da Folha

da Tarde e do Notícias Populares, além de Classificados, Roteiros, área de Saúde e ainda o

conteúdo digital da revista IstoÉ, parceira de primeira hora.

81

Entrevista respondida por email em 9 de março de 2017. 82

Jornalista, professor e doutor em Comunicação; fundador do portal UOL.

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A audiência do UOL subiu vertiginosamente com o passar do tempo (dados

disponíveis no histórico do próprio UOL). A que você atribui esse crescimento tão

rápido?

Foco no negócio. Sabíamos que queríamos criar um veículo que reunisse informação,

serviço, entretenimento e interação. Eu gastava grande parte de meu tempo, e dos diretores

e gerentes de conteúdo, buscando parcerias com os mais diversos publishers. Trouxemos o

Dicionário Houaiss, os dicionários da Melhoramentos, uma série de jornais regionais e

revistas segmentadas. Criamos áreas distintas de conteúdos e demos força total para o

desenvolvimento do Bate-papo.

Naquele momento, já era possível medir a audiência do portal em tempo real?

Sim, acompanhávamos em tempo real a quantidade de page views e de hits gerados pelos

visitantes. Tínhamos ferramentas que nos ajudavam (como uma pré-histórica chamada Web

Trends) a partir da leitura direta dos nossos servidores.

Se sim, com base nesses dados, o que era possível fazer para manter os internautas

mais tempo no portal?

Dar-lhes mais e mais conteúdos. Linkar conteúdos em cada uma das páginas, produzir

conteúdos que tinham audiência; estar atento ao noticiário do que estava acontecendo no

dia e, fundamentalmente, melhorar a navegação nas salas de bate-papo.

O noticiário esteve presente no UOL desde o início? Quais assuntos mais agradavam

aos internautas?

Sim, desde o primeiro momento, via Folha, Agência Folha, agências internacionais, jornais e

revistas parceiros. Uma das coisas que chamaram a atenção foi o interesse por hardnews e

por celebridades.

Sabendo os temas mais acessados (considerando que já era possível medir a

audiência dos textos), havia orientação para que a redação produzisse textos e títulos

com esse foco?

Estávamos aprendendo. A maior parte do material publicado (fora as notícias de última

hora) era reprodução, mera transposição dos conteúdos das publicações parceiras. Aos

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poucos é que fomos criando a redação própria do UOL, capaz de produzir noticiário

independente.

Quais eram as recomendações para uma boa manchete?

Seguíamos todas as recomendações do Manual da Folha. Era também o nosso manual. Ali

você consegue ver as instruções para a composição dos títulos jornalísticos (para

hardnews). Cito o Manual da Folha:

“Em títulos: 1) Não use ponto, dois pontos, ponto de interrogação, exclamação, reticências,

travessão ou parênteses, 2) Evite ponto-e-vírgula; 3) Jamais divida sílabas em duas linhas e

evite fazer o mesmo com nomes próprios de mais de uma palavra; 4) Tente preencher todo

o espaço destinado ao título; 5) Evite a reprodução literal das palavras iniciais do texto; 6)

Evite verbo no condicional; quando não puder assumir uma informação, atribua-a à fonte.

Nos textos noticiosos, o título deve: 1) Conter verbo, de preferência na voz ativa; 2) Estar no

tempo presente, exceto quando o texto se referir a fatos distantes no futuro ou no passado;

3) Empregar siglas com comedimento.

Para editoriais e textos opinativos, podem-se usar frases nominais em títulos: Rombo na

Previdência.”

Havia preocupação com a linguagem utilizada pelos editores?

Sim, muita, e a ordem era seguir o Manual da Folha.

Naquela época, era possível substituir as manchetes muitas vezes por dia?

Sim, evidentemente. Seguíamos quase religiosamente a vocação da web para o tempo real.

Como vê o crescimento do UOL de lá para cá?

Não sei bem como responder à sua pergunta. Acho que o foco em conteúdo e serviço é que

deu e tem dado gás ao UOL. Não perder este foco está na raiz do seu crescimento.

Acha que o perfil do internauta mudou muito? O que ele buscava no portal nos anos

90 é muito diferente do que ele procura no UOL hoje?

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Sim, mudou muito. Antes o internauta buscava bate-papo e notícia, além, no caso do UOL,

de um bom provedor de acesso. Hoje ele busca amigos, namoradas, jogos, celebridades,

fofocas, produtos, serviços... o escambau. O internauta, primeiro com as ferramentas de

bate-papo, e depois com os blogs e as redes sociais, empoderou-se, passou a ter poder de

mídia. Para o bem, ao replicar ou comentar conteúdos sérios; e para o mal, ao replicar ou

comentar conteúdos fakes e disseminar preconceitos.

Em que medida a audiência ditou essas mudanças?

Ditou na exata medida em que foi crescendo e foi incorporando pessoas à Internet, às

redes. Quanto mais gente falando e usando as redes, mais este ecossistema digital se

desenvolve e vai criando novas necessidades – basta ver o uso frenético do celular em

rede.

Hoje em dia, com todas as potencialidades que a rede oferece, qual a importância da

linguagem num grande portal como o UOL?

A importância da linguagem é enorme porque um portal, qualquer portal sério, tem a

obrigação de zelar pelo uso correto da língua. Deve dar o exemplo.

Currículo completo do entrevistado: Jornalista, professor, doutor em Comunicação pela USP (São

Paulo), Visiting Research Fellow (2013) na Columbia University (Nova York), executivo na área de

comunicação digital.

Trabalhou por 21 anos no Grupo Folha, que edita a Folha de S. Paulo, onde foi editor da Ilustrada;

secretário de redação nos anos 80 (quando informatizou a redação e ajudou a implantar o projeto

Folha); correspondente na Europa, baseado em Paris; primeiro ombudsman da imprensa brasileira; e

criador da Revista da Folha. Foi fundador e diretor geral do UOL, o Universo Online, o primeiro

provedor de Internet de grande porte da América Latina, onde trabalhou de 1996 a 2002. Também foi

presidente do iG de 2006 a 2009.

Publicou quatro livros, “Ética, jornalismo e nova mídia - uma moral provisória" (Zahar, 2009), "Cale-

se" (A Girafa, 2003) e "Ombudsman - O Relógio de Pascal" (Geração Editorial, 2006) e "O que é

Anarquismo" (Brasiliense, 1981).

Dá aulas de jornalismo digital na ESPM-SP e já ministrou aulas de jornalismo da PUC-SP, na pós-

graduação da ECA-USP, na graduação e na pós-graduação da Cásper Líbero.

Fundou e dirige o Torabit, empresa de monitoramento digital que começou a operar em 2015.

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Apêndice 4 – Entrevista83 Murilo Garavello84

Em 20 anos, o perfil do leitor do UOL mudou muito? Como você o

descreveria atualmente (sexo, idade, escolarização, nível social, preferências etc)?

O UOL atinge mensalmente 70% da Internet brasileira. Com uma abrangência dessas, é

praticamente impossível falar em um só perfil. Falamos com praticamente todos os

segmentos.

Em que medida as pautas e a edição de notícias levam em consideração esse perfil?

O UOL hoje faz pouco conteúdo de nicho. Em linhas gerais, produz-se sempre para o maior

número possível de pessoas interessadas nos assuntos. O foco é justamente na

abrangência, em fazer pautas que não interessem apenas segmentos restritos.

Existe uma preocupação com o “furo”, dar a notícia primeiro que a concorrência?

Nossa busca é pelo conteúdo exclusivo, aquele que os concorrentes não vão ter porque é

fruto ou de apuração exclusiva ou de recorte de qualidade inquestionável e que não é

reproduzido com facilidade. Dessa maneira preservaremos nosso futuro: fazendo conteúdo

que seja relevante, interessante, indispensável e que o público não encontre facilmente em

outro lugar.

Sobre “dar primeiro”: a agilidade e a rapidez são fundamentais, mas é preciso um balanço

com a responsabilidade pela correção das informações. Além disso, logo após publicar uma

informação importante que acaba de acontecer, melhoramos a notícia constantemente à

medida que há mais apurações e/ou ocorrem desdobramentos.

Qual o tema mais acessado do portal (esportes, entretenimento, política etc)? Com

base no perfil de seu leitor, é possível identificar a razão?

Esporte, celebridades, televisão, notícias que afetam o dia a dia das pessoas, notícias

surpreendentes. Não diria que há grandes surpresas em relação ao que acontece com

outros veículos do nosso porte no mundo.

83

Perguntas respondidas por email em 7 de abril de 2017. A entrevista foi originalmente formatada com 31 questões, mas foi reduzida a pedido do entrevistado. 84

Gerente-geral de Inovação e Produtos Editoriais no UOL.

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Além do tema, o que mais figura como preferência do leitor: listas, galerias de

imagens, infográficos, vídeos?

Depende muito da pauta e da área. Todos os formatos são consumidos.

Quais critérios definem a escolha das manchetes (assuntos notadamente de interesse

do leitor, fatos políticos e econômicos da agenda nacional, grandes eventos etc)?

Tamanho do impacto na vida das pessoas, relevância e ineditismo da informação, do

assunto.

Há alguma orientação para formular manchetes? E para os títulos e chamadas de

capa em geral? Há formatos que funcionam melhor em termos de audiência (por

exemplo, “Acompanhe agora ...”, “Dez coisas que você não sabia sobre...”, “Saiba

como fazer...” etc)?

As manchetes devem ser as mais claras e diretas possíveis, evitando linguagem cifrada e

jargões jornalísticos.

É recomendado que os títulos chamem a atenção para os diferenciais da Internet em

relação aos outros meios (“confira em tempo real”, “veja o vídeo” etc)?

Não, de maneira nenhuma. O único intuito de formulações como essas, quando ocorrem, é

informar melhor o que o leitor vai encontrar ao clicar.

Qual a importância da lista das notícias mais lidas no portal?

Baixa. Só existe, no pé da home, porque há essa curiosidade (e, como são notícias que

interessam ao público, o módulo tem uma quantidade boa de cliques).

O click counter é uma ferramenta valiosa que mostra aos editores quais notícias são

mais acessadas. De que maneira isso deve ajudar o jornalista a formular novos

títulos, chamadas e textos?

É uma ferramenta fundamental para que o jornalista depure os títulos, encontrando as

palavras mais adequadas para fazer com que o público acesse o conteúdo –ressalvada a

premissa, indispensável, de que o leitor não se decepcionará depois de clicar. Não podemos

prometer o que não vamos entregar.

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Há alguma preocupação com a linguagem usada no portal: o que é recomendado e o

que deve ser evitado?

A linguagem precisa ser informal, não cifrada, clara, acessível, desde que respeitadas as

normas de gramática.