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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO SUELI BORGES PEREIRA O CURRÍCULO COMO PERCURSO DE RECONHECIMENTO DA IDENTIDADE NEGRA: políticas e práticas curriculares no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA); Campus Monte Castelo DOUTORADO EDUCAÇÃO: CURRÍCULO São Paulo 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

SUELI BORGES PEREIRA

O CURRÍCULO COMO PERCURSO DE RECONHECIMENTO

DA IDENTIDADE NEGRA: políticas e práticas curriculares no Instituto Federal de

Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA); Campus Monte Castelo

DOUTORADO EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

São Paulo

2013

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SUELI BORGES PEREIRA

O CURRÍCULO COMO PERCURSO DE RECONHECIMENTO

DA IDENTIDADE NEGRA: políticas e práticas curriculares no Instituto Federal de

Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA); Campus Monte Castelo

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Educação: Currículo da Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo como requisito para obtenção de título de Doutora

em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Alípio Márcio Dias Casali

São Paulo

2013

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SUELI BORGES PEREIRA

O CURRÍCULO COMO PERCURSO DE RECONHECIMENTO

DA IDENTIDADE NEGRA: políticas e práticas curriculares no Instituto Federal de

Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA); Campus Monte Castelo

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Educação: Currículo da Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo como requisito para obtenção de título de Doutora

em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Alípio Márcio Dias Casali

APROVADA EM: / /

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________

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A meus pais, Joana Borges Pereira e Lourival

Teotônio Ferreira Pereira (in memoriam),

simplesmente por tudo.

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho nasceu de um desejo que foi ficando mais nítido para mim ao

ingressar no Ensino Superior. Ao longo da minha trajetória nos estudos acadêmicos, aliás,

muito antes deles, muitos contribuíram para o que represento hoje para mim e para a

sociedade. Por isso, é muito justo que eu registre os seus nomes como forma de gratidão.

Em primeiríssimo lugar, agradeço a meus pais, Joana Borges Pereira e Lourival

Teotônio Ferreira Pereira (in memoriam), por conceberem-me e terem a dignidade de me

terem criado e educado, mesmo em situações muito adversas.

À minha avó, Raimunda Costa Ferreira (in memoriam), por ter sido a minha

grande educadora, que acompanhou parte da minha trajetória escolar e me deu os primeiros

ensinamentos sobre o que é letramento, mesmo sem saber ler convencionalmente.

Ao meu companheiro, Paulo César, pelas suas palavras de ânimo para que eu

pudesse alcançar mais uma vitória. De igual forma, ao meu sobrinho, criado por mim, Thiago

André.

Aos meus irmãos Ariosvaldo, Suzeli, Suzana e Allan, que contribuíram para o

meu aperfeiçoamento afetivo.

Aos meus sobrinhos Rafael, Ronildo e Saimon e Stela, esta última, pela

oportunidade que tive de ser, pela primeira vez, madrinha de batismo.

À minha comadre Cláudia, pela atenção e pelo encorajamento, sobretudo nos

assuntos pessoais.

Ao Prof. Dr. Alípio Casali que, depositando confiança em meu trabalho, conduziu

minha orientação com seriedade e incentivos constantes, pacientemente me instruindo e

guiando pelos caminhos da pesquisa científica. Muito obrigada por confiar em mim!

Aos professores do Programa Educação: Currículo, pelos ensinamentos

partilhados durante esses três anos.

Às professoras que participaram da minha banca de qualificação, Profa. Dra.

Teresinha Bernardo e Profa. Dra. Rosângela Malachias.

Aos professores, gestores e alunos do IFMA-Campus Monte Castelo, que

constituíram o corpus da pesquisa, por terem contribuído com suas informações. Minha eterna

gratidão!

Aos colegas de Departamento, DHS, pelo apoio na empreitada do doutorado.

À Isabela, Maricéia, Fábio Lima, colegas do IFMA-Campus Monte Castelo, por

terem sido sempre solícitos aos meus pedidos.

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À CAPES, por ter-me concedido a bolsa de estudo que me permitiu chegar ao

final desse curso.

À minha amiga, profa. Dra. Madalena Neves, por estar sempre ao meu lado,

apoiando-me e incentivando-me.

Às minhas amigas, Judite Eugênia e Marly, pelos momentos de discussões

teóricas e descontração.

De forma especial agradeço a todos os amigos que me acolheram em São Paulo,

que me permitiram entrar em suas vidas Telma, Claúdio, Fábio, Amir, Dona Maria, Marilda,

Odila, Ana Nhampule e Fernando Tsucana.

À Lislei, Silmara e profa. Cícera Nogueira, por terem sido coadjuvantes na

aplicação das regras e normas de produção do trabalho científico.

Ao funcionário do IBGE, Reinaldo, por toda a sua atenção para a consecução

deste trabalho quanto aos dados do Censo 2010.

E a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a construção deste

trabalho. Meu muito obrigada!

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“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de

sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para

odiar, as pessoas precisam aprender; e, se elas

podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a

amar, pois o amor chega mais naturalmente ao

coração humano do que o seu oposto”.

Nelson Mandela

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RESUMO

O presente trabalho de doutorado tem por objetivo analisar as políticas e as práticas

curriculares do IFMA – Campus Monte Castelo no que se refere à questão da identidade e

reconhecimento étnico-racial. Considerou-se por hipótese que tais políticas e práticas não têm

sido suficientemente efetivas, críticas, consistentes, coerentes e satisfatórias, para o

reconhecimento étnico-racial, sobretudo dos alunos negros, se se considerar o quanto a cidade

de São Luís tem uma história ligada à escravidão, uma rica cultura afrodescendente e um

percentual significativo da população negra. É adotado como instrumental analítico o conceito

de reconhecimento mútuo, de Paul Ricoeur. A pesquisa tem apoio em bases documentais e se

desenvolve mediante uma abordagem qualitativa, tendo-se utilizado como instrumentos de

coleta de dados questionários exploratórios, entrevistas semiestruturadas e observações

informais. O trabalho está estruturado em cinco capítulos. No primeiro capítulo, descreve-se o

percurso teórico-metodológico da pesquisa. No segundo, aborda-se a questão da etnia/raça no

cenário educacional maranhense. No terceiro capítulo, delineia-se as relações entre direitos

humanos, dignidade humana e educação. No quarto capítulo, aborda-se o reconhecimento

como conceito e como política curricular. No quinto capítulo, analisam-se os dados obtidos na

pesquisa de campo, discutindo-se com os sujeitos entrevistados, as políticas e práticas

curriculares, bem como alguns indicadores propositivos à luz do reconhecimento étnico-racial

na perspectiva da interculturalidade, das africanidades e da mutualidade. Com este estudo,

espera-se contribuir para que o IFMA e outras instituições congêneres possam se constituir

em referências de políticas e práticas curriculares de afirmação e reconhecimento identitário,

sobretudo de alunos e alunas negros/as.

Palavras-chave: Currículo. Reconhecimento. Identidade. Etnia/Raça.

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ABSTRACT

The current Doctorate thesis has as its goal to analyze the policies and curricular practices at

IFMA – Monte Castelo Campus from the point view of ethnic-racial recognition. It has been

considered as hypothesis that such policies and practices had not been sufficiently effective,

critic, consistent, coherent and satisfactory, for the ethnic-racial recognition. It is particularly

remarkable that São Luis – has a history connected to slavery, a rich African descendant

culture and a significant number of black population. It is adopted as analytic instrument the

concept of mutual recognition, taken from Paul Ricoeur. The research has support on

documental databases and it develops itself through a qualitative approach, where it has been

used as a data collection instruments like detailed questionnaires, semi-structured interviews

and informal observations. The thesis is built up on five chapters. In the first chapter, it

describes the research‟s theoretical-methodological path. In the second one, it handles the

ethnicity/race issue in educational scenery of Maranhão State. In the third chapter it delineates

the relationships between human rights, human dignity and education. In the fourth chapter it

handles the recognition as a concept and curricular politics. In the fifth chapter, analyses the

obtained results from the field‟s research, discussing with the interviewed people the policies

and curricular practices as well as some proposed indicators the light of ethnic-racial

recognition, interculturality, Africanness and mutuality perspective. It is expected with this

study to contribute with IFMA and other similar institutions in order to become policies

references for curricular practices on affirmation and ideal recognition, mainly for black

students.

Key-words: Curriculum. Recognition. Identity. Ethnicity. Race.

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LISTA DE APÊNDICES

Apêndice A: Modelo de questionário exploratório aplicado aos alunos (abril/2011) .......... 295

Apêndice B: Modelo de questionário exploratório aplicado aos professores (abril/2011) .. 297

Apêndice C: Modelo de questionário exploratório aplicado aos professores (maio/2012) . 298

Apêndice D: Modelo de questionário exploratório aos alunos (maio/2012) ...................... 302

Apêndice E: Roteiro de entrevista com informações preliminares...................................... 304

Apêndice F: Roteiro de entrevista com os gestores e pedagoga.......................................... 305

Apêndice G: Roteiro de entrevista com os professores........................................................ 307

Apêndice H: Roteiro de entrevista com os alunos ............................................................... 309

Apêndice I: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ................................................ 310

Apêndice J: Níveis de formação, lotação e tempo de serviço dos gestores, pedagoga e

Professores ...................................................................................................... 311

Apêndice K: Síntese da tabulação dos questionários exploratórios com os professores no

segundo momento (maio/2012) ...................................................................... 312

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01: Percentual de cor ou raça em São Luís ................................................................. 51

Gráfico 02: Percentual de alunos matriculados na Educação Profissional Técnica de Nível

Médio por etnia/raça de acordo com formulário cadastral no IFMA – Campus

Monte Castelo (2012) ......................................................................................... 161

Gráfico 03: Percentual de alunos matriculados no Ensino Superior por etnia/raça de

acordo com formulário cadastral no IFMA – Campus Monte Castelo (2012) ... 162

Gráfico 04: Percentual de alunos por etnia/raça de acordo com o Grupo de Trabalho

“Educação Inclusiva” no IFMA – Campus Monte Castelo (2012) .................... 163

Gráfico 05: Percentual de alunos por etnia/raça de acordo com a DESU, EPTNM e GT de

“Educação Inclusiva” no IFMA – Campus Monte Castelo (2012) .................... 163

Gráfico 06: Inscritos de acordo com o perfil étnico (2012/2013) .......................................... 205

Gráfico 07: Percentual de aprovados de acordo com o perfil étnico (2012/2013) ................ 205

Gráfico 08: Percentual de acesso ao curso de Licenciatura em Matemática (2012/2013) .... 208

Gráfico 09: População residente por raça ou cor, segundo a situação do domicílio, sexo e

a idade ................................................................................................................. 208

Gráfico 10: Rendimento nominal mensal da população maranhense: branca ....................... 211

Gráfico 11: Rendimento nominal mensal da população maranhense: preta .......................... 211

Gráfico 12: Rendimento nominal mensal da população maranhense: amarela ..................... 212

Gráfico 13: Rendimento nominal mensal da população maranhense: parda ......................... 213

Gráfico 14: Rendimento nominal mensal da população maranhense: indígena .................... 213

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01: Amostra de estudos exploratórios com professores e alunos do IFMA –

Campus Monte Castelo ........................................................................................ 40

Quadro 02: Informações sobre coleta de dados com 06 alunos da Educação Profissional

Técnica de Nível Médio ....................................................................................... 43

Quadro 03: Informações sobre coleta de dados com 04 professores da Educação

Profissional Técnica de Nível Médio .................................................................. 43

Quadro 04: Informações sobre coleta de dados com 03 alunos das Licenciaturas ................. 43

Quadro 05: Informações sobre coleta de dados com 03 professores das Licenciaturas ......... 43

Quadro 06: Informações sobre coleta de dados com 05 Gestores, 01 pedagoga .................... 44

Quadro 07: Ações e parcerias da Secretaria de Estado da Igualdade Racial (MA) no ano

de 2011 ................................................................................................................. 59

Quadro 08: Quadro comparativo entre as gerações de direitos humanos ............................... 67

Quadro 09: Resumo das pautas internacionais ....................................................................... 96

Quadro 10: Trajetória do Movimento Negro na República .................................................... 98

Quadro 11: História dos significados da categoria raça e das relações entre brancos e negros100

Quadro 12: Sinótico dos significados de reconhecimento mútuo ......................................... 122

Quadro 13: Acepção filosófica de reconhecimento mútuo segundo os autores Hegel,

Honneth e Ricoeur ............................................................................................. 128

Quadro 14: Número de professores por departamento ......................................................... 173

Quadro 15: Momentos estratégicos de educação de qualidade ............................................ 179

Quadro 16: Inscritos e aprovados de acordo com o perfil étnico na EPTNM, no ano letivo

de 2013 no IFMA ............................................................................................... 204

Quadro 17: Quantitativo de vagas para curso e por cota SISU 2013/1 com perfil étnico –

Ensino Superior no ano letivo de 2013 – Campus Monte Castelo .................... 207

Quadro 18: Pontuação por curso e por cota SISU 2013/1: maior pontuação ....................... 209

Quadro 19: Pontuação por curso e por cota SISU 2013/1: menor pontuação ...................... 210

Quadro 20: Argumentos das políticas de ação afirmativa no contexto dos Estados

Unidos ................................................................................................................ 218

Quadro 21: Mapa as principais dificuldades e desafios discriminados pelos sujeitos

investigados ....................................................................................................... 250

Quadro 22: Mapa de planejamento curricular inter/multicultural (parâmetros ou

invariantes culturais ........................................................................................... 255

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Quadro 23: Desafios da educação intercultural numa perspectiva crítica e emancipatória .. 259

Quadro 24: Planejamento geral do Projeto Revisitando São Luís pelo avesso de sua

História .............................................................................................................. 265

Quadro 25: Atividades da disciplina Filosofia com a turma 301 do curso de Comunicação

Visual ................................................................................................................. 268

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01: População residente, por cor ou raça, segundo a situação do domicílio, o sexo

e a idade ............................................................................................................... 50

Tabela 02: Pessoas de 5 anos ou mais de idade, total e as alfabetizadas, por cor ou raça,

segundo a situação do domicílio e a idade ........................................................... 51

Tabela 03: População total de alfabetizados e não alfabetizadas, por cor ou raça ................ 52

Tabela 04: População de 15 a 30 anos de idade, alfabetização, por cor ou raça ................... 53

Tabela 05: População de 18 a 30 anos de idade, alfabetização, por cor ou raça ................... 54

Tabela 06: População de 25 anos ou mais de idade com diploma de nível superior, por cor

e raça: Maranhão e São Luís ................................................................................ 55

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CAP – Coordenadoria de Apoio Pedagógico

CEB – Câmara de Educação Básica

CNE – Conselho Nacional de Educação

DESU – Departamento de Ensino Superior

DHS – Departamento de Ciências Humanas e Sociais

EPTNM – Educação Profissional Técnica de Nível Médio

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IFMA – Instituto Federal do Maranhão

LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC – Ministério da Educação

NEABI – Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indiodescendentes

OEA – Organização dos Estados Americanos

ONU – Organizações das Nações Unidas

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais

PDI – Plano de Desenvolvimento Institucional

PNE – Plano Nacional de Educação

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PPP – Projeto Político-Pedagógico

PROEN – Pró-Reitoria de Ensino

PROUNI – Programa Universidade para Todos

PUC – Pontifícia Universidade Católica

SEEDUC – Secretaria de Estado de Educação

SEIR – Secretaria de Estado da Igualdade Racial

SISU – Sistema de Seleção Unificada

UFMA – Universidade Federal do Maranhão

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 17

Prelúdio ao currículo como percurso de reconhecimento .................................................. 17

O problema, o objeto e os objetivos ...................................................................................... 26

CAPÍTULO 1 - PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA ............. 37

1.1 Abordagem qualitativa da pesquisa ........................................................................... 37

1.2 Os procedimentos da pesquisa .................................................................................... 39

1.2.1Técnicas de coletas de dados ................................................................................ 39

1.2.1.1 Primeira fase: estudos exploratórios de sensibilização e contextualização da

pesquisa ............................................................................................................ 39

1.2.1.2 Segunda fase: entrevistas individualizadas, conversas e observações

informais .......................................................................................................... 40

1.3 Os critérios de seleção dos sujeitos ............................................................................. 41

1.4 Tratamento e análise dos dados .................................................................................. 44

CAPÍTULO 2 – ETNIA/RAÇA NO CENÁRIO EDUCACIONAL MARANHENSE ..... 47

2.1 Preliminares sobre etnia/raça ..................................................................................... 47

CAPÍTULO 3 – DIREITOS HUMANOS, DIGNIDADE HUMANA E EDUCAÇÃO .... 62

3.1 Dignidade como direito ............................................................................................... 62

3.2 A dignidade como autoria (falar, narrar, agir, julgar) em Paul Ricoeur ............... 70

3.3 A dignidade como projeção de Si em Jean-Paul Sartre ........................................... 73

3.4 Articulação dos conceitos direitos humanos, dignidade humana e educação ........ 75

3.5 Conceitos em Paulo Freire .......................................................................................... 81

3.5.1 A humanização como vocação............................................................................. 81

3.5.2 Práxis e Ser mais .................................................................................................. 82

3.5.3 Educação Libertadora (problematizadora) e identidade cultural .................. 84

3.6 Pautas internacionais e nacionais sobre direitos humanos ...................................... 85

3.6.1 Pautas internacionais ........................................................................................... 85

3.6.2 Pautas nacionais ................................................................................................... 97

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CAPÍTULO 4 – O RECONHECIMENTO COMO CONCEITO E COMO POLÍTICA

CURRICULAR ......................................................................................... 113

4.1 O movimento do reconhecimento em Paul Ricoeur ............................................... 114

4.1.1 Reconhecimento como luta, como mutualidade e gratidão ............................ 122

4.2 O negro e o reconhecimento de ser negro ................................................................ 129

4.3 Aspectos conceituais, ideológicos e culturais do currículo ..................................... 141

4.4 Currículo e ação afirmativa após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional nº. 9.394/96 ................................................................................................. 146

CAPÍTULO 5 – O CLIMA ORGANIZACIONAL E O RECONHECIMENTO

ÉTNICO-RACIAL NO IFMA-CAMPUS MONTE CASTELO ......... 159

5.1 Caracterização do bairro e do IFMA-Campus Monte Castelo no contexto da

cidade .......................................................................................................................... 159

5.2 O IFMA- Campus Monte Castelo em sua estrutura organizacional .................... 164

5.3 O clima organizacional e a abordagem étnico-racial nos estudos exploratórios . 172

5.4 O clima organizacional e a abordagem étnico-racial face a face com os sujeitos 175

5.4.1 A gestão e as concepções sobre educação de qualidade com o foco nas

Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-

-Brasileira e Africana ........................................................................................ 177

5.4.2 A identidade e o reconhecimento étnico-racial, a eficácia e a responsabilidade

da escola de ensinar para combater o racismo, o preconceito e a

discriminação racial e valorizar a diversidade e o reconhecimento étnico-

-racial ................................................................................................................... 218

5.4.3 A efetivação da Lei nº. 10.639/03 e as práticas curriculares para o processo

de reconhecimento étnico-racial dos alunos .................................................... 233

5.5 Indicadores propositivos de educação de qualidade com projeção para a gestão/

planejamento e práticas curriculares de reconhecimento étnico-racial ............... 250

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 270

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 277

APÊNDICES ......................................................................................................................... 294

ANEXO .................................................................................................................................. 315

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INTRODUÇÃO

Prelúdio ao currículo como percurso de reconhecimento

Como todas as coisas, este trabalho acadêmico tem uma história. Suas raízes mais

recentes datam da minha aprovação em um processo seletivo para ser professora da disciplina

“Currículos e Programas”, pelos idos de 2005.

No entanto, tais raízes não são apenas recentes, como algumas bem antigas;

remontam à minha infância, quando se deu um grande acontecimento em minha vida: o meu

ingresso na escola. Neste momento, evoco a memória para tornar presente a minha trajetória,

concebida como percurso de reconhecimento. Segundo Taino (2008), no percurso do

reconhecimento, a memória é o meio pelo qual persistem os conhecimentos passados e a

possibilidade de evocá-los e de torná-los atuais ou presentes. Nesse sentido, a memória

oportuniza a volta ao passado, que precisa ser pensado conjuntamente com uma promessa de

futuro na constituição da identidade pessoal.

Procuro a definição de reconhecimento e me deparo com a definição de que é “um

dos aspectos constitutivos da memória, porquanto os objetos já são dados como já

conhecidos” (ABBAGNANO, 2003, p. 836).

Para Ricoeur (2006), a palavra reconhecimento é sintetizada em três ideias: ligar

imagens e percepções relativas a um objeto para distingui-lo, identificá-lo; considerar como

verdadeiro e testemunhar gratidão; sentimento de reconhecimento que se experimenta ao

recebermos benefícios de alguém.1

O percurso de reconhecimento é a busca de sentido das minhas realizações no

universo escolar, é o meu currículo expresso nas experiências que as instituições de educação

escolar me ofereceram e que contribuíram para o que sou hoje. Apesar das insuficiências das

mais diversas ordens que acarretam e comprometem uma educação de qualidade, posso

assegurar, pois o meu percurso escolar valida, que existem estreitas vinculações entre

educação de qualidade e qualidade de vida: “a explicitação das qualidades possíveis da vida

pode nos dar um bom rol de indicadores de qualidade da educação” (CASALI, 2011, p. 16).

Nasci no município de Alcântara no estado do Maranhão, no lugar chamado Beira

de Campo, no dia 20 de agosto de 1965, mas fui registrada como nascida em São Luís, a

1 A concepção de reconhecimento em Ricoeur (2006) será pormenorizada mais adiante.

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chamada “Atenas Brasileira, “Jamaica Brasileira”, “Capital do Reggae”. Filha de Joana

Borges Pereira e Lourival Teotônio Ferreira Pereira (in memoriam). Sou a primogênita num

universo de quatro irmãos, 02 mulheres e 02 homens. Considero que tive participação na

criação deles, pois ficavam sob os meus cuidados na ausência de meus pais.

Cresci em dois bairros da periferia de São Luís: o bairro da “Liberdade” e o da

“Redenção”. Percebo hoje como a minha história de vida está estreitamente ligada ao nome e

a história desses bairros.

As minhas avós também são importantes na minha criação. Tive menos contato

com o meu avô e a minha avó do lado materno e mais com os do lado paterno. Por parte de

minha mãe a minha avó, Catarina Borges, tinha fenótipos visivelmente da “raça” negra, e por

parte de meu pai a minha avó, Raimunda Costa Ferreira, cujos traços físicos tendiam mais

para a “raça” branca. O meu convívio maior foi com a minha avó paterna, que cuidava de

mim para os meus pais poderem trabalhar.

Tenho poucas lembranças da minha avó materna, aliás, não me afeiçoava muito a

ela, talvez pela distância, visto que ela morava no “interior”, ou talvez porque a minha avó

paterna costumava dizer que a minha avó Catarina era “preta”. Também não gostava dos

meus cabelos porque ela dizia que eles ficaram “ruins”, de “pixaim”; tampouco gostava de

que os rapazes “pretos” me paquerassem, pois a minha avó, Raimunda, vivia me dizendo para

eu não casar com homem “preto”, porque os meus filhos e minhas filhas iriam nascer “tudo

pretinho/a”.

A minha avó paterna e os meus pais me ensinaram também muitas coisas

positivas, e hoje reconheço a grandeza daqueles ensinamentos. A minha origem familiar é de

pessoas muito humildes, as quais, mesmo não tendo tido a oportunidade de acessar ou

permanecer na escola, me ensinaram o valor que esta tem para que possamos “ser alguém”,

como eles/as diziam.

De São Luís vêm minhas primeiras influências educacionais, tanto familiares

quanto escolares. A primeira vez que caminhei em direção à escola foi um dia inédito em

minha vida em vários aspectos, sobretudo porque foi a primeira vez que me afastei da minha

família. Como aquele espaço e as pessoas que ali estavam eram estranhas, o pânico tomou

conta de mim ao ver o meu pai se distanciando daquele lugar chamado à época de “Jardim de

Infância Chapeuzinho Vermelho”.

Não entendia o porquê dessa decisão do meu pai e da minha mãe em me

“confinar” naquele espaço de distanciamento das minhas raízes, a minha casa, a minha rua

etc.

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Ainda se faz muito presente a voz da merendeira dizendo-me: “Não chore, minha

filha, daqui a pouco o seu pai vem lhe buscar”. Mesmo entre lágrimas, que perduraram mais

ou menos uma semana, fui me conformando àquela nova situação, que, paulatinamente, foi se

tornando agradável, festiva e prazerosa. Como não me lembrar das festas juninas, das danças

como quadrilha, da fita, do coco, entre outros? Como não me lembrar (também) dos

concursos de rainha caipira, dos quais nunca pude participar, visto que as rainhas caipiras só

podiam ser as meninas de cabelos lisos e de pele branca?

Ali no jardim de infância era um lugar alegre, onde cantávamos, dançávamos e

aprendíamos brincando. As professoras nos acolhiam sorridentes, e sem perceber estávamos

nos socializando, dando os primeiros passos para a vida em sociedade. De lá para cá a escola

continua tendo a sua importância, embora bastante criticada. Não obstante, ela é de

fundamental importância para a socialização do patrimônio cultural2 produzido pelo ser

humano.

Anterior à entrada na universidade, a minha visão de escola foi sempre romântica.

Apesar de algumas dificuldades de ordem material, por exemplo, com relação à aquisição de

material didático, sempre ia satisfeita para a escola. Do jardim de infância à antiga Escola

Técnica Federal do Maranhão (onde cursei o Ensino Médio) e onde hoje sou professora,

procurei cumprir o meu papel de estudante, e cada vez mais foi se tornando claro que a escola

seria a minha “ponte” para ter condições materiais com vistas a uma vida digna.

De 1970 a 2010, várias décadas já se foram e nessa trajetória muitos passos foram

construindo o meu caminho. Nesse trajeto, particularmente no curso de Filosofia, algumas

questões foram se apresentando. Destaco algumas: O sujeito é quem constrói a sua história ou

já temos um destino traçado e dele não podemos nos desviar? Temos uma essência ou o que

nos define é a nossa existência? Ademais, por que os cientistas têm se preocupado mais em

comprovar ou não a existência de Deus em vez de se preocuparem com o que poderemos

fazer para vivermos em um mundo verdadeiramente humano?

No curso de Pedagogia empreendi estudos que foram marcantes como os de Paulo

Freire e dos estudos sobre currículo, notadamente as Teorias. Essas influências repercutiram

no desejo de tornar-me professora da disciplina currículos e programas. Desejo esse que se

consumou ao ser selecionada para ministrar a disciplina no antigo Centro Unificado de Ensino

2 Neste trabalho estou me reportando à cultura tal como definido pela Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, como características distintas espirituais, materiais, intelectuais

e afetivas que caracterizam uma sociedade ou um grupo social. Envolve, além, das artes e das letras, os modos

de vida, os sistemas de valores, as tradições e as crenças (UNESCO, 2001).

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Universitário – UNICEUMA. Assim, a realização deste trabalho de pesquisa está impregnada

da minha história de vida. Nos primeiros anos de atuação como professora no referido Centro

de Ensino, a Educação das Relações Étnico-Raciais norteava as discussões que desenvolvia

como professora da disciplina “Currículos e Programas”.

O curso de Mestrado em Educação na Universidade Federal do Maranhão foi mais

uma oportunidade. Por meio da pesquisa em uma escola pública, aprofundei reflexões sobre

as práticas curriculares, seus conteúdos, organização, enfim, sobre a cultura escolar em geral.

As disciplinas cursadas, sobretudo Currículo, as leituras feitas, os debates e os

seminários convergiam para uma visão crítica de currículo, tendo em vista a emancipação e a

valorização dos alunos/as em sua subjetividade. Ademais, ampliei a minha visão de conteúdos

a partir do conceito antropológico de cultura. Nesse sentido, no Mestrado o meu interesse

tornou-se mais explícito.

Na vida profissional no IFMA, esse interesse continuou a permear minhas ações,

como professora dos cursos de Licenciaturas, debatendo essas questões com os alunos/as em

sala de aula, incentivando-os a participar de palestras por ocasião da Semana da Consciência

Negra, bem como na elaboração do projeto político da escola, redigindo textos e envolvendo

os demais professores/as nos debates sobre o currículo intercultural, entre outros assuntos.

Estou no percurso. Desta feita, no curso de doutorado na Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, onde ingressei no segundo semestre de 2010, essa universidade me

conduziu a novos e recorrentes caminhos. Face à preocupação com um mundo mais solidário

em que se respeite a dignidade das pessoas, me dediquei ao estudo do reconhecimento,

sobretudo em Paul Ricoeur no curso de doutorado em Educação: Currículo. Além desse

estudo, outros foram importantes. Cabe salientar que foram muitas informações no percurso,

no entanto não guardamos tudo na memória, conservo apenas os que tiveram mais

importância para mim.

Deste modo, no percurso na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, vários

estudos concorreram para o meu processo formativo. Dentre estes estudos, destaco a

disciplina “Epistemologia e Educação”, cujo objetivo consistiu em analisar os fundamentos

filosóficos das pesquisas em currículo (ontologia, epistemologia e metodologia com suas

questões-chave: Podemos conhecer? Em que condições é possível conhecer? O que é o

conhecimento? Qual o fundamento da certeza do conhecimento? Como validar o

conhecimento das Ciências Naturais, Humanas e das Ciências Formais?

Dentre as leituras recomendadas, destaco a de Bachelard, “A Formação do

Espírito Científico” (1996). Para este filósofo, a ciência se opõe absolutamente à opinião. Esta

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é o primeiro obstáculo a ser superado. A pergunta, diz ele, é o princípio básico da atividade

científica e é preciso saber formular com clareza as questões. Ademais, nada é evidente, tudo

é construído.

Enfim, a leitura de Bachelard (1996) me permitiu consolidar a compreensão de

que o conhecimento científico constrói-se na relação que ocorre entre o sujeito e o objeto, em

que a existência se faz presente como as próprias interpretações que causam o ato de ver,

pensar, sentir, viver, ser e estar neste mundo. Nesse aspecto, o saber verdadeiro surge da

observação que somos capazes de realizar, da indagação e articulação do que consideramos

conhecer e do que desejamos conhecer. Verdade é o ser, em sua essência e existência, e

somente se faz presente pela necessidade, pelo confronto e pela ação do indivíduo. Desse

modo, para confirmar cientificamente a verdade, é preciso confrontá-la com vários e

diferentes pontos de vista, visto que a veracidade do conhecimento se dá na ação dialética e

não na continuidade, em que cada saber constituído tem sua duração particular.

Destaco, ademais, nesses estudos, a relação entre Epistemologia e Currículo.

Estabeleci três aspectos. Primeiro: o currículo condensa na prática educativa os grandes

debates ideológicos sobre a legitimação do conhecimento verdadeiro e a disputa política pela

hegemonia internacional do conhecimento científico, considerando o padrão comum e

universal do conhecimento. Segundo: tal disputa se reflete no âmbito escolar na medida em

que, entre outros, são selecionados os conhecimentos a serem ensinados ou preteridos, a

legitimidade da prioridade de umas disciplinas sobre outras. Terceiro: nos embates políticos, o

Estado e as políticas oficiais de educação discutem competências e oportunidades conferidas

aos/as destinatários/s do ensino.

No percurso, também estiveram presentes os estudos referentes à disciplina

“Estudos Avançados em Currículo”. Na referida disciplina a abordagem do currículo

direcionou-me para os estudos críticos. Face a esta abordagem saliento que me identifiquei

com algumas concepções de currículo, quais sejam: a) as que centram seu ponto de vista na

experiência dos alunos/as como ponto de referência, englobando ao conceito de currículo

qualquer tipo de aquisição que tenham oportunidade de aprender nas escolas e inclusive as

que lhes são ocultadas; b) O currículo como veículo de comunicação de teorias e ideias para a

realidade (GIMENO SACRISTÁN, 1998).

Acrescento a esta lição o primeiro contato com as leituras de Piovesan (2006) em

que se discute a concepção contemporânea de direitos humanos. Atrelada a esta discussão,

destaco as leituras de Bobbio (1992); Cury (2002); Benevides (1998) que retomam a

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importância do direito à educação escolar articulando o direito à igualdade e o direito à

diferença.

Outros estudos foram significativos, como o de Gimeno Sacristán (1999); Giroux

(1983); quando propõem discutir a importância do legado da modernidade3, bem como a

pertinência das questões postas pela “pós-modernidade”. A modernidade levantou a

“bandeira” em defesa da cultura universal, como direito de cidadania4, atribuindo ao Estado a

responsabilidade de tornar a instrução pública obrigatória. No que concerne à “pós-

modernidade”, são procedentes as análises quanto à visão reducionista de cultura por ela

engendrada.

Na “Cátedra Paulo Freire”, por sua vez, captei sua concepção de humanização, a

qual pode ser entendida como vocação dos homens e mulheres que, embora negada, é também

afirmada na própria negação. Onde a vocação é negada? Na injustiça, na exploração, na na

violência da opressão. E onde é afirmada? Na justiça, na luta dos oprimidos/as, pela

recuperação de sua humanidade roubada. A violência é outro tipo de vocação, a de ser menos,

negando a vocação de ser mais. Como textualmente ele coloca:

Como distorção do ser mais, o ser menos leva os oprimidos, cedo ou tarde, a lutar

contra quem os fez menos. E esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao

buscarem recuperar sua humanidade, que é uma forma de criá-la, não se sentem

idealisticamente opressores, nem se tornam de fato opressores dos opressores, mas

restauradores da humanidade de ambos. E aí está a grande tarefa humanista e

histórica dos oprimidos - libertar-se a si mesmo e aos opressores (FREIRE, 1987,

p.30).

Das leituras que empreendi na disciplina “Políticas Educacionais: Novas

tendências”, ressalto a de Burbules (2003), em que ele recorre a Homi Bhabha para demarcar

a posição deste em relação à adoção do termo diferença em detrimento do termo diversidade.

O autor critica a noção de diversidade usada no discurso liberal, por este dar uma ilusão de

harmonia pluralista. Ele afirma que essa harmonia reprimida só é conquistada com base em

termos tácitos de normas sociais construídas e administradas pelo grupo dominante para criar

uma ilusão de consenso. É uma noção ideológica que obscurece o exercício do poder. No seu

modo de entender, o conceito de diferença não pressupõe essa lógica consensual, ao contrário,

3 Para Weber (2005) a Modernidade representa a organização capitalística racional assentada no trabalho

formalmente livre. 4 Cidadania como exercício de direitos e deveres que são postos e legalmente garantidos, de forma efetiva, de

modo que cidadão é aquele que participa da construção de seu futuro com capacidade de autodeterminar-se

(SILVA, 2009).

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procura problematizar as próprias normas usadas para identificar a diferença. Portanto, as

diferenças não constituem nem áreas claramente demarcadas de experiência e prática nem

uma unidade de identidade, como pressupõem tão frequentemente os/as professores/as que

tentam implementar o multiculturalismo. As diferenças são entendidas por meio de uma

política de significação – isto é, através de práticas que são tanto reflexivas quanto

constitutivas das relações econômicas e políticas predominantes.

O tema “Políticas da igualdade e políticas da diferença” proposto no artigo

“Discriminação: uma questão de Direitos Humanos”, de Ivair Augusto Alves dos Santos

(1999), foi de fundamental importância para o meu objeto de estudo. O autor faz uma análise

histórica acerca da trajetória dos direitos humanos no Brasil, e, para isso, utilizou os preceitos

legais para aprofundar as discussões. Tais preceitos foram: a Declaração Universal dos

Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) de 1948; a Constituição Federal

Brasileira de 1988 e a II Conferência Mundial dos Direitos Humanos da ONU de 1993.

A leitura do artigo de Santos (2009) me fez recorrer aos conceitos de Preconceito

no dicionário Aurélio5 e encontrei: “1. Idéia preconcebida. 2. Suspeita, intolerância, aversão a

outras raças, credos, religiões, etc.” (FERREIRA, 2000); de Discriminação, como “1. ato ou

efeito de discriminar. 2. Tratamento preconceituoso dado a certas categorias sociais, raciais,

etc.” (FERREIRA, 2000); de Racismo aparece como “1. Doutrina que sustenta a

superioridade de certas raças. 2. Preconceito ou discriminação em relação a indivíduo(s)

considerado(s) de outra(s) raça(s)” (FERREIRA, 2000).

Ademais, o preconceito aparece também como sendo uma atitude negativa

dirigida a pessoas ou grupos de pessoas e implica uma predisposição negativa (um pré-

julgamento) contra alguém, provocada pelo indivíduo. Por seu lado, a discriminação é um

conceito mais amplo e dinâmico; é provocada por indivíduos e por instituições, e o enfoque é

do agente discriminador para o objeto da discriminação.

Em relação às disciplinas “Interdisciplinaridade: desafios à investigação

metodológica e Interdisciplinaridade e Currículo”, destaco a compreensão de que, para além

do modelo cartesiano, a pesquisa exige autoconsciência. Em outras palavras, o que move o

sujeito é a inter-relação entre o existencial e a interrogação científica. Daí por que pesquisar

interdisciplinarmente é um desafio que enfrentamos de diferentes ordens: teórica, pessoal e

5 A recorrência ao dicionário foi necessária, porém não suficiente. Em outros momentos me embasei em autores

que se dedicam aos estudos das relações raciais no Brasil bem como a um dicionário específico sobre o tema.

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metodológica, buscando responder a nossa equação. A equação do percurso seria leitura do eu

+ leitura de nós + leitura do mundo.

A referida disciplina também foi fundamental na medida em que foi se tornando

mais claro que um dos sentidos que marcam a minha existência é o reconhecimento. A partir

de então, o conceito de reconhecimento passou a ser um conceito-chave do meu trabalho de

doutoramento, assim como o de identidade.

Desenvolvi estudos relativos à identidade na disciplina “Pesquisa em Identidade”.

Nesta, confrontei-me com algumas pesquisas relacionadas ao meu objeto de estudo. Estudei,

de um modo especial, a dissertação de mestrado de Rozângela da Piedade Leite (2009), cujo

tema do trabalho é “O processo de formação de identidades de estudantes negros que

ingressaram no ensino superior pelo sistema de cotas do ProUNI: a questão da ação

afirmativa”. O objetivo da citada autora consistiu em compreender qual o impacto de uma

política de cotas raciais no processo identitário de um estudante negro.

Dentre as descobertas desse trabalho, ressalto:

Que mesmo diante das dificuldades sócio-econômicas, da defasagem do ensino

médio, do enfrentamento e superação de situações de discriminação racial, esses

sujeitos mostram que é possível re-significar suas trajetórias e suas identidades em

busca de emancipação para não serem prisioneiros da história [...]. [...] No momento

em que o estudante omite sua condição de bolsista e cotista e só se sente livre

quando reconhece mais colegas na mesma condição, nos dá um indicativo de como

um espaço coletivo se faz necessário para que os estudantes re-signifiquem

positivamente sua identidade (LEITE, 2009, p. 144-145).

Nesse sentido, a ideia de identidade como metamorfose foi bastante discutida no

percurso das aulas que tiveram como fio condutor o livro “A Estória do Severino e a História

da Severina: um ensaio de Psicologia Social”, de Antonio Costa Ciampa (2005).

Na mesma disciplina foi significativo o exercício do estudo de caso feito com um

dos sujeitos participantes do meu trabalho de pesquisa.

Outras atividades também fizeram parte do percurso, entre as quais a participação

no IX e no X Encontro de Pesquisadores do Programa de Educação: Currículo. A participação

se deu em três frentes: fiz parte da comissão organizadora do evento, coordenei o círculo

epistemológico “Currículo, Conhecimento e Cultura” e apresentei trabalhos no referido

círculo. No IX Encontro, o tema foi “Identidade e diferença étnico-racial em currículos e

programas: afirmação ou silenciamento?” E, no X Encontro, “O Reconhecimento Mútuo em

Paul Ricoeur como princípio válido para uma educação intercultural”.

O XIII curso de difusão cultural coordenado pelo Centro de Estudos Africanos da

Universidade de São Paulo sobre “Aspectos da Cultura e História dos negros no Brasil” e o

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evento organizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura (UNESCO) e pelo Ministério da Educação para lançamento da Coleção “História

Geral da África” foram muito oportunos na perspectiva de eu ampliar e aprofundar

conhecimentos a respeito da África e sobre os negros/as no Brasil, tendo em vista a discussão

para a Educação para as relações étnico-raciais.

Participei ainda do III Fórum do Ensino Superior sobre os “Desafios para o

Ensino de História e Cultura Africana e Indígena.

Na disciplina “Seminário de Pesquisa” retomei vários estudos já empreendidos,

principalmente no mestrado. Apreendi nessa disciplina um grande ensinamento que, à

medida que o ser humano possui a necessidade de suplantar os desafios e ampliar a qualidade

dos seus atos e novas possibilidades de seu agir, é justificada a necessidade do conhecimento.

Dentre várias pesquisas eletrônicas feitas, destaco as seguintes leituras de

dissertações de mestrado, teses de doutorado e artigos que constituíram o meu percurso

acadêmico:

Natureza do trabalho: Artigos

SILVA, Tássia Fernandes de Oliveira. Questões étnico-raciais e currículo: uma

abordagem reflexiva, 2011.

CORÁ, Élsio José; NASCIMENTO, Claúdio Reichert do. Reconhecimento

mútuo em Paul Ricoeur: da identificação ao reconhecimento mútuo, 2011.

CANDAU, Vera Maria. Direitos Humanos, educação e interculturalidade: as

tensões entre igualdade e diferença, 2008.

BENTES, Hilda; SALLES, Sérgio. Paul Ricoeur e o humanismo jurídico

moderno: o reconhecimento do sujeito de direito, 2011.

Natureza do trabalho: Monografias Lato sensu

CARIELLO, Leandro Neves. Comissão de direitos humanos e minorias na

Câmara dos Deputados: remando contra a maré, 2008.

FERNANDES, Anamélia Lima Rocha. Política de cotas raciais para ingresso

em instituições públicas de ensino superior no Brasil: ausência de uma política. Ano: 2010.

Natureza do trabalho: Dissertação de mestrado

LEITE, Rozangela da Piedade. O processo de formação da identidade de

estudantes negros que ingressaram no ensino superior pelo sistema de cotas proUNI: a

questão da ação afirmativa, 2009.

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SILVA, Cristiano Pinto. Educação brasileira e identidade negra em Kabengele

Munanga, 2009.

FRANCO, Fabíola Beatriz de. A construção de uma proposta de educação

para a diversidade étnico-racial: um desafio na formação de professores, 2009.

ROZAS. Luíza Barros. Cotas para negros nas universidades públicas e a

inserção na realidade jurídica brasileira - por uma compreensão do princípio da

igualdade, 2009.

Natureza do trabalho: Teses de doutorado

RÉGIS, Kátia Evangelista. Relações etnicorraciais e currículos escolares em

teses e dissertações produzidas em programas de pós-graduação stricto sensu em

educação – Brasil (1987-2006), 2009.

TAINO, Ana Maria dos Reis. Reconhecimento: Movimentos e sentidos de uma

trajetória de investigação e formação interdisciplinar, 2008.

SILVA, Nilda Pereira da. Educação em direitos humanos e currículo a partir

da ética da vida, 2012.

Natureza do trabalho: Resenhas, relatórios

CÉSAR, Luci Moreira. O si-mesmo como um outro, 2008.

Relatório de atividades de março de 2008 a fevereiro de 2009. Comissão de

Direitos Humanos e Minorias.

PAIXÃO, Marcelo; ROSETTO, Irene, MONTOVANELE, Fabiana;

CARVALHO, Luiz Marcelo (Orgs.). Relatório Anual das desigualdades raciais no Brasil;

2009-2010: Constituição cidadã, seguridade social e seus efeitos nas assimetrias de cor e raça.

Mediante esse arcabouço teórico bem como as orientações individuais e coletivas,

coordenado pelo professor Dr. Alípio Casali fui redimensionando o meu projeto de pesquisa.

Também foi se tornando mais nítido o objeto de estudo no tocante ao problema, objeto e

objetivos, referencial teórico e procedimentos metodológicos, como veremos a seguir.

O problema, o objeto e os objetivos

No ano de 2003, minha atuação como professora de “Currículos e Programas” no

antigo Centro Universitário do Maranhão (CEUMA) e ainda como especialista em educação

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na coordenação de elaboração e discussão de propostas curriculares para o Ensino

Fundamental na Secretaria Municipal de Ensino em São Luís (SEMED)6, foi decisiva para eu

buscar nos estudos acadêmicos o sentido para as minhas indagações que também estão na

ordem das minhas experiências pessoais. Em ambas as experiências emergiram algumas

questões-chaves tais como: o papel da escola e do currículo em nossa sociedade

contemporânea, a educação intercultural, a representativa cultural no currículo, entre outras.

Em 2007, motivada pela minha experiência como professora da disciplina

“Currículos e Programas”, elaborei um projeto de pesquisa para investigar como essas

questões estavam instaladas na escola do Ensino Fundamental, ou seja, como estava sendo

tratada a questão da identidade e identidade étnico-racial no currículo escolar. Coloquei esse

projeto para ser submetido ao processo de seleção do Programa de Pós-Graduação em

Educação da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) em nível de mestrado, o qual foi

aprovado. Desenvolvi um estudo exploratório nas disciplinas História, Língua Portuguesa e

Geografia na Unidade de Educação Básica Mário Andreazza no período de fevereiro de 2005

a junho de 2006.

Entre outros resultados, o estudo revelou-me: nas disciplinas História e Geografia

a predominância de uma visão eurocêntrica de mundo e uma lógica linear de organização dos

conteúdos, constituindo-se como um dos entraves para uma educação multicultural; a visão

dos/as professores/as das referidas disciplinas consistiu num ideal de identidade universal;

predominância de uma concepção tradicional de currículo, dos objetivos em detrimento dos

processos; os saberes do contexto local são vistos como à parte da programação do currículo

escolar.

Durante o desenvolvimento da pesquisa, a escola se mostrou muito mais

reprodutora na medida em que impõe o “reconhecimento da cultura dominante em detrimento

de outros hábitos (geralmente pertencentes às classes dominadas)” (ZUIN, 1995, p. 162). No

entanto, ao final do ano letivo, o qual coincidiu com o término da pesquisa, deparei-me com

um evento que alterou a dinâmica curricular da escola: o desenvolvimento de projetos em

torno do tema “Liberdade”, cuja culminância foi a realização das feiras culturais.

O objetivo do projeto foi problematizar e identificar as raízes, a história e a

contribuição socioeconômica e cultural do bairro da Liberdade como forma de resgatar a

6 Nessa oportunidade participei da Formação Continuada Projeto “A Cor da Cultura” (ANEXO D) bem como

fui representante da SEMED no evento “Diálogo Regional sobre a implementação das Diretrizes curriculares

da educação das relações étnico-raciais” promovido pela Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e

Diversidade (ANEXO E).

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identidade do bairro e, portanto, dos alunos/as, numa perspectiva afirmativa. Observamos que

aspectos relacionados às questões étnico-raciais não foram trabalhados. Este aspecto deveria

ter sido realçado considerando o grande contingente de negros(as) lá existentes.

Ainda cursando o Mestrado em Educação, em 2006, assumi o cargo de professora

de 3º grau no IFMA - Campus Monte Castelo. Como graduada em Pedagogia, venho

ministrando aulas nos cursos das Licenciaturas em Física, Química, Biologia e Matemática.

No percurso de 2006 a 2010, além do trabalho com as disciplinas pedagógicas na

sala de aula nos referidos cursos, participei como representante dos professores na

organização do Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola, bem como nesse período

comecei a fomentar e organizar, com alguns e algumas professores/as palestras alusivas à

Semana da Consciência Negra.

Como concebido pela legislação, entendo a Semana da Consciência Negra e

outras atividades como uma das ações para a Educação para as Relações Étnico-Raciais e da

História e Cultura Afro-Brasileira e Africana que a educação escolar deve incorporar como

um dos seus objetivos. Esse conjunto de ações poderá contribuir para o processo identitário

tanto dos (as) alunos (as) quanto dos (as) professores (as).

Tive ainda a oportunidade de participar de reuniões de trabalho com vistas à

reestruturação curricular dos cursos das Licenciaturas de Física, Química, Biologia e

Matemática. Resultou desse trabalho entre outras determinações, a criação de uma disciplina

intitulada “Políticas Inclusivas I e II”, cuja carga horária de 90 horas é dividida entre Relações

Étnico-Raciais, Educação Indígena e Educação Especial; esta última ficou com o maior

número de horas.

O meu engajamento em tais atividades é desencadeado também pelas minhas

características pessoais, como mulher e professora negra. Nóvoa (2007), ao mencionar o

processo identitário dos (as) professores (as), identifica a importância da adesão, porque ser

professor implica sempre adesão a princípios e valores; a adoção de projetos; a ação, que

consiste na escolha das melhores maneiras de agir, e nesta se jogam decisões do foro

profissional e do foro pessoal; a autoconsciência, porque, em última análise, tudo se decide no

processo de reflexão que o (a) professor (a) leva a cabo sobre sua própria ação.

Dessa maneira, apropriando-me do que diz Nóvoa (2007), que a identidade é um

lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na

profissão, é que busquei integrar-me em ações que extrapolam o âmbito da sala de aula como

a atividade citada anteriormente. Desse modo, ao propor-me debater sobre produção de

identidade étnico-racial, por ocasião da Semana da Consciência Negra, é porque a minha

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própria está em jogo. Por isso, essa atividade foi muito significativa, embora não esteja tendo

a repercussão no IFMA como almejado, algo que vem acontecendo em várias edições.

Ao pleitear a seleção do doutorado tendo em vista a minha experiência na Rede

Municipal de Ensino, como mencionado, pensava em buscar a constatação de uma hipótese

inicial: de que as escolas municipais estavam produzindo alternativas curriculares em relação

à legislação. O projeto para o doutorado emergiu do desejo de realizar essa investigação.

Porém, abandonei essa empreitada.

No curso de doutorado redimensionei o meu campo empírico e o meu objeto de

estudo para o IFMA – Campus Monte Castelo por duas razões. Em primeiro lugar, em virtude

do citado engajamento em torno da Semana da Consciência Negra e em outras atividades, as

quais, tenho percebido, vêm ocorrendo de forma isolada e superficial sem a participação

efetiva dos diversos segmentos que compõem a Instituição. Por outro lado, em função da

revisão de literatura de uma tese de doutorado de Régis (2009) sobre as “Relações

etnicorraciais e currículo” em teses de doutorado e dissertações de mestrado.

A autora analisa e sistematiza as pesquisas produzidas no período de 1987 a 2006,

apresentando os resultados de sua pesquisa sobre 29 estudos, cujos trabalhos estão agrupados

em 04 categorias: o negro nos livros didáticos; as relações étnico-raciais no currículo em

ação; estereótipos, preconceito racial e discriminação racial no cotidiano escolar e o Ensino da

História e Cultura dos africanos e dos negros brasileiros nos currículos escolares.

A pesquisadora identifica algumas lacunas sobre a temática, entre as quais, que

não existem pesquisas nos currículos da Educação de Jovens e Adultos; as pesquisas

concentram-se em escolas públicas do Ensino Fundamental e Médio da Rede Municipal e

Estadual e em relação aos sujeitos há uma menor incidência de participação dos gestores e dos

demais trabalhadores da educação no universo escolar, como informantes de pesquisas.

Menciona que há poucos trabalhos sobre a efetivação da Lei n. 10.639/03, ela questiona e

sugere pesquisas no que tange à implementação da referida Lei, sobre como está ocorrendo

nos currículos escolares, nas salas de aula e em alguns contextos que interferem em sua

configuração.

Entretanto, o que nos chamou mais atenção é que não é citado nenhum trabalho de

pesquisa e nenhuma experiência de trabalho para a Educação das Relações Étnico-Raciais e

para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos Centros Federais de

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Educação Tecnológica (CEFETs)7.

Um dos destaques que Regis (2009) faz é que as pesquisas mostram uma

incompatibilidade entre o proposto e o que realmente ocorre. Além disso, o Ensino de

História e Cultura dos africanos e da diáspora é realizado, geralmente, por meio de ações

pontuais e isoladas. Acrescenta a autora a necessidade de investigações que abordem as

problematizações e proposições aos conhecimentos e saberes da população negra e dos

africanos que podem integrar os currículos escolares e ainda o Ensino da História e Cultura

dos africanos e dos negros.

Desde a promulgação das Leis nº. 10.639/03 e nº. 11.645/08, do Parecer CNE/CP

nº. 3/2004 e da Resolução CNE/CP nº. 1/20048 e da vasta produção teórica sobre esse assunto,

tem-se argumentado sobre a necessidade de a escola instalar posicionamentos mais

democráticos, garantindo o respeito às diferenças para que crianças, adolescentes e jovens

possam desenvolver suas potencialidades.

De 2006 para cá, tenho ampliado as leituras sobre a legislação educacional

brasileira, sobre a necessidade da instauração de uma pedagogia antirracista na escola e do

reconhecimento da diversidade promotora da igualdade racial. Como já referido, há uma vasta

produção teórica sobre o papel das instituições, sobretudo as de ensino na afirmação e no

reconhecimento étnico-racial, como também existe um conjunto de documentos legais que

traduzem a afirmação e o reconhecimento étnico-racial como direitos da pessoa humana, os

quais devem ser garantidos pelos currículos escolares.

Com efeito, a legislação orienta tanto o Ensino Superior quanto o Ensino Médio a

incluir nos conteúdos de disciplinas e atividades curriculares a Educação para as Relações

Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, bem como o

tratamento de questões temáticas que dizem respeito aos/as afrodescendentes.

Desse modo, em termos de legislação educacional, o Brasil tem cumprido as

recomendações internacionais quanto ao Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e

Africana no currículo escolar, conforme o Parecer CNE/CEB nº 3/2004 e a Resolução

CNE/CP nº 1/2004 abriga o termo “reconhecimento” relacionando-o à Educação para as

Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

7 Alguns Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs), inclusive o do estado do Maranhão, foram

transformados em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia pela Lei nº. 11.892, de 29 de

dezembro de 2008. 8 Em páginas posteriores destacarei o teor dessa legislação e como ela abriga o termo reconhecimento

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Face às leituras dos instrumentos legais internacionais e nacionais acerca dos

direitos humanos e às questões contemporâneas de currículo, ambos envolvendo as discussões

acerca do reconhecimento, da etnia e da raça, levantei algumas suspeitas no IFMA - Campus

Monte Castelo.

Embora tenham sido realizados eventos por ocasião da Semana da Consciência

Negra e tenha sido criado o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indiodescendentes (NEABI)

bem como a disciplina Educação Inclusiva, pode ser que essas ações não estejam sendo

satisfatórias para promoção e realização dos direitos dos estudantes, notadamente os

negros/as, no que diz respeito ao reconhecimento e à valorização de sua história e cultura.

Assim, o currículo escolar tanto da Educação Profissional de Nível Técnico quanto das

Licenciaturas, ao que parece, não estão incorporando as questões étnico-raciais como deveria.

Da minha experiência como professora, resulta uma visão panorâmica a qual

precisa ser aprofundada. A Semana da Consciência Negra tem acontecido de forma episódica

e isolada com uma participação restrita de professores/as e alunos/as. Esse evento ainda não

faz parte do calendário acadêmico, portanto não é reconhecido como uma atividade

pedagógica permanente do Campus Monte Castelo, como preconiza a legislação. O NEABI,

suponho, não vem promovendo ações de forma efetiva em torno de mudanças em relação ao

currículo escolar no citado Campus. A disciplina “Políticas Inclusivas I e II”, incluída na

matriz curricular das Licenciaturas de Física, Química, Matemática e Biologia para atender às

expectativas para uma Educação voltada para as Relações Étnico-Raciais, não é satisfatória,

por apresentar uma carga horária insuficiente para tal demanda cuja carga horária é de 90h

para a Educação Especial e 45h para Educação das Relações Étnico-Raciais. Sendo assim, a

prioridade é para a Educação Especial.

Por tudo isso, suponho que o IFMA não incorporou de forma efetiva e articulada

uma política e prática curricular coerente, crítica, consistente e satisfatória ao que preconiza a

política educacional brasileira para a Educação das Relações Étnico-Raciais configurada

como política de ação afirmativa9. Deste problema se desdobram os seguintes pressupostos:

1) Existem imbricações entre direitos humanos, dignidade humana e educação. E as pautas

internacionais e nacionais corroboram esses princípios com projeção para a Educação das

9 Neste trabalho estarei utilizando os termos ações afirmativas e ação afirmativa enquanto “política voltada para

reverter as tendências históricas que conferiam às minorias e às mulheres uma posição de desvantagem,

particularmente na área de educação e emprego” (CASHMORE, 2000, p. 3).

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Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

como direito ao reconhecimento inerente à dignidade humana;

2) O conceito de reconhecimento mútuo é a forma mais autêntica de reconhecimento,

segundo Paul Ricoeur. Este conceito baliza a política curricular, o Parecer nº 03/2004 e a

Resolução nº 01/2004, e os/as autores/as que discutem sobre as relações raciais no Brasil;

3) Os documentos internos do IFMA – Campus Monte Castelo se assentam nos princípios de

uma educação inclusiva, incluindo nesta de forma implícita a abertura para Educação das

Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

como direito ao reconhecimento inerente à dignidade humana. Porém, há um

desconhecimento dos(as) professores(as) e alunos(as) acerca dessas intenções educativas

bem como pela falta de efetividade de políticas e de práticas curriculares concernentes à

Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-

-Brasileira e Africana no IFMA Campus Monte Castelo;

4) São realizados eventos alusivos à Semana da Consciência Negra. Contudo, se configuram

como eventos esporádicos e práticas exóticas e superficiais. Tais eventos não são o

bastante para operar devidamente a identidade e o reconhecimento étnico-racial dos

envolvidos no processo educacional, sobretudo dos alunos;

5) Os discursos dos gestores, professores/as e dos/as alunos vão ao encontro da

responsabilidade da escola na possibilidade de ensinar para combater o racismo e

valorizar a diversidade e o reconhecimento étnico-racial, porém esses discursos não

condizem com o que acontece na prática pedagógica, o que pode estar causando o

desvirtuamento dos processos de identidade e reconhecimento étnico-racial dos(as)

alunos(as);

6) Existem muitas dificuldades para operar a Educação para as Relações Étnico-Raciais e

para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, entre as quais, a ausência de formação

tanto inicial como continuada dos(as) professores(as) e gestores, no entanto, existem

práticas curriculares (isoladas) no Campus-Monte Castelo que poderão ser concebidas

como indicadores de reconhecimento tanto étnico-racial quanto cultural, social, entre

outros;

7) Existem indicadores propositivos que poderão se constituir em formas de gestão e práticas

curriculares para o processo identitário e de reconhecimento étnico-racial dos envolvidos

no processo educacional, sobretudo dos(as) alunos(as), numa perspectiva da

interculturalidade e mutualidade;

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Se existe uma situação adversa ao que prescreve a legislação, tal situação pode

estar gerando prejuízos à afirmação identitária dos(as) estudantes, sobretudo dos negros(as),

comprometendo, desta forma, a imagem da Instituição como formadora de cidadãos e cidadãs

críticos(as), solidários(as), tal como concebido na proposta pedagógica da escola. Nesse

sentido, o IFMA não pode se constituir numa referência de escola de qualidade no Estado e na

cidade de São Luís, que, como constatada, é uma cidade que estabeleceu uma forte relação

com o sistema escravagista, que tem um volume significativo da população negra e uma

intensidade de cultura afrodescendente. Ademais, o IFMA está localizado num bairro da

cidade onde reside um grande contingente de negros(as) e tem uma política e prática

curricular insuficientes.

Com efeito, sendo a política e prática curricular insuficientes, esse Instituto está

negando e/ou desvirtuando o direito dos/as alunos/as, notadamente o dos(as) alunos(as)

negros(as), nos processos de reconhecimento étnico-racial. Daí eu ter reconhecido a

necessidade de investigar as políticas e as práticas curriculares nessa Instituição, tendo em

vista que o campo é também propício para pesquisa, por se aplicar tanto à Lei nº 10.639/03

quanto ao Parecer CNE nº. 3/2004 e à Resolução CNE nº. 1/2004, e por oferecer tanto a

Educação Profissional Técnica de Nível Médio quanto o Ensino Superior em nível das

Licenciaturas. Assim, considerando que este tema é de urgência, propus investigá-lo no

doutorado, tendo como campo empírico o IFMA – Campus Monte Castelo no período

correspondente a 2011-2013.

Com vistas a dinamizar uma política e prática curricular de identidade e

reconhecimento étnico-racial no Campus Monte Castelo, tomei como central a seguinte

pergunta de pesquisa: As políticas e práticas curriculares no IFMA – Campus Monte Castelo

se constituem ações efetivas, críticas, consistentes, coerentes e satisfatórias que sejam

referências para os processos de afirmação e reconhecimento étnico-racial dos(as) alunos(as)

negros(as) na perspectiva de valorização de suas identidades, bem como para o Estado e para

a cidade de São Luís, tendo-se como instrumental analítico o conceito de reconhecimento

segundo Paul Ricoeur (2006) para pensar a Educação para as Relações Étnico-Raciais e para

o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana?

Embora saiba que nem as inovações curriculares nem os(as) professores(as)

podem transformar radicalmente a educação e a sociedade, parto da hipótese de que o

currículo faz a diferença, seja por projetos didáticos interdisciplinares, seja através de aulas

expositivas, de que é possível inovar. Esta inovação, em nível curricular, poderá desencadear,

entre tantos efeitos, a organização do currículo em função de problemáticas locais, a

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construção do currículo por meio de perguntas de pesquisa, a confluência de diversas

disciplinas nas temáticas de investigação e a inserção no currículo de outros saberes escolares

distintos dos saberes escolares tradicionais.

Desse modo, o objetivo geral do presente trabalho investigativo consistiu em

analisar as políticas e as práticas curriculares do IFMA – Campus Monte Castelo do ponto de

vista da questão da identidade e reconhecimento étnico-racial na suposição de que não sejam

suficientemente efetivas, críticas, consistentes, coerentes e satisfatórias, a ponto de autorizar o

IFMA, como uma instituição escolar de referência para a cidade de São Luís e para o estado

do Maranhão, adotando como instrumental analítico o conceito de reconhecimento mútuo

segundo Paul Ricoeur (2006).

Para tanto, fez-se necessário desdobrar o objetivo geral nos seguintes objetivos

específicos:

1) Discutir as imbricações entre direitos humanos, dignidade humana e educação, analisando

em que medida as pautas internacionais, nacionais corroboram esses princípios com

projeção para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e

Cultura Afro-Brasileira e Africana como direito ao reconhecimento inerente à dignidade

humana.

2) Abordar o conceito de reconhecimento mútuo como a forma mais autêntica de

reconhecimento em Paul Ricoeur destacando como esse conceito permite balizar a política

curricular, o Parecer nº 03/2004 e a Resolução nº 01/2004, e os autores que discutem sobre

as relações raciais no Brasil.

3) Destacar nos documentos internos do IFMA – Campus Monte Castelo princípios que

sejam concernentes a educação inclusiva e com abertura para uma Educação das Relações

Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana como

direito ao reconhecimento inerente à dignidade humana, identificando por que há um

desconhecimento dessas intenções educativas dos(as) professores(as) e alunos e uma

insatisfação pela falta de efetividade de políticas e de práticas curriculares concernentes à

Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-

-Brasileira e Africana no IFMA Campus Monte Castelo.

4) Destacar a realização dos eventos alusivos à Semana da Consciência Negra. Se eles se

configuram em eventos esporádicos e práticas exóticas e superficiais, examinando em que

medida operam devidamente a identidade e o reconhecimento étnico-racial dos envolvidos

no processo educacional, sobretudo dos(as) alunos(as).

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5) Analisar os discursos dos gestores, professores(as) e dos(as) alunos(as) para analisar em

que medida e como vão ao encontro da responsabilidade da escola na possibilidade de

ensinar para combater o racismo e valorizar a diversidade e o reconhecimento étnico-

-racial, e quais implicações com o que acontece na prática pedagógica, causa ou não o

desvirtuamento dos processos de identidade e reconhecimento étnico-racial dos(as)

alunos(as);

6) Identificar e analisar as dificuldades para operar a Educação para as Relações Étnico-

-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, entre as quais, a ausência

de formação tanto inicial como continuada dos(as) professores(as) e gestores, e as práticas

curriculares (isoladas) no Campus-Monte Castelo que poderão ser concebidas como

indicadores de reconhecimento tanto étnico-racial quanto cultural, social, entre outros;

7) Esboçar indicadores propositivos que poderão se constituir em referências para a gestão e

práticas curriculares para o reconhecimento étnico-racial dos envolvidos no processo

educacional, sobretudo dos(as) alunos(as) na perspectiva da interculturalidade e

mutualidade.

O percurso esboçado, eivado de experiências, contribuiu sobremaneira para a

minha afirmação identitária como mulher negra, com o meu modo de ser maranhense e

ludovicense. Assim se fortalece cada vez mais o meu compromisso profissional pelo qual se

torna um desafio contribuir para melhorar os indicadores educacionais e consequentemente

sociais do Estado e da cidade, afinal, escola e cidade são mundos de tal modo imbricados que

“as exigências da cidade batem sempre à porta da escola. Na verdade, nem mesmo batem à

porta: entram simplesmente pelo fato de os habitantes da escola serem os mesmos habitantes

da cidade e de a escola estar na cidade e ser parte dela” (LORIERI, 2006, p. 93).

No que concerne ao conhecimento científico, a pesquisa preencherá lacunas em

nível teórico e empírico sobre as políticas e práticas curriculares nos Institutos Federais de

Educação, Ciência e Tecnologia com o foco na etnia e na raça.

Em razão de ser professora do IFMA, a pesquisa contribuirá com informações

úteis acerca da Educação das Relações Étnico-Raciais, por divulgar aos profissionais da

educação como organizar políticas e práticas curriculares de reconhecimento étnico-racial.

Dessa forma, o IFMA poderá ser um referencial, de modo a possibilitar aprendizagens entre

brancos e negros, entre homens e mulheres trocas de conhecimentos, quebra de desconfianças,

projeto conjunto para construção de uma sociedade mais justa, igual, equânime. Com efeito,

espero que este trabalho possa oferecer subsídios e parâmetros para a formulação de políticas

educacionais e práticas curriculares com vistas a se constituírem referências frente à tarefa de

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(re) construir novos rumos e novos sentidos para o trabalho com o currículo para a construção

de um mundo que aproveite e potencialize a diversidade e torne possível a equidade e

dignidade de todos.

Para tanto, o trabalho está estruturado em cinco capítulos. No primeiro capítulo,

descrevo o percurso teórico-metodológico da pesquisa. No segundo, abordo a etnia e a raça no

cenário educacional maranhense. No terceiro capítulo, discuto as relações entre direitos

humanos, dignidade humana e educação. No quarto capítulo, discorro sobre o reconhecimento

como conceito e como política curricular. No quinto capítulo, detive-me em analisar os dados

obtidos por meio da pesquisa de campo, caracterizando o Campus – Monte Castelo no bairro

Monte Castelo, a estrutura e normas inerentes a esse Campus, bem como a análise e

interpretação dos dados, discutindo com os sujeitos entrevistados as políticas e práticas

curriculares à luz do reconhecimento étnico-racial bem como esboçar alguns indicadores

propositivos de educação com projeção para a gestão/planejamento e práticas curriculares de

Reconhecimento Étnico-Racial.

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CAPÍTULO 1 – PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA

Neste capítulo, nosso objetivo é apresentar o desenho da pesquisa realizada.

Descrevemos a abordagem da pesquisa. Em seguida, apresentamos os procedimentos de

pesquisa de campo, destacando as técnicas de coleta de dados realizada em duas fases: a

primeira, estudos exploratórios de sensibilização e contextualização da pesquisa e a segunda

referente às entrevistas individualizadas, conversas e observações informais. Abordamos,

ainda, os critérios de escolha dos sujeitos pesquisados, bem como os critérios de amostragem

dos referidos sujeitos. Expomos o referencial teórico da análise e interpretação de dados e

finalizamos o capítulo destacando o número de sujeitos e seus respectivos códigos os quais

compõem o quadro de informantes na pesquisa.

1.1 Abordagem qualitativa da pesquisa10

O objetivo proposto na pesquisa consiste em analisar as políticas e as práticas

curriculares do IFMA – Campus Monte Castelo, na suposição de que não sejam

suficientemente efetivas, críticas, consistentes e satisfatórias de Educação para as Relações

Étnico-Raciais a ponto de autorizá-lo, como uma instituição de ensino de referência para a

cidade de São Luís e para o estado do Maranhão, que tem uma história ligada à escravidão,

uma rica cultura afro-descendente e um volume significativo da população negra, adotando

como instrumental analítico o conceito de reconhecimento mútuo em Ricoeur (2006).

Considerando que em trabalhos de pesquisa o objetivo do estudo indica a linha a

ser adotada, os contornos teórico-metodológicos que adotamos se configuram dentro da

abordagem qualitativa de pesquisa, visto supormos que “o mundo deriva da compreensão que

as pessoas constroem no contato com a realidade nas diferentes interações humanas e

sociais” (CHIZZOTTI, 2010, p. 28).

Segundo Bogdan e Biklen (apud LUDKE; ANDRÉ, 1986, p.11), “[...] a pesquisa

qualitativa envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador

com a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar

a perspectiva dos participantes”. Para Chizzotti (2010, p. 28), “as pesquisas qualitativas

10

Ainda que tenha demonstrado alguns dados em termos percentuais, o trabalho assenta-se prioritariamente na

abordagem qualitativa.

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pretendem interpretar o sentido do evento a partir do significado que as pessoas atribuem ao

que falam e fazem”.

Na percepção de Minayo (2001), a pesquisa qualitativa se preocupa com um nível

de realidade que não pode ser quantificado, ou seja, com o universo de significados, motivos,

aspirações, crenças, valores e atitudes. Segundo a autora, a pesquisa tem um ritmo ao qual

denomina de ciclo da pesquisa, processada em uma fase exploratória: o trabalho de campo e o

tratamento do material recolhido no campo. A fase exploratória corresponde ao projeto de

investigação: o trabalho de campo diz respeito ao recorte empírico e o tratamento do material

nos conduz à teorização sobre os dados. Ressalta ainda Minayo (2001) que a ideia de ciclo é

de complementariedade entre as etapas da pesquisa.

Desse modo, o presente trabalho foi constituído nas referidas fases elencadas por

Minayo (2001), nas quais destacamos em todo o processo a revisão bibliográfica.

Sobre a revisão bibliográfica Pádua (1998, p.54) afirma:

A pesquisa bibliográfica é realizada através da localização e compilação de dados

escritos em livros, artigos, revistas especializadas, publicações em órgãos oficiais

etc., sendo necessária a qualquer trabalho de pesquisa, antecedendo a própria

pesquisa experimental. Mesmo buscando as informações na fonte citada, o

pesquisador deve estar atento para que suas conclusões não sejam um resumo do

material encontrado, podem-se estabelecer novas relações entre os elementos que

constituem um determinado tema/problema e se acrescentar algo ao conhecimento

existente, utilizando-se os procedimentos no método científico.

Na revisão bibliográfica que desenvolvemos ao longo do trabalho, abordamos

estudiosos que tratam sobre o conceito de reconhecimento, da identidade, das relações étnico-

-raciais e educação, do currículo, da interculturalidade, entre outros.

Desenvolvemos ainda pesquisas sobre declarações, tratados, convenções, pactos

internacionais e nacionais sobre direitos humanos, a legislação educacional sobre a Educação

das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

Também outros documentos: Diretrizes Curriculares Nacionais e documentos internos do

IFMA – Campus Monte Castelo, tais como o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI)

(IFMA, 2009a) e o Projeto Político-Pedagógico (PPP) da instituição (IFMA, 2009b).

No que diz respeito aos documentos internos, o Plano de Desenvolvimento

Institucional ajudou-nos a conhecer o planejamento e a gestão da Instituição, ou seja, a sua

identidade no que diz respeito a sua filosofia de trabalho, à missão que se propõe, as diretrizes

pedagógicas que orientam as suas ações, à sua estrutura organizacional e às atividades que

desenvolve e/ou pretende realizar. O Projeto Político-Pedagógico ajudou-nos a identificar os

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problemas relacionados ao Campus do Monte Castelo, a sua filosofia em seus princípios,

utopias etc. Como dito anteriormente, o campo da pesquisa foi o IFMA - Campus Monte

Castelo, situado no município de São Luís na Av. Getúlio Vargas, nº 4, no bairro do Monte

Castelo, abrangendo o período de 2011 a 2013.

Na pesquisa de campo, dentre outros instrumentos de coletas de dados,

desenvolvemos entrevistas semiestruturadas com professores, alunos, gestores e pedagoga que

nos ajudaram a aprofundar e esclarecer o problema de estudo. Essa técnica de investigação

permite a interação constante entre o pesquisador e os agentes pesquisadas, levando-nos a

apreender e retratar as suas visões pessoais, pois possibilita uma atmosfera de influência

recíproca entre quem pergunta e quem responde. Não houve imposição de uma ordem rígida

das questões, e o entrevistado examinou o tema proposto com base nas informações que ele

detinha (LÜDKE; ANDRÉ, 1986).

1.2 Os procedimentos da pesquisa

1.2.1 Técnicas de coletas de dados

1.2.1.1 Primeira fase: estudos exploratórios de sensibilização e contextualização da pesquisa

Para Deslandes (2001), quando tratamos da pesquisa qualitativa, as atividades que

compõem a fase exploratória não se restringem à fase de construção do projeto de pesquisa,

também a sucedem. Muitas vezes é necessária uma aproximação maior com o campo de

observação para melhor delinearmos outras questões, tais como os instrumentos de

investigação.

Com o objetivo de obter uma visão geral sobre as concepções dos professores e

alunos quanto às relações entre o racismo, discriminação étnico-racial e o currículo escolar,

tendo em vista a enunciação de alguns pressupostos, realizamos estudos exploratórios em dois

momentos.

Num primeiro momento, em abril de 2011, aplicamos questionários exploratórios

com questões abertas e fechadas a 41 alunos da Educação Profissional Técnica de Nível

Médio (EPTNM) (APÊNDICE A) e questionários exploratórios com questões abertas a 04

professores que atuavam na EPTNM, sendo 02 que lecionavam a disciplina de História, 01 de

Língua Portuguesa e 01 professor de Design (APÊNDICE B). Adotamos esse procedimento

qual seja, estudo exploratório, com três finalidades: a primeira consistiu em fazer uma

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contextualização do problema e do objeto da pesquisa no Campus Monte Castelo promovendo

desta forma, a familiarizaçãodo Campus com o referido trabalho. A segunda residiu na ideia

de obtermos dos(as) professores(as) e dos(as) alunos uma visão panorâmica acerca das

relações entre currículo e relações étnico-raciais. A terceira finalidade consistiu na ideia de

que por meio do estudo exploratório poderia além de rever o objeto de estudo e hipóteses com

mais precisão, definir o roteiro para a técnica subsequente, as entrevistas. Realizamos a

tabulação dos referidos questionários e avaliamos que precisaríamos ampliar a amostra.

Em virtude disso, num outro momento, em maio de 2012, aplicamos questionários

exploratórios com questões abertas e fechadas (APÊNDICE C e D) a 70 professores e 15

alunos, respectivamente, pelas mesmas razões expostas anteriormente. Procedemos também a

tabulação cujas informações foram aproveitadas para compor parte do corpo do trabalho.

O quadro a seguir sintetiza o número de sujeitos abordados no primeiro e

segundo momento por meio dos questionários exploratórios.

Realizamos a tabulação dos questionários as informações coletadas

Quadro 1 – Amostra de estudos exploratórios com alunos e professores do IFMA-Campus Monte Castelo

NÍVEIS DE ENSINO ALUNOS PROFESSORES

Questionários Questionários

EPTNM 1º Momento (Abril/2011): 41 1º Momento (Abril/2011): 04

NÍVEL SUPERIOR 2º Momento (Maio/2012): 15 2º Momento (Maio/2012): 70

Fonte: Pesquisa de campo.

1.2.1.2 Segunda fase: entrevistas individualizadas, conversas e observações informais

Utilizamos, ainda, outros instrumentos para a coleta de dados. Reportamo-nos,

inicialmente, às entrevistas semiestruturadas individuais, as quais foram constituídas de duas

partes: a primeira, um roteiro com informações preliminares (APÊNDICE E) (data, local e

tempo de duração da entrevista) e o levantamento de alguns dados biográficos significativos

da pessoa entrevistada, tais como raça/etnia, sexo, tipo de moradia, etc. (REGO, 2003), que

foi preenchido no início das entrevistas. A segunda parte das entrevistas semiestruturadas foi

o roteiro com as abordagens específicas de investigação deste trabalho com gestores e

pedagoga (APÊNDICE F), com professores (APÊNDICE G) e alunos (APÊNDICE H).

As entrevistas e as discussões foram gravadas e depois transcritas conforme

estabelecido pelo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE I), o que nos

permitem manter a fidedignidade do conteúdo emitido oralmente pelos participantes.

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41

Cabe ressaltar que outros procedimentos constituíram a pesquisa, tais como

conversas informais em diferentes e diversificados contextos, bem como reuniões de trabalho,

entre elas, conselho de classe, reuniões de planejamento e seminários com líderes de turmas.

1.3 Os critérios de seleção dos sujeitos

Segundo Deslandes (2001, p. 43), a pesquisa qualitativa não se baseia no critério

numérico para garantir sua representatividade. Nesse sentido, a autora diz que a pergunta

importante para a definição é: “quais os indivíduos sociais que têm uma vinculação mais

significativa para o problema a ser investigado”?

Nessa mesma perspectiva recorremos a Moreira; Caleffe (2008), para definirmos

os participantes da pesquisa. Os autores afirmam que a seleção dos participantes consiste em

escolher aqueles que possam melhor contribuir para a pesquisa e para o conhecimento do

fenômeno, ou seja, a amostra é intencional.

Sendo assim, realizamos as entrevistas com doze (12) alunos. Destes, foram

selecionados nove (09), a partir dos seguintes critérios: faixa etária (idade entre 14 e 25 anos),

alunos atuantes em movimentos culturais e estudantis, alunos vinculados a grupo de pesquisa

e alunos que estão há 02 ou mais anos no IFMA-Campus Monte Castelo, principalmente os

que se autodeclaram negros que avaliamos como casos ricos em informações para o estudo.

Também nos moveu a fazer a pesquisa com os alunos o que colocam Abramovay

e Castro (2003, p. 83) em suas pesquisas, a saber:

20% dos alunos, em especial os que estudam em escola pública, indicam não ter

acesso ao ensino que envolva artes e questões culturais, bem como o da crise do

ensino médio em virtude do mesmo não oferecer aspectos que favoreçam a

cidadania. Entre professores e alunos é comum a referência a vários tipos de

discriminação, entre elas a racial.

Um outro critério reside no que diz Krawczyk (2003, p. 82), isto é, a maioria do

conjunto dos professores conhece pouco da vida dos alunos. Fala-se de um estudante sem que

se saiba quem ele é, sem que se conheçam os diversos contextos e as necessidades de

respostas diferentes à existência de cada um dentro da escola.

A opção feita em relação à faixa escolar do Ensino Médio, faixa esta que

corresponde ao período da adolescência, leva em consideração as explicações da teoria

psicossocial do desenvolvimento. Para esta teoria, “durante a adolescência, o indivíduo

começa a experimentar o sentimento de que possui uma identidade própria, o sentimento de

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42

que é um ser humano único e, contudo, preparado para se encaixar em algum papel

significativo na sociedade [...]” (HALL, 1975, p.71).

Portanto, a opção por definir como sujeitos da pesquisa os alunos, especialmente

os que se autodeclaram negros, justifica-se em função de a identificação dos negros parecer

algo emblemático, pois o racismo, em virtude da cor da pele, bem como de outros atributos

físicos, é a principal marca para justificar o tratamento diferenciado às pessoas que possuem o

fenótipo da “raça” negra no Brasil.

Adotamos também como sujeitos da pesquisa os professores, considerando que a

sua função principal é ensinar e, como tal, é preciso examinar suas visões e os valores que as

sustentam. Procedemos também às entrevistas com doze (12) professores, no entanto, foram

selecionados nove (07) para compor o quadro de sujeitos da pesquisa.

Consideramos ainda de suma importância abordar outros profissionais, dentre

eles, gestores e pedagoga. Realizamos entrevistas com cinco (05) gestores, aqueles que estão

mais diretamente ligados às atividades técnico-pedagógicas da Educação Profissional Técnica

de Nível Médio e Educação Superior. Concebemos os gestores como aqueles que estão no

cargo de direção, como profissionais que também desempenham tarefas educativas no que diz

respeito à organização e à tomada de decisão.

Ademais, foram realizadas entrevistas com uma (01) pedagoga, uma (01)

psicóloga e uma (01) Assistente Social, porém estes dois últimos não se constituíram como

corpus11

da pesquisa. A pedagoga, porém, foi constituído pela sua posição de agente

articulador das ações pedagógico-didáticas e curriculares, e, em virtude dessas

responsabilidades, ambos, gestores e pedagoga ocupam funções estratégicas para

implementação de políticas e práticas curriculares. Com efeito, os informantes da pesquisa

possuem formação e desenvolvem funções estratégicas tanto em relação ao ensino quanto à

gestão do Campus (APÊNDICE J).

Desse modo, os procedimentos metodológicos abrangeram os sujeitos descritos

nos quadros a seguir.

11

Conjunto de documentos tidos em conta para serem submetidos aos procedimentos analíticos (BARDIN,

2011, p. 126).

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43

Quadro 2 - Informações sobre coleta de dados com 06 alunos da Educação Profissional Técnica de Nível Médio

TIPOS DE

INSTRUMENTOS DE

COLETA DE DADOS

SUJEITOS

PESQUISADOS CURSOS NÚMERO

CÓDIGO DOS

SUJEITOS

Entrevistas semiestruturadas Alunos (A)

Informática 01 A 1

Eletrotécnica 01 A 2

Comunicação Visual 01 A 3

Construção Civil 01 A 4

Química 01 A 5

Química 01 A 6

Fonte: Pesquisa de campo.

Quadro 3 - Informações sobre coleta de dados com 04 professores da Educação Profissional Técnica de Nível

Médio

INSTRUMENTOS

DE COLETAS

DE DADOS

SUJEITOS

PESQUISADOS DISCIPLINAS NÚMERO

CÓDIGO

DOS

SUJEITOS

Entrevistas

Semiestruturadas Professores (PR)

História 01 PR 1

Filosofia 01 PR 2

Laboratório de Ideias e Tipografia 01 PR 3

Educação Física 01 PR 4

Fonte: Pesquisa de campo.

Quadro 4 - Informações sobre coleta de dados com 03 alunos das Licenciaturas

INSTRUMENTOS DE

COLETAS DE DADOS

SUJEITOS

PESQUISADOS CURSOS NÚMERO

CÓDIGO DOS

SUJEITOS

Entrevistas

semiestruturadas Alunos (A)

Química 01 A 7

Matemática 01 A 8

Biologia 01 A 9

Fonte: Pesquisa de campo

Quadro 5 - Informações sobre coleta de dados com 03 professores das Licenciaturas

INSTRUMENTOS

DE COLETAS DE

DADOS

CURSOS/DEPARTAMENTOS SUJEITOS

PESQUISADOS NÚMERO

CÓDIGO

DOS

SUJEITOS

Entrevistas

semiestruturadas

Física

Professores (PR)

01 PR 5

Educação (DHS) 01 PR 6

Educação (DHS) 01 PR 7

Fonte: Pesquisa de campo

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44

Quadro 6 - Informações sobre coleta de dados com 05 Gestores e 01 pedagoga

INSTRUMENTOS DE

COLETAS DE DADOS

SUJEITOS

PESQUISADOS NÚMERO DE SUJEITOS

Entrevistas semiestruturadas Pedagoga – PE

Gestores – GE

01 Pedagoga (PE)

01 Diretor do Ensino Superior (GE 1)

01 Diretor da EPTNM (GE 2)

01 Pró-Reitor de Ensino (GE 3)

01 Coordenador do NEABI (GE 4)

01 Coordenador do curso de Matemática (GE 5)

Fonte: Pesquisa de campo.

1.4 Tratamento e análise dos dados

Em relação à análise e tratamento dos dados, primeiramente, efetuamos a

tabulação dos questionários exploratórios buscando a maior incidência das respostas, por

exemplo, os questionários exploratórios realizados com os professores em maio de 2012

(APÊNDICE K).

Como modalidade de interpretação do texto, tomamos como base as orientações

do método da análise de conteúdo proposto por Laurence Bardin (2011). A análise de

conteúdo é “um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos

sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens” (BARDIN 2011, p. 37).

Segundo Chizzotti (2010, p. 98), o objetivo da análise de conteúdo é compreender

criticamente o sentido das comunicações, seu conteúdo manifesto ou latente, as significações

explícitas ou ocultas.

Foi em 1927 que se iniciou o trabalho com a análise de conteúdo, embora esta já

tenha precedentes históricos. São imputados a Harold Laswell os primeiros trabalhos de

análise de conteúdo, em que este empreendeu estudos a respeito da propaganda na Primeira

Guerra Mundial. A técnica foi se desenvolvendo e se aperfeiçoando, tanto por americanos

quanto pelos franceses. Em 1977 Bardin publicou a sua obra “Análise de Conteúdo”, na qual

o método foi detalhado, tornando-se referência quanto aos princípios, conceitos e ao emprego

das técnicas de análise de conteúdo (MOZZATO; GRZYBOVSKI, 2011).

Diante desse referencial, optamos por elencar as etapas da técnica segundo Bardin

(2011), o qual as organiza em três fases: pré-análise; 2) exploração do material; e 3)

tratamentos dos resultados, inferência e interpretação.

Segundo Bardin, a análise de conteúdos, no que tange à organização da análise,

compreende a fase da pré-análise como sendo a de organização propriamente dita; constitui o

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45

corpus da pesquisa. A referida fase “corresponde a um período de intuições, mas tem por

objetivo tornar operacionais e sistematizar as ideias iniciais, de maneira a conduzir a um

esquema preciso do desenvolvimento das operações sucessivas, num plano de análise”

(BARDIN, 2011, p. 125).

Com base no que acrescenta a autora quanto às tarefas de organização da pesquisa

na fase da pré-análise, desenvolvemos algumas atividades, como, por exemplo, a “leitura

flutuante” dos depoimentos dos entrevistados a qual consistiu em “analisar e em conhecer o

texto deixando-se invadir por impressões e orientações” (BARDIN, 2011, p. 126). Após esta

tarefa, escolhemos os depoimentos dos entrevistados conforme as hipóteses e os objetivos do

trabalho delineados no projeto de pesquisa. Convém destacar que os pressupostos (hipóteses)

e os objetivos foram aprioristicamente determinados conforme os referenciais teóricos,

contudo, tivemos consciência de que estes poderiam se confirmar ou infirmar.

Na segunda fase, a exploração do material, procedemos à tarefa de codificação, a

qual corresponde a uma transformação dos dados brutos do texto. Os resultados brutos são

tratados de maneira a ser significativos. Os depoimentos foram preparados formalmente, ou

seja, recortamos e editamos as entrevistas gravadas, já transcritas. Nesse sentido,

empreendemos o estudo do conteúdo, das palavras e frases, buscando o sentido, descartando o

acessório, reconhecendo o essencial.

Para realizar a tarefa de codificação, isto é, a forma como resolvemos tratar os

dados, primeiramente registramos e identificamos algumas passagens (expressões-chaves) dos

depoimentos dos entrevistados que estavam relacionados às questões de pesquisa,

pressupostos e objetivos desta pesquisa. Assim, o material (depoimentos) foi organizado em

03 eixos, a saber: A gestão e as concepções sobre educação de qualidade com foco nas

Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana; A

identidade e o reconhecimento étnico-racial, a eficácia e a responsabilidade da escola de

ensinar para combater o racismo, o preconceito e a discriminação racial e valorizar a

diversidade e o reconhecimento étnico-racial e A efetivação da Lei nº. 10.639/03 e as práticas

curriculares para o processo de reconhecimento étnico-racial dos alunos.

A segunda operação consistiu na identificação dos temas, também relacionados

aos referidos eixos e questões das entrevistas. Para Berelson apud Bardin (2011, p. 135), “o

tema consiste em uma afirmação acerca de um assunto [...] uma frase [...] um resumo ou uma

frase condensada [...]”. Os temas foram definidos como unidades de significado e descritos

analiticamente articulando os autores que fundamentaram a pesquisa.

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46

Para iniciarmos essa empreitada, como dissemos, a revisão bibliográfica foi de

fundamental importância. Esta foi composta de resumos de livros, artigos, teses e dissertações

de forma impressa e eletrônica em que destacamos ideias e conceitos-chaves. Desse modo, no

próximo capítulo iniciaremos a nossa discussão teórica mais específica, retomando os

conceitos de raça e etnia configurando o cenário educacional maranhense.

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47

CAPÍTULO 2 – ETNIA/RAÇA NO CENÁRIO EDUCACIONAL MARANHENSE

O objetivo desta seção do trabalho se concentra em enfocar e discutir etnia/raça no

contexto maranhense, com base, principalmente, em dados coletados junto ao Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dados estes que resultaram do Censo de 2010

(BRASIL, 2010c)12

. Deste modo, ilustraremos os dados conforme o percentual de raça ou cor

em relação à população; população residente, por cor ou raça, segundo a situação do

domicílio, o sexo e a idade; pessoas de 5 anos ou mais de idade, total e as alfabetizadas, por

cor ou raça, segundo a situação do domicílio e a idade; população total de alfabetizados e não

alfabetizados, por cor ou raça; população de 15 a 30 anos de idade, alfabetização, por cor ou

raça; população de 18 a 30 anos de idade, alfabetização, por cor ou raça; população de 25

anos ou mais de idade com diploma de nível superior, por cor e raça: Maranhão e São Luís.

Todavia, antes de enfocar e discutir os dados levantados pelo IBGE acerca do

acesso à educação formal dos segmentos raciais, com destaque para o segmento negro no

cenário maranhense e ainda delinear um panorama das políticas de igualdade racial, faz-se

necessário pontuarmos inicialmente o que entendemos por etnia e raça. Para tanto, buscamos,

num primeiro momento, apoio em Cashmore (2000), autor que nos possibilita explicitar essas

duas categorias fundamentais para o presente trabalho.

2.1 Preliminares sobre etnia/raça

Para Cashmore (2000, p. 196-197),

etnia deriva-se do grego ethnikos, adjetivo de ethnos e refere-se a “povo” ou

“nação”. Atualmente, étnico descreveria um grupo possuidor de algum grau de

coerência e solidariedade, composto por pessoas conscientes, ao menos em forma

latente, de terem origens e interesses comuns.

Raça, por sua vez, é conceituada também por Cashmore (2000) a partir de três

enfoques: raça como classificação, como significante e como sinônimo.

12

Segundo Rosemberg (1998), quanto aos indicadores educacionais e raciais dispomos de duas fontes que

coletam, processam e divulgam estatísticas educacionais: o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e o

IBGE (MEC). Ressalta-se que o IBGE utiliza os termos cor ou raça, tal opção pode ser explicada com base no

que diz Rosemberg (1998), que no Brasil classifica-se a cor à qual se apóia em características fenotípicas e

socioeconômicas da pessoa.

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48

Como classificação, concebe-o como grupo ou categoria de pessoas conectadas

por uma origem comum. A palavra teria entrado para a língua inglesa no começo do século

XVI, tendo sido usada para se referir principalmente a características comuns apresentadas em

virtude da mesma ascendência. Este significado persiste na atualidade, ainda que seja arcaico,

assevera o autor. A partir do século XIX, a palavra passou a ser usada em vários outros

sentidos, como, o sentido relativo ao tipo. Mediante estudos de George Curvier (apud

CASHMORE, 2000), o termo foi usado para designar espécies distintas de seres humanos,

tanto pela constituição física como pela capacidade mental.

Em relação à “raça” como significante o autor explicita:

a raça é tratada na análise do discurso como uma expressão, som ou imagem cujos

significados são viabilizados somente por meio da aplicação de regras ou códigos

[...]; Raça é um significante mutável que significa diferentes coisas para diferentes

pessoas em diferentes lugares na história e desafia as explicações definitivas fora de

contextos específicos [...] (CASHMORE, 2000, p. 450-451).

Como sinônimo, o termo foi usado nos sentidos de:

subespécieis enquanto variedade de espécies que desenvolveram características

distintas, b) de espécie, c) de nação ou grupo étnico e raça como d) um grupo de

pessoas socialmente unificadas numa determinada sociedade em virtude de

marcadores físicos como a pigmentação da pele, a textura do cabelo, os traços

faciais, a estatura e coisas do gênero (CASHMORE, 2000, p. 453-454).

Ainda que a raça não exista do ponto de vista biológico, é preciso reafirmar essa

categoria, uma vez que ela continua sendo usada como critério para a classificação e

discriminação do outro. Conforme Guimarães (1999), a categoria raça é uma categoria

socialmente construída. Por isso, optamos por usar o termo raça, porém associado ao de etnia

para nos referirmos a grupos culturais, de forma especial à situação do segmento negro.

A situação a que nos referimos concerne ao educacional. Ribeiro (2004, p.7)

afirma que “[...] o Brasil, Colônia, Império e República13

teve historicamente uma postura

ativa e permissiva diante da discriminação e do racismo que atingem a população afro-

-descendente até hoje [...]”. O autor argumenta sua tese citando o Decreto nº. 1.331, de 17 de

fevereiro de 1854, o qual estabelecia que não fossem admitidos escravos nas escolas públicas

do país, ficando a previsão de instrução para adultos negros dependente da disponibilidade de

13

Vale ressaltar que a República não expandiu os direitos políticos imediatamente após sua proclamação nem

garantiu o acesso de todos à educação durante muitas décadas. Agravou-se muito a situação dos negros, que

após a Lei Áurea foram lançados à própria sorte (GONÇALVES, 2003, p. 328).

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49

professores e do Decreto nº. 7.031-A, de 6 de setembro de 1878, que, por sua vez, estabelecia

que eles só podiam estudar no período noturno.

Como observa Ribeiro (2004), até hoje a discriminação e o racismo14

atingem o

segmento negro. A marginalização deste segmento se revela, entre outros espaços, na

exclusão do segmento negro da educação formal, como veremos a seguir no contexto

maranhense, conforme mencionamos como parte dos objetivos desta seção do trabalho. Do

contexto maranhense, destacamos a cidade de São Luís, pois entendemos que

[...] a cidade pode se constituir no lugar onde os direitos se materializam na criação

de espaços e relações que instaurem e oportunizem outros tempos: da luta e

realização do trabalho, do lazer e da contemplação, da troca de experiências da

recriação de valores, da efetivação da solidariedade, da mobilização da memória, da

reconstituição da história, da afirmação de identidades, da discussão democrática de

problemas e alternativas (ROCHA, 2006, p. 81).

Em 2012, São Luís fez 400 anos de existência. Não é por acaso que a cidade

recebeu esse nome. Fundada por franceses em 08 de setembro de 1612, foi nomeada São Luís

em homenagem ao rei da França Luís IX, também chamado de “São Luís”. O rei Luís IX

ficou popular porque, durante seu reinado, a França teve um excepcional poder político,

econômico, militar e cultural, no chamado “século de ouro de São Luís”. Houve um grande

desenvolvimento da justiça real, passando o monarca a representar o juiz supremo. Assim, os

franceses, em homenagem a esse rei, nomearam “São Luís” a nova cidade francesa

(MEIRELES, 1980).

A cidade de São Luís constitui a capital do estado do Maranhão que, por sua vez,

compõe os nove estados da região Nordeste do Brasil. O Maranhão possui 217 (duzentos e

dezessete) municípios onde se destacam vários elementos culturais de matrizes africanas com

relação às danças, à culinária, à religiosidade, dentre outros elementos. O tambor de crioula, a

dança do coco, dança do lelê, o cacuriá, o bumba meu boi fazem parte do repertório das

danças. Na culinária destaca-se o arroz de cuxá e na religiosidade, o tambor de mina.

O Maranhão se destaca também no cenário nacional por sua produção literária.

Destacam-se vários autores renomados, tais como: Gonçalves Dias, Ferreira Gullar, Graça

Aranha, Josué Montello, Aluísio de Azevedo cuja obra mais famosa “O Mulato” retrata a

trajetória de Raimundo, filho de pai branco e mãe escrava do próprio pai. Raimundo

apaixonou-se por uma moça de pele branca Ana Rosa. Mesmo tendo estudado em Portugal,

14

Entre os vários sentidos atribuídos à palavra racismo, Cashmore (2000, p. 461) elenca aquele que corresponde

à “imputação de características negativas reais ou supostas a um determinado grupo”.

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50

sofreu os preconceitos da sociedade escravocrata do século XIX, portanto, não conseguiu se

casar com a citada moça (OLHAR LITERÁRIO, 2013).

Ainda que seja uma ficção, a obra de Aluísio de Azevedo se reporta a fatos e

situações em que viveu à sua época, de profundas desigualdades sociais e raciais. A cidade de

São Luís e o estado do Maranhão abrigam até hoje as desigualdades originárias das relações

raciais e sociais. Desigualdades que têm roubado dos sujeitos o direito à educação, sobretudo

dos negros. Tal constatação pode ser observada no último Censo, como mostram as tabelas e

os gráficos a seguir, que denotam a população do Maranhão e de São Luís, residente por sexo,

situação de domicílio e raça ou cor.

Tabela 1 - População residente, por cor ou raça, segundo a situação do domicílio, o sexo e a idade

Unidade da

Federação e

Município

Cor ou raça

Variável

População residente (Pessoas) População residente (Percentual)

Maranhão

Total 6.574.789 100

Branca 1.455.119 22,13

Preta 636.808 9,69

Amarela 74.219 1,13

Parda 4.373.321 66,52

Indígena 35.272 0,54

Sem declaração 50 0

São Luís

Total 1.014.837 100

Branca 295.364 29,1

Preta 133.956 13,2

Amarela 11.064 1,09

Parda 572.635 56,43

Indígena 1.815 0,18

Sem declaração 3 0

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010, Resultados do Universo.

O gráfico a seguir ilustra a cidade de São Luís quanto à população segundo a raça

ou cor da seguinte maneira

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51

Gráfico 01 – Percentual de etnia/raça em São Luís

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010, Resultados do Universo.

Tomando como critério a classificação racial adotada pelo IBGE, o contingente

majoritário em São Luís corresponde à população negra (pretos e pardos), a qual representa

um percentual de 69,63%. No Estado do Maranhão corresponde à 76,21%, se adicionarmos

pretos e pardos.

Um outro aspecto igualmente relevante a ser observado diz respeito ao número de

pessoas de 5 anos ou mais de idade, total e as alfabetizadas, por cor ou raça, conforme Tabela

2.

Tabela 2 - Pessoas de 5 anos ou mais de idade, total e as alfabetizadas, por cor ou raça, segundo a situação do

domicílio e a idade

Unidade da

Federação e

Município

Cor ou raça Alfabetização

Variável

Pessoas de 5 anos ou

mais de idade

(Pessoas)

Pessoas de 5 anos ou

mais de idade

(Percentual)

Maranhão

Total

Total 5.939.388 100

Alfabetizadas 4.594.600 77,36

Não alfabetizadas 1.344.778 22,64

Branca

Total 1.302.085 100

Alfabetizadas 1.075.910 82,63

Não alfabetizadas 226.175 17,37

Preta

Total 599.574 100

Alfabetizadas 435.111 72,55

Não alfabetizadas 164.463 27,43

Amarela

Total 68.521 100

Alfabetizadas 53.254 77,72

Não alfabetizadas 15.267 22,28

Parda

Total 3.939.512 100

Alfabetizadas 3.012.722 76,47

Não alfabetizadas 926.789 23,53

Indígena Total 29.652 100

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52

Alfabetizadas 17.577 59,27

Não alfabetizadas 12.074 40,71

Sem

declaração

Total 44

Alfabetizadas 26 59,10

Não alfabetizadas 10 22,72

São Luís

Total

Total 939.346 100

Alfabetizadas 876.826 93,34

Não alfabetizadas 62.520 6,66

Branca

Total 271.052 100

Alfabetizadas 257.955 95,16

Não alfabetizadas 13.097 4,84

Preta

Total 127.966 100

Alfabetizadas 117.871 92,11

Não alfabetizadas 10.095 7,89

Amarela

Total 10.361 100

Alfabetizadas 9.813 94,71

Não alfabetizadas 548 5,29

Parda

Total 528.204 100

Alfabetizadas 489.528 92,67

Não alfabetizadas 38.676 7,33

Indígena

Total 1.760 100

Alfabetizadas 1.656 94,09

Não alfabetizadas 104 5,91

Sem

declaração

Total 3

Alfabetizadas 3

Não alfabetizadas -

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010, Resultados do Universo.

Para sabermos o percentual específico de não alfabetizados da população branca e

negra (pardos mais pretos) tanto no estado do Maranhão quanto na capital em relação ao

número total de não alfabetizados, desenvolvemos o seguinte cálculo: número absoluto de não

alfabetizados de cada segmento x 100 dividido pelo total geral de não alfabetizados. Vejamos

as disparidades: no estado do Maranhão, a população branca é de 16,82% e a população negra

é de 81,15% percentuais de não alfabetizados. Na capital, a população negra também possui a

maior porcentagem, ou seja, 78,01%, ao passo que a população branca é de 20,95% de não

alfabetizados. Para ilustrar mais objetivamente esses números, vejamos a tabela que se segue.

Tabela 3 - População total de alfabetizados e não alfabetizados, por cor ou raça

UNIDADE DA

FEDERAÇÃO COR OU RAÇA ALFABETIZADOS

NÃO

ALFABETIZADOS

PERCENTUAIS DE

NÃO

ALFABETIZADOS

Maranhão Branca

Negra

1.075.910

3.447.933

226.175

1.091.252

16,82%

81, 15%

São Luís Branca

Negra

257.955

607.399

13.097

48.771

20,95%

78,01%

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010, Resultados do Universo.

No que concerne à faixa etária de pessoas entre 15 e 30 anos, também observamos

em números absolutos e relativos os seguintes resultados:

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53

Tabela 4 - População de 15 a 30 anos de idade, alfabetização, por cor ou raça

UNIDADE DA

FEDERAÇÃO E

MUNICÍPIO

COR OU RAÇA ALFABETIZAÇÃO

VARIÁVEL

PESSOAS DE 15 A

30 ANOS DE

IDADE (PESSOAS)

PESSOAS DE 15 A

30 ANOS DE

IDADE

(PERCENTUAL)

Maranhão

Total

Total 2.054.852 100

Alfabetizadas 1.892.000 92,07

Não alfabetizadas 162.848 7,93

Branca

Total 442.695 100

Alfabetizadas 417.055 94,20

Não alfabetizadas 25.640 5,80

Preta

Total 199.338 100

Alfabetizadas 179.281 89,93

Não alfabetizadas 20.057 11,07

Amarela

Total 25.179 100

Alfabetizadas 23.198 92,13

Não alfabetizadas 1.981 7,87

Parda

Total 1.377.515 100

Alfabetizadas 1.264.778 91,81

Não alfabetizadas 112.736 8,19

Indígena

Total 10.110 100

Alfabetizadas 7.678 75,94

Não alfabetizadas 2.432 24,06

Sem declaração

Total 15

Alfabetizadas 10 66,70

Não alfabetizadas 2 13,30

São Luís

Total

Total 342.892 100

Alfabetizadas 337.512 98,43

Não alfabetizadas 5.380 1,5

Branca

Total 95.337 100

Alfabetizadas 94.262 98,87

Não alfabetizadas 1.075 1,13

Preta

Total 46.633 100

Alfabetizadas 45.681 97,96

Não alfabetizadas 952 2,04

Amarela

Total 4.371 100

Alfabetizadas 4.316 98,74

Não alfabetizadas 55 1,26

Parda

Total 196.009 100

Alfabetizadas 192.719 98,32

Não alfabetizadas 3.290 1,68

Indígena

Total 541 100

Alfabetizadas 533 98,52

Não alfabetizadas 8 1,98

Sem declaração

Total 1 100

Alfabetizadas 1 100

Não alfabetizadas - -

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010, Resultados do Universo.

Pela tabela acima chegamos ao resultado de que a porcentagem da população

branca no estado do Maranhão é de 15,74% e a população negra é de 81,54% de não

alfabetizados. Na capital, a primeira é de 19,98% e a segunda é de 78,95%.

Na condição de alfabetização das pessoas de 18 a 30 anos, a tabela abaixo aponta

os seguintes números:

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Tabela 5 - População de 18 a 30 anos de idade, alfabetização, por cor ou raça

UNIDADE

DA

FEDERAÇÃO

E

MUNICÍPIO

COR OU

RAÇA ALFABETIZAÇÃO

VARIÁVEL

PESSOAS DE 18 A

30 ANOS DE IDADE

(PESSOAS)

PESSOAS DE 18 A 30

ANOS DE IDADE

(PERCENTUAL)

Maranhão

Total

Total 1.637.464 100

Alfabetizadas 1.494.389 91,26

Não alfabetizadas 143.072 8,74

Branca

Total 356.459 100

Alfabetizadas 333.790 93,64

Não alfabetizadas 22.669 6,36

Preta

Total 163.209 100

Alfabetizadas 145.417 89,09

Não alfabetizadas 17.792 10,91

Amarela

Total 20.315 100

Alfabetizadas 18.554 91,33

Não alfabetizadas 1.761 8,67

Parda

Total 1.089.520 100

Alfabetizadas 990.696 90,92

Não alfabetizadas 98.823 9,08

Indígena

Total 7.952 100

Alfabetizadas 5.927 74,53

Não alfabetizadas 2.025 25,47

Sem

declaração

Total 9

Alfabetizadas 5

Não alfabetizadas 2

São Luís

Total

Total 285.695 100

Alfabetizadas 281.089 98,39

Não alfabetizadas 4.606 1,61

Branca

Total 79.837 100

Alfabetizadas 78.930 98,86

Não alfabetizadas 907 1,14

Preta

Total 39.633 100

Alfabetizadas 38.804 97,90

Não alfabetizadas 829 2,10

Amarela

Total 3.749 100

Alfabetizadas 3.700 98,69

Não alfabetizadas 49 1,31

Parda

Total 162.016 100

Alfabetizadas 159.203 98,26

Não alfabetizadas 2.813 1,74

Indígena

Total 460 100

Alfabetizadas 452 98,26

Não alfabetizadas 8 1,74

Sem

declaração

Total - -

Alfabetizadas - -

Não alfabetizadas - -

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010, Resultados do Universo.

No estado do Maranhão a porcentagem correspondente à população negra é de

81,51% e a branca corresponde a 15,84% de não alfabetizados. Em São Luís, a população

negra é de 79,07% e a população branca é de 19,69% de não alfabetizados.

No tocante ao nível de escolaridade superior, mais especificamente à faixa etária

que corresponde a 25 anos ou mais, observamos que no Estado, em geral, a população

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55

majoritária se autodeclara branca. Na capital também a população branca, em termos

percentuais, é superior à parda, conforme mostra a tabela abaixo.

Tabela 6 - População de 25 anos ou mais de idade com diploma de nível superior, por cor e raça: Maranhão e

São Luís

UNIDADE DA FEDERAÇÃO

E MUNICÍPIO

COR OU

RAÇA

VARIÁVEL

PESSOAS DE 25 ANOS

OU MAIS DE IDADE

COM NÍVEL SUPERIOR

(PESSOAS)

PESSOAS DE 25 ANOS

OU MAIS DE IDADE

COM NÍVEL SUPERIOR

(PERCENTUAL)

Maranhão

Total 173.766 100

Branca 72.054 41,47

Preta 15.182 8,74

Amarela 2.674 1,53

Parda 83.559 48,08

Indígena 297 0,18

Sem

declaração

-

-

São Luís

Total 77.247 100

Branca 38.253 49,53

Preta 7.297 9,45

Amarela 1.192 1,54

Parda 30.350 39,28

Indígena 155 0,20

Sem

declaração

-

-

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010, Resultados do Universo.

Nas tabelas referidas observamos a posição de desvantagem em que a população

negra se encontra em relação à branca. Esses dados revelam que em se tratando da população

negra essa posição é em grande medida resultado histórico da inserção do Maranhão no

sistema agroexportador, que, a partir de fins do século XVIII, efetuou a substituição da mão

de obra escrava indígena pela africana.

Em fins do século XIX, a cidade de São Luís possuía a maior concentração de

escravos negros da província. Estes desenvolviam múltiplas atividades, desde serviços

domésticos até atividades como carregadores, pedreiros, carpinas, lavadeiras, vendedoras de

tabuleiros e amas-de-leite (JACINTO, 2008).

Se, por um lado, o refinamento da elite branca, educada nos moldes europeus,

chegou a fazer com que a cidade de São Luís fosse considerada a “Atenas Brasileira”, por

outro, a presença negra deixou traços profundos na cultura maranhense. Apesar de,

principalmente, os elementos da arquitetura europeia, mais precisamente os grandes casarões

construídos no período colonial e imperial, terem sido os responsáveis pela concessão do

título de “Patrimônio Histórico da Humanidade”, atribuído pela UNESCO à cidade de São

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56

Luís em 199715

. Além disso, a valorização do patrimônio imaterial permitiu que o tambor de

crioula recebesse o título de “Patrimônio Imaterial Brasileiro” em 2007 (OLIVEIRA, 2009).

Por todos os dados aqui esboçados é que vislumbramos uma cidade inclusiva para

a qual as políticas16

públicas são indispensáveis à saúde, à habitação, à segurança, à educação,

entre outras políticas articuladas, seja pelo Estado, seja pelos movimentos sociais da

sociedade civil organizada.

Em se tratando de organizações da sociedade civil, em São Luís existem diversas

instituições que se constituem como Movimentos17

Negros. Destacamos, dentre elas, a

primeira instituição fundada em 19 de setembro de 1979 nomeada de Centro de Cultura Negra

(CCN)18

localizada na Rua dos Guaranis, S/N, Barés – João Paulo. O prédio onde funciona o

Centro já foi ocupado para outras finalidades, como Casa da Pólvora e mercado de escravos.

Em 1984 foi tombado como patrimônio histórico do Maranhão. O referido Centro tem com

missão institucional “a conscientização política e a afirmação da cultura de origem africana,

visando fortalecer a identidade étnico-cultural e a auto-estima do povo negro” (CARTILHA

ILHA NEGRA DE SÃO LUÍS).

O Centro de Cultura Negra busca desenvolver ações que visam contribuir com a

promoção de sua organização em busca de cidadania, combatendo todas as formas de

intolerância causadas pelo racismo, buscando promover os direitos da população negra do

Maranhão.

Nessa perspectiva, a instituição desenvolve vários programas e projetos. No eixo

Cultura e Identidade Afro-Brasileira, destacam-se o Bloco e Banda Afro Akomabu; Ponto

de Cultura; Projeto Sonho dos Erês; Projeto Arte Erê; Programa de Erradicação do trabalho

Infantil; Grupo de dança Afro Abanjá. Em relação ao eixo Formação e Participação, são

15

Cabe uma observação com relação a alguns eventos importantes ocorridos em São Luís dois anos antes de esta

cidade receber o referido prêmio. Um deles foi a realização da 47ª Reunião da Sociedade Brasileira para o

Progresso da Ciência (SBPC) no ano de 1995, momento também que se comemorava em todo o país os 300

anos da morte de Zumbi dos Palmares. É possível que a opção pela realização da 47ª SBPC em São Luís esteja

relacionada tanto ao movimento em prol de São Luís vir a se tornar “Patrimônio Cultural da Humanidade”,

como também por São Luís ter uma forte ascendência africana. Por essa ocasião, foram realizadas algumas

programações significativas para homenagear Zumbi dos Palmares que, à época, recebeu o título de herói

nacional. 16

Neste trabalho utilizamos o termo no sentido que a língua inglesa atribui enquanto policy, ou seja, relacionada

a administração dos negócios públicos, com realização de interesses sociais (MAAR, 1992). 17

São “todas as atitudes de resistência à opressão da colonização européia na África, da escravidão e das práticas

racistas decorrentes desses acontecimentos em outras partes do mundo. Incluímos nessa concepção o ato de

pensar (a resistência) e a concretização desse pensamento, em forma de luta, rebelião, fuga, quilombismo,

banzo, suicídio, trabalho, arte, música, alimento, religiosidade e tantas criações transculturais subjetivas e

objetivas da presença negro-africana no mundo” (MALACHIAS et al., 2009, p. 17). 18

As informações obtidas no CCN foram conseguidas por meio de documentos e por alguns membros do Centro,

quais sejam Isiana, Amélia, Guilherme, Igor e Lígia.

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57

desenvolvidos os projetos Juventude Negra e Paz; CCN nos bairros; Vida de negro; Tambores

Quilombolas, Políticas públicas e Direitos Humanos. A instituição possui dois documentos

que regulam o seu funcionamento: o Estatuto e o Regimento19

.

Como órgão oficial do estado, estacamos a Secretaria de Estado da Igualdade

Racial (SEIR)20

é de caráter extraordinário, criada pelo Decreto nº 22.900, de 02 de janeiro de

2007, vinculada à Casa Civil. Tem como missão

Coordenar, formular, implementar e garantir políticas públicas de promoção de

igualdade racial voltadas para grupos étnico-raciais, através de ações transversais e

integrais de Governo, combatendo o racismo e intolerância correlatas seguindo

princípios da gestão pública democrática e participativa no Maranhão.

Na execução das ações a SEIR utiliza como referenciais estratégicos, além da

missão, a visão que é “ser referência no combate ao racismo, à discriminação racial, à

xenofobia e às formas correlatas de intolerância e na implementação da política de promoção

da igualdade étnico-racial no Maranhão”: adota os princípios da intersetorialidade,

transversalidade e descentralização e os valores: respeito às diversidades, respeito às

manifestações culturais e religiosas das populações, respeito aos direitos humanos,

visibilidade, equidade de gênero, raça e etnia.

Para garantir os direitos da população negra, dos povos indígenas e das

comunidades tradicionais, o órgão busca o alcance dos seguintes objetivos estratégicos:

Incluir a população negra, povos indígenas e comunidades tradicionais nas ações,

programas, projetos e serviços executados pelos órgãos gestores de políticas públicas;

Combater o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e outras formas correlatas de

intolerância;

Incentivar a criação e implementação da Política de Promoção da Igualdade Racial nos

municípios maranhenses;

Incluir as questões de promoção da igualdade racial nas pautas dos Conselhos Gestores de

Políticas Públicas e de Direitos, bem como em Fóruns, Comissões e outros espaços de

discussão e deliberação;

Fortalecer o Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial para o cumprimento do

seu papel.

19

Solicitamos o acesso aos referidos documentos, mas não obtivemos respostas à nossa solicitação. 20

O perfil da Secretaria de Igualdade Racial foi obtido por meio do Relatório de Gestão síntese 2010.

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58

A Secretaria conta na sua estrutura organizacional com a secretaria adjunta, gestão

de políticas de ação afirmativa, gestão de políticas para comunidades tradicionais e gestão de

articulação institucional.

No documento da gestão 2010, são elencados os impactos das ações (maio de

2009 a dezembro de 2010). São eles:

Mudanças na prática social referente à operacionalização da política de igualdade racial,

fundamentada na transversalidade, intersetorialidade e participação, que tem possibilitado

a melhoria do atendimento dos usuários da política e produzido e disseminado

experiências exitosas em: Alcântara, Alto Alegre do Pindaré, Anajatuba, Axixá,

Barreirinhas, Cajapió, Cândido Mendes, Cantanhede, Central do Maranhão, Chapadinha,

Codó, Colinas, Cururupu, Guimarães, Icatu, Igarapé do Meio, Itapecuru-Mirim, Matinha,

Matões do Norte, Miranda do Norte, Mirinzal, Monção, Nina Rodrigues, Olinda Nova,

Paço do Lumiar, Parnarama, Pedreiras, Pedro do Rosário, Porto Rico, Presidente Vargas,

Santa Inês, São João do Sóter, São José de Ribamar, São Luís, São Luís Gonzaga, Serrano

do Maranhão, Vargem Grande e Viana.

Aumento do nível de confiança dos povos indígenas (Guajajara, Timbira e Krikati), das

regiões de Barra do Corda e Montes Altos, no Governo do Estado, face a oferta de

serviços e políticas públicas, de acordo com o Plano Integrado de Ações para os Povos

Indígenas construído de forma coletiva com as Secretarias de Estado e as lideranças

indígenas.

Lideranças de comunidades quilombolas 21

capacitadas e empoderadas tomam iniciativas

para a regularização fundiária de suas terras, de modo que a SEIR estabeleceu parceria

com a Fundação Palmares, em 2010.

Inclusão das comunidades de terreiro nas agendas dos órgãos estaduais e municipais,

como segmento da Política de Promoção da Igualdade Racial, o que contribui para maior

visibilidade da religião de matriz africana e combate à intolerância religiosa.

Fomento das políticas públicas voltadas para os usuários da política de igualdade racial,

de forma integrada e transversal, com as Secretarias de Estado: Secretaria de Estado da

Saúde (SES), Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC), Secretaria de Estado do

Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (SEDAGRO), Secretaria de Estado da

Agricultura, Pecuária e Abastecimento/Agência Estadual de Pesquisa Agropecuária e

21

A palavra quilombo possui hoje um significado de comunidades que apresentam características culturais

específicas de ancestralidade africana (CUNHA, 2005).

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59

Extensão Rural do Maranhão (SAGRIMA/AGERP), Secretaria de Estado de Meio

Ambiente e Recursos Naturais (SEMA), Secretaria de Estado de Direitos Humanos

Assistência Social e Cidadania (SEDIHC), Secretaria de Estado de Desenvolvimento

Social (SEDES), Secretaria de Estado da Mulher (SEMU), Secretaria de Estado da

Cultura do Maranhão (SECMA), Secretaria de Estado das Cidades e Desenvolvimento

Urbano (SECID), Secretaria de Estado de Infraestrutura (SINFRA), Secretaria Estadual de

Turismo (SETUR), Secretaria de Estado do Trabalho e da Economia Solidária (SETRES),

Secretaria de Segurança Pública do Maranhão (SSP), Secretaria de Representação

Institucional (REBRAS) e Casa Civil.

Com relação aos resultados de 2011, o Relatório destaca as ações com as

respectivas parcerias, e elencamos algumas conforme o quadro abaixo:

Quadro 7 – Ações e parcerias da Secretaria de Estado da Igualdade Racial (MA) no ano de 2011

PARCERIAS AÇÕES

1. Fundação Nacional

de Saúde

(FUNASA)

1.1) Ações de infraestrutura nas comunidades quilombolas: melhorias de estradas

vicinais; eletrificação; construção de unidades habitacionais e de barragens;

perfuração e equipamento de poços, incluídos no Programa Brasil Quilombola/

MA.

2. Fundação Nacional

do Índio (FUNAI)

2.1) Informações e apoio logístico para ações junto aos povos indígenas Krikatis

obtidos.

2.2) Parceria definida para a realização do Seminário: “A Primeira Infância

Indígena no Maranhão: um diálogo entre culturas”, envolvendo 50 representantes

dos 03 povos indígenas: Gavião, Guajajara e Krikati..

2.3) 103 mulheres moradoras na aldeia Mainumy/Barra do Corda vivenciaram

técnicas de relações familiares.

3. Ministério da

Educação (MEC)

3.1) 144 gestores ( igualdade racial e educação) de 72 municípios mobilizados para

audiência pública,sobre a temática Diretrizes Curriculares Nacionais, realizada no

município de Itapecuru-Mirim.

3.2) Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação escolar quilombola

apresentada e discutida em audiência pública, realizada no município de Itapecuru-

Mirim, com a participação de 400 participantes (lideranças quilombolas).

3.3) Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação escolar quilombola

apresentada e discutida em audiência pública, realizada em Brasília, com

representantes de órgãos públicos e lideranças quilombolas.

4. Universidade

Federal do

Maranhão

(UFMA)

4.1) Processo administrativo para investigar suposto caso de racismo contra o

universitário nigeriano Nuhu Ayuba acompanhado.

4.2) Ações de intercâmbio CONEXÃO ÁFRICA X BRASIL definidas entre a

SEIR e 20 universitários da UFMA com nacionalidade africana (Angola, Cabo

Verde, Guiné Bissau, Congo e Nigéria).

5. Secretaria de

Estado de

Educação

(SEEDUC)

5.1) Situação dos Centros de Educação Quilombola de Formação por Alternância

das comunidades quilombolas Santo Antônio dos Pretos/Codó, Jamary dos

Pretos/Turiaçu e Damásio/Guimarães, identificada e analisada.

5.2) Temática: Preconceito Racial na gestão institucional incluída nos conteúdos de

capacitação de 25 gestores e técnicos do Programa Gestão Nota 10/SEEDUC, com

atuação em 19 municípios: Açailândia, Bacabal, Balsas, Barra do Corda, Caxias,

Chapadinha, Codó, Imperatriz, Itapecuru-Mirim, Pedreiras, Pinheiro, Presidente

Dutra, Rosário, Santa Inês, São Luís, São João dos Patos, Timon, Viana e Zé Doca.

5.3) Temática: Preconceito Racial na gestão institucional replicada nos conteúdos

da capacitação de 100 supervisores, do Programa Gestão Nota 10/SEEDUC, com

atuação em 19 municípios: Açailândia, Bacabal, Balsas, Barra do Corda, Caxias,

Chapadinha, Codó, Imperatriz, Itapecuru-Mirim, Pedreiras, Pinheiro, Presidente

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60

Dutra, Rosário, Santa Inês, São Luís, São João dos Patos, Timon, Viana e Zé Doca.

5.4) Situação de 76 escolas, localizadas em 74 aldeias indígenas, dos municípios de

Barra do Corda, Jenipapo dos Vieiras e Grajaú identificada,diagnosticada .

5.5) Ações referentes ao fortalecimento da Educação Quilombola incluídas,

incluídas no PPA Estadual 2012/2015.

5.6) Ações referentes à distribuição de material didático, formação de professores,

construção de escolas, incluídas no Programa Brasil Quilombola/MA,beneficiando

cerca de 1.400 jovens rurais.

5.7) Situações referentes à gestão e à infraestrutura da Escola Centro de Educação

Quilombola de Formação por Alternância Ana Maria Moreira analisadas e

encaminhadas, beneficiando 98 alunos.

5.8) 69 pais e responsáveis dos alunos Centro de Educação

Quilombola de Formação por Alternância Ana Maria Moreira, localizada na

comunidade quilombola Santo Antonio dos Pretos, sensibilizados para integração

escola X família.

5.9.)Situação da merenda escolar dos indígenas no Maranhão analisada e

encaminhada durante audiência com o MPF

5.10) Situação do transporte escolar indígena no Maranhão analisada e

encaminhada durante audiência com o MPF.

5.11) Situação da educação indígena analisada e encaminhada durante audiência

com o MPE.

5.12) 116 alunos e professores, do Centro de Ensino Médio Gonçalves Dias,

envolvidos na atividade CONEXÕES ÁFRICA x BRASIL, promovida por

universitários africanos (Angola, Guiné Bissau, Cabo Verde, Congo e Nigéria), em

comemoração ao dia Nacional da Consciência Negra.

5.13) Comitê Técnico Estadual de Informação sobre Alfabetização de Jovens e

Adultos com ações étnicas raciais incluídas.

6. Secretaria de

Estado de

Comunicação

Social (SECOM)

6.1).Programas de rádio “Território Livre”, que trata da política de promoção da

igualdade racial, incluído na grade da programação da Rádio Timbira AM.

6.2) 2.709 pessoas informadas sobre atividades referentes à política de promoção da

igualdade racial, veiculadas em mídias impressas (boletins, jornais, folders, etc.) e

mídia eletrônica (matérias jornalísticas, correio eletrônico, etc.).

6.3) 23 Programas de Rádio “Território Livre” produzidos e veiculados.

6.4.) 120 Matérias sobre a política de promoção da igualdade racial veiculadas.

7. Universidade

Estadual do

Maranhão (UEMA)

7.1) Convênio para realização de estágio curricular celebrado.

7.2) 11 estagiários sendo dos cursos de Direito e Ciência Sociais, com estágio

curricular cumprido,conforme Lei nº. 11.788/08, obedecidas as disposições

acadêmicas e as condições definidas pelos cursos da Instituição de Ensino.

7.3) Seminário sobre “Experiências em Estágio: comunidades de terreiros e povos

indígenas” realizado em parceria com estagiários do Curso de Ciências Sociais,

envolvendo 90 universitários.

7.4) 01 aula inaugural do curso de Ciências Sociais sobre a temática: relações

étnico-raciais proferidas com 50 participantes.

7.5) Sínteses das experiências de 06 (seis) estagiários de Ciências Sociais,

disseminadas.

8. Conselhos de

Direitos, Políticas

Públicas e Gestão

8.1) 01 reunião técnica da Comissão de Educação sobre implementação das Leis nº

10.639/03 e nº. 11.645/08, com assessoramento técnico prestado pela SEIR.

Fonte: Relatório das atividades da Secretaria de Estado da Igualdade Racial.

Em âmbito estadual, a SEEDUC mantém uma Coordenação de Promoção da

Igualdade e Diversidades Educacionais (COPIDE), que é responsável pela articulação de

atividades voltadas para a implementação da Lei nº. 10.639/03. Para tanto, é organizada,

anualmente, a Semana da Consciência Negra na Rede Estadual de Ensino do Estado, que tem

por objetivo implementar e discutir tal Lei, de modo a contribuir para uma cultura escolar que

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61

considere a diversidade étnico-racial no Maranhão, fazendo recortes de gênero, orientação

sexual e educação em direitos humanos, além de outras atividades. Há, também, o Curso

Educação Africanidades Brasil, que visa à promoção de uma análise crítica sobre a educação,

no contexto das relações étnico-raciais brasileiras, e os projetos RARA22

e AJASSÉ, que se

encontram em aplicação.

Como vimos os Conselhos de Direitos, Políticas públicas é um importante

parceiro da SEIR na implementação da Lei 10.639/2003 e 11.645/2008. Essa relação

demonstra o quanto a identidade étnico-racial e a questão do reconhecimento da dignidade do

ser humano é uma questão de direito inalienável. Por isso, no capítulo seguinte iremos trazer a

baila a discussão sobre direito e dignidade humana.

22

Palavra yorubá, que significa “liberdade”.

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62

CAPÍTULO 3 – DIREITOS HUMANOS, DIGNIDADE HUMANA E EDUCAÇÃO

Elegemos este capítulo por concordarmos com a afirmação de que os direitos

humanos são valores fundamentais, ademais, decisivos para possibilitar a vida em sociedade.

Sem o reconhecimento de direitos às pessoas não há sociedade democrática. “Nos Estados

Democráticos é comum adotar a dignidade da pessoa humana como fundamento maior da

ordem jurídica, conforme o artigo 1º, III da Constituição Federal” (BARRETTO, 2012, p. 25).

Ademais, a principal razão que motivou a elaboração deste capítulo foi a

constatação da desigualdade educacional no contexto da educação maranhense, no que diz

respeito à população negra, revelada pelo último Censo do IBGE. Aportamos na concepção de

educação como um direito social e como instrumento para a formação da consciência crítica,

de modo que o ser humano possa compreender-se e lutar por sua cidadania. Entendemos que

para tal o ser humano precisa se contrapor à visão ingênua da sociedade em favor de sua

dignidade.

Pretendemos nesta seção do trabalho buscar as devidas conexões entre direitos

humanos, dignidade humana e educação, sobretudo na perspectiva do direito a receber a

educação. Ainda que consideramos importante o enfoque sobre os temas relacionados aos

direitos humanos na escola, este aspecto não é objeto de nossa atenção nesta seção do

trabalho. Por isso, iniciamos o capítulo discutindo dignidade humana como direito, na

sequência destacamos a dignidade como autoria e como projeção de Si a partir das

abordagens de Paul Ricoeur (2008) e Jean-Paul Sartre (1973), respectivamente. Em seguida

discorremos sobre as articulações entre direitos humanos, dignidade humana e educação.

Além disso, recorremos à alguns conceitos de Paulo Freire (1987; 1996), destacando o sentido

antropológico de Ser Mais e o seu projeto de Educação Libertadora e suas implicações para as

relações étnico-raciais. Aventamos, ainda, as bases conceituais do currículo e os seus

pressupostos. Finalizamos esta seção trazendo as pautas internacionais e nacionais sobre

direitos humanos com o foco para o âmbito educacional.

3.1 Dignidade como direito

Direito e dignidade são expressões que comumente são verbalizadas no cotidiano,

sem se precisar “ao pé da letra” o que tais expressões significam. Pelo hábito, as empregamos

sem a preocupação de saber como os campos disciplinares as explicam. Por exemplo,

costumamos empregar o termo “direito” para aquilo que é correto, e “dignidade” nos remete a

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uma “boa pessoa”. Muito embora esses significados estejam de alguma forma relacionados

aos citados termos, mister se faz precisarmos ambos os significados, a partir de autores

especializados na área de direito.

O direito e a dignidade humana balizam tanto a vida individual quanto social.

Dada a sua importância e atualidade é que os diferentes países vêm ao longo dos anos se

reunindo para debater questões ligadas ao direito, à dignidade e ao reconhecimento da pessoa

humana, de modo que este é um assunto que está na ordem do dia posto pelas declarações,

pelas conferências, pactos, tratados tanto internacionais como nacionais. No artigo 1º da

Declaração Universal dos Direitos Humanos está escrito: “Todas as pessoas nascem livres e

iguais em dignidade e direitos”. A citada Declaração diz ainda no artigo 2º que “Toda pessoa

tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades” (PIOVESAN, 2012, p. 471), e os

direitos enunciados cabem a cada indivíduo sem distinção de cor, sexo, língua, religião ou de

outro tipo.

Mas, o que é direito? Em que consiste a dignidade humana? Quais os objetivos

do direito? Tais expressões se relacionam? Como se relacionam? Antes de irmos às teorias,

recorremos aos dicionários, embora consciente das suas limitações, para trazer uma primeira

compreensão do que significa direito e dignidade humana.

Segundo o dicionário Aurélio (FERREIRA, 2004, p. 683), enquanto substantivo

masculino, direito é “aquilo que é justo, reto e conforme a lei; prerrogativa que alguém

possui, de exigir de outrem, a prática ou abstenção de certos atos, ou o respeito a situações

que lhe aproveita, jus ou ainda faculdade consentida da pela lei; poder legítimo”.

Os significados acima nos remetem a várias acepções de direito como ciência,

como situação relativa a determinados fatos em que uma pessoa tem um direito em relação a

outra. Uma outra acepção de direito refere-se ao somatório de disciplinas jurídicas na carreira

universitária (CONSTRUCCI, 2010).

Com o fim de relacionar as expressões “direito” e “dignidade”, apenas o uso do

dicionário não é o bastante, daí fazermos uma abordagem interdisciplinar sobre ambos, nos

valendo das discussões no campo jurídico e filosófico. Vejamos, portanto, no campo jurídico

e filosófico como são concebidas as expressões direito e dignidade e suas imbricações23

.

A concepção de direito varia conforme o pensamento jurídico. Com efeito, ao

levantar algumas literaturas do campo do Direito, é constatado que este não tem uma única

23

A expressão reconhecimento será discutida de uma forma mais detida em capítulo posterior.

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definição. A concepção de direito muda conforme as diferentes linhas de pensamento que

conformam os modelos jurídicos.

Ao percorrermos algumas literaturas que tratam sobre o tema, todas as discussões

acerca de direito iniciam-se com a clássica distinção sobre direito natural e direito positivo, o

que nos fez perceber o quanto é polêmica essa discussão no campo do Direito.

Sobre essa distinção nos deparamos com a leitura de Lyra Filho (2006). Este autor

passa em revista os principais modelos de ideologia24

jurídica. As ideologias situam-se entre o

jusnaturalismo e positivismo. Uma das diferenças destacadas pelo autor é que a primeira

concebe o Direito como ordem justa e a segunda como ordem estabelecida. Nesse sentido, as

duas idéias-chave de ambas são justiça e ordem, respectivamente.

Consoante esse autor, o jusnaturalismo é a posição mais antiga, no entanto, é o

positivismo que hoje predomina entre os juristas. Cabe-nos então distinguir o que

caracterizaria cada uma dessas tendências. Lyra Filho (2006, p. 34) estabelece a seguinte

diferença: “O positivismo [...] é uma redução do Direito à ordem estabelecida; o

jusnaturalismo é, ao contrário, um desdobramento em dois planos: o que se apresenta nas

normas e o que nelas deve apresentar-se para que sejam consideradas boas, válidas e

legítimas”.

De todo modo, segundo o autor, para a ideologia positivista o que constitui o

completo direito são

[...] As normas, isto é, como vimos os padrões de conduta, impostos pelo poder

social, com ameaça de sanções organizadas [...]. [...] se trata de normas da classe

dominante, revestindo a estrutura social estabelecida, porque a presença de outras

normas – de classe ou grupos dominados – não é reconhecida, pelo positivismo,

exceto, quando não se revelam incompatíveis com o sistema [...] (LYRA FILHO,

2006, p. 34-35).

Por sua vez, o jusnaturalismo “admite certos princípios fixos, inalteráveis,

anteriores e superiores às leis e que nenhum legislador pode modificar validamente. Por isso

mesmo é, comumente, classificado como um adepto do direito natural” (LYRA FILHO, 2006,

p. 30).

Nas citadas ideologias, segundo o autor, existe um dualismo cuja superação dar-

-se-ia por meio da teoria dialética social do Direito. Pondera ele que

24

A formação ideológica a que se refere o autor é oriunda de contradições da estrutura socioeconômica,

cristaliza um repertório de crenças que os sujeitos absorvem e que lhe deforma o raciocínio, devido à

consciência falsa (LYRA FILHO, 2006).

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65

Por meio desta se evitaria a queda entre o direito positivo e o direito natural. [...]

importa em conservar os aspectos válidos de ambas as posições [...] a positividade

do Direito não conduz fatalmente ao positivismo e que o direito justo integra a

dialética jurídica, sem voar para as nuvens metafísicas, isso é, sem desligar-se das

lutas sociais, no seu desenvolvimento histórico, entre espoliados e oprimidos, de um

lado, e espoliadores e opressores, de outro (LYRA FILHO, 2006, p. 30-31).

Se a dialética do Direito faz a síntese entre as duas concepções, como se

configura, então, a essência do direito nessa teoria?

O autor retoma Marx (apud LYRA FILHO, 2006, p. 94), atribuindo a este a

afirmação de que a liberdade e o conjunto das relações sociais constituem a essência do

homem. “O que é essencial no homem é a sua capacidade de libertação, o que se realiza

quando ele, conscientizado, descobre quais são as forças da natureza e da sociedade que o

„determinariam‟, se ele se deixasse levar por elas”.

Nessa perspectiva, de acordo com Lyra Filho (2006), o Direito não é uma „coisa‟

fixa, parada, definitiva e eterna, mas um processo de libertação permanente. A luta faz parte

do direito. Em acréscimo a essa tese, diz o autor: “O Direito [...] se apresenta como

positivação da liberdade conscientizada e conquistada nas lutas sociais e formula os princípios

da justiça social que nelas se desvenda” (LYRA FILHO, 2006, p. 101-102).

Ainda sobre o debate acerca do direito natural e direito positivo, Dussel (2007) se

posiciona argumentando sobre a insustentabilidade do direito natural. O autor faz a distinção

entre os direitos, bem como a ideia de direito natural.

Dussel alude a questão sobre a historicidade dos direitos, tal concepção admite as

mudanças constantes que estes sofrem. Assim sendo, distingue aqueles direitos que são

perenes, os que são novos e os que se descartam como próprios de uma época passada. Para

ele, existe sempre primeiro como dado o direito vigente, positivo. Os novos direitos não são

extraídos de nenhuma lista dos direitos naturais; emergem das lutas populares, como diz

textualmente:

Os novos movimentos sociais tomam consciência, a partir de sua corporalidade

vivente e enferma, de ser vítimas excluídas do sistema de direito naquele aspecto

que define substantivamente sua práxis crítica ou libertadora [...]. [...] os novos

direitos se impõem a posteriori, pela luta dos movimentos, que descobrem a „falta-

-de‟ como „novo-direito-a‟ certas práticas ignoradas ou proibidas pelo direito

vigente. Inicialmente, esse novo direito se dá somente na subjetividade dos

oprimidos ou excluídos. Diante do triunfo do movimento rebelde se impõe

historicamente o novo direito, e se adiciona como um direito novo à lista dos

direitos positivos (DUSSEL, 2007, p. 150).

Entendemos que conceber os critérios de definição dos direitos de tal maneira é

fundamental para que seja pensada na esteira de Dussel (2007, p. 150) a “transformação das

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instituições da esfera da legitimidade democrática” em que o autor propõe a “irrupção dos

novos direitos” tendo em vista a “paz perpétua e a alteridade” (ibid).

O autor nos remete à pertinência dos direitos distintos do Outro. Desse modo,

articula a igualdade da Revolução Burguesa com a responsabilidade pela alteridade. Assim

novos direitos tomam conta dos “explorados, excluídos, os iguais (de raça não-branca, pobres,

pós-coloniais, diferenciados por sua cultura, sexo, idade), as massas populares” (DUSSEL,

2007, p. 147).

Acrescenta o autor:

[...] o postulado da esfera da legitimidade é a „paz perpétua‟ que se define pela razão

discursiva como a encarregada de chegar a acordos; razoabilidade diante da

violência, cumprindo as reivindicações materiais e a participação em igualdade e

condições. Renegar a violência como meio de acordos é próprio da legitimidade

democrática (DUSSEL, 2007, p. 148).

Argumenta ainda:

[...] a afirmação da alteridade do outro não é igual à igualdade liberal. Mesmo a luta

pelo reconhecimento do outro como igual (aspirando à sua incorporação no Mesmo)

é algo diverso da luta pelo reconhecimento do Outro como outro (aspirando, então, a

um novo sistema do direito posterior ao reconhecimento da diferença) (DUSSEL,

2007, p. 148).

Consideramos que as análises de Dussel (2007) são pertinentes ao tema dos

direitos humanos e sobre essa discussão também recorremos a um outro estudioso que se

debruça sobre esse assunto.

Em sua obra “A Era dos Direitos”, Bobbio (1992) relata uma indagação que lhe

foi feita cuja resposta é pertinente e corrobora a importância no cenário internacional e

nacional das declarações, cartas, tratados que versam sobre direitos, dignidade e

reconhecimento da pessoa humana.

Perguntaram-lhe se via algum sinal positivo face às características dos tempos

atuais, entre os quais, o aumento incontrolado e insensato do poder destrutivo dos

armamentos como uma das previsíveis causas da infelicidade humana. O filósofo italiano se

posiciona defendendo como sinal positivo o reconhecimento dos direitos do homem nos

debates internacionais.

Nesse sentido, convém rastrear o que são direitos humanos. Para tanto, buscamos

uma orientação do ponto de vista conceitual e histórico em Dallari (1998); Piovesan (2012) e

ainda em Barretto (2012).

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Para Dallari (1998), direitos humanos dizem respeito àqueles direitos que são os

direitos fundamentais sem os quais a pessoa não consegue existir ou não é capaz de

desenvolver e de participar plenamente da vida.

Para Piovesan (2012), direitos humanos são concebidos como unidade indivisível,

interdependente e inter-relacionada, na qual os valores da igualdade e liberdade se conjugam e

se completam.

Barretto (2012, p. 28) assinala que

A expressão „direitos humanos‟ é utilizada para se referir a direitos universalmente

aceitos, positivados na ordem internacional, enquanto a expressão „direitos

fundamentais‟ é utilizada para se referir a direitos positivados na ordem interna do

Estado.

Nessa esteira, cabe indagar: Como nascem e desenvolvem-se os direitos

humanos? A propósito, nos coloca Bobbio (1992, p. 28-30):

Na história das declarações de direitos podem-se distinguir pelo menos três fases.

[...] Sua primeira fase [...] a idéia de que o homem enquanto tal tem direitos, por

natureza, que ninguém (nem mesmo o Estado) lhe pode subtrair, e que ele mesmo

não pode alienar [...]. O segundo momento da história da Declaração dos Direitos do

Homem [...] a afirmação dos direitos do homem ganha em concreticidade, mas perde

em universalidade [...]. Os direitos são doravante protegidos (ou seja, são autênticos

direitos positivos), mas valem somente no âmbito do Estado que os reconhece [...].

Com a Declaração de 1948, tem início uma terceira fase, na qual a afirmação dos

direitos é, ao mesmo tempo, universal e positiva.

Barretto (2012), tal como outros autores, configura as fases de desenvolvimento

dos direitos humanos da seguinte maneira:

Quadro 8 - Quadro comparativo entre as gerações de direitos humanos

1ª GERAÇÃO 2ª GERAÇÃO 3ª GERAÇÃO

VALOR

CENTRAL LIBERDADE IGUALDADE FRATERNIDADE

Direitos Civis e Políticos Sociais, econômicos e culturais

Difusos, da Humanidade, dos

povos (direitos ao ambiente

ao desenvolvimento e de

proteção ao consumidor)

Características

Direitos negativos,

contraestatais, que

negam a atuação do

Estado, que impõem

uma abstenção do Estado

Direitos positivos,

prestacionais, que exigem do

estado intervenção no domínio

econômico e prestação de

políticas públicas

Direitos de todos os homens

indistintamente, afirmação da

proteção universal do homem

Marco Histórico

Revolução Gloriosa na

Inglaterra,

Independência

Americana e Revolução

Francesa

Revolução Mexicana e

Revolução Russa

Pós 2ª Guerra Mundial e o

Surgimento da ONU

Marco Teórico Segundo Tratado sobre o Encíclica Rerum Novarum

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governo de John Locke,

e o Contrato Social, de

Jean-Jacques Rousseau

sobre a condição dos operários,

escrita pelo Papa Leão XIII em

1891 e Manifesto do Partido

Comunista escrito por Karl

Marx e Friedrich Engels

Marco jurídico

Constituição Americana

de 1787, Declaração

Francesa dos Direitos do

Homem e do Cidadão de

1789

Constituição Mexicana de

1917 e a Constituição Alemã

de 1919, conhecida como

Constituição de Weimar

Declaração Universal dos

Direitos Humanos, da ONU,

de 1948

Fonte: Barretto (2012, p. 42).

Além dessas três gerações de direitos humanos, autores como Bobbio (1992) e

Bonavides (2008) referem-se a outras gerações. Na concepção Bobbiana, os direitos humanos

se afirmaram historicamente em quatro gerações, são elas: 1ª Geração: Direitos Individuais –

pressupõem a igualdade formal perante a lei e consideram o sujeito abstratamente; 2ª

Geração: Direitos Coletivos – os direitos sociais, nos quais o sujeito de direito é visto no

contexto social, ou seja, analisado em uma situação concreta; 3ª Geração: Direitos dos Povos

ou os Direitos de Solidariedade: os direitos transindividuais, também chamados direitos

coletivos e difusos, e que basicamente compreendem os direitos do consumidor e os

relacionados à questão ecológica; 4ª Geração: Direitos de Manipulação Genética –

relacionados à biotecnologia e bioengenharia, tratam de questões sobre a vida e a morte e

requerem uma discussão ética prévia (BOBBIO, 1992).

Para Bonavides (2008), existe a 4ª geração, compreendida como direito à

democracia, e a 5ª geração que compreende o direito à paz.

O Direito Internacional dos Direitos Humanos25

, por conseguinte, segundo a

classificação de Barreto, estaria na 3ª geração ou dimensões dos direitos humanos. Vejamos

como outros autores investigam essa matéria.

Em sua obra “Direitos Humanos e o Direito Internacional”, Piovesan (2012)

dispõe sobre os primeiros precedentes26

do processo de internacionalização dos direitos

humanos e sua consolidação em meados do século XX. Conforme salienta a autora, a

consolidação dos direitos humanos surge em decorrência da Segunda Guerra Mundial, cujo

desenvolvimento está atrelado às violações de direitos humanos da era Hitler.

25

“O Direito Internacional dos Direitos Humanos é a parte do Direito Internacional direcionada à temática dos

direitos humanos, sendo formado pelo conjunto de normas e medidas internacionais voltadas para a tutela dos

direitos humanos” (BARRETTO, 2012, p. 94). 26

Os primeiros marcos do processo de internacionalização dos direitos humanos são: o Direito Humanitário, a

Liga da Nações e a Organização Internacional do Trabalho. Para maior aprofundamento, ver Piovesan (2012,

p. 177-183).

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69

(BUERGENTHAL apud PIOVESAN, 2012). Nesse sentido, ela acrescenta que os direitos

humanos edificam-se com vistas a resguardar o valor da dignidade humana, entendida como

fundamento dos direitos humanos.

Recentemente foi publicada a obra “Tratado Luso-Brasileiro sobre a Dignidade

Humana” (2009), a qual também é esclarecedora quanto à concepção de dignidade humana.

Nessa obra destacamos o autor Marco Antonio Marques da Silva em que discute “Cidadania e

Democracia: instrumentos para a efetivação da dignidade humana” (2009).

Silva (2009) elabora a concepção acerca da dignidade humana e assim a

conceitua:

A dignidade humana está ligada a três premissas essenciais: a primeira refere-se ao

homem, individualmente considerado, sua pessoalidade e os direitos a ela inerentes,

chamados de direitos da personalidade, a segunda, relacionada à inserção do homem

na sociedade, atribuindo-lhe a condição de cidadão e seus desdobramentos; a

terceira ligada à questão econômica, reconhecendo a necessidade de promoção dos

meios para a subsistência do indivíduo (SILVA, 2009, p. 224).

Outros autores, como, por exemplo, José Afonso da Silva, afirma que “o termo

dignidade humana é empregado como atributo intrínseco, da essência da pessoa humana [...].

É, pois, um valor autônomo e específico inerente aos homens em virtude da sua simples

pessoalidade” (SILVA, 1996, p. 91).

Uma outra definição digna de nota é a de Ives Gandra Martins e Celso Ribeiro

Bastos, ao prescreverem que a “dignidade da pessoa humana parece conglobar, em si, todos

os direitos fundamentais, quer sejam clássicos, de fundo econômico e social” (MARTINS;

BASTOS, 1996, p. 425).

Diante de tais conceituações podemos considerar que, tratar o outro como inferior

é um ato criminoso na medida em que depõe contra a dignidade da pessoa. A dignidade, por

conseguinte, envolve todos os tipos de direitos no que diz respeito à sua singularidade, à sua

liberdade, bem como aos seus direitos sociais, econômicos e culturais.

Existe, portanto, uma aliança entre o princípio da dignidade humana como direito

humano e o Estado Democrático de Direito. É por meio deste que os direitos humanos se

exprimem. O Estado Democrático de Direito é uma forma de Estado que propicia efetivo

respeito aos cidadãos, em igualdade de condições e promoção da justiça social. Ademais, a

efetivação da cidadania só se torna possível naquela forma de organização social.

Assim, partimos da premissa de que é na luta que se constrói o direito e como tal

indagamos quais seriam as características, ou como se concebe uma identidade de tal modo.

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70

Mediante essa indagação, buscamos como alguns filósofos argumentam em torno da

subjetividade humana. Da forma como a concebem perpassa a ideia de que essa subjetividade

é sempre um vir a ser, conforme o que ele quer que seja, visto pressupor luta, movimento e

força viva. Desse modo, sujeito digno não é “algo” pronto e acabado, precisa ser construído e

perseguido.

Face ao exposto, consideramos importante abordar duas concepções filosóficas

que centralizam no homem a responsabilidade por sua existência, por seus atos: a de Paul

Ricoeur e a de Jean Paul Sartre.

3.2 A dignidade como autoria (falar, narrar, agir, julgar) em Paul Ricoeur

Conforme os estudiosos da área de direito, citados em páginas anteriores, os

direitos humanos são a expressão direta da dignidade humana. Assim, para que um ser

humano tenha direito e possa exercê-lo, é indispensável que seja respeitado e tratado como

pessoa.

Mas, “quem é o sujeito do direito”? (RICOEUR, 2008, p. 22). A esse respeito,

reunimos algumas reflexões em torno do pensamento de Paul Ricoeur (1913-2005),

notadamente em um capítulo da sua obra “O Justo I”, intitulado “Quem é o sujeito do

direito?” (2008). O filósofo francês discute a noção de capacidade como o pilar do respeito

moral e do reconhecimento do homem como sujeito de direito.

Em primeiro lugar, convém destacar em Ricoeur (2008) que o direito conduz à

moral e esta à antropologia. A questão “quem é o sujeito de direito” remete a outra: “quem é o

sujeito de direito digno de estima e respeito” (aspecto relativo à moral), que, por sua vez,

reporta a outra questão, relativa a quais são as características (sic) fundamentais que tornam o

ser capaz de estima e respeito (aspecto relativo à antropologia).

O autor tem preferência pela pergunta, usando o termo “quem”, visto que este

incita a identificação. Em outras palavras, ao formular a pergunta utilizando o vocábulo

“quem”, remete à questão da identidade. Nesse sentido, o termo “quem” é a palavra-chave

para a configuração do sujeito capaz.

A noção de capacidade é referência do respeito moral e do reconhecimento do

homem como sujeito de direito a qual está intimamente conectada com a noção de identidade

pessoal ou coletiva.

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O filósofo francês enumera a constituição do “sujeito capaz” nos seguintes níveis:

aquele que fala, aquele que age, aquele que narra suas histórias, aquele que considera boas ou

más as ações alheias ou nossas e ainda aquele que as declara permitidas ou proibidas.

O sujeito capaz é aquele que se designa pessoalmente como o autor de seus atos.

Tal enunciação tem um significado considerável para a atribuição ulterior dos direitos e

deveres. Esse poder de intervenção é pressuposto pelo conceito ético-jurídico de imputação,

essencial à atribuição de direitos e deveres. Nesse aspecto, o cerne da ideia de capacidade é o

poder-fazer.

Entretanto, cabe a questão: O que falta ao sujeito capaz para que ele seja um

verdadeiro sujeito de direito? E evidenciamos que lhe faltam as condições de atualização de

suas aptidões. Com efeito, para elevar o sujeito capaz para o grau de sujeito de pleno direito

demanda uma preocupação com as condições de atualização de suas aptidões.

Nessa perspectiva, como se dá a transição do sujeito capaz a um sujeito de direito

pleno “que se expressa no plano moral, jurídico e político?” (RICOEUR, 2008, p. 25). As

aptidões precisam da mediação contínua de formas interpessoais de alteridade e de formas

institucionais de associação para se tornarem poderes reais aos quais corresponderiam direitos

reais. A esse respeito, nos ensina Ricoeur (2008, p. 25):

[...] O exame deve incidir não só na necessidade de mediação, que pode ser chamada

de mediação do outro em geral, mas também na necessidade do desdobramento da

própria alteridade em alteridade interpessoal e alteridade institucional. Para uma

filosofia dialogal, é tentador limitar-se às relações com outrem, que se costuma

situar sob o emblema do diálogo entre „eu e tu‟. Somente essas relações merecem

ser qualificadas de interpessoais. Mas a esse face-a-face falta a relação com o

terceiro, que parece tão primitiva quanto a relação com o tu [...] (RICOEUR, 2008,

p. 25).

Pelo exposto, enquanto as mediações interpessoais servem de plano de diálogo

entre o eu e o outro, enquanto tu, as mediações institucionais – essenciais à constituição do

sujeito de pleno direito – viabilizam o diálogo entre o eu e o outro, na qualidade de terceiro.

Essa necessidade de distinção das formas como o eu concebe o outro no diálogo – seja como

tu, seja como terceiro – é um problema de raiz antropológica, tal como a caracterização do

sujeito capaz.

Assim, Ricoeur (2008) dá início à constituição triádica, que rege a passagem da

capacidade à efetividade. No nível das fundações antropológicas, tem-se o sujeito que fala: o

homem como enunciador de si mesmo, como autor de suas ações. A enunciação, segundo o

autor, é um fenômeno que liga, ao menos no âmbito das mediações interpessoais, um eu a um

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tu. Assim, reconhecemos o outro como igual, em termos de direitos e deveres, à medida que o

outro também pode enunciar-se como eu.

Para constituir a tríade, fica faltando o ele/ela (aquele ou aquela de quem se fala),

como também a referência ao próprio instituto da linguagem, na qual se enquadra a relação

interpessoal do diálogo. Assim, o ele/ela representa o instituído na medida em que este

engloba todos os locutores de uma mesma língua natural que não se conheçam e só estejam

interligados pelo reconhecimento das regras comuns que distinguem uma língua de outra.

Para Ricoeur (2008, p. 27), o reconhecimento comporta, para além da adoção das

mesmas regras por todos, a confiança que cada um deposita na regra de sinceridade. “Espero

que cada um queira dizer o que está dizendo”. Essa confiança não é apenas uma relação

interpessoal, “é a condição institucional de toda e qualquer relação interpessoal”.

Dessa maneira acontece também na capacidade de alguém se designar como autor

de usas próprias ações. Estas também se inserem num contexto de interação no qual o outro

figura como meu antagonista ou meu coadjuvante, em relações que oscilam entre o conflito e

interação.

Mas, inúmeros outros estão interligados em toda empresa. Cada agente está

interligado a esses outros pela intermediação de sistemas sociais. Estes também designados de

organização, os quais estruturam a interação do agente com o outro. O que está no cerne dessa

organização é o reconhecimento. O autor exemplifica como sistemas sociais: “[...] sistemas

jurídicos, sistemas burocráticos, sistemas pedagógicos, sistemas científicos, sistemas de

comunicação de massas etc.[...]” (RICOEUR, 2008, p. 28). E ainda acrescenta:

O fato de a organização dos sistemas sociais serem a mediação obrigatória é coisa

que deve ser firmada em contraposição a um comunitarismo personalista que sonhe

em reconstituir o elo político com base no modelo do elo interpessoal ilustrado pela

amizade e pelo amor (RICOEUR, 2008, p. 28).

Resta examinar se a identidade narrativa apresenta a mesma estrutura triádica.

Para Ricoeur (2008), é indubitável que as histórias de vida estão a tal ponto imbricadas umas

nas outras, que a narrativa que cada um faz ou recebe de sua própria vida se torna o segmento

das outras narrativas que são narrativas dos outros. A identidade narrativa possibilita que as

nações, os povos e as classes e as comunidades se reconheçam cada um por si e umas às

outras.

O sujeito capaz, como já frisado, é capaz essencialmente de imputação ético-

jurídica em que está presente o caráter intersubjetivo da responsabilidade. Ricoeur (2008)

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exemplifica esse caráter com a questão da promessa. Nesta o outro está implicado como

testemunha, como beneficiário, como juiz, como aquele que me chama à responsabilidade, me

torna responsável. E

É nessa estrutura de confiança que se insere o elo social instituído pelos contratos,

pelos pactos de todos os tipos, que conferem estrutura jurídica às palavras dadas

mutuamente. O princípio de que os pactos devem ser observados constitui uma regra

de reconhecimento que ultrapassa o face-a-face da promessa de pessoa a pessoa [...]

(RICOEUR, 2008, p. 28).

O autor afirma também que o âmbito político aparece como meio por excelência

de realização das potencialidades humanas. Essa função é exercida primeiramente no “espaço

público de visibilidade”.

Em resumo: ao indagar quem é o sujeito de direito, Ricoeur (2008) elabora duas

respostas: a primeira parte do pressuposto de que o sujeito digno de respeito é aquele que é

autor de suas enunciações, aquele que se designa como autor de suas ações, capaz de julgar

ações boas ou más, permitidas ou proibidas, heróis e narradores das histórias que contamos

sobre nós mesmos. A segunda resposta é que para serem estas capacidades efetivadas

precisam de mediações interpessoais e institucionais, figurando o Estado entre estas últimas.

Para o autor, a primeira resposta corrobora a concepção segundo a qual o

indivíduo precede o Estado. A segunda resposta se insere na concepção de que sem o vínculo

ao corpo político o indivíduo é apenas o esboço de homem. O indivíduo precisa da mediação

institucional para sua realização humana.

3.3 A dignidade como projeção de Si em Jean-Paul Sartre

Jean Paul Sartre (1905-1980) é um dos filósofos mais cultuados da Modernidade

e, no entanto, paradoxalmente, dos menos compreendidos. Considerado como um dos maiores

expoentes do Existencialismo, foi influenciado por Husserl e Heidegger. “O Ser e o Nada” se

constitui como uma de suas obras principais (COX, 2007).

Na obra “O existencialismo é um Humanismo” na qual nos apoiamos, Jean Paul

Sartre formula a defesa contra as críticas que assolam o existencialismo, seja por incitar as

pessoas a permanecerem num quietismo de desespero, seja por acentuar a desonra humana,

por exaltar a subjetividade pura, por suprimir os mandamentos de Deus, entre outras. Com

efeito, a pretensão de Sartre é responder às censuras dirigidas ao Existencialismo. Nas

palavras do filósofo francês, “[...] entendemos por existencialismo uma doutrina que torna a

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vida possível e que, por outro lado, declara que toda a verdade e toda a ação implicam um

meio e uma subjetividade humana [...]” (SARTRE, 1973, p. 10).

O existencialismo cristão ou ateu parte do pressuposto de que a existência precede

a essência. Nessa perspectiva, não existe uma natureza humana, um conceito humano, uma

prescrição do humano. Admitindo tal ideia se concebe que existe uma essência humana que

irá se realizar em cada homem em particular. Para a filosofia existencialista, o homem

primeiramente existe, se descobre, surge no mundo para depois se definir e ser consistente,

visto que

O homem é não apenas como ele se concebe, mas como ele quer que seja, como ele

se concebe depois da existência, como ele se deseja após este impulso para a

existência; o homem não é mais o que ele faz. [...] o homem primeiro existe, ou seja,

o homem, antes de mais nada, é o que se lança para um futuro [...]. O homem é,

antes de mais nada, um projeto que se vive subjetivamente (SARTRE, 1973, p. 12).

A escolha e a responsabilidade são outros aspectos igualmente importantes realçá-

los no Existencialismo. Sartre nos diz que o homem é responsável pela sua existência; não

estritamente no sentido individual, mas por todos os homens. Convém ilustrar que a

subjetividade pressupõe o si próprio, contudo, ao escolher a si próprio, o homem escolhe

todos os homens. Assim sendo, ao criar o homem que se deseja ser, cria-se a imagem do

homem que se julga que deve ser. A responsabilidade é bem maior visto que envolve toda a

humanidade.

Sartre (1973) enfatiza a subjetividade para além do individualismo e declara:

[...] atingimo-nos a nós próprios em face do outro, e o outro é tão certo para nós

como nós mesmos. Assim, o homem que se atinge diretamente pelo cogito descobre

também os outros, e descobre-os como a condição de sua existência. Dá-se conta de

que não pode ser nada, salvo se os outros o reconhecem como tal. Para obter uma

verdade qualquer sobre mim, é necessário que eu passe pelo outro. O outro é

indispensável à minha existência, tal como, aliás, ao conhecimento que eu tenho de

mim (SARTRE, 1973, p. 22).

Desse modo, para Sartre (1973), o homem tem a necessidade de estar no mundo,

de lutar, de viver com os outros. A nosso ver, para o filósofo francês, é isto que confere

dignidade ao homem, na medida em que o “destino está em suas mãos”. A lição que

aprendemos de Sartre é que o homem como realização é consciente de suas capacidades.

Justificamos, por conseguinte, a recorrência a Sartre (1973) e a Ricoeur (2008).

De Sartre recolhemos a ideia de que a identidade é um processo, uma vez que a existência

humana está sempre precedendo a essência, ou melhor, a existência está sempre à frente.

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Nesse sentido, a identidade é um projetar-se permanente, portanto a questão da identidade e

da dignidade é uma questão em movimento. Ricoeur (2008), por sua vez, afirma que o

processo de construção da identidade e da dignidade se faz no jogo de reconhecimento.

Aquilo que Sartre (1973) usa como sendo a identidade como movimento, Ricoeur (2008) diz

que o movimento está relacionado ao reconhecimento do outro.

Se a identidade e a dignidade é um processo e se ela se constrói no jogo de

reconhecimento, partimos da premissa da mediação necessária do ato educativo pelo qual o

Homem tem o poder de crescer, transcender e ter domínio de si próprio. No decorrer do

capítulo, iremos tratar, especificamente, da relação entre educação, dignidade e direitos

humanos.

3.4 Articulação dos conceitos Direitos Humanos, Dignidade Humana e Educação

Ao nascermos, introjetamos toda a riqueza cultural da humanidade produzida por

esta em termos de língua, costumes, religião, entre outras. A educação é o processo pelo qual

assimilamos esses elementos e nos faz tornarmo-nos “humanos”. Como diz Brandão (2007, p.

7),

[...] ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja, na escola, ou de um

modo ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender,

para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para

conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação.

Não há um único modelo de educação nem um único espaço onde ela acontece.

Em nossas reflexões nos reportamos à educação que acontece no espaço escolar. Sobre a

institucionalização da educação escolar nos sugerem Brandão (2007) e Teles (1992).

Quando um povo alcança um estágio complexo de organização da sua sociedade e

de sua cultura, quando ele enfrenta, por exemplo, a questão da divisão social do

trabalho e, portanto, do poder, é que ele começa a viver e a pensar como problema

formas e os processos de transmissão do saber. E é a partir de então que a questão da

educação emerge à consciência e o trabalho de educar acrescenta à sociedade, passo

a passo, os espaços, sistemas, tempos, regras de prática, tipos de profissionais e

categorias de educandos envolvidos nos exercícios de maneiras cada vez mais ou

menos corriqueiras e menos comunitárias do ato, final tão simples de ensinar e

aprender (BRANDÃO, 2007, p. 16).

A partir de então, a escola passa a ser uma instituição social da maior importância.

“Além do acúmulo cultural, outro fator contribuiu [...] a especialização constante e crescente,

com a divisão social do trabalho” (TELES, 1992, p. 21).

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Nesse sentido, a instituição escolar representa uma nova forma de pensar a

sociedade articulada com os princípios da liberdade, igualdade e da fraternidade. Salientamos

que dois importantes acontecimentos históricos foram fundamentais para a instauração de

uma forma de pensar a sociedade a partir desses princípios: o Iluminismo27

e a Revolução

Francesa nos séculos XVII e XIX, respectivamente (SCHNEEBERGER, 2011).

Podemos assegurar que a escola pública, tal como a conhecemos hoje, é herdeira

daqueles movimentos revolucionários. Não obstante, nas recorrentes literaturas temos

presenciado algumas reflexões que constatam que há algo de errado com a escola. Uma

dessas constatações é que historicamente ela tende a veicular noções fixas de identidade

cultural e nacional identificada com uma cultura tradicional, ocidental, entretanto tem

ignorado “as múltiplas narrativas, histórias e vozes de grupos cultural e politicamente

subordinados” (KREUTZ, 1999, p.2). Figuram nessas reflexões que tais condições teriam

sido criadas pelo ideário iluminista.

Acrescenta o autor:

[...] sob o olhar do nós, os europeus miram os outros (os não-europeus) com

desprezo, enquanto tentam defender o que compreendem por direitos universais.

Reconhecem a diferença, a existência de homens diferentes e abominam a injustiça

que possa ser praticada contra eles. Mas, não deixam de ser, apesar disso, espelhos

do modelo racional criado por eles (KREUTZ, 1999, p. 2).

Na ótica de Santos (2002, p. 21), o ideário iluminista apresenta algumas

contradições. Segundo a autora, se constitui como “um período que ao mesmo tempo defende

a tolerância e os direitos dos homens, oferece elementos para a construção de um conceito de

homem restrito aos parâmetros europeus e intolerantes quanto às diferenças entre este e os

outros povos”.

Nesse debate se insere a crítica à modernidade e, portanto, ao iluminismo, sendo a

razão o centro dessa crítica. Como afirma Rouanet (1987, p. 230), “a razão, instrumento com

que o Iluminismo queria combater as trevas da superstição e do obscurantismo, é denunciada

como principal agente de dominação”.

Na contracorrente daqueles que advogam uma ruptura com a modernidade,

consideramos pertinente o posicionamento de Rouanet (1987). Ele diz que é preciso criticar a

27

Referindo-se à Rouanet (1987, p. 239), diz que “a principal característica do Iluminismo era permitir o acesso

do homem à maioridade, pelo uso da razão. Sacudindo todas as tutelas, religiosas e políticas, o homem podia

chegar à condição adulta, pelo uso da razão”.

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modernidade sem fugir dela, visto que esta criou “os padrões normativos que permitem

comparar o existente com o desejável” (ROUANET, 1987, p. 269).

Nesse sentido, nos voltamos para o contexto brasileiro discutindo como as idéias

iluministas e o ideário da Revolução Francesa repercutem nos instrumentos legais que

fundamentam a educação brasileira, notadamente a atual Carta Magna e a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional, a LDBEN nº. 9.394/96, que em conformidade com o que diz

Jackman (apud PIOVESAN, 2012, p.77), “a Constituição é mais que um documento legal. É

um documento com intenso significado simbólico e ideológico - refletindo tanto o que nós

somos enquanto sociedade, como o que nós queremos ser [...]”.

A Constituição do Brasil promulgada em 5 de outubro de 1988, conhecida como

“Constituição Cidadã” anuncia no Título I os seus princípios fundamentais. Consta na referida

Constituição que

[...] a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos estados e

Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em estado Democrático de Direito e

tem como fundamento: I- a soberania; II- a cidadania; III- a dignidade da pessoa

humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; III- o pluralismo político

(BRASIL, 1988, p. 3).

Os direitos e garantias fundamentais comparecem na Constituição do Brasil. O

artigo 5º do Capítulo I ressalta que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

do direito à vida, á liberdade, à igualdade, a segurança e à propriedade [...]” (BRASIL, 1988,

p.5).

Ademais, no Capítulo II artigo 6º faz alusão aos direitos sociais: “são direitos

sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

maternidade e à infância, a assistência aos desamparados [...] (BRASIL, 1988, p.12).

No título VIII no Capítulo III em seu artigo 205, a “Constituição Cidadã” anuncia

que: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e

incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu

preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação pata o trabalho” (BRASIL, 1988,

p.137).

Em relação aos princípios do ensino acrescenta, entre outros:

[...] igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; a liberdade de

aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; a gratuidade

do ensino público em estabelecimentos oficiais, gestão democrática do ensino

público, garantia de padrão de qualidade (BRASIL, 1988, p. 137).

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Como se comporta a Constituição em relação às relações étnico-raciais? No

tocante à questão étnico-racial, segundo Baraviera28

(2005), mais que proteger uma raça, a

Constituição de 1988 reconheceu o caráter multirracial da população brasileira, respeitando a

pluralidade étnica que caracteriza o povo brasileiro. O texto da Lei dispõe:

Art. 215.

§1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-

-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

§ 2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para

os diferentes segmentos étnicos nacionais (BARAVIERA, 2005, p. 6).

Vemos o respeito não só ao negro, como também ao indígena e a “outros grupos

participantes do processo civilizatório nacional”, o que inclui as inúmeras correntes

migratórias que forjaram o povo brasileiro, em especial por recepcionar, como elementos

relevantes da cultura nacional, datas significativas que em princípio não teriam caráter geral,

mas que adquiriram tal status em face da representatividade de cada cultura particular no

caldeirão da cultura nacional.

No art. 242, § 1º, dispõe-se que “o ensino da História do Brasil levará em conta as

contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro”

(BARAVIERA, 2005, p. 7). Nesse caso, observamos a preocupação com o sistema

educacional do país, que não poderá mais aceitar a parcialidade e os preconceitos de outrora.

Em se tratando da legislação educacional brasileira em termos da Lei de Diretrizes

e Bases da Educação Nacional (LDBEN) – Lei nº 9.394/96, vejamos como ela se refere à

concepção, aos princípios e aos fins da educação:

A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar,

na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos

movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais

(BRASIL, 1996, [art. 1º]).

28

A autora resume como a questão racial se apresenta nas Constituições Brasileiras. A Constituição de 1824

ignorava o regime escravocrata. O escravo era tratado como coisa. Porém já proclamava a igualdade. Na

Constituição de 1891 não há preocupação com a igualdade racial. A palavra raça vai aparecer pela primeira

vez na Constituição de 1934, contudo ainda guardava os ranços do preconceito. O que é um contrasenso, pois

para Sapio (2010), os maiores avanços e conquistas na área educacional, por exemplo, o direito à educação

como sendo um direito gratuito e obrigatório de todos os brasileiros foram contemplados naquela

Constituição. A Constituição de 1937, por sua vez, propalou a igualdade, porém aboliu a palavra raça. A

Constituição de 1946 foi omissa quanto ao termo. O termo reaparece na Constituição de 1967 e de 1969,

mencionando a punição para o preconceito.

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De fato a LDB nº. 9.394/96 destaca a educação como processo formativo e

corrobora a visão de que não é exclusividade da escola o papel de educar, considerando que

em diferentes espaços se desenvolve o ato educativo.

Além desses aspectos a LDB elenca 11 princípios norteadores da educação

nacional. São eles:

I- igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II- liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a

arte e o saber;

III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;

IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;

V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

VII - valorização do profissional da educação escolar;

VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos

sistemas de ensino;

IX - garantia de padrão de qualidade;

X - valorização da experiência extra-escolar;

XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais (BRASIL,

1996, [art. 3º]).

No que concerne aos fins da educação nacional, que está estreitamente vinculada

aos princípios, o texto da Lei determina ser a educação “dever da família e do Estado,

inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade

o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996, [art. 2º]).

Neste trecho da legislação observamos a alusão uma importante finalidade da

educação, preparar para o exercício da cidadania. Ao Iluminismo é atribuído o discurso de

que a educação era um meio privilegiado para formar os cidadãos dentro da perspectiva

democrática. Desse modo, a educação para a cidadania precisaria empenhar-se em expurgar

de cada homem as crenças, as fantasias, as ilusões que em nada contribuem para o

desenvolvimento de uma consciência crítica.

Quando acentuamos a educação para a cidadania, queremos focar também que ela

é proclamada na atual LDB como um direito de todos, mas sabemos que historicamente tem

sido um privilégio de poucos. Esse cenário reafirma o papel preponderante da escola em

reproduzir a ordem social, em vez de trabalhar em função de sua transformação.

Porém, a educação é um campo de luta e de contestação contínuas porque se

molda entre reprodução social e cultural, por um lado, e rupturas via práticas alternativas,

resistentes e questionadoras, por outro (GIROUX,1993). Nesse sentido, como sinaliza

Enguita (apud KREUTZ, 1998), a educação escolar é o lugar-chave na produção e reprodução

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da cultura; nesse movimento podem ocorrer tensões e prejuízos étnicos. Se tal acontece,

decorre a dúvida de que a escola seja um espaço onde a criança, o jovem e o adulto possam

conviver com os seus pares, a ele iguais, pelo menos em princípio.

De nossa parte respeitamos as críticas dirigidas à instituição escolar, não obstante,

não somente reafirmamos a noção de cidadania, nascida do Iluminismo e da Revolução

Francesa, ligada a um projeto de universalização da instrução e da educação, como

defendemos a escola considerando-a um lugar prioritário para aprender a cidadania e,

ademais, de democratização do saber (conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais).

Em face disso, perguntamos: Como deve se configurar a educação escolar na perspectiva da

cidadania?

A resposta está condicionada às nossas concepções e práticas pedagógicas, as

quais estão em conexão com determinadas visões de mundo, de ser humano, de sociedade, de

conhecimento, entre outros aspectos. O autor Mário Sérgio Cortella, em sua obra “Escola e

Conhecimento” (2003), tece algumas reflexões a esse respeito. O autor coloca que nem

sempre temos uma percepção clara e consciente de suas fontes e consequências. Contudo,

consideramos que os profissionais da educação, sobretudo os professores, precisam discernir

as proveniências de tais concepções e práticas.

Para nós, há o entendimento de que, entre outras dimensões, é preciso que a

escola realize uma reorientação curricular de modo a levar em conta a realidade do aluno e a

partir dela buscar conhecimentos mais elaborados para que ele possa compreendê-la e

modificá-la (CORTELLA, 2003).

Reiteramos a cidadania como horizonte, mas esta requer que instauremos uma

pedagogia para a autonomia, para a liberdade, para a emancipação e para a crítica, ao mesmo

tempo, um ensino para a assunção da identidade cultural. Nesse entendimento, o pensamento

educacional de Paulo Freire presente no conjunto das suas obras, mais precisamente em

“Pedagogia do Oprimido” (1987) e “Pedagogia da Autonomia” (1996), passam a ser as nossas

referências pela importância e atualidade de suas concepções e conceitos.

Com efeito, optamos em tomar Paulo Freire como referência em virtude do seu

pensamento educacional progressista se assentar na realidade econômica e social, no conjunto

de competências e qualificações que o corpo docente deve possuir para conciliar o processo

educacional à sua realidade subjacente, ao seu aspecto emocional e psicológico (SAPIO,

2010).

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3.5 Conceitos em Paulo Freire

3.5.1 A humanização como vocação

O livro “Pedagogia do Oprimido” (FREIRE, 1987) reúne quatro tópicos

compostos de vários subtópicos. Nos tópicos o autor justifica a pedagogia do oprimido; a

concepção “bancária” da educação como instrumento da opressão, a dialogicidade, essência

da educação como prática da liberdade e a teoria da ação antidialógica. No entanto, nessa obra

somente os dois primeiros tópicos servirão de guia para as nossas reflexões, quais sejam,

“primeiras palavras e a concepção bancária da educação como instrumento da opressão” (p.

07). Seus pressupostos, sua crítica.

A pergunta o que é o homem é uma pergunta de difícil resposta. A Filosofia é um

ramo do conhecimento que tem se dedicado a pensar sobre a natureza humana, mas, mesmo

entre os filósofos, não existe um consenso sobre a concepção de homem e de sua

humanização. Demarcamos a visão de Paulo Freire sobre esse assunto, por ele conceber o ser

humano como processo.

Na perspectiva freireana, a humanização pode ser entendida como vocação dos

homens, que, embora negada, é também afirmada na própria negação. Onde a vocação é

negada? Na injustiça, na exploração, na opressão, na violência dos opressores. E onde é

afirmada? Na justiça, na luta dos oprimidos pela recuperação de sua humanidade roubada. A

violência é outro tipo de vocação, a de ser menos, negando a vocação de ser mais. Como

textualmente ele coloca:

Como distorção do ser mais, o ser menos leva os oprimidos, cedo ou tarde, a lutar

contra quem os fez menos. E esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao

buscarem recuperar sua humanidade, ao buscarem recuperar sua humanidade, que é

uma forma de criá-la, não se sentem idealisticamente opressores, nem se tornam de

fato opressores dos opressores, mas restauradores da humanidade de ambos. E aí

está a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos- libertar-se a si mesmos e

aos opressores (FREIRE, 1987, p.30).

Essa tese de Freire (1987) traduz a sua visão antropológica e seu compromisso

ético-político com a humanidade, sobretudo, a brasileira. A trajetória de Paulo Freire, tanto

intelectual como política, revela a sua preocupação com o quadro de desigualdades sociais,

ainda não superado, que assola a sociedade brasileira, o qual facilita a dominação. Essa sua

visão é muito pertinente para problematizar a situação passada e atual do negro no Brasil.

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Em acréscimo à leitura de Paulo Freire sobre as injustiças sociais a que o povo

brasileiro está submetido, são ilustrativas as análises do sociólogo Ribeiro (2007), ao afirmar

que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, e grande parte das pessoas pobres

também são negras. O autor adverte que as pessoas que são pobres e negras recebem dupla

discriminação, tanto por serem pobres quanto por serem negras.

A desigualdade social, econômica e cultural entre brancos e negros é uma visível

herança da vida colonial e da primeira fase da vida independente em que o negro aparece

deformado pela escravidão. Tais questões, de certa forma, ainda se refletem no imaginário

popular brasileiro. O escravismo perverte todas as formas de relações sociais, em que

preconceitos de classe fundem-se com preconceitos de raça, que alguns tentam mascarar com

o conceito de uma democracia racial, comprometendo, negativamente, a identidade e o

reconhecimento dos negros na construção da sociedade brasileira, seja no aspecto econômico,

seja no cultural29

.

Indagamos, portanto: Qual tem sido o papel da educação formal com vistas a

potencializar a construção da identidade afirmativa e da consciência dos oprimidos negros?

3.5.2 Práxis e Ser mais

Freire (1987) salienta na “Pedagogia do Oprimido” que a contradição opressor e

oprimido só pode ser superada por meio da reflexão e ação dos homens. Dessa forma, tal

superação exige a inserção crítica dos oprimidos na realidade opressora, de modo a

reconhecerem a realidade objetiva para transformá-la. Nesse sentido, o grupo oprimido

precisa reconhecer a sua condição de oprimido, mas, mais que isso, deve ter consciência de

que é preciso mudar essa situação para que ocorra o seu reconhecimento verdadeiro, portanto,

o reconhecimento requer ação.30

Nessa perspectiva, Freire (1987) opera o conceito de ser mais que significa

exatamente a possibilidade que se apresenta ao homem concreto, de se humanizar, de deixar

de ser coisa. Essa possibilidade é fundamental na experiência humanística do autor. O

29

Retomaremos essa discussão em páginas posteriores, esboçando os aspectos históricos e conceituais das

relações raciais no Brasil. 30

O sentido da ação que aqui se concebe reside na perspectiva da ação política, de tomar uma iniciativa, começar

algo novo. É tomar uma decisão, falar, solicitar o assentimento e o acordo do outro, provocar reações

(CANIVEZ, 1991, p. 138).

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compromisso radical com o homem concreto não pode ser passivo: ele é práxis, inserção na

realidade e conhecimento científico dessa realidade.

Diante dessas premissas, no que diz respeito à questão étnico-racial na sociedade

brasileira, que já foi desvelada como racista, e cujo racismo à brasileira ainda é camuflado, é

preciso que, tanto negros quanto brancos, índios, pardos, se coloquem de forma radical frente

ao racismo e à discriminação racial, conforme a raiz do termo radical, buscando, desse modo,

as origens do problema.

Em outras palavras,

É preciso, [...] que tenhamos na resistência que nos preserva vivos, na compreensão

do futuro como problema e na vocação para o ser mais como expressão da natureza

humana em processo de estar sendo, fundamentos para a nossa rebeldia e não para a

nossa resignação em face das ofensas que nos destroem o ser. Não é na resignação,

mas na rebeldia em face das injustiças que nos afirmamos (FREIRE, 1996, p. 87).

Portanto, não basta ter somente consciência do racismo que existe objetivamente,

afetando sobretudo a subjetividade dos negros; é necessário que negros e brancos, índios e

pardos façam jus à vocação humana, que não se deixem aprisionar por nenhuma situação

vivida. Conforme Freire, sobre a relação opressora versus oprimido (1987, p. 31),

[...] os opressores, falsamente generosos, têm necessidade, para que a sua

“generosidade” continue tendo oportunidade de realizar-se, da permanência da

injustiça [...]. Não pode jamais entender esta “generosidade” que a verdadeira

generosidade está em lutar para que desapareçam as razões que alimentam o falso

amor [...].

Nessa mesma linha de raciocínio questiona Freire (1987, p. 31): “quem melhor

que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma

sociedade opressora?” Em se tratando das relações étnico-raciais, os indicadores raciais e

sociais indicam a condição dos grupos31

.

Nesse sentido, os movimentos sociais organizados dos negros entendem que a

educação é uma importante e indispensável ferramenta no combate ao racismo, sem ignorar

que ela também serve para a manutenção das condições vigentes de opressão. O confronto

que Paulo Freire estabelece entre a educação bancária e a problematizadora é iluminativo para

compreendermos esse duplo papel que a educação escolar pode servir.

31

Os dados dessa condição são retratados objetivamente por meio de indicadores educacionais (Capítulo 2 e 5)

e de rendimento mensal (Capítulo 5).

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3.5.3 Educação Libertadora (problematizadora) e identidade cultural

Paulo Freire compreende a existência de várias educações como “formas

diferentes de os seres humanos partirem do que são para o querem ser” (ROMÃO, 2010, p.

133). Freire cunhou essas formas de educação bancária, que torna as pessoas menos humanas

face a sua condição de oprimidas; e outra, libertadora, que transforma as pessoas da condição

de alienação para a de emancipação32

. Assim, a Pedagogia Libertadora propugnada por ele

representa um legado de inestimável valor porque tem como fundamento filosófico a

valorização da vida que perpassa pela solidariedade, pelo diálogo, pela crítica, pela

democracia e pela ética.

Em seus escritos, Paulo Freire deixa entrever que subjaz a ideia de uma educação

problematizadora, uma concepção de educação como formadora de uma identidade

específica: a identidade cidadã. Esta identidade, entendida como cidadania concreta, deve

pautar-se tanto nos aspectos materiais, como salários dignos, melhores condições de moradia,

entre outros, quanto nos direitos subjetivos, como, por exemplo, a cultura do indivíduo. Daí a

relevância que Freire confere ao respeito pela identidade cultural tanto dos alunos quanto dos

professores. Para ele,

Uma das tarefas mais importantes da prática educativa-crítica é propiciar as

condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o

professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se

como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador,

realizador de sonhos, capaz de ter raiva, porque capaz de amar. Assumir-se como

sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto. A assunção de nós mesmos não

significa a exclusão dos outros. É a outredade do não eu, ou do tu, que me faz

assumir a radicalidade de meu eu (FREIRE, 1996, p. 46).

Freire (1996) compreende a identidade cultural constituída das dimensões

individual e de classe que, na prática educativa, não pode ser desprezada. Desse modo, o

pensar certo33

coloca ao professor e de uma forma geral à escola o dever de não só respeitar

os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela, saberes

socialmente construídos na prática comunitária, mas também discutir com os alunos a razão

de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino de conteúdos.

32

A emancipação significa um conquista política a ser efetivada pela práxis humana, na luta pela libertação.

(MOREIRA, 2010, p. 145). 33

Em Freire pensar certo refere-se à coerência entre teoria e prática, à crítica e autocrítica, ao pensamento

dialético, à radicalidade do diálogo, entre outros significados (ZITROSKI, 2010, p. 312).

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Percebemos como correlata a essa compreensão freireana de conhecimento a

concepção sustentada por Cortella (2003). Em ambos percebemos a concepção de que o

conhecimento é uma construção cultural e a escola tem uma responsabilidade política, seja no

sentido conservador, seja no sentido inovador que se expressa também na forma como esse

mesmo conhecimento é compreendido, selecionado, transmitido e recriado.

Uma pergunta que Freire (1996, p. 34) levanta: Por que não estabelecer uma

“necessária intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência

social que eles têm como indivíduos?34

Convém mencionarmos que hoje também se encontra na pauta da educação a

discussão acerca da importância dos direitos humanos como saberes curriculares, pois, como

afirma Pereira (2012, p. 149): “a reprodução e a construção dos direitos exigem da educação o

educar para os direitos humanos. Quando estamos educando em direitos humanos estamos

criando direitos humanos”. Nessa compreensão, resolvemos trazer à tona, neste trabalho,

alguns instrumentos internacionais e nacionais sobre direitos humanos.

3.6 Pautas internacionais e nacionais sobre direitos humanos

3.6.1 Pautas internacionais

Temos acompanhado diariamente pelos meios de comunicação, e às vezes até

presenciamos inúmeros casos de conflitos causados pela religião, pelo homofobismo, pela

discriminação contra a mulher, entre outros. São conflitos que colocam na pauta do dia a

questão da cultura e da identidade para a sociedade e consequentemente para a educação

escolar. Essa é uma pauta que está respaldada nos movimentos internacionais sobre os

Direitos Humanos, sobre o Racismo, sobre a Diversidade Cultural, dentre outros.

Existe um conjunto de instrumentos que são referências para proteção dos direitos

humanos. Partiremos dos ensinamentos de Piovesan (2012), ao examinar a

internacionalização dos direitos humanos no pós-guerra e alguns instrumentos normativos do

sistema global de proteção internacional e regional dos direitos humanos.

34

Discorreremos mais detidamente o assunto que envolve a questão do currículo mais adiante.

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Nesse aspecto, ganha destaque a lei como instrumento normativo.35

Segundo

Bobbio (1992, p. 79-80),

A existência de um direito, seja em sentido forte ou fraco, implica sempre a

existência de um sistema normativo, onde por „existência‟ deve entender-se tanto o

mero fato exterior de um direito histórico ou vigente quanto o reconhecimento de

um conjunto de normas como guia da própria ação. A figura do direito tem como

correlata a figura da obrigação.

Por isso, resolvemos esboçar a relação36

de alguns relevantes instrumentos

internacionais de proteção dos direitos humanos. Destacamos neles a data de adoção e de sua

promulgação no Brasil. Busca dar ênfase aos aspectos étnico-raciais tanto no que concerne ao

sistema global quanto interamericano.

a) Pautas do sistema global

Carta das Nações Unidas, da ONU (1945)

De acordo com Piovesan (2012) a Carta das Nações Unidas simboliza uma nova

ordem do Direito Internacional a partir da organização dos países (aliados) vitoriosos da 2ª

Guerra Mundial, os quais firmaram acordos de cooperação internacional. A Carta das Nações

Unidas foi adotada pela Conferência de São Francisco em 26.06.1945. Promulgada no Brasil

pelo Decreto nº. 19.841 em 22.10.1945. Os propósitos da Carta são:

Artigo 1º

2. Desenvolver ações entre as nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade

de direitos e da autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao

fortalecimento da paz universal.

3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas

internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para

promover e estimular o respeito aos direitos humanos às liberdades fundamentais

para todos sem distinção de raça, sexo, língua ou religião. [...] (BRASIL, 1945).

A Carta das Nações Unidas baseia-se em princípios de dignidade e igualdade

inerentes a todos os seres humanos, e todos os Estados Membros comprometeram-se a tomar

medidas separadas e conjuntas, em cooperação com a Organização, para a consecução de um

35

Porém, como afirma Cury (2002), a importância da lei nasce do caráter contraditório, portanto, nela reside

uma dimensão da luta. 36

A relação é uma adaptação do quadro apresentado no livro “Direitos Humanos e o Direito Constitucional

Internacional” (PIOVESAN, 2012).

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dos propósitos das Nações Unidas que é promover e encorajar o respeito universal e a

observância dos direitos humanos e liberdades fundamentais para todos, sem discriminação

de raça, sexo, idioma ou religião.

Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU (1948)

Adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10.12.1948. Em seus

propósitos defende que cada indivíduo e cada sociedade se esforcem, através do ensino e da

educação, para promover o respeito a esses direitos e liberdades. A Declaração é composta de

30 artigos, dentre os quais destacamos: “Artigo 1º - Todas as pessoas nascem livres e iguais

em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às

outras com espírito de fraternidade” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).

No texto em apreço, é possível perceber a compilação de todas as eras dos direitos

derivadas da tríade francesa direitos de liberdade (liberdades civis e políticas, de

inação do Estado frente ao indivíduo), direitos de igualdade (direitos sociais) e os

direitos de fraternidade (chamados de direitos de solidariedade) (SANFELICE,

2008, p. 7).

Ademais, é de crucial relevância o teor referido à consciência e a razão; isto

equivale dizer que todos estão imbuídos da capacidade de agir, seja para o bem, seja para o

mal. Os relacionamentos entre os homens devem se desenvolver de forma fraterna, isto é, o

reconhecimento e o respeito da alteridade devem imperar nas relações humanas.

Artigo VI – “Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares reconhecida

como pessoa perante a lei e a esses direitos e liberdades [...]” (PIOVESAN, 2012, p.470).

Este artigo trata do reconhecimento da personalidade jurídica dos seres humanos.

Confere ao sujeito o direito de exercer seus direitos e contrair obrigações. Negar-lhe

o direito de personalidade equivale a não reconhecer sua própria existência. A

Declaração inspira-se na igualdade de todos os homens. Cada ser humano é único,

insubstituível, dotado de especificidade que o individualizam [...]. A dignidade da

pessoa humana tem por fim último a plena realização de sua personalidade [...].

(GUARDIA, 2008, p. 31-32).

Artigo VII - Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a

igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que

viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação (PIOVESAN,

2012).

Na esteira de Cury (2002, p. 255), a igualdade é:

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O princípio tanto da não discriminação quanto ela é o foco pelo qual os homens

lutaram para eliminar os privilégios de sangue, de etnia, de religião ou de crença. Ela

é ainda o norte para pelo qual as pessoas lutam para reduzir as desigualdades e

eliminando as diferenças discriminatórias.

Artigo XXVI - Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo

menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A

instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta

baseada no mérito. “[...]. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da

personalidade humana [...]. A instrução promoverá a tolerância à amizade [...] entre grupos

raciais ou religiosos [...]” (CURY, 2002, p. 473).

A educação37

é um direito reconhecido e, como tal, é preciso que seja garantido

ou protegido. Atualmente se tem discutido o direito à educação escolar do ponto de vista do

que Bobbio (1992) chama de especificação. Trata-se, portanto, do direito à diferença em que

se mesclam as questões de gênero com as de etnia, credo, entre outras.

Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, da ONU (1966)

Adotado pela Resolução 2.200-A (XXI) da Assembleia Geral das Nações em

16.12.1966. Promulgado no Brasil pelo Decreto n. 592, de 6.7.1992, é composto por 58

artigos.

Artigo 26 - Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem

discriminação, a igual proteção da lei. A este respeito, a lei deve proibir todas as

discriminações e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra toda a

espécie de discriminação, nomeadamente por motivos de raça, de cor, de sexo, de

língua, de religião, de opinião política ou de qualquer outra opinião, de origem

nacional ou social, de propriedade, de nascimento ou de qualquer outra situação

(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1996).

Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, da ONU (1966)

Adotado pela Resolução 2.200-A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas

em 16.12.1966. Promulgado pelo Brasil no Decreto n.591, de 6.7.1992. Composto por 22

artigos.

37

Na classificação dos direitos, a educação escolar é entendida como direito social. Thomas Marshall (1967)

diferencia os direitos e os classifica por períodos. No século XVIII, se estabeleceram os direitos civis, os

políticos, no século XIX, e os sociais, no século XX.

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89

Artigo 13 - Os Estados-Partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda a

pessoa à educação. Concordam que a educação deve visar ao pleno desenvolvimento

da personalidade humana e do sentido da sua dignidade e reforçar o respeito pelos

direitos do homem e das liberdades fundamentais. Concordam também que a

educação deve habilitar toda a pessoa a desempenhar um papel útil numa sociedade

livre, promover compreensão, tolerância e amizade entre todas as nações e grupos,

raciais, étnicos e religiosos, e favorecer as actividades das Nações Unidas para a

conservação da paz (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1996).

Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, da ONU, 1965

Adotada pela Resolução 2.106-A (XX) da Assembleia Geral das Nações Unidas

em 21.12.1965. É composto por 25 artigos, dentre os quais mencionamos:

Artigo 1º - conceitua Convenção, a expressão “discriminação racial” como toda

distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem

nacional ou étnica que tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento,

gozo ou exercício em um mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos e

liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer

outro campo da vida pública (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1965).

Ressaltam que não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais

tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou

étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para

proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e

liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em consequência, à

manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem

sido alcançados os seus objetivos.

Ainda nos seus artigos 2º e 3º reportam que:

Os Estados-partes condenam a discriminação racial e comprometem-se a adotar, por

todos os meios apropriados e sem dilações, uma política destinada a eliminar a

discriminação racial em todas as suas formas e a encorajar a promoção de

entendimento entre todas as raças, e para este fim.

Os Estados-partes comprometem-se a tomar as medidas imediatas e eficazes,

principalmente no campo do ensino, educação, cultura, e informação, para lutar

contra preconceitos que levem à discriminação racial e promover o entendimento, a

tolerância e a amizade entre nações e grupos raciais e étnicos, assim como para

propagar os propósitos e os princípios da Carta das Nações Unidas, da Declaração

Universal dos Direitos Humanos, da Declaração das Nações Unidas sobre a

Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial e da presente Convenção

(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1995).

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b) Pautas do Sistema Regional Interamericano

Convenção Americana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA)

(1969)

Adotada e aberta a assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre

Direitos Humanos, em São José da Costa Rica, em 22.11. 1969. Promulgada no Brasil pelo

Decreto n. 678, de 6.11.1992. É composto por 82 artigos.

Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em matéria de Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais, da OEA (1998)

Adotado pela Assembleia Geral da OEA em 17.11.1998. Promulgado no Brasil

pelo Decreto n. 3.321, de 30.12.1999. No artigo 13 consta:

1. Toda pessoa tem direito à educação.

2. Os Estados-partes neste Protocolo convêm em que a educação deverá orientar-se

para o pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua

dignidade e deverá fortalecer o respeito pelos direitos humanos, pelo pluralismo

ideológico, pelas liberdades fundamentais, pela justiça e pela paz. Convêm também,

em que a educação deve capacitar todas as pessoas para participar efetivamente de

uma sociedade democrática e pluralista, conseguir uma subsistência digna, favorecer

a compreensão, a tolerância e a amizade entre toadas as nações e todos os grupos

raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades da manutenção da paz.

(PIOVESAN, 2012, p.650).

Destacam-se ainda como instrumentos importantes sobre os direitos humanos:

Convenção relativa à luta contra a Discriminação no campo do ensino, da UNESCO (1960)

Adotada em 14 de dezembro de 1960 pela Conferência Geral da UNESCO. Diz a

Convenção:

Para os fins da presente Convenção, o termo “discriminação” abarca qualquer

distinção, exclusão, limitação ou preferência que, por motivo de raça, cor, sexo,

língua, religião, opinião publica ou qualquer outra opinião, origem nacional ou

social, condição econômica ou nascimento, tenha por objeto ou efeito destruir ou

alterar a igualdade de tratamento em matéria de ensino [...]. (UNESCO, 2012).

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Conferência de Teerã, da ONU (1968)

O propósito consistiu em examinar os progressos alcançados nos vinte anos

transcorridos desde a aprovação da Declaração Universal de Direitos Humanos e preparar um

programa para o futuro.

É preciso fazer com que os povos do mundo se dêem conta do mal da discriminação

racial e se unam para combatê-la. A aplicação deste princípio de não discriminação,

consagrado na Carta das Nações Unidas. A Declaração Universal de Direitos

Humanos e outros instrumentos internacionais em matéria de direitos humanos,

constitui uma tarefa urgentíssima da humanidade, tanto no plano internacional como

no nacional. Todas as ideologias baseadas na superioridade racial e na intolerância

devem ser condenadas e combatidas (CONFERÊNCIAS DA ONU..., 1968).

A citada Conferência versa ainda que a discriminação por motivos de raça agride

a consciência da humanidade e põe em perigo os fundamentos de liberdade, de justiça e de

paz no mundo.

Conferência de Viena, da ONU (1993)

Visou oferecer uma análise abrangente do sistema internacional dos direitos

humanos e dos mecanismos de proteção dos direitos humanos, para fortalecer e promover

uma maior observância desses direitos de forma justa e equilibrada.

Ressalta o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem

distinções de qualquer espécie; é uma norma fundamental do direito internacional na área dos

direitos humanos. A eliminação rápida e abrangente de todas as formas de racismo e

discriminação racial, de xenofobia e de intolerância associadas a esses comportamentos deve

ser uma tarefa prioritária para a comunidade internacional. Os Governos devem tomar

medidas eficazes para preveni-las e combatê-las.

Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância

Correlata, da ONU (2001)

A Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e

Intolerância Correlata foi realizada em 08 de setembro de 2001, na África do Sul, na cidade

de Durban. Teve como preocupação refletir sobre os desafios a serem superados para o

combate de diferentes formas de racismo e discriminação com vistas à prestação de

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assistência adequada às vítimas, e educação pública para evitar incidentes futuros de violência

motivados pelo racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata.

A Conferência, reconhecendo a necessidade urgente de se traduzir os objetivos da

Declaração em um Programa de Ação prático e realizável, adotou medidas e estratégias contra

o Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata.

A Declaração enumera as medidas de prevenção, educação e proteção com vistas

à erradicação do racismo, da discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata em níveis

nacionais, regionais e internacionais.

Em relação à igualdade de oportunidades, atentamos para o texto da declaração:

Reconhecemos que as desigualdades de condições políticas, econômicas, culturais e

sociais podem reproduzir e promover o racismo, discriminação racial, xenofobia e

intolerância correlata, e têm como resultado a exacerbação da desigualdade.

Acreditamos que a igualdade de oportunidades real para todos, em todas as esferas,

incluindo a do desenvolvimento, é fundamental para a erradicação do racismo,

discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata.

Em relação aos vínculos entre o direito à educação e a luta contra o racismo

discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata.

Enfatizamos os vínculos entre o direito à educação e a luta contra o racismo,

discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata e o papel essencial da

educação, incluindo a educação em direitos humanos, e a educação que reconheça e

que respeite a diversidade cultural, especialmente entre as crianças e os jovens na

prevenção e na erradicação de todas as formas de intolerância e discriminação.

No que diz respeito à educação em direitos humanos para promoção da

conscientização das causas, conseqüências e males do racismo.

Insta os Estados a intensificarem seus esforços no campo da educação, incluindo a

educação em direitos humanos, a fim de promoverem o entendimento e a

conscientização das causas, consequências e males do racismo, discriminação

racial,xenofobia e intolerância correlata e, também, recomenda aos Estados

incentivar as autoridades educacionais e o setor privado a desenvolverem materiais

didáticos, em consulta com autoridades educacionais e o setor público, incluindo,

livros didáticos e dicionários, visando ao combate daqueles fenômenos; neste

contexto, exorta os Estados a darem a importância necessária à revisão e à correção

dos livros-textos e dos currículos para a eliminação de quaisquer elementos que

venham a promover racismo,discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata

ou a reforçar estereótipos negativos, e para incluírem material que refute tais

estereótipos.

Em relação aos componentes antidiscriminatórios.

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93

Insta os Estados a introduzirem e a reforçarem, se necessário, os componentes

antidiscriminatórios e anti-racistas nos programas de direitos humanos, nos

currículos escolares para desenvolverem e melhorarem o material didático, inclusive

os livros de história e outros livros didáticos, e a assegurarem que todos os

professores sejam bem formados e devidamente motivados para moldar atitudes e

padrões comportamentais baseados nos princípios da não-discriminação, respeito e

tolerância mútuos.

Ainda sobre os direitos humanos no que se refere à capacitação com enfoques

anti-racistas.

Insta os Estados a desenvolverem e fortalecerem a capacitação em direitos humanos

com enfoque anti-racistas e anti-sexista para servidores públicos, incluindo o pessoal

da administração da justiça, particularmente os serviços de segurança, serviços

penitenciários e de polícia, bem como entre as autoridades de serviços de saúde,

educação e migração.

Com relação aos desafios da convivência e o desenvolvimento de sociedades

multirraciais e multiculturais harmoniosas, e ao reconhecimento de exemplos positivos de

sociedades multirraciais e multiculturais bem sucedidas tais como algumas existentes na

região do Caribe.

Insta os Estados a reconhecerem os desafios que as pessoas de diferentes raças,

cores, descendências, origens étnicas ou nacionais, religiões e línguas, construídos

socialmente diferentes, vivenciam ao buscarem conviver juntas e a desenvolverem

sociedades multirraciais e multiculturais harmoniosas; também insta-se os Estados a

reconhecerem que os exemplos positivos de sociedades multirraciais e multiculturais

relativamente bem-sucedidas, tais como algumas existentes na região do Caribe,

precisam ser estudados e analisados, e suas técnicas e mecanismos, políticas e

programas de resolução de conflitos baseadas nos fatores relativos à raça,

cor,descendência, língua, religião, origem étnica ou nacional para desenvolverem

sociedades multirraciais e multiculturais harmoniosas.

Além dessas medidas, a Conferência delineia as estratégias para alcançar a

igualdade plena e efetiva, abrangendo a cooperação internacional e o fortalecimento das

nações unidas e de outros mecanismos internacionais no combate ao racismo, à discriminação

racial, xenofobia e intolerância correlata.

No que concerne às medias positivas e especiais, realização de direitos tendo em

vista a qualidade de vida.

[...] a necessidade de se desenhar, promover e implementar em níveis nacional,

regional e internacional, estratégias, programas, políticas e legislação adequados, os

quais possam incluir medidas positivas e especiais para um maior desenvolvimento

social igualitário e para a realização de direitos civis, políticos, econômicos, sociais

e culturais de todas as vítimas de racismo, discriminação racial, xenofobia e

intolerância correlata, inclusive através do acesso mais efetivo às instituições

políticas, jurídicas e administrativas, bem como a necessidade de se promover o

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acesso efetivo à justiça para garantir que os benefícios do desenvolvimento da

ciência e da tecnologia contribuam efetivamente para a melhoria da qualidade de

vida para todos, sem discriminação.

No que tange aos jovens.

Enfatizamos a utilidade de se envolver os jovens no desenvolvimento de estratégias

nacionais, regionais e internacionais orientadas para o futuro e nas políticas de

combate ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata.

No que concerne às políticas orientadas para adoção de medidas e planos de ação,

incluindo a ação afirmativa para assegurar a não discriminação relativa, especialmente, ao

acesso aos serviços sociais, emprego, moradia, educação, atenção à saúde, etc., destacamos:

Reconhece que o combate ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância

correlata é responsabilidade primordial dos Estados. Portanto, incentiva os Estados a

desenvolverem e elaborarem planos de ação nacionais para promoverem a

diversidade, igualdade, equidade, justiça social, igualdade de oportunidades e

participação para todos. Através, dentre outras coisas, de ações e de estratégias

afirmativas ou positivas; estes planos devem visar à criação de condições

necessárias para a participação efetiva de todos nas tomadas de decisão e o exercício

dos direitos civis, culturais, econômicos, políticos e sociais em todas as esferas da

vida com base na não-discriminação. A Conferência Mundial incentiva os Estados a

desenvolverem e elaborarem os planos de ação, para que estabeleçam e reforcem o

diálogo com organizações não governamentais para que elas sejam intimamente

envolvidas na formulação, implementação e avaliação de políticas e de programas

(CONFERÊNCIA..., 2001).

Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, da UNESCO (2002)

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

(UNESCO) declarou que a diversidade cultural é um dos melhores bens da humanidade e

deve ser reconhecida como “patrimônio comum da humanidade”. A Declaração, elaborada no

ano de 2002 pela UNESCO, tem como princípios: Identidade, Diversidade e Pluralismo,

Diversidade Cultural e Direitos Humanos, Diversidade Cultural e Criatividade, Diversidade

Cultural e Solidariedade Internacional. Nas linhas gerais de um Plano de Aplicação, constam:

Favorecer o intercâmbio de conhecimentos e de práticas nos planos nacional e

internacional, assim como dos meios de sensibilização e das formas de cooperação mais

propícios à salvaguarda e à promoção da diversidade cultural.

Promover, por meio da educação, uma tomada de consciência do valor positivo da

diversidade cultural e aperfeiçoar, com esse fim, tanto a formulação dos programas

escolares como a formação de docentes.

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95

Incorporar ao processo educativo, tanto quanto necessário, métodos pedagógicos

tradicionais, com o fim de preservar e aperfeiçoar os métodos culturalmente adequados

para a comunicação e a transmissão do saber (UNESCO, 2002).

A UNESCO prevê como linhas para aplicação da Declaração Universal sobre a

Diversidade Cultural o intercâmbio de experiências de práticas quanto à diversidade cultural.

Há uma confiança nas pesquisas acadêmicas como documentos reveladores de tais

experiências.

A Declaração do Milênio, da ONU (2000)

Realizada de 6 a 8 de setembro de 2000 em Nova York com a presença de

representações de 191 países. Está fincada nos seguintes valores e princípios para pautar as

relações internacionais no século XXI: Liberdade, Igualdade, Solidariedade, Respeito pela

natureza e Responsabilidade comum.

A referida Declaração tem como objetivos-chave:

Paz, Segurança e Desarmamento;

O desenvolvimento e a erradicação da pobreza;

Proteção do ambiente comum;

Direitos humanos, democracia e boa governação;

Proteção dos grupos vulneráveis;

Responder às necessidades especiais da África;

Reforçar as Nações Unidas.

No que diz respeito aos Direitos Humanos, democracia e boa governação,

literalmente o texto diz: “Não pouparemos esforços para promover a democracia e fortalecer o

estado de direito, assim como o respeito por todos os direitos humanos e liberdades

fundamentais internacionalmente reconhecidos, nomeadamente o direito ao desenvolvimento”

(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2000, p. 11).

Respeitar e fazer aplicar integralmente a Declaração Universal dos Direitos

Humanos;

Esforçar-nos por conseguir a plena proteção e a promoção dos direitos civis,

políticos, econômicos, sociais e culturais de todas as pessoas, em todos os países;

Aumentar, em todos os países, a capacidade de aplicar os princípios e as práticas

democráticas e o respeito pelos direitos humanos, incluindo os direitos das minorias;

Lutar contra todas as formas de violência contra a mulher e aplicar a Convenção

sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher;

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96

Adotar medidas para garantir o respeito e a proteção dos direitos humanos dos

migrantes, dos trabalhadores migrantes e das suas famílias, para acabar com os atos

de racismo e xenofobia, cada vez mais frequentes em muitas sociedades, e para

promover uma maior harmonia e tolerância em todas as sociedades;

Trabalhar coletivamente para conseguir que os processos políticos sejam mais

abrangentes, de modo a permitirem a participação efetiva de todos os cidadãos, em

todos os países;

Assegurar a liberdade dos meios de comunicação para cumprir a sua indispensável

função e o direito do público de ter acesso à informação (ORGANIZAÇÃO DAS

NAÇÕES UNIDAS, 2000, p.11).

Um importante documento que não se iguala às Declarações, às Convenções e aos

Tratados, mas que completa e reforça o debate acerca da igualdade e diferença, é o Relatório

do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) publicado em 2004 com o

tema “Liberdade Cultural num mundo Diversificado”.

[...] no Relatório deste ano, há uma expansão substancial da cobertura e do âmbito,

com particular incidência na importância da liberdade cultural e no prejuízo pessoal

e social que pode resultar da penúria. Esta reorientação não abandona os

compromissos básicos da abordagem do desenvolvimento humano. A motivação

subjacente continua a ser a busca de caminhos para melhorar a vida das pessoas e as

liberdades de que podem desfrutar. A negação da liberdade cultural pode gerar

privações significativas, empobrecendo vidas humanas e excluindo pessoas das

ligações culturais que elas têm direito de procurar. Portanto, a perspectiva do

desenvolvimento humano pode ser ampliada para acolher a importância da liberdade

cultural (PNUD, 2004, p. 13).

Ressalta o documento que a liberdade cultural consiste na capacidade de as

pessoas viverem do modo como escolheram, com oportunidade suficiente de considerar

outras opções. “O peso normativo da liberdade dificilmente pode ser invocado quando

nenhuma escolha – real ou potencial – é realmente considerada” (PNUD, 2004, p. 16).

Quadro 09: Resumo das Pautas internacionais

DOCUMENTO FINALIDADE

Carta das Nações Unidas, da ONU (1945)

Simboliza uma nova ordem do Direito Internacional a partir da

organização dos países (aliados) vitoriosos da 2ª Guerra Mundial,

os quais firmaram acordos de cooperação internacional.

Declaração Universal dos Direitos Humanos,

da ONU (1948)

Em seus propósitos defende que cada indivíduo e cada sociedade

se esforcem, através do ensino e da educação, para promover o

respeito a esses direitos e liberdades.

Pacto Internacional dos Direitos Civis e

Políticos, da ONU (1966

Adotado pela Resolução 2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das

Nações em 16.12.1966. Promulgado no Brasil pelo Decreto n.

592, de 6.7.1992. É composto por 58 artigos.

Pacto Internacional dos Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais, da ONU

(1966)

Adotado pela Resolução 2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das

Nações Unidas em 16.12.1966. Promulgado pelo Brasil pelo

Decreto n.591, de 6.7.1992. Composto por 22 artigos.

Convenção sobre a Eliminação de todas as

formas de Discriminação Racial, da ONU,

Adotada pela Resolução 2.106-A (XX) da Assembleia Geral das

Nações Unidas em 21.12.1965. Assegura a adoção de medidas

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97

1965 para eliminação de todas as formas de discriminação racial.

Convenção Americana de Direitos Humanos,

da OEA (1969)

Adotada e aberta a assinatura na Conferência Especializada

Interamericana sobre Direitos Humanos, em São José da Costa

Rica, em 22.11. 1969. Promulgada no Brasil pelo Decreto n. 678,

de 6.11.1992. É composto por 82 artigos.

Protocolo Adicional à Convenção Americana

de Direitos Humanos em matéria de Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais, da OEA

(1998)

Adotado pela Assembleia Geral da Organização dos Estados

Americanos em 17.11.1998. Promulgado no Brasil pelo Decreto n.

3.321, de 30.12.1999.

Convenção relativa à luta contra a

Discriminação no campo do ensino, da

UNESCO (1960)

Diz que o termo “discriminação” abarca qualquer distinção,

exclusão, limitação ou preferência que, por motivo de raça, cor,

sexo, língua, religião, opinião pública ou qualquer outra opinião,

origem nacional ou social, condição econômica ou nascimento,

tenha por objeto ou efeito destruir ou alterar a igualdade de

tratamento em matéria de ensino.

Conferência de Teerã, da ONU (1968)

O propósito consistiu em examinar os progressos alcançados nos

vinte anos transcorridos desde a aprovação da Declaração

Universal de Direitos Humanos e preparar um programa para o

futuro.

Conferência de Viena, da ONU (1993)

Visou oferecer uma análise abrangente do sistema internacional

dos direitos humanos e dos mecanismos de proteção dos direitos

humanos, para fortalecer e promover uma maior observância

desses direitos de forma justa e equilibrada.

Conferência Mundial contra o Racismo,

Discriminação Racial, Xenofobia e

Intolerância Correlata, da ONU (2001)

Teve como preocupação refletir sobre os desafios a serem

superados para o combate de diferentes formas de racismo e

discriminação com vistas à prestação de assistência adequada às

vítimas, e educação pública para evitar incidentes futuros de

violência motivados pelo racismo, discriminação racial, xenofobia

e intolerância correlata.

Declaração Universal sobre a Diversidade

Cultural, da UNESCO (2002)

A Declaração elaborada no ano de 2002 pela UNESCO, tem como

princípios: Identidade, Diversidade e Pluralismo, Diversidade

Cultural e Direitos Humanos, Diversidade Cultural e Criatividade,

Diversidade Cultural e Solidariedade Internacional.

A Declaração do Milênio, da ONU (2000)

Está fincada nos seguintes valores e princípios para pautar as

relações internacionais no século XXI: Liberdade, Igualdade,

Solidariedade, Respeito pela natureza e Responsabilidade comum.

Fonte: A autora, com base em Piovesan (2012).

3.6.2 Pautas nacionais

Primeiramente, antes de abordarmos as pautas nacionais é preciso rever a história,

ainda que seja de forma panorâmica, sobre os significados da categoria raça38

, demarcando-a

como construção social, para que possamos compreender a realidade dos setores sociais que

sofrem com estas questões, sobretudo os negros no Brasil.

38

Segundo Guimarães (2012), o primeiro registro conhecido da palavra raça para designar a divisão dos seres

humanos em espécie foi feita por Francois Bernier, em 1684.

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98

Como sabemos, do século XVI ao XIX predominou no Brasil a economia

escravocrata, tendo como suporte a presença de africanos que foram trazidos de diferentes

lugares hoje conhecidos como Congo, Angola, Moçambique, Nigéria, Níger e Golfo do

Benim. A eles foi atribuída a identidade de africanos e negros, cujo lugar desse negro era a

escravidão (GUIMARÃES, 2012).

Sobre a identidade vista numa perspectiva política, Novaes (1993) deslinda que

ela não se prende apenas ao nível da cultura. Ela envolve, também, os níveis sociopolítico e

histórico em cada sociedade. No entanto, ainda de acordo com Novaes (1993), sabemos que a

movimentação dos negros por sua visibilidade social se fez mais presente a partir da segunda

metade da década de 1980 no início da abertura democrática. Sobre a trajetória do

Movimento Negro na República, vejamos o quadro abaixo:

Quadro 10: Trajetória do Movimento Negro na República

MOVIMENTO

NEGRO BRASILEIRO

PRIMEIRA FASE

(1889-1937)

SEGUNDA FASE

(1945-1964)

TERCEIRA FASE

(1978-2000)

Tipo de discurso racial

predominante Moderado Moderado Contundente

Estratégia cultural de

“inclusão” Assimilacionista Integracionista

Diferencialista (igualdade

na diferença)

Principais princípios

ideológicos e posições

políticas

Nacionalismo e defesa

das forças políticas de

“direita”, nos 1930

Nacionalismo e defesa

das forças políticas de

“centro” e de “direita”,

nos anos de 1940 e 1950

Internacionalismo e

defesa das forças políticas

da esquerda marxista, nos

anos 1970 e 1980

Conjuntura internacional Movimento nazifascista e

pan-africanista

Movimento da negritude

e de descolonização da

África

Afrocentrismo,

movimento dos direitos

civis nos Estados Unidos

e de descolonização da

África

Principais termos de auto-

identificação

Homem de cor, negro e

preto

Homem de cor, negro e

preto

Adoção “oficial” do

termo “negro”.

Posteriormente, usa-se,

também, o “afro-

brasileiro” e “afro-

descendente”

Causa da marginalização

do negro

A escravidão e o

despreparo

moral/educacional

A escravidão e o

despreparo

moral/educacional

A escravidão e o sistema

capitalista

Solução para o racismo

Pela via educacional e

moral, nos marcos do

capitalismo ou da

sociedade burguesa

Pela via educacional e

cultural, eliminando o

complexo de

inferioridade do negro e

reeducando racialmente o

branco, nos marcos do

capitalismo ou sociedade

burguesa

Pela via política (“negro

no poder!”), nos marcos

de uma sociedade

socialista, a única que

seria capaz de eliminar

com todas as formas de

opressão, inclusive a

racial

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99

Métodos de lutas

Criação de agremiações

negras, palestras, atos

públicos “cívicos” e

publicação de jornais

Teatro, imprensa, eventos

“acadêmicos” e ações

visando à sensibilização

da elite branca para o

problema do negro do

país

Manifestações públicas,

imprensa, formação de

comitês de base,

formação de um

movimento nacional

Relação com o “mito” da

democracia racial

Denúncia assistemática

do “mito” da democracia

racial

Denúncia assistemática

do “mito” da democracia

racial

Denúncia assistemática

do “mito” da democracia

racial

Capacidade de

mobilização

Movimento social que

chegou a ter um caráter

de massa

Movimento social de

vanguarda

Movimento social de

vanguarda

Relação com a “cultura

negra”

Distanciamento frente

alguns símbolos

associados à cultura negra

(capoeira, samba,

religiões de matriz

africana)

Ambiguidade valorativa

diante de alguns símbolos

associados à cultura negra

(capoeira, samba,

religiões de matriz

africana)

Valorização dos símbolos

associados à cultura negra

(capoeira, samba,

religiões de matriz

africana, sobretudo o

candomblé)

Como concebiam o

fenômeno da mestiçagem

De maneira positiva

(discurso pró-

mestiçagem)

De maneira positiva

(discurso pró-

mestiçagem)

De maneira positiva

(discurso pró-

mestiçagem)

Dia de reflexão e/ou

protesto

13 de Maio (dia da

assinatura da Lei Áurea,

em 1888)

13 de Maio (dia da

assinatura da Lei Áurea,

em 1888)

20 de Novembro (dia de

rememoração da morte de

Zumbi dos Palmares)

Principais lideranças

Vicente Ferreira, José

Correia Leite, Arlindo

Veiga dos Santos

José Bernardo da Silva,

Abdias do Nascimento

Hamilton Cardoso, Lélia

Gonzalez

Fonte: Domingues (p. 117-118).

O autor acrescenta uma quarta fase (2000 em diante) do Movimento negro

organizado como hipótese interpretativa. Segundo ele entra em cena o movimento hip-hop,

mas adverte que este ainda é um movimento desprovido de um programa político e ideológico

mais geral de combate ao racismo.

Guimarães (2012) nos remete à questão da invisibilidade social, mostrando-nos a

posição de subalternidade que os negros ocupavam nesse período da história no Brasil. Ele diz

que na sociedade escravocrata a raça era importante como forma de dar sentido à vida social,

ou seja, alocava as pessoas em posições sociais. Com o passar do tempo, a categoria raça foi

deixando de ser predominante, cedendo lugar à categoria cor como critério de classificação

social.

Nesse sentido, os significados de raça e etnia têm uma história, conforme

preconiza Guimarães (2003). Na esteira desse autor, elencamos, no quadro abaixo, a história

dos significados da categoria raça, tendo como período de referência dos anos 30 a 2000.

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100

Quadro 11 - História dos significados da categoria raça e das relações entre brancos e negros

FASES ESTUDOS IDEIAS-CHAVES

1930 Gilberto Freyre Prevalece a ideia de cor sobre a idéia de raça, ganha força o mito da democracia

racial.

1940 Donald Pierson O preconceito racial não era um fenômeno racial.

1950 UNESCO A raça como forma de classificação racial: Existência do preconceito

39 racial,

apesar do ideal de democracia racial.

1960 Escola Paulista Na Bahia e em Pernambuco não haveria preconceito. Em São Paulo aparece o

preconceito devido à competitividade social.

Fonte: Guimarães (2012).

Segundo Guimarães (2012), é a partir da obra “Casa Grande e Senzala” que o

conceito de raça foi perdendo sua força, na medida em que por meio dela seu autor, Gilberto

Freyre, aborda a contribuição positiva dos povos africanos à cultura brasileira.

Ainda na perspectiva histórica, na década de 70, o mito da democracia racial será

fortemente atacado pelo Movimento Negro Unificado (MNU). A partir de então, é retomada a

ideia de raça como forma de reivindicação da ancestralidade africana para identificar os

negros. Desse modo, para um negro ser cidadão precisa reinventar sua raça.

Em face de terem sido gerados impasses quanto à adoção das categorias negro e

cor, uma vez que estas não eram nem um conceito analítico nem nativo40

, Guimarães (2012)

propõe o conceito sociológico de raça.

Nessa perspectiva, o conceito de raça, tal como é esboçado por Guimarães (2012),

parte do entendimento de que as categorias negro e raça não se enquadram nem como

conceitos analíticos nem nativos; há o reconhecimento de que as raças biológicas não existem.

Em virtude disso, raça é uma construção social e como tal foi historicamente construída e

difundida com fins políticos. Assim, raça é um “conceito analítico nominalista no sentido que

orienta e ordena o discurso sobre a vida social” (GUIMARÃES, 2012, p. 104). Ademais,

ajuda a pensar e a lutar contra a discriminação.

Concordamos com os postulados de Guimarães (2012), mas é importante

acrescentar a procedência do emprego da categoria negro e acentuar o ideário de negritude,

tendo em vista que esta significa a aceitação dos atributos físicos como também culturais,

mentais, intelectuais, morais e psicológicos. A recuperação da identidade começa pela

39

Utilizava-se a ideia de preconceito nos moldes da “experiência americana como reação emocional de um

grupo racial (o branco) que se sente ameaçado por outro (o negro) na competição por recursos em uma ordem

igualitária (democrática)” (GUIMARÃES, 2012, p.101). 40

Conceito analítico refere-se à “análise de um determinado conjunto de fenômenos que faz sentido apenas no

corpo de uma teoria. O conceito nativo refere-se a categorias que têm sentido no mundo prático”

(GUIMARÃES, 2012, p. 95).

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101

aceitação dos atributos físicos, pois o corpo constitui a sede material de todos os aspectos da

identidade (MUNANGA, 2009).

Considerando a escravidão como violação da dignidade humana é que a

Declaração Universal dos Direitos Humanos, no artigo 4º, proíbe de forma veemente esse tipo

de organização do trabalho humano.

O Brasil é signatário de todas as declarações, tratados e acordos internacionais

para a proteção e a promoção dos direitos humanos e do desenvolvimento, desde as mais

gerais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), já comentada, até as

mais específicas, como a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação Racial (1966), já referidas anteriormente.

Sem enumerá-las exaustivamente, citamos algumas leis que tiveram efeitos

importantes para a realização dos direitos.

a) Pautas anteriores à Constituição de 1988

Lei nº 1.390, de 13 de junho de 1951

No cenário brasileiro, antes da Constituição de 1988, alguns importantes

instrumentos já proibiam a discriminação racial no país, a Lei nº 1.390, de 13 de junho de

1951, conhecida como Lei Afonso Arinos, que foi revogada pela Lei nº 7.437, de 20 de

dezembro de 1985, chamada de Lei Caó (SOUSA, 2009).

Decreto nº 63.223, de 6 de setembro de 1968

Convenção relativa à Luta contra a Discriminação no campo do Ensino.

Conforme o texto do Decreto:

[...] havendo o Congresso Nacional aprovado pelo decreto legislativo n. 40, de 1967,

a Convenção à luta contra a discriminação no campo do ensino, adotada a 15 de

dezembro de 1960, pela Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para

a Educação, a Ciência e a Cultura, por ocasião de sua décima primeira sessão;

E havendo a referida Convenção de conformidade com seu artigo 14, entrado em

vigor para o Brasil, a 19 de julho de 1968, isto é, três meses após o depósito do

instrumento de ratificação junto ao Diretor Geral da UNESCO, realizado em 19 de

abril de 1968;

Decreta que a mesma, apensa por cópia ao presente Decreto, seja executada e

cumprida tão inteiramente como nela se contém (BRASIL, 1968).

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102

Decreto nº 65.810, de 8 de dezembro de 1969

Promulga a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de

Discriminação Racial. Assim declara:

Considerando que a Declaração das Nações Unidas sobre eliminação de todas as

formas de Discriminação Racial, de 20 de novembro de 1963, (Resolução 1.904

(XVIII) da Assembléia-Geral), afirma solenemente a necessidade de eliminar

rapidamente a discriminação racial através do mundo em todas as suas

formas e manifestações e de assegurar a compreensão e o respeito à dignidade da

pessoa humana;

Reafirmando que a discriminação entre os homens por motivos de raça, cor ou

origem étnica é um obstáculo a relações amistosas e pacíficas entre as nações e é

capaz de disturbar a paz e a segurança entre povos e a harmonia de pessoas vivendo

lado a lado até dentro de um mesmo Estado,

Convencidos de que qualquer doutrina de superioridade baseada em diferenças

raciais é cientificamente falsa, moralmente condenável, socialmente injusta e

perigosa, em que, não existe justificação para a discriminação racial, em teoria ou na

prática, em lugar algum,

Desejosos de completar os princípios estabelecidos na Declaração das Nações

Unidas sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação racial e assegurar o

mais cedo possível a adoção de medidas práticas para esse fim,

Acordaram no seguinte:

Artigo I

1. Nesta Convenção, a expressão “discriminação racial” significará qualquer

distinção, exclusão, restrição ou preferência baseadas em raça, cor, descendência ou

origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o

reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano (em igualdade de condição),

de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político econômico,

social, cultural ou em qualquer outro domínio de vida pública (BRASIL, 1969).

Projeto de Lei nº 1.332/1983

O referido Projeto de Lei foi de autoria do então Deputado Abdias Nascimento,

apresentado na Câmara dos Deputados em 14/06/1983. Dispunha sobre ação compensatória,

visando à implementação do princípio da isonomia social do negro, em relação aos demais

segmentos étnicos da população brasileira.

Segundo o Grupo de Trabalho Interministerial, que foi constituído para analisar e

propor medidas necessárias para implantação dos programas, das políticas, e das ações

previstas no Estatuto da Igualdade racial, oficializado pela Portaria n. 79, de 8 de julho de

2011, tal Projeto foi pioneiro quanto à questão de cotas para homens e mulheres negras no que

se refere à educação e ao mercado de trabalho.

Sobre a tramitação do Projeto de Lei n.1.332/1983, informa o site da Câmara dos

Deputados:

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103

A estratégia usada pelos opositores da iniciativa para sufocar o debate foi a

aprovação unânime, o que ocorreu no andamento da proposição na Comissão de

Constituição e Justiça (CCJ), na Comissão de Trabalho e Legislação Social (CTLS)

e na Comissão de Finanças (CF). Esse percurso aparentemente tranqüilo, que

acabava sugerindo a aquiescência de todos os partidos, escondia na verdade a

decisão política de se evitar a discussão da temática racial. A tramitação iniciada em

dezembro de 1983 foi concluída em setembro de 1985. Em seguida, após esperar

quase quatro anos por debate e votação no Plenário, o projeto foi arquivado em 05

de abril de 1989 (BRASIL, 1983, p.6).

b) Pautas a partir da Constituição Federal de 1988

Como visto em páginas anteriores, a dignidade é um dos fundamentos que

alicerçam também a Constituição Federal de 1988. O artigo 3º da referida Carta consagra

como objetivos fundamentais do Estado Brasileiro:

Construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento

nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e

regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,

idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988).

O instrumento legal discrimina os direitos fundamentais, abrindo um título sobre

os princípios fundamentais e introduzindo o Título II – Dos Direitos e Garantias Individuais,

subdividindo-o em cinco capítulos:

(a) Capítulo I – Direitos e Deveres Individuais e Coletivos: correspondem aos direitos ligados

diretamente ao conceito de pessoa humana e de sua própria personalidade, como, por

exemplo, vida, dignidade, honra, liberdade; basicamente, estão previstos no art. 5º.

(b) Capítulo II – Direitos Sociais: caracterizam-se como verdadeiras liberdades positivas, de

observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria

das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social,

que configura um dos fundamentos de nosso Estado Democrático, conforme o art. 1º, IV;

esses direitos estão consagrados a partir do art. 6º.

(c) Capítulo III – Direitos da Nacionalidade: nacionalidade é o vínculo jurídico-político que

liga um indivíduo a certo e determinado Estado, fazendo desse indivíduo um componente

do povo, da dimensão pessoal desse Estado, capacitando-o a exigir sua proteção e

sujeitando-o ao cumprimento de deveres impostos; os direitos da nacionalidade aparecem

no artigo 12 da Constituição.

(d) Capítulo IV – Direitos Políticos: regulamentados nos art. 14 a 16, os direitos políticos são

o conjunto de regras que disciplinam as formas de atuação da soberania popular.

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104

(e) Capítulo V - Partidos Políticos: a Constituição, em seu art. 17, regulamentou os partidos

políticos como instrumentos necessários e importantes para a preservação do Estado

Democrático de Direito, assegurando-lhes autonomia e plena liberdade de atuação, a fim

de concretizar o sistema representativo (SILVA, 2007, p. 171).

Na visão de Piovesan (2012, p. 83), a Constituição em apreço “acentua a

preocupação em assegurar os valores da dignidade e do bem-estar da pessoa humana, como

imperativo da justiça social”. Nesse aspecto, o principal direito garantido pela Constituição

Federal de 1988 é a dignidade humana.

Podemos afirmar, que, uma vez mais a Constituição Federal é a norma diretriz do

país a qual protege os direitos de todos os indivíduos da sociedade brasileira. No entanto,

sabemos que a igualdade preconizada por ela está muito distante de ser alcançada, ficando um

grande contingente da população à margem dos direitos sociais como educação, saúde, entre

outros.

Nesse sentido, embora a Constituição Federal de 1988 defenda que perante a lei

todos são iguais, persistem os abismos sociais e raciais entre classes e grupos. Portanto, são

necessárias ações para combater as desigualdades. Reconhecemos a educação escolar como

um dos meios necessários para minimizar tais desigualdades produzidas pelo

desenvolvimento socioeconômico, embora se saiba dos seus limites.

Nesse cenário, acentuamos a importância das políticas públicas no que diz

respeito ao conjunto das políticas de ação afirmativa41

. Estas se referem a um programa de

políticas públicas ordenado pelo Executivo ou pelo Legislativo, ou implementada por

empresas privadas para garantir a ascensão das minorias étnicas, raciais e sexuais

(GUIMARÃES, 1999).

Outras pautas normativas são importantes. Entre as quais, podemos destacar:

Lei n.º 7.716/1989

Esta Lei é fruto da proposta do Deputado Carlos Alberto Caó, que por meio do

Projeto de Lei n.º 668/88 tipifica como crime inafiançável o racismo (BRASIL, 1989).

41

Esboçaremos mais adiante algumas ações afirmativas no tocante à educação.

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105

Lei nº. 8.081, de 21 de setembro de 1990

Estabelece os crimes e as penas aplicáveis aos atos discriminatórios ou de

preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional, praticados pelos meios de

comunicação ou por publicação de qualquer natureza (BRASIL, 1990).

Lei nº. 9.459, 13 de maio de 1997

Altera os artigos 1º e 20 da Lei nº. 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os

crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, e acrescenta parágrafo ao artigo 140 do

Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

Art. 1º Os arts. 1º e 20 da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passam a vigorar

com a seguinte redação:

"Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação

ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional."

"Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor,

etnia, religião ou procedência nacional.

Pena: reclusão de um a três anos e multa.

§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos,

distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de

divulgação do nazismo.

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios

de comunicação social ou publicação de qualquer natureza:

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

§ 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério

Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de

desobediência:

I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material

respectivo;

II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.

§ 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado

da decisão, a destruição do material apreendido."

Art. 2º O art. 140 do Código Penal fica acrescido do seguinte parágrafo:

"Art. 140.

§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia,

religião ou origem:

[...]

§ Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia,

religião ou origem: Pena- reclusão de um a três anos de multa (BRASIL, 1997).

Projeto de Lei nº. 73/99

Institui Sistema Especial de Reserva de Vagas para estudantes egressos de escolas

públicas, em especial negros e indígenas, nas instituições públicas federais de educação

superior e dá outras providências. É decretado que:

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106

Art. 1º As instituições públicas federais de educação superior reservarão, em cada

concurso de seleção para ingresso nos cursos de graduação, no mínimo, cinqüenta

por cento de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino

médio em escolas públicas;

Art. 2º Em cada instituição de educação superior, as vagas de que trata o art.1º serão

preenchidas por uma proporção mínima de autodeclarados negros e indígenas igual

à proporção de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação

onde está instalada a instituição, segundo o último Censo da Fundação Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (BRASIL, 1999).

Cabe observar que o referido Projeto foi transformado em lei ordinária nº.

12.711/2012, cuja informação de tramitação destaca que ela encontra-se sujeita à apreciação

do plenário da Câmara dos Deputados.

Decreto nº. 4.738, de 12 de junho de 2003

Este Decreto reconhece o pleno direito e por prazo indeterminado a competência

do Comitê Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial para receber e analisar

denúncias de violação dos direitos humanos, conforme previsto no art. 14 da Convenção

Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 7 de março

de 1966.

Projeto de Lei n. 3.627, 25 de abril de 2004

Em seu artigo 1º versa: “As instituições públicas federais de educação superior

reservarão, em cada concurso de seleção para ingresso nos cursos de graduação, no mínimo,

cinquenta por cento de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino

médio em escolas públicas” (COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E MINORIAS, 2004).

No artigo 3º, e 5º o Projeto de Lei especifica o acesso de candidatos que se

autodeclaram negros e indígenas. Vejamos:

Art. 3º. Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art.1º

serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados negros e indígenas, no

mínimo igual à proporção de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da

Federação onde está instalada a instituição, segundo o último Censo da Fundação

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.

Art. 5º. Em cada instituição federal de ensino técnico de nível médio, as vagas de

que trata o art. 3º serão preenchidas, por curso e turno por autodeclarados negros e

indígenas, no mínimo igual à proporção de pretos, pardos e indígenas na população

da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último Censo

da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (COMISSÃO DE

DIREITOS HUMANOS E MINORIAS, 2004).

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107

Os outros artigos se referem aos aspectos de gestão no que tange à avaliação dos

programas quanto à implementação da Lei:

Art. 7º. O Poder Executivo promoverá, no prazo de dez anos, a contar da publicação

desta Lei, a revisão do programa especial para o acesso de estudantes negros, pardos

e indígenas, bem como daqueles que tenham cursado integralmente o ensino médio

em escolas públicas, nas instituições de educação superior.

Art. 8º. As instituições de que trata o art. 1º deverão implementar, no mínimo

25%(vinte e cinco por cento) da reserva de vagas prevista nesta Lei, a cada ano, e

terão o prazo máximo de quatro anos, a partir da data de sua publicação, para o

cumprimento integral do disposto nesta Lei (COMISSÃO DE DIREITOS

HUMANOS E MINORIAS, 2004).

Decreto nº 6.872, de 4 de junho de 2009

Aprova o Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PLANAPIR) e

institui o seu Comitê de Articulação e Monitoramento.

Art. 1o Fica aprovado o Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial -

PLANAPIR, em consonância com os objetivos indicados no Anexo deste Decreto.

Art. 2o A Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da

Presidência da República aprovará e publicará a programação das ações, metas e

prioridades do PLANAPIR propostas pelo Comitê de Articulação e Monitoramento

de que trata o art. 3o, observados os objetivos contidos no Anexo.

Parágrafo único. Os prazos para execução das ações, metas e prioridades do

PLANAPIR poderão ser revisados pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção

da Igualdade Racial, mediante proposta do Comitê de Articulação.

Art. 3o Fica instituído o Comitê de Articulação e Monitoramento do PLANAPIR,

no âmbito da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

(BRASIL, 2009a).

Os objetivos de que trata o artigo 1º do Plano estão distribuídos em 12 eixos:

Trabalho e Desenvolvimento Econômico; Educação; Saúde; Diversidade Cultural; Direitos

Humanos e Segurança Pública; Comunidades e Remanescentes de Quilombos; Povos

Indígenas; Comunidades Tradicionais de Terreiros; Política Internacional; Desenvolvimento

Social e Segurança Alimentar; Infraestrutura e Juventude.

O eixo referente à Educação é composto de 12 ações, conforme discriminado

abaixo:

estimular o acesso, a permanência e a melhoria do desempenho de crianças, adolescentes,

jovens e adultos das populações negras, quilombolas, indígenas, ciganas e demais grupos

discriminados, em todos os níveis, da educação infantil ao ensino superior, considerando

as modalidades de educação de jovens e adultos e a tecnológica;

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108

promover a formação de professores e profissionais da educação nas áreas temáticas

definidas nas diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e

para o ensino de história e cultura afro-brasileira, africana e indígena;

promover políticas públicas para reduzir a evasão escolar e a defasagem idade-série dos

alunos pertencentes aos grupos étnico-raciais discriminados;

promover formas de combate ao analfabetismo entre as populações negra, indígena,

cigana e demais grupos étnico-raciais discriminados;

elaborar projeto de lei com o objetivo de garantir às comunidades ciganas a equivalente

prerrogativa de direito contida no art. 29 da Lei no 6.533, de 24 de maio de 1978, que

garante a matrícula nas escolas públicas para profissionais que exercem atividade

itinerante;

promover a implementação da Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, e do disposto no art.

26-A da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, do Parecer CNE/CP 3/2004 e da

Resolução CNE 01/2004, garantindo seu amplo conhecimento pela população brasileira;

promover e estimular a inclusão do quesito raça ou cor em todos os formulários de coleta

de dados de alunos em todos os níveis dos sistemas de ensino, público e privado;

estimular maior articulação entre a instituição universitária e as comunidades tradicionais,

proporcionando troca de saberes, de práticas e de experiências;

estimular a adoção do sistema de reserva de vagas para negros e indígenas no ingresso às

universidades públicas;

apoiar a implantação de escolas públicas, de nível fundamental e médio, nas comunidades

quilombolas e indígenas, com garantia do transporte escolar gratuito e demais benefícios

previstos no plano de desenvolvimento da educação;

apoiar as instituições públicas de educação superior no desenvolvimento de programas e

projetos de ensino, pesquisa e extensão que contribuam para a implementação e para o

impacto de políticas de ação afirmativa para as populações negra, indígena e demais

grupos étnicos sub-representados no ensino de terceiro grau; e

fortalecer os conselhos sociais das instituições de ensino superior, com representantes de

todos os segmentos envolvidos, para monitorar o Programa Universidade para Todos

(ProUni), principalmente no que se relaciona à inclusão de jovens negros e indígenas

(BRASIL, 2009a).

Em relação ao eixo Diversidade Cultural, o Decreto aborda:

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109

promover o respeito à diversidade cultural dos grupos formadores da sociedade brasileira

e demais grupos étnico-raciais discriminados na luta contra o racismo, a xenofobia e as

intolerâncias correlatas;

estimular a eliminação da veiculação de estereótipos de gênero, raça, cor e etnia nos meios

de comunicação;

fomentar as manifestações culturais dos diversos grupos étnico-raciais brasileiros e

ampliar sua visibilidade na mídia;

consolidar instrumentos de preservação do patrimônio cultural material e imaterial dos

diversos grupos étnicos brasileiros;

garantir as manifestações públicas de valorização da pluralidade religiosa no Brasil,

conforme dispõe a Constituição;

estimular a inclusão dos marcos históricos significativos das diversas etnias e grupos

discriminados, no calendário festivo oficial brasileiro;

apoiar a instituição do feriado nacional no dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra;

estimular a inclusão de critérios de concessões de rádio e televisão que garantam políticas

afirmativas para negros, indígenas, ciganos e demais representantes de minorias étnico-

raciais brasileiras; e

estimular a inclusão de cotas de representantes das populações negras, indígenas, ciganas

e demais minorias étnicas, nas mídias, especialmente a televisiva e em peças publicitárias

(BRASIL, 2009a).

Lei nº. 12. 288, de 20 de julho de 2010

Institui o Estatuto da Igualdade Racial; altera as Leis n. 7.716, de 5 de janeiro de

1989, 9.02942

, de 13 de abril de 1995, 7.34743

, de 24 de julho de 1985, e 10.77844

, de 24 de

novembro de 2003. O Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a

efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e

42

“Proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos

admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho, e dá outras providências”. 43

“Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a

bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e dá outras

providências”. 44

“Estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que for

atendida em serviços de saúde públicos ou privados”.

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110

difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica, para efeito do

Estatuto, considera-se:

I – discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou

preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que

tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em

igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos

político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou

privada;

II – desigualdade racial: toda situação injustificada de diferenciação de acesso e

fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude

de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica;

III – desigualdade de gênero e raça: assimetria existente no âmbito da sociedade que

acentua a distância social entre mulheres negras e os demais segmentos sociais;

IV – população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas,

conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de e

Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga;

V – políticas públicas: as ações, iniciativas e programas adotados pelo Estado no

cumprimento de suas atribuições institucionais;

VI – ações afirmativas: os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e

pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção

da igualdade de oportunidades (BRASIL, 2010a).

Em seu artigo 2º o Estatuto confere ao Estado e à sociedade o dever de garantir a

igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da

etnia ou da cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades

políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua

dignidade e seus valores religiosos e culturais.

Sobre os direitos fundamentais no que concerne à Educação presentes no Título

II; Capítulo II; Seção II e artigo 11, que nos estabelecimentos de ensino fundamental e de

ensino médio, públicos e privados, é obrigatório o estudo da história geral da África e da

história da população negra no Brasil, observado o disposto na Lei nº 9.394, de 20 de

dezembro de 1996. Tal prescrição encontra-se detalhada nos seguintes parágrafos:

§ 1º Os conteúdos referentes à história da população negra no Brasil serão

ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, resgatando sua contribuição

decisiva para o desenvolvimento social, econômico, político e cultural do país;

§ 2º O órgão competente do Poder Executivo fomentará a formação inicial e

continuada de professores e a elaboração de material didático específico para o

cumprimento do disposto no caput deste artigo.

§ 3º Nas datas comemorativas de caráter cívico, os órgãos responsáveis pela

educação incentivarão a participação de intelectuais e representantes do movimento

negro para debater com os estudantes suas vivências relativas ao tema em

comemoração (BRASIL, 1996, p. 4).

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111

Ainda no artigo 13, o documento declara que o poder executivo federal, por meio

dos órgãos competentes, incentivará as instituições de ensino superior públicas e privadas,

sem prejuízo da legislação em vigor, a:

II – incorporar nas matrizes curriculares dos cursos de formação de professores

temas que incluam valores concernentes à pluralidade étnica e cultural da sociedade

brasileira;

IV – estabelecer programas de cooperação técnica, nos estabelecimentos de ensino

públicos, privados e comunitários, com as escolas de educação infantil, ensino

fundamental, ensino médio e ensino técnico, para a formação docente baseada em

princípios de equidade, de tolerância e de respeito às diferenças étnicas (BRASIL,

1996, p. 4).

O Estatuto da Igualdade Racial faz referência no artigo 15 que o poder público

adotará programas de ações afirmativas.

Cabe também mencionar alguns destaques do contexto histórico que propiciaram

a adoção dos referidos instrumentos legais, pelo Brasil.

O Governo Brasileiro, em 1995, inspirado pela recomendação da Conferência

Mundial dos Direitos Humanos – Viena, 1993 – para que cada Estado Membro preparasse o

seu programa de direitos humanos, promoveu um amplo processo de consultas à sociedade e,

com a colaboração de especialistas, iniciou a formulação do Programa Nacional de Direitos

Humanos (PNDH) concluído em 1996. O objetivo do referido Programa consiste em:

[...] identificando os principais obstáculos à promoção e proteção dos direitos

humanos no Brasil, eleger prioridades e apresentar propostas concretas de caráter

administrativo, legislativo e político-cultural que busquem equacionar os mais

graves problemas que hoje impossibilitam ou dificultam a sua plena realização. O

PNDH é resultante de um longo e muitas vezes penoso processo de democratização

da Sociedade e do Estado brasileiro (BRASIL, 1996, p.4).

Nesse plano foram apresentadas as propostas de ações governamentais quanto à

proteção do direito a tratamento igualitário perante a Lei, ações estas de curto, médio e longo

prazo também para a população negra, dentre as quais se destacam a elaboração de projetos

de Lei visando à regulamentação do artigo 242 da Constituição (que versa sobre a inclusão no

ensino de História sobre a contribuição das diferentes culturas que contribuíram para a

formação do povo brasileiro) e ao estímulo para que os livros didáticos enfatizem a história e

as lutas do povo negro na construção do nosso país, eliminando estereótipos e discriminações.

No Brasil, as organizações dos movimentos negros têm desempenhado um papel

importante na denúncia contra o racismo e no fortalecimento da consciência negra, bem como

pelo estímulo ao processo de ascensão social dos negros tanto no período que antecede ao

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112

abolicionismo quanto no período pós-abolicionista. Face as suas reivindicações, em 08 de

fevereiro de 2001, foi realizada no Rio de Janeiro a Conferência Nacional de Combate ao

Racismo e à Intolerância, cujos objetivos gerais compreenderam:

[...] a discussão e reflexão sobre a discriminação e a intolerância, destacando-se os

seguintes objetivos específicos: Identificar as fontes, causas, formas e manifestações

contemporâneas do racismo e da intolerância; Promover a proteção das vítimas do

racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata; Estabelecer

medidas de prevenção, educação e proteção para a erradicação do racismo,

discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata; Propor mecanismos efetivos

de proteção, recursos legais, meios de reparação, medidas compensatórias e outras

ações; Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Intolerância necessária; Definir

estratégias de combate ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância

correlata com vistas à plena igualdade social (BRASIL, 2001, p.2-3).

As Comissões de Direitos Humanos e Minorias e de Legislação Participativa da

Câmara dos Deputados realizaram, nos dias 7 e 8 de maio de 2008, o I Seminário de Políticas

de promoção da Igualdade Racial. Este Seminário foi organizado com o fito de ser um espaço

para uma ampla reflexão e avaliação de políticas públicas que conduzam efetivamente a uma

sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

O Seminário reuniu exposições que permitiram reflexões aprofundadas sobre

diferentes aspectos das conquistas, dos desafios e das polêmicas relacionadas às políticas de

igualdade racial no Brasil, tais como: entraves na titulação de terras quilombolas,

compromisso com os povos indígenas, entre outras pautas.

Como vimos o termo reconhecimento é recorrente nos instrumentos normativos

tanto internacionais quanto nacionais. Tal recorrência nos leva a refletir que ele não é fruto do

acaso, ele é sintomático. De fato, existem demandas por reconhecimento, ou seja, existem

lutas por dignidade.

Na ótica de Neves (2009, p. 119), “a questão do reconhecimento dos direitos e da

identidade de grupos minoritários marcados por estigmas e desprezo social é fundamental

para a consolidação da democracia e a ampliação da igualdade entre nós”. Em virtude da

primazia contemporânea do termo reconhecimento no capítulo que se segue discutiremos

como alguns autores (europeus e não-europeus) o concebem de modo a pensá-lo

(reconhecimento mútuo) como um conceito operacional para a gestão e práticas curriculares

interculturais.

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113

CAPÍTULO 4 – O RECONHECIMENTO COMO CONCEITO E COMO POLÍTICA

CURRICULAR

O objetivo central desta seção consiste em abordar a maneira como Ricoeur

(2006), em diálogo com Taylor (2000) e Honneth (2003), entre outros, concebe o tema do

reconhecimento tendo em vista que o referido tema é considerado crucial para a política de

ações afirmativas com o recorte étnico-racial. Ainda que reconheça a importância de Taylor

(2000) e Honneth (2003) como grandes expoentes sobre o tema, nossa posição pessoal se

inclina a optar pela discussão mais próxima de Ricoeur (2006). Desse modo, adotaremos o

reconhecimento mútuo como conceito operacional para pensar as políticas e práticas

curriculares para a Educação para as Relações Étnico-Raciais no IFMA Campus Monte

Castelo, estabelecendo possíveis aproximações ao que preconiza a legislação educacional e

alguns estudiosos brasileiros acerca das relações étnico-raciais com a problemática filosófica

do reconhecimento erigida pelo autor francês.

Cabe observar que atentamos para a crítica que Sodré (2012) tece no que concerne

à perda de centralidade cultural e prática política pan-europeia de disseminar diretrizes

culturais para as outras regiões do mundo. No entanto, ponderamos que não há como negar a

importância do saber acumulado ao longo da história do Ocidente, e o conceito de

reconhecimento é uma dessas expressões de suma importância visto que a autorrealização

humana é uma precondição para o bem-estar dos indivíduos modernos (NEVES, 2009).

Dessa forma, ainda que se possa questionar “qualquer monismo euroculturalista

legitimado por um suposto universalismo da razão” (SODRÉ, 2012, p. 22) e que a Europa

perdeu a centralidade, adotamos o conceito de reconhecimento em Ricoeur (2006) sem perder

de vista que o tema também é objeto de discussão entre os estudiosos brasileiros, os quais se

debruçam sobre a necessária afirmação dos negros em relação à sua cultura, à sua memória e

à sua história. Essa é uma demanda presente na legislação educacional brasileira após Lei nº.

9.394/96, assim observaremos de que modo ela incorpora tal demanda para que possamos

analisar doravante em que sentido toda essa discussão pode servir de bússola para uma

Educação das Relações Étnico-Raciais no IFMA-Campus Monte Castelo, considerando o

exercício dos direitos de cidadania da população negra no âmbito do currículo escolar.

Para dar conta do objetivo traçado para o capítulo inicialmente abordamos como

Paul Ricoeur compreende o movimento do reconhecimento e posteriormente discutiremos o

reconhecimento de ser negro a partir de alguns autores brasileiros que se dedicam ao estudo

das relações raciais no Brasil.. Prosseguimos o capítulo tematizando os aspectos conceituais,

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114

ideológicos e culturais do currículo e finalizamos o capítulo abordando a política curricular

após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº. 9.394/96 no tocante às ações

afirmativas.

4.1 O movimento do reconhecimento em Paul Ricoeur

Os nossos estudos acerca do movimento do reconhecimento notadamente em Paul

Ricoeur, parte de sua obra “Percurso do Reconhecimento” (2004), pelas razões que passarei a

expor.

Adotamos o termo a partir de um autor (Ricoeur) que, ao mesmo tempo em que

não era muito familiar, parecia ser familiar pois, expressa em sua obra uma preocupação com

a vida e as relações humanas. Num primeiro momento, o que nos chamou mais atenção foi o

título da obra. Posteriormente, fomos mergulhando nas leituras e fomos cada vez mais

constatando o significado desse conceito na nossa vida pessoal, acadêmica e profissional.

Por outro lado, o que nos motivou mais ainda a estudar o referido filósofo foi

saber que é um autor não tão estudado como deveria no meio acadêmico, o que é uma lacuna,

devido ao fato de seus escritos acenarem para a compreensão da existência humana na

perspectiva da alteridade, da pluralidade, da ação recíproca, da mutualidade, do

reconhecimento e de outros conceitos importantes, no que concerne ao viver junto, tarefa

muito desafiadora.

À medida que fomos fazendo as leituras da obra “Percursos do Reconhecimento”,

fomos percebendo que teríamos de buscar outras leituras do próprio Ricoeur e de alguns

outros filósofos, sociólogos, antropólogos, economistas, citados por ele em sua obra. Por

exemplo, autores como: Taylor (2000), Honneth (2003), Mauss (1950), Sen (1999), entre

outros. A recorrência aos diversos autores às vezes servem para fundamentar e avançar ou

para refutar.

Em leituras desenvolvidas sobre Taylor (2000) e Honneth (2003) e também em

Ricoeur (2006), descobrimos que a intuição original acerca do papel central do

reconhecimento social para a sociabilidade humana deve-se a Hegel45

. Ademais, colhemos

mais precisamente como se originou o discurso do reconhecimento e da identidade.

45

Em páginas posteriores explicaremos a problemática hegeliana em torno do reconhecimento.

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115

A informação de como se originou o discurso do reconhecimento e da identidade

vem do autor canadense Charles Taylor (2000). Este aponta duas mudanças que foram

fundamentais, as quais contribuíram para a preocupação moderna com a identidade e o

reconhecimento. Diz ele:

A primeira é o colapso das hierarquias sociais, que costumavam ser a base da honra.

Emprego honra no sentido do ancien regime, em que ela está intrinsecamente ligada

a desigualdades [...]. É também o sentido em que usamos o termo ao falar de honra

alguém concedendo-lhe um prêmio público [...]. Opõe-se a essa noção de honra a

noção moderna de dignidade, agora usada num sentido universalista e igualitário que

nos permite falar da dignidade [inerente] dos seres humanos ou de dignidade do

cidadão [...]. Em contrapartida, a segunda mudança, o desenvolvimento da moderna

noção de identidade, originou uma política da diferença (TAYLOR, 2000, p. 242-

243).

Em acréscimo a essa marcação originária da emergência do reconhecimento,

Taylor sublinha que, o discurso do reconhecimento tornou-se familiar a nós no nível da esfera

íntima e da esfera pública. Em relação à primeira, o entendimento é que a formação da

identidade e do Self46

ocorre num diálogo e numa luta com outros significativos47

. E na esfera

pública, a política de reconhecimento veio a desempenhar um papel cada vez mais importante.

O autor canadense na citação acima destaca duas modalidades de política do

universalismo cujo conteúdo tem sido a equalização de direitos e privilégios e a política de

diferença. Com a política da dignidade igual48

, aquilo que é estabelecido pretende ser

universalmente o mesmo, ao passo que com a política da diferença é exigido que se reconheça

a identidade peculiar do indivíduo ou grupo. Ainda que ambas estejam baseadas na noção de

respeito igual, “a reprovação que a primeira faz à segunda é de que ela viola o princípio da

não-discriminação. A reprovação que a segunda faz à primeira é a de que ela nega a

identidade ao impor às pessoas uma forma homogênea que é infiel a elas” (TAYLOR, 2000,

p. 254).

46

“Um fato crucial sobre um self ou pessoa [...] é que ele não é um objeto no sentido comumente entendido. Não

somos um self da mesma maneira como somos organismos, nem temos um self como temos um coração e um

fígado. Somos seres vivos com esses órgãos de uma forma bem independente de nossas autocompreensões ou

autointerpretações, ou dos sentidos que as coisas têm para nós. Mas só somos um self na medida, em que nos

movemos num certo espaço de indagações, em que buscamos e encontramos uma orientação para o bem”

(TAYLOR, 2000, p. 52). 47

G.H.Mead designa “outros significativos” como as pessoas que têm importância para aquisição das linguagens

que precisamos para nos autodefinirmos (TAYLOR, 2000, p. 246). 48

Rousseau e Kant são considerados os primeiros expoentes desse modelo de política. Para aprofundamento, ver

Taylor (2000, p. 255-259).

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116

O autor relaciona uma das políticas49

que advogam a política do respeito igual

com os princípios da sociedade liberal50

, mas não qualquer liberalismo. Ele se reporta ao tipo

de sociedade liberal que se funda sobremaneira em juízos acerca do que faz a boa vida - juízo

em que tem relevante lugar a integridade das culturas. Assim, esse modelo de política do

respeito igual que cede espaço à tolerância pode ser absolvida da acusação de homogeneizar a

diferença.

O autor se reporta à exigência de que todos reconheçam o igual valor de diferentes

culturas. A exigência do reconhecimento passou a ser explícita pela disseminação da ideia de

que somos formados pelo reconhecimento. A ideia de luta que ocorre tanto no interior do

subjugado como em oposição ao dominador, tornou-se fundamental no debate contemporâneo

sobre o multiculturalismo como para certas tendências do feminismo.

A educação é apontada pelo autor como o principal lócus de debate sobre o

multiculturalismo, sendo as escolas secundárias um dos focos importantes como espaços de

desenvolvimento de currículos afrocêntricos para alunos em escolas preponderantemente

negras. “A razão dessas mudanças é de que os alunos dos grupos excluídos estão recebendo

diretamente ou por omissão um quadro desfavorável de si mesmos, como se toda a

criatividade e todo valor fossem inerentes aos homens de origem européia” (TAYLOR, 2000,

p. 269).

Voltamos a nossa atenção ao tema do reconhecimento concentrado na obra

“Percurso do Reconhecimento,” principalmente no segundo e no terceiro estudos intitulados,

“Reconhecer-se a si mesmo” e “Reconhecimento mútuo”, respectivamente, observando como

Ricoeur (2006) dialoga sobretudo com Taylor (2000), no que diz respeito ao

multiculturalismo e à política de reconhecimento. Mas, antes, convém delinear qual a

problemática da obra e como ela se configura.

A obra em apreço é proveniente de três conferências proferidas pelo filósofo,

feitas no Institut für die Wissenschaften des Menschens, de Viena, a qual é retomada de forma

mais elaborada nos Husserl-Archiv de Friburgo (RICOEUR, 2006). É constituída de três

longos estudos: o primeiro, “O reconhecimento como identificação”, o segundo,

“Reconhecer-se a si mesmo”, e o terceiro estudo, “O reconhecimento mútuo”. Todos

49

Taylor (2000) considera que a política da diferença também defende o respeito igual, portanto ambas partem

de um mesmo conceito diretor, a dignidade. 50

Por sociedade liberal o autor a entende a partir de suas características: o governo representativo, o regime de

direito, a garantia de certas liberdades etc. (TAYLOR, 2000).

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117

correspondem às três ocorrências da palavra reconhecimento cujos significados são de ordem

epistemológica, antropológica e política, respectivamente.

Tais estudos correspondem ao percurso do reconhecimento nos quais o filósofo

francês destaca três “picos” de pensamento: momento do reconhecimento como identificação,

que tem como expoente o filósofo Imannuel Kant (1724-1804); momento do reconhecimento

de si, centrado na filosofia de Henri Bergson (1859-194) e o momento do reconhecimento

mútuo, cujas ideias originais advêm de Friedrich Hegel (1770-1831).

Antes de caracterizarmos os referidos estudos, convém situar qual é a

problemática do filósofo. Em primeiro lugar, destacamos que modestamente Ricoeur (2006)

não reivindica a elaboração de uma teoria; justifica o nome percurso a partir do

questionamento que faz, questionamento este que está na origem do trabalho, qual seja:

existe uma contradição entre a ausência na história das doutrinas filosóficas em

matéria do reconhecimento comparável à do conhecimento e a coerência que no

plano lexicográfico, permite colocar sob o único verbete no dicionário a variedade

de acepções do termo reconhecimento (RICOEUR, 2006, p. 9).

Com efeito, segundo o autor, “a pesquisa foi suscitada por um sentimento de

perplexidade concernente ao estatuto semântico do próprio termo „reconhecimento‟ no plano

do discurso filosófico” (RICOEUR, 2006, p. 9). Para ele existe, portanto, uma lacuna no

plano filosófico que contrasta com o dicionário, Le Grand Robert, seu principal informador,

pois neste, apesar da multiplicidade de acepções atribuídas à palavra reconhecimento, o termo

figura envolvido numa unidade lexical. Mas Ricoeur (2006) chama atenção que a dispersão da

palavra „reconhecimento‟; no plano filosófico, é aparentemente aleatória, isto equivale dizer

que existe uma relação entre as três ocorrências filosóficas identificadas por ele.

Nesse sentido, ele pretende “conceder à série de ocorrências filosóficas da palavra

„reconhecimento‟ à coerência de uma polissemia regrada, digna de oferecer a réplica à do

plano lexical” (RICOEUR, 2006, p. 10). Acrescenta o autor: “a dinâmica que inspira a

pesquisa consiste em uma inversão, no plano próprio da gramática, do verbo „reconhecer‟ de

seu uso na voz ativa para seu uso na voz passiva: eu reconheço ativamente alguma coisa,

pessoas, eu próprio, eu peço para ser reconhecido pelos outros” (RICOEUR, 2006, p. 10).

Na introdução da obra “Percurso de Reconhecimento”, o filósofo se dedica a

demonstrar em que consistem os significados lexicográficos do vocábulo reconhecimento em

dois dicionários da língua francesa: o Dictionnaire de la langue française, publicado por

Émile Littré de 1859 a 1872, e o Grand Robert de la langue française, sob a organização de

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118

Alain Rey datada de 1985. No primeiro dicionário citado, são constatadas 23 significações.

Cabe destacar que a primeira significação reconhecer é conhecer „que se colocou novamente

na mente a imagem, ideia‟; e a última, „o reconhecimento figura como gratidão‟.51

Em comparação ao Littré, ele busca as inovações52

no dicionário Le grand Robert

de La langue française. Os significados da palavra „reconhecimento‟ neste último se

enquadram numa “arquitetura hierárquica dos empregos em forma de ramificação”

(RICOEUR, 2006, p. 22). Vejamos o percurso:

I. Apreender (um objeto) pela mente, pelo pensamento, ligando entre si imagens,

percepções que se referem a ele; distinguir, identificar, conhecer por meio da

memória, pelo julgamento ou pela ação.

II. Aceitar, considerar verdadeiro (ou como tal).

III. Demonstrar por meio de gratidão que se está em dívida com alguém (sobre

alguma coisa, uma ação) (RICOEUR, 2006, p.22-23).

Diante dessa polissemia regrada da língua natural, a preocupação de Ricoeur

(2006) consiste em como fazer a passagem desta para a formação de filosofemas dignos de

figurar em uma teoria do reconhecimento.

Ao que parece, como já foi anunciado, não existe uma filosofia unificada do

reconhecimento, portanto Ricoeur (2006) se propõe distinguir, como mencionado

anteriormente, ao menos três focos filosóficos que parecem não possuir qualquer referência

em comum. O foco de sentido kantiano, na primeira edição da “Crítica da razão pura”. O foco

bergsoniano, com o „reconhecimento das lembranças‟, e o foco hegeliano. Enfatizamos que

ele reconhece que existe uma coerência tanto no plano lexicográfico quanto no filosófico.

Ademais, esse ordenamento será guiado também pela progressão da temática da

identidade, seguindo pela temática da alteridade e, finalmente, pela dialética entre

reconhecimento e desconhecimento. A esse respeito, ele anuncia “o percurso da identidade,

começando com a identificação do „alguma coisa‟ em geral, reconhecido como outro de todos

os outros, passando pela identificação de „alguém‟, por ocasião da ruptura com a concepção

do mundo como representação [...] e identidade na mutualidade” (RICOEUR, 2006, p. 261-

262).

Como já aludido, no que se refere às acepções filosóficas, primeiramente Ricoeur

(2006) aborda tanto Descartes quanto Kant. O ponto de partida é o reconhecimento como

51

Voltaremos a essa questão no final do percurso do reconhecimento. 52

Para aprofundamento, ver Ricoeur (2006, p. 21-22).

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119

identificação, e, em Descartes, reconhecer significa distinguir o verdadeiro do falso. Ao

contrário de Descartes, em Kant, o termo reconhecimento significa ligar.

No caso da recognição kantiana, o emprego do verbo parece estar ligado a

operações intelectuais que carregam a marca de uma iniciativa da mente em que

reconhecimento significa identificar/distinguir. Reconhecer alguma coisa como o mesmo,

como idêntica a si mesma e não como diferente de si mesma, implica distingui-la de todas as

outras. Nesta acepção há uma indistinção entre reconhecer e conhecer (RICOEUR, 2006).

No momento bergsoniano, Ricoeur (2006) busca a contribuição da memória ao

reconhecimento de si, na expectativa de sua contrapartida na promessa. Assim, a memória e a

promessa se encontram na ponta da problemática do reconhecimento. Baseado em Bergson,

Ricoeur (2006) diz que o ato concreto por meio do qual reconhecemos o passado no presente

é o reconhecimento.

Na segunda etapa, o reconhecimento muda de figura. Torna-se equivalente ao

reconhecer-se a si mesmo. Os argumentos de Ricoeur (2006) estão organizados em 04 seções:

a seção sobre o fundo grego: o agir e seu agente, a fenomenologia do homem capaz, sobre a

memória e a promessa e as capacidades e práticas sociais.

Essa etapa do percurso se constitui uma referência importante para se pensar que a

dignidade dos sujeitos perpassa pelo seu reconhecimento e pelo reconhecimento dos outros

como sujeitos, ainda que esteja presente uma “persistente dissimetria”. Esse

autorreconhecimento está ligado à nossa capacidade de imputar responsabilidade a nós

mesmos e aos outros.

Para exemplificar tal assertiva, o autor recorre tanto à história de Ulisses quanto à

de Édipo Rei. Por que a recorrência a esses personagens? Em virtude de que eles se

constituem como “verdadeiros centros de decisão”53

. Diz ainda que recorre aos antigos

gregos, visto que nesse contexto estão presentes as „ideias de responsabilidade na ação de

justiça e das motivações que conduzem os indivíduos a realizar atos que serão admirados e

respeitados‟ (RICOEUR, 2006, p. 88).

Ainda neste momento do percurso, o filósofo desenvolve a fenomenologia do

homem capaz. A noção de capacidade é fulcral para a hermenêutica do si, propugnada por

Ricoeur (2006). O homem capaz se define pelo uso da palavra, pela ação, pelo ato de narrar e

narrar-se e de poder assumir as consequências de seus atos (imputabilidade).

53

Aqui Ricoeur (2006, p. 87) se baseia nos estudos de Bernard Willians (1993) em sua tese de reconhecimento

da responsabilidade.

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120

É na capacidade de narrar e narrar-se que o filósofo coloca a questão da

identidade pessoal a qual está ligada ao ato de narrar que se projeta como identidade narrativa.

Sobre ela, pondera Ricoeur (2006, p. 116):

A ideia de identidade narrativa dá acesso a uma nova abordagem ao conceito de

ipseidade, que, sem a referência à identidade narrativa, é incapaz de desenvolver sua

dialética específica da relação entre duas espécies de identidade, a identidade

imutável do idem, o mesmo, e identidade do móvel do ipse, do si, considerada em

sua condição histórica, o mesmo, e identidade do móvel do ipse, do si, considerada

em sua condição histórica.

Desse modo, a identidade narrativa coloca em dialética a identidade enquanto

mesmidade com a ipseidade, que podem ser assim caracterizadas:

Ao primeiro tipo de identidade [...] todos os tipos de permanência no tempo, desde a

identidade biológica assinada pelo código genético, balizada pelas impressões

digitais, a que se acrescentam a fisionomia, a voz, o jeito, passando pelos hábitos

estáveis até as marcas acidentais por meio das quais um indivíduo se faz reconhecer,

ao modo da grande cicatriz de Ulisses. Quanto à identidade-ipse, pertence à ficção

produzir uma série de variações imaginativas graças às quais as transformações do

personagem tendem a tornar problemática a identificação do mesmo. Há casos

extremos em que a questão da identidade pessoal se torna tão confusa, tão

indecifrável, que a questão da identidade pessoal se refugia na questão nua: quem

sou? (RICOEUR, 2006, p. 117).

Ademais, a capacidade envolve tanto atestar quanto reconhecer. Porém, ambos

têm sentidos diferentes. Enquanto atestar pertence à família do testemunho, o reconhecimento

de si está em relação ao reconhecimento como identificação, e ao reconhecimento, numa

perspectiva hegeliana (RICOEUR, 2006). Os dois, a atestação e o reconhecimento, fazem

intersecção, porém na certeza e segurança com que dizemos „eu posso‟.

Além disso, também dizemos e experimentamos que podemos imputar nossos

atos ao nosso eu e assumir responsabilidade por eles. E ainda por nos distinguirmos entre nós

e os outros, ao dizermos „eu‟, já surge a questão do reconhecimento por parte dos outros que

imputam meus atos a mim (PELLAUER, 2009). Pois,

O reconhecimento mútuo pode ser gerado à medida que perguntamos em que

medida nosso autorreconhecimento requer e mesmo depende desse reconhecimento

pelos outros. Tal reconhecimento alheio, segundo Ricoeur, é necessário para

alcançar um sentido pleno de nós mesmos como sujeitos responsáveis, mesmo que

ele não seja sempre concedido e até se por vezes é deliberadamente contido ou

negado (PELLAUER, 2009, p. 173).

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121

Ainda sobre a problemática do reconhecimento de si Ricoeur arrola a capacidade

de poder lembrar-se e a capacidade de fazer e cumprir promessas. A primeira volta-se para o

passado e a segunda, para o futuro.

Para Bergson54

(apud RICOEUR, 2006, p. 137),

[...] O ato concreto por meio do qual reconhecemos o passado no presente é o

reconhecimento. Nossa lembrança [...] permanece ligada ao passado por raízes

profundas, e, se, uma vez realizada, ela não fosse sentida em sua virtualidade

original, se ela não fosse, ao mesmo tempo que um estado presente, algo que se

decide sobre o presente, jamais reconheceríamos como uma lembrança. É o enigma

completo da presença da ausência que é reafirmado: decidir sobre o presente,

reconhecer como uma lembrança.

Sobre a promessa destaca que esta envolve tanto a dimensão linguística quanto a

questão moral. As promessas envolvem a capacidade de assumir compromissos utilizando a

língua, como também colocam em jogo a relação de uns com os outros como possíveis

beneficiários de nossas promessas. No entanto, a ênfase deve ser revertida. Pellauer (2009, p.

173) reflete da seguinte forma o que significa essa reversão: “é necessário reconhecer que nós

mesmos somos capazes de fazer promessas apenas pelo fato de já termos sido beneficiários

das promessas e ações alheias”. Essa inversão introduz a ideia de que temos uma dívida para

com os outros.

Até agora foram tratadas as formas individuais das capacidades, falta

mencionarmos as formas sociais as quais fazem a transição entre o reconhecimento de si e o

reconhecimento mútuo. Se as capacidades individuais são atestadas unicamente pelos

indivíduos, as capacidades sociais são reivindicadas por coletividades e submetidas à

apreciação e às provações públicas (RICOEUR, 2006).

Nesse sentido, o conhecimento-atestação cede espaço a formas de justificação

ético-jurídicas que colocam em causa a ideia de justiça social. Para fundamentar a passagem

do reconhecimento de si para o reconhecimento mútuo, Ricoeur recorre ao economista

Amartya Sen (1999). Este autor defende a reintrodução de considerações éticas na teoria

econômica. Discute desenvolvimento atrelado à questão da liberdade, isto é, a liberdade de

ação é condicionada pelas oportunidades sociais, políticas e econômicas. Nessa relação o

referido economista apresenta o conceito de „capabilidades‟, como sendo capacidades sociais

e direito. Nessa teoria Ricoeur diz encontrar o reforço para uma concepção do agir humano

com base na antropologia social.

54

Ricoeur (2006, p. 135) recorre à Bergson a partir do seu tema do “reconhecimento das imagens”.

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122

Nessa perspectiva, na seção que se segue pretendemos abordar o tema do

reconhecimento mútuo, enfocando o seu elo central, que consiste no momento hegeliano,

sobretudo nas discussões levantadas nas reatualizações dos argumentos de Hegel e na luta

pelo reconhecimento e pelos estados de paz. Mas antes, para uma melhor compreensão do

trajeto dos significados filosóficos do reconhecimento no primeiro e no segundo estudos,

cumpre demonstrar em quadro sinótico os referidos significados.

Quadro 12- Sinótico dos significados que antecedem o reconhecimento mútuo

Filósofos Acepções filosóficas

1º estudo: Descartes

Reconhecimento como identificação. De qualquer coisa em geral. O sujeito pretende

efetivamente o domínio intelectual sobre o campo das significações e das afirmações

significativas. Reconhecimento significa distinguir o verdadeiro do falso.

1º estudo: Kant

Reconhecimento como identificação. De qualquer coisa em geral. O sujeito pretende

efetivamente o domínio intelectual sobre o campo das significações e das afirmações

significativas. Reconhecimento significa ligar no tempo, este concebido não apenas

como sucessão, mas como cumulativo.

2º estudo: Bergson

No segundo estudo destaca as características (capacidades que modulam o poder de

agir do sujeito, o seu agency, ou seja, o homem capaz se define pelo uso da palavra,

pela ação, pelo ato de narrar e narrar-se e de poder assumir as consequências de seus

atos).

No reconhecimento de si mesmo, Ricoeur retoma Bergson aproveitando a sua

discussão sobre a memória. O reconhecimento é o ato concreto pelo qual

reconhecemos o passado no presente.

Fonte: A autora

4.1.1 Reconhecimento como luta, como mutualidade e gratidão

O terceiro estudo do percurso do reconhecimento encontra-se organizado em 05

seções: da dissimetria à reciprocidade, o desafio de Hobbes, Hegel em Iena, reatualizações do

argumento de Hegel em Iena e a luta pelo reconhecimento e pelos estados de paz. O

reconhecimento mútuo55

, segundo Ricoeur (2006), é a forma de reconhecimento mais

autêntica, a que faz as pessoas serem o que são, as quais solicitam ser reconhecidas.

Na acepção de Ricoeur (2006), o reconhecimento como gratidão surge no final do

percurso dos significados, o qual não é incluído na maior parte das línguas. Segundo ele,

reconhecimento como gratidão aparece especialmente na língua francesa. Chama atenção para

55

O tema da luta pelo reconhecimento, articulada por Hegel, será guiada pela ideia de uma resposta ao desafio

de Hobbes, resposta na qual o desejo de ser reconhecido ocupa o lugar do medo da morte violenta na

concepção hobbesiana do estado de natureza.

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123

o fato de que este último significado tem conexão com o que o precedeu, ou seja, „admitir,

confessar‟. Diz ele:

Percebe-se a conexão com que o precede; a admissão da dívida em relação à alguém,

admissão dirigida a esse alguém, coloca no caminho da gratidão sob a condição da

adição da ideia de um movimento de retorno, espontâneo, gracioso, em todos os

sentidos da palavra, como se uma dívida fosse restituída (RICOEUR, 2006, p. 19).

Ricoeur (2006) acrescenta que no plano filosófico o „ser reconhecido‟ é o

horizonte do tema hegeliano da luta pelo reconhecimento, o que para ele é a grande revolução

conceitual, algo não previsto por Littré. Vejamos como se desenrola essa fase de estudo do

reconhecimento.

Ricoeur (2006) parte da hipótese de que a Anerkennung56

hegeliana é uma

resposta, resposta na qual o desejo de ser reconhecido ocupa o lugar do medo e da morte na

concepção hobbesiana do estado de natureza.

O autor considera fundamental retroceder aos escritos de Hegel em Iena

(Anerkennung), em função de que nos referidos escritos encontram-se os primeiros embriões

de uma teoria do reconhecimento. A questão inicial colocada é se existe na obra „O Sistema

da vida Ética57

o que pode ser considerado um antecedente verdadeiro da teoria da luta pelo

reconhecimento. O filósofo concorda que essa obra inaugura uma teoria do reconhecimento

destacando que tal presença pode ser detectada em duas passagens: “o primeiro vinculado à

formalidade do direito, principalmente da troca, e o segundo à estrutura da governança do

povo sob a égide da justiça” (RICOEUR, 2006, p. 194).

Com efeito, a questão é: a ordem política pode se fundar em uma outra

experiência moral diferente da proposta de Hobbes? Axel Honneth (apud Ricoeur 2006)

observa que o conceito de Anerkennung satisfaz a essa exigência em três aspectos: 1) garante

o vínculo entre a autoreflexão e a orientação rumo ao outro; 2) a dinâmica de todo o processo

procede do pólo negativo rumo ao pólo positivo, do menosprezo à consideração, da injustiça

rumo ao respeito; 3) a teoria do reconhecimento extrai seu aspecto sistemático de sua

articulação em níveis hierárquicos correspondentes a instituições específicas.

56

Segundo o dicionário de alemão para português, Anerkennung: s. f. 1) reconhecimento; 2) legalização. 57

Ricoeur (2006) diz que se baseia nessa obra a partir de Jacques Taminiaux e em seu livro “Nascimento da

filosofia hegeliana do Estado” (1984), como também na obra de Axel Honneth, “A luta pelo reconhecimento”

(2000).

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124

Em diálogo com Hegel e Honneth58

, Ricoeur (2006) depreende que é da primeira

parte da obra de Hegel que Honneth irá discernir o primeiro de seus três modelos de

reconhecimento. Enquanto que para Hegel o reconhecimento surge com as relações de direito,

em Honneth é o momento do amor, da família e da criança, isto é, no nível afetivo é que

ocorre a primeira experiência de reconhecimento.

Como Taminiaux (1984), Ricoeur (2006) reforça que em Hegel o direito é a

relação que reconhece.

Dessa forma,

No reconhecimento, o si deixa de ser esse singular; ele é legitimamente no

reconhecimento, isto é, ele não é mais em seu ser aí imediato. O reconhecido é

reconhecido, é reconhecido enquanto tal, valendo imediatamente por seu ser.; mais

precisamente esse ser é produzido a partir do conceito; ele é ser reconhecido; o

homem é necessariamente reconhecido e é necessariamente reconhecedor. Essa

necessidade é sua propriamente, não de nosso pensamento por oposição ao

conteúdo. Enquanto reconhecedor, ele é ele próprio movimento, e esse movimento

suprassume precisamente seu estado de natureza; ele é reconhecer; o natural limita-

se a ser [...] (RICOEUR, 2006, p. 197).

Diante disso, afirma Ricoeur (2006) que o reconhecimento igualiza o que a ofensa

tornou desigual.

Na segunda parte da obra de Hegel, o tema do reconhecimento desloca-se para o

ser reconhecido numa perspectiva universal. E aqui o ser reconhecido “deixa um lugar para o

ato constituinte da vontade universal [...] por meio do qual um Estado é instaurado”

(RICOEUR, 2006, p. 198). Portanto, a Constituição, terceira parte da obra, o reconhecimento

ganha o significado relativo ao termo “despojamento”.

Como dito anteriormente, Honneth aproveita de Hegel os três modelos de

reconhecimento intersubjetivo e faz corresponder a estes as suas figuras de negação. O

primeiro modelo é colocado sob o nome de “amor”. Cobre a gama das relações eróticas, de

amizade ou familiares, “que implicam laços afetivos fortes entre um número restrito de

pessoas” (HONNETH apud RICOEUR, 2006, p. 203). Neste nível a forma, o resultado de

reconhecimento mútuo é a autoconfiança.

O segundo modelo, que consiste na luta pelo reconhecimento no plano jurídico, se

resume da seguinte forma:

58

Ricoeur (2006) dialoga com Axel Honneth, faz observações complementares e considerações para além dele,

como, por exemplo, a ideia exclusiva posta na ideia de luta para o reconhecimento.

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125

[...] não poderemos nos compreender como portadores de direitos se não tivermos ao

mesmo tempo conhecimento das obrigações normativas às quais estamos vinculados

em relação à outrem. Nesse sentido, o objetivo do reconhecimento é o outrem e a

norma (HONNETH apud RICOEUR, 2006, p. 211).

Ricoeur (2006, p. 212) adiciona a este modelo a seguinte reflexão:

[...] o reconhecimento no sentido jurídico acrescenta assim ao reconhecimento de si

em termos de capacidades (segundo as análises de nosso segundo estudo) as novas

capacidades provenientes da conjungação entre a validade universal da norma e a

singularidade das pessoas.

Assim, o reconhecimento jurídico apresenta uma estrutura dual em que existe um

elo entre a ampliação da esfera dos direitos reconhecidos às pessoas e o enriquecimento das

capacidades que esses sujeitos reconhecem em si mesmos.

A ampliação da esfera normativa dos direitos pode ser observada no plano da

enumeração dos direitos subjetivos e no plano da atribuição desses direitos a novas categoriais

de indivíduos ou de grupos. Com efeito, partindo da enumeração de direitos subjetivos como

civis, políticos e sociais, Ricoeur (2006) diz que existe, no que concerne aos direitos sociais,

um contraste gritante entre a atribuição de direitos e a distribuição desigual dos bens, os quais

são os meios de exercer todos os direitos.

A repartição desses direitos, a aquisição correspondente de competências no plano

pessoal faz aparecer formas específicas de menosprezo relativas às demandas das pessoas em

relação à sociedade. Assim, as repartições desses direitos estão implicadas com a questão da

sua extensão, na medida em que “as formas de igualdades conquistadas por alguns têm a

vocação de ser estendidas a todos” (RICOEUR, 2006, p. 215). A negação dessa igualdade

gera a experiência do menosprezo levando a sentimentos de exclusão, de alienação, e a

indignação que deles provém, pôde dar às lutas sociais a forma da guerra, seja em forma de

revolução, de libertação, de descolonização. Cabe registrar o reconhecimento mútuo, no plano

jurídico, como formas de respeito próprio.

No terceiro modelo de reconhecimento mútuo, a estima social é vista como o

resumo todas as formas de reconhecimento mútuo, dada a pressuposição da existência de

valores comuns aos sujeitos. Desse modo, é com os mesmos valores e com os mesmos fins

que as pessoas avaliam a importância de suas qualidades próprias para a vida do outro

(RICOEUR, 2006, p. 216).

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126

Então, neste terceiro modelo, existe um estreito vínculo entre dignidade humana e

direito, visto que esta é a capacidade reconhecida de reivindicar um direito. A dignidade alia-

-se ao sentimento de orgulho.

Nos três modelos de reconhecimento assinalados, prevalece a ideia de luta no

processo de reconhecimento mútuo. Diante do percurso traçado do reconhecimento mútuo,

emerge o seguinte questionamento:

[...] a exigência de reconhecimento afetivo, jurídico e social por seu estilo militante e

conflituoso, não se resolve em uma exigência indefinida, figura de um mau

„infinito‟? [...] Há aqui uma tentação de uma nova forma de „consciência infeliz‟,

sob a forma seja de um sentimento incurável de vitimização, seja por uma

incansável postulação de ideais inatingíveis (RICOEUR, 2006, p. 231).

Ricoeur (2006, p. 232) diz que é preciso buscar alternativa ao mal estar causado

por essa “consciência infeliz” por meio das experiências pacificadas, no entanto ressalva que

estas “não poderiam ocupar o lugar da resolução das perplexidades suscitadas pelo próprio

conceito de luta, ainda menos da resolução dos conflitos em questão”. Ao final de sua obra o

autor se reportar a esta questão.

Para fundamentar a sua tese, Ricoeur (2006) dialoga com dois autores em duas

obras fundamentais: Marcel Mauss, em “Ensaio sobre a Dádiva” (1950), e Marcel Henaff

Apud Ricoeur (2006). Destas extrai duas ideias-chaves para definir reconhecimento mútuo:

do primeiro, a “ideia de troca de dons” e do segundo, o “enigma do dom recíproco

cerimonial”.

Ao estudar os maoris da Nova Zelândia, Marcel Mauss (1950) observa que as

práticas da troca59

de dons consiste não na obrigação de dar, nem na de receber, mas na de dar

em retribuição. Indaga ele qual é a regra de direito e de interesse que, nas sociedades de tipo

atrasado ou arcaico, faz com que o presente recebido seja obrigatoriamente retribuído. Que

força existe na coisa que se dá que faz com que o donatário o retribua? Responde que “a

energia do vínculo que sustenta a obrigação do dom está na coisa dada” (MAUSS, 1950, p.

64).

59

Convém destacar que o que trocam “não são exclusivamente bens e riquezas, móveis e imóveis, coisas úteis

economicamente. São, antes de mais, amabilidades, festins, ritos, serviços militares, mulheres, crianças,

danças, festas, feiras cujos mercados não é senão um dos seus momentos e em que a circulação das riquezas

mais não é do que um dos termos de um contrato muito mais geral e muito mais permanente” (MAUSS, 1950,

p. 55).

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127

Os taonga60

e todas as propriedades rigorosamente ditas pessoais têm um hau, um

poder espiritual. Vocês dão-me um, eu dou-o a um terceiro; este dá-me um outro,

porque é forçado pelo hau do meu presente; e eu sou obrigado a dar-vos essa coisa,

porque é preciso que eu vos devolva o que é na realidade, o produto do hau do vosso

taonga (MAUSS, 1950, p. 64).

A questão que se coloca a partir do estudo de Mauss (1950) é: visto que há a

retribuição, pode ser considerada a relação como troca entre dons? Para Claude Lefort (apud

RICOEUR, 2006, p. 240-341), “a idéia segundo a qual o dom deve ser retribuído supõe que

outrem é um outro que deve agir como eu; e esse gesto deve confirmar para mim a verdade de

meu próprio gesto, isto é minha subjetividade [...], os homens confirmando uns aos outros que

eles não são coisas [...]” (RICOEUR, 2006, p. 240-241).

Ricoeur (2006, p. 243-244), ao que parece, concorda com o autor supracitado.

Essa suposição pode ser remetida à sua posição em tomar a circulação global, a partir do que

descreve Mauss (1950) como a emergência da “interação por meio de um processo de

autotranscendência dos atores os quais estão envolvidos na troca”.

Em torno da reciprocidade tal como ela se exerce entre parceiros de troca, Ricoeur

(2006) pondera em favor daquela que se inspira no modelo de estado de paz constituído pela

ágape61

, em que está presente a ideia de uma generosidade presente no primeiro dom sem

consideração pela obrigação assim gerada de retribuir.

O autor do “Percurso do Reconhecimento” recorre a Marcel Henaff que, por sua

vez, se reporta a Mauss (1950) sobre a análise das trocas entre as populações maoris. Ricoeur

(2006) considera que Henaff faz uma revolução ao deslocar a ênfase na relação de troca no

dom, como presente para o doador, e no donatário procura a chave do enigma nas trocas, na

própria mutualidade da troca entre protagonistas. Ao passo que, para Marcel Mauss (1950), a

chave do enigma tinha de ser procurada na coisa dada. Ou seja,

O enigma inicial da força que supostamente reside da própria coisa se dissipa se se

toma da coisa dada e retribuída como a garantia e o substituto do processo de

reconhecimento – a garantia do engajamento do doador no dom, o substituto da

confiança no aparecimento do gesto da retribuição. Seria a qualificação da relação

de reconhecimento que conferiria significação a tudo aquilo que chamamos

presentes. Acrescentarei que se pode considerar a relação de mutualidade um

60

“Os taonga estão [...] fortemente ligados à pessoa, ao clã, ao solo” [...] (MAUSS, 1950, p. 63). Alguém possui

um determinado taonga , isto é, um determinado “artigo” (coisa). 61

Ricoeur (2006) em seu livro, “Percurso de Reconhecimento”, no quinto capítulo do terceiro estudo, cita os

“modelos de estado de paz conhecidos sob denominação grega original philia (no sentido aristotélico), éros

(no sentido platônico), ágape (em sentido bíblico e pós-bíblico) (RICOEUR, 2006, p.234). Em relação a esta

última ele diz: “[...] ela surge então no meio de um mundo costumeiro em que o dom assume a forma social

de uma troca na qual o espírito de justiça se expressa [...]” (RICOEUR, 2006, p.238).

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128

reconhecimento que não reconhece a si mesmo, porque ele está investido mais no

gesto que nas palavras e porque ele ocorre simbolizando-se no presente [...]. Os

presentes, cuja compra pode ter sido cara, não figuram de modo algum como bens

mercantis, no sentido de coisas que podem ser compradas e vendidas, pois eles não

valeriam „de modo algum fora dessa função de garantia e de substituto da relação de

reconhecimento mútuo‟. É nesse ponto que se cruzam as duas problemáticas, a do

dom e a do sem-preço (RICOEUR, 2006, p. 249-250).

A despeito do que coloca Henaff (apud RICOEUR, 2006, p. 247), essa operação

de deslocamento da coisa dada para o doador e o donatário é o que Ricoeur (2006)

denominará de reconhecimento mútuo que irá consistir numa operação compartilhada entre os

protagonistas, isto é, mutualidade. Ademais, nessa relação não há obrigação de retribuir o

dom recebido, sob o signo da ágape, em que prevalece a generosidade do dom inicial.

Quadro 13 - Acepção filosófica de reconhecimento mútuo segundo Hegel, Honneth e Ricoeur

Filósofos Acepção filosófica

Hegel Reconhecimento como luta.

Honneth Reconhecimento como autoconfiança; respeito próprio, estima social.

Ricoeur Reconhecimento como mutualidade e como gratidão.

Fonte: A autora.

Como se poderia chamar essa relação, além de reconhecimento mútuo? Ricoeur

(2006) evoca a palavra gratidão que ele lembra está presente na língua francesa que também é

significada pelo reconhecimento. Nesse contexto, a gratidão alivia o peso da obrigação de

retribuir e orienta rumo a uma generosidade igual à que suscitou o dom inicial.

Faz-se necessário ainda voltar à questão: “Quando um indivíduo pode considerar-

-se reconhecido? A exigência de reconhecimento não pode se tornar interminável?”

O filósofo francês reafirma a sua advertência quanto à clareza de que o

reconhecimento pelo dom não é mais que uma trégua da disputa. Mesmo nesta existe uma

carga de conflitos potenciais ligada à tensão criadora entre generosidade e obrigação; “são

essas aporias suscitadas pela análise típico-ideal do dom que a experiência do dom traz em

sua conexão com a luta pelo reconhecimento. A luta pelo reconhecimento talvez seja

interminável” (RICOEUR, 2006, p. 258).

Ricoeur (2006) está convencido de que a forma de luta que mais contribui para a

popularização do tema do reconhecimento está ligada ao problema colocado pelo

multiculturalismo cujo termo, segundo ele, é reservado às exigências de igual respeito

provenientes de culturas efetivamente desenvolvidas no interior de um mesmo quadro

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129

institucional. É uma reivindicação que coloca em jogo a autoestima mediatizada pelas

instituições públicas ligadas à sociedade civil.

O filósofo francês (2006), concordando com Taylor (2000), considera que a

percepção errônea que os outros possuem dela compromete a imagem que temos de nós

mesmos, de forma depreciativa. Na visão do filósofo francês, o autor canadense não opõe

política da igualdade universal à política da diferença. O que ele faz é

[...] um deslocamento [...] suscitado pela mudança de definição do estatuto

igualitário implicado na própria ideia de dignidade; seria a igualdade, que por si

mesma exigiria um tratamento diferenciado, a ponto de trazer para o plano

institucional regras e procedimentos de discriminação invertida (RICOEUR, 2006,

p. 228).

Nesse sentido, convém examinar como vem se desenvolvendo o tema do

reconhecimento no contexto brasileiro. Assim, cabe-nos questionar: Em relação à literatura

especializada e à legislação brasileira sobre as relações étnico-raciais e aos autores brasileiros,

especificamente, como é discutido e concebido o reconhecimento para pensar a Educação

para as Relações étnico-raciais? Como gratidão? Como direito? É possível afirmar que já

chegamos aos patamares desejados de reconhecimento étnico-racial da população negra?

Como se configura a luta pelo reconhecimento da população negra no Brasil?

Também será possível aproximar as questões concernentes ao reconhecimento

desenvolvidas por Paul Ricoeur e o que nomeia o Parecer 003/2004 como princípios,

sobretudo em relação à Consciência Política e Histórica da Diversidade, ao Fortalecimento de

Identidades e Direitos, Ações Educativas de Combate ao Racismo e às Discriminações?

4.2 O negro e o reconhecimento de ser negro62

O termo negro vem sendo assumido pelos movimentos negros e pelos intelectuais

negros com um sentido afirmativo. A pergunta qual a sua raça, etnia ou cor ainda provoca

confusão nas pessoas que não se apropriaram de um viés crítico sobre os pilares ideológicos

das relações raciais no contexto brasileiro. Tal pergunta é duplamente complexa. Em primeiro

lugar, porque envolve a questão identitária que, por si mesma, é complexa por envolver

histórias de vida, tornando-se, por assim dizer, indefinível; também a questão racial, no

62

Esclarecemos que nesta seção optamos por adotar o termo negro para fazer jus ao movimento da negritude e

por concordarmos com aqueles que defendem a importância da categoria negro como critério de classificação

racial, embora também concordemos com a utilização do termo etnia.

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130

Brasil, é algo bastante emblemático no sentido de definir quem é branco, quem é negro, quem

é índio etc. No entanto, é significativo trazer à baila o tema da identidade e da identidade

negra e o que significa ser negro no contexto brasileiro.

Diversos estudiosos da área da Sociologia, dentre os quais Hall (2001), Bauman

(2005); da área da Psicologia, Ciampa (2005), Erickson (1976); da Antropologia, Munanga

(2002, 2008, 2009, 2010) vêm se debruçando sobre o tema da identidade, e mais

especificamente no que tange a identidade negra. Algo em comum permeia suas visões, a

ideia da identidade como algo que não é inato e nem acabado. Os referidos autores a

concebem como uma construção, como uma produção social e histórica.

O tema da identidade é bastante instigante, por isso uma pergunta se torna

necessária tal como a formulou Hall (2004): “Quem precisa da identidade?”. Antes de refletir

na esteira de Hall sobre essa pergunta, vale apena ressaltar que o autor contribui para o tema

da identidade à medida que faz também um sumário sobre as concepções de identidade. O

autor distingue três concepções de identidade: a do sujeito do Iluminismo, a do sujeito

sociológico e a do sujeito pós-moderno (HALL, 2001).

A primeira concepção de identidade baseia-se numa concepção da pessoa humana,

como um indivíduo centrado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação. Essa

era uma concepção muito individualista do sujeito e de sua identidade.

Para a segunda, o núcleo interior do sujeito era formado na relação com „outras

pessoas importantes para ele‟, que mediavam para o sujeito a cultura do mundo que ele

habitava. Nessa abordagem predomina a visão de que a identidade é formada na interação

entre o eu e a sociedade. O sujeito pós-moderno, por sua vez, não tem uma identidade fixa,

essencial ou permanente.

Voltando à pergunta “Quem precisa de identidade?”, Hall (2004) diz que existem

duas formas de responder a essa questão: uma linha de pensamento diz que, apesar do

conceito de identidade não poder mais ser pensado de forma antiga63

, faz-se necessário, para

que sejam pensadas certas questões-chaves. A outra forma é conceber a centralidade do

conceito de identidade para a questão da agência64

e da política65

. É neste segundo tipo de

resposta que nos apoiaremos para doravante delinear a importância dos movimentos negros

para a implementação de políticas de promoção da igualdade racial.

63

Crítica à visão integral, originária e unificada da identidade (HALL, 2004). 64

O autor se refere à agência para designar o elemento ativo da ação individual (HALL, 2004, p. 131). 65

O autor entende por política tanto a importância do significante identidade e sua relação com uma política da

localização, quanto as dificuldades e instabilidades que têm afetado a política de identidade.

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131

Ainda na perspectiva de Hall (2004, p. 108), defendemos o conceito de identidade

não como algo essencialista, mas como um conceito estratégico e operacional concebendo-a

como “sujeita a uma historização radical, estando constantemente em processo de mudança e

transformação”. Segundo ele, as identidades parecem invocar uma origem que residiria em

um passado histórico com o qual elas continuariam a manter uma certa correspondência por

meio da história, da linguagem e da cultura para a produção menos daquilo que nós somos

que daquilo no que nos tornamos; quem nós podemos nos tornar e como nós temos sido

representados e reconhecidos. Além disso, como essa representação afeta a forma como nós

podemos representar a nós próprios.

Vejamos como outros autores fundamentam essa questão nos dando suporte na

compreensão da identidade como conceito geral e, posteriormente, de forma específica a

identidade negra.

Nos estudos de Bauman (2005, p. 83), por meio de sua obra “Identidade”, além de

outros aspectos, a metáfora que ele utiliza para discutir em que consiste a identidade é

bastante ilustrativa. Conforme suas reflexões, “a identidade parece um grito de guerra usado

numa luta defensiva”.

Em relação a Ciampa (2005), o conceito de identidade é apreendido em sua obra,

como citado anteriormente, “A estória do Severino e a história de Severina”, em que ele

costura a sua concepção por meio de duas personagens, uma ficcional “Severino” e outra real,

“Severina”.

Para Ciampa (2005, p. 133), a identidade pessoal é configurada a partir das

relações sociais. Uma história de vida. Um projeto de vida. Uma identidade concretiza uma

política, dá corpo a uma ideologia. No seu conjunto, as identidades constituem a sociedade, ao

mesmo tempo que é constituída cada uma por ela. Por conseguinte, “identidade é

metamorfose”.

Na construção/formação da identidade, vários fatores são considerados essenciais:

o fator histórico, o fator linguístico e o fator psicológico. Sobre isso, Munanga (2009, p. 12)

adverte ponderando o grau de importância de cada um deles, afirmando:

O fator histórico constitui o cimento cultural que une os elementos diversos de um

povo através do sentimento de continuidade histórica vivido pelo conjunto de sua

coletividade. O essencial para cada povo é reencontrar o fio condutor que o liga a

seu passado ancestral o mais longínquo possível [...];

Quanto ao fator lingüístico, nos terreiros religiosos uma linguagem esotérica que

serve de comunicação entre os humanos e os deuses [...]. [...] Nas outras categorias

foram criadas outras formas de linguagem ou comunicação como estilos de cabelos,

penteados e estilos musicais que são marcas de identidade. Algumas comunidades

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rurais negras isoladas teriam conservado estruturas lingüísticas africanas

enriquecidas com vocábulos e expressões de língua portuguesa;

O fator psicológico, entre outros, nos leva a nos perguntar se o temperamento do

negro é diferente do temperamento do branco e se podemos considerá-lo como

marca de sua identidade. Tal diferença, se existir, deve ser explicada a partir [...] do

condicionamento histórico do negro e de suas estruturas sociais comunitárias, e não

com base nas diferenças biológicas como pensariam os racialistas.

Como vimos, o fator que prepondera na construção da identidade é o fator

histórico, e tal entendimento se assemelha com o que diz Erickson (1976) a respeito das

interfaces entre a identidade pessoal e a do grupo. Para o autor, o homem sempre precisou

sentir que pertencia a um grupo especial (nação, grupo étnico, família, ocupação), cujos ideais

e hábitos ele exibe e defende contra outros grupos. Erickson (1976) assevera o quão

importante é o sentimento de integração e valorização do indivíduo no grupo social; caso isso

não aconteça, a pessoa pode se identificar com protótipos negativos encontrados na infância.

Na esteira de Erickson (1976), Loureiro (2004, p. 54) analisa que “na identidade

psicossocial de toda pessoa, está presente uma hierarquia de elementos positivos e negativos,

estes últimos sendo resultado de a pessoa ter encontrado, durante a infância, protótipos

perversos, ao lado dos protótipos ideais”.

Em acréscimo a essa discussão, o mesmo autor pondera que Erickson (1976)

relaciona o conceito de identidade positiva com atributos pertencentes ao sujeito ou a seu

grupo dos quais ele se orgulha, e identidade negativa, aos atributos indesejados por ele.

Vista essa discussão mais genérica em torno da identidade ou identificação como

a articula Hall (2004), abordaremos esse conceito denunciando a imagem negativa que as

classes dominantes criam a respeito dos negros afirmando o quão difícil é a superação. Desse

modo, é questionado como pode a população negra nutrir-se de sentimentos positivos se lhe é

negado um modelo positivo para identificação.

Na história da sociedade brasileira, são incalculáveis os prejuízos da negação da

memória coletiva, da história, da cultura e, portanto, da identidade dos negros. O negro não

reconhece a si mesmo e não é reconhecido, o que se evidencia é o desconhecimento. Por isso,

é preciso lutar pelo reconhecimento.

Franz Fanon, por meio de sua obra “Pele negra, máscaras brancas” (2008), faz a

seguinte análise psicanalítica sobre os efeitos da invisibilidade do negro:

[...] começo a sofrer por não ser branco, na medida em que o homem branco me

impõe uma discriminação, faz de mim um colonizado, me extirpa qualquer valor,

qualquer originalidade, pretende que seja um parasita no mundo, que é preciso que

eu acompanhe o mais rapidamente possível o mundo branco [...]. Então tentarei

simplesmente fazer-me branco, isto é, obrigarei o branco a reconhecer minha

humanidade (FANON, 2008, p. 94).

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133

Considerando o que analisa Fanon (2008), uma questão se impõe: Qual o sentido

de ser negro e, de forma particular, ser negro no Brasil? Sobre isso Sodré (2012, p. 130)

explicita:

[...] o negro é um lugar móvel, isto é, pode ser ocupado por uma variação da cor da

pele, a depender do jogo das relações sociais ou dos posicionamentos político-

ideológicos. Não existe, portanto, nenhuma identidade racial negra, e sim uma

categoria social de confusa identificação fenotípica (com exceção dos casos de peles

inequivocamente escuras), embora com claras identificações culturais [...] no tocante

a tradições lúdicas e religiosas (os cultos afro-brasileiros) que se configuram como

uma marcante diversidade simbólica.

Acrescenta Sodré (2012) que a noção de cor herdada do período colonial visava

preferencialmente definir lugares sociais, nos quais etnia e condição estavam

indissociavelmente ligadas.

Em face disso, a discussão em torno do que significa ser negro no Brasil está

associada ao modelo das relações raciais pautada no branqueamento e no mito da democracia

racial, pilares ideológicos que historicamente configuram o racismo na sociedade brasileira.

Sobre o racismo configuramos importantes trabalhos, quais sejam, os de Gislene

Santos (2002); Neusa Santos (1983), Eliane Cavalleiro (2000), Kabengele Munanga (2002,

2008, 2009) e Guimarães (2004), que analisaram a violência engendrada em função dos

preceitos racistas e suas conseqüências.

Santos (2002) faz um percurso da idéias que naturalizaram a inferioridade dos

negros, destacando as pesquisas tanto na área da Biologia quanto da Antropologia, produzidas

durante o século XVIII, as quais influenciaram as teorias raciais no século seguinte. Segundo

a autora, o Brasil foi influenciado pelas teorias raciais ou racialismo geradas no contexto da

Filosofia Iluminista66

cujas proposições assim se resumem:

1) A existência de raças consiste na afirmação da existência de grupos humanos cujos

membros possuem características físicas comuns.

2) A continuidade entre o físico e o moral: a raça não é apenas definida fisicamente; o

racialista postula uma continuidade entre o físico e o moral; a divisão do mundo em raças

corresponde a uma divisão por culturas.

3) A ação do grupo sobre o indivíduo: o comportamento do indivíduo depende do grupo

sociocultural (ou étnico) ao qual pertence.

66

Nesta Filosofia os homens eram definidos pela sua capacidade racional de modificar a natureza, fato que

também os diferenciava dos outros animais. Estes homens, sendo frutos da própria natureza, não estavam

alheios às modificações que ela imprime em todos os seres (SANTOS, 2002, p. 310).

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134

4) Hierarquia única de valores: o racialista usa uma hierarquia única de valores para elaborar

juízos universais pelos quais qualifica uma raça como superior ou inferior à outra.

5) O racialista tira um julgamento moral e um ideal político (submissão das raças

consideradas inferiores).

Nessa perspectiva, no século XIX raça designa a ideia de diferenças físicas

transmitidas hereditariamente. Tal racialismo, como ilustrado por Santos (2002), em páginas

anteriores, desenvolveu-se no contexto do ideário iluminista que, ao mesmo tempo,

propugnava a tolerância e o respeito aos direitos do homem, gerando elementos para a

construção de um conceito de homem restrito aos parâmetros europeus, tornando, portanto,

intolerantes as diferenças entre estes e os outros povos. No entanto, a cor negra, antes do

Iluminismo, já possuía características negativas.

A autora compreende como os pensadores europeus com os seus conceitos

racistas alimentaram os intelectuais brasileiros67

. Os conceitos elaborados pela filosofia

natural, ética e política influenciaram para que se formasse uma determinada imagem do

negro, seja na condição de escravo, seja na de liberto, como um ser diferente e inferior.

O racialismo continua forte, e o Brasil não produziu grandes alterações no que

concerne ao racismo e ao ideário de submissão e inferioridade dos negros. Conforme Santos

(2002, p. 132), no período republicano o negro tornava-se “cidadão indesejado, cidadão por

acaso, por força e vontade branca, o negro deveria resignar-se à sua condição de estranho à

civilidade, de outro indesejável”.

Nesse percurso das ideias, Santos (2002) retoma também Gilberto Freyre68

um

intelectual que ofereceu novos elementos para a invenção do “Ser negro”. Freyre concebe o

negro como aquele que, por meio de sua cultura, influenciou e contribuiu para a formação da

nação brasileira. Com ele a mestiçagem passa a ser encarada numa outra perspectiva, ou seja,

se anterior à década de 30, a mestiçagem era considerada de forma negativa em Freyre,

o ponto de equilíbrio da sociedade brasileira passaria a ser o mestiço e o caráter

miscigenado de nossa população é posto em foco como meio de um

engrandecimento inigualável. O Brasil seria o pólo propício para uma sociedade

mais democrática em termos raciais, visto ser fundada sobre a mestiçagem

(SANTOS, 2002, p. 150).

67

Santos (2002) destaca como principais abolicionistas: José Bonifácio, Joaquim Nabuco e Nina Rodrigues. As

ideias desses intelectuais são símbolos da conjunção entre liberalismo e evolução. Não reconhecem a

integridade do negro. Sendo assim, não o concebem como um homem e cidadão pleno e não possui uma

cultura. 68

Produziu uma importante obra sobre a questão racial no Brasil, trata-se do livro “Casa Grande e Senzala”

(SANTOS, 2002).

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135

A visão de Freyre, segundo a autora, não é menos racialista que a dos intelectuais

que o precederam. A mestiçagem é uma “via de mão-dupla”, é uma denúncia antirracista

como também é uma defesa do embranquecimento. Ao que tudo indica, Santos (2002) não

percebe uma imagem positiva dos negros na antropologia de Gilberto Freyre.

Assim, foram produzidas ideias que inventaram o “Ser do negro” como inferior,

como negativo, que justificaram e reinventaram, a cada momento, o lugar do negro na

sociedade. Essas imagens geraram uma grande dificuldade em definir o ser negro no Brasil,

não somente por uma questão de o Brasil ser um país “mestiço”. Por isso, mais que discutir

atributos físicos, precisamos incorporar mais intensamente nos discursos que “Ser negro”

significou e significa ter menos escolaridade, emprego, acesso à cultura e status.

Nessa mesma linha de raciocínio, Santos (1983) parte da representação do negro

na sociedade escravocrata e constata a sua posição de inferioridade. Todavia, na ordem

capitalista, a dita representação torna-se obsoleta, cedendo lugar a todo um “dispositivo de

atribuições de qualidades negativas com o objetivo de manter o espaço de participação social

do negro nos mesmos limites estreitos da antiga ordem social” (SANTOS, 1983, p. 20). Para a

autora foi com a disposição básica de ser gente que o negro organizou-se para a ascensão

social69

. Sendo assim, reitera:

A história da ascensão social do negro brasileiro é assim a história de sua

assimilação aos padrões brancos de relações sociais. É a história de submissão

ideológica de um estoque racial em presença de outro que se faz hegemônico. É a

história de uma identidade renunciada, em atenção às circunstâncias que estipulam o

preço do reconhecimento ao negro com base na intensidade de sua negação

(SANTOS, 1983, p. 23).

Cavalleiro (2000), em sua pesquisa, retrata o processo de socialização na primeira

infância em suas relações multiétnicas, tanto no espaço pré-escolar quanto no familiar.

Corroborando as discussões anteriores, ela diz:

[...] no que tange ao espaço escolar, as crianças estão tendo infinitas possibilidades

para a interiorização de comportamentos e atitudes preconceituosas e

discriminatórias contra os negros. Paralelamente, nas famílias encontramos adultos e

jovens preparando novos jovens para a vida social desconsiderando o caráter

múltiétnico da população, o pertencimento a um grupo específico e, mais ainda, o

racismo secular que impera na sociedade brasileira (CAVALLEIRO, 2000, p. 97).

69

Convém salientar que a ascensão social não cabia par a todos os negros. Consoante Santos (1983, p.22-23), o

meio negro se dividia entre os que se conformavam com a sua condição e os que ousavam romper com o

paralelismo negro/miséria.

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136

Pondera a autora que da forma como se tem dado o processo de socialização da

nova geração, isso constitui-se um obstáculo à mudança do quadro de racismo na sociedade

brasileira. É condição sine qua non, portanto, a elaboração de um trabalho que promova o

respeito mútuo, o reconhecimento das diferenças, a possibilidade de falar sobre elas sem

receio e sem preconceito.

São iluminativas também a visão do antropólogo Munanga, primordialmente em

duas obras, os livros “Negritude: usos e sentidos” (2009) e “Rediscutindo a Mestiçagem no

Brasil” (2008), além do artigo “Construção da identidade no contexto da globalização”

(2002). Essas produções se reportam à constituição identitária brasileira. Está em pauta nessas

obras a concepção de negritude, a mestiçagem, entre outras categorias analíticas.

Segundo Munanga (2009), existem elementos específicos que dificultam uma

afirmação positiva do negro, tais como: a alienação de seu corpo, de sua cor, de sua cultura e

de sua história; a falta de consciência histórica e política, entre outras. Nesse sentido, a

recuperação de sua identidade inicia-se pela aceitação de suas marcas físicas, que o autor

denomina de negritude. Este deve ser um movimento anterior à aceitação de seus atributos

culturais, mentais, intelectuais, morais e psicológicos.

Entretanto, ainda segundo Munanga (2009), os critérios raciais sem consciência

ideológica ou política não seriam suficientes para desencadear o processo de formação da

identidade. Nesse sentido, “ao perguntar quem é negro? - muitas vezes colocada no atual

debate sobre cotas raciais, se refere a essa dificuldade de definir a identidade com base num

único critério racial”.

Como vimos em páginas anteriores no Brasil é constatada uma expressiva

presença demográfica de negros. De acordo com o Censo 2010, a porcentagem da população

negra (incluindo pardos) é de 50,74% e 0.7% de indígenas. Podemos considerar que mais da

metade da população brasileira se declara negra. Cabe ressaltar, no entanto, que o número de

declarados negros é inferior ao daqueles declarados pardos. Também de acordo com o Censo

2010, a população parda é de 47,13% e 7,6% pretos (IBGE, 2010c).

Ainda que estes percentuais sejam considerados um avanço, tendo em vista que

estaria se desenvolvendo uma conscientização racial, não obstante a categoria parda estar

relacionada ao ideário da mestiçagem e este vinculado à “ideologia do branqueamento”.70

70

Demarcamos que o branqueamento se constitui, assim como a suposta democracia racial, um dos pilares

ideológicos das relações raciais que predominou no Brasil no início do século XX.

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137

O ideário da mestiçagem é visto como um obstáculo à afirmação da identidade

negra. Segundo Munanga (2008), na construção do sistema racial brasileiro, a mestiçagem foi

pensada como categoria que cimentaria a construção da identidade nacional. Contudo, “a

mestiçagem não conseguiu resolver os efeitos da hierarquização dos três grupos de origem e

os conflitos de desigualdade raciais resultantes dessa hierarquização” (MUNANGA, 2008, p.

114). Ademais, eles não constituem uma categoria estanque pelo fato de o preconceito racial

brasileiro ser de cor e não de origem, como nos Estados Unidos e na África do Sul.

Nesse contexto, faz sentido o que coloca Ferreira (2000), ao afirmar que vários

fatores tornam complexo o processo de identificação racial brasileiro, destacando que:

[...] a autopercepção difere da percepção do outro, refletindo a dificuldade de

escolha ante o grande número de categorias raciais existentes. O modo de vida e o

status acabam sendo também fatores determinantes na classificação de cor [...].

Fatores ideológicos, como a busca de afirmação da negritude, vista como modo de

afirmação e legitimação de uma determinada especificidade cultural, do mesmo

modo, interferem na definição das características raciais (FERREIRA, 2000, p. 49).

Munanga (2009) salienta que a negritude71

é o processo de construção da

identidade que se dá por meio da conscientização, mas que nem todos os negros chegam a

esse grau. Partindo desse pressuposto, não podemos confirmar a existência de uma identidade

cultural entre os grupos de negros que vivem em contextos diferentes. Face ao que coloca este

autor, podemos inferir que é possível que os que se declaram pardos, pela pesquisa censitária,

não tenham chegado ao nível de conscientização, o que contrariaria a hipótese levantada

anteriormente sobre os avanços da conscientização.

Não obstante, como visto, Munanga (2002) reforça o sentido político na

construção da identidade negra no Brasil, reforçando mais ainda o sentimento de negritude, ao

declarar:

A negritude e/ou a identidade negra se referem à história comum que liga de uma

maneira ou de outra todos os grupos humanos que o olhar do mundo ocidental

„branco‟ reuniu sob o nome de negros. A negritude não se refere somente à cultura

dos povos portadores da pele negra que de fato são todos culturalmente diferentes.

Na realidade, o que esses grupos humanos têm fundamentalmente em comum não é

como parece indicar, o termo Negritude à cor da pele, mas sim o fato de terem sido

na história vítimas das piores tentativas de desumanização [...] de ter sido

simplesmente negada a existência dessas culturas (MUNANGA, 2009, p. 20).

71

Ainda que existam diversas definições do conceito de negritude e críticas a ele relativas, Munanga (2009)

ressalta que seu objetivo principal consiste em tornar equivalentes os valores das civilizações africana e

ocidental.

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138

Considerando que a construção social da identidade se produz sempre num

contexto caracterizado pelas relações de força, ele anuncia três formas de identidade:

A identidade legitimadora, elaborada pelas instituições dominantes da sociedade, a

fim de estender e racionalizar sua dominação sobre os atores sociais;

A identidade de resistência, produzida pelos atores sociais que se encontram em

oposição ou condições desvalorizadas ou estigmatizadas pela lógica dominante. Para

resistir e sobreviver, eles se barricam na base dos princípios estrangeiros ou

contrários aos que impregnam as instituições dominantes da sociedade [...];

A identidade-projeto: quando os atores sociais, com base no material cultural a sua

disposição, constroem uma nova identidade que redefine sua posição na sociedade e,

consequentemente, se propõem a transformar o conjunto da estrutura social [...]

(MUNANGA, 2002, p. 64).

A primeira forma de identidade traz uma concepção do ser humano como único,

não havendo espaço para se pensar uma identidade diferenciada; a ideia é de uma identidade

universalista tendo como base os princípios de igualdade e de liberdade. Esta visão contrasta

com a que concebe a identidade como sempre diversificada, segundo os modos de existência,

as maneiras de pensar, de julgar, sentir, próprias as comunidades culturais às quais pertencem

os indivíduos (MUNANGA, 2002).

Por outro lado, a visão dos seres humanos com uma única natureza traz também a

convicção de que os homens têm os mesmos direitos, quaisquer que sejam os seus traços ou

características. Contudo, resta saber se a representação democrática da identidade deve

continuar a fazer abstração das diferenças ou deve integrá-las no quadro de uma identidade

diferenciada.

Ao que parece, seria mais razoável, conforme lemos em Munanga (2002, p. 680),

reelaborar a universalidade no sentido de “apreender a humanidade levando em conta duas

exigências: reconhecer a alteridade do outro, concordando, ao mesmo tempo, sem reserva,

que ele compartilha conosco, inteiramente, essa identidade específica que faz de cada ser

humano um eu, isto é, uma subjetividade”.

Nessa perspectiva, “considerar a diferença tornou-se a própria condição deste

universo pelo qual somos idênticos” (MUNANGA, 2002, p. 68). Acreditamos que é nessa

perspectiva que se insere o antirracismo diferencialista que caracteriza os movimentos negros

na atualidade, uma vez que reclamam e lutam pelo reconhecimento, contra os obstáculos que

impedem os negros de ser homens, mas sem perder de vista o ideário da igualdade,

configurando-se deste modo tanto a identidade de resistência como de projeto.

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139

Munanga (2002) também afirma que são muitas as dificuldades e os obstáculos

em torno da formação da identidade negra, tanto do ponto de vista da aceitação dos aspectos

físicos quanto em relação aos aspectos culturais.

Com efeito, os termos negro, racismo, branqueamento72

, mito da democracia

racial73

, entre outros, estão na raiz de muitas injustiças sociais, reproduzindo estereótipos que

menosprezam a diversidade cultural seja cultural, de corpo,e outros.

Com efeito, o termo negro é carregado de atributos negativos os quais estão

associados a origem e ao desenvolvimento da palavra. Guimarães (2012) nos elucida sobre a

origem e o desenvolvimento da palavra “negro”. Essa palavra foi cunhada entre os povos

europeus, utilizada para se referir à cor de pele escura de alguns povos, geralmente aqueles de

maior contato com os africanos, como os mediterrâneos. Dos primeiros encontros dos

europeus com os povos africanos, sobretudo com os africanos subsaarianos, brotou uma

primeira fonte de sentimento negativo, ou preconceito, pois no simbolismo das cores no

Ocidente cristão, o negro significava derrota, morte, pecado, enquanto o branco significava

sucesso, pureza e sabedoria.

Acrescenta o autor que mesmo com o advento das teorias raciais74

no século XIX,

as quais tentaram deslocar as categorias de cor para caucasiano no lugar de branco,

mongolóide em substituição de amarelo e negroide ao invés de negro, permaneceu o uso das

cores humanas, com conteúdo racista. Assim,

as múltiplas raças são designadas pelas cores: branca (europeus e seus

descendentes), negra (africanos e seus descendentes); amarela (asiáticos e seus

descendentes); outras designações de cor são menos freqüentes, tais como Brown

(parda) para se referir aos indianos e paquistaneses, e vermelha, aos indígenas nas

Américas” (GUIMARÃES, 2012, p. 21).

72

A fase do branqueamento se caracterizou pelo impacto da imigração europeia entre 1872 e 1940 (SANTOS,

2002, p. 270). 73

Expectativa de Gilberto Freire e Donald Pierson, que pelo fato de o Brasil ser mestiço, havia um convívio

harmonioso entre as raças. As análises de Florestan Fernandes enfocaram a desigualdade, questionando a

democracia racial brasileira. Ainda foi registrado um comportamento particular de racismo o preconceito de

não ter preconceito (SANTOS, 2002). 74

As teorias raciais supunham a existência de raças humanas e procuram explicar biologicamente as suas

origens, as suas capacidades e habilidades. É atribuído a François Bernier o primeiro registro, em 1684, da

palavra raça, o qual designou a divisão dos seres humanos em espécie. Bernier classificou da seguinte

maneira: Agrupou os europeus, os norte-africanos os habitantes do Oriente Médio, os persas e iranianos e os

indianos numa mesma espécie. A outra raça, a negra, encontrada nas outras partes da África. A terceira raça

os povos asiáticos (GUIMARÃES, 2012).

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140

No período colonial, na sociedade brasileira, os portugueses usavam o termo

negro tendo como parâmetro tanto a cor da pele, no caso, mais escura, quanto para se referir

aos escravizados.

O mesmo autor rastreia três sentidos da expressão negra e conclui que já

significou pessoas e povos de cor mais escura, depois de status social ou constituição

biológica inferior, escravos ou povos submissos e, num terceiro momento, serviu de

autodesignação desses mesmos povos em seus movimentos de libertação colonial e de

recuperação de autoestima.

Nesse terceiro momento, que sofre influência dos acontecimentos de afirmação

dos negros, em nível mundial, o conceito biológico de raça é aproximado ao de cultura, graças

a Du Bois (apud Guimarães, 2012), segundo o qual as definições físicas não podem definir ou

explicar diferenças como a coesão e continuidade desses grupos.

Vimos que historicamente a população negra brasileira tem sofrido as

consequências de uma exclusão perversa. Exclusão esta que se arrasta desde 1888, ainda que

tenha ocorrido a abolição formal da escravidão no Brasil, por meio da chamada “Lei Áurea”,

teriam. Nesse sentido, cabe a pergunta: anterior a abolição teriam os negros vivenciados

algumas experiências de ter direitos e de reconhecimento? Poderíamos afirmar que existia

reconhecimento mútuo na ordem escravocrata, entre brancos e negros?

É possível que nas senzalas, nos quilombos, os negros tenham vivenciado

experiências de reconhecimento mútuo à medida que promoveram a continuidade de suas

histórias e suas culturas, além da criação de estratégias de resistência, tendo em vista a

afirmação de suas identidades.

Em relação as organizações Munanga (2002) ressalta que os movimentos negros

têm consciência de que, sem forjar essa definição e sem a solidariedade de negros e mestiços,

não há nenhum caminho no horizonte capaz de desencadear o processo de mobilização

política.

Mediante essa mobilização, foram e poderão ser ainda redefinidas estratégias de

resgate da identidade, de fortalecimento da autoestima e de reivindicações pela igualdade de

oportunidades, exigindo reconhecimento e medidas mais eficazes no combate às

desigualdades étnico-raciais.

Dessa maneira, o conceito de reconhecimento pode ser inspirador na medida em

que traz a “ideia de troca” da gratidão em que o reconhecer-se pressupõe o reconhecimento do

outro.

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141

4.3 Aspectos conceituais, ideológicos e culturais do currículo

O currículo pode ser compreendido e praticado sob muitas perspectivas teóricas,

daí o motivo de o termo agregar inúmeras conceituações. Gimeno Sacristán (1998)

sistematiza quatro grandes orientações básicas para abordar os modelos teóricos e práticas

relacionadas com o currículo: 1) resultado de experiências educativas; 2) base de

experiências; 3) legado tecnológico e eficientista; 4) configurador da prática.

Cada configuração teórica de currículo possui suas características. O primeiro

tipo, qual seja, o currículo como resultado das experiências educativas, valoriza os saberes

distribuídos por disciplinas específicas como expressão da cultura elaborada, convertendo

esses saberes em instrumentos de progresso. O segundo tipo, currículo como base de

experiências, considera os aspectos intelectuais, físicos, emocionais e sociais como

importantes no desenvolvimento da vida do indivíduo. O terceiro tipo, que valoriza o caráter

tecnológico e eficientista do currículo, entende que este é parte integrante da estrutura do

sistema educativo. O quarto e último tipo, como configurador da prática, analisa o currículo

como objeto social e da prática organizada em seu redor.

Em face das referências que Silva (2000) faz sobre as teorias do currículo,

podemos atrelar essas características às três teorias. O primeiro, o segundo e o terceiro tipo à

teoria tradicional de currículo e o quarto tipo, às teorias críticas e pós-críticas de currículo. O

autor salienta que em qualquer dessas teorias o que é comum e central nelas é saber que

conhecimento deve ser ensinado, ou seja, qual saber deve ser considerado importante, válido,

essencial para fazer parte do currículo.

Como dito anteriormente, em toda e qualquer prática educativa existe uma

orientação teórica sobre conhecimento, sobre a educação, sobre a sociedade, sobre a ciência,

sobre os valores sociais, entre outros. Portanto, todos aqueles que estão envolvidos no

processo educativo possuem sua forma de conceber o mundo, tanto natural quanto social, o

que pode gerar conflitos sobre o tipo de conhecimento que é e deve ser ensinado.

A forma de conceber o mundo é também cunhada de ideologia. Este termo, apesar

das divergências de argumentação em torno dele, é usado como um complexo de ideias,

conforme explica Cashmore (2000). Além de outros, esse autor declara dois fundamentais

autores para compreensão do emprego de tal conceito: Karl Marx e Antonio Gramsci.

Em Marx, encontramos dois empregos: como “descrições falsas e ilusórias da

realidade [...] e como um complexo de ideias que correspondem a determinados grupos de

interesses e experiências materiais” (CASHMORE, 2000, p. 262).

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142

O mesmo autor referencia o italiano Antonio Gramsci sobre suas concepções de

ideologia, que tanto pode ser um complexo de idéias, produto de um pensamento sistemático,

quanto um conjunto de ideias internamente contraditório e incoerente, por meio das quais a

vida cotidiana é vivida.

Nessa conformidade, qual seja, da ideologia como uma criação ilusória da

realidade, entendemos que “o racismo é uma ideologia criada pela classe dominante numa

sociedade capitalista para justificar a exploração das populações coloniais e dividir a classe

trabalhadora”. Num outro sentido, “como complexo de fatos e explicações deforma a

experiência particular e a posição material da economia mundial” (CASHMORE, 2000 p.

263-264).

De acordo com Paraskeva (2000), o currículo é marcado ideologicamente pelas

questões fundamentais de reproduzir e/ou transformar a sociedade por meio da intervenção do

Estado, da valorização do conhecimento transmitido e do papel desempenhado pelos

professores. No que concerne ao Estado, seus argumentos vão ao encontro também do que

coloca Gimeno Sacritán (1998), o qual alega que o poder do Estado, além de outros, reside no

determinar as políticas curriculares. Como afirma Paraskeva (2000, p. 94):

O interesse do Estado na ideologização do currículo visa essencialmente garantir

que a escola, como instituição de cariz marcadamente social, possua um

determinado comportamento que, longe vão os tempos, foram sendo de timbre

marcadamente reprodutor. Com o progresso civilizacional desmultiplicou-se um

pouco esta postura da Escola perante a sociedade e espera-se hoje dela não uma

posição “solteira”, mero aparelho reprodutor, mas que assuma um papel

preponderante. Afinal, só ela poderá fazê-lo, na transformação e reajustamentos de

que a sociedade necessita.

Nesse sentido, “qualquer análise das maneiras pelas quais o poder desigual é

reproduzido e discutido na sociedade não pode deixar de levar em conta a educação. As

instituições de ensino representam um dos maiores mecanismos pelos quais o poder se

mantém ou, então, é enfrentado” (APPLE 2006, p. 7).

Em conformidade com a análise crítica da escola também são procedentes o que

revela Gimeno Sacristán (1998). O autor assinala que o currículo é uma prática pedagógica

que resulta da interação e confluência de várias estruturas no que diz respeito ao político-

administrativo, econômico, cultural, social, escolar, entre outros. Na base dessas estruturas

existem interesses concretos e responsabilidades compartilhadas.

Para Gimeno Sacristán (1998), oito âmbitos expressam práticas relacionadas com

o currículo. São eles: o político-administrativo, o de participação e de controle, o de

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143

ordenação do sistema educativo, o sistema de produção de meios, os de criação cultural e

científica, o técnico-pedagógico: formadores, especialistas e pesquisadores em educação, o de

inovação e o prático-pedagógico.

No que se refere ao político-administrativo podemos ilustrar sobre a intervenção

do Estado brasileiro, em 1995, na definição de uma política curricular em que foram

divulgadas as primeiras versões dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (LOPES,

2006). Nestes, são determinados os objetivos de cada nível de ensino, as capacidades, os

conteúdos e/competências e habilidades (no caso do ensino médio).

Os projetos de currículo nacional foram desenvolvidos em vários países como

Inglaterra, Nova Zelândia, Espanha, entre outros. Tais projetos foram bastante criticados por

estudiosos notadamente da área de currículo. No cenário internacional, Gimeno Sacristán

(1998) e Apple (2006) desenvolvem suas críticas contra a associação do projeto de currículo

nacional ao neoliberalismo75

e às políticas de mercado. Apesar das críticas, Gimeno Sacristán

(1998) afirma que o projeto de uma cultura comum pode contribuir para a igualdade de

oportunidades.

Todavia, no cenário brasileiro, Lopes (2006, p. 155) argumenta que

Permanecer na defesa de uma cultura comum, ainda que afirmando sua flexibilidade

e compreendendo o quanto ela será obrigatoriamente plural [...] é apostar na

regulação dos sentidos do currículo, um processo que focaliza o cerceamento da

diferença e a tentativa de silenciar as múltiplas possibilidades de saberes e valores

nas mais diversas práticas curriculares.

Depreendemos das reflexões de Lopes (2006) que existem estreitas vinculações

entre currículo e cultura. Aliás, o currículo é um projeto seletivo de cultura, segundo Gimeno

Sacristán (1998). Nesse processo, cabe a questão: Por que se aprende um determinado

conhecimento, em detrimento de outro qualquer? (PARASKEVA, 2000).

A esse respeito são procedentes as críticas de Sodré (2012).

A ideia do saber único termina recalcando uma parte importante da realidade,

porque há práticas sociais baseadas em conhecimentos populares, conhecimentos

indígenas, conhecimentos camponeses, conhecimentos urbanos, mas que não são

avaliados como rigorosos. Seus efeitos são igualmente danosos no tocante à

educação, porque o monismo cultural que privilegia a língua hegemônica impede o

pluralismo das linguagens característico de alunos provenientes de diferentes

75

Segundo Corrêa (2000), há muitas formas de definir neoliberalismo. Do ponto de vista político-ideológico é

uma superestrutura ideológica e política que acompanha uma transformação histórica do capitalismo

moderno. Na prática política, constitui um conjunto de receitas econômicas e programas políticos colocados

em prática a partir da década de 70.

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144

estratos sociais [...]. A monocultura do saber está por trás da crescente violência nas

escolas freqüentadas por jovens provenientes de classes economicamente

subalternas [...] ou de famílias de imigrantes, assim como pode responder também

pelo fracasso do ensino e pelas altas taxas de evasão escolar em tais casos (SODRÉ,

2012, p. 23).

De nossa parte, são pertinentes as perguntas e as observações de Sodré (2012) e

pensamos que aqui reside o fundamento da crítica dos curriculistas em direção aos PCN.

A discussão em torno do currículo nacional e, consequentemente, da cultura

comum proposta nos textos curriculares divide as opiniões dos curriculistas. Uns não

concordam, questionando a relação da proposta de currículo nacional com os propósitos do

mercado, como Gimeno Sacristán (1998), Apple (2006) e Lopes (2006).

Outros consideram problemática a relação entre uma cultura universal e a

valorização de outras culturas de pertencimento que os documentos dos PCN pretenderam

estabelecer (MACEDO, 2006). De todo modo, tanto Lopes (2006) quanto Macedo (2006)

preferem a adoção do termo diferença a pluralismo cultural, presente nos PCN como tema

transversal.

Em relação ao que apregoam as organizações, por exemplo, a UNESCO propugna

a busca de valores comuns, argumentando em prol de uma unidade na base da diversidade de

culturas e religiões. A organização defende um conjunto de valores fundamentais e de padrões

mínimos, que podem ser aceitos por todas as sociedades e religiões reconhecidas. Os valores

são definidos como uma “ética global” e vê os princípios da democracia, da paz, dos direitos

humanos e do pluralismo como seus ingredientes básicos, mas, sem desconsiderar o valor de

cada indivíduo e de cada cultura (POWER, 2002).

Acrescenta Power (2002) dois desses elementos os quais dizem também respeito

aos valores comuns. O primeiro refere-se ao entendimento de que todos têm o direito à

educação e esta deverá ser gratuita. O segundo que

A educação deverá ser direcionada ao desenvolvimento da personalidade humana e

ao fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades

fundamentais. Ela deverá promover a compreensão, a tolerância e a amizade entre

todas as nações, grupos raciais e religiosos, e deverá contribuir para as atividades

das Nações Unidas para a manutenção da paz (POWER, 2002, p. 45).

Se todos deverão ter direito a receber educação, convenhamos, o currículo deverá

ser desenvolvido com base nesse direito. Tomemos como embasamento uma reflexão que

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145

Gimeno Sacristán (2007) elabora sobre como fazer a educação de acordo com os princípios76

derivados dos direitos humanos. Com essa reflexão o autor busca as implicações entre o

significado do direito à educação e de outros direitos para a política curricular em sua criação

e desenvolvimento, notadamente no que respeita ao ensino obrigatório. Mas, os princípios que

o autor acenará têm projeção sobre toda a educação.

O que apregoam a UNESCO e Gimeno Sacristán (2007), em termos da projeção

dos direitos universais à educação, procede nas teses de Casali (2000) com uma ressalva: este

critica, tal como Lopes (2006) e Macedo (2006), a expressão pluralismo cultural. Para Casali,

o plural pode ser reiteração, repetição do mesmo; só o diverso traduz novas qualidades.

Contudo, o autor concebe que as práticas pedagógicas (o currículo) devem ser compreendidas

e assumidas como um „concreto histórico‟, isto é, como síntese de determinações e de

possibilidades simultaneamente singulares, parciais e universais77

. Estas se constituem como

os três âmbitos de referência para a educação. Essa combinação princípios universais

singulares e parciais, ao que tudo indica, faz parte da agenda da UNESCO.

Nessa conformidade, existe uma articulação intrínseca em tais princípios, o que

nos impele a pensar que a instituição de um currículo nacional não vai de encontro ao

currículo numa perspectiva da diversidade cultural. Aliás, os PCN instituíram os temas

transversais com a compreensão da importância de questões sociais e raciais no currículo

escolar, como, por exemplo, o tema da pluralidade cultural, que, apesar de ser questionado,

consideramos significativo pela compreensão já citada.

Uma pergunta premente nas teorizações sobre currículo é: Quem decide o

currículo? Essa pergunta nos remete ao que coloca Gimeno Sacristán (1998), o qual elenca o

processo de desenvolvimento do currículo nas seguintes fases: a) currículo prescrito; b) o

currículo apresentado aos professores; c) o currículo moldado pelos professores; c) o currículo

em ação; d) o currículo realizado; e) o currículo avaliado. Estes expressam os âmbitos de

práticas relacionadas com o currículo, intitulado por Gimeno Sacristán (1998).

Segundo o autor, o currículo prescrito diz respeito à orientação do que deve ser

seu conteúdo, principalmente em relação à escolaridade obrigatória. O currículo apresentado

aos professores é desempenhado principalmente pelos livros-textos. O currículo moldado

76

Os princípios referidos pelo autor estão aportados no Capítulo 5, no subtópico que trata dos indiciadores

propositivos. 77

Ao tratar da educação voltada para a universalidade, Casali (2000) esclarece: por ser a educação um fenômeno

universal, como também por ela ter como referência a universalidade dos saberes e dos direitos, o âmbito a

singularidade são relativos ao sujeito individual, e o parcial, chamado também de cultural, seria o grupo, o

setor, o segmento do todo (CASALI, 2000).

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146

pelos professores, estes são agentes ativos e decisivos na concretização dos conteúdos e

significados dos currículos, visto que para Paraskeva (2000, p. 116), “se entendemos o

currículo como prática, todos quantos nele participam fazem-no como sujeitos e não como

objetos”, portanto os professores têm um papel fundamental.

O currículo em ação se concretiza nas tarefas escolares. Temos ainda o currículo

realizado, o qual diz respeito aos efeitos cognitivo, afetivo, social, moral, entre outros. Neste

tipo de currículo se realizam outros efeitos que ficarão como efeitos ocultos do ensino. O

currículo avaliado, por sua vez, decorre das pressões exteriores.

A despeito dos contextos de decisão, sem menosprezar os outros, ressaltamos a

mediação necessária do contexto político-administrativo na condução da política curricular

conforme acepção de Gimeno Sacristán (1998, p. 107), a saber:

A política sobre currículo é um condicionamento da realidade prática da educação

que deve ser incorporado ao discurso sobre currículo; é um campo ordenador

decisivo, com repercussões muito diretas sobre essa prática e sobre o papel e

margem de atuação que os professores e os alunos têm da mesma [...]. O tipo de

racionalidade dominante na prática escolar está condicionada pela política e

mecanismos administrativos que intervêm na modelação do currículo dentro do

sistema escolar.

Nesse sentido, concordamos com a implementação ordenada e institucionalizada

das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação para a Diversidade Étnico-Racial por meio

de Pareceres, Resoluções, Planos, entre outros, destacando-as como medidas afirmativas, no

sentido de que reconhecem a escola como lugar de cidadãos e afirmam a relevância de a

escola promover a necessária valorização das matrizes que contribuíram para constituir a

nossa diversidade cultural.

4.4 Currículo e ação afirmativa78

após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

nº. 9.394/96

Têm se produzido discussões teóricas pela emergência de outro formato de escola,

menos excludente, mais inclusiva. Tais discursos pautam-se pela construção de uma

sociedade democrática, o que significa o respeito aos diferentes e sua valorização como seres

78

“Esta política é voltada para reverter as tendências históricas que conferiram às minorias e às mulheres uma

posição de desvantagem, particularmente nas áreas de educação e emprego. Ela visa ir além da tentativa de

garantir igualdade de oportunidades individuais ao tornar crime a discriminação, e tem como principais

beneficiários os membros de grupos que enfrentaram preconceitos” (CASHMORE, 2000, p. 31).

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147

humanos distintos. Nesse cenário vêm ganhando força os argumentos em torno de uma

educação antirracista.

O currículo, numa perspectiva crítica, vem sendo objeto de estudo em diversos

países do mundo, entre os quais Estados Unidos, França, Espanha e Brasil. Torna-se um

assunto de relevância nas questões contemporâneas de currículo, dentro do contexto de

reconhecimento das diferenças, a luta contra os preconceitos, sobretudo étnico-raciais. Esse

discurso vem sendo reiterado nos movimentos sociais, bem como em documentos referentes a

políticas de currículo nacional desses países.

As teorias críticas e pós-críticas, são unânimes em afirmar que o currículo vai para

além da seleção de conhecimentos e informações retiradas do “estoque” da nossa cultura. Isso

significa que além da aplicação dos conteúdos é importante considerar as pessoas, suas

histórias de vida, referências culturais, o contexto social no qual esse currículo está inserido e

transitando.

O currículo é processo e é produto, é seleção /regulação dos conhecimentos que

devem ser compartilhados (currículo explícito), escolhas essas que, perpassando por conexões

de saber, poder e identidade, extrapolam os limites dos conteúdos e atividades curriculares e

interferem na configuração das sociedades. Destacamos que o currículo é perpassado por

questões de saber, poder e identidade de acordo com Silva (2010, 2011), Macedo (2008),

Aplle (1994), Gomes (2008), Moreira (1997, 2008) e que o tipo de conhecimento considerado

importante no currículo varia segundo o tipo de sociedade que se quer construir.

Por isso, os estudiosos da área têm se debruçado na discussão acerca da

necessidade de integração de minorias79

sociais, étnicas e culturais ao processo de

escolarização. Assim, o desafio do currículo intercultural é realizar a capacidade da educação

para acolher a diversidade (GIMENO SACRISTÁN, 1998).

Cabe ressaltar uma vez mais que no Brasil a população total é de 190.755.799 e

que, ainda que se utilize o termo minorias para se referir aos excluídos, em relação à

população negra esta representa a maioria da população, considerando o somatório80

de

pessoas autodeclaradas pretas e pardas, um percentual de 50,74%, sendo que destes 7,63% se

79

Segundo Cashmore (2000, p, 360), o termo tem duplo significado, numérico e político. Nos Estados Unidos,

um grupo é definido como minoritário principalmente em termos de desvantagens, falta de oportunidades ou

alguns eufemismos de combinação de opressão política, exploração econômica e discriminação social. Com

efeito, utilizamos essa terminologia em seu sentido político. 80

Utilizamos o critério do somatório (pretos + pardos), porém fomos informados no IBGE - Unidade São Luís,

que este órgão não define a população negra constituída por pretos e pardos, visto que o critério é a

autodeclaração.

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autoclararam pessoas pretas e 47,13% pardas. As pessoas autodeclaradas brancas representam

um universo de 47,73%.

Mas, questionamos: Que tipo de reconhecimento subjaz ao discurso

integracionista? O conceito de inclusão seria mais adequado na teoria e na prática para nortear

as políticas educacionais e curriculares?

No que diz respeito ao processo de integração dos negros81

na sociedade

brasileira, Guimarães (2004) destaca que há um consenso entre os estudiosos sobre as

relações raciais no Brasil de que a integração deu-se principalmente pela via do

embraquecimento. Ele aponta três modelos de integração.

Acrescenta o mesmo autor que a ideia do negro como parte integrante do povo

brasileiro data da campanha abolicionista. A visão forjada pelos intelectuais negros residia

numa “visão positiva da contribuição dos africanos para a construção nacional e para a

constituição moral do nosso povo” (GUIMARÃES, 2004, p. 3).

Todavia, esse modo de integração designada de politicamente passivo, a partir da

terceira década do século XX, foi abandonado em favor da mobilização política e do cultivo

da identidade racial. Este é o segundo modelo a que se refere Guimarães (2004).

Um terceiro modelo emerge a partir dos anos de 1970 com aqueles que “excluídos

dos círculos da educação superior e das belas artes [...] procuram transformar a sua cultura de

origem [...] em cultura negra, ou africana, e a sua diferença coletiva em diversidade cultural”

(GUIMARÃES, 2004, p. 4).

Por meio de algumas medidas que fazem parte da pauta de políticas afirmativas, o

Brasil reconheceu que ao longo de sua história estabeleceu um modelo de desenvolvimento

excludente. Garantir o exercício do direito ao acesso e à permanência na escola, baseando-se

no modelo de desenvolvimento com inclusão, é um desafio acentuado pelo Ministério da

Educação nos diferentes documentos pertinentes ao tema da Educação para as Relações

Étnico-Raciais.

Com efeito, para além da integração, defendemos que o sistema educacional

precisa garantir a inserção e permanência total e incondicional de todos na perspectiva da

inclusão82

, de modo que suas identidades, especificidade e lógica interna sejam reconhecidas

81

Guimarães (2004) focaliza as formas de integração nacional no que diz respeito mais especificamente aos

intelectuais negros. 82

O termo inclusão foi oficializado no campo da educação em 1994 por ocasião da realização da Conferência

Mundial sobre Educação para Necessidades Especiais conhecida como “Conferência de Salamanca”. Tal

Conferência “recomenda que as escolas se ajustem às necessidades dos alunos quaisquer que sejam suas

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149

conforme assinala Munanga (2010) ao mencionar o interculturalismo como movimento de

ideias, políticas e práticas que trazem para o campo da educação o encontro das culturas.

Pesquisadores do campo da educação como D‟Adesky (2001); McLaren (1997);

Gimeno Sacristán (1998); Candau (2000), entre outros, vêm dirigindo um olhar crítico à

escola. Qualquer que seja o foco dirigido a esta, as questões básicas que emergem em tais

discursos referem-se, predominantemente, ao questionamento sobre o conceito de cultura

hegemônica e qual currículo pode se constituir como um projeto educativo com vistas à

construção de uma sociedade solidária e inclusiva.

Nesse sentido, a função da escola na perspectiva do currículo intercultural seria

introduzir os conhecimentos, tendo em vista a capacitação de todos os alunos com uma série

de conhecimentos, habilidades e valores que lhes permitam entender a sociedade e a cultura

na qual vivem, participar dela e responsavelmente melhorá-la (GIMENO SACRISTÁN,

1998).

Conforme salientado, tanto em nível teórico quanto dos movimentos sociais, a

escola está sendo chamada a rever os seus currículos de modo a inserir questões relativas à

diversidade étnico-racial.

No entanto, segundo D‟Adesky (2001), a inclusão no currículo escolar de uma

formação para a diversidade cultural, que é uma reivindicação antiga do movimento negro, é

problemática devido à sua complexidade. Em outros termos, o autor diz que existe uma

distância entre a elaboração de propostas e a efetivação de práticas.

Por sua vez, Munanga (2009) adverte que os movimentos negros têm focado

muito mais as políticas de ações afirmativas que a questão identitária83

no currículo escolar.

Ele defende que a tarefa no combate ao racismo está no campo da educação, e este é um

aspecto do problema que não pode ser secundarizado. Como mencionado anteriormente, o

Brasil em várias conferências que participou comprometeu-se a elaborar políticas e programas

para a população afro-brasileira e valorizar a história e cultura do povo brasileiro. Nesse

sentido, concebemos que subjaz às políticas de ações afirmativas também a preocupação com

o direito à identidade cultural.

condições físicas, sociais, e linguísticas. “Portanto, é um documento que discute não apenas a questão das

deficiências, mas de uma educação para todos” (SANTIAGO, 2011, p. 240). 83

Discutiremos, no desdobramento da Parte I no Capítulo 2, a identidade negra a partir do que coloca Kabengele

Munanga.

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150

Dessa participação e mediante as incisivas propostas históricas do Movimento

Negro por reconhecimento, valorização e afirmação de direitos, no que diz respeito à

educação, a demanda passou a ser apoiada com a promulgação da Lei nº. 10.639/2003, que

alterou a LDB nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

A LDB nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, foi alterada por meio da inserção

dos artigos 26-A e 79-B, referidos na Lei nº. 10.639/2003. Esta torna obrigatório o ensino

sobre História e Cultura Afro-Brasileira, em estabelecimentos de Ensino Fundamental e

Médio, e inclui no calendário escolar o dia 20 de novembro como “Dia da Consciência

Negra”. A Lei nº. 11.645/08 reformula a nº. 10.639/2003, reportando-se mais especificamente

à temática indígena.

Nessa perspectiva, podemos afirmar que a Lei questiona o currículo que não

considera a multiplicidade de referências identitárias. Ela faz o currículo ser pensado na

perspectiva da diversidade e, portanto, da construção de processos identitários que, por sua

vez, ocorrem na convivência e negociação com o outro, com aquele que é diferente de nós.

Incluir as questões étnico-raciais no currículo é reconhecer a diferença, mais que

isso, reconhecer que somos nós quem produzimos identidades e diferenças no contexto de

relações culturais e sociais. Desse modo, podemos assegurar que ela institucionaliza o

enfrentamento das relações étnico-raciais pelo currículo, requerendo um currículo

diferenciado, que reconhece as questões raciais.

Assim, a Lei nº. 10.639/2003 prevê como disciplinas prioritárias História, Língua

Portuguesa (Literatura) e Educação Artística, para inserir tais conteúdos. A referida Lei não

descarta que outras disciplinas venham a contemplar tais conteúdos, no entanto, consideramos

que existe uma brecha no texto da Lei a qual enseja uma interpretação de que as demais

disciplinas podem ou não inserir em seus programas conteúdos, competências, atitudes e

valores com base na Educação das Relações Étnico-Raciais. Vejamos textualmente os artigos

da Lei:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e

particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo

da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra

brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do

povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados

no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e

de Literatura e História Brasileiras.

§ 3o (VETADO)

Art. 79-A. (VETADO)

Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como „Dia Nacional

da Consciência Negra‟ (BRASIL, 2003b, p. 35).

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151

O Parecer CNE/CP nº. 3/2004, de 10 de março de 2004, e a Resolução CNE/CP

nº. 1/2004, de 17 de junho de 2004, foram elaborados para regulamentar a alteração da LDB

nº. 9.394/96, instituindo Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações

Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, a serem

observadas pelas instituições de ensino que atuam nos níveis e modalidades da educação

brasileira e em especial por instituições que desenvolvem programas de formação inicial e

continuada de professores.

Pelo visto existiu e existe a demanda por reconhecimento, valorização e afirmação

de direitos, no que diz respeito à educação. O reconhecimento significa a luta por dignidade

tanto material quanto simbólica (NEVES, 2009). Então, o tema do reconhecimento ganha

centralidade na discussão sobre as desigualdades raciais no Brasil e é incorporado nos

documentos oficiais que tratam sobre as relações étnico-raciais na educação. Vejamos como

os documentos, tanto o Parecer CNE/CP nº. 3/2004 (BRASIL, 2004a) como a Resolução

CNE/CP nº. 1/2004 (BRASIL, 2004b) tratam o tema do reconhecimento.

O Parecer CNE/CP nº. 3/2004 utiliza o termo reconhecimento no infinitivo,

portanto, reconhecer implica: justiça e iguais direitos sociais, civis, culturais e econômicos,

bem como valorização da diversidade daquilo que distingue os negros dos outros grupos que

compõem a população brasileira; adoção de políticas educacionais e de estratégias

pedagógicas de valorização da diversidade; exigência de questionamentos em torno das

relações étnico-raciais baseadas em preconceitos que desqualificam os negros e salientam

estereótipos depreciativos, palavras e atitudes que, velada ou explicitamente violentas,

expressam sentimentos de superioridade na contemporaneidade, desde formas individuais até

coletivas; valorização e respeito às pessoas negras, à sua descendência africana, sua cultura, e

história, que significa compreender seus valores e lutas, ser sensível ao sofrimento causado

por tantas formas de desqualificação; que os estabelecimentos de ensino contem com

instalações e equipamentos sólidos, atualizados, com professores competentes no domínio de

conteúdos de ensino comprometidos com a educação de negros e brancos no sentido de que

venham a relacionar-se com respeito.

No artigo 1º e parágrafo 1º, versa a Resolução nº. 1:

As instituições de ensino superior incluirão nos conteúdos de disciplinas e atividades

curriculares dos cursos que ministram a Educação das Relações Étnico-Raciais, bem

como o tratamento de questões e temáticas que dizem respeito aos afrodescendentes,

nos termos explicitados no Parecer CNE/CP 3/2004 (BRASIL, 2004b).

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152

Em relação à Resolução, o artigo 2º, parágrafo 2º, se refere também ao tema do

reconhecimento, de uma forma mais modesta, porém subtendemos que há uma preocupação

com o reconhecimento mútuo, visto que preconiza a valorização de todos os grupos Prescreve

o documento:

O Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana tem por objetivo o

reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos afro-brasileiros,

bem como a garantia de reconhecimento e igualdade de valorização das raízes

africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, européias e asiáticas (BRASIL,

2004b).

É digno de nota também o que preconiza o artigo 3º da referida Resolução:

A Educação das Relações Étnico-raciais e o estudo de História e Cultura Afro-

-brasileira e História e Cultura Africana será desenvolvida por meios de conteúdos,

competências, atitudes e valores, a serem estabelecidos pelas instituições de ensino e

seus professores, com o apoio e supervisão dos sistemas de ensino, entidades

mantenedoras e coordenações pedagógicas, atendidas as indicações, recomendações

e diretrizes explicitadas no Parecer CNE/CP 3/2004 (BRASIL, 2004b).

Pelo exposto, observamos que os documentos acima referidos acentuam a

importância do reconhecimento pelo qual deverão ser movidas as políticas e as práticas

curriculares. É possível notar que os documentos supramencionados incorporam algumas das

ideias desenvolvidas pelos autores que se constituem como referências para o tema do

reconhecimento.

Ademais, observamos, ainda, com relação à Resolução n. 1 que esta reforça a

ideia da não obrigatoriedade dos cursos que não sejam da área das Ciências Humanas em

adotar as diretrizes curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais, uma vez que

ressalta os cursos de formação de professores, tanto inicial quanto continuada. Defendemos a

importância da legislação e igualmente a autonomia da escola na elaboração do seu projeto

político-pedagógico, mas ambos os níveis precisam ser articulados em prol de uma educação

de qualidade. Consideramos a legislação necessária quanto à obrigatoriedade e à

responsabilidade no trato com as questões étnico-raciais, e a escola precisa estar afinada com

esse fim.

Por isso, defendemos que todas as áreas e/ou disciplinas do currículo escolar usem

a mesma linguagem. Consideramos ainda que os projetos didáticos devam ser uma

metodologia de ensino e aprendizagem que poderá potencializar o estudo das questões sociais,

entre elas as relações étnico-raciais, tendo em vista uma educação intercultural.

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153

Cabe destacar que de acordo com Santos (2005), os estados e municípios

incluíram também por meio de leis a História dos Negros no Brasil e a História do Continente

Africano no ensino fundamental e médio.

Ressaltamos que a Lei nº. 10.639/03 é produto, sobretudo, das lutas e

reivindicações dos movimentos negros, os quais entenderam que a educação formal, mesmo

não sendo a panaceia para os negros brasileiros, é um veículo de ascensão social. Tal

compreensão não elimina a consciência de que ela também tem responsabilidade na

perpetuação das desigualdades sociais, conforme nos orientam as análises de Bourdieu

(1998).

Nesse processo cabe, pois, destacar a Convenção Nacional do Negro pela

Constituinte, realizada em Brasília, Distrito Federal, nos dias 26 e 27 de agosto de 1986, cuja

Conferência elegeu algumas reivindicações, dentre as quais, a que determina:

O processo educacional respeitará todos os aspectos da cultura brasileira. É

obrigatória a inclusão nos currículos escolares de I, II e III graus, do ensino da

História da África e da História do Negro no Brasil;

Que seja alterada a redação do § do artigo 153 da Constituição Federal ficando com

a seguinte redação: “A publicação de livros, jornais e periódicos não dependem de

licença da autoridade”. Fica proibida a propaganda de guerra, de subvenção da

ordem ou de preconceitos de religião, de raça, de cor ou de classe, e as publicações e

exteriorizações contrárias à moral e aos bons comuns (CONVENÇÃO DO NEGRO

PELA CONSTITUINTE, 1986).

Outro movimento importante foi a Marcha Zumbi dos Palmares Contra o racismo,

pela Cidadania e a Vida. Esta foi realizada no dia 20 de novembro de 1995. Naquela

oportunidade os organizadores do Movimento entregaram ao então Presidente da República,

Fernando Henrique Cardoso, o “Programa de Superação do Racismo e da Desigualdade

Racial” (SANTOS, 2005).

Consideramos como instrumentos relevantes, ainda:

Projeto de Lei nº. 8.035/2010

Versa sobre o Plano Nacional de Educação (PNE). O artigo 1º refere-se à

aprovação do Plano Nacional de Educação para o decênio 2011-2020 (PNE - 2011/2020) com

vistas ao cumprimento do disposto no artigo 214 da Constituição. No artigo 214 a lei

estabelece o plano nacional de educação, visando o desenvolvimento do ensino em seus

diversos níveis: “I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento

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154

escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho; V - promoção

humanística, científica e tecnológica do País” (BRASIL, 1988).

No artigo 2º constituem-se como diretrizes do PNE - 2011/2020:

I - erradicação do analfabetismo;

II - universalização do atendimento escolar;

III - superação das desigualdades educacionais;

IV - melhoria da qualidade do ensino;

V - formação para o trabalho;

VI - promoção da sustentabilidade sócio-ambiental;

VII - promoção humanística, científica e tecnológica do País;

VIII - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como

proporção do produto interno bruto;

IX - valorização dos profissionais da educação; e

X - difusão dos princípios da equidade, do respeito à diversidade e a gestão

democrática da educação (BRASIL, 2011a, p. 18).

No PNE são reconhecidas as desigualdades educacionais entre negros e brancos.

Em virtude disso, na Meta 8 é mencionada a igualdade de escolaridade, assim explicitada:

Elevar a escolaridade média da população de dezoito a vinte e quatro anos de modo

a alcançar o mínimo de doze anos de estudo para as populações do campo, da região

de menor escolaridade no país e dos vinte e cinco por cento mais pobres, bem como

igualar a escolaridade média entre negros e não negros, com vistas à redução da

desigualdade educacional (BRASIL, 2011a, p. 35).

Em relação a isto, o PNE aponta a estratégia que vai ao encontro das Leis nº.

10.639/2003 e nº. 11.645/2008. A estratégia 7.16 é uma das que compõem a Meta 7, à qual se

refere às médias nacionais que devem ser atingidas de acordo com o Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), ou seja:

Garantir o ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena, nos termos da Lei

nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, e da Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008, por

meio de ações colaborativas com fóruns de educação para a diversidade étnico-

racial, conselhos escolares, equipes pedagógicas e com a sociedade civil em geral

(BRASIL, 2011, p. 33).

Resolução nº 4, de 13 de julho de 2010

A Resolução define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para o conjunto

orgânico, sequencial e articulado das etapas e modalidades da Educação Básica, baseando-se

no direito de toda pessoa ao seu pleno desenvolvimento, à preparação para o exercício da

cidadania e à qualificação para o trabalho, na vivência e convivência em ambiente educativo,

e tendo como fundamento a responsabilidade que o Estado brasileiro, a família e a sociedade

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155

têm de garantir a democratização do acesso, a inclusão, a permanência e a conclusão com

sucesso das crianças, dos jovens e adultos na instituição educacional, a aprendizagem para

continuidade dos estudos e a extensão da obrigatoriedade e da gratuidade da Educação Básica.

Em seu artigo 2º, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação

Básica versam sobre os seguintes objetivos:

I - sistematizar os princípios e as diretrizes gerais da Educação Básica contidos na

Constituição, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e demais

dispositivos legais, traduzindo-os em orientações que contribuam para assegurar a

formação básica comum nacional, tendo como foco os sujeitos que dão vida ao

currículo e à escola;

II - estimular a reflexão crítica e propositiva que deve subsidiar a formulação, a

execução e a avaliação do projeto político-pedagógico da escola de Educação

Básica;

III - orientar os cursos de formação inicial e continuada de docentes e demais

profissionais da Educação Básica, os sistemas educativos dos diferentes entes

federados e as escolas que os integram, indistintamente da rede a que pertençam

(BRASIL, 2010b, p. 1).

No Título V, as Diretrizes concebem a organização curricular em seu conceito,

limites e possibilidades tal como segue:

Art. 11. A escola de Educação Básica é o espaço em que se ressignifica e se recria a

cultura herdada, reconstruindo-se as identidades culturais, em que se aprende a

valorizar as raízes próprias das diferentes regiões do País.

Parágrafo único. Essa concepção de escola exige a superação do rito escolar, desde a

construção do currículo até os critérios que orientam a organização do trabalho

escolar em sua multidimensionalidade, privilegia trocas, acolhimento e aconchego,

para garantir o bem-estar de crianças, adolescentes, jovens e adultos, no

relacionamento entre todas as pessoas (BRASIL, 2010b, p. 4).

Desse modo, a Resolução enumera as formas para a organização curricular por

meio dos seguintes artigos:

Art. 13. O currículo, assumindo como referência os princípios educacionais

garantidos à educação, assegurados no artigo 4º desta Resolução, configura-se

como o conjunto de valores e práticas que proporcionam a produção, a

socialização de significados no espaço social e contribuem intensamente para a

construção de identidades socioculturais dos educandos.

§ 1º O currículo deve difundir os valores fundamentais do interesse social, dos

direitos e deveres dos cidadãos, do respeito ao bem comum e à ordem democrática,

considerando as condições de escolaridade dos estudantes em cada estabelecimento,

a orientação para o trabalho, a promoção de práticas educativas formais e não-

formais.

§ 2º Na organização da proposta curricular, deve-se assegurar o entendimento de

currículo como experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento,

permeadas pelas relações sociais, articulando vivências e saberes dos estudantes com

os conhecimentos historicamente acumulados e contribuindo para construir as

identidades dos educandos.

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156

§ 3º A organização do percurso formativo, aberto e contextualizado, deve ser

construída em função das peculiaridades do meio e das características, interesses e

necessidades dos estudantes, incluindo não só os componentes curriculares centrais

obrigatórios, previstos na legislação e nas normas educacionais, mas outros,

também, de modo flexível e variável, conforme cada projeto escolar.

Art. 41. A Educação Escolar Quilombola é desenvolvida em unidades educacionais

inscritas em suas terras e cultura, requerendo pedagogia própria em respeito à

especificidade étnico-cultural de cada comunidade e formação específica de seu

quadro docente, observados os princípios constitucionais, a base nacional comum e

os princípios que orientam a Educação Básica brasileira.

Parágrafo único. Na estruturação e no funcionamento das escolas quilombolas, bem

com nas demais, deve ser reconhecida e valorizada a diversidade cultural (BRASIL,

2010b, p. 4, grifo nosso).

Como vimos, no âmbito da escolaridade obrigatória, a articulação entre a base

nacional comum e a cultura diversificada está amparada pelos documentos oficiais. Todavia,

como já mencionado em páginas anteriores, não é consenso entre os estudiosos do currículo

essa defesa em torno da cultura comum e da cultura diferenciada, conforme pondera

Paraskeva (2000). Por exemplo, o conceito de seleção cultural, defendido por Raymond

Williams, se assenta no fato de que os conteúdos do ensino refletem a seleção realizada no

seio da cultura, isto é, não se pode ensinar tudo o que uma cultura abarca, como sublinha

Forquin (1993).

Em contraste à ideia de cultura comum, os teóricos da educação multicultural,

como anteriormente mencionado, “entendem que a escola não só deverá ajudar as minorias a

atingirem os objetivos acadêmicos como também entendem que os grupos sociais majoritários

deverão aprender mais e melhor acerca das culturas das minorias” (BANKS apud

PARASKEVA, 2000, p. 193).

Existem inúmeros posicionamentos, concepções e propostas de educação

multicultural/intercultural.

Ancorado na Pedagogia Crítica, Mclaren (1997) considera que a educação

multicultural não deve atuar na perspectiva da ajuda às minorias; a educação multicultural

deve “compreender a raça, classe e gênero como o resultado de lutas sociais mais amplas na

perspectiva de transformar as relações sociais, culturais e institucionais nas quais os

significados são gerados” (MCLAREN, 1997, p. 126). Este autor se opõe à ideia de cultura

comum em função de que nesta perpassa a noção de cultura como não conflitiva, hamoniosa e

consensual. O multiculturalismo, tal como denominado por Mclaren (1997), crítico e de

resistência tem de estar atento à noção de diferença.

Desse modo, o referido autor sobre o currículo multiculturalista afirma:

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157

este pode ajudar as educadoras a explorarem as maneiras pelas quais alunas e alunos

são diferencialmente sujeitados às inscrições ideológicas [...] precisam construir uma

política de alianças [...] de solidariedade que vai além da postura condescendente de,

por exemplo, semana da consciência das raças que na verdade servem para manter

formas de racismo institucionalizado intactas (MCLAREN, 1997, p. 132).

Um outro autor de referência no contexto dos Estados Unidos, desta feita numa

perspectiva de caráter liberal, é James Banks (1999). Ele concebe a educação multicultural

“com a finalidade de favorecer o desenvolvimento de habilidades, atitudes e conhecimentos

necessários para atuar no contexto da sua própria cultura étnica, no da cultura dominante, para

interagir com outras culturas e situar-se em contextos diferentes dos de suas origens.

Segundo Candau (2012), na perspectiva do autor Banks, não é correto entender o

multiculturalismo como apenas a inclusão de contribuições de diferentes grupos étnicos no

currículo, ou a redução do preconceito ou a celebração de festas relacionadas às diferentes

culturas. Cada atividade (na perspectiva multicultural) precisa estar integrada numa proposta

ampla e não deve se constituir em ações isoladas. O referido autor propõe cinco dimensões84

que se interligam, com vistas a ser um referente para a educação multiculural no dia a dia das

escolas.

Segundo Candau (2000), o termo multiculturalismo é questionado e contrastado

com o de interculturalismo, em virtude daquele encerrar um conceito próximo de uma

perspectiva estática e essencialista de cultura. Ao conceituar ambos os conceitos, a autora

adverte que o multiculturalismo expressa a presença de diferentes grupos culturais numa

mesma sociedade, e o interculturalismo supõe a deliberada inter-relação entre as diferentes

culturas.

Ainda em Candau (2012) examinamos as posições dos diferentes autores em torno

das diferenciações conceituais. No entanto, consideramos mais apropriado a estabelecida por

Forquin (2000). Para este autor existem

Dois modos possíveis, diametralmente opostos, de efetuar o processo. Podemos

oferecer para cada grupo em questão possibilidades separadas de escolarização,

evitando assim os riscos seja de neutralizar mutuamente todas as especificidades

culturais em uma espécie de cacofonia eclética, seja de recuperar de modo insidioso

as expressões minoritárias no seio e em prol de uma cultura hegemônica. Podemos,

ao contrário, favorecer em uma escola verdadeiramente pluricultural a coexistência,

o reencontro e a interação de identidades culturais distintas levando em conta o que

isso implica para cada um como promessa de alargamento e de enriquecimento de

suas expectativas, mas também considerando os riscos da desestabilização e de

84

As cinco dimensões propostas por James Banks (1999) serão incorporadas a este trabalho no Capítulo 5,

subseção5.4 para serem discutidos como indicadores de educação multicultural.

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conflito. Não é de se espantar que tal multiculturalismo, aberto e interativo, também

chamado de interculturalismo, seja geralmente preferido, em termos éticos e

políticos, ao multiculturalismo discriminador e defensivo (FORQUIN, 2000, p. 61-

62).

Na nossa perspectiva, em sintonia com Forquin (2000), adotamos o conceito de

interculturalismo como um conceito mais adequado, que pode orientar os processos de

reconhecimento mútuo no que tange ao direito à diferença e à luta contra todas as formas de

discriminação e desigualdade social, sem perder de vista, no entanto, que o conceito de

multiculturalismo nos faz enxergar o fato de que vivemos em sociedades multiculturais.

Assim, consideramos que ambos são necessários para fundamentar práticas sociais e

educativas emancipatórias.

Vimos no percurso do capítulo 5 os autores que se debruçam sobre o objeto de

estudo deste trabalho, eles nos serviram de lentes para iluminar a pesquisa empírica. O

capítulo seguinte retrata os dados coletados em articulação com os fundamentos teóricos.

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159

CAPÍTULO 5 – O CLIMA ORGANIZACIONAL E O RECONHECIMENTO

ÉTNICO-RACIAL NO IFMA CAMPUS MONTE CASTELO

Ao nos propormos perscrutar o clima organizacional do IFMA-Campus Monte

Castelo para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura

Afro-Brasileira é porque compreendemos que ele expressa uma determinada identidade,

aquilo que de fato representa. Nesse sentido, tomamos o conceito de clima organizacional

como um referencial para analisar a personalidade institucional quanto aos seus passos, suas

decisões, de como organiza sua gestão e seu currículo em relação à Educação das Relações

Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

Conforme Lück (2010),

O estudo do clima organizacional emerge da compreensão de que os

estabelecimentos de ensino têm um modo próprio de serem caracterizados por certos

rituais de relacionamento interpessoal, certas histórias, um conjunto de aspectos que

revelam como as coisas são na escola os quais independem do que se afirma e

descreva que seja ou deva ser.

Este capítulo é dedicado à apresentação das interpretações para configurar o clima

organizacional, feitas a partir dos relatos dos sujeitos pesquisados. Para tanto, apresentamos as

características do lócus da pesquisa, ou seja, o Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia do Maranhão – Campus Monte Castelo e o contexto da cidade onde este está

inserido. Em seguida focamos o Campus-Monte Castelo em sua estrutura organizacional e

funcionamento. Discutimos a seguir a abordagem étnico-racial nos estudos exploratórios.

Descrevemos e analisamos os dados coletados por meio das entrevistas semiestruturadas e

apresentamos indicadores propositivos para Educação para as Relações de Reconhecimento

Étnico-Racial.

5.1 Caracterização do bairro e do IFMA Campus Monte Castelo no contexto da cidade

Situado à Avenida Getúlio Vargas, n.04, o Monte Castelo é um dos bairros que

constituem a cidade de São Luís (ANEXO A). Limita-se com os seguintes logradouros: Ao

Norte: Rio Anil/Liberdade; ao sul: Bairro de Fátima; a leste: Apeadouro, a oeste: Retiro Natal.

A ocupação do referido bairro, que antes se chamava Areal, deu-se entre os anos

de 1940 a 1970 em virtude do processo migratório de pessoas do campo para a cidade. “Nos

finais da década de 1940, o nome Areal é substituído pela denominação de Monte Castelo

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160

através da Lei nº 94, de 25/03/1949, a nova identificação foi uma “homenagem ao feito das

Forças Armadas do Brasil em território italiano, na batalha de 25/02/1945” (SANTOS, 1991

apud LIMA, 2002, p. 219), durante a 2ª Guerra Mundial.

Para Yi Fu Tuan, “dar nome a um lugar é dar seu explícito reconhecimento, isto é,

reconhecê-lo conscientemente ao nível da verbalização” (TUAN, 1975 apud LEITE, 1998, p.

12). Houve uma transição não apenas de nomeação, mas também de metamorfose do espaço,

já que este lugar adquirira o status de bairro que se estruturava e se urbanizava.

O bairro, Monte Castelo apresenta em sua paisagem vários elementos como

hospitais, academias, bancos, igrejas, laboratórios, casas lotéricas, restaurantes, livrarias,

praças. Além destes, duas importantes instituições de ensino, o Serviço Nacional de

Aprendizagem Industrial (SENAI) e o IFMA-Campus Monte Castelo compõem a paisagem

do bairro.

O Instituto Federal do Maranhão foi criado pela Lei nº. 11.892, de 29 de setembro

de 2008, mediante integração do Centro Federal de Educação Tecnológica do Maranhão e das

Escolas Agrotécnicas Federais de Codó, de São Luís e de São Raimundo das Mangabeiras. O

referido Instituto agrega 18 Campi da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica

do Estado do Maranhão85

, constituindo-se como uma instituição pública de Educação

Superior, Básica e Profissional.

Como dito anteriormente, o Campus Monte Castelo compõe um dos campi da

Rede acima assinalada. Em relação à infraestrutura física, é constituído de ambientes

pedagógicos, administrativos e de lazer. No que diz respeito ao quadro de pessoal em relação

ao corpo docente é composto, sobretudo, por especialistas, mestres e doutores, bem como por

um corpo técnico-administrativo em sua maioria de nível médio e graduado.

O Campus Monte Castelo oferece 02 níveis de ensino: a Educação Profissional

Técnica de Nível Médio e a Educação Superior. No primeiro nível são oferecidos cursos na

modalidade Integrada, Concomitante e Subsequente86

. No segundo são oferecidas as

Licenciaturas em Física, Química, Biologia e Matemática, e, além destes, os cursos de

Bacharelado em Engenharia Civil, Engenharia Mecânica e Elétrica e Sistema de Informação.

85

Além dos 18 campi em funcionamento, há o projeto de expansão para 26 campi no total. Existem também os

Núcleos Avançados Itaqui-Bacanga, Santa Rita e Bacabeiras. 86

A forma integrada é ofertada somente a quem já tenha concluído o Ensino Fundamental, com a matrícula

única na mesma instituição, de modo a conduzir o estudante à habilitação profissional técnica de nível médio

ao mesmo tempo em que conclui a última etapa da Educação Básica. A forma Concomitante é ofertada a

quem ingressa no Ensino Médio ou já o esteja cursando, efetuando-se matrículas distintas para cada curso,

aproveitando-se oportunidades educacionais ou em distintas instituições de ensino. A forma subsequente é

desenvolvida em cursos destinados exclusivamente a quem já tenha concluído o Ensino Médio.

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161

Oferece também cursos na modalidade de Educação a Distância e ainda cursos em nível de

Pós-Graduação lato sensu e stricto sensu.

O número de alunos matriculados no ano letivo de 2012 na Educação Profissional

Técnica de Nível Médio no IFMA - Campus Monte Castelo correspondeu a 1.417 alunos e

1.314 no ensino Superior, 539 matriculados nas Licenciaturas de Física, Química, Biologia e

Matemática. Na modalidade de Educação a Distância (EAD) foram matriculados 1.482

alunos, sendo 1.009 no Ensino Técnico e 473 no Ensino Superior.

No ano letivo de 2013 para cursar a Educação Profissional Técnica de Nível

Médio (EPTNM) matricularam-se 1.417 alunos e no Ensino Superior 1.405 alunos; destes,

564 estão nas Licenciaturas. Em relação à Modalidade de Educação a Distância, foram

contabilizados 304 alunos matriculados nas Licenciaturas de Informática e Matemática.

O IFMA - Campus Monte Castelo – congrega alunos de diferentes etnias/raças, de

acordo com os dados levantados por ocasião da matrícula dos alunos. Em relação à EPTNM,

o gráfico abaixo discrimina os percentuais de alunos matriculados no ano letivo de 2012:

Gráfico 02 - Percentual de alunos matriculados na Educação Profissional Técnica de Nível Médio por etnia/ raça

de acordo com formulário cadastral no IFMA – Campus Monte Castelo (2012)

Fonte: Formulário de Cadastro.

O gráfico mostra que o maior percentual foram de alunos que se autodeclararam

pardos e o menor, de indígenas. Se juntarmos os morenos, negros e os pardos o percentual é

de 83,21%. No que diz respeito, mais especificamente ao Ensino Superior, o levantamento de

matriculados conforme a etnia/raça ou cor resultou na seguinte classificação:

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162

Gráfico 03 - Percentual de alunos matriculados no Ensino Superior por etnia/raça de acordo com formulário

cadastral no IFMA – Campus Monte Castelo (2012)

Fonte: Formulário de cadastro.

No Ensino Superior, como observamos, houve um número expressivo de alunos

que não indicaram nenhuma opção. Tal situação pode estar relacionada à forma como o

Departamento de Ensino Superior (DESU) solicita os dados de autodeclaração. Na ficha

cadastral para os alunos existe o termo etnia, e pode ser que este conceito não corresponda às

imagens que os alunos possuem sobre a questão étnico-racial.

Em 2011, foi instituído o Grupo de Trabalho (GT) “Educação Inclusiva”87

, o qual

também fez estudos relacionados à etnia/raça no IFMA – Campus Monte Castelo, cujos

resultados estão representados no gráfico a seguir.

87

O Grupo de Trabalho “Educação Inclusiva”, criado no primeiro semestre do ano de 2010, foi constituído

inicialmente por 12 pessoas representantes dos diferentes campi que compõem o IFMA. Tem como escopo

discutir e elaborar propostas voltadas para inclusão no IFMA com relação à educação para as Relações

Étnico-Raciais, Educação do Campo e Educação Especial. Á época o GT elaborou dois documentos,

sugerindo5 por cento das vagas para pessoas sujeitos da educação especial. Cabe ressaltar que o GT não foi

instituído para ser permanente, mas para desencadear estudos e ações para formulação de políticas inclusivas

no IFMA. Porém, não avançou na proposição sobre sistema de cotas para negros.

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163

Gráfico 04 - Percentual de alunos por etnia/raça de acordo com o Grupo de Trabalho “Educação Inclusiva” no

IFMA – Campus Monte Castelo (2012)

Fonte: Pesquisa de campo.

Conforme ilustra o gráfico, dos 150 alunos que responderam o questionário, 30%

se autodeclaram brancos; 32,67%, pardos; 28%, negros; 2,66%, amarelos; 2%, mulatos e

4,67%, pretos.

Face aos diferentes levantamentos, convém ilustrar, portanto, qual foi a

preponderância identitária dos alunos em consonância à etnia/raça. Os resultados foram:

Gráfico 05 - Percentual de alunos por etnia/raça de acordo com a DESU, EPTNM e GT de “Educação Inclusiva”

no IFMA – Campus Monte Castelo (2012)

Fonte: Pesquisa de campo e formulário cadastral.

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164

Cabe observar, conforme levantamento feito pelo GT “Educação Inclusiva”, que

englobou tanto o Ensino Superior quanto a EPTNM, o percentual de negros correspondem

67,34%. Pelo formulário cadastral de matrículas, correspondem a 95,45%. Observamos mais

uma vez que o percentual em nível superior é de 34, 55%. Consideramos este percentual

baixíssimo, pois está relacionado ao número de alunos que deixaram de preencher o

formulário cadastral no que diz respeito ao aspecto da etnia/raça, o que causa muitas

interrogações.

Se formos atentar para a soma de pretos e pardos, esses dados levantados no

IFMA-Campus Monte Castelo mostram que o contingente de alunos negros é maior que o dos

demais.

Em face também desse perfil de alunos é que escolhemos o IFMA-Campus Monte

Castelo como campo de pesquisa, além de ser a instituição onde desenvolvemos nossas

minhas atividades profissionais existe o desejo de explorar uma instituição de ensino muito

bem conceituada em São Luís.

5.2 O IFMA - Campus Monte Castelo em sua estrutura organizacional

Como toda instituição escolar, o IFMA tem uma estrutura de organização interna,

prevista em seu Estatuto, em seu Regimento e em outros instrumentos de organização. Por

estrutura entendemos o ordenamento e disposição das funções que asseguram o

funcionamento do todo representado num organograma (LIBÂNEO, 2001). No geral

observamos que o organograma do IFMA é composto de Conselhos, Reitoria e Pró-Reitorias,

Secretarias, Colegiados, Diretorias, Auditoria, Procuradoria, Coordenadorias, Diretorias,

Núcleos e Departamentos, entre outros setores.

O Estatuto aprovado e publicado no DOU, em 24 de agosto de 2009, se reporta às

finalidades e aos objetivos do Instituto Federal do Maranhão (art. 2.º):

Art. 2º O Instituto Federal do Maranhão rege-se pelos atos normativos

mencionados no caput do Art. 1°, pela legislação federal e pelos seguintes

instrumentos normativos:

Estatuto;

II. Regimento Geral;

III. Resoluções do Conselho Superior; e

IV. Atos da Reitoria (IFMA, 2013).

O Instituto Federal do Maranhão, em sua atuação, observa os seguintes princípios

norteadores (art. 3º):

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165

I. compromisso com a justiça social, equidade, cidadania, ética, preservação do meio

ambiente transparência e gestão democrática;

II. verticalização do ensino e sua integração com a pesquisa e a extensão;

III. eficácia nas respostas de formação profissional, difusão do conhecimento

científico e tecnológico e suporte aos arranjos produtivos locais, sociais e culturais;

IV. inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais e deficiências

específicas; e

V. natureza pública e gratuita do ensino, sob a responsabilidade da União;

VI. universalização e democratização do conhecimento;

VII. pluralismo de ideias e de pensamento;

VIII. flexibilidade de métodos, critérios e procedimentos de ensino;

IX. excelência educacional; e

X. respeito à diversidade e ao meio ambiente (IFMA, 2013).

São objetivos do Instituto Federal do Maranhão:

I – Ministrar educação profissional técnica de nível médio, prioritariamente na

forma de cursos integrados, para os concluintes do ensino fundamental e para o

público da educação de jovens e adultos;

II – Ministrar cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores, objetivando

a capacitação, o aperfeiçoamento, a especialização e atualização de profissionais, em

todos os níveis de escolaridade, nas áreas da educação profissional e tecnológica;

III - Realizar pesquisas aplicadas, estimulando o desenvolvimento de soluções

técnicas e tecnológicas, estendendo seus benefícios à comunidade;

IV – Desenvolver atividades de extensão de acordo com os princípios e finalidades

da educação profissional e tecnológica, em articulação com o mundo do trabalho e

os segmentos sociais, e com ênfase na produção, desenvolvimento e difusão de

conhecimento científico e tecnológico;

V – Estimular e apoiar processos educativos que levem à geração de trabalho e

renda e à emancipação do cidadão na perspectiva do desenvolvimento

socioeconômico local e regional; e

VI – Estimular e desenvolver atividades físicas com base na cultura corporal, no

equilíbrio da saúde e na melhoria da qualidade de vida;

VII – Ministrar em nível de educação superior:

a) cursos superiores de tecnologia visando à formação de profissionais para

diferentes setores da economia, levando em consideração os arranjos produtivos

locais e regionais;

b) cursos de licenciatura, bem como programas especiais de formação pedagógica ,

com vista à formação de professores para a educação básica, sobretudo nas áreas de

ciência, matemática, e para a educação profissional;

c) cursos de bacharelado e engenharia, visando à formação de profissionais para os

diferentes setores da economia e áreas do conhecimento;

d) cursos de pós-graduação lato sensu de aperfeiçoamento e especialização, visando

à formação de especialistas nas diferentes áreas do conhecimento; e

e) cursos de pós-graduação stricto sensu de mestrado e doutorado, que contribuam

para promover o estabelecimento de bases sólidas em educação, ciência e

tecnologia, com vistas no processo de geração e inovação tecnológica (IFMA,

2013).

No que diz respeito ao Ensino, estabelece o Estatuto, em seu artigo 50, que cabe

ao Instituto ministrar os seguintes cursos:

Art. 50. No Instituto Federal do Maranhão serão ministrados os seguintes cursos:

Técnicas de Nível Médio, abertos à matrícula de candidatos que hajam concluído o

ensino fundamental e tenham sido classificados em processo seletivo;

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166

Tecnológicos, Bacharelados, Engenharias e Licenciaturas, abertos à matrícula de

candidatos que hajam concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido

classificados em concurso de ingresso, conforme legislação em vigor;

Pós-graduação lato sensu e stricto sensu, abertos à matrícula de candidatos

diplomados em curso de graduação e pós-graduação, que preencham as condições

prescritas em cada caso, e extensão e outros, abertos a candidatos que satisfaçam os

requisitos exigidos.

§ 1º A organização dos cursos oferecidos pelo Instituto Federal do Maranhão, com

seus projetos pedagógicos e o número de vagas para matrícula inicial, serão fixados

pelo Colégio de Dirigentes, após consulta aos respectivos Campi.

§ 2º Além dos cursos correspondentes às profissões reguladas em lei, o Instituto

Federal do Maranhão poderá organizar outros cursos para atender às exigências de

sua programação específica e fazer face às peculiaridades do mercado de trabalho

local, regional, nacional e internacional.

§ 3º Os cursos profissionais, ministrados pelo Instituto Federal do Maranhão,

poderão, de acordo com legislação específica e a área abrangida, apresentar

modalidades diferentes, a fim de corresponderem às exigências do mundo do

trabalho (IFMA, 2013).

Conforme, ainda, o art. 6º do referido Estatuto

no desenvolvimento da sua ação acadêmica, o Instituto Federal do Maranhão, em

cada exercício, deverá garantir o mínimo de 50% (cinquenta por cento) de suas

vagas para a educação profissional técnica de nível médio, e o mínimo de 20%

(vinte por cento) das vagas para cursos de licenciatura e/ou programas especiais de

formação pedagógica, ressalvado o caso previsto no §2º do art. 8º da Lei nº.

11.892/2008 (IFMA, 2013).

O currículo no Instituto Federal do Maranhão está fundamentado em:

bases filosóficas, epistemológicas, metodológicas, socioculturais e legais, expressas

no seu projeto político-institucional, sendo norteado pelos princípios da estética, da

sensibilidade, da política da igualdade, da ética, da identidade, da

interdisciplinaridade, da contextualização, da flexibilidade e da educação como

processo de formação na vida e para a vida, a partir de uma concepção de sociedade,

trabalho, cultura, educação, tecnologia e ser humano (IFMA, 2013, [art. 24]).

O Regimento Geral do IFMA, datado de 23 de abril de 2010, complementa o

Estatuto da instituição e “disciplina a organização, as competências e o funcionamento das

instâncias deliberativas, consultivas, administrativas e acadêmicas” (IFMA, 2010b, p. 3).

Nesse documento encontram-se delineados, entre outros aspectos, aqueles que

concernem à gestão. Esta tem em vista a excelência e, como fundamentos, apresenta

pensamento sistêmico, aprendizado organizacional, cultura de inovação, liderança e

constância de propósitos, orientação por processos e informações, visão de futuro, geração de

valor, valorização das pessoas, conhecimento sobre o aluno e o mundo do trabalho e

responsabilidade social, fundamento que engloba o respeito à diversidade e promoção da

redução das desigualdades sociais como parte integrante da estratégia institucional.

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167

O Regimento apresenta, detalhadamente, o esquema de organização, formação e

funcionamento do Conselho Superior, do Colégio de Dirigentes, do Conselho de Ensino, do

Conselho de Pesquisa e Inovação, do Conselho de Extensão, do Conselho de Planejamento e

Administração, do Conselho de Gestão de Pessoas, dos Fóruns Consultivos, dos Comitês e

das Câmaras, da Reitoria, do Reitor, do Gabinete, das Pró-Reitorias, da Pró-Reitoria de

Ensino, da Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação, da Pró-Reitoria de Extensão, da Pró-Reitoria

de Planejamento e Administração, da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas, das Diretorias

Sistêmicas, da Diretoria de Gestão da Tecnologia da Informação, da Diretoria de

Desenvolvimento Institucional, da Diretoria de Educação a Distância, dos Órgãos de Apoio,

da Auditoria Interna, da Procuradoria Federal, da Ouvidoria, dos Campi, do Ensino.

No âmbito do ensino, a Graduação e a Educação Profissional, o Calendário

Acadêmico, as Vagas, a Estruturação dos Cursos. Sobre a Pós-Graduação: o Calendário

Acadêmico de Pós-Graduação, as Vagas, a Estruturação dos Cursos, a Pesquisa, a Extensão; a

Comunidade Institucional e, nesta, o Corpo Docente, os Servidores Técnico-Administrativos,

o Corpo Discente; o Regime Disciplinar e, nele, os Servidores Docentes e Técnico-

Administrativos, o Corpo Discente; os Diplomas, Certificados e Títulos; o Patrimônio e do

Regimento Financeiro; a Avaliação; as Disposições Gerais e Transitórias.

Dentre as pró-reitorias, destacamos a de Ensino (PROEN), cuja responsabilidade

consiste em planejar, superintender, coordenar, fomentar e acompanhar as atividades e

políticas de ensino, articuladas à pesquisa, inovação e à extensão. É composta de:

I- Assessoria Pedagógica;

II- Núcleo de Estudos e Formação Pedagógica;

III- Núcleo de Emissão de Diplomas;

IV- Coordenação de Admissão de Alunos;

V- Departamento de Educação do Campo; e

VI- Departamento de Programas e Projetos. (IFMA, 2010b, p. 18 [art. 49-50]).

Em seu art. 51 o documento faz alusão às competências da PROEN, quais sejam:

I- Promover ações que garantam a articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão

no âmbito de todos os campi do Instituto;

II- Propor as políticas, diretrizes e regulamentações relativas ao ensino de graduação

e educação profissional.

III- Coordenar o processo de avaliação das ações necessárias ao desenvolvimento

das políticas de ensino nos diferentes níveis de atuação institucional.

IV- Orientar o planejamento das ações relacionadas ao ensino, pesquisa e extensão

desenvolvidas no âmbito de todos os Campi do Instituto Federal.

V- Apreciar e recomendar aprovação de projetos pedagógicos de cursos de educação

profissional.

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168

VI- Submeter à Reitoria proposta de criação e extinção de cursos, bem como de

alteração curricular e modificação de número de vagas e turnos, ofertados em

adequação ao Plano de Desenvolvimento Institucional e ao Projeto Político-

Pedagógico Institucional.

VII- Propor, acompanhar e avaliar o desenvolvimento dos programas e projetos de

ensino no âmbito dos Campi do Instituto Federal.

VIII- Propor e promover o cumprimento do Calendário Letivo de referência do

Instituto Federal.

IX- Coordenar a definição dos critérios dos processos de avaliação dos cursos de

graduação e educação profissional.

X- Apreciar proposta de convênios com entidades que desenvolvam atividades de

ensino.

XI- Coordenar e acompanhar os processos de avaliação dos cursos de graduação.

XII- Estabelecer e manter intercâmbio de informações educacionais com instituições

e profissionais da área educacional.

XIII- Participar da elaboração da política de gestão de pessoas e dos critérios para

seleção de servidores no âmbito da Pró-Reitoria.

XIV- Administrar os recursos financeiros e o patrimônio da Pró-Reitoria.

XV- Participar de instância representativa na forma prevista no Estatuto do IFMA.

XVI- Executar outras atribuições inerentes ao cargo, delegadas pela Reitoria.

XVII- Propor e coordenar a implantação, operacionalização e atualização dos

Sistemas de Informação relacionados à gestão do ensino.

XVIII- Propor diretrizes e procedimentos relacionados aos registros escolares e

registros de diplomas.

XIX- Estabelecer políticas para a formação continuada dos docentes (IFMA, 2010b,

p. 18-20).

Destacamos também o Departamento de Ensino, Pesquisa e Extensão e dentro

deste o Departamento de Extensão e Inclusão Social que em seu artigo 75 versa sobre as

competências desse órgão que consistem em:

I. fomentar a participação da Instituição em ações de extensão, conforme as áreas

temáticas, definidas pelo Plano Nacional de Extensão Acadêmica;

II. estabelecer as diretrizes para implementação da política de desenvolvimento de

ações de extensão no IFMA;

III. planejar, apoiar, supervisionar e avaliar as ações de extensão no âmbito da

Instituição;

IV. estabelecer ações junto à comunidade interna e externa que visem à melhoria da

qualidade de vida e o seu desenvolvimento pessoal e profissional;

V. fomentar a formulação de uma política institucional inclusiva;

VI. caracterizar áreas, perfis e competências no Instituto com potencial para

desenvolvimento de ações de extensão;

VII. prospectar mecanismos de fomento, doações e outros fundos para viabilizar

recursos para execução das ações de extensão acadêmica;

VIII. apoiar a elaboração e submissão de projetos em editais de órgãos de fomento

para o desenvolvimento de ações de extensão acadêmica;

IX. representar a Instituição em eventos de extensão, em âmbito nacional e

internacional, na impossibilidade da participação da Direção de Extensão e/ou Pró-

Reitoria de Extensão;

X. compilar registro de ações de extensão dos Campi da IFMA;[...] (IFMA, 2010b,

p. 35-36).

As Diretrizes Gerais para o Ensino Técnico e Superiores datam de 24 de setembro

de 2010 e contemplam:

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169

No desenvolvimento das atividades formadoras dos Campi, ensino, pesquisa e extensão

devem acontecer de forma totalmente integrada e articulada.

A oferta dos cursos da educação profissional deve respeitar as diversidades e

peculiaridades regionais, dando suporte aos arranjos produtivos sociais e culturais locais.

Os cursos da Educação Profissional técnica de nível médio devem ser ofertados

prioritariamente na forma integrada ao ensino médio.

A oferta dos cursos de bacharelado deve priorizar as áreas em que a ciência e a tecnologia

são componentes determinantes, em especial, as engenharias, e a das licenciaturas devem

observar as demandas regionais em termos da carência de pessoal docente habilitado.

O Instituto, por intermédio de seus Campi, deve desenvolver ações e fomentar o diálogo

com órgãos governamentais e não-governamentais, na perspectiva da Educação do Campo

de modo a garantir a educação escolar e profissionalização da população do campo nas

suas mais variadas formas de produção da vida.

Desenvolver estudos e estimular a pesquisa em torno de categorias vinculadas à educação

profissional e tecnológica, na perspectiva de qualificar o debate permanente em torno das

Diretrizes de Formação.

Implementar ações afirmativas tendo em vista deflagrar uma política institucional de

Educação Inclusiva, admitida como cultura coletiva e não como ação exclusivamente da

gestão.

Ampliar a oferta de educação a distância de modo a contribuir para o acesso e a

democratização do ensino em seus diferentes níveis e modalidades e ainda promover

ações de formação continuada para os professores (IFMA, 2010a).

Com relação ao funcionamento da rotina do Campus Monte Castelo, no que diz

respeito ao pedagógico88

, podemos destacar:

a) O horário das disciplinas é feito pelos professores com o assessoramento do Departamento

de Ensino Técnico.

b) As disciplinas são distribuídas nos Departamentos/Coordenações. As cargas horárias das

disciplinas constam nos Planos de Cursos.

c) Em cada semestre ocorrem os Conselhos de Classe; as recuperações dos alunos são feitas

fora dos horários das aulas e a frequência deles é controlada pelos professores e informada

às pedagogas.

88

Informações concedidas pela Coordenadoria de Apoio Pedagógico (CAP).

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170

d) Sobre os índices de repetência e evasão escolar. No Ensino Superior, no ano de 2012,

foram registrados 81 alunos na condição de evadidos matriculados e 54 alunos como

evadidos reprovados.

e) Sobre a existência de uma política/programa de formação continuada para os professores e

para o pessoal administrativo e se existe o trabalho de assistência pedagógico-didática ao

professor, fomos informados que desde o ano de 2012 há um trabalho com oficinas

envolvendo diferentes temáticas.

f) Com relação à assistência pedagógica ao docente existe uma pedagoga para cada

Coordenação, porém a participação dos professores não é frequente. Entre as pedagogas

há uma unidade de ação, mas a direção não compreende a função do pedagogo. A função

deste profissional visa garantir a qualidade do trabalho dos professores em sala de aula.

g) No que concerne ao relacionamento com pais e comunidade, são feitas reuniões de pais

duas vezes ao semestre e por sala. Nessas reuniões são trabalhados textos, ouvem-se os

pais e se fala da aprendizagem dos alunos. A frequência dos professores não é satisfatória.

O campus desenvolve projetos para os pais durante o semestre.

h) O IFMA mantém relacionamento com outras instâncias da comunidade, por exemplo,

empresas, ex-alunos, entre outros. Costuma ceder suas instalações para a comunidade.

i) O Plano da escola é utilizado para a elaboração dos planos de ensino levando-se em

consideração a missão do IFMA, em seguida o perfil profissional de cada curso. A semana

de planejamento é organizada antes do início letivo e com temas do interesse dos

professores e necessidades pedagógicas. Os planos são elaborados pelos professores e

socializados com os demais professores em que se busca uma articulação em termos de

programação de objetivos e conteúdos.

j) Quanto aos procedimentos metodológicos os professores costumam planejar atividades

extraclasse, tais como visitas a locais da comunidade para estudo do meio, exposições,

competições esportivas etc., bem como procedem à escolha dos livros didáticos mediante

o envio dos exemplares pelo Ministério da Educação. Um outro dado que nos foi

informado é que quase não se tem problemas com infrações disciplinares89

.

k) A coordenadoria de apoio pedagógico (CAP) confirma que procede à avaliação sobre a

execução do plano da escola duas vezes ao ano e o instrumento utilizado para avaliar os

89

Porém tivemos informações que ocorreram alguns casos com alunos namorando em alguns espaços da

instituição, tentativas de retiradas de alunos do Ensino Superior da sala de aula, por estarem vestindo

bermudas, os quais foram consideradas atos indisciplinares.

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docentes e técnicos da CAP e o Conselho de Classe são questionários. Contudo, informa

que não há uma reflexão conjunta sobre a prática desenvolvida, para detectar desvios,

dificuldades e reorientar os trabalhos.

l) No tocante à sistemática de avaliação, tivemos acesso a duas Resoluções: a de n. 22, de 30

de maio de 2006, e a de nº. 86, de 05 de outubro de 2011, ambas estão em vigência. A

primeira aprova as normas para a Avaliação do Ensino Médio e dos Cursos Técnicos no

CEFET-MA90

na Unidade Sede e a segunda aprova a sistemática de avaliação do ensino

nos cursos técnicos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia.

A concepção de avaliação nas Resoluções está respaldada na atual Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº. 9.394/96, por incorporar, no texto da Resolução,

as funções diagnóstica e formativa da avaliação. Ademais, enfatiza que os aspectos

qualitativos devem prevalecer em relação aos quantitativos. Destaca, ainda, que os alunos

serão avaliados nas dimensões conceituais, procedimentais e atitudinais91

.

A proposta de orçamento92

do IFMA anualmente advém da matriz orçamentária

do Ministério da Educação por meio da Secretaria de Educação Tecnológica (SETEC), órgão

ao qual está vinculado. Tal proposta orçamentária corresponde, para o exercício de 2013, a R$

120.759.186,00 (cento e vinte milhões, setecentos e cinqüenta e nove mil e cento e oitenta e

seis reais) determinados conforme o número de matrículas dos alunos.

Por sua vez, o IFMA determina o orçamento de cada campus de acordo também

com o número de alunos matriculados. No caso específico do orçamento do Campus Monte

Castelo para o exercício de 2013, é da ordem de 11.439.410,00 (onze milhões, quatrocentos e

trinta e nove mil e quatrocentos e dez reais) para as despesas de custeio e capital. Sendo as

despesas de custeio as necessárias à manutenção das unidades do IFMA (energia elétrica,

água, material de consumo, entre outros serviços) e capital aquelas gastas com investimentos

em aquisições de equipamentos, livros, etc. Segundo dados da matriz orçamentária para 2013,

o custo por aluno da rede federal é da ordem de R$ 3.012,96 (três mil e doze reais e noventa e

seis centavos).

90

O atual IFMA antes de 2008 era reconhecido como Centro Federal de Educação Tecnológica. 91

Tais dimensões estão ligadas aos tipos de conteúdos que se caracterizam da seguinte forma: conteúdos

conceituais permitem compreender os significados (POZO, 2000); procedimentais são ações ordenadas, e

orientadas (COLL; VALLS, 2000) e as atitudinais é uma propriedade da personalidade individual

(SARABIA, 2000). 92

Informações concedidas por Juariedson Lobato Belo, chefe do Departamento de Planejamento, Orçamento e

Finanças.

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172

5.3 O clima organizacional e a abordagem étnico-racial nos estudos exploratórios

A ideia de fazer uma contextualização do problema e do objeto da pesquisa no

Campus Monte Castelo foi uma inquietação constante no trabalho de pesquisa, tendo em vista

a familiarização do Campus com o referido trabalho. Pensamos em várias estratégias, entre as

quais, a realização de um seminário, uma exposição na semana pedagógica. Tentamos

concretizar a ação por meio desta última, mas não obtivemos êxito. Em virtude dessa

dificuldade, decidimos realizar estudos exploratórios93

sobre questões relacionadas ao tema da

pesquisa, a ideia residiu na obtenção de uma visão geral do que pensam os alunos e

professores sobre as relações étnico-raciais.

Na primeira etapa de aplicação dos estudos exploratórios com 04 professores94

(abril de 2011), utilizamos um modelo de questionário com questões abertas (APÊNDICE B)

quanto ao papel da escola e a disciplina que trabalham, entre outras questões.

Os professores afirmaram que a escola é legítima como espaço de

democratização, onde as diferenças têm que ser toleradas e respeitadas; a escola é vista como

um espaço de difusão de múltiplos conhecimentos e oferece vivências, possuindo um papel

reprodutor e transformador; neste papel ela pode desconstruir preconceitos e estereótipos.

Ademais, a escola tem o papel de promover o diálogo entre as diferenças, para isso precisa

propor novas práticas permitindo a manifestação, dando visibilidade aos diferentes estratos

étnico-raciais.

Sobre o que cada disciplina poderia contribuir no combate ao preconceito, à

discriminação étnico-racial e ao racismo, a professora de Língua Portuguesa refere-se à

característica transdisciplinar da sua disciplina, uma vez que não há manifestação da cultura

humana sem a mediação da linguagem. Segundo ela, a Língua Portuguesa e a Literatura

contemplam uma potencialidade para a produção de textos tendo como matriz a

ancestralidade de matrizes afro-brasileiras. Proporciona, ainda, em nível de oralidade, a

interdiscursividade com outras áreas de produção/manifestação de cultura, de forma especial,

a cultura do Maranhão, cuja ascendência negra é muito forte.

Também os professores de História reconheceram a importância desta disciplina,

uma vez que por meio dela pode ser trabalhado o processo de construção do preconceito e

93

No capítulo 1, sobre o percurso teórico-metodológico da pesquisa, expomos outras razões que nos levaram a

fazer um estudo preliminar sobre o objeto de estudo. 94

Como dito, no capítulo sobre os Procedimentos Metodológicos os 04 professores abordados ministravam as

disciplinas História, Língua Portuguesa e Design.

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173

estereótipos sobre o Continente Africano. Podem ser desmistificadas ideologias sobre tal

Continente, de modo a afirmar suas contribuições para a formação da cultura brasileira. Outro

aspecto relevante que a disciplina pode trazer como conteúdo diz respeito ao processo de

resistência das populações escravizadas, de modo a questionar a suposta passividade dos

negros no período anterior e posterior a abolição da escravatura. É ressaltada a importância da

disciplina de História no currículo escolar. Porém, considerou que esta, isolada, não é

suficiente.

Pelas respostas que obtive, refletimos que precisava alargar o estudo exploratório

para professores de outros Departamentos, incluindo os professores que atuam no Ensino

Superior, nos Bacharelados e nas Licenciaturas. Refletimos, ainda, que precisávamos

focalizar mais as perguntas do questionário para a relação currículo e a questão étnico-racial.

Em maio de 2012, efetivamos o segundo momento da aplicação dos questionários

exploratórios com 70 professores que atuam tanto na Educação profissional Técnica de Nível

Médio quanto no Ensino Superior. Aplicamos questionários com questões do tipo abertas e

fechadas (APÊNDICE C) nos 12 departamentos existentes no IFMA - Campus Monte

Castelo. Os números de questionários destinados aos departamentos foram consoantes ao

número de professores lotados em cada departamento95

. No entanto, não foram devolvidos os

mesmos números de questionários distribuídos, houve departamento que não devolveu

nenhum questionário. No total foram devolvidos 70 questionários respondidos. O passo

seguinte foi a tabulação com a síntese das respostas (APÊNDICE K).

Quadro 14 - Número de professores por departamento

1. Departamento de Ciências Humanas e Sociais 38 professores

2. Departamento de Língua Portuguesa 24 professores

3. Departamento de Design 19 professores

4. Departamento de Construção Civil 16 professores

5. Departamento de Elétrica e Eletrônica 40 professores

6. Engenharia de Materiais e Mecânica Não informado

7. Departamento de Ciências da Saúde 07 professores

8. Departamento de Informática 18 professores

9. Departamento de Matemática 18 professores

10. Departamento de Física 19 professores

11. Departamento de Biologia Não informado

12. Departamento de Química Não informado

Fonte: Pesquisa de campo.

95

Informações obtidas por meio dos chefes de departamentos. Os departamentos cujo número de professores não

é indicado deve-se ao fato de não nos ter sido informado.

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174

No segundo momento de aplicação dos questionários exploratórios, emergiu a

preocupação de focalizar mais as relações entre o papel da escola, o currículo escolar, o

racismo e a discriminação étnico-racial, para termos uma visão geral das concepções dos

professores.

Embora predominante em suas visões, a trajetória do negro não é estudada;

porém, concordam que o racismo deve ser inserido como conteúdo nas áreas que possibilitem

tratar deste assunto. Percebem que a cultura negra é estudada como rico folclore e que o

currículo baseia-se nas culturas europeias representadas nos livros didáticos. Os professores

têm preocupação em investir em sua formação buscando informações sobre as questões

raciais, mas admitem que as diferenças culturais entre os diversos povos não são tratadas por

eles, visto não terem informações suficientes, além de considerarem o assunto polêmico.

Pensam que as situações de desigualdades e discriminação na sociedade são discussões

estratégicas para conscientização dos alunos contra a luta de todas as formas de injustiça

social e que é preciso promover o conhecimento das heranças culturais brasileiras para

fortalecer o reconhecimento, a aceitação e o respeito à diversidade étnico-racial. Concordam

que a linguagem tem o poder de influenciar as questões de racismo e discriminação e

reconhecem que a temática do racismo é tratada em algumas etapas do ano letivo. Na

biblioteca, alegaram, existem poucos títulos sobre a questão étnico-racial. Alegaram, também,

que ainda não tiveram a oportunidade de ter uma capacitação sobre esse assunto.

Em relação aos estudos exploratórios com os alunos, na primeira etapa

(abril/2011) foram aplicados em 04 turmas com os que estavam cursando o 3º ano da

Educação Profissional Técnica de Nível Médio. As turmas tinham em média 35 alunos. No

entanto, foram devolvidos 41 questionários respondidos. Tais turmas foram indicadas pela

professora de História, nas quais ela já havia desenvolvido alguns trabalhos por ocasião da

Semana da Consciência Negra.

No ensino superior (Licenciaturas), os questionários foram aplicados (maio/2012)

em 01 turma, cujos alunos estavam cursando a disciplina Estágio I, perfazendo o total de 15

alunos. A opção por essa turma deu-se em função de ela congregar alunos dos diferentes

cursos das Licenciaturas.

Nas visões dos alunos perpassam as seguintes ideias: existe uma demanda por um

trabalho mais sistemático por parte da escola quanto à questão étnico-racial, tendo em vista

que o preconceito, a discriminação e o racismo ainda impregnam a sociedade de um modo

geral e a escola por intermédio da renda e da cor; a maioria afirmou que não existem ações

com vistas a minimizar o preconceito, a discriminação e o racismo; a escola tem um papel

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importante, mas não age como deveria; alegam que se há ações na escola, não é divulgada;

não há trabalhos em sala de aula sobre a temática e os professores agem mais com punições

ao invés de desenvolverem trabalhos formativos; reconhecem que é preciso trabalhar por

meio de conteúdos, metodologias e atividades escolares aspectos positivos da história.

Além do levantamento feito por meio dos questionários, também foram

observados alguns aspectos mais informais do dia a dia do Campus.

O modo de funcionamento do Campus é o de uma escola padrão de ensino médio,

ou seja, é adotado o uso do uniforme (somente para os alunos da EPTNM), bem como da

sirene para controle dos horários do intervalo tanto das aulas como do “recreio”. Neste

momento percebemos que uns preferem fazer atividades lúdicas, como jogo de xadrez, outros

preferem ir à biblioteca, outros jovens optam por fazer orações próximo à biblioteca, mais

precisamente um grupo de jovens evangélicos.

Observamos a carência de espaço para a ambientação dos alunos, como também a

ausência de momentos interativos dos professores com eles fora de sala de aula e do

Departamento a que cada professor está vinculado.

Percebemos em outros espaços, desta feita entre os professores, conversas com

teor de preconceito étnico-racial. Em várias ocasiões alguns professores, de forma jocosa, se

reportaram ao fato de que não condizia o trabalho que ora estávamos desenvolvendo com as

minhas características físicas; outros consideraram irrelevante o objeto, por se tratar de algo

polêmico, outros por achar que os professores deveriam se preocupar mais com a formação

profissional (técnica) dos alunos.

Observamos o quanto os estudos, as políticas acerca das relações étnico-raciais

são banalizados, ignorados e equivocados na sociedade brasileira. Poderíamos pensar nos

vários motivos que determinam essa situação. Mas, no momento, retomamos o que já foi

discutido em páginas anteriores: as desigualdades étnico-raciais, tanto materiais quanto

simbólicas são frutos de um processo histórico em que as pessoas acabam concebendo como

natural, portanto imperceptíveis. Vejamos, então, desta feita utilizando um outro instrumento

de coleta de dados, o comportamento do IFMA Campus-Monte Castelo quanto às relações

étnico-raciais em relação às políticas e práticas curriculares.

5.4 O clima organizacional e a abordagem étnico-racial face a face com os sujeitos

Conforme o que vem sendo explicitado, o foco principal da pesquisa consistiu em

analisar as políticas e práticas curriculares no IFMA-Campus Monte Castelo como não sendo

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suficientemente efetivas, críticas, consistentes, coerentes e satisfatórias, que possam autorizá-

lo como uma instituição escolar de referência para a cidade de São Luís e para o estado do

Maranhão. Com esse propósito, planejei entrevistas com alunos, professores e gestores

individualmente. Os depoimentos foram os principais elementos para se investigar o objeto da

pesquisa.

Antes de realizarmos as entrevistas, numa conversa preliminar com os sujeitos

selecionados, foram esclarecidos os objetivos da pesquisa, tempo e temas que seriam

abordados. Apesar de ter sido estabelecido previamente, em algumas ocasiões extrapolamos o

tempo e o roteiro das entrevistas. Em alguns casos o entrevistado não respondeu de imediato,

em outros tivemos que fazer a pergunta de outro modo para que entendesse a questão.

Por vezes tivemos dificuldades de desenvolver as entrevistas por conta da

presença dos professores no local onde estas transcorreram, no Departamento de Ciências

Humanas e Sociais (DHS). Não tivemos escolha. Assim, por falta de um outro espaço, fomos

impelidos a realizar as referidas entrevistas naquele local, tanto com os professores e alunos

quanto com os gestores e uma pedagoga. Todas foram gravadas e transcritas no primeiro e

segundo semestre de 2012 e primeiro semestre de 2013.

Conforme explicitado no percurso teórico-metodológico, quanto à organização e

análise dos dados, nos baseamos na técnica de análise de conteúdo com o fito de confirmar ou

não os pressupostos estabelecidos antes do trabalho de investigação. Confirmando o que

delineamos no percurso teórico-metodológico da pesquisa, realizamos os seguintes

procedimentos: pré-análise, exploração do material e o tratamento dos dados, a inferência e a

interpretação.

Com efeito, mediante esse procedimento, realizamos as tarefas concernentes à

classificação dos dados obtidos no trabalho de campo. Por meio de uma leitura exaustiva e

repetida dos textos, estabelecemos interrogações para identificarmos os aspectos relevantes.

Com base no que foi considerado relevante, agrupamos os depoimentos e os temas dele

extraídos em 03 eixos norteadores mediante as questões, hipóteses e, sobretudo conforme os

objetivos específicos formulados no projeto de pesquisa, visto entendermos que “o dado não

existe por si só. Ele é construído a partir de um questionamento que fazemos sobre eles, com

base em uma fundamentação teórica” (GOMES, 2001).

Desse modo, foram articulados os seguintes eixos norteadores para a organização,

definição dos temas e análise dos dados: a) A gestão e a Educação para as Relações Étnico-

Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana; b) A identidade e o

reconhecimento étnico-racial, a eficácia e a responsabilidade da escola de ensinar para

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combater o racismo, o preconceito e a discriminação racial e valorizar a diversidade e o

reconhecimento étnico-racial e os reflexos na prática pedagógica; c) A efetivação da Lei nº

10.639/03 e as práticas curriculares para o processo de reconhecimento étnico-racial dos

alunos. Esses eixos foram constituídos como subitens do Capítulo 4.

5.4.1 A gestão e as concepções sobre educação de qualidade com o foco nas Relações

Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

O eixo que norteia esta seção do trabalho envolve vários aspectos investigados, os

quais se constituíram como questões nas entrevistas semiestruturadas, tais como: a) a gestão e

a educação de qualidade arrolando os planos institucionais, as visões dos sujeitos pesquisados,

com o foco nos aspectos de promoção do reconhecimento e valorização da diversidade étnico-

racial; b) as perspectivas dos sujeitos investigados em torno das políticas de ação afirmativa,

em especial o sistema de cotas.

Vale reiterar que todos os eixos e aspectos abordados se referem ao Campus-

Monte Castelo, compreendendo que cada Campus tem suas peculiaridades. Sendo assim,

expressa uma determinada identidade.

Em páginas anteriores, destacamos a que sujeitos nos referimos como gestores.

Cabe, então, explicitar o que entendemos por gestão tomando como suporte teórico o

professor José Carlos Libâneo. Segundo ele, a gestão condiz aos

processos intencionais e sistemáticos de se chegar a uma decisão e de fazer a

decisão funcionar, caracterizam a ação que denominamos gestão. Em outras

palavras, a gestão é a atividade pela qual são mobilizados meios e procedimentos

para se atingir os objetivos da organização, envolvendo, basicamente, os aspectos

gerenciais e técnico-administrativos (LIBÂNEO, 2001, p.78).

Sobre o mesmo conceito recorremos à Lück (2011, p. 25), que afirma:

A gestão educacional corresponde à área de atuação responsável por estabelecer o

direcionamento e a mobilização capazes de sustentar e dinamizar o modo de ser e de

fazer dos sistemas de ensino e das escolas, para realizar ações conjuntas, associadas

e articuladas, visando o objetivo comum da qualidade do ensino e seus resultados.

Sem essa orientação, todos os esforços e gastos são dependidos sem muito sucesso,

mediante a atuação orientada por: a) adotarem perspectivas burocráticas, isoladas e

eventuais; b) focalizarem projetos isolados, na busca de soluções tópicas e

localizadas, e sem participação, na fase de planejamento, dos envolvidos na ação

para implementá-los; c) enfatizarem a realização de atividades, sem orientação clara

e empenho determinado pela realização de objetos e promoção de resultados

significativos.

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178

Em ambas as citações os autores se reportam às expressões mobilização, ações

articuladas, objetivos comuns para caracterizar gestão. Examinamos também que relacionado

ao conceito de gestão emerge o tema da educação de qualidade.

Em virtude disso, abordamos a discussão sobre em que aspectos se fundamentam

uma educação e um ensino de qualidade a partir da visão de alguns autores. Optamos também

por esboçar a visão dos sujeitos investigados, notadamente os gestores, acerca dessa temática,

por entendermos que também são responsáveis pelo modo de ser e fazer da instituição, cujas

decisões são definidas e expressas a partir de suas representações e significados atribuídos aos

elementos que compõem o IFMA – Campus Monte Castelo.

O assunto sobre educação de qualidade é de crucial importância, daí a necessidade

de ser revisto não somente em termos de conceitos, mas também em nível de estratégias para

sua realização. Desse modo, convenhamos, as metas configuradoras de uma educação de

qualidade para a escola (pública) para todos os níveis da Educação Básica ao Superior e o seu

alcance é o desejo de todos aqueles que projetam um mundo mais justo e equânime.

A propósito do tema da educação de qualidade, consideremos o que afirma Casali

(2011, p. 16) em duas frentes de reflexão: a primeira corresponde à relação que o autor faz

entre qualidade de vida e qualidade da educação, e a segunda sobre os momentos estratégicos

de educação de qualidade. Reportemo-nos sobre à primeira. Diz ele:

o tema da qualidade nos remete à questão do valor intrínseco da vida [...]. Educação

é vital: é difícil a sobrevivência e impossível o desenvolvimento da vida sem

educação. É a educação que garante uma certa qualidade à vida. A recíproca é,

evidentemente, também verdadeira: qualidade de vida tende a conferir qualidade à

educação.

A relação estabelecida acima traz nas entrelinhas a ideia de que por meio de uma

educação de qualidade estaremos promovendo a melhoria do nível de bem-estar do indivíduo

e da sociedade em geral; indivíduo e sociedade se implicam. Nesse sentido, ao debatermos em

que bases se assentam uma educação de qualidade, não pode passar ao largo o próprio debate

acerca da função social da escola. A esse respeito, afirma Paro (2007):

Na produção material de sua existência, na construção de sua história, o homem

produz conhecimentos, técnicas, valores, comportamentos, atitudes, tudo enfim que

configura o saber historicamente produzido. Para que isso não se perca [...], é

preciso que o saber seja permanentemente passado para as gerações subseqüentes.

Essa mediação é realizada pela educação [...]. A escola, então, ao prover educação,

precisa tomá-la em todo seu significado humano [...]. A escola pública tem baixa

qualidade, antes de tudo e principalmente, porque não fornece o mínimo necessário

para que a criança e o adolescente se construírem como seres humanos [...]. Quando

se fala em educação para a formação do cidadão, é esse pressuposto que deve estar

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por trás: o de que, como condição para elevar-se a um nível de humanização de

liberdade, diferenciando-se da mera necessidade natural, o indivíduo precisa

“atualizar-se” historicamente pela apropriação de um mínimo do saber alcançado

pela sociedade da qual ele faz parte (PARO, 2007, p. 12).

Pelo que coloca Paro (2007), a apropriação do saber é condição sine qua non para

a humanização do indivíduo. Tal condição já se constitui um indicador de educação de

qualidade, o qual se entrecruza com os momentos estratégicos de educação de qualidade,

sinalizados por Casali (2011), conforme ilustrado no quadro a seguir.

Quadro 15: Momentos estratégicos de educação de qualidade

PRÉ-CONDIÇÕES

a) o Estado de direito;

b) a democracia representativa e participativa em pleno funcionamento;

c) as políticas públicas contando com financiamento adequado, comprometidas com a

mesma democracia;

d) a efetividade dessas políticas no que se refere à formação inicial e continuada dos

profissionais da educação;

e) a garantia de inserção adequada desses profissionais no sistema de ensino;

f) a remuneração digna dos profissionais da educação.

CONDIÇÕES

a) a disponibilidade de infraestrutura física adequada de escolas, em termos de

acessibilidade a todos (proximidade física ou transporte gratuito), devidamente

equipadas (salas de aula, biblioteca, laboratórios, salas de uso multifuncional, refeitório,

pátio, quadras e equipamentos de esporte etc.), com condições adequadas de vestuário e

de alimentação aos alunos;

b) um projeto pedagógico elaborado coletivamente e em permanente implementação,

com participação da comunidade;

c) uma carreira docente transparente e efetiva;

d) processos de avaliação transparentes do desempenho dos profissionais da educação;

e) uma gestão democrática representativa e participativa, eficiente, eficaz e efetiva.

PRÁTICAS

Os exercícios cotidianos do currículo, em tempo integral, que mobilizam todos os

sujeitos e recursos da comunidade educativa (a comunidade escolar articulada com a

comunidade do entorno), constituindo um ambiente educativo, em relações de ensino-

aprendizagem que sejam experiências de valor vital em todas as dimensões, para todos:

cognitivas, simbólicas, estéticas, políticas, corporais e intelectuais, comunicativas,

criativas, responsáveis, participativas, prazerosas. Tais práticas devem ser experiências

de descoberta e construção coletiva, integrada e interdisciplinar de conhecimentos, de

forma que:

a) despertem e estimulem as potencialidades dos alunos;

b) permitam que a comunidade educativa seja também uma comunidade “aprendente”

em permanente desenvolvimento;

c) respeitem cada sujeito e cada grupo em suas identidades de gênero, idade, raça/etnia,

condições físicas, mentais e psíquicas, orientação afetivo-sexual, formação e convicções

políticas e religiosas, origem regional e nacional, preferências estéticas, linguagens etc.

RESULTADOS

a) a formação (pleno desenvolvimento das potencialidades) que cada sujeito educando

leva consigo da escola (como seu patrimônio de conhecimentos e sua constituição

moral) e que possibilita que ele usufrua de suas demandas básicas de alimentação,

saúde, segurança, reconhecimento social (participação plena na vida social, cultural e

política de sua comunidade e sua sociedade), autoestima (quanto às suas competências e

potencialidades pessoais e profissionais), autorrealização pessoal e profissional;

b) a capacidade de entrar e ser bem-sucedido no mundo do trabalho;

c) a experiência local de exercício de cidadania, que o referencia para o pleno exercício

crítico da cidadania como sujeito econômico e produtivo;

d) a experiência de convívio social e cooperativo na diversidade, que o referencia para o

exercício crítico da solidariedade como sujeito social, cultural e político;

e) a possibilidade de que a escola siga, ela própria, aprendendo (FURLAN, M. e

HARGREAVES, 2000);

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f) o fato de que os profissionais da educação nela atuantes tenham se apropriado mais de

sua identidade pessoal e profissional. São resultados da educação de qualidade, enfim:

g) o fato de que ela tenha gerado sujeitos conscientes, livres, responsáveis, autônomos,

apropriados de todo o seu processo de formação, capazes de produzir a si mesmos e de

se apropriar de si como projetos de subjetividade e de identidade jamais esgotáveis;

h) a possibilidade de que tais sujeitos sejam capazes de se apropriar também das

instituições, organizações e comunidades das quais participam, apropriando-se das

identidades que elas lhes imprimem como parte de sua marca cultural;

i) a possibilidade de que tais sujeitos sejam capazes de se reconhecer como unidades da

humanidade, no sentido do que já em 1657 afirmava Comenius (1985), de que as escolas

devem se constituir em “oficinas da humanidade”;

j) a possibilidade de que, nestas relações consigo mesmos, com sua cultura local e com a

humanidade, os sujeitos educandos sejam capazes de estabelecer o duplo vínculo: de

aceder aos legados disponíveis culturais e universais e de deixar por sua vez o seu

legado singular à cultura e à universalidade. Fonte: A autora, adaptado de Casali (2011, p. 33-36)

Ainda que todos os momentos sejam importantes, alega Casali (2011, p. 34) que

“são as práticas cotidianas do currículo que realizam efetivamente a qualidade da educação.

Ainda reflete que: “as práticas da qualidade podem ser ditas como aquelas que são

experiências de formação que, em certa medida, ultrapassam qualquer planejamento,

monitoramento e avaliação, porque constituem experiências vitais” (CASALI, 2011, p. 34).

Nessa perspectiva, faz inteiro sentido o postulado de Freire (1983), no que se

refere a uma educação como “prática da liberdade”. A esta o autor acrescenta a dignidade, o

respeito, a justiça, a solidariedade, a cidadania, a arte, a responsabilidade, a amizade, a

democracia.

Assim, podemos averiguar, conjuntamente, junto aos sujeitos pesquisados, se o

IFMA-Campus Monte Castelo tem realizado ações conjuntas, se tem mobilizado meios

fazendo com que suas políticas e práticas curriculares promovem uma educação de qualidade,

incluindo a Educação para as Relações Étnico-Raciais e estudos relativos à história e cultura

afro-brasileira e africana.

No que diz respeito ao IFMA, vejamos o seguinte depoimento de um aluno96

:

Eu acho que não o instituto não atua quanto a isso. Apesar de ter essa semana de

consciência e tal. Mas, como eu disse poderia dá uma melhorada. Tendo esse debate

direto com os alunos. Tendo essa conscientização direta por meio de palestras. Eu

acho que nenhuma disciplina tem essa história. Pode perceber. Aqui, a gente

aprende na escola, até mesmo em história, como é que os portugueses vieram para

cá. Não tem essa história. E a África às vezes fica meio deslocada. Tive uma

professora muito boa. Ela deu aparato pra gente e ela mesma não concordava como

isso. Porque que a história não tinha também a história também da descendência

negra (A1).

96

Ver quadro de distribuição dos sujeitos investigados (Alunos – A, Professores – PR, pedagoga – PE e Gestor

G) no item 1.3, quadros de 2 a 6, acima.

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181

No relato de A1, percebemos que considera insatisfatório resumir a Educação para

as Relações Étnico-Raciais à comemoração do dia da Consciência Negra, embora não

descarte a importância do dia 20 de novembro. Para ele, é preciso incorporar estudos mais

sistemáticos por meio das disciplinas escolares. Tal visão se repete no relato de A7, ao

destacar a concepção de currículo como processo formativo.

Então eu acho assim, que a educação e esses programas dentro do Instituto Federal

do Maranhão devem ocorrer com maior frequência, no sentido de quê? De fazer com

que essas políticas/esse tema sejam discutidas. Eu acho que é salutar, ele é

proveitoso e ele faz parte de um, - se não faz parte ainda, ele deve fazer parte de um

– currículo formativo desse aluno que sai aqui. Porque o aluno, como dizia,

recorrendo a Charles Chaplim, lá no filme Tempos Modernos, nós não podemos só

formar “apertadores de parafuso". Nós temos que ter pessoas críticas, conscientes e

que se identifique em um processo histórico e dentro desse processo histórico, saiba

qual a sua referência, seja ela negra, branca, indígena ou parda. Eu acho que o

Instituto deveria se preocupar um pouco mais, [...] e nós precisamos dar o

verdadeiro reconhecimento do negro no nosso país, uma raça que construiu e

constituiu a sociedade brasileira (A7).

Os professores concordam com a posição dos alunos. Tal assertiva pode ser

examinada abaixo:

Não existe. Eu acho que a gente precisa efetivamente de um planejamento de ações,

precisa efetivamente gerar espaços mais amplos de debate, a gente tem uma

variedade muito grande de profissionais, de múltiplas áreas, eu acho que precisaria

de uma política que privilegie esses elementos, que coloque esses debates como

pauta fundamental. Repito: aqui, o único momento em que se tenta fazer um debate

mais geral é na Semana de Consciência Negra, que a gente consegue montar dois,

três dias de atividades, mas geralmente com uma participação restrita, tanto por

causa do espaço, nosso teatro está reformando há anos, a gente não tem um espaço

para dizer: “Vamos levar um número maior de alunos”. Então, muitas vezes é um

grupo de professores que organiza e que leva as suas turmas para assistir a

determinados debates. Eu não percebo como algo que está presente na política da

escola, não, eu não percebo um planejamento, algo que é visto como fundamental

(PR1).

O relato de PR1 deixa entrever a necessidade de um planejamento coletivo que

tenha caráter formativo com pautas concernentes às temáticas étnico-raciais. Percebe também

que apenas a Semana da Consciência Negra é insuficiente, lamentando a ausência de uma

política de gestão e curricular para a referida temática.

A mesma percepção é encontrada no relato de PR7. Porém, considera que alguma

semente já foi plantada no Ensino Superior, como a introdução da disciplina Política

educacional Inclusiva I e II nos cursos das Licenciaturas.

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182

Acredito que não. O que tem acontecido, disciplinas como história, os professores,

inclusive a professora PR1, trabalhou na sua dissertação a questão da escravidão e

ela tem essa temática dentro da sala de aula porque ela tem interesse pessoal, em

discutir, mas não que a instituição [...]. Acho que falta um debate mais profundo

sobre a inclusão, a incorporação da Lei 10.639 e a orientação das diretrizes,

inclusive, não só nessa área de história, mas em outras áreas. No ensino superior nós

temos, porque foi orientação de um grupo de estudo a implementação da disciplina

Política Inclusiva I e II, quando a questão racial começou a fazer parte foi inclusive

sugestão de uma professora, foi um ponto importante, um marco de reconhecimento

(PR7).

As análises de PE, abaixo, são enfáticas quanto ao processo de formulação dos

documentos que, segundo ela, e que concordamos em parte, prestam mais conta à

burocratização dos serviços públicos que de fato à necessidade de se ter documentos

norteadores das políticas e práticas curriculares. A falta de fóruns para discussão e decisões

coletivas é atribuída à falta de vontade política dos dirigentes, conforme nos aponta o relato

que segue:

O IFMA ainda não trabalha na construção dos documentos para atendimento a uma

legislação. Se tem um PDI porque tem que ter um PDI. Se tem uma diretriz porque

tem que ter as diretrizes. Mas não é ainda administrativamente efetivo porque falta

administração, essa vontade política de fazer acontecer. O primeiro ponto negativo

com relação à falta de reconhecimento, ou melhor, desconhecimento na instituição, é

este: você não tem hoje espaços efetivos de discussão. Nem dentro dos próprios

departamentos. E aí tudo para mim começa de um outro problema que a instituição

tem, que é não fomentar a pesquisa, porque a gente sabe que a pesquisa tem essa

função de inquietar, de buscar, analisar, refletir sobre o que está posto. E se é uma

instituição que não reflete sobre o que faz, ela apenas vivencia um dia depois do

outro, é uma instituição que não analisa, não questiona a própria ação. A meu ver

não existe vontade política, não existe uma gestão que compreenda o que é a gestão

de uma instituição pública, ainda não, de uma universidade, porque a gente ainda

não pensa nesse nível de universidade, a gente ainda pensa no nível da escola

técnica, lá, do ensino médio, então as questões do ensino superior que fazem com

que o ensino superior exista, é o ensino, é a pesquisa e a extensão, tem que ter. Hoje

aqui a gente tem o ensino superior que acontece pela vontade dos professores. Não

acontece de fato pela organização administrativa. Temos hoje uma instituição que

escreve sobre o assunto porque têm determinações do MEC, o MEC exige um PDI,

aí eu dou um PDI, o MEC exige uma diretriz, aí eu dou uma diretriz, mas o que eu

faço com esses escritos, nada. Então ele existe no papel e aí a organização continua

pensando como o ensino médio e trabalha muito como o ensino médio. E o ensino

médio, diga-se de passagem, é bem capenga, porque o ensino médio hoje que se tem

visão se trabalha todas as legislações, se discute as questões étnico-raciais, e hoje

não existe isso aqui, aqui não existe. A gestão tem que pensar e atuar diferente (PE).

As colocações de PE nos revelam como se desenvolve a gestão do IFMA-Campus

Monte Castelo, configuradas como ações burocráticas o que nos remete aos resultados de um

diagnóstico elaborado em 1998 por especialistas cubanos cujos resultados declararam as

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183

seguintes insuficiências atribuídas à direção do Centro97

: “falta de um planeamento integrado;

enseñanza desvinculada de la administración; falta de um diagnóstico de la comunidade;

centralización administrativa; falta de uma estratégia em el trabajo; morosidade em la

acciones; exceso de burocracia” (NEVES, 2008, p.69).

A autora ainda acrescenta que diante dos resultados foi elaborado um documento

“Planeamento estratégico Institucional” (NEVES, 2008, p. 69), resultado de um seminário

desenvolvido por comissões. Foram reconhecidos outros aspectos frágeis, a saber:

[...] falta de uma política que fortalezca la motivación y El compromiso profesional;

falta de uma política de capacitación com los objetivos institucionales; falta de

supervisión, asesoramiento y evaluación acadêmica; inexistência de um projeto

pedagógico que incida de forma transversal em La formación de valores em los

alumnos; indefinición de la política educacional (NEVES, 2008, p. 69-70).

A pedagoga PE prossegue destacando o papel estratégico dos professores no

processo educativo, mas ressalta também que o corpo administrativo é de fundamental

importância. Ambos devem ter o compromisso e atuar na instituição para que cumpra sua

função transformadora.

A sala de aula hoje, é vista como o único espaço de transformação, parece que o

professor é o único sujeito capaz de fazer com que o mundo se transforme, com que

as concepções mudem e não é o professor apenas, somos todos nós que fazemos

parte da sociedade, e portanto do IFMA. O professor tem uma parte da

responsabilidade, mas eu como Técnica Administrativa tenho outro, o meu colega

que é o Diretor Dirigente da instituição tem outra e assim todos nós fazemos parte.

Ou a gente discute para além da sala de aula as questões étnico-raciais ou então as

questões étnico-raciais não vão mudar, para haver realmente efetividade (PE).

O depoimento abaixo reforça a importância do corpo administrativo. PR1 se

ressente da falta de articulação entre o pedagógico e o administrativo. Não vê concretizada a

missão da instituição, expressa nos documentos internos.

O que a gente tem, pelo menos pelo o que eu percebo, são ações isoladas. Alguns

professores [...], e você vai ver que alguns professores nem sabem da existência

dessa lei. Alguns professores que desenvolvem pesquisas nesse âmbito, que têm

interesse na temática, eles desenvolvem atividades em sala de aula, mas não há uma

unidade, não há uma política da escola, não há um processo de formação dos

professores, não há nada para além das ações individuais que possam fazer com que

realmente a escola, o IFMA, não está comprometido, pensando aqui o Monte

Castelo, eu não sei como que isso está sendo desenvolvido. O que eu percebi é que

97

O diagnóstico foi realizado antes da atual institucionalidade de IFMA. Como já sinalizado anterior a esta

última chamava-se Centro Federal de Educação Tecnológica do Maranhão (CEFET-MA).

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184

já houve certa popularização da Semana da Consciência Negra, algumas feitas de

forma equivocada, pensando só o lúdico, que também é uma coisa que a gente tem

que refletir, não é só festa, fazer cabelo com trancinha, penteado afro, eu acho que

há realmente uma necessidade de uma reflexão. Ultimamente eu estou até pensando,

o que é efetivamente necessário discutir numa atividade como essa, não é que talvez

o enfoque seja tentar pensar a África, pensar preconceito, como é que é. Porque

também a gente tem que tomar cuidado para não ficar no “oba - oba”, tipo a festinha

do primário que faz lá o Dia do Índio e pinta as Crianças de índio. Eu não vejo aqui

como uma instituição que tenha um planejamento, a nossa administração é muito

deslocada do nosso objetivo maior que é o ensino. Muitas vezes eu vejo a estrutura

administrativa no centro e às vezes eu a vejo como um corpo isolado. Então você

tem uma estrutura administrativa, mas às vezes eu acho que as pessoas não lembram

que estão administrando uma escola. Eu sei da existência do PPP, não há um debate

de uma política talvez de desenvolvimento da educação pautada nesse documento,

às vezes parece que ele é uma coisa muito mais para constar, assim como a missão

que está lá no banner, do que efetivamente um motor do desenvolvimento das ações

da instituição (PR1).

No depoimento abaixo o gestor relaciona a instituição IFMA e a sociedade. Ele

diz que a primeira reflete os valores da segunda. Ao mesmo tempo deixa entrever que é

possível “furar o cerco” propondo ações para combater o racismo.

O IFMA não foge à regra que está instalada, que está orada. Na verdade, nós

vivemos uma histórica condição de exclusão, preconceito, discriminação, racismo –

por causa da questão afro, indígena. Então, o Instituto Federal do Maranhão não é

diferente deste conjunto – estou colocando aqui uma coisa que se constata no Brasil,

como militante de várias frentes, a gente constata no Brasil essa dificuldade de

implantar esse paradigma que está colocado [...]. Particularmente, no que diz

respeito à questão étnico-racial, que afeta diretamente o NEABI. Nós estamos numa

ação enquanto NEABI, desde o final de 2009, início de 2010. Foi todo um trabalho

de sensibilização da gestão maior do instituto, e 2010, a gente instalou através de

uma resolução, Resolução 08/2010, o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros do

Instituto, que depois, a gente incluiu o Indígena, por isso que é NEABI, não NEAB

(G4).

O gestor do NEABI acrescenta, refletindo sobre a cultura tecnicista vivenciada

pelo IFMA, cujos efeitos residem na minimização dos estudos das ciências humanas.

Então, no primeiro momento, muita dificuldade por conta, exatamente, de uma

cultura de uma instituição de formação técnica, uma cultura tecnicista, de uma visão

de que as questões das humanidades, a questão dessa área mais das ciências sociais,

são de menor importância do que as questões das áreas técnicas, etc. Então, esse é

um desafio: contribuir para que os colegas de diferentes áreas possam perceber que

há um fato novo acontecendo no cerco da sociedade e do IFMA e que a escola não

vai estar isenta disso. Isso levou algum período com conflitos muito fortes com

gestores de ponta da Instituição que resistiam e diziam até que era desnecessário

(G4).

Os relatos abaixo vão ao encontro das reflexões de G4, quando ele diz que alguns

gestores achavam desnecessário implementar políticas com recorte étnico-racial, pois há um

clima de tolerância.

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185

Se eu tiver que classificar se há tolerância ou preconceito, eu diria que há tolerância.

No geral, o que eu percebo é isso, até porque a gente convive com pessoas dessas

mais diversas características. Temos servidores, professores, alunos homossexuais e

eu percebo uma convivência harmônica. Se há algum preconceito é alguma coisa

muito pontual. Na questão racial eu observo a mesma coisa, eu não vejo esse clima

de separatismo aqui dentro. Eu diria assim, que no geral, é de aceitação mesmo, de

tolerância. Se houver algum foco de preconceito eu acredito que seja alguma coisa

muito pontual, muito específica [...] (G2).

O relato em seguida reforça ainda mais a ideia de tolerância.

[...] só pra exemplificar, na semana passada a gente teve uma Missa de Ação de

Graças, que é coordenada por um grupo de alunos, que é o grupo Centelha. A

instituição dá todo o apoio para as duas correntes que nós temos: nós temos a

corrente católica e a corrente evangélica. Então, agora, às dez e meia, vai ter uma

reunião, está tendo todo dia, que é uma reunião do grupo de evangélicos, onde eles

conversam entre si, batem papo, e a instituição apoia. Os eventos são previamente

solicitados pra direção geral e a direção se manifesta favoravelmente sempre, ou pra

parte do pessoal que é evangélico ou pra parte do pessoal que é católico. Com

relação à etnia, os negros, especificamente, nós temos um grupo do Instituto

chamado NEABI, que é coordenado pelo professor Botelho. É um grupo onde não é

específico do campus Monte Castelo, é todo o instituto, onde a gente tem dentro de

uma linha de palestra pra inserção do negro, porque o NEABI não é só pra negros na

verdade, o NEABI é pra negros e indígenas, afrodescendentes e indígenas, são os

dois grupos que eles abordam.. Então, hoje está formalizado por Portaria, [...]

autorizado pelo Conselho de Ensino Superior. Então, dentro do Campus Monte

Castelo, a gente não tem uma política de apoiar A, B ou C ou particularizar, se é

negro, se é branco, se é pardo, a gente não faz essa diferenciação. E, na verdade, eu

até sou contra você diferenciar porque é negro, é coitadinho, é porque é branco, é

privilegiado, eu não concordo com isso não. Acho que a política tem que ser uma só.

Por exemplo, do mesmo modo que eu mando, autorizo um negro ir pra um

congresso, autorizo um branco, sem fazer diferença nenhuma. Eu faço diferença é se

ele está com projeto, com publicação, ou não. Se ele não tiver publicação, eu não

autorizo. É nisso aí que eu faço diferença, mas com relação à etnia, não (G1).

No depoimento a seguir, G3 articula uma outra concepção quanto ao clima

organizacional com relação ao aspecto étnico-racial.

Eu vou te responder com base nos momentos, nos encontros que eu tenho com os

professores, com os dirigentes e o que eu percebo: eu percebo que dentro do

Instituto Federal do Maranhão nós estamos construindo uma prática que aponta para

uma discussão mais filosófica, mais pedagógica dessas questões. Nós estamos

começando a trabalhar isso. O que eu entendo é que o IFMA reflete o que a nossa

sociedade sempre fez: ela sempre ignorou, para não sair da sua zona de conforto,

essas questões de raça, de etnia, de sexo, etc. Mas vejo de forma positiva que as

pessoas estão abertas, mas elas estão precisando obter subsídios para poder alertar,

para poder organizar as suas práticas (G3).

Por outro lado, ao informar sobre a criação do Grupo de Trabalho “Educação

Inclusiva”, a gestora parece conceber que é preciso uma dinâmica de intervenção na

perspectiva de um movimento mais contundente.

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186

Organizamos um grupo de trabalho de educação Inclusiva e a partir de uma pesquisa

que eles estão realizando traçaremos uma política de educação inclusiva para o

nosso Instituto. Mas, a gente sabe que isso exige uma ação um pouco mais forte,

mais contundente e a gente estava se programando esse ano, para investir nessas

questões como em outras, também, só que nós fomos atropelados por outras

questões aí, que foi com o nosso seletivo que deu um problema sério de justiça e a

gente teve que refazer, atrapalhou todo o nosso calendário, e tudo mais. Mas assim,

a nossa prática, como é que nós vemos essa questão, como é que nós encaminhamos

essa questão aqui, para os campi: é sempre fomentando, é sempre estimulando esse

debate, para que esse debate reflita positivamente no currículo, que o currículo dê

vida, dê concretude a essa questão. Com relação às diretrizes, nós tivemos esse

cuidado por quê? Porque as nossas diretrizes, a gente precisava como Pró-Reitoria

de Ensino que compõe as políticas, que articula todo o processo gestor na

perspectiva de se ter uma educação de qualidade, minimamente garantindo o acesso

e permanência com o sucesso, então nós traçamos diretrizes e encaminhamos isso,

aprovamos isso num Fórum, e entre essas diretrizes, destacamos a inclusão (G3).

A gestora se refere ao papel estratégico que tem a Pró-Reitoria de Ensino98

na

condução das políticas dentro do Instituto, inclusive formular políticas de formação

continuada dos professores. A educação ou formação continuada é função essencial da equipe

pedagógica. A Resolução CNE/CEB 01/2004, no Artigo 3º, § 2º estabelece que “As

coordenações pedagógicas deverão promover o aprofundamento de estudos, para que os

professores concebam e desenvolvam unidades de estudos, projetos e programas, abrangendo

os diferentes componentes curriculares” (BRASIL, 2004b).

Nesse sentido, aqueles que exercem a função pedagógica, quer os que estão na

PROEN, quer na CAP, são imprescindíveis na mediação, gestão (projeto político-pedagógico)

e na prática curricular. E sobre esta é importante acrescentar que:

Na prática mesma é que se manifesta o projeto pedagógico e o currículo como

produto completo, resultado de um conjunto de determinações como o programa

escolar, as regulamentações vigentes na instituição, a formação dos professores, sua

postura política, dentre outros (SILVA, 1997, p.60).

Ainda segundo Silva (1997), o projeto pedagógico e o currículo se desenvolvem

em uma instituição com os profissionais da educação em relações sociais de produção,

constituindo uma organização de trabalho. O trabalho coletivo tem sido apontado por

estudiosos como o caminho mais profícuo para o alcance dos resultados que a escola

pretende.

A falta de uma gestão democrática é recorrente nos depoimentos, examinemos o

relato de PR5.

98

Além do pessoal administrativo e da Pró-Reitora, a Pró-Reitoria de Ensino é constituída por 02 pedagogas, 01

professora de História e 01 de Filosofia.

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Considero que o IFMA – Campus Monte Castelo está distante desse ideário de

educação escolar. E eu vejo muito isso pelos próprios encontros pedagógicos aqui,

que é uma espécie de um conflito de linguagens muito grande que a gente vive, até

uma metáfora bíblica, muitas vezes eu vejo aqui uma “Torre de Babel”, sem

entender muito qual o código que está sendo colocado dentro de determinada

situação, e não deveria ser assim. A gente deveria possibilitar que essas diferentes

linguagens, dentro de determinados contextos que são as áreas específicas do

conhecimento, eles pudessem ter uma confluência que, em tese, seria o próprio

projeto, a própria razão de ser da escola, que é a constituição do conhecimento que o

Projeto Político-Pedagógico contempla. E a gente vê exatamente isso, que há uma

distonia entre o que está escrito no Projeto e entre o que a gente, no dia a dia, realiza

na sala de aula. A maioria das vezes são práticas isoladas, professores trabalhando as

suas disciplinas focadas naqueles conteúdos específicos e esses conteúdos não têm,

ao longo do semestre, uma relação de interconexão; eles não se aproximam, eles não

têm, digamos, um significativo aspecto de representar qual a importância daquele

universo simbólico dentro de um contexto problemático, que é a sociedade.

Observamos que em suas reflexões iniciais PR5 se ressente da falta de articulação

entre os diferentes campos do saber, isso dificulta, segundo ele, a interpretação dos códigos

das diferentes linguagens. Apesar de perceber esse problema, ele diz que não existe uma

fórmula para suprir essa carência, no depoimento abaixo podemos encontrar essa reflexão.

O aluno sai daqui com essa dualidade bem clara na cabeça dele. Ele tem uma

linguagem de códigos que são as bases das ciências propedêuticas, e ele tem uma

linguagem de códigos, que são as ciências específicas dos cursos que ele está

fazendo, técnico, aqui. Então, como superar essa dificuldade? Essa foi a grande

questão. A gente precisa, primeiro, dar-se conta de que não existe uma fórmula pra

superar essa dualidade. A gente não vai ter uma fórmula mágica nem um Projeto

Político-Pedagógico que se proponha a isso: a dar respostas acabadas e absolutas,

porque, como o próprio Projeto Político-Pedagógico coloca, essa perspectiva da

superação da realidade, que a gente possa realmente ter uma aproximação e

superação desses conflitos na escola e fora dela também, só é possível através da

participação, da integração, da formação, que deve ser contínua dentro da escola, de

espaço de debates contínuos, permanentes sobre a prática docente, sobre o currículo,

sobre as perspectivas dos cursos, sobre o propósito e a identidade da instituição.

Então, por conta de não haver esse momento de integração, que é momento de suma

importância dentro da formação política dos alunos, dos estudantes, a gente também

não consegue ver como aproximar os professores desse olhar interdisciplinar, esse

olhar transformador, esse olhar inclusivo, esse olhar de cidadania, esse olhar do

resgate dos valores éticos. Eu acho que a gente está muito longe ainda disso (PR5).

O relato de A1, abaixo, assinala uma demonstração de esforço do Campus Monte

Castelo para configurar o perfil estudantil quanto à identidade étnico-racial.

[...] eu acho que o IFMA tem se esforçado muito em relação a essas coisas de

autodeclaração por parte dos alunos e também por parte da direção. No Instituto tem

Semana de Consciência Negra, teve também o Centenário do pai da Alcione que

morreu e era negro e também foi reconhecido como sendo um bom músico. Sobre os

alunos eu nunca presenciei algum racismo, preconceito com os outros ou comigo.

Acho que poderia melhorar um pouco. Ter mais incentivo. Por exemplo, além da

Semana da Consciência Negra, eu acho que a gente poderia fazer um projeto melhor.

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Não só pintar a blusa com histórias de pessoas que fizeram história, mas falar

diretamente com os alunos, conscientizá-los. Eu acho que esse bate-papo entre os

alunos e o Instituto é importante. E, às vezes, aqui não tem. Na Semana da

Consciência Negra, é mais evento mesmo (A1).

Os vários relatos até aqui esboçados confirmam que o Campus – Monte Castelo,

no que concerne à gestão, está deixando a desejar quanto à atenção às questões étnico-raciais,

o que compromete, em parte, sua identidade como instituição de qualidade. No entanto, os

mesmos gestores que percebem essa lacuna se manifestam apresentando outras características

configuradoras de uma educação de qualidade.

Eu não tenho a menor dúvida, nós temos as próprias avaliações externas, nós temos

o ENAD, nós temos o ENEM, e que os resultados têm uma série de questões que

implicam nesses exames. Mas quando a gente consegue fazer uma análise um pouco

mais apurada desses fatos, a gente que está por dentro da instituição, a gente que

conhece todas as questões que envolvem o ensino, o desempenho dos estudantes,

então a gente sabe que essa instituição consegue realmente formar profissionais,

tanto no nível técnico, quanto no nível superior, com a qualidade e com uma

diferença considerável em termos de competências, em termos de habilidades,

comparado com outras instituições. Eu não tenho nenhuma dúvida com relação a

isso, eu me sinto muito tranquila com relação a isso (GE3).

Destacamos no relato acima a preocupação da gestora com o nível de desempenho

dos alunos. Ela deixa implícita a importância das avaliações externas definidas no âmbito das

políticas de avaliação, mediante a decisão efetuada no âmbito do Ministério da Educação. Um

outro aspecto a salientar no relato acima refere-se ao desenvolvimento de competências e

habilidades, o qual está relacionado ao desempenho dos alunos.

O relato abaixo relaciona qualidade à titulação dos professores, à infraestrutura e

às relações e convênios que o IFMA tem com empresas locais.

Eu considero que sim. Uma escola de qualidade. Agora, por quê? Primeiro que a

gente está numa rede federal onde tem incentivo do governo federal para o ensino,

pesquisa e para extensão. Então, o que é que a gente tem de incentivo pra o ensino?

[...] nossos professores, todos, praticamente, têm especialização, mestrado ou

doutorado. Se não têm, estão fazendo. Dentro das nossas salas de aula, por exemplo,

as salas que nós temos hoje, todas são climatizadas. Desde 2005, a gente mantém o

padrão de climatização nas salas, quadro branco [...], Data show, sistema de internet.

A gente procura, com o recurso que vem que não é pouco, o recurso que vem é

suficiente, equipar laboratório, equipar sala de aula, dar subsídio a professor pra

viagem, pra apresentação de trabalho, pro aluno, com ajuda de custo. Então, a

escola, o IFMA, é diferente das escolas públicas que têm no Maranhão, isso é bem

claro. É claro que a gente está num prédio que foi construído em 1930, com

dificuldade de infraestrutura a gente tem, isso é passível de ter, mas a gente tem, aí

no fundo, sendo construídas 40 novas salas. É um prédio grande, onde nós vamos

deixar a parte aqui de cima só com infraestrutura de laboratório, e, lá embaixo, sala

de aula. [...] Então, por isso que eu considero que a gente, além de ter os incentivos

reais anualmente, dentro do orçamento da união, pra aplicar na parte da educação, a

parte de pesquisa e extensão. A extensão, a gente, por não ter espaço, tem um prédio

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alugado com a Vale do Rio Doce, Alumar, Eletronorte, dentro da extensão. Então,

por isso que a gente fica diferenciada das outras escolas (G1).

O relato de G2, abaixo, ao mesmo tempo que atribui a importância do IFMA por

formar jovens para o mercado de trabalho, também menciona que a instituição tem o

compromisso de formar para a vida.

Sim, eu considero de qualidade, até pela importância que ela tem nessa sociedade –

não só na sociedade de São Luís, mas na sociedade maranhense –, por formar aí

muitos jovens, não só pro mercado de trabalho, mas para própria vida. Sou

conhecedor de muitos problemas que se tem aqui, mas eu acredito que são

problemas “controláveis”, acredito que se a gente se empenhar aqui, nós servidores,

nós podemos crescer e se dizer que é de qualidade, até pela qualidade de nossos

profissionais que nós temos aqui – professores e servidores (G2).

Em parte, a visão de G2 é inequívoca quanto à importância que o Campus-Monte

Castelo tem para a vida de cada aluno que a ele se vincula. No entanto, apresenta uma questão

bastante emblemática, ao reforçar o viés da educação como ferramenta para formar mão de

obra para o mercado de trabalho. Pensamos que a escola deve se articular com o mundo do

trabalho para tornar possível a realização da cidadania (LIBÂNEO; OLIVEIRA, TOSCHI,

2003). De todo modo, G2 amplia sua visão acrescentando que a educação deve formar para a

vida.

A consideração feita por G2 enseja uma observação recorrente, ao se tratar do

nível médio de ensino, da defesa da integração entre educação profissional e educação geral.

Tomando como referência o que consta na Resolução da Câmara de Educação

Básica/Conselho Nacional de Educação (CEB/CNE) n. 3/98, de 2 de junho de 1998, no seu

artigo 12, este estabelece: “Não haverá dissociação entre a formação geral, a preparação

básica para o trabalho, nem esta última se confundirá com a formação profissional”. Nos

parágrafos 1º e 2º acrescenta a Lei:

Parágrafo 1º - A preparação básica para o trabalho deverá estar presente tanto na

base nacional comum como na parte diversificada.

Parágrafo 2º - O ensino médio, atendida a formação geral, incluindo a preparação

básica par o trabalho, poderá preparar para o exercício de profissões técnicas, por

articulação com a educação profissional, mantida a independência entre os cursos.

Em recente trabalho de pesquisa (dissertação de mestrado em educação), pela

Universidade Federal do Maranhão, no ano de 2011, intitulada “Contribuições do ensino de

Filosofia para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, no contexto do Instituto

Federal de Educação, Ciência e Tecnologia”, o professor Jorge Leão discutiu a percepção dos

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190

alunos egressos do IFMA sobre a educação profissional integrada ao ensino médio. Em seus

estudos ficou evidenciado que: o assunto das matérias fica resumido; é priorizada a formação

técnico-profissional; é muito cansativo, pouco tempo para muita coisa; bombardeamento de

informações que não são transformadas em conhecimento. O autor do trabalho analisa:

[...] percebe-se o tema preocupante da acumulação de atividades e a má distribuição

do tempo, prejudicando o processo do conhecimento. Este tema merece um debate

mais amplo dentro da instituição, a fim de serem pensadas soluções para o problema

apontado, uma vez que o mesmo se contrapõe diretamente ao que preconiza o PPP

acerca da concepção de aprendizagem, quando assinala que esta “pressupõe

liberdade e questionamento”, sendo que “o educando, nesse processo, deve ser

concebido como um ser ativo, que pensa, sente, vive, tem dúvidas e formula

hipóteses sobre o objeto do conhecimento” (PPP, 2010, p. 25). Para que ocorra isso,

é preciso tempo, que é uma das queixas recorrentes dos estudantes. Daí a urgente

necessidade de um debate institucional sobre este problema. Para isso, o filósofo-

professor pode contribuir muito, à medida que se aprofundem os momentos de

reflexão e encaminhamentos de fóruns de discussão sobre o referido problema

(LEÃO, 2011, p. 88).

De nossa parte concordamos tanto com a visão dos alunos quanto com a do

professor. O tempo relacionado aos horários99

é um elemento curricular na medida em que

consagra a carga horária das disciplinas, o tempo de uma disciplina para outra, o “recreio”,

dentre outras determinações, ligadas aos saberes e fazeres na instituição escolar.

Podemos relacionar essa lógica de organização do currículo ao que Bersntein

(apud SILVA, 2000) cunhou de “currículo coleção” em face da fragmentação dos conteúdos,

da falta de flexibilização do tempo, da falta de articulação entre as disciplinas, entre os

departamentos acadêmicos, entre outros.

Ainda em relação à questão da qualidade, G4 enfatiza o quadro de pessoal

vinculado ao IFMA, sobretudo o do Campus Monte Castelo, além de sua estrutura física.

Eu considero o Instituto Federal uma escola de qualidade se a gente for fazer tomar

como parâmetro a realidade de tantas outras escolas que estão colocadas à

disposição da população, particularmente do Maranhão. Então, nós temos uma

estrutura de pessoal qualificado, nós temos uma estrutura de laboratório, nós temos a

estrutura física mesmo, uma arquitetura que nos diferencia do conjunto das escolas

públicas e até, em verdade, das escolas privadas dentro do Estado. Então, olhando

por esse aspecto, nós diríamos que teríamos a qualidade para oferecermos uma boa

resposta do ponto de vista pedagógico, do ponto de vista do processo ensino-

aprendizagem, da extensão e da pesquisa. Então, estamos, sim, potencializados para

sermos uma escola de qualidade (G4).

99

Horário, pertencente às horas, quadro indicador das horas em que devem ser executados determinados atos.

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191

O relato a seguir, de PE, tece críticas à falta de autonomia das instituições

educacionais, de modo particular ao IFMA, por não decidirem o seu modo de ser e de fazer, o

que deixa entrever a sua insatisfação como pedagoga do Ensino Superior. Porém, ressalta que

o IFMA gera qualidade no ensino. PE vai mais além, analisa os problemas pelos quais

enfrenta esse nível de ensino, o que no seu ponto de vista compromete em parte a qualidade.

O IFMA tem, como toda instituição, qualidades e defeitos. No nível do ensino ele

ainda preserva a qualidade do ensino “apesar dos pesares”. Porque ele tem uma série

de problemas que, assim, no nível do ensino superior, para quem conhece o ensino

superior, sabe que ele tem uma série de problemas e aí vem a justificativa desses

problemas em função da sua própria estrutura, que começou como uma escola de

nível médio, a antiga escola de 2º grau e se transformou num Centro Federal de

Educação, tendo que assumir alguns cursos de nível superior, mais na linha

tecnológica do que propriamente na linha da licenciatura. Esse peso se tornou ainda

maior. Mas aí essa preparação para receber essa carga maior de responsabilidade que

é o ensino superior, eu acho que não teve. Como no nível governamental a gente

sabe que as coisas são empurradas de cima para baixo, e as instituições às vezes têm

que abraçar certas propostas de governo, certos programas sem infraestrutura,

acontece a mesma coisa com o IFMA, desde quando CEFET (PE).

Segundo Libâneo (2001), a organização do sistema de ensino de um país abrange

o sistema de ensino como tal, as escolas, as salas de aula. As escolas situam-se entre as

políticas educacionais, as diretrizes curriculares, as formas organizativas do sistema e as ações

pedagógico-didáticas. Em termos de decisão curricular as escolas gozam de uma relativa

autonomia. Dentro dos níveis de decisão curricular depois da administração central, que no

caso do Brasil no âmbito federal é o Ministério da Educação, o currículo é decidido no

contexto de decisão de gestão, isto é, ao nível da região e da escola (PACHECO, 1996). No

entanto, pode ocorrer que a escola somente se adapte às prescrições advindas da

administração central.

Ainda que sejamos favoráveis à autonomia curricular da escola, ou seja, a

“elaboração de um projeto educativo com vistas a atender as necessidades de uma

comunidade, decidir sobre as disciplinas [...] realizar atividades culturais adequadas no

contexto de cada escola [...]” (GIMENO, 1992, p. 280), consideramos também como

imprescindível a normatividade curricular enredada numa ordenação jurídica e administrativa.

Por exemplo, o aparato legal no que concerne às políticas de ação afirmativa, as quais, mesmo

o IFMA não tendo decidido coletivamente incorporar à sua estrutura a determinação da

política de cotas, somos a favor do seu cumprimento.

Assim, o tema da qualidade do ensino e da educação elenca uma série de questões

como as que foram tratadas pelos gestores que a abordaram sob critérios bastante

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192

diversificados: o desempenho dos alunos, a infraestrutura, a titulação dos professores.

Contudo, percebemos a ausência de questões vinculadas às oportunidades de acesso e

permanência dos grupos historicamente excluídos do processo educacional, sobretudo os

negros.

De acordo com Libâneo,

A educação de qualidade é aquela mediante a qual a escola promove, para todos, o

domínio dos conhecimentos e o desenvolvimento de capacidades cognitivas e

afetivas indispensáveis ao atendimento de necessidades individuais e sociais dos

alunos, bem como a inserção no mundo do trabalho e a constituição da cidadania

também como poder de participação tendo em vista a construção de uma sociedade

mais justa e igualitária [...] (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2003, p. 117).

A citação acima destaca dois princípios básicos que favorecem a sistemática de

cotas nas Instituições Federais de Ensino: a igualdade e a democracia. Nesse sentido, é posto

como elemento para a qualidade do ensino e da educação escolar, e de forma específica, a

escola pública, o seu caráter democrático previsto inclusive pela LDB nº. 9.394/96, que

estabelece em seu artigo 3º, como um dos princípios do ensino, a gestão democrática.

Examinamos alguns documentos internos do Campus Monte Castelo e

observamos que eles apresentam as pré-condições para instauração de um ambiente educativo

favorável à Educação para as Relações Étnico-Raciais. Em relação a esses documentos

normativos, destacamos, entre outros, o Plano de Desenvolvimento Institucional e o Projeto

Político-Pedagógico que têm por objetivo a descentralização e democratização na tomada de

decisões, sejam pedagógicas, sejam jurídicas e organizacionais na escola.

Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI)100

O Plano de Desenvolvimento Institucional 2009 – 2013 do IFMA apresenta como

missão “promover ensino, pesquisa, inovação e extensão, visando formar cidadãos críticos,

éticos, responsáveis, com uma visão holística e empreendedora, capazes de desenvolver ações

sustentáveis de forma a atender às necessidades da sociedade”. Sua visão, na condição de

instituição, é “ser referência em educação, ciência e tecnologia, com excelência na formação

de pessoas e promotora do desenvolvimento social e sustentável mediante a expansão

100

É importante ressaltar que o Plano de Desenvolvimento Institucional do IFMA encontra-se em processo de

revisão pela referida instituição.

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193

integradora, verticalizada e qualificada do ensino, de pesquisa, de inovação e de extensão”

(IFMA, 2009a).

Além disso, os valores do IFMA destacados no PDI são Ética, Desenvolvimento

Humano, Integração Social, Inovação, Qualidade e Excelência e Responsabilidade Ambiental.

Em relação às finalidades do IFMA, contidas no referido documento, tendo em

vista a inclusão social, as principais são: “ofertar educação humanística, inclusiva,

profissional e tecnológica, em todos os seus níveis e modalidades” e “desenvolver a educação

humanística, inclusiva, profissional e tecnológica como processo educativo e investigativo de

geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas às demandas sociais e peculiaridades

regionais”.

Os objetivos gerais da instituição são: “ministrar educação profissional técnica de

nível médio”; “realizar pesquisas, estimulando a criatividade, o espírito científico e inventivo,

na busca de soluções técnicas e tecnológicas em prol do desenvolvimento da sociedade” e

“promover políticas e programas de Educação Inclusiva”. Este último voltado para atender às

necessidades das classes desfavorecidas.

Com relação às políticas de atendimento aos discentes, consta no PDI que “todos

os setores administrativos e pedagógicos do IFMA atuarão de forma consistente para garantir

acesso democrático e permanência com qualidade a todos os seus alunos. Nesse sentido,

adotará programas de apoio sempre baseados em indicadores que garantam a qualidade da

formação”.

Quanto aos indicadores de formação, os pontos principais são os seguintes e

referem-se:

1) Ao ambiente educativo:

Respeito mútuo entre os diversos atores da comunidade;

Combate à discriminação e ao exercício dos direitos e deveres.

2) À prática pedagógica e avaliação:

Reflexão coletiva sobre a proposta pedagógica da escola.

3) Ao acesso e à permanência dos alunos na escola:

Democratização do acesso, privilegiando os menos favorecidos e excluídos

sociais.

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194

Projeto Político-Pedagógico (PPP)

O Projeto Político-Pedagógico representa um indispensável instrumento norteador

das concepções, políticas e práticas pedagógicas no universo escolar. Assim, considerando

que “deve retratar, pela identidade, a missão da escola, sua filosofia de trabalho, seus valores

humanos e pedagógicos, sua clientela e os resultados que se propõe a atingir” [...] (NEVES,

1995, p. 117), ressaltamos alguns aspectos destacados no texto do PPP do Campus Monte

Castelo, para que possamos doravante buscar as confluências do marco referencial presente

em tal documento com as ideias acerca da Educação para as relações étnico-raciais, conforme

os autores mencionados no presente trabalho.

A LDB nº. 9.394/96, ancorada nos princípios da descentralização e da autonomia,

valoriza o planejamento global da escola cunhado pela referida legislação como proposta

pedagógica, notadamente no Título IV, artigo 12 e inciso I. A LDB enfatiza a incumbência

dos estabelecimentos de ensino de elaborar a sua própria proposta pedagógica.

Nesse entendimento, o Campus Monte Castelo, no ano de 2009, por meio dos

diferentes segmentos, discutiu e realizou o diagnóstico da escola, a fim de (re)construir uma

nova organização da gestão e organização do trabalho pedagógico, partindo do PPP em curso

elaborado em 2003.

Uns dos primeiros fundamentos foram os referentes à legislação. De acordo com a

Lei nº. 11.892, de 29 de dezembro de 2008, os Institutos Federais são “instituições de

educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na

oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base

na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas”

(BRASIL, 2008, [art. 2º]).

Da consulta aos marcos legal, a escola se fundamentou nos seguintes princípios

filosóficos e pedagógicos:

1. Concepção de sociedade:

Cremos na sensibilidade às mudanças emergentes, de acordo com os valores pelos

quais optamos: uma sociedade que privilegie a solidariedade, como valor básico do

processo participativo, e a ética, como princípio norteador das relações sociais.

Assim, assumiremos em conjunto o compromisso de construção de uma educação

crítica, ativa, questionadora e atuante sobre questões que valorizem a vida.

Tratamos, pois, de uma sociedade baseada na ética, em que cada um vê o outro

como continuidade de si mesmo (sic), que supere todas as formas de violência

organizadas, através do confronto e do diálogo dentro dos espaços democráticos, em

que se estabeleçam estratégias para desenvolver a autodisciplina, a reflexão, a

comunicação a serviço do bem comum (IFMA, 2009b, p.27).

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195

2. Concepção de cidadania:

A cidadania pressupõe autonomia, que passa pela construção da identidade de cada

um e se constitui na convivência com os outros. Ser autônomo é reconhecer a sua

identidade e a do outro. É decidir o seu próprio projeto de vida, respeitando os

valores e atitudes que conduzem à convivência social. É ter consciência crítica, ser

responsável, solidário e, portanto, agir com ética e senso de humanismo.

A apropriação coletiva do saber historicamente construído insere-se também na

formação do cidadão cuja plenitude só é alcançada quando os seus significados

sobre o mundo físico e social estão ancorados em conhecimentos científicos.

(IFMA, 2009b, p.28).

3. Concepção de homem: “[...] concebemos o homem em sua unilateralidade,

consciente de sua temporalidade para poder atuar sobre o seu mundo e transformá-lo com sua

ação” (IFMA, 2009b, p. 26).

4. Concepção de educação: “[...] a educação é uma forma de intervenção no

mundo na perspectiva de desvelá-lo” (IFMA, 2009b, p.26).

5. Concepção de escola: “Entendemos que a escola democrática necessária é

aquela que instaura a igualdade no plano conjunto de condições necessárias à emancipação

humana” (IFMA, 2009b, p.26).

Dessa forma, é papel da escola possibilitar ao aluno uma análise do saber, questionar

suas experiências, criar condições para o acesso às novas informações e auxiliá-lo na

reelaboração e reorganização dos conhecimentos. Isto implica que o aluno seja

tratado como sujeito ativo do processo, que, na relação estabelecida com o

conhecimento e com o professor, construa caminhos próprios para sua

aprendizagem, possa relacionar o conhecimento com dados da experiência cotidiana

e dar significado ao aprendido num processo de criação e recriação do conhecimento

(IFMA, 2009b, p.29).

6. Concepção de gestão: A gestão democrática e perspectivas de trabalho de

qualidade, tendo como suporte uma infraestrutura coerente com suas atividades didático-

pedagógicas e que possibilite a difusão de informações entre parceiros integrados através de

objetivos comuns, é o que se almeja.

7. Concepção de aprendizagem: a aprendizagem pressupõe liberdade e

questionamento, e o educando nesse processo deve ser concebido como um ser ativo, que

pensa, sente, vive, tem dúvidas e hipóteses sobre o objeto do conhecimento.

8. Concepção de professor:

[...] acreditamos em um perfil de professor como aquele que deverá criar as

circunstâncias favoráveis para que a aprendizagem se efetive. Nesse sentido, sua

postura deve ser de autoridade democrática na mediação do processo ensino-

aprendizagem. [...] O papel principal do professor deverá ser o de contribuir de

forma positiva para que o educando torne-se protagonista de sua formação (IFMA,

2009b, p.26).

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196

Além dos pressupostos filosóficos, foram discutidos os fundamentos

metodológicos.

Tomando como referência os pressupostos acima esboçados, no PPP foram

delineadas as diretrizes de ação que se constituem em:

Conhecer o aluno e sua realidade social, bem como os processos cognitivos próprios do

adolescente e do adulto para orientar a ação pedagógica em conformidade com as

particularidades, significados e necessidades daquele que aprende.

Compreender a dinâmica do desenvolvimento curricular, em sua totalidade e

singularidade, assegurando a flexibilidade necessária para estabelecer um diálogo rico e

diverso com a realidade sociocultural e produtiva.

Promover um clima pedagógico facilitador do processo de aprendizagem que produza no

aluno a necessidade de busca do conhecimento, num processo interativo de co-

responsabilidades entre os sujeitos que fazem o processo de ensino-aprendizagem.

Possibilitar ao aluno problematizar o seu saber, levantar novas hipóteses, sistematizar

idéias já descobertas, construindo e reconstruindo conhecimentos.

Trabalhar as disciplinas em áreas de projetos de estudo dentro do entendimento de que

todo conhecimento se identifica e se aproxima de outros conhecimentos, o que significa

adotar a interdisciplinaridade como elemento importante para a prática pedagógica.

Contextualizar os conteúdos trabalhados na escola, relacionado-os com a realidade

pessoal, social e cultural dos alunos, assegurando o entendimento de que todo

conhecimento envolve uma relação entre sujeito e objeto.

Compreender o planejamento como um instrumento político, de reflexão coletiva e de

tomada de decisões sobre a ação educativa da escola, indispensável para o alcance dos

objetivos pretendidos.

Compreender a formação continuada como um amplo processo crítico-reflexivo na e

sobre a prática educativa vivenciada no contexto institucional por todos os integrantes da

comunidade escolar. Dessa forma, representa uma via de extrema importância para a

inserção da comunidade escolar no processo de construção e participação no

desenvolvimento do Projeto Político-Pedagógico (IFMA, 2009b, p. 32).

1. Concepção de currículo:

O currículo é o instrumento que materializa, que traduz concretamente as intenções,

as concepções que fundamentam o Projeto Político-Pedagógico. Envolve escolhas,

conflitos, acordos que se dão em determinados contextos e processos relativos ao

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197

que deve ser ensinado/aprendido nas interações com professores, alunos, nas

experiências vivenciadas no contexto escolar (IFMA, 2009b, p.32).

[...] o currículo deva trabalhar uma concepção de aprendizagem baseada no saber

“universal”, multicultural, de forma sistematizada e historicizada, que possibilite a

superação das dicotomias ciência/tecnologia, teoria/prática (IFMA, 2009b, p.32).

O desenho curricular de cada curso deverá garantir os dispositivos legais expressos

nas diretrizes curriculares nacionais orientadoras de cada campo da formação,

observando o que tratam as políticas de inclusão [...] (IFMA, 2009b, p.32).

2. Compromisso do Campus: o Campus São Luís Monte Castelo assume o

compromisso de formar cidadãos cuja educação denote uma visão humanística, ética, política,

ecológica, que os capacite a compreender a dinâmica do processo em que se encontram a

partir do conhecimento científico e tecnológico que os levem a interagir com o mundo do

trabalho e intervir sobre ele como agentes transformadores da sociedade (IFMA, 2009b).

No Projeto Político-Pedagógico (PPP) do IFMA consta o interesse da referida

instituição em desenvolver estudos mais aprofundados que viabilizem a implantação da

política de inclusão no Campus. Compreendemos que nesta se inserem as medidas de ações

afirmativas voltadas à questão étnico-racial, conforme prescrevem as Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação para as Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e

Cultura Afro-Brasileira e Africana, bem como a indígena.

No depoimento a seguir o professor não comenta diretamente sobre o P.P.P; ele se

refere às reuniões pedagógicas cujas discussões diz serem mais específicas. É possível que o

aludido professor esteja se reportando, ao mencionar discussões mais específicas, a assuntos

burocráticos, tais como entrega de diários, cumprimento de carga horária, entre outros, os

quais são elementos importantes do processo ensino-aprendizagem, contudo, não se

restringem a esses.

O que eu vejo, não só aqui, como em outras instituições, é que essas discussões não

são travadas. [...] Você vê nas reuniões pedagógicas que existem, são geralmente

discussões específicas, nunca são levantadas discussões que possibilitem trocar

ideias pra combater o problema racial (PR5).

O G5 tece críticas contundentes tanto à gestão quanto ao trabalho pedagógico

desenvolvido no Campus - Monte Castelo, sobretudo ao processo de inclusão das pessoas

com necessidades educativas especiais. No primeiro depoimento, reflete questões referentes a

pessoas com necessidades educativas especiais e no segundo, às questões relacionadas à

etnia/raça.

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198

Como eu te disse, eu não conheço o projeto político-pedagógico, mas eu conheço a

instituição e dificilmente ela fará isso. Até pela forma como essas questões são

tratadas aqui. Você não vê ninguém discutir, pelo menos fazer uma discussão mais

ampla, você vê um grupo ou outro discutindo, lá dentro do grupo, colocando

questões assim. Até hoje eu não vi uma discussão mais ampla, pra discutir como

inserir, como fazer essa inserção dessas questões no nosso cotidiano. Só pra você ter

ideia, e aí eu vou te dar um exemplo que pode ser utilizado, é um exemplo que diz

respeito a deficientes físicos. Até hoje, ninguém sabe, eu também não sei, lá no meu

departamento, como eu vou, por exemplo, ministrar uma aula pra um aluno que tem

surdez. Aí alguém vai me dizer, mas tem lá alguém de libras e tal. Mas mesmo tendo

alguém de libras, eu preciso que alguém me diga como eu tenho que tratar a sala de

aula dessa nova, porque pra mim agora é novo, aqui não tem um curso que diga

como fazer, ou pelo menos que auxilie a pensar em como fazer. Aqui a gente não

tem um departamento ou uma estrutura mínima que favoreça isso. Eu fiquei assim

aterrorizado quando me disseram no início desse semestre que eu terei uma aluna

que tem visão parcial, perda da visão parcial, e que os professores têm que tratar [...]

Isso foi me dito numa mesa sentado, que os professores têm que tratar dessa forma,

desse jeito e tal, que os slides têm que ser assim, mas isso foi me dito sentado numa

mesa. Isso não foi dito de uma forma mais ampla pra que todo mundo pudesse tomar

conhecimento disso (G5).

No depoimento acima o gestor critica a forma abrupta como os professores foram

tendo contato com os assuntos pertinentes à Educação Especial.

E no que diz respeito às questões raciais, ninguém me diz como tratar isso, ninguém

senta pra discutir isso enquanto uma política do instituto. Alguns dizem assim, nós

temos as cotas, os alunos são que vêm, e tal, isso é o que é me dito, mas o que me é

colocado pra estudar, enquanto isso, até hoje, não tenho conhecimento. Então, acho

que essa é a maior dificuldade, e pensando na instituição, da forma como ela tem

conduzido esse processo, e na verdade ela nem conduz, deixa jogado ao vento aí, eu

tenho quase certeza, eu te diria até 90% de certeza de que esse Projeto Político-

Pedagógico não trata dessas questões de maneira coerente.. Mas a questão não é

apenas entrar, a questão não é apenas criar esse sistema de cotas pra permitir o

acesso e até a permanência no instituto, e a questão é: como eu posso pensar, está aí

a tua pergunta agora há pouco, como essa disciplina de cálculo pode favorecer isso.

É a primeira vez que me perguntam isso aqui. Ninguém nunca me perguntou nada a

esse respeito, aí tu podes pensar assim, ou qualquer outra pessoa pode pensar assim,

mas tu, enquanto profissional, tu não pensas nisso? Acho até que eu já pensei em

algum momento na minha vida, mas eu te confesso que pra que eu possa pensar

nisso efetivamente, eu tenho que ser provocado a pensar nisso enquanto instituição.

Enquanto profissional, eu confesso até que pode até ter sido um equívoco meu em

não ter pensado mesmo, há não ser nas relações que a gente faz em outras

disciplinas, como em História e Filosofia da Educação Matemática. Como Cálculo,

eu te confesso, francamente, que até hoje eu não tinha pensado em como poderia

fazer isso (G5).

O depoimento de PR3 é similar aos depoimentos anteriores quanto à forma de

perceber se o PPP do IFMA – Campus Monte Castelo é favorável à promoção do

reconhecimento e de valorização da diversidade étnico-racial

[...] eu acho que o que acontece nesse sentido são coisas pontuais, por iniciativas

pessoais de alguns professores. Eu acho que a escola não insere essa questão de

forma efetiva dentro do currículo (PR3).

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199

O depoimento a seguir, de PR7, considera que, do ponto de vista filosófico, os

documentos norteadores são favoráveis à promoção do reconhecimento e da valorização da

diversidade étnico-racial. Não obstante, ela se reporta à falta de ações práticas, estratégias

para que o marco conceitual seja operacionalizado.

No geral, contribui, sim, no geral. Enquanto ele coloca os elementos filosóficos que

pretende, mas eu acredito que do ponto de vista conceitual falta mais aplicabilidade

do Projeto Político-Pedagógico (PR7).

Resolução n. 08/2010 – Criação do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e

Indiodescendentes (NEABI)101

do IFMA

O IFMA, reconhecendo a necessidade de criar um grupo de estudos voltados para

as relações étnico-raciais, fundou o NEABI, que trata das questões referentes aos

afrodescendentes e aos indiodescendentes.

O NEABI é um núcleo correlato aos Núcleos de Estudos Afrobrasileiros

(NEAB‟s) instituídos em Instituições de Ensino Superior. Está posto no Plano Nacional de

Implementação das Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e

para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana as seguintes ações:

a) Colaborar com a formação inicial e continuada de professores e graduandos em Educação

das Relações Étnico-Raciais para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e

Africana;

b) Elaborar material didático específico para uso em sala de aula sobre Educação das

Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana;

c) Mobilizar recursos para implementação da temática, de modo a atender às necessidades de

formação continuada de professores e à produção de material didático;

d) Divulgar e disponibilizar estudos, pesquisas, materiais didáticos e atividades de formação

continuada aos órgãos de comunicação dos Sistemas de Educação;

e) Manter permanente diálogo com os Fóruns de Educação e Diversidade Étnico-racial, os

Sistemas de Educação, Conselhos de Educação, sociedade civil e todas as instâncias que

necessitam de ajuda especializada na temática;

f) Atender e orientar as Secretarias de Educação quanto às abordagens na temática das

relações étnico-raciais, auxiliando na construção de metodologias de pesquisa que

101

A Resolução entrou em vigor em 12 de julho de 2011.

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200

contribuam para a implementação e monitoramento das Leis nº. 10.639/03 e 11.645/08.

(BRASIL, 2009b, p. 44).

O NEABI, de maneira geral, objetiva fomentar nos diferentes espaços socio-

educativos, o interesse pela pesquisa e pela promoção ou interesse dos valores sócio-histórico-

culturais e pedagógicos das populações afro-brasileira e indígena. O mesmo tem por

finalidade e atividade principal o desenvolvimento da pesquisa, no Ensino Médio, na

graduação, na pós-graduação e na extensão, de forma indissociável, voltado, principalmente,

para as questões étnico-raciais.

Com efeito, o NEABI/IFMA tem por objetivos desenvolver atividades de

pesquisa, ensino e extensão; formular e executar políticas de promoção de igualdade, de

valorização da diversidade étnico-cultural e auxiliar no desenvolvimento das populações de

origem africana e indígena no estado do Maranhão. O Núcleo visa incentivar a produção e

publicação de Literaturas de professores, técnicos-administrativos, alunos e pessoas

interessadas na área do ensino sobre África, Cultura Negra e História do Negro no Brasil, de

acordo com a Lei nº. 10.639/03. Pretende, ainda, mover semelhantes ações voltadas para

estudos, pesquisas e produções literárias, abordando os conteúdos propostos na Lei nº.

11.645/08.

Alguns se reportam à criação do NEABI, como ilustram os relatos seguintes,

porém com percepções diferentes. O relato de A9 deixa nas entrelinhas que o NEABI se

constitui uma mobilização ainda que tímida, mas significativa.

Não sei como é que funciona, ainda, o núcleo afrodescendente daqui, o núcleo de

pessoas afrodescendentes. [...] Antes dele, eu nunca tinha visto nenhuma

mobilização do IFMA em relação a essa reafirmação dos direitos dos negros. Só em

sala de aula, mesmo, professor colocando [...] Mas eu não percebi não, o IFMA se

organizando pra [...] Só mesmo em sala de aula, os professores [...] Talvez uma

conversa assim mais informal com a turma, mas o IFMA como instituição, fazer um

movimento, passeata [...] (A9).

Ainda sobre o NEABI, se expressa PR7:

No geral, do ponto de vista racial, eu tenho percebido que a escola trabalha de forma

esporádica nas datas do calendário, 13 de maio, 20 de novembro, sobretudo 20 de

novembro, que foi colocado como o Dia Nacional da Consciência Negra no

calendário das escolas, mas aqui se trabalha muitos os eventos culturais, ou debates.

Temos tido uma atuação nesse aspecto, pontual. Eu acho que falta muito, então tem

experiências individualizadas de professores, por exemplo, aqui nós temos o NEABI

que é núcleo de estudos afros, indígenas, mas que por circunstâncias da nossa

instituição, ele começou a ser um núcleo de pesquisas e extensão, ou seja, de

promoção de atividades, não baseado nas experimentações, no ensino, ligado ao

ensino e ligado à pesquisa, mas é mais de extensão, para divulgar o que a instituição

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201

faz. Isso eu acho que é um elemento ruim, porque a escola quer colocar-se como

inclusiva, mas no âmbito só da extensão, como é o mesmo caso do NAPNEs, não é,

que antes eles eram um núcleo de estudo e pesquisa, hoje são um núcleo de

extensão. a nossa disciplina, num primeiro momento trabalha o processo de inclusão

e ao trabalhar o processo de inclusão, inevitavelmente se discute o processo de

exclusão desses sujeitos sociais, dentro de vários aspectos da sociedade, como

escola, como direito à educação, porque houve o processo de escravização, porque

muitos não tiveram acesso à educação escolarizada (PR7).

A professora PR6 aborda as iniciativas de alguns professores em torno da temática

étnico-racial em sala de aula. Observa que atuam de forma razoável nessa direção visto que

possuem um nível de consciência. Do ponto de vista da gestão, por meio do NEABI, pondera

que este ainda não se integrou aos processos educativos, no âmbito da sala de aula e no

funcionamento da escola em geral.

Acredito que alguns colegas pela clareza, nível de consciência, que eles

desenvolvem em sala de aula, o trabalho contempla razoavelmente o que está

proposto em nível jurídico. O que eu percebo é que a ação do NEABI ainda não

alcançou este aspecto da sala de aula, do cotidiano, do funcionamento da escola, de

fazer isso penetrar [...] (PR6).

O relato acima critica veementemente a atuação do NEABI que até então tem

cumprido apenas uma parte de sua função, ou seja, promover atividades de extensão. A

professora ressalta que o trabalho de extensão se resume na divulgação do que a instituição

faz.

Para o coordenador de curso anteriormente citado, a atuação tem se configurado

muito mais na participação dos fóruns, audiências públicas, reuniões de trabalho que na

promoção de atividades para a comunidade.

No entanto, o coordenador do NEABI G4 avalia a legislação e como concebe a

atuação do NEABI no IFMA.

[...] Agora é obrigado, ou faz ou não faz. Ou faz ou você é penalizado por isso.

Então, isto nos vai dar possibilidade de incluir essa discussão no currículo da

instituição, no plano de curso dos professores, nas semanas pedagógicas. Então, tem

um trabalho que vem e não é o NEABI que vai fazer. O NEABI vai estar disponível

pra levantar discussão nas bases de cada unidade do Instituto Federal. Esta

responsabilidade é do setor de ensino, do setor pedagógico, de fazer a coisa

acontecer, porque é ele que tem o poder sobre os professores [...] (G4).

Pelo depoimento do coordenador do NEABI é preciso estabelecer uma articulação

do NEABI com a Pró-Reitoria de Ensino, o que nós concordamos, pois esta última tem

responsabilidade planejar, superintender, coordenar, fomentar e acompanhar as atividades e

políticas de ensino, articuladas à pesquisa, inovação e à extensão.

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202

Documento norteador para Implementação das Diretrizes Curriculares Para Educação

das Relações Étnico-Raciais no IFMA

Situados no contexto do momento de transição administrativa do Instituto, os

integrantes do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indiodescendentes – NEABI CENTRAL

– assumiram o compromisso de formular um documento, o qual apresenta alguns eixos

norteadores para subsidiar o processo de implementação das Diretrizes Curriculares para a

Educação das Relações Étnico-raciais no IFMA.

A Resolução nº. 8/2010 expõe os eixos propostos pelo Núcleo com o objetivo de

orientar o trabalho com a temática proposta pelas Leis nº. 10.639/2003 (BRASIL, 2003b) e nº.

11.645/2008 (BRASIL, 2008), na expectativa de possibilitar o fortalecimento do debate

étnico-racial no seio do Instituto Federal do Maranhão. São eles:

EIXOS NORTEADORES

EIXO A

1 – Realizar um diagnóstico de implementação das diretrizes nos campi.

2 – Incluir a temática no projeto político-pedagógico da escola:

Revisão dos planos de curso (incluem-se as ementas, planos das disciplinas, planos

de aula);

Projetos interdisciplinares, visitas técnicas (museus, comunidades tradicionais).

3 – Formação inicial e continuada de gestores, professores, profissionais da

educação e equipes pedagógicas para proporcionar o domínio conceitual do que está

expresso nas DCNS – Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação para as

Relações etnicorracias – especialização (utilizar recursos da EaD) – democratização

do acesso aos cursos:

Curso de aperfeiçoamento: possibilidade de parcerias com a UFMA e com a UEMA

– e ação do NEABI.

4 – As ações de pesquisa e extensão: diagnóstico das comunidades em nível

microrregional; incentivo a projetos de pesquisa financiados (PIBIC, PIBID etc.);

5 – Aquisição e produção de material didático:

Estruturação das bibliotecas (aquisição de livros e/ou infraestrutura e pessoal);

6 – Criação de espaços nos campi para interação com as comunidades tradicionais

(valorização dos saberes e experiências) – contribuição nos eventos através de

palestras, oficinas etc.;

7 – Garantir a implantação do Sistema de Cotas étnico raciais nos processos

seletivos para os cursos (técnicos integrados, técnicos subseqüentes, superior e pós-

graduação) do IFMA;

8 – Criação nos Campi localizados em regiões de presença das populações indígenas

e de quilombos, cursos técnicos integrados para os povos indígenas e quilombolas

(dentro dos programas existentes no IFMA).

EIXO B

1 – Estruturar o NEABI (física, pessoal, qualificação e financeira) para o

acompanhamento, estudo e desenvolvimento da Educação das Relações

Etnicorraciais e Políticas de Ação Afirmativa;

2 – Garantir a participação do NEABI em eventos NACIONAIS e

INTERNACIONAIS;

3 – Possibilitar a construção de materiais pedagógicos como referencial para as

práticas didáticas das diversas áreas do conhecimento dos cursos ofertados pelo

IFMA;

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203

Estimular a produção de Materiais regionais.

4 – Garantir a publicação dos trabalhos científicos resultados das pesquisas

desenvolvidas pela comunidade escolar (IFMA) que contemplem a temática voltada

para a “Educação das Relações Etnicorraciais”.

5 – Implementar pós-graduação LATO SENSU para os membros do NEABI/IFMA

(e interessados) sobre “História e Cultura Afrobrasileira e Indígena” e temas

correlatos.

6 – Ofertar MINTER e DINTER na área de “Educação das Relações Etnicorraciais”

e “Políticas Afirmativas”.

EIXO C

1 – Construir um banco de referências, classificado por área (Disponibilizá-lo na

página do núcleo):

Banco de pesquisas do instituto – produção de professores e alunos;

Pesquisas externas;

Editais recorrentes de financiamento em áreas afins;

Produção literária e cinematográfica/visual;

Eventos para socialização;

Fórum de discussão;

Revista eletrônica.

2 – Pesquisa:

Que sejam assegurados nos programas das Pró-Reitorias de Pesquisa, de Ensino e de

Extensão, percentuais para ações desenvolvidas na área das relações etnicorraciais.

3 – Recursos:

Assegurar no orçamento da Reitoria e dos Campi dotação orçamentário-finaceira

para as ações do NEABI;

Desenvolver estratégias para a captação de recursos e parcerias.

4 – Extensão:

Criar condições para assegurar a seleção de participantes pertencentes a grupos

minorizados.

5 – cadastrar o NEABI no CNPq e outros agentes fomentadores de programas e

projetos educacionais.

6 – Criar comissões para produção de material didático.

Perspectivas sobre políticas de cotas

Apesar de a conjuntura normativa do Campus Monte Castelo vislumbrar a

democratização do acesso, a implementação do sistema de cotas102

se deu a partir da Lei nº.

12.711, de 29 de agosto de 2012, e o Decreto nº. 7.824, de 11 de outubro de 2012, da Portaria

Normativa nº. 18 de 11 de outubro de 2012, que dispõe sobre a implementação das reservas

de vagas em instituições federais de ensino, quais sejam as universidades federais e as que

ofertam vagas em cursos técnicos de nível médio.

De acordo com as informações da Pró-Reitoria de Ensino o quadro geral de

inscritos e aprovados na EPTNM de acordo com o perfil étnico no IFMA é o seguinte:

102

A política de cotas são medidas que fazem parte da política de ação afirmativa.

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204

Quadro 16: Inscritos e aprovados de acordo com o perfil étnico na EPTNM no ano letivo de 2013 no IFMA

Fonte: Relatório parcial processo seletivo público unificado aos cursos da educação profissional técnica de nível

médio – 2012/2013

Por esse quadro podemos perceber que o maior número de inscritos no IFMA de

acordo com o perfil étnico residiu em autodeclarados pardos 20.030 e o menor indígenas 111.

Pelo gráfico abaixo (GRÁFICO 6) podemos observar em termos percentuais a diferença de

inscritos entre pessoas que se autodeclararam pardas e indígenas. Para representar os

resultados em termos porcentuais foi feito a seguinte operação: número de inscritos por perfil

étnico x 100/número total de inscritos.

Do referido cálculo resultou que 60,45% se autodeclararam pardos, os negros

representam um universo de 16,14% negros e os indígenas 0,33%. Convém destacar que nas

autodeclarações retirados do relatório do IFMA, não aparece o termo preto bem como que o

número de não informado quanto ao perfil étnico supera o número de pessoas que se

autodeclararam indígenas.

a) DADOS GERAIS DO PROCESSO SELETIVO

o Vagas = 3.850

o Total Geral de Inscritos = 33.141

b) INSCRITOS E APROVADOS DE ACORDO COM O PERFIL ÉTNICO

INSCRITOS APROVADOS

Negros: 5.349 Negros: 572

Brancos: 7.484 Brancos: 799

Pardos: 20.030 Pardos: 2.343

Indígenas: 111 Indígenas: 11

Não informado: 167 Não informado: 20

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205

Gráfico 06: Percentual de inscritos de acordo com perfil étnico (2012/2013)

Fonte: Relatório parcial do processo seletivo público unificado aos cursos da educação profissional técnica de

nível médio - 2012/2013.

Em relação ao número de aprovados de acordo com o perfil étnico (GRÁFICO 7)

podemos conferir que o maior número foi dos que se autodeclararam pardos 62,57% e o

menor foi de pessoas que se autodeclararam indígenas 0,29%. Para calcular os percentuais

realizamos a seguinte operação: número de aprovados de acordo com o perfil étnico x

100/número total de aprovados. Os negros correspondem a um percentual de 15,27%.

Gráfico 07: Percentual de aprovados de acordo com perfil étnico (2012/2013)

Fonte: Relatório parcial do processo seletivo público unificado aos cursos da educação profissional técnica de

nível médio - 2012/2013.

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206

Os artigos 2º e 3º, incisos I e II do Decreto nº. 7.824/2012, preconizam o que:

I- No mínimo cinquenta por cento das vagas [...] de que trata o caput serão

reservadas a estudantes com renda familiar bruta igual ou inferior a um inteiro e

cinco décimos salário mínimo per capita; e

II- Proporção de vagas no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na

população da Unidade da Federação do local de oferta de vagas da instituição,

segundo o último Censo Demográfico divulgado pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística – IBGE, que será reservada, por curso e turno, aos

autodeclarados pretos, pardos e indígenas (BRASIL, 2012).

Decorre da legislação o seguinte fluxograma, organizado pelo IFMA de acordo

com o número de vagas.

Figura 1 – Exemplificação do sistema de cotas

Fonte: IFMA. Edital nº. 50, de 29 de outubro de 2012.

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207

Em relação ao Ensino Superior103

temos o seguinte quadro de acesso pelo sistema

de cotas:

Quadro 17: Quantitativo de vagas por curso e por cota SISU 2013/1com perfil étnico – Ensino Superior no ano

letivo de 2013 – Campus Monte Castelo

CURSOS

CRITÉRIOS DE ACESSO

Lic

enci

atu

ra e

m Q

uím

ica

Lic

enci

atu

ra e

m F

ísic

a

Lic

enci

atu

ra e

m B

iolo

gia

Lic

enci

atu

ra e

m M

ate

tica

En

gen

ha

ria

Elé

tric

a

En

gen

ha

ria

Civ

il

Sis

tem

a d

e In

form

açã

o

Ampla Concorrência 19 19 19 19 19 19 28

Candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas,

que independentemente da renda, tenham cursado

integralmente o ensino médio em escolas públicas

8 8 8 8 8 8 12

Candidatos que independentemente da renda, tenham

cursado integralmente o ensino médio em escolas

públicas

2 2 2 2 2 2 3

Candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas,

com renda familiar bruta per capita igual ou inferior a

1,5 salário mínimo e que tenham cursado integralmente

o ensino médio em escolas públicas

8 8 8 8 8 8 12

Candidatos com renda familiar bruta per capita igual

ou inferior a 1,5 salário mínimo e que tenham cursado

integralmente o ensino médio em escolas públicas

2 2 2 2 2 2 3

Candidatos com deficiência 1 1 1 1 1 1 2

TOTAL 40 40 40 40 40 40 60

Fonte: DESU, 2013.

Para ilustrar em termos percentuais (GRÁFICO 8) o acesso tomamos como

exemplo o curso de Matemática para observamos que o maior número de acesso, em todos os

cursos, foram de pessoas que entraram pela ampla concorrência104

correspondente a 47%,

seguido pelos que se autodeclararam pretos, pardos ou indígenas , que independem da renda,

tenham cursado o ensino médio em escolas públicas relativo a 20%, e candidatos que se

autodeclararam pretos, pardos ou indígenas, com renda familiar bruta igual ou inferior 1,5

103

Optamos discriminar somente os dados do ensino superior no Campus Monte Castelo, pelo fato de ser o nível

em que atuamos, como professores das licenciaturas. 104

Ampla concorrência corresponde a todos aqueles que não optaram por se inscrever por meio das cotas e /ou

não estavam dentro dos critérios da mesma.

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208

salário mínimo e que tenham cursado o ensino médio integralmente em escolas públicas,

sendo 20%.

Gráfico 08: Percentual de acesso ao curso de Licenciatura em Matemática (2012/2013)

Fonte: A autora, com base em infomações fornecidadas pelo DESU, 2013.

Diante desses dados cabem algumas reflexões:

Se comparmos o percentual da população negra no Estado do Maranhão,

conforme nos indica a figura abaixo, concluimos que o número de vagas ofertado pelo IFMA

é insuficiente quanto a democratização do acesso. Esse raciocínio também é válido para a

população indígena no Estado do Maranhão, que representa em números absolutos um

universo de 35.272 habitantes e em termos percentuais 0,54%.

Gráfico 09: População residente por raça ou cor, segundo a situação do domicílio, sexo e a idade

Fonte: IBGE.

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209

Observamos que a legislação limita o acesso ao definir o critério pelo sistema de

cotas somente àqueles que estudaram integralmente na escola pública, as vagas também

poderiam incluir os que em algum momento tenham cursado em escolas públicas parte do

ensino fundamental ou parte do ensino médio.

Destacamos também o nível da pontuação para a a entrada correspondente a 2013.

Vejamos no quadro abaixo os resultados.

Quadro 18: Pontuação por curso e por cota SISU 2013/1: maior pontuação

CURSO – Maior pontuação

LQ LF LB MT EE EC SI

Ampla Concorrência 663,98 663,08 729,18 694,12 748,62 794,30 730,90

Candidatos autodeclarados pretos, pardos ou

indígenas, que independente da renda,

tenham cursado integralmente o ensino

médio em escolas públicas

672,68 665,92 657,30 634,28 678,18 727,66 660,30

Candidatos que independente da renda,

tenham cursado integralmente o ensino

médio em escolas públicas

655,78 633,18 650,34 633,24 689,54 708,96 668,42

Candidatos autodeclarados pretos, pardos ou

indígenas, com renda familiar bruta per

capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo

e que tenham cursado integralmente o ensino

médio em escolas públicas

627,00 640,92 661,36 619,42 685,56 698,46 668,74

Candidatos com renda familiar bruta per

capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo

e que tenham cursado integralmente o ensino

médio em escolas públicas

624,34 626,76 625,50 630,88 667,94 739,58 646,30

Candidatos com deficiência 562,44 576,80 630,76 597,02 580,62 637,90 606,00

Fonte: DESU, 2013.

Esse quadro demonstra a pontuação dos que compareceram para efetivar a

matrícula na primeira chamada. Examinamos que o curso de maior pontuação 727,66 foi o de

Engenharia Civil dos candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas, que

independente da renda, tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. A

menor pontuação 634,28 correspondeu ao curso de Licenciatura em Matemática.

Em se tratando dos candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas, com

renda familiar bruta per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo e que tenham cursado

integralmente o ensino médio em escolas públicas a maior pontuação correspondeu ao curso

também de Engenharia Civil 698,46 e o de menor pontuação foi 619,42 relativo ao curso de

Licenciatura em Matemática.

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210

Quadro 19: Pontuação por curso e por cota SISU 2013/1: menor pontuação

CURSO – Menor pontuação

LQ LF LB MT EE EC SI

Ampla Concorrência 392,12 433,50 400,40 352,36 263,64 237,66 261,54

Candidatos autodeclarados pretos, pardos ou

indígenas, que independente da renda,

tenham cursado integralmente o ensino

médio em escolas públicas

389,68 439,06 409,04 412,10 404,30 365,56 352,88

Candidatos que independente da renda,

tenham cursado integralmente o ensino

médio em escolas públicas

443,76 465,66 444,94 470,94 478,00 408,26 372,18

Candidatos autodeclarados pretos, pardos ou

indígenas, com renda familiar bruta per

capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo

e que tenham cursado integralmente o ensino

médio em escolas públicas

343,68 354,56 322,48 406,20 321,02 227,60 202,32

Candidatos com renda familiar bruta per

capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo

e que tenham cursado integralmente o ensino

médio em escolas públicas

378,00 494,74 411,02 481,62 416,04 425,36 406,30

Candidatos com deficiência - 541,58 445,44 452,96 499,30 454,94 388,54

Fonte: DESU, 2013.

Pelo quadro acima podemos observar as menores pontuações referentes à lista de

espera (3ª chamada). O curso de maior pontuação dos candidatos autodeclarados pretos,

pardos ou indígenas, que independente da renda, tenham cursado integralmente o ensino

médio em escolas públicas correspondeu ao curso de Licenciatura em Física 439,06 e o menor

foi o de Bacharelato em Sistema de Informação com 352,88.

Em relação aos candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas, com renda

familiar bruta per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo e que tenham cursado

integralmente o ensino médio em escolas públicas a maior pontuação foi a do curso

Licenciatura em Matemática 406,20 e a menor foi Bacharelado em Sistema de Informação

com 202,32.

Como vimos, para o sistema de cotas, no que diz respeito ao critério da renda, a

legislação estabelece até 1/5 salário mínimo o que significa que terão acesso os que não tem

renda e os que ganham até R$135,60 (cento e trinta e cinco reais e sessenta centavos), tendo

por base o salário mínimo atual que é de R$678,00 (seissentos e setenta e oito reais). Essa

regra nos levou a pesquisar junto ao IBGE os dados do rendimento mensal de acordo com a

cor ou raça, com base no salário mínimo de 2010 que era de R$ 510,00 (quinhentos e dez

reais).

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211

Gráfico 10: Rendimento nominal mensal da população maranhense: branca

Fonte: Gráfico da Tabela 3177 do IBGE - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, por cor ou raça, segundo a

situação do domicílio, o sexo e as classes de rendimento nominal mensal

Em relação à população que se autodeclararam da cor ou raça branca 6,31%

recebiam até ¼ de salario mínimo que era R$ 127, 50 (cento e vinte sete reais e cincoenta

centavos) ao passo que 43,38% não possuiam rendimento. Destacamos que 0,15% recebiam

mais de 30 salários mínimos, ou seja, mais de R$ 15.300, 00 ( quinze mil e trezentos reais).

Gráfico 11: Rendimento nominal mensal da população maranhense: preta

Fonte: Gráfico da Tabela 3177 do IBGE - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, por cor ou raça, segundo a

situação do domicílio, o sexo e as classes de rendimento nominal mensal

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212

Observamos na figura (GRÁFICO 11) em que retrata o rendimento da população

da cor ou raça preta 41,84% não possuiam rendimento e 0,02% recebiam mais de 30 salários

mínimos, ou seja, mais de R$ 15.300, 00 (quinze mil e trezentos reais). Destacamos que em

relação à categoria sem rendimentos o percentual da população branca é maior, no entanto, a

população branca recebia mais que a preta quando se trata de 30 salários mínimos.

Com relação ao rendimento mensal da população maranhense amarela, nos indica

o gráfico 12.

Gráfico 12: Rendimento nominal mensal da população maranhense: amarela

Fonte: Gráfico da Tabela 3177 do IBGE - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, por cor ou raça, segundo a

situação do domicílio, o sexo e as classes de rendimento nominal mensal

Examinamos a figura (GRÁFICO 12) e percebemos que os que se autodeclararam

da cor ou raça amarela 45,24% não possuiam rendimento e 0,03% recebiam mais de 30

salários mínimos, ou seja, mais de R$ 15.300, 00 ( quinze mil e trezentos reais).

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213

Gráfico 13: Rendimento nominal mensal da população maranhense: parda

Fonte: Gráfico da Tabela 3177 do IBGE - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, por cor ou raça, segundo a

situação do domicílio, o sexo e as classes de rendimento nominal mensal

No que concerne à população parda 48,31% não possuiam rendimento e 0,03%

recebiam mais de trinta salários mínimos, ou seja, mais de R$ 15.300, 00 (quinze mil e

trezentos reais). Se somarmos os percentuais de pretos e pardos que não possuiam rendimento

teremos um resultado de 90,15%.

Gráfico 14: Rendimento nominal mensal da população maranhense: indígena

Fonte: Gráfico da Tabela 3177 do IBGE - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, por cor ou raça, segundo a

situação do domicílio, o sexo e as classes de rendimento nominal mensal

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Em termos de percentuais sem rendimentos o maior número é conferido aos

indígenas representando um universo de 65,18%. Cabe mencionar que a legislação que regula

o sistema de cotas nas instituições federais de ensino refere-se à autonomia que elas possuem

para desmembrar as cotas de pretos e pardos dos indígenas, o que proporcionaria ampliar o

acesso para os dois grupos, no entanto, no IFMA não foi operacionalizado essa divisão.

Do ponto de vista do acesso é inquestionável a importância do sistema de cotas

para a democratização do ensino. Todavia, mister se faz um acompanhamento,

monitoramento e avaliação dessa política. Consideramos que a avaliação do impacto que

causa as cotas para o reconhecimento étnico-racial é fulcral para afirmação identitária e para a

eficácia da política. Deste modo, entendemos que o IFMA precisa incorporar a necessidade de

avaliar e organizar a forma de conduzir a avaliação.

Em virtude do estabelecimento dessas regras, examinamos como gestores, alunos

e professores do IFMA-Campus Monte Castelo percebem o sistema de cotas. Na sociedade

brasileira é um assunto ainda de muito debate, portanto, no IFMA-Campus Monte Castelo não

poderia ser diferente.

No relato que se segue o entrevistado avalia como positiva a decisão tomada pelo

Supremo Tribunal Federal no dia 26 de abril de 2012, quando aprovou por unanimidade a

constitucionalidade do Sistema de Cotas.

Eu avalio como extremamente positiva a política de cotas. E adorei o Supremo ter

dito que agora é obrigatório, não é, que toda instituição agora vai ter que abrir cotas,

eu achei aquilo magnífico, porque por um momento a gente pensou que aquilo ali

fosse ser derrubado, não é, pela ignorância de alguns, eu fiquei atenta, assistindo

realmente com medo de aquilo ali ser derrubado, porque a gente sabe que existe um

débito histórico com os negros, com os indígenas no nosso país e que esse débito

não foi pago. Eu acho que o sistema de cotas foi o que houve de mais efetivo, de

fato, foi o sistema de cotas. Porque a legislação ainda depende de outras questões,

principalmente a 10.639, ela depende de outras questões para essa questão do clima

organizacional da escola. É preciso estar favorável para que se trabalhe essa

inclusão, o IFMA anda a passos de tartaruga com essas questões de reconhecimento

étnico-racial (PE).

O relato abaixo também avalia as cotas como uma medida positiva, ressalvando a

obrigatoriedade instituída pela legislação.

Em primeiro lugar, eu acho que a cota da escola pública é uma coisa que está claro

que é uma coisa interessante de se fazer. Com relação à cota pra negros, eu ainda

não tenho essa opinião formada. Mas, caso essas pessoas tenham acesso à

universidade por conta desse motivo, e aí a gente ouve todas aquelas observações:

“Ah, não vai acompanhar porque participou do processo seletivo e, de repente não

tinha condições, mas passou. Então não vai acompanhar as pessoas que participaram

desse processo seletivo sem ser por cotas. Então, caso haja essa entrada, que esse

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aluno seja acompanhado de alguma forma pra complementar essa falha, se tiver. E

eu acho que aqui no Maranhão é muito difícil encontrar pessoas não negras. Eu

sempre costumo pensar assim: normalmente as pessoas que são brancas têm um

poder aquisitivo maior e as pessoas que são negras tem um poder aquisitivo mais

baixo. Mas existem, claro, pessoas [...]. Como eu estudei com pessoas que era filho

de juiz e ele se autodenominava negro. E era, de fato. Mas ele entrou por cotas na

escola, mas ele era filho de juiz. Então, eu sempre relaciono essa questão da cor com

o poder aquisitivo da pessoa. Nem seria o poder aquisitivo, mas aquela possibilidade

que ela teve da formação. Na verdade, essa questão de cotas eu precisaria

amadurecer bastante a discussão. É muito delicado falar sobre isso (PR3).

O depoimento acima referido, entre outros aspectos, chama atenção para a

necessária implementação de políticas de permanência para cotistas. Pelo visto, PR3 se

remete às políticas de assistência estudantil.

No IFMA Campus-Monte Castelo existe a Coordenadoria de Assistência ao

Educando, a qual oferece serviços de Serviço social, Serviço Odontológico, Serviço Médico,

Serviço de Psicologia, Serviço Nutricional, ações relacionadas à assistência estudantil. A

referida coordenadoria realiza projetos de assistência, tais como: auxílio-transporte, auxílio-

moradia, bolsa-alimentação, bolsa de assistência ao Programa de Assistência Estudantil.

Fomos informados de que na atual gestão foram compostos grupos de trabalho

para discutir a política de assistência no IFMA em consonância com o Programa Nacional de

Assistência Estudantil (PNAES). Essas discussões não contemplaram até o presente momento

programas de permanência para cotistas com recorte étnico-racial. O critério reside na

vulnerabilidade social.

O entrevistado a seguir observa um aspecto bastante presente no debate sobre

sistema de cotas, isto é, a relação entre a desigualdade social e étnico-racial, a qual vem ao

encontro do Decreto nº. 7.824/12 quanto ao ingresso nas universidades públicas, uma vez que

o determinante para ingresso pelo sistema de cotas são alunos oriundos da escola pública.

Eu penso que a política de cotas é uma coisa que até um certo ponto ela diz algo.

Mas eu acredito que nas condições que nós temos hoje é necessário avançar em

relação a isso, porque as condições em que a maioria da população negra vive, no

Brasil, no Maranhão, aqui, na nossa cidade, ela demandaria uma política de inclusão

muito mais eficiente do poder público, que exatamente perpassa pelo investimento

maciço na escola pública, investimento maciço na saúde pública aqui. São essas

populações que foram, ao longo do tempo, marginalizadas na sociedade brasileira, o

negro, o índio, o miscigenado de forma geral; eles foram, de alguma forma, sendo

colocados dentro de um processo de marginalidade. E a marginalidade é

consequência de uma exclusão, de uma inserção que não foi feita de forma

equilibrada, justa, equitativa, e que hoje tem uma conseqüência: uma população

ocupando, muitas vezes, uma zona de risco na cidade, onde não existe inserção no

mercado de trabalho, onde não existe capacitação profissional. Então, por conta

disso, a gente tem vários elementos pra trabalhar essa questão de política de cotas

que, a meu ver, já deveria ter sido apontada uma perspectiva, porque isso, com o

tempo, ela estaciona o problema, vai acontecer que, com o tempo, de uma certa

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forma, os negros mais qualificados, os que tiveram mais oportunidades, vão

ingressar cada vez mais nessa capacitação profissional e aqueles negros que não

tiveram essas mesmas oportunidades vão continuar sendo excluídos, e é a grande

maioria, assim como acontece com os outros segmentos sociais que não tiveram a

oportunidade de ingressar em uma escola pública de qualidade, de uma educação

pública, de uma saúde pública, que vão ter, seguramente, um processo de exclusão

muito mais acirrado no seu dia a dia. As dificuldades vão ser muito mais plausíveis,

nesse sentido (PR5).

No entanto, nem todos avaliam de forma positiva o sistema de cotas; ainda

persistem muitas dúvidas e resistências quanto a sua aplicação. Em alguns momentos do

intervalo das aulas, os alunos têm conversado sobre o sistema de cotas no Campus Monte

Castelo. Como ilustração, temos os relatos de duas alunas participantes do Programa

Institucional de Bolsa de Iniciação Científica (PIBIC-Jr) que desenvolveram a pesquisa no

ano 2012 intitulada “A educação para as relações étnico-raciais e a história e cultura afro-

brasileira e africana no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão -

Campus Monte Castelo e suas conseqüências para o processo identitário dos alunos”. Uma

das bolsistas relata o ocorrido:

Certa vez, estando junto a alguns colegas de classe – adolescentes desesperados por

serem aprovados no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio)- ouvi um deles falar:

“Eu vou à praia domingo de manhã e vou me expor o dia inteiro ao sol. Só assim eu

ficarei preto e serei aprovado no sistema de cotas.”. Em outra conversa ouvi “nem

vou poder colocar pra escola pública, porque não dá pra branco, só se eu for à praia

e passar o dia todo no sol e me declarar pardo” ou “isso não é justo porque apesar de

não ser negro também estudo em escola pública e fica complicado competir com

gente das escolas particulares” ou ainda “ah, isso vai causar é mais preconceito

quando tiverem nas universidades: ah, só tá aqui porque passou por cota, porque

conheço alguém que estudava em escola pública como você e fez mais pontos do

que tu e não passou”. Em geral, o que se ouve é: “agora não tem vaga pra branco”

(A6).

Comenta ela que,

No momento em que ele falou isso, os colegas do grupo sorriram, acharam

engraçado o comentário que ele fez, mesmo porque o aluno, fenotipicamente, não

pode ser considerado negro. Na classificação do IBGE, ele seria branco. Logo, não

passaria no sistema de cotas. Mas a atitude dele tem uma explicação: ele acredita

que o sistema de cotas para negros acaba por “tirar” a vez dos que se consideram

brancos. Por isso, ele teceu o comentário (A6).

Ainda reflete:

[...] depois, cheguei à conclusão de que as pessoas, de modo geral, não estão

entendendo o objetivo ou o que motivou a criação do sistema de cotas. Isso é

preocupante, porque ainda que o sistema de cotas seja uma ação afirmativa e, de

fato, não resolver ou “liquidar” a dívida histórica que temos com as etnias que foram

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escravizadas, é o primeiro passo para tentar, ao menos, oferecer educação e

permanência dos negros – principalmente – nas universidades e outras entidades

(A6).

A outra bolsista acompanhou também a conversa entre os alunos e relata o que os

eles também disseram:

Brancos não têm vez nesse novo sistema ou “só tem uma vaga em tal curso pra

branco”. Ainda mais, geralmente reclamam que aqueles que estudam em escola

pública e não se autodeclaram ou são classificados pelo sistema (não sei como está

esse processo que avalia ou enquadra o candidato na questão étnico-racial) como

pardos, negros ou índios ou aqueles que possuem renda superior à delimitada na

legislação para que o candidato seja considerado baixa renda, geralmente se ouve

que não têm chance de ingressar nas universidades e instituições federais através das

cotas e que o número de vagas que resulta do percentual de vagas para os não

declarados e baixa renda é insuficiente, muito baixo, geralmente uma ou duas vagas,

dependendo do curso, da quantidade de vagas ofertadas pelas universidades e

instituições para cada curso (A5).

Ela se posiciona:

Quanto a essa nova distribuição das porcentagens de cotas nas instituições federais,

ainda é algo recente e é agora que as consequências desta alteração serão realmente

conhecidas. Mas com a colocação desse sistema em funcionamento já neste ano,

principalmente no que diz respeito ao Sistema de Seleção Unificada (SISU), com o

resultado do Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM), já podem ser percebidos

alguns efeitos. Na minha turma, por exemplo, até mesmo dos meus amigos, ouço

alguns comentários se posicionando contra essa nova distribuição das cotas (A5).

O relato a seguir reforça o que A5 e A6 comentam a respeito do que alguns alunos

pensam a respeito das cotas, ressaltando o clima conflitivo que ocorre no interior do Campus

Monte Castelo.

Eu acho que o IFMA não se preocupa tanto com essa questão. Existem muitos

conflitos dentro do IFMA. Por exemplo, dentro da sala de aula já tiveram várias

conversas, diálogos, que até mesmo os professores que promoviam esses diálogos,

sobre a questão das cotas [...] e aí, sempre existem muitas pessoas que discordam.

Mas, muitas pessoas falavam que isso era uma forma de separação e até mesmo de

discriminação do próprio negro. Porque uma pessoa que entra pela cota, sofre

chacota dentro da universidade. Eu penso diferente, eu acho que as cotas são uma

ótima oportunidade. Eu acho que essas discussões são mais ou menos abafadas. Esse

ano teve uma entrevista, no início do ano, que eles deram para vários alunos,

servidores, também mostrando, perguntando se a gente concordava com a questão

das cotas. Eu acho que foi um pequeno avanço, eles terem feito isso, pelo menos

entrou em debate, mas não foi aquela coisa, como a gente pode dizer. Poderia ter

sido uma discussão mais ampla. Eles poderiam colocar para todo mundo – os

servidores, para os alunos, para os técnicos e professores – o que é essa política, qual

o objetivo, se tem alguma vantagem, se tem alguma desvantagem. Para as pessoas

perceberem se é a coisa melhor para o instituto, e não teve, só teve essa entrevista e

pronto, entendeu? Eu acho que o IFMA se preocupa muito pouco com essa questão,

e quando se preocupa não é tão bem trabalhado, eu acho que poderia ser bem melhor

trabalhado (A2).

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O que observamos nos relatos descritos é que a política de cotas não é consenso

entre os entrevistados. Existem argumentos contra e a favor em torno das políticas de ação

afirmativa. Merece atenção o que é colocado por Siss (2003) em relação aos argumentos

contrários a tal política. O citado autor discutindo a ação afirmativa no contexto dos Estados

Unidos, se refere a argumentos a favor e contra, os quais se assemelham aos argumentos com

que nos deparamos ao longo das leituras realizadas. O quadro a seguir sintetiza os

argumentos.

Quadro 20: Argumentos das políticas de ação afirmativa no contexto dos Estados Unidos

ARGUMENTOS CONTRA ARGUMENTOS A FAVOR

a. O que se baseia na meritocracia.

b. As políticas de ações afirmativas levam

necessariamente a baixos padrões de

desempenho.

c. Estigmatização dos sujeitos dessas políticas.

d. As políticas de ação afirmativa caminham na

contramão dos direitos consagrados pela

Constituição norte-americana.

a. Reconhecem a necessidade das competências

individuais, entretanto alegam que não existe

competição justa no âmbito de uma sociedade racista.

b. Nos Estados Unidos as políticas de ação afirmativa,

no final da década de 70, proporcionaram uma

elevada contratação de mão-de-obra.

c. As políticas de ação afirmativa fornecem imagens

sociais positivas.

d. Alega-se que são raríssimos os casos envolvendo

situações de discriminação contra homens brancos

Fonte: Siss (2003).

O autor se reporta ao Brasil, evidencia que o principal argumento contrário à

implementação das políticas de ação afirmativa, sobretudo cotas, em virtude de “não haver

uma rígida linha de corte, ou seja, por não existirem aqui limites precisos e objetivos entre as

diferentes raças” (SISS, 2003, p. 142).

5.4.2 A identidade e o reconhecimento étnico-racial, a eficácia e a responsabilidade da

escola de ensinar para combater o racismo, o preconceito e da discriminação racial e

valorizar a diversidade e o reconhecimento étnico-racial

Neste eixo também arrolamos aspectos concernentes às entrevistas, os quais

envolvem a discussão sobre: a) reflexos do racismo, preconceito e discriminação étnico-

racial; b) a identidade e identidade negra no âmbito do IFMA – Campus Monte Castelo; c) a

responsabilidade da escola na promoção de ações de combate ao preconceito étnico-racial; d)

os compromissos do IFMA – Campus Monte Castelo com a cultura brasileira.

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Reflexos do racismo, preconceito e discriminação étnico-racial

A antropologia brasileira, notadamente em Roberto DaMatta (2004), nos leva a

pensar a identidade brasileira a partir daquilo que está no dia a dia como: carnaval, religião,

racismo, entre outros. Para ele, em relação ao racismo,

[...] temos um mito de três raças formadoras originais. Não se pode negar esse mito.

Mas, pode-se indicar que o mito é precisamente isso: uma forma de esconder de nós

mesmos um sistema de múltiplas hierarquias e classificações sociais. Assim, o

“racismo à brasileira”, paradoxalmente, torna a injustiça algo tolerável e a diferença,

uma questão de tempo e amor. [...] (DAMATTA, 2004, p. 26-27).

A cultura, o comportamento dos indivíduos e as organizações sociais refletem a

ideologia do racismo. A escola é um ambiente privilegiado, seja para sua reprodução, seja

para sua superação. Porém, ao que parece, esta segunda opção não é a que prepondera em

função da dificuldade em tornar visível o racismo, de acordo com o que reflete A1.

A discriminação étnico-racial é um problema na escola em geral, mas depende, não

é que seja um problema visível, mas eu creio que todo lugar, infelizmente, aqui no

Brasil é assim. Assim, porque às vezes as pessoas dizem assim: Ah, eu não sou

racista de forma alguma. Mas, se passar um negro eu não fico perto dele porque eu

não quero, entendeu? Porque eu acho que a cor dele não é muito boa e eu não quero

ficar perto dele. Será mesmo que eu não sou racista? Então, eu acho assim às vezes a

gente tem amigo. Por exemplo, eu mesma, de falar assim: E aí, preto tudo bem?

Mas de forma carinhosa. Não é uma coisa assim [...] entendeu? Enfim, eu nem sei

explicar, mas tudo bem (A1).

Compreendemos que ao afirmar a falta de visibilidade do racismo no Brasil, A1 se

refere à condição das pessoas não se assumirem como racistas. Mas, os indicadores sociais

como o da escolaridade, reportados no Capítulo 2, mostram que a desigualdade entre brancos,

negros e indígenas é social e étnico-racial, o que torna visível o fenômeno de uma sociedade

racista e, como tal, excludente.

No depoimento abaixo visualizamos uma maneira de manifestação do racismo

operado em forma de discriminação negativa.

O preconceito é toda manifestação, toda ideia que nós temos sobre determinado

aspecto, uma ideia pré-concebida, então esse preconceito é de uma ideia que você

não tem conhecimento real, não é, sobre os fatores. No caso do preconceito racial

tem uma ideia a respeito da questão racial baseado numa visão de senso comum, aí

não há um conhecimento sobre, por exemplo, a trajetória dos negros, sobre a questão

de forma mais profunda e a discriminação é uma manifestação de você excluir, de

você isolar, com a atitude de preconceito. Um exemplo foi o que aconteceu agora

recente numa escola, inclusive eu escrevi um texto sobre com o título: „Meu cabelo

é bom, ruim é o racismo‟, porque a aluna não foi aceita na escola porque tinha feito

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uns cabelos dreads, e a diretora disse que ela só iria entrar na escola depois que

penteasse o cabelo. Então isso é uma manifestação de preconceito, de discriminação,

porque ela foi discriminada pelas suas características físicas (PR7).

No depoimento acima PR7 relata uma situação de racismo em uma escola da rede

pública estadual, situação essa bastante corriqueira no universo escolar. De forma veemente a

professora se mostra indignada com esse tipo de exclusão, expressando-se por meio de um

artigo com o título “Meu cabelo é bom, ruim é o racismo”.

Para ilustrar como o racismo também se manifesta, PR7 utiliza a metáfora das

corridas de cavalo.

Primeiro vamos fazer uma analogia que se utiliza muito no movimento negro, que

eu queria utilizar, que assim, comparando educação dos negros com a educação dos

brancos. Então, é como se tivesse correndo, assim, o branco numa pista livre e o

negro numa pista de obstáculos, numa corrida com obstáculos, então quem chega

primeiro na corrida? Então esse processo, a escola poderia estar trabalhando, porque

inclusive a nossa escola, com o processo de expansão, ela deveria garantir também

uma expansão do ponto de vista de cotas, e aí nós não temos a política de cotas. Esse

processo seria interessante do ponto de vista da gestão além de trazer os negros, de

ter acesso à educação e, sobretudo uma educação que se coloca hoje no país, uma

educação técnica e tecnológica, possibilitando o acesso a esse saber, ao mesmo

tempo em que esse sujeito poderia estar se profissionalizando. A nossa instituição, a

nossa escola, apesar de estar num Estado em que a população é eminentemente

negra, então a gente vê o perfil dos nossos alunos, não é, são todos mais claros,

quase não têm negros e a gente conta quantos alunos de pele mais escura nós temos,

falando da questão mesmo, fenotípica. A “cara” do Maranhão, a cara do país que é a

“cara” da diversidade. A gestão tem que abrir o acesso, discutir a permanência

desses alunos e que isso na verdade traz um outro elemento que é a democratização

da escola e a democratização da sociedade brasileira, que há muito tempo excluiu.

Nós temos visto que essa nossa escola tem se elitizado e embranquecido, porque nós

estamos percebendo no ensino médio, ensino técnico, porque o processo que esses

alunos fazem, chega a ter uma concorrência, assim, de um curso bem concorrido da

UFMA, por exemplo, o curso de medicina. Um curso ou cursos que têm tido um

corte muito alto de notas e com isso há um processo de exclusão da maioria da

população, que é negra e pobre, desse Estado, um Estado que tem maioria negra

(PR7).

No depoimento a seguir a gestora deixa entrever que as funções administrativas da

Pró-Reitoria de Ensino não estão comprometidas com as questões de etnia/raça. Ressalta que

chegaram alguns casos de discriminação vindos de outro campus, mas a forma como a eles se

refere, deixa transparecer que foram banalizados.

Muito difícil, a partir da Pró-Reitoria, com uma visão de um observador apenas, e

talvez não comprometido, não com o olhar comprometido para essa visão, chegar a

formar uma opinião. Porque a Pró-Reitoria de Ensino, não só em relação ao Campus

Monte Castelo, mas em relação aos outros campi, nós trabalhamos muito nos

relacionando muito mais com os outros gestores, com os Diretores-Gerais, com os

pedagogos, com o pessoal mais técnico, mais administrativo, então nós não estamos

tão próximos assim do corpo discente e tão próximo dessas questões que envolvem a

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convivência, e relacionamento entre as pessoas. Como Pró-Reitora e como pessoa,

mesmo, dentro da Reitoria, eu estive mais à vontade para falar da Reitoria, porque

do Campus, especificamente do Campus Monte Castelo, eu não estou dentro do

Campus Monte Castelo, apenas a Reitoria está sediada no Campus Monte Castelo,

mas a gente não desce, assim, até o Monte Castelo. Então o meu olhar é muito

rápido, ele é muito [...], não consigo perceber muito precisamente se existem

questões de discriminação de qualquer ordem. E também não tem chegado o tempo

que eu estou aqui, alguns casos, mas muitos esporádicos, talvez, dois, três casos no

máximo que tenha acontecido em alguns dos campi chegou até aqui, até como um

processo administrativo, alunos dando queixa. O professor não teria se dirigido para

o aluno, respeitando qualquer diferença. E aqui dentro da Reitoria o relacionamento

com as pessoas é um relacionamento muito bom. Nós temos pessoas de todas as

cores, de todos os níveis econômicos aqui e eu não vejo de forma alguma - aqui

dentro da Reitoria mesmo nós temos pessoas assim - em nenhum momento, nem o

sentimento das pessoas, de que elas estejam sendo discriminadas ou alguém

discriminando-as, eu não percebo (G 3).

Identidade negra no âmbito do IFMA – Campus Monte Castelo

Para compreendermos o processo formativo da identidade e do reconhecimento

étnico-racial, sobretudo dos alunos negros no Campus Monte Castelo, retomaremos alguns

autores citados anteriormente. Autores que tratam sobre identidade, políticas de identidade e

ações afirmativa; autores que tratam especificamente das implicações das relações étnico-

raciais na formação da identidade, entre outros, de acordo com a ideia-chave dos relatos.

Para abordar a questão da identidade e do reconhecimento étnico-racial, a escolha

que fizemos foi saber como os sujeitos se autodeclaravam e se tinham orgulho de ser negros;

se pudessem mudar sua raça/etnia, se mudariam.

Tem um aluno na minha turma que eu desconfio bastante, e pelo fato de ele fazer

uma pergunta que eu não acho que é tão normal fazer, uma pessoa normal, uma

pessoa que tem consciência ela não tem normalidade de fazer essa pergunta. E, ele

fazia pergunta do tipo: “A2 tu tem orgulho de ser negro?” E ele não fazia essa

pergunta, de forma assim, entre eu e ele, sempre que tinha mais pessoas envolvidas

no meio. Então eu comecei a desconfiar, quando ele começou a fazer esse tipo de

pergunta. E não foi em um momento só, foram dois, três momentos ao longo dos

três anos. Eu desconfio dessa pessoa sim, já aconteceu isso comigo. As piadas

pejorativas acontecem. Eu não gosto muito de ouvir, mas quando, às vezes, o

pessoal pergunta para mim se teria algum problema, eu permitia que eles contassem.

Mas, isso não me atingia e nem me atinge assim. Mas, eu reconheço que pode

atingir outras pessoas. Outras pessoas podem ouvir essas piadas e isso dificultar a

relação pessoal, a relação aluno/aluno e até mesmo relação aluno/professor. Mas

assim, essas piadas não eram contadas por um professor. Em nenhum momento isso

aconteceu pelo menos aqui no IFMA. Não aconteceu! Mas sempre assim [...] um

grupo de alunos, sempre a gente tem um momento que se fica assim muitas pessoas

juntas, cinco ou seis pessoas no máximo. Aí, nessas horas eles contavam essas

piadas, perguntavam primeiro para mim se eu aceitava ouvir. Às vezes eu recusava.

Mas às vezes eu permitia. Aí eles falavam. Mas eu acredito que isso não me afetava.

Mas eu acredito que isso dificulta sim a relação, até porque o brasileiro tem essa

cultura de ficar tirando “sarro” do outro, com o negro, com o gordo, até mesmo com

o índio e com o português. Tem muita piada de português também. Então,

infelizmente faz parte da cultura do povo brasileiro tirar piadas dessas coisas. Mas

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isso pode prejudicar. Pode prejudicar a relação, pode afetar o reconhecimento. Mas,

no meu caso não afetou! Sobre o Reconhecimento é uma situação em que uma

pessoa geralmente sabe que tem algum dom, alguma qualidade, mas não quer

reconhecer. Quer dizer: Ela sabe, mas não quer expressar isso. E, às vezes outras

pessoas percebem e te dão uma oportunidade de expressar essa qualidade, entendeu?

Eu acho que é mais ou menos isso, esse reconhecimento (A2).

O aluno, codificado como A2, tem plena convicção de seu pertencimento étnico-

racial, afirmando não se abalar com as piadas pejorativas contra os negros. Mas, revela que

não considera “normal” uma pessoa conscientizada ter esse tipo de atitude. Concordamos, por

um lado, que esse tipo de atitude não pode vir de uma pessoa com um nível de compreensão

crítica sobre as relações étnico-raciais. Por outro lado, se entendemos norma como os valores

e as regras, consideramos bastante normal tal atitude em virtude de como foram engendrados

os pilares ideológicos das relações raciais no Brasil sob o ideário sobretudo do mito da

democracia racial.

Um outra aluna também compreende seu pertencimento étnico-racial, da seguinte

forma:

Eu me autoidentifico como negra, também pelo aspecto, pois desde criança que eu

fui ensinada e também pelas coisas que eu já vivi e vi. Por exemplo, em algumas

propagandas, como a criança propaganda do Censo, onde pessoas negras diziam que

quando perguntassem a sua raça era para você dizer que você era negro. Além de

certidão de nascimento, entre outras coisas. Na minha certidão diz que eu sou

morena, mas geograficamente, pesquisando a história dos índios e dos negros, é da

mistura de raça que realmente a gente chega a um consenso que é negro. Também

pelos meus descendentes, eu sou como a minha bisavó. Minha bisavó era

descendente de escravo, na verdade ela era escrava. A minha família já vem com

essa descendência de ser escravo e é uma história de uma árvore genealógica. Além

dos fatos históricos, das características marcantes de um negro fisicamente, entre

outras coisas (A3).

A aluna foi compreendendo e formando a sua identidade ao longo de suas

vivências. Segundo Ciampa (2005), a identidade resulta de um processo histórico que articula

toda a nossa vivência. Não sendo definida, portanto, como uma característica inata do

indivíduo, tampouco concluída nos primeiros anos de vida. Ela, atualmente, tem a convicção

de que tanto a história como as características fenotípicas são elementos importantes na

conformação da identidade. No relato acima, ela realça essa questão e no segundo relato

acentua os traços físicos, como os cabelos, por exemplo.

Eu sinto muito prazer, eu gosto muito, eu acho que é uma característica bem

marcante que eu gosto de expressar. No começo quando eu era criança, eu tinha um

certo receio com cabelo como característica, o modo de se vestir para as pessoas

zombarem ou então falarem alguma coisa. Aí, então, comecei a alisar o cabelo, a

mudar o meu estilo. De acordo que eu fui crescendo, eu fui começando a ter paixão

pelo que eu era. Ai eu comecei a mostrar a minha verdadeira identidade (A3).

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223

O segundo relato de A3, ao dizer que quando criança não aceitava a condição do

seu cabelo nos remete ao conceito de estigma105

, relacionado ao de identidade social,

trabalhado por Goffmam (1988). Segundo este autor, o termo estigma é usado em referência a

um atributo profundamente depreciativo. A pessoa responde a tal situação tentando corrigir

diretamente a situação que considera a base objetiva de seu defeito. Conforme o relato, foi

exatamente isso que A3 fez.

O cabelo tornou-se uma referência tão forte na afirmação da identidade da

população branca que refletiu na formação das imagens acerca do cabelo afro, constituídas

pelo pensamento europeu. No imaginário106

brasileiro, costumam ser definidas qualidades de

cabelo como bom ou ruim107

, dependendo de sua textura (lisa ou crespa, respectivamente).

Assim como A3, pessoas portadoras do cabelo crespo encontram-se vulneráveis,

expostas a situações de constrangimento em virtude da natureza de seus cabelos. As pessoas

são assediadas pela indústria de produtos de beleza para que possam ajustar seus cabelos à

textura considerada, ideal, correta, aceitável. Por isso, é compreensível a atitude de A3, por ter

uma convivência dolorosa com o cabelo (não tinha paz com o corpo), desenvolveu

mecanismos de defesa mais para diminuir o sofrimento que resguardar a identidade

(INOCÊNCIO, 2006).

Captamos nos relatos a seguir uma reflexão introduzida por Munanga (2004) dada

à difícil tarefa de se definir quem é negro no Brasil e suas consequências para as políticas de

ações afirmativas, como cotas para negros em universidades públicas. “Com os estudos da

genética, por meio da biologia molecular, mostrando que muitos brasileiros aparentemente

brancos trazem marcadores genéticos africanos, cada um pode se dizer afrodescendente.

Trata-se de uma decisão política” (MUNANGA, 2004, p. 51). Daí ser compreensível o dilema

dos seguintes sujeitos quanto à sua identidade étnico-racial.

Eu sou uma pessoa com cabelos lisos, com olhos claros e com uma pele que dentro

do nosso processo de formação seria uma pele morena. Eu não sei, assim, às vezes

eu digo: “eu sou negra”, mas ao mesmo tempo, eu não sei se eu sou negra, porque eu

acho que ser negra também não é um elemento presente apesar da cor da pele, você

vê pessoas com pele muito escura que podem ser classificadas como brancas. Se a

105

O termo foi criado pelos gregos para se “referirem a sinais corporais com os quais se procurava evidenciar

alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava” (GOFFMAN, 1988,

p.11). 106

Recorro a essa expressão para referir-me às visões que se cristalizaram. 107

Uma referência para “mergulhar” nessa discussão, o livro “Cabelo Bom, Cabelo Ruim”, de Rosângela

Malachias (2009).

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224

gente for considerar esse elemento de sentimento de pertencimento. Eu não saberia

dizer o que eu sou (PR1).

A minha indefinição é muito mais resultado de como é que foram se construindo os

elementos que classificam os sujeitos dentro de uma visão do que é ser branco ou de

ser negro. Então o que é ser negra? É ter um determinado tipo de cabelo, é ter

determinadas características físicas. A minha indefinição, ela é resultado tanto dos

estudos, da minha leitura que me permite ver que eu não sou branca, por outro lado,

também num processo histórico de formação que não me permite, pautada nesses

elementos físicos, me classificar completamente como uma pessoa negra, eu sou um

ser em transição. Ainda têm as cargas de uma formação que define os elementos

físicos como fundamentais, em tese, do ser negra e do ser branca, mas ao mesmo

tempo eu tenho uma formação intelectual que já me permite, por exemplo, não

desejar ser classificada como branca, porque não sou (PR1).

Os alunos a seguir, A2 e A4, refletem sobre a formação do seu processo

identitário ressaltando a importância também das organizações da sociedade civil, como o

Movimento Negro identificado como movimento de luta.

[...] a gente faz parte do Movimento Negro. Eu, minha mãe e a minha irmã, nós

fazemos parte. E, mesmo antes da gente fazer parte desse Movimento Negro, a gente

já tinha essa consciência racial. Desde criança minha mãe dizia que nós éramos

negros e que a gente deveria ter orgulho. Mesmo o negro tendo essa... Como é que a

gente pode dizer? Diversas barreiras sociais, econômicas que esse sistema impõe,

mas a gente tem que ter orgulho de ser negro, da história. A raça negra sofreu muito,

mas se superou também, tá se superando e... Todo mundo tem oportunidades.

Assim, alguns com mais, outros com menos e geralmente o negro tem menos

oportunidade, então ele tem que correr atrás dessas oportunidades. A questão do

preconceito, do racismo é histórica. Até porque o Brasil foi um país colonizado

pelos europeus. Eles trouxeram os escravos como escravos. E como é pela questão

histórica, ele acabou sendo deixado de lado. Então diversas barreiras foram

colocadas pra ele ficar cada vez mais distante de melhores oportunidades. Então,

hoje, o negro, hoje até tem um pouco mais de acesso a melhores oportunidades, mas

antes não tinha, era muito complicado. Pra você ser um negro de destaque dentro da

comunidade, era muito complicado. Hoje é um pouco mais fácil, mas ainda assim

tem dificuldades. Comigo, eu nunca percebi acontecer alguma atitude de racismo ou

de preconceito. Tem algumas vezes que o pessoal faz brincadeiras, piadinhas sobre

negro [...] (A2).

Eu sou negra, isso nunca foi pautado para se discutir, eu sou negra e ponto. A cor,

minha família toda ela por parte de pai, parte de mãe tem uma mescla bem grande.

Mas pela cor da minha família é que mais marca, além de me sentir negra por me

identificar com a história que eles tem de luta. Tem a consciência assim da luta que a

minha família teve com as lutas que os negros tiveram para chegarem onde estão

(A4).

Outra contribuição de Ciampa (2005), desta feita para compreendermos A2, diz

respeito à relação que ele faz sobre política de identidade e identidade política. Conforme o

autor, a “questão das políticas de identidade de grupos envolve a discussão sobre a autonomia

(ou não), que se transforma para os indivíduos em indagações sobre a autenticidade (ou não)

de individualidades políticas [...]” (CIAMPA, 2005, p. 134). Observamos que tais reflexões

vão ao encontro das perspectivas da identidade de projeto formulado anteriormente.

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225

Os três relatos que se seguem nos remetem à “problemática” definição de ser

negro no Brasil em função do ideário do branqueamento (MUNANGA, 2004), mas também à

Ciampa (2005), ao dizer que identidade é sempre processo de metamorfose, cujo sentido

precisa ser compreendido sempre como emancipatório (ou não) e que sua concretização se dá

sempre como ação política. É esse o sentido que os sujeitos a seguir precisam compreender.

[...] é complicado explicar. Porque assim, num currículo se eu for colocar, eu vou ter

que colocar branca porque as pessoas olham pra cor, entendeu? Eu não posso

colocar negra pra me inscrever para um concurso porque quando eles me verem não

vão aceitar que eu passe. Mas eu me declaro negra! Porque eu tenho raízes negra. Se

fossem dizer assim: qual é mesmo tua raça? Eu me declararia negra. As pessoas me

reconhecem mais pelas ações, por iniciativas de algumas coisas. Por exemplo, como

eu sou presidente do grêmio [...] Pelas coisas que se faz. Porque eu sou feliz assim.

Eu não tenho... Sei lá, eu não acho assim que seja ruim. Eu acho bom! Eu tenho isso

muito bem definido na minha cabeça. Não [...] como é que eu posso dizer? Por

causa da minha pele ser branca, talvez eu não sofra tanto preconceito quanto se eu

tivesse uma pele negra. Mas, mesmo eu tendo a raiz negra e sabendo disso eu não

mudaria. Porque eu tenho orgulho, sinceramente. Não é só porque estou nesta

entrevista, mas eu tenho orgulho mesmo. Verdadeiramente eu tenho orgulho de ser

dessa raça (A1).

Esse dilema vivenciado por A1 evidencia o quão o ideário da miscigenação é forte

entre as pessoas. O fato de ter a pele branca é um atenuante para não ser discriminada. A

aluna tem convicção de que o tom da pele é um critério forte para o pertencimento étnico-

racial. Ressalta, contudo, que tem orgulho de ser negra.

A mesma reflexão serve para os depoimentos relacionados a seguir, de A7.

A minha família é uma família de origem portuguesa e francesa. Então, assim, todos

– a minha mãe é branca caucasiana, e assim, a maior parte da minha família são

todos brancos caucasianos, fenotipicamente são loiros, olhos azuis e tal e já a família

do meu pai tem a questão do negro e também a mistura com o índio, então assim, eu

sou fruto dessa relação onde eu posso dizer que foi uma mistura, a questão

fenotípica do branco e do negro [...] Então eu sempre vivi nessa dicotomia de ser

branco e ser negro. Mas isso não foi uma coisa que me mexeu muito, que me

martirizou. [...] eu tentei procurar uma referência étnica pra mim e fiquei até hoje,

por exemplo, há questionários que eu respondo e eu não sei precisar – eu sei assim,

que eu queria ser negro, mas não sou; não quero ser pardo de hipótese alguma, então

sobra a minha característica do branco, então eu penso o quê: que eu sou branco por

tabela da família da minha mãe. Então assim, essa questão étnico-racial acho que ela

precisa ser trabalhada ainda mais (A7).

Em conformidade com Ciampa (2005), uma vez mais, a identidade individual ou

coletiva é sempre a história de nossa metamorfose em busca de emancipação que nos

humanize. A emancipação, que dá sentido ético à metamorfose, pode ser impedida ou

prejudicada pela violência, pela coerção, invertendo a metamorfose como desumanização. É

assim que se revela a natureza política da identidade. O autor concebe que,

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226

[...] quase sempre, senão sempre, há um conflito político que se estabelece entre a

pretensão de uma identidade social de um lado, como (1) auto-afirmação e hetero-

reconhecimento de um projeto emancipatório e, de outro, como (2) hetero-

reconhecimento de um projeto coercitivo ou de dominação (CIAMPA, 2003, p. 03).

A responsabilidade da escola na promoção de ações de combate ao preconceito étnico-

racial

As instituições sociais, de modo particular, a instituição escolar, têm um papel

fundamental na formação identitária. Como diz Santos (2007, p. 31), “não é nada raro que

tanto na cabeça de um índio quanto na de um de nossos educadores ocidentais a melhor

imagem de como a educação se idealiza seja a do oleiro que toma o barro e faz o pote”.

Completando o raciocínio, o autor alerta:

[...] tal como pode ocorrer com o oleiro, a escola também pode formar como

deformar sua matéria-prima. Nesse sentido, a instituição escolar formal, não deve

ser assumida pela sociedade de modo acrítico como se fosse uma instituição social

acima de qualquer suspeita [...] historicamente ela oculta, no interior de sua

dinâmica, um caráter político-ideológico (SANTOS, 2007, p. 31).

Percebemos no relato abaixo que PE, no início, desconsidera o caráter político-

ideológico da instituição, todavia, no que prossegue o relato ela pondera afirmando a

importância da escola como espaço político e contraditório, ao mencionar as expressões

mudança, transformar, pensar de formar diferente.

A escola é um espaço privilegiado, é aqui a segunda casa do aluno, então a maior

parte do tempo que ele passa hoje, acaba sendo o ensino superior até mais tempo do

que ele fica em casa, porque tem cursos que são integrais. A gente tem o momento

do aluno, em que ele vem com aquela abertura para aprender, ouvir para aprender,

ele está apto a aprender, ele já sai de casa receptivo, isso já é positivo para a escola e

a gente tem também as relações sociais estabelecidas dentro da escola por esses

alunos que podem influenciar positiva ou negativamente nessa história de racismo.

Se a gente tem tudo isso a nosso favor, a gente tem que se prevalecer disso para

transformar a vida desses alunos, mas não só na sala de aula, porque todos os

espaços da escola devem ser espaços inclusivos. Eu não diria que a escola tem o

papel de combater, porque para combater o racismo é preciso algo mais além da

assimilação do conteúdo, eu acho que é preciso que a gente mude a forma de pensar

das pessoas, isso vai além de uma assimilação de conteúdo. Vai mesmo porque cai

na mesma concepção da inclusão, você pensar numa inclusão onde só o professor na

sala de aula repassa o conteúdo e toda a estrutura em torno dessa sala de aula não

muda você não vai ter uma mudança significativa. É preciso que haja uma cultura de

mudança, uma cultura da inclusão, é preciso que as pessoas pensem de forma

diferente (PE).

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227

O depoimento de PR5 explicita aquilo de que a escola não pode se eximir: a

formação para os valores, para a cidadania, para a política e formação cultural, entre outros

atributos.

Eu penso que a escola tem papel fundamental que é apontar uma perspectiva de

formação, de cidadania, de valores, além de dar uma contribuição muito grande pra

formação política e cultural dos estudantes. Então, formação de valores, cidadania,

formação cultural, participação política, entender melhor o que significa viver em

uma sociedade democrática. Então, acredito que essas são questões fundamentais de

que a escola não pode se eximir. Ela tem que apontar uma perspectiva em torno

dessas questões. Porque aquilo que está sendo trabalhado, nesse momento, com os

alunos, aquilo vai ter uma implicação direta com as dificuldades que eles vão ter

mais tarde, na convivência, na sociedade, nas contradições que eles vão se deparar,

nas relações de poder, na extrema competitividade que a gente vive hoje. Uma série

de contravalores que são colocados hoje pelo mundo, pelo mercado, pelas

exigências da sociedade capitalista. Então, isso é fundamental; a escola não perder

de vista que além de ter um objetivo, que é ministrar conteúdos, esses conteúdos

precisam estar conectados com questões do nosso dia a dia, com questões

contemporâneas, com questões atuais. E isso, também, de modo a possibilitar um

maior envolvimento no processo, porque o aluno tem que ter essa condição de

perceber que ele é parte constitutiva daquele conteúdo que está sendo ministrado.

Em algum momento, algum contexto histórico, o universo de conhecimento, que a

gente chama de Ciência, deu conta de resolver uma parte de alguns problemas que a

humanidade apresenta. Mas, que ela tem inúmeras outras coisas que estão em

aberto, estão ainda por ser construídas, estão ainda por ser transformadas, estão

ainda por ser criadas. Então, a escola, quando abre o próprio conceito de conteúdo,

significa flexibilizar, quando ela se abre pro debate com o mundo, com as questões

contemporâneas, quando ela realmente trabalha a problematização, a

contextualização dos conteúdos (PR5).

No relato acima de PR5, é importante destacar a sua convicção quanto à

responsabilidade da escola na formação dos valores relativos à democracia e à cidadania. Esta

é uma atribuição clássica direcionada à escola como instituição pública, o que se verifica

também nas reflexões de A8.

[...] a escola tem um papel fundamental; a mesma impõe valores. É dentro da escola

que você começa a formar ideais. Quando a gente forma ideais de combate contra o

racismo, a gente está dando um grande avanço a nossa democracia, aos nossos

direitos de cidadão. Então a escola tem esse papel fundamental (A8).

Em se tratando do Campus Monte Castelo, o relato seguinte destaca a distinção de

postura e da prática pedagógica dos professores dos Departamentos de Ciências Humanas e

Sociais em relação a outros departamentos.

Eu acho que a escola tem esse papel sim de educar as pessoas sobre a questão

étnico-racial. Eu vejo mais preocupação do DHS, que é o Departamento de Ciências

Humanas e Sociais, que se preocupa bastante com isso, mas de outros departamentos

eu não vejo não. Teve um questionário, acho que foi esse ano, ou foi ano passado,

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228

que eles fizeram a respeito das cotas. Eu acho que foi um avanço pequeno. Precisa

mudar muita coisa dentro da escola, uma preocupação maior em educar as pessoas

sobre essas questões, porque eu acho que o aluno do IFMA, a gente fica muito preso

às questões técnicas, porque é o curso técnico, mas também tem que ter essa

preocupação com essas questões, então eu vejo mais preocupação do DHS, dos

outros departamentos nem tanto. Eu acho que tem que avançar muito ainda nesse

aspecto (A2).

Ao examinarmos o depoimento de PR6, a seguir, percebemos que a professora

assim como A2 reforça o peso da formação técnica, que ainda vigora no Instituto.

[...] Eu acho que a gestão do Instituto, não sei se por esse peso da questão técnica,

tecnológica, tecnicismo [...], as pessoas parecem não compreender, não ter

assimilado que as coisa mudaram [...]. Eu ainda não sinto ainda uma clareza por

parte da gestão (PR6).

Pelo relato acima, percebemos que persiste entre A2 e PR6 a preocupação com a

articulação da formação geral com a educação profissional tendo em vista a formação integral

do mesmo, pois a aluna e a professora se ressentem da ênfase que é dada à formação técnica e

do silêncio de outros departamentos com as questões sociais, entre elas, a causa étnico-racial.

Pelo visto, a implantação do ensino médio integrado não possibilitou a integração entre as

disciplinas e os conhecimentos e nem a interação entre os professores da área de formação

geral e da área técnica.

Esta observação, feita por A2 e PR6, nos remete novamente à organização

curricular da EPTNM, levando em consideração o que apregoa a Resolução n. 15/98 e as

Diretrizes Gerais para o Ensino Técnico e Superior do Instituto Federal do Maranhão, que

prevê:

Os cursos integrados devem permitir o diálogo entre os conhecimentos científicos,

sociais e humanísticos (bases científicas) e os conhecimentos e habilidades

relacionados ao trabalho (bases tecnológicas). Todos os seus componentes

curriculares devem receber tratamento integrado, na perspectiva de inter-relação das

diferentes áreas do conhecimento e na relação teoria- prática [...]. A construção dos

Planos de Curso deve envolver os professores das bases científicas e das bases

tecnológicas, para que juntos possam prever os componentes curriculares, conteúdos

e cargas horárias, mantendo as necessárias inter-relações e a coerência de conjunto

dentro de uma concepção metodológica que priorize a interdisciplinaridade e a

contextualização como princípios pedagógicos. [...]. Os conteúdos referentes à

história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas devem ser ministrados com

base na interdisciplinaridade e contextualização, de modo especial, na Língua

Portuguesa, História Arte, Sociologia e Geografia, perpassando pelas demais

disciplinas do currículo (IFMA, 2010a, p. 15-17).

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229

A visão de que a causa étnico-racial é preponderante entre os professores ligados

ao Departamento de Ciências Sociais, examinada por A2, pode ser constatada pelo relato

abaixo o qual advém de uma professora de História:

A escola tem um papel fundamental, eu acho que a gente avançou. Ontem mesmo eu

estava fazendo uma atividade com os meus alunos sobre essa questão e nós

pontuamos que, durante muito tempo, a luta do movimento foi para ver se num

primeiro momento garantia pelo menos que se reconhecesse a existência do racismo.

Porque a ideia nítida da democracia racial ficou muito arraigada na nossa sociedade.

Pensam que só tem racismo na África do Sul, onde tinha o apartheid, tem racismo

nos Estados Unidos, mas no Brasil, não, no Brasil todo mundo vive de forma muito

harmônica. Então eu acho que nós avançamos no que diz respeito a reconhecer a

existência do racismo. Isso é positivo, porque a partir do momento que você

reconhece a existência da doença, você passa também a buscar um tratamento para

ela. Eu acho que nós já temos ações, considerando muito incipientes no que diz

respeito ao papel que a escola cumpre, mas a gente já pode identificar alguns

avanços. Mas o que eu acho que é fundamental, a escola, ela tem que realmente se

apropriar dessa questão e se posicionar como elemento fundamental para erradicar o

racismo na nossa sociedade (PR7).

O relato acima confirma a hipótese de que alguns professores tomam iniciativas,

sustentando experiências que procuram questionar a lógica que diferencia, inferioriza e

hierarquiza a população negra na sociedade e na escola. Igualmente confirma que são práticas

isoladas que não são visivelmente significativas.

Os compromissos do IFMA – Campus Monte Castelo com a cultura brasileira

Propomos a seguir reflexões em torno das percepções dos sujeitos acerca dos

compromissos do IFMA – Campus Monte Castelo com a cultura brasileira. Vimos em páginas

anteriores que o currículo pode ser compreendido e praticado sob muitas perspectivas

teóricas. Não obstante, existe uma ideia em comum em torno dessas diferentes perspectivas, a

de que o currículo é um projeto seletivo de cultura.

Abordamos ainda que não existe consenso entre os curriculistas brasileiros sobre

o currículo nacional ou até mesmo sobre a pluralidade cultural como tema transversal.

Posicionamo-nos no meio-termo da questão. Ainda que concordemos que as culturas, os

modos de vida, costumes e crenças não sejam universais, concebemos o direito à identidade

cultural e, ao mesmo tempo, concebemos que a existência humana deve ser guiada por valores

universais e que estes devem ser inseridos nos projetos, programas e planos curriculares.

Segundo Brant (2009, p. 34-35),

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230

a identidade cultural de um povo é geralmente reconhecida por seus elementos

unificadores, como território, língua e religião. No plano individual, identidade é

condição de cidadania, de conquista de direitos e ciência de deveres. E se a

sociedade lhe garante acesso aos conteúdos diversos e liberdade de expressão, pode

significar a construção da própria subjetividade, por meio do reconhecimento e

valorização dos fatores constitutivos da sua herança cultural, assim como a

possibilidade de identificação com outras culturas e modos de vida.

Como assevera o autor, a construção da subjetividade é mediada pela herança

cultural e a educação é uma das formas de ter acesso a ela. Em relação à herança cultural

brasileira, sabemos o quanto os negros têm uma participação muito forte na formação étnica

do povo brasileiro.

Conforme Pereira (2007), o Brasil recebeu cerca de quarenta por cento dos quase

dez milhões de africanos no período compreendido entre os séculos XVI e XIX. Conceber

esse fato significa relevar uma gama de elementos culturais que se tornaram parte de nossa

percepção do mundo e de nossas práticas cotidianas. Todavia, dispensamos aos africanos e a

seus descendentes um tratamento marcado pela violência e pelo preconceito.

Em virtude dessa condição, muitas comunidades de descendentes dos africanos

escravizados ficaram no ostracismo, durante muito tempo na zona rural, em especial no

Nordeste brasileiro. Atualmente, muitas dessas comunidades se definem como quilombolas.

Em nosso modo de ver, esse é um dos compromissos que a escola, por intermédio de seu

currículo escolar, precisa assumir como conteúdo obrigatório. No entanto, não é assim que

acontece na prática, como podemos examinar no depoimento a seguir.

O que eu tenho percebido nesse ponto de vista de compromisso é insatisfatório, até

porque a escola, no processo de inclusão das pessoas, ela era uma escola onde

entravam os trabalhadores, filhos de trabalhadores, que era uma escola técnica. Hoje

é uma escola que a classe média alta entra na escola, pela questão de corte, porque

serve como um trampolim para ir para as universidades. Agora, do ponto de vista

desse combate de enfrentamento a essa situação que se vive de racismo, eu observo

que o IFMA não tem contribuído quase nada, inclusive nós temos, na estrutura do

próprio IFMA, um curso sobre agronegócios, no outro campus, mas que isso coloca

exatamente que a demanda que se tem cursos é muito do interesse de mercado,

muito de interesse da questão comercial que se tem no Estado e falta mais uma

política, então uma instituição que tem curso sobre o agronegócio, onde a maioria da

população, que inclusive, aqui, o Estado do Maranhão é um Estado onde se tem um

nível de população quilombola muito grande, então você fazer um curso de

agronegócios é você ir de encontro aos quilombolas, de que forma isso vai contribuir

para eles? É um curso que é elitizado para interesse de um setor específico (PR7).

O relato de PR7 corrobora o que preconiza o artigo 41 das Diretrizes Curriculares

Nacionais Gerais para a Educação Básica, de acordo com o que registramos em páginas

anteriores. No que diz respeito à organização curricular, a escola de Educação Básica é o

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231

espaço em que se ressignifica e se recria a cultura herdada, reconstruindo-se as identidades

culturais, em que se aprende a valorizar as raízes próprias das diferentes regiões do País.

Com efeito, o depoimento de PR7 uma vez mais revela o fosso que existe entre o

que está escrito como diretrizes nos documentos e a prática enquanto ações de concretização

das diretrizes.

No documento “Diretrizes Gerais para o Ensino Técnico e Superior do Instituto

Federal do Maranhão”, algumas diretrizes vão de encontro à percepção da professora PR7, ao

definir que a “oferta dos cursos deve respeitar as diversidades e peculiaridades regionais,

dando suporte aos arranjos produtivos locais”. Assim estabelece o documento:

Na escolha dos cursos a serem ofertados, cada campus deve, atentando para as

condições efetivas de sua infraestrutura física e de pessoal docente, vislumbrar a

possibilidade de inserir-se na realidade local na perspectiva de intervir na

problemática social da localidade, sem descuidar das questões de diversidade

cultural e de preservação ambiental, não só por meio do ensino – formando

profissionais – pela produção do conhecimento científico, filosófico e artístico e pela

socialização dos conhecimentos construídos através das atividades de extensão. [...]

A escolha dos cursos da Educação Profissional deve orientar-se pelos Eixos

Tecnológicos definidos nos Catálogos de cursos da Educação Profissional tanto em

nível técnico como em nível tecnológico. A organização curricular por Eixo

Tecnológico fundamenta-se na identificação das tecnologias que se encontram na

base de uma dada formação profissional (bases tecnológicas) e dos arranjos lógicos

por elas constituídos (matrizes tecnológicas) [...]. Na organização e gestão do

currículo, deve-se optar pela abordagem interdisciplinar e contextualizada (IFMA,

2010a, p. 13).

O NEABI também prevê atividades com relação às comunidades quilombolas,

como pesquisas sobre a história e constituição dessas comunidades, bem como a criação de

cursos técnicos integrados para os povos indígenas e quilombolas. Os documentos internos ao

IFMA afirmam um comprometimento com estudos e intervenções no que tange às relações

étnico-raciais não somente na perspectiva educativa, mas na perspectiva de resistência no

combate ao racismo. No entanto, uma gestora assim se manifesta:

Eu acho que combater o racismo não vai resolver, o que vai resolver é nós

educarmos as nossas crianças, educarmos os nossos jovens, nos educarmos para

aceitar, para compreender melhor as diferenças. Então a gente aprendendo a

conviver com as diferenças, nós vamos resolver, entendeu? Mas lutar contra o

racismo, lutar contra o preconceito, isso não vai levar a coisa nenhuma, não é a luta,

a luta ela já alcançou o que ela precisava alcançar, entendeu. É chamar a atenção da

sociedade brasileira e do mundo para essas questões. Agora a gente precisa se

educar e educar para ter uma convivência mais fraterna, mais humana (G3).

A despeito do que coloca G3, sua postura vai ao encontro do que menciona

DaMatta (2004), ou seja, no “racismo à brasileira”, a injustiça é uma questão de tolerância e a

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232

diferença, uma questão de tempo e amor. Algo similar ao chamado multiculturalismo liberal,

haja vista que o depoimento deixa implícito em sua fala a convivência harmoniosa entre os

diferentes.

Uma pedagoga, em seu relato abaixo, reconhece também a importância da escola

menos pelo combate ao racismo e mais por seu caráter formativo. Como ela diz:

A escola é um espaço privilegiado, é aqui a segunda casa do aluno, então a maior

parte do tempo que ele passa hoje, acaba sendo no ensino superior, até mais tempo

do que ele fica em casa, porque tem cursos que são integrais, não é, horário integral,

então ele fica tarde e noite conosco e só a manhã em casa. A gente tem, assim, o

momento do aluno, em que ele vem com aquela abertura para aprender, ouvir para

aprender, ele está apto a aprender, ele já sai de casa receptivo, isso já é positivo para

a escola e a gente tem também as relações sociais estabelecidas dentro da escola por

esses alunos que podem influenciar positiva ou negativamente nessa história de

racismo. Se a gente tem tudo isso a nosso favor, a gente tem que se prevalecer disso

para transformar a vida desses alunos, mas não só na sala de aula, porque todos os

espaços da escola devem ser espaços inclusivos. Eu não diria que a escola tem o

papel de combater, porque para combater o racismo é preciso algo mais além da

assimilação do conteúdo, eu acho que é preciso que a gente mude a forma de pensar

das pessoas, isso vai além de uma assimilação de conteúdo. Vai mesmo porque cai

na mesma concepção da inclusão, você pensar numa inclusão onde só o professor na

sala de aula repassa o conteúdo e toda a estrutura em torno dessa sala de aula não

muda, você não vai ter uma mudança significativa. É preciso que haja uma cultura

de mudança, uma cultura da inclusão, é preciso que as pessoas pensem de forma

diferente (PE).

Os dois últimos relatos nos fazem resgatar Ricoeur (2006) naquilo em que ele se

diferencia dos autores que têm como tema central em seus estudos o reconhecimento.

Tal diferença recai na discussão que o autor francês faz sobre a luta versus

experiências de paz. Posicionamo-nos no meio termo dessa questão, à medida que

concordamos que é preciso que as relações étnico-raciais sejam norteadas pelos valores da

troca, da gratidão. Consideramos que as trocas, a gratidão são valores que devem alimentar o

currículo numa perspectiva da interculturalidade sem perder de vista que é preciso

problematizar as relações étnico-raciais no currículo escolar como um direito, visto que

vivemos em uma sociedade racialmente excludente na qual as desigualdades raciais são

mascaradas pelo mito da democracia racial.

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233

5.4.3 A efetivação da Lei nº 10.639/03 e as práticas curriculares para o processo de

reconhecimento étnico-racial dos alunos

Ressaltamos uma vez mais que a Lei nº. 10.639/03 faz parte de um conjunto de

medidas e ações com o objetivo de corrigir injustiças, eliminar discriminações e promover a

inclusão social e a cidadania para todos no sistema educacional brasileiro.

Existe, desde a data da promulgação dessa Lei, a necessidade imediata de as

instituições de ensino se articularem a fim de que seja alcançado aquilo que ela decreta em

relação ao currículo escolar. Não obstante, ainda encontramos muitas dificuldades na sua

efetivação, é o que o campo empírico revela.

O relato abaixo concebe de forma positiva a legislação, mas ao mesmo tempo

relativiza o seu efeito como mecanismo de mudança.

Eu vejo que a legislação é um grande passo, mas pela minha experiência profissional

de quase 30 anos na área do magistério e sempre lidando com o aspecto legal do

ensino, eu até hoje não vi nenhuma legislação mudar, em particular na educação sem

que as pessoas não mudem a própria cultura delas, porque é preciso que nós

caminhemos sob o amparo dessa legislação, mas que façamos um trabalho amplo de

discussão, de formação das pessoas em torno dessas questões. Porque mesmo se

discutindo o preconceito, se tem muito preconceito, se tem que quebrar primeiro o

preconceito de discutir o preconceito, a gente ainda não quebrou esse preconceito.

Então a legislação ajuda, é importantíssima, porque ela reflete as conquistas, ela

reflete o respeito, ela reflete a prioridade que está sendo dada para uma questão que

não era cuidada. Essa questão de cotas é, assim, uma caixinha de Pandora. Eu passei

a realizar dentro do processo seletivo, uma série de levantamentos, socioeconômicos

e no último a gente até propôs um questionário sobre a cor, sobre idade, origem,

escola de origem, etc., fizemos um apanhando. Depois que nós fizemos esse

apanhado, fizemos também um outro instrumento, aplicamos um outro instrumento

no pessoal que foi aprovado e a gente chegou a um dado. Eu fiquei muito feliz [...].

Aí o que nós chegamos à conclusão: de que os nossos jovens que estão sendo

admitidos no curso técnico, principalmente no curso técnico e que assumem a cor

negra, eles são oriundos de escola pública. Falta ainda sensibilidade e consciência a

respeito de responsabilidade em cima dessa questão. Além das diretrizes, intensificar

o incentivo, o fomento junto aos diretores gerais e de ensino dos campi de todo o

IFMA para cuidar dessa questão de uma forma mais atenciosa, mais próxima, ficar

vigilantes para essa questão curricular, para esse tipo de trabalho formativo em sala

de aula, pelas relações interpessoais, intersetoriais, acadêmicas etc. nos campi.

Temos um projeto de atualização pedagógica dos professores, nós estamos com um

projeto aí a distância [...]. Mas, o grande problema é que o MEC não financia. Ele

tinha a sua versão presencial, e nós montamos a partir desse, que está mais

interessante, um de formação à distância, ela está com aproximadamente 1300 horas,

que seria à distância, mas parece que a gente vai conseguir agora, depois de todo

esse tempo, mexer nessas questões. E essa questão especificamente que trabalha o

aspecto curricular, a gente trabalha a questão de etnia e raça, ela tem uma atenção

especial. Por outro lado, nós não conseguimos, ainda, ter a adesão do corpo docente

para fazer um trabalho voluntário, não é, dentro desse projeto de formação, um

projeto muito interessante [...] (G3).

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Ao contrário de G3, não concebemos a Lei nº. 10.639/03 como um instrumento

burocrático, mas como uma ferramenta educativa, pois ela reflete demandas de

reconhecimento da nossa identidade constituída também pelo africano. Por outro lado,

concordamos com sua forma de entender que a referida legislação é um reflexo das lutas, logo

ela não é uma dádiva das elites aos grupos étnicos, mas sim uma reivindicação dos

movimentos políticos pelos direitos dos afrodescendentes.

A importância do ordenamento jurídico é abordada também pela entrevistada

PR6, a ele ela se refere,

Eu não tenho o domínio todo da lei, mas eu compreendo que há necessidade de

contemplar no currículo o conteúdo, a história, a norma constitucional em relação

aos aspectos étnico-raciais, as contribuições [...] (PR6).

O depoimento abaixo, de PR5, focaliza também a importância da qualificação dos

professores para lidar com as questões étnico-raciais, previstas na lei, qualificação esta que se

processa sobretudo nas universidades e faculdades.

Acho que uma primeira dificuldade seria, exatamente, o processo de formação dos

professores, porque sem isso, sem a compreensão da nossa história, da nossa

historicidade, dos nossos valores, das nossas origens, dos nossos ancestrais, você

praticamente tem uma formação acadêmica delimitada àquilo que a gente falou, ao

específico de uma transmissão de conteúdos que quase nunca estão, de alguma

forma, inter-relacionados com questões mais amplas. Então, essa seria uma primeira

dificuldade (PR5).

Contudo, a qualificação dos professores não é a única em grau de importância,

PR5 analisa o quanto é fundamental a formação dos gestores e, a esse respeito, assim se

expressa:

Eu penso que uma gestão sem formação é uma gestão que tende a representar muito

mais uma exigência burocrática, administrativa, do que propriamente pedagógica.

Então, eu penso que não é possível você desvincular. A gestão tem que estar colada

com o processo de formação porque esse é o propósito da escola. Qual é a formação

que a gente está levando para os nossos estudantes? Qual é a mensagem que a gente

está transmitindo pra essas famílias, pra sociedade? Então, quando o professor entra

em sala de aula, querendo ou não, ele está indicando uma perspectiva, ele está

formando ou deformando. Ele não está neutro ali. Ele está representando um

conjunto de relações, de interesse, de poder, de ideologias, que passou também,

claro, pela formação acadêmica, mas que não se resume a isso. Então, o professor

tem que estar consciente de que a formação acadêmica precisa ser construída dentro

de um espaço democrático e, pra isso acontecer, a gestão tem que ter essa

compreensão, de que essas grandes transformações, esse, digamos, salto qualitativo

que a gente quer no nosso ensino, não vai acontecer sem fóruns de debate, sem

processo de formação, sem que o professor possa ter, na sua carga horária,

contemplado esse espaço, pra ele se sentir contemplado, pra ele se sentir estruturado

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dentro de acessos a informações, a uma boa biblioteca, a um bom laboratório, algo

que ele precise realmente, de fato, ter ali como processo de formação, que é

contínuo.

Além da formação dos gestores PR5 salienta outros aspectos em relação aos

materiais curriculares, espaço físico, acompanhamento pedagógico, entre outros que os

gestores precisam estar empenhados no acompanhamento de sua eficácia. Observa ainda que

o aluno deve ser o centro das atenções do processo pedagógico.

Então, se a gestão não entender isso, ela vai cobrar do setor pedagógico, que cobra

do professor, que cobra do aluno e que não cobra de ninguém. E que o aluno, que

deveria ser o centro das nossas atenções, ele passa a ser “culpabilizado” porque ele

não está aprendendo. Então, é o inverso: o gestor tem que ter ciência disso, tem que

ter essa compreensão, ele tem que ter uma profunda compreensão pedagógica do que

significa a formação acadêmica, profissional, cultural, política, dentro da escola

porque, caso contrário, a gestão, como eu falei antes, fica resumida, delimitada a

uma espécie de um cumprimento burocrático de exigências cotidianas dentro da

escola, que é um reparo num laboratório, que é a reforma no restaurante, que é

equipar a biblioteca com mais livros ou coisas desse tipo. É claro que passa por isso

também, só que não é isso, apenas. Como é que isso está sendo redimensionado

dentro da prática docente. Como é que esse laboratório está sendo redimensionado

dentro da formação acadêmica que o professor está levando pro aluno. Ele está

tendo acompanhamento? Ele está tendo, digamos, condições de trabalhar com esse

equipamento novo que chegou pra ele. Quem é que está acompanhando ele? Se é o

setor pedagógico, é o setor administrativo, é a gestão, é a diretoria, é o

departamento, como no caso aqui do IFMA, são os chefes? A gente não tem essa

prática aqui, continuamente de possibilitar aos professores, digamos, essa

oxigenação na sua prática, que é fundamental. Na minha opinião, o professor deveria

ter frequentemente, pelo menos uma vez por ano, conselho de formação, na área de

educação profissional. Metodologia de Ensino, na educação profissional, a própria

relação do pedagógico dentro do espaço da educação profissional que ainda é visto

como um tabu por muitos ou como uma coisa que só vem pra dar trabalho, uma

coisa que não é tão importante assim quanto eu resolver, por exemplo, uma equação

no quadro. E a gente sabe que tudo perpassa pela lógica (PR5).

Com efeito, os três relatos acima nos sugerem que é imprescindível que a

formação inicial efetuada nas universidades e faculdades estejam atentas para incorporação

nos seus currículos de conteúdos e metodologias voltadas para as questões étnico-raciais.

Segundo Gomes e Silva (2006), existe uma lacuna da não inclusão da diversidade

cultural na formação dos professores. As autoras analisam o quanto o movimento de

reconhecer que todas as fases (inicial e continuada) da formação possuem importância e

sentido.

A formação inicial oferece importantes referências para construção da ação

pedagógica, por isso, é digno que se respeitem os saberes que os professores já trazem.

Entretanto, é preciso que os centros de formação considerem que, “ao se inserirem num

processo de formação inicial, os professores já trazem consigo valores, conhecimentos e

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competências acerca do universo profissional e social em que irão atuar, embora muitas vezes

construídos a partir de preconceitos e estereótipos” (GOMES; SILVA, 2006, p. 16).

Examinam as autoras que a articulação entre formação de professores e

diversidade étnico-cultural pode ser entendida como um desafio, como mais uma competência

pedagógica a ser construída e praticada por eles. Nesse contexto, acrescentam que as

perspectivas de formação de professores que vêm encontrando interesse são aquelas que

focalizam as histórias de vida, o desenvolvimento profissional, a formação de professores

reflexivos e de novas mentalidades.

Os depoimentos abaixo já acentuam que muitas vezes a não efetivação da Lei

está implicada com os valores que estão arraigados nos professores, como, por exemplo, o

preconceito étnico-racial.

A outra dificuldade seria, exatamente, a questão de superar a partir desses fóruns,

desses processos formativos, uma questão que está muito arraigada ainda entre nós,

que é o preconceito, que isso também não vai acabar de uma hora pra outra. É

necessário todo um processo, e a escola tem que possibilitar, democraticamente, esse

espaço de formação e de discussão. Sem isso, essa dificuldade número dois, que é

esse preconceito arraigado, de ser ainda muito etnocêntrica e excludente, a terceira

dificuldade que seria, exatamente, a falta de projetos interdisciplinares. Então, se

você pegar a formação, a questão cultural do preconceito ainda arraigado em nossas

mentes e a ausência de projetos que possam te dizer na prática como essa relação

com a diversidade, com a diversidade étnico-cultural, ela se dá a partir de um projeto

interdisciplinar, é muito difícil, é muito complicado acontecer. Então, essas eu

acredito que sejam as principais dificuldades pra você trabalhar um tema dessa

magnitude (PR5).

O depoimento a seguir reflete sobre a dualidade existente na prática pedagógico-

curricular, e a análise feita deixa entrever que, de um lado, existem aqueles componentes que

são obrigatórios e, de outro, os elementos extemporâneos ao currículo, ou seja, questões

consideradas fora do tempo curricular, como, por exemplo, o racismo. Ademais, postula que

nossos valores são reflexos de uma sociedade paternalista e colonialista, de dominação, de

submissão, a qual baliza a imagem que temos sobre as relações étnico-raciais.

[...] durante o espaço de construção do conhecimento, que perpassa o pedagógico,

que perpassa o político, que perpassa o cultural, que perpassa o axiológico, o

epistemológico, eu vejo ainda, exatamente por conta dessa dualidade ainda existente

na nossa prática, quando você tenta aproximar elementos “extemporâneos” ao

currículo, ele se torna, digamos, como que uma espécie de trave. Parece que o

professor se vê diante de um desafio que é uma espécie de um monstro, um bicho de

sete cabeças, que ele não vai saber resolver aquilo nunca e, talvez, seja muito mais

interessante eu permanecer na minha zona de conforto ou, como no caso no racismo,

achar que não existe ou que isso é um assunto que não merece, assim, grandes

questões até porque “a maioria das pessoas” não se considera racistas. Se tu fores

perguntar, talvez, eles não vão ter, digamos, talvez, não sei se por sinceridade ou a

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devida autenticidade de se considerar uma pessoa preconceituosa. Mas, eu acredito

que isso é muito mais nas nossas práticas. O preconceito está arraigado em cada

momento, em cada instante da nossa vida, até porque a gente vem de uma herança

paternalista, colonialista, de um profundo passado de relações de poder, de

submissão, de dominação, até o próprio fato de você estar aqui no IFMA já demanda

uma reflexão muito interessante sobre a história colonialista do Brasil, onde o

número de estudantes negros aqui é bem pouco, digamos, negros assim que você

possa identificar dentro daquela questão mais próxima da nossa africanidade e

parece-me que isso aí não vem sendo um objeto de estudo mais aprofundado dentro

da escola (PR5).

Citando Gomes e Silva (2006) uma vez mais, elas discutem que o profissional da

educação atribui sentido e significado à sua existência, a partir de referências pessoais e

coletivas, simbólicas e materiais e que se encontra inserida em vários processos socializadores

e formadores que extrapolam a instituição escolar. Tais processos podem se constituir como

referência e orientação para a prática dos professores, tornando-se até mais como referência

que aqueles que acontecem nos espaços de formação institucional.

As autoras concebem a educação escolar associada aos processos culturais, à

construção de gênero, de raça, de idade, de escolha sexual, entre outros. Acrescentam que os

centros de formação, secretarias de educação deveriam levar a sério as experiências, os

projetos e as atividades pedagógicas em prol da diversidade que acontece no dia a dia do

profissional da educação.

Outros se remetem à dificuldade de planejamento e de organização didática, como

aspectos que entravam a não efetivação da Lei nº. 10.639/03.

A falta de planejamento da instituição, a falta de elaboração de objetivos, de metas a

serem cumpridas, a falta de qualificação profissional, pois a instituição não oferece

para a gente tratar de questões como essas, tudo isso cria dificuldade, tudo isso

facilita, inclusive, que a gente não pense nessas questões. Esse é o papel, é algo

principal que o Instituto não vem cumprindo, a gente não tem nenhuma política que

trate disso. Não tem nenhum organismo aqui, nenhum departamento, propriamente

dito, e, mais ainda, os que estão diretamente envolvidos com a questão dos ensinos

superiores e médios técnicos, se você for lá fazer essa pergunta, eles vão te dizer a

mesma coisa, que eles não sabem te dizer, não vão saber te dizer porque não tem

planejamento, não tem política nenhuma aqui pra falar disso, que pense nesses

aspectos. Para o Instituto Federal do Maranhão e os Campi, de modo geral o

Campus que a gente está, o campus Monte Castelo, essas questões de política racial,

étnico-racial, de combate ao preconceito se resumem exclusivamente ao sistema de

cota (G5).

O gestor acima se ressente da lacuna existente no Campus Monte Castelo quanto a

uma política curricular coerente, crítica e satisfatória em relação a Educação para as Relações

Étnico-Raciais, porém reconhece que a única política étnico-racial existente refere-se ao

sistema de cotas, que foi implementado por força do Decreto presidencial como já referido.

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O depoimento de PR7, a seguir, comenta a respeito da falta de gestão, de

compromisso com o fortalecimento do debate sobre diversidade. Para a professora, as ações

pontuais que reconhece existir no Campus-Monte Castelo são consequências da ausência de

uma formação sistemática de grupos de trabalho para efetivar a temática propugnada pela Lei

nº. 10.639/03 no Campus.

As dificuldades que se têm são do ponto de vista mesmo de administração, de

gestão, falta um compromisso com o fortalecimento do debate sobre diversidade e a

própria necessidade dos gestores em entenderem a importância desse debate, porque

nós temos questões pontuais. Então, se falta isso, eu acho que a gente poderia

começar a partir da formação de grupos de trabalho sobre essas temáticas, grupos de

discussões, inclusive nós já temos aqui o GT de Inclusão, mas que a composição

dele, é por maioria de pessoas ligadas à questão de educação especial, e aí estamos

tentando fazer o debate mais amplo. A partir disso, acho que seria interessante ter

um núcleo de estudos afro, mesmo, que discutisse a temática mais profunda, que não

podemos deixar de ver que o Maranhão, que acredito que perde só para a Bahia em

termos populacionais, em termos de maior contingente de população negra. Então

seria interessante estar discutindo a nossa realidade social concreta, a composição

étnico-racial, num seminário, aprofundando a situação dos negros no Maranhão ou o

processo mesmo de inclusão na escola, inclusão racial, a partir da Lei 10.639,

desenvolvimento de projetos pedagógicos, terem áreas de linha de pesquisa no

Programa Institucional de Bolsas de Iniciação, Científica (PIBIC), no Programa

Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), que são programas de

incentivo, de iniciação científica; faltam linhas de pesquisa sobre isso, falta um

aprofundamento mais do ponto de vista estrutural da nossa organização. Essa falta

prejudica. É preciso o fortalecimento dessa política de autoafirmação dos alunos;

eles precisam se identificar como negros, porque esse processo da identidade não se

dá de forma espontânea, então a identidade se constrói a partir do outro. Isso tem

que ser forjado, trabalhado, desenvolvido com ações, mesmo, que estimulem o

legado cultural étnico-racial, histórico, das experiências, de grandes intelectuais da

cultura negra, e esse processo, na nossa sociedade, ele não foi dado, ele está sendo

construído. Uma parte desse setor que construiu foi o Movimento Negro fora das

instituições escolares e que é necessário trazer para dentro, já que tem uma lei que

coloca a obrigatoriedade disso, no sentido da autoestima, da construção da

identidade. Então a identidade e a autoestima do sujeito, ela se dá a partir dessa

necessidade que se tem de trabalhar todos esses elementos, culturais, históricos,

sociais, políticos, econômicos, dessa população (PR7).

A professora PR5 realça o planejamento e a cultura organizacional, observando

que o Campus Monte Castelo não prevê ações didáticas nem a institucionalização de

comportamentos, sentimentos e percepções, tendo em vista a Educação para as Relações

Étnico-Raciais, assim,

As dificuldades são essas, de conseguir fazer com que a instituição tenha um

planejamento organizacional, ou uma cultura organizacional para que a coisa

aconteça. O desafio é fazer isso se tornar realidade, a partir de que, seria o primeiro

grande passo seria levar as pessoas a pelo menos questionarem sobre o tema, a se

indagarem sobre os seus comportamentos cotidianos em relação às relações étnico-

raciais, e a gente não tem aqui nada que faça a gente refletir sobre isso, em nenhum

momento, a instituição não para ter momentos de reflexão (PR5).

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Nos dois últimos relatos está explícito que no Campus Monte Castelo há carência

de um planejamento e cultura organizacional numa perspectiva formadora. Tais reflexões

ilustram uma perspectiva de formação que valoriza os espaços de interação da vida pessoal e

profissional concebendo o professor como uma pessoa (NÓVOA, 1995).

A fragmentação do currículo é um outro elemento de empecilho para a efetivação

da legislação, conforme revela o depoimento a seguir:

Há uma dificuldade maior, porque, como os cursos são pseudointegrados, você tem

uma grade maior para poder fazer a distribuição, já que, além das disciplinas do

núcleo comum, a gente tem também as disciplinas do curso técnico, então

praticamente a carga horária de todas as disciplinas, quando comparadas, por

exemplo, com uma escola do Estado, elas são menores. Parece-me que o MEC

estabelece o mínimo e o máximo. Mas a média são 80 horas por ano. E aí como nós

temos um sistema de cursos semestralizados, o que você tem geralmente é um total

de 240 horas para História ao longo dos três anos e os cursos fazem essa divisão de

acordo com as suas especificidades. Outra dificuldade [...] eu não consigo pensar o

IFMA enquanto totalidade, eu vejo a instituição de forma muito fragmentada.

Talvez, porque como aqui no campus a gente tem a estrutura de departamentos, isso

contribua para esse processo de ter essa percepção fragmentada. O que eu sinto, e

acho que é uma crítica, inclusive que eu faço, nós não temos com clareza uma

política educacional; as ações que ocorrem, elas ocorrem a partir de ações isoladas

do compromisso de professores. Então você tem determinados professores que têm a

preocupação, digamos, com a questão étnico-racial como elemento cultural, com a

música, com a formação política, mas eu não percebo isso como um resultado de um

planejamento da instituição. Eu não consigo pensar isso em uma totalidade, como

algo que realmente norteia a ação de todos os departamentos ou como sendo o mote

para o desenvolvimento das atividades (PR1).

Em todos os relatos de PR1, reiteradamente aparecem questões concernentes à

fragmentação do currículo causada pela lógica da carga horária das disciplinas, o que traz

como conseqüência, entre outras, a apresentação aligeirada dos conteúdos aos alunos e a

compartimentação do saber.

A organização dos saberes (disciplinar, interdisciplinar, entre outros) é recorrente

nos estudos sobre currículo e nos espaços formativos na instituição escolar. O modelo

disciplinar de organização, os conteúdos, é ao que mais estamos habituados.

Todavia, existem outras propostas para realizar a seleção cultural e organizá-la.

Essa afirmação não significa um menosprezo à organização por disciplinas e sim pela rigidez

que a lógica do horário (de uma disciplina para outra) e da carga horária acarreta. Por isso, a

afirmação representa a necessidade de se buscarem outras possibilidades de selecionar e

organizar os conteúdos.

O currículo integrado pode resolver a dicotomia que a cultura escolar transmite

entre as diferentes áreas do conhecimento. Assim, o currículo integrado significa a unidade

das partes (SANTOMÉ, 1998). Isso significa, também, buscar modos de estabelecer relações

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entre os campos, as formas e os processos de conhecimento. Segundo Santomé (1998), as

áreas do conhecimento e experiência são marcos alternativos para a seleção cultural.

Além dos aspectos relativos à formação, fragmentação do currículo, organização

didática, aludidos anteriormente, o depoimento a seguir centra a dificuldade na estrutura

organizacional.

Do ponto de vista da minha atuação vejo uma outra dificuldade: participo muito

pouco nos departamentos. Eu participo na medida do possível, por quê? Porque são

praticamente oito cursos superiores para uma única pedagoga. Então é humanamente

impossível você dar conta de todas as coisas. Além das questões administrativas,

porque a própria instituição, como ela não tem a cultura de ensino superior, eu acabo

sendo muitas vezes consumida dentro dessa estrutura administrativa, na organização

documental. Ela também não tem a documentação dela organizada como determina

o MEC para atender mesmo às condições de ensino que o MEC determina. Então

hoje eu me prendi muito tempo e tenho me prendido ainda a essa questão da

organização, da documentação. Então, por exemplo, nós ainda não temos legislação

de estágio pré-definida; o estágio das licenciaturas para mim é um ponto de

interrogação ainda, porque nós não temos ainda uma norma específica do setor de

estágio. Existe a norma feita para os cursos de licenciatura, mas o setor de estágio

não se envolve com o estágio da licenciatura, é como se a licenciatura fosse à parte

da instituição. Não temos ainda convênios assinados com o Governo de Estado para

esses estágios. Então, são essas questões mais burocráticas e administrativas que

acabam me consumindo e que acabam me distanciando um pouco, do pedagógico.

Os problemas que eu enfrento com relação a uma carteira para um aluno cadeirante,

o problema que eu enfrento em relação a um aluno surdo, são esses problemas, mais

administrativos, que seria uma situação a ser resolvida por outros setores da

instituição e que eu acabo tendo que assumir por conta dessa falta mesmo de cultura.

Também a questão de sala de aula, que temos que dá conta. Mas eu tenho me

aproximado. Este ano, eu consegui fazer visitas aos cursos, eu consegui acompanhar

mais de perto os alunos, principalmente alunos com problemas de autismo, alunos

com problemas de deficiência, eu tenho conseguido acompanhar, mas isso é muito

difícil fazer por conta da demanda de trabalho. Temos também no Campus uma

Coordenadoria de Apoio Pedagógico que não entende que o ensino superior precisa

de pedagogo. Na mentalidade delas, elas entendem que o ensino superior não precisa

de pedagogo; o pedagogo é para o ensino médio. Então os problemas do ensino

superior ficam aí, apesar de ter uma infinidade de pedagogas aqui, mas aí, se é

problema do ensino superior tem que ser resolvido pelo ensino superior. Aí tem uma

pedagoga no ensino superior para resolver esses problemas. Aí você esbarra nos

problemas organizacionais e estruturais (PE).

No relato acima, a pedagoga tece críticas à estrutura administrativa no tocante ao

número de pedagogas que atuam no Departamento de Ensino Superior; o trabalho é uma

espécie de “toca o sino e acompanha a procissão”. Neste nível de ensino, o trabalho

pedagógico reduz-se ao burocrático. Pode ser que o número reduzido desse profissional na

gestão do Ensino Superior possa se justificar pela visão deformada da irrelevância do trabalho

pedagógico naquele nível de ensino.

Entretanto, mesmo que todos os professores (tanto das áreas das Ciências da

Natureza, Matemática, das Linguagens e Humanas) desenvolvam trabalhos pedagógicos, ou

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seja, refletem (ou deveriam refletir) sobre suas ações educativas em vista de melhorá-la, mas

eles não detêm a exclusividade do saber. “A pedagogia produz saberes, saberes de

experiência, de prudência, que devem ser provados e experimentados, ao mesmo tempo,

conforme modos de validação específicos. Portanto, é possível apresentar teses de pedagogia

aos departamentos [...]” (FABRE, 2004, p. 119).

Apesar de todas essas dificuldades, há uma “luz no fim do túnel”, a luz

desencadeadora, vista como um dos principais desafios, reflete PR1.

O desafio é implementar uma política de formação aqui da instituição. Porque é

como eu estava pontuando, se você não tem o reconhecimento do racismo, você não

vai ter como desenvolver ações que possibilitem que ele seja erradicado da nossa

sociedade. Eu acho que a gente precisa de uma política de formação que realmente

enfatize a questão da necessidade desse debate; eu acho que a política de cotas é

necessária, o IFMA ainda não tem cursos para os superiores, ainda não adotou a

política de cotas e nem fez um debate sério sobre essa questão, e é preciso que, além

de oferecer uma formação a esses professores, você tenha realmente uma ação que

possibilite que seja um debate inserido em todos os âmbitos. Eu lembro que há um

tempo veio um documento para saber se no meu planejamento tinha essa questão

(PR1).

O depoimento abaixo acentua como o currículo deve ser desenvolvido, como, as

questões relacionadas à Educação para as Relações Étnico-raciais e História e Cultura Afro-

Brasileira e Africana devem ser tratadas, ou seja:

[...] de forma transversal [...], não que tenha um componente curricular obrigatório

para isso. É importante que, realmente todos os componentes, seja no nível técnico,

seja no nível superior, eles discutam essas questões, sempre contextualizando o tema

que está se discutindo em sala de aula. Eu penso que seria muito mais proveitoso.

Mas, compreendo que todas as vezes que o Ministério da Educação instituiu temas

transversais, eles foram também ignorados, porque as pessoas, a gente ainda tem

aquela visão [...]. Na Licenciatura a gente sempre estimula os professores a trabalhar

dessa forma, de uma forma mais ampla, mais interdisciplinar e transdisciplinar, mas

o que a gente observa é que os professores ainda são muito positivistas. Trabalham

muito em cima da sua própria área de conhecimento, do seu campo de

conhecimento, não é nem da área, porque é meio arbitrário isso, eles são só

bitolados naquela sua disciplina de sua responsabilidade e não conseguem fazer essa

ampliação. Então, eu vejo que isso é problemático, é isso que tem refletido na sala

de aula, quer dizer, um esvaziamento dessa discussão, primeiro porque as pessoas

não têm muito conteúdo sobre isso. E depois, nós não estamos discutindo também

muito essas questões, nós estamos orientando. As nossas diretrizes da Pró-Reitoria

de Ensino, as diretrizes gerais para o ensino técnico superior demandam para essas

questões de inclusão, da diversidade, mas a gente percebe que isso é uma coisa que

está em construção. Nós temos um grupo de trabalho que está conosco já tem, acho

que um pouco mais de um ano que vem estudando isso. Como é um grupo que, às

vezes, dada essa rotatividade que nós temos agora, que é em função das

transferências e das permutas que são permitidas, algumas pessoas entram e saem

desse grupo de trabalho com muita frequência, aí a professora RG tem tido

dificuldade de organizar isso. Porque a Pró-Reitoria de Ensino, a gente tem ideias,

mas a gente preferiu o seguinte: com base nas linhas gerais, nas orientações gerais

do que seria uma política de inclusão, nós fizemos, constituímos um grupo de

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trabalho (GT) multicampi, porque a gente queria sentir, porque cada campus que

está num lugar, cada campus tem uma necessidade e a realidade dessa meninada,

desses jovens, em cada município desses, reflete a vida daquele município. Então a

gente entendeu que um GT multicampi nos ajudaria muito e realmente a gente tem,

tem de vez quando, tido algumas questões específicas.

No relato acima a gestora concebe a transversalidade como a forma em que devem

ser tratadas as questões sociais, como as questões étnico-raciais no currículo escolar.

Continuando suas reflexões ela informa o trabalho que vem ocorrendo no IFMA-Campus

Monte Castelo e na Comissão de Política de Inclusão e Diversidade, em Brasília.

A professora PR6 faz essa mediação para a gente, a gente coloca a demanda para

ela, ela leva para o grupo de trabalho e devolve para a gente a resposta. Mas eu

quero dizer que a gente entende que isso não é suficiente, porque uma política de

inclusão, muito embora a gente tenha [...] a sua pesquisa esteja focada na dimensão

curricular, mas a gente sabe que a inclusão tem uma dimensão gigantesca. Eu estou

vindo agora de Brasília, eu estou na Coordenação Nacional de um GT, de uma

Comissão de Política de Inclusão e Diversidade. E nós tivemos dois dias nos

dedicando apenas a um tema, que foi a política de assistência estudantil para a Rede

Federal de educação profissional. Porque que a gente recebe esses jovens, a gente

sabe que essa questão da etnia, a gente sabe que a questão de raça, tudo é muito

importante, mas se a gente cuidar dessa questão do ponto de vista curricular, mas

não cuidar do auxílio-transporte, do auxílio moradia, de uma boa biblioteca, de uma

boa sala de aula, esse estudante não vai ter condição de ficar aqui. Você pode ter

uma filosofia maravilhosa, abraçar esse menino, beijar esse menino, mas e aí? A

conclusão a que a gente chegou que não precisaria estender essas cotas aos negros,

esses estudantes já estão sendo contemplados dentro das cotas. E aí ficou, não um

diálogo entre nós e o GT, que nós permaneceríamos com a mesma [...]. A última

decisão do Supremo, foi pela constitucionalidade e ainda depende da instituição

querer ou não adotar, parece que tornou direito constitucional. Essa questão de

constitucionalidade, a gente esteve discutindo aqui com o procurador, ficou [...].

Todo mundo sabe que é claro que a Constituição ela tem até um outro artigo que é

bem mais, que é até anterior, antecede essa discussão das cotas, que é a questão dos

direitos das pessoas [...] (G3).

A legislação educacional sobre a Educação para as Relações Étnico-Raciais e para

a história da cultura afro-brasileira e africana, também admite o trabalho de forma transversal,

porém essa forma de tratar a educação não impede que ela não se torne “currículo de turistas”

na medida em que pode ser tratada de maneira trivializada, de forma exótica, estereotipada e

de forma deformada. Segundo Santomé (1998, p. 150), “um currículo democrático e

respeitador de todas as culturas é aquele no qual estão presentes estas problemáticas durante

todo o curso escolar, todos os dias, em todas as tarefas acadêmicas e em todos os recursos

didáticos”.

Se, por um lado, os depoimentos anteriores refletiram alguns aspectos que

dificultam a efetivação da Lei nº. 10.639/06, os depoimentos a seguir se reportam de maneira

positiva a algumas práticas curriculares.

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243

O depoimento da professora de História (PR1), que atua na EPTNM, se detém nos

conteúdos pedagógicos focados no continente africano, o sistema escravagista no Brasil, o

neocolonialismo, apartheid, mobilização negra nos Estados Unidos e o Movimento Negro no

Brasil. Do ponto de vista metodológico, frisa o trabalho interdisciplinar que desenvolve com a

disciplina Geografia e articula exibição de filmes para trabalhar a questão do preconceito com

a cor da pele. Observemos o seu depoimento.

O que eu venho desenvolvendo dentro das minhas atividades: Eu já inseri, por

exemplo, a discussão sobre o Egito, pensando ele como país africano, e que antes a

gente acabava estudando a civilização egípcia de forma pouco descolada, também

cursos com conteúdo de história da África. A gente discute a escravidão, não sob

uma vertente de apenas pensar o escravo como alguém dominado, subjugado, mas

como sujeito que sofreu uma tentativa de animalização ou de coisificação, que não

foi exitosa, tanto é que nós temos elementos muito marcantes da cultura negra na

nossa sociedade. E assim, eu percebo que ano a ano a gente vai ampliando, por

exemplo, a turma que eu estou trabalhando agora, foi importante o que nós fizemos,

nós estudamos África, depois trabalhamos o material sobre justificativas para a

escravidão, quais foram os múltiplos discursos que foram construídos na tentativa de

justificar a escravização das populações africanas, depois nós fomos discutir

especificamente sobre a escravidão aqui no Brasil, como é que ela se desenvolveu,

as suas múltiplas vertentes, contando também aspectos da resistência escrava e agora

eles estão apresentando seminários sobre países africanos; eles escolheram países

africanos, e que é um trabalho que eu estou fazendo interdisciplinar com o professor

de Geografia, em que eles analisam tanto aspectos da história desses países, antes da

chegada dos europeus, até a atualidade; então vendo história, os índices econômicos,

relevo, essas coisas todas. E por último, nós assistimos a um documentário, “Vista a

Minha Pele”, para tentar pensar sobre a questão do preconceito. Depois a gente vai

voltar para o neocolonialismo, a gente já discutiu também um pouco sobre apartheid,

e lá na frente eu quero voltar para a gente pensar sobre a mobilização negra nos

Estados Unidos e chegar até o Movimento Negro no Brasil. Mas, assim, é difícil,

porque não tem uma carga horária muito elevada a minha disciplina (PR1).

A disciplina História é um dos vetores para trabalhar os conteúdos sobre as

vinculações entre a África e o Brasil. Sobre o estudo do Continente Africano108

, Venâncio

(2009) alega que precisamos recorrer ao estudo de seu patrimônio antropológico e à avaliação

dos efeitos do colonialismo, como fator histórico. Nesse sentido, se faz necessário estudarmos

a África pré-colonial e o colonialismo em seu significado sociológico. Além destes estudos, o

autor se reporta à questão do desenvolvimento e subdesenvolvimento e as vivências africanas

hoje. Para ele, este último é um tema prioritário. Ao que parece, essa é uma preocupação

presente na proposta curricular da disciplina História e Geografia.

Conforme Serrano; Waldman (2010),

108

A bibliografia citada delimita o estudo para a África subsaariana.

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244

Recordemos que o estudo da realidade africana sugere a interconexão de diversas

disciplinas e de campos de conhecimento. Ao lado da História, é indispensável a

contribuição da Geografia, da Sociologia, da Ciência Política e marcadamente da

Antropologia, disciplina na qual, aliás, se materializaram as primeiras análises que

romperam com o universo de pensamento eurocêntrico e com os enunciados

colonialistas (SERRANO; WALDMAN, 2010, p. 16).

Em acréscimo aos conteúdos, é significativa a abordagem quanto à atuação nas

lutas e resistências do escravizado, bem como a metodologia do trabalho interdisciplinar e a

utilização de filmes em sala de aula. No entanto, a professora comprova um aspecto

nevrálgico em termos de organização do conhecimento: a questão das cargas horárias de

determinadas disciplinas.

Posicionamo-nos a favor da metodologia de projetos, tendo em vista a superação

da fragmentação não somente do conhecimento escolar, como também uma possibilidade de

flexibilização da carga horária destinada a cada disciplina.

Se na disciplina História a professora comenta sobre o trabalho permanente com o

conteúdo o qual a Lei nº. 10.639/03 determina na disciplina Língua Portuguesa, ao que

parece, esse trabalho não é sistemático. Nesta disciplina, o trabalho é mais pontual, conforme

A2, que relata uma experiência também desenvolvida na EPTNM.

[...] foram poucas oportunidades que eu tive dentro do IFMA para poder me ajudar a

ter esse reconhecimento da questão étnico racial. O fato de eu me considerar negro.

Eu posso citar três exemplos de oportunidades, um em cada ano. No primeiro ano, a

professora de português. Ela permitiu que eu recitasse uma letra de um samba-

enredo que falava dessa questão do negro. É até o samba de 1988 da Mangueira, fala

muito bem dessa questão, da contribuição do negro, como é que estava o negro na

sociedade. No segundo ano, recitei um poema que eu fiz. Ele se chama “Navio

Negreiro”. Recitei também, contando a história e trajetória do negro, a contribuição

que o negro deu para a história do Brasil. E agora no terceiro ano, eu também tive a

oportunidade de recitar um poema: “Brasil seu povo negro viril”. Fui eu também que

fiz. E, essa poesia, eu recitei na sala de aula na hora da aula da professora “Y”que

também é de português. E aí, essa minha poesia, acabou sendo lida por uma outra

professora do curso de Design, com a professora “K”. E ela era organizadora da

Semana da Consciência Negra no Instituto aqui no campus do Monte Castelo.

Recitei aqui no pátio para muitas pessoas. Também foi um momento muito bom,

porque eu pude colocar aquilo que eu pensava para o pessoal ouvir, mostrar as

contribuições e também foi um momento de reconhecimento. Foi uma oportunidade.

Mas foram poucas. Eu acredito que foram poucas, mas contribuíram sim. De fato,

contribuíram para esse meu reconhecimento. Foram bem importantes sim. Tanto no

reconhecimento étnico-racial, como nessa questão da minha capacidade, do que eu

sei fazer e do que eu gosto de fazer (A2).

A2 ratifica ainda a importância da disciplina Língua Portuguesa para o

reconhecimento étnico-racial, pois, para ele, pessoalmente, as atividades desenvolvidas pela

professora foram bastante significativas.

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245

A professora PR7 confirma em seu depoimento abaixo iniciativas didáticas com

conteúdos relacionados ao tema da Educação para as Relações Étnico-Raciais.

Nós temos trabalhado um pouco sobre a Lei nº. 10.639, bem como as diretrizes

curriculares para educação das relações étnico-raciais. Então, para que essa

orientação possa trazer para o professor uma prática pedagógica mais coerente com

a realidade da diversidade que ele atua, eu costumo trabalhar um pouco dessa

diversidade do ponto de vista do gênero, do ponto de vista da sexualidade, do ponto

de vista racial, que é um elemento importante nessa análise, porque os professores,

ao entrar em uma sala de aula, têm vários sujeitos, mulheres, negros, índios,

deficientes. Realizei projetos de extensão, inclusive o projeto que era intitulado “A

Autoestima de Crianças e Adolescentes Negras no Bairro da Liberdade” onde

levamos para a comunidade a nossa intervenção no IFMA, mas que não teve muito

recurso, que era mais com bolsa, tinham só os bolsistas e por conta da nossa

participação nas Semanas Pedagógicas, de tentar contribuir, assim, no geral, a nossa

contribuição tem sido no sentido de que a própria instituição cresça do ponto de

vista da educação e do ponto de vista da qualidade para os alunos, para os

professores, para os técnicos administrativos, que eu acho que é um ponto que está

lá presente no Projeto Político-Pedagógico, a qualidade do serviço. O currículo é

essa prática. No caso da disciplina Política Educacional Inclusiva I, trabalho, num

primeiro momento, o processo de exclusão, trabalhando o elemento da

discriminação de forma positiva, entendendo que as pessoas que foram excluídas,

elas têm um processo que deve ser reparado na sociedade; devem ter um processo do

ponto de vista jurídico, para além de só ter cotas, mas um processo jurídico da

sociedade. Então a nossa disciplina trabalha nesse entendimento, mas também ela

faz um resgate histórico, ela faz um resgate do próprio conceito das identidades, do

conceito de etnia, faz o debate em torno das deficiências. Educação Especial

trabalha a caracterização de cada tipo de deficiência e como nós podemos trabalhar.

Porque o enfoque central é o respeito a esse sujeito que está na escola, seja ele

deficiente, seja ele jovem ou adulto, excluído da escola, seja ele negro, negra, dentro

da escola, seja ele indígena, todos eles têm direito à escolarização como processo de

humanização desse sujeito. No entanto, essa disciplina não partiu de uma discussão

dos setores prioritários, sobretudo aqueles que estão ministrando essas disciplinas e

dos alunos que vão receber, bem como dos outros departamentos. Então eu acredito

que deveria ter um debate melhor, no sentido de esclarecimentos sobre a discussão

mesmo epistemológica da disciplina, a questão conceitual, mas como eu tenho

ministrado essa disciplina, eu acho que foi uma mudança interessante (PR7).

A professora acima reforça os trabalhos de extensão, focando aspectos

psicológicos da questão étnico-racial, como a autoestima, por exemplo. Tal iniciativa é

notória, por ela resgatar que não somente a instituição escolar deve trabalhar os conteúdos

conhecidos como conceituais e factuais, mas também os de ordem atitudinal/afetiva109

.

E acrescenta:

109

Como César Coll e Enric Valls têm influência na formulação das políticas curriculares tanto na Espanha como

no Brasil buscamos compreender como são designados os conteúdos na obra “Os conteúdos na Reforma”

(2000). Os conteúdos designam o conjunto de conhecimentos ou formas culturais que são considerados

essenciais para o desenvolvimento e a socialização.

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246

Eu lembro que quando eu estava cursando mestrado. Eu fiz uma pesquisa para um

trabalho de disciplina que era sobre patrimônio cultural [...] fui fazer um

levantamento de como é que os alunos de uma escola estadual percebiam a história

de São Luís ser patrimônio cultural da humanidade. E eu lembro que eu fiz uma

pergunta assim: Você acha que os prédios históricos devem ser tombados? E aí

muitos alunos responderam: Não, não pode tombar, não pode destruir e muitos

desses alunos nem conheciam o centro histórico. E eu colocava: Como é que você

sabe que São Luís é patrimônio da humanidade? E ele: Porque eu vi no ônibus.

Então, você tinha alunos ali no ensino médio que viviam numa cidade patrimônio da

humanidade, mas que nem tinham a noção do que isso significava e que muitas

vezes nem conheciam, ou com o horizonte muito limitado. Então, eu acho que a

escola, ela tem o propósito fundamental de aprofundar os horizontes. Eu acho que o

professor tem esse papel de mostrar que existe um mundo para além dessa realidade

que o cerca; foi um fator que me levou a fazer história. Eu acho que a história me fez

conhecer muitas coisas, embora eu esteja aqui situada em São Luís, no Maranhão, e

eu acho que é esse o nosso papel. Mostrar que existe uma realidade para além da

dele, mostrar que existe racismo, que isso é que é ser crítico - ser crítico é você fazer

com que o seu aluno tenha uma compreensão realmente da realidade que o cerca,

que ele perceba que existe um mundo para além dessa experiência que ele está

vivendo e que ele ocupa um papel nesse cenário, não é só enfeite, para mim isso é

currículo (PR1).

Mesmo considerando que o episódio relatado por PR1 não ocorreu no espaço do

IFMA, convém assinalar a que remete esse relato. Em nossa percepção, ela retoma a ideia da

desarticulação ou descontextualização dos conhecimentos estudados na instituição escolar e a

realidade onde o aluno está inserido.

Na visão de Morin (2002), se faz necessária a reforma do pensamento, tendo em

vista a geração do pensamento do contexto e do complexo. O autor defende que

o pensamento contextual, busca sempre a relação de inseparabilidade e as inter-

retroações entre qualquer fenômeno e seu contexto, e deste com o planetário. O

complexo requer um pensamento que capte relações, inter-relações, implicações

mútuas [...]. (MORIN, 2002, p. 19).

Ademais, Morin (2002) relaciona a reforma do pensamento à reforma do ensino.

Para ele, o ensino secundário é o lugar da verdadeira cultura geral, que estabelece o diálogo

entre a cultura das humanidades e a cultura científica. Nesse sentido, a História deveria

desempenhar um papel-chave.

Os temas da interdisciplinaridade e da transversalidade são recorrentes nos

discursos dos professores e gestores no trato com a questão étnico-racial, conforme podemos

observar no depoimento da G3.

Muito embora a prática da transversalidade não seja uma coisa com que as pessoas

se comprometam, mas eu vejo que é por aí. Muito mais por aí. Quer dizer, cada um

de nós, em sala de aula, na escola, ou como administrativo, na Reitoria, ou na Pró-

Reitoria, enfim, vendo as pessoas como elas são, o que elas têm, certo e olhando

para elas como se fossem todas as pessoas exatamente iguais, eu vejo que essa é

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247

uma prática que a gente precisaria ter. Nas escolas os professores trabalhando,

educando esses jovens, e se educando também para isso porque ainda tem muito

professor que ainda discrimina; a gente está vendo na imprensa, a coisa mais terrível

do mundo, as formas cruéis como alguns colegas nossos, não é, lamentavelmente,

não é só na escola, mas em qualquer lugar as pessoas matam as outras, então basta

que seja negro, basta que esteja vestido de uma forma diferente para ser

discriminado. Então, se a gente não se educar, começar a educar as pessoas para

conviver com essas diferenças [...] (G3).

O professor de Filosofia também informa como sua disciplina pode abordar os

temas relativos às questões étnico-raciais e sua compreensão de interdisciplinaridade.

No caso da Filosofia, por exemplo, a gente pode trabalhar isso de uma forma bem

interessante com a questão da Ética, da Liberdade. São conceitos que vão perpassar

a compreensão da alteridade, da identidade cultural, da própria relação dentro de um

espaço público. Você também pode trabalhar isso dentro da questão política. E, acho

que não só a Filosofia, mas eu acho que qualquer disciplina tem totais condições de

desenvolver muito bem essa questão da relação da alteridade, dos papéis sociais.

Agora, claro, como universo mais restrito, hoje, como a gente vê, hoje a dificuldade

é fazer essa interdisciplinaridade. Eu penso que talvez não fosse apenas colocar o

componente curricular dentro da disciplina, mas possibilitar antes que o professor

compreenda, realmente, a historicidade desse conceito. A mesma coisa que eu vou

falar, por exemplo, de um conceito técnico dentro de uma determinada disciplina,

sem levar com que o aluno compreenda as relações históricas dentro do papel do

Estado, dentro do papel da escola, dentro das instituições presentes nos modos de

relação do poder, da política, da economia, que chegou a esse ponto de a gente ter

hoje um componente curricular obrigatório na escola pra falar sobre Africanidade,

pra falar sobre Etnocentrismo, pra falar sobre Preconceito, pra falar sobre

Escravidão, Multiculturalismo, uma série de questões que estão perpassando o

combate ao racismo, a Cultura Afro-brasileira, as Tradições, os nossos mitos, as

nossas lendas. Então, isso é um processo que precisa ser, também, diretamente

relacionado com a inserção, não só no currículo, em si, mas até compreendendo

melhor a complexidade do currículo que não é apenas um registro acadêmico que

determina o que você vai administrar ou não, mas é a atitude que você toma em

relação àquele conteúdo, isso também é currículo (PR2).

A disciplina Filosofia é um componente curricular de vital importância na

formação dos alunos. No depoimento acima, PR5 faz projeção de como a disciplina pode

atuar com a temática étnico-racial por meio dos conteúdos sobre ética, política, liberdade e do

assunto sobre a condição humana por meio da mitologia africana, é o que indica o seguinte

depoimento.

Eu, pelo menos, preciso ainda me apropriar mais de alguns elementos sobre essa

questão de um modo mais geral: eu trabalho já em relação à questão dos mitos e

com algumas lendas e alguns mitos africanos. Então, quando eu coloco a questão

dos mitos, eu vejo a importância de o aluno compreender esse universo cultural que

perpassa a busca por um sentido, de encontrar uma resposta, e eles vão vendo que,

independentemente de onde se estiver, o ser humano vai dar uma resposta, só que

essa resposta vai ser diferente, embora seja a mesma busca. Então, ele começa a ter

uma visão mais ampla, mais panorâmica sobre o próprio papel dos símbolos, das

histórias, das narrativas, do que representou aquilo dentro do universo cultural da

humanidade. Então, eu acredito que isso já pode possibilitar ao aluno uma visão

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mais ampla, que não é só o povo grego que escreveu sobre mitologia, mas a África,

a Amazônia, os índios norte-americanos, os chineses, os oceânicos, ou seja, a

humanidade de um modo geral anseia por símbolos, por celebração, por derrotar

seus deuses, seus ancestrais, e ele vai vendo que isso é uma forma também de

aproximar até a questão da liberdade, de exercer a sua liberdade como cidadão de

uma forma mais ampla, não diria tolerância, eu não gosto muito desse termo. Mas,

eu acredito que conhecimento e um respeito profundo pela identidade do outro,

porque isso é muito mais que simplesmente tolerar o outro (PR2).

Face ao exposto, observamos a importância de um trabalho interdisciplinar entre

as disciplinas Filosofia e Língua Portuguesa. Esta é uma perspectiva inspirada no contato com

a obra do escritor africano Mia Couto “Terra sonâmbula” (2007), em que ele aborda, em

forma de romance, as mitologias tribais e a cultura oral africana em Moçambique.

Uma outra abordagem sobre o trabalho pedagógico com as questões étnico-

raciais é feita pelo professor de Educação Física, PR4, que assim se manifesta:

Pelo lado, por exemplo, social, dentro da própria história de várias modalidades

esportivas, que eu posso citar, por exemplo, o Voleibol. [...] Ele não surgiu em

bairros pobres, ele surgiu em elites, em clubes fechados, onde só os brancos

praticavam. E o aluno hoje, ele tem acesso nas mais diversas escolas, aos mais

diversos confins no Brasil e no mundo à modalidade, só que ele não percebe que ele

teve acesso depois de muito tempo, passou-se muito tempo. Foi uma modalidade

criada num ambiente fechado de um clube elitista e hoje é disseminada no mundo

todo, você tem acesso ao vôlei, ao futebol. Futebol, em questão social, [...] não

aceitava atletas negros em suas equipes. A primeira experiência no Brasil foi o time

de Vasco da Gama. Inclusive, dentro dessa linha, o time do Fluminense, a torcida do

Fluminense é conhecida como “Torcida pó-de-arroz” em virtude do fato de que,

como era proibido jogadores negros nos times de futebol, os negros que começaram

a jogar, eles se pintavam com pó-de-arroz antes de entrar em campo para parecerem

brancos. Só que durante o jogo, aquele suor, aquela atividade física desmascarava,

tipo uma maquiagem borrada. [...] Mas são relatos que os alunos têm durante as

aulas de Educação Física, quando se fala um pouco da história das modalidades, que

praticamente 80, 90% das modalidades passaram por isso. Elas não surgiram pra

todo mundo, elas foram criadas em ambientes fechados e a partir daí se tem a

disseminação dela (PR4).

Observamos o nível de compreensão que PR4 tem da pertinência do tema que

envolve as questões étnico-raciais com a disciplina Educação Física. Contudo, não assegurou

que esse tipo de trabalho é efetivo. Ao que parece, esse tipo de relação entre as questões

étnico-raciais e a referida disciplina ocorre eventualmente.

Numa linha mais concernente aos conteúdos atitudinais, examinemos as reflexões

também de PR5:

Existe, tranquilamente. Mas, é como eu digo a você: a sua presença como

professora, a minha presença como professor, já são fontes positivas pra travar

discussões em sala de aula e ir quebrando cada vez mais esse preconceito. [...] faço

sempre discussões com os alunos. É mostrar, realmente, pontuar pra sociedade, quer

dizer, pros alunos, a primeira coisa que nós temos que aprender: respeitar cada

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cidadão do jeito que ele é. Isso é fundamental. Já mostrei pra, não só aqui, por onde

eu passo mostrando, a instituição não precisa do meu cabelo, da cor dos meus olhos.

Os alunos precisam do conhecimento, do meu caráter, da forma que eu passo a

disciplina que eu sei, da forma que eu me comporto e da forma que eu combato as

injustiças (PR5).

Neste relato observamos a ênfase que o professor atribui ao comportamento do

professor. Por meio de sua postura, ainda que não explicitada nos programas e planos de aulas

das disciplinas, os professores estão formando determinadas subjetividades. Essas

observações do desenvolvimento curricular são pertinentes à teoria Crítica de currículo que

nos legou o conceito de currículo oculto (SILVA, 2000).

O depoimento a seguir, de uma pedagoga, enfatiza outros aspectos igualmente

importantes para a configuração das disciplinas nas matrizes curriculares, a exemplo, os

pressupostos curriculares, os quais antecedem a formulação de cursos trazendo à tona

novamente a dificuldade em estabelecer a carga horária das disciplinas.

Tem, a gente fala em currículo, a gente fala em concepções, em ideias, em modelos

pré-estabelecidos. A estrutura do currículo quando ela é pensada, ela é pensada a

partir de um olhar de homem, de sociedade. Então, quando você vai construir um

currículo, por exemplo, de um curso de licenciatura, você tem que pensar tanto em

quem é o seu aluno como quem será o futuro aluno daquele que você vai tornar

professor. E aí você tem que pensar nessas questões. Quando a gente foi fazer a

reforma de dois cursos, Biologia e Matemática, que foi para a gente discutir essas

disciplinas, o grande problema que a gente teve foi com a carga horária dessas

disciplinas, que para mim é uma carga horária mínima, mas dentro de uma estrutura

curricular amarrada, determinada pelo MEC. O MEC diz: “Tem que pensar na

inclusão, tem que fazer a inclusão”, mas na hora do currículo ele determina tantas

horas para isso, tantas horas para aquilo e ele acaba amarrando [...] (PE).

Os depoimentos nos fazem refletir sobre o que também discute Morin (2002), ao

propor os sete saberes na reforma do ensino. Os sete saberes têm como propósito preencher,

segundo o autor, a lacuna que existe no sistema de educação francês. Tal lacuna pode ser

evidenciada não apenas neste sistema como em outros, como no contexto brasileiro. Morin

(2002) refere-se ao saber sobre o conhecimento, o conhecimento pertinente, a condição

humana, a compreensão humana; a incerteza, a era planetária e a antropoética. Destes,

sublinhamos o saber sobre a condição humana em que o autor assevera que é preciso que nos

seja ensinado sobre nossa identidade de ser humano como ser integral, de forma que

possamos responder quem somos nós.

Por conseguinte, ilustramos de uma forma mais objetiva, por meio de quadro,

algumas dificuldades para a não efetivação da Lei nº. 10.639/03, mas também desafios para

sua efetivação.

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250

Quadro 21 - Mapa das principais dificuldades e desafios discriminados pelos sujeitos investigados

DIFICULDADES DESAFIOS

a. Permanência na zona de conforto; Herança

paternalista, colonialista, submissão, dominação.

b. Preconceito.

c. Formação de professores e de gestores.

d. A falta de planejamento da instituição; a falta de

qualificação profissional.

e. Falta compromisso da instituição.

f. Inexistência de um acompanhamento

pedagógico nos cursos superiores.

g. Problemas de ordem organizacional e estrutural

impossibilitam a atuação do acompanhamento

pedagógico nos cursos superiores.

a. Tornar a escola um espaço democrático de

formação.

b. Criar uma política de formação.

c. Levar as pessoas a, pelo menos ,questionar sobre

o tema, a se indagarem sobre os seus

comportamentos cotidianos em relação às relações

étnico-raciais.

d. Discutir a temática étnico-racial de forma mais

profunda.

Fonte: Pesquisa de campo.

Reiteramos a importância da Lei nº. 10.639/03 como uma das medidas das

chamadas políticas de ação afirmativa. Na esteira de Gonçalves (2006), essa Lei é

fundamental por contribuir para melhorar o conhecimento a respeito da história dos negros.

5.5 Indicadores propositivos de educação de qualidade com projeção para a

gestão/planejamento e práticas curriculares de reconhecimento étnico-racial

Depois de discutir o cenário das políticas e práticas curriculares no contexto

brasileiro e no IFMA – Campus Monte Castelo relacionadas às questões étnico-raciais, chega

o momento de retomarmos uma antiga preocupação em relação à produção de indicadores

propositivos curriculares constituintes de uma Educação para as Relações Étnico-Raciais e,

por conseguinte, para o reconhecimento étnico-racial. Nesse sentido, nesta seção do trabalho

focalizamos o como fazer para suprir a necessidade de uma prática pedagógica inovadora,

tendo em vista um currículo para o inter/multiculturalismo, para as Africanidades e, por

conseguinte para a mutualidade.

No contexto pesquisado, os sujeitos enumeraram algumas dificuldades e desafios

para efetivação de políticas e práticas curriculares coerentes, críticas, consistentes e

satisfatórias. Tais dificuldades e desafios giraram em torno das políticas de ação afirmativa,

em relação ao planejamento e currículo escolar (seleção e organização dos conteúdos com o

foco do inter/multiculturalismo); da gestão em sua estrutura organizacional e do clima

educativo. Estes quatro elementos foram constituídos como alguns sinalizadores de educação

de qualidade com projeção para as questões étnico-raciais, os quais são vistos como

importantes aspectos da realidade escolar, também chamados de indicadores.

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251

Com base nesses indicadores, organizamos os subtópicos que compõem esta parte

do trabalho. Em primeiro lugar, nos reportamos ao âmbito da gestão apresentando algumas

proposições das Políticas de Ação Afirmativa. Em seguida nos reportamos às proposições

para inserção da Resolução CNE/CP 1/04 (BRASIL, 2004) quanto ao Projeto Político

Institucional bem como os parâmetros para o desenvolvimento de um clima educativo. Sobre

o planejamento curricular, consideramos relevante esboçar os Indicadores de Planejamento e

Práticas Curriculares Inter/multicultural de acordo com Gimeno (1995); James Banks (1999);

Vera Candau (2000; 2012); Gonçalves (2003). Destacamos, ainda, experiências, no âmbito do

Campus Monte Castelo as quais consideramos práticas curriculares inovadoras na perspectiva

da inter/multiculturalidade. Por fim, delinearemos proposições quanto à formação continuada

de professores.

Ressaltamos que os indicadores propositivos se constituem como referências para

todos os níveis e modalidades da educação, pois estamos convictos de que a cultura geral

inclusiva é direito de todos.

Políticas de Ação afirmativa

De acordo com os dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(CENSO, 2010), existe uma disparidade em termos de níveis de escolaridade entre brancos,

negros e indígenas no estado do Maranhão. Essa informação confirma que historicamente os

negros são vítimas de exclusão e discriminação sociorracial no País. Nesse sentido, as

políticas de Ação afirmativa têm sido colocadas em evidência.

Em âmbito federal, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, no ano de

1996, foi constituído “o GTI – Grupo de Trabalho Interministerial – com a incumbência de

discutir, elaborar e implementar projetos políticos voltados para a valorização e elevação dos

padrões de vida dos afro-brasileiros” (SISS, 2003 p. 147).

Nessa oportunidade, foram sugeridas proposições de Ação Afirmativa para as

áreas do Trabalho, das Comunicações, da Saúde e para a Educação. As proposições para esta

última compreendem:

Construir mecanismos facilitadores do ingresso de afro-brasileiros nas universidades

públicas e privadas;

Elaborar “programas para concessão de bolsas de estudos” para alunos universitários afro-

brasileiros, seja na graduação, seja na pós-graduação;

Construir formas de acesso facilitado ao crédito educativo para estudantes afro-brasileiros;

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252

Priorizar a “alocação de recursos do tesouro nacional para fins de educação” à pré-escola

e ao ensino fundamental;

Conceder estímulo à “implantação ou ampliação dos cursos noturnos”, seja em

instituições públicas de ensino, principalmente em universidades, seja em escolas

profissionalizantes;

Elaborar “programas especiais” facilitadores do acesso de afro-brasileiros ao ensino

profissionalizante, bem como programas especiais destinados a capacitar trabalhadores

afro-brasileiros, visando preferencialmente à formação de adolescentes e mulheres;

“Instituir e estimular a criação de cursos especiais de preparação para ingresso” nas

instituições de ensino superior, bem como nas diversas profissões civis e militares;

“Criar e estimular programas” voltados para capacitar afro-brasileiros em gestão

empresarial;

Criar convênios com instituições de ensino internacionais voltados para a capacitação de

afro-brasileiros;

Dar impulso positivo à “produção de material didático-pedagógico especial para a

educação infantil com o objetivo de permitir que a criança se desenvolva de forma sadia,

no que diz respeito às relações raciais;

Elaborar “mecanismos de estímulos às escolas comunitárias e tecnoculturais que

desenvolvam programas especiais de educação infantil” com base na cultura afro-

brasileira;

“Promover e estimular a produção de materiais didático-pedagógicos” que enfatizam a

história, a cultura e a tradição dos afro-brasileiros;

Incluí-los aos currículos da educação básica, além de prover a capacitação dos docentes

para trabalhar com o tema relações raciais.

As duas últimas proposições estão relacionadas mais diretamente à educação

formal. Ainda que concordemos com elas, cabe refletir que, para além da inclusão dos

conteúdos sobre história, a cultura e a tradição dos afro-brasileiros nos currículos e livros

didáticos e a formação dos professores, devemos atentar para o que relata Gimeno Sacristán

(1995, p. 86): “o conhecimento não é um objeto manipulável e transmissível como se fosse

uma realidade física [...] que pode ser refletido em um suporte qualquer (livro, filme, etc.). O

conhecimento se concretiza no processo de conhecer. Nesse processo conta o contexto

externo e interno de quem o conhece”. O autor alerta que o currículo multicultural no ensino

implica mudar não apenas as intenções do que queremos transmitir, mas os processos internos

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253

que são desenvolvidos na educação institucionalizada. O autor, mais que os documentos,

enfatiza o currículo real, tal como ele acontece no dia a dia da escola.

Para ele, o currículo inter/multicultural exige mudanças e estas perpassam pelos

métodos pedagógicos, pela abordagem da cultura e de experiências humanas, sensibilidade

diante de qualquer discriminação, organização de atividades que estimulem a diversidade.

Projeto Político-Institucional

A inserção das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações

Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nas

Instituições de Ensino Superior precisa refletir-se nos diferentes espaços institucionais.

O Projeto Político-Institucional e o dos cursos são componentes cruciais para

inserção das Diretrizes. Em função da necessária articulação dos espaços institucionais,

apresentamos como indicador aos aspectos relativos à gestão o processo de circularidade de

inserção das Diretrizes, levando em conta o ensino, a pesquisa e a extensão, que podemos

visualizar por meio da figura a seguir:

Figura 2 – Processo de circulação de inserção das diretrizes nas Instituições de Ensino Superior

Fonte: Brasil (2006).

P

E

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Q

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ENSINO

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254

Tomando como base os elementos indicados pela Figura 1, o IFMA, em sua

estrutura e organização, é constituído por este tripé: ensino, pesquisa e extensão. No entanto,

o processo de inserção das diretrizes não está contemplado a contento. Foi criado o NEABI,

porém a atuação desse Núcleo ainda se dá de forma muito tímida, inclusive no campus Monte

Castelo; não existe uma articulação e um trabalho mais sistemático, tal como proposto na

Figura 2.

Clima educativo

O combate ao racismo, ao preconceito e à discriminação étnico-racial deve

perpassar a educação dos alunos, a qual faz parte do programa da Educação para as Relações

Étnico-Raciais, para que eles possam reconhecer e valorizar a identidade, a história e a cultura

africana e afro-brasileira. Compartilhamos a ideia de que eles precisam desenvolver também

processos educativos orientado por valores.

Segundo Ponce (2009, p. 5), ao refletir sobre a formação de valores na escola, “a

escola do ensino médio deve oferecer ferramentas que levem os jovens a saber discernir e

optar [...]. Significa [...] instaurar e desenvolver reflexões de modo a possibilitar o

amadurecimento das ações que não sejam frutos apenas de imediatismos”.

Nesse sentido, se queremos um jovem que seja educado para as Relações Étnico-

Raciais, precisamos instaurar, segundo o documento Indicadores da Qualidade (2004) na

Educação, um ambiente educativo em que:

haja respeito e laços de amizade entre as pessoas, independentemente de serem negras,

brancas, indígenas, com deficiência, ricas ou pobres, homens, mulheres, homossexuais ou

não;

atitudes preconceituosas ou discriminatórias devem ser conversadas na sala de aula ou em

outro espaço da escola para que não aconteçam mais;

a discriminação deve ser abordada durante as aulas como algo que causa sofrimento, que

prejudica as pessoas e é crime.

Planejamento inter/multicultural e Africanidades Brasileiras

Em Gimeno Sacristán (1995; 2007), destacamos duas abordagens que faz sobre o

planejamento curricular: a proposta de diretrizes para o desenvolvimento do currículo,

baseado no direito à educação, e abordagem acerca do currículo e da diversidade cultural.

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255

Segundo o autor (1995), a busca de qualquer saída para a submissão dos grupos

ou culturas marginalizadas passa por modificar os padrões gerais de funcionamento da

educação e, mais concretamente, o da seleção e do desenvolvimento dos conteúdos do

currículo. A questão colocada é: “que fazer, a partir do planejamento curricular, para

favorecer o multiculuralismo? Como decidir os conteúdos que farão parte da educação geral

de todos os cidadãos para que representem uma aproximação à compreensão e participação na

cultura à qual se vive [...]?” (GIMENO, 1995, p. 107). O autor apresenta três soluções:

Introdução de unidades específicas de conteúdos, com seus correspondentes materiais,

dedicados a países, crenças e sistemas culturais mais distantes do próprio. A educação

deve acolher o tratamento dos direitos humanos, individuais e dos povos.

Modificar a área curricular que parece mais propícia à introdução de elementos

interculturais. Por exemplo, a área de Estudos Sociais.

Introduzir o pluralismo cultural em todos os componentes do currículo que seja possível,

partindo de uma mostra representativa do que é a própria cultura, algo que vai além da

soma das áreas ou disciplinas tradicionais. Uma seleção representativa da cultura para o

currículo exige determinar:

Os parâmetros ou invariantes culturais, que são os grandes núcleos em torno dos

quais se podem agrupar temas, problemas e diferenciações internas da cultura ou

do contaste com outras;

A partir deles realizar uma varredura de uma sociedade ou cultura, obtendo uma

descrição representativa;

Depois ordenar tudo isso decidindo que experiências são desejáveis, importantes

e necessárias para os alunos.

Diante desses procedimentos, Gimeno Sacristán (1995) se remete a dois autores

os quais propõem indicadores de parâmetros ou invariantes culturais.

Quadro 22: Mapa de planejamento curricular inter/multicultural (parâmetros ou invariantes culturais)

FORMULAÇÃO DE LAWTON FORMULAÇÃO DE BENNETT

- Estrutura social-sistema social

- Sistema econômico

- Sistema de comunicação

- Sistema de racionalidade

- Sistema tecnológico

- Sistema moral

- Sistema de crenças

- Sistema estético

- Sistema de maturação

- Linguagem e comunicação

- Estrutura social

- Sistema econômico

- Sistema político

- Sistema religioso

- Expressão estética

- Conhecimento científico e tecnologia

- Formas de proteção e meios de aculturação ou educação

Fonte: A autora

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256

À sua discussão sobre currículo e diversidade cultural Gimeno acrescenta a

dimensão política de todo o currículo, a qual afeta o currículo multicultural, apostando na

forma democrática, nos procedimentos de decisão, desenvolvimento e avaliação do currículo.

Para isso será necessário que “as decisões saiam do âmbito das decisões burocráticas e do

campo restrito de perspectivas e interesses dos especialistas nas matérias, das pressões de

grupos profissionais e econômicos, do tecnicismo que acompanha a discussão atual sobre o

currículo” (GIMENO SACRISTÁN, 1995, p. 111-112).

O autor defende, porém, que os grupos e indivíduos precisam se debruçar em

aspirações comuns que sirvam de base de convivência. Em seu modo de entender, os direitos

considerados universais podem ser um guia para deduzir diretrizes para a educação em geral.

A sua preocupação reside em como fazer a educação de acordo com os princípios derivados

dos direitos humanos e sua projeção na configuração do currículo e nas ações de ensino e

aprendizagem.

Nesse sentido, Gimeno Sacristán (2007) elenca os princípios que deverão

configurar o currículo, tendo como indicador geral os direitos universais, quais sejam:

Acerca dos conteúdos: uma responsabilidade compartilhada: o Estado, as instituições

educativas e os professores desenvolverão ações necessárias dirigidas à satisfação do

direito à educação para todos;

O currículo deve refletir a amplitude da educação: Todos devem conseguir aquilo que é

posto pelas finalidades da educação;

Educar é mais que ensinar matérias. Aprender é mais do que ser aprovado: O

desenvolvimento do currículo deve visar à educação geral;

Os professores ensinam matérias e educam os alunos: Tratar da formação e

aperfeiçoamento dela;

Conceito de currículo: O currículo é formado pelos conteúdos que devem ser

transformados em aprendizagens, para que os alunos sejam capacitados como cidadãos

livres e autônomos, capazes de compreender e participar no mundo complexo em que

vivem;

Legitimidade baseada nos direitos de crianças e jovens: Ajustar o sentido, a escolha e o

desenvolvimento do currículo a partir dos direitos de crianças e jovens;

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257

O sentido integral do currículo, consequências do sentido integral do direito: O

desenvolvimento integral compreende os aspectos formulados com base nos seguintes

aspectos:

a) Dimensões da pessoa: Cultivar todas as capacidades em termos de saberes, valores,

habilidades e emoções e criar atração pela cultura;

b) Valores fundamentais: trabalhar o respeito aos direitos humanos e às liberdades

fundamentais a seus pais, sua própria identidade cultural, por seus idioma e valores;

c) As raízes e os horizontes. O sentido amplo da cultura: Cultivar o respeito aos valores

nacionais do país em que viva e de que seja originário e das civilizações diferentes da sua;

d) Cidadãos livres e tolerantes em uma sociedade democrática sem discriminações: preparar

para uma vida responsável em uma sociedade livre e democrática, com espírito de

compreensão, paz, tolerância, igualdade dos sexos e amizade entre todos os povos, grupos

étnicos, nacionais e religiosos e pessoas de origem indígena;

e) Conhecer o mundo, participar dele e respeitar o meio: Desenvolver o juízo individual, seu

senso de responsabilidade moral e social, e uma educação que os torne membros úteis da

sociedade;

f) Uma visão ordenada do mundo exige uma ordem no ensino: Pensar o currículo de uma

perspectiva interdisciplinar e desenvolver o ensino o mais globalizante possível, com a

coordenação de professores e materiais adequados; inter-relacionar a cultura que

proporcionam as instituições escolares com o que se obtém em outros canais de difusão;

g) Pode aproveitar a cultura em sua mais ampla extensão: Participar da vida cultural e

artística;

h) Respeito e tolerância às diferenças culturais e de pensamento: Proteção contra as práticas

que possam fomentar a discriminação racial, religiosa ou de qualquer outro tipo;

i) O sujeito da educação como referência fundamental do ensino. A importância de que

todos possam progredir: A necessidade do aluno como princípio central; ações preventivas

de caráter compensatório para os que partam de condições menos favoráveis;

j) O direito das minorias à identidade: O Estado deve se comprometer a respeitar o direito da

preservação identitária;

k) Liberdade de expressão e de acesso à informação: Capacitação para a comunicação oral e

escrita; aprendizagem e uso das tecnologias da informação; valorizar a prática da leitura e

da escrita; utilizar os serviços da biblioteca;

l) Continuidade e coordenação: estabelecer redes entre as escolas e por meio de práticas de

ensino dos professores;

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258

m) Inovação permanente: O currículo deve estar em constante renovação de seus conteúdos;

n) Avaliação pública da educação oferecida: Todos devem ser submetidos ao processo de

avaliação.

Um outro autor que se dedica a fundamentar uma educação multicultural, tanto

teoricamente quanto os procedimentos de implementação, é James Banks (1999). Em sua

perspectiva, os principais ingredientes são:

Integração de conteúdo: A integração de conteúdos lida com as formas pelas quais os

professores usam exemplos provenientes de culturas e grupos variados para ilustrar os

conceitos-chaves, os princípios, as generalizações e teorias nas suas disciplinas e áreas de

atuação;

Processo de construção do conhecimento: Visa entender em que medida os professores,

ajudam os alunos a entender, investigar e determinar como os pressupostos culturais

implícitos, os quadros de referência, as perspectivas e os vieses dentro de uma disciplina

influenciam as formas pelas quais o conhecimento é construído;

Pedagogia da Equidade: Uma Pedagogia da Equidade existe quando os professores

modificam sua forma de ensinar de maneira a facilitar o aproveitamento acadêmico dos

alunos de diversos grupos sociais e culturais. Isso inclui a utilização de uma variedade de

estilos de ensino, coerente com a diversidade de estilos de aprendizagem dos vários

grupos étnicos e culturais;

Redução do preconceito: Esta dimensão focaliza as atitudes dos alunos em relação à raça e

como elas podem ser modificadas através de métodos de ensino e materiais e recursos

didáticos;

Uma cultura escolar e estrutura social que reforcem o empoderamento de diferentes

grupos: Seria um processo de reestruturação da cultura e da organização da escola, para

que os alunos de diversos grupos étnicos, raciais e sociais possam experimentar a

equidade educacional e o reforço de seu poder na escola.

No contexto brasileiro destacamos, entre outros, duas autoras que também se

preocupam com os aspectos metodológicos de promoção da educação multi/intercultural e

para Africanidades, respectivamente, trata-se de Vera Candau (2000) e Petronilha Gonçalves

(2003). Tanto uma quanto a outra nos alertam para atentar para os processos educativos. Em

Candau (2000; 2012), ressaltamos os critérios básicos para a promoção de processos

educativos em uma perspectiva intercultural. São eles:

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259

O ponto de partida deve ser uma perspectiva em que a educação é vista como uma prática

social em íntima relação com as diferentes dinâmicas presentes numa sociedade concreta;

É importante articular em nível das políticas educativas, assim como das práticas

pedagógicas, o reconhecimento e a valorização da diversidade cultural com as questões

relativas à igualdade e ao direito à educação como direito de todos;

A educação intercultural não pode ser reduzida a algumas situações e/ou atividades

realizadas em momentos específicos ou por determinadas áreas curriculares, nem focalizar

sua atenção exclusivamente em determinados grupos sociais;

Esta perspectiva questiona o etnocentrismo que, explícita ou implicitamente, está presente

na escola e nas políticas educativas e coloca a questão de que critérios para selecionar e

justificar os conteúdos – no sentido amplo, sem reduzi-los aos cognitivos;

Em uma outra obra Candau (2012) enumera alguns desafios que temos de

enfrentar se quisermos promover uma educação intercultural na perspectiva crítica e

emancipatória. Os desafios foram organizados em torno de determinadas ações. São eles:

Quadro 23: Desafios da educação intercultural numa perspectiva crítica emancipatória

Ações Desafios

Desconstruir Penetrar no universo de preconceitos e discriminações presentes na

sociedade brasileira

Articular

Articular igualdade e diferença, ou seja, articular ao nível das

políticas educativas e práticas pedagógicas o reconhecimento e

valorização da diversidade cultural com os aspectos concernentes à

igualdade e ao direito à educação como direito de todos.

Resgatar

Resgatar os processos de construção de nossas identidades, tanto no

nível pessoal como coletivo. Por exemplo, resgatar as histórias de

vida e da construção das diferentes comunidades socioculturais;

Focalizar aos aspectos relativos à hibridização cultural; Operar com

o conceito dinâmico e histórico da cultura.

Promover

Promover experiências de interação sistemática com os outros.

Trata-se da capacidade de desenvolver projetos que viabilize

diálogos; reconstruir a dinâmica educacional na perspectiva de

tornar ações e/ou atividades no sentido global, em todas as

dimensões do processo educativo e nos diferentes âmbitos bem

como congregar todos os grupos.

Fonte: Adaptado de Candau (2012)

A educação intercultural afeta não somente os diferentes aspectos do currículo

explícito – objetivos, conteúdos propostos, métodos e estilos de ensino, materiais didáticos

utilizados etc. –, como também o currículo oculto e as relações entre diferentes agentes do

processo educativo – professores, alunos, coordenadores, pais, agentes comunitários, etc.

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260

Petronilha Gonçalves (2003), por sua vez, refere-se à Africanidades Brasileiras,

que no seu modo de entender diz respeito às raízes da cultura brasileira que têm origem

africana. As Africanidades brasileiras conduzem a uma pedagogia antirracista, cujos

princípios são:

respeito: entendido como diálogo em que seres humanos diferentes se dirigem uns aos

outros, sem sentimentos de superioridade ou de inferioridade;

reconstrução do discurso pedagógico: participação da escola no processo de resistência

dos grupos e classes postos à margem, bem como contribuir para a afirmação da sua

identidade e de sua cidadania;

estudo da recriação das diferentes raízes da cultura brasileira (GONÇALVES, 2003, p.

28).

Formação de professores

As relações étnico-raciais no Brasil estão alicerçadas no mito da democracia

racial. Munanga (1996) nos indica que a nossa identidade profissional é constituída por esse

mito. A abordagem das questões étnico-raciais depende também da formação tanto inicial

quanto continuada de profissionais da educação.

A Resolução nº 1/2004, em seu artigo 1º, enfatiza o desenvolvimento de

programas de formação inicial e continuada de professores. Versa o artigo:

As instituições de ensino superior incluirão nos conteúdos de disciplinas e atividades

curriculares dos cursos que ministram a Educação das relações Étnico-Raciais, bem

como o tratamento de questões e temáticas que dizem respeito aos afrodescendentes,

nos termos explicitados no Parecer CNE/CP 3/2004.

No que diz respeito à legislação, o Plano Nacional de implementação da Educação

das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana

refere-se à Política de Formação Inicial e Continuada dos Profissionais da educação (Decreto

nº. 6.755/2009) como as principais ações operacionais do Plano devidamente articulados à

revisão da política curricular, para garantir qualidade e continuidade no processo de

implementação das Leis nº. 10.639/2003 e nº. 11.645/2008.

Em relação a estudos acadêmicos, Pinto (2002) realizou uma pesquisa cujo

objetivo consistiu em verificar a formação que o professor habilitado para ensinar nas quatro

primeiras séries do antigo 1º grau vem recebendo para lidar com as diferenças étnico-raciais;

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261

entre outros, o trabalho incidiu nos professores que estavam lecionando as disciplinas de

História do Brasil, Biologia, Sociologia e Psicologia da Educação no ano de 1997 nos cursos

de Magistério. A autora evidenciou que,

Dificilmente, certos temas/conteúdos que os professores afirmaram utilizar [...]

seriam viáveis para abordar o tema, poderiam prestar-se a essa finalidade devido a

sua remota relação ou ausência com o mesmo [...]. Tudo indica que são, sobretudo,

outros estímulos como a vivência em locais em que teve contato com a questão,

ocorrências em sala de aula, os problemas que aparecem no dia-a-dia,

principalmente os que são veiculados em casa como racismo, religião e sexualidade,

que os levam a tratar do tema em sala de aula e não a refletir a partir das questões

tratadas no âmbito da ciência que informa a sua disciplina.

A autora evidenciou ainda:

Os professores consideraram que o tratamento do tema, deve ocorrer em momentos

específicos, como datas comemorativas alusivas a determinados segmento étnico-raciais

ou em situações que requerem o tratamento do tema como atos discriminatórios ou

emissão de opiniões racistas.

Apontaram dificuldades para tratar o tema da diversidade étnico-racial na presença de

alunos negros.

Os professores consideram que o tema demanda uma abordagem multidisciplinar.

Por todas essas evidências, na ótica da autora essa situação denota uma formação

precária do professor nesse campo. Nesse sentido, é preciso avaliar se as Instituições de

Ensino Superior vêm se organizando para a inclusão das temáticas relativas às relações

étnico-raciais. As referidas evidências são semelhantes a que nós encontramos no lócus da

pesquisa no Campus Monte Castelo. A despeito de existirem algumas iniciativas isoladas,

tudo indica que não há por parte dos professores da instituição uma preocupação específica,

no que diz respeito a propor estratégias para subsidiar o tema das relações étnico-raciais.

Emerge nesse cenário a seguinte indagação: Que fazer diante das lacunas que

comprometem a formação dos futuros professores? Nesse sentido, Pinto (2002) adverte a

pertinência da utilização de metodologias e conteúdos que incentivem as suas reflexões.

Com relação aos conteúdos, a reflexão deve girar em torno dos aspectos

históricos, sociais, políticos, que têm desdobramentos de caráter social e psicológico. Além

disso, o professor deverá estar preparado no sentido de decodificar esse tema e trabalhá-lo em

sala de aula. No que diz respeito à metodologia de trabalho, consideramos que o tratamento

do tema pode ter como ponto de partida a disciplina, como assevera Pinto (2002), uma vez

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262

que todas elas “possuem aspectos em seus conteúdos que permitem prestar atenção às

questões de justiça social e diversidade”. Porém, consideramos que precisamos ir além.

Por isso, no âmbito do IFMA e de modo particular no Campus Monte Castelo,

somos favoráveis à realização de algumas ações, tais como:

Garantia de formação continuada aos profissionais da educação, em especial aos

professores do Nível Superior e Ensino Médio para incorporação dos conteúdos da cultura

Africana, Afro-brasileira e Indígena;

Criação de uma disciplina específica para todos os cursos superiores que trate da

Educação para as relações Étnico-Raciais adequando-a conforme a natureza dos cursos;

Criação de cursos lato sensu a serem ofertados sobre Educação e Diversidade para

formação de gestores e professores do ensino fundamental e médio;

Criação de curso strictu sensu em educação com uma linha de pesquisa voltada para a

temática étnico-racial;

Criação de uma linha de pesquisa nos projetos de iniciação científica voltada para a

temática étnico-racial;

Realização de atividades de extensão voltada para a temática étnico-racial;

Provisão da biblioteca de materiais didáticos e paradidáticos sobre a temática étnico-

racial.

Educação Profissional Técnica de Nível Médio e o Projeto “Homenageando os 400 anos

de São Luís”

Enfatizamos em páginas anteriores e ilustramos, tanto do ponto de vista legal

quanto do ponto de vista da produção acadêmica, indicadores propositivos de uma educação

para a inter/multiculturalidade e Africanidades Brasileira com projeção para o

reconhecimento étnico-racial. Os relatos dos sujeitos pesquisados evidenciaram que tal

perspectiva ainda é insatisfatória no Campus Monte Castelo. Sem desconsiderar a pertinência

dessa afirmação, consideramos também importante revelar que existem iniciativas concretas,

embora isoladas, de práticas curriculares alternativas voltadas para o conteúdo da diversidade

cultural. Cabe observar que, ao publicarmos as atividades produzidas, pretendemos não

prescrever práticas, mas compartilhar ideias para favorecer uma prática curricular para a

diversidade cultural e consequentemente para o reconhecimento étnico-racial.

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263

O trabalho a ser esboçado foi um projeto desenvolvido no Campus Monte Castelo

no Nível Médio. Ao caracterizar o IFMA – Campus Monte Castelo, afirmamos que este oferta

também a Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Para compreendermos a identidade

deste nível de ensino e como o projeto a ser esboçado se configura nessa identidade,

recorremos à Resolução n. 06, de 20 de setembro de 2012, que define as Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, sobretudo em

alguns dos seus Princípios Norteadores e Organização Curricular.

São Princípios Norteadores contidos no artigo 6º:

I. relação e articulação entre a formação desenvolvida no Ensino Médio e a

preparação para o exercício das profissões técnicas, visando à formação integral do estudante;

II. respeito aos valores estéticos, políticos e éticos da educação nacional, na

perspectiva do desenvolvimento para a vida social e profissional;

III. trabalho assumido como princípio educativo, tendo sua integração com a

ciência, a tecnologia e a cultura como base da proposta político-pedagógica e do

desenvolvimento curricular;

IV. articulação da Educação Básica com a Educação profissional Tecnológica, na

perspectiva da integração entre saberes específicos para a produção do conhecimento e a

intervenção social, assumindo a pesquisa como princípio pedagógico;

V. indissociabilidade entre educação e prática social, considerando-se a

historicidade dos conhecimentos e dos sujeitos da aprendizagem;

VI. indissociabilidade entre teoria e prática no processo ensino-aprendizagem;

VII. interdisciplinaridade assegurada no currículo e na prática pedagógica,

visando à superação da fragmentação e de segmentação da organização curricular;

VIII. contextualização, flexibilidade e interdisciplinaridade na utilização de

estratégias educacionais favoráveis à compreensão de significados e à integração entre a

teoria e a vivência da prática profissional, envolvendo as múltiplas dimensões do eixo

tecnológico do curso e das ciências e tecnologias a ele vinculadas;

X. reconhecimento dos sujeitos e suas diversidades, considerando, entre outras, as

pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades, as

pessoas em regime de acolhimento ou internação e em regime de privação de liberdade;

XI. reconhecimento das identidades de gênero e étnico-raciais, assim como todos

os povos indígenas, quilombolas e população do campo.

No que concerne à organização curricular, destacamos alguns artigos, tais como:

12, 13, 14,15 e 22. No artigo 12, as Diretrizes preconizam que os cursos da Educação

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264

Profissional Técnica de Nível Médio são organizados por eixos tecnológicos constantes do

Catálogo Nacional de Cursos Técnicos, instituído e organizado pelo MEC ou em uma ou mais

ocupações da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).

O artigo 13 versa sobre a estruturação dos cursos considerando: a matriz

tecnológica; o núcleo politécnico comum, que compreende os fundamentos científicos,

sociais, organizacionais, econômicos, políticos, culturais, ambientais, estéticos e éticos que

alicerçam as tecnologias e contextualização do mesmo no sistema de produção social; os

currículos dos cursos técnicos de nível médio, que deverão ser permeados por conhecimentos,

e as habilidades nas áreas de linguagens e códigos, ciências da natureza, vinculados à

Educação Básica, são considerados elementos essenciais para a formação e o

desenvolvimento profissional do cidadão.

Em relação ao artigo14, as Diretrizes abordam que os currículos dos cursos da

Educação Profissional Técnica de Nível Médio devem proporcionar, entre outros o diálogo

com os diversos campos do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura como referências

fundamentais de sua formação.

O artigo 15, por sua vez, preconiza que o currículo é responsabilidade de cada

instituição escolar, nos termos de seu projeto político-pedagógico, observada a legislação e o

disposto nas Diretrizes e no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos

O artigo 22 refere-se à organização curricular no que concerne ao planejamento.

Um dos passos para essa organização corresponde à flexibilidade, por disciplinas ou

componentes curriculares, projetos, núcleos temáticos ou outros critérios, ou formas de

organização, desde que compatíveis com os princípios da interdisciplinaridade, da

contextualização e da integração entre teoria e prática, no processo ensino e aprendizagem.

Nesse sentido, o projeto “Homenageando os 400 anos de São Luís”, no nosso

modo de ponto de vista retrata as aspirações dos Princípios Norteadores e da Organização

Curricular que as Diretrizes Curriculares anunciam. Projeto este que visou contribuir para a

memória e história de São Luís.

Em 2012, São Luís completou 400 anos. Em virtude deste fato histórico, a CAP

do IFMA-Campus Monte Castelo desencadeou, na Semana Pedagógica do 1º semestre de

2012, um processo de discussão sobre a pertinência e necessidade do planejamento

interdisciplinar por meio de projetos. Após a Semana Pedagógica, foram realizadas algumas

reuniões de acompanhamento sobre a elaboração de projetos e quais atividades que os

professores planejaram para execução destes.

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265

Foi composta uma comissão para elaborar o projeto geral, cujo tema foi

“Revisitando São Luís pelo avesso de sua História”. Desse modo, o projeto didático foi

elaborado conforme os elementos essenciais que o constituem, quais sejam: 1.Tema; 2.

Problema; 3. Justificativa; 4. Objetivos; 5. Disciplinas envolvidas; 6. Metodologia; 7.

Recursos; 8. Cronograma de execução; 9. Avaliação; 10. Socialização dos resultados. Com

relação ao cronograma a realização das atividades dos projetos foi prevista para o período de

março a setembro de 2012.

No quadro abaixo abordamos o projeto cuja organização inclui os elementos

estrutura, descrição e comentários110

.

Quadro 24: Planejamento geral do Projeto Revisitando São Luís pelo avesso de sua História

ESTRUTURA DESCRIÇÃO COMENTÁRIOS

Justificativa

Atualmente é notória a ausência de

registros e atividades pedagógicas

com o intuito de debater

criticamente sobre a herança

histórica de nossa memória, em

nossa cidade e em nossa instituição

de ensino. Vivemos em uma

ausência de nossa própria história.

Por isso, a necessidade de elaborar

um projeto que possa contemplar

esta lacuna e apresentar novas

possibilidades de trabalho

interdisciplinar no contexto do

IFMA.

------

Problema

Como resgatar a memória de nossa

cidade e de nossa escola, partindo

do cenário da revisitação de sua

história?

Este problema se inscreve na

preocupação que anunciamos sobre

os pressupostos curriculares quanto

ao significado social e político do

currículo, sobretudo em sua função

cultural.

Objetivos

-Geral: Possibilitar o resgate da

memória histórica e dos valores

culturais de nossa cidade e escola,

a partir do estudo crítico e

sistematizado do projeto em foco.

-Específicos:

- estabelecer estudos permanentes

sobre o passado e o presente dentro

das contribuições culturais do

IFMA, em relação ao cenário dos

400 anos;

-desenvolver atividades de

pesquisa junto aos estudantes, a

fim de resgatar a história do

Cabe observar o que dizem alguns

autores sobre o tema da memória e

da história. Conforme Ciavatta;

Rosa; Leite (2007, p. 206-207),

“memória e história sempre

estiveram profundamente

imbricadas [...], cada vez mais a

história passa a ser construída a

partir dos lugares da memória

coletiva-lugares topográficos,

como arquivos, museus, lugares

monumentais, lugares funcionais,

como manuais, autobiografias,

[...]”. A história seria a forma

científica da memória coletiva.

Porém, “memória e história não se

110

Os comentários foram formulados pela autora.

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266

passado a partir de uma leitura

crítica e contextualizada do

presente;

-elaborar material de vídeo e

produção de artigos sobre o tema

do projeto;

-aproximar a comunidade do

Monte Castelo do conhecimento de

seu bairro e das contribuições

histórica do IFMA neste cenário.

confundem. A história é a

compilação dos fatos que

ocuparam maior lugar na memória

dos homens. No entanto lidos nos

livros, ensinados e aprendidos nas

escolas, os acontecimentos

passados são selecionados,

comparados e classificados [...]”

(HALBWACHS, 2006, p. 100).

“A memória coletiva se distingue

da história [...]. Ela é uma corrente

de pensamento contínuo, de uma

continuidade que nada tem de

artificial, pois não retém do

passado senão o que ainda está

vivo” (HALBWACHS, 2006, p.

102).

Disciplinas envolvidas

História, Artes, Educação Física,

Sociologia, Filosofia, Área do

Design, Geografia, Língua

Portuguesa, Inglês, Química,

Biologia e demais disciplinas

específicas dos cursos (Química,

Eletrotécnica, etc.)

------

Metodologia

-Reunião com a comissão

organizadora para síntese dos

grupos; repasse da proposta para

coordenadores de cada grupo;

repasse dos professores para as

turmas;

- Repasse nos departamentos da

proposta sugerida pela comissão;

- Realização da visita ao Centro

Histórico com o professor

Leopoldo Vaz;

-Visita à Casa de Cultura Josué

Montello com agendamento

prévio;

- Entrevistas com os professores

aposentados envolvendo a história

da música, da educação física, do

teatro, da literatura, da dança, do

cinema, das artes plásticas, das

ciências e do artesanato, em São

Luís e no IFMA (fontes possíveis:

Zezé Cassas, Leopoldo, Maranhão;

Miguel Veiga, Antônio Benedito,

Regina Telles, Sobrinho e outros

que podemos sugerir à comissão);

- Atividade cultural no pátio da

escola sobre a temática; arraial do

IFMA (onde a Coordenadoria de

Eventos Estudantis poderá

envolver os estudantes na temática

do projeto;

- Visitas aos locais históricos da

cidade, com registro fotográfico

dos estudantes e de vídeo, com o

acompanhamento dos professores.

- Realização da exibição do filme:

------

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267

„A Litania da Velha” (a proposta é

convidar os autores Arlete e

Frederico Machado para se

fazerem presentes para uma

conversa interativa com as turmas,

logo após a exibição do vídeo);

-Socialização da produção dos

vídeos feitos pelas turmas, como

culminância da pesquisa;

- Férias, continuidade do

acompanhamento pedagógico via

internet e outros meios afins;

- Festividades no teatro com a

exibição de vídeos e programação

cultural com a participação de

professores aposentados e ex-

alunos, sobre a histórica

contribuição do IFMA no cenário

das artes na cidade de São Luís;

apresentações com professores e

alunos que participam de projetos

atualmente no IFMA, em São Luís

(música, artes plásticas, cinema,

teatro, literatura, dança), no pátio,

na comunidade do Monte Castelo,

em outros Campi da cidade, em

pontos turísticos da cidade.

Recursos

-Humanos: professores, alunos e

ex-alunos, comunidade, família,

setor pedagógico e direção da

escola;

- Materiais: sala de aula, sala da

Coordenadoria de Assuntos

Pedagógicos, computadores,

câmeras digitais, livros, biblioteca,

acervo de fotografias etc.

------

Avaliação

Será realizada com os professores

envolvidos, setor pedagógico e

turmas envolvidas, de modo

processual, durante todo o

semestre, sendo relacionada

diretamente com os conteúdos

trabalhados.

------

Fonte: A autora, com base no projeto.

Realizada a primeira etapa, que consistiu na elaboração do planejamento geral, os

professores ficaram encarregados de formar subgrupos e elaborar os projetos didáticos

específicos. As atividades apresentadas a seguir foram elaboradas pelo professor de Filosofia

que ministrava a disciplina na turma 301 no ano de 2012.

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268

Quadro 25: Atividades da disciplina Filosofia com a turma 301 do Curso de Comunicação Visual

ESTRUTURA DESCRIÇÃO COMENTÁRIOS

Objetivos

Realizar uma intervenção

fotográfica no Campus Monte

Castelo, a partir da reeleitura do

conceito de espaço, em termos

epistemológicos e éticos

Na visão de Ciavatta; Rosa; Leite

(2007, p. 206) a “fotografia para

fins de pesquisa histórica, impõe a

necessidade de recorrer a outros

tipos de textos referentes ao

mesmo tema para sua

interpretação”. No projeto foram

utilizadas entrevistas com ex-

professores do antigo CEFET-MA.

Conteúdos

Conceitos epistemológicos:

1. Percepção; imagem e

representação

2. Sensibilidade; Dúvida metódica

O que podemos e como podemos

saber e o que é o conhecimento são

questões centrais para a filosofia.

Os conteúdos assinalados no

projeto ensejam a discussão sobre a

descoberta das coisas por meio

tanto da experiência como pela

razão.

Metodologia

- Divisão das turmas em equipes;

-Captação das imagens por meio

de fotografias e vídeos

- Edição dos vídeos

-Debates;

Apresentação do acervo

audiovisual à direção do Campus

Monte Castelo

Segundo o professor Jorge Leão:

-A captação das imagens

possibilitou a ressignificação da

história e da memória deste espaço.

- Foram levantados os seguintes

pontos:

a. Problemas na escola que passam

despercebidos, como lixo

eletrônico, espaços abandonados,

material escolar sem uso (carteiras,

mesas e peças de valor histórico).

b. Há um descuido da instituição

sobre sua própria historicidade.

Avaliação

-As turmas foram levadas a inserir

as teorias epistemológicas

estudadas sob o ponto de vista de

uma visão mais acurada de nosso

patrimônio

- Relacionar conceitos como

racionalidade, empiria, dúvida

metódica, sensibilidade, percepção

e representação de modo

contextualizado e significativo para

suas vivências como estudantes e

pessoas que habitam um espaço

sem memória histórica (assim

como acontece em nossa cidade).

------

Fonte: LEÃO, Jorge. Filosofia com Arte. Disponível em: http://filosofiacomarte.blogspot.com.br/

Outras atividades foram desenvolvidas com as turmas dos Cursos de Química

(504), Eletrotécnica (502) e Comunicação Visual (301), cuja tarefa se reportou ao cenário da

cidade de São Luís, em que os alunos observaram como o tema da pesquisa aproxima a leitura

da teoria do conhecimento, da ética e da estética.

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269

Consideramos que a forma de trabalho esboçada acima operacionaliza os

elementos previstos nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional

Técnica de Nível Médio na medida em que:

Garantiu a flexibilidade e possibilidade de adaptação do currículo a peculiaridades locais

sem perder a articulação com a produção filosófica da humanidade, portanto universal;

Houve uma articulação entre os conhecimentos, competências da formação técnica com o

currículo politécnico, em particular os conhecimentos da disciplina Filosofia;

Houve um compromisso com um ensino de qualidade visando à formação integral do

estudante, ético, político, estético, cognitivo, e afetivo;

O projeto propiciou à escola repensar suas práticas de gestão diante dos problemas

erigidos pelos estudantes; os dirigentes devem buscar novas soluções;

Houve um ordenamento dos processos formativos escolares na lógica do direito à cultura,

tendo a vida cotidiana como base para o conhecimento curricular;

Explicitou algumas contradições da instituição escolar: lugar de conscientização versus

lugar de alienação (falta de tratamento devido com os equipamentos, os quais são

patrimônio público);

Superou a organização curricular fragmentada e processos avaliativos excludentes;

Construiu uma gestão de aprendizagem democrática;

Teve a expressão artística (fotografia e produção de vídeo) como componente

indispensável na materialização do projeto;

No nosso ponto de vista as atividades poderiam ser ampliadas de modo que a elas fossem

incorporados:

Debate acerca das relações étnico-raciais e desigualdades na sociedade

maranhense e brasileira;

Reapropriação da história do negro em São Luís, destacando as positividades

de sua cultura.

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270

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como toda pesquisa, a forma como é constituída, desde a escolha do tema, não se

define por acaso. As questões vão surgindo em um movimento contínuo de encontros e

desencontros, de modo que esta pesquisa foi afetada por fluxos vindos desde a nossa

juventude, da nossa vida escolar, marcada por sentimentos de vergonha e pelo estigma quanto

ao pertencimento étnico-racial. Este discernimento corrobora a ideia de que a Tese não é

descolada da vida.

As discussões erigidas, tanto na revisão bibliográfica quanto na pesquisa empírica,

nos fizeram perceber, com relação ao processo da pesquisa, como esta é uma trilha solitária.

Mas a solidão é, paradoxalmente, povoada de encontros. Encontros com o (a) orientador (a),

os (as) autores (as), as ideias e os acontecimentos. Desses encontros foram sendo confirmados

os pressupostos que nos guiaram na condução deste trabalho, os quais retomamos para

configurar as nossas conclusões.

Assim, o propósito deste trabalho consistiu em analisar como e em que medida as

políticas e as práticas curriculares do IFMA – Campus Monte Castelo, do ponto de vista da

questão da identidade e do reconhecimento étnico-racial são suficientemente efetivas, críticas,

consistentes, coerentes e satisfatórias, a ponto de autorizá-lo, como uma instituição de ensino

de referência para a cidade de São Luís e para o estado do Maranhão, a adotar como

instrumental analítico o conceito de reconhecimento mútuo segundo Paul Ricoeur (2006).

Analisamos, ao longo dos capítulos que constituíram o trabalho de pesquisa,

pressupostos legais e teóricos discutindo concepções e conceitos de dignidade, direito,

educação, reconhecimento, etnia/raça, identidade, multi/interculturalismo, africanidades

brasileiras, entre outros.

Desses estudos resultou a compreensão da dignidade humana como o principal

direito (individual) fundamental constitucionalmente garantido. Ela é um valor autônomo e

específico inerente aos homens em virtude da sua simples pessoalidade a qual congloba todos

os direitos. Ela supõe respeito das mais diversas ordens, independentemente da conduta ou

posição social, bem como do pertencimento étnico-racial do indivíduo, o que implica ser este

respeitado em sua identidade.

Compreendemos que temos direito de viver uma vida com dignidade e podemos

deduzir que a vida com dignidade é uma vida boa, ao buscarmos como parâmetro um ato e/ou

situações indignas, como, por exemplo, as pessoas que passam fome e não têm escola, o

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271

trabalho escravo, a prostituição infantil, as situações de discriminação, racismo, entre outros.

Situações estas que violam a dignidade humana.

Vimos que, se por um lado a identidade é um projetar-se permanente, portanto a

questão da identidade e da dignidade é uma questão em movimento, por outro lado, o

processo de construção da identidade e da dignidade se faz no jogo de reconhecimento, o qual

não é somente o reconhecimento de si, mas o movimento está relacionado ao reconhecimento

do outro.

Em Paul Ricoeur (2006), percebemos ideias análogas a esse movimento de

reconhecimento. Perplexo por não encontrar uma teoria do reconhecimento, partiu da consulta

aos dicionários franceses e descobriu vários significados para o reconhecimento. Nessa

polissemia de significados inclui-se o sentido de gratidão. Dizer eu sou reconhecido (a) é o

mesmo que dizer sou agradecido (a). As definições vão do reconhecimento de algo ao

reconhecimento de si e ao reconhecimento dos (as) outros (as), chegando ao reconhecimento

da pessoa pelos (as) outros (as). A chave é que os significados do verbo reconhecer mudam,

do significado na voz ativa para seu uso na voz passiva. Por exemplo: Eu reconheço

ativamente alguma coisa, pessoas, eu próprio, eu peço para ser reconhecido pelos outros. Ele

recorre então à historia da filosofia e descobre momentos-chaves dessa história que podem

ser lidos visando à formulação de um conceito do que está em jogo no reconhecimento.

Nesse percurso, encontramos nos momentos filosóficos semelhante àquele encontrado no

dicionário. O que está em jogo no percurso não é apenas a ideia de reconhecimento, mas a de

mútuo reconhecimento, isto é, há uma demanda de reconhecimento que só pode ser satisfeita

com o reconhecimento mútuo.

Diante disso, na última etapa do reconhecimento são enfatizadas questões que se

aplicam ao significado de convívio. Para Ricoeur (2006), a questão da identidade está

presente no percurso do reconhecimento e ela também muda de significados. Em última

instância, no reconhecimento mútuo a identidade autêntica é aquela que nos faz ser quem

somos e que requer reconhecimento. O autor francês estabelece a seguinte relação entre

reconhecimento, identidade e gratidão: “Não é em minha identidade autêntica que peço para

ser reconhecido? E, se por sorte, me reconhecerem como tal, minha gratidão não será dirigida

àqueles [...] reconheceram minha identidade ao me reconhecer?” (RICOEUR, 2006, p. 11).

O mútuo reconhecimento tem duas saídas: permanecer como sonho não realizado

ou requerer procedimentos e instituições que eleva o reconhecimento ao plano político. Nesse

sentido, focalizamos o papel da educação escolar para o reconhecimento mútuo e queremos

focar também que ela não deve ser um valor proclamado, mas também real, como um direito

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272

de todos. Obtivemos um conjunto de provas dos (as) autores (as) que reafirmaram a escola

como um lugar prioritário para aprender a cidadania e que é, ademais, um lugar de

democratização do saber (conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais). Por isso,

reiteramos a cidadania como horizonte, mas esta requer que instauremos uma pedagogia para

a autonomia, para a liberdade, para a emancipação e para a crítica, e, ao mesmo tempo, um

ensino para a assunção da identidade étnico-racial na lógica do reconhecimento mútuo. Isso

implica desenvolver a capacidade de aceitarmos a nós mesmos (as) do ponto de vista estético,

capacidade de autonomia, capacidade de respeitar uns (umas) aos (as) outros (as)

cotidianamente, capacidade de criar coletivamente a ordem social em que queremos viver,

cumprir e proteger.

Sabemos que historicamente a educação escolar tem sido um privilégio de poucos

Tal afirmação é calcada no Censo 2010, que aponta o estado do Maranhão, como um dos

estados onde se constatam condições de desigualdade, sobretudo em termos educacionais

entre a população branca e a negra. Com efeito, a desigualdade étnico-racial é uma injustiça e

não é uma condição do passado da sociedade escravagista; ela é atual. Os dados do IBGE, no

que diz respeito aos índices de escolaridade no Estado do Maranhão, do rendimento mensal,

subsidiaram essas reflexões. E, em se tratando mais especificamente dos índices de

alfabetizados e não alfabetizados, vemos que o percentual relativo à população branca é de

16,82% e à população negra é de 81,15%. Este percentual revela que mais da metade da

população negra, que corresponde à 77% no Estado, não é alfabetizada.

Ao longo das leituras, nos debatemos também com visões críticas a respeito da

instituição escolar que, em seu contexto originário, destratava a diversidade e as experiências

de origem social e cultural dos alunos. A legislação, o Parecer nº 03/2004, a Resolução nº

01/2004 e os (as) autores (as) pesquisados (as), que discutem sobre as relações étnico-raciais

no Brasil refletem a preocupação com uma escola inclusiva, admitindo que o currículo escolar

não é somente uma mera questão técnica de se saber formular objetivos, selecionar

experiências, determinar estratégias e forma de avaliar. Se a legislação incorpora a questão do

multiculturalismo e da diversidade cultural é porque reconhece que o currículo produz e

forma subjetividades.

Desse modo, reiteramos, a tese aqui sustentada é a de que o IFMA-Campus Monte

Castelo não incorporou uma política e uma prática curricular suficientemente efetivas,

críticas, consistentes, coerentes e satisfatórias, a ponto de autorizá-lo, como uma instituição de

referência para a cidade de São Luís e para o Estado do Maranhão, a adotar como

instrumental analítico o conceito de reconhecimento mútuo segundo Paul Ricoeur (2006).

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273

Como afirmamos anteriormente, o conceito, tal como formulado na política

curricular brasileira em se tratando da Educação das Relações Étnico-Raciais destaca a

operação do conceito de reconhecimento tanto em nível político-institucional quanto no

âmbito das práticas pedagógicas.

Portanto, a realidade discutida nos estimula a afirmar que os (as) autores (as) e

alguns (mas) informantes da pesquisa não concebem a escola como isolada do seu contexto

social; demostraram conceber que a educação escolar se constitui também como um campo de

luta e de contestação. Pois, se por um lado, trabalham na perspectiva da conservação do status

quo, por outro, buscam práticas alternativas, resistentes e questionadoras.

Uma outra constatação proveniente das discussões feitas no processo de

investigação in loco é que o modelo de gestão da instituição pesquisada constitui-se um

modelo técnico-burocrático. E, apesar dos mecanismos de uma gestão democrático-

participativa ali se fazerem presentes, esse modelo é engessado por práticas burocráticas

excessivas e centralizadas, sem um planejamento sistemático e integrado. Pelos discursos dos

(as) gestores, professores (as) e dos (as) alunos (as), constatamos que concebem a instituição

escolar com responsabilidade de ensinar para combater o racismo e valorizar a diversidade e o

reconhecimento étnico-racial, no entanto enfatizam que a formação e a gestão tecnicista

existente inviabilizam a assunção dessa responsabilidade.

Face ao exposto, podemos afirmar que no decorrer da pesquisa alguns (mas)

professores (as), alunos (as) e gestores se referiram ao IFMA-Campus Monte Castelo como

uma instituição de ensino, mais numa perspectiva reprodutora quanto à afirmação identitária

dos (as) negros (as) em consonância com o mito da democracia racial, que numa perspectiva

transformadora. Porém, pelos (as) informantes da pesquisa soubemos que existem tensões e

prejuízos étnico-raciais entre os (as) alunos (as), como as piadas e as visões deturpadas sobre

o sistema de cotas.

No que concerne ao “Homenageando os 400 anos de São Luís”, observamos a

validade da pressuposição de que existem práticas curriculares isoladas de afirmação

identitária. PR que desenvolveu tal projeto reconhece nos documentos internos e externos ao

IFMA – Campus Monte Castelo e ainda nos externos a essa instituição os princípios que

respaldam tais práticas. Entretanto, a maioria dos (as) professores (as) entrevistados (as)

confirmaram que desconhecem aquilo que apregoam os documentos, como também se

mostraram insatisfeitos (as) quanto à falta de efetividade de políticas e de práticas curriculares

concernentes à Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura

Afro-Brasileira e Africana no Instituto. Portanto, existe um descompasso entre o que

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274

preconiza a legislação educacional, o PDI e o Projeto Político-Pedagógico (PPP) no tocante

ao desenvolvimento do currículo e o que realmente acontece.

Com relação aos eventos alusivos à “Semana da Consciência Negra”, os (as)

alunos (as) e os (as) professores (as) informantes da pesquisa revelaram saber da realização

desses eventos. Contudo, referiram-se a eles como eventos esporádicos, que não impactaram

no dia a dia da instituição nem em seus processos formativos. Diante do que declararam,

concluímos que foram iniciativas organizadas por professores (as) que sabem da existência

da Lei nº. 10.639/03, mas, ainda assim, se constituíram práticas pontuais, logo, não resultaram

em ações articuladas de produção curricular que, juntamente com a gestão tivessem como

objetivo operar devidamente a identidade e o reconhecimento étnico-racial dos (as)

envolvidos no processo educacional, sobretudo dos (as) alunos (as).

Sabemos que o evento pelo evento não é o bastante; este é um sentimento comum

entre os (as) alunos (as) e professores (as) consultados (as). No IFMA- Campus Monte

Castelo, a Educação para as Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura

Afro-Brasileira e Africana, previsto em Lei, está se reduzindo ao dia 20 de novembro.

Os (as) informantes da pesquisa revelaram que existem muitas dificuldades para

operar a Educação para as Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura

Afro-Brasileira, dentre as quais, a ausência de formação tanto inicial como continuada dos

(as) professores (as) e gestores. Os (as) professores (as) argumentaram ainda que a forma

fragmentada de organização dos conteúdos dificulta abordarem-se as questões de racismo,

discriminação, entre outros assuntos, sobretudo por não serem considerados conteúdos

relevantes.

Convém salientar, todavia, que tanto a legislação quanto os (as) autores (as),

mesmo quando não mencionam o termo reconhecimento mútuo, referem-se à importância de

os diferentes grupos étnico-raciais estabelecerem diálogo e trocas entre si. Acrescentamos a

essa conclusão que as expressões “africanidades” e “interculturalidade” relacionam-se ao

reconhecimento mútuo, por nos remeterem ao sentido de reconhecimento tanto do lugar

histórico, sociopolítico quanto do lúdico-cultural, onde tudo se liga a tudo. A africanidade no

Brasil nos remete também aos valores de tradições coletivas do amplo continente africano,

presentes e recriadas no Brasil.

Nesse sentido, concordamos que as instituições de ensino, especificamente o

IFMA-Campus Monte Castelo, têm muito a oferecer no que tange ao processo de exclusão

vivenciado pelo segmento negro. A elas compete garantir a formação (para todos), por isso

pública, necessária para (re) criar a vida com dignidade.

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275

Nessa perspectiva e mediante as leituras que foram desenvolvidas, asseveramos

que podem ser implementadas, tanto em nível de gestão quanto em nível pedagógico, ações

afirmativas para a afirmação identitária dos (as) alunos (as). Por isso, elencamos vários

indicadores propositivos que se traduzem em ações concretas de justiça curricular, tendo em

vista a cidadania, a qual passa pelo reconhecimento do direito à participação e pelo respeito às

diferenças individuais, sociais, culturais, inerentes à condição humana. Assim, destacamos,

dentre outros, os seguintes, os quais contemplam:

O Projeto político-institucional: Fazer circular o que prescrevem as Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais no Projeto

Político-Institucional das Instituições de Ensino Superior com relação ao ensino, à

pesquisa e à extensão.

A escola e o clima educativo: Promover um clima educativo com base no respeito e

nos laços de amizade entre as pessoas, independentemente de serem negras, brancas,

indígenas, com deficiência, ricas ou pobres, homens, mulheres, homossexuais ou não;

conversar na sala de aula ou em outro espaço sobre atitudes discriminatórias.

A área curricular, organização e seleção dos conteúdos: O currículo deve refletir a

amplitude da educação, portanto, todos (as) devem conseguir aquilo que é posto pelas

finalidades da educação. O currículo é formado pelos conteúdos que devem ser

transformados em aprendizagens, para que os (as) alunos (as) sejam capacitados (as)

como cidadãos e cidadãs livres e autônomos (as), capazes de compreender e participar

no mundo complexo em que vivem. Há que se modificar a área curricular que parece

mais propícia à introdução de elementos interculturais, a exemplo, a área de Estudos

Sociais, introduzir unidades específicas de conteúdos, com seus correspondentes

materiais, dedicados a países, crenças e sistemas culturais mais distantes do próprio. A

educação deve acolher o tratamento dos direitos humanos, individuais e dos povos, e

também introduzir o pluralismo cultural em todos os componentes do currículo de

modo que, partindo de uma mostra representativa do que é a própria cultura, a algo

que vai além da soma das áreas ou disciplinas tradicionais.

A Pedagogia antirracista: Implementar uma pedagogia antirracista, cujos princípios

são: respeito, entendido como diálogo, em que seres humanos diferentes se dirigem

uns aos outros, sem sentimentos de superioridade ou de inferioridade; reconstruir o

discurso pedagógico por meio da participação da escola no processo de resistência dos

grupos e classes postos à margem, bem como contribuir para a afirmação da sua

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276

identidade e de sua cidadania por meio do estudo da recriação das diferentes raízes da

cultura brasileira.

Os cursos superiores, matriz curricular e Formação continuada: Garantir a

formação continuada aos profissionais da educação, em especial aos (as) professores

(as) do Nível Superior e de Ensino Médio, para incorporação dos conteúdos da cultura

Africana, Afro-brasileira e Indígena; criar uma disciplina específica para todos os

cursos superiores que trate da Educação para as relações étnico-raciais, adequando-a

conforme a natureza dos cursos; criar cursos lato sensu sobre Educação e Diversidade

a serem ofertados aos gestores e professores (as) do Ensino Fundamental e Médio;

criar curso stricto sensu em educação com uma linha de pesquisa voltada para a

temática étnico-racial; criar uma linha de pesquisa nos projetos de iniciação científica

voltada para a temática étnico-racial; realização de atividades de extensão voltadas

para a temática étnico-racial.

A Biblioteca e materiais didático-pedagógicos: Prover a biblioteca de materiais

didáticos e paradidáticos sobre a temática étnico-racial; promover e estimular a

produção de materiais didáticos que enfatizem a história, a cultura e a tradição dos

afro-brasileiros e incluí-los nos currículos da educação básica.

Com esses indicadores, esperamos fomentar e ampliar a consciência da

comunidade escolar acerca da escola como espaço de convivência, de formação do aspecto

político da cidadania e do direito com projeção para a Educação das Relações Étnico-Raciais.

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294

APÊNDICES

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295

APÊNDICE A – Modelo de questionário exploratório aplicado aos alunos (abril/2011)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

ORIENTANDA: SUELI BORGES PEREIRA

ORIENTADOR: PROF. DR. ALÍPIO CASALI

QUESTIONÁRIO EXPLORATÓRIO DE TESE

DATA: / /

Prezado aluno,

Como etapa da pesquisa acadêmica que ora realizo por ocasião do doutorado com o título “O

CURRÍCULO COMO PERCURSO DE RECONHECIMENTO DA IDENTIDADE NEGRA:

políticas e práticas no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão –

(IFMA) - Campus Monte Castelo”, solicito sua gentileza em responder o questionário que

segue. Certa de poder contar com sua colaboração, antecipo-lhe meus nossos sinceros

agradecimentos.

1. Dados de Identificação

NOME:

SEXO: ( ) Feminino ( ) Masculino

( ) Outro: _____________________

IDADE: ___________________________________

CURSO: ___________________________________

COMO VOCÊ SE DECLARA: ( ) Branco ( ) Negro ( ) Amarelo ( ) Pardo

( ) Outro: _________________

2. Para você existe preconceito/discriminação étnico-racial em nossa sociedade? De que tipo?

3. A que você atribui o preconceito/discriminação étnico-racial?

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296

4.Você ou alguma pessoa que você conhece já foram vítimas de preconceito e discriminação

étnico-racial? Descreva como foi.

5. Em sua opinião, o preconceito e a discriminação étnico-racial acontecem no ambiente

escolar? Se você já se deparou com essa situação como a escola reagiu?

06. Na sua escola, alguma ação vem sendo desenvolvida com vistas a refletir sobre a questão

do preconceito/discriminação étnico-racial? Se sim, quais?

7. De que forma as atividades desenvolvidas em sua escola contribuem para que você e as

pessoas ao seu redor revejam suas posturas em relação ao/à preconceito/discriminação étnico-

racial?

8. Que ações ocorridas em sala de aula e na escola como um todo contribuem para combater

o/a preconceito/discriminação étnico-racial?

9. Em sua opinião, as disciplinas escolares podem contribuir para a afirmação dos/da

preconceitos/discriminação étnico-raciais? Como?

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297

APÊNDICE B - Modelo de questionário exploratório aplicado aos professores (abril/2011)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

ORIENTANDA: SUELI BORGES PEREIRA

ORIENTADOR: PROF. DR. ALÍPIO CASALI

QUESTIONÁRIO EXPLORATÓRIO DE TESE

1. Dados de Identificação

Nome:

Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino

( ) Outro: _____________________

Idade: ___________________________________

Como você se declara: ( ) Branco ( ) Negro ( ) Amarelo ( ) Pardo

2. Em sua opinião, qual o papel da escola no combate ao/à preconceito/discriminação étnico-

racial no ambiente escolar?

3. O que a disciplina que você ensina poderá fazer para combater o/a

preconceito/discriminação étnico-racial?

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298

APÊNDICE C – Modelo de questionário exploratório aplicado aos professores (maio/2012)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

DOUTORANDA: SUELI BORGES PEREIRA

ORIENTADOR: PROF. DR. ALÍPIO CASALI

QUESTIONÁRIO EXPLORATÓRIO: PROFESSORES

DATA DE APLICAÇÃO: _____/____/____

I IDENTIFICAÇÃO

NOME:_____________________________________

FORMAÇÃO:________________________________

DEPARTAMENTO:_____________________________________

DISCIPLINA:_________________________________

CURSO (S) E TURMA (S) QUE LECIONA (1º Sem. 2012)___________________

Professor,

Como etapa da pesquisa acadêmica que ora realizo por ocasião do doutorado com o título “O

CURRÍCULO COMO PERCURSO DE RECONHECIMENTO DA IDENTIDADE NEGRA:

políticas e práticas no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão –

(IFMA) - Campus Monte Castelo”, solicito sua gentileza em responder o questionário que se

segue. Certa de poder contar com sua valiosa colaboração, antecipo-lhe meus sinceros

agradecimentos.

Grata por sua colaboração,

________________________________________

SUELI BORGES PEREIRA (Professora do DHS)

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299

II QUESTÕES

Como você se autodeclara?

Indígena ( )

Pardo ( )

Negro ( )

Branco ( )

Outro (s) ( ) Qual (is): ____________________________________________________

A trajetória histórica do negro é estudada...

Nas efemérides: 13 de maio, em agosto, no mês do folclore, e em 20 de novembro ( )

Como conteúdo pedagógico amplamente explorado em sala de aula ( )

Não é estudada ( )

Outro (s)( ) Qual (is): _______________________________________________________

Acredita-se que o racismo é para ser tratado...

Como conteúdo nas várias áreas que possibilitem tratar o assunto ()

Pelos movimentos sociais ( )

Quando acontece algum caso evidente na escola ( )

Outro (s)( ) Qual (is): _______________________________________________________

A cultura negra é...

Estudada como rico folclore do Brasil ( )

Um tema presente na proposta pedagógica da escola ( )

Assunto de aula quando surge alguma notícia na imprensa ( )

Outro (s)( ) Qual (is): _______________________________________________________

O currículo...

Baseia-se nas contribuições das culturas europeias representadas nos livros didáticos ( )

Aborda positivamente a diversidade racial e as verdadeiras contribuições de todos os povos ( )

Procura apresentar aos alunos informação sobre os indígenas e negros brasileiros

Outro (s) ( ) Qual (is): ____________________________________________________

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300

Você, professor...

É neutro quanto às questões sociais, pois seu trabalho se baseia apenas nos conteúdos dos

livros didáticos e manuais pedagógicos ( )

Reavalia sua prática cotidiana e reflete sobre os valores e conceitos que traz introjetados sobre

o povo e a cultura negra ( )

Tem investido em formação e buscado informações sobre as questões raciais ( )

Outro (s)( ) Qual (is): _______________________________________________________

A abordagem das questões raciais...

Não é feita com profundidade, pois a escola prioriza outras temáticas mais relevantes para

nosso contexto ( )

É contextualizada na realidade dos alunos, promove uma análise crítica do assunto e visa à

transformação dos conceitos preconceituosos ( )

Não acontece, pois não é considerada assunto para a escola ( )

Outro (s)( ) Qual (is): _______________________________________________________

As diferenças culturais entre os diversos povos...

Não são tratadas, pois não temos informações suficientes e o assunto é polêmico ( )

Servem como reflexão para rever posturas preconceituosas e comparações hierarquizadas ( )

São mostradas como diversidade cultural brasileira ( )

Outro(s)( ) Qual (is): _______________________________________________________

As situações de desigualdade e discriminação presentes na sociedade...

São temas de reflexão para todos os alunos ( )

São discutidas apenas com alunos discriminados ( )

São discussões estratégicas para conscientização dos alunos quanto à luta contra todas as

formas de injustiça social ( )

Outro (s)( ) Qual (is): _______________________________________________________

Acredita-se que, para fortalecer o reconhecimento, a aceitação e o respeito à diversidade

racial, deve-se...

Promover orgulho racial de seus alunos ( )

Procurar não chamar a atenção para as visões estereotipadas sobre os negros em livros,

produções e textos existentes no material didático ( )

Promover maior conhecimento sobre as heranças culturais brasileiras ( )

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301

Outro(s)( ) Qual (is): _______________________

A linguagem verbal utilizada no cotidiano escolar...

Tem o poder de influenciar nas questões de racismo e discriminação ( )

Se vale de expressões referentes à cor dos alunos, como neguinha ou negão ( )

Não tem influência direta nas questões raciais ( )

Outro(s)( ) Qual (is): _______________________

Quanto ao trabalho escolar sobre a temática racismo...

Alguns professores tratam o assunto em determinadas etapas do ano letivo ( )

Existe um trabalho coletivo com a participação de todos, inclusive direção e funcionários ( )

Existe resistência de alguns colegas para tratar a questão racial ( )

Outros ( ) Quais: _______________________

Na biblioteca da escola...

Existem muitos e variados livros sobre a questão racial para alunos e professores ( )

Existem poucos títulos sobre a questão racial ( )

Não existe literatura que contemple a questão racial ( )

Outro(s)( ) Qual (is): _______________________

Quanto à capacitação sobre a questão racial, você ...

Ainda não teve oportunidade de estudar o assunto ( )

Participou de alguns cursos e grupos de estudos sobre a questão racial ( )

Tem procurado incorporar o assunto nas reuniões pedagógicas, grupos de estudos e momentos

de formação ( )

Outro(s) ( ) Qual (is): _______________________

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302

APÊNDICE D – Modelo de questionário exploratório aplicado aos alunos (maio/2012)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

DOUTORANDA: SUELI BORGES PEREIRA

ORIENTADOR: PROF. DR. ALÍPIO CASALI

QUESTIONÁRIO EXPLORATÓRIO: ALUNOS

DATA DE APLICAÇÃO: ___/____/_____

Prezado aluno,

Como etapa da pesquisa acadêmica que ora realizo por ocasião do doutorado com o título ““O

CURRÍCULO COMO PERCURSO DE RECONHECIMENTO DA IDENTIDADE NEGRA:

políticas e práticas no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão –

(IFMA) - Campus Monte Castelo”, solicito sua gentileza em responder o questionário que

segue. Certa de poder contar com sua colaboração, antecipo-lhe meus sinceros

agradecimentos.

1-Dados de identificação

Sexo: ( )Masculino ( ) Feminino

Idade:_____________________________________________.

Curso:_____________________________________________.

2- Para você existe preconceito/discriminação em nossa sociedade? De que tipo?

( ) Racial

( ) Social

( ) Religioso

( ) Outro (s) Quais: _____________________________________________________

3- Você ou alguma pessoa que você conhece já foram vítimas de preconceito e discriminação

étnico-racial? Descreva de forma breve como isso aconteceu.

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

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303

4- Você já se deparou com essa situação de preconceito, discriminação e racismo étnico-racial

na escola onde você estuda atualmente?

( ) Sim

( ) Não

5- Se a resposta da questão anterior for sim, qual foi a reação da escola?

( ) Descaso

( ) Punição

( ) Ações educativas

6- Na sua escola, alguma ação vem sendo desenvolvida com vistas a refletir sobre a questão

de preconceito/discriminação étnico-racial?

( ) Não

( ) Sim / Qual (is)______________________________________________________.

7- Quais disciplinas escolares podem contribuir para a afirmação dos

preconceitos/discriminações étnico-raciais?

( ) Filosofia

( ) Matemática

( ) Sociologia

( ) Outra (s): _____________________________________________________

8-Você considera os conteúdos, as metodologias e as atividades desenvolvidas em sala de

aula fatores que influenciam na percepção dos negros?

( ) Sim

( ) Não

Qual (is)outro (s) fatores?_____________________________________________

9- Você considera os conteúdos, as metodologias e as atividades desenvolvidas em sala de

aula fatores que influenciam na percepção dos negros como:

( ) Exóticos

( ) Privilegiados

( ) Preguiçosos

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304

APÊNDICE E – Roteiro de entrevista com informações preliminares

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

DOUTORANDA: SUELI BORGES PEREIRA

ORIENTADOR: PROF. DR. ALÍPIO CASALI

ROTEIRO DE ENTREVISTA: INFORMAÇÕES PRELIMINARES

1. NOME

2. DATA

3. LOCAL

4. TEMPO

5. DURAÇÃO

6. FORMA DE CONTATO

7. DADOS BIOGRÁFICOS

Sexo/Gênero

Raça/Etnia

Estado Civil/Compromisso afetivo

Local de moradia

Tipo de moradia

Opção política

Crença/Religião

Outras características

Forma de contato

Fatos marcantes

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305

APÊNDICE F - Roteiro de entrevista com os gestores e pedagoga

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

DOUTORANDA: SUELI BORGES PEREIRA

ORIENTADOR: PROF. DR. ALÍPIO CASALI

TÍTULO DO TRABALHO: O CURRÍCULO COMO PERCURSO DE

RECONHECIMENTO DA IDENTIDADE NEGRA: políticas e práticas no Instituto Federal

de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão – (IFMA) - Campus Monte Castelo

ROTEIRO DA ENTREVISTA COM OS GESTORES E PEDAGOGA

1. Para você o IFMA é uma escola de qualidade, por quê?

2. Qual o clima do IFMA em relação à questão de gênero, sexualidade, ERER, condições

físicas, religiosa etc.? Rola preconceito, respeito?

3. Acredita que a Lei nº. 10.639/03, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-

brasileira e africana nos currículos das escolas de ensino fundamental e médio e a Resolução

nº. 01, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação para as Relações

Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana para os cursos

de formação inicial e continuada de professores vai funcionar ou funciona no IFMA?

4. Acredita que a referida legislação traz efeitos positivos para a valorização e o

reconhecimento étnico-racial?

5. Como você avalia as políticas de ações afirmativas, por exemplo, a Lei nº. 10.639; nº.

11.645 PROUNI?

6. Qual é para você a responsabilidade da escola, hoje, no que se refere ao reconhecimento

étnico-racial?

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306

7. O P.P.P do IFMA contempla e a legislação brasileira sobre Lei nº. 10.639/03; a nº. 11.645

e Resolução nº. 01?

8. O IFMA realiza ações que implementam o ensino sobre história e cultura afro ou africana

a partir da a Lei nº. 10.639/03 e a Resolução nº 01? Quais?

9. Você acha que currículo tem a ver com relações e reconhecimento étnico-racial?

10. Que dificuldades e desafios você apontaria para a implementação da legislação sobre a

ERER e História e Cultura?

11. Que propostas de ações você faria para a promoção do reconhecimento e de valorização

da diversidade étnico-racial?

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307

APÊNDICE G - Roteiro de entrevista com os professores

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

DOUTORANDA: SUELI BORGES PEREIRA

ORIENTADOR: PROF. DR. ALÍPIO CASALI

TÍTULO DO TRABALHO: O CURRÍCULO COMO PERCURSO DE

RECONHECIMENTO DA IDENTIDADE NEGRA: políticas e práticas no Instituto Federal

de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão – (IFMA) - Campus Monte Castelo

ROTEIRO DAS ENTREVISTAS INDIVIDUAIS COM OS PROFESSORES

IDENTIFICAÇÃO

1. Dizer o nome e a disciplina que leciona.

2. Fale sobre sua formação: qual a sua graduação, onde se graduou e há quanto tempo. Se

você tem outros cursos e ainda o que achar mais significativo em relação a isso.

3. Tempo que trabalha no IFMA

4. Síntese da trajetória no IFMA no que se refere aos seus compromissos com o PPP

DESENVOLVIMENTO

1. O que você entende por preconceito/discriminação étnico-racial?

2. É responsabilidade da escola promover ações de combate ao/à preconceito/ discriminação

étnico-racial?

3. Escola, Conhecimento e Cultura: que relações você estabeleceria entre eles? Ou quais

compromissos a escola tem com a cultura brasileira sendo esta instituição onde existe racismo

onde os negros não têm reconhecimento.

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308

4. Qual sua opinião a respeito das políticas de cotas?

Efeitos: ( ) Bons ( ) Ruins

5. Existem modos de lecionar a disciplina que você trabalha para que combata o racismo?

6. Currículo, Relações Raciais e Reconhecimento étnico-racial: que relações você

estabeleceria entre esses conceitos e sua prática pedagógica aqui no IFMA?

7. Pensando na sua prática pedagógica no IFMA, o que você faria diferente a fim de colaborar

para combater o racismo?

8. O PPP da escola é favorável para a promoção do reconhecimento e de valorização da

diversidade étnico-racial?

9. Que dificuldades você apontaria para desenvolver ações didático-pedagógicas para a

promoção do reconhecimento e de valorização da diversidade étnico-racial?

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309

APÊNDICE H – Roteiro de entrevista com os alunos

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

DOUTORANDA: SUELI BORGES PEREIRA

ORIENTADOR: PROF. DR. ALÍPIO CASALI

TÍTULO DO TRABALHO: “O CURRÍCULO COMO PERCURSO DE

RECONHECIMENTO DA IDENTIDADE NEGRA: políticas e práticas no Instituto Federal

de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão – (IFMA) - Campus Monte Castelo”.

ROTEIRO DAS ENTREVISTAS COM OS ALUNOS:

1. Como você se autoidentifica em relação à etnia/raça?

2. Como você se sente em relação à sua identidade étnico-racial? Você tem orgulho?

3. Como você percebe que lhe percebem?

4. Se você pudesse mudar, você mudaria?

5. O IFMA está atento para o reconhecimento e a afirmação da identidade negra de forma

positiva ou existe uma lacuna no IFMA sobre isso?

6. A discriminação étnico-racial é um problema no IFMA?

7. Para você a escola tem responsabilidade na afirmação e no reconhecimento étnico-racial?

8. Como é construir a identidade étnico-racial no ambiente institucional no IFMA? É favorável?

É desfavorável? É penoso?

9. Que ações no IFMA como um todo e nas disciplinas você considera promotoras da Educação

para as Relações Étnico-Raciais e para o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e

Africana?

10. O que é preciso fazer para maior efetivação da Educação para as Relações Étnico-Raciais e

para o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no IFMA?

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310

APÊNDICE I – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

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311

APÊNDICE J – Níveis de formação, lotação e tempo de serviço dos gestores, pedagoga e

professores

NOME DISCIPLINA FORMAÇÃO LOTAÇÃO/

DEPARTAMENTO

TEMPO DE

SERVIÇO

G1 --- Graduação e Mestrado em

Engenharia Elétrica

Gestor da DESU

(Departamento de Ensino

Superior)

20 anos

G2 Química

Bacharelado e Licenciatura

em Química

Doutor e Química Orgânica

Professor e Gestor da

DETEC (Departamento de

Ensino Técnico)

16 anos

G3 Didática

Prática de Ensino Pedagoga

Pró-Reitora de Ensino

Professora do Departamento

de Ciências Humanas e

Sociais

16 anos

G4 Filosofia

Licenciatura em Filosofia com

Especialização em Gestão

Escolar e Mestrando em

Educação pela Universidade

da Madeira

Professor do Departamento

de Ciências Humanas e

Sociais

Gestor do IFMA-Campus

Barra do Corda

29 anos

G5

Cálculo Diferencial

Integral I; Seminário

de Matemática I;

História e Filosofia

da Matemática

Licenciatura em Matemática e

Mestrado em Educação

Professor do Departamento

de Matemática 5 anos

PE --- Licenciatura em Pedagogia Técnica em Assuntos

Educacionais 4 anos

PR1 História Licenciatura em História

Professora do Departamento

de Ciências Humanas e

Sociais

6 anos

PR2 Filosofia Licenciatura em Filosofia

Professor do Departamento

de Ciências Humanas e

Sociais

9 anos

PR3 Laboratório de Ideias

e Tipografia

Graduação em Desenho

Industrial; Projeto de Produto;

Especialização em Educação

Ambiental

Professora do Departamento

de Comunicação Visual

2 anos e

meio

PR4 Educação Física Licenciatura em Educação

Física; Fisiologia do Exercício

Professor do Departamento

de Ciências da Saúde 6 anos

PR5

Física I e Física

Quântica

Doutorando em Engenharia

Mecânica

Professor do Departamento

de Física

12 anos

PR6

Educação Especial

Psicologia da

Educação

Licenciatura em Pedagogia

com Mestrado em Educação

Professora do Departamento

de Ciências Humanas e

Sociais

Gestora do Grupo de

Trabalho de Educação

Inclusiva

18 anos

PR7

Políticas Inclusivas I;

Avaliação

Educacional;

Metodologia da

Avaliação

Educacional

Pedagoga

Professora do Departamento

de Ciências Humanas e

Sociais

9 anos

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312

APÊNDICE K – Síntese da Tabulação dos questionários exploratórios com os professores no

segundo momento (maio/2012)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

DOUTORANDA: SUELI BORGES PEREIRA

ORIENTADOR: PROF. DR. ALÍPIO CASALI

PUC- São Paulo

Pós-Graduação

Currículo

Aluna: Sueli Borges Pereira

Orientador: Prof. Dr. Alipio Casali

QUADRO DEMONSTRATIVO

PERGUNTAS RESPOSTAS

1. A trajetória

histórica do negro é

estudada na...

a) Nas efemérides: 13 de maio, em agosto, no mês do folclore, e em 20 de novembro

b) Como conteúdo pedagógico amplamente explorado em sala de aula

c) Não é estudada

2. Acredita-se que o

racismo é para ser

tratado...

a) Como conteúdo nas várias áreas que possibilitem tratar o assunto

b) Pelos movimentos sociais

c) Quando acontece algum caso evidente na escola

3.A cultura negra é...

a) Estudada como rico folclore no Brasil

b) Um tema presente na proposta pedagógica da escola

c) Assunto de aula quando surge alguma notícia na imprensa

4. O currículo

a) Baseia-se nas contribuições das culturas europeias representadas nos livros didáticos

b) Aborda positivamente a diversidade racial e as verdadeiras contribuições de todos os

povos

c) Procura apresentar aos alunos informações sobre os indígenas e os negros brasileiros

5.Você, professor...

a) É neutro quanto às questões sociais, pois seu trabalho se baseia apenas nos

conteúdos dos livros didáticos e manuais pedagógicos

b) Reavalia sua prática cotidiana e reflete sobre os valores e conceitos que traz

introjetados sobre o povo e a cultura negra

c) Tem investido em formação e buscado informações sobre as questões raciais

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313

6. A abordagem das

questões raciais...

a) Não é feita com profundidade, pois a escola prioriza outras temáticas mais

relevantes para o nosso contexto

b) É contextualizada na realidade dos alunos, promove uma análise crítica do assunto e

visa à transformação dos conceitos preconceituosos

Não acontece, pois não é considerada assunto para a escola

7. As diferenças

culturais entre os

diversos povos...

a) Não são tratadas, pois não temos informações suficientes e o assunto é polêmico

b) Servem como reflexão para rever posturas preconceituosas e comparações

hierarquizadas

c) São mostradas como diversidade cultural brasileira

8. As situações de

desigualdade e

discriminação

presentes na

sociedade...

a) São temas de reflexão para todos os alunos

b) São discutidas apenas com alunos discriminados

c) São discussões estratégicas para conscientização dos alunos quanto à luta contra

todas as formas de injustiça social

9. Acredita-se que,

para fortalecer o

reconhecimento, a

aceitação e o respeito

à diversidade racial,

deve-se...

a) Promover orgulho racial de seus alunos

b) Procurar não chamar a atenção para as visões estereotipadas sobre os negros em

livros, produções e textos existentes no material didático

c) Promover maior conhecimento sobre as heranças culturais brasileiras

10. A linguagem

verbal utilizada no

cotidiano escolar...

a) Tem o poder de influenciar nas questões de racismo e discriminação

b) Se vale de expressões referentes à cor dos alunos, como neguinha ou negão

c) Não tem influência direta nas questões raciais

11. Quanto ao

trabalho escolar sobre

a temática racismo...

a) Alguns professores tratam o assunto em determinadas etapas do ano letivo

b) Existe um trabalho coletivo com a participação de todos, inclusive direção e

funcionários

c) Existe resistência de alguns colegas para tratar a questão racial

12. Na biblioteca da

escola...

a) Existem muitos e variados livros sobre a questão racial para alunos e professores

b) Existem poucos títulos sobre a questão racial

c) Não existe literatura que contemple a questão racial

13. Quanto à

capacitação sobre a

questão racial, você...

a) Ainda não teve oportunidade de estudar o assunto

b) Participou de alguns cursos e grupos de estudos sobre a questão racial

c) Tem procurado incorporar o assunto nas reuniões pedagógicas, grupos de estudos e

momentos de formação

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314

RESPOSTAS OBTIDAS NO QUESTIONÁRIO EXPLORATÓRIO

Questões A B C OUTRAS NULAS MAIOR INCIDÊNCIA

1ª 14 4 18 7 2 c) não é estudada

2ª 38 4 1 4 4 a) Como conteúdo das áreas que possibilitem tratar o assunto

3ª 16 8 10 7 6 a)estudada como rico folclore no Brasil

4ª 16 5 12 7 10 a) Baseia-se nas contribuiçõs das culturas europeias

representadas nos livros didáticos

5ª 6 20 12 5 5 c) tem investido em formação e buscado informações sobre as

questões raciais

6ª 22 11 9 2 4 a) Não é feita com porfundidade, pois a escola prioriza outras

temáticas mais relevantes para o nosso contexto

7ª 15 12 14 1 5 a) Não tratadas, pois não temos informações suficientes e o

assunto é polémico

8ª 16 7 16 3 3

c) São discussões estratégicas para conscientização dos alunos

quanto à luta contra todas as formas de injustiça social / a)

São temas de reflexão para todos os alunos

9ª 11 1 29 3 4 c) Promover maior conhecimento sobre as heranças culturais

brasileiras

10ª 28 3 10 2 4 a) Tem o poder de influenciar nas questões de racismo e

discriminação

11ª 24 4 12 2 5 a) Alguns professores tratam o assunto em determinadas

etapas do ano letivo

12ª 1 23 5 13 5 b) Existem poucos títulos sobre a questão racial

13ª 26 7 5 4 4 a) Ainda não teve oportunidade de estudar o assunto

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315

ANEXO

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ANEXO A – Mapas de localização: 1 e 2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

DOUTORANDA: SUELI BORGES PEREIRA

ORIENTADOR: PROF. DR. ALÍPIO CASALI

Figura1: Mapa de localização: Maranhão – São Luis

Fonte: TELES, Mércia, 2013.

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Figura2: Mapa de localização: São Luís – Bairro Monte Castelo – Campus Monte Castelo.

Fonte: TELES, Mércia, 2013.