PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP
Francisco Leocádio Ribeiro Coutinho Neto
A INCIDÊNCIA DA NORMA SANCIONATÓRIA
Estudo sobre a incidência das Normas Sancionatórias Tributárias e das Normas Penais
Tributárias
MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO
SÃO PAULO
2015
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP
Francisco Leocádio Ribeiro Coutinho Neto
A INCIDÊNCIA DA NORMA SANCIONATÓRIA
Estudo sobre a incidência das Normas Sancionatórias Tributárias e das Normas Penais
Tributárias
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de
MESTRE do programa de pós-
graduação strictu sensu em Direito, na
área de concentração Direito Tributário.
Orientador: Prof. Dr. Paulo de Barros
Carvalho
SÃO PAULO
2015
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BANCA EXAMINADORA
___________________________________
___________________________________
___________________________________
4
A vós, meus pais, irmãos e Natália,
fontes de estímulo e amor, eu dedico.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais e irmãos, pelo apoio e incentivo incondicional na busca de
meus sonhos.
À minha querida namorada Natália, agradeço o amor e o companheirismo nesses três
anos de idas e vindas a São Paulo/SP.
À minha avó Ozanira, agradeço as proveitosas e fervorosas orações. Agradeço à minha
avozinha Maria Julinda, que se foi, mas que certamente vibra com esse momento tão
especial de minha vida.
Ao amigo Galderise Teles, agradeço fervorosamente a parceria desde as aulas de
Fundamentos Jurídicos da Incidência, quando ainda éramos alunos ouvintes, passando
pelas intensas discussões nas disciplinas do Mestrado, até a abertura do IBET em
Santos, mas agradeço principalmente pelo ombro amigo nos dias mais desafiadores de
nossas vidas.
Agradeço ao amigo Bruno Nepomuceno, que acompanhou desde o início a luta, a
dedicação e o empenho para entrar no mestrado em D. Tributário da PUC/SP, enquanto
ainda éramos adventícios em São Paulo.
Agradeço ao querido amigo Lucas Galvão de Brito, pela acolhida e pelos conselhos tão
valiosos desde a minha mudança para São Paulo.
À professora Aurora Tomazini de Carvalho, agradeço o privilégio de ter sido seu
assistente na PUC/Cogeae, e poder, toda quarta-feira, observá-la compartilhando com a
turma a clareza de seus ensinamentos.
À professora Fabiana Del Padre Tomé, minha grande referência na forma como
transmite os ensinamentos, agradeço pelas inestimáveis contribuições na disciplina do
mestrado, na banca de qualificação e na inesquecível aula inaugural do IBET - Santos.
Agradeço à Dra. Ângela Maria da Motta Pacheco, pelas conversas e proveitosas
orientações sobre este tema que conhece, como poucos, tão profundamente.
À Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP e à CAPES, que viabilizaram a realização
do projeto mais importante de minha vida.
Agradeço, de modo especial, ao professor Robson Maia Lins, meu verdadeiro mentor e
fonte de inspiração, pela oportunidade de pesquisar o Direito e acompanhá-lo na
Disciplina Direito Tributário Sancionatório, onde os debates ali travados estão aqui
refletidos.
Por fim, ao eterno mestre Paulo de Barros Carvalho, “dentre os grandes, és o
primeiro”, agradeço as inúmeras lições de Teoria Geral do Direito e de Direito
Tributário, pelo exemplo de humanidade e pela honra de ser seu orientando.
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"Altera-se o mundo físico mediante o
trabalho e a tecnologia, que o potencia
em resultados. E altera-se o mundo
social mediante a linguagem das
normas, uma classe da qual é a
linguagem das normas do Direito."
Lourival Vilanova
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RESUMO
O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos
pressupostos do Constructivismo Lógico-Semântico e identificar os problemas
enfrentados no seu ciclo de positivação. Elucida-se o conceito de Direito e a Teoria da
Norma Jurídica, bem como as acepções do termo sanção e sua relação com a
coercitividade e a coação. Ao examinar o sistema sancionatório tributário e penal
tributário em sua generalidade, encontrou-se um ciclo vicioso, um problema sistêmico,
uma verdadeira desnaturação da norma sancionatória causada por diversos fatores, tais
como: multas em percentuais impagáveis, a necessidade de discussão em âmbito
administrativo e judicial, necessária edição de leis que anistiem as multas, falhas na
construção dos fatos jurídicos penais e crimes contra a ordem tributária ineficazes. A
anistia de multas e a suspensão ou extinção da punibilidade nos crimes tributários
retiram fragmentam a estrutura da norma jurídica completa, retira-se a coercibilidade.
Discute-se a sanção com o fito de organizar o sistema jurídico sancionatório,
contribuindo para uma melhor construção sintática, semântica e pragmática das sanções,
ou seja, que a norma sancionatória eficaz garanta os valores resguardados pela
sociedade.
Palavras-chave: Incidência. Sanções. Multas. Crimes contra a ordem tributária.
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ABSTRACT
The ultimate aim is to investigate the incidence of the penal provisions within the
postulates of the Logical-Semantic Constructivism and identify the problems faced in
their positivization cycle. It elucidates the concept of law and the Theory of Legal Rule
as well as the meanings of the term sanction and its relationship with the coercivity and
duress. By examining the tax and criminal penalties tax system in its generality, it has
find a vicious cycle, a systemic problem, a real distortion of the penalty rule caused by
many factors, such as fines under unpayable percentage, the need for discussion in the
administrative and judicial fields, necessary editing laws that grant fines amnesty,
construction flaws of the criminal legal facts and inefficient tax crimes. The fines’
amnesty and suspension or the extinguishment of the punishability in tax crimes
removes a fragment of the structure of the complete legal norm, withdraws the
coercivity. It discusses the penalty in order to organize the sanctioning legal system,
contributing to a better syntactic, semantic and pragmatic construction of sanctions, that
is, the effective penal provition guarantees the values safeguarded by society.
Keywords: Incidence. Sanctions. Fines. Crimes against the tax order.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 14
CAPÍTULO I
Premissas Epistemológicas
1.1. Metodologia ............................................................................................................. 33
1.2. Referencial Teórico Adotado: Constructivismo Lógico-Semântico ................... 37
1.2.1. Direito e Filosofia (A Linguagem e a Realidade)......................................... 39
1.2.2. Pressupostos Filosóficos Gerais e Filosóficos Jurídicos .............................. 40
1.2.2.1. O Giro-Linguístico ................................................................................. 40
1.2.2.2. Direito e Lógica ..................................................................................... 42
1.2.2.3. Teoria Comunicacional do Direito ........................................................ 46
1.2.2.4. Semiótica como Ferramenta de Estudo do Direito ................................ 47
CAPÍTULO II
Norma Jurídica
2.1. Direito – Teoria Da Norma Jurídica ........................................................................ 50
2.2. Ordenamento e Sistema Jurídico Tributário ............................................................ 54
2.3. Derivação e positivação ........................................................................................... 58
2.4. Distinção entre Sanção, Coercitividade e Coação ................................................... 59
2.4.1. O problema do termo "sanção" ......................................................................... 61
a) sanção em Kelsen ............................................................................................... 62
b) sanção em Bobbio .............................................................................................. 63
c) sanção em Lourival Vilanova ............................................................................. 65
d) sanção em Alf Ross ............................................................................................ 67
f) sanção em Miguel Reale: .................................................................................... 69
g) sanção em Rudolf von Ihering ........................................................................... 70
f) sanção em Angela Maria da Motta Pacheco ....................................................... 71
2.4.2. Conclusão: coerção x coação x sanção ............................................................. 72
2.5. A Norma Jurídica Completa .................................................................................... 76
2.5.1. As normas jurídicas primárias: dispositiva e sancionadora .............................. 80
2.5.2. A norma jurídica secundária ............................................................................. 84
10
2.6. Penalidades pecuniárias ou multas fiscais ............................................................... 88
2.7. Distinção entre tributo e sanção............................................................................... 90
CAPÍTULO III
Incidência da Norma Jurídica
3.1. Causalidade jurídica: o mundo do ser e do dever-ser .............................................. 93
3.1.1. Distinção Entre Evento e Fato .......................................................................... 95
3.1.2. Níveis sintático, semântico e pragmático ......................................................... 98
3.2. Hermenêutica ......................................................................................................... 100
3.2.1. O problema da interpretação literal ................................................................ 101
3.3. O Percurso Gerador de Sentido e os Planos S1, S2, S3 e S4 ................................ 103
3.4. Utilização da Semiótica ......................................................................................... 107
3.5. Fenomenologia da Incidência em Pontes de Miranda e em Paulo de Barros
Carvalho ....................................................................................................................... 110
a) Sintático: Subsunção e Imputação ........................................................................ 119
b) Semântico: denotação ........................................................................................... 121
c) Pragmático: interpretação e produção da norma individual e concreta ................ 122
CAPÍTULO IV
Regra-Matriz da Norma Tributária e da Norma Sancionatória Tributária
4.1. A Regra-Matriz de Incidência ............................................................................... 124
4.1.1. Conceito .......................................................................................................... 126
4.1.2. A regra-matriz de incidência da sanção tributária ..................................................... 133
4.2.1. Critérios .......................................................................................................... 135
4.2.1.1. Antecedente (Hipótese) ............................................................................... 136
4.2.1.1.1. Critério Material ................................................................................... 136
4.2.1.1.2. Critério Espacial ................................................................................... 138
4.2.1.1.3. Critério Temporal ................................................................................ 139
4.2.1.2. O dever ser interproposicional (O operador deôntico) ................................ 141
4.2.1.3. Tese (Consequente) ..................................................................................... 142
4.2.1.3.1. Critério pessoal ..................................................................................... 142
4.2.1.3.1.1. Sujeito ativo ................................................................................... 142
4.2.1.3.1.2. Sujeito passivo ............................................................................... 143
4.2.1.3.2. Critério Quantitativo ............................................................................. 144
11
4.2.1.3.2.1. Base de Cálculo ............................................................................. 145
4.2.1.3.2.2. Alíquota ......................................................................................... 148
CAPÍTULO V
Espécies de Sanções Tributárias
5. Espécies de sanções tributárias ................................................................................. 149
5.1. A multa penal ........................................................................................................ 149
5.2. Multa de ofício ...................................................................................................... 150
5.3. Multa isolada ......................................................................................................... 150
a) Compensação não homologada x Compensação não declarada ........................... 152
b) Concomitância ...................................................................................................... 154
5.4. Multa agravada ...................................................................................................... 156
5.5. Multa qualificada: .................................................................................................. 157
5.6. Multa de mora ........................................................................................................ 160
a) natureza sancionatória x natureza indenizatória das multas ................................. 160
b) princípio da retroatividade da lei mais benéfica em matéria de penalidades ....... 162
5.7. Juros de mora ......................................................................................................... 163
5.8. Correção monetária................................................................................................ 167
5.9. Sanções políticas ................................................................................................... 167
5.10. Hipóteses de exclusão da penalidade................................................................... 171
a) Anistia .................................................................................................................. 171
b) Denuncia Espontânea ........................................................................................... 173
CAPÍTULO VI
Norma Penal Tributária
6. Direito Penal Tributário X Direito Tributário Penal ................................................ 176
a) Criminalização de condutas relacionadas ao pagamento de tributos ................ 177
6.1. Incidência da Norma Penal Tributária e da Norma Tributária Sancionadora ....... 180
a) Bem jurídico tutelado ........................................................................................... 184
6.2. Direito Penal: Conceitos fundamentais ................................................................. 185
6.3. Conceito de Crime e Elementos do Crime ............................................................ 185
6.3.1. Causalidade ..................................................................................................... 185
12
6.3.2. Tipicidade ....................................................................................................... 187
6.3.3. Ilicitude ........................................................................................................... 188
6.3.4. Antijuridicidade .............................................................................................. 190
6.3.5. Culpabilidade .................................................................................................. 191
6.4. Elemento Subjetivo do Tipo .................................................................................. 191
6.4.1. Dolo ................................................................................................................ 193
6.4.2. Culpa ............................................................................................................... 194
CAPÍTULO VII
Crimes Contra a Ordem Tributária
7.1. Crimes Contra a Ordem Tributária ........................................................................ 195
7.1. Antecedentes históricos: Ilícito Penal Tributário .............................................. 198
7.2. Crimes contra a ordem tributária: Os tipos e as penas ...................................... 199
a) Crimes Tributários na Espanha .................................................................. 203
b) Crimes Tributários nos Estados Unidos ..................................................... 205
7.3. Paralelo com o crime de apropriação indébita previdenciária ........................... 207
7.3.1. Não recolhimento de tributo cobrado ou descontado na condição de sujeito
passivo ...................................................................................................................... 211
7.4. Classificação dos crimes contra a ordem tributária quanto ao resultado: crime
material, crime formal ou crime de mera conduta ........................................................ 216
7.5. O requisito subjetivo dos delitos fiscais ................................................................ 220
7.5.1. Momento Da Caracterização Do Elemento Subjetivo: a influencia da incidência
das Normas Sancionatórias Tributárias na aplicação das Normas Penais Tributárias
.................................................................................................................................. 223
7.5.2. Relação entre o elemento volitivo (subjetividade) nas multas qualificadas ou
agravadas e a responsabilidade penal nos crimes contra a ordem tributária ............ 224
7.5.2. Ausência de dolo específico: Inexigibilidade de conduta diversa .................. 226
7.6. Prévio Exaurimento da Via Administrativa .......................................................... 229
7.7. A responsabilidade penal pessoal .......................................................................... 236
7.8. A responsabilidade penal da pessoa jurídica e a lei anticorrupção nº 12.846, de 1º de
agosto de 2013 .............................................................................................................. 239
7.8.1. Dificuldade de produção probatória nos crimes contra a ordem tributária .... 244
7.9. Responsabilidade tributária e os crimes contra a ordem tributária ........................ 247
7.10. Denúncia Espontânea e a Extinção da Punibilidade Penal .................................. 266
7.11. Crimes contra a ordem tributária e erro de tipo ................................................... 267
7.12. Parcelamentos Fiscais .......................................................................................... 268
13
7.12.1. Histórico da extinção da punibilidade penal via pagamento ou suspensão após
parcelamento ............................................................................................................. 268
7.12.2. Suspensão e extinção da punibilidade nos crimes tributários - falência dos
crimes contra a ordem tributária ............................................................................... 272
a) Dados da sonegação fiscal no Brasil ................................................................ 276
b) Receita Federal e a Representação Fiscal para Fins Penais ............................. 277
CONCLUSÃO .............................................................................................................. 279
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 287
14
INTRODUÇÃO
O professor pernambucano Lourival Vilanova1, ao trabalhar a dialética fato
e norma, afirma que um fato é jurídico na medida em que uma norma a ele vincula
efeitos.
O mesmo evento pode ser pressuposto de duas ou mais normas; nessa
pesquisa, analisa-se as diferentes consequências desencadeadas pela ocorrência de fato
descrito, tanto no antecedente da norma sancionatória tributária, como no da norma
penal tributária. De modo comparativo, abordam-se os principais problemas inerentes à
incidência da sanção.
Comparar a incidência das normas sancionatórias é experimentar o aspecto
estático x o aspecto dinâmico.
A violação de dever jurídico previsto no consequente de uma regra-matriz
de incidência tributária pode ensejar infração ou ilícito tributário, sujeitos ao regime
jurídico e aos princípios do direito administrativo, como também configurar crime
tributário, previsto em lei penal e submetido aos seus institutos. Daí a importância de se
investigar as diferenças entre tais entidades e apontar os problemas encontrados no
Direito no intuito de encontrar soluções adequadas.
Partiremos das normas gerais e abstratas das sanções administrativas e dos
crimes contra a ordem tributária até suas respectivas normas individuais e concretas.
Focando a passagem de uma fase para outra. Analisando quais as principais dificuldades
que o aplicador enfrenta.
Com o instrumental da regra–matriz tributária, meditaremos também sobre
os critérios da regra-matriz das multas e dos crimes contra a ordem tributária.
1 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
15
No ordenamento jurídico, a sanção, propriedade lógica das normas jurídicas,
é exercida de modo particular, sendo o principal traço distintivo entre o sistema
normativo do direito e outros sistemas normativos, tais como o religioso, o gramatical e
o da etiqueta2. Veremos as desastrosas consequências práticas de se retirar a
coercitividade inerente à norma jurídica.
Pontes de Miranda3 já prelecionava ser o direito caracterizado pela
qualidade de suas regras jurídicas, únicas dotadas de força de incidência, em função da
coercitividade que se lhes acrescenta. Antes, numa dimensão política, Thomas Hobbes
já ressaltava: “os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar
segurança a ninguém”.4 É preciso gravar esta frase, uma vez que nos crimes contra a
ordem tributária repetidas vezes não temos a espada responsável por assegurar o pacto
social.
Firme na linha do Professor Paulo de Barros Carvalho5, seguindo a
concepção kelseniana do direito como um conjunto de normas jurídicas válidas,
podemos separar, por meio de cortes epistemológicos, a norma jurídica completa em
“norma primária” e em “norma secundária”, ou, no léxico de Cossio, em endonorma ou
perinorma, respectivamente.
Essa é a bimembridade da norma jurídica, isto é, uma sem a outra não
sobrevive, ambas possuem a mesma estrutura lógica, a secção é feita apenas para
experiência científica. A primeira estatui relação jurídica de cunho material dada a
ocorrência de determinado fato; as últimas descrevem, na hipótese, a inobservância,
pelo sujeito passivo, da relação jurídica prevista no prescritor da norma primária, e no
seu consequente, expressa uma relação de cunho processual jurisdicional, em que o
Estado atua, para obter coativamente a prestação inadimplida.
2 BOBBIO, Teoria da Norma Jurídica, Cap. V; KELSEN, Teoria Pura do Direito, p. 36, 37 e 71, Martins
Fontes, 2011. 3 MIRANDA, Pontes de. Sistema de Ciência Positiva do Direito. 4 Tomos. Campinas, Bookseller, 2000. 4 HOBBES, Thomas. Leviatã. Tradução de Joao Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São
Paulo: Martins Fontes, 2008. p.143 5 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011.
16
Investigando a incidência da norma geral e abstrata, focando a atividade de
enunciação perpetrada pelo aplicador da norma individual e concreta, expor-se-ão as
semelhanças e os contrastes entre a aplicação da norma primária sancionadora e a
aplicação da norma secundária (penal)6, quando da formalização em linguagem
competente da relação jurídica sancionatória, consoante classificação desenvolvida por
Eurico Marcos Diniz de Santi.
O escopo do trabalho é identificar como os fatos jurídicos, constituídos
como tais pelos enunciados protocolares denotativos constantes do descritor da norma
individual e concreta sancionatória tributária, podem influenciar na aplicação da norma
penal tributária, e mais, pretende esmiuçar onde o ordenamento jurídico brasileiro
precisa de reparos para que tenhamos um Direito Sancionatório de qualidade, que
possibilite o exercício dos desígnios que as normas jurídicas possuem.
A construção dos fatos jurídicos nas normas penais impõe vasta diligência e
maior esforço probatório. Não raras vezes a persecução penal se desenvolve sem
critérios, lastreada apenas nos pressupostos da incidência das normas primárias. Como
bem assevera Eurico de Santi7: “sem a construção dos fatos jurídicos o direito rompe
sua dinâmica funcional, torna-se estático, não se reproduz e não é aplicável”.
Dessa constatação decorrem diversos problemas, pois os tipos penais, além
da materialidade do evento antijurídico, demandam a prova da participação volitiva do
agente (culpabilidade), requisitos basilares à imputação penal.
Na Lei 8.137/99, há um desrespeito aos ditames da Parte geral do Código
Penal, afrontando: regras de prescrição e decadência, bem como regras de estrutura
específicas são alteradas.
6 Como bem assevera Sacha Calmon Navarro Coêlho, as sanções estão presentes, em todos os setores do
Direito que, em essência, é uno (ordo juris), portanto, ilusória a tese de que só o Direito Penal sanciona.
Embora sejam diversas as normas secundárias, nesse trabalho o foco recai sobre as normas primárias
sancionadoras e as normas secundárias penais, que estabelecem relação jurídica de direito formal em
razão do cometimento do fato jurídico criminal. 7 SANTI, Eurico Marcos Diniz. Decadência e Prescrição. São Paulo, Max Limonad, 1999. p.41
17
A comparação entre as incidências leva em consideração a utilização de
regras processuais distintas. Comparamos ambitos e sujeitos competentes diferentes
para produção e aplicação de normas individuais e concretas.
Posto isto, diante da diferença de regimes, no âmbito penal, impõe-se maior
zelo e esmero; para tanto, no presente trabalho, faz-se proveitoso um mergulho na
estrutura normativa dos crimes tributários e na Teoria Geral das Provas.
Sobre o tema, a professora Fabiana Del Padre Tomé8 é incisiva ao
proclamar ser o fato jurídico aquele que pode expressar-se em linguagem competente,
isto é, mediante linguagem das provas que a lei identifica como necessária para o relato
jurídico dos acontecimentos que o legislador atribuiu importância valorativa.
Nesse sentido, é imperioso investigar como os fatos devem ser constituídos
para ingressarem no ordenamento. O direito é sintaticamente fechado, ou seja, o sistema
determina o modo como seus fatos são produzidos, estabelecendo um procedimento
específico a ser realizado por agente competente.
A professora Aurora Tomazini9 é clara ao explicar que para um enunciado
factual ingressar no ordenamento jurídico, é necessário seu relatado em código próprio,
de acordo com as regras por ele prescritas e é por meio das provas que o evento é
atestado e que os fatos jurídicos são constituídos e mantidos no sistema. Sendo o fato
que se deseja provar (fato alegado) o objeto dinâmico da prova, que se constitui como
objeto imediato ao representa-lo parcialmente.
Nesse soar, a pesquisa também pretende identificar qual o pressuposto
fático, para responsabilizar criminalmente o infrator. A súmula vinculante nº 24, do
Supremo Tribunal Federal, consolidou o entendimento de que a constituição do crédito
tributário, pelo lançamento, faz parte da tipicidade. Todavia, essa súmula deixou de ser
aplicada em alguns casos, foi ela relativizada? Afinal, quando se dá a constituição
8 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2008. 9 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p.
412
18
definitiva do crédito? Será mesmo ao término da via administrativa? Qual a função do
Direito Penal Tributário?
O estudo mostra sua relevância no momento em que perquire acerca da
atividade de compor em linguagem os fatos previstos na formulação da regra-matriz
punitiva das diversas sanções administrativas, tais como a imposição de multas pelo não
pagamento de tributo no prazo ou pelo descumprimento de deveres instrumentais.
Em muitos casos, as sanções prescritas atingem percentuais bastante
elevados, mas, nesses casos, a constituição dos fatos jurídicos exigiria maior cuidado.
Meditando sobre a fenomenologia da incidência das normas sancionatórias, surgem
diversos questionamentos: é preciso fazer uso das garantias do direito penal na
aplicação das normas primárias sancionatórias? Devem ser regidas pelo princípio da
tipologia cerrada? Há ou deve haver, por exemplo, a possibilidade de gradação das
multas pelo intérprete em uma possível dosimetria da pena administrativa?10 E o caso
das sanções fixas? É preciso levar em conta a boa-fé do contribuinte?
Os contribuintes sentem-se vacilantes ante a carência de método. Há
insegurança quando dos planejamentos tributários, uma vez que sua descaracterização é
corriqueira, sob alegação pelo fisco da ocorrência de fraude, simulação ou abuso de
forma. Outras diversas questões continuam sem posicionamento do judiciário ou do
legislativo, e inexiste norma procedimental que descreva os elementos caracterizadores
de tais crimes e infrações.
O professor Robson Maia Lins11, ao tratar das multas isoladas qualificadas e
a reiteração, é contundente ao asseverar crítica no sentido de não se poder culminar
pena sem lei que detalhe a conduta, caracterizando-se verdadeira ineficácia técnico-
sintática que impossibilita a aplicação da norma sancionatória.
10 Problema que identifica, na pragmática jurídica, a desproporção de determinadas exações, gerando
sentimento de impotência, diante da ausência de previsão normativa que possibilite a medição do grau do
ilícito para imposição de sanção adequada ao caso. 11 LINS, Robson Maia. Notas sobre a reiteração e as normas jurídicas tributárias sancionatórias. In VIII
Congresso Nacional de Estudos Tributários. Vários autores, coord. Priscila de Souza. São Paulo: Noeses,
2011. p. 993-994
19
Tais questionamentos levantam instantaneamente a indagação sobre a
adequada forma de constituição dos fatos jurídicos pressupostos de incidência das
normas sancionatórias. O tema é complexo e, ao mesmo tempo, entusiasmante. A busca
de soluções que agreguem critérios procedimentais e viabilizem uma produção
probatória apropriada é o que move o espírito dessa pesquisa.
A vantagem de trabalhar tema tão vasto, “Incidência das Normas
Sancionatórias” é poder discutir sob fundamentos e pressupostos teóricos firmes os
problemas no ordenamento que prejudicam a melhor incidência.
Com efeito, para desenvolver estudo sério, é imperioso firmar as premissas
e conceitos alicerces das edificações dogmáticas que pretendemos construir. Sem
fundações sólidas, o cientista se perderá no caminho e não obterá êxito. Esse é o
objetivo do primeiro capítulo, tais pressupostos são umbilicalmente responsáveis pela
coerência do raciocínio e permitem observar, por exemplo, o problema prático dos
crimes contra ordem tributária explicando-se sob a lupa das categorias da Teoria Geral
do Direito.
Assim, ainda no primeiro capítulo, faz-se imprescindível expor que a noção
de realidade adotada segue a trilha do “giro-linguístico”, na qual tudo é linguagem.
Destarte, direito é linguagem. Inarticuláveis intelectualmente as coisas, face à sua
complexidade incognoscível, o homem tem, por limite epistemológico, e também,
portanto, ontológico, a linguagem. A realidade, assim, apresenta-se como linguagem, e
não ocorre diferentemente com o direito. Este, contudo, caracteriza-se por ser
linguagem idiomática, o que torna mais expressiva a circunstância supracitada.
Como será visto, tal escola é fruto da importante contribuição de Ludwig
Wittgenstein. Ao publicar suas obras Tractus Logico-Philosophicus e Investigações
Filosóficas, teve início a fase do denominado “giro-linguístico”, que passa a conceber a
linguagem de modo independente da realidade, passando a sobrepô-la.
De maneira revolucionária, rompendo com a teoria ontológica da
linguagem, defende-se que as coisas não existem em si e que a linguagem não apenas
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descreve a realidade, mas, ao contrário, esta depende umbilicalmente daquela e é criada
por ela. A linguagem não espelha a realidade, ela a constitui. Cumpre salientar que o
idealismo transcendental já havia rompido com a noção de coisa em si, instituindo a
filosofia da consciência, mas agora a linguagem constitui a realidade para o ser humano.
Nesse sentido, o universo humano é limitado pela linguagem12. Meu mundo
vai até a fronteira da minha linguagem, aquilo que não posso descrever, emitir
enunciados, não conheço.13
Tárek Moysés Moussallem explica serem os signos convenções dos sujeitos,
para representar o mundo físico, cujo acesso só ocorre pela via da linguagem, nada
existindo fora das interpretações. Para reforçar o substrato teórico de suas palavras, o
professor capixaba cita declaração de Nietzsche: “A interpretação é a versão dos fatos”.
O supracitado professor continua: “só há realidade onde atua a linguagem,
assim como só é possível conhecer o real mediante enunciados linguísticos, o que
estiver fora da linguagem permanecerá no campo das meras sensações que se esvaem no
tempo, não se caracterizando como conhecimento”.14
Para a teoria da linguagem, os objetos decorrem dos enunciados
linguísticos, as coisas não precedem o discurso, mas nascem com ele, pois é exatamente
o discurso que lhes dá significado.
Essas premissas são instrumentos cirúrgicos indispensáveis ao nosso
esforço de dissecar analiticamente a Incidência da Norma Sancionatória.
No capítulo segundo, definimos ordenamento e sistema jurídico, separemos
ciência, direito e linguagem. O direito tem, como primordial objetivo, a regulação de
12 Seguindo as lições de Vilém Flusser, a língua cria o mundo. Assim, diante da variedade de idiomas, o
universo de pensamento também é plural. Através do jogo da tradução, o autor sistematicamente passava
de uma língua para outra textos em alemão, português, inglês e francês. Desse modo, surgem novas
categorias significativas na língua tradutora. (FLUSSER, Vilém. Vilém Flusser e Juristas: comemoração
dos 25 anos do grupo de estudos de Paulo de Barros Carvalho. Coord. Florence Haret e Jerson Carneiro.
São Paulo: Noeses, 2009.) 13 WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus logico-philosophicus. São Paulo: Edusp, 2001. 14 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. 2. ed. São Paulo, Noeses, 2006.
21
condutas inter-humanas, no sentido de realizar determinados valores tidos como
proeminentes para determinada sociedade em certa circunstância de espaço e tempo. Ele
é necessariamente expresso em linguagem, e linguagem é texto.
Daí decorre a definição do professor Paulo de Barros Carvalho do conceito
de direito positivo, como “plexo de normas jurídicas válidas num corpo de linguagem
prescritivo, que fala do comportamento do homem na comunidade social”.15
Enquanto o direito positivo dirige-se à linguagem da realidade social com o
fim de selecionar fatos e condutas, regulando-as, a Ciência do Direito (dogmática)
dirige-se à linguagem do Direito Positivo com o escopo de estudá-la. O primeiro é
denominado sistema nomoempírico prescritivo; o segundo, sistema nomoempírico
descritivo.
Tais colocações influem diretamente no caminho percorrido ao longo da
pesquisa, cumprindo colacionar importante distinção feita pelo Professor Paulo de
Barros Carvalho, em seu livro “Fundamentos Jurídicos da Incidência”, no que tange à
relação entre linguagem do direito positivo e linguagem social sobre a qual ele incide:
“Digamos, então, que sobre essa linguagem (a social) incide a linguagem
prescritiva do direito positivo, juridicizando fatos e condutas, valoradas com
o sinal positivo da licitude e negativo da ilicitude. A partir daí, aparece o
direito como sobrelinguagem, ou linguagem de sobrenível, cortando a
realidade social com a incisão profunda da juridicidade. Ora, como toda a
linguagem é redutora do mundo sobre o qual incide, a sobrelinguagem do
direito positivo vem separar, no domínio do real-social, o setor juridicizando
do setor não juridicizando, vem desenhar, enfim, o território da facticidade
jurídica.”16
A passagem é esclarecedora, pois aponta de modo hialino a diferença entre
linguagens, que se apresentam em distintas camadas. A linguagem do direito positivo
aparece como linguagem de nível diferenciado que, selecionando fatos da linguagem
social detentores de valoração respeitável, juridiciza-os, trazendo o dever-ser como
consequência da realização do fato jurídico.
15 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo, Saraiva, 2011. p.43 16 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência.8.ed.Saraiva,
São Paulo, 2010
22
No mesmo sentido, Lourival Vilanova pontua, o Direito com sua linguagem
prescritiva preestabelece, prepõe, pré-constitui, pré-seleciona os fatos do mundo físico e
social que irão compor o universo juridicamente qualificado: que fatos jurídicos, que
possíveis condutas serão efeitos (eficácia) desses fatos juridicizados.17
Tal modo de recorte cognoscitivo, verdadeira visão de mundo através
de segura posição filosófica, merece aplicação no estudo da incidência das multas e
dos crimes contra a ordem tributária. Eis o grande diferencial desse trabalho,
investigar comparativamente a incidência normativa das sanções administrativas e
penais utilizando instrumental valioso, o constructivismo lógico-semântico.
Uma teoria ocupa-se em observar, analisar e tentar compreender
determinado objeto, reduzindo as complexidades. Conforme ensinamento do jusfilósofo
alemão Karl Larenz18, cada ciência lança mão de determinados métodos, modos de
proceder, no sentido da obtenção de respostas às questões por ela suscitadas.
Na ciência do direito, ao longo dos anos, desde a escola filosófica do
jusnaturalismo, passando pela escola histórica do direito, pelo positivismo e pelo
realismo, até os dias atuais, nomes como SAVIGNY, JHERING e HECK, mas também
OSKAR BULOW, EUGEN EHRLICH, KELSEN, BINDER e RADBRUCH são
expoentes que as mais das vezes gozam de largo curso.
Karl Larenz pondera que, na diversidade de todas estas posições, pode
descortinar-se uma identidade de problemática, onde os questionamentos giram
majoritariamente em torno de conceitos como os de validade e positividade, de
normatividade e determinação ontológica do direito.
Portanto, não há uma primazia no modo de se aproximar do dado jurídico,
muitos podem ser os sistemas de referência, a diversidade de métodos justifica as
diferentes respostas encontradas pelos pensadores supramencionados.
17 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000. 18 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Trad. José Lamego. Lisboa, Calouste
Gulbenkian, 1997. p. 1
23
Nessa senda, é preciso apresentar o corte metodológico que será adotado.
Assim como o professor Paulo de Barros Carvalho, pretende-se tratar os problemas na
linha das teorias retóricas, autorreferentes, não na concepção das teorias ontológicas.
São o primeiro e o segundo capítulos os responsáveis por apresentar o método eleito.
Neles demonstra-se a presença de cuidado metodológico, com argumentos vertidos
sempre em linguagem rigorosa, necessidade premente no desenvolvimento de trabalhos
de cunho científico, consoante defendia o Círculo de Viena.
O Professor Paulo de Barros Carvalho bem enuncia que nenhuma solução
jurídico-tributária haverá de prosperar, se não estiver devidamente esteiada naquelas
noções propedêuticas que desenham o campo de estudo da Teoria Geral do Direito,
aduzindo ainda:
“Decididamente, não creio em aprofundamento teórico sem que o agente do
conhecimento, numa atitude de introspecção, como estratégia para
aproximar-se do objeto, desloque provisoriamente o alvo de suas reflexões
para os pressupostos do saber científico, reservando espaço para
considerações de ordem epistemológica.” 19
Assim, as proposições descritivas do labor científico devem dirigir-se ao
objeto, segundo métodos previamente estabelecidos.
Com efeito, coerente com as premissas adotadas, será tomado por objeto o
direito positivo, decompondo analiticamente a regra-matriz punitiva, elucidando seu
processo de positivação e incorporando fundamentos do Direito Penal para um estudo
completo da fenomenologia da incidência das normas sancionatórias tributárias e penais
tributárias, sempre no âmbito do isolamento cognoscitivo epistemológico e
proposicional.
Na linha da filosofia da linguagem, a forma de aproximação do objeto é pela
interpretação, método em sentido amplo. Coeso com os pressupostos do neopositivismo
lógico, firma-se a escolha do método analítico de decomposição significativa,
19 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p.867
24
depurando a linguagem natural, sempre fazendo uso do método hermenêutico,
valorativo.
Toma-se o direito como objeto da cultura, criado pelo homem, para
organizar os comportamentos intersubjetivos, guiando os indivíduos em direção aos
valores que a sociedade quer ver realizados.
De tal modo, será visto sempre na sua dualidade existencial: suporte e
significado (valor). Manifestado em linguagem prescritiva, o direito é linguagem objeto,
enquanto a ciência, em função descritiva, é metalinguagem.
A diferença entre “evento”, acontecimento experimental, “fato”, enunciado
linguístico sobre determinado evento, e “fato jurídico”, enunciado linguístico
pertencente ao direito positivo, resta patente.
Com suporte nesses prismas, utilizar-se-á a definição de norma jurídica20
como significação que se obtém a partir dos textos do direito positivo21. O percurso
gerador de sentido vai seguindo limitado pelo universo cultural do intérprete. A
interpretação, nessa perspectiva, é um ato de valoração do intérprete. Como exprime o
professor Lourival Vilanova, em seu “O Universo das Fórmulas Lógicas”:
“interpretar é atribuir valores aos símbolos, isto é, adjudicar-
lhes significações e, por meio dessas, referências a objetos”22
Como mencionado, as normas são prescritivas de condutas e têm o fito de
orientar seus destinatários para realização dos valores escolhidos. Esse fenômeno ocorre
dentro de um sistema comunicacional, em que estudar essa transmissão de comandos
cabe à teoria da comunicação, surgindo como metateoria da filosofia da linguagem.
20 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo, Saraiva, 2011. p.40 21 O professor Paulo de Barros Carvalho, adota esquema para separar os subsistemas de manifestação do
direito positivo e a estrutura da norma jurídica. O intérprete partindo da leitura dos enunciados
prescritivos S1, articula as significações S2 e compõe a norma jurídica S3, também denominada
“expressão irredutível de manifestação do deôntico”, depois surge S4 o plano das significações
normativas sistematicamente consideradas. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário:
fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. Saraiva, São Paulo, 2010. 22 Citado por: CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo:
Noeses, 2010. p. 223
25
Essas premissas serviram de fundamento para embasar nossas críticas e soluções
propostas.
Por outro lado, o aplicador do direito recebe e processa a norma geral e
abstrata, remetendo nova mensagem, ao expedir norma individual e concreta, tudo
mediante processo comunicacional.
Um estudo mais atilado do fenômeno jurídico da incidência deve se
preocupar em observar como se dá a comunicação quando da subsunção do fato à
norma, sendo a teoria da comunicação ferramenta essencial para o aprofundamento da
análise da incidência da norma jurídica, permitindo uma pesquisa da anatomia do
sistema comunicacional, seccionando-o23.
Assim, para estabelecer sua função comunicacional, a língua pressupõe a
aquiescência dos membros da comunidade, devendo ser resistente a alterações pontuais.
É fundamental compreender como, por meio de atos de fala, o ser humano é capaz de
construir mensagens de modo tão sofisticado e complexo. Ao tomar o Direito como
sistema comunicacional, observa-se quem está apto a proferir os atos de fala, o
legislador, o julgador ou o particular. No decorrer da pesquisa considera-se que as
regras do direito possuem finalidade ilocucionária assertiva e diretiva.24 Nesse sentido,
os comandos que não cumprem com tais finalidades devem ser consertados, suprimidos
ou substituídos.
Tem-se por “fala” o ato individual de uso da língua. O professor Paulo de
Barros Carvalho explica que a ideia de língua, como resultado da subtração da
linguagem menos a fala, decorre da compreensão de que “a linguagem é a palavra mais
23 Roman Jakobson separa tal processo em seis componentes: remetente, mensagem, destinatário,
contexto, código e contato. In: CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método.
4. ed. São Paulo: Noeses, 2011. p. 166 24 John L. Austin, precursor da teoria, classifica os atos de fala em: locucionários, ilocucionários e
perlocucionários. John R. Searle, subdivide em cinco espécies, de acordo com a finalidade do ato de fala:
assertivos, diretivos, compromissivos, expressivos e declarativos. Seguiremos o professor Tarek Moyssés
Moussallem que trabalha bastante com essa teoria, assim como o professor Cristiano Carvalho.
26
abrangente, significando a capacidade do ser humano para comunicar-se por intermédio
de signos cujo conjunto sistematizado é a língua.” 25
Instrumento fundamental para o presente estudo, o esquema lógico-
semântico da regra-matriz pode ser utilizado em todas as áreas do direito e tem
aplicabilidade incontestável, funcionando, tanto para delimitar o âmbito de incidência
normativa, como para controlar a constitucionalidade e legalidade da sua produção.26
A diferença entre os enunciados da norma jurídica geral e abstrata e norma
jurídica individual e concreta está precisamente no grau de determinação. Enquanto na
norma geral e abstrata se projeta para o futuro desenhando a conotação do evento, na
norma individual e concreta suas referencias voltam-se para denotar evento passado.
Assim, abordaremos as multas e os crimes tributários tanto no plano das normas
gerais e abstratas quanto no seu nível máximo de concretude.
O professor Paulo de Barros Carvalho27, leciona: a passagem da norma
abstrata para a norma concreta, processo mediante o qual se dá a incidência daquela
norma, exatamente, nessa redução à unidade: de classes com notas que se aplicariam a
infinitos indivíduos, nos critérios da hipótese, chegamos a classes com notas que
correspondem a um e somente um elemento.
Fazer uso da Teoria das Classes para analisar o fenômeno da incidência é
uma das mais valiosas formas de se estudar o direito. O legislador, ao produzir a norma
geral e abstrata, delimita o campo de extensão da hipótese, demarcando fatos que se
projetam sobre a linguagem da realidade social. Por outro lado, no consequente, o
legislador define atributos pressupostos da relação jurídica.
25 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 32 26 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p.
412 27 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. Saraiva,
São Paulo, 2010.
27
Com efeito, tomando a linguagem como instrumento do saber científico,
observa-se que, para um estudo mais acurado, o cientista carece de ferramenta apta a
filtrar as ambiguidades inerentes aos vocábulos utilizados.
Com o escopo de favorecer a análise do objeto, foram utilizados recursos
semióticos28 que contribuem e agregam rigor, configurando modo bastante adequado,
para sistematizar o objeto de estudo. Assim, o direito visto sob a lente dos três planos
semióticos é melhor compreendido. Pierce definiu os signos se manifestando da
seguinte forma:
“Um signo ou representamen, é aquilo que, sob certo aspecto ou modo,
representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa
pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido.” 29
A todo instante, em nossas reflexões ou conclusões, os três vértices do
triangulo semiótico proporcionaram uma visão e uma postura completamente diferente
diante dos variados temas do Direito Sancionatório aqui abordados.
Signo, portanto, é a unidade do sistema comunicacional que contém a
mensagem - conjunto estruturado de signos - a ser transmitida entre os utentes da
linguagem.
O professor Paulo de Barros Carvalho adota a terminologia husserliana
de signo como suporte físico, significação e significado.
28 Seguindo pela teoria geral dos signos de Charles Morris, baseada na semiótica de Peirce, ressalta-se
três dimensões que a linguagem apresenta: sintática, semântica e pragmática. No plano sintático é
possível perquirir sobre a ordem que as palavras devem ser postas para que o enunciado tenha sentido, a
colocação de vocábulos aleatoriamente não dá validade sintática ao discurso e impede que a comunicação
flua. Sob o ângulo semântico da linguagem verifica-se a correspondência entre a palavra e os objetos
significados, de modo a analisar a verdade do discurso. Já pelo prisma pragmático observa-se a relação
que os signos mantêm com o emissor e o destinatário da mensagem, também chamados de utentes da
linguagem. O filósofo americano Charles Sanders Pierce ressalta ainda o aspecto triádico da semiótica, o
signo, o objeto e o interpretante; classifica ainda os signos em: ícones, índices e símbolos. ARAUJO,
Clarice Von Oertzen. Incidência Jurídica – Teoria e Crítica. São Paulo: Noeses, 2011. 29 PIERCE, Charles Sanders. Semiótica. p. 45. In: ARAUJO, Clarice Von Oertzen. Incidência Jurídica –
Teoria e Crítica. São Paulo: Noeses, 2011. p. 29
28
Transpondo para o universo jurídico, tais categorias auxiliaram
substancialmente o estudo do fenômeno da incidência da norma sancionatória e da
construção dos fatos jurídicos.
Observando por esse prisma, o direito positivo é o suporte físico ou signo.
Com a interpretação do enunciado prescritivo individualmente considerado, temos o
significado ou proposição jurídica; em seguida, formam-se as significações estruturadas
que são as normas jurídicas, ou seja, ideias, conceitos produzidos em nossa mente.
Empregar noções trazidas da semiótica enriquecem os horizontes investigativos.
Além do método de aproximação do objeto, ressaltaram-se alguns
instrumentos, para bem compreender a função desempenhada pelo direito. Outros
também foram empregados, tais como a teoria dos sistemas, a teoria das classes, a teoria
das relações, a análise estática da estrutura lógica das normas e a atuação dinâmica da
regra jurídica tributária, sempre abordando os planos sintático, semântico e pragmático.
Firmadas as premissas, indicando as formas de aproximação cognoscitiva
que se pretende seguir, expôs-se a relevância do tema “Incidência das Normas
Sancionatórias”, sobretudo diante do perigoso posicionamento que a maior parte da
doutrina e da jurisprudência vem instituindo.
Dentre as razões que catapultam nosso desejo de seguir investigando, está a
constatação de que, apesar de os antecedentes normativos no direito positivo guardarem
recortes da camada social, construindo o fato à sua maneira, frequentemente o direito
sofre interferências de outros universos fora daquele recorte.
Posto isto, efetuaremos corte metodológico kelseniano30, o jusfilósofo, bem-
sucedido em sua obra Teoria Pura do Direito, driblou o problema do sincretismo
metodológico exacerbado, consolidando saber científico com uniformidade na
apreciação do objeto e a demarcação do campo de investigação.
30 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
29
Por outo lado, para preservar o corte efetuado pelo legislador, o
princípio da estrita legalidade estabelece que a lei descreva os elementos do fato e
os dados necessários, para se estabelecer a relação jurídica. Decorrência desse
preceito é a necessidade do exato enquadramento do fato à norma, ou seja, a plena
correspondência entre o fato jurídico tributário e a hipótese de incidência.
Algumas soluções para os problemas discutidos chegamos apenas com a ajuda
desse instrumental teórico.
O estudo tratará, então, no capítulo 3 da fenomenologia da incidência,
observando que a relação de subsunção e imputação está condicionada aos termos
previstos em lei. E mais: para constituição dos fatos, é indispensável que seu relato se
dê em linguagem competente, pois só por meio das provas é possível averiguar quanto à
sua correta produção.
Projetando-se sobre o tema, a intensão é oferecer critérios sólidos ao
aplicador, para, por exemplo, considerar os sucessivos programas de parcelamento
e remissão que causam insegurança e incerteza aos jurisdicionados.
O trabalho pretende investigar, com base nessas lições, como se dá a
praticabilidade do direito, desvendando a alternativa mais adequada do combate à
rebelião do fato no direito tributário, levantada por Alfredo Augusto Becker,
principalmente, quando tal fato funcione também como hipótese da norma penal.
A sanção mal aplicada pode converter-se de garantidora do Direito a
usurpadora do patrimônio e da liberdade do contribuinte. Por isso, Geraldo
Ataliba aduz: Só a correta interpretação das situações tributárias permite ter como
configurado o fato penalmente referido31.
Ao avançar no estudo sobre como a incidência das normas sancionatórias
tributárias pode influenciar na aplicação das normas penais tributárias, trabalha-se, para
31 Citado por: MARQUES, Márcio Severo. Infrações e Crimes Contra a Ordem Tributária. In VII
Congresso Nacional de Estudos Tributários. Vários autores, coord. Priscila de Souza. São Paulo: Noeses,
2010. p. 961
30
descobrir como os fatos jurídicos devem ser produzidos para uma correta aplicação, ou
que alteração o direito positivo deve sofrer, para ser melhor aplicado.
A dogmática não tem dado devida atenção ao tema. Poucos doutrinadores se
arriscam a transitar pela árida seara do Direito Penal Tributário, consoante protesto do
professor Paulo de Barros Carvalho:
“De fato, tratar das sanções tributárias e das sanções penais tributárias, a
partir de seus fundamentos últimos, não é tarefa confortável. Testemunho
desse asserto é o número pequeno de produções dogmáticas sobre o
assunto, além do tímido impulso de especulação vertical que as
qualificam.” 32 (grifo nosso)
O que nos impele e estimula a prosseguir, dedicando-se ao exame das
sanções tributárias e das sanções penais tributárias, é que as respostas poderão agregar
rigor e solucionar a preocupante situação atual, na qual são repetidas as imposições de
multas qualificadas, muitas vezes, ultrapassando o patamar de 150% (cento e cinquenta
por cento), presumindo o dolo, encaminhando representação para fins penais, sem um
mínimo de investigação probatória. Ou, por outro lado, deixando impunes infratores
contumazes que concorrem de modo desigual com os que cumprem seus deveres.
Com efeito, temos como principais aspirações, expor os problemas na
aplicação das normas sancionatórias e na medida do possível propor soluções.
Assim, ao estudar a incidência da norma e o seu ciclo de positivação indagamos se há
norma sem sanção, comparamos como se configura a regra-matriz punitiva e seu
respectivo esquema lógico-semântico, assim como o da regra-matriz penal tributária.
Abordaremos a intervenção do direito penal, esta, a princípio, só deveria
ocorrer nos casos em que os demais ramos do direito se revelarem insuficientes ou
ineficazes em sua intervenção punitiva, mas será este o objetivo principal do direito
penal tributário brasileiro? Qual o seu objetivo? A ação penal é nova forma de cobrar
tributo?
32 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 868
31
Sob o assunto, questionamos quando se considera “definitivamente
constituído o crédito”? Recente decisão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal
admitiu que o acusado de sonegar impostos pode ser processado criminalmente e até
preso antes do fim da discussão administrativa sobre a dívida tributária. A súmula
vinculante número 24, do STF, foi relativizada? Analisaremos seus fundamentos.
Assim, comentando a incidência da norma sancionatória apontaremos sua
relação com o princípio constitucional da proporcionalidade, do não confisco, entre
outros.
A pesquisa bebe na fonte, avança na linha do Constructivismo Lógico-
Semântico e busca, nas obras do professor Paulo de Barros Carvalho, com alento na
ideologia do professor pernambucano Lourival Vilanova, seus fundamentos.
Compartilham-se os pressupostos filosóficos gerais, os pressupostos
jurídico-filosóficos e as ferramentas para um estudo metodológico inspirado na
entusiasmante preocupação com o rigor e o sistemático confronto com as postulações da
Teoria do Direito.
O caminho que se deseja trilhar é no sentido de desprender esforço na
análise do jogo do direito positivo, para compreender seu ciclo de positivação, desde as
normas gerais e abstratas até as de máxima concretude com a construção do fato
jurídico tributário e o fato jurídico ilegal. Tudo, para oferecer contribuição científica de
peso, apta a desvencilhar-se das antinomias do direito.
Como é sabido, com o advento da extinção ou da suspensão da punibilidade
nos crimes contra a ordem tributária em razão do pagamento ou parcelamento do crédito
tributário a qualquer tempo, eles raramente são aplicados ou executados, sua incidência
resta prejudicada.
A vantagem de concentrar-se sobre a fenomenologia da incidência das
normas sancionatórias é poder aproveitar a meditação sobre o percurso da
positivação para discutir diversos problemas conexos, culminando na conclusão de
que há verdadeira falência dos crimes contra a ordem tributária.
32
A discussão travada após o advento da Lei 8.137/90 parece adormecida, sem
críticas mais veementes. Mas será mesmo que o atual regime sancionatório mostra-se
adequado? Apontaremos a crise dos crimes contra a ordem tributária e das multas
tributárias, não apenas com vistas aos casos práticos analisados, mas esteiados nas
categorias do professor Paulo de Barros Carvalho, que investiga a “Teoria da Norma e
Fenomenologia da Incidência Tributária”.
Ao abordar a incidência da norma sancionatória, tema bastante abrangente,
teremos a oportunidade de discorrer sobre os pontos mais intrigantes das sanções
tributárias, bem como arguir os fundamentos óbvios33 que tanto combatia Alfredo
Augusto Becker.
33 "que costumam ser aceitos como demasiado óbvios para merecerem a análise crítica” BECKER,
Alfredo Augusto, Teoria Geral do Direito Tributário, 3ª Ed., São Paulo: Lejus, 1998, p. 11
33
CAPÍTULO I
Premissas Epistemológicas
1.1 Metodologia
Como ressalta Renato Lopes Becho34 caracterizar norma, sanção e
coerção é tema filosófico, com diversas nuanças, e mesmo de teoria geral do
direito, elas integram os fundamentos não apenas do direito tributário, mas de
qualquer outro ramo científico, até mesmo o direito internacional.
Renato Lopes Becho destaca que “não há, no ordenamento jurídico
brasileiro, um tratamento uniforme e sistematizado sobre sanção em matéria
tributária”. Daí a importância de apontar-se a Metodologia, esta é a forma que
escolhemos para nos aproximar (approach) cognitivamente do objeto de estudo. O
professor Paulo de Barros Carvalho, sobre o tema, assevera:
“Da multiplicidade dessas variações advém a quantidade e
métodos que os muitos setores reclamam em razão de suas
peculiaridades existenciais. E, nesse meio, há de estar o
jurídico, com seu modo específico de existir. Cada porção do
real representa uma incisão profunda, mas abstrata, imposta
pelo ângulo de análise que satisfaz o interesse do sujeito do
conhecimento. Este, por sua vez, não ignora a natureza
contínua e heterogênea do mundo que o envolve, procurando,
enquanto sujeito transcendental, romper aquela continuidade
extensiva e intensiva para extrair o descontínuo homogêneo
sobre o qual fará incidir o feixe de suas proposições descritivas.
Mas é evidente que o objeto de tal maneira recortado reivindica
34 BECHO, Renato Lopes. O Direito Tributário Sancionador e as Sanções Político-administrativas.
Revista Dialética de Direito Tributário nº 222, p. 103-116, março de 2014c
34
um meio próprio de aproximação e de exploração cognoscitiva,
em outras palavras, um método.” 35
Método é o meio escolhido para aproximar-se do objeto, ou seja, é o modo
como o sujeito pretende caminhar ao longo do processo de cognição. O Direito é um
objeto cultural e além das já conhecidas dificuldades do estudo desses objetos, ele
apresenta outros embaraços quando se pretende uma aproximação cognoscitiva
rigorosa. A eleição de um método é fundamental e representa um maior esforço para
aquele que pretende seguir passos retos.
“Sem organização metodológica e precisa delimitação do
objeto, torna-se completo desconhecimento, num verdadeiro
sincretismo, enquanto amalgama de concepções heterogêneas,
ecletismo.”
Não tomar um método é mais cômodo. Sem a eleição de um modo
determinado de aproximação do objeto de estudo implica a não adoção de um ponto de
vista. Em outras palavras, é como contar uma história em um filme sem se importar com
a ordem cronológica dos acontecimentos, sem desenvolver um personagem principal ou
um narrador.
Sem método o ser humano tende naturalmente a seguir o caminho mais
fácil, sem compromisso. Ele certamente se perderá, comprometendo a qualidade da
película tanto quanto a qualidade da ciência produzida. Tem-se um filme mal contado,
ou um conjunto de asserções doutrinárias sem substrato. Eis a importância da eleição de
um método adequado.
Está clara a necessidade da escolha de um método. É chegada a hora de
optarmos e indicarmos o nosso. Assim, o corte metodológico adotado é na linha da
teoria da linguagem, retórica e autorreferente, não na concepção das teorias ontológicas.
35 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4ª ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 81
35
Kelsen driblou o problema ontológico consolidando um saber cientifico com
uniformidade na apreciação do objeto e a demarcação do campo de investigação.
Tomando o direito enquanto objeto cultural, necessariamente se identificará
valores, e por manifestar-se em linguagem, deverá ser explorado com um método
adequado. A forma de investigação adotada pela teoria da linguagem foi fruto da
redução da Filosofia à Epistemologia e desta à Semiótica.
Nesse soar, como será visto no próximo item, o Direito é tido como objeto
da cultura, criado pelo homem para organizar os comportamentos intersubjetivos
guiando em direção aos valores que a sociedade quer ver realizados. De tal modo, o
Direito manifestado em linguagem prescritiva é linguagem objeto, enquanto a ciência
em função descritiva é metalinguagem. Diante dessas importantes características,
seguiremos postura hermenêutico-analítica.
Essa é a concepção filosófica adotada no Constructivismo Lógico-
Semântico desenvolvido por Lourival Vilanova: verificando-se um forte pendor
analítico, aliado à formação culturalista.
A maneira analítica consiste na decomposição, secção ou desarticulação
mental para facilitar o estudo do objeto. É o que perseguimos ao decantar as partículas
formadoras da norma sancionatória. Separar para melhor compreender. Este é o modo
analítico, ele para o caso do Direito se mostra muito poderoso. Nessa toada, Fabiana Del
Padre Tomé exprime:
“Trata-se, portanto, de um estudo hermenêutico-analítico do
direito, em que se dirige a atenção aos dados linguísticos
(linguagem jurídico-normativa), fazendo uso das categorias
lógico-semânticas do texto prescritivo e analisando a norma
jurídica na sua inteireza conceptual, mas que, por outro lado,
também considera a necessidade premente de o discurso teórico
36
propiciar a compreensão da concretude empírica do direito
posto.” 36
O timbre analítico neste trabalho é determinante. Em matéria tão
pouco sistematizada como o das Sanções Tributárias, separar para melhor
estruturar os problemas é quase uma imposição, caso contrário se continuaria com
raciocínios circulares, sem objetivação dos pontos de maior vicissitude.
Dada a característica de nosso objeto de estudo – o direito positivo –
expresso sempre em linguagem, frequentemente se realizará verdadeira decomposição
significativa com o intuito de se obter uma linguagem precisa. Essa necessidade é
conclusão a que chega Alda Judith Alves Mazzotti e Fernando Gewandsznajder ao
levantarem questionamentos da filosofia da ciência contemporânea na discussão sobre a
metodologia da pesquisa em ciências sociais:
“a preocupação com a clareza do discurso científico, de modo a
permitir a crítica fundamentada, é comum a todos os autores
citados. Essa posição é dificilmente contestável, uma vez que
não há como negar que o desenvolvimento da ciência não é
tarefa de um pesquisador solitário e sim uma criação coletiva
da comunidade científica.” 37
Por outro lado, não esquecendo o aspecto cultural do Direito, vislumbra-se a
importância do modelo hermenêutico, onde a valoração baseada nos princípios da
Axiologia, ou na teoria dos valores, dá maior abrangência ao estudo, uma vez que
considera ser a interpretação a base para qualquer conhecimento.
Pensamos que mesmo nas ciências naturais, apesar de sua natureza
explicativa, os fatos também são interpretados. No entanto, quando se trata das ciências
36 Texto “Vilém Flusser e o constructivismo lógico-semântico”, de Fabiana Del Padre Tomé, publicado
no livro Vilém Flusser e Juristas, coord. Florence Haret e Jerson Carneiro, São Paulo: Noeses, 2009. p.
326 37 MAZZOTTI, Alda Judith Alves e GEWANDSZNAJDER, Fernando. O Método nas Ciências Naturais
e Sociais. 2ª ed., editora Pioneira, São Paulo, 2000. p. 126
37
do espírito (sociais), como é o caso da Ciência do Direito, isto se torna mais claro, para
que haja compreensão do objeto (a linguagem do dever-ser) é imperiosa a postura
interpretativa ante a invariável presença de valores.
No Direito, as palavras, assim como qualquer signo do mundo, serão sempre
passíveis de interpretação, que nessa perspectiva é um ato de valoração do intérprete.
Como exprime o professor Lourival Vilanova, em seu “O Universo das Fórmulas
Lógicas”:
“interpretar é atribuir valores aos símbolos, isto é, adjudicar-
lhes significações e, por meio dessas, referências a objetos” 38
O Constructivismo Lógico-Semântico se estrutura no movimento do Giro-
linguístico, na Semiótica, na Axiologia e no pendor analítico, isso lhe fornece a
possibilidade de através da utilização de um método e da rigorosa demarcação do
campo investigativo, edificar uma teoria bem estruturada em termos lógico-sintáticos,
discorrendo sobre o plano semântico e de aplicação pragmática notável.
Perquirir sobre a incidência da norma sancionatória com suporte nos
mencionados pressupostos e instrumentos é o que singulariza a presente pesquisa.
1.2 Referencial Teórico Adotado: Constructivismo Lógico-Semântico
Como referido na introdução, não há uma primazia no modo de se
aproximar do dado jurídico, muitos podem ser os sistemas de referência, a diversidade
de métodos justifica as diferentes respostas encontradas pelos pensadores ao longo da
história.
38 Citado por: CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo:
Noeses, 2010. p. 223
38
O constructivismo lógico-semântico tem um modo peculiar de conhecer o
objeto, no estudo do Direito ele se mostra de grande valia. A expressão foi atribuída
pelo professor pernambucano Lourival Vilanova, esse método visa a agregar firmeza e
coerência ao discurso do direito positivo e da Ciência do Direito reduzindo a
ambiguidade e a vaguidade dos termos utilizados.
Nesse sentido, o tempo inteiro ao discutir a Incidência das Sanções
procuramos esclarecer os termos adotados, sempre tentando fugir da comum falta
de cuidado na utilização das palavras, como se o sentido fosse algo ontológico,
unívoco. Esse processo de elucidação decorre do referencial teórico adotado, o
Constructivismo Lógico-Semântico.39
A presente pesquisa bebe na fonte e procura catar em cada termo chave
sua essência, seu núcleo de significação. Daí porque apresenta-se em cada tópico o
rol de significados do termo em destaque, seguido de sua depuração de significado,
como, por exemplo, ao tratar do vocábulo “sanções”, postura que expressa
consonância com os fundamentos do giro-linguístico.
Os neopositivistas lógicos apontaram as regras do jogo científico, e um dos
seus pressupostos era o de que as proposições científicas devem ser pacíficas de
39 Historicamente, o Constructivismo Lógico-Semântico foi diretamente influenciado pelas ideias da
corrente de pensamento denominada Neopositivismo Lógico, também conhecida como Filosofia Analítica
ou Empirismo Lógico, que surgiu na segunda década do século XX, em Viena.
Um conjunto heterogêneo de estudiosos, das mais variadas áreas, se reunia constantemente para debater
temas voltados aos fundamentos da ciência.
No veio de uma temática tão relevante estes homens pensavam sobre as bases da ciência, numa
verdadeira Epistemologia Geral. Ou seja, era uma Teoria Geral do Conhecimento ou Gnosiologia, mas o
foco de análise não era o saber comum, o objeto de estudo era mais restrito, o saber qualificado como
científico. A preocupação era de se construir uma linguagem rígida e precisa, ideal para a ciência.
Os variados filósofos, juristas, sociólogos, reduziram ainda a Epistemologia à Semiótica, compreendida
como Teoria Geral dos Signos. Ao observarmos a redução da Filosofia à Epistemologia e desta à
Semiótica, vislumbra-se a importância que os membros desse movimento atribuem à linguagem como
instrumento por excelência do saber científico.
É nessa senda que surgem proposições como: “ali onde não houver precisão linguística não poderá
haver ciência”. Nesse sentido, como fruto dos acalorados debates concluiu-se que para haver ciência, seja
ela de qualquer área de conhecimento, necessário se faz uma boa dose de precisão linguística. Os
componentes do chamado Círculo de Viena perceberam que a linguagem comum é defeituosa e ambígua,
e jamais traduziria os anseios do conhecimento humano.
Assim, dentre as propostas elaboradas está: (i) a necessidade de criação de novos vocábulos que
agregassem precisão às ideias, ou (ii) os termos deveriam se submeter ao que Rudolf Carnap chamou de
“processo de elucidação”, numa verdadeira purificação da linguagem.
39
comprovação empírica, ou legitimadas pelos termos que as compõem, quando nada
afirmam sobre a realidade (no caso das tautologias) 40. Isso explica porque o movimento
também é chamado de Empirismo Lógico.
Essa nova concepção dá origem à filosofia da linguagem ordinária,
provocou aquilo que veio a chamar-se giro-linguístico. O professor Paulo de Barros
Carvalho41 explica a nova postura que essa corrente tomou em relação à linguagem,
onde as obras de Wittgenstein serviram de marco para a grande virada linguística.
Fabiana Del Padre Tomé42 expõe a inovação trazida pelo movimento
conhecido como giro linguístico, oriundo da filosofia da linguagem de Wittgenstein.
Passou-se a considerar a linguagem como algo independente do mundo da experiência,
deixando de ser apenas um meio para o conhecimento para se tornar capaz de criar tanto
o ser cognoscente como a realidade. Aparecendo o conhecimento não como relação
entre o sujeito e o objeto, mas como relação entre linguagens, entre significações.
1.2.1. Direito e Filosofia (A Linguagem e a Realidade)
Na teoria da linguagem o mundo é uma construção de significações, um
enunciado só se explica por outro enunciado e assim sucessivamente.
Essa verdadeira visão de mundo está intrinsecamente ligada às
conclusões presentes nesta dissertação.
40 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito (o Constructivismo Lógico-
Semântico). São Paulo: Noeses, 2010. p. 38 41 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4ª ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 26 42 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. 2. ed. Noeses, São Paulo, 2008.
40
É dai que o professor Tarek Moysés Moussallem43, constata que o mundo
circundante é constituído pela linguagem porque esta se encontra inevitavelmente
atrelada ao conhecimento.
De modo atilado e conclusivo, professor Paulo de Barros Carvalho exprime:
“conheço determinado objeto na medida em que posso expedir enunciados sobre ele, de
tal arte que o conhecimento se apresenta pela linguagem, mediante proposições
descritivas ou indicativas”44; e ainda “todo conhecimento é redutor de dificuldades,
reduzir as complexidades do objeto da experiência é uma necessidade inafastável para
se obter o próprio conhecimento”45.
1.2.2. Pressupostos Filosóficos Gerais e Filosóficos Jurídicos
1.2.2.1. O Giro-Linguístico
Assim, adotando as premissas supramencionadas, no que se refere à teoria
do conhecimento ou epistemologia e à teoria da linguagem, retirando-se os demais
significados que o termo conhecimento pode sugerir, é possível afirmar que ele é a
relação entre linguagens, que pode ter vários níveis de precisão, como, por exemplo, o
saber do leigo e o conhecimento científico.
O conhecimento, portanto, não depende da relação com os objetos, mas
apenas da relação com outras palavras, já que a linguagem é auto-referente as
proposições descritivas se relacionam com outros enunciados.
43 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. 2. ed. São Paulo, Noeses, 2006. 44 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. Saraiva,
São Paulo, 2010. 45 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 8
41
Mais adiante, quando separamos o aspecto sintático, semântico e pragmático
no estudo do Direito Sancionatório Tributário, estamos buscando aquilo que os
precursores do Círculo de Viena aspiravam, justamente a qualidade do saber científico.
A experiência era o critério ou a norma de investigação do antigo
empirismo, agora, em ambas as correntes do neo-empirismo, a linguagem cumpre este
papel.
O constructivismo lógico-semântico adota postura analítica, ela vem para
decompor, seccionar o objeto e melhor compreendê-lo, através da hermenêutica
investiga o fenômeno jurídico com visão cultural. Munido desse poderoso instrumental
a investigação segue por caminho iluminado, nesse sentido, o professor Paulo de Barros
Carvalho exprime:
“de primeiro, por sair amarrando e costurando os conceitos
fundamentais, estipulando o conteúdo semântico dos termos e
expressões de que se servem os especialistas, de segundo
porque projeta os elementos especulativos, preparando-os para
outra sorte de indagações, agora de cunho culturalista; e, por
fim, munidos desse poderoso instrumental, aplica-lo ao direito
tributário dos nossos dias.” 46
Lourival Vilanova foi o responsável pela criação do nome –
“constructivismo lógico-semântico” – atribuído ao movimento. Ele expressa a
importância da postura constructivista e agrega o adjetivo composto lógico-semântico
para realçar a importância da análise de todos os aspectos da linguagem.
A palavra constructivismo, como explica Fabiana del Padre Tomé, é
empregada para denominar teorias que defendem a ideia de que há sempre intervenção
do sujeito na formação do objeto. Nessa linha, a apreciação humana implica sempre
uma construção de sentido, ela explica:
46 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. Saraiva,
São Paulo, 2010. p. XXVII
42
“Eis o primeiro ponto distintivo do constructivismo lógico-
semântico. Adotado esse método, o cientista do direito não se
limita a contemplar o texto da lei, mas efetivamente constrói os
sentidos normativos. A construção de sentido, porém, não é feita
de modo indiscriminado. Nessa linha metodológica, procura-se
amarrar a idéias, definir os termos importantes, para conferir
firmeza ao discurso. E tal amarração opera-se no plano lógico e
no plano semântico. Daí falar-se em constructivismo lógico-
semântico. Com isso, busca-se formar um discurso responsável,
isto é, comprometido com as premissas, como sentido que se
firmou para os termos.” 47
De acordo com as premissas adotadas, as coisas só existem para o ser
humano a partir do instante em que se tornam inteligíveis para ele. A Teoria da
Linguagem identifica a verdade não como a relação entre a o objeto e sua
descrição, mas a relação criada entre palavras, ou seja, entre linguagem.
Essas posições filosóficas estão imbricadas em toda a pesquisa sempre
que desprendemos esforços no sentido de seccionar e analisar a incidência das
normas sancionatórias.
1.2.2.2. Direito e Lógica
Por outro lado, a Lógica oferece critérios na busca da determinação da
correção do raciocínio, apontando as premissas e formalizando as proposições é
possível identificar a validade dos esquemas intelectuais perpetrados. A grande utilidade
da linguagem formalizada é apurar se o raciocínio está escorreito, e é de grande valia ao
47 Texto “Vilém Flusser e o constructivismo lógico-semântico”, de Fabiana Del Padre Tomé, publicado
no livro Vilém Flusser e Juristas, coord. Florence Haret e Jerson Carneiro, São Paulo: Noeses, 2009. P.
324
43
ser utilizada na análise do efeito da norma de parcelamento em relação com os crimes
contra a ordem tributária.
Sem esse instrumental metodológico e sem essas premissas filosóficas,
muitos dos problemas aqui tratados quedariam sem rumo, o discurso permaneceria raso
e solto.
Nicola Abbagnano48 bem exprime que todas as proposições da lógica são
tautologias, nada dizem, são analíticas, apenas mostram possíveis modos de conexão ou
transformação entre proposições. A partir dai tem-se um novo positivismo, agora um
positivismo lógico.
Quem desenvolveu de modo inusitado os estudos lógicos foi Aristóteles. Ele
transformou as pesquisas dos conteúdos mentais na secreta intimidade de sua
organização interior, num sistema de enunciados de natureza científica. E o fez de modo
tão bem composto que Kant admitiu estar diante de um corpo de conhecimentos pronto
e acabado, não havendo como experimentar novos progressos.49
No direito esses conceitos tem uma aplicabilidade incrível. O manuseio dos
problemas lógicos permite ao profissional manusear a técnica do raciocínio correto.
Os Juízes, Advogados e demais juristas se ocupam o tempo inteiro em
raciocinar sobre as normas, manejá-las, descrevê-las criando e refutando argumentos
que precisam de coerência lógica.
Lourival Vilanova50 expõe que a Lógica vem a ser a formalização da
linguagem, quer dizer, a separação das estruturas que estão encobertas pela matéria ou
conteúdo das proposições, no Direito, as relações sociais, valores, etc. Assim, o
48 ABBAGNANO, Nicola. História da Filosofia, O Neo-empirismo. Volume XIV Lisboa: Editorial
Presença, 1969. p. 21 49 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4ª ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 68 50 VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo: Max
Limonad, 1997. p. 20
44
interesse na formalização da norma penal tributária, por exemplo, é consequência do
reconhecimento da importância dessa ciência na produção de raciocínio correto.
A convivência entre a Lógica e a Linguagem é tal que só há Lógica onde
houver Linguagem. A Lógica enquanto Linguagem é um sistema de significações
dotado de regras sintáticas rígidas – com plano semântico em que seus signos
apresentam um e somente um sentido.
Assim, temos que a proposição é a expressão verbal do juízo, o termo é da
ideia e o argumento, do raciocínio. Apreendemo-los pelo ato gnosiológico da intelecção
e o método que se lhes aplica é o racional-dedutivo. Essas formas ideais, contudo, só
existem onde houver qualquer manifestação de linguagem.
Para que exista lógica jurídica é indispensável que exista linguagem, pois
com a linguagem são postas significações.
Para Lourival Vilanova51 a proposição não pertence a nenhuma linguagem-
de-objetos. Em rigor, não está no mesmo plano da linguagem-de-objetos. Não é do
plano da vida prática, em que a linguagem é instrumento de informação sobre as coisas
do mundo, nem é do plano da linguagem de cada ciência especializada no conhecimento
de uma parcela ou ângulo das coisas do mundo.
Tomar, pois, a proposição em si mesma é tirá-la do contexto empírico, ou
existencial, pondo entre parênteses os componentes desse contexto, numa mudança de
atitude da consciência ante os objetos.
É com base nesses conceitos que no decorrer da dissertação far-se-ão
incursões sobre a estrutura lógica das normas de direito tributário sancionador.
Compreender a formalização lógica representa um poderoso
instrumento de análise do Direito.
51 VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo: Max
Limonad, 1997. p. 41
45
Desse modo, quando o Direito é o objeto de estudo, o uso das leis da
lógica clássica, conhecidas com o nome de lei de identidade, de não-contradição e
de exclusão de terceiro, é de grande proveito.
A abstração (lógica), ou reflexão lógica como descrita por Husserl é útil
para compreender os enunciados da linguagem prescritiva de situações objetivas,
ou seja, a linguagem do Direito cuja finalidade é "alterar a circunstância", e cujo
destinatário é o homem e sua conduta no universo social.
A organização lógica das proposições permite filtrar as imperfeições
encontradas nos enunciados prescritivos.
O professor Lourival Vilanova52 bem explica: Formalizar não é conferir
forma aos dados, inserindo os dados da linguagem num certo esquema de ordem. É
destacar, considerar à parte, abstrair a forma lógica que está, como dado, revestida na
linguagem natural, como linguagem de um sujeito emissor para um sujeito destinatário,
com o fim de informar notícias sobre os objetos. E destaco, por abstração lógica, a
forma, desembaraçando-me da matéria que tal forma cobre. A matéria reside nos
conceitos especificados, nas significações determinadas.
No entanto, a lógica é apenas um ponto de vista sobre o conhecimento,
nessa senda, Geraldo Ataliba preleciona:
“a experiência jurídica integral levará em conta todos os
aspectos constituintes do dado: o lógico nos enunciados e o
empírico nos dados-de-fatos, valorativamente selecionados da
realidade física e social (que, por isso, se qualifica
juridicamente, ou se torna juridicamente relevante).”
52 VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo: Max
Limonad, 1997. p. 20
46
A lógica se preocupa com a correção do processo, uma vez completado. Sua
interrogação é sempre esta: a conclusão a que se chegou deriva das premissas usadas ou
pressupostas?
O professor Paulo de Barros53 afirma: considerações deste tope nos
permitem perceber que a lógica, por si só, não é suficiente para nos conduzir à
concreção material da experiência jurídica, isolando, na sua amplitude, tão-só os
caracteres formais das normas, auxilia na análise sintática.
Sendo parcial a visão lógica, o discurso linguístico do Direito deve ser
estudado, na sua integridade, ou seja, nas três dimensões semióticas: sintática,
semântica e pragmática.
1.2.2.3. Teoria Comunicacional do Direito
Todas as normas jurídicas são prescritivas de condutas e tem o fito de
orientar os destinatários para realização da previsão normativa, esse fenômeno ocorre
dentro de um sistema comunicacional.
Com efeito, um estudo mais atilado do fenômeno jurídico deve se preocupar
em observar como se dá a comunicação quando da subsunção do fato à norma, sendo a
teoria da comunicação ferramenta essencial para o aprofundamento da análise da
incidência da norma jurídica, permitindo uma pesquisa da anatomia do sistema
comunicacional, seccionando-o.
Como salientado, o Direito é composto por comandos normativos, estudar
esse modo de comunicar ajuda a identificar onde estão as falhas. A teoria da
comunicação surge então como metateoria da filosofia da linguagem. O termo
53 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4ª ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 84
47
“comunicação” tem várias acepções, na concepção geral, desvencilhando-se da
ambiguidade, é o processo de transmissão de uma mensagem entre um remetente e um
destinatário. Roman Jakobson54 separa tal processo em seis componentes: remetente,
mensagem, destinatário, contexto, código e contato.
Entre outros traços serão trabalhados os temas da Incidência da Norma
Sancionatória com a compreensão de signo desenvolvida pelo filósofo americano
Charles Sanders Pierce, que ressalta o aspecto triádico da semiótica, o signo, o objeto e
o interpretante; classifica ainda os signos em: ícones, índices e símbolos.
O professor Paulo de Barros Carvalho adota a terminologia husserliana de
signo como: suporte físico, significação e significado.
Transpondo para o universo jurídico, o direito positivo é o suporte físico ou
signo, com a interpretação do enunciado prescritivo individualmente considerado temos
o significado ou proposição jurídica, em seguida, formam-se as significações
estruturadas que são as normas jurídicas (ideias, conceitos produzidos em nossa mente).
Assim, as significações construídas a partir dos textos positivados, tanto
pelo aplicador quanto pelo jurista são as normas jurídicas, que contextualizadas e
interligadas formam o sistema jurídico. Sendo direito positivo o texto e a Ciência do
Direito a descrição daquele que é seu objeto.
1.2.2.4. Semiótica como Ferramenta de Estudo do Direito
Seguindo pela teoria geral dos signos de Charles Morris, baseada na
semiótica de Peirce, ressalta-se três dimensões que a linguagem apresenta.
54 Citado por: CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo:
Noeses, 2011. p. 166
48
No plano sintático é possível perquirir sobre a ordem que as palavras
devem ser postas para que o enunciado tenha sentido, a colocação de vocábulos
aleatoriamente não dá validade sintática ao discurso e impede que a comunicação flua.
Sob o ângulo semântico da linguagem verifica-se a correspondência entre a palavra e os
objetos significados, de modo a analisar a verdade do discurso. Já pelo prisma
pragmático observa-se a relação que os signos mantêm com o emissor e o destinatário
da mensagem, também chamados de utentes da linguagem.
Ao longo de todas as considerações apresentadas tomam-se nota das
três dimensões que a linguagem apresenta, ver-se-á em algumas passagens
referencia direta a um dos três aspectos que se está focando. No entanto, em outras
situações apesar de não haver referencia direta, esses três prismas estarão sempre
sendo levados em consideração.
Roman Jakobson ao apontar a diferença entre a sintaxe e a semântica,
pontua: enquanto a sintaxe se ocupa do eixo dos encadeamentos (concatenação), a
semântica é responsável pelo eixo das substituições. Dai a importância do interpretante,
já que o signo linguístico para ser compreendido exige não só os protagonistas, mas
também, segundo Peirce, esse interpretante, que se dá por meio da ligação de outros
signos ao signo em questão.
No Direito Tributário são muitos os termos que desencadeiam problemas
semânticos, como por exemplo: “insumo”, “faturamento”, “sanções”, “renda”,
“mercadoria”, “circulação”, entre outras.
A ambiguidade é característica inerente às palavras que muitas vezes dão
ensejo a mais de um significado. Tal fenômeno é comum, e facilmente compreendido
por nossa corrente teórica, já que não é a palavra em si portadora de significado, mas o
intérprete que atribui sentido ao signo de acordo com seu horizonte cultural.
Isso explica porque partindo de um único suporte físico (artigo de lei, por
exemplo) membros do Poder Judiciário atribuem diferentes significados ao texto.
49
No entanto, na busca de um discurso científico coeso e preciso, os termos
devem passar por um processo de elucidação para afastar possíveis ruídos de
comunicação.
Por outro lado, a vaguidade também é característica recorrente nos termos
da língua, mas nesse caso a dificuldade é definir exatamente a que objetos o signo se
refere.
O Direito não foge a estas características da linguagem, frequentemente os
problemas jurídicos rondam em torno de discussões que pretendem convencer a respeito
do melhor uso de determinada palavra. Assim, como exemplo de palavras ambíguas,
temos: fato gerador, norma jurídica, princípios; Exemplos de termos vagos: princípios,
valores, tributo.
No esforço de livrar-se desses problemas, busca-se uma depuração
linguística das principais palavras relacionadas à Incidência da Norma
Sancionatória, apenas dessa forma é possível estabelecer uma linha de pensamento
retilínea.
50
CAPÍTULO II
Norma Jurídica
2.1 Direito – Teoria Da Norma Jurídica
O jusfilósofo alemão Karl Larenz55 afirma: cada ciência lança mão de
determinados métodos, modos de proceder, no sentido da obtenção de respostas às
questões por ela suscitadas.
Nesse sentido, o autor pondera que, na diversidade de todas estas
posições, pode descortinar-se uma identidade de problemática, onde os questionamentos
giram majoritariamente em torno de conceitos como os de validade e positividade, de
normatividade e determinação ontológica do direito. Desde que surgiu o Direito os mais
renomados pensadores debatem esses conceitos.
Influenciado pela posição positiva normativista, Paulo de Barros Carvalho
define Direito como “o complexo de normas jurídicas válidas num dado país”56. Nessa
senda, toma-se o Direito como objeto da cultura, criado pelo homem, para organizar os
comportamentos intersubjetivos, guiando os indivíduos em direção aos valores que a
sociedade deseja.
De tal modo, o Direito será visto sempre na sua dualidade existencial:
suporte físico e significado (valor).
Partimos da concepção de norma jurídica57 em sentido estrito: a
significação que se obtém a partir da leitura dos textos do direito positivo, ou seja, é o
juízo hipotético-condicional fruto da atividade de interpretação.
55 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Trad. José Lamego. Lisboa, Calouste
Gulbenkian, 1997. p. 1 56 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo, Saraiva, 2011. p.34 57 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo, Saraiva, 2011. p.40
51
Interessante investigar o esquema que Paulo de Barros Carvalho58 adota
para separar os subsistemas de manifestação do direito positivo e a estrutura da norma
jurídica. De acordo com os conceitos acima mencionados, o intérprete partindo da
leitura dos enunciados prescritivos (S1), articula as significações ou proposições (S2)
e compõe a norma jurídica (S3), também denominada “expressão irredutível de
manifestação do deôntico” (juízo hipotético-condicional), depois surge (S4) o plano das
significações normativas sistematicamente consideradas.
Assim, para que se possa falar em norma jurídica é preciso que hajam
enunciados válidos no direito positivo que ao serem interpretados produzam na mente
do intérprete o juízo hipotético-condicional direcionado à regulação de condutas
humanas (dado o fato f, deve ser a relação R).
Afirmar o exato momento em que existe o jurídico é tarefa que preocupa
os grandes estudiosos desde os primeiros passos do Direito. Os conceitos de validade,
norma jurídica, são fundantes, partindo deles o cientista e o aplicador poderão
empreender atividade dotada de rigor, a depender do método eleito.
Como exprime Tárek Moussallem, por ser o objeto cultural composto de
atos de fala, o direito positivo, sendo um deles, encontra-se susceptível da atribuição de
uma significação. Aos atos de fala são conferidos sentidos deônticos com vistas ao
regramento da ação humana. Suprimida a significação, inutiliza-se o bem cultural.
Com efeito, a validade diz respeito tanto ao enunciado prescritivo quanto
à norma jurídica (em sentido estrito). Nesse sentido, Cossio afirma que os objetos
culturais devem possuir dois requisitos: “a existência do substrato” e a “existência do
sentido”.
É sabido que uma mesma proposição pode partir de diferentes
enunciados. A validade enquanto existência, ou pertinência ao sistema diz respeito aos
enunciados, mas também às significações. É que ao retirar determinado enunciado do
58 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. Saraiva,
São Paulo, 2010.
52
ordenamento, não necessariamente eu estarei revogando a norma jurídica, se for o caso,
por exemplo, de esta norma se fundamentar em vários dispositivos.
Eurico de Santi reforça a afirmação de que a validade pode ser atribuída a
todos os planos de manifestação do Direito (S1, S2, S3 e S4). É possível falar em
validade do texto, validade do sentido ou da significação e validade das normas
jurídicas. Tárek Moussalem explica:
“A validade do enunciado prescritivo é condição suficiente e
necessária para a validade das proposições isoladas e das
normas jurídicas. Pode haver validade do enunciado sem que
haja validade das proposições isoladas e das normas jurídicas,
mas não pode haver validade destas ultimas sem a validade do
primeiro.” 59
No ordenamento jurídico brasileiro o controle de constitucionalidade
pode ser feito a posteriori, assim, para que ela possa deixar de ser valida necessário se
faz sua retirada do sistema. A norma dita “inconstitucional”, ou seja, que não guarda
adequado fundamento de validade com a norma de superior hierarquia, pertence ao
sistema do direito positivo e é válida até que seja revogada.
Com efeito, é preciso distinguir a linguagem do Direito, a linguagem
social e a linguagem da Ciência do Direito. Paulo de Barros Carvalho, em seu
“Fundamentos Jurídicos da Incidência”, bem exprime:
“Digamos, então, que sobre essa linguagem (a social) incide a
linguagem prescritiva do direito positivo, juridicizando fatos e
condutas, valoradas com o sinal positivo da licitude e negativo
da ilicitude. A partir daí, aparece o direito como
sobrelinguagem, ou linguagem de sobrenível, cortando a
realidade social com a incisão profunda da juridicidade. Ora,
59 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. A revogação em matéria tributária. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2011.
p.144
53
como toda a linguagem é redutora do mundo sobre o qual
incide, a sobrelinguagem do direito positivo vem separar, no
domínio do real-social, o setor juridicizando do setor não
juridicizando, vem desenhar, enfim, o território da facticidade
jurídica.” 60
A passagem é esclarecedora, aponta de modo hialino a diferença entre
linguagem do direito positivo e linguagem social sobre a qual ele incide. Aquela aparece
como linguagem de nível diferenciado que, selecionando fatos da linguagem social
detentores de valoração respeitável, os juridiciza, prescrevendo o dever-ser como
consequência da realização do fato jurídico.
Por sua vez, a ciência do direito, ou dogmática jurídica preocupa-se em
descrever o direito positivo. Por meio de linguagem eminentemente descritiva, o
cientista analisa seu objeto, no caso, as normas jurídicas.
Assim, enquanto o direito positivo dirige-se à linguagem da realidade social
com o fim de selecionar fatos e condutas, regulando-as, a Ciência do Direito
(dogmática) dirige-se à linguagem do Direito Positivo com o escopo de estudá-la. O
primeiro é denominado sistema nomoempírico prescritivo, o segundo é considerado
sistema nomoempírico descritivo.
Os enunciados prescritivos do direito positivo são válidos ou inválidos, já os
da Ciência do Direito, são verdadeiros ou falsos.
Posto isto, é feita a diferenciação entre a linguagem do direito positivo, a
linguagem social sobre a qual ele incide e a linguagem da Ciência do Direito, na medida
em que articulando os diferentes sistemas simbólicos, permite-se a compreensão de que
diante das diversas realidades uma não altera diretamente a outra.
60 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. Saraiva,
São Paulo, 2010.
54
O direito tem como primordial objetivo a regulação de condutas inter-
humanas no sentido de realizar determinados valores tidos como proeminentes para
determinada sociedade em certa circunstancia de espaço e tempo. Ele é necessariamente
expresso em linguagem, e linguagem é texto.
Nesse soar, Gregório Robles61, trata a realidade conforme a concepção
defendida no movimento denominado “giro-linguistico”, segundo a qual tudo é texto, e
portanto, “direito é texto”.
2.2 Ordenamento e Sistema Jurídico Tributário
Entender a conexão entre normas, suas relações de coordenação e
subordinação, é fundamento premente na jornada dirigida a identificar os vícios da
aplicação das sanções.
O alemão Claus-Wilhelm Canaris, em seu “Pensamento Sistemático e
Conceito de Sistema na Ciência do Direito” efetua apanhado histórico da evolução do
pensamento sistemático no Direito e sua importância. Partindo daquele conjunto esparso
de normas, com a evolução da sociedade, os juristas passam a adotar a ideia de sistema.
Sem maiores preocupações com a análise histórica que sem duvidas
revelaria a importância desse conceito para a formação do Direito atual, cumpre
destacar sinteticamente o pensamento do professor da Universidade de Munique:
“O conceito de sistema jurídico deve-se desenvolver a partir da
função do pensamento sistemático. Por isso, todos os conceitos
de sistema que não sejam capazes de exprimir a adequação
valorativa e a unidade interior da ordem jurídica são
61 ROBLES, Gregório. As Regras do Direito e as Regras dos Jogos Ensaio Sobre a Teoria Analítica do
Direito. Tradução Pollyana Mayer, Editora Noeses, 2011.
55
inutilizáveis ou, pelo menos, de utilização limitada” (...) “O
sistema cumpre sobretudo, em particular, duas tarefas na
obtenção do Direito: ele contribui para a plena composição do
conteúdo teleológico de uma norma ou de um instituto jurídico o
que conduz a interpretá-los como parte do conjunto da ordem
jurídica e sobre o pano de fundo das conexões relevantes; e ele
serve para a garantia e a realização da adequação valorativa e de
unidade interior do Direito, porquanto mostra as
inconsequências valorativas.”62
A expressão “sistema jurídico” não encontra tratamento unívoco por parte
dos estudiosos, não obstante é possível considerar o sistema enquanto algo formado por
porções que se vinculam debaixo de um princípio unitário ou como a composição de
partes orientadas por um vetor comum63. Dessa forma, ter-se-á a noção fundamental de
sistema ao observar um conjunto de elementos estruturados e relacionados entre si
aglutinados perante uma referência determinada, um princípio unificador.
Luhmann, estudioso dos mais diversos sistemas sociais, da economia à arte,
o direito, a política, a moral, e a religião, ele não aplica de fora simplesmente uma teoria
abstrata, suas análises contribuíram de modo importante na investigação de cada área.
No que se refere ao Direito, Niklas Luhmann64 pontua que a esta existência de
expectativas generalizadas de modo congruente num sentido elementar poderia chamar-
se o direito do sistema.
Por outro lado, o professor pernambucano Marcelo Neves propõe uma
classificação dos sistemas em “sistemas reais” ou empíricos e “sistemas
proposicionais”, os reais seriam formados por objetos do mundo físico e social enquanto
que os proposicionais corresponderiam às proposições, pressupondo dessa forma,
62 Livro: PENSAMENTO SISTEMÁTICO E CONCEITO DE SISTEMA NA CIÊNCIA DO DIREITO.
Introdução e tradução: A Menezes Cordeiro, 3ª ed. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002.
Tradução do original alemão: CLAUS - WILHELM CANARIS. SYSTEMDENKEN UND
SYSTEMBEGRIFF IN DER JURISPRUDENZ. 2 Auflage, 1983. Duncker und Humblot, Berlim. P-280-
283 63 CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21ª edição. Editora Saraiva. Pág137 64 O PENSAMENTO DE NIKLAS LUHMANN. José Manuel Santos.(Org.) lusosofia, 2005. p.98
56
linguagem.
Na lição de Paulo de Barros Carvalho65 o direito positivo é sistema jurídico,
mais precisamente é um sistema nomoempírico prescritivo, onde a racionalidade do
homem é empregada com objetivos diretivos e vazada em linguagem técnica. Assim,
ordenamento é a ordem posta, o direito positivado, um conjunto de disposições
jurídicas, produzidas por um ato de autoridade, estruturadas por vínculos de
subordinação e coordenação. Sem grandes diferenciações, é aquilo que chamamos de
sistema jurídico.
Esclarecendo o assunto a professora Aurora Tomazini afirma:
“Relacionada ao direito positivo, a palavra ordenamento
reporta-nos à idéia de ordem, de um conjunto estruturado de
normas jurídicas dispostas segundo um vetor comum, o que,
para nós, equipara-se ao conceito de sistema jurídico. Neste
sentido, utilizamos os termos ordenamento e sistema como
sinônimos” 66
Para Lourival Vilanova, tem-se o sistema jurídico quando “as variáveis
lógicas da teoria das classes são saturadas de conteúdos, formando proposições inter-
relacionadas”. O critério é o da pertencialidade ao conjunto, Tárek Moussallem67
explica: o sistema, (classe – extensão) existe onde seus elementos (denotação) são
proposições preenchedoras do critério de pertinência, estipulado pela conotação, as
quais, por sua vez, mantêm relações recíprocas de subordinação e coordenação.
Baseado na teoria de Alchourrón e Bulygin, atento à distinção entre a visão
estática ou dinâmica do sistema, Tárek Moussallem, aduz que o termo “sistema do
direito positivo” se refere ao conjunto de normas estaticamente consideradas, já
“ordenamento jurídico” é usada no sentido dinâmico, desse modo, uma ordem jurídica é
uma sequencia de sistemas normativos.
65 CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21ª edição. Editora Saraiva. Pág. 143. 66 CARVALHO. Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. O Constructivismo lógico
semântico. Ed. Noeses. 2009. Pág. 612. 67 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. 2. ed. São Paulo, Noeses, 2006.
57
Dito de outro modo, nessa linha há a diferenciação entre ordenamento e
sistema, o sistema jurídico corresponde ao conjunto de normas estaticamente
consideradas, ao passo que o ordenamento jurídico corresponde a uma série temporal de
sucessivos sistemas, isto é, uma sequência de conjuntos de normas jurídicas. Dessa
forma o ordenamento jurídico é composto por uma sequência temporal de sistemas,
modificados cronologicamente com a introdução e a eliminação de suas unidades.
Assim, em cada tempo (t1, t2, t3, ...) temos um sistema diferente (s1, s2, s3, ...) todos
pertencentes a um único ordenamento jurídico. Tárek Moysés Moussallem esclarece
que a união dos sistemas do direito positivo S1, S2, S3 e Sn equivale ao ordenamento
jurídico e que cada sistema do direito positivo S1, S2, S3 e Sn está contido no mesmo
ordenamento jurídico.
Essa concepção que separa ordenamento e sistema é de aplicabilidade
incontestável. Uma observa o Direito sobre o prisma estático, o outro sob o ponto de
vista dinâmico, assim, estudar validade, vigência e eficácia é mais proveitoso pela visão
estática, já o tema das fontes do Direito e da fenomenologia da incidência normativa é
melhor visto pela sua dinâmica.
Analisando cada uma das correntes superficialmente expostas verifica-se
que a concepção de Gregorio Robles trás importante observação no que se refere à
organização do ordenamento para construção do sistema, já a concepção de Tárek
Moyses possibilita a analise do direito de maneira dinâmica, além de explicar de modo
claro a cronologia e auxilia da compreensão de temas como a sistemática da aplicação
de normas já revogas. Não obstante, na posição de Paulo de Barros Carvalho, é
importante considerar tanto o modo dinâmico como o estático.
Ao trabalhar o efeito da norma de parcelamento que retira a punibilidade
dos crimes contra a ordem tributária, será preciso conhecer muito bem a relação entre
normas e o sistema jurídico.
58
2.3 Derivação e positivação
Como sabido, a formação do sistema é determinado pelas relações de
coordenação e subordinação entre as normas jurídicas de diferentes patamares
hierárquicos.
As relações de coordenação são determinadas pela existência de vínculos
horizontais no direito, estabelecidos por critérios de ordem semântica e pragmática.
Semanticamente as normas se complementam em razão da matéria e pragmaticamente
em razão da forma, as relações de subordinação são determinadas por uma estrutura
hierarquizada, implementada pela fundamentação ou derivação quanto à matéria e
forma.
É possível verificar a existência de vínculos verticais, de forma que todas as
normas do sistema convergem para um ponto comum, seu fundamento último de
validade, no caso, a constituição de onde todas as noras derivam conferindo, nas
palavras de Paulo de Barros Carvalho, acrescentando um timbre de homogeneidade.
Por isso, ponderação da mais alta estima versa sobre a reflexão: o sistema
jurídico é o conjunto de normas jurídicas em sentido estrito produzidos pela
coletividade, ou cada indivíduo forma o seu próprio sistema jurídico? Essas relações são
variáveis, haja vista, que cada intérprete pode construir uma relação de coordenação e
subordinação diferente, caso contrário, não encontraríamos discordâncias, por exemplo,
em declaração de lei inconstitucional ou constitucional, essa determinação de
constitucionalidade irá variar de acordo com a construção de cada intérprete conforme
sua visualização acerca das relações de coordenação e subordinação entre normas.
Esta resposta e consequente tomada de posição é fundamental, e devemos
pontuar. Ao dizer que o sistema jurídico é inteiramente construído ao sabor do aplicador
e que cada individuo produz o seu sistema jurídico a sua maneira não soa de todo
adequado, o sistema não transpareceria segurança alguma, nem conseguiria cumprir o
59
seu objetivo de regular condutas. Inconcebível, pois, que haja uma inteira
discricionariedade.
Por outro lado, na contramão do raciocínio mencionado, afirmar ser o
sistema jurídico algo pertencente à coletividade e que, portanto seria igual para todos
também não faz sentido. Caso contrário o que justificaria a existência de normas
individuais e concretas tão discrepantes, sentenças que julgam de modo distinto casos
semelhantes, ou ainda a posição diametralmente oposta adotada por alguns membros em
um dado órgão julgador colegiado?
Tais reflexões preocupam não só os juristas, mas há muito tempo os
filósofos do direito debatem o assunto, o direito é ou não é transcendente ao ser
humano? Sem pretender exaurir o debate, o sistema jurídico ao passo em que é
construído pelo intérprete ou aplicador, estes individualmente considerados estão
limitados pela ideia da coletividade, pelo idioma, pala cultura, etc. Com efeito, seu grau
de determinação está no intermédio entre os dois extremos.
2.4 Distinção entre Sanção, Coercitividade e Coação
Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho, o ordenamento jurídico, como
forma de tornar possível a coexistência do homem em comunidade, garante,
efetivamente, o cumprimento das suas ordens, ainda que, para tanto, seja necessária a
adoção de medidas punitivas que afetem a propriedade ou a própria liberdade das
pessoas. Daí por que, ao criar uma prestação jurídica, concomitantemente o legislador
enlaça uma providencia sancionadora ao não-cumprimento do referido dever. 68
Para Hugo de Brito Machado, sanção é o meio de que se vale a ordem
jurídica para desestimular o comportamento ilícito. Pode limitar-se a compelir o
68 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito Tributário. 20. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
60
responsável pela inobservância da norma ao cumprimento de seu dever, e pode consistir
num castigo, numa penalidade a este cominada. 69
José Roberto Vernengo conceitua ato ilícito como todos os fatos,
normalmente ações de algum sujeito, ações desvaliosas ou que provocam repúdio, as
quais acarretam uma sanção jurídica.70
Sobre o vocábulo “sanção” nos deparamos frequentemente com suas
variadas significações, a ambiguidade no caso é da mais alta ordem, uma listagem de
alguns dos sentidos e usos demonstra a enorme variação semântica.
Eurico de Santi71 aponta que o termo sanção é utilizado para referir-se:
"(i) à relação jurídica consistente na conduta substitutiva
reparatória, decorrente do descumprimento de pressuposto
obrigacional (de fazer, de omitir, de dar - genericamente
prestações do sujeito passivo `Sp');
(ii) relação jurídica que habilita o sujeito ativo `Sa' a exercitar
seu direito subjetivo de ação (processual) para exigir perante o
Estado-Juiz `Sj' a efetivação do dever constituído na norma
primária e
(iii) a relação jurídica, consequência processual deste 'direito de
ação' preceituada na sentença condenatória, decorrente do
processo judicial".
69 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010. 70 VERNENGO, José Roberto. Curso de Teoria General del Derecho. 2ª Edição, Buenos Aires, Ediciones
Depalma, 1988. 71 De SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 39
61
2.4.1. O problema do termo "sanção"
Para esboçar o problema semântico do termo "sanção", observe-se a
variação de significados trazidos pelo Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa:
Sanção: sf (lat sanctione) 1 Ato pelo qual o poder executivo
confirma a lei aprovada pelo legislativo. 2 Aprovação sem a
qual uma lei seria inexequível; confirmação ou ratificação
superior, considerada necessária. 3 A parte da lei em que se
estabelece a pena contra os seus infratores; cláusula, condição
ou circunstância que impele ou pune a violação e assegura a
execução. 4 Prêmio ou castigo que visa a assegurar a
observância ou a violação de uma lei. 5 por ext Aprovação ou
confirmação de alguma coisa; ratificação. 6 Medida coercitiva,
adotada geralmente de comum acordo por várias nações contra
outra que viola o direito internacional, para forçá-la a desistir ou
a ceder à decisão judicial e que consiste na limitação das
relações comerciais; bloqueio, ou outras medidas econômicas ou
militares. S. expressa, Dir: projeto aprovado pelo chefe de
Estado depois de o ser pelo Congresso. S. interior: o remorso,
após ação reprovável. S. natural: a resultante das leis naturais
(doença consequente às intemperanças). S. pragmática:
regulamento de um chefe ou soberano relativo a matéria de
interesse nacional. S. presidencial ou real: confirmação do
presidente da república ou do rei aos projetos de lei aprovados
pelas assembleias legislativas. S. social: reação aprovativa ou
reprovativa de um grupo ou sociedade a formas de
comportamento admitidas ou condenadas; pode ser positiva ou
negativa. S. tácita, Dir: aquela em que a sanção de uma lei se faz
sem o pronunciamento do chefe de Estado após certo prazo,
geralmente marcado na carta política de cada país. 72
Os conceitos supramencionados apontam a diversidade de aplicações
cotidianas por que passa a palavra sanção.
No entanto, mesmo em termos de Ciência do Direito, não há uma
univocidade significativa. Como se verá, muitos são os usos dados para o signo sanção.
72 Michaelis Moderno Dicionario Da Lingua Portuguesa, Editora: Melhoramentos, 2015.
62
O termo sanção integra o próprio conceito de Direito. É natural a
divergência de significados a ela atribuídos, uma vez que a própria concepção do que é
Direito varia ao longo da história. Assim, para um jusnaturalista a sanção é algo
inteiramente diferente do que para um positivista, são concepções distintas do dado
jurídico.
Com efeito, sem aprofundar-se na evolução histórica que os autores e
correntes filosóficas demandam, examinaremos os variados conceitos de sanção para
em seguida apresentarmos nossa abordagem.
a) sanção em Kelsen
Como bem destacado por Angela Maria da Motta Pacheco, Kelsen ao
explicar a reação da ordem normativa com atos de coação contra condutas indesejáveis,
ressalta a importância da sanção:
"Uma ordem social pode — e é este o caso da norma jurídica —
prescrever uma determinada conduta precisamente pelo fato de
ligar à conduta oposta uma desvantagem, como a privação dos
bens acima referidos, ou seja, uma pena no sentido mais amplo
da palavra. Desta forma, uma determinada conduta apenas
pode ser considerada, no sentido desta ordem social, como
prescrita — ou seja, na hipótese de uma ordem jurídica,
como juridicamente prescrita —, na medida em que a
conduta oposta é pressupondo de uma sanção (no sentido
estrito). Quando uma ordem social, tal como a ordem jurídica,
prescreve uma conduta pelo fato de estatuir como devida
(devendo ser) uma sanção para a hipótese da conduta oposta,
podemos descrever esta situação dizendo que, no caso de se
verificar uma determinada conduta, se deve seguir determinada
sanção. Com isto já se afirma que a conduta condicionante da
sanção é proibida e a conduta oposta é prescrita. O ser devida da
sanção inclui em si o ser-proibida da conduta que é o seu
pressuposto especifico e o ser prescrita da conduta oposta.
Devemos a propósito notar que com o ser "prescrita" ou o "ser-
proibida" de uma determinada conduta se significa, não o ser
devida desta conduta ou da conduta oposta, mas o ser devida
63
da consequência desta conduta, isto é, da sanção. A conduta
prescrita não é a conduta devida; devida é a sanção. O ser
prescrita uma conduta significa que o contrário desta conduta
é pressuposto do ser devida da sanção. A execução da sanção
é prescrita, é conteúdo de um dever jurídico, se a sua omissão
é tomada como pressuposto de uma sanção. 73
Pela passagem observa-se a estima dada por Kelsen à sanção. Esta é
justamente a responsável pelo timbre de juridicidade, ou seja, a estatuição de um
dever-ser só é norma jurídica na medida em que diante de seu descumprimento
haja uma sanção.
Dada a afirmação kelseniana, frise-se: “desta forma, uma determinada
conduta apenas pode ser considerada, no sentido desta ordem social, como prescrita —
ou seja, na hipótese de uma ordem jurídica, como juridicamente prescrita —, na
medida em que a conduta oposta é pressupondo de uma sanção (no sentido estrito)”.
Sem sanção não há Direito.
b) sanção em Bobbio
Gisele Mascarelli Salgado74, em seu livro "Sanção na Teoria do Direito de
Norberto Bobbio" aponta que a teoria do jusfilósofo italiano Norberto Bobbio apresenta
mutação no conceito de sanção: primeiro aproxima-se do positivismo jurídico
kelseniano, em seguida passa por uma fase de tentativa de superação a partir de uma
abordagem da função do Direito (análise funcional do Direito) e uma fase em que o
Direito se aproxima e confunde-se com a Política.
73 HANS, Kelsen. Teoria Pura do Direito. 6ªed.. Armênio Amado. Edit. Coimbra, 1984. p. 49-50, Citado
por: PACHECO, Angela Maria da Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. São Paulo:
Max Limonad, 1997. p. 52-53 74 SALGADO, Gisele Mascarelli. "Sanção na Teoria do Direito de Norberto Bobbio". Editora Jurua, São
Paulo, 2010.
64
Bobbio75 classifica três enfoques quanto à relação do Direito com a coerção:
"a) coerção como elemento essencial instrumental, b) coerção como elemento não
essencial material, c) coerção como elemento essencial material". Percebe-se, pois, a
presença constante da sanção no Direito, variando apenas o grau de importância a ela
atribuído.
Gisele Mascarelli Salgado destaca que Tércio Sampaio vê a questão da
sanção relacionada à eficácia como sendo o fator responsável por levar Bobbio a
pensar nas funções da sanção na norma:
“Colocando-se à questão da sanção a nível da eficácia, surge
inevitavelmente, perante a reflexão o problema da função da
sanção cominada pela norma, e, em conseqüência, a questão
complexa da relação entre ser e dever-ser, mais
particularmente entre força e Direito”76.
A autora supracitada, aponta que a sanção está ligada à questão da
eficácia, pois para Bobbio a sanção levaria ao cumprimento mais ou menos espontâneo
da norma. Isso porque há normas que são seguidas universalmente de modo espontâneo
e outras que só são seguidas porque existe uma coação. Bobbio aponta ainda para
normas que não são seguidas mesmo com a coação. Assim, pode-se concluir que para
Bobbio a sanção não é o que vai determinar o cumprimento de uma norma jurídica e,
portanto, sua eficácia. Nesse caso é importante salientar que Bobbio trata da norma
jurídica e não de qualquer norma, pois a sanção jurídica determina a eficácia da
norma jurídica.
O jusfilósofo italiano, nos primeiros estudos, entende que a eficácia de
uma norma é uma investigação de caráter histórico-sociológico ou mesmo um problema
75 BOBBIO, Norberto. Derecho y Fuerza. In: Contribuicion a la teoria del derecho de Noberto Bobbio.
P.342 76 FERRAZ JR, Tércio Sampaio. O pensamento jurídico de Norberto Bobbio. In: Teoria do ordenamento
jurídico. P.10
65
fenomenológico do Direito.77 Nos livros “Teoria da Norma Jurídica” e “Teoria do
Ordenamento Jurídico”, Bobbio define o Direito a partir da eficácia.
Como restará identificado ao final, foi justamente o problema da
eficácia que nos despertou o ímpeto de tentar diagnosticar o vício na incidência
das multas e dos crimes contra a ordem tributária. Nosso maior desafio ao
trabalhar a eficácia da Sanção foi argutamente destacado por Tércio Sampaio
Ferraz Junior, justamente a questão complexa da relação entre ser e dever-
ser.
Para Bobbio, em síntese: a sanção é o meio pelo qual, em um sistema
normativo, trata-se de salvaguardar as leis, das condutas que lhe são contrárias. A
sanção é a resposta à violação. Ela é uma das formas que permite a distinção das
normas jurídicas das demais normas morais e sociais. Pode-se dizer que “normas
jurídicas são aquelas cuja execução está garantida por uma sanção externa e
institucionalizada”. 78
c) sanção em Lourival Vilanova
Mais adiante será trabalhada a bimembridade da norma jurídica. Com a
estrutura em linguagem formalizada secciona-se a manifestação do deôntico para
melhor compreensão da norma jurídica. Com efeito, Lourival Vilanova preceitua:
“Norma primária (oriunda de normas civis, comerciais,
administrativa) e norma secundária (oriunda de norma de direito
processual objetivo) compõem a bimembridade da norma
jurídica: a primária sem a secundária desjuridiciza-se; a
77 Citado por SALGADO, Gisele Mascarelli. "Sanção na Teoria do Direito de Norberto Bobbio". Editora
Jurua, São Paulo, 2010. 78 BOBBIO, Norberto. Teoria General del Derecho. Ed. Temis. Santa Fé de Bogota, Colombia, 1992. P.
104; citado por: PACHECO, Angela Maria da Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias.
São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 61
66
secundária sem a primária reduz-se a instrumento, meio, sem
fim material, a adjetivo sem o suporte de substantivo”79
Angela Maria da Motta Pacheco80, com bastante zelo aponta aspecto
importante da obra de Lourival Vilanova: “A sanção reside na norma secundária mas
não é auto aplicável. O sujeito ativo da relação da norma primária não pode exigir
coativamente do sujeito passivo o cumprimento da obrigação. Não pode usar a força.
Está proibido de fazê-lo. Somente o Estado-juiz tem o poder subjetivo público de
coagir. A relação jurídica processual é triádica envolvendo a relação Autor-Juiz, a
relação Juiz-réu e a relação autor-réu.”
Grande dificuldade surge ao tentar apontar as fases da incidência de uma
norma secundária levando em consideração os quatro níveis de linguagem (S1, S2, S3 e
S4). E mais, observar a incidência das normas secundárias em seus fundamentos
últimos, focando o aspecto dinâmico do Direito, é tarefa árida, haja vista a variação de
ferramentas que o Direito Processual brasileiro dispõe, tais como: direito de petição do
art. 5.º, XXXIV, "a", da CF/88, a ação civil pública art. 129, II e III, art. 129, § 1º, da
Constituição Federal, etc.
É preciso destacar que a norma secundária também possui a previsão geral e
abstrata, ela também pode ser analisada de modo individual e concreto. No entanto,
examinar sua incidência de modo detalhado é tarefa desafiadora, uma vez que além da
variedade de formas que se manifesta, em cada ordenamento, nos mais variados países,
o Estado é acionado de modo peculiar.
79 VILANOVA. Lourival. Causalidade e Relação no Direito. Ed. Saraiva. 2ª ed., 1989. P. 124 80 PACHECO, Angela Maria da Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. São Paulo:
Max Limonad, 1997. p. 71
67
Por fim, Lourival Vilanova81 exprime que as sanções ainda distinguem-se da
coação. A coação é execução coercitiva de sanções preceituadas em sentenças
condenatórias, através de órgão do Estado.
d) sanção em Alf Ross
Alf Niels Christian Ross, jurista e filósofo dinamarquês, afirma que o objeto
do Direito é a ordenação da força, um ordenamento jurídico nacional é o conjunto de
regras para o estabelecimento e funcionamento do aparato da força do Estado. Nesse
sentido:
“(...) o ordenamento jurídico nacional estabelece um aparato de
autoridades públicas (os tribunais e os órgãos executivos) cuja
função consiste em ordenar e levar a cabo o exercício da força
em casos específicos; ou ainda mais sinteticamente: um
ordenamento jurídico nacional é o conjunto de regras para o
estabelecimento e funcionamento do aparto de força do
Estado.”82
Como visto, Alf Ross, fundador do realismo jurídico escandinavo também
atribui grande importância à sanção. Ele considera ser o elemento coercitivo
institucionalizado a nota especificadoras do direito.83
81 VILANOVA. Lourival. Causalidade e Relação no Direito. Ed. Saraiva. 2ª ed., 1989. P. 131; Citado por:
PACHECO, Angela Maria da Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. São Paulo: Max
Limonad, 1997. p. 71 82 ROSS, Alf. Sobre o direito e justiça, 2000. p.58 83 ROSS, Alf. Sobre o direito e justiça
68
e) sanção em Tércio Sampaio Ferraz Junior
Tércio Sampaio Ferras Junior, ao trabalhar a teoria da norma de Jhering,
confrontando com pensamento kelseniano, explica a distinção de entre conceitos
importantes - sanção, coerção e coação - nos auxiliando a entender seus respectivos
planos de manifestação:
“A norma de Jhering, porém, não se confunde com a coação, a
norma é dotada de coação, mas ela mesma não chega a ser uma
coação, a norma é um imperativo, é apenas um comando, a
coação vem depois, pelo descumprimento. Não obstante a
coação é um elemento fundamental do Direito e da concepção
jurídica da norma. Kelsen já no século XX, vai dizer que a
norma é um imperativo sobre a coação. Enquanto Jhering é um
pensamento expresso em uma preposição, Kelsen vai dizer que a
norma tem por conteúdo a coação, ela diz algo sobre coação.” 84
Aspecto importante da obra de Tércio Sampaio Ferraz Junior é o destaque
da presença de sanções premiais no Estado contemporâneo:
“(...) o conceito de sanção, um mal, elemento necessário da
norma, típico do conceito do Estado Liberal que pressupõe que a
ordem jurídica seja uma ordem coativa. No Estado
contemporâneo, o conceito de sanção é outro. Uma vez que
este tem grande interferência no campo econômico, a sanção
deve ser entendida em seu sentido mais amplo, abrangendo
também os incentivos e prêmios encorajando o cidadão à
prática de atividades sanções premiais — e não à punição
84 FERRAZ JR., Tércio Sampaio Ferraz. A Teoria da Norma Jurídica em Rudolf von Jhering. In Jhering
no Brasil. P. 216-217
69
pela prática de um ato proibido ou pela omissão de uma
ordem que lhe foi imposta.”85
Angela Maria da Motta Pacheco aponta que para Tércio a dogmática
analítica contemporânea tende a excluir a sanção como elemento necessário da estrutura
da norma. As normas jurídicas pelo fato de serem coercíveis, não são necessariamente
coativas. A coercibilidade tem a ver com a relação de autoridade institucionalizada. É a
suscetibilidade de aplicação de coação. Entretanto não haverá uma sanção para cada
norma. A sanção jurídica é elemento importante, mas nem sempre vem prescrita nas
normas.86
f) sanção em Miguel Reale:
Consoante a Teoria Tridimensional do Direito, este é definido como fato,
valor e norma.
Para Miguel Reale, é o valor que determina se um comportamento deve ser
sancionado ou não. A coação poderia ser dividida em i) violência privada e ii) força
organizada pelo Direito.
Com efeito, Miguel Reale conceitua sanção: é toda consequência que se
agrega, intencionalmente, a uma norma, visando ao seu cumprimento obrigatório.
Sanção, portanto, é somente aquela consequência querida, desejada, posta com o fim
específico de tutelar a regra. Quando a medida se reveste de uma expressão de força
85 FERRAZ JR., Tércio Sampaio Ferraz. Introdução ao Estudo do Direito. Ed. Atlas. São Paulo, 1990. P.
116 86 FERRAZ JR., Tércio Sampaio Ferraz. Introdução ao Estudo do Direito. Ed. Atlas. São Paulo, 1990. P.
116 Citado por: PACHECO, Angela Maria da Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias.
São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 77
70
física, temos propriamente o que se chama de coação. A coação, de que tanto falam os
juristas é, assim uma espécie de sanção, ou seja, a sanção de ordem física.87
Para Miguel Reale a sanção é uma possibilidade, não é uma certeza, uma
vez que o Direito não é somente norma: “Toda vez que surge uma regra, há uma medida
estimativa do fato, que envolve o fato mesmo e o protege. A norma envolve o fato e,
por envolve-lo, valora-o, mede-o em seu significado, baliza-o em suas consequências,
tutela o seu conteúdo, realizando uma mediação entre o valor e o fato.” 88
g) sanção em Rudolf von Ihering
Rudolf von Ihering trata com destaque questões relativas à sanção e à
coação. Ultrapassando o campo jurídico, o jurista alemão estuda também a coação
moral, física e psicológica, ele exprime: "Para realizar seus fins, o Estado imita a
natureza: procede pela coação direta ou mecânica, e pela coação indireta ou
psicológica.”89
Sobre a coação Jhering pontua:
"A coação, tomada a palavra em sentido geral, consiste na
realização de um fim por meio do constrangimento de uma
vontade estranha. A coação supõe ativa e passivamente um
ser vivo dotado de vontade"
Jhering afirmar ser o Direito a política da força. Gisele Mascarelli
Salgado90 explica: Quando o Direito consegue manter a sociedade em ordem a
força não aparece, porém quando essa tarefa não é realizada ela emerge. E ainda,
87 REALE. Miguel. Filosofia do Direito: Lições Preliminares de Direito. 22 ed. São Paulo, Saraiva, 1995.
P. 260 88 REALE. Miguel. Filosofia do Direito: Lições Preliminares de Direito. 22 ed. São Paulo, Saraiva, 1995.
P. 262 89 JHERING, Rudolf vn. A Evolução do Direito. P.254 90 JHERING, Rudolf vn. A Evolução do Direito. P.199 Citado por SALGADO, Gisele Mascarelli.
"Sanção na Teoria do Direito de Norberto Bobbio". Editora Jurua, São Paulo, 2010.
71
Jhering apresenta a força como elemento necessário ao Direito, para que se tenha a
força justa. Porém, quando o Direito não pode manter a sociedade, surge a força,
mas sem o Direito. 91 A força, no entender de Jhering, é mais forte que o Direito: "A força
pode, em caso de necessidade, viver sem o Direito, como já o tem provado; o Direito
sem a força é uma palavra sem sentido. Só a força realiza as normas de Direito, e faz
deste o que ele é e deve ser. 92
Jhering entende que a coação faz parte próprio conceito do Direito: “O
Direito pode, em meu entender, definir-se exatamente - o conjunto de normas em virtude
das quais, num Estado, se exerce a coação.” 93
Sem coação não há Direito para Jhering: "A coação exercida pelo Estado
constitui o critério absoluto do Direito; uma regra de Direito desprovida de coação
jurídica é um contra-senso: é um fogo que não queima, um facho que não alumia"94
f) sanção em Angela Maria da Motta Pacheco
Angela Motta Pacheco, em um dos poucos livros de investigação vertical
sobre Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias explica com rigor a ordem
coativa: é toda ordem jurídica onde o uso da força está institucionalizado, objetivado e
monopolizado pelo Estado, como único meio de reagir contra as condutas indesejáveis.
Sanção para Angela Maria da Motta Pacheco95 é a “previsão hipotética
estipulada na norma sancionadora geral e abstrata; “sanção/coação” àquela aplicada
pelo órgão jurisdicional, já em face da relação jurídica obrigacional, concreta e
91 Citado por SALGADO, Gisele Mascarelli. "Sanção na Teoria do Direito de Norberto Bobbio". Editora
Jurua, São Paulo, 2010. 92 JHERING, Rudolf vn. A Evolução do Direito. P.208; Citado por SALGADO, Gisele Mascarelli.
"Sanção na Teoria do Direito de Norberto Bobbio". Editora Jurua, São Paulo, 2010. 93 JHERING, Rudolf vn. A Evolução do Direito. P.256 94 JHERING, Rudolf vn. A Evolução do Direito. P.257 95 PACHECO, Angela Maria da Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. São Paulo:
Max Limonad, 1997. p. 336
72
individualizada, cuja prestação foi descumprida pelo devedor. Assim, a “Coação” é ato
de força realizado pela administração na imposição da sanção e privação coercitiva de
bens.96 É a execução coercitiva de sanção/coação determinada em sentenças
condenatórias, pelo Poder Judiciário.
Com efeito, conclui: a “sanção/coação” está para a relação jurídica
sancionadora assim como a prestação está para a relação jurídica obrigacional. Tem
caráter de um ato de coação uma vez que será aplicada com força, em caso de
resistência.
2.4.2. Conclusão: coerção x coação x sanção
Com efeito, o Direito na tradição positivista é definido a partir do conceito
de sanção, esta é sua pedra angular, esta concepção é hegemônica nomeadamente na
teoria do Direito ocidental do século XX. A sanção é o elemento central na ordenação
da sociedade.
Elias Canetti, Prêmio Nobel de Literatura, em seu livro “Massa e Poder”,
afirma: à força (gewalt), costuma-se associar a ideia de algo que se encontra próximo e
presente. Ela é mais coercitiva e imediata do que o poder (Macht). Fala-se, enfatizando-
a, em força física. O poder em seus estágios mais profundos e animais, é antes força.97
Tal passagem é esclarecedora. A eficácia normativa encontra-se no limite
entre o ser e o dever-ser, entre o plano do Direito e o plano da camada social. No plano
do ser encontramos a força, expressa pela coação.
96 PACHECO, Angela Maria da Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. São Paulo:
Max Limonad, 1997. p. 336 97 CANETTI, Elias. Massa e Poder. Tradução Sérgio Tellaroli, Companhia das Letras, São Paulo, 1995.
p.281
73
O termo coação também é ambíguo. O Código Penal e o Código Civil
prescrevem tipos onde algumas espécies de coação são empregadas:
Código Civil:
Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de
ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e
considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.
Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à
família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá
se houve coação.
Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por
terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a
que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por
perdas e danos.
Código Penal
Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em
estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de
superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da
ordem.
Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
I - ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou
maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença;
II - o desconhecimento da lei;
III - ter o agente:
(...)
c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em
cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a
influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da
vítima;
Divide-se a coação física (vis absoluta) e a coação moral (vis compulsiva).
Aurora Tomazini98, sobre o assunto pontua: O ser jurídico da norma
significa ter coercitividade. A coercitividade é a previsão, pelo próprio sistema, de
mecanismos para exigir o cumprimento das condutas prescritas nas normas. É o que
98 CARVALHO, Aurora Tomazini. Direito Penal Tributário (uma análise lógica, semântica e
jurisprudencial). São Paulo, Quartier Latin, 2009. p. 328
74
definimos como “sanção”. A coercitividade existe em razão de uma norma, que se
agrega a outra norma para tornar exigível a conduta nela prescrita. É a denominada
“norma secundária”, sem a qual a “norma primária” não se caracteriza como jurídica.
Assim, podemos dizer que não existe norma sem sanção.
Geraldo Ataliba99 também destaca: “a sanção não é sempre e
necessariamente um castigo. É mera conseqüência jurídica que se desencadeia (incide)
no caso de ser desobedecido o mandamento principal de uma norma. E um preconceito que
precisa ser dissipado — por flagrantemente anticientífico — a afirmação vulgar,
infelizmente repetida por alguns juristas, no sentido de que a sanção é castigo. Pode ser,
algumas vezes. Não o é muitas vezes. Castigo, pena, penalidade é espécie do gênero
sanção jurídica. Nem toda sanção é castigo, embora todo castigo (espécie) seja sanção.”
Nesse sentido, Geraldo Ataliba aponta explanação de Augustin Gordillo100:
"... as sanções nem sempre são penas (privação de liberdade, vida ou propriedade, a
título não de reparação mas de castigo), posto que podem consistir no estabelecimento
de uma relação jurídica nova, a extinção de uma relação jurídica preexistente, ou a
execução coativa do dever jurídico violado. Querendo-se, em todos os casos há um
aliquid de castigo, mas deve-se notar que salvo no caso do direito penal, o mais
importante na sanção — ou "específica reação do direito ante a violação de um dever
jurídico" — não é o castigo, mas a aplicação forçada do objeto do direito, vale dizer, o
cumprimento ou execução coativa do dever não cumprido"
Vimos variados conceitos de sanção, coação e coerção.
Kelsen, por exemplo, aponta que o traço distintivo entre o Direito e as
demais ordens sociais é justamente a coação.
Paulo de Barros Carvalho traz outras acepções em que o termo sanção é
utilizado: "Sanção" pode experimentar mutações semânticas que variam conforme o
99 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2008. 100 GORDILLO, Augustin. Introducción al Derecho Administrativo, 2ª ed., 1966, Abeledo-Perrot, Buenos
Aires, pp. 69-70: Citado por: ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo:
Malheiros, 2008.
75
momento da sequência prescritiva (direito posto) ou expositiva (Ciência do Direito).
Tanto é "sanção" a penalidade aplicada ao infrator quanto a relação jurídica que a
veicula, tratando-se de norma individual e concreta. Também é "sanção" o consequente
da norma geral e abstrata, como a própria norma que tem como antecedente a
tipificação do ilícito. E participa do mesmo nome, ainda, o ato jurídico-administrativo
que encerra o processo de elaboração de certas leis. Sobremais, recebe o nome de
sanção também a percentagem a ser aplicada na base de cálculo da multa. Exemplo: "A
sanção será de 20% sobre o valor do imposto devido."101
Diante dessa constatação, Paulo de Barros preceitua: “Creio que a acepção
de base do termo, nos domínios do jurídico, está na providência que o Estado-
jurisdição aplica coativamente, a pedido do titular de direito violado, tendo em vista a
conduta do sujeito infrator. A “sanção”, por esse modo, estaria contida no consequente
de norma individual e concreta, como traço identificador do próprio direito.” 102 Nesse
sentido, é possível falar em Sanção em sentido estrito: “norma jurídica em que o Estado
Juiz intervém como sujeito passivo da relação deôntica, sendo sujeito ativo a pessoa
que postula a aplicação coativa da prestação descumprida.”103
Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho: “O traço característico do
direito é a coatividade, que é exercida, em ultimo grau, pela execução forçada e pela
restrição da liberdade. A ordem jurídica é o único sistema normativo que prevê, como
consequência final do descumprimento de seus deveres, aquelas duas espécies de
providências”.104
Feitas essas considerações, concluímos que a palavra sanção engloba uma
vasta gama de significados frequentemente utilizados coloquialmente e também em
nível científico. Nesse sentido, o vocábulo sanção pode ser empregado para denotar os
101 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 846 102 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 846 103 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 846 104 CARVALHO, Paulo de Barros Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011.
76
mais variados tipos de providencias negativas infligidas ao sujeito que descumpre
determinado dever. A sanção nesse sentido mais abrangente corresponde a uma
punição, uma penalidade, um castigo, um corretivo, uma repreensão ou uma represália.
Enfim, é a resposta à desobediência.
Em sentido estrito, a sanção é a norma secundária: onde seu núcleo prevê a
relação triádica composta pelo Estado-Juiz, responsável por fazer cumprir as normas de
seu ordenamento jurídico. A coercitividade, por sua vez, é a característica, o predicado
essencial da norma secundária. A coercitividade, enquanto qualidade da norma
secundária é responsável pelo cumprimento espontâneo do Direito, ela age no plano
psicológico de modo a conferir eficácia social aos comandos normativos.
Por fim, a coação é resultado da realização material da força, ela está ligada
à concreção. A coação experimentada no plano do ser é a força. No campo do Direito
Tributário a coação se perfaz, por exemplo, nas sanções políticas: recusa de Certidão
Negativa de Débitos, Inscrição no CADIN, bloqueio do BacenJud, restrição de talonário
fiscal, impedimento de emissão de NF e de praticar atos de comércio, etc.
2.5 A Norma Jurídica Completa
Ao trabalhar o papel do Direito e a forma como procura ordenar condutas
nos deparamos com o conceito de norma jurídica completa. Nesse estudo temos que ter
em mente que o Direito é uma ordem coercitiva.
Baseados nas lições de Hans Kelsen105, apresentamos o Direito enquanto
ordem social que busca efetuar nos indivíduos a conduta desejada através da decretação
de tais medidas de coerção, é chamada, portanto, de ordem coercitiva.
105 HANS, Kelsen. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 26
77
Ela o é porque ameaça atitudes socialmente danosas com medidas de
coerção, porque decreta tais medidas de coerção.
Assim, o Direito é a coercitividade organizada. Nesse sentido, Kelsen
explica que há um elemento comum entre todas as ordens jurídicas, desde o Direito dos
Babilônios antigos até a Constituição Suíça, do chefe despótico de uma pequena tribo
africana até o direito vigente nos Estados Unidos, é a técnica social específica de uma
ordem coercitiva.
Nesse sentido, para obter uma conduda social desejada dos homens, é
utilizada uma medida de coerção a ser aplicada em caso de conduta contrária à ordem.
O Direito, a moralidade e a religião, são sistemas normativos. Essa
normatividade é caracterizada nomeadamente pela presença da coação. Com efeito, a
diferença está em como são providas as sanções pela ordem social. Os três sistemas
normativos mencionados proíbem o assassinato, mas no Direito a coação é a reação da
ordem jurídica contra o delito.
O que distingue é a forma de coação. Como assevera Paulo de Barros
Carvalho106, todos os sistemas normativos são essencialmente coativos, não servindo,
pois, tal aspecto para diferençar o ordenamento jurídico de outros sistemas de normas. A
coatividade é o aspecto que individualiza o direito de outros domínios normativos, ela é
exercida em ultimo grau pela execução forcada e pela restrição da liberdade.
Angela Maria da Motta Pacheco107, considerando os ensinamentos de Tércio
Sampaio Ferraz Junior, explica que a coercibilidade no Direito diz respeito à autoridade
institucionalizada. É a suscetibilidade de aplicação da coação. E lastreada nas lições de
Miguel Reale, a autora pondera que a coercibilidade é a interferência da força no
cumprimento da regra de direito. Força no caso, é entendida como a organizada
juridicamente para os fins próprios do Direito. A coação por outo lado, é utilizada em
106 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 844 107 PACHECO, Angela Maria da Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. São Paulo:
Max Limonad, 1997. p. 77
78
variadas acepções, como para referir-se a violência física o psíquica contra pessoas, ou
ainda, como a força organizada do Direito.
Kelsen aponta que a força é utilizada pelo Estado para prevenir o uso da
força, ou seja, o ato coercitivo da sanção é exatamente o mesmo tipo de ato que a ordem
jurídica busca prevenir os indivíduos de cometerem. Esta antinomia é aparente, uma vez
que o Direito é uma ordenação que tem como fim a promoção da paz. “o Direito faz do
uso da força um monopólio da comunidade. E, precisamente por fazê-lo, o Direito
pacifica a comunidade.” 108
Nos capítulos anteriores observamos serem as normas jurídicas compostas
pela associação de uma hipótese a uma consequência, ligados pelo conectivo
condicional deonticamente neutro.
Eurico Marcos Diniz de Santi, lastreado nas lições kelsenianas, ressalta que
a norma enquanto mecanismo básico de funcionalidade do direito, consubstancia apenas
um dos membros da norma jurídica completa:
O ser norma jurídica pressupõe bimembridade constitutiva. É a
licença científica que permite a cisão metodológica desta
estrutura complexa, na série de normas que compõem o sistema
do direito positivo. O primeiro membro, denominamos norma
primária; o segundo, norma secundária. Ambas apresentam
idêntica estrutura sintática, mas composição semântica distinta.
A norma primaria vincula deonticamente a ocorrência de dado
fato a uma prescrição (relação jurídica); a norma secundária
conecta-se sintaticamente à primeira, prescrevendo: se o fato de
a não ocorrência da prescrição da norma primaria se verificar,
então deve ser uma relação jurídica que assegure o
108 HANS, Kelsen. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 30
79
cumprimento daquela primeira, ou seja, dada a não
observância de uma prescrição jurídica, deve ser a sanção.109
Angela Maria da Motta Pacheco e Paulo de Barros Carvalho destacam que
Kelsen deu tanta importância ao papel da coação e da sanção no Direito, que
considerou no contexto da bimembridade das normas, como norma primária, a
sancionadora e como norma secundária, a norma de conduta. Apenas
posteriormente, em seu “Teoria Geral das Normas” Kelsen reconhece que a norma
sancionadora é a norma secundária e a norma de conduta é a norma primária:
“Uma ordem normativa contém não apenas normas que impõem
uma conduta determinada — como uma ordem jurídica positiva —
mas também normas que instruem uma sanção para a hipótese de
não serem cumpridas e — como uma ordem moral positiva —
também para as hipóteses de serem cumpridas, pois a norma que
impõe uma conduta determinada e a norma que estatui uma
sanção para a hipótese de não cumprimento ou para o caso de
cumprimento da primeira norma mencionada formam uma
unidade. Se se admite que a distinção de uma norma que
prescreve uma conduta determinada e de uma norma que
prescreve uma sanção para o fato de violação da primeira seja
essencial para o Direito então precisa-se qualificar a primeira
como norma primária e a segunda como norma secundária - e não
o contrário como o foi por mim anteriormente formulado. A
norma primária pode, pois, aparecer inteiramente independente da
norma secundária”110
Como ressaltado, a estrutura lógica da norma primária e da norma
secundária são semelhantes. No entanto, nas normas sancionatórias há em seu
antecedente a previsão de conduta ilícita, no direito tributário, corresponde ao
109 De SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 36 110 KELSEN, Hans. TEORIA GERAL DAS NORMAS, 1ªed. Editora: SERGIO FABRIS, 1986. p. 181
80
descumprimento da relação prevista no consequente da regra-matriz de incidência.
Paulo de Barros Carvalho esclarece: “Essa conduta é tida como antijurídica, por
transgredir o mandamento prescrito e recebe o nome de ilícito ou infração tributária.
Anote-se: “ilícito” ou “infração tributária” são categorias relativas ao mundo fáctico.”
111
Assim, o que faz a norma ser jurídica é justamente a forma como é exercida
a sanção. Temos então a norma primária, estatuidora de direitos e correspectivos
deveres e a norma secundária, a que estabelece a sanção mediante o exercício da coação
estatal.112
Paulo de Barros Carvalho113 aponta que a diferença entre normas primárias
e normas secundárias está na circunstância de que estas ultimas expressam em seu
consequente relação de cunho jurisdicional, em que o Estado participa como juiz para
obter, coativamente, a prestação insatisfeita. As relações que não revestirem essa forma
ficariam no quadro amplo das normas primárias (ou endonormas, no léxico de Cossio).
Diante do critério distintivo: consequente com relação de cunho
jurisdicional, temos que as "sanções administrativas", como as multas, também são
normas primárias, conforme será exposto adiante.
2.5.1. As normas jurídicas primárias: dispositiva e sancionadora
A chamada composição dúplice da norma jurídica completa pelo
entrelaçamento da norma primária e da norma secundária visa simplificar o intrincado
corpo normativo que se nos apresenta.
111 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 852 112 De SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 37 113 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 845
81
A pragmática e a incidência normativa encerram processo da mais alta
complexidade. O aplicador leva em consideração todo o sistema normativo ao dar
sequencia ao ciclo de positivação do Direito. Assim, muitas e muitas normas são
utilizadas no processo psico-físico de produção normativa.
Separar a norma primária da secundária é uma tarefa não tão simples,
consiste em tentar enquadrar todas as normas jurídicas nessas duas caixas, ou a norma é
primária ou é secundária. E nessa tentativa cabe salientar sua presença no plano das
normas gerais e abstratas, no patamar das normas individuais e concretas, ou ainda, no
plano dos enunciados, das proposições ou das normas jurídicas em sentido estrito.
Uma coisa é a finalidade punitiva que aumenta e muito o crédito tributário.
No entanto, Paulo de Barros Carvalho aduz sobre a chamada perinorma, no vocabulário
de Cossio, ou norma secundária, que esta contém a presença da atividade jurisdicional
na exigência coativa da prestação, traço decisivo na sua identificação normativa. As
multas, por exemplo:
“São normas primarias que se justapõem às outras normas
primárias, entrelaçadas, lógica e semanticamente, a específicas
normas secundarias, se bem que o legislador, em obséquio à
economia do discurso jurídico-positivo, integre os valores
cobrados em cada uma das unidades normativas estipulando
uma única prestação, a ser exigida coativamente pelo exercício
da função jurisdicional do Estado”. 114
Eurico de Santi explica que a separação entre norma primária e norma
secundária é produto de um corte simplificado e abstrato sobre a intrincada série de
normas, que possibilita a redução da complexidade do dado normativo:
O critério que preside esta classificação, informado pela Teoria
Pura do Direito, é a figuração ou não no prescritor normativo
114 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 845-846
82
da sanção, i.é, da possibilidade do uso da coação organizada,
mediante órgão jurisdicional, para fazer valer a efetivação do
dever constituído pela eficácia jurídica de outras normas. Se
estiver presente este direito subjetivo, temos norma secundária,
caso contrário, norma primária. Norma de direito substantivo,
esta; norma de direito adjetivo, aque1a.115
Para simplificar o fisco no mesmo documento normativo, por exemplo, em
um Auto de Infração e Imposição de Multa, insere o montante total do crédito que
engloba o valor do tributo e o valor da multa.
Com efeito, dentre as normas primárias separam-se ainda as dispositivas das
sancionadoras. A distinção acatada pelo professor Lourival Vilanova foi elaborada por
Paulo de Barros Carvalho.
A norma primária sancionadora, como a norma secundária, tem
por pressuposto o não cumprimento de deveres ou obrigações;
carece, entretanto, da eficácia coercitiva daquela. Nas normas
primárias situam-se as relações jurídicas de direito material
(substantivo), nas normas secundárias, as relações jurídicas de
direito formal (adjetivo ou processual) em que o direito
subjetivo é o de ação (em sentido processual). (...) Têm-se,
portanto, normas primárias estabelecedoras de relações
jurídicas de direito material, decorrentes de (i) ato ou fato lícito
e (ii) de ato ou fato ilícito. A que tem pressuposto antijurídico,
denominamos norma primária sancionadora, pois veicula uma
sanção no sentido de obrigação advinda do não cumprimento de
um dever jurídico, enquanto que a outra, por não apresentar
115 De SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 37-38
83
aspecto sancionatório, convencionamos chamar norma
primária dispositiva.116
Nesse sentido, no mencionado Auto de Infração teríamos apenas norma
primária, esta podendo ainda ser seccionada na porção que retrata a norma primária
dispositiva e a parte que dispõe sobre a norma primária sancionadora.
Em linguagem formalizada, poderíamos inserir a norma completa com a
segmentação da norma primaria, representando na sequencia a norma primária
dispositiva, a norma primária sancionadora e a norma secundária117:
D{[(p → q).(-q → r)] . [(-q v -r) → S)}
Nesse sentido, no campo do Direito Tributário, a regra-matriz dos tributos
constitui exemplo de norma primária dispositiva, enquanto as multas são casos de
normas primárias sancionadoras, já a possibilidade de exercer o direito de exigir
coativamente é hipótese de norma secundária, como, por exemplo, a previsão do art. 5º,
inciso XXXIV, a) da CF, ou ainda a do inciso LXIX, do mesmo dispositivo
constitucional.
116 De SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 38 117 Paulo de Barros Carvalho explica que a estrutura normativa da sanção em sentido estrito é composta
por estrutura formal do seguinte modo: A estrutura lógica da norma secundária é D [-
R`(S`,S``)→R``(S`,S```)] ou ainda: D{(p→q) v [(p→-q)→S]}“a norma secundária apareceria da seguinte
forma: [D (p.-q) →Sn]. E com o desdobramento de Sn: (S'RS"), em que "p" é a ocorrência do fato
jurídico; ".", o conectivo conjuntor; "-q", a conduta descumpridora do dever; "→", o operador
implicacional; e Sn a sanção, desdobrada em S', como sujeito ativo (o mesmo da relação da norma
primária; R, o relacional deôntico; e S'", o Estado-Juiz, perante quem se postula o exercício da
coatividade jurídica). “A Teoria Geral do Direito refere-se à relação jurídica prevista na norma primária
como de índole material, enquanto a estatuída na norma secundária seria de direito formal (na acepção de
processual, adjetiva). (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed.
São Paulo: Noeses, 2011. p. 138-139)
84
2.5.2. A norma jurídica secundária
Como exposto anteriormente, a norma secundária corresponde à norma que
estabelece a relação do Estado-jurisdição com o sujeito infrator para fins de aplicar-lhe
coativamente uma sanção. Paulo de Barros Carvalho ensina:
“as normas sancionatórias são regras de conduta e ostentam a
mesma estrutura lógica da regra-matriz de incidência. (...) A
diferença entre essa espécie normativa e as demais regras de
comportamento está no antecedente, tendo em vista que a regra
sancionatória descreve fato ilícito qualificado pelo
descumprimento de dever estipulado no consequente da regra-
matriz de incidência. Essa conduta é tida como antijurídica por
transgredir o mandamento prescrito, e recebe o nome de ilícito
ou infração tributária.”118 (destacamos)
Kelsen, atribui maior importância à norma sancionadora. As proposições da
norma secundária, regra geral, não são encontradas de modo expresso, mas resultam de
uma extração lógica. Na norma secundária encontra-se a relação em que o Estado
aplica a pena ou a execução forçada.
Lourival Vilanova119 pontua que o critério fundamental da distinção entre
normas primárias e secundárias repousa na circunstância de estas últimas expressarem,
no consequente, uma relação de cunho jurisdicional, em que o estado participa como
juiz para obter, coativamente a prestação insatisfeita. O eminente jurista pernambucano
ao diferençar normas primárias e secundárias aponta que não é a cronologia dos
eventos, sua ordem temporal, tampouco é uma relação de causa e efeito (um enunciado
que daria motivo para criação de outra norma) que determinam seus conceitos.
Cronologicamente em muitos casos ambas são aplicadas de modo simultâneo.
118 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 847 119 VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo: Max
Limonad, 1997. p. 106
85
Frise-se: a norma secundária prevê sanção mediante coação estatal, é
considerada, portanto, sanção em sentido estrito120. O critério distintivo é a atividade
jurisdicional na exigência coativa.
Ao trabalhar o conceito de norma secundária encontramos dificuldade em
visualizá-la. Este problema dá-se sobremaneira porque estamos tratando ora de um
potencial direito de ação, ou do efetivo exercício desse direito de petição ou até mesmo
da providencia estatal individualizada.
Eurico de Santi fazendo referencia à estrutura lógica apontada anteriormente,
define do seguinte modo:
Na norma secundária, a não observância do dever de prestar
(“-q” ou “-r”), positivo ou negativo, é o suposto normativo
fundante da sanção, nesta acepção entendida como a pretensão
de exigir coativamente, perante órgão estatal, a efetivação do
dever estatuído no(s) prescritor(es) da(s) norma(s)
primária(s).121
Ora, repise-se: Kelsen atribui grande importância à norma secundária,
inclusive é ela responsável pela essência do dado jurídico.
No mesmo sentido, Norberto Bobbio: “Normas jurídicas são, pois, aquelas
cuja execução está reforçada e garantida por uma sanção externa e institucionalizada.
120 Ao trabalhar a Sanção como consequente normativo, Paulo de Barros Carvalho preceitua: “Assim
como se denomina obrigação tributária ao liame jurídico que se estabelece entre dois sujeitos — pretensor
e devedor — designa-se por sanção tributária à relação jurídica que se instala, por força do acontecimento
de um fato ilícito, entre o titular do direito violado e o agente da infração. Além desse significado,
obrigação e sanção querem dizer, respectivamente, o dever jurídico cometido ao sujeito passivo, nos
vínculos obrigacionais, e a importância devida ao sujeito ativo, a título de penalidade ou de indenização,
bem como os deveres de fazer ou de não-fazer, impostos sob o mesmo pretexto. A relação sancionatória
vem mencionada no prescritor da regra, onde podemos colher todos os elementos necessários e
suficientes para a sua identificação no caso concreto. A norma que estipula a sanção descreve o fato
antijurídico no seu antecedente, e a providência desfavorável ao autor do ilícito (sanção) no consequente.”
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011.
p. 868 121 De SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 38
86
Institucionalizada por serem as sanções introduzidas no sistema pelas mesmas fontes de
produção das normas primárias” 122
Com visto anteriormente, o conceito de norma secundária é bastante amplo e
pode englobar toda espécie de providência Estatal no sentido de exercer a sanção.
Um grande desafio é dispor sobre a norma secundária e se imiscuir na
problemática dos diversos planos linguísticos ao modo como fazemos no
constructivismo lógico-semântico.
Ou seja, adentrar nas minúcias dos casos de máxima concretude.
Considerando que a norma secundária seria tanto a potencialidade de
exercício do direito de ação ou como o provimento favorável de uma sentença judicial.
Paulo de Barros Carvalho exprime: “A norma primária estabelece relação
jurídica de direito material (substantivo); a norma secundária, relação jurídica de direito
formal (adjetivo ou processual)” 123
Essas discussões, assim como afirmar que a norma secundária é a processual
representam avançar sobre as notas delineadoras elaboradas por Hans Kelsen. O autor
não se preocupou com as minúcias, seus conceitos não se restringem aos comandos de
um estado democrático de direito, com processo, etc. Pelo contrário, ao trabalhar o
conceito de norma secundária Kelsen aponta que ela está presente em qualquer sistema
normativo, seja o da tribo africana, o sistema do common law, até o ordenamento
brasileiro. Seu espectro de estudo tem amplitude muito maior.
Kelsen sacramenta ainda que o termo ou a proposição de que “a coerção é
um elemento essencial do Direito” costuma ser interpretada falsamente, de modo que a
eficiência da sanção jurídica seja vista como parte do conceito de Direito. E explica, é
comum escutar que a sanção é eficiente se os indivíduos se sujeitam à lei – a fim de
122 BOBBIO, Norberto. Teoria General del Derecho. Ed. Temis, Santa Fé de Bogotá, Columbia, 1992.
p.110 123 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 850
87
evitar o mal da sanção – se comportam “legalmente”, ou se a sanção é executada no
caso de sua condição, o delito, ter sido concretizada. No entanto, apenas para o caso
quando um indivíduo não se comporta legalmente, quando ele “viola” a regra jurídica,
ou seja, a sanção a ser executada pelo órgão é prevista apenas para os casos concretos
em que a conduta que a ordem jurídica tenta obter não foi cumprida.
O termo “sujeito” é utilizado por Kelsen para indicar o indivíduo que
obedece ou não à lei e o termo “orgão” para denotar o indivíduo que executa a sanção e
que, por fazê-lo, aplica a lei. No entanto, Kelsen aponta que os que falam em execução
forçosa da lei costumam ter em mente não a medida coercitiva que o órgão efetivamente
executa, mas ao medo, à compulsão psíquica resultante da idéia que os homens estão
submetidos a uma ordem jurídica. Porém, no que tange à compulsão psíquica o Direito
não difere das normas morais ou religiosas. Porque as normas morais e religiosas
também são coercitivas na medida em que nossas idéias a seu respeito fazem com que
nos comportemos de acordo com elas. 124
A motivação das condutas lícitas são influenciadas por inúmeros fatores e
carecem de investigação sociológica e política mais profunda. No entanto, o medo das
sanções legais não é o único fator, questões de ordem religiosa e moral influenciam,
mas essa dimensão – o pensamento humano – não conseguimos atingir.
Charles William Mcnaughton entende que as penas criminais dos artigos 1º
e 2º e da Lei n. 8.137/90 revelam normas secundárias:
Em termos criminais, há pena restritiva de liberdade para
crimes tipificados contra a ordem tributária. Nesse panorama, a
evasão é tipificada como sonegação nos artigos 1º e 2º e da Lei
n. 8.137/90. Indico que tais penas criminais revelam normas
secundárias, direcionadas ao Poder Judiciário, eis que pelo
teor do artigo 5'1, inciso LIV da Constituição da República,
ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o
124 HANS, Kelsen. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 32-33
88
devido processo legal e, nos termos do inciso LVII do mesmo
dispositivo, ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado da sentença penal condenatória.125
Seriam exemplos de normas secundárias também a Lei de Execuções
Fiscais nº 6.830/80, o Código de Processo Civil em caráter supletivo.
2.6. Penalidades pecuniárias ou multas fiscais
No que tange à natureza das penalidades pecuniárias ou multas fiscais, estas
são sanções em sentido mais abrangente. Visam a desestimular o comportamento
infrator. Paulo de Barros Carvalho aduz:
“No caso das penalidades pecuniárias ou multas fiscais, o
liame também é de natureza obrigacional. Uma vez que tem
substrato econômico, denomina-se relação jurídica
sancionatória e o pagamento da quantia estabelecida é
promovido a título de sanção. Tratando-se de outro tipo de
sanção, que não seja multa ou penalidade pecuniária, a
relação não se altera na sua estrutura básica, modificando-se
apenas o objetivo da prestação, que será um fazer ou não
fazer. Perde o nome de vínculo de cunho obrigacional, mas
continua sendo uma relação jurídica sancionatória. Nestes
casos, contudo, não se trata da sanção compreendida em seu
significado de base, ou seja: em que se faz presente o Estado-
Juiz.” 126
125 MCNAUGHTON, Charles William. Elisão e Norma Antielisiva Completabilidade e Sistema
Tributáio. Editora Noeses, São Paulo, 2014. p. 385 126 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 852
89
Como visto, as infrações tributárias, são todas as posturas desrespeitosas em
relação à disposição legal, ou seja, o ilícito pode decorrer do descumprimento do dever
de pagar tributo ou por não cumprir com os deveres instrumentais.
Como será visto adiante, a mesma hipótese de incidência que prevê em sua
descrição fática o descumprimento do dever de pagar o tributo, pode ser antecedente da
norma primária sancionadora, a multa, mas também pode configurar caso de crime
contra a ordem tributária. Neste caso, alguns cuidados devem ser tomados. Sobre o
tema, Paulo de Barros Carvalho esclarece: “Para o direito penal tem de haver a
materialidade do evento, contrária aos desígnios da ordem jurídica (antijuridicidade),
e, além disso, a culpabilidade, isto é, a imputação do resultado delituoso à participação
volitiva do agente. Sem dolo ou culpa, numa de suas gradações, não é punível a
conduta que ocasionou o acontecimento antijurídico. Nos domínios do direito
tributário, a linha diretriz não é bem essa, penetrando outra sorte de indagações.” 127
A infração ou o ilícito tributário possuem natureza completamente distinta
em relação àqueles "crimes fiscais" previstos em leis penais.
Sendo assim, conceitua-se crime como sendo uma ação típica e antijurídica.
Logo, para que exista o crime, basta que ocorra um fato típico e antijurídico, mas, para a
aplicação da pena, é necessário que o fato, além de típico e antijurídico, seja também
culpável, reprovável, conforme ensinamentos de Damásio128 e Mirabete129.
Assim como a palavra “fato gerador” é ambígua, o termo infrações
tributárias também refere-se ao mesmo tempo ao evento e à hipótese que prevê a
conduta ilícita, descumpridora da relação tributária.
É comum a divisão entre infrações tributárias objetivas e subjetivas. Nestas
interessa a participação volitiva do sujeito, naquelas a punição independe da intenção do
agente. Nessa toada, Paulo de Barros Carvalho pontua que nas infrações subjetivas a
127 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 853 128 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte geral. 31. ed. São Paulo: Saraiva. 2010. Vol. 1 129 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal. São Paulo: Atlas, 26. Ed 2010. Vol. I
90
presença de dolo ou culpa é requisito, “sendo assim, ao compor em linguagem o fato
ilícito, além de referir os traços concretos que perfazem o resultado, os funcionários da
Administração terão que indicar o nexus entre a conduta do infrator e o efeito que
provocou, ressaltando o elemento volitivo (dolo ou culpa, conforme o caso), justamente
porque integram o vulto típico da infração.”130
Feitas esssas considerações, cumpre observar a mutação semântica que
permeiam esses termos do discurso. Assim, restringindo e delineando os conceitos
trabalhados, as infrações seriam os antecedentes normativos, por sua vez, estudar as
sanções significa focar o consequente normativo.
2.7 Distinção entre tributo e sanção
Além das muitas variações de significação, a sanção tributária pode ser
analisada nos planos sintático, semântico e pragmático. Por outro lado, cumpre
diferençar tributo e sanção, uma vez que a depender de sua natureza a norma submeter-
se-á a regime específico.
Consoante definição do artigo 3º do CTN, “tributo é toda prestação
pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não
constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade
administrativa plenamente vinculada.”
Cumpre destacar que estamos diante de uma definição estipulativa, ou seja,
no art. 3º do CTN o legislador, a pretexto de definir, estabelece que uma exação com as
mencionadas características deverá submeter-se ao sistema tributário. A linguagem do
direito positivo é sempre prescritiva. Ressalve-se que o modo descritivo ou prescritivo
da linguagem não são puros, em cada caso encontraremos determinada preponderância.
130 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 855-856
91
Por sua vez, ao analisarmos a regra sancionatória, temos que seu
antecedente descreve fato ilícito qualificado pelo descumprimento de um dever
estipulado no consequente da regra-matriz de incidência, essa conduta recebe o nome de
“ilícito” ou “infração tributária”.
No estabelecimento de multas, assim como nas relações tributárias, o ente
tributante se sujeita à legalidade. Determinar o regime jurídico é de suma relevância,
nas sanções o antecedente é um fato ilícito, não se sujeitanto a determinados princípios
como o da anterioridade ou da noventena, mas permite a retroatividade da lei mais
benéfica.
No que tange às multas fiscais, trata-se de liame de natureza obrigacional, e
o pagamento da quantia estabelecida é promovido a título de sanção em sentido amplo.
Assim, o ilícito tributário pode advir do não pagamento da importância
pecuniária, ou do não cumprimento dos deveres instrumentais ou formais. A infração
tributária é definida pelo professor Paulo de Barros Carvalho como sendo: “toda ação
ou omissão que, direta ou indiretamente, represente o descumprimento dos deveres
jurídicos estatuídos em leis fiscais.”
No entendimento de Hugo de Brito Machado, o ilícito administrativo
tributário é todo comportamento que implica inobservância de alguma norma tributária.
Desta inobservância resulta o inadimplemento de obrigação tributária, seja ela principal
ou acessória. Por sua vez, caso o comportamento violador esteja definido em preceito da
lei penal, será revestido de características não de meras infrações ou ilícitos tributários,
mas de crime fiscal, devendo haver antijuridicidade, culpabilidade do agente e todos os
requisitos necessários à imputação penal.
O ilícito fiscal é objeto de minuciosa e rigorosa legislação, já que, através
dele, os infratores se sujeitam à multa e às sanções de caráter administrativo. Desta
forma, não há que se confundir com o ilícito penal, pois este só ocorre quando,
ultrapassando o campo civil, o agente pratica com dolo, além da infração administrativa,
fato previsto como crime, que a partir daí se torna, também, incurso nas sanções penais.
92
Além disso, imperioso se faz debater que a pena prisional, presente nas
normas penais, é revestida de cautelas, tendo em vista a proteção da liberdade humana,
sendo, inclusive, assegurado pela Constituição Federal o direito ao silêncio e ao acusado
não produzir provas contra si, o que contraria a exigência de informações indispensáveis à
plenitude da fiscalização tributária.
Com efeito, a intervenção do direito penal só deve ocorrer nos casos em que
os demais ramos do direito se revelarem insuficientes ou ineficazes em sua intervenção
punitiva.
Sob o ponto de vista sintático a sanção tem a mesma estrutura lógica da
regra-matriz. No plano semântico o seu estudo deve ser tratado com cautela, apesar de
ser problema inerente à linguagem, o tipo deve ser preciso e fechado, procurando
termos que diminuam as margens da ambiguidade e vagueza.
A análise pragmática e o uso pelos jurisdicionados é muito rica, a sanção e a
forma pela qual é exercida é responsável por dar o timbre de juridicidade ao Direito, os
utentes da linguagem temem a sanção e alteram suas condutas sociais em decorrência
dela, a sua incidência é semelhante, mas a produção da linguagem que constitui a
sanção em certos casos merece maior esforço probatório, como nas infrações subjetivas.
93
CAPÍTULO III
Incidência da Norma Jurídica
3.1 Causalidade jurídica: o mundo do ser e do dever-ser
Conforme os estudos avançam resta evidenciado a distinção muito bem
exposta por Lourival Vilanova entre a região do dever-ser – Ordenamento Jurídico – e o
domínio do ser, o mundo fenomênico. No Direito as proposições implicante e
implicada, hipótese e consequência, são estabelecidas por um ato de autoridade. Todos
os fatos jurídicos são construções de linguagens, portanto, nessa perspectiva
metalinguagem em relação ao evento. Dai decorre sua afirmação “O fato torna-se fato
jurídico porque ingressa no universo do direito através da porta aberta que é a
hipótese.”131
No mesmo sentido Pontes de Miranda adverte: “Temos, porém, no trato do
direito, de discernir o mundo jurídico e o que, no mundo, não é mundo jurídico. Por
falta de atenção aos dois mundos muitos erros se cometem e, o que é mais grave, se
priva a inteligência humana de entender, intuir e dominar o direito.”132
Como salientamos anteriormente, no Direito Tributário, os aplicadores
comumente adotam critérios econômicos, ou alegam motivos como a facilitação da
arrecadação, entre outros atributos extrajurídicos. Alfredo Augusto Becker, é categórico
ao combater tal posicionamento:
“Interpretação segundo a realidade econômica. Esta idolatria
mística ao fato, por grande parte da doutrina do Direito
Tributário, lhe tem causado larga, profunda e nefastíssima
repercussão, agravando o ambiente de manicômio jurídico
tributário e atrasando o desenvolvimento da Ciência Jurídica
131 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Noeses, 2005. 132 MIRANDA, Pontes de. TRATADO DE DIREITO PRIVADO-TOMO I -PARTE GERAL
94
Tributária.” (...) “A estrutura de fato parece absorver ou
anestesiar a eficácia jurídica em prejuízo da estrutura jurídica.
Grande parte da doutrina jurídica assiste impassível ou até
coopera ativamente para esta inversão irracional da
fenomenologia jurídica: o fato subjugando, esquecendo-se que o
jurídico existe justamente para dominar o fato.” (...) “Todo o
esforço construtivo do jurista consiste precisamente em,
deformando os fatos, criar um instrumento de ação social
praticável com a qual o Estado agirá, disciplinando e
conduzindo fatos sociais. Querer, no momento da interpretação
da lei, liberar o fato econômico ou social da constrição jurídica,
que o transfigura, importa em destruir a praticabilidade e a
utilidade do Direito”.133
Com efeito, o mesmo evento do mundo pode importar ao mesmo tempo ao
jurista, ao contador, ao sociólogo, ao economista, etc.134 Mas essa conversação deve se
dar apenas quando o próprio ordenamento prevê, caso contrário é sim questão
extrajurídica.
Ressalvando as divergências sobre a fenomenologia da incidência, mais
uma vez, Pontes de Miranda ressalta: “Os fatos do mundo ou interessam ao direito, ou
não interessam. Se interessam, entram no subconjunto do mundo a que se chama mundo
jurídico e se tornam fatos jurídicos, pela incidência das regras jurídicas, que assim os
assinalam. Alguns entram duas ou mais vezes, de modo que a um fato do mundo
correspondem dois ou mais fatos jurídicos. A razão disso está em que o fato do mundo
continua lá, com a sua determinação no espaço e no tempo, a despeito da sua entrada ou
133 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 5ª ed., São Paulo: Noeses, 2010. p.98
e 100 134 Nesse sentido cumpre destacar crítica de Lourival Vilanova, que aponta: outra via para desnaturar o
direito foi a que tomou o positivismo sociológico (adotado por Pontes de Miranda). O direito é fato social,
certo. Não os textos, nem em seu teor literal, nem em sua finalidade inicial, motivadora do legislador,
pois a situações sociais mudam. Nem a atividade judicial se consome em aplicação mecânica, acrítica,
valorativamente neutra, pois o juiz está existencialmente vinculado. Certíssimo. Mas daí a subsistir a
ciência, que fundamenta operativamente a atividade jurisdicional, pela sociologia ou transferir o trabalho
de criar regras de direito aos cientistas sociais, vai grande distancia. VILANOVA, Lourival. Escritos
jurídicos e filosóficos. Editora AXIS MVNDI, 2003. p.362
95
das suas entradas no mundo jurídico: a morte de A abre a sucessão de A, dissolve a
comunhão de bens entre A e B, dissolve a sociedade A Companhia, exclui a A na lista
de sócios do Jockey Club e de professor do Instituto de Biologia ou de membro do
corpo diplomático.”135
Por isso não se pode olvidar lição de Lourival Vilanova136 ao exprimir ser
imprescindível a generalização na regra para distribuir as ocorrências em uns quantos
tipos. Sem essa tipificação de fatos e condutas, seria impossível dominar ou ordenar a
existência social.
3.1.1. Distinção Entre Evento e Fato
A professora Aurora Tomazini137 é clara ao explicar que para um enunciado
factual ingressar no ordenamento jurídico, é necessário seu relatado em código próprio,
de acordo com as regras por ele prescritas e é por meio das provas que o evento é
atestado e que os fatos jurídicos são constituídos e mantidos no sistema. Sendo o fato
que se deseja provar (fato alegado) o objeto dinâmico da prova, que se constitui como
objeto imediato ao representa-lo parcialmente.
A diferença entre “evento”, acontecimento experimental, “fato”, enunciado
linguístico sobre determinado evento, e “fato jurídico”, enunciado linguístico
pertencente ao direito positivo, resta patente.
Os três termos referidos manifestam-se na diferença entre os enunciados da
norma jurídica geral e abstrata e norma jurídica individual e concreta, justamente no
grau de determinação. Enquanto na norma geral e abstrata se projeta para o futuro
desenhando a conotação do evento, na norma individual e concreta suas referencias
voltam-se para denotar evento passado.
135 MIRANDA, Pontes de. TRATADO DE DIREITO PRIVADO-TOMO I -PARTE GERAL 136 VILANOVA, Lourival. Escritos jurídicos e filosóficos. Editora AXIS MVNDI, 2003. p.361 137 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p.
412
96
Nessa linha, Fabiana Del Padre Tomé138 diferencia a expressão “fato
jurídico” em sentido amplo e em sentido estrito. Este é o enunciado factual protocolar,
denotativo, posto na posição sintática de antecedente de uma norma individual e
concreta; aquele é qualquer enunciado jurídico que relate a ocorrência de um evento e
que produza efeitos na ordem jurídica, mas não necessariamente instituindo direito e
deveres correlatos individualizados.
Assim, se nas normas gerais e abstratas encontraremos a hipótese de
incidência tributária, nas normas individuais e concretas achamos o fato jurídico
tributário, este responsável por relatar linguisticamente o evento tributário, ele é fato
jurídico por desencadear efeitos na ordem jurídica, e é tributário por estar ligado à
instituição de tributos.
A linguagem do direito está inserida na complexa realidade social. Com
efeito, é preciso ter a consciência de que jamais em qualquer área o homem conseguirá
tomar o real em sua completude, assim, dentro dessa multiplicidade a linguagem
jurídica elege facetas, recorta características do evento. Nesse sentido, Paulo de Barros
Carvalho leciona: Em substância, recorta o legislador eventos da vida real e lhes imputa
a força de, relatados em linguagem competente, suscitar os comportamentos que
entende valiosos.139
O mesmo evento, como uma fusão de empresas, pode importar ao jurista,
como também pode envolver o contabilista, o economista, entre outros. No entanto,
cada área deve preservar seu campo de atuação. A depender do corte, o contador
construirá o fato contábil, o economista o fato econômico e o jurista o fato jurídico, não
há, pois, fato puro, todos eles são representações do evento, construções linguísticas.
A ausência dessa consideração leva muitos aplicadores a misturar os
conceitos, as linguagens, provocando uma verdadeira destruição do Direito, libertando
os limites dos domínios do que está dentro ou fora do mundo jurídico. Um tema que
enseja problemas dessa ordem no nosso campo investigativo é o planejamento
138 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2008. 139 CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª edição. Editora Saraiva, 2011. p. 316
97
tributário, sua descaracterização é corriqueira, sob a alegação pelo Fisco da ocorrência
de fraude, simulação ou abuso de forma, bem como ausência do “proposito negocial”.
Dai porque insistimos em afirmar: o direito constrói sua própria realidade.
Não é despiciendo repisar que o para construção do juízo normativo, ou da
norma em sentido estrito terá o jurista que buscar em diversos excertos de leis, com
variadas incursões até alcançar uma visão sistemática da norma, está ultrapassada a
ideia de literalidade. Quando falar-se em sentido literal, como, por exemplo, no art. 111,
do Código Tributário Nacional, o sentido não será extraído ou será alcançada a
verdadeira intenção do legislador. O sentido literal deve ser visto como a acepção de
base das palavras, isto é, aquilo que não se encontra na zona de penumbra, considerando
que os utentes compartilham do mesmo idioma ou de um universo cultural
assemelhado, nesse sentido, a literalidade resume-se ao sentido mais utilizado daquela
palavra.
Em seguida, ao investigar a fenomenologia da incidência normativa, o uso
da regra-matriz é uma das mais valiosas formas de se estudar o direito. O legislador, ao
produzir a norma geral e abstrata, delimita o campo de extensão da hipótese,
demarcando fatos que se projetam sobre a linguagem da realidade social. Por outro lado,
no consequente, o legislador define atributos pressupostos da relação jurídica.
Paulo de Barros Carvalho140, leciona: a passagem da norma abstrata para a
norma concreta, processo mediante o qual se dá a incidência daquela norma,
exatamente, nessa redução à unidade: de classes com notas que se aplicariam a infinitos
indivíduos, nos critérios da hipótese, chegamos a classes com notas que correspondem a
um e somente um elemento.
Um estudo mais atilado do fenômeno jurídico deve se preocupar em
observar como se dá a comunicação quando da subsunção do fato à norma, sendo a
teoria da comunicação ferramenta essencial para o aprofundamento da análise da
140 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed.
Saraiva, São Paulo, 2010.
98
incidência da norma jurídica, permitindo uma pesquisa da anatomia do sistema
comunicacional, seccionando-o141. Para estabelecer sua função comunicacional, a língua
pressupõe a aquiescência dos membros da comunidade, devendo ser resistente a
alterações pontuais. É fundamental compreender como, por meio de atos de fala, o ser
humano é capaz de construir mensagens de modo tão sofisticado e complexo. Ao tomar
o Direito como sistema comunicacional, observa-se quem está apto a proferir os atos de
fala, o legislador, o julgador ou o particular.
No decorrer da pesquisa, utiliza-se a classificação e as subdivisões de
acordo com cada finalidade. Cabe, por hora, apenas mencionar que as regras do direito
possuem finalidade ilocucionária assertiva e diretiva.142
3.1.2. Níveis sintático, semântico e pragmático
Essas considerações serão de enorme utilidade nos estudos seguintes.
Conforme distinção feita anteriormente entre os níveis sintático, semântico e
pragmático, é chegada a hora de compreender porque diz-se que o Direito é fechado
sintaticamente, mas aberto em termos semânticos, ou seja, qual a razão da
homogeneidade sintática, e da heterogeneidade semântica e pragmática.
Nessa toada, Aurora Tomazini de Carvalho explica ser o “enunciado a
expressão linguística, produto da atividade pscicofísica de enunciação, são sentenças
(frases) formadas pelo conjunto de fonemas e grafemas devidamente estruturados que
tem por finalidade transmitir um conteúdo completo, num contexto comunicacional.” 143
141 Roman Jakobson separa tal processo em seis componentes: remetente, mensagem, destinatário,
contexto, código e contato. In: CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método.
4. ed. São Paulo: Noeses, 2011. p. 166 142 John L. Austin, precursor da teoria, classifica os atos de fala em: locucionários, ilocucionários e
perlocucionários. John R. Searle, subdivide em cinco espécies, de acordo com a finalidade do ato de fala:
assertivos, diretivos, compromissivos, expressivos e declarativos. Seguiremos o professor Tarek Moyssés
Moussallem que trabalha bastante com essa teoria, assim como o professor Cristiano Carvalho. 143 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p.
181
99
O conjunto desses enunciados é o documento normativo. Por sua vez, nos
dizeres da autora “a proposição é tomada como conteúdo do enunciado, o sentido que
lhe é atribuído, ou seja, aquilo que construímos em nossa mente quando interpretamos”
144, é um conceito, ideia ou significado.
Para investigar o plano sintático utilizamos o domínio da Lógica, este é tão-
só o das significações e suas possibilidades combinatórias, sem estender a ponte para
objetos especificados. Para chegar-se, pois, à proposição como tal, é preciso ir-se ao
tema com o tipo de experiência que Husserl denominou abstração (lógica), ou reflexão
lógica. Paulo de Barros Carvalho explica que: a simbolização da linguagem se apresenta
como um passo decisivo. A lógica tem a função de eliminar os problemas que
perturbam o fenômeno comunicacional, tal como a ambiguidade, imprimindo rigidez e
determinação às mensagens, bem como para outorgar presteza e agilidade à
combinatória entre as formas lógicas dos diversos sistemas. Assim, sua função é a de
auxiliar o jurista na sua atuação, com objetivo de melhorar o seu nível técnico na
aplicação do direito, como, por exemplo, identificando falhas lógicas e contradições no
discurso argumentativo.
Partindo do estudo lógico do Direito, Lourival Vilanova145 bem explica:
Formalizar não é conferir forma aos dados, inserindo os dados da linguagem num certo
esquema de ordem. É destacar, considerar à parte, abstrair a forma lógica que está,
como dado, revestida na linguagem natural, como linguagem de um sujeito emissor para
um sujeito destinatário, com o fim de informar notícias sobre os objetos. E destaco, por
abstração lógica, a forma, desembaraçando-me da matéria que tal forma cobre. A
matéria reside nos conceitos especificados, nas significações determinadas.
Com efeito, a norma jurídica encontra-se estruturada naquele juízo
hipotético-condicional, a fórmula da causalidade jurídica. Neste esquema, há implicação
pelo conectivo condicional, atrelando um antencedente a um consequente. O
144 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p.
181 145 VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo: Max
Limonad, 1997. p. 20
100
condicional é assim simbolizado “p → q” (se p então q), para o estudo das fórmulas
lógicas do direito este conectivo é de suma relevância, pois nele se funda a estrutura da
norma jurídica. Por esse modelo – hipótese e consequência – desenvolve-se todo o
estudo da norma jurídica, inclusive a regra-matriz de incidência tributária.
3.2 Hermenêutica
Adentrando no estudo da norma, faz-se oportuno abrir um parêntese para
discorrer sobre a Hermenêutica. Como evidenciado nos primeiros capítulos que
abordam o constructivismo lógico-semântico, alteram-se as formas comuns,
ontológicas, de percepção e compreensão da realidade, o que influi diretamente na
investigação do processo interpretativo. Antes, interpretar era extrair o sentido da frase
ou do texto, retirando seu conteúdo.146
Luís Roberto Barroso distingue dispositivo, enunciado normativo e norma,
ao trabalhar a interpretação constitucional explica os elementos tradicionais de
interpretação jurídica baseados nas lições de Savigny responsável por separar os
componentes gramatical, histórico e sistemático na atribuição de sentido aos textos
normativos, com a posterior adição do método teleológico de interpretação.
No entanto, Luís Roberto Barroso147 adverte que longe de excluírem-se
mutuamente, eles devem ser combinados, firme nos ensinamentos de Winfred Brugger
dispõe: “a interpretação, portanto, deve levar em conta o texto da norma (interpretação
gramatical), sua conexão com outras normas (interpretação sistemática), sua finalidade
146 Carlos Maximiliano, a muito prelecionava: “o executor extrai da norma tudo o que na mesma contém:
é o que se chama interpretar, isto é, determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito.”
HERMENEUTICA E APLICAÇÃO DO DIREITO, ed. Forense, Rio de Janeiro, 1998, p. 1 No entanto,
ele como especialista no assunto, ponderava que “não basta conhecer as regras aplicáveis para determinar
o sentido e o alcance dos textos. Parece necessário reuni-las e, num todo harmônico, oferece-las ao
estudo, em um encadeamento lógico.”p.5 147 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2ª ed. 2ª tiragem, São
Paulo, 2011. p.291-292
101
(interpretação teleológica) e aspectos do seu processo de criação (interpretação
histórica)”.
Tradicionalmente faz-se menção, por exemplo, à interpretação extensiva,
restritiva, declarativa, ao sentido literal ou explícito, no primeiro caso a interpretação
realizada vai além do que a lei ou o texto normativo determina, no segundo, um sentido
que sugere o óbvio ou aquele em que não pairam dúvidas. Contudo ao proferir tais
assertivas se está aceitando que haveria um sentido implícito e um sentido explícito no
texto normativo e que cabe ao intérprete realizar a extração desse sentido através da
interpretação, compreensão com a qual não compactuamos. No que tange ao “sentido
literal” também fazemos ressalvas, o sentido das palavras é atribuído pelo intérprete,
sempre. Por mais que possa parecer: não há sentido explícito, ou seja, sempre haverá
interpretação, portanto, o sentido é sempre implícito.
No entanto, o que justificaria a confluência de pensamentos sobre
determinado dispositivo? Tal assertiva é explicada pelo contexto que exerce grande
influência na valoração significativa. Em verdade, o que há é uma similitude de
contexto e do mundo cultural daqueles intérpretes (espaço, tempo, língua, costumes,
etc.).
3.2.1 O problema da interpretação literal
Não há que se falar em “interpretação literal”, vez que as palavras não
possuem conteúdo em si. Os vocábulos são símbolos, arbitrariamente convencionados,
para serem associados a outros símbolos. Por estarmos inseridos numa dada
comunidade, compartilhamos de uma cultura similar, vivenciamos a mesma língua, o
contexto nesse sentido pode ser visto como limitador para qualquer tentativa de
alteração pontual na língua.
102
Do mesmo modo, no Direito, uma definição jurídica é relação entre
palavras, não há limites ontológicos, mas para que haja comunicação, a estipulação de
conceitos não pode ser pontual. A criação de um termo depende da aquiescência pela
comunidade, essa aceitação é influenciada por diversos aspectos, tais como, quem está
enunciando, se é um argumento de autoridade, etc.
No entanto, a comunidade jurídica brasileira não se apega a um modelo e o
segue com afinco e coerência. Dai a crítica de Lenio Luiz Strek à postura que denomina
crise de paradigma (de dupla face), citando Warat, preleciona:
“Ideologicamente, essa (dupla) crise de paradigma se sustenta
em um emaranhado de crenças, fetiches, valores e justificativas
por meio de disciplinas específicas, denomindado por Warat de
sentido comum teórico dos juristas, que são legitimadas
mediante discursos produzidos pelo órgãos institucionais, tais
como os parlamentos, os tribunais, as escolas de direito, as
associações profissionais e a administração pública. Tal
conceito traduz um complexo de saberes acumulados,
apresentados pelas práticas jurídicas institucionais,
expressando, destarte, um conjunto de representações
funcionais provenientes de conhecimentos morais, teológicos,
metafísicos, estéticos, políticos, tecnológicos, científicos,
epistemológicos, profissionais e familiares, que os juristas
aceitam em suas atividades por intermédio da dogmática
jurídica.” 148
Assim, com o movimento denominado giro-linguístico de forte sustentação
nas lições de Wittgenstein, a ideia de que as coisas tem significado ontológico e as
palavras possuíam um conteúdo próprio não faz mais sentido. Dessa forma, a mudança
de paradigma e a reviravolta linguística, com a linguagem criando o objeto, o conteúdo
148 WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito I. Porto Alegre, Fabris, 1994, p.57. Citado por:
STREK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. 7ª ed., Livraria do Advogado, Porto Alegre,
2007, p.67
103
do texto é algo construído pelo intérprete condicionado às suas tradições culturais. A
interpretação, nessa perspectiva, é um ato de valoração do intérprete. Como exprime o
professor Lourival Vilanova, em seu “O Universo das Fórmulas Lógicas”:
“interpretar é atribuir valores aos símbolos, isto é, adjudicar-
lhes significações e, por meio dessas, referências a objetos” 149
Partindo dessas premissas, utiliza-se a definição de norma jurídica150 como
significação que se obtém a partir dos textos do direito positivo. Tudo consoante
metodologia antecipadamente eleita, evitando o frequente sincretismo metodológico
presente em grande parte da doutrina.
3.3. O Percurso Gerador de Sentido e os Planos S1, S2, S3 e S4
É interessante investigar o esquema que Paulo de Barros Carvalho151 adota
para separar os subsistemas de manifestação do direito e a estrutura da norma jurídica,
tudo de acordo com os conceitos acima mencionados. Assim, o intérprete partindo da
leitura dos enunciados prescritivos S1, articula as significações (proposições) S2 e
compõe a norma jurídica S3, também denominada “expressão irredutível de
manifestação do deôntico” (juízo hipotético-condicional), depois surge S4 o plano das
significações normativas sistematicamente consideradas.
Ou seja, ao examinar a incidência de normas jurídicas e o processos de
produção normativa é de suma relevância repisar o esquema que Paulo de Barros
Carvalho152 adota para separar os subsistemas de manifestação do direito positivo e a
149 Citado por: CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo:
Noeses, 2010. p. 223 150 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo, Saraiva, 2011. p.40 151 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed.
Saraiva, São Paulo, 2010. 152 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed.
Saraiva, São Paulo, 2010.
104
estrutura da norma jurídica. De acordo com os conceitos mencionados anteriormente, o
intérprete partindo da leitura dos enunciados prescritivos (S1), articula as significações
ou proposições (S2) e compõe a norma jurídica (S3), também denominada “expressão
irredutível de manifestação do deôntico” (juízo hipotético-condicional), depois surge
(S4) o plano das significações normativas sistematicamente consideradas.
Assim, para que se possa falar em norma jurídica é preciso que hajam
enunciados válidos no direito positivo que ao serem interpretados produzam na mente
do intérprete o juízo hipotético-condicional direcionado à regulação de condutas
humanas (dado o fato f, deve ser a relação R).
Eurico de Santi reforça a afirmação de que a validade pode ser atribuída a
todos os planos de manifestação do Direito (S1, S2, S3 e S4). É possível falar em
validade do texto, validade do sentido ou da significação e validade das normas
jurídicas. Tárek Moussalem explica:
“A validade do enunciado prescritivo é condição suficiente e
necessária para a validade das proposições isoladas e das
normas jurídicas. Pode haver validade do enunciado sem que
haja validade das proposições isoladas e das normas jurídicas,
mas não pode haver validade destas ultimas sem a validade do
primeiro.” 153
Paulo de Barros Carvalho154 é claro ao explicar que se por um lado o
processo de interpretação não tem limites, por outro, o ato de interpretar está
aprisionado a dois axiomas, quais sejam: a intertextualidade e a inesgotabilidade. O
primeiro corresponde à intensa conversação que os textos mantêm entre si, o segundo o
de que a interpretação é infinita, não possuindo restrição no campo semântico.
153 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. A revogação em matéria tributária. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2011.
p.144 154 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 196
105
Dito isto, não há diferença entre a interpretação feita pelo cientista do
Direito e a interpretação realizada pelo aplicador do direito. Ambas ocorrem do mesmo
modo, com a construção da norma jurídica pelo intérprete. O que existem são os
sentidos válidos, que Kelsen chamou de “interpretação autentica”, positivados pelos
aplicadores do direito, por exemplo, quando os tribunais e juízes produzem ou
enunciam uma norma individual e concreta.
Aurora Tomazini155 explica que sob esta perspectiva, não existem
interpretações jurídicas certas ou erradas, pois “certo/errado” não passa de mais uma
valoração e a quem competiria dizê-lo? Podemos falar em interpretações mais aceitas,
menos aceitas, justificadas, não justificadas, positivadas e não positivadas.
Apesar de termos a expectativa da certeza e da segurança, da existência de
uma única significação correta, isso é um mito, não há um único método hermenêutico a
indicar o sentido adequado.
O conceito de um vocábulo não depende da relação com a coisa, mas da
relação entre palavras. Aurora Tomazini156 expõe o conceito enquanto conotação, onde
ele cria uma classe de uso da palavra (x) e com ela a classe do seu não uso (-x),
denominada seu contraconceito. Todo conceito, desse modo, tem função seletiva, a
linguagem não reproduz o empírico, é impossível quando trabalha-se no plano das
ideias (conteúdos de consciência). Mais adiante ensina: “definir é pôr em palavras o
conceito” 157 . Definir é demarcar, é explicar o conceito, pô-lo em palavras, apontado a
forma e o uso. Conceituar representa algo universal, é descrever características. Por sua
vez, definir é por limites, é delimitar.
Paulo de Barros Carvalho exprime: “definir é operação lógica demarcatória
dos limites, das fronteiras, dos lindes que isolam o campo de irradiação semântica de
155 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p.
232 156 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p.
56 157 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p.
59
106
uma ideia, noção ou conceito. Com a definição, outorgamos à ideia sua identidade, que
há de ser respeitada do inicio ao fim do discurso.”158
Conceituar ou definir são atividades intrínsecas ao cientista do Direito, sua
linguagem é descritiva. Não existem “conceitos jurídicos indeterminados” e “conceitos
jurídicos determinados”, o que há é a ideia que cada um tem do termo, por vezes alguns
suscitam maiores discussões, sua zona de penumbra é maior.
O que prevalece para dotar o sistema de certa segurança e certeza é a
decisão judicial transitada em julgado, que visa a instituir a interpretação que terá
validade (em alguns casos relativizada ou combatida com o ajuizamento de ação
rescisória). A origem do sentido fruto da interpretação que convenceu e motivou a
decisão do juiz é por demais complexa, e depende de inúmeras variantes, seja por sua
justificação, retórica, valores, interesses. Posto isso, não significa que aquele é o sentido
mais certo, é apenas o válido, ou seja, caso haja conflito de interesses o sentido
produzido pelo judiciário é o que prevalece, vez que possuidor do poder de “dizer” o
direito. Dai poderíamos pensar em uma “autoridade da coisa interpretada” assim como
na “autoridade da coisa julgada”.
Problemas comuns a quase todos os termos da linguagem são a ambiguidade
e a vaguidade. Sem dúvidas que isto acarreta em alguns casos incerteza e insegurança
jurídica. Para solucionar tais problemas Rudolf Carnap sugeriu filtrarmos os termos
numa técnica chamada “processo de elucidação”. No entanto, é impossível expurgá-los
definitivamente, nesse sentido o professor Tárek Moysés Moussalem afirma:
“funciona da seguinte forma: já que não conseguimos vencer
nosso inimigo (ambiguidade, vaguidade e carga emotiva),
procuramos conviver com ele pacificamente, caso contrário,
158 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008.
107
viver (em um mundo linguístico), habitar uma linguagem,
tornar-se-ia, insuportável.”159
Com efeito, a súmula vinculante, por exemplo, é uma tentativa de
solucionar divergências interpretativas por meio da positivação de novo enunciado
prescritivo com aplicação vinculante. Mesmo assim, apesar de buscar elucidar alguma
controvérsia e entregar maior segurança jurídica, a própria súmula ainda será alvo de
interpretação. Assim, no mundo jurídico fica ainda mais fácil e evidente afirmar que o
Direito é linguagem, por isso Castanheira Neves160 afirma: o universo jurídico deve ser
compreendido como um universo linguístico.
Nesse sentido, nos próximos capítulos analisaremos o teor e a extensão dos
efeitos da Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal.
3.4 Utilização da Semiótica
Para bem compreender a função desempenhada pelo direito alguns
instrumentos serão empregados, tais como a teoria dos sistemas, a teoria das classes, a
teoria das relações, a análise estática da estrutura lógica das normas e a atuação
dinâmica da regra jurídica tributária, sempre abordando os planos sintático, semântico e
pragmático.
Com efeito, tomando a linguagem como instrumento do saber científico,
observa-se que, para um estudo mais acurado, o cientista carece de ferramenta apta a
filtrar as ambiguidades inerentes aos vocábulos utilizados.
159 Citado por: CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo:
Noeses, 2010. p. 64 160 CASTANHEIRA NEVEZ, Antonio. Metodologia jurídica. Problemas fundamentais. Coimbra:
Coimbra editores, 1993.
108
Com o escopo de favorecer a análise do objeto, utilizam-se recursos
semióticos161 que contribuem e agregam rigor, configurando modo bastante adequado,
para sistematizar o objeto de estudo. Assim, o direito visto sob a lente dos três planos
semióticos é melhor compreendido.
Clarice Von Oertzen exprime que seguindo pela teoria geral dos signos de
Charles Morris, baseada na semiótica de Peirce, ressaltam-se três dimensões que a
linguagem apresenta: sintática, semântica e pragmática. No plano sintático é possível
perquirir sobre a ordem que as palavras devem ser postas para que o enunciado tenha
sentido, a colocação de vocábulos aleatoriamente não dá validade sintática ao discurso e
impede que a comunicação flua. Sob o ângulo semântico da linguagem verifica-se a
correspondência entre a palavra e os objetos significados, de modo a analisar a verdade
do discurso. Já pelo prisma pragmático observa-se a relação que os signos mantêm com
o emissor e o destinatário da mensagem, também chamados de utentes da linguagem.
O filósofo americano Charles Sanders Pierce destaca o aspecto triádico da
semiótica, o signo, o objeto e o interpretante; classifica ainda os signos em: ícones,
índices e símbolos. Pierce definiu os signos se manifestando da seguinte forma:
“Um signo ou representamen, é aquilo que, sob certo aspecto ou
modo, representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é,
cria na mente dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez um
signo mais desenvolvido.” 162
Signo, portanto, é a unidade do sistema comunicacional que contém a
mensagem - conjunto estruturado de signos - a ser transmitida entre os utentes da
linguagem. Paulo de Barros Carvalho adota a terminologia husserliana de signo como
suporte físico, significação e significado.
161 ARAUJO, Clarice Von Oertzen. Incidência Jurídica – Teoria e Crítica. São Paulo: Noeses, 2011. 162 PIERCE, Charles Sanders. Semiótica. p. 45. In: ARAUJO, Clarice Von Oertzen. Incidência Jurídica –
Teoria e Crítica. São Paulo: Noeses, 2011. p. 29
109
Transpondo para o universo jurídico, tais categorias auxiliarão
substancialmente ao se estudar o fenômeno da incidência da norma e a construção dos
fatos jurídicos.
Observando por esse prisma, o direito positivo é o suporte físico ou signo.
Com a interpretação do enunciado prescritivo individualmente considerado, temos o
significado ou proposição jurídica; em seguida, formam-se as significações estruturadas
que são as normas jurídicas, ou seja, ideias, conceitos produzidos em nossa mente.
Empregar noções trazidas da semiótica enriquecem os horizontes investigativos.
A norma jurídica, em sentido estrito, ou seja, aquela significação deôntica, é
produzida na mente do intérprete. Ela é articulada entre seus elementos (semântica) e
estruturada na forma lógica do condicional (sintática), resultado do uso prescritivo da
linguagem (pragmática).
Visto sob a lente dos três planos semióticos a norma jurídica é melhor
sopesada, por exemplo, o artigo 5º, do Código Tributário Nacional: “Art. 5º Os tributos
são impostos, taxas e contribuições de melhoria.”
A análise sintática do referido enunciado se dá pelo estudo dos signos entre
si, devendo respeito às regras da gramática da língua portuguesa. Assim, investigando a
estrutura da frase constata-se que a oração está corretamente posta.
O aspecto semântico se projeta sobre a explicação dos significados dos
termos utilizados, de acordo com as acepções presentes na linguagem jurídica. Caso o
legislador crie indevidamente alguma figura incompatível com o dispositivo legal
citado, o ato de extirpar a norma pode ser fundamentado na incompatibilidade
semântica do vocábulo.
Sob o enfoque pragmático a análise é feita pela forma como o dispositivo é
utilizado, sendo infinitas as maneiras de aplicar o referido artigo.
A visão triádica será constantemente trabalhada. Analisar a Norma
Sancionatória sob os três níveis – sintático, semântico e pragmático – permite a
110
identificação de problemas que antes eram confusos e obscuros, a separação entre os
níveis torna as propostas e soluções bem mais precisas.
3.5 Fenomenologia da Incidência em Pontes de Miranda e em Paulo de Barros
Carvalho
Analisando a extensão semântica do vocábulo incidência é possível
identificar as acepções:
“Derivado de incidir, do latim incidire (cair sobre), exprime a
ação ou efeito de incluir, isto é, de cair ou ir sobre ou contra
qualquer coisa. Mostra, deste modo, o toque de uma coisa em
outra, em virtude do que esta segunda coisa, sentindo o toque
ou o efeito dele, é ferida ou atacada. ( ... ) Pela efetividade da
incidência tributária, então, é que se verifica a diversidade do
imposto, dito direto ou indireto. Quer isto dizer que, pela
efetividade ou realidade da incidência, se é direta ou indireta, é
que os impostos se distinguem nos dois aspectos. (...) Na
terminologia fiscal, a incidência quer significar o alcance ou
chegada efetiva do imposto sobre a pessoa que o deve pagar ou
contribuir com o encargo que lhe é atribuído.” 163
“INCIDIR. Do latim incidere, é aplicado na linguagem jurídica
no sentido de incorrer, acontecer, atacar. Na terminologia do
Direito Tributário é anotado, principalmente, com a
significação de suportar ou recair.” 164
163 De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico. 18ª Edição, Atualizadores: Nagib Slaibi filho e Geraldo
Magela Alves. 164 De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico. 18ª Edição, Atualizadores: Nagib Slaibi filho e Geraldo
Magela Alves.
111
Existem duas principais correntes no que se refere à explicação do
fenômeno da incidência. Pela teoria tradicional, capitaneada por Pontes de Miranda, a
incidência é automática e infalível no plano factual:
“Incidência e aplicação. Das considerações acima temos de
tirar: (a) que é falsa qualquer teoria que considere apenas
provável ou suscetível de não ocorrer a incidência das regras
jurídicas (o homem não organizou a vida social deixando
margem à não-incidência, porque teria sido o ordenamento
alógico, em sistema de regras jurídicas em que essas poderiam
não ser), e.g., as teorias que afirmam que algumas regras
jurídicas não se aplicam e, pois, não são (confusão entre
incidência e aplicação); (b) que é essencial a todo estudo sério
do direito considerar-se, em ordem, a) a elaboração da regra
jurídica (fato político), b) a regra jurídica (fato criador do
mundo jurídico), c) o suporte fático (abstrato), a que ela se
refere, d) a incidência quando o suporte fático (concreto) ocorre,
e) o fato jurídico, que daí resulta, a eficácia do fato jurídico, isto
é, as relações jurídicas e mais efeitos dos fatos jurídicos. (...) Se
bem meditarmos, teremos de admitir que a incidência é no
mundo social, mundo feito de pensamentos e outros fatos
psíquicos, porém nada tem com o que se passa dentro de cada
um, no tocante à adesão à regra jurídica, nem se identifica com a
eventual intervenção da coerção estatal. A incidência da lei
independe da sua aplicação; sem aqui trazermos à balha que
os homens mais respeitam do que desrespeitam as leis, ou
que as sanções são menos frequentes que as observâncias
(e.q,, E. Ehrlich, Grundlegung der Soziologie des Rechts, 17),
porque, então, estaríamos no plano fático (físico) da sociologia
112
do direito, em vez de nos mantermos no plano lógico da teoria
geral do direito.” 165 (grifo nosso)
Inicialmente, antes de contrapor seus ensinamentos é preciso tentar entender
as circunstâncias que influenciaram o pensamento de Pontes de Miranda. Marcado por
forte influência da física, mais especificamente a física clássica, há uma visão
mecanicista – determinista do direito. Nesse sentido, podemos citar físicos como:
Descarte, Newton e Francis Bacon que compõem, cada um a seu modo, o pensamento
da física clássica. Essa influência nos permite compreender seu entendimento acerca da
Incidência assinalada por uma visão mecanicista-determinista.
Galderise Fernandes Teles166 muito bem pontifica esses conceitos
fundamentais:
( i ) Suporte Fáctico:
“O suporte fáctico (Tatbestand) da regra jurídica, isto é, aquele
fato, ou grupo de fatos que o compõe, e sobre o qual a regra
jurídica incide, pode ser da mais variada natureza. (...) É
incalculável o número de fatos do mundo, que a regra jurídica
pode fazer entrarem no mundo jurídico, - que o mesmo é dizer-
se pode tornar fatos jurídicos. Já aí começa a função
classificadora da regra jurídica: distribui os fatos do mundo em
fatos relevantes e fatos irrelevantes para o direito, em fatos
jurídicos e fatos ajurídicos.” 167
Verifica-se que o suporte fáctico corresponde à multiplicidade de
acontecimentos aptos a se tornarem relevantes para o direito, ou seja fatos jurídicos,
165 MIRANDA, Pontes de. TRATADO DE DIREITO PRIVADO-TOMO I -PARTE GERAL 166 TELES. Galderise Fernandes. Planejamento Tributário e Normas Antielisivas: Uma Análise a Partir
Da Perspectiva De Nosso Sistema Constitucional. Dissertação de Mestrado, PUC, 2014. 167 Miranda. Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral – Tomo I. Introdução. Pessoas Físicas e
Jurídicas. Rio de Janeiro. Editor Borsoi. 1954. Pág. 19-20
113
nesse sentido, torna-se necessário compreender esse segundo elemento na visão de
Pontes de Miranda:
( ii ) Fato Jurídico:
“o fato jurídico é o que entra do suporte fáctico, no mundo
jurídico, mediante a incidência da regra sobre o suporte168; (...)
Para que os fatos sejam jurídicos, é preciso que as regras
jurídicas – isto é normas abstratas – incidam sobre eles, desçam
e encontrem os fatos, colorindo-os, fazendo-os “ jurídicos”.
Algo como a prancha da máquina de impressão. Incidindo sobre
fatos que se passam no mundo, posto que aí os classifique
segundo discriminações conceptuais169.”
Considera-se fato jurídico a parcela do suporte fáctico relevante para o
direito – integrante do âmbito jurídico, sendo que tal processo dá-se mediante a
incidência de regras jurídicas sobre eles, passamos dessa forma, ao terceiro elemento
relevante para compreensão de incidência jurídica, temos as regras jurídicas.
( iii ) Regra Jurídica:
“Da incidência do direito objetivo (= regras jurídicas) é que
resultam os fatos jurídicos, o mundo jurídico. Direito subjetivo
já é efeito dos fatos jurídicos.” 170
“Para que os fatos sejam jurídicos, é preciso que as regras
jurídicas – isto é normas abstratas – incidam sobre eles, desçam
e encontrem os fatos, colorindo-os, fazendo-os “jurídicos”. Algo
como a prancha da máquina de impressão. Incidindo sobre fatos
168 Miranda. Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral – Tomo I. Introdução. Pessoas Físicas e
Jurídicas. Rio de Janeiro. Editor Borsoi. 1954. Pág. 04. 169 Miranda. Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral – Tomo I. Introdução. Pessoas Físicas e
Jurídicas. Rio de Janeiro. Editor Borsoi. 1954. Pág. 06. 170 Miranda. Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral – Tomo I. Introdução. Pessoas Físicas e
Jurídicas. Rio de Janeiro. Editor Borsoi. 1954. Pág. 05.
114
que se passam no mundo, posto que aí os classifique segundo
discriminações conceptuais.”171
Temos portanto, a regra jurídica como normas abstratas, logo inseridas no
âmbito do direito objetivo, interessante notar que na perspectiva de autor alagoano – os
fatos jurídicos, mundo jurídico resultam da incidência, havendo nesse momento a
causalidade jurídica para posteriormente verificar-se o direito subjetivo e sua respectiva
aplicação. Cabe, portanto verificar o sentido de causalidade jurídica.
( iv ) Causalidade Jurídica:
“A causalidade no jurídico, prende-se à estrutura do pensamento
humano e a sua descoberta de poder adotar, para os fatos, regras
que incidam. Não é a lei que “ordena” incidirem as suas regras;
as regras jurídicas incidem, a lei incide, porque a lei e as demais
regras jurídicas foram concebidas para esse processo de
adaptação social (...) A causação, que o mundo jurídico prevê, é
infalível, enquanto a regra jurídica existe.” 172
A causalidade jurídica no autor em análise é acontecimento do âmbito do
pensamento humano, nesse sentido a causalidade prevista pelo âmbito jurídico é
infalível, uma vez que exista regra jurídica.
( v ) Aplicação
“A incidência das regras jurídicas é sobre todos os casos que
elas têm como atingíveis. Nesse Sentido, as regras jurídicas são
de conteúdo determinado, e não se poderia deixar ao arbítrio de
alguém a incidência delas, ou não. (...) incidência é eficácia:
171 Miranda. Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral – Tomo I. Introdução. Pessoas Físicas e
Jurídicas. Rio de Janeiro. Editor Borsoi. 1954. Pág. 06. 172 Miranda. Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral – Tomo I. Introdução. Pessoas Físicas e
Jurídicas. Rio de Janeiro. Editor Borsoi. 1954. Pág. 18.
115
porém eficácia não é só incidência. A incidência distingue-se da
aplicabilidade.”173
“A incidência das regras jurídicas nada tem com o seu
atendimento: é fato do mundo dos pensamentos. O atendimento
é em maior número, e melhor, na medida do grau de civilização.
A falta no atendimento é que provoca a não-coincidência entre
incidência e atendimento ( = auto aplicação ) e a necessidade de
aplicação pelo Estado, uma vez que não se tem mais, na quase
totalidade dos casos, a aplicação pelo outro interessado ( justiça
própria, ou mão própria).”174
Percebe-se que o autor separa com marcas claras a incidência da aplicação,
nesse sentido, a primeira é fenômeno que ocorre no âmbito do pensamento ao passo que
a segunda é decorrência dessa. Realizadas essas considerações inicias, cabe agora,
adentramos na compreensão de incidência jurídica para Pontes de Miranda, nesse
contexto, vejamos algumas considerações do autor acerca do assunto:
( vi ) Incidência
“A incidência da regra jurídica ocorre como fato que cria ou
continua de criar o mundo jurídico; é fato dentro do mundo dos
nossos pensamentos. (...) Se bem meditarmos, teremos de
admitir que a incidência é no mundo social, mundo feito de
pensamentos e outros fatos psíquicos, porém nada tem com o
que se passa dentro de cada um, no tocante à adesão à regra
jurídica, nem se identifica com a eventual intervenção da
coerção estatal. A incidência da lei independe de sua aplicação.
(...) A regra jurídica lá está, despregado o cordão umbilical ao
órgão legislativo, se o houve, se o não houve, o mecanismo foi
173 Miranda. Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral – Tomo I. Introdução. Pessoas Físicas e
Jurídicas. Rio de Janeiro. Editor Borsoi. 1954. Pág. 12-15. 174 Miranda. Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral – Tomo I. Introdução. Pessoas Físicas e
Jurídicas. Rio de Janeiro. Editor Borsoi. 1954. Pág. 16.
116
mais rudimentar: fatos passados realizavam a norma, ao mesmo
tempo que ela os regia (costume). Numa e noutra espécie,
ocorridos certos fatos conteúdos, ou suportes fácticos , que têm
de ser regrados, a regra jurídica incide. A sua incidência é como
a da plancha da máquina de impressão, deixando a sua imagem
colorida em cada folha175. “
“Da incidência do direito objetivo ( = regras jurídicas ) é que
resultam os fatos jurídicos, o mundo jurídico. Direito subjetivo
já é efeito dos fatos jurídicos176. “
“ A incidência da regra jurídica é a sua eficácia; não se confunde
com ela, nem com a eficácia do fato jurídico; a eficácia da regra
jurídica é a sua incidência; a do fato jurídico, irradia-se, é
jurisdicização das consequências dele, devido à incidência. (...)
Já aqui estão nitidamente distinguidos, apesar da confusão
reinante na ciência europeia: a eficácia da regra jurídica, que é a
de incidir, eficácia “legal” ( da lei), eficácia nomológica (= da
regra jurídica); e a eficácia jurídica, mera irradiação de efeitos
dos efeitos dos fatos jurídicos” 177
Diante dessas considerações, Galderise Fernandes Teles aponta que o
fenômeno da incidência jurídica em Pontes de Miranda é marcado pelas seguintes
características/premissas:
( i ) a incidência jurídica é um fenômeno do mundo social que
ocorre no pensamento;
( ii ) sendo responsável pela criação de fatos jurídicos;
( iii ) os quais são construídos a partir de um suporte fáctico;
175 Miranda. Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral – Tomo I. Introdução. Pessoas Físicas e
Jurídicas. Rio de Janeiro. Editor Borsoi. 1954. Pág. 07-11. 176 Miranda. Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral – Tomo I. Introdução. Pessoas Físicas e
Jurídicas. Rio de Janeiro. Editor Borsoi. 1954. Pág. 05. 177 Miranda. Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral – Tomo I. Introdução. Pessoas Físicas e
Jurídicas. Rio de Janeiro. Editor Borsoi. 1954. Pág.16-17.
117
( iv ) nesse sentido, a incidência é automática e infalível, uma
vez que
( v ) a causalidade jurídica em Pontes prende-se à estrutura do
pensamento humano;
( vi ) não havendo que confundir a incidência com o ato de
aplicação, haja vista, que a incidência independe da aplicação;
( vii ) sendo o direito subjetivo efeito dos fatos jurídicos;
( viii ) por fim, na lição de Pontes de Miranda a eficácia da regra
jurídica é sua incidência, contudo não se confunde com a
eficácia do fato jurídico que é a jurisdicização das
consequências dele.
Por sua vez, Paulo de Barros Carvalho, ao analisar o tema, sob outra ótica,
argumenta que a norma não é aplicada automaticamente. Assim, para que incida,
necessário se faz a presença de alguém que aplique-a, sob esse enfoque, não prevalece a
diferença temporal entre incidência e aplicação. Caracteriza-se como sendo o ato
mediante o qual a autoridade competente formaliza os direitos e deveres para que
produzam efeitos jurídicos.
Seguindo a comparação, Pontes de Miranda178 já prelecionava ser o direito
caracterizado pela qualidade de suas regras jurídicas, únicas dotadas de força de
incidência, em função da coercitividade que se lhes acrescenta:
Incidência da regra jurídica e juridicidade. Para que os fatos
sejam jurídicos, é preciso que regras jurídicas — isto é, normas
abstratas — incidam sobre eles, desçam e encontrem os fatos,
colorindo-os, fazendo-os “jurídicos”. Algo como a prancha da
máquina de impressão, incidindo sobre fatos que se passam no
mundo, posto que aí os classifique segundo discriminações
conceptuais. Só excepcionalmente a lei cogita de um só caso,
sem que esse caso seja, sozinho, a sua classe. A generalidade
não é, pois, essencial à lei; é exigência que, através da evolução
humana, se vem fazendo á lei (Constituição Política do Império
do Brasil, art. 179; Constituição de 1891, art. 72; de 1934, art.
178 MIRANDA, Pontes de. Sistema de Ciência Positiva do Direito. 4 Tomos. Campinas, Bookseller,
2000.
118
113, 1); de 1937, art. 122, 1; de 1946, art. 141, § 1º de 1967,
com a Emenda nº 1, de 1969, art. 153, § 1º de 1988, art. 59,
caput): a regra jurídica há de ser igual para todos os fatos da
mesma classe (isonômica). À lei é essencial colorir fatos,
tornando-os fatos do mundo jurídico e determinando-lhes os
efeitos (eficácia deles). Se a lei trata por igual fatos da mesma
classe, a eficácia desses fatos será a mesma, se consideramos
qualquer deles. A incidência da regra jurídica ocorre como fato
que cria ou continua de criar o mundo jurídico; é fato dentro do
mundo dos nossos pensamentos, — perceptível, porém, em
Consequências que acontecem dentro do mundo total. Quando o
Código Civil estatui que, “aberta a sucessão”, isto é, morto
alguém, “o domínio e a posse da herança” se “transmitem”,
desde logo, “aos herdeiros legítimos e testamentários”,
estabelece ele que ao fato (jurídico) da morte suceda,
imediatamente, o fato jurídico da transmissão dos bens; nenhum
instante fica vazio entre a propriedade do falecido e a
propriedade dos herdeiros. Tudo isso se desenrola mediante o
pensamento, que está na regra jurídica (pensar vem de pesar), e
incide nos fatos, ainda em queda (incidere, cadere) que só se
passa no mundo dos nossos pensamentos, porém que nós vemos
em suas Consequências: a entrada dos herdeiros na casa, a reti-
rada dos objetos, o alojamento deles, a venda em leilão e a
distribuição, entre eles, da quantia apurada; e que ouvimos nas
conversações do escrivão do cartório, nas defesas dos advogados
e nos julgamentos dos juízes. (...) O que é artificial, o que é
técnico, mas irredutível, está aí: não foi nem é possível a regra
jurídica de realização puramente mecânica: se ela coincidisse
com os fatos, não precisaria de eventual aplicação; nem seria
possível a cisão lógica e política “incidência-aplicação”.179
179 MIRANDA, Pontes de. TRATADO DE DIREITO PRIVADO-TOMO I -PARTE GERAL
119
Suplantadas as diferenças entre teorias, tais questionamentos de Pontes de
Miranda levantam instantaneamente a indagação sobre a adequada forma de
constituição dos fatos jurídicos pressupostos de incidência das normas.
O aplicador do direito recebe e processa a norma geral e abstrata, remetendo
nova mensagem, ao expedir norma individual e concreta, tudo mediante processo
comunicacional. A incidência da norma geral e abstrata dá-se focando a atividade de
enunciação perpetrada pelo aplicador da norma individual e concreta.
Paulo de Barros Carvalho180, leciona: a passagem da norma abstrata para a
norma concreta, processo mediante o qual se dá a incidência daquela norma,
exatamente, nessa redução à unidade: de classes com notas que se aplicariam a infinitos
indivíduos, nos critérios da hipótese, chegamos a classes com notas que correspondem a
um e somente um elemento.
Como ensina o mestre pernambucano Lourival Vilanova, os juízos-de-valor
repousam em tomadas de posição. Assim, para atingir a norma individual e concreta, ele
exemplifica: “Julgar, para o juiz, é ato de decisão, racionalmente orientado pela
norma, que é racionalização da conduta, mas visando a ordenação justa do inter-
humano. E o julgamento, ou a sentença, como ato terminal do processo, é uma
individualização da norma geral: inclui, por isto mesmo, mais que o geral. O ato
jurisdicional quer, até certo ponto, apanhar a vida em toda a sua concrescência, a vida
como tumulto de aspirações, de fins, de interesses, entrechocando-se, compondo-se
aqui, desfazendo-se ali, recompondo-se depois.” 181
a) Sintático: Subsunção e Imputação
Fazer uso da Teoria das Classes para analisar o fenômeno da incidência é
uma das mais valiosas formas de se estudar o direito. O legislador, ao produzir a norma
180 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed.
Saraiva, São Paulo, 2010. 181 VILANOVA, Lourival. Escritos jurídicos e filosóficos. Editora AXIS MVNDI, 2003. p.361
120
geral e abstrata, delimita o campo de extensão da hipótese, demarcando fatos que se
projetam sobre a linguagem da realidade social. Por outro lado, no consequente, o
legislador define atributos pressupostos da relação jurídica.
Com efeito, dizer que um elemento pertence à classe, implica que ele
satisfaz as características definitórias da classe. Subsunção é inclusão de classes e
subclasses, é nos dizeres de Paulo de Barros, operação lógica entre conceitos, isto é,
entre classes. Desse modo, a relação de pertinência é a adequação dos elementos ao
critério de unicidade do conjunto.
Para preservar o corte efetuado pelo legislador, o princípio da estrita
legalidade estabelece que a lei descreva os elementos do fato e os dados necessários,
para se estabelecer a relação jurídica. Decorrência desse preceito é a necessidade do
exato enquadramento do fato à norma, ou seja, a plena correspondência entre o fato
jurídico tributário e a hipótese de incidência. 182
Ao formalizar em termos lógicos a fenomenologia da incidência, deve-se
observar que a relação de subsunção e imputação está condicionada aos termos
previstos em lei. E mais: para constituição dos fatos, é indispensável que seu relato se
dê em linguagem competente, pois só por meio das provas é possível averiguar quanto à
sua correta produção. Para que isto ocorra é indispensável a presença de uma pessoa que
faz incidir o direito. Está impugnada a concepção automática e infalível que o grande
Pontes de Miranda defende:
A incidência das regras jurídicas não falha; o que falha é o
atendimento a ela. Se se escreve, por exemplo, que, “se há infração
da regra jurídica, a incidência da regra falha em realidade, está-se a
falar em acontecimento do plano do atendimento (ai, dito da
182 Pontes de Miranda preleciona: a fenomenologia do “fato gerador” não é originariamente específica do
Direito Tributário, mas fenomenologia comum a todo o Direito (hipótese de incidência, suporte fáctico,
“fattispecie”, “Tatbestand”), são sinônimos de fato gerador. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito
Privado, vol. I, Rio de Janeiro, 1954. Citado por: BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito
Tributário. 5ª ed., São Paulo: Noeses, 2010. p.100
121
realidade), com os olhos fitos no plano das incidências, que é o do
mundo jurídico, o plano do pensamento. 183
Cabe destacar o que se compreende por causalidade, nesse sentido, Nicola
Abbagnamo identifica dois sentidos para esse termo, concluindo que “a ambas essas
formas são comuns as noções de previsibilidade unívoca, infalível, do efeito a partir da
casa e, portanto, também a de necessidade da relação causal.” 184
b) Semântico: denotação
Investigando a passagem das normas de maior abrangência percorrendo o
caminho até as de máxima concretude estaremos analisando como o direito se
movimenta, é uma visão dinâmica do ordenamento. Do patamar normativo
constitucional até o lançamento tributário sucedem-se operações variadas, eis a
derivação e a positivação do direito. Paulo de Barros Carvalho explica:
“Positivação e derivação não são processos simétricos.
Positivação é sequência de atos ponentes de normas no quadro
da dinâmica do sistema. Seu trajeto é uniforme e a direção,
sempre descendente Já derivação é operação lógico-semântica
em que se articula uma unidade normativa a outras que lhe são
sobrepostas ou sotopostas na hierarquia do conjunto. Cada
impulso de positivação provoca um vínculo de derivação. Com
isso, o jurista compõe o cálculo de normas, conjugando-as para
agrupá-las, mediante iniciativas de coordenação ou em
183 MIRANDA, Pontes de. TRATADO DE DIREITO PRIVADO-TOMO I -PARTE GERAL 184 ABBAGNAMO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo. Martins Fontes. 1999. Verbetes “
causalidade” e “determinismo”. Pág.124.
122
movimentos ascendentes e descendentes sugestivos de
subordinação.” 185
Para analisar a positivação do direito faz-se oportuno observar as operações
de derivação, atividade lógico-semântica responsável por relacionar as normas de modo
descendente e oblíquo confluindo para a expedição de novo enunciado prescritivo, ou
seja, concluindo temos o procedimento de positivação. Paulo de Barros Carvalho
exprime: “Inexiste processo de derivação sem atividade de positivação que a anteceda
ou como algo que, de imediato, lhe seja subsequente. Daí a bidirecionalidade da
derivação: ascendente e descendente.” 186
A incidência é caminho que partindo das normas de maior generalidade, das
classes conotativas de fatos até os de máxima concretude, denotativamente
considerados. São muitas idas e vindas numa operação psicofísica complexa.
c) Pragmático: interpretação e produção da norma individual e concreta
Nesses termos, a assertiva de que a incidência é automática e infalível, além
de ser um fenômeno do pensamento, implica em aceitar que o pensamento é infalível.
Em outras palavras, tal consideração condena o pensamento a um determinismo
imutável, aprisiona-o de maneira a não possibilitar outra alternativa de atuação, retira
qualquer margem de liberdade por atrelá-lo a uma previsibilidade infalível. Como se
todos pensassem de modo semelhante.
Com efeito, temos compreensão no sentido de que o aplicador do direito
recebe e processa a norma geral e abstrata, remetendo nova mensagem, ao expedir
norma individual e concreta. Para tanto, observa a regra-matriz de incidência tributária
185 CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e positivação no direito tributário. Volume I. São Paulo:
Noeses, 2011. 186 CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e positivação no direito tributário. Volume I. São Paulo:
Noeses, 2011.
123
que possui no seu descritor: o critério material, o critério temporal e o critério espacial,
o enunciado factual há de ser produzido mediante denotação dos critérios da hipótese,
nos limites conotativos por ela estabelecidos.
Assim, com a expedição da norma individual e concreta temos o fato
jurídico como relato em linguagem competente, de um acontecimento passado, capaz de
produzir efeitos na ordem do direito. Sobre o tema, a professora Fabiana Del Padre
Tomé187 é incisiva ao proclamar ser o fato jurídico aquele que pode expressar-se em
linguagem competente, isto é, mediante linguagem das provas que a lei identifica como
necessária para o relato jurídico dos acontecimentos que o legislador atribuiu
importância valorativa.
A diferença entre os enunciados da norma jurídica geral e abstrata e norma
jurídica individual e concreta está precisamente no grau de determinação. Enquanto na
norma geral e abstrata se projeta para o futuro desenhando a conotação do evento, na
norma individual e concreta suas referencias voltam-se para o passado. Assim, a
hipótese de incidência e o consequente estão contidos na norma geral e abstrata,
enquanto o fato jurídico e a relação jurídica estão previstos na norma individual e
concreta.
A incidência das normas sancionatórias demandam o mesmo esforço
humano, as normas de sanção incidem da mesma forma que as demais. No
entanto, existem peculiariades, como o processo de produção.
A fenomenologia da incidência das normas sancionatóras tributárias e
das normas penais tributárias, assim como a de quaisquer outras normas jurídicas
é semelhante. Ou seja, o processo psicofísico de ponência de normas no sistema é
igual. No entanto, os veículos introdutores divergem, o agente competente é
diferente e a produção do fato jurídico em cada caso possui natureza específica,
como será visto.
187 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2008.
124
CAPÍTULO IV
Regra-Matriz da Norma Tributária e da Norma Sancionatória Tributária
4.1. A Regra-Matriz de Incidência
Instrumento fundamental para o presente estudo, o esquema lógico-
semântico da regra-matriz pode ser utilizado em todas as áreas do direito e tem
aplicabilidade incontestável, funcionando, tanto para delimitar o âmbito de incidência
normativa, como para controlar a constitucionalidade e legalidade da sua produção.188
Baseado no método de Husserl da redução eidética, o professor Paulo de
Barros Carvalho criou a chamada Regra Matriz de Incidência Tributária - RMIT,
esquema lógico-semântico, composto pela hipótese - critérios material, espacial e
temporal -, ligada por implicação deôntica não modalizada ao consequente - critérios
pessoal, composto pelos sujeitos ativo e passivo, e quantitativo.
Por longos anos os estudiosos do Direito Tributário se dedicaram à
elaboração de uma teoria da Obrigação Tributária, muito se falou sobre a relação
jurídica tributária, seus sujeitos, o objeto, os vínculos obrigacionais, etc.
Toda a teoria se desdobrava em torno dessa relação jurídica, as ponderações
doutrinárias, regra geral, não incluíam o antecedente normativo em suas considerações,
ou não priorizavam seu estudo. Partindo da obrigação tributária os doutrinadores
passavam a tecer seus argumentos vinculando todo desdobramento do Direito Tributário
à relação jurídica.
Amílcar de Araujo Falcão, em 1964, ao trabalhar o “Fato Gerador da
Obrigação Tributária”, fez parte e foi responsável por introduzir a corrente de
pensadores denominada “Escola da glorificação do fato gerador”, que passa a dar maior
importância à hipótese normativa, tendo como percussor de destaque Dino Jarach. O
188 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p.
412
125
saudoso jurista refletiu bem o pensamento da época e em tom bastante criterioso
demonstrou sempre muita segurança em seus escritos. No entanto, apesar do elevado
grau de debate, o autor baiano adota concepção monista predominante ao seu tempo.
No Brasil, Alfredo Augusto Becker apontou o problema de se considerar a
descrição normativa e a realidade social como entidades semelhantes.
Por outro lado, foi Geraldo Ataliba quem deslocou a atenção para o
antecedente normativo e publicou o seu livro “Hipótese de Incidência Tributária”,
lastreado na teoria geral do direito e na teoria da incidência normativa. Aponta a
diferença entre a hipótese de incidência e o chamado fato imponível, Pontes de Miranda
também distingue o fato jurídico do suporte fáctico.
Com efeito, supera-se a expressão “fato gerador” por sua ambiguidade. Foi o
francês Gaston Jèze quem propagou tal expressão que se tornou objeto de estudos em
diversos lugares do mundo, considerou-se até que se trataria de uma peculiaridade do
Direito Tributário. Uma demonstração da influência dessa expressão pode ser vista pela
leitura dos artigos 4, 16, 105, 113, § 1º, 114 e 144 do Código Tributário Nacional, em
alguns denoda a ideia de hipótese normativa, em outros refere-se ao evento.
Após tecer fundamentada crítica no que se refere à imprecisão que o
mencionado vocábulo representa, pois refere-se tanto à descrição legislativa quando ao
acontecimento do mundo, Paulo de Barros Carvalho, então nomeia a (i) hipótese de
incidência e o (ii) fato jurídico tributário, distinguindo-os dos eventos que se encontram
no mundo fenomênico e que se esvaem no tempo carecendo de relato em linguagem.
Assim, de modo inovador e revolucionário, Paulo de Barros Carvalho
considera igualmente relevantes os dois focos de estudo e cria a norma padrão de
incidência denominada regra-matriz, onde no antecedente encontramos a descrição de
um fato que uma vez ocorrido implica uma relação jurídica obrigacional tributária,
desse modo, não apenas a descrição do fato importa, mas o vínculo relacional é
igualmente relevante na regulação de condutas.
126
4.1.1. Conceito
Como mencionado, a teoria baseia-se no método da redução eidética
desenvolvido por Husserl, corresponde à redução à essência, ao eidos. Paulo de Barros
Carvalho cria a Regra Matriz de Incidência Tributária - RMIT que consiste no mínimo
irredutível de manifestação do deôntico, privilegiando o aspecto sintático.
Enquanto fórmula, ela ajuda o intérprete na compreensão do Direito,
ordenando e articulando as porções, possibilita o foco nos aspectos de maior
importância.
Sua aplicação representa a conexão entre a teoria e a prática, atualmente são
inúmeros os livros e artigos científicos que possuem em seu título o nome “regra-matriz
de incidência”, seu vigor analítico aprofunda e auxilia a compreender a complexa
incidência tributária. Os tribunais superiores frequentemente a ela fazem referência.
O esquema lógico-semântico da regra-matriz pode ser concebido como um
método, ao aplicá-lo encontraremos rigor formal, além de auxiliar na investigação do
campo semântico e pragmático.
Primeiramente, adota-se a premissa Kelseniana bastante difundida, de que as
normas jurídicas apresentam-se na estrutura hipotético-condicional, chamada também
de antecedente e consequente, suposto e mandamento, hipótese e tese, prótase e
apódose, pressuposto e estatuição, descritor e prescritor. O esquema lógico-semântico
então composto pela hipótese - critérios material, espacial e temporal -, é ligada por
implicação deôntica não modalizada ao consequente - critérios pessoal, composto pelos
sujeitos ativo e passivo, além do quantitativo, base de cálculo e alíquota.
Instrumento fundamental para o presente estudo, a regra-matriz pode ser
utilizada em todas as áreas do direito e tem aplicabilidade incontestável, funcionando,
tanto para delimitar o âmbito de incidência normativa, como para controlar a
127
constitucionalidade e legalidade da sua produção.189 É nesse caminho que Lucas Galvão
de Britto expõe:
“A Regra-Matriz de Incidência Tributária - afigura-se como
uma das principais contribuições de Paulo de Barros Carvalho
ao estudo do Direito Tributário. Trata-se de expediente que
simplifica a aproximação do sujeito cognoscente com o seu
objeto de estudos e permite-lhe conhecer melhor as variáveis
envolvidas no fenômeno da incidência tributária e relações que
existem entre elas. É uma fórmula que auxilia a compreender
todo e qualquer tributo, justamente porque trabalha com aquilo
que é sua parte eidética: a estrutura, que permanecem a
mesma, ainda que mudem os dados da experiência jurídica.”
190
Nessa toada, preceitua:
“A construção da regra-matriz de incidência, como instrumento
metódico que organiza o texto bruto do direito positivo,
propondo a compreensão da mensagem legislada num contexto
comunicacional bem concebido e racionalmente estruturado, é
um subproduto da teoria da norma jurídica, o que significa
reconhecer tratar-se de contribuição efetiva da Teoria Geral e da
Filosofia do Direito, expandindo fronteiras do território
científico.” 191
A regra-matriz tributária corresponde ao núcleo do tributo, no corpo do
direito positivo encontram-se enunciados esparsos, nessa tessitura de linguagem
189 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p.
412 190 BRITTO, Lucas Galvão. Notas sobre a Regra-Matriz de Incidência Tributária. In VIII Congresso
Nacional de Estudos Tributários. Vários autores, coord. Priscila de Souza. São Paulo: Noeses, 2011. p.
743 191 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 146
128
conturbada e não científica o interprete tem o trabalho de organizar as proposições
construindo e compondo o arquétipo normativo dos tributos, a norma jurídica tributária
deonticamente organizada forma-se no juízo.
Paulo de Barros Carvalho aduz: norma jurídica “é a expressão mínima e
irredutível (com o perdão do pleonasmo) de manifestação do deôntico, com sentido
completo”192 A ênfase nos termos “mínimo” e “irredutível” é para reiterar a condição
mais enxuta da regra de incidência, não podem faltar nenhum dos elementos,
“manifestação do deôntico” alude ao conectivo condicional, a como a hipótese e a
consequência normativa estão ligadas, justamente pela imputação deôntica posta por um
ato de autoridade.
Com efeito, a regra-matriz de incidência tributária também é a norma
jurídica em sentido estrito. As normas jurídicas possuem todas elas a mesma estrutura
proposta por Kelsen (H → C), hipótese ligada ao consequente por um dever-ser não
modalizado, as variações se dão no plano semântico e pragmático.
Assim, Paulo de Barros Carvalho evita o engrandecimento exacerbado da
hipótese normativa em detrimento do consequente, ressalta o respeito à estrutura da
norma que no antecedente traz a previsão de um fato ligado a uma prescrição de uma
relação jurídica. Colocar toda a importância no suposto normativo como pregavam
Geraldo Ataliba, Amílcar de Araújo Falcão e Ruy Barbosa Nogueira, não lhe pareceu a
alternativa mais adequada.
A hipótese em seu sentir funciona para identificação de um evento, já no
consequente há a previsão da relação jurídico tributária, com o envolvimento dos
sujeitos ativo e passivo, direitos e deveres, bem como o objeto da obrigação de cunho
patrimonial.
Cumpre destacar as características inerentes à relação jurídica que tratamos.
Não compactuamos, por exemplo, com o ideal de que é possível relacionar-se consigo
192 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011.
129
mesmo. Paulo de Barros Carvalho, consubstanciado nas preciosas lições de Lourival
Vilanova dispõe sobre as características da relação jurídica: retomando pelo prisma
lógico, a relação que une os sujeitos (S' e S") é uma relação irreflexiva, pois
representaria um sem-sentido deôntico conceber que S' está facultado, obrigado ou
proibido perante si mesmo. Além disso, é assimétrica, quer dizer, S' R S" implica
sempre S" Rc S'. Rc; é a relação conversa de R: se R interpreta-se como ter o direito a,
seu converso é ter a obrigação de. O ensinamento, extraído das preciosas lições de
Lourival Vilanova, é fundamental para a compreensão das relações jurídicas, que
mantêm equivalência implicacional, da mesma forma que o enunciado X > Y (X é
maior do que Y) equivale a Y < X (Y é menor do que X).193
No direito positivo os componentes da relação jurídica tributária encontram-
se espalhados, o legislador frequentemente emprega apenas alguns dos seus elementos
para referir-se ao todo.
Na tarefa de classificar as relações jurídicas tributárias vamos eleger o
critério de ter ou não seu objeto susceptibilidade de mensuração econômica. Assim, as
relações em que o objeto possua caráter econômico será ela chamada de obrigação, ao
passo em que aquelas destituídas desse atributo, mas que instituam apenas deveres
jurídicos titularemos de deveres instrumentais. Estes são frequentemente considerados
como sendo “obrigações acessórias”, mas para depurar a linguagem, preferimos chamar
as obrigações tributárias – como, por exemplo, as decorrentes das regras-matrizes –
apenas aquelas relações que possuem caráter patrimonial, por sua vez, as “obrigações
acessórias” que não são obrigações por carecerem de equação econômica, nos
referiremos por deveres instrumentais ou formais, que consistem em mandamentos de
fazer ou não fazer. Abordando o assunto esclarece Paulo de Barros Carvalho:
“Relações jurídicas tributárias. No conjunto de prescrições
normativas que interessam ao Direito Tributário, vamos encontrar
dois tipos de relações: as de substância patrimonial e os vínculos
que fazem irromper meros deveres administrativos. As primeiras,
previstas no núcleo da norma que define o fenômeno da
193 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 618
130
incidência – regra matriz- e as outras, circumpostas a ela, para
tornar possível a operatividade da instituição tributária: são os
deveres instrumentais ou formais”194
O artigo 113 do CTN ao dispor que a obrigação tributária é principal ou
acessória insurge no equívoco de considerar um dever instrumental como obrigação.
Dando continuidade o referido artigo em seu § 1º ainda há a seguinte menção: “A
obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento
de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela
decorrente”, analisando o referido parágrafo com a devida acuidade perceberemos a sua
afronta ao próprio dispositivo legal do qual faz parte, mais especificamente o artigo 3º
do CTN dispõe sobre o conceito de tributo afirmando que de sua previsão não se
constitui uma prestação pecuniária oriunda de sanção ou ato ilícito.
Dessa forma, fica evidente que a utilização do termo “tem por objeto o
pagamento de tributo ou penalidade pecuniária” não está consoante com o conceito de
tributo, uma vez que estaríamos considerando que a obrigação tributária poderia ter por
objeto o pagamento de penalidade pecuniária ou multa. Essa distinção será vista com
maior cautela no capítulo seguinte.
Por fim, em relação ao §1° do artigo 113 cabe salientar que a expressão “e
extingue-se juntamente com o crédito tributário dela decorrente” passa a falsa percepção
de que há separação entre obrigação e crédito tributário. Ora, não há que se cogitar de
obrigação sem crédito ou de crédito sem obrigação. Expondo melhor a profundidade do
tema o Paulo de Barros Carvalho traz a seguinte reflexão:
“Soa mal, portanto, quando declara o legislador, ingenuamente,
que a obrigação nasce com a realização do fato gerador, mas o
crédito tributário se constitui pelo lançamento. Seria o momento
de indagar: que obrigação é essa que desabrocha no mundo
jurídico, sem que haja, para o sujeito pretensor, o direito subjetivo
194 Carvalho. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Ed. 21º. Saraiva. Pág. 322
131
de exigir a prestação? E que liame obrigacional será esse, em que
o sujeito passivo não está compelido a prestar o objeto?195
Em seu § 2º o referido artigo discorre: “a obrigação acessória decorre da
legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela
previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”. Conforme
exposto em linhas anteriores, levando-se em consideração a linha de raciocínio adotada,
não é adequado nomearmos “obrigação acessória”, uma vez que desprovidas do caráter
da patrimonialidade inerente as obrigações tributárias, chamaremos de deveres
instrumentais.
Por fim, o §3º tem o seguinte teor: “a obrigação acessória, pelo simples fato
da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente a penalidade
pecuniária”. Diante das colocações exaradas é incabível considerar que uma “obrigação
acessória” transmude-se para uma principal, haja vista, a natureza diversa de cada uma.
“Assim, recolhendo o vocábulo obrigação como sinônimo de
relação jurídica de índole economicamente apreciável, podemos
defini-lo como o vínculo abstrato, que surge pela imputação
normativa, e consoante o qual uma pessoa, chamada de sujeito
ativo, credor ou pretensor, tem o direito subjetivo de exigir de
outra, denominada sujeito passivo ou devedor, o cumprimento de
uma prestação de cunho patrimonial.” 196
Consoante a natureza tributária ou de dever instrumental, haverá uma
sanção de natureza tributária em caso de descumprimento. Ademais, a desobediência
também poderá ensejar crime contra a ordem tributária.
195 Carvalho. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Ed. 21º. Saraiva. Pág. 328
196 Carvalho. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Ed. 21º. Saraiva. Pág. 321 – 322.
132
Ora, como restou demonstrado, o poder investigativo da Regra-Matriz de
Incidência é estupendo. Trata-se de uma revolução no Direito Tributário brasileiro ante
o aprofundamento teórico e a aplicabilidade pragmática que representa.
Não é possível lidar com tributos de modo rigoroso no Brasil sem estudar o
método da Regra-Matriz de Incidência criado por Paulo de Barros Carvalho.
A teoria da Regra-Matriz de Incidência Tributária já ultrapassa as fronteiras
nacionais e vem ajudando a melhorar o estudo da tributação ao redor do mundo.
Operar com a Regra-Matriz de Incidência é fantástico, simplesmente porque
depurar o direito positivo em um país onde o ordenamento jurídico tributário é da mais
alta complexidade, e são: União, vinte e sete Estados e mais de cinco mil e quinhentos
Municípios legislando sobre tributos.
Isto representa centenas de milhares de atos legais e infralegais enunciados
diariamente. Desvencilhar-se das normas periféricas e focar na essência permite
identificar problemas materiais e formais de modo rápido.
Diante de instrumental tão poderoso, nos propusemos a pensar na Regra-
Matriz de Incidência da Sanções Tributárias. Nesse sentido, quais critérios se
assemelham e quais devem ser acrescentados. Em seguida, mostramos na prática o que
isto representa, criticando comparativamente como a incidência das Normas
Sancionatórias Tributárias deve melhorar.
Ou seja, dominando tal utensílio, compreendendo que é uma fórmula e,
portanto, não o confundindo com o fenômeno da incidência, pretendemos construir a
Regra-Matriz Sancionadora e identificar onde o sistema positivo precisa de reparo.197
197 Sobre o tema da Regra-Matriz, é imperioso ressaltar as notas feitas por Lucas Galvão de Britto, em
artigo publicado no VIII Congresso Nacional de Estudos Tributários. No que tange, à Regra-Matriz
Punitiva, encontraremos substrato num dos poucos trabalhos sobre o assunto, o livro da professora Aurora
Tomazini de Carvalho: “Direito Penal Tributário (uma análise lógica, semântica e jurisprudencial)”.
133
4.1.2. A regra-matriz de incidência da sanção tributária
Com base nas lições de Paulo de Barros Carvalho, e de Aurora Tomazini de
Carvalho, Adriano Pereira Almeida198, propôs a seguinte formulação lógica da regra-
matriz de incidência da norma jurídica tributária sancionadora:
Pode-se verificar que, no campo proposicional do antecedente, restaram os mesmos três critérios da
norma matriz de incidência tributária: temporal, espacial e material. Os dois primeiros sem
significativas alterações, servindo a orientar a incidência da norma jurídica tributária
sancionadora no eixo espaço-tempo. Já o critério material, apesar de também composto por
um verbo pessoal, no infinitivo e de predicação incompleta, e por seu complemento, foi
alterado. Dele, passou a constar a informação de identidade do verbo da norma
sancionadora com aquele da norma descumprida que deu azo à incidência da última.
Ademais, nele se incluíram duas novas partículas: um fator de negação, que, como
advérbio, adjunto adverbial ou locução de negação, qualifica o verbo para denotar o
cometimento do ato ilícito tributário; e um fator de subjetividade, que, enquanto adjunto adverbial
de modo, qualifica o verbo pela vontade do agente em realizar a ação com dolo ou culpa,
podendo esta última ser efetivamente comprovada ou relativamente presumida nas infrações
administrativas. Outra alteração ocorreu no functor dever-ser que relaciona as proposições do
antecedente e do consequente, modalizado apenas nos operadores da obrigação ou da proibição
para denotar o vínculo impositivo que se estabelecerá entre os sujeitos da relação jurídica tributária
sancionadora. E pode-se constatar ainda a necessidade de adaptações no consequente da regra-
matriz de incidência da norma jurídica tributária sancionadora. Também é composto por dois
critérios, como na regra-matriz de incidência tributária. Todavia, dela mantém apenas o critério
pessoal, bipartido em duas partículas: um sujeito ativo, que tem o direito subjetivo de exigir o
cumprimento das disposições sancionadoras, sendo, de regra, um ente estatal; e um sujeito
passivo, pessoa quem tem o dever jurídico de prestá-las. Quanto ao critério quantitativo, propôs-se
substituí-lo por um critério objetacional, em adoção à terminologia de TOMAZINI DE
CARVALHO, com a função de identificar em qualidade e quantidade o(s) objeto(s) da
relação jurídica tributária sancionadora, sendo ele decomposto em duas partículas. Terá uma
partícula qualificadora para indicar em detalhes o tipo e a espécie da obrigação a ser cumprida
pelo sujeito passivo da relação tributária sancionadora, que será decomposta num verbo pessoal,
no infinitivo, de predicação incompleta e nem sempre idêntico àquele da norma descumprida,
que apontará a conduta a ser cumprida na sanção, e um complemento verbal, que qualificará
esta conduta. Terá ainda uma partícula quantificadora, que indicará em que quantidade o objeto
será prestado por meio de uma base parametral, onde constam os limites mínimo e máximo para a
sanção, e de um fator de volatilidade, que faz esta base variar conforme aspectos objetivos e
subjetivos previstos na Lei. Pode-se concluir ainda que o critério objetacional é sujeito a um
fator de multiplicidade, que o repete pelo número de sanções de mesmo regime imputadas.
198 ALMEIDA, Adriano Pereira. As normas Jurídicas Tributárias Sancionadoras: a perspectiva da
Teoria Geral do Direito. Dissertação de Mestrado – USP, 2014.
134
Portanto, a regra-matriz de incidência da norma jurídica tributária sancionadora teria a
seguinte estrutura simbólica:
Dsmo
D {[cm│ñ│.v.c. │s│.ce.ct ] → [ cp(Sa.Sp).co(ql(v'.c').qt(Bp.│vl│)).│m│]
O trabalho de Aurora Tomazini de Carvalho aplicou para uma nova espécie
de norma jurídica o método da Regra Matriz de Incidência. Adriano Pereira Almeida,
baseado em suas lições adotou outras terminologias e propôs nova formulação.
Com efeito, a formulação lógica acima referenciada é de aplicabilidade
incontestável, no entanto, alguns aspectos merecem uma anotação.
O aspecto subjetivo, ou o elemento volitivo não pode ser apenas uma nova
nota inserida no critério material, diante de sua importância ele deve ganhar posição
mais proeminente, uma vez que faz parte do eidos da multa agravada, sem o elemento
volitivo ela não incide. Assim, o aspecto subjetivo é um critério da norma, podemos
chama-lo de critério volitivo.
Por outro lado, o aspecto temporal da multa é a data do vencimento da
obrigação tributária.
Feitas essas considerações, reconheço que o delineamento de uma regra-
matriz para as multas tributárias é tarefa das mais árduas. As variações de espécies
complicam o trabalho do cientista, são multas fixas, multas em que duas outras normas
precisam ser cumpridas simultaneamente, multas em que a base de cálculo não guarda
relação com a materialidade, etc. De modo que construir uma formulação que enquadre
todos os tipos de multas, assim como a regra-matriz de incidência tributária faz com os
tributos, não é fácil.
Acrescentar muitos elementos à regra-matriz de modo a englobar todos os
detalhes das multas, tem o lado amargo, é que quando mais critérios colocamos, mais
difícil operacionalizar o esquema lógico. A simplicidade e objetividade da RMIT é um
de seus principais trunfos.
135
4.2.1 Critérios
Seccionando a norma jurídica, Paulo de Barros Carvalho199 exprime:
Efetuadas as devidas abstrações lógicas, identificaremos, no descritor da norma, um
critério material (comportamento de uma pessoa, representado por verbo pessoal e de
predicação incompleta, seguido pelo complemento), condicionado no tempo (critério
temporal) e no espaço (critério espacial). Já na consequência, observaremos um
critério pessoal (sujeito ativo e sujeito passivo) e um critério quantitativo (base de
cálculo e alíquota).
D{[Cm(v.c).Ce.Ct] → [Cp(Sa.Sp).Cq(bc.a1)]}
Para explicar os símbolos dessa linguagem formal, Paulo de Barros Carvalho
aduz: "D" é o dever-ser neutro, interproposicional, que outorga validade à norma
jurídica, incidindo sobre o conectivo implicacional para juridicizar o vínculo entre a
hipótese e a consequência. "[Cm(v.c).Ce.Ct]" é a hipótese normativa, em que "Cm" é o
critério material da hipótese, núcleo da descrição fáctica; "v" é o verbo, sempre
pessoal e de predicação incompleta; "c" é o complemento do verbo; "Ce" é o critério
espacial; "Ct" o critério temporal; "." é o conectivo conjuntor "→" é o símbolo do
conectivo condicional, interproposicional; e "[Cp(Sa.Sp).Cq(bc.a1)]" é o consequente
normativo, em que "Cp" é o critério pessoal; "Sa" é o sujeito ativo da obrigação; "Sp" é
o sujeito passivo; "bc" é a base de cálculo; e "al" é a alíquota. 200
Como observado, Paulo de Barros Carvalho estudou a norma jurídica em sua
inteireza, não apenas a descrição do fato, mas também a instituição do vínculo
relacional. Ele foi além, dissecando o objeto de estudo identificou os critérios
indispensáveis para assimilação e construção do fato e da relação.
199 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 611 200 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 611
136
Na compreensão da fenomenologia da incidência tributária quando há
subsunção do fato jurídico tributário à hipótese de incidência da norma, lembramos que
esse quadramento do fato à norma há de ser completo, em todos os seus critérios, caso
contrário não cumprirá o Direito seu papel de regular adequadamente o comportamento
intersubjetivo.
Com esse instrumental o jurista está apto a desvencilhar-se das
proposições periféricas e pode concentrar esforços na análise das variáveis mais
importantes, daí decorre o êxito que a teoria da regra-matriz vem tomando, cada
vez mais difundida no Brasil e em diversos países do mundo, uma vez que aplicável
a qualquer tributo.
4.2.1.1. Antecedente (Hipótese)
O legislador, selecionando determinadas propriedades do mundo, apanhando
descrições dos eventos identifica critérios para os reconhecer. Na hipótese normativa
encontraremos o critério material, o critério espacial e o critério temporal.
4.2.1.1.1. Critério Material
O critério material composto pelo verbo pessoal (não é possível utilizar
verbos impessoais, sem sujeitos, como haver, amanhecer, etc.) de predicação
incompleta (verbo transitivo, é obrigatória a presença de um complemento) e seu
complemento descrevem uma conduta humana (representativa de relevância econômica
ou de um signo presuntivo de riqueza).
137
A extensão semântica dos termos do critério material é causa de intensas
disputas, em quase todos os tributos uma atribuição de sentido mais extensa pode
ensejar a subsunção de muitas outras condutas, afetando diretamente o patrimônio do
jurisdicionado. São exemplos: “auferir renda”, “circular mercadorias”, “prestar serviço”,
entre outros.
Paulo de Barros Carvalho ressalta que seguindo os predicados da Lógica
jurídica“o evento descrito no pressuposto há de situar-se no campo do possível, sob
pena de jamais obter-se a disciplina dos comportamentos intersubjetivos. Também a
conduta, modalizada deonticamente, não pode localizar-se na região do necessário ou
do impossível, pois a norma assim construída não chegaria a ter sentido jurídico.” 201
Apesar de estarmos invadindo o campo ontológico das possibilidades, a
ressalva é importante porque o direito possui o escopo de regular condutas humanas,
apesar de sintaticamente fechado, autopoiético, ele guarda relação de ordem semântica e
pragmática com a realidade social.
Por outro lado, tentar isolar o critério material é tarefa que causa tropeços em
grande parte dos doutrinadores, frequentemente misturam-no com os demais critérios,
apesar de reconhecermos a dificuldade de imaginar uma conduta desligada dos
condicionantes de espaço e tempo.
No caso da regra-matriz sancionatória, tanto da norma primária
sancionatória, quanto da norma secundária penal, ambas possuem, no seu descritor, o
critério material, exibindo conduta contrária ao mandamento da RMIT.
No entanto, a experiência prática aponta que em algumas multas
específicas, o critério material é duplo, ou seja, o enquadramento legal só ocorre
em caso de descumprimento de duas normas primárias.
201 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 147
138
A relação sancionatória vem no prescritor das regras, nas primeiras, podem
tratar de penalidade pecuniária, pena de perdimento, sujeição ou cassação de regime
especial de tributação, apreensão de mercadorias, entre outras; ou, no caso das últimas,
impor sanção de natureza criminal, como pena privativa de liberdade ou de direitos.
4.2.1.1.2. Critério Espacial
No que tange ao critério espacial o direito prevê o local onde considera ter
ocorrido a conduta. Neste pondo da regra-matriz muitas vezes o conteúdo espacial é
referido pelo âmbito de vigência da lei no espaço, pelo princípio da territorialidade,
universalidade, etc.
Os dados relativos a lugar quando não diretamente indicados, por descuido
do legislador, serão encontrados pela ligação com a competência dos entes tributantes.
Por exemplo, na instauração do IPTU há uma informação tácita de que o critério
espacial é o perímetro urbano do Município, por sua vez, no Imposto de Importação
discrimina-se o local como sendo o da repartição alfandegária, bem mais restrito. Paulo
de Barros Carvalho202 então aponta a forma como o critério espacial pode ser
encontrado:
a) Hipótese cujo critério espacial faz menção a determinado local para a
ocorrência do fato típico;
b) Hipótese em que o critério espacial alude a áreas específicas, de tal sorte
que o acontecimento apenas ocorrerá se dentro delas estiver
geograficamente contido;
c) Hipótese de critério espacial bem genérico, onde todo e qualquer fato,
que suceda sob o manto da vigência territorial da lei instituidora, estará
apto a desencadear seus efeitos peculiares.
202 CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª edição. Editora Saraiva, 2011. p. 329
139
Cumpre destacar que por vigência territorial da Lei referimo-nos à aptidão
da lei para irradiação de efeitos jurídicos dentro dos limites de sua territorialidade, neste
prisma podemos notar uma clara diferença entre o critério espacial das hipóteses
tributárias com o plano de eficácia territorial da lei, prova disto pode ser verificada no
Imposto de Renda cujo critério espacial alcança em linhas genéricas, não só os
acontecimentos verificados no território nacional, mas até fatos que compõem e
ultrapassam nossas fronteiras.
No campo tributário os estudos sobre o critério espacial são contidos, em
contramão à crescente elevação da complexidade dos negócios jurídicos. No atual
mundo globalizado, as bordas físicas são facilmente ultrapassadas e operações
econômicas entre empresas que possuem sede em distintos países, com centros de
distribuição espalhados em outros, ocorrem o tempo inteiro.203
Na regra-matriz sancionatória tributária, o critério espacial assemelha-se ao
da norma primária, a lei indica o lugar em que considera ocorrido o fato antijurídico. No
entanto, dificilmente há enunciado expresso do critério espacial.
4.2.1.1.3. Critério Temporal
No domínio do Direito Tributário dois direitos fundamentais do cidadão são
atingidos: o de propriedade e o de liberdade. Daí a importância da norma trazer a
indicação do marco temporal em que considera ocorrido o evento tributário.
O critério temporal, nessa variável da hipótese normativa o direito aponta
um instante em que considera ocorrido o fato, é comum, no entanto, a equivocada visão
de que este critério pode ser classificado em: fatos geradores instantâneos, continuados
e complexivos, consoante o lapso temporal de suas ocorrências. Mas Paulo de Barros
203 Sobre o tema, um dos raros estudos aprofundados é a dissertação de mestrado de Lucas Galvão Britto
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
140
Carvalho é incisivo ao expor não ser correto imaginar um vínculo jurídico instaurado
continuamente, a confusão é feita pela mistura entre a camada linguística dos fatos com
a camada dos eventos.
Em verdade a imputação normativa sempre depende do átimo em que o
direito considera como ocorrido o evento, antes não há relevância jurídica:
“os fatos geradores seriam instantâneos quando se verificassem
e se esgotassem em determinada unidade de tempo, dando
origem, cada ocorrência, a uma obrigação tributária autônoma.
Os continuados abrangeriam todos os que configurassem
situações duradouras, que se desdobrassem no tempo, por
intervalos maiores ou menores. Por fim, os complexivos
nominariam aqueles cujo processo de formação tivesse
implemento com o transcurso de unidades sucessivas de tempo,
de maneira que, pela integração dos vários fatores, surgiria o
fato final. (...)pela facilidade de enquadramento das figuras
tributárias numa das três categorias. O IPI, o ICMS e o Imposto
de Importação, por exemplo seriam casos de fatos geradores
instantâneos; o IPTU e o ITR entrariam como fatos
continuados; e o IR consubstanciaria a forma clássica do fato
gerador complexivo.” 204
Ora, em todas as citadas espécies os chamados fatos geradores só ganham
importância jurídica no instante preciso considerado pelo direito, antes disso os
componentes isoladamente não tem o condão de fazer surgir a relação tributária, é por
isso que o citado autor combate: O acontecimento só ganha proporção para gerar o
efeito prestação fiscal, mesmo que composto por mil outros fatores que se devam
conjugar, no instante em que todos estiverem concretizados e relatados, na forma
204 CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª edição. Editora Saraiva, 2011. p.
336-337
141
legalmente estipulada. Ora, isso acontece num determinado momento, num especial
marco de tempo. Antes dele, nada de jurídico existe, em ordem ao nascimento da
obrigação tributária. Só naquele átimo irromperá o vinculo jurídico que, pelo fenômeno
da imputação normativa, o legislador associou ao acontecimento do suposto. 205
Por outro lado, Paulo de Barros Carvalho critica veementemente o legislador
pela impropriedade cometida ao considerar em diversas passagens o critério temporal
como sendo o fato gerador do imposto, são exemplos, os artigos, 19, 23 e 46 do Código
Tributário Nacional. A pretexto de selecionar um fato se está indicando um instante,
exatamente o critério temporal.
Na regra-matriz sancionatória, o critério temporal indica o instante em que
considera ocorrido o fato antijurídico. No entanto, nem sempre é fácil identificar o
referido momento. Ademais, na maioria das multas tributárias o critério temporal
coincide com o não pagamento do tributo ou a não apresentação do dever instrumental,
ou seja, o instante do fato ilícito coincide com o prazo de pagamento ou o prazo de
entrega do dever instrumental.
4.2.1.2. O dever ser interproposicional (O operador deôntico)
O operador deôntico, também chamado de functor deôntico, que liga o
antecedente normativo ao consequente, por isso interproposicional, é neutro, nunca
aparece modalizado. Ao passo que o operador deôntico intrapoposicional que dispõe
sobre a relação entre os sujeitos ativo e passivo aparece modalizado como obrigatório
(O), proibido (V) ou permitido (P). O termo deôntico advém da colocação por um ato de
vontade, justamente o caso do Direito. No campo das ciências naturais, descritivas dos
fenômenos, as leis obedecem ao modo alético das proposições descritivas.
205 CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª edição. Editora Saraiva, 2011. p. 338
142
4.2.1.3. Tese (Consequente)
Responsável pela previsão dos aspectos da relação jurídica o consequente
normativo deve dispor sobre quem compõe o vínculo obrigacional e qual o montante da
prestação, cabe à consequência estabelecer os efeitos decorrentes da ocorrência do fato
jurídico eleitos por critérios axiológicos do legislador. Assim, no critério pessoal estão
os sujeitos ativo e passivo, este tem o dever de pagar, aquele o direito de cobrar, no
critério quantitativo o objetivo é mensurar o tamanho da obrigação, assim, a quantia é
obtida pela conjugação da base de cálculo com a alíquota.
4.2.1.3.1. Critério pessoal:
4.2.1.3.1.1. Sujeito ativo:
O titular do direito subjetivo de exigir a prestação é chamado sujeito ativo,
essa capacidade de ocupar a posição de arrecadar tributos não se confunde com a
competência para institui-los. O art. 119 do Código Tributário Nacional, andou mal ao
dispor “sujeito avivo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público titular da
competência para exigir o seu cumprimento”, no entanto, não apenas as pessoas dotadas
de personalidade política são aptas. A capacidade tributária ativa pode ser transferida
pelas pessoas detentoras da competência, consoante autorização constitucional,
inclusive é frequente o instituto da parafiscalidade, por exemplo, as contribuições pagas
ao INSS.
Essa habilitação que a pessoa tem de ser sujeito numa relação jurídica
tributária chama-se capacidade tributária, o art. 126 do Código Tributário Nacional
preceitua:
143
Art. 126 - A capacidade tributária passiva independe:
I - da capacidade civil das pessoas naturais;
II - de achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que
importem privação ou limitação do exercício de atividades civis,
comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus
bens ou negócios;
III - de estar a pessoa jurídica regularmente constituída,
bastando que configure uma unidade econômica ou
profissional.
Em se tratando de sanções tributárias a sujeição ativa, regra geral, coincide
com a prevista na norma tributária.
4.2.1.3.1.2. Sujeito passivo:
O sujeito passivo é a pessoa que ocupa a posição de devedora, de quem se
pode exigir o objeto da relação.
Paulo de Barros Carvalho pontua: não se disse, ainda, com clareza e de
modo peremptório, que o sujeito capaz de realizar o fato jurídico tributário, ou dele
participar, pode, perfeitamente, não ter personalidade jurídica de direito privado,
contudo, o sujeito passivo da obrigação haverá de tê-lo, impreterivelmente.206
Nem sempre é simples indicar a correta sujeição passiva, pela leitura do art.
121 do Código Tributário Nacional, separa-se entre I - contribuinte, quando tenha
relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; e II –
206 CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª edição. Editora Saraiva, 2011. p. 384
144
responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra
de disposição expressa de lei.
O tema da Responsabilidade Tributária é dos mais palpitantes ante a falta de
sistematização e a confusão que os dispositivos do Código Tributário Nacional ensejam.
Paulo de Barros Carvalho é inciso ao proclamar que só interessa do ângulo
jurídico-tributário apenas quem integra o vínculo obrigacional, antes da lei não havia
sujeito passivo que a doutrina chama de direto, a lei não substitui, mas institui o sujeito
passivo. Seu entendimento é o de que relações jurídicas em que pessoa alheia ao fato
tributado é chamada a ingressar no polo passivo apresentam natureza de sanções
administrativas. Além do artigos 130, 131, 132 e 133, de modo mais claro o art 134,
demonstra o timbre sancionatório, todos do Código Tributário Nacional.
4.2.1.3.2. Critério Quantitativo
Como será ressaltado, toda multa é sancionatória, quase sempre configuram
penalidades pecuniárias.
Paulo de Barros Carvalho salienta: “quase sempre são fixadas em níveis
percentuais sobre o valor da dívida tributária, o montante do tributo seria a base de
cálculo e a percentagem corresponderia à alíquota, mas também podem aparecer como
valor fixo, ou ainda dentro de limites, cabendo à autoridade administrativa competente
dosá-las segundo as circunstancias de cada caso.”
145
4.2.1.3.2.1. Base de Cálculo
Também chamada de base imponível, matéria tributável, pressuposto
valorativo do tributo, entre outros nomes, no caso das obrigações tributárias a base de
cálculo é o aspecto do critério quantitativo, é um valor patrimonial expressível em
dinheiro.
A Constituição Federal de 1988 elegeu a hipótese de incidência e a base de
cálculo como o binômio diferenciador de tributos, ou seja, havendo desencontro entre o
mencionado hipótese de incidência e a base de cálculo, esta deve prevalecer.
A base de cálculo é parte integrante do critério quantitativo, considerada
como o seu núcleo. Possibilita aos sujeitos integrantes da relação jurídica precisar com
segurança a exata quantia devida a título de tributo. Paulo de Barros define base de
cálculo:
“o conjunto de notas instituídas no consequente da regra
matriz de incidência, e que se destina, primordialmente, a
dimensionar a intensidade do comportamento inserto no
núcleo do fato jurídico produzido pela norma tributária
individual e concreta.” 207
Lucas Galvão de Britto bem exprime: “No direito brasileiro a Constituição
atribui à base de cálculo importantíssimo papel, ligando-se ao critério material para
formar o chamado binômio constitucional tributário que serve de parâmetro à
identificação de um tributo. Com isso, a base de cálculo serve a três propósitos, todos
relacionados à conduta descrita no termo antecedente da norma jurídica tributária, é
207 Carvalho. Paulo de Barros. Fundamentos Jurídicos da Incidência. Ed. 7º. Saraiva. Pág. 224.
146
útil para: (i) confirmá-lo ou infirmá-lo; (ii) mensurá-lo; (iii) objetivá-lo em termos
econômicos.” 208
Ademais, as notas prescritivas do consequente normativo devem guardar
relação com o fato descrito na hipótese. Por outro lado, a relação jurídica também deve
estipular conduta no campo do possível, caso contrário configuraria um sem-sentido
deôntico obrigar, proibir ou permitir.
A linguagem do direito é sobrelinguagem em relação aos fatos sociais, deles
seleciona propriedades por meio de recortes, jamais representando-os em sua inteireza
constitutiva, as prescrições do Direito não descrevem a realidade, elas não estão
submetidas aos valores da verdade, suas proposições valem ou não valem.
A base de cálculo desempenha um relevante papel na compreensão das
espécies tributárias, sendo três suas principais funções:
a) Medir as proporções reais do fato: os fatos precisam ser mensuráveis, dessa
forma a base de cálculo possibilita que se verifique a grandeza efetiva do
acontecimento. Ao legislador fornece meios para fixação de índice avaliativo
como: valor venal, o peso, altura e etc. Apresenta, pois, função mensuradora.
b) Compor a específica determinação da dívida – essa função da base de cálculo
juntamente com a exposta anteriormente possibilita a determinação do quatum
da prestação. Inicialmente estabelece-se a escolha de uma perspectiva
dimensível para a estipulação da importância correspondente ao tributo.
Posteriormente deve-se apontar qual fator deverá unir-se a essa perspectiva para
a determinação do quantum da prestação que poderá ser exigido pelo sujeito
ativo. É a função objetiva da base de cálculo.
c) Confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material da descrição
contida no antecedente da norma – esta é a função comparativa, a nossa
208 BRITTO, Lucas Galvão. Notas sobre a Regra-Matriz de Incidência Tributária. In VIII Congresso
Nacional de Estudos Tributários. Vários autores, coord. Priscila de Souza. São Paulo: Noeses, 2011. p.
759-760
147
experiência no âmbito tributário aponta que por vezes o legislador ao criar um
determinado tributo não observa valiosos preceitos constitucionais e infra legais
na composição da exação tributária. Nesse sentido, a base de cálculo
desempenha importante papel na verificação da constitucionalidade dos tributos.
Pela sua análise será possível confirmar, informar ou afirmar o verdadeiro
critério material da hipótese tributária.
Explicitando o assunto Paulo de Barros Carvalho faz a seguinte menção:
“Eis a base de cálculo, na sua função comparativa,
confirmando quando verificar perfeita sintonia entre o
padrão de medida e o núcleo do fato dimensionado,
infirmando, quando for manifesta a incompatibilidade
entre a grandeza eleita e o acontecimento que o legislador
declara como a medula da previsão fáctica. Por fim,
afirmando, na eventualidade de ser obscura a formulação
legal, prevalecendo, então, como critério material da
hipótese, a ação-tipo que está sendo avaliada.” 209
A relação da base de cálculo com a capacidade contributiva objetiva reside
na razão desta referir-se a fatos presuntivos que denotem sinais de riqueza, devendo ser
levada em consideração pelo legislador. Como afirma o autor supracitado, no Brasil, o
sistema do direito positivo exibe em todas as figuras tributárias conhecidas, a
observância do princípio da capacidade contributiva absoluta, uma vez que os fatos
escolhidos denotam signos de riqueza. Com decorrência, em todos eles há uma base de
cálculo e, com isso, campo para diretriz da igualdade. 210
Já a relação da base cálculo com o fato jurídico tributário pode ser
verificada na função mensuradora ao medir as proporções reais do fato. Por fim, a
função comparativa da base cálculo é proporcionada pela sua relação com a definição
das espécie tributárias ao passo que posta em comparação com o critério material da
209 Carvalho. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Ed. 21º. Saraiva. Pág. 366. 210 Trecho retirado da obra Carvalho. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Ed. 21º. Saraiva. Pág.
372.
148
hipótese, é capaz de confirmá-lo, informá-lo ou afirmar sua correspondência com os
ditames constitucionais.
4.2.1.3.2.2. Alíquota
A alíquota junta-se à base de cálculo para formar o montante do critério
quantitativo, ela é um componente aritmético que compõe o calculo da quantia a ser
paga. Quando a base de cálculo não for um valor em pecúnia a alíquota será.
Paulo de Barros Carvalho destaca que: “por manter elo tão intimo com a
base de cálculo, sua presença no contexto normativo é obrigatória, visto que a
grandeza do critério da hipótese é exigência constitucional inarredável, consoante se
vê dos arts. 145 parágrafo 2°, e 154, I, da Constituição da República de 1988. As
alíquotas podem assumir duas feições: a) um valor monetário fixo, ou variável em
função de escalas progressivas da base de cálculo (p. ex.: $ 1,20 por metro linear, até
100 metros; $ 2,40 por metro linear, de 100 a 300 metros, e assim por diante); ou b)
uma fração, percentual ou não, da base de cálculo (que neste caso será representada
por quantia monetária).”211
Pela variação de alíquotas o legislador consegue efetuar políticas
econômicas, implementar o fomento da economia com alíquota zero, verdadeira
isenção. Consegue manejar de modo rápido o aparato estatal na busca do
desenvolvimento econômico.
Pela proporcionalidade e progressão de alíquotas implementa-se o princípio
da igualdade tributária, pela via contrária o seu uso exacerbado pode ganhar ares
confiscatórios. Eis, então a regra-matriz de incidência tributária com todas as suas
variáveis.
211 CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª edição. Editora Saraiva, 2011. p. 384
149
CAPÍTULO V
Espécies de Sanções Tributárias
5. Espécies de sanções tributárias:
Como é sabido, o estabelecimento de penalidade não substitui o valor do
tributo devido, o art. 157 do CTN dipõe: A imposição de penalidade não ilide o
pagamento integral do crédito tributário. Assim, deve o contribuinte arcar com o tributo
e a multa que por conveniência são cobrados conjuntamente.
Abordaremos a seguir as variadas espécies de sanções tributárias que
permeiam a formação do crédito tributário e as não tributárias.
5.1 A multa penal
As multas de natureza penal tem outro regime, bem mais rígido. Previstas
no Código Penal, esta espécie de multa está elencada dentre as hipóteses do art. 32, inc.
III, por exemplo.
Regida pelo arts. 49 e seguintes do Código Penal, conforme o caput, 1ª
parte, do artigo 49 do CP, a pena de multa "consiste no pagamento ao fundo
penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa".
No caso, não temos sanção tributária, ou multa tributária. A multa
mencionada tem natureza penal, além das demais penas privativas de liberdade devem
ser aplicadas as penas de caráter pecuniário.
150
5.2. Multa de ofício
O procedimento para constituição dessa multa é o lançamento de ofício, daí
a nomenclatura “multa de ofício”.
Sobre o assunto, vale apontar a advertência de Paulo de Barros Carvalho,
para quem: “toda multa exerce função de apenar o sujeito a ela submetido, toda ela tem
natureza de sanção. As multas fiscais possuem caráter pessoal, devem recair sobre a
pessoa do infrator, aquele a quem incumbia o dever legal de adotar determinada
conduta.”
Com efeito, a multa de ofício recebe este nome pois seu veículo introdutor é
o Auto de Infração e Imposição de Multa ou o lançamento de ofício. Na esfera federal a
multa de ofício está prevista no art. 44, I, da Lei 9.430/96, corresponde a imposição de
75%.
5.3 Multa isolada
O termo “isolada” decorre da forma como é cobrada a multa pelo Fisco.
Não se admite sua cumulação com outra multa de ofício.
Paulo de Barros Carvalho muito bem define: “Multa isolada é o nome que
se dá ao procedimento sancionatório que, como o próprio nome indica, isoladamente
exige a multa por algum motivo que a lei o determina. Trata-se de um atributo que
qualifica a forma de exigência da multa pelo Fisco.”212
Podemos trazer como exemplo a multa prevista na Lei nº 9.430/96, art. 44,
inciso II: 50% exigida isoladamente, sobre o valor do pagamento mensal. Também na
212 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 873
151
hipótese de indeferimento do pedido administrativo de ressarcimento ou compensação,
Lei 9.430/96, artigo 74, parágrafos 15, 16 e 17:
Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os
judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou
contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal,
passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na
compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos
e contribuições administrados por aquele Órgão. (Redação dada
pela Lei nº 10.637, de 2002)
§ 15. Será aplicada multa isolada de 50% (cinquenta por cento)
sobre o valor do crédito objeto de pedido de ressarcimento
indeferido ou indevido. ( Incluído pela Lei nº 12.249, de 11 de
junho de 2010 ) (Vide Lei nº 12.249/2010, art. 139, inc I, d)
§ 16. O percentual da multa de que trata o § 15 será de 100%
(cem por cento) na hipótese de ressarcimento obtido com
falsidade no pedido apresentado pelo sujeito passivo. (Incluído
pela Lei nº 12.249, de 11 de junho de 2010 ) (Vide Lei nº
12.249/2010, art. 139, inc I, d)
§ 17. Aplica-se a multa prevista no § 15, também, sobre o valor
do crédito objeto de declaração de compensação não
homologada, salvo no caso de falsidade da declaração
apresentada pelo sujeito passivo. (Incluído pela Lei nº 12.249,
de 11 de junho de 2010) (Vide Lei nº 12.249/2010, art. 139, inc
I, d)
Sobre esta previsão devemos tecer crítica da mais alta relevância, é que a
hipótese não tem como pressuposto ato ilícito, seu antencedente é o pedido de
ressarcimento ou compensação indevido. A previsão viola, pois, o direito de petição.
152
Diante da conduta presente no suposto normativo a pena é exagerada, abusiva e
desproporcional, e o que é mais grave, não permite o contraditório.
Ressalve-se que por determinado período muitos créditos fraudulentos eram
utilizados, o Fisco para coibir esta prática impôs esta pesada multa, mas errou na mão e
colocou todos os contribuintes em situação delicada, qualquer pequeno deslize ou até
interpretação divergente pode dar ensejo a aplicação desta elevada multa, os
contribuintes sentem-se vacilantes e os pedidos de compensação diminuíram
vertiginosamente.
a) Compensação não homologada x Compensação não declarada
Como é sabido, quando infrutífero o pedido de compensação pode ensejar
diferentes multas consoante não tenha sido homologada a compensação ou quando ela
não tiver sido declarada.
Christine Mendonça no X Congresso Nacional de Estudos Tributários do
IBET aponta que em resumo, a multa isolada quando há compensação não-homologada
é de 50% do crédito, art. 74 § 17 da Lei 9.430/96, art. 45, 1°, I da IN 1300/2012; quando
há compensação não-declarada a multa isolada é de 75% do débito art. 18, §4° da Lei n.
10.833/03 e art. 46, 46, § 6º, I da IN 1300/2012.
Há o agravamento por não-atendimento de intimação, quando a
compensação não for homologada a multa é de 75% do débito, art. 44, §2°, da Lei n.
9.430/96. Em caso de compensação não declarada o agravamento por não-atendimento
de intimação atinge o patamar de 112,5% do débito, art. 44, §2° da Lei n. 9.430/96, art.
46, §7° da IN 1300/2012
Se houver declaração falsa a multa se a compesação não for homologada é
de 150% do débito, art. 18, §2° da Lei n. 10.833/03 e art. 45, §1°, II da IN 1300/2012.
153
se neste caso a compensação é não-declarada a multa passa a é de 150% do debito, com
fundamento no art. 18, §4° da Lei n. 10.833/03 e art. 46, §6°, II da IN 1300/2012.
Por fim, se o fisco detectar falsidade e o contribuinte também não-atender a
intimação haverá agravamento de 225% do débito art. 44, §2° da Lei n. 9.430/96 e art.
45, §2°, da IN 1300/2012 em caso de compensação não-homologada. Se a compensação
for não-declarada, é hipótese do art. 44, §2° da Lei n 9.430/96 e art. 46, §7° da IN
1300/2012, com imposição de multa no percentual de 225% do débito. Eis o quadro
comparativo213:
COMPENSAÇÃONÃO-HOMOLOGADA
COMPENSAÇÃO NÃO-DECLARADA
Multa isolada50% do crédito
Art. 74, § 17 da Lei 9.430/96 Art. 45, 1°§, I da IN 1300/2012
75% do débito Art. 18, §4° da Lei n.
10.833/03 Art. 46, 46, § 6º, I da IN
1300/2012
Agravamento por não-atendimento de intimação
75% do débito Art. 44, §2°, da Lei n. 9.430/96
112,5% do débito Art. 44, §2° da Lei n. 9.430/96 Art. 46, §7° da IN 1300/2012
Falsidade da declaração
150% do débito Art. 18, §2° da Lei n.
10.833/03 Art. 45, §1°, II da IN
1300/2012
150% do debito Art. 18, §4° da Lei n.
10.833/03 Art. 46, §6°, II da IN
1300/2012
Falsidade com agravamento por não-atendimento de intimação
225% do débito Art. 44, §2° da Lei n. 9.430/96 Art. 45, §2°, da IN 1300/2012
225% do débito Art. 44, §2° da Lei n 9.430/96 Art. 46, §7° da IN 1300/2012
213 Quadro apresentado por Christine Mendonça no X Congresso Nacional de Estudos Tributários do
IBET, 2013.
154
b) Concomitância
Outro tema que merece atenção é a cumulação de multas, frise-se que não é
legítimo aplicar concomitantemente multa isolada e multa de ofício, ou seja, a
incidência de uma exclui a da outra na medida em que deve haver aplicação apenas da
multa de ofício de 75% do art. 44, I, da Lei 9.430/96, não podendo somar-se com a
multa isolada pelo descumprimento de dever instrumental, pois a base de cálculo é a
mesma.
Outra questão delicada referente ao art. 44, II, b), da Lei 9.430/96 é a sua
aplicação nos casos de não antecipação da estimativa do IR, mesmo que o exercício já
tenha sido encerrado e se demonstre a ocorrência de prejuízos fiscais. Seria uma multa
isolada do tributo.
Ora, não se pode haver a concomitância. É que a Receita quando constata
irregularidades, tais como glosa de despesas ou omissões de receita, recompõe as bases
de cálculo mensais e anuais, efetuam o lançamento complementar de IRPJ e CSLL, e
aplicam, além da referida multa isolada, a multa de ofício no percentual de 75%.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais proferiu decisões
divergentes sobre o assunto:
Acórdão nº 9101-00.135 - 1ª Turma - Sessão de 11 de maio de 2009
Ementa: MULTA ISOLADA - INSUFICIÊNCIA DE RECOLHIMENTOS
MENSAIS POR ESTIMATIVA - Com a apuração do imposto devido ao final
do exercício, desaparece a base imponível da penalidade isolada
(antecipações), surgindo uma nova base, que corresponde ao imposto
efetivamente apurado, cabendo tão-somente a cobrança da multa de oficio
(se for o caso), que é devida caso o tributo não seja pago no seu vencimento
e apurado ex-officio.
Acórdão n° 9101-00.112 - 1ª Turma - Sessão de 11 de maio de 2009
155
Ementa: MULTA ISOLADA. ANO-CALENDÁRIO DE 2000, FALTA DE
RECOLHIMENTO POR ESTIMATIVA. CONCOMITÂNCIA COM MULTA
DE OFÍCIO EXIGIDA EM LANÇAMENTO LAVRADO PARA A
COBRANÇA DO TRIBUTO, Incabível a aplicação concomitante da multa
por falta de recolhimento de tributo sobre bases estimadas e da multa de
oficio exigida no lançamento para cobrança de tributo, visto que em ambas
penalidades tiveram como base o valor da receita omitida apurado em
procedimento fiscal.
Acórdão nº 9101-00.118 - 1ª Turma - Sessão de 11 de maio de 2009
Ementa: CONCOMITÂNCIA DA MULTA ISOLADA COM A DEVIDA POR
FALTA DE PAGAMENTO DE TRIBUTO OU CONTRIBUIÇÃO - Descabe
a concomitância da multa isolada por falta de recolhimento da estimativa
de que trata o art. 2° da Lei n° 9.430/96 com a multa proporcional ao
imposto devido decorrente de omissão de receitas, tendo ambas as multas
se baseado nos valores desviados da escrituração, sob pena de aplicar-se
dupla penalidade sobre uma mesma infração.
Acórdão nº 9101-00.135 - 1ª Turma - Sessão de 11 de maio de 2009
Ementa: CONCOMITÂNCIA DA MULTA ISOLADA COM A MULTA DE
OFÍCIO - Descabe a concomitância da multa isolada por falta de
recolhimento da estimativa de que trata o art. 2° da Lei n° 9.430/96 com a
multa de oficio decorrente da glosa de prejuízos fiscais compensados
indevidamente, sob pena de aplicar-se dupla penalidade sobre uma mesma
infração Vistos, relatados e discutidos os presentes autos
Acórdão 1401-00.483 - 1a. Turma da 4a Câmara, 24.02.2011
Ementa: MULTA ISOLADA. MULTA PROPORCIONAL.
CONCOMITÂNCIA.CABIMENTO. É cabível a aplicação da multa isolada
por falta/insuficiência de recolhimento de estimativas concomitantemente
com a multa proporcional ao tributo devido ao final do período de
156
apuração, pois distintas são as hipóteses de incidência legalmente
previstas.
A referida duplicidade de penalidades não deve ser sustentada. Deve
prevalecer a multa de ofício, uma vez que sanciona valor efetivamente não recolhido.
A concomitância multas vem sendo afastada pela 1ª Turma da Câmara
Superior de Recursos Fiscais: Acórdãos: 9101-01.113 de 02/08/11 e Acórdão 9101-
001693, julgado em 16/07/2013.
5.4. Multa agravada
Nesta espécie de multa a intensão do sujeito ganha relevância. Com a
demonstração de que o agente agiu com dolo, fraude ou simulação, a multa será
severamente agravada.
Para que haja sua correta aplicação a autoridade administrativa deve se
preocupar em provar o requisito subjetivo, caso contrário, não poderá agravar o valor da
multa.
O agravamento da multa de ofício na esfera federal ocorre, por exemplo,
quando há embaraço à fiscalização e o contribuinte não colabora com a entrega de
documentação relacionada ao período investigado:
§ 2º Os percentuais de multa a que se referem o inciso I do
caput e o § 1º deste artigo serão aumentados de metade, nos
casos de não atendimento pelo sujeito passivo, no prazo
marcado, de intimação para: (Redação dada pela Lei nº 11.488,
de 15 de junho de 2007)
157
I - prestar esclarecimentos; (Renumerado da alínea “a” pela Lei
nº 11.488, de 15 de junho de 2007)
II - apresentar os arquivos ou sistemas de que tratam os arts. 11
a 13 da Lei nº 8.218, de 29 de agosto de 1991; (Renumerado da
alínea “b” com nova redação pela Lei nº 11.488, de 15 de junho
de 2007)
III - apresentar a documentação técnica de que trata o art. 38
desta Lei. (Renumerado da alínea “c” com nova redação pela
Lei nº 11.488, de 15 de junho de 2007)
5.5. Multa qualificada:
Nessa espécie verifica-se uma infração grave. No âmbito da Receita Federal
do Brasil ela é aplicada nomeadamente quando há sonegação, fraude e conluio. Como
exemplo de multas qualificadas, temos na referida Lei nº 9.430/96, o art. 44, parágrafo
1º: 150%, que representa a duplicação da multa de 75% prevista no art. 44, inc. I da
mesma lei. Além daquela aplicada nas hipóteses dos art. 71, 72 e 73 da Lei 4.502/69,
independentemente de outras:
Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as
seguintes multas: (Redação dada pela Lei nº 11.488, de 15 de
junho de 2007)
I - de 75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou
diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta de
pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de
declaração inexata; (Redação dada pela Lei nº 11.488, de 15 de
junho de 2007)
158
II - de 50% (cinqüenta por cento), exigida isoladamente, sobre
o valor do pagamento mensal: (Redação dada pela Lei nº
11.488, de 15 de junho de 2007)
a) na forma do art. 8º da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de
1988, que deixar de ser efetuado, ainda que não tenha sido
apurado imposto a pagar na declaração de ajuste, no caso de
pessoa física; (Incluída pela Lei nº 11.488, de 15 de junho de
2007)
b) na forma do art. 2º desta Lei, que deixar de ser efetuado,
ainda que tenha sido apurado prejuízo fiscal ou base de cálculo
negativa para a contribuição social sobre o lucro líquido, no
ano-calendário correspondente, no caso de pessoa jurídica.
(Incluída pela Lei nº 11.488, de 15 de junho de 2007)
§ 1º O percentual de multa de que trata o inciso I do caput deste
artigo será duplicado nos casos previstos nos arts. 71, 72 e 73
da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964,
independentemente de outras penalidades administrativas ou
criminais cabíveis. (Redação dada pela Lei nº 11.488, de 15 de
junho de 2007)
É comum a aplicação de multa qualificada, prevista no art. 44 da Lei
9.430/96, por considerar ter havido “conduta reiterada”. O uso de critérios não
jurídicos mencionam a repetição.
Robson Maia Lins aponta que o problema é que inexiste norma
procedimental que descreva os elementos e a estrutura lógica do que se entende
por conduta reiterada, causando, pois, verdadeira ineficácia técnico-sintática da
norma jurídica, impossibilitando a aplicação do agravamento da penalidade em
virtude da reiteração, uma vez que o conceito continua indefinido no plano
jurídico tributário:
159
“A falta de disposições que permitam construir o conteúdo
deôntico do termo reiteração impossibilita sua utilização
como integrante de fato jurídico antecedente de norma
sancionatória tributária.” 214
No mencionado artigo, para esmiuçar a ideia de repetição Robson Maia
trabalha a conduta sob o ponto de vista da semiótica e analisa como os gestos podem ser
interpretados. Ele aponta como a reiteração é um problema de corte, mas vai além e
assinala como a jurisprudência tem levado em conta esses fatos inclusive fazendo
comparações com o âmbito penal.
Com efeito, aponta quatro traços fundamentais que o estudo do termo
“reiteração” pressupõe: (1) seja um em vários – pluralidade; (2) seja semelhante a
outro(s) – semelhança; (3) suceda a outro(s) – sucessão – e; (4) sejam, esse algo e o
outro, praticados pelo mesmo sujeito – individualização.
Nesse sentido, aduz o autor: “Para a formação do fato jurídico conduta
reiterada é preciso que o direito, enquanto linguagem, prescreva a forma em que esses
quatro traços devem ser verificados. É necessário que exista uma norma procedimental,
ou seja, uma norma que descreva os elementos formadores – ou mais precisamente, quê
caracteriza o movimento – da ação que se designará por “conduta reiterada”.”215
214 LINS, Robson Maia. “A reiteração e as normas jurídicas tributárias sancionatórias – A multa
qualificada da Lei 9.430/96”. In: VII Congresso Nacional de Estudos Tributários: Direito Tributário e os
Conceitos de Direito Privado. São Paulo: Noeses, 2010. p.1123 215 LINS, Robson Maia. “A reiteração e as normas jurídicas tributárias sancionatórias – A multa
qualificada da Lei 9.430/96”. In: VII Congresso Nacional de Estudos Tributários: Direito Tributário e os
Conceitos de Direito Privado. São Paulo: Noeses, 2010. p.1115
160
5.6. Multa de mora
a) natureza sancionatória x natureza indenizatória das multas
De plano firmamos posição no sentido de que as multas tributárias são todas
elas de caráter sancionatório, não sendo possível as separar em multa sancionatória e
multa indenizatória.
Sobre a natureza da multa de mora faz-se oportuno trazer a lição de Aliomar
Baleeiro:
“Tolerou-se a distinção entre multa moratória e penalidade em
tempos inflacionários, de alta instabilidade econômica, ou em
tempos em que, anomalamente, os juros de mercado são
especialmente atraentes. Nessas circunstâncias, a sanção — por
meio de multas moratórias — visa a desestimular o contribuinte
que prefere captar aqueles juros de mercado, antes de cumprir
suas obrigações tributárias. No entanto, se já são cobrados
aqueles juros, e até aquele limite, qualquer outra sanção
pecuniária mais elevada, não importa a denominação que tenha,
é penalidade, configurando uma punição sobre o patrimônio do
infrator, com vistas a coibir o comportamento ilícito. Multa,
qualquer que seja a adjetivação que lhe dê o legislador, é
sanção de ato ilícito, penalidade. Aliás, o Código Tributário
Nacional não distingue. Corretamente, chama de penalidades
inclusive as multas moratórias, conforme parágrafo único do
art. 134” 216
Não deve prosperar a comum distinção entre multas de mora e multas
punitivas, estas seriam as que detinham caráter sancionador, aquelas seriam para reparar
o atraso, sem caráter punitivo, meramente indenizatórias. Entendemos que toda multa
216 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 1040
161
tem caráter punitivo. Por isso, Paulo de Barros afirma que toda multa exerce função de
apenar o sujeito a ela submetido, tola ela tem natureza de sanção.
Sobre o fato jurídico moratório Robson Maia Lins escreveu de modo
profundo em sua Tese de Doutorado, assim como Pontes de Miranda ao trabalhar o
conceito de mora, explica:
1.MORA E MEMÓRIA. Mora vem de memor, lembrar,
recordar, tal como memória. Originariamente, assistir
pensando. Se o que devia não adimpliu, de modo que o que
tinha direito não recebeu, e esse exigiu e não se lhe
prestou, ou e aquele foi adimplir e viu recusada a
prestação, ficam a meditar, a recordar, pelo tempo fora. O
que não adimpliu ou o que recusou se põe em retardo, se
atrasa, e esse escorrer de tempo, essa demora, em que se
pode prestar e não se presta, ou em se poder receber e não
se recebe, é o tempo da mora; por abreviação, a mora.
Mora do devedor (mora debitoris) é o retardo, a demora,
contrária a direito, da prestação, por alguma causa
imputável a ELE. Mora do credor (mora creditoris, mora,
accipiendi) é o retardo no adimplemento pelo credor,
porque o credor omite a cooperação indispensável. Não há
mora sem demora; por isso mesmo, se a prestação não
mais pode ser feita, não há mora: há impossibilitação da
prestação. 217
Como salientado, as multas fiscais possuem caráter pessoal, devem recair
sobre a pessoa do infrator, aquele a quem incumbia o dever legal de adotar determinada
conduta. Com efeito, o STF sumulou 565: “a multa fiscal moratória constitui pena
administrativa, não se incluindo no crédito habilitado.”
217 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Vol. 23. Rio de Janeiro:
Editor Borsoi, 1970.
162
Pontes de Miranda218 pontua muito bem: “Para que haja mora é preciso que
possa ser imputada, isto é, que possa a qualquer pessoa ser possível a prestação
tempestiva; portanto que não tenha havido impossibilidade objetiva. Se houve
impossibilidade objetiva, mas causada por culpa, há responsabilidade, sem se precisar
do fato da mora.”
Seguimos entendimento segundo o qual toda multa possui caráter
sancionatório.
Característica que distingue a mora no Direito Tributário é o fato de não
depender de interpelação como ocorre no direito privado. Nesse sentido, Paulo de
Barros Carvalho: “ao contrário do que se dá com as obrigações de direito privado, não é
preciso interpelação do devedor para que este seja constituído em mora” 219
Como exemplo da multa de mora temos a Lei nº 9.430/96, art. 61 que
estabelece multa de mora de 0,33% ao dia até estratificar-se no limite de 20%.
b) princípio da retroatividade da lei mais benéfica em matéria de penalidades
Pela leitura do art. 106, II, c, do Código Tributário Nacional depreende-se
que vige o princípio da retroatividade da lei mais benéfica em matéria de penalidades,
incluindo-se dentre o rol a multa de mora. Em caso de superveniencia de lei menos
severa, deve ser aplicada retroativamente aquela mais benigna caso o ato não esteja
definitivamente julgado:
Art. 106 - A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
218 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Vol. 23. Rio de Janeiro:
Editor Borsoi, 1970. 219 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito Tributário. 21. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 492
163
I - em qualquer caso, quando seja expressamente
interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração
dos dispositivos interpretados;
II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:
a) quando deixe de defini-lo como infração;
b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer
exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido
fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de
tributo;
c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista
na lei vigente ao tempo da sua prática.
Exemplifiquemos com julgado que aplicou a multa de mora mais benéfica
de 20% prevista na Lei 9.430 de 1996:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À
EXECUÇÃO FISCAL. MULTA DE MORA.
RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA. I. Consigno
ser a hipótese de cabimento do reexame necessário, nos termos
do artigo 475 do CPC. II. Plenamente aplicável, na espécie, a
redução do percentual da multa de 30% para 20%, com
base na Lei nº 9.430/96, artigo 61. III. Apelação e reexame
necessário desprovidos.
(TRF-3 - AC: 3427 SP 0003427-78.2012.4.03.6106, QUARTA
TURMA Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL ALDA
BASTO, Data de Julgamento: 16/01/2014)
5.7 Juros de mora
Os juros no direito positivo tributário brasileiro tem grande importância,
pois quase tudo no Direito Tributário gira em torno do pagamento de tributos ao Estado.
164
Pontes de Miranda explica: “Os juros moratórios são indenização ao credor;
na restituição das vantagens que tem ou poderia ter o devedor com ter ficado com a
prestação.”220
O art. 161 do Código Tributário Nacional preceitua: o crédito não
integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo
determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da
aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária. Em
seu parágrafo primeiro o dispositivo estabelece o percentual de 1% se a lei não dispuser
de modo diverso. No âmbito da Receita Federal aplica-se a taxa SELIC.
Sobre o tema é interessante o debate quanto à possibilidade ou não da
cumulação com a multa de mora. Prevalece o entendimento pela permissão da cobrança
cumulada, STJ, 2ª T., Resp 836.434/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, mai/08:
STJ - Ementa: TRIBUTÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO
FISCAL – SALÁRIO-EDUCAÇÃO – CUMULAÇÃO DE
MULTA COM JUROS MORATÓRIOS: POSSIBILIDADE –
APLICAÇÃO DA UFIR – LEGALIDADE – FALTA DE
PREQUESTIONAMENTO: SUMULA 282/STF.
1. Acórdão que, sequer implicitamente, manifestou-se sobre o
art. 918 do CC. Súmula 282/STF.
2. É legítima a cobrança de juros de mora cumulada com multa
fiscal moratória. Os juros de mora visam à compensação do
credor pelo atraso no recolhimento do tributo, enquanto que a
multa tem finalidade punitiva ao contribuinte omisso. 3.
Legalidade da aplicação da UFIR a partir de janeiro/1992.
Precedentes. 4. Recurso especial conhecido em parte e, nessa
parte, não provido.
220 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Vol. 23. Rio de Janeiro:
Editor Borsoi, 1970.
165
(REsp 836434 / SP, RECURSO ESPECIAL, 2006/0072710-1,
Relator(a) Ministra ELIANA CALMON (1114), Órgão
Julgador, T2 - SEGUNDA TURMA, Data do Julgamento
20/05/2008, Data da Publicação/Fonte DJe 11/06/2008)
Funcionam como remuneração do capital, os juros de mora não têm fins
punitivos. Entende-se que o juro de mora é uma forma de pagamento pelo pagamento
atrasado. No entanto, sua incidência sobre multas é controversa:
DIREITO TRIBUTÁRIO. INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA
SOBRE MULTA FISCAL PUNITIVA. É legítima a incidência
de juros de mora sobre multa fiscal punitiva, a qual integra o
crédito tributário. Precedentes citados: REsp 1.129.990-PR,
DJe 14/9/2009, e REsp 834.681-MG, DJe 2/6/2010. AgRg no
REsp 1.335.688-PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em
4/12/2012.
Questão da mais alta ordem discute o efeito de decisão judicial que exime
do pagamento de tributo durante vários anos e após é revogada, no caso, a vigência da
decisão judicial alterou o vencimento do crédito? O contribuinte protegido por decisão
judicial estava em mora? Entendemos que não estava em mora, e portanto altera-se o
vencimento.
Observação interessante é trazida por Paulo de Barros Carvalho, para quem
a mora caracteriza-se, nos termos do artigo 394 do Código Civil brasileiro, pela
ausência do pagamento no tempo, lugar e forma previstos e quando há decisão judicial,
o comando por ela emitido deve ser seguido, sob pena de desencadear a aplicação da
norma sancionadora. A obediência à norma individual e concreta (decisão judicial) não
pode causar sanção alguma, em termos lógicos “todo aquele a quem é cometido um
166
dever jurídico tem direito de cumpri-lo.” Op→Pp (se alguém está obrigado à conduta
“p”, então esse alguém tem a permissão de cumprir essa conduta “p”) 221
Na opinião de Sacha Calmon: “Está claro que a mora compensa o
pagamento a destempo, e que a multa o pune. Os juros de mora em Direito Tributário
possuem natureza compensatória (se a Fazenda tivesse o dinheiro em mãos já poderia
tê-lo aplicado com ganho ou quitado seus débitos em atraso, livrando-se, agora ela, da
mora e de suas consequências). Por isso os juros moratórios devem ser conformados ao
mercado, compensando a indisponibilidade do numerário. A multa, sim, tem caráter
estritamente punitivo, e por isso é elevada em todas as legislações fiscais, exatamente
para coibir a inadimplência fiscal ou ao menos para fazer o sujeito passivo sentir o peso
do descumprimento da obrigação no seu termo. Cumulação de penalidades? Os juros
não possuem caráter punitivo, somente a multa.”222
Leandro Paulsen, cita Antônio Carlos Rodrigues do Amaral que explica:
“Juros moratórios, ensina a doutrina e a jurisprudência,
representam uma indenização pela utilização de um capital
impropriamente detido em mãos alheias. Isto é, são aplicáveis
com caráter indenizatório pelo descumprimento de uma
obrigação no prazo estipulado. Juros compensatórios, também
no sentido doutrinário e jurisprudencial, são interpretados como
frutos do capital empregado. Isto é, resultam da utilização
consentida de capital de terceiros, remunerando-o. A diferença
essencial entre ambos, nessa perspectiva, é que os juros
moratórios incidem a partir do vencimento de uma obrigação
como característica punitiva e indenizatória e os juros
compensatórios, por sua vez, incidem entre a data em que o
capital alheio foi transferido a um terceiro para a sua fruição, e
221 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 882 222 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Liminares e Depósitos Antes do Lançamento por Homologação –
Decadência e Prescrição, 2ª ed., Dialética, 2002, p. 26
167
o momento do adimplemento da obrigação, na forma e nos
prazos avençados, e segundo a legislação aplicável.” 223
5.8 Correção monetária
A correção monetária visa recuperar a desvalorização inflacionária do
capital. O Código Tributário Nacional dispõe em outros casos sobre essa perda de valor
da moeda ao longo do tempo: Art. 97, § 2º: "não constitui majoração de tributo a
atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo."
5.9 Sanções políticas
As sanções políticas são frequentes e atentam contra o livre exercício da
atividade econômica, artigos 5º, inciso XIII, e 170, parágrafo único, da CF/88. O
Supremo Tribunal Federal por sua Súmula 547 já as rechaçou.
São exemplos de sanções políticas as multas de valor fixo por atraso na
entrega de arquivos digitais, nesses casos limitados a 2% de faturamento, estas tornam-
se completamente desproporcionais, onde, por exemplo, o AIIM é de R$ 30.000,00
reais e a multa pelo atraso na entrega dos documentos é de R$ 30.000.000,00, uma vez
que a base de cálculo é o faturamento diário.
Outro exemplo de sanções políticas são as multas na importação que não
guardam relação com o tributo devido, mas incidem sobre o valor da operação.
Ademais, muitas vezes, o fisco ainda impõe o regime especial de fiscalização no canal
cinza, onde a mercadoria fica travada e o importador não consegue entregar,
223 RODRIGUES DO AMARAL, Antônio Carlos. Da Aplicação das Taxas de Juros SELIC Sobre
Impostos e Contribuições, Repertório IOB de Jurisprudência/98, Verbete 1/12726; Citado por:
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da
jurisprudência. 15. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2013. p. 1119
168
encarecendo o produto que precisa de um hedge altíssimo. Isto ocorreu com a
importação do Playstation.
O TJRS decretou que a Fazenda Pública não pode exigir prestação de
garantia ou a quitação de débitos de natureza fiscal para emitir a Autorização para
Impressão de Documentos Fiscais (AIDF):
TJRS - APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO.
DIREITO TRIBUTÁRIO. AUTORIZAÇÃO PARA
IMPRESSÃO DE DOCUMENTOS FISCAIS (AIDF).
NEGATIVA EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE
PENDÊNCIAS FISCAIS. IMPOSSIBILIDADE. Tendo em
vista o disposto nos artigos 5º, inc. XIII, e 170 da Constituição
Federal e nas Súmulas números 70, 323 e 547 do STF, é vedado
à Fazenda Pública condicionar a concessão de Autorização para
Impressão de Documentos Fiscais (AIDF) ao pagamento de
crédito tributário pendente, à emissão de notas fiscais avulsas ou
à concessão de garantia. Até porque, dispõe a Fazenda Pública
de meios legais e privilegiados para a satisfação de seus
créditos. Precedentes. NEGADO SEGUIMENTO AO
RECURSO. APLICAÇÃO DO ART. 557, CAPUT, DO CPC.
SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO.
(RTH, Nº 70061728267, N° CNJ: 0365389-58.2014.8.21.7000,
Relator. DES. RICARDO TORRES HERMANN, 18 de
fevereiro de 2015)
Dentre as variadas formas encontradas pelo Fisco para cobrar tributos, a
apreensão de mercadorias ou documentos é das mais elegidas, uma vez que o
contribuinte mesmo diante de tributação ilegal se sujeita ao pagamento do imposto para
liberar o produto, em alguns casos perecíveis.
A pena de perdimento, é muito aplicada pela Inspetoria da Receita Federal
ao controlar a entrada de produtos e mercadorias no país. O Fisco lastreia-se, por
exemplo, nos termos do art. 104 e do art. 105 do Decreto-Lei 37/66, ou ainda dos
artigos 23 e 27 do Decreto-Lei 1.455/76, ou art. 675 e seguintes do Decreto 6.759/09. A
pena de perdimento pode se dar pelo descumprimento de deveres instrumentais,
considera-se, pois, nesses casos, típica sanção política.
169
Com efeito, Heleno Tôrres pontua: “a sanção de perdimento de bens tem
tanto caráter de intervenção típica de poder de polícia quanto de modalidade própria de
sanção tributária” 224
As chamadas sanções políticas são historicamente ofensivas à Constituição
Federal, o STF já sumulou em mais de uma oportunidade a questão e não admite essa
forma de cobrança:
SÚMULA Nº 70: É INADMISSÍVEL A INTERDIÇÃO DE
ESTABELECIMENTO COMO MEIO COERCITIVO PARA
COBRANÇA DE TRIBUTO.
SÚMULA Nº 323: “É INADMISSÍVEL A APREENSÃO DE
MERCADORIAS COMO MEIO COERCITIVO PARA
PAGAMENTO DE TRIBUTOS.”
SÚMULA Nº 547: NÃO É LÍCITO À AUTORIDADE
PROIBIR QUE O CONTRIBUINTE EM DÉBITO ADQUIRA
ESTAMPILHAS, DESPACHE MERCADORIAS NAS
ALFÂNDEGAS E EXERÇA SUAS ATIVIDADES
PROFISSIONAIS.
SÚMULA Nº 53 - TRF-2ª RG: VIOLA A GARANTIA
CONSTITUCIONAL DO LIVRE EXERCÍCIO DE
QUALQUER TRABALHO, OFÍCIO OU PROFISSÃO, A
SUSPENSÃO DO DIREITO DE EXERCER A ADVOCACIA,
PREVISTA NO ART. 37, I, §§ 1º E 2º, DA LEI Nº 8.906/1994,
EM RAZÃO DO INADIMPLEMENTO DA
CONTRIBUIÇÃO ANUAL DEVIDA À ORDEM DOS
ADVOGADOS DO BRASIL.
224 TÔRRES, Heleno Taveira. Pena de Perdimento de Bens e Sanções Interventivas em Matéria
Tributária. RET nº 57/22, set-out/07
170
Ao prevalecer os posicionamentos mencionados, privilegia-se o direito ao
livre exercício de atividades econômicas, bem como ao devido processo legal. Sobre o
assunto, eis a seguinte jurisprudência aceitando parcialmente a sanção política:
DIREITO TRIBUTÁRIO. APLICABILIDADE DA PENA DE
PERDIMENTO A MERCADORIAS IMPORTADAS.
A mercadoria importada qualificada como bagagem
acompanhada que fora apreendida em zona secundária e
desacompanhada de Declaração de Bagagem Acompanhada
(DBA) será restituída ao viajante até o limite da cota de isenção
determinada pela Receita Federal (art. 33 da IN 1.059/2010 da
RFB), aplicável a pena de perdimento em relação à mercadoria
que exceda esse limite. Isso porque, conforme dispõe o art. 33
da IN 1.059/2010 da RFB, o viajante procedente do exterior
poderá trazer, com a isenção a que se refere o caput do art. 32,
em sua bagagem acompanhada (art. 2º, III), livros, folhetos,
periódicos, bens de uso ou consumo pessoal e outros bens cujos
limites de valor global não ultrapassem os limites da cota de
isenção determinada por esse dispositivo normativo. De fato, de
acordo com o art. 3º, os “viajantes que ingressarem no território
brasileiro deverão efetuar a declaração do conteúdo de sua
bagagem, mediante o preenchimento, a assinatura e a entrega à
autoridade aduaneira da Declaração de Bagagem Acompanhada
(DBA)”. Todavia, o art. 3º-A, caput, dessa mesma Instrução
Normativa, determina que estão dispensados de apresentar a
DBA de que trata do art. 3º “os viajantes que não estiverem
obrigados a dirigir-se ao canal ‘bens a declarar’”. Ocorre que,
entre os viajantes que estão obrigados a dirigir-se ao canal “bens
a declarar” – e que, portanto, devem apresentar a DBA –
enquadra-se o viajante que trouxer “bens cujo valor global
ultrapasse o limite de isenção para a via de transporte, de acordo
com o disposto no art. 33” (art. 6º, VIII, da IN 1.059/2010 da
RFB). Deste modo, se o que está dentro da cota de isenção
dispensa declaração de bens, conclui-se que a pena de
perdimento só é pertinente aos produtos que, por estarem acima
dos limites da cota, venham a configurar dano ao erário, nos
termos do art. 689 do Decreto 6.759/2009, já que, quanto a eles,
há sim a obrigação de apresentação de declaração e demais
formalidades de internação. REsp 1.443.110-PR, Rel. Min.
Humberto Martins, julgado em 12/8/2014.
Outro exemplo de providência desfavorável é a sujeição de determinada
empresa ou grupo de empresas pertencentes a setor econômico específico a regime
171
especial de tributação, ou, por outro lado, a cassação de regime especial, quando este é
mais benéfico. A medida não configura sanção em sentido estrito, pois o fato jurídico, o
antecedente normativo não é conduta ilícita, seria apenas uma conduta indesejável.
O Fisco busca um maior controle, caracterizando-se como medida punitiva a
perda de benefício, da mesma forma, a inclusão de contribuinte em regime fiscal
especial.
Há ainda, punição mais severa como o cancelamento de registro e interdição
de estabelecimento (art. 2º, II do Decreto-lei 1.593/77)
Cumpre, observar os casos de requisição de regularidade fiscal para registrar
empresas, emissão de certidões, transferência de imóveis, etc.
As providências são inúmeras, encontramos sanções das mais criativas,
todas com o escopo de forçar o pagamento de tributos, mas em muitos casos a
razoabilidade e a proporcionalidade não estão presentes e elas são afastadas no
judiciário.
Ao trazer as noções, os conceitos e definições básicas das multas e dos
crimes, pretendemos levantar questões periféricas de temas correlatos, para desaguar no
grande problema de direito penal tributário e das multas qualificadas pela subjetividade.
5.10. Hipóteses de exclusão da penalidade
a) Anistia
O código tributário nacional dispõe:
Art. 175 - Excluem o crédito tributário:
I - a isenção;
II - a anistia.
172
Em matéria de multas tributárias importa assinalar a regulamentação pelo
CTN da anistia:
Art. 180. A anistia abrange exclusivamente as infrações
cometidas anteriormente à vigência da lei que a concede, não se
aplicando:
I - aos atos qualificados em lei como crimes ou contravenções e
aos que, mesmo sem essa qualificação, sejam praticados com
dolo, fraude ou simulação pelo sujeito passivo ou por terceiro
em benefício daquele;
II - salvo disposição em contrário, às infrações resultantes de
conluio entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas.
Art. 181. A anistia pode ser concedida:
I - em caráter geral;
II - limitadamente:
a) às infrações da legislação relativa a determinado tributo;
b) às infrações punidas com penalidades pecuniárias até
determinado montante, conjugadas ou não com penalidades de
outra natureza;
c) a determinada região do território da entidade tributante, em
função de condições a ela peculiares;
d) sob condição do pagamento de tributo no prazo fixado pela
lei que a conceder, ou cuja fixação seja atribuída pela mesma lei
à autoridade administrativa.
Art. 182. A anistia, quando não concedida em caráter geral, é
efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade
administrativa, em requerimento com a qual o interessado faça
prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos
requisitos previstos em lei para sua concessão.
Parágrafo único. O despacho referido neste artigo não gera
direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no
artigo 155.
Paulo de Barros Carvalho, pontua:
“Anistia fiscal é o perdão de falta cometida pelo infrator de
deveres tributários e também quer dizer o perdão da penalidade
a ele imposta por ter infringido mandamento legal. Tem, como
se vê, duas acepções: a de perdão pelo ilícito e a de perdão da
multa. As duas proporções semânticas do vocabulário anistia
oferecem matéria de relevo para o Direito Penal, razão porque
os penalistas designam anistia o perdão do delito e o indulto o
perdão da pena cominada para o crime. Voltando-se para
apagar o ilícito tributário ou a penalidade infligida ao autor da
ilicitude, o instituto da anistia traz em si indiscutível caráter
retroativo, pois alcança fatos que se compuseram antes do
173
termo inicial da lei que a introduz no ordenamento. Apresenta
grande similitude com a remissão, mas com ela não se
confunde. Ao remir, o legislador tributário perdoa o débito
tributário, abrindo mão do seu direito subjetivo de percebê-lo;
ao anistiar, todavia, a desculpa recai sobre o ato da infração ou
sobre a penalidade que lhe foi aplicada. Ambas retroagem,
operando em relação jurídica já constituídas, porém de índole
diversa: a remissão, em vínculo obrigacional de natureza
estritamente tributária; a anistia, igualmente em liames de
obrigação, mas de cunho sancionatório.225
Em matéria tributária, regra geral, a anistia é prevista em leis de
parcelamento como o art. 1º da Lei n° 11.941/2009:
b) Denuncia Espontânea
A ação fiscal, regra geral, tem início com a lavratura do chamado “Termo de
Início de Fiscalização”, mas, também, pode iniciar-se por outros atos, como a apreensão
de mercadorias, livros ou documentos, e, em se tratando de mercadorias importadas,
com o começo do despacho aduaneiro.
Frise-se, por oportuno, que o principal efeito do início da fiscalização é a
exclusão da espontaneidade da denúncia pelo sujeito passivo, para fins do artigo 138 do
Código Tributário Nacional:
225 CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Editora Saraiva, 2010. p. 337
174
Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia
espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do
pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do
depósito da importância arbitrada pela autoridade
administrativa, quando o montante do tributo dependa de
apuração.
Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia
apresentada após o início de qualquer procedimento
administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a
infração.
Como expõe Paulo de Barros Carvalho, para que se tenha denúncia
espontânea, necessário se faz a conjugação dos seguintes elementos:
(i) comunicação espontânea, ao Fisco, da infração praticada;
(ii) tratando-se de infração consistente na ausência ou insuficiência de
pagamento, o recolhimento do tributo devido, acompanhado de juros
de mora; e
(iii) inexistência de procedimento administrativo ou medida de
fiscalização instalados para apurar aquela ilicitude.
No entendimento de Paulo de Barros “a iniciativa do sujeito passivo,
promovida com a observância desses requisitos, tem a virtude de evitar a aplicação de
multas de natureza punitiva, porém não afasta os juros de mora e a chamada multa de
mora, de índole indenizatória e destituída do caráter de punição.”226
O art. 136 do CTN dispõe sobre a responsabilidade objetiva. A doutrina
defende que o modo para exclusão da responsabilidade por infrações tributárias é a
denúncia espontânea do ilícito, porém ela não afastaria os juros de mora e nem a multa
de mora.
No entanto, em sentido antagônico, entendo que toda multa tem caráter
sancionatório, com efeito, deve-se excluir inclusive a multa de mora em caso de
denuncia espontânea.
226 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 863
175
Nessa trilha, Paulo de Barros Carvalho, quanto à disputa multa de mora X
denúncia espontânea, proclama:
“toda multa exerce função de apenar o sujeito a ela submetido,
tendo em vista o ilícito por ele praticado. Para além do rigor,
com o objetivo de esclarecer o que se incluiria na hipótese de
denúncia espontânea, a multa fiscal, qualquer que seja sua
modalidade, é espécie de sanção tributária consistente numa
prestação pecuniária, compulsória, que sobrevém como
decorrência da prática de determinadas infrações. É, pois, típica
sanção de ato ilícito. (...) todas as multas fiscais, incluídas as
chamadas `moratórias´, têm, incontestavelmente, a natureza de
sanção, advindo da inobservância de um dever jurídico. São,
portanto, inexigíveis, quando configurada a denúncia espontânea
a que se refere o art. 138 do CTN.” 227
227 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2011. p. 898-899
176
CAPÍTULO VI
Norma Penal Tributária
6. Direito Penal Tributário X Direito Tributário Penal
Ao criminalizar o evento do descumprimento de uma obrigação tributária ou
de um dever instrumental, o fato jurídico penal toma por base uma relação de cunho
tributário. Nesse sentido, para melhor exame cognoscitivo o cientista cinde o Direito em
porções menores, no entanto, o entrelaçamento de conceitos é inevitável.
Nesse sentido, toma-se o Direito Penal Tributário enquanto espécie do
Direito Penal.
Por outro lado, o Direito Tributário Penal refere-se às relações jurídicas
tributárias de cunho sancionador, como as normas primárias sancionatórias, no entanto,
são infrações puramente tributárias não penais.
Como fica a incidência da norma penal, quando há presunção no âmbito
administrativo? Existe verdade real a ser preservada? É possível considerar aplicarem-
se, no âmbito tributário, preceitos do campo penal que incorporem a proporcionalidade
na incidência das sanções, levando-se em conta, por exemplo, a boa-fé ou a reiteração?
Existem níveis diversos da ilicitude tributária, com a possibilidade de gradação das
multas pelo intérprete? Deveria existir?
Em todos esses questionamentos a conversação entre os dois ramos do
direito é extremamente vantajosa.
Certamente muito proveitoso o aproveitamento de princípios do Direito
Penal para estipulação de sanções tributárias. Contudo, a expressão Direito Tributário
Penal não parece adequada, uma vez que não se tratam de normas penais.
177
Sasha Calmon ressalta: “Já em 1904, o italiano Giovanni Carano Dovito
esboçava o lineamento de uma Teoria Geral do Direito Penal Tributário concluindo
pela necessidade de emancipar a disciplina.”
Braulio Bata Simões228 explica que a lei penal que descreve delitos de fundo
tributário não pode ser aplicada sem apoio no Direito Tributário, exatamente porque os
tipos penais nela descritos são complementados pelas normas tributárias. São as normas
penais em branco, que buscam sua integração em outros diplomas de modal deôntico. E
pontua: realmente, só é possível entender os delitos penais tributários (contrabando,
descaminho, sonegação fiscal, apropriação indébita, etc) compreendendo corretamente
os fenômenos que o Direito Tributário regula. Desta forma, concebe-se o Direito Penal
Tributário como uma forma didática de se estudar as infrações penais que tenham por
objetividade jurídica a Ordem Tributária, servindo como lembrança que, em certas
ocasiões, não poderá ser olvidado o estudo de institutos do direito tributário.
Sobre o problema das normas penais em branco Angela Maria da Motta
Pacheco229 há muito já criticava.
Em suma, a expressão “direito penal tributário” é utilizada como ramo do
direito penal relacionado a tributos, já a nomenclatura “direito tributário penal”, refere-
se às sanções fiscais, como multas e apreensão de mercadorias.
a) Criminalização de condutas relacionadas ao pagamento de tributos
Angela Maria da Motta Pacheco ao explicar a importância do tema de seu
livro “Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias”, de modo preciso conseguiu
sintetizar a preocupação que também compartilho:
228http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12162&re
vista_caderno=26 229 PACHECO, Angela Maria da Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. São Paulo:
Max Limonad, 1997. p. 257-258
178
Os ordenamentos jurídicos revelam crescente ampliação do
sistema sancionatório. (...)
Para o descumprimento de cada obrigação, está prevista uma
sanção.
Entretanto, estas sanções nem sempre parecem suficientes para
desestimular o cidadão à prática de um comportamento ilícito.
Neste passo os ordenamentos jurídicos dos estados
democráticos contemporâneos, estão lançando mão do
direito penal. Este que era dirigido à proteção de bens valiosos,
tais como a vida, liberdade e patrimônio, invade os outros ramos
do direito, com as leis penais em branco, leis de superposição na
tentativa de impedir dano a outros bens e retirar o infrator do
convívio com seus semelhantes. São impostas penas de privação
de liberdade àqueles que cometem infrações administrativas,
tributárias e outras contra o Estado. Volta-se aos crimes de lesa-
majestade, ressuscitando os retrógrados fantasmas do passado
com a finalidade de reprimir as ações prejudiciais ao Estado mas
com isso ferindo de morte a árdua conquista dos direitos
fundamentais do homem, reconhecida nas constituições desses
Estados.
Urge, pois esclarecer, discernir e colocar cada uma dessas
sanções nos campos do direito que lhe dizem respeito, sob
pena de, não o fazendo, permitir a confusão, combustão e,
quiçá, a fusão de elementos heterogêneos e de natureza
diversa causando prejuízo e insegurança às relações
jurídicas. 230 (grifo nosso)
Com essas pontuais palavras, Angela Maria da Motta Pacheco consegue
demonstrar a preocupação com o surgimento vigoroso de novas sanções e mais do que
isto, com a apreensão diante da crescente criminalização de condutas.
O problema bastante criticado por Robson Maia Lins, em sua disciplina
“Direito Tributário Sancionatório” resta evidente na medida em que há o que o
professor chama de ascendente atomização de condutas que em verdade fazem
parte de um mesmo processo, sendo que cada pequeno ato dá origem a uma nova
230 PACHECO, Angela Maria da Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. São Paulo:
Max Limonad, 1997. p. 39
179
sanção. Ou seja, Robson Maia identifica que o seccionamento exagerado das
providencias acessórias ao pagamento de tributos gera um número desmedido de
sanções pelo seu descumprimento, quando de fato, todas essas condutas atomizadas
somadas, fazem parte de um único processo.
Fraciona-se o procedimento para sancionar diferentes atos. Há uma
segregação dos fatos simples em complexivos, continuados, fracionando os deveres
instrumentais, ao invés de referir-se ao procedimento como um todo. Cria um
verdadeiro sistema cumulativo de sanções (não envio, envio incorreto, etc.)
Em âmbito penal, temos o princípio da consução, crime formal, crime
continuado, crime de resultado, concurso de crimes e a crítica de Robson Maia Lins à
atomização pode ser comparada ao concurso formal de crimes, como por exemplo a
impossível a redução do IRPJ, sem reduzir, simultaneamente, também, o PIS e a
CSLL231
231 Notícias STF
Segunda-feira, 03 de março de 2014
Suspensa execução de pena imposta a condenado por crime contra a ordem tributária
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux concedeu medida liminar no Habeas Corpus
(HC) 120587 para suspender a execução da pena de 4 anos e 8 meses de reclusão, em regime inicial
semiaberto, imposta a P.V.C. pelo Tribunal Regional da 3ª Região (TRF-3) por crime contra a ordem
tributária, previsto no artigo 1º, incisos I e II, da Lei 8.137/1990.
A condenação foi determinada pelo TRF-3 ao prover apelação interposta pelo Ministério Público Federal
(MPF) contra sentença absolutória de primeira instância. De acordo com os autos, foram interpostos
recursos especial ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e extraordinário ao Supremo, mas tais recursos
foram inadmitidos, “ensejando o trânsito em julgado da condenação”. A defesa ainda impetrou HC no
STJ, que não foi conhecido (rejeitado) por aquela corte. É contra essa decisão que a defesa impetrou o
habeas no STF.
Defesa
No Supremo, a defesa alega a iminência de seu cliente ser preso e sustenta que, na condenação, foi
aplicada causa de aumento da pena prevista no artigo 12, inciso I, da Lei 8.137/1990, cabível na hipótese
de o crime ocasionar grave dano à coletividade. Segundo o HC, o acórdão do TRF-3 não poderia ter
exacerbado a pena, pois em nenhum momento da denúncia o Ministério Público narra a existência de tal
circunstância.
A defesa alega também que o reconhecimento do concurso formal de crimes, pelo acórdão
condenatório, foi indevida, pois, não haveria três infrações distintas contra a ordem tributária.
Sustenta que, nos termos do artigo 1º, caput, da Lei 8.137/1990, o resultado é único, qual seja, a
redução de tributo. “No caso, impossível a redução do IRPJ, sem reduzir, simultaneamente,
também, o PIS e a CSLL”, argumenta a defesa.
Decisão
Ao conceder a liminar, o ministro Luiz Fux observou que as questões trazidas no HC possuem
plausibilidade jurídica e merecem ser enfrentadas pelo colegiado [1ª Turma] no julgamento de mérito.
Segundo o relator, “o tema exposto na [petição] inicial é complexo e, por isso, demanda análise
exauriente, inviável em sede cautelar, por descaber falar em teratologia no ato impugnado”. Entretanto,
180
Com efeito, investigar a essência das multas e dos crimes contra a ordem
tributária é necessidade premente.
6.1 Incidência da Norma Penal Tributária e da Norma Tributária Sancionadora
Um dos objetivos buscados pelo Estado, com a edição de leis penais
tipificando delitos fiscais, é proteger o bem jurídico da arrecadação, procurando
minimizar eventuais déficits em função da evasão fiscal, que consiste na prática de atos
ilícitos tendentes a ocultar o fato gerador ocorrido, ou a diminuir ilicitamente o impacto
econômico do tributo. Eis os crimes contra a ordem tributária232.
A norma jurídica positivada exprime o resultado de um debate sobre a
proteção de um valor. No caso presente, o legislativo entendeu por bem, proteger o bem
jurídico da arrecadação com a mais elevada sanção do Direito: a pena restritiva de
liberdade do Direito Penal.
Sob esta ótica, Luciano Amaro afirma que existem dois sistemas legais
sancionatórios através do Estado, “o criminal, implementado segundo o Direito Penal,
através do processo legal, no juízo criminal; e, o outro, administrativo, aplicado em
consonância com as regras do Direito Administrativo, no procedimento administrativo,
pelas autoridades administrativas”. 233
segundo ele, “a iminente execução da pena decorrente de sentença passível de anulação consubstancia o
periculum in mora e justifica o deferimento da medida acauteladora”.
O ministro determinou também que o processo tramite em conjunto com o Recurso Ordinário em Habeas
Corpus (RHC) 119962. 232 A Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, alterou a definição dos crimes contra a ordem tributária,
reescrevendo aqueles delitos antes designados de "sonegação tributária" pela Lei n. 4.729/65. A
mencionada legislação alargou o rol dos fatos típicos configuradores dos crimes contra a ordem tributária,
redesenhando, outrossim, a figura da "apropriação indébita", ao definir como crime o fato de deixar de
recolher, no prazo legal, valor de tributo descontado ou cobrado de terceiro, art.2º, II. Posteriormente,
também a Lei n. 8.212/91 arrolou tal situação como crime, art.95. 233 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 8. ed., São Paulo: Saraiva, 2002. p. 421.
181
Destaque-se, ainda, que a distinção essencial entre a sanção civil, ou
administrativa, e a sanção penal é apenas valorativa, residindo tão somente na gravidade
da violação da ordem jurídica, na qual a sanção penal seria reservada aos que praticam
ilícitos mais graves.
Para tanto, o legislador tem a alternativa entre considerar a conduta como
sendo um crime, punível, pois, pelo direito penal, ou de remetê-la para o âmbito de um
ilícito administrativo.
Tal opção, entretanto, deve ser fundamentada em uma rigorosa análise, vez
que o envio para a seara do Direito Penal deve, sempre, ser feita de modo criterioso,
respeitando o princípio da subsidiariedade, o qual já presume sua fragmentariedade, ou
seja, deriva da consideração de que o Direito Penal é um remédio sancionador extremo,
que deve ser utilizado apenas quando nenhum outro se mostrar suficiente para resolver
o conflito, fundamentando-se no fato de que apenas as condutas mais graves e contra
bens jurídicos de maior relevância se utilizam dos seus rigores.
Sendo assim, o que se deve diferenciar entre a sanção administrativa e a
sanção penal, é que esta é resultado da tipificação do fato criminoso. Logo, sua
investigação se dá no âmbito do poder judiciário, de modo que a conduta do agente deve
ter origem dolosa e, em raros casos, culposa, enquanto que para a aplicação da sanção
administrativa tributária não carece comprovar o dolo, e sua aplicação ocorre pela via
administrativa.
Sacha Calmon considera: “realmente, em matéria de ilícitos administrativos
fiscais não tem cabimento se indagar sobre a intenção do agente (responsabilidade
subjetiva), sob pena de se admitir o erro de direito como causa excludente da sanção,
permitir a ausência de responsabilidade da pessoa jurídica, acarretar a impossibilidade
de se transmitir as multas (sub-rogação passiva das penalidades) e embaraçar de
sobremaneira a ação fiscal do Estado contra os sonegadores. 234
234COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário, 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.p.
633-634.
182
O ilícito fiscal é objeto de minuciosa e rigorosa legislação, já que, através
dele, os infratores se sujeitam à multa e às sanções de caráter administrativo. Desta
forma, não há que se confundir com o ilícito penal, pois este só ocorre quando,
ultrapassando o campo civil, o agente pratica com dolo, além da infração administrativa,
fato previsto como crime, que a partir daí se torna, também, incurso nas sanções penais.
As referidas sanções são bastante diferentes. No entanto, a maior diferença
reside no fato de a sanção penal tributária poder ser uma pena privativa de liberdade,
posto que, nas sanções administrativas, não se admite a aplicação deste tipo de pena.
Além disso, imperioso se faz debater que a pena prisional, presente nas normas
penais, é revestida de cautelas, tendo em vista a proteção da liberdade humana, sendo,
inclusive, assegurado pela Constituição Federal o direito ao silêncio e ao acusado não
produzir provas contra si, o que contraria a exigência de informações indispensáveis à
plenitude da fiscalização tributária.
Com efeito, a intervenção do direito penal só deve ocorrer nos casos em que
os demais ramos do direito se revelarem insuficientes ou ineficazes em sua intervenção
punitiva.
O processo psicofísico de subsunção e implicação de normas administrativas
tributárias e penais, não muda. O trabalho intelectivo é semelhante. No entanto, a forma,
o conteúdo e o agente competente variam.
Em suma, podemos ressaltar alguns aspectos da fenomenologia da
incidência que diferenciam a aplicação da norma penal tributária da norma
tributária sancionadora:
i) As normas individuais e concretas das multas, regra geral, são
constituídas por agentes fiscais em âmbito administrativo. Enquanto a norma
individual e concreta do crime contra a ordem tributária deve ser constituída pelo
poder judiciário com iniciativa do Ministério Público ao oferecer denúncia.
183
ii) Nos crimes tributários a investigação e produção do fato jurídico se dá no
âmbito do poder judiciário, sendo indispensável a origem dolosa da conduta, já
para a aplicação da sanção administrativa tributária, regra geral, não carece da
comprovação do elemento volitivo.
iii) As multas tributárias estão submetidas aos princípios do Sistema
Tributário e do Sistema Administrativo, ao passo que os crimes contra a ordem
tributária devem obedecer ao Sistema Penal. Tal constatação traz inúmeras
consequências.
iv) Na sanção penal tributária temos a pena privativa de liberdade, nas
sanções administrativas, não se admite a aplicação deste tipo de pena.
v) Em âmbito penal, é assegurado o direito ao silêncio e à não produção de
provas contra si, o que contraria a exigência de informações indispensáveis à
plenitude da fiscalização tributária.
vi) No procedimento de lançamento, em geral, não há o contraditório e a
ampla defesa, ao passo que esses dois requisitos são indispensáveis no processo
penal.
vii) A pena no âmbito criminal é pessoal ao agente, art. 5º, inc. XLV, da CF.
Em se tratando de sanções tributárias a pessoa jurídica responde pela pena, salvo
algumas exceções, por exemplo, a do art. 135 do CTN.
Como visto, temos um procedimento de elaboração da norma diferente, o
agente responsável pela inserção da norma no sistema é diferente, a espécie do
documento normativo é diferente, o modo de produção probatória é diferente, a relação
jurídica é diferente e os princípios a que estão submetidos os aplicadores de cada sanção
varia verticalmente.
Como será apontado, o problema é que apesar das inúmeras diferenças
relacionadas, os crimes contra a ordem tributária tomam como pressuposto o mesmo
evento descumpridor da norma tributária, acrescendo-se o critério volitivo. No entanto,
como visto, o fato jurídico criminoso demanda grande esforço probatório, mas é comum
a representação para fins penais e a denúncia com o aproveitamento, sem maiores
cuidados, do fato jurídico pressuposto da sanção tributária.
184
Ora, é recorrente a persecução penal em que não se perquire sobre o dolo.
Aproveitando a descrição contida no Auto de Infração e Imposição de Multa carente de
fatos que demonstrem o elemento volitivo.
Há uma completa distorção do feitio do Direito Penal, preocupa-se em
condenar criminalmente para receber o valor do tributo, suspendendo extinguindo a
punibilidade.
Ao longo da pesquisa observamos os defeitos na produção do Direito,
justamente na sua parte mais importante, qual seja: a Sanção.
a) Bem jurídico tutelado
A tipificação de crimes tributários serve muito mais como modo de
desestimular a evasão fiscal do que como norma penal sancionadora propriamente dita,
tanto que, a todo instante, o Fisco possibilita modos para que o tributo seja pago que
importem em extinção de punibilidade.
A mera previsão legal de tipos penais não tem sido eficaz. Atualmente a
concessão reiterada de parcelamentos por meio do Programa de Recuperação Fiscal
(REFIS) ou pelo Parcelamento Especial (PAES) tem funcionado para socorrer os
déficits de arrecadação, comprometendo a persecução penal.
Uma importante constatação é de que a natureza jurídica da extinção da
punibilidade nos crimes tributários é fundamentalmente arrecadatória, o Estado busca a
satisfação do seu animus arrecadador, deixando de ter interesse nas questões em que o
tributo seja pago.
185
6.2 Direito Penal: Conceitos fundamentais
Inicialmente, é necessário o estudo das condicionantes penais. Há de se
identificar, doutrinariamente, quatro fases de conceituação de crime: clássico,
neoclássico, finalístico e, modernamente (a que vige), o conceito de crime concebido
como ação, típica, antijurídica e culpável.
Sendo assim, conceitua-se crime como sendo uma ação típica e antijurídica.
Logo, para que exista o crime, basta que ocorra um fato típico e antijurídico, mas, para a
aplicação da pena, é necessário que o fato, além de típico e antijurídico, seja também
culpável, reprovável.
6.3 Conceito de Crime e Elementos do Crime
6.3.1 Causalidade
Sobre a dificuldade de individualização da responsabilidade penal nos
crimes contra a ordem tributária é comum, principalmente devido à natureza das
condutas envolvidas e à presença da pessoa jurídica na maior parte das ocorrências.
Existe um impulso, uma verdadeira tentação, por parte do aplicador da Lei
8.137/90, em atribuir responsabilidade penal objetiva aos contribuintes pelas práticas
das condutas ali relacionadas. Superado o impulso, há de se lembrar que não pode haver
imputação objetiva nos crimes tributários, havendo, pois, necessidade de demonstrar a
culpabilidade.
Sob este diapasão, é relevante a compreensão do conceito de causalidade, o
qual consiste na ligação entre a vontade do sujeito ativo à conduta e ao resultado.
186
A doutrina penal é farta em teorias sobre o nexo causal. Pela larga aceitação,
destacam-se as mais relevantes, das quais se originam as demais: A Teoria da
Equivalência das Condições ou da conditio sine qua non, elaborada por Maximilian
Von Buri em 1860, define que causa é toda força que cooperou para a produção de um
resultado. Por outro lado, a teoria da causalidade adequada, atribuída ao fisiólogo
Johannes Von Kries, afirma que causa é a condição idônea, adequada, para produzir o
evento.
Como bem assevera Leonardo Sica, existem várias teorias penalistas, mas a
solução encontra-se na composição entre elas. Assim, distinguiram-se dois momentos
na constatação do nexo causal objetivo: o primeiro, de verificação do elo entre conduta
e evento, empregando a equivalência das condições; e, o segundo, de valoração entre a
conduta e a idoneidade da condição como causa, de acordo com a causalidade
adequada. Apenas num terceiro momento, verifica-se o elemento subjetivo.235
De acordo com Magalhães Noronha236, a ação será causa quando sem ela
não puder ocorrer o resultado. No mesmo sentido, será considerada causa a ação ou a
omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido, a omissão também é causa do
resultado, mas o omitente responde pelo resultado porque não agiu para impedi-lo.237
Da análise do artigo 13 do Código Penal, chega-se à conclusão de que o
vigente estatuto adotou a teoria da equivalência dos antecedentes, ou da conditio sine
qua non.
No entanto, para evitar uma perpetuação eterna dos causadores, faz-se uma
limitação. Em outras palavras, deve-se verificar a presença do dolo ou da culpa, caso
contrário, até mesmo quem fabricasse ou vendesse uma arma utilizada em um crime
seria responsabilizado.
235 SICA, Leonardo. Causalidade e elemento subjetivo nos crimes tributários. Revista do Instituto dos
Advogados de São Paulo, nº 08, julho-dezembro de 2001. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. 236 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. Vol. 3 237 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal. São Paulo: Atlas, 26. Ed 2010. Vol. I
187
Neste sentido, Bitencourt afirma que a relação de causalidade entre a
conduta humana e o resultado é uma relação valorada que deve ser auferida
conjuntamente com o vínculo subjetivo do agente.238
6.3.2 Tipicidade
A tipicidade penal é decorrente do princípio da legalidade, que estabelece:
"não há crime sem lei anterior que o defina". Ou seja, o legislador deve prever situações
que devam ser consideradas delitos, e defini-los por meio de tipos penais, descrevendo
as condutas de modo certo e inconfundível.
Segundo Aníbal Bruno, "o tipo é por definição a fórmula descritiva das
circunstâncias objetivas do crime"239.
Tipo penal é a lei em sentido estrito que descreve a conduta, comissiva ou
omissiva, com o fim de proteger determinados bens, cuja tutela mostrou-se insuficiente
pelos demais ramos do direito.240
Outrossim, a tipicidade nada mais é que um juízo de valor feito a respeito de
um determinado fato social, no intuito de enquadrar a conduta humana a uma situação
legal prevista na lei penal, é dizer explicitamente, de maneira exata, quais fatos sociais
são considerados crimes.
Luís Flávio Gomes destaca que, no tempo da teoria causalista, o fato típico
era enfocado só formal e objetivamente e era composto de conduta voluntária (neutra:
sem dolo ou culpa), resultado naturalístico (nos crimes materiais), nexo de causalidade e
adequação à letra da lei. Com a teoria finalista de Hans Welzel, o fato típico passou a
contar com dois aspectos, o objetivo e o subjetivo. O dolo e a culpa passaram a integrar
238 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 14. Ed. São Paulo: Saraiva,
2009. 239 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. t. I. Rio de Janeiro: Forense, 1984. 240 GRECO, Rogério. Curso de direito penal, parte especial, 7. ed. Rio de Janeiro, RJ: Impetus, 2010.
188
a tipicidade, cujos requisitos, portanto, seriam conduta dolosa ou culposa, resultado
naturalístico (nos crimes materiais), nexo de causalidade e subsunção do fato à letra da
lei.241
Em síntese, tipo é a descrição feita pela lei da conduta proibida e a
tipicidade é a correlação da conduta com o que foi descrito no tipo, o enquadramento, a
subsunção.
6.3.3 Ilicitude
Angela Maria da Motta Pacheco242 destaca que se uma determinada
conduta é pressuposto de uma sanção isto significa que esta conduta é proibida
juridicamente. Constitui um ilícito, um delito. O conceito de sanção e de ilícito são
correlativos. A sanção é consequência do ilícito; o ilícito é um pressuposto da
sanção.
A análise acerca da ilicitude é feita considerando a antijuridicidade da
ação, uma vez que, em certas hipóteses, o direito reconhece que atos típicos estão,
apesar disso, em consonância com o direito, ou seja, não são ilícitos.
Ocorre que, algumas ações, embora típicas, não são ilícitas, por exemplo,
se ficar provado que o agente atuou em legítima defesa. De modo que, mesmo sendo
a ação típica, cumpre observar ainda se esta é contrária ao ordenamento jurídico.
Deste modo, a antijuridicidade significa que o fato, para ser crime, além de
típico, deve também ser ilícito, contrário ao Direito, uma vez que este é antijurídico pela
241 GOMES, Luiz Flávio. Requisitos da tipicidade penal consoante a teoria constitucionalista do delito.
Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 950, 8 fev. 2006. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7932>. Acesso em: 05 ago. 2010 242 PACHECO, Angela Maria da Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. São Paulo:
Max Limonad, 1997. p. 52-53
189
sua própria tipicidade. Mas, se existir uma causa que justifique o fato, embora típico,
deixa ele de ser crime, por não ser antijurídico.
Na verdade, a antijuridicidade se resume em um conceito negativo, ou seja,
na verificação de ocorrência ou não de uma justificativa para a prática de um fato típico.
Assim, crime é fato típico e antijurídico.
Aurora Tomazini243 preleciona:
Crime é uma palavra ambígua que em análise jurídica comporta
pelo menos cinco acepções distintas: i) enunciado tipificativo;
ii) hipótese normativa; iii) evento; iv) fato; e v) fato jurídico. A
doutrina penal trabalha o conceito de crime no plano da
realidade social, enquanto nós só aceitamos a sua existência no
plano jurídico. Crime é fato jurídico, enunciado protocolar,
denotativo, antecedente de uma norma penal individual e
concreta, que implica efeitos no mundo jurídico, constituído
com a sentença criminal condenatória.
Pena também é uma palavra ambígua, que juridicamente
comporta no mínimo sete acepções: i) enunciado legislativo
penal; ii) consequente de norma geral e abstrata; iii) relação
jurídica; iv) direito subjetivo; v) objeto da prestação; vi) dever
jurídico; acontecimento social. A doutrina penal trabalha o
conceito de pena como efeito jurídico propagados no plano
social, por isso admitem a existência de crime sem pena.
Também consideramos a pena como um efeito jurídico, mas
especificamente como relação jurídica, que se consubstancia
num enunciado relacional denotativo, que ocupa posição
sintática de consequente da norma individual e concreta,
243 CARVALHO, Aurora Tomazini. Direito Penal Tributário (uma análise lógica, semântica e
jurisprudencial). São Paulo, Quartier Latin, 2009. p. 336
190
produzindo em função da existência de um fato jurídico penal,
constituído com a sentença criminal condenatória.
6.3.4 Antijuridicidade
Como observado, a antijuridicidade está relacionada com a realização do
fato típico e com a ausência de uma causa de justificação. Sabe-se que a antijuridicidade
é uma ação típica que não está justificada, que consiste na falta de autorização da ação
típica.
Neste sentido, Luiz Regis Prado244 bem enuncia que o elemento conceitual
do delito, ilicitude ou antijuridicidade exprime a relação de contrariedade de um fato
com todo o ordenamento jurídico, com o direito positivo em seu conjunto. Trata-se da
violação da ordem jurídica em seu conjunto, mediante a realização do tipo.
Pela escola tradicional ou causalista, a consciência da antijuridicidade é
parte integrante do dolo (teoria normativa), ou não (teoria psicológica). Para o
finalismo, a consciência potencial da antijuridicidade faz parte não do dolo, mas da
culpabilidade.
Quanto às justificativas ou causas de exclusão da antijuridicidade, estas se
encontram dispostas no artigo 23 do Código Penal, na parte especial do Código Penal
(artigo 146, § 3º, II; artigo 142, I; artigo 128; artigo 150, §3º, II) e há justificativas
supralegais (consentimento do ofendido, nos direitos disponíveis). Para o último, há
uma corrente que o admite.
Por outro lado, existe outra corrente doutrinária, na qual prevalece o
entendimento de que as justificativas englobam tanto elementos objetivos como
subjetivos, de modo que o agente tenha a convicção de agir de acordo com uma
justificativa. O excesso no exercício da justificativa pode ser punido a título de dolo ou
culpa, se for o caso (artigo 23, parágrafo único, Código Penal).
244 PRADO, Luiz Reges. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. 3. Ed. São Paulo: RT, 2002. V. I
191
Luiz Regis Prado expõe ainda que, "pelo fato de o juízo de ilicitude recair
sobre a conduta típica e não sobre o agente ou a personalidade, é o que leva a entender
que a teoria da ilicitude pode ser entendida como uma teoria do conforme ao Direito, em
que se sabe que o Direito autoriza ou permite que se realize, em certas hipóteses, um
comportamento típico" 245
No próximo capítulo serão abordadas algumas causas de excludente de
antijuridicidade inerentes aos crimes contra a ordem tributária.
6.3.5 Culpabilidade
A culpabilidade é o último pressuposto da penalidade, verificando-se que o
agente praticou uma ação típica e ilícita, através de uma análise acerca de sua
culpabilidade.
Dessa maneira, entende-se que a culpabilidade são as condições subjetivas
que devem concorrer para que o seu autor seja punido, já que, se não for culpável, não
sofrerá pena alguma.
Nesse esteio de entendimento, adotando-se a teoria finalista da ação, a
culpabilidade é aplicada mediante a observação de três requisitos, quais sejam: a
imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigência de conduta diversa.
6.4 Elemento Subjetivo do Tipo
Destaca-se que os elementos subjetivos do tipo penal são a culpa e o dolo,
ao se analisar o artigo 18, I, do Código Penal, que pontifica:
245 PRADO, Luiz Reges. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. 3. Ed. São Paulo: RT, 2002. V.
I
192
Art. 18 - Diz-se o crime:
I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco
de produzi-lo;
II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por
imprudência, negligência ou imperícia.
Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém
pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o
pratica dolosamente.
Verifica-se, pois, que foram adotadas pelo Código Penal brasileiro as teorias
da vontade e do assentimento. A primeira considera que o dolo é a vontade de realizar a
conduta e produzir o resultado; a segunda é a previsão do resultado com a aceitação dos
riscos de produzi-lo.
Compartilhando do mesmo entendimento, Ingeborg Puppe ensina que,
quanto à distinção entre dolo e culpa,“o que decide a respeito da existência de dolo ou
culpa é unicamente a disposição interna do autor em face da representação do
perigo”.246
Consciente da impossibilidade de acessar o intelecto de outrem, o elemento
subjetivo do tipo é pesquisado através de provas, fatos, condutas exteriorizadas que
indicam a presença da intenção dolosa ou a presença de culpa.
246 PUPPE, Ingeborg. A distinção entre Dolo e Culpa; tradução, introdução e notas: Luís Greco. Barueri,
SP: Manole, 2004.
193
6.4.1 Dolo
O conceito de dolo a ser operacionalizado é considerado a vontade e a
consciência de realizar os elementos constantes do tipo legal. Mais amplamente, é a
vontade manifestada pela pessoa humana de realizar a conduta.
Existem duas fases na conduta do agente. Primeiramente, há a fase interna,
na qual estão presentes os pensamentos do autor. Esta fase é penalmente indiferente,
enquanto o autor estiver apenas ponderando em sua mente.
Na fase seguinte, a externa, há uma exteriorização da conduta. O autor passa
a utilizar os meios escolhidos para praticar a conduta. Nessas condições, ele pode ser
responsabilizado pelas consequências diretas de seus atos.
José Frederico Marques247 considera “direto o dolo quando o resultado no
mundo exterior corresponde perfeitamente à intenção e à vontade do agente. O objetivo
por ele representado e a direção da vontade se coadunam com o resultado do fato
praticado”
O dolo é a consciência e a vontade na realização da conduta típica, ou a
vontade da ação orientada para a realização do tipo. Roxin pontua:
"el dolo, como voluntad de acción realizadora del plan,
precisamente no es ‘eventual o condincionado’, sino, por el
contrario, incondicional, puesto que el sujeto quiere ejecutar su
proyecto incluso al precio de la realización del tipo"248
Por sua vez, Rogério Greco observa que se realizava a distinção entre dolo
genérico e dolo específico quando prevalecia a teoria natural da ação. Contudo, uma vez
adotada a teoria finalista da ação, a ação torna-se uma atividade final, ou seja, toda
247 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinhas: Bookseller, 1991, v.
1, p. 198. 248 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general. Madrid: Civitas, 1997
194
conduta é finalisticamente dirigida à produção de um resultado qualquer, não
importando se a intenção do agente é mais ou menos evidenciada no tipo penal. 249
A discussão entre dolo genérico e dolo específico é de especial relevância
nos crimes contra a ordem tributária.
6.4.2 Culpa
A culpa decorre da comparação que se faz entre o comportamento realizado
pelo sujeito no plano concreto e aquele que uma pessoa de prudência normal, mediana,
teria naquelas mesmas circunstâncias.250 Ou seja, é a violação ou inobservância de uma
regra, que produz dano aos direitos de outros, por não observar o dever objetivo de
cuidado imposto às pessoas de razoável diligência, seja por negligência, imprudência ou
imperícia.
No dolo, existe a má-fé, posto que o agente tem a intenção de praticar o fato
e produzir determinado resultado. Por sua vez, na culpa, não há má-fé, já que o agente
não possui a intenção de prejudicar o outro, ou produzir o resultado.
Por todo o exposto no capítulo, cumpre destacar passagem contundente de
Roxin, para quem não há como confundir o direito com a moral: “... ao legislador não
assiste direito algum de punir um comportamento não lesivo de bens jurídicos, apenas
por ser ele imoral. (...) O estado tem de garantir a ordem externa; ele não está
legitimado a ser patrono moral dos indivíduos” 251
249 GRECO, Rogério. Curso de direito penal, parte especial, 7. ed. Rio de Janeiro, RJ: Impetus, 2010. 250 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, parte geral, 11. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2007. v. 1 p. 251 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general. Madrid: Civitas, 1997
195
CAPÍTULO VII
Crimes Contra a Ordem Tributária
7.1 Crimes Contra a Ordem Tributária
O direito é o principal sistema de ordenação social. A conversa entre o
mundo do ser e do dever ser necessita ser constante. Normas distantes da realidade
social não cumprem seu papel de regular as condutas. Daí porque é tão importante a
passagem de Lourival Vilanova: "Altera-se o mundo físico mediante o trabalho e a
tecnologia, que o potencia em resultados. E altera-se o mundo social mediante a
linguagem das normas, uma classe da qual é a linguagem das normas do Direito."
Sem analisar de modo profundo a natureza social dos crimes contra a ordem
tributária, fato é que pouco se aplicam as normas da Lei 8.137/90. Os comportamentos
não estão sendo devidamente regulados pelas leis.
A dificuldade de investigação penal nos crimes contra a ordem tributária é
abissal. Mesmo nos crimes contra a vida a investigação no Brasil já é deficiente, a
resolução de crimes é insignificante. Encontrar o agente e aplica-lo uma pena é algo
raro, os inquéritos possuem percentuais baixíssimos de êxito. Por sua vez, a impunidade
é sempre uma das principais causas do aumento da criminalidade.
Acrescente-se a isso o desafio natural inerente às especificidades do crime
tributário, tais como a necessidade de investigar as contas, o livro caixa, notas fiscais, de
milhares de empresas por todo Brasil.
Uma coisa é cruzar os dados digitalmente e identificar o não pagamento de
tributos ou a omissão de informações, estas são condutas que ensejam a aplicação de
sanções tributárias. Outra coisa é além da materialidade comprovar também o elemento
subjetivo do tipo, requisito indispensável para a responsabilização penal.
196
Ressalve-se que a materialidade referente ao não pagamento do tributo não é
simples como em outros crimes: matar, roubar, difamar, etc., isto porque, em matéria
tributária, a incidência ou não do tributo é frequentemente questionável. O crédito
tributário muitas vezes é defeituoso, afinal são 5.500 Municípios legislando, além dos
27 Estados e a União, as alterações legais e infralegais são diárias, de modo que auferir
se há omissão ou não do pagamento é bem mais complexo do que identificar a morte de
alguém.
Soma-se as isto a ânsia arrecadatória e a disputa entre os entes políticos pela
sua fatia de tributos, gerando tributação controversa que precisa ser questionada em
âmbito administrativo e/ou judicial.
Este é um ponto crucial: dificuldade de estabelecer a materialidade do delito
tributário.
Por outro lado, identificar o agente e individualizar a conduta dentro de uma
grande empresa é tarefa das mais difíceis. E quando essa investigação penal – apurando
o elemento volitivo, por exemplo – ocorre 10 (dez) anos após o evento criminoso?
Sim, 10 (dez) anos depois! Considerando que o fisco tem até 5 (cinco) anos
para constituir o crédito tributário, este, uma vez impugnado, será discutido em processo
administrativo que entre a primeira e a segunda instância dura em média 5 (cinco) anos
de acordo com pesquisa coordenada por Eurico de Santi.252
Observe-se que até o início da investigação penal, já se passaram dez anos
do evento. Nesse período o quadro societário mudou, a realidade das empresas também,
de modo que individualizar a conduta e provar o dolo adequadamente torna-se
incumbência pragmaticamente impossível.
Estamos discutindo a qualidade das decisões judiciais de acordo com o
arcabouço probatório juntado.
252 http://invente.com.br/nef/files/upload/2011/05/19/relatorio-final-completo-nef-2009-v-1-0.pdf
197
Em um Estado Democrático de Direito a lei é, a um só tempo, o limite de
atuação do Estado, com interferência nos direitos dos cidadãos, e um instrumento de
atuação de políticas públicas, inclusive no campo penal e tributário.
Assim, embora caiba ao legislador antecipar um conjunto de condutas às
quais quer estabelecer desincentivos ou punições por suas práticas, é impossível que a
lei descreva todos os comportamentos não desejados de uma sociedade, pelo que se faz
necessária uma distinção entre a licitude e a legalidade. O campo da licitude é mais
amplo, abrange todas as situações, todos os comportamentos, estejam ou não previstos
em lei. O campo da legalidade diz respeito apenas ao que está prescrito nas leis.
Para Hugo de Brito Machado, sanção é o meio de que se vale a ordem
jurídica para desestimular o comportamento ilícito. Pode limitar-se a compelir o
responsável pela inobservância da norma ao cumprimento de seu dever, e pode consistir
num castigo, numa penalidade a este cominada. 253
Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho, o ordenamento jurídico,
como forma de tornar possível a coexistência do homem em comunidade, garante,
efetivamente, o cumprimento das suas ordens, ainda que, para tanto, seja
necessária a adoção de medidas punitivas que afetem a propriedade ou a própria
liberdade das pessoas. Daí por que, ao criar uma prestação jurídica,
concomitantemente o legislador enlaça uma providencia sancionadora ao não-
cumprimento do referido dever. 254
Como vimos, um dos objetivos buscados pelo Estado, com a edição de leis
tipificando delitos fiscais, é proteger o bem jurídico da arrecadação, procurando
minimizar eventuais déficits em função da evasão fiscal, que consiste na prática de atos
ilícitos tendentes a ocultar o fato gerador ocorrido, ou a diminuir ilicitamente o impacto
econômico do tributo.
253 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010. 254 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2012.
198
Várias leis penais, com conteúdo econômico, foram editadas, o que aumenta
a importância deste ramo do direito. Nesse sentido, abordaremos o tratamento legal do
ilícito penal tributário.
7.1. Antecedentes históricos: Ilícito Penal Tributário
A compreensão acerca das especificidades dos ilícitos penais tributários
exige conhecimento dos seus antecedentes históricos, das condutas puníveis, e de outros
elementos que configuram tais práticas, o que, por este motivo, será abordado a seguir.
Com a intenção de intimidar os contribuintes que sonegavam tributos, foi
promulgada a Lei nº 4.729, de 14.7.1965, que tipificou o crime de sonegação fiscal,
elencando comportamentos e descrevendo de forma casuística os fatos e as condutas
relacionados com o dever tributário.
Hugo de Brito Machado255 bem destaca que as pretensões dos legisladores
esbarraram no princípio da especialidade. É que todos aqueles comportamentos podiam
ser capitulados no artigo 171, que define o estelionato, ou nos artigos. 297, 298 ou 299 do
Código Penal, que definem os crimes de falsidade material ou ideológica de documentos,
cuja pena mínima cominada seria de 1 ano, e a máxima de 6 anos de reclusão.
A Lei nº 4.729/1965 cominou pena de detenção de 6 meses a 2 anos. Além
disso, admitiu a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo devido, e, para os
réus primários, cominou pena exclusivamente de multa, o que fez extinguir-se a
punibilidade em apenas 2 anos, pela prescrição.
O Ministério Público não obteve êxito em suas ações e os contribuintes
infratores da lei tributária foram beneficiados pelo princípio da especialidade, vez que os
dispositivos do Código Penal não eram aplicados.
255 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
199
Com o advento da Lei nº 8.137, de 27.12.1990, a Lei nº 4.729/1965 restou
revogada e os fatos, antes sob a designação genérica de sonegação fiscal, passaram a ser
chamados, também genericamente, de crimes contra a ordem tributária.
7.2. Crimes contra a ordem tributária: Os tipos e as penas
Como será apontado, os tipos penais relacionados aos crimes contra a ordem
tributária são demasiadamente vagos. O artigo 1º da Lei n.º 8.137/1990 definiu:
Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir
tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as
seguintes condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades
fazendárias;
II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou
omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro
exigido pela lei fiscal;
III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda,
ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que
saiba ou deva saber falso ou inexato;
V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou
documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação
de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a
legislação.
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Observa-se pela leitura do atrigo 1º que é crime, por exemplo, a omissão de
informação, e a utilização de documento que “deva saber” ser inexato. Ora, diferençar
uma omissão dolosa e um mero erro contábil é extremamente difícil.
200
O desafio do Ministério Público conseguir provar o dolo é colossal.
No mesmo sentido, os termos do artigo 2a do mesmo diploma legal:
Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:
I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou
fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente,
de pagamento de tributo;
II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de
contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito
passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte
beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou
deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;
IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído,
incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou
entidade de desenvolvimento;
V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que
permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação
contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa
Como visto, a tipicidade da lei 8.137 é muito aberta, genérica. Por uma
análise literal qualquer espécie de supressão ou não pagamento ensejaria crime.
Corroborando com a legislação acima disposta, distingue-se o crime de
supressão ou redução de tributo do antigo crime de sonegação fiscal, essencialmente,
por ser um crime material, ou de resultado, o qual só estará consumado se houver a
efetiva supressão ou redução do tributo.
Nesse sentir, impende destacar a conceituação proposta por Hugo de Brito
Machado, que entende que os crimes definidos no artigo 2º da Lei 8.137/90 são formais,
ou de mera conduta. Vale dizer, restam consumados independentemente do resultado.
Isto, porém, não quer dizer que o elemento subjetivo seja irrelevante. Os crimes de que
201
cuida somente se configuram com a presença do dolo específico, o qual é elementar do
tipo.256
Por outro lado, há entendimento diverso, defendendo que o tipo subjetivo do
art. 2º da Lei nº 8.137/90 nem sempre reclama dolo específico, dando como exemplo o
caso do inciso II, que se vale apenas do dolo genérico.
Celso Ribeiro Bastos ao ser indagado se a falta de recolhimento de ICMS
oportunamente declarado nas guias adequadas e relativo à dívida por operações próprias
do contribuinte configuraria o crime previsto no artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90,
respondeu que a fraude ao fisco, ali descrita, caracterizava-se pela apropriação, através
de retenção do tributo cobrado após o seu prazo de recolhimento.
No entanto, para o insigne autor, só não se configura tal crime, quando a
falta de recolhimento ocorrer em virtude de fato relevante e inevitável (caso fortuito ou
força maior), ou seja, o tipo penal deste crime exigiria conduta dolosa específica, aquela
em que o agente deseja produzir o resultado que se sabe penalmente punível.257 Já
quando se trata do crime definido no artigo 1º da Lei n. 8.137/1990, que é de resultado, se
não há tributo devido não se consuma o crime, ou seja, a existência de tributo devido é
elemento essencial do tipo. Por isso, só se consuma quando ocorre a efetiva supressão ou
redução de tributo devido.
Por sua vez, o crime definido no artigo 2º da mesma lei é de natureza
formal. Entretanto, como foi dito outrora, o dolo é elemento essencial do tipo. De
modo que, se não houver a vontade de suprimir tributo devido, não se configura o
crime. Assim, entendem Hugo de Brito Machado e Roque Antônio Carrazza que
também nesse caso é indispensável a existência de tributo devido para que se possa
cogitar a existência do crime em questão.
256 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010. 257 BASTOS, Celso Ribeiro; ALVES, Francisco de Assis. Crimes contra a ordem Tributária. In: Crimes
contra a ordem tributária. Coordenador: Ives Gandra da Silva Martins; Atualização: Damásio de Jesus. 4.
Ed. São Paulo; Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 95
202
Esta corrente utiliza-se de uma interpretação "extensiva", levando à
conclusão que o elemento subjetivo do injusto do artigo 1º aplica-se ao artigo 2º por
"equiparação". Para ela, a Lei emprega critérios genéricos para criminalizar situações de
sonegação de tributos ou assemelhados. Dessa forma, a intenção específica de suprimir
ou reduzir tributo estaria presente em toda a Lei, sendo que se diferenciou o artigo 1º do
2º apenas em razão da gravidade das condutas, tendo as menos graves, do artigo 2º,
recebido sanções menores.
Por sua vez, indo de encontro com esta afirmação, Pedro Roberto
Decomain, Celso Ribeiro Bastos, Francisco de Assis Alvez e o Ministro Celso de Mello
entendem que o dispositivo alcança o simples não recolhimento.
Os tipos penais devem conter descrições taxativas e serem interpretados
restritivamente, sob risco de abalo à segurança jurídica. Por este motivo, observa-se que
o elemento subjetivo do injusto, contido no caput do artigo 1º, só pode referir-se aos
crimes previstos naquele artigo.
Para Leonardo Sica258, em verdade, no artigo 2,º apenas no tipo do inciso I
encontra-se o elemento subjetivo do injusto. Nos demais delitos, encontram-se tipos, em
que basta o dolo simples – ou dolo genérico – para a configuração do delito, consistente
na vontade de praticar os fatos descritos, sem o acréscimo do desejo de não pagar o
tributo. Pontifica, ainda, que se justifica a cominação de pena menor, pois se tratam de
condutas pretensamente menos lesivas ao bem jurídico tutelado, a arrecadação, devido à
intencionalidade.
Em que pese a posição verdadeiramente defensável de que basta a
realização da conduta, é clarividente o tipo penal previsto no artigo 2º, I, da Lei
8.137/90, do ponto de vista da imputação subjetiva, não havendo dúvida de que se trata
de um delito de intenção ou de intenção especial. Para, além do dolo, que ilumina a
desvalorização da conduta (fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas), o
258 SICA, Leonardo. Causalidade e elemento subjetivo nos crimes tributários. Revista do Instituto dos
Advogados de São Paulo, nº 08, julho-dezembro de 2001. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
203
tipo ainda exige um requisito subjetivo especial, isto é, a intenção de eximir-se do
pagamento de tributo.
Aliás, esse é o entendimento de Eugenio Raul Zaffaroni, para o qual, se
houvesse a constatação de um simples vínculo físico entre o agente e o fato, seguir-se-ia
imediata e inquestionavelmente a sua responsabilidade penal, fazendo com que o
homem, nesse caso, fosse rebaixado “à condição de coisa causante”. 259
Para efeito comparativo, observemos adiante a tipificação dos crimes contra
a ordem tributária nos Estados Unidos e na Espanha.
a) Crimes Tributários na Espanha
Na Espanha houve uma reforma em matéria de crimes tributários. Entendeu-
se que as condutas mais graves contra a Fazenda Pública mereciam uma resposta penal.
Assim, em 14 de novembro de 1977 o legislador introduziu o delito tributário no artigo
319 do Código Penal sob o nome de delito fiscal:
Artículo 319
1. Cometerá delito fiscal el que defraudara a la Hacienda estatal
o local mediante la elusión del pago de impuestos o el disfrute
ilícito de benefícios fiscales em uma cantidad igual o superior a
dos millones de pesetas. Se entende que existe ánimo de
defraudar em el caso de falsidades o anomalias sustanciales em
la contabilidade y em el denegativa u obstrucción a la accíon
investigadora de la Administración tributária.
El que cometiere delito fiscal será castigado en todo caso con
multa del tanto al séxtuplo de la suma defraudada y, además,
con arresto mayor si la cantidad estuviese entre cinco y diez
millones y con prisión menor para más de diez millones,
siempre que la cantidad defraudada exceda de la décima parte de
la cuota procedente.
259 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Direito Penal Brasileiro: teoria geral do direito penal. 2. Ed. Rio de
Janeiro: Renavan, 2003, v. 1, p. 245.
204
Com a publicação da “Ley Orgánica 2/1985, de 29 de abril”, de reforma do
Código Penal, pela primeira vez tipificaram com a nomenclatura “Delitos contra la
Hacienda Pública”, em seus artigos 349, 350 e 350 bis, os três tipos: i) delito de
defraudación tributaria, ii) delito de fraudes contables y iii) delito de fraude de
subvenciones.260
Atualmente, os crimes tributários estão dispostos nos artigos 305 a 310, sob
o Título: “De los delitos contra la Hacienda Pública y contra la Seguridad Social”. As
penas são severas como, por exemplo, a proibição de receber subvenções ou ajudas do
governo por até seis anos:
Artículo 305
1. El que, por acción u omisión, defraude a la Hacienda Pública
estatal, autonómica, foral o local, eludiendo el pago de tributos,
cantidades retenidas o que se hubieran debido retener o ingresos
a cuenta, obteniendo indebidamente devoluciones o disfrutando
beneficios fiscales de la misma forma, siempre que la cuantía de
la cuota defraudada, el importe no ingresado de las retenciones o
ingresos a cuenta o de las devoluciones o beneficios fiscales
indebidamente obtenidos o disfrutados exceda de ciento veinte
mil euros será castigado con la pena de prisión de uno a cinco
años y multa del tanto al séxtuplo de la citada cuantía, salvo que
hubiere regularizado su situación tributaria en los términos del
apartado 4 del presente artículo.
La mera presentación de declaraciones o autoliquidaciones no
excluye la defraudación, cuando ésta se acredite por otros
hechos.
Además de las penas señaladas, se impondrá al responsable la
pérdida de la posibilidad de obtener subvenciones o ayudas
públicas y del derecho a gozar de los beneficios o incentivos
fiscales o de la Seguridad Social durante el período de tres a seis
años.
Observa-se que os chamados delitos contra a Fazenda Pública são
detalhados pormenorizadamente. Há um valor mínimo para haja crime, estão excluídos,
pois, os chamados crimes de bagatela.
260 PÉREZ, Antonio Aparicio. El delito fiscal. Editorial Tecnos, Madrid, 1992.
205
b) Crimes Tributários nos Estados Unidos
O crime tributário nos Estados Unidos divide-se em “tax evasion” e “tax fraud”.
O governo americano acredita ter perdido em $ 345 bilhões de dólares em evasão fiscal
no ano de 2007.
Conforme explica artigo da Cornell University Law School:
“Tax evasion is using illegal means to avoid paying taxes.
Typically, tax evasion schemes involve an individual or
corporation misrepresenting their income to the Internal
Revenue Service. Misrepresentation may take the form either of
underreporting income, inflating deductions, or hiding money
and its interest altogether in offshore accounts.
Individuals involved in illegal enterprises often engage in tax
evasion because reporting their true personal incomes would
serve as an admission of guilt and could result in criminal
charges. Individuals who try to report these earnings as coming
from a legitimate source can face money laundering charges. 261
Também nos Estados Unidos a prova do dolo nos crimes fiscais é elemento
essencial e indispensável à punição:
“Proof of the crime requires first proving the attendant
circumstance that an unpaid tax liability exists. Second, the
prosecution must prove some affirmative act by the defendant to
evade or attempt to evade a tax. Third, prosecutors most show
that the defendant possessed the specific intent to evade a known
legal duty to pay. To convict, the jury must find the defendant
guilty of each of these elements beyond a reasonable doubt.”262
261 https://www.law.cornell.edu/wex/tax_evasion 262 https://www.law.cornell.edu/wex/tax_evasion
206
A Receita Federal norte-americana, Internal Revenue Service (IRS)263,
combate a evasão e a fraude fiscal. O órgão elencou os principais tipos sobre a matéria:
Related Statutes and Penalties - General Fraud
Title and Section
Definition
Title 26 USC § 7201
Attempt to evade or
defeat tax
Any person who willfully attempts to evade or defeat any tax imposed by this
title or the payment thereof shall, in addition to other penalties provided by law,
be guilty of a felony and, upon conviction thereof:
Shall be imprisoned not more than 5 years
Or fined not more than $250,000 for individuals ($500,000 for
corporations)
Or both, together with the costs of prosecution
Title 26 USC § 7202
Willful failure to
collect or pay over tax
Any person required under this title to collect, account for, and pay over any tax
imposed by this title who willfully fails to collect or truthfully account for and
pay over such tax shall, in addition to penalties provide by the law, be guilty of
a felony
Shall be imprisoned not more than 5 years
Or fined not more than $250,000 for individuals ($500,000 for
corporations)
Or both , together with the costs of prosecution
Title 26 USC § 7203
Willful failure to file
return, supply
information, or pay tax
Any person required under this title to pay any estimated tax or tax, or required
by this title or by regulations made under authority thereof to make a return,
keep any records, or supply any information, who willfully fails to pay such
estimated tax or tax, make such return, keep such records, or supply such
information, at the time or times required by law or regulations, shall, in
addition to other penalties provided by law, be guilty of a misdemeanor and,
upon conviction thereof:
Shall be imprisoned not more than 1 years
Or fined not more than $100,000 for individuals ($200,000 for
corporations)
Or both, together with cost of prosecution
Title 26 USC § 7206(1)
Fraud and false
statements
Any Person who… (1) Declaration under penalties of perjury - Willfully makes
and subscribes any return, statement, or other document, which contains or is
verified by a written declaration that is made under the penalties of perjury, and
which he does not believe to be true and correct as to every material matter;
shall be guilty of a felony and, upon conviction thereof;
Shall be imprisoned not more than 3 years
Or fined not more than $250,000 for individuals ($500,000 for
corporations)
Or both, together with cost of prosecution
Title 26 USC § 7206(2)
Fraud and false
statements
Any person who…(2) Aid or assistance - Willfully aids or assists in, or
procures, counsels, or advises the preparation or presentation under, or in
connection with any matter arising under, the Internal Revenue laws, of a return,
263 http://www.irs.gov/uac/Related-Statutes-and-Penalties---General-Fraud
207
Title and Section
Definition
affidavit, claim, or other document, which is fraudulent or is false as to any
material matter, whether or not such falsity or fraud is with the knowledge or
consent of the person authorized or required to present such return, affidavit,
claim, or document; shall be guilty of a felony and, upon conviction thereof:
Shall be imprisoned not more than 3 years
Or fined not more than $250,000 for individuals ($500,000 for
corporations)
Or both, together with cost of prosecution
Title 26 USC § 7212(A)
Attempts to interfere
with administration of
Internal Revenue laws
Whoever corruptly or by force endeavors to intimidate or impede any officer or
employee of the United States acting in an official capacity under this title, or in
any other way corruptly or by force obstructs or impedes, or endeavors to
obstruct or impede, the due administration of this title, upon conviction:
Shall be imprisoned not more than 3 years
Or fined not more than $250,000 for individuals ($500,000 for
corporations)
Or both
Title 18 USC § 371
Conspiracy to commit
offense or to defraud
the United States
If two or more persons conspire either to commit any offense against the United
States, or to defraud the United States, or any agency thereof in any manner or
for any purpose, and one or more of such persons do any act to effect the object
of the conspiracy, each:
Shall be imprisoned not more than 5 years
Or fined not more than $250,000 for individuals ($500,000 for
corporations)
Or both
7.3. Paralelo com o crime de apropriação indébita previdenciária
Um dos tipos penais, em que mais frequentemente as condutas contra o
fisco incidem, é o delito de apropriação indébita tributária, que será evidenciado a
seguir.
Antecedentes históricos
A lei que primeiro tratou do delito de apropriação indébita como delito
específico, distinto da apropriação indébita prevista no Código Penal, foi a Lei nº 4.357,
de 16.7.1964, que estabeleceu:
208
Art. 11. Inclui-se entre os fatos constitutivos do crime de apropriação
indébita, definido no art. 168 do Código Penal, o não recolhimento, dentro de
90 (noventa) dias do término dos prazos legais:
a) das importâncias do Imposto de Renda, seus adicionais e empréstimos
compulsórios, descontados pelas fontes pagadoras de rendimentos;
b) do valor do Imposto de Consumo indevidamente creditado nos livros de
registro de matérias-primas (modelos 21 e 21-A do Regulamento do Imposto
de Consumo) e deduzido de recolhimentos quinzenais, referente a notas
fiscais que não correspondam a uma efetiva operação de compra e venda ou
que tenham sido emitidas em nome de firma ou sociedade inexistente ou
fictícia;
c) do valor do Imposto do Selo recebido de terceiros pelos estabelecimentos
sujeitos ao regime de verba especial.
Por seu turno, o Decreto-lei nº 326, de 08/05/1967, ao regulamentar as
disposições previstas na Lei 4.357/64, proclamou:
Art. 2º. A utilização do produto da cobrança do imposto sobre produtos
industrializados em fim diverso do recolhimento do tributo constitui crime de
apropriação indébita definido no art. 168 do Código Penal, imputável aos
responsáveis legais da firma, salvo se pago o débito espontaneamente, ou,
quando instaurado o processo fiscal, antes da decisão ad¬ministrativa de
primeira instância.
Parágrafo único. A ação penal será iniciada por meio de representação da
Procuradoria da República, à qual a autoridade de primeira instância é
obrigada a encaminhar as peças principais do feito, destinadas a comprovar a
existência do crime, logo após decisão final condenatória proferida na esfera
administrativa.
Não se pode olvidar a importância do art. 95, “d”, da Lei nº 8.212/91,
enquanto tipo imediatamente anterior ao artigo 168-A do Código Penal.
A Lei 8.212/91 produziu alterações na legislação penal, introduzindo tipos
penais específicos para proteção da administração previdenciária. De particular
relevância, o artigo 95 dessa Lei dispôs:
Art. 95. Constitui crime:
a) deixar de incluir na folha de pagamentos da empresa os segurados
empregado, empresário, trabalhador avulso ou autônomo que lhe prestem
serviços;
b) deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da
empresa o montante das quantias descontadas dos segurados e o das
contribuições da empresa;
209
c) omitir total ou parcialmente receita ou lucro auferidos, remunerações pagas
ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições, descumprindo as
normas legais pertinentes;
d) deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra importância
devida à Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do público;
e) deixar de recolher contribuições devidas à Seguridade Social que tenham
integrados custos ou despesas contábeis relativos a produtos ou serviços
vendidos;
f) deixar de pagar salário-família, salário-maternidade, auxílio-natalidade ou
outro benefício devido a segurado, quando as respectivas quotas e valores já
tiverem sido reembolsados à empresa;
g) inserir ou fazer inserir em folha de pagamentos, pessoa que não possui a
qualidade de segurado obrigatório;
h) inserir ou fazer inserir em Carteira de Trabalho e Previdência Social do
empregado, ou em documento que deva produzir efeito perante a Seguridade
Social, declaração falsa ou diversa da que deveria ser feita;
Posteriormente, foi promulgada a Lei nº 9.983, de 14.7.2000, a qual revogou
os dispositivos da Lei nº 8.212/1991, e introduziu alterações no Código Penal Brasileiro
para, entre outras coisas, definir o crime de "apropriação indébita previdenciária" (artigo
168-A), fez ressurgir o debate em torno da necessidade do animus rem sibi habendi (a
vontade de apropriação da coisa alheia, sem pretensão de restituí-la) estar ou não
presente na conduta do sujeito ativo do referido delito.
Frente a esta situação, inicia-se a discussão, uma vez que o artigo 95, “d”
não tratava de qualquer modalidade de apropriação indébita e, assim, não exigia o
elemento subjetivo concernente ao ânimo de apropriação ou intenção específica de ter a
coisa para si. Deste modo, na conduta prevista para o tipo constante da Lei 8.212/91, o
dolo seria unicamente o de não recolher, ou de fraudar a Previdência.
Com a inserção do tipo no corpo do Código Penal, como alteração ao artigo
168-A, reabre-se a discussão, pois o capítulo é o da apropriação indébita, e, como se
sabe, qualquer lei deve ser interpretada de forma sistemática, ou seja, deve ser feita a
conjugação do título e capítulo com o seu conteúdo e com seus artigos.
210
Parte especial deste embate era saber se seria exigido prova do dolo
específico referente ao animus rem sibi habendi, ou se bastaria o dolo genérico. As
distinções, e, portanto, as consequências para uma situação ou outra são enormes, sendo
exigida prova de dolo específico, quando não demonstrado tal elemento subjetivo pela
acusação, excluindo-se o tipo legal e, nos processos em curso no momento da vigência
da referida Lei 9.983, a ocorrência da abolitio criminis.
A corrente vitoriosa foi a que considerou necessária apenas a
demonstração do dolo genérico, tendo o STF e o STJ consolidado entendimento
nesse sentido:
STF – EMENTA: 1. HABEAS CORPUS. Alegação de inépcia da denúncia.
Não conhecimento. Impetração contra denegação de outro habeas corpus.
Matéria não alegada nem apreciada pelo STJ. Supressão de instância.
Precedentes. Não se conhece de habeas corpus cujas questões não foram
apreciadas pela decisão denegatória doutro habeas corpus, contra a qual é
impetrado. 2. AÇÃO PENAL. Crime tributário ou contra a ordem tributária.
Apropriação indébita de verba previdenciária. Art. 198-A do Código Penal.
Abolitio criminis. Não ocorrência. Mera inserção dos tipos no Código Penal.
Justa causa reconhecida. Inteligência do art. 3º da Lei nº 9.983/2000, que
revogou o art. 95, "d", da Lei nº 8.212/91. Precedentes. O art. 3º da Lei nº
9.983/2000, que revogou o disposto no art. 95, "d", da Lei nº 8.212/91, não
operou abolitio criminis dos chamados delitos previdenciários, cuja
tipificação foi inserida no Código Penal. 3. AÇÃO PENAL. Crime.
Apropriação indébita de verba previdenciária. Consumação. Não
exigência de dolo específico. Inteligência do art. 168-A do CP. HC
denegado. Precedentes. Para a configuração do delito de apropriação indébita
previdenciária, basta a demonstração de dolo genérico.
STJ - Ementa: PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL.
APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ART. 168-A DO CP.
DOLO GENÉRICO. RECURSO PROVIDO. 1. A Terceira Seção desta
Egrégia Corte, por unanimidade, pacificou o entendimento de que o
crime previsto no art. 95, alínea d, da Lei n.º 8.212/91, revogado com o
advento da Lei n.º 9.983/00, que tipificou a mesma conduta no art. 168-A
do Código Penal, se consuma com o simples não-recolhimento das
contribuições previdenciárias descontadas dos empregados no prazo
legal. (AgRg no REsp 1.070.139/PE, Rel. Min. JANE SILVA,
Desembargadora Convocada, Sexta Turma, DJ 2/2/09) 2. Recurso especial
conhecido e provido para cassar a ordem de habeas corpus e determinar o
prosseguimento da ação penal.
Outro ponto que merece destaque é o novo texto legal que preconiza nos
casos em que o produto do delito – ou seja, o crédito previdenciário - é de monta
insignificante, ou de bagatela, em decorrência da efetiva não afetação do patrimônio do
211
Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS, bem jurídico tutelado, ocorre a
atipicidade material da conduta, que agora é tratada como caso de perdão judicial:
§ 3º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de
multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:
I - tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a
denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive
acessórios; ou
II - o valor da contribuição devidas, inclusive acessórios, seja igual ou
inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente,
como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.
Ressalte-se que a pena máxima prevista para o tipo penal capitulado nesse
artigo agora é de 5 anos, mais benéfica, assim, que os 6 (seis) anos antes previstos pela
Lei 8.212, artigo 95, “d”, o que determinará, sem dúvida, a aplicação da retroatividade
benéfica em inúmeros casos.
7.3.1 Não recolhimento de tributo cobrado ou descontado na condição de sujeito
passivo
A Lei n. 8.137 em seu artigo. 2a, inciso II, de 27.11.1990, estabelece que
constitui crime contra a ordem tributária "deixar de recolher, no prazo legal, valor de
tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado na condição de sujeito passivo
da obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos".
O artigo 168 – A do Código Penal dispõe:
Art. 168-A - Deixar de repassar à previdência social as contribuições
recolhidas dos contribuintes, no prazo legal ou convencional;
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:
I - recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à
previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a
segurados, a terceiros ou arrecadada do público;
II - recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado
despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de
serviços;
III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou
valores já tiverem sido reembolsadas à empresa pela previdência social;
212
Na doutrina, existe alguma divergência no que tange ao não pagamento do
Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, ou do Imposto de Renda Retido na Fonte
IRRF, ou de contribuições de seguridade social descontadas de empregados. Alguns
autores, como Hugo de Brito Machado, entendem que o não pagamento dos referidos
tributos não corresponde à conduta típica de apropriação indébita, definida no artigo 168
do Código Penal. Para ele, “o contribuinte não se apropria, porque o dinheiro lhe
pertence, e não ao fisco, que é simplesmente credor”.
Os que entendem que tais condutas não correspondem à apropriação indébita
argumentam que, no Imposto sobre Produtos Industrializados, o sujeito passivo da relação
obrigacional tributária é o comerciante, o industrial, ou o produtor, nos termos do artigo
51 do Código Tributário Nacional.
O supracitado autor aduz ainda que há entre o comerciante, industrial ou
produtor e seu cliente, que lhe compra os produtos, uma relação jurídica de direito
comercial, que não se confunde com a relação jurídica de tributação. Tanto assim é, que,
se o comprador não paga, nem por isto deixa o contribuinte de ser devedor do tributo.
Pode, é certo, estar o valor do IPI incluído no preço dos produtos vendidos. Isto, porém,
não faz do industrial mero intermediário, nem do comprador do produto contribuinte do
IPI.
O valor dos salários pagos pelo industrial também pode estar incluído no
preço dos produtos, como o valor do aluguel do prédio em que é instalada a indústria, o
valor da conta de energia elétrica, o valor das matérias-primas, entre outros. Nem por isto,
pode-se afirmar que o comprador dos produtos é o empregador, nem o inquilino, nem o
cliente da empresa fornecedora de energia, ou da empresa fornecedora de matérias-
primas. Nem tampouco, pode-se afirmar que o preço dos produtos é formado
necessariamente de todos esses elementos264.
264 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
213
Sob a ótica de José Carlos Graça Wagner, o preço pode, de fato, ser assim
decomposto, mas não formado, pois o seu quantum é fixado pelas condições de mercado,
podendo dar maior, menor ou nenhum lucro e, até mesmo, prejuízo. 265
Hugo de Brito Machado assevera ainda que, no caso do Imposto de Renda
Retido na Fonte, ou das contribuições descontadas dos salários, embora possa parecer
que há uma apropriação, na verdade ela não existe, posto que o empregador, ao pagar o
salário, ou a fonte, ao pagar o rendimento sujeito à incidência do imposto, na verdade
está pagando parte de seu débito, e fica a dever o restante, a ser pago ao fisco. A relação
jurídica, em qualquer desses casos com o fisco, é uma relação de direito obrigacional. A
ação executiva a ela correspondente é pessoal. Jamais a ação executiva é real. 266
Tal opinião, contudo, não é acolhida pela jurisprudência dominante, vez que,
como reiteradamente tem decidido o Superior Tribunal de Justiça, o crime se configura
com o recolhimento das contribuições e o não repasse ao Fisco:
STJ - Ementa PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO
AGRAVO DE INSTRUMENTO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA
PREVIDENCIÁRIA. INÉPCIA DA DENUNCIA. INOCORRÊNCIA.
ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. ESPECIAL FIM DE AGIR.
PRESCINDIBILIDADE DE SUA DEMONSTRAÇÃO.
CONTINUIDADE DELITIVA. CONFIGURAÇÃO. I - A peça acusatória
deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas
as suas circunstâncias. Essa narração impõe-se ao acusador como exigência
derivada do postulado constitucional que assegura ao réu o pleno exercício do
direito de defesa (HC 73.271/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Celso de Mello,
DJU de 04/09/1996). Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua
devida conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado
de Direito. Violação ao princípio da dignidade da pessoa humana (HC
86.000/PE, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU de 02/02/2007).
A inépcia da denúncia caracteriza situação configuradora de desrespeito
estatal ao postulado do devido processo legal. É que a imputação penal
contida na peça acusatória não pode ser o resultado da vontade pessoal e
arbitrária do órgão acusador. Este, para validamente formular a denúncia,
deve ter por suporte necessário uma base empírica idônea, a fim de que a
acusação penal não se converta em expressão ilegítima da vontade arbitrária
do Estado. Incumbe ao Ministério Público apresentar denúncia que veicule,
de modo claro e objetivo, com todos os elementos estruturais, essenciais e
circunstancias que lhe são inerentes, a descrição do fato delituoso, em ordem
a viabilizar o exercício legítimo da ação penal e a ensejar, a partir da estrita
observância dos pressupostos estipulados no art. 41 do CPP, a possibilidade
265 WAGNER, José Carlos Graça. apud: MARTINS, Ives Gandra da Silva, Da Sanção Tributária, São Pau-
lo, 1980. p. 82 266 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
214
de efetiva atuação, em favor daquele que é acusado, da cláusula
constitucional da plenitude de defesa (HC 72.506/MG, Primeira Turma, Rel.
Min. Celso de Mello, DJU de 18/09/1998). A denúncia é uma proposta da
demonstração de prática de um fato típico e antijurídico imputado a
determinada pessoa, sujeita à efetiva comprovação e à contradita, e apenas
deve ser repelida quando não houver indícios da existência de crime ou, de
início, seja possível reconhecer, indubitavelmente, a inocência do acusado ou,
ainda, quando não houver, pelo menos, indícios de sua participação (HC
90.201/RO, Primeira Turma, Rel. Ministra Cármen Lúcia, DJU de
31/08/2007). II - Na hipótese, contudo, a proemial acusatória descreve
satisfatoriamente as condutas imputadas ao recorrente, destacando que, na
época dos fatos, era o efetivo administrador da empresa. III - O tipo subjetivo
no injusto do art. 95, alínea d da Lei nº 8.212/91 que teve continuidade de
incidência no art. 168-A, § 1º, inciso I do CP (Lei nº 9983/00), se esgota no
dolo, sendo despiciendo qualquer outro elemento subjetivo diverso,
mormente a intenção de fraudar porquanto de estelionato não se trata
(Precedentes). IV - Na espécie, o recorrente deixou de repassar à
Previdência Social, mensalmente e por determinado período de tempo,
as contribuições previdenciárias descontadas dos empregados de sua
empresa. Verifica-se, ainda, que tais condutas delituosas foram praticadas
em conexão temporal e espacial e guardam ainda, entre si, identidade no que
se refere à maneira de execução. Assim, resta configurada a continuidade
delitiva, uma vez que cada ato omissivo, no caso, configura um delito próprio
e individual, sendo os subsequentes tidos como continuação do primeiro.
Neste ponto, um interessante questionamento é saber se o sujeito passivo da
relação tributária que escritura com regularidade e transparência valores retidos de
terceiros, mas não os recolhe a tempo e a modo aos cofres públicos, essa conduta sem
subterfúgios é excludente do dolo ou é prova material da prática de um crime tributário de
resultado?
O supracitado autor entende que em qualquer caso, se o contribuinte
escritura, em sua contabilidade, os valores a serem pagos ao Tesouro, demonstra a
ausência do elemento subjetivo do tipo penal, o dolo.
Nesse pesar, o dolo seria um fim especial de agir daquele que, tendo a
consciência de que o tributo é devido, por sua livre e espontânea vontade, deixa de
recolhê-lo, total ou parcialmente, decidindo burlar a fiscalização tributária. Assim,
inexistiria às empresas o dolo específico de fraudar, quando elas mantêm escrituração
correta, e enviam informações ao Fisco, sem qualquer manipulação dolosa, e atípico
seria todo ato ou fato sem a correspondente intenção de fraude.
215
Para esta corrente, sem tal elemento subjetivo, o que se incrimina,
verdadeiramente, é um comportamento ilícito fiscal, descaracterizando a própria razão
do Direito Penal moderno, que é de índole subsidiária, mínima e garantista, só
permitindo a interferência do Estado sancionador na esfera da liberdade individual,
quando há potencial lesivo à sociedade, ou à dignidade humana de outrem. O risco de
uma prisão de natureza civil, por dívida, deve ser definitivamente afastado do Direito.
No entendimento contrário, há autores que consideram a escrituração uma
demonstração da materialidade do crime, e não exclui o dolo, pelo contrário, seria
elemento de configuração do dolo genérico.
Hugo de Brito Machado conclui que, se as normas que dizem ser crime o
não recolhimento de tributos nos prazos legais criam tipo novo, diverso da apropriação
indébita, são inconstitucionais, pois afrontam a proibição de prisão por dívida. Defende
ainda que, se apenas explicitam que esse não recolhimento configura o tipo do artigo 168
do Código Penal, sua aplicação somente há de se dar quando presentes todos os
elementos daquele tipo, entre os quais, o dolo específico, a vontade consciente de fazer
próprio o dinheiro do fisco. E tal elemento, como já cediço, é inteiramente afastado pela
escrituração contábil da dívida, que há de ser entendida como induvidosa e até eloquente
manifestação, que é, no propósito de responder pela dívida, o qual, evidentemente, não
se concilia com a vontade de apropriar-se. 267
Como dito outrora, a posição deste autor é minoritária, não sendo acolhida
nem pelo Superior Tribunal de Justiça, já que equivaleria a considerar necessária a
presença do dolo específico, e não do dolo genérico.
Com efeito, para o STJ é pacífico o entendimento de que basta o dolo
genérico:
STJ - Ementa AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE
INSTRUMENTO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA.
DESNECESSÁRIA DEMONSTRAÇÃO DO ANIMUS REM SIBI
HABEMDI. JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE FIRMADA NO
267 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
216
MESMO SENTIDO DO ACÓRDÃO CONDENATÓRIO. SÚMULA
83/STJ. DIFICULDADES FINANCEIRAS. REEXAME DE MATÉRIA
FÁTICO-PROBATÓRIA. VIA IMPRÓPRIA. SÚMULA N.º 7/STJ.
Indexação DESNECESSIDADE, COMPROVAÇÃO, DOLO
ESPECÍFICO / HIPÓTESE, CRIME, APROPRIAÇÃO INDÉBITA
PREVIDENCIÁRIA / SUFICIÊNCIA, DEMONSTRAÇÃO, DOLO
GENÉRICO, REFERÊNCIA, NÃO-RECOLHIMENTO DE TRIBUTO NO
PRAZO LEGAL; CARACTERIZAÇÃO, CRIME OMISSIVO PRÓPRIO;
OBSERVÂNCIA, JURISPRUDÊNCIA, STJ.
Noutra ótica, o entendimento que sustenta necessitar qualquer crime
tributário, de um comportamento fraudulento do sujeito, é minoritário, mas,
profundamente, importante.
7.4. Classificação dos crimes contra a ordem tributária quanto ao resultado: crime
material, crime formal ou crime de mera conduta
A Lei 8.137/90 de crimes tributários, prevê no seu artigo 1º que: “Constitui
crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e
qualquer acessório, mediante as seguintes condutas”.
O primeiro ponto a ser discutido pelo citado artigo 1º da Lei 8.137/90
refere-se à classificação quanto ao resultado. A doutrina e a jurisprudência, em sua
maioria, entendem que se trata de crime material, vez que a própria descrição legal
apresenta o resultado a ser alcançado pelo agente, qual seja, supressão ou redução de
tributo, ou contribuição social e qualquer acessório.
No que concerne à supressão, o efetivo dano fiscal é parte integrante do
tipo, sem o qual não há que se falar em delito fiscal consumado. Ou seja, exige-se o
resultado naturalístico, qual seja a supressão ou redução patrimonial do erário público.
O Código Tributário Nacional, em seu artigo 142, caput, dispõe:
Art. 142 Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o
crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento
administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação
correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do
217
tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor aplicação da
penalidade cabível.
Destarte, impõe-se que o tributo (devidamente calculado e quantificado)
seja devido, É imperiosa a existência de uma norma individual e concreta que em seu
consequente contenha uma obrigação tributária. Ou seja, no caso de redução, além de
devido, há que se apurar o valor pago e aquele que efetivamente deveria ter sido
recolhido por parte do contribuinte, não se pode concluir recolhimento a menor se os
cálculos não estiverem concluídos. E como observado no supracitado dispositivo legal,
a competência para aferição do montante devido é da instância administrativo-fiscal.
Considera-se que os crimes materiais do artigo 1º da Lei 8.137/90 e do
artigo 337-A do Código Penal, encontram-se consumados no instante em que o tributo
era exigível e não foi devidamente recolhido. Vale salientar, desta forma, que as
exigências da conduta vinculada no tipo penal devem estar satisfeitas:
"Ementa: I. Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º):
lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo
administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o
curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do
lançamento definitivo. 1. Embora não condicionada a denúncia à
representação da autoridade fiscal (ADInMC 1571), falta justa causa para a
ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L. 8137/90 - que
é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do
processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento
definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo
de tipo. 2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do
crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L.
9249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não
permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do
cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o
Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para
fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal. (...)" HC
81.611, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgamento em
10.12.2003, DJ de 13.5.2005.
"De modo que, sendo tributo elemento normativo do tipo penal, este só
se configura quando se configure a existência de tributo devido, ou,
noutras palavras, a existência de obrigação jurídico-tributária exigível.
No ordenamento jurídico brasileiro, a definição desse elemento normativo do
tipo não depende de juízo penal, porque, dispõe o Código Tributário, é
competência privativa da autoridade administrativa defini-lo. Ora - e aqui me
parece o cerne da argumentação do eminente Relator -, não tenho nenhuma
dúvida de que só se caracteriza a existência de obrigação jurídico-tributária
exigível, quando se dê, conforme diz Sua Excelência, a chamada preclusão
administrativa, ou, nos termos no Código Tributário, quando sobrevenha
cunho definitivo ao lançamento. (...) E isso significa e demonstra, a mim me
218
parece que de maneira irrespondível, que o lançamento tem natureza
predominantemente constitutiva da obrigação exigível: sem o lançamento,
não se tem obrigação tributária exigível. (...) Retomando o raciocínio, o tipo
penal só estará plenamente integrado e perfeito à data em que surge, no
mundo jurídico, tributo devido, ou obrigação tributária exigível. Antes disso,
não está configurado o tipo penal, e, não o estando, evidentemente não se
pode instaurar por conta dele, à falta de justa causa, nenhuma ação penal."
HC 81.611, Voto do Ministro Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgamento em
10.12.2003, DJ de 13.5.2005.
Caso o Ministério Público, na denúncia, não demonstre esses requisitos
típicos, fica inviabilizada a análise acerca da existência de indícios de que o delito fiscal
descrito no artigo 1º da Lei 8.137/90 tenha sido praticado. Assim, a denúncia não pode
ser recebida sem os indícios de materialidade.
Desta forma, observa-se, então, que as infrações penais tributárias
capituladas no artigo 1º da Lei 8.137/90 são de dano, ou seja, acontecem com a
obtenção do resultado. Logo, conclui-se que é imperioso a configuração da existência de
uma lesão aos cofres públicos para que o crime possa restar configurado.
No entanto, permanece a necessidade de apurar a intenção do agente, ou
seja, há de se demonstrar que o resultado foi ocasionado por sua intenção.
Após controvérsia alvo de diversos embates doutrinários e jurisprudenciais,
o Superior Tribunal de Justiça - STJ, na decisão proferida, por unanimidade, pela
Terceira Seção – Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 15.332, Relatora e Em. Min.
Laurita Vaz, autos nº 200302095430-PR, DJ, 05/09/2005, p. 435, ao debruçar-se sobre a
necessidade, ou, não, da presença do dolo específico (o animus rem sibi habendi) para a
configuração do ilícito de apropriação indébita das contribuições previdenciárias, assim
decidiu:
STJ - RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL.
PROCESSO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÃO
PREVIDENCIÁRIA. DEMONSTRAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO DE
APROPRIAR-SE DOS VALORES NÃO RECOLHIDOS.
DESNECESSIDADE.
1. A Terceira Sessão desta egrégia Corte, por unanimidade, pacificou o
entendimento de que o crime previsto no art. 95, alínea d, da Lei n° 8.212/91,
revogado com o advento da Lei n° 9.9083/0 0, que tipificou a mesma conduta
no art. 168-A do Código Penal , se consuma com o simples não-recolhimento
das contribuições previdenciárias descontadas dos empregados no prazo
legal.
219
2. Considera-se que o dolo do crime de apropriação indébita
previdenciária é a vontade de não repassar à previdência as
contribuições recolhidas, dentro do prazo e da forma leais, não se
exigindo o animus rem sibi habendi, sendo, portanto, descabida a
exigência de se demonstrar o dolo específico de fraudar a Previdência
Social como elemento essencial do tipo penal. 3. (...)
Se, por um lado, a jurisprudência do Eg. STJ entendeu que não constituiria
elemento do tipo penal previsto no artigo 168-A, do Código Penal, a presença de dolo
específico, não se exigindo, portanto, a vontade de fraudar o órgão previdenciário, por
outro lado, pareceu entender que o não recolhimento das contribuições trataria de crime
de mera conduta, e, não, de crime de resultado.
No que concerne a este aspecto – ser crime formal ou material –, foi
resolvido pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do INQ nº 2.537/GO,
relatado pelo Em. Ministro Marco Aurélio, revendo posicionamento anterior:
O Tribunal negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão
do Min. Marco Aurélio, que determinara o arquivamento de inquérito, do
qual relator, em que apurada a suposta prática do delito de apropriação
indébita previdenciária (CP, art. 168-A: “Deixar de repassar à previdência
social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal
ou convencional:”). Salientando que a apropriação indébita
previdenciária não consubstancia crime formal, mas omissivo material –
no que indispensável a ocorrência de apropriação dos valores, com
inversão da posse respectiva - , e tem por objeto jurídico protegido o
patrimônio da previdência social, entendeu-se que, pendente recurso
administrativo em que discutida a exigibilidade do tributo seria inviável tanto
a propositura da ação penal quanto a manutenção do inquérito, sob pena de
preservar-se situação que degrada o contribuinte. (Inq nº 2.537 AgR/GO, rel
Mi. Marco Aurélio, 10.3.2008)
Portanto, prevaleceu a tese sufragada pelo eminente Ministro Marco
Aurélio, segundo o qual, o crime de apropriação indébita de contribuições
previdenciárias seria crime omissivo material, exigindo-se demonstração do prejuízo
material.
César de Faria Júnior bem assinala: “Sendo o crime tributário, material ou
de resultado, é indispensável para sua configuração a supressão ou redução de tributo, o
220
que pressupõe a existência de uma relação jurídica tributária, ou seja, a existência de um
tributo. Sem um tributo devido, para que possa, de fato, ser suprimido ou reduzido,
evidentemente, não se pode consumar o crime contra a ordem tributária”. 268
7.5. O requisito subjetivo dos delitos fiscais
Para refletir sobre essas questões, consideramos a garantia do Direito Penal,
também aplicável à tributação, por meio do qual se verifica que não há crime sem lei
que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, nem há, em princípio, punibilidade
de uma conduta sem dolo.
A discussão versa sobre o requisito subjetivo para a configuração do crime.
Desta forma, analisando-se a lei nº. 8.137/90, que define crimes contra a ordem
tributária, visualiza-se que, embora necessário, não basta ao acusador provar que
determinado agente suprimiu ou reduziu tributo ou contribuição social. Tal
demonstração, conquanto indispensável, constitui apenas o resultado exigido pelo
crime. É imperioso que a acusação comprove quem dolosamente causou esse resultado,
muito embora, também como visto, o dolo a ser provado seja o genérico.
Primeiramente, o artigo 136 do Código Tributário Nacional, no intuito de
livrar o ônus da prova à Fazenda Pública, dispõe:
Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a
responsabilidade por infrações da legislação tributária independe
da intenção do agente ou do responsável e da efetividade,
natureza e extensão dos efeitos do ato. Pela simples
interpretação deste artigo, deduz-se que a responsabilidade por
infrações tributárias seria objetiva, já que, segundo o referido
artigo expressamente revela, não seria necessária a presença de
268FARIA Junior, César de. O processo administrativo fiscal e as condições da ação penal nos crimes
tributários. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 86.
221
elemento subjetivo - nem dolo nem culpa -, bem como da
efetividade e efeitos do ato.
Não obstante, a doutrina majoritária entende que não é possível a
responsabilidade objetiva em Crimes Tributários, e o trecho “Salvo disposição de lei em
contrário...”, polemiza o assunto, vez que torna o referido artigo supletivo, esta corrente
parece ser a mais lógica, pelo fato de que não se pode presumir a existência de
elementos essenciais caracterizados pelo Direito Penal.
A disposição legal que a doutrina majoritária se fundamenta para contrariar
o artigo 136 do CTN pode ser extraída do artigo 11, caput, da Lei nº. 8.137/90, que trata
dos crimes contra as relações de consumo:
“Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre
para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na
medida de sua culpabilidade”.
Há de se ressaltar que todo agente que infringir os crimes contra a ordem
tributária previstos na Lei nº 8.137/90 deve sofrer uma pena de acordo com sua
culpabilidade, tendo em vista que os crimes previstos nesta lei admitem apenas a
modalidade dolosa.
Como cediço, os incisos do artigo 1º da Lei 8.137/90 descrevem várias
condutas. Todavia, não basta apenas que o agente as tenha praticado para considerar
consumado o crime. É necessária a verificação da ocorrência do dolo, requisito
subjetivo do injusto previsto no caput. Deste modo, além da prática do fato, o agente
deve ter agido com consciência e vontade de não pagar ou de reduzir o tributo, hipótese
de dolo direto, ou a assunção de risco, que ensejaria o dolo eventual.
Impende-se frisar que, observando a não uniformidade nos critérios para a
identificação do dolo, o objetivo deste estudo, a partir da análise de casos concretos é
verificar quando esteve configurada a presença do dolo e quando não esteve.
222
O grande problema é que, muitas vezes, os empresários são absolvidos
porque o Ministério Público não conseguiu demonstrar que houve dolo de subtrair, ou
reduzir o tributo na conduta do agente.
É de bom alvitre mencionar, ainda, que a necessidade de se evidenciar o
animus do agente no âmbito penal é imprescindível. Sendo assim, Paulo de Barros
Carvalho preconiza que para o direito penal, tem de haver a materialidade do
evento, contrário aos desígnios da ordem jurídica (antijuridicidade), e, além disso,
a culpabilidade, isto é, a imputação do resultado delituoso à participação volitiva
do agente. SEM DOLO OU CULPA, NUMA DE SUAS GRADAÇÕES, NÃO É
PUNÍVEL A CONDUTA QUE OCASIONOU O ACONTECIMENTO TÍPICO E
ANTIJURÍDICO.269
Pedro Roberto Decomain bem afirma: “em Direito Penal, a punição de
condutas a título de culpa em sentido estrito é regra excepcional, exigindo-se a expressa
previsão da modalidade culposa, para que algum fato possa ser punido a tal título (artigo
18, parágrafo único, do Código Penal)”. 270
Como não há no texto da Lei nº 8.137/90 qualquer regra que preveja
modalidade culposa de algum dos crimes contra a ordem tributária, tem-se que estes
apenas admitem a modalidade dolosa.
Sob este diapasão, há de se influir que alguém só pode ser censurado
penalmente pelas consequências queridas ou previsíveis de seu próprio ato. Em síntese,
só será penalmente responsabilizado o agente que tiver a consciência e a vontade de
concretizar o resultado típico (dolo direto – art. 18/CP, inc. I, 1ª parte); como também
aquele que involuntariamente produzir um resultado lesivo, objetivamente previsível,
em razão da inobservância de um dever de cuidado (culpa em sentido estrito – art.
18/CP, inc. II).
269 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito Tributário. 20. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014. 270 DECOMAIN, Pedro Roberto. Crimes Contra a Ordem Tributária. 4. Ed. Belo Horizonte: Fórum,
2008, p. 48.
223
7.5.1. Momento Da Caracterização Do Elemento Subjetivo: a influencia da
incidência das Normas Sancionatórias Tributárias na aplicação das Normas Penais
Tributárias
A análise do dolo implica exame da responsabilidade penal, nomeadamente
nos crimes contra a ordem tributária.
Cabe à Fazenda Pública o ônus da prova da materialidade da conduta, o que
se dá pela constituição definitiva do crédito tributário ou previdenciário. E cabe ao
Ministério Público – normalmente a partir da prova produzida no âmbito do inquérito
policial - demonstrar o dolo do agente.
No entanto, a investigação do requisito subjetivo, o dolo, não
adequadamente feita no âmbito administrativo, onde algumas multas demandam a
presença do dolo.
Por outro lado, no inquérito policial utilizam-se apenas os fatos presentes no
processo administrativo fiscal, ou na representação fiscal para fins penais, e, por
conseguinte, o Ministério Público denuncia sem a devida comprovação do pré-requisito
subjetivo.
É certo que, no momento da denúncia, têm os tribunais aceitado aplicação
do princípio in dubio pro societatis, permitindo ao Ministério Público provar o dolo no
curso da ação penal.
Contudo, em matéria criminal não basta apenas se perquirir a respeito da
existência ou não de débito tributário, uma vez que os efeitos penais devem considerar a
intensão do agente.
O fisco averigua se houve a hipótese de incidência da norma tributária ou
previdenciária, verifica o pagamento ou não, o quantum devido e autua o contribuinte.
224
Ao lavrar o Auto de Infração, a autoridade administrativa não se preocupa
em demonstrar adequadamente o dolo, é fraca a investigação quanto ao motivo que
levou o contribuinte a não pagar. A análise é simplesmente objetiva. Tem efeitos fiscais,
administrativos e comerciais, mas o problema é que para a produção de efeitos penais a
análise deve ser diferenciada e rigorosa, tendo em vista que se não for comprovado o
dolo não há tipificação da conduta criminal.
7.5.2. Relação entre o elemento volitivo (subjetividade) nas multas qualificadas ou
agravadas e a responsabilidade penal nos crimes contra a ordem tributária
Diante da dificuldade da persecução penal em matéria de crime contra
a ordem tributária, é prática comum enquadrar os diretores ou sócios em crimes
não tributários, apenas relacionados, como formação de quadrilha, ou ainda
falsificação de documento particular art. 298 do CP.
No entanto, esse modo de proceder não deve prosperar, o crime contra a
ordem tributária absorve:
“Ao lado do antefato co-punido, aparece como forma do
concurso impróprio com pluralidade de atos o pós-fato
impunível (co-punido). Ele é freqüentemente classificado como
consunção, apesar de se fundamentar em uma idéia básica
distinta: os meros delitos de asseguramento ou aproveitamento
restam desprezados pelo delito de aquisição, como verdadeiro
centro de gravidade do ataque delitivo, desde que não irroguem
ao bem afetado um dano inteiramente novo ou não se dirijam
contra um bem jurídico novo. De modo nenhum precisa o pós-
fato constituir um delito que habitualmente acompanhe o
primeiro; o decisivo é que em relação com a lesão primária de
bens jurídicos alheios não lhe corresponda um peso
autônomo.”271
271 STRATENWERTH, Günter; KUHLEN, Lothar. Strafrecht: Allgemeiner Teil I. München, Köln, Berlin: Carl Heymanns, 2004. p.405, itálicos no original, sem negritos no original. Tradução livre de Fabio George: “Zur mitbestraften Vortat tritt als Form der unechten Konkurrenz bei Handlungsmerheit die
225
“Um fato anterior ou posterior, que não ofende novo bem
jurídico, é muitas vezes absorvido pelo fato principal, e não tem
outra punição além da punição deste (mitbestrafte). É o
chamado antefato ou pós-fato não punível. Esses casos são bem
distintos do concurso aparente de normas. Neles há sempre uma
pluralidade de ações em sentido naturalista, como já observava
HONIG [...]272
Nesse sentido, a Súmula no 17 do Superior Tribunal de Justiça: “Quando o
falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”. E
mais:
“Se consideran comprendidos, em general, los delitos de
aseguramiento y utilización, que retroceden ante el delito
cometido para la adquisición de la cosa, que es el propio centro
de gravedad del ataque principal, en tanto no ocasionen al
afectado um nuevo daño o no se dirijan contra un nuevo bien
jurídico [...]”273
Uma das alternativas que o parquet tem, mas que muitas vezes se abstém de
fazer, é a prova do acréscimo patrimonial do agente na medida do valor devido,
mediante requerimento da declaração do imposto de renda da pessoa física, ou por
outros meios.
Cumpre observar que a autuação fiscal tem seus efeitos fiscais, comerciais
e administrativos, os quais não se negam, sendo inclusive prova indiciária. Mas não
pode ter o condão de, por si só, comprovar dolo de não recolher, nem isenta o próprio
Ministério Público de proceder investigação suficiente, ou requerê-la à Polícia
Judiciária.
straflose (mitbestrafte) Nachtat hinzu. Sie wird sachlich vielfach der Konsumtion zugeordnet, beruht jedoch auf einem abweichenden Grundgedanken: Bloße Sicherungs- und Verwentungsdelikte treten gegenüber dem Erwerbsdelikte als dem eigentlichen Schwerpunkt des deliktischen Angriffs zurück, soweit sie nicht dem Betroffenen einen ganz neuen Schaden zufügen oder sich gegen ein neues Rechtsgut richten. Die Nachtat braucht keineswegs ein typisches Begleitdelikt zu sein; entscheidend ist, dass ihr im Verhältnis zur primären Verletzung fremder Rechstgüter kein selbständiges Gewicht zukommt”. 272 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. t. I. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p.277-8 273 CARAMUTI, Carlos S. Concurso de delitos. Buenos Aires: Hammurabi, 2005. p.208-9.
226
Observadas as particularidades de cada caso, verificando-se que o agente
não criou qualquer dificuldade para a ação do Fisco; não tendo sido comprovado o dolo
em apropriar-se dos valores, bem como não provando o MP que o acusado poderia ter
feito o pagamento, ou seja, poderia ter agido de forma diversa, pagando ao Fisco, não
haveria subsídio para que se o condene, não haveria comprovação da materialidade do
fato ou de que o fato fosse infração criminal.
Note-se que não se está pretendendo absolver criminosos, mas apenas que se
procure fundamentar, e evidenciar em que medida o agente ultrapassou o mero ilícito
administrativo e efetuou o ilícito penal. Ou seja, na hipótese de o agente ter agido com
dolo, procurando fraudar o Fisco, deve ser punido como prelecionam as referidas leis,
mas se não está devidamente comprovado o dolo, ele não deve ser penalizado
criminalmente.
Daí a importância de demonstrar desde o âmbito administrativo o
correto enquadramento do ilícito nas multas que demandam a presença do dolo,
uma vez que essas terão consequência direta no âmbito penal.
A construção adequada dos fatos jurídicos no âmbito administrativo,
cuidando inclusive da demonstração do elemento subjetivo, é de suma relevância
na medida em que será encaminhada representação para fins penais e teremos
grande influência na aplicação das Normas Penais Tributárias.
7.5.2. Ausência de dolo específico: Inexigibilidade de conduta diversa
Quando os tribunais se viram compelidos a rejeitar a tese da exigência do
dolo específico nos crimes de apropriação indébita tributária e previdenciária, houve
esforço de construção de um outro tipo de entendimento, que atenuasse a repercussão
penal dos empresários que, embora tendo arrecadado na fonte de sua folha de salários,
imposto de renda retido e contribuição previdenciária, teriam deixado de repassar ao
fisco, não em virtude de vontade de apropriar-se, mas, em razão, de impossibilidade
227
material de fazê-lo. Surgiu, assim, o argumento da chamada inexigibilidade de conduta
diversa.
Como visto, sendo de quem alega o ônus de provar, uma vez constituído o
crédito tributário, pelo lançamento, pode restar demonstrada a materialidade do delito.
E, para provar a excludente de ilicitude, consistente na inexigibilidade de conduta
diversa, não podem faltar provas, que devem ser produzidas por parte do agente
(normalmente o empresário), que demonstrem as alegações de privilégio consciente de
pagamento de empregados, locação imobiliária, pagamento de despesas para
manutenção do negócio, entre outras.
A tese da inexigibilidade de conduta diversa é a mais utilizada nas hipóteses
de apropriação indébita – tributária ou previdenciária. É invocada quando o acusado
alega que não recolheu aos cofres públicos obrigações tributárias arrecadadas de
terceiros, por não ter disponibilidade de caixa para tanto, em razão de dificuldades
financeiras vivenciadas pela empresa.
Neste pesar, existe entendimento quanto à inexigibilidade de conduta
diversa, tratando-se dos casos de não recolhimento de contribuições previdenciárias
descontadas de empregados, decorrente da séria dificuldade financeira, devidamente
comprovada, deixaria de configurar os crimes previstos no artigo 168–A do Código
Penal (referido no item 8.2.2.3.) e no artigo 95, alínea "d", da Lei nº 8.212/91, em face
da inexigibilidade de outra conduta:
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, exclusivamente, às
contribuições que tenham a mesma base utilizada para o cálculo das
contribuições incidentes sobre a remuneração paga ou creditada a segurados,
ficando sujeitas aos mesmos prazos, condições, sanções e privilégios, inclusive
no que se refere à cobrança judicial.
Art. 95. Constitui crime:
a) deixar de incluir na folha de pagamentos da empresa os segurados
empregado, empresário, trabalhador avulso ou autônomo que lhe prestem
serviços;
b)deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da
empresa o montante das quantias descontadas dos segurados e o das
contribuições da empresa;
c) omitir total ou parcialmente receita ou lucro auferidos, remunerações pagas
ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições, descumprindo as
normas legais pertinentes;
228
d) deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra
importância devida à Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do
público;
e) deixar de recolher contribuições devidas à Seguridade Social que tenham
integrado custos ou despesas contábeis relativos a produtos ou serviços
vendidos;
f) deixar de pagar salário-família, salário-maternidade, auxílio-natalidade ou
outro benefício devido a segurado, quando as respectivas quotas e valores já
tiverem sido reembolsados à empresa;
Na visão de Hugo de Brito Machado274, a não exigibilidade de outra conduta
configura-se sempre que, em situação de crise financeira, a opção pelo uso do dinheiro
disponível para o pagamento de empregados e de dívidas outras seja a única forma de
manter a empresa em funcionamento, numa tentativa sincera de superação da crise,
depois da qual a dívida tributária será paga. Entende que, realmente, é legitima a opção
por outros pagamentos. Argumenta que, em relação aos salários, a própria lei estabelece
expressamente a preferência destes em relação aos tributos (CTN, art. 186). E o
pagamento de outras dívidas, quando indispensável para que a empresa continue
funcionando, a legitimidade é fora de dúvida, em face do interesse dos empregados na
manutenção do emprego e do próprio fisco, na manutenção da fonte dos tributos.
Houve uma mudança, decorrente das dificuldades financeiras das empresas,
revelando-se estas impeditivas do repasse tributário previsto e que eram tratadas
anteriormente, ou, na esfera da antijuridicidade, como estado de necessidade, ou,
majoritariamente, na esfera da culpabilidade, como inexigibilidade de conduta diversa,
justamente porque só seria culpável aquele que pudesse agir de modo diferente, hoje,
são analisadas no próprio tipo, no dolo, seu elemento subjetivo.
Assim, se, em tese, a pessoa tem justificativa idônea para o não
recolhimento, falta-lhe a consciência e a vontade de delinquir.
Frise-se, por oportuno, que, em Direito Penal, inexiste responsabilidade
objetiva, sem dolo ou culpa. Como o tipo aberto culposo não é previsto à espécie, na
falta do dolo, não há a correspondência entre o tipo incriminador e a conduta do
denunciado, por inexistência do elemento subjetivo exigido.
274 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
229
Por outro lado, a procuradora da República Nadja Machado Botelho275, em
seu artigo “Crimes contra a ordem tributária – Da constituição definitiva do crédito
tributário à inexigibilidade de conduta diversa”, adverte que a situação empresarial
deficitária há de estar robustamente comprovada por meio de prova documental e tal
situação há de ser excepcional.
7.6 Prévio Exaurimento Da Via Administrativa
O Supremo Tribunal Federal aprovou sua Súmula Vinculante nº 24,
consolidando a compreensão de que não se tipifica crime material contra a ordem
tributária, previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento
definitivo do tributo. Assim, o entendimento pacificado pela referida súmula é que a
constituição do crédito tributário, pelo lançamento, faz parte da tipicidade. Ou seja, não
existe o tipo penal referido no artigo 1º sem o lançamento do crédito.
O que significa dizer que, enquanto não houver o lançamento do tributo, e,
por conseguinte, a constituição definitiva do crédito, não se pode responsabilizar
criminalmente o infrator na referida lei. Veremos que recente a jurisprudência, em
alguns casos, vem relativizando a referida súmula.
Até bem pouco atrás, estavam os tribunais pátrios preocupados com a
discussão acerca da obrigatoriedade ou não do exaurimento da via administrativa como
condição de procedibilidade da ação penal nos crimes tributários, do artigo 1º, inciso I,
da Lei 8.137/1990. Ainda, não se sabia se o lançamento seria condição objetiva de
punibilidade ou se faria parte da própria tipicidade.
Por sua vez, a constituição do crédito tributário, pelo lançamento, é condição
necessária, mas não suficiente, para a consideração de prática de crime tributário. O
275 BOTELHO, Nadja Machado. Crimes contra a ordem tributária – Da constituição definitiva do crédito
tributário à inexigibilidade de conduta diversa. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Nº 47 –
dez-jan/2008.
230
elemento subjetivo, a vontade e o dolo do agente devem estar presentes na realização da
conduta, devendo, assim, estar devidamente comprovado.
A referida súmula não elucida o aspecto subjetivo da conduta, ou seja, não
deixa claro não bastar provar que um crédito tributário foi constituído, para que se
conclua que, em tese, pode ter havido conduta criminosa. É necessário investigar mais,
e demonstrar, igualmente, se fazer presente o elemento subjetivo - a vontade ou o dolo
do agente - para configuração do tipo penal.
A súmula nº 24 consolida o entendimento no sentido da não tipificação do
crime, enquanto não esgotada a via administrativa, e de que o lançamento faz parte da
tipicidade. Ou seja, não existe o tipo penal referido no artigo 1º sem o prévio e
definitivo lançamento do crédito tributário.
O que significa dizer que, enquanto não houver o lançamento do tributo, e,
por conseguinte, a constituição definitiva do crédito, não se pode responsabilizar
criminalmente o infrator na referida lei.
Doutro modo, o Ministério Público não pode oferecer denúncia antes da
decisão final da autoridade no processo administrativo com o respectivo lançamento do
tributo. A problemática versa quanto ao argumento de que não se pode admitir o uso da
ação penal como instrumento para constranger o contribuinte ao pagamento de tributo, que
pode não ser devido.
Por outro lado, um tributo controverso não pode ser criminoso. Um tributo
declarado inconstitucional, tampouco. Simplesmente porque nesses casos falta a
antijuridicidade, critério indispensável da regra penal.
Neste liame de entendimento, obteve êxito a tese que busca a preservação dos
direitos constitucionais do contribuinte, entre os quais o de pagar apenas os tributos
devidos, e de utilizar-se, para esse fim, do direito ao contraditório e à ampla defesa,
inclusive, no processo administrativo. Assim, não mais se admite a denúncia penal sem a
prévia constituição definitiva do crédito tributário.
231
Harada pontua que não raras vezes, juízes e tribunais levam anos em
discussões para concluírem pela inconstitucionalidade de determinada exação. Com
tantas imprecisões técnicas, na formulação de hipóteses de condutas delituosas, que
constituem tipos penais extravagantes, recheados de noções específicas de direito
tributário, por sua vez, dominado, nas três esferas impositivas, pelo chamado
dinamismo caótico, inconcebível cogitar-se de dolo específico enquanto o contribuinte
discute a validade do lançamento tributário na esfera administrativa. Assim, a suspensão
do processo criminal, muitas vezes, se impõe, extrapolando os limites da mera
faculdade prevista no artigo 93 do Código de Processo Penal, sob pena de,
eventualmente, condenar um inocente, ou seja, aquele que não suprimiu e nem reduziu
tributo, assim reconhecido pela Administração Tributária.
A Súmula Vinculante 24 é a confirmação do entendimento iniciado no
julgamento do Habeas Corpus nº 81.611, de 10.12.2003, onde o Supremo Tribunal
Federal fixou jurisprudência no sentido da não tipificação do crime enquanto não
esgotada a via administrativa.
No entanto, a referida Súmula Vinculante, só responde uma parte dos
argumentos, pois o problema não está apenas na prescrição criminal, cuja contagem fica
a depender da decisão definitiva na esfera administrativa, mas sim pela consumação do
prazo de decadência para constituição do crédito, pois o sepultamento do lançamento
fiscal leva ao banimento definitivo do tipo penal (v., p. ex., decisão do STF no HC
84.555-0).
As divergências apresentadas argumentavam que, aguardar o julgamento
administrativo poderia levar à impunidade, face à prescrição. Argumento que foi
rechaçado, tendo em vista que o Estado tem meios para evitar a demora no julgamento
do processo administrativo, devendo prevalecer o direito fundamental do contribuinte
de defender-se contra a exigência de tributo indevido.
Para a solução do imbróglio em questão, a alternativa encontrada se viu
acolhida por alguns Ministros do STF, que entenderam que a prescrição não corre
enquanto pendente o julgamento do processo administrativo fiscal.
232
Contudo, a investigação vários anos após a ocorrência do evento resta
prejudicada, há uma imensa dificuldade na constituição do fato jurídico penal.
O argumento vitorioso foi o do Ministro Sepulveda Pertence, pela falta de
justa causa para a ação penal antes do lançamento definitivo, por se tratar de um crime
de resultado. E, que na verdade, a ação penal, antes do lançamento definitivo, pode
conduzir a uma situação verdadeiramente absurda, na qual o Estado-juiz pune alguém
por supressão ou redução de tributo e o mesmo Estado, como Administração Tributária,
diz que nenhum tributo lhe era devido.
Por sua vez, o Ministro Nelson Jobim destacou que, no administrativo
fiscal, o contribuinte exerce seu direito ao contraditório e à ampla defesa, no qual a
instauração de ação penal antes de concluído esse processo administrativo
consubstancia uma ameaça ao direito do contribuinte.
Hugo de Brito Machado defende que, quando não tenha sido iniciada ação
fiscal e o Ministério Público tenha, por outros meios, notícia do crime, deve este oficiar a
autoridade administrativa para que instaure a ação fiscal. Somente nas hipóteses em que
disponha de suficientes indícios de corrupção passiva, prevaricação ou outro crime
cometido pela autoridade administrativa, no âmbito dos fatos relacionados com o ilícito
penal imputável ao contribuinte, poderá, desde logo, oferecer, denúncia pelo cometimento
dessas outras espécies delituosas, e, em tais hipóteses, há de denunciar também a
autoridade administrativa, se for o caso. 276
Como bem assevera Ada Pellegrini Grinover, em artigo publicado na
Revista Brasileira de Ciências Criminais, o sentido dessa norma não parece ter sido
outro, senão, o de evitar a propositura de ações penais precipitadas, antes da definitiva
constituição do crédito tributário, sem o que, na verdade, sequer seria possível cogitar a
276 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
233
própria tipificação do crime contra a ordem tributária. Trata-se, pois, de uma hipótese de
impossibilidade jurídica. 277
No entanto, a discussão sobre o tema ganha contornos díspares a todo
momento. A corrente contrária ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal critica
tal medida por entender que suplantou notadamente a atuação funcional do Ministério
Público. Dentre os críticos a este posicionamento, está o Juiz Federal Andrei Pitten
Velloso que, em artigo publicado na Revista Jurídica, ano 57, em outubro de 2009,
escrevendo sobre “A Pregiudiziale Tributária: Análise da jurisprudência brasileira à luz
das experiências italiana e espanhola” argumenta que as experiências, italiana e
espanhola, evidenciam que a sistemática adotada pelo STF não é a mais adequada aos
postulados básicos dos Estados Constitucionais contemporâneos. 278
Para ele, a “pregiudiziale tributária” revelou-se, tanto na Itália quanto na
Espanha, nitidamente inadequada para a punição dos crimes contra a ordem tributária,
tanto que foram revogadas, vigorando, hoje, o pressuposto da independência do âmbito
criminal e administrativo.
Ambos os argumentos são defensáveis, restando observar se o
posicionamento do STF foi o mais acertado, ou se dentro de certo tempo repetir-se-ão as
experiências espanholas e italianas.
Crítica muito interessante é a de Aurora Tomazini de Carvalho ao
questionar o teor da súmula vinculante nº 24, e se a decisão administrativa seria
realmente definitiva?
Nesse sentido, não se pode confundir inalterabilidade com definitividade.
Como é sabido, o Auto de Infração pode ser discutido judicialmente. Caso contrário, a
inalterabilidade do julgado seria apenas no transito em julgado da ação judicial? E a
277 GRINOVER, Ada Pellegrini. As condições da ação penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais. nº
69 nov-dez 2007. Ano 15 278 VELLOSO, Andrei Pitten. A Pregiudiziale Tributaria: Análise da jurisprudência brasileira à luz das
experiências italiana e espanhola. Revista Jurídica, ano 57, em outubro de 2009, nº384. Editora Notadez.
Diretores: Marco Antonio C. Paixão e Luiz Antonio Duarte Aiquel
234
possibilidade de ação rescisória? A definitividade diz respeito ao término da discussão
em relação à fase do jogo, uma vez que nada no Direito é imutável.
Por outro lado, vale a pena conferir jurisprudência que impõe a relativização
da súmula vinculante nº 24:
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL.
DESNECESSIDADE DE CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO
CRÉDITO TRIBUTÁRIO PARA A CONSUMAÇÃO DO
CRIME PREVISTO NO ART. 293, § 1°, III, B, DO CP.
É dispensável a constituição definitiva do crédito tributário para
que esteja consumado o crime previsto no art. 293, § 1º, III, "b",
do CP. Isso porque o referido delito possui natureza formal, de
modo que já estará consumado quando o agente importar,
exportar, adquirir, vender, expuser à venda, mantiver em
depósito, guardar, trocar, ceder, emprestar, fornecer, portar ou, de
qualquer forma, utilizar em proveito próprio ou alheio, no
exercício de atividade comercial ou industrial, produto ou
mercadoria sem selo oficial. Não incide na hipótese, portanto, a
Súmula Vinculante 24 do STF, segundo a qual “Não se tipifica
crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º,
incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo
do tributo”. Com efeito, conforme já pacificado pela
jurisprudência do STJ, nos crimes tributários de natureza formal é
desnecessário que o crédito tributário tenha sido definitivamente
constituído para a instauração da persecução penal. Essa
providência é imprescindível apenas para os crimes materiais
contra a ordem tributária, pois, nestes, a supressão ou redução do
tributo é elementar do tipo penal. REsp 1.332.401-ES, Rel. Min.
Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 19/8/2014.
No caso, ao afastar a aplicação da súmula vinculante nº 24, se está de certo
modo relativizando sua aplicação para os crimes formais. Diante de tal jurisprudência e
da dificuldade na persecução penal nos crimes contra a ordem tributária, o Ministério
Público vem adotando estratégia de enquadrar a conduta em outros tipos que fogem à
aplicação da súmula vinculante nº 24.
235
Sobre a consumação, Nelson Hungria explica:
“para se considerar consumado o crime, não é necessário que o
agente alcance tudo quanto se propusera (consumação não se
confunde com exaurimento) ou que se aguarde o implemento de
condição a que esteja subordinada a punibilidade (...) Assim, nos
crimes falimentares ou nos de ação privada, a sentença
declaratória de falência ou o oferecimento da ‘queixa’
condicionam a punibilidade, e não a consumação”279
Nessa toada, a jurisprudência vem cambaleando sobre a possibilidade de se
prosseguir ou não com o inquérito antes de decisão definitiva do processo
administrativo:
STF - EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A
ORDEM TRIBUTÁRIA. ALEGAÇÃO DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL POR INDICIAMENTO EM
INQUÉRITO POLICIAL. IMPROCEDÊNCIA. A
jurisprudência desta Corte é no sentido de que o
indiciamento em inquérito policial só é passível de anulação
em hipóteses de evidente constrangimento ilegal. No caso
concreto, a autoridade policial indiciou o paciente somente
após a conclusão de diligências requeridas pelo Ministério
Público, cujos resultados apontaram para a prática de
crimes contra a ordem tributária. Ordem denegada. (STF -
HC 86149, Relator(a) EROS GRAU, 06.09.2005)
STF - EMENTA: I. Habeas corpus: admissibilidade:
trancamento de inquérito policial. Se se trata de processo
penal ou mesmo de inquérito policial, a jurisprudência do STF
admite o Habeas corpus, dado que de um ou outro possa advir
condenação à pena privativa de liberdade, ainda que não
iminente, cuja aplicação poderia ser viciada pela ilegalidade
contra a qual se volta a impetração da ordem. II. Crime material
contra a ordem tributária (L. 8.137/90, art. 1º): lançamento do
tributo pendente de decisão definitiva do processo
administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso,
porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura
279 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Revista Forense, v. I, 1942. p. 247
236
pela falta do lançamento definitivo: precedente (HC 81.611,
Pleno, 10.12.2003, Pertence, Inf.STF 333).
(STF - HC 86120, Relator(a) SEPÚLVEDA PERTENCE,
09.08.2005)
7.7. A responsabilidade penal pessoal
Há uma grande crítica por parte dos doutrinadores, quando observam que,
na praxis dos Juízos e Tribunais, a definição da responsabilidade penal, pela via do
elemento subjetivo, tem sido muito alargada, de forma a suplantar a pesquisa do nexo
causal objetivo, a qual, na maioria das vezes, resume-se na constatação do elemento
subjetivo.
O reflexo disso, ao reverso da indiscriminada imputação, pode s e r a
impunidade, pois a dificuldade na persecução do elemento subjetivo n e s s e s delitos,
a l i a d a à redução da culpabilidade ao animus, empurra os processos à absolvição
quase que necessária. Contudo, é possível que o elemento subjetivo nos crimes contra a
ordem tributaria não seja tão imperceptível.
A escassez de obras e a superficialidade das existentes relativas a sanções
tributárias administrativas e crimes tributários, na análise de casos concretos para
identificação de situações em que tenha havido reconhecimento da presença do dolo, ou,
ao contrário, sua ausência, refletem-se de forma redobrada no tema do presente
trabalho.
O crescimento e a complexidade das relações fiscais e tributárias ocorridas,
cada vez mais, de forma impessoal, intangível e virtual, trazem um modus operandi
baseado em mecanismos estranhos à ciência penal, de forma a obstruir a percepção da
culpabilidade nos eventuais ilícitos.
Na determinação da autoria e do dolo a jurisprudência entende que há
possibilidade de oferecimento da denúncia sem a discriminação precisa das
237
individualizações de conduta, daí ganha importância a demonstração do poder de
gerência:
STF - EMENTA: PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS
CORPUS. FALTA DE JUSTA CAUSA. CRIMES
SOCIETÁRIOS. SONEGAÇÃO FISCAL. ART. 1º, I E II, DA
LEI 8.137/90. ART. 151 DA LEI 6.404/76. RETIRADA DE
DIRETOR ADMINISTRATIVO DE SOCIEDADE
ANÔNIMA. CONTRATO DE ADIANTAMENTO PARA
EXPORTAÇÃO FUTURA. REMESSA DE DINHEIRO PARA
O EXTERIOR. OPERAÇÃO REALIZADA APÓS A SAÍDA
DO DIRETOR. ORDEMCONCEDIDA. I - Falta justa causa
para a ação penal quando o paciente demonstra não possuir, ao
tempo da assinatura do contrato tido por irregular, poder de
direção na empresa. II - Em que pese a possibilidade de
oferecimento da denúncia sem a discriminação precisa das
individualizações de conduta, faz-se necessário explicitar-se
minimamente o nexo entre a conduta, o acusado e o resultado
ilícito. II - Ordem concedida.
(HC 88600, HC - HABEAS CORPUS, Relator(a) RICARDO
LEWANDOWSKI, 09/04/2007)
Nesse sentido, não basta ser sócio, é fundamental demonstrar o poder de
gerência:
STF – Ementa - "HABEAS CORPUS" - DELITO SOCIETÁRIO - CRIME
CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA - LEI Nº 8.137/90 -
RESPONSABILIDADE PENAL DOS SÓCIOS QUOTISTAS -
DENÚNCIA QUE NÃO ATRIBUI, AOS SÓCIOS, COMPORTAMENTO
ESPECÍFICO QUE OS VINCULE, COM APOIO EM DADOS
PROBATÓRIOS MÍNIMOS, AO EVENTO DELITUOSO - INÉPCIA DA
DENÚNCIA - QUOTISTA MINORITÁRIO - INEXISTÊNCIA DE PODER
GERENCIAL E DECISÓRIO - IMPOSSIBILIDADE DE INCRIMINAÇÃO
DE QUOTISTA MINORITÁRIO SEM QUE LHE SEJA ATRIBUÍDA
CONDUTA ESPECÍFICA - PEDIDO DEFERIDO. PROCESSO PENAL
ACUSATÓRIO - OBRIGAÇÃO DE O MINISTÉRIO PÚBLICO
FORMULAR DENÚNCIA JURIDICAMENTE APTA. O sistema jurídico
vigente no Brasil - tendo presente a natureza dialógica do processo penal
acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter
essencialmente democrático - impõe, ao Ministério Público, a obrigação de
expor, de maneira precisa, objetiva e individualizada, a participação das
pessoas acusadas da suposta prática da infração penal, a fim de que o Poder
Judiciário, ao resolver a controvérsia penal, possa, em obséquio aos
postulados essenciais do direito penal da culpa e do princípio constitucional
do "due process of law", ter em consideração, sem transgredir esses vetores
condicionantes da atividade de persecução estatal, a conduta individual do
réu, a ser analisada, em sua expressão concreta, em face dos elementos
238
abstratos contidos no preceito primário de incriminação. O ordenamento
positivo brasileiro repudia as acusações genéricas e repele as sentenças
indeterminadas. A PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO PENAL TEM O
DIREITO DE NÃO SER ACUSADA COM BASE EM DENÚNCIA
INEPTA. A denúncia - enquanto instrumento formalmente consubstanciador
da acusação penal - constitui peça processual de indiscutível relevo jurídico.
Ela, antes de mais nada, ao delimitar o âmbito temático da imputação penal,
define a própria "res in judicio deducta". A peça acusatória, por isso mesmo,
deve conter a exposição do fato delituoso, em toda a sua essência e com todas
as suas circunstâncias. Essa narração, ainda que sucinta, impõe-se ao
acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura,
ao réu, o exercício, em plenitude, do direito de defesa. Denúncia que não
descreve, adequadamente, o fato criminoso e que também deixa de
estabelecer a necessária vinculação da conduta individual de cada agente ao
evento delituoso qualifica-se como denúncia inepta. Precedentes.
PERSECUÇÃO PENAL DOS DELITOS SOCIETÁRIOS - PEÇA
ACUSATÓRIA QUE NÃO DESCREVE, QUANTO A CADA SÓCIO,
QUALQUER CONDUTA ESPECÍFICA QUE O VINCULE AO EVENTO
DELITUOSO - INÉPCIA DA DENÚNCIA. - A mera invocação da condição
de sócio quotista, sem a correspondente e objetiva descrição de determinado
comportamento típico que o vincule ao resultado criminoso, não constitui
fator suficiente apto a legitimar a formulação da acusação estatal ou a
autorizar a prolação de decreto judicial condenatório. A circunstância
objetiva de alguém meramente ser sócio de uma empresa não se revela
suficiente, só por si, para autorizar qualquer presunção de culpa (inexistente
em nosso sistema jurídico-penal) e, menos ainda, para justificar, como efeito
derivado dessa particular qualificação formal, a correspondente persecução
criminal em juízo. SÓCIA QUOTISTA MINORITÁRIA QUE NÃO
EXERCE FUNÇÕES GERENCIAIS - NECESSIDADE DE DESCRIÇÃO
DE DETERMINADO COMPORTAMENTO TÍPICO QUE VINCULE O
SÓCIO AO RESULTADO CRIMINOSO. - O simples ingresso formal de
alguém em determinada sociedade simples ou empresária - que nesta não
exerça função gerencial nem tenha participação efetiva na regência das
atividades sociais - não basta, só por si, especialmente quando ostentar a
condição de quotista minoritário, para fundamentar qualquer juízo de
culpabilidade penal. A mera invocação da condição de quotista, sem a
correspondente e objetiva descrição de determinado comportamento típico
que vincule o sócio ao resultado criminoso, não constitui, nos delitos
societários, fator suficiente apto a legitimar a formulação da acusação estatal
ou a autorizar a prolação de decreto judicial condenatório.
(HC 89427, Relator(a) CELSO DE MELLO, 2ª Turma, 12.09.2006)
Curiosamente, vive-se nesse liame entre não punir ninguém ou punir
quem não mereça, o que contribui para a perda da legitimidade do sistema penal,
retratada com brilho por Eugênio Zaffaroni em seu livro “Em busca das penas
perdidas”. 280
280 ZAFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas, Rio de Janeiro: Revan, 1991, tradução
Vania Romano Pedrosa e Almir Lopes Conceição.
239
7.8. A responsabilidade penal da pessoa jurídica e a lei anticorrupção nº 12.846, de
1º de agosto de 2013
A responsabilidade penal exclusivamente da pessoa jurídica não é a solução
para o problema e poderá servir para encobrir ainda mais aqueles que se utilizam de
empresas para perpetrar falcatruas. E não apenas em matéria tributária, mas, por
exemplo, o crime de corrupção. Por outro lado, penalizar a pessoa física e ao mesmo
tempo punir a empresa que descumpriu o dever de fiscalizar a boa conduta de seus
funcionários parece ser a melhor alternativa.
Frise-se que tal medida deve ser tipificada em lei.
O grande avanço na investigação e na punição de crimes do “colarinho
branco” que desviam bilhões de dólares anualmente é evidente, estamos vivenciando a
prisão de políticos do mais alto escalão e a prisão de presidentes de grandes empresas,
algo nunca visto na história do Brasil. Os referenciados crimes, até pouco, restavam
impunes.
Com instituições mais sólidas, leis que favorecem a delação, novas técnicas
de investigação, colaboração internacional e penas mais severas, a expectativa de
penalização dos transgressores já se torna uma realidade.
As empresas começam a se preocupar com o departamento de complience
responsável por cuidar da integridade, auditoria, aplicação de códigos de ética e conduta
e incentivos de denúncia de irregularidades. Eis a nova lei anticorrupção nº 12.846, de
1º de agosto de 2013, que acaba de ser regulamentada
Tais acontecimentos terão reflexo no departamento de controle de
cumprimento das leis pelas empresas, e por conseguinte, espera-se que haja impacto nos
crimes contra a ordem tributária.
A Constituição Federal brasileira contempla a possibilidade de
responsabilização da pessoa jurídica em dois dispositivos (arts. 173, § 5º e 225, § 3º). O
240
legislador ordinário já cuidou dessa responsabilidade nos crimes ambientais (Lei
9.605/97, arts. 3º e 20). A lei ambiental refere-se à responsabilidade “penal”. A
dificuldade em compreender esse conceito é que se costuma associar as sanções
punitivas às penas corporais, e estas são reservadas para as pessoas físicas.
A lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, conhecida como “Lei
Anticorrupção”: dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas
jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou
estrangeira, e dá outras providências.
A referida lei introduziu a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica,
nos âmbitos civil e administrativo, pelos atos de corrupção cometidos em seu
interesse ou benefício.
Com efeito, a empresa poderá ser responsabilizada independentemente
da responsabilização das pessoas físicas e independentemente da prova da intenção
dos dirigentes, diretores ou donos das empresas. Ressalve-se que a
responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual das
pessoas que forem autora, coautora ou partícipe do ato ilícito.
O decreto 8.420/15, regulamenta a lei anticorrupção 12.846/13 em vigor
desde janeiro de 2014.
Dentre outras medidas, a lei anticorrupção dispõe sobre a punição de
empresas envolvidas em corrupção, com a aplicação de multas de até 20% do
faturamento bruto, onde a punição nunca será menor do que o valor da vantagem
auferida. Quando não for possível utilizar o faturamento bruto da empresa, o
valor da multa será limitado entre R$ 6 mil e R$ 60 milhões.
Com o aumento do controle sobre a obediência às leis, espera-se que
haja um impacto indireto nos crimes contra ordem tributária.
Destacam-se importantes características da lei:
241
i) avaliação de programas de compliance
ii) acordos de leniência: a) reconhecer a participação na infração, b)
identificar envolvidos, c) reparar o dano causado, d) cooperar com a
investigação e e) além de fornecer documentos que comprovem a prática da
infração
iii) cadastros nacionais de empresas punidas
A responsabilidade penal da pessoa jurídica bastante controversa, já é uma
realidade. Para tanto, alguns problemas devem ser enfrentados, uma vez que o Direito
Penal está regido pelo princípio da responsabilidade pessoal, isto é, somente quem tem
capacidade de entender e de querer, é que pode ser penalmente responsabilizado. De
outro lado, o Direito penal está tradicionalmente estruturado em torno de penas
privativas de liberdade, que são incompatíveis com as pessoas jurídicas.
Nesse esteio de entendimento, a relevância de atribuir-se à pessoa jurídica
responsabilidade penal é incluir, no rol dos agentes puníveis, não apenas as pessoas
físicas que dão materialidade à vontade do ente personalizado, mas, sobretudo, o
próprio ente em si, que sofrerá punições não corporais.
No Direito brasileiro, há um conjunto expressivo de normas que impõem
sanções não penais e que entrariam facilmente no âmbito do que se chama Direito
sancionador. Por exemplo: lei de improbidade administrativa, lei do impeachment,
transação penal, etc.
Sob esta perspectiva, a responsabilidade da pessoa jurídica também deve ser
inserida nesse rol, já que é impossível aplicar nesses casos princípios básicos do
clássico Direito Penal, dentre os quais se destacam: princípio da responsabilidade
pessoal (ninguém pode ser responsabilizado pelo fato de outrem), princípio da
responsabilidade subjetiva (não existe crime sem dolo ou culpa), princípio da
culpabilidade (capacidade de comportar-se de modo diverso). Ou seja, ao definir como
crimes os atos de descumprimento de leis tributárias, punidos, portanto, pelo Direito
Penal, mister se faz a observância da questão da responsabilidade.
242
Tanto é que na lei nº 12.846 de 2013, a “Lei Anticorrupção”, poderão
ser aplicadas multas de até 20% do faturamento bruto da empresa no exercício
anterior ao da instauração do processo administrativo, ou, quando não for possível
calcular o faturamento do exercício anterior, impor multas de até R$ 60 milhões de
reais.
Frise-se que havia bastante dificuldade em aplicar a sanção penal que é de
natureza pessoal e pode dar origem a uma pena restritiva de liberdade. Antes,
considerava-se que não se poderia punir penalmente uma empresa que tem apenas
responsabilidade de pessoa jurídica. Nestes casos, dever-se-ia desconsiderar a existência
da pessoa jurídica, para considerar a conduta dos que infringiram a lei. Agora a lei
anticorrupção mostra-se mais moderna e adequada à natureza do crime combatido.
Este exemplo merece ser seguido no âmbito dos crimes contra a ordem
tributária.
Assim, frente à responsabilidade pessoal dos agentes na esfera penal, os
responsáveis devem ser denunciados com a descrição dos fatos tipificados como crime
tributário de modo individualizado. E mais do que isto, as empresas beneficiadas
também devem responder.
Nesta seara, não deve prosperar a alegação de que a ação penal, nos crimes
contra a ordem tributária, deve ser recebida quando presente apenas a descrição do fato
capaz de tipificar o crime, ocorrido no âmbito da empresa da qual o denunciado é
dirigente, isto é, mesmo que a denúncia não descreva a conduta individual de cada
denunciado. No entanto, a punição da pessoa jurídica é uma alternativa eficaz.
Como bem destacam Roberval Rocha Ferreira Filho e João Gomes da Silva
Junior, a jurisprudência, ao acatar a denúncia genérica em caso de crimes societários, o
que, se por um lado facilita a exordial do Ministério Público, por outro, quase nunca leva
243
a termo a condenação, já que, na sentença, impossibilita o juízo de estabelecer claramente
as penas cominadas pessoalmente a cada envolvido.281
Guilherme Merolli, em seus “Fundamentos Críticos de Direito Penal”,
acompanhado de autores estrangeiros como Windfried Hassemer e Bernd Schunemann,
critica o entendimento de que, nos crimes contra a ordem econômica, a simples
condição de sócio no contrato social da empresa pode gerar, por si só, a “autoria” do
comportamento punível, dando origem às “denuncias genéricas”. 282
É importante destacar que, admitir a punição de um cidadão no âmbito
criminal, sem a devida comprovação de que este foi o autor da conduta descrita como
crime significa admitir a responsabilidade pelo fato de outrem, por meio da responsabili-
dade objetiva, o que não pode ser tolerado.
Hugo de Brito Machado aduz que os dirigentes da empresa, ou seus
proprietários, nem sempre são os culpados pelo cometimento do fato que constitui crime
contra a ordem tributária. Pelo contrário, em muitos casos, são lesados pelas condutas
praticadas por empregado, ou até por diretor da empresa, em detrimento desta e em
proveito próprio, de modo que não é razoável que, além de vítimas, ainda sejam
responsabilizados pelo ilícito penal fiscal. Justo, portanto, é exigir-se que a denúncia
descreva a conduta de cada denunciado, e este seja responsabilizado na medida de sua
culpabilidade. 283
No sistema jurídico penal brasileiro, a responsabilidade penal deve ser sempre
subjetiva e pessoal, uma vez que depende da culpa ou do dolo do agente. Não é valido o
argumento, segundo o qual, a individualização da conduta deve ser feita no curso da
ação penal. Tal individualização há de ser prévia, sem o que estará fortemente cerceado o
direito de defesa do agente. Mas, não se pode, é certo, equiparar individualização com
detalhamento de conduta. Um certo grau de generalidade é de ser admitida na denúncia
por crimes societários.
281 FERREIRA, Roberval Rocha Filho. Direito Tributário. Salvador: Podivm, 2007. p. 489 282 MERIOLLI, Guilherme. Fundamentos Críticos de Direito Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
p. 357 283 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
244
O artigo 41, do Código de Processo Penal indica um necessário conteúdo
positivo para a denúncia, ou seja, impõe uma obrigação de fazer por parte do Ministério
Público, que deve conter a exposição do fato criminoso, ou, em tese criminoso, com
todas as suas circunstâncias, de par com a qualificação do acusado, ou, de todo modo,
veicular esclarecimentos que viabilizem a ampla defesa do acusado, conforme disposto
abaixo:
Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com
todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos
pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando
necessário, o rol das testemunhas
Por sua vez, o artigo 395 do Código de Processo Penal dispõe sobre uma
obrigação de não fazer, o que significa dizer que a denúncia não pode incorrer nas
impropriedades dos incisos I, II e III do artigo em questão:
Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
I - for manifestamente inepta;
II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal;
ou
III - faltar justa causa para o exercício da ação penal
Outrossim, a colheita de informações precisas a respeito da conduta
individualizada de cada imputado do crime deve ser feita previamente, sob pena de se
estar cerceando o direito de defesa do empresário, que não saberá do que está sendo
acusado, e não terá como defender-se.
7.8.1. Dificuldade de produção probatória nos crimes contra a ordem tributária
Outro ponto a ser destacado é a dificuldade de produção das provas. O
inquérito policial, que aglutina os esforços desenvolvidos pela polícia, pode parecer
mais fácil, porque, sendo unilateral, sem a participação da defesa, poderia caminhar com
245
a agilidade de quem não precisa atuar com estrita obediência ao contraditório e a ampla
defesa em todos os seus passos.
Mais uma particularidade diferencia o inquérito policial dos crimes comuns,
em geral, para os quais, a polícia é reconhecidamente mais capacitada a investigar os
aspectos econômicos e financeiros, que exigem conhecimentos especializados em
contabilidade, tributação. Daí, que a parte da prova material do cometimento do delito
deva ficar a cargo dos órgãos de fiscalização tributária e previdenciária e a investigação
acerca do dolo da conduta possa ficar a cargo do órgão fiscal, que poderá imputar
multas qualificadas, e em âmbito criminal a cargo da polícia e no Ministério Público.
O ministro do Supremo Carlos Brito afirma que a jurisprudência do STF
não tolera peça de acusação totalmente genérica, mas admite denúncia “mais ou menos”
genérica, porque, em se tratando de delitos societários, se faz extremamente difícil
individualizar condutas que são concebidas e, quase sempre, executadas a portas
fechadas.
O Pretório Excelso considera que não há infração ao artigo 395 do Código
Penal Processual, quando a inicial acusatória aponta com precisão o momento da ação
criminosa e individualiza, no tempo, a responsabilidade dos sócios quanto à gestão da
empresa. 284
284 STF - EMENTA: INQUÉRITO. CRIME COMUM. DEPUTADO FEDERAL. COMPETÊNCIA
ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EXAME DA ADMISSIBILIDADE DA
DENÚNCIA. INICIAL ACUSATÓRIA QUE ATENDE AOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP.
DELITO DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. AUSÊNCIA DE CAUSAS
IMPEDITIVAS OU SUSPENSIVAS DA PUNIBILIDADE. DENÚNCIA RECEBIDA. 1. Em matéria de
alegada inépcia da denúncia ou de sua esqualidez por qualquer outro motivo, dois são os parâmetros
objetivos que orientam o exame de seu recebimento: os artigos 41 e 395 do Código de Processo Penal. No
artigo 41, o CPP indica um necessário conteúdo positivo para a denúncia, que deve conter a exposição do
fato criminoso, ou em tese criminoso, com todas as suas circunstâncias, de par com a qualificação do
acusado, ou, de todo modo, veicular esclarecimentos que viabilizem a ampla defesa do acusado. Já o
artigo 395 do Código de Processo Penal, este impõe à peça de acusação um conteúdo negativo. Noutro
falar: se, no primeiro (art. 41), há uma obrigação de fazer por parte do Ministério Público, no segundo
(art. 395) há uma obrigação de não fazer; ou seja, a denúncia não pode incorrer nas impropriedades do art.
395 do Diploma adjetivo. 2. No caso, a dívida inscrita no Lançamento de Débito Confessado não foi
integralmente quitada. E o fato é que, para o efeito da extinção da punibilidade, é de se levar em conta o
pagamento integral do débito (que inclui juros e multas, além do valor que não foi repassado no prazo
legal para o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS). 3. Não há que se falar em abolitio criminis,
246
Desta forma, a questão da responsabilidade por cometimento de ilícitos deve
ser equacionada a partir da distinção entre as sanções pessoais e as sanções
patrimoniais.
Como bem comenta Hugo de Brito Machado, as primeiras são aquelas que
afligem diretamente a pessoa natural, e se caracterizam pela possibilidade de serem
suportadas pessoalmente por qualquer ser humano, independentemente de sua atividade
profissional, de sua riqueza, ou qualquer outra qualificação. São as penas ditas corporais.
Penas privativas de liberdade, ou de prestação de serviços à comunidade, por exemplo.
As últimas são aquelas que só, indiretamente, afligem a pessoa natural, e se caracterizam
por seu conteúdo patrimonial, e que, por isto mesmo, somente podem ser suportadas por
quem disponha de riqueza. 285
Ainda é cediço exarar que as sanções pessoais somente podem ser aplicadas
às pessoas naturais, pois há de ser necessariamente fundada na culpa do agente, e,
somente em relação a essas pessoas, pode-se falar em culpa. Por sua vez, as sanções
patrimoniais podem ser aplicadas às pessoas jurídicas, com fundamento na
responsabilidade objetiva, uma vez que não será necessário demonstrar dolo ou culpa.
decorrente da revogação do artigo 95 da Lei nº 8.212/91 (vigente na data do primeiro período de fatos). É
que a abolitio criminis, causa de extinção da punibilidade que é, constitui uma das hipóteses de
retroatividade da lei penal mais benéfica. É dizer: a abolição do crime significa a manifestação legítima
do Estado pela descriminalização de determinada conduta. Noutro dizer, o detentor do jus puniendi
renuncia ao poder de intervir na liberdade dos indivíduos responsáveis pela conduta antes qualificada
como delituosa. E o certo é que a revogação do artigo 95 da Lei nº 8.212/91 pela Lei nº 9.983/2000 não
implicou a descriminalização da falta de repasse à previdência social das contribuições recolhidas dos
contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional. 4. Não há como acolher a tese defensiva de
extinção da punibilidade, por força do § 2º do art. 168-A do Código Penal. Extinção da punibilidade que,
nos exatos termos da regra mencionada, está a depender: a) de declaração e confissão da dívida; b) de
prestação de informações à Seguridade Social; c) do pagamento integral da dívida antes do início da ação
fiscal. Elementos, esses, que, ao menos neste exame prefacial da acusação, não estão presentes na
concreta situação dos autos. 5. É de ser recebida a denúncia que atende aos requisitos constantes do
art. 41 do Código de Processo Penal, sem incidir nas hipóteses de rejeição do art. 395 do mesmo
diploma, principalmente quando a inicial acusatória aponta com precisão o momento da ação
criminosa e individualiza, no tempo, a responsabilidade dos sócios quanto à gestão da empresa. A
jurisprudência do STF é de que não se tolera peça de acusação totalmente genérica, mas se admite
denúncia mais ou menos genérica, porque, em se tratando de delitos societários, se faz extremamente
difícil individualizar condutas que são concebidas e quase sempre executadas a portas fechadas. 6.
Denúncia recebida. Processo: Inq. 2584 Relator(a) CARLOS BRITTO. Julgamento: 07.05.2009 (Grifo
nosso). 285 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
247
Em que pese a posição do Egrégio Supremo Tribunal Federal, o
entendimento mais adequado deveria ser aquele que respeita a responsabilidade penal
individualizada, na qual o sujeito responde apenas pelas condutas efetivamente praticadas
por ele, uma vez que a criminalização destas depende da culpa ou do dolo do agente.
7.9 Responsabilidade tributária e os crimes contra a ordem tributária
A norma de responsabilidade é sancionadora, na medida em que o seu
sujeito passivo há de ter descumprido algum comando.
Uma importante ferramenta para garantir o pagamento do crédito tributário
é a estatuição de normas de responsabilidade. Esta serve ao fisco assim como uma
fiança serve ao credor.
Em diversas hipóteses de responsabilidade tributária, o evento ilícito, por
ser fraudulento também enseja a responsabilização penal no crime previsto na Lei.
8.137/90.
Para entender a norma de responsabilidade, destaca-se a disposição lógica
da norma jurídica f→r, que pode ser lida: se “f” então “r”, ou, dado o fato “f” deve ser a
relação “r”. Ainda no campo das normas jurídicas teríamos a estrutura kelseniana da
hipótese normativa ligada à consequência: H→C. Esmiuçando a estrutura normativa da
Hipótese e da Consequência, Paulo de Barros Carvalho elaborou a Regra-Matriz de
Incidência Tributária com os seus cinco critérios.
Há limites ontológicos ou jurídicos para a responsabilização de
terceiros alheios à conduta tributária?
De plano, podemos afirmar com forte grau de certeza: alguém inteiramente
alheio ao fato jamais poderá ser responsabilizado, afinal é ilógico. Para esclarecer com
outro exemplo: é absurdo e impraticável que o Flamengo sofra a consequência de uma
escalação irregular feita pelo time do Fluminense. Tal previsão normativa não guardaria
248
coerência lógica nem seria acolhida pela pragmática, uma norma com disposição nesse
sentido careceria de eficácia.
Com efeito, o Código Tributário Nacional, dispõe em seu art. 128, a
necessidade da pessoa indicada como responsável estar “vinculada ao fato gerador da
respectiva obrigação”:
CAPÍTULO V Responsabilidade Tributária
SEÇÃO I Disposição Geral
Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode
atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito
tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da
respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do
contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do
cumprimento total ou parcial da referida obrigação.
Tudo gira em torno da composição da relação jurídica que poderá ter um
novo integrante na sujeição passiva, poderá haver a composição com mais de um
devedor - no caso de solidariedade - ou o contribuinte será substituído pelo terceiro que
responderá pela dívida integralmente.
Não é qualquer vínculo com o fato gerador que autoriza a instituição da
responsabilidade em matéria tributária, esta pode ser atribuída a quem, deveria zelar
pelo cumprimento da obrigação tributária principal, ou alguém que tenha facilidade em
fiscalizar o contribuinte.
Sobre a finalidade das normas em que outros sujeitos - diferentes daqueles
que praticaram o evento tributário - são responsabilizados, pergunta-se: Porque isto
ocorre no direito?
Como será apontado, no direito trabalhista, a norma de responsabilidade
serve para, dentre outras coisas, proteger o trabalhador. No direito tributário, quadra,
por exemplo, para garantir ou facilitar a arrecadação.
249
Em assunto tão confuso como o da Responsabilidade Tributária,
destaca-se a necessidade premente de traçar um paralelo entre a veemente crítica
que Paulo de Barros Carvalho faz à incorreta distinção: contribuinte de fato e
contribuinte de direito, em muitos casos o responsável, o substituto, ou o
contribuinte são signos que pela vaguidade e ambiguidade denotam situações pré-
jurídicas.
No Código Tributário Nacional a matéria está disciplinada no CAPÍTULO
V da “Responsabilidade Tributária” que divide-se em quatro seções: Disposição Geral;
Responsabilidade dos Sucessores; Responsabilidade de Terceiros, e; Responsabilidade
por Infrações. No entanto, os onze artigos, do 128 ao 138, merecem uma verdadeira
reformulação, uma vez que enormes são as incorreções. Seus dispositivos falham na
eficácia sintática, semântica e pragmática.
Ora, semanticamente encontramos defeitos como a confusão entre
solidariedade e subsidiariedade, no art. 133, II, do CTN. Pragmaticamente, os tribunais
administrativos e judiciários, bem como a doutrina desconsidera ou atribui sentido
bastante vago ao comando normativo de responsabilizar pessoalmente os infratores,
previsto no art. 137, do CTN.
Embaraça-se a estipulação do sujeito passivo com a substituição do polo
passivo ou a instituição de norma de responsabilidade.
E como se dá o fenômeno da incidência dessa norma de responsabilidade?
Sem a pretensão de solucionar as querelas que circundam tema tão nublado,
algumas ideias merecem fixação.
Essa é crítica sempre forte e das mais lúcidas sobre a matéria levantada por
Alfredo Augusto Becker em seu “Teoria Geral do Direito Tributário” sobre o instituto
da responsabilidade:
“Desde logo cumpre fixar este ponto: não é possível distinguir
entre débito e responsabilidade, isto é, considerar que o
responsável estaria obrigado a satisfazer débito de outro. O
250
responsável sempre é devedor de débito próprio. O dever que
figura como conteúdo da relação jurídica que vincula o Estado
(sujeito ativo) ao responsável legal tributário (sujeito passivo) é
dever jurídico do próprio responsável legal tributário e não de
outra pessoa.”286
Assim, Becker pontua que quando somente uma pessoa pode pagar, não há
responsabilidade, ele é um substituto legal tributário. Se o Estado pode cobrar de ambos
há uma solidariedade. A existência da responsabilidade dá-se nos casos em que a lei
outorga ao Estado o direito de exigir de outra pessoa a satisfação da prestação jurídico-
tributária somente depois de ocorrer o fato da não-satisfação da prestação tributária pelo
contribuinte de jure.
Ressalte-se que não há sucessão ou ordem cronológica na incidência da
norma de responsabilidade e as demais normas.
Faz-se imperioso um estudo analítico do desenho da regra-matriz da norma
de responsabilidade que inclui a transmissibilidade da multa. Ou seja, a norma de
responsabilidade tem como pressuposto alguma conduta – ação ou omissão – do sujeito
passivo que comporá a relação. Para que este seja responsabilizado, algum dever precisa
ter sido descumprido.
Através dessa percepção podemos concluir e concordar com Paulo de
Barros Carvalho287, que afirma ser a responsabilidade tributária uma norma
sancionatória, e, por seu turno, com Alfredo Augusto Becker ao proclamar que no
jurídico a responsabilidade sempre foi do terceiro, por conduta sua e portanto a
composição da relação do responsável é direta.
Como ponto de partida temos que as normas de responsabilidade possuem
todas elas natureza sancionatória, isto é, que em seu pressuposto há a infração de um
286 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário, 3ª ed. Lejus. São Paulo, 2002.p. 557-
558 287 Por outro lado, Maria Rita Ferragut, ao discutir a natureza jurídica da norma de responsabilidade, e se
esta seria norma jurídica tributária ou não-tributária, dispositiva ou sancionadora, entende que a natureza
jurídica da norma de responsabilidade é sempre tributária, nas modalidades de norma primária dispositiva
ou sancionadora, estas últimas seriam as situações que se enquadram no artigo 134, 135 e 137.
251
dever pelo responsável. Caso contrário, sem uma conduta do terceiro, temos verdadeira
substituição do polo passivo e não responsabilidade tributária.
Postas sumariamente as premissas em relação à fenomenologia da
incidência da norma de responsabilidade e sua natureza, devemos desde logo destacar o
cuidado muito grande que o legislador em sentido amplo deve ter ao estipular os
sujeitos da relação jurídica de natureza primária como as obrigações tributárias, cíveis,
trabalhistas, entre outras. Agora, em matéria de sanções pelo descumprimento dessas
relações jurídicas, a cautela na responsabilização de outros que não
desobedeceram diretamente os comandos deve ser ainda maior.
O instituto da responsabilidade em matéria de sanções tributárias consiste
em imputar a alguém que não cometeu diretamente o ilícito, a multa prevista para o
contribuinte pelo descumprimento do dever de pagar tributo ou a multa pelo
descumprimento do dever instrumental288.
7.9.1. Transferência de multas e a norma de responsabilidade
Paulo de Barros Carvalho289, em seu “Derivação e Positivação no Direito
Tributário”, questionado sobre a possibilidade de em nosso sistema jurídico haver
imposição de sanção sem que tenha havido prévio descumprimento volitivo de norma
de comportamento. Respondeu na linha de que tratando-se de infração subjetiva,
necessária se faz a participação volitiva do agente, e em se tratando de fatos cujos
efeitos não é possível evitar ou impedir, fica excluída a antijuricidade da conduta.
288 A regra-matriz, tanto da norma primária sancionatória, quanto da norma secundária penal, possui, no
seu descritor, o critério material, exibindo conduta contrária ao mandamento da RMIT, com o critério
temporal indicando o instante em que se considera ocorrido o fato antijurídico e o critério espacial
apontando o lugar. A relação sancionatória vem no prescritor das regras, nas primeiras, podem tratar de
penalidade pecuniária (multas), pena de perdimento, sujeição ou cassação de regime especial de
tributação, apreensão de mercadorias, entre outras; ou, no caso das últimas, impor sanção de natureza
criminal, como pena privativa de liberdade ou de direitos. Ademais, nas multas e crimes em que a
intensão do agente mostra-se fundamental, imperiosa é a estipulação de um critério volitivo no
antecedente. 289 CARVALHO. Derivação e Positivação no Direito Tributário. Vol. I, São Paulo: Noeses, 2011.p. 359
252
Avançando sobre o tema da transmissibilidade das sanções e as normas de
responsabilidade, o professor Celso Antonio Bandeira de Melo é categórico ao afirmar:
“se a sobrevinda da sanção sobre alguém fosse um evento
que este não tivesse como evitar, isto é, se ela se apresentasse
como algo inevitável, fatal, cuja incidência independesse
totalmente da conduta do sancionado, é óbvio que a sanção
seria inútil.” (...) “é forçoso, então concluir que só pode ser
sancionado quem tenha a possibilidade de eximir-se à
incidência da sanção.”290
O supracitado autor posiciona-se de modo claro acerca do assunto, para ele,
inclusive as sanções administrativas, em princípio, são intransmissíveis, ou seja, só
incidem sobre o próprio infrator.
Observa-se que o professor Celso Antônio Bandeira de Melo considera
serem as multas intransmissíveis, mas com algumas exceções. Já o posicionamento do
professor Fábio Medina Osório, por ele citado, é mais radical, e defende que a pena só
poderia ser imposta ao infrator, sendo inconstitucional qualquer lei que despreze o
princípio da responsabilidade subjetiva.
Celso Antônio Bandeira de Melo observa que diante do nosso
ordenamento, onde muitos são os diplomas legislativos que dispõem o dever de
terceiro suportar a sanção cometida por autor diverso, sendo a doutrina
dominante nesse sentido, a transmissibilidade ocorre repetidas vezes. Nessas
situações costuma-se distinguir infrator do chamado “responsável”.
O professor Celso Antônio defende que tal transmissibilidade jamais
poderia existir no caso das sanções pessoais. Mas no caso de qualificar alguém diverso
do infrator como “responsável”, é preciso identificar se este detinha a possibilidade de
controlar-lhe a conduta ou dispunha de meios para constranger o agente a suportar a
carga da sanção pecuniária.
290BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Grandes Temas de Direito Administrativo. Editora
Malheiros, São Paulo, 2009.
253
Para ele, a transmissibilidade seria ou não admitida se: (i) o responsável
concorreu por incúria para a prática da infração ou, sendo inteiramente alheio a ela; (ii)
tem meios para induzir o infrator a suportar o gravame em que consiste a sanção.
No entanto, é importante adotar postura crítica sobre o tema. Deve-se
investigar como o Direito vem admitindo a transmissibilidade de sanções, já que são
decorrentes de condutas ilícitas.
Levando em conta as possibilidades aventadas pelo professor Celso
Antônio, surgem algumas dúvidas: sobre que tipo de ação deve incidir uma sanção, qual
o pressuposto fático? E se tais “meios para o particular constranger o agente” não
funcionarem? É possível ser penalizado por conduta inteiramente alheia?
A resposta a tais questões fazem parte da Teoria Geral do Direito. É que o
problema da transmissibilidade também ocorre em diversos outros ramos. No âmbito
trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho, ao discutir a terceirização, pacificou o
entendimento segundo o qual o tomador responde por todos os créditos trabalhistas
inadimplidos pelo empregador (En. 331, IV), e a responsabilidade abarca inclusive as
verbas decorrentes de preceitos punitivos, tais como os relativos à incidência das
penalidades estipuladas nos artigos 467 e 477, §8º, da CLT, conforme jurisprudência
sobre o tema:
O En. 331, IV, do TST -"O inadimplemento das obrigações
trabalhistas, por parte do empregador, implica a
responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, quanto
àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da
administração direta, das autarquias, das fundações públicas,
das empresas públicas e das sociedades de economia mista,
desde que hajam participado da relação processual e constem
também do título executivo judicial (art. 71 – da Lei n. 8.666, de
21.06.1993)."
MULTA DO ARTIGO 477, § 8º, DA CLT – APLICABILIDADE
– RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – Está evidenciado nos
autos o não-pagamento das verbas rescisórias ao Autor, dando
ensejo à aplicação da penalidade prevista no artigo 477, § 8º,
da CLT. O Tribunal Regional impôs obrigação subsidiária pela
254
satisfação dos créditos trabalhistas, o que implica
responsabilidade pelo total devido ao Reclamante, incluindo a
aludida multa, na hipótese de a empregadora (prestadora de
serviços) não os satisfazer. Recurso parcialmente conhecido, e
não provido. (TST – RR 643263 – 3ª T. – Relª Min. Maria
Cristina Irigoyen Peduzzi – DJU 18.10.2002)
No caso, conflitam preceitos constitucionais detentores de forte conotação
axiológica, de um lado a valorização constitucional do trabalho, CF, art. 1º IV; art. 7º, I;
art. 170 e art. 193, do outro a responsabilidade pessoal do agente pelas infrações.
Não se está discutindo a responsabilidade pelos débitos puramente
trabalhistas ou tributários, mas a responsabilização pecuniária por conduta ilícita
praticada por outrem sem qualquer interferência do terceiro.
No âmbito tributário a discussão é pela prevalência do preceito
constitucional da supremacia do interesse público, ou da importância da manutenção do
Estado, versus a individualização da pena, a liberdade, etc. Entretanto, a multa de
caráter punitivo não tem o objetivo de remunerar o Estado, mas de coibir a prática de
ato ilícito.
Tratamos a Liberdade enquanto possibilidade de escolha, sendo verdadeiro
pressuposto lógico do Direito, João Maurício Adeodato291 trata a liberdade como direito
fundamental, sendo corolário da isonomia, citando a expressão do professor Tércio
Sampaio Ferraz “capacidade do ser humano reger o próprio destino”
(autodeterminação), o mestre pernambucano lembra que são exatamente os três
princípios da razão que fundamentam a dignidade da pessoa humana em Kant.
É nesse sentido que Luís Eduardo Schoueri proclama sobre as multas
tributárias:
Não há pretensão do Estado pela infração, apenas. O Estado Fiscal
não vive de multas punitivas, mas de tributos. A multa punitiva não
tem a função de encher as burras do Estado, mas de coagir o sujeito
passivo. Daí a ideia de que não há sentido em impor a terceiro multa
291 ADEODATO, João Maurício. Uma Teoria Retórica da Norma Jurídica e do Direito Subjetivo. São
Paulo. Noeses, 2011. p. 322
255
por fato que não lhe pode ser imputado. Nada há a puni-lo. Não há
pretensão do Fisco contra tal terceiro.”292
Anderson Pinheiro e Silva293, apesar de defender entendimento
diametralmente oposto, aponta que o Tribunal de Contas da União dispensa às multas
que impõe tratamento idêntico ao dado para as multas penais. É dizer, entende o TCU
que, em falecendo o gestor/responsável infrator, eventual pena de multa a ele cominada
deve ser extinta, em respeito ao amiúde citado princípio da intransmissibilidade da pena
(inc. XLV do art. 5.º da CF).
Uma análise constitucional das multas punitivas no Direito brasileiro deve
seguir, independentemente do ramo, a mesma trilha. A multa tributária, a trabalhista, a
previdenciária, entre outras, deve ter aplicação semelhantemente à pena criminal,
necessitando sempre prevalecer a busca e o respeito aos princípios da
proporcionalidade, razoabilidade, numa verdadeira dosimetria de todas as penas
aplicadas no Direito, consoante determinação da Constituição da República: “art. 5º
XLVI - a lei regulará a individualização da pena (...)”.
A pena, tanto tributária, quanto penal, civil ou trabalhista deve ser pessoal e
medida com base na atuação do agente. O seu adimplemento deve ser imputado àquele
que realizou a conduta infratora da lei. A empresa ou a família do infrator, por exemplo,
que tenham eventualmente se beneficiado da conduta ilícita, devem pagar a obrigação
de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens, até o limite daquilo que
receberam ou lucraram fruto do ilícito.
Com efeito, no campo tributário tal montante equivale ao valor do tributo
não pago ao Estado. Nessa parte, o dever de pagar não se restringe ao agente, mas a
todos que se beneficiaram do ilícito. Frise-se que os dispositivos legais que dispõem
sobre as normas de responsabilidade em matéria tributária são os mais controversos,
292 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário, 2ªed. Saraiva. São Paulo, 2012. 293 SILVA, Anderson Pinheiro. A SANÇÃO PECUNIÁRIA IMPOSTA PELO TRIBUNAL DE CONTAS
DA UNIÃO: Conseqüências jurídicas da multa para o caso de falecer o gestor/responsável. Trabalho de
Conclusão de Curso apresentado ao Programa de pós-graduação lato sensu em Direito Público da UCAM.
Disponível em: http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2053582.PDF , acesso em 25/09/2012.
256
utilizam-se termos demasiadamente ambíguos ou impróprios, o que contribui para a
enorme dificuldade de sistematização da matéria.
Uma coisa é o responsável responder pelo tributo por ter descumprido
algum dever de cautela ou vigilância, outra é pretender que o terceiro pague por conduta
ilícita de outrem. Esta ambição representa verdadeira transmissão de pena que não deve
ser admitida.
Desse modo, surge a indagação: seria preciso a constituição de mais de uma
norma individual e concreta, uma de constituição do crédito e outra de
responsabilidade? Sobre o tema, a professora Maria Rita Ferragut proclama:
“se a responsabilidade for por substituição, de terceiros ou por
infrações, teremos tido uma norma individual e concreta
introduzida: a de responsabilidade propriamente dita, tendo em
vista que o realizador do fato jurídico, ou um outro responsável,
não terão figurado no pólo passivo da norma de constituição do
crédito”294
Ou seja, a autora defende que não é necessária a existência de duas normas
individuais e concretas, podendo existir apenas a norma de responsabilidade, sem que o
contribuinte tenha previamente figurado na relação. Seu entendimento é no sentido de
que existirá eventualmente duas normas gerais e abstratas veiculadas com base em
suportes físicos diferentes. A primeira de substituição e a segunda que qualifica o fato
jurídico tributário.
Maria Rita Ferragut discute se há restrições constitucionais para criação do
responsável tributário. Concluindo que o limite seria:“qualquer terceiro, desde que
pertencente ao conjunto de indivíduos que estejam indiretamente vinculados ao fato
jurídico tributário, ou direta ou indiretamente vinculados ao sujeito que o praticou.”
Mas, no que tange às infrações, a resposta é a mesma?
294 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. São Paulo: Noeses,
2009.p. 36
257
Não. A infração tributária, como preleciona Paulo de Barros Carvalho é
“toda ação ou omissão que, direta ou indiretamente, represente o descumprimento dos
deveres jurídicos estatuídos em leis fiscais”295
Toma-se “sanção” em sentido amplo, como sendo o consequente de uma
norma jurídica sancionadora, tendo como pressuposto o cometimento de um ato ilícito.
Posto isto, os critérios para a responsabilização de terceiro pelas multas são mais
restritos. A norma de responsabilidade restringe-se ao tributo, não pode englobar multas
aplicadas por condutas ilícitas cometidas sem qualquer intervenção ou omissão do
terceiro.
E o que é pior, muitas vezes, a transmissão das multas é feita de modo quase
automático. Automático, no sentido de que não há qualquer preocupação pela
autoridade autuante em fundamentar sua transferência ou lastrear com a respectiva
previsão legal.
As hipóteses de responsabilidade e de transmissão da multa no Código Tributário
Nacional:
Ives Gandra da Silva Martins296, em seu livro “Da Sanção Tributária” conta
que no anteprojeto do Código Tributário Nacional o professor Rubens Gomes de Souza
tentou introduzir preceitos gerais sobre o direito sancionatório tributário, mas a
comissão o criticou e retirou o art. 136 correspondente ao art. 274 do anteprojeto, que
dispunha:
“salvo disposição expressa de lei tributária em contrário, a
conceituação da infração independe da intenção do agente e da
efetividade, natureza e extensão dos efeitos do fato, mas
depende do conhecimento real ou presumido da sua prática,
por parte do agente ou responsável.”
295 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo, Saraiva, 2011. p.501 296 MARTINS, Ives Gandra da Silva. “Da Sanção Tributária”.editora Saraiva, São Paulo-SP, 1998
258
Foi Tito Rezende quem propôs sua supressão, sob o argumento de que no
direito fiscal a personalização da pena não seria elemento fundamental, já que com
características próprias suas regras são aplicadas, de modo geral, às pessoas jurídicas, ao
contrário do D. Penal, que é voltado às pessoas físicas.
No entanto, Ives Gandra salienta que apesar da supressão do mencionado
artigo, a tese de Tito Rezende não foi aceita, tendo o legislador demonstrado
efetivamente que todas as normas no capítulo referente à responsabilidade tributária
foram norteadas pelo princípio, abrangendo os três tipos de responsabilidade do CTN
(sucessores, terceiros e infrações), alegando:
“A personalização da pena não ultrapassando os limites de
ação de seu próprio autor e não podendo atingir a outros –
mesmo que diretamente ligados aos responsáveis – parece-me,
em face da menção de Tito Rezende (que não a aceitara para o
direito tributário, numa posição que veio a ser vencida), ter sido
a clara e inequívoca intensão do legislador.”297
Tal posicionamento Ives Gandra sustenta em artigo publicado na Revista
Dialética de Direito Tributário. E com base no art. 5º, inciso XLV, da CF, assevera: “a
penalidade deve ser aplicada a quem descumpriu a obrigação tributária, ou seja, ao
substituto tributário, não podendo ser exigida de quem não descumpriu a obrigação
tributária e que está de boa-fé.”
Na ocasião o autor trabalha o tema da “Substituição tributária por
antecipação do futuro Fato Gerador do ICMS” e se depara diretamente com a
transmissibilidade da multa fiscal.
Assim, diante dos questionamentos responde:
É admissível responsabilizar o substituído pelas infrações
297 MARTINS, Ives Gandra da Silva. “Da Sanção Tributária”.editora Saraiva, São Paulo-SP, 1998
259
cometidas pelo substituto, aplicando-lhe multas de caráter
punitivo?
Não. A penalidade deve ser aplicada a quem descumprir a
obrigação tributária, no caso o substituto tributário, não
podendo ser exigida de quem não descumpriu a obrigação
tributária, nem praticou qualquer ato ilícito.
Tanto que a Constituição Federal, no inciso XLV, do seu art.
5º, entre os direitos e garantias assegurados, determina que:
“Nenhuma pena passará da pessoa do condenado (infrator),
podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação de
perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos
sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do
patrimônio transferido”.
E o art. 112 do CTN, estabelece que: “A lei tributária que
define infrações ou lhe comina penalidades, interpreta-se da
maneira mais favorável, ao acusado, em caso de dúvida quanto:
I - à capitulação legal do fato; II - à natureza ou às
circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos
seus efeitos; III - à autoria, imputabilidade ou impunidade; IV -
à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação”.
Resta claro, portanto, que o substituído tributário não
poderá responder por penalidade, representada por multa, por
infração que não foi por ele praticada.” 298
Luís Eduardo Schoueri299, analisa a extensão da responsabilidade e se esta
incluiria as multas partindo da observação do CTN, que nos arts. 128, 129 e 135, utiliza
a expressão “crédito tributário”; nos arts. 131,132, 133 e, em parte, 134, adota o termo
“tributo”; e no art. 134, faz menção às “penalidades de caráter moratório”.
O referido autor conclui que nem sempre a responsabilidade terá idêntica
abrangência. No entanto, seu estudo identificou que a transmissão não obedece
exatamente os termos dos artigos mencionados, uma vez que levado em conta o art.
129, a conclusão seria de que todo o crédito referente à responsabilidade terá o mesmo
destino, e quando da sucessão comercial, por exemplo, a due diligence não se limitaria
aos tributos conhecidos e lançados, mas deverá cobrir todos os fatos ocorridos até a data
da sucessão.
298 MARTINS, Ives Gandra da Silva.“Substituição tributária por antecipação do futuro Fato Gerador do
ICMS - Responsabilidade exclusiva do substituto - Opinião legal”.Fonte: Revista Dialética de Direito
Tributário, n. 170, novembro 2009.p. 160-168 299 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário, 2ªed. Saraiva. São Paulo, 2012.p. 520
260
Sobre o assunto, o STJ, no Recurso Especial 959.389-RS. Relator Ministro
Castro Meira. J. 07.05.2009, invocou o artigo 129 para transmitir não só o tributo, mas a
multa punitiva e moratória, sem maiores explicações sobre o afastamento do termo
“tributo”. O CARF também proferiu decisões no mesmo sentido300.
Ângela Maria da Motta Pacheco301 trata diretamente do problema da
transferência de sanções. Seu entendimento é no sentido de que no caso das infrações
dolosas ao ordenamento jurídico tributário, o CTN a elas estendeu o regime de direito
penal, pelo que se infere do art. 112.
300 CARF - 1a. Seção - 2a. Turma da 2a. Câmara - IRPJ E OUTROS. ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A
RENDA DE PESSOA JURÍDICA - IRPJ EMENTA. Ano-calendário: 2003 SUCEDIDA. EXTINÇÃO.
PERDA DE OBJETO. VERSÃO TOTAL DO PATRIMÔNIO. RESPONSABILIDADE DOS
SUCESSORES.
Em consonância com as disposições contidas no art. 132, parágrafo único, do Código Tributário
Nacional, a sociedade empresarial responde pelos tributos relativos à pessoa jurídica extinta, cuja
exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, que constituiu essa
nova sociedade. Caracteriza a extinção da pessoa jurídica aquela que perdeu o objeto da sua existência em
razão da versão total do seu patrimônio à outra pessoa.
RESPONSABILIDADE DO SUCESSOR. TRANSFERÊNCIA DO FUNDO DE COMÉRCIO
CARACTERIZADA.
Responde pelos débitos tributários, nos termos do art. 133 do CTN, aquela que adquirir de outra, por
qualquer título, fundo de comércio.
A existência ou não de aquisição formal não constitui requisito necessário à incidência da
responsabilidade tributária aqui tratada, uma vez que ficou caracterizada que a sucessora encontra-se no
mesmo local, na mesma atividade, utiliza as mesmas instalações e tem os mesmos clientes, aproveitando,
assim, o potencial de lucratividade do negócio anteriormente exercido pela empresa sucedida. Situação
fática incontroversa que evidencia a transferência do fundo de comércio.
SUCESSÃO. MULTA FISCAL. TRANSMISSIBILIDADE. SÓCIO COMUM.
A responsabilidade tributária do sucessor é pelo crédito tributário, cuja definição é mais
abrangente que a de tributo, pois inclui também a multa de ofício. É devida a responsabilização
pela multa de ofício à sucessora, mormente quando existe sócio comum a ambas as sociedades,
sucedida e sucessora.
MATÉRIA NÃO CONTESTADA EXPRESSAMENTE. DEFINITIVIDADE.
Considera-se definitiva, na esfera administrativa, MATÉRIA não expressamente contestada.
ARROLAMENTO DE BENS COMO REQUISITO PARA SEGUIMENTO DO RECURSO
VOLUNTÁRIO.
Desnecessidade, tendo em vista a declaração de inconstitucionalidade pelo STF na ADI 1976-7.
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.
Acordam os membros do Colegiado, por maioria de votos, em negar provimento ao recurso, nos termos
do relatório e voto que integram o presente julgado. Vencido o Conselheiro Gilberto Baptista que dava
provimento ao recurso.
ACÓRDÃO 1202-00.460. Órgão: Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF - 1a. Seção - 2a.
Turma da 2a. Câmara Decisão. ACÓRDÃO 1202-00.460 em 25/01/2011 301 PACHECO, Angela Maria Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. ed. Max
Limonad, 1997.p. 222
261
Por sua vez, Maria Rita Ferragut, ao tratar dos art. 132 e 133 do CTN,
entende que “a responsabilidade do sucessor engloba não só o valor atualizado dos
tributos então devidos pelo sucedido, como também as multas”302. E justifica alegando
que o artigo 129 do CTN, que inaugura a seção dispõe “crédito tributário”, não somente
tributos, uma vez que entendimento diverso levaria a sobrevinda de diversas fusões e
incorporações para eximir-se do débito contrariando o primado do interesse público.
No entanto, para a autora nem toda espécie de multa é objeto da sucessão.
Apenas a moratória, já que o ilícito é o mero não pagamento. Por sua vez, a multa
punitiva dolosa não pode passar da pessoa do autor. Ela ressalta que a autoria, nas
condutas que envolvam culpa ou dolo não necessita sempre do administrador para que
ele se responsabilize. O infrator é aquele que tem o dever legal de adotar determinada
conduta, não é apenas o executor material do ilícito, mas também aquele que com o fato
se envolva, como partícipe ou mandante da conduta ilícita. Esse é o caso dos artigos 134
e 135, onde a responsabilidade é subjetiva dos sócios.
Por outro lado, quando houver culpa, observa-se o artigo 927, do CC, ela
será direta quando o agente responder por ato próprio, e indireta nas situações previstas
em lei, nas quais se admite a culpa presumida com referência a ato de terceiro em
relação ao qual o responsável tenha vínculo de responsabilidade (culpa in vigilando ou
in eligiendo), como por exemplo ocorre com os pais e curadores.
Angela Maria Motta Pacheco303 compreende que os artigos 130, 131, 132 e
133 do CTN, referem-se à responsabilidade por tributo, não cabendo qualquer hipótese
de sanção pecuniária por ato ilícito.
Ainda sobre a responsabilidade dos sucessores há a chamada “corrente da
transmissão condicionada da multa fiscal’’. Por esse caminho a transmissão só seria
possível se os sucessores tivessem, à época da sucessão, ciência da prática da infração
tributária pelo sucedido.
302 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. São Paulo: Noeses,
2009.p. 96 303 PACHECO, Angela Maria Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. ed. Max
Limonad, 1997.
262
Luciano Amaro, ao dispor sobre esse imbróglio, ensina:
"Outra questão que merece registro é a das multas por infrações que
possam ter sido praticadas antes do evento que caracterize a
sucessão. Tanto nas hipóteses do art.132 como nas do art. 133,
refere-se a responsabilidade por tributos. Estariam aí incluídas as
multas? Várias razões militam contra essa inclusão. Há o princípio
da personalização da pena, aplicável também em matéria de sanções
administrativas. Ademais, o próprio Código define tributo, excluindo
expressamente a sanção de ilícito (art. 30). Outro argumento de
ordem sistemática está no art. 134; ao cuidar da responsabilidade de
terceiros, esse dispositivo não fala em tributos, mas em "obrigação
tributária" (abrangente também de penalidades pecuniárias, ex vi do
art. 113, § 1º). Esse artigo, contudo, limitou a sanção às penalidades
de caráter moratório (embora ali se cuide de atos e omissões
imputáveis aos responsáveis). Se, quando o Código quis abranger
penalidades, usou de linguagem harmônica com os conceitos por ele
fixados, há de entender-se que, ao mencionar responsabilidades por
tributos, não quis abarcar as sanções. Por outro lado, se dúvida
houvesse, entre punir o ou não o sucessor, o art. 112 do Código
manda aplicar o princípio in dubio pro reo. O Supremo Tribunal
Federal, em vários julgados, negou a responsabilidade do sucessor
por multas referidas a infrações do sucedido."304
Luís Eduardo Schoueri305, ressalta a importância de observar a legislação
privada, que prevê a sucessão de todos os direitos e obrigações nos artigos 227, 228,
229 e 233 da Lei 6.404/1976, além dos artigos 1.113 a 1.122 do CC/2002, ou seja,
transfere-se todo o patrimônio na sua universalidade, o que incluiria as penalidades
pecuniárias.
Essa corrente postula a ideia de transmissibilidade da multa fiscal
condicionada à ciência do sucessor, ou seja, a punição pecuniária deve estar lançada
antes da sucessão, uma vez que se incorporaria ao montante do patrimônio do sucedido.
Esse posicionamento tem prevalecido nos tribunais. O Superior Tribunal de
Justiça consolidou entendimento no sentido de “a multa aplicada antes da sucessão se
304 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 15ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. 305 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário, 2ªed. Saraiva. São Paulo, 2012.p. 520
263
incorpora ao patrimônio do contribuinte, podendo ser exigida do sucessor”306. “A
responsabilidade tributária do sucessor abrange, além dos tributos devidos pelo
sucedido, as multas moratórias ou punitivas, que, por representarem dívida de valor,
acompanham o passivo do patrimônio adquirido pelo sucessor, desde que seu fato
gerador tenha ocorrido até a data da sucessão (...)”307
Por outro lado, Maria Rita Ferragut, no que se refere ao artigo 134, defende
a responsabilidade subsidiária, e o inciso VII se aplicaria apenas quanto:
1) Aos sócios de sociedade liquidada de pessoas, excluindo-
se as de responsabilidade limitada e as sociedades anônimas.
2) Comprovadamente o sócio tiver tido poderes de gerência
e, durante seu exercício, tiver intervindo ou se omitido, com
culpa, para o inadimplemento da obrigação tributária;
3) Houver a constatação do descumprimento da obrigação
principal e a impossibilidade de se exigir do contribuinte a
satisfação do crédito (responsabilidade subsidiária).308
Acode ainda, quanto à transferência da multa moratória prevista no art. 134,
a exclusão das multas de ofício e as decorrentes de descumprimento de deveres
instrumentais, que apesar de todas possuírem caráter econômico, estas punem fatos
transgressores da conduta do sócio, aquela pune o ilícito de mora.
No mesmo sentido Angela Maria Motta Pacheco309, ao tratar da
transmissibilidade das sanções ao responsável, a autora distingue a resposta: caso se
trate de multa de mora, que teriam natureza ressarcitória/reparatória, poderiam, pois, ser
transmitidas; no que concerne às multas punitivas, estas não podem se transmitir.
306 Cf. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial 554.377/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão,
D.J.U. 19.12.2005; 307 Cf. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial 923.012/MG. 1ª Seção. Rel. Min. Luiz Fux, D.J.U.
24.06.2010; 308 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. São Paulo: Noeses,
2009. 309 PACHECO, Angela Maria Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. ed. Max
Limonad, 1997.p. 223
264
Ao tratar do art. 135 Maria Rita Ferragut tem posicionamento interessante e
muito congruente com os pressupostos por ela adotados. A responsabilidade prevista no
dispositivo é pessoal e há de estar provado o dolo: “o terceiro responsável assume
individualmente as consequências advindas do ato ilícito por ele praticado, ou em
relação ao qual seja partícipe ou mandante, eximindo a pessoa jurídica”, a esse
entendimento também chegou Sacha Calmon Navarro Coelho em seu “Obrigação
Tributária”, devendo o administrador arcar não só com as multas punitivas, mas
inclusive com a obrigação tributária.
Na mesma senda, Angela Maria da Motta Pacheco defende:“a
responsabilidade por ato ilícito (artigos 135 e 137) só pode ser derivada da conduta do
próprio contribuinte. É ele que, através de ações consideradas fraudulentas, impede o
pagamento do tributo. A sua responsabilidade aí é pessoal. Anteriormente já
apontamos que estes dois artigos estariam melhor inclusos no capítulo das infrações e
sanções tributárias e não naquele da responsabilidade, justamente por entendermos
que nestes, o objeto é a própria obrigação tributária principal.” 310
Apesar de o fisco considerar ser a responsabilidade, nessa hipótese,
subsidiária, constituindo o crédito face a empresa, postergando para a ação executiva a
inclusão dos sócios, o posicionamento inovador merece reflexão.
Todavia, pesa contra o fato de implicar verdadeira desconsideração da
Pessoa Jurídica em âmbito administrativo. Mas quem comete crime é sempre pessoa
física? E quando a empresa se beneficia da conduta ilícita praticada pelo sócio? Se o
ilícito praticado pelo sócio beneficiou apenas a ele ou se também beneficiou a empresa,
isto influencia na responsabilização pela multa? Quem deve pagar a multa tributária: a
pessoa física (agente), a pessoa jurídica, ou ambos?
310 PACHECO, Angela Maria Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. ed. Max
Limonad, 1997.p. 239
265
Maria Rita Ferragut311entende que mesmo no caso de a sociedade se
beneficiar do ato ilícito a responsabilidade continua sendo pessoal e exclusiva do sócio,
uma vez que não há previsão legal para tanto. Mas a empresa beneficiada poderia em
sede de direito privado restituir o sócio ou ser acionada por ele para ter direito ao
regresso. Agora, se o sócio não tem condições financeiras e age com o objetivo de
afastar a responsabilidade da pessoa jurídica, esta situação configura “dissimulação do
ato que ensejou a responsabilidade pessoal do administrador”, enquadrando-se no art. 1º
da LC n. 104/01.
Sigo a linha de que toda multa, seja ela de ofício, punitiva ou moratória é
decorrente de ato ilícito, não é porque o seu pressuposto é o atraso no pagamento que
ela perde o caráter sancionatório, sua natureza não se modifica, ela também é punitiva e
visa a repreender conduta ilegal. Os juros e correção monetária é que têm a
característica de reparar o patrimônio e ressarcir as perdas pelo decurso do tempo,
assim, tanto a transmissão da multa dita punitiva como a transmissão da multa de
caráter moratório devem ser combatidas.
A resposta não é simples, nem igual para todos os casos. O tema é
interessante, poucos se debruçaram diretamente. A exposição do posicionamento da
melhor doutrina demonstra como as correntes divergem. Não é porque os tribunais estão
seguindo outro caminho que devemos compactuar com a interpretação prevalecente,
nem sempre a escolha do julgador ou do legislador é a vereda prevista na Constituição
da República, ou nos pressupostos da Teoria Geral do Direito.
Discutir a transmissibilidade da infração no Direito Tributário requer uma
reflexão sobre as normas de responsabilidade. Como demonstrado, este é um dos
assuntos mais carentes de sistematização no Direito Tributário brasileiro, tanto pela
deficiência dos dispositivos do Código Tributário Nacional, como pela confusão
semântica que o instituto da responsabilidade ensaia.
311 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. São Paulo: Noeses,
2009.
266
Daí a importância de traçar um paralelo com a veemente crítica que Paulo
de Barros Carvalho faz à incorreta distinção: contribuinte de fato e contribuinte de
direito, já que em muitos casos o responsável, o substituto, ou o contribuinte são signos
que pela vaguidade e ambiguidade denotam situações somente econômicas ou pré-
jurídicas.
Em todos os campos do Direito, as normas de responsabilidade devem ter
aplicação cuidadosa, o operador do direito ao dar continuidade ao ciclo de positivação
deve livrar-se das antinomias perpetradas pelo legislador.
7.10. Denúncia Espontânea e a Extinção da Punibilidade Penal
No âmbito administrativo, a denúncia espontânea, tratada no artigo 138 do
Código Tributário Nacional, exclui a responsabilidade, acompanhada, se for o caso, do
pagamento do tributo devido e dos juros de mora. Aqui entra a discussão acerca da
confusão que a Lei faz entre o reconhecimento da dívida e o seu adimplemento.
Deve-se ponderar que a Denúncia Espontânea realizada de forma válida,
dentro dos ditames da Lei, já é suficiente para excluir a punibilidade e a
responsabilidade em matéria penal tributária. Caso o sujeito passivo reconheça o débito
tributário, declara-o ao fisco, já está realizado a exigência para que seja excluída a
punibilidade.
O pagamento ou não desta dívida declarada e reconhecida pelo sujeito
passivo, é questão de mero adimplemento ou inadimplemento civil, e não tem mais
relação com os crimes tributários. Assim é, porque não se pode incriminar por dívida no
Brasil, com exceção da dívida de alimentos, em face da adesão do País ao Pacto de San
Jose da Costa Rica.
Para a extinção da aplicação das penalidades administrativas, basta observar
o art. 138 do Código Tributário Nacional:
267
Art. 138 - A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da
infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos
juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade
administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.
Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após
o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização,
relacionados com a infração
Com efeito, se o pagamento é feito com a denúncia espontânea da infração,
nenhuma penalidade pode ser aplicada. Se, todavia, é feito em face de exigência
formalizada em ação fiscal, o pagamento do crédito tributário feito no prazo estabelecido
para a impugnação do auto de infração, ou no prazo para o recurso administrativo,
implica redução do valor da multa, que geralmente vem estabelecido na lei específica de
cada tributo.
7.11. Crimes contra a ordem tributária e erro de tipo
Hugo de Brito Machado explana, ao tratar da hipótese de erro do tipo, que
no estudo do crime de supressão ou redução de tributo, bem como nos demais tipos de
crimes contra a ordem tributária, é da maior importância o conhecimento do que os
penalistas denominam erro de tipo.
Para ele, se o contribuinte deixa de recolher um tributo, ou o recolhe em
montante menor que o devido, porque cometeu um erro na interpretação da lei tributária,
tem-se configurado um erro de tipo, que exclui o dolo, elemento essencial dos tipos
penais em questão. Em outras palavras, podemos dizer que o crime de supressão ou
redução de bem como os demais crimes contra a ordem tributária, definidos na Lei n.
8.137, de 27.12.1990, não se configuram em face de erro na interpretação da lei
tributária.312
312 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
268
7.12. Parcelamentos Fiscais
7.12.1. Histórico da extinção da punibilidade penal via pagamento ou suspensão
após parcelamento
A relação de causas de extinção da punibilidade está prevista no
art. 107 do Código Penal.
Guilherme de Souza Nucci313, explica que o rol “é meramente
exemplificativo, uma vez que existem várias outras causas de extinção da punibilidade
previstas na Parte Especial e também em leis penais especiais.”
No caso dos crimes contra a ordem tributária a extinção da punibilidade é
regida por lei específica. Desde 2000 foram instituídos vários parcelamentos como
REFIS, o PAES, o PAEX, o REFIS da crise e a reiterada reabertura em 2014 com, por
exemplo, o REFIS da Copa.
Em breve apanhado histórico destacamos:
art. 2º, da Lei n. 4.729/64, em que a extinção da punibilidade no delito de
sonegação fiscal, exigia que o pagamento fosse realizado antes do início da ação
fiscal.
art. 14, da Lei n. 8.137/90, a extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem
tributária com a nova lei previa dispunha que o pagamento do débito tributário
deveria ser antes do recebimento da denúncia criminal
art. 98, da Lei 8.383/91, revogando os dois dispositivos anteriores, em 1991 foi
suprimida a possibilidade de extinção da punibilidade em decorrência do
pagamento da dívida tributária
art. 34 da Lei n. 9.249/95 volta a admitir a extinção da punibilidade pelo
pagamento do crédito tributário se pago antes do recebimento da denúncia
art. 9º da Lei 10.684⁄03, por ser mais benéfica ao réu, deveria ser aplicada
retroativamente aos que comprovassem o adimplemento total dos débitos
decorrentes da falta de recolhimento de tributos (STJ REsp 701.848), a qualquer
313 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial. 6 ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 578.
269
tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal
condenatória (STJ HC 232.276)
art. 69 da Lei n. 11.941/09, prevê a extinção da punibilidade pelo pagamento nos
crimes contra a ordem tributária quando houver o pagamento integral dos
débitos oriundos de tributos e contribuições sociais e acessórios,
independentemente de prazo ou momento processual. Pelos arts. 67 e 68 da
mesma lei, caso haja parcelamento da dívida, realizado antes do oferecimento da
denúncia, o juiz não poderá recebê-la
art. 6º da Lei 12.382/2011, que deu nova redação ao artigo 83 da Lei 9.430/1996,
mediante o qual o legislador voltou a exigir expressamente que a adesão aos
programas de parcelamento, para fins de suspensão da pretensão punitiva, deve
ocorrer antes do início da ação penal, nos mesmos termos do que previa a Lei
9.964/2000
O Supremo Tribunal Federal se pronunciou em algumas oportunidades:
AÇÃO PENAL. CRIME TRIBUTÁRIO. TRIBUTO.
PAGAMENTO APÓS O RECEBIMENTO DA
DENÚNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
DECRETAÇÃO. HC CONCEDIDO DE OFÍCIO PARA
TAL EFEITO. Aplicação retroativa do art. 9º da Lei federal
nº 10.684/03, cc. art. 5º, XL, da CF, e art. 61 do CPP. O
pagamento do tributo, a qualquer tempo, ainda que após o
recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime
tributário.[5] (sem negrito no original)
Supremo Tribunal Federal. STF - HC 81929 / RJ - RIO DE
JANEIRO. Rel. Min. Cezar Peluso. Julgamento: 16.12.2003.
Publicação: 27.02.2004. DJ 27-02-2004 PP-00027. EMENT
VOL-02141-04 PP-00780.
HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ADESÃO AO
PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO FISCAL (REFIS).
EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO
DE QUITAÇÃO DO DÉBITO TRIBUTÁRIO. EXCLUSÃO
DO PROGRAMA EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE
PAGAMENTO DAS PARCELAS DO FINANCIAMENTO.
ORDEM DENEGADA. 1. É da jurisprudência da Corte o
entendimento segundo o qual "[a] adesão ao Programa de
Recuperação Fiscal - Refis não implica a novação, ou seja, a
extinção da obrigação, mas mero parcelamento. Daí a
harmonia com a Carta da Republicapreceito a revelar a
simples suspensão da pretensão punitiva do Estado, ficando
a extinção do crime sujeita ao pagamento integral do
débito"(RHC nº 89.618/RJ, Primeira Turma, Relator o Ministro
Marco Aurélio, DJ de 9/3/07).
270
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal decidiu:
Informativo: Brasília, 12 a 16 de abril de 2010 - Nº 582.
Parcelamento dos Débitos Tributários e Suspensão da Pretensão Punitiva - 1
A Turma deferiu, em parte, habeas corpus em que acusados pela suposta prática
dos delitos previstos no art. 1º, II e IV, da Lei 8.137/90 — na medida em que
teriam implementado atos com o objetivo de se furtarem à incidência tributária —
requeriam a suspensão da pretensão punitiva em razão do parcelamento dos
débitos tributários. No caso, os pacientes foram condenados em primeira
instância, decisão essa confirmada pelo TRF da 3ª Região, sendo intentados, em
seguida, os recursos especial e extraordinário. Ocorre que, diante do parcelamento
do débito tributário, os pacientes requereram a suspensão da pretensão punitiva ao
TRF, tendo seu pleito sido negado ao fundamento de que não teria sido
demonstrada, a partir de prova inequívoca, a inserção do débito tributário no
programa de parcelamento ou o integral pagamento da dívida fiscal. Contra essa
decisão, fora impetrado habeas corpus no STJ, o qual fora denegado. Reitera a
presente impetração, que, nos termos do art. 9º da Lei 10.684/2003, suspendem-se
a pretensão punitiva e o prazo prescricional durante o período no qual a pessoa
jurídica relacionada com o agente a quem imputada a prática dos crimes estiver
incluída no regime de parcelamento, não se justificando, portanto, determinar o
início da execução da pena.
Assentou-se que, consoante o art. 9º da Lei 10.684/2003, fica suspensa a
pretensão punitiva do Estado atinente aos crimes previstos nos artigos 1º e 2º da
Lei 8.137/90 e nos artigos 168-A e 337-A do CP, durante o período no qual a
pessoa jurídica relacionada com o agente dos citados delitos fizer-se incluída no
regime de parcelamento. Ressaltou-se que a interpretação teleológica do preceito
conduziria a assentar-se que, ainda em curso o processo penal, poderia dar-se a
suspensão aludida, pouco importando já existir sentença condenatória no cenário.
Registrou-se que o que caberia perquirir é se ainda não teria havido a preclusão,
no campo da recorribilidade, do decreto condenatório. Salientou-se que o objetivo
maior da norma seria impedir a ocorrência de glosa penal, o prosseguimento do
processo-crime, esteja em que fase estiver, quando verificado o parcelamento e,
portanto, o acerto de contas entre os integrantes da relação jurídica reveladora do
débito fiscal. Nesta óptica, implementou-se a suspensão do título executivo
judicial tal como prevista no art. 9º da Lei 10.684/2003. Enfatizou-se que a
empresa aderira ao programa excepcional de parcelamento de débitos antes do
trânsito em julgado da decisão, permanecendo ela na situação própria ao
parcelamento, tendo jus à suspensão de eficácia do título executivo judicial, sendo
que, cumpridas as condições do parcelamento, com a liquidação integral do
débito, dar-se-á a extinção da punibilidade.
HC 96681/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 13.4.2010. (HC-96681)
271
A extinção da punibilidade pelo pagamento ou a suspensão pelo
parcelamento nos delitos contra a ordem tributária está subordinada ao pagamento ou
parcelamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais e
acessórios, independente de momento processual específico.
Nas palavras de Claus Roxin314: “Sólo si prescinde de los elementos,
relativamente numerosos, que equivocadamente se ubican entre las condiciones
objetivas de punibilidad o entre las causas de exclusíon o supresíon de la punibilidad,
resalta com claridad lo característico de la cuarta categoria del delito más allá Del
injusto y la culpabilidad: se trata de casos em que los que, em uma ponderacíon, lãs
finalidades extrapenal tienen prioridad frente a la necessidad de penal.”
As normas de parcelamento que dispõem sobre a extinção ou suspensão da
punibilidade penal desnaturam o sistema sancionador. Lourival Vilanova advertia:
A norma jurídica é apta para ser exigida coativamente, o que
decorre do fato de ser norma reguladora da conduta do
indivíduo para terceiros, isto é, daquele traço substancial que
Santo Tomás de Aquino denominava alteridade. A circunstância
de que, na formação histórica do direito, tenha havido
momentos em que o direito minguasse em coercibilidade, não
vale como objeção, uma vez que o devenir ou a evolução de um
fato deixa intacta a questão de sua essência. E da essência do
direito ser coercitivo. Uma norma de conduta, deixada ao
arbítrio individual, sua observância ou inobservância, não é
norma jurídica. Será norma moral, ou, então, norma
convencional, uso social etc.,mas que não apresenta os
caracteres de jurídica.315
314 ROXIN, Claus. Derecho Penal – Parte General – Fundamentos – La Estructura de La Teoria Del
Delito. 2 Edicion, Pág 977. Editora Thomson Civitas. 315 VILANOVA, Lourival. Escritos jurídicos e filosóficos. Vol. I Editora AXIS MVNDI, 2003. p. 74-75
272
7.12.2. Suspensão e extinção da punibilidade nos crimes tributários - falência dos
crimes contra a ordem tributária
Grande controvérsia no que tange à extinção da punibilidade pelo
pagamento do tributo no âmbito penal perdurou por alguns anos. É que a lei ora admitia,
ora não. Por último vinha admitindo a extinção da punibilidade desde que o pagamento
ocorresse antes do recebimento da denúncia, e, em se tratando de contribuições de
seguridade social, antes do início da ação fiscal.
A Lei n. 10.684, de 30 de maio de 2003, que estabeleceu forma especial de
parcelamento de débitos fiscais, determinou a suspensão da pretensão punitiva tanto em
relação aos crimes contra a ordem tributária como em relação aos crimes ditos de
apropriação indébita e de sonegação de contribuições de previdência social. O Supremo
Tribunal Federal já consagrou o entendimento segundo o qual, em face dessa lei, o
pagamento do débito tributário a qualquer tempo extingue a punibilidade de qualquer
desses crimes, mesmo depois do recebimento da denúncia.
Hugo de Brito Machado vai além, defende que, a rigor, a extinção da
punibilidade nos crimes contra a ordem tributária opera-se como decorrência de
qualquer das causas de extinção do crédito tributário. Para tanto basta a utilização
da analogia em matéria penal, ou melhor, a interpretação extensiva da norma que
determina a extinção da punibilidade pelo pagamento, desde que para favorecer o
acusado. Assim, defende que extingue-se a punibilidade não apenas em decorrência
do pagamento, mas também em decorrência da compensação, da transação, da
remissão, da prescrição e da decadência, da conversão do depósito em renda, do
pagamento antecipado e da homologação do lançamento respectivo, da consignação
em pagamento, da decisão administrativa irreformável e da decisão judicial com
trânsito em julgado que tenham afirmado a improcedência da cobrança do tributo,
da dação em pagamento e, ainda, de outras causas não enumeradas no art. 156 do
Código Tributário Nacional, tais como a novação e a confusão. Extinto o crédito
273
tributário, estará extinta a punibilidade relativamente ao crime concernente ao
mesmo crédito. 316
Enrique Gimbernat Ordeig expressa eu seu livro Conceito e Método da
Ciência do Direito Penal que em Direito Penal vigora, em princípio, a proibição da
analogia; é lícita apenas quando a favor do réu. Que é exatamente o que ocorre no caso
em questão. 317
Como discorrido anteriormente, a tipificação de crimes tributários não serve
adequadamente no desestímulo à evasão fiscal, a todo instante, são criados modos para
que o tributo seja pago, extinguindo ou suspendendo a punibilidade. Atualmente a
concessão de parcelamentos por meio do Programa de Recuperação Fiscal (REFIS) ou
pelo Parcelamento Especial (PAES) tem sido mais eficazes do que a mera previsão legal
de tipos penais.
Como mencionado, são exemplos, a Lei n. 9.249/05, art. 34, o REFIS, Lei n.
9.964, art. 15, o PAES – Parcelamento especial: Lei n. 10.684, art. 9º, entre outros.
Guilherme de Souza Nucci pontua:
“(...) extinção da punibilidade é o desaparecimento da
pretensão punitiva executória do Estado, em razão de
específicos obstáculos previstos em lei.”318
Uma importante constatação é de que a natureza jurídica da extinção da
punibilidade nos crimes tributários é fundamentalmente arrecadatória, o Estado busca a
316 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010. 317 GIMBERNAT Ordeig, Enrique. Conceito e Método da Ciência do Direito Penal; tradução: José
Carlos Gobbis Pagliuca; revisão da tradução: Luiz Flávio Gomes. Título original: Concepto y Método de
La ciência Del derecho penal. São Paulo: Tribunais, 2002 (série as ciências criminais no século XXI; v.
9) 318 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais.
2007. P.497
274
satisfação do seu animus arrecadador, deixando de ter interesse nas questões em que o
tributo seja pago. No entanto, as tipificações penais tributárias restam prejudicadas.
O direito penal tributário é diferente de todos os outros crimes do direito
penal. Não serve para apenar, é forma de cobrar tributo.
Com efeito, o bem jurídico tutelado é a Finança Pública, que desfalcada da
arrecadação, fica sem recursos para fazer frente às despesas públicas.
O rompimento da estrutura normativa completa, composta pela norma
primária e pela norma secundária, representa a deformação do dado jurídico. Uma
norma sem sanção não é uma norma jurídica.
O impacto das normas de parcelamento que preveem a suspensão ou a
extinção da punibilidade dos crimes contra a ordem tributária além da anistia de multas
é devastador. As pessoas a quem as normas se dirigem não cumprem seus comandos.
A norma de parcelamento atinge justamente a norma primária sancionadora
e a norma secundária.
O sistema torna-se viciado. As multas elevadas são impagáveis. O Refis,
com a anistia e todas as benesses que representa, é aguardado assim como uma Copa do
Mundo, já que é certo que ano após ano o Governo editará novo parcelamento de
débitos fiscais.
A Receita Federal e a Procuradoria da Fazenda Nacional são contra tais
medidas, por diversas vezes seus representantes depuseram o desacerto que o Refis, na
forma como disposto, representa.
Utilizando argumentos econômicos para suprir o caixa, a cada ano um novo
parcelamento é editado ou reabre-se um parcelamento antigo.
Sem coerção não há direito, o crime contra a ordem tributária sem
punibilidade desnatura-se.
275
O exame, que a princípio era eminentemente pragmático - decorrente do
sentimento presente na experiência cotidiana onde não se vê o temor pela punição penal
- ao seguir sob uma perspectiva teórica mostrou o problema sob o ponto de vista
sintático.
Quantos no brasil foram presos por crimes contra a ordem tributária?319
Poucos, certamente.
Um dos casos mais emblemáticos é o da VASP, em que seu ex-presidente
foi condenado a oito anos de prisão por apropriação indébita previdenciária:
“A Justiça Federal condenou Wagner Canhedo Azevedo, ex-
presidente da Vasp (Viação Aérea São Paulo), a oito anos e oito
meses de prisão por ter deixado de repassar à Previdência
Social contribuições recolhidas dos funcionários da companhia.
O valor chegaria a R$ 35 milhões, de acordo com a
Procuradoria da República.
O juiz Fábio Rubem David Müzuel acolheu parcialmente a
denúncia do Ministério Público Federal, que acusa Azevedo de
apropriação indébita (quando se apropria de coisa ou valor de
terceiros) por ter deixado de recolher, entre maio de 2003 e
dezembro de 2004, as contribuições previdenciárias.
(05/07/2012 - 16h15)”
E mesmo no referido caso, não houve condenação por crime contra a ordem
tributária.
O Direito Penal é distorcido no caso específico dos Crimes Contra a Ordem
Tributária - serve para cobrar tributos.
Não se diga que a sonegação, por ser moralmente aceitável, diante da
corrupção endêmica, não deve ser combatida. O sistema jurídico precisa ser melhorado,
corrigido em suas falhas e aprimorado.
319 http://m.folha.uol.com.br/mercado/1115432-justica-condena-ex-presidente-da-vasp-a-oito-anos-de-
prisao.html
276
É necessidade premente a luta contra a corrupção e por um melhor controle
dos gastos públicos. No entanto, o pagamento de impostos com a diminuição da
informalidade e da sonegação, também são objetivos almejados por um Estado que se
pretende tornar desenvolvido.
a) Dados da sonegação fiscal no Brasil
Dados da sonegação fiscal no Brasil, conhecido como sonegometro,
elaborado pelo SINPROFAZ - Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda
Nacional, aponta números estarrecedores:
i) de 01/01/2015 até 23/03/2015, 116,5 bilhões de reais.
ii) rombo fiscal de R$ 415,1 bilhões de reais, só em 2013
As razões para números tão assustadores são variadas, mas uma delas é a
isso mostra a falência do direito tributário sancionatório e do direito penal tributário
ineficiente.
O Brasil perde com a sonegação de impostos. O valor sonegado em 2013 se
comparado com a arrecadação de 2011, representa320:
Mais que toda arrecadação de Imposto de Renda (R$ 278,3 bilhões).
Mais que toda arrecadação de tributos sobre a Folha e Salários (R$ 376,8
bilhões).
Mais da metade do que foi tributado sobre Bens e Serviços (R$ 720,1 bilhões).
320 http://www.quantocustaobrasil.com.br/
277
b) Receita Federal e a Representação Fiscal para Fins Penais
A Secretaria da Receita Federal do Brasil em seu Plano Anual da
Fiscalização para o ano-calendário de 2015, aponta as principais operações fiscais e os
valores esperados de recuperação de crédito tributário, além dos resultados de 2014.
No referenciado plano, são informados os dados sobre a quantidade de
Representação Fiscal para Fins Penais (RFFP) encaminhadas ao Ministério Público
Federal em 2014:
Pelo gráfico, observa-se que houve um aumento substancial no montante de
Representações Fiscais para Fins Penais, onde apenas em 2014 foram elaboradas 4.859,
que correspondem a 28,3% de todas as ações fiscais encerradas.
278
Frise-se que as Representações Fiscais para Fins Penais só poderão ser
encaminhadas quando o lançamento tributário for considerado definitivo na esfera
administrativa.
Para fins estatísticos, a Receita Federal informa que em termos de valores
totais o estoque de processos, até 31/12/2014, cuja autuação ocorreu em 2010 ainda
pendente de julgamento é de 53,3%.
Tais números espelham a problemática apontada até aqui.
279
CONCLUSÃO
O grande objetivo foi investigar a incidência da norma sancionatória dentro
dos pressupostos do Constructivismo Lógico-Semântico e identificar os problemas
enfrentados no seu ciclo de positivação.
Tal modo de recorte cognoscitivo, verdadeira visão de mundo através de
segura posição filosófica, é imprescindível no estudo da incidência das multas e dos
crimes contra a ordem tributária.
Eis o diferencial do trabalho, analisar a incidência normativa das sanções
administrativas e penais tributárias utilizando instrumental valioso, o constructivismo
lógico-semântico.
O estudo da incidência normativa, assim, conduziu a aspectos importantes
das multas tributárias, ampliando o escopo, de modo a tornar a reflexão proveitosa.
Intrespassável, nestes termos, a discussão também em termos de direito penal. Fato é
que o penalista, por sua vez também precisa fazer o cotejo e avançar no estudo dos fatos
tributários, para conhecer aquilo que é a materialidade dos tipos penais. Esse ponto de
encontro é difícil para ambos os lados.
A concepção filosófica adotada no Constructivismo Lógico-Semântico
desenvolvido por Lourival Vilanova e Paulo de Barros Carvalho, com um forte pendor
analítico aliado à formação culturalista, representa instrumento cirúrgico indispensável
ao esforço de dissecar analiticamente a Incidência da Norma Sancionatória.
Indicados dos fundamentos teóricos, trabalhando o conceito de Direito e a
Teoria da Norma Jurídica, bem como o problema do termo sanção e sua relação com a
coercitividade e a coação, firmam-se as premissas imprescindíveis ao aprofundamento
do estudo.
Com o exame da estrutura da Norma Jurídica Completa, investiga-se a
fenomenologia da incidência, então, sob os pontos de vista: a) Sintático: Subsunção e
280
Imputação, b) Semântico: denotação e c) Pragmático: interpretação e produção da
norma individual e concreta.
Após estudar a Regra-Matriz de Incidência, seus critérios e as Espécies de
sanções tributárias, foram abordadas as normas de Direito Penal que criminalizam
condutas relacionadas ao pagamento de tributos.
Arguiu-se o percurso de positivação das normas sancionatórias –
administrativas e penais –, experimentando seu aspecto estático e dinâmico. Ou seja,
partindo das normas gerais e abstratas das sanções administrativas e dos crimes contra a
ordem tributária até suas respectivas normas individuais e concretas.
Dentre as principais dificuldades destacam-se a construção de fatos jurídicos
construídos no processo de positivação das normas primárias aproveitados diretamente
para a aplicação das normas secundárias penais, sem maiores cuidados.
Por outro lado, a intervenção do direito penal, que a princípio, só deveria
ocorrer nos casos em que os demais ramos do direito se revelarem insuficientes ou
ineficazes em sua intervenção punitiva acaba tomando outra proporção. Há outro
objetivo no direito penal tributário, qual seja impor mais uma forma de compelir o
contribuinte ao pagamento do tributo.
Tais problemas levantam instantaneamente a indagação sobre a adequada
forma de constituição dos fatos jurídicos pressupostos de incidência das normas
sancionatórias.
Com efeito, foca-se a passagem de uma fase para outra, analisando quais as
principais dificuldades que o aplicador enfrenta.
O objetivo era analisar a incidência das multas e dos crimes tributários. A
expectativa era encontrar e criticar a frequente falta de cuidado na construção das
multas com dolo e uma construção defeituosa do fato jurídico “crime” contra a ordem
tributária.
281
E, como esperado, foram encontrados diversos problemas. Sobre as multas e
os crimes dolosos, por exemplo, como compor em linguagem o elemento volitivo ou o
critério vontade, se este representa fenômeno interno à mente? Em verdade, vimos que
em crime nenhum ou em situação alguma é possível adentrar no cosmo da consciência
humana, até porque a mera meditação ou apenas o pensamento não é punível pelo
direito. E mais, consoante os pressupostos do constructivismo lógico-semântico, se o
evento físico é intangível, tampouco o é o evento psicológico. São os fatos e provas que
desenham a tessitura do fato jurídico, inclusive no seu elemento volitivo.
No entanto, ao direcionar o olhar de modo mais abrangente para a
incidência do crime contra a ordem tributária e para a aplicação das pesadas multas
tributárias, observou-se verdadeira desnaturação da norma sancionatória tributária e
penal causada pelas reiteradas normas de extinção e suspensão da punibilidade penal e
pelas normas de anistia, que paralisam a execução das normas sancionadoras e como
consequência resultam em verdadeira ineficácia social. Eis o indício que faltava
perceber.
Foi o aspecto pragmático a fagulha que incendiou o combustível da presente
pesquisa, mas a solução para os problemas veio a partir da análise sintática e semântica
das sanções. Uma falha sintática reverbera uma consequência pragmática.
O problema da eficácia despertou o ímpeto de tentar diagnosticar a
distorção na incidência das multas e dos crimes contra a ordem tributária. O maior
desafio ao trabalhar a eficácia da Sanção foi argutamente destacado por Tércio
Sampaio Ferraz Junior, justamente a questão complexa da relação entre ser e
dever-ser.
Nesse sentido, trazendo para o plano da Teoria da Norma o efeito que as
normas de anistia, suspensão e extinção da punibilidade causam, foi possível identificar
que elas decorrem de outra anomalia, qual seja, a existência de multas tributárias
desproporcionais.
282
Ao examinar o sistema sancionatório tributário e penal tributário em sua
generalidade, encontrou-se um ciclo vicioso:
1) Multas em percentuais altíssimos, impagáveis, de 75%, 150% e até 300%, onde
nenhuma empresa ou pessoa física consegue seguir produzindo se vier a pagar
sanções tão elevadas.
2) Diante desta desproporção aviltante, cria-se a necessidade de discussão em
âmbito administrativo e judicial.321
3) Quando não anuladas, as multas precisam ser anistiadas
4) Torna-se necessária a edição de leis de parcelamento que perdoem quase todas
as multas
5) Por sua vez, os crimes contra a ordem tributária, tal como previstos atualmente,
são de apuração pragmaticamente inviável, os fatos jurídicos penais construídos
quase sempre são falhos, tarda-se anos até o início da investigação
6) A persecução penal dos crimes contra a ordem tributária já é difícil se feita de
imediato, após cinco anos, com o término do processo administrativo, é quase
impossível determinar a autoria e o elemento volitivo
7) Para livrar-se das multas pesadas e do processo penal, o contribuinte vê-se
compelido a aderir a parcelamentos fiscais
8) Contribuintes não pagam tributos, pois torna-se vantajoso arriscar, se for pego, é
sabido que no ano seguinte poderá aderir a novo parcelamento especial
9) Os crimes contra a ordem tributária não são temidos, uma vez que mesmo em
caso de condenação não são executados com a superveniência do parcelamento
Por isso, Geraldo Ataliba322 aduz: a sanção mal aplicada pode converter-se
de garantidora do Direito a usurpadora do patrimônio e da liberdade do contribuinte.
São repetidas as imposições de multas qualificadas, muitas vezes
ultrapassando o patamar de 150% (cento e cinquenta por cento), presumindo o dolo e
encaminhando representação para fins penais, sem um mínimo de investigação
probatória. A construção dos fatos jurídicos sancionatórios mostra-se falha. Se levadas a
cabo, as pesadas multas podem, inclusive, quebrar empresas e tornar insolventes muitas
pessoas físicas.
321 A Receita Federal do Brasil, em seu Plano Anual da Fiscalização para o ano-calendário de 2015,
aponta que em 2014, R$ 7,0 bilhões do total lançado pela Fiscalização foram pagos à vista, o que
representa apenas 4,6%.
É praticamente necessária a impugnação dos lançamentos efetuados. Onde a própria Receita Federal
admite que a quase totalidade dos lançamentos efetuados é objeto de discussão administrativa. 322 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1995
283
A dificuldade na persecução penal em matéria de crime contra a ordem
tributária e tão grande que é prática comum enquadrar os diretores ou sócios em crimes
não tributários, apenas relacionados, como formação de quadrilha, ou ainda falsificação
de documento particular art. 298 do CP323, para que de alguma forma haja punição.
Constatados esses problemas, examina-se o jogo do direito positivo, e
busca-se compreender seu ciclo de positivação, desde as normas gerais e abstratas até as
de máxima concretude com a construção do fato jurídico tributário e o fato jurídico
ilegal. Percebeu-se que o advento da extinção ou da suspensão da punibilidade nos
crimes contra a ordem tributária e o perdão das multas em razão do pagamento ou
parcelamento do crédito tributário a qualquer tempo, prejudicam a incidência.
As sanções administrativas e penais tributárias raramente são aplicadas ou
executadas como previstas abstratamente.
Há verdadeira falência no modo de sancionar: tanto as multas são aviltantes,
quanto os crimes contra a ordem tributária não servem para regular condutas. Além
disso, infratores contumazes que concorrem de modo desigual com os que cumprem
seus deveres quedam impunes.
Nenhuma solução poderá prosperar se pretender consertar isoladamente um
dos defeitos mencionados.
Em termos de normas gerais, percebemos a frequente interrupção da
incidência dos crimes contra a ordem tributária. As normas de parcelamento ou
pagamento obstam a aplicação das normas penais tributárias.
Com a norma de parcelamento, há a retirada da norma secundária dos
crimes contra a ordem tributária. Ressalte-se, não há norma sem sanção. Ora, a norma é
bimembre, apenas com a norma primária, não há Direito.
323 Art. 298 - Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular
verdadeiro:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
Parágrafo único. Para fins do disposto no caput, equipara-se a documento particular o cartão de crédito
ou débito.
284
Lourival Vilanova ao meditar sobre o Conceito de Direito, pontua
justamente a importância da eficácia na identificação dos problemas da essência do
Direito:
O direito tem sua essência. Tirar qualquer dos elementos
integrantes de sua unidade essencial é destruí-lo como objeto.
Por exemplo, considerar como acidental ou possível a
normatividade, a coercibilidade, o ser regulação da conduta
humana. Uma norma que careça, em absoluto, de eficácia, que
não seja cumprida espontaneamente ou aplicada pelos órgãos
competentes, será uma norma moral ou um mero valor ideal,
mas não direito em sentido rigoroso do termo. A norma de
direito ter como substrato a conduta humana é característica
necessária e não meramente possível. Com efeito, só a conduta
é capaz de ser regulada normativamente, pois somente a
conduta é possível de liberdade e a liberdade é a condição da
possibilidade de todo dever-ser. Da mesma maneira, não se
pode amputar da essência do direito a nota da
coercibilidade.324
Sem coerção ou sanção, o direito resta desconfigurado. O Direito Penal é
distorcido no caso específico dos Crimes Contra a Ordem Tributária, servindo apenas
para induzir ao adimplemento da dívida tributária.
Extinguir a punibilidade, portanto, é retirar o ingrediente que torna o direito
direito. É retirar o critério que distingue o direito de outros sistemas normativos. O
timbre de juridicidade se perde.
Comprovada a conduta ilícita e dolosa, há de ser punido o infrator. Caso
contrário, desconfigurado está o Direito. Deve-se manter a punibilidade, independente
do pagamento ou parcelamento, estes deveriam ser considerado na dosimetria da pena.
Se o legislador entende que o crédito tributário é um bem jurídico da mais
alta importância e deve ser protegido pelo Direito Penal, então, que o tipo penal da Lei
8.137/90 siga os ditames da parte geral do Código Penal, ou seja, se o Crédito
324 VILANOVA, Lourival. Escritos jurídicos e filosóficos. Vol. I Editora AXIS MVNDI, 2003. p. 74-75
285
Tributário carece da proteção do Direito Penal, o agente que descumprir o comando
normativo deve responder penalmente.
Isto é, não se pode escolher criminalizar a supressão de tributo e em seguida
suspender ou extinguir a persecução penal com o parcelamento ou pagamento do
tributo. Há um esfacelamento do Direito Penal, um flagrante desrespeito à Parte Geral
do Código Penal.
Como mencionado, sem retirar a punibilidade que dá o timbre de
juridicidade ao Direito, o parcelamento ou o pagamento do tributo poderia ser levando
em conta na dosimetria da pena para diminuí-la.
Nesse sentido, as soluções passam por discussões antigas e discussões
novas. Alterações pontuais não resolvem o ciclo sistemicamente viciado. Um cenário
mais coerente seria:
1) Multas dentro da razoabilidade, mas sem que houvesse anistias
2) Aplicação de preceitos do D. Penal ao D. Tributários para, por exemplo, graduar
as multas consoante gravidade da infração
3) Na criminalização dos eventos tributários e imposição de multas qualificadas,
exigir maior cuidado na prova do dolo
4) Fim da costumeira concessão de parcelamentos especiais com redução de multa
e extinção/suspensão de punibilidade penal
5) Investigação célere dos crimes contra a ordem tributária
6) A persecução penal deve se desenvolver independentemente da discussão do
crédito tributário, seja em âmbito administrativo ou judicial, no entanto, o
cumprimento de pena deve aguardar o posicionamento sobre a manutenção ou
não do crédito tributário, uma vez que se trata de crime de resultado.
7) O pagamento ou parcelamento não extinguiria e nem suspenderia a punibilidade,
mas seria levado em consideração na dosimetria da pena
8) Os fatos jurídicos devem ser produzidos com maior qualidade, para tanto, é
preciso uma reformulação nos tipos da Lei 8.137/90 que são demasiadamente
vagos. Aproveitar lições da nova lei anticorrupção nº 12.846, de 1º de agosto de
2013.
Por inspiração de Lourival Vilanova, para quem: "Altera-se o mundo físico
mediante o trabalho e a tecnologia, que o potencia em resultados. E altera-se o mundo
social mediante a linguagem das normas, uma classe da qual é a linguagem das normas
do Direito.", discute-se a sanção com o fito de organizar o sistema jurídico,
286
contribuindo para uma melhor construção sintática, semântica e pragmática das sanções,
ou seja, que a norma sancionatória eficaz garanta os valores resguardados pela
sociedade.
287
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