PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO...

297
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Francisco Leocádio Ribeiro Coutinho Neto A INCIDÊNCIA DA NORMA SANCIONATÓRIA Estudo sobre a incidência das Normas Sancionatórias Tributárias e das Normas Penais Tributárias MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO SÃO PAULO 2015

Transcript of PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO...

Page 1: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

1

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

Francisco Leocádio Ribeiro Coutinho Neto

A INCIDÊNCIA DA NORMA SANCIONATÓRIA

Estudo sobre a incidência das Normas Sancionatórias Tributárias e das Normas Penais

Tributárias

MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO

SÃO PAULO

2015

Page 2: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

Francisco Leocádio Ribeiro Coutinho Neto

A INCIDÊNCIA DA NORMA SANCIONATÓRIA

Estudo sobre a incidência das Normas Sancionatórias Tributárias e das Normas Penais

Tributárias

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de

MESTRE do programa de pós-

graduação strictu sensu em Direito, na

área de concentração Direito Tributário.

Orientador: Prof. Dr. Paulo de Barros

Carvalho

SÃO PAULO

2015

Page 3: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

3

BANCA EXAMINADORA

___________________________________

___________________________________

___________________________________

Page 4: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

4

A vós, meus pais, irmãos e Natália,

fontes de estímulo e amor, eu dedico.

Page 5: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

5

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais e irmãos, pelo apoio e incentivo incondicional na busca de

meus sonhos.

À minha querida namorada Natália, agradeço o amor e o companheirismo nesses três

anos de idas e vindas a São Paulo/SP.

À minha avó Ozanira, agradeço as proveitosas e fervorosas orações. Agradeço à minha

avozinha Maria Julinda, que se foi, mas que certamente vibra com esse momento tão

especial de minha vida.

Ao amigo Galderise Teles, agradeço fervorosamente a parceria desde as aulas de

Fundamentos Jurídicos da Incidência, quando ainda éramos alunos ouvintes, passando

pelas intensas discussões nas disciplinas do Mestrado, até a abertura do IBET em

Santos, mas agradeço principalmente pelo ombro amigo nos dias mais desafiadores de

nossas vidas.

Agradeço ao amigo Bruno Nepomuceno, que acompanhou desde o início a luta, a

dedicação e o empenho para entrar no mestrado em D. Tributário da PUC/SP, enquanto

ainda éramos adventícios em São Paulo.

Agradeço ao querido amigo Lucas Galvão de Brito, pela acolhida e pelos conselhos tão

valiosos desde a minha mudança para São Paulo.

À professora Aurora Tomazini de Carvalho, agradeço o privilégio de ter sido seu

assistente na PUC/Cogeae, e poder, toda quarta-feira, observá-la compartilhando com a

turma a clareza de seus ensinamentos.

À professora Fabiana Del Padre Tomé, minha grande referência na forma como

transmite os ensinamentos, agradeço pelas inestimáveis contribuições na disciplina do

mestrado, na banca de qualificação e na inesquecível aula inaugural do IBET - Santos.

Agradeço à Dra. Ângela Maria da Motta Pacheco, pelas conversas e proveitosas

orientações sobre este tema que conhece, como poucos, tão profundamente.

À Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP e à CAPES, que viabilizaram a realização

do projeto mais importante de minha vida.

Agradeço, de modo especial, ao professor Robson Maia Lins, meu verdadeiro mentor e

fonte de inspiração, pela oportunidade de pesquisar o Direito e acompanhá-lo na

Disciplina Direito Tributário Sancionatório, onde os debates ali travados estão aqui

refletidos.

Por fim, ao eterno mestre Paulo de Barros Carvalho, “dentre os grandes, és o

primeiro”, agradeço as inúmeras lições de Teoria Geral do Direito e de Direito

Tributário, pelo exemplo de humanidade e pela honra de ser seu orientando.

Page 6: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

6

"Altera-se o mundo físico mediante o

trabalho e a tecnologia, que o potencia

em resultados. E altera-se o mundo

social mediante a linguagem das

normas, uma classe da qual é a

linguagem das normas do Direito."

Lourival Vilanova

Page 7: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

7

RESUMO

O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

pressupostos do Constructivismo Lógico-Semântico e identificar os problemas

enfrentados no seu ciclo de positivação. Elucida-se o conceito de Direito e a Teoria da

Norma Jurídica, bem como as acepções do termo sanção e sua relação com a

coercitividade e a coação. Ao examinar o sistema sancionatório tributário e penal

tributário em sua generalidade, encontrou-se um ciclo vicioso, um problema sistêmico,

uma verdadeira desnaturação da norma sancionatória causada por diversos fatores, tais

como: multas em percentuais impagáveis, a necessidade de discussão em âmbito

administrativo e judicial, necessária edição de leis que anistiem as multas, falhas na

construção dos fatos jurídicos penais e crimes contra a ordem tributária ineficazes. A

anistia de multas e a suspensão ou extinção da punibilidade nos crimes tributários

retiram fragmentam a estrutura da norma jurídica completa, retira-se a coercibilidade.

Discute-se a sanção com o fito de organizar o sistema jurídico sancionatório,

contribuindo para uma melhor construção sintática, semântica e pragmática das sanções,

ou seja, que a norma sancionatória eficaz garanta os valores resguardados pela

sociedade.

Palavras-chave: Incidência. Sanções. Multas. Crimes contra a ordem tributária.

Page 8: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

8

ABSTRACT

The ultimate aim is to investigate the incidence of the penal provisions within the

postulates of the Logical-Semantic Constructivism and identify the problems faced in

their positivization cycle. It elucidates the concept of law and the Theory of Legal Rule

as well as the meanings of the term sanction and its relationship with the coercivity and

duress. By examining the tax and criminal penalties tax system in its generality, it has

find a vicious cycle, a systemic problem, a real distortion of the penalty rule caused by

many factors, such as fines under unpayable percentage, the need for discussion in the

administrative and judicial fields, necessary editing laws that grant fines amnesty,

construction flaws of the criminal legal facts and inefficient tax crimes. The fines’

amnesty and suspension or the extinguishment of the punishability in tax crimes

removes a fragment of the structure of the complete legal norm, withdraws the

coercivity. It discusses the penalty in order to organize the sanctioning legal system,

contributing to a better syntactic, semantic and pragmatic construction of sanctions, that

is, the effective penal provition guarantees the values safeguarded by society.

Keywords: Incidence. Sanctions. Fines. Crimes against the tax order.

Page 9: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 14

CAPÍTULO I

Premissas Epistemológicas

1.1. Metodologia ............................................................................................................. 33

1.2. Referencial Teórico Adotado: Constructivismo Lógico-Semântico ................... 37

1.2.1. Direito e Filosofia (A Linguagem e a Realidade)......................................... 39

1.2.2. Pressupostos Filosóficos Gerais e Filosóficos Jurídicos .............................. 40

1.2.2.1. O Giro-Linguístico ................................................................................. 40

1.2.2.2. Direito e Lógica ..................................................................................... 42

1.2.2.3. Teoria Comunicacional do Direito ........................................................ 46

1.2.2.4. Semiótica como Ferramenta de Estudo do Direito ................................ 47

CAPÍTULO II

Norma Jurídica

2.1. Direito – Teoria Da Norma Jurídica ........................................................................ 50

2.2. Ordenamento e Sistema Jurídico Tributário ............................................................ 54

2.3. Derivação e positivação ........................................................................................... 58

2.4. Distinção entre Sanção, Coercitividade e Coação ................................................... 59

2.4.1. O problema do termo "sanção" ......................................................................... 61

a) sanção em Kelsen ............................................................................................... 62

b) sanção em Bobbio .............................................................................................. 63

c) sanção em Lourival Vilanova ............................................................................. 65

d) sanção em Alf Ross ............................................................................................ 67

f) sanção em Miguel Reale: .................................................................................... 69

g) sanção em Rudolf von Ihering ........................................................................... 70

f) sanção em Angela Maria da Motta Pacheco ....................................................... 71

2.4.2. Conclusão: coerção x coação x sanção ............................................................. 72

2.5. A Norma Jurídica Completa .................................................................................... 76

2.5.1. As normas jurídicas primárias: dispositiva e sancionadora .............................. 80

2.5.2. A norma jurídica secundária ............................................................................. 84

Page 10: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

10

2.6. Penalidades pecuniárias ou multas fiscais ............................................................... 88

2.7. Distinção entre tributo e sanção............................................................................... 90

CAPÍTULO III

Incidência da Norma Jurídica

3.1. Causalidade jurídica: o mundo do ser e do dever-ser .............................................. 93

3.1.1. Distinção Entre Evento e Fato .......................................................................... 95

3.1.2. Níveis sintático, semântico e pragmático ......................................................... 98

3.2. Hermenêutica ......................................................................................................... 100

3.2.1. O problema da interpretação literal ................................................................ 101

3.3. O Percurso Gerador de Sentido e os Planos S1, S2, S3 e S4 ................................ 103

3.4. Utilização da Semiótica ......................................................................................... 107

3.5. Fenomenologia da Incidência em Pontes de Miranda e em Paulo de Barros

Carvalho ....................................................................................................................... 110

a) Sintático: Subsunção e Imputação ........................................................................ 119

b) Semântico: denotação ........................................................................................... 121

c) Pragmático: interpretação e produção da norma individual e concreta ................ 122

CAPÍTULO IV

Regra-Matriz da Norma Tributária e da Norma Sancionatória Tributária

4.1. A Regra-Matriz de Incidência ............................................................................... 124

4.1.1. Conceito .......................................................................................................... 126

4.1.2. A regra-matriz de incidência da sanção tributária ..................................................... 133

4.2.1. Critérios .......................................................................................................... 135

4.2.1.1. Antecedente (Hipótese) ............................................................................... 136

4.2.1.1.1. Critério Material ................................................................................... 136

4.2.1.1.2. Critério Espacial ................................................................................... 138

4.2.1.1.3. Critério Temporal ................................................................................ 139

4.2.1.2. O dever ser interproposicional (O operador deôntico) ................................ 141

4.2.1.3. Tese (Consequente) ..................................................................................... 142

4.2.1.3.1. Critério pessoal ..................................................................................... 142

4.2.1.3.1.1. Sujeito ativo ................................................................................... 142

4.2.1.3.1.2. Sujeito passivo ............................................................................... 143

4.2.1.3.2. Critério Quantitativo ............................................................................. 144

Page 11: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

11

4.2.1.3.2.1. Base de Cálculo ............................................................................. 145

4.2.1.3.2.2. Alíquota ......................................................................................... 148

CAPÍTULO V

Espécies de Sanções Tributárias

5. Espécies de sanções tributárias ................................................................................. 149

5.1. A multa penal ........................................................................................................ 149

5.2. Multa de ofício ...................................................................................................... 150

5.3. Multa isolada ......................................................................................................... 150

a) Compensação não homologada x Compensação não declarada ........................... 152

b) Concomitância ...................................................................................................... 154

5.4. Multa agravada ...................................................................................................... 156

5.5. Multa qualificada: .................................................................................................. 157

5.6. Multa de mora ........................................................................................................ 160

a) natureza sancionatória x natureza indenizatória das multas ................................. 160

b) princípio da retroatividade da lei mais benéfica em matéria de penalidades ....... 162

5.7. Juros de mora ......................................................................................................... 163

5.8. Correção monetária................................................................................................ 167

5.9. Sanções políticas ................................................................................................... 167

5.10. Hipóteses de exclusão da penalidade................................................................... 171

a) Anistia .................................................................................................................. 171

b) Denuncia Espontânea ........................................................................................... 173

CAPÍTULO VI

Norma Penal Tributária

6. Direito Penal Tributário X Direito Tributário Penal ................................................ 176

a) Criminalização de condutas relacionadas ao pagamento de tributos ................ 177

6.1. Incidência da Norma Penal Tributária e da Norma Tributária Sancionadora ....... 180

a) Bem jurídico tutelado ........................................................................................... 184

6.2. Direito Penal: Conceitos fundamentais ................................................................. 185

6.3. Conceito de Crime e Elementos do Crime ............................................................ 185

6.3.1. Causalidade ..................................................................................................... 185

Page 12: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

12

6.3.2. Tipicidade ....................................................................................................... 187

6.3.3. Ilicitude ........................................................................................................... 188

6.3.4. Antijuridicidade .............................................................................................. 190

6.3.5. Culpabilidade .................................................................................................. 191

6.4. Elemento Subjetivo do Tipo .................................................................................. 191

6.4.1. Dolo ................................................................................................................ 193

6.4.2. Culpa ............................................................................................................... 194

CAPÍTULO VII

Crimes Contra a Ordem Tributária

7.1. Crimes Contra a Ordem Tributária ........................................................................ 195

7.1. Antecedentes históricos: Ilícito Penal Tributário .............................................. 198

7.2. Crimes contra a ordem tributária: Os tipos e as penas ...................................... 199

a) Crimes Tributários na Espanha .................................................................. 203

b) Crimes Tributários nos Estados Unidos ..................................................... 205

7.3. Paralelo com o crime de apropriação indébita previdenciária ........................... 207

7.3.1. Não recolhimento de tributo cobrado ou descontado na condição de sujeito

passivo ...................................................................................................................... 211

7.4. Classificação dos crimes contra a ordem tributária quanto ao resultado: crime

material, crime formal ou crime de mera conduta ........................................................ 216

7.5. O requisito subjetivo dos delitos fiscais ................................................................ 220

7.5.1. Momento Da Caracterização Do Elemento Subjetivo: a influencia da incidência

das Normas Sancionatórias Tributárias na aplicação das Normas Penais Tributárias

.................................................................................................................................. 223

7.5.2. Relação entre o elemento volitivo (subjetividade) nas multas qualificadas ou

agravadas e a responsabilidade penal nos crimes contra a ordem tributária ............ 224

7.5.2. Ausência de dolo específico: Inexigibilidade de conduta diversa .................. 226

7.6. Prévio Exaurimento da Via Administrativa .......................................................... 229

7.7. A responsabilidade penal pessoal .......................................................................... 236

7.8. A responsabilidade penal da pessoa jurídica e a lei anticorrupção nº 12.846, de 1º de

agosto de 2013 .............................................................................................................. 239

7.8.1. Dificuldade de produção probatória nos crimes contra a ordem tributária .... 244

7.9. Responsabilidade tributária e os crimes contra a ordem tributária ........................ 247

7.10. Denúncia Espontânea e a Extinção da Punibilidade Penal .................................. 266

7.11. Crimes contra a ordem tributária e erro de tipo ................................................... 267

7.12. Parcelamentos Fiscais .......................................................................................... 268

Page 13: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

13

7.12.1. Histórico da extinção da punibilidade penal via pagamento ou suspensão após

parcelamento ............................................................................................................. 268

7.12.2. Suspensão e extinção da punibilidade nos crimes tributários - falência dos

crimes contra a ordem tributária ............................................................................... 272

a) Dados da sonegação fiscal no Brasil ................................................................ 276

b) Receita Federal e a Representação Fiscal para Fins Penais ............................. 277

CONCLUSÃO .............................................................................................................. 279

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 287

Page 14: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

14

INTRODUÇÃO

O professor pernambucano Lourival Vilanova1, ao trabalhar a dialética fato

e norma, afirma que um fato é jurídico na medida em que uma norma a ele vincula

efeitos.

O mesmo evento pode ser pressuposto de duas ou mais normas; nessa

pesquisa, analisa-se as diferentes consequências desencadeadas pela ocorrência de fato

descrito, tanto no antecedente da norma sancionatória tributária, como no da norma

penal tributária. De modo comparativo, abordam-se os principais problemas inerentes à

incidência da sanção.

Comparar a incidência das normas sancionatórias é experimentar o aspecto

estático x o aspecto dinâmico.

A violação de dever jurídico previsto no consequente de uma regra-matriz

de incidência tributária pode ensejar infração ou ilícito tributário, sujeitos ao regime

jurídico e aos princípios do direito administrativo, como também configurar crime

tributário, previsto em lei penal e submetido aos seus institutos. Daí a importância de se

investigar as diferenças entre tais entidades e apontar os problemas encontrados no

Direito no intuito de encontrar soluções adequadas.

Partiremos das normas gerais e abstratas das sanções administrativas e dos

crimes contra a ordem tributária até suas respectivas normas individuais e concretas.

Focando a passagem de uma fase para outra. Analisando quais as principais dificuldades

que o aplicador enfrenta.

Com o instrumental da regra–matriz tributária, meditaremos também sobre

os critérios da regra-matriz das multas e dos crimes contra a ordem tributária.

1 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

Page 15: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

15

No ordenamento jurídico, a sanção, propriedade lógica das normas jurídicas,

é exercida de modo particular, sendo o principal traço distintivo entre o sistema

normativo do direito e outros sistemas normativos, tais como o religioso, o gramatical e

o da etiqueta2. Veremos as desastrosas consequências práticas de se retirar a

coercitividade inerente à norma jurídica.

Pontes de Miranda3 já prelecionava ser o direito caracterizado pela

qualidade de suas regras jurídicas, únicas dotadas de força de incidência, em função da

coercitividade que se lhes acrescenta. Antes, numa dimensão política, Thomas Hobbes

já ressaltava: “os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar

segurança a ninguém”.4 É preciso gravar esta frase, uma vez que nos crimes contra a

ordem tributária repetidas vezes não temos a espada responsável por assegurar o pacto

social.

Firme na linha do Professor Paulo de Barros Carvalho5, seguindo a

concepção kelseniana do direito como um conjunto de normas jurídicas válidas,

podemos separar, por meio de cortes epistemológicos, a norma jurídica completa em

“norma primária” e em “norma secundária”, ou, no léxico de Cossio, em endonorma ou

perinorma, respectivamente.

Essa é a bimembridade da norma jurídica, isto é, uma sem a outra não

sobrevive, ambas possuem a mesma estrutura lógica, a secção é feita apenas para

experiência científica. A primeira estatui relação jurídica de cunho material dada a

ocorrência de determinado fato; as últimas descrevem, na hipótese, a inobservância,

pelo sujeito passivo, da relação jurídica prevista no prescritor da norma primária, e no

seu consequente, expressa uma relação de cunho processual jurisdicional, em que o

Estado atua, para obter coativamente a prestação inadimplida.

2 BOBBIO, Teoria da Norma Jurídica, Cap. V; KELSEN, Teoria Pura do Direito, p. 36, 37 e 71, Martins

Fontes, 2011. 3 MIRANDA, Pontes de. Sistema de Ciência Positiva do Direito. 4 Tomos. Campinas, Bookseller, 2000. 4 HOBBES, Thomas. Leviatã. Tradução de Joao Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São

Paulo: Martins Fontes, 2008. p.143 5 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011.

Page 16: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

16

Investigando a incidência da norma geral e abstrata, focando a atividade de

enunciação perpetrada pelo aplicador da norma individual e concreta, expor-se-ão as

semelhanças e os contrastes entre a aplicação da norma primária sancionadora e a

aplicação da norma secundária (penal)6, quando da formalização em linguagem

competente da relação jurídica sancionatória, consoante classificação desenvolvida por

Eurico Marcos Diniz de Santi.

O escopo do trabalho é identificar como os fatos jurídicos, constituídos

como tais pelos enunciados protocolares denotativos constantes do descritor da norma

individual e concreta sancionatória tributária, podem influenciar na aplicação da norma

penal tributária, e mais, pretende esmiuçar onde o ordenamento jurídico brasileiro

precisa de reparos para que tenhamos um Direito Sancionatório de qualidade, que

possibilite o exercício dos desígnios que as normas jurídicas possuem.

A construção dos fatos jurídicos nas normas penais impõe vasta diligência e

maior esforço probatório. Não raras vezes a persecução penal se desenvolve sem

critérios, lastreada apenas nos pressupostos da incidência das normas primárias. Como

bem assevera Eurico de Santi7: “sem a construção dos fatos jurídicos o direito rompe

sua dinâmica funcional, torna-se estático, não se reproduz e não é aplicável”.

Dessa constatação decorrem diversos problemas, pois os tipos penais, além

da materialidade do evento antijurídico, demandam a prova da participação volitiva do

agente (culpabilidade), requisitos basilares à imputação penal.

Na Lei 8.137/99, há um desrespeito aos ditames da Parte geral do Código

Penal, afrontando: regras de prescrição e decadência, bem como regras de estrutura

específicas são alteradas.

6 Como bem assevera Sacha Calmon Navarro Coêlho, as sanções estão presentes, em todos os setores do

Direito que, em essência, é uno (ordo juris), portanto, ilusória a tese de que só o Direito Penal sanciona.

Embora sejam diversas as normas secundárias, nesse trabalho o foco recai sobre as normas primárias

sancionadoras e as normas secundárias penais, que estabelecem relação jurídica de direito formal em

razão do cometimento do fato jurídico criminal. 7 SANTI, Eurico Marcos Diniz. Decadência e Prescrição. São Paulo, Max Limonad, 1999. p.41

Page 17: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

17

A comparação entre as incidências leva em consideração a utilização de

regras processuais distintas. Comparamos ambitos e sujeitos competentes diferentes

para produção e aplicação de normas individuais e concretas.

Posto isto, diante da diferença de regimes, no âmbito penal, impõe-se maior

zelo e esmero; para tanto, no presente trabalho, faz-se proveitoso um mergulho na

estrutura normativa dos crimes tributários e na Teoria Geral das Provas.

Sobre o tema, a professora Fabiana Del Padre Tomé8 é incisiva ao

proclamar ser o fato jurídico aquele que pode expressar-se em linguagem competente,

isto é, mediante linguagem das provas que a lei identifica como necessária para o relato

jurídico dos acontecimentos que o legislador atribuiu importância valorativa.

Nesse sentido, é imperioso investigar como os fatos devem ser constituídos

para ingressarem no ordenamento. O direito é sintaticamente fechado, ou seja, o sistema

determina o modo como seus fatos são produzidos, estabelecendo um procedimento

específico a ser realizado por agente competente.

A professora Aurora Tomazini9 é clara ao explicar que para um enunciado

factual ingressar no ordenamento jurídico, é necessário seu relatado em código próprio,

de acordo com as regras por ele prescritas e é por meio das provas que o evento é

atestado e que os fatos jurídicos são constituídos e mantidos no sistema. Sendo o fato

que se deseja provar (fato alegado) o objeto dinâmico da prova, que se constitui como

objeto imediato ao representa-lo parcialmente.

Nesse soar, a pesquisa também pretende identificar qual o pressuposto

fático, para responsabilizar criminalmente o infrator. A súmula vinculante nº 24, do

Supremo Tribunal Federal, consolidou o entendimento de que a constituição do crédito

tributário, pelo lançamento, faz parte da tipicidade. Todavia, essa súmula deixou de ser

aplicada em alguns casos, foi ela relativizada? Afinal, quando se dá a constituição

8 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2008. 9 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p.

412

Page 18: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

18

definitiva do crédito? Será mesmo ao término da via administrativa? Qual a função do

Direito Penal Tributário?

O estudo mostra sua relevância no momento em que perquire acerca da

atividade de compor em linguagem os fatos previstos na formulação da regra-matriz

punitiva das diversas sanções administrativas, tais como a imposição de multas pelo não

pagamento de tributo no prazo ou pelo descumprimento de deveres instrumentais.

Em muitos casos, as sanções prescritas atingem percentuais bastante

elevados, mas, nesses casos, a constituição dos fatos jurídicos exigiria maior cuidado.

Meditando sobre a fenomenologia da incidência das normas sancionatórias, surgem

diversos questionamentos: é preciso fazer uso das garantias do direito penal na

aplicação das normas primárias sancionatórias? Devem ser regidas pelo princípio da

tipologia cerrada? Há ou deve haver, por exemplo, a possibilidade de gradação das

multas pelo intérprete em uma possível dosimetria da pena administrativa?10 E o caso

das sanções fixas? É preciso levar em conta a boa-fé do contribuinte?

Os contribuintes sentem-se vacilantes ante a carência de método. Há

insegurança quando dos planejamentos tributários, uma vez que sua descaracterização é

corriqueira, sob alegação pelo fisco da ocorrência de fraude, simulação ou abuso de

forma. Outras diversas questões continuam sem posicionamento do judiciário ou do

legislativo, e inexiste norma procedimental que descreva os elementos caracterizadores

de tais crimes e infrações.

O professor Robson Maia Lins11, ao tratar das multas isoladas qualificadas e

a reiteração, é contundente ao asseverar crítica no sentido de não se poder culminar

pena sem lei que detalhe a conduta, caracterizando-se verdadeira ineficácia técnico-

sintática que impossibilita a aplicação da norma sancionatória.

10 Problema que identifica, na pragmática jurídica, a desproporção de determinadas exações, gerando

sentimento de impotência, diante da ausência de previsão normativa que possibilite a medição do grau do

ilícito para imposição de sanção adequada ao caso. 11 LINS, Robson Maia. Notas sobre a reiteração e as normas jurídicas tributárias sancionatórias. In VIII

Congresso Nacional de Estudos Tributários. Vários autores, coord. Priscila de Souza. São Paulo: Noeses,

2011. p. 993-994

Page 19: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

19

Tais questionamentos levantam instantaneamente a indagação sobre a

adequada forma de constituição dos fatos jurídicos pressupostos de incidência das

normas sancionatórias. O tema é complexo e, ao mesmo tempo, entusiasmante. A busca

de soluções que agreguem critérios procedimentais e viabilizem uma produção

probatória apropriada é o que move o espírito dessa pesquisa.

A vantagem de trabalhar tema tão vasto, “Incidência das Normas

Sancionatórias” é poder discutir sob fundamentos e pressupostos teóricos firmes os

problemas no ordenamento que prejudicam a melhor incidência.

Com efeito, para desenvolver estudo sério, é imperioso firmar as premissas

e conceitos alicerces das edificações dogmáticas que pretendemos construir. Sem

fundações sólidas, o cientista se perderá no caminho e não obterá êxito. Esse é o

objetivo do primeiro capítulo, tais pressupostos são umbilicalmente responsáveis pela

coerência do raciocínio e permitem observar, por exemplo, o problema prático dos

crimes contra ordem tributária explicando-se sob a lupa das categorias da Teoria Geral

do Direito.

Assim, ainda no primeiro capítulo, faz-se imprescindível expor que a noção

de realidade adotada segue a trilha do “giro-linguístico”, na qual tudo é linguagem.

Destarte, direito é linguagem. Inarticuláveis intelectualmente as coisas, face à sua

complexidade incognoscível, o homem tem, por limite epistemológico, e também,

portanto, ontológico, a linguagem. A realidade, assim, apresenta-se como linguagem, e

não ocorre diferentemente com o direito. Este, contudo, caracteriza-se por ser

linguagem idiomática, o que torna mais expressiva a circunstância supracitada.

Como será visto, tal escola é fruto da importante contribuição de Ludwig

Wittgenstein. Ao publicar suas obras Tractus Logico-Philosophicus e Investigações

Filosóficas, teve início a fase do denominado “giro-linguístico”, que passa a conceber a

linguagem de modo independente da realidade, passando a sobrepô-la.

De maneira revolucionária, rompendo com a teoria ontológica da

linguagem, defende-se que as coisas não existem em si e que a linguagem não apenas

Page 20: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

20

descreve a realidade, mas, ao contrário, esta depende umbilicalmente daquela e é criada

por ela. A linguagem não espelha a realidade, ela a constitui. Cumpre salientar que o

idealismo transcendental já havia rompido com a noção de coisa em si, instituindo a

filosofia da consciência, mas agora a linguagem constitui a realidade para o ser humano.

Nesse sentido, o universo humano é limitado pela linguagem12. Meu mundo

vai até a fronteira da minha linguagem, aquilo que não posso descrever, emitir

enunciados, não conheço.13

Tárek Moysés Moussallem explica serem os signos convenções dos sujeitos,

para representar o mundo físico, cujo acesso só ocorre pela via da linguagem, nada

existindo fora das interpretações. Para reforçar o substrato teórico de suas palavras, o

professor capixaba cita declaração de Nietzsche: “A interpretação é a versão dos fatos”.

O supracitado professor continua: “só há realidade onde atua a linguagem,

assim como só é possível conhecer o real mediante enunciados linguísticos, o que

estiver fora da linguagem permanecerá no campo das meras sensações que se esvaem no

tempo, não se caracterizando como conhecimento”.14

Para a teoria da linguagem, os objetos decorrem dos enunciados

linguísticos, as coisas não precedem o discurso, mas nascem com ele, pois é exatamente

o discurso que lhes dá significado.

Essas premissas são instrumentos cirúrgicos indispensáveis ao nosso

esforço de dissecar analiticamente a Incidência da Norma Sancionatória.

No capítulo segundo, definimos ordenamento e sistema jurídico, separemos

ciência, direito e linguagem. O direito tem, como primordial objetivo, a regulação de

12 Seguindo as lições de Vilém Flusser, a língua cria o mundo. Assim, diante da variedade de idiomas, o

universo de pensamento também é plural. Através do jogo da tradução, o autor sistematicamente passava

de uma língua para outra textos em alemão, português, inglês e francês. Desse modo, surgem novas

categorias significativas na língua tradutora. (FLUSSER, Vilém. Vilém Flusser e Juristas: comemoração

dos 25 anos do grupo de estudos de Paulo de Barros Carvalho. Coord. Florence Haret e Jerson Carneiro.

São Paulo: Noeses, 2009.) 13 WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus logico-philosophicus. São Paulo: Edusp, 2001. 14 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. 2. ed. São Paulo, Noeses, 2006.

Page 21: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

21

condutas inter-humanas, no sentido de realizar determinados valores tidos como

proeminentes para determinada sociedade em certa circunstância de espaço e tempo. Ele

é necessariamente expresso em linguagem, e linguagem é texto.

Daí decorre a definição do professor Paulo de Barros Carvalho do conceito

de direito positivo, como “plexo de normas jurídicas válidas num corpo de linguagem

prescritivo, que fala do comportamento do homem na comunidade social”.15

Enquanto o direito positivo dirige-se à linguagem da realidade social com o

fim de selecionar fatos e condutas, regulando-as, a Ciência do Direito (dogmática)

dirige-se à linguagem do Direito Positivo com o escopo de estudá-la. O primeiro é

denominado sistema nomoempírico prescritivo; o segundo, sistema nomoempírico

descritivo.

Tais colocações influem diretamente no caminho percorrido ao longo da

pesquisa, cumprindo colacionar importante distinção feita pelo Professor Paulo de

Barros Carvalho, em seu livro “Fundamentos Jurídicos da Incidência”, no que tange à

relação entre linguagem do direito positivo e linguagem social sobre a qual ele incide:

“Digamos, então, que sobre essa linguagem (a social) incide a linguagem

prescritiva do direito positivo, juridicizando fatos e condutas, valoradas com

o sinal positivo da licitude e negativo da ilicitude. A partir daí, aparece o

direito como sobrelinguagem, ou linguagem de sobrenível, cortando a

realidade social com a incisão profunda da juridicidade. Ora, como toda a

linguagem é redutora do mundo sobre o qual incide, a sobrelinguagem do

direito positivo vem separar, no domínio do real-social, o setor juridicizando

do setor não juridicizando, vem desenhar, enfim, o território da facticidade

jurídica.”16

A passagem é esclarecedora, pois aponta de modo hialino a diferença entre

linguagens, que se apresentam em distintas camadas. A linguagem do direito positivo

aparece como linguagem de nível diferenciado que, selecionando fatos da linguagem

social detentores de valoração respeitável, juridiciza-os, trazendo o dever-ser como

consequência da realização do fato jurídico.

15 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo, Saraiva, 2011. p.43 16 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência.8.ed.Saraiva,

São Paulo, 2010

Page 22: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

22

No mesmo sentido, Lourival Vilanova pontua, o Direito com sua linguagem

prescritiva preestabelece, prepõe, pré-constitui, pré-seleciona os fatos do mundo físico e

social que irão compor o universo juridicamente qualificado: que fatos jurídicos, que

possíveis condutas serão efeitos (eficácia) desses fatos juridicizados.17

Tal modo de recorte cognoscitivo, verdadeira visão de mundo através

de segura posição filosófica, merece aplicação no estudo da incidência das multas e

dos crimes contra a ordem tributária. Eis o grande diferencial desse trabalho,

investigar comparativamente a incidência normativa das sanções administrativas e

penais utilizando instrumental valioso, o constructivismo lógico-semântico.

Uma teoria ocupa-se em observar, analisar e tentar compreender

determinado objeto, reduzindo as complexidades. Conforme ensinamento do jusfilósofo

alemão Karl Larenz18, cada ciência lança mão de determinados métodos, modos de

proceder, no sentido da obtenção de respostas às questões por ela suscitadas.

Na ciência do direito, ao longo dos anos, desde a escola filosófica do

jusnaturalismo, passando pela escola histórica do direito, pelo positivismo e pelo

realismo, até os dias atuais, nomes como SAVIGNY, JHERING e HECK, mas também

OSKAR BULOW, EUGEN EHRLICH, KELSEN, BINDER e RADBRUCH são

expoentes que as mais das vezes gozam de largo curso.

Karl Larenz pondera que, na diversidade de todas estas posições, pode

descortinar-se uma identidade de problemática, onde os questionamentos giram

majoritariamente em torno de conceitos como os de validade e positividade, de

normatividade e determinação ontológica do direito.

Portanto, não há uma primazia no modo de se aproximar do dado jurídico,

muitos podem ser os sistemas de referência, a diversidade de métodos justifica as

diferentes respostas encontradas pelos pensadores supramencionados.

17 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2000. 18 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Trad. José Lamego. Lisboa, Calouste

Gulbenkian, 1997. p. 1

Page 23: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

23

Nessa senda, é preciso apresentar o corte metodológico que será adotado.

Assim como o professor Paulo de Barros Carvalho, pretende-se tratar os problemas na

linha das teorias retóricas, autorreferentes, não na concepção das teorias ontológicas.

São o primeiro e o segundo capítulos os responsáveis por apresentar o método eleito.

Neles demonstra-se a presença de cuidado metodológico, com argumentos vertidos

sempre em linguagem rigorosa, necessidade premente no desenvolvimento de trabalhos

de cunho científico, consoante defendia o Círculo de Viena.

O Professor Paulo de Barros Carvalho bem enuncia que nenhuma solução

jurídico-tributária haverá de prosperar, se não estiver devidamente esteiada naquelas

noções propedêuticas que desenham o campo de estudo da Teoria Geral do Direito,

aduzindo ainda:

“Decididamente, não creio em aprofundamento teórico sem que o agente do

conhecimento, numa atitude de introspecção, como estratégia para

aproximar-se do objeto, desloque provisoriamente o alvo de suas reflexões

para os pressupostos do saber científico, reservando espaço para

considerações de ordem epistemológica.” 19

Assim, as proposições descritivas do labor científico devem dirigir-se ao

objeto, segundo métodos previamente estabelecidos.

Com efeito, coerente com as premissas adotadas, será tomado por objeto o

direito positivo, decompondo analiticamente a regra-matriz punitiva, elucidando seu

processo de positivação e incorporando fundamentos do Direito Penal para um estudo

completo da fenomenologia da incidência das normas sancionatórias tributárias e penais

tributárias, sempre no âmbito do isolamento cognoscitivo epistemológico e

proposicional.

Na linha da filosofia da linguagem, a forma de aproximação do objeto é pela

interpretação, método em sentido amplo. Coeso com os pressupostos do neopositivismo

lógico, firma-se a escolha do método analítico de decomposição significativa,

19 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p.867

Page 24: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

24

depurando a linguagem natural, sempre fazendo uso do método hermenêutico,

valorativo.

Toma-se o direito como objeto da cultura, criado pelo homem, para

organizar os comportamentos intersubjetivos, guiando os indivíduos em direção aos

valores que a sociedade quer ver realizados.

De tal modo, será visto sempre na sua dualidade existencial: suporte e

significado (valor). Manifestado em linguagem prescritiva, o direito é linguagem objeto,

enquanto a ciência, em função descritiva, é metalinguagem.

A diferença entre “evento”, acontecimento experimental, “fato”, enunciado

linguístico sobre determinado evento, e “fato jurídico”, enunciado linguístico

pertencente ao direito positivo, resta patente.

Com suporte nesses prismas, utilizar-se-á a definição de norma jurídica20

como significação que se obtém a partir dos textos do direito positivo21. O percurso

gerador de sentido vai seguindo limitado pelo universo cultural do intérprete. A

interpretação, nessa perspectiva, é um ato de valoração do intérprete. Como exprime o

professor Lourival Vilanova, em seu “O Universo das Fórmulas Lógicas”:

“interpretar é atribuir valores aos símbolos, isto é, adjudicar-

lhes significações e, por meio dessas, referências a objetos”22

Como mencionado, as normas são prescritivas de condutas e têm o fito de

orientar seus destinatários para realização dos valores escolhidos. Esse fenômeno ocorre

dentro de um sistema comunicacional, em que estudar essa transmissão de comandos

cabe à teoria da comunicação, surgindo como metateoria da filosofia da linguagem.

20 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo, Saraiva, 2011. p.40 21 O professor Paulo de Barros Carvalho, adota esquema para separar os subsistemas de manifestação do

direito positivo e a estrutura da norma jurídica. O intérprete partindo da leitura dos enunciados

prescritivos S1, articula as significações S2 e compõe a norma jurídica S3, também denominada

“expressão irredutível de manifestação do deôntico”, depois surge S4 o plano das significações

normativas sistematicamente consideradas. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário:

fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. Saraiva, São Paulo, 2010. 22 Citado por: CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo:

Noeses, 2010. p. 223

Page 25: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

25

Essas premissas serviram de fundamento para embasar nossas críticas e soluções

propostas.

Por outro lado, o aplicador do direito recebe e processa a norma geral e

abstrata, remetendo nova mensagem, ao expedir norma individual e concreta, tudo

mediante processo comunicacional.

Um estudo mais atilado do fenômeno jurídico da incidência deve se

preocupar em observar como se dá a comunicação quando da subsunção do fato à

norma, sendo a teoria da comunicação ferramenta essencial para o aprofundamento da

análise da incidência da norma jurídica, permitindo uma pesquisa da anatomia do

sistema comunicacional, seccionando-o23.

Assim, para estabelecer sua função comunicacional, a língua pressupõe a

aquiescência dos membros da comunidade, devendo ser resistente a alterações pontuais.

É fundamental compreender como, por meio de atos de fala, o ser humano é capaz de

construir mensagens de modo tão sofisticado e complexo. Ao tomar o Direito como

sistema comunicacional, observa-se quem está apto a proferir os atos de fala, o

legislador, o julgador ou o particular. No decorrer da pesquisa considera-se que as

regras do direito possuem finalidade ilocucionária assertiva e diretiva.24 Nesse sentido,

os comandos que não cumprem com tais finalidades devem ser consertados, suprimidos

ou substituídos.

Tem-se por “fala” o ato individual de uso da língua. O professor Paulo de

Barros Carvalho explica que a ideia de língua, como resultado da subtração da

linguagem menos a fala, decorre da compreensão de que “a linguagem é a palavra mais

23 Roman Jakobson separa tal processo em seis componentes: remetente, mensagem, destinatário,

contexto, código e contato. In: CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método.

4. ed. São Paulo: Noeses, 2011. p. 166 24 John L. Austin, precursor da teoria, classifica os atos de fala em: locucionários, ilocucionários e

perlocucionários. John R. Searle, subdivide em cinco espécies, de acordo com a finalidade do ato de fala:

assertivos, diretivos, compromissivos, expressivos e declarativos. Seguiremos o professor Tarek Moyssés

Moussallem que trabalha bastante com essa teoria, assim como o professor Cristiano Carvalho.

Page 26: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

26

abrangente, significando a capacidade do ser humano para comunicar-se por intermédio

de signos cujo conjunto sistematizado é a língua.” 25

Instrumento fundamental para o presente estudo, o esquema lógico-

semântico da regra-matriz pode ser utilizado em todas as áreas do direito e tem

aplicabilidade incontestável, funcionando, tanto para delimitar o âmbito de incidência

normativa, como para controlar a constitucionalidade e legalidade da sua produção.26

A diferença entre os enunciados da norma jurídica geral e abstrata e norma

jurídica individual e concreta está precisamente no grau de determinação. Enquanto na

norma geral e abstrata se projeta para o futuro desenhando a conotação do evento, na

norma individual e concreta suas referencias voltam-se para denotar evento passado.

Assim, abordaremos as multas e os crimes tributários tanto no plano das normas

gerais e abstratas quanto no seu nível máximo de concretude.

O professor Paulo de Barros Carvalho27, leciona: a passagem da norma

abstrata para a norma concreta, processo mediante o qual se dá a incidência daquela

norma, exatamente, nessa redução à unidade: de classes com notas que se aplicariam a

infinitos indivíduos, nos critérios da hipótese, chegamos a classes com notas que

correspondem a um e somente um elemento.

Fazer uso da Teoria das Classes para analisar o fenômeno da incidência é

uma das mais valiosas formas de se estudar o direito. O legislador, ao produzir a norma

geral e abstrata, delimita o campo de extensão da hipótese, demarcando fatos que se

projetam sobre a linguagem da realidade social. Por outro lado, no consequente, o

legislador define atributos pressupostos da relação jurídica.

25 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 32 26 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p.

412 27 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. Saraiva,

São Paulo, 2010.

Page 27: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

27

Com efeito, tomando a linguagem como instrumento do saber científico,

observa-se que, para um estudo mais acurado, o cientista carece de ferramenta apta a

filtrar as ambiguidades inerentes aos vocábulos utilizados.

Com o escopo de favorecer a análise do objeto, foram utilizados recursos

semióticos28 que contribuem e agregam rigor, configurando modo bastante adequado,

para sistematizar o objeto de estudo. Assim, o direito visto sob a lente dos três planos

semióticos é melhor compreendido. Pierce definiu os signos se manifestando da

seguinte forma:

“Um signo ou representamen, é aquilo que, sob certo aspecto ou modo,

representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa

pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido.” 29

A todo instante, em nossas reflexões ou conclusões, os três vértices do

triangulo semiótico proporcionaram uma visão e uma postura completamente diferente

diante dos variados temas do Direito Sancionatório aqui abordados.

Signo, portanto, é a unidade do sistema comunicacional que contém a

mensagem - conjunto estruturado de signos - a ser transmitida entre os utentes da

linguagem.

O professor Paulo de Barros Carvalho adota a terminologia husserliana

de signo como suporte físico, significação e significado.

28 Seguindo pela teoria geral dos signos de Charles Morris, baseada na semiótica de Peirce, ressalta-se

três dimensões que a linguagem apresenta: sintática, semântica e pragmática. No plano sintático é

possível perquirir sobre a ordem que as palavras devem ser postas para que o enunciado tenha sentido, a

colocação de vocábulos aleatoriamente não dá validade sintática ao discurso e impede que a comunicação

flua. Sob o ângulo semântico da linguagem verifica-se a correspondência entre a palavra e os objetos

significados, de modo a analisar a verdade do discurso. Já pelo prisma pragmático observa-se a relação

que os signos mantêm com o emissor e o destinatário da mensagem, também chamados de utentes da

linguagem. O filósofo americano Charles Sanders Pierce ressalta ainda o aspecto triádico da semiótica, o

signo, o objeto e o interpretante; classifica ainda os signos em: ícones, índices e símbolos. ARAUJO,

Clarice Von Oertzen. Incidência Jurídica – Teoria e Crítica. São Paulo: Noeses, 2011. 29 PIERCE, Charles Sanders. Semiótica. p. 45. In: ARAUJO, Clarice Von Oertzen. Incidência Jurídica –

Teoria e Crítica. São Paulo: Noeses, 2011. p. 29

Page 28: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

28

Transpondo para o universo jurídico, tais categorias auxiliaram

substancialmente o estudo do fenômeno da incidência da norma sancionatória e da

construção dos fatos jurídicos.

Observando por esse prisma, o direito positivo é o suporte físico ou signo.

Com a interpretação do enunciado prescritivo individualmente considerado, temos o

significado ou proposição jurídica; em seguida, formam-se as significações estruturadas

que são as normas jurídicas, ou seja, ideias, conceitos produzidos em nossa mente.

Empregar noções trazidas da semiótica enriquecem os horizontes investigativos.

Além do método de aproximação do objeto, ressaltaram-se alguns

instrumentos, para bem compreender a função desempenhada pelo direito. Outros

também foram empregados, tais como a teoria dos sistemas, a teoria das classes, a teoria

das relações, a análise estática da estrutura lógica das normas e a atuação dinâmica da

regra jurídica tributária, sempre abordando os planos sintático, semântico e pragmático.

Firmadas as premissas, indicando as formas de aproximação cognoscitiva

que se pretende seguir, expôs-se a relevância do tema “Incidência das Normas

Sancionatórias”, sobretudo diante do perigoso posicionamento que a maior parte da

doutrina e da jurisprudência vem instituindo.

Dentre as razões que catapultam nosso desejo de seguir investigando, está a

constatação de que, apesar de os antecedentes normativos no direito positivo guardarem

recortes da camada social, construindo o fato à sua maneira, frequentemente o direito

sofre interferências de outros universos fora daquele recorte.

Posto isto, efetuaremos corte metodológico kelseniano30, o jusfilósofo, bem-

sucedido em sua obra Teoria Pura do Direito, driblou o problema do sincretismo

metodológico exacerbado, consolidando saber científico com uniformidade na

apreciação do objeto e a demarcação do campo de investigação.

30 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Page 29: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

29

Por outo lado, para preservar o corte efetuado pelo legislador, o

princípio da estrita legalidade estabelece que a lei descreva os elementos do fato e

os dados necessários, para se estabelecer a relação jurídica. Decorrência desse

preceito é a necessidade do exato enquadramento do fato à norma, ou seja, a plena

correspondência entre o fato jurídico tributário e a hipótese de incidência.

Algumas soluções para os problemas discutidos chegamos apenas com a ajuda

desse instrumental teórico.

O estudo tratará, então, no capítulo 3 da fenomenologia da incidência,

observando que a relação de subsunção e imputação está condicionada aos termos

previstos em lei. E mais: para constituição dos fatos, é indispensável que seu relato se

dê em linguagem competente, pois só por meio das provas é possível averiguar quanto à

sua correta produção.

Projetando-se sobre o tema, a intensão é oferecer critérios sólidos ao

aplicador, para, por exemplo, considerar os sucessivos programas de parcelamento

e remissão que causam insegurança e incerteza aos jurisdicionados.

O trabalho pretende investigar, com base nessas lições, como se dá a

praticabilidade do direito, desvendando a alternativa mais adequada do combate à

rebelião do fato no direito tributário, levantada por Alfredo Augusto Becker,

principalmente, quando tal fato funcione também como hipótese da norma penal.

A sanção mal aplicada pode converter-se de garantidora do Direito a

usurpadora do patrimônio e da liberdade do contribuinte. Por isso, Geraldo

Ataliba aduz: Só a correta interpretação das situações tributárias permite ter como

configurado o fato penalmente referido31.

Ao avançar no estudo sobre como a incidência das normas sancionatórias

tributárias pode influenciar na aplicação das normas penais tributárias, trabalha-se, para

31 Citado por: MARQUES, Márcio Severo. Infrações e Crimes Contra a Ordem Tributária. In VII

Congresso Nacional de Estudos Tributários. Vários autores, coord. Priscila de Souza. São Paulo: Noeses,

2010. p. 961

Page 30: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

30

descobrir como os fatos jurídicos devem ser produzidos para uma correta aplicação, ou

que alteração o direito positivo deve sofrer, para ser melhor aplicado.

A dogmática não tem dado devida atenção ao tema. Poucos doutrinadores se

arriscam a transitar pela árida seara do Direito Penal Tributário, consoante protesto do

professor Paulo de Barros Carvalho:

“De fato, tratar das sanções tributárias e das sanções penais tributárias, a

partir de seus fundamentos últimos, não é tarefa confortável. Testemunho

desse asserto é o número pequeno de produções dogmáticas sobre o

assunto, além do tímido impulso de especulação vertical que as

qualificam.” 32 (grifo nosso)

O que nos impele e estimula a prosseguir, dedicando-se ao exame das

sanções tributárias e das sanções penais tributárias, é que as respostas poderão agregar

rigor e solucionar a preocupante situação atual, na qual são repetidas as imposições de

multas qualificadas, muitas vezes, ultrapassando o patamar de 150% (cento e cinquenta

por cento), presumindo o dolo, encaminhando representação para fins penais, sem um

mínimo de investigação probatória. Ou, por outro lado, deixando impunes infratores

contumazes que concorrem de modo desigual com os que cumprem seus deveres.

Com efeito, temos como principais aspirações, expor os problemas na

aplicação das normas sancionatórias e na medida do possível propor soluções.

Assim, ao estudar a incidência da norma e o seu ciclo de positivação indagamos se há

norma sem sanção, comparamos como se configura a regra-matriz punitiva e seu

respectivo esquema lógico-semântico, assim como o da regra-matriz penal tributária.

Abordaremos a intervenção do direito penal, esta, a princípio, só deveria

ocorrer nos casos em que os demais ramos do direito se revelarem insuficientes ou

ineficazes em sua intervenção punitiva, mas será este o objetivo principal do direito

penal tributário brasileiro? Qual o seu objetivo? A ação penal é nova forma de cobrar

tributo?

32 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 868

Page 31: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

31

Sob o assunto, questionamos quando se considera “definitivamente

constituído o crédito”? Recente decisão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal

admitiu que o acusado de sonegar impostos pode ser processado criminalmente e até

preso antes do fim da discussão administrativa sobre a dívida tributária. A súmula

vinculante número 24, do STF, foi relativizada? Analisaremos seus fundamentos.

Assim, comentando a incidência da norma sancionatória apontaremos sua

relação com o princípio constitucional da proporcionalidade, do não confisco, entre

outros.

A pesquisa bebe na fonte, avança na linha do Constructivismo Lógico-

Semântico e busca, nas obras do professor Paulo de Barros Carvalho, com alento na

ideologia do professor pernambucano Lourival Vilanova, seus fundamentos.

Compartilham-se os pressupostos filosóficos gerais, os pressupostos

jurídico-filosóficos e as ferramentas para um estudo metodológico inspirado na

entusiasmante preocupação com o rigor e o sistemático confronto com as postulações da

Teoria do Direito.

O caminho que se deseja trilhar é no sentido de desprender esforço na

análise do jogo do direito positivo, para compreender seu ciclo de positivação, desde as

normas gerais e abstratas até as de máxima concretude com a construção do fato

jurídico tributário e o fato jurídico ilegal. Tudo, para oferecer contribuição científica de

peso, apta a desvencilhar-se das antinomias do direito.

Como é sabido, com o advento da extinção ou da suspensão da punibilidade

nos crimes contra a ordem tributária em razão do pagamento ou parcelamento do crédito

tributário a qualquer tempo, eles raramente são aplicados ou executados, sua incidência

resta prejudicada.

A vantagem de concentrar-se sobre a fenomenologia da incidência das

normas sancionatórias é poder aproveitar a meditação sobre o percurso da

positivação para discutir diversos problemas conexos, culminando na conclusão de

que há verdadeira falência dos crimes contra a ordem tributária.

Page 32: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

32

A discussão travada após o advento da Lei 8.137/90 parece adormecida, sem

críticas mais veementes. Mas será mesmo que o atual regime sancionatório mostra-se

adequado? Apontaremos a crise dos crimes contra a ordem tributária e das multas

tributárias, não apenas com vistas aos casos práticos analisados, mas esteiados nas

categorias do professor Paulo de Barros Carvalho, que investiga a “Teoria da Norma e

Fenomenologia da Incidência Tributária”.

Ao abordar a incidência da norma sancionatória, tema bastante abrangente,

teremos a oportunidade de discorrer sobre os pontos mais intrigantes das sanções

tributárias, bem como arguir os fundamentos óbvios33 que tanto combatia Alfredo

Augusto Becker.

33 "que costumam ser aceitos como demasiado óbvios para merecerem a análise crítica” BECKER,

Alfredo Augusto, Teoria Geral do Direito Tributário, 3ª Ed., São Paulo: Lejus, 1998, p. 11

Page 33: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

33

CAPÍTULO I

Premissas Epistemológicas

1.1 Metodologia

Como ressalta Renato Lopes Becho34 caracterizar norma, sanção e

coerção é tema filosófico, com diversas nuanças, e mesmo de teoria geral do

direito, elas integram os fundamentos não apenas do direito tributário, mas de

qualquer outro ramo científico, até mesmo o direito internacional.

Renato Lopes Becho destaca que “não há, no ordenamento jurídico

brasileiro, um tratamento uniforme e sistematizado sobre sanção em matéria

tributária”. Daí a importância de apontar-se a Metodologia, esta é a forma que

escolhemos para nos aproximar (approach) cognitivamente do objeto de estudo. O

professor Paulo de Barros Carvalho, sobre o tema, assevera:

“Da multiplicidade dessas variações advém a quantidade e

métodos que os muitos setores reclamam em razão de suas

peculiaridades existenciais. E, nesse meio, há de estar o

jurídico, com seu modo específico de existir. Cada porção do

real representa uma incisão profunda, mas abstrata, imposta

pelo ângulo de análise que satisfaz o interesse do sujeito do

conhecimento. Este, por sua vez, não ignora a natureza

contínua e heterogênea do mundo que o envolve, procurando,

enquanto sujeito transcendental, romper aquela continuidade

extensiva e intensiva para extrair o descontínuo homogêneo

sobre o qual fará incidir o feixe de suas proposições descritivas.

Mas é evidente que o objeto de tal maneira recortado reivindica

34 BECHO, Renato Lopes. O Direito Tributário Sancionador e as Sanções Político-administrativas.

Revista Dialética de Direito Tributário nº 222, p. 103-116, março de 2014c

Page 34: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

34

um meio próprio de aproximação e de exploração cognoscitiva,

em outras palavras, um método.” 35

Método é o meio escolhido para aproximar-se do objeto, ou seja, é o modo

como o sujeito pretende caminhar ao longo do processo de cognição. O Direito é um

objeto cultural e além das já conhecidas dificuldades do estudo desses objetos, ele

apresenta outros embaraços quando se pretende uma aproximação cognoscitiva

rigorosa. A eleição de um método é fundamental e representa um maior esforço para

aquele que pretende seguir passos retos.

“Sem organização metodológica e precisa delimitação do

objeto, torna-se completo desconhecimento, num verdadeiro

sincretismo, enquanto amalgama de concepções heterogêneas,

ecletismo.”

Não tomar um método é mais cômodo. Sem a eleição de um modo

determinado de aproximação do objeto de estudo implica a não adoção de um ponto de

vista. Em outras palavras, é como contar uma história em um filme sem se importar com

a ordem cronológica dos acontecimentos, sem desenvolver um personagem principal ou

um narrador.

Sem método o ser humano tende naturalmente a seguir o caminho mais

fácil, sem compromisso. Ele certamente se perderá, comprometendo a qualidade da

película tanto quanto a qualidade da ciência produzida. Tem-se um filme mal contado,

ou um conjunto de asserções doutrinárias sem substrato. Eis a importância da eleição de

um método adequado.

Está clara a necessidade da escolha de um método. É chegada a hora de

optarmos e indicarmos o nosso. Assim, o corte metodológico adotado é na linha da

teoria da linguagem, retórica e autorreferente, não na concepção das teorias ontológicas.

35 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4ª ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 81

Page 35: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

35

Kelsen driblou o problema ontológico consolidando um saber cientifico com

uniformidade na apreciação do objeto e a demarcação do campo de investigação.

Tomando o direito enquanto objeto cultural, necessariamente se identificará

valores, e por manifestar-se em linguagem, deverá ser explorado com um método

adequado. A forma de investigação adotada pela teoria da linguagem foi fruto da

redução da Filosofia à Epistemologia e desta à Semiótica.

Nesse soar, como será visto no próximo item, o Direito é tido como objeto

da cultura, criado pelo homem para organizar os comportamentos intersubjetivos

guiando em direção aos valores que a sociedade quer ver realizados. De tal modo, o

Direito manifestado em linguagem prescritiva é linguagem objeto, enquanto a ciência

em função descritiva é metalinguagem. Diante dessas importantes características,

seguiremos postura hermenêutico-analítica.

Essa é a concepção filosófica adotada no Constructivismo Lógico-

Semântico desenvolvido por Lourival Vilanova: verificando-se um forte pendor

analítico, aliado à formação culturalista.

A maneira analítica consiste na decomposição, secção ou desarticulação

mental para facilitar o estudo do objeto. É o que perseguimos ao decantar as partículas

formadoras da norma sancionatória. Separar para melhor compreender. Este é o modo

analítico, ele para o caso do Direito se mostra muito poderoso. Nessa toada, Fabiana Del

Padre Tomé exprime:

“Trata-se, portanto, de um estudo hermenêutico-analítico do

direito, em que se dirige a atenção aos dados linguísticos

(linguagem jurídico-normativa), fazendo uso das categorias

lógico-semânticas do texto prescritivo e analisando a norma

jurídica na sua inteireza conceptual, mas que, por outro lado,

também considera a necessidade premente de o discurso teórico

Page 36: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

36

propiciar a compreensão da concretude empírica do direito

posto.” 36

O timbre analítico neste trabalho é determinante. Em matéria tão

pouco sistematizada como o das Sanções Tributárias, separar para melhor

estruturar os problemas é quase uma imposição, caso contrário se continuaria com

raciocínios circulares, sem objetivação dos pontos de maior vicissitude.

Dada a característica de nosso objeto de estudo – o direito positivo –

expresso sempre em linguagem, frequentemente se realizará verdadeira decomposição

significativa com o intuito de se obter uma linguagem precisa. Essa necessidade é

conclusão a que chega Alda Judith Alves Mazzotti e Fernando Gewandsznajder ao

levantarem questionamentos da filosofia da ciência contemporânea na discussão sobre a

metodologia da pesquisa em ciências sociais:

“a preocupação com a clareza do discurso científico, de modo a

permitir a crítica fundamentada, é comum a todos os autores

citados. Essa posição é dificilmente contestável, uma vez que

não há como negar que o desenvolvimento da ciência não é

tarefa de um pesquisador solitário e sim uma criação coletiva

da comunidade científica.” 37

Por outro lado, não esquecendo o aspecto cultural do Direito, vislumbra-se a

importância do modelo hermenêutico, onde a valoração baseada nos princípios da

Axiologia, ou na teoria dos valores, dá maior abrangência ao estudo, uma vez que

considera ser a interpretação a base para qualquer conhecimento.

Pensamos que mesmo nas ciências naturais, apesar de sua natureza

explicativa, os fatos também são interpretados. No entanto, quando se trata das ciências

36 Texto “Vilém Flusser e o constructivismo lógico-semântico”, de Fabiana Del Padre Tomé, publicado

no livro Vilém Flusser e Juristas, coord. Florence Haret e Jerson Carneiro, São Paulo: Noeses, 2009. p.

326 37 MAZZOTTI, Alda Judith Alves e GEWANDSZNAJDER, Fernando. O Método nas Ciências Naturais

e Sociais. 2ª ed., editora Pioneira, São Paulo, 2000. p. 126

Page 37: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

37

do espírito (sociais), como é o caso da Ciência do Direito, isto se torna mais claro, para

que haja compreensão do objeto (a linguagem do dever-ser) é imperiosa a postura

interpretativa ante a invariável presença de valores.

No Direito, as palavras, assim como qualquer signo do mundo, serão sempre

passíveis de interpretação, que nessa perspectiva é um ato de valoração do intérprete.

Como exprime o professor Lourival Vilanova, em seu “O Universo das Fórmulas

Lógicas”:

“interpretar é atribuir valores aos símbolos, isto é, adjudicar-

lhes significações e, por meio dessas, referências a objetos” 38

O Constructivismo Lógico-Semântico se estrutura no movimento do Giro-

linguístico, na Semiótica, na Axiologia e no pendor analítico, isso lhe fornece a

possibilidade de através da utilização de um método e da rigorosa demarcação do

campo investigativo, edificar uma teoria bem estruturada em termos lógico-sintáticos,

discorrendo sobre o plano semântico e de aplicação pragmática notável.

Perquirir sobre a incidência da norma sancionatória com suporte nos

mencionados pressupostos e instrumentos é o que singulariza a presente pesquisa.

1.2 Referencial Teórico Adotado: Constructivismo Lógico-Semântico

Como referido na introdução, não há uma primazia no modo de se

aproximar do dado jurídico, muitos podem ser os sistemas de referência, a diversidade

de métodos justifica as diferentes respostas encontradas pelos pensadores ao longo da

história.

38 Citado por: CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo:

Noeses, 2010. p. 223

Page 38: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

38

O constructivismo lógico-semântico tem um modo peculiar de conhecer o

objeto, no estudo do Direito ele se mostra de grande valia. A expressão foi atribuída

pelo professor pernambucano Lourival Vilanova, esse método visa a agregar firmeza e

coerência ao discurso do direito positivo e da Ciência do Direito reduzindo a

ambiguidade e a vaguidade dos termos utilizados.

Nesse sentido, o tempo inteiro ao discutir a Incidência das Sanções

procuramos esclarecer os termos adotados, sempre tentando fugir da comum falta

de cuidado na utilização das palavras, como se o sentido fosse algo ontológico,

unívoco. Esse processo de elucidação decorre do referencial teórico adotado, o

Constructivismo Lógico-Semântico.39

A presente pesquisa bebe na fonte e procura catar em cada termo chave

sua essência, seu núcleo de significação. Daí porque apresenta-se em cada tópico o

rol de significados do termo em destaque, seguido de sua depuração de significado,

como, por exemplo, ao tratar do vocábulo “sanções”, postura que expressa

consonância com os fundamentos do giro-linguístico.

Os neopositivistas lógicos apontaram as regras do jogo científico, e um dos

seus pressupostos era o de que as proposições científicas devem ser pacíficas de

39 Historicamente, o Constructivismo Lógico-Semântico foi diretamente influenciado pelas ideias da

corrente de pensamento denominada Neopositivismo Lógico, também conhecida como Filosofia Analítica

ou Empirismo Lógico, que surgiu na segunda década do século XX, em Viena.

Um conjunto heterogêneo de estudiosos, das mais variadas áreas, se reunia constantemente para debater

temas voltados aos fundamentos da ciência.

No veio de uma temática tão relevante estes homens pensavam sobre as bases da ciência, numa

verdadeira Epistemologia Geral. Ou seja, era uma Teoria Geral do Conhecimento ou Gnosiologia, mas o

foco de análise não era o saber comum, o objeto de estudo era mais restrito, o saber qualificado como

científico. A preocupação era de se construir uma linguagem rígida e precisa, ideal para a ciência.

Os variados filósofos, juristas, sociólogos, reduziram ainda a Epistemologia à Semiótica, compreendida

como Teoria Geral dos Signos. Ao observarmos a redução da Filosofia à Epistemologia e desta à

Semiótica, vislumbra-se a importância que os membros desse movimento atribuem à linguagem como

instrumento por excelência do saber científico.

É nessa senda que surgem proposições como: “ali onde não houver precisão linguística não poderá

haver ciência”. Nesse sentido, como fruto dos acalorados debates concluiu-se que para haver ciência, seja

ela de qualquer área de conhecimento, necessário se faz uma boa dose de precisão linguística. Os

componentes do chamado Círculo de Viena perceberam que a linguagem comum é defeituosa e ambígua,

e jamais traduziria os anseios do conhecimento humano.

Assim, dentre as propostas elaboradas está: (i) a necessidade de criação de novos vocábulos que

agregassem precisão às ideias, ou (ii) os termos deveriam se submeter ao que Rudolf Carnap chamou de

“processo de elucidação”, numa verdadeira purificação da linguagem.

Page 39: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

39

comprovação empírica, ou legitimadas pelos termos que as compõem, quando nada

afirmam sobre a realidade (no caso das tautologias) 40. Isso explica porque o movimento

também é chamado de Empirismo Lógico.

Essa nova concepção dá origem à filosofia da linguagem ordinária,

provocou aquilo que veio a chamar-se giro-linguístico. O professor Paulo de Barros

Carvalho41 explica a nova postura que essa corrente tomou em relação à linguagem,

onde as obras de Wittgenstein serviram de marco para a grande virada linguística.

Fabiana Del Padre Tomé42 expõe a inovação trazida pelo movimento

conhecido como giro linguístico, oriundo da filosofia da linguagem de Wittgenstein.

Passou-se a considerar a linguagem como algo independente do mundo da experiência,

deixando de ser apenas um meio para o conhecimento para se tornar capaz de criar tanto

o ser cognoscente como a realidade. Aparecendo o conhecimento não como relação

entre o sujeito e o objeto, mas como relação entre linguagens, entre significações.

1.2.1. Direito e Filosofia (A Linguagem e a Realidade)

Na teoria da linguagem o mundo é uma construção de significações, um

enunciado só se explica por outro enunciado e assim sucessivamente.

Essa verdadeira visão de mundo está intrinsecamente ligada às

conclusões presentes nesta dissertação.

40 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito (o Constructivismo Lógico-

Semântico). São Paulo: Noeses, 2010. p. 38 41 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4ª ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 26 42 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. 2. ed. Noeses, São Paulo, 2008.

Page 40: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

40

É dai que o professor Tarek Moysés Moussallem43, constata que o mundo

circundante é constituído pela linguagem porque esta se encontra inevitavelmente

atrelada ao conhecimento.

De modo atilado e conclusivo, professor Paulo de Barros Carvalho exprime:

“conheço determinado objeto na medida em que posso expedir enunciados sobre ele, de

tal arte que o conhecimento se apresenta pela linguagem, mediante proposições

descritivas ou indicativas”44; e ainda “todo conhecimento é redutor de dificuldades,

reduzir as complexidades do objeto da experiência é uma necessidade inafastável para

se obter o próprio conhecimento”45.

1.2.2. Pressupostos Filosóficos Gerais e Filosóficos Jurídicos

1.2.2.1. O Giro-Linguístico

Assim, adotando as premissas supramencionadas, no que se refere à teoria

do conhecimento ou epistemologia e à teoria da linguagem, retirando-se os demais

significados que o termo conhecimento pode sugerir, é possível afirmar que ele é a

relação entre linguagens, que pode ter vários níveis de precisão, como, por exemplo, o

saber do leigo e o conhecimento científico.

O conhecimento, portanto, não depende da relação com os objetos, mas

apenas da relação com outras palavras, já que a linguagem é auto-referente as

proposições descritivas se relacionam com outros enunciados.

43 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. 2. ed. São Paulo, Noeses, 2006. 44 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. Saraiva,

São Paulo, 2010. 45 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 8

Page 41: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

41

Mais adiante, quando separamos o aspecto sintático, semântico e pragmático

no estudo do Direito Sancionatório Tributário, estamos buscando aquilo que os

precursores do Círculo de Viena aspiravam, justamente a qualidade do saber científico.

A experiência era o critério ou a norma de investigação do antigo

empirismo, agora, em ambas as correntes do neo-empirismo, a linguagem cumpre este

papel.

O constructivismo lógico-semântico adota postura analítica, ela vem para

decompor, seccionar o objeto e melhor compreendê-lo, através da hermenêutica

investiga o fenômeno jurídico com visão cultural. Munido desse poderoso instrumental

a investigação segue por caminho iluminado, nesse sentido, o professor Paulo de Barros

Carvalho exprime:

“de primeiro, por sair amarrando e costurando os conceitos

fundamentais, estipulando o conteúdo semântico dos termos e

expressões de que se servem os especialistas, de segundo

porque projeta os elementos especulativos, preparando-os para

outra sorte de indagações, agora de cunho culturalista; e, por

fim, munidos desse poderoso instrumental, aplica-lo ao direito

tributário dos nossos dias.” 46

Lourival Vilanova foi o responsável pela criação do nome –

“constructivismo lógico-semântico” – atribuído ao movimento. Ele expressa a

importância da postura constructivista e agrega o adjetivo composto lógico-semântico

para realçar a importância da análise de todos os aspectos da linguagem.

A palavra constructivismo, como explica Fabiana del Padre Tomé, é

empregada para denominar teorias que defendem a ideia de que há sempre intervenção

do sujeito na formação do objeto. Nessa linha, a apreciação humana implica sempre

uma construção de sentido, ela explica:

46 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. Saraiva,

São Paulo, 2010. p. XXVII

Page 42: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

42

“Eis o primeiro ponto distintivo do constructivismo lógico-

semântico. Adotado esse método, o cientista do direito não se

limita a contemplar o texto da lei, mas efetivamente constrói os

sentidos normativos. A construção de sentido, porém, não é feita

de modo indiscriminado. Nessa linha metodológica, procura-se

amarrar a idéias, definir os termos importantes, para conferir

firmeza ao discurso. E tal amarração opera-se no plano lógico e

no plano semântico. Daí falar-se em constructivismo lógico-

semântico. Com isso, busca-se formar um discurso responsável,

isto é, comprometido com as premissas, como sentido que se

firmou para os termos.” 47

De acordo com as premissas adotadas, as coisas só existem para o ser

humano a partir do instante em que se tornam inteligíveis para ele. A Teoria da

Linguagem identifica a verdade não como a relação entre a o objeto e sua

descrição, mas a relação criada entre palavras, ou seja, entre linguagem.

Essas posições filosóficas estão imbricadas em toda a pesquisa sempre

que desprendemos esforços no sentido de seccionar e analisar a incidência das

normas sancionatórias.

1.2.2.2. Direito e Lógica

Por outro lado, a Lógica oferece critérios na busca da determinação da

correção do raciocínio, apontando as premissas e formalizando as proposições é

possível identificar a validade dos esquemas intelectuais perpetrados. A grande utilidade

da linguagem formalizada é apurar se o raciocínio está escorreito, e é de grande valia ao

47 Texto “Vilém Flusser e o constructivismo lógico-semântico”, de Fabiana Del Padre Tomé, publicado

no livro Vilém Flusser e Juristas, coord. Florence Haret e Jerson Carneiro, São Paulo: Noeses, 2009. P.

324

Page 43: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

43

ser utilizada na análise do efeito da norma de parcelamento em relação com os crimes

contra a ordem tributária.

Sem esse instrumental metodológico e sem essas premissas filosóficas,

muitos dos problemas aqui tratados quedariam sem rumo, o discurso permaneceria raso

e solto.

Nicola Abbagnano48 bem exprime que todas as proposições da lógica são

tautologias, nada dizem, são analíticas, apenas mostram possíveis modos de conexão ou

transformação entre proposições. A partir dai tem-se um novo positivismo, agora um

positivismo lógico.

Quem desenvolveu de modo inusitado os estudos lógicos foi Aristóteles. Ele

transformou as pesquisas dos conteúdos mentais na secreta intimidade de sua

organização interior, num sistema de enunciados de natureza científica. E o fez de modo

tão bem composto que Kant admitiu estar diante de um corpo de conhecimentos pronto

e acabado, não havendo como experimentar novos progressos.49

No direito esses conceitos tem uma aplicabilidade incrível. O manuseio dos

problemas lógicos permite ao profissional manusear a técnica do raciocínio correto.

Os Juízes, Advogados e demais juristas se ocupam o tempo inteiro em

raciocinar sobre as normas, manejá-las, descrevê-las criando e refutando argumentos

que precisam de coerência lógica.

Lourival Vilanova50 expõe que a Lógica vem a ser a formalização da

linguagem, quer dizer, a separação das estruturas que estão encobertas pela matéria ou

conteúdo das proposições, no Direito, as relações sociais, valores, etc. Assim, o

48 ABBAGNANO, Nicola. História da Filosofia, O Neo-empirismo. Volume XIV Lisboa: Editorial

Presença, 1969. p. 21 49 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4ª ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 68 50 VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo: Max

Limonad, 1997. p. 20

Page 44: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

44

interesse na formalização da norma penal tributária, por exemplo, é consequência do

reconhecimento da importância dessa ciência na produção de raciocínio correto.

A convivência entre a Lógica e a Linguagem é tal que só há Lógica onde

houver Linguagem. A Lógica enquanto Linguagem é um sistema de significações

dotado de regras sintáticas rígidas – com plano semântico em que seus signos

apresentam um e somente um sentido.

Assim, temos que a proposição é a expressão verbal do juízo, o termo é da

ideia e o argumento, do raciocínio. Apreendemo-los pelo ato gnosiológico da intelecção

e o método que se lhes aplica é o racional-dedutivo. Essas formas ideais, contudo, só

existem onde houver qualquer manifestação de linguagem.

Para que exista lógica jurídica é indispensável que exista linguagem, pois

com a linguagem são postas significações.

Para Lourival Vilanova51 a proposição não pertence a nenhuma linguagem-

de-objetos. Em rigor, não está no mesmo plano da linguagem-de-objetos. Não é do

plano da vida prática, em que a linguagem é instrumento de informação sobre as coisas

do mundo, nem é do plano da linguagem de cada ciência especializada no conhecimento

de uma parcela ou ângulo das coisas do mundo.

Tomar, pois, a proposição em si mesma é tirá-la do contexto empírico, ou

existencial, pondo entre parênteses os componentes desse contexto, numa mudança de

atitude da consciência ante os objetos.

É com base nesses conceitos que no decorrer da dissertação far-se-ão

incursões sobre a estrutura lógica das normas de direito tributário sancionador.

Compreender a formalização lógica representa um poderoso

instrumento de análise do Direito.

51 VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo: Max

Limonad, 1997. p. 41

Page 45: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

45

Desse modo, quando o Direito é o objeto de estudo, o uso das leis da

lógica clássica, conhecidas com o nome de lei de identidade, de não-contradição e

de exclusão de terceiro, é de grande proveito.

A abstração (lógica), ou reflexão lógica como descrita por Husserl é útil

para compreender os enunciados da linguagem prescritiva de situações objetivas,

ou seja, a linguagem do Direito cuja finalidade é "alterar a circunstância", e cujo

destinatário é o homem e sua conduta no universo social.

A organização lógica das proposições permite filtrar as imperfeições

encontradas nos enunciados prescritivos.

O professor Lourival Vilanova52 bem explica: Formalizar não é conferir

forma aos dados, inserindo os dados da linguagem num certo esquema de ordem. É

destacar, considerar à parte, abstrair a forma lógica que está, como dado, revestida na

linguagem natural, como linguagem de um sujeito emissor para um sujeito destinatário,

com o fim de informar notícias sobre os objetos. E destaco, por abstração lógica, a

forma, desembaraçando-me da matéria que tal forma cobre. A matéria reside nos

conceitos especificados, nas significações determinadas.

No entanto, a lógica é apenas um ponto de vista sobre o conhecimento,

nessa senda, Geraldo Ataliba preleciona:

“a experiência jurídica integral levará em conta todos os

aspectos constituintes do dado: o lógico nos enunciados e o

empírico nos dados-de-fatos, valorativamente selecionados da

realidade física e social (que, por isso, se qualifica

juridicamente, ou se torna juridicamente relevante).”

52 VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo: Max

Limonad, 1997. p. 20

Page 46: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

46

A lógica se preocupa com a correção do processo, uma vez completado. Sua

interrogação é sempre esta: a conclusão a que se chegou deriva das premissas usadas ou

pressupostas?

O professor Paulo de Barros53 afirma: considerações deste tope nos

permitem perceber que a lógica, por si só, não é suficiente para nos conduzir à

concreção material da experiência jurídica, isolando, na sua amplitude, tão-só os

caracteres formais das normas, auxilia na análise sintática.

Sendo parcial a visão lógica, o discurso linguístico do Direito deve ser

estudado, na sua integridade, ou seja, nas três dimensões semióticas: sintática,

semântica e pragmática.

1.2.2.3. Teoria Comunicacional do Direito

Todas as normas jurídicas são prescritivas de condutas e tem o fito de

orientar os destinatários para realização da previsão normativa, esse fenômeno ocorre

dentro de um sistema comunicacional.

Com efeito, um estudo mais atilado do fenômeno jurídico deve se preocupar

em observar como se dá a comunicação quando da subsunção do fato à norma, sendo a

teoria da comunicação ferramenta essencial para o aprofundamento da análise da

incidência da norma jurídica, permitindo uma pesquisa da anatomia do sistema

comunicacional, seccionando-o.

Como salientado, o Direito é composto por comandos normativos, estudar

esse modo de comunicar ajuda a identificar onde estão as falhas. A teoria da

comunicação surge então como metateoria da filosofia da linguagem. O termo

53 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4ª ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 84

Page 47: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

47

“comunicação” tem várias acepções, na concepção geral, desvencilhando-se da

ambiguidade, é o processo de transmissão de uma mensagem entre um remetente e um

destinatário. Roman Jakobson54 separa tal processo em seis componentes: remetente,

mensagem, destinatário, contexto, código e contato.

Entre outros traços serão trabalhados os temas da Incidência da Norma

Sancionatória com a compreensão de signo desenvolvida pelo filósofo americano

Charles Sanders Pierce, que ressalta o aspecto triádico da semiótica, o signo, o objeto e

o interpretante; classifica ainda os signos em: ícones, índices e símbolos.

O professor Paulo de Barros Carvalho adota a terminologia husserliana de

signo como: suporte físico, significação e significado.

Transpondo para o universo jurídico, o direito positivo é o suporte físico ou

signo, com a interpretação do enunciado prescritivo individualmente considerado temos

o significado ou proposição jurídica, em seguida, formam-se as significações

estruturadas que são as normas jurídicas (ideias, conceitos produzidos em nossa mente).

Assim, as significações construídas a partir dos textos positivados, tanto

pelo aplicador quanto pelo jurista são as normas jurídicas, que contextualizadas e

interligadas formam o sistema jurídico. Sendo direito positivo o texto e a Ciência do

Direito a descrição daquele que é seu objeto.

1.2.2.4. Semiótica como Ferramenta de Estudo do Direito

Seguindo pela teoria geral dos signos de Charles Morris, baseada na

semiótica de Peirce, ressalta-se três dimensões que a linguagem apresenta.

54 Citado por: CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo:

Noeses, 2011. p. 166

Page 48: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

48

No plano sintático é possível perquirir sobre a ordem que as palavras

devem ser postas para que o enunciado tenha sentido, a colocação de vocábulos

aleatoriamente não dá validade sintática ao discurso e impede que a comunicação flua.

Sob o ângulo semântico da linguagem verifica-se a correspondência entre a palavra e os

objetos significados, de modo a analisar a verdade do discurso. Já pelo prisma

pragmático observa-se a relação que os signos mantêm com o emissor e o destinatário

da mensagem, também chamados de utentes da linguagem.

Ao longo de todas as considerações apresentadas tomam-se nota das

três dimensões que a linguagem apresenta, ver-se-á em algumas passagens

referencia direta a um dos três aspectos que se está focando. No entanto, em outras

situações apesar de não haver referencia direta, esses três prismas estarão sempre

sendo levados em consideração.

Roman Jakobson ao apontar a diferença entre a sintaxe e a semântica,

pontua: enquanto a sintaxe se ocupa do eixo dos encadeamentos (concatenação), a

semântica é responsável pelo eixo das substituições. Dai a importância do interpretante,

já que o signo linguístico para ser compreendido exige não só os protagonistas, mas

também, segundo Peirce, esse interpretante, que se dá por meio da ligação de outros

signos ao signo em questão.

No Direito Tributário são muitos os termos que desencadeiam problemas

semânticos, como por exemplo: “insumo”, “faturamento”, “sanções”, “renda”,

“mercadoria”, “circulação”, entre outras.

A ambiguidade é característica inerente às palavras que muitas vezes dão

ensejo a mais de um significado. Tal fenômeno é comum, e facilmente compreendido

por nossa corrente teórica, já que não é a palavra em si portadora de significado, mas o

intérprete que atribui sentido ao signo de acordo com seu horizonte cultural.

Isso explica porque partindo de um único suporte físico (artigo de lei, por

exemplo) membros do Poder Judiciário atribuem diferentes significados ao texto.

Page 49: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

49

No entanto, na busca de um discurso científico coeso e preciso, os termos

devem passar por um processo de elucidação para afastar possíveis ruídos de

comunicação.

Por outro lado, a vaguidade também é característica recorrente nos termos

da língua, mas nesse caso a dificuldade é definir exatamente a que objetos o signo se

refere.

O Direito não foge a estas características da linguagem, frequentemente os

problemas jurídicos rondam em torno de discussões que pretendem convencer a respeito

do melhor uso de determinada palavra. Assim, como exemplo de palavras ambíguas,

temos: fato gerador, norma jurídica, princípios; Exemplos de termos vagos: princípios,

valores, tributo.

No esforço de livrar-se desses problemas, busca-se uma depuração

linguística das principais palavras relacionadas à Incidência da Norma

Sancionatória, apenas dessa forma é possível estabelecer uma linha de pensamento

retilínea.

Page 50: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

50

CAPÍTULO II

Norma Jurídica

2.1 Direito – Teoria Da Norma Jurídica

O jusfilósofo alemão Karl Larenz55 afirma: cada ciência lança mão de

determinados métodos, modos de proceder, no sentido da obtenção de respostas às

questões por ela suscitadas.

Nesse sentido, o autor pondera que, na diversidade de todas estas

posições, pode descortinar-se uma identidade de problemática, onde os questionamentos

giram majoritariamente em torno de conceitos como os de validade e positividade, de

normatividade e determinação ontológica do direito. Desde que surgiu o Direito os mais

renomados pensadores debatem esses conceitos.

Influenciado pela posição positiva normativista, Paulo de Barros Carvalho

define Direito como “o complexo de normas jurídicas válidas num dado país”56. Nessa

senda, toma-se o Direito como objeto da cultura, criado pelo homem, para organizar os

comportamentos intersubjetivos, guiando os indivíduos em direção aos valores que a

sociedade deseja.

De tal modo, o Direito será visto sempre na sua dualidade existencial:

suporte físico e significado (valor).

Partimos da concepção de norma jurídica57 em sentido estrito: a

significação que se obtém a partir da leitura dos textos do direito positivo, ou seja, é o

juízo hipotético-condicional fruto da atividade de interpretação.

55 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Trad. José Lamego. Lisboa, Calouste

Gulbenkian, 1997. p. 1 56 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo, Saraiva, 2011. p.34 57 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo, Saraiva, 2011. p.40

Page 51: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

51

Interessante investigar o esquema que Paulo de Barros Carvalho58 adota

para separar os subsistemas de manifestação do direito positivo e a estrutura da norma

jurídica. De acordo com os conceitos acima mencionados, o intérprete partindo da

leitura dos enunciados prescritivos (S1), articula as significações ou proposições (S2)

e compõe a norma jurídica (S3), também denominada “expressão irredutível de

manifestação do deôntico” (juízo hipotético-condicional), depois surge (S4) o plano das

significações normativas sistematicamente consideradas.

Assim, para que se possa falar em norma jurídica é preciso que hajam

enunciados válidos no direito positivo que ao serem interpretados produzam na mente

do intérprete o juízo hipotético-condicional direcionado à regulação de condutas

humanas (dado o fato f, deve ser a relação R).

Afirmar o exato momento em que existe o jurídico é tarefa que preocupa

os grandes estudiosos desde os primeiros passos do Direito. Os conceitos de validade,

norma jurídica, são fundantes, partindo deles o cientista e o aplicador poderão

empreender atividade dotada de rigor, a depender do método eleito.

Como exprime Tárek Moussallem, por ser o objeto cultural composto de

atos de fala, o direito positivo, sendo um deles, encontra-se susceptível da atribuição de

uma significação. Aos atos de fala são conferidos sentidos deônticos com vistas ao

regramento da ação humana. Suprimida a significação, inutiliza-se o bem cultural.

Com efeito, a validade diz respeito tanto ao enunciado prescritivo quanto

à norma jurídica (em sentido estrito). Nesse sentido, Cossio afirma que os objetos

culturais devem possuir dois requisitos: “a existência do substrato” e a “existência do

sentido”.

É sabido que uma mesma proposição pode partir de diferentes

enunciados. A validade enquanto existência, ou pertinência ao sistema diz respeito aos

enunciados, mas também às significações. É que ao retirar determinado enunciado do

58 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. Saraiva,

São Paulo, 2010.

Page 52: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

52

ordenamento, não necessariamente eu estarei revogando a norma jurídica, se for o caso,

por exemplo, de esta norma se fundamentar em vários dispositivos.

Eurico de Santi reforça a afirmação de que a validade pode ser atribuída a

todos os planos de manifestação do Direito (S1, S2, S3 e S4). É possível falar em

validade do texto, validade do sentido ou da significação e validade das normas

jurídicas. Tárek Moussalem explica:

“A validade do enunciado prescritivo é condição suficiente e

necessária para a validade das proposições isoladas e das

normas jurídicas. Pode haver validade do enunciado sem que

haja validade das proposições isoladas e das normas jurídicas,

mas não pode haver validade destas ultimas sem a validade do

primeiro.” 59

No ordenamento jurídico brasileiro o controle de constitucionalidade

pode ser feito a posteriori, assim, para que ela possa deixar de ser valida necessário se

faz sua retirada do sistema. A norma dita “inconstitucional”, ou seja, que não guarda

adequado fundamento de validade com a norma de superior hierarquia, pertence ao

sistema do direito positivo e é válida até que seja revogada.

Com efeito, é preciso distinguir a linguagem do Direito, a linguagem

social e a linguagem da Ciência do Direito. Paulo de Barros Carvalho, em seu

“Fundamentos Jurídicos da Incidência”, bem exprime:

“Digamos, então, que sobre essa linguagem (a social) incide a

linguagem prescritiva do direito positivo, juridicizando fatos e

condutas, valoradas com o sinal positivo da licitude e negativo

da ilicitude. A partir daí, aparece o direito como

sobrelinguagem, ou linguagem de sobrenível, cortando a

realidade social com a incisão profunda da juridicidade. Ora,

59 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. A revogação em matéria tributária. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2011.

p.144

Page 53: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

53

como toda a linguagem é redutora do mundo sobre o qual

incide, a sobrelinguagem do direito positivo vem separar, no

domínio do real-social, o setor juridicizando do setor não

juridicizando, vem desenhar, enfim, o território da facticidade

jurídica.” 60

A passagem é esclarecedora, aponta de modo hialino a diferença entre

linguagem do direito positivo e linguagem social sobre a qual ele incide. Aquela aparece

como linguagem de nível diferenciado que, selecionando fatos da linguagem social

detentores de valoração respeitável, os juridiciza, prescrevendo o dever-ser como

consequência da realização do fato jurídico.

Por sua vez, a ciência do direito, ou dogmática jurídica preocupa-se em

descrever o direito positivo. Por meio de linguagem eminentemente descritiva, o

cientista analisa seu objeto, no caso, as normas jurídicas.

Assim, enquanto o direito positivo dirige-se à linguagem da realidade social

com o fim de selecionar fatos e condutas, regulando-as, a Ciência do Direito

(dogmática) dirige-se à linguagem do Direito Positivo com o escopo de estudá-la. O

primeiro é denominado sistema nomoempírico prescritivo, o segundo é considerado

sistema nomoempírico descritivo.

Os enunciados prescritivos do direito positivo são válidos ou inválidos, já os

da Ciência do Direito, são verdadeiros ou falsos.

Posto isto, é feita a diferenciação entre a linguagem do direito positivo, a

linguagem social sobre a qual ele incide e a linguagem da Ciência do Direito, na medida

em que articulando os diferentes sistemas simbólicos, permite-se a compreensão de que

diante das diversas realidades uma não altera diretamente a outra.

60 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. Saraiva,

São Paulo, 2010.

Page 54: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

54

O direito tem como primordial objetivo a regulação de condutas inter-

humanas no sentido de realizar determinados valores tidos como proeminentes para

determinada sociedade em certa circunstancia de espaço e tempo. Ele é necessariamente

expresso em linguagem, e linguagem é texto.

Nesse soar, Gregório Robles61, trata a realidade conforme a concepção

defendida no movimento denominado “giro-linguistico”, segundo a qual tudo é texto, e

portanto, “direito é texto”.

2.2 Ordenamento e Sistema Jurídico Tributário

Entender a conexão entre normas, suas relações de coordenação e

subordinação, é fundamento premente na jornada dirigida a identificar os vícios da

aplicação das sanções.

O alemão Claus-Wilhelm Canaris, em seu “Pensamento Sistemático e

Conceito de Sistema na Ciência do Direito” efetua apanhado histórico da evolução do

pensamento sistemático no Direito e sua importância. Partindo daquele conjunto esparso

de normas, com a evolução da sociedade, os juristas passam a adotar a ideia de sistema.

Sem maiores preocupações com a análise histórica que sem duvidas

revelaria a importância desse conceito para a formação do Direito atual, cumpre

destacar sinteticamente o pensamento do professor da Universidade de Munique:

“O conceito de sistema jurídico deve-se desenvolver a partir da

função do pensamento sistemático. Por isso, todos os conceitos

de sistema que não sejam capazes de exprimir a adequação

valorativa e a unidade interior da ordem jurídica são

61 ROBLES, Gregório. As Regras do Direito e as Regras dos Jogos Ensaio Sobre a Teoria Analítica do

Direito. Tradução Pollyana Mayer, Editora Noeses, 2011.

Page 55: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

55

inutilizáveis ou, pelo menos, de utilização limitada” (...) “O

sistema cumpre sobretudo, em particular, duas tarefas na

obtenção do Direito: ele contribui para a plena composição do

conteúdo teleológico de uma norma ou de um instituto jurídico o

que conduz a interpretá-los como parte do conjunto da ordem

jurídica e sobre o pano de fundo das conexões relevantes; e ele

serve para a garantia e a realização da adequação valorativa e de

unidade interior do Direito, porquanto mostra as

inconsequências valorativas.”62

A expressão “sistema jurídico” não encontra tratamento unívoco por parte

dos estudiosos, não obstante é possível considerar o sistema enquanto algo formado por

porções que se vinculam debaixo de um princípio unitário ou como a composição de

partes orientadas por um vetor comum63. Dessa forma, ter-se-á a noção fundamental de

sistema ao observar um conjunto de elementos estruturados e relacionados entre si

aglutinados perante uma referência determinada, um princípio unificador.

Luhmann, estudioso dos mais diversos sistemas sociais, da economia à arte,

o direito, a política, a moral, e a religião, ele não aplica de fora simplesmente uma teoria

abstrata, suas análises contribuíram de modo importante na investigação de cada área.

No que se refere ao Direito, Niklas Luhmann64 pontua que a esta existência de

expectativas generalizadas de modo congruente num sentido elementar poderia chamar-

se o direito do sistema.

Por outro lado, o professor pernambucano Marcelo Neves propõe uma

classificação dos sistemas em “sistemas reais” ou empíricos e “sistemas

proposicionais”, os reais seriam formados por objetos do mundo físico e social enquanto

que os proposicionais corresponderiam às proposições, pressupondo dessa forma,

62 Livro: PENSAMENTO SISTEMÁTICO E CONCEITO DE SISTEMA NA CIÊNCIA DO DIREITO.

Introdução e tradução: A Menezes Cordeiro, 3ª ed. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002.

Tradução do original alemão: CLAUS - WILHELM CANARIS. SYSTEMDENKEN UND

SYSTEMBEGRIFF IN DER JURISPRUDENZ. 2 Auflage, 1983. Duncker und Humblot, Berlim. P-280-

283 63 CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21ª edição. Editora Saraiva. Pág137 64 O PENSAMENTO DE NIKLAS LUHMANN. José Manuel Santos.(Org.) lusosofia, 2005. p.98

Page 56: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

56

linguagem.

Na lição de Paulo de Barros Carvalho65 o direito positivo é sistema jurídico,

mais precisamente é um sistema nomoempírico prescritivo, onde a racionalidade do

homem é empregada com objetivos diretivos e vazada em linguagem técnica. Assim,

ordenamento é a ordem posta, o direito positivado, um conjunto de disposições

jurídicas, produzidas por um ato de autoridade, estruturadas por vínculos de

subordinação e coordenação. Sem grandes diferenciações, é aquilo que chamamos de

sistema jurídico.

Esclarecendo o assunto a professora Aurora Tomazini afirma:

“Relacionada ao direito positivo, a palavra ordenamento

reporta-nos à idéia de ordem, de um conjunto estruturado de

normas jurídicas dispostas segundo um vetor comum, o que,

para nós, equipara-se ao conceito de sistema jurídico. Neste

sentido, utilizamos os termos ordenamento e sistema como

sinônimos” 66

Para Lourival Vilanova, tem-se o sistema jurídico quando “as variáveis

lógicas da teoria das classes são saturadas de conteúdos, formando proposições inter-

relacionadas”. O critério é o da pertencialidade ao conjunto, Tárek Moussallem67

explica: o sistema, (classe – extensão) existe onde seus elementos (denotação) são

proposições preenchedoras do critério de pertinência, estipulado pela conotação, as

quais, por sua vez, mantêm relações recíprocas de subordinação e coordenação.

Baseado na teoria de Alchourrón e Bulygin, atento à distinção entre a visão

estática ou dinâmica do sistema, Tárek Moussallem, aduz que o termo “sistema do

direito positivo” se refere ao conjunto de normas estaticamente consideradas, já

“ordenamento jurídico” é usada no sentido dinâmico, desse modo, uma ordem jurídica é

uma sequencia de sistemas normativos.

65 CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21ª edição. Editora Saraiva. Pág. 143. 66 CARVALHO. Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. O Constructivismo lógico

semântico. Ed. Noeses. 2009. Pág. 612. 67 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. 2. ed. São Paulo, Noeses, 2006.

Page 57: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

57

Dito de outro modo, nessa linha há a diferenciação entre ordenamento e

sistema, o sistema jurídico corresponde ao conjunto de normas estaticamente

consideradas, ao passo que o ordenamento jurídico corresponde a uma série temporal de

sucessivos sistemas, isto é, uma sequência de conjuntos de normas jurídicas. Dessa

forma o ordenamento jurídico é composto por uma sequência temporal de sistemas,

modificados cronologicamente com a introdução e a eliminação de suas unidades.

Assim, em cada tempo (t1, t2, t3, ...) temos um sistema diferente (s1, s2, s3, ...) todos

pertencentes a um único ordenamento jurídico. Tárek Moysés Moussallem esclarece

que a união dos sistemas do direito positivo S1, S2, S3 e Sn equivale ao ordenamento

jurídico e que cada sistema do direito positivo S1, S2, S3 e Sn está contido no mesmo

ordenamento jurídico.

Essa concepção que separa ordenamento e sistema é de aplicabilidade

incontestável. Uma observa o Direito sobre o prisma estático, o outro sob o ponto de

vista dinâmico, assim, estudar validade, vigência e eficácia é mais proveitoso pela visão

estática, já o tema das fontes do Direito e da fenomenologia da incidência normativa é

melhor visto pela sua dinâmica.

Analisando cada uma das correntes superficialmente expostas verifica-se

que a concepção de Gregorio Robles trás importante observação no que se refere à

organização do ordenamento para construção do sistema, já a concepção de Tárek

Moyses possibilita a analise do direito de maneira dinâmica, além de explicar de modo

claro a cronologia e auxilia da compreensão de temas como a sistemática da aplicação

de normas já revogas. Não obstante, na posição de Paulo de Barros Carvalho, é

importante considerar tanto o modo dinâmico como o estático.

Ao trabalhar o efeito da norma de parcelamento que retira a punibilidade

dos crimes contra a ordem tributária, será preciso conhecer muito bem a relação entre

normas e o sistema jurídico.

Page 58: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

58

2.3 Derivação e positivação

Como sabido, a formação do sistema é determinado pelas relações de

coordenação e subordinação entre as normas jurídicas de diferentes patamares

hierárquicos.

As relações de coordenação são determinadas pela existência de vínculos

horizontais no direito, estabelecidos por critérios de ordem semântica e pragmática.

Semanticamente as normas se complementam em razão da matéria e pragmaticamente

em razão da forma, as relações de subordinação são determinadas por uma estrutura

hierarquizada, implementada pela fundamentação ou derivação quanto à matéria e

forma.

É possível verificar a existência de vínculos verticais, de forma que todas as

normas do sistema convergem para um ponto comum, seu fundamento último de

validade, no caso, a constituição de onde todas as noras derivam conferindo, nas

palavras de Paulo de Barros Carvalho, acrescentando um timbre de homogeneidade.

Por isso, ponderação da mais alta estima versa sobre a reflexão: o sistema

jurídico é o conjunto de normas jurídicas em sentido estrito produzidos pela

coletividade, ou cada indivíduo forma o seu próprio sistema jurídico? Essas relações são

variáveis, haja vista, que cada intérprete pode construir uma relação de coordenação e

subordinação diferente, caso contrário, não encontraríamos discordâncias, por exemplo,

em declaração de lei inconstitucional ou constitucional, essa determinação de

constitucionalidade irá variar de acordo com a construção de cada intérprete conforme

sua visualização acerca das relações de coordenação e subordinação entre normas.

Esta resposta e consequente tomada de posição é fundamental, e devemos

pontuar. Ao dizer que o sistema jurídico é inteiramente construído ao sabor do aplicador

e que cada individuo produz o seu sistema jurídico a sua maneira não soa de todo

adequado, o sistema não transpareceria segurança alguma, nem conseguiria cumprir o

Page 59: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

59

seu objetivo de regular condutas. Inconcebível, pois, que haja uma inteira

discricionariedade.

Por outro lado, na contramão do raciocínio mencionado, afirmar ser o

sistema jurídico algo pertencente à coletividade e que, portanto seria igual para todos

também não faz sentido. Caso contrário o que justificaria a existência de normas

individuais e concretas tão discrepantes, sentenças que julgam de modo distinto casos

semelhantes, ou ainda a posição diametralmente oposta adotada por alguns membros em

um dado órgão julgador colegiado?

Tais reflexões preocupam não só os juristas, mas há muito tempo os

filósofos do direito debatem o assunto, o direito é ou não é transcendente ao ser

humano? Sem pretender exaurir o debate, o sistema jurídico ao passo em que é

construído pelo intérprete ou aplicador, estes individualmente considerados estão

limitados pela ideia da coletividade, pelo idioma, pala cultura, etc. Com efeito, seu grau

de determinação está no intermédio entre os dois extremos.

2.4 Distinção entre Sanção, Coercitividade e Coação

Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho, o ordenamento jurídico, como

forma de tornar possível a coexistência do homem em comunidade, garante,

efetivamente, o cumprimento das suas ordens, ainda que, para tanto, seja necessária a

adoção de medidas punitivas que afetem a propriedade ou a própria liberdade das

pessoas. Daí por que, ao criar uma prestação jurídica, concomitantemente o legislador

enlaça uma providencia sancionadora ao não-cumprimento do referido dever. 68

Para Hugo de Brito Machado, sanção é o meio de que se vale a ordem

jurídica para desestimular o comportamento ilícito. Pode limitar-se a compelir o

68 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito Tributário. 20. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

Page 60: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

60

responsável pela inobservância da norma ao cumprimento de seu dever, e pode consistir

num castigo, numa penalidade a este cominada. 69

José Roberto Vernengo conceitua ato ilícito como todos os fatos,

normalmente ações de algum sujeito, ações desvaliosas ou que provocam repúdio, as

quais acarretam uma sanção jurídica.70

Sobre o vocábulo “sanção” nos deparamos frequentemente com suas

variadas significações, a ambiguidade no caso é da mais alta ordem, uma listagem de

alguns dos sentidos e usos demonstra a enorme variação semântica.

Eurico de Santi71 aponta que o termo sanção é utilizado para referir-se:

"(i) à relação jurídica consistente na conduta substitutiva

reparatória, decorrente do descumprimento de pressuposto

obrigacional (de fazer, de omitir, de dar - genericamente

prestações do sujeito passivo `Sp');

(ii) relação jurídica que habilita o sujeito ativo `Sa' a exercitar

seu direito subjetivo de ação (processual) para exigir perante o

Estado-Juiz `Sj' a efetivação do dever constituído na norma

primária e

(iii) a relação jurídica, consequência processual deste 'direito de

ação' preceituada na sentença condenatória, decorrente do

processo judicial".

69 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010. 70 VERNENGO, José Roberto. Curso de Teoria General del Derecho. 2ª Edição, Buenos Aires, Ediciones

Depalma, 1988. 71 De SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 39

Page 61: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

61

2.4.1. O problema do termo "sanção"

Para esboçar o problema semântico do termo "sanção", observe-se a

variação de significados trazidos pelo Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa:

Sanção: sf (lat sanctione) 1 Ato pelo qual o poder executivo

confirma a lei aprovada pelo legislativo. 2 Aprovação sem a

qual uma lei seria inexequível; confirmação ou ratificação

superior, considerada necessária. 3 A parte da lei em que se

estabelece a pena contra os seus infratores; cláusula, condição

ou circunstância que impele ou pune a violação e assegura a

execução. 4 Prêmio ou castigo que visa a assegurar a

observância ou a violação de uma lei. 5 por ext Aprovação ou

confirmação de alguma coisa; ratificação. 6 Medida coercitiva,

adotada geralmente de comum acordo por várias nações contra

outra que viola o direito internacional, para forçá-la a desistir ou

a ceder à decisão judicial e que consiste na limitação das

relações comerciais; bloqueio, ou outras medidas econômicas ou

militares. S. expressa, Dir: projeto aprovado pelo chefe de

Estado depois de o ser pelo Congresso. S. interior: o remorso,

após ação reprovável. S. natural: a resultante das leis naturais

(doença consequente às intemperanças). S. pragmática:

regulamento de um chefe ou soberano relativo a matéria de

interesse nacional. S. presidencial ou real: confirmação do

presidente da república ou do rei aos projetos de lei aprovados

pelas assembleias legislativas. S. social: reação aprovativa ou

reprovativa de um grupo ou sociedade a formas de

comportamento admitidas ou condenadas; pode ser positiva ou

negativa. S. tácita, Dir: aquela em que a sanção de uma lei se faz

sem o pronunciamento do chefe de Estado após certo prazo,

geralmente marcado na carta política de cada país. 72

Os conceitos supramencionados apontam a diversidade de aplicações

cotidianas por que passa a palavra sanção.

No entanto, mesmo em termos de Ciência do Direito, não há uma

univocidade significativa. Como se verá, muitos são os usos dados para o signo sanção.

72 Michaelis Moderno Dicionario Da Lingua Portuguesa, Editora: Melhoramentos, 2015.

Page 62: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

62

O termo sanção integra o próprio conceito de Direito. É natural a

divergência de significados a ela atribuídos, uma vez que a própria concepção do que é

Direito varia ao longo da história. Assim, para um jusnaturalista a sanção é algo

inteiramente diferente do que para um positivista, são concepções distintas do dado

jurídico.

Com efeito, sem aprofundar-se na evolução histórica que os autores e

correntes filosóficas demandam, examinaremos os variados conceitos de sanção para

em seguida apresentarmos nossa abordagem.

a) sanção em Kelsen

Como bem destacado por Angela Maria da Motta Pacheco, Kelsen ao

explicar a reação da ordem normativa com atos de coação contra condutas indesejáveis,

ressalta a importância da sanção:

"Uma ordem social pode — e é este o caso da norma jurídica —

prescrever uma determinada conduta precisamente pelo fato de

ligar à conduta oposta uma desvantagem, como a privação dos

bens acima referidos, ou seja, uma pena no sentido mais amplo

da palavra. Desta forma, uma determinada conduta apenas

pode ser considerada, no sentido desta ordem social, como

prescrita — ou seja, na hipótese de uma ordem jurídica,

como juridicamente prescrita —, na medida em que a

conduta oposta é pressupondo de uma sanção (no sentido

estrito). Quando uma ordem social, tal como a ordem jurídica,

prescreve uma conduta pelo fato de estatuir como devida

(devendo ser) uma sanção para a hipótese da conduta oposta,

podemos descrever esta situação dizendo que, no caso de se

verificar uma determinada conduta, se deve seguir determinada

sanção. Com isto já se afirma que a conduta condicionante da

sanção é proibida e a conduta oposta é prescrita. O ser devida da

sanção inclui em si o ser-proibida da conduta que é o seu

pressuposto especifico e o ser prescrita da conduta oposta.

Devemos a propósito notar que com o ser "prescrita" ou o "ser-

proibida" de uma determinada conduta se significa, não o ser

devida desta conduta ou da conduta oposta, mas o ser devida

Page 63: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

63

da consequência desta conduta, isto é, da sanção. A conduta

prescrita não é a conduta devida; devida é a sanção. O ser

prescrita uma conduta significa que o contrário desta conduta

é pressuposto do ser devida da sanção. A execução da sanção

é prescrita, é conteúdo de um dever jurídico, se a sua omissão

é tomada como pressuposto de uma sanção. 73

Pela passagem observa-se a estima dada por Kelsen à sanção. Esta é

justamente a responsável pelo timbre de juridicidade, ou seja, a estatuição de um

dever-ser só é norma jurídica na medida em que diante de seu descumprimento

haja uma sanção.

Dada a afirmação kelseniana, frise-se: “desta forma, uma determinada

conduta apenas pode ser considerada, no sentido desta ordem social, como prescrita —

ou seja, na hipótese de uma ordem jurídica, como juridicamente prescrita —, na

medida em que a conduta oposta é pressupondo de uma sanção (no sentido estrito)”.

Sem sanção não há Direito.

b) sanção em Bobbio

Gisele Mascarelli Salgado74, em seu livro "Sanção na Teoria do Direito de

Norberto Bobbio" aponta que a teoria do jusfilósofo italiano Norberto Bobbio apresenta

mutação no conceito de sanção: primeiro aproxima-se do positivismo jurídico

kelseniano, em seguida passa por uma fase de tentativa de superação a partir de uma

abordagem da função do Direito (análise funcional do Direito) e uma fase em que o

Direito se aproxima e confunde-se com a Política.

73 HANS, Kelsen. Teoria Pura do Direito. 6ªed.. Armênio Amado. Edit. Coimbra, 1984. p. 49-50, Citado

por: PACHECO, Angela Maria da Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. São Paulo:

Max Limonad, 1997. p. 52-53 74 SALGADO, Gisele Mascarelli. "Sanção na Teoria do Direito de Norberto Bobbio". Editora Jurua, São

Paulo, 2010.

Page 64: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

64

Bobbio75 classifica três enfoques quanto à relação do Direito com a coerção:

"a) coerção como elemento essencial instrumental, b) coerção como elemento não

essencial material, c) coerção como elemento essencial material". Percebe-se, pois, a

presença constante da sanção no Direito, variando apenas o grau de importância a ela

atribuído.

Gisele Mascarelli Salgado destaca que Tércio Sampaio vê a questão da

sanção relacionada à eficácia como sendo o fator responsável por levar Bobbio a

pensar nas funções da sanção na norma:

“Colocando-se à questão da sanção a nível da eficácia, surge

inevitavelmente, perante a reflexão o problema da função da

sanção cominada pela norma, e, em conseqüência, a questão

complexa da relação entre ser e dever-ser, mais

particularmente entre força e Direito”76.

A autora supracitada, aponta que a sanção está ligada à questão da

eficácia, pois para Bobbio a sanção levaria ao cumprimento mais ou menos espontâneo

da norma. Isso porque há normas que são seguidas universalmente de modo espontâneo

e outras que só são seguidas porque existe uma coação. Bobbio aponta ainda para

normas que não são seguidas mesmo com a coação. Assim, pode-se concluir que para

Bobbio a sanção não é o que vai determinar o cumprimento de uma norma jurídica e,

portanto, sua eficácia. Nesse caso é importante salientar que Bobbio trata da norma

jurídica e não de qualquer norma, pois a sanção jurídica determina a eficácia da

norma jurídica.

O jusfilósofo italiano, nos primeiros estudos, entende que a eficácia de

uma norma é uma investigação de caráter histórico-sociológico ou mesmo um problema

75 BOBBIO, Norberto. Derecho y Fuerza. In: Contribuicion a la teoria del derecho de Noberto Bobbio.

P.342 76 FERRAZ JR, Tércio Sampaio. O pensamento jurídico de Norberto Bobbio. In: Teoria do ordenamento

jurídico. P.10

Page 65: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

65

fenomenológico do Direito.77 Nos livros “Teoria da Norma Jurídica” e “Teoria do

Ordenamento Jurídico”, Bobbio define o Direito a partir da eficácia.

Como restará identificado ao final, foi justamente o problema da

eficácia que nos despertou o ímpeto de tentar diagnosticar o vício na incidência

das multas e dos crimes contra a ordem tributária. Nosso maior desafio ao

trabalhar a eficácia da Sanção foi argutamente destacado por Tércio Sampaio

Ferraz Junior, justamente a questão complexa da relação entre ser e dever-

ser.

Para Bobbio, em síntese: a sanção é o meio pelo qual, em um sistema

normativo, trata-se de salvaguardar as leis, das condutas que lhe são contrárias. A

sanção é a resposta à violação. Ela é uma das formas que permite a distinção das

normas jurídicas das demais normas morais e sociais. Pode-se dizer que “normas

jurídicas são aquelas cuja execução está garantida por uma sanção externa e

institucionalizada”. 78

c) sanção em Lourival Vilanova

Mais adiante será trabalhada a bimembridade da norma jurídica. Com a

estrutura em linguagem formalizada secciona-se a manifestação do deôntico para

melhor compreensão da norma jurídica. Com efeito, Lourival Vilanova preceitua:

“Norma primária (oriunda de normas civis, comerciais,

administrativa) e norma secundária (oriunda de norma de direito

processual objetivo) compõem a bimembridade da norma

jurídica: a primária sem a secundária desjuridiciza-se; a

77 Citado por SALGADO, Gisele Mascarelli. "Sanção na Teoria do Direito de Norberto Bobbio". Editora

Jurua, São Paulo, 2010. 78 BOBBIO, Norberto. Teoria General del Derecho. Ed. Temis. Santa Fé de Bogota, Colombia, 1992. P.

104; citado por: PACHECO, Angela Maria da Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias.

São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 61

Page 66: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

66

secundária sem a primária reduz-se a instrumento, meio, sem

fim material, a adjetivo sem o suporte de substantivo”79

Angela Maria da Motta Pacheco80, com bastante zelo aponta aspecto

importante da obra de Lourival Vilanova: “A sanção reside na norma secundária mas

não é auto aplicável. O sujeito ativo da relação da norma primária não pode exigir

coativamente do sujeito passivo o cumprimento da obrigação. Não pode usar a força.

Está proibido de fazê-lo. Somente o Estado-juiz tem o poder subjetivo público de

coagir. A relação jurídica processual é triádica envolvendo a relação Autor-Juiz, a

relação Juiz-réu e a relação autor-réu.”

Grande dificuldade surge ao tentar apontar as fases da incidência de uma

norma secundária levando em consideração os quatro níveis de linguagem (S1, S2, S3 e

S4). E mais, observar a incidência das normas secundárias em seus fundamentos

últimos, focando o aspecto dinâmico do Direito, é tarefa árida, haja vista a variação de

ferramentas que o Direito Processual brasileiro dispõe, tais como: direito de petição do

art. 5.º, XXXIV, "a", da CF/88, a ação civil pública art. 129, II e III, art. 129, § 1º, da

Constituição Federal, etc.

É preciso destacar que a norma secundária também possui a previsão geral e

abstrata, ela também pode ser analisada de modo individual e concreto. No entanto,

examinar sua incidência de modo detalhado é tarefa desafiadora, uma vez que além da

variedade de formas que se manifesta, em cada ordenamento, nos mais variados países,

o Estado é acionado de modo peculiar.

79 VILANOVA. Lourival. Causalidade e Relação no Direito. Ed. Saraiva. 2ª ed., 1989. P. 124 80 PACHECO, Angela Maria da Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. São Paulo:

Max Limonad, 1997. p. 71

Page 67: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

67

Por fim, Lourival Vilanova81 exprime que as sanções ainda distinguem-se da

coação. A coação é execução coercitiva de sanções preceituadas em sentenças

condenatórias, através de órgão do Estado.

d) sanção em Alf Ross

Alf Niels Christian Ross, jurista e filósofo dinamarquês, afirma que o objeto

do Direito é a ordenação da força, um ordenamento jurídico nacional é o conjunto de

regras para o estabelecimento e funcionamento do aparato da força do Estado. Nesse

sentido:

“(...) o ordenamento jurídico nacional estabelece um aparato de

autoridades públicas (os tribunais e os órgãos executivos) cuja

função consiste em ordenar e levar a cabo o exercício da força

em casos específicos; ou ainda mais sinteticamente: um

ordenamento jurídico nacional é o conjunto de regras para o

estabelecimento e funcionamento do aparto de força do

Estado.”82

Como visto, Alf Ross, fundador do realismo jurídico escandinavo também

atribui grande importância à sanção. Ele considera ser o elemento coercitivo

institucionalizado a nota especificadoras do direito.83

81 VILANOVA. Lourival. Causalidade e Relação no Direito. Ed. Saraiva. 2ª ed., 1989. P. 131; Citado por:

PACHECO, Angela Maria da Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. São Paulo: Max

Limonad, 1997. p. 71 82 ROSS, Alf. Sobre o direito e justiça, 2000. p.58 83 ROSS, Alf. Sobre o direito e justiça

Page 68: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

68

e) sanção em Tércio Sampaio Ferraz Junior

Tércio Sampaio Ferras Junior, ao trabalhar a teoria da norma de Jhering,

confrontando com pensamento kelseniano, explica a distinção de entre conceitos

importantes - sanção, coerção e coação - nos auxiliando a entender seus respectivos

planos de manifestação:

“A norma de Jhering, porém, não se confunde com a coação, a

norma é dotada de coação, mas ela mesma não chega a ser uma

coação, a norma é um imperativo, é apenas um comando, a

coação vem depois, pelo descumprimento. Não obstante a

coação é um elemento fundamental do Direito e da concepção

jurídica da norma. Kelsen já no século XX, vai dizer que a

norma é um imperativo sobre a coação. Enquanto Jhering é um

pensamento expresso em uma preposição, Kelsen vai dizer que a

norma tem por conteúdo a coação, ela diz algo sobre coação.” 84

Aspecto importante da obra de Tércio Sampaio Ferraz Junior é o destaque

da presença de sanções premiais no Estado contemporâneo:

“(...) o conceito de sanção, um mal, elemento necessário da

norma, típico do conceito do Estado Liberal que pressupõe que a

ordem jurídica seja uma ordem coativa. No Estado

contemporâneo, o conceito de sanção é outro. Uma vez que

este tem grande interferência no campo econômico, a sanção

deve ser entendida em seu sentido mais amplo, abrangendo

também os incentivos e prêmios encorajando o cidadão à

prática de atividades sanções premiais — e não à punição

84 FERRAZ JR., Tércio Sampaio Ferraz. A Teoria da Norma Jurídica em Rudolf von Jhering. In Jhering

no Brasil. P. 216-217

Page 69: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

69

pela prática de um ato proibido ou pela omissão de uma

ordem que lhe foi imposta.”85

Angela Maria da Motta Pacheco aponta que para Tércio a dogmática

analítica contemporânea tende a excluir a sanção como elemento necessário da estrutura

da norma. As normas jurídicas pelo fato de serem coercíveis, não são necessariamente

coativas. A coercibilidade tem a ver com a relação de autoridade institucionalizada. É a

suscetibilidade de aplicação de coação. Entretanto não haverá uma sanção para cada

norma. A sanção jurídica é elemento importante, mas nem sempre vem prescrita nas

normas.86

f) sanção em Miguel Reale:

Consoante a Teoria Tridimensional do Direito, este é definido como fato,

valor e norma.

Para Miguel Reale, é o valor que determina se um comportamento deve ser

sancionado ou não. A coação poderia ser dividida em i) violência privada e ii) força

organizada pelo Direito.

Com efeito, Miguel Reale conceitua sanção: é toda consequência que se

agrega, intencionalmente, a uma norma, visando ao seu cumprimento obrigatório.

Sanção, portanto, é somente aquela consequência querida, desejada, posta com o fim

específico de tutelar a regra. Quando a medida se reveste de uma expressão de força

85 FERRAZ JR., Tércio Sampaio Ferraz. Introdução ao Estudo do Direito. Ed. Atlas. São Paulo, 1990. P.

116 86 FERRAZ JR., Tércio Sampaio Ferraz. Introdução ao Estudo do Direito. Ed. Atlas. São Paulo, 1990. P.

116 Citado por: PACHECO, Angela Maria da Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias.

São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 77

Page 70: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

70

física, temos propriamente o que se chama de coação. A coação, de que tanto falam os

juristas é, assim uma espécie de sanção, ou seja, a sanção de ordem física.87

Para Miguel Reale a sanção é uma possibilidade, não é uma certeza, uma

vez que o Direito não é somente norma: “Toda vez que surge uma regra, há uma medida

estimativa do fato, que envolve o fato mesmo e o protege. A norma envolve o fato e,

por envolve-lo, valora-o, mede-o em seu significado, baliza-o em suas consequências,

tutela o seu conteúdo, realizando uma mediação entre o valor e o fato.” 88

g) sanção em Rudolf von Ihering

Rudolf von Ihering trata com destaque questões relativas à sanção e à

coação. Ultrapassando o campo jurídico, o jurista alemão estuda também a coação

moral, física e psicológica, ele exprime: "Para realizar seus fins, o Estado imita a

natureza: procede pela coação direta ou mecânica, e pela coação indireta ou

psicológica.”89

Sobre a coação Jhering pontua:

"A coação, tomada a palavra em sentido geral, consiste na

realização de um fim por meio do constrangimento de uma

vontade estranha. A coação supõe ativa e passivamente um

ser vivo dotado de vontade"

Jhering afirmar ser o Direito a política da força. Gisele Mascarelli

Salgado90 explica: Quando o Direito consegue manter a sociedade em ordem a

força não aparece, porém quando essa tarefa não é realizada ela emerge. E ainda,

87 REALE. Miguel. Filosofia do Direito: Lições Preliminares de Direito. 22 ed. São Paulo, Saraiva, 1995.

P. 260 88 REALE. Miguel. Filosofia do Direito: Lições Preliminares de Direito. 22 ed. São Paulo, Saraiva, 1995.

P. 262 89 JHERING, Rudolf vn. A Evolução do Direito. P.254 90 JHERING, Rudolf vn. A Evolução do Direito. P.199 Citado por SALGADO, Gisele Mascarelli.

"Sanção na Teoria do Direito de Norberto Bobbio". Editora Jurua, São Paulo, 2010.

Page 71: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

71

Jhering apresenta a força como elemento necessário ao Direito, para que se tenha a

força justa. Porém, quando o Direito não pode manter a sociedade, surge a força,

mas sem o Direito. 91 A força, no entender de Jhering, é mais forte que o Direito: "A força

pode, em caso de necessidade, viver sem o Direito, como já o tem provado; o Direito

sem a força é uma palavra sem sentido. Só a força realiza as normas de Direito, e faz

deste o que ele é e deve ser. 92

Jhering entende que a coação faz parte próprio conceito do Direito: “O

Direito pode, em meu entender, definir-se exatamente - o conjunto de normas em virtude

das quais, num Estado, se exerce a coação.” 93

Sem coação não há Direito para Jhering: "A coação exercida pelo Estado

constitui o critério absoluto do Direito; uma regra de Direito desprovida de coação

jurídica é um contra-senso: é um fogo que não queima, um facho que não alumia"94

f) sanção em Angela Maria da Motta Pacheco

Angela Motta Pacheco, em um dos poucos livros de investigação vertical

sobre Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias explica com rigor a ordem

coativa: é toda ordem jurídica onde o uso da força está institucionalizado, objetivado e

monopolizado pelo Estado, como único meio de reagir contra as condutas indesejáveis.

Sanção para Angela Maria da Motta Pacheco95 é a “previsão hipotética

estipulada na norma sancionadora geral e abstrata; “sanção/coação” àquela aplicada

pelo órgão jurisdicional, já em face da relação jurídica obrigacional, concreta e

91 Citado por SALGADO, Gisele Mascarelli. "Sanção na Teoria do Direito de Norberto Bobbio". Editora

Jurua, São Paulo, 2010. 92 JHERING, Rudolf vn. A Evolução do Direito. P.208; Citado por SALGADO, Gisele Mascarelli.

"Sanção na Teoria do Direito de Norberto Bobbio". Editora Jurua, São Paulo, 2010. 93 JHERING, Rudolf vn. A Evolução do Direito. P.256 94 JHERING, Rudolf vn. A Evolução do Direito. P.257 95 PACHECO, Angela Maria da Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. São Paulo:

Max Limonad, 1997. p. 336

Page 72: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

72

individualizada, cuja prestação foi descumprida pelo devedor. Assim, a “Coação” é ato

de força realizado pela administração na imposição da sanção e privação coercitiva de

bens.96 É a execução coercitiva de sanção/coação determinada em sentenças

condenatórias, pelo Poder Judiciário.

Com efeito, conclui: a “sanção/coação” está para a relação jurídica

sancionadora assim como a prestação está para a relação jurídica obrigacional. Tem

caráter de um ato de coação uma vez que será aplicada com força, em caso de

resistência.

2.4.2. Conclusão: coerção x coação x sanção

Com efeito, o Direito na tradição positivista é definido a partir do conceito

de sanção, esta é sua pedra angular, esta concepção é hegemônica nomeadamente na

teoria do Direito ocidental do século XX. A sanção é o elemento central na ordenação

da sociedade.

Elias Canetti, Prêmio Nobel de Literatura, em seu livro “Massa e Poder”,

afirma: à força (gewalt), costuma-se associar a ideia de algo que se encontra próximo e

presente. Ela é mais coercitiva e imediata do que o poder (Macht). Fala-se, enfatizando-

a, em força física. O poder em seus estágios mais profundos e animais, é antes força.97

Tal passagem é esclarecedora. A eficácia normativa encontra-se no limite

entre o ser e o dever-ser, entre o plano do Direito e o plano da camada social. No plano

do ser encontramos a força, expressa pela coação.

96 PACHECO, Angela Maria da Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. São Paulo:

Max Limonad, 1997. p. 336 97 CANETTI, Elias. Massa e Poder. Tradução Sérgio Tellaroli, Companhia das Letras, São Paulo, 1995.

p.281

Page 73: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

73

O termo coação também é ambíguo. O Código Penal e o Código Civil

prescrevem tipos onde algumas espécies de coação são empregadas:

Código Civil:

Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de

ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e

considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.

Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à

família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá

se houve coação.

Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por

terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a

que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por

perdas e danos.

Código Penal

Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em

estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de

superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da

ordem.

Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena:

I - ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou

maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença;

II - o desconhecimento da lei;

III - ter o agente:

(...)

c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em

cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a

influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da

vítima;

Divide-se a coação física (vis absoluta) e a coação moral (vis compulsiva).

Aurora Tomazini98, sobre o assunto pontua: O ser jurídico da norma

significa ter coercitividade. A coercitividade é a previsão, pelo próprio sistema, de

mecanismos para exigir o cumprimento das condutas prescritas nas normas. É o que

98 CARVALHO, Aurora Tomazini. Direito Penal Tributário (uma análise lógica, semântica e

jurisprudencial). São Paulo, Quartier Latin, 2009. p. 328

Page 74: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

74

definimos como “sanção”. A coercitividade existe em razão de uma norma, que se

agrega a outra norma para tornar exigível a conduta nela prescrita. É a denominada

“norma secundária”, sem a qual a “norma primária” não se caracteriza como jurídica.

Assim, podemos dizer que não existe norma sem sanção.

Geraldo Ataliba99 também destaca: “a sanção não é sempre e

necessariamente um castigo. É mera conseqüência jurídica que se desencadeia (incide)

no caso de ser desobedecido o mandamento principal de uma norma. E um preconceito que

precisa ser dissipado — por flagrantemente anticientífico — a afirmação vulgar,

infelizmente repetida por alguns juristas, no sentido de que a sanção é castigo. Pode ser,

algumas vezes. Não o é muitas vezes. Castigo, pena, penalidade é espécie do gênero

sanção jurídica. Nem toda sanção é castigo, embora todo castigo (espécie) seja sanção.”

Nesse sentido, Geraldo Ataliba aponta explanação de Augustin Gordillo100:

"... as sanções nem sempre são penas (privação de liberdade, vida ou propriedade, a

título não de reparação mas de castigo), posto que podem consistir no estabelecimento

de uma relação jurídica nova, a extinção de uma relação jurídica preexistente, ou a

execução coativa do dever jurídico violado. Querendo-se, em todos os casos há um

aliquid de castigo, mas deve-se notar que salvo no caso do direito penal, o mais

importante na sanção — ou "específica reação do direito ante a violação de um dever

jurídico" — não é o castigo, mas a aplicação forçada do objeto do direito, vale dizer, o

cumprimento ou execução coativa do dever não cumprido"

Vimos variados conceitos de sanção, coação e coerção.

Kelsen, por exemplo, aponta que o traço distintivo entre o Direito e as

demais ordens sociais é justamente a coação.

Paulo de Barros Carvalho traz outras acepções em que o termo sanção é

utilizado: "Sanção" pode experimentar mutações semânticas que variam conforme o

99 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2008. 100 GORDILLO, Augustin. Introducción al Derecho Administrativo, 2ª ed., 1966, Abeledo-Perrot, Buenos

Aires, pp. 69-70: Citado por: ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo:

Malheiros, 2008.

Page 75: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

75

momento da sequência prescritiva (direito posto) ou expositiva (Ciência do Direito).

Tanto é "sanção" a penalidade aplicada ao infrator quanto a relação jurídica que a

veicula, tratando-se de norma individual e concreta. Também é "sanção" o consequente

da norma geral e abstrata, como a própria norma que tem como antecedente a

tipificação do ilícito. E participa do mesmo nome, ainda, o ato jurídico-administrativo

que encerra o processo de elaboração de certas leis. Sobremais, recebe o nome de

sanção também a percentagem a ser aplicada na base de cálculo da multa. Exemplo: "A

sanção será de 20% sobre o valor do imposto devido."101

Diante dessa constatação, Paulo de Barros preceitua: “Creio que a acepção

de base do termo, nos domínios do jurídico, está na providência que o Estado-

jurisdição aplica coativamente, a pedido do titular de direito violado, tendo em vista a

conduta do sujeito infrator. A “sanção”, por esse modo, estaria contida no consequente

de norma individual e concreta, como traço identificador do próprio direito.” 102 Nesse

sentido, é possível falar em Sanção em sentido estrito: “norma jurídica em que o Estado

Juiz intervém como sujeito passivo da relação deôntica, sendo sujeito ativo a pessoa

que postula a aplicação coativa da prestação descumprida.”103

Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho: “O traço característico do

direito é a coatividade, que é exercida, em ultimo grau, pela execução forçada e pela

restrição da liberdade. A ordem jurídica é o único sistema normativo que prevê, como

consequência final do descumprimento de seus deveres, aquelas duas espécies de

providências”.104

Feitas essas considerações, concluímos que a palavra sanção engloba uma

vasta gama de significados frequentemente utilizados coloquialmente e também em

nível científico. Nesse sentido, o vocábulo sanção pode ser empregado para denotar os

101 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 846 102 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 846 103 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 846 104 CARVALHO, Paulo de Barros Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011.

Page 76: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

76

mais variados tipos de providencias negativas infligidas ao sujeito que descumpre

determinado dever. A sanção nesse sentido mais abrangente corresponde a uma

punição, uma penalidade, um castigo, um corretivo, uma repreensão ou uma represália.

Enfim, é a resposta à desobediência.

Em sentido estrito, a sanção é a norma secundária: onde seu núcleo prevê a

relação triádica composta pelo Estado-Juiz, responsável por fazer cumprir as normas de

seu ordenamento jurídico. A coercitividade, por sua vez, é a característica, o predicado

essencial da norma secundária. A coercitividade, enquanto qualidade da norma

secundária é responsável pelo cumprimento espontâneo do Direito, ela age no plano

psicológico de modo a conferir eficácia social aos comandos normativos.

Por fim, a coação é resultado da realização material da força, ela está ligada

à concreção. A coação experimentada no plano do ser é a força. No campo do Direito

Tributário a coação se perfaz, por exemplo, nas sanções políticas: recusa de Certidão

Negativa de Débitos, Inscrição no CADIN, bloqueio do BacenJud, restrição de talonário

fiscal, impedimento de emissão de NF e de praticar atos de comércio, etc.

2.5 A Norma Jurídica Completa

Ao trabalhar o papel do Direito e a forma como procura ordenar condutas

nos deparamos com o conceito de norma jurídica completa. Nesse estudo temos que ter

em mente que o Direito é uma ordem coercitiva.

Baseados nas lições de Hans Kelsen105, apresentamos o Direito enquanto

ordem social que busca efetuar nos indivíduos a conduta desejada através da decretação

de tais medidas de coerção, é chamada, portanto, de ordem coercitiva.

105 HANS, Kelsen. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 26

Page 77: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

77

Ela o é porque ameaça atitudes socialmente danosas com medidas de

coerção, porque decreta tais medidas de coerção.

Assim, o Direito é a coercitividade organizada. Nesse sentido, Kelsen

explica que há um elemento comum entre todas as ordens jurídicas, desde o Direito dos

Babilônios antigos até a Constituição Suíça, do chefe despótico de uma pequena tribo

africana até o direito vigente nos Estados Unidos, é a técnica social específica de uma

ordem coercitiva.

Nesse sentido, para obter uma conduda social desejada dos homens, é

utilizada uma medida de coerção a ser aplicada em caso de conduta contrária à ordem.

O Direito, a moralidade e a religião, são sistemas normativos. Essa

normatividade é caracterizada nomeadamente pela presença da coação. Com efeito, a

diferença está em como são providas as sanções pela ordem social. Os três sistemas

normativos mencionados proíbem o assassinato, mas no Direito a coação é a reação da

ordem jurídica contra o delito.

O que distingue é a forma de coação. Como assevera Paulo de Barros

Carvalho106, todos os sistemas normativos são essencialmente coativos, não servindo,

pois, tal aspecto para diferençar o ordenamento jurídico de outros sistemas de normas. A

coatividade é o aspecto que individualiza o direito de outros domínios normativos, ela é

exercida em ultimo grau pela execução forcada e pela restrição da liberdade.

Angela Maria da Motta Pacheco107, considerando os ensinamentos de Tércio

Sampaio Ferraz Junior, explica que a coercibilidade no Direito diz respeito à autoridade

institucionalizada. É a suscetibilidade de aplicação da coação. E lastreada nas lições de

Miguel Reale, a autora pondera que a coercibilidade é a interferência da força no

cumprimento da regra de direito. Força no caso, é entendida como a organizada

juridicamente para os fins próprios do Direito. A coação por outo lado, é utilizada em

106 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 844 107 PACHECO, Angela Maria da Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. São Paulo:

Max Limonad, 1997. p. 77

Page 78: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

78

variadas acepções, como para referir-se a violência física o psíquica contra pessoas, ou

ainda, como a força organizada do Direito.

Kelsen aponta que a força é utilizada pelo Estado para prevenir o uso da

força, ou seja, o ato coercitivo da sanção é exatamente o mesmo tipo de ato que a ordem

jurídica busca prevenir os indivíduos de cometerem. Esta antinomia é aparente, uma vez

que o Direito é uma ordenação que tem como fim a promoção da paz. “o Direito faz do

uso da força um monopólio da comunidade. E, precisamente por fazê-lo, o Direito

pacifica a comunidade.” 108

Nos capítulos anteriores observamos serem as normas jurídicas compostas

pela associação de uma hipótese a uma consequência, ligados pelo conectivo

condicional deonticamente neutro.

Eurico Marcos Diniz de Santi, lastreado nas lições kelsenianas, ressalta que

a norma enquanto mecanismo básico de funcionalidade do direito, consubstancia apenas

um dos membros da norma jurídica completa:

O ser norma jurídica pressupõe bimembridade constitutiva. É a

licença científica que permite a cisão metodológica desta

estrutura complexa, na série de normas que compõem o sistema

do direito positivo. O primeiro membro, denominamos norma

primária; o segundo, norma secundária. Ambas apresentam

idêntica estrutura sintática, mas composição semântica distinta.

A norma primaria vincula deonticamente a ocorrência de dado

fato a uma prescrição (relação jurídica); a norma secundária

conecta-se sintaticamente à primeira, prescrevendo: se o fato de

a não ocorrência da prescrição da norma primaria se verificar,

então deve ser uma relação jurídica que assegure o

108 HANS, Kelsen. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 30

Page 79: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

79

cumprimento daquela primeira, ou seja, dada a não

observância de uma prescrição jurídica, deve ser a sanção.109

Angela Maria da Motta Pacheco e Paulo de Barros Carvalho destacam que

Kelsen deu tanta importância ao papel da coação e da sanção no Direito, que

considerou no contexto da bimembridade das normas, como norma primária, a

sancionadora e como norma secundária, a norma de conduta. Apenas

posteriormente, em seu “Teoria Geral das Normas” Kelsen reconhece que a norma

sancionadora é a norma secundária e a norma de conduta é a norma primária:

“Uma ordem normativa contém não apenas normas que impõem

uma conduta determinada — como uma ordem jurídica positiva —

mas também normas que instruem uma sanção para a hipótese de

não serem cumpridas e — como uma ordem moral positiva —

também para as hipóteses de serem cumpridas, pois a norma que

impõe uma conduta determinada e a norma que estatui uma

sanção para a hipótese de não cumprimento ou para o caso de

cumprimento da primeira norma mencionada formam uma

unidade. Se se admite que a distinção de uma norma que

prescreve uma conduta determinada e de uma norma que

prescreve uma sanção para o fato de violação da primeira seja

essencial para o Direito então precisa-se qualificar a primeira

como norma primária e a segunda como norma secundária - e não

o contrário como o foi por mim anteriormente formulado. A

norma primária pode, pois, aparecer inteiramente independente da

norma secundária”110

Como ressaltado, a estrutura lógica da norma primária e da norma

secundária são semelhantes. No entanto, nas normas sancionatórias há em seu

antecedente a previsão de conduta ilícita, no direito tributário, corresponde ao

109 De SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 36 110 KELSEN, Hans. TEORIA GERAL DAS NORMAS, 1ªed. Editora: SERGIO FABRIS, 1986. p. 181

Page 80: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

80

descumprimento da relação prevista no consequente da regra-matriz de incidência.

Paulo de Barros Carvalho esclarece: “Essa conduta é tida como antijurídica, por

transgredir o mandamento prescrito e recebe o nome de ilícito ou infração tributária.

Anote-se: “ilícito” ou “infração tributária” são categorias relativas ao mundo fáctico.”

111

Assim, o que faz a norma ser jurídica é justamente a forma como é exercida

a sanção. Temos então a norma primária, estatuidora de direitos e correspectivos

deveres e a norma secundária, a que estabelece a sanção mediante o exercício da coação

estatal.112

Paulo de Barros Carvalho113 aponta que a diferença entre normas primárias

e normas secundárias está na circunstância de que estas ultimas expressam em seu

consequente relação de cunho jurisdicional, em que o Estado participa como juiz para

obter, coativamente, a prestação insatisfeita. As relações que não revestirem essa forma

ficariam no quadro amplo das normas primárias (ou endonormas, no léxico de Cossio).

Diante do critério distintivo: consequente com relação de cunho

jurisdicional, temos que as "sanções administrativas", como as multas, também são

normas primárias, conforme será exposto adiante.

2.5.1. As normas jurídicas primárias: dispositiva e sancionadora

A chamada composição dúplice da norma jurídica completa pelo

entrelaçamento da norma primária e da norma secundária visa simplificar o intrincado

corpo normativo que se nos apresenta.

111 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 852 112 De SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 37 113 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 845

Page 81: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

81

A pragmática e a incidência normativa encerram processo da mais alta

complexidade. O aplicador leva em consideração todo o sistema normativo ao dar

sequencia ao ciclo de positivação do Direito. Assim, muitas e muitas normas são

utilizadas no processo psico-físico de produção normativa.

Separar a norma primária da secundária é uma tarefa não tão simples,

consiste em tentar enquadrar todas as normas jurídicas nessas duas caixas, ou a norma é

primária ou é secundária. E nessa tentativa cabe salientar sua presença no plano das

normas gerais e abstratas, no patamar das normas individuais e concretas, ou ainda, no

plano dos enunciados, das proposições ou das normas jurídicas em sentido estrito.

Uma coisa é a finalidade punitiva que aumenta e muito o crédito tributário.

No entanto, Paulo de Barros Carvalho aduz sobre a chamada perinorma, no vocabulário

de Cossio, ou norma secundária, que esta contém a presença da atividade jurisdicional

na exigência coativa da prestação, traço decisivo na sua identificação normativa. As

multas, por exemplo:

“São normas primarias que se justapõem às outras normas

primárias, entrelaçadas, lógica e semanticamente, a específicas

normas secundarias, se bem que o legislador, em obséquio à

economia do discurso jurídico-positivo, integre os valores

cobrados em cada uma das unidades normativas estipulando

uma única prestação, a ser exigida coativamente pelo exercício

da função jurisdicional do Estado”. 114

Eurico de Santi explica que a separação entre norma primária e norma

secundária é produto de um corte simplificado e abstrato sobre a intrincada série de

normas, que possibilita a redução da complexidade do dado normativo:

O critério que preside esta classificação, informado pela Teoria

Pura do Direito, é a figuração ou não no prescritor normativo

114 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 845-846

Page 82: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

82

da sanção, i.é, da possibilidade do uso da coação organizada,

mediante órgão jurisdicional, para fazer valer a efetivação do

dever constituído pela eficácia jurídica de outras normas. Se

estiver presente este direito subjetivo, temos norma secundária,

caso contrário, norma primária. Norma de direito substantivo,

esta; norma de direito adjetivo, aque1a.115

Para simplificar o fisco no mesmo documento normativo, por exemplo, em

um Auto de Infração e Imposição de Multa, insere o montante total do crédito que

engloba o valor do tributo e o valor da multa.

Com efeito, dentre as normas primárias separam-se ainda as dispositivas das

sancionadoras. A distinção acatada pelo professor Lourival Vilanova foi elaborada por

Paulo de Barros Carvalho.

A norma primária sancionadora, como a norma secundária, tem

por pressuposto o não cumprimento de deveres ou obrigações;

carece, entretanto, da eficácia coercitiva daquela. Nas normas

primárias situam-se as relações jurídicas de direito material

(substantivo), nas normas secundárias, as relações jurídicas de

direito formal (adjetivo ou processual) em que o direito

subjetivo é o de ação (em sentido processual). (...) Têm-se,

portanto, normas primárias estabelecedoras de relações

jurídicas de direito material, decorrentes de (i) ato ou fato lícito

e (ii) de ato ou fato ilícito. A que tem pressuposto antijurídico,

denominamos norma primária sancionadora, pois veicula uma

sanção no sentido de obrigação advinda do não cumprimento de

um dever jurídico, enquanto que a outra, por não apresentar

115 De SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 37-38

Page 83: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

83

aspecto sancionatório, convencionamos chamar norma

primária dispositiva.116

Nesse sentido, no mencionado Auto de Infração teríamos apenas norma

primária, esta podendo ainda ser seccionada na porção que retrata a norma primária

dispositiva e a parte que dispõe sobre a norma primária sancionadora.

Em linguagem formalizada, poderíamos inserir a norma completa com a

segmentação da norma primaria, representando na sequencia a norma primária

dispositiva, a norma primária sancionadora e a norma secundária117:

D{[(p → q).(-q → r)] . [(-q v -r) → S)}

Nesse sentido, no campo do Direito Tributário, a regra-matriz dos tributos

constitui exemplo de norma primária dispositiva, enquanto as multas são casos de

normas primárias sancionadoras, já a possibilidade de exercer o direito de exigir

coativamente é hipótese de norma secundária, como, por exemplo, a previsão do art. 5º,

inciso XXXIV, a) da CF, ou ainda a do inciso LXIX, do mesmo dispositivo

constitucional.

116 De SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 38 117 Paulo de Barros Carvalho explica que a estrutura normativa da sanção em sentido estrito é composta

por estrutura formal do seguinte modo: A estrutura lógica da norma secundária é D [-

R`(S`,S``)→R``(S`,S```)] ou ainda: D{(p→q) v [(p→-q)→S]}“a norma secundária apareceria da seguinte

forma: [D (p.-q) →Sn]. E com o desdobramento de Sn: (S'RS"), em que "p" é a ocorrência do fato

jurídico; ".", o conectivo conjuntor; "-q", a conduta descumpridora do dever; "→", o operador

implicacional; e Sn a sanção, desdobrada em S', como sujeito ativo (o mesmo da relação da norma

primária; R, o relacional deôntico; e S'", o Estado-Juiz, perante quem se postula o exercício da

coatividade jurídica). “A Teoria Geral do Direito refere-se à relação jurídica prevista na norma primária

como de índole material, enquanto a estatuída na norma secundária seria de direito formal (na acepção de

processual, adjetiva). (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed.

São Paulo: Noeses, 2011. p. 138-139)

Page 84: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

84

2.5.2. A norma jurídica secundária

Como exposto anteriormente, a norma secundária corresponde à norma que

estabelece a relação do Estado-jurisdição com o sujeito infrator para fins de aplicar-lhe

coativamente uma sanção. Paulo de Barros Carvalho ensina:

“as normas sancionatórias são regras de conduta e ostentam a

mesma estrutura lógica da regra-matriz de incidência. (...) A

diferença entre essa espécie normativa e as demais regras de

comportamento está no antecedente, tendo em vista que a regra

sancionatória descreve fato ilícito qualificado pelo

descumprimento de dever estipulado no consequente da regra-

matriz de incidência. Essa conduta é tida como antijurídica por

transgredir o mandamento prescrito, e recebe o nome de ilícito

ou infração tributária.”118 (destacamos)

Kelsen, atribui maior importância à norma sancionadora. As proposições da

norma secundária, regra geral, não são encontradas de modo expresso, mas resultam de

uma extração lógica. Na norma secundária encontra-se a relação em que o Estado

aplica a pena ou a execução forçada.

Lourival Vilanova119 pontua que o critério fundamental da distinção entre

normas primárias e secundárias repousa na circunstância de estas últimas expressarem,

no consequente, uma relação de cunho jurisdicional, em que o estado participa como

juiz para obter, coativamente a prestação insatisfeita. O eminente jurista pernambucano

ao diferençar normas primárias e secundárias aponta que não é a cronologia dos

eventos, sua ordem temporal, tampouco é uma relação de causa e efeito (um enunciado

que daria motivo para criação de outra norma) que determinam seus conceitos.

Cronologicamente em muitos casos ambas são aplicadas de modo simultâneo.

118 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 847 119 VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo: Max

Limonad, 1997. p. 106

Page 85: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

85

Frise-se: a norma secundária prevê sanção mediante coação estatal, é

considerada, portanto, sanção em sentido estrito120. O critério distintivo é a atividade

jurisdicional na exigência coativa.

Ao trabalhar o conceito de norma secundária encontramos dificuldade em

visualizá-la. Este problema dá-se sobremaneira porque estamos tratando ora de um

potencial direito de ação, ou do efetivo exercício desse direito de petição ou até mesmo

da providencia estatal individualizada.

Eurico de Santi fazendo referencia à estrutura lógica apontada anteriormente,

define do seguinte modo:

Na norma secundária, a não observância do dever de prestar

(“-q” ou “-r”), positivo ou negativo, é o suposto normativo

fundante da sanção, nesta acepção entendida como a pretensão

de exigir coativamente, perante órgão estatal, a efetivação do

dever estatuído no(s) prescritor(es) da(s) norma(s)

primária(s).121

Ora, repise-se: Kelsen atribui grande importância à norma secundária,

inclusive é ela responsável pela essência do dado jurídico.

No mesmo sentido, Norberto Bobbio: “Normas jurídicas são, pois, aquelas

cuja execução está reforçada e garantida por uma sanção externa e institucionalizada.

120 Ao trabalhar a Sanção como consequente normativo, Paulo de Barros Carvalho preceitua: “Assim

como se denomina obrigação tributária ao liame jurídico que se estabelece entre dois sujeitos — pretensor

e devedor — designa-se por sanção tributária à relação jurídica que se instala, por força do acontecimento

de um fato ilícito, entre o titular do direito violado e o agente da infração. Além desse significado,

obrigação e sanção querem dizer, respectivamente, o dever jurídico cometido ao sujeito passivo, nos

vínculos obrigacionais, e a importância devida ao sujeito ativo, a título de penalidade ou de indenização,

bem como os deveres de fazer ou de não-fazer, impostos sob o mesmo pretexto. A relação sancionatória

vem mencionada no prescritor da regra, onde podemos colher todos os elementos necessários e

suficientes para a sua identificação no caso concreto. A norma que estipula a sanção descreve o fato

antijurídico no seu antecedente, e a providência desfavorável ao autor do ilícito (sanção) no consequente.”

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011.

p. 868 121 De SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 38

Page 86: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

86

Institucionalizada por serem as sanções introduzidas no sistema pelas mesmas fontes de

produção das normas primárias” 122

Com visto anteriormente, o conceito de norma secundária é bastante amplo e

pode englobar toda espécie de providência Estatal no sentido de exercer a sanção.

Um grande desafio é dispor sobre a norma secundária e se imiscuir na

problemática dos diversos planos linguísticos ao modo como fazemos no

constructivismo lógico-semântico.

Ou seja, adentrar nas minúcias dos casos de máxima concretude.

Considerando que a norma secundária seria tanto a potencialidade de

exercício do direito de ação ou como o provimento favorável de uma sentença judicial.

Paulo de Barros Carvalho exprime: “A norma primária estabelece relação

jurídica de direito material (substantivo); a norma secundária, relação jurídica de direito

formal (adjetivo ou processual)” 123

Essas discussões, assim como afirmar que a norma secundária é a processual

representam avançar sobre as notas delineadoras elaboradas por Hans Kelsen. O autor

não se preocupou com as minúcias, seus conceitos não se restringem aos comandos de

um estado democrático de direito, com processo, etc. Pelo contrário, ao trabalhar o

conceito de norma secundária Kelsen aponta que ela está presente em qualquer sistema

normativo, seja o da tribo africana, o sistema do common law, até o ordenamento

brasileiro. Seu espectro de estudo tem amplitude muito maior.

Kelsen sacramenta ainda que o termo ou a proposição de que “a coerção é

um elemento essencial do Direito” costuma ser interpretada falsamente, de modo que a

eficiência da sanção jurídica seja vista como parte do conceito de Direito. E explica, é

comum escutar que a sanção é eficiente se os indivíduos se sujeitam à lei – a fim de

122 BOBBIO, Norberto. Teoria General del Derecho. Ed. Temis, Santa Fé de Bogotá, Columbia, 1992.

p.110 123 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 850

Page 87: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

87

evitar o mal da sanção – se comportam “legalmente”, ou se a sanção é executada no

caso de sua condição, o delito, ter sido concretizada. No entanto, apenas para o caso

quando um indivíduo não se comporta legalmente, quando ele “viola” a regra jurídica,

ou seja, a sanção a ser executada pelo órgão é prevista apenas para os casos concretos

em que a conduta que a ordem jurídica tenta obter não foi cumprida.

O termo “sujeito” é utilizado por Kelsen para indicar o indivíduo que

obedece ou não à lei e o termo “orgão” para denotar o indivíduo que executa a sanção e

que, por fazê-lo, aplica a lei. No entanto, Kelsen aponta que os que falam em execução

forçosa da lei costumam ter em mente não a medida coercitiva que o órgão efetivamente

executa, mas ao medo, à compulsão psíquica resultante da idéia que os homens estão

submetidos a uma ordem jurídica. Porém, no que tange à compulsão psíquica o Direito

não difere das normas morais ou religiosas. Porque as normas morais e religiosas

também são coercitivas na medida em que nossas idéias a seu respeito fazem com que

nos comportemos de acordo com elas. 124

A motivação das condutas lícitas são influenciadas por inúmeros fatores e

carecem de investigação sociológica e política mais profunda. No entanto, o medo das

sanções legais não é o único fator, questões de ordem religiosa e moral influenciam,

mas essa dimensão – o pensamento humano – não conseguimos atingir.

Charles William Mcnaughton entende que as penas criminais dos artigos 1º

e 2º e da Lei n. 8.137/90 revelam normas secundárias:

Em termos criminais, há pena restritiva de liberdade para

crimes tipificados contra a ordem tributária. Nesse panorama, a

evasão é tipificada como sonegação nos artigos 1º e 2º e da Lei

n. 8.137/90. Indico que tais penas criminais revelam normas

secundárias, direcionadas ao Poder Judiciário, eis que pelo

teor do artigo 5'1, inciso LIV da Constituição da República,

ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o

124 HANS, Kelsen. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 32-33

Page 88: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

88

devido processo legal e, nos termos do inciso LVII do mesmo

dispositivo, ninguém será considerado culpado até o trânsito em

julgado da sentença penal condenatória.125

Seriam exemplos de normas secundárias também a Lei de Execuções

Fiscais nº 6.830/80, o Código de Processo Civil em caráter supletivo.

2.6. Penalidades pecuniárias ou multas fiscais

No que tange à natureza das penalidades pecuniárias ou multas fiscais, estas

são sanções em sentido mais abrangente. Visam a desestimular o comportamento

infrator. Paulo de Barros Carvalho aduz:

“No caso das penalidades pecuniárias ou multas fiscais, o

liame também é de natureza obrigacional. Uma vez que tem

substrato econômico, denomina-se relação jurídica

sancionatória e o pagamento da quantia estabelecida é

promovido a título de sanção. Tratando-se de outro tipo de

sanção, que não seja multa ou penalidade pecuniária, a

relação não se altera na sua estrutura básica, modificando-se

apenas o objetivo da prestação, que será um fazer ou não

fazer. Perde o nome de vínculo de cunho obrigacional, mas

continua sendo uma relação jurídica sancionatória. Nestes

casos, contudo, não se trata da sanção compreendida em seu

significado de base, ou seja: em que se faz presente o Estado-

Juiz.” 126

125 MCNAUGHTON, Charles William. Elisão e Norma Antielisiva Completabilidade e Sistema

Tributáio. Editora Noeses, São Paulo, 2014. p. 385 126 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 852

Page 89: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

89

Como visto, as infrações tributárias, são todas as posturas desrespeitosas em

relação à disposição legal, ou seja, o ilícito pode decorrer do descumprimento do dever

de pagar tributo ou por não cumprir com os deveres instrumentais.

Como será visto adiante, a mesma hipótese de incidência que prevê em sua

descrição fática o descumprimento do dever de pagar o tributo, pode ser antecedente da

norma primária sancionadora, a multa, mas também pode configurar caso de crime

contra a ordem tributária. Neste caso, alguns cuidados devem ser tomados. Sobre o

tema, Paulo de Barros Carvalho esclarece: “Para o direito penal tem de haver a

materialidade do evento, contrária aos desígnios da ordem jurídica (antijuridicidade),

e, além disso, a culpabilidade, isto é, a imputação do resultado delituoso à participação

volitiva do agente. Sem dolo ou culpa, numa de suas gradações, não é punível a

conduta que ocasionou o acontecimento antijurídico. Nos domínios do direito

tributário, a linha diretriz não é bem essa, penetrando outra sorte de indagações.” 127

A infração ou o ilícito tributário possuem natureza completamente distinta

em relação àqueles "crimes fiscais" previstos em leis penais.

Sendo assim, conceitua-se crime como sendo uma ação típica e antijurídica.

Logo, para que exista o crime, basta que ocorra um fato típico e antijurídico, mas, para a

aplicação da pena, é necessário que o fato, além de típico e antijurídico, seja também

culpável, reprovável, conforme ensinamentos de Damásio128 e Mirabete129.

Assim como a palavra “fato gerador” é ambígua, o termo infrações

tributárias também refere-se ao mesmo tempo ao evento e à hipótese que prevê a

conduta ilícita, descumpridora da relação tributária.

É comum a divisão entre infrações tributárias objetivas e subjetivas. Nestas

interessa a participação volitiva do sujeito, naquelas a punição independe da intenção do

agente. Nessa toada, Paulo de Barros Carvalho pontua que nas infrações subjetivas a

127 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 853 128 JESUS, Damásio. Direito penal: Parte geral. 31. ed. São Paulo: Saraiva. 2010. Vol. 1 129 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal. São Paulo: Atlas, 26. Ed 2010. Vol. I

Page 90: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

90

presença de dolo ou culpa é requisito, “sendo assim, ao compor em linguagem o fato

ilícito, além de referir os traços concretos que perfazem o resultado, os funcionários da

Administração terão que indicar o nexus entre a conduta do infrator e o efeito que

provocou, ressaltando o elemento volitivo (dolo ou culpa, conforme o caso), justamente

porque integram o vulto típico da infração.”130

Feitas esssas considerações, cumpre observar a mutação semântica que

permeiam esses termos do discurso. Assim, restringindo e delineando os conceitos

trabalhados, as infrações seriam os antecedentes normativos, por sua vez, estudar as

sanções significa focar o consequente normativo.

2.7 Distinção entre tributo e sanção

Além das muitas variações de significação, a sanção tributária pode ser

analisada nos planos sintático, semântico e pragmático. Por outro lado, cumpre

diferençar tributo e sanção, uma vez que a depender de sua natureza a norma submeter-

se-á a regime específico.

Consoante definição do artigo 3º do CTN, “tributo é toda prestação

pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não

constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade

administrativa plenamente vinculada.”

Cumpre destacar que estamos diante de uma definição estipulativa, ou seja,

no art. 3º do CTN o legislador, a pretexto de definir, estabelece que uma exação com as

mencionadas características deverá submeter-se ao sistema tributário. A linguagem do

direito positivo é sempre prescritiva. Ressalve-se que o modo descritivo ou prescritivo

da linguagem não são puros, em cada caso encontraremos determinada preponderância.

130 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 855-856

Page 91: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

91

Por sua vez, ao analisarmos a regra sancionatória, temos que seu

antecedente descreve fato ilícito qualificado pelo descumprimento de um dever

estipulado no consequente da regra-matriz de incidência, essa conduta recebe o nome de

“ilícito” ou “infração tributária”.

No estabelecimento de multas, assim como nas relações tributárias, o ente

tributante se sujeita à legalidade. Determinar o regime jurídico é de suma relevância,

nas sanções o antecedente é um fato ilícito, não se sujeitanto a determinados princípios

como o da anterioridade ou da noventena, mas permite a retroatividade da lei mais

benéfica.

No que tange às multas fiscais, trata-se de liame de natureza obrigacional, e

o pagamento da quantia estabelecida é promovido a título de sanção em sentido amplo.

Assim, o ilícito tributário pode advir do não pagamento da importância

pecuniária, ou do não cumprimento dos deveres instrumentais ou formais. A infração

tributária é definida pelo professor Paulo de Barros Carvalho como sendo: “toda ação

ou omissão que, direta ou indiretamente, represente o descumprimento dos deveres

jurídicos estatuídos em leis fiscais.”

No entendimento de Hugo de Brito Machado, o ilícito administrativo

tributário é todo comportamento que implica inobservância de alguma norma tributária.

Desta inobservância resulta o inadimplemento de obrigação tributária, seja ela principal

ou acessória. Por sua vez, caso o comportamento violador esteja definido em preceito da

lei penal, será revestido de características não de meras infrações ou ilícitos tributários,

mas de crime fiscal, devendo haver antijuridicidade, culpabilidade do agente e todos os

requisitos necessários à imputação penal.

O ilícito fiscal é objeto de minuciosa e rigorosa legislação, já que, através

dele, os infratores se sujeitam à multa e às sanções de caráter administrativo. Desta

forma, não há que se confundir com o ilícito penal, pois este só ocorre quando,

ultrapassando o campo civil, o agente pratica com dolo, além da infração administrativa,

fato previsto como crime, que a partir daí se torna, também, incurso nas sanções penais.

Page 92: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

92

Além disso, imperioso se faz debater que a pena prisional, presente nas

normas penais, é revestida de cautelas, tendo em vista a proteção da liberdade humana,

sendo, inclusive, assegurado pela Constituição Federal o direito ao silêncio e ao acusado

não produzir provas contra si, o que contraria a exigência de informações indispensáveis à

plenitude da fiscalização tributária.

Com efeito, a intervenção do direito penal só deve ocorrer nos casos em que

os demais ramos do direito se revelarem insuficientes ou ineficazes em sua intervenção

punitiva.

Sob o ponto de vista sintático a sanção tem a mesma estrutura lógica da

regra-matriz. No plano semântico o seu estudo deve ser tratado com cautela, apesar de

ser problema inerente à linguagem, o tipo deve ser preciso e fechado, procurando

termos que diminuam as margens da ambiguidade e vagueza.

A análise pragmática e o uso pelos jurisdicionados é muito rica, a sanção e a

forma pela qual é exercida é responsável por dar o timbre de juridicidade ao Direito, os

utentes da linguagem temem a sanção e alteram suas condutas sociais em decorrência

dela, a sua incidência é semelhante, mas a produção da linguagem que constitui a

sanção em certos casos merece maior esforço probatório, como nas infrações subjetivas.

Page 93: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

93

CAPÍTULO III

Incidência da Norma Jurídica

3.1 Causalidade jurídica: o mundo do ser e do dever-ser

Conforme os estudos avançam resta evidenciado a distinção muito bem

exposta por Lourival Vilanova entre a região do dever-ser – Ordenamento Jurídico – e o

domínio do ser, o mundo fenomênico. No Direito as proposições implicante e

implicada, hipótese e consequência, são estabelecidas por um ato de autoridade. Todos

os fatos jurídicos são construções de linguagens, portanto, nessa perspectiva

metalinguagem em relação ao evento. Dai decorre sua afirmação “O fato torna-se fato

jurídico porque ingressa no universo do direito através da porta aberta que é a

hipótese.”131

No mesmo sentido Pontes de Miranda adverte: “Temos, porém, no trato do

direito, de discernir o mundo jurídico e o que, no mundo, não é mundo jurídico. Por

falta de atenção aos dois mundos muitos erros se cometem e, o que é mais grave, se

priva a inteligência humana de entender, intuir e dominar o direito.”132

Como salientamos anteriormente, no Direito Tributário, os aplicadores

comumente adotam critérios econômicos, ou alegam motivos como a facilitação da

arrecadação, entre outros atributos extrajurídicos. Alfredo Augusto Becker, é categórico

ao combater tal posicionamento:

“Interpretação segundo a realidade econômica. Esta idolatria

mística ao fato, por grande parte da doutrina do Direito

Tributário, lhe tem causado larga, profunda e nefastíssima

repercussão, agravando o ambiente de manicômio jurídico

tributário e atrasando o desenvolvimento da Ciência Jurídica

131 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Noeses, 2005. 132 MIRANDA, Pontes de. TRATADO DE DIREITO PRIVADO-TOMO I -PARTE GERAL

Page 94: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

94

Tributária.” (...) “A estrutura de fato parece absorver ou

anestesiar a eficácia jurídica em prejuízo da estrutura jurídica.

Grande parte da doutrina jurídica assiste impassível ou até

coopera ativamente para esta inversão irracional da

fenomenologia jurídica: o fato subjugando, esquecendo-se que o

jurídico existe justamente para dominar o fato.” (...) “Todo o

esforço construtivo do jurista consiste precisamente em,

deformando os fatos, criar um instrumento de ação social

praticável com a qual o Estado agirá, disciplinando e

conduzindo fatos sociais. Querer, no momento da interpretação

da lei, liberar o fato econômico ou social da constrição jurídica,

que o transfigura, importa em destruir a praticabilidade e a

utilidade do Direito”.133

Com efeito, o mesmo evento do mundo pode importar ao mesmo tempo ao

jurista, ao contador, ao sociólogo, ao economista, etc.134 Mas essa conversação deve se

dar apenas quando o próprio ordenamento prevê, caso contrário é sim questão

extrajurídica.

Ressalvando as divergências sobre a fenomenologia da incidência, mais

uma vez, Pontes de Miranda ressalta: “Os fatos do mundo ou interessam ao direito, ou

não interessam. Se interessam, entram no subconjunto do mundo a que se chama mundo

jurídico e se tornam fatos jurídicos, pela incidência das regras jurídicas, que assim os

assinalam. Alguns entram duas ou mais vezes, de modo que a um fato do mundo

correspondem dois ou mais fatos jurídicos. A razão disso está em que o fato do mundo

continua lá, com a sua determinação no espaço e no tempo, a despeito da sua entrada ou

133 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 5ª ed., São Paulo: Noeses, 2010. p.98

e 100 134 Nesse sentido cumpre destacar crítica de Lourival Vilanova, que aponta: outra via para desnaturar o

direito foi a que tomou o positivismo sociológico (adotado por Pontes de Miranda). O direito é fato social,

certo. Não os textos, nem em seu teor literal, nem em sua finalidade inicial, motivadora do legislador,

pois a situações sociais mudam. Nem a atividade judicial se consome em aplicação mecânica, acrítica,

valorativamente neutra, pois o juiz está existencialmente vinculado. Certíssimo. Mas daí a subsistir a

ciência, que fundamenta operativamente a atividade jurisdicional, pela sociologia ou transferir o trabalho

de criar regras de direito aos cientistas sociais, vai grande distancia. VILANOVA, Lourival. Escritos

jurídicos e filosóficos. Editora AXIS MVNDI, 2003. p.362

Page 95: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

95

das suas entradas no mundo jurídico: a morte de A abre a sucessão de A, dissolve a

comunhão de bens entre A e B, dissolve a sociedade A Companhia, exclui a A na lista

de sócios do Jockey Club e de professor do Instituto de Biologia ou de membro do

corpo diplomático.”135

Por isso não se pode olvidar lição de Lourival Vilanova136 ao exprimir ser

imprescindível a generalização na regra para distribuir as ocorrências em uns quantos

tipos. Sem essa tipificação de fatos e condutas, seria impossível dominar ou ordenar a

existência social.

3.1.1. Distinção Entre Evento e Fato

A professora Aurora Tomazini137 é clara ao explicar que para um enunciado

factual ingressar no ordenamento jurídico, é necessário seu relatado em código próprio,

de acordo com as regras por ele prescritas e é por meio das provas que o evento é

atestado e que os fatos jurídicos são constituídos e mantidos no sistema. Sendo o fato

que se deseja provar (fato alegado) o objeto dinâmico da prova, que se constitui como

objeto imediato ao representa-lo parcialmente.

A diferença entre “evento”, acontecimento experimental, “fato”, enunciado

linguístico sobre determinado evento, e “fato jurídico”, enunciado linguístico

pertencente ao direito positivo, resta patente.

Os três termos referidos manifestam-se na diferença entre os enunciados da

norma jurídica geral e abstrata e norma jurídica individual e concreta, justamente no

grau de determinação. Enquanto na norma geral e abstrata se projeta para o futuro

desenhando a conotação do evento, na norma individual e concreta suas referencias

voltam-se para denotar evento passado.

135 MIRANDA, Pontes de. TRATADO DE DIREITO PRIVADO-TOMO I -PARTE GERAL 136 VILANOVA, Lourival. Escritos jurídicos e filosóficos. Editora AXIS MVNDI, 2003. p.361 137 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p.

412

Page 96: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

96

Nessa linha, Fabiana Del Padre Tomé138 diferencia a expressão “fato

jurídico” em sentido amplo e em sentido estrito. Este é o enunciado factual protocolar,

denotativo, posto na posição sintática de antecedente de uma norma individual e

concreta; aquele é qualquer enunciado jurídico que relate a ocorrência de um evento e

que produza efeitos na ordem jurídica, mas não necessariamente instituindo direito e

deveres correlatos individualizados.

Assim, se nas normas gerais e abstratas encontraremos a hipótese de

incidência tributária, nas normas individuais e concretas achamos o fato jurídico

tributário, este responsável por relatar linguisticamente o evento tributário, ele é fato

jurídico por desencadear efeitos na ordem jurídica, e é tributário por estar ligado à

instituição de tributos.

A linguagem do direito está inserida na complexa realidade social. Com

efeito, é preciso ter a consciência de que jamais em qualquer área o homem conseguirá

tomar o real em sua completude, assim, dentro dessa multiplicidade a linguagem

jurídica elege facetas, recorta características do evento. Nesse sentido, Paulo de Barros

Carvalho leciona: Em substância, recorta o legislador eventos da vida real e lhes imputa

a força de, relatados em linguagem competente, suscitar os comportamentos que

entende valiosos.139

O mesmo evento, como uma fusão de empresas, pode importar ao jurista,

como também pode envolver o contabilista, o economista, entre outros. No entanto,

cada área deve preservar seu campo de atuação. A depender do corte, o contador

construirá o fato contábil, o economista o fato econômico e o jurista o fato jurídico, não

há, pois, fato puro, todos eles são representações do evento, construções linguísticas.

A ausência dessa consideração leva muitos aplicadores a misturar os

conceitos, as linguagens, provocando uma verdadeira destruição do Direito, libertando

os limites dos domínios do que está dentro ou fora do mundo jurídico. Um tema que

enseja problemas dessa ordem no nosso campo investigativo é o planejamento

138 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2008. 139 CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª edição. Editora Saraiva, 2011. p. 316

Page 97: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

97

tributário, sua descaracterização é corriqueira, sob a alegação pelo Fisco da ocorrência

de fraude, simulação ou abuso de forma, bem como ausência do “proposito negocial”.

Dai porque insistimos em afirmar: o direito constrói sua própria realidade.

Não é despiciendo repisar que o para construção do juízo normativo, ou da

norma em sentido estrito terá o jurista que buscar em diversos excertos de leis, com

variadas incursões até alcançar uma visão sistemática da norma, está ultrapassada a

ideia de literalidade. Quando falar-se em sentido literal, como, por exemplo, no art. 111,

do Código Tributário Nacional, o sentido não será extraído ou será alcançada a

verdadeira intenção do legislador. O sentido literal deve ser visto como a acepção de

base das palavras, isto é, aquilo que não se encontra na zona de penumbra, considerando

que os utentes compartilham do mesmo idioma ou de um universo cultural

assemelhado, nesse sentido, a literalidade resume-se ao sentido mais utilizado daquela

palavra.

Em seguida, ao investigar a fenomenologia da incidência normativa, o uso

da regra-matriz é uma das mais valiosas formas de se estudar o direito. O legislador, ao

produzir a norma geral e abstrata, delimita o campo de extensão da hipótese,

demarcando fatos que se projetam sobre a linguagem da realidade social. Por outro lado,

no consequente, o legislador define atributos pressupostos da relação jurídica.

Paulo de Barros Carvalho140, leciona: a passagem da norma abstrata para a

norma concreta, processo mediante o qual se dá a incidência daquela norma,

exatamente, nessa redução à unidade: de classes com notas que se aplicariam a infinitos

indivíduos, nos critérios da hipótese, chegamos a classes com notas que correspondem a

um e somente um elemento.

Um estudo mais atilado do fenômeno jurídico deve se preocupar em

observar como se dá a comunicação quando da subsunção do fato à norma, sendo a

teoria da comunicação ferramenta essencial para o aprofundamento da análise da

140 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed.

Saraiva, São Paulo, 2010.

Page 98: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

98

incidência da norma jurídica, permitindo uma pesquisa da anatomia do sistema

comunicacional, seccionando-o141. Para estabelecer sua função comunicacional, a língua

pressupõe a aquiescência dos membros da comunidade, devendo ser resistente a

alterações pontuais. É fundamental compreender como, por meio de atos de fala, o ser

humano é capaz de construir mensagens de modo tão sofisticado e complexo. Ao tomar

o Direito como sistema comunicacional, observa-se quem está apto a proferir os atos de

fala, o legislador, o julgador ou o particular.

No decorrer da pesquisa, utiliza-se a classificação e as subdivisões de

acordo com cada finalidade. Cabe, por hora, apenas mencionar que as regras do direito

possuem finalidade ilocucionária assertiva e diretiva.142

3.1.2. Níveis sintático, semântico e pragmático

Essas considerações serão de enorme utilidade nos estudos seguintes.

Conforme distinção feita anteriormente entre os níveis sintático, semântico e

pragmático, é chegada a hora de compreender porque diz-se que o Direito é fechado

sintaticamente, mas aberto em termos semânticos, ou seja, qual a razão da

homogeneidade sintática, e da heterogeneidade semântica e pragmática.

Nessa toada, Aurora Tomazini de Carvalho explica ser o “enunciado a

expressão linguística, produto da atividade pscicofísica de enunciação, são sentenças

(frases) formadas pelo conjunto de fonemas e grafemas devidamente estruturados que

tem por finalidade transmitir um conteúdo completo, num contexto comunicacional.” 143

141 Roman Jakobson separa tal processo em seis componentes: remetente, mensagem, destinatário,

contexto, código e contato. In: CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método.

4. ed. São Paulo: Noeses, 2011. p. 166 142 John L. Austin, precursor da teoria, classifica os atos de fala em: locucionários, ilocucionários e

perlocucionários. John R. Searle, subdivide em cinco espécies, de acordo com a finalidade do ato de fala:

assertivos, diretivos, compromissivos, expressivos e declarativos. Seguiremos o professor Tarek Moyssés

Moussallem que trabalha bastante com essa teoria, assim como o professor Cristiano Carvalho. 143 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p.

181

Page 99: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

99

O conjunto desses enunciados é o documento normativo. Por sua vez, nos

dizeres da autora “a proposição é tomada como conteúdo do enunciado, o sentido que

lhe é atribuído, ou seja, aquilo que construímos em nossa mente quando interpretamos”

144, é um conceito, ideia ou significado.

Para investigar o plano sintático utilizamos o domínio da Lógica, este é tão-

só o das significações e suas possibilidades combinatórias, sem estender a ponte para

objetos especificados. Para chegar-se, pois, à proposição como tal, é preciso ir-se ao

tema com o tipo de experiência que Husserl denominou abstração (lógica), ou reflexão

lógica. Paulo de Barros Carvalho explica que: a simbolização da linguagem se apresenta

como um passo decisivo. A lógica tem a função de eliminar os problemas que

perturbam o fenômeno comunicacional, tal como a ambiguidade, imprimindo rigidez e

determinação às mensagens, bem como para outorgar presteza e agilidade à

combinatória entre as formas lógicas dos diversos sistemas. Assim, sua função é a de

auxiliar o jurista na sua atuação, com objetivo de melhorar o seu nível técnico na

aplicação do direito, como, por exemplo, identificando falhas lógicas e contradições no

discurso argumentativo.

Partindo do estudo lógico do Direito, Lourival Vilanova145 bem explica:

Formalizar não é conferir forma aos dados, inserindo os dados da linguagem num certo

esquema de ordem. É destacar, considerar à parte, abstrair a forma lógica que está,

como dado, revestida na linguagem natural, como linguagem de um sujeito emissor para

um sujeito destinatário, com o fim de informar notícias sobre os objetos. E destaco, por

abstração lógica, a forma, desembaraçando-me da matéria que tal forma cobre. A

matéria reside nos conceitos especificados, nas significações determinadas.

Com efeito, a norma jurídica encontra-se estruturada naquele juízo

hipotético-condicional, a fórmula da causalidade jurídica. Neste esquema, há implicação

pelo conectivo condicional, atrelando um antencedente a um consequente. O

144 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p.

181 145 VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo: Max

Limonad, 1997. p. 20

Page 100: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

100

condicional é assim simbolizado “p → q” (se p então q), para o estudo das fórmulas

lógicas do direito este conectivo é de suma relevância, pois nele se funda a estrutura da

norma jurídica. Por esse modelo – hipótese e consequência – desenvolve-se todo o

estudo da norma jurídica, inclusive a regra-matriz de incidência tributária.

3.2 Hermenêutica

Adentrando no estudo da norma, faz-se oportuno abrir um parêntese para

discorrer sobre a Hermenêutica. Como evidenciado nos primeiros capítulos que

abordam o constructivismo lógico-semântico, alteram-se as formas comuns,

ontológicas, de percepção e compreensão da realidade, o que influi diretamente na

investigação do processo interpretativo. Antes, interpretar era extrair o sentido da frase

ou do texto, retirando seu conteúdo.146

Luís Roberto Barroso distingue dispositivo, enunciado normativo e norma,

ao trabalhar a interpretação constitucional explica os elementos tradicionais de

interpretação jurídica baseados nas lições de Savigny responsável por separar os

componentes gramatical, histórico e sistemático na atribuição de sentido aos textos

normativos, com a posterior adição do método teleológico de interpretação.

No entanto, Luís Roberto Barroso147 adverte que longe de excluírem-se

mutuamente, eles devem ser combinados, firme nos ensinamentos de Winfred Brugger

dispõe: “a interpretação, portanto, deve levar em conta o texto da norma (interpretação

gramatical), sua conexão com outras normas (interpretação sistemática), sua finalidade

146 Carlos Maximiliano, a muito prelecionava: “o executor extrai da norma tudo o que na mesma contém:

é o que se chama interpretar, isto é, determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito.”

HERMENEUTICA E APLICAÇÃO DO DIREITO, ed. Forense, Rio de Janeiro, 1998, p. 1 No entanto,

ele como especialista no assunto, ponderava que “não basta conhecer as regras aplicáveis para determinar

o sentido e o alcance dos textos. Parece necessário reuni-las e, num todo harmônico, oferece-las ao

estudo, em um encadeamento lógico.”p.5 147 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2ª ed. 2ª tiragem, São

Paulo, 2011. p.291-292

Page 101: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

101

(interpretação teleológica) e aspectos do seu processo de criação (interpretação

histórica)”.

Tradicionalmente faz-se menção, por exemplo, à interpretação extensiva,

restritiva, declarativa, ao sentido literal ou explícito, no primeiro caso a interpretação

realizada vai além do que a lei ou o texto normativo determina, no segundo, um sentido

que sugere o óbvio ou aquele em que não pairam dúvidas. Contudo ao proferir tais

assertivas se está aceitando que haveria um sentido implícito e um sentido explícito no

texto normativo e que cabe ao intérprete realizar a extração desse sentido através da

interpretação, compreensão com a qual não compactuamos. No que tange ao “sentido

literal” também fazemos ressalvas, o sentido das palavras é atribuído pelo intérprete,

sempre. Por mais que possa parecer: não há sentido explícito, ou seja, sempre haverá

interpretação, portanto, o sentido é sempre implícito.

No entanto, o que justificaria a confluência de pensamentos sobre

determinado dispositivo? Tal assertiva é explicada pelo contexto que exerce grande

influência na valoração significativa. Em verdade, o que há é uma similitude de

contexto e do mundo cultural daqueles intérpretes (espaço, tempo, língua, costumes,

etc.).

3.2.1 O problema da interpretação literal

Não há que se falar em “interpretação literal”, vez que as palavras não

possuem conteúdo em si. Os vocábulos são símbolos, arbitrariamente convencionados,

para serem associados a outros símbolos. Por estarmos inseridos numa dada

comunidade, compartilhamos de uma cultura similar, vivenciamos a mesma língua, o

contexto nesse sentido pode ser visto como limitador para qualquer tentativa de

alteração pontual na língua.

Page 102: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

102

Do mesmo modo, no Direito, uma definição jurídica é relação entre

palavras, não há limites ontológicos, mas para que haja comunicação, a estipulação de

conceitos não pode ser pontual. A criação de um termo depende da aquiescência pela

comunidade, essa aceitação é influenciada por diversos aspectos, tais como, quem está

enunciando, se é um argumento de autoridade, etc.

No entanto, a comunidade jurídica brasileira não se apega a um modelo e o

segue com afinco e coerência. Dai a crítica de Lenio Luiz Strek à postura que denomina

crise de paradigma (de dupla face), citando Warat, preleciona:

“Ideologicamente, essa (dupla) crise de paradigma se sustenta

em um emaranhado de crenças, fetiches, valores e justificativas

por meio de disciplinas específicas, denomindado por Warat de

sentido comum teórico dos juristas, que são legitimadas

mediante discursos produzidos pelo órgãos institucionais, tais

como os parlamentos, os tribunais, as escolas de direito, as

associações profissionais e a administração pública. Tal

conceito traduz um complexo de saberes acumulados,

apresentados pelas práticas jurídicas institucionais,

expressando, destarte, um conjunto de representações

funcionais provenientes de conhecimentos morais, teológicos,

metafísicos, estéticos, políticos, tecnológicos, científicos,

epistemológicos, profissionais e familiares, que os juristas

aceitam em suas atividades por intermédio da dogmática

jurídica.” 148

Assim, com o movimento denominado giro-linguístico de forte sustentação

nas lições de Wittgenstein, a ideia de que as coisas tem significado ontológico e as

palavras possuíam um conteúdo próprio não faz mais sentido. Dessa forma, a mudança

de paradigma e a reviravolta linguística, com a linguagem criando o objeto, o conteúdo

148 WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito I. Porto Alegre, Fabris, 1994, p.57. Citado por:

STREK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. 7ª ed., Livraria do Advogado, Porto Alegre,

2007, p.67

Page 103: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

103

do texto é algo construído pelo intérprete condicionado às suas tradições culturais. A

interpretação, nessa perspectiva, é um ato de valoração do intérprete. Como exprime o

professor Lourival Vilanova, em seu “O Universo das Fórmulas Lógicas”:

“interpretar é atribuir valores aos símbolos, isto é, adjudicar-

lhes significações e, por meio dessas, referências a objetos” 149

Partindo dessas premissas, utiliza-se a definição de norma jurídica150 como

significação que se obtém a partir dos textos do direito positivo. Tudo consoante

metodologia antecipadamente eleita, evitando o frequente sincretismo metodológico

presente em grande parte da doutrina.

3.3. O Percurso Gerador de Sentido e os Planos S1, S2, S3 e S4

É interessante investigar o esquema que Paulo de Barros Carvalho151 adota

para separar os subsistemas de manifestação do direito e a estrutura da norma jurídica,

tudo de acordo com os conceitos acima mencionados. Assim, o intérprete partindo da

leitura dos enunciados prescritivos S1, articula as significações (proposições) S2 e

compõe a norma jurídica S3, também denominada “expressão irredutível de

manifestação do deôntico” (juízo hipotético-condicional), depois surge S4 o plano das

significações normativas sistematicamente consideradas.

Ou seja, ao examinar a incidência de normas jurídicas e o processos de

produção normativa é de suma relevância repisar o esquema que Paulo de Barros

Carvalho152 adota para separar os subsistemas de manifestação do direito positivo e a

149 Citado por: CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo:

Noeses, 2010. p. 223 150 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo, Saraiva, 2011. p.40 151 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed.

Saraiva, São Paulo, 2010. 152 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed.

Saraiva, São Paulo, 2010.

Page 104: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

104

estrutura da norma jurídica. De acordo com os conceitos mencionados anteriormente, o

intérprete partindo da leitura dos enunciados prescritivos (S1), articula as significações

ou proposições (S2) e compõe a norma jurídica (S3), também denominada “expressão

irredutível de manifestação do deôntico” (juízo hipotético-condicional), depois surge

(S4) o plano das significações normativas sistematicamente consideradas.

Assim, para que se possa falar em norma jurídica é preciso que hajam

enunciados válidos no direito positivo que ao serem interpretados produzam na mente

do intérprete o juízo hipotético-condicional direcionado à regulação de condutas

humanas (dado o fato f, deve ser a relação R).

Eurico de Santi reforça a afirmação de que a validade pode ser atribuída a

todos os planos de manifestação do Direito (S1, S2, S3 e S4). É possível falar em

validade do texto, validade do sentido ou da significação e validade das normas

jurídicas. Tárek Moussalem explica:

“A validade do enunciado prescritivo é condição suficiente e

necessária para a validade das proposições isoladas e das

normas jurídicas. Pode haver validade do enunciado sem que

haja validade das proposições isoladas e das normas jurídicas,

mas não pode haver validade destas ultimas sem a validade do

primeiro.” 153

Paulo de Barros Carvalho154 é claro ao explicar que se por um lado o

processo de interpretação não tem limites, por outro, o ato de interpretar está

aprisionado a dois axiomas, quais sejam: a intertextualidade e a inesgotabilidade. O

primeiro corresponde à intensa conversação que os textos mantêm entre si, o segundo o

de que a interpretação é infinita, não possuindo restrição no campo semântico.

153 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. A revogação em matéria tributária. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2011.

p.144 154 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 196

Page 105: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

105

Dito isto, não há diferença entre a interpretação feita pelo cientista do

Direito e a interpretação realizada pelo aplicador do direito. Ambas ocorrem do mesmo

modo, com a construção da norma jurídica pelo intérprete. O que existem são os

sentidos válidos, que Kelsen chamou de “interpretação autentica”, positivados pelos

aplicadores do direito, por exemplo, quando os tribunais e juízes produzem ou

enunciam uma norma individual e concreta.

Aurora Tomazini155 explica que sob esta perspectiva, não existem

interpretações jurídicas certas ou erradas, pois “certo/errado” não passa de mais uma

valoração e a quem competiria dizê-lo? Podemos falar em interpretações mais aceitas,

menos aceitas, justificadas, não justificadas, positivadas e não positivadas.

Apesar de termos a expectativa da certeza e da segurança, da existência de

uma única significação correta, isso é um mito, não há um único método hermenêutico a

indicar o sentido adequado.

O conceito de um vocábulo não depende da relação com a coisa, mas da

relação entre palavras. Aurora Tomazini156 expõe o conceito enquanto conotação, onde

ele cria uma classe de uso da palavra (x) e com ela a classe do seu não uso (-x),

denominada seu contraconceito. Todo conceito, desse modo, tem função seletiva, a

linguagem não reproduz o empírico, é impossível quando trabalha-se no plano das

ideias (conteúdos de consciência). Mais adiante ensina: “definir é pôr em palavras o

conceito” 157 . Definir é demarcar, é explicar o conceito, pô-lo em palavras, apontado a

forma e o uso. Conceituar representa algo universal, é descrever características. Por sua

vez, definir é por limites, é delimitar.

Paulo de Barros Carvalho exprime: “definir é operação lógica demarcatória

dos limites, das fronteiras, dos lindes que isolam o campo de irradiação semântica de

155 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p.

232 156 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p.

56 157 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p.

59

Page 106: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

106

uma ideia, noção ou conceito. Com a definição, outorgamos à ideia sua identidade, que

há de ser respeitada do inicio ao fim do discurso.”158

Conceituar ou definir são atividades intrínsecas ao cientista do Direito, sua

linguagem é descritiva. Não existem “conceitos jurídicos indeterminados” e “conceitos

jurídicos determinados”, o que há é a ideia que cada um tem do termo, por vezes alguns

suscitam maiores discussões, sua zona de penumbra é maior.

O que prevalece para dotar o sistema de certa segurança e certeza é a

decisão judicial transitada em julgado, que visa a instituir a interpretação que terá

validade (em alguns casos relativizada ou combatida com o ajuizamento de ação

rescisória). A origem do sentido fruto da interpretação que convenceu e motivou a

decisão do juiz é por demais complexa, e depende de inúmeras variantes, seja por sua

justificação, retórica, valores, interesses. Posto isso, não significa que aquele é o sentido

mais certo, é apenas o válido, ou seja, caso haja conflito de interesses o sentido

produzido pelo judiciário é o que prevalece, vez que possuidor do poder de “dizer” o

direito. Dai poderíamos pensar em uma “autoridade da coisa interpretada” assim como

na “autoridade da coisa julgada”.

Problemas comuns a quase todos os termos da linguagem são a ambiguidade

e a vaguidade. Sem dúvidas que isto acarreta em alguns casos incerteza e insegurança

jurídica. Para solucionar tais problemas Rudolf Carnap sugeriu filtrarmos os termos

numa técnica chamada “processo de elucidação”. No entanto, é impossível expurgá-los

definitivamente, nesse sentido o professor Tárek Moysés Moussalem afirma:

“funciona da seguinte forma: já que não conseguimos vencer

nosso inimigo (ambiguidade, vaguidade e carga emotiva),

procuramos conviver com ele pacificamente, caso contrário,

158 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008.

Page 107: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

107

viver (em um mundo linguístico), habitar uma linguagem,

tornar-se-ia, insuportável.”159

Com efeito, a súmula vinculante, por exemplo, é uma tentativa de

solucionar divergências interpretativas por meio da positivação de novo enunciado

prescritivo com aplicação vinculante. Mesmo assim, apesar de buscar elucidar alguma

controvérsia e entregar maior segurança jurídica, a própria súmula ainda será alvo de

interpretação. Assim, no mundo jurídico fica ainda mais fácil e evidente afirmar que o

Direito é linguagem, por isso Castanheira Neves160 afirma: o universo jurídico deve ser

compreendido como um universo linguístico.

Nesse sentido, nos próximos capítulos analisaremos o teor e a extensão dos

efeitos da Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal.

3.4 Utilização da Semiótica

Para bem compreender a função desempenhada pelo direito alguns

instrumentos serão empregados, tais como a teoria dos sistemas, a teoria das classes, a

teoria das relações, a análise estática da estrutura lógica das normas e a atuação

dinâmica da regra jurídica tributária, sempre abordando os planos sintático, semântico e

pragmático.

Com efeito, tomando a linguagem como instrumento do saber científico,

observa-se que, para um estudo mais acurado, o cientista carece de ferramenta apta a

filtrar as ambiguidades inerentes aos vocábulos utilizados.

159 Citado por: CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo:

Noeses, 2010. p. 64 160 CASTANHEIRA NEVEZ, Antonio. Metodologia jurídica. Problemas fundamentais. Coimbra:

Coimbra editores, 1993.

Page 108: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

108

Com o escopo de favorecer a análise do objeto, utilizam-se recursos

semióticos161 que contribuem e agregam rigor, configurando modo bastante adequado,

para sistematizar o objeto de estudo. Assim, o direito visto sob a lente dos três planos

semióticos é melhor compreendido.

Clarice Von Oertzen exprime que seguindo pela teoria geral dos signos de

Charles Morris, baseada na semiótica de Peirce, ressaltam-se três dimensões que a

linguagem apresenta: sintática, semântica e pragmática. No plano sintático é possível

perquirir sobre a ordem que as palavras devem ser postas para que o enunciado tenha

sentido, a colocação de vocábulos aleatoriamente não dá validade sintática ao discurso e

impede que a comunicação flua. Sob o ângulo semântico da linguagem verifica-se a

correspondência entre a palavra e os objetos significados, de modo a analisar a verdade

do discurso. Já pelo prisma pragmático observa-se a relação que os signos mantêm com

o emissor e o destinatário da mensagem, também chamados de utentes da linguagem.

O filósofo americano Charles Sanders Pierce destaca o aspecto triádico da

semiótica, o signo, o objeto e o interpretante; classifica ainda os signos em: ícones,

índices e símbolos. Pierce definiu os signos se manifestando da seguinte forma:

“Um signo ou representamen, é aquilo que, sob certo aspecto ou

modo, representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é,

cria na mente dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez um

signo mais desenvolvido.” 162

Signo, portanto, é a unidade do sistema comunicacional que contém a

mensagem - conjunto estruturado de signos - a ser transmitida entre os utentes da

linguagem. Paulo de Barros Carvalho adota a terminologia husserliana de signo como

suporte físico, significação e significado.

161 ARAUJO, Clarice Von Oertzen. Incidência Jurídica – Teoria e Crítica. São Paulo: Noeses, 2011. 162 PIERCE, Charles Sanders. Semiótica. p. 45. In: ARAUJO, Clarice Von Oertzen. Incidência Jurídica –

Teoria e Crítica. São Paulo: Noeses, 2011. p. 29

Page 109: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

109

Transpondo para o universo jurídico, tais categorias auxiliarão

substancialmente ao se estudar o fenômeno da incidência da norma e a construção dos

fatos jurídicos.

Observando por esse prisma, o direito positivo é o suporte físico ou signo.

Com a interpretação do enunciado prescritivo individualmente considerado, temos o

significado ou proposição jurídica; em seguida, formam-se as significações estruturadas

que são as normas jurídicas, ou seja, ideias, conceitos produzidos em nossa mente.

Empregar noções trazidas da semiótica enriquecem os horizontes investigativos.

A norma jurídica, em sentido estrito, ou seja, aquela significação deôntica, é

produzida na mente do intérprete. Ela é articulada entre seus elementos (semântica) e

estruturada na forma lógica do condicional (sintática), resultado do uso prescritivo da

linguagem (pragmática).

Visto sob a lente dos três planos semióticos a norma jurídica é melhor

sopesada, por exemplo, o artigo 5º, do Código Tributário Nacional: “Art. 5º Os tributos

são impostos, taxas e contribuições de melhoria.”

A análise sintática do referido enunciado se dá pelo estudo dos signos entre

si, devendo respeito às regras da gramática da língua portuguesa. Assim, investigando a

estrutura da frase constata-se que a oração está corretamente posta.

O aspecto semântico se projeta sobre a explicação dos significados dos

termos utilizados, de acordo com as acepções presentes na linguagem jurídica. Caso o

legislador crie indevidamente alguma figura incompatível com o dispositivo legal

citado, o ato de extirpar a norma pode ser fundamentado na incompatibilidade

semântica do vocábulo.

Sob o enfoque pragmático a análise é feita pela forma como o dispositivo é

utilizado, sendo infinitas as maneiras de aplicar o referido artigo.

A visão triádica será constantemente trabalhada. Analisar a Norma

Sancionatória sob os três níveis – sintático, semântico e pragmático – permite a

Page 110: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

110

identificação de problemas que antes eram confusos e obscuros, a separação entre os

níveis torna as propostas e soluções bem mais precisas.

3.5 Fenomenologia da Incidência em Pontes de Miranda e em Paulo de Barros

Carvalho

Analisando a extensão semântica do vocábulo incidência é possível

identificar as acepções:

“Derivado de incidir, do latim incidire (cair sobre), exprime a

ação ou efeito de incluir, isto é, de cair ou ir sobre ou contra

qualquer coisa. Mostra, deste modo, o toque de uma coisa em

outra, em virtude do que esta segunda coisa, sentindo o toque

ou o efeito dele, é ferida ou atacada. ( ... ) Pela efetividade da

incidência tributária, então, é que se verifica a diversidade do

imposto, dito direto ou indireto. Quer isto dizer que, pela

efetividade ou realidade da incidência, se é direta ou indireta, é

que os impostos se distinguem nos dois aspectos. (...) Na

terminologia fiscal, a incidência quer significar o alcance ou

chegada efetiva do imposto sobre a pessoa que o deve pagar ou

contribuir com o encargo que lhe é atribuído.” 163

“INCIDIR. Do latim incidere, é aplicado na linguagem jurídica

no sentido de incorrer, acontecer, atacar. Na terminologia do

Direito Tributário é anotado, principalmente, com a

significação de suportar ou recair.” 164

163 De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico. 18ª Edição, Atualizadores: Nagib Slaibi filho e Geraldo

Magela Alves. 164 De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico. 18ª Edição, Atualizadores: Nagib Slaibi filho e Geraldo

Magela Alves.

Page 111: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

111

Existem duas principais correntes no que se refere à explicação do

fenômeno da incidência. Pela teoria tradicional, capitaneada por Pontes de Miranda, a

incidência é automática e infalível no plano factual:

“Incidência e aplicação. Das considerações acima temos de

tirar: (a) que é falsa qualquer teoria que considere apenas

provável ou suscetível de não ocorrer a incidência das regras

jurídicas (o homem não organizou a vida social deixando

margem à não-incidência, porque teria sido o ordenamento

alógico, em sistema de regras jurídicas em que essas poderiam

não ser), e.g., as teorias que afirmam que algumas regras

jurídicas não se aplicam e, pois, não são (confusão entre

incidência e aplicação); (b) que é essencial a todo estudo sério

do direito considerar-se, em ordem, a) a elaboração da regra

jurídica (fato político), b) a regra jurídica (fato criador do

mundo jurídico), c) o suporte fático (abstrato), a que ela se

refere, d) a incidência quando o suporte fático (concreto) ocorre,

e) o fato jurídico, que daí resulta, a eficácia do fato jurídico, isto

é, as relações jurídicas e mais efeitos dos fatos jurídicos. (...) Se

bem meditarmos, teremos de admitir que a incidência é no

mundo social, mundo feito de pensamentos e outros fatos

psíquicos, porém nada tem com o que se passa dentro de cada

um, no tocante à adesão à regra jurídica, nem se identifica com a

eventual intervenção da coerção estatal. A incidência da lei

independe da sua aplicação; sem aqui trazermos à balha que

os homens mais respeitam do que desrespeitam as leis, ou

que as sanções são menos frequentes que as observâncias

(e.q,, E. Ehrlich, Grundlegung der Soziologie des Rechts, 17),

porque, então, estaríamos no plano fático (físico) da sociologia

Page 112: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

112

do direito, em vez de nos mantermos no plano lógico da teoria

geral do direito.” 165 (grifo nosso)

Inicialmente, antes de contrapor seus ensinamentos é preciso tentar entender

as circunstâncias que influenciaram o pensamento de Pontes de Miranda. Marcado por

forte influência da física, mais especificamente a física clássica, há uma visão

mecanicista – determinista do direito. Nesse sentido, podemos citar físicos como:

Descarte, Newton e Francis Bacon que compõem, cada um a seu modo, o pensamento

da física clássica. Essa influência nos permite compreender seu entendimento acerca da

Incidência assinalada por uma visão mecanicista-determinista.

Galderise Fernandes Teles166 muito bem pontifica esses conceitos

fundamentais:

( i ) Suporte Fáctico:

“O suporte fáctico (Tatbestand) da regra jurídica, isto é, aquele

fato, ou grupo de fatos que o compõe, e sobre o qual a regra

jurídica incide, pode ser da mais variada natureza. (...) É

incalculável o número de fatos do mundo, que a regra jurídica

pode fazer entrarem no mundo jurídico, - que o mesmo é dizer-

se pode tornar fatos jurídicos. Já aí começa a função

classificadora da regra jurídica: distribui os fatos do mundo em

fatos relevantes e fatos irrelevantes para o direito, em fatos

jurídicos e fatos ajurídicos.” 167

Verifica-se que o suporte fáctico corresponde à multiplicidade de

acontecimentos aptos a se tornarem relevantes para o direito, ou seja fatos jurídicos,

165 MIRANDA, Pontes de. TRATADO DE DIREITO PRIVADO-TOMO I -PARTE GERAL 166 TELES. Galderise Fernandes. Planejamento Tributário e Normas Antielisivas: Uma Análise a Partir

Da Perspectiva De Nosso Sistema Constitucional. Dissertação de Mestrado, PUC, 2014. 167 Miranda. Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral – Tomo I. Introdução. Pessoas Físicas e

Jurídicas. Rio de Janeiro. Editor Borsoi. 1954. Pág. 19-20

Page 113: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

113

nesse sentido, torna-se necessário compreender esse segundo elemento na visão de

Pontes de Miranda:

( ii ) Fato Jurídico:

“o fato jurídico é o que entra do suporte fáctico, no mundo

jurídico, mediante a incidência da regra sobre o suporte168; (...)

Para que os fatos sejam jurídicos, é preciso que as regras

jurídicas – isto é normas abstratas – incidam sobre eles, desçam

e encontrem os fatos, colorindo-os, fazendo-os “ jurídicos”.

Algo como a prancha da máquina de impressão. Incidindo sobre

fatos que se passam no mundo, posto que aí os classifique

segundo discriminações conceptuais169.”

Considera-se fato jurídico a parcela do suporte fáctico relevante para o

direito – integrante do âmbito jurídico, sendo que tal processo dá-se mediante a

incidência de regras jurídicas sobre eles, passamos dessa forma, ao terceiro elemento

relevante para compreensão de incidência jurídica, temos as regras jurídicas.

( iii ) Regra Jurídica:

“Da incidência do direito objetivo (= regras jurídicas) é que

resultam os fatos jurídicos, o mundo jurídico. Direito subjetivo

já é efeito dos fatos jurídicos.” 170

“Para que os fatos sejam jurídicos, é preciso que as regras

jurídicas – isto é normas abstratas – incidam sobre eles, desçam

e encontrem os fatos, colorindo-os, fazendo-os “jurídicos”. Algo

como a prancha da máquina de impressão. Incidindo sobre fatos

168 Miranda. Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral – Tomo I. Introdução. Pessoas Físicas e

Jurídicas. Rio de Janeiro. Editor Borsoi. 1954. Pág. 04. 169 Miranda. Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral – Tomo I. Introdução. Pessoas Físicas e

Jurídicas. Rio de Janeiro. Editor Borsoi. 1954. Pág. 06. 170 Miranda. Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral – Tomo I. Introdução. Pessoas Físicas e

Jurídicas. Rio de Janeiro. Editor Borsoi. 1954. Pág. 05.

Page 114: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

114

que se passam no mundo, posto que aí os classifique segundo

discriminações conceptuais.”171

Temos portanto, a regra jurídica como normas abstratas, logo inseridas no

âmbito do direito objetivo, interessante notar que na perspectiva de autor alagoano – os

fatos jurídicos, mundo jurídico resultam da incidência, havendo nesse momento a

causalidade jurídica para posteriormente verificar-se o direito subjetivo e sua respectiva

aplicação. Cabe, portanto verificar o sentido de causalidade jurídica.

( iv ) Causalidade Jurídica:

“A causalidade no jurídico, prende-se à estrutura do pensamento

humano e a sua descoberta de poder adotar, para os fatos, regras

que incidam. Não é a lei que “ordena” incidirem as suas regras;

as regras jurídicas incidem, a lei incide, porque a lei e as demais

regras jurídicas foram concebidas para esse processo de

adaptação social (...) A causação, que o mundo jurídico prevê, é

infalível, enquanto a regra jurídica existe.” 172

A causalidade jurídica no autor em análise é acontecimento do âmbito do

pensamento humano, nesse sentido a causalidade prevista pelo âmbito jurídico é

infalível, uma vez que exista regra jurídica.

( v ) Aplicação

“A incidência das regras jurídicas é sobre todos os casos que

elas têm como atingíveis. Nesse Sentido, as regras jurídicas são

de conteúdo determinado, e não se poderia deixar ao arbítrio de

alguém a incidência delas, ou não. (...) incidência é eficácia:

171 Miranda. Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral – Tomo I. Introdução. Pessoas Físicas e

Jurídicas. Rio de Janeiro. Editor Borsoi. 1954. Pág. 06. 172 Miranda. Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral – Tomo I. Introdução. Pessoas Físicas e

Jurídicas. Rio de Janeiro. Editor Borsoi. 1954. Pág. 18.

Page 115: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

115

porém eficácia não é só incidência. A incidência distingue-se da

aplicabilidade.”173

“A incidência das regras jurídicas nada tem com o seu

atendimento: é fato do mundo dos pensamentos. O atendimento

é em maior número, e melhor, na medida do grau de civilização.

A falta no atendimento é que provoca a não-coincidência entre

incidência e atendimento ( = auto aplicação ) e a necessidade de

aplicação pelo Estado, uma vez que não se tem mais, na quase

totalidade dos casos, a aplicação pelo outro interessado ( justiça

própria, ou mão própria).”174

Percebe-se que o autor separa com marcas claras a incidência da aplicação,

nesse sentido, a primeira é fenômeno que ocorre no âmbito do pensamento ao passo que

a segunda é decorrência dessa. Realizadas essas considerações inicias, cabe agora,

adentramos na compreensão de incidência jurídica para Pontes de Miranda, nesse

contexto, vejamos algumas considerações do autor acerca do assunto:

( vi ) Incidência

“A incidência da regra jurídica ocorre como fato que cria ou

continua de criar o mundo jurídico; é fato dentro do mundo dos

nossos pensamentos. (...) Se bem meditarmos, teremos de

admitir que a incidência é no mundo social, mundo feito de

pensamentos e outros fatos psíquicos, porém nada tem com o

que se passa dentro de cada um, no tocante à adesão à regra

jurídica, nem se identifica com a eventual intervenção da

coerção estatal. A incidência da lei independe de sua aplicação.

(...) A regra jurídica lá está, despregado o cordão umbilical ao

órgão legislativo, se o houve, se o não houve, o mecanismo foi

173 Miranda. Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral – Tomo I. Introdução. Pessoas Físicas e

Jurídicas. Rio de Janeiro. Editor Borsoi. 1954. Pág. 12-15. 174 Miranda. Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral – Tomo I. Introdução. Pessoas Físicas e

Jurídicas. Rio de Janeiro. Editor Borsoi. 1954. Pág. 16.

Page 116: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

116

mais rudimentar: fatos passados realizavam a norma, ao mesmo

tempo que ela os regia (costume). Numa e noutra espécie,

ocorridos certos fatos conteúdos, ou suportes fácticos , que têm

de ser regrados, a regra jurídica incide. A sua incidência é como

a da plancha da máquina de impressão, deixando a sua imagem

colorida em cada folha175. “

“Da incidência do direito objetivo ( = regras jurídicas ) é que

resultam os fatos jurídicos, o mundo jurídico. Direito subjetivo

já é efeito dos fatos jurídicos176. “

“ A incidência da regra jurídica é a sua eficácia; não se confunde

com ela, nem com a eficácia do fato jurídico; a eficácia da regra

jurídica é a sua incidência; a do fato jurídico, irradia-se, é

jurisdicização das consequências dele, devido à incidência. (...)

Já aqui estão nitidamente distinguidos, apesar da confusão

reinante na ciência europeia: a eficácia da regra jurídica, que é a

de incidir, eficácia “legal” ( da lei), eficácia nomológica (= da

regra jurídica); e a eficácia jurídica, mera irradiação de efeitos

dos efeitos dos fatos jurídicos” 177

Diante dessas considerações, Galderise Fernandes Teles aponta que o

fenômeno da incidência jurídica em Pontes de Miranda é marcado pelas seguintes

características/premissas:

( i ) a incidência jurídica é um fenômeno do mundo social que

ocorre no pensamento;

( ii ) sendo responsável pela criação de fatos jurídicos;

( iii ) os quais são construídos a partir de um suporte fáctico;

175 Miranda. Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral – Tomo I. Introdução. Pessoas Físicas e

Jurídicas. Rio de Janeiro. Editor Borsoi. 1954. Pág. 07-11. 176 Miranda. Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral – Tomo I. Introdução. Pessoas Físicas e

Jurídicas. Rio de Janeiro. Editor Borsoi. 1954. Pág. 05. 177 Miranda. Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral – Tomo I. Introdução. Pessoas Físicas e

Jurídicas. Rio de Janeiro. Editor Borsoi. 1954. Pág.16-17.

Page 117: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

117

( iv ) nesse sentido, a incidência é automática e infalível, uma

vez que

( v ) a causalidade jurídica em Pontes prende-se à estrutura do

pensamento humano;

( vi ) não havendo que confundir a incidência com o ato de

aplicação, haja vista, que a incidência independe da aplicação;

( vii ) sendo o direito subjetivo efeito dos fatos jurídicos;

( viii ) por fim, na lição de Pontes de Miranda a eficácia da regra

jurídica é sua incidência, contudo não se confunde com a

eficácia do fato jurídico que é a jurisdicização das

consequências dele.

Por sua vez, Paulo de Barros Carvalho, ao analisar o tema, sob outra ótica,

argumenta que a norma não é aplicada automaticamente. Assim, para que incida,

necessário se faz a presença de alguém que aplique-a, sob esse enfoque, não prevalece a

diferença temporal entre incidência e aplicação. Caracteriza-se como sendo o ato

mediante o qual a autoridade competente formaliza os direitos e deveres para que

produzam efeitos jurídicos.

Seguindo a comparação, Pontes de Miranda178 já prelecionava ser o direito

caracterizado pela qualidade de suas regras jurídicas, únicas dotadas de força de

incidência, em função da coercitividade que se lhes acrescenta:

Incidência da regra jurídica e juridicidade. Para que os fatos

sejam jurídicos, é preciso que regras jurídicas — isto é, normas

abstratas — incidam sobre eles, desçam e encontrem os fatos,

colorindo-os, fazendo-os “jurídicos”. Algo como a prancha da

máquina de impressão, incidindo sobre fatos que se passam no

mundo, posto que aí os classifique segundo discriminações

conceptuais. Só excepcionalmente a lei cogita de um só caso,

sem que esse caso seja, sozinho, a sua classe. A generalidade

não é, pois, essencial à lei; é exigência que, através da evolução

humana, se vem fazendo á lei (Constituição Política do Império

do Brasil, art. 179; Constituição de 1891, art. 72; de 1934, art.

178 MIRANDA, Pontes de. Sistema de Ciência Positiva do Direito. 4 Tomos. Campinas, Bookseller,

2000.

Page 118: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

118

113, 1); de 1937, art. 122, 1; de 1946, art. 141, § 1º de 1967,

com a Emenda nº 1, de 1969, art. 153, § 1º de 1988, art. 59,

caput): a regra jurídica há de ser igual para todos os fatos da

mesma classe (isonômica). À lei é essencial colorir fatos,

tornando-os fatos do mundo jurídico e determinando-lhes os

efeitos (eficácia deles). Se a lei trata por igual fatos da mesma

classe, a eficácia desses fatos será a mesma, se consideramos

qualquer deles. A incidência da regra jurídica ocorre como fato

que cria ou continua de criar o mundo jurídico; é fato dentro do

mundo dos nossos pensamentos, — perceptível, porém, em

Consequências que acontecem dentro do mundo total. Quando o

Código Civil estatui que, “aberta a sucessão”, isto é, morto

alguém, “o domínio e a posse da herança” se “transmitem”,

desde logo, “aos herdeiros legítimos e testamentários”,

estabelece ele que ao fato (jurídico) da morte suceda,

imediatamente, o fato jurídico da transmissão dos bens; nenhum

instante fica vazio entre a propriedade do falecido e a

propriedade dos herdeiros. Tudo isso se desenrola mediante o

pensamento, que está na regra jurídica (pensar vem de pesar), e

incide nos fatos, ainda em queda (incidere, cadere) que só se

passa no mundo dos nossos pensamentos, porém que nós vemos

em suas Consequências: a entrada dos herdeiros na casa, a reti-

rada dos objetos, o alojamento deles, a venda em leilão e a

distribuição, entre eles, da quantia apurada; e que ouvimos nas

conversações do escrivão do cartório, nas defesas dos advogados

e nos julgamentos dos juízes. (...) O que é artificial, o que é

técnico, mas irredutível, está aí: não foi nem é possível a regra

jurídica de realização puramente mecânica: se ela coincidisse

com os fatos, não precisaria de eventual aplicação; nem seria

possível a cisão lógica e política “incidência-aplicação”.179

179 MIRANDA, Pontes de. TRATADO DE DIREITO PRIVADO-TOMO I -PARTE GERAL

Page 119: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

119

Suplantadas as diferenças entre teorias, tais questionamentos de Pontes de

Miranda levantam instantaneamente a indagação sobre a adequada forma de

constituição dos fatos jurídicos pressupostos de incidência das normas.

O aplicador do direito recebe e processa a norma geral e abstrata, remetendo

nova mensagem, ao expedir norma individual e concreta, tudo mediante processo

comunicacional. A incidência da norma geral e abstrata dá-se focando a atividade de

enunciação perpetrada pelo aplicador da norma individual e concreta.

Paulo de Barros Carvalho180, leciona: a passagem da norma abstrata para a

norma concreta, processo mediante o qual se dá a incidência daquela norma,

exatamente, nessa redução à unidade: de classes com notas que se aplicariam a infinitos

indivíduos, nos critérios da hipótese, chegamos a classes com notas que correspondem a

um e somente um elemento.

Como ensina o mestre pernambucano Lourival Vilanova, os juízos-de-valor

repousam em tomadas de posição. Assim, para atingir a norma individual e concreta, ele

exemplifica: “Julgar, para o juiz, é ato de decisão, racionalmente orientado pela

norma, que é racionalização da conduta, mas visando a ordenação justa do inter-

humano. E o julgamento, ou a sentença, como ato terminal do processo, é uma

individualização da norma geral: inclui, por isto mesmo, mais que o geral. O ato

jurisdicional quer, até certo ponto, apanhar a vida em toda a sua concrescência, a vida

como tumulto de aspirações, de fins, de interesses, entrechocando-se, compondo-se

aqui, desfazendo-se ali, recompondo-se depois.” 181

a) Sintático: Subsunção e Imputação

Fazer uso da Teoria das Classes para analisar o fenômeno da incidência é

uma das mais valiosas formas de se estudar o direito. O legislador, ao produzir a norma

180 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed.

Saraiva, São Paulo, 2010. 181 VILANOVA, Lourival. Escritos jurídicos e filosóficos. Editora AXIS MVNDI, 2003. p.361

Page 120: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

120

geral e abstrata, delimita o campo de extensão da hipótese, demarcando fatos que se

projetam sobre a linguagem da realidade social. Por outro lado, no consequente, o

legislador define atributos pressupostos da relação jurídica.

Com efeito, dizer que um elemento pertence à classe, implica que ele

satisfaz as características definitórias da classe. Subsunção é inclusão de classes e

subclasses, é nos dizeres de Paulo de Barros, operação lógica entre conceitos, isto é,

entre classes. Desse modo, a relação de pertinência é a adequação dos elementos ao

critério de unicidade do conjunto.

Para preservar o corte efetuado pelo legislador, o princípio da estrita

legalidade estabelece que a lei descreva os elementos do fato e os dados necessários,

para se estabelecer a relação jurídica. Decorrência desse preceito é a necessidade do

exato enquadramento do fato à norma, ou seja, a plena correspondência entre o fato

jurídico tributário e a hipótese de incidência. 182

Ao formalizar em termos lógicos a fenomenologia da incidência, deve-se

observar que a relação de subsunção e imputação está condicionada aos termos

previstos em lei. E mais: para constituição dos fatos, é indispensável que seu relato se

dê em linguagem competente, pois só por meio das provas é possível averiguar quanto à

sua correta produção. Para que isto ocorra é indispensável a presença de uma pessoa que

faz incidir o direito. Está impugnada a concepção automática e infalível que o grande

Pontes de Miranda defende:

A incidência das regras jurídicas não falha; o que falha é o

atendimento a ela. Se se escreve, por exemplo, que, “se há infração

da regra jurídica, a incidência da regra falha em realidade, está-se a

falar em acontecimento do plano do atendimento (ai, dito da

182 Pontes de Miranda preleciona: a fenomenologia do “fato gerador” não é originariamente específica do

Direito Tributário, mas fenomenologia comum a todo o Direito (hipótese de incidência, suporte fáctico,

“fattispecie”, “Tatbestand”), são sinônimos de fato gerador. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito

Privado, vol. I, Rio de Janeiro, 1954. Citado por: BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito

Tributário. 5ª ed., São Paulo: Noeses, 2010. p.100

Page 121: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

121

realidade), com os olhos fitos no plano das incidências, que é o do

mundo jurídico, o plano do pensamento. 183

Cabe destacar o que se compreende por causalidade, nesse sentido, Nicola

Abbagnamo identifica dois sentidos para esse termo, concluindo que “a ambas essas

formas são comuns as noções de previsibilidade unívoca, infalível, do efeito a partir da

casa e, portanto, também a de necessidade da relação causal.” 184

b) Semântico: denotação

Investigando a passagem das normas de maior abrangência percorrendo o

caminho até as de máxima concretude estaremos analisando como o direito se

movimenta, é uma visão dinâmica do ordenamento. Do patamar normativo

constitucional até o lançamento tributário sucedem-se operações variadas, eis a

derivação e a positivação do direito. Paulo de Barros Carvalho explica:

“Positivação e derivação não são processos simétricos.

Positivação é sequência de atos ponentes de normas no quadro

da dinâmica do sistema. Seu trajeto é uniforme e a direção,

sempre descendente Já derivação é operação lógico-semântica

em que se articula uma unidade normativa a outras que lhe são

sobrepostas ou sotopostas na hierarquia do conjunto. Cada

impulso de positivação provoca um vínculo de derivação. Com

isso, o jurista compõe o cálculo de normas, conjugando-as para

agrupá-las, mediante iniciativas de coordenação ou em

183 MIRANDA, Pontes de. TRATADO DE DIREITO PRIVADO-TOMO I -PARTE GERAL 184 ABBAGNAMO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo. Martins Fontes. 1999. Verbetes “

causalidade” e “determinismo”. Pág.124.

Page 122: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

122

movimentos ascendentes e descendentes sugestivos de

subordinação.” 185

Para analisar a positivação do direito faz-se oportuno observar as operações

de derivação, atividade lógico-semântica responsável por relacionar as normas de modo

descendente e oblíquo confluindo para a expedição de novo enunciado prescritivo, ou

seja, concluindo temos o procedimento de positivação. Paulo de Barros Carvalho

exprime: “Inexiste processo de derivação sem atividade de positivação que a anteceda

ou como algo que, de imediato, lhe seja subsequente. Daí a bidirecionalidade da

derivação: ascendente e descendente.” 186

A incidência é caminho que partindo das normas de maior generalidade, das

classes conotativas de fatos até os de máxima concretude, denotativamente

considerados. São muitas idas e vindas numa operação psicofísica complexa.

c) Pragmático: interpretação e produção da norma individual e concreta

Nesses termos, a assertiva de que a incidência é automática e infalível, além

de ser um fenômeno do pensamento, implica em aceitar que o pensamento é infalível.

Em outras palavras, tal consideração condena o pensamento a um determinismo

imutável, aprisiona-o de maneira a não possibilitar outra alternativa de atuação, retira

qualquer margem de liberdade por atrelá-lo a uma previsibilidade infalível. Como se

todos pensassem de modo semelhante.

Com efeito, temos compreensão no sentido de que o aplicador do direito

recebe e processa a norma geral e abstrata, remetendo nova mensagem, ao expedir

norma individual e concreta. Para tanto, observa a regra-matriz de incidência tributária

185 CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e positivação no direito tributário. Volume I. São Paulo:

Noeses, 2011. 186 CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e positivação no direito tributário. Volume I. São Paulo:

Noeses, 2011.

Page 123: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

123

que possui no seu descritor: o critério material, o critério temporal e o critério espacial,

o enunciado factual há de ser produzido mediante denotação dos critérios da hipótese,

nos limites conotativos por ela estabelecidos.

Assim, com a expedição da norma individual e concreta temos o fato

jurídico como relato em linguagem competente, de um acontecimento passado, capaz de

produzir efeitos na ordem do direito. Sobre o tema, a professora Fabiana Del Padre

Tomé187 é incisiva ao proclamar ser o fato jurídico aquele que pode expressar-se em

linguagem competente, isto é, mediante linguagem das provas que a lei identifica como

necessária para o relato jurídico dos acontecimentos que o legislador atribuiu

importância valorativa.

A diferença entre os enunciados da norma jurídica geral e abstrata e norma

jurídica individual e concreta está precisamente no grau de determinação. Enquanto na

norma geral e abstrata se projeta para o futuro desenhando a conotação do evento, na

norma individual e concreta suas referencias voltam-se para o passado. Assim, a

hipótese de incidência e o consequente estão contidos na norma geral e abstrata,

enquanto o fato jurídico e a relação jurídica estão previstos na norma individual e

concreta.

A incidência das normas sancionatórias demandam o mesmo esforço

humano, as normas de sanção incidem da mesma forma que as demais. No

entanto, existem peculiariades, como o processo de produção.

A fenomenologia da incidência das normas sancionatóras tributárias e

das normas penais tributárias, assim como a de quaisquer outras normas jurídicas

é semelhante. Ou seja, o processo psicofísico de ponência de normas no sistema é

igual. No entanto, os veículos introdutores divergem, o agente competente é

diferente e a produção do fato jurídico em cada caso possui natureza específica,

como será visto.

187 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2008.

Page 124: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

124

CAPÍTULO IV

Regra-Matriz da Norma Tributária e da Norma Sancionatória Tributária

4.1. A Regra-Matriz de Incidência

Instrumento fundamental para o presente estudo, o esquema lógico-

semântico da regra-matriz pode ser utilizado em todas as áreas do direito e tem

aplicabilidade incontestável, funcionando, tanto para delimitar o âmbito de incidência

normativa, como para controlar a constitucionalidade e legalidade da sua produção.188

Baseado no método de Husserl da redução eidética, o professor Paulo de

Barros Carvalho criou a chamada Regra Matriz de Incidência Tributária - RMIT,

esquema lógico-semântico, composto pela hipótese - critérios material, espacial e

temporal -, ligada por implicação deôntica não modalizada ao consequente - critérios

pessoal, composto pelos sujeitos ativo e passivo, e quantitativo.

Por longos anos os estudiosos do Direito Tributário se dedicaram à

elaboração de uma teoria da Obrigação Tributária, muito se falou sobre a relação

jurídica tributária, seus sujeitos, o objeto, os vínculos obrigacionais, etc.

Toda a teoria se desdobrava em torno dessa relação jurídica, as ponderações

doutrinárias, regra geral, não incluíam o antecedente normativo em suas considerações,

ou não priorizavam seu estudo. Partindo da obrigação tributária os doutrinadores

passavam a tecer seus argumentos vinculando todo desdobramento do Direito Tributário

à relação jurídica.

Amílcar de Araujo Falcão, em 1964, ao trabalhar o “Fato Gerador da

Obrigação Tributária”, fez parte e foi responsável por introduzir a corrente de

pensadores denominada “Escola da glorificação do fato gerador”, que passa a dar maior

importância à hipótese normativa, tendo como percussor de destaque Dino Jarach. O

188 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p.

412

Page 125: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

125

saudoso jurista refletiu bem o pensamento da época e em tom bastante criterioso

demonstrou sempre muita segurança em seus escritos. No entanto, apesar do elevado

grau de debate, o autor baiano adota concepção monista predominante ao seu tempo.

No Brasil, Alfredo Augusto Becker apontou o problema de se considerar a

descrição normativa e a realidade social como entidades semelhantes.

Por outro lado, foi Geraldo Ataliba quem deslocou a atenção para o

antecedente normativo e publicou o seu livro “Hipótese de Incidência Tributária”,

lastreado na teoria geral do direito e na teoria da incidência normativa. Aponta a

diferença entre a hipótese de incidência e o chamado fato imponível, Pontes de Miranda

também distingue o fato jurídico do suporte fáctico.

Com efeito, supera-se a expressão “fato gerador” por sua ambiguidade. Foi o

francês Gaston Jèze quem propagou tal expressão que se tornou objeto de estudos em

diversos lugares do mundo, considerou-se até que se trataria de uma peculiaridade do

Direito Tributário. Uma demonstração da influência dessa expressão pode ser vista pela

leitura dos artigos 4, 16, 105, 113, § 1º, 114 e 144 do Código Tributário Nacional, em

alguns denoda a ideia de hipótese normativa, em outros refere-se ao evento.

Após tecer fundamentada crítica no que se refere à imprecisão que o

mencionado vocábulo representa, pois refere-se tanto à descrição legislativa quando ao

acontecimento do mundo, Paulo de Barros Carvalho, então nomeia a (i) hipótese de

incidência e o (ii) fato jurídico tributário, distinguindo-os dos eventos que se encontram

no mundo fenomênico e que se esvaem no tempo carecendo de relato em linguagem.

Assim, de modo inovador e revolucionário, Paulo de Barros Carvalho

considera igualmente relevantes os dois focos de estudo e cria a norma padrão de

incidência denominada regra-matriz, onde no antecedente encontramos a descrição de

um fato que uma vez ocorrido implica uma relação jurídica obrigacional tributária,

desse modo, não apenas a descrição do fato importa, mas o vínculo relacional é

igualmente relevante na regulação de condutas.

Page 126: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

126

4.1.1. Conceito

Como mencionado, a teoria baseia-se no método da redução eidética

desenvolvido por Husserl, corresponde à redução à essência, ao eidos. Paulo de Barros

Carvalho cria a Regra Matriz de Incidência Tributária - RMIT que consiste no mínimo

irredutível de manifestação do deôntico, privilegiando o aspecto sintático.

Enquanto fórmula, ela ajuda o intérprete na compreensão do Direito,

ordenando e articulando as porções, possibilita o foco nos aspectos de maior

importância.

Sua aplicação representa a conexão entre a teoria e a prática, atualmente são

inúmeros os livros e artigos científicos que possuem em seu título o nome “regra-matriz

de incidência”, seu vigor analítico aprofunda e auxilia a compreender a complexa

incidência tributária. Os tribunais superiores frequentemente a ela fazem referência.

O esquema lógico-semântico da regra-matriz pode ser concebido como um

método, ao aplicá-lo encontraremos rigor formal, além de auxiliar na investigação do

campo semântico e pragmático.

Primeiramente, adota-se a premissa Kelseniana bastante difundida, de que as

normas jurídicas apresentam-se na estrutura hipotético-condicional, chamada também

de antecedente e consequente, suposto e mandamento, hipótese e tese, prótase e

apódose, pressuposto e estatuição, descritor e prescritor. O esquema lógico-semântico

então composto pela hipótese - critérios material, espacial e temporal -, é ligada por

implicação deôntica não modalizada ao consequente - critérios pessoal, composto pelos

sujeitos ativo e passivo, além do quantitativo, base de cálculo e alíquota.

Instrumento fundamental para o presente estudo, a regra-matriz pode ser

utilizada em todas as áreas do direito e tem aplicabilidade incontestável, funcionando,

tanto para delimitar o âmbito de incidência normativa, como para controlar a

Page 127: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

127

constitucionalidade e legalidade da sua produção.189 É nesse caminho que Lucas Galvão

de Britto expõe:

“A Regra-Matriz de Incidência Tributária - afigura-se como

uma das principais contribuições de Paulo de Barros Carvalho

ao estudo do Direito Tributário. Trata-se de expediente que

simplifica a aproximação do sujeito cognoscente com o seu

objeto de estudos e permite-lhe conhecer melhor as variáveis

envolvidas no fenômeno da incidência tributária e relações que

existem entre elas. É uma fórmula que auxilia a compreender

todo e qualquer tributo, justamente porque trabalha com aquilo

que é sua parte eidética: a estrutura, que permanecem a

mesma, ainda que mudem os dados da experiência jurídica.”

190

Nessa toada, preceitua:

“A construção da regra-matriz de incidência, como instrumento

metódico que organiza o texto bruto do direito positivo,

propondo a compreensão da mensagem legislada num contexto

comunicacional bem concebido e racionalmente estruturado, é

um subproduto da teoria da norma jurídica, o que significa

reconhecer tratar-se de contribuição efetiva da Teoria Geral e da

Filosofia do Direito, expandindo fronteiras do território

científico.” 191

A regra-matriz tributária corresponde ao núcleo do tributo, no corpo do

direito positivo encontram-se enunciados esparsos, nessa tessitura de linguagem

189 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p.

412 190 BRITTO, Lucas Galvão. Notas sobre a Regra-Matriz de Incidência Tributária. In VIII Congresso

Nacional de Estudos Tributários. Vários autores, coord. Priscila de Souza. São Paulo: Noeses, 2011. p.

743 191 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 146

Page 128: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

128

conturbada e não científica o interprete tem o trabalho de organizar as proposições

construindo e compondo o arquétipo normativo dos tributos, a norma jurídica tributária

deonticamente organizada forma-se no juízo.

Paulo de Barros Carvalho aduz: norma jurídica “é a expressão mínima e

irredutível (com o perdão do pleonasmo) de manifestação do deôntico, com sentido

completo”192 A ênfase nos termos “mínimo” e “irredutível” é para reiterar a condição

mais enxuta da regra de incidência, não podem faltar nenhum dos elementos,

“manifestação do deôntico” alude ao conectivo condicional, a como a hipótese e a

consequência normativa estão ligadas, justamente pela imputação deôntica posta por um

ato de autoridade.

Com efeito, a regra-matriz de incidência tributária também é a norma

jurídica em sentido estrito. As normas jurídicas possuem todas elas a mesma estrutura

proposta por Kelsen (H → C), hipótese ligada ao consequente por um dever-ser não

modalizado, as variações se dão no plano semântico e pragmático.

Assim, Paulo de Barros Carvalho evita o engrandecimento exacerbado da

hipótese normativa em detrimento do consequente, ressalta o respeito à estrutura da

norma que no antecedente traz a previsão de um fato ligado a uma prescrição de uma

relação jurídica. Colocar toda a importância no suposto normativo como pregavam

Geraldo Ataliba, Amílcar de Araújo Falcão e Ruy Barbosa Nogueira, não lhe pareceu a

alternativa mais adequada.

A hipótese em seu sentir funciona para identificação de um evento, já no

consequente há a previsão da relação jurídico tributária, com o envolvimento dos

sujeitos ativo e passivo, direitos e deveres, bem como o objeto da obrigação de cunho

patrimonial.

Cumpre destacar as características inerentes à relação jurídica que tratamos.

Não compactuamos, por exemplo, com o ideal de que é possível relacionar-se consigo

192 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011.

Page 129: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

129

mesmo. Paulo de Barros Carvalho, consubstanciado nas preciosas lições de Lourival

Vilanova dispõe sobre as características da relação jurídica: retomando pelo prisma

lógico, a relação que une os sujeitos (S' e S") é uma relação irreflexiva, pois

representaria um sem-sentido deôntico conceber que S' está facultado, obrigado ou

proibido perante si mesmo. Além disso, é assimétrica, quer dizer, S' R S" implica

sempre S" Rc S'. Rc; é a relação conversa de R: se R interpreta-se como ter o direito a,

seu converso é ter a obrigação de. O ensinamento, extraído das preciosas lições de

Lourival Vilanova, é fundamental para a compreensão das relações jurídicas, que

mantêm equivalência implicacional, da mesma forma que o enunciado X > Y (X é

maior do que Y) equivale a Y < X (Y é menor do que X).193

No direito positivo os componentes da relação jurídica tributária encontram-

se espalhados, o legislador frequentemente emprega apenas alguns dos seus elementos

para referir-se ao todo.

Na tarefa de classificar as relações jurídicas tributárias vamos eleger o

critério de ter ou não seu objeto susceptibilidade de mensuração econômica. Assim, as

relações em que o objeto possua caráter econômico será ela chamada de obrigação, ao

passo em que aquelas destituídas desse atributo, mas que instituam apenas deveres

jurídicos titularemos de deveres instrumentais. Estes são frequentemente considerados

como sendo “obrigações acessórias”, mas para depurar a linguagem, preferimos chamar

as obrigações tributárias – como, por exemplo, as decorrentes das regras-matrizes –

apenas aquelas relações que possuem caráter patrimonial, por sua vez, as “obrigações

acessórias” que não são obrigações por carecerem de equação econômica, nos

referiremos por deveres instrumentais ou formais, que consistem em mandamentos de

fazer ou não fazer. Abordando o assunto esclarece Paulo de Barros Carvalho:

“Relações jurídicas tributárias. No conjunto de prescrições

normativas que interessam ao Direito Tributário, vamos encontrar

dois tipos de relações: as de substância patrimonial e os vínculos

que fazem irromper meros deveres administrativos. As primeiras,

previstas no núcleo da norma que define o fenômeno da

193 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 618

Page 130: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

130

incidência – regra matriz- e as outras, circumpostas a ela, para

tornar possível a operatividade da instituição tributária: são os

deveres instrumentais ou formais”194

O artigo 113 do CTN ao dispor que a obrigação tributária é principal ou

acessória insurge no equívoco de considerar um dever instrumental como obrigação.

Dando continuidade o referido artigo em seu § 1º ainda há a seguinte menção: “A

obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento

de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela

decorrente”, analisando o referido parágrafo com a devida acuidade perceberemos a sua

afronta ao próprio dispositivo legal do qual faz parte, mais especificamente o artigo 3º

do CTN dispõe sobre o conceito de tributo afirmando que de sua previsão não se

constitui uma prestação pecuniária oriunda de sanção ou ato ilícito.

Dessa forma, fica evidente que a utilização do termo “tem por objeto o

pagamento de tributo ou penalidade pecuniária” não está consoante com o conceito de

tributo, uma vez que estaríamos considerando que a obrigação tributária poderia ter por

objeto o pagamento de penalidade pecuniária ou multa. Essa distinção será vista com

maior cautela no capítulo seguinte.

Por fim, em relação ao §1° do artigo 113 cabe salientar que a expressão “e

extingue-se juntamente com o crédito tributário dela decorrente” passa a falsa percepção

de que há separação entre obrigação e crédito tributário. Ora, não há que se cogitar de

obrigação sem crédito ou de crédito sem obrigação. Expondo melhor a profundidade do

tema o Paulo de Barros Carvalho traz a seguinte reflexão:

“Soa mal, portanto, quando declara o legislador, ingenuamente,

que a obrigação nasce com a realização do fato gerador, mas o

crédito tributário se constitui pelo lançamento. Seria o momento

de indagar: que obrigação é essa que desabrocha no mundo

jurídico, sem que haja, para o sujeito pretensor, o direito subjetivo

194 Carvalho. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Ed. 21º. Saraiva. Pág. 322

Page 131: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

131

de exigir a prestação? E que liame obrigacional será esse, em que

o sujeito passivo não está compelido a prestar o objeto?195

Em seu § 2º o referido artigo discorre: “a obrigação acessória decorre da

legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela

previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”. Conforme

exposto em linhas anteriores, levando-se em consideração a linha de raciocínio adotada,

não é adequado nomearmos “obrigação acessória”, uma vez que desprovidas do caráter

da patrimonialidade inerente as obrigações tributárias, chamaremos de deveres

instrumentais.

Por fim, o §3º tem o seguinte teor: “a obrigação acessória, pelo simples fato

da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente a penalidade

pecuniária”. Diante das colocações exaradas é incabível considerar que uma “obrigação

acessória” transmude-se para uma principal, haja vista, a natureza diversa de cada uma.

“Assim, recolhendo o vocábulo obrigação como sinônimo de

relação jurídica de índole economicamente apreciável, podemos

defini-lo como o vínculo abstrato, que surge pela imputação

normativa, e consoante o qual uma pessoa, chamada de sujeito

ativo, credor ou pretensor, tem o direito subjetivo de exigir de

outra, denominada sujeito passivo ou devedor, o cumprimento de

uma prestação de cunho patrimonial.” 196

Consoante a natureza tributária ou de dever instrumental, haverá uma

sanção de natureza tributária em caso de descumprimento. Ademais, a desobediência

também poderá ensejar crime contra a ordem tributária.

195 Carvalho. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Ed. 21º. Saraiva. Pág. 328

196 Carvalho. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Ed. 21º. Saraiva. Pág. 321 – 322.

Page 132: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

132

Ora, como restou demonstrado, o poder investigativo da Regra-Matriz de

Incidência é estupendo. Trata-se de uma revolução no Direito Tributário brasileiro ante

o aprofundamento teórico e a aplicabilidade pragmática que representa.

Não é possível lidar com tributos de modo rigoroso no Brasil sem estudar o

método da Regra-Matriz de Incidência criado por Paulo de Barros Carvalho.

A teoria da Regra-Matriz de Incidência Tributária já ultrapassa as fronteiras

nacionais e vem ajudando a melhorar o estudo da tributação ao redor do mundo.

Operar com a Regra-Matriz de Incidência é fantástico, simplesmente porque

depurar o direito positivo em um país onde o ordenamento jurídico tributário é da mais

alta complexidade, e são: União, vinte e sete Estados e mais de cinco mil e quinhentos

Municípios legislando sobre tributos.

Isto representa centenas de milhares de atos legais e infralegais enunciados

diariamente. Desvencilhar-se das normas periféricas e focar na essência permite

identificar problemas materiais e formais de modo rápido.

Diante de instrumental tão poderoso, nos propusemos a pensar na Regra-

Matriz de Incidência da Sanções Tributárias. Nesse sentido, quais critérios se

assemelham e quais devem ser acrescentados. Em seguida, mostramos na prática o que

isto representa, criticando comparativamente como a incidência das Normas

Sancionatórias Tributárias deve melhorar.

Ou seja, dominando tal utensílio, compreendendo que é uma fórmula e,

portanto, não o confundindo com o fenômeno da incidência, pretendemos construir a

Regra-Matriz Sancionadora e identificar onde o sistema positivo precisa de reparo.197

197 Sobre o tema da Regra-Matriz, é imperioso ressaltar as notas feitas por Lucas Galvão de Britto, em

artigo publicado no VIII Congresso Nacional de Estudos Tributários. No que tange, à Regra-Matriz

Punitiva, encontraremos substrato num dos poucos trabalhos sobre o assunto, o livro da professora Aurora

Tomazini de Carvalho: “Direito Penal Tributário (uma análise lógica, semântica e jurisprudencial)”.

Page 133: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

133

4.1.2. A regra-matriz de incidência da sanção tributária

Com base nas lições de Paulo de Barros Carvalho, e de Aurora Tomazini de

Carvalho, Adriano Pereira Almeida198, propôs a seguinte formulação lógica da regra-

matriz de incidência da norma jurídica tributária sancionadora:

Pode-se verificar que, no campo proposicional do antecedente, restaram os mesmos três critérios da

norma matriz de incidência tributária: temporal, espacial e material. Os dois primeiros sem

significativas alterações, servindo a orientar a incidência da norma jurídica tributária

sancionadora no eixo espaço-tempo. Já o critério material, apesar de também composto por

um verbo pessoal, no infinitivo e de predicação incompleta, e por seu complemento, foi

alterado. Dele, passou a constar a informação de identidade do verbo da norma

sancionadora com aquele da norma descumprida que deu azo à incidência da última.

Ademais, nele se incluíram duas novas partículas: um fator de negação, que, como

advérbio, adjunto adverbial ou locução de negação, qualifica o verbo para denotar o

cometimento do ato ilícito tributário; e um fator de subjetividade, que, enquanto adjunto adverbial

de modo, qualifica o verbo pela vontade do agente em realizar a ação com dolo ou culpa,

podendo esta última ser efetivamente comprovada ou relativamente presumida nas infrações

administrativas. Outra alteração ocorreu no functor dever-ser que relaciona as proposições do

antecedente e do consequente, modalizado apenas nos operadores da obrigação ou da proibição

para denotar o vínculo impositivo que se estabelecerá entre os sujeitos da relação jurídica tributária

sancionadora. E pode-se constatar ainda a necessidade de adaptações no consequente da regra-

matriz de incidência da norma jurídica tributária sancionadora. Também é composto por dois

critérios, como na regra-matriz de incidência tributária. Todavia, dela mantém apenas o critério

pessoal, bipartido em duas partículas: um sujeito ativo, que tem o direito subjetivo de exigir o

cumprimento das disposições sancionadoras, sendo, de regra, um ente estatal; e um sujeito

passivo, pessoa quem tem o dever jurídico de prestá-las. Quanto ao critério quantitativo, propôs-se

substituí-lo por um critério objetacional, em adoção à terminologia de TOMAZINI DE

CARVALHO, com a função de identificar em qualidade e quantidade o(s) objeto(s) da

relação jurídica tributária sancionadora, sendo ele decomposto em duas partículas. Terá uma

partícula qualificadora para indicar em detalhes o tipo e a espécie da obrigação a ser cumprida

pelo sujeito passivo da relação tributária sancionadora, que será decomposta num verbo pessoal,

no infinitivo, de predicação incompleta e nem sempre idêntico àquele da norma descumprida,

que apontará a conduta a ser cumprida na sanção, e um complemento verbal, que qualificará

esta conduta. Terá ainda uma partícula quantificadora, que indicará em que quantidade o objeto

será prestado por meio de uma base parametral, onde constam os limites mínimo e máximo para a

sanção, e de um fator de volatilidade, que faz esta base variar conforme aspectos objetivos e

subjetivos previstos na Lei. Pode-se concluir ainda que o critério objetacional é sujeito a um

fator de multiplicidade, que o repete pelo número de sanções de mesmo regime imputadas.

198 ALMEIDA, Adriano Pereira. As normas Jurídicas Tributárias Sancionadoras: a perspectiva da

Teoria Geral do Direito. Dissertação de Mestrado – USP, 2014.

Page 134: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

134

Portanto, a regra-matriz de incidência da norma jurídica tributária sancionadora teria a

seguinte estrutura simbólica:

Dsmo

D {[cm│ñ│.v.c. │s│.ce.ct ] → [ cp(Sa.Sp).co(ql(v'.c').qt(Bp.│vl│)).│m│]

O trabalho de Aurora Tomazini de Carvalho aplicou para uma nova espécie

de norma jurídica o método da Regra Matriz de Incidência. Adriano Pereira Almeida,

baseado em suas lições adotou outras terminologias e propôs nova formulação.

Com efeito, a formulação lógica acima referenciada é de aplicabilidade

incontestável, no entanto, alguns aspectos merecem uma anotação.

O aspecto subjetivo, ou o elemento volitivo não pode ser apenas uma nova

nota inserida no critério material, diante de sua importância ele deve ganhar posição

mais proeminente, uma vez que faz parte do eidos da multa agravada, sem o elemento

volitivo ela não incide. Assim, o aspecto subjetivo é um critério da norma, podemos

chama-lo de critério volitivo.

Por outro lado, o aspecto temporal da multa é a data do vencimento da

obrigação tributária.

Feitas essas considerações, reconheço que o delineamento de uma regra-

matriz para as multas tributárias é tarefa das mais árduas. As variações de espécies

complicam o trabalho do cientista, são multas fixas, multas em que duas outras normas

precisam ser cumpridas simultaneamente, multas em que a base de cálculo não guarda

relação com a materialidade, etc. De modo que construir uma formulação que enquadre

todos os tipos de multas, assim como a regra-matriz de incidência tributária faz com os

tributos, não é fácil.

Acrescentar muitos elementos à regra-matriz de modo a englobar todos os

detalhes das multas, tem o lado amargo, é que quando mais critérios colocamos, mais

difícil operacionalizar o esquema lógico. A simplicidade e objetividade da RMIT é um

de seus principais trunfos.

Page 135: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

135

4.2.1 Critérios

Seccionando a norma jurídica, Paulo de Barros Carvalho199 exprime:

Efetuadas as devidas abstrações lógicas, identificaremos, no descritor da norma, um

critério material (comportamento de uma pessoa, representado por verbo pessoal e de

predicação incompleta, seguido pelo complemento), condicionado no tempo (critério

temporal) e no espaço (critério espacial). Já na consequência, observaremos um

critério pessoal (sujeito ativo e sujeito passivo) e um critério quantitativo (base de

cálculo e alíquota).

D{[Cm(v.c).Ce.Ct] → [Cp(Sa.Sp).Cq(bc.a1)]}

Para explicar os símbolos dessa linguagem formal, Paulo de Barros Carvalho

aduz: "D" é o dever-ser neutro, interproposicional, que outorga validade à norma

jurídica, incidindo sobre o conectivo implicacional para juridicizar o vínculo entre a

hipótese e a consequência. "[Cm(v.c).Ce.Ct]" é a hipótese normativa, em que "Cm" é o

critério material da hipótese, núcleo da descrição fáctica; "v" é o verbo, sempre

pessoal e de predicação incompleta; "c" é o complemento do verbo; "Ce" é o critério

espacial; "Ct" o critério temporal; "." é o conectivo conjuntor "→" é o símbolo do

conectivo condicional, interproposicional; e "[Cp(Sa.Sp).Cq(bc.a1)]" é o consequente

normativo, em que "Cp" é o critério pessoal; "Sa" é o sujeito ativo da obrigação; "Sp" é

o sujeito passivo; "bc" é a base de cálculo; e "al" é a alíquota. 200

Como observado, Paulo de Barros Carvalho estudou a norma jurídica em sua

inteireza, não apenas a descrição do fato, mas também a instituição do vínculo

relacional. Ele foi além, dissecando o objeto de estudo identificou os critérios

indispensáveis para assimilação e construção do fato e da relação.

199 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 611 200 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 611

Page 136: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

136

Na compreensão da fenomenologia da incidência tributária quando há

subsunção do fato jurídico tributário à hipótese de incidência da norma, lembramos que

esse quadramento do fato à norma há de ser completo, em todos os seus critérios, caso

contrário não cumprirá o Direito seu papel de regular adequadamente o comportamento

intersubjetivo.

Com esse instrumental o jurista está apto a desvencilhar-se das

proposições periféricas e pode concentrar esforços na análise das variáveis mais

importantes, daí decorre o êxito que a teoria da regra-matriz vem tomando, cada

vez mais difundida no Brasil e em diversos países do mundo, uma vez que aplicável

a qualquer tributo.

4.2.1.1. Antecedente (Hipótese)

O legislador, selecionando determinadas propriedades do mundo, apanhando

descrições dos eventos identifica critérios para os reconhecer. Na hipótese normativa

encontraremos o critério material, o critério espacial e o critério temporal.

4.2.1.1.1. Critério Material

O critério material composto pelo verbo pessoal (não é possível utilizar

verbos impessoais, sem sujeitos, como haver, amanhecer, etc.) de predicação

incompleta (verbo transitivo, é obrigatória a presença de um complemento) e seu

complemento descrevem uma conduta humana (representativa de relevância econômica

ou de um signo presuntivo de riqueza).

Page 137: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

137

A extensão semântica dos termos do critério material é causa de intensas

disputas, em quase todos os tributos uma atribuição de sentido mais extensa pode

ensejar a subsunção de muitas outras condutas, afetando diretamente o patrimônio do

jurisdicionado. São exemplos: “auferir renda”, “circular mercadorias”, “prestar serviço”,

entre outros.

Paulo de Barros Carvalho ressalta que seguindo os predicados da Lógica

jurídica“o evento descrito no pressuposto há de situar-se no campo do possível, sob

pena de jamais obter-se a disciplina dos comportamentos intersubjetivos. Também a

conduta, modalizada deonticamente, não pode localizar-se na região do necessário ou

do impossível, pois a norma assim construída não chegaria a ter sentido jurídico.” 201

Apesar de estarmos invadindo o campo ontológico das possibilidades, a

ressalva é importante porque o direito possui o escopo de regular condutas humanas,

apesar de sintaticamente fechado, autopoiético, ele guarda relação de ordem semântica e

pragmática com a realidade social.

Por outro lado, tentar isolar o critério material é tarefa que causa tropeços em

grande parte dos doutrinadores, frequentemente misturam-no com os demais critérios,

apesar de reconhecermos a dificuldade de imaginar uma conduta desligada dos

condicionantes de espaço e tempo.

No caso da regra-matriz sancionatória, tanto da norma primária

sancionatória, quanto da norma secundária penal, ambas possuem, no seu descritor, o

critério material, exibindo conduta contrária ao mandamento da RMIT.

No entanto, a experiência prática aponta que em algumas multas

específicas, o critério material é duplo, ou seja, o enquadramento legal só ocorre

em caso de descumprimento de duas normas primárias.

201 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 147

Page 138: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

138

A relação sancionatória vem no prescritor das regras, nas primeiras, podem

tratar de penalidade pecuniária, pena de perdimento, sujeição ou cassação de regime

especial de tributação, apreensão de mercadorias, entre outras; ou, no caso das últimas,

impor sanção de natureza criminal, como pena privativa de liberdade ou de direitos.

4.2.1.1.2. Critério Espacial

No que tange ao critério espacial o direito prevê o local onde considera ter

ocorrido a conduta. Neste pondo da regra-matriz muitas vezes o conteúdo espacial é

referido pelo âmbito de vigência da lei no espaço, pelo princípio da territorialidade,

universalidade, etc.

Os dados relativos a lugar quando não diretamente indicados, por descuido

do legislador, serão encontrados pela ligação com a competência dos entes tributantes.

Por exemplo, na instauração do IPTU há uma informação tácita de que o critério

espacial é o perímetro urbano do Município, por sua vez, no Imposto de Importação

discrimina-se o local como sendo o da repartição alfandegária, bem mais restrito. Paulo

de Barros Carvalho202 então aponta a forma como o critério espacial pode ser

encontrado:

a) Hipótese cujo critério espacial faz menção a determinado local para a

ocorrência do fato típico;

b) Hipótese em que o critério espacial alude a áreas específicas, de tal sorte

que o acontecimento apenas ocorrerá se dentro delas estiver

geograficamente contido;

c) Hipótese de critério espacial bem genérico, onde todo e qualquer fato,

que suceda sob o manto da vigência territorial da lei instituidora, estará

apto a desencadear seus efeitos peculiares.

202 CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª edição. Editora Saraiva, 2011. p. 329

Page 139: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

139

Cumpre destacar que por vigência territorial da Lei referimo-nos à aptidão

da lei para irradiação de efeitos jurídicos dentro dos limites de sua territorialidade, neste

prisma podemos notar uma clara diferença entre o critério espacial das hipóteses

tributárias com o plano de eficácia territorial da lei, prova disto pode ser verificada no

Imposto de Renda cujo critério espacial alcança em linhas genéricas, não só os

acontecimentos verificados no território nacional, mas até fatos que compõem e

ultrapassam nossas fronteiras.

No campo tributário os estudos sobre o critério espacial são contidos, em

contramão à crescente elevação da complexidade dos negócios jurídicos. No atual

mundo globalizado, as bordas físicas são facilmente ultrapassadas e operações

econômicas entre empresas que possuem sede em distintos países, com centros de

distribuição espalhados em outros, ocorrem o tempo inteiro.203

Na regra-matriz sancionatória tributária, o critério espacial assemelha-se ao

da norma primária, a lei indica o lugar em que considera ocorrido o fato antijurídico. No

entanto, dificilmente há enunciado expresso do critério espacial.

4.2.1.1.3. Critério Temporal

No domínio do Direito Tributário dois direitos fundamentais do cidadão são

atingidos: o de propriedade e o de liberdade. Daí a importância da norma trazer a

indicação do marco temporal em que considera ocorrido o evento tributário.

O critério temporal, nessa variável da hipótese normativa o direito aponta

um instante em que considera ocorrido o fato, é comum, no entanto, a equivocada visão

de que este critério pode ser classificado em: fatos geradores instantâneos, continuados

e complexivos, consoante o lapso temporal de suas ocorrências. Mas Paulo de Barros

203 Sobre o tema, um dos raros estudos aprofundados é a dissertação de mestrado de Lucas Galvão Britto

pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Page 140: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

140

Carvalho é incisivo ao expor não ser correto imaginar um vínculo jurídico instaurado

continuamente, a confusão é feita pela mistura entre a camada linguística dos fatos com

a camada dos eventos.

Em verdade a imputação normativa sempre depende do átimo em que o

direito considera como ocorrido o evento, antes não há relevância jurídica:

“os fatos geradores seriam instantâneos quando se verificassem

e se esgotassem em determinada unidade de tempo, dando

origem, cada ocorrência, a uma obrigação tributária autônoma.

Os continuados abrangeriam todos os que configurassem

situações duradouras, que se desdobrassem no tempo, por

intervalos maiores ou menores. Por fim, os complexivos

nominariam aqueles cujo processo de formação tivesse

implemento com o transcurso de unidades sucessivas de tempo,

de maneira que, pela integração dos vários fatores, surgiria o

fato final. (...)pela facilidade de enquadramento das figuras

tributárias numa das três categorias. O IPI, o ICMS e o Imposto

de Importação, por exemplo seriam casos de fatos geradores

instantâneos; o IPTU e o ITR entrariam como fatos

continuados; e o IR consubstanciaria a forma clássica do fato

gerador complexivo.” 204

Ora, em todas as citadas espécies os chamados fatos geradores só ganham

importância jurídica no instante preciso considerado pelo direito, antes disso os

componentes isoladamente não tem o condão de fazer surgir a relação tributária, é por

isso que o citado autor combate: O acontecimento só ganha proporção para gerar o

efeito prestação fiscal, mesmo que composto por mil outros fatores que se devam

conjugar, no instante em que todos estiverem concretizados e relatados, na forma

204 CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª edição. Editora Saraiva, 2011. p.

336-337

Page 141: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

141

legalmente estipulada. Ora, isso acontece num determinado momento, num especial

marco de tempo. Antes dele, nada de jurídico existe, em ordem ao nascimento da

obrigação tributária. Só naquele átimo irromperá o vinculo jurídico que, pelo fenômeno

da imputação normativa, o legislador associou ao acontecimento do suposto. 205

Por outro lado, Paulo de Barros Carvalho critica veementemente o legislador

pela impropriedade cometida ao considerar em diversas passagens o critério temporal

como sendo o fato gerador do imposto, são exemplos, os artigos, 19, 23 e 46 do Código

Tributário Nacional. A pretexto de selecionar um fato se está indicando um instante,

exatamente o critério temporal.

Na regra-matriz sancionatória, o critério temporal indica o instante em que

considera ocorrido o fato antijurídico. No entanto, nem sempre é fácil identificar o

referido momento. Ademais, na maioria das multas tributárias o critério temporal

coincide com o não pagamento do tributo ou a não apresentação do dever instrumental,

ou seja, o instante do fato ilícito coincide com o prazo de pagamento ou o prazo de

entrega do dever instrumental.

4.2.1.2. O dever ser interproposicional (O operador deôntico)

O operador deôntico, também chamado de functor deôntico, que liga o

antecedente normativo ao consequente, por isso interproposicional, é neutro, nunca

aparece modalizado. Ao passo que o operador deôntico intrapoposicional que dispõe

sobre a relação entre os sujeitos ativo e passivo aparece modalizado como obrigatório

(O), proibido (V) ou permitido (P). O termo deôntico advém da colocação por um ato de

vontade, justamente o caso do Direito. No campo das ciências naturais, descritivas dos

fenômenos, as leis obedecem ao modo alético das proposições descritivas.

205 CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª edição. Editora Saraiva, 2011. p. 338

Page 142: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

142

4.2.1.3. Tese (Consequente)

Responsável pela previsão dos aspectos da relação jurídica o consequente

normativo deve dispor sobre quem compõe o vínculo obrigacional e qual o montante da

prestação, cabe à consequência estabelecer os efeitos decorrentes da ocorrência do fato

jurídico eleitos por critérios axiológicos do legislador. Assim, no critério pessoal estão

os sujeitos ativo e passivo, este tem o dever de pagar, aquele o direito de cobrar, no

critério quantitativo o objetivo é mensurar o tamanho da obrigação, assim, a quantia é

obtida pela conjugação da base de cálculo com a alíquota.

4.2.1.3.1. Critério pessoal:

4.2.1.3.1.1. Sujeito ativo:

O titular do direito subjetivo de exigir a prestação é chamado sujeito ativo,

essa capacidade de ocupar a posição de arrecadar tributos não se confunde com a

competência para institui-los. O art. 119 do Código Tributário Nacional, andou mal ao

dispor “sujeito avivo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público titular da

competência para exigir o seu cumprimento”, no entanto, não apenas as pessoas dotadas

de personalidade política são aptas. A capacidade tributária ativa pode ser transferida

pelas pessoas detentoras da competência, consoante autorização constitucional,

inclusive é frequente o instituto da parafiscalidade, por exemplo, as contribuições pagas

ao INSS.

Essa habilitação que a pessoa tem de ser sujeito numa relação jurídica

tributária chama-se capacidade tributária, o art. 126 do Código Tributário Nacional

preceitua:

Page 143: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

143

Art. 126 - A capacidade tributária passiva independe:

I - da capacidade civil das pessoas naturais;

II - de achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que

importem privação ou limitação do exercício de atividades civis,

comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus

bens ou negócios;

III - de estar a pessoa jurídica regularmente constituída,

bastando que configure uma unidade econômica ou

profissional.

Em se tratando de sanções tributárias a sujeição ativa, regra geral, coincide

com a prevista na norma tributária.

4.2.1.3.1.2. Sujeito passivo:

O sujeito passivo é a pessoa que ocupa a posição de devedora, de quem se

pode exigir o objeto da relação.

Paulo de Barros Carvalho pontua: não se disse, ainda, com clareza e de

modo peremptório, que o sujeito capaz de realizar o fato jurídico tributário, ou dele

participar, pode, perfeitamente, não ter personalidade jurídica de direito privado,

contudo, o sujeito passivo da obrigação haverá de tê-lo, impreterivelmente.206

Nem sempre é simples indicar a correta sujeição passiva, pela leitura do art.

121 do Código Tributário Nacional, separa-se entre I - contribuinte, quando tenha

relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; e II –

206 CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª edição. Editora Saraiva, 2011. p. 384

Page 144: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

144

responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra

de disposição expressa de lei.

O tema da Responsabilidade Tributária é dos mais palpitantes ante a falta de

sistematização e a confusão que os dispositivos do Código Tributário Nacional ensejam.

Paulo de Barros Carvalho é inciso ao proclamar que só interessa do ângulo

jurídico-tributário apenas quem integra o vínculo obrigacional, antes da lei não havia

sujeito passivo que a doutrina chama de direto, a lei não substitui, mas institui o sujeito

passivo. Seu entendimento é o de que relações jurídicas em que pessoa alheia ao fato

tributado é chamada a ingressar no polo passivo apresentam natureza de sanções

administrativas. Além do artigos 130, 131, 132 e 133, de modo mais claro o art 134,

demonstra o timbre sancionatório, todos do Código Tributário Nacional.

4.2.1.3.2. Critério Quantitativo

Como será ressaltado, toda multa é sancionatória, quase sempre configuram

penalidades pecuniárias.

Paulo de Barros Carvalho salienta: “quase sempre são fixadas em níveis

percentuais sobre o valor da dívida tributária, o montante do tributo seria a base de

cálculo e a percentagem corresponderia à alíquota, mas também podem aparecer como

valor fixo, ou ainda dentro de limites, cabendo à autoridade administrativa competente

dosá-las segundo as circunstancias de cada caso.”

Page 145: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

145

4.2.1.3.2.1. Base de Cálculo

Também chamada de base imponível, matéria tributável, pressuposto

valorativo do tributo, entre outros nomes, no caso das obrigações tributárias a base de

cálculo é o aspecto do critério quantitativo, é um valor patrimonial expressível em

dinheiro.

A Constituição Federal de 1988 elegeu a hipótese de incidência e a base de

cálculo como o binômio diferenciador de tributos, ou seja, havendo desencontro entre o

mencionado hipótese de incidência e a base de cálculo, esta deve prevalecer.

A base de cálculo é parte integrante do critério quantitativo, considerada

como o seu núcleo. Possibilita aos sujeitos integrantes da relação jurídica precisar com

segurança a exata quantia devida a título de tributo. Paulo de Barros define base de

cálculo:

“o conjunto de notas instituídas no consequente da regra

matriz de incidência, e que se destina, primordialmente, a

dimensionar a intensidade do comportamento inserto no

núcleo do fato jurídico produzido pela norma tributária

individual e concreta.” 207

Lucas Galvão de Britto bem exprime: “No direito brasileiro a Constituição

atribui à base de cálculo importantíssimo papel, ligando-se ao critério material para

formar o chamado binômio constitucional tributário que serve de parâmetro à

identificação de um tributo. Com isso, a base de cálculo serve a três propósitos, todos

relacionados à conduta descrita no termo antecedente da norma jurídica tributária, é

207 Carvalho. Paulo de Barros. Fundamentos Jurídicos da Incidência. Ed. 7º. Saraiva. Pág. 224.

Page 146: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

146

útil para: (i) confirmá-lo ou infirmá-lo; (ii) mensurá-lo; (iii) objetivá-lo em termos

econômicos.” 208

Ademais, as notas prescritivas do consequente normativo devem guardar

relação com o fato descrito na hipótese. Por outro lado, a relação jurídica também deve

estipular conduta no campo do possível, caso contrário configuraria um sem-sentido

deôntico obrigar, proibir ou permitir.

A linguagem do direito é sobrelinguagem em relação aos fatos sociais, deles

seleciona propriedades por meio de recortes, jamais representando-os em sua inteireza

constitutiva, as prescrições do Direito não descrevem a realidade, elas não estão

submetidas aos valores da verdade, suas proposições valem ou não valem.

A base de cálculo desempenha um relevante papel na compreensão das

espécies tributárias, sendo três suas principais funções:

a) Medir as proporções reais do fato: os fatos precisam ser mensuráveis, dessa

forma a base de cálculo possibilita que se verifique a grandeza efetiva do

acontecimento. Ao legislador fornece meios para fixação de índice avaliativo

como: valor venal, o peso, altura e etc. Apresenta, pois, função mensuradora.

b) Compor a específica determinação da dívida – essa função da base de cálculo

juntamente com a exposta anteriormente possibilita a determinação do quatum

da prestação. Inicialmente estabelece-se a escolha de uma perspectiva

dimensível para a estipulação da importância correspondente ao tributo.

Posteriormente deve-se apontar qual fator deverá unir-se a essa perspectiva para

a determinação do quantum da prestação que poderá ser exigido pelo sujeito

ativo. É a função objetiva da base de cálculo.

c) Confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material da descrição

contida no antecedente da norma – esta é a função comparativa, a nossa

208 BRITTO, Lucas Galvão. Notas sobre a Regra-Matriz de Incidência Tributária. In VIII Congresso

Nacional de Estudos Tributários. Vários autores, coord. Priscila de Souza. São Paulo: Noeses, 2011. p.

759-760

Page 147: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

147

experiência no âmbito tributário aponta que por vezes o legislador ao criar um

determinado tributo não observa valiosos preceitos constitucionais e infra legais

na composição da exação tributária. Nesse sentido, a base de cálculo

desempenha importante papel na verificação da constitucionalidade dos tributos.

Pela sua análise será possível confirmar, informar ou afirmar o verdadeiro

critério material da hipótese tributária.

Explicitando o assunto Paulo de Barros Carvalho faz a seguinte menção:

“Eis a base de cálculo, na sua função comparativa,

confirmando quando verificar perfeita sintonia entre o

padrão de medida e o núcleo do fato dimensionado,

infirmando, quando for manifesta a incompatibilidade

entre a grandeza eleita e o acontecimento que o legislador

declara como a medula da previsão fáctica. Por fim,

afirmando, na eventualidade de ser obscura a formulação

legal, prevalecendo, então, como critério material da

hipótese, a ação-tipo que está sendo avaliada.” 209

A relação da base de cálculo com a capacidade contributiva objetiva reside

na razão desta referir-se a fatos presuntivos que denotem sinais de riqueza, devendo ser

levada em consideração pelo legislador. Como afirma o autor supracitado, no Brasil, o

sistema do direito positivo exibe em todas as figuras tributárias conhecidas, a

observância do princípio da capacidade contributiva absoluta, uma vez que os fatos

escolhidos denotam signos de riqueza. Com decorrência, em todos eles há uma base de

cálculo e, com isso, campo para diretriz da igualdade. 210

Já a relação da base cálculo com o fato jurídico tributário pode ser

verificada na função mensuradora ao medir as proporções reais do fato. Por fim, a

função comparativa da base cálculo é proporcionada pela sua relação com a definição

das espécie tributárias ao passo que posta em comparação com o critério material da

209 Carvalho. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Ed. 21º. Saraiva. Pág. 366. 210 Trecho retirado da obra Carvalho. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Ed. 21º. Saraiva. Pág.

372.

Page 148: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

148

hipótese, é capaz de confirmá-lo, informá-lo ou afirmar sua correspondência com os

ditames constitucionais.

4.2.1.3.2.2. Alíquota

A alíquota junta-se à base de cálculo para formar o montante do critério

quantitativo, ela é um componente aritmético que compõe o calculo da quantia a ser

paga. Quando a base de cálculo não for um valor em pecúnia a alíquota será.

Paulo de Barros Carvalho destaca que: “por manter elo tão intimo com a

base de cálculo, sua presença no contexto normativo é obrigatória, visto que a

grandeza do critério da hipótese é exigência constitucional inarredável, consoante se

vê dos arts. 145 parágrafo 2°, e 154, I, da Constituição da República de 1988. As

alíquotas podem assumir duas feições: a) um valor monetário fixo, ou variável em

função de escalas progressivas da base de cálculo (p. ex.: $ 1,20 por metro linear, até

100 metros; $ 2,40 por metro linear, de 100 a 300 metros, e assim por diante); ou b)

uma fração, percentual ou não, da base de cálculo (que neste caso será representada

por quantia monetária).”211

Pela variação de alíquotas o legislador consegue efetuar políticas

econômicas, implementar o fomento da economia com alíquota zero, verdadeira

isenção. Consegue manejar de modo rápido o aparato estatal na busca do

desenvolvimento econômico.

Pela proporcionalidade e progressão de alíquotas implementa-se o princípio

da igualdade tributária, pela via contrária o seu uso exacerbado pode ganhar ares

confiscatórios. Eis, então a regra-matriz de incidência tributária com todas as suas

variáveis.

211 CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª edição. Editora Saraiva, 2011. p. 384

Page 149: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

149

CAPÍTULO V

Espécies de Sanções Tributárias

5. Espécies de sanções tributárias:

Como é sabido, o estabelecimento de penalidade não substitui o valor do

tributo devido, o art. 157 do CTN dipõe: A imposição de penalidade não ilide o

pagamento integral do crédito tributário. Assim, deve o contribuinte arcar com o tributo

e a multa que por conveniência são cobrados conjuntamente.

Abordaremos a seguir as variadas espécies de sanções tributárias que

permeiam a formação do crédito tributário e as não tributárias.

5.1 A multa penal

As multas de natureza penal tem outro regime, bem mais rígido. Previstas

no Código Penal, esta espécie de multa está elencada dentre as hipóteses do art. 32, inc.

III, por exemplo.

Regida pelo arts. 49 e seguintes do Código Penal, conforme o caput, 1ª

parte, do artigo 49 do CP, a pena de multa "consiste no pagamento ao fundo

penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa".

No caso, não temos sanção tributária, ou multa tributária. A multa

mencionada tem natureza penal, além das demais penas privativas de liberdade devem

ser aplicadas as penas de caráter pecuniário.

Page 150: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

150

5.2. Multa de ofício

O procedimento para constituição dessa multa é o lançamento de ofício, daí

a nomenclatura “multa de ofício”.

Sobre o assunto, vale apontar a advertência de Paulo de Barros Carvalho,

para quem: “toda multa exerce função de apenar o sujeito a ela submetido, toda ela tem

natureza de sanção. As multas fiscais possuem caráter pessoal, devem recair sobre a

pessoa do infrator, aquele a quem incumbia o dever legal de adotar determinada

conduta.”

Com efeito, a multa de ofício recebe este nome pois seu veículo introdutor é

o Auto de Infração e Imposição de Multa ou o lançamento de ofício. Na esfera federal a

multa de ofício está prevista no art. 44, I, da Lei 9.430/96, corresponde a imposição de

75%.

5.3 Multa isolada

O termo “isolada” decorre da forma como é cobrada a multa pelo Fisco.

Não se admite sua cumulação com outra multa de ofício.

Paulo de Barros Carvalho muito bem define: “Multa isolada é o nome que

se dá ao procedimento sancionatório que, como o próprio nome indica, isoladamente

exige a multa por algum motivo que a lei o determina. Trata-se de um atributo que

qualifica a forma de exigência da multa pelo Fisco.”212

Podemos trazer como exemplo a multa prevista na Lei nº 9.430/96, art. 44,

inciso II: 50% exigida isoladamente, sobre o valor do pagamento mensal. Também na

212 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 873

Page 151: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

151

hipótese de indeferimento do pedido administrativo de ressarcimento ou compensação,

Lei 9.430/96, artigo 74, parágrafos 15, 16 e 17:

Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os

judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou

contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal,

passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na

compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos

e contribuições administrados por aquele Órgão. (Redação dada

pela Lei nº 10.637, de 2002)

§ 15. Será aplicada multa isolada de 50% (cinquenta por cento)

sobre o valor do crédito objeto de pedido de ressarcimento

indeferido ou indevido. ( Incluído pela Lei nº 12.249, de 11 de

junho de 2010 ) (Vide Lei nº 12.249/2010, art. 139, inc I, d)

§ 16. O percentual da multa de que trata o § 15 será de 100%

(cem por cento) na hipótese de ressarcimento obtido com

falsidade no pedido apresentado pelo sujeito passivo. (Incluído

pela Lei nº 12.249, de 11 de junho de 2010 ) (Vide Lei nº

12.249/2010, art. 139, inc I, d)

§ 17. Aplica-se a multa prevista no § 15, também, sobre o valor

do crédito objeto de declaração de compensação não

homologada, salvo no caso de falsidade da declaração

apresentada pelo sujeito passivo. (Incluído pela Lei nº 12.249,

de 11 de junho de 2010) (Vide Lei nº 12.249/2010, art. 139, inc

I, d)

Sobre esta previsão devemos tecer crítica da mais alta relevância, é que a

hipótese não tem como pressuposto ato ilícito, seu antencedente é o pedido de

ressarcimento ou compensação indevido. A previsão viola, pois, o direito de petição.

Page 152: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

152

Diante da conduta presente no suposto normativo a pena é exagerada, abusiva e

desproporcional, e o que é mais grave, não permite o contraditório.

Ressalve-se que por determinado período muitos créditos fraudulentos eram

utilizados, o Fisco para coibir esta prática impôs esta pesada multa, mas errou na mão e

colocou todos os contribuintes em situação delicada, qualquer pequeno deslize ou até

interpretação divergente pode dar ensejo a aplicação desta elevada multa, os

contribuintes sentem-se vacilantes e os pedidos de compensação diminuíram

vertiginosamente.

a) Compensação não homologada x Compensação não declarada

Como é sabido, quando infrutífero o pedido de compensação pode ensejar

diferentes multas consoante não tenha sido homologada a compensação ou quando ela

não tiver sido declarada.

Christine Mendonça no X Congresso Nacional de Estudos Tributários do

IBET aponta que em resumo, a multa isolada quando há compensação não-homologada

é de 50% do crédito, art. 74 § 17 da Lei 9.430/96, art. 45, 1°, I da IN 1300/2012; quando

há compensação não-declarada a multa isolada é de 75% do débito art. 18, §4° da Lei n.

10.833/03 e art. 46, 46, § 6º, I da IN 1300/2012.

Há o agravamento por não-atendimento de intimação, quando a

compensação não for homologada a multa é de 75% do débito, art. 44, §2°, da Lei n.

9.430/96. Em caso de compensação não declarada o agravamento por não-atendimento

de intimação atinge o patamar de 112,5% do débito, art. 44, §2° da Lei n. 9.430/96, art.

46, §7° da IN 1300/2012

Se houver declaração falsa a multa se a compesação não for homologada é

de 150% do débito, art. 18, §2° da Lei n. 10.833/03 e art. 45, §1°, II da IN 1300/2012.

Page 153: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

153

se neste caso a compensação é não-declarada a multa passa a é de 150% do debito, com

fundamento no art. 18, §4° da Lei n. 10.833/03 e art. 46, §6°, II da IN 1300/2012.

Por fim, se o fisco detectar falsidade e o contribuinte também não-atender a

intimação haverá agravamento de 225% do débito art. 44, §2° da Lei n. 9.430/96 e art.

45, §2°, da IN 1300/2012 em caso de compensação não-homologada. Se a compensação

for não-declarada, é hipótese do art. 44, §2° da Lei n 9.430/96 e art. 46, §7° da IN

1300/2012, com imposição de multa no percentual de 225% do débito. Eis o quadro

comparativo213:

COMPENSAÇÃONÃO-HOMOLOGADA

COMPENSAÇÃO NÃO-DECLARADA

Multa isolada50% do crédito

Art. 74, § 17 da Lei 9.430/96 Art. 45, 1°§, I da IN 1300/2012

75% do débito Art. 18, §4° da Lei n.

10.833/03 Art. 46, 46, § 6º, I da IN

1300/2012

Agravamento por não-atendimento de intimação

75% do débito Art. 44, §2°, da Lei n. 9.430/96

112,5% do débito Art. 44, §2° da Lei n. 9.430/96 Art. 46, §7° da IN 1300/2012

Falsidade da declaração

150% do débito Art. 18, §2° da Lei n.

10.833/03 Art. 45, §1°, II da IN

1300/2012

150% do debito Art. 18, §4° da Lei n.

10.833/03 Art. 46, §6°, II da IN

1300/2012

Falsidade com agravamento por não-atendimento de intimação

225% do débito Art. 44, §2° da Lei n. 9.430/96 Art. 45, §2°, da IN 1300/2012

225% do débito Art. 44, §2° da Lei n 9.430/96 Art. 46, §7° da IN 1300/2012

213 Quadro apresentado por Christine Mendonça no X Congresso Nacional de Estudos Tributários do

IBET, 2013.

Page 154: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

154

b) Concomitância

Outro tema que merece atenção é a cumulação de multas, frise-se que não é

legítimo aplicar concomitantemente multa isolada e multa de ofício, ou seja, a

incidência de uma exclui a da outra na medida em que deve haver aplicação apenas da

multa de ofício de 75% do art. 44, I, da Lei 9.430/96, não podendo somar-se com a

multa isolada pelo descumprimento de dever instrumental, pois a base de cálculo é a

mesma.

Outra questão delicada referente ao art. 44, II, b), da Lei 9.430/96 é a sua

aplicação nos casos de não antecipação da estimativa do IR, mesmo que o exercício já

tenha sido encerrado e se demonstre a ocorrência de prejuízos fiscais. Seria uma multa

isolada do tributo.

Ora, não se pode haver a concomitância. É que a Receita quando constata

irregularidades, tais como glosa de despesas ou omissões de receita, recompõe as bases

de cálculo mensais e anuais, efetuam o lançamento complementar de IRPJ e CSLL, e

aplicam, além da referida multa isolada, a multa de ofício no percentual de 75%.

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais proferiu decisões

divergentes sobre o assunto:

Acórdão nº 9101-00.135 - 1ª Turma - Sessão de 11 de maio de 2009

Ementa: MULTA ISOLADA - INSUFICIÊNCIA DE RECOLHIMENTOS

MENSAIS POR ESTIMATIVA - Com a apuração do imposto devido ao final

do exercício, desaparece a base imponível da penalidade isolada

(antecipações), surgindo uma nova base, que corresponde ao imposto

efetivamente apurado, cabendo tão-somente a cobrança da multa de oficio

(se for o caso), que é devida caso o tributo não seja pago no seu vencimento

e apurado ex-officio.

Acórdão n° 9101-00.112 - 1ª Turma - Sessão de 11 de maio de 2009

Page 155: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

155

Ementa: MULTA ISOLADA. ANO-CALENDÁRIO DE 2000, FALTA DE

RECOLHIMENTO POR ESTIMATIVA. CONCOMITÂNCIA COM MULTA

DE OFÍCIO EXIGIDA EM LANÇAMENTO LAVRADO PARA A

COBRANÇA DO TRIBUTO, Incabível a aplicação concomitante da multa

por falta de recolhimento de tributo sobre bases estimadas e da multa de

oficio exigida no lançamento para cobrança de tributo, visto que em ambas

penalidades tiveram como base o valor da receita omitida apurado em

procedimento fiscal.

Acórdão nº 9101-00.118 - 1ª Turma - Sessão de 11 de maio de 2009

Ementa: CONCOMITÂNCIA DA MULTA ISOLADA COM A DEVIDA POR

FALTA DE PAGAMENTO DE TRIBUTO OU CONTRIBUIÇÃO - Descabe

a concomitância da multa isolada por falta de recolhimento da estimativa

de que trata o art. 2° da Lei n° 9.430/96 com a multa proporcional ao

imposto devido decorrente de omissão de receitas, tendo ambas as multas

se baseado nos valores desviados da escrituração, sob pena de aplicar-se

dupla penalidade sobre uma mesma infração.

Acórdão nº 9101-00.135 - 1ª Turma - Sessão de 11 de maio de 2009

Ementa: CONCOMITÂNCIA DA MULTA ISOLADA COM A MULTA DE

OFÍCIO - Descabe a concomitância da multa isolada por falta de

recolhimento da estimativa de que trata o art. 2° da Lei n° 9.430/96 com a

multa de oficio decorrente da glosa de prejuízos fiscais compensados

indevidamente, sob pena de aplicar-se dupla penalidade sobre uma mesma

infração Vistos, relatados e discutidos os presentes autos

Acórdão 1401-00.483 - 1a. Turma da 4a Câmara, 24.02.2011

Ementa: MULTA ISOLADA. MULTA PROPORCIONAL.

CONCOMITÂNCIA.CABIMENTO. É cabível a aplicação da multa isolada

por falta/insuficiência de recolhimento de estimativas concomitantemente

com a multa proporcional ao tributo devido ao final do período de

Page 156: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

156

apuração, pois distintas são as hipóteses de incidência legalmente

previstas.

A referida duplicidade de penalidades não deve ser sustentada. Deve

prevalecer a multa de ofício, uma vez que sanciona valor efetivamente não recolhido.

A concomitância multas vem sendo afastada pela 1ª Turma da Câmara

Superior de Recursos Fiscais: Acórdãos: 9101-01.113 de 02/08/11 e Acórdão 9101-

001693, julgado em 16/07/2013.

5.4. Multa agravada

Nesta espécie de multa a intensão do sujeito ganha relevância. Com a

demonstração de que o agente agiu com dolo, fraude ou simulação, a multa será

severamente agravada.

Para que haja sua correta aplicação a autoridade administrativa deve se

preocupar em provar o requisito subjetivo, caso contrário, não poderá agravar o valor da

multa.

O agravamento da multa de ofício na esfera federal ocorre, por exemplo,

quando há embaraço à fiscalização e o contribuinte não colabora com a entrega de

documentação relacionada ao período investigado:

§ 2º Os percentuais de multa a que se referem o inciso I do

caput e o § 1º deste artigo serão aumentados de metade, nos

casos de não atendimento pelo sujeito passivo, no prazo

marcado, de intimação para: (Redação dada pela Lei nº 11.488,

de 15 de junho de 2007)

Page 157: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

157

I - prestar esclarecimentos; (Renumerado da alínea “a” pela Lei

nº 11.488, de 15 de junho de 2007)

II - apresentar os arquivos ou sistemas de que tratam os arts. 11

a 13 da Lei nº 8.218, de 29 de agosto de 1991; (Renumerado da

alínea “b” com nova redação pela Lei nº 11.488, de 15 de junho

de 2007)

III - apresentar a documentação técnica de que trata o art. 38

desta Lei. (Renumerado da alínea “c” com nova redação pela

Lei nº 11.488, de 15 de junho de 2007)

5.5. Multa qualificada:

Nessa espécie verifica-se uma infração grave. No âmbito da Receita Federal

do Brasil ela é aplicada nomeadamente quando há sonegação, fraude e conluio. Como

exemplo de multas qualificadas, temos na referida Lei nº 9.430/96, o art. 44, parágrafo

1º: 150%, que representa a duplicação da multa de 75% prevista no art. 44, inc. I da

mesma lei. Além daquela aplicada nas hipóteses dos art. 71, 72 e 73 da Lei 4.502/69,

independentemente de outras:

Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as

seguintes multas: (Redação dada pela Lei nº 11.488, de 15 de

junho de 2007)

I - de 75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou

diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta de

pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de

declaração inexata; (Redação dada pela Lei nº 11.488, de 15 de

junho de 2007)

Page 158: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

158

II - de 50% (cinqüenta por cento), exigida isoladamente, sobre

o valor do pagamento mensal: (Redação dada pela Lei nº

11.488, de 15 de junho de 2007)

a) na forma do art. 8º da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de

1988, que deixar de ser efetuado, ainda que não tenha sido

apurado imposto a pagar na declaração de ajuste, no caso de

pessoa física; (Incluída pela Lei nº 11.488, de 15 de junho de

2007)

b) na forma do art. 2º desta Lei, que deixar de ser efetuado,

ainda que tenha sido apurado prejuízo fiscal ou base de cálculo

negativa para a contribuição social sobre o lucro líquido, no

ano-calendário correspondente, no caso de pessoa jurídica.

(Incluída pela Lei nº 11.488, de 15 de junho de 2007)

§ 1º O percentual de multa de que trata o inciso I do caput deste

artigo será duplicado nos casos previstos nos arts. 71, 72 e 73

da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964,

independentemente de outras penalidades administrativas ou

criminais cabíveis. (Redação dada pela Lei nº 11.488, de 15 de

junho de 2007)

É comum a aplicação de multa qualificada, prevista no art. 44 da Lei

9.430/96, por considerar ter havido “conduta reiterada”. O uso de critérios não

jurídicos mencionam a repetição.

Robson Maia Lins aponta que o problema é que inexiste norma

procedimental que descreva os elementos e a estrutura lógica do que se entende

por conduta reiterada, causando, pois, verdadeira ineficácia técnico-sintática da

norma jurídica, impossibilitando a aplicação do agravamento da penalidade em

virtude da reiteração, uma vez que o conceito continua indefinido no plano

jurídico tributário:

Page 159: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

159

“A falta de disposições que permitam construir o conteúdo

deôntico do termo reiteração impossibilita sua utilização

como integrante de fato jurídico antecedente de norma

sancionatória tributária.” 214

No mencionado artigo, para esmiuçar a ideia de repetição Robson Maia

trabalha a conduta sob o ponto de vista da semiótica e analisa como os gestos podem ser

interpretados. Ele aponta como a reiteração é um problema de corte, mas vai além e

assinala como a jurisprudência tem levado em conta esses fatos inclusive fazendo

comparações com o âmbito penal.

Com efeito, aponta quatro traços fundamentais que o estudo do termo

“reiteração” pressupõe: (1) seja um em vários – pluralidade; (2) seja semelhante a

outro(s) – semelhança; (3) suceda a outro(s) – sucessão – e; (4) sejam, esse algo e o

outro, praticados pelo mesmo sujeito – individualização.

Nesse sentido, aduz o autor: “Para a formação do fato jurídico conduta

reiterada é preciso que o direito, enquanto linguagem, prescreva a forma em que esses

quatro traços devem ser verificados. É necessário que exista uma norma procedimental,

ou seja, uma norma que descreva os elementos formadores – ou mais precisamente, quê

caracteriza o movimento – da ação que se designará por “conduta reiterada”.”215

214 LINS, Robson Maia. “A reiteração e as normas jurídicas tributárias sancionatórias – A multa

qualificada da Lei 9.430/96”. In: VII Congresso Nacional de Estudos Tributários: Direito Tributário e os

Conceitos de Direito Privado. São Paulo: Noeses, 2010. p.1123 215 LINS, Robson Maia. “A reiteração e as normas jurídicas tributárias sancionatórias – A multa

qualificada da Lei 9.430/96”. In: VII Congresso Nacional de Estudos Tributários: Direito Tributário e os

Conceitos de Direito Privado. São Paulo: Noeses, 2010. p.1115

Page 160: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

160

5.6. Multa de mora

a) natureza sancionatória x natureza indenizatória das multas

De plano firmamos posição no sentido de que as multas tributárias são todas

elas de caráter sancionatório, não sendo possível as separar em multa sancionatória e

multa indenizatória.

Sobre a natureza da multa de mora faz-se oportuno trazer a lição de Aliomar

Baleeiro:

“Tolerou-se a distinção entre multa moratória e penalidade em

tempos inflacionários, de alta instabilidade econômica, ou em

tempos em que, anomalamente, os juros de mercado são

especialmente atraentes. Nessas circunstâncias, a sanção — por

meio de multas moratórias — visa a desestimular o contribuinte

que prefere captar aqueles juros de mercado, antes de cumprir

suas obrigações tributárias. No entanto, se já são cobrados

aqueles juros, e até aquele limite, qualquer outra sanção

pecuniária mais elevada, não importa a denominação que tenha,

é penalidade, configurando uma punição sobre o patrimônio do

infrator, com vistas a coibir o comportamento ilícito. Multa,

qualquer que seja a adjetivação que lhe dê o legislador, é

sanção de ato ilícito, penalidade. Aliás, o Código Tributário

Nacional não distingue. Corretamente, chama de penalidades

inclusive as multas moratórias, conforme parágrafo único do

art. 134” 216

Não deve prosperar a comum distinção entre multas de mora e multas

punitivas, estas seriam as que detinham caráter sancionador, aquelas seriam para reparar

o atraso, sem caráter punitivo, meramente indenizatórias. Entendemos que toda multa

216 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 1040

Page 161: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

161

tem caráter punitivo. Por isso, Paulo de Barros afirma que toda multa exerce função de

apenar o sujeito a ela submetido, tola ela tem natureza de sanção.

Sobre o fato jurídico moratório Robson Maia Lins escreveu de modo

profundo em sua Tese de Doutorado, assim como Pontes de Miranda ao trabalhar o

conceito de mora, explica:

1.MORA E MEMÓRIA. Mora vem de memor, lembrar,

recordar, tal como memória. Originariamente, assistir

pensando. Se o que devia não adimpliu, de modo que o que

tinha direito não recebeu, e esse exigiu e não se lhe

prestou, ou e aquele foi adimplir e viu recusada a

prestação, ficam a meditar, a recordar, pelo tempo fora. O

que não adimpliu ou o que recusou se põe em retardo, se

atrasa, e esse escorrer de tempo, essa demora, em que se

pode prestar e não se presta, ou em se poder receber e não

se recebe, é o tempo da mora; por abreviação, a mora.

Mora do devedor (mora debitoris) é o retardo, a demora,

contrária a direito, da prestação, por alguma causa

imputável a ELE. Mora do credor (mora creditoris, mora,

accipiendi) é o retardo no adimplemento pelo credor,

porque o credor omite a cooperação indispensável. Não há

mora sem demora; por isso mesmo, se a prestação não

mais pode ser feita, não há mora: há impossibilitação da

prestação. 217

Como salientado, as multas fiscais possuem caráter pessoal, devem recair

sobre a pessoa do infrator, aquele a quem incumbia o dever legal de adotar determinada

conduta. Com efeito, o STF sumulou 565: “a multa fiscal moratória constitui pena

administrativa, não se incluindo no crédito habilitado.”

217 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Vol. 23. Rio de Janeiro:

Editor Borsoi, 1970.

Page 162: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

162

Pontes de Miranda218 pontua muito bem: “Para que haja mora é preciso que

possa ser imputada, isto é, que possa a qualquer pessoa ser possível a prestação

tempestiva; portanto que não tenha havido impossibilidade objetiva. Se houve

impossibilidade objetiva, mas causada por culpa, há responsabilidade, sem se precisar

do fato da mora.”

Seguimos entendimento segundo o qual toda multa possui caráter

sancionatório.

Característica que distingue a mora no Direito Tributário é o fato de não

depender de interpelação como ocorre no direito privado. Nesse sentido, Paulo de

Barros Carvalho: “ao contrário do que se dá com as obrigações de direito privado, não é

preciso interpelação do devedor para que este seja constituído em mora” 219

Como exemplo da multa de mora temos a Lei nº 9.430/96, art. 61 que

estabelece multa de mora de 0,33% ao dia até estratificar-se no limite de 20%.

b) princípio da retroatividade da lei mais benéfica em matéria de penalidades

Pela leitura do art. 106, II, c, do Código Tributário Nacional depreende-se

que vige o princípio da retroatividade da lei mais benéfica em matéria de penalidades,

incluindo-se dentre o rol a multa de mora. Em caso de superveniencia de lei menos

severa, deve ser aplicada retroativamente aquela mais benigna caso o ato não esteja

definitivamente julgado:

Art. 106 - A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

218 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Vol. 23. Rio de Janeiro:

Editor Borsoi, 1970. 219 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito Tributário. 21. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 492

Page 163: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

163

I - em qualquer caso, quando seja expressamente

interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração

dos dispositivos interpretados;

II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:

a) quando deixe de defini-lo como infração;

b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer

exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido

fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de

tributo;

c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista

na lei vigente ao tempo da sua prática.

Exemplifiquemos com julgado que aplicou a multa de mora mais benéfica

de 20% prevista na Lei 9.430 de 1996:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À

EXECUÇÃO FISCAL. MULTA DE MORA.

RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA. I. Consigno

ser a hipótese de cabimento do reexame necessário, nos termos

do artigo 475 do CPC. II. Plenamente aplicável, na espécie, a

redução do percentual da multa de 30% para 20%, com

base na Lei nº 9.430/96, artigo 61. III. Apelação e reexame

necessário desprovidos.

(TRF-3 - AC: 3427 SP 0003427-78.2012.4.03.6106, QUARTA

TURMA Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL ALDA

BASTO, Data de Julgamento: 16/01/2014)

5.7 Juros de mora

Os juros no direito positivo tributário brasileiro tem grande importância,

pois quase tudo no Direito Tributário gira em torno do pagamento de tributos ao Estado.

Page 164: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

164

Pontes de Miranda explica: “Os juros moratórios são indenização ao credor;

na restituição das vantagens que tem ou poderia ter o devedor com ter ficado com a

prestação.”220

O art. 161 do Código Tributário Nacional preceitua: o crédito não

integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo

determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da

aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária. Em

seu parágrafo primeiro o dispositivo estabelece o percentual de 1% se a lei não dispuser

de modo diverso. No âmbito da Receita Federal aplica-se a taxa SELIC.

Sobre o tema é interessante o debate quanto à possibilidade ou não da

cumulação com a multa de mora. Prevalece o entendimento pela permissão da cobrança

cumulada, STJ, 2ª T., Resp 836.434/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, mai/08:

STJ - Ementa: TRIBUTÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO

FISCAL – SALÁRIO-EDUCAÇÃO – CUMULAÇÃO DE

MULTA COM JUROS MORATÓRIOS: POSSIBILIDADE –

APLICAÇÃO DA UFIR – LEGALIDADE – FALTA DE

PREQUESTIONAMENTO: SUMULA 282/STF.

1. Acórdão que, sequer implicitamente, manifestou-se sobre o

art. 918 do CC. Súmula 282/STF.

2. É legítima a cobrança de juros de mora cumulada com multa

fiscal moratória. Os juros de mora visam à compensação do

credor pelo atraso no recolhimento do tributo, enquanto que a

multa tem finalidade punitiva ao contribuinte omisso. 3.

Legalidade da aplicação da UFIR a partir de janeiro/1992.

Precedentes. 4. Recurso especial conhecido em parte e, nessa

parte, não provido.

220 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Vol. 23. Rio de Janeiro:

Editor Borsoi, 1970.

Page 165: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

165

(REsp 836434 / SP, RECURSO ESPECIAL, 2006/0072710-1,

Relator(a) Ministra ELIANA CALMON (1114), Órgão

Julgador, T2 - SEGUNDA TURMA, Data do Julgamento

20/05/2008, Data da Publicação/Fonte DJe 11/06/2008)

Funcionam como remuneração do capital, os juros de mora não têm fins

punitivos. Entende-se que o juro de mora é uma forma de pagamento pelo pagamento

atrasado. No entanto, sua incidência sobre multas é controversa:

DIREITO TRIBUTÁRIO. INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA

SOBRE MULTA FISCAL PUNITIVA. É legítima a incidência

de juros de mora sobre multa fiscal punitiva, a qual integra o

crédito tributário. Precedentes citados: REsp 1.129.990-PR,

DJe 14/9/2009, e REsp 834.681-MG, DJe 2/6/2010. AgRg no

REsp 1.335.688-PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em

4/12/2012.

Questão da mais alta ordem discute o efeito de decisão judicial que exime

do pagamento de tributo durante vários anos e após é revogada, no caso, a vigência da

decisão judicial alterou o vencimento do crédito? O contribuinte protegido por decisão

judicial estava em mora? Entendemos que não estava em mora, e portanto altera-se o

vencimento.

Observação interessante é trazida por Paulo de Barros Carvalho, para quem

a mora caracteriza-se, nos termos do artigo 394 do Código Civil brasileiro, pela

ausência do pagamento no tempo, lugar e forma previstos e quando há decisão judicial,

o comando por ela emitido deve ser seguido, sob pena de desencadear a aplicação da

norma sancionadora. A obediência à norma individual e concreta (decisão judicial) não

pode causar sanção alguma, em termos lógicos “todo aquele a quem é cometido um

Page 166: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

166

dever jurídico tem direito de cumpri-lo.” Op→Pp (se alguém está obrigado à conduta

“p”, então esse alguém tem a permissão de cumprir essa conduta “p”) 221

Na opinião de Sacha Calmon: “Está claro que a mora compensa o

pagamento a destempo, e que a multa o pune. Os juros de mora em Direito Tributário

possuem natureza compensatória (se a Fazenda tivesse o dinheiro em mãos já poderia

tê-lo aplicado com ganho ou quitado seus débitos em atraso, livrando-se, agora ela, da

mora e de suas consequências). Por isso os juros moratórios devem ser conformados ao

mercado, compensando a indisponibilidade do numerário. A multa, sim, tem caráter

estritamente punitivo, e por isso é elevada em todas as legislações fiscais, exatamente

para coibir a inadimplência fiscal ou ao menos para fazer o sujeito passivo sentir o peso

do descumprimento da obrigação no seu termo. Cumulação de penalidades? Os juros

não possuem caráter punitivo, somente a multa.”222

Leandro Paulsen, cita Antônio Carlos Rodrigues do Amaral que explica:

“Juros moratórios, ensina a doutrina e a jurisprudência,

representam uma indenização pela utilização de um capital

impropriamente detido em mãos alheias. Isto é, são aplicáveis

com caráter indenizatório pelo descumprimento de uma

obrigação no prazo estipulado. Juros compensatórios, também

no sentido doutrinário e jurisprudencial, são interpretados como

frutos do capital empregado. Isto é, resultam da utilização

consentida de capital de terceiros, remunerando-o. A diferença

essencial entre ambos, nessa perspectiva, é que os juros

moratórios incidem a partir do vencimento de uma obrigação

como característica punitiva e indenizatória e os juros

compensatórios, por sua vez, incidem entre a data em que o

capital alheio foi transferido a um terceiro para a sua fruição, e

221 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 882 222 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Liminares e Depósitos Antes do Lançamento por Homologação –

Decadência e Prescrição, 2ª ed., Dialética, 2002, p. 26

Page 167: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

167

o momento do adimplemento da obrigação, na forma e nos

prazos avençados, e segundo a legislação aplicável.” 223

5.8 Correção monetária

A correção monetária visa recuperar a desvalorização inflacionária do

capital. O Código Tributário Nacional dispõe em outros casos sobre essa perda de valor

da moeda ao longo do tempo: Art. 97, § 2º: "não constitui majoração de tributo a

atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo."

5.9 Sanções políticas

As sanções políticas são frequentes e atentam contra o livre exercício da

atividade econômica, artigos 5º, inciso XIII, e 170, parágrafo único, da CF/88. O

Supremo Tribunal Federal por sua Súmula 547 já as rechaçou.

São exemplos de sanções políticas as multas de valor fixo por atraso na

entrega de arquivos digitais, nesses casos limitados a 2% de faturamento, estas tornam-

se completamente desproporcionais, onde, por exemplo, o AIIM é de R$ 30.000,00

reais e a multa pelo atraso na entrega dos documentos é de R$ 30.000.000,00, uma vez

que a base de cálculo é o faturamento diário.

Outro exemplo de sanções políticas são as multas na importação que não

guardam relação com o tributo devido, mas incidem sobre o valor da operação.

Ademais, muitas vezes, o fisco ainda impõe o regime especial de fiscalização no canal

cinza, onde a mercadoria fica travada e o importador não consegue entregar,

223 RODRIGUES DO AMARAL, Antônio Carlos. Da Aplicação das Taxas de Juros SELIC Sobre

Impostos e Contribuições, Repertório IOB de Jurisprudência/98, Verbete 1/12726; Citado por:

PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da

jurisprudência. 15. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2013. p. 1119

Page 168: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

168

encarecendo o produto que precisa de um hedge altíssimo. Isto ocorreu com a

importação do Playstation.

O TJRS decretou que a Fazenda Pública não pode exigir prestação de

garantia ou a quitação de débitos de natureza fiscal para emitir a Autorização para

Impressão de Documentos Fiscais (AIDF):

TJRS - APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO.

DIREITO TRIBUTÁRIO. AUTORIZAÇÃO PARA

IMPRESSÃO DE DOCUMENTOS FISCAIS (AIDF).

NEGATIVA EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE

PENDÊNCIAS FISCAIS. IMPOSSIBILIDADE. Tendo em

vista o disposto nos artigos 5º, inc. XIII, e 170 da Constituição

Federal e nas Súmulas números 70, 323 e 547 do STF, é vedado

à Fazenda Pública condicionar a concessão de Autorização para

Impressão de Documentos Fiscais (AIDF) ao pagamento de

crédito tributário pendente, à emissão de notas fiscais avulsas ou

à concessão de garantia. Até porque, dispõe a Fazenda Pública

de meios legais e privilegiados para a satisfação de seus

créditos. Precedentes. NEGADO SEGUIMENTO AO

RECURSO. APLICAÇÃO DO ART. 557, CAPUT, DO CPC.

SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO.

(RTH, Nº 70061728267, N° CNJ: 0365389-58.2014.8.21.7000,

Relator. DES. RICARDO TORRES HERMANN, 18 de

fevereiro de 2015)

Dentre as variadas formas encontradas pelo Fisco para cobrar tributos, a

apreensão de mercadorias ou documentos é das mais elegidas, uma vez que o

contribuinte mesmo diante de tributação ilegal se sujeita ao pagamento do imposto para

liberar o produto, em alguns casos perecíveis.

A pena de perdimento, é muito aplicada pela Inspetoria da Receita Federal

ao controlar a entrada de produtos e mercadorias no país. O Fisco lastreia-se, por

exemplo, nos termos do art. 104 e do art. 105 do Decreto-Lei 37/66, ou ainda dos

artigos 23 e 27 do Decreto-Lei 1.455/76, ou art. 675 e seguintes do Decreto 6.759/09. A

pena de perdimento pode se dar pelo descumprimento de deveres instrumentais,

considera-se, pois, nesses casos, típica sanção política.

Page 169: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

169

Com efeito, Heleno Tôrres pontua: “a sanção de perdimento de bens tem

tanto caráter de intervenção típica de poder de polícia quanto de modalidade própria de

sanção tributária” 224

As chamadas sanções políticas são historicamente ofensivas à Constituição

Federal, o STF já sumulou em mais de uma oportunidade a questão e não admite essa

forma de cobrança:

SÚMULA Nº 70: É INADMISSÍVEL A INTERDIÇÃO DE

ESTABELECIMENTO COMO MEIO COERCITIVO PARA

COBRANÇA DE TRIBUTO.

SÚMULA Nº 323: “É INADMISSÍVEL A APREENSÃO DE

MERCADORIAS COMO MEIO COERCITIVO PARA

PAGAMENTO DE TRIBUTOS.”

SÚMULA Nº 547: NÃO É LÍCITO À AUTORIDADE

PROIBIR QUE O CONTRIBUINTE EM DÉBITO ADQUIRA

ESTAMPILHAS, DESPACHE MERCADORIAS NAS

ALFÂNDEGAS E EXERÇA SUAS ATIVIDADES

PROFISSIONAIS.

SÚMULA Nº 53 - TRF-2ª RG: VIOLA A GARANTIA

CONSTITUCIONAL DO LIVRE EXERCÍCIO DE

QUALQUER TRABALHO, OFÍCIO OU PROFISSÃO, A

SUSPENSÃO DO DIREITO DE EXERCER A ADVOCACIA,

PREVISTA NO ART. 37, I, §§ 1º E 2º, DA LEI Nº 8.906/1994,

EM RAZÃO DO INADIMPLEMENTO DA

CONTRIBUIÇÃO ANUAL DEVIDA À ORDEM DOS

ADVOGADOS DO BRASIL.

224 TÔRRES, Heleno Taveira. Pena de Perdimento de Bens e Sanções Interventivas em Matéria

Tributária. RET nº 57/22, set-out/07

Page 170: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

170

Ao prevalecer os posicionamentos mencionados, privilegia-se o direito ao

livre exercício de atividades econômicas, bem como ao devido processo legal. Sobre o

assunto, eis a seguinte jurisprudência aceitando parcialmente a sanção política:

DIREITO TRIBUTÁRIO. APLICABILIDADE DA PENA DE

PERDIMENTO A MERCADORIAS IMPORTADAS.

A mercadoria importada qualificada como bagagem

acompanhada que fora apreendida em zona secundária e

desacompanhada de Declaração de Bagagem Acompanhada

(DBA) será restituída ao viajante até o limite da cota de isenção

determinada pela Receita Federal (art. 33 da IN 1.059/2010 da

RFB), aplicável a pena de perdimento em relação à mercadoria

que exceda esse limite. Isso porque, conforme dispõe o art. 33

da IN 1.059/2010 da RFB, o viajante procedente do exterior

poderá trazer, com a isenção a que se refere o caput do art. 32,

em sua bagagem acompanhada (art. 2º, III), livros, folhetos,

periódicos, bens de uso ou consumo pessoal e outros bens cujos

limites de valor global não ultrapassem os limites da cota de

isenção determinada por esse dispositivo normativo. De fato, de

acordo com o art. 3º, os “viajantes que ingressarem no território

brasileiro deverão efetuar a declaração do conteúdo de sua

bagagem, mediante o preenchimento, a assinatura e a entrega à

autoridade aduaneira da Declaração de Bagagem Acompanhada

(DBA)”. Todavia, o art. 3º-A, caput, dessa mesma Instrução

Normativa, determina que estão dispensados de apresentar a

DBA de que trata do art. 3º “os viajantes que não estiverem

obrigados a dirigir-se ao canal ‘bens a declarar’”. Ocorre que,

entre os viajantes que estão obrigados a dirigir-se ao canal “bens

a declarar” – e que, portanto, devem apresentar a DBA –

enquadra-se o viajante que trouxer “bens cujo valor global

ultrapasse o limite de isenção para a via de transporte, de acordo

com o disposto no art. 33” (art. 6º, VIII, da IN 1.059/2010 da

RFB). Deste modo, se o que está dentro da cota de isenção

dispensa declaração de bens, conclui-se que a pena de

perdimento só é pertinente aos produtos que, por estarem acima

dos limites da cota, venham a configurar dano ao erário, nos

termos do art. 689 do Decreto 6.759/2009, já que, quanto a eles,

há sim a obrigação de apresentação de declaração e demais

formalidades de internação. REsp 1.443.110-PR, Rel. Min.

Humberto Martins, julgado em 12/8/2014.

Outro exemplo de providência desfavorável é a sujeição de determinada

empresa ou grupo de empresas pertencentes a setor econômico específico a regime

Page 171: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

171

especial de tributação, ou, por outro lado, a cassação de regime especial, quando este é

mais benéfico. A medida não configura sanção em sentido estrito, pois o fato jurídico, o

antecedente normativo não é conduta ilícita, seria apenas uma conduta indesejável.

O Fisco busca um maior controle, caracterizando-se como medida punitiva a

perda de benefício, da mesma forma, a inclusão de contribuinte em regime fiscal

especial.

Há ainda, punição mais severa como o cancelamento de registro e interdição

de estabelecimento (art. 2º, II do Decreto-lei 1.593/77)

Cumpre, observar os casos de requisição de regularidade fiscal para registrar

empresas, emissão de certidões, transferência de imóveis, etc.

As providências são inúmeras, encontramos sanções das mais criativas,

todas com o escopo de forçar o pagamento de tributos, mas em muitos casos a

razoabilidade e a proporcionalidade não estão presentes e elas são afastadas no

judiciário.

Ao trazer as noções, os conceitos e definições básicas das multas e dos

crimes, pretendemos levantar questões periféricas de temas correlatos, para desaguar no

grande problema de direito penal tributário e das multas qualificadas pela subjetividade.

5.10. Hipóteses de exclusão da penalidade

a) Anistia

O código tributário nacional dispõe:

Art. 175 - Excluem o crédito tributário:

I - a isenção;

II - a anistia.

Page 172: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

172

Em matéria de multas tributárias importa assinalar a regulamentação pelo

CTN da anistia:

Art. 180. A anistia abrange exclusivamente as infrações

cometidas anteriormente à vigência da lei que a concede, não se

aplicando:

I - aos atos qualificados em lei como crimes ou contravenções e

aos que, mesmo sem essa qualificação, sejam praticados com

dolo, fraude ou simulação pelo sujeito passivo ou por terceiro

em benefício daquele;

II - salvo disposição em contrário, às infrações resultantes de

conluio entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas.

Art. 181. A anistia pode ser concedida:

I - em caráter geral;

II - limitadamente:

a) às infrações da legislação relativa a determinado tributo;

b) às infrações punidas com penalidades pecuniárias até

determinado montante, conjugadas ou não com penalidades de

outra natureza;

c) a determinada região do território da entidade tributante, em

função de condições a ela peculiares;

d) sob condição do pagamento de tributo no prazo fixado pela

lei que a conceder, ou cuja fixação seja atribuída pela mesma lei

à autoridade administrativa.

Art. 182. A anistia, quando não concedida em caráter geral, é

efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade

administrativa, em requerimento com a qual o interessado faça

prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos

requisitos previstos em lei para sua concessão.

Parágrafo único. O despacho referido neste artigo não gera

direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no

artigo 155.

Paulo de Barros Carvalho, pontua:

“Anistia fiscal é o perdão de falta cometida pelo infrator de

deveres tributários e também quer dizer o perdão da penalidade

a ele imposta por ter infringido mandamento legal. Tem, como

se vê, duas acepções: a de perdão pelo ilícito e a de perdão da

multa. As duas proporções semânticas do vocabulário anistia

oferecem matéria de relevo para o Direito Penal, razão porque

os penalistas designam anistia o perdão do delito e o indulto o

perdão da pena cominada para o crime. Voltando-se para

apagar o ilícito tributário ou a penalidade infligida ao autor da

ilicitude, o instituto da anistia traz em si indiscutível caráter

retroativo, pois alcança fatos que se compuseram antes do

Page 173: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

173

termo inicial da lei que a introduz no ordenamento. Apresenta

grande similitude com a remissão, mas com ela não se

confunde. Ao remir, o legislador tributário perdoa o débito

tributário, abrindo mão do seu direito subjetivo de percebê-lo;

ao anistiar, todavia, a desculpa recai sobre o ato da infração ou

sobre a penalidade que lhe foi aplicada. Ambas retroagem,

operando em relação jurídica já constituídas, porém de índole

diversa: a remissão, em vínculo obrigacional de natureza

estritamente tributária; a anistia, igualmente em liames de

obrigação, mas de cunho sancionatório.225

Em matéria tributária, regra geral, a anistia é prevista em leis de

parcelamento como o art. 1º da Lei n° 11.941/2009:

b) Denuncia Espontânea

A ação fiscal, regra geral, tem início com a lavratura do chamado “Termo de

Início de Fiscalização”, mas, também, pode iniciar-se por outros atos, como a apreensão

de mercadorias, livros ou documentos, e, em se tratando de mercadorias importadas,

com o começo do despacho aduaneiro.

Frise-se, por oportuno, que o principal efeito do início da fiscalização é a

exclusão da espontaneidade da denúncia pelo sujeito passivo, para fins do artigo 138 do

Código Tributário Nacional:

225 CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Editora Saraiva, 2010. p. 337

Page 174: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

174

Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia

espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do

pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do

depósito da importância arbitrada pela autoridade

administrativa, quando o montante do tributo dependa de

apuração.

Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia

apresentada após o início de qualquer procedimento

administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a

infração.

Como expõe Paulo de Barros Carvalho, para que se tenha denúncia

espontânea, necessário se faz a conjugação dos seguintes elementos:

(i) comunicação espontânea, ao Fisco, da infração praticada;

(ii) tratando-se de infração consistente na ausência ou insuficiência de

pagamento, o recolhimento do tributo devido, acompanhado de juros

de mora; e

(iii) inexistência de procedimento administrativo ou medida de

fiscalização instalados para apurar aquela ilicitude.

No entendimento de Paulo de Barros “a iniciativa do sujeito passivo,

promovida com a observância desses requisitos, tem a virtude de evitar a aplicação de

multas de natureza punitiva, porém não afasta os juros de mora e a chamada multa de

mora, de índole indenizatória e destituída do caráter de punição.”226

O art. 136 do CTN dispõe sobre a responsabilidade objetiva. A doutrina

defende que o modo para exclusão da responsabilidade por infrações tributárias é a

denúncia espontânea do ilícito, porém ela não afastaria os juros de mora e nem a multa

de mora.

No entanto, em sentido antagônico, entendo que toda multa tem caráter

sancionatório, com efeito, deve-se excluir inclusive a multa de mora em caso de

denuncia espontânea.

226 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 863

Page 175: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

175

Nessa trilha, Paulo de Barros Carvalho, quanto à disputa multa de mora X

denúncia espontânea, proclama:

“toda multa exerce função de apenar o sujeito a ela submetido,

tendo em vista o ilícito por ele praticado. Para além do rigor,

com o objetivo de esclarecer o que se incluiria na hipótese de

denúncia espontânea, a multa fiscal, qualquer que seja sua

modalidade, é espécie de sanção tributária consistente numa

prestação pecuniária, compulsória, que sobrevém como

decorrência da prática de determinadas infrações. É, pois, típica

sanção de ato ilícito. (...) todas as multas fiscais, incluídas as

chamadas `moratórias´, têm, incontestavelmente, a natureza de

sanção, advindo da inobservância de um dever jurídico. São,

portanto, inexigíveis, quando configurada a denúncia espontânea

a que se refere o art. 138 do CTN.” 227

227 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses,

2011. p. 898-899

Page 176: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

176

CAPÍTULO VI

Norma Penal Tributária

6. Direito Penal Tributário X Direito Tributário Penal

Ao criminalizar o evento do descumprimento de uma obrigação tributária ou

de um dever instrumental, o fato jurídico penal toma por base uma relação de cunho

tributário. Nesse sentido, para melhor exame cognoscitivo o cientista cinde o Direito em

porções menores, no entanto, o entrelaçamento de conceitos é inevitável.

Nesse sentido, toma-se o Direito Penal Tributário enquanto espécie do

Direito Penal.

Por outro lado, o Direito Tributário Penal refere-se às relações jurídicas

tributárias de cunho sancionador, como as normas primárias sancionatórias, no entanto,

são infrações puramente tributárias não penais.

Como fica a incidência da norma penal, quando há presunção no âmbito

administrativo? Existe verdade real a ser preservada? É possível considerar aplicarem-

se, no âmbito tributário, preceitos do campo penal que incorporem a proporcionalidade

na incidência das sanções, levando-se em conta, por exemplo, a boa-fé ou a reiteração?

Existem níveis diversos da ilicitude tributária, com a possibilidade de gradação das

multas pelo intérprete? Deveria existir?

Em todos esses questionamentos a conversação entre os dois ramos do

direito é extremamente vantajosa.

Certamente muito proveitoso o aproveitamento de princípios do Direito

Penal para estipulação de sanções tributárias. Contudo, a expressão Direito Tributário

Penal não parece adequada, uma vez que não se tratam de normas penais.

Page 177: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

177

Sasha Calmon ressalta: “Já em 1904, o italiano Giovanni Carano Dovito

esboçava o lineamento de uma Teoria Geral do Direito Penal Tributário concluindo

pela necessidade de emancipar a disciplina.”

Braulio Bata Simões228 explica que a lei penal que descreve delitos de fundo

tributário não pode ser aplicada sem apoio no Direito Tributário, exatamente porque os

tipos penais nela descritos são complementados pelas normas tributárias. São as normas

penais em branco, que buscam sua integração em outros diplomas de modal deôntico. E

pontua: realmente, só é possível entender os delitos penais tributários (contrabando,

descaminho, sonegação fiscal, apropriação indébita, etc) compreendendo corretamente

os fenômenos que o Direito Tributário regula. Desta forma, concebe-se o Direito Penal

Tributário como uma forma didática de se estudar as infrações penais que tenham por

objetividade jurídica a Ordem Tributária, servindo como lembrança que, em certas

ocasiões, não poderá ser olvidado o estudo de institutos do direito tributário.

Sobre o problema das normas penais em branco Angela Maria da Motta

Pacheco229 há muito já criticava.

Em suma, a expressão “direito penal tributário” é utilizada como ramo do

direito penal relacionado a tributos, já a nomenclatura “direito tributário penal”, refere-

se às sanções fiscais, como multas e apreensão de mercadorias.

a) Criminalização de condutas relacionadas ao pagamento de tributos

Angela Maria da Motta Pacheco ao explicar a importância do tema de seu

livro “Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias”, de modo preciso conseguiu

sintetizar a preocupação que também compartilho:

228http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12162&re

vista_caderno=26 229 PACHECO, Angela Maria da Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. São Paulo:

Max Limonad, 1997. p. 257-258

Page 178: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

178

Os ordenamentos jurídicos revelam crescente ampliação do

sistema sancionatório. (...)

Para o descumprimento de cada obrigação, está prevista uma

sanção.

Entretanto, estas sanções nem sempre parecem suficientes para

desestimular o cidadão à prática de um comportamento ilícito.

Neste passo os ordenamentos jurídicos dos estados

democráticos contemporâneos, estão lançando mão do

direito penal. Este que era dirigido à proteção de bens valiosos,

tais como a vida, liberdade e patrimônio, invade os outros ramos

do direito, com as leis penais em branco, leis de superposição na

tentativa de impedir dano a outros bens e retirar o infrator do

convívio com seus semelhantes. São impostas penas de privação

de liberdade àqueles que cometem infrações administrativas,

tributárias e outras contra o Estado. Volta-se aos crimes de lesa-

majestade, ressuscitando os retrógrados fantasmas do passado

com a finalidade de reprimir as ações prejudiciais ao Estado mas

com isso ferindo de morte a árdua conquista dos direitos

fundamentais do homem, reconhecida nas constituições desses

Estados.

Urge, pois esclarecer, discernir e colocar cada uma dessas

sanções nos campos do direito que lhe dizem respeito, sob

pena de, não o fazendo, permitir a confusão, combustão e,

quiçá, a fusão de elementos heterogêneos e de natureza

diversa causando prejuízo e insegurança às relações

jurídicas. 230 (grifo nosso)

Com essas pontuais palavras, Angela Maria da Motta Pacheco consegue

demonstrar a preocupação com o surgimento vigoroso de novas sanções e mais do que

isto, com a apreensão diante da crescente criminalização de condutas.

O problema bastante criticado por Robson Maia Lins, em sua disciplina

“Direito Tributário Sancionatório” resta evidente na medida em que há o que o

professor chama de ascendente atomização de condutas que em verdade fazem

parte de um mesmo processo, sendo que cada pequeno ato dá origem a uma nova

230 PACHECO, Angela Maria da Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. São Paulo:

Max Limonad, 1997. p. 39

Page 179: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

179

sanção. Ou seja, Robson Maia identifica que o seccionamento exagerado das

providencias acessórias ao pagamento de tributos gera um número desmedido de

sanções pelo seu descumprimento, quando de fato, todas essas condutas atomizadas

somadas, fazem parte de um único processo.

Fraciona-se o procedimento para sancionar diferentes atos. Há uma

segregação dos fatos simples em complexivos, continuados, fracionando os deveres

instrumentais, ao invés de referir-se ao procedimento como um todo. Cria um

verdadeiro sistema cumulativo de sanções (não envio, envio incorreto, etc.)

Em âmbito penal, temos o princípio da consução, crime formal, crime

continuado, crime de resultado, concurso de crimes e a crítica de Robson Maia Lins à

atomização pode ser comparada ao concurso formal de crimes, como por exemplo a

impossível a redução do IRPJ, sem reduzir, simultaneamente, também, o PIS e a

CSLL231

231 Notícias STF

Segunda-feira, 03 de março de 2014

Suspensa execução de pena imposta a condenado por crime contra a ordem tributária

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux concedeu medida liminar no Habeas Corpus

(HC) 120587 para suspender a execução da pena de 4 anos e 8 meses de reclusão, em regime inicial

semiaberto, imposta a P.V.C. pelo Tribunal Regional da 3ª Região (TRF-3) por crime contra a ordem

tributária, previsto no artigo 1º, incisos I e II, da Lei 8.137/1990.

A condenação foi determinada pelo TRF-3 ao prover apelação interposta pelo Ministério Público Federal

(MPF) contra sentença absolutória de primeira instância. De acordo com os autos, foram interpostos

recursos especial ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e extraordinário ao Supremo, mas tais recursos

foram inadmitidos, “ensejando o trânsito em julgado da condenação”. A defesa ainda impetrou HC no

STJ, que não foi conhecido (rejeitado) por aquela corte. É contra essa decisão que a defesa impetrou o

habeas no STF.

Defesa

No Supremo, a defesa alega a iminência de seu cliente ser preso e sustenta que, na condenação, foi

aplicada causa de aumento da pena prevista no artigo 12, inciso I, da Lei 8.137/1990, cabível na hipótese

de o crime ocasionar grave dano à coletividade. Segundo o HC, o acórdão do TRF-3 não poderia ter

exacerbado a pena, pois em nenhum momento da denúncia o Ministério Público narra a existência de tal

circunstância.

A defesa alega também que o reconhecimento do concurso formal de crimes, pelo acórdão

condenatório, foi indevida, pois, não haveria três infrações distintas contra a ordem tributária.

Sustenta que, nos termos do artigo 1º, caput, da Lei 8.137/1990, o resultado é único, qual seja, a

redução de tributo. “No caso, impossível a redução do IRPJ, sem reduzir, simultaneamente,

também, o PIS e a CSLL”, argumenta a defesa.

Decisão

Ao conceder a liminar, o ministro Luiz Fux observou que as questões trazidas no HC possuem

plausibilidade jurídica e merecem ser enfrentadas pelo colegiado [1ª Turma] no julgamento de mérito.

Segundo o relator, “o tema exposto na [petição] inicial é complexo e, por isso, demanda análise

exauriente, inviável em sede cautelar, por descaber falar em teratologia no ato impugnado”. Entretanto,

Page 180: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

180

Com efeito, investigar a essência das multas e dos crimes contra a ordem

tributária é necessidade premente.

6.1 Incidência da Norma Penal Tributária e da Norma Tributária Sancionadora

Um dos objetivos buscados pelo Estado, com a edição de leis penais

tipificando delitos fiscais, é proteger o bem jurídico da arrecadação, procurando

minimizar eventuais déficits em função da evasão fiscal, que consiste na prática de atos

ilícitos tendentes a ocultar o fato gerador ocorrido, ou a diminuir ilicitamente o impacto

econômico do tributo. Eis os crimes contra a ordem tributária232.

A norma jurídica positivada exprime o resultado de um debate sobre a

proteção de um valor. No caso presente, o legislativo entendeu por bem, proteger o bem

jurídico da arrecadação com a mais elevada sanção do Direito: a pena restritiva de

liberdade do Direito Penal.

Sob esta ótica, Luciano Amaro afirma que existem dois sistemas legais

sancionatórios através do Estado, “o criminal, implementado segundo o Direito Penal,

através do processo legal, no juízo criminal; e, o outro, administrativo, aplicado em

consonância com as regras do Direito Administrativo, no procedimento administrativo,

pelas autoridades administrativas”. 233

segundo ele, “a iminente execução da pena decorrente de sentença passível de anulação consubstancia o

periculum in mora e justifica o deferimento da medida acauteladora”.

O ministro determinou também que o processo tramite em conjunto com o Recurso Ordinário em Habeas

Corpus (RHC) 119962. 232 A Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, alterou a definição dos crimes contra a ordem tributária,

reescrevendo aqueles delitos antes designados de "sonegação tributária" pela Lei n. 4.729/65. A

mencionada legislação alargou o rol dos fatos típicos configuradores dos crimes contra a ordem tributária,

redesenhando, outrossim, a figura da "apropriação indébita", ao definir como crime o fato de deixar de

recolher, no prazo legal, valor de tributo descontado ou cobrado de terceiro, art.2º, II. Posteriormente,

também a Lei n. 8.212/91 arrolou tal situação como crime, art.95. 233 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 8. ed., São Paulo: Saraiva, 2002. p. 421.

Page 181: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

181

Destaque-se, ainda, que a distinção essencial entre a sanção civil, ou

administrativa, e a sanção penal é apenas valorativa, residindo tão somente na gravidade

da violação da ordem jurídica, na qual a sanção penal seria reservada aos que praticam

ilícitos mais graves.

Para tanto, o legislador tem a alternativa entre considerar a conduta como

sendo um crime, punível, pois, pelo direito penal, ou de remetê-la para o âmbito de um

ilícito administrativo.

Tal opção, entretanto, deve ser fundamentada em uma rigorosa análise, vez

que o envio para a seara do Direito Penal deve, sempre, ser feita de modo criterioso,

respeitando o princípio da subsidiariedade, o qual já presume sua fragmentariedade, ou

seja, deriva da consideração de que o Direito Penal é um remédio sancionador extremo,

que deve ser utilizado apenas quando nenhum outro se mostrar suficiente para resolver

o conflito, fundamentando-se no fato de que apenas as condutas mais graves e contra

bens jurídicos de maior relevância se utilizam dos seus rigores.

Sendo assim, o que se deve diferenciar entre a sanção administrativa e a

sanção penal, é que esta é resultado da tipificação do fato criminoso. Logo, sua

investigação se dá no âmbito do poder judiciário, de modo que a conduta do agente deve

ter origem dolosa e, em raros casos, culposa, enquanto que para a aplicação da sanção

administrativa tributária não carece comprovar o dolo, e sua aplicação ocorre pela via

administrativa.

Sacha Calmon considera: “realmente, em matéria de ilícitos administrativos

fiscais não tem cabimento se indagar sobre a intenção do agente (responsabilidade

subjetiva), sob pena de se admitir o erro de direito como causa excludente da sanção,

permitir a ausência de responsabilidade da pessoa jurídica, acarretar a impossibilidade

de se transmitir as multas (sub-rogação passiva das penalidades) e embaraçar de

sobremaneira a ação fiscal do Estado contra os sonegadores. 234

234COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário, 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.p.

633-634.

Page 182: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

182

O ilícito fiscal é objeto de minuciosa e rigorosa legislação, já que, através

dele, os infratores se sujeitam à multa e às sanções de caráter administrativo. Desta

forma, não há que se confundir com o ilícito penal, pois este só ocorre quando,

ultrapassando o campo civil, o agente pratica com dolo, além da infração administrativa,

fato previsto como crime, que a partir daí se torna, também, incurso nas sanções penais.

As referidas sanções são bastante diferentes. No entanto, a maior diferença

reside no fato de a sanção penal tributária poder ser uma pena privativa de liberdade,

posto que, nas sanções administrativas, não se admite a aplicação deste tipo de pena.

Além disso, imperioso se faz debater que a pena prisional, presente nas normas

penais, é revestida de cautelas, tendo em vista a proteção da liberdade humana, sendo,

inclusive, assegurado pela Constituição Federal o direito ao silêncio e ao acusado não

produzir provas contra si, o que contraria a exigência de informações indispensáveis à

plenitude da fiscalização tributária.

Com efeito, a intervenção do direito penal só deve ocorrer nos casos em que

os demais ramos do direito se revelarem insuficientes ou ineficazes em sua intervenção

punitiva.

O processo psicofísico de subsunção e implicação de normas administrativas

tributárias e penais, não muda. O trabalho intelectivo é semelhante. No entanto, a forma,

o conteúdo e o agente competente variam.

Em suma, podemos ressaltar alguns aspectos da fenomenologia da

incidência que diferenciam a aplicação da norma penal tributária da norma

tributária sancionadora:

i) As normas individuais e concretas das multas, regra geral, são

constituídas por agentes fiscais em âmbito administrativo. Enquanto a norma

individual e concreta do crime contra a ordem tributária deve ser constituída pelo

poder judiciário com iniciativa do Ministério Público ao oferecer denúncia.

Page 183: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

183

ii) Nos crimes tributários a investigação e produção do fato jurídico se dá no

âmbito do poder judiciário, sendo indispensável a origem dolosa da conduta, já

para a aplicação da sanção administrativa tributária, regra geral, não carece da

comprovação do elemento volitivo.

iii) As multas tributárias estão submetidas aos princípios do Sistema

Tributário e do Sistema Administrativo, ao passo que os crimes contra a ordem

tributária devem obedecer ao Sistema Penal. Tal constatação traz inúmeras

consequências.

iv) Na sanção penal tributária temos a pena privativa de liberdade, nas

sanções administrativas, não se admite a aplicação deste tipo de pena.

v) Em âmbito penal, é assegurado o direito ao silêncio e à não produção de

provas contra si, o que contraria a exigência de informações indispensáveis à

plenitude da fiscalização tributária.

vi) No procedimento de lançamento, em geral, não há o contraditório e a

ampla defesa, ao passo que esses dois requisitos são indispensáveis no processo

penal.

vii) A pena no âmbito criminal é pessoal ao agente, art. 5º, inc. XLV, da CF.

Em se tratando de sanções tributárias a pessoa jurídica responde pela pena, salvo

algumas exceções, por exemplo, a do art. 135 do CTN.

Como visto, temos um procedimento de elaboração da norma diferente, o

agente responsável pela inserção da norma no sistema é diferente, a espécie do

documento normativo é diferente, o modo de produção probatória é diferente, a relação

jurídica é diferente e os princípios a que estão submetidos os aplicadores de cada sanção

varia verticalmente.

Como será apontado, o problema é que apesar das inúmeras diferenças

relacionadas, os crimes contra a ordem tributária tomam como pressuposto o mesmo

evento descumpridor da norma tributária, acrescendo-se o critério volitivo. No entanto,

como visto, o fato jurídico criminoso demanda grande esforço probatório, mas é comum

a representação para fins penais e a denúncia com o aproveitamento, sem maiores

cuidados, do fato jurídico pressuposto da sanção tributária.

Page 184: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

184

Ora, é recorrente a persecução penal em que não se perquire sobre o dolo.

Aproveitando a descrição contida no Auto de Infração e Imposição de Multa carente de

fatos que demonstrem o elemento volitivo.

Há uma completa distorção do feitio do Direito Penal, preocupa-se em

condenar criminalmente para receber o valor do tributo, suspendendo extinguindo a

punibilidade.

Ao longo da pesquisa observamos os defeitos na produção do Direito,

justamente na sua parte mais importante, qual seja: a Sanção.

a) Bem jurídico tutelado

A tipificação de crimes tributários serve muito mais como modo de

desestimular a evasão fiscal do que como norma penal sancionadora propriamente dita,

tanto que, a todo instante, o Fisco possibilita modos para que o tributo seja pago que

importem em extinção de punibilidade.

A mera previsão legal de tipos penais não tem sido eficaz. Atualmente a

concessão reiterada de parcelamentos por meio do Programa de Recuperação Fiscal

(REFIS) ou pelo Parcelamento Especial (PAES) tem funcionado para socorrer os

déficits de arrecadação, comprometendo a persecução penal.

Uma importante constatação é de que a natureza jurídica da extinção da

punibilidade nos crimes tributários é fundamentalmente arrecadatória, o Estado busca a

satisfação do seu animus arrecadador, deixando de ter interesse nas questões em que o

tributo seja pago.

Page 185: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

185

6.2 Direito Penal: Conceitos fundamentais

Inicialmente, é necessário o estudo das condicionantes penais. Há de se

identificar, doutrinariamente, quatro fases de conceituação de crime: clássico,

neoclássico, finalístico e, modernamente (a que vige), o conceito de crime concebido

como ação, típica, antijurídica e culpável.

Sendo assim, conceitua-se crime como sendo uma ação típica e antijurídica.

Logo, para que exista o crime, basta que ocorra um fato típico e antijurídico, mas, para a

aplicação da pena, é necessário que o fato, além de típico e antijurídico, seja também

culpável, reprovável.

6.3 Conceito de Crime e Elementos do Crime

6.3.1 Causalidade

Sobre a dificuldade de individualização da responsabilidade penal nos

crimes contra a ordem tributária é comum, principalmente devido à natureza das

condutas envolvidas e à presença da pessoa jurídica na maior parte das ocorrências.

Existe um impulso, uma verdadeira tentação, por parte do aplicador da Lei

8.137/90, em atribuir responsabilidade penal objetiva aos contribuintes pelas práticas

das condutas ali relacionadas. Superado o impulso, há de se lembrar que não pode haver

imputação objetiva nos crimes tributários, havendo, pois, necessidade de demonstrar a

culpabilidade.

Sob este diapasão, é relevante a compreensão do conceito de causalidade, o

qual consiste na ligação entre a vontade do sujeito ativo à conduta e ao resultado.

Page 186: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

186

A doutrina penal é farta em teorias sobre o nexo causal. Pela larga aceitação,

destacam-se as mais relevantes, das quais se originam as demais: A Teoria da

Equivalência das Condições ou da conditio sine qua non, elaborada por Maximilian

Von Buri em 1860, define que causa é toda força que cooperou para a produção de um

resultado. Por outro lado, a teoria da causalidade adequada, atribuída ao fisiólogo

Johannes Von Kries, afirma que causa é a condição idônea, adequada, para produzir o

evento.

Como bem assevera Leonardo Sica, existem várias teorias penalistas, mas a

solução encontra-se na composição entre elas. Assim, distinguiram-se dois momentos

na constatação do nexo causal objetivo: o primeiro, de verificação do elo entre conduta

e evento, empregando a equivalência das condições; e, o segundo, de valoração entre a

conduta e a idoneidade da condição como causa, de acordo com a causalidade

adequada. Apenas num terceiro momento, verifica-se o elemento subjetivo.235

De acordo com Magalhães Noronha236, a ação será causa quando sem ela

não puder ocorrer o resultado. No mesmo sentido, será considerada causa a ação ou a

omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido, a omissão também é causa do

resultado, mas o omitente responde pelo resultado porque não agiu para impedi-lo.237

Da análise do artigo 13 do Código Penal, chega-se à conclusão de que o

vigente estatuto adotou a teoria da equivalência dos antecedentes, ou da conditio sine

qua non.

No entanto, para evitar uma perpetuação eterna dos causadores, faz-se uma

limitação. Em outras palavras, deve-se verificar a presença do dolo ou da culpa, caso

contrário, até mesmo quem fabricasse ou vendesse uma arma utilizada em um crime

seria responsabilizado.

235 SICA, Leonardo. Causalidade e elemento subjetivo nos crimes tributários. Revista do Instituto dos

Advogados de São Paulo, nº 08, julho-dezembro de 2001. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. 236 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. Vol. 3 237 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal. São Paulo: Atlas, 26. Ed 2010. Vol. I

Page 187: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

187

Neste sentido, Bitencourt afirma que a relação de causalidade entre a

conduta humana e o resultado é uma relação valorada que deve ser auferida

conjuntamente com o vínculo subjetivo do agente.238

6.3.2 Tipicidade

A tipicidade penal é decorrente do princípio da legalidade, que estabelece:

"não há crime sem lei anterior que o defina". Ou seja, o legislador deve prever situações

que devam ser consideradas delitos, e defini-los por meio de tipos penais, descrevendo

as condutas de modo certo e inconfundível.

Segundo Aníbal Bruno, "o tipo é por definição a fórmula descritiva das

circunstâncias objetivas do crime"239.

Tipo penal é a lei em sentido estrito que descreve a conduta, comissiva ou

omissiva, com o fim de proteger determinados bens, cuja tutela mostrou-se insuficiente

pelos demais ramos do direito.240

Outrossim, a tipicidade nada mais é que um juízo de valor feito a respeito de

um determinado fato social, no intuito de enquadrar a conduta humana a uma situação

legal prevista na lei penal, é dizer explicitamente, de maneira exata, quais fatos sociais

são considerados crimes.

Luís Flávio Gomes destaca que, no tempo da teoria causalista, o fato típico

era enfocado só formal e objetivamente e era composto de conduta voluntária (neutra:

sem dolo ou culpa), resultado naturalístico (nos crimes materiais), nexo de causalidade e

adequação à letra da lei. Com a teoria finalista de Hans Welzel, o fato típico passou a

contar com dois aspectos, o objetivo e o subjetivo. O dolo e a culpa passaram a integrar

238 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 14. Ed. São Paulo: Saraiva,

2009. 239 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. t. I. Rio de Janeiro: Forense, 1984. 240 GRECO, Rogério. Curso de direito penal, parte especial, 7. ed. Rio de Janeiro, RJ: Impetus, 2010.

Page 188: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

188

a tipicidade, cujos requisitos, portanto, seriam conduta dolosa ou culposa, resultado

naturalístico (nos crimes materiais), nexo de causalidade e subsunção do fato à letra da

lei.241

Em síntese, tipo é a descrição feita pela lei da conduta proibida e a

tipicidade é a correlação da conduta com o que foi descrito no tipo, o enquadramento, a

subsunção.

6.3.3 Ilicitude

Angela Maria da Motta Pacheco242 destaca que se uma determinada

conduta é pressuposto de uma sanção isto significa que esta conduta é proibida

juridicamente. Constitui um ilícito, um delito. O conceito de sanção e de ilícito são

correlativos. A sanção é consequência do ilícito; o ilícito é um pressuposto da

sanção.

A análise acerca da ilicitude é feita considerando a antijuridicidade da

ação, uma vez que, em certas hipóteses, o direito reconhece que atos típicos estão,

apesar disso, em consonância com o direito, ou seja, não são ilícitos.

Ocorre que, algumas ações, embora típicas, não são ilícitas, por exemplo,

se ficar provado que o agente atuou em legítima defesa. De modo que, mesmo sendo

a ação típica, cumpre observar ainda se esta é contrária ao ordenamento jurídico.

Deste modo, a antijuridicidade significa que o fato, para ser crime, além de

típico, deve também ser ilícito, contrário ao Direito, uma vez que este é antijurídico pela

241 GOMES, Luiz Flávio. Requisitos da tipicidade penal consoante a teoria constitucionalista do delito.

Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 950, 8 fev. 2006. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7932>. Acesso em: 05 ago. 2010 242 PACHECO, Angela Maria da Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. São Paulo:

Max Limonad, 1997. p. 52-53

Page 189: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

189

sua própria tipicidade. Mas, se existir uma causa que justifique o fato, embora típico,

deixa ele de ser crime, por não ser antijurídico.

Na verdade, a antijuridicidade se resume em um conceito negativo, ou seja,

na verificação de ocorrência ou não de uma justificativa para a prática de um fato típico.

Assim, crime é fato típico e antijurídico.

Aurora Tomazini243 preleciona:

Crime é uma palavra ambígua que em análise jurídica comporta

pelo menos cinco acepções distintas: i) enunciado tipificativo;

ii) hipótese normativa; iii) evento; iv) fato; e v) fato jurídico. A

doutrina penal trabalha o conceito de crime no plano da

realidade social, enquanto nós só aceitamos a sua existência no

plano jurídico. Crime é fato jurídico, enunciado protocolar,

denotativo, antecedente de uma norma penal individual e

concreta, que implica efeitos no mundo jurídico, constituído

com a sentença criminal condenatória.

Pena também é uma palavra ambígua, que juridicamente

comporta no mínimo sete acepções: i) enunciado legislativo

penal; ii) consequente de norma geral e abstrata; iii) relação

jurídica; iv) direito subjetivo; v) objeto da prestação; vi) dever

jurídico; acontecimento social. A doutrina penal trabalha o

conceito de pena como efeito jurídico propagados no plano

social, por isso admitem a existência de crime sem pena.

Também consideramos a pena como um efeito jurídico, mas

especificamente como relação jurídica, que se consubstancia

num enunciado relacional denotativo, que ocupa posição

sintática de consequente da norma individual e concreta,

243 CARVALHO, Aurora Tomazini. Direito Penal Tributário (uma análise lógica, semântica e

jurisprudencial). São Paulo, Quartier Latin, 2009. p. 336

Page 190: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

190

produzindo em função da existência de um fato jurídico penal,

constituído com a sentença criminal condenatória.

6.3.4 Antijuridicidade

Como observado, a antijuridicidade está relacionada com a realização do

fato típico e com a ausência de uma causa de justificação. Sabe-se que a antijuridicidade

é uma ação típica que não está justificada, que consiste na falta de autorização da ação

típica.

Neste sentido, Luiz Regis Prado244 bem enuncia que o elemento conceitual

do delito, ilicitude ou antijuridicidade exprime a relação de contrariedade de um fato

com todo o ordenamento jurídico, com o direito positivo em seu conjunto. Trata-se da

violação da ordem jurídica em seu conjunto, mediante a realização do tipo.

Pela escola tradicional ou causalista, a consciência da antijuridicidade é

parte integrante do dolo (teoria normativa), ou não (teoria psicológica). Para o

finalismo, a consciência potencial da antijuridicidade faz parte não do dolo, mas da

culpabilidade.

Quanto às justificativas ou causas de exclusão da antijuridicidade, estas se

encontram dispostas no artigo 23 do Código Penal, na parte especial do Código Penal

(artigo 146, § 3º, II; artigo 142, I; artigo 128; artigo 150, §3º, II) e há justificativas

supralegais (consentimento do ofendido, nos direitos disponíveis). Para o último, há

uma corrente que o admite.

Por outro lado, existe outra corrente doutrinária, na qual prevalece o

entendimento de que as justificativas englobam tanto elementos objetivos como

subjetivos, de modo que o agente tenha a convicção de agir de acordo com uma

justificativa. O excesso no exercício da justificativa pode ser punido a título de dolo ou

culpa, se for o caso (artigo 23, parágrafo único, Código Penal).

244 PRADO, Luiz Reges. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. 3. Ed. São Paulo: RT, 2002. V. I

Page 191: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

191

Luiz Regis Prado expõe ainda que, "pelo fato de o juízo de ilicitude recair

sobre a conduta típica e não sobre o agente ou a personalidade, é o que leva a entender

que a teoria da ilicitude pode ser entendida como uma teoria do conforme ao Direito, em

que se sabe que o Direito autoriza ou permite que se realize, em certas hipóteses, um

comportamento típico" 245

No próximo capítulo serão abordadas algumas causas de excludente de

antijuridicidade inerentes aos crimes contra a ordem tributária.

6.3.5 Culpabilidade

A culpabilidade é o último pressuposto da penalidade, verificando-se que o

agente praticou uma ação típica e ilícita, através de uma análise acerca de sua

culpabilidade.

Dessa maneira, entende-se que a culpabilidade são as condições subjetivas

que devem concorrer para que o seu autor seja punido, já que, se não for culpável, não

sofrerá pena alguma.

Nesse esteio de entendimento, adotando-se a teoria finalista da ação, a

culpabilidade é aplicada mediante a observação de três requisitos, quais sejam: a

imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigência de conduta diversa.

6.4 Elemento Subjetivo do Tipo

Destaca-se que os elementos subjetivos do tipo penal são a culpa e o dolo,

ao se analisar o artigo 18, I, do Código Penal, que pontifica:

245 PRADO, Luiz Reges. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. 3. Ed. São Paulo: RT, 2002. V.

I

Page 192: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

192

Art. 18 - Diz-se o crime:

I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco

de produzi-lo;

II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por

imprudência, negligência ou imperícia.

Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém

pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o

pratica dolosamente.

Verifica-se, pois, que foram adotadas pelo Código Penal brasileiro as teorias

da vontade e do assentimento. A primeira considera que o dolo é a vontade de realizar a

conduta e produzir o resultado; a segunda é a previsão do resultado com a aceitação dos

riscos de produzi-lo.

Compartilhando do mesmo entendimento, Ingeborg Puppe ensina que,

quanto à distinção entre dolo e culpa,“o que decide a respeito da existência de dolo ou

culpa é unicamente a disposição interna do autor em face da representação do

perigo”.246

Consciente da impossibilidade de acessar o intelecto de outrem, o elemento

subjetivo do tipo é pesquisado através de provas, fatos, condutas exteriorizadas que

indicam a presença da intenção dolosa ou a presença de culpa.

246 PUPPE, Ingeborg. A distinção entre Dolo e Culpa; tradução, introdução e notas: Luís Greco. Barueri,

SP: Manole, 2004.

Page 193: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

193

6.4.1 Dolo

O conceito de dolo a ser operacionalizado é considerado a vontade e a

consciência de realizar os elementos constantes do tipo legal. Mais amplamente, é a

vontade manifestada pela pessoa humana de realizar a conduta.

Existem duas fases na conduta do agente. Primeiramente, há a fase interna,

na qual estão presentes os pensamentos do autor. Esta fase é penalmente indiferente,

enquanto o autor estiver apenas ponderando em sua mente.

Na fase seguinte, a externa, há uma exteriorização da conduta. O autor passa

a utilizar os meios escolhidos para praticar a conduta. Nessas condições, ele pode ser

responsabilizado pelas consequências diretas de seus atos.

José Frederico Marques247 considera “direto o dolo quando o resultado no

mundo exterior corresponde perfeitamente à intenção e à vontade do agente. O objetivo

por ele representado e a direção da vontade se coadunam com o resultado do fato

praticado”

O dolo é a consciência e a vontade na realização da conduta típica, ou a

vontade da ação orientada para a realização do tipo. Roxin pontua:

"el dolo, como voluntad de acción realizadora del plan,

precisamente no es ‘eventual o condincionado’, sino, por el

contrario, incondicional, puesto que el sujeto quiere ejecutar su

proyecto incluso al precio de la realización del tipo"248

Por sua vez, Rogério Greco observa que se realizava a distinção entre dolo

genérico e dolo específico quando prevalecia a teoria natural da ação. Contudo, uma vez

adotada a teoria finalista da ação, a ação torna-se uma atividade final, ou seja, toda

247 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinhas: Bookseller, 1991, v.

1, p. 198. 248 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general. Madrid: Civitas, 1997

Page 194: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

194

conduta é finalisticamente dirigida à produção de um resultado qualquer, não

importando se a intenção do agente é mais ou menos evidenciada no tipo penal. 249

A discussão entre dolo genérico e dolo específico é de especial relevância

nos crimes contra a ordem tributária.

6.4.2 Culpa

A culpa decorre da comparação que se faz entre o comportamento realizado

pelo sujeito no plano concreto e aquele que uma pessoa de prudência normal, mediana,

teria naquelas mesmas circunstâncias.250 Ou seja, é a violação ou inobservância de uma

regra, que produz dano aos direitos de outros, por não observar o dever objetivo de

cuidado imposto às pessoas de razoável diligência, seja por negligência, imprudência ou

imperícia.

No dolo, existe a má-fé, posto que o agente tem a intenção de praticar o fato

e produzir determinado resultado. Por sua vez, na culpa, não há má-fé, já que o agente

não possui a intenção de prejudicar o outro, ou produzir o resultado.

Por todo o exposto no capítulo, cumpre destacar passagem contundente de

Roxin, para quem não há como confundir o direito com a moral: “... ao legislador não

assiste direito algum de punir um comportamento não lesivo de bens jurídicos, apenas

por ser ele imoral. (...) O estado tem de garantir a ordem externa; ele não está

legitimado a ser patrono moral dos indivíduos” 251

249 GRECO, Rogério. Curso de direito penal, parte especial, 7. ed. Rio de Janeiro, RJ: Impetus, 2010. 250 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, parte geral, 11. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2007. v. 1 p. 251 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general. Madrid: Civitas, 1997

Page 195: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

195

CAPÍTULO VII

Crimes Contra a Ordem Tributária

7.1 Crimes Contra a Ordem Tributária

O direito é o principal sistema de ordenação social. A conversa entre o

mundo do ser e do dever ser necessita ser constante. Normas distantes da realidade

social não cumprem seu papel de regular as condutas. Daí porque é tão importante a

passagem de Lourival Vilanova: "Altera-se o mundo físico mediante o trabalho e a

tecnologia, que o potencia em resultados. E altera-se o mundo social mediante a

linguagem das normas, uma classe da qual é a linguagem das normas do Direito."

Sem analisar de modo profundo a natureza social dos crimes contra a ordem

tributária, fato é que pouco se aplicam as normas da Lei 8.137/90. Os comportamentos

não estão sendo devidamente regulados pelas leis.

A dificuldade de investigação penal nos crimes contra a ordem tributária é

abissal. Mesmo nos crimes contra a vida a investigação no Brasil já é deficiente, a

resolução de crimes é insignificante. Encontrar o agente e aplica-lo uma pena é algo

raro, os inquéritos possuem percentuais baixíssimos de êxito. Por sua vez, a impunidade

é sempre uma das principais causas do aumento da criminalidade.

Acrescente-se a isso o desafio natural inerente às especificidades do crime

tributário, tais como a necessidade de investigar as contas, o livro caixa, notas fiscais, de

milhares de empresas por todo Brasil.

Uma coisa é cruzar os dados digitalmente e identificar o não pagamento de

tributos ou a omissão de informações, estas são condutas que ensejam a aplicação de

sanções tributárias. Outra coisa é além da materialidade comprovar também o elemento

subjetivo do tipo, requisito indispensável para a responsabilização penal.

Page 196: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

196

Ressalve-se que a materialidade referente ao não pagamento do tributo não é

simples como em outros crimes: matar, roubar, difamar, etc., isto porque, em matéria

tributária, a incidência ou não do tributo é frequentemente questionável. O crédito

tributário muitas vezes é defeituoso, afinal são 5.500 Municípios legislando, além dos

27 Estados e a União, as alterações legais e infralegais são diárias, de modo que auferir

se há omissão ou não do pagamento é bem mais complexo do que identificar a morte de

alguém.

Soma-se as isto a ânsia arrecadatória e a disputa entre os entes políticos pela

sua fatia de tributos, gerando tributação controversa que precisa ser questionada em

âmbito administrativo e/ou judicial.

Este é um ponto crucial: dificuldade de estabelecer a materialidade do delito

tributário.

Por outro lado, identificar o agente e individualizar a conduta dentro de uma

grande empresa é tarefa das mais difíceis. E quando essa investigação penal – apurando

o elemento volitivo, por exemplo – ocorre 10 (dez) anos após o evento criminoso?

Sim, 10 (dez) anos depois! Considerando que o fisco tem até 5 (cinco) anos

para constituir o crédito tributário, este, uma vez impugnado, será discutido em processo

administrativo que entre a primeira e a segunda instância dura em média 5 (cinco) anos

de acordo com pesquisa coordenada por Eurico de Santi.252

Observe-se que até o início da investigação penal, já se passaram dez anos

do evento. Nesse período o quadro societário mudou, a realidade das empresas também,

de modo que individualizar a conduta e provar o dolo adequadamente torna-se

incumbência pragmaticamente impossível.

Estamos discutindo a qualidade das decisões judiciais de acordo com o

arcabouço probatório juntado.

252 http://invente.com.br/nef/files/upload/2011/05/19/relatorio-final-completo-nef-2009-v-1-0.pdf

Page 197: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

197

Em um Estado Democrático de Direito a lei é, a um só tempo, o limite de

atuação do Estado, com interferência nos direitos dos cidadãos, e um instrumento de

atuação de políticas públicas, inclusive no campo penal e tributário.

Assim, embora caiba ao legislador antecipar um conjunto de condutas às

quais quer estabelecer desincentivos ou punições por suas práticas, é impossível que a

lei descreva todos os comportamentos não desejados de uma sociedade, pelo que se faz

necessária uma distinção entre a licitude e a legalidade. O campo da licitude é mais

amplo, abrange todas as situações, todos os comportamentos, estejam ou não previstos

em lei. O campo da legalidade diz respeito apenas ao que está prescrito nas leis.

Para Hugo de Brito Machado, sanção é o meio de que se vale a ordem

jurídica para desestimular o comportamento ilícito. Pode limitar-se a compelir o

responsável pela inobservância da norma ao cumprimento de seu dever, e pode consistir

num castigo, numa penalidade a este cominada. 253

Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho, o ordenamento jurídico,

como forma de tornar possível a coexistência do homem em comunidade, garante,

efetivamente, o cumprimento das suas ordens, ainda que, para tanto, seja

necessária a adoção de medidas punitivas que afetem a propriedade ou a própria

liberdade das pessoas. Daí por que, ao criar uma prestação jurídica,

concomitantemente o legislador enlaça uma providencia sancionadora ao não-

cumprimento do referido dever. 254

Como vimos, um dos objetivos buscados pelo Estado, com a edição de leis

tipificando delitos fiscais, é proteger o bem jurídico da arrecadação, procurando

minimizar eventuais déficits em função da evasão fiscal, que consiste na prática de atos

ilícitos tendentes a ocultar o fato gerador ocorrido, ou a diminuir ilicitamente o impacto

econômico do tributo.

253 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010. 254 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2012.

Page 198: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

198

Várias leis penais, com conteúdo econômico, foram editadas, o que aumenta

a importância deste ramo do direito. Nesse sentido, abordaremos o tratamento legal do

ilícito penal tributário.

7.1. Antecedentes históricos: Ilícito Penal Tributário

A compreensão acerca das especificidades dos ilícitos penais tributários

exige conhecimento dos seus antecedentes históricos, das condutas puníveis, e de outros

elementos que configuram tais práticas, o que, por este motivo, será abordado a seguir.

Com a intenção de intimidar os contribuintes que sonegavam tributos, foi

promulgada a Lei nº 4.729, de 14.7.1965, que tipificou o crime de sonegação fiscal,

elencando comportamentos e descrevendo de forma casuística os fatos e as condutas

relacionados com o dever tributário.

Hugo de Brito Machado255 bem destaca que as pretensões dos legisladores

esbarraram no princípio da especialidade. É que todos aqueles comportamentos podiam

ser capitulados no artigo 171, que define o estelionato, ou nos artigos. 297, 298 ou 299 do

Código Penal, que definem os crimes de falsidade material ou ideológica de documentos,

cuja pena mínima cominada seria de 1 ano, e a máxima de 6 anos de reclusão.

A Lei nº 4.729/1965 cominou pena de detenção de 6 meses a 2 anos. Além

disso, admitiu a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo devido, e, para os

réus primários, cominou pena exclusivamente de multa, o que fez extinguir-se a

punibilidade em apenas 2 anos, pela prescrição.

O Ministério Público não obteve êxito em suas ações e os contribuintes

infratores da lei tributária foram beneficiados pelo princípio da especialidade, vez que os

dispositivos do Código Penal não eram aplicados.

255 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

Page 199: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

199

Com o advento da Lei nº 8.137, de 27.12.1990, a Lei nº 4.729/1965 restou

revogada e os fatos, antes sob a designação genérica de sonegação fiscal, passaram a ser

chamados, também genericamente, de crimes contra a ordem tributária.

7.2. Crimes contra a ordem tributária: Os tipos e as penas

Como será apontado, os tipos penais relacionados aos crimes contra a ordem

tributária são demasiadamente vagos. O artigo 1º da Lei n.º 8.137/1990 definiu:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir

tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as

seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades

fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou

omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro

exigido pela lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda,

ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que

saiba ou deva saber falso ou inexato;

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou

documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação

de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a

legislação.

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Observa-se pela leitura do atrigo 1º que é crime, por exemplo, a omissão de

informação, e a utilização de documento que “deva saber” ser inexato. Ora, diferençar

uma omissão dolosa e um mero erro contábil é extremamente difícil.

Page 200: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

200

O desafio do Ministério Público conseguir provar o dolo é colossal.

No mesmo sentido, os termos do artigo 2a do mesmo diploma legal:

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:

I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou

fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente,

de pagamento de tributo;

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de

contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito

passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte

beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou

deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;

IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído,

incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou

entidade de desenvolvimento;

V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que

permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação

contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa

Como visto, a tipicidade da lei 8.137 é muito aberta, genérica. Por uma

análise literal qualquer espécie de supressão ou não pagamento ensejaria crime.

Corroborando com a legislação acima disposta, distingue-se o crime de

supressão ou redução de tributo do antigo crime de sonegação fiscal, essencialmente,

por ser um crime material, ou de resultado, o qual só estará consumado se houver a

efetiva supressão ou redução do tributo.

Nesse sentir, impende destacar a conceituação proposta por Hugo de Brito

Machado, que entende que os crimes definidos no artigo 2º da Lei 8.137/90 são formais,

ou de mera conduta. Vale dizer, restam consumados independentemente do resultado.

Isto, porém, não quer dizer que o elemento subjetivo seja irrelevante. Os crimes de que

Page 201: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

201

cuida somente se configuram com a presença do dolo específico, o qual é elementar do

tipo.256

Por outro lado, há entendimento diverso, defendendo que o tipo subjetivo do

art. 2º da Lei nº 8.137/90 nem sempre reclama dolo específico, dando como exemplo o

caso do inciso II, que se vale apenas do dolo genérico.

Celso Ribeiro Bastos ao ser indagado se a falta de recolhimento de ICMS

oportunamente declarado nas guias adequadas e relativo à dívida por operações próprias

do contribuinte configuraria o crime previsto no artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90,

respondeu que a fraude ao fisco, ali descrita, caracterizava-se pela apropriação, através

de retenção do tributo cobrado após o seu prazo de recolhimento.

No entanto, para o insigne autor, só não se configura tal crime, quando a

falta de recolhimento ocorrer em virtude de fato relevante e inevitável (caso fortuito ou

força maior), ou seja, o tipo penal deste crime exigiria conduta dolosa específica, aquela

em que o agente deseja produzir o resultado que se sabe penalmente punível.257 Já

quando se trata do crime definido no artigo 1º da Lei n. 8.137/1990, que é de resultado, se

não há tributo devido não se consuma o crime, ou seja, a existência de tributo devido é

elemento essencial do tipo. Por isso, só se consuma quando ocorre a efetiva supressão ou

redução de tributo devido.

Por sua vez, o crime definido no artigo 2º da mesma lei é de natureza

formal. Entretanto, como foi dito outrora, o dolo é elemento essencial do tipo. De

modo que, se não houver a vontade de suprimir tributo devido, não se configura o

crime. Assim, entendem Hugo de Brito Machado e Roque Antônio Carrazza que

também nesse caso é indispensável a existência de tributo devido para que se possa

cogitar a existência do crime em questão.

256 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010. 257 BASTOS, Celso Ribeiro; ALVES, Francisco de Assis. Crimes contra a ordem Tributária. In: Crimes

contra a ordem tributária. Coordenador: Ives Gandra da Silva Martins; Atualização: Damásio de Jesus. 4.

Ed. São Paulo; Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 95

Page 202: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

202

Esta corrente utiliza-se de uma interpretação "extensiva", levando à

conclusão que o elemento subjetivo do injusto do artigo 1º aplica-se ao artigo 2º por

"equiparação". Para ela, a Lei emprega critérios genéricos para criminalizar situações de

sonegação de tributos ou assemelhados. Dessa forma, a intenção específica de suprimir

ou reduzir tributo estaria presente em toda a Lei, sendo que se diferenciou o artigo 1º do

2º apenas em razão da gravidade das condutas, tendo as menos graves, do artigo 2º,

recebido sanções menores.

Por sua vez, indo de encontro com esta afirmação, Pedro Roberto

Decomain, Celso Ribeiro Bastos, Francisco de Assis Alvez e o Ministro Celso de Mello

entendem que o dispositivo alcança o simples não recolhimento.

Os tipos penais devem conter descrições taxativas e serem interpretados

restritivamente, sob risco de abalo à segurança jurídica. Por este motivo, observa-se que

o elemento subjetivo do injusto, contido no caput do artigo 1º, só pode referir-se aos

crimes previstos naquele artigo.

Para Leonardo Sica258, em verdade, no artigo 2,º apenas no tipo do inciso I

encontra-se o elemento subjetivo do injusto. Nos demais delitos, encontram-se tipos, em

que basta o dolo simples – ou dolo genérico – para a configuração do delito, consistente

na vontade de praticar os fatos descritos, sem o acréscimo do desejo de não pagar o

tributo. Pontifica, ainda, que se justifica a cominação de pena menor, pois se tratam de

condutas pretensamente menos lesivas ao bem jurídico tutelado, a arrecadação, devido à

intencionalidade.

Em que pese a posição verdadeiramente defensável de que basta a

realização da conduta, é clarividente o tipo penal previsto no artigo 2º, I, da Lei

8.137/90, do ponto de vista da imputação subjetiva, não havendo dúvida de que se trata

de um delito de intenção ou de intenção especial. Para, além do dolo, que ilumina a

desvalorização da conduta (fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas), o

258 SICA, Leonardo. Causalidade e elemento subjetivo nos crimes tributários. Revista do Instituto dos

Advogados de São Paulo, nº 08, julho-dezembro de 2001. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

Page 203: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

203

tipo ainda exige um requisito subjetivo especial, isto é, a intenção de eximir-se do

pagamento de tributo.

Aliás, esse é o entendimento de Eugenio Raul Zaffaroni, para o qual, se

houvesse a constatação de um simples vínculo físico entre o agente e o fato, seguir-se-ia

imediata e inquestionavelmente a sua responsabilidade penal, fazendo com que o

homem, nesse caso, fosse rebaixado “à condição de coisa causante”. 259

Para efeito comparativo, observemos adiante a tipificação dos crimes contra

a ordem tributária nos Estados Unidos e na Espanha.

a) Crimes Tributários na Espanha

Na Espanha houve uma reforma em matéria de crimes tributários. Entendeu-

se que as condutas mais graves contra a Fazenda Pública mereciam uma resposta penal.

Assim, em 14 de novembro de 1977 o legislador introduziu o delito tributário no artigo

319 do Código Penal sob o nome de delito fiscal:

Artículo 319

1. Cometerá delito fiscal el que defraudara a la Hacienda estatal

o local mediante la elusión del pago de impuestos o el disfrute

ilícito de benefícios fiscales em uma cantidad igual o superior a

dos millones de pesetas. Se entende que existe ánimo de

defraudar em el caso de falsidades o anomalias sustanciales em

la contabilidade y em el denegativa u obstrucción a la accíon

investigadora de la Administración tributária.

El que cometiere delito fiscal será castigado en todo caso con

multa del tanto al séxtuplo de la suma defraudada y, además,

con arresto mayor si la cantidad estuviese entre cinco y diez

millones y con prisión menor para más de diez millones,

siempre que la cantidad defraudada exceda de la décima parte de

la cuota procedente.

259 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Direito Penal Brasileiro: teoria geral do direito penal. 2. Ed. Rio de

Janeiro: Renavan, 2003, v. 1, p. 245.

Page 204: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

204

Com a publicação da “Ley Orgánica 2/1985, de 29 de abril”, de reforma do

Código Penal, pela primeira vez tipificaram com a nomenclatura “Delitos contra la

Hacienda Pública”, em seus artigos 349, 350 e 350 bis, os três tipos: i) delito de

defraudación tributaria, ii) delito de fraudes contables y iii) delito de fraude de

subvenciones.260

Atualmente, os crimes tributários estão dispostos nos artigos 305 a 310, sob

o Título: “De los delitos contra la Hacienda Pública y contra la Seguridad Social”. As

penas são severas como, por exemplo, a proibição de receber subvenções ou ajudas do

governo por até seis anos:

Artículo 305

1. El que, por acción u omisión, defraude a la Hacienda Pública

estatal, autonómica, foral o local, eludiendo el pago de tributos,

cantidades retenidas o que se hubieran debido retener o ingresos

a cuenta, obteniendo indebidamente devoluciones o disfrutando

beneficios fiscales de la misma forma, siempre que la cuantía de

la cuota defraudada, el importe no ingresado de las retenciones o

ingresos a cuenta o de las devoluciones o beneficios fiscales

indebidamente obtenidos o disfrutados exceda de ciento veinte

mil euros será castigado con la pena de prisión de uno a cinco

años y multa del tanto al séxtuplo de la citada cuantía, salvo que

hubiere regularizado su situación tributaria en los términos del

apartado 4 del presente artículo.

La mera presentación de declaraciones o autoliquidaciones no

excluye la defraudación, cuando ésta se acredite por otros

hechos.

Además de las penas señaladas, se impondrá al responsable la

pérdida de la posibilidad de obtener subvenciones o ayudas

públicas y del derecho a gozar de los beneficios o incentivos

fiscales o de la Seguridad Social durante el período de tres a seis

años.

Observa-se que os chamados delitos contra a Fazenda Pública são

detalhados pormenorizadamente. Há um valor mínimo para haja crime, estão excluídos,

pois, os chamados crimes de bagatela.

260 PÉREZ, Antonio Aparicio. El delito fiscal. Editorial Tecnos, Madrid, 1992.

Page 205: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

205

b) Crimes Tributários nos Estados Unidos

O crime tributário nos Estados Unidos divide-se em “tax evasion” e “tax fraud”.

O governo americano acredita ter perdido em $ 345 bilhões de dólares em evasão fiscal

no ano de 2007.

Conforme explica artigo da Cornell University Law School:

“Tax evasion is using illegal means to avoid paying taxes.

Typically, tax evasion schemes involve an individual or

corporation misrepresenting their income to the Internal

Revenue Service. Misrepresentation may take the form either of

underreporting income, inflating deductions, or hiding money

and its interest altogether in offshore accounts.

Individuals involved in illegal enterprises often engage in tax

evasion because reporting their true personal incomes would

serve as an admission of guilt and could result in criminal

charges. Individuals who try to report these earnings as coming

from a legitimate source can face money laundering charges. 261

Também nos Estados Unidos a prova do dolo nos crimes fiscais é elemento

essencial e indispensável à punição:

“Proof of the crime requires first proving the attendant

circumstance that an unpaid tax liability exists. Second, the

prosecution must prove some affirmative act by the defendant to

evade or attempt to evade a tax. Third, prosecutors most show

that the defendant possessed the specific intent to evade a known

legal duty to pay. To convict, the jury must find the defendant

guilty of each of these elements beyond a reasonable doubt.”262

261 https://www.law.cornell.edu/wex/tax_evasion 262 https://www.law.cornell.edu/wex/tax_evasion

Page 206: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

206

A Receita Federal norte-americana, Internal Revenue Service (IRS)263,

combate a evasão e a fraude fiscal. O órgão elencou os principais tipos sobre a matéria:

Related Statutes and Penalties - General Fraud

Title and Section

Definition

Title 26 USC § 7201

Attempt to evade or

defeat tax

Any person who willfully attempts to evade or defeat any tax imposed by this

title or the payment thereof shall, in addition to other penalties provided by law,

be guilty of a felony and, upon conviction thereof:

Shall be imprisoned not more than 5 years

Or fined not more than $250,000 for individuals ($500,000 for

corporations)

Or both, together with the costs of prosecution

Title 26 USC § 7202

Willful failure to

collect or pay over tax

Any person required under this title to collect, account for, and pay over any tax

imposed by this title who willfully fails to collect or truthfully account for and

pay over such tax shall, in addition to penalties provide by the law, be guilty of

a felony

Shall be imprisoned not more than 5 years

Or fined not more than $250,000 for individuals ($500,000 for

corporations)

Or both , together with the costs of prosecution

Title 26 USC § 7203

Willful failure to file

return, supply

information, or pay tax

Any person required under this title to pay any estimated tax or tax, or required

by this title or by regulations made under authority thereof to make a return,

keep any records, or supply any information, who willfully fails to pay such

estimated tax or tax, make such return, keep such records, or supply such

information, at the time or times required by law or regulations, shall, in

addition to other penalties provided by law, be guilty of a misdemeanor and,

upon conviction thereof:

Shall be imprisoned not more than 1 years

Or fined not more than $100,000 for individuals ($200,000 for

corporations)

Or both, together with cost of prosecution

Title 26 USC § 7206(1)

Fraud and false

statements

Any Person who… (1) Declaration under penalties of perjury - Willfully makes

and subscribes any return, statement, or other document, which contains or is

verified by a written declaration that is made under the penalties of perjury, and

which he does not believe to be true and correct as to every material matter;

shall be guilty of a felony and, upon conviction thereof;

Shall be imprisoned not more than 3 years

Or fined not more than $250,000 for individuals ($500,000 for

corporations)

Or both, together with cost of prosecution

Title 26 USC § 7206(2)

Fraud and false

statements

Any person who…(2) Aid or assistance - Willfully aids or assists in, or

procures, counsels, or advises the preparation or presentation under, or in

connection with any matter arising under, the Internal Revenue laws, of a return,

263 http://www.irs.gov/uac/Related-Statutes-and-Penalties---General-Fraud

Page 207: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

207

Title and Section

Definition

affidavit, claim, or other document, which is fraudulent or is false as to any

material matter, whether or not such falsity or fraud is with the knowledge or

consent of the person authorized or required to present such return, affidavit,

claim, or document; shall be guilty of a felony and, upon conviction thereof:

Shall be imprisoned not more than 3 years

Or fined not more than $250,000 for individuals ($500,000 for

corporations)

Or both, together with cost of prosecution

Title 26 USC § 7212(A)

Attempts to interfere

with administration of

Internal Revenue laws

Whoever corruptly or by force endeavors to intimidate or impede any officer or

employee of the United States acting in an official capacity under this title, or in

any other way corruptly or by force obstructs or impedes, or endeavors to

obstruct or impede, the due administration of this title, upon conviction:

Shall be imprisoned not more than 3 years

Or fined not more than $250,000 for individuals ($500,000 for

corporations)

Or both

Title 18 USC § 371

Conspiracy to commit

offense or to defraud

the United States

If two or more persons conspire either to commit any offense against the United

States, or to defraud the United States, or any agency thereof in any manner or

for any purpose, and one or more of such persons do any act to effect the object

of the conspiracy, each:

Shall be imprisoned not more than 5 years

Or fined not more than $250,000 for individuals ($500,000 for

corporations)

Or both

7.3. Paralelo com o crime de apropriação indébita previdenciária

Um dos tipos penais, em que mais frequentemente as condutas contra o

fisco incidem, é o delito de apropriação indébita tributária, que será evidenciado a

seguir.

Antecedentes históricos

A lei que primeiro tratou do delito de apropriação indébita como delito

específico, distinto da apropriação indébita prevista no Código Penal, foi a Lei nº 4.357,

de 16.7.1964, que estabeleceu:

Page 208: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

208

Art. 11. Inclui-se entre os fatos constitutivos do crime de apropriação

indébita, definido no art. 168 do Código Penal, o não recolhimento, dentro de

90 (noventa) dias do término dos prazos legais:

a) das importâncias do Imposto de Renda, seus adicionais e empréstimos

compulsórios, descontados pelas fontes pagadoras de rendimentos;

b) do valor do Imposto de Consumo indevidamente creditado nos livros de

registro de matérias-primas (modelos 21 e 21-A do Regulamento do Imposto

de Consumo) e deduzido de recolhimentos quinzenais, referente a notas

fiscais que não correspondam a uma efetiva operação de compra e venda ou

que tenham sido emitidas em nome de firma ou sociedade inexistente ou

fictícia;

c) do valor do Imposto do Selo recebido de terceiros pelos estabelecimentos

sujeitos ao regime de verba especial.

Por seu turno, o Decreto-lei nº 326, de 08/05/1967, ao regulamentar as

disposições previstas na Lei 4.357/64, proclamou:

Art. 2º. A utilização do produto da cobrança do imposto sobre produtos

industrializados em fim diverso do recolhimento do tributo constitui crime de

apropriação indébita definido no art. 168 do Código Penal, imputável aos

responsáveis legais da firma, salvo se pago o débito espontaneamente, ou,

quando instaurado o processo fiscal, antes da decisão ad¬ministrativa de

primeira instância.

Parágrafo único. A ação penal será iniciada por meio de representação da

Procuradoria da República, à qual a autoridade de primeira instância é

obrigada a encaminhar as peças principais do feito, destinadas a comprovar a

existência do crime, logo após decisão final condenatória proferida na esfera

administrativa.

Não se pode olvidar a importância do art. 95, “d”, da Lei nº 8.212/91,

enquanto tipo imediatamente anterior ao artigo 168-A do Código Penal.

A Lei 8.212/91 produziu alterações na legislação penal, introduzindo tipos

penais específicos para proteção da administração previdenciária. De particular

relevância, o artigo 95 dessa Lei dispôs:

Art. 95. Constitui crime:

a) deixar de incluir na folha de pagamentos da empresa os segurados

empregado, empresário, trabalhador avulso ou autônomo que lhe prestem

serviços;

b) deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da

empresa o montante das quantias descontadas dos segurados e o das

contribuições da empresa;

Page 209: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

209

c) omitir total ou parcialmente receita ou lucro auferidos, remunerações pagas

ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições, descumprindo as

normas legais pertinentes;

d) deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra importância

devida à Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do público;

e) deixar de recolher contribuições devidas à Seguridade Social que tenham

integrados custos ou despesas contábeis relativos a produtos ou serviços

vendidos;

f) deixar de pagar salário-família, salário-maternidade, auxílio-natalidade ou

outro benefício devido a segurado, quando as respectivas quotas e valores já

tiverem sido reembolsados à empresa;

g) inserir ou fazer inserir em folha de pagamentos, pessoa que não possui a

qualidade de segurado obrigatório;

h) inserir ou fazer inserir em Carteira de Trabalho e Previdência Social do

empregado, ou em documento que deva produzir efeito perante a Seguridade

Social, declaração falsa ou diversa da que deveria ser feita;

Posteriormente, foi promulgada a Lei nº 9.983, de 14.7.2000, a qual revogou

os dispositivos da Lei nº 8.212/1991, e introduziu alterações no Código Penal Brasileiro

para, entre outras coisas, definir o crime de "apropriação indébita previdenciária" (artigo

168-A), fez ressurgir o debate em torno da necessidade do animus rem sibi habendi (a

vontade de apropriação da coisa alheia, sem pretensão de restituí-la) estar ou não

presente na conduta do sujeito ativo do referido delito.

Frente a esta situação, inicia-se a discussão, uma vez que o artigo 95, “d”

não tratava de qualquer modalidade de apropriação indébita e, assim, não exigia o

elemento subjetivo concernente ao ânimo de apropriação ou intenção específica de ter a

coisa para si. Deste modo, na conduta prevista para o tipo constante da Lei 8.212/91, o

dolo seria unicamente o de não recolher, ou de fraudar a Previdência.

Com a inserção do tipo no corpo do Código Penal, como alteração ao artigo

168-A, reabre-se a discussão, pois o capítulo é o da apropriação indébita, e, como se

sabe, qualquer lei deve ser interpretada de forma sistemática, ou seja, deve ser feita a

conjugação do título e capítulo com o seu conteúdo e com seus artigos.

Page 210: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

210

Parte especial deste embate era saber se seria exigido prova do dolo

específico referente ao animus rem sibi habendi, ou se bastaria o dolo genérico. As

distinções, e, portanto, as consequências para uma situação ou outra são enormes, sendo

exigida prova de dolo específico, quando não demonstrado tal elemento subjetivo pela

acusação, excluindo-se o tipo legal e, nos processos em curso no momento da vigência

da referida Lei 9.983, a ocorrência da abolitio criminis.

A corrente vitoriosa foi a que considerou necessária apenas a

demonstração do dolo genérico, tendo o STF e o STJ consolidado entendimento

nesse sentido:

STF – EMENTA: 1. HABEAS CORPUS. Alegação de inépcia da denúncia.

Não conhecimento. Impetração contra denegação de outro habeas corpus.

Matéria não alegada nem apreciada pelo STJ. Supressão de instância.

Precedentes. Não se conhece de habeas corpus cujas questões não foram

apreciadas pela decisão denegatória doutro habeas corpus, contra a qual é

impetrado. 2. AÇÃO PENAL. Crime tributário ou contra a ordem tributária.

Apropriação indébita de verba previdenciária. Art. 198-A do Código Penal.

Abolitio criminis. Não ocorrência. Mera inserção dos tipos no Código Penal.

Justa causa reconhecida. Inteligência do art. 3º da Lei nº 9.983/2000, que

revogou o art. 95, "d", da Lei nº 8.212/91. Precedentes. O art. 3º da Lei nº

9.983/2000, que revogou o disposto no art. 95, "d", da Lei nº 8.212/91, não

operou abolitio criminis dos chamados delitos previdenciários, cuja

tipificação foi inserida no Código Penal. 3. AÇÃO PENAL. Crime.

Apropriação indébita de verba previdenciária. Consumação. Não

exigência de dolo específico. Inteligência do art. 168-A do CP. HC

denegado. Precedentes. Para a configuração do delito de apropriação indébita

previdenciária, basta a demonstração de dolo genérico.

STJ - Ementa: PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL.

APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ART. 168-A DO CP.

DOLO GENÉRICO. RECURSO PROVIDO. 1. A Terceira Seção desta

Egrégia Corte, por unanimidade, pacificou o entendimento de que o

crime previsto no art. 95, alínea d, da Lei n.º 8.212/91, revogado com o

advento da Lei n.º 9.983/00, que tipificou a mesma conduta no art. 168-A

do Código Penal, se consuma com o simples não-recolhimento das

contribuições previdenciárias descontadas dos empregados no prazo

legal. (AgRg no REsp 1.070.139/PE, Rel. Min. JANE SILVA,

Desembargadora Convocada, Sexta Turma, DJ 2/2/09) 2. Recurso especial

conhecido e provido para cassar a ordem de habeas corpus e determinar o

prosseguimento da ação penal.

Outro ponto que merece destaque é o novo texto legal que preconiza nos

casos em que o produto do delito – ou seja, o crédito previdenciário - é de monta

insignificante, ou de bagatela, em decorrência da efetiva não afetação do patrimônio do

Page 211: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

211

Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS, bem jurídico tutelado, ocorre a

atipicidade material da conduta, que agora é tratada como caso de perdão judicial:

§ 3º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de

multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:

I - tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a

denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive

acessórios; ou

II - o valor da contribuição devidas, inclusive acessórios, seja igual ou

inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente,

como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

Ressalte-se que a pena máxima prevista para o tipo penal capitulado nesse

artigo agora é de 5 anos, mais benéfica, assim, que os 6 (seis) anos antes previstos pela

Lei 8.212, artigo 95, “d”, o que determinará, sem dúvida, a aplicação da retroatividade

benéfica em inúmeros casos.

7.3.1 Não recolhimento de tributo cobrado ou descontado na condição de sujeito

passivo

A Lei n. 8.137 em seu artigo. 2a, inciso II, de 27.11.1990, estabelece que

constitui crime contra a ordem tributária "deixar de recolher, no prazo legal, valor de

tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado na condição de sujeito passivo

da obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos".

O artigo 168 – A do Código Penal dispõe:

Art. 168-A - Deixar de repassar à previdência social as contribuições

recolhidas dos contribuintes, no prazo legal ou convencional;

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:

I - recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à

previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a

segurados, a terceiros ou arrecadada do público;

II - recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado

despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de

serviços;

III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou

valores já tiverem sido reembolsadas à empresa pela previdência social;

Page 212: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

212

Na doutrina, existe alguma divergência no que tange ao não pagamento do

Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, ou do Imposto de Renda Retido na Fonte

IRRF, ou de contribuições de seguridade social descontadas de empregados. Alguns

autores, como Hugo de Brito Machado, entendem que o não pagamento dos referidos

tributos não corresponde à conduta típica de apropriação indébita, definida no artigo 168

do Código Penal. Para ele, “o contribuinte não se apropria, porque o dinheiro lhe

pertence, e não ao fisco, que é simplesmente credor”.

Os que entendem que tais condutas não correspondem à apropriação indébita

argumentam que, no Imposto sobre Produtos Industrializados, o sujeito passivo da relação

obrigacional tributária é o comerciante, o industrial, ou o produtor, nos termos do artigo

51 do Código Tributário Nacional.

O supracitado autor aduz ainda que há entre o comerciante, industrial ou

produtor e seu cliente, que lhe compra os produtos, uma relação jurídica de direito

comercial, que não se confunde com a relação jurídica de tributação. Tanto assim é, que,

se o comprador não paga, nem por isto deixa o contribuinte de ser devedor do tributo.

Pode, é certo, estar o valor do IPI incluído no preço dos produtos vendidos. Isto, porém,

não faz do industrial mero intermediário, nem do comprador do produto contribuinte do

IPI.

O valor dos salários pagos pelo industrial também pode estar incluído no

preço dos produtos, como o valor do aluguel do prédio em que é instalada a indústria, o

valor da conta de energia elétrica, o valor das matérias-primas, entre outros. Nem por isto,

pode-se afirmar que o comprador dos produtos é o empregador, nem o inquilino, nem o

cliente da empresa fornecedora de energia, ou da empresa fornecedora de matérias-

primas. Nem tampouco, pode-se afirmar que o preço dos produtos é formado

necessariamente de todos esses elementos264.

264 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

Page 213: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

213

Sob a ótica de José Carlos Graça Wagner, o preço pode, de fato, ser assim

decomposto, mas não formado, pois o seu quantum é fixado pelas condições de mercado,

podendo dar maior, menor ou nenhum lucro e, até mesmo, prejuízo. 265

Hugo de Brito Machado assevera ainda que, no caso do Imposto de Renda

Retido na Fonte, ou das contribuições descontadas dos salários, embora possa parecer

que há uma apropriação, na verdade ela não existe, posto que o empregador, ao pagar o

salário, ou a fonte, ao pagar o rendimento sujeito à incidência do imposto, na verdade

está pagando parte de seu débito, e fica a dever o restante, a ser pago ao fisco. A relação

jurídica, em qualquer desses casos com o fisco, é uma relação de direito obrigacional. A

ação executiva a ela correspondente é pessoal. Jamais a ação executiva é real. 266

Tal opinião, contudo, não é acolhida pela jurisprudência dominante, vez que,

como reiteradamente tem decidido o Superior Tribunal de Justiça, o crime se configura

com o recolhimento das contribuições e o não repasse ao Fisco:

STJ - Ementa PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO

AGRAVO DE INSTRUMENTO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA

PREVIDENCIÁRIA. INÉPCIA DA DENUNCIA. INOCORRÊNCIA.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. ESPECIAL FIM DE AGIR.

PRESCINDIBILIDADE DE SUA DEMONSTRAÇÃO.

CONTINUIDADE DELITIVA. CONFIGURAÇÃO. I - A peça acusatória

deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas

as suas circunstâncias. Essa narração impõe-se ao acusador como exigência

derivada do postulado constitucional que assegura ao réu o pleno exercício do

direito de defesa (HC 73.271/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Celso de Mello,

DJU de 04/09/1996). Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua

devida conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado

de Direito. Violação ao princípio da dignidade da pessoa humana (HC

86.000/PE, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU de 02/02/2007).

A inépcia da denúncia caracteriza situação configuradora de desrespeito

estatal ao postulado do devido processo legal. É que a imputação penal

contida na peça acusatória não pode ser o resultado da vontade pessoal e

arbitrária do órgão acusador. Este, para validamente formular a denúncia,

deve ter por suporte necessário uma base empírica idônea, a fim de que a

acusação penal não se converta em expressão ilegítima da vontade arbitrária

do Estado. Incumbe ao Ministério Público apresentar denúncia que veicule,

de modo claro e objetivo, com todos os elementos estruturais, essenciais e

circunstancias que lhe são inerentes, a descrição do fato delituoso, em ordem

a viabilizar o exercício legítimo da ação penal e a ensejar, a partir da estrita

observância dos pressupostos estipulados no art. 41 do CPP, a possibilidade

265 WAGNER, José Carlos Graça. apud: MARTINS, Ives Gandra da Silva, Da Sanção Tributária, São Pau-

lo, 1980. p. 82 266 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

Page 214: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

214

de efetiva atuação, em favor daquele que é acusado, da cláusula

constitucional da plenitude de defesa (HC 72.506/MG, Primeira Turma, Rel.

Min. Celso de Mello, DJU de 18/09/1998). A denúncia é uma proposta da

demonstração de prática de um fato típico e antijurídico imputado a

determinada pessoa, sujeita à efetiva comprovação e à contradita, e apenas

deve ser repelida quando não houver indícios da existência de crime ou, de

início, seja possível reconhecer, indubitavelmente, a inocência do acusado ou,

ainda, quando não houver, pelo menos, indícios de sua participação (HC

90.201/RO, Primeira Turma, Rel. Ministra Cármen Lúcia, DJU de

31/08/2007). II - Na hipótese, contudo, a proemial acusatória descreve

satisfatoriamente as condutas imputadas ao recorrente, destacando que, na

época dos fatos, era o efetivo administrador da empresa. III - O tipo subjetivo

no injusto do art. 95, alínea d da Lei nº 8.212/91 que teve continuidade de

incidência no art. 168-A, § 1º, inciso I do CP (Lei nº 9983/00), se esgota no

dolo, sendo despiciendo qualquer outro elemento subjetivo diverso,

mormente a intenção de fraudar porquanto de estelionato não se trata

(Precedentes). IV - Na espécie, o recorrente deixou de repassar à

Previdência Social, mensalmente e por determinado período de tempo,

as contribuições previdenciárias descontadas dos empregados de sua

empresa. Verifica-se, ainda, que tais condutas delituosas foram praticadas

em conexão temporal e espacial e guardam ainda, entre si, identidade no que

se refere à maneira de execução. Assim, resta configurada a continuidade

delitiva, uma vez que cada ato omissivo, no caso, configura um delito próprio

e individual, sendo os subsequentes tidos como continuação do primeiro.

Neste ponto, um interessante questionamento é saber se o sujeito passivo da

relação tributária que escritura com regularidade e transparência valores retidos de

terceiros, mas não os recolhe a tempo e a modo aos cofres públicos, essa conduta sem

subterfúgios é excludente do dolo ou é prova material da prática de um crime tributário de

resultado?

O supracitado autor entende que em qualquer caso, se o contribuinte

escritura, em sua contabilidade, os valores a serem pagos ao Tesouro, demonstra a

ausência do elemento subjetivo do tipo penal, o dolo.

Nesse pesar, o dolo seria um fim especial de agir daquele que, tendo a

consciência de que o tributo é devido, por sua livre e espontânea vontade, deixa de

recolhê-lo, total ou parcialmente, decidindo burlar a fiscalização tributária. Assim,

inexistiria às empresas o dolo específico de fraudar, quando elas mantêm escrituração

correta, e enviam informações ao Fisco, sem qualquer manipulação dolosa, e atípico

seria todo ato ou fato sem a correspondente intenção de fraude.

Page 215: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

215

Para esta corrente, sem tal elemento subjetivo, o que se incrimina,

verdadeiramente, é um comportamento ilícito fiscal, descaracterizando a própria razão

do Direito Penal moderno, que é de índole subsidiária, mínima e garantista, só

permitindo a interferência do Estado sancionador na esfera da liberdade individual,

quando há potencial lesivo à sociedade, ou à dignidade humana de outrem. O risco de

uma prisão de natureza civil, por dívida, deve ser definitivamente afastado do Direito.

No entendimento contrário, há autores que consideram a escrituração uma

demonstração da materialidade do crime, e não exclui o dolo, pelo contrário, seria

elemento de configuração do dolo genérico.

Hugo de Brito Machado conclui que, se as normas que dizem ser crime o

não recolhimento de tributos nos prazos legais criam tipo novo, diverso da apropriação

indébita, são inconstitucionais, pois afrontam a proibição de prisão por dívida. Defende

ainda que, se apenas explicitam que esse não recolhimento configura o tipo do artigo 168

do Código Penal, sua aplicação somente há de se dar quando presentes todos os

elementos daquele tipo, entre os quais, o dolo específico, a vontade consciente de fazer

próprio o dinheiro do fisco. E tal elemento, como já cediço, é inteiramente afastado pela

escrituração contábil da dívida, que há de ser entendida como induvidosa e até eloquente

manifestação, que é, no propósito de responder pela dívida, o qual, evidentemente, não

se concilia com a vontade de apropriar-se. 267

Como dito outrora, a posição deste autor é minoritária, não sendo acolhida

nem pelo Superior Tribunal de Justiça, já que equivaleria a considerar necessária a

presença do dolo específico, e não do dolo genérico.

Com efeito, para o STJ é pacífico o entendimento de que basta o dolo

genérico:

STJ - Ementa AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE

INSTRUMENTO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA.

DESNECESSÁRIA DEMONSTRAÇÃO DO ANIMUS REM SIBI

HABEMDI. JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE FIRMADA NO

267 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

Page 216: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

216

MESMO SENTIDO DO ACÓRDÃO CONDENATÓRIO. SÚMULA

83/STJ. DIFICULDADES FINANCEIRAS. REEXAME DE MATÉRIA

FÁTICO-PROBATÓRIA. VIA IMPRÓPRIA. SÚMULA N.º 7/STJ.

Indexação DESNECESSIDADE, COMPROVAÇÃO, DOLO

ESPECÍFICO / HIPÓTESE, CRIME, APROPRIAÇÃO INDÉBITA

PREVIDENCIÁRIA / SUFICIÊNCIA, DEMONSTRAÇÃO, DOLO

GENÉRICO, REFERÊNCIA, NÃO-RECOLHIMENTO DE TRIBUTO NO

PRAZO LEGAL; CARACTERIZAÇÃO, CRIME OMISSIVO PRÓPRIO;

OBSERVÂNCIA, JURISPRUDÊNCIA, STJ.

Noutra ótica, o entendimento que sustenta necessitar qualquer crime

tributário, de um comportamento fraudulento do sujeito, é minoritário, mas,

profundamente, importante.

7.4. Classificação dos crimes contra a ordem tributária quanto ao resultado: crime

material, crime formal ou crime de mera conduta

A Lei 8.137/90 de crimes tributários, prevê no seu artigo 1º que: “Constitui

crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e

qualquer acessório, mediante as seguintes condutas”.

O primeiro ponto a ser discutido pelo citado artigo 1º da Lei 8.137/90

refere-se à classificação quanto ao resultado. A doutrina e a jurisprudência, em sua

maioria, entendem que se trata de crime material, vez que a própria descrição legal

apresenta o resultado a ser alcançado pelo agente, qual seja, supressão ou redução de

tributo, ou contribuição social e qualquer acessório.

No que concerne à supressão, o efetivo dano fiscal é parte integrante do

tipo, sem o qual não há que se falar em delito fiscal consumado. Ou seja, exige-se o

resultado naturalístico, qual seja a supressão ou redução patrimonial do erário público.

O Código Tributário Nacional, em seu artigo 142, caput, dispõe:

Art. 142 Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o

crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento

administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação

correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do

Page 217: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

217

tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor aplicação da

penalidade cabível.

Destarte, impõe-se que o tributo (devidamente calculado e quantificado)

seja devido, É imperiosa a existência de uma norma individual e concreta que em seu

consequente contenha uma obrigação tributária. Ou seja, no caso de redução, além de

devido, há que se apurar o valor pago e aquele que efetivamente deveria ter sido

recolhido por parte do contribuinte, não se pode concluir recolhimento a menor se os

cálculos não estiverem concluídos. E como observado no supracitado dispositivo legal,

a competência para aferição do montante devido é da instância administrativo-fiscal.

Considera-se que os crimes materiais do artigo 1º da Lei 8.137/90 e do

artigo 337-A do Código Penal, encontram-se consumados no instante em que o tributo

era exigível e não foi devidamente recolhido. Vale salientar, desta forma, que as

exigências da conduta vinculada no tipo penal devem estar satisfeitas:

"Ementa: I. Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º):

lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo

administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o

curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do

lançamento definitivo. 1. Embora não condicionada a denúncia à

representação da autoridade fiscal (ADInMC 1571), falta justa causa para a

ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L. 8137/90 - que

é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do

processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento

definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo

de tipo. 2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do

crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L.

9249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não

permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do

cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o

Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para

fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal. (...)" HC

81.611, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgamento em

10.12.2003, DJ de 13.5.2005.

"De modo que, sendo tributo elemento normativo do tipo penal, este só

se configura quando se configure a existência de tributo devido, ou,

noutras palavras, a existência de obrigação jurídico-tributária exigível.

No ordenamento jurídico brasileiro, a definição desse elemento normativo do

tipo não depende de juízo penal, porque, dispõe o Código Tributário, é

competência privativa da autoridade administrativa defini-lo. Ora - e aqui me

parece o cerne da argumentação do eminente Relator -, não tenho nenhuma

dúvida de que só se caracteriza a existência de obrigação jurídico-tributária

exigível, quando se dê, conforme diz Sua Excelência, a chamada preclusão

administrativa, ou, nos termos no Código Tributário, quando sobrevenha

cunho definitivo ao lançamento. (...) E isso significa e demonstra, a mim me

Page 218: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

218

parece que de maneira irrespondível, que o lançamento tem natureza

predominantemente constitutiva da obrigação exigível: sem o lançamento,

não se tem obrigação tributária exigível. (...) Retomando o raciocínio, o tipo

penal só estará plenamente integrado e perfeito à data em que surge, no

mundo jurídico, tributo devido, ou obrigação tributária exigível. Antes disso,

não está configurado o tipo penal, e, não o estando, evidentemente não se

pode instaurar por conta dele, à falta de justa causa, nenhuma ação penal."

HC 81.611, Voto do Ministro Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgamento em

10.12.2003, DJ de 13.5.2005.

Caso o Ministério Público, na denúncia, não demonstre esses requisitos

típicos, fica inviabilizada a análise acerca da existência de indícios de que o delito fiscal

descrito no artigo 1º da Lei 8.137/90 tenha sido praticado. Assim, a denúncia não pode

ser recebida sem os indícios de materialidade.

Desta forma, observa-se, então, que as infrações penais tributárias

capituladas no artigo 1º da Lei 8.137/90 são de dano, ou seja, acontecem com a

obtenção do resultado. Logo, conclui-se que é imperioso a configuração da existência de

uma lesão aos cofres públicos para que o crime possa restar configurado.

No entanto, permanece a necessidade de apurar a intenção do agente, ou

seja, há de se demonstrar que o resultado foi ocasionado por sua intenção.

Após controvérsia alvo de diversos embates doutrinários e jurisprudenciais,

o Superior Tribunal de Justiça - STJ, na decisão proferida, por unanimidade, pela

Terceira Seção – Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 15.332, Relatora e Em. Min.

Laurita Vaz, autos nº 200302095430-PR, DJ, 05/09/2005, p. 435, ao debruçar-se sobre a

necessidade, ou, não, da presença do dolo específico (o animus rem sibi habendi) para a

configuração do ilícito de apropriação indébita das contribuições previdenciárias, assim

decidiu:

STJ - RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL.

PROCESSO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÃO

PREVIDENCIÁRIA. DEMONSTRAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO DE

APROPRIAR-SE DOS VALORES NÃO RECOLHIDOS.

DESNECESSIDADE.

1. A Terceira Sessão desta egrégia Corte, por unanimidade, pacificou o

entendimento de que o crime previsto no art. 95, alínea d, da Lei n° 8.212/91,

revogado com o advento da Lei n° 9.9083/0 0, que tipificou a mesma conduta

no art. 168-A do Código Penal , se consuma com o simples não-recolhimento

das contribuições previdenciárias descontadas dos empregados no prazo

legal.

Page 219: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

219

2. Considera-se que o dolo do crime de apropriação indébita

previdenciária é a vontade de não repassar à previdência as

contribuições recolhidas, dentro do prazo e da forma leais, não se

exigindo o animus rem sibi habendi, sendo, portanto, descabida a

exigência de se demonstrar o dolo específico de fraudar a Previdência

Social como elemento essencial do tipo penal. 3. (...)

Se, por um lado, a jurisprudência do Eg. STJ entendeu que não constituiria

elemento do tipo penal previsto no artigo 168-A, do Código Penal, a presença de dolo

específico, não se exigindo, portanto, a vontade de fraudar o órgão previdenciário, por

outro lado, pareceu entender que o não recolhimento das contribuições trataria de crime

de mera conduta, e, não, de crime de resultado.

No que concerne a este aspecto – ser crime formal ou material –, foi

resolvido pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do INQ nº 2.537/GO,

relatado pelo Em. Ministro Marco Aurélio, revendo posicionamento anterior:

O Tribunal negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão

do Min. Marco Aurélio, que determinara o arquivamento de inquérito, do

qual relator, em que apurada a suposta prática do delito de apropriação

indébita previdenciária (CP, art. 168-A: “Deixar de repassar à previdência

social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal

ou convencional:”). Salientando que a apropriação indébita

previdenciária não consubstancia crime formal, mas omissivo material –

no que indispensável a ocorrência de apropriação dos valores, com

inversão da posse respectiva - , e tem por objeto jurídico protegido o

patrimônio da previdência social, entendeu-se que, pendente recurso

administrativo em que discutida a exigibilidade do tributo seria inviável tanto

a propositura da ação penal quanto a manutenção do inquérito, sob pena de

preservar-se situação que degrada o contribuinte. (Inq nº 2.537 AgR/GO, rel

Mi. Marco Aurélio, 10.3.2008)

Portanto, prevaleceu a tese sufragada pelo eminente Ministro Marco

Aurélio, segundo o qual, o crime de apropriação indébita de contribuições

previdenciárias seria crime omissivo material, exigindo-se demonstração do prejuízo

material.

César de Faria Júnior bem assinala: “Sendo o crime tributário, material ou

de resultado, é indispensável para sua configuração a supressão ou redução de tributo, o

Page 220: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

220

que pressupõe a existência de uma relação jurídica tributária, ou seja, a existência de um

tributo. Sem um tributo devido, para que possa, de fato, ser suprimido ou reduzido,

evidentemente, não se pode consumar o crime contra a ordem tributária”. 268

7.5. O requisito subjetivo dos delitos fiscais

Para refletir sobre essas questões, consideramos a garantia do Direito Penal,

também aplicável à tributação, por meio do qual se verifica que não há crime sem lei

que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, nem há, em princípio, punibilidade

de uma conduta sem dolo.

A discussão versa sobre o requisito subjetivo para a configuração do crime.

Desta forma, analisando-se a lei nº. 8.137/90, que define crimes contra a ordem

tributária, visualiza-se que, embora necessário, não basta ao acusador provar que

determinado agente suprimiu ou reduziu tributo ou contribuição social. Tal

demonstração, conquanto indispensável, constitui apenas o resultado exigido pelo

crime. É imperioso que a acusação comprove quem dolosamente causou esse resultado,

muito embora, também como visto, o dolo a ser provado seja o genérico.

Primeiramente, o artigo 136 do Código Tributário Nacional, no intuito de

livrar o ônus da prova à Fazenda Pública, dispõe:

Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a

responsabilidade por infrações da legislação tributária independe

da intenção do agente ou do responsável e da efetividade,

natureza e extensão dos efeitos do ato. Pela simples

interpretação deste artigo, deduz-se que a responsabilidade por

infrações tributárias seria objetiva, já que, segundo o referido

artigo expressamente revela, não seria necessária a presença de

268FARIA Junior, César de. O processo administrativo fiscal e as condições da ação penal nos crimes

tributários. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 86.

Page 221: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

221

elemento subjetivo - nem dolo nem culpa -, bem como da

efetividade e efeitos do ato.

Não obstante, a doutrina majoritária entende que não é possível a

responsabilidade objetiva em Crimes Tributários, e o trecho “Salvo disposição de lei em

contrário...”, polemiza o assunto, vez que torna o referido artigo supletivo, esta corrente

parece ser a mais lógica, pelo fato de que não se pode presumir a existência de

elementos essenciais caracterizados pelo Direito Penal.

A disposição legal que a doutrina majoritária se fundamenta para contrariar

o artigo 136 do CTN pode ser extraída do artigo 11, caput, da Lei nº. 8.137/90, que trata

dos crimes contra as relações de consumo:

“Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre

para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na

medida de sua culpabilidade”.

Há de se ressaltar que todo agente que infringir os crimes contra a ordem

tributária previstos na Lei nº 8.137/90 deve sofrer uma pena de acordo com sua

culpabilidade, tendo em vista que os crimes previstos nesta lei admitem apenas a

modalidade dolosa.

Como cediço, os incisos do artigo 1º da Lei 8.137/90 descrevem várias

condutas. Todavia, não basta apenas que o agente as tenha praticado para considerar

consumado o crime. É necessária a verificação da ocorrência do dolo, requisito

subjetivo do injusto previsto no caput. Deste modo, além da prática do fato, o agente

deve ter agido com consciência e vontade de não pagar ou de reduzir o tributo, hipótese

de dolo direto, ou a assunção de risco, que ensejaria o dolo eventual.

Impende-se frisar que, observando a não uniformidade nos critérios para a

identificação do dolo, o objetivo deste estudo, a partir da análise de casos concretos é

verificar quando esteve configurada a presença do dolo e quando não esteve.

Page 222: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

222

O grande problema é que, muitas vezes, os empresários são absolvidos

porque o Ministério Público não conseguiu demonstrar que houve dolo de subtrair, ou

reduzir o tributo na conduta do agente.

É de bom alvitre mencionar, ainda, que a necessidade de se evidenciar o

animus do agente no âmbito penal é imprescindível. Sendo assim, Paulo de Barros

Carvalho preconiza que para o direito penal, tem de haver a materialidade do

evento, contrário aos desígnios da ordem jurídica (antijuridicidade), e, além disso,

a culpabilidade, isto é, a imputação do resultado delituoso à participação volitiva

do agente. SEM DOLO OU CULPA, NUMA DE SUAS GRADAÇÕES, NÃO É

PUNÍVEL A CONDUTA QUE OCASIONOU O ACONTECIMENTO TÍPICO E

ANTIJURÍDICO.269

Pedro Roberto Decomain bem afirma: “em Direito Penal, a punição de

condutas a título de culpa em sentido estrito é regra excepcional, exigindo-se a expressa

previsão da modalidade culposa, para que algum fato possa ser punido a tal título (artigo

18, parágrafo único, do Código Penal)”. 270

Como não há no texto da Lei nº 8.137/90 qualquer regra que preveja

modalidade culposa de algum dos crimes contra a ordem tributária, tem-se que estes

apenas admitem a modalidade dolosa.

Sob este diapasão, há de se influir que alguém só pode ser censurado

penalmente pelas consequências queridas ou previsíveis de seu próprio ato. Em síntese,

só será penalmente responsabilizado o agente que tiver a consciência e a vontade de

concretizar o resultado típico (dolo direto – art. 18/CP, inc. I, 1ª parte); como também

aquele que involuntariamente produzir um resultado lesivo, objetivamente previsível,

em razão da inobservância de um dever de cuidado (culpa em sentido estrito – art.

18/CP, inc. II).

269 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito Tributário. 20. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014. 270 DECOMAIN, Pedro Roberto. Crimes Contra a Ordem Tributária. 4. Ed. Belo Horizonte: Fórum,

2008, p. 48.

Page 223: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

223

7.5.1. Momento Da Caracterização Do Elemento Subjetivo: a influencia da

incidência das Normas Sancionatórias Tributárias na aplicação das Normas Penais

Tributárias

A análise do dolo implica exame da responsabilidade penal, nomeadamente

nos crimes contra a ordem tributária.

Cabe à Fazenda Pública o ônus da prova da materialidade da conduta, o que

se dá pela constituição definitiva do crédito tributário ou previdenciário. E cabe ao

Ministério Público – normalmente a partir da prova produzida no âmbito do inquérito

policial - demonstrar o dolo do agente.

No entanto, a investigação do requisito subjetivo, o dolo, não

adequadamente feita no âmbito administrativo, onde algumas multas demandam a

presença do dolo.

Por outro lado, no inquérito policial utilizam-se apenas os fatos presentes no

processo administrativo fiscal, ou na representação fiscal para fins penais, e, por

conseguinte, o Ministério Público denuncia sem a devida comprovação do pré-requisito

subjetivo.

É certo que, no momento da denúncia, têm os tribunais aceitado aplicação

do princípio in dubio pro societatis, permitindo ao Ministério Público provar o dolo no

curso da ação penal.

Contudo, em matéria criminal não basta apenas se perquirir a respeito da

existência ou não de débito tributário, uma vez que os efeitos penais devem considerar a

intensão do agente.

O fisco averigua se houve a hipótese de incidência da norma tributária ou

previdenciária, verifica o pagamento ou não, o quantum devido e autua o contribuinte.

Page 224: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

224

Ao lavrar o Auto de Infração, a autoridade administrativa não se preocupa

em demonstrar adequadamente o dolo, é fraca a investigação quanto ao motivo que

levou o contribuinte a não pagar. A análise é simplesmente objetiva. Tem efeitos fiscais,

administrativos e comerciais, mas o problema é que para a produção de efeitos penais a

análise deve ser diferenciada e rigorosa, tendo em vista que se não for comprovado o

dolo não há tipificação da conduta criminal.

7.5.2. Relação entre o elemento volitivo (subjetividade) nas multas qualificadas ou

agravadas e a responsabilidade penal nos crimes contra a ordem tributária

Diante da dificuldade da persecução penal em matéria de crime contra

a ordem tributária, é prática comum enquadrar os diretores ou sócios em crimes

não tributários, apenas relacionados, como formação de quadrilha, ou ainda

falsificação de documento particular art. 298 do CP.

No entanto, esse modo de proceder não deve prosperar, o crime contra a

ordem tributária absorve:

“Ao lado do antefato co-punido, aparece como forma do

concurso impróprio com pluralidade de atos o pós-fato

impunível (co-punido). Ele é freqüentemente classificado como

consunção, apesar de se fundamentar em uma idéia básica

distinta: os meros delitos de asseguramento ou aproveitamento

restam desprezados pelo delito de aquisição, como verdadeiro

centro de gravidade do ataque delitivo, desde que não irroguem

ao bem afetado um dano inteiramente novo ou não se dirijam

contra um bem jurídico novo. De modo nenhum precisa o pós-

fato constituir um delito que habitualmente acompanhe o

primeiro; o decisivo é que em relação com a lesão primária de

bens jurídicos alheios não lhe corresponda um peso

autônomo.”271

271 STRATENWERTH, Günter; KUHLEN, Lothar. Strafrecht: Allgemeiner Teil I. München, Köln, Berlin: Carl Heymanns, 2004. p.405, itálicos no original, sem negritos no original. Tradução livre de Fabio George: “Zur mitbestraften Vortat tritt als Form der unechten Konkurrenz bei Handlungsmerheit die

Page 225: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

225

“Um fato anterior ou posterior, que não ofende novo bem

jurídico, é muitas vezes absorvido pelo fato principal, e não tem

outra punição além da punição deste (mitbestrafte). É o

chamado antefato ou pós-fato não punível. Esses casos são bem

distintos do concurso aparente de normas. Neles há sempre uma

pluralidade de ações em sentido naturalista, como já observava

HONIG [...]272

Nesse sentido, a Súmula no 17 do Superior Tribunal de Justiça: “Quando o

falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”. E

mais:

“Se consideran comprendidos, em general, los delitos de

aseguramiento y utilización, que retroceden ante el delito

cometido para la adquisición de la cosa, que es el propio centro

de gravedad del ataque principal, en tanto no ocasionen al

afectado um nuevo daño o no se dirijan contra un nuevo bien

jurídico [...]”273

Uma das alternativas que o parquet tem, mas que muitas vezes se abstém de

fazer, é a prova do acréscimo patrimonial do agente na medida do valor devido,

mediante requerimento da declaração do imposto de renda da pessoa física, ou por

outros meios.

Cumpre observar que a autuação fiscal tem seus efeitos fiscais, comerciais

e administrativos, os quais não se negam, sendo inclusive prova indiciária. Mas não

pode ter o condão de, por si só, comprovar dolo de não recolher, nem isenta o próprio

Ministério Público de proceder investigação suficiente, ou requerê-la à Polícia

Judiciária.

straflose (mitbestrafte) Nachtat hinzu. Sie wird sachlich vielfach der Konsumtion zugeordnet, beruht jedoch auf einem abweichenden Grundgedanken: Bloße Sicherungs- und Verwentungsdelikte treten gegenüber dem Erwerbsdelikte als dem eigentlichen Schwerpunkt des deliktischen Angriffs zurück, soweit sie nicht dem Betroffenen einen ganz neuen Schaden zufügen oder sich gegen ein neues Rechtsgut richten. Die Nachtat braucht keineswegs ein typisches Begleitdelikt zu sein; entscheidend ist, dass ihr im Verhältnis zur primären Verletzung fremder Rechstgüter kein selbständiges Gewicht zukommt”. 272 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. t. I. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p.277-8 273 CARAMUTI, Carlos S. Concurso de delitos. Buenos Aires: Hammurabi, 2005. p.208-9.

Page 226: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

226

Observadas as particularidades de cada caso, verificando-se que o agente

não criou qualquer dificuldade para a ação do Fisco; não tendo sido comprovado o dolo

em apropriar-se dos valores, bem como não provando o MP que o acusado poderia ter

feito o pagamento, ou seja, poderia ter agido de forma diversa, pagando ao Fisco, não

haveria subsídio para que se o condene, não haveria comprovação da materialidade do

fato ou de que o fato fosse infração criminal.

Note-se que não se está pretendendo absolver criminosos, mas apenas que se

procure fundamentar, e evidenciar em que medida o agente ultrapassou o mero ilícito

administrativo e efetuou o ilícito penal. Ou seja, na hipótese de o agente ter agido com

dolo, procurando fraudar o Fisco, deve ser punido como prelecionam as referidas leis,

mas se não está devidamente comprovado o dolo, ele não deve ser penalizado

criminalmente.

Daí a importância de demonstrar desde o âmbito administrativo o

correto enquadramento do ilícito nas multas que demandam a presença do dolo,

uma vez que essas terão consequência direta no âmbito penal.

A construção adequada dos fatos jurídicos no âmbito administrativo,

cuidando inclusive da demonstração do elemento subjetivo, é de suma relevância

na medida em que será encaminhada representação para fins penais e teremos

grande influência na aplicação das Normas Penais Tributárias.

7.5.2. Ausência de dolo específico: Inexigibilidade de conduta diversa

Quando os tribunais se viram compelidos a rejeitar a tese da exigência do

dolo específico nos crimes de apropriação indébita tributária e previdenciária, houve

esforço de construção de um outro tipo de entendimento, que atenuasse a repercussão

penal dos empresários que, embora tendo arrecadado na fonte de sua folha de salários,

imposto de renda retido e contribuição previdenciária, teriam deixado de repassar ao

fisco, não em virtude de vontade de apropriar-se, mas, em razão, de impossibilidade

Page 227: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

227

material de fazê-lo. Surgiu, assim, o argumento da chamada inexigibilidade de conduta

diversa.

Como visto, sendo de quem alega o ônus de provar, uma vez constituído o

crédito tributário, pelo lançamento, pode restar demonstrada a materialidade do delito.

E, para provar a excludente de ilicitude, consistente na inexigibilidade de conduta

diversa, não podem faltar provas, que devem ser produzidas por parte do agente

(normalmente o empresário), que demonstrem as alegações de privilégio consciente de

pagamento de empregados, locação imobiliária, pagamento de despesas para

manutenção do negócio, entre outras.

A tese da inexigibilidade de conduta diversa é a mais utilizada nas hipóteses

de apropriação indébita – tributária ou previdenciária. É invocada quando o acusado

alega que não recolheu aos cofres públicos obrigações tributárias arrecadadas de

terceiros, por não ter disponibilidade de caixa para tanto, em razão de dificuldades

financeiras vivenciadas pela empresa.

Neste pesar, existe entendimento quanto à inexigibilidade de conduta

diversa, tratando-se dos casos de não recolhimento de contribuições previdenciárias

descontadas de empregados, decorrente da séria dificuldade financeira, devidamente

comprovada, deixaria de configurar os crimes previstos no artigo 168–A do Código

Penal (referido no item 8.2.2.3.) e no artigo 95, alínea "d", da Lei nº 8.212/91, em face

da inexigibilidade de outra conduta:

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, exclusivamente, às

contribuições que tenham a mesma base utilizada para o cálculo das

contribuições incidentes sobre a remuneração paga ou creditada a segurados,

ficando sujeitas aos mesmos prazos, condições, sanções e privilégios, inclusive

no que se refere à cobrança judicial.

Art. 95. Constitui crime:

a) deixar de incluir na folha de pagamentos da empresa os segurados

empregado, empresário, trabalhador avulso ou autônomo que lhe prestem

serviços;

b)deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da

empresa o montante das quantias descontadas dos segurados e o das

contribuições da empresa;

c) omitir total ou parcialmente receita ou lucro auferidos, remunerações pagas

ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições, descumprindo as

normas legais pertinentes;

Page 228: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

228

d) deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra

importância devida à Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do

público;

e) deixar de recolher contribuições devidas à Seguridade Social que tenham

integrado custos ou despesas contábeis relativos a produtos ou serviços

vendidos;

f) deixar de pagar salário-família, salário-maternidade, auxílio-natalidade ou

outro benefício devido a segurado, quando as respectivas quotas e valores já

tiverem sido reembolsados à empresa;

Na visão de Hugo de Brito Machado274, a não exigibilidade de outra conduta

configura-se sempre que, em situação de crise financeira, a opção pelo uso do dinheiro

disponível para o pagamento de empregados e de dívidas outras seja a única forma de

manter a empresa em funcionamento, numa tentativa sincera de superação da crise,

depois da qual a dívida tributária será paga. Entende que, realmente, é legitima a opção

por outros pagamentos. Argumenta que, em relação aos salários, a própria lei estabelece

expressamente a preferência destes em relação aos tributos (CTN, art. 186). E o

pagamento de outras dívidas, quando indispensável para que a empresa continue

funcionando, a legitimidade é fora de dúvida, em face do interesse dos empregados na

manutenção do emprego e do próprio fisco, na manutenção da fonte dos tributos.

Houve uma mudança, decorrente das dificuldades financeiras das empresas,

revelando-se estas impeditivas do repasse tributário previsto e que eram tratadas

anteriormente, ou, na esfera da antijuridicidade, como estado de necessidade, ou,

majoritariamente, na esfera da culpabilidade, como inexigibilidade de conduta diversa,

justamente porque só seria culpável aquele que pudesse agir de modo diferente, hoje,

são analisadas no próprio tipo, no dolo, seu elemento subjetivo.

Assim, se, em tese, a pessoa tem justificativa idônea para o não

recolhimento, falta-lhe a consciência e a vontade de delinquir.

Frise-se, por oportuno, que, em Direito Penal, inexiste responsabilidade

objetiva, sem dolo ou culpa. Como o tipo aberto culposo não é previsto à espécie, na

falta do dolo, não há a correspondência entre o tipo incriminador e a conduta do

denunciado, por inexistência do elemento subjetivo exigido.

274 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

Page 229: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

229

Por outro lado, a procuradora da República Nadja Machado Botelho275, em

seu artigo “Crimes contra a ordem tributária – Da constituição definitiva do crédito

tributário à inexigibilidade de conduta diversa”, adverte que a situação empresarial

deficitária há de estar robustamente comprovada por meio de prova documental e tal

situação há de ser excepcional.

7.6 Prévio Exaurimento Da Via Administrativa

O Supremo Tribunal Federal aprovou sua Súmula Vinculante nº 24,

consolidando a compreensão de que não se tipifica crime material contra a ordem

tributária, previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento

definitivo do tributo. Assim, o entendimento pacificado pela referida súmula é que a

constituição do crédito tributário, pelo lançamento, faz parte da tipicidade. Ou seja, não

existe o tipo penal referido no artigo 1º sem o lançamento do crédito.

O que significa dizer que, enquanto não houver o lançamento do tributo, e,

por conseguinte, a constituição definitiva do crédito, não se pode responsabilizar

criminalmente o infrator na referida lei. Veremos que recente a jurisprudência, em

alguns casos, vem relativizando a referida súmula.

Até bem pouco atrás, estavam os tribunais pátrios preocupados com a

discussão acerca da obrigatoriedade ou não do exaurimento da via administrativa como

condição de procedibilidade da ação penal nos crimes tributários, do artigo 1º, inciso I,

da Lei 8.137/1990. Ainda, não se sabia se o lançamento seria condição objetiva de

punibilidade ou se faria parte da própria tipicidade.

Por sua vez, a constituição do crédito tributário, pelo lançamento, é condição

necessária, mas não suficiente, para a consideração de prática de crime tributário. O

275 BOTELHO, Nadja Machado. Crimes contra a ordem tributária – Da constituição definitiva do crédito

tributário à inexigibilidade de conduta diversa. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Nº 47 –

dez-jan/2008.

Page 230: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

230

elemento subjetivo, a vontade e o dolo do agente devem estar presentes na realização da

conduta, devendo, assim, estar devidamente comprovado.

A referida súmula não elucida o aspecto subjetivo da conduta, ou seja, não

deixa claro não bastar provar que um crédito tributário foi constituído, para que se

conclua que, em tese, pode ter havido conduta criminosa. É necessário investigar mais,

e demonstrar, igualmente, se fazer presente o elemento subjetivo - a vontade ou o dolo

do agente - para configuração do tipo penal.

A súmula nº 24 consolida o entendimento no sentido da não tipificação do

crime, enquanto não esgotada a via administrativa, e de que o lançamento faz parte da

tipicidade. Ou seja, não existe o tipo penal referido no artigo 1º sem o prévio e

definitivo lançamento do crédito tributário.

O que significa dizer que, enquanto não houver o lançamento do tributo, e,

por conseguinte, a constituição definitiva do crédito, não se pode responsabilizar

criminalmente o infrator na referida lei.

Doutro modo, o Ministério Público não pode oferecer denúncia antes da

decisão final da autoridade no processo administrativo com o respectivo lançamento do

tributo. A problemática versa quanto ao argumento de que não se pode admitir o uso da

ação penal como instrumento para constranger o contribuinte ao pagamento de tributo, que

pode não ser devido.

Por outro lado, um tributo controverso não pode ser criminoso. Um tributo

declarado inconstitucional, tampouco. Simplesmente porque nesses casos falta a

antijuridicidade, critério indispensável da regra penal.

Neste liame de entendimento, obteve êxito a tese que busca a preservação dos

direitos constitucionais do contribuinte, entre os quais o de pagar apenas os tributos

devidos, e de utilizar-se, para esse fim, do direito ao contraditório e à ampla defesa,

inclusive, no processo administrativo. Assim, não mais se admite a denúncia penal sem a

prévia constituição definitiva do crédito tributário.

Page 231: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

231

Harada pontua que não raras vezes, juízes e tribunais levam anos em

discussões para concluírem pela inconstitucionalidade de determinada exação. Com

tantas imprecisões técnicas, na formulação de hipóteses de condutas delituosas, que

constituem tipos penais extravagantes, recheados de noções específicas de direito

tributário, por sua vez, dominado, nas três esferas impositivas, pelo chamado

dinamismo caótico, inconcebível cogitar-se de dolo específico enquanto o contribuinte

discute a validade do lançamento tributário na esfera administrativa. Assim, a suspensão

do processo criminal, muitas vezes, se impõe, extrapolando os limites da mera

faculdade prevista no artigo 93 do Código de Processo Penal, sob pena de,

eventualmente, condenar um inocente, ou seja, aquele que não suprimiu e nem reduziu

tributo, assim reconhecido pela Administração Tributária.

A Súmula Vinculante 24 é a confirmação do entendimento iniciado no

julgamento do Habeas Corpus nº 81.611, de 10.12.2003, onde o Supremo Tribunal

Federal fixou jurisprudência no sentido da não tipificação do crime enquanto não

esgotada a via administrativa.

No entanto, a referida Súmula Vinculante, só responde uma parte dos

argumentos, pois o problema não está apenas na prescrição criminal, cuja contagem fica

a depender da decisão definitiva na esfera administrativa, mas sim pela consumação do

prazo de decadência para constituição do crédito, pois o sepultamento do lançamento

fiscal leva ao banimento definitivo do tipo penal (v., p. ex., decisão do STF no HC

84.555-0).

As divergências apresentadas argumentavam que, aguardar o julgamento

administrativo poderia levar à impunidade, face à prescrição. Argumento que foi

rechaçado, tendo em vista que o Estado tem meios para evitar a demora no julgamento

do processo administrativo, devendo prevalecer o direito fundamental do contribuinte

de defender-se contra a exigência de tributo indevido.

Para a solução do imbróglio em questão, a alternativa encontrada se viu

acolhida por alguns Ministros do STF, que entenderam que a prescrição não corre

enquanto pendente o julgamento do processo administrativo fiscal.

Page 232: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

232

Contudo, a investigação vários anos após a ocorrência do evento resta

prejudicada, há uma imensa dificuldade na constituição do fato jurídico penal.

O argumento vitorioso foi o do Ministro Sepulveda Pertence, pela falta de

justa causa para a ação penal antes do lançamento definitivo, por se tratar de um crime

de resultado. E, que na verdade, a ação penal, antes do lançamento definitivo, pode

conduzir a uma situação verdadeiramente absurda, na qual o Estado-juiz pune alguém

por supressão ou redução de tributo e o mesmo Estado, como Administração Tributária,

diz que nenhum tributo lhe era devido.

Por sua vez, o Ministro Nelson Jobim destacou que, no administrativo

fiscal, o contribuinte exerce seu direito ao contraditório e à ampla defesa, no qual a

instauração de ação penal antes de concluído esse processo administrativo

consubstancia uma ameaça ao direito do contribuinte.

Hugo de Brito Machado defende que, quando não tenha sido iniciada ação

fiscal e o Ministério Público tenha, por outros meios, notícia do crime, deve este oficiar a

autoridade administrativa para que instaure a ação fiscal. Somente nas hipóteses em que

disponha de suficientes indícios de corrupção passiva, prevaricação ou outro crime

cometido pela autoridade administrativa, no âmbito dos fatos relacionados com o ilícito

penal imputável ao contribuinte, poderá, desde logo, oferecer, denúncia pelo cometimento

dessas outras espécies delituosas, e, em tais hipóteses, há de denunciar também a

autoridade administrativa, se for o caso. 276

Como bem assevera Ada Pellegrini Grinover, em artigo publicado na

Revista Brasileira de Ciências Criminais, o sentido dessa norma não parece ter sido

outro, senão, o de evitar a propositura de ações penais precipitadas, antes da definitiva

constituição do crédito tributário, sem o que, na verdade, sequer seria possível cogitar a

276 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

Page 233: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

233

própria tipificação do crime contra a ordem tributária. Trata-se, pois, de uma hipótese de

impossibilidade jurídica. 277

No entanto, a discussão sobre o tema ganha contornos díspares a todo

momento. A corrente contrária ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal critica

tal medida por entender que suplantou notadamente a atuação funcional do Ministério

Público. Dentre os críticos a este posicionamento, está o Juiz Federal Andrei Pitten

Velloso que, em artigo publicado na Revista Jurídica, ano 57, em outubro de 2009,

escrevendo sobre “A Pregiudiziale Tributária: Análise da jurisprudência brasileira à luz

das experiências italiana e espanhola” argumenta que as experiências, italiana e

espanhola, evidenciam que a sistemática adotada pelo STF não é a mais adequada aos

postulados básicos dos Estados Constitucionais contemporâneos. 278

Para ele, a “pregiudiziale tributária” revelou-se, tanto na Itália quanto na

Espanha, nitidamente inadequada para a punição dos crimes contra a ordem tributária,

tanto que foram revogadas, vigorando, hoje, o pressuposto da independência do âmbito

criminal e administrativo.

Ambos os argumentos são defensáveis, restando observar se o

posicionamento do STF foi o mais acertado, ou se dentro de certo tempo repetir-se-ão as

experiências espanholas e italianas.

Crítica muito interessante é a de Aurora Tomazini de Carvalho ao

questionar o teor da súmula vinculante nº 24, e se a decisão administrativa seria

realmente definitiva?

Nesse sentido, não se pode confundir inalterabilidade com definitividade.

Como é sabido, o Auto de Infração pode ser discutido judicialmente. Caso contrário, a

inalterabilidade do julgado seria apenas no transito em julgado da ação judicial? E a

277 GRINOVER, Ada Pellegrini. As condições da ação penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais. nº

69 nov-dez 2007. Ano 15 278 VELLOSO, Andrei Pitten. A Pregiudiziale Tributaria: Análise da jurisprudência brasileira à luz das

experiências italiana e espanhola. Revista Jurídica, ano 57, em outubro de 2009, nº384. Editora Notadez.

Diretores: Marco Antonio C. Paixão e Luiz Antonio Duarte Aiquel

Page 234: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

234

possibilidade de ação rescisória? A definitividade diz respeito ao término da discussão

em relação à fase do jogo, uma vez que nada no Direito é imutável.

Por outro lado, vale a pena conferir jurisprudência que impõe a relativização

da súmula vinculante nº 24:

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL.

DESNECESSIDADE DE CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO

CRÉDITO TRIBUTÁRIO PARA A CONSUMAÇÃO DO

CRIME PREVISTO NO ART. 293, § 1°, III, B, DO CP.

É dispensável a constituição definitiva do crédito tributário para

que esteja consumado o crime previsto no art. 293, § 1º, III, "b",

do CP. Isso porque o referido delito possui natureza formal, de

modo que já estará consumado quando o agente importar,

exportar, adquirir, vender, expuser à venda, mantiver em

depósito, guardar, trocar, ceder, emprestar, fornecer, portar ou, de

qualquer forma, utilizar em proveito próprio ou alheio, no

exercício de atividade comercial ou industrial, produto ou

mercadoria sem selo oficial. Não incide na hipótese, portanto, a

Súmula Vinculante 24 do STF, segundo a qual “Não se tipifica

crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º,

incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo

do tributo”. Com efeito, conforme já pacificado pela

jurisprudência do STJ, nos crimes tributários de natureza formal é

desnecessário que o crédito tributário tenha sido definitivamente

constituído para a instauração da persecução penal. Essa

providência é imprescindível apenas para os crimes materiais

contra a ordem tributária, pois, nestes, a supressão ou redução do

tributo é elementar do tipo penal. REsp 1.332.401-ES, Rel. Min.

Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 19/8/2014.

No caso, ao afastar a aplicação da súmula vinculante nº 24, se está de certo

modo relativizando sua aplicação para os crimes formais. Diante de tal jurisprudência e

da dificuldade na persecução penal nos crimes contra a ordem tributária, o Ministério

Público vem adotando estratégia de enquadrar a conduta em outros tipos que fogem à

aplicação da súmula vinculante nº 24.

Page 235: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

235

Sobre a consumação, Nelson Hungria explica:

“para se considerar consumado o crime, não é necessário que o

agente alcance tudo quanto se propusera (consumação não se

confunde com exaurimento) ou que se aguarde o implemento de

condição a que esteja subordinada a punibilidade (...) Assim, nos

crimes falimentares ou nos de ação privada, a sentença

declaratória de falência ou o oferecimento da ‘queixa’

condicionam a punibilidade, e não a consumação”279

Nessa toada, a jurisprudência vem cambaleando sobre a possibilidade de se

prosseguir ou não com o inquérito antes de decisão definitiva do processo

administrativo:

STF - EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A

ORDEM TRIBUTÁRIA. ALEGAÇÃO DE

CONSTRANGIMENTO ILEGAL POR INDICIAMENTO EM

INQUÉRITO POLICIAL. IMPROCEDÊNCIA. A

jurisprudência desta Corte é no sentido de que o

indiciamento em inquérito policial só é passível de anulação

em hipóteses de evidente constrangimento ilegal. No caso

concreto, a autoridade policial indiciou o paciente somente

após a conclusão de diligências requeridas pelo Ministério

Público, cujos resultados apontaram para a prática de

crimes contra a ordem tributária. Ordem denegada. (STF -

HC 86149, Relator(a) EROS GRAU, 06.09.2005)

STF - EMENTA: I. Habeas corpus: admissibilidade:

trancamento de inquérito policial. Se se trata de processo

penal ou mesmo de inquérito policial, a jurisprudência do STF

admite o Habeas corpus, dado que de um ou outro possa advir

condenação à pena privativa de liberdade, ainda que não

iminente, cuja aplicação poderia ser viciada pela ilegalidade

contra a qual se volta a impetração da ordem. II. Crime material

contra a ordem tributária (L. 8.137/90, art. 1º): lançamento do

tributo pendente de decisão definitiva do processo

administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso,

porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura

279 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Revista Forense, v. I, 1942. p. 247

Page 236: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

236

pela falta do lançamento definitivo: precedente (HC 81.611,

Pleno, 10.12.2003, Pertence, Inf.STF 333).

(STF - HC 86120, Relator(a) SEPÚLVEDA PERTENCE,

09.08.2005)

7.7. A responsabilidade penal pessoal

Há uma grande crítica por parte dos doutrinadores, quando observam que,

na praxis dos Juízos e Tribunais, a definição da responsabilidade penal, pela via do

elemento subjetivo, tem sido muito alargada, de forma a suplantar a pesquisa do nexo

causal objetivo, a qual, na maioria das vezes, resume-se na constatação do elemento

subjetivo.

O reflexo disso, ao reverso da indiscriminada imputação, pode s e r a

impunidade, pois a dificuldade na persecução do elemento subjetivo n e s s e s delitos,

a l i a d a à redução da culpabilidade ao animus, empurra os processos à absolvição

quase que necessária. Contudo, é possível que o elemento subjetivo nos crimes contra a

ordem tributaria não seja tão imperceptível.

A escassez de obras e a superficialidade das existentes relativas a sanções

tributárias administrativas e crimes tributários, na análise de casos concretos para

identificação de situações em que tenha havido reconhecimento da presença do dolo, ou,

ao contrário, sua ausência, refletem-se de forma redobrada no tema do presente

trabalho.

O crescimento e a complexidade das relações fiscais e tributárias ocorridas,

cada vez mais, de forma impessoal, intangível e virtual, trazem um modus operandi

baseado em mecanismos estranhos à ciência penal, de forma a obstruir a percepção da

culpabilidade nos eventuais ilícitos.

Na determinação da autoria e do dolo a jurisprudência entende que há

possibilidade de oferecimento da denúncia sem a discriminação precisa das

Page 237: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

237

individualizações de conduta, daí ganha importância a demonstração do poder de

gerência:

STF - EMENTA: PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS

CORPUS. FALTA DE JUSTA CAUSA. CRIMES

SOCIETÁRIOS. SONEGAÇÃO FISCAL. ART. 1º, I E II, DA

LEI 8.137/90. ART. 151 DA LEI 6.404/76. RETIRADA DE

DIRETOR ADMINISTRATIVO DE SOCIEDADE

ANÔNIMA. CONTRATO DE ADIANTAMENTO PARA

EXPORTAÇÃO FUTURA. REMESSA DE DINHEIRO PARA

O EXTERIOR. OPERAÇÃO REALIZADA APÓS A SAÍDA

DO DIRETOR. ORDEMCONCEDIDA. I - Falta justa causa

para a ação penal quando o paciente demonstra não possuir, ao

tempo da assinatura do contrato tido por irregular, poder de

direção na empresa. II - Em que pese a possibilidade de

oferecimento da denúncia sem a discriminação precisa das

individualizações de conduta, faz-se necessário explicitar-se

minimamente o nexo entre a conduta, o acusado e o resultado

ilícito. II - Ordem concedida.

(HC 88600, HC - HABEAS CORPUS, Relator(a) RICARDO

LEWANDOWSKI, 09/04/2007)

Nesse sentido, não basta ser sócio, é fundamental demonstrar o poder de

gerência:

STF – Ementa - "HABEAS CORPUS" - DELITO SOCIETÁRIO - CRIME

CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA - LEI Nº 8.137/90 -

RESPONSABILIDADE PENAL DOS SÓCIOS QUOTISTAS -

DENÚNCIA QUE NÃO ATRIBUI, AOS SÓCIOS, COMPORTAMENTO

ESPECÍFICO QUE OS VINCULE, COM APOIO EM DADOS

PROBATÓRIOS MÍNIMOS, AO EVENTO DELITUOSO - INÉPCIA DA

DENÚNCIA - QUOTISTA MINORITÁRIO - INEXISTÊNCIA DE PODER

GERENCIAL E DECISÓRIO - IMPOSSIBILIDADE DE INCRIMINAÇÃO

DE QUOTISTA MINORITÁRIO SEM QUE LHE SEJA ATRIBUÍDA

CONDUTA ESPECÍFICA - PEDIDO DEFERIDO. PROCESSO PENAL

ACUSATÓRIO - OBRIGAÇÃO DE O MINISTÉRIO PÚBLICO

FORMULAR DENÚNCIA JURIDICAMENTE APTA. O sistema jurídico

vigente no Brasil - tendo presente a natureza dialógica do processo penal

acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter

essencialmente democrático - impõe, ao Ministério Público, a obrigação de

expor, de maneira precisa, objetiva e individualizada, a participação das

pessoas acusadas da suposta prática da infração penal, a fim de que o Poder

Judiciário, ao resolver a controvérsia penal, possa, em obséquio aos

postulados essenciais do direito penal da culpa e do princípio constitucional

do "due process of law", ter em consideração, sem transgredir esses vetores

condicionantes da atividade de persecução estatal, a conduta individual do

réu, a ser analisada, em sua expressão concreta, em face dos elementos

Page 238: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

238

abstratos contidos no preceito primário de incriminação. O ordenamento

positivo brasileiro repudia as acusações genéricas e repele as sentenças

indeterminadas. A PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO PENAL TEM O

DIREITO DE NÃO SER ACUSADA COM BASE EM DENÚNCIA

INEPTA. A denúncia - enquanto instrumento formalmente consubstanciador

da acusação penal - constitui peça processual de indiscutível relevo jurídico.

Ela, antes de mais nada, ao delimitar o âmbito temático da imputação penal,

define a própria "res in judicio deducta". A peça acusatória, por isso mesmo,

deve conter a exposição do fato delituoso, em toda a sua essência e com todas

as suas circunstâncias. Essa narração, ainda que sucinta, impõe-se ao

acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura,

ao réu, o exercício, em plenitude, do direito de defesa. Denúncia que não

descreve, adequadamente, o fato criminoso e que também deixa de

estabelecer a necessária vinculação da conduta individual de cada agente ao

evento delituoso qualifica-se como denúncia inepta. Precedentes.

PERSECUÇÃO PENAL DOS DELITOS SOCIETÁRIOS - PEÇA

ACUSATÓRIA QUE NÃO DESCREVE, QUANTO A CADA SÓCIO,

QUALQUER CONDUTA ESPECÍFICA QUE O VINCULE AO EVENTO

DELITUOSO - INÉPCIA DA DENÚNCIA. - A mera invocação da condição

de sócio quotista, sem a correspondente e objetiva descrição de determinado

comportamento típico que o vincule ao resultado criminoso, não constitui

fator suficiente apto a legitimar a formulação da acusação estatal ou a

autorizar a prolação de decreto judicial condenatório. A circunstância

objetiva de alguém meramente ser sócio de uma empresa não se revela

suficiente, só por si, para autorizar qualquer presunção de culpa (inexistente

em nosso sistema jurídico-penal) e, menos ainda, para justificar, como efeito

derivado dessa particular qualificação formal, a correspondente persecução

criminal em juízo. SÓCIA QUOTISTA MINORITÁRIA QUE NÃO

EXERCE FUNÇÕES GERENCIAIS - NECESSIDADE DE DESCRIÇÃO

DE DETERMINADO COMPORTAMENTO TÍPICO QUE VINCULE O

SÓCIO AO RESULTADO CRIMINOSO. - O simples ingresso formal de

alguém em determinada sociedade simples ou empresária - que nesta não

exerça função gerencial nem tenha participação efetiva na regência das

atividades sociais - não basta, só por si, especialmente quando ostentar a

condição de quotista minoritário, para fundamentar qualquer juízo de

culpabilidade penal. A mera invocação da condição de quotista, sem a

correspondente e objetiva descrição de determinado comportamento típico

que vincule o sócio ao resultado criminoso, não constitui, nos delitos

societários, fator suficiente apto a legitimar a formulação da acusação estatal

ou a autorizar a prolação de decreto judicial condenatório.

(HC 89427, Relator(a) CELSO DE MELLO, 2ª Turma, 12.09.2006)

Curiosamente, vive-se nesse liame entre não punir ninguém ou punir

quem não mereça, o que contribui para a perda da legitimidade do sistema penal,

retratada com brilho por Eugênio Zaffaroni em seu livro “Em busca das penas

perdidas”. 280

280 ZAFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas, Rio de Janeiro: Revan, 1991, tradução

Vania Romano Pedrosa e Almir Lopes Conceição.

Page 239: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

239

7.8. A responsabilidade penal da pessoa jurídica e a lei anticorrupção nº 12.846, de

1º de agosto de 2013

A responsabilidade penal exclusivamente da pessoa jurídica não é a solução

para o problema e poderá servir para encobrir ainda mais aqueles que se utilizam de

empresas para perpetrar falcatruas. E não apenas em matéria tributária, mas, por

exemplo, o crime de corrupção. Por outro lado, penalizar a pessoa física e ao mesmo

tempo punir a empresa que descumpriu o dever de fiscalizar a boa conduta de seus

funcionários parece ser a melhor alternativa.

Frise-se que tal medida deve ser tipificada em lei.

O grande avanço na investigação e na punição de crimes do “colarinho

branco” que desviam bilhões de dólares anualmente é evidente, estamos vivenciando a

prisão de políticos do mais alto escalão e a prisão de presidentes de grandes empresas,

algo nunca visto na história do Brasil. Os referenciados crimes, até pouco, restavam

impunes.

Com instituições mais sólidas, leis que favorecem a delação, novas técnicas

de investigação, colaboração internacional e penas mais severas, a expectativa de

penalização dos transgressores já se torna uma realidade.

As empresas começam a se preocupar com o departamento de complience

responsável por cuidar da integridade, auditoria, aplicação de códigos de ética e conduta

e incentivos de denúncia de irregularidades. Eis a nova lei anticorrupção nº 12.846, de

1º de agosto de 2013, que acaba de ser regulamentada

Tais acontecimentos terão reflexo no departamento de controle de

cumprimento das leis pelas empresas, e por conseguinte, espera-se que haja impacto nos

crimes contra a ordem tributária.

A Constituição Federal brasileira contempla a possibilidade de

responsabilização da pessoa jurídica em dois dispositivos (arts. 173, § 5º e 225, § 3º). O

Page 240: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

240

legislador ordinário já cuidou dessa responsabilidade nos crimes ambientais (Lei

9.605/97, arts. 3º e 20). A lei ambiental refere-se à responsabilidade “penal”. A

dificuldade em compreender esse conceito é que se costuma associar as sanções

punitivas às penas corporais, e estas são reservadas para as pessoas físicas.

A lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, conhecida como “Lei

Anticorrupção”: dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas

jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou

estrangeira, e dá outras providências.

A referida lei introduziu a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica,

nos âmbitos civil e administrativo, pelos atos de corrupção cometidos em seu

interesse ou benefício.

Com efeito, a empresa poderá ser responsabilizada independentemente

da responsabilização das pessoas físicas e independentemente da prova da intenção

dos dirigentes, diretores ou donos das empresas. Ressalve-se que a

responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual das

pessoas que forem autora, coautora ou partícipe do ato ilícito.

O decreto 8.420/15, regulamenta a lei anticorrupção 12.846/13 em vigor

desde janeiro de 2014.

Dentre outras medidas, a lei anticorrupção dispõe sobre a punição de

empresas envolvidas em corrupção, com a aplicação de multas de até 20% do

faturamento bruto, onde a punição nunca será menor do que o valor da vantagem

auferida. Quando não for possível utilizar o faturamento bruto da empresa, o

valor da multa será limitado entre R$ 6 mil e R$ 60 milhões.

Com o aumento do controle sobre a obediência às leis, espera-se que

haja um impacto indireto nos crimes contra ordem tributária.

Destacam-se importantes características da lei:

Page 241: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

241

i) avaliação de programas de compliance

ii) acordos de leniência: a) reconhecer a participação na infração, b)

identificar envolvidos, c) reparar o dano causado, d) cooperar com a

investigação e e) além de fornecer documentos que comprovem a prática da

infração

iii) cadastros nacionais de empresas punidas

A responsabilidade penal da pessoa jurídica bastante controversa, já é uma

realidade. Para tanto, alguns problemas devem ser enfrentados, uma vez que o Direito

Penal está regido pelo princípio da responsabilidade pessoal, isto é, somente quem tem

capacidade de entender e de querer, é que pode ser penalmente responsabilizado. De

outro lado, o Direito penal está tradicionalmente estruturado em torno de penas

privativas de liberdade, que são incompatíveis com as pessoas jurídicas.

Nesse esteio de entendimento, a relevância de atribuir-se à pessoa jurídica

responsabilidade penal é incluir, no rol dos agentes puníveis, não apenas as pessoas

físicas que dão materialidade à vontade do ente personalizado, mas, sobretudo, o

próprio ente em si, que sofrerá punições não corporais.

No Direito brasileiro, há um conjunto expressivo de normas que impõem

sanções não penais e que entrariam facilmente no âmbito do que se chama Direito

sancionador. Por exemplo: lei de improbidade administrativa, lei do impeachment,

transação penal, etc.

Sob esta perspectiva, a responsabilidade da pessoa jurídica também deve ser

inserida nesse rol, já que é impossível aplicar nesses casos princípios básicos do

clássico Direito Penal, dentre os quais se destacam: princípio da responsabilidade

pessoal (ninguém pode ser responsabilizado pelo fato de outrem), princípio da

responsabilidade subjetiva (não existe crime sem dolo ou culpa), princípio da

culpabilidade (capacidade de comportar-se de modo diverso). Ou seja, ao definir como

crimes os atos de descumprimento de leis tributárias, punidos, portanto, pelo Direito

Penal, mister se faz a observância da questão da responsabilidade.

Page 242: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

242

Tanto é que na lei nº 12.846 de 2013, a “Lei Anticorrupção”, poderão

ser aplicadas multas de até 20% do faturamento bruto da empresa no exercício

anterior ao da instauração do processo administrativo, ou, quando não for possível

calcular o faturamento do exercício anterior, impor multas de até R$ 60 milhões de

reais.

Frise-se que havia bastante dificuldade em aplicar a sanção penal que é de

natureza pessoal e pode dar origem a uma pena restritiva de liberdade. Antes,

considerava-se que não se poderia punir penalmente uma empresa que tem apenas

responsabilidade de pessoa jurídica. Nestes casos, dever-se-ia desconsiderar a existência

da pessoa jurídica, para considerar a conduta dos que infringiram a lei. Agora a lei

anticorrupção mostra-se mais moderna e adequada à natureza do crime combatido.

Este exemplo merece ser seguido no âmbito dos crimes contra a ordem

tributária.

Assim, frente à responsabilidade pessoal dos agentes na esfera penal, os

responsáveis devem ser denunciados com a descrição dos fatos tipificados como crime

tributário de modo individualizado. E mais do que isto, as empresas beneficiadas

também devem responder.

Nesta seara, não deve prosperar a alegação de que a ação penal, nos crimes

contra a ordem tributária, deve ser recebida quando presente apenas a descrição do fato

capaz de tipificar o crime, ocorrido no âmbito da empresa da qual o denunciado é

dirigente, isto é, mesmo que a denúncia não descreva a conduta individual de cada

denunciado. No entanto, a punição da pessoa jurídica é uma alternativa eficaz.

Como bem destacam Roberval Rocha Ferreira Filho e João Gomes da Silva

Junior, a jurisprudência, ao acatar a denúncia genérica em caso de crimes societários, o

que, se por um lado facilita a exordial do Ministério Público, por outro, quase nunca leva

Page 243: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

243

a termo a condenação, já que, na sentença, impossibilita o juízo de estabelecer claramente

as penas cominadas pessoalmente a cada envolvido.281

Guilherme Merolli, em seus “Fundamentos Críticos de Direito Penal”,

acompanhado de autores estrangeiros como Windfried Hassemer e Bernd Schunemann,

critica o entendimento de que, nos crimes contra a ordem econômica, a simples

condição de sócio no contrato social da empresa pode gerar, por si só, a “autoria” do

comportamento punível, dando origem às “denuncias genéricas”. 282

É importante destacar que, admitir a punição de um cidadão no âmbito

criminal, sem a devida comprovação de que este foi o autor da conduta descrita como

crime significa admitir a responsabilidade pelo fato de outrem, por meio da responsabili-

dade objetiva, o que não pode ser tolerado.

Hugo de Brito Machado aduz que os dirigentes da empresa, ou seus

proprietários, nem sempre são os culpados pelo cometimento do fato que constitui crime

contra a ordem tributária. Pelo contrário, em muitos casos, são lesados pelas condutas

praticadas por empregado, ou até por diretor da empresa, em detrimento desta e em

proveito próprio, de modo que não é razoável que, além de vítimas, ainda sejam

responsabilizados pelo ilícito penal fiscal. Justo, portanto, é exigir-se que a denúncia

descreva a conduta de cada denunciado, e este seja responsabilizado na medida de sua

culpabilidade. 283

No sistema jurídico penal brasileiro, a responsabilidade penal deve ser sempre

subjetiva e pessoal, uma vez que depende da culpa ou do dolo do agente. Não é valido o

argumento, segundo o qual, a individualização da conduta deve ser feita no curso da

ação penal. Tal individualização há de ser prévia, sem o que estará fortemente cerceado o

direito de defesa do agente. Mas, não se pode, é certo, equiparar individualização com

detalhamento de conduta. Um certo grau de generalidade é de ser admitida na denúncia

por crimes societários.

281 FERREIRA, Roberval Rocha Filho. Direito Tributário. Salvador: Podivm, 2007. p. 489 282 MERIOLLI, Guilherme. Fundamentos Críticos de Direito Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

p. 357 283 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

Page 244: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

244

O artigo 41, do Código de Processo Penal indica um necessário conteúdo

positivo para a denúncia, ou seja, impõe uma obrigação de fazer por parte do Ministério

Público, que deve conter a exposição do fato criminoso, ou, em tese criminoso, com

todas as suas circunstâncias, de par com a qualificação do acusado, ou, de todo modo,

veicular esclarecimentos que viabilizem a ampla defesa do acusado, conforme disposto

abaixo:

Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com

todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos

pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando

necessário, o rol das testemunhas

Por sua vez, o artigo 395 do Código de Processo Penal dispõe sobre uma

obrigação de não fazer, o que significa dizer que a denúncia não pode incorrer nas

impropriedades dos incisos I, II e III do artigo em questão:

Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:

I - for manifestamente inepta;

II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal;

ou

III - faltar justa causa para o exercício da ação penal

Outrossim, a colheita de informações precisas a respeito da conduta

individualizada de cada imputado do crime deve ser feita previamente, sob pena de se

estar cerceando o direito de defesa do empresário, que não saberá do que está sendo

acusado, e não terá como defender-se.

7.8.1. Dificuldade de produção probatória nos crimes contra a ordem tributária

Outro ponto a ser destacado é a dificuldade de produção das provas. O

inquérito policial, que aglutina os esforços desenvolvidos pela polícia, pode parecer

mais fácil, porque, sendo unilateral, sem a participação da defesa, poderia caminhar com

Page 245: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

245

a agilidade de quem não precisa atuar com estrita obediência ao contraditório e a ampla

defesa em todos os seus passos.

Mais uma particularidade diferencia o inquérito policial dos crimes comuns,

em geral, para os quais, a polícia é reconhecidamente mais capacitada a investigar os

aspectos econômicos e financeiros, que exigem conhecimentos especializados em

contabilidade, tributação. Daí, que a parte da prova material do cometimento do delito

deva ficar a cargo dos órgãos de fiscalização tributária e previdenciária e a investigação

acerca do dolo da conduta possa ficar a cargo do órgão fiscal, que poderá imputar

multas qualificadas, e em âmbito criminal a cargo da polícia e no Ministério Público.

O ministro do Supremo Carlos Brito afirma que a jurisprudência do STF

não tolera peça de acusação totalmente genérica, mas admite denúncia “mais ou menos”

genérica, porque, em se tratando de delitos societários, se faz extremamente difícil

individualizar condutas que são concebidas e, quase sempre, executadas a portas

fechadas.

O Pretório Excelso considera que não há infração ao artigo 395 do Código

Penal Processual, quando a inicial acusatória aponta com precisão o momento da ação

criminosa e individualiza, no tempo, a responsabilidade dos sócios quanto à gestão da

empresa. 284

284 STF - EMENTA: INQUÉRITO. CRIME COMUM. DEPUTADO FEDERAL. COMPETÊNCIA

ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EXAME DA ADMISSIBILIDADE DA

DENÚNCIA. INICIAL ACUSATÓRIA QUE ATENDE AOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP.

DELITO DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. AUSÊNCIA DE CAUSAS

IMPEDITIVAS OU SUSPENSIVAS DA PUNIBILIDADE. DENÚNCIA RECEBIDA. 1. Em matéria de

alegada inépcia da denúncia ou de sua esqualidez por qualquer outro motivo, dois são os parâmetros

objetivos que orientam o exame de seu recebimento: os artigos 41 e 395 do Código de Processo Penal. No

artigo 41, o CPP indica um necessário conteúdo positivo para a denúncia, que deve conter a exposição do

fato criminoso, ou em tese criminoso, com todas as suas circunstâncias, de par com a qualificação do

acusado, ou, de todo modo, veicular esclarecimentos que viabilizem a ampla defesa do acusado. Já o

artigo 395 do Código de Processo Penal, este impõe à peça de acusação um conteúdo negativo. Noutro

falar: se, no primeiro (art. 41), há uma obrigação de fazer por parte do Ministério Público, no segundo

(art. 395) há uma obrigação de não fazer; ou seja, a denúncia não pode incorrer nas impropriedades do art.

395 do Diploma adjetivo. 2. No caso, a dívida inscrita no Lançamento de Débito Confessado não foi

integralmente quitada. E o fato é que, para o efeito da extinção da punibilidade, é de se levar em conta o

pagamento integral do débito (que inclui juros e multas, além do valor que não foi repassado no prazo

legal para o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS). 3. Não há que se falar em abolitio criminis,

Page 246: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

246

Desta forma, a questão da responsabilidade por cometimento de ilícitos deve

ser equacionada a partir da distinção entre as sanções pessoais e as sanções

patrimoniais.

Como bem comenta Hugo de Brito Machado, as primeiras são aquelas que

afligem diretamente a pessoa natural, e se caracterizam pela possibilidade de serem

suportadas pessoalmente por qualquer ser humano, independentemente de sua atividade

profissional, de sua riqueza, ou qualquer outra qualificação. São as penas ditas corporais.

Penas privativas de liberdade, ou de prestação de serviços à comunidade, por exemplo.

As últimas são aquelas que só, indiretamente, afligem a pessoa natural, e se caracterizam

por seu conteúdo patrimonial, e que, por isto mesmo, somente podem ser suportadas por

quem disponha de riqueza. 285

Ainda é cediço exarar que as sanções pessoais somente podem ser aplicadas

às pessoas naturais, pois há de ser necessariamente fundada na culpa do agente, e,

somente em relação a essas pessoas, pode-se falar em culpa. Por sua vez, as sanções

patrimoniais podem ser aplicadas às pessoas jurídicas, com fundamento na

responsabilidade objetiva, uma vez que não será necessário demonstrar dolo ou culpa.

decorrente da revogação do artigo 95 da Lei nº 8.212/91 (vigente na data do primeiro período de fatos). É

que a abolitio criminis, causa de extinção da punibilidade que é, constitui uma das hipóteses de

retroatividade da lei penal mais benéfica. É dizer: a abolição do crime significa a manifestação legítima

do Estado pela descriminalização de determinada conduta. Noutro dizer, o detentor do jus puniendi

renuncia ao poder de intervir na liberdade dos indivíduos responsáveis pela conduta antes qualificada

como delituosa. E o certo é que a revogação do artigo 95 da Lei nº 8.212/91 pela Lei nº 9.983/2000 não

implicou a descriminalização da falta de repasse à previdência social das contribuições recolhidas dos

contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional. 4. Não há como acolher a tese defensiva de

extinção da punibilidade, por força do § 2º do art. 168-A do Código Penal. Extinção da punibilidade que,

nos exatos termos da regra mencionada, está a depender: a) de declaração e confissão da dívida; b) de

prestação de informações à Seguridade Social; c) do pagamento integral da dívida antes do início da ação

fiscal. Elementos, esses, que, ao menos neste exame prefacial da acusação, não estão presentes na

concreta situação dos autos. 5. É de ser recebida a denúncia que atende aos requisitos constantes do

art. 41 do Código de Processo Penal, sem incidir nas hipóteses de rejeição do art. 395 do mesmo

diploma, principalmente quando a inicial acusatória aponta com precisão o momento da ação

criminosa e individualiza, no tempo, a responsabilidade dos sócios quanto à gestão da empresa. A

jurisprudência do STF é de que não se tolera peça de acusação totalmente genérica, mas se admite

denúncia mais ou menos genérica, porque, em se tratando de delitos societários, se faz extremamente

difícil individualizar condutas que são concebidas e quase sempre executadas a portas fechadas. 6.

Denúncia recebida. Processo: Inq. 2584 Relator(a) CARLOS BRITTO. Julgamento: 07.05.2009 (Grifo

nosso). 285 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

Page 247: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

247

Em que pese a posição do Egrégio Supremo Tribunal Federal, o

entendimento mais adequado deveria ser aquele que respeita a responsabilidade penal

individualizada, na qual o sujeito responde apenas pelas condutas efetivamente praticadas

por ele, uma vez que a criminalização destas depende da culpa ou do dolo do agente.

7.9 Responsabilidade tributária e os crimes contra a ordem tributária

A norma de responsabilidade é sancionadora, na medida em que o seu

sujeito passivo há de ter descumprido algum comando.

Uma importante ferramenta para garantir o pagamento do crédito tributário

é a estatuição de normas de responsabilidade. Esta serve ao fisco assim como uma

fiança serve ao credor.

Em diversas hipóteses de responsabilidade tributária, o evento ilícito, por

ser fraudulento também enseja a responsabilização penal no crime previsto na Lei.

8.137/90.

Para entender a norma de responsabilidade, destaca-se a disposição lógica

da norma jurídica f→r, que pode ser lida: se “f” então “r”, ou, dado o fato “f” deve ser a

relação “r”. Ainda no campo das normas jurídicas teríamos a estrutura kelseniana da

hipótese normativa ligada à consequência: H→C. Esmiuçando a estrutura normativa da

Hipótese e da Consequência, Paulo de Barros Carvalho elaborou a Regra-Matriz de

Incidência Tributária com os seus cinco critérios.

Há limites ontológicos ou jurídicos para a responsabilização de

terceiros alheios à conduta tributária?

De plano, podemos afirmar com forte grau de certeza: alguém inteiramente

alheio ao fato jamais poderá ser responsabilizado, afinal é ilógico. Para esclarecer com

outro exemplo: é absurdo e impraticável que o Flamengo sofra a consequência de uma

escalação irregular feita pelo time do Fluminense. Tal previsão normativa não guardaria

Page 248: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

248

coerência lógica nem seria acolhida pela pragmática, uma norma com disposição nesse

sentido careceria de eficácia.

Com efeito, o Código Tributário Nacional, dispõe em seu art. 128, a

necessidade da pessoa indicada como responsável estar “vinculada ao fato gerador da

respectiva obrigação”:

CAPÍTULO V Responsabilidade Tributária

SEÇÃO I Disposição Geral

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode

atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito

tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da

respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do

contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do

cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

Tudo gira em torno da composição da relação jurídica que poderá ter um

novo integrante na sujeição passiva, poderá haver a composição com mais de um

devedor - no caso de solidariedade - ou o contribuinte será substituído pelo terceiro que

responderá pela dívida integralmente.

Não é qualquer vínculo com o fato gerador que autoriza a instituição da

responsabilidade em matéria tributária, esta pode ser atribuída a quem, deveria zelar

pelo cumprimento da obrigação tributária principal, ou alguém que tenha facilidade em

fiscalizar o contribuinte.

Sobre a finalidade das normas em que outros sujeitos - diferentes daqueles

que praticaram o evento tributário - são responsabilizados, pergunta-se: Porque isto

ocorre no direito?

Como será apontado, no direito trabalhista, a norma de responsabilidade

serve para, dentre outras coisas, proteger o trabalhador. No direito tributário, quadra,

por exemplo, para garantir ou facilitar a arrecadação.

Page 249: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

249

Em assunto tão confuso como o da Responsabilidade Tributária,

destaca-se a necessidade premente de traçar um paralelo entre a veemente crítica

que Paulo de Barros Carvalho faz à incorreta distinção: contribuinte de fato e

contribuinte de direito, em muitos casos o responsável, o substituto, ou o

contribuinte são signos que pela vaguidade e ambiguidade denotam situações pré-

jurídicas.

No Código Tributário Nacional a matéria está disciplinada no CAPÍTULO

V da “Responsabilidade Tributária” que divide-se em quatro seções: Disposição Geral;

Responsabilidade dos Sucessores; Responsabilidade de Terceiros, e; Responsabilidade

por Infrações. No entanto, os onze artigos, do 128 ao 138, merecem uma verdadeira

reformulação, uma vez que enormes são as incorreções. Seus dispositivos falham na

eficácia sintática, semântica e pragmática.

Ora, semanticamente encontramos defeitos como a confusão entre

solidariedade e subsidiariedade, no art. 133, II, do CTN. Pragmaticamente, os tribunais

administrativos e judiciários, bem como a doutrina desconsidera ou atribui sentido

bastante vago ao comando normativo de responsabilizar pessoalmente os infratores,

previsto no art. 137, do CTN.

Embaraça-se a estipulação do sujeito passivo com a substituição do polo

passivo ou a instituição de norma de responsabilidade.

E como se dá o fenômeno da incidência dessa norma de responsabilidade?

Sem a pretensão de solucionar as querelas que circundam tema tão nublado,

algumas ideias merecem fixação.

Essa é crítica sempre forte e das mais lúcidas sobre a matéria levantada por

Alfredo Augusto Becker em seu “Teoria Geral do Direito Tributário” sobre o instituto

da responsabilidade:

“Desde logo cumpre fixar este ponto: não é possível distinguir

entre débito e responsabilidade, isto é, considerar que o

responsável estaria obrigado a satisfazer débito de outro. O

Page 250: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

250

responsável sempre é devedor de débito próprio. O dever que

figura como conteúdo da relação jurídica que vincula o Estado

(sujeito ativo) ao responsável legal tributário (sujeito passivo) é

dever jurídico do próprio responsável legal tributário e não de

outra pessoa.”286

Assim, Becker pontua que quando somente uma pessoa pode pagar, não há

responsabilidade, ele é um substituto legal tributário. Se o Estado pode cobrar de ambos

há uma solidariedade. A existência da responsabilidade dá-se nos casos em que a lei

outorga ao Estado o direito de exigir de outra pessoa a satisfação da prestação jurídico-

tributária somente depois de ocorrer o fato da não-satisfação da prestação tributária pelo

contribuinte de jure.

Ressalte-se que não há sucessão ou ordem cronológica na incidência da

norma de responsabilidade e as demais normas.

Faz-se imperioso um estudo analítico do desenho da regra-matriz da norma

de responsabilidade que inclui a transmissibilidade da multa. Ou seja, a norma de

responsabilidade tem como pressuposto alguma conduta – ação ou omissão – do sujeito

passivo que comporá a relação. Para que este seja responsabilizado, algum dever precisa

ter sido descumprido.

Através dessa percepção podemos concluir e concordar com Paulo de

Barros Carvalho287, que afirma ser a responsabilidade tributária uma norma

sancionatória, e, por seu turno, com Alfredo Augusto Becker ao proclamar que no

jurídico a responsabilidade sempre foi do terceiro, por conduta sua e portanto a

composição da relação do responsável é direta.

Como ponto de partida temos que as normas de responsabilidade possuem

todas elas natureza sancionatória, isto é, que em seu pressuposto há a infração de um

286 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário, 3ª ed. Lejus. São Paulo, 2002.p. 557-

558 287 Por outro lado, Maria Rita Ferragut, ao discutir a natureza jurídica da norma de responsabilidade, e se

esta seria norma jurídica tributária ou não-tributária, dispositiva ou sancionadora, entende que a natureza

jurídica da norma de responsabilidade é sempre tributária, nas modalidades de norma primária dispositiva

ou sancionadora, estas últimas seriam as situações que se enquadram no artigo 134, 135 e 137.

Page 251: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

251

dever pelo responsável. Caso contrário, sem uma conduta do terceiro, temos verdadeira

substituição do polo passivo e não responsabilidade tributária.

Postas sumariamente as premissas em relação à fenomenologia da

incidência da norma de responsabilidade e sua natureza, devemos desde logo destacar o

cuidado muito grande que o legislador em sentido amplo deve ter ao estipular os

sujeitos da relação jurídica de natureza primária como as obrigações tributárias, cíveis,

trabalhistas, entre outras. Agora, em matéria de sanções pelo descumprimento dessas

relações jurídicas, a cautela na responsabilização de outros que não

desobedeceram diretamente os comandos deve ser ainda maior.

O instituto da responsabilidade em matéria de sanções tributárias consiste

em imputar a alguém que não cometeu diretamente o ilícito, a multa prevista para o

contribuinte pelo descumprimento do dever de pagar tributo ou a multa pelo

descumprimento do dever instrumental288.

7.9.1. Transferência de multas e a norma de responsabilidade

Paulo de Barros Carvalho289, em seu “Derivação e Positivação no Direito

Tributário”, questionado sobre a possibilidade de em nosso sistema jurídico haver

imposição de sanção sem que tenha havido prévio descumprimento volitivo de norma

de comportamento. Respondeu na linha de que tratando-se de infração subjetiva,

necessária se faz a participação volitiva do agente, e em se tratando de fatos cujos

efeitos não é possível evitar ou impedir, fica excluída a antijuricidade da conduta.

288 A regra-matriz, tanto da norma primária sancionatória, quanto da norma secundária penal, possui, no

seu descritor, o critério material, exibindo conduta contrária ao mandamento da RMIT, com o critério

temporal indicando o instante em que se considera ocorrido o fato antijurídico e o critério espacial

apontando o lugar. A relação sancionatória vem no prescritor das regras, nas primeiras, podem tratar de

penalidade pecuniária (multas), pena de perdimento, sujeição ou cassação de regime especial de

tributação, apreensão de mercadorias, entre outras; ou, no caso das últimas, impor sanção de natureza

criminal, como pena privativa de liberdade ou de direitos. Ademais, nas multas e crimes em que a

intensão do agente mostra-se fundamental, imperiosa é a estipulação de um critério volitivo no

antecedente. 289 CARVALHO. Derivação e Positivação no Direito Tributário. Vol. I, São Paulo: Noeses, 2011.p. 359

Page 252: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

252

Avançando sobre o tema da transmissibilidade das sanções e as normas de

responsabilidade, o professor Celso Antonio Bandeira de Melo é categórico ao afirmar:

“se a sobrevinda da sanção sobre alguém fosse um evento

que este não tivesse como evitar, isto é, se ela se apresentasse

como algo inevitável, fatal, cuja incidência independesse

totalmente da conduta do sancionado, é óbvio que a sanção

seria inútil.” (...) “é forçoso, então concluir que só pode ser

sancionado quem tenha a possibilidade de eximir-se à

incidência da sanção.”290

O supracitado autor posiciona-se de modo claro acerca do assunto, para ele,

inclusive as sanções administrativas, em princípio, são intransmissíveis, ou seja, só

incidem sobre o próprio infrator.

Observa-se que o professor Celso Antônio Bandeira de Melo considera

serem as multas intransmissíveis, mas com algumas exceções. Já o posicionamento do

professor Fábio Medina Osório, por ele citado, é mais radical, e defende que a pena só

poderia ser imposta ao infrator, sendo inconstitucional qualquer lei que despreze o

princípio da responsabilidade subjetiva.

Celso Antônio Bandeira de Melo observa que diante do nosso

ordenamento, onde muitos são os diplomas legislativos que dispõem o dever de

terceiro suportar a sanção cometida por autor diverso, sendo a doutrina

dominante nesse sentido, a transmissibilidade ocorre repetidas vezes. Nessas

situações costuma-se distinguir infrator do chamado “responsável”.

O professor Celso Antônio defende que tal transmissibilidade jamais

poderia existir no caso das sanções pessoais. Mas no caso de qualificar alguém diverso

do infrator como “responsável”, é preciso identificar se este detinha a possibilidade de

controlar-lhe a conduta ou dispunha de meios para constranger o agente a suportar a

carga da sanção pecuniária.

290BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Grandes Temas de Direito Administrativo. Editora

Malheiros, São Paulo, 2009.

Page 253: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

253

Para ele, a transmissibilidade seria ou não admitida se: (i) o responsável

concorreu por incúria para a prática da infração ou, sendo inteiramente alheio a ela; (ii)

tem meios para induzir o infrator a suportar o gravame em que consiste a sanção.

No entanto, é importante adotar postura crítica sobre o tema. Deve-se

investigar como o Direito vem admitindo a transmissibilidade de sanções, já que são

decorrentes de condutas ilícitas.

Levando em conta as possibilidades aventadas pelo professor Celso

Antônio, surgem algumas dúvidas: sobre que tipo de ação deve incidir uma sanção, qual

o pressuposto fático? E se tais “meios para o particular constranger o agente” não

funcionarem? É possível ser penalizado por conduta inteiramente alheia?

A resposta a tais questões fazem parte da Teoria Geral do Direito. É que o

problema da transmissibilidade também ocorre em diversos outros ramos. No âmbito

trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho, ao discutir a terceirização, pacificou o

entendimento segundo o qual o tomador responde por todos os créditos trabalhistas

inadimplidos pelo empregador (En. 331, IV), e a responsabilidade abarca inclusive as

verbas decorrentes de preceitos punitivos, tais como os relativos à incidência das

penalidades estipuladas nos artigos 467 e 477, §8º, da CLT, conforme jurisprudência

sobre o tema:

O En. 331, IV, do TST -"O inadimplemento das obrigações

trabalhistas, por parte do empregador, implica a

responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, quanto

àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da

administração direta, das autarquias, das fundações públicas,

das empresas públicas e das sociedades de economia mista,

desde que hajam participado da relação processual e constem

também do título executivo judicial (art. 71 – da Lei n. 8.666, de

21.06.1993)."

MULTA DO ARTIGO 477, § 8º, DA CLT – APLICABILIDADE

– RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – Está evidenciado nos

autos o não-pagamento das verbas rescisórias ao Autor, dando

ensejo à aplicação da penalidade prevista no artigo 477, § 8º,

da CLT. O Tribunal Regional impôs obrigação subsidiária pela

Page 254: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

254

satisfação dos créditos trabalhistas, o que implica

responsabilidade pelo total devido ao Reclamante, incluindo a

aludida multa, na hipótese de a empregadora (prestadora de

serviços) não os satisfazer. Recurso parcialmente conhecido, e

não provido. (TST – RR 643263 – 3ª T. – Relª Min. Maria

Cristina Irigoyen Peduzzi – DJU 18.10.2002)

No caso, conflitam preceitos constitucionais detentores de forte conotação

axiológica, de um lado a valorização constitucional do trabalho, CF, art. 1º IV; art. 7º, I;

art. 170 e art. 193, do outro a responsabilidade pessoal do agente pelas infrações.

Não se está discutindo a responsabilidade pelos débitos puramente

trabalhistas ou tributários, mas a responsabilização pecuniária por conduta ilícita

praticada por outrem sem qualquer interferência do terceiro.

No âmbito tributário a discussão é pela prevalência do preceito

constitucional da supremacia do interesse público, ou da importância da manutenção do

Estado, versus a individualização da pena, a liberdade, etc. Entretanto, a multa de

caráter punitivo não tem o objetivo de remunerar o Estado, mas de coibir a prática de

ato ilícito.

Tratamos a Liberdade enquanto possibilidade de escolha, sendo verdadeiro

pressuposto lógico do Direito, João Maurício Adeodato291 trata a liberdade como direito

fundamental, sendo corolário da isonomia, citando a expressão do professor Tércio

Sampaio Ferraz “capacidade do ser humano reger o próprio destino”

(autodeterminação), o mestre pernambucano lembra que são exatamente os três

princípios da razão que fundamentam a dignidade da pessoa humana em Kant.

É nesse sentido que Luís Eduardo Schoueri proclama sobre as multas

tributárias:

Não há pretensão do Estado pela infração, apenas. O Estado Fiscal

não vive de multas punitivas, mas de tributos. A multa punitiva não

tem a função de encher as burras do Estado, mas de coagir o sujeito

passivo. Daí a ideia de que não há sentido em impor a terceiro multa

291 ADEODATO, João Maurício. Uma Teoria Retórica da Norma Jurídica e do Direito Subjetivo. São

Paulo. Noeses, 2011. p. 322

Page 255: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

255

por fato que não lhe pode ser imputado. Nada há a puni-lo. Não há

pretensão do Fisco contra tal terceiro.”292

Anderson Pinheiro e Silva293, apesar de defender entendimento

diametralmente oposto, aponta que o Tribunal de Contas da União dispensa às multas

que impõe tratamento idêntico ao dado para as multas penais. É dizer, entende o TCU

que, em falecendo o gestor/responsável infrator, eventual pena de multa a ele cominada

deve ser extinta, em respeito ao amiúde citado princípio da intransmissibilidade da pena

(inc. XLV do art. 5.º da CF).

Uma análise constitucional das multas punitivas no Direito brasileiro deve

seguir, independentemente do ramo, a mesma trilha. A multa tributária, a trabalhista, a

previdenciária, entre outras, deve ter aplicação semelhantemente à pena criminal,

necessitando sempre prevalecer a busca e o respeito aos princípios da

proporcionalidade, razoabilidade, numa verdadeira dosimetria de todas as penas

aplicadas no Direito, consoante determinação da Constituição da República: “art. 5º

XLVI - a lei regulará a individualização da pena (...)”.

A pena, tanto tributária, quanto penal, civil ou trabalhista deve ser pessoal e

medida com base na atuação do agente. O seu adimplemento deve ser imputado àquele

que realizou a conduta infratora da lei. A empresa ou a família do infrator, por exemplo,

que tenham eventualmente se beneficiado da conduta ilícita, devem pagar a obrigação

de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens, até o limite daquilo que

receberam ou lucraram fruto do ilícito.

Com efeito, no campo tributário tal montante equivale ao valor do tributo

não pago ao Estado. Nessa parte, o dever de pagar não se restringe ao agente, mas a

todos que se beneficiaram do ilícito. Frise-se que os dispositivos legais que dispõem

sobre as normas de responsabilidade em matéria tributária são os mais controversos,

292 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário, 2ªed. Saraiva. São Paulo, 2012. 293 SILVA, Anderson Pinheiro. A SANÇÃO PECUNIÁRIA IMPOSTA PELO TRIBUNAL DE CONTAS

DA UNIÃO: Conseqüências jurídicas da multa para o caso de falecer o gestor/responsável. Trabalho de

Conclusão de Curso apresentado ao Programa de pós-graduação lato sensu em Direito Público da UCAM.

Disponível em: http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2053582.PDF , acesso em 25/09/2012.

Page 256: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

256

utilizam-se termos demasiadamente ambíguos ou impróprios, o que contribui para a

enorme dificuldade de sistematização da matéria.

Uma coisa é o responsável responder pelo tributo por ter descumprido

algum dever de cautela ou vigilância, outra é pretender que o terceiro pague por conduta

ilícita de outrem. Esta ambição representa verdadeira transmissão de pena que não deve

ser admitida.

Desse modo, surge a indagação: seria preciso a constituição de mais de uma

norma individual e concreta, uma de constituição do crédito e outra de

responsabilidade? Sobre o tema, a professora Maria Rita Ferragut proclama:

“se a responsabilidade for por substituição, de terceiros ou por

infrações, teremos tido uma norma individual e concreta

introduzida: a de responsabilidade propriamente dita, tendo em

vista que o realizador do fato jurídico, ou um outro responsável,

não terão figurado no pólo passivo da norma de constituição do

crédito”294

Ou seja, a autora defende que não é necessária a existência de duas normas

individuais e concretas, podendo existir apenas a norma de responsabilidade, sem que o

contribuinte tenha previamente figurado na relação. Seu entendimento é no sentido de

que existirá eventualmente duas normas gerais e abstratas veiculadas com base em

suportes físicos diferentes. A primeira de substituição e a segunda que qualifica o fato

jurídico tributário.

Maria Rita Ferragut discute se há restrições constitucionais para criação do

responsável tributário. Concluindo que o limite seria:“qualquer terceiro, desde que

pertencente ao conjunto de indivíduos que estejam indiretamente vinculados ao fato

jurídico tributário, ou direta ou indiretamente vinculados ao sujeito que o praticou.”

Mas, no que tange às infrações, a resposta é a mesma?

294 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. São Paulo: Noeses,

2009.p. 36

Page 257: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

257

Não. A infração tributária, como preleciona Paulo de Barros Carvalho é

“toda ação ou omissão que, direta ou indiretamente, represente o descumprimento dos

deveres jurídicos estatuídos em leis fiscais”295

Toma-se “sanção” em sentido amplo, como sendo o consequente de uma

norma jurídica sancionadora, tendo como pressuposto o cometimento de um ato ilícito.

Posto isto, os critérios para a responsabilização de terceiro pelas multas são mais

restritos. A norma de responsabilidade restringe-se ao tributo, não pode englobar multas

aplicadas por condutas ilícitas cometidas sem qualquer intervenção ou omissão do

terceiro.

E o que é pior, muitas vezes, a transmissão das multas é feita de modo quase

automático. Automático, no sentido de que não há qualquer preocupação pela

autoridade autuante em fundamentar sua transferência ou lastrear com a respectiva

previsão legal.

As hipóteses de responsabilidade e de transmissão da multa no Código Tributário

Nacional:

Ives Gandra da Silva Martins296, em seu livro “Da Sanção Tributária” conta

que no anteprojeto do Código Tributário Nacional o professor Rubens Gomes de Souza

tentou introduzir preceitos gerais sobre o direito sancionatório tributário, mas a

comissão o criticou e retirou o art. 136 correspondente ao art. 274 do anteprojeto, que

dispunha:

“salvo disposição expressa de lei tributária em contrário, a

conceituação da infração independe da intenção do agente e da

efetividade, natureza e extensão dos efeitos do fato, mas

depende do conhecimento real ou presumido da sua prática,

por parte do agente ou responsável.”

295 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo, Saraiva, 2011. p.501 296 MARTINS, Ives Gandra da Silva. “Da Sanção Tributária”.editora Saraiva, São Paulo-SP, 1998

Page 258: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

258

Foi Tito Rezende quem propôs sua supressão, sob o argumento de que no

direito fiscal a personalização da pena não seria elemento fundamental, já que com

características próprias suas regras são aplicadas, de modo geral, às pessoas jurídicas, ao

contrário do D. Penal, que é voltado às pessoas físicas.

No entanto, Ives Gandra salienta que apesar da supressão do mencionado

artigo, a tese de Tito Rezende não foi aceita, tendo o legislador demonstrado

efetivamente que todas as normas no capítulo referente à responsabilidade tributária

foram norteadas pelo princípio, abrangendo os três tipos de responsabilidade do CTN

(sucessores, terceiros e infrações), alegando:

“A personalização da pena não ultrapassando os limites de

ação de seu próprio autor e não podendo atingir a outros –

mesmo que diretamente ligados aos responsáveis – parece-me,

em face da menção de Tito Rezende (que não a aceitara para o

direito tributário, numa posição que veio a ser vencida), ter sido

a clara e inequívoca intensão do legislador.”297

Tal posicionamento Ives Gandra sustenta em artigo publicado na Revista

Dialética de Direito Tributário. E com base no art. 5º, inciso XLV, da CF, assevera: “a

penalidade deve ser aplicada a quem descumpriu a obrigação tributária, ou seja, ao

substituto tributário, não podendo ser exigida de quem não descumpriu a obrigação

tributária e que está de boa-fé.”

Na ocasião o autor trabalha o tema da “Substituição tributária por

antecipação do futuro Fato Gerador do ICMS” e se depara diretamente com a

transmissibilidade da multa fiscal.

Assim, diante dos questionamentos responde:

É admissível responsabilizar o substituído pelas infrações

297 MARTINS, Ives Gandra da Silva. “Da Sanção Tributária”.editora Saraiva, São Paulo-SP, 1998

Page 259: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

259

cometidas pelo substituto, aplicando-lhe multas de caráter

punitivo?

Não. A penalidade deve ser aplicada a quem descumprir a

obrigação tributária, no caso o substituto tributário, não

podendo ser exigida de quem não descumpriu a obrigação

tributária, nem praticou qualquer ato ilícito.

Tanto que a Constituição Federal, no inciso XLV, do seu art.

5º, entre os direitos e garantias assegurados, determina que:

“Nenhuma pena passará da pessoa do condenado (infrator),

podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação de

perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos

sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do

patrimônio transferido”.

E o art. 112 do CTN, estabelece que: “A lei tributária que

define infrações ou lhe comina penalidades, interpreta-se da

maneira mais favorável, ao acusado, em caso de dúvida quanto:

I - à capitulação legal do fato; II - à natureza ou às

circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos

seus efeitos; III - à autoria, imputabilidade ou impunidade; IV -

à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação”.

Resta claro, portanto, que o substituído tributário não

poderá responder por penalidade, representada por multa, por

infração que não foi por ele praticada.” 298

Luís Eduardo Schoueri299, analisa a extensão da responsabilidade e se esta

incluiria as multas partindo da observação do CTN, que nos arts. 128, 129 e 135, utiliza

a expressão “crédito tributário”; nos arts. 131,132, 133 e, em parte, 134, adota o termo

“tributo”; e no art. 134, faz menção às “penalidades de caráter moratório”.

O referido autor conclui que nem sempre a responsabilidade terá idêntica

abrangência. No entanto, seu estudo identificou que a transmissão não obedece

exatamente os termos dos artigos mencionados, uma vez que levado em conta o art.

129, a conclusão seria de que todo o crédito referente à responsabilidade terá o mesmo

destino, e quando da sucessão comercial, por exemplo, a due diligence não se limitaria

aos tributos conhecidos e lançados, mas deverá cobrir todos os fatos ocorridos até a data

da sucessão.

298 MARTINS, Ives Gandra da Silva.“Substituição tributária por antecipação do futuro Fato Gerador do

ICMS - Responsabilidade exclusiva do substituto - Opinião legal”.Fonte: Revista Dialética de Direito

Tributário, n. 170, novembro 2009.p. 160-168 299 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário, 2ªed. Saraiva. São Paulo, 2012.p. 520

Page 260: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

260

Sobre o assunto, o STJ, no Recurso Especial 959.389-RS. Relator Ministro

Castro Meira. J. 07.05.2009, invocou o artigo 129 para transmitir não só o tributo, mas a

multa punitiva e moratória, sem maiores explicações sobre o afastamento do termo

“tributo”. O CARF também proferiu decisões no mesmo sentido300.

Ângela Maria da Motta Pacheco301 trata diretamente do problema da

transferência de sanções. Seu entendimento é no sentido de que no caso das infrações

dolosas ao ordenamento jurídico tributário, o CTN a elas estendeu o regime de direito

penal, pelo que se infere do art. 112.

300 CARF - 1a. Seção - 2a. Turma da 2a. Câmara - IRPJ E OUTROS. ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A

RENDA DE PESSOA JURÍDICA - IRPJ EMENTA. Ano-calendário: 2003 SUCEDIDA. EXTINÇÃO.

PERDA DE OBJETO. VERSÃO TOTAL DO PATRIMÔNIO. RESPONSABILIDADE DOS

SUCESSORES.

Em consonância com as disposições contidas no art. 132, parágrafo único, do Código Tributário

Nacional, a sociedade empresarial responde pelos tributos relativos à pessoa jurídica extinta, cuja

exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, que constituiu essa

nova sociedade. Caracteriza a extinção da pessoa jurídica aquela que perdeu o objeto da sua existência em

razão da versão total do seu patrimônio à outra pessoa.

RESPONSABILIDADE DO SUCESSOR. TRANSFERÊNCIA DO FUNDO DE COMÉRCIO

CARACTERIZADA.

Responde pelos débitos tributários, nos termos do art. 133 do CTN, aquela que adquirir de outra, por

qualquer título, fundo de comércio.

A existência ou não de aquisição formal não constitui requisito necessário à incidência da

responsabilidade tributária aqui tratada, uma vez que ficou caracterizada que a sucessora encontra-se no

mesmo local, na mesma atividade, utiliza as mesmas instalações e tem os mesmos clientes, aproveitando,

assim, o potencial de lucratividade do negócio anteriormente exercido pela empresa sucedida. Situação

fática incontroversa que evidencia a transferência do fundo de comércio.

SUCESSÃO. MULTA FISCAL. TRANSMISSIBILIDADE. SÓCIO COMUM.

A responsabilidade tributária do sucessor é pelo crédito tributário, cuja definição é mais

abrangente que a de tributo, pois inclui também a multa de ofício. É devida a responsabilização

pela multa de ofício à sucessora, mormente quando existe sócio comum a ambas as sociedades,

sucedida e sucessora.

MATÉRIA NÃO CONTESTADA EXPRESSAMENTE. DEFINITIVIDADE.

Considera-se definitiva, na esfera administrativa, MATÉRIA não expressamente contestada.

ARROLAMENTO DE BENS COMO REQUISITO PARA SEGUIMENTO DO RECURSO

VOLUNTÁRIO.

Desnecessidade, tendo em vista a declaração de inconstitucionalidade pelo STF na ADI 1976-7.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.

Acordam os membros do Colegiado, por maioria de votos, em negar provimento ao recurso, nos termos

do relatório e voto que integram o presente julgado. Vencido o Conselheiro Gilberto Baptista que dava

provimento ao recurso.

ACÓRDÃO 1202-00.460. Órgão: Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF - 1a. Seção - 2a.

Turma da 2a. Câmara Decisão. ACÓRDÃO 1202-00.460 em 25/01/2011 301 PACHECO, Angela Maria Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. ed. Max

Limonad, 1997.p. 222

Page 261: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

261

Por sua vez, Maria Rita Ferragut, ao tratar dos art. 132 e 133 do CTN,

entende que “a responsabilidade do sucessor engloba não só o valor atualizado dos

tributos então devidos pelo sucedido, como também as multas”302. E justifica alegando

que o artigo 129 do CTN, que inaugura a seção dispõe “crédito tributário”, não somente

tributos, uma vez que entendimento diverso levaria a sobrevinda de diversas fusões e

incorporações para eximir-se do débito contrariando o primado do interesse público.

No entanto, para a autora nem toda espécie de multa é objeto da sucessão.

Apenas a moratória, já que o ilícito é o mero não pagamento. Por sua vez, a multa

punitiva dolosa não pode passar da pessoa do autor. Ela ressalta que a autoria, nas

condutas que envolvam culpa ou dolo não necessita sempre do administrador para que

ele se responsabilize. O infrator é aquele que tem o dever legal de adotar determinada

conduta, não é apenas o executor material do ilícito, mas também aquele que com o fato

se envolva, como partícipe ou mandante da conduta ilícita. Esse é o caso dos artigos 134

e 135, onde a responsabilidade é subjetiva dos sócios.

Por outro lado, quando houver culpa, observa-se o artigo 927, do CC, ela

será direta quando o agente responder por ato próprio, e indireta nas situações previstas

em lei, nas quais se admite a culpa presumida com referência a ato de terceiro em

relação ao qual o responsável tenha vínculo de responsabilidade (culpa in vigilando ou

in eligiendo), como por exemplo ocorre com os pais e curadores.

Angela Maria Motta Pacheco303 compreende que os artigos 130, 131, 132 e

133 do CTN, referem-se à responsabilidade por tributo, não cabendo qualquer hipótese

de sanção pecuniária por ato ilícito.

Ainda sobre a responsabilidade dos sucessores há a chamada “corrente da

transmissão condicionada da multa fiscal’’. Por esse caminho a transmissão só seria

possível se os sucessores tivessem, à época da sucessão, ciência da prática da infração

tributária pelo sucedido.

302 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. São Paulo: Noeses,

2009.p. 96 303 PACHECO, Angela Maria Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. ed. Max

Limonad, 1997.

Page 262: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

262

Luciano Amaro, ao dispor sobre esse imbróglio, ensina:

"Outra questão que merece registro é a das multas por infrações que

possam ter sido praticadas antes do evento que caracterize a

sucessão. Tanto nas hipóteses do art.132 como nas do art. 133,

refere-se a responsabilidade por tributos. Estariam aí incluídas as

multas? Várias razões militam contra essa inclusão. Há o princípio

da personalização da pena, aplicável também em matéria de sanções

administrativas. Ademais, o próprio Código define tributo, excluindo

expressamente a sanção de ilícito (art. 30). Outro argumento de

ordem sistemática está no art. 134; ao cuidar da responsabilidade de

terceiros, esse dispositivo não fala em tributos, mas em "obrigação

tributária" (abrangente também de penalidades pecuniárias, ex vi do

art. 113, § 1º). Esse artigo, contudo, limitou a sanção às penalidades

de caráter moratório (embora ali se cuide de atos e omissões

imputáveis aos responsáveis). Se, quando o Código quis abranger

penalidades, usou de linguagem harmônica com os conceitos por ele

fixados, há de entender-se que, ao mencionar responsabilidades por

tributos, não quis abarcar as sanções. Por outro lado, se dúvida

houvesse, entre punir o ou não o sucessor, o art. 112 do Código

manda aplicar o princípio in dubio pro reo. O Supremo Tribunal

Federal, em vários julgados, negou a responsabilidade do sucessor

por multas referidas a infrações do sucedido."304

Luís Eduardo Schoueri305, ressalta a importância de observar a legislação

privada, que prevê a sucessão de todos os direitos e obrigações nos artigos 227, 228,

229 e 233 da Lei 6.404/1976, além dos artigos 1.113 a 1.122 do CC/2002, ou seja,

transfere-se todo o patrimônio na sua universalidade, o que incluiria as penalidades

pecuniárias.

Essa corrente postula a ideia de transmissibilidade da multa fiscal

condicionada à ciência do sucessor, ou seja, a punição pecuniária deve estar lançada

antes da sucessão, uma vez que se incorporaria ao montante do patrimônio do sucedido.

Esse posicionamento tem prevalecido nos tribunais. O Superior Tribunal de

Justiça consolidou entendimento no sentido de “a multa aplicada antes da sucessão se

304 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 15ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. 305 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário, 2ªed. Saraiva. São Paulo, 2012.p. 520

Page 263: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

263

incorpora ao patrimônio do contribuinte, podendo ser exigida do sucessor”306. “A

responsabilidade tributária do sucessor abrange, além dos tributos devidos pelo

sucedido, as multas moratórias ou punitivas, que, por representarem dívida de valor,

acompanham o passivo do patrimônio adquirido pelo sucessor, desde que seu fato

gerador tenha ocorrido até a data da sucessão (...)”307

Por outro lado, Maria Rita Ferragut, no que se refere ao artigo 134, defende

a responsabilidade subsidiária, e o inciso VII se aplicaria apenas quanto:

1) Aos sócios de sociedade liquidada de pessoas, excluindo-

se as de responsabilidade limitada e as sociedades anônimas.

2) Comprovadamente o sócio tiver tido poderes de gerência

e, durante seu exercício, tiver intervindo ou se omitido, com

culpa, para o inadimplemento da obrigação tributária;

3) Houver a constatação do descumprimento da obrigação

principal e a impossibilidade de se exigir do contribuinte a

satisfação do crédito (responsabilidade subsidiária).308

Acode ainda, quanto à transferência da multa moratória prevista no art. 134,

a exclusão das multas de ofício e as decorrentes de descumprimento de deveres

instrumentais, que apesar de todas possuírem caráter econômico, estas punem fatos

transgressores da conduta do sócio, aquela pune o ilícito de mora.

No mesmo sentido Angela Maria Motta Pacheco309, ao tratar da

transmissibilidade das sanções ao responsável, a autora distingue a resposta: caso se

trate de multa de mora, que teriam natureza ressarcitória/reparatória, poderiam, pois, ser

transmitidas; no que concerne às multas punitivas, estas não podem se transmitir.

306 Cf. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial 554.377/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão,

D.J.U. 19.12.2005; 307 Cf. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial 923.012/MG. 1ª Seção. Rel. Min. Luiz Fux, D.J.U.

24.06.2010; 308 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. São Paulo: Noeses,

2009. 309 PACHECO, Angela Maria Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. ed. Max

Limonad, 1997.p. 223

Page 264: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

264

Ao tratar do art. 135 Maria Rita Ferragut tem posicionamento interessante e

muito congruente com os pressupostos por ela adotados. A responsabilidade prevista no

dispositivo é pessoal e há de estar provado o dolo: “o terceiro responsável assume

individualmente as consequências advindas do ato ilícito por ele praticado, ou em

relação ao qual seja partícipe ou mandante, eximindo a pessoa jurídica”, a esse

entendimento também chegou Sacha Calmon Navarro Coelho em seu “Obrigação

Tributária”, devendo o administrador arcar não só com as multas punitivas, mas

inclusive com a obrigação tributária.

Na mesma senda, Angela Maria da Motta Pacheco defende:“a

responsabilidade por ato ilícito (artigos 135 e 137) só pode ser derivada da conduta do

próprio contribuinte. É ele que, através de ações consideradas fraudulentas, impede o

pagamento do tributo. A sua responsabilidade aí é pessoal. Anteriormente já

apontamos que estes dois artigos estariam melhor inclusos no capítulo das infrações e

sanções tributárias e não naquele da responsabilidade, justamente por entendermos

que nestes, o objeto é a própria obrigação tributária principal.” 310

Apesar de o fisco considerar ser a responsabilidade, nessa hipótese,

subsidiária, constituindo o crédito face a empresa, postergando para a ação executiva a

inclusão dos sócios, o posicionamento inovador merece reflexão.

Todavia, pesa contra o fato de implicar verdadeira desconsideração da

Pessoa Jurídica em âmbito administrativo. Mas quem comete crime é sempre pessoa

física? E quando a empresa se beneficia da conduta ilícita praticada pelo sócio? Se o

ilícito praticado pelo sócio beneficiou apenas a ele ou se também beneficiou a empresa,

isto influencia na responsabilização pela multa? Quem deve pagar a multa tributária: a

pessoa física (agente), a pessoa jurídica, ou ambos?

310 PACHECO, Angela Maria Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias. ed. Max

Limonad, 1997.p. 239

Page 265: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

265

Maria Rita Ferragut311entende que mesmo no caso de a sociedade se

beneficiar do ato ilícito a responsabilidade continua sendo pessoal e exclusiva do sócio,

uma vez que não há previsão legal para tanto. Mas a empresa beneficiada poderia em

sede de direito privado restituir o sócio ou ser acionada por ele para ter direito ao

regresso. Agora, se o sócio não tem condições financeiras e age com o objetivo de

afastar a responsabilidade da pessoa jurídica, esta situação configura “dissimulação do

ato que ensejou a responsabilidade pessoal do administrador”, enquadrando-se no art. 1º

da LC n. 104/01.

Sigo a linha de que toda multa, seja ela de ofício, punitiva ou moratória é

decorrente de ato ilícito, não é porque o seu pressuposto é o atraso no pagamento que

ela perde o caráter sancionatório, sua natureza não se modifica, ela também é punitiva e

visa a repreender conduta ilegal. Os juros e correção monetária é que têm a

característica de reparar o patrimônio e ressarcir as perdas pelo decurso do tempo,

assim, tanto a transmissão da multa dita punitiva como a transmissão da multa de

caráter moratório devem ser combatidas.

A resposta não é simples, nem igual para todos os casos. O tema é

interessante, poucos se debruçaram diretamente. A exposição do posicionamento da

melhor doutrina demonstra como as correntes divergem. Não é porque os tribunais estão

seguindo outro caminho que devemos compactuar com a interpretação prevalecente,

nem sempre a escolha do julgador ou do legislador é a vereda prevista na Constituição

da República, ou nos pressupostos da Teoria Geral do Direito.

Discutir a transmissibilidade da infração no Direito Tributário requer uma

reflexão sobre as normas de responsabilidade. Como demonstrado, este é um dos

assuntos mais carentes de sistematização no Direito Tributário brasileiro, tanto pela

deficiência dos dispositivos do Código Tributário Nacional, como pela confusão

semântica que o instituto da responsabilidade ensaia.

311 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. São Paulo: Noeses,

2009.

Page 266: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

266

Daí a importância de traçar um paralelo com a veemente crítica que Paulo

de Barros Carvalho faz à incorreta distinção: contribuinte de fato e contribuinte de

direito, já que em muitos casos o responsável, o substituto, ou o contribuinte são signos

que pela vaguidade e ambiguidade denotam situações somente econômicas ou pré-

jurídicas.

Em todos os campos do Direito, as normas de responsabilidade devem ter

aplicação cuidadosa, o operador do direito ao dar continuidade ao ciclo de positivação

deve livrar-se das antinomias perpetradas pelo legislador.

7.10. Denúncia Espontânea e a Extinção da Punibilidade Penal

No âmbito administrativo, a denúncia espontânea, tratada no artigo 138 do

Código Tributário Nacional, exclui a responsabilidade, acompanhada, se for o caso, do

pagamento do tributo devido e dos juros de mora. Aqui entra a discussão acerca da

confusão que a Lei faz entre o reconhecimento da dívida e o seu adimplemento.

Deve-se ponderar que a Denúncia Espontânea realizada de forma válida,

dentro dos ditames da Lei, já é suficiente para excluir a punibilidade e a

responsabilidade em matéria penal tributária. Caso o sujeito passivo reconheça o débito

tributário, declara-o ao fisco, já está realizado a exigência para que seja excluída a

punibilidade.

O pagamento ou não desta dívida declarada e reconhecida pelo sujeito

passivo, é questão de mero adimplemento ou inadimplemento civil, e não tem mais

relação com os crimes tributários. Assim é, porque não se pode incriminar por dívida no

Brasil, com exceção da dívida de alimentos, em face da adesão do País ao Pacto de San

Jose da Costa Rica.

Para a extinção da aplicação das penalidades administrativas, basta observar

o art. 138 do Código Tributário Nacional:

Page 267: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

267

Art. 138 - A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da

infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos

juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade

administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.

Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após

o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização,

relacionados com a infração

Com efeito, se o pagamento é feito com a denúncia espontânea da infração,

nenhuma penalidade pode ser aplicada. Se, todavia, é feito em face de exigência

formalizada em ação fiscal, o pagamento do crédito tributário feito no prazo estabelecido

para a impugnação do auto de infração, ou no prazo para o recurso administrativo,

implica redução do valor da multa, que geralmente vem estabelecido na lei específica de

cada tributo.

7.11. Crimes contra a ordem tributária e erro de tipo

Hugo de Brito Machado explana, ao tratar da hipótese de erro do tipo, que

no estudo do crime de supressão ou redução de tributo, bem como nos demais tipos de

crimes contra a ordem tributária, é da maior importância o conhecimento do que os

penalistas denominam erro de tipo.

Para ele, se o contribuinte deixa de recolher um tributo, ou o recolhe em

montante menor que o devido, porque cometeu um erro na interpretação da lei tributária,

tem-se configurado um erro de tipo, que exclui o dolo, elemento essencial dos tipos

penais em questão. Em outras palavras, podemos dizer que o crime de supressão ou

redução de bem como os demais crimes contra a ordem tributária, definidos na Lei n.

8.137, de 27.12.1990, não se configuram em face de erro na interpretação da lei

tributária.312

312 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

Page 268: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

268

7.12. Parcelamentos Fiscais

7.12.1. Histórico da extinção da punibilidade penal via pagamento ou suspensão

após parcelamento

A relação de causas de extinção da punibilidade está prevista no

art. 107 do Código Penal.

Guilherme de Souza Nucci313, explica que o rol “é meramente

exemplificativo, uma vez que existem várias outras causas de extinção da punibilidade

previstas na Parte Especial e também em leis penais especiais.”

No caso dos crimes contra a ordem tributária a extinção da punibilidade é

regida por lei específica. Desde 2000 foram instituídos vários parcelamentos como

REFIS, o PAES, o PAEX, o REFIS da crise e a reiterada reabertura em 2014 com, por

exemplo, o REFIS da Copa.

Em breve apanhado histórico destacamos:

art. 2º, da Lei n. 4.729/64, em que a extinção da punibilidade no delito de

sonegação fiscal, exigia que o pagamento fosse realizado antes do início da ação

fiscal.

art. 14, da Lei n. 8.137/90, a extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem

tributária com a nova lei previa dispunha que o pagamento do débito tributário

deveria ser antes do recebimento da denúncia criminal

art. 98, da Lei 8.383/91, revogando os dois dispositivos anteriores, em 1991 foi

suprimida a possibilidade de extinção da punibilidade em decorrência do

pagamento da dívida tributária

art. 34 da Lei n. 9.249/95 volta a admitir a extinção da punibilidade pelo

pagamento do crédito tributário se pago antes do recebimento da denúncia

art. 9º da Lei 10.684⁄03, por ser mais benéfica ao réu, deveria ser aplicada

retroativamente aos que comprovassem o adimplemento total dos débitos

decorrentes da falta de recolhimento de tributos (STJ REsp 701.848), a qualquer

313 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial. 6 ed. rev. atual. e

ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 578.

Page 269: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

269

tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal

condenatória (STJ HC 232.276)

art. 69 da Lei n. 11.941/09, prevê a extinção da punibilidade pelo pagamento nos

crimes contra a ordem tributária quando houver o pagamento integral dos

débitos oriundos de tributos e contribuições sociais e acessórios,

independentemente de prazo ou momento processual. Pelos arts. 67 e 68 da

mesma lei, caso haja parcelamento da dívida, realizado antes do oferecimento da

denúncia, o juiz não poderá recebê-la

art. 6º da Lei 12.382/2011, que deu nova redação ao artigo 83 da Lei 9.430/1996,

mediante o qual o legislador voltou a exigir expressamente que a adesão aos

programas de parcelamento, para fins de suspensão da pretensão punitiva, deve

ocorrer antes do início da ação penal, nos mesmos termos do que previa a Lei

9.964/2000

O Supremo Tribunal Federal se pronunciou em algumas oportunidades:

AÇÃO PENAL. CRIME TRIBUTÁRIO. TRIBUTO.

PAGAMENTO APÓS O RECEBIMENTO DA

DENÚNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.

DECRETAÇÃO. HC CONCEDIDO DE OFÍCIO PARA

TAL EFEITO. Aplicação retroativa do art. 9º da Lei federal

nº 10.684/03, cc. art. 5º, XL, da CF, e art. 61 do CPP. O

pagamento do tributo, a qualquer tempo, ainda que após o

recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime

tributário.[5] (sem negrito no original)

Supremo Tribunal Federal. STF - HC 81929 / RJ - RIO DE

JANEIRO. Rel. Min. Cezar Peluso. Julgamento: 16.12.2003.

Publicação: 27.02.2004. DJ 27-02-2004 PP-00027. EMENT

VOL-02141-04 PP-00780.

HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.

CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ADESÃO AO

PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO FISCAL (REFIS).

EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO

DE QUITAÇÃO DO DÉBITO TRIBUTÁRIO. EXCLUSÃO

DO PROGRAMA EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE

PAGAMENTO DAS PARCELAS DO FINANCIAMENTO.

ORDEM DENEGADA. 1. É da jurisprudência da Corte o

entendimento segundo o qual "[a] adesão ao Programa de

Recuperação Fiscal - Refis não implica a novação, ou seja, a

extinção da obrigação, mas mero parcelamento. Daí a

harmonia com a Carta da Republicapreceito a revelar a

simples suspensão da pretensão punitiva do Estado, ficando

a extinção do crime sujeita ao pagamento integral do

débito"(RHC nº 89.618/RJ, Primeira Turma, Relator o Ministro

Marco Aurélio, DJ de 9/3/07).

Page 270: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

270

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal decidiu:

Informativo: Brasília, 12 a 16 de abril de 2010 - Nº 582.

Parcelamento dos Débitos Tributários e Suspensão da Pretensão Punitiva - 1

A Turma deferiu, em parte, habeas corpus em que acusados pela suposta prática

dos delitos previstos no art. 1º, II e IV, da Lei 8.137/90 — na medida em que

teriam implementado atos com o objetivo de se furtarem à incidência tributária —

requeriam a suspensão da pretensão punitiva em razão do parcelamento dos

débitos tributários. No caso, os pacientes foram condenados em primeira

instância, decisão essa confirmada pelo TRF da 3ª Região, sendo intentados, em

seguida, os recursos especial e extraordinário. Ocorre que, diante do parcelamento

do débito tributário, os pacientes requereram a suspensão da pretensão punitiva ao

TRF, tendo seu pleito sido negado ao fundamento de que não teria sido

demonstrada, a partir de prova inequívoca, a inserção do débito tributário no

programa de parcelamento ou o integral pagamento da dívida fiscal. Contra essa

decisão, fora impetrado habeas corpus no STJ, o qual fora denegado. Reitera a

presente impetração, que, nos termos do art. 9º da Lei 10.684/2003, suspendem-se

a pretensão punitiva e o prazo prescricional durante o período no qual a pessoa

jurídica relacionada com o agente a quem imputada a prática dos crimes estiver

incluída no regime de parcelamento, não se justificando, portanto, determinar o

início da execução da pena.

Assentou-se que, consoante o art. 9º da Lei 10.684/2003, fica suspensa a

pretensão punitiva do Estado atinente aos crimes previstos nos artigos 1º e 2º da

Lei 8.137/90 e nos artigos 168-A e 337-A do CP, durante o período no qual a

pessoa jurídica relacionada com o agente dos citados delitos fizer-se incluída no

regime de parcelamento. Ressaltou-se que a interpretação teleológica do preceito

conduziria a assentar-se que, ainda em curso o processo penal, poderia dar-se a

suspensão aludida, pouco importando já existir sentença condenatória no cenário.

Registrou-se que o que caberia perquirir é se ainda não teria havido a preclusão,

no campo da recorribilidade, do decreto condenatório. Salientou-se que o objetivo

maior da norma seria impedir a ocorrência de glosa penal, o prosseguimento do

processo-crime, esteja em que fase estiver, quando verificado o parcelamento e,

portanto, o acerto de contas entre os integrantes da relação jurídica reveladora do

débito fiscal. Nesta óptica, implementou-se a suspensão do título executivo

judicial tal como prevista no art. 9º da Lei 10.684/2003. Enfatizou-se que a

empresa aderira ao programa excepcional de parcelamento de débitos antes do

trânsito em julgado da decisão, permanecendo ela na situação própria ao

parcelamento, tendo jus à suspensão de eficácia do título executivo judicial, sendo

que, cumpridas as condições do parcelamento, com a liquidação integral do

débito, dar-se-á a extinção da punibilidade.

HC 96681/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 13.4.2010. (HC-96681)

Page 271: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

271

A extinção da punibilidade pelo pagamento ou a suspensão pelo

parcelamento nos delitos contra a ordem tributária está subordinada ao pagamento ou

parcelamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais e

acessórios, independente de momento processual específico.

Nas palavras de Claus Roxin314: “Sólo si prescinde de los elementos,

relativamente numerosos, que equivocadamente se ubican entre las condiciones

objetivas de punibilidad o entre las causas de exclusíon o supresíon de la punibilidad,

resalta com claridad lo característico de la cuarta categoria del delito más allá Del

injusto y la culpabilidad: se trata de casos em que los que, em uma ponderacíon, lãs

finalidades extrapenal tienen prioridad frente a la necessidad de penal.”

As normas de parcelamento que dispõem sobre a extinção ou suspensão da

punibilidade penal desnaturam o sistema sancionador. Lourival Vilanova advertia:

A norma jurídica é apta para ser exigida coativamente, o que

decorre do fato de ser norma reguladora da conduta do

indivíduo para terceiros, isto é, daquele traço substancial que

Santo Tomás de Aquino denominava alteridade. A circunstância

de que, na formação histórica do direito, tenha havido

momentos em que o direito minguasse em coercibilidade, não

vale como objeção, uma vez que o devenir ou a evolução de um

fato deixa intacta a questão de sua essência. E da essência do

direito ser coercitivo. Uma norma de conduta, deixada ao

arbítrio individual, sua observância ou inobservância, não é

norma jurídica. Será norma moral, ou, então, norma

convencional, uso social etc.,mas que não apresenta os

caracteres de jurídica.315

314 ROXIN, Claus. Derecho Penal – Parte General – Fundamentos – La Estructura de La Teoria Del

Delito. 2 Edicion, Pág 977. Editora Thomson Civitas. 315 VILANOVA, Lourival. Escritos jurídicos e filosóficos. Vol. I Editora AXIS MVNDI, 2003. p. 74-75

Page 272: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

272

7.12.2. Suspensão e extinção da punibilidade nos crimes tributários - falência dos

crimes contra a ordem tributária

Grande controvérsia no que tange à extinção da punibilidade pelo

pagamento do tributo no âmbito penal perdurou por alguns anos. É que a lei ora admitia,

ora não. Por último vinha admitindo a extinção da punibilidade desde que o pagamento

ocorresse antes do recebimento da denúncia, e, em se tratando de contribuições de

seguridade social, antes do início da ação fiscal.

A Lei n. 10.684, de 30 de maio de 2003, que estabeleceu forma especial de

parcelamento de débitos fiscais, determinou a suspensão da pretensão punitiva tanto em

relação aos crimes contra a ordem tributária como em relação aos crimes ditos de

apropriação indébita e de sonegação de contribuições de previdência social. O Supremo

Tribunal Federal já consagrou o entendimento segundo o qual, em face dessa lei, o

pagamento do débito tributário a qualquer tempo extingue a punibilidade de qualquer

desses crimes, mesmo depois do recebimento da denúncia.

Hugo de Brito Machado vai além, defende que, a rigor, a extinção da

punibilidade nos crimes contra a ordem tributária opera-se como decorrência de

qualquer das causas de extinção do crédito tributário. Para tanto basta a utilização

da analogia em matéria penal, ou melhor, a interpretação extensiva da norma que

determina a extinção da punibilidade pelo pagamento, desde que para favorecer o

acusado. Assim, defende que extingue-se a punibilidade não apenas em decorrência

do pagamento, mas também em decorrência da compensação, da transação, da

remissão, da prescrição e da decadência, da conversão do depósito em renda, do

pagamento antecipado e da homologação do lançamento respectivo, da consignação

em pagamento, da decisão administrativa irreformável e da decisão judicial com

trânsito em julgado que tenham afirmado a improcedência da cobrança do tributo,

da dação em pagamento e, ainda, de outras causas não enumeradas no art. 156 do

Código Tributário Nacional, tais como a novação e a confusão. Extinto o crédito

Page 273: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

273

tributário, estará extinta a punibilidade relativamente ao crime concernente ao

mesmo crédito. 316

Enrique Gimbernat Ordeig expressa eu seu livro Conceito e Método da

Ciência do Direito Penal que em Direito Penal vigora, em princípio, a proibição da

analogia; é lícita apenas quando a favor do réu. Que é exatamente o que ocorre no caso

em questão. 317

Como discorrido anteriormente, a tipificação de crimes tributários não serve

adequadamente no desestímulo à evasão fiscal, a todo instante, são criados modos para

que o tributo seja pago, extinguindo ou suspendendo a punibilidade. Atualmente a

concessão de parcelamentos por meio do Programa de Recuperação Fiscal (REFIS) ou

pelo Parcelamento Especial (PAES) tem sido mais eficazes do que a mera previsão legal

de tipos penais.

Como mencionado, são exemplos, a Lei n. 9.249/05, art. 34, o REFIS, Lei n.

9.964, art. 15, o PAES – Parcelamento especial: Lei n. 10.684, art. 9º, entre outros.

Guilherme de Souza Nucci pontua:

“(...) extinção da punibilidade é o desaparecimento da

pretensão punitiva executória do Estado, em razão de

específicos obstáculos previstos em lei.”318

Uma importante constatação é de que a natureza jurídica da extinção da

punibilidade nos crimes tributários é fundamentalmente arrecadatória, o Estado busca a

316 BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010. 317 GIMBERNAT Ordeig, Enrique. Conceito e Método da Ciência do Direito Penal; tradução: José

Carlos Gobbis Pagliuca; revisão da tradução: Luiz Flávio Gomes. Título original: Concepto y Método de

La ciência Del derecho penal. São Paulo: Tribunais, 2002 (série as ciências criminais no século XXI; v.

9) 318 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais.

2007. P.497

Page 274: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

274

satisfação do seu animus arrecadador, deixando de ter interesse nas questões em que o

tributo seja pago. No entanto, as tipificações penais tributárias restam prejudicadas.

O direito penal tributário é diferente de todos os outros crimes do direito

penal. Não serve para apenar, é forma de cobrar tributo.

Com efeito, o bem jurídico tutelado é a Finança Pública, que desfalcada da

arrecadação, fica sem recursos para fazer frente às despesas públicas.

O rompimento da estrutura normativa completa, composta pela norma

primária e pela norma secundária, representa a deformação do dado jurídico. Uma

norma sem sanção não é uma norma jurídica.

O impacto das normas de parcelamento que preveem a suspensão ou a

extinção da punibilidade dos crimes contra a ordem tributária além da anistia de multas

é devastador. As pessoas a quem as normas se dirigem não cumprem seus comandos.

A norma de parcelamento atinge justamente a norma primária sancionadora

e a norma secundária.

O sistema torna-se viciado. As multas elevadas são impagáveis. O Refis,

com a anistia e todas as benesses que representa, é aguardado assim como uma Copa do

Mundo, já que é certo que ano após ano o Governo editará novo parcelamento de

débitos fiscais.

A Receita Federal e a Procuradoria da Fazenda Nacional são contra tais

medidas, por diversas vezes seus representantes depuseram o desacerto que o Refis, na

forma como disposto, representa.

Utilizando argumentos econômicos para suprir o caixa, a cada ano um novo

parcelamento é editado ou reabre-se um parcelamento antigo.

Sem coerção não há direito, o crime contra a ordem tributária sem

punibilidade desnatura-se.

Page 275: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

275

O exame, que a princípio era eminentemente pragmático - decorrente do

sentimento presente na experiência cotidiana onde não se vê o temor pela punição penal

- ao seguir sob uma perspectiva teórica mostrou o problema sob o ponto de vista

sintático.

Quantos no brasil foram presos por crimes contra a ordem tributária?319

Poucos, certamente.

Um dos casos mais emblemáticos é o da VASP, em que seu ex-presidente

foi condenado a oito anos de prisão por apropriação indébita previdenciária:

“A Justiça Federal condenou Wagner Canhedo Azevedo, ex-

presidente da Vasp (Viação Aérea São Paulo), a oito anos e oito

meses de prisão por ter deixado de repassar à Previdência

Social contribuições recolhidas dos funcionários da companhia.

O valor chegaria a R$ 35 milhões, de acordo com a

Procuradoria da República.

O juiz Fábio Rubem David Müzuel acolheu parcialmente a

denúncia do Ministério Público Federal, que acusa Azevedo de

apropriação indébita (quando se apropria de coisa ou valor de

terceiros) por ter deixado de recolher, entre maio de 2003 e

dezembro de 2004, as contribuições previdenciárias.

(05/07/2012 - 16h15)”

E mesmo no referido caso, não houve condenação por crime contra a ordem

tributária.

O Direito Penal é distorcido no caso específico dos Crimes Contra a Ordem

Tributária - serve para cobrar tributos.

Não se diga que a sonegação, por ser moralmente aceitável, diante da

corrupção endêmica, não deve ser combatida. O sistema jurídico precisa ser melhorado,

corrigido em suas falhas e aprimorado.

319 http://m.folha.uol.com.br/mercado/1115432-justica-condena-ex-presidente-da-vasp-a-oito-anos-de-

prisao.html

Page 276: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

276

É necessidade premente a luta contra a corrupção e por um melhor controle

dos gastos públicos. No entanto, o pagamento de impostos com a diminuição da

informalidade e da sonegação, também são objetivos almejados por um Estado que se

pretende tornar desenvolvido.

a) Dados da sonegação fiscal no Brasil

Dados da sonegação fiscal no Brasil, conhecido como sonegometro,

elaborado pelo SINPROFAZ - Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda

Nacional, aponta números estarrecedores:

i) de 01/01/2015 até 23/03/2015, 116,5 bilhões de reais.

ii) rombo fiscal de R$ 415,1 bilhões de reais, só em 2013

As razões para números tão assustadores são variadas, mas uma delas é a

isso mostra a falência do direito tributário sancionatório e do direito penal tributário

ineficiente.

O Brasil perde com a sonegação de impostos. O valor sonegado em 2013 se

comparado com a arrecadação de 2011, representa320:

Mais que toda arrecadação de Imposto de Renda (R$ 278,3 bilhões).

Mais que toda arrecadação de tributos sobre a Folha e Salários (R$ 376,8

bilhões).

Mais da metade do que foi tributado sobre Bens e Serviços (R$ 720,1 bilhões).

320 http://www.quantocustaobrasil.com.br/

Page 277: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

277

b) Receita Federal e a Representação Fiscal para Fins Penais

A Secretaria da Receita Federal do Brasil em seu Plano Anual da

Fiscalização para o ano-calendário de 2015, aponta as principais operações fiscais e os

valores esperados de recuperação de crédito tributário, além dos resultados de 2014.

No referenciado plano, são informados os dados sobre a quantidade de

Representação Fiscal para Fins Penais (RFFP) encaminhadas ao Ministério Público

Federal em 2014:

Pelo gráfico, observa-se que houve um aumento substancial no montante de

Representações Fiscais para Fins Penais, onde apenas em 2014 foram elaboradas 4.859,

que correspondem a 28,3% de todas as ações fiscais encerradas.

Page 278: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

278

Frise-se que as Representações Fiscais para Fins Penais só poderão ser

encaminhadas quando o lançamento tributário for considerado definitivo na esfera

administrativa.

Para fins estatísticos, a Receita Federal informa que em termos de valores

totais o estoque de processos, até 31/12/2014, cuja autuação ocorreu em 2010 ainda

pendente de julgamento é de 53,3%.

Tais números espelham a problemática apontada até aqui.

Page 279: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

279

CONCLUSÃO

O grande objetivo foi investigar a incidência da norma sancionatória dentro

dos pressupostos do Constructivismo Lógico-Semântico e identificar os problemas

enfrentados no seu ciclo de positivação.

Tal modo de recorte cognoscitivo, verdadeira visão de mundo através de

segura posição filosófica, é imprescindível no estudo da incidência das multas e dos

crimes contra a ordem tributária.

Eis o diferencial do trabalho, analisar a incidência normativa das sanções

administrativas e penais tributárias utilizando instrumental valioso, o constructivismo

lógico-semântico.

O estudo da incidência normativa, assim, conduziu a aspectos importantes

das multas tributárias, ampliando o escopo, de modo a tornar a reflexão proveitosa.

Intrespassável, nestes termos, a discussão também em termos de direito penal. Fato é

que o penalista, por sua vez também precisa fazer o cotejo e avançar no estudo dos fatos

tributários, para conhecer aquilo que é a materialidade dos tipos penais. Esse ponto de

encontro é difícil para ambos os lados.

A concepção filosófica adotada no Constructivismo Lógico-Semântico

desenvolvido por Lourival Vilanova e Paulo de Barros Carvalho, com um forte pendor

analítico aliado à formação culturalista, representa instrumento cirúrgico indispensável

ao esforço de dissecar analiticamente a Incidência da Norma Sancionatória.

Indicados dos fundamentos teóricos, trabalhando o conceito de Direito e a

Teoria da Norma Jurídica, bem como o problema do termo sanção e sua relação com a

coercitividade e a coação, firmam-se as premissas imprescindíveis ao aprofundamento

do estudo.

Com o exame da estrutura da Norma Jurídica Completa, investiga-se a

fenomenologia da incidência, então, sob os pontos de vista: a) Sintático: Subsunção e

Page 280: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

280

Imputação, b) Semântico: denotação e c) Pragmático: interpretação e produção da

norma individual e concreta.

Após estudar a Regra-Matriz de Incidência, seus critérios e as Espécies de

sanções tributárias, foram abordadas as normas de Direito Penal que criminalizam

condutas relacionadas ao pagamento de tributos.

Arguiu-se o percurso de positivação das normas sancionatórias –

administrativas e penais –, experimentando seu aspecto estático e dinâmico. Ou seja,

partindo das normas gerais e abstratas das sanções administrativas e dos crimes contra a

ordem tributária até suas respectivas normas individuais e concretas.

Dentre as principais dificuldades destacam-se a construção de fatos jurídicos

construídos no processo de positivação das normas primárias aproveitados diretamente

para a aplicação das normas secundárias penais, sem maiores cuidados.

Por outro lado, a intervenção do direito penal, que a princípio, só deveria

ocorrer nos casos em que os demais ramos do direito se revelarem insuficientes ou

ineficazes em sua intervenção punitiva acaba tomando outra proporção. Há outro

objetivo no direito penal tributário, qual seja impor mais uma forma de compelir o

contribuinte ao pagamento do tributo.

Tais problemas levantam instantaneamente a indagação sobre a adequada

forma de constituição dos fatos jurídicos pressupostos de incidência das normas

sancionatórias.

Com efeito, foca-se a passagem de uma fase para outra, analisando quais as

principais dificuldades que o aplicador enfrenta.

O objetivo era analisar a incidência das multas e dos crimes tributários. A

expectativa era encontrar e criticar a frequente falta de cuidado na construção das

multas com dolo e uma construção defeituosa do fato jurídico “crime” contra a ordem

tributária.

Page 281: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

281

E, como esperado, foram encontrados diversos problemas. Sobre as multas e

os crimes dolosos, por exemplo, como compor em linguagem o elemento volitivo ou o

critério vontade, se este representa fenômeno interno à mente? Em verdade, vimos que

em crime nenhum ou em situação alguma é possível adentrar no cosmo da consciência

humana, até porque a mera meditação ou apenas o pensamento não é punível pelo

direito. E mais, consoante os pressupostos do constructivismo lógico-semântico, se o

evento físico é intangível, tampouco o é o evento psicológico. São os fatos e provas que

desenham a tessitura do fato jurídico, inclusive no seu elemento volitivo.

No entanto, ao direcionar o olhar de modo mais abrangente para a

incidência do crime contra a ordem tributária e para a aplicação das pesadas multas

tributárias, observou-se verdadeira desnaturação da norma sancionatória tributária e

penal causada pelas reiteradas normas de extinção e suspensão da punibilidade penal e

pelas normas de anistia, que paralisam a execução das normas sancionadoras e como

consequência resultam em verdadeira ineficácia social. Eis o indício que faltava

perceber.

Foi o aspecto pragmático a fagulha que incendiou o combustível da presente

pesquisa, mas a solução para os problemas veio a partir da análise sintática e semântica

das sanções. Uma falha sintática reverbera uma consequência pragmática.

O problema da eficácia despertou o ímpeto de tentar diagnosticar a

distorção na incidência das multas e dos crimes contra a ordem tributária. O maior

desafio ao trabalhar a eficácia da Sanção foi argutamente destacado por Tércio

Sampaio Ferraz Junior, justamente a questão complexa da relação entre ser e

dever-ser.

Nesse sentido, trazendo para o plano da Teoria da Norma o efeito que as

normas de anistia, suspensão e extinção da punibilidade causam, foi possível identificar

que elas decorrem de outra anomalia, qual seja, a existência de multas tributárias

desproporcionais.

Page 282: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

282

Ao examinar o sistema sancionatório tributário e penal tributário em sua

generalidade, encontrou-se um ciclo vicioso:

1) Multas em percentuais altíssimos, impagáveis, de 75%, 150% e até 300%, onde

nenhuma empresa ou pessoa física consegue seguir produzindo se vier a pagar

sanções tão elevadas.

2) Diante desta desproporção aviltante, cria-se a necessidade de discussão em

âmbito administrativo e judicial.321

3) Quando não anuladas, as multas precisam ser anistiadas

4) Torna-se necessária a edição de leis de parcelamento que perdoem quase todas

as multas

5) Por sua vez, os crimes contra a ordem tributária, tal como previstos atualmente,

são de apuração pragmaticamente inviável, os fatos jurídicos penais construídos

quase sempre são falhos, tarda-se anos até o início da investigação

6) A persecução penal dos crimes contra a ordem tributária já é difícil se feita de

imediato, após cinco anos, com o término do processo administrativo, é quase

impossível determinar a autoria e o elemento volitivo

7) Para livrar-se das multas pesadas e do processo penal, o contribuinte vê-se

compelido a aderir a parcelamentos fiscais

8) Contribuintes não pagam tributos, pois torna-se vantajoso arriscar, se for pego, é

sabido que no ano seguinte poderá aderir a novo parcelamento especial

9) Os crimes contra a ordem tributária não são temidos, uma vez que mesmo em

caso de condenação não são executados com a superveniência do parcelamento

Por isso, Geraldo Ataliba322 aduz: a sanção mal aplicada pode converter-se

de garantidora do Direito a usurpadora do patrimônio e da liberdade do contribuinte.

São repetidas as imposições de multas qualificadas, muitas vezes

ultrapassando o patamar de 150% (cento e cinquenta por cento), presumindo o dolo e

encaminhando representação para fins penais, sem um mínimo de investigação

probatória. A construção dos fatos jurídicos sancionatórios mostra-se falha. Se levadas a

cabo, as pesadas multas podem, inclusive, quebrar empresas e tornar insolventes muitas

pessoas físicas.

321 A Receita Federal do Brasil, em seu Plano Anual da Fiscalização para o ano-calendário de 2015,

aponta que em 2014, R$ 7,0 bilhões do total lançado pela Fiscalização foram pagos à vista, o que

representa apenas 4,6%.

É praticamente necessária a impugnação dos lançamentos efetuados. Onde a própria Receita Federal

admite que a quase totalidade dos lançamentos efetuados é objeto de discussão administrativa. 322 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1995

Page 283: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

283

A dificuldade na persecução penal em matéria de crime contra a ordem

tributária e tão grande que é prática comum enquadrar os diretores ou sócios em crimes

não tributários, apenas relacionados, como formação de quadrilha, ou ainda falsificação

de documento particular art. 298 do CP323, para que de alguma forma haja punição.

Constatados esses problemas, examina-se o jogo do direito positivo, e

busca-se compreender seu ciclo de positivação, desde as normas gerais e abstratas até as

de máxima concretude com a construção do fato jurídico tributário e o fato jurídico

ilegal. Percebeu-se que o advento da extinção ou da suspensão da punibilidade nos

crimes contra a ordem tributária e o perdão das multas em razão do pagamento ou

parcelamento do crédito tributário a qualquer tempo, prejudicam a incidência.

As sanções administrativas e penais tributárias raramente são aplicadas ou

executadas como previstas abstratamente.

Há verdadeira falência no modo de sancionar: tanto as multas são aviltantes,

quanto os crimes contra a ordem tributária não servem para regular condutas. Além

disso, infratores contumazes que concorrem de modo desigual com os que cumprem

seus deveres quedam impunes.

Nenhuma solução poderá prosperar se pretender consertar isoladamente um

dos defeitos mencionados.

Em termos de normas gerais, percebemos a frequente interrupção da

incidência dos crimes contra a ordem tributária. As normas de parcelamento ou

pagamento obstam a aplicação das normas penais tributárias.

Com a norma de parcelamento, há a retirada da norma secundária dos

crimes contra a ordem tributária. Ressalte-se, não há norma sem sanção. Ora, a norma é

bimembre, apenas com a norma primária, não há Direito.

323 Art. 298 - Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular

verdadeiro:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

Parágrafo único. Para fins do disposto no caput, equipara-se a documento particular o cartão de crédito

ou débito.

Page 284: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

284

Lourival Vilanova ao meditar sobre o Conceito de Direito, pontua

justamente a importância da eficácia na identificação dos problemas da essência do

Direito:

O direito tem sua essência. Tirar qualquer dos elementos

integrantes de sua unidade essencial é destruí-lo como objeto.

Por exemplo, considerar como acidental ou possível a

normatividade, a coercibilidade, o ser regulação da conduta

humana. Uma norma que careça, em absoluto, de eficácia, que

não seja cumprida espontaneamente ou aplicada pelos órgãos

competentes, será uma norma moral ou um mero valor ideal,

mas não direito em sentido rigoroso do termo. A norma de

direito ter como substrato a conduta humana é característica

necessária e não meramente possível. Com efeito, só a conduta

é capaz de ser regulada normativamente, pois somente a

conduta é possível de liberdade e a liberdade é a condição da

possibilidade de todo dever-ser. Da mesma maneira, não se

pode amputar da essência do direito a nota da

coercibilidade.324

Sem coerção ou sanção, o direito resta desconfigurado. O Direito Penal é

distorcido no caso específico dos Crimes Contra a Ordem Tributária, servindo apenas

para induzir ao adimplemento da dívida tributária.

Extinguir a punibilidade, portanto, é retirar o ingrediente que torna o direito

direito. É retirar o critério que distingue o direito de outros sistemas normativos. O

timbre de juridicidade se perde.

Comprovada a conduta ilícita e dolosa, há de ser punido o infrator. Caso

contrário, desconfigurado está o Direito. Deve-se manter a punibilidade, independente

do pagamento ou parcelamento, estes deveriam ser considerado na dosimetria da pena.

Se o legislador entende que o crédito tributário é um bem jurídico da mais

alta importância e deve ser protegido pelo Direito Penal, então, que o tipo penal da Lei

8.137/90 siga os ditames da parte geral do Código Penal, ou seja, se o Crédito

324 VILANOVA, Lourival. Escritos jurídicos e filosóficos. Vol. I Editora AXIS MVNDI, 2003. p. 74-75

Page 285: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

285

Tributário carece da proteção do Direito Penal, o agente que descumprir o comando

normativo deve responder penalmente.

Isto é, não se pode escolher criminalizar a supressão de tributo e em seguida

suspender ou extinguir a persecução penal com o parcelamento ou pagamento do

tributo. Há um esfacelamento do Direito Penal, um flagrante desrespeito à Parte Geral

do Código Penal.

Como mencionado, sem retirar a punibilidade que dá o timbre de

juridicidade ao Direito, o parcelamento ou o pagamento do tributo poderia ser levando

em conta na dosimetria da pena para diminuí-la.

Nesse sentido, as soluções passam por discussões antigas e discussões

novas. Alterações pontuais não resolvem o ciclo sistemicamente viciado. Um cenário

mais coerente seria:

1) Multas dentro da razoabilidade, mas sem que houvesse anistias

2) Aplicação de preceitos do D. Penal ao D. Tributários para, por exemplo, graduar

as multas consoante gravidade da infração

3) Na criminalização dos eventos tributários e imposição de multas qualificadas,

exigir maior cuidado na prova do dolo

4) Fim da costumeira concessão de parcelamentos especiais com redução de multa

e extinção/suspensão de punibilidade penal

5) Investigação célere dos crimes contra a ordem tributária

6) A persecução penal deve se desenvolver independentemente da discussão do

crédito tributário, seja em âmbito administrativo ou judicial, no entanto, o

cumprimento de pena deve aguardar o posicionamento sobre a manutenção ou

não do crédito tributário, uma vez que se trata de crime de resultado.

7) O pagamento ou parcelamento não extinguiria e nem suspenderia a punibilidade,

mas seria levado em consideração na dosimetria da pena

8) Os fatos jurídicos devem ser produzidos com maior qualidade, para tanto, é

preciso uma reformulação nos tipos da Lei 8.137/90 que são demasiadamente

vagos. Aproveitar lições da nova lei anticorrupção nº 12.846, de 1º de agosto de

2013.

Por inspiração de Lourival Vilanova, para quem: "Altera-se o mundo físico

mediante o trabalho e a tecnologia, que o potencia em resultados. E altera-se o mundo

social mediante a linguagem das normas, uma classe da qual é a linguagem das normas

do Direito.", discute-se a sanção com o fito de organizar o sistema jurídico,

Page 286: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

286

contribuindo para uma melhor construção sintática, semântica e pragmática das sanções,

ou seja, que a norma sancionatória eficaz garanta os valores resguardados pela

sociedade.

Page 287: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

287

REFERÊNCIAS

ABBAGNAMO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo. Martins Fontes. 1999.

_______. História da Filosofia, O Neo-empirismo. Volume XIV Lisboa: Editorial

Presença, 1969.

ADEODATO, João Maurício. Uma Teoria Retórica da Norma Jurídica e do Direito

Subjetivo. São Paulo: Noeses, 2011.

ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho. Barcelona: Gedisa, 2004.

ALVES, Francisco de Assis; BASTOS, Celso Ribeiro. Crimes contra a ordem

Tributária. In: Crimes contra a ordem tributária. Coordenador: Ives Gandra da Silva

Martins; Atualização: Damásio de Jesus. 4. Ed. São Paulo; Editora Revista dos

Tribunais, 2002.

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 8. ed., São Paulo: Saraiva, 2002.

ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Direito penal tributário. 4. ed. São Paulo: Atlas

S.A., 2004.

ANÍBAL BRUNO, de Oliveira Firmino de. Direito Penal: Parte Geral. v.1.t.I e II. Rio

de Janeiro: Forense, 2005.

ARAUJO, Clarice Von Oertzen. Fato e Evento Tributário – uma análise semiótica. In:

Curso de especialização em direito tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

_______. Incidência Jurídica – Teoria e Crítica. São Paulo: Noeses, 2011.

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2008.

AUSTIN, John Langshaw. How to do Things with Words. 2. ed., 16ª reimpressão,

Boston: Harvard University Press. 1999

ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, São Paulo, Saraiva, 2004.

BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense,

2013.

_______. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. Rio de Janeiro: Forense,

1998.

BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios Gerais de Direito

Administrativo. 3ª edição, volume I, Introdução. São Paulo: Malheiros.

Page 288: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

288

BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições – Regime Jurídico, Destinação e Controle. 2ª

ed. São Paulo: Noeses, 2011

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2ª ed. 2ª

tiragem, São Paulo, 2011.

BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. São Paulo:

Editora Celso Bastos, 2002.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 5ª ed., São Paulo:

Noeses, 2010.

BECHO, Renato Lopes. O Direito Tributário Sancionador e as Sanções Político-

administrativas. Revista Dialética de Direito Tributário nº 222, p. 103-116, março de

2014

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 14. Ed. São

Paulo: Saraiva, 2009. V. I

BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. São Paulo: Martins Fontes, 2008

_______. Teoria da Norma Jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

_______. Teoria General del Derecho. Ed. Temis, Santa Fé de Bogotá, Columbia,

1992.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000.

BONILHA, Paulo Celso Bergstrom. Da Prova no Processo Administrativo Tributário.

2ª ed. São Paulo, Dialética, 1997.

BORGES, José Souto Maior. Ciência Feliz. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

_______. Obrigação Tributária (Uma introdução metodológica). São Paulo: Malheiros,

1999.

BOTELHO, Nadja Machado. Crimes contra a ordem tributária – Da constituição

definitiva do crédito tributário à inexigibilidade de conduta diversa. Revista IOB de

Direito Penal e Processual Penal. Nº 47 – dez-jan/2008.

BRITO, Hugo de. Curso de Direito Tributário. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

BRITTO, Lucas Galvão de. Notas sobre a Regra-Matriz de Incidência Tributária. In

VIII Congresso Nacional de Estudos Tributários. Vários autores, coord. Priscila de

Souza. São Paulo: Noeses, 2011.

BRUNO, Aníbal. Direito Penal. t. I. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

Page 289: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

289

CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, Sistema jurídico e decisão judicial. São

Paulo, Max Limonad, 2002.

CANETTI, Elias. Massa e Poder. Tradução Sérgio Tellaroli, Companhia das Letras, São

Paulo, 1995.

CARAMUTI, Carlos S. Concurso de delitos. Buenos Aires: Hammurabi, 2005.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27ª ed. São

Paulo: Malheiros, 2011.

CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito (o Constructivismo

Lógico-Semântico). São Paulo: Noeses, 2010.

_______. Direito Penal Tributário (uma análise lógica, semântica e jurisprudencial).

São Paulo, Quartier Latin, 2009.

CARVALHO, Cristiano Teoria do Sistema Jurídico. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

_______. Presunções e Ficções na Imposição de Sanções Tributárias. In VIII

Congresso Nacional de Estudos Tributários. Vários autores, coord. Priscila de Souza.

São Paulo: Noeses, 2011.

CARVALHO, Paulo de Barros Derivação e Positivação no Direito Tributário. Vol. I,

São Paulo: Noeses, 2011.

_______. Direito Tributário, Linguagem e Método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2011.

_______. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência.8.ed.Saraiva, São

Paulo, 2010.

_______. Teoria da Norma Tributária. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 2002.

_______. Curso de direito Tributário. 20. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

CASTANHEIRA NEVEZ, Antonio. Metodologia jurídica. Problemas fundamentais.

Coimbra: Coimbra editores, 1993.

CINTRA, Antonio Carlos Araújo. Motivo e motivação do ato administrativo. São

Paulo, Revista dos Tribunais, 1979..

CINTRA, Carlos César Sousa. A denúncia espontânea no direito tributário brasileiro.

Dissertação de Mestrado (PUC/SP), 2000.

CLAUS, Wilhelm Canaris. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência

do Direito. Introdução e tradução: A Menezes Cordeiro, 3ª ed. Fundação Calouste

Gulbenkian, Lisboa, 2002. Tradução do original alemão: CLAUS - WILHELM

Page 290: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

290

CANARIS. SYSTEMDENKEN UND SYSTEMBEGRIFF IN DER JURISPRUDENZ. 2

Auflage, 1983. Duncker und Humblot, Berlim.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 12ª ed.

Forense, Rio de Janeiro, 2012.

_______. Curso de direito tributário, 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

CORRÊA, Antonio. Dos crimes contra a ordem tributária. 2. ed. São Paulo: Saraiva,

1996.

COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. 2ªed. Saraiva, 2012.

DARZÉ, Andréa M. Darzé. Responsabilidade Tributária: solidariedade e

subsidiariedade. São Paulo: Noeses, 2010.

DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 18ª Edição, Atualizadores: Nagib

Slaibi filho e Geraldo Magela Alves.

DECOMAIN, Pedro Roberto. Crimes Contra a Ordem Tributária. 4. Ed. Belo

Horizonte: Fórum, 2008.

DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo. São

Paulo: RT, 2007.

_______. Modificações da jurisprudência no direito tributário. São Paulo: Editora

Noeses, 2009

_______. Legalidade Material, Modo de Pensar ‘Tipificante’ e Praticidade no Direito

Tributário. In: Justiça Tributária, São Paulo, Max Limonad, 1998.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à ciência do Direito. 8ª ed. Atual. São

Paulo: Saraiva, 1995.

_______. As Lacunas no Direito. 8º edição. Saraiva.

EISLE, Andréas. Crimes contra a ordem tributária. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2002.

ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Trad. De Joao Baptista Machado.

Lisboa, Calouste Gulbenkian, 1983.

FARIA Junior, César de. O processo administrativo fiscal e as condições da ação penal

nos crimes tributários. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. São

Paulo: Noeses, 2009.

Page 291: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

291

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito, 5ª ed., ed. Atlas,

São Paulo, 2007.

_______. Teoria da Norma Jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

_______. Estudos de Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2009.

FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.

FERREIRA, Roberval Rocha Filho. Direito Tributário. Salvador: Podivm, 2007.

FLUSSER, Vilém. Vilém Flusser e Juristas: comemoração dos 25 anos do grupo de

estudos de Paulo de Barros Carvalho. Coord. Florence Haret e Jerson Carneiro. São

Paulo: Noeses, 2009.

_______. Língua e Realidade. São Paulo: Annablume, 2007.

GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária - Fundamentos para uma Teoria da

Nulidade. São Paulo: Noeses.

GIMBERNAT Ordeig, Enrique. Conceito e Método da Ciência do Direito Penal;

tradução: José Carlos Gobbis Pagliuca; revisão da tradução: Luiz Flávio Gomes. Título

original: Concepto y Método de La ciência Del derecho penal. São Paulo: Tribunais,

2002 (série as ciências criminais no século XXI; v. 9)

GOMES, Luiz Flávio. Requisitos da tipicidade penal consoante a teoria

constitucionalista do delito. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 950, 8 fev. 2006.

Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7932>. Acesso em: 05

ago. 2010

GONÇALVES, Bruno César da Silva. Da prova no processo penal: lineamentos

teóricos. em Revista electrónica Derecho Penal Online [en línea]. Disponible en:

<http://www.derechopenalonline.com>. Acesso em: 18 ago. 2010

GRAU, Eros Roberto. Equidade, Razoabilidade e Proporcionalidade. In: Revista do

Advogado, São Paulo. Associação dos Advogados de São Paulo, nº 78, set. 2004.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal, parte especial, 7. ed. Rio de Janeiro, RJ:

Impetus, 2010. v. 2.

GRECO, Vincente Filho. Teoria Geral da Prova. Disponível em:

<http://www.leonildocorrea.adv.br/curso/greco4.htm> Acesso em: 30 de agosto de

2010.

GRINOVER, Ada Pellegrini. As condições da ação penal. Revista Brasileira de

Ciências Criminais. nº 69 nov-dez 2007. Ano 15

Page 292: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

292

_______. Das fontes às normas. Trad. Edson Bini. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

GUASTINI, Ricardo. Das Fontes às Normas. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 16. Ed. São Paulo: Atlas, 2007.

HARET, Florence. As presunções e a linguagem prescritiva do direito, Revista de

Direito Tributário, v. 97, São Paulo, Malheiros , 2007.

HART, Herbert L. A.. O Conceito de Direito. 3ed. Lisboa: Fundação Calouste

Gulbenkian, 2001.

_______. Distinguiendo: estudios de teoría y metateoría del derecho. Barcelona:

Gedisa, 1999.

HEGEL, G.W.F. Princípios da Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. Madrid: Centro de Estúdios

Constitucionales, 1983.

HOBBES, Thomas. Leviatã. Tradução de Joao Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza

da Silva. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

HOFMANN, Susy Gomes. Teoria da prova no direito tributário. Teses de Doutorado,

PUC, São Paulo, 1998.

HOLTHAUSEN, Fábio Zabot. Prova judicial: conceito, origem, objeto, finalidade e

destinatário. Disponível em

<http://www.abdir.com.br/doutrina/ver.asp?art_id=&categoria= Processual Civil >

Acesso em :18 de agosto de 2010

HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro, vol. I tomo 2º,

Edicao Revista Forense, 1953

IVO, Gabriel. Norma Jurídica produção e controle. São Paulo, Noeses, 2006.

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. Parte especial. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

V. 2.

JHERING, Rudolf vn. A Evolução do Direito. 1953

KELSEN, Hans Teoria geral das normas. Porto Alegre: Fabris, 1986.

_______. Teoria geral do direito e do estado. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

_______. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

Page 293: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

293

_______. O problema da justiça. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

KELSEN, Hans; BULYGIN, Eugenio; WALTER, Robert. Validez y eficácia del

derecho. Buenos Aires: Astrea, 2005.

LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Trad. José Lamego. Lisboa,

Calouste Gulbenkian, 1997.

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo - Primeiros estudos. 5. ed., rev. e

ampl. São Paulo: Thomson-IOB, 2004.

LINS, Robson Maia Notas sobre a reiteração e as normas jurídicas tributárias

sancionatórias. In VIII Congresso Nacional de Estudos Tributários. Vários autores,

coord. Priscila de Souza. São Paulo: Noeses, 2011.

_______. “A reiteração e as normas jurídicas tributárias sancionatórias – A multa

qualificada da Lei 9.430/96”. In: VII Congresso Nacional de Estudos Tributários:

Direito Tributário e os Conceitos de Direito Privado. São Paulo: Noeses, 2010.

_______. Controle de Constitucionalidade da Norma Tributária - decadência e

prescrição. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

LOVATTO, Alécio Adão. Crimes tributários e aspectos criminais e processuais. 2. ed.

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

LUCENA, Socorro; BRITO, Adjalmira (orgs). Regras de metodologia para trabalhos

na graduação. João Pessoa: UNIPÊ, 2010.

LUHMANN, Niklas, El derecho de la sociedade. Guadalajara, trad. Javier Torres

Nafarrate, 2000.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia científica. 4.ed.

São Paulo: Atlas, 2004

MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinhas:

Bookseller, 1991, v. 1

MARQUES, Márcio Severo. Infrações e Crimes Contra a Ordem Tributária. In VII

Congresso Nacional de Estudos Tributários. Vários autores, coord. Priscila de Souza.

São Paulo: Noeses, 2010.

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Da sanção tributária. 2. Ed. São Paulo: Sairaiva,

1998.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, ed. Forense, Rio de

Janeiro, 1998.

Page 294: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

294

MAZZOTTI, Alda Judith Alves e GEWANDSZNAJDER, Fernando. O Método nas

Ciências Naturais e Sociais. 2ª ed., editora Pioneira, São Paulo, 2000.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: RT, 1996.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 14a ed., RT.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28ª Ed. São

Paulo: Malheiros, 2012.

MELO, José Eduardo Soares de. A Coexistência dos Processos Administrativo e

Judicial Tributário. In: Processo Administrativo Fiscal, vol. 2º, São Paulo, Dialética,

1999.

MENDES, Gilmar Ferreira. A Proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal. In: Repertório IOB de Jurisprudência, nº 23/94, p. 475.

MERIOLLI, Guilherme. Fundamentos Críticos de Direito Penal. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2010. BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de

outubro de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-

lei/del3689.htm>, Acesso em: 12 set. 2010

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito penal. São Paulo: Atlas, 26. Ed 2010.

Vol. I

MIRANDA, Pontes de. Sistema de Ciência Positiva do Direito. 4 Tomos. Campinas,

Bookseller, 2000.

_______. Tratado de Direito Privado. Parte Geral – Tomo I. Introdução. Pessoas

Físicas e Jurídicas. Rio de Janeiro. Editor Borsoi. 1954.

MOUSSALLEM, Tárek Moysés. A revogação em matéria tributária. 2ª ed. São Paulo:

Noeses, 2011.

_______. Fontes do direito tributário. 2. ed. São Paulo, Noeses, 2006.

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal. 10.ª ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 14ª edição. Ed. Saraiva, 1995.

_______. Teoria do Lançamento Tributário. São Paulo, Saraiva, 1965.

NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. Vol. 3

NUCCI, Guilherme de Souza. Direito Penal - Parte Geral. Vol. 1. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2012.

Page 295: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

295

PACHECO, Angela Maria da Motta. Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias.

São Paulo: Max Limonad, 1997.

PAULSEN, Leandro. Direito Tributário Constituição e Código Tributário Nacional à

luz da doutrina e da jurisprudência, 15ª ed., livraria do Advogado Editora, 2013.

PERELMAN, Chaïm. Tratado da Argumentação - A Nova Retórica. São Paulo: Martins

Fontes, 1999.

PÉREZ, Antonio Aparicio. El delito fiscal. Editorial Tecnos, Madrid, 1992

PIERCE, Charles Sanders. Semiótica. Trad. José Teixeira Coelho Neto. São Paulo,

Perspectiva, 1990.

PINHO, Alessandra Gondim. Fato jurídico tributário. São Paulo: Max Limonad, 2001.

PRADO, Luiz Reges. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. 3. Ed. São Paulo:

RT, 2002. V. I

PUPPE, Ingeborg. A distinção entre Dolo e Culpa; tradução, introdução e notas: Luís

Greco. Barueri, SP: Manole, 2004.

REALE, Miguel. Cinco Temas do Culturalismo. São Paulo: Saraiva, 2000.

RIBAS, Lídia Maria Lopes Rodrigues. Questões relevantes de direito penal tributário.

São Paulo: Malheiros, 1997.

ROSS, Alf. Sobre o direito e justiça, 2000.

ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de Direito Penal. 2ª Ed. Universidade Direito

e Ciência Jurídica Veja. Lisboa Portugal. 1993.

_______. Derecho penal: parte general. Madrid: Civitas, 1997

SALGADO, Gisele Mascarelli. "Sanção na Teoria do Direito de Norberto Bobbio".

Editora Jurua, São Paulo, 2010

SANTI, Eurico Marcos Diniz. Decadência e Prescrição. São Paulo, Max Limonad,

1999.

_______. Lançamento tributário. São Paulo, Max Limonad, 1999.

SANTOS, José Manuel (Org.). O Pensamento de Niklas Luhmann. Lusosofia, 2005.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. Trad. Antonio Chelini, José

Paulo Paes e Isidoro Blikstein. São Paulo, Cultrix, 1991.

Page 296: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

296

SCAVINO, Dardo. Lafilosofia actual: pensar sin certezas. Buenos Aires, Paidos, 1999.

SEARLE, John R. Mente, Linguagem e Sociedade. Filosofia no mundo real. Rio de

Janeiro: Rocco, 2000. Tradução de F. Rangel.

SICA, Leonardo. Causalidade e elemento subjetivo nos crimes tributários. Revista do

Instituto dos Advogados de São Paulo, nº 08, julho-dezembro de 2001. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2001.

SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. Rio de Janeiro,

Financeiras, 1952.

OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da Improbidade Administrativa, 3ª Ed., 2013.

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 10. ed.

2012.

TELES. Galderise Fernandes. Planejamento Tributário e Normas Antielisivas: Uma

Análise a Partir Da Perspectiva De Nosso Sistema Constitucional. Dissertação de

Mestrado, PUC, 2014.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo:Saraiva,

2010.

TOMÉ, Fabiana Del Padre. “Vilém Flusser e o constructivismo lógico-semântico”,

livro Vilém Flusser e Juristas, coord. Florence Haret e Jerson Carneiro, São Paulo:

Noeses, 2009.

_______. A prova no direito tributário. 2. ed. Noeses, São Paulo, 2008.

TORRES, Heleno Taveira. Direito constitucional tributário e segurança jurídica. São

Paulo: Revista dos tribunais, 2011.

TÔRRES, Heleno Taveira. Pena de Perdimento de Bens e Sanções Interventivas em

Matéria Tributária. RET nº 57/22, set-out/07

VELLOSO, Andrei Pitten. A Pregiudiziale Tributaria: Análise da jurisprudência

brasileira à luz das experiências italiana e espanhola. Revista Jurídica, ano 57, em

outubro de 2009, nº384. Notadez. Diretores: Marco Antonio C. Paixão e Luiz Antonio

Duarte Aiquel

VERNENGO, José Roberto. Curso de Teoria General del Derecho. 2ª Edição, Buenos

Aires, Ediciones Depalma, 1988.

VIEIRA, Maria Leonor Leite. A suspensão da exigibilidade do Crédito Tributário.

Dialética, 1997

Page 297: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Leocadio... · Lourival Vilanova . 7 RESUMO O grande objetivo é investigar a incidência da norma sancionatória dentro dos

297

VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São

Paulo: Max Limonad, 1997.

_______. Causalidade e relação no direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2000.

_______. Escritos jurídicos e filosóficos. Editora AXIS MVNDI, 2003.

_______. Lógica Jurídica. São Paulo: Bushatsky, 1976.

VON LISZT, Franz. Tratado de Direito Penal Alemão. Vol. 1. Rio de Janeiro: F.

Briguiet & C. Editores, 1899

WAGNER, José Carlos Graça. apud: MARTINS, Ives Gandra da Silva, Da Sanção

Tributária, São Paulo, 1980.

WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito I. Porto Alegre, Fabris, 1994.

WESSELS, Johannes. Direito Penal. Sérgio Antônio Fabbris Editor. Porto Alegre.

Trad. Juarez Tavares. 1976

WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus logico-philosophicus. São Paulo: Edusp, 2001.

WRIGHT, Georg Henrik Von. Norma y acción: una investigación lógica. Trad.

Española de Pedro Garcia Ferrero. Madrid: Tecnos, 1970.

ZAFARONI, Eugenio Raul. Direito Penal Brasileiro: teoria geral do direito penal. 2.

Ed. Rio de Janeiro: Renavan, 2003, v. 1

_______. Em busca das penas perdidas, Rio de Janeiro: Revan, 1991, tradução Vania

Romano Pedrosa e Almir Lopes Conceição.